106
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Mônica Aparecida de Macedo Golba A INDISCIPLINA ESCOLAR NA PERSPECTIVA DE ALUNOS CURITIBA 2008

Indisciplina Na Perspectiva Dos Alunos

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Dissertação sobre a relação da indisciplina na perspectiva dos estudantes.

Citation preview

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARAN Mnica Aparecida de Macedo Golba A INDISCIPLINA ESCOLAR NA PERSPECTIVA DE ALUNOS CURITIBA 2008 2Mnica Aparecida de Macedo Golba A INDISCIPLINA ESCOLAR NA PERSPECTIVA DE ALUNOS Dissertaoapresentadacomorequisitoparcialobteno dograudeMestreemEducao,UniversidadeTuiutido Paran,ProgramadePs-Graduao-Mestradoem Educao. Orientador: Prof. Dr. Joe Garcia CURITIBA 2008 3 A INDISCIPLINA ESCOLAR NA PERSPECTIVA DE ALUNOS CURITIBA 20084 TERMO DE APROVAO Mnica Aparecida de Macedo Golba A INDISCIPLINA ESCOLAR NA PERSPECTIVA DE ALUNOS EstaDissertaofoi julgadaeaprovadaparaaobtenodottulodeMestreemEducaono Programa de Ps-Graduao, Stricto Sensu, Mestrado em Educao, da Universidade Tuiuti do Paran. Curitiba, 31 de maro de 2008. Prof. Dr. Naura Syria Carapeto Ferreira Coordenadora do Programa de Ps-Graduao Stricto Sensu Mestrado em Educao da Universidade Tuiuti do Paran Orientador:Prof. Dr. Joe Garcia (Presidente) Universidade Tuiuti do Paran Prof. Dr. Maria Lourdes Gisi Pontifcia Universidade Catlica do Paran Prof. Dr. Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo Universidade Tuiuti do Paran

5

spessoasquecompartilharamcomigoas emoesvividasdurantearealizaodeste trabalho:Camila,minhafilha;Richard,meu marido e Rose, amiga-irm. 6 AGRADECIMENTOS A Deus, pois Tudo posso Naquele que me fortalece. (Fil, 4:13) AoProf.Dr.JoeGarcia,meuorientador,portercompartilhado,compacinciae dedicao, seus conhecimentos. Aos professores do Mestrado pelo apoio e incentivo. A Prof. Dra. Maria Lourdes Gisi e Prof. Dr. Iolanda Bueno de Camargo Cortelazzo pelas significativas contribuies. Aos colegas do Mestrado, pela profcua convivncia. Aoscolegas,mestresindisciplinados,Anderlia,Clovis,IngrideRenatopela cumplicidade, companheirismo e amizade. Aos alunos, sujeitos da pesquisa, pela disponibilidade e colaborao. A direo, equipe pedaggica, professores e funcionrios da escola onde ocorreu o trabalho de campo, pelas contribuies. E de maneira muitssimo especial, agradeo: A meus pais, Marilia e Renato, pelo amor e amparo. Aos meus irmos, Junior e Guto, esposas e filhos, pela convivncia e incentivo. 7 RESUMO Estadissertaoapresentaumainvestigaoqualitativasobreindisciplinaescolar,na perspectiva de um grupo de alunos, da oitava srie, do Ensino Fundamental, de umaescoladaRedePblicaEstadual,situadanomunicpiodeCndido deAbreu, EstadodoParan.Osestudossobreaindisciplina,naperspectivadealunos,representamumavertentefundamentalaserexplorada,bemcomoumavano necessrio na pesquisa do tema. Na composio do referencial terico, analisamos uma variedade de entendimentos conceituais sobre indisciplina escolar, destacando aperspectivadealunos.Percorremostextosdepesquisas,realizadastantopor tericosbrasileirosquantoportericosportugueses,considerandonosas distines culturais, mas tambm a similaridade entre aqueles contextos escolares e oqueapresentamosaqui.Emcomplementofundamentaoterica,realizamosinvestigaodecampo,recorrendoaomtododepesquisadotipoetnogrfico.Ao longo da etapa de levantamento de dados, realizamos observaes do cotidiano de saladeaula,naescolaindicada,dilogoscomprofessores,eentrevistascomo grupo de alunos, selecionados atravs de estratgia de amostragem intencional, por variaomxima.Entreosresultadosobtidos,destacamosaperspectiva,entreos alunos, de que a indisciplina escolar seria expresso legtima, e que os significados atribudosaelaseriamdenaturezapedaggica.Haveria,pois,umaindisciplina legtima,diantedeprticasinadequadas.Almdisso,osalunosentrevistados atribuemsentidosdistintosindisciplina,emfunodoespaoondeocorre.Em sala,aindisciplinateriaosentidodeinterromperoprocessoaulaedeafrontaro professor, sinalizando a necessidade de se repensar o processo. A indisciplina fora dasaladeaularefletiriaconflitosedisputasentrealunoseturmas,assumindoo sentido de romper com a ordem e de gerar conflitos. Finalmente, observamos que a perspectivadosalunossobreindisciplinaapresentadistinesemrelao perspectiva dos professores. Enquanto estes tendem a relacionar a indisciplina mais ssuascausas,aquelesatribuemtambmsentidosindisciplina,relacionados fragilidade das prticas pedaggicas, exercidas pelos professores. Palavras-chave: Educao, Prticas Pedaggicas, Indisciplina Escolar, Perspectiva de Alunos 8 ABSTRACT Thisdissertationpresentsaqualitativeinvestigationofschoolindisciplinefromthe perspectiveofagroupof8thgradestudents,fromathepublicschoollocatedin CndidodeAbreu,intheStateofParan.Studiesonindisciplinefromthe perspectiveofstudents,presentafundamentalhorizontobeexplored,anda necessaryadvancementforunderstandingthistheme.Asatheoreticalframeof reference,weanalyzedasetofconceptualunderstandingsofschoolindiscipline, emphasizing the perspective of the students. We explored texts from studies carried out by Brazilian and Portuguese theorists, recognizing the cultural differences, while also highlighting the similarities between the school contexts of those studies and the contextoftheinvestigationpresentedhere.Tocomplementthetheoretical groundwork,wecarriedoutafieldinvestigation,usinganethnographicresearch method.Throughoutthedatagatheringstageweobservedthedailylifeinthe classroom through dialogueswithteachers andinterviewswithagroupofstudents, selected through an intentional sampling strategy for maximum variation. One of the importantfindingswasthenotionamongstudentsthatschoolindisciplineisa legitimate expression, whose significance is of an educational nature. Thus legitimate indisciplineexistswhentheteachingpracticesareinadequate.Furthermore,the studentsinterviewedattributeddifferentmeaningstoindiscipline,dependingonthe space where it occurs. In the classroom, indiscipline is more the result of interrupting theclassprocessandprovokingtheteacher,signalingtheneedtorethinkthe process.Indisciplineoutsidetheclassroomismoreareflectionofconflictsand disputes among students and groups, taking on the meaning of disrupting order and generatingconflicts.Finally,weobservedthatthestudentsperspectiveof indisciplineisdifferentfromthatoftheteachers.Whilethelattertendtorelate indiscipline mainly to its causes, the former also attribute meaning to it, associated to the fragility of the teaching practices. KeyWords:Education,TeachingPractices,SchoolIndiscipline,Students Perspective. 9 SUMRIO 1 INTRODUO.......................................................................................................... 10 2 INDISCIPLINA ESCOLAR........................................................................................ 17 2.1 ESCOLA, ALUNO E INDISCIPLINA .....................................................................18 2.2 O CONCEITO DE INDISCIPLINA ESCOLAR .......................................................29 2.3.A INDISCIPLINA ESCOLAR NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS......................... 40 3 A INVESTIGAO EMPRICA................................................................................. 52 3.1 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO DE CAMPO............................................57 3.1.1 Caracterizao e contexto onde ocorreu o trabalho de campo..........................58 3.1.2 A Coleta de Dados.............................................................................................65 3.1.3 Os Alunos que se Destacaram...........................................................................66 3.1.4 Os Melhores Informantes....................................................................................68 3.2 A INDISCIPLINA NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS............................................ 69 3.2.1 Perspectiva do Aluno A.......................................................................................70 3.2.2. Perspectiva do Aluno B......................................................................................79 3.2.3. Perspectiva do Aluno C......................................................................................84 4 CONSIDERAES FINAIS...................................................................................... 90 REFERNCIAS............................................................................................................ 96 APNDICES................................................................................................................ 101 10 1 INTRODUO Estadissertaoapresentaumainvestigaosobreindisciplinaescolarna perspectiva de um grupo de alunos. O nosso interesse em estudar indisciplina escolar surgiuapartirdenossaprticaprofissional,comoprofessorapedagoga,emuma escoladeEnsinoFundamentaldaRedeEstadualdeEnsinonoParan.Os professoresnosprocuravam,buscandoauxlio,emquestesrelacionadas indisciplina na sala de aula e na escola. Por diversas vezes, encontramos professores angustiados, sempre em busca das causas das expresses de indisciplina dos alunos edaspossveissolues.Denossaparte,procurvamosauxili-los;faltava-nos, porm, subsdios, principalmente tericos, para dar conta de suas expectativas. No foi difcil perceber que os eventos envolvendo expresses de indisciplina na escola se repetiam, e que ficvamos apenas realizando aes de interveno, o que resultava emangstia,insatisfaoenasensaodequenossotrabalhoestavasendoem vo. Aexperinciajuntoquelesprofessoresnosalertouparaofatodequeeles, assimcomons,notnhamosclarezaquantoaossignificadosquepodemestar atrelados s expresses de indisciplina na escola. Para eles, a indisciplina refera-se apenas aos alunos; j os alunos queixam-se da atuao dos professores, em sala de aula,edeoutrassituaes,comoporexemplo,dograndenmerodeprofessores quefaltamsaulas,obrigando-osaficarcomaulavaga,semteremprofessor substitutoouatividadequepossamdesenvolvernaquelemomento,favorecendoa ociosidade e as expresses de indisciplina.11Assim,natentativadediminuiraincidnciadeaulasvagasnaescola, iniciamosumcontatomaisprximoefreqentecomosalunos.Passamosaestar maisemsaladeaula,propondo-lhesrealizarematividadesalternativas,enquanto aguardavam a aula seguinte. Estabeleceu-se ento um dilogo muito produtivo, entre ns, com troca de idias e de sugestes. Assim, atravs do convvio mais prximo e freqente,assumimosacondiodaquelaquecuidadosalunos.Refletindo,pois, sobrequecondiesosalunospermanecemnaescola,sobrecomoosprofessores percebemseusalunos,masprincipalmentecomoosalunospercebemosseus professoreseaescola,compreendemosqueaindisciplinanoselimitaapenasao momentoemqueocorre.Emmeioexperincia,umaquestonoschamoua ateno em particular. Ao ouvir os alunos, percebemos que eles tambm tinham uma perspectivasobreaindisciplinaescolar,queprecisaserinvestigada,pois importanteparaoavanodacompreensodosprocessosedasintencionalidades. Alm disso, percebemos que os alunos eram capazes de significar as expresses de indisciplina.Estadissertaoapresentacontribuiesaodebatecientficosobre indisciplina escolar, analisando a indisciplina, na perspectiva de alunos, e fornecendo elementosaoseducadores,paraampliaremsuaspercepescomrelao indisciplina escolar. Assim sendo, esta