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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 1 Informativo comentado: Informativo 667-STJ Márcio André Lopes Cavalcante ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL PODER JUDICIÁRIO Inexiste ilegalidade em portaria editada pelo Juiz Diretor do Foro que restringiu o ingresso de pessoas portando arma de fogo nas dependências do Fórum. DIREITO ADMINISTRATIVO PROCESSO ADMINISTRATIVO O cadastro e o peticionamento no Sistema Eletrônico de Informações denotam a ciência de que o processo administrativo tramitará de forma eletrônica. DIREITO AMBIENTAL INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA Se a multa imposta pelo Município já tiver sido paga pelo infrator ambiental, não é mais possível a multa federal; por outro lado, a cobrança por Município de multa relativa a danos ambientais já paga à União anteriormente, pelo mesmo fato, não configura bis in idem DIREITO CIVIL COMPRA E VENDA O prazo para se anular a venda de ascendente para descendente sem que os outros tenham consentido é de 2 anos; esse mesmo prazo se aplica caso o ascendente tenha se utilizado de uma interposta pessoa (“laranja”) para efetuar essa venda. USUCAPIÃO A existência de contrato de arrendamento mercantil do bem móvel impede a aquisição de sua propriedade pela usucapião, contudo, verificada a prescrição da dívida, inexiste óbice legal para prescrição aquisitiva. ALIMENTOS Não incide desconto de pensão alimentícia sobre as parcelas denominadas diárias de viagem e tempo de espera indenizado. Se foi celebrado um acordo na ação de investigação de paternidade, mas não se estipulou o termo inicial dos alimentos, estes serão devidos desde a data da citação SUCESSÃO LEGÍTIMA O espólio não possui legitimidade passiva ad causam na ação de ressarcimento de remuneração indevidamente paga após a morte de ex-servidor e recebida por seus herdeiros. TESTAMENTO É válido o testamento particular que, a despeito de não ter sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital

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Márcio André Lopes Cavalcante

ÍNDICE DIREITO CONSTITUCIONAL

PODER JUDICIÁRIO ▪ Inexiste ilegalidade em portaria editada pelo Juiz Diretor do Foro que restringiu o ingresso de pessoas portando

arma de fogo nas dependências do Fórum.

DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO ▪ O cadastro e o peticionamento no Sistema Eletrônico de Informações denotam a ciência de que o processo

administrativo tramitará de forma eletrônica.

DIREITO AMBIENTAL

INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA ▪ Se a multa imposta pelo Município já tiver sido paga pelo infrator ambiental, não é mais possível a multa federal;

por outro lado, a cobrança por Município de multa relativa a danos ambientais já paga à União anteriormente, pelo mesmo fato, não configura bis in idem

DIREITO CIVIL

COMPRA E VENDA ▪ O prazo para se anular a venda de ascendente para descendente sem que os outros tenham consentido é de 2 anos;

esse mesmo prazo se aplica caso o ascendente tenha se utilizado de uma interposta pessoa (“laranja”) para efetuar essa venda.

USUCAPIÃO ▪ A existência de contrato de arrendamento mercantil do bem móvel impede a aquisição de sua propriedade pela

usucapião, contudo, verificada a prescrição da dívida, inexiste óbice legal para prescrição aquisitiva. ALIMENTOS ▪ Não incide desconto de pensão alimentícia sobre as parcelas denominadas diárias de viagem e tempo de espera

indenizado. ▪ Se foi celebrado um acordo na ação de investigação de paternidade, mas não se estipulou o termo inicial dos

alimentos, estes serão devidos desde a data da citação SUCESSÃO LEGÍTIMA ▪ O espólio não possui legitimidade passiva ad causam na ação de ressarcimento de remuneração indevidamente

paga após a morte de ex-servidor e recebida por seus herdeiros.

TESTAMENTO ▪ É válido o testamento particular que, a despeito de não ter sido assinado de próprio punho pela testadora, contou

com a sua impressão digital

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DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE ▪ Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, exceto quando

o plano é de autogestão empresarial, operado pela própria empresa contratante do trabalhador, hipótese em que a competência é da Justiça do Trabalho.

▪ Se não houver previsão contratual expressa, o plano de saúde não é obrigado a custear o tratamento de fertilização in vitro.

DIREITO EMPRESARIAL

MARCA ▪ Justiça Estadual não pode julgar improcedente pedido de abstenção de uso de marca, sob o argumento de que o

registro dessa marca tem uma nulidade e, portanto, não goza de proteção; falta competência à Justiça Estadual para reconhecer essa nulidade.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL ▪ A sistemática prevista no art. 142 da Lei nº 11.101/2005 não é aplicável nas hipóteses do art. 66, ou seja, quando

reconhecida a utilidade e a urgência na alienação de bens integrantes do ativo permanente de empresa em recuperação judicial.

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO ▪ Coexistindo execução fiscal e execução civil, contra o mesmo devedor, com pluralidade de penhoras recaindo sobre

o mesmo bem, o produto da venda judicial, por força de lei, deve satisfazer o crédito fiscal em primeiro lugar.

DIREITO PENAL

CRIMES DE RESPONSABILIDADE DOS PREFEITOS ▪ Pagar remuneração a funcionário fantasma não configura crime. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO ▪ Compete à Justiça Federal julgar a conduta de réu que faz oferta pública de contrato de investimento coletivo em

criptomoedas sem prévia autorização da CVM. CRIMES AMBIENTAIS ▪ Se a ré pratica o crime de poluição qualificada e não toma providências para reparar o dano, entende-se que

continua praticando ato ilícito em virtude da sua omissão, devendo, portanto, ser considerado que se trata de crime permanente.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA ▪ Compete à Justiça comum (Tribunal do Júri) o julgamento de homicídio praticado por militar contra outro quando

ambos estejam fora do serviço ou da função no momento do crime. RECURSOS ▪ Não cabe mandado de segurança contra decisão do juiz de 1ª instância que defere ou indefere o desbloqueio de

bens e valores; cabe apelação.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IRPJ e a CIDE ▪ O Regulamento das Telecomunicações Internacionais - RTI não desobriga que as empresas de telefonia do Brasil

retenham IRPJ e CIDE incidentes sobre os valores remetidos ao exterior e destinados ao pagamento de serviços prestados por empresas em outros países.

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DIREITO ADUANEIRO ▪ Em razão do seu caráter interpretativo, o conceito abrangente de licitação internacional revelado pelo art. 3º da Lei

nº 11.732/2008 retroage às situações anteriores a sua entrada em vigor.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA PRIVADA ▪ Na ação na qual se discute a exclusão da CTVA do salário de contribuição do autor, fato que terá repercussão

financeira em sua aposentadoria, a ação deverá ser apreciada primeiramente na Justiça do Trabalho para definir se a verba é salarial

DIREITO INTERNACIONAL

EXPULSÃO ▪ Estrangeiro que tenha filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência não pode ser expulso mesmo que

o nascimento tenha ocorrido após os fatos que ensejaram a expulsão.

DIREITO CONSTITUCIONAL

PODER JUDICIÁRIO Inexiste ilegalidade em portaria editada pelo Juiz Diretor do Foro que restringiu o ingresso de

pessoas portando arma de fogo nas dependências do Fórum

Inexiste ilegalidade em portaria editada pelo Juiz Diretor do Foro da Comarca de Sete Quedas que restringiu o ingresso de pessoas portando arma de fogo nas dependências do Fórum.

STJ. 1ª Turma. RMS 38.090-MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

Fórum Fórum é o espaço físico onde funciona o Poder Judiciário, sendo utilizado normalmente para designar o imóvel onde atuam os magistrados de 1ª instância. Juiz Diretor do Foro Juiz Diretor do Foro (ou Juiz Diretor do Fórum) é o magistrado designado pelo Tribunal para ser o responsável pelas questões administrativas do fórum. É como se fosse o administrador do fórum. Imagine agora a seguinte situação adaptada em relação ao caso concreto: O Juiz Diretor do Foro da Comarca de Sete Quedas (MS) editou uma portaria restringindo o ingresso de pessoas com arma de fogo no prédio onde funciona o Poder Judiciário naquele Município. Determinada Associação impetrou mandado de segurança, no TJ/MS, contra a portaria afirmando que ela violaria o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), que garante o porte de arma de fogo para determinadas pessoas. O TJ/MS denegou a segurança (julgou improcedente o pedido feito no mandado de segurança). Diante disso, a Associação interpôs recurso ordinário (art. 105, II, “b”, da CF/88) dirigido ao STJ reiterando o argumento de que a portaria seria ilegal. O STJ manteve a portaria? SIM.

Inexiste ilegalidade em portaria editada pelo Juiz Diretor do Foro que restringiu o ingresso de pessoas portando arma de fogo nas dependências do Fórum. STJ. 1ª Turma. RMS 38.090-MS, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

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Constituição Federal A Constituição Federal, em seus arts. 96 e 99, assegura ao Poder Judiciário autonomia administrativa e competência privativa para a organização do funcionamento dos seus prédios. Lei nº 12.694/2012 O art. 3º da Lei nº 12.694/2012 autoriza que os Tribunais adotem providências destinadas à segurança dos seus prédios:

Art. 3º Os tribunais, no âmbito de suas competências, são autorizados a tomar medidas para reforçar a segurança dos prédios da Justiça, especialmente: I - controle de acesso, com identificação, aos seus prédios, especialmente aqueles com varas criminais, ou às áreas dos prédios com varas criminais; II - instalação de câmeras de vigilância nos seus prédios, especialmente nas varas criminais e áreas adjacentes; III - instalação de aparelhos detectores de metais, aos quais se devem submeter todos que queiram ter acesso aos seus prédios, especialmente às varas criminais ou às respectivas salas de audiência, ainda que exerçam qualquer cargo ou função pública, ressalvados os integrantes de missão policial, a escolta de presos e os agentes ou inspetores de segurança próprios.

Resolução CNJ Vale ressaltar, ainda, que o Conselho Nacional de Justiça já editou resoluções tratando sobre o tema. A que vigora atualmente é a Resolução nº 291/2019, que afirma que os Tribunais deverão, como medida de segurança, restringir o ingresso de pessoas armadas em suas instalações. Voltando ao caso concreto Cumpre esclarecer que, no caso concreto, a Portaria do Juiz Diretor do Foro da Comarca de Sete Quedas estava em harmonia com a Resolução do CNJ, prevendo, inclusive, algumas exceções, como o caso de policiais que estejam exercendo a escolta armada de presos. Diante disso, o STJ entendeu que não existia qualquer incompatibilidade da Portaria com a Lei nº 10.826/2003, eis que as áreas afetas ao Fórum são controladas por sua própria administração, a quem incumbe o exercício do poder de polícia e a garantia da segurança local.

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DIREITO ADMINISTRATIVO

PROCESSO ADMINISTRATIVO O cadastro e o peticionamento no Sistema Eletrônico de Informações denotam a ciência de que

o processo administrativo tramitará de forma eletrônica

O cadastro e o peticionamento no Sistema Eletrônico de Informações denotam a ciência de que o processo administrativo tramitará de forma eletrônica.

Caso concreto: determinada interessada estava participando de processo administrativo no âmbito da administração pública federal; o processo “físico” foi migrado para “eletrônico”; a interessada fez cadastro neste sistema eletrônico, aceitou as condições e chegou a peticionar eletronicamente; ela foi, então, intimada eletronicamente para apresentar documentos e não o fez; diante disso, perdeu o direito de contratar com o Poder Público; em seguida, alegou, em mandado de segurança, que não foi oficialmente informada de que a comunicação dos atos administrativos do seu processo seria realizada exclusivamente por meio eletrônico; o STJ não aceitou a argumentação.

STJ. 1ª Seção. MS 24.567-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 11/03/2020 (Info 667).

Exploração dos serviços de rádio ou TV Uma pessoa só pode explorar os serviços de rádio ou TV, no Brasil, se tiver recebido uma concessão, permissão ou autorização da União. É o que prevê a Constituição Federal:

Art. 21. Compete à União: (...) XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;

Art. 223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal.

Imagine agora a seguinte situação hipotética: O Ministério das Comunicações abriu processo seletivo para conceder uma autorização para exploração de uma rádio educativa. Participaram diversas interessadas. Segundo os critérios do edital, uma delas foi classificada em 1º lugar (vamos chamá-la de “interessada 1”). O Ministro das Comunicações declarou a “interessada 1” a vencedora do processo seletivo e a convocou para apresentar uma série de documentos necessários para se concluir a outorga. Vale ressaltar que, no início do processo seletivo, o processo administrativo na Administração Pública federal ainda tramitava com autos físicos. Ocorre que, durante a tramitação houve a mudança do processo “físico” para o “eletrônico”, tendo a Administração Pública federal implementado o chamado “Sistema Eletrônico de Informações” (CADSEI), uma plataforma na qual os processos tramitam de forma virtual. Assim, esse processo físico migrou para o CADSEI. A “interessada 1” fez seu cadastro no Sistema Eletrônico e apresentou os documentos exigidos. O Ministro das Comunicações, contudo, entendeu que faltaram alguns documentos e determinou a intimação da interessada para apresentá-los no prazo de 30 dias. A interessada foi intimada eletronicamente pela Administração Pública. Passado o prazo concedido, a interessada não apresentou os documentos que faltaram e, em razão disso, perdeu o direito à concessão, tendo a Administração convocado a segunda colocada.

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Mandado de segurança Inconformada com a sua exclusão, a “interessada 1” impetrou mandado de segurança alegando que não foi oficialmente informada de que a comunicação dos atos administrativos do seu processo seria realizada exclusivamente por meio eletrônico. Por esse motivo é que não teria respondido às solicitações enviadas eletronicamente. Desse modo, pediu para ser anulada a sua exclusão e para ter direito a continuar no processo de outorga. O pedido foi acolhido pelo STJ? NÃO. A interessada, ao fazer seu cadastro eletrônico no sistema CADSEI, tomou pleno conhecimento de que as futuras comunicações seriam feitas exclusivamente pela via eletrônica. O cadastro implica aceitação das normas que regem o sistema. Além disso, a interessada chegou a peticionar por meio do sistema. Para o peticionamento no sistema eletrônico na Administração Pública, foi necessário que o representante legal da impetrante realizasse o preenchimento e aceitação de cadastramento com os “dados para a comunicação oficial.” Assim, não há que se falar em falta de intimação para efetuar regularizações no processo administrativo, tendo a parte ciência de que o processo e suas respectivas intimações prosseguiriam da forma eletrônica. Ressalta-se que a comunicação eletrônica atende plenamente à exigência de assegurar a certeza da ciência pelo interessado, como exige o art. 26, § 3º da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:

Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências. (...) § 3º A intimação pode ser efetuada por ciência no processo, por via postal com aviso de recebimento, por telegrama ou outro meio que assegure a certeza da ciência do interessado.

Desse modo, o fato de ela ter utilizado o peticionamento eletrônico do CADSEI demonstra a sua ciência a respeito de que o processo já então tramitava por meio do referido sistema eletrônico. Em suma:

O cadastro e o peticionamento no Sistema Eletrônico de Informações denotam a ciência de que o processo administrativo tramitará de forma eletrônica. STJ. 1ª Seção. MS 24.567-DF, Rel. Min. Benedito Gonçalves, julgado em 11/03/2020 (Info 667).

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DIREITO AMBIENTAL

INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA A cobrança por Município de multa relativa a danos ambientais já paga à União anteriormente,

pelo mesmo fato, não configura bis in idem

Importante!!!

A cobrança por Município de multa relativa a danos ambientais já paga à União anteriormente, pelo mesmo fato, não configura bis in idem.

O art. 76 da Lei nº 9.605/98 afirma que, se o Estado, Município, Distrito Federal ou Território já tiver multado o infrator e esta tiver sido paga, não é mais possível que seja imposta uma “multa federal”:

Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.

O inverso, contudo, não é verdadeiro.

Assim, se a União já tiver multado o infrator, essa “multa federal” não substitui a multa imposta pelo Estado, DF ou Município considerando que isso não foi previsto pelo art. 76.

Houve um silêncio eloquente do legislador.

Se o pagamento da multa imposta pela União também afastasse a possibilidade de cobrança por Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, a lei teria afirmado simplesmente que o adimplemento de sanção aplicada por ente federativo afastaria a exigência de pena pecuniária por quaisquer dos outros.

Dessa forma, não há margem para interpretação de que a multa paga à União impossibilita a cobrança daquela aplicada pelo Município, sob pena de bis in idem, uma vez que a atuação conjunta dos poderes públicos, de forma cooperada, na tutela do meio ambiente, é dever imposto pela Constituição Federal.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.132.682-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13/12/2016 (Info 667).

ATENÇÃO: penso que esse entendimento está superado. Os fatos analisados neste julgado ocorreram quando ainda não estava em vigor a LC 140/2011. Esta Lei previu que se, mais de um ente federativo lavrar auto de infração ambiental, deverá prevalecer aquele que foi feito por órgão que detenha a atribuição de licenciamento (art. 17, § 3º). Isso para evitar bis in idem. Logo, no caso concreto, seria preciso definir qual dos dois órgãos tinha competência (União ou Município) e somente iria prevalecer o auto de infração lavrado por ele. Muito cuidado como esse tema vai ser cobrado em prova.

Imagine a seguinte situação adaptada: Houve um grande vazamento de óleo de um terminal aquaviário da Petrbinsobrás localizado na Baía de Ilha Grande, Município de Angra dos Reis (RJ). Esse vazamento acarretou extenso dano ambiental. A Capitania dos Portos (órgão da União) multou a Petrobrás em R$ 150 mil em decorrência desse fato. A Petrobrás pagou a multa. Algum tempo depois, o Município de Angra dos Reis também autuou a Petrobrás, pelo mesmo fato, multando a empresa em R$ 10 milhões. A Petrobrás ajuizou ação anulatória contra o Município afirmando que não caberia a multa porque ela já seria sido punida administrativamente pela União. Logo, a nova multa aplicada pelo Poder Público municipal representaria bis in idem. O Petrobrás invocou, no caso, o art. 76 da Lei nº 9.605/98, que diz:

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Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.

O STJ acolheu a tese da Petrobrás? NÃO.

A cobrança por Município de multa relativa a danos ambientais já paga à União anteriormente, pelo mesmo fato, NÃO configura bis in idem. STJ. 2ª Turma. REsp 1.132.682-RJ, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 13/12/2016 (Info 667).

Competência comum A Constituição Federal atribui aos diversos entes da federação - União, Estados, Distrito Federal e Municípios - competência comum para proteção e preservação do meio ambiente:

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (...) VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;

Responsabilidade administrativa em matéria ambiental O texto constitucional estabelece que a responsabilidade em matéria ambiental pode ocorrer em três esferas distintas: a penal, a administrativa e a civil. É o que se depreende da redação do § 3º do art. 225 da CF/88:

Art. 225 (...) § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Dever-poder de controle e fiscalização ambiental Os órgãos que integram o Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama possuem o dever-poder de fazer o controle e fiscalização ambiental (= dever-poder de implementação), de natureza vinculada, indisponível, irrenunciável e imprescritível, estando inserida na competência comum dos diversos entes federativos, no âmbitos de suas jurisdições, a aplicação de sanções em razão do cometimento de infração que resulte em dano ao meio ambiente. Desse modo, em princípio, é inafastável a competência municipal para aplicar multa em virtude dos danos ambientais provocados pelo incidente ocorrido na Baía da Ilha Grande, visto que a área é abrangida pelo Município de Angra dos Reis. Impossível deixar de reconhecer a competência da União, exercida pela Marinha do Brasil (Capitania dos Portos), especialmente considerando que a atividade desenvolvida pela Petrobrás implica alto risco de causar lesões a seus bens naturais. Multa imposta pela União não substitui a multa cobrada pelo Município: silêncio eloquente do legislador Conforme já explicado, a tese da empresa é a de que o Município não poderia cobrar a multa porque, como já foi multada pela União, essa segunda cobrança será vedada pelo art. 76 da Lei nº 9.605/98:

Art. 76. O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência.

Para o STJ, contudo, não é isso o que diz o art. 76. O art. 76 afirma que, se o Estado, Município, Distrito Federal ou Território já tiver multado o infrator e esta tiver sido paga, não é mais possível que seja imposta uma “multa federal”.

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 9

++ (Juiz Federal TRF2 2018) O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência. (certo) O inverso, contudo, não é verdadeiro. Assim, se a União já tiver multado o infrator, essa “multa federal” não substitui a multa imposta pelo Estado, DF ou Município considerando que isso não foi previsto pelo art. 76. Houve, portanto, um silêncio eloquente do legislador. Nas exatas palavras do Min. Herman Benjamin:

“Se o pagamento da multa imposta pela União também afastasse a possibilidade de cobrança por Estados, Municípios, Distrito Federal e Territórios, a lei teria afirmado simplesmente que o adimplemento de sanção aplicada por ente federativo afastaria a exigência de pena pecuniária por quaisquer dos outros.”

Dessa forma, não há margem para interpretação de que a multa paga à União impossibilita a cobrança daquela aplicada pelo Município, sob pena de bis in idem, uma vez que a atuação conjunta dos poderes públicos, de forma cooperada, na tutela do meio ambiente, é dever imposto pela Constituição Federal. ATENÇÃO Penso que o entendimento acima explicado está superado. Os fatos analisados neste julgado ocorreram quando ainda não estava em vigor a LC 140/2011. Esta Lei previu que se, mais de um ente federativo lavrar auto de infração ambiental, deverá prevalecer aquele que foi feito por órgão que detenha a atribuição de licenciamento (art. 17, § 3º). Isso para evitar bis in idem. Logo, no caso concreto, seria preciso definir qual dos dois órgãos tinha competência (União ou Município) e somente iria prevalecer o auto de infração lavrado por ele. Veja a redação do dispositivo:

Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada. (...) § 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federativos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou autorização a que se refere o caput.

