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REGINALDO OSCAR DE CASTRO
ADVOGADOS ASSOCIADOS
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL TEORI ZAVASCKI
INQUÉRITO Nº 3.983/DF
EDUARDO COSENTINO DA CUNHA, já qualificado nos autos do Inquérito em
referência, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência, por seus advogados,
tempestivamente1, com fundamento no artigo 4º da Lei nº 8.038/1990 e no artigo 233 do
Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, apresentar sua RESPOSTA à denúncia que
lhe foi oferecida pelo PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA, bem como ao aditamento à
denúncia, mediante as razões de fato e de direito expostas a seguir.
QUESTÕES PRELIMINARES
01. Antes apresentar as razões pelas quais a denúncia não deve ser recebida, o
denunciado deduz a seguir questões preliminares cuja apreciação deve anteceder,
necessariamente, ao exame do tema da viabilidade ou não da denúncia. É que a decisão que
for adotada a respeito terá influência na própria legitimidade desse procedimento preliminar.
1 O requerente foi notificado para a apresentação da resposta em 26.08.2015 (quarta-feira). No entanto, por não
constar dos autos diversos documentos produzidos durante a fase investigativa, o denunciado pleiteou que o
transcurso do prazo tivesse início apenas após ser a ele franqueado o acesso. Além disso, em Questão de Ordem
apreciada em 03.09.2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal deferiu pedido formulado pela defesa para
que fosse aplicado o art. 191 do CPC à hipótese de apresentação de resposta prévia do art. 4º da Lei nº
8.038/1990. Dessa forma, o novo prazo de 30 dias teve início em 28.09.2015 (conforme despacho publicado no
DJe nº 193 de 28.09.2015, que o fixou como termo inicial para o oferecimento da resposta) e teria como termo
final o dia 27.10.2015. Ocorre que, antes do vencimento do prazo, houve a apresentação de um aditamento à
denúncia e a nova notificação para apresentação de resposta verificou-se em 18.11.2015, de sorte que o termo
final passou para 18.12.2015.
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DA NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DO PROCESSO
02. O ora denunciado ocupa o cargo de Presidente da Câmara dos Deputados que,
por força do art. 80 da Constituição da República de 19882, o coloca como terceiro na linha
de sucessão presidencial, na hipótese de impedimento ou vacância dos cargos de Presidente e
Vice-Presidente da República.
03. Ocorre que o §4º do art. 86 da Carta de 19883 impede a responsabilização do
Presidente da República por atos estranhos ao exercício de suas funções, na vigência de seu
mandato. É dizer, na hipótese de infrações penais dissociadas do exercício do cargo,
eventualmente cometidas fora da vigência do mandato, o ocupante do cargo em questão não
pode ser demandado em juízo.
04. Na hipótese dos autos, caso os fatos imputados ao denunciado tivessem
ocorrido – o que se admite apenas para argumentar – estes não autorizariam o seu
processamento, nos termos do art. 86, §4º, da CF de 1988, aplicável por analogia ao
denunciado, na medida em que referentes a atos tanto anteriores como estranhos ao mandato
ora ocupado.
05. Por tal razão, o processo deve ser suspenso até o final do mandato de
Presidente da Câmara dos Deputados ocupado pelo ora denunciado.
2 Art. 80. Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos,
serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado
Federal e o do Supremo Tribunal Federal. 3 Art. 86. (...) § 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por
atos estranhos ao exercício de suas funções.
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INDEVIDA RESTRIÇÃO AO CONTRADITÓRIO E À AMPLA DEFESA.
AGRAVOS REGIMENTAIS PENDENTES DE JULGAMENTO
06. É dever do órgão de acusação, ao oferecer uma denúncia, apresentar todos os
elementos probatórios colhidos durante a investigação, e o seu descumprimento impede que a
peça acusatória seja regulamente processada, na medida em que cria obstáculo ao efetivo ao
contraditório e impossibilita o exercício amplo do direito de defesa, que são assegurados
constitucionalmente (art. 5º, inciso LV, da CF).
07. Em razão do referido dever não ter sido plenamente observado, o denunciado
ingressou com diversos requerimentos (petições nos 37497, de 06.08.2015; 43096/2015, de
31.08.2015; 46353/2015, de 11.09.2015 e petição nº 47259/2015, de 16.09.2015) pleiteando
providências a respeito. A primeira decisão, proferida em 23.09.2015 (DJe de 28.09.2015),
atendeu apenas em parte aos questionamentos apresentados, o que motivou pedido de
reconsideração que, não atendido, deveria ser recebido como agravo regimental (petição nº
49724/2015, de 29.09.2015) que ainda não foi submetido ao Plenário.
08. No referido agravo regimental (fls. 1982/1986), a cujas razões o ora
denunciado reporta-se integralmente, ficou demonstrado que não se pode limitar o acesso ao
denunciado àquilo que ao ver da acusação estaria a ele relacionado. Isso porque, por ser a
delação premiada meio de obtenção de provas no qual o delinquente é beneficiado – e, no
caso em exame, de forma pródiga – deve ser conferido ao acusado amplo conhecimento dos
fatos declarados para o fim de contraditá-los de modo abrangente e com segurança.
09. Além disso, no agravo em referência sustentou-se que é indiscutível a
possibilidade de, na sua resposta, o denunciado apresentar documentos que comprovem a sua
inocência, nos termos do art. 5º da Lei nº 8.038/1990. No entanto, esses documentos referidos
pela norma legal somente podem ser aqueles que não foram produzidos durante a fase
investigativa do caso penal. Isso porque, esses últimos já devem – ou deveriam, como se vê na
hipótese desses autos – estar juntados com o oferecimento da denúncia.
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10. É que não se pode impor ao acusado ônus que é do órgão de acusação, qual
seja, o referente ao dever de fazer juntar aos autos todos os elementos informativos por ele
oficialmente colhidos durante a fase investigativa ou posteriormente, como ocorreu no caso
dos autos.
11. Na petição nº 52475/2015, de 13.10.2015 (fls. 1989/1991), o ora denunciado
postulou o acesso a outro documento, agora especificamente ao conteúdo integral do
procedimento de delação de Fernando Soares. Tal pretensão foi negada no item 3 da decisão
de 27.10.2015 (fls. 2158/2169), por entender que “foram juntados aos autos e está garantido
o acesso aos depoimentos que se referem aos denunciados e que foram mencionados na
denúncia”, o que motivou a interposição de novo agravo regimental (petição nº 60889/2015,
de 23/11/2015 – fls. 2225/2228), ainda não julgado.
12. Neste novo agravo regimental, o ora denunciado teve oportunidade de expor as
razões pelas quais não concordava com a interpretação acolhida na decisão objeto do agravo a
propósito do direito de acesso ao procedimento de delação premiada. É que tal interpretação
restritiva limita, injustificadamente, a possibilidade do efetivo contraditório e inviabiliza a
ampla defesa, além de, no caso em exame, desconsiderar a situação fática em que foram
realizados os acordos de delação.
13. Não é preciso qualquer esforço para se constatar que o acordo de delação é
ajustado ao longo de um procedimento realizado por ente público dotado de poder
investigatório. Trata-se de um procedimento oficial. As diversas fases desse procedimento,
bem como a eventual divisão por assuntos a serem esclarecidos pelo interessado no
acordo, são inspiradas exclusivamente por razões de ordem prática, mas não possuem
idoneidade capaz de garantir plena autonomia a cada uma delas.
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14. Vale dizer, as informações colhidas do mesmo delator a respeito de
determinados fatos não serão sempre e necessariamente irrelevantes em relação aos
acontecimentos informados em outras fases de procedimento. Somente o conhecimento e o
exame do procedimento integral pela defesa é que permitirá a esta realizar o contraditório
efetivo, inclusive para aferir a consistência e credibilidade das informações, e assim permitir
que haja o exercício da ampla defesa.
15. Essa conclusão fica ainda mais evidente quando se conferem os registros
audiovisuais das declarações prestadas pelos delatores: longos trechos de informações por
eles prestadas não são transcritas, supostamente por não interessarem à investigação, mas
que são relevantes para o denunciado. Durante esta resposta serão indicados diversos trechos
de depoimentos não transcritos nos termos e que são extrema relevância para apuração da
verdade dos fatos e para a prolação de uma decisão justa.
16. Não se pode esquecer que o próprio Ministério Público Federal, a propósito da
apuração de ilícitos praticados no âmbito da PETROBRÁS, sustenta a existência de uma
conexão instrumental tão intensa que é capaz de justificar a competência universal de um
Juízo Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Paraná para todas as ações penais
relacionadas com a referida empresa. As informações obtidas dos delatores se referem a um
conjunto amplo de fatos que, em maior ou menor medida, necessariamente se inter-
relacionam, circunstância que também justifica o conhecimento integral do procedimento de
delação pela defesa.
17. Por outro lado, a circunstância de o órgão da acusação, por razões de
conveniência, ter optado por fracionar a investigação ou persecução penal contra os supostos
envolvidos em diversos inquéritos ou ações penais, inclusive em instâncias diversas, não pode
ser aceita como elemento capaz de isolar episódios que substancialmente guardam unidade, ao
menos no plano instrumental.
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18. O que se deve ter como referência para se autorizar, ou não, que o
interessado tenha acesso integral a um determinado procedimento de delação premiada
é o fato de o interessado ser apontado pelo delator como autor de uma conduta
penalmente ilícita. O fracionamento do procedimento de delação não pode ser invocado
como fundamento para restrição ao direito do investigado ou denunciado.
19. É evidente que quem não foi alcançado em qualquer das fases do procedimento
de delação pelas informações prestadas pelo delator não tem interesse jurídico em conhecer o
seu conteúdo. Entretanto, quando é qualificado como delatado, este tem sim o interesse
jurídico em conhecer o conteúdo integral do procedimento. Esse é o elemento relevante
para a apreciação do pedido de acesso ao procedimento de delação, jamais a circunstância de
o órgão da acusação ter se referido a uma determinada fase ou a certa etapa do procedimento.
Não se pode esquecer que, no caso, os procedimentos de delação foram utilizados para
oferecimento de denúncia contra o ora denunciado.
20. Não é compatível com a garantia constitucional do contraditório e da ampla
defesa delegar ao órgão da acusação a atribuição de definir o que interessa e o que não
interessa para a defesa, pois a tanto equivale a afirmativa de que a defesa só deve ter acesso
àquilo que o Ministério Público referiu-se na denúncia, como consta da decisão agravada. O
procedimento de delação, relativamente a cada delator, constitui uma unidade e como tal a
defesa deve ter acesso a essa unidade procedimental, sem o que fica configurado gravame
tanto ao contraditório, como a ampla defesa.
21. É importante assinalar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal
revela que não obstante a unilateralidade da investigação criminal, e ainda que procedida
sob o regime de sigilo, esta condição não pode ser erigida como óbice ao investigado para
dela ter conhecimento – circunstância essa que se mostra mais intensa após o oferecimento de
denúncia pelo Ministério Público –, na medida em que este não perde a condição sujeito
de direitos, limitando-se o seu conhecimento apenas aos atos de investigação em curso e não
introduzidos formalmente nos autos do inquérito. Por oportuno, confira-se excerto do voto
do Exmo. Ministro Celso de Mello no julgamento do HC nº 93.7674:
4 STF, HC nº 93.767, Rel. Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, DJe 01.04.2014.
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“Impende destacar, de outro lado, precisamente em face da circunstância de
o indiciado (e, com maior razão, o réu em juízo criminal) ser, ele próprio,
sujeito de direitos, que o Advogado por ele regularmente constituído (como
sucede no caso) tem direito de acesso aos autos da investigação (ou do
processo) penal, não obstante em tramitação sob regime de sigilo,
considerada a essencialidade do direito de defesa, que há de ser
compreendido – enquanto prerrogativa indisponível assegurada pela
Constituição da República – em perspectiva global e abrangente.” (destaques
no original)
22. Em recente decisão liminar5, o Ministro MARCO AURÉLIO deferiu pedido de
acesso a todos os termos e registros audiovisuais de acordo de colaboração premiada que
não haviam sido juntados aos autos de ação penal. Pela relevância e semelhança da
questão debatida naquele e nesse caso, transcreve-se a fundamentação adotada:
“Faz-se presente a relevância da alegação. Nada, absolutamente nada, respalda ocultar do envolvido – como é o caso do reclamante – os dados contidos em autos de inquérito, processo administrativo ou criminal, bem assim, até mesmo, de procedimento de delação premiada. Daí o Supremo ter editado o Verbete Vinculante nº 14 da Súmula, com o seguinte teor:
É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
Verifica-se, a partir da análise das peças que acompanham a inicial, que o Órgão reclamado restringiu o acesso da defesa à integralidade dos elementos de convicção produzidos no curso do procedimento de delação premiada conduzido inicialmente pelo Ministério Público Federal e, em seguida, pelo do Distrito Federal e Territórios. O motivo mostrou-se único: reputou suficiente a juntada dos termos preliminar e definitivo, sem que tenha facultado ao envolvido o conhecimento do teor dos depoimentos, gravações e documentos apresentados pelo delator no curso dos referidos autos.
Consoante se depreende do Verbete transcrito, está-se diante de indevida limitação de acesso da defesa a elementos de informação documentados nos acordos de colaboração.”
5 STF, MC na Rcl 21.816/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, decisão de 10.09.2015.
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23. Por todas estas razões, a restrição imposta pela decisão já referida, com a
devida vênia, não encontra fundamento legal e, ademais, revela-se obstativa ao efetivo
contraditório e impeditiva do exercício da ampla defesa.
24. Portanto, antes do exame da denúncia e do seu aditamento, é indispensável que
sejam apreciados os agravos regimentais pelo Plenário de Supremo Tribunal Federal que,
certamente, dará provimento aos mesmos, invalidando os atos anteriores para que, depois de
juntados aos autos pelo órgão acusador todos os documentos ausentes6, seja iniciado
novamente o prazo para oferecimento de resposta.
NULIDADE DOS DEPOIMENTOS COMPLEMENTARES DE JÚLIO CAMARGO – A ILEGAL E
INCOMPATÍVEL CONDIÇÃO DE DELATOR/ACUSADO E TESTEMUNHA.
IMPOSSIBILIDADE DA ADMISSÃO DOS DEPOIMENTOS COMO ELEMENTO PROBATÓRIO
DESVINCULADO DO ACORDO DE DELAÇÃO.
25. A manifestação do Procurador-Geral da República na Petição nº 5671, autuada
como procedimento oculto – e que só recentemente foi disponibilizado o acesso ao seu
conteúdo (despacho de 14.10.2015 – fls. 1995), depois de inúmeras solicitações, visto que os
arquivos estavam criptografados – afirma que, em 22.10.2014, JÚLIO GERIN DE ALMEIDA
CAMARGO firmou acordo de colaboração premiada como o Ministério Público Federal em
primeiro grau, tendo sido homologado pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba.
26. Afirma, também, que após a referida homologação, mais precisamente em
19.03.2015, o mencionado delator prestou um depoimento complementar sobre os fatos
relacionados à contratação de navios-sonda pela Petrobrás, sem referir-se objetivamente a
participação no evento de detentores de prerrogativa de foro no STF, mas “deixando a
entender, porém, que talvez houvesse pagamento de propinas destinadas a políticos”.
6 Consubstanciado no procedimento integral de delação premiada de Fernando Soares, inclusive os seus registros
audiovisuais.
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27. Acrescenta que, em 10.06.2015, o delator em referência resolveu
complementar as informações anteriores e “acabou reconhecendo que, na verdade, parte dos
valores ilícitos solicitados eram para entrega ao Deputado Federal Eduardo Cunha, que
estava empenhado direta e pessoalmente na cobrança das quantias do depoente”, segundo
ficou anotado em novo depoimento complementar cujos trechos foram parcialmente
transcritos na manifestação em exame.
28. Informa, ainda, o Procurador-Geral da República que, “indagado sobre as
razões de somente neste momento prestar estas declarações complementares”, o delator
reconheceu que estava com medo de retaliações, porque “estamos tratando da terceira pessoa
mais importante do país e de uma pessoa agressiva quando quer alcançar seus objetivos”.
29. Diante desses fatos, o Procurador-Geral da República considera que “a
situação presente não impõe que se realize ‘novo acordo’, complementação ou ratificação
do acordo perante o Supremo Tribunal Federal”. Antes de analisar criticamente e de
demonstrar a inconsistência jurídica da referida compreensão, considera o ora denunciado
oportuno, especialmente para guardar plena fidelidade aos argumentos desenvolvidos,
transcrever as considerações apresentadas na manifestação em referência:
“11 - Fundamentos.
Os depoimentos prestados por Júlio Camargo perante o Procurador-Geral da
República têm absoluta validade como qualquer outro elemento de prova. Foram
prestados de forma absolutamente espontânea e na presença de sua advogada
constituída, a mesma que assinou o acordo de colaboração em primeiro grau.
No momento em que prestadas as declarações em primeiro grau, as quais ensejaram a
homologação ulterior do acordo pelo juízo competente (13" Vara Federal de
Curitiba), não havia qualquer referência objetiva à participação de pessoas com
prerrogativa de foro no STF. Assim, não houve qualquer violação à competência do
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Supremo Tribunal Federal. O ato realizado é juridicamente perfeito e somente pode
ser (re)analisado, se for o caso, com eventuais consequências e penalidades, pelo
juízo que o homologou.
A revelação (com dados objetivos) de participação de pessoa detentora de
prerrogativa de foro no Supremo Tribunal Federal é ulterior a todos os atos
realizados, reiterando-se que não era de conhecimento do Ministério Público e do
Juízo esta circunstância naquele momento.
A situação presente não impõe que se realize "novo acordo", complementação ou
ratificação do acordo perante o Supremo Tribunal Federal. O acordo de colaboração
foi firmado perante o juízo competente diante do que revelado à época.
Há de se ter que os elementos ora trazidos são como quaisquer outros dados de prova
a serem analisados no bojo da competência do Supremo Tribunal Federal. O
compromisso existente é de o colaborador referir todos os fatos que conhece.
Sem invadir a atribuição exclusiva dos Procuradores da República com atuação
perante a 13ª Vara Federal, bem assim a competência do Juiz Federal para analisar
as eventuais consequências desta complementação, o Procurador-Geral da República,
no âmbito das suas atribuições, considera como justificáveis as razões declinadas por
Júlio Camargo. Tais premissas, contudo, repise-se, não interferem em nada na
eventual análise das consequências jurídicas e legais pelos membros do Ministério
Público Federal com atribuição em primeiro grau e pelo juízo monocrático
competente acerca dos depoimentos prestados com informações complementares às
anteriormente noticiadas.
Impende salientar, ainda, que os depoimentos do colaborador foram totalmente
espontâneos e voluntários, sem que ele tivesse sido instado para tanto em eventual
procedimento formal para questionamento acerca da integralidade e validade do seu
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compromisso assumido no acordo homologado, o que, se fosse o caso, nem seria
atribuição do Procurador-Geral da República.
A situação do caso é similar à do comportamento de qualquer testemunha que sempre
pode, espontânea e voluntariamente, complementar os termos de seu depoimento
prestado em juízo.
Não se olvide a consideração expressa de lei de que é dever do colaborador prestar
todas as informações que tenha sobre o que se comprometeu a falar, mesmo que
posteriormente às primeiras manifestações que ensejaram o acordo homologado pelo
juízo competente (art. 4º, § 9º, Lei 12.850).
Nesta linha, este depoimento é outro elemento de prova que detalha o que já estava
sendo autonomamente apurado (e comprovado) por outros meios produzidos: que o
Deputado Federal Eduardo Cunha estava utilizando de vários meios de coerção a
Júlio Camargo para que houvesse o pagamento das propinas anteriormente
ajustadas.”7
30. Antes de demonstrar a manifesta falta de fundamento da pretensão do
Procurador-Geral da República de que os depoimentos de JÚLIO CAMARGO sejam
considerados como “outro elemento de prova”, desvinculado do acordo de delação, o
denunciado quer apenas chamar a atenção para o fato de que em todos os termos de
declarações complementares está expressamente consignada a participação do depoente
na condição de delator, nos termos da Lei nº 12.850/2013 e do acordo celebrado8.
7 Fls. 08/10 da manifestação do Procurador-Geral da República na Pet nº 5.671. 8 Nesse sentido: fls. 815: “Aos dezenove dias do mês de março de 2015, (...) foi realizada a oitiva de JÚLIO
GERIN DE ALMEIDA CAMARGO (...), observando-se todas as cautelas de sigilo e prescrições da Lei
12.850/2013 (...)”; fl. 832: “Aos dez dias do mês de junho de 2015, (...) foi realizada nova oitiva de JÚLIO
GERIN DE ALMEIDA CAMARGO (...), observando-se todas as cautelas de sigilo e prescrições da Lei
12.850/2013 (...)”; fl. 852: “Aos vinte e um dias do mês de julho de 2015, (...) foi realizada nova oitiva de JÚLIO
GERIN DE ALMEIDA CAMARGO (...). O declarante, na presença de seus defensores, renunciou ao direito ao
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Ressalta-se, ainda, que da inquirição participaram membros do Ministério Público da
União por delegação do Procurador-Geral da República9, a indicar que desejavam obter
meios de prova para utilização perante o Supremo Tribunal Federal. Tais circunstâncias são
suficientes para apontar no sentido da impossibilidade de dar-se ao depoente a condição de
mera testemunha e os seus depoimentos ficarem dispensados da necessária homologação
perante essa Corte Suprema.
31. A argumentação do órgão acusador, com todo o respeito, é absolutamente
infundada e não resiste a uma avaliação crítica. Afaste-se, desde logo, qualquer relevância ao
disposto no §9º do art. 4º da Lei n.º 12.85010, como suporte à pretensão exposta. É que a
possibilidade de nova oitiva do acusado/colaborador, prevista na norma, por um lado
pressupõe, obviamente, que ela se realize pelo membro do Ministério Público ou pelo
delegado de Polícia com atribuições perante o juízo responsável pela homologação, para
esclarecer fatos objeto do acordo celebrado e, por outro lado, dela não se pode extrair
conclusão de que o delator pode, ao mesmo tempo, assumir duas posições jurídicas: uma de
acusado/colaborador e outra de mera testemunha.
silêncio, reafirmando o compromisso legal de dizer a verdade, nos termos do § 14 do art. 4º da Lei nº
12.850/2013; fl. 2010: “Aos treze dias do mês de outubro de 2015, (...), observando-se todas as cautelas de
sigilo e prescrições da Lei 12.850/2013 (...) a oitiva de JÚLIO GERIN DE ALMEIDA CAMARGO (...)”. 9 Em todos os termos complementares afirma-se que os procuradores que presidem o ato o fazem na condição de
integrantes do “Grupo de Trabalho instituído pelo Procurador-Geral da República através da Portaria PGR/MPU
nº 3, de 19/01/2015”. A citada portaria foi publicada no DOU de 21/01/2015, n. 14, seção 2, p. 50, e designou
diversos membros do Ministério Público da União para “auxiliar o Procurador-Geral da República na análise
dos desdobramentos relacionados às investigações levadas a efeito pela força-tarefa designada pelas Portarias
PGR/MPF nos 217, de 3 de abril de 2014, publicada no D.O.U., Seção 2, pág. 61, de 7 de abril de 2014, e 655,
de 2 de setembro de 2014 , publicada no D.O.U., Seção 2, pág. 57, de 4 de setembro de 2014, em trâmite no
Supremo Tribunal Federal.” 10 Art. 4º (...) § 9º: “Depois de homologado o acordo, o colaborador poderá, sempre acompanhado pelo seu
defensor, ser ouvido pelo membro do Ministério Público ou pelo delegado de polícia responsável pelas
investigações.”
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32. Por oportuno, confira-se excerto do voto do Ministro MARCO AURÉLIO no
julgamento da Reclamação nº 21419 AgR/PR11, em que se discutia a usurpação de
competência pelo Juízo da 13 ª Vara Federal de Curitiba, em que o delator JÚLIO CAMARGO –
corréu no processo que tramitou perante aquela Vara Federal – se referiu ao ora denunciado:
“Em segundo lugar, Presidente, houve, como ressaltado pelo Relator, o
desmembramento e determinou-se a remessa à Corte de origem, da ação penal
quanto àqueles que não gozam da prerrogativa de serem julgados pelo
Supremo. Ante o que está no enunciado da lista, e agora percebi o voto
minucioso de Sua Excelência, um corréu foi ouvido – e não acredito que
tenha sido ouvido como testemunha, porque ninguém, no processo-crime,
pode ser, ao mesmo tempo, acusado e testemunha, por contrariar a
organicidade do Direito Processual Penal. O certo é que foi ouvido e voltou,
nessa audição, a mencionar o nome de detentor da prerrogativa de foro.”
33. É irrelevante, no particular, a alegação de que o acordo de delação em primeiro
grau contou com a anuência expressa do Procurador-Geral da República. É que, tratando-se
de acordo de delação que dizia respeito a fatos relacionados apenas a pessoas sem
prerrogativa de foro, e é o que se sustenta na manifestação do PGR em questão, tal atribuição,
no caso, era exclusiva do Procurador da República. A tal anuência do Procurador-Geral da
República era juridicamente desnecessária e, portanto, foi indevida.
34. Enquanto não havia referência a qualquer pessoa com prerrogativa de foro,
evidentemente a homologação deveria dar-se, como ocorreu, perante o Juízo Federal
competente (13ª Vara Federal de Curitiba), não havendo porque se cogitar de violação à
competência do Supremo Tribunal Federal até então. Portanto, as considerações do
Procurador-Geral da República a tal respeito são irrelevantes.
11 Rcl 21419 AgR/PR, Tribunal Pleno, DJe 05.11.2015.
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35. Todavia, da constatação feita no item anterior, bem como da circunstância de
que a revelação de suposta participação de pessoas detentora de prerrogativa de foro no
Supremo Tribunal Federal foi posterior àquela homologação, não se pode extrair a
conclusão de que “a situação presente não impõe que se realize ‘novo acordo’,
complementação ou ratificação do acordo perante o Supremo Tribunal Federal”, nem
autoriza que se considerem os novos depoimentos “como quaisquer outros dados de prova
a serem analisados no bojo da competência do Supremo Tribunal Federal”, desconsiderando-
se a sua origem (declarações de acusado/delator).
36. A solução sugerida pelo Procurador-Geral da República (a) está em conflito
com o sistema legal da delação premiada, (b) almeja a admissão de um mecanismo capaz
de dificultar ou inviabilizar a responsabilização do colaborador mentiroso e, o que é
igualmente grave, (c) conduz o Supremo Tribunal Federal a se submeter ao Juízo da 13ª
Vara Federal de Curitiba no que se refere à validade do acordo de colaboração, com
manifesta inversão da hierarquia jurisdicional.
37. A pretensão exposta na manifestação agora questionada está em flagrante
conflito com o sistema legal da delação premiada e com o próprio acordo celebrado com
JÚLIO CAMARGO. Não há na Lei nº 12.850, de 02.08.2013 qualquer norma que autorize que o
agente-colaborador possa, a respeito dos mesmos eventos considerados como penalmente
ilícitos no acordo de delação, assumir simultaneamente uma dupla posição jurídica, de
acusado/delator e mera testemunha, simplesmente porque o órgão acusador resolveu
solicitar a cisão do procedimento de investigação e da ação penal, em razão da
prerrogativa de foro de um dos supostos agentes.