pesquisa se constitui numa fonte de referncia paraprofissionaisdaEducao,interessadosnarevisodeprticaspedaggicas, relativas s questes de indisciplina na escola. Umadasfontesdemotivaoparaestapesquisaresideemnossaprtica profissional, pois do nosso contato com os alunos, aps diversos anos, ficou explcito o carter complexo de como, para eles, configura-se a indisciplina na escola. Assim, 12ao longo da pesquisa, revisitamos nossas prprias concepes, aprendendo, com os alunos, outras formas de olhar a indisciplina. Esta pesquisa teve por objetivo analisar a perspectiva de um grupo de alunos da oitava srie, do Ensino Fundamental, de uma escola da Rede Pblica Estadual, na cidade de Cndido de Abreu, Paran, sobre indisciplina escolar.Neste ponto, importante, esclarecer o conceito de perspectiva. Buscando sua origem,encontramosapalavralatinaperspectivus,quederivadedoisverbos: perspecto,quesignificaolharatofim,examinaratentamente;eperspcio,que significaolharatravs,verbem,olharatentamente,examinarcomcuidado, reconhecerclaramente(PERSPECTIVA,1967, p. 737).Constatamos, portanto,que apalavraperspectivaricaemsignificaes.NocampodaFilosofia,perspectiva seriaumaantecipaoqualquerdofuturo:projeto,esperana,umideal,iluso, utopia(PERSPECTIVA,2007,p.810).Nalnguafrancesa,perspectivasignifica olhar atravs, maneira de ver, ponto de vista e trabalhar em perspectiva consiste na maneira de produzir efeito em uma profundidade mais vasta (PERSPECTIVA, 1999, p.857).Finalmente,paraGadotti(2000),perspectivaalgoquepodesercaptado, capturado, sistematizado e colocado em evidncia.Uma forma de compreender a noo de perspectiva reside em relacion-la s experinciasdevidadeumapessoa.Nestapesquisa,perspectivaincluiaspectos significativos do que os alunos trazem consigo das experincias com as situaes de indisciplinanaescola,oentendimentodelessobreoqueindisciplina,assuas causas,ospossveisencaminhamentos,quemestenvolvido,ossignificadoseas intencionalidadesqueenvolvemasexpressesdeindisciplina.Assim,atotalidade dessas variveis constitui ento a perspectiva sobre a indisciplina escolar. 13Paraatingiroobjetivopropostonestapesquisa,desenvolv-mo-laemdois momentos: pesquisa terica e pesquisa emprica. Nomomentodapesquisaterica,recorremosliteratura,buscandotericos que pudessem nos auxiliar a conhecer e a compreender esse fenmeno, complexo e revelador;foi,porm,duranteapesquisaemprica,quemelhorosaproximamosdo olhar dos alunos. Nocaptuloinicialpropomosbrevereflexosobreaescola,contextoonde situamosaindisciplina,buscandodesvelarseussentidos.Ali,enquantoampliamos nossa compreenso sobre a escola, buscamos tambm avanar nossa compreenso sobreaindisciplina.E,aoavanarmosnossoolharsobreaindisciplina,tambm estaremos repensando a escola que temos, bem como a escola que queremos. Ainda nesse item, consideramos, sucintamente, como o desenvolvimento do aluno e a sua formao integral passaram a ser prioridades no cotidiano escolar.Nosegundoitemdocaptuloum,apresentamosumavariedadede entendimentosconceituaissobreindisciplinaescolar.Exploramosautores,como Jesus (2001), Rego (1996), Roure (2001), Passos (1996) Fortuna (2002), que tratam a indisciplina como algo inerente ao comportamento do aluno. Tambm recorremos a Carita e Fernandes (1997), Amado (2001) e Estrela (1992) que entendem indisciplina como algo originado na relao professor-aluno. Um terceiro entendimento conceitual encontramosemGarcia(2005),queconcebeaindisciplinacomoalgosocialmente construdo na escola, e ainda como fenmeno de aprendizagem (Garcia, 1999).Finalizando o captulo, apresentamos pesquisas sobre a indisciplina escolar na perspectivadealunos.Paraisso,exploramosaspesquisasdeFreller(2001),de Oliveira, (2002), de Nakayama, (1996), de Caeiro e Delgado (2005), de Curto (1998), deNunes(2000),deSilvaedeNeves(2004)eAmado(2001),queinvestigaram 14alunosdaEducaoBsica,paraconhecersuasperspectivassobreindisciplina escolar.No segundo captulo, apresentamos o trabalho de campo. Para desenvolv-lo, recorremospesquisadotipoetnogrfico.Entendemosqueoobjetoaser investigadoaindisciplinaescolarnaperspectivadeumgrupodealunos,requer umainvestigaoqueapresentaascaractersticasdessemtodo.Asprincipais caractersticasdessemtodo,segundoAndr(1998),so:opesquisadoro instrumentoprincipalnacoletadedadosenaanlisedeles;d-senfaseao processo; preocupa-secom osignificadodoseventos; necessariamente envolveum trabalhodecampo,nohavendo,porm,apretensodemudaroambiente;as pessoas, as situaes, e os eventos so observados em sua manifestao natural. EscolhemosumaescoladoEnsinoFundamental,daRedePblicadeEnsino para realizar o trabalho de campo. O nome da escola, assim como a identidade dos alunos, sujeitos desta pesquisa, foram preservados a pedido da direo. Trata-se da escolaondetrabalhamos,sendoqueessefatoveioaoencontrodealgoqueo mtodo de pesquisa utilizado solicita, a aproximao do pesquisador com o objeto a serpesquisado,mantendo,comele,contatoprolongado.Entretanto,naetapade anlisedosdadosfoinecessriovivenciarmosaquiloqueAndr(1998,p.48) denominoudeestranhamento,ouseja,paraquepudssemosanalisarosdados tivemos que esquecer nossa posio na escola e fazer daquilo que nos rotineiro e peculiar algo novo. DentrodouniversodeeducandosdoEnsinoFundamental,escolhemos investigar a perspectiva de alunos da oitava srie, considerando sua maior vivncia e envolvimentocomaculturadaescola.Almdisso,consideramostaissujeitosos melhoresrespondentesaperguntassobreaculturadoalunado,oqueostorna 15informantesdestacadosquantos experinciasdosalunosnoEnsinoFundamental, particularmente em relao s situaes de indisciplina escolar. Nocaminhopercorridoparachegaraosnossosmelhoresinformantes, utilizamoscomoinstrumentosdecoletadedados,aobservaoeaentrevista.As observaesaconteceramnassalasdeaula,principalmente.Vezououtra,as observaes aconteceram em espao diferenciado, sendo que, durante o perodo em queobservvamososalunos,algunsdelesdestacaram-seaonossoolhar, principalmenteporsuasexpressesdeindisciplina.Foramdezoitoalunosquese destacaram,passandoacomporaamostrainicial.Aessegrupo,aplicamosum questionrio;ressaltandoqueelefoiummeioqueutilizamosparanosaproximar, ainda mais dos alunos, e para traar perfis para a escolha dos melhores informantes. Almdisso,oquestionriofoitilparatestarmosasperguntasqueiriamcomporo roteiro de entrevista. Como critrio de seleo dos dezoito alunos, que compem a amostra inicial, utilizamosacategoriadoprocesso-auladeAmado(2001),quedistingueas expresses de indisciplina em dois momentos: aquelas que impedem ou inviabilizam o processo aula, e as que interrompem o processo aula.Aseleodaamostrafoiintencional,seguindoocritrio devariao mxima, talcomoapresentadoporPatton(1990,p.169).Comomelhoresinformantesda pesquisaforamselecionadostrsalunos,quedenominadosde:AlunoA,AlunoBe AlunoC. Asobservaesdesala de aula, dilogoscomprofessores,manifestaes verbais e expresses de indisciplina, bem como o contedo das respostas dos alunos s questes apresentadas pelo questionrio, nos auxiliaram a selecionar os melhores informantes.16Acoletadedadosocorreuentreosmesesdejunhoesetembrode2007e durante toda essa fase fomos registrando na forma de notas de campo, descries de situaes,dilogosinformaisentrenseosalunosedepoimentos.Asentrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas na ntegra. Osdadosdapesquisaforamapresentadosemtrssees.Primeiramente, apresentamosaindisciplinaescolarnaperspectivadoAlunoA,seguidoda perspectivadoAlunoBefinalmente,aperspectivadoAlunoC.Aofinal, apresentamos algumas consideraes acerca do trabalho desenvolvido.Na seqncia, apresentamos o captulo que versa sobre a indisciplina escolar, construdo em trs sees. A primeira seo apresenta breve reflexo sobre a escola, jquenessecontextoqueapesquisasedesenvolve.Alitambmapresentamos algumasconsideraessobrecomoodesenvolvimentodoalunoesuaformao integralpassaramaserprioridadenocotidianoescolar,passandopelavisodos alunossobreescola,masdestacando,defato,suasperspectivassobreindisciplina escolar.Asegundaseoapresentaumavariedadedeentendimentossobre indisciplina escolar. Finalizando o captulo, apresentamos um conjunto de pesquisas sobre a indisciplina escolar que analisaram a perspectiva dos alunos. 172 INDISCIPLINA ESCOLAR Nopresentecaptulofazemosumarevisodeliteraturasobreotema indisciplinaescolar,comnfasenosestudossobaperspectivadealunos.A indisciplinaescolarpossuicartercomplexo,eporisso,buscamostericosque contribussem com reflexes pertinentes. Muitoemboraofenmenodeindisciplinanoestejarestritoaocontexto escolar, pois tambm ocorre em outros contextos sociais, nossa investigao refere-separticularmentenoodeindisciplinaescolar.Paracompreendermosa indisciplina, dentro da escola, e sobretudo, na perspectiva dos alunos, consideramos importante refletir, brevemente, sobre alguns aspectos relevantes desse contexto.Construmos o horizonte terico sobre indisciplina escolar privilegiando autores brasileiros e portugueses. Apesar de haver uma certa distncia cultural entre os dois paises,osautorespornsreferenciados,desenvolveramestudosemcontextos similares, sobretudo no que se refere a idade e nvel de escolaridade dos alunos. Primeiramenterefletindosobreaescola.eemseguida,apresentamos sucintamente, como o desenvolvimento do aluno e a sua formao integral passaram aserprioridadesnocotidianoescolar,salientandoaimportnciadeconsiderara perspectiva dos alunos sobre a escola, principalmente, quanto indisciplina escolar. Nosegundoitemdestecaptulo,apresentamosalgunsentendimentos conceituais sobre indisciplina escolar. E, em terceiro lugar apresentamos um conjunto depesquisassobreaindisciplinaescolar,desenvolvidasporautoresbrasileirose portugueses que consideraram a perspectiva dos alunos, no intuito de contribuir e de avanar nos estudos sobre o tema. 182.1 ESCOLA, ALUNO E INDISCIPLINA Aimportnciaemdedicarmospartedesteestudoreflexosobreaescola estnofatodequeali,segundoGarcia(2005),queaindisciplinaconstruda, ocorrendo na interao social de seus atores. Alm disso, refletir sobre a escola pode nosauxiliaraconhecermelhorseusatoressociais.Nessecasointeressa-nos conhecermaissobreosalunos,poissoelesqueajudamatecerosentidode indisciplina, presente no contexto escolar. Segundo Rodrigues (1993), com o advento da sociedade moderna, as funes relacionadas Educao, at ento de responsabilidade das famlias, da igreja e da comunidade, foram sendo transferidas para uma instituio criada pela sociedade a escola. Foi o desenvolvimento histrico da humanidade que fez surgiu a necessidade de se criar e de se manter essa instituio especializada em fornecer s pessoas as informaes mnimas e a preparao adequada vida social. Antesdeseconstituirassociedadesmodernas,osindivduoscomumentese preparavamparaoexercciodeumaprofissonoseiodesuafamlia,osmeninos herdavamaprofissodopai,easmeninaserampreparadasparadesempenharo papelprpriodasmulheresdapoca,cuidardacasaedosmembrosdafamlia.A comunidadeondeafamliaestavainseridatinhaaresponsabilidadedetransmitir valores ticos e permanentes aos seus membros, sendo que a igreja encarregava-se daeducaomoraldascrianas,esperando,comisso,queelassecomportassem conforme as crenas sociais e as regras morais da poca.Rodrigues (1993, p. 53), com relao necessidade da escola afirma que: [...] a exigncia da escola se incorpora hodiernamente vida de todo cidado. No h como a sociedade preparar os indivduos para a vida