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Informativo Oigalê www.oigale.com.br Ano 2 | Edição 4 | 2º semestre de 2010 Porto Alegre/RS | Distribuição Gratuita desde 1999

Informativo Oigalê

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Jornal sobre a Oigalê - Cooperativa de Artistas Teatrais que aborda sobre o Teatro de Rua, Ocupação Cênica, Políticas Públicas para a Cultura entre outros. Essa é uma edição especial sobre o projeto patrocinado pela Petrobas para pesquisa de um teatro de rua pampeano. Projeto gráfico e diagramação de Carlos Tiburski.

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Informativo Oigalêwww.oigale.com.br

Ano 2 | Edição 4 | 2º semestre de 2010 Porto Alegre/RS | Distribuição Gratuita

desde 1999

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e x p e d i e n t eJornalista Responsável: Lisete Ghiggi - MTB 4685 • Coordenação do Informativo: Ilson Fonseca e Hamilton Leite • Projeto Gráfico e Diagramação: Carlos Tiburski Revisão: Paola Opptiz • Arte de Capa: Vera Parenza • Colaboradores da Edição: Jane Schoninger, Ilson Fonseca, Hamilton Leite, Giancarlo Carlomagno, Carla Costa e Vera Parenza • Impressão: Jornal Pioneiro • Tiragem: 2.000

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Porto Alegre 2010 | Distribuição Gratuita 27º Encontro de Articuladores da Rede Brasileira de Teatro de RuaGiancarlo CarlomagnoArticulador da Rede Brasileira de Teatro de Rua/RS

Buenas, aqui estamos de novo, em nossa 4ª edição, levando um pouco de informação e cultura, mas agora temos boas novidades e queremos dividir com o nosso público.

A Oigalê é hoje no Brasil uma referência de teatro de rua, e coe-rente com nosso trabalho de pesquisa no universo regional estamos partindo para um novo passo: o projeto “Oigalê – A busca de um teatro de rua pampiano”.

Queremos aprofundar a pesquisa desenvolvida pela Oigalê desde 1999, que é o trabalho do ator de teatro de rua, mambembe, mes-clado ao contador de causos, lendas, histórias e contos da região pampiana (Rio Grande do Sul, Uruguai e Argentina). A busca de uma linguagem e dramaturgia própria.

O principal objetivo deste novo projeto é dar continuidade ao trabalho de pesquisa da Oigalê, voltado para uma política pública de cultura, democratizando bens culturais como apresentações de espetáculos em ruas e parques que já foram vistos em 15 estados brasileiros, Argentina e Portugal nestes últimos anos.

Porém, nestes 11 anos de trajetória, a maior dificuldade foi a de-dicação a estes três tópicos: pesquisa, manutenção e montagem de espetáculo. Com este novo suporte de patrocínio contemplado na Seleção Pública do Programa Petrobras Cultural, pretendemos desen-volver nosso trabalho com um pouco de tranquilidade e dignidade.

Investiu-se tempo e vida nesta década, mas para que assim possa-mos cada vez mais caminhar em direção da qualificação e do primor teatral é chegada a hora de poder mostrar o quanto é importante o processo de trabalho teatral que a Oigalê desenvolve a nível regional.

Por ser ímpar na região Sul, e o quanto isso pode se tornar cada vez mais importante para a pesquisa de práticas dramatúrgicas e de linguagem cênica contemporânea de nosso país, estamos começan-do um novo momento.

Levaremos apresentações do espetáculo de teatro de rua O Ne-grinho do Pastoreio a 10 cidades do interior do Rio Grande do Sul na fronteira da Argentina e Uruguai no segundo semestre de 2010. Buscando um intercâmbio e, assim, desenvolvendo uma pesquisa de campo, ficando mais alguns dias em cada cidade visitada para pesquisar e codificar o trabalho campeiro, captar imagens, buscar histórias, lendas e causos.

