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Instituto Politcnico de Santarm
Escola Superior Agrria de Sa ntarm
ESTUDO DE EXTRACTOS DE Genista tenera
ACTIVIDADE ANTIOXIDANTE E INIBIO DE ENZIMAS DO METABOLISMO DA GLUCOSE
Dissertao apresentada para obteno do grau de Mestre na rea de Sistemas de Preveno e Controlo Alimentar
Isabel Maria Montez Torgal Santos
Orientador:
Doutora Margarida Goulart de Medeiros, Equiparada a
Professora Adjunta da Escola Superior Agrria de
Santarm
Co-Orientadores:
Doutor Jorge Alberto Guerra Justino, Professor
Coordenador com Agregao da Escola Superior
Agrria de Santarm
Doutora Amlia Pilar Rauter, Professora Associada
com Agregao da Faculdade de Cincias da
Universidade de Lisboa.
Setembro 2011
i
AGRADECIMENTOS
O nosso agradecimento dirige-se, em primeiro lugar, Doutora Margarida
Goulart de Medeiros que aceitando a orientao cientfica do trabalho nos auxiliou
com preciosas sugestes ao longo do trabalho e tambm pelas importantes
consideraes na reviso do manuscrito, manifestando sempre pacincia e
amizade.
Ao Doutor Jorge Alberto Guerra Justino, que aceitando a co-orientao
cientfica do trabalho disponibilizou os meios necessrios sua execuo
manifestando sempre elevada disponibilidade.
Doutora Amlia Pilar Rauter co-orientadora do trabalho, pela rapidez com
que nos forneceu o material para anlise e pelos ensinamentos prestados,
sempre com simpatia.
Mestre Ana Pinto responsvel pelo laboratrio de biocincias, por toda a
hospitalidade com que nos receberam e pela grande abertura na utilizao de
todo o equipamento.
Mestre Maria Jos Diogo responsvel do laboratrio de qumica, por ter
facilitado a utilizao de equipamentos e do laboratrio, sempre com simpatia.
Dra. Antonieta Santana por estar sempre disponvel para nos apoiar com
as estruturas qumicas dos compostos, no esquecendo o seu estmulo
constante.
Mestre Cristina Laranjeira pela amizade e alegria com que nos apoiou no
esclarecimento de algumas dvidas surgidas na determinao das espcies
reactivas ao cido tiobarbitrico.
Ao Doutor Joo Andr Gago e Mestre Gabriela Basto de Lima pela
inexcedvel disponibilidade demonstrada ao longo do tratamento estatstico de
ii
dados com o programa Estatstica 6.0 e tambm pela amizade e simpatia
evidenciadas.
Mestre Virgnia Crespo pelos preciosos esclarecimentos na bibliografia e
por todo o estmulo e amizade evidenciados ao longo do trabalho.
s tcnicas do laboratrio de biocincias Luzia Diogo e Sofia Albergaria,
entre outros pelo auxlio prestado com o tratamento de material de laboratrio e
pelo excelente ambiente de trabalho proporcionado.
s tcnicas do laboratrio de qumica Anabela Matos e Ana Reis, entre
outros pelo auxlio prestado com diversos equipamentos e pelo excelente
ambiente de trabalho proporcionado.
iii
FINANCIAMENTO
A realizao deste trabalho foi possvel mediante o financiamentoa das seguintes
entidades:
Escola Superior Agrria de Santarm.
Projecto da Fundao Portuguesa para a Cincia e Tecnologia (FCT)
(PTDC/QUI/67165/2006).
iv
v
RESUMO
Objectivo: Estudar a actividade antidiabtica e antioxidante de extractos de
Genista tenera.
Materiais e mtodos: Investigou-se a actividade antioxidante pelo mtodo
das espcies reactivas ao cido tiobarbitrico e o mtodo do MTT (3-(4,5-
dimetiltiazol-2-il)-2,5-difenil brometo de tetrazolio). Procurou-se clarificar o
mecanismo de aco antidiabtica pelo estudo da actividade inibitria nas
enzimas -glucosidase, glucose-6-fosfatase e glicognio fosforilase.
Resultados: No ensaio de MTT os extractos em ter, butanol e acetato de
etilo possuem boa actividade antioxidante (87,80 %, 67,82 % e 67,70 % de
viabilidade celular respectivamente). Na -glucosidase os extractos em butanol e
acetato de etilo apresentaram inibio (0,97% e 2,36% de actividade enzimtica).
Os extractos em acetato de etilo, butanol e ter so inibidores da glucose-6-
fosfatase (48,33%, 80,25% e 64,42% de actividade enzimtica).
Concluses: Os extractos de Genista tenera em acetato de etilo, butanol e
ter podero ser no futuro includos em nutracuticos para prevenir ou tratar a
diabetes tipo 2.
Palavras-chave : Genista tenera, flavonides, diabetes, antioxidante, -
glucosidase, glucose-6-fosfatase, glicognio fosforilase, nutracutico, alimento
funcional.
vi
vii
ABSTRACT
Objectives: To study the antidiabetic and antioxidant activity of Genista
tenera extracts.
Materials and methods: The antioxidant activity was investigated using the
thiobarbituric acid assay and the MTT (3-(4,5-dimethiltiazol-2-il)-2,5-diphenyl
tetrazol bromide) method. The mechanism of antidiabetic activity was evaluated in
terms of inhibitory action on the enzymes -glucosidase, glucose-6-phosphatase
and glycogen phosphorylase.
Results: The MTT assay showed a good antioxidant activity for the ether,
butanol and ethyl acetate extracts. (87,80 %, 67,82 % e 67,70 % of cellular
viability respectively). For -glucosidase the butanol and ethyl acetate extracts
showed strong inibitory activity (0,97% e 2,36% of enzymatic activity). The ethyl
acetate, buthanol and ether extracts are moderate inhibitors of glucose-6-
phosphatase (48,33%, 80,25% e 64,42% of enzymatic activity).