Esse aspecto da LC 140/2011 já foi explorado em prova: ++ (Exame de Ordem 2013-2 - FGV) Técnicos do IBAMA, autarquia federal, verificaram que determinada unidade industrial, licenciada pelo Estado no qual está localizada, está causando degradação ambiental significativa, vindo a lavrar auto de infração pelos danos cometidos. Sobre o caso apresentado e aplicando as regras de licenciamento e fiscalização ambiental previstas na Lei Complementar nº 140/2011, assinale a afirmativa correta. A) Há irregularidade no licenciamento ambiental, uma vez que em se tratando de atividade que cause degradação ambiental significativa, o mesmo deveria ser realizado pela União. B) É ilegal a fiscalização realizada pelo IBAMA, que só pode exercer poder de polícia de atividades licenciadas pela União, em sendo a atividade regularmente licenciada pelo Estado. C) É possível a fiscalização do IBAMA o qual pode, inclusive, lavrar auto de infração, que, porém, não prevalecerá caso o órgão estadual de fiscalização também lavre auto de infração.

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 10

D) Cabe somente à União, no exercício da competência de fiscalização, adotar medidas para evitar danos ambientais iminentes, comunicando imediatamente ao órgão competente, em sendo a atividade licenciada pelo Estado.

Letra C

O próprio Ministro Relator fez uma ressalva ao final de seu voto, dando a entender que a decisão poderia ser diferente se já estivesse em vigor a LC 140/2011:

“Registro, por fim, que, à época da infração administrativa sancionada, ainda não se encontrava em vigor a LC 140/2011, que fixou normas para cooperação entre os entes federativos nas ações administrativas decorrentes do exercício da competência comum na defesa do meio ambiente, nos termos do art. 23, parágrafo único, da CF.”

Muito cuidado como esse tema vai ser cobrado em prova. Não posso garantir qual será o entendimento da banca examinadora. No entanto, tem sido comuns questões envolvendo a redação literal da LC 140/2011, situação na qual a assertiva deverá ser marcada como correta. Colaborou com a explicação do julgado: Claudio Marmorosch.

DIREITO CIVIL

COMPRA E VENDA O prazo para se anular a venda de ascendente para descendente sem que os outros tenham consentido é de 2 anos; esse mesmo prazo se aplica caso o ascendente tenha se utilizado de

uma interposta pessoa (“laranja”) para efetuar essa venda

Importante!!!

É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido (art. 496 do CC).

O prazo para anular a venda direta entre ascendente e descendente é de 2 anos, a contar da conclusão do ato (art. 179 do CC).

A venda de bem entre ascendente e descendente, por meio de interposta pessoa, também é ato jurídico anulável, devendo ser aplicado o mesmo prazo decadencial de 2 anos previsto no art. 179 do CC. Isso porque a venda por interposta pessoa não é outra coisa que não a tentativa reprovável de contornar-se a exigência da concordância dos demais descendentes e também do cônjuge. Em outras palavras, é apenas uma tentativa de se eximir da regra do art. 496 do CC, razão pela qual deverá ser aplicado o mesmo prazo decadencial de 2 anos.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.679.501-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

Contrato de compra e venda Pelo contrato de compra e venda, um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro (art. 481 do CC). Restrições à compra e venda O Código Civil prevê quatro situações em que a liberdade de comprar e vender é restringida. São elas:

Venda de ascendente a descendente

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido.

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Compra por pessoas que estão exercendo certos encargos

Art. 497. Sob pena de nulidade, não podem ser comprados, ainda que em hasta pública: I – pelos tutores, curadores, testamenteiros e administradores, os bens confiados à sua guarda ou administração; II – pelos servidores públicos, em geral, os bens ou direitos da pessoa jurídica a que servirem, ou que estejam sob sua administração direta ou indireta; III – pelos juízes, secretários de tribunais, arbitradores, peritos e outros serventuários ou auxiliares da justiça, os bens ou direitos sobre que se litigar em tribunal, juízo ou conselho, no lugar onde servirem, ou a que se estender a sua autoridade; IV – pelos leiloeiros e seus prepostos, os bens de cuja venda estejam encarregados.

Venda a cônjuge Art. 499. É lícita a compra e venda entre cônjuges, com relação a bens excluídos da comunhão.

Venda por condômino de coisa indivisível

Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de 180 dias, sob pena de decadência.

O julgado comentado trata sobre a venda de ascendente a descendente. Relembremos um pouco mais sobre o tema: Previsão no Código Civil

Art. 496. É anulável a venda de ascendente a descendente, salvo se os outros descendentes e o cônjuge do alienante expressamente houverem consentido. Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

Finalidade da restrição O objetivo da previsão é o de resguardar o princípio da igualdade das cotas legítimas contra eventual simulação. Quando a pessoa morre, a metade da herança do falecido (chamada de “legítima”) deve ser, obrigatoriamente, dividida entre os herdeiros necessários (art. 1.789 do CC). No que se refere à “legítima”, um herdeiro necessário não pode receber mais que o outro. Este art. 496 tem por objetivo evitar que o patriarca/matriarca, antes de morrer, simule que está vendendo bens valiosos para um de seus filhos (herdeiro necessário), quando, na verdade, ele está doando. Isso porque se ele vender o bem para este filho (por um preço irrisório, por exemplo), ele estará beneficiando este descendente em detrimento dos demais. O ascendente estará violando o princípio da igualdade das cotas legítimas. Natureza A venda em desacordo com o art. 496 é anulável (nulidade relativa). Móveis ou imóveis A restrição abrange tanto a venda de bens imóveis quanto móveis. A vedação não se aplica à doação No caso de doação de ascendente para descendente não é necessário consentimento dos outros descendentes. Isso porque aquilo que o ascendente doou para o descendente será considerado como

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“adiantamento da legítima”, ou seja, um adiantamento do que o donatário iria receber como herdeiro no momento em que o doador morresse. Assim, em caso de doação, não há necessidade desse consentimento porque, futuramente, quando da morte do doador, o herdeiro/donatário deverá trazer o bem à colação, com a finalidade de igualar as legítimas. Quando se diz que ele trará o bem à colação, significa dizer que este bem doado será calculado, no momento do inventário, como sendo parte da legítima recebida pelo herdeiro. No caso de venda, o herdeiro/comprador não precisa trazer à colação o bem quando o ascendente/vendedor morrer. Em outras palavras, aquele bem “comprado” não será descontado do valor que o herdeiro tem a receber como herança. Justamente por isso é indispensável a fiscalização e anuência por parte dos demais herdeiros quanto ao preço, a fim de evitar que esta venda seja apenas simulada para enganá-los. Descendentes Os descendentes que devem anuir à venda são aqueles que figuram como herdeiros imediatos ao tempo da celebração do contrato. Cônjuge do vendedor Não se exige a anuência do cônjuge do comprador, somente do cônjuge do vendedor (cuidado com essa “pegadinha” em uma prova objetiva). Regime de bens: O art. 496, parágrafo único, dispensa o consentimento do cônjuge se o regime for o da separação obrigatória:

Art. 496 (...) Parágrafo único. Em ambos os casos, dispensa-se o consentimento do cônjuge se o regime de bens for o da separação obrigatória.

É necessária a autorização do companheiro do vendedor no caso de união estável? NÃO. Não há necessidade de autorização do companheiro para os referidos atos (outorga convivencial). Segundo a doutrina, o art. 496 é uma norma restritiva de direitos, que não pode ser aplicada por analogia aos casos de união estável. Herdeiros menores Se houver herdeiros menores, a anuência destes deverá ser dada por curador especial, nomeado pelo juiz por meio de alvará judicial. E se um dos herdeiros não concordar? Para a maioria da doutrina, nesse caso, pode o alienante recorrer ao Poder Judiciário para obter um suprimento judicial, em caso de recusa injustificada. Trata-se de analogia, uma vez que não há regra expressa. De que forma os herdeiros devem dar o consentimento à venda? Utiliza-se o art. 220 do CC. Assim, segundo este dispositivo legal, a anuência ou a autorização de outrem, necessária à validade de um ato, provar-se-á do mesmo modo que este, e constará, sempre que se possa, do próprio instrumento. Logo, tratando-se de bem imóvel superior a 30 salários-mínimos, esta anuência deve ser feita por meio de escritura pública. Já no caso de bens móveis, não há, em regra, esta exigência. De qualquer modo, este consentimento deve ser expresso, não valendo se for tácito.

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Consequências pelo fato de a venda ser meramente anulável: • poderá ser ratificada posteriormente, mesmo tendo sido feita sem o consentimento; • o juiz não pode decretar de ofício esta anulabilidade; • o oficial de Registro de Imóveis não pode se opor ao registro (deixar de registrar a transferência do domínio), suscitando a falta de anuência dos demais herdeiros. O descendente que não anuiu pode ingressar com ação anulatória da venda mesmo quando o ascendente/vendedor ainda não faleceu? Sim. Está cancelada a súmula 152 do STF: A ação para anular venda de ascendente a descendente, sem consentimento dos demais, prescreve em quatro anos a contar da abertura da sucessão. Desse modo, vigora o termo inicial de prescrição previsto na súmula 494 do STF: Súmula 494-STF: A ação para anular venda de ascendente a descendente, sem consentimento dos demais, prescreve em vinte anos, contados da data do ato, revogada a súmula 152. Vale ressaltar, no entanto, que o prazo previsto nessa súmula foi revogado e agora é de 2 anos (prazo decadencial), contados da data do ato, nos termos do art. 179 do CC:

Art. 179. Quando a lei dispuser que determinado ato é anulável, sem estabelecer prazo para pleitear-se a anulação, será este de dois anos, a contar da data da conclusão do ato.

O prazo prescricional da ação que visa anular venda direta entre ascendente e descendente na vigência do Código Civil de 1916 é de 20 (vinte) anos, tendo sido reduzido no atual Código Civil para 2 (dois) anos, devendo ser aplicada a regra de transição prevista no art. 2.028 do Código Civil de 2002. STJ. 3ª Turma. AgInt no REsp 1481596/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 12/09/2017.

Legitimidade para a ação anulatória Somente os descendentes e o cônjuge do alienante. O MP não possui. Requisitos para que haja a anulação: A alienação de bens de ascendente a descendente, sem o consentimento dos demais, é ato jurídico anulável, cujo reconhecimento exige: a) a iniciativa da parte interessada; b) a ocorrência do fato jurídico, qual seja, a venda inquinada de inválida; c) a existência de relação de ascendência e descendência entre vendedor e comprador; d) a falta de consentimento de outros descendentes; e) a comprovação de simulação com o objetivo de dissimular doação ou pagamento de preço inferior ao valor de mercado. STJ. 4ª Turma. REsp 1356431/DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 08/08/2017. O que significa a expressão “em ambos os casos” no parágrafo único do referido art. 496? Esta expressão deve ser desconsiderada, pois houve erro de tramitação, sendo certo que o projeto original da codificação trazia no caput tanto a venda de ascendente para descendente quanto a venda de descendente para ascendente, apontando a necessidade da referida autorização nos dois casos. Porém, a segunda hipótese (venda de descendente para ascendente) foi retirada do dispositivo. Mas esqueceu-se, no trâmite legislativo, de proceder-se à alteração do parágrafo único. Permuta desigual O consentimento dos herdeiros e do cônjuge é ainda necessário na permuta desigual, na dação em pagamento, no compromisso de compra e venda, na cessão onerosa de direitos hereditários e em outros negócios em que for possível a fraude. Caso não haja essa possibilidade, o negócio é anulável.

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Feita esta revisão sobre o tema, imagine a seguinte situação hipotética: João tinha 4 filhos: Pedro, Luís, Tiago e André. João vendeu a Pedro, seu filho preferido, uma fazenda. Ocorre que, para fugir do consentimento exigido pelo art. 496 do CC, ele vendeu o imóvel por meio de interposta pessoa, Letícia (namorada de Pedro), que funcionou como “laranja”. Por que João fez isso? Porque sabia que essa Fazenda era o seu bem mais valioso e que os seus outros filhos não iriam consentir com a venda para Pedro. Desse modo, a venda foi realizada por via oblíqua, com a utilização de interposta pessoa para a concretização do negócio. O ascendente (João) simulou vender a coisa a um terceiro (Letícia) que, por sua vez, simulou posteriormente a venda ao descendente do alienante primitivo (Pedro). Demais filhos descobriram Algum tempo depois, Luís descobriu o negócio e avisou seus irmãos que ajuizaram ação pedindo a desconstituição da venda. A dúvida que surgiu foi quanto ao prazo para o ajuizamento da ação anulatória. Vimos acima que o prazo para a propositura de ação por violação ao art. 496 do CC é de 2 anos (prazo decadencial), contados da data do ato, nos termos do art. 179 do CC. Mas e neste caso que a alienação foi feita por meio de interposta pessoa... também se aplica o mesmo prazo de 2 anos? SIM.

A venda de bem entre ascendente e descendente, por meio de interposta pessoa, é ato jurídico anulável, aplicando-se o prazo decadencial de 2 (dois) anos previsto no art. 179 do CC/2002. STJ. 3ª Turma. REsp 1.679.501-GO, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

A venda por interposta pessoa não é outra coisa que não a tentativa reprovável de contornar-se a exigência da concordância dos demais descendentes e também do cônjuge. Em outras palavras, é apenas uma tentativa de se eximir da regra do art. 496 do CC, razão pela qual deverá ser aplicado o mesmo prazo decadencial de 2 anos. Neste caso de venda por interposta pessoa, considerando que há uma simulação, não se poderia aplicar o art. 167, § 1º, I, do CC e dizer que esse negócio pode ser anulado a qualquer tempo (art. 169)? NÃO. O art. 167, § 1º, I, do CC prevê o seguinte:

Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma. § 1º Haverá simulação nos negócios jurídicos quando: I - aparentarem conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem, ou transmitem. (...)

Art. 169. O negócio jurídico nulo não é suscetível de confirmação, nem convalesce pelo decurso do tempo.

Para o STJ, tanto a venda direta de ascendente a descendente, como a realizada por intermédia de interposta pessoa, são atos jurídicos anuláveis, desde que comprovada a real intenção de macular uma

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doação ao descendente adquirente, em prejuízo à legítima dos demais herdeiros, razão pela qual se aplicaria o prazo decadencial de 2 anos previsto no Código Civil. Na situação acima exposta, a causa real da anulabilidade do negócio jurídico não é propriamente a simulação em si, mas sim a infringência taxativa ao preceito legal contido no art. 496 do CC. Por esta razão, não há que se falar na aplicabilidade dos arts. 167, § 1º, I, e 169 do CC. Ademais, não há para que a venda de ascendente a descendente por meio de interposta pessoa receba tratamento diferenciado do reservado às situações de venda direta, pois o que se objetiva com o preceito legal é, indubitavelmente, preservar a futura legítima dos herdeiros necessários, diante do possível mascaramento de uma doação sob a enganosa roupagem de venda, obstando a vinda do bem recebido pelo descendente à colação, quando do óbito do descendente vendedor.

USUCAPIÃO A existência de contrato de arrendamento mercantil do bem móvel impede a aquisição de sua

propriedade pela usucapião, contudo, verificada a prescrição da dívida, inexiste óbice legal para prescrição aquisitiva

A existência de contrato de arrendamento mercantil do bem móvel impede a aquisição de sua propriedade pela usucapião, contudo, verificada a prescrição da dívida, inexiste óbice legal para prescrição aquisitiva.

Exemplo: João celebrou contrato de arrendamento mercantil com o banco para aquisição de um automóvel; em 1998, o arrendatário deixou de pagar as prestações; o arrendador tinha o prazo de 5 anos para ajuizar ação de cobrança, ou seja, até 2003; até essa data (2003), não se podia falar em usucapião; a partir de 2003, como o arrendador já não mais poderia ajuizar a ação de cobrança, entende-se que cessaram os vícios que maculavam a posse do arrendatário; logo, a partir de 2003 começou a ser contado o prazo de usucapião; como o prazo de usucapião extraordinário de bem móvel é de 5 anos, o arrendatário adquiriu a propriedade por usucapião em 2008.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.528.626-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 17/12/2019 (Info 667).

O que é o arrendamento mercantil? O arrendamento mercantil (também chamado de leasing) é uma espécie de contrato de locação no qual o locatário tem a possibilidade de, ao final do prazo do ajuste, comprar o bem, pagando uma quantia chamada de valor residual garantido (VRG). O arrendamento mercantil, segundo definição do parágrafo único do art. 1º da Lei nº 6.099/74, constitui “negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta.” A Lei nº 6.099/74 dispõe sobre o tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil.

++ (Juiz TJ/MG 2018) O arrendamento mercantil é a locação caracterizada pela faculdade conferida ao locatário de, ao seu término, optar pela compra do bem locado. (certo) Opções do arrendatário: Ao final do leasing, o arrendatário terá três opções: • renovar a locação, prorrogando o contrato; • não renovar a locação, encerrando o contrato; • pagar o valor residual e, com isso, comprar o bem alugado.

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Obs.: é comum, na prática, que o contrato já estabeleça que o valor residual será diluído nas prestações do aluguel. Assim, o contrato prevê que o arrendatário já declara que deseja comprar o bem e, todos os meses, junto ao valor do aluguel, ocorre também o pagamento do valor residual de forma parcelada. Como dito, isso é extremamente frequente, especialmente no caso de leasing financeiro.

Súmula 293: A cobrança antecipada do valor residual garantido (VRG) não descaracteriza o contrato de arrendamento mercantil.

Desdobramento da posse Assim como ocorre com a alienação fiduciária, o contrato de arrendamento mercantil caracteriza-se pelo fenômeno do “desdobramento da posse”. Isso porque o arrendatário fica com a posse direta do bem e o arrendador permanece com a posse indireta e com a propriedade. Somente após o exercício da opção de compra, mediante o pagamento do valor de mercado ou do valor residual garantido (VRG), é que a propriedade do arrendador se extingue em favor do arrendatário, bem como sua posse indireta, tornando-se o devedor proprietário e possuidor pleno da coisa. Inadimplência Em caso de inadimplência do arrendatário, o arrendador poderá, na qualidade de proprietário do bem locado: • ajuizar ação de reintegração de posse, retomando a posse direta do bem arrendado e resolvendo o leasing; ou • propor ação de cobrança das prestações em atraso. Se o arrendador optar por ajuizar a ação de cobrança, deverá fazê-lo em qual prazo? Qual é o prazo prescricional nesta hipótese? 5 anos. Isso porque se trata de cobrança de dívida líquida constante de contrato, o que se amolda ao art. 206, § 5º, I, do Código Civil:

Art. 206. Prescreve: (...) § 5º Em cinco anos: I - a pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular; (...)

Imagine agora a seguinte situação hipotética: Em 1994, João adquiriu na concessionária um veículo. Como não tinha condições de pagar o carro à vista, o consumidor, no ato da compra, dentro da própria concessionária, fez um financiamento, na modalidade “arrendamento mercantil”, com o banco. João pagou uma parte à vista e comprometeu-se em quitar o restante do carro em 60 prestações mensais sucessivas. O contrato já estabelecia que o valor residual estava diluído nas prestações, de forma que, pagas todas as parcelas, já seria transferida a propriedade plena do bem para o adquirente. Ocorre que ele deixou de pagar a partir da 50ª prestação. O Banco estava passando por dificuldades e, por desorganização administrativa, não tomou qualquer providência contra João. Isso foi em 1998. João ficou utilizando o automóvel durante vários anos sem que houvesse a regularização do veículo. Em 2010, ou seja, 12 anos depois, João ajuizou ação de usucapião de bem imóvel pedindo para que se reconheça a propriedade do veículo. É possível o reconhecimento da usucapião neste caso? SIM.

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O que é usucapião? Usucapião é... - um instituto jurídico por meio do qual a pessoa que fica na posse de um bem (móvel ou imóvel) - por determinados anos - agindo como se fosse dono - adquire a propriedade deste bem ou outros direitos reais a ele relacionados (exs: usufruto, servidão) - desde que cumpridos os requisitos legais. Usucapião de bem móvel Existem duas espécies de usucapião de bens móveis:

USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL

A) ORDINÁRIA B) EXTRAORDINÁRIA

Prazo: 3 anos. Exige justo título. Exige boa-fé.

Prazo: 5 anos. Não exige justo título. Não exige boa-fé.

Prevista no art. 1.260 do CC: Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.

Prevista no art. 1.261 do CC: Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.

Voltando ao caso concreto: enquanto ainda não tinha passado o prazo de prescrição, não havia se iniciado a contagem da posse para fins de usucapião O STJ afirmou que, enquanto acabar o prazo prescricional que o arrendador possui para cobrar a dívida, não se inicia a contagem da posse para fins de usucapião. Explicando melhor: - o arrendador tinha o prazo de 5 anos para ajuizar a ação de cobrança; - no caso concreto, como o inadimplemento foi em 1998, o banco tinha até 2003 para ajuizar a ação; - até 2003, não se podia falar em usucapião; - a partir de 2003, como o arrendador já não mais poderia ajuizar a ação de cobrança, entende-se que cessaram os vícios que maculavam a posse do arrendatário; - logo, a partir de 2003 começou a ser contado o prazo de usucapião; - como o prazo de usucapião extraordinário de bem móvel é de 5 anos (art. 1.261 do CC), o arrendatário adquiriu a propriedade por usucapião em 2008. Por que passado o prazo de prescrição, inicia-se a contagem da posse para fins de usucapião? Até 2003, a posse do arrendatário era injusta, clandestina e viciada. Com o fim do prazo prescricional, esses vícios, que inicialmente maculavam a posse, desapareceram. Como o autor passou mais do que 5 anos após 2003, ele adquiriu a propriedade por força de usucapião extraordinária, nos termos do art. 1.261 do CC. Vale ressaltar que a usucapião extraordinária existe independentemente de justo título ou de boa-fé. Em suma:

A existência de contrato de arrendamento mercantil do bem móvel impede a aquisição de sua propriedade pela usucapião, contudo, verificada a prescrição da dívida, inexiste óbice legal para prescrição aquisitiva. STJ. 4ª Turma. REsp 1.528.626-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. Acd. Min. Raul Araújo, julgado em 17/12/2019 (Info 667).