socialepoltica,paraaincorporaodosvaloresmoraiseculturais, 19paraaaquisiodeumaprofissoadequadasnecessidadesde sobrevivncia e bem-estar, de modo isolado ou informal, seja no seio da famlia, seja no de pequenos grupos comunitrios, por exemplo. Podemosdepreenderento,queaescolaveioparasuprirnecessidades impostas pela prpria sociedade. Isoladamente ou na informalidade no haveria como prepararosindivduosparaavidaprofissional,socialepoltica.E,destaforma,ela passouaser,segundoRodrigues(1993,p.53),umdireitodetodososindivduose um dever da sociedade. Aolongodasuahistria,aescolavemassumindocadavezmais caractersticas prprias, envolvendo desde aspectos relacionados com a comunidade onde est inserida, com os valores morais e ticos preservados por ela, configurando-senumainstituioondeascondieshistrico-sociaissodeterminantes.Cunha (2001, p. 24) afirma que a escola caracteriza-se como uma instituio cuja realidade, configurao e valores variam de acordo com as condies scio-histricas que a ela esto relacionadas.Quantoaosobjetivosdaescola,Marques(2001,p.30)indicaformarhbitos de aprendizagem, proporcionar os meios para continuar a aprender e cultivar o gosto pelo conhecimento. H que se destacar, tambm, que no contexto de uma sociedade democrtica,osobjetivosdaescoladeveriamestarrelacionadosformaode cidadosemduasdimenses:individualesocial.Adimensoindividual,segundo Paro(2007,p.34),exigequeohomemassuma-secomosujeito-autor,portador autnomo de vontade, constituindo sua cidadania. A dimenso social leva o indivduo aassumiranecessidadedeumaconvivncialivre1entreossujeitosindividuaise coletivos, respeitando, cada um, os seus limites. Assim tambm, Estrela (1992, p. 21) afirma: 1 O autor refere-se liberdade como construo histrica. 20Aformaodocidadoresponsvel,livreeparticipantena comunidadepressupeumaeducaoemdemocracia.[...]que permiteoexercciodaliberdadeedaresponsabilidade.Adisciplina deixadeassentarnacoeroexternaparasetransformarem autocontrolo e autogoverno. A referida autora acrescenta ainda que: Aatribuioderesponsabilidadeeaparticipaonogovernoda escolaaoladodeumapedagogiaactivabaseadanosinteressese respeitandoasleisnaturaisdodesenvolvimentoinfantiltornam-se assimosmeiosprivilegiadosparaaconquistadeautonomiaede autodisciplina (ESTRELA, 1992, p. 21-22). NaperspectivaapresentadaporEstrela(1992)eParo(2007),aescola adotariaumaconcepodedisciplinaquepermiteaosindivduosconstruirsua autodisciplina. A perspectiva parece-nos ser a mais adequada vida numa sociedade democrticaeamaisprodutivaemtermosformativos.Adisciplinapoderia,nessa perspectiva, ser entendida como ideal pedaggico.H,porm,umaperspectivaquediferedessaentendidacomoideal pedaggico.SeriaaqueladestacadaporFoucault(1987).Navisodoautor, disciplinaseriaalgoque:fabricacorpossubmissoseexercitados,corposdceis. (p. 119). Alm disso, a noo de disciplina tambm estaria relacionada a: [...]mtodosquepermitemocontroleminuciosodasoperaesdo corpo,querealizamsujeioconstantedesuasforaselhes impem uma relao de docilidade-utilidade. A disciplina aumenta as foras do corpo (em termos econmicos de utilidade) e diminui essas mesmasforas(emtermospolticosdeobedincia)(FOUCAULT, 1987, p. 118 e 119). 21NaperspectivadeFoucault(1987),adisciplinapoderiasercompreendida como prtica social e como tal, uma tecnologia de controle do corpo e da mente. Essa perspectiva se mostra interessante pela maneira como o autor concebe disciplina. Ele criticaadisciplinacomoprticasocialdecontrole.Aperspectivaapresentadapor Foucault (1987) ajuda-nos a pensar nas formas sutis de disciplinamento de corpos e mentes que a escola adota, por exemplo, atravs do currculo. Destacamos, portanto, queascontribuiestrazidasporesseautorsoimportantesepossibilitam diversificaraperspectivasobreaindisciplinaescolar.Noentanto,nestetextono estaremosrecorrendoleiturasingularapresentadaporFoucault(1987)sobre disciplina,queemboraapresenteumacrticainteressantesprticassociaisde disciplinamentonaescola,noexploraoconceitodeindisciplina,ouseuspossveis sentidos e as implicaes pedaggicas na escola.SegundoRodrigues(1993),oqueseesperadaescolaqueprepare indivduosvidapoltica,social e ao trabalho, desenvolvendosuashabilidades. A escola,paraele,deveserumlugardeproduodenovosconhecimentos, possibilitandoaarticulaodosdiversosinteressesdosvariadossetoresda sociedade (p. 55).Umaspectorelevante,relacionadofunodaescolaedasuaimportncia para a sociedade, reside no fato de que: [...]aescolaoinstrumentoprivilegiadodetransmissodolegado civilizacional. Mas a escola sempre foi, simultaneamente, um espao de conservao e de criao, onde a tradio e a inovao se cruzam edoasmos.Quandoossistemaseducativosconseguemesse cruzamentocomequilbrio,podemosafirmarqueaescolaesta cumprir as suas finalidades [...] a escola o instrumento e o espao queassociedadesculturalmentecomplexasencontrampara proporcionaraeducao.Aescola,ento,uminstrumentode cultura e o professor um agente cultural (MARQUES, 2001, p. 17). 22Ao afirmar que a escola um instrumento de cultura, o autor sinaliza para um aspecto importante, o da construo da cultura escolar, que se vai institucionalizando, medidaquenormas,regulamentaes,interpretaesvosendoincorporadose vivenciados pelos agentes escolares. Assim, a cultura institucionalizada no ambiente escolar, presente na percepo dos seus sujeitos, tais como os alunos, pode fornecer pistas importantes sobre temas relevantes como a indisciplina na escola.ParaEstrela(1992,p.37),ainstituioescolarfoicriadaparatransmitir intencionalmenteosaberconsideradosocialmentetil.E,suaprimeiraeprincipal funo, segundo ela, seria: [...]naturalmenteumafunodetransmissocultural.Comessa funonaturalarticulam-seasoutrasfunesqueaescolapossa desempenhar,porexemplo,[...]a funopolticadepreparaodos cidados para a democracia, a funo econmica de preparao dos trabalhadoresparaomercadodetrabalho,afunosocialde igualizao de oportunidades ou, pelo contrrio, de reproduo social (ESTRELA, 1992, p. 37). Aoingressaremnaescola,osalunos,entrandoemcontatocomacultura prpria dessa instituio, so influenciados por ela e podem influenci-la tambm. No caso da indisciplina escolar, parece-nos que as expresses de indisciplina acontecem na escola, provavelmente por conflitos e ou divergncias entre a cultura do alunado e aculturadainstituio.Apesardeaculturaescolarfazerpartedeumambiente aberto,poisculturahumanaprimeiramente,osalunosresistemaela,tentando impedir o processo, no s o trabalho da escola, como o trabalho da cultura em si.Essa resistncia, tentando impedir no s o trabalho da escola como o trabalho da cultura em si, pode ser entendida como uma forma de indisciplina, tal como sugere Amado (2001). A indisciplina seria ento resistncia. Para ele, a escola passa a ser local de confronto ativo, onde os alunos resistem a valores que se opem aos seus, 23aosdoseugrupo,dandoorigemaumaverdadeiracontracultura(AMADO,2001,p. 133-134).Individualmenteounocoletivo,osalunosresistemaincorporarvalores opostosaosseuseacontraculturaentendidanestecasocomosalvaguardada dignidade do aluno (p. 134). Almdisso,aeducaoqueacontecenasescolassecaracterizacomouma atividadesistemtica,intencionaleorganizada(RODRIGUES,1993,p.62).Para esse autor: [...]aeducaoescolarrepassaaquiloquecorrespondeaherana cultural,polticaeprofissionaldasociedadespessoasqueesto ingressandonouniversosocial.Osabercomqueaescolalida, pois, um saber organizado [...] o saber sistematizado, como parte da heranacultural,nopodeseradquiridoespontaneamente.A transmissoparaoutraspessoastambmsefazdemaneira organizada e sistematizada (p. 62). Quandooautorapresentaa educao escolardaquela forma,estreferindo-se organizao dos contedos e ao mtodo de trabalhar com os contedos. Quanto aosobjetivosdaescola,temos:formarumindivduoconscientedoseupapelde cidado, prepar-loparaotrabalhoepropiciar-lhecontinuidadedoaprendizado fora daescola.Emcomplementoaisso,aescolatemtambm,comoobjetivo, desenvolveroalunonosaspectosmental,moral,emocionalefsico(MARQUES, 2001, p. 37). Alm disso, a Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB n 9394/96), artigo segundo,preconiza,comofinalidadedaEducao,oplenodesenvolvimentodo educando,oseupreparoparaacidadaniaeasuaqualificaoparaotrabalho, cabendo escola implementar os avanos, garantindo que o aluno seja atendido de formaintegral.Oplenodesenvolvimentodoeducandoestariarelacionadoaoseu desenvolvimento cognitivo, devendo ocorrer harmoniosa e progressivamente. Assim, 24aeducao,comoprocessointencional,poderiacontribuirsignificativamentecom esse desenvolvimento. Por outro lado, para prepar-lo para o exerccio da cidadania, aeducaoescolardeveirmaisalmdoqueexplicitaraosalunosqueosmesmos so titulares de direitos e de deveres. A educao escolar, segundo Carneiro (1998, p. 33), parte dos direitos assegurados aos cidados e, ao mesmo tempo, manancial para o seu exerccio. Outra finalidade da Educao a qualificao para o trabalho, quedeveriaserentendidacomoainserodoaprendizadonasformasde produtividadeeondearelaoeducao-trabalhopoderiaserentendida,conforme Carneiro (1998, p. 34), como elemento gerador de dinmica escolar.O desenvolvimento social do aluno e a sua formao integral passaram pois, a ser prioridades no cotidiano escolar, trazendo mudanas relao professor-aluno, e visodoqueescolahoje,edaprprianoodeindisciplina,edesuas implicaes e sentidos. Sabe-sequeaescolaacolhealunosdediferentesorigens,social,cultural, tnica ou econmica, abrigando populao heterognea, sem contar as disparidades cognitivas e afetivas entre o alunado (TARDIF, 2002, p. 129). Apesar disso, segundo Marques (2001, p. 37), a escola deve [...] dar aos alunos as competncias bsicas e aculturageral,comunsatodasasocupaesnassociedadestecnologicamente desenvolvidas.Esoessesalunosque,namedidaemqueavanamemsua escolaridade,constroemsuasperspectivascomrelaoescolaetambmcom relao indisciplina escolar.Abdalla(2004)afirma queosalunosconstroemvisessobreaescola,falam, criticam,deixamtranspareceravontadequepossuem dequea escolaseja melhor, queensinemais,deumjeitomaisagradvel,diferente.Aautoraenfatizaque, quando solicitados a responder pergunta escola diferente, como?, afirmam que ela 25deveserdeoutrojeito,quenorecaianamesmamesmice(p.101).Suasfalas refletemodesejodeseremouvidos,departiciparemnasdecisesenos planejamentos.Aescola,poisquelhespermitirtaisparticipaes,seramelhor, mais agradvel, a escola diferente. A autora, em seu livro O que Pensam os Alunos sobre a Escola Noturna, apresenta-nos com clareza as falas de alunos a respeito da escola. Segundo ela autora, os alunos desejam: [...]almdeumaescolaagradvel,limpa,comatividades interessantes,semregrasinfantilizantes,comprofessoresque saibam acolher seus alunos em sua diversidade, e que se disponham em ser mais amigos, os alunos querem, acima de tudo, aprender as coisas significativas que eles sabem que lhes faro falta no mundo l de fora (ABDALLA, 2004, p. 105). Aautoraacrescentaaindaque,emnenhummomento,osalunosdeixam transparecer que a escola no importante, embora deixem transparecer que no essa a escola que desejam (p. 105). Assim, compreendemos que os alunos, atravs desuasperspectivas,ajudamacompreendermuitassituaesqueocorremno cotidiano escolar, dentre elas, as ligadas indisciplina escolar.relevanteaindatentarmosconhecereanalisarasperspectivasdosalunos sobreaindisciplinaescolar,pelofatodeque,aofalarem,osalunosressaltaro aspectos do conceito, das causas e dos envolvidos com a indisciplina, dos possveis encaminhamentosedasintencionalidadesqueestopordetrsdasexpressesde indisciplina, sendo capazes de mostrar a relao entre as expresses e as razes da indisciplina na escola.ParaJesus2(1996apudCAEIROeDELGADO,2005,p.15),anoode indisciplina escolar, geralmente, est associada ao comportamento do aluno, seja ele 2 JESUS, S. N. Influncia do professor sobre o aluno. Porto: Asa, 1996. 