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Inibidores da Anidrase Carbónica – diuréticos (e anti-glaucoma)
A hidratação do CO2 para originar ácido carbónico e a reacção inversa são processos bastante rápidos. No
entanto, existe uma enzima na natureza que acelera ainda mais o processo – a anidrase carbónica. As
isoformas desta enzima estão presentes em certos órgãos, nomeadamente o rim (no epitélio tubular).
Em condições fisiológicas, o ácido carbónico formado ioniza-se ao anião bicarbonato:
Quando o ião bicarbonato se forma no glomérulo renal e passa ao túbulo proximal, combina-se com o ião
Na+, originando bicarbonato sódico. De seguida, o ião Na+ é reabsorvido por um processo de transporte
activo, com a consequente reabsorção de água, para manter a pressão osmótica. O H+ que trocou com o
ião Na+ reage com o ião bicarbonato originando mais ácido carbónico que, por catálise pela anidrase
carbónica situada na membrana do túbulo, é convertido em CO2, que se difunde passivamente e é
hidratado novamente na membrana para iniciar o processo. O resultado é a reabsorção de bicarbonato de
sódio e de água no túbulo proximal.
A inibição desta enzima pressupõe a retenção no túbulo renal do bicarbonato, com consequente aumento
de pH e a menor reabsorção de iões sódio e de água associada, havendo maior diurese. Naturalmente que
pode haver compensação deste efeito quando o filtrado renal passa do túbulo proximal para a ansa de
Henle uma vez que neste trajecto existem processos muito eficazes de reabsorção de iões sódio (e
também de Cl-) que não dependem do anião bicarbonato.
Aquando da utilização clínica das primeiras sulfonamidas antibacterianas observou-se que algumas
tinham efeitos diuréticos e tornavam a urina alcalina. Mais tarde observou-se também que estes efeitos se
deviam à inibição da anidrase carbónica.
A estrutura da anidrase carbónica já está completamente elucidada, consistindo de uma cadeia peptídica
simples e o local activo é uma cavidade cónica na zona central, existindo um ião Zn2+ no fundo,
estabilizado por três histidinas e ligando-se a uma molécula de água. Esta enzima tem, assim, Zn2+ como
cofactor, que actua como ácido de Lewis sobre a molécula de água, libertando-se um protão que é
adicionado ao CO2. Assim, as sulfonamidas activas (com o azoto amídico não-substituído) no local activo
da enzima quelatam com o Zn2+ e deslocam a água como ligando (e também bloqueiam o local da 5ª
coordenação, onde o CO2 se deve ligar).
Um exemplo é a acetazolamida (derivado tiadiazole)
A anidrase carbónica existe na membrana das células que separam o humor aquoso do olho do sangue e aí
o bicarbonato passa para o humor aquoso do olho com a consequante passagem de água, o que aumenta a
pressão sobre a íris e sobre o nervo óptico. Estudos para potenciar a lipofilia e estudos de molecular
2
modelling permitiram o desenvolvimento de inibidores da anidrase carbónica úteis no glaucoma por
aplicação tópica – dorzolamida e análogos
As interacções entre a dorzolamida (que foi obtida pela manipulação molecular da metazolamida) e o
local activo da enzima incluem, além de interacções hidrofóbicas, a união ao metal e pontes de hidrogénio
com Thr-199 e Gln-92:
(Introducción a la Química Farmacéutica, 2ª Ed., C. Avendaño, Mc-Graw-Hill, 2001, p. 306-308;
Medicinal Chemistry-A Molecular and Biochemical Approach, 3rd Ed., T. Nogrady, D.F. Weaver, Oxford
University Press, 2005, p. 494-496)
3
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Síntese da hidroclorotiazida
Os compostos com dois átomos de azoto separados por um carbono e contendo um grupo sulfonamida no
anel heterociclo condensado com um benzeno designam-se 1,2,4-benzotiadiazinas. A hidroclorotiazida é
o 3,4-di-hidroderivado da clorotiazida, sendo ambos bons diuréticos embora a hidroclorotiazida seja
muito melhor tolerada e tenha menos efeitos secundários.
A hidroclorotiazida prepara-se por dupla clorossulfonação da m-cloroanilina, seguida de reacção com
amoníaco originando o derivado sulfonamidico. A posterior reacção com formamida e redução com
formaldeído em meio alcalino origina a hidroclorotiazida. Alternativamente pode utilizar-se a
condensação com formaldeído em meio ácido originando um catião de metileniminio que cicliza (reacção
de Mannich):
(Introducción a la Química Farmacéutica, 2ª Ed., C. Avendaño, Mc-Graw-Hill, 2001, p. 685)
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Glicosídeos cardiotónicos com acção inotrópica positiva
Os glicósidos cardiotónicos, também designados cardioesteróides, são um importante grupo de fármacos
de origem natural. Podem ser isolados de plantas como Digitalis purpurea, Digitalis lanata, Strophanthus
gratus e Strophanthus kombe (geralmente são cardenolidos), ou isolados de animais (certos sapos)
(bufadienolidos).
Os glicósidos cardiotónicos que melhor se conhecem e que mais se utilizam são os digitálicos e usam-se
no tratamento da insuficiência cardíaca congestiva (ICC) há muito tempo. O seu efeito inotrópico positivo
deve-se à inibição da ATPase Na+/K+ levando a uma maior concentração intracelular de Na+, o que activa
uma proteína membranar trocadora de iões Na+/Ca2+, aumentanto a concentração intracelular de iões
Ca2+, e por isso a contracção do músculo cardíaco.