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ALIMENTOS Não incide desconto de pensão alimentícia sobre as parcelas

denominadas diárias de viagem e tempo de espera indenizado

Não incide desconto de pensão alimentícia sobre as parcelas denominadas diárias de viagem e tempo de espera indenizado.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.747.540-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

Imagine a seguinte situação hipotética: Arthur, 5 anos de idade, representado por sua mãe, Carla, ajuizou ação de alimentos contra seu pai, Augusto, motorista regularmente contratado de uma empresa de transportes. O juiz julgou o pedido procedente fixando a pensão alimentícia no percentual de 25% dos rendimentos líquidos do requerido, valor que deve ser descontado em folha de pagamento e transferido para a conta bancária aberta em nome da criança. O pai interpôs apelação questionando um ponto da sentença. Segundo alegou, algumas vezes ele recebe “diárias de viagem” e também um valor chamado “tempo de espera indenizado”. Sustentou que esse percentual de 25% dos descontos não deve incidir sobre tais quantias considerando que elas têm natureza indenizatória (e não remuneratória). Nas palavras do recorrente, “referidas verbas são destinadas a suprir as necessidades nutricionais do Apelante, que é motorista e fica durante a semana fora da sua residência, conforme comprovado na audiência de instrução e julgamento, não podendo, portanto, servir de base para o desconto do percentual dos alimentos deferido na decisão de primeiro grau (...)”. O pedido do pai recorrente foi acolhido pelo STJ? SIM.

Os alimentos incidem sobre verbas pagas em caráter habitual, ou seja, sobre aquelas incluídas permanentemente no salário do empregado. A verba alimentar incide, portanto, sobre vencimentos, salários ou proventos auferidos pelo devedor no desempenho de sua função ou de suas atividades empregatícias, decorrentes dos rendimentos ordinários do devedor. Não se aplicam a quaisquer quantias que não ostentem caráter usual ou que sejam equiparadas a indenização. As parcelas denominadas diárias e tempo de espera indenizado possuem natureza indenizatória, restando excluídas do desconto para fins de pensão alimentícia, considerando que são verbas transitórias. STJ. 3ª Turma. REsp 1.747.540-SC, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

ALIMENTOS Se foi celebrado um acordo na ação de investigação de paternidade, mas não se estipulou o

termo inicial dos alimentos, estes serão devidos desde a data da citação

Na ausência de expressa previsão no acordo de alimentos a respeito do seu termo inicial, deve prevalecer o disposto no § 2º do art. 13 da Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos), segundo o qual, em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação.

Art. 13 (...) § 2º Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação.

Se a lei diz expressamente que “em qualquer caso” os alimentos retroagem, não cabe ao intérprete fazer restrições onde o legislador não o fez, de modo que não há justificativa para

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que os alimentos fixados em acordo celebrado em ação investigatória de paternidade não receba o mesmo tratamento, sob o singelo argumento de que ajuste foi omisso a respeito do seu termo inicial.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.821.107-ES, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

Imagine a seguinte situação hipotética: Em 18/08/2014, Valéria (2 anos de idade), representada por sua mãe Regina, ajuizou ação de investigação de paternidade cumulada com prestação de alimentos contra João. O réu somente foi citado em 18/11/2014. Em 18/05/2015, após o resultado do exame de DNA, realizou-se uma audiência na qual foi celebrado um acordo por meio do qual João reconheceu a paternidade da filha e comprometeu-se a pagar pensão alimentícia no valor de 1 salário-mínimo. O acordo teve uma omissão que gerou bastante polêmica: não constou no ajuste qual seria o termo inicial do pagamento dos alimentos, ou seja, a partir de quando eles seriam devidos. Diante da omissão do acordo de alimentos celebrado entre as partes na ação investigatória de paternidade, qual é o termo inicial da obrigação alimentar: a data da homologação do ajuste ou a data da citação do investigado/alimentante? A data da citação (no caso, 18/11/2014). O § 2º do art. 13 da Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos) prevê o seguinte:

Art. 13 (...) § 2º Em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação.

Se a lei diz expressamente que “em qualquer caso” os alimentos retroagem, não cabe ao intérprete fazer restrições onde o legislador não o fez, de modo que não há justificativa para que os alimentos fixados em acordo celebrado em ação investigatória de paternidade não receba o mesmo tratamento, sob o singelo argumento de que ajuste foi omisso a respeito do seu termo inicial. Para que fosse excepcionada a regra do § 2º do art. 13 seria necessário que o acordo celebrado entre os litigantes dissesse expressamente que a verba alimentar seria devida somente a partir da sua homologação judicial, o que não ocorreu. Não é razoável deduzir que, diante da omissão a respeito do termo inicial do alimentos, as prestações devidas entre a citação e a fixação dos alimentos não foram objeto do ajuste e, por isso, não são devidos, pois implicaria aceitar renúncia de crédito alimentar de menor, o que não é permitido pelo nosso ordenamento jurídico.

Em ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos, o termo inicial destes é a data da citação, com apoio no artigo 13, § 2º, da Lei nº 5.478/68. STJ. 3ª Turma. AgInt no EDcl no REsp 1.534.171/MG, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 17/9/2018.

Súmula 277-STJ: Julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação.

++ (DPE/AL 2003 CESPE) Caso uma ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos seja julgada procedente, estes são devidos a partir da publicação da sentença. (errado) Assim, o termo inicial da pensão alimentícia, ainda que decorrente de acordo homologado judicialmente que não o previu, é a data da citação, ainda mais diante da natureza declaratória da sentença que julga

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procedente o pedido contido na investigação de paternidade, reconhecendo uma situação pré-existente, lembrando que seus efeitos operam ex tunc, até mesmo sobre a parcela de natureza alimentar. Em suma:

Na ausência de expressa previsão no acordo de alimentos a respeito do seu termo inicial, deve prevalecer o disposto no § 2º do art. 13 da Lei nº 5.478/68 (Lei de Alimentos), segundo o qual, em qualquer caso, os alimentos fixados retroagem à data da citação. STJ. 3ª Turma. REsp 1.821.107-ES, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

SUCESSÃO LEGÍTIMA O espólio não possui legitimidade passiva ad causam na ação de ressarcimento de remuneração

indevidamente paga após a morte de ex-servidor e recebida por seus herdeiros

A restituição de quantia recebida indevidamente é um dever de quem se enriqueceu sem causa (art.884 do CC). De acordo com as alegações do ente público, a vantagem econômica foi auferida pelos herdeiros do ex-servidor.

O ex-servidor público não tinha mais personalidade jurídica quando o Distrito Federal depositou a quantia ora pleiteada considerando que estava morto (art. 6º do CC).

Se o saque indevido da quantia disponibilizada pelo Poder Público não pode ser imputado ao falecido (não foi decorrente de qualquer ato do falecido), o espólio não pode ser obrigado a restituir. Isso porque o espólio é obrigado a cumprir as dívidas do autor da herança por força do art. 796 do CPC/2015.

Logo, se o espólio não pode ser vinculado, nem mesmo abstratamente, ao dever de restituir, ele não pode ser considerado parte legítima nesta ação nos termos do art. 17 do CPC/2015.

O espólio não possui legitimidade passiva ad causam na ação de ressarcimento de remuneração indevidamente paga após a morte de ex-servidor e recebida por seus herdeiros.

STJ. 2ª Turma. REsp 1.805.473-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 03/03/2020 (Info 667).

O que é o espólio? O espólio é o ente despersonalizado que representa a herança em juízo ou fora dele. Mesmo sem possuir personalidade jurídica, o espólio tem capacidade para praticar atos jurídicos (ex.: celebrar contratos, no interesse da herança e tem legitimidade processual (pode estar no polo ativo ou passivo da relação processual) (FARIAS, Cristiano Chaves. et. al., Código Civil para concursos. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 1396). Quem representa o espólio em juízo (quem age em nome do espólio)? • Se já houve inventário: o espólio é representado em juízo pelo inventariante. • Se ainda não foi aberto inventário: o espólio é representado pelo administrador provisório (art. 985, CPC). Imagine agora a seguinte situação hipotética: João, que era servidor público, faleceu. O departamento pessoal do órgão não inseriu a morte do servidor no sistema de pagamento e, em razão disso, a Administração Pública depositou a remuneração na conta corrente que era titularizada por João. Os dois filhos de João (seus únicos herdeiros) sabiam a senha da conta e tinham o cartão do banco. Quando viram que foi depositada a remuneração, sacaram a quantia. Ao perceber o erro, a Fazenda Pública ajuizou ação contra o espólio de João cobrando o ressarcimento do valor sacado.

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Sentença extinguiu o processo sem resolução do mérito A sentença julgou extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015, por reconhecer a ilegitimidade passiva ad causam do Espólio de João, uma vez que a remuneração indevidamente paga ao ex-servidor falecido após a morte e recebido por seus herdeiros não integra o conjunto de bens do espólio. Para o STJ, agiu corretamente o juiz? SIM. O saque da remuneração configurou ato ilícito O saque do dinheiro disponibilizado na conta de João foi um ato ilícito considerando que o pagamento era indevido. Esse ato ilícito foi praticado, não por João (que já estava morto), mas sim por seus herdeiros. Como essa remuneração não tinha razão de ser, o pagamento, como dito, foi indevido e gera o enriquecimento de quem não era titular da quantia e o dever de restituição, nos termos do art. 884 do Código Civil:

Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

Quem praticou o ato ilícito é a parte legítima para a ação Os danos praticados por ato ilícito devem ser reparados por quem os deu causa. No caso concreto, a Fazenda Pública alega que o ato ilícito praticado foi o saque de dinheiro indevidamente depositado. Logo, os responsáveis por esse ato ilícito e beneficiários da quantia é que devem figurar no polo passivo. Se o saque indevido da quantia disponibilizada pelo Poder Público não pode ser imputado ao falecido (não foi decorrente de qualquer ato do falecido), o espólio não pode ser obrigado a restituir. Isso porque o espólio é obrigado a cumprir as dívidas do autor da herança por força do art. 796 do CPC/2015, que assim dispõe:

Art. 796. O espólio responde pelas dívidas do falecido, mas, feita a partilha, cada herdeiro responde por elas dentro das forças da herança e na proporção da parte que lhe coube.

Espólio seria parte legítima se a dívida fosse do morto Poderíamos falar em responsabilidade do Espólio se o dever de ressarcimento fosse consequência de uma dívida do servidor falecido. No caso, contudo, isso não ocorre porque o suposto ato ilícito não foi praticado por ele nem o beneficiou. Deve-se considerar indevida qualquer argumentação no sentido de que a disponibilização de quantias ocorreu em razão do vínculo jurídico-administrativo entre a administração pública e o ex-servidor. Afinal, a morte é causa de extinção desse vínculo. No âmbito dos servidores federais, por exemplo, há expressa menção dessa forma de vacância de cargo público no art. 33, IX, da Lei nº 8.112/90. Em suma:

A restituição de quantia recebida indevidamente é um dever de quem se enriqueceu sem causa (art.884 do CC). De acordo com as alegações do ente público, a vantagem econômica foi auferida pelos herdeiros do ex-servidor. O ex-servidor público não tinha mais personalidade jurídica quando o Distrito Federal depositou a quantia ora pleiteada considerando que estava morto (art. 6º do CC). Se o saque indevido da quantia disponibilizada pelo Poder Público não pode ser imputado ao falecido (não foi decorrente de qualquer ato do falecido), o espólio não pode ser obrigado a restituir. Isso porque o espólio é obrigado a cumprir as dívidas do autor da herança por força do art. 796 do CPC/2015.

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Logo, se o espólio não pode ser vinculado, nem mesmo abstratamente, ao dever de restituir, ele não pode ser considerado parte legítima nesta ação nos termos do art. 17 do CPC/2015. O espólio não possui legitimidade passiva ad causam na ação de ressarcimento de remuneração indevidamente paga após a morte de ex-servidor e recebida por seus herdeiros. STJ. 2ª Turma. REsp 1.805.473-DF, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 03/03/2020 (Info 667).

TESTAMENTO É válido o testamento particular que, a despeito de não ter sido assinado

de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital

Importante!!!

O art. 1.876, § 2º do Código Civil afirma que um dos requisitos do testamento particular é que ele seja assinado pelo testador. Vale ressaltar, contudo, que o STJ decidiu que:

É válido o testamento particular que, a despeito de não ter sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital.

Caso concreto: a falecida deixou um testamento particular elaborado por meio mecânico; o testamento foi lido na presença de três testemunhas, que o assinaram; vale ressaltar, no entanto, que esse testamento não foi assinado pela testadora em razão de ela se encontrar hospitalizada na época e estar com uma limitação física que a impedia assinar; para suprir essa falta de assinatura, a testadora colocou a sua impressão digital no testamento; as testemunhas, ouvidas em juízo, confirmaram o cumprimento das demais formalidades e, sobretudo, que aquela era mesmo a manifestação de última vontade da testadora; o STJ considerou válido o testamento.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.633.254-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/03/2020 (Info 667).

Conceito e características do testamento Testamento é um... - negócio jurídico - unilateral (traz obrigações somente para quem elabora), - solene (deve obedecer formalidades previstas em lei, - personalíssimo (ato elaborado exclusivamente pelo testador) e - revogável, - por meio do qual o testador, - observada a legislação vigente, - determina quem irá ficar com seu patrimônio depois que ele vier a falecer - podendo ainda prever outras regras de caráter não patrimonial. Espécies Quanto à forma, os testamentos podem ser classificados em ordinários e especiais:

ORDINÁRIOS (COMUNS, VULGARES) ESPECIAIS (EXTRAORDINÁRIOS)

São aqueles elaborados em condições normais, isto é, sem qualquer situação que possa implicar vício na vontade.

São aqueles elaborados em situação de anormalidade.

Espécies de testamento ordinário: a) Testamento público; b) Testamento cerrado (místico); c) Testamento particular (hológrafo);

Espécies de testamento extraordinário: a) Testamento marítimo; b) Testamento aeronáutico; c) Testamento militar.

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Testamento particular As regras sobre o testamento particular estão previstas nos arts. 1.876 a 1.880 do Código Civil. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho (“a mão”) ou mediante processo mecânico (ex: digitado no computador e impresso). ++ (Cartório TJ/AC 2012 FMP) O testamento particular deve ser escrito de próprio punho pelo testador, sendo vedada a utilização de processo mecânico. (errado) Testamento particular deve ser assinado pelo testador O Código Civil afirma que um dos requisitos do testamento particular é que ele seja assinado pelo testador:

Art. 1.876. O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou mediante processo mecânico. § 1º Se escrito de próprio punho, são requisitos essenciais à sua validade seja lido e assinado por quem o escreveu, na presença de pelo menos três testemunhas, que o devem subscrever. § 2º Se elaborado por processo mecânico, não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão.

Imagine agora a seguinte situação adaptada: Maria deixou um testamento particular elaborado por meio mecânico. O testamento foi lido na presença de três testemunhas, que o assinaram. Vale ressaltar, no entanto, que esse testamento não foi assinado pela testadora em razão de ela se encontrar hospitalizada na época e estar com uma limitação física que a impedia assinar. Para suprir essa falta de assinatura, a testadora colocou a sua impressão digital no testamento. As testemunhas, ouvidas em juízo, confirmaram o cumprimento das demais formalidades e, sobretudo, que aquela era mesmo a manifestação de última vontade de Maria.

No caso concreto, esse testamento pode ser considerado válido? SIM.

É válido o testamento particular que, a despeito de não ter sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital. STJ. 2ª Seção. REsp 1.633.254-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/03/2020 (Info 667).

Quando falamos em sucessão testamentária, deve-se ter em mente que o objetivo principal a ser alcançado é o de garantir que seja respeitada a manifestação de última vontade do falecido. Assim, as formalidades previstas em lei para os testamentos devem ser examinadas à luz dessa diretriz máxima, sopesando-se, sempre, no caso concreto, se a ausência de uma delas é suficiente para comprometer a validade do testamento em confronto com os demais elementos de prova produzidos, sob pena de ser frustrado o real desejo do testador. Em caso de descumprimento de alguma formalidade do testamento, o STJ afirmava que, para saber se este testamento era ou não válido, seria necessário analisar se o vício detectado era sanável ou insanável. Desse modo, o critério para a validade do testamento era o da possibilidade de o vício ser sanado. Segundo a Min. Nancy Andrighi, esse critério é insuficiente, devendo a questão ser verificada sob diferente prisma. Para ela, o que deve ser levado em consideração é se a ausência da formalidade exigida em lei efetivamente gera alguma dúvida quanto à vontade do testador. Em uma sociedade que é comprovadamente menos formalista, na qual as pessoas não mais se individualizam por sua assinatura de próprio punho, mas sim por meio de tokens, chaves, logins e senhas, ID's, certificações digitais, reconhecimentos faciais, digitais, oculares e, até mesmo, pelos seus hábitos profissionais, de consumo e de vida, captados a partir da reiterada e diária coleta de seus dados pessoais, e na qual se admite a celebração de negócios jurídicos complexos e vultosos até mesmo por redes sociais

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ou por meros cliques, o papel e a caneta esferográfica perdem diariamente o seu valor e a sua relevância, devendo ser examinados em conjunto com os demais elementos que permitam aferir ser aquela a real vontade do contratante. Desse modo, a regra segundo a qual a assinatura de próprio punho é requisito de validade do testamento particular traz consigo a presunção de que aquela é a real vontade do testador, tratando-se, todavia, de uma presunção juris tantum, admitindo-se, ainda que excepcionalmente, a prova de que, se porventura ausente a assinatura nos moldes exigidos pela lei, ainda assim era aquela a real vontade do testador. É preciso, portanto, repensar o direito civil codificado à luz da nossa atual realidade social, sob pena de se conferirem soluções jurídicas inexequíveis, inviáveis ou simplesmente ultrapassadas pelos problemas trazidos pela sociedade contemporânea. No caso, a despeito da ausência de assinatura de próprio punho do testador e de o testamento ter sido lavrado a rogo e apenas com a aposição de sua impressão digital, não havia dúvida acerca da manifestação de última vontade da testadora que, embora sofrendo com limitações físicas, não possuía nenhuma restrição cognitiva.

DIREITO DO CONSUMIDOR

PLANO DE SAÚDE Competência para julgar demandas entre usuário e operadora de plano de saúde

Tema polêmico!

Complemente os informativos 620 e 627 STJ

Compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for instituído em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador.

STJ. 2ª Seção. REsp 1.799.343-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/03/2020 (Tema IAC 5) (Info 668).

Vale ressaltar, contudo, que temos aqui uma “polêmica”. No mesmo dia, na mesma sessão de julgamento, a 2ª Seção apreciou o CC 165.863-SP no qual foram redigidas teses aparentemente contraditórias com as do REsp 1.799.343-SP. Compare:

Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, sendo irrelevante a existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva.

Para a definição da competência do julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, é irrelevante a distinção entre trabalhador ativo, aposentado ou dependente do trabalhador.

STJ. 2ª Seção. CC 165.863-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/03/2020 (Tema IAC 5) (Info 667).

Foram opostos embargos de declaração nos dois processos, de forma que o tema deverá ser esclarecido em breve. Penso, contudo, que irá prevalecer a redação da tese fixada no REsp 1.799.343-SP porque reflete o entendimento presentes em outros julgados do STJ.

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No presente julgado, o STJ discutiu qual é a “justiça” competente para julgamento de ações relacionadas com contrato de plano de saúde que é assegurado ao usuário por força contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva. Seria competência da Justiça do Trabalho ou da Justiça Comum? Vamos verificar. Plano de saúde de autogestão Para entendermos o julgado, é necessário inicialmente aprendermos o que é um plano de saúde de autogestão. Planos de saúde de autogestão (também chamados de planos fechados de saúde) são criados por órgãos, entidades ou empresas para beneficiar um grupo restrito de filiados com a prestação de serviços de saúde. Tais planos são mantidos por instituições sem fins lucrativos e administrados paritariamente, de forma que, no seu conselho deliberativo ou de administração, há representantes do órgão ou empresa instituidora e também dos associados ou usuários. O objetivo desses planos fechados é baratear para os usuários o custo dos serviços de saúde, tendo em vista que não visam ao lucro. Exemplo: CASSI (Caixa de Assistência dos Funcionários do Banco do Brasil); Fundação Saúde Itaú. Segundo a Resolução Normativa 137, da ANS, de 14/11/2006, a operadora de autogestão é...

(...) a pessoa jurídica de direito público ou privado que, diretamente ou por intermédio de entidade pública ou privada patrocinadora, instituidora ou mantenedora, administra plano coletivo de assistência à saúde destinado exclusivamente a pessoas (e seus dependentes) a ela ligadas por vínculo jurídico ou estatutário, ou aos participantes (e seus dependentes) de associações, fundações, sindicatos e entidades de classes, nos termos dos incisos I, II e III e § 2º, do art. 2º.

A principal característica das entidades de autogestão que operam planos de saúde é constituir-se em um sistema fechado sem a finalidade lucrativa, ou seja, os planos por elas administrados não são oferecidos ao mercado de consumo em geral, mas apenas a grupos restritos. É por isso que não se aplica, nesses contratos, o Código de Defesa do Consumidor. A ANS, ao regulamentar as entidades de autogestão no âmbito do sistema de Saúde Suplementar, enumerou três tipos: a) a autogestão empresarial (ou da própria empresa); b) a autogestão instituída ou patrocinada (há as figuras do instituidor, mantenedor e patrocinador); c) as autogestões associativas ou fundacionais de categorias profissionais. Imagine agora a seguinte situação hipotética: João era empregado do Banco do Brasil e possuía plano de saúde coletivo oferecido aos funcionários da instituição. Vale ressaltar que se tratava de plano de saúde de autogestão. No ano de 2010, João foi demitido sem justa causa e pediu para continuar no plano de saúde com as mesmas condições de cobertura assistencial que gozava, pagando as mensalidades. O plano de saúde recusou o pedido. Diante disso, João ingressou com ação requerendo a permanência no plano de saúde, com base no art. 30 da Lei nº 9.656/98 (Lei que trata sobre os planos de saúde):

Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas

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mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral.

Surgiu, no entanto, uma dúvida sobre a competência. De quem será a competência para julgar a presente ação: Justiça Comum ou Justiça do Trabalho? Justiça Comum.

