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Influência da Quimioterapia e do Sistema Imunológico no Crescimento Tumoral Nilo A. Martin 1 Programa de Mestrado em Biometria, IBB, UNESP 18618-970, Botucatu, SP E-mail: [email protected] Gustavo Cruz-Pacheco UNAM, IIMAS, Cidade do México, México E-mail: [email protected] Paulo F. A. Mancera¹ Departamento de Bioestatística, IBB, UNESP 18618-970, Botucatu, SP E-mail: [email protected] Resumo: A importância da busca por novas abordagens de tratamento e prevenção do câncer é evidente perante aos indicadores de incidência e de óbitos causados pela doença. Emerge deste cenário uma modalidade de tratamento voltada a estimular o sistema imunológico no combate ao câncer, denominada imunoterapia. Neste trabalho buscamos, através de um modelo de equações diferenciais ordinárias, uma melhor compreensão da influência do sistema imunológico no crescimento tumoral, em conjunto com diferentes protocolos de tratamento quimioterápico. O câncer tem sido uma das principais causas de morte no mundo, e os seus meios de desenvolvimento ainda não são bem compreendidos. Atualmente, os principais tratamentos de combate a essa doença são a cirurgia (remoção mecânica do tumor), a quimioterapia (administração de drogas anti-cancerígenas) e a radioterapia (tratamento com radiação ionizante). Como consequência dos desenvolvimentos científico e tecnológico, observa-se uma maior solidez no tratamento, em virtude da disposição de drogas e equipamentos mais eficientes. Por outro lado, estes tratamentos têm muitos efeitos colaterais, pois afetam também as células saudáveis nos pacientes submetidos a eles [2]. Portanto, existe um grande interesse na busca de novas abordagens terapêuticas de combate ao câncer, sendo que o tratamento oncológico a partir de componentes do sistema imunológico emerge como uma possível alternativa, denominada imunoterapia. Dentro desta perspectiva, pode-se dizer que o maior ganho obtido a partir do uso de tal técnica está relacionado à capacidade do sistema imunológico em atacar somente as células cancerígenas, evitando os efeitos colaterais causados pela quimioterapia e pela radioterapia [2]. Por outro lado, é importante levar em consideração que o sistema imunológico não evoluiu para lidar com o câncer de uma forma direta. Há aproximadamente 200 anos atrás, a expectativa de vida era de aproximadamente 35 anos, sendo que uma das principais causas de morte era as doenças infecciosas [9]. As neoplasias acometem, na maioria das vezes, pessoas acima dos 50 anos de idade [4]. Podemos dizer que não houve tempo suficiente para o nosso sistema imunológico evoluir de forma a combater o câncer de uma maneira eficiente, fato que motiva a busca por estratégias de estímulo ao sistema imune a combater o câncer [9]. Como parte da busca por uma compreensão mais sólida de tais terapias o papel da modelagem matemática vem se tornando cada vez mais apreciado, tendo em vista que a maioria dos “sistemas biológicos” é altamente complexa, pois é composta por diversas variáveis que, interagindo entre si, atribuem ao sistema um caráter não linear. Fica claro então o papel da matemática aplicada como um meio de elucidar os aspectos comportamentais e evolutivos de tais sistemas [2]. Neste trabalho apresentamos o estudo de um modelo matemático de equações diferenciais ordinárias que considera a interação entre células tumorais, células normais, células endoteliais (responsáveis pelo processo de vascularização tumoral) e células do sistema imunológico, bem como, a ação de uma determinada droga quimioterápica. Como resultados, são apresentados o comportamento das células tumorais sob a influência do sistema imunológico e de diferentes protocolos de tratamento quimioterápico. De [3], [7] e [8], propomos o seguinte modelo: 1 Agradecimentos: NAM: CAPES; PFAM: FAPESP: 2009/15098-0. 1 ISSN 2318-471X ISBN: 978-85-8215-047-4

Influência da Quimioterapia e do Sistema Imunológico no ... · no qual denotamos o número de células tumorais por N1, o número de células normais por N2, ... em que T + τ é

