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INSTITUTO DE TREINAMENTO E PESQUISA EM GESTALT TERAPIA DE GOIÂNIA-ITGT Rua 1.128 nº 165 St. Marista CEP: 74.175-130 Goiânia - GO Telefax: (062)3941-9798 / e-mail: [email protected] Site: http://www.itgt.com.br SAÚDE Capítulo 03 do livro “The Gestalt-Therapy Book”, de Joel Latner Meu milagre é o de comer quando faminto e beber quando sedento. Bankei, Mestre Zen Vimos, no capítulo anterior, que os conceitos básicos de comportamento em Gestalt- Terapia, provêm do que se nomeia de funcionamento naturalmente livre. O funcionamento livre, conforme assinalamos, é aquele que ocorre naturalmente por si mesmo, que flui espontaneamente face às exigências do momento. “Natural” refere-se ao que acontece normalmente, pela própria natureza. Normal, natural e saudável, são jeitos diferentes de se dizer a mesma coisa. O termo “normal” tem diferentes significados. Podemos empregá-lo para nos referirmos à maioria dos eventos que estamos observando: “Tudo está normal” - nada de extraordinário está acontecendo. Este é o sentido de normalidade estatística. Podemos também utilizá-lo para definirmos o que é desejável, esperado, ou bom. Neste sentido nos referimos a normas comportamentais, ou seja, dizemos (mantendo algo de definição anterior) “Obviamente ele não está agindo como uma pessoa normal”, i.e., ele está agindo estranhamente. Normal, aqui, é o normativo. O funcionamento livre subentende ambos os sentidos. A normalidade é tanto normativa, quanto estatística. Melhor dizendo, é a única coisa que pode ocorrer nos organismos que funcionam espontaneamente - os qualificativos tornam-se redundantes. O mesmo se aplica quando falamos de eventos humanos. O que é considerado estatisticamente normal, não tem relação com o funcionamento naturalmente livre, ou com processos saudavelmente normais dos organismos, conforme ocorridos por si mesmos. “Normal” se refere ao que todos nós somos uma vez que não apresentamos distúrbios, ou não sejamos reconhecidamente insanos, ou neuróticos. Na Gestalt-Terapia, as bases para a concepção de normalidade ou saúde, não são deduzidas do modo pelo qual a maioria de nós conduzimos nossa vida cotidiana. A normalidade, tendo-se presente a experiência que temos vivido na América belicosa dos anos setenta, é um estado crônico de desequilíbrio, no qual a gratificação que buscamos nunca é alcançada. Vivemos com um certo nível constante de frustração, medo e ansiedade. Somos bombardeados com uma quantidade de estímulos, que vai além daquela que nos bastaria para gerar respostas, e, no entanto, continuamos nos sentindo entediados e vazios; nossa experiência é intensa, mas estamos confusos. Estamos crivados de questões acerca do significado e do valor de nossa existência, mas não nos aliviamos com nossa introspecção. O que é normal, com relação a isto, é o caráter de epidemia. Não somos diferentes da maioria de nossos vizinhos, apesar de parecer que alguns deles estejam piores do que nós - sofrendo mais, e talvez lamentando-se publicamente. Normal, no contexto deste capítulo, é nosso comportamento integrado e saudável. Apesar de alguns de nós associarmos normalidade com maneiras convencionais de ser, todos vivenciamos momentos de atividade singular e genuína. Observamos isto quando eventualmente nos envolvemos em empreendimentos vivazes e algumas vezes ousadamente criativos, e na espontaneidade de crianças pequenas. Talvez cada um de nós possa se lembrar de ocasiões - ocasiões estas evocadas como prazerosamente especiais - em que nossa própria concentração, excitação e alegria, foram vitalizantes e enriquecedoras. Momentos como estes

INSTITUTO DE TREINAMENTO E PESQUISA EM GESTALT …itgt.com.br/wp-content/uploads/2012/08/Saúde-e-doença_Joel... Capítulo 03 do livro “The Gestalt-Therapy Book”, de Joel Latner

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SAÚDE Capítulo 03 do livro

“The Gestalt-Therapy Book”, de Joel Latner Meu milagre é o de comer quando faminto e beber quando sedento. Bankei, Mestre Zen

Vimos, no capítulo anterior, que os conceitos básicos de comportamento em Gestalt-Terapia, provêm do que se nomeia de funcionamento naturalmente livre. O funcionamento livre, conforme assinalamos, é aquele que ocorre naturalmente por si mesmo, que flui espontaneamente face às exigências do momento. “Natural” refere-se ao que acontece normalmente, pela própria natureza. Normal, natural e saudável, são jeitos diferentes de se dizer a mesma coisa. O termo “normal” tem diferentes significados. Podemos empregá-lo para nos referirmos à maioria dos eventos que estamos observando: “Tudo está normal” - nada de extraordinário está acontecendo. Este é o sentido de normalidade estatística. Podemos também utilizá-lo para definirmos o que é desejável, esperado, ou bom. Neste sentido nos referimos a normas comportamentais, ou seja, dizemos (mantendo algo de definição anterior) “Obviamente ele não está agindo como uma pessoa normal”, i.e., ele está agindo estranhamente. Normal, aqui, é o normativo. O funcionamento livre subentende ambos os sentidos. A normalidade é tanto normativa, quanto estatística. Melhor dizendo, é a única coisa que pode ocorrer nos organismos que funcionam espontaneamente - os qualificativos tornam-se redundantes. O mesmo se aplica quando falamos de eventos humanos. O que é considerado estatisticamente normal, não tem relação com o funcionamento naturalmente livre, ou com processos saudavelmente normais dos organismos, conforme ocorridos por si mesmos. “Normal” se refere ao que todos nós somos uma vez que não apresentamos distúrbios, ou não sejamos reconhecidamente insanos, ou neuróticos. Na Gestalt-Terapia, as bases para a concepção de normalidade ou saúde, não são deduzidas do modo pelo qual a maioria de nós conduzimos nossa vida cotidiana. A normalidade, tendo-se presente a experiência que temos vivido na América belicosa dos anos setenta, é um estado crônico de desequilíbrio, no qual a gratificação que buscamos nunca é alcançada. Vivemos com um certo nível constante de frustração, medo e ansiedade. Somos bombardeados com uma quantidade de estímulos, que vai além daquela que nos bastaria para gerar respostas, e, no entanto, continuamos nos sentindo entediados e vazios; nossa experiência é intensa, mas estamos confusos. Estamos crivados de questões acerca do significado e do valor de nossa existência, mas não nos aliviamos com nossa introspecção. O que é normal, com relação a isto, é o caráter de epidemia. Não somos diferentes da maioria de nossos vizinhos, apesar de parecer que alguns deles estejam piores do que nós - sofrendo mais, e talvez lamentando-se publicamente. Normal, no contexto deste capítulo, é nosso comportamento integrado e saudável. Apesar de alguns de nós associarmos normalidade com maneiras convencionais de ser, todos vivenciamos momentos de atividade singular e genuína. Observamos isto quando eventualmente nos envolvemos em empreendimentos vivazes e algumas vezes ousadamente criativos, e na espontaneidade de crianças pequenas. Talvez cada um de nós possa se lembrar de ocasiões - ocasiões estas evocadas como prazerosamente especiais - em que nossa própria concentração, excitação e alegria, foram vitalizantes e enriquecedoras. Momentos como estes

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ocorrem em psicoterapia e a experiência de atualizar o self, reintegrar estruturas neuróticas e crescer através de novos modos de comportamentos, nos fornecem exemplos de comportamento normal e saudável. De acordo com o pensamento da Gestalt, são esses eventos e experiências, e o que aprendemos através de processos naturais, que constituem as bases do comportamento humano saudável. São esses exemplos de ajustamento criativo, que abarcam o melhor de que somos capazes, que representam o ponto alto da normalidade, para além do conceito de saúde mental. A vantagem de definirmos saúde desta maneira, é contarmos com um padrão para avaliar e julgar a qualidade de vida que levamos e que observamos que os outros levam, bem como termos uma perspectiva de possibilidades, funcionando simultaneamente com desafio e estímulo, ou alento. O que chamamos de comportamento neurótico assim o é, porque há evidências de modos mais compatíveis e mais satisfatórios de comportamento. O neurótico está aquém do que se pode esperar. E compreender nosso comportamento atual, levando em conta o contexto de nossas possibilidades, nos apoia e reforça, na medida que tentamos alcançar o que nos cabe.

