2
Curso de História da FUNEDI/UEMG Divinópolis – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010 ediotiral Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro de /2010 – Editor deste número: João Ricardo Ferreira Pires (coordenador do curso de His- tória) – Projeto gráfico/editorial e diagramação: Daniela Couto – Ilustrações: Arnaldo Pires Bessa – Revisão: Elvis Gomes (Assessoria de Comuni- cação da FUNEDI/UEMG) – Contatos: (37) 3229-3569 – [email protected] – Avenida Paraná, 3001, bairro Jardim Belvedere, CEP 35501-170 – Divinópolis (MG) EXPEDIENTE Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010 5 Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010 6 Informes Por uma história das coisas Aproveitando o tema geral dos nossos trabalhos interdisciplinares – cultura material, gostaria de fa- zer um pequeno exercício de olhar para as coisas que não olhamos. Meu objetivo com isso é incentivar a todos os alunos na feitura de seus trabalhos e de- fender um olhar diferente sobre as coisas que nos rodeiam, um olhar que estranhe essas coisas, um olhar que não as consi- dere naturais, mas que faça perguntas, que questione, pois essa é nossa função pri- meira como historiador. Então, os objetos, as coisas que nos cercam em todos os ambientes da nossa vida possuem histórias. Qual é a histó- ria, por exemplo, da cadeira? Qual é a história, por exemplo, do clip? Tentarei apontar alguns caminhos para se chegar à história desses objetos banais. Primeiro ponto: o espaço sociocultu- ral que torna possível o nascimento das coisas, ou seja, a partir de onde nasce a necessidade dos objetos. Podemos pensar que as coisas são inventadas para atender uma determinada necessidade que as pes- soas se deparam num determinado mo- mento. Essa necessidade nascerá das ca- racterísticas socioculturais, e a invenção de determinada coisa acompanhará essas características. Segundo ponto possível de se fazer uma história: os materiais de que é com- posta a coisa inventada. Não é por acaso que as coisas são feitas de barro, de ferro ou de qualquer outro material. Isso pode estar associado à presença ou não desses materiais na sociedade que inventou o objeto. Pode ser associado também às práticas de uso desse determinado mate- rial anteriores à invenção. Um terceiro ponto possível de se fa- zer uma história seria a questão da téc- nica e da tecnologia. Qual é a técnica necessária à invenção das coisas? Ela existia antes? Como essa técnica foi aproveitada na invenção de um deter- minado objeto? Um quarto ponto seria a evolução de seu uso, ou seja, um objeto pode ser in- ventado para um determinado uso e, com o passar dos tempos, ser utilizado para outros fins, ou mesmo seu uso permane- cer o mesmo mais adaptado às transfor- mações do meio. Um quinto ponto possível de se pro- duzir história seria a simbologia, a ico- nografia dos objetos. Estes possuem uma forma, possuem um desenho que muitas vezes atende à funcionalidade, mas que também pode ter valores estéticos, valo- res simbólicos. Ligado a esse quinto pon- to, podemos apontar a questão da histó- ria do design, área tão pouco frequentada por nós, historiadores, mas que poderia render bons frutos. Um sexto ponto seria a história da cir- culação das coisas: aqui podemos reti- rar excelentes informações sobre a eco- nomia, a sociedade e a cultura das regi- ões onde os objetos em questão circu- lam. Aqui, podemos estudar o consumo dessas coisas, que é uma forma de cir- culação econômica. Acho melhor ir encerrando esses pe- quenos e despretensiosos comentários, pois alongaríamos demais. Ficam como dicas de possíveis perguntas a serem fei- tas às coisas. Espero que tenha contribu- ído para vocês pensarem os trabalhos in- terdisciplinares e, para finalizar, duas di- cas de leitura: PETROSKI, Henry. Evolução das coi- sas úteis. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007. ROCHE, Daniel. História das coisas banais: nascimento do consumo nas so- ciedades do século XVII ao XIX. Tradu- ção de Ana Maria Scherer. Rio de Janei- ro: Rocco, 2000. João Ricardo Ferreira Pires professor e coordenador do curso de História da FUNEDI/UEMG BERMAN, Marshall. Tudo que é só- lido desmancha no ar: a aventura da modernidade. São Paulo: Cia. das Letras, 1986. O livro analisa experiências, meios, au- tores e obras modernas do Fausto de Goe- the até as artes plásticas dos anos 1970. Tem partes primorosas, como a análise de Fausto fomentador: o destruidor do antigo e, ao mesmo tempo, criador do novo. No segun- do capítulo, ele analisa o pensamento de Marx, tem alguns insights interessantes, mas é o pior capítulo da obra inteira. Berman não atinge nesse capítulo a plasticidade e a coe- rência que teve nos outros capítulos. O ter- ceiro capítulo é dos que eu mais gosto. Inti- tula-se “Baudelaire: o modernismo nas ruas”. Excelente análise de como Baudelai- re capta os gritos e olhos da rua, da multi- dão, um dos primeiros grandes efeitos per- versos da urbanização e industrialização que a Europa vivia à sua época. Baudelaire, se- gundo Berman, capta as fraturas e divisões sociais que a modernização econômica e social gerou. Depois vem o capítulo sobre os russos que o autor chama de modelo do subdesenvolvimento: aquelas regiões que no processo de modernização permaneciam subservientes à outra região. Foi o caso da Rússia desde o século XVIII e durante o XIX inteiro. O autor começa a tratar do que exis- te de moderno em Pushkin, Dostoievski, Gogol e outros, falando na linha do subde- senvolvimento, de uma modernidade ainda incompleta nesses autores e sua sociedade. Esse quarto capítulo é fantástico, com as