Compete à Justiça Comum Estadual o exame e o julgamento de feito que discute direitos de ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa de permanecer em plano de saúde coletivo oferecido pela própria empresa empregadora aos trabalhadores ativos, na modalidade de autogestão. STJ. 3ª Turma. REsp 1.695.986-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 27/02/2018 (Info 620).

Compete à Justiça Comum Estadual o julgamento de demanda com natureza predominantemente civil entre ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa e operadoras de plano de saúde na modalidade autogestão vinculadas ao empregador. STJ. 2ª Seção. CC 157.664-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 23/05/2018 (Info 627).

Relação do usuário com o plano de saúde é autônoma da relação de emprego A relação jurídica mantida entre o usuário do plano de saúde e a entidade de autogestão não é apenas uma derivação da relação de emprego. Plano de saúde não é considerado salário O próprio art. 458, § 2º, IV, da CLT, incluído pela Lei nº 10.243/2001, é expresso em dispor que a assistência médica, hospitalar e odontológica concedida pelo empregador, seja diretamente ou mediante seguro-saúde, não será considerada como salário. Isso porque o plano de saúde fornecido pela empresa empregadora, mesmo a título gratuito, não possui natureza retributiva, não constituindo salário-utilidade (salário in natura), sobretudo por não ser contraprestação ao trabalho. Ao contrário, referida vantagem apenas possui natureza preventiva e assistencial, sendo uma alternativa às graves deficiências do Sistema Único de Saúde (SUS), obrigação do Estado. Plano da saúde de autogestão é disciplinado no âmbito do sistema de saúde suplementar As entidades de autogestão são enquadradas como operadoras de planos de saúde, de modo que são reguladas e fiscalizadas pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar). Caráter civil do litígio Desse modo, em virtude da autonomia jurídica, as ações originadas de controvérsias entre usuário de plano de saúde coletivo e entidade de autogestão não se adequam ao ramo do Direito do Trabalho, tampouco podem ser inseridas em “outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho” (art. 114, IX, da Constituição Federal), sendo, pois, predominante o caráter civil da relação entre os litigantes, mesmo porque, como visto, a assistência médica não integra o contrato de trabalho. Assim, as ações que discutem abusividade de mensalidades, cobertura de tratamento médico, deficiência de prestação de serviços suplementares de saúde propostas pelos usuários contra as operadoras de plano de saúde, incluídas as autogestões, são de competência da Justiça comum. Com maior razão, por já ter sido encerrado o seu contrato de trabalho, a pretensão do ex-empregado de manutenção no plano de assistência à saúde fornecido pela ex-empregadora não pode ser vista como simples relação de trabalho. Dessa forma, conclui-se que a Justiça competente para o exame e julgamento de ação fundada nos arts. 30 e 31 da Lei nº 9.656/98, que discute direitos de ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa de permanecer em plano de saúde coletivo oferecido pela própria empresa empregadora aos trabalhadores ativos, na modalidade de autogestão, é a Justiça Comum estadual, visto que a causa de

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pedir e o pedido se originam de relação autônoma nascida com a operadora de plano de saúde, a qual possui natureza eminentemente civil, envolvendo tão somente de maneira indireta os aspectos da relação de trabalho. A competência será da Justiça Comum mesmo que o usuário que ingressou com ação contra o plano ainda seja trabalhador ativo? SIM. A competência será da Justiça comum não importando se o autor da ação contra o plano é trabalhador ativo ou inativo (aposentado). Vale ressaltar que, mesmo se a ação foi proposta pelo dependente do trabalhador, ainda assim a competência será da Justiça Comum. Existe alguma exceção? Existe alguma hipótese na qual a ação proposta pelo usuário contra o plano de saúde de autogestão será de competência da Justiça do Trabalho? SIM. A demanda será de competência da Justiça do Trabalho se o plano de saúde é de autogestão empresarial e foi instituído em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo. Exemplo dessa exceção: Programa de Assistência Multidisciplinar de Saúde (AMS), operado pela PETROBRAS S/A e disciplinado em acordo coletivo de trabalho. Nesse sentido:

As ações relacionadas ao Programa Multidisciplinar à Saúde mantida pela Petrobrás são de competência da Justiça do Trabalho, porquanto disciplinado por Convenção Coletiva de Trabalho e normas internas empresariais vinculadas ao contrato de trabalho, sem discussão acerca da aplicação da legislação civil relacionada aos planos de saúde. STJ. 3ª Turma. AgInt no AREsp 1.315.336/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/02/2019.

Em suma:

Compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for instituído em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador. STJ. 2ª Seção. REsp 1.799.343-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/03/2020 (Tema IAC 5) (Info 668).

Vale ressaltar, contudo, que temos aqui uma “polêmica”. No mesmo dia, na mesma sessão de julgamento, a 2ª Seção apreciou o CC 165.863-SP no qual foram redigidas teses aparentemente contraditórias com as do REsp 1.799.343-SP. Compare:

CC 165.863-SP (Info 667) REsp 1.799.343-SP (Info 668)

Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, sendo irrelevante a existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva. Para a definição da competência do julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, é irrelevante a distinção entre trabalhador ativo, aposentado ou dependente do trabalhador. Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora de plano de saúde, exceto quando o plano é organizado na modalidade autogestão empresarial, sendo operado pela própria empresa

Compete à Justiça comum julgar as demandas relativas a plano de saúde de autogestão empresarial, exceto quando o benefício for instituído em contrato de trabalho, convenção ou acordo coletivo, hipótese em que a competência será da Justiça do Trabalho, ainda que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador. STJ. 2ª Seção. REsp 1.799.343-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, Rel. Acd. Min. Nancy Andrighi, julgado em 11/03/2020 (Tema IAC 5) (Info 668).

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contratante do trabalhador, hipótese em que a competência é da Justiça do Trabalho. STJ. 2ª Seção. CC 165.863-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 11/03/2020 (Tema IAC 5) (Info 667).

A tese oficial que constou na ementa do CC 165.863 ficou assim redigida: (...) 2.1. Compete à Justiça comum o julgamento das demandas entre usuário e operadora plano de saúde, exceto quando o plano é organizado na modalidade autogestão empresarial, sendo operado pela própria empresa contratante do trabalhador, hipótese em que competência é da Justiça do Trabalho. 2.2. Irrelevância, para os fins da tese 2.1, da existência de norma acerca da assistência à saúde em contrato de trabalho, acordo ou convenção coletiva. 2.3. Aplicabilidade da tese 2.1 também para as demandas em que figure como parte trabalhador aposentado ou dependente do trabalhador. (...) E agora? Foram opostos embargos de declaração nos dois processos, de forma que o tema deverá ser esclarecido em breve. Penso, contudo, que irá prevalecer a redação da tese fixada no REsp 1.799.343-SP porque reflete o entendimento presentes em outros julgados do STJ.

PLANO DE SAÚDE Se não houver previsão contratual expressa, o plano de saúde não é obrigado a custear o tratamento de fertilização in vitro

Importante!!!

O art. 10, III, da Lei nº 9.656/98, ao excluir a inseminação artificial do plano-referência de assistência à saúde, também excluiu a técnica de fertilização in vitro.

A inseminação artificial compreende a fertilização in vitro, bem como todas as técnicas médico-científicas de reprodução assistida, sejam elas realizadas dentro ou fora do corpo feminino.

Isso significa que não é abusiva a negativa de custeio, pela operadora do plano de saúde, do tratamento de fertilização in vitro, quando não houver previsão contratual expressa.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.7946.29/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/02/2020 (Info 667).

STJ. 4ª Turma. REsp 1.823.077-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

Imagine a seguinte situação hipotética: Regina é cliente do plano de saúde AMIL. Como não estava conseguindo engravidar, Regina consultou um médico e verificou que ela sofre de endometriose e, portanto, possui dificuldades de engravidar. Diante desse cenário, o profissional recomendou a realização de uma fertilização in vitro, que é uma técnica na qual a fecundação do óvulo com o espermatozoide ocorre em um laboratório de embriologia, sendo posteriormente transferido ao útero materno. Ocorre que o plano de saúde de Regina recusou-se a custear este tratamento. Inconformada, Regina ingressou com ação de obrigação de fazer contra o plano afirmando que a negativa foi abusiva e que este tratamento deveria ser obrigatoriamente prestado. Vale ressaltar que no contrato assinado entre a consumidora e o plano não existe previsão expressa de cobertura deste tipo de tratamento.

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O STJ concordou com os argumentos da autora? O plano de saúde é obrigado a custear o tratamento? NÃO. O STJ entendeu que a recusa do plano de saúde não foi abusiva. Vamos entender com calma.

Fertilização in vitro não era um tratamento para tratar a enfermidade que acomete a autora A autora foi diagnosticada com endometriose, que é “uma doença caracterizada pela presença do endométrio – tecido que reveste o interior do útero – fora da cavidade uterina, ou seja, em outros órgãos da pelve: trompas, ovários, intestinos e bexiga.” (https://www.gineco.com.br/saude-feminina/doencas-femininas/endometriose/) Segundo o Ministério da Saúde, são indicados para essa enfermidade o tratamento clínico (com uso de anticoncepcionais orais), o tratamento cirúrgico ou a combinação dos dois. Desse modo, a fertilização in vitro não é um tratamento indicado para o enfrentamento desta doença. Esta técnica tem por objetivo, portanto, unicamente permitir que a autora consiga alcançar a gravidez desejada.

Reprodução assistida Reprodução assistida é “a intervenção do homem no processo de procriação natural, com o objetivo de possibilitar a pessoas com problemas de infertilidade ou esterilidade satisfaçam o desejo de alcançar a maternidade ou a paternidade.” (MALUF, Adriana Caldas do Rego Bagus, pág. 331).

Duas principais técnicas de reprodução assistida É possível afirmar que a procriação artificial ou a reprodução humana assistida é o gênero, que pode ser realizada através de duas técnicas principais: a) a inseminação artificial; e b) a fecundação in vitro, também conhecida como bebê de proveta. Inseminação artificial e fertilização in vitro A inseminação artificial e a fertilização in vitro são, portanto, técnicas de fecundação, ou seja, tratamentos médicos que objetivam a reprodução humana. As diferenças entre elas são as seguintes: • Inseminação artificial: consiste no depósito do sêmen masculino diretamente na cavidade uterina, sendo essa inserção feita artificialmente, mediante uma seringa, por via transabdominal, ou mediante um cateter, por via transvaginal. Quando o sêmen é do marido/companheiro/namorado, trata-se de inseminação homóloga; quando ocorre a infertilidade também do parceiro, a inseminação é feita com o sêmen de outro homem, e se chama heteróloga. • Fertilização in vitro: após a fertilização, o óvulo é mantido em uma estufa no laboratório, onde começa a correr a divisão celular. Posteriormente, o embrião daí resultante é colocado no útero da mulher. É aquilo que ficou conhecido popularmente como “bebê de proveta”. Lei dos Planos de Saúde exclui a inseminação artificial do rol de procedimentos obrigatórios A Lei nº 9.656/98 permite que que os planos de saúde neguem cobertura para inseminação artificial:

Art. 10. É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: (...) III - inseminação artificial;

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Resoluções da ANS A ANS possui também resoluções reafirmando que a inseminação artificial está excluída do rol de procedimentos obrigatórios:

Resolução Normativa nº 192/2009 Art. 1º (...) § 2º A inseminação artificial e o fornecimento de medicamentos de uso domiciliar, definidos nos incisos III e VI do art. 13 da Resolução Normativa - RN nº 167, de 9 de janeiro de 2008, não são de cobertura obrigatória de acordo com o disposto nos incisos III e VI do art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998 e, não estão incluídos na abrangência desta Resolução.

Resolução Normativa nº 428/2017 Art. 20. A cobertura assistencial de que trata o plano-referência compreende todos os procedimentos clínicos, cirúrgicos, obstétricos e os atendimentos de urgência e emergência, na forma estabelecida no art. 10 da Lei nº 9.656, de 1998. § 1º São permitidas as seguintes exclusões assistenciais: (...) III - inseminação artificial, entendida como técnica de reprodução assistida que inclui a manipulação de oócitos e esperma para alcançar a fertilização, por meio de injeções de esperma intracitoplasmáticas, transferência intrafalopiana de gameta, doação de oócitos, indução da ovulação, concepção póstuma, recuperação espermática ou transferência intratubária do zigoto, entre outras técnicas;

A Lei fala apenas em inseminação artificial e no caso concreto estava sendo pedido o custeio da fertilização in vitro... É verdade. No entanto, a Resolução Normativa nº 428/2017 afirma que é permitida a exclusão não apenas da inseminação artificial, mas também de outras técnicas de reprodução assistida. Vale ressaltar que não há qualquer razoabilidade em se entender que a inseminação artificial não precisa ser oferecida pelo plano (cobertura facultativa) e, ao mesmo tempo, a fertilização in vitro, que é mais cara e complexa, seja de cobertura obrigatória. A ANS não extrapolou suas atribuições ao permitir a exclusão de outras técnicas de reprodução assistida. Isso porque a Agência tem autorização expressa para disciplinar o tema, conforme o parágrafo único do art. 35-C da Lei dos Planos:

Art. 35-C. É obrigatória a cobertura do atendimento nos casos: (...) III - de planejamento familiar. Parágrafo único. A ANS fará publicar normas regulamentares para o disposto neste artigo, observados os termos de adaptação previstos no art. 35.

Nesse mesmo sentido:

(...) 2. O propósito recursal consiste em dizer da interpretação do art. 10, III, da Lei 9.656/98, pontualmente se ao excluir a inseminação artificial do plano-referência também deve ser compreendida, ou não, a exclusão da técnica de fertilização in vitro. 3. Apesar de conhecida a distinção conceitual de diversos métodos de reprodução assistida, referida diversificação de técnicas não importa redução do núcleo interpretativo do disposto no art. 10, III, da Lei dos Planos de Saúde, ao autorizar a exclusão do plano-referência da inseminação artificial. 4. Ao exercer o poder regulamentar acerca das exclusões do plano-referência (Resolução Normativa 387/2015), a ANS atuou nos exatos termos do disposto no art. 10, § 1º, da Lei 9.656/98, não havendo, portanto, inovação da ordem jurídica nem ampliação do rol taxativo, mas a sua materialização na linha do disposto e autorizado expressamente pela lei de regência.

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5. A inseminação artificial compreende a fertilização in vitro, bem como todas as técnicas médico-científicas de reprodução assistida, sejam elas realizadas dentro ou fora do corpo feminino. (...) STJ. 3ª Turma. REsp 1794629/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/02/2020.

Em suma:

O art. 10, III, da Lei nº 9.656/98, ao excluir a inseminação artificial do plano-referência de assistência à saúde, também excluiu a técnica de fertilização in vitro. A inseminação artificial compreende a fertilização in vitro, bem como todas as técnicas médico-científicas de reprodução assistida, sejam elas realizadas dentro ou fora do corpo feminino. Isso significa que não é abusiva a negativa de custeio, pela operadora do plano de saúde, do tratamento de fertilização in vitro, quando não houver previsão contratual expressa. STJ. 3ª Turma. REsp 1.794.629/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro, Rel. p/ Acórdão Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/02/2020 (Info 667). STJ. 4ª Turma. REsp 1.823.077-SP, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 20/02/2020 (Info 666).

No mesmo sentido é o Enunciado 20, da 1ª Jornada de Direito da Saúde do CNJ:

Enunciado nº 20: A inseminação artificial e a fertilização in vitro não são procedimentos de cobertura obrigatória pelas empresas operadoras de planos de saúde, salvo por expressa iniciativa prevista no contrato de assistência à saúde.

DIREITO EMPRESARIAL

MARCA Justiça Estadual não pode julgar improcedente pedido de abstenção de uso de marca, sob o

argumento de que o registro dessa marca tem uma nulidade e, portanto, não goza de proteção; falta competência à Justiça Estadual para reconhecer essa nulidade

Importante!!!

Não compete à Justiça estadual, em sede de reconvenção proposta na ação de abstenção de uso de marca, afastar o pedido da proprietária da marca, declarando a nulidade do registro ou irregularidade da marca.

A Justiça Estadual não pode, ao julgar uma ação de abstenção de uso de marca, negar o pedido da proprietária da marca utilizando como argumento que o registro dessa marca conteria uma nulidade ou irregularidade.

A competência para examinar eventual nulidade do registro de uma marca é da Justiça Federal. Isso porque, nessa situação, haverá interesse jurídico do INPI na demanda, considerando que foi essa autarquia federal que concedeu o registro, incidindo, portanto, na hipótese do art. 109, I, da CF/88.

Caso concreto: uma escola propôs ação pedindo para que outra empresa de educação não utilizasse o termo “Poliedro” como marca; o TJ julgou o pedido improcedente afirmando que essa palavra não poderia ter sido registrada como marca; logo, o registro seria nulo.

STJ. 4ª Turma. REsp 1.393.123-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 18/02/2020 (Info 667).

Imagine a seguinte situação adaptada: A Escola de Educação Infantil Poliedro Ltda ajuizou “ação de abstenção de uso de marca” contra o Sistema de Ensino Poliedro Vestibulares Ltda. pedindo que o réu fosse proibido de usar a palavra “Poliedro” como nome empresarial e como marca. Isso porque ela (Escola) seria mais antiga e teria começado a utilizar esse

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nome há muito mais tempo. A Escola alegou que, apesar de não ter registrado a marca “Poliedro”, registrou o nome comercial em 1978, enquanto o réu (cursinho para vestibular) somente teria surgido em 1995. O réu (Poliedro Vestibular), por sua vez, apresentou pedido reconvencional (reconvenção) alegando que é titular (detentor) da marca “Poliedro”, registrada no INPI para o ramo dos serviços de ensino e educação em todo o território nacional. Logo, o réu/reconvinte pediu que a autora é que fosse proibida de utilizar a marca Poliedro. Veja, então, que ambos os litigantes buscaram a exclusividade no uso do termo “Poliedro”, bem como impedir o adversário de utilizar a expressão em suas atividades. Foi proferida sentença e houve recurso de ambas as partes. O que decidiu o TJ/SP? O TJ/SP entendeu que nenhuma das partes tinha razão e julgou improcedente o pedido contido na ação e também improcedente o pedido feito na reconvenção. O TJ afirmou que a palavra “Poliedro” é uma expressão utilizada na geometria, que serve para designar uma figura tridimensional formada pela união de polígonos regulares, na qual os ângulos poliédricos são todos congruentes. Um cubo é um exemplo de poliedro. Desse modo, para o TJ/SP, a palavra Poliedro, por ser uma expressão científica, não poderia ter sido registrada como marca pelo réu (Poliedro Vestibulares), tendo esse registro violado o art. 124, XVIII, da Lei nº 9.279/96:

Art. 124. Não são registráveis como marca: (...) XVIII - termo técnico usado na indústria, na ciência e na arte, que tenha relação com o produto ou serviço a distinguir;

O STJ manteve o acórdão do TJ/SP? NÃO. O STJ afirmou o seguinte: o TJ/SP adentrou na análise da regularidade da concessão da marca ao réu/reconvinte e decidiu que o INPI não poderia ter feito esse registro. Ocorre que a Justiça Estadual não tinha competência para analisar esse tema. A competência para examinar eventual nulidade do registro de uma marca é da Justiça Federal. Isso porque, nessa situação, haverá interesse jurídico do INPI na demanda, considerando que foi essa autarquia federal que concedeu o registro, incidindo, portanto, na hipótese do art. 109, I, da CF/88:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;

No mesmo sentido, prevê a Lei nº 9.279/96:

Art. 175. A ação de nulidade do registro será ajuizada no foro da justiça federal (...)

A discussão sobre a validade de um registro de marca, patente ou desenho industrial, nos termos da LPI, tem de ser travada administrativamente ou, caso a parte opte por recorrer ao judiciário, deve ser empreendida em ação proposta perante a Justiça Federal, com a participação do INPI na causa. Sem essa discussão, os registros emitidos por esse órgão devem ser reputados válidos e produtores de todos os efeitos de direito. STJ. 3ª Turma. REsp 1281448/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 5/6/2014.

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A alegação de que é inválido o registro, obtido pela titular de marca perante o INPI, deve ser formulada em ação própria, para a qual é competente a Justiça Federal. Ao Juiz estadual não é possível, incidentalmente, considerar inválido um registro vigente perante o INPI. STJ. 3ª Turma. REsp 1322718/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 19/06/2012.

Se o TJ reconheceu que a marca foi registrada pelo curso vestibular, o uso da marca deve ser pleno, assegurando-se a proteção aos direitos inerentes ao registro (exclusividade, territorialidade etc). Estando vigente o registro da marca em nome do réu-reconvinte, ele possui todos os respectivos direitos inerentes. Diante do exposto, o STJ deu provimento ao recurso especial para julgar procedente o pedido da reconvenção e determinar que a autora-reconvinda se abstenha de utilizar a expressão “Poliedro” como marca para designar serviços de ensino e educação. Ela pode continuar utilizando a palavra Poliedro no seu nome empresarial, que já tinha sido registrado antes da marca (Escola de Educação Infantil Poliedro Ltda). Em suma:

Não compete à Justiça estadual, em sede de reconvenção proposta na ação de abstenção de uso de marca, afastar o pedido da proprietária da marca, declarando a nulidade do registro ou irregularidade da marca. STJ. 4ª Turma. REsp 1.393.123-SP, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 18/02/2020 (Info 667).

No mesmo sentido:

Jurisprudência em Teses do STJ (ed. 24) Tese 11: A ação de nulidade de registro de marca ou patente é necessária para que possa ser afastada a garantia da exclusividade, devendo correr na Justiça Federal ante a obrigatoriedade de participação do INPI.

RECUPERAÇÃO JUDICIAL A sistemática prevista no art. 142 da Lei nº 11.101/2005 não é aplicável nas hipóteses do art. 66, ou seja, quando reconhecida a utilidade e a urgência na alienação de bens integrantes do ativo

permanente de empresa em recuperação judicial

O art. 66 da Lei nº 11.101/2005 afirma que é possível a alienação de bens integrantes do ativo permanente da empresa em recuperação judicial, desde que o juiz responsável pela condução do processo reconheça a existência de evidente utilidade na adoção de tal medida.