Aspectos da Saúde

Antes de mais nada, tratando-se de seres humanos, comportamento saudável é comportamento integrado. Na saúde, mantemos vívidas as capacidades e processos que nos constituem. Nos identificamos com todas essas funções vitais. Não vivemos, na saúde, tréguas custosas entre facções adversárias de nossa “psyche” e nem somos dominados pelos ditames de nossa mente, corpo ou vontade. Nosso self, cujo funcionamento é holístico , é parte de nossa atividade regular. Não é só suficiente, por exemplo, estar em contato com o prazer sensorial da degustação. Conforme coloca Huang Po, “buscar meramente satisfazer o órgão do paladar, sem se dar conta de que já se está saciado, é prazer oral”. Nosso estômago também faz parte dessa atividade, sendo que ignorar isso não é comportamento holístico. É este o significado da freqüente citação de F. S. Perls, acerca da “pessoa que perde a cabeça em prol dos sentidos”. Não podemos funcionar efetivamente, uma vez que sigamos, isoladamente, nossa mente ou nossos sentidos .* A integração está implícita no funcionamento satisfatório do processo figura/fundo. Para criar Gestalts que atendam nossas necessidades, temos que ter a capacidade de fazer escolhas dentre todas as nossas possibilidades. Se não pudermos contar com todos os nossos componentes, nossas Gestalten serão correspondentemente fracas. Se nosso comportamento é integrado, temos integridade. Somos honestos e autênticos. Podemos ser obrigados a ser cruéis e desagradáveis, mas isso vem como conseqüência necessária de nosso comportamento honesto. O processo satisfatório de formação e destruição de Gestalts é, pois outro aspecto do comportamento saudável. Nos termos da Gestalt-Terapia ele é, de fato, a definição funcional de saúde. A habilidade para formar Gestalten livre e adequadamente, implica em atingir, na experiência de viver, a profundidade e a satisfação que são indícios gerais da saúde. Esse é um critério autônomo, i.e., que não se refere a nenhuma realização nossa em particular, mas que é comum a todas elas. Para sermos saudáveis, não é preciso que nos detenhamos em compreender, ou elaborar todos os problemas e traumas que acumulamos no decurso de toda nossa vida e nem em evitar cometer erros. O passado não é sempre amargo de nossa vida atual e os erros são essênciais à saúde e ao crescimento. A habilidade para criar e destruir gestalten, o processo através do qual nos afinamos com nossas habilidades, constitui, ao mesmo tempo, a

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definição mais simples e mais adequado de saúde. Saúde se refere a capacidade de lidar com êxito com qualquer situação, que se nos apresente, e o êxito, se refere à resolução satisfatória das situações, com base no processo dialético de formação e destruição de Gestalten. • Apesar de parecer que Perls nos diz para nos entregarmos apenas a nossas sensações, ele o dizia de fato, apenas em função das exigências

didáticas presentes nas situações nas quais trabalhava abrindo mão da precisão. Muitos de seus trabalhos públicodos, são transcrições de palestras ministradas a platéias que ilustravam nossa ênfase cultural na racionalidade e na cognição. Seu objetivo era provocar mudanças nos ouvintes, utilizando para isto, como artifício, certas palavras.

Proceder ao livre funcionamento de Gestalten, não implica em ausência de esforços para tal. A saúde não é garantia de eliminação dos obstáculos com os quais nos defrontamos - ela apenas diz respeito à nossa capacidade de lidar com eles, de posse de todas as habilidades que temos. Da mesma forma, atividade espontânea não é sinônimo de fazermos qualquer coisa que queiramos fazer. Ela diz respeito ao fazermos o que queremos quando estamos centrados - em contato pleno conosco e com o meio. Do seguir acumulando estes êxitos, advém a confiança que experienciamos ao nos sabermos adequados às circunstâncias. Estes êxitos constituem o nosso suporte, e este suporte constitui a nossa segurança. Não podemos garantir que tudo sempre corra bem - nunca podemos garantir isso e, tentar fazê-lo, apenas atrapalha a eleição de necessidades. No processo de formação e destruição de Gestalten podemos nos sentir, de fato, arriscando-nos, mas, através dos sucessivos êxitos, adquirimos a confiança de seguirmos lidando com as situações conforme ocorram, com as habilidades que possuímos; a confiança de que sua resolução será tão satisfatória quanto o permitirem, as circunstâncias e, de que isto nos bastará. Os aspectos ulteriores da saúde, implicam em que conheçamos nossas necessidades. Precisamos estar em contato com o que nos é importante. Para que saibamos o que necessitamos, devemos conhecer e aceitar o que somos no momento presente, uma vez que nossas necessidades estão intricadas no nosso existir aqui-e-agora. Implícito neste requisito para a boa formação de Gestalt, está o seu inverso: precisamos saber o que não somos. Ao diferenciarmos o que somos nós do que não somos, podemos nos distinguir do resto do campo. “Se um homem se identifica com o self que o constitui e separa o que organismicamente não é parte de si mesmo, ele é saudável” Era isto que Fritz Perls tinha em mente, ao formular e encorajar o uso do que ele chamou de “a prece gestáltica”,

Eu sou eu e você é você Não estou neste mundo para viver segundo as suas expectativas E você não está neste mundo para viver segundo as minhas Eu faço minhas coisas, e você faz as suas coisas Se por acaso nos encontrarmos Será maravilhoso Se não, nada teremos a fazer.

Este é o axioma central de bom funcionamento em Gestalt-Terapia. Apenas na medida em que todos os elementos do campo existirem como entidades distintas e separadas, é que eles poderão se relacionar de modo significativo. Apenas na medida em que as coisas forem diferentes , é que poderão ser unificadas. Em termos de interação humana, um encontro genuíno requer que sejamos totalmente e apenas nós mesmos se, por exemplo, outra pessoa nos

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atrai porque julgamos que ela tenha a inteligência que gostaríamos de ter, não estamos nos relacionando com ela para além de nós mesmos, mas sim com a concepção que temos dela. Esta concepção pode ou não ser verdadeira - como freqüentemente não o é, cometeremos um engano - mas, em qualquer caso, nós estamos nos relacionando com os desejos que projetamos na pessoa. O outro não está separado de nós ao invés disto, representa uma externalização de nosso próprio desejo.

• Perls não deu a “prece” a conotação de “súplica”. Seu objetivo era o de que ela fosse repetida, como um “mantra”, até que seu significado fosse absorvido por todo o nosso ser. Ela é um lembrete. Compreendido nestes termos, o “Pai Nosso” também não é a súplica de homens impotentes que rogam, que Deus faça por eles o que eles próprios não podem fazer. Traduz nossa determinação de tentar viver nossa religiosidade conforme a recebemos.

Não estamos nos relacionando conosco; na verdade não estamos sequer nos relacionando. Óbvia e novamente, o funcionamento saudável pressupõe que nos abandonemos ao processo, à resolução de nossas necessidades no campo. Não buscamos vitória, não desejamos controle. A situação da qual fazemos parte, controla, e nós rendemos a ela. Não nos comportamos de acordo com alguma teoria, não temos metas estabelecidas; não aspiramos ser “geniais”, “integrados” ou “responsáveis”, uma vez que tais conceitos, quando influenciam nosso comportamento, constituem obstáculos para nosso livre funcionamento. É neste sentido que nos cabe compreender a formulação de Perls. “A maturidade se dá na medida em que se substitui o suporte ambiental pelo auto-suporte”. O suporte ambiental nos é essencial; o que Perls quer dizer, é que solapamos nossa saúde, quando subestimamos nossos próprios recursos, passíveis de serem usados no alcance de objetivos que nos vão favorecer e gratificar. Se dependemos de outros aspectos do campo para fazer por nós o que nós mesmos podemos fazer, prejudicamos o processo de formação de Gestalt, diluindo a distinção entre nós mesmos e o ambiente. A integração supõe mais do que aceitar todos os nossos desejos, necessidades, comportamentos e habilidades, como parte de nós. Ela requer também que nos reconheçamos como parte do campo. “Na saúde, estamos em contato conosco e com a realidade” (F. S. Perls, 1969b, p. 241). Devemos viver em intercâmbio criativo com o mundo externo, em relação harmoniosa com o ambiente do qual somos parte. Não somos alienígenas. Não somos senhores desse domínio, mestres do mundo, quieto e passivo. E nem somos senhores, ou escravos uns dos outro - isto contraria o intercâmbio livre dos homens em sociedade. Somos criaturas do mundo, e assim sendo, companheiros. O último aspecto do funcionamento saudável, é “awareness”: simplesmente apreender, com a plena extensão de nossos sentidos, o mundo fenomenológico, conforme se apresenta dentro e fora de nós. “Essa habilidade de ver é saúde”. Uma vez que a formação de Gestalt supõe a organização das partes distintas e pertinentes de campo, ela abarca nesse processo, nossas experiências destas partes; só podemos lidar com o que conhecemos. O processo não pode ir adiante sem nossa participação nele; nossa participação consiste em estar em contato com o campo e com a figura emergente, já que é neles que o processo se dá . Costuma-se dizer “felizes as pessoas que não têm história”. Quando o passado ainda exerce algum tipo de apelo sobre nós, o carregamos como um fardo, sendo poucos aqueles de nós que o deixam para trás. Na medida em que o passado aparece em nosso viver, interfere em nossa “awareness” atual. Ele se torna “awareness” atual, e estes outros eventos então presentes, nos impedem de nos entregarmos aos eventos que estão de fato acontecendo no presente. O

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comportamento saudável implica em que deixemos a história em si mesma, de forma a que possamos responder ao que nos acontece agora. “Awareness” é um acontecer no momento presente. Só podemos manter a “awareness” com relação ao que acontece agora. Mesmo nossas reflexões e lembranças acontecem no agora, no presente. Saúde é compreender, com a totalidade de nosso ser, o que o “agora” significa. Isto porque se estivermos mantendo a “awareness” plena do agora, estaremos em contato com tudo que existe para nós, e o processo através do qual ocorre a nossa vida, deriva disto. No presente estão nossas necessidades e os meios para satisfazê-las, da melhor forma que a situação atual o permitir. Viver plenamente no presente significa saúde; tudo o que necessitamos para a melhor silução possível em dadas circunstâncias, está aqui, agora nas circunstâncias atuais. A atividade criativa do artista constitui um modelo de funcionamento saudável, freqüentemente citado em Gestalt-Terapia. Conforme Otto Rank enfatizou em seus artigos o ato criativo constitui saúde psicológica. A psicologia da arte é a psicologia de tudo; é um modelo de utilização dos materiais do campo com imaginação espontânea, precisão, “awareness” e habilidades, postas a serviço do enriquecimento do self, em que pese o desafio e a ampliação. No ato criativo, está presente a inteligência coesiva organísmica, que chamamos de intuição. A descrição que se segue, do processo artístico, nos é dada por Ingmar Bergman, diretor cinematográfico: A coisa mais importante no trabalho criativo, é deixar que sua intuição lhe diga o que fazer: Escrevo um “script” e planejo o que este personagem deverá fazer - isto e aquilo. Sei que se ele não fizer o que planejei, todo o resto da cena ficará sem sentido. Mas repentinamente minha intuição me diz que este personagem está me indicando que não fará assim e assim. Pergunto então à intuição, o porque não. E a intuição me responde que nunca me dirá o porque. Que eu o tenho que descobrir por mim mesmo. Então temos que percorrer um longo, longo safari na floresta, no sentido de seguir o que nos apontou a intuição. Mas se eu rejeito a intuição, me torno meramente um classificador de coisas. Desta maneira, meus personagens não me obedecem. Eles seguem o seu próprio rumo. Se tivessem que me obedecer, morreriam. Deixamos para trás as estruturas seguras que vínhamos mantendo, arriscando-nos em uma nova maneira de lidar com o campo contatado, abraçando suas possibilidades. No momento da chegada apartamo-nos do caminho, dando passagem ao processo self.