interpretações a que Berman chega de algu- mas obras dos autores acima citados. E na última parte, o modernismo norte-america- no, o autor pega Nova Iorque como símbo- lo, tecendo comentários muito bons sobre a via expressa como conceito condensador desse modernismo e, também, os gritos nas ruas como outro conceito condensador da modernidade do século XX. O que fica é: mesmo que tudo que é só- lido se desmanche, tudo que é sagrado se profane, a busca do homem moderno per- manece sendo se encontrar, encontrar-se no redemoinho, acalmar a confusão e veloci- dade permanente da modernidade. Citan- do Guimarães Rosa, profundo conhecedor do misticismo brasileiro, não é o diabo no meio do redemoinho, somos nós mesmos, resenha Tudo que é sólido desmancha no ar e há várias formas de se acomodar, de se ajeitar no turbilhão. “E quanto ao dia que virá depois do amanhã? Thab Hassan, ide- ólogo do pós-modernismo, lamenta a obs- tinada recusa da modernidade a se extin- guir”. Quando terminará o período moder- no?... É o que desejam os pós-modernos, mas várias características econômicas e so- ciais da modernidade são onipresentes no nosso mundo, algumas promessas da mo- dernidade ainda não se realizaram e, ape- nas por isso, não é motivo para jogar o mo- derno, a modernidade e a modernização no saco de lixo como teimam em fazer os pós- modernos. O que Berman quer defender nessa linhagem da modernidade é que aqueles que estão à espera do final da era moderna deverão aguardar um tempo in- terminável. A economia moderna provavel- mente continuará em expansão, embora em novas direções, adaptando-se às crises crô- nicas de energia e do meio ambiente que o seu sucesso criou. As adaptações futuras exigirão grandes turbulências sociais e políticas; mas a mo- dernização sempre sobreviveu em meio a problemas, em uma atmosfera de “incerte- za e agitações constantes”, em que, como dizem Marx e Engels no Manifesto Comu- nista, “todas as relações fixas e congela- das são suprimidas”. Em tal ambiente, a cultura da modernidade continuará a de- senvolver novas visões e expressões de vida, pois as mesmas tendências econômi- cas e sociais que incessantemente transfor- mam o mundo que nos rodeia, tanto para o bem como para o mal, também transfor- mam as vidas interiores dos homens e das mulheres que ocupam esse mundo e o fa- zem caminhar. O processo de moderniza- ção, a cultura moderna e o modernismo, ao mesmo tempo em que nos exploram e nos atormentam, nos impelem a apreender e a enfrentar o mundo que esse processo constrói e a lutar por torná-lo o nosso mun- do, um mundo melhorado ou, pelo menos, sempre tentando melhorar. O livro foi lançado em 1982, subjaz em todo ele um conjunto pesado de críti- cas ao pós-modernismo e elogios ao mo- dernismo. Vale demais a leitura. João Ricardo Ferreira Pires professor e coordenador do curso de História da FUNEDI/UEMG Congressos – 26º Simpósio Nacional de História ANPUH 50 ANOS. Data: 17 a 23 de ju- lho de 2011. Local: USP. Inscrições: de de janeiro a 21 de março (inscrições nos Simpósios Temáticos), de 1º de ja- neiro a 30 de junho (inscrições prévias nos minicursos) e de 1º de maio a 11 de julho (inscrições de ouvintes). – 3º Seminário Dimensões da Política na História: Culturas Políticas, Relações So- ciais e Redes de Poder. Data: de 30 de no- vembro a 2 de dezembro de 2010. Local: Instituto de Ciências Humanas da Univer- sidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). In- formações: http://www.ufjf.br/3dimensoes/ – 4º Simpósio de Política e Cultura: Diá- logos e Interfaces. Data: de 1º a 3 de de- zembro de 2010. Local: Universidade Severino Sombra – Campus Vassouras (USS). Informações: http://www.uss.br/ web/page/simposiopol.asp – 6º Seminário de Ensino, Pesquisa e Ex- tensão da FUNEDI/UEMG. Cidades: a vida urbana entre 1910 e 2010. Local: Campus da FUNEDI/UEMG Divinópo- lis. Data: 24 a 26 de novembro de 2010. Informações: (37) 3229-3500 ou cepe@ funedi.edu.br – 12º Seminário de Iniciação Científica e Ex- tensão da UEMG. Local: Unidade de Frutal da UEMG. Datas: 17, 18 e 19 de novembro de 2010. Informações: http://www.uemg.br/ noticia_detalhe.php? id=3366 Chamadas de artigos – Revista Emblemas. Tema: “Juventude, História e Sociedade”. Prazo para envio: 17/12/2010. Informações: http:// www.revistas. ufg.br/index.php/emblemas – Revista Estudos Históricos FGV. Tema: “Espaço. Deslocamentos” – N° 47. Pra- zo para envio: 31/12/2010. Informações: http://cpdoc.fgv.br/revista – Revista Antíteses. Tema: “Humor gráfico: representações e usos”. Prazo para envio: 28/2/2011. Informações: http://www.uel.br/ revistas/uel/index.php/antiteses/index – Revista Tempos Históricos. Tema: “His- tória, Cinema e Música”. Prazo para en- vio: 10/3/2011. Tema: “História e Nature- za”. Prazo para envio: 10/8/2011. Informa- ções: http://e-revista.unioeste.br/index.php/ temposhistoricos/announcement – Revista História e Perspectivas. Tema: “História e Literatura”. Prazo para envio: 14/3/2011. Informações: http://www. histo- riaperspectivas. inhis.ufu.br/viewi ssue.php Lançamentos de livros – DOMINGUES, Beatriz H.; BLASE- NHEIM, Peter Louis. O código Morse: ensaios sobre Richard Morse. Belo Ho- rizonte: Editora UFMG, 2010. – HESPANHA,António Manuel. As bem-aven- turanças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime . São Paulo: Annablume, 2010. – MESQUITA, Daniel. Descobrimentos de Capistrano: a História do Brasil “a grandes traços e largas malhas”. Rio de Janeiro: Apicuri/Ed. PUC-RIO, 2010. – PAIVA, Adriano Toledo. Indígenas e os processos de conquista dos sertões de Minas Gerais (1767-1813). Belo Hori- zonte: Argvmentvm, 2010.