O art. 66 da LFRE não exige qualquer formalidade específica para fins de se alcançar o valor dos bens a serem alienados, tampouco explicita de que modo deverá ser procedida a venda, deixando, portanto, a critério do juiz aceitar ou não o preço enunciado e a forma como será feita a alienação.

Assim, para a alienação tratada no art. 66 não se exige o cumprimento das formalidades previstas no art. 142 da Lei nº 11.101/2005.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.819.057-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

Imagine a seguinte situação adaptada: Foi decretada a recuperação judicial da empresa OSX S/A. A empresa recuperanda formulou requerimento ao juiz pedindo a alienação de alguns bens integrantes do seu ativo permanente. A OSX justificou que essa alienação seria útil e urgente porque permitiria o ingresso de recursos no caixa, valores indispensáveis à continuidade da empresa e ao cumprimento do plano de recuperação. O administrador judicial e o Ministério Público não se opuseram e o juiz autorizou a alienação, com base no art. 66 da Lei:

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Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial.

Recurso interposto por um dos credores AC Infraestrutura S/A, uma das credoras da OSX, interpôs recurso alegando que essa decisão que autorizou a alienação deveria ter observado os requisitos previstos no art. 142, caput e § 1º, da Lei nº 11.101/2005:

Art. 142. O juiz, ouvido o administrador judicial e atendendo à orientação do Comitê, se houver, ordenará que se proceda à alienação do ativo em uma das seguintes modalidades: I – leilão, por lances orais; II – propostas fechadas; III – pregão. § 1º A realização da alienação em quaisquer das modalidades de que trata este artigo será antecedida por publicação de anúncio em jornal de ampla circulação, com 15 (quinze) dias de antecedência, em se tratando de bens móveis, e com 30 (trinta) dias na alienação da empresa ou de bens imóveis, facultada a divulgação por outros meios que contribuam para o amplo conhecimento da venda (...)

Explicando melhor. A recorrente não se insurgiu contra a possibilidade de alienação dos bens. Ela concorda com isso. O que questionou foi apenas as formalidades a serem seguidas para efetivação do negócio. Para a recorrente, essa alienação deveria cumprir as formalidades do art. 142 da Lei nº 11.101/2005, o que não ocorreu. A tese da recorrente foi acolhida pelo STJ? NÃO. A alienação dos ativos por “evidente utilidade” é prevista no art. 66 da LFRE O art. 66 da Lei nº 11.101/2005 prevê a possibilidade de alienação de bens integrantes do ativo permanente de sociedade em recuperação judicial, desde que o juiz responsável pela condução do processo reconheça a existência de evidente utilidade na adoção de tal medida:

Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, salvo evidente utilidade reconhecida pelo juiz, depois de ouvido o Comitê, com exceção daqueles previamente relacionados no plano de recuperação judicial.

“Evidente utilidade” ocorre quando essa prática (essa alienação) contribuir para a reorganização da empresa e para a satisfação do direito dos credores (MUNHOZ, Eduardo S. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Coord.: Francisco S. de Souza Jr. e Antônio Sérgio A. M. Pitombo. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 66). Alienação tratada no art. 66 não prevê as mesmas formalidades do art. 142 O art. 66 da LFRE não exige qualquer formalidade específica para fins de se alcançar o valor dos bens a serem alienados, tampouco explicita de que modo deverá ser procedida a venda, deixando, portanto, a critério do juiz aceitar ou não o preço enunciado e a forma como será feita a alienação. Em outras palavras, a alienação tratada no art. 66 não exige leilão, propostas fechadas, pregão, anúncio em jornal etc.

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Art. 142 da LFRE tem aplicação restrita O art. 142 da LFRE trata da alienação dos ativos nos processos de falência, regulando de que forma será efetuada a realização do ativo da sociedade falida. Quando a Lei quis aplicar o art. 142 para a recuperação judicial, ela o fez expressamente, como no caso do art. 60, que trata de alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor:

Art. 60. Se o plano de recuperação judicial aprovado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado o disposto no art. 142 desta Lei.

Art. 66 deve ser interpretado de forma restritiva Como o conteúdo do art. 66 da LFRE impõe limitações à atividade do devedor – atividade que, como regra geral, não lhe é tolhida durante o trâmite do processo de recuperação judicial –, sua interpretação deve ser feita de forma restritiva, sob pena de violação dos princípios da preservação da atividade econômica e da manutenção dos postos de trabalho, estampados no art. 47 da lei mencionada (STJ. 3ª Turma. REsp 1783068/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 05/02/2019). Não se aplica o art. 870 do CPC A credora recorrente afirmou, ainda, que deveria ser aplicado, ao caso, o art. 870 do CPC, que exige a prévia avaliação pelo oficial de justiça ou por um avaliador:

Art. 870. A avaliação será feita pelo oficial de justiça. Parágrafo único. Se forem necessários conhecimentos especializados e o valor da execução o comportar, o juiz nomeará avaliador, fixando-lhe prazo não superior a 10 (dez) dias para entrega do laudo.

O STJ, contudo, afirmou que não se aplicaria esse art. 870 do CPC para a alienação feita com base no art. 66 da LFRE. É até possível a aplicação subsidiária de normas previstas no CPC em processos de recuperação judicial (art. 189 da LFRE). No entanto, para isso, é necessário que haja omissões ou lacunas na lei, o que não é o caso. Em suma:

A sistemática prevista no art. 142 da Lei nº 11.101/2005 não é aplicável quando reconhecida a utilidade e a urgência na alienação de bens integrantes do ativo permanente de empresa em recuperação judicial. Cuidando-se da situação prevista em seu art. 66, não se exige qualquer formalidade específica para avaliação dos ativos a serem alienados, incumbindo ao juiz verificar as circunstâncias específicas de cada caso e adotar as providências que entender cabíveis para alcançar o melhor resultado, tanto para a empresa quanto para os credores e demais interessados. STJ. 3ª Turma. REsp 1.819.057-RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

DIREITO PROCESSUAL CIVIL

EXECUÇÃO Coexistindo execução fiscal e execução civil, contra o mesmo devedor, com pluralidade de penhoras recaindo sobre o mesmo bem, o produto da venda judicial, por força de lei, deve

satisfazer o crédito fiscal em primeiro lugar

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Ainda que perfectibilizada a arrematação do bem objeto de penhora na execução civil, os valores levantados devem ser restituídos ao juízo, quando, coexistindo execução fiscal, ausente a prévia intimação da Fazenda Pública.

Caso concreto: banco ajuizou execução contra devedor e conseguiu a penhora de um imóvel; algum tempo depois, a União ajuizou execução fiscal contra esse mesmo devedor e conseguiu a penhora desse mesmo imóvel; no primeiro processo (o do banco), o juiz autorizou a alienação judicial do bem (hasta pública); o dinheiro obtido foi depositado e o juiz, sem ouvir a Fazenda Nacional (União) autorizou que o banco fizesse o levantamento da quantia; em uma situação como essa, o banco terá que devolver o dinheiro; isso porque coexistindo execução fiscal e execução civil, contra o mesmo devedor, com pluralidade de penhoras recaindo sobre o mesmo bem, o produto da venda judicial, por força de lei, deve satisfazer o crédito fiscal em primeiro lugar.

STJ. 3ª Turma. REsp 1.661.481-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

Imagine a seguinte situação hipotética: Safira Indústria e Comércio Ltda contraiu um empréstimo de R$ 500 mil junto ao Banco. A empresa mutuária ofereceu ao Banco um imóvel como garantia hipotecária da obrigação contratualmente assumida. A devedora não pagou o empréstimo no prazo estipulado, razão pela qual o Banco ajuizou execução de título extrajudicial contra a Safira Indústria e Comércio Ltda, processo distribuído para a 3ª Vara Cível da Justiça Estadual. No curso da execução, o juiz da 3ª Vara Cível determinou a penhora do bem hipotecado, ato que foi levado a registro no cartório de registro de imóveis em 2010. Em 2011, contudo, esse mesmo imóvel foi penhorado em uma execução fiscal movida pela União contra a Safira (em tramitação na 1ª Vara Federal) cobrando créditos tributários. Essa penhora também foi registrada no cartório. Hasta pública Em 2012, no processo da execução comum (na 3ª Vara Cível) houve a hasta pública do bem pelo valor de R$ 400 mil, quantia que foi colocada em depósito judicial. Obs: hasta pública é a venda do bem para qualquer interessado em uma espécie de leilão, ou seja, são oferecidos vários lances e aquele que fizer a melhor proposta irá adquirir o bem. O CPC/1973 utilizava a expressão “hasta pública” e agora o CPC/2015 fala em “leilão judicial”. Arrematação Em seguida, determinou-se a expedição de carta de arrematação e de mandado de imissão na posse em favor do adquirente e, em razão de o bem alienado também ter sido penhorado como garantia da execução fiscal, ordenou-se que o Juízo Federal da 1ª Vara fosse comunicado. Obs: arrematação é o ato do Estado-juiz que transfere o bem alienado em leilão judicial (hasta pública) à pessoa que deu o maior lance. Veja a explicação da doutrina sobre a origem da expressão “arrematação”:

“Arrematar é pôr fim à hasta pública, ‘pôr o remate, o termo, o ponto final’. Havia o costume de o pregoeiro/leiloeiro dizer: ‘Há quem mais dê? Se não, arremato’. ‘Quer dizer, considerava findo, entregava o ramo, que em alguns países o porteiro tinha à mão”: nesse momento, o Estado aceita a oferta do licitante e consuma o negócio jurídico de transferência do domínio sobre a coisa. (...) A arrematação é, portanto, o negócio jurídico de direito público, pelo qual o Estado, no exercício de sua soberania, transfere, ao licitante vencedor, o domínio da coisa penhorada, mediante o pagamento do preço.” (DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Execução. Salvador: Juspodivm, 2013, vol. 5, p. 665)

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Levantamento do produto da arrematação O Banco requereu ao Juiz da 3ª Vara Cível autorização para fazer o levamento (“saque”) do produto da arrematação (valor conseguido com a venda). O magistrado, mesmo sem ouvir a Fazenda Nacional, autorizou a medida. Juiz da 3ª Vara Cível volta atrás e determina a devolução do dinheiro Ocorre que a União veio aos autos requerendo que o valor obtido com a arrematação fosse transferido para satisfação do crédito cobrado na execução fiscal. O Juiz concordou com a manifestação da União e determinou que o Banco fizesse a restituição do montante levantado. O Banco deve restituir? SIM. Mas a penhora obtida pelo Banco foi anterior à penhora feita no processo de execução fiscal... Não importa. Veja o que diz o art. 711 do CPC/1973, vigente à época dos fatos:

CPC/1973 CPC/2015

Art. 711. Concorrendo vários credores, o dinheiro ser-lhes-á distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas prelações (= preferências); não havendo título legal à preferência, receberá em primeiro lugar o credor que promoveu a execução, cabendo aos demais concorrentes direito sobre a importância restante, observada a anterioridade de cada penhora.

Art. 908. Havendo pluralidade de credores ou exequentes, o dinheiro lhes será distribuído e entregue consoante a ordem das respectivas preferências.

Perceba que, havendo concurso de credores, deve-se priorizar o pagamento dos créditos de determinada natureza. Esse critério da “natureza do crédito” vem antes do critério de quem promoveu primeiro a execução. Assim, pode-se dizer que a preferência oriunda da natureza do crédito sobrepõe-se àquela decorrente da anterioridade da penhora. Créditos tributários possuem preferência Os créditos titularizados pela Fazenda Nacional (União) possuem natureza tributária e, por força de lei, não se sujeitam a concurso de credores e detém preferência sobre os créditos do Banco (créditos “comuns”). Nesse sentido, veja o que dizem os arts. 186 e 187 do CTN:

Art. 186. O crédito tributário prefere a qualquer outro, seja qual for sua natureza ou o tempo de sua constituição, ressalvados os créditos decorrentes da legislação do trabalho ou do acidente de trabalho. (...)

Art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, recuperação judicial, concordata, inventário ou arrolamento. (...)

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Desse modo, como o crédito da União possui natureza preferencial, é irrelevante, para solução da controvérsia, o fato de a penhora do imóvel alienado ter sido levada a registro primeiramente em benefício da instituição financeira. Execução fiscal e execução civil: deve-se satisfazer o crédito fiscal em primeiro lugar Coexistindo execução fiscal e execução civil, contra o mesmo devedor, com pluralidade de penhoras recaindo sobre o mesmo bem, o produto da venda judicial, por força de lei, deve satisfazer o crédito fiscal em primeiro lugar. Levantamento foi feito sem aguardar a manifestação da Fazenda Nacional No caso concreto, o Juiz da 3ª Vara Cível comunicou o Juízo da execução fiscal sobre a arrematação. A despeito disso, ele autorizou o pedido de levantamento do produto da alienação sem aguardar a manifestação da Fazenda Nacional. Assim, a decisão que deferiu o pedido de levantamento do produto da arrematação em benefício do credor particular não foi antecedida da necessária intimação da Fazenda Nacional - titular de crédito preferencial perseguido em execução fiscal garantida por penhora sobre o bem arrematado. Em suma:

Ainda que perfectibilizada a arrematação do bem objeto de penhora na execução civil, os valores levantados devem ser restituídos ao juízo, quando, coexistindo execução fiscal, ausente a prévia intimação da Fazenda Pública. STJ. 3ª Turma. REsp 1.661.481-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

DIREITO PENAL

CRIMES DE RESPONSABILIDADE DOS PREFEITOS Pagar remuneração a funcionário fantasma não configura crime

Importante!!!

O pagamento de remuneração a funcionários fantasmas não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67.

O pagamento de salário não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, pois a remuneração é devida, ainda que questionável a contratação de parentes do Prefeito.

STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.162.086-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

Imagine a seguinte situação hipotética: João, prefeito de um pequeno município do interior, contratou sua irmã e o cunhado para trabalharem na Administração Pública municipal. Ocorre que eles não trabalhavam efetivamente. Nem apareciam na prefeitura. Eram aquilo que se chama na linguagem popular de “funcionários fantasmas”. Apesar disso, João pagava todos os meses a remuneração aos dois, situação que perdurou por três anos. O fato foi descoberto e o Ministério Público denunciou João pela prática do crime do art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67:

Art. 1º São crimes de responsabilidade dos Prefeitos Municipal, sujeitos ao julgamento do Poder Judiciário, independentemente do pronunciamento da Câmara dos Vereadores:

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I - apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio; (...) §1º Os crimes definidos nêste artigo são de ação pública, punidos os dos itens I e II, com a pena de reclusão, de dois a doze anos, e os demais, com a pena de detenção, de três meses a três anos.

A questão chegou até o STJ por meio de recurso especial. Indaga-se: o STJ concordou com a imputação feita pelo Ministério Público? A conduta do agente se amolda ao tipo penal imputado? NÃO. Segundo o art. 1º, I, do DL 201/67, constitui crime de responsabilidade dos prefeitos apropriar-se de bens ou rendas públicas, ou desviá-los em proveito próprio ou alheio. Ocorre que pagar ao servidor público não constitui desvio ou apropriação da renda pública. Trata-se, na verdade, de uma obrigação legal. O fato de a nomeação ser eventualmente indevida em razão de nepotismo ou a circunstância de a funcionária não trabalhar efetivamente são questões diversas, que devem ser objeto de sanções administrativas ou civis, mas não de punição penal. Assim, a não prestação de serviços pela servidora não configura o crime discutido, apesar de ser passível de responsabilização em outras esferas. Em suma:

O pagamento de remuneração a funcionários fantasmas não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67. O pagamento de salário não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, I, do Decreto-Lei nº 201/67, pois a remuneração é devida, ainda que questionável a contratação de parentes do Prefeito. STJ. 6ª Turma. AgRg no AREsp 1.162.086-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

Regina poderia ser condenada por peculato (art. 312 do CP)? O STJ entende que não:

O servidor público que se apropria dos salários que lhe foram pagos e não presta os serviços, não comete peculato, porquanto o crime de peculato exige, para sua configuração em qualquer das modalidades (peculato furto, peculato apropriação ou peculato desvio), a apropriação, desvio ou furto de valor, dinheiro ou outro bem móvel. O réu, embora recebesse licitamente o salário que lhe era endereçado, não cumpriu o dever de contraprestar os serviços para os quais foi contratado. Trata-se de fato atípico que pode configurar, em tese, falta disciplinar ou ato de improbidade administrativa. STJ. 6ª Turma. RHC 60.601/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 09/08/2016.

Situação diferente do caso de parlamentares que se apropriam de parte dos salários dos comissionados (“rachadinha”) No caso de parlamentares que se apropriam de parte da remuneração dos servidores comissionados de seu gabinete (prática conhecida como “rachadinha”), o STJ já decidiu algumas vezes que configura peculato:

(...) 1. A conduta praticada pela recorrente amolda-se ao crime de peculato-desvio, tipificado na última parte do art. 312 do Código Penal. 2. Situação concreta em que parte dos vencimentos de funcionários investidos em cargos comissionados no gabinete da vereadora, alguns que nem sequer trabalhavam de fato, eram para ela repassados e posteriormente utilizados no pagamento de outras pessoas que também prestavam serviços em sua assessoria, porém sem estarem investidas em cargos públicos. (...) STJ. 6ª Turma. REsp 1.244.377/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 03/04/2014.

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DOD Plus – informações extras

Decreto-Lei 201/67 O Decreto-Lei 201/67 é um ato normativo com status de lei ordinária e que prevê, em seu art. 1º, uma lista de crimes cometidos por Prefeitos no exercício de suas funções. O DL 201/67 traz também regras de processo penal que deverão ser aplicadas quando ocorrerem os crimes ali previstos. Vale ressaltar, mais uma vez, que o DL 201/67 foi recepcionado pela CF/88 como lei ordinária (Súmula 496 do STF).

O que são crimes de responsabilidade? Tecnicamente falando, crimes de responsabilidade são infrações político-administrativas praticadas por pessoas que ocupam determinados cargos públicos. Caso o agente seja condenado por crime de responsabilidade, ele não receberá sanções penais (prisão ou multa), mas sim sanções político-administrativas (perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública).

O art. 1º prevê realmente crimes de responsabilidade? NÃO. O art. 1º afirma que os delitos nele elencados são “crimes de responsabilidade”. Apesar de ser utilizada essa nomenclatura, a doutrina e a jurisprudência “corrigem” o legislador e afirmam que, na verdade, esses delitos são crimes comuns, ou seja, infrações penais iguais àquelas tipificadas no Código Penal e em outras leis penais. Desse modo, o que o art. 1º traz são crimes funcionais cometidos por Prefeitos. Vale ressaltar que os crimes de responsabilidade (em sentido estrito) dos Prefeitos estão previstos no art. 4º do DL 201/67. É nesse dispositivo que estão definidas as infrações político-administrativas dos alcaides. Nesse sentido: STF. Plenário. HC 70671, Rel. Min. Carlos Velloso, julgado em 13/04/1994.

Os crimes funcionais dos Prefeitos estão previstos exclusivamente no art. 1º do DL 201/67? NÃO. Os Prefeitos poderão responder também pelos crimes funcionais previstos no Código Penal, na Lei

de Licitações (Lei n. 8.666/93) e em outras leis penais, desde que tais condutas não estejam descritas no art. 1º do DL 201/67. Os crimes tipificados nas demais leis somente incidirão para os Prefeitos se não estiverem previstos no DL 201/67, que é norma específica.

Bem jurídico protegido pelos tipos do art. 1º O patrimônio da Administração Pública e a moralidade administrativa.

Sujeito ativo Trata-se de crime próprio, uma vez que somente pode ser praticado pelo Prefeito (ou por quem esteja no exercício desse cargo, como o Vice-Prefeito ou o Presidente da Câmara de Vereadores).

É possível a coautoria e a participação? SIM. O crime do art. 1º é próprio, somente podendo ser praticado por Prefeito, mas é possível que ocorram as figuras da coautoria e da participação, nos termos do art. 29 do CP. Em outras palavras, além do Prefeito, outras pessoas podem responder pelo delito como coautores ou partícipes. Exs: um Secretário Municipal, um contador, um assessor etc.

Se o sujeito comete o crime do art. 1º do DL 201/67, mas termina seu mandato sem que ele seja denunciado, é possível que ele responda pelo delito mesmo não sendo mais Prefeito? Claro que sim. Existem dois enunciados afirmando isso: Súmula 164-STJ: O prefeito municipal, após a extinção do mandato, continua sujeito a processo por crime previsto no art. 1º do Dec. lei n. 201, de 27/02/67. Súmula 703-STF: A extinção do mandato do Prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do DL 201/67.

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CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO Compete à Justiça Federal julgar a conduta de réu que faz oferta pública de contrato de

investimento coletivo em criptomoedas sem prévia autorização da CVM

Se a denúncia imputa a oferta pública de contrato de investimento coletivo (sem prévio registro), não há dúvida de que incide as disposições contidas na Lei nº 7.492/86 (Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro), especialmente porque essa espécie de contrato caracteriza valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76.

Logo, compete à Justiça Federal apurar os crimes relacionados com essa conduta.

Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas.