O Negrinho do Pastoreio levará junto com a Oigalê um toco de vela para acharmos uma história, um conto, um causo ou uma lenda que se transformará em teatro e se vancê que está ai parado lendo estas linhas tem algo para contar, solte o verbo e venha divi-dir conosco esta história. Envie para a Oigalê: [email protected]

Porém o projeto não para por aí. No primeiro semestre de 2011 será desenvolvida uma oficina teatral de rua em nosso espaço de trabalho e ocupação cênica, o Hospital Psiquiátrico São Pedro no Bairro Partenon, na periferia da cidade de Porto Alegre. E em 2012 festejaremos os 13 anos da Oigalê com a estréia de nosso quinto espetáculo de teatro de rua, fruto desta pesquisa e trabalho cotidiano de teatro de rua, levando 20 apresentações à grande Porto Alegre.

Oigalê, tchê, que venha outra década e novas histórias. Nos en-contramos na rua, pois ela é nossa. E na essência de nossas vidas “a rua” é cultura pública.

editorial

Jane SchoningerCoordenação Técnica de Cultura Sesc-RS

O Sesc/RS vem desenvolvendo projetos de circulações de ações culturais nas diversas linguagens: literatura, música, cinema, artes cênicas e visuais. Esse formato de disponibilização de bens culturais busca ser um mecanismo transformador e ampliador dos efeitos que a cultura possibilita nas comu-nidades, fazendo com que os profissionais da cultura encontrem suas consciências artísticas através de novos caminhos, do conhecimento da diversidade existente e possibilitando que o público descu-bra a rica produção que há nesse país.

Com o intuito de ampliar o oferecimento de bens culturais às comunidades, parcerias são firma-das com grupos e coletivos de artes, como a Oigalê. Nesse sentido, a Instituição estabelece condições para que possa levar os trabalhos até o interior do Estado. Nessas situações, o coletivo desenvolve suas pesquisas, projetos e/ou novas construções, possibilitando ainda, a participação das comunida-des locais, através de suas apresentações. Nos últimos anos, a Oigalê vem se tornando referência do teatro de rua no Brasil, o que demonstra o comprometimento com o fazer artístico, aproveitando como troca e crescimento de sua proposta.

A realização de parcerias para a ampliação de atividades artísticas nas cidades vem de encontro a uma situação que podemos afirmar sem muito erro: o interior do país sofre de uma invisibilidade cultural, quando comparado aos grandes centros. A produção cultural e o público local acabam fi-cando deficientes por falta de incentivo e os circuitos de cultura vêm para contribuir com essa situ-ação. A necessidade de uma mobilização através de parcerias culturais busca, em especial, fortalecer e valorizar uma platéia formada para o consumo de bens culturais.

Com o desenvolvimento dessas parcerias e de atividades descentralizadas busca-se atrair a aten-ção para o interior do Estado, investindo e atendendo a demanda existente nas comunidades locais e o crescimento das produções culturais do nosso Estado.

De 01 a 06 de maio de 2010, na cidade de Ca-noas/RS, a Rede Brasi-leira de Teatro de Rua e seus articuladores de

26 estados da nossa federação voltaram a se encontrar. Dessa vez, conseguimos concretizar uma idéia antiga e há muito tempo almejada: a de realizar-mos um encontro latino-ameri-cano e de unirmos a parte artís-tica com a política.

Foram seis dias intensos, com a participação de mais de uma centena de comparsas do teatro de Rua Brasileiro e latino-americano (Argentina e Colômbia). Iniciamos o 7º En-contro realizando pela primei-ra vez uma mostra nacional de teatro de rua. Foram 16 apre-sentações (13 grupos gaúchos, 01 capixaba, 01 catarinense, 01 pernambucano e 01 argentino) nos três primeiros dias. Sempre após as apresentações, realiza-mos debates para uma análise dos trabalhos, buscando não só observações e sugestões, mas uma conversa franca entre ami-gos. Nem sempre isso foi possí-vel. É bem difícil o dom e a cla-reza na fala e mais difícil ainda

assimilar as críticas. Mas este também esta sendo um aprendi-zado da nossa rede. Saber falar e, principalmente, saber ouvir.

