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1 Influência do individualismo na arquitetura de interior residencial contemporânea brasileira dezembro/2014 ISSN 2179-5568 Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014 Influência do individualismo na arquitetura de interior residencial contemporânea brasileira Carolina Thaís Zdrojewski [email protected] Master em Arquitetura Instituto de Pós-Graduação - IPOG Florianópolis, SC, 27 de março de 2014 Resumo O objetivo deste estudo é mostrar como o individualismo pode influenciar na arquitetura de interior residencial contemporânea brasileira de classe média, média alta e classe alta. Por meio das inovações tecnológicas e de tantas outras mudanças socioeconômicas da contemporaneidade, a comunicação tem sofrido modificações no século XXI. As formas de relacionamento virtual e os novos perfis familiares têm gerado transformações nos espaços de convívio. Com a internet as pessoas se tornaram mais instrospectivas e criam formas de relacionamento não físicas, tornando-se cada vez mais individualistas. O fato é que esse comportamento atinge a arquitetura, com o desenvolvimento de espaços mais individualizados, personificados e com menos ênfase para os espaços de convivência. Por meio de uma análise breve do individualismo, foi possível identificar sua forte manifestação na sociedade em razão da era da internet e de sua influência na comunicação. O estudo da história da arquitetura residencial brasileira facilitou a percepção de alterações na importância de cada ambiente em uma residência, mudando de acordo com as transformações da sociedade e a chegada das tecnologias. Com o uso da internet e a facilidade de consumir, cada espaço é tão bem-equipado que cada indivíduo pode ter seu próprio espaço completo, dentro de um mesmo lar, sem precisar dividir e, consequentemente, socializar. Por isso é pertinente a atenção para esse comportamento humano e como ele se estabelece na arquitetura de interior residencial. Palavras-chave: Comunicação. Relacionamento. Individualismo. Espaço. Residência. 1. Introdução O comportamento individualista tem sido um fator de influência nos projetos de arquitetura de interior residencial contemporânea brasileira. Esta análise foi feita com base nos perfis de classe média, média alta e alta, pois são os casos em que efetivamente pode-se notar uma influência mais objetiva do individualismo na arquitetura. No século XXI, a contemporaneidade, o consumismo, a era virtual e uma série de novas tecnologias trouxeram mudanças para o homem, vistas nas suas mais diferentes formas de viver, inclusive, na sua maneira de convívio em comunidade. As novas formas de relacionamento, principalmente as virtuais, mudaram o comportamento da geração atual, estabelecendo diferentes modos de convivência e socialização, evidenciando ainda mais traços de individualismo na sociedade. Recuero explica com clareza: A mudança de paradigmas que o surgimento da Rede trouxe para o mundo acabou

Influência do individualismo na arquitetura de interior ... · história da arquitetura residencial brasileira facilitou a percepção de alterações na importância de cada ambiente

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Influência do individualismo na arquitetura de interior residencial contemporânea brasileira

dezembro/2014

ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - 8ª Edição nº 009 Vol.01/2014 dezembro/2014

Influência do individualismo na arquitetura de interior residencial

contemporânea brasileira

Carolina Thaís Zdrojewski – [email protected]

Master em Arquitetura

Instituto de Pós-Graduação - IPOG

Florianópolis, SC, 27 de março de 2014

Resumo

O objetivo deste estudo é mostrar como o individualismo pode influenciar na arquitetura de

interior residencial contemporânea brasileira de classe média, média alta e classe alta. Por

meio das inovações tecnológicas e de tantas outras mudanças socioeconômicas da

contemporaneidade, a comunicação tem sofrido modificações no século XXI. As formas de

relacionamento virtual e os novos perfis familiares têm gerado transformações nos espaços

de convívio. Com a internet as pessoas se tornaram mais instrospectivas e criam formas de

relacionamento não físicas, tornando-se cada vez mais individualistas. O fato é que esse

comportamento atinge a arquitetura, com o desenvolvimento de espaços mais

individualizados, personificados e com menos ênfase para os espaços de convivência. Por

meio de uma análise breve do individualismo, foi possível identificar sua forte manifestação

na sociedade em razão da era da internet e de sua influência na comunicação. O estudo da

história da arquitetura residencial brasileira facilitou a percepção de alterações na

importância de cada ambiente em uma residência, mudando de acordo com as

transformações da sociedade e a chegada das tecnologias. Com o uso da internet e a

facilidade de consumir, cada espaço é tão bem-equipado que cada indivíduo pode ter seu

próprio espaço completo, dentro de um mesmo lar, sem precisar dividir e, consequentemente,

socializar. Por isso é pertinente a atenção para esse comportamento humano e como ele se

estabelece na arquitetura de interior residencial.

Palavras-chave: Comunicação. Relacionamento. Individualismo. Espaço. Residência.

1. Introdução

O comportamento individualista tem sido um fator de influência nos projetos de arquitetura

de interior residencial contemporânea brasileira. Esta análise foi feita com base nos perfis de

classe média, média alta e alta, pois são os casos em que efetivamente pode-se notar uma

influência mais objetiva do individualismo na arquitetura.