38. A propósito de todos os fatos definidos em momento próprio com o Ministério
Público Federal, incluído entre eles o da contratação de navios-sonda pela Petrobrás, o delator
JÚLIO CAMARGO tinha o compromisso de colaborar na identificação e comprovação das
infrações penais praticadas, inclusive, quanto a eventuais “agentes públicos que tenham
praticado ou participado de ilícitos” (termo de colaboração premiada, cláusula 6ª, letra “a”).
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39. JÚLIO CAMARGO, no termo de colaboração premiada, também se obrigou, “sem
malícia ou reservas mentais, a esclarecer cada um dos fatos ou esquemas criminosos
apontados nos diversos anexos deste termo de acordo...” (cláusula 6ª, § 1º). Ademais, no
mesmo ajuste, comprometeu-se a “falar a verdade, incondicionalmente e sob compromisso,
em todas as investigações – inclusive nos inquéritos policiais, inquéritos civis, ações civis e
processos administrativos disciplinares e tributários – e ações penais, em que doravante
venha a ser chamado a depor na condição de testemunha ou interrogado, nos limites deste
acordo” ( cláusula 9ª, letra a).
40. O delator JÚLIO CAMARGO, em troca destes e de outros compromissos, recebeu
generosos benefícios12, mas que poderia perdê-los caso o Ministério Público Federal
considerasse presente qualquer das hipóteses previstas na cláusula 17 do termo de
colaboração premiada. A generosidade dos benefícios concedidos contém apelo suficiente
para conduzir o delator a declarar qualquer evento, verdadeiro ou não, que interesse a
acusação, sempre que haja qualquer insinuação quanto a possibilidade de rescisão do
acordo. Tal fato não pode ser desconsiderado. Oportunamente o ora denunciado tratará
especificamente desta questão, visto que se revela irrelevante no aspecto agora questionado.
41. O delator tem a obrigação, sob pena de rescisão do acordo, de prestar todas as
informações a respeito dos fatos sobre os quais assumiu o compromisso de esclarecer, sem
reservas mentais e falando a verdade, independente do órgão judiciário eventualmente
competente para a ação penal. Não há na lei, nem no acordo celebrado pelo Ministério
Público Federal com JÚLIO CAMARGO, qualquer possibilidade de dar-se tratamento
diferenciado ao colaborador, ou seja, de tratá-lo como mera testemunha e, portanto, sem se
submeter à responsabilidade decorrente da sua posição de acusado/delator, porque certos fatos
– flagrantemente mentirosos – noticiados posteriormente referem-se a pessoa com
prerrogativa de foro. 12 O Ministério Público Federal no Paraná ofertou a Júlio Camargo no acordo de colaboração firmado em
22.10.2014, dentre outros, os seguintes benefícios: a) substituição do regime de penas restritivas de liberdade,
por regime aberto; b) possibilidade de viagens nacionais sem necessidade de comunicação prévia ao juízo e até
mesmo viagens internacionais, com comunicação prévia de uma semana; c) a isenção total de responsabilidade
civil e por atos de improbidade de Júlio Camargo e suas empresas. Conferir a Cláusula 5ª, I, IV e §7º do
Termo de Colaboração Premiada. Ação Penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000, Evento 19.
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42. Se as informações do delator se referem a fatos que somente podem ser
apreciados perante o Supremo Tribunal Federal, para que estas informações possam ser
validamente utilizadas perante essa Suprema Corte é necessário que o órgão acusador
submeta o ajuste ao Tribunal competente, como um novo acordo, ou mesmo como
complementação ou ratificação o acordo celebrado anteriormente.
43. A conduta adotada pelo Procurador-Geral da República, a rigor, cria uma
situação que, se admitida, pode gerar duas consequências ilegítimas: a) por um lado,
permite que o delator descumpra obrigações estabelecidas anteriormente pelo próprio
Ministério Público Federal, sem que seja responsabilizado por isso; e b) por outro lado,
subtrai do Supremo Tribunal Federal o exame da validade do acordo de delação, a
despeito do delator reportar-se a supostos fatos cujo conhecimento se inserem na sua
atribuição constitucional.
44. As observações do Procurador-Geral da República no sentido de que cabe aos
Procuradores da República com atuação perante a 13ª Vara Federal de Curitiba avaliar as
eventuais consequências das complementações realizadas por JÚLIO CAMARGO, bem como ao
Juiz Federal da referida Vara, e a afirmação de que ele (PGR) “considera como justificáveis
as razões declinadas por Júlio Camargo”, feitas em petição subscrita em 23.06.2015, não têm
o condão de realizar uma separação substancial na conduta de delator, de modo a permitir que
se considerem as complementações como desvinculadas do acordo de delação e tenham sua
validade e eficácia preservadas.
45. Essa pretendida separação entre o acordo de delação e as complementações
realizadas por JÚLIO CAMARGO só atende a um interesse: o de preservar os benefícios do
delator, não obstante este tenha descumprido escancaradamente as obrigações
assumidas. É bom que fique bem claro que, para o denunciado, o descumprimento reside na
apresentação de informações não espontâneas e falsas nos depoimentos complementares,
como será demonstrado oportunamente.
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46. O certo é que a argumentação desenvolvida na manifestação do Procurador-
Geral da República visava preservar o delator e tal objetivo foi alcançado, na medida em que
já decorridos nove meses, contados do primeiro depoimento complementar, nenhuma
providência foi adotada com o objetivo de rescindir o acordo com JÚLIO CAMARGO. Se o
órgão da acusação considera verdadeiras as informações prestadas nos depoimentos
complementares, obviamente, não pode deixar de reconhecer que JÚLIO CAMARGO
mentiu – ou no mínimo omitiu informações – nos depoimentos anteriores e, assim,
descumpriu uma das principais obrigações assumidas no acordo de delação.
47. Por outro lado, a pretensão externada pelo Procurador-Geral da República no
sentido de remeter aos Procuradores da República e ao Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba
o exame das consequências da conduta do delator, objetivamente importa em subtrair desse
Supremo Tribunal a validade e a eficácia de acordo de delação que, a rigor, aqui deveria ter
sido homologado. A omissão do órgão acusador em submeter, como lhe competia, o acordo a
esse Supremo Tribunal Federal não pode gerar uma consequência desfavorável ao acusado.
48. De acordo com a argumentação desenvolvida pelo Procurador-Geral da
República, esse Supremo Tribunal Federal, na verdade, no que se refere ao acordo de delação
de JÚLIO CAMARGO, deve submeter-se ao que for deliberado pelo Juízo da 13ª Vara Federal de
Curitiba. Situação que se revela absurda e juridicamente despropositada.
49. Para que se possa avaliar adequadamente a conduta de JÚLIO CAMARGO, é
relevante lembrar que, depois de passados alguns meses do ajuste e de ter prestado diversos
depoimentos, órgãos de imprensa que costumeiramente noticiam providências que seriam
tomadas pela Procuradoria Geral da República passaram a divulgar que o acordo de delação
celebrado poderia ser rescindido porque o delator não se referia ao Deputado EDUARDO
CUNHA13, fato que foi imediatamente levado ao conhecimento de Vossa Excelência como
relator do inquérito.
13 Notícias transcritas no corpo da petição nº 25712/2015, de 25.05.2015, às fls. 530/531.
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50. As notícias veiculadas na imprensa a respeito da pressão exercida pela
acusação contra o delator JÚLIO CAMARGO acabaram por se confirmar quando o referido
delator, falsamente, referiu-se a fatos supostamente ocorridos em 2011 que, ao seu ver,
incriminariam o ora denunciado nos fatos ocorridos em 2006 e 2007. Na verdade, ao ver do
denunciado, em razão de vulnerabilidade em que se encontrava - e ainda se encontra - o
delator, e diante das circunstâncias postas, este se sentiu compelido a mentir para
continuar gozando os benefícios que lhe foram concedidos.
51. Perante a Procuradoria Geral da República14, JÚLIO CAMARGO ao ser
questionado “por qual motivo foram trazidos estes novos detalhes apenas nesta data, o
declarante respondeu que somente está trazendo agora tais detalhes por medo de retaliações
ao declarante, à sua família, e às suas empresas; QUE ‘estamos tratando da terceira pessoa
mais importante do país e de uma pessoa agressiva quando quer alcançar seus objetivos’”.
Porém, ao ser indagado pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba15, em 16.07.2015, sobre a
razão de não ter falado em depoimento anterior sobre aqueles “fatos”, mentirosamente
afirmou que “quando eu fui fazer o meu acordo no Ministério Público aqui em Curitiba me
foi alertado que casos que envolvessem políticos não deveriam ser feitos aqui em Curitiba.
Deveriam ser feitos em Brasília devido ao foro privilegiado”.
52. Além da complacência da acusação em aceitá-las, o que mais surpreende são as
desculpas inventadas por JÚLIO CAMARGO para justificar porque não falara antes: (i) tinha
medo porque o Deputado EDUARDO CUNHA era a terceira pessoa mais importante do país.
Ocorre que quando JÚLIO CAMARGO fez o acordo de delação (em 22.10.2014) o Deputado
EDUARDO CUNHA não era Presidente da Câmara dos Deputados e naquela oportunidade não
falou nada a respeito (e JÚLIO CAMARGO teve medo?), mas agora que o denunciado exerce o
cargo que ele reputa poderoso não teve medo de acusar. É realmente muito estranho. Por outro
lado, (ii) a alegação de que não poderia se referir a pessoas com prerrogativa de foro não é
verdadeira, pois ao ser questionado expressamente, por duas vezes, pelos investigadores
no Paraná, sobre a participação de políticos, o delator respondeu enfaticamente de
14 Termo de declarações complementares nº 02, de 10.06.2015, fls. 832/850. 15 AP nº 5083838-59, Evento 586 – TERMO – Aud 16-07, p. 77. Nesses autos, fl. 752.
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forma negativa, conforme se extrai do vídeo do depoimento relativo ao Termo de declaração
nº 716, trecho que surpreendentemente não foi transcrito no referido Termo17:
“Polícia Federal: Senhor Júlio, em complementação a todos os anexos, do seu
acordo de colaboração premiada, eu indago se em relação a esses fatos que o
senhor mencionou nos termos anteriores, se o senhor efetivou pagamentos
de propinas em favor de autoridades públicas, como deputados federais,
senadores ou qualquer outro agente político?
Júlio Camargo: Não. Nunca fiz nenhum ato ilícito com deputados ou
senadores ou qualquer tipo de político, os fatos que eu tinha que narrar já
foram narrados em meus depoimentos, não constando nenhum político
desses favorecimentos.
Polícia Federal: Então o senhor não efetivou o pagamento de propina dentro
desses contratos da Petrobrás dentro dos seus comissionamentos a nenhum
político?
Júlio Camargo: Não senhor.”
53. Como se vê, as desculpas não têm respaldo nas circunstâncias fáticas
expressamente documentadas, vale dizer, são mentirosas, mas a acusação aceitou-as sem
restrição.
54. Tudo leva a crer que o delator mudou a sua versão diante da possibilidade de
ver o seu acordo – que lhe garantia generosos benefícios18 – rescindido. Se JÚLIO CAMARGO
16 Apenso 5, Oculto HD, HD 26.989.7150023-18, Colaboração Augusto e Julio, Termos e
Vídeos_Colaboração_03.11.14_Julio, Termo 8, Arquivo: M2U00071. 17 No vídeo o policial que inquire o delator JÚLIO CAMARGO refere-se que os questionamentos são relativos ao
Termo de Declarações nº 7, porém essas declarações constam do Termo de Declarações nº 8, (Apenso 5,
Oculto HD, HD 26.989.7150023-18, Colaboração Augusto e Julio, Termos e
Vídeos_Colaboração_03.11.14_Julio, Termo 8, Arquivo: Termo de Colaboração 8_JULIO_3.11.14), que
estranhamente deixou de ser juntado nesses autos de forma espontânea pelo órgão acusador. 18 Segundo o jornal Folha de São Paulo, de 06.09.2015, JÚLIO CAMARGO, na condição de lobista, teria lucrado
em seus negócios com a Petrobrás, em valores nominais, mais de R$ 266.000.000,00 (duzentos e sessenta e
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tinha algum receio só pode ser esse, pois jamais o ora denunciado praticou qualquer ato
contra o delator, sua família ou seus interesses.
55. Acrescente-se, ainda, que a mudança de versão coincidiu com a mudança de
advogados de JÚLIO CAMARGO, pois este passou a ser assistido pelos defensores do delator
ALBERTO YOUSSEF, delator este que apresentava versão dos fatos inconciliável com a daquele,
como será explicitado adiante.
56. Diante de todas estas considerações, o ora denunciado entende que a pretensão
do Procurador-Geral da República, no sentido de ser desnecessária a homologação perante
essa Corte Suprema de novo acordo de delação ou complementação ou retificação do anterior,
deve ser indeferida, sendo reconhecida, desde logo, a nulidade dos depoimentos
complementares prestados por JÚLIO CAMARGO, que devem ser desentranhados dos
autos.
57. Ademais, também por outros motivos, os referidos depoimentos
complementares revelam-se imprestáveis para efeito probatório nestes autos, como será
demonstrado na sequência.
DEPOIMENTOS COMPLEMENTARES DE JÚLIO CAMARGO EM QUE É MANIFESTA A AUSÊNCIA
DE ESPONTANEIDADE E VOLUNTARIEDADE.
AUSÊNCIA DE REGISTRO DE PARTES SUBSTANCIAIS DOS RELATOS DE JÚLIO CAMARGO E
FERNANDO SOARES
58. No Termo de declarações complementar nº 02 de JÚLIO CAMARGO (Doc. 9 da
denúncia), em que aquele delator muda a sua versão anterior e passa a relatar a inverídica
participação do ora denunciado nos fatos, consta que “o declarante, espontaneamente,
seis milhões de reais), e, no acordo de colaboração premiada, lhe foi imposta multa de apenas R$
40.000.000,00 (quarenta milhões de reais), além dos outros benefícios já destacados. Informação extraída do
endereço eletrônico: http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/09/1678322-delator-lucrou-mais-que-o-sextuplo-
de-multa-em-negocios-com-a-petrobras.shtml, acesso em 21.09.2015.
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manifestou intenção de complementar seus depoimentos prestados no âmbito de acordo de
colaboração premiada celebrado no curso da chamada ‘Operação Lava Jato’” (fl. 832).
Ocorre que a mencionada espontaneidade é afastada diante das declarações do próprio
delator.
59. JÚLIO CAMARGO tornou pública a fantasiosa versão da participação do
denunciado nos fatos apurados nesse inquérito na audiência de 16.07.2015, realizada perante
o Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba. Naquela oportunidade, ao responder questionamento
do Juízo sobre as razões de não ter revelado anteriormente fatos que supostamente
envolveriam o ora denunciado, JÚLIO CAMARGO – embora tenha mentindo a respeito de seus
motivos, como foi destacado em tópico anterior – deixou claro que os seus depoimentos
prestados em Brasília não foram marcados pela voluntariedade e espontaneidade. As
exatas palavras do delator foram as seguintes:
“Juiz Federal: Por que que o senhor não falou isso no seu primeiro
depoimento nesse processo?
Interrogado: Excelência, o seguinte, quando eu fui fazer o meu acordo no
Ministério Público aqui em Curitiba eu fui alertado que casos que
envolvessem políticos não deveriam ser feitos aqui em Curitiba, deveriam ser
feitos em Brasília devido ao Foro privilegiado. E aí realmente eu fiquei numa
situação incômoda porque houve o depoimento ao senhor, eu com o meu
compromisso de falar a verdade, não tendo, por força do Foro privilegiado
feito essa declaração ao Ministério Público aqui em Curitiba, porém já
estando sinalizado através da nossa advogada que seria chamado pelo
Ministério Público em Brasília, como fui chamado em duas vezes e a história
que ainda tem um pouco de prosseguimento, mas basicamente dentro disso
que eu falei ao senhor. Então foi esse o motivo que eu não falei a primeira
vez.”
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60. Do referido trecho se extrai que na verdade não foi JÚLIO CAMARGO que
procurou o Ministério Público em Brasília para, de forma espontânea, complementar suas
informações – como registrado no Termo de declarações complementar nº 02 de JÚLIO
CAMARGO –, mas sim que foi alertado por sua então advogada que o delator seria chamado
pelo Ministério Público, como efetivamente o foi, para o fazer. Ora, o fato de ser chamado
pelo órgão acusador para “complementar” as informações deixa claro que não houve
espontaneidade do delator em participar das referidas oitivas promovidas pela Procuradoria
Geral da República.
61. De outra parte, o denunciado não olvida que a intenção de pactuar acordo de
delação premiada não exige a espontaneidade do delator, mas apenas que a sua decisão seja
voluntária. Vale dizer, não há que se investigar se a intenção de colaborar com o órgão
acusador tenha origem no próprio delator, mas apenas que a sua decisão tenha sido tomada de
forma voluntária, livre.
62. Ocorre que além de não ter sido espontânea a decisão de JÚLIO CAMARGO de
prestar “informações complementares” à Procuradoria Geral da República, de igual forma
pode-se dizer que esta também não foi voluntária, na medida em que não foi tomada de
forma livre, isenta de pressões.
63. Não se pode perder de vista que o Plenário do Supremo Tribunal Federal no
julgamento do HC nº 127.483/PR – AgR19 assentou a impossibilidade de o sujeito apontado
como co-autor ou partícipe de crime impugnar o acordo de colaboração firmado pelo delator.
Vale dizer, ainda que o ora denunciado demonstre – como efetivamente demonstrará nessa
resposta – que o delator JÚLIO CAMARGO mentiu, ou ao menos omitiu informações, no âmbito
de seu acordo de delação premiada, a ensejar a sua rescisão, tal medida somente será passível
de concretização a partir da iniciativa do Ministério Público Federal.
64. Como afirmado em tópico anterior, é relevante ter em vista que a nova versão
dos fatos apresentada por JÚLIO CAMARGO, especialmente nos Termos de declaração
19Rel. Ministro Dias Toffoli, julgado em 27.08.2015, com acórdão pendente de publicação.
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complementar nos 02 e 03, somente foi revelada após a publicação de diversas notícias de
insatisfação da Procuradoria Geral da República com os depoimentos do delator, que por
não se referir ao ora denunciado, poderia levar ao rompimento do pródigo acordo de delação
que havia firmado20.
65. Ora, se havia algo a afetar a liberdade de decisão do delator de revelar ou não
informações inverídicas a respeito do denunciado, isso só poderia ser o receio de perder os
imensos benefícios auferidos no acordo de delação premiada, ainda mais quando instado pelo
próprio órgão legitimado a propor a rescisão do acordo. Acrescente-se a isso o fato já
abordado no tópico anterior de que o próprio Procurador-Geral da República pretende – de
forma ilegítima, como se demonstrou – afastar dessa Suprema Corte a análise sobre a
legalidade do acordo de delação premiada de JÚLIO CAMARGO, bem como que passados nove
meses do primeiro depoimento complementar de referido delator, não houve qualquer
providência por parte do Ministério Público Federal para rescindir o acordo celebrado.
66. Nesse contexto, não se pode qualificar como livre a decisão do delator de
revelar fatos sabidamente inverídicos perante a Procuradoria Geral da República, de sorte a
reconhecer-se a imprestabilidade de referidos depoimentos.
67. Além disso, a análise dos registros audiovisuais dos depoimentos de JÚLIO
CAMARGO e também dos de FERNANDO SOARES, e o seu cotejo com a redação dos termos de
declaração produzidos pelo órgão acusador revelam: (i) induções de respostas; (ii)
incessantes pressões para que os delatores assentissem com a hipótese imaginada pelos
procuradores; e (iii) a ausência de registros de partes substanciais dos relatos dos
delatores.
68. Apenas a título exemplificativo – uma vez que são inúmeras as oportunidades
em que são constatados os vícios enumerados no parágrafo anterior –, ao tratar dos
requerimentos de fiscalização apresentados perante a Comissão de Fiscalização e Controle da
20 Fatos imediatamente informados à Vossa Excelência, com a transcrição das notícias no corpo da petição nº
25712/2015, de 25.05.2015, às fls. 530/531.
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Câmara dos Deputados e sua suposta autoria, os procuradores relataram os fatos da seguinte
maneira no Termo de declarações complementar nº 01 de JÚLIO CAMARGO:
“O depoente não sabe o tempo que demora o trâmite destes requerimentos.
Indagado, o depoente descartou hipóteses de pressão, pois ele já havia
recomeçado os pagamentos. Não pode dizer quem poderia estar por trás deste
procedimento de esclarecimentos acerca dos contratos com a Mitsui. Não
descarta que Fernando possa ter feito pressão por intermédio de seus amigos
do PMDB, mas não tem como afirmar isso. A maior pressão que sofreu foi a
‘advertência’ de Fernando Baiano de que poderia ser prejudicado nos seus
demais negócios. Isso foi uma ‘ameaça real’ de uma força política que pode
vir contra você. Mas não tem como indicar quem especificamente estaria por
trás disso tudo.” (fls. 827/828).
69. No entanto, durante a oitiva os procuradores tentam, por diversas vezes, induzir
a reposta do delator, conforme se depreende da transcrição do registro audiovisual21:
“Júlio: Eu não acredito... ou então, veja bem...como eu não sei quanto tempo
demora, por exemplo, entre você fazer um requerimento desse e esse
requerimento vir à tona. Não sei como é que é o trâmite disso. Eu sei dizer
que não me parece lógico, no momento que eu reiniciei os pagamentos, que
eu tivesse recebido uma pressão dessa, porque poderia até ter um efeito
contrário. Eu poderia ter me aborrecido de uma vez, e ter parado.
Procurador: É que na realidade o senhor já estava parado não é? Porque
coincide justamente com uma lacuna desses pagamentos, então parado o
senhor já estava, então não se fala de parar, aqui o senhor já estava sem
pagar...
Júlio: Não, eu... o senhor me permite... na minha cabeça eu já não estava
mais parado. Eu estava parado em 2008. 2008 eu parei. Chamei e falei:
‘Olha, aconteceu esse problema, pá pá pá’. No momento que eu parti pra uma
21 Relato constante do Arquivo depoimento_1, entre os instantes 2:42:37 e 2:56:36, do Apenso 06, Pen drive 01.
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solução, eu já parti dizendo ‘Eu não consigo pagar isso de uma vez’. Então foi
acertado um cronograma que é muito perto desse que aconteceu então não me
parece...não vou descartar como disse o doutor não vou descartar... ou então,
isso foi feito lá atrás, antes de ter acontecido esse pagamento de 2010 e aí
chegou isso somente em 2011... pode ser
Procurador: A Mitsui explicou para o senhor como é que ela tomou
conhecimento?
Júlio: Quem?
Procurador: A Mitsui.
Júlio: Foi notificado pelo...
Procurador: Mas antes então, ela não sabia?
Júlio: Não sabia.
Procurador: O senhor não foi a busca de pessoas que lhe eram próximas... a
motivação pelo requerimento por uma pessoa desconhecida.
Júlio: Eu fui impedido, doutor. Fui impedido.
Procurador: Mas mesmo impedido...é porque...só por curiosidade...porque
uma...
Júlio: Minha vontade, primeiro era procurar a deputada Solange né...dizer,
‘olha eu recebi isso aqui, qual é o motivo disso aqui? O que é que você está
querendo com isso?’ ‘isso aqui é uma denúncia? Isso aqui, o que que é?’
Procurador: O senhor foi proibido formalmente pela Mitsui, mas para as
pessoas que são chegadas, que eram chegadas ao senhor...como Paulo
Roberto, Cerveró... o senhor não comentou isso, não procurou eles pra...
porque aí não se trata mais de um ato formal, como seria procurar a
deputada Solange... nenhuma conversa... exigia muita frieza do senhor ficar
sabendo disso e realmente não falar nada com ninguém, nem com pessoas
de seu relacionamento...
Júlio: Doutor, o senhor tem razão no que o senhor está falando, mas eu vou
explicar uma coisa... é... trabalhar com o japonês é um negócio... seguinte...
ou você tem uma disciplina oriental, ou você não tem sucesso... o que é dizer
isso?... é o seguinte... quando você combina uma coisa com eles, não faça
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diferente porque da mesma maneira que eles são cumpridores de tudo aquilo
que eles combinam com você, eles cortam a sua cabeça com uma facilidade
impressionante... então, por exemplo, eu corri um grande risco... eu.... agora
eu não sei dizer se não comentei, pode ser que tenha comentado... agora, o que
eu decididamente não fiz é tomar nenhuma atitude formal...porque eu corria
um risco de a Mitsui cortar a minha cabeça... ‘não falei pra você, não se meta
aqui que é um assunto nosso’...
Procurador: Nessa altura, o que não se pode conceber é que o senhor não
tenha cogitado quem pudesse estar por trás desse requerimento [formulado]
por uma pessoa inexpressiva no segmento... enfim, né... eu acredito que o
senhor vai ter dificuldade de nos convencer do contrário
Procurador: É que se por um lado o senhor não tomou uma atitude formal, o
senhor mesmo já demonstrou que ficou inquieto em relação a isso...
Júlio: Mas lógico...
Procurador: Tanto é que começou a acompanhar o andamento desse
requerimento no site do senado...
Júlio: Sim...
Procurador: É... então isso inquietou o senhor, então o senhor fez...o senhor
ficou refletindo sobre isso... elucubrações.... possivelmente comentou com
alguma pessoa chegada, o senhor tá tentando lembrar aí... e nessas
elucubrações que... a quem o senhor poderia... chegou a cogitar ou atribuir...
que poderia ser esse expediente... porque da deputada Solange
definitivamente não faz o menor sentido.
Júlio: É... eu até hoje vou dizer pro senhor... eu nem sei se ela continua
deputada, eu não sei nem quem é... mas descartei qualquer tipo de, como diz
aí no depoimento do Youssef, de pressão, uma vez que na minha cabeça eu
já tinha re startado os meus compromissos... então, sinceramente... não tiro
essa possibilidade... agora, quem poderia ser... seria uma leviandade minha
falar qualquer coisa.
Procurador: Talvez, a visão que o senhor... o senhor não descartou essa
hipótese... agora se o senhor refletir sobre a visão que as pessoas que
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estavam de fora... talvez elas mais... porque o Youssef não tinha porque criar
isso né... talvez ele tenha ficado sabendo de uma história que o senhor, não
chegou ao conhecimento do senhor, porque o senhor estava dentro da
história, talvez na cabeça do senhor, o senhor estaria cumprindo, mas... é... o
senhor não descartou a hipótese da pressão, se fosse, como é que o senhor
acha que poderia...
Júlio: Olha doutor, o assunto do Youssef... de novo... eu absolutamente não
tenho nenhum interesse, até porque como convivemos juntos tantos anos e
não tenho aqui nenhum interesse de falar mal.... mas o que eu acho é que
foram tantos fatos que passaram pelo Youssef, dos quais eu elenquei ao
senhores alguns que não tem o menor sentido... que talvez, como eu disse ao
senhor, que o nome do Fernando Soares, é um nome ligado a esse pessoal do
PMDB...