Munidos de muita energia positiva e de um espírito agre-gador, iniciamos nosso encontro de debates políticos. Começa-mos nos apresentando uns aos outros, pois o 7º Encontro conse-guiu concretizar a participação de praticamente todo o Brasil, fi-cando de fora somente a Paraíba. Cada articulador falou um pouco da realidade de cada grupo/esta-do/país, das nossas dificuldades e diferenças, mas acima de tu-do, do que nos aproxima. Nesse mesmo dia realizamos uma ação conjunta na Assembléia Legisla-tiva do estado do RS, onde ocor-reu uma audiência pública com o governo federal (MINC). Foi bonito ver a Rede Brasileira de Teatro de Rua marcando presen-ça nacionalmente e colocando publicamente ao Ministério da Cultura suas necessidades. No segundo dia realizamos um de-bate com o colega e agora diretor de artes cênicas da FUNARTE, Marcelo Bones e com integrantes da Secretaria de Políticas Cultu-rais do MINC sobre a construção

de políticas públicas para o te-atro de rua.

Após três dias de debates muito produtivos, com alguma serenidade e muita divergência de idéias, encerramos o Encontro com a definição do Centro-Oes-te (Mato Grosso) como a sede do 8º Encontro da RBTR, a elabora-ção da Carta do Rio Grande do Sul com mais de uma dezena de reivindicações e a apresen-tação de mais um espetáculo de teatro de rua (Rio Grande do Norte) seguido de uma grande confraternização regada a vinho, churrasco, intervenções, dança e muito bom humor.

Nesses últimos anos, o gran-de ensinamento dos encontros da Rede Brasileira de Teatro de Rua tem sido a importância de estarmos conversando cons-tantemente. Somos semelhan-tes, mas diferentes e as nossas diferenças são os nossos pontos positivos. A diferença tem nos unido e nos fortalecido. Esta-mos crescendo, amadurecendo, aparecendo e reafirmando a ne-cessidade de uma nova ordem por um mundo socialmente jus-to e igualitário.

Viva o teatro de rua!!!

Parcerias para ampliação de possibilidades artísticas

Page 3: Informativo Oigalê

Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles nem divisas nem cercas; somen-te nas volteadas se apanhava a gadaria xucra e os veados e as

avestruzes corriam sem empecilhos... Era uma vez um estancieiro, que ti-

nha uma ponta de surrões cheios de onças e meias-doblas e mais muita prataria; po-rém era muito cauíla e muito mau, muito.

Não dava pousada a ninguém, não emprestava um cavalo a um andante; no inverno o fogo da sua casa não fazia brasas; as geadas e o minuano podiam entanguir gente, que a sua porta não se abria; no verão a sombra dos seus umbus só abrigava os cachorros; e ninguém de fora bebia água das suas cacimbas.

Mas também quando tinha serviço na estância, ninguém vinha de vontade dar-lhe um ajutório; e a campeirada fo-lheira não gostava de conchavar-se com ele, porque o homem só dava para comer um churrasco de tourito magro, farinha grossa e erva-caúna e nem um naco de fumo… e tudo, debaixo de tanta somiti-caria e choradeira, que parecia que era o seu próprio couro que ele estava lon-queando...

Só para três viventes ele olhava nos olhos: era para o filho, menino cargoso como uma mosca, para um baio cabos--negros, que era o seu parelheiro de confiança, e para um escravo, pequeno ainda, muito bonitinho e preto como car-vão e a quem todos chamavam somente o - Negrinho.

A este não deram padrinhos nem nome; por isso o Negrinho se dizia afi-lhado da Virgem, Senhora Nossa, que é a madrinha de quem não a tem.

Todas as madrugadas o Negrinho ga-lopeava o parelheiro baio; depois con-duzia os avios do chimarrão e à tarde sofria os maus tratos do menino, que o iudiava e se ria.

Um dia depois de muitas negaças, o estancieiro atou carreira com um seu vizinho. Este queria que a parada fosse para os pobres; o outro que não, que não! que a parada devia ser do dono do cavalo que ganhasse. E trataram: o tiro era trinta quadras, a parada, mil onças de ouro.

No dia aprazado, na cancha da car-reira havia gente como em festa de santo grande.

Entre os dois parelheiros, a gauchada não sabia se decidir, tão perfeito era e bem lançado cada um dos animais. Do baio era fama que quando corria, cor-ria tanto, que o vento assobiava-lhe nas crinas; tanto, que só se ouvia o barulho, mas não lhe viam as patas baterem no chão... E do mouro era voz que quanto mais cancha, mais aguente e que desde a largada ele ia ser como um laço que se arrebenta...