26fazendo barulho ou se levantando em momento no apropriado, por exemplo. E so essescomportamentosqueinviabilizamasatividadesqueoprofessorpretende desenvolver na sala de aula. Ele adverte, porm que muitos motivos podem estar na basedasexpressesdeindisciplinadosalunos:oalunonodemonstrainteresse pelatemticaabordadaoupelamaneiracomoapresentada,oalunosente-se insatisfeitocomasrelaesinterpessoaisemsaladeaula,querdestacar-secomo lderperanteoscolegaseosprofessores,e,ainda,fatorescomootipode personalidade,estgiodedesenvolvimentoemqueoalunoseencontraea necessidade de chamar a ateno.Assim sendo, ao adotar a noo de indisciplina escolar, associada apenas ao comportamentodosalunos,desconsiderandoqueoutrosmotivospoderiamestarna basedasexpressesdeindisciplina,osprofessoresestariamdeixandodeperceber aspectos importantes que poderiam auxili-los com relao a mudanas de atitudes, ligadas indisciplina.Parece-nos relevante tentar conhecer as perspectivas dos alunos com relao indisciplinaescolar,poiscomosinalizamCaeiroeDelgado(2005),afirmandoque as expresses de indisciplina dos alunos fazem parte do cotidiano da escola e cada casoespecfico,tornando-sedifcildefinirmodelosdeatuaoquesirvampara todas as situaes. A indisciplina escolar, entretanto, muito mais que uma situao especficaaserresolvida,envolvendoeafetandoosplanosdeprofessoresede alunos, onde esto implicados sentimentos, atitudes e valores (CAEIRO e DELGADO, 2005, p. 17). Sendoassim,nocontextodesaladeaula,asquestesdeindisciplinadizem respeitotantoaosprofessoresquantoaosalunos;ampliando,porm,oraciocnio para a escola como um todo, diramos que as questes de indisciplina ligam-se no 27s aos professores e aos alunos, mas a toda comunidade escolar. Assim, parece-nos quetodosossujeitosdaescolapoderiamcuidardasquestesdeindisciplina escolar.Estecuidadopoderiaembasar-senumplanodegestodaindisciplina, construdoporrepresentantesdetodosossegmentosdacomunidadeescolar.Para Garcia(2001),anoodegestodaindisciplinaextrapolaambitoadministrativo, relacionando-secomtodaacomunidadeescolar,poisacomunidadeescolarque planeja,avalia,acompanha,verifica,tomadecisescomrelaoatodooprocesso ensino-aprendizagem.EmumartigointituladoAGestodaIndisciplinanaEscola,Garcia(2001) identificacincosintomasdaausnciadegestodaindisciplinanasescolas,que seriam:sensibilidadeaincidenteseventuais;aesempreendidasdeformaparcial, deixando relegada s estratgias para mudana; falta de processos de monitorao e demeiosdeavaliarosresultados;inversonosprocedimentosaseremassumidos frentesexpressesdeindisciplinanaescola;efinalmente,oquenosparecede maiorinteresseenosfezrefletir,aausnciadeumavisocompartilhadasobre indisciplina.Oautorsinalizandoquenohumavisocompartilhadaarespeitodas expressesdeindisciplina,apontaparaaausnciadeummarconorteadorparao entendimentoeaesdoseducadores.Nessecasoconsideramosimportante apreciar a opinio dos alunos, pois ela deveria compor o entendimento compartilhado do que seria indisciplina, ajudando a pensar que aes poderiam ser implementadas em um processo de gesto coletiva da indisciplina. Porcontadisso,perguntamos:aoelaborarumplanodegestoparaa indisciplina escolar, no seria importante tambm considerar a perspectiva dos alunos sobre a questo? pois os alunos, quando falam, descrevem com riqueza o cotidiano 28escolar,osacontecimentoseossignificados,almdetudooquevivenciame pensam sobre o que vivenciam. Especialmente com relao indisciplina, os alunos podem contribuir, demonstrando que h uma relao entre as expresses e as razes da indisciplina na escola.Sugerimosumsextosintomadaausnciadegestodaindisciplinanas escolas, que seria, o desconhecimento da perspectiva dos alunos sobre a indisciplina escolar. Atravs de nossa experincia profissional, principalmente nas instituies de Educao Bsica, comprovamos o que Garcia (1999, p. 102) sinaliza: a indisciplina vemaumentandoemsuaintensidadedemanifestao,comdiferenasnasua complexidadeemaneirasdeseapresentar,tratando-se,portantodeumfenmeno noesttico.E,escolacabeimprimiralgunsavanosinstitucionais,visandoo enfrentamentodessedesafio.possvel,portanto,observarqueaindisciplina escolar,pelacomplexidadequetemassumido,requerumamaiordemandaem investigaes e avanos efetivos nas prticas de sala de aula (GARCIA, 2001, p. 7). Cadavezmaispresentenaescola,afetaprofessores,diretores,profissionaisdas equipespedaggicasealunos.preocupaodeestudiososdaeducaoque investem em pesquisas sobre o tema no intuito de indicar caminhos possveis para o seu enfrentamento. Naseqncia,apresentaremosumavariedadedeentendimentosconceituais sobre indisciplina. 29 2.2 O CONCEITO DE INDISCIPLINA ESCOLAR Aolongodapesquisa,encontramosumavariedadedeentendimentos conceituaissobreindisciplinaescolar.Avariedadeaceitvel,seconsiderarmosa indisciplina escolar como fenmeno de grande magnitude e complexidade, como nos apontamGarcia(1999)eDeLaTaille(1996).Trata-se,pois,detemacomplexo,e estud-lorequerumareflexoaprofundadasobreanaturezadasrelaesedas interaes que o constituem (OLIVEIRA, 2004, p. 49). A complexidade da indisciplina escolar est relacionada ao fato de a mesma ser: [...]historicamentevariveldeacordocompadresculturais,sociais emesmocomaspectospessoaisdetolerncia(porexemplo,dos professores).Depocaparapoca,diversificadaaaceitabilidade decomportamentosemgerale,emparticular,osquesoouno adequadosconvivnciaemsaladeaula.Poroutrolado,ha especificidadedoaprendizadoque,paraseefetivar,implicaemum conjuntodecontratos(explcitosoutcitos)entreprofessorese alunos.Nele,aquiloquevulgarmentechamadodedisciplinaum dosfatoresconstitutivos.(LIMA,BRIDIeBERALDO3,2001apud OLIVEIRA, 2004, p. 47). Sobre o conceito de indisciplina Rego (1996, p. 84) afirma: Oprprioconceitodeindisciplina,comotodacriaocultural,no esttico,uniforme,nemtampoucouniversal.Eleserelacionacomo conjuntodevaloreseexpectativasquevariamaolongodahistria, entreasdiferentesculturaseumamesmasociedade:nasdiversas classessociais,nasdiferentesinstituieseatmesmodentrode umamesmacamadasocialouorganismo.Tambmnoplano individualapalavraindisciplinapodeterdiferentessentidosque dependerodasvivnciasdecadasujeitoedocontextoemque foremaplicadas.Comodecorrncia,ospadresdedisciplinaque pautamaeducaodascrianasejovens,assimcomooscritrios 3 LIMA, D; BRIDI, M. V; BERALDO, W. R. B. O professor do ensino superior em sala de aula e o problema da disciplina escolar. In: VASCONCELLOS, M. L. M. C (Org.). (In)disciplina, escola e contemporaneidade. Niteri: Intertexto. So Paulo: Mackenzie, 2001. p. 125-147. 30adotadosparaidentificarumcomportamentoindisciplinadono somentesetransformamaolongodotempocomotambmse diferenciam no interior da dinmica social. Portanto,segundoaautora,nopodemosesperaruniformidadequantoao conceitodeindisciplina.Porsetratardecriaocultural,elaestariarelacionadaa diferentesvaloreseexpectativasquevariamconformeocontextoondeseinsere. Assim, aquilo que a escola estabelece como critrios para dizer se uma expresso ou no, uma expresso de indisciplina, estaria sofrendo transformaes ao longo do tempo e se diferenciando, dependendo do contexto.SegundoLopes(2005,p.46),definirindisciplina,emmeiovariedadede entendimentos conceituais no parece tarefa das mais fceis, sobretudo porque sua definio, dentro desse contexto, pode variar de acordo com a situao, com o tipo de aula a ser ministrada e at mesmo com o perfil do professor. Dentreasdiversasnoesrelacionadasaoconceitodeindisciplinaescolar optamosporapresentarumgrupodequatroentendimentosdistintossobre indisciplina, como veremos a seguir. Indisciplina como algo originado na relao professor-aluno. Humavertenteterica,daqualdestacamosCaritaeFernandes(1997), Estrela (1992) e Amado (2001), compreendendo a indisciplina como algo que tem sua origemnarelaoprofessor-aluno.Osucessodoatopedaggico,pois,segundo CaritaeFernandes(1997),dependeriadarelaoprofessor-aluno.Paraessas autoras a indisciplina se apresenta como uma obstruo relao professor-aluno e seriaimportantequeoprofessortivesseconscinciaepercebesseaformacomo 31essarelaoestsendoconstruda(p.41).Paraisso,oprofessorprecisaria promover,segundo asautorasacima mencionadas,aprendizagensbemsucedidas criando um clima de relacionamento estruturado no respeito mtuo, na confiana, na abertura, na segurana e na aceitao (p. 71).Quandosetratadecompreenderedeanalisaraindisciplinaescolar,as autoraspropemconsiderarocontextodarelaopedaggica(p.17).Paraelas,a indisciplinanopodeservistacomoexistindoemsimesma,oucomoalgoinerente aocomportamentodoaluno;almdoalunoqueexpressouindisciplina,todoo contexto pedaggico est implicado na relao. Nesse sentido, Damke (2007, p. 119) complementaqueaindisciplinaprecisaseranalisadanocontextopedaggicoonde ocorreu, e no somente enquanto comportamento de quem a praticou; necessrio considerar todo um contexto pedaggico, j que no s o aluno que est implicado na relao.J Amado (2001, p. 43) acrescenta que a indisciplina escolar est intimamente ligadaatudooquedizrespeitoaoensino,aosobjetivos,sprticases perspectivasqueosorientam,eaoscondicionantesprpriosdaaula,daescola,da comunidadeedosistema.Essesestudos,segundoAmado(2001),implicama necessidadedeserefletir,emprofundidade,sobreanaturezadasrelaesedas interaesqueaconstituem,umavezquequandofalamosdeindisciplina,no falamos de um mesmo fenmeno, mas de uma diversidade de fenmenos por detrs deumamesmasignificao(AMADO,1999,p.25).Paraele,aindisciplina fenmenointerativoconstrudonaprpriaaula,entreprofessoresealunos, possuindo todos eles expectativas, percepes e pontos de vista muito prprios sobre tudo o que acontece entre si e sua volta (p. 35). Ele afirma: 32Aindisciplinaimplica,sempre,acontravenodeprincpios, regulamentos,contratoseordens,emclaradiscordnciacomos objetivosdogrupoouinstituioeprovocandosituaesde perturbaodasrelaessociaisnoseuinterior(AMADO,2001,p. 417). Afirmaainda,queosalunos,emfunodoconvvio,agrupam-se informalmente e constroem os significados para o conjunto de eventos cotidianos na escola, resultando em uma forma prpria de interpretar a vida escolar e de lidar com asexignciasquedelafazemparte,constituindo-senoqueoautor,denominoude conhecimento regenerador.Diferentedoconhecimentoregeneradoroconhecimentoreificado, denominao utilizada por Amado (2001) para se referir ao conhecimento transmitido pelosprofessores,esujeitoaavaliaes,apresentandovalordetroca,naobteno de notas e de diplomas (p. 135). Para os alunos o conhecimento regenerador que possui valor de uso, pois consideram que as atividades curriculares no passam de temporoubadoaosseusverdadeirosinteresses(p.136).Nessecaso,seriamais interessante, para os alunos, estabelecerem boas relaes com seus pares, a terem que realizar o que os professores e a escola exigem. E a indisciplina se apresentaria comoresistncia,especialmenterotina,aosmtodoseestruturargidadas exigncias implantadas pela escola. O autor assim acrescenta: [...] os desvios do aluno, desde os copiano e fraude nas provas at aosdesviosdaateno,aohumoresinterpretaes despropositadasnaaula,seriammanifestaesdeumaculturade resistnciaqueteriaporfinsimediatos,enocontextodainterao, embaraaroprofessor,impedirqueeleavancenamatriaerealize osseusobjectivosdecurtoprazo,manteralgumcontrolosobreas situaesetransform-lasnumsentidomaisgratoeagradvelao aluno. [...] o que se est em causa permanece: a resistncia a todo o tipo de exigncias escolares (AMADO, 2001, p. 136). 