STJ. 6ª Turma. HC 530.563-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

NOÇÕES GERAIS SOBRE CRIPTOMOEDAS

Criptomoeda Em palavras muito simples (sem tanto rigor técnico, para facilitar o entendimento), criptomoedas (cryptocurrencies) são moedas “digitais” (também chamadas de “moedas virtuais” ou “moedas criptografárias”). É como se fosse um “dinheiro” que não existe fisicamente (só existe virtualmente), mas que, apesar disso, pode ser utilizado para comprar mercadorias ou remunerar serviços. Em uma frase: é um dinheiro virtual. Existem atualmente várias espécies de criptomoedas no mundo. Alguns exemplos: Bitcoin, Ether, Cardano, Litecoin, Stellar etc. Curiosidade: cripto é uma palavra originária do grego Kryptos e significa algo que é oculto, escondido. Daí vem a palavra criptografia, ou seja, que consiste na aplicação de técnicas para tornar a escrita codificada. Ex: o Whatsapp, ao transmitir uma mensagem de um usuário para outro, utiliza técnicas de criptografia, ou seja, durante a transmissão pela internet, a mensagem vai de forma codificada, de modo que, mesmo se alguém conseguir interceptá-la, irá ler apenas códigos (e não a mensagem propriamente). As criptomoedas também se utilizam de técnicas de criptografia. Bitcoin Bitcoin é considerada a primeira criptomoeda criada no mundo, sendo a mais famosa delas. Foi criada em 2008 por uma pessoa que utilizou o pseudônimo de Satoshi Nakamoto e até hoje não se sabe a sua real identidade. Este é o símbolo do bitcoin: ₿ Sua abreviatura é: BTC ou XBT. Veja a definição dada por André Luiz Santa Cruz Ramos:

“O bitcoin é uma criptomoeda que utiliza uma tecnologia ponto a ponto (peer-to-peer) para criar um sistema de pagamentos on-line que não depende de intermediários e não se submete a nenhuma autoridade regulatória centralizadora. O código do bitcoin é aberto, seu design é público, não há proprietários ou controladores centrais e qualquer pessoa pode participar do seu sistema de gerenciamento coletivo. Enfim, o bitcoin é uma inovação revolucionária porque é o primeiro sistema de pagamentos totalmente descentralizado.” (Ramos, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial. 8ª ed., São Paulo: Método, 2018, p. 529)

Vale ressaltar que os Bitcoins (e demais moedas virtuais) não são autorizados nem regulamentados pelo Banco Central. Não fazem parte do sistema bancário oficial. De igual forma, as empresas que negociam ou guardam moedas virtuais não são autorizadas nem reguladas pelo BACEN.

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Juridicamente, podemos dizer que Bitcoin é uma moeda eletrônica? NÃO. A legislação utiliza a nomenclatura “moeda eletrônica” para outra situação. Segundo a Lei nº 12.865/2013, “moeda eletrônica” são os “recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento” (art. 6º, VI). Assim, “moeda eletrônica”, para a legislação brasileira, é o dinheiro, em Reais, mantido em meio eletrônico que permita ao usuário realizar pagamentos. Desse modo, as “moedas virtuais” (como é o caso do Bitcoin) não se confundem com a “moeda eletrônica” prevista na legislação. Quem controla e registra essas transações em bitcoin? Ex: João transfere 10 BTC para Pedro; onde essa operação fica registrada? Onde o saldo de bitcoins das pessoas fica registrado? As criptomoedas em geral e, especificamente o bitcoin, são consideradas moedas descentralizadas. Isso porque adotam um controle descentralizado baseado em uma tecnologia chamada de blockchain ou “protocolo da confiança”. Em uma definição muito rudimentar e simplificada, o blockchain é como se fosse um arquivo virtual (um banco de dados ou livro-registro virtual) onde são registradas todas as transações envolvendo os bitcoins. Existem cópias deste banco de dados em milhares de computadores espalhados pelo mundo, sendo isso distribuído por meio de uma rede virtual ponto-a-ponto (peer-to-peer). Assim, todos possuem uma cópia igual de todo o histórico de transações. Com isso, garante-se que as informações ali contidas não sejam perdidas nem adulteradas. Como comprar e vender moedas virtuais (ex: Bitcoins)? É possível comprar Bitcoins diretamente de alguém que possua (em um marketplace), no entanto, a forma mais comum é por meio de corretoras de Bitcoins (exchanges). Assim, existem corretoras, ou seja, empresas que fazem a atividade de compra e venda de criptomoedas. A pessoa interessada entra no site, faz uma conta gratuita e informa quantos Bitcoins deseja comprar. Depois disso, faz a transferência bancária do correspondente valor em reais. Ela, então, irá ter uma carteira digital de Bitcoins, que estará armazenada no blockchain e poderá utilizar livremente esse dinheiro virtual. Desse modo, a corretora é como se fosse uma “casa de câmbio”, onde você vai trocar seu dinheiro por uma moeda estrangeira. No caso, o Bitcoin (uma moeda universal). Atualmente (abril de 2020), 1 Bitcoin está valendo, aproximadamente, R$ 50 mil. Vale ressaltar, no entanto, que é possível comprar menos que 1 Bitcoin. Obviamente, assim como funciona nas casas de câmbio, o valor do Bitcoin na corretora é, em geral, mais caro do que no livre comércio. Algumas pessoas ficaram ricas comprando Bitcoins. Isso porque em 2011, por exemplo, 1 Bitcoin valia R$ 15,00. Se a pessoa acreditou e comprou a moeda naquela época guardando até hoje, terá realizado o lucro de uma grande valorização. CASO CONCRETO JULGADO PELO STJ

Feita essa breve e rudimentar explicação, imagine a seguinte situação enfrentada pelo STJ (com algumas adaptações): Francisco, em conjunto com outras pessoas denunciadas, organizou um sistema de investimento financeiro por meio de criptomoedas. Como funcionava? Os denunciados ofereciam ao público em geral uma oportunidade de investir dinheiro em criptomoedas, havendo a possibilidade de terem retorno financeiro (“lucro”) caso houvesse a valorização dessas criptomoedas. Os interessados celebravam contrato com a empresa de Francisco e transferiam a quantia que quisessem em moeda corrente (Reais) para a conta da pessoa jurídica. Francisco e seus colaboradores utilizavam o

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 43

dinheiro para comprar criptomoedas que eles achavam que ainda iriam valorizar para, no futuro, serem revendidas, gerando lucro para os investidores. Qual é a natureza jurídica deste pacto celebrado por Francisco com os interessados em investir? Esse pacto pode ser considerado como um “Contrato de Investimento Coletivo”. O contrato de investimento coletivo é considerado, pelo art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76, como um valor mobiliário:

Art. 2º São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei: (...) IX - quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros.

O que são títulos ou valores mobiliários? São títulos emitidos por sociedades empresariais e negociados no mercado de capitais (bolsa de valores ou mercado de balcão). Para a sociedade que emite (vende), é uma forma de obter novos recursos. Para a pessoa que adquire, trata-se de um investimento. O exemplo mais conhecido de valor mobiliário são as ações. Podemos citar também as debêntures e os bônus de subscrição. O art. 2º da Lei nº 6.385/76 lista quais são os valores mobiliários sujeitos ao mercado de valores. Oferta pública de contrato de investimento coletivo Voltando ao caso concreto, o STJ considerou que Francisco e os demais denunciados praticaram uma oferta pública de contrato de investimento coletivo, na forma do art. 19, § 3º da Lei nº 6.385/76:

Art. 19 (...) § 3º - Caracterizam a emissão pública: I - a utilização de listas ou boletins de venda ou subscrição, folhetos, prospectos ou anúncios destinados ao público; II - a procura de subscritores ou adquirentes para os títulos por meio de empregados, agentes ou corretores; III - a negociação feita em loja, escritório ou estabelecimento aberto ao público, ou com a utilização dos serviços públicos de comunicação.

Qual é o “problema” nesse caso? É que a empresa não tinha autorização da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para isso. A Lei nº 6.385/76 exige prévio registro na CVM para a realização de emissão pública de valores mobiliários (ex: oferta pública de contrato de investimento coletivo). Confira:

Art. 19. Nenhuma emissão pública de valores mobiliários será distribuída no mercado sem prévio registro na Comissão.

O próprio CVM tem divulgado Deliberações alertando que a oferta de contrato de investimento (sem registro prévio) vinculado à especulação no mercado de criptomoedas é prática irregular por se tratar de espécie de contrato de investimento coletivo. Crime A oferta pública de valores mobiliários sem prévio registro na CVM configura, em tese, crime contra o sistema financeiro nacional, tipificado pelo art. 7º, II, da Lei nº 7.492/86:

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 44

Art. 7º Emitir, oferecer ou negociar, de qualquer modo, títulos ou valores mobiliários: (...) II - sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente, em condições divergentes das constantes do registro ou irregularmente registrados;

Na situação analisada, considerando outras peculiaridades do caso concreto, o Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Francisco e os demais envolvidos pela prática dos crimes tipificados nos arts. 4º, 5º, 7º, II, e 16, todos da Lei nº 7.492/86. De quem é a competência para julgar tais imputações? Justiça Federal. Compete à Justiça Federal julgar os crimes contra o sistema financeiro nacional previstos na Lei nº 7.492/86. Com efeito, a CF/88 prevê, em seu art. 109, VI:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar: (...) VI - os crimes contra a organização do trabalho e, nos casos determinados por lei, contra o sistema financeiro e a ordem econômico-financeira;

O inciso VI afirma que os crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira somente serão de competência da Justiça Federal nos casos determinados por lei. Em outras palavras, nem todos os crimes contra o sistema financeiro e contra a ordem econômico-financeira serão de competência da Justiça Federal, mas apenas nas hipóteses em que lei assim determinar. Os crimes contra o sistema financeiro estão previstos na Lei nº 7.492/86 e são julgados pela Justiça Federal por expressa previsão legal. Isso porque o art. 26 da Lei nº 7.492/86 estabelece:

Art. 26. A ação penal, nos crimes previstos nesta lei, será promovida pelo Ministério Público Federal, perante a Justiça Federal.

Em suma:

Se a denúncia imputa a oferta pública de contrato de investimento coletivo (sem prévio registro), não há dúvida de que incide as disposições contidas na Lei nº 7.492/86 (Lei de Crimes contra o Sistema Financeiro), especialmente porque essa espécie de contrato caracteriza valor mobiliário, nos termos do art. 2º, IX, da Lei nº 6.385/76. Logo, compete à Justiça Federal apurar os crimes relacionados com essa conduta. Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas. STJ. 6ª Turma. HC 530.563-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 45

CRIMES AMBIENTAIS Se a ré pratica o crime de poluição qualificada e não toma providências para reparar o dano,

entende-se que continua praticando ato ilícito em virtude da sua omissão, devendo, portanto, ser considerado que se trata de crime permanente

Os delitos previstos no:

- art. 54, § 2º, I, II, III e IV e § 3º e

- art. 56, § 1º, I e II,

- cumulados com a causa de aumento de pena do art. 58, I, da Lei nº 9.605/98,

... que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema,

... são crimes de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição.

Caso concreto: a empresa ré armazenou inadequadamente causando grave poluição da área degradada, sendo que, até o momento de prolação do julgado, não havia tomado providências para reparar o dano, caracterizando a continuidade da prática infracional. Desse modo, constata-se que o crime de poluição qualificada é permanente, ainda que por omissão da ré, que foi prontamente notificada a reparar o dano causado, mas não o fez.

STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.847.097-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

A situação concreta foi a seguinte: Determinada empresa armazenou inadequadamente seu lixo industrial, causando grave poluição. Vale ressaltar que a empresa não tomou qualquer providência para reparar o dano. Diante disso, ela foi condenada pela prática dos seguintes delitos previstos na Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98):

Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (...) § 2º Se o crime: I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana; II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população; III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade; IV - dificultar ou impedir o uso público das praias; (...) Pena - reclusão, de um a cinco anos. § 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.

Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 46

saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º Nas mesmas penas incorre quem: I - abandona os produtos ou substâncias referidos no caput ou os utiliza em desacordo com as normas ambientais ou de segurança; II - manipula, acondiciona, armazena, coleta, transporta, reutiliza, recicla ou dá destinação final a resíduos perigosos de forma diversa da estabelecida em lei ou regulamento. (...)

Art. 58. Nos crimes dolosos previstos nesta Seção, as penas serão aumentadas: I - de um sexto a um terço, se resulta dano irreversível à flora ou ao meio ambiente em geral; (...)

A empresa alegou que houve prescrição. O Ministério Público, por sua vez, sustentou que os crimes praticados são permanentes e, por isso, não se operou a prescrição. O que o STJ decidiu? São crimes permanentes. A empresa causou poluição ambiental que provocou danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção. Além disso, foi omissa porque não adotou medidas de precaução em um caso de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema. Para o STJ, a conduta criminosa ultrapassou a ação inicial, ou seja, os efeitos decorrentes da poluição permaneceram diante da própria omissão da empresa recorrente em corrigir ou diminuir os efeitos geradores da conduta inaugural. Assim, no caso em exame, o crime de poluição qualificada é permanente, diante da continuidade da prática infracional, ainda que por omissão da ré, que foi prontamente notificada a reparar o dano causado – retirar os resíduos e assim não o fez. Vale ressaltar que o STJ, ao analisar outro delito (o do art. 48 da Lei nº 9.605/98) construiu o entendimento de que não é possível se falar em prescrição em crimes ambientais se as atividades lesivas ao meio ambiente não foram cessadas:

O delito previsto no art. 48 da Lei de Crimes Ambientais possui natureza permanente, cuja consumação se perdura no tempo até que ocorra a cessação da atividade lesiva ao meio ambiente, momento a partir do qual se considera consumado e se inicia a contagem do prazo prescricional, nos termos do art. 111, inciso III, do Código Penal. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1482369/DF, Rel. Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ/PE), julgado em 16/06/2015.

Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado para o caso concreto. Em suma:

Os delitos previstos no: - art. 54, § 2º, I, II, III e IV e § 3º e - art. 56, § 1º, I e II, - cumulados com a causa de aumento de pena do art. 58, I, da Lei nº 9.605/98, ... que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema, ... são crimes de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição. STJ. 5ª Turma. AgRg no REsp 1.847.097-PA, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 47

Uma última pergunta: no caso concreto, a ré era uma pessoa jurídica que, por óbvio, não está sujeita a penas privativas de liberdade. Quais serão as regras de prescrição penal nesta hipótese? Mesmo não sendo cabível a pena privativa de liberdade, utiliza-se o art. 109 do CP para se calcular a prescrição? SIM.

Em crimes ambientais, embora incabível a imposição de penas privativas de liberdade às pessoas jurídicas, o prazo prescricional deve obedecer à regra do art. 109, parágrafo único, do CP, que estabelece serem aplicáveis, às sanções restritivas de direitos, os mesmos prazos definidos para a prescrição da pena corporal. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1712991/SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 11/09/2018.

Veja o dispositivo legal mencionado:

Art. 109 (...) Parágrafo único. Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.

DIREITO PROCESSUAL PENAL

COMPETÊNCIA Compete à Justiça comum (Tribunal do Júri) o julgamento de homicídio praticado por militar

contra outro quando ambos estejam fora do serviço ou da função no momento do crime

Compete à Justiça comum (Tribunal do Júri) o julgamento de homicídio praticado por militar contra outro quando ambos estejam fora do serviço ou da função no momento do crime.

Caso concreto: Francisco era soldado da Polícia Militar do Estado do Maranhão. Samuel era cabo da Polícia Militar do Estado do Piauí. Determinado dia, Francisco, que se encontrava de férias, passeava em Teresina (PI). Samuel percebeu que Francisco estava armado e, mesmo estando de folga, abordou o soldado indagando sobre a arma. Iniciou-se uma discussão e Francisco atirou três vezes contra Samuel, que faleceu em razão dos disparos.

A vítima e o réu - ambos policiais militares à época dos fatos - estavam fora de serviço quando iniciaram a discussão. Logo, não se pode falar que houve crime militar, devendo, portanto, o réu ser julgado pela Justiça Comum estadual (Tribunal do Júri).

STJ. 3ª Seção. CC 170.201-PI, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/03/2020 (Info 667).

Imagine a seguinte situação hipotética: Francisco é soldado da Polícia Militar do Estado do Maranhão. Samuel era cabo da Polícia Militar do Estado do Piauí. Determinado dia, Francisco, que se encontrava de férias, passeava em Teresina (PI). Samuel percebeu que Francisco estava armado e, mesmo estando de folga, abordou o soldado indagando sobre a arma. Como Francisco recusou-se a prestar os esclarecimentos, Samuel deu voz de prisão e afirmou que ele iria permanecer no local até a chegada da corregedoria. Iniciou-se uma discussão e Francisco atirou três vezes contra Samuel, que faleceu em razão dos disparos. De quem será a competência para julgar este homicídio: da Justiça Militar ou da Justiça Comum estadual (Tribunal do Júri)? No presente caso, houve crime militar? NÃO. Não houve crime militar.

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 48

Competências da Justiça Militar Compete à Justiça Militar processar e julgar os crimes militares, assim definidos em lei (art. 124 da CF/88). A lei que define quais são os crimes militares é o Código Penal Militar (Decreto-Lei 1.001/1969). • No art. 9º do CPM são conceituados os crimes militares em tempo de paz. • No art. 10 do CPM são definidos os crimes militares em tempo de guerra. Assim, para verificar se o fato pode ser considerado crime militar, sendo, portanto, de competência da Justiça Militar, é preciso que ele se amolde em uma das hipóteses previstas nos arts. 9º e 10 do CPM. Art. 9º, II, “a”, do CPM O único dispositivo que poderia, em tese, gerar alguma dúvida sobre a sua incidência ou não no caso concreto é o art. 9º, II, “a”, do CPM, que prevê o seguinte:

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (...) II – os crimes previstos neste Código e os previstos na legislação penal, quando praticados: a) por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;

Ocorre que só é crime militar, na forma do art. 9º, II, “a”, do Código Penal Militar, o delito praticado por militar da ativa, em serviço, ou quando esse tenha se prevalecido de sua função para a prática do crime. Nesse sentido:

O Supremo Tribunal Federal já assentou que o cometimento de delito por agente militar contra vítima militar somente desafia a competência da Justiça Castrense nos casos em que houver vínculo direto com o desempenho da atividade militar. STF. 1ª Turma. HC 135675, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 04/10/2016.

No caso concreto, nem autor nem vítima estavam em serviço Na situação em estudo, a vítima e o réu - ambos policiais militares à época dos fatos - estavam fora de serviço quando iniciaram a discussão. Nos momentos que antecederam aos disparos, não há nenhum indício de que o réu tenha atuado como policial militar; existindo elementos, inclusive, que sugerem comportamento anormal àquele esperado para a função, já que supostamente teria resistido à investida da vítima, no sentido de conduzi-lo à autoridade administrativa para prestar esclarecimentos. Desse modo, o STJ entendeu que o fato não se amolda à hipótese prevista no art. 9º, II, “a”, do CPM, notadamente porque o evento tido como delituoso envolveu policiais militares fora de serviço. O STJ possui outros precedentes no mesmo sentido:

(...) 3. Se, a despeito de os investigados serem militares da ativa, sua conduta teve lugar fora do horário de serviço, quando não envergavam farda e em momento algum se valeram de seu cargo para o cometimento dos delitos, é viável concluir que agiram como civis e que sua conduta não se enquadra na hipótese do art. 9º, II, "a", do Código Penal Militar (crimes praticados por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado), única que, em tese, poderia se amoldar ao confronto entre militares da ativa. (...) STJ. 3ª Seção. CC 162.399/MG, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 27/02/2019.

Art. 9º, III, “d” Também não há possibilidade de firmar a prática de crime militar com base no art. 9º, III, “d”, do CPM, ou seja, mediante equiparação do réu (fora de serviço) a um civil, pois, ainda que a vítima, antes dos disparos, tenha dado voz de prisão ao réu, ela não foi requisitada para esse fim nem agiu em obediência à ordem de superior hierárquico, circunstância que rechaça a existência de crime militar nos termos do referido preceito normativo. Confira-se a redação da norma:

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 49

Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: [...] III - os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos: [...] d) ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior

Desse modo, no caso concreto, o STJ declarou a competência do Juízo de Direito da 1ª Vara do Tribunal do Júri da comarca de Teresina/PI para o processo criminal.

Em suma:

Compete à Justiça comum (Tribunal do Júri) o julgamento de homicídio praticado por militar contra outro quando ambos estejam fora do serviço ou da função no momento do crime. STJ. 3ª Seção. CC 170.201-PI, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/03/2020 (Info 667).

RECURSOS Não cabe mandado de segurança contra decisão do juiz de 1ª instância que defere ou indefere o desbloqueio de bens e valores; cabe apelação

Não é admissível a impetração de mandado de segurança contra ato jurisdicional que defere o desbloqueio de bens e valores. Isso porque se trata de decisão definitiva que, apesar de não julgar o mérito da ação, coloca fim ao procedimento incidente.

O procedimento adequado para a restituição de bens é o incidente legalmente previsto para este fim. O instrumento processual para impugnar a decisão que resolve esse incidente é a apelação, sendo incabível a utilização de mandado de segurança como sucedâneo do recurso legalmente previsto.

STJ. 6ª Turma. REsp 1.787.449-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

Imagine a seguinte situação hipotética: Foi instaurado inquérito policial para apurar eventual prática de “pirâmide financeira”, que constitui crime contra o sistema financeiro nacional. Após representação da autoridade policial, o Juízo Federal determinou a apreensão de bens e valores que pertenceriam supostamente aos investigados. Ocorre que, passados três anos, as investigações não foram concluídas. Diante disso, o próprio magistrado deferiu o desbloqueio dos bens e valores. Inconformado, o Ministério Público Federal impetrou mandado de segurança contra a decisão do Juiz. Indaga-se: cabe mandado de segurança nesta hipótese? NÃO.

Não é admissível a impetração de mandado de segurança contra ato jurisdicional que defere o desbloqueio de bens e valores. Isso porque se trata de decisão definitiva que, apesar de não julgar o mérito da ação, coloca fim ao procedimento incidente. STJ. 6ª Turma. REsp 1.787.449-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 50

O recurso adequado contra a decisão que julga o pedido de restituição de bens é APELAÇÃO, nos termos do art. 593, II, do CPP, sendo incabível a utilização de mandado de segurança como sucedâneo do recurso legalmente previsto. Não é cabível o manejo de mandado de segurança quando há recurso próprio previsto na legislação processual, apto a resguardar a pretensão do Ministério Público. Nesse sentido:

Súmula 267-STF: Não cabe mandado de segurança contra ato judicial passível de recurso ou correição.