A Personalidade: O Self

Teorias evoluem do nosso desejo de compreender algo; as teorias acerca do comportamento humano evoluem de nossa necessidade de conhecer a nós mesmos e de nosso desejo se nos desvencilharmos dos elementos impeditivos de nossas vidas. Talvez se pudermos saber “o que é”, possamos saber o que está errado e o que fazer com relação a isto. No sentido de seguir delineando como a Gestalt concebe o comportamento, vamos completar o esquema que esboçamos e especificar os princípios comportamentais, abordados no capítulo anterior, em termos de características distintivas do ser humano. Em Gestalt-Terapia, quando falamos de personalidade e sua organização, nos referimos à figura do indivíduo, concebendo-a em termos de seu posicionamento ao longo do tempo. Ela se modifica através de nossa vida, manifestando-se de forma diferente, em diferentes situações.

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Como nossas mãos, que ora se fecham em punhos cerrados, ora se estendem no ato de dar, ora se curvam envolvendo outras mãos. Tomadas isoladamente seriam mãos deformadas. Tomadas dentro de um contexto, são as nossas mãos, em tempos e circunstâncias variadas. Da mesma forma, sabemos e experienciamos nossa personalidade como sentidos diversos, e ao mesmo tempo unificados, de nós mesmos, que vão se dando através de nossas vidas. Em termos holísticos, as diversas facetas da personalidade humana constituem os diversos aspectos de um processo, devendo ser como um todo. Não é difícil aceitar este ponto de vista; quando o comportamento é espontâneo e quando são favoráveis as circunstâncias, o processo de diferenciação e integração flui suavemente. O termo que em Gestalt-Terapia designa a pessoa enquanto todo, é “self”. Na totalidade você é você mesmo (“yourself”). A característica fundamental do self é a formação e destruição de Gestalt, que Freud chamou de “tendência para a saúde”. * A Gestalt-Terapia enquanto desenvolvida a partir da psicanálise, utiliza alguns dos termos empregados por Freud e seus discípulos. Entretanto, a maioria destes termos - e em especial “self” “id” e “ego” - recebem sentidos diferentes e particulares na Gestalt-Terapia. Cabe pois, ao leitor, suspender qualquer um dos sentidos anteriores de tais termos.

O self corresponde àquelas características de saúde anteriormente enumeradas. O self constitui nossa essência; é o processo de avaliar, integrar e atualizar, no sentido do completamento, as possibilidades do campo, a serviço das necessidades do organismo. O self é o agente em contato com o presente, realizando ajustamento criativo, dando significado. O self é o nosso processo saudável corrente, funcionando a serviço da existência e crescimento do organismo. Apreendemos o self enquanto aquele que se manifesta nas circunstâncias específicas que o envolvem. Em cada situação, somos nosso self em contato com aquela situação. Somos sempre nosso self, quer estejamos ou não em contato com o presente. Precisamos estar em contato com alguma coisa. Para atualizar, de fato, nosso self, temos, entretanto, que estar em contato com a realidade conforme ela se dá. Na medida em que as situações variam, varia também a manifestação de nosso self; ela está sempre em mudança. Com exceção da expressão específica de nosso self que faz parte da Gestalt presente, nós experienciamos o self com uma potencialidade; ou, a partir de nossa experiência, como um “background”. Idealmente, a característica do self em Gestalt-Terapia, diz respeito a estilo. O self tem uma modalidade que representa nosso modo particular de nos engajarmos no processo. Representa o nosso jeito próprio e particular de nos expressarmos no contato com o ambiente. Ele provém dos resultados da interação entre o nosso crescimento e aprendizagem passados e a individualidade que trazemos para o mundo - hereditariedade, constituição, “karma”. Este self atualizado é semelhante ao que se nomeia, no Zen, de natureza-de-Buda, ou mente. É descrito através de seu jeito característico. “Esta mente, que não tem início, é inata e indestrutível. Não é verde e nem amarela, e não tem forma ou aparência. Não pertence à categoria das coisas que existem ou não existem, e não pode ser pensada em termos de novo ou velho. Não é extensa ou curta, grande ou pequena, uma vez que transcende a todos os limites, medidas, nomes, traços e comparações. Constitui aquilo que você vê antes de ver - comece a pensar sobre ela e, ao fazê-lo já incorreu em erro”(Huang Po). O ímpeto do self vai em direção ao nosso completo envolvimento no processo corrente da vida. O self opera no sentido de seu completamente, no sentido de formar e fechar Gestalten. É essa a realização do self. O self é o nosso envolvimento com qualquer figura, mesmo com aquelas que nos ameaçam. Tanto a cooperação quanto o conflito, o processo que flui e aquele difícil, expressa a realização do self, uma vez que o processo está ocorrendo e nele estamos engajados. O self é o somos-nós-em-processo. É a criação da figura, não a figura em si mesmo.

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Seu objeto é o processo, e não nossa segurança ou sobrevivência. A única segurança que podemos ter, é crer que o processo desembocará na resolução da situação que melhor satisfaça o campo. Conforme o compreendido em Gestalt-Terapia, o self é um conceito unitário. Ele engloba nossos aspectos físicos, emocionais e cognitivos, sendo cada um deles, uma manifestação diferente da atividade do self. Embora possam ser diferenciados, corpo, sentimentos e cérebro não são separados. Por exemplo, os aspectos de nossa cognição estão, como sabemos, funcionalmente centrados em nosso cérebro. Mas a inteligência saudável é um ato organísmico; envolve não apenas nosso cérebro, mas o restante de nosso comportamento. Nosso pensamento ocorre no contexto de todas nossas outras capacidades, enquanto faceta do self. A partir do momento em que o campo indiferenciado começa a se diferenciar em partes discretas, emergem as fronteiras. Estas fronteiras de contato constituem pontos de diferenciação, o momento em que se dá o encontro do self e do outro. A fronteira não representa o ponto entre o self e o outro, ela envolve ambas as partes, é formada por seu contato. Da mesma maneira em que a fronteira entre oceano e costa se constitui do fluxo da água na margem, sendo formada por ambas as partes e não existindo separadamente delas. Fluxo e refluxo, é o que constitui tanto a linha de demarcação, quanto o ponto de conecção. Nossa pele é fronteira de contato. Na medida em que separa nosso corpo do ambiente, e também nosso ponto de encontro com ele. É aí que sentimos o ambiente, descobrindo o que somos nós e o que não somos. A fronteira de contato se forma na medida em que o self atua no processo de formação de Gestalt. Também chamada de “continuum de awareness”, é o que sentimos e pensamos quando em interação.

O Self nas Modalidades de Id e Ego

Em função das exigências da situação, o self apresenta, no curso de funcionamento saudável, diferentes qualidades, ou estilos. Estas diferenças no processo funcional, as quais nos referimos como self , constituem variações e combinações da diferenciação polar do self nas modalidades de funcionamento id e ego. Em baixos níveis de excitação, a modalidade de funcionamento id é um fluxo não dirigido de awareness, livres associações, awareness não estruturada. Um exemplo disso é aquele estado em que estamos semi-acordados e nos damos conta de que nosso próprios processos estão ocorrendo, como que independentes de nós. O id representa a modalidade de funcionamento na qual nos sentimos como que ligados, ou responsivos ao meio, de forma quase que automática. O funcionamento id é descomprometido, isento de vontade deliberada; ocorre quando o fluxo de impulsos sensoriais e motores fluem sem obstáculos ou dificuldades. Talvez o exemplo que nos seja mais familiar da modalidade de funcionamento id, seja o sonho. Quando a figura está claramente formada e é grande a excitação do organismo e do ambiente, o funcionamento id pode ser forte. A espontaneidade flagrante da criança pequena, tem muito de funcionamento id. O id constitui aquele aspecto do processo do self, no qual são enfatizados a energia, a excitação e o movimento. Algumas vezes o experienciamos como estarmos entregues ao campo, ou abandonados aos nossos sentimentos, como naquelas situações em que choramos deslavada e sentidamente. De maneira característica, nossas fronteiras são percebidas apenas vagamente; algumas vezes sequer são percebidas, e nos sentimos como sendo os próprios processos de vida. A modalidade de funcionamento id constitui uma qualidade típica e saudável do funcionamento do self. Em Gestalt-Terapia, o prazer, a espontaneidade e as expressões diretas de emoções, são considerados aspectos de