33Assimnasexpressesdeindisciplina,oqueestariaemcausa,um desencontroentreaculturaescolareaculturadealunado,levando-osa apresentaremresistnciaaoquelhesrequisitadoemtermospedaggicose curriculares. Ainda segundo ele, a indisciplina escolar pode ser persistente ou ocasional, da iniciativa de um aluno, de um grupo pequeno de alunos, de uma turma toda ou de um grandegrupodealunos,sepensarmosnaescolacomoumtodo.Suasexpresses podem variar das conversas paralelas, s brincadeiras, fuga s tarefas propostas indo ataalgumasformasdeagressesaoscolegaseaosprofessores(p.54). Acrescenta ainda que a concretizao da indisciplina se d pela falta de cumprimento dasregrasestabelecidas;queorientariamascondiesdasatividadesemsalade aula.Almdisso,aindisciplinaseconcretizatambmpelodesrespeitosnormase aosvaloresquefundamentamoconvvioentrealunoseprofessoreseentreos prprios alunos. ParaEstrela(1992),oprofessortransmiteaosalunos,conscienteou inconscientemente, as imagens e as expectativas que formula a seu respeito, levando os alunos a agirem em sua conformidade (p. 68). Para ela, em muitas situaes, os professoresapresentamposturasdiferenciadorasemrelaoaosseusalunos.Para aquelesalunosqueconsiderambons,exemplares,osprofessoresmanifestam determinadasposturas.Paraosconsideradosmausasposturasdiferenciam-se.O aluno,porsuavez,captaaimagemqueoprofessortemdele,epassaafazero possvel para justificar a fama que tem (p. 68). Exemplo disso, so as situaes onde oprofessortendeasermaiselogiosocomoalunoqueconsiderabomou exemplar,emaiscrticocomoalunoqueconsideramauouindisciplinado.Nos dois exemplos, o aluno agir de acordo com a imagem que captou, reforando ainda 34maisasexpectativasdoprofessor.Nocasodeoalunosentir-secomobode expiatrio,nadaoumuitopoucofar,paramudarasituao.Osentimentodele nessasituao,segundoEstrela(1992,p.68),decomoseestivesse definitivamente etiquetado, ou seja, como se tivesse recebido uma marca, o que lhe reforaacertezadequeasituaonomudar.Easexpressesdeindisciplina acontecemnessecenriorelacionalcomonegaodadisciplina,comodesordem proveniente da quebra de normas estabelecidas (ESTRELA, 1992, p. 17). Indisciplina como algo inerente ao comportamento dos alunos Apresentamosaqui,autoresquecompreendemindisciplinacomosendoalgo prprio do comportamento dos alunos. Alm disso, as expresses de indisciplina, na escola,paraeles,estariamatreladasaalgunssignificados,como:rebeldia, intransigncia,negaoedesrespeito.Dealgumaforma,taiscomportamentos, prejudicamoprocessoensino-aprendizagem.Dentreosautoresquecomungam destavertenteterica,destacamos:Jesus(2001),Rego(1996),Roure(2001), Passos (1996) e Fortuna (2002). ParaJesus(2001,p.31),aindisciplinaescolarrefere-seatodosos comportamentos e as atitudes dos alunos, que perturbam e inviabilizam o trabalho do professor.SegundoFreire(20014apudOLIVEIRA,2004,p.41)boapartedos comportamentos,observadoscomoindisciplinados,caracterizam-seporsua trivialidade,porexemplo:rir,fazeroscolegasrirem,ficardistrado,nofazeras atividades,andarpelasaladeaula,entreoutros,eamaioriadessasexpresses 4 FREIRE, I. (In)disciplina e contextos escolares: duas escolas vistas por dentro. In: COLQUIO DA SECO PORTUGUESA DA AFIRSE/AIPELF. 11, 2001, Lisboa. Atas... Lisboa: Estrela e Ferreira. 2001. p. 132-143. 35prejudicamoprocessoensino-aprendizagemmaispelasuafreqncia,doquepela sua gravidade. ParaRego(1996),aindisciplinaseapresentariacomocomportamento inadequado,manifestadoporumalunoouporumgrupodealunos,comosinalde rebeldia, de intransigncia, de desacato, de falta de educao e de desrespeito pelas autoridades, na baguna ou na agitao motora. Roure(2001)apresentaaindisciplinacomofenmenoqueosprofessores atribuemaocomportamentodosalunos.Ressaltaaindaque,paraosprofessores, a indisciplinavistacomorebeldia,desobedincia,resistnciaaoordenamentoeao ajustamento proposto pela escola atravs das regras e dos acordos sociais. ParaPassos(1996,p.118)asexpressesdeindisciplinapodemestar relacionadas criatividade, ousadia, ao inconformismo ou resistncia por parte do alunoemrelaoaospadresescolares.Acrescenta,queoatopedaggico, enquantomomentodeconstruodeconhecimento,omomentodeemergirfalas, movimentos,rebeldia,oposioeodansiapordescobrireporconstruirjuntos, professores e alunos. A autora apresenta a indisciplina atrelada a alguns significados que a tornam positiva e, muitas vezes, necessria. Compreender a indisciplina como formadeexpressaracriatividade,aousadia,ouaresistnciaeoinconformismo, v-la como aliada que sinaliza algo que necessita ser (re)visto, (re)pensado e (re)feito dentro da escola.Para Fortuna (2002) a indisciplina estaria relacionada ao no cumprimento de regras;rebeldiacontraqualquerregraconstruda,desrespeitoaprincpiosde convivncia estabelecidos entre as partes, sem justificativa vivel, incapacidade de se organizarederelacionardeacordocomnormasevaloresestabelecidosporum grupo.Damke(2007,p.115)afirmaqueaviolaodasregrasinstitucionais 36consideradaexpressodeindisciplinaporpartedosagenteseducacionais,poisao quebrarem,asregrasestabelecidas,osalunosdificultamainteraoea aprendizagemdogrupo.Entretanto,poderamospensarnaquebradasregras estabelecidas,comoformamanifestadapelosalunosderesistnciaquiloquea escolaosreservaequenoestariasatisfazendosuasexpectativasemtermosde orientaes ou de oportunidades. Indisciplina como algo socialmente construdo na escola AbordamosaquianoodeindisciplinasegundoumtextodeGarcia(2005). Esseautor,baseadoemalgumasidiaspresentesnaobraAConstruoSocial da Realidade (BERGER e LUCKMANN, 1991), sugere a noo de que indisciplina seria algo socialmente construdo nas escolas, e que as crenas sobre ela seriam criadas na interao social dos atores que l esto (p. 88). Para ele a indisciplina: [...] no diz respeito a um fato objetivo, cuja existncia independe de atores sociais, de suas percepes, de seus modos de pensamento, dassuascrenaspedaggicas.Oqueestsendodenominadonas escolasporindisciplina[...]nosremeteaesquemasdeelaborao social, a crenas que so elaboradas na interao entre professores, alunos, contextos, regras, eventos, etc ( GARCIA, 2005, p. 88). E acrescenta: Humaconstruodiscursivanasescolasque,segundoa perspectivadeBergereLuckmann,estarianabasedoprocessode construosocialdaindisciplina.Nasescolas,ascrenassobre indisciplinasurgiramdedeterminadosesquemasdepensamento socialmenteconstrudos,detalformaquenopodemossepararas apreciaessobreoqueseentendeporindisciplina,porexemplo, dossujeitosqueaproduzem.[...]nessesentidoquesedizquea 37indisciplinanoentranaescola,ouaparececomoumeventono contexto escolar (GARCIA, 205, p. 88). Para esse autor, h muito mais que o currculo sendo construdo nas escolas. (p.89).Numaperspectivascio-construcionista,combaseemBergereLuckmann (1991), a noo de escola, por exemplo, seria criada na interao social, bem como asimagenseosgestosquesignificamseusatoressociais(p.89).Oautor acrescenta,professoresealunosconstroemanoodeescolaquehabitam,assim como as noes de professor e de aluno so criadas na interao social, seguindo esquemasquedecidemseuspapis,suasatribuieseatitudesrespectivas,suas formasdecondutaeidentidade(p.89).Nesseraciocnio,oautorafirmaquea indisciplina pode ser criada pelas crenas elaboradas sobre ela, pelos esquemas de pensamento que ali se articulam socialmente (p. 89).Ele argumenta ainda, que as noes de indisciplina e de escola so idias em tenso,queaindisciplinanosfazrepensaretransformaraescola,eesta,porsua vez, tambm pensa e produz a indisciplina Sendo assim, a que se refere a indisciplina naescola?Aindisciplinasereferedistnciaentreaescolaquequeremosea escolaquetemos.Aindisciplinarefere-setambmaonossoprojetoescolar, fragilidadecomqueseapresentaeaameaaqueaindisciplinapoderepresentar estabilidade desse projeto (p. 89).Garcia (2005) sugere: sob muitos aspectos nosso projeto de escola pode ser consideradoincompatvelcommuitodaquiloquetemsidodenominadode indisciplina (p. 90). A indisciplina fala ainda de como vemos e com gostaramos que fossem, os alunos e os professores. Ela pode ser uma aliada importante, pois sinaliza possibilidadesdeconstantementereinventarmosaescola.Percebe-se,pois,quea indisciplinaescolarestsetransformandoenoseapresentacomasmesmas 38caractersticasaolongodasdcadas,porque,vemsediferenciandocomopassar dosanos(GARCIA,1999,p.102).Oautorafirmaquenosetratadefenmeno esttico,aocontrrio,estemevoluo;eporisso,nomantmasmesmas caractersticasdetemposatrs.Verificando-se,segundoaqueleautor,tantoum aumentonaintensidadedemanifestaodeexpressesdeindisciplina,como diferenciaesnacomplexidadeenacriatividadedasmanifestaes.Ento,sea indisciplinaestmudando,tambmnoestariamudandoavisodosalunossobre ela? A indisciplina escolar considerada fenmeno de aprendizagem Agoraapresentamos,combaseemGarcia(1999),anoodeindisciplina comofenmenodeaprendizagem.Paraoautor,indisciplinaserianegao, divergncia ou no reproduo, por parte dos alunos, em relao s orientaes, s expectativasousoportunidadesqueaescolaapresenta,atravsdecondutas,de relacionamentos,demodosdesocializao,deatitudesededesenvolvimento cognitivodemonstradosporeles.Garcia(1999)sugereasuperaodoconceitode indisciplina,atreladodimensocomportamental,poisexistemaspectos psicossociaisenvolvidosqueprecisamserconsiderados,como:situaraindisciplina no contexto das condutas dos alunos nas diversas atividades pedaggicas, dentro ou foradasaladeaula(p.102).Almdisso,segundooautor,deve-seconsiderara dimensodosprocessosdesocializaoederelacionamentosqueosalunos exercemnaescola,etambmconsideraraindisciplinanocontextodo desenvolvimentocognitivodosalunos.Oconjuntodasperspectivascongregaa 39noodeindisciplinaenquantofenmenodeaprendizagem.Sobessaperspectiva, aquele autor define indisciplina: [...] como a incongruncia entre os critrios e expectativas assumidos pelaescola(quesupostamenterefletemopensamentoda comunidadeescolar)emtermosdecomportamento,atitudes, socializao,relacionamentosedesenvolvimentocognitivo,eaquilo que demonstram os estudantes (GARCIA, 1999, p. 102). J mencionamos que a indisciplina no pode ser considerada somente como o resutadodocomportamentodoaluno.Houtrosaspectosquepodemdesencadear expresses de indisciplina a serem levados em considerao, como: o modo como o currculotrabalhado;adesmotivacodoalunoemrelaoatemticadaaula;a qualidade dos relacionamentos entre alunos e professores e ou colegas. H tambm outros possveis aspectos que podem estar na base das expresses de indisciplina.Segundo Garcia (2002), h necessidade de superar o conceito de indisciplina, restrito dimenso comportamental, pois para o autor, tal viso j se tornou arcaica. Eoalunoquenoestdesenvolvendosuaspossibilidadescognitivas,atitudinaise moraisseriatambm consideradoindisciplinado,e nosomente aquelecujas aes rompem com as regras da escola (p. 376).Paraeleaidiadequepossveisencaminhamentosparaasquestesde indisciplinapoderiamestaratreladosamecanismosdecontrolecomportamentais estsuperada,hajavistaqueamesmanopodeservistacomoanomalia.Oautor sugerejquesecompreendeaindisciplinacomofenmenointerno,quese estabeleaumtrabalhoseguindoaperspectivaconstrutivistaondesedesenvolvam recursos internos nos alunos. 