A ATPase Na+/K+ é uma proteína transmembranar (embora na sua maior parte esteja na superfície
extracelular) dimérica constituída por duas subunidades catalíticas α e duas subunidades inertes β (que
deverão manter as outras duas subunidades na conformação adequada). Estudos ao nível molecular
utilizando modelação computacional e computer-aided drug design revelaram uma fenda na subunidade α
onde se ligam estes compostos, designada por local de ligação dos glicósidos cardíacos. Estes estudos
também mostraram que estes compostos não são estruturas rígidas, mas sim entidades dinâmicas pelo que
as conformações têm de ser consideradas na interacção como receptor.
Quimicamente, estes inibidores são constituídos por dois segmentos - um ou mais açúcares
(principalmente digitoxose ou glucose) ligados por ligações β-1,4-glicosídicas a um OH β (equatorial) em
C3 de agliconas ou geninas de estrutura base esteróide com dois grupos metilo angulares em C10 (este
pode estar oxidado) e em C13, e, caracteristicamente, com um 14β-OH e um anel lactónico insaturado em
C17 (α,β-insaturado com 5 membros nos cardenolidos; nos bufadienolidos o anel tem 6 com membros e
duas duplas ligações conjugadas, formando uma estrutura α-pirona). Estes esteróides são muito
particulares e distintos de outros grupos de esteróides, tendo fusão A/B cis e C/D cis, e B/C trans.
As geninas são activas mas os açúcares influenciam a actividade biológica e são importantes na regulação
da farmacocinética das geninas, que não é a adequada. O número e o tipo de açúcar varia de composto
para composto. Estereoquimicamente, estes açúcares existem predominantemente na conformação beta
(variável que também influencia a bioactividade)
Exemplos:
5
As agliconas de Strophanthus também têm um 5β-OH e outros hidroxilos e o substituinte em C10 é um
aldeído ou um CH2OH (Ex: ouabaína). A ouabaína tem a desvantagem de ser muito polar, tendo baixa
absorção oral e por isso é administrada por via intravascular.
Estes fármacos, apesar do seu índice terapêutico baixo (pois influenciam as concentrações de K+ e à
inibição de ATPases Na+/K+ noutros pontos do organismo, nomeadamente no SNC), devido a
significativa sobreposição do farmacóforo com o toxicóforo, continuam a ser utilizados como
cardiotónicos.
Para reduzir a sua toxicidade e identificar outros efeitos que pudessem conduzir a outras aplicações (pois
a ATPase Na+/K+ é universal em todos os tecidos) foram desenhados análogos sintéticos ou semi-
sintéticos.
O problema da identificação do farmacóforo dos “compostos digitálicos” ainda não está totalmente
resolvido uma vez que agliconas com estereoquímica A/B trans ou C/D trans (opostas à estereoquímica
dos compostos naturais – ver figura anterior) também inibem a ATPase, embora em concentrações mais
elevadas.
A condicionante mais relevante é uma interacção hidrofóbica do esqueleto esteróide. A estereoquímica
17β, que inicialmente foi considerada imprescindível, também pode alterar-se e a lactona pode ser
substituída por uma cadeia aberta.
Exemplo:
6
Alguns aspectos da REA:
-o núcleo base esteróide é importante para a actividade óptima, mas não é essencial - o backbone é
constituído pelos anéis A, B (geralmente com fusão A/B cis) e C
-a lactona é importante para a actividade óptima, mas não é essencial (por exemplo, alguns pregnanos,
sem o anel em C17, também se ligam razoavelmente à ATPase Na+/K+); a dupla ligação ∆20-22 serve para
orientar correctamente o oxigénio do carbonilo (nestes compostos é muito importante a posição do
carbonilo); apesar da lactona não ser essencial, as cadeias laterais devem ser coplanares
-o anel D tem flexibilidade conformacional, influenciada pela natureza da cadeia em C17; existindo este
anel, a fusão C/D cis e o grupo 14β-OH são importantes
-os glicósidos cardíacos são moléculas conformacionalmente flexíveis, sendo os dois pontos mais
relevantes neste contexto a conexão em C3 e em C17
-o grupo 14β-OH, antes considerado essencial, pode ser omitido ou substituído por um grupo 14β-NH2
-o(s) açúcar(es) em C3 influenciam as propriedades farmacocinéticas, como a absorção e o tempo de meia
vida
-a remoção do açúcar permite a epimerização do grupo OH em C3, o que reduz a actividade e aumenta a
toxicidade
(Introducción a la Química Farmacéutica, 2ª Ed., C. Avendaño, Mc-Graw-Hill, 2001, p. 350-351;
Medicinal Chemistry-A Molecular and Biochemical Approach, 3rd Ed., T. Nogrady, D.F. Weaver, Oxford
University Press, 2005, p. 434-438 e 492-494)
7
Pró-fármacos de óxido nítrico – agentes antianginosos
Tal como o monóxido de carbono (CO), o óxido nítrico (NO) são considerados neurotransmissores (NT)
não-convencionais, e estão actualmente a ser alvo de intensa investigação.
O NO, também designado factor de relaxamento derivado do endotélio (EDRF – endothelium derived
relaxing factor) é um NT com uma semi-vida de 3 a 5 segundos, sendo produzido no metabolismo
oxidativo da L-arginina (originando-se também citrulina) catalisada pela NO sintase (no entanto, também
pode ser produzido por redução não-enzimática do ião nitrato).
A partir do NO forma-se um radical nitrosilo que, ao actuar sobre a guanilciclase solúvel (é o seu alvo
biológico mais conhecido) (mais especificamente, interage-se com seu grupo heme), estimula a produção
de GMPc. Este activa cinases que levam nomeadamente à diminuição de Ca2+ e, consequentemente, ao
relaxamento da musculatura lisa.
Apesar da descoberta do NO como NT ser relativamente recente, a utilização de fármacos relacionados
com NO já é muito antiga - os pró-fármacos de NO, como nitratos orgânicos, nitritos, molsidomina e
nitroprussiato são conhecidos há muito tempo como agentes antianginosos.
