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Inês Vieira.
O deserto inteiro e o sertão só meio:cá fora o deserto, lá dentro o sertão.Visto do sertão, o mundo é cancela:
as mãos de Euclides, os peitos de Gabriela.Ao longo do deserto nem mundo há:
a espada de Lourenço e a cruz de Jerônimo,um santo no Saara, o rei do sertão.
O deserto é perto,o sertão, distante.
No deserto, a morte,no sertão, a sorte.
O deserto é porto,o sertão, estação.O deserto é uno
e o sertão são vários.
O deserto é monoe o sertão, estéril.
No deserto, serpente;no sertão, repente.
No deserto há dunase o sertão tem donos.
O deserto ampliae o sertão reduz.O deserto, opacoe o sertão reluz.
No deserto, o norte é tudo,no sertão, bússola é o vento.O jejum no deserto purifica;
a fome no sertão só mortifica.
Pois no deserto há purezae no sertão, escassez.
Se pelo deserto passam,do sertão se retiram.
O deserto é o que se sabee o sertão não se conhece.
O deserto é todo iguale o sertão, tão diferente.
O deserto corretoe o sertão demente.
Num se trama a aventura;o outro, um fio de vida.Num toureia-se o medo;
o outro se enfrenta desde cedo.No deserto, a paz dos místicose o sertão é guerra por frutos.
O beduíno nômade,o sertanejo trânsfuga;
o beduíno valente,o sertanejo, um forte;
o camelo lerdoe o bode canhestro;
o camelo trôpegoe o bode trêfego.
A dança dos véus de Salomé,os anéis nos dedos de Maria Dea;
a arte caprichosa de Sherazadee os suspiros rimados de Teodora.
Cadê o afago da adaga do beduíno?E onde o peixe da peixeira do sertanejo?
Cadê o sinal no punhal do beduíno? E onde o sangue no bornal de Virgolino?
Cadê o ódio no olho do beduíno?E onde o amor no ombro do sertanejo?
Cadê o sal no pão do beduíno?E onde o mofo na farinha sertaneja?
Cadê a noz no oásis beduíno?E onde caju na roça do sertanejo?
Cadê a carga na corcova do camelo?E onde a canga no costado do jumento?
Onde a água no poço do beduíno?E cadê a água no pote do sertanejo?
No deserto, a palavra do profeta,no sertão, o sermão do Conselheiro.
Dão bom dia a Alá mirando Mecae dormem com Cristo lhes rondando o alpendre.
No deserto, areia nos olhos,e no sertão atire a primeira pedra.
A caravana traça o caminho do beduínoe a procissão trava o passo do sertanejo.
Sob o sol do deserto e o luar do sertão,o trapo do eremita e a sombra do taumaturgo.
No deserto, o tosco;no sertão, o brusco.O deserto é mudo,o sertão é surdo.
O sertão é fogo,o deserto fátuo.
No deserto, o brilho;no sertão, a trilha.
O deserto é palco;no sertão, o parco.
No deserto se perdee do sertão se foge.
O deserto salvae no sertão só sendo.
O deserto é plano,o sertão é chão.
O deserto é pátria,o sertão é berço.
O deserto é pálido,o sertão é sólido.
No deserto, amplitude,E no sertão, a solidão.