Conclusions: Genista tenera extracts in ethyl acetate, buthanol and ether
can be included in nutraceutical products to prevent and treat type 2 diabetes in
the future.
Key-words : Genista tenera, flavonoids, diabetes, antioxidant, -glucosidase,
glucose-6-phosphatase, glycogen phosphorylase, nutraceutic, functional food.
viii
ix
NDICE
1 INTRODUO .................................................................. 1
2 OBJECTIVOS ........................................ ............................ 5
3 REAS DE ESTUDO ................................... ..................... 7
3.1 STRESSE OXIDATIVO ............................................................................ 7
3.1.1 ESPCIES REACTIVAS DE OXIGNIO E AZOTO ......................... 8
3.1.1.1 Papel dos metais de transio .................................................... 11
3.1.2 LIPOPEROXIDAO ..................................................................... 11
3.2 DEFESAS ANTIOXIDANTES ............................. ................................... 13
3.2.1 ANTIOXIDANTES ENDGENOS E EXGENOS .......................... 13
3.3 DIABETES .......................................... ................................................... 15
3.3.1 REGULAO DO METABOLISMO DA GLUCOSE ....................... 16
3.3.1.1 Transportadores de glucose e captao de glucose ................... 16
3.3.1.2 Sntese do glicognio .................................................................. 17
3.3.1.3 Metabolismo da glucose .............................................................. 19
3.3.2 PATOGNESE DA DIABETES TIPO 2 .......................................... 22
3.3.3 DIABETES E STRESSE OXIDATIVO ............................................. 23
3.3.3.1 Vias patolgicas para a toxicidade da glucose ............................ 24
3.3.3.2 Stresse oxidativo: o elo de ligao para os danos causados pela
hiperglicmia ............................................................................................. 28
3.4 ENZIMAS DO METABOLISMO DA GLUCOSE ................. ................... 31
3.4.1 -GLUCOSIDASE ........................................................................... 31
3.4.1.1 Funo ........................................................................................ 31
3.4.1.2 Caracterizao molecular da -glucosidase ................................ 32
3.4.1.3 Importncia da -glucosidase como alvo biolgico ..................... 32
x
3.4.1.4 Os inibidores da -glucosidase.................................................... 33
3.4.2 GLUCOSE-6-FOSFATASE ............................................................. 34
3.4.2.1 Funo ........................................................................................ 34
3.4.2.2 Caracterizao molecular da glucose-6-fosfatase ....................... 34
3.4.2.3 Importncia da glucose-6-fosfatase como alvo biolgico ............ 36
3.4.2.4 Os inibidores da glucose-6-fosfatase .......................................... 36
3.4.3 GLICOGNIO FOSFORILASE ....................................................... 38
3.4.3.1 Funo ........................................................................................ 38
3.4.3.2 Importncia da glicognio fosforilase como alvo biolgico .......... 38
3.4.3.3 Caracterizao molecular ............................................................ 39
3.4.3.4 Os inibidores da glicognio fosforilase ........................................ 41
3.5 TRATAMENTO DA DIABETES ............................ ................................. 42
3.5.1 TERAPUTICA CONVENCIONAL ................................................. 42
3.5.2 PLANTAS MEDICINAIS NO TRATAMENTO DA DIABETES ......... 43
3.5.2.1 Flavonides ................................................................................. 44
3.5.2.2 Absoro e metabolismo dos flavonides ................................... 45
3.5.3 Genista tenera ................................................................................. 49
3.6 NUTRACUTICOS E ALIMENTOS FUNCIONAIS .............. .................. 50
4 METODOLOGIAS E RESULTADOS ......................... .... 53
4.1 MATERIAL VEGETAL .................................. ......................................... 53
4.1.1 EXTRACO .................................................................................. 53
4.2 ACTIVIDADE ANTI-OXIDANTE .......................... .................................. 53
4.2.1 ENSAIO DO CIDO TIOBARBITRICO (TBARS) ......................... 53
4.2.1.1 Reagentes ................................................................................... 54
4.2.1.2 Preparao das amostras............................................................ 55
4.2.1.3 Procedimento experimental ......................................................... 55
4.2.1.4 Resultados e discusso ............................................................... 56
xi
4.2.2 ENSAIO DE VIABILIDADE CELULAR (MTT) ................................. 58
4.2.2.1 Reagentes ................................................................................... 59
4.2.2.2 Cultura de clulas ........................................................................ 59
4.2.2.3 Preparao das amostras ........................................................... 60
4.2.2.4 Procedimento experimental ......................................................... 61
4.2.2.5 Anlise estatstica ....................................................................... 62
4.2.2.6 Resultados e discusso .............................................................. 63
4.3 TESTES ENZIMTICOS ....................................................................... 67
4.3.1 ENSAIO DA ACTIVIDADE INIBITRIA DA ENZIMA -
GLUCOSIDASE ............................................................................................ 67
4.3.1.1 Reagentes ................................................................................... 67