Os nitritos de etilo e de isoamilo são ésteres voláteis do ácido nitroso, de acção rápida e semi-vida curta
que são raramente utilizados, sendo administrados por inalação.
Nitrito de amilo
Por acção da nitrato redutase dependente do glutatião, os nitratos originam o álcool correspondente e o
anião nitrito que, em meio ácido, se reduz ao radical NO.
Bioactivação dos nitratos:
8
Tanto o NO como os nitrosotióis formados pela sua reacção com grupos mercapto de moléculas do
organismo originam a activação da guanilciclase já mencionada.
O trinitrato de glicerilo (ou nitroglicerina) é um líquido que se administra na forma de cápsulas
sublinguais na angina de peito e tem uma acção muito rápida; também pode ser administrado na forma de
pensos transdérmicos ou pomadas, uma vez que tem boa absorção através da pele. Outros nitratos são
utilizados na forma de pensos transdérmicos pois libertam NO mais lentamente – exemplos incluem o
tetranitrato de pentaeritritilo, dinitrato de isossorbitol e 5-mononitrato de isossorbitol. A sua semi-vida
depende da sua bioactivação redutiva e da sua hidrólise (este ocorre no fígado). No caso do dinitrato de
isossorbitol (ver figura seguinte), o metabolismo ocorre preferencialmente na conformação exo. Na
prática prefere-se utilizar o 5-mononitrato de isossorbitol, pois a sua semi-vida é superior e mais
controlada.
Nitratos pró-fármacos de NO:
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A molsidomina e o nitroprussiato de sódio são outros pró-fármacos de NO:
A molsidomina é uma forma mesoiónica de um heterociclo pouco comum e a sua bioactivação inicia-se
pela hidrólise do grupo carbamato, originando etanol, CO2 e sidnonimina. Esta, por abertura espontânea,
forma um derivado N-nitroso-hidrazinoacetonitrilo que liberta o NO:
(Introducción a la Química Farmacéutica, 2ª Ed., C. Avendaño, Mc-Graw-Hill, 2001, p. 491-493; -
Medicinal Chemistry-A Molecular and Biochemical Approach, 3rd Ed., T. Nogrady, D.F. Weaver, Oxford
University Press, 2005, p. 291-296)
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Inibidores de fosfodiesterases
O AMPc e o GMPc são segundos mensageiros na transmissão da resposta originada por fármacos que
actuam nos seus receptores. Na sua formação e degradação participam enzimas como a adenilciclase e a
guanilciclase (produção) e fosfodiesterases (que catalisam a hidrólise do diéster difosfato originando 5´-
AMP e 5´-GMP), respectivamente.
Exemplo do AMPc:
À medida que se vão conhecendo as distintas famílias das fosfodiesterases (PDEs), também se vão
descobrindo inibidores selectivos, o que permite ir conhecendo o papel destas enzimas na regulação da
transmissão nervosa pós-sináptica, na contracção do músculo cardíaco, na lipólise, etc.
O AMPc está implicado na resposta inotrópica (contracção do músculo cardíaco) que originam os
agonistas β-adrenérgicos. Por este motivo, alguns inibidores das PDEs actuam como agonistas
adrenérgicos indirectos, podendo ser utilizados ao nível periférico como agentes antiasmáticos ou
inotrópicos e a nível central como antidepressivos.
A família das PDEs tem várias formas, sendo os seus inibidores mais conhecidos as xantinas (Ex:
teofilina e análogos). O problema das xantinas é o seu índice terapêutico muito estreito e baixa
selectividade. A papaverina (alcalóide do ópio sem acção analgésica mas que tem acção relaxante do
músculo liso e vasodilatadora) parece actuar elevando os níveis de cAMP por inibição das PDEs.
11
Inibidores não-selectivos das PDEs:
Na tentativa de descoberta de inibidores mais selectivos, foram desenvolvidas a amrinona e a milrinona,
que são derivados bipiridínicos inibidores da PDE-III, úteis na terapia da insuficiência cardíaca
congestiva:
O rolipram (antidepressivo não-selectivo) é outro exemplo, ligando-se a um local não-catalítico da PDE-
IV:
Estes fármacos, naturalmente, levaram ao desenvolvimento de muitos análogos.
12
Mais recentemente, tornou-se muito popular o sildenafilo (Viagra®), um análogo da xantina que inibe
selectivamente a PDE-V (específica dos corpos cavernosos penianos). Esta isoenzima hidrolisa
selectivamente o GMPc e a sua inibição produz a libertação de óxido nítrico, o qual activa a guanilciclase.
Ambos os processos elevam os níveis de GMPc, que origina o relaxamento do músculo liso e o aumento
do fluxo sanguíneo peniano, restaurando a função eréctil.
Mecanismo de acção do sildenafilo:
O sildenafilo é um exemplo de um fármaco descoberto com base em observações clínicas. Inicialmente,
este composto foi desenvolvido com o objectivo de ter acção anti-anginosa. No entanto, não se mostrou
13
tão eficaz como pretendido. Nos ensaios clínicos de fase-I para avaliação da tolerância de dose foi
reportado uma melhoria da função eréctil, pelo que se considerou estudar a utilidade desta molécula na
disfunção eréctil.
(Introducción a la Química Farmacéutica, 2ª Ed., C. Avendaño, Mc-Graw-Hill, 2001, p. 281-283; The
Organic Chemistry of Drug Design and Drug Action, 2nd Ed., R.B. Silverman, Elsevier Academic Press,
2004, p. 15-16; Medicinal Chemistry-A Molecular and Biochemical Approach, 3rd Ed., T. Nogrady, D.F.
Weaver, Oxford University Press, 2005, p. 439)
14
Fármacos antiarrítmicos
Os fármacos antiarrítmicos pretendem corrigir alterações na geração e condução do impulso eléctrico no
miocárdio.