Procurador: Mas passou pela sua cabeça que pudesse ser o Fernando, usando
esse poder que ele teria, das pessoas a quem ele é ligado... era uma forma de
passar um recado, ou dar um aviso...
Júlio: De novo, a não ser que, a não ser que ele tenha feito isso anterior...
porque quando eu re-startei ao... quando eu re-startei isso em 2010... o
ambiente voltou a ser um ambiente de cordialidade.
Procurador: Teve... eu reitero aqui, teve um intervalo considerável aí, o
senhor voltou a pagar no final de 2010, aí todo o primeiro semestre de 2011
não tem nenhum pagamento...
Júlio: Isso.
Procurador: Aí o senhor volta em setembro de 2011, pouco depois desse
requerimento... nesse primeiro semestre de 2011 não teve nenhuma cobrança?
Júlio: O senhor veja o seguinte... eu paguei de uma vez só 3 milhões de
dólares... de 10 eu paguei trinta por cento... como dizendo ‘olha, é uma
demonstração que eu vou pagar, agora você me dá um pouco de pulmão,
porque eu estou tirando do meu’... não é que eu estou recebendo e pagando...
o senhor entendeu?... quer dizer, eu deixei de pagar... deixei de receber e
continuei pagando... quer dizer, pode ser que o Fernando tenha feito uma
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pressão através, sei lá, dos amigos dele do PMDB? Sei lá, pode ser, pode
ser... mas eu vejo pela data que, ou ele fez esse requerimento muito antes e
demorou pra tramitar ou eu não vejo sentido...
Júlio: Eu tô entendendo doutor, que...eu tô entendendo que vocês estão
querendo lincar...
Procurador: Nós estamos tentando entender essas conexões, nós não estamos
apontando ninguém, nem queremos fazer isso (ininteligível)... nós estamos
tentando entender exatamente a sequência lógica das coisas e como nós lhe
dissemos antes, algumas questões que ao senhor podem parecer, com a sua
percepção, às vezes parece uma coisa, elas num contexto que talvez o senhor
não conheça elas possam significar outra...percepção é uma coisa muito
subjetiva...
Júlio: perfeito...
Procurador: Senhor Júlio, o que o meu colega está falando... eu só chamo a
atenção do senhor porque do mesmo modo que o senhor pode estar vendo
incoerências em algumas colocações do Youssef... é uma via de mão dupla,
ele também pode sustentar que as incoerências são do senhor, então por isso
que é importante considerar todas as hipóteses né... às vezes alguém tentou
fazer uma pressão no senhor, mas como na cabeça do senhor, o senhor já ia
pagar... intimamente o senhor não foi pressionado porque já estava
considerado o pagamento, mas alguém lá de fora acha que pressionou e
ainda acha que você... então a gente não pode descartar essa hipótese...
Júlio: não, tá certo... agora, a maior pressão pra mim que eu recebi, e essa
eu senti, e foi por isso que eu decidi reiniciar o pagamento, foi quando o
Fernando me falou ‘olha, cuidado porque você vai ser prejudicado nos seus
negócios’...
Procurador: É...então... isso até... a gente... isso tem muita coerência
justamente com essa hipótese que a gente está falando, porque o senhor
deixou bem claro aqui que essa ameaça, esse temor não era em relação ao
Fernando né...mas sem...
Júlio: não...eu tinha certeza que...
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Procurador: (inteligível) era um neófito na Petrobrás perto da experiência do
senhor... então o senhor sabe muito bem como é que são as regras do jogo,
talvez se fosse outra pessoa não levasse em consideração essa ameaça do
Fernando, mas o senhor experiente que é, conhecendo como o jogo é jogado...
é.... recebeu bem o recado, assimilou bem e viu que era uma ameaça real
né...então talvez... fez sentido para o senhor, funcionou a primeira ameaça e
talvez a segunda...
Júlio: A minha dificuldade é talvez dizer, como o Youssef falou, falou ‘ó,
quem tava por trás disso era o Eduardo Cunha’... isso é que eu não posso
dizer...
Procurador: E nem pode descartar... isso que eu tô querendo chegar
Júlio: Não posso descartar, como pode ter sido o nosso Renan Calheiros, por
que não?... Porque ele é do clube né doutor?!... quer dizer, isso eu não
consigo... aí eu corro um outro risco de entrar num...
Procurador: O senhor referiu (ininteligível) é importante isso dentro do
contexto que o senhor fala, da sinceridade que é importante na apuração dos
fatos, que o senhor não tem como indicar uma pessoa porque seria uma
leviandade, mas o senhor fez expressão que haveria um clube, havia um clube,
o senhor usou essa expressão...
Júlio: Não...o que eu me referi é o seguinte... quer dizer... quando o Fernando
vem e me diz ‘você vai ser prejudicado’ e quando você sabe dessas histórias
que circulam que ele é uma pessoa que pretensamente representava o PMDB e
como você tem a área de abastecimento, naquele momento sob o domínio do
PMDB, como você tem contratos importantes dentro da área de
abastecimento, ora aquilo era uma ameaça real... é... então fica o fantasma
dessa força política que pode vir contra você.”
70. Da leitura da transcrição fica evidente que os membros do Ministério Público
buscaram incessantemente induzir o delator em suas respostas e assumir hipóteses
levantadas pela acusação, de forma contrária ao que se espera do delator, que é
simplesmente relatar os fatos de que tem conhecimento. Além disso, deixaram de registrar
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parte essencial do relato do delator, em especial quando afirma que não poderia afirmar
que tais requerimentos teriam como autor o denunciado.
71. Especificamente a respeito do inverídico encontro entre JÚLIO CAMARGO,
FERNANDO SOARES e o ora denunciado, o Termo de declarações complementares nº 02 traz o
seguinte relato:
“QUE, no dia combinado, depois de melhor refletir, lembra-se que o motorista
do declarante buscou no aeroporto Santos Dumont; QUE o motorista do
declarante que o buscou e JOÃO LUIZ SOARES (vulgo JOCA); QUE ao
chegar ao local da reunião, ligou para FERNANDO SOARES, que ainda não
se encontrava no local; QUE FERNANDO SOARES pediu ao declarante para
aguardar alguns minutos, pois já estava chegando; QUE pouco depois, cerca
de 20 minutos depois, FERNANDO SOARES chegou conduzindo um veiculo
Toyota Hilux SW4, juntamente com o Deputado EDUARDO CUNHA no
edifício garagem, e deixou o carro na garagem; QUE então, os três entraram
juntos pela edifício garagem, pois a portaria estava fechada e se tratava de
prédio comercial; QUE FERNANDO SOARES tinha a chave do local; (...)” (fl.
844).
72. No entanto, o relato espontâneo de JÚLIO CAMARGO a respeito dos fatos é
complemente diverso – e tal relato não consta do termo – e, o que é mais espantoso,
ainda chega a pedir ajuda aos procuradores na descrição dos fatos, senão vejamos22:
“Júlio: O Fernando Soares então me apanhou no aeroporto Santos Dumont
e fomos juntos até esse endereço...
Procurador: Com que veículo que ele estava?
Júlio: Ele estava com uma Toyota... essa perua Toyota... como é que chama...
é
22 Relato entre 08:50 do Arquivo 00009 a 01:25 do Arquivo 00010 do Pendrive Julio 1-2 do Apenso 05_Oculto
HD.
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Procurador: Hilux...
Procurador 2: É caminhonete ou é perua?
Júlio: Perua.
(initeligível)
Procurador: Rav4.
Júlio: Não era a Rav4 não... não é aquela que tem a carroceria, é perua
mesmo...
Procurador: Toyota mesmo?
Júlio: É.
Advogada: SW4.
Procurador: Toyota SW4... é um jipe...
Júlio: É essa mesmo... é essa mesmo.
(após ver a foto do carro)
Procurador: o senhor acha que é essa aí?
Júlio: Não... é essa aí
Procurador 2: É essa aí então.
Procurador: A cor o senhor lembra?
Júlio: Não me lembro... na fazenda eu tenho uma dessa (ininteligível) que eu
me lembro que era essa aí...
Procurador 2: E aí vocês foram para o local...
Júlio: Fomos para o local... ahn...
Procurador 2: quem é que recebeu os senhores lá?
Júlio: entramos pelo edifício garagem, porque a portaria estava fechada...
Procurador: é um prédio comercial?
Júlio: Prédio comercial... e aí fomos para um andar que eu não me lembro
qual andar... mas um conjunto que deviam ter aproximadamente cinco seis
salas... nós ficamos numa sala, a maior delas, com uma mesa...
Procurador 2: mas como é que o senhor entrou lá?
Júlio: Junto com o Fernando Soares.
Procurador 2: Sim... mas ele tinha a chave?
Júlio: Sim, ele tinha a chave do local.
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Procurador 2: Não tinha ninguém no local quando o senhor chegou?
Júlio: Não tinha ninguém no local.
Procurador: O senhor chegou lá só o senhor e o...
Júlio: E o Fernando.
Júlio: Ficamos lá a postos e uns 15, 20 minutos depois chegou o deputado
Eduardo Cunha.
Procurador: Sozinho?
Júlio: Sozinho... O Fernando encaminhou... eu já estava na sala de reunião,
o Fernando encaminhou o deputado à sala onde eu estava e nossa reunião
foi...
Procurador: Ali naquele momento que o senhor conheceu então...
Júlio: Foi o momento que eu o conheci, e tivemos uma reunião muito
amistosa...
Procurador: O senhor... não tinha uma identificação na porta da sala...
Júlio: Pode até ter... eu não me recordo.
Procurador 2: O senhor estava sendo conduzido...
Júlio: Conduzido... e essas são uns detalhes que eu não...
Procurador 2: a gente pergunta porque às vezes...
Júlio: É lógico... seu eu soubesse eu...
Procurador: O que é importante é que nesse momento daqui em diante,
inclusive o senhor, bem passo a passo o senhor se recordasse, pra tentar
lembrar das circunstâncias, se colocar no mesmo contexto...
Júlio: Eu peço, por favor me ajudem, porque eu estou à disposição para
relatar mais detalhado possível...
Procurador 2: a espontaneidade do senhor em detalhar isso...
Júlio: Lógico...então... eu já estava na sala de reunião e o...”
73. Ou seja, o delator descreve, sem titubear, uma sequência de fatos com uma
enorme quantidade de detalhes e, de um instante para o outro, muda a sua versão e não
há o registro desse acontecimento no termo. Isso, consoante se demonstrará oportunamente,
somente se explica por uma razão: o delator estava inventando o suposto encontro com o ora
denunciado.
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74. No aditamento à denúncia, o Procurador-Geral da República faz juntar aos
autos um Termo Complementar de Colaboração de 13/10/2015 (fls. 2010/2013) prestado por
JÚLIO CAMARGO. Do registro audiovisual de tal oitiva constata-se que seus termos resultam de
uma simples confirmação de um Termo de declaração (fls. 2014/2016) formulado perante os
advogados daquele delator. É interessante notar que antes que o “depoimento” começasse, os
advogados repassam ao delator o que eles chamam de “suas [do delator] memórias”, “seus
[do delator] apontamentos” e um deles indica aonde estão os dados de “nome”, “datas” e
outros dados de uma planilha23. Ocorre que ao final da oitiva, enquanto os advogados do
delator conferiam a redação do termo de declarações, um deles solicita: “Dr. Júlio, o senhor
pode me passar as suas anotações, nas quais o senhor consta as datas...” , ao que o delator as
entrega falando: “Na verdade são as suas anotações”.24
75. De igual forma, relatos substanciais dos depoimentos de FERNANDO SOARES
não são traduzidos com fidelidade ou são omitidos na redução dos termos de declarações.
Apenas a título de exemplo, o denunciado mostrará algumas – poucas, porque são diversas as
passagens em que se verificam essas falhas – dessas omissões ou incorreções nos textos.
76. Durante o depoimento FERNANDO SOARES, seu advogado e os procuradores,
discutiam de que forma seria melhor dividirem os termos de declaração em relação a operação
de contratação de navios-sonda e, espontaneamente, o delator explica a suposta participação
do ora denunciado, nesses termos:
“Fernando Soares: Eu queria explicar. Explica com gravação mesmo?
Procurador: Pode ser. Isso não tem problema não, a gravação não tem
problema não.
Fernando Soares: Porque o importante é o seguinte: é se vocês forem me
perguntar a forma como a denúncia foi feita do Eduardo Cunha não reflete
o que realmente aconteceu. O Eduardo Cunha nunca foi o meu sócio oculto
23 Mídia de fls. 2025 (Volume 10), Arquivo PGR-MCU02_13Oct15_16.57, entre 05:06 a 05:26. 24 Mídia de fls. 2025 (Volume 10), Arquivo PGR-MCU02_13Oct15_16.57, entre 1:23:10 a
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nesse negócio das sondas. Na verdade, quando aconteceu o negócio das
sondas eu nem conhecia o Eduardo Cunha. Eu vim a conhecer o Eduardo
Cunha em 2009.
Procurador: Não, é, isso a gente vai por. É que, é o que a gente tinha na
época, na verdade.
Fernando Soares: Então na verdade o Eduardo Cunha entrou num momento
que eu já tava desde 2007 tentando receber do Júlio Camargo e o Júlio
Camargo não pagava. Ficava enrolando, enrolando, aquela história toda. Aí
eu vim conhecer Eduardo Cunha em 2009, em 2000 e..., final de 2010 começo
de 2011 a gente conversando sobre eleições, não sei o que, dizendo porra eu
to precisando arrumar dinheiro para a campanha, não sei o que, essa coisa
toda, aí eu disse, pô Eduardo, eu tenho um assunto que se você me ajudar a
resolver eu ajudo na campanha, inclusive é aí que eu digo aí foi exatamente
onde houve a primeira vez aonde saiu um dinheiro de meu bolso pra dar a
político, que eu nunca tinha feito isso, aí eu falei a ele da história do Júlio que
tava me devendo, que não me pagava, ficava enrolando, não sei o que, e aí ele
me disse, eu vou ver como a gente pode pressionar.”25
77. Não obstante a clareza do depoimento do delator e a afirmação de que isso
constaria do termo, esses fatos não foram transcritos com o mesmo grau de exatidão e ênfase
nos termos de declaração juntados aos autos. Aliás, verifica-se que os procuradores
resolveram repartir os fatos relacionados à contratação dos navios-sonda em diversos
depoimentos – aos quais o ora denunciado não teve acesso até o momento – impossibilitando
a concretização da garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório pelo
denunciado.
78. Outra parte importante do depoimento de FERNANDO SOARES que não consta
nos termos disponibilizados ao denunciado está registrado no arquivo M2U00001 em que
25 Arquivo M2U00007, Fernando Soares 20150909_2, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 03:18 e 04:54.
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o delator diz: “Inclusive essa parte política, como eu disse, eu nunca tive relação com
nenhum político do PMDB”26.
79. E em outra oportunidade Fernando reitera27:
“Fernando: Eu nunca tive realmente essa aproximação com agentes políticos
e procurei me distanciar mais, por isso que eu digo: é muito estranho quando
eu digo que é... se vocês forem ver todas as investigações, todos os
depoimentos, eu era o operador do PMDB, mas eu não repassava nenhum
dinheiro para ninguém do PMDB, porque...
Procurador: Só para as pessoas indicadas...
Fernando: Nem para as pessoas indicadas... que pessoas indicadas?
Procurador: O Altair por exemplo.
Fernando: Não, aí é que está... eu estou falando do caso específico do
Eduardo Cunha, não foi uma coisa que envolveu um negócio...
Procurador: Ah tá...generalizado para um partido político...
Fernando: Sim, e que não envolveu uma negociação como o Júlio fala, que o
Eduardo Cunha era meu sócio oculto, ele não participou do negócio das
sondas, ele participou de um negócio que foi me ajudar a cobrar...”
80. No entanto, novamente, essa explicação de que o ora denunciado não
participou de qualquer negociação de contratação de sondas pela Petrobrás não consta
dos termos de declaração.
81. No termo de declarações nº 03, constou a seguinte passagem a respeito dos
requerimentos de informações: “QUE questionado se sabe se EDUARDO CUNHA e EDISON
LOBÃO trataram do tema, disse que nunca perguntou isso a EDUARDO CUNHA, mas
acredita que sim, pois EDISON LOBÃO pediu que JÚLIO CAMARGO resolvesse a questão
com o depoente; QUE acredita que tenha sido EDUARDO CUNHA, ou alguém a seu mando,
26 Arquivo M2U00001, Fernando Soares 20150909_1, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 48:54 e 49:01. 27 Arquivo M2U00017, Fernando Soares 20150910_2, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 49:37 e 50:42.
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que tratou a questão com EDISON LOBÃO, pois ele era um senador do PMDB que estava
exercendo um cargo de Ministro;” (fls. 2055/2056). No entanto, a transcrição do registro
audiovisual revela que o depoimento teve o seguinte conteúdo28:
“Procurador: O senhor sabe se o Júlio... o Edison Lobão e o Eduardo Cunha
trataram desse tema?
Fernando: Eu acredito que sim, eu nunca perguntei isso ao Eduardo certo,
mas alguém tratou com o Lobão pra ele orientar o Júlio a me procurar,
alguém tratou com ele.
Procurador: No depoimento do Júlio ele fala que no primeiro contato que
teve com o Lobão ele já associou a situação ao Eduardo Cunha...
Fernando: Ah, então ele já poderia saber...
Procurador: Pois é... como é que ele saberia disso antes mesmo de um
contato do Júlio Camargo?
Fernando: Só se já tivesse alguma coisa acertada entre eles... esse detalhe eu
não tenho... eu nunca conversei com Eduardo como foi operacionalizado essa
história da Solange, essa história do Lobão, se o Lobão tinha participação se
o Lobão não tinha participação, o que foi relatado a mim, que no meu
entendimento da forma como o Júlio me relatou que o Lobão tinha
conhecimento de alguma coisa foi o fato do Lobão ter orientado ele a me
procurar, por que que o Lobão não fez... a partir do momento que ele soubesse
que a história era com Eduardo o Lobão não chamava o Eduardo e dissesse
‘Eduardo vamos fazer uma reunião aqui com o Júlio pra tentar resolver não
sei o que’ estranho né? É isso que... o que eu sei é isso: O Júlio me disse que...
e ele me falou como se fosse uma segunda conversa, que ele teve uma primeira
conversa com o – foi isso que eu entendi – que ele teve uma primeira conversa
com o ministro e em seguida o ministro – meu entendimento foi esse, posso
estar equivocado – que no segundo momento o ministro falou pra ele que ele
deveria me procurar porque ele tinha uma pendência comigo e ele precisava
resolver essa pendência.
28 Arquivo M2U00013, Fernando Soares 20150910_1, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 15:37 e 19:08.
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Procurador: Tá.
(Procurador lê a forma que redigiria o texto e pede a confirmação de
Fernando)
Fernando: Eu acho que você poderia até botar num segundo momento, porque
ele pode até ter estado lá naquele, nessa reunião que você (procurador)
relatou agora falou para o Lobão falando ‘ó, ele sabe que ele tem que resolver
isso com o Fernando Soares, procura ele, não sei o que’ e aí ele desligou o
telefone e falou pra ‘ó, procura o Fernando Soares que você tem uma
pendência com ele’, esses detalhes eu não tenho, eu estaria sendo leviano se
eu disse que sei que foi isso que foi aquilo, não posso afirmar...
Procurador: Você crê na possibilidade de que ele tenha se inteirado dos fatos
através de outra pessoa que não Eduardo Cunha?
Fernando: Quem o Lobão?
Procurador: Isso.
Fernando: Não acredito.
Procurador: Então você considera mais provável e mais plausível que tenha
sido com o próprio Eduardo Cunha?
Fernando: ou que Eduardo Cunha tenha mandado intermediário para
conversar com ele.”
82. Ou seja, do efetivo diálogo ocorrido, verifica-se que a hipótese que constou do
termo, qual seja, de que Eduardo Cunha, ou alguém a seu mando, tenha conversado com
Lobão sobre os requerimentos, somente veio à tona após a interferência do procurador
induzindo a resposta do delator, bem como o fato em si trata-se de pura e simples
especulação.
83. No mesmo termo de declarações nº 03, consta que FERNANDO SOARES teria se
referido à inverídica reunião entre ele, JÚLIO CAMARGO e o ora denunciado como ocorrida em
agosto. Apenas após ter sido alertado pelo procurador de que a denúncia formulada em
face do ora denunciado indicava que a reunião teria ocorrido em setembro é que o delator
aceita a sugestão do procurador. Ademais, ao justificar a mudança de data, o termo informa
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que “o depoente acredita que realmente possa ter se equivocado, pois em geral em julho o
depoente está viajando e se trata de recesso parlamentar” (fl. 2056). No entanto, do registro
audiovisual constata-se que quem afirma inicialmente se tratar de recesso parlamentar
era o procurador que redigia o termo e não o delator29.
84. Reitere-se, esses são apenas poucos exemplos de fatos que desacreditam os
termos de declaração dos delatores, porque na realidade são diversas as passagens em que se
verificam os vícios apontados acima. No entanto, como os relatos são absolutamente
inverídicos e, por tal razão, não encontram respaldo probatório – nem mesmo em caráter
indiciário – em outros elementos, deixa-se apenas registrado esses exemplos.
ILEGALIDADE DA JUSTIFICATIVA PELA AUSÊNCIA DE REGISTROS AUDIOVISUAIS DO TERMO
DE DECLARAÇÕES COMPLEMENTARES Nº 3 E DO TERMO DE ACAREAÇÃO, JÁ REFERIDOS.
85. Na petição nº 54268 (fls. 2120/2126) o Procurador-Geral da República informa
que nos atos investigatórios referentes ao depoimento de JÚLIO CAMARGO, documentado no
Termo Complementar de n. 3, e na acareação entre JÚLIO CAMARGO e PAULO ROBERTO
COSTA, “não houve gravação no dia, por impossibilidade de ordem técnica – o que não
impossibilitou a realização dos atos, conforme prevê o art. 4º, § 13, da lei n. 12.850/2013.”
Essa justificativa foi aceita na decisão de fls. 2158/2160, sem questionamentos.
86. Ao ver do denunciado, o comando do §13 do art. 4º da Lei nº 12.850/201330
não pode ser interpretado como se a providência prevista possa ser dispensada diante de
suposta dificuldade técnica momentânea. A expressão “sempre que possível” deve ser
entendida no sentido de que somente se pode dispensar a utilização dos recursos indicados na 29 Arquivo M2U00014, Fernando Soares 20150910_1, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 07:42 e 12:07. 30 “Sempre que possível, o registro dos atos de colaboração será feito pelos meios ou recursos de gravação
magnética, estenotipia, digital ou técnica similar, inclusive audiovisual, destinados a obter maior fidelidade das
informações.”
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norma, quando estiver presente uma causa que não possa ser superada, senão com prejuízo à
própria obtenção do depoimento. Vale dizer, em hipóteses tais em que o adiamento do ato,
para a superação do obstáculo, importe na impossibilidade de sua realização em outra
oportunidade. O que não é o caso dos autos.
87. A norma em questão não deixa na esfera discricionária dos órgãos de
investigação a decisão de adotar ou não os recursos nela indicados. É que o objetivo da regra
é garantir a “maior fidelidade das informações”. E a fidelidade das informações não é direito
que deve ser assegurado apenas aos órgãos de investigação, mas também, e na mesma
medida, aos investigados.
88. A verificação realizada pelo denunciado, em diversas hipóteses, tem constatado
importantes divergências entre o que consta dos registros audiovisuais e o que foi reduzido a
termo. E isso tem implicações significativas para garantia do contraditório e da ampla defesa,
na medida em que a acusação considera a redação dos termos de declarações como a
expressão definitiva da verdade.
89. Ademais, interpretação diversa inviabilizaria, na prática, a apuração de
eventuais condutas de descumprimento do §13 do artigo 4º da Lei nº 12.850/2013, pelos
órgãos de investigação.
90. No caso em exame, em que há fundadas suspeitas de que a nova versão dos
fatos informados pelo JÚLIO CAMARGO não foi espontânea, e os registros audiovisuais
revelam discrepâncias entre as afirmações feitas e a redação constante dos respectivos termos
de declarações, era de se exigir o máximo de cautela dos órgãos de investigação. Aliás, ao
que se sabe, foram realizados centenas de registros audiovisuais a indicar que o órgão
acusador dispõe de recursos técnicos adequados e suficientes para cumprir a exigência
legal.
91. A rigor, a preservação da validade de depoimento colhido sem registro
audiovisual não pode ficar assentada apenas na alegação de dificuldade técnica passageira
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feita pelo órgão da acusação. Há de se exigir uma comprovação efetiva de que havia uma
impossibilidade intransponível de atender ao comando legal. O que, certamente, não é a
hipótese dos autos, visto que depoimento posterior de JÚLIO CAMARGO foi devidamente
registrado.
92 Portanto, referidos termos de declarações complementar e de acareação são
nulos e imprestáveis como elementos informativos razão pela qual o denunciado requer
sejam desentranhados dos autos.
DA VIOLAÇÃO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL
93. O denunciado já demonstrou, em agravo regimental interposto anteriormente,
que o pedido de abertura de inquérito fora feito sem que houvesse elementos probatórios que
o justificassem. A despeito disso, pouco tempo depois foi oferecida denúncia, igualmente órfã
de consistência probatória, circunstância que levou a acusação a prosseguir com as
investigações, especialmente a celebração de um acordo de delação premiada com FERNANDO
SOARES, cujas informações, embora inconsistentes, motivou um aditamento da denúncia.
94. Na presente resposta o denunciado está demonstrando que inexiste suporte
probatório mínimo capaz de autorizar o recebimento da denúncia. Tal circunstância é
confirmada pela iniciativa da acusação de solicitar e obter autorização a prática de atos
constritivos em busca de elementos probatórios, a três dias do final do prazo para a defesa
preliminar.
95. Como é do conhecimento público, no dia 15 do corrente mês foram realizadas
diligências de busca e apreensão nas residências e no escritório político do denunciado com o
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objetivo, pelo menos em parte31, de obter provas para serem utilizadas em relação às
imputações feitas nestes autos.
96. Ocorre que tal conduta heterodoxa do órgão da acusação – que, a despeito de
ter oferecido a denúncia e apresentado aditamento, prossegue realizando atos de investigação,
especialmente sobre os fatos imputados – não encontra respaldo no procedimento dos
artigos 4º, 5º e 6º da Lei nº 8038/90, de modo que viola a garantia do devido processo legal
(CF/88, art. 5º caput, II) em razão da ilicitude da prova colhida.
97. Em hipótese semelhante, na qual junto com o oferecimento da denúncia foram
requeridas medidas constritivas (quebra de sigilo e busca e apreensão), este Supremo Tribunal
Federal, no julgamento do HC 84.224-1-DF, originariamente relatado pelo Ministro Gilmar
Mendes e, depois, pelo Ministro Joaquim Barbosa, como relator para o acórdão, reconheceu
expressamente que não poderiam ser utilizados na respectiva ação penal os elementos
probatórios colhidos após o oferecimento de denúncia e notificação do acusado, sob pena
de violação ao devido processo legal, apesar de no caso concreto não ter deferido a ordem, na
medida em que as provas obtidas referiam-se a fatos não contidos na denúncia. Veja-se:
“Assim, resta analisar se a determinação de busca e apreensão e de quebra de
sigilo, neste momento anterior à resposta, violou ou não o devido processo
legal e o direito ao contraditório preambular.