Infhistoria14

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Infhistoria14

Curso de História da FUNEDI/UEMG Divinópolis – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010

edio

tiral

Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembrode /2010 – Editor deste número: João Ricardo Ferreira Pires (coordenador do curso de His-tória) – Projeto gráfico/editorial e diagramação: Daniela Couto – Ilustrações: Arnaldo PiresBessa – Revisão: Elvis Gomes (Assessoria de Comuni-

cação da FUNEDI/UEMG) – Contatos: (37) 3229-3569 –[email protected] – Avenida Paraná, 3001, bairroJardim Belvedere, CEP 35501-170 – Divinópolis (MG)

EXPEDIENTE

Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010 5 Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010 6

Informes

Por uma história das coisasAproveitando o tema geral dos

nossos trabalhos interdisciplinares– cultura material, gostaria de fa-zer um pequeno exercício de olhar

para as coisas que não olhamos. Meuobjetivo com isso é incentivar a todos osalunos na feitura de seus trabalhos e de-fender um olhar diferente sobre as coisasque nos rodeiam, um olhar que estranheessas coisas, um olhar que não as consi-dere naturais, mas que faça perguntas, quequestione, pois essa é nossa função pri-meira como historiador.

Então, os objetos, as coisas que noscercam em todos os ambientes da nossavida possuem histórias. Qual é a histó-ria, por exemplo, da cadeira? Qual é ahistória, por exemplo, do clip? Tentareiapontar alguns caminhos para se chegarà história desses objetos banais.

Primeiro ponto: o espaço sociocultu-ral que torna possível o nascimento dascoisas, ou seja, a partir de onde nasce anecessidade dos objetos. Podemos pensarque as coisas são inventadas para atenderuma determinada necessidade que as pes-soas se deparam num determinado mo-mento. Essa necessidade nascerá das ca-racterísticas socioculturais, e a invençãode determinada coisa acompanhará essascaracterísticas.