No século XXI, a contemporaneidade, o consumismo, a era virtual e uma série de novas

tecnologias trouxeram mudanças para o homem, vistas nas suas mais diferentes formas de

viver, inclusive, na sua maneira de convívio em comunidade.

As novas formas de relacionamento, principalmente as virtuais, mudaram o comportamento

da geração atual, estabelecendo diferentes modos de convivência e socialização, evidenciando

ainda mais traços de individualismo na sociedade. Recuero explica com clareza:

A mudança de paradigmas que o surgimento da Rede trouxe para o mundo acabou

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por trair os conceitos de comunidades tradicionais. Não há interação física. Não há

proximidade geográfica: Estas comunidades estruturam-se fundamentalmente sobre

um único aspecto: o interesse em comum de seus membros. A partir deste interesse,

as pessoas conseguiriam criar entre si relações sociais independentes do fator físico,

e com o tempo essas relações tornar-se-iam de tal forma poderosas que poderiam ser

classificadas como laços comunitários. Estruturadas sobre um locus virtual, não

físico e nem real, essas comunidades surgiriam através da interação puramente

comunicativa entre seus membros. (2000, s/p, grifo da autora).

Bauman comenta sobre “a fragilidade dos laços humanos” em uma sociedade em que não se

cultivam os relacionamentos; uma geração contemporânea, tecnológica e consumista que tem

afetado diretamente suas dinâmicas de socialização. “A realização mais importante da

proximidade virtual parece ser a separação entre comunicação e relacionamento.”

(BAUMAN, 2004, p. 39).

De acordo com a teoria de Lipovetsky (2004), a mídia influencia na cultura cotidiana da

sociedade, direcionando os valores individualistas e gerando mudanças nos perfis de

relacionamento.

O objetivo deste estudo não é fazer uma crítica social ou antropológica ao comportamento

individualista do ser humano. A intenção é de, a partir de uma análise objetiva e clara,

identificar quais são as características principais dessa conduta e como ela pode modificar o

espaço arquitetônico residencial contemporâneo.

O individualismo pode ser observado não só no espaço residencial como também nos

ambientes urbanos, em parques e praças, cada vez mais impessoais, e em shoppings, por

exemplo, com a mesma linha de pensamento.

Para destacar as mudanças geradas pelo comportamento contemporâneo, é importante fazer

uma breve análise de como foi a evolução da residência nos últimos anos e o porquê de suas

tranformações na história. O estudo faz um apanhado geral sobre a importância dos ambientes

na residência e suas mudanças, abordadas por Lemos (1996), com o passar dos anos e de

acordo com os novos perfis familiares.

A mudança comportamental dos indivíduos acaba afetando diretamente os ambientes de

convivência, sejam eles maiores ou menores, como a própria residência, por exemplo, que

deveria ser o local de interação mais íntimo e próximo.

As diferentes formas de relacionar-se com a própria família e as novas dinâmicas

estabelecidas num lar contemporâneo alteram a demanda do programa de necessidades usual

de um projeto de arquitetura de interiores residencial. É um exercício de reflexão para os

arquitetos repensarem os usos reais, atuais, dos espaços, no comportamento de cada usuário,

cada vez mais individualizado.

A tendência de consumir aparelhos eletrônicos e relacionamentos virtuais direciona as

pessoas para que fiquem cada vez mais em espaços isolados, conectadas entre si. Geralmente,

os ambientes são adaptados e confortáveis o suficiente para que o usuário possa permanecer

ali por um longo tempo, interagindo fisicamente o mínimo necessário. Por esses motivos o

individualismo influencia a arquitetura residencial, de forma que os espaços estão cada vez

mais direcionados para o uso isolado dos indivíduos.

Os dormitórios são bem-equipados com eletroeletrônicos, como televisão, computador,

telefone, em alguns casos, frigobar. Além disso, a infraestrutura tem comportado um banheiro

para cada usuário. Assim os espaços de convivência das casas ficam reduzidos e seu uso

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torna-se esporádico. A conduta individualista altera as dimensões, o leiaute e o mobiliário das

casas contemporâneas.

Evidente que nem tudo é culpa desse comportamento individualista, pois existe uma série de

outros fatores socioeconômicos, e outros tantos comportamentais (aqui não citados), que

construíram a história da arquitetura residencial ao longo do tempo. A questão é se os

arquitetos estão devidamente atentos a essas alterações da sociedade e às suas necessidades

reais. Será que os profissionais estão abertos às mudanças e dispostos a mostrar para o cliente,

quando pertinente, o grau de importância da arquitetura de interior residencial para a melhoria

da sua qualidade de vida, inclusive, na dinâmica de seus relacionamentos com quem habita?

2. A comunicação virtual e as novas formas de relacionamentos

Na última década, as casas brasileiras aumentaram em três vezes o número de computadores;

desses, 30,7% estão conectados à internet. (IBGE apud LIMA, 2012). “A internet é o segundo

maior meio de comunicação utilizado pelos brasileiros”, de acordo com o Ibope (apud

FLORO, 2013).