4.3.1.2 Preparao das amostras ........................................................... 68
4.3.1.3 Procedimento experimental ......................................................... 68
4.3.1.4 Anlise estatstica ....................................................................... 70
4.3.1.5 Resultados e discusso .............................................................. 71
4.3.2 ENSAIO DA ACTIVIDADE INIBITRIA DA ENZIMA GLUCOSE-6-
FOSFATASE ................................................................................................. 74
4.3.2.1 Reagentes ................................................................................... 74
4.3.2.2 Preparao das amostras ........................................................... 74
4.3.2.3 Procedimento experimental ......................................................... 75
4.3.2.4 Anlise estatstica ....................................................................... 77
4.3.2.5 Resultados e discusso .............................................................. 77
4.3.3 ENSAIO DA ACTIVIDADE INIBITRIA DA ENZIMA GLICOGNIO
FOSFORILASE ............................................................................................. 82
4.3.3.1 Reagentes ................................................................................... 82
4.3.3.2 Preparao das amostras ........................................................... 82
4.3.3.3 Procedimento experimental ......................................................... 83
xii
4.3.3.4 Resultados e discusso ............................................................... 84
5 CONCLUSES ............................................................... 87
6 BIBLIOGRAFIA ...................................... ........................ 91
6.1 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................ .............................. 91
6.2 MEDIAGRAFIA ....................................... ............................................. 124
xiii
NDICE DE FIGURAS
Figura 1 - Esquema simplificado da produo de espcies reactivas do oxignio nas clulas e a aco de alguns antioxidantes intracelulares, principalmente no citosol e na mitocndria (devido sada de electres da cadeia respiratria). Rapidamente duas molculas de superxido dismutam, espontaneamente ou via a superxido dismutase, em dioxignio e perxido de hidrognio, permitindo a segunda o fluxo de ROS entre diferentes compartimentos celulares. O perxido de hidrognio pode ser enzimaticamente metabolizado a dioxignio e gua atravs de vrios sistemas enzimticos ou convertido no radical hidroxilo, que extremamente reactivo, atravs de uma reaco qumica catalisada pelos metais de transio. RE, rectculo endoplasmtico; CTE, cadeia de transporte de electres; Ox, oxidases; GSH, glutatio reduzido; GSSG, glutatio oxidado; GR, glutatio redutase; GPox, glutatio peroxidase; SOD, superxido dismutase; Prx, peroxiredoxinas. As espcies reactivas de oxignio e os anti-oxidantes endgenos encontram-se a negrito. (Adaptado de Nordberg & Arner, 2001; Willcox et al., 2004). ................................................................................................................... 10
Figura 2 - Esquema das reaces em cadeia da lipoperoxidao. (LH), cido gordo polinsaturado; (L), radical lipdico; (LOO), radical peroxilo; (LOOH), hidroperxido lipdico; (LO), radical alcoxilo; (OH), radical hidroxilo; (R), espcies reactivas de oxignio com ies desemparelhados (adaptado de De Zwart et al., 1999). ............................................................................................... 12
Figura 3 - Defesa celular antioxidante contra as espcies reactivas. SOD - super-xido dismutase, GPox - glutatio peroxidase, GSH glutatio reduzido, HSP protenas de choque trmico (Adaptado de Willcox et al., 2004). ........................ 14
Figura 4 - Secreo bifsica de insulina estimulada por glucose em indivduos sadios e diabticos (Albuquerque & Pimazoni Netto, 2008). ................................ 16
Figura 5 - Sntese de glicognio. UTP-uridina trifosfato, UDP-uridina difosfato, PPi-fosfato inorgnico (Adaptado de Srivastava & Pandey, 1998). ...................... 18
Figura 6 - Viso global do metabolismo heptico da glucose, com destaque para os alvos da inibio da produo heptica de glucose. Frutose-6P - frutose-6-fosfato; Frutose-1,6P - frutose-1,6-difosfato; ciclo TCA - ciclo do cido tricarboxlico (adaptado de McCormack et al., 2001). .......................................... 20
Figura 7 - Regulao do metabolismo da glucose (adaptado de http://health.howstuffworks.com/diabetes1.htm. Acesso em 26-01-2010). ........... 21
xiv
Figura 8 Esquema do processo de glicosilao. ............................................... 26
Figura 9 - Mecanismos moleculares que relacionam a hiperglicmia com o aumento da via de formao de poliois, via das hexosaminas, formao de espcies reactivas de oxignio (ROS) estimulao da protena quinase C (PKC). (Adaptado de Rolo & Palmeira, 2006) .................................................................. 27
Figura 10 - Produo de ROS pela cadeia de transporte de electres da mitocndria e dissipao do gradiente de protes pelas protenas no ligadas. A captao pelas defesas antioxidantes insuficiente para prevenir o stresse oxidativo na hiperglicmia. CI, complexo I; CII, complexo II; CIII, complexo III; CIV, complexo IV; CV, complexo V; ADP, adenosina difosfato; ATP, adenosina trifosfato; ATC, ciclo cido tricarboxlico; PNL, protenas no ligadas; GSH, glutatio reduzido; GSSG, glutatio oxidado (Adaptado de Rolo & Palmeira, 2006). ................................................................................................................... 29
Figura 11 - Mecanismo de secreo de insulina pelo pncreas. ATP, adenosina trifosfato; GLUT-2, transportador de glucose; pyr, piruvato (Adaptado de http://www.lookfordiagnosis.com. Acesso em 04-12-2009). ................................. 30