E a resposta, clara, ao meu ver, é negativa. Isto porque a autorização da
quebra do sigilo e da realização de busca e apreensão nos endereços do
paciente não tem relação com os fatos a ele imputados, e dos quais deveria,
naquele momento, se defender. As medidas, embora pedidas no bojo da
denúncia, têm por fim a apuração de outros ilícitos, cujos indícios estariam
presentes nos diálogos transcritos pela acusação. (...)
(...)
31 Como o denunciado ainda não teve acesso a Ação Cautelar nº 4044, está se louvando em informações
divulgadas, com riqueza de detalhes, pelos meios de comunicação.
REGINALDO OSCAR DE CASTRO
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Assim, não se pode falar em prejuízo ao direito de defesa em razão da
decretação das medidas, uma vez que tais medidas não têm relação com os
fatos de que o paciente deve se defender.
Reconheço que as provas eventualmente colhidas em decorrência das
medidas judiciais decretadas após o oferecimento da denúncia não poderão
constar do acervo probatório a respeito do qual deverá o paciente se
pronunciar em sua defesa. Sem dúvida isso violaria o devido processo legal.
Mas nada impede que esse novo acervo seja autuado em autos distintos e
venha eventualmente a instruir uma outra ação penal. (...).”32
98. A questão foi longamente debatida na Turma e a ilegalidade naquele caso
somente foi desprezada porque ficou estabelecida a integral desconsideração dos elementos
probatórios colhidos. O Ministro CEZAR PELUSO asseverou na oportunidade:
“Como o voto do Ministro Joaquim Barbosa está
desconsiderando todas as diligências para efeito da ação penal, não há
nenhuma repercussão no processo, porque o paciente teve os quinze dias para
se defender, e, desconsideradas as provas trazidas a pretexto das diligências
do Relator e retiradas dos autos.”
99. Portanto, o denunciado requer que qualquer material probatório que
eventualmente venha a ser arrecadado em razão das diligências realizadas recentemente
(15.12.2105) não seja entranhado nestes autos, nem em qualquer outro procedimento
que verse sobre os fatos descritos na denúncia oferecida nestes autos. Em caso de
entendimento contrário, requer seja reconhecida a nulidade dos atos investigatórios
praticados no curso do prazo para a sua defesa, por violação ao devido processo legal.
32 HC 84224/DF, Rel. p/ Acórdão Joaquim Barbosa, Segunda Turma, DJe 16.05.2008. Trecho do voto do
Ministro Joaquim Barbosa.
REGINALDO OSCAR DE CASTRO
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CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE A INVESTIGAÇÃO E A DENÚNCIA
100. Para requerer a abertura do Inquérito nº 3.983/DF, o Procurador-Geral da
República havia se apoiado, exclusivamente, em depoimentos prestados pelo delator
ALBERTO YOUSSEF em 13.10.2014 (Termo n. 13 – fls. 14/17) e em 11.02.2015 (Termo n. 15 –
fls. 52/56), e no de JAYME ALVES DE OLIVEIRA FILHO.
101. Ante a manifesta inconsistência e inidoneidade dos referidos depoimentos, e
das ilações constantes do pedido de abertura do inquérito, todos incapazes de gerar
credibilidade e de ostentarem a qualidade de indícios, o denunciado interpôs agravo
regimental (fls. 243/258) contra a decisão que acolheu o requerimento do Procurador-Geral da
República, onde teve oportunidade de demonstrar a ausência de fundamento para a
investigação.
102. O agravo regimental não foi apreciado e, sem que houvesse a obtenção de
elementos probatórios pertinentes e consistentes, mas apenas um inusitado depoimento de
outro delator em primeira instância (JÚLIO CAMARGO), divergente de inúmeros outros
anteriores, o Procurador-Geral da República decidiu oferecer denúncia sem que existam
elementos mínimos que a justifiquem, conforme será demonstrado oportunamente.
103. A denúncia sustenta que o denunciado teria praticado condutas penalmente
ilícitas, que se qualificariam como corrupção passiva, crime previsto no art. 317, caput, e par.
1º c/c art. 327, parágrafos 1º e 2º, por 2 (duas) vezes, em concurso material (art. 69), na
forma do art. 29, todos do Código Penal, e lavagem de dinheiro, crime tipificado no art. 1º,
incisos V, VI e VII, da Lei nº 9.613, por 60 vezes, em concurso material (art. 69 do Código
Penal), tudo na forma do art. 29 do Código Penal.
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104. Abre-se agora oportunidade para o denunciado avaliar criticamente os
elementos apurados, e demonstrar, perante Judiciário, que as imputações feitas, além de
descritas de modo confuso, estão desprovidas de suporte probatório sério e idôneo33. Até
então o denunciado assistiu, na imprensa em geral, a um festival de notícias descompromissas
com a verdade. Ademais, tem a certeza de que esse Supremo Tribunal Federal apreciará a
viabilidade ou não da denúncia estritamente à luz dos elementos indicados pela acusação
nestes autos.
105. O denunciado também tem certeza que essa Corte Suprema examinará com a
necessária cautela, bem como com rigorosa atenção às garantias constitucionais asseguradas a
qualquer acusado, (i) a utilização da delação premiada como meio de obtenção de prova; (ii) a
necessidade de sua prévia homologação pelo Tribunal competente, sempre que se referir
a pessoa com prerrogativa de foro, definindo os requisitos de sua validade e eficácia, assim
como (iii) a credibilidade que se há de conferir às afirmações feitas pelos delatores,
mormente àquelas que variam ao sabor da conveniência e/ou são fruto manifesta indução
dos órgãos de investigação, bem como as desprovidas de qualquer espécie de comprovação
consistente.
106. Os instrumentos utilizados pelos órgãos de investigação devem ser manejados
com observância estrita aos princípios legais, e o uso indiscriminado deles não pode ser
validado ao custo de qualquer espécie de restrição às garantias conferidas ao acusado.
Algumas das questões já foram deduzidas nas preliminares e outras serão apresentadas
oportunamente.
107. Como a denúncia descreve – e tal situação não foi alterada no aditamento
superveniente – as supostas condutas criminosas sem que se verifique, como deveria
ocorrer, uma precisa definição temporal, é conveniente deixar bem claro, desde logo, que 33 Esse Supremo Tribunal Federal já deliberou que: “A justa causa para a ação penal consiste na exigência de
suporte probatório mínimo a indicar a legitimidade da imputação e se traduz na existência, no inquérito policial
ou nas peças de informação que instruem a denúncia, de elementos sérios e idôneos que demonstrem a
materialidade do crime e indícios razoáveis de autoria. Precedentes.”(Inquérito 3719/DF, relator Ministro Dias
Toffoli, 1ª Turma, DJe 30.10.2014)
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se imputam ao denunciado: a) duas específicas condutas que se caracterizariam como
corrupção passiva e que teriam ocorrido nos anos de 2006 e 2007; e b) inúmeros
comportamentos que se tipificariam como lavagem de dinheiro, estes realizados após a
consumação dos crimes de corrupção passiva.
108. Tal esclarecimento prévio é indispensável porque, pela forma como os fatos
foram descritos, a peça acusatória de modo subliminar sugere que supostos fatos ocorridos no
ano de 2011 integrariam os também supostos crimes de corrupção passiva cometidos e
consumados em 2006 e 2007. Fica muito claro que a narrativa foi elaborada deliberadamente
de modo confuso, na medida em que não especifica quando, onde e de que modo se
realizaram, com a desejável precisão, as ações típicas, visando, assim, encobrir a manifesta
falta de elementos probatórios pertinentes a cada espécie de delito. Tal defeito será
analiticamente demonstrado no momento oportuno.
AS IMPUTAÇÕES FORMULADAS
109. Afirma-se na denúncia que: A) “no período compreendido entre 14 de junho de
2006 e outubro de 2012, com condutas praticadas ao menos no Rio de Janeiro/RJ e
Brasília/DF, o denunciado EDUARDO CUNHA solicitou para si e para outrem e aceitou
promessa de vantagem indevida no montante aproximado de US$ 15.000.000,00 (quinze
milhões de dólares) de JÚLIO GERIM DE ALMEIDA CAMARGO (“JÚLIO CAMARGO”),
em razão da contratação pela PETROBRÁS do navio-sonda PETROBRÁS 10000 com o
estaleiro SAMSUNG HEAVY INDUSTRIES CO., na Coreia do Sul,...; B) “ademais, no
período entre fevereiro de 2007 e outubro de 2012, com condutas praticadas ao menos no Rio
de Janeiro/RJ e Brasília/DF, o denunciado EDUARDO CUNHA solicitou e aceitou promessa
para si e para outrem, direta e indiretamente, vantagem indevida no montante aproximado de
US$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de dólares) de JÚLIO CAMARGO, a fim de que
fosse realizada a contratação do navio-sonda VITORIA 10000 com o estaleiro SAMSUNG
HEAVY INDUSTRIES CO., na Coreia,...; C) “por fim, uma vez já consumados os delitos de
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corrupção ativa34, o denunciado EDUARDO CUNHA ocultou e dissimulou a natureza,
origem, localização, disposição, movimentação e propriedade de valores provenientes direta
e indiretamente, do crime contra a Administração acima mencionado, mediante o
recebimento fracionado de valores no exterior, em contas de empresas offshore e por meio de
empresas de fachada, mediante simulação de contratos de prestação de serviços e, ainda,
pagamento de propina sob a falsa alegação de doações para Igreja”.
110. Sustenta também a peça acusatória que para o cometimento dos delitos
referidos nas alíneas A e B acima, o denunciado “contou com a participação de SOLANGE
ALMEIDA, então no exercício de mandato de Deputada Federal, de FERNANDO ANTÔNIO
FALCÃO SOARES (“FERNANDO SOARES”) e de NESTOR CUÑAT CERVERÓ (“NESTOR
CERVERÓ”), este último na qualidade de diretor da área internacional da Petróleo
Brasileiro S.A., na época e em razão desta função exercida todos agindo em concurso e
unidade de desígnios”. De outra parte, para o cometimento do crime de lavagem de dinheiro,
o denunciado “teve o concurso de FERNANDO ANTÔNIO FALCÃO SOARES, NESTOR
CUÑAT CERVERÓ, JÚLIO GERIN DE ALMEIDA CAMARGO (“JÚLIO CAMARGO”) e
ALBERTO YOUSSEF (“YOUSSEF”), todos agindo com unidade de desígnios”.
111. Portanto, a denúncia, e o aditamento posterior que não a alterou no particular
aspecto, atribui ao denunciado o cometimento, em co-autoria, de dois delitos de corrupção
passiva que teriam sido praticados em 2006 e 2007 e, após a consumação de tais delitos
como está destacado na peça inaugural (fls. 05 da denúncia), a prática de diversas outras ações
tipificadas como crimes de lavagem de dinheiro.
112. Na peça acusatória, o Procurador-Geral da República, depois de afirmar que
EDUARDO CUNHA “era ‘sócio oculto’ de FERNANDO SOARES”, torna explícito, que a
suposta atuação do denunciado nos delitos de corrupção passiva era “para garantir a
manutenção do esquema ilícito implantado no âmbito da PETROBRÁS, omitindo-se em
34 O Procurador-Geral da República certamente incorreu em engano, pois quer se referir ao delito de corrupção
passiva.
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interferir ou impedir a contratação do estaleiro SAMSUNG, assim como para manter os
indicados políticos em seus cargos na referida sociedade de economia mista”.
113. É importante assinalar que a descrição das supostas ações é fruto da pura
imaginação do órgão de acusação, visto que nem JÚLIO CAMARGO, nem FERNANDO SOARES,
nem mesmo qualquer outra pessoa, se referem a elas. Aliás, FERNANDO SOARES refuta
veementemente essa hipótese, como já demonstrado acima.
114. Noticia a denúncia que FERNANDO SOARES, NESTOR CERVERÓ, JÚLIO
CAMARGO e ALBERTO YOUSSEF já foram denunciados, e os três primeiros condenados, por
esses mesmos fatos nos autos n. 5083838-59.2014.404.7000, perante a 13ª Vara Federal de
Curitiba, em razão de desdobramento anteriormente solicitado. Já ALBERTO YOUSSEF foi
absolvido.
115. É relevante observar que a maior parte dos fatos afirmados na denúncia foram
noticiados ao Procurador-Geral da República por JÚLIO CAMARGO, supostamente como
delator35, segundo relevam os termos de declarações complementares nº 02, de 10.06.2015
(fls. 832/850) e nº 3, de 21.07.2015 (fls. 852/856), depoimentos estes prestados mais de oito
meses depois daqueles objeto dos termos nº 4 e nº 7 (doc. 1 que acompanha a denúncia).
Justamente nessa época, a imprensa noticiava que referido delator, sob pena de rompimento
do acordo anterior, estava sendo pressionado para falar sobre o ora denunciado. Outra parte
dos fatos reportam-se aos depoimentos dos delatores ALBERTO YOUSSEF e PAULO ROBERTO
COSTA. Finalmente, no aditamento à denúncia o órgão acusador refere-se a afirmações do
delator FERNANDO SOARES.
35 JÚLIO CAMARGO, de acordo com manifestação apresentada pelo órgão acusador na Pet. 5671, somente
celebrou acordo de colaboração perante a Justiça Federal em Curitiba, porque citado delator, na época, não teria
feito referência a pessoas com prerrogativa de foro. A invalidade dos termos de declarações de Júlio Camargo
foi demonstrada nas preliminares apresentadas na parte inicial da presente resposta.
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116. As circunstâncias que antecederam os últimos depoimentos de JÚLIO
CAMARGO, e diversos trechos extraídos dos registros audiovisuais dos depoimentos que não
constaram dos respectivos termos, comprovam que o referido delator, com medo de perder
as pródigas vantagens que recebeu no acordo de delação36, selecionou episódios e
acontecimentos que eventualmente vivenciou no seu longo histórico de atividades ilícitas
junto à PETROBRÁS e os aproveitou para tentar incluir o denunciado nos fatos supostamente
relacionados com as aquisições de navios-sonda junto a SAMSUNG, como será demonstrado no
decorrer dessa peça defensiva. O mesmo pode ser dito em relação às afirmações de
FERNANDO SOARES referidas no aditamento à denúncia.
117. A denúncia também se reporta a três episódios que revelariam condutas
supostamente praticadas pelo denunciado no ano de 2011, a partir das quais poder-se-ia
concluir que esteve envolvido nos delitos de corrupção passiva descritos na denúncia.
Também se refere a dois depósitos efetuados em favor da Igreja Evangélica Assembléia de
Deus que serviriam de indício de participação nos delitos de lavagem de dinheiro.
118. No aditamento à denúncia, o Procurador-Geral da República refere-se a
pagamentos em dinheiro e ao recebimento de valores em “horas de voo”, afirmações estas
extraídas de depoimentos de FERNANDO SOARES e JÚLIO CAMARGO.
119. O exame crítico que se fará, individualmente, a propósito de tais episódios e
documentos revelará que as ilações feitas pela acusação são falsas, inconsistentes e
irrelevantes como elementos indiciários.
36 O Ministério Público Federal no Paraná ofertou a Júlio Camargo no acordo de colaboração firmado em
22.10.2014, dentre outros, os seguintes benefícios: a) substituição do regime de penas restritivas de liberdade,
por regime aberto; b) possibilidade de viagens nacionais sem necessidade de comunicação prévia ao juízo e até
mesmo viagens internacionais, com comunicação prévia de uma semana; c) a isenção total de responsabilidade
civil e por atos de improbidade de Júlio Camargo e suas empresas. Conferir a Cláusula 5ª, I, IV e §7º do
Termo de Colaboração Premiada. Ação Penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000, Evento 19.
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O ADITAMENTO À DENÚNCIA
120. Sem que estivessem (e ainda não estão) nos autos todos os elementos colhidos
pela acusação, como ficou demonstrado nas questões preliminares acima, circunstância que
impedia o exercício do direito de defesa e, em consequência, o início do curso do prazo de
resposta à acusação, o Procurador-Geral da República, apoiado em depoimentos do delator
FERNANDO SOARES e de um termo complementar de colaboração de JÚLIO GERIN DE
ALMEIDA CAMARGO, datado de 13.10.2015, formulou aditamento à denúncia (fls. 2001/2009)
anteriormente apresentada.
121. No referido aditamento o órgão acusador, em resumo, reafirma a imputação
feita na denúncia e insiste na suposta atuação do denunciado, no ano de 2011, no sentido de
pressionar JÚLIO CAMARGO para que este efetuasse o pagamento de suposto valor
remanescente devido a FERNANDO SOARES em razão dos contratos com a SAMSUNG a
respeito de navios-sonda celebrados com a Petrobras em 2006/2007. Afirmou, ademais,
louvado em informação do delator FERNANDO SOARES que este, posteriormente, teria
repassado valores em dinheiro ao ora denunciado, mediante a entrega do numerário no seu
escritório político localizado no Rio de Janeiro.
122. É importante assinalar que o delator FERNANDO SOARES, na maior parte dos
seus depoimentos, refere-se ao denunciado para dizer que, por sua própria inciativa,
utilizava-se do nome do deputado EDUARDO CUNHA junto a JÚLIO CAMARGO para dar força a
sua cobrança, mas sempre deixando claro que EDUARDO CUNHA não teve qualquer
participação quando da realização dos negócios em 2006 e 2007. Aliás, o próprio FERNANDO
SOARES reafirma em diversas oportunidades que somente conheceu EDUARDO CUNHA no
ano de 2009. Tal observação é importante porque muitas vezes nos termos de declarações
FERNANDO SOARES faz referência a EDUARDO CUNHA apenas com o propósito de enganar
JÚLIO CAMARGO, sem que o fato fosse verdadeiro.
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123. Consta ainda no aditamento que, além dos depósitos para a Igreja Evangélica
Assembléia de Deus, o denunciado teria recebido pagamento (R$ 122.245,00) em horas de
vôo quitadas por empresa de JÚLIO CAMARGO. Desta forma, para a acusação, o denunciado
teria recebido até setembro de 2014 valores decorrentes suposta propina relacionadas com a
contratação de navios-sonda pela Petrobras nos anos de 2006 e 2007.
124. O conteúdo da petição de aditamento, que se releva inconsistente, será
apreciado a seguir em conjunto com o exame denúncia originária.
AS DEFICIÊNCIAS DA DENÚNCIA E DO SEU ADITAMENTO
125. São diversas as razões que demonstram que a denúncia, bem como o
subsequente aditamento, não preenchem os requisitos do artigo 41 do Código de Processo
Penal, o que certamente levará a rejeição dos dois atos de imputação.
126. Para que se possa reconhecer a validade e a eficácia da denúncia esta precisa
obedecer a duas exigências básicas: a) conter uma adequada descrição do fato criminoso37;
e b) apresentar um suporte probatório mínimo38 ou justa causa.
37 É o que ensinam, entre outros, Eugênio Pacelli e Douglas Fischer: “Veja-se, por exemplo, que a exposição
do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, tem por objetivo a satisfação do princípio da ampla defesa.
A preocupação é com a descrição completa do fato, com a inclusão de todas as elementares do tipo, bem como
de suas circunstâncias.” (in Comentários ao Código de Processo Penal e sua Jurisprudência, Editora Atlas, 4ª
edição Revista e Atualizada, 2012, p. 99). O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a propósito: “No art.
41, a lei adjetiva penal indica um necessário conteúdo positivo para a denúncia. É dizer: ela, denúncia, deve
conter a exposição do fato normativamente descrito como criminoso, com suas circunstâncias, de parte com a
qualificação do acusado, a classificação do crime e o rol de testemunhas (quando necessário). Aporte factual,
esse, que viabiliza a plena defesa do acusado, incorporante da garantia processual do contraditório. Já o artigo
395 do mesmo diploma processual, esse impõe à peça acusatória uma conteúdo negativo. Se, pelo primeiro, há
uma obrigação de fazer por parte do Ministério Público, pelo art. 395, há uma obrigação de não fazer.” (in
Inquérito 2486-AC, rel. Min. Carlos Britto, 08/11/2009).
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127. A narrativa do fato deve permitir ao denunciado, por um lado, o adequado
exercício do direito de defesa, conforme estabelece o artigo 5º, inciso LV, da Constituição
Federal, e por outro revelar, por si só, que o acontecimento descrito e apreciado em face da
norma penal constitui crime.
128. Não basta que esteja descrita a suposta conduta do denunciado. A norma legal
exige que a descrição da conduta permita a perfeita compreensão com relação à adequação ao
tipo penal. E a denúncia em questão e o seu aditamento, ao ver do denunciado, não atendem a
tais exigências.
129. Além do aspecto formal já destacado, a denúncia também deve atender a um
requisito de ordem material: apresentar suporte probatório mínimo ou justa causa em
sentido estrito. Vale dizer, os fatos imputados precisam estar apoiados no acervo probatório,
ou seja, a denúncia deve ter adequado respaldo fático-probatório. O denunciado fará a
oportuna demonstração, no que se refere às imputações que lhe foram dirigidas, que tal
requisito também não foi atendido.
DESCRIÇÃO INADEQUADA DOS FATOS IMPUTADOS
130. O órgão de acusação imputa ao denunciado a prática dos crimes de corrupção
passiva e de lavagem de dinheiro, mas por não dispor de um acervo probatório com
idoneidade para justificar as imputações, acabou deliberadamente por criar uma descrição
tumultuária de fatos que permitisse, em alguma medida, sugerir a caracterização dos
referidos delitos.
38 O Supremo Tribunal Federal já proclamou que: “A imputação penal não pode ser expressão arbitrária da
vontade pessoal do órgão acusador. A válida formulação da denúncia penal supõe a existência de base empírica
idônea, apoiada em prova lícita, sob pena de o exercício do poder de acusar – consideradas as graves
implicações de ordem ético-jurídica que dele decorrem – converter-se em abuso estatal. Precedentes.” (STF, 2ª
Turma, HC nº 80.542-6, relator Min. Celso de Mello, julgado em 15/05/2001, DJU de 29/06/2001, p. 34)
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131. Embora a denúncia, ao descrever as condutas que caracterizariam os delitos de
corrupção passiva, fixe o marco temporal do primeiro crime entre 14 de junho de 2006 e
outubro de 2012 e o do segundo, entre fevereiro de 2007 e outubro de 2012, há um
manifesto equívoco do órgão acusador. Isso porque o delito de corrupção passiva não é
permanente e, no caso, a consumação deles – caso tivessem sido praticados – teria ocorrido
em 2006 e 2007, respectivamente, com as supostas solicitações ou aceitação das promessas
de vantagens indevidas. Aliás, o próprio acusador afirma que os delitos de lavagem de
dinheiro teriam sido praticados “uma vez já consumados os delitos de corrupção”39.
132. As condutas tipificadas como corrupção passiva, consoante descritas na
denúncia, teriam sido praticadas, entre junho de 2005 (fl. 616) e março de 2007 (fl. 631), de
sorte que, na hipótese mais rigorosa, o segundo delito de corrupção passiva teria se
consumado em março de 2007. As supostas condutas caracterizadoras de lavagem de
dinheiro teriam se iniciado logo após a consumação de cada um dos delitos de corrupção
passiva40.
133. De acordo com a denúncia, no que se refere aos crimes de corrupção passiva, a
conduta atribuída ao denunciado seria “para garantir a manutenção do esquema ilícito
implantado no âmbito da PETROBRÁS, omitindo-se em interferir ou impedir a contratação
do estaleiro SAMSUNG, assim como para manter os indicados políticos em seus cargos na
referida sociedade de economia mista”.
134. Essas finalidades, obviamente, não poderiam ser atendidas por atos do
denunciado, pois não estão inseridas no âmbito de suas atribuições – como parlamentar – a de
interferir em atos negociais da PETROBRÁS. Da mesma forma, não lhe competia deliberar
sobre a nomeação de ocupantes de cargos daquela sociedade de economia mista. É dizer,
essas supostas condutas não guardam pertinência com a tipificação dos delitos de corrupção
passiva.
39 Denúncia, fl. 605. 40 A denúncia afirma que os supostos delitos de lavagem de dinheiro teriam sido praticados entre 16.09.2006 e
outubro de 2012 (p. 34 da denúncia), sendo que 34 deles no período entre 13.09.2006 e junho de 2008 (p. 35 da
denúncia).
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135. Ao descrever os fatos que, ao seu ver, constituiriam corrupção passiva, a
acusação não se reporta a um único episódio que se refira a uma ação praticada por
EDUARDO CUNHA. A denúncia, até porque está descrevendo fato sabidamente não verídico,
limita-se a apontar supostas condutas de FERNANDO SOARES, “sempre representando os
interesses do PMDB, mais especificamente do denunciado EDUARDO CUNHA e também de
NESTOR CERVERÓ...” (fls. 614/615).
136. Para tentar comprovar a suposta participação do denunciado nos dois crimes de
corrupção passiva que teriam sido praticados e consumados nos anos de 2006 e 2007, a
denúncia descreve como elementos indiciários supostos acontecimentos verificados em 2011,
ou seja, em momento que, quando muito, poderia ser qualificado como de exaurimento
daqueles supostos delitos.
137. Considerados os fatos resumidos acima – seja por descreverem
comportamentos penalmente irrelevantes, seja por se referirem, como elementos indiciários, a
fatos supostamente ocorridos após a consumação dos delitos –, não há dúvida de que as
descrições fáticas desatendem ao que determina o art. 41 do CPP. Ademais, a narrativa
acusatória também se revela contraditória.
138. O tipo do art. 317 do Código Penal admite três hipóteses de condutas, são elas:
(i) a conduta de solicitar, na qual o agente público tem uma atitude proativa em face de
terceiro, (ii) a conduta de receber, na qual a ação do agente público pressupõe o ato de
oferecimento praticado por terceiro e (iii) a conduta de aceitar promessa, na qual a ação do
agente público somente ocorre após o ato de promessa praticado por terceiro.
139. Essas possíveis dinâmicas delituosas impõem concluir, por razões de lógica
elementar, que (i) ou o agente público tem uma atitude proativa e efetivamente solicita a
vantagem indevida (ii) ou a sua conduta demanda um ato anterior de terceiro para então
aceitar promessa ou receber a vantagem indevida. É dizer, há incompatibilidade entre o ato
de solicitar e o ato de aceitar promessa, para fins de caracterização do delito de corrupção
passiva.
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140. No caso dos autos, a denúncia apresenta irremediável defeito ao descrever
ações delituosas de natureza incompatíveis, de sorte a revelar-se genérica. Isso porque, a
acusação afirma que foi praticado ato de corrupção passiva, no entanto não sabe de que forma
esse ato foi cometido – se por meio de solicitação ou de aceitação de promessa de vantagens
indevidas – em manifesta afronta ao artigo 41 do CPP e em prejuízo substancial à defesa.