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comportamento maduro e adequado. “A vida insiste em ser muito mais infantil do que outros, como Freud, se deixaram supor e a ausência de funcionamento id no comportamento “maduro”, ao invés de ser uma mudança evolutiva, é o resultado de uma suspensão deliberada, que contribui para a neurose de normalidade”. (Perls, Hefferline e Goodman, 1951, p. 436). O ego é o funcionamento do self que representa o outro polo, oposto ao id. Enquanto que o funcionamento id é solto e passivo, a modalidade de funcionamento ego é deliberada, voluntariosa e ativa. Ela passa a ser o estilo característico do self, quando o equilíbrio organísmico está difícil de ser mantido e quando um grande montante de energia do campo é exigida, no sentido de se conseguir o ajustamento. A modalidade ego é aquela da discriminação, da diferenciação ativa do campo em elementos com os quais a Gestalt se identifica e elementos dos quais ela se separa. Ela é passível de rejeitar elementos, ou do organismo, ou do campo, que sejam tidos como prejudiciais ou perigosos à formação da Gestalt, atuando como censora do contato do organismo consigo próprio e com o ambiente. A modalidade id dá ênfase ao fluxo integrado de livre funcionamento, a serviço do qual se encontra. Em oposição a ela, as qualidades da modalidade ego põem em destaque a agressividade, a forma ou estrutura, e a separação. Experiências de determinação, força de vontade e esforço, são experiências de funcionamento ego. A modalidade ego é a modalidade ativa do self, que supõe o abraçar o campo e o combater nele. Enquanto que o funcionamento id minimiza a fronteira entre o organismo e as outras partes pertinentes do campo, o funcionamento ego a põem em destaque. O processo de discriminação consiste em selecionar o que não serve do campo, daquilo com o que nos identificamos. Aquilo com o que nos identificamos constitui o que percebemos como bom, certo, ou familiar; o que não nos serve é o que percebemos como ruim, errado, ou estranho. A operação do funcionamento ego, no ponto de contato, consiste em selecionar, com base nas necessidades organísmicas, o que é parte da experiência do self e o que deve ser excluído dela. No funcionamento ego normal e saudável, nos identificamos com aquilo que nos interessa e que atende às nossas necessidades e não nos apegamos aquilo que não nos interessa. Simplesmente não nos preocupamos com o que está fora de nossa fronteira de ego. No processo de escolha, nos empossamos de um claro senso de diferenciação entre nós mesmos e o que está de fora e reconhecemos nossa capacidade de fazer tais distinções. Na modalidade ego somos pois auto-conscientes, i.e., nos damos conta do ato de escolher, enquanto função de nossas habilidades. Exercemos nossa vontade. Sentimos a escolha daquilo com o que nos identificamos, como sendo uma imposição ativa de nós mesmo, e de nossas necessidades, sobre o ambiente. Conscientes de nós mesmos nesta modalidade, deliberado e agressivo, temos a sensação de manejar a situação. Assim sendo, a consciência de nós mesmos, do “eu”, assume o primeiro plano, com relação às atividades nas quais nos envolvemos. Em termos experienciais, não nos rendemos ao processo - nós o fazemos. Esta descrição nos soa, com certeza, familiar. Este aspecto ativo e agressivo do self é o elemento mais presente na “awareness” de nosso comportamento cotidiano. É provável que as qualidades firmes e intencionais da modalidade ego, sejam mais comuns em nossa experiência, do que as qualidades de passividade e acomodação, características da modalidade id de funcionamento. Em nossas vidas diárias, estamos basicamente conscientes dos aspectos de nosso comportamento que constituem eventos da modalidade ego. Isto se deve por um lado, ao fato do funcionamento de modalidade ego requerer nossa “awareness”, enquanto que o comportamento na modalidade id é freqüentemente passível de ocorrer sem ela. Por outro lado, somos culturalmente condicionados a nos identificarmos mais intensamente com nosso

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estilo ego. Tomemos, por exemplo, nosso comportamento de compras no supermercado. Podemos achar o que queremos, de várias formas diferentes. A forma mais óbvia é buscar o que temos anotado em nossa lista de compras, procurando atentamente a prateleira de sucrilhos, escolhendo as verduras e pagando nossas compras. Tudo isto representa ocorrências da modalidade ego. Nosso comportamento de modalidade id - nosso caminhar, nossa respiração, nosso avistar amigos e novidades - recebe provavelmente, menos atenção, uma vez que pode, e freqüentemente ocorre, independente dela. Raramente as modalidade id e ego, do self, ocorrem em sua forma pura. Geralmente nosso comportamento é uma combinação de ambos os estilos, sendo que a importância relativa de cada um deles, é função da atividade na qual estamos empenhados e de nosso próprio estilo pessoal de estar no mundo. Viver uma relação sexual, por exemplo, requer mais deliberação do que dormir, e menos do que fazer compras - e alguns de nós são mais deliberados quanto relações sexuais do que outros. Esse exemplo ilustra um outro aspecto do funcionamento bimodal do self: ainda que a consciência seja mais freqüentemente associada às nossas atividades de modalidades ego, ela não se restringe a elas. Na modalidade ego, a sensação de sermos agentes é acompanhada pelo sentimento de estarmos algo isolados do campo. Nela não somos uma parte tão integrada de um processo cooperativo, pelo contrário, somos entidades separadas agindo sobre outras coisas. Grande parte de nosso pensar mais elaborado vem desta modalidade de comportamento, já que a modalidade ego é nosso meio de estabelecer distinções no campo. E, conforme vimos anteriormente, é esta modalidade de experiência que se reflete na estrutura de nossa linguagem. De forma semelhante, muitas de nossas teorias acerca das ocorrências naturais e humanas, são baseadas no nosso funcionamento no estilo do ego. “Freud”, sentenciou F. S. Perls, “nunca compreendeu o self. Ele se fixou no ego” (1969, P.11). Uma implicação disto merece ser ressalvada. Se, por um lado, o instrumental básico de nossa experiência e compreensão reside na existência do estilo ego, cujo funcionamento é deflagrado quando precisamos ultrapassar os obstáculos ao nosso ajustamento criativo, por outro lado, desde o primórdios da vida civilizada, temos tido dificuldades em encontrar soluções para os problemas do viver. Se haver um tempo em que os homens conviveram livres e serenamente entre si e a natureza, isto ocorreu, pelo menos na cultura ocidental, por muito pouco tempo, tendo desaparecido antes do advento dos nossos sistemas lingüísticos e filosóficos.

Contato e Suporte

O funcionamento do self se modifica através de duas dimensões. A primeira delas é estilo; os estilos do self são os funcionamentos id e ego. A segunda dimensão é o contato. O contato se refere, literalmente, à natureza e à qualidade da forma pela qual nos damos conta de nós mesmos, de nosso ambiente e dos processos a eles relacionados. Contato é ver o rosto de uma pessoa, é sentir e perceber a textura de uma roupa tecida a mão, ou o fastio que experimentamos quando comemos demais. Bom contato significa estar plenamente em contato, de tal sorte que estejamos total e satisfatoriamente absorto naquilo. E ver o rosto de uma outra pessoa com imediaticidade, sem o véu cinzento de nossas expectativas ou opiniões acerca de que estamos vendo, sem a interferência de nosso cansaço ou tédio O contato pobre coincide com nosso desinteresse por aquilo com que nos defrontamos, nosso medo dele, ou, ainda, com o filtro de nossas racionalizações ou desligamentos. A pessoa

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deprimida, para quem o mundo pareça monótono e sem vida, está em contato pobre consigo mesma e com seu mundo. Acabamos de constatar que o contato é um aspecto essencial da formação da Gestalt. Boas figuras requerem a compreensão e a excitação que caracterizam o bom contato. Na verdade, podemos entender a formação da Gestalt, como sendo um desenvolvimento de contato. Na verdade, podemos entender a formaçãode gestalt, como sendo um desenvolvimentode contato. O contato prévio representa o primeiro delineamento da figura, bem como a divisão do campo naquilo que faz e não faz parte dele. A isto se segue o estágio seguinte de contato, aquele no qual a figura vai se tornando mais clara e o nosso contato mais focalizado e preciso. O contato final diz respeito à resolução em um todo figural e a solução do problema que fez emergir a Gestalt. O pós-contato é o processo de destruição da Gestalt e retorno ao ponto zero. O contato saudável não é fixo, e sim móvel. Nós sentimos aquilo com que estamos entrando em contato, não nos fixamos nele. Alternamos o contato com a retirada, indo de um a outro, da mesma forma em que alternamos o sono com a vigília. Esse processo fluente constitui o ritmo básico do funcionamento saudável. Parte do fluxo de contato se deve à sua natureza experimental. A formação de Gestalten, especialmente em seus níveis inicial e intermediário, não é um processo linear ou infalível. Ele se dá através de ajustes e recomeços, a figura sendo formada, sendo desfeita e novamente formada, à medida em que vamos nos dando conta de que nossas escolhas não são ainda as melhores cabíveis na situação. O contato e o empenho fluem e refluem neste processo de triagem e erro. Os erros são partes inevitáveis do funcionamento saudável. Fazem parte de nossa busca a invenção criativa que mais se adequa à situação única na qual estamos. Podemos conceber mais precisamente os erros, como parte do intercâmbio que realizamos com os elementos do campo, no sentido de seguir buscando o melhor ajustamento que nos for possível. O contato depende daquilo que chamamos de funções de suporte do campo organismo/meio. Da mesma forma que o contato é a figura do funcionamento saudável no campo, o suporte é o fundo. Olhando o rosto de um amigo, percebemos seus vítreos olhos azuis, sua disposição para nos olhar à medida em que o olhamos, as rugas ao redor de sua boca e de seu nariz, o contorno de seu queixo. Estamos em contato tanto com sua aparência, quanto com os sentimentos que ele nos transmite: aconchego, cansaço, reciprocidade. Também nos damos conta de nossa própria participação nesta interação: nosso carinho por ele, nosso prazer em estar com ele. O suporte para nosso contato, nesta situação é multifacetado. Em termos mais imediatos, inclui a acuidade de nossa visão, o nosso desejo de proximidade, e a nossa capacidade de experienciar e compreender nossas percepções e sentimentos. Em termos mais genéricos inclui nossa respiração, que nos propicia suporte, a alimentação e nosso metabolismo que nos dão energia e propiciam suporte a nosso corpo, o qual literalmente nos sustenta. O sistema de suportes necessários a esta única atividade, abarca, em última instância, todo o universo: do ar que respiramos e da comida que nos alimenta, a todas as outras coisas, vivas e inanimadas, que compõe o eco-sistema que habitamos. Abarca, inclusive o passado, considerando-se desde nossos suportes ancestrais e nossa hereditariedade, nosso desenvolvimento na terra enquanto seres humanos, nossas afinidades “kármicas” e nossa predisposição, até, quem sabe, o princípio primeiro. Assim sendo, nosso suporte vem de nossa fisiologia, de nossa postura, de nossa coordenação, da sensibilidade de nosso aparato de orientação e de nossas habilidades motoras. Vêm da nossa capacidade de articular nossa linguagem em prol de nossas necessidades e