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Influência da Quimioterapia e do Sistema Imunológico no Crescimento Tumoral

Nilo A. Martin 1 Programa de Mestrado em Biometria, IBB, UNESP

18618-970, Botucatu, SP E-mail: [email protected]

Gustavo Cruz-PachecoUNAM, IIMAS, Cidade do México, México

E-mail: [email protected]

Paulo F. A. Mancera¹Departamento de Bioestatística, IBB, UNESP

18618-970, Botucatu, SP E-mail: [email protected]

Resumo: A importância da busca por novas abordagens de tratamento e prevenção do câncer é evidente perante aos indicadores de incidência e de óbitos causados pela doença. Emerge deste cenário uma modalidade de tratamento voltada a estimular o sistema imunológico no combate ao câncer, denominada imunoterapia. Neste trabalho buscamos, através de um modelo de equações diferenciais ordinárias, uma melhor compreensão da influência do sistema imunológico no crescimento tumoral, em conjunto com diferentes protocolos de tratamento quimioterápico.

O câncer tem sido uma das principais causas de morte no mundo, e os seus meios de desenvolvimento ainda não são bem compreendidos. Atualmente, os principais tratamentos de combate a essa doença são a cirurgia (remoção mecânica do tumor), a quimioterapia (administração de drogas anti-cancerígenas) e a radioterapia (tratamento com radiação ionizante). Como consequência dos desenvolvimentos científico e tecnológico, observa-se uma maior solidez no tratamento, em virtude da disposição de drogas e equipamentos mais eficientes. Por outro lado, estes tratamentos têm muitos efeitos colaterais, pois afetam também as células saudáveis nos pacientes submetidos a eles [2]. Portanto, existe um grande interesse na busca de novas abordagens terapêuticas de combate ao câncer, sendo que o tratamento oncológico a partir de componentes do sistema imunológico emerge como uma possível alternativa, denominada imunoterapia. Dentro desta perspectiva, pode-se dizer que o maior ganho obtido a partir do uso de tal técnica está relacionado à capacidade do sistema imunológico em atacar somente as células cancerígenas, evitando os efeitos colaterais causados pela quimioterapia e pela radioterapia [2]. Por outro lado, é importante levar em consideração que o sistema imunológico não evoluiu para lidar com o câncer de uma forma direta. Há aproximadamente 200 anos atrás, a expectativa de vida era de aproximadamente 35 anos, sendo que uma das principais causas de morte era as doenças infecciosas [9]. As neoplasias acometem, na maioria das vezes, pessoas acima dos 50 anos de idade [4]. Podemos dizer que não houve tempo suficiente para o nosso sistema imunológico evoluir de forma a combater o câncer de uma maneira eficiente, fato que motiva a busca por estratégias de estímulo ao sistema imune a combater o câncer [9]. Como parte da busca por uma compreensão mais sólida de tais terapias o papel da modelagem matemática vem se tornando cada vez mais apreciado, tendo em vista que a maioria dos “sistemas biológicos” é altamente complexa, pois é composta por diversas variáveis que, interagindo entre si, atribuem ao sistema um caráter não linear. Fica claro então o papel da matemática aplicada como um meio de elucidar os aspectos comportamentais e evolutivos de tais sistemas [2].

Neste trabalho apresentamos o estudo de um modelo matemático de equações diferenciais ordinárias que considera a interação entre células tumorais, células normais, células endoteliais (responsáveis pelo processo de vascularização tumoral) e células do sistema imunológico, bem como, a ação de uma determinada droga quimioterápica. Como resultados, são apresentados o comportamento das células tumorais sob a influência do sistema imunológico e de diferentes protocolos de tratamento quimioterápico.