A internet é uma forma de comunicação revolucionária. Segundo Recuero (2000), a internet,

também chamada de rede, é a forma mais completa de “tecnologia humana”, unindo

características como a “interatividade e a massividade”.

A revolução na comunicação gerou uma “reorganização nos hábitos de socialização”, pois

não há aproximação física. De acordo com a teoria de Oldenburg (apud RECUERO, 2000),

poderíamos identificar três espaços básicos: o primeiro, a casa, onde o indivíduo mora; o

segundo, o trabalho, e o terceiro, o lugar de lazer, onde o indivíduo pode socializar. Segundo

Recuero (2000), para o século XXI, o terceiro lugar poderia ser a internet, como a tentativa de

ser um lugar para o lazer, porém, com mais segurança, já que os espaços públicos, os

transportes e as cidades encontram-se em total estado de caos urbano.

Mesmo que a intenção inicial do crescimento da internet e das redes sociais tenha sido de

fato, ser o “terceiro lugar”, um espaço virtual de lazer e socialização relativamente seguro, por

que é tão comum vermos pessoas reunidas, mas, cada uma com seu aparelho tecnológico e

conectada com seu próprio universo? Essa cena parece ter se tornado normal e rotineira e

acaba sendo um vício “checar” o celular e verificar mensagens, mesmo quando se está

acompanhado. É uma geração cibernética, viciada em redes sociais todo o tempo, interagindo

virtualmente, mesmo estando em grupo, deixando os outros de lado e mantendo o mínimo de

contato físico com as pessas ao redor. Talvez as pessoas tenham desaprendido as maneiras

originais de socializar do “terceiro lugar”, desenvolvendo uma forma de interagir sem contato

físico, criando uma espécie de “comunicação virtual individualista” e contemporânea, como

refere Bauman:

Diferentemente dos “relacionamentos reais” é fácil entrar e sair dos

“relacionamentos virtuais”. Em comparação com a “coisa autêntica”, pesada, lenta e

confusa, eles parecem inteligentes e limpos, fáceis de usar, compreender e

manusear. Entrevistado a respeito da crescente popularidade do namoro pela

Internet, em detrimento dos bares para solteiros e das seções especializadas dos

jornais e revistas, um jovem de 28 anos da Universidade de Bath apontou uma

vantagem decisiva da relação eletrônica: “Sempre se pode apertar a tecla de deletar”.

(2004, p. 8).

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3. O individualismo

O individualismo, na maioria das vezes, tem um conceito pejorativo de racionalização e

egoísmo, quando, na verdade, também estabelece direitos segundo a visão de Singly. Para

esse autor, o individualismo “é um humanismo, onde cada ser humano pode se desenvolver e

tornar-se ele mesmo, desapegando-se o máximo possível das restrições sociais impostas”.

(2001, p. 11).

Para Bauman a individualidade contemporânea é uma fatalidade e não uma escolha (2001). O

autor comenta as “transformações sociais aceleradas”, consequentemente, a “dissolução dos

laços afetivos”, o “desapego e a provisoriedade” dos seres humanos (2001). Bauman explica

“a misteriosa fragilidade dos vínculos humanos, o sentimento de insegurança que ela inspira e

os desejos conflitantes (estimulados por tal sentimento) de apertar os laços e ao mesmo tempo

mantê-los frouxos”. (2004, p. 6).

A manipulação social da ânsia pela transcendência é inevitável se a vida individual

deve ser vivida e a vida em comum deve continuar - mas ela tende a incluir uma

manipulação do excedente que desvia mais do que aproxima as chances que a vida

cria. (BAUMAN, 2008, p. 12).

A insegurança e a desconfiança também podem ser uma resposta a esse comportamento de

individualidade cada vez mais presente. Como forma de defesa em uma sociedade cruel e ante

a um governo ineficaz, a população fica mais introspectiva e opta por maior privacidade.

Assim observa Pallasmaa conforme citação abaixo:

Uma cultura que busca controlar seus cidadãos provavelmente promoverá a direção

oposta de interação, saindo da individualidade da intimidade e identificação e indo

para um isolamento físico e público. Uma sociedade controladora sempre é uma

sociedade do olho voyeur e sádico. (PALLASMAA, 2011, p. 46, grifo nosso).

O consumismo em massa, a busca incessante por comodidade, conforto e satisfação

instantâneos fazem o ser humano se importar cada vez mais consigo e buscar o seu bem-estar

imediato. “Desde a entrada das nossas sociedades na era do consumo em massa, predominam

os valores individualistas do prazer e da felicidade, da satisfação íntima, não mais a entrega

da pessoa a uma causa, a uma virtude austera, à renúncia de si mesmo.” (LIPOVETSKY,

2004, p. 23).