Em princípio, se um anestésico local tem semi-vida suficiente, como é o caso da procainamida e da
lidocaína, pode ser utilizado como antiarrítmico, ainda que a acção dos anestésicos locais sobre o ritmo
cardíaco seja um efeito secundário a evitar.
Na verdade, para a grande maioria dos fármacos antiarrítmicos, as suas propriedades foram descobertas
como efeitos secundários observados na aplicação original como antimaláricos, anticonvulsivantes ou
anestésicos locais.
Alguns fármacos antiarrítmicos que actuam sobre os canais de Na+ (bloqueio dos canais - classe I), K+
(bloqueio da saída do ião – classe III) ou Ca2+ (bloqueio dos canais - classe IV), ou que são β-
bloqueadores (classe II):
15
Apesar da classificação considerando o seu mecanismo de acção farmacológica, alguns fármacos actuam
por mecanismos múltiplos – por exemplo, os fármacos da classe III bloqueiam a saída de K+ mas também
podem condicionar a entrada de Na+.
Para que um antiarrítmico actue por bloqueio dos canais de Na+, parece essencial existir um ou mais
grupos aromáticos na sua estrutura, capazes de interagir com fosfolípidos, uma cadeia alquílica de ligação
onde existam grupos funcionais capazes de se associar por pontes de hidrogénio e um grupo amina
ionizável ao pH fisiológico. Assim, os antiarrítmicos da classe I são habitualmente baseados na estrutura
molecular dos anestésicos locais (ou são mesmo anestésicos locais), contendo 2 ou 3 building-blocks
destes compostos.
Estruturalmente, quase todos os fármacos antiarrítmicos têm um azoto básico, pelo que podem formar
sais.
Verificou-se também que o aumento da actividade de muitos antiarrítmicos que actuam por bloqueio dos
canais de Ca2+ está relacionado com um coeficiente de partilha mais elevado.
Actualmente o tratamento das arritmias ainda não é satisfatório, sendo necessário desenvolver agentes
novos que possam interagir com vários alvos neste contexto em simultâneo, que tenham longa duração de
acção e com efeitos secundários reduzidos.
(Introducción a la Química Farmacéutica, 2ª Ed., C. Avendaño, Mc-Graw-Hill, 2001, p. 329-331;
Medicinal Chemistry-A Molecular and Biochemical Approach, 3rd Ed., T. Nogrady, D.F. Weaver, Oxford
University Press, 2005, p. 419-421)
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Inibidores da enzima de conversão da angiotensina I em angiotensina II (IECAs)
O sistema renina-angiotensina está intimamente relacionado com os valores da tensão arterial (TA), sendo
o seu controlo da maior importância.
A renina é uma enzima proteolítica produzida pelo rim (por isso se chama renina) e libertada para o
sangue em resposta a uma baixa concentração de Na+ ou a uma baixa pressão arterial, levando à hidrólise
do angiotensinogénio (α-globulina sintetizada no fígado e que circula na corrente sanguínea), originando
o decapéptido angiotensina I (AT-I), praticamente inactiva. A AT-I, por sua vez, é hidrolisada no pulmão,
rim e noutros tecidos ao octapéptido AT-II (que é um dos vasoconstritores mais potentes) pela enzima de
conversão da angiotensina I em angiotensina II (ECA).
A AT-II é um dos vasoconstritores mais potentes por acção directa nos seus receptores e também estimula
a libertação de aldosterona, uma hormona esteróide que controla a homeostase aumentando a reabsorção
renal de sódio (aumentando a pressão sanguínea). O seu efeito depende principalmente do seu C-terminal
(Pro-Phe) (a substituição do a.a. terminal por a.a. alifáticos leva à perda de actividade e a substituição por
Thr origina acção antagonista).
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A inibição das enzimas que intervêm neste processo tem sido alvo de intensa investigação, especialmente
a inibição da ECA.
A ECA é uma carboxipeptidildipéptido hidrolase que faz parte do subgrupo das peptidases (proteinases
ou proteases), que por sua vez, faz parte do grupo mais geral das enzimas hidrolases.
A ECA é uma carboxipeptidase glicoproteica que pertence ao grupo das metaloproteases que contêm
zinco como cofactor (que inclui endoproteases como a termolisina e colagenase e exoproteases como
aminopeptidases, carboxipeptidases e dipeptidilcarboxipeptidases, onde se inclui a ECA).
O ião Zn2+ activa o grupo carbonilo da amida como um ácido de Lewis enquanto a água é activada como
nucleófilo por catálise básica através de um resíduo glutamato:
A coordenação simultânea do zinco com o carbonilo e com a “água activada” baixa a energia de activação
para o ataque nucleofílico à ligação peptídica lábil.
Ainda que a interacção com este metal seja uma das muitas interacções implicadas no reconhecimento do
substrato (ou dos inibidores) pela enzima, uma vez que o ião zinco se coordena com outros grupos ricos
em electrões (Ex: fosforamidatos, fosfonamidatos, tióis, ácidos carboxílicos ou carboxilatos), não é de
estranhar que estes grupos estejam presentes na estrutura dos inibidores:
O desenvolvimento de inibidores da ECA é um exemplo de design racional de fármacos, mostrando como
é possível desenvolver fármacos para um dado alvo proteico, mesmo que a estrutura do alvo não tenha
sido determinado, pois a ACE é uma enzima ligada à membrana celular, e, por isso, é difícil de isolar e
estudar.