141. A contradição somente se explica porque, como os fatos imputados não são
verdadeiros e não há nos autos um único elemento que apresente natureza probatória capaz
de indicar a realização de tais condutas por EDUARDO CUNHA, não passam de ilações feitas
pela acusação.
142. De outra parte, em relação ao delito de lavagem de dinheiro, apesar de a
denúncia afirmar que teria ocorrido “mediante o recebimento fracionado de valores no
exterior, em contas de empresas offshore e por meio de empresas de fachada, mediante
simulação de contratos de prestação de serviços e, ainda, pagamento de propina sob a falsa
alegação de doações para Igreja”, bem como por pagamentos em dinheiro ou recebimento de
valores em horas de voo, os elementos informativos produzidos durante a fase investigativa
não dão suporte mínimo à tese acusatória, consoante será demonstrado nessa peça defensiva.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O VALOR PROBATÓRIO DOS INDÍCIOS
143. Antes de passarmos a demonstrar que nenhum dos elementos informativos
produzidos durante toda a fase investigativa ostenta a qualidade de indício do cometimento
dos supostos ilícitos descritos na denúncia, cumpre tecer algumas considerações sobre a
natureza e a força probatória dos indícios.
144. O art. 239 do CPP assevera que “considera-se indício a circunstância
conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a
existência de outra ou outras circunstâncias”. Dessa descrição legal pode-se afirmar que
indício é um meio de prova. No entanto, o seu valor probatório pressupõe a observância de
certas condições.
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145. Antes de tudo, o indício – que pode ser um ato, um fato, um documento, uma
declaração, ou até mesmo uma circunstância – deve ser conhecido e provado. Ou seja, o fato
indiciário deve estar materialmente demonstrado nos autos, não se tratando, portanto, de
suposições ou suspeitas.
146. Além disso, o fato indiciário deve possuir uma relação com o fato principal
que se quer demonstrar ter ocorrido a partir do conhecimento do primeiro. E mais, essa
relação deve ser qualificada no sentido de decorrer de um juízo lógico entre os fatos que
guardem relação de contemporaneidade. Ou seja, o fato indiciário deve ser idôneo e apto
para conduzir a um juízo de ocorrência do fato principal.
147. Quanto ao ponto, alertam Eugênio Pacelli e Douglas Fischer41 que:
“não é incomum encontrar-se em inúmeros inquéritos, e mesmo no curso de
ações penais, referências genéricas às provas indiciárias, dando-lhes, porém,
o sentido de suposições ou suspeitas lógicas, dependentes, sempre, da
produção de novos elementos de prova para a constatação do fato.
No entanto, não é essa a interpretação a ser feita no âmbito da prova no
processo penal.
Indício significa o juízo – lógico, sim – por meio do qual, a partir da
comprovação efetiva de um fato ou de uma circunstância, se deduz a
existência de outro(a) (fato ou circunstância). É dizer: a prova obtida pelo
indício é fruto unicamente de uma operação intelectual, cuja premissa,
necessária, é a existência de uma prova material sobre determinado fato ou
circunstância”.
41 OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua
jurisprudência. 4ª ed. rev. e atual. até dezembro de 2011. São Paulo: Atlas, 2012, p. 451.
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148. Por sua vez, BARBOSA MOREIRA ensina que “o lugar e a função do indício
não se equiparam perfeitamente ao lugar e à função de um documento ou de uma declaração
de testemunha”, e afirma que indício “é, ao mesmo tempo, ponto de chegada e novo ponto de
partida: o órgão judicial vem a conhecê-lo com base no documento ou no testemunho, e vale-
se dele, num segundo passo, para formar a presunção”42.
149. No direito comparado, o valor probatório dos indícios também passa pela
constatação tanto de requisitos formais da decisão que os aprecia, quanto de requisitos
materiais relativos aos indícios propriamente ditos e ao raciocínio de dedução ou inferência.
No artigo Autonomia do crime de lavagem e prova indiciária43, o Juiz Federal SÉRGIO MORO
faz referência ao entendimento da jurisprudencial do Supremo Tribunal Espanhol sobre a
eficácia probatória dos indícios, revelando os seus requisitos. Para tanto cita o seguinte
excerto da STS 392/200644, traduzido livremente pela defesa:
42 MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual. São Paulo: Saraiva, 1977, p. 58. 43 Artigo publicado na íntegra no site “Conjur” no endereço: http://www.conjur.com.br/2015-jul-17/sergio-moro-
expoe-opiniao-autonomia-crime-lavagem (acesso em 08.09.2015) 44 No original: “1. Es doctrina reiterada de esta Sala la eficacia probatoria de la prueba de indicios y la exigencia
de una serie de requisitos relativos a los indicios y a la inferencia.
La prueba indiciaria, circunstancial o indirecta, es suficiente para justificar la participación en el hecho punible,
siempre que reuna unos determinados requisitos, que esta Sala, recogiendo principios interpretativos del Tribunal
Constitucional, ha repetido hasta la saciedad. Tales exigencias se pueden concretar en las siguientes:
1) De carácter formal: a) que en la sentencia se expresen cuáles son los hechos base o indícios que se estimen
plenamente acreditados y que van a servir de fundamento a la deducción o inferencia; b) que la sentencia haya
explicitado el razonamiento a través del cual, partiendo de los indicios, se ha llegado a la convicción del
acaecimento del hecho punible y la participación en el mismo del acusado, explicitación que, aún cuando pueda
ser sucienta o escueta, se hace imprescindible en el caso de prueba indiciaria, precisamente para posibilitar el
control casacional de la racionalidad de la inferencia.
2) Desde el punto de vista material es preciso cumplir unos requisitos que se refieren tanto a los indicios en si
mismos, como a la deducción o inferencia. Respecto a los indicios es necesario: a) que estén plenamente
acreditados. b) de naturaleza inequívocamente acusatoria. c) que sean plurales o siendo único que posea uma
singular potencia acreditativa. d) que sean concomitantes al hecho que se trate de probar. e) que estén
interrelacionados, cuando sean varios, de modo que se refuerzen entre sí.
En cuanto a la deducción o inferencia es preciso: a) que sea razonable, es decir, que no solamente no sea
arbitraria, absurda e infundada, sino que responda plenamente a las reglas de la lógica y la experiencia. b) que de
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“1. É jurisprudência reiterada dessa Corte a eficácia probatória da prova dos
indícios e a exigência de uma série de requisitos relativos aos indícios e às
inferências.
A prova indiciária, circunstancial ou indireta, é suficiente para justificar a
participação no fato punível, sempre que reúna alguns determinados
requisitos, que esta Corte, reconhecendo princípios interpretativos do
Tribunal Constitucional, tem repetido à saciedade. Tais exigências se podem
especificar nas seguintes:
1) De caráter formal: a) que na decisão se expressem quais são os fatos base
ou indícios que se tenham por plenamente provados e que vão servir de
fundamento à dedução ou inferência; b) que a decisão tenha explicitado as
razões pelas quais, partindo dos indícios, chegar-se-ia a convicção do
cometimento do fato punível e da participação do acusado, fundamentação
que, ainda que possa ser sucinta ou breve, se mostra imprescindível no caso
da prova indiciária, exatamente para possibilitar o controle judicial da
racionalidade da inferência.
2) Do ponto de vista material é preciso cumprir alguns requisitos que se
referem tanto aos próprios indícios, como ao raciocínio de dedução ou
inferência.
A respeito dos indícios é necessário: a) que estejam plenamente provados; b)
sejam de natureza inequivocamente acusatória; c) que sejam plurais ou
sendo único que possua uma particular força probatória; d) que sejam
concomitantes ao fato que se pretenda provar; e) que sejam inter-
relacionados quando plurais, de modo que um fortaleça o outro.
Em relação à dedução ou inferência é necessário: a) que seja razoável, é
dizer, que não apenas não seja arbitrária, absurda e infundada, mas que
corresponda plenamente às regras da lógica e da experiência; b) que dos
los hechos base acreditados fluya, como conclusión natural, el dato precisado de acreditar, existiendo entre
ambos un ‘enlace preciso y directo según las reglas del criterio humano.’”
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fatos indiciários comprovados decorra, como conclusão natural, o fato a ser
demonstrado, existindo entre ambos um ‘vínculo necessário e direto segundo
as regras de critério humano’”
150. Portanto, a circunstância indiciária, para ostentar essa característica, deve (i)
estar plenamente provada, (ii) ter natureza eminentemente acusatória, (iii) consubstanciar em
mais de um fato, ou sendo única a circunstância, que possua uma singular força probatória,
(iv) ser concomitante ao fato que se pretende provar e (v) se forem mais de uma, que se
relacionem de forma a que uma fortaleça a outra.
151. Essa compreensão reflete-se também na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal. No julgamento do HC nº 97.781/PR, o Ministro LUIZ FUX ressaltou, com base nos
ensinamentos de GIOVANNI LEONI e NICOLA MALATESTA, a necessidade da existência de
uma relação de causalidade entre “um fato devidamente provado que não constitui elemento
do tipo penal” para “concluir pela ocorrência de circunstância relevante para a qualificação
penal da conduta”45.
152. No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO46,
no julgamento do HC nº 9.671/SP, já alertava para a necessária distinção entre indícios e
presunções. Disse, com precisão, Sua Excelência: “Indício é a relação que se extrai de fato
certo, a respeito de fato incerto. (...) Presunção, ao contrário, é o efeito que uma
circunstância ou antecedente produz, no julgador, a respeito de existência de um fato”.
Vale dizer, a relação indiciária demanda a comprovação de determinado fato e que deste fato
possa se extrair, de forma lógica – portanto, por razões que devem ser declinadas para que
seja aferida a validade do raciocínio –, a possível ocorrência de um outro fato. Já a presunção
é mero juízo subjetivo sobre a ocorrência de um fato a partir de outro.
45 STF, HC 97.781/PR, Rel. p/ Acórdão Min. Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 17.03.2014. 46 STJ, HC 9.671/SP, Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Sexta Turma, DJ 26.08.1999, p. 115.
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153. Feitos esses esclarecimentos iniciais, será demonstrado a seguir que os
elementos informativos produzidos durante a fase investigatória não conduzem nem mesmo a
um juízo indiciário da ocorrência dos fatos delituosos descritos na inicial. Dito de outra
forma: será demonstrado que não existe suporte probatório mínimo a justificar o juízo
positivo de admissibilidade da denúncia.
INEXISTÊNCIA DE SUPORTE PROBATÓRIO MÍNIMO
QUE JUSTIFIQUE A INSTAURAÇÃO DE AÇÃO PENAL
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
154. Uma apreciação criteriosa das imputações feitas na denúncia e no aditamento,
em face dos elementos informativos que constam dos autos, revela a manifesta ausência de
suporte probatório mínimo ou justa causa em sentido estrito.
155. Não é preciso qualquer esforço para se constatar que inexiste nos autos
qualquer elemento probatório (mesmo indiciário) que justifique a afirmação de que o
denunciado praticou qualquer ato – especialmente os de solicitar e de aceitar promessa de
vantagem indevida que foram graciosamente inseridos na denúncia – durante as tratativas que
resultaram nos contratos de aquisição dos navios-sonda da SAMSUNG pela PETROBRÁS.
156. O próprio JÚLIO CAMARGO, em cujo depoimento toda a tese acusatória está
apoiada, ainda que sob o risco de perder os benefícios do acordo de delação, não teve
coragem de fazer uma afirmação tão manifestamente falsa. O máximo que ousou afirmar foi,
em supostos episódios ocorridos em 2011, que serão referidos adiante, que FERNANDO
SOARES teria dito que tinha um compromisso com EDUARDO CUNHA em relação aos valores
que reclamava naquela época (ano de 2011).
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157. O delator JÚLIO CAMARGO, que obtivera benefícios extraordinários no acordo
de delação, não resistiu à pressão (ameaça de rescisão do acordo) que vinha sofrendo e criou
informações que pudessem supor uma participação ilícita do denunciado, mas, a despeito das
tentativas de induzi-lo a fazê-lo, não fez uma única afirmação que pudesse inseri-lo nos
fatos acontecidos nos anos de 2006 e 2007, onde teriam sido praticados e consumados os
crimes de corrupção passiva, nem naqueles relacionados com a lavagem de dinheiro.
158. O denunciado não deixará de abordar todas as questões ventiladas na denúncia
e no aditamento, mas deseja desde logo apresentar informações que tornam incontroversa a
sua não-participação nos fatos que lhe foram imputados.
IMPOSSIBILIDADE MATERIAL DO COMETIMENTO DOS CRIMES POR EDUARDO CUNHA
159. Antes de examinar a irrelevância dos elementos invocados pela acusação como
indícios de sua participação, o que fará logo adiante, o denunciado esclarece que é manifesta
a falsidade das imputações que lhe foram feitas, uma vez que há obstáculo de ordem
material que impede que seja considerado co-autor dos supostos delitos: EDUARDO CUNHA
não conhecia os demais supostos co-autores na época dos fatos.
160. Aliás, a ausência de qualquer diligência durante a investigação para
esclarecer essa questão elementar, mas que é fundamental para a higidez das
imputações (os co-autores se conheciam? ou EDUARDO CUNHA, na época dos fatos, pelo
menos conhecia FERNANDO SOARES?) e a omissão da denúncia a esse respeito são, por si
só, condutas reveladoras da inconsistência das imputações.
161. Por não dispor de qualquer elemento probatório, a acusação sem
preocupação com a verdade dos fatos e, certamente, por mera ilação, afirma na
denúncia que “EDUARDO CUNHA solicitou para si e para outrem e aceitou promessa de
vantagem indevida...” em duas oportunidades nos anos de 2006 e 2007 e o teria feito em
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concurso com “SOLANGE ALMEIDA, então no exercício de mandato de Deputada Federal,
de FERNANDO ANTÔNIO FALCÃO SOARES (“FERNANDO SOARES”) e de NESTOR
CUÑAT CERVERÓ (“NESTOR CERVERÓ”)” e, também afirmou que FERNANDO SOARES,
naquelas oportunidades teria praticado atos “representando os interesses de Eduardo
Cunha”.
162. Não são verdadeiros os fatos contidos nas referidas assertivas da acusação
pela simples circunstância do denunciado não conhecer, na época, FERNANDO SOARES,
JÚLIO CAMARGO e NESTOR CERVERÓ.
163. O denunciado, com absoluta certeza, não conhecia FERNANDO SOARES na
época em que foram praticados os supostos crimes de corrupção passiva. Aliás, a
despeito de referir-se a local diverso, o mencionado delator afirmou ao Ministério Público
Federal que “conheceu o Deputado Eduardo Cunha em 2009, em um café da manhã no
Hotel MARRIOT, no Rio de Janeiro”. Na verdade, o denunciado conheceu FERNANDO
SOARES realmente em 2009, no Restaurante Vilarinho, onde estava almoçando. FERNANDO
SOARES equivocou-se quanto ao local em que se encontraram. É incontroverso, contudo,
que somente conheceu FERNANDO SOARES em meados de 2009.
164. Alias, em trecho não degravado do seu procedimento de delação premiada,
quando estavam discutindo (Procuradores e delator) sobre o que deveria ser abordado no
próximo termo de declarações, FERNANDO SOARES afirma solene e espontaneamente:
“Fernando Soares: Eu queria explicar. Explica com gravação mesmo?
Procurador: Pode ser. Isso não tem problema não, a gravação não tem
problema não.
Fernando Soares: Porque o importante é o seguinte: é se vocês forem me
perguntar a forma como a denúncia foi feita do Eduardo Cunha não reflete
o que realmente aconteceu. O Eduardo Cunha nunca foi o meu sócio oculto
nesse negócio das sondas. Na verdade, quando aconteceu o negócio das
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sondas eu nem conhecia o Eduardo Cunha. Eu vim a conhecer o Eduardo
Cunha em 2009.
Procurador: Não, é, isso a gente vai por. É que, é o que a gente tinha na
época, na verdade.
Fernando Soares: Então na verdade o Eduardo Cunha entrou num momento
que eu já tava desde 2007 tentando receber do Júlio Camargo e o Júlio
Camargo não pagava. Ficava enrolando, enrolando, aquela história toda. Aí
eu vim conhecer Eduardo Cunha em 2009, em 2000 e..., final de 2010 começo
de 2011 a gente conversando sobre eleições, não sei o que, dizendo porra eu
to precisando arrumar dinheiro para a campanha, não sei o que, essa coisa
toda, aí eu disse, pô Eduardo, eu tenho um assunto que se você me ajudar a
resolver eu ajudo na campanha, inclusive é aí que eu digo aí foi exatamente
onde houve a primeira vez aonde saiu um dinheiro de meu bolso pra dar a
político, que eu nunca tinha feito isso, aí eu falei a ele da história do Júlio que
tava me devendo, que não me pagava, ficava enrolando, não sei o que, e aí ele
me disse, eu vou ver como a gente pode pressionar.”47
165. O próprio JÚLIO CAMARGO revela que se apresentou ao denunciado quando
este se encontrava fazendo uma refeição no restaurante do Hotel Copacabana Palace, no Rio
de Janeiro, em meados de 201348.
166. O ora denunciado foi apresentado a NESTOR CERVERÓ na solenidade de posse
do Presidente da BR Distribuidora, realizada em 20.08.2009.
167. SOLANGE ALMEIDA só é referida em fato que teria ocorrido em 2011 que,
evidentemente, não integra o contexto fático dos delitos de corrupção passiva consumados
em 2006/2007.
47 Arquivo M2U00007, Fernando Soares 20150909_2, Pen Drive 02, Apenso 06, entre 03:18 e 04:54. 48 Depoimento prestado nos autos do Inquérito nº 3.986 do Supremo Tribunal Federal. (Doc.01)
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168. Como sequer conhecia os supostos co-autores dos ilícitos penais, é evidente
que há uma impossibilidade material de ter praticado as condutas já mencionadas,
inclusive as referentes a lavagem de dinheiro, muito menos estar sendo representado por
qualquer deles naquelas ocasiões, de modo que as imputações são materialmente falsas e a
denúncia deve ser rejeitada.
169. A despeito da impossibilidade material de ter participado das ações penalmente
típicas, obstáculo que é intransponível e por si só impede recebimento da denúncia, em
atenção ao princípio da eventualidade, o denunciado vai demonstrar no curso dessa defesa que
são irrelevantes e falsos os elementos tidos como indiciários na denúncia.
A DELAÇÃO PREMIADA: OBSERVAÇÕES GERAIS E AS ESPECÍFICAS DO CASO
170. Para permitir, de modo mais consistente, a demonstração da ausência de
suporte probatório mínimo na denúncia, além das questões apresentadas nas preliminares
acima, o denunciado considera relevante fazer algumas outras considerações gerais sobre a
delação premiada, e outras específicas sobre aquelas realizadas nas investigações apelidadas
de Lava Jato, especialmente a realizada por JÚLIO CAMARGO, que não foi objeto de
homologação perante esse Supremo Tribunal Federal e, como já se demonstrou
anteriormente (alegação em preliminar), seus depoimentos complementares não podem ser
validamente utilizados contra o ora denunciado. É relevante observar que os acordos de
delação de ALBERTO YOUSSEF, de PAULO ROBERTO COSTA e de FERNANDO SOARES
foram homologados perante essa Corte Suprema.
171. É fato incontroverso que nas investigações relacionadas a ilícitos penais
praticados na Petrobrás, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal firmaram um
elevado número de acordos de delação premiada, como meio para ajudar na apuração dos
delitos. A utilização desse meio de obtenção de prova tem previsão legal, mas as suas normas
regulamentares devem ser observadas com rigor, assim como não podem ser desprezadas as
garantias constitucionais asseguradas aos acusados.
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172. Na medida em que concede benefícios ao delator – que não deixa de ser um
delinquente –, o órgão da acusação tem o dever de exigir com rigor a observância dos
compromissos por ele assumidos. O descumprimento dos deveres de falar a verdade, não
omitir fatos, esclarecer plenamente os acontecimentos, apresentar os elementos probatórios de
que dispõe, entre outros, não pode ser minimizado e tolerado, mediante a aceitação de
justificativas manifestamente infundadas, sob pena de desprezo ao interesse público que
deve orientar os respectivos acordos e frontal desconsideração à parcela de interesse
público que foi sacrificada com a concessão de benefícios.
173. É importante assinalar que a realização seja pela Polícia, seja pelo Ministério
Público, de acareação entre delatores é providência, por um lado incompatível com o sistema
legal da delação premiada, em que se exige do delator que sempre fale a verdade, o que
conduz a nulidade daquelas que foram realizadas e, por outro lado, irrelevante visto que a
simples informação coincidente de dois ou mais delatores não constitui prova49.
174. As restrições ao direito do Estado de punir, de receber indenizações, de
responsabilizar infratores, normalmente previstas nos acordos de delação, devem guardar
uma relação de proporcionalidade com a importância da colaboração prometida e efetivada
pelo delator. A esse respeito, a avaliação do órgão de acusação pode até ser discricionária,
mas jamais poderá ser arbitrária.
175. Ninguém pode esquecer que quem celebra acordo de deleção premiada não
deixa de ser um delinquente que, sem qualquer preocupação com arrependimento, deseja
obter vantagens pessoais que são concedidas à custa de restrições a ações e/ou iniciativas
destinadas a atender o interesse público. Também é absolutamente inadmissível que o delator
passe a agir como integrante das instituições dotadas de poder investigatório, sugerindo
providências ou compartilhando o conhecimento de atos legalmente sigilosos.
49 STF, HC 127483, relator Ministro Dias Toffoli, julgado em 26 e 27.08.2015: “Importante salientar que, para
fins de corroboração das “declarações heteroinculpatórias” do agente colaborador, não são suficientes,
por si sós, as declarações harmônicas e convergentes de outro colaborador.” No mesmo sentido é o
entendimento do Ministro Celso de Mello em despacho proferido na PET. 5700.
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176. Ademais, o denunciado, depois de ter conhecimento da manifestação do
Procurador-Geral da República na Petição nº 5671, tem certeza que são inválidos os atos de
colaboração de JÚLIO CAMARGO utilizados pela acusação, visto que o respectivo acordo
de delação não foi submetido à homologação perante esse Supremo Tribunal Federal
como foi demonstrado anteriormente.
177. Consideradas essas breves ponderações antecedentes, que obviamente não
compreendem todas as questões que podem ser levantadas sobre o tema, e colocadas em
confronto com condutas atribuídas aos órgãos de investigação e as de alguns delatores, é
necessário que se submeta a criteriosa aferição a credibilidade das informações obtidas em
algumas delações premiadas, especialmente aquelas utilizadas pela acusação nesses autos.
178. Para que se tenha uma ideia do contexto em que foram celebrados os acordos
de delação premiada invocados pelo órgão acusador, é importante lembrar que o delator
ALBERTO YOUSSEF, em mais de uma oportunidade, revelou comportamento próprio de quem é
tratado com inadmissível deferência pelos órgãos investigatórios e age como quem tem
atribuições para investigar. Os três episódios transcritos abaixo são reveladores desse
quadro:
1º EPISÓDIO:
“Procurador 1: Júlio Camargo tinha alguma relação com Edison Lobão? O senhor
sabe?
Alberto Youssef: Eu tô aqui como réu colaborador. Eu tô aqui pra dizer a verdade.
Não para omitir, nem para mentir. Eu li a colaboração na íntegra do Júlio Camargo.
Até onde eu vi, ele não relacionou nenhum político à colaboração dele. E eu creio que
isso tem algum equívoco, porque ele se relacionava com vários políticos. Ele omitiu
isso. Ao menos eu entendo que ele omitiu. Então...”50
50 PET 5245, Depoimento do dia 11.02.2015, Arquivo MPEG M2U00221. Momento no vídeo: 50:31 a 52:29.
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2º EPISÓDIO
“Alberto Youssef: Antes de fazer a correção, não quer ver aquelas discrepâncias
com os depoimentos do Paulo Roberto?
Procurador 1: É, a gente já foi perguntando mais ou menos, não é? Têm umas
discrepâncias assim que foram, por exemplo, o que dá uma diferença bastante grande
– é do Palocci, né? Aquelas pessoas que... Palocci, Lobão. Que ele fala que o senhor
que foi o responsável... Ele fala assim, ó: ‘Recebi essa notícia e passei pro...e passou
pro senhor... Pra o senhor fazer’.
[Neste momento, Youssef balança a cabeça em gesto de negação]
Então essas coisas a gente te perguntou, reperguntou e, depende, chega um ponto que
também não dá para a gente também, né? Senão a gente vai tá até pressionando o
senhor num tipo de coisa que não...
Alberto Youssef: Na verdade eu quero deixar claro que eu tô aqui pra colaborar não
adianta... eu não tô aqui pra omitir e encobrir ninguém... e nem pra agradar
vocês...então... o que aconteceu, aconteceu...agora o que não aconteceu... eu acho que
o Paulo se equivocou. E se os doutores acharem necessário da gente ter uma
conversa juntos, eu e ele e os doutores, eu estou à disposição.
Procurador 2: Esse é o tipo da coisa que quanto mais mexe, pior fica. Porque se
volta, se um muda, aí pronto, a questão toda...
Procurador 3: Com todo o respeito aí a Dra. Erika, é a característica da bosta seca,
né? Mexeu? Fede.
Procurador 2: Putz grila! Assim, do jeito que está, já está ruim. Do jeito que tá, já tá
ruim. Então, quer dizer, porque você tem dois colaboradores, um dizendo uma coisa e
outro dizendo outra. Então é...”51
3º EPISÓDIO
“O SR. DEPUTADO LUIZ SÉRGIO - Há outra contradição também, outra
divergência. Paulo Roberto Costa, nesse caso, o Alberto Youssef afirma que houve um
51 PET 5245, Depoimento do dia 12.02.2015, Arquivo MPEG M2U00236. Momento no vídeo: 33:20 a 35:08.
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pagamento de 20 milhões de reais para a campanha de reeleição de Eduardo
Campos, em 2010. Porém, há divergência sobre a origem do recurso. Paulo Roberto
Costa disse que os recursos teriam vindo do Consórcio Ipojuca Interligações, da IESA
e Queiroz Galvão, enquanto Alberto Youssef falou que os recursos seriam oriundos do
Consórcio CONEST, OAS e Odebrecht. Então, a pergunta que faço é: houve esse
repasse desses recursos? E, se houve, por quais empresas?
O SR. PAULO ROBERTO COSTA - Repasse houve. Agora, do meu conhecimento, o
que chegou ao meu conhecimento é que foi através do consórcio que eu falei. Agora, o
repasse houve. Eu acho que o importante nesse ponto aí é que houve o repasse. Pode
ser aprofundado se foi o consórcio A ou o consórcio B. No meu conhecimento, foi o
consórcio que eu falei. Agora, isso pode ser aprofundado. Repasse houve? Houve.
Então, o ponto importante dessa pergunta é: o repasse houve.
O SR. ALBERTO YOUSSEF - Olha, eu retifico os meus depoimentos —todos, dados
como réu colaborador. Ratifico, está certo? E vou dizer mais ainda: eu vou me
reservar ao silêncio com referência a esse assunto, porque existe uma investigação
nesse assunto do Palocci que logo vai ser revelada, e vai ser esclarecido o assunto.
Tem um outro réu colaborador que está falando. Eu não fiz esse repasse. E, assim
que essa colaboração for noticiada, vocês vão saber realmente quem foi que pediu o
recurso e quem repassou o recurso.