As parcerias abriram as guaiacas, e aí no mais já se apostavam aperos con-tra rebanhos e redomões contra lenços.

- Pelo baio! Luz e doble!… - Pelo mouro! Doble e luz!... Os corredores fizeram as suas par-

tidas à vontade e depois as obrigadas; e quando foi na última, fizeram ambos a sua senha e se convidaram. E amagando

o corpo, de rebenque no ar, largaram, os parelheiros meneando cascos, que pare-cia uma tormenta...

- Empate! Empate! - gritavam os afi-cionados ao longo da cancha por onde passava a parelha veloz, compassada como numa colhera.

- Valha-me a Virgem madrinha, Nossa Senhora! - gemia o Negrinho.

- Se o sete-léguas perde, o meu se-nhor me mata! hip! hip! hip!...

E baixava o rebenque, cobrindo a marca do baio.

- Se o corta-vento ganhar é só para os pobres!... retrucava o outro corredor. Hip! hip!

E cerrava as esporas no mouro. Mas os fletes corriam, compassados

como numa colhera, Quando foi na úl-tima quadra, o mouro vinha arrematado e o baio vinha aos tirões… mas sempre juntos, sempre emparelhados.

E a duas braças da raia, quase em cima do laço, o baio assentou de supe-tão, pôs-se em pé e fez uma caravolta, de modo que deu ao mouro tempo mais que preciso para passar, ganhando de luz aberta! E o Negrinho, de em pêlo, agarrou-se como um ginetaço.

- Foi mau jogo! - gritava o estancieiro. - Mau jogo! - secundavam os outros

da sua parceria. A gauchada estava dividida no jul-

gamento da carreira; mais de um torena coçou o punho da adaga, mais de um desapresilhou a pistola, mais de um vi-rou as esporas para o peito do pé... Mas o juiz, que era um velho do tempo da guerra de Sepé-Tíaraju, era um juiz ma-canudo, que já tinha visto muito mundo. Abanando a cabeça branca sentenciou, para todos ouvirem:

- Foi na lei! A carreira é de parada morta; perdeu o cavalo baio, ganhou o cavalo mouro, Quem perdeu, que pague. Eu perdi cem gateadas; quem as ganhou venha buscá-las. Foi na lei!

Não havia o que alegar. Despeitado e furioso, o estancieiro pagou a parada, à vista de todos, atirando as mil onças de ouro sobre o poncho do seu contrário, estendido no chão.

E foi um alegrão por aqueles pagos, porque logo o ganhador mandou distri-buir tambeiros e leiteiras, côvados de ba-eta e haguais e deu o resto, de mota, ao pobrerio. Depois as carreiras seguiram com os changueiritos que havia.

O estancieiro retirou-se para a sua casa e veio pensando, pensando calado, em todo o caminho. A cara dele vinha lisa, mas o coração vinha corcoveando como touro de banhado laçado a meia espalda… O trompaço das mil onças tinha-lhe arrebentado a alma.

E conforme apeou-se, da mesma ve-reda mandou amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho.

Na madrugada saiu com ele e quan-do chegou no alto da coxilha falou assim:

- Trinta quadras tinha a cancha da carreira que tu perdeste: trinta dias ficarás aqui pastoreando a minha tropilha de trinta tordilhos negros... O baio fica de piquete na soga e tu ficarás de estaca!

O Negrinho come-çou a chorar, enquan-to os cavalos iam pastando.

Veio o so l , veio o vento, veio a chuva, veio a noite. O Negrinho, varado de fome e já sem força nas mãos, en-leou a soga num pulso e deitou-se encostado a um cupim.

Vieram então as co-rujas e fizeram roda, vo-ando, paradas no ar, e todas olhavam-no com os olhos relu-zentes, amarelos na escuridão. E uma piou e todas piaram, como rindo-se de-le, paradas no ar, sem barulho nas asas.

O Negrinho tremia, de medo... po-rém de repente pensou na sua madrinha Nossa Senhora e sossegou e dormiu. E dormiu. Era já tarde da noite, iam pas-sando as estrelas; o Cruzeiro apareceu, subiu e passou; passaram as Três-Marias: a estrela-d’alva subiu... Então vieram os guaraxains ladrões e farejaram o Negri-nho e cortaram a guasca da soga. O baio sentindo-se solto rufou a galope, e toda a tropilha com ele, escaramuçando no escuro e desguaritando-se nas canhadas.