De [3], [7] e [8], propomos o seguinte modelo:

1 Agradecimentos: NAM: CAPES; PFAM: FAPESP: 2009/15098-0.

1

ISSN 2318-471X ISBN: 978-85-8215-047-4

{dN 1

dt=r1 N 1(1−

N 2

k 2

−α12 N 2

k 1)−c1 I N 1−

μ N 1 Q

a+Q

dN 2

dt=r1 N 1(1−

N 2

k 2

−α21 N 2

k 1)−

ν N 2 Q

b+Q

dL1

dt=σ L1 + Nϕ 1−ω L1 N 1−

η L1 Q

c+QdIdt

=s−d 1 I+ρ I N 1

γ+ N 1

−c2 I N 2−δ I Qd+Q

dQdt

=q (t )−λ Q

, (1 )

no qual denotamos o número de células tumorais por N1, o número de células normais por N2, o número de células vasculares endoteliais por L1, o número de células do sistema imune por I e a quantidade do quimioterápico por Q. As constantes ri (com i=1,2) representam as respectivas taxas de crescimento das células tumorais (i=1) e normais (i=2); q(t) é o fluxo de infusão e λ é a taxa de decaimento do quimioterápico; αij são os coeficientes de competição que mensuram os efeitos causados pela população j na população i; k1 denota a capacidade suporte do tumor no estágio pré-vascular e k2 é a capacidade suporte das células normais; σ está relacionada com a proliferação das células endoteliais adjacentes ao tumor, ϕ mede o TAF (Tumoral Angiogenic Factors) e ω mede o TIF (Tumoral Inhibitor Factors) liberados pelo tumor e η modela a intensidade do efeito do quimioterápico nas células endoteliais; s representa a entrada constante de células imunológicas no sistema, ci

são os termos de competição entre as células imunológicas e tumorais, d1 é a taxa de mortalidade das células imunológicas, γ é o limite máximo de células imunológicas, ρ é a taxa de resposta imunológica na presença das células tumorais e δ modela a intensidade do efeito do quimioterápico sobre as células imunológicas. As constantes a, b, c, e d representam a resposta de cada população celular ao quimioterápico. A função q(t) é periódica devido aos dois protocolos de tratamento considerados no trabalho. Os protocolos são denominados convencional e metronômico (antiangiogênico). O protocolo convencional, o qual tem sido uma prática muito comum no tratamento oncológico há décadas, se dá pela infusão de altas doses da droga, próximas da máxima dose tolerada pelo organismo, e com períodos de tempo (aproximadamente 21 dias) sem a administração da droga, para que o organismo possa se recuperar dos efeitos colaterais do tratamento [5]. Em contrapartida, o protocolo metronômico [1] busca atacar com mais agressividade as células endoteliais responsáveis pela vascularização tumoral. O protocolo metronômico consiste na administração de pequenas doses da droga, sendo necessário um período de recuperação muito menor (em torno de 6 dias) entre as infusões. Devido ao curto período sem a ação da droga, a vascularização tumoral não se recupera integralmente e, como consequência, o crescimento tumoral fica debilitado. Visto isso, segue a função que modela a infusão periódica do quimioterápico, segundo [6]:

q (t )={q> 0, n ≤ t < n + τ0, n + τ ≤ t < n + T

,(2 )

em que T + τ é o período entre o início das infusões. O valor de n varia de acordo com o protocolo em questão. Foram realizadas simulações numéricas do modelo considerando diferentes cenários, levando em conta

os diferentes protocolos de tratamento quimioterápico, com o objetivo de compreender sob quais condições o sistema imunológico pode vir a ser uma ferramenta eficiente no combate ao câncer. Para o protocolo convencional, em (2), utilizamos q=7200 mg/dia e para o metronômico q=3600mg/dia [8]. As condições iniciais para as simulações mostradas nas figuras são N1(0)=1x10⁹, N2(0)=1x10¹², L1(0)=1x10², Q(0)=0 e I(0)=0, exceto na Figura 3 em que I(0)=1x10¹ . Os valores dos parâmetros utilizados nas simulações são exibidos na Tabela 1.⁰

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ISSN 2318-471X ISBN: 978-85-8215-047-4

Tabela 1: Valores dos parâmetros utilizados nas simulações.