Segundo ponto possível de se fazeruma história: os materiais de que é com-posta a coisa inventada. Não é por acasoque as coisas são feitas de barro, de ferroou de qualquer outro material. Isso podeestar associado à presença ou não dessesmateriais na sociedade que inventou oobjeto. Pode ser associado também àspráticas de uso desse determinado mate-rial anteriores à invenção.

Um terceiro ponto possível de se fa-zer uma história seria a questão da téc-nica e da tecnologia. Qual é a técnicanecessária à invenção das coisas? Elaexistia antes? Como essa técnica foiaproveitada na invenção de um deter-

minado objeto?Um quarto ponto seria a evolução de

seu uso, ou seja, um objeto pode ser in-ventado para um determinado uso e, como passar dos tempos, ser utilizado paraoutros fins, ou mesmo seu uso permane-cer o mesmo mais adaptado às transfor-mações do meio.

Um quinto ponto possível de se pro-duzir história seria a simbologia, a ico-nografia dos objetos. Estes possuem umaforma, possuem um desenho que muitasvezes atende à funcionalidade, mas quetambém pode ter valores estéticos, valo-res simbólicos. Ligado a esse quinto pon-to, podemos apontar a questão da histó-ria do design, área tão pouco frequentadapor nós, historiadores, mas que poderiarender bons frutos.

Um sexto ponto seria a história da cir-culação das coisas: aqui podemos reti-rar excelentes informações sobre a eco-nomia, a sociedade e a cultura das regi-ões onde os objetos em questão circu-lam. Aqui, podemos estudar o consumodessas coisas, que é uma forma de cir-culação econômica.

Acho melhor ir encerrando esses pe-quenos e despretensiosos comentários,pois alongaríamos demais. Ficam comodicas de possíveis perguntas a serem fei-tas às coisas. Espero que tenha contribu-ído para vocês pensarem os trabalhos in-terdisciplinares e, para finalizar, duas di-cas de leitura:

PETROSKI, Henry. Evolução das coi-sas úteis. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2007.

ROCHE, Daniel. História das coisasbanais: nascimento do consumo nas so-ciedades do século XVII ao XIX. Tradu-ção de Ana Maria Scherer. Rio de Janei-ro: Rocco, 2000.

João Ricardo Ferreira Piresprofessor e coordenador do curso de

História da FUNEDI/UEMG

BERMAN, Marshall. Tudo que é só-lido desmancha no ar: a aventura damodernidade. São Paulo: Cia. dasLetras, 1986.

O livro analisa experiências, meios, au-tores e obras modernas do Fausto de Goe-the até as artes plásticas dos anos 1970. Tempartes primorosas, como a análise de Faustofomentador: o destruidor do antigo e, aomesmo tempo, criador do novo. No segun-do capítulo, ele analisa o pensamento deMarx, tem alguns insights interessantes, masé o pior capítulo da obra inteira. Berman nãoatinge nesse capítulo a plasticidade e a coe-rência que teve nos outros capítulos. O ter-ceiro capítulo é dos que eu mais gosto. Inti-tula-se “Baudelaire: o modernismo nasruas”. Excelente análise de como Baudelai-re capta os gritos e olhos da rua, da multi-dão, um dos primeiros grandes efeitos per-versos da urbanização e industrialização quea Europa vivia à sua época. Baudelaire, se-gundo Berman, capta as fraturas e divisõessociais que a modernização econômica esocial gerou. Depois vem o capítulo sobreos russos que o autor chama de modelo dosubdesenvolvimento: aquelas regiões que noprocesso de modernização permaneciamsubservientes à outra região. Foi o caso daRússia desde o século XVIII e durante o XIXinteiro. O autor começa a tratar do que exis-te de moderno em Pushkin, Dostoievski,Gogol e outros, falando na linha do subde-senvolvimento, de uma modernidade aindaincompleta nesses autores e sua sociedade.Esse quarto capítulo é fantástico, com asinterpretações a que Berman chega de algu-mas obras dos autores acima citados. E naúltima parte, o modernismo norte-america-no, o autor pega Nova Iorque como símbo-lo, tecendo comentários muito bons sobre avia expressa como conceito condensadordesse modernismo e, também, os gritos nasruas como outro conceito condensador damodernidade do século XX.