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respostas e de nosso auto-conhecimento - nos habilita a estar em contato com nossos sentimentos e pensamentos atuais. As qualidades específicas de nosso suporte, bem como de nossos contatos, têm fontes comum: vêm de nossa hereditariedade e constituição, e dos resultados de Gestalten anteriores e sua resolução. Nosso suporte atual, depende do êxito que obtivemos no passado, ao levar adiante o processo de criar e destruir Gestalten. Isto porque, são os êxitos passados, que nos garantem a confiança necessária para prosseguir no processo. O suporte também vem do resto do campo, do ar que respiramos, do alimento que comemos e das condições sociais das quais fazemos parte. Nós nos fortalecemos quando temos o que precisamos. Os elementos básicos dos quais necessitamos são amor e aceitação, e a estimulação física, emocional e intelectual, que nos permite exercitar todas as nossas habilidades. Estes são os suportes indispensáveis ao contato saudável e, desta forma, à formação bem sucedida de Gestalt.

“Awareness”, o Presente A “awareness” constitui outra parte da dimensão contato, do self. Estar em contato com a Gestalt emergente, significa ter “awareness” do campo. O funcionamento saudável requer que mantenhamos contato com os elementos figurais e que nos demos conta deste contato. O bom contato exige conscientização. Se não nos dermos conta do contato, nosso comportamento será aleatório ou persistentemente inadequado; as demandas da situação mudam, a cada momento, nos sendo impossível, através de pré-concepções, acompanhar a singularidade de cada Gestalt. Desta forma, atualizaremos nossas oportunidades apenas parcialmente, em prejuízo tanto da solução, quanto de nossa gratificação. Para ter “awareness”, precisamos ter nossas mentes vagas. Há uma estória antiga:

Nan-in, um mestre japonês da era Meyi (1868-1912), recebeu um professor universitário que queria fazer-lhe perguntas sobre o Zen. Nan-in lhe serviu chá. Encheu-lhe a xícara e continuou a servi-lo, enquanto ele trabalhava. O professor observava o chá se derramando até que não mais pode conter, exclamando: “Já transbordou. Por favor não coloque mais!” “Como esta xícara”, disse Nan-in, você está cheio de suas próprias opiniões e especulações. Como é que eu posso lhe mostrar o Zen, a não ser que você fique, antes, vazio como sua xícara?” (Rep., 1957, p. 19)

Estar vazio, é estar aberto a todas as possibilidades. Isto permite que se esteja atento a todos os aspectos pertinentes do campo, uma vez que qualquer Gestalt se desenvolva. Se começamos a julgar, não mais permitimos a livre emergência da Gestalt. Nossos pensamentos e opiniões acerca da experiência, interferem na experiência em si, estreitando as possibilidades. Na medida em que nos limitamos desta maneira, as Gestalts que formamos tendem a ser fracas e ineficazes, e nossa experiência tende a ser, respectivamente, destituída de vida. O comportamento autêntico surge apenas quando a figura evolui daquilo que nós espontaneamente elegemos. É disto que F. S. Perls fala, quando coloca que “a pessoa mais rica e criativa não tem caráter” (969z, p. 7). Caráter, aqui, significa rigidez.

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Este é o conceito de indiferença criativa, o organismo no ponto zero, aberto para o que surge. É o que Perls chamou de “vazio fértil”. Um vazio pleno de potencialidade, pronto para o desequilíbrio inevitável. Sé nós nos detivermos nele, ele se dissolverá tão logo apareçam as necessidades da situação. Se prestarmos atenção nele, manteremos a vitalidade de nossa experiência, do contrário, perderemos nossa possibilidade. Perdendo as possibilidades da experiência, perdemos também, as chances de mais satisfação. “Esteja aberto, até mesmo para o vazio”, diz Ingmar Bergman, “pois assim, qualquer que seja a coisa que surja, ela será real”. Ter “awareness”, é ter responsabilidade. Na Gestalt-Terapia este termo é utilizado de dois modos. Em primeiro lugar somos responsáveis se temos a “awareness” do que está nos acontecendo. Assumir responsabilidade significa em parte, encarar a nossa existência, conforme ela se dá. O outro significado de responsabilidade, relacionado a este primeiro, refere-se a nossa capacidade de responder pelos nossos atos, impulsos e sentimentos. Quer dizer, identificarmos com eles, aceitar tudo o que fazemos como nosso. Estes significados são distintos e diferentes. Somos responsáveis por coisas que claramente fazemos - por estarmos zangados, teimosos ou irresponsáveis: por quebrarmos louças e darmos presentes. Somos também responsáveis pelos danos que nos infligem e pelos presentes que recebemos, ou seja, pelo que, nos fazem. Assim falando, somos responsáveis pela nossa parte no acontecimento - pela dor que sentimos e pela aceitação do presente. Quando chove nos molhamos. Apesar de não sermos nós que fazemos chover, somos responsáveis por nos molharmos. Somos também responsáveis por nossas experiências de neutralidade (de ponto médio) , pelas coisas das quais participamos e das quais desistimos. Não nos fazemos amar, ou odiar, mas estes são os sentimentos que temos. Somos responsáveis por tê-los, não por os termos causado, e sim porque são a nossa existência naquele momento. No funcionamento saudável, estes aspectos da responsabilidade se modificam em função da qualidade de funcionamento do self. Na modalidade ego, nos damos mais conta de que fazemos alguma coisa, ou do que ela nos foi feita; na modalidade id, nossa experiência é geralmente de neutralidade (ponto médio). Estes aspectos, no fluxo do self, se fundem e se separam ao saber da situação, contra o fundo de “awareness” e responsabilidade que constituem nosso senso de viver nossas vidas. A responsabilidade, no uso corriqueiro, tem outro sentido, que é o de obrigação. Neste sentido, somos responsáveis se fazemos o que os outros esperam de nós ou o que nos comprometemos a fazer. Isto também ocorre no funcionamento saudável, desde que as circunstancias assim o exijam, só que geralmente nos pomos a fazer coisas que não gostamos, ou que nos desagradam, apenas porque sentimos que devemos fazê-las. Em Gestalt-Terapia, este tipo de responsabilidade é considerada irresponsável já que negligenciamos nossas necessidades e o processo espontâneo de formação de Gestalt em prol do funcionamento baseado na auto-imposição. A “awareness” existe apenas no presente. Para que possam fazer parte do funcionamento saudável, o contato e o suporte requerem nossa “awareness”. Em contrapartida, “awareness” é a experiência daquilo com que nos defrontamos, no momento atual. Contato, experiência, e mudança, só são possíveis no presente. Podemos nos dar conta de coisas que aconteceram no passado, ou que se referem ao futuro (em termos de expectativa ou medo), na nossa “awareness” está acontecendo agora. Temos que viver no presente, não temos escolha. “Esta coisa sempre-em-mutação, evasiva e inconsistente, é a única realidade que existe”. Isto não quer dizer que nada tenha acontecido antes de agora, que não haja futuro, ou que os acontecimentos não tenham origem ou direção. Significa, sim, que, neste momento, estamos aqui e não lá. Estar orientado pelo passado, ou pelo futuro, é um fato que está

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ocorrendo agora, no momento presente, e é ele que sustenta estas outras ocorrências; elas derivam seu significado do presente. É no contexto de nossa experiência presente que relembramos ou prevemos. Tanto o passado, quanto o futuro, existem em nós, dependendo de nós mantê-los vivos. Eles formam parte da unidade de nossa existência presente. “A hora de começo e momento presente, são a mesma coisa. Não há diferença entre eles”. Apesar de não nos restar nada, a não ser viver no presente, sabemos que é possível desviar dele grande parte de nossa atenção. O comportamento natural é, no entanto, centrado no presente. Na saúde, mantemos nossa “awareness” do momento presente, no processo presente de formação de Gestalt. Vivemos a vida que temos diante de nós, no agora. Em Gestalt-Terapia é impossível deixar de enfatizar a importância da “awareness” do presente. Estar no presente, no “agora”, propicia todos os outros aspectos do comportamento saudável. Estar no presente garante a existência do processo figura/fundo, em todos os seus aspectos. Estar aqui, agora, significa permitir que o processo se desenrole e evolua por si mesmo. Viver no presente é por si só, compensatório. Quando vivemos nele, nossa experiência se dá no sentido de nos gratificarmos e de atendermos às nossas necessidades do campo do qual fazemos parte. É o trabalho pelo trabalho e a satisfação pela satisfação. Quer dizer gratificações não são deferidas; elas existem no processo e no resultado. Somos gratificados tanto através do processo de buscar atender nossas necessidades, quanto ao atendê-las. Como no ato de comer cuja satisfação não se limita ao encher o estômago, mas está, também, na experiência de entrar em contato com a fome, descobrir aquilo passível de saciá-la, morder, mastigar, dissolver e deglutir o alimento. Nossa satisfação emana, de fato, de nosso envolvimento nestes processos, dependendo de nosso total engajamento neles. Ela não se dá à parte destas atividades; experienciar nossa existência é a própria realização da mesma.