O desenvolvimento racional de inibidores da ECA considerou vários factores:
-o desenvolvimento de inibidores da ECA iniciou-se com estudos realizados em péptidos isolados de
venenos de serpente (Bothrops jararaca). Estes estudos evidenciaram que o nonapéptido Glu-Trp-Pro-
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Arg-Pro-Glu-Ile-Pro-Pro (teprotido – 1º “IECA”) era um potente agente anti-hipertensão arterial (anti
HTA), mostrando-se eficaz no tratamento de muitas formas de HTA quando administrado por via
parenteral (apesar da resistência estrutural à degradação). Verificou-se também que o resíduo Pro (deste
péptido) e Ala-Pro terminal doutros péptidos mais curtos similares era muito importante na inibição da
ECA:
(este composto por si só inibe a ECA)
O facto de tripéptidos N-acilados serem substratos da ECA indicou que poderia ser possível preparar
IECAs activos por via oral Destes estudos, além da importância do dipéptido Ala-Pro terminal, concluiu-
se também que um aminoácido aromático era o substituinte preferido na antepenúltima posição
-no desenvolvimento de inibidores potentes e selectivos da ECA activos por via oral teve-se em conta a
estrutura do local activo, determinada por raios-X, de outra metaloproteína de Zn2+, a carboxipeptidase A
(que tem um mecanismo enzimático de acção similar à ECA mas que, em vez de clivar um dipéptido,
catalisa a hidrólise de apenas um a.a. do C-terminal de péptidos), pois à data do desenvolvimento dos
primeiros IECAs ainda não se tinha conseguido isolar a ECA.
Na enzima carboxipeptidase A, o péptido substrato da reacção mantém-se unido ao local activo por uma
ligação iónica entre o grupo carboxilato terminal e um resíduo arginina (carregado positivamente) da
enzima, assim como por interacções hidrofóbicas entre o a.a. amino-terminal do péptido e uma região
hidrofóbica do local activo. Deste modo, o grupo C=O da última ligação peptídica que será hidrolisado
situa-se em posição adjacente ao ião metálico. Pensou-se então que o substrato da ECA se comportaria de
forma semelhante. Uma vez que a última ligação peptídica não é hidrolisada neste caso, ela estará unida à
enzima através de uma ponte de hidrogénio, ficando então o penúltimo C=O próximo do Zn2+.
19
-considerou-se também a importância do ácido L-benzilsuccínico como um co-produto inibidor potente
da carboxipeptidase A (não há hidrólise porque não existe a ligação peptídica!). Esta molécula foi
desenhada como resultado da combinação das características dos 2 produtos da reacção de peptidase
(incluindo a zona do C-terminal com o carboxilato que complexa com o Zn2+). É fácil compreender que o
ácido benzilsuccínico surgiu da modificação isostérica do 2HN- por -CH2- ao qual se adicionou o grupo
carboxilato subsequentemente; o grupo benzilo ocupa um local hidrofóbico S1´:
:
Considerando este raciocínio racionalizou-se que os a.a. succinilo se possam compostar como co-
produtos inibidores da ACE. Assim, obteve-se a succinilprolina [considerou-se a importância
anteriormente evidenciada do resíduo prolina; esta “extensão” adicional da estrutura também é importante
pois a ECA cliva 2 a.a. (em vez de 1 pela carboxipeptidase A)], que, no entanto, é um inibidor fraco.
Através de modificações estruturais como a substituição do grupo carboxilato, que se liga ao ião zinco,
por um grupo SH (que se liga mais fortemente ao zinco) e a introdução de um metilo no carbono contíguo
ao carbonilo amídico (para mimetizar o dipéptido Ala-Pro; o CH3 interage com o local hidrofóbico S1´ da
enzima ECA) chegou-se ao captopril:
20
O captopril é um inibidor competitivo potente reversível da ECA (constante de inibição da ordem dos
nanomolares) e já é activo por via oral.
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Síntese química do captopril
O captopril tem dois átomos de carbono estereogénicos, pelo que a sua síntese tem de ter em conta este
aspectos esteroquímicos. A estratégia da figura seguinte para obter o diastereómero activo (S,S) utiliza um
a.a. quiral (L-prolina) e após proceder à N-acilação com o cloreto de ácido conveniente, separam-se os
diastereómeros (S,S) e (S,R - inactivo) (os sais que originam com diciclo-hexilamina podem separar-se
facilmente por cristalização fraccionada em acetato de etilo). A seguinte desprotecção do grupo SH com
amónia em metanol origina o captopril. O cloreto de ácido em causa é preparado por adição de Michael
do ácido tiolacético ao ácido metacrílico, seguida de reacção com cloreto de tionilo:
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
21
O grupo metilo do captopril estabiliza a sua conformação bioactiva. Estudos com análogos rígidos que
incluem este metilo num segundo heterociclo mostraram que o tamanho óptimo do segundo anel é 7
membros, sendo o ângulo de torção ψ óptimo de 165-166º:
Apesar da sua actividade interessante e de ser activo por via oral, o grupo SH do captopril é responsável
por efeitos secundários como rash cutâneo e sabor metálico, o que levou a que se tenham desenvolvidos
análogos igualmente activos sem o referido grupo químico. Outra razão para se desenvolverem análogos
sem o grupo SH é a instabilidade metabólica do captopril, que facilmente sofre oxidação a dissulfuretos.
Assim, estudaram-se outros análogos em que o grupo que se coordena como o ião é novamente o
carboxilato. Aqui foi aplicada a táctica de extensão da estrutura no sentido de compensar a afinidade
perdida pela substituição do SH por COOH - a introdução de um grupo fenilalquilo permitiu uma
interacção hidrofóbica adicional (em S1) com o alvo biológico, obtendo-se ácido enalaprílico (ou
enalaprilat):
22
Estruturas do enalapril e do enalaprilat:
O enalaprilat incorpora um feniletilo com configuração S que se liga a uma bolsa hidrofóbica na ACE,
tendo sido desenvolvido considerando a sua semelhança com o tripéptido Trp-Ala-Pro (também inibidor
fraco da ECA), em que se substituiu o resíduo triptofano por um grupo fenilo. Esta alteração é lógica pois
a zona S1 é normalmente ocupada pelo resíduo fenilalanina na angiotensina I.