É incabível o manejo de Mandado de Segurança contra ato jurisdicional que manteve decisão de bloqueio de valores da conta do recorrente, por tratar-se de decisão definitiva que, apesar de não julgar o mérito da ação, coloca fim ao procedimento incidente. O procedimento adequado para a restituição de bens é o incidente legalmente previsto para este fim, com final apelação, recurso inclusive já interposto pelo recorrente, sendo incabível a utilização de Mandado de Segurança como sucedâneo do recurso legalmente previsto. STJ. 6ª Turma. AgRg no RMS 51.299/DF, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 15/09/2016.

DIREITO TRIBUTÁRIO

IRPJ e a CIDE O Regulamento das Telecomunicações Internacionais - RTI não desobriga que as empresas de telefonia do Brasil retenham IRPJ e CIDE incidentes sobre os valores remetidos ao exterior e

destinados ao pagamento de serviços prestados por empresas em outros países

O Regulamento das Telecomunicações Internacionais - RTI só alcança os tributos incidentes sobre serviços importados, não determinando a exclusão de outros tributos sobre a remessa do pagamento, como o IRPJ e a CIDE.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.772.678-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

A situação concreta, com adaptações, foi a seguinte: Em 2005, a companhia de telefonia fixa TELESP ajuizou ação contra a União pedindo para que fosse declarado que ela não tinha obrigação de pagar imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ) nem contribuição de intervenção no domínio econômico (CIDE) sobre as remessas efetuadas ao exterior a título de pagamento por serviços internacionais de telecomunicações. Para a TELESP, o Regulamento das Telecomunicações Internacionais – RTI (tratado assinado pelo Brasil e promulgado pelo Decreto nº 2.962/99) teria uma regra que exoneraria o pagamento de tributos nesse caso. Detalhando o tema: quando uma pessoa aqui no Brasil faz uma ligação para um número no exterior, a companhia de telefonia no Brasil tem que pagar um valor para a empresa de telefonia do exterior pelo fato de estar utilizado a sua rede no outro país. Essa operação é conhecida como “tráfego sainte”. Esse valor, a título de contraprestação, é remetido pela companhia brasileira para a empresa no exterior. Ocorre que esse valor entra no cálculo do IRPJ e da CIDE que a companhia de telefonia fixa no Brasil tem que reter. Isso porque o art. 7º da Lei nº 9.779/99 estabelece a retenção, na fonte, do imposto de renda incidente sobre a remessa de dinheiro ao exterior para o pagamento de serviços. De igual modo, o art. 2º, §§ 2º e 3º, da Lei nº 10.168/2000 institui a (CIDE) sobre o referido pagamento. É contra isso que estava se insurgindo a TELESP, ou seja, contra esse pagamento (retenção). Para a TELESP, essa remessa é isenta do pagamento de tributos por força desse tratado que o Brasil assinou, o RTI.

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 51

A tese da companhia telefônica foi acolhida pelo STJ? NÃO. Regulamento das Telecomunicações Internacionais - RTI O Regulamento das Telecomunicações Internacionais - RTI foi incorporado ao ordenamento jurídico pátrio pelo Decreto Legislativo nº 67/98 e pelo Decreto nº 2.962/99, juntamente com a Constituição e a Convenção da União Internacional de Telecomunicações - UTI. Tráfego sainte A pessoa jurídica (empresa de telefonia) localizada no Brasil, para finalizar a prestação do serviço a usuário interno que faz ligação para outro país, utiliza as redes prestadoras do serviço localizadas no exterior, operação que se denomina “tráfego sainte”. Isenção prevista no item 6.1.3 do RIT não se aplica para remessas destinadas ao pagamento do tráfego sainte O Regulamento de Telecomunicações Internacionais, no item 6.1.3, dispõe que o tributo a incidir sobre o preço do serviço internacional deve considerar apenas aqueles (serviços) faturados aos clientes, tratando, assim, da tributação de importação do serviço internacional de telecomunicações e da base de cálculo a ser considerada. Veja a redação do Regulamento:

6.1.3 - Quando a legislação nacional de um país prever a aplicação de uma taxa fiscal sobre a taxa de percepção para os serviços internacionais de telecomunicações, esta taxa fiscal só será normalmente cobrada pelos serviços internacionais facturados aos clientes deste país, a menos que outros acordos tenham sido celebrados para fazer face a circunstâncias especiais.

Essa norma isentiva de tributo prevista no regulamento internacional deve ser aplicada literalmente, como prevê os arts. 96 e 111, II, do CTN. Assim, essa isenção fiscal afasta a incidência tributária apenas sobre serviços internacionais de telecomunicações prestados por operadoras nacionais a tomador estrangeiro, como no caso do ICMS sobre as chamadas operações de “tráfego entrante” (em que as ligações são iniciadas no exterior e completadas no Brasil). Conforme explicou a Min. Regina Helena Costa:

“(...) o Regulamento nada dispõe sobre eventual afastamento da tributação nos casos de remessa de valores para o exterior, destinados a remunerar a prestação dos serviços. (...) exonerou-se a entrada, mas não a saída, para a qual há expressa previsão legal de incidência das apontadas exações.”

Em suma:

O Regulamento das Telecomunicações Internacionais - RTI só alcança os tributos incidentes sobre serviços importados, não determinando a exclusão de outros tributos sobre a remessa do pagamento, como o IRPJ e a CIDE. STJ. 1ª Turma. REsp 1.772.678-DF, Rel. Min. Gurgel de Faria, julgado em 05/03/2020 (Info 667).

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 52

DIREITO ADUANEIRO Em razão do seu caráter interpretativo, o conceito abrangente de licitação internacional revelado

pelo art. 3º da Lei nº 11.732/2008 retroage às situações anteriores a sua entrada em vigor

O art. 5º da Lei nº 8.032/90 concede o regime de drawback do art. 78, II, do DL 37/66 para as empresas que forem participar de “licitação internacional”.

A definição de licitação internacional para fins de concessão do regime aduaneiro do drawback é aquela prevista no art. 3º da Lei nº 11.732/2008 (não se utilizando a Lei nº 8.666/93). Veja o que diz o art. 3º da Lei nº 11.732/2008:

Art. 3º Para efeito de interpretação do art. 5º da Lei nº 8.032, de 12 de abril de 1990, licitação internacional é aquela promovida tanto por pessoas jurídicas de direito público como por pessoas jurídicas de direito privado do setor público e do setor privado.

Esse conceito abrangente de licitação internacional previsto no art. 3º da Lei nº 11.732/2008 possui indiscutível caráter interpretativo e, por isso, retroage para alcançar situações ocorridas antes de sua entrada em vigor.

Aplica-se o raciocínio contido no art. 106, I, do CTN: a lei aplica-se a ato ou fato pretérito em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados.

STJ. 1ª Turma. REsp 1.715.820-RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

Drawback Drawback é uma palavra de origem inglesa, cuja tradução literal seria algo como “arrastar de volta”. Trata-se de uma operação pela qual o contribuinte se compromete a importar a mercadoria, beneficiá-la e, depois, mandá-la de volta ao exterior (exportá-la). Nas palavras do Min. João Otávio de Noronha, “drawback” é a operação mediante a qual o contribuinte, para fazer jus a incentivos fiscais, importa mercadoria com o compromisso de exportá-la após o beneficiamento (STJ REsp 385634/BA). Com a maestria de quem conhece muito sobre o assunto, a Min. Regina Helena Costa explica em que consiste o drawback:

“O drawback constitui um regime aduaneiro especial, nas modalidades previstas nos incisos do art. 78 do Decreto-lei n. 37/1966 – isenção, suspensão e restituição de tributos – podendo ser definido como um incentivo à exportação, consubstanciado na desoneração do processo de produção, com vista a tornar a mercadoria nacional mais competitiva no mercado global.”

Exemplo: uma indústria de automóveis importa matérias-primas, fabrica carros no Brasil e os revende para o exterior. Para o Brasil, isso é algo produtivo, considerando que favorece a balança comercial, já que houve o ingresso de uma mercadoria que será em seguida reenviada para o exterior com um valor maior em razão do melhoramento do produto (agregou-se valor à mercadoria que será exportada). Com isso, em tese, mais divisas ficam no país, gerando aqui emprego e renda. Diante desse cenário, o país incentiva a referida operação, concedendo benefícios fiscais para o contribuinte que se compromete a realizar o drawback. Modalidades Existem três modalidades de drawback:

MODALIDADES DE DRAWBACK

ISENÇÃO SUSPENSÃO RESTITUIÇÃO

Consiste na concessão de isenção dos tributos que incidem na

É a suspensão dos tributos incidentes na importação de mercadoria a ser utilizada na industrialização de produto que deve ser exportado.

É a devolução, em forma de créditos, do valor dos tributos

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 53

importação das mercadorias que serão utilizadas na industrialização do produto a ser exportado.

As obrigações tributárias ficam suspensas por determinado prazo e, caso não ocorra a comprovação das exportações nos termos e condições previstos na legislação, os tributos suspensos deverão ser recolhidos com os devidos acréscimos legais.

pagos na importação de insumo importado utilizado em produto exportado.

Art. 78, II, do DL 37/66 O art. 78, II, do DL 37/66 prevê uma espécie de drawback suspensão:

Art. 78 - Poderá ser concedida, nos termos e condições estabelecidas no regulamento: (...) II - suspensão do pagamento dos tributos sobre a importação de mercadoria a ser exportada após beneficiamento, ou destinada à fabricação, complementação ou acondicionamento de outra a ser exportada;

Lei nº 8.032/90 A Lei nº 8.032/90, por sua vez, em seu art. 5º, concede o regime de drawback do art. 78, II, do DL 37/66 para as empresas que forem participar de licitação internacional:

Art. 5º O regime aduaneiro especial de que trata o inciso II do art. 78 do Decreto-Lei nº 37, de 18 de novembro de 1966, poderá ser aplicado à importação de matérias-primas, produtos intermediários e componentes destinados à fabricação, no País, de máquinas e equipamentos a serem fornecidos no mercado interno, em decorrência de licitação internacional, contra pagamento em moeda conversível proveniente de financiamento concedido por instituição financeira internacional, da qual o Brasil participe, ou por entidade governamental estrangeira ou, ainda, pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES, com recursos captados no exterior.

Repare que essa previsão do art. 5º vale para empresas que fabriquem, no Brasil, máquinas e equipamentos que serão fornecidos no mercado interno (no Brasil mesmo), desde que esse fornecimento seja em decorrência de licitação internacional. Imagine agora a seguinte situação adaptada: Em 2007, a Rio Polímeros Ltda. (pessoa jurídica de direito privado) convocou uma licitação internacional para construir e operar um complexo petroquímico no Rio de Janeiro. A empresa Lummus foi escolhida e se beneficiou do drawback na modalidade suspensão previsto no art. 5º da Lei nº 8.032/90. Posteriormente, o Ministério Público Federal entendeu que essa concessão teria sido indevida considerando que essa seleção feita pela Rio Polímeros para a construção do complexo petroquímico não pode ser considerada uma licitação tendo em vista que foi realizada por uma pessoa jurídica de direito privado, o que contraria o conceito de licitação da Lei nº 8.666/93. Logo, não se poderia dizer que a empresa Lummus participou de uma licitação internacional. Desse modo, ela não teria direito ao drawback. Conceito de licitação internacional do art. 3º da Lei nº 11.732/2008 A empresa Lummus argumentou que, logo em seguida à concessão do drawback, foi editada a Lei nº 11.732/2008 que, em seu art. 3º, conferiu um conceito amplo de licitação internacional, abrangendo também pessoas jurídicas de direito privado do setor privado. Veja:

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 54

Art. 3º Para efeito de interpretação do art. 5º da Lei nº 8.032, de 12 de abril de 1990, licitação internacional é aquela promovida tanto por pessoas jurídicas de direito público como por pessoas jurídicas de direito privado do setor público e do setor privado.

Ocorre que essa mudança foi posterior à licitação da qual a empresa Lummus participou. Diante disso, indaga-se: é possível aplicar esse conceito (publicado em 2008) para uma licitação ocorrida antes da sua vigência? SIM.

Esse conceito abrangente de licitação internacional, revelado pelo art. 3º da Lei nº 11.732/2008, tem um caráter meramente interpretativo e, portanto, retroage para alcançar situações ocorridas mesmo antes de sua entrada em vigor. STJ. 1ª Turma. REsp 1.715.820-RJ, Rel. Min. Regina Helena Costa, julgado em 10/03/2020 (Info 667).

Como decorrência do art. 5º, XXXVI, e do art. 150, III, “a”, da Constituição Federal, reforçada pelo art. 105 do Código Tributário Nacional, em regra, as leis projetam seus efeitos para o futuro. O art. 106 do CTN, contudo, prevê hipóteses excepcionais, nas quais a lei tributária aplica-se ao passado. Uma dessas situações ocorre quando a lei for expressamente interpretativa:

Art. 106. A lei aplica-se a ato ou fato pretérito: I - em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados; (...)

O preceito constante do art. 3º da Lei nº 11.732/2008 possui indiscutível caráter interpretativo, limitando-se a elucidar o sentido e o alcance de expressão presente em outro diploma, qual seja, o art. 5º da Lei nº 8.032/90, sem impor nenhuma inovação ou modificação no regime especial de tributação nela disciplinado. Em razão, disso, apesar de ter entrado em vigor após a licitação realizada, é perfeitamente aplicável à situação concreta ora analisada. Vale ressaltar, por fim, que a aplicação retroativa da lei tributária, nas hipóteses do art. 106 do CTN, dá-se de forma direta, sem necessidade de previsão nesse sentido.

DIREITO PREVIDENCIÁRIO

PREVIDÊNCIA PRIVADA Na ação na qual se discute a exclusão da CTVA do salário de contribuição do autor, fato que terá

repercussão financeira em sua aposentadoria, a ação deverá ser apreciada primeiramente na Justiça do Trabalho para definir se a verba é salarial

Caso concreto: ação proposta na Justiça do Trabalho em face da CEF e da FUNCEF na qual o autor pretende a inclusão da verba denominada CTVA - Complemento Temporário Variável Ajuste de Mercado na composição de salário de participação, com os devidos reflexos no cálculo de benefício de complementação de aposentadoria.

Essa demanda cumula pretensões de natureza distintas, havendo um pedido antecedente de reconhecimento da natureza salarial da verba CTVA, com a condenação da empregadora (CEF) em aportar contribuições previdenciárias, e um pedido consequente de recálculo do valor do

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Informativo comentado

Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 55

benefício de suplementação de aposentadoria a cargo da entidade de previdência privada (FUNCEF).

Em hipóteses como essa, em se tratando de cumulação de pedidos envolvendo matérias de diferentes competências, deve a ação prosseguir primeiramente na Justiça Especializada (Justiça do Trabalho), para o exame das pretensões derivadas da relação de trabalho.

Em seguida, o autor poderá ajuizar nova ação perante a Justiça Comum com vistas ao deslinde da controvérsia relativa ao reajuste do benefício de suplementação de aposentadoria.

Aplica-se, com as adaptações necessárias, o disposto na Súmula 170/STJ: Compete ao juízo onde primeiro for intentada a ação envolvendo acumulação de pedidos, trabalhista e estatutário, decidi-la nos limites da sua jurisdição, sem prejuízo de nova causa, com pedido remanescente, no juízo próprio.

STJ. 2ª Seção. CC 158.327-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 11/03/2020 (Info 667).

Imagine a seguinte situação hipotética (com algumas diferenças em relação ao caso concreto): A Fundação dos Economiários Federais (FUNCEF) é uma entidade fechada de previdência complementar instituída com o objetivo de oferecer plano de previdência complementar aos funcionários da Caixa Econômica Federal (CEF). João era empregado da Caixa Econômica Federal (empresa pública federal) e, nesta condição, era participante do plano de previdência complementar oferecido para os funcionários da empresa (era participante do plano de previdência da FUNCEF). O regulamento do plano de previdência previa que o valor da complementação de aposentadoria deveria ser calculado a partir da média aritmética simples dos salários de participação do associado. Em outras palavras, o valor da aposentadoria deveria ser calculado com base no salário que o indivíduo recebia e que também servia como parâmetro para as contribuições pagas pelo empregado. Quando estava na atividade, João recebia todos os meses R$ 7 mil da CEF. Desse total, R$ 2 mil eram referentes a uma parcela denominada “Complemento Temporário Variável de Ajuste ao Piso de Mercado” (CTVA). João se aposentou e reparou que sua aposentadoria não incluiu o valor da CTVA e, com isso, sua aposentadoria ficou menor. Tal fato ocorreu porque a CEF considerou que a CTVA não teria natureza salarial e, portanto, ela não repassou para a FUNCEF (não aportou) contribuições previdenciárias sobre essa parcela salarial. Ação proposta Diante disso, João ajuizou ação contra a FUNCEF e a CEF, em litisconsórcio, pedindo que: • a CTVA fosse reconhecida como verba de natureza salarial; • que a CEF aportasse as contribuições previdenciárias referentes a essa parcela; e • que a CTVA fosse integrada (incluída) no valor mensal de sua complementação de aposentadoria. A demanda foi proposta inicialmente na Justiça Federal Comum (em razão de a CEF ser uma empresa pública federal), tendo, no entanto, o juiz federal declinado da competência para a Justiça do Trabalho. O Juiz do Trabalho suscitou conflito de competência, afirmando que o STF decidiu, no RE 586453 e no RE 583050, que compete à Justiça Comum processar e julgar os processos decorrentes de contratos de previdência complementar privada:

A competência para o processamento de ações ajuizadas contra entidades privadas de previdência complementar é da Justiça comum, dada a autonomia do Direito Previdenciário em relação ao Direito do Trabalho. Inteligência do art. 202, § 2º, da Constituição Federal a excepcionar, na análise desse tipo de matéria, a norma do art. 114, inciso IX, da Magna Carta. Assim, compete à Justiça comum o processamento de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência buscando-se o complemento de aposentadoria. STF. Plenário. RE 586453/SE, rel. orig. Min. Ellen Gracie, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 20/2/2013. STF. Plenário. RE 583050/RS, rel. orig. Min. Cezar Peluso, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 20/2/2013.

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O que o STJ decidiu neste conflito de competência? O STJ afirmou que a situação narrada não se amolda perfeitamente àquilo que decidiu o STF nos recursos extraordinários 586453 e 583050. Isso porque a presente discussão não envolve apenas a interpretação de regras estatutárias (regras do plano). No caso aqui tratado é necessário definir, previamente, se essa parcela denominada CTVA tem ou não natureza salarial e, por conseguinte, se poderia, na espécie, ter sido excluída do salário de contribuição do autor, tendo em vista que esse fato tem reflexo no valor de suplementação de sua aposentadoria. De quem vai ser a competência então? O STJ decidiu que compete ao Juízo Trabalhista julgar inicialmente o pedido do autor, uma vez que o caso em análise não se amolda aos precedentes do STF mencionados, por se tratar de discussão que não envolve a simples interpretação de regras estatutárias, sendo necessário definir, previamente, se a parcela denominada CTVA tem ou não natureza salarial e, por conseguinte, se poderia, na hipótese, ter sido excluída do salário de contribuição do autor, tendo em vista que esse fato tem reflexo no valor de suplementação de sua aposentadoria. Após, o autor poderá ingressar com nova ação perante a Justiça comum discutindo a inclusão da CTVA na complementação da aposentadoria. Esse tem sido o entendimento reiterado do STJ a respeito do tema:

(...) Nos termos da jurisprudência do STJ, havendo cumulação de pretensões distintas, sendo um pedido antecedente, de reconhecimento da natureza salarial da verba CTVA, em face da ex-empregadora (CEF), deve a ação prosseguir primeiramente na Justiça do Trabalho. (...) STJ. 4ª Turma. AgInt nos EDcl nos EDcl no AgInt no AREsp 1301661/DF, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 04/05/2020.

(...) 1. Cuida-se, na origem, de reclamatória trabalhista ajuizada em face da CEF e da FUNCEF, em que se pretende a inclusão da verba denominada CTVA - Complemento Temporário Variável Ajuste de Mercado na composição de salário de participação, com os devidos reflexos no cálculo de benefício de complementação de aposentadoria. 2. A presente demanda cumula pretensões de natureza distintas, havendo um pedido antecedente de reconhecimento da natureza salarial da verba CTVA, com a condenação da ex-empregadora (CEF) em aportar contribuições previdenciárias, e um pedido consequente de recálculo do valor do benefício de suplementação de aposentadoria a cargo da entidade de previdência privada (FUNCEF). 3. Segundo a jurisprudência consolidada deste Superior Tribunal de Justiça em hipóteses como a presente, em se tratando de cumulação de pedidos envolvendo matérias de diferentes competências, deve a ação prosseguir primeiramente na Justiça Especializada, para o exame das pretensões derivadas da relação de trabalho, ressalvada a possibilidade de posterior ajuizamento de nova ação, perante a Justiça Comum, com vistas ao deslinde da controvérsia relativa ao reajuste do benefício de suplementação de aposentadoria. Aplica-se, com as adaptações necessárias, o disposto na Súmula 170/STJ. Precedentes. (...) STJ. 3ª Turma. AgInt nos EDcl no AgInt no REsp 1704500/DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 28/10/2019.

Confira a ementa oficial do julgado:

CONFLITO DE COMPETÊNCIA. AÇÃO PROPOSTA CONTRA A CEF E A FUNCEF. PEDIDO QUE NÃO SE RESTRINGE À ANÁLISE DAS REGRAS DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. COMPETÊNCIA, INICIALMENTE, DA JUSTIÇA DO TRABALHO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. ART. 1.030, II, DO CPC/2015. HIPÓTESE DIVERSA DO RE N. 586.453/SE, JULGADO PELO STF SOB O REGIME DE REPERCUSSÃO GERAL. RESULTADO DO JULGAMENTO MANTIDO.