A Saúde em Sociedade Em termos de implicações filosóficas político-social, as seções anteriores desse capítulo, colocam que as condições mais favoráveis à nossa vida, são aquelas que permitem o livre funcionamento e o vívido intercâmbio entre os indivíduos e meio. O tipo de ordem social que possibilita as soluções mais adequadas para os problemas do viver, é aquela baseada no funcionamento livre; estruturas sociais e políticas não podem impor de antemão a existência de um problema. Enquanto filosofia política, isto é Anarquismo. Com um a minúsculo, anarquia é algo próximo do caos - “mera anarquia”, na frase de Yeats. Com A maiúsculo, no entanto, Anarquia é funcionamento livre em sociedade, as próprias pessoas estruturando suas vidas e interações, no sentido de satisfazer as necessidades do campo. Sob a perspectiva anarquista, qualquer coisa que não seja Anarquia, é caos. A ordem - a imposição interna de estrutura de um evento - é caos, uma vez que impede o livre funcionamento. O resultado da ordem imposta é sempre o caos, já que apenas as tentativas livres dos homens podem gerar soluções adequadas. Qualquer

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coisa que não seja adequação, conduz ao caos. Para que possamos nos empenhar por nós mesmos, o ambiente nos deve proporcionar um fundo satisfatório, dentro do qual sejamos capazes se realizar as coisas que são importantes. A ordem social não pode mesmo fazer estas coisas por nós, pode, ao invés disto, impedi-las de acontecer, estabelecendo estruturas e convenções na fábrica social que algema o funcionamento livre. O “toma lá, dá cá”, sempre vivo e cambiante, da situação social, redunda em justiça. Através da interação entre superávit e déficit, todas as partes tem acesso, por si mesmo, ao processo de obtenção de uma medida realista e satisfatória de equilíbrio. Em termos mais amplos, a Anarquia constitui uma maneira de viver, que inclui todos os elementos naturais em seu intercâmbio. O “toma lá, dá cá” é um intercâmbio entre os homens, e entre os homens à rede ecológica que permeia. Juntas todas as criaturas vivas e os elementos inorgânicos do universo, constituem o campo. E nosso funcionamento livre supõe o contato e a inclusão de todo o campo na série de ajustamentos criativos que delineiam a qualidade de nossas vidas neste planeta. É óbvio que as condições da vida nem sempre nos permitem o livre caminhar, no sentido de satisfazermos nossas necessidades. Assim sendo, os resultados não são tão bons. Quando nossas soluções são empobrecidas pelas restrições impostas aos recursos possíveis , ou pela rigidez no próprio processo, passamos também a viver em circunstâncias empobrecidas. A partir do que já foi dito, pode-se deduzir que a Gestalt-Terapia relaciona a nossa saúde e satisfação individual, à saúde e satisfação da sociedade na qual vivemos. Isto é, de certa forma, óbvio - qualquer desgraça afeta a todos nós. Os textos de Gestalt dão muita ênfase à importância da circunvizinhança salutar, conforme ficou claro na exposição anterior. Em seu sentido mais óbvio, esta noção dispensa argumentação: é claro que é mais fácil ter saúde em um ambiente que propicie suporte, do que em um campo de concentração, e é claro que nosso ajustamento criativo nos satisfará mais, na medida em que pudermos seguir nossas próprias inclinações, tendo os recursos para tal. Por outro lado, a Gestalt-Terapia não condiciona necessariamente a saúde pessoal, à saúde social. Não dependemos da benevolência das instituições para sermos saudáveis. Podemos funcionar bem tanto em condições de adversidade e escassez, quanto de plenitude. Saúde não eqüivale necessariamente a felicidade, abundância ou sucesso. É mais uma questão de manter a inteireza, quaisquer que sejam as circunstâncias nas quais nos encontramos. Até mesmo a morte pode ser um evento saudável, desde que abracemos a idéia de morrer. (A este respeito, o que nos resta fazer, senão isto?), A questão é a “awareness” de viver no presente. Qualquer que seja nossa existência atual, se nos mantivermos inteiros com ela, seremos saudáveis.

O Inconsciente e a Gestalt Terapia

Os Gestaltistas não empregam o conceito de inconsciente em seu trabalho, e também não o incluem em sua teorização. Esta atitude traduz princípios vindos desde a introdução da abordagem da Gestalt, que foram desenvolvidos em oposição às idéias e práticas de outras escolas terapêuticas. Sob o prisma da Gestalt-Terapia, o conceito de inconsciente é incompatível ao bom trabalho terapêutico, ao pensamento psicológico consciente e ao funcionamento saudável. Em primeiro lugar, conceber nosso comportamento em termos de atividade consciente e

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comportamento motivado pelo inconsciente, traduz uma maneira fragmentada de compreender o homem. Vai contra a ênfase da Gestalt no tudo e na unidade. Esta divisão teórica entre comportamento consciente e inconsciente, acarreta uma série de outras divisões, como a divisão entre fantasia e realidade, mundo interno e externo e entre nossos processos interiores e nosso comportamento. Não dizemos, em Gestalt-Terapia, que eles não sejam diferentes, mas aceitar um modelo de funcionamento humano que postule a existência, no cotidiano, de um self consciente, e a existência - em algum lugar dentro de nós - de um self inconsciente, implica em ressaltar estas diferenças, tornando-as irreconciliáveis, uma vez que estamos colocando a estrutura de nossa “psyche” como sendo dividida. Sob o ponto de vista da Gestalt, isto é um coisificação, transformar um estado de coisas em um fato irreversível. É acreditar ser o homem, por natureza, permanentemente dividido. Não negamos a experiência desta divisão. Esta experiência de fragmentação é freqüente na vida neurótica “normal”. Mas a Gestalt-Terapia não adota este tipo de “normalidade” como padrão de saúde. Esta noção de inconsciente está, em grande parte, na confusão que fazemos entre saúde e comportamento “normal”. No funcionamento neurótico, não estamos em contato com muitas de nossas necessidades, habilidades e sentimentos. Temos a sensação freqüente de estarmos fazendo e pensando coisas que nos surpreendem. É este o tipo de experiência que constitui a base da maior parte das teorias da psicologia tradicional, sobre o inconsciente. Nós enfatizamos em Gestalt-Terapia, a conquista do funcionamento unificado, ou seja, enfatizamos o processo dinâmico que alterna a polarização e a integração: em contrapartida, o conceito de inconsciente é estático, sendo que seu estado é o de permanente dicotomia. Em oposição a isto, os gestaltistas falam em “awareness” e falta de “awareness”. Na formação de Gestalten, por exemplo, o que não se torna figura pode ficar circunstancialmente à parte de nossa consciência: na defesa de uma tese, não temos “awareness” de nossa sede ou fome. Os conteúdos do inconsciente estão fora de nossa “awareness”, quer porque são irrelevantes ao curso atual de nossa vida, quer porque ativamente os mantemos fora dela. Esta abordagem nos permite integrar nossa necessidade, sonhos ou fantasias, bem como nossas criações, à nossa vida diária. Elas não são tidas como artefatos do domínio da região obscura de nosso espírito, que têm de ser subjugadas pelas atividades voluntariosas e deliberadas da modalidade ego de funcionamento, com predomínio da racionalidade, introspeção e verbalização. Pelo contrário, a tarefa da terapia é organizar, unificar e integrar todas elas em nosso funcionamento. Na concepção gestáltica de funcionamentos saudável, os aspectos do self vão e escapam da “awareness” em função das necessidades circunstanciais. Não somos movidos por desejos inconscientes e sim pela auto-regulação organísmica, conforme ela se expresse na situação. A Gestalt nos distancia do inevitável correlato da focalização da divisão consciente/inconsciente - a especulação de coisas que não experienciamos. Ao invés disto ela nos coloca frente ao presente - frente ao nosso comportamento, nossa experiência e nosso intercâmbio com o ambiente. O que está acontecendo justo agora, é o que realmente acontece. O conceito de Jung acerca do inconsciente, se assemelha, de muitas formas importantes, à formulação da Gestalt acerca do desenvolvimento da “awareness” do self. Ambas enfatizam a existência, em nós, de um potencial disponível, pleno em possibilidades de novo crescimento e auto-regulação, e ambos apontam a necessidade de integrarmos aquilo que sabemos de nós mesmos, com aquilo que não sabemos. Em oposição a outras noções que destacam apenas os aspectos obscuros, alienados e perigosos das nossas partes desconhecidas, esta concepção é mais precisa (e também mais otimista).