O tropel acordou o Negrinho; os gua-raxains fugiram, dando berros de escár-nio, Os galos estavam cantando, mas nem o céu nem as barras do dia se enxergava: era a cerração que tapava tudo. E assim o Negrinho perdeu o pastoreio. E chorou.

O menino maleva foi lá e veio dizer ao pai que os cavalos não estavam. O estancieiro mandou outra vez amarrar o Negrinho pelos pulsos a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho.

E quando era já noite fechada orde-nou-lhe que fosse campear o perdido. Rengueando, chorando e gemendo, o Negrinho pensou na sua madrinha Nossa Senhora e foi ao oratório da casa, tomou o coto de vela acesa em frente da imagem e saiu para o campo.

Por coxilhas e canhadas, na beira dos lagoões, nos paradeiros e nas restin-gas, por onde o Negrinho ia passando, a vela benta ia pingando cera no chão; e de cada pingo nascia uma nova luz, e já eram tantas que clareavam tudo. O gado ficou deitado, os touros não escar-varam a terra e as manadas xucras não dispararam... Quando os galos estavam cantando, como na véspera, os cavalos relincharam todos juntos. O Negrinho montou no baio e tocou por diante a tropilha, até a coxilha que o seu senhor lhe marcara.

E assim o Negrinho achou o pasto-reio. E se riu...

Gemendo, gemendo, o Negrinho deitou-se encostado ao cupim e no mes-mo instante apagaram-se as luzes todas; e sonhando com a Virgem, sua madrinha, o Negrinho dormiu. E não apareceram nem as corujas agoureiras nem os guaraxains ladrões; porém pior do que os bichos maus, ao clarear o dia veio o menino, filho do estancieiro e enxotou os cavalos, que se dispersaram, disparando campo

f o r a , retouçando e desguari-

tando-se nas canhadas. O tropel acordou o Negrinho e o

menino maleva foi dizer ao seu pai que os cavalos não estavam lá...

E assim o Negrinho perdeu o pasto-reio. E chorou...

O estancieiro mandou outra vez amarrar o Negrinho pelos pulsos, a um palanque e dar-lhe, dar-lhe uma surra de relho... dar-lhe até ele não mais chorar nem bulir, com as carnes recortadas, o sangue vivo escorrendo do corpo… O Negrinho chamou pela Virgem sua ma-drinha e Senhora Nossa, deu uni suspiro triste, que chorou no ar como uma mú-sica, e pareceu que morreu...

E como já era noite e para não gastar a enxada em fazer uma cova, o estanciei-ro mandou atirar o corpo do Negrinho na panela de um formigueiro, que era para as formigas devorarem-lhe a carne e o sangue e os ossos... E assanhou bem as formigas, e quando elas, raivosas, co-briam todo o corpo do Negrinho e co-meçaram a trincá-la é que então ele se foi embora, sem olhar para trás.

Nessa noite o estancieiro sonhou que ele era ele mesmo, mil vezes e que tinha mil filhos e mil negrinhos, mil cavalos baios e mil vezes mil onças de ouro… e que tudo isto cabia folgado dentro de um formigueiro pequeno...

Caiu a serenada silenciosa e molhou os pastos, as asas dos pássaros e a casca das frutas. Passou a noite de Deus e veio a manhã e o sol encoberto. E três dias houve cerração forte, e três noites o es-tancieiro teve o mesmo sonho.

A peonada bateu o campo, porém ninguém achou a tropilha e nem rastro.

Então o senhor foi ao formigueiro, pa-ra ver o que restava do corpo do escravo.

Qual não foi o seu grande espanto, quando chegado perto, viu na boca do formigueiro o Negrinho de pé, com a pe-le lisa, perfeita, sacudindo de si as formi-gas que o cobriam ainda!... O Negrinho, de pé, e ali ao lado, o cavalo baio e ali junto a tropilha dos trinta tordilhos... e fazendo-lhe frente, de guarda ao mes-quinho, o estancieiro viu a madrinha dos que não a têm, viu a Virgem, Nossa Se-nhora, tão serena, pousada na terra, mas mostrando que estava no céu... Quando tal viu, o senhor caiu de joelhos diante do escravo.