O SR. DEPUTADO LUIZ SÉRGIO - V.Sa. está se referindo à pergunta anterior?
O SR. ALBERTO YOUSSEF - Sim.”52
179. Os trechos acima transcritos revelam que ALBERTO YOUSSEF tinha
conhecimento integral de informações prestadas por outros delatores, bem como de
fatos sigilosos objeto de acordo de delação ainda em curso, situações que ao ver do
denunciado revelam-se totalmente divorciadas dos parâmetros legais e estão a merecer a
devida aferição e correção pelo Poder Judiciário.
52 Audiência Pública da CPI da Petrobrás em 25.08.2015. (Doc. 02. pg. 18/19)
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180. Quanto ao ponto, no artigo O uso de um criminoso como testemunha: um
problema especial53, traduzido pelo Juiz Federal SÉRGIO MORO, que trata dos potenciais
problemas no uso de criminosos como testemunhas da acusação no sistema processual penal
norte americano, o autor alerta que:
“a utilização sem cuidado, sem habilidade ou sem preparação, de criminosos
colaboradores como testemunhas, tem capacidade de gerar, de maneira tão
severa, o efeito contrário do pretendido; (...)
[Isso porque] um informante tem mente própria e, quase sempre, é uma mente
que não carrega os valores e os princípios que animam nossa lei e nossa
Constituição. (...) Mudará em um instante sempre que perceber que o seu
interesse será melhor atendido de outra maneira. (...) Ademais, mesmo
aparentemente engajado em colaborar com o caso, pode cometer perjúrio,
obstruir a justiça, produzir prova falsa e recrutar outras testemunhas para
corroborar suas histórias falsas.”54
181. E especificamente aos promotores, o autor faz a seguinte advertência:
“Você deve sempre estar no controle e não a testemunha! No momento em
que sentir que a testemunha está ditando termos e ganhando controle da
situação, você estará com problemas sérios e deverá reverter o ocorrido, pois
você é quem deve estar no controle e não seus informantes.”55
182. No caso específico de JÚLIO CAMARGO, além dos fatos já noticiados na
apresentação da questão preliminar, outro fato que chama a atenção: é que sua mudança de
versão foi acompanhada da mudança de seus advogados.
53 De autoria de Stephen S. Trott. Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 37, p. 68-93, abr./jun. 2007. (Doc. 03) 54 Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 37, abr./jun. 2007, p. 69. 55 Revista CEJ, Brasília, Ano XI, n. 37, abr./jun. 2007, p. 75.
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183. De início, importa registrar que ALBERTO YOUSSEF tem como advogados os
Drs. Antônio Augusto Figueiredo Basto, Luis Gustavo Rodrigues Flores, Adriano Sérgio
Nunes Bretas, Rodolfo Herald Martins e Tracy Joseph Reinaldet dos Santos.
184. Por sua vez, JÚLIO CAMARGO, esteve representado pela Dra. Beatriz Catta
Preta e pelo Dr. Luiz Henrique Vieira desde o acordo de colaboração premiada firmado
com o Ministério Público Federal no Paraná até o dia 17.07.2015, quando foi apresentada
petição de renúncia ao mandato por aqueles causídicos56 e juntada nova procuração
outorgando os poderes de representação para os Drs. Antônio Augusto Figueiredo Basto,
Luis Gustavo Rodrigues Flores, Adriano Sérgio Nunes Bretas, Rodolfo Herald Martins e
Tracy Joseph Reinaldet dos Santos57, justamente os mesmos advogados de ALBERTO
YOUSSEF, delator este que já tinha conhecimento de todos os depoimentos de JÚLIO
CAMARGO como mostramos acima. Embora essa mudança de advogado somente tenha sido
formalizada nos autos da ação penal nº 5083838-59 em 17.07.2015, ela já tinha ocorrido em
momento anterior como será revelado neste tópico da defesa.
185. Tais considerações são importantes na medida em que a “nova versão” dos
fatos apresentada por JÚLIO CAMARGO, coincide com o fato de passar a ser representado
pelos mesmos procuradores do delator que o havia delatado, e com o qual apresentava
versões inconciliáveis.
186. Aliás, é interessante notar que os atuais defensores de JÚLIO CAMARGO
imputavam supostos equívocos na denúncia oferecida perante a 13ª Vara Federal de Curitiba
ao citado delator, o qual teria omitido fatos e criado versões. Por oportuno, confira-se a
resposta à acusação apresentada pelos advogados de ALBERTO YOUSSEF nos autos da ação
penal nº 5083838-5958:
56 Evento 564 da Ação penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000. 57 Evento 563 da Ação penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000. 58 Ação penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000, Evento 95, fl. 50 da petição.
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“B. SOBRE A PARTICIPAÇÃO DE YOUSSEF NOS FATOS NARRADOS NA
DENÚNCIA.
Diversos trechos da denúncia contém impropriedades que merecem ser
prontamente rechaçadas. De início, deve ser afastado o trecho abaixo
transcrito:
‘Restou ainda demonstrado que JULIO CAMARGO e ALBERTO YOUSSEF,
em conluio e com unidade de desígnios, por meio de três operações nos
valores de US$ 1.535.985,96, US$ 950.000,00 E US$ 588.422,91,
promoveram, sem autorização legal, a saída de moeda do país, sob a falsa
rubrica de investimento direto no exterior 'CBLP-INV.DIR.EXT.-
PARTICIPAÇÕES EM EMPRESAS'.
Em seguida, fizeram uma operação inversa, já que, dando como garantia estes
mesmos valores, contraíram empréstimo em favor da offshore DEVONSHIRE
GLOBAL FUND, empresa controlada por YOUSSEF, que por sua vez, por
meio de 4 operações de câmbio, também sob a falsa rubrica, aportou o valor
de US$ 3.135.875,20 na empresa GFD situada em território nacional,
induzindo e mantendo em erro as repartições públicas competentes, Banco
Central do Brasil e Receita Federal" (p. 03 da denúncia).’
Neste particular aspecto, a denúncia falta com a verdade, quiçá, induzida em
erro pela colaboração de JULIO CAMARGO, que além de lacônica, omitiu
fatos e criou versões. Não é verdade que a operação tenha envolvido a
empresa DEVONSHIRE! Em momento algum, a empresa DEVONSHIRE
participou da negociata.
O mesmo se diga com relação ao trecho contido na página 13 da denúncia,
que também contem impropriedades fáticas:
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‘Ato contínuo, YOUSSEF repassou esses valores a FERNANDO SOARES,
descontada a sua respectiva comissão, não tendo sido esclarecido ainda a
forma como esse repasse ocorreu’.
Novamente, a denúncia falta com a verdade. Está incorreto o trecho acima.
Não houve o aludido repasse da forma como consta da denúncia. Os trechos
destacados pela defesa são inverídicos! Ao final da instrução, restará
cabalmente demonstrado que os fatos imputados a ALBERTO YOUSSEF não
se passaram exatamente da forma como pretende a exordial acusatória. Não
se trata de negar que JULIO tenha aportado valores perante YOUSSEF.
Contudo, repita-se à exaustão, a empresa DEVONSHIRE, em nenhum
momento, foi utilizada em tal operação.
Criteriosamente, a formatação da denúncia fez uma mescla de alegações e
uniu vários fatos extraídos da investigação mas injustificadamente
desmembrados em várias ações penais, o que acarreta enorme prejuízo para
o acusado.”
187. Importa recordar que o pedido de abertura do presente inquérito foi baseado,
essencialmente, em depoimentos prestados por ALBERTO YOUSSEF, nos quais esse delator
fazia referência a fatos que teria ouvido de JÚLIO CAMARGO. No entanto, indagado sobre se
teria feito referências a ALBERTO YOUSSEF sobre aqueles fatos, JÚLIO CAMARGO sempre
negava. Nesse sentido, confira-se o Termo de Colaboração nº 04 de JÚLIO CAMARGO (tomado
em 31.10.2014, documento nº 1 da denúncia, fl. 695/696):
“QUE num determinado momento, então, FERNANDO SOARES cobrou o
declarante e disse que não poderia esperar mais, dizendo que tinha
compromissos dele e que eram inadiáveis, e que o declarante deveria cumprir
aquilo que havia combinado; QUE nesse momento, o declarante começou a
pensar em como iria pagar FERNANDO SOARES, uma vez que não tinha
liquidez no exterior; QUE diante do conhecimento que tinha a respeito da
atuação de ALBERTO YOUSSEF como operador de PAULO ROBERTO
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COSTA, relatou a YOUSSEF que precisaria pagar FERNANDO SOARES,
dizendo que tinha liquidez (recursos) no Brasil, mas que precisaria efetuar
pagamentos a SOARES;”
188. Embora usurpando a competência desse Supremo Tribunal Federal, o Juízo da
13ª Vara Federal, na audiência de instrução de 13.05.2015, questionou JÚLIO CAMARGO sobre
o que teria dito a ALBERTO YOUSSEF sobre a necessidade de pagamento a FERNANDO SOARES:
Juiz: “Quanto a estes requerimentos ele falou ou não falou na reunião? Que
o senhor falou para ele na reunião”
Julio Camargo: “Eu nunca entrei em detalhes com o senhor Alberto
Youssef. Então possivelmente eu diria para o senhor que eu não falei.”
189. De igual forma, a hipótese de pressão causada pelos requerimentos
formulados na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados era
expressamente rejeitada por JÚLIO CAMARGO. Tal afirmação decorre do depoimento
prestado na Procuradoria Geral da República em 19.03.2015 (Termo de Declarações
Complementar nº 01, documento nº 8 da denúncia, fls. 827/828):
“Indagado, o depoente descartou hipóteses de pressão, pois ele já havia
recomeçado os pagamentos. Não pode dizer quem poderia estar por trás desse
procedimento de esclarecimentos acerca dos contratos com a Mitsui. Não
descarta que Fernando possa ter feito pressão por intermédio de seus amigos
do PMDB, mas não tem como afirmar isso. A maior pressão que sofreu foi a
‘advertência’ de Fernando Baiano de que poderia ser prejudicado nos seus
demais negócios.”
190. Também na audiência de instrução realizada em 13.05.2015 perante a 13ª Vara
Federal de Curitiba JÚLIO CAMARGO refuta a tese ao responder a perguntas do advogado de
ALBERTO YOUSSEF – que posteriormente tornou-se seu advogado:
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“Juiz Federal: Outros Defensores têm indagações?
Defesa: Pela Defesa de Alberto Youssef. (...)
Defesa: (...) Só uma pergunta, ele mencionou se distribuiria esses valores?
Compartilharia esses valores com terceiras pessoas ou não?
Interrogado: O Fernando Soares?
Defesa: Isso.
Interrogado: Nunca me falou isso.
Defesa: Não? O senhor mencionou que quando da inadimplência desses
valores perante ele, o fruto, consequência da inadimplência da Samsung
perante o Senhor, ele teria pressionado o senhor mencionando: ‘Olha, eu terei
prejuízo quanto a isso, o senhor também terá prejuízo.”
Interrogado: Certo.
Defesa: Ele não mencionou que esse prejuízo era decorrente de algum
compromisso assumido dele perante terceiras pessoas? Não falou nada nesse
sentido?
Interrogado: Não Doutor, não falou, eu inclusive tentei até, falei: "Fernando
se eu puder até ajudar, você trouxer aqui, não sei se você tem compromisso
com alguém, que você quiser trazer aqui pra que eu possa manifestar a ele o
que eu to dizendo a você, eu to à sua disposição.” Ele falou: “Ah! Não tenho
ninguém pra trazer aqui.”
(...)
Defesa: Está certo. Por último, a última indagação, o senhor falou que o
requerimento feito perante a Comissão de Fiscalização e controle do
Congresso Nacional não teria sido utilizado por Fernando Soares perante o
senhor como uma forma de lhe cobrar...
Interrogado: De pressão.
Defesa: ...De pressionar, ou coisa do gênero. O senhor atribui esse
requerimento a alguma pessoa, alguma forma de pressão seja lá de quem
parta?
Interrogado: Não.
Defesa: Foi casuístico então? Foi aleatório, aconteceu assim sem nenhum...
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Interrogado: Doutor, o senhor está tentando saber uma dúvida que todos nós
temos. Eu não tenho, não posso, a mesma dúvida que o senhor tem eu tenho
também.
Defesa: Perfeito. Sem mais Excelência. Muito obrigado.”
191. Além desses fatos, os relatos de supostos encontros com EDISON LOBÃO e
EDUARDO CUNHA, na Base Aérea do Aeroporto Santos Dumont e em um escritório no Leblon,
respectivamente, serão definitivamente rechaçados em tópicos abaixo.
192. Todo o quadro fático até o dia 10.06.2015 pode ser resumido da seguinte
forma:
a) JÚLIO CAMARGO negava ter conversado com ALBERTO YOUSSEF sobre os
requerimentos de informação formulados na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara
dos Deputados;
b) JÚLIO CAMARGO negava que tais requerimentos o tivessem pressionado a
pagar as supostas propinas, pois, segundo ele, “já havia recomeçado os pagamentos”, bem
como dizia que a única pressão exercida teria sido de FERNANDO SOARES dizendo que “se
ele tivesse prejuízo, JÚLIO CAMARGO também teria”;
c) JÚLIO CAMARGO só teria se encontrado três vezes com EDISON LOBÃO,
sendo duas no Ministério das Minas e Energia e outra – embora não tenha revelado o lugar –
para tratar de assunto relacionado a interesse da empresa PRYSMIAN; e
d) JÚLIO CAMARGO revela que somente conheceu EDUARDO CUNHA em 2013, o
que afasta a hipótese de encontro com o denunciado em 2011, portanto, dois anos antes.
193. A “nova versão” apresentada por JÚLIO CAMARGO teve início no Termo de
Declarações Complementar nº 02 (Documento nº 09 da denúncia, fls. 832/850) prestado
perante a Procuradoria Geral da República em 10.06.2015. É certo que nesse ato
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investigativo, JÚLIO CAMARGO ainda era assistido pela Dra. Beatriz Catta Preta. Entretanto,
já era amplamente divulgada na imprensa nacional a suposta insatisfação da Procuradoria
Geral da República com as suas declarações em relação ao denunciado, o que poderia levá-lo
a perder os amplos benefícios do acordo que fora ajustado.
194. Essa questão da possível ameaça da Procuradoria Geral da República em
requerer a perda dos benefícios negociados com JÚLIO CAMARGO foi objeto de manifestação
nos autos, por meio da petição nº 25712/2015, em 25.05.2015. Ou seja, em momento
anterior ao surgimento da “nova versão”.
195. Como se sabe a “nova versão” veio a público na ilegal audiência de instrução
realizada em 16.07.2015 perante a 13ª Vara Federal de Curitiba, após o Juízo induzir o delator
para referir-se a um suposto envolvimento do denunciado nos fatos supostamente ilícitos
apurados naquela ação.
196. Deve-se registrar que nesse interregno entre as notícias de insatisfação do
Ministério Público Federal com as declarações de JÚLIO CAMARGO e a exposição pública de
sua “nova versão”, os membros do Ministério Público Federal designados pelo Procurador-
Geral da República procederam à realização de uma acareação entre JÚLIO CAMARGO e
PAULO ROBERTO COSTA, em 21.06.2015. O fato relevante desse ato é que JÚLIO CAMARGO
apresentou como seus advogados os Drs. Antônio Augusto Figueiredo Basto, Luis Gustavo
Rodrigues Flores e Tracy Joseph Reinaldet dos Santos (documento nº 18 da denúncia, fl.
1284) – os mesmos defensores de ALBERTO YOUSSEF, delator esse que apresentava uma
versão inconciliável com a sua!
197. Dessa forma, embora a mudança de defensores somente tenha sido formalizada
nos autos da ação penal nº 5083838-59 em 17.07.2015, é certo que desde pelo menos
21.06.2015 JÚLIO CAMARGO já era orientado pelos mesmos advogados de ALBERTO YOUSSEF.
Como foi abordado oportunamente, é de se questionar, no mínimo – para ficar apenas no
campo processual propriamente dito da controvérsia, portanto, sem indagar sobre questões de
ética profissional – a validade da delação premiada, bem como a sua força probatória,
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quando, dentro do mesmo contexto fático de imputação penal, delatores que relatam
fatos divergentes, ao passarem a ser assistidos por advogados em comum, modificam
suas versões para as tornarem compatíveis entre si.
198. Quanto ao ponto, não se pode deixar de registrar dois fatos ocorridos na
audiência de instrução realizada em 16.07.2015 perante a 13ª Vara Federal de Curitiba –
portanto, em oportunidade na qual JÚLIO CAMARGO já estava sendo orientado pelos
defensores de ALBERTO YOUSSEF, como visto acima.
199. O primeiro diz respeito a uma pergunta do juízo sobre se os requerimentos
formulados na Câmara dos Deputados teriam sido objeto de discussão com ALBERTO
YOUSSEF. Na resposta, o delator prontamente rejeita a hipótese de ter tratado do assunto
com ALBERTO YOUSSEF. Não obstante, na sequência, certamente ainda confuso pela
necessidade de mudar a sua versão, faz uma assertiva duvidosa que fez referência a pressões,
nas quais os requerimentos estariam incluídos. Por oportuno, confira-se a transcrição do
diálogo:
“Juiz Federal: (...). Esse é aquele processo dos navios-sonda da Samsung,
Mitsui com a Petrobras né.
Interrogado: Certo.
Juiz Federal: E foi feita uma referência pelo atual acusado Alberto Youssef
que o senhor teria procurado ele e afirmado que o senhor estava sendo
pressionado a realizar pagamento desses valores em relação aos quais o
senhor teria combinado com o senhor Fernando Soares e aí que o senhor
recorreu aos serviços do senhor Alberto Yousef para fazer parte do
pagamento. Isso é correto?
Interrogado: É correto.
Juiz Federal: E o senhor Alberto Youssef, eu lhe indaguei na ocasião, fez
referência na ocasião que ele teria dito ao senhor, o senhor teria dito a ele
sobre 2 requerimentos que teriam sido apresentados na comissão de
fiscalização e controle da câmara e a sua resposta na ocasião não ficou muito
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clara pra mim. Esses requerimentos foram objetos da discussão do senhor
com o senhor Alberto Youssef?
Interrogado: Não, eu, não foram objeto, simplesmente eu expliquei a ele que
eu estava precisando de fazer um montante de pagamentos porque a pressão
de cobrança havia chegado no limite e que eu entendia que esses
requerimentos faziam parte da pressão.”
200. O segundo fato diz respeito às perguntas formuladas pela defesa de ALBERTO
YOUSSEF a JÚLIO CAMARGO (na época, o mais recente cliente daquele advogado – embora
não oficializado ainda naqueles autos) por meio das quais se busca justificar a sua mudança
de versão e tornar compatíveis a nova versão das declarações de JÚLIO CAMARGO e as
declarações de seu cliente mais antigo, ALBERTO YOUSSEF. Senão vejamos:
“Defesa: Bom, partindo da linha de que o senhor hoje está fazendo, suprindo
o seu depoimento, ou seja, não há prejuízo então à investigação nem a ação
penal porque antes da sentença o senhor está suprindo o seu depoimento, a
pergunta que lhe faço é a seguinte, o senhor, a versão de hoje é a verdadeira,
é verídica?
Interrogado: Doutor, só quero fazer um, se o senhor me permitir.
Defesa: Claro, fique à vontade.
Interrogado: Excelência...
Defesa: O senhor é o interrogado.
Interrogado: Rapidamente. Eu quero dizer o seguinte, todos os meus
depoimentos, independente de eu ter a consciência que todos eles foram
verdadeiras, não obstante isso, a Força-Tarefa que conduz essa Operação
Lava Jato conversando com sua Excelência, com os procuradores públicos em
Curitiba, com os procuradores federais em Brasília, não basta só eu falar.
Tudo aquilo que eu falei foi checado e foi verificado e aquilo que por acaso
surgiu dúvidas foi re-chamado para esclarecer e essa convivência que a gente
tem, no entanto, graças a Deus, eu tenho um problema, eu tenho a
inexperiência de ser a primeira vez que estou fazendo uma delação. Posso ter
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errado no caráter da sequência dos fatos ou do procedimento, porém sempre
com a boa fé de colaboração.
(...)
Defesa: Quem lhe mostrou a primeira vez o requerimento?
Interrogado: Foi o, foi o diretor da Mitsui no Rio de Janeiro.
Defesa: Ou seja, o primeiro depoimento do senhor Alberto Youssef então
estava correto, realmente o senhor disse a ele, ou desabafou com ele...
Interrogado: Estava correto.
Defesa: Que estava sendo pressionado, coagido. Segundo, hoje o senhor se
sente à vontade para prestar esse depoimento, o senhor gostaria de ter alguma
segurança?
Interrogado: Não senhor, me sinto à vontade.
Defesa: Não se sente pressionado por ninguém, ninguém lhe pressionou?
Interrogado: Não.”
201. E a pretensão de compatibilizar as versões dos dois clientes/delatores não
parou por aí. No Termo de Declarações complementar nº 3 (documento nº 10 da denúncia, fls.
852/856), de 21.07.2015, JÚLIO CAMARGO já assistido pelos Drs. Antônio Augusto
Figueiredo Basto, Luis Gustavo Rodrigues Flores e Tracy Joseph Reinaldet dos Santos
muda parcialmente a sua versão a respeito da suposta forma de pagamento das propinas
relativas à aquisição dos navios-sonda para adequá-la aos pagamentos narrados por ALBERTO
YOUSSEF. E, além disso, justifica a parte não alterada da seguinte forma:
“QUE ALBERTO YOUSSEF afirma que as operações do declarante com a
DEVONSHIRE não têm relação com os contratos de afretamento de navios-
sonda porque, provavelmente, ele nem sequer tem conhecimento de que o
dinheiro obtido pelo declarante dessa forma, em parte, destinou-se ao
pagamento de FERNANDO SOARES;”
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202. De todo esse quadro, podemos comparar as “versões” apresentadas por JÚLIO
CAMARGO da seguinte forma:
Versão até 10.06.2015 Versão após 10.06.2015
JÚLIO CAMARGO negava ter conversado com
ALBERTO YOUSSEF sobre os requerimentos de
informação formulados na Comissão de
Fiscalização e Controle da Câmara dos
Deputados;
JÚLIO CAMARGO afirma que pode ter
conversado com ALBERTO YOUSSEF sobre os
requerimentos de informação formulados na
Comissão de Fiscalização e Controle da
Câmara dos Deputados;
JÚLIO CAMARGO negava que tais
requerimentos o tivessem pressionado a pagar
as supostas propinas, pois, segundo ele, “já
havia recomeçado os pagamentos”, bem
como dizia que a única pressão exercida
teria sido de FERNANDO SOARES dizendo que
“se ele tivesse prejuízo, JÚLIO CAMARGO
também teria”;
JÚLIO CAMARGO passa a afirmar que os
requerimentos de pedidos de informação
ostentaram um caráter de pressão;
JÚLIO CAMARGO só teria se encontrado três
vezes com EDISON LOBÃO, sendo duas no
Ministério das Minas e Energia e outra –
embora não tenha revelado o lugar – para
tratar de assunto relacionado a interesse da
empresa PRYSMIAN; e
JÚLIO CAMARGO “se recorda” de um
encontro com o então Ministro EDISON
LOBÃO, na Base Aérea do Aeroporto Santos
Dumont; e
JÚLIO CAMARGO revela que somente
conheceu EDUARDO CUNHA em 2013, o que
afasta a hipótese de encontro com o
denunciado em 2011, portanto, dois anos
antes.
JÚLIO CAMARGO passa a “se lembrar” de uma
reunião entre ele, Fernando Soares e
EDUARDO CUNHA em setembro de 2011.
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203. Fica muito claro que além da possível “ameaça” do órgão da acusação de lhe
retirar os amplos benefícios concedidos no acordo de colaboração premiada, a circunstância
de JÚLIO CAMARGO ter escolhido como novos advogados os mesmos de ALBERTO YOUSSEF –
que já tinha conhecimento de todos os seus depoimentos59 – contribuiu para o objetivo
pretendido pelo Procurador-Geral da República.
204. A validade e credibilidade dos depoimentos prestados pelo delator FERNANDO
SOARES, cujos depoimentos foram utilizados no aditamento à denúncia, condenado que
firmou acordo de colaboração depois de permanecer preso por quase um ano, e
apresentando-se essa via como a única capaz de que proporcionar a liberdade mais
rapidamente, também devem ser aferidas com rigor, para evitar a falsa incriminação como
meio para obter os generosos benefícios da colaboração.
205. Lamentavelmente, é dentro deste contexto que foram colhidas as informações –
totalmente irrelevantes e falsas – utilizadas na denúncia. É fundamental, na aferição do
suporte probatório utilizado na denúncia que sejam consideradas as circunstâncias acima
noticiadas e os depoimentos submetidos a criteriosa confrontação.
A ABSOLUTA DEPENDÊNCIA DA ACUSAÇÃO AO CONTEÚDO DAS “INFORMAÇÕES” DE JÚLIO
CAMARGO E DE FERNANDO SOARES
206. A abordagem feita em itens anteriores, que revela a impossibilidade material
de o denunciado tem participado dos delitos, explica porque a acusação foi incapaz de, ao
final da investigação, obter um suporte probatório sério e idôneo. Tal circunstância levou o
órgão acusador a elaborar uma descrição baseada em infundadas suposições. Sem uma única
informação que pudesse revelar qualquer conduta do denunciado nos atos de corrupção
59 PET 5245, Depoimento do dia 11.02.2015, Arquivo MPEG M2U00221. Momento no vídeo: 50:31 a 52:29.
Nesse depoimento, Alberto Youssef diz: “Eu li a colaboração na íntegra do Júlio Camargo. Até onde eu vi,
ele não relacionou nenhum político à colaboração dele. E eu creio que isso tem algum equívoco, porque ele se
relacionava com vários políticos. Ele omitiu isso. Ao menos eu entendo que ele omitiu. Então...”
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passiva, assim como nos de lavagem de dinheiro, a acusação ficou refém das versões –
obviamente falsas – criadas por JÚLIO CAMARGO e por FERNANDO SOARES.
207. JÚLIO CAMARGO, que em inúmeras declarações anteriores sempre negara
saber de eventual participação de EDUARDO CUNHA nos fatos60 e, todas foram solenemente
desprezadas pelo órgão da acusação, afirmara que “havia comentários de que FERNANDO
SOARES era representante do PMDB, principalmente de RENAN, EDUARDO CUNHA, MICHEL
TEMER. E que tinha contato com essas pessoas de ‘irmandade’”61. Mas a acusação não se
preocupou em esclarecer a origem e consistência de tais “comentários”, aliás, nem pediu
que o delator indicasse elementos que pudessem comprovar aquela afirmação.
208. Todavia, num passe de mágica62 a denúncia passa a apontar que “FERNANDO
SOARES – representando os interesses de EDUARDO CUNHA -...” (fl. 604). E,
absurdamente – porque desprovida de qualquer suporte fático –, tal representação se daria
junto a Diretoria Internacional da Petrobrás ocupada por NESTOR CERVERÓ, pessoa indicada
pelo Partido dos Trabalhadores, como a própria denúncia o afirma63 e é confirmado pelo
próprio NESTOR CERVERÓ, como será visto adiante.