Figura 12 - Regio do substrato onde ocorrer a clivagem decorrente da aco da enzima -glucosidase (seta preta) (Adaptado de http://www.sigmaaldrich.com/rea_of_interest/Biochemicals/Enzyme_Explorer/Key_Resources/Carbohydrate_Analysis.htm. Acesso em 19-12-2009). ................... 32
Figura 13 - Estrutura qumica do pseudotetrasacardeo acarbose, um inibidor endgeno no proteico da -glucosidase. ............................................................ 33
Figura 14 - Representao esquemtica do complexo enzimtico glucose-6-fosfatase de acordo com o modelo de transporte de substrato. T1 translocase, T2 e T3 transportadores respectivamente de fosfato inorgnico e glucose. Tambm esto referidas as diferentes formas de doenas de armazenamento do glicognio (GSD) causadas por deficincia num destes constituintes. Pi - fsforo inorgnico, G-6-P glucose-6-fosfato; G-6-Pase glucose-6-fosfatase (adaptado de Van Schaftingen & Gerin, 2002). ..................................................................... 35
Figura 15 - Representao esquemtica do dmero glicognio fosforilase b (GPb) com indicao dos cinco stios de ligao: cataltico (activo), inibidor, alostrico, armazenamento do glicognio e novo stio alostrico (adaptado de McCormack et al., 2001)............................................................................................................... 39
Figura 16 - Diagrama esquemtico mostrando a regulao da actividade da glicognio fosforilase (GP). A estimulao com glucagom aumenta o nvel de cAMP (AMP cclico), o que conduz atravs de uma srie de eventos de
xv
fosforilao activao da fosforilase quinase. Esta enzima converte a forma no fosforilada (GPb) na forma fosforilada (GPa). Os dois estados conformacionais T e R esto representados respectivamente, na forma de quadrado e circulo. Pi indica o fsforo inorgnico, G-1-P a glucose-1-fosfato e G-6-P a glucose-6-fosfato. AMP - adenosina monofosfato, ATP - adenosina trifosfato e PP1 indica a protena fosfatase 1 que est ligada desfosforilao da GP (adaptado de McCormack et al., 2001). ............................................................................................................. 41
Figura 17 - Frmula estrutural bsica dos flavonides. ........................................ 44
Figura 18 - Genista tenera (Jacq. Ex Murr) O. Kuntze ......................................... 50
Figura 19 Tubos com as fases orgnica (n-butanol) e aquosa do ensaio de quantificao do complexo TBA-MDA. Evidencia-se o rpido desenvolvimento da cor amarela/laranja. .............................................................................................. 57
Figura 20 Clulas para leitura em espectrofotmetro com o extracto butanlico. Observa-se uma cor que no caracterstica do aducto TBA-MDA. ................... 57
Figura 21 Clulas H-4-II-E (hepatcitos de rato). Ampliao 200 X. ................. 60
Figura 22 Sala do laboratrio de biocincias onde decorreu o trabalho analtico. Visualiza-se a cmara de fluxo laminar com segurana biolgica, classe II tipo A/B3, (Steril Gard-Baker Company) e a cmara de incubao (Shel Lab CO2 Series). ................................................................................................................. 60
Figura 23 Viabilidade comparativa entre clulas no irradiadas e irradiadas. A absorvncia foi determinada medindo o formazam aps 4h de incubao das clulas com MTT (concentrao final 0,870 g/mL). Cada valor expresso como mdia + desvio padro, num total de 5 ensaios realizados. ................................. 63
Figura 24 Influncia dos diferentes extractos de Genista tenera no crescimento das clulas no irradiadas. A viabilidade foi determinada in vitro em clulas H-4-II-E e o cido ascrbico (400 mg/L) foi usado como controlo positivo. Cada valor expresso como mdia + desvio padro. As mdias so resultado de pelo menos 5 ensaios separados. Nas colunas da viabilidade em % onde se coloca * assinala-se diferena estatisticamente significativa entre o valor indicado e o valor obtido para as clulas no irradiadas sem adio de compostos (teste t de Student, p
xvi
positivo. Cada valor expresso como mdia + desvio padro. As mdias so resultado de pelo menos 5 ensaios separados. Nas colunas onde se coloca * assinala-se diferena estatisticamente significativa entre o valor indicado e o valor obtido para as clulas irradiadas sem adio de compostos (teste t de Student, p
xvii
NDICE DE TABELAS
Tabela 1 - Esquema de pipetagem dos diferentes compostos intervenientes no ensaio de TBARS-MDA. ....................................................................................... 56
Tabela 2 Esquema do ensaio de viabilidade celular (MTT) em placas de 96 poos Fez-se o dobro das placas, sendo metade das placas irradiadas e a outra metade no irradiada. .......................................................................................... 62
Tabela 3 Viabilidade comparativa entre clulas no irradiadas e irradiadas. .... 63
Tabela 4 - Influncia dos diferentes extractos de Genista tenera no crescimento das clulas no irradiadas. ................................................................................... 64
Tabela 5 Viabilidade em percentagem das clulas irradiadas expostas a diferentes extractos de Genista tenera. ................................................................ 65
Tabela 6 Breve esquema elucidativo da preparao das solues usadas no ensaio de inibio de actividade da enzima -glucosidase. ................................. 69
Tabela 7 Esquema de pipetagem dos diferentes compostos intervenientes no ensaio de inibio de actividade da enzima -glucosidase. ................................. 70
Tabela 8 Actividade da enzima -glucosidase em presena dos extractos de Genista tenera ...................................................................................................... 71
Tabela 9 - Breve esquema elucidativo da preparao das solues usadas no ensaio de inibio de actividade da enzima glucose-6-fosfatase. ........................ 76