E o Negrinho, sarado e risonho, pu-lando de em pêlo e sem rédeas; no baio,

chupou o beiço e tocou a tropilha a galope.

E assim o Negrinho pela última vez achou o pastoreio. E não. chorou, e nem se riu.

Correu no vizindário a nova do fadário e da triste

morte do Negrinho, devorado na panela do formigueiro. Porém logo, de. perto e de longe,

de todos os rumos do vento, começaram a vir notícias de um caso que parecia um milagre novo...

E era, que os posteiros e os andan-tes, os que dormiam sob as palhas dos ranchos e os que dormiam na cama das macegas, os chasques que cortavam por atalhos e os tropeiros que vinham pelas estradas, mascates e carreteiros, todos davam notícia - da mesma hora - de ter visto passar, como levada em pastoreio, uma tropilha de tordilhos, tocada por um Negrinho, gineteando de em pêlo, em um cavalo baio!…

Então, muitos acenderam velas e re-zaram o Pai-nosso pela alma do judiado. Daí por diante, quando qualquer cristão perdia uma cousa, o que fosse, pela noite velha o Negrinho campeava e achava, mas só entregava a quem acendesse uma vela, cuja luz ele levava para pagar a do altar da sua madrinha, a Virgem, Nossa Senhora, que o remiu e salvou e deu-lhe uma tropilha, que ele conduz e pastoreia, sem ninguém ver.

Todos os anos, durante três dias, o Negrinho, desaparece: está metido em algum formigueiro grande, fazendo visita às formigas, suas amigas; a sua tropilha esparrama-se, e um aqui, outro por. lá, os seus cavalos retouçam nas manadas das estâncias. Mas ao nascer do sol do terceiro dia, o baio relincha. perto do seu ginete; o Negrinho monta-o e vai fazer a sua recolhida; é quando nas estâncias acontece a disparada das cavalhadas e a gente olha, olha, e n&o vê ninguém, nem na ponta, nem na culatra.

Desde então e ainda hoje, conduzin-do o seu pastoreio, o Negrinho, sarado e risonho, cruza os campos, corta os ma-cegais, bandeia as restingas, desponta os banhados, vara os arroios, sobe as coxi-lhas e desce às canhadas.

O Negrinho anda sempre à procu-ra dos objetos perdidos, pondo-os de jeito a serem achados pelos seus do-nos, quando estes acendem um coto de vela, cuja luz ele leva para o altar da Virgem Senhora Nossa, madrinha dos que não a têm.

Quem perder suas prendas no cam-po, guarde esperança: junto de algum moirão ou sob os ramos das árvores, acenda uma vela para o Negrinho do pastoreio e vá lhe dizendo -Foi por aí que eu perdi... Foi por aí que eu perdi... Foi por ai que eu perdi!...

Se ele não achar… ninguém mais.

João Simões Lopes Netoin: Lendas do Sul, 1913

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AgostoDia 04 15h Praça Manoel dos Santos Rocha Itacurubi/RS Dia 07 15h Praça Getúlio Vargas Garruchos/RS Dia 11 15h Praça da Lagoa São Borja/RS Dia 15 15h Parcão Pq. Fermino Fernandes Lima Itaqui/RS Dia 17 15h Praça 22 de Outubro Maçambará/RS

SetembroDia 11 Nova Petrópolis/RS Dia 12 Nova Petrópolis/RS

OutubroDia 10 17h Uruguaiana/RS Dia 14 17h Barra do Quaraí/RS Dia 17 17h Quaraí/RS

Mais informações sobre a agenda do grupo em www.oigale.com.br

agen

da

Etapa 1

Etapa 2

Carlos Silero

Pampa é um nome de ori-gem indígena quéchua genericamente dado à região pastoril de planí-cies com coxilhas. Ocu-

pa cerca de 63% do território gaúcho e se estende pelos ter-ritórios do Uruguai, pelas pro-víncias argentinas de Buenos Aires, La Pampa, Santa Fé, En-tre Ríos e Corrientes. No Brasil o Pampa também é conhecido como Campos do Sul, Campos Sulinos ou Campanha Gaúcha. Justamente nessa região do sul do país é que a Oigalê – Coo-perativa de Artistas Teatrais es-colheu realizar a sua pesquisa: “A Busca de um Teatro de Rua Pampiano”. Das paragens mais distantes desse imenso pampa é que vamos viajar. Descobrir no universo Sul/Sur a riqueza da história de famílias, contos e lendas de uma região habita-da pela figura mítica do gaúcho que campeia o ermo e conversa com a solidão. São essas singu-laridades do pampa e sua geo-grafia que vamos desvendar.