O que fica é: mesmo que tudo que é só-lido se desmanche, tudo que é sagrado seprofane, a busca do homem moderno per-manece sendo se encontrar, encontrar-se noredemoinho, acalmar a confusão e veloci-dade permanente da modernidade. Citan-do Guimarães Rosa, profundo conhecedordo misticismo brasileiro, não é o diabo nomeio do redemoinho, somos nós mesmos,

rese

nha

Tudo que é sólido desmancha no ar

e há várias formas de se acomodar, de seajeitar no turbilhão. “E quanto ao dia quevirá depois do amanhã? Thab Hassan, ide-ólogo do pós-modernismo, lamenta a obs-tinada recusa da modernidade a se extin-guir”. Quando terminará o período moder-no?... É o que desejam os pós-modernos,mas várias características econômicas e so-ciais da modernidade são onipresentes nonosso mundo, algumas promessas da mo-dernidade ainda não se realizaram e, ape-nas por isso, não é motivo para jogar o mo-derno, a modernidade e a modernização nosaco de lixo como teimam em fazer os pós-modernos. O que Berman quer defendernessa linhagem da modernidade é queaqueles que estão à espera do final da eramoderna deverão aguardar um tempo in-terminável. A economia moderna provavel-mente continuará em expansão, embora emnovas direções, adaptando-se às crises crô-nicas de energia e do meio ambiente que oseu sucesso criou.

As adaptações futuras exigirão grandesturbulências sociais e políticas; mas a mo-dernização sempre sobreviveu em meio aproblemas, em uma atmosfera de “incerte-za e agitações constantes”, em que, comodizem Marx e Engels no Manifesto Comu-nista, “todas as relações fixas e congela-das são suprimidas”. Em tal ambiente, acultura da modernidade continuará a de-senvolver novas visões e expressões devida, pois as mesmas tendências econômi-cas e sociais que incessantemente transfor-mam o mundo que nos rodeia, tanto para obem como para o mal, também transfor-mam as vidas interiores dos homens e dasmulheres que ocupam esse mundo e o fa-zem caminhar. O processo de moderniza-ção, a cultura moderna e o modernismo,ao mesmo tempo em que nos exploram enos atormentam, nos impelem a apreendere a enfrentar o mundo que esse processoconstrói e a lutar por torná-lo o nosso mun-do, um mundo melhorado ou, pelo menos,sempre tentando melhorar.

O livro foi lançado em 1982, subjazem todo ele um conjunto pesado de críti-cas ao pós-modernismo e elogios ao mo-dernismo. Vale demais a leitura.

João Ricardo Ferreira Piresprofessor e coordenador do curso de

História da FUNEDI/UEMG

Congressos– 26º Simpósio Nacional de HistóriaANPUH 50 ANOS. Data: 17 a 23 de ju-lho de 2011. Local: USP. Inscrições: de1º de janeiro a 21 de março (inscriçõesnos Simpósios Temáticos), de 1º de ja-neiro a 30 de junho (inscrições préviasnos minicursos) e de 1º de maio a 11 dejulho (inscrições de ouvintes).

– 3º Seminário Dimensões da Política naHistória: Culturas Políticas, Relações So-ciais e Redes de Poder. Data: de 30 de no-vembro a 2 de dezembro de 2010. Local:Instituto de Ciências Humanas da Univer-sidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). In-formações: http://www.ufjf.br/3dimensoes/

– 4º Simpósio de Política e Cultura: Diá-logos e Interfaces. Data: de 1º a 3 de de-zembro de 2010. Local: UniversidadeSeverino Sombra – Campus Vassouras(USS). Informações: http://www.uss.br/web/page/simposiopol.asp

– 6º Seminário de Ensino, Pesquisa e Ex-tensão da FUNEDI/UEMG. Cidades: avida urbana entre 1910 e 2010. Local:Campus da FUNEDI/UEMG Divinópo-lis. Data: 24 a 26 de novembro de 2010.Informações: (37) 3229-3500 ou [email protected]

– 12º Seminário de Iniciação Científica e Ex-tensão da UEMG. Local: Unidade de Frutalda UEMG. Datas: 17, 18 e 19 de novembro de2010. Informações: http://www.uemg.br/noticia_detalhe.php? id=3366

Chamadas de artigos– Revista Emblemas. Tema: “Juventude,História e Sociedade”. Prazo para envio:17/12/2010. Informações: http://

www.revistas. ufg.br/index.php/emblemas

– Revista Estudos Históricos FGV. Tema:“Espaço. Deslocamentos” – N°47. Pra-zo para envio: 31/12/2010. Informações:http://cpdoc.fgv.br/revista

– Revista Antíteses. Tema: “Humor gráfico:representações e usos”. Prazo para envio:28/2/2011. Informações: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/antiteses/index

– Revista Tempos Históricos. Tema: “His-tória, Cinema e Música”. Prazo para en-vio: 10/3/2011. Tema: “História e Nature-za”. Prazo para envio: 10/8/2011. Informa-ções: http://e-revista.unioeste.br/index.php/temposhistoricos/announcement

– Revista História e Perspectivas. Tema:“História e Literatura”. Prazo para envio:14/3/2011. Informações: http://www. histo-riaperspectivas. inhis.ufu.br/viewi ssue.php

Lançamentos de livros– DOMINGUES, Beatriz H.; BLASE-NHEIM, Peter Louis. O código Morse:ensaios sobre Richard Morse. Belo Ho-rizonte: Editora UFMG, 2010.