Tabela 10 Esquema de pipetagem dos diferentes compostos intervenientes no ensaio de inibio de actividade da enzima glucose-6-fosfatase. ........................ 76
Tabela 11 - Actividade da enzima glucose-6-fosfatase em presena dos extractos de Genista tenera ................................................................................................. 77
Tabela 12 - Breve esquema elucidativo da preparao das solues usadas no ensaio de inibio da enzima glicognio fosforilase. ............................................ 83
xviii
Tabela 13 Esquema de pipetagem dos diferentes compostos intervenientes no ensaio de inibio de actividade da enzima glicognio fosforilase. ...................... 84
Tabela 14 - Absorvncia mdia da enzima glicognio fosforilase em presena dos extractos de Genista tenera.................................................................................. 85
xix
LISTA DE ABREVIATURAS
ADP Adenosina difosfato
AGE Produtos avanados da glicosilao
ATP Adenosina-5-trifosfato
cAMP Adenosina monofosfato ciclica
CE-MS Capillary electrophoresis-mass spectrometry
CO2 Dixido de carbono
DMSO Dimetil-sulfxido
DNA cido desoxirribonucleico
EDTA cido etilenodiaminatetraactico
EGTA cido etilenoglicoltetraactico
FAB-MS/MS Fast-Atom-Bombardment tandem Mass-Spectrometry
G-1-P Glucose-1-fosfato
G-6-P Glucose-6-fosfato
G-6-Pase Glucose-6-fosfatase
GLUT Transportador de glucose
GP Glicognio fosforilase
GS Glicognio sintetase
H2O2 Perxido de hidrognio
KCl Cloreto de potssio
LC-DAD-ESI-MS Liquid chromatography-diode array detection-electrospray
ionization-mass spectrometry
MDA Malondialdedo
MTT (3-4,5-dimetiltiazol-2il)-2,5-difenil brometo de tetrazlio
NAD+ Forma oxidada do dinucletido adenina nicotinamida
NADH Forma reduzida do dinucletido adenina nicotinamida
NADPH Forma reduzida do dinucletido adenina nicotinamida
fosfato
NMR Ressonncia Nuclear Magntica
NO Radical xido ntrico
O2 Radical io superxido
xx
OH Radical hidroxilo
PBS Tampo fosfato salino
PKC Protena quinase C
PPi Fosfato inorgnico
RE Rectculo endoplasmtico
RNS Espcies reactivas do azoto
ROO Radical peroxilo
ROS Espcies reactivas do oxignio
SDS Dodecil sulfato de sdio
SOD Superxido dismutase
TBA-MDA cido tiobarbitrico-malondialdedo
TBARS Espcies reactivas ao cido tiobarbitrico
UDP-G Uridina-difosfato glucose
UTP Uridina trifosfato
UV Ultra-violeta
WHO World Health Organization
1
1 INTRODUO
A diabetes uma doena metablica crnica que se caracteriza por
elevados nveis de glicmia, leso dos tecidos pela glucose e sua eliminao pela
urina. No ano 2030 o nmero de diabticos no mundo ser 366 milhes e em Portugal cerca de 800 mil (WHO, 2010a). Apesar de ser considerada uma doena
de pases industrializados devido s alteraes nos hbitos alimentares e ritmo de
vida, 80% das mortes por diabetes ocorrero em pases em vias de
desenvolvimento. A doena e as suas complicaes tero um impacto econmico
significativo, nas famlias e nos sistemas de sade dos respectivos pases (WHO,
2010b).
Os alimentos e os nutrientes desempenham um papel vital no normal
funcionamento do organismo: ajudam na manuteno da sade e na reduo dos
riscos de vrias doenas. Recentemente desenvolveram-se os conceitos de
alimento funciona e nutracutico. O primeiro caracteriza-se por oferecer vrios
benefcios sade, alm do valor nutritivo inerente sua composio qumica,
podendo desempenhar um papel potencialmente benfico na reduo do risco de
doenas crnicas e degenerativas (Moraes & Colla, 2006). Por sua vez, o
nutracutico um alimento ou parte de um alimento que proporciona benefcios
mdicos e de sade, incluindo a preveno e/ou tratamento da doena (Moraes &
Colla, 2006). Tais produtos podem abranger desde os nutrientes isolados,
suplementos dietticos na forma de cpsulas e dietas at aos produtos
benficamente projectados, produtos herbais e alimentos processados tais como
cereais, sopas e bebidas (Kwak & Jukes, 2001; Roberfroid, 2002; Hungenholtz,
2002; Andlauer & Frst, 2002).
Pensa-se que estes nutracuticos so benficos e teis no tratamento de
vrias doenas (Ferrari, 2004; Ramaa et al., 2006). Baseado em estudos
epidemiolgicos, estudos com animais, ensaios clnicos e estudos bioqumicos
nutricionais, estes suplementos dietticos so correntemente reconhecidos como
benficos para as doenas coronrias, cancro, osteoporose, e outras doenas
crnicas e degenerativas como a diabetes, doenas de Parkinson e Alzheimer
(Mandel et al., 2005). Isto conduziu a um mpeto na investigao dos mecanismos
de aco de nutracuticos e dos seus compostos bioactivos.
2
Os produtos naturais representam uma das principais fontes de estruturas
qumicas nicas para avaliao e pesquisa de novos frmacos, com potencial
utilidade na indstria farmacutica. Existem cerca de 1200 espcies de plantas,
pertencentes a 190 famlias, que so citadas para uso na diabetes. (Marles &
Farnswoth, 1995; Grover et al., 2002; Silva et al., 2002; Zareba et al., 2005;
Mukherjee et al., 2006; Leduc et al., 2006). Genista tenera (Jacq. Ex Murr)
pertence famlia das Leguminosae, e um arbusto endmico da ilha da
Madeira, em Portugal, com uso tradicional na diabetes. Recentemente foi
confirmada a sua bioactividade com estudos em ratos (Rauter et al., 2009). Em
estudos prvios foram identificados vrios flavonides, possivelmente
responsveis pelo, efeito biolgico na glicmia (Borges et al., 2001; Martins et al.,
2002; Rauter et al., 2005; Edwards et al., 2006).
Os flavonides e derivados so amplamente explorados em funo das
inmeras aplicaes teraputicas que apresentam como a aco antioxidante e
anti-hiperglicemiante (Cazarolli et al., 2008a).
1) H uma evidncia cada vez maior, baseada em estudos clnicos e laboratoriais,
de que o stresse oxidativo desempenha um papel importante na patognese dos
dois tipos de diabetes mellitus (Rsen et al., 2001; Willcox et al., 2004). Um
aumento dos cidos gordos livres e/ou glucose pode aumentar a produo de
espcies reactivas do oxignio e o stresse oxidativo.