40Agora, faz-se necessrio nos posicionarmos quanto ao conceito de indisciplina mais apropriado ao presente estudo. Elegemos o conceito de Amado (2001) como o mais coerente. Esse autor afirma: Aindisciplinaimplica,sempre,acontravenodeprincpios, regulamentos,contratoseordens,emclaradiscordnciacomos objetivosdogrupoouinstituioeprovocandosituaesde perturbaodasrelaessociaisnoseuinterior(AMADO,2001,p. 417). Eamanifestaoconcretadaindisciplinasedpelonocumprimentodas regrasquepresidem,orientameestabelecemascondiesdastarefaseainda,no desrespeito s normas e aos valores que fundamentam o so convvio entre pares e a relao com o professor, enquanto pessoa e autoridade (p. 417). Noitemaseguir,apresentamosumavariedadedeestudossobreindisciplina escolar, cujos autores contemplaram a perspectiva de alunos. 2.3 A INDISCIPLINA ESCOLAR NA PERSPECTIVA DOS ALUNOS Como a pesquisa trata de investigar a indisciplina escolar, na perspectiva dos alunos,buscamos,naliteraturaautoresquepudessemcontribuirparaoobjetivo principaldainvestigaoseratingido.Olevantamentobibliogrficodemandou diversosmeses,devidoadificuldadeparaencontrarrefernciasnaliteratura educacionalsobreotemacentraldapesquisa-aindisciplinaescolar.Comoj mencionamos, privilegiamos autores de duas nacionalidades, brasileira e portuguesa. 41Embora as diferenas culturais entre escolas portuguesas e brasileiras, nos valemos dasemelhanadecontextos.Osestudosportuguesesforamdesenvolvidosem contexto escolar muito semelhante aos brasileiros, e so particularmente prximos ao contextoondeocorreuonossotrabalhodecampo.Sabe-seque,naquelepas,a partir da implantao da Lei de Bases do Sistema Educativo em 1986, a escolaridade bsicatornou-seobrigatriadosseisaosquinzeanosdeidade.NoBrasil,a escolaridadebsicaabrangeaEducaoInfantil,oEnsinoFundamentaleoEnsino Mdio. A partir de 2007, o ingresso no Ensino Fundamental ocorre aos seis anos de idade obrigatoriamente, e o mesmo passa a ter durao de nove anos.Aliteraturaeducacionalportuguesacolecionaimportantesobrassobre indisciplina escolar, incluindo teses, dissertaes e artigos, particularmente pesquisas queprivilegiaramaperspectivadealunos.Istonoschamoumuitoaateno,efoi preponderante no momento da seleo dos autores com os quais iramos dialogar no decorrer de nossa pesquisa. Na literatura educacional brasileira, no encontramos a mesma quantidade de autorespesquisandoaindisciplinaescolarnaperspectivadealunos.Porm,os autoresbrasileirosselecionadosdesenvolveramaspesquisasemcontexto semelhanteaodanossapesquisa,motivosuficienteparajustificaraescolha. Particularmente, merecedestaque apesquisarealizadaporFreller(2001). Aautora, brasileira,investigou, alm da perspectivadosalunos acerca daindisciplina escolar, tambm a perspectiva de professores e de pais de alunos da escolaridade bsica. Os dadosdestapesquisaestoregistradosnolivroescritoporessapesquisadora HistriasdeIndisciplinaEscolar:otrabalhodeumpsiclogonumaperspectiva winnicottiana. 42Trata-se,portanto,depesquisasdeondepudemosexplorardiferentes perspectivassobreindisciplina,apreciardiferentesconceitos,causas,formasde enfrentamentoeoutrasvariveissobreindisciplinaescolar;todaselas,tendocomo sujeitos, alunos da escolarizao bsica.Na pesquisa realizada por Oliveira (2002), encontramos perspectivas de alunos sobre a indisciplina escolar. O autor ouviu 115 alunos portugueses, com idade mdia de 15 anos (9 ano de escolaridade), amostra muito semelhante nossa, no quesito idadeeescolaridade.Oautorafirmaqueosalunos,nessenveldevidaescolar estomuitoprximosdarealidade,querendodizer,queelesexpressamsuas opiniesacercadaindisciplinaescolardemaneiramuitocoerentecomarealidade vivenciada,noseeximindodeseremcausadores,pormnoseassumindocomo nicosresponsveis(p.92).Comodefiniodeindisciplina,osalunosinvestigados peloautorapontaram:noterumbomcomportamento;norespeitaros professores, funcionrios e colegas; ultrapassar os limites; no ser bem educado; nopermitirobomfuncionamentodaaula;fazerbarulho(p.85).Nesteitem, tambm os alunos apontam a indisciplina a aspectos mais gerais do comportamento, emborahajarefernciasmaisdiretasaotrabalhoescolareaodesaladeaula. Percebe-se que os alunos reproduzem, em suas falas, uma viso tradicional do que indisciplinaequeessesconceitosestoparaeles,fortementeligadosao comportamento.Quandooautorinterrogaosalunossobreoqueumalunoindisciplinado? Obtm como respostas: ser mal-educado; ter comportamentos incorretos, aquele que no respeita professores e colegas; no cumpre com as obrigaes da escola; conversademais;prejudicaoandamentodasaulas(p.86).Nestecaso, verificamos que a maioria das respostas tm relao direta com o trabalho escolar e 43comodesaladeaula,sendoquetalvez,pelaelaboraodapergunta,oaluno consegueseassumircomoagentedecondutasconsideradasindisciplinadas.Jno questionamentosobreoqueindisciplina,oalunonoconseguesecolocarcomo agente,esuasrespostasestomaisrelacionadasaocomportamentohumanoem geral.Segundooautor,osalunos,quandosolicitadosarelacionarcomportamentos considerados indisciplinados, indicam: o no respeitar (desrespeitar) os professores tambmmas,emsegundoplanooscolegaseosfuncionrios;nosereducado comosprofessores;insultarosprofessores;noparticipardasaulas; desinteressepelasaulasepelamatria;noestudar;falartodosaomesmo tempo (p. 87). Nesse caso, percebe-se, que o foco principal est na falta de respeito, em geral, para com o professor e ou para com os colegas, e nem tanto em questes que perturbem o processo ensino-aprendizagem.Oautorpreocupou-seainda,emsaberdosalunosdequemseriaa responsabilidadecomrelaoindisciplinanaescola.Asrespostas,emtermos percentuais,assimseapresentam:22,8%daresponsabilidadeficaporcontado aluno, 22% por conta dos colegas, 19,2% por conta dos professores, 13% atribuda ao governo, 13,3% atribuda sociedade e 9,7% famlia. interessante destacar queasporcentagensdeatribuiesdosalunos,doscolegasedosprofessores praticamente se equivalem, pois segundo o autor, a culpa atribuda aos alunos, aos colegaseaosprofessoressoquaseidnticas(OLIVEIRA,2002,p.88-89).Vale tambmdestacarofatodeoalunoreconhecersuaresponsabilidadenassituaes que envolvem indisciplina na escola. Caeiro e Delgado (2005) investigaram uma centena de alunos de duas escolas emPortugal,comidadevariandoentre14e16anos,tendoporobjetivoprincipal, analisar como a indisciplina sentida e vivida pelos alunos. Os autores constataram 44quemetadedosalunosdizem-se,svezes,indisciplinados.Umaparcelamnina, menos de dez por cento dos investigados, assumem-se indisciplinados, e os demais seapresentamcomodisciplinados.Osmesmosalunos,quandointerrogadossobre comoaturmaemrelaoindisciplina,afirmamqueindisciplinada.Dosalunos queseassumemindisciplinadosouquesomentealgumasvezesassimse consideram,osautoresprocuraramsaberemquesebaseiamparafazertal afirmao.Eobtiveram,comoresposta,ofatodefalarnaaula,estarsem disposio, estar cansado e no gostar da matria e da aula (p. 56). AindaemCaeiroeDelgado(2005),quandoquestionadossobreemque situaes sentem vontade de expressar indisciplina, os alunos indicam: no momento emquesentemqueoprofessorfoiinjusto(p.58),sendoqueocritrioparatal julgamento diz respeito ao senso moral desenvolvido por eles. Outras situaes que merecemdestaqueenvolvemoscolegas,quandozombamunsdosoutros,ou quandoinventamalgoarespeitodooutroetambmofatodenogostardo professor. Nakayama(1996),emsuatesededoutoramento,pesquisou153alunos,de duasescolasmunicipaisdoEnsinoFundamentalbrasileiro,sobreaspossveis causas da indisciplina. Quatro motivos foram os mais citados: o fato de serem muito vigiados na escola; a obrigatoriedade em freqentarem a escola (imposta pelos pais); odesinteresseemaprender,eporltimo,ofatodequeosjovensqueremsempre desrespeitarasregras.Nessecaso,verifica-sequeascausasapontadaspelos alunos, para a indisciplina escolar, no tm relao com o ato pedaggico em si, no estorelacionadosaosobjetivos,sprticasesperspectivasqueosorientam, tampoucotmrelaocomaformacomqueprofessoresealunosserelacionam, mas tm origem externa. Os alunos apontaram o dilogo como a forma mais eficiente 45de se controlar a indisciplina, sendo uma segunda alternativa, premiar com notas o bomcomportamento,conversarcomospaisdosalunosconsiderados indisciplinados, o pedido de desculpas pelo aluno, e a realizao de palestras. Alguns alunosapontamparamedidasmaisrgidas,paraenfrentaraindisciplina,como suspender, expulsar e ressarcir bens avariados, aplicveis em situaes mais graves e srias de rompimento de regras.Umtrabalhorelevante,dentrodaliteraturabrasileira,quetratadaindisciplina escolarodeFreller(2001).Essaautoradesenvolveupesquisaemquatroescolas pblicas,deSoPaulo,sendoduasescolasestaduais,dequintasriedoEnsino Fundamentalterceirasrie,doEnsinoMdio,umaescolaestadualdeprimeira quarta srie, e uma municipal, de primeira oitava srie. Vale ressaltar que a autora no ouviu apenas alunos em sua pesquisa; ouviu tambm, pais e professores, como nossapesquisa,porm,tratadeanalisaraindisciplinaescolar,naperspectivados alunos,apenasaessesquefaremosreferncia,baseando-nosemFreller(2001). Paraosalunosinvestigadosporessaautora,aindisciplinaapresentadoissentidos, porelesdenominadostiposdeindisciplina(p.59).Oprimeiroseriaaindisciplina comoinadequaoouinconvenincia;osegundo,seriaodaindisciplinacomo apropriada e conveniente, sendo que o sentido que a indisciplina vai apresentar no dependetantodotipodecomportamento,mas,docontextoondeocorre,dequem est envolvido e do sentido do ato (p. 60).Exemplificando, diramos que falar alto, no fazer a tarefa, conversar com o colega,chegaratrasadososempreexpressesconsideradasinadequadaspelos professores,jparaosalunosnemsempreoso.Quandoasexpressesde indisciplina acontecem na aula de um professor que respeita e conversa com a turma, quenofaltamuito,quejustocomeles,adquiremosentidoinadequadoe 46inconvenienteesodesaprovadaserecriminadaspelosalunos.Poroutrolado,se taisexpressesocorrememauladeumprofessorquedesrespeitaaturma,ensina mal,faltamuitoeinjusto,dopontodevistadosalunos,soexpresses consideradas apropriadas, pois no entendimento deles agem em legtima defesa; ou ainda, entendem ser uma expresso necessria e natural.Assim,paraosalunos,umabriga asoluovlidaparase defenderdeum ataque;umaconversaentrecolegaspodesignificarinteressepelamatriaouuma formadeesclarecerdvidasrelacionadasaocontedoensinado;deixardefazera tarefa estaria sinalizando, muitas vezes, que o aluno no entendeu o contedo. Assim muitasdasexpressesdeindisciplina,apontadaspelosalunosinvestigadospor Freller(2001),comoconversasparalelas,levantar-separaemprestaralgum material ou para apontar o lpis, so vistas por eles como absolutamente normais e pertinentes(p.60),eemborasaibamquetaisexpressesdesagradamaalguns professores, no se convencem de que esto errados.Assimsendo,paraestabelecertiposdiferentesdeindisciplina,osalunos valem-sedeumsensomoral,queemmuitosdelesencontra-sebastante desenvolvido.Nessesentido,Freller(2001,p.64)acrescenta:comparmetros clarosentreoqueacreditamsercertoouerrado,criamdeterminadasregras coerentescomestesprincpioseprocuramrespeit-lascomrigor.Osalunos costumam reagir, expressando indisciplina, s prticas que consideram inadequadas; os julgamentos, pois, para saber se so ou no adequadas, partem do senso moral, desenvolvido por eles, visto que, para eles, reagir ao que consideram inadequados uma espcie de defesa ou de ato de