– HESPANHA, António Manuel. As bem-aven-turanças da inferioridade nas sociedades deAntigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010.

– MESQUITA, Daniel. Descobrimentosde Capistrano: a História do Brasil “agrandes traços e largas malhas”. Rio deJaneiro: Apicuri/Ed. PUC-RIO, 2010.

– PAIVA, Adriano Toledo. Indígenas eos processos de conquista dos sertões deMinas Gerais (1767-1813). Belo Hori-zonte: Argvmentvm, 2010.

Page 2: Infhistoria14

Uma juventude que fez revoluções, acabou com

ditaduras, extinguiu as amarrasmorais, cantou as mais

belas músicas, escreveu as mais belas poesias?

O que há de perdido nisso?

Os costumes vãosendo alterados

paulatinamente, e aadesão a atitudes,

valores e ideário maismodernos vai toman-

do corpo na incipientenação brasileira

o sentido específico dadiferença, da alteridade eda identidade, aos homensdo passado, esse diálogo

oferece igualmente aesperança de sobreviverem

à sua finitude

Esse diálogopromovido pelo

historiador ofereceaos homens do presente uma interlocução, um conforto,

melhor localização de si no tempo

Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010 2 Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010 3 Boletim informativo do curso de História da FUNEDI/UEMG – Ano 4 – Nº 14 – Novembro/2010 4

artig

oA educação feminina no Brasil

no século XIX através da cultura impressa

A imprensa brasileira floresceu apósa Independência, orientada pelasLuzes e pela Razão, tão difundidasno século XVIII. Os jornais passa-

ram, a partir daí, a serem vistos como fon-tes de informação e também de conheci-mento. Muitas vezes o jornalista foi con-fundido com o educador, professor, porpromover a leitura, a reflexão. O jornal,nesse contexto, atuou como um promotorda educação pública, divulgando ações,valorizando as atividades escolares e, so-bretudo, destacando a profissão de profes-sora no Brasil Império.

É preciso lembrar que, até aproxima-damente 1808, as mulhe-res estiveram fora das sa-las de aula, excluídas doprocesso educacional, e aúnica educação recebidaaté então era a de dentrode casa, em geral, volta-da aos afazeres domésti-cos, como os cuidadoscom a casa, crianças, bor-dados, culinária. Com avinda da Corte, isso mudaum pouco de figura. Os costumes vão sen-do alterados paulatinamente, e a adesão aatitudes, valores e ideário mais modernosvai tomando corpo na incipiente nação bra-sileira. Entre tais mudanças de atitudes,insere-se o papel da mulher na sociedade,a necessidade de instrução, inclusive paraatender às necessidades de se apresentarbem nos salões, teatros, reuniões, que en-tão passaram a fazer parte da vida socialno Rio de Janeiro já nas primeiras déca-das do século XIX. Tais alterações nospapéis com relação às figurações sociaisestão relacionadas em grande medida àdistinção entre o espaço público e o pri-vado, incentivadas desde o século XVIII.

Uma releitura será feita a partir de en-tão sobre a família, o papel feminino, acidadania, a educação, especialmente atra-vés da leitura de periódicos diversos e dealguns poucos destinados ao público fe-minino. A mulher passa aos poucos a servista como um ser político importante,capaz de formar futuros cidadãos.

Entre alguns jornais voltados a este pú-blico específico, a psicóloga e doutora em

Educação Mônica Yumi Jinzenji pesqui-sou especialmente Mentor das Brasileiras– no seu livro Imprensa e Educação daMulher no Século XIX – primeiro periódi-co dedicado às mulheres, produzido emMinas Gerais, mais especificamente emSão João Del-Rei, lançado em 30 de no-vembro de 1829 e que circularia até 1º dejunho de 1832. Tal periódico, redigido porJosé Alcibíades Carneiro, tinha o propó-sito de promover a instrução e o entrete-nimento das mulheres, auxiliando-as naformação de uma boa mãe e cidadã, atri-butos imprescindíveis às mulheres de en-tão. Suas matérias, de acordo com a pes-

quisadora, enalteciam asvirtudes, os valores mo-rais apregoados à época,bem como valorizava opapel de gestora da vidafamiliar e da educadorafundamental das futurasgerações. Por ter essa co-notação social e política,dava menor valor à modaou às coisas que ele con-siderava futilidades do

gênero. Pelo que consta, suas leitoras co-bravam notícias sobre a moda da Corte,ao que seu redator, a contragosto, cedeuàs inúmeras pressões, inserindo algumasnotas que se referiam aos trajes mais usa-dos no Rio de Janeiro, bem como as co-res, os adereços e a influência da Cortefrancesa sobre nossos costumes.