2) O stresse oxidativo tem como consequncia, uma diminuio da secreo de
insulina e da sua aco nos tecidos alvo, acelerando a progresso da doena:
resistncia insulina, tolerncia glucose diminuda e por fim diabetes tipo 2
declarada (Ceriello, 2000).
A actividade antioxidante dos flavonides ou o mecanismo envolvido na
sua aco est amplamente revista (Pietta, 2000; Amic, 2006). Os flavonides
estimulam a captao e metabolismo da glucose, regulam a actividade e/ou a
expresso de enzimas chave do metabolismo de hidratos de carbono, actuam
como secretagogos de insulina ou protectores da funo das clulas
pancreticas. Ainda, podem actuar como insulinomimticos contribuindo para
melhorar o estado diabtico (Cazarolli et al., 2008b). Diversos trabalhos
demonstram o efeito antidiabtico dos flavonides. (Shin et al., 1999; Sabu et al.,
2002; Vessal et al., 2003; De Sousa et al., 2004; Pinent et al., 2004; Tsuneki et al.,
2004; Gonzalez-Mujica et al., 2005; Lee, 2006; Park et al., 2006)
3
Nos diabticos o processo de digesto e absoro rpida dos hidratos de
carbono no considerado desejvel devido resposta glicmica elevada
(Englyst & Englyst, 2005). Uma das abordagens teraputicas para tratar a
diabetes na fase inicial diminuir a hiperglicmia ps-prandial. Isto faz-se
retardando a absoro de glucose atravs da inibio da enzima que hidrolisa os
hidratos de carbono no tubo digestivo, a -glucosidase. Consequentemente os
inibidores desta enzima determinam a reduo da taxa de glucose absorvida e o
consequente efeito de hiperglicmia ps-prandial (Chiasson et al., 2002).
Uma vez que as enzimas hepticas que intervm no metabolismo da
glucose servem como importantes reguladores da sntese e degradao do
glicognio, considera-se que a inibio destas enzimas uma via para inibir a
produo heptica de glucose e baixar a glicemia (Barf, 2004; Jung et al., 2006;
Agius, 2007). A glicognio fosforilase heptica (GP) e a glucose-6-fosfatase (G-6-
Pase) so duas enzimas chave na glicogenlise. A GP catalisa o primeiro passo
da quebra do glicognio que conduz a glucose-1-fosfato, enquanto G-6-Pase
catalisa a reaco final na produo heptica de glucose (Onda et al., 2008).
Estas enzimas tm sido propostas como potenciais alvos de drogas anti-
hiperglicmicas (Mc Cormack et al., 2001; Kurukulasuriya et al., 2003).
Em anos recentes tm surgido diversos trabalhos e patentes a fundamentar
os benefcios dos extractos de plantas e/ou de produtos nutracuticos contendo
flavonides (Kim et al., 2006; Omoigui, 2006; Nishizono et al., 2007; Raederstorff
et al., 2007).
4
5
2 OBJECTIVOS
O objectivo principal deste trabalho estudar o mecanismo enzimtico
responsvel pela actividade anti-hiperglicemiante de extractos de Genista tenera
em gua, acetato de etilo, n-butanol e ter atravs de ensaios de inibio das
enzimas do metabolismo da glucose, -glucosidase, glucose-6-fosfatase e
glicognio fosforilase. Paralelamente pretende-se avaliar a capacidade
antioxidante dos mesmos extractos pela determinao de produtos de
lipoperoxidao (atravs do ensaio do cido tiobarbitrico) em homogeneizados
de gema de ovo expostos a condies oxidantes na presena dos extractos. A
actividade antioxidante ser adicionalmente avaliada in vitro em culturas
celulares, pela inibio da citotoxicidade induzida por radiao UV na presena ou
ausncia dos extractos. A viabilidade celular neste ensaio ser determinada pelo
mtodo do MTT.
6
7
3 REAS DE ESTUDO
3.1 STRESSE OXIDATIVO
Em condies fisiolgicas normais, a produo de radicais livres e outras
espcies reactivas de oxignio (ROS) encontra-se aproximadamente em equilbrio
com os mecanismos de defesa antioxidante. Normalmente, as molculas
danificadas so reparadas e substitudas. Porm em certas circunstncias, no h
equilbrio entre as espcies reactivas e as defesas antioxidantes, ocorrendo uma
situao designada por stresse oxidativo, havendo acumulao de molculas
oxidadas e vasta deteriorao celular segundo Halliwell (1996), mesmo sem haver
aumento da percentagem de oxignio (Wilcox et al., 2004). Este desequilbrio em
favor do estado pr-oxidante pode ser consequncia de uma diminuio de
antioxidantes, porque h uma deficiente alimentao ou devido a mutaes nos
genes que codificam as principais molculas antioxidantes, superxido dismutase,
catalase, glutatio peroxidase e a NADPH desidrogenase e/ou devido a um
aumento de produo de espcies reactivas (Halliwell, 1996). Este aumento pode
ser devido a causas exgenas - exposio a radiaes ionizantes (por exemplo
radiao gama) e no ionizantes (por exemplo radiao ultra-violeta), hiperoxia,
drogas, poluentes atmosfricos e xenobiticos (toxinas, pesticidas, herbicidas).
Tambm pode ter origem endgena, nomeadamente devido a um aumento de
produo de ROS, pelas clulas do organismo, especialmente clulas imunitrias,
devido a situaes patolgicas como a diabetes, doenas neurodegenerativas e
cardacas, inflamaes crnicas e isqumia (Halliwell, 1996; Halliwell, 2001;
Kohen & Nyska, 2002; Wilcox et al., 2004).