É notável a tendência individualista das pessoas em ações muito rotineiras como ter um carro

para uma só pessoa, morar sozinho, pois, mesmo em relacionamentos conjugais, muitos casais

optam por morar separados, por exemplo. É óbvio que o individualismo não é o único motivo

para todos esses acontecimentos listados, mas é possível visualizar características desse

comportamento em diferentes ações diárias do ser humano.

Na residência, o traço comportamental individualista fica em evidência na dinâmica que se

estabelece nos relacionamentos, ou na ausência deles, no caso de apartamentos para uma

pessoa, por exemplo, e como isso se traduz na necessidade de espaços arquitetônicos que são

palco para esses convívios.

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Dentre vários estudos da arquitetura de diferentes tipologias, principalmente residencial,

existe um direcionamento dos projetos para a importância das percepções dos usuários no

espaço. Uma das filosofias comentadas é a de Merleau-Ponty (1999), a fenomenologia, que é

o estudo da essência da percepção e da consciência, entre outros conceitos mais

aprofundados. Para o autor “ter a experiência de uma estrutura não é recebê-la passivamente

em si; é vivê-la, recolhê-la, assimilá-la, reencontrar seu sentido imanente”. (MERLEAU-

PONTY apud PALLAMIN, 1996, p. 42). Com ideias semelhantes sobre a percepção da

arquitetura, Botton (2007) comenta acerca de uma arquitetura que seria projetada para “afastar

a mente dos fenômenos e orientá-la para as essências”. “Nosso domicílio se torna integrado à

nossa autoidentidade; ele se torna parte de nosso corpo e ser.” (PALLASMAA, 2011, p. 68).

A arquitetura é um abrigo, muito mais do que um espaço que responde às necessidades do ser

humano; um ambiente correspondente aos seus comportamentos, mas também uma estrutura

quase viva, mutante, de acordo com a atualização das formas de vida do indivíduo.

Na era dos computadores, deseja-se viver na casa dos avós. Essa nostalgia reflete o

desvinculamento cultural com a contemporaneidade. A retomada dos reais anseios

físicos e psicológicos é um passo para que a casa sirva às aspirações humanas e

poéticas. Verifica-se, então, que a grandeza da arquitetura se reflete mais no poder

de conceber “aquilo que é casa”, do que a habilidade em se desenhar uma casa. A

casa só é desenhada depois de concebida e aí é que começa então o ato de se fazer

arquitetura. (PODESTÁ, 2000, p. 15).

4. Breve histórico da arquitetura residencial brasileira

Em meados do século XIX, a casa urbana brasileira abrigava geralmente uma sala de

recepção, em alguns casos, a oficina, ou loja, os dormitórios, também chamados de alcovas, a

cozinha e a instalação sanitária, nos fundos da casa, chamada “casinha”. (LEMOS, 1996).

Nesse período e durante muitos anos, os dormitórios eram amplos e abrigavam todos os filhos

da casa e algumas dividiam os dormitórios dos filhos de acordo com o sexo, mas

independentemente da idade, eles permaneciam convivendo juntos, com suas diferenças, até o

momento de saírem de casa, geralmente quando casavam.

De acordo com Lemos, as características portuguesas das casas brasileiras foram sofrendo

adaptações ao longo dos anos, e, no século XX, as influências ecléticas foram se

estabelecendo pela via do neocolonialismo com tendências francesas.

Na década de 20 do século XX, a copa se torna o ambiente de estar preferido da família

(LEMOS, 1996). A sala de estar torna-se um espaço mais esporádico, e em razão do rádio, a

família opta por reunir-se na copa e ali desfrutar da novidade tecnológica da época. Na visão

de Lemos (1996), com a popularização da televisão em 1950, a sala de estar muda de

configuração, ganha novos mobiliários, sofás mais confortáveis e se torna um living room. O

velho rádio na copa, aos poucos é substituído pela sala de estar, ou living room, e a televisão.

Será que o living room está sendo substituído, na contemporaneidade, por dormitórios com

rádio, televisão, internet e toda a infraestrutura necessária para que não precise sair do

ambiente?

Um fato interessante, também, é que a geração da década de 60, 70 e 80 do século XX, pôde

ter mais acesso às universidades e houve, de forma geral, uma mudança nas zonas rurais, no

interior e nas periferias das cidades, para os centros urbanos. Anteriormente, viviam nos

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modelos usuais de casa, tendo os quartos divididos entre os irmãos. Nessa mudança para a

cidade se estabeliciam um novo pensamento e um desejo de desvinculação com algumas

coisas do passado que remetiam à pobreza ou a costumes antiquados para o novo estilo de

vida proposto pela modernidade. Olhando sob essa ótica, o fato de pais dessa geração

poderam proporcionar a seus filhos espaços separados, cada um com seu dormitório, talvez

com suíte, é uma questão de status. O “individualismo contemporâneo virtual” e a falta de

relacionamento e de convívio familiar chegam posteriormente.