O cenário da educação brasileira desteperíodo é restrito, mas de forma algumadesprezível. Muitas são as mulheres quese destacaram em concursos para profes-soras em escolas, os chamados exames pú-blicos, e muito provavelmente foram asprimeiras a ter direito a uma profissão, aexercer um importante papel social no es-paço público, antes reservado exclusiva-mente aos homens. Em uma sociedadecompletamente patriarcal, algumas notá-veis figuras femininas tiveram sua chan-ce, oportunidade de trabalhar, se instruir,educar, dando impulso a uma nova cultu-ra e sociedade em construção.

Karin Amaral8º período de História

artig

o Há algum tempo, estava eu sentadana sala de espera em um consultório,quando um senhor de mais idadeolhou para o livro em minhas mãos e

me perguntou:– O que você está lendo?Mostrei-lhe a capa do livro (Apologia

da História ou Ofício de Historiador deMarc Bloch) e respondi:

– Um livro de História.De repente, ele sorriu e disse:– Hummm.... História é? Por acaso

você faz faculdade de História?– Faço sim.– E por que você escolheu fazer His-

tória?Neste momento, o doutor me chamou

e eu apenas despedi-me daquele senhor.Mas aquela conversa me fez questionar oporquê que eu faziaHistória. De uma coi-sa eu tinha certeza,que eu gostava desdemuito tempo, masnunca tinha paradopara pensar qual erao motivo que me le-vava a gostar tanto.Aquela conversa des-pertou em mim uma curiosidade: quais ra-zões levam os homens a mergulharem nomundo da História?

O homem em sua trajetória pela vida(no espaço e no tempo) deixa vestígios,marcas e sinais que, ao serem encontra-dos pelo historiador,se transformam emverdadeiros portais.Portais que possibili-tam uma viagem dopresente para o passa-do e do passado parapresente, em busca deresponder a questõessurgidas em um con-texto no qual o historiador encontra-se in-serido. Ginzburg compara o historiadorcom um caçador que está sempre à procu-ra de vestígios, sinais, marcas e rastros queo homem tenha deixado. Ao encontrar taisvestígios, o historiador seleciona-os, ana-lisa-os e parte para a escrita da História.Mas por que fazemos História?

Por quefazemos História?

Na trajetória da História, podemos per-ceber que, em meio a lutas entre paradig-mas e tendências, todos procuraram e pro-curam entender a existência humana emum tempo e espaço. Procuram encontrarum caminho no qual possam ter acesso aoshomens do passado e, de certa forma, ten-tar compreender o presente, saciar a curi-osidade humana e encontrar meios nosquais possam transitar entre o passado epresente. Como disse José Carlos Reis, emHistória entre a Filosofia e a Ciência, “ohistoriador é nada mais nada menos do queum mediador de um diálogo, de um deba-te, entre os homens passados, cuja presen-ça torna-se viva, e os homens presentes,que se sentem menos solitários e despro-tegidos. Esse diálogo promovido pelo his-toriador oferece aos homens do presente

uma interlocução, umconforto, melhor localiza-ção de si no tempo, o sen-tido específico da diferen-ça, da alteridade e daidentidade, aos homensdo passado, esse diálogooferece igualmente a es-perança de sobreviveremà sua finitude”.

Michel De Certeau disse uma vez: “Eume interrogo sobre a enigmática relaçãoque mantenho com a sociedade presente ecom a morte, através da mediação das ati-vidades técnicas”. Quando eu li esta fra-se, percebi que eu sinto o mesmo e sei que

essa questão sempre meimpulsionará a buscar res-postas. Buscando compre-ender qual o motivo queme levou a gostar de His-tória, deparei-me com vá-rios. Percebi também queo ofício de historiador émesmo o que eu quero se-guir, apesar de sua com-

plexidade e de seus problemas, pois a cadadia mais eu me encanto com a atividadede navegar no tempo, do presente para opassado, do passado para o presente e, sea vida permitir, do presente para o futuro.