209. Ademais, JÚLIO CAMARGO é mencionado em recente denúncia formulada pelo
Ministério Público Federal no Paraná64 como sócio de JOSÉ DIRCEU, influente membro do
PT, em uma aeronave.
60 Apenso 5, Oculto HD, HD 26.989.7150023-18, Colaboração Augusto e Julio, Termos e
Vídeos_Colaboração_03.11.14_Julio, Termo 8, Arquivo: M2U00071. 61 Termo de declaração complementar nº 01, documento nº 8 da denúncia, fl. 823. 62 Vale lembrar que Fernando Soares afirma que somente conheceu Eduardo Cunha em 2009 (Termo de
Colaboração n. 3, de 10/09/2015), logo não poderia representa-lo em 2006/2007. 63 Diz a denúncia, às fls. 611: “A repartição política das diretorias da PETROBRÁS revelou-se mais evidente em
relação à Diretoria de Abastecimento, à Diretoria de Serviços e à Diretoria Internacional, envolvendo sobretudo
o Partido Progressista – PP, o Partido dos Trabalhadores – PT e o Partido do Movimento Democrático Brasileiro
– PMDB, da seguinte forma: (...) c) a Diretoria Internacional, ocupada por NESTOR CERVERÓ entre 2003 e
2008, e por JORGE ZELADA, de 2008 a 2012, que era de indicação inicialmente do PT e, posteriormente, do
PMDB.” 64 Trechos da denúncia oferecida nos autos 5005151-34.2015.4.04.7000, em trâmite na 13ª Vara Federal de
Curitiba: “Não obstante tenha constado do memorando de entendimentos que a JAMP adquiriria 50% das cotas
da aeronave, os próprios operadores envolvidos na ocultação e dissimulação do negócio, ou seja, JULIO
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210. A compreensão dada pelo órgão acusador às informações está em frontal
contraste com os elementos obtidos durante a investigação e, mais que isso, com a realidade
dos fatos: não se pode considerar minimamente razoável a afirmação de que o Deputado
EDUARDO CUNHA tinha influência perante uma Diretoria da Petrobrás ocupada por um
representante do PT, e muito menos que possuiria algum vínculo de representação com o
senhor FERNANDO SOARES, muito menos nos anos 2006 e 2007, quando sequer o conhecia.
211. Ademais, a denúncia, assim como o seu aditamento, desconsidera
integralmente todo o contexto fático referente às inúmeras participações anteriores de JÚLIO
CAMARGO em negócios com a PETROBRÁS, o seu antigo e intenso relacionamento com
funcionários da empresa, a sua amizade e sociedade com JOSÉ DIRCEU, bem como omite a
antiga relação de amizade entre FERNANDO SOARES e NESTOR CERVERÓ.
CONTEXTO DA ÉPOCA DOS FATOS (CONTRATAÇÕES OCORRIDAS EM 2006/2007)
DIRETORIA INTERNACIONAL DA PETROBRÁS ERA INDICAÇÃO DO PT E NÃO TINHA APOIO DO
PMDB – DA AMIZADE ENTRE NESTOR CERVERÓ E FERNANDO SOARES – DA ATUAÇÃO
COMO LOBISTAS DE JÚLIO CAMARGO E FERNANDO SOARES
212. De acordo com a inverídica narrativa acusatória, o denunciado teria obtido
vantagens indevidas pela intermediação na contratação pela PETROBRÁS – por meio de sua
Diretoria Internacional, encabeçada por NESTOR CERVERÓ – de navios-sonda da empresa
coreana Samsung. No entanto, é inconsistente a suposição de que o denunciado, que era
integrante do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) e não conhecia
qualquer das pessoas envolvidas nas negociações, pudesse ter qualquer influência em uma
diretoria da PETROBRÁS, dirigida por um indicado do Partido dos Trabalhadores (PT).
CAMARGO, MILTON e JOSÉ ADOLFO, depois de celebrarem acordo de colaboração com MPF,
esclareceram que o negócio visava a tornar JOSÉ DIRCEU sócio da parte ideal de apenas 1/3 (33%) da
aeronave, que correspondia, à época, ao valor de R$ 1.071.193,00. (...) Insta salientar, outrossim, que antes
mesmo de DIRCEU decidir tornar-se sócio oculto de JULIO CAMARGO no avião, ele já o utilizava, às
expensas desse operador, que compensava no custo da aeronave valores que DIRCEU tinha por receber de outras
empresas que praticavam delitos contra a PETROBRAS.”
REGINALDO OSCAR DE CASTRO
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213. Ao tratar da “Contextualização da Operação Lava Jato” o próprio órgão
acusador afirma que a Diretoria Internacional da PETROBRÁS, “ocupada por NESTOR
CERVERÓ entre 2003 e 2008 (...) era de indicação incialmente do PT” (fl. 611). Além disso,
o próprio NESTOR CERVERÓ em depoimento prestado perante a Justiça Federal no Paraná65
nega expressamente que tenha sido apoiado pelo PMDB. E mais, diz que foi indicado pelo
então presidente LULA e pela então Ministra das Minas e Energia DILMA ROUSSEF, bem como
recebeu o apoio do PT. Por oportuno, confira-se o excerto do depoimento:
“Juiz Federal: Senhor Paulo Costa que foi ouvido no processo, ele mencionou
que ele assumiu a diretoria de abastecimento por uma indicação política do
Partido Progressista, afirmou também que o senhor Renato Duque seria uma
indicação política do Partido dos Trabalhadores e mencionou que o senhor
seria uma indicação política do PMDB.
Interrogado: Não, eu não sou indicação política do PMDB.
Juiz Federal: O senhor pode me esclarecer como é que o senhor chegou a
assumir esse cargo de diretor?
Interrogado: Eu assumi esse cargo de diretor atendendo um convite do
presidente Lula e da ministra Dilma de minas e energia.
(...)
Juiz Federal: Teve alguma influência política do partido do PMDB na sua
convocação para a diretoria?
Interrogado: Não, não. Nenhuma.
Juiz Federal: O senhor não teve nenhum padrinho política nesse sentido?
Interrogado: Do PMDB não, não.”
214. Além disso, a própria Procuradoria Geral da República revela que Delcídio do
Amaral (PT) movimentou-se politicamente para manter NESTOR CERVERÓ no comando da
Diretoria Internacional, contra o interesse do PMDB. Por oportuno, confira-se o excerto da
Pet nº 5260 na qual diz o Procurador-Geral da República66:
65 Audiência de instrução realizada em 05.05.2015, no processo nº 5007326-98.2015.4.04.7000, p. 5-6. Doc. 04 66 PET nº 5260, fl. 39 do requerimento do Procurador-Geral da República. (Doc 05)
REGINALDO OSCAR DE CASTRO
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“A tentativa de retirar PAULO ROBERTO COSTA da diretoria de
Abastecimento, e a posterior manutenção deste no cargo com o apoio do
PMDB, foi destaque na imprensa na época dos fatos:
‘Partido Petrobras
A reunião de hoje no Conselho de Administração da Petrobras marca o
momento de maior politização da estatal nos cinco anos do governo Lula. O
PMDB esperava ver aprovada a indicação de Jorge Zelada para a Diretoria
Internacional da empresa, mas o senador Delcídio Amaral (PT) ainda se
movimentava no fim de semana para manter Nestor Cerveró no cargo.
Outro duelo se dá em torno das diretorias de Exploração e Abastecimento. Na
primeira, o PT tenta segurar Guilherme Estrella, mas o PMDB ‘adotou’ Paulo
Roberto Costa, o atual diretor de Abastecimento, historicamente vinculado ao
PP de José Janene (PR). Se Costa mudar de função, Alan Kardec pode ir para
seu lugar. Detalhe: os dois são inimigos’ VERA MAGALHÃES (interina)
(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc2801200801.htm, acessado em 02
de março de 2015)”
215. O próprio FERNANDO SOARES afirma que teria comentado com o ora
denunciado que “não havia sido uma boa decisão retirar NESTOR CERVERÓ da Diretoria
Internacional, oportunidade em que EDUARDO CUNHA comentou com o depoente que se
tratava de uma decisão do PMDB de Minas Gerais e que EDUARDO CUNHA não tinha
tido nenhuma ingerência sobre referido assunto”67.
216. Ademais, recentemente o Procurador-Geral da República solicitou e
obteve a prisão preventiva do Senador DELCÍDIO DO AMARAL porque, supostamente,
estaria tentando ajudar NESTOR CERVERÓ.
67 Termo de Colaboração nº 03-A, fl. 2069.
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217. Diante desse quadro, é frágil qualquer ilação que aponte o denunciado, que,
insista-se, não conhecia JÚLIO CAMARGO, FERNANDO SOARES e NESTOR CERVERÓ, como
detentor de influência nos anos de 2006 e 2008 perante a Diretoria Internacional da
PETROBRÁS, uma vez que se alega até que o partido ao qual é filiado teria tentado destituir o
então diretor NESTOR CERVERÓ.
218. De outra parte, o próprio NESTOR CERVERÓ reconhece a existência de um
vínculo de amizade muito forte entre ele e FERNANDO SOARES, os quais se conheceram entre
1999 e 2000 e mantinham negócios muito antes do denunciado conhecer FERNANDO SOARES,
o que somente veio a ocorrer em 2009. Disse NESTOR CERVERÓ na referida audiência:
“Juiz Federal: O senhor pode me esclarecer o seu relacionamento com o
senhor Fernando Soares? Se o senhor tem algum ou não.
Interrogado: Sim, o Fernando Soares, exatamente eu conheci o Fernando
Soares na época que nós estávamos desenvolvendo todas as plantas de
geração térmica que a Petrobras, se o senhor lembra, na época do Fernando
Henrique, Fernando Henrique foi derrotado na eleição porque faltou energia
no país né, isso todo mundo, isso é histórico. Nós tivemos, vivemos um
racionamento de seis meses, e criou-se um grupo de energia no qual a
Petrobras aproveitou-se que nós já tínhamos um caminho andado muito
grande com as plantas de cogeração, não sei se o senhor sabe o que é
cogeração, mas é...
(...)
Interrogado: Não, isso que eu tô dizendo, ele veio trazendo esse pessoal
espanhol, mas que não fechou nenhum acordo. A partir daí eu conheci
Fernando, então eu não me lembro, eu não sei precisar se foi no final de 99,
2000, mas foi no meio dessa crise que o Fernando representava a empresa,
essa empresa que não fez negócio com a Petrobras. Daí em diante, Fernando
passou a frequentar e eu tornei-me amigo do Fernando e...”
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219. NESTOR CERVERÓ ainda acrescentou que teria sido FERNANDO SOARES quem
fez a aproximação com JÚLIO CAMARGO no caso dos navios-sonda, bem como essas pessoas
atuariam como lobistas de diversas empresas. Confira-se:
“Juiz Federal: Naquele caso da contratação de aluguel dos navios sondas, o
senhor Fernando Soares teve alguma participação nesse negócio,
intermediação de alguma forma, ou algum serviço técnico?
(...)
Interrogado: Não doutor, não, não. Não doutor, o caso das sondas o
Fernando Henrique, o Fernando Henrique, o Fernando Soares ele indicou,
porque havia um interesse, nós tínhamos um interesse muito grande, como
eu falei, nós que eu digo Petrobras, não era (ininteligível)...
Juiz Federal: Certo.
Interrogado: De adquirir, contratar, alugar sondas pra poder trabalhar nos
campos.
Juiz Federal: O que ele fez exatamente então?
Interrogado: Ele fez aproximação, ele fez aproximação do Júlio Camargo,
que o Júlio Camargo na realidade atuava, eles atuavam, nessa área, o Júlio
Camargo atuava de forma semelhante porque a empresa que veio, que
realmente trouxe a Samsung era sócia do que é a Mitsui, que nós fizemos a
sociedade justamente pra fazer isso, nós fizemos...
Juiz Federal: Mas o Fernando Soares era representante da Mitsui ou da
Samsung?
Interrogado: Não, não, não, não.
Juiz Federal: Não?
Interrogado: Não.
Juiz Federal: Ele era um lobista ou coisa assim?
Interrogado: Ele era um, essa figura que é chamada de lobista.
Juiz Federal: E o Júlio Camargo também?
Interrogado: Também.”68 68 Audiência de instrução realizada em 05.05.2015, no processo nº 5007326-98.2015.4.04.7000. Documento
anexo.
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220. Tal relação de amizade é corroborada por FERNANDO SOARES, conforme o
seguinte trecho de um dos seus depoimentos prestados no acordo de delação:
“QUE, então, por indicação de DELCÍDIO, NESTOR CERVERÓ acabou se
tornando Diretor da Diretoria Internacional da PETROBRAS; QUE nesta
época o depoente era bastante amigo de CERVERÓ”69.
221. O próprio JÚLIO CAMARGO, no termo de declarações complementar nº 01, de
19.03.2015, prestado na Procuradoria Geral da República, se vangloria de seus “serviços”
prestados a diversas empresas junto a Petrobrás, e revela que “começou a trabalhar como
representante [lobista] na Petrobrás em 1983”70, bem como que “a primeira vez que ouviu
falar de Fernando Soares deve ter sido por volta de 2004”71. Vale dizer, JÚLIO CAMARGO e
FERNANDO SOARES tinham completo domínio sobre as suas supostas ações ilícitas envolvendo
contratos da PETROBRÁS, a afastar a hipótese de intervenção do denunciado – que então
sequer os conhecia – nos fatos narrados na denúncia.
222. Tal contexto fático não justifica a ilação de que FERNANDO SOARES
representava EDUARDO CUNHA na negociação da contratação dos navios-sonda pela
Petrobrás, em época em que sequer se conheciam.
223. Aliás, não há nenhum elemento informativo que justifique a afirmação de
que FERNANDO SOARES, nos fatos, representava EDUARDO CUNHA. Trata-se de afirmação
falsa, manifestamente contrária aos elementos probatórios. Vale insistir que o denunciado
veio a conhecer FERNANDO SOARES somente em 2009, como já se demonstrou anteriormente.
69 Termo de Colaboração nº 01, fls. 2130/2131. 70 Termo de declarações complementar nº 01, doc. 08 da denúncia, p. 824. 71 Termo de declarações complementar nº 01, doc. 08 da denúncia, p. 824.
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OS “ELEMENTOS DE PROVA” QUE SUPORTAM A ACUSAÇÃO
224. A leitura dos depoimentos de JÚLIO CAMARGO, que o ora denunciado teve
oportunidade de ter acesso – inclusive os complementares, cuja nulidade foi demonstrada
anteriormente e que são imprestáveis como elementos probatórios nestes autos – revela a
absoluta inconsistência dos fatos que narra. Em cada um deles os mesmos fatos são descritos
de modo diverso em aspectos substanciais. Por outro lado, fatos afirmados e reiterados de
modo uniforme foram desconsiderados na denúncia.
225. Apenas a título de exemplo, vale observar que JÚLIO CAMARGO afirma72 e
reafirma73 que o valor total da suposta participação de FERNANDO SOARES na propina foi de
35 milhões de dólares. Também FERNANDO SOARES refere-se ao valor de 35 milhões de
dólares74. Mas a denúncia sustenta que foi no valor de 40 milhões de dólares, certamente
para tentar compatibilizar com os valores que teriam sido objeto dos supostos crimes de
lavagem de dinheiro. O certo é que os depoimentos não suportam uma confrontação
individualizada de cada tópico. Mas essa providência, ao ver do denunciado, é desnecessária
para que se proclame a rejeição da denúncia.
72 Termo de declarações complementares nº 01, prestado na Procuradoria Geral da República, documento nº 8
da denúncia, fls. 824: “O depoente negociou com Fernando Soares por 35 milhões de dólares a propina
para as duas sondas.” 73 Termo de declarações complementares nº 02, prestado na Procuradoria Geral da República, documento nº 9
da denúncia, fls. 835/836: “QUE conversou com a SAMSUNG, que aceitou o valor de US$ 20 milhões; QUE
deste valor US$ 15 milhões seria para FERNANDO SOARES; (...) QUE em razão destas facilidades para a
empresa, FERNANDO SOARES solicitou o valor de US$ 25 milhões de dólares por esta segunda sonda, como o
valor de seus ‘serviços’; (...) QUE neste meio tempo, procurou FERNANDO SOARES e o valor final da que
deveria ser repassado a FERNANDO SOARES em razão da segunda sonda foi fixado em US$ 20 milhões;
QUE conseguiu convencer a SAMSUNG ao pagamento de US$ 53 milhões ao declarante a título de comissões
de broker, em relação às duas sondas, sendo que, deste valor, US$ 35 milhões seriam para FERNANDO
SOARES; QUE este valor de US$ 35 milhões para FERNANDO SOARES englobaria tanto os serviços da
primeira quanto da segunda sonda;” 74 Nos seus depoimentos como delator Fernando Soares também se refere ao valor de US$ 35 milhões (Termo de
colaboração n. 3, de 10/09/2015).
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226. A acusação, ao que parece, considera que houve participação do denunciado
nos supostos fatos delituosos (dois crimes de corrupção passiva ocorridos em 2006 e
00.2007), a partir da aceitação como verdadeiros e relevantes – mas são falsos e irrelevantes –
de três “acontecimentos” referidos por JÚLIO CAMARGO, secundado em parte por FERNANDO
SOARES: a) dois pedidos de informações (Requerimento nº 114/2011 – CCFC e Requerimento
nº 115/2011 – CCFC) ambos de autoria da Deputada SOLANGE ALMEIDA, e também
subscritos pelo Deputado SÉRGIO BRITO, que o Procurador-Geral da República considera
que foram realizados para atender ao Deputado EDUARDO CUNHA; b) uma suposta reunião
entre JÚLIO CAMARGO e o Senador EDISON LOBÃO que ocupava o Ministério das Minas e
Energia supostamente relacionada ao referidos pedidos de informação, ocorrida em
31.08.2011; e c) uma suposta reunião entre JÚLIO CAMARGO e FERNANDO SOARES em
18.09.2011 no Rio de Janeiro que teria contado com a participação do ora denunciado.
227. Esses três acontecimentos, ainda que fossem relevantes ou verdadeiros – mas
não são nem uma coisa nem outra –, e fossem consistentes as ilações feitas pela acusação –
na verdade são falsas –, somente revelariam supostos fatos relacionados ao denunciado no
ano de 2011, enquanto a denúncia imputa-lhe a prática de supostos atos penalmente ilícitos
praticados e consumados nos anos de 2006 e 2007.
228. Ademais, a acusação sugere que a participação do ora denunciado nos crimes
de lavagem de dinheiro estaria revelada pela existência de dois depósitos em favor da Igreja
Evangélica Assembléia de Deus, situada em São Paulo – o denunciado é deputado federal
eleito pelo Rio de Janeiro – e de uma suposta utilização de “horas de voo” da Global Taxi
Aéreo Ltda.
229. É fato incontestável que a denúncia se baseia, para formular a acusação ao ora
denunciado, exclusivamente nos três episódios antes indicados que, ao ver do órgão
acusador, constituiriam elementos indiciários capazes de justificar as imputações
apresentadas.
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230. O denunciado demonstrará, a seguir, que os referidos eventos não comportam a
interpretação que lhes dá o Procurador-Geral da República e, ademais, ainda que fossem
verdadeiros e permitissem a compreensão apresentada na denúncia, seriam absolutamente
irrelevantes para suportar as imputações de co-autoria nos crimes de corrupção passiva que
teriam sido praticados e consumados nos anos de 2006 e 2007, e nos delitos de lavagem de
dinheiro, praticados a partir da consumação daqueles.
231. Todos os eventos em questão, cuja existência e natureza a acusação esforça-se,
sem sucesso para demonstrar, teriam ocorrido no ano de 2011, enquanto os supostos delitos de
corrupção passiva e a maior parte dos crimes de lavagem de dinheiro estavam consumados há
muito tempo.
232. Além disso, a leitura da denúncia revela que a acusação, apesar do esforço
hercúleo que realizou, não conseguiu angariar elementos probatórios sérios e consistentes
capazes de demonstrar a existência daqueles eventos e, muito menos, que os fatos tenham se
verificado como descrito na denúncia. A denúncia parte do pressuposto que obteve indícios
da existência daqueles acontecimentos, o que não é verdade, e pretende que os referidos
eventos revelados por supostos indícios sejam eles próprios também considerados indícios
das práticas dos crimes imputados ao denunciado. Trata-se de uma manobra que se pode
qualificar como juridicamente impossível.
233. Entre os requisitos necessários a que se reconheça eficácia probatória ao
indício, como já se demonstrou anteriormente, estão os de que deve ter vinculação lógica e
ser concomitante ao fato que se pretenda provar. Os três eventos em que se funda a denúncia
teriam ocorrido no ano de 2011, de sorte que são imprestáveis como elementos indiciários de
delitos consumados em 2006/2007, além de não guardarem relação lógica com estes.
234. Os acontecimentos referidos, ainda que fossem verdadeiros, mas não o são,
teriam se verificado num contexto de exaurimento dos crimes consumados em 2006 e 2007 e,
quanto a estes, o ora denunciado demonstrou estar materialmente impossibilitado de
praticá-los.
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235. Todavia, a despeito de tais eventos serem totalmente irrelevantes e, assim,
imprestáveis como elementos de prova dos crimes objeto da denúncia, o ora denunciado vai
demonstrar que não há qualquer elemento que comprove sua participação na formulação dos
requerimentos apresentados, em 11.07.2011, pelos Deputados SOLANGE ALMEIDA e SERGIO
BRITO; que igualmente não há comprovação de que tenha participado de suposta reunião, em
18.09.2011, com JÚLIO CAMARGO e FERNANDO SOARES e, finalmente, que inexiste elemento
probatório consistente que confirme o encontro de JÚLIO CAMARGO com o então Ministro
EDISON LOBÃO e, menos ainda, que tenha ocorrido o diálogo indicado na denúncia.
OS REQUERIMENTOS FORMULADOS PELA DEPUTADA SOLANGE ALMEIDA PERANTE A
COMISSÃO DE FISCALIZAÇÃO E CONTROLE DA CÂMARA DOS DEPUTADOS
236. Para tentar incluir o denunciado na fantasiosa narrativa acusatória, a denúncia
faz referência ao Requerimento nº 114/2011 – CCFC e ao Requerimento nº 115/2011 –
CCFC, ambos de autoria da Deputada SOLANGE ALMEIDA, e também subscritos pelo
Deputado SÉRGIO BRITO, mas que para o órgão acusador “não há dúvidas de que o verdadeiro
autor, material e intelectual, dos requerimentos foi o denunciado EDUARDO CUNHA” (fl.
651) e – supostamente – teria sido utilizado como um instrumento de pressão contra JÚLIO
CAMARGO.
237. É evidente que pedidos de informações substancialmente não ostentam a
natureza de meios de pressão de quem quer que seja, diante da sua absoluta inidoneidade para
tanto. Além disso, o próprio JÚLIO CAMARGO negou ter se sentido pressionado em razão
dos requerimentos, em mais de uma oportunidade75. O que exclui a suposição de que os
requerimentos foram utilizados para fins de pressão.
75 No termo de declarações complementares nº 01, doc. 08 da denúncia, fls. 827/828, disse: “O depoente não
sabe o tempo que demora o trâmite destes requerimentos. Indagado, o depoente descartou hipóteses de
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238. O denunciado, que não é o autor dos requerimentos em questão, para sua
atuação parlamentar nunca precisou e jamais se utilizou dos serviços de quem quer que
seja. Além disso, jamais solicitou ou recebeu qualquer vantagem indevida em razão de
seu cargo. O histórico de sua vida parlamentar revela com clareza que jamais se ocultou,
sempre agiu de maneira pessoal, firme e segura, ainda quando desagrada os poderosos do
momento.
239. A despeito de a Deputada SOLANGE ALMEIDA afirmar e reafirmar
expressamente que os requerimentos são de sua autoria e o Deputado SÉRGIO BRITO
confirmar que também o subscreveu, bem como a circunstância de ambos negarem
qualquer participação do ora denunciado nas iniciativas, e o fato de os dois Deputados
terem sustentado os pedidos junto à Comissão pertinente, a acusação insiste em atribuir a
autoria dos requerimentos a EDUARDO CUNHA a partir de ilações supostamente apoiadas em
dados técnicos que são inconsistentes.
240. Aliás, era comum na Câmara a existência de Deputados “logados” no sistema,
embora não estivessem em Brasília ou mesmo no Brasil. Basta uma simples pesquisa junto
aos sistemas de informática da Câmara para comprovar que não só o ora denunciado, como
outros deputados aparecem nessa situação diversas vezes. Portanto, o fato de constar o login e
mesmo a indicação de autoria do documento como sendo do denunciado, isso não quer dizer
que tenha sido o autor dos requerimentos.
pressão, pois ele já havia recomeçado os pagamentos. (...) A maior pressão que sofreu foi a ‘advertência’
de Fernando Baiano de que poderia ser prejudicado nos seus demais negócios.”
Também na audiência de instrução da ação penal nº 5083838-59.2014.4.04.7000, em 13.05.2015, JÚLIO
CAMARGO descartou a hipótese de pressão: “Defesa: Está certo. Por último, a última indagação, o senhor falou
que o requerimento feito perante a Comissão de Fiscalização e controle do Congresso Nacional não teria
sido utilizado por Fernando Soares perante o senhor como uma forma de lhe cobrar...
Interrogado: De pressão.
Defesa: ...De pressionar, ou coisa do gênero. O senhor atribui esse requerimento a alguma pessoa, alguma
forma de pressão seja lá de quem parta?
Interrogado: Não.”
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241. Surpreende que a acusação dê tanta importância ao fato de constar nos
metadados dos arquivos dos requerimentos em referência o nome do Deputado EDUARDO
CUNHA como autor deles e não dê a mesma importância para o reconhecimento da
autoria e o respectivo encaminhamento, que são induvidosamente da Deputada
SOLANGE ALMEIDA, com a adesão pessoal do Deputado SÉRGIO BRITO. A surpresa aumenta
na medida em que ninguém desconhece o quanto é comum, tanto nas empresas privadas
como no serviço público, a importação de documentos anteriores para servir de modelo
para outros, da mesma forma como acontece com as pessoas que dispõem de assessores
que se utilizam de textos editados por estes. E ao fazer isso, o autor constante dos
metadados do documento importado permanece o mesmo.
242. A acusação, por outro lado, parece desconhecer que a indicação de autoria nos
metadados de arquivos de documentos word pode ser objeto de edição (seja para excluir,
incluir ou promover qualquer modificação na indicação de autoria).
243. As considerações feitas pela acusação a propósito do perfil de atuação da
Deputada SOLANGE ALMEIDA para daí concluir que ela não poderia ser autora do
requerimento, são inconsistentes e desprovidas de seriedade. Qualquer parlamentar, no
exercício regular do mandato, pode praticar todos os atos contidos no plexo de atribuições
do cargo, não ficando sua atuação limitada às questões que terceiros possam considerá-
las dentro do seu “perfil”. Não pode haver dúvida de que, no caso, agiu no exercício regular
do seu mandato.