É importante observar os fatores que desencadearam os desenvolvimentos antropológico,

social e econômico da humanidade. Eles escrevem a história movimentando várias áreas da

sociedade, inclusive a arquitetura, que se movimenta e muda, e os arquitetos devem estar

atentos a essas mudanças. Lemos dá conta de que:

Hoje, numa só casa, principamente onde há muitos jovens, existe uma infinidade de

aparelhos disponíveis. Agora, os decoradores já sabem que os dormitórios dos

moços deverão receber um tratamento adequado com mobiliário que permita a

superposição das atividades de estudo, lazer e descanso. A casa seria fragmentada

em várias zonas de estar de uso exclusivo, atreladas a uma zona de lazer e comer

comunitária. Enfim, antigamente, as famílias rezavam unidas; hoje seus membros

ouvem separados... Enfim, a família moderna está estruturada de modo diferente.

Novos hábitos emanados de uma nova tecnologia que alterou fundamentalente os

meios de comunicação. Os programas de nenecessidade modernos são realmente

diversificados daqueles de vinte ou trinta anos atrás. (1996, p. 73).

4.1 O individualismo e o espaço residencial

A residência é o espaço-base do ser humano, o lar, onde ele deveria se sentir mais à vontade,

mais confortável. Em todas as atividades desempenhadas, a arquitetura estará acompanhando

o usuário, não somente como cenário, mas como agente participativo e servidor das ações

realizadas. Segundo Pallasmaa (2011), a “arquitetura inicia, direciona e organiza o

comportamento e o movimento em uma residência”. “O espaço arquitetônico é um espaço

vivenciado, e não um mero espaço físico, e espaços vivenciados sempre transcendem a

geometria e a mensurabilidade.” (PALLASMAA, 2011, p. 60).

Villa (2006) ensina que o aumento populacional criou um défice habitacional em São Paulo,

entre 1920 e 1930, gerando a demanda de apartamentos com apenas um dormitório e um

banheiro, sem os habituais cozinha, sala e dormitórios. Em proporções menores, o défice

habitacional também atingiu, com o passar dos anos, outras cidades do País, inclusive, as do

interior. O aumento populacional acelerado, aliado à exploração imobiliária,

consequentemente, gerou novas demandas nos programas voltados às necessidades funcionais

das residências. A sobreposição de funções, devido à valorização do espaço, e as próprias

destinações de cada ambiente já não são necessariamente as mesmas se comparadas com

modelos das últimas três décadas. Além disso, os perfis familiares também já não são os

mesmos nem suas dinâmicas de relacionamento diário, como se lê:

A família tem passado por mudanças estruturais que têm influenciado os espaços

residenciais e criado demandas novas e distintas de moradia. Talvez a principal

alteração foi a conquista da privacidade – o grupo familiar tem deixado de ser um

grupo doméstico controlado por uma pessoa para ser um encontro de indivíduos e

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vidas individuais –, significando que o espaço doméstico tem de responder de outra

forma a essas solicitações. (VILLA, 2006, s/p).

Em vista dos novos tipos de relacionamento que se estabelecem dentro de uma casa, ou

mesmo, a intenção de manter poucos relacionamentos, cresce o número de residências

inspiradas nos modelos de lofts, flats e quitinetes. Um exemplo é Caxias do Sul, segunda

maior cidade do interior do Rio Grande do Sul, que tem assistido a um aumento populacional

acelerado nas últimas décadas. O município, de acordo com a Gazeta de Caxias (2012),

aumentou sua população, que era de cerca de 435 mil habitantes, para 465 mil ao longo de

três anos. Com esse aumento e as mudanças urbanas, o mercado imobiliário vai se moldando

a modelos contemporâneos de arquitetura, inclusive residencial, como o da figura abaixo, de

uma quitinete de classe média, que comportaria uma, ou no máximo, duas pessoas.

Figura 1 – Residencial Du Lac. Planta baixa pavimento tipo, planta baixa apartamentos, perspectiva

Fonte: Imóveis Liv (2013).

O tipo loft tem uma intenção muito parecida com o da quitinete, mas, nesse caso, o espaço

está mais direcionado à individualidade total por conta da falta de privacidade do ambiente. O

espaço é mais aberto, sem divisórias, equipado para uma pessoa. Esse tipo de residência era

mais adotado por estudantes. Hoje, os lofts são muito procurados por pessoas solteiras, que

geralmente trabalham muito, ficam pouco tempo em casa e, quando saem com a família ou

amigos, optam por locais públicos. Além disso, a exploração imobiliária faz com que os

imóveis escolhidos sejam cada vez menores, e os bairros de moradia sejam mais centrais e

mais nobres. A figura 2 demonstra um exemplo de loft dentro de um conceito nomeado pelo

próprio nome do complexo Live & Work. Esse conjunto de edifícios em Curitiba associa

atividades comerciais a residenciais com diferentes tipos de planta baixa, oferecendo conforto

e praticidade, em uma cidade que já sofre com problemas de défice urbano, exploração

imobiliária e trânsito congestionado.