Carla Fonseca de Morais4º período de História

artig

o

Deixe-os em paz

Estavam, sentados em roda, Judas, Sade,Rosa, Raul, Chico e Frida. Em meio aocírculo, uma pequena fogueira que apla-cava o frio e, na mão de um deles, um

violão que alimentava a imaginação e dava otom das melodias nostálgicas, românticas, sa-tíricas, alternativas e psicodélicas. Regados àcerveja, drogas, vinho e música, a noite erainterminável ao pé do calvário.

Ao levantar os primeiros raios de soldaquela manhã, pouco após os jovens irempara suas casas, ou talvez para uma taber-na onde pudessem satisfazer seus desejosdevassos, Jesus, num grande bocejar, abreos olhos, remove os cravos das mãos, dospés, desce da cruz e, num gesto de pregui-ça e de noite mal dormida, encosta-se nacruz ao lado. Apanhaum cigarro no chão eacende-o no resquí-cio de fogueira queainda havia nos pésde sua cruz. Volta aencostar-se na cruzao lado, olha pracima, e diz: “Estávendo, Dimas? Depois de tudo que eu emeu pai fizemos, ainda tenho que aguen-tar esse tipo de pessoa. Não têm casas nemcamas, é o que parece, já que passam asnoites a me aborrecer. Não trabalham, nãotenho dúvidas, uma vez que vão se embo-ra quando a hora é aquela em que todos jáestão a se dirigir pro trabalho”. “Mas oque de tão bom o senhor e vosso pai fize-ram?”, pergunta Dimas. “Pelo que me cons-ta, a sabedoria adquirida, vosso pai, o deus,escolheu, aleatoriamente, um povo, em de-trimento de outros vários, prometeu a essepovo uma terra que jorrava leite e mel, masantes o fez passar por desertos, exílios, pra-gas, sofrimentos e testou, de maneira in-fantil, egoísta e mesquinha, a fé de um ho-mem ordenando-o que matasse seu própriofilho. A seu povo dava a vitória, a outros, aderrota sangrenta, sofrida, sem chance desalvação ou arrependimento”.

“Quer que eu continue?”, indagou Di-mas a Jesus, que, nesse momento, num tra-go profundo, extinguia por completo o ci-garro. “Não”, disse Jesus, “sei perfeitamen-te essa história, mas lhe digo uma coisa,isso tudo foi pra glória de meu pai que criouo céu e a terra e...”. “Pode parar por ai que

já sei essa ladainha”, interrompeu Dimase continuou que salvou seu povo e o en-viou para a redenção de seus pecados, cujosinal é a morte na cruz e blá, blá, blá. “Nãoprecisas repetir o que vens dizendo já hádois mil anos. Mas está vendo no chãoaquela poça de vômito, aquelas guimbasde cigarro, as garrafas, os preservativos?”,perguntou Dimas a Jesus. “Claro que es-tou”, respondeu. “Veja bem, isso é o sím-bolo de uma juventude perdida, sem rumo,sem... opa, espere aí um pouco”, interrom-peu novamente Dimas, “perdida e semrumo? Uma juventude que fez revoluções,acabou com ditaduras, extinguiu as amar-ras morais, cantou as mais belas músicas,escreveu as mais belas poesias? O que há

de perdido nisso? Pelocontrário, eles se en-contraram como sereshumanos e estão liber-tando o mundo dos en-sinamentos de seu pai,aquele velho careta, edas palavras de ordemdos velhos mal amados

que comandam sua igreja”.“Mas você não entende, Dimas? Deus

ama tantos seus filhos que lhes permitempassar por sofrimentos para que possamver que a verdadeira alegria está no todo-poderoso”. “Pois bem, Jesus”, disse Di-mas em tom de fim de conversa, “é poresse discurso fajuto que os rapazes quecá vêm para se divertirem são como são,escolheram viver livres a sofrerem e es-perar por uma salvação que ninguém podeafirmar se é verdadeira ou mentirosa. En-tão, pra fim de papo, deixe-os em paz, des-canse meus ouvidos, eles nem mesmocreem que tu és filho de deus. Na verda-de, não creem nem mesmo que o senhorvosso pai, o deus, existe. São felizes, aocontrário daqueles quem vêm ali à frentepara rezar, com caras de sofrimento e dedesejos reprimidos. Sobe logo nessa cruz,faz cara de sofredor que talvez esses dei-xem ao pé da cruz um pedaço de Big Mac,um resto de Coca-Cola e umas moedaspra pinga, porque também, sem a cacha-ça, ninguém aguenta essa situação”.

Valter Bernardo8º período de História