Na figura seguinte evidencia-se a interacção do captopril e do enalapril com o local activo da ECA:
(notar que S1´ é complementar com P1´)
Verificou-se que o resíduo P1´ (ver duas figuras anteriores) pode variar substancialmente.
23
----------------------------------------------------------------------------------------------------------
Síntese química do enalapril
Trata-se da síntese em solução de um péptido (para péptidos maiores prefere-se uma síntese em fase
sólida), obtido por condensação directa da N-tertbutoxicarbonilalanina com o éster benzílico da prolina na
presença de diciclo-hexilcarbodidimida (DCC) como reagente de acoplamento (que, basicamente, faz
uma activação do ácido carboxílico para sofrer ataque nucleofílico pela amina; na ausência de um agente
de acoplamento e sem activação do ácido carboxílico teríamos uma reacção entre um ácido e uma base,
com a consequente formação de um sal!).
Porquê a protecção da outra amina e do outro ácido carboxílico?
As desprotecções subsequentes e a reacção de aminação redutiva do produto com 2-oxo-4-fenilbutanoato
de etilo originam o enalapril:
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O sucesso do enalapril levou ao desenvolvimento de compostos similares adicionais, principalmente por
variação do anel do a.a. C-terminal, podendo a pirrolidina ser substituída por anéis mais largos bicíclicos
(ou espiro):
Por serem diácidos, o enalaprilat e análogos, para terem absorção gastro-intestinal adequada, são
transformados em pró-fármacos do tipo éster (enalapril), que são bioactivados pelas esterases sanguíneas.
Um análogo do enalaprilat, activo por via oral, mas que não é um pró-fármaco é o lisinopril, o qual tem
um resíduo de lisina na zona P1´. Este fármaco e o captopril são os 2 únicos IECAs usados actualmente
que não são pró-fármacos.
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A tentativa de procurar alternativas ao grupo SH do captopril também levou aos inibidores com grupo
fosfonato – tendo como base o facto de o ácido fosfínico ser bioisóstero dos grupo SH e COOH em
relação à quelação com o ião zinco. O fosinopril é o pró-fármaco resultante:
Recentemente conseguiu-se determinar por cristalografia de raios-X a estrutura cristalina 3D da ACE
complexada com o lisinopril, que revelou que há mais diferenças entre a ACE e a carboxipeptidase A do
que inicialmente se pensava – por exemplo, a interacção iónica que se pensava ser com um resíduo de
arginina, afinal é com uma lisina. A obtenção da estrutura 3D da ACE reveste-se da maior importância,
pois permitirá desenvolver novos IECAs com características melhoradas.
(Introducción a la Química Farmacéutica, 2ª Ed., C. Avendaño, Mc-Graw-Hill, 2001, p. 288-291, 649 –
síntese do captopril e 718-719 – síntese do enalapril; Foye´s Principles of Medicinal Chemistry, 6th Ed.,
D.A. Williams; T.L. Lemke, Lippincott Williams & Wilkins, 2008, p. 108-109; Medicinal Chemistry-A
Molecular and Biochemical Approach, 3rd Ed., T. Nogrady, D.F. Weaver, Oxford University Press, 2005,
p. 371-375; An Introduction to Medicinal Chemistry, 3rd Ed., G.L. Patrick, Oxford University Press, 2005,
p. 202-204 e 214-217; The Organic Chemistry of Drug Design and Drug Action, 2nd Ed., R.B. Silverman,
Elsevier Academic Press, 2004, p. 242-251)
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Inibidores da renina (protease de aspártico)
Um dos (poucos) inconvenientes dos IECAs com agentes anti-HTA que está associado à inibição da
degradação de bradicinina poderia superar-se utilizando inibidores da renina, (endopeptidase
glicoproteica altamente específica), uma protease de aspártico.
As peptidases de aspártico (que incluem também a importante protease HIV) catalisam a adição directa de
água à ligação amídica. Utilizando dois grupos carboxilo dos resíduos aspartato do local activo, a renina
transfere um protão ao oxigénio do carbonilo amídico (catálise ácida por um aspartato), participando
outro anião carboxilato no ataque nucleofílico da água por um mecanismo clássico de catálise básica:
Muitos inibidores de proteases de aspártico foram desenhados utilizando como modelo a pepstatina, um
peptidomimético natural (pentapéptido isolado de espécies de Streptomyces) que (administração
intravascular) inibe eficazmente muitas proteases de aspártico, embora não iniba eficazmente a renina.
A pepstatina contém um a.a. não-convencional chamado estatina [ácido (3S,4S) 4-amino-3-hidroxi-6-
metilheptanóico]. Diversos estudos têm demonstrado que a estatina é um análogo do intermediário de
transição tetraédrico (análogo do estado de transição) implicado na hidrólise da penúltima ligação
peptídica do extremo C-terminal.
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Muitos péptidos que contém estatina ou análogos mais lipófilos como o ácido (3S,4S) 3-hidroxi-4-amino-
5-ciclohexilpentanóico são inibidores potentes da renina.
Outros possuem um resíduo de estatina oxidado a cetona (estatona) cuja electrofilia é aumentada pela
introdução de flúor no carbono α para favorecer a hidratação a gem-diol para originar estruturas análogas
do estado de transição tetraédrico.