Parâmetros Valores assumidos Parâmetros Valores assumidos Parâmetros Valores assumidos r1 1x10 ²⁻

k1 1x10⁸

α12 9x10⁻⁵

c1 1x10 ¹¹⁻

k2 1x10¹²

ν 8x10 ²⁻

b 5x10⁶

σ 1x10 ³⁻

s1 1x10⁷

d1 2x10 ¹⁻

ρ 18x10 ²⁻

γ 1x10 ²⁻

μ 1.3

a 2x10³

r2 1x10 ³⁻

α21 9x10 ¹⁻

ϕ 1

ω 1x10 ¹²⁻

η 1

c 2x10³

c2 1x10 ¹²⁻

δ 1x10 ¹⁻

d 5x10⁻⁶

Figura 1: Comparação do efeito dos tratamentos convencional e metronômico sobre as células tumorais.

Figura 2: Dinâmica do sistema sem a influência do sistema imunológico, considerando a infusão metronômica.

A Figura 1 ilustra a maior eficiência do protocolo metronômico de administração do quimioterápico. Porém, observando a Figura 2, notamos que por volta de 1500 dias após o início do tratamento, com o mesmo protocolo, a quantidade de células tumorais atinge de 1012 implicando num tumor praticamente letal ao ser humano.

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Figura 3: Dinâmica do sistema sob a influência do sistema imunológico e da quimioterapia metronômica.

Observando a Figura 3, notamos que quando há a influência das células imunológicas sobre o crescimento tumoral o período de tempo que o tumor leva para atingir a massa crítica é consideravelmente maior do que quando há apenas o tratamento quimioterápico agindo nas células tumorais. Portanto, se estimulado de maneira correta para agir sobre o crescimento tumoral, o sistema imunológico aumenta a eficiência dos tratamentos oncológicos. Além disso, a ação do sistema imune contribui para o controle do crescimento tumoral pós tratamento mantendo o tamanho do tumor estável, tendo em vista que as células cancerígenas dificilmente são erradicadas do organismo pela quimioterapia.

Referências

[1] T. Browder, C. E. Butterfield, B.M. Kraling, B. Shi, B. Marshall, M. S. O'Reilly, J. Folkman. Antiangiogenic scheduling of chemotherapy improves efficacy against experimental drug-resistant cancer. Cancer Res, vol. 60, pp. 1878-1886, 2000.

[2] M. Chaplain, A. Matzavinos, Mathematical modelling of spatio-temporal phenomena in tumour immunology, em Friedman, A. (Ed.) “Tutorials in Mathematical Biosciences III”, Springer, The Netherlands, pp. 131-183, 2006.

[3] L. G. De Pillis, A. Radunskaya, A mathematical tumor model with immune resistance and drug therapy: an optimal control approach, J Theor Med, vol. 3, pp. 79-100, 2001.

[4] INCA. Coordenação Geral de Ações Estratégicas. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2012: incidência de câncer no Brasil, INCA, Rio de Janeiro. 118 p, 2011.

[5] R. S. Kerbel, B. A. Kamem, The anti-angiogenic basis of metronomic chemotherapy, Nature Rev Cancer, vol. 4, pp. 423-436, 2004.

[6] R. Martin, K. L. Teo, “Optimal control of drug administration in cancer chemotherapy”, Singapore: World Scientific, 1993.

[7] D. S. Rodrigues, P. F. A. Mancera, Mathematical analysis and simulations involving chemotherapy and surgery on large human tumours under a suitable cell-kill functional response, Math. Biosc. Eng., 10:1, pp. 221-234, 2013.

[8] D. S. Rodrigues, P. F. A. Mancera, S. T. R. Pinho, Accessing the effect of metronomic chemotherapy through a simple mathematical model. Preprint, 2012.

[9] L. Sompayrac, “How cancer works”, Jones and Bartlett Publishers, 2004.

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ISSN 2318-471X ISBN: 978-85-8215-047-4