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Figura 2 – Empreendimento de múltiplo uso 7th

Avenue Live & Work. Planta baixa loft e perspectiva

Fonte: Grupo Thá (2011).

O crescimento do número de opções de residência para uma ou duas pessoas revela o novo

contexto social contemporâneo, posto que as pessoas optam por morar sozinhas, muitos casais

optam por não ter filhos e morar em uma habitação menor. Talvez esse não seja um traço

individualista por si, mas mostra a valorização do ser individual e a influência dessa mudança

de comportamento em uma demanda de tipologia residencial de planta baixa cada vez mais

solicitada nas cidades.

Inserida na tipologia residencial, existe a chamada planta livre que é uma opção de planta

baixa que oferece flexibilidade de leiaute organizacional. Essa é uma solução interessante

para residências cada vez mais personalizadas e que dão liberdade ao cliente final de poder

criar e gerar o seu espaço de acordo com suas necessidades, respeitando os ambientes-base, a

instalação hidrossanitária e a chegada da instalação elétrica na edificação.

A casa-núcleo de Mies Van Der Rohe é um exemplo modernista (1950) de uma residência

com o modelo de planta livre, que já atendia às necessidades habitacionais da época.

(COLOMBO, 2011). Com o aumento da industrialização e, principalmente depois da Segunda

Guerra Mundial, a demanda por mais moradias aumentou. Sem subsídios terceirizados, o

arquiteto começou um estudo sobre o que seria uma casa ideal, inclusive, no quesito custo,

para uma nova classe de trabalhadores, que necessitava de mais ou menos cômodos, de

acordo com o seu perfil familiar.

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Figura 3 – Casa-núcleo. Perspectiva e planta baixa

Fonte: Colombo (2011).

O modelo com base em planta livre continua sendo adotado como uma opção para famílias,

ou pessoas solteiras, que pretendem mais tarde mudar o tamanho dos ambientes de sua casa,

sem necessariamente fazer grandes reformas ou alterar a estrutura. A demanda que foi gerada

devido a motivações econômicas, urbanas e sociais, agora está mais voltada à individualidade,

à personificação total dos projetos, com flexibilidade quanto às mudanças e funções e à

necessidade do consumidor contemporâneo de alterações instantâneas. A figura que segue

mostra uma residência contemporânea (como exemplo de planta livre), podendo acrescentar e

mudar ambientes com divisórias de correr ou móveis.

Figura 4 – Casa Xan. Foto, planta baixa térreo, planta baixa pavimento superior

Fonte: Melendez (2014).

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Nas residências unifamiliares de classe média e alta, a maioria dos dormitórios é projetada

para que os moradores tenham o máximo de autonomia possível em relação ao restante da

casa. O quarto é quase um flat, com televisão, computador, internet, videogame, banheiro,

escritório e, se possível, frigobar. A intenção, além de oferecer muito conforto, é que o

usuário saia o mínimo necessário do seu quarto. Muitas residências, sejam elas casas no

modelo de sobrados, ou apartamentos de classe média e média alta, são oferecidas pelas

imobiliárias com um banheiro por dormitório. Geralmente, essa característica é a que mais se

destaca e dá status ao imóvel. Mesmo que a área dos ambientes seja reduzida e quanto mais

ambientes individualizados, com funções definidas, como as suítes, a unidade residencial

possa oferecer, mais valor terá o edíficio. No exemplo da figura 5, observa-se a planta baixa

de uma apartamento com três suítes na cidade de Curitiba.

Figura 5 – Planta baixa do Edifício Mandala

Fonte: Grupo Thá (2013).

Os ambientes de convívio e de possível relacionamento fisico da família tornam-se espaços

pouco utilizados, mais direcionados às visitas e, sem notar, a família se distancia dentro da

mesma casa. Interessante é observar, que a cozinha, que há algumas décadas também servia

de espaço de convívio, hoje é mais um ambiente da “zona de serviço” da casa. Além disso, as

cozinhas são muito mais utilizadas para refeições rápidas, e as sacadas têm sido fechadas com

vidro ou, nas casas, os pátios abrigam quiosques e espaços semelhantes, dando lugar para os

conhecidos espaços gourmets, com churrasqueia e pia. Nesse espaço, sim, o convívio seria

propício, mas sugere algo mais alternativo e esporádico.

Geralmente, nas novas configurações de residência, a sala de estar é também a sala de

televisão, e se conjuga com a sala de jantar que também, serve de copa. É a sobreposição de

funções dos ambientes, mas que, com o tempo, notou-se a ausência de algumas funções. A

copa, muito usual na década de 20 do século passado (LEMOS, 1996), usada diariamente, não

é mais tão necessária, pois as refeições são rápidas ou feitas fora de casa. A sala de jantar é

suficiente. A sala de estar, apenas para receber convidados é um luxo, presente apenas em

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casas de classe alta. As salas de televisão vão ganhando importância, não no tamanho, mas no

mobiliário, com um programa de necessidades voltado a um home theater.