Quando o stresse oxidativo atinge nveis elevados pode ocorrer
deteriorao grave das molculas celulares (protenas, lpidos e DNA) podendo
conduzir morte celular em larga escala. Contudo as clulas toleram um nvel
moderado de stresse oxidativo, aumentando o mecanismo de defesa antioxidante
atravs de alteraes na expresso de genes (Halliwell, 1996).
Apesar do seu potencial para causar danos, segundo Forman (2001) as
ROS tambm so teis nos mecanismos de combate aos microrganismos e
segundo Wilcox et al. (2004) e De Magalhes & Church (2006) so componentes
8
crticos em vrios processos celulares como molculas sinalizadoras. As ROS
desempenham um papel especfico em sites activos de enzimas e as reaces
redox podem afectar a actividade de factores de transcrio. Actualmente torna-
se claro que as ROS podem ter um grande impacto na regulao da expresso
dos genes, no desenvolvimento, crescimento e apoptose.
3.1.1 ESPCIES REACTIVAS DE OXIGNIO E AZOTO
As espcies reactivas so produzidas na clula tanto em consequncia do
metabolismo celular normal (na mitocndria, peroxissomas e devido aco de
certas enzimas do citosol), como devido a agentes extracelulares. Tm uma
aco pr-oxidante se o seu nvel for superior ao do ponto de equilbrio
homeosttico.
As principais so as espcies reactivas de oxignio (ROS) e as espcies
reactivas de azoto (RNS) (Kohen & Nyska, 2002).
AS ROS englobam molculas qumicamente reactivas derivadas do
oxignio.
Podem-se classificar em dois grupos, radicais e no radicais. O primeiro
grupo contm compostos como o radical xido ntrico (NO), radical io
superxido (O2), radical hidroxilo (OH) e peroxilo (ROO). Radicais so espcies
que contm pelo menos um electro desemparelhado nas orbitais volta do
ncleo e so capazes de existir independentemente. A existncia de um electro
desemparelhado resulta em espcies altamente reactivas devido sua propenso
para dar ou receber um electro para atingir a estabilidade (Kohen & Nyska, 2002;
Willcox et al., 2004). Os compostos no radicalares contm algumas substncias
muito reactivas, que apesar de no serem radicais facilmente se podem converter
num e/ou actuar como agentes oxidantes. So substncias deste grupo e
produzidas em elevadas concentraes pelas clulas vivas, o cido hipocloroso
(HClO), perxido de hidrognio (H2O2), perxidos orgnicos e aldedos (Evans &
Halliwell, 2001; Kohen & Nyska, 2002).
Algumas ROS so extremamente reactivas (OH), enquanto outras so
menos oxidantes (O2 e H2O2 ) (Halliwell, 2001; Nordberg & Arner, 2001; Willcox
9
et al., 2004). Para alm disso algumas destas espcies so muito instveis e s
actuam no stio em que so produzidas (O2 e OH), enquanto outras como H2O2
tm longo tempo de vida e difundem no organismo (Nordberg & Arner, 2001;
Halliwell, 2001; Willcox et al., 2004).
A fonte mais importante de O2 nas clulas eucariotas a sada de
electres da cadeia de transporte de electres da mitocndria (Figura 10 ). Este
anio originado a partir do oxignio molecular por adio de um electro, perde a
capacidade de penetrar as membranas lipdicas e fica aprisionado no
compartimento em que produzido.
O perxido de hidrognio para alm de ser produzido por dismutao do
superxido, pela superxido dismutase (SOD):
2 O2 + 2 H+ H2O2 + O2
tambm pode ser directamente produzido por outras enzimas como a glicolato
oxidase e a xantina oxidase (Halliwell, 2001). Apesar de no ser um radical livre,
muito importante devido capacidade que apresenta de penetrar nas membranas
biolgicas (Figura 1 ) e formar espcies muito mais destruidoras como o radical
hidroxilo (Nordberg & Arner, 2001; Halliwell, 2001; Willcox et al., 2004).
O radical hidroxilo formado a partir do H2O2 numa reaco catalisada por
ies metlicos (Fe2+ ou Cu+), conhecida por reaco de Fenton:
H2O
2 + Cu
+/Fe
2+ OH + OH + Cu
2+ /Fe
3+ (Reaco 1)
O superxido desempenha um papel importante como agente redutor em
ligao com a reaco 1, ao reciclar os ies metlicos:
O2 + Cu
2+ /Fe
3+ O2 + Cu
+ /Fe
2+ (Reaco 2)
O cido ascrbico tambm pode actuar como agente redutor. Embora
normalmente o ascorbato actue como um poderoso captador de espcies
reactivas, pode-se tornar pr-oxidante na presena de ies ferro ou cobre,
danificando as biomolculas por promover a formao de OH (Halliwell, 2001). A
10
soma das reaces 1 e 2 a reaco de Haber-Weiss (reaco 3), os metais
desempenham ento um papel importante na formao dos radicais hidroxilo
(Nordberg & Arner, 2001).
H2O
2+ O
2 OH + OH + O
2 (Reaco 3)
Figura 1 - Esquema simplificado da produo de espcies reactivas do oxignio nas clulas e a aco de alguns antioxidantes intracelulares, principalmente no citosol e na mitocndria (devido sada de electres da cadeia respiratria). Rapidamente duas molculas de superxido dismutam, espontaneamente ou via a superxido dismutase, em dioxignio e perxido de hidrognio, permitindo a segunda o fluxo de ROS entre diferentes compartimentos celulares. O perxido de hidrognio pode ser enzimaticamente metabolizado a dioxignio e gua atravs de vrios sistemas enzimticos ou convertido no radical hidroxilo, que extremamente reactivo, atravs de uma reaco qumica catalisada pelos metais de transio. RE, rectculo endoplasmtico; CTE, cadeia de transporte de electres; Ox, oxidases; GSH, glutatio reduzido; GSSG, glutatio oxidado; GR, glutatio redutase; GPox, glutatio peroxidase; SOD, superxido dismutase; Prx, peroxiredoxinas. As espcies reactivas de oxignio e os anti-oxidantes endgenos encontram-se a negrito. (Adaptado de Nordberg & Arner, 2001; Willcox et al., 2004).