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Mais recentemente têm sido desenvolvidos inibidores da renina parcialmente activos por via oral como o
enalkireno e remikireno (são peptidomiméticos designados análogos do estado de transição do local de
clivagem do angiotensinogénio):
(Introducción a la Química Farmacéutica, 2ª Ed., C. Avendaño, Mc-Graw-Hill, 2001, p. 292-293;
Medicinal Chemistry-A Molecular and Biochemical Approach, 3rd Ed., T. Nogrady, D.F. Weaver, Oxford
University Press, 2005, p. 372-373)
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Antagonistas do receptor da angiotensina II (ARAs)
Ainda que os IECAs sejam muito úteis, nomeadamente no tratamento da HTA, a ECA é uma protease
não-específica, que também catalisa a hidrólise de outros péptidos como a substância P, as encefalinas e a
bradicinina, pelo que, por vezes aparecem efeitos secundários nomeadamente tosse seca quando se
utilizam estes fármacos. Por outro lado, devido à sua farmacocinética fraca e à sua complexidade
estrutural, os inibidores da renina estão ainda pouco desenvolvidos. Assim, uma terceira aproximação no
desenvolvimento de agentes antiHTA envolvendo o sistema renina-angiotensina é o design de fármacos
antagonistas dos receptores da angiotensina II (octapéptido Asp-Arg-Val-Tyr-Ile-His-Pro-Phe, originado
pela acção da ECA sobre a angiotensina I).
O receptor da angiotensina II é uma glicoproteína existente em vários tecidos e existem diversos subtipos
(AT1 e AT2; os receptores AT1 predominam no músculo liso vascular). Os agonistas dos receptores AT1
(que estão acoplados a proteínas G) originam a inibição da adenilciclase (diminuindo a concentração de
AMPc) ou o estímulo da fosfolipase C (formando-se IP3 e libertando-se Ca2+ intracelular). Assim, por
acção destes mensageiros origina-se uma descarga simpática e a libertação de aldosterona, o que origina
vasoconstrição e eleva a pressão arterial.
Algumas moléculas foram desenvolvidas por modificação da molécula da angiotensina II, mas a sua
estrutura peptídica impediu a sua utilização e por isso tentou-se outra aproximação – os “sartans”.
Os ARAs também se designam por “sartans” e são muito utilizados como agentes antiHTA. Exemplos
incluem o losartan e o eprosartan, que derivam de uma série de ácidos 1-benzil-5-imidazolilacéticos (que
tinham baixa actividade antagonista AT1 fraca):
Assim, através de estudos computacionais de molecular modelling, modelou-se a angiotensina II,
principalmente o seu C-terminal (crucial para a ligação ao receptor), que foi sobreposto com os
compostos protótipo derivados do ácido acético, de modo que o anel imidazole destes se sobrepôs com o
anel histidina da angiotensina II e o grupo n-Bu (lipofílico) com a cadeia lateral do resíduo Ile. Assim, o
grupo benzilo do protótipo estendia-se até ao extremo N-terminal do péptido sugerindo que, se se
alargasse, poderia aumentar a interacção com o receptor. Deste modo chegou-se ao losartan enquanto
outras correspondências entre o protótipo e a angiotensina II deram origem ao eprosartan.
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Os “sartans” são então estruturas simples que mimetizam a porção Tyr-Ile-His-Pro-Phe da angiotensina
II. Nestes compostos, o grupo carboxilo vizinho do benzilo é muito importante – por exemplo, o losartan
é muito pouco activo, enquanto o seu metabolito (derivado da oxidação do álcool primário) é muito mais
activo:
O irbersartan é uma excepção, em que o carbonilo deve interagir com o receptor por uma ponte de
hidrogénio (embora não se possa descartar a possibilidade de metabolização a COOH):
A cadeia lipofílica também é importante – o metabolito oxidado do valsartan na posição ω-1 da cadeia
alquílica é muito menos activo que o valsartan:
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Finalmente, também é importante que o grupo COOH (ou o seu bioisóstero tetrazole) esteja situado em
posição orto de um fenilo ou em posição para do benzilo.
Mais exemplos:
(Introducción a la Química Farmacéutica, 2ª Ed., C. Avendaño, Mc-Graw-Hill, 2001, p. 453-455; ;
Medicinal Chemistry-A Molecular and Biochemical Approach, 3rd Ed., T. Nogrady, D.F. Weaver, Oxford
University Press, 2005, p. 375-376)
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Bloqueadores dos canais de Ca2+ (BECs)
Os BECs são um grupo diverso, quer do ponto de vista químico, quer farmacológico.
Estruturalmente são classificados em:
Classe I
-fenilalquilaminas (Ex: verapamilo)
Classe II
-1,4-di-hidropiridinas (DHPs) (Ex: nifedipina) – grupo com mais compostos e também o mais bem
estudado
Classe III
-benzotiazepinas (Ex: diltiazem)
-benzotiazinas (Ex: semotiadilo)
-benzotiazolilbenzilfosfonatos (Ex: fostedilo)
Classe IV
-piperazinas (Ex: flunarizina e cinarizina)
Classe V
-outras aminas (Ex: prenilamina), incluindo éteres diaminopropanólicos (Ex: bepridilo)
Classe VI
-outras estruturas (Ex: per-hexilina)
Os mais importantes fazem parte das classes I a III.
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Bepridilo
Actualmente aceita-se que estas estruturas tão diversas tenham locais de ligação diferentes à glicoproteína
do canal. As DHPs não estão carregadas ao pH fisiológico e ligam-se ao canal no exterior da membrana
independentemente do estado em que este se encontre, embora tenham maior afinidade para o estado
inactivo. O verapamilo e o diltiazem ligam-se ao canal no citoplasma a dois locais diferentes após
atravessar a membrana por difusão passiva nas suas formas não-ionizadas, embora sejam as formas
ionizadas as que se ligam ao canal na sua forma inactiva.
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Interacções alostéricas entre os 3 locais de ligação referidos aos canais de Ca2+ tipo L dependentes da
voltagem (+ = estímulo; - = bloqueio):
Devido às interacções alostéricas entre receptores, o verapamilo inibe a ligação das DHPs enquanto o
diltiazem aumenta a ligação das DHPs.