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1. A causa de pedir da contenda tem origem na exclusão da parcela denominada CTVA do salário de contribuição do autor, fato que terá repercussão financeira em sua aposentadoria futura, cuja solução, contudo, não se restringe à interpretação das regras da previdência complementar. 2. Considerando que a matéria em discussão é afeta à relação de emprego estabelecida com a Caixa Econômica Federal, ainda que haja reflexos no valor dos benefícios de responsabilidade da entidade de previdência privada, a FUNCEF, aplica-se ao caso, com as devidas adaptações, o comando da Súmula 170/STJ: "Compete ao juízo onde primeiro for intentada a ação envolvendo acumulação de pedidos, trabalhista e estatutário, decidi-la nos limites da sua jurisdição, sem prejuízo de nova causa, com pedido remanescente, no juízo próprio". Precedentes da Segunda Seção. 3. Hipótese que não se enquadra no entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE n. 586.453/SE, sob o regime de repercussão geral, no qual foi reconhecida a competência da Justiça comum para o processamento, em regra, de demandas ajuizadas contra entidades privadas de previdência nas quais se busca o complemento de aposentadoria. 4. Resultado do julgamento mantido. (CC 158.327/MG, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 11/03/2020, DJe 13/03/2020)

DIREITO INTERNACIONAL

EXPULSÃO Estrangeiro que tenha filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência não pode ser

expulso mesmo que o nascimento tenha ocorrido após os fatos que ensejaram a expulsão

Importante!!!

Para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade não é exigível a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório.

Caso concreto: portaria de expulsão do estrangeiro foi publicada em 2017; enquanto aguardava a efetivação da expulsão, esse estrangeiro teve um filho brasileiro, nascido em 2019; a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017), em seu art. 55, II, “a”, proíbe a expulsão caso o estrangeiro tenha filho brasileiro e ele esteja sob a sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva; muito embora a portaria de expulsão tenha sido editada antes do nascimento do filho brasileiro, o certo é que não se pode exigir para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório.

STJ. 1ª Seção. HC 452.975-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 12/02/2020 (Info 667).

O presente julgado trata sobre expulsão. Antes de analisar o que foi decidido, irei fazer uma breve revisão sobre o tema. Se seu tempo estiver curto, pode pular essa parte e ir diretamente para a explicação do julgado mais abaixo. NOÇÕES GERAIS SOBRE EXPULSÃO

Em que consiste A expulsão consiste em medida administrativa de retirada compulsória de migrante ou visitante do território nacional, conjugada com o impedimento de reingresso por prazo determinado.

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 58

A expulsão é tratada principalmente pelos arts. 54 a 60 da Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) e pelos arts. 192 a 206 do Decreto nº 9.199/2017. Hipóteses Poderá dar causa à expulsão a condenação com sentença transitada em julgado relativa à prática de: • crime de genocídio; • crime contra a humanidade; • crime de guerra; • crime de agressão; • crime comum doloso passível de pena privativa de liberdade, consideradas a gravidade e as possibilidades de ressocialização em território nacional. ++ (Juiz Federal TRF2 2018) A Lei de Migração expressamente prevê que o estrangeiro cuja presença atente contra a segurança nacional e ordem pública pode ser expulso. (errado) De quem é a competência para a expulsão? A Lei de Migração afirma que “caberá à autoridade competente resolver sobre a expulsão, a duração do impedimento de reingresso e a suspensão ou a revogação dos efeitos da expulsão” (art. 54, § 2º). O Decreto Presidencial nº 9.199/2017, que regulamenta a Lei de Migração, prevê que a competência para a expulsão é do Ministro da Justiça. O Poder Judiciário poderá avaliar a decisão de expulsão? SIM, é possível. No entanto, como o ato de expulsão é considerado discricionário, somente cabe ao Poder Judiciário analisar se ele foi praticado em conformidade ou não com a legislação em vigor (controle de legalidade), não podendo examinar a sua conveniência e oportunidade, ou seja, não poderá realizar o controle sobre o mérito da decisão. Assim, o ato administrativo de expulsão, manifestação da soberania do país, é de competência privativa do Poder Executivo, competindo ao Judiciário apenas a verificação da higidez do procedimento por meio da observância das formalidades legais. STJ. 1ª Seção. HC 333.902-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 14/10/2015 (Info 571). Expulsão de estrangeiro refugiado A expulsão de estrangeiro que ostente a condição de refugiado não pode ocorrer sem a regular perda dessa condição. Assim, antes da expulsão, deveria ter sido determinada a instauração de devido processo legal, com contraditório e ampla defesa, para se decretar a perda da condição de refugiado, nos termos do art. 39, III, da Lei nº 9.474/97. Somente após essa providência, ele poderá ser expulso. STJ. 1ª Seção. HC 333.902-DF, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 14/10/2015 (Info 571). Não impede benefícios da execução penal O processamento da expulsão em caso de crime comum não prejudicará a progressão de regime, o cumprimento da pena, a suspensão condicional do processo, a comutação da pena ou a concessão de pena alternativa, de indulto coletivo ou individual, de anistia ou de quaisquer benefícios concedidos em igualdade de condições ao nacional brasileiro. O estrangeiro que cumpre pena no Brasil tem direito aos benefícios da execução penal (ex.: saída temporária etc.)? SIM. O fato de o reeducando ser estrangeiro, por si só, não é motivo suficiente para inviabilizar os benefícios da execução penal.

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O estrangeiro que cumpre pena no Brasil pode ser beneficiado com a progressão de regime? SIM. Não existe motivo para negar aos estrangeiros que cumprem pena no Brasil os benefícios da execução penal, dentre eles a progressão de regime. Isso porque a condição humana da pessoa estrangeira submetida a pena no Brasil é protegida constitucionalmente e no âmbito dos direitos humanos. Assim, em regra, é plenamente possível a progressão de regime para estrangeiros que cumpram pena no Brasil. O estrangeiro que cumpre pena no Brasil e que já tem contra si um processo de expulsão instaurado pode mesmo assim ser beneficiado com a progressão de regime

O STJ consolidou entendimento no sentido de que a situação irregular do estrangeiro no País não é circunstância, por si só, capaz de afastar o princípio da igualdade entre nacionais e estrangeiros, razão pela qual a existência de processo ou mesmo decreto de expulsão em desfavor do estrangeiro não impede a concessão dos benefícios da progressão de regime ou do livramento condicional, tendo em vista que a expulsão poderá ocorrer, conforme o interesse nacional, após o cumprimento da pena, ou mesmo antes disto. STJ. 5ª Turma. HC 324.231/SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 03/09/2015.

O benefício da progressão de regime não pode ser negado ao estrangeiro pelo simples fato de estar em situação irregular no país ou, mesmo, de haver decreto de expulsão expedido contra ele. STJ. 6ª Turma. HC 309.825/SP, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 05/03/2015.

Progressão de estrangeiro com pedido de extradição já deferido

O apenado poderá progredir para o regime semiaberto, mesmo havendo uma ordem de extradição ainda não cumprida. Segundo decidiu o STF, o fato de estar pendente a extradição do estrangeiro não é motivo suficiente para impedir a sua progressão de regime. STF. Plenário. Ext 947 QO/República do Paraguai, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 28/5/2014 (Info 748).

É possível que seja concedida a progressão de regime para apenado estrangeiro que cumpre pena no Brasil e que aguarda o julgamento de pedido de extradição para outro país. No entanto, essa providência (progressão) será ineficaz até que o STF delibere acerca das condições da prisão para extradição. Em outras palavras, é possível que o juízo das execuções penais defira a progressão de regime ao apenado que aguarda o cumprimento da ordem de extradição, mas isso só poderá ser concretizado pelo juiz de 1ª instância depois que o STF concordar. Cabe ao STF deliberar acerca de eventual adaptação das condições da prisão para extradição ao regime prisional da execução penal. Assim, depois que o juízo da execução afirmar que os requisitos para a progressão estão preenchidos, deverá ainda o STF verificar se a concessão do regime semiaberto ou aberto ao extraditando não irá causar risco à garantia da ordem garantia da ordem pública, da ordem econômica, à conveniência da instrução criminal, nem à aplicação da lei penal pública (art. 312 do CPP). STF. 2ª Turma. Ext 893 QO/República Federal da Alemanha, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 10/3/2015 (Info 777).

Prazo de vigência da medida de impedimento No revogado Estatuto do Estrangeiro, a pessoa expulsa só poderia retornar ao Brasil caso o decreto de expulsão fosse revogado pelo Presidente da República. A situação mudou com a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) e agora o impedimento de reingresso do estrangeiro é feito com prazo determinado:

Art. 54 (...) § 4º O prazo de vigência da medida de impedimento vinculada aos efeitos da expulsão será proporcional ao prazo total da pena aplicada e nunca será superior ao dobro de seu tempo.

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Situações em que não se admite a expulsão Não se procederá à expulsão quando: I - a medida configurar extradição inadmitida pela legislação brasileira; II - o expulsando: a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela; b) tiver cônjuge ou companheiro residente no Brasil, sem discriminação alguma, reconhecido judicial ou legalmente; c) tiver ingressado no Brasil até os 12 anos de idade, residindo desde então no País; d) for pessoa com mais de 70 anos que resida no País há mais de 10 anos, considerados a gravidade e o fundamento da expulsão. ++ (Juiz Federal TRF2 2018) Pessoa com mais de 70 anos, residente no Brasil há mais de 10 anos, não pode ser expulsa em nenhum caso. (errado) ++ (Juiz Federal TRF2 2018) Estrangeiro, com cônjuge ou companheiro residente no Brasil reconhecido judicial ou legalmente, pode ser expulso. (errado) Será considerada regular a situação migratória do expulsando cujo processo esteja pendente de decisão e houver alguma das situações acima descritas. Contraditório e ampla defesa No processo de expulsão serão garantidos o contraditório e a ampla defesa.

Participação da DPU A Defensoria Pública da União será notificada da instauração de processo de expulsão, se não houver defensor constituído.

Pedido de reconsideração Caberá pedido de reconsideração da decisão sobre a expulsão no prazo de 10 dias, a contar da notificação pessoal do expulsando.

Saída voluntária A existência de processo de expulsão não impede a saída voluntária do expulsando do País. CASO CONCRETO JULGADO PELO STJ

Imagine a seguinte situação hipotética: Jumaa, nacional da Tanzânia, mora no Brasil. Ele foi condenado, em nosso país, pela prática de tráfico de drogas. Houve o trânsito em julgado. Em 21/06/2017, o Ministro da Justiça, após processo administrativo, publicou portaria determinando a expulsão de Jumaa do Brasil. Enquanto aguardava os trâmites burocráticos para que fosse efetivada a sua expulsão, Jumaa envolveu-se amorosamente com uma brasileira e eles tiveram um filho, nascido em 03/02/2019. Diante disso, a Defensoria Pública da União impetrou habeas corpus em favor de Jumaa afirmando que ele não poderia mais ser expulso em razão de ter um filho brasileiro, que vive sob a sua guarda e dependência econômica e socioafetiva. Indaga-se: o fato de o estrangeiro ter um filho brasileiro pode servir para evitar a sua expulsão do território nacional? SIM. No entanto, não basta ter filho brasileiro. A Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) proíbe a expulsão caso o estrangeiro tenha filho brasileiro e ele esteja sob a sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva. Veja a redação da Lei:

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 61

Art. 55. Não se procederá à expulsão quando: (...) II - o expulsando: a) tiver filho brasileiro que esteja sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva ou tiver pessoa brasileira sob sua tutela; (...)

++ (Juiz Federal TRF2 2018) O estrangeiro que tiver filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva pode ser expulso. (errado)

Existe até uma súmula bem antiga do STF tratando sobre o tema:

Súmula 1-STF: É vedada a expulsão de estrangeiro casado com brasileira, ou que tenha filho brasileiro, dependente da economia paterna.

Informações prestadas pelo Ministro da Justiça O Ministro da Justiça apresentou informações no habeas corpus alegando que esse motivo (filho brasileiro) não poderia impedir a efetivação da expulsão considerando que o nascimento da criança ocorreu em 2019, ou seja, após a publicação da Portaria determinando a expulsão. Logo, a hipótese legal de inexpulsabilidade não é contemporânea em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório. Jumaa foi expulso? NÃO. Muito embora a portaria de expulsão tenha sido editada em 21/6/2017, anteriormente, portanto, à formação de família no Brasil pelo paciente, o certo é que não se pode exigir para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório. Além disso, deve-se aplicar ao caso o princípio da prioridade absoluta no atendimento dos direitos e interesses da criança e do adolescente, previsto no art. 227 da CF/88, em cujo rol se encontra o direito à convivência familiar, o que justifica, no presente caso, uma solução que privilegie a permanência do genitor em território nacional. Desse modo, o STJ deferiu o pedido de habeas corpus para invalidar a Portaria do Ministério da Justiça, a fim de impedir a expulsão do paciente do território brasileiro. Em suma:

Para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade não é exigível a contemporaneidade dessas mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório. STJ. 1ª Seção. HC 452.975-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 12/02/2020 (Info 667).

DOD Plus – informações extras

Por que o tema foi julgado pelo STJ? Porque a DPU impetrou habeas corpus contra ato do Ministro da Justiça, de forma que se trata de competência originária do STJ, nos termos do art. 105, I, “c”, da CF/88:

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: (...) c) os habeas corpus, quando o coator ou paciente for qualquer das pessoas mencionadas na alínea "a", ou quando o coator for tribunal sujeito à sua jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral;

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Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 62

A solução para o caso concreto seria a mesma se estivéssemos diante de um pedido de extradição? NÃO. Segundo entendimento sumulado do STF, é possível extraditar estrangeiro mesmo que ele possua filho e mulher brasileiros:

Súmula 421-STF: Não impede a extradição a circunstância de ser o extraditado casado com brasileira ou ter filho brasileiro.

EXPULSÃO EXTRADIÇÃO

O Estado manda embora um estrangeiro que tem comportamento nocivo ou inconveniente aos interesses nacionais.

O Estado entrega a outro país um indivíduo que cometeu um crime que é punido segundo as leis daquele país (e também do Brasil) a fim de que lá ele seja processado ou cumpra a pena por esse ilícito.

Ex.: o estrangeiro praticou um crime aqui no Brasil.

Ex.: um cidadão dos EUA lá comete um crime e foge para o Brasil.

É ato de ofício do Brasil. Depende de pedido formulado pelo outro país.

O brasileiro naturalizado não pode ser expulso do território nacional.

O brasileiro naturalizado pode ser extraditado por crime cometido antes da naturalização ou então mesmo depois da naturalização se o crime cometido foi o tráfico ilícito de entorpecentes.

É ato de competência do Presidente da República, podendo ser delegado ao Ministro da Justiça. A Lei de Migração afirma que “caberá à autoridade competente resolver sobre a expulsão” (art. 54, § 2º). O Decreto Presidencial nº 9.199/2017 atribui ao Ministro da Justiça a competência para a expulsão é do Ministro da Justiça.

O pedido de extradição feito por Estado estrangeiro é examinado pelo STF. Autorizado o pleito extradicional pelo STF, cabe ao Presidente da República decidir, de forma discricionária, sobre a entrega, ou não, do extraditando ao governo requerente.

O expulso é mandado para o país de sua nacionalidade ou procedência, ou para outro que aceite recebê-lo.

A pessoa extraditada é mandada para o país que requereu a extradição.

No revogado Estatuto do Estrangeiro, a pessoa expulsa só poderia retornar ao Brasil caso o decreto de expulsão fosse revogado pelo Presidente da República. A situação mudou com a Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) e agora o impedimento de reingresso do estrangeiro é feito com prazo determinado: Art. 54 (...) § 4º O prazo de vigência da medida de impedimento vinculada aos efeitos da expulsão será proporcional ao prazo total da pena aplicada e nunca será superior ao dobro de seu tempo.

Segundo o entendimento do Ministério da Justiça, nada impede o retorno ao Brasil de estrangeiro já extraditado, após o cumprimento da pendência com a Justiça do país requerente, desde que não haja também sido expulso do território nacional.

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EXERCÍCIOS Julgue os itens a seguir: 1) É ilegal portaria editada por Juiz Diretor do Foro restringindo o ingresso de pessoas portando arma de

fogo nas dependências do Fórum. ( ) 2) O cadastro e o peticionamento no Sistema Eletrônico de Informações denotam a ciência de que o

processo administrativo tramitará de forma eletrônica. ( ) 3) (Juiz Federal TRF2 2018) O pagamento de multa imposta pelos Estados, Municípios, Distrito Federal ou

Territórios substitui a multa federal na mesma hipótese de incidência. ( ) 4) (Exame de Ordem 2013-2 - FGV) Técnicos do IBAMA, autarquia federal, verificaram que determinada

unidade industrial, licenciada pelo Estado no qual está localizada, está causando degradação ambiental significativa, vindo a lavrar auto de infração pelos danos cometidos. Sobre o caso apresentado e aplicando as regras de licenciamento e fiscalização ambiental previstas na Lei Complementar nº 140/2011, assinale a afirmativa correta. A) Há irregularidade no licenciamento ambiental, uma vez que em se tratando de atividade que cause degradação ambiental significativa, o mesmo deveria ser realizado pela União. B) É ilegal a fiscalização realizada pelo IBAMA, que só pode exercer poder de polícia de atividades licenciadas pela União, em sendo a atividade regularmente licenciada pelo Estado. C) É possível a fiscalização do IBAMA o qual pode, inclusive, lavrar auto de infração, que, porém, não prevalecerá caso o órgão estadual de fiscalização também lavre auto de infração. D) Cabe somente à União, no exercício da competência de fiscalização, adotar medidas para evitar danos ambientais iminentes, comunicando imediatamente ao órgão competente, em sendo a atividade licenciada pelo Estado. ( )

5) (Juiz TJ/CE 2018 CEBRASPE) O pagamento de multa aplicada por determinado estado ou município não exime o condenado da obrigação de pagamento de multa federal relativa à mesma hipótese de incidência. ( )

6) A venda de bem entre ascendente e descendente, por meio de interposta pessoa, é ato jurídico anulável, aplicando-se o prazo decadencial de 2 (dois) anos previsto no art. 179 do CC/2002. ( )

7) A existência de contrato de arrendamento mercantil do bem móvel impede a aquisição de sua propriedade pela usucapião, contudo, verificada a prescrição da dívida, inexiste óbice legal para prescrição aquisitiva. ( )

8) Incide desconto de pensão alimentícia sobre as parcelas denominadas diárias de viagem e tempo de espera indenizado. ( )

9) Se foi celebrado um acordo na ação de investigação de paternidade, mas não se estipulou o termo inicial dos alimentos, estes serão devidos desde a data da assinatura. ( )

10) (DPE/AL 2003 CESPE) Caso uma ação de investigação de paternidade cumulada com pedido de alimentos seja julgada procedente, estes são devidos a partir da publicação da sentença. ( )

11) O espólio não possui legitimidade passiva ad causam na ação de ressarcimento de remuneração indevidamente paga após a morte de ex-servidor e recebida por seus herdeiros. ( )

12) (Cartório TJ/AC 2012 FMP) O testamento particular deve ser escrito de próprio punho pelo testador, sendo vedada a utilização de processo mecânico. ( )

13) É válido o testamento particular que, a despeito de não ter sido assinado de próprio punho pela testadora, contou com a sua impressão digital. ( )

14) Se elaborado por processo mecânico, o testamento particular não pode conter rasuras ou espaços em branco, devendo ser assinado pelo testador, depois de o ter lido na presença de pelo menos três testemunhas, que o subscreverão. ( )

15) Não compete à Justiça estadual, em sede de reconvenção proposta na ação de abstenção de uso de marca, afastar o pedido da proprietária da marca, declarando a nulidade do registro ou irregularidade da marca. ( )

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Informativo comentado

Informativo 667-STJ (07/04/2020) – Márcio André Lopes Cavalcante | 64

16) A sistemática prevista no art. 142 da Lei n. 11.101/2005 não é aplicável quando reconhecida a utilidade e a urgência na alienação de bens integrantes do ativo permanente de empresa em recuperação judicial. ( )

17) O pagamento de remuneração a funcionários fantasmas não configura apropriação ou desvio de verba pública, previstos pelo art. 1º, inciso I, do Decreto-Lei nº 201/67. ( )

18) Compete à Justiça Federal julgar crimes relacionados à oferta pública de contrato de investimento coletivo em criptomoedas. ( )

19) As condutas delituosas previstas nos artigos 54, § 1º, I, II, III e IV e § 3º e 56, § 1º, I e II, c/c 58, I, da Lei n. 9.605/1998, que se resumem na ação de causar poluição ambiental que provoque danos à população e ao próprio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas na legislação de proteção, e na omissão em adotar medidas de precaução nos casos de risco de dano grave ou irreversível ao ecossistema, são de natureza permanente, para fins de aferição da prescrição. ( )

20) Compete à Justiça comum (Tribunal do Júri) o julgamento de homicídio praticado por militar contra outro quando ambos estejam fora do serviço ou da função no momento do crime. ( )

21) Diante da falta de recurso previsto, cabe a impetração de mandado de segurança contra ato jurisdicional que defere o desbloqueio de bens e valores. ( )

22) (Juiz Federal TRF2 2018) A Lei de Migração expressamente prevê que o estrangeiro cuja presença atente contra a segurança nacional e ordem pública pode ser expulso. ( )

23) (Juiz Federal TRF2 2018) Pessoa com mais de 70 anos, residente no Brasil há mais de 10 anos, não pode ser expulsa em nenhum caso. ( )

24) (Juiz Federal TRF2 2018) Estrangeiro, com cônjuge ou companheiro residente no Brasil reconhecido judicial ou legalmente, pode ser expulso. ( )

25) (Juiz Federal TRF2 2018) O estrangeiro que tiver filho brasileiro sob sua guarda ou dependência econômica ou socioafetiva pode ser expulso. ( )

26) (Juiz Federal TRF2 2018) Brasileiro naturalizado não pode ser expulso do território nacional. ( ) 27) Para a configuração das hipóteses legais de inexpulsabilidade não é exigível a contemporaneidade dessas

mesmas causas em relação aos fatos que deram ensejo ao ato expulsório. ( ) Gabarito

1. E 2. C 3. C 4. Letra C 5. E 6. C 7. C 8. E 9. E 10. E

11. C 12. E 13. C 14. C 15. C 16. C 17. C 18. C 19. C 20. C

21. E 22. E 23. E 24. E 25. E 26. C 27. C