244. Mesmo que fossem incorretas as ponderações acima, que induvidosamente
revelam a inconsistência dos argumentos da acusação, ainda assim o acontecimento tão
longamente destacado pelo Procurador-Geral da República não teria qualquer relevância
como elemento indiciário a propósito das imputações feitas na denúncia.
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245. Se todas as ilações apresentadas pela acusação fossem verdadeiras, mas não o
são, qual o efeito probatório se alcançaria em relação à participação do denunciado nos
supostos crimes de corrupção passiva praticados em 2006/2007? Definitivamente nenhum
efeito. Esse suposto acontecimento verificado em 2011 e considerado indiciário na denúncia,
evidentemente não pode ser utilizado para comprovar uma suposta co-autoria em crimes de
corrupção consumados em 2006/2007, nem daqueles de lavagem de dinheiro que, também
supostamente, teriam sido cometidos em seguida, diante da manifesta ausência de
contemporaneidade e de vinculação lógica entre os eventos.
SUPOSTO ENCONTRO ENTRE JÚLIO CAMARGO E O ENTÃO MINISTRO EDISON LOBÃO
246. Na sequência da tentativa – frustrada, diga-se de passagem – de incluir o
denunciado, de alguma forma, nos supostos ilícitos cometidos na aquisição de navios-sonda
pela Petrobrás, o Procurador-Geral da República faz referência a um encontro entre JÚLIO
CAMARGO e o então Ministro das Minas e Energia EDISON LOBÃO, no qual este teria
supostamente deixado explícito que os requerimentos de informações apresentados na Câmara
Federal teriam partido do denunciado.
247. Segundo a denúncia, JÚLIO CAMARGO, após tomar conhecimento do suposto
envolvimento do denunciado na formulação dos requerimentos apresentados na Câmara dos
Deputados, teria procurado PAULO ROBERTO COSTA para que este o auxiliasse na marcação de
uma reunião com o então Ministro das Minas e Energia EDISON LOBÃO.
248. Quanto ao ponto é interessante observar que inicialmente questionado a
respeito da intermediação de encontro entre JÚLIO CAMARGO e o então Ministro EDISON
LOBÃO, PAULO ROBERTO COSTA afirma que não se recorda desse fato e acrescenta que
“JULIO CAMARGO era bem posicionado e acredita que ele não precisasse se valer deste
artifício” (fl. 1286).
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249. Inconformados com a divergência de declarações entre os “colaboradores” –
comprometidos por lei a dizer a “verdade”, o que, todavia, não os impede de mentir –, o
órgão acusador promoveu uma acareação – ato irrelevante e incompatível com o regime da
delação premiada, como foi demonstrado acima – entre JÚLIO CAMARGO e PAULO ROBERTO
COSTA (documento nº 18 da denúncia, fls. 1284/1288).
250. Neste ato, após confrontarem-se as declarações, PAULO ROBERTO COSTA
“recordou-se” de ter recebido JÚLIO CAMARGO e ter solicitado para ele uma audiência com o
Ministro EDISON LOBÃO. Não obstante a lembrança sobre o “acontecimento”, PAULO
ROBERTO COSTA diz não saber: (i) se foi ele ou sua secretária quem telefonou para EDISON
LOBÃO; (ii) se para realizar o contato telefônico usou o telefone fixo da Petrobrás ou se
utilizou o seu celular funcional e (iii) para qual telefone de EDISON LOBÃO teria ligado. Por
oportuno, confiram-se as palavras do delator:
“QUE, ao tomar conhecimento das declarações de JÚLIO CAMARGO, o
declarante se recorda de que efetivamente recebeu JÚLIO CAMARGO na
Petrobrás no ano de 2011, ocasião em que este solicitou que o declarante
conseguisse uma reunião com o então Ministro de Minas e Energia EDISON
LOBÃO; QUE o declarante pediu que sua secretária, de nome LUCIA
COSTA, telefonasse para o gabinete do Ministro em Brasília; QUE a
secretária do declarante, após contato telefônico com a secretária de EDISON
LOBÃO em Brasília, informou que o Ministro estava no Rio de Janeiro
naquela data; QUE o declarante então disse a JÚLIO CAMARGO que ele
estava com sorte, pois poderia encontrar com EDISON LOBÃO no próprio
Rio de Janeiro; QUE em seguida o declarante ou sua secretária telefonou
para o telefone celular usado por EDISON LOBÃO, o qual afirmou que
poderia encontrar com JULIO CAMARGO na Base Aérea do Aeroporto
Santos Dumont naquele mesmo dia; QUE não se lembra exatamente se o
próprio declarante ou a sua secretária telefonou para EDISON LOBÃO;
QUE não se lembra se a ligação foi feita de telefone fixo da Petrobrás ou de
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seu celular corporativo; QUE o declarante não se recorda do telefone celular
de EDISON LOBÃO para o qual a ligação foi feita; (...)” (fl. 1286)
251. Na vã tentativa de superar as inconsistências das declarações de JÚLIO
CAMARGO e PAULO ROBERTO COSTA a respeito do referido encontro com EDISON LOBÃO, o
órgão da acusação traz como elementos corroborativos o depoimento de Paulo Roberto
Cavalheiro da Rocha, motorista de JÚLIO CAMARGO, e cópia da agenda do Ministro EDISON
LOBÃO referente ao dia 31.08.2011. Ocorre que nem um dos dois elementos informativos tem
a aptidão (i) para conduzir a um juízo indiciário da ocorrência do encontro e, (ii) com muito
mais razão, a afirmação do conteúdo da suposta conversa.
252. Com efeito, o senhor Paulo Roberto Cavalheiro da Rocha apenas confirma
que teria levado JÚLIO CAMARGO à Base Aérea do Aeroporto Santos Dumont naquela data.
Entretanto, não menciona ter presenciado o suposto encontro entre seu patrão e o então
Ministro (documento nº 25 da denúncia, fls. 1423/1424). Ou seja, tal depoimento não autoriza
a afirmação, nem mesmo em caráter indiciário, que teria ocorrido um encontro entre JÚLIO
CAMARGO e EDISON LOBÃO.
253. Da mesma forma, dos registros da agenda de compromissos do Ministro
EDISON LOBÃO do dia 31.08.2011 somente constam o horário do vôo de Brasília para o Rio
de Janeiro e a Reunião no Palácio da Guanabara, a qual teria ocorrido entre 17 e 19 horas
(documento nº 44 da denúncia, fls. 1728/1730). É dizer, desses fatos não se pode concluir,
nem mesmo em caráter indiciário, que o então Ministro tenha ido à Base Aérea do Aeroporto
Santos Dumont após o seu compromisso no Rio de Janeiro e lá tenha encontrado JÚLIO
CAMARGO.
254. Some-se a isso o fato de que em depoimento prestado à Polícia Federal em
18.05.2015 EDISON LOBÃO afirmou não se recordar de ter encontrado JÚLIO CAMARGO fora
do gabinete no Ministério das Minas e Energia, mas acrescentou acreditar que não.76
76 Depoimento prestado no âmbito do Inquérito nº 3986. (Doc. 06)
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255. De acordo com a lógica acusatória, o encontro e o teor da conversa
supostamente mantida entre JÚLIO CAMARGO e EDISON LOBÃO teriam o condão de corroborar
a inverídica pressão exercida em JÚLIO CAMARGO para a retomada do pagamento das
vantagens indevidas, bem como que essa pressão teria partido do denunciado. Ocorre que
como demonstrado acima, não há qualquer elemento informativo apto a justificar – ainda que
de forma indiciária – a afirmação de que o encontro teria ocorrido e que nele foi travada a
conversa narrada na denúncia. Ou seja, não há suporte probatório mínimo que respalde a
narrativa acusatória.
256. Ainda que se pudesse desconsiderar todos esses fatos – o que se admite apenas
para argumentar – é revelador o depoimento prestado por JÚLIO CAMARGO nos autos do
Inquérito nº 3.986 deste Supremo Tribunal Federal77. Nele, o delator relata as oportunidades
em que se encontrou com EDISON LOBÃO. Por oportuno, confira-se:
“QUE acrescentando à lista acima, com relação ao parlamentar EDISON
LOBÃO, esclarece primeiramente que é representante da PRYSMIAN, (antiga
PIRELLI CABOS), e como tal buscou resolver um problema da sociedade
empresária no Porto do Canal de Vitória, Vila Velha; QUE a PRYSMIAN
necessitava ‘de uma espécie de servidão’ do porto público ao lado da fábrica,
oportunizando área específica para implantação completa do estabelecimento;
QUE para tanto o declarante esteve por diversas vezes na Agência Nacional
de Transportes Aquaviários – ANTAQ, porém não teve sucesso, sendo
aconselhado a procurar o Ministério de Minas e Energia; QUE foi ao
encontro, então, do Ministro à época, EDISON LOBÃO, e na conversa dele
obteve a sugestão de que deveria a PETROBRÁS atestar a prioridade na
implantação da fábrica; (...) QUE não teve contato com, por telefone com
77 Doc. 01
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EDISON LOBÃO ou assessores; (...) QUE se encontrou com EDISON
LOBÃO por três oportunidades, a primeira já relatada acima; QUE a
segunda reunião se deu em 2012 no Ministério de Minas e Energia, com a
presença do Ministro, do Secretário para Área de Óleo e Gás, prenome
MARCO ANTÔNIO, MÁRCIO ZIMMERMAN, o declarante, representando a
TOYO e o Presidente da OAS ÓLEO E GÁS, SÉRGIO PINHEIRO; (...) QUE
dois meses após, o terceiro encontro ocorreu, também no Ministério de
Minas e Energia, desta vez apenas com a participação do declarante, do
então Ministro e de MARCO ANTÔNIO; (...)”
257. Ou seja, em um momento JÚLIO CAMARGO – já submetido ao compromisso
legal de dizer a verdade por força do acordo de colaboração premiada – afirma somente ter
se encontrado com EDISON LOBÃO por três vezes, em duas no Ministério de Minas e Energia e
em outra – embora em local não declarado –, para tratar de assunto de interesse da empresa
PRYSMIAN, da qual também era lobista, enquanto em outro momento noticia esse suposto
encontro na Base Aérea do Aeroporto Santos Dumont. Destaque-se que essa contradição nas
versões do “colaborador” aparentemente não incomoda o órgão acusador, embora a “nova
versão” não encontre respaldo fático-probatório conforme acima demonstrado.
258. De modo igual como se disse em relação aos fatos relacionados com os
requerimentos analisados anteriormente, se esse episódio, com os contornos narrados na
denúncia, fosse verdadeiro, mas não é, qual o efeito probatório se alcançaria em relação à
participação do denunciado nos supostos crimes de corrupção passiva praticados em
2006/2007? Definitivamente nenhum efeito. Esse suposto acontecimento verificado em 2011
e considerado indiciário na denúncia, evidentemente não pode ser utilizado para comprovar
uma suposta co-autoria em crimes de corrupção passiva supostamente praticados e
consumados em 2006/2007, nem daqueles de lavagem de dinheiro que teriam sido cometidos
a partir de então, diante da manifesta ausência de contemporaneidade e de vinculação lógica
entre os eventos.
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REUNIÃO NO RIO DE JANEIRO EM 18.09.2011
259. Prosseguindo em sua narrativa fantasiosa, a denúncia (fls. 666/672) relata um
suposto encontro entre JÚLIO CAMARGO, FERNANDO SOARES e o denunciado, ocorrido em
18.09.2011, entre 19 e 21 horas78, no Rio de Janeiro, no qual o denunciado teria exigido a
continuidade do pagamento das propinas supostamente ajustadas em 2006 e 2007, porque
faria jus a um saldo de US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares). Para tanto, o
Procurador-Geral da República afirmou que (i) EDUARDO CUNHA e FERNANDO SOARES teriam
chegado ao local do encontro em um veículo da propriedade do último e (ii) teriam se reunido
em uma das salas da empresa SIDUS, a qual pertenceria ao advogado de FERNANDO SOARES.
260. No entanto, ao relatar o inverídico encontro para os procuradores, JÚLIO
CAMARGO afirma espontaneamente que FERNANDO SOARES o buscou no aeroporto,
subiram apenas os dois ao local da reunião e o denunciado somente teria chegado uns 15
a 20 minutos depois. Embora tenha sido um relato longo, com vários detalhes, esse
trecho do depoimento não foi reduzido a termo79.
“Júlio: O Fernando Soares então me apanhou no aeroporto Santos Dumont
e fomos juntos até esse endereço...
Procurador: Com que veículo que ele estava?
Júlio: Ele estava com uma Toyota... essa perua Toyota... como é que chama...
é
Procurador: Hilux...
(...)
Procurador 2: E aí vocês foram para o local...
78 O documento que supostamente comprovaria a presença do veículo de Fernando Soares nas proximidades do
local referido aponta que a entrada no estacionamento deu-se às 19:14 horas e a saída às 20:03 horas – fls. 1417. 79 Relato entre 08:50 do Arquivo 00009 a 01:25 do Arquivo 00010 do Pendrive Julio 1-2 do Apenso 05_Oculto
HD.
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Júlio: Fomos para o local... ahn...
Procurador 2: quem é que recebeu os senhores lá?
Júlio: entramos pelo edifício garagem, porque a portaria estava fechada...
Procurador: é um prédio comercial?
Júlio: Prédio comercial... e aí fomos para um andar que eu não me lembro
qual andar... mas um conjunto que deviam ter aproximadamente cinco seis
salas... nós ficamos numa sala, a maior delas, com uma mesa...
Procurador 2: mas como é que o senhor entrou lá?
Júlio: Junto com o Fernando Soares.
Procurador 2: Sim... mas ele tinha a chave?
Júlio: Sim, ele tinha a chave do local.
Procurador 2: Não tinha ninguém no local quando o senhor chegou?
Júlio: Não tinha ninguém no local.
Procurador: O senhor chegou lá só o senhor e o...
Júlio: E o Fernando.
Júlio: Ficamos lá a postos e uns 15, 20 minutos depois chegou o deputado
Eduardo Cunha.
Procurador: Sozinho?
Júlio: Sozinho... O Fernando encaminhou... eu já estava na sala de reunião,
o Fernando encaminhou o deputado à sala onde eu estava e nossa reunião
foi...”
261. Pretendendo demonstrar a presença do denunciado no referido encontro, o
órgão acusador apresentou como elementos de prova (i) informações prestadas pela empresa
que administra o estacionamento de prédio próximo ao local da reunião, das quais se extrai
que FERNANDO SOARES teria estacionado o seu veículo no horário da suposta reunião, (ii) a
utilização de aparelho telefônico de uma empresa vinculada a FERNANDO SOARES no mesmo
período e na região do edifício aonde teria ocorrido a reunião e (iii) depoimento do motorista
de JÚLIO CAMARGO afirmando ter levado e buscado o delator na região e horário do suposto
encontro.
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262. Como é óbvio as duas primeiras “provas”, no limite, só poderiam indicar a
presença de FERNANDO SOARES e JÚLIO CAMARGO naquele local e horário, jamais a
presença do denunciado. Com efeito, dos indícios de que FERNANDO SOARES e JÚLIO
CAMARGO estariam no mesmo local e no mesmo momento não se pode concluir, por
dedução lógica, nem mesmo em caráter indiciário, que EDUARDO CUNHA também estaria
presente.
263. Aliás, em depoimento prestado perante o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, o Sr.
João Luiz Cavalheiro, motorista de JÚLIO CAMARGO, afirmou sobre o episódio em questão
que “não se recorda de ter visto Julio Camargo em companhia de quem quer que fosse”
(Documento nº 24 da denúncia, fl. 1421).
264. Diante desse quadro, o que se extrai dos “elementos de prova” angariados pelo
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL é: (i) uma lista de carros que estacionaram próximos ao
edifício no qual teria ocorrido a reunião em que nenhum dos carros é de EDUARDO CUNHA;
(ii) o uso de um telefone celular vinculado a FERNANDO SOARES e não ao denunciado; e (iii)
uma “testemunha” que não viu ninguém em companhia de JÚLIO CAMARGO.
265. Vale dizer, a suposta reunião em que o denunciado teria pleiteado a retomada
do pagamento da propina referente aos contratos com a Samsung, não possui qualquer
indício de que tenha contado com a participação de EDUARDO CUNHA.
266. Ainda que se pudesse desconsiderar todos esses fatos – o que se admite apenas
para argumentar – é revelador o depoimento prestado por JÚLIO CAMARGO nos autos do
Inquérito nº 3.986 deste Supremo Tribunal Federal80. Nele, o delator relata as oportunidades
em que se encontrou com o denunciado e o conheceu. Por oportuno, confira-se:
“QUE com relação a EDUARDO CUNHA, encontrou-se com EDUARDO
CUNHA em 2 ocasiões: a primeira em São Paulo, no escritório localizado na
Rua Magalhães de Castro e a segunda em seu escritório no Rio de Janeiro,
80 Doc. 01
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situado na Rua da Assembleia, ambas no início de 2013; (...); QUE
questionado sobre as circunstâncias em que o conheceu, afirma que em dada
oportunidade, entre fevereiro e outubro de 2013, esteve no HOTEL
COPACABANA PALACE apenas para tomar um drink, junto com seu irmão,
e lá se encontrou ocasionalmente com EDUARDO CUNHA, que estava em
companhia de outras pessoas, pelo declarante desconhecidas; QUE acredita
que EDUARDO CUNHA também não estava hospedado; QUE aproveitou a
oportunidade e foi ao encontro de EDUARDO CUNHA, apresentando-se
como representante da TOYO;”
267. Ressalte-se que esses fatos também constam do Termo de Declarações
Complementar nº 01 prestado por JÚLIO CAMARGO nestes autos (“Esteve duas vezes com
Eduardo Cunha. Uma vez no escritório dele no RJ, outra em São Paulo” – documento nº 8 da
denúncia, fl. 825).
268. Ou seja, em um momento JÚLIO CAMARGO – já submetido ao compromisso
legal de dizer a verdade por força do acordo de colaboração premiada – afirma somente ter
conhecido e se encontrado com EDUARDO CUNHA em 2013, enquanto em outro, relata um
suposto encontro no Rio de Janeiro que teria ocorrido em 2011, dois anos antes de o ter
conhecido. Destaque-se que essa contradição nas versões do “colaborador” aparentemente
não incomoda o órgão acusador, embora a “nova versão” não encontre respaldo fático-
probatório conforme acima demonstrado.
269. Reiterando o que se disse em relação aos dois eventos referidos anteriormente,
se esse episódio, com os contornos narrados na denúncia, fosse verdadeiro, mas não é, qual o
efeito probatório se alcançaria em relação à participação do denunciado nos supostos
crimes de corrupção passiva praticados em 2006/2007? Definitivamente nenhum efeito.
Esse suposto acontecimento verificado em 2011 e considerado indiciário na denúncia,
evidentemente não pode ser utilizado para comprovar uma suposta co-autoria em crimes de
corrupção passiva supostamente ocorridos em 2006/2007, nem daqueles de lavagem de
dinheiro que teriam sido cometidos logo em seguida, diante da manifesta ausência de
contemporaneidade e de vinculação lógica entre os eventos.
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DOS SUPOSTOS PAGAMENTOS DE PROPINA – DA COMPLETA AUSÊNCIA DE ELEMENTOS
INDICIÁRIOS QUE INDIQUEM QUE FORAM DESTINADOS VALORES AO DENUNCIADO
270. Além desses três acontecimentos acima, que como demonstrado, são
irrelevantes e não ostentam nem mesmo a qualidade de indícios da prática dos delitos
imputados ao denunciado, outro fator que retira qualquer credibilidade às informações de
JÚLIO CAMARGO e de FERNANDO SOARES e à própria denúncia é a ausência completa de
indícios de que os supostos pagamentos de propinas tenham sido direcionados ao Deputado
EDUARDO CUNHA, embora o órgão acusador não tenha tido dúvidas em afirmar que o
denunciado teria recebido os valores indevidos, consoante se extrai da seguinte passagem:
“As vantagens indevidas (“propinas”), no valor total de US$ 40.000.000,00,
foram estabelecidas após negociações entre FERNANDO SOARES –
representando os interesses de EDUARDO CUNHA – e JÚLIO CAMARGO,
sendo que tais vantagens indevidas foram oferecidas, prometidas e pagas por
JÚLIO CAMARGO a FERNANDO SOARES, NESTOR CERVERÓ e ao
denunciado EDUARDO CUNHA.
Nos dois navios-sonda, EDUARDO CUNHA era o “sócio oculto” de
FERNANDO SOARES e também foi o destinatário final da propina paga,
tendo efetivamente recebido ao menos cinco milhões de dólares – o
equivalente atualmente a R$ 17.345.000,00 reais.”
271. Nos itens “3.3 Dos pagamentos da propina” (fls. 634/672) e “3.4. Do
pagamento do valor residual da propina, mediante lavagem de dinheiro” (fls. 672/681) o
Ministério Público Federal não traz qualquer elemento indiciário que aponte ter sido o
denunciado destinatário de valores indevidos. Com efeito, apesar de referir diversas
transações de valores em nenhuma delas – insista-se: nenhuma – o órgão ministerial
conseguiu relacioná-las direta ou indiretamente ao denunciado.
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272. Todos os supostos pagamentos de propina, que teriam sido efetuados mediante
procedimentos de lavagem de dinheiro, referem-se exclusivamente a valores direcionados a
FERNANDO SOARES. Inexiste nestes autos qualquer documento ou indício que se reporte a
EDUARDO CUNHA. Aliás, a denúncia, a propósito dos supostos atos de lavagem de dinheiro,
somente se refere a FERNANDO SOARES. E não há nada de concreto que este último tenha
encaminhado valores a EDUARDO CUNHA, senão a falsa alegação de que entregou dinheiro
em espécie no escritório político, como se diz no aditamento à denúncia.
273. No que se refere a dois supostos pagamentos a EDUARDO CUNHA através da
Igreja Evangélica Assembleia de Deus diz a denúncia: “FERNANDO SOARES, por
orientação do Deputado Federal EDUARDO CUNHA, indicou a JÚLIO CAMARGO que
deveria realizar o pagamento desses valores à IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE
DEUS” (fl. 679), situada em São Paulo. Ocorre que não há qualquer elemento do qual se
possa extrair a afirmação de que o denunciado teria orientado FERNANDO SOARES a
indicar que deveria ser realizado depósitos em favor de quem quer que seja.
274. Também não é preciso qualquer esforço para se constatar que o ora denunciado
não tem qualquer participação no episódio. Os documentos referem-se a duas doações
realizadas em favor da Igreja antes mencionada, valores que, certamente, se integraram ao seu
patrimônio. Sequer há na denúncia qualquer imputação no sentido de que tais depósitos
seriam uma etapa no procedimento de ocultação da origem e destino dos mencionados
valores.
275. A simples circunstância de o denunciado ser evangélico não autoriza a
interpretação de que valores supostamente depositados em favor daquela instituição religiosa
sediada em São Paulo teriam sido motivados por pedido seu e, muito menos, que seria etapa
intermediária do encaminhamento de valores a si destinados. Da mesma forma, a existência
desses depósitos, por si só, sequer justifica a afirmação de que seriam valores decorrentes de
crimes de corrupção passiva. A ausência de qualquer elemento indiciário nesse sentido é
flagrante.
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276. A suposta existência de dois depósitos efetuados por JÚLIO CAMARGO, em
agosto de 2012, em favor da referida Igreja, localizada em São Paulo, não pode ostentar a
qualidade de indício da participação do denunciado nos supostos crimes de corrupção
passiva e lavagem de dinheiro, na medida em que entre eles não há contemporaneidade e
vinculação lógica.
277. Igualmente irrelevante e inconsistente é a alegada utilização pelo denunciado
de horas de vôo em 2014, realizadas em empresa de Taxi Aéreo. Com efeito, das notas fiscais
e boletos apresentados por JÚLIO CAMARGO (fls. 2018/2023) não constam qualquer
informações sobre quem teria utilizado a aeronave cujo serviço de fretamento estava sendo
cobrado.
278. Além disso, a planilha fornecida pelo próprio delator à fl. 2017 não tem
qualquer idoneidade para comprovar que as pessoas ali mencionadas teriam efetivamente
realizado aqueles vôos. Com efeito, trata-se de uma planilha de excel apócrifa em que o seu
autor poderia lançar em seus campos o nome de quem quisesse. Note-se: embora JÚLIO
CAMARGO afirme ter levantado junto a empresa que administra a operação de sua aeronave a
relação de vôos e passageiros, o certo é que o documento aparentemente não foi elaborado
pela mencionada empresa e, ainda que tenha sido, não tem aptidão para comprovar os dados
ali lançados.
279. Dessa forma, é completamente inverídica a alegação de que o ora denunciado
teria recebido valores de JÚLIO CAMARGO em horas de voo. E ainda que o denunciado tivesse
realmente se utilizado da aeronave – o que se admite apenas para argumentar – tal fato não
autorizaria, nem mesmo de forma indiciária, a conclusão de que o denunciado teria
participado como suposto co-autor em crimes de corrupção passiva supostamente ocorridos
em 2006/2007, nem naqueles de lavagem de dinheiro que teriam sido cometidos logo em
seguida, diante da manifesta ausência de contemporaneidade e de vinculação lógica entre os
eventos.
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280. Diante de tudo o que foi afirmado e comprovado anteriormente, resta patente
que a denúncia não reúne condições de ser aceita.
REQUERIMENTOS
Por todo exposto, requer-se:
a) A suspensão do processo até o final do mandato de Presidente da Câmara
dos Deputados ocupado pelo denunciado.
b) A apreciação e provimento dos agravos regimentais referidos nas
preliminares, invalidando os atos anteriores até agora praticados para que, depois de juntados
aos autos pelo órgão acusador todos os documentos faltantes81, seja iniciado novamente o
prazo para oferecimento de resposta.
c) Seja a pretensão do Procurador-Geral da República, no sentido de ser
desnecessária a homologação perante essa Corte Suprema de novo acordo de delação ou
complementação ou retificação do anterior, indeferida e, desde logo, reconhecida a
nulidade dos depoimentos complementares prestados por JÚLIO CAMARGO, que devem
ser desentranhados dos autos.
d) Seja decretada a nulidade do termo de declarações complementar nº 03 de
JÚLIO CAMARGO, e do Termo de acareação entre JÚLIO CAMARGO e PAULO ROBERTO COSTA e
determinado que sejam desentranhados dos autos.
e) Que qualquer material probatório que eventualmente venha a ser arrecadado
em razão das diligências realizadas recentemente (15/12/2105) não seja entranhado nestes
autos, nem em qualquer outro procedimento que verse sobre os fatos descritos na
81 Consubstanciado no procedimento integral de delação premiada de Fernando Soares, inclusive aos seus
registros audiovisuais.
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denúncia oferecida nestes autos. Em caso de entendimento contrário, requer seja
reconhecida a nulidade dos atos investigatórios praticados no curso do prazo para a sua
defesa, por violação ao devido processo legal.
f) Seja reconhecida a inaptidão da denúncia e seu aditamento pelos vícios
apontados e, finalmente, seja rejeitada por absoluta falta de justa causa.
Termos em que pede deferimento.
Brasília, 18 de dezembro de 2015.