O único local comum da casa, espaço de reunião, que ultimamente tem sido chamado de

living, justamente por ser o local de encontro dos moradores, têm no seu programa de

necessidades demandas prioritárias mais específicas para momentos de relaxamento e

introspecção dos usuários, apresentação de filmes, ou seja, momentos sem maior interação,

deixando como aspecto secundário a intenção de dinâmicas de socialização. O apartamento

em Florianópolis da figura 6 ilustra um apartamento típico de área limitada, com ambientes

pequenos, duas suítes, e uma sala com as funções juntas.

Figura 6 – Planta baixa do Edifício Naval Clube. Foto living

Fonte: Koerich Imóveis (2013)

A quantidade de cômodos de uma casa normalmente poderia estar relacionada não só ao perfil

comportamental da família, mas ao seu perfil econômico. É sabido que no século XXI, com o

défice populacional e a exploração imobiliária o tamanho da propriedade comparada à classe

do proprietário não é diretamente proporcional. O fato é que, normalmente, se o cliente tiver

mais poder aquisitivo, se puder solicitar ao seu arquiteto, ou puder procurar com seu corretor

uma residência com mais cômodos, é por este último que ele vai optar. Mesmo em residências

com área reduzida, como nos exemplos das figuras acima, os usuários têm optado por leiautes

com mais divisórias e espaços individualizados para cada habitante da casa. Assim cada um

tem a opção de ficar mais reservado e desfrutar de maior privacidade.

Na contemporaneidade, a oportunidade de ter privacidade e a individualização dos projetos

são vistos como privilégio. Em algumas exceções, as famílias, mesmo tendo a possibilidade

de ter mais cômodos e deixar cada filho em seu dormitório, com seus equipamentos, a

dinâmica familiar estabelecida é de deixar os filhos se relacionarem via divisão dos

ambientes, dividindo o mesmo dormitório e tendo menos aparelhos, como televisão e

computador na residência. É o caso da residência de uma família em Florianópolis, que tem

três filhas com idades diferentes, que dormem no mesmo dormitório, mesmo morando em

uma casa com cinco quartos. O quarto das meninas não tem computador, nem televisão, já

que a casa só tem duas televisões: uma no quarto do casal e outra na sala, onde é habitual a

família reunir-se para todos juntos conversarem, assistirem aos mesmos programas de

televisão e comer. Sobre o perfil familiar, incluindo hábitos e o porquê de suas escolhas,

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baseadas no desejo de que as filhos aprendessem em casa o valor de se relacionarem e de

dividir com os outros, foi colocado um anexo (ANEXO A) neste estudo, com o depoimento

da mãe das meninas e sua percepção crítica como agente de mudança desse espaço.

5. Conclusão

Com este estudo breve sobre as mudanças havidas na comunicação virtual e o crescente

individualismo causado pelos novos perfis de relacionamento contemporâneos, foi possível

identificar algumas influências desse comportamento na arquitetura de interior residencial.

A contemporaneidade propõe uma vida consumista e tecnológica que permite

relacionamentos virtuais rápidos e não físicos, criando novos tipos de laços afetivos, ou seja,

mais superficiais. Esse tipo de socialização afeta os perfis familiares e o cotidiano dos

indivíduos.

Sem fazer uma crítica ao individualismo, buscou-se indentificar traços dessa conduta, saber

por que ela tem sido mais evidente nos dias de hoje e de que forma está associada aos meios

de comunicação, à tecnologia e ao mundo virtual.

Pela análise rápida da história das residências brasileiras, pode-se observar que mudanças na

importância dos ambientes, sempre aliada à transformação de sua dimensão, à localização e

ao mobiliário estão diretamente relacionadas aos principais eventos socioeconômicos e

tecnológicos da população.

Dessa forma, o individualismo influencia na arquitetura residencial, alterando os espaços

usuais, deixando as plantas baixas residenciais cada vez mais divididas, com espaços

individualizados e com menos ênfase aos ambientes de convivência. A tendência de

residências menores, com modelos para pessoas solteiras ou casais sem filhos aumentam, e as

dinâmicas familiares não são mais as mesmas. Logo, os modelos de plantas baixas devem ser

repensados.

Os arquitetos seguem os pedidos dos clientes e acabam projetando ambientes individualizados

e superequipados. São quase flats dentro de uma casa maior, tamanha é a independência dos

dormitórios, ou suítes, das residências contemporâneas de classe média e alta.

Os próprios arquitetos devem alertar os seus clientes sobre como vai acontecer a dinâmica

cotidiana nesses espaços. O profissional tem a hablidade de perceber, apenas olhando o

projeto e o perfil de seus usuários, como cada um vai conviver naquele lugar.

O arquiteto deve se conscientizar das mudanças que ocorrem na contemporaneidade, bem

como, das tranformações comportamentais do ser humano e de como isso vai alterar a

essência do projeto arquitetônico e traduzir isso tudo para a linguagem do cliente, de forma

que ele compreenda e tome as melhores decisões acertadas para a melhor opção de um lar.

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2014.