coragem.A autora encontrou ainda, como causas da indisciplina, apontadas por alunos, asrelacionadasaaspectosinterioresdaescola,comooestadodeabandonoda 47escola (m conservao das instalaes fsicas, falta de funcionrios, de professores, deorganizao,deverbas,denimo).Issosedeve,segundoela,aofatodeos alunossentirem-seabandonados,largados,jogadoseimersosnummecanismo perversoecaticoqueoscilaentreopressoenegligncia(p.71).Equandoos alunos narram uma cena de indisciplina, descrevem seu contexto, relacionando com determinadasprticasescolaresecomaformacomoosprofessoresserelacionam comeles.Assim,osalunosconsideramosfatoresintra-escolarescomosendo determinantesparaasexpressesdeindisciplinanasaladeaulaenaescola.A autorasugerequeofatodeosprofessoresdemonstraremdescasoemrelao turma, seja pelo aluno chegar atrasado, seja por faltar aula, motivo para expressar indisciplina.Inclusiveofatodeaescolapossuirbanheirosmallimposequebrados, soaaosalunoscomodescasoeabandono,favorecendotambmasexpressesde indisciplina.Outroaspectoapontadocomocausadeindisciplinapelosalunos,citadopor Freller (2001), relaciona-se a preconceitos e a causas familiares. o caso dos alunos que,pormotivosvariados,soconsideradosfolgados,safados,loucosda cabea,eporseremreconhecidosassim,expressamindisciplinaemseusatos; outros,atribuem,comocausadaindisciplina,ofatodeseremconsideradospela famliacomomuitoagitados,nervosos,eseaproveitamdessacondiopara expressarindisciplina.Muitasvezes,osalunosvalem-sedessesrtulos,para desculpar comportamentos para os quais no encontram outra explicao. Sendoassim,quandoatitudesinadequadas,comoasapontadasporalunos, napesquisadeFreller(2001),quaissejam:gritarduranteasaulas,nofazer tarefas,imitaranimais,falarenquantooprofessorexplica,acontecemdurantea auladeum bomprofessor,querespeita econversacomos alunos,taisexpresses 48soconsideradasporelescomoindisciplina.Seacontecerduranteaauladeum professor que desrespeita a classe, ensina mal, falta muito ou injusto, do ponto de vistadosalunos,soatitudesconsideradasnormais,delegtimadefesaede manifestao apropriada. Com relao s formas de enfrentamento da indisciplina, os alunos privilegiam o dilogo, afirmando que conversar com calma, explicando como as coisas devem ser, deixa-os mais calmos e os faz refletir (FRELLER, 2001, p. 78).Curto(1998),outro autorportugus,realizoupesquisacom 113alunos,do7 anodeescolaridade(idadeentre13-14anos),sendoqueaquestonorteadorada pesquisafoi:Naperspectivadosalunosarelaopedaggicaeoscontedos programticossodoisfatoresquepodeminterferirnaindisciplina?Osalunos investigadosporesseautor,apontaramqueaindisciplinapodeterrelaocomo tipo do professor, ou seja, dependendo de como o professor em relao classe, osalunosexpressaroouno,indisciplina(p.74).Quandointerrogadossobrea simpatia do professor, 74% dos alunos afirmaram que se o professor for simptico a indisciplina na sala diminui consideravelmente (p. 75). E, com relao ao domnio do contedoaserministradopeloprofessor,59,3%dosinquiridos,afirmouque,seo professornodemonstrardomniodoscontedosaindisciplinaaumenta(p.76). Comrelaosdisciplinascursadas,osalunosafirmaramque:dasdezdisciplinas cursadas, naquele ano, sete so interessantes e trs so muito interessantes (p. 80), e que os contedos de seis disciplinas so considerados teis e de quatro disciplinas soconsideradosmuitoteis(CURTO,1998,p.80).Eoautorconcluique,na perspectivadosalunosarelaopedaggicaeoscontedosprogramticospodem sim, interferir na indisciplina. Assim tambm, a pesquisa de Nunes (2000), intitulada (In) disciplina escolar: a visodosalunosinvestigouamotivaoeasperspectivasde12alunosdoEnsino 49Mdio, ao freqentarem a escola sobre indisciplina escolar. Na opinio destes alunos, aindisciplinageradapordoisgruposdeelementos:um,vinculadodiretamentea eles,outro,vinculadoescola.Asrazesvinculadasaelesreferem-sefaltade limites, ndole subjetiva individual de cada um e influncia da famlia e do mundo. Asrazesvinculadasescolaestonombitopedaggico(excessodetolerncia dosprofessoreseaulasdesinteressantes),enombitoadministrativo(receioquea escola tem de perder alunos e o tempo muito longo das aulas). A indisciplina, nesse casodenotaaconstantetensoexistenteentrealunos,professoreseaescola, podendo ser entendida como uma relao de foras num jogo de poder. Outrosestudiososportugueses,SilvaeNeves(2004),ouviram,quatroalunos do 6 ano de escolaridade, com idade entre 11 e 12anos. A, procuraram mostrar a relaoentre aprticapedaggicadoprofessoreaindisciplinanasalade aula.Os alunos afirmaram que o trabalho em sala de aula pode ser, ao mesmo tempo, odioso, pesadoeagradvel;oqueosdiferencia,pois,temmuitoavercomarelao estabelecida entre professores e alunos e nem tanto com o contedo das atividades emsi.Osalunosapontaramaindaque,quandoarelaoprofessor-aluno, sobretudo de natureza imperativa, muito centrada no professor assumindo os alunos uma condio passiva, sem possibilidade de intervir, vai favorecer a indisciplina. Assim, importante notar o fato de os alunos reconhecerem que os problemas deindisciplinatmorigensmltiplas,equearesponsabilidadepeloseusurgimento deveserdivididaentrealunos,professores,escolaefamlia.Asituaoficabem evidentenaobraintituladaInteracopedaggicaeindisciplinanaescoladoautor portugus,JoodaSilvaAmado(2001),frutodesuatesededoutoramento.Foram ouvidosalunosdo7,do8edo9anodeescolaridade,edesuasfalasforam depreendidasquatroreastemticas,conformedenominaodoautor,asaber:a 50indisciplinaeresponsabilidadedoprofessor;aindisciplinaeresponsabilidadedo aluno;aindisciplinaeresponsabilidadedainstituioeindisciplinaefatoresextra-escolares (AMADO, 2001, p. 222).Dentrodareatemticaaindisciplinaearesponsabilidadedoprofessoros alunos apontaram como fatores que desencadeiam as expresses de indisciplina: a maneiradeoprofessordarasaulas(omododeensinar),oabusodomtodo expositivo,asaulasdesinteressantes(montonasesematividades),aulas repetitivas(rotinasestabelecidas),ausnciadesentidodocontedolecionado, postura do professor frente ao tempo das aulas e o espao da sala de aula, falta de autoridadeedefirmezadosprofessores,agirdemodoincoerenteeinjustotanto nas de relaes interpessoais como em situaes pedaggicas e os procedimentos disciplinares.Comrelaoaoitemaindisciplinaearesponsabilidadedoaluno,hdois momentosaconsiderar,umdelesestrelacionadoopiniodoaluno individualmente,eooutro,relacionadoaoaluno,enquantogrupo-turma.Como causasdaindisciplina,foramapontadas:odesinteressessituaesdaescolaem geral, dificuldade de adaptao (ligados postura e ao ritmo biolgico do aluno, por exemplo),determinadosprofessores, problemas deeducao familiarepsicolgicos einflunciadoscolegas,estandoessesindicadoresdiretamenteligadosaoaluno comoindivduo.Relacionadoaosalunos,enquantoturma,estoclimadasalade aula e a ao contagiante dos colegas favorecerem as expresses de indisciplina.No item a indisciplina e a responsabilidade da instituio, os alunos apontaram as instalaes fsicas, especificamente relacionadas gesto do espao e do tempo (ociosidade,quandodafaltadealgumprofessoredesequilbrioentretempode 51trabalho e recreio) e a composio das turmas (nmero elevado de alunos por turma e composio heterognea dessas turmas).Enoltimoitem,aindisciplinaefatoresextraescolares,foramapresentadas pelosalunos,comocausasdaindisciplina, fatores de ordemsociale familiares.Os alunosdisseramque,conformeaorigemscio-econmica,muitocarenteou abastado,favoreceamanifestaodeexpressodeindisciplina.Noprimeirocaso, parachamaraatenodeprofessoresecolegas,enosegundo,pelofatodea escolarizaonoserfatorpreponderantenamelhoriadascondiesdevida, passandoasaladeaulaaserlocaldepassatempo(AMADO,2001,p.315).Outro fator apontado pelos alunos diz respeito famlia, e est relacionado ao fato de que, emcasa,ningummandanele,enoseraescolaqueirfaz-lo.importante, pois, que os educadores dem-se conta de que os alunos tm uma perspectiva sobre indisciplinaescolar;econhec-lasignificativo,paraproduziravanosna compreensodestefenmenoque,cadavezmais,adquirevisibilidadenocenrio dasescolasedoseventosquediscutemprticaspedaggicas.Osalunospodem contribuir,mostrandoarelaoentreasexpressesdeindisciplinaeasrazesda indisciplinaescolar,suasintencionalidades,seussentidoseseusprocessosde construo. 52 3 A INVESTIGAO EMPRICA Otrabalhodecampofoidesenvolvidoatravsdeumapesquisadotipo etnogrfico. Recorremos a esse mtodo por entender que o objeto a ser investigado aindisciplinaescolarnaperspectivadeumgrupodealunossolicitauma investigaocomascaractersticasapresentadasporessetipodepesquisa. Justifica-seaindaaescolhadessemtodopelofatodequeomesmopermiteum olharnoapenasparaofenmenosituado,mastambmparadeterminantesno explcitos,pormnomenosimportantesparaasuacompreenso(OLIVEIRA, 2004, p. 117). Aetnografia,deacordocomAndr(1998),tratadeumesquemade pesquisa desenvolvido por antroplogos, cujo objetivo principal o estudo da cultura e da sociedade. Etimologicamente, etnografia significa descrio cultural, que para osantroplogos,temdoissentidos:oprimeiroimplicaumconjuntodetcnicasde coletadedadosquesoutilizados,paraobterdadossobrevalores,crenas, hbitos,comportamentoseprticasdeumgruposocial,eosegundoimplicaum relato escrito, decorrente da aplicao das tcnicas. Fonseca(1999),emseutrabalhointituladoQuandoCadaCasoNOum Caso,tratadapesquisaetnogrficaedaeducao.Aantroplogaafirmaque,os pesquisadores tm se utilizado progressivamente da etnografia, para estabelecer um eloentreateoriaearealidade(p.58).PorestaraliceradonaAntropologia,o mtodo tem, como ponto de partida, a interao entre o pesquisador e o objeto a ser 53pesquisado,dandonfaseaocotidianoeaosubjetivo.Aautoraafirmaquea etnografia est ao alcance de praticamente todos os pesquisadores, por se tratar de um mtodo investigativo inteligvel para combater os males da quantificao (p.59).Essa autora julga que a etnografia, alm de ser instrumento importante para compreender o mundo, tambm apresenta utilidade prtica, sobretudo na Educao. Entende Educao, enquanto ato de comunicao, de dilogo e, eventualmente, de orientao (p. 59). O interesse da autora pensar a etnografia enquanto ferramenta que pode enriquecer o processo educativo, no somente nas escolas, mas em todos osespaosondeocorre.Paraela,osucessodoprocessoeducativodependedo dilogo, estabelecido entreoseuagente e seuinterlocutor,sendoque a etnografia atua nessa rea (p. 60). NasinvestigaesdesenvolvidasnocampodaEducao,oquesetem feito,segundoAndr(1998,p.28),soadaptaesdaetnografia;dizemrespeito, porexemplo,aotempodepermannciadopesquisadoremcampo,queno necessitasertolongo,quantonumainvestigaoetnogrficaconvencional,e tambmaousodeamplascategoriassociaisdeanlisededadosqueno necessitamserutilizadasporinvestigadoresdequesteseducacionais.Paraa autora,asadaptaessopossveisgraasaofocodeinteressenaEducao; voltado,pois,aoprocessoeducativo,diferentementedofocodaantropologia,que trata da descrio da cultura de um grupo social. Da Andr (1998, p. 28) afirmar: o que se tem feito, pois uma adaptao da etnografia educao o que nos leva a concluir que fazemos estudos do tipo etnogrfico e no etnografia no sentido estrito. Apesquisadotipoetnogrficotem,comoobjetivo,descobrirnovos conceitos,novasrelaes,novasformasdeentendimentodarealidade,pois consideramltiplossignificados,presentesnumadadasituao,destacando 54pressupostosespecficosacercadarealidade,bemcomoformasparticularesde coleta e demonstrao dos dados obtidos (ANDR, 1998, p. 