As DHPs interagem com domínios helicoidais da subunidade α-1 do canal de Ca2+ tipo L, que contêm
determinados resíduos de a.a. polares e apolares. As interacções mais importantes são provavelmente uma
interacção polar entre o OH de um resíduo de treonina como dados de hidrogénio e um grupo carbonilo
de um grupo éster e o grupo NH da DHP liga-se ao grupo carbonilo de um resíduo de glutamina. As
interacções com resíduos apolares de metionina e fenilalanina ocorrem com o grupo arilo. As interacções
quando existe um grupo nitro na posição orto do fenilo em C4 (nifedipina e nisoldipina) são muito
diferentes das que ocorrem quando este grupo está em posição meta (nitrendipina, nimodipina e
nicardipina)
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Os requerimentos estruturais, obtidos inclusivamente por estudos de molecular modelling, conducentes a
uma actividade óptima das DHPs são:
-anel de DHP é essencial (os análogos piridina ou piperidina têm actividade reduzida)
-o protão do NH do anel DHP também é essencial (substituições em N1 reduzem a actividade)
-os grupos éster em C3 e C5 conduzem a actividade óptima mas podem ser substituídos por outros grupos
aceitadores de electrões; em caso de assimetria tem de se ter em conta a estereoselectividade
-os substituintes em C2 e C6 devem ser alquilos pequenos, geralmente metilos
-o fenilo substituído em C4 optimiza a actividade; a sua substituição por anéis heteroaromáticos como a
piridina mantém a eficácia mas aumenta a toxicidade; a substituição por alquilos não planares ou
cicloalquilos reduz a actividade
-os substituintes no fenilo em C4 são importantes – substituintes orto ou meta conferem actividade
óptima, conferindo “volume” adequado para condicionar o ângulo óptimo entre o fenilo e o anel DHP
(aprox. perpendicular)
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As DHPs são moléculas flexíveis, em que os substituintes arilo em C4 e éster em C3 e C5 podem rodar:
O anel de DHP existe numa conformação de barco aplanado com o substituinte arilo e posição
pseudoaxial e quase ortogonal a este. Nas DHPs substituídas em orto ou meta do arilo em C4 por um
grupo X (que não é H), existem duas conformações limites – uma em que o referido grupo X está numa
conformação sin-periplanar ao H em C4 e distal em relação ao NH e outra em que X está numa
conformação anti-periplanar ao H e proximal ao NH (ver figura anterior). Ainda que a barreira energética
que separa estas duas conformações referidas seja pequena, a conformação sin-periplanar é mais estável e
a que se deverá ligar ao canal.
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As interacções entre as DHPs e o canal de Ca2+ são estereosselectivas – quando os grupos éster em C3 e
C5 são diferentes, ambos os enantiómeros bloqueiam os canais, mas têm actividades distintas. Nas DHPs
com um grupo éster e um grupo nitro em C3 e C4, os enantiómeros R são bloqueantes e os S são
activantes:
Este efeito é pouco comum pois, habitualmente, num par de enantiómeros, um é o eutómero e o outro é o
distómero inactivo e não antagonista.
Observar que, em ambos os enantiómeros do Bay K 8644, o arilo está em posição pseudoaxial, no
entanto, no enantiómero S está acima do plano do anel DHP e no R está abaixo do mesmo plano.
Naturalmente que a actividade activante ou bloqueante não depende só da estereoquímica, mas também
do estado do canal em função do potencial de acção. Assim, o (S)-Bay K 8644 actua como activante em
potenciais de membrana em que esta está polarizada e como bloqueante em potenciais de despolarização.
Nas DHPs 5-nitro-3-carboxilato com um piridilo em C4 (isóstero de nitrofenilo), o enentiómero
dextrógiro do derivado 2-piridilo é activante dos canais de Ca2+ no músculo cardíaco e liso e o levógiro é
activante do tecido cardíaco e bloqueante do músculo liso. Esta última situação é muito interessante na
insuficiência cardíaca congestiva em que há interesse em ter efeito inotrópico positivo sem
vasoconstrição.
As DHPs têm muitas diferenças farmacocinéticas entre si (Ex: a nisoldipina tem baixa biodisponibilidade,
ao contrário da amlodipina), mas geralmente sofrem elevado metabolismo de primeira passagem, que, em
muitos casos envolve a oxidação do anel DHP à piridina correspondente.
Finalmente, é de destacar a importância do núcleo DHP, que, devido às suas características benéficas,
incluindo em termos farmacocinéticos, tem sido utilizado no design e desenvolvimento de fármacos com
outras utilidades terapêuticas.
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Síntese de DHPs:
A nifedipina é um diéster metílico simétrico, sendo obtida pela conhecida síntese de Hatzsch de piridinas
(condensação do aldeído adequado com duas moléculas de β-cetoéster e uma de amoníaco, originando
um derivado di-hidropiridínico simétrico, que, por oxidação em condições suaves, se transforma na
piridina correspondente). Uma vez que a síntese de Hatzsch só origina derivados simétricos, a nimodipina
(diéster assimétrico) é preparada por uma modificação deste processo, em que o último passo consiste no
fecho do anel DHP por reacção entre uma enamina e um composto carbonílico α,β-insaturado:
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Do grupo dos BECs com estrutura de benzotiazepina, o diltiazem (o enantiómero cis-dextrorrotativo) é
utilizado como vasodilatador. Estudos com análogos do diltiazem (com a lactama substituída com um
pirrole como bioisóstero) evidenciaram as possíveis interacções com os canais de cálcio:
(Introducción a la Química Farmacéutica, 2ª Ed., C. Avendaño, Mc-Graw-Hill, 2001, p. 337-341 e 652-
653 – síntese de DHPs; Medicinal Chemistry-A Molecular and Biochemical Approach, 3rd Ed., T.
Nogrady, D.F. Weaver, Oxford University Press, 2005, p. 424-430)