Começamos com a pequena cidade de Itacuribi, um dos pon-tos turísticos mais bonitos da re-gião da fronteira Oeste com um anel de pedra com várias que-das d’água. Após, partimos em busca de uma dramaturgia pam-piana para a cidade de Garru-chos, considerada um dos maio-

res pólos energéticos do Estado com 90% da sua energia expor-tada para a Argentina. No ritmo próprio das águas e no vaivém das chalanas a Oigalê cruzará o rio Uruguai para descobrir a cultura e a tradição popular dos “hermanos garruchos”.

Em São Borja vamos conhe-cer a cidade que abrigou a pri-meira missão jesuíta dos Sete Povos das Missões. São Francis-co de Borja foi o primeiro de uma série de sete retornos que trariam de volta ao solo gaúcho os guaranis catequizados. São Borja é ainda a terra de Getúlio Vargas e João Goulart, duas re-ferências da política brasileira.

Já em Itaqui vamos visitar o teatro Prezewodowski, um dos teatros mais antigos do Rio Grande do Sul (1883). Entre planícies e coxilhas, a mistura curiosa formada por portugue-ses, espanhóis, negros e índios. Aliás, o nome Itaqui tem sua ori-gem na língua Guarani. A tra-dução literal é:

Ita = PedraKu’i = Areia

ou “pedra d’água”, própria para afiar.

Nesse giro pelo pampa gaú-cho a cidade de Maçambará nos aguarda para encerrar a primei-ra etapa de pesquisa da Oigalê.

O nome Maçambará é empres-tado de uma erva africana muito comum na região. A cidade teve o seu desenvolvimento a partir da chegada da estação férrea e emancipou-se de Itaqui apenas em 1995. É uma cidade nova em terra antiga! O que iremos encontrar? Quais as surpresas, as perplexidades que divisam entre os irmãos da Argentina e Uruguai? Enfim, quem é esse povo, o que resta do gaúcho que conhecemos por tradição e quem é esse novo gaúcho?

Bem, essa é apenas a pri-meira fase do projeto da Oiga-lê “A Busca de um Teatro de Rua Pampiano” e até o final do ano ainda vamos conhecer as cidades de Uruguaiana, Quaraí, Barra do Quaraí, Santana do Li-vramento, Don Pedrito, Aceguá e Bagé. Esperamos voltar a Porto Alegre com a guaiaca cheia de histórias para contar e o coração repleto de amigos!

Vale lembrar que este proje-to só é possível graças ao patro-cínio da Petrobras, parceiro da Oigalê até 2012, quando será montada uma nova peça fruto das nossas andanças pelo pam-pa gaúcho. Mas você também pode participar desde agora, basta acessar o nosso site em www.oigale.com.br e deixar o seu depoimento, a sua história.

Te aprochega vivente!

Por onde andaremos?Carla CostaAtriz da Oigalê

MacambaráPopulação: 4.375 (IBGE)

Bioma: PampaDistância da capital: 593 km

Site: www.macambara.rs.gov.br

ItaquiPopulação: 36.560 (IBGE)

Bioma: PampaDistância da capital: 670 km

Site: www.itaqui.rs.gov.br

GarruchosPopulação: 3.509 (IBGE)Bioma: Mata Atlântica e PampaDistância da capital: 590 kmSite: www.garruchos.rs.gov.br

São BorjaPopulação: 63.035 (IBGE)

Bioma: PampaDistância da capital: 606 kmSite: www.saoborja.rs.gov.br

ItacurubiPopulação: 3.712 (IBGE)

Bioma: PampaDistância da capital: 537 kmSite: www.itacurubi.rs.gov.br