11
3.1.1.1 Papel dos metais de transio
A maioria dos metais de transio tm um electro desemparelhado (com
excepo do zinco) e por definio podem-se considerar radicais (Halliwell, 2001).
Especialmente o cobre e o ferro participam na qumica dos radicais e convertem
oxidantes relativamente estveis em poderosos radicais.
Embora o cobre e ferro sejam necessrios ao bom funcionamento do
organismo humano podem ser perigosos devido a possibilidade de catalisar a
produo de radicais livres. Por exemplo o ferro pode oscilar entre o estado
ferroso (Fe2+
) e frrico (Fe3+
) o que o torna um potente catalisador da reaco de
formao de radicais livres. Porm o organismo possuiu um sistema de protenas
de transporte e armazenagem (ferritina e heme) que asseguram que a maioria
destes metais se encontra sequestrada na forma no cataltica (Halliwell, 1996;
Kohen & Nyska, 2002).
Contudo o stresse oxidativo e a destruio celular, podem induzir a
libertao dos ies metlicos (da ferritina e do grupo heme), que vo entrar nas
reaces de formao de radicais livres.
Para alm da sua importncia na formao de OH os metais de transio
tambm podem exercer destruio ao catalisar a formao de espcies reactivas
atravs de reaces de auto-oxidao e participar na formao de radicais alcoxil
(RO) e peroxil (ROO) (Halliwell, 2001).
3.1.2 LIPOPEROXIDAO
A lipoperoxidao pode ser definida como uma deteriorao oxidativa de
cidos gordos polinsaturados (possuidores de ligaes duplas carbono-carbono)
presentes em grande quantidade nas membranas e nos organelos intracelulares
(mitocndrias e peroxissomas). um processo constitudo por vrias reaces
encadeadas, sequenciais e que pode ser dividido em trs etapas: iniciao,
propagao e trmino (Ferreira & Matsubara, 1997; Gutteridge, 1982).
A lipoperoxidao tem incio quando ROS com electres desemparelhados
promovem a remoo de um tomo de hidrognio de um grupo metileno (-CH2-)
12
de um cido gordo polinsaturado. Nesta etapa h produo de um novo radical (-
CH-) que normalmente se estabiliza atravs de um rearranjo molecular para
formar um dieno conjugado. Sob condies aerbias esse radical (L) combina-se
com o oxignio (O2) formando um radical peroxilo (LOO). Estes radicais podem
retirar um tomo de hidrognio de outra molcula lipdica, formando um novo
radical que reage por sua vez com o oxignio, originando novo radical peroxilo,
permitindo que a reaco da peroxidao lipdica se torne contnua, pela
repetio dos ciclos oxidativos e estabelecendo assim a etapa de propagao da
reaco. Quando o radical peroxilo se combina com um tomo de hidrognio, h
formao de hidroperxidos (LOOH), perxidos cclicos e epxidos (Wilcox et al.,
2004). Estas substncias, altamente reactivas, acabam por fragmentar os lpidos
polinsaturados, produzindo malondialdedo, e outros compostos contendo grupos
carbonilo. Um nico evento de iniciao pode produzir vrias molculas de
perxido. medida que as reaces em cadeia se processam, podem ser
inactivadas protenas de transporte ou enzimas da membrana, ou pode ocorrer o
aumento da permeabilidade da dupla camada lipdica da membrana, alterando a
homeostase (Ferreira & Matsubara, 1997). Finalmente, na etapa de concluso,
ocorre a formao de um intermedirio instvel (tetrxido), a partir dos radicais
peroxilo, que sofrem decomposio, originando oxignio singleto (1O2) e grupos
carbonilo excitados, para alm de outros produtos todos altamente lesivos para as
macromolculas incluindo o DNA (Wilcox et al., 2004).
Figura 2 - Esquema das reaces em cadeia da lipoperoxidao. (LH), cido gordo polinsaturado; (L), radical lipdico; (LOO), radical peroxilo; (LOOH), hidroperxido lipdico; (LO), radical alcoxilo; (OH), radical hidroxilo; (R), espcies reactivas de oxignio com ies desemparelhados (adaptado de De Zwart et al., 1999).
13
3.2 DEFESAS ANTIOXIDANTES
Devido contnua formao in vivo de espcies reactivas, os organismos
aerbios s sobrevivem porque desenvolveram sistemas de defesa antioxidante.
Na indstria alimentar o conceito de antioxidante est restringido aos
compostos inibidores de quebra da cadeia de lipoperoxidao envolvida na
rancidez dos alimentos, sendo um exemplo de antioxidante neste caso o -
tocoferol. Na indstria alimentar vulgar ligarem simplesmente a peroxidao dos
lpidos com os antioxidantes.
Mas in vivo para alm dos lpidos, as espcies reactivas so nefastas para
o DNA e protenas.
Uma definio de antioxidante foi dada por Halliwell e Gutteridge em 1989,
so qualquer substncia que, quando presente em baixas concentraes
comparadas com a de qualquer substrato oxidvel, previne ou atrasa
significativamente a oxidao desse substrato. (citado por Wilcox et al., 2004).
Parker (1996) a favor da definio de antioxidante como um intermedirio
metablico, um antioxidante um substrato que protege os tecidos biolgicos
dos danos dos radicais livres, que capaz de ser reciclado ou regenerado por
redutores biolgicos (citado por Rsen et al., 2001). Os antioxidantes podem
proteger as clulas directa ou indirectamente contra o stresse oxidativo (Willcox et
al., 2004).
3.2.1