30). SegundoAndr(1998,p.28-30),umapesquisapodesercaracterizada comodotipoetnogrfico,emEducao,namedidaemqueutilizar,comotcnica para obter dados a observao participante, a entrevista e a anlise de documento; quandoopesquisadorforoinstrumentoprincipalnacoletaenaanlisededados, havendoconstanteinteraoentreeleeoobjetoaserpesquisado.Almdisso, importante ressaltar que a pesquisa, do tipo etnogrfico, destaca o processo, aquilo que est ocorrendo; preocupa-se com o significado de como os pesquisados vem a si mesmos, a suas experincias e o mundo que os cerca; envolve necessariamente trabalho de campo, onde os eventos, as pessoas e as situaes so observados em suamanifestaonatural.Ainda,comocaractersticadapesquisadotipo etnogrfico,emEducao,estoadescrioeainduo.Noprimeirocasoo pesquisadordescrevesituaes,pessoas,ambientes,dilogos,depoimentosem forma de palavras ou de citaes literais; no segundo caso utiliza-se da induo, de onde formula hipteses, conceitos, abstraes e teorias, sem porm, test-las. QuantoaousodaetnografianaEducao,valeressaltar,segundoAndr (1998,p.36),queapartirde1970,oseducadoresmanifestaraminteressepelo mtodo, sendo a sala de aula e a avaliao curricular as preocupaes centrais de estudo.NoBrasil,aFundaoCarlosChagaseoDepartamentodeEducaoda Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro (PUC RJ) foram s instituies pioneiras, no uso da etnografia, em pesquisa (ANDR, 1998, p. 39).Algunsmomentos,segundoAndr(1998,p.40),forammarcantesna divulgaodapesquisaqualitativaparaasquesteseducacionais.Umprimeiro momentofoi,em1980,noSeminriodePesquisadaRegioSudeste,emBelo 55Horizonte, com a realizao da mesa-redonda A pesquisa qualitativa e o estudo da escola.Comoeventomarcante,destacamosainda,oseminriosobrepesquisa participativa,promovidopeloInstitutoNacionaldeEstudosePesquisas Educacionais(INEP),em1983.Oreferidoeventocontoucomaparticipaode JustaEzpeleta,renomadapesquisadoramexicana,autoradolivroPesquisa participante(1986),obraderefernciasobreotemaemquesto.Valeressaltara vindadodoutorRobertStake,daUniversidadedeIllinois,em1983,naUfes,na USP,naPUC-RJ,naUFRGSenaFundaoCarlosChagas,divulgandosuas pesquisasediscutindoquestesvoltadasutilizaodasabordagensqualitativas emeducao.Andr(1998)destacaainda,doisautores,cujostrabalhosso consideradosclssicos,quandosetratadaabordagemqualitativaemeducao: LuizPereiraeAparecidaJolyGouveia.Apartirdadcadade80,aabordagem qualitativaeapesquisadotipoetnogrfico,eminvestigaeseducacionais, adquirirampopularidade,emuitostrabalhosforamsurgindo,emformade dissertaes, de teses e de outros tipos de pesquisas.A seguir, elencamos quatro investigaes que utilizaram a pesquisa do tipo etnogrficocomomtodo.Fazemosissoparaexemplificarautilizaodomtodo em pesquisas educacionais e tambm para explicitar que, quando se trata de obter dados acerca de valores, de hbitos, de crenas, de prticas e de comportamentos de um grupo social, como indica Andr (1998), o mtodo compatvel. Alm disso, o mtodopossibilitadescobrirnovasformasdecompreenderarealidade,debuscar novosconceitosedeconsiderarosvriossignificados,presentesemumamesma situao.Daspesquisasselecionadas,trstm,comoobjetodeestudo,a indisciplina escolar, sendo que duas delas tm, como sujeitos, alunos; e a outra, tem como sujeitos, professores. A quarta pesquisa no trata de indisciplina escolar, mas 56tem,comosujeitos,alunosdeoitavasrie,deumaescolapblica.Selecionamos taisestudosporhavercoincidncianaescolhadomtodo,esemelhanas,em alguns critrios, com a nossa pesquisa.AprimeirapesquisaadestacaradeBortolas(2002),cujottulo:A IndisciplinanoInteriordaEscola:umaaproximaocomooutro.Aautorabuscou conhecerarealidadeculturaldeumaturma,consideradaindisciplinada;porisso, utilizouapesquisadotipoetnogrfico.Asegundapesquisaselecionadautilizouo mtodojustamenteportertraado,comoobjetivo,compreenderossignificadosda indisciplinaescolaredaspuniesdeladecorrentes,sobaperspectivadealunas consideradasindisciplinadasnumaescolapblicadeEnsinoMdio,nacidadede SoPaulo.ApesquisadeautoriadeSantos(2007),cujottulo:Garotas Indisciplinadas numa Escola de Ensino Mdio: um estudo sob o enfoque de gnero. AterceirapesquisabuscouconhecerAsAtitudesdosProfessoresRelacionadas IndisciplinaEscolar(Oliveira,2004).Nessetrabalho,aautorarecorreuaomtodo pelofatodequeomesmoenvolverinvestigaodefenmenosqueocorrem naturalmentenavidadeumgrupo;enessecaso,aindisciplinanasaladeaula.A escolhaocorreutambmnatentativadebuscarcompreenderosentidoqueo fenmeno(indisciplinanasaladeaula)adquireparaaspessoasenvolvidasos professores.Aquartapesquisa,intituladaImagensdeSaladeAula:umestudo etnogrfico sobre os processos scio-educacionais e metacognitivos, numa turma de 8sri,edoEnsinoFundamentalpblicodoRiodeJaneiro,deautoriadeLage (2004), utilizou o mtodo por considerar que facilitaria a descrio das situaes e a interpretao das falas dos alunos. 573.1 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO DE CAMPO Iniciamosotrabalhodecamposeguindoasetapasdapesquisadotipo etnogrfico:explorao,decisoedescoberta(LDKEeANDR,1986,p.15). Primeiramentedefinimosqualseriaoobjetodepesquisa:aindisciplinaescolarna perspectiva dos alunos. Em seguida fizemos levantamento bibliogrfico e reviso de literaturasobreotema.Ento,procedemosescolhadolocalondeiramos desenvolver o trabalho de campo.Para Ldke e Andr (1986, p. 15), a etapa da explorao compreende quatro fases: definir o objeto de pesquisa, escolher o local, estabelecer contatos e fazer as primeiras observaes. Essa etapa complementada, segundo Andr (1998, p. 47), com um amplo estudo da literatura, relacionada ao objeto da pesquisa e ao contexto aserpesquisado.Paraaautora,oprocedimentoimportante,paraseconstruiro referencial terico, e para se formular o problema, surgindo as primeiras categorias deanlise,quedevemserconstrudasaologodapesquisaatravsdainterao entre teoria e os dados obtidos (p. 47). Comrelaoaocontexto,BogdaneBiklen(1994),acrescentamqueo investigadorqualitativopreocupa-secomocontexto,equeasaespodemser melhorcompreendidasquandosoobservadasnoseuambientehabitualde ocorrncia ( p. 48). A etapa da deciso onde acontece o trabalho de campo propriamente dito, quandoopesquisadorfazumabusca,segundoLdkeeAndr(1986,p.16),mais sistemtica,dosdadosquejulgamaisimportantesparacompreenderepara interpretar o fenmeno estudado. Os dados recolhidos so em forma de palavras ou 58deimagens,eno,denmeros,incluindotranscriesdeentrevistas,notasde campo,fotografias,vdeos,documentospessoaiseoutrosregistros(BOGDANe BIKLEN,1994,p.48).Esteomomentodefazeramediaoentreateoriaea experincia vivida em campo, de dialogar com o referencial terico, de rever alguns procedimentos e de fazer ajustes, se forem necessrios. Aterceiraeltimaetapa,adescoberta,estrelacionadaanlisee sistematizaodos dados coletados e elaborao do relatrio final. Para Ldke e Andr(1986),adescobertaomomentoemqueaconteceaexplicaoda realidade, quando o pesquisador interpreta e compreende o fenmeno a partir de um quadrotericopreviamenteconstrudoedosdadosobservados.ParaBogdane Biklen(1994),oprocessodeanlisedosdadoscompara-seaumfunil,ondeos fatoseassituaesestoabertosdeincio(ounotopo),esefechamese especificam no extremo (p. 50). 3.1.1 Caracterizao e contexto da escola onde ocorreu o trabalho de campo Os alunos investigados estudam em uma escola localizada no municpio de CndidodeAbreu,Paran,deaproximadamente17.500habitantes,sendoque setentaporcentodelesmoramnazonarural.Onmerodeescolasestaduais,no municpio,estassimdistribudo:nazonaurbana,umaescoladeEnsinoMdioe umaescoladeEnsinoFundamental,nazonarural,umaescoladeEnsino Fundamental(anosfinais)eMdio.Aredemunicipaldeensinocontacom46 escolasruraismultisseriadas,umaescolaruralqueofereceoEnsinoFundamental completo e duas escolas de Ensino Fundamental (anos iniciais), na zona urbana.59Otrabalhodecampo foirealizadoemumaescoladoEnsinoFundamental, daRedeEstadualdeEnsino,nazonaurbanadomunicpio.Aescolafuncionanos perodosmatutino,vespertinoenoturno,possuindo1.264alunos,sendoque:299 esto na 5 srie, distribudos em onze turmas; 352 alunos na 6 srie, distribudos em onze turmas; 317 alunos, na 7 srie, distribudos em 9 turmas; e 296 alunos, na 8srie,distribudos em8turmas.Dessesalunos,setentaporcentovem dazona rural5,tendoalgunsquepercorrerumadistnciadiriade60km,parachegar escola. Em cada perodo, so ministradas 5 aulas, com durao de 50 minutos cada, com um intervalo de 20 minutos aps a terceira aula. O incio de um dia de trabalho na referida escola poderia ser assim descrito: So7horase20minutosdeumamanhmuitoagradvel.Tera-feira. Caminho em direo escola. Estamos todos chegando para mais um dia de trabalho. Alguns passos a minha frente vai um grupo dealunos,comoelesriem...Logoatrs,vmduasmeninasque conversam sem parar. Do outro lado da rua, uma professora e suas duas filhas. Passa por ns um nibus escolar, mais um, outro mais. Chegamostodosemfrenteescola.Congestionamentonoporto principal.Eoinspetor6adizer:-Calmacrianas!-Bomdia, professora!-Bomdia,professor!Cuidadonaescada,desam devagar! Quando terminamos de descer os 19 degraus da perigosa escadaquedacessoaosaguoavistamosafiladealunosque aguardam para fazer a primeira refeio do dia. Percebemos que os alunosaochegaremaosaguosoltam-se,caminhamcom propriedadepeloscorredoresedemaisdependnciasdaescola.. Muitosdelesaoencontraremseuscolegasofazemcomtanta alegria,sotantasnovidadesacontarqueatparecequehdias elesnosevem.Outrosficamsozinhos,apreciandoovaievem dosdemais.Asmeninasandamemgrupinhos,todasfalandoao mesmo tempo. A maioria dos meninos prefere ir at as quadras de esporte.Ogranderelgiocolocadonaparededosfundosda secretariamarca7horase40minutos.Osinalvaitocar.Est comeandomaisumdiadevidananossaescola.(notasde campo) 5OProgramadeTransporteEscolarMunicipal,segundodadosobtidosjuntoSecretariaMunicipal deEducao,beneficia,aproximadamente,1.900alunosmatriculadosnaRedePblicaMunicipale Estadual.Sopercorridos4.200km/diaem32linhasdamalhaviriamunicipal.Destas,14so percorridas por frota terceirizada e 18 por frota prpria do municpio. 6Denominaoutilizadanaescolaparadesignarofuncionrioresponsvelporabrirefechara escola e tambm cuidar da ordem durante os intervalos de aula, chegada e sada dos alunos.60A grande maioria dos alunos so filhos de pequenos agricultores, cuja renda familiar advm da pecuria leiteira, da sericicultura e de culturas anuais, comofeijo emilho.BoapartedasfamliassobeneficiriasdoProgramaBolsaFamlia,do Governo Federal7(PBF), por serem consideradas famlias de baixa renda. H ainda osalunosfilhosdecomerciantes,ospequenosempresrioseosfuncionrios pblicos, cuja renda familiar eleva-se um pouco, se comparada renda das famlias deagricultores.Muitosalunospertencemafamliasconsideradasmuitocarentes financeiramente.Paraeles,aescolaorganizaanualmenteumacampanha,entre professores e funcionrios, com a finalidade de arrecadar material escolar e roupas, principalmenteagasalhosecaladosparaoinverno.Eventualmente,aescola recebe doaes dessa natureza, da comunidade e as destina aos alunos carentes.Ocorpodocentedaescolacompe-sede36professores,todos especialistas,sendoqueagrandemaioriatrabalhaemregimedededicao exclusivaescola.Aequipeadministrativaepedaggicaestassimcomposta:1 DiretoraGeral,1DiretoraAuxiliar,2Pedagogas,6AuxiliaresAdministrativosalm de 10 Auxiliares de Servios Gerais. Aestruturafsicadaescolacompe-sedequatroprdios,sendoqueo prdio mais antigo comporta cinco salas de aula e o Laboratrio de Informtica (em fas