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Saúde, Crescimento, Aprendizagem, Maturidade: Centragem

A saúde, conforme temos visto, consiste na integração do organismo e do meio, através dos ajustamentos criativos que vão se dando pela formação e destruição de Gestalten. Os conflitos internos, e aquele entre nossas necessidades sociais e pessoais, são compatíveis ao funcionamento saudável. A condição da saúde é a manutenção de nossa criatividade nestas circunstâncias. Saúde é a capacidade de ficar com obstáculos, transformando a situação naquela que mais nos satisfaça. Isto, de certa maneira, é um processo de privilegiar continuamente os aspectos do campo. Na medida em que nos envolvemos com as figuras emergentes e sua resolução, colocamos partes de nós mesmo em interação com outras partes do campo - outras pessoas, plantas, animais e objetos. As mantemos, nesta situação, dentro de nossa fronteiras-do-self. Identificamo-nos com elas. Nossa relação com elas logo deixa de ser uma relação Eu-Isso (utilizando a linguagem de Buber), tornando-se uma relação Eu-Tu. Nesta forma de assimilarmos o campo, o modificamos modificando nossa relação com ele. O crescimento se processa nestes termos. Estamos constantemente nos reorganizando e reorganizando nossa relação com o ambiente. Temos que fazer isto se quisermos viver, já que o viver saudável é um processo de ajustamentos criativos. Fundamentar-se neste processo e viver com ele é maturidade. Em Gestalt-Terapia isto é denominado de “estar centrado”. Simplificadamente falando, estar centrado significa lidar com as circunstâncias de nossas vidas conforme elas se nos apresentam, segundo os princípios do funcionamento saudável, já referido. Quando centrados, nos engajamos naturalmente no processo de mudança que constitui o livre funcionamento. Somos responsáveis por nossa existência. Estamos maduros. Atingimos o estado de ser, no qual nossa estrutura desponta, uma vez que nós e o ambiente o permitam. Não nos submetemos e nem nos rebelamos contra as demandas da sociedade, tampouco nos auto-anulamos, ou auto-engrandecemos. Centrados, estamos em contato e controlados pela situação. Nossa teologia se dá por si mesma e nós somos aquilo que temos capacidade de ser. É preciso ressaltar que a maturidade não se presta a um padrão único. Não pode ser assim. Embebida nas ocorrências singulares de nossa vida, nossa maturidade se reveste com a forma de nosso funcionamento do self, na nossa realidade. A maturidade será diferente para cada um de nós, dependendo da singularidade de nossas circunstâncias sociais, culturais e pessoais. O que há em comum é nosso engajamento nestas diferentes situações. Qualquer que seja ele, estaremos inteiros nele. Estamos falando do crescimento em termos macrocósmicos. O microcósmico se refere à conclusão da Gestalt. O crescimento não é uma conquista instantânea. Ele vai se dando paulatinamente, muitas vezes com dor e sofrimentos e, de qualquer maneira, abarcando uma Gestalt de cada vez. Quando estamos formando uma figura, não sabemos o que nos espera. Sabemos o que temos diante de nós e o que havia no passado, mas, ao criar a Gestalt, precisamos nos render ao processo. Precisamos nos arriscar. Para crescer, para inventar a nossa maneira que a nova situação requer, precisamos embarcar nas circunstâncias.

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Concluindo o Processo

O ponto de chegada da Gestalt é a criação de conhecimento. É a construção da realidade pertinente à situação específica. Isto significa aprendizagem, crescimento, descoberta; significa tomar o conhecimento eficaz e útil. Em outras palavras, significa aprendermos a nos basear em nossas próprias habilidades. “Descobrir significa “descobrir” (“destampar”) nossa própria habilidade, nossos próprios olhos, no sentindo de encontrar nosso potencial, de ver o que estar acontecendo, de saber como ampliar nossa vida, de buscar os recursos disponíveis para lidarmos com uma situação difícil”. ( F. S. Perls, 1970b, p. 18). A partir do completamento, enriquecemos nosso fundo. Aprendemos a olhar para nós mesmo, no sentido de buscarmos nossa gratificação. Não somos auto-suficientes, mas também não somos desamparados. Acompanhamos o que surge. Na psicologia da Gestalt, a reinterpretação de polaridades é chamada a experiência do “Aha!”. Constitui um momento de revelação criativa. Quando ele se dá, modificamos nossa estrutura e a do ambiente e passamos a nos comportar e a pensar de modo diferente, já que o campo é novo. Nós o reorganizamos. Isto não se dá somente a nível intelectual, este só se evidencia posteriormente. Trata-se de uma completa mudança organísmica. Nós nos renovamos e a antiga dificuldade é substituída por um novo comportamento, um novo nós, um novo mundo. Podemos, por um tempo, perseverar a nova solução, absorvendo-a, até a incorporarmos. Isto significa dirigir a Gestalt, torná-la familiar a nós mesmos, permitindo que a reorganização ocorrida atinja cada parte de nosso ser. Observamos com freqüência esta atitude no desenvolvimento das crianças. Quando elas descobrem uma nova maneira de empilhar blocos, repetem-na muitas vezes, trabalhando cuidadosamente em sua invenção, até se darem por satisfeitas. A nova Gestalt reverbera em nós, como uma pedra que cai em um lago. Na medida em que nos acostumamos com ela e desaparece o círculo de ondulações ao seu redor, nos sobrevem um sentido de paz, a experiência de nossa satisfação. Está concluída a tarefa,a qual dispensamos tanta atenção. Em termos mais amplos, isto pode ser ilustrado com a passagem do organismo à abençoada quietude e sono. Retornamos, novamente, ao ponto zero da balança. Isto tudo é completamento e satisfação. Na medida em que ele se dá, se desfaz aquilo que era o centro de nosso interesse. Depois de ter nos tomado (exigido) tanto, há retração. Os pólos figura e fundo se dissolvem em campo. Na paz do fechamento, não somos necessariamente vitoriosos. Quer dizer, podemos nos sentir vitoriosos na medida em que nos empenhamos em buscar o que queremos, mas não há vítimas. Nossa satisfação tem lugar no vigor da nova realidade e não em “vencer” fantasmas do passado. Mesmo no calor da competição, nosso prazer de vencer se fundamenta na certeza de estarmos de posse de toda nossa capacidade, de estarmos envolvidos por inteiro e na descoberta de que isto já vale, por si só. A paz pode sobreviver, mesmo acompanhada de fracasso. Quer dizer, no reconhecimento de nosso limites e de termos feitos tudo o que podíamos fazer. Ao nos esforçamos por obter o que não está ao nosso alcance, no desespero e talvez na raiva, abrimos mão de nossas necessidades, face ao impossível. O exemplo mais óbvio disto é o trabalho de luto, quando buscamos elaborar o fato de que alguém de que nos era tão caro, já não existe mais.

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Temos visto que nossas emoções se vão constituindo enquanto parte da excitação do intercâmbio de formação de Gestalt. E vemos, agora, que elas chegam a termo no nível do completamento. Nossas emoções são parte da mobilização do funcionamento do self rumo à figura. Elas vão evoluindo à medida em que buscamos organizar os aspectos do campo de um modo que nos seja significativo. Não dispendemos aleatoriamente nossa energia; focalizando nossa excitação no contexto atual, a figura resultante se reveste, assim, em termos de sua manifestação emocional, do prazer, da dor, da raiva ou do orgasmo, compatível ao contexto. No funcionamento saudável nossas emoções são aspectos coerentes e essenciais do nosso comportamento, que nos mobilizam a fazer as coisas que precisamos fazer. E, na medida em que o processo de figura/fundo chega ao seu termo, nossa experiência de satisfação nos aponta que resolvemos o problema mais urgente que nos clamava atenção. Rebatemos, agora, a psicanálise, Reich e seus seguidores - Lowen, por exemplo, aqueles que defendem a “redução da raiva” e os gritos primais, bem como aqueles que incentivam a catarse e a expressão aleatória de emoções. Os autores psicanalistas tendem a encarar as expressões intensas de emoção como “atuação”, ou ainda como resultados infelizes, mas necessários, de nossa natureza animal. Nestes termos, o sexo e a agressividade são cargas acumuladas a serem arejadas, descarregadas, ou sublimadas. Reich, Lowen, Saslow, Janov e muitos terapeutas corporais, também compartilham este viés, embora incentivem a liberação de emoções. Em todos estes casos, as emoções são concebidas à parte de sua relação com as situações da vida.

Características de Contato

O self, no processo de crescimento, apresenta modos característicos de estabelecer contato. Vamos enfocar aqui, os aspectos da saúde e posteriormente veremos como os mesmos processos podem operar como parte do funcionamento desarmônico e não saudável. Quando estamos no ponto zero, antes e depois da formação da Gestalt, nossa experiência é de contato lábio indiferenciado com o campo. Podemos ter a sensação de pertencer mais ao que nos rodeia, do que a nós mesmo. Ao apreciarmos a tranqüilidade da noite, ou os movimentos das ondas do mar, podemos experienciar uma perda de nosso senso de definição. Neste estado, basicamente por conta de nossa modalidade id de funcionamento, podemos ter a sensação de nos termos transformado nestas ondas. Quando isto se dá, dizemos que estamos confluentes com aquilo que estamos em contato. Nossas fronteiras se tornam permeáveis e apreciamos a similaridade entre aquilo com que estamos em contato e nós mesmos. Confluência é a apreciação da igualdade. É o tipo de contato no qual se sente pouco, ou nenhum contato. Ao invés disto, experienciamos nossa empatia com o que nos rodeia. Se estamos com outra pessoa quando isto se dá, podemos ter a sensação de compreender verdadeiramente sua experiência, porque nos parece estarmos tendo a mesma experiência, do mesmo modo que ela. A confluência representa um componente central em experiências religiosas de unidade, bem como a dinâmica básica de certas experiências com drogas. Esta qualidade de ressonância solidária que aflora alguma vezes quando estamos em contato com outra pessoa, constitui, também, a base para intimidade e para o conhecimento que temos dos outros. É a parte do homem ao homem. A privacidade de nosso self particular se esvai; em contrapartida, permitimos ao outro compartilhar nossa experiência, conhecer-nos. Neste ponto de encontro, o