Anexo

Anexo A - Depoimento sobre experiência dos dormitórios dos filhos em uma residência

unifamiliar:

Meu nome é Karen Lopes Wild, sou formada em Direito e pós-graduada em Gestão ambiental

e Dinâmica de grupos. Tenho 46 anos, sou casada e tenho três filhas: Hannah, (19), Joanna

(17) e Maria (9).

Na minha experiência de infância, sempre dividi meu quarto com minha irmã, o que nos

ajudou a tornarmo-nos amigas e confidentes. Mais tarde, ao fazer intercâmbio estudantil por

um ano, minha família americana também me colocou para dividir quarto com minha irmã

americana o que nos aproximou muito. Até hoje mantemos contato e desenvolvemos um

sentimento de cumplicidade que mesmo 29 anos depois ainda compartilhamos assuntos do

coração e da vida.

Quando nossas filhas nasceram, por causa do espaço físico, elas dividiram o quarto. Quando

nos mudamos e poderíamos tê-las em quartos diferentes, optamos por ter espaços coletivos

para as duas: um quarto de brinquedos, mais livre, e o quarto de dormir. Nesta época só

tínhamos as duas mais velhas. Mais tarde, quando chegou a caçula com diferença de 10 anos

para a mais velha e de 7 para a filha do meio, por questões de horários de amamentação,

necessidade de mais sono, rotinas diferentes, ela teve um quarto exclusivo até ir para a

escolinha, com 1 ano e 10 meses, quando ela foi “promovida” a dormir com as mais velhas.

Fato muito importante, na vida das três. O quarto da neném, então, se tornou um lugar de

estudos, ganhou mesa, estante, livros e os brinquedos da caçula.

Posteriormente, quando estávamos reformando uma casa bem maior, o que oportunizaria que

cada uma tivesse seu quarto, nós conversamos com elas sobre vantagens e desvantagens de

terem um quarto para cada uma. Na época elas “titubearam” com a possibilidade e pra mim

foi difícil a espera do que elas decidiriam, mas confesso que fiquei MUITO feliz quando elas

optaram em continuar a dividir o mesmo quarto. Nós as recompensamos com um belíssimo

closet coletivo onde cada uma tinha um espaço, muitos espelhos, banheiro para as três, e no

quarto, cada uma ganhou seu espaço e estante. Elas dividiam o ambiente, mas cada uma tinha

o seu espaço, bem como o seu closet. Fácil identificar de quem era a bagunça e as

características individuais de cada uma.

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Elas continuam dividindo o mesmo ambiente e o closet e se dividem legal nele. Muitas vezes,

quando algumas invasões acontecem: usar algo da outra sem pedir (perfumes, bijus, roupa,

cintos, bolsas), invadir o espaço da outra jogando algo na cama ou estante de quem não é a

dona, o “tempo costuma fechar” e avisamos que se continuar a acontecer o “delito” o lesado

poderá mudar-se para o quarto de hóspedes, indefinidamente. Em geral, com esta

possibilidade, os espaços se organizam e quem lesava trata logo de se reavaliar para não

perder a companhia da irmã. Até aqui tem dado certo e percebo alguns acertos com esta

decisão:

1) Recentemente, nossa filha mais velha passou um tempo estudando fora de casa. Neste

lugar, ela teve que dividir o quarto com outra colega. O relato dela é que a colega, que sempre

teve quarto individual, espalhava-se e invadia o espaço dela, nunca sabia onde estavam suas

coisas e tinha dificuldade em respeitar espaços. A Hannah contou que apesar de sua bagunça

pessoal, suas coisas estavam sempre nos espaços limitados que lhe pertenciam: em cima da

sua cama, na sua metade da mesa, na sua metade do armário, etc. Ela relatou que isto

aconteceu naturalmente devido a ter sempre dividido espaços com as irmãs.

2) Antigamente os filhos saíam de casa mais cedo. Hoje por toda a situação econômica os

espaços estão mais mesclados. Os filhos vivem a individualidade de sua vida adulta nos

espaços antes regidos pelos pais, hoje mais compartilhados. Existe uma adaptação mútua a

esta situação. Creio que muito do conforto e individualidade dos filhos na casa paterna facilita

o acomodar-se a situações e os filhos não se dispõem a correr riscos sem necessidade, sendo

que o “ninho” os supre tão bem. Tenho notado que nas conversas familiares existe um desejo

subjacente na fala das mais velhas: crescerem, ficarem independentes e terem seu espaço.

Sonham em poderem se visitar e até planejam como vão receber umas às outras, bem como o

restante da família e amigos. Já imaginam as características da casa de cada uma, etc. Penso

que talvez o fato de não terem isto agora, o desejo de “saírem do ninho” e alçarem o voo seja

mais crescente, porém isto ainda é uma hipótese que só no futuro poderei olhar para o passado

e ver se foi acertado ou não.

Na figura 7, é possível observar o quarto atual das meninas.

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Figura 7 – Dormitório das filhas da família Wild

Fonte: Wild (2014).