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contato é tão verdadeiro e estamos tão coerentes com o que sentimos, que sentimos a experiência da existência do outro. Uma outra característica do contato normal, que se assemelha à confluência, é a projeção. Na projeção, parecemos também eliminar a fronteira do nosso self, mas ao invés de tomarmos a existência do outro para a nossa própria existência, ou nos fundirmos nela, colocamos nossa existência no outro. O outro - pessoa, ou objeto - funciona como uma tela, na qual colocamos um aspecto de nós mesmos. No funcionamento normal, isto constitui o processo da fantasia, através do qual visualizamos o ambiente de forma diferente do que ele relmente é, para testarmos nossas idéias e refazer o campo. Um arquiteto, ao ver uma colina arborizada, projeta nela uma casa de campo. Ao nos olharmos no espelho, projetamos um bigode na face barbeada, ou cabelos compridos, no rosto de cabelos curtos. Ao longo da criação de uma Gestalt possível de atender uma necessidade atual, valemo-nos de nossa habilidade de visualizar a realidade de uma outra forma, que mais satisfaça nossos desejos, diferente da que se nos apresenta. Ou, ainda, reorganizamos aspectos do campo de um outro jeito: pensamos em como mudar a disposição dos móveis da sala, ou como arrumar o bagageiro do carro. Este processo constitui, por si mesmo, o início de nossa invenção. É abstraindo-nos do campo e reorganizando-o em função de nossas necessidades que podemos fazer arte, ou descobertas científicas. Esta atividade é fundamental para todo pensamento criativo, científico, artístico e prático. Na saúde, nos responsabilizamos tanto por nossas necessidades quanto pelo o que criamos. Um exemplo disto está no artista que remodela a realidade no sentido de sua inspiração. Ele enriquece a si mesmo e ao seu trabalho através de sua interação com o mundo e com sua fantasia acerca dele e, é responsável por ambos. Ele sabe o que é fantasia, e o que está fora dela. A projeção saudável é, neste termo, circular. Ao identificar o outro com nossas necessidades, ou ao inventá-lo de acordo com nossas necessidades, criamos uma fantasia plena de significado. Mesmo que, no curso de nossa invenção, apaguemos o atual - e até mesmo prefiramos o que criamos, ao invés do original - não perdemos de vista o fato de que nossas projeções não refletem o estado do campo. O estágio de desenvolvimento que precede a projeção é a confluência, é o estado indiferenciado do bebê. Nele as fronteiras ainda não estão bem desenvolvidas e o self funciona basicamente na modalidade do id. O bebê não tem o senso do eu e do outro, logo não podem haver fronteiras. Seu ambiente é parte dele, confluente com ele. A introjeção saudável é semelhante à confluência, mas, em termos de estilo, está mais ligada à modalidade do funcionamento que chamamos ego, do que a confluência. É mais clara e mais enérgica. Introjetar é assumir atitudes e comportamentos sem o processo de formação da Gestalt. É aprendizagem instrumental, sem assimilação. No comportamento introjetivo só nos resta desempenhar papéis, porque não nos transformamos com o que estamos fazendo. A Gestalt que somos nós não se altera pela inclusão nela, de material novo. Assumimos introjeções da mesma forma com que vestimos uma máscara. Introjeção saudável é o desempenho de papel reconhecido como tal. É a brincadeira da criança, ou representação do ator. Nestes termos, significa expandir nossas possibilidades, tentando novos modos de ser e percebendo como eles se nos encaixam, percebendo se estamos interessados em mantê-los, ou tornando-os mais familiares e menos ameaçadores (F. S. Perls utiliza o exemplo da criança que vai ao dentista, tem a experiência comum da dor e, depois que chega em casa, brinca de dentista. Ela está, ao desempenhar o papel de dentista, tentando obter algum domínio sobre esta situação amedrontadora).

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Na introjeção há um senso de fronteira, uma vez que ela requer que o self funcione predominantemente na modalidade ego, separando do campo as partes que introjetamos. Sabemos que há alguma diferença entre o que somos e o que estamos fazendo. A imitação, a modelagem e o desempenho de papéis fazem parte da introjeção saudável. Na saúde, nos descartamos deles quando já nos constituímos a partir deles, ou quando eles se tornam os aspectos iniciais da formação figura/fundo e, desta maneira, passam a constituir parte real de nós. Eventualmente, como no caso de convenções sociais do tipo apertar mãos e dizer “muito prazer”, a penetração do introjeto e a exigência que se estabelece em nós no sentido de acatá-lo, resulta em que tomemos uma parte do ambiente sem assimilá-la. Mas se ela não nos incomoda muito, é acatada sem maiores dificuldades, uma vez que nos acomodemos à nossa própria realidade social. A retroflexão saudável consiste no self, na modalidade do ego, ordenando e regulamentando nosso comportamento em função das exigências da situação. Em outras palavras, é o que chamamos de autocontrole. Na retroflexão saudável nos controlamos por força de vontade, canalizando, deliberadamente nossa energia, em direções que ela talvez não seguisse sem a retroflexão. Bom exemplo de retroflexão saudável é a aprendizagem de datilografia, ou de tocar um instrumento musical. É apenas com dedicação cuidadosa, controle e refinamento de nossa ações, que nos tornamos capazes de fazer o que desejamos. O processo de refinamento é retroflexão. Se refere à auto-restrição em prol do crescimento do self. Retroflexão saudável é disciplina.

As Funções de Segurança

As funções de segurança são outro aspecto do self indispensável à saúde, sendo importante para a compreensão do funcionamento desarmônico. Nossas habilidades são de muitas maneiras, notáveis e eficazes. Entretanto, devido a elas e a adversidades que não podem ser superadas, nossos hábitos nos conduzem a aventuras nas quais nos vemos em apuros. Quando em perigo, privação, ou doença, não nos é possível vislumbrar o caminho direto do equilíbrio. É aí que nossas funções de segurança operam, protegendo-nos e permitindo-nos dissipar a energia retida na figura abortada. A função de segurança mais óbvia é a fuga. Em situações intoleráveis, deixamos a cena. Uma outra função de segurança é a desensibilização - a fuga psíquica. Quando nos defrontamos com uma situação onde o fechamento não é possível, recolhemos nossas faculdades sensoriais, bloqueando o contato através de um processo de retroflexão motora. Inibimos nossa “awareness” e suprimimos nossas repostas; dormimos, ou, se a situação é extremamente difícil, entramos em choque, ou inconsciência. Em casos mais amenos, simplesmente nos desligamos. O que se chama de regressão, é também uma função de segurança. Regressão é a reorganização do campo organismo/meio, de modo a podermos lidar com ele. Retornamos a outros estilos de comportamento que nos fornecem o suporte que precisamos para lidar com a situação que se nos apresenta. A regressão representa a operação do self no sentido de buscar um modo de tornar o campo tratável a ponto de possibilitar uma solução. As alucinações e as ilusões têm o mesmo objetivo. Neste caso, lançamos mão da habilidade de fantasiar uma solução, que já foi eficaz anteriormente, e colocamos a fantasia em nossa fronteira de contato, de tal forma que ela substitua uma situação inoperável. Isto representa um outro tipo de fuga psíquica.

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Obviamente este tipo de solução não lida com a situação, mas nos permite dissipar a excitação que foi acumulada e que não pode ser liberada de outra maneira. É catártica. Nossos sonhos cumprem, regularmente, a mesma função. Eles nos permitem estar em uma situação onde temos suporte - o sono - e trabalhar com parte da energia gerada pelos nossos casos não concluídos. A conscientização por si mesma, pode cumprir uma função de segurança. Quando a situação é inoperável mas não somos obrigados, ou não somos capazes de abandoná-la, o contato pode ser utilizado no sentido de dissipar a tensão da Gestalt aberta. Já que nenhuma atividade sobrevem dele, o ímpeto para a formação de figura se dissolve na medida em que permanecemos em contato com a situação. Todas estas funções de segurança são, em si mesma, saudáveis - quer dizer, fazem parte de nosso ser e podem ser usadas a serviço de nossa saúde e crescimento, a serviço de nossos mais válidos interesses. Podem também desempenhar um papel significativo nas desordens organísmicas, conforme veremos, na medida em que passam a constituir um modo persistente de funcionamento organísmico. Quando o self continua a operar em qualquer uma dessas formas, na ausência das circunstâncias que as ocasionaram, elas se tornam crônicas e inadequadas, constituindo aspectos do funcionamento desarmonioso. Ainda assim suas raízes se encontram na tendência do self a buscar a melhor solução possível no campo. No funcionamento livre, vivemos nossas vidas na medida de suas possibilidades. “Aquilo que está diante de você é o que é, com toda sua inteireza e completude”, diz o mestre Zen, Huang Po. No “toma lá da cá” de nossa experiências, até mesmo nossos insucessos nos satisfazem. Não levantamos questões sobre o significado ou valor de nossa vida, ou sobre a essência do sofrimento que experienciamos e vemos ao nosso redor. “Questões como... qual é o significado da vida, não são relevantes. Eu encontro resposta para elas quando, tentando ficar quieto e em paz, consulto minhas memórias e meus planos, ao invés de dar asas aos gritos de raiva e dor que certamente, de outra maneira, me engolfaram” (Goodman, 1968a, p.45). Vivendo, não temos necessidade de perguntar pelo significado. Nosso questionamento interfere na “awareness” de nossa existência presente; ao substituirmos o fluxo da dialética pelas pré-concepções, não nos satisfazemos. Dessa forma, perguntamos pelas grandes fórmulas : Por que eu vivo? Qual é o sentido da vida? Por que morremos e sofremos? Vivendo espontaneamente, não pensamos em perguntar. Vivemos na maturação de cada momento. Nossas atividades têm direção e importância, e nossa experiência é o que nos basta para nos satisfazermos. Vivemos, como o disse Kant, com um senso de objetivo, sem um objetivo.

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* Tradução e adaptação de Fátima Barroso, Professora do curso de Especialização em Gestalt-Terapia, Instituto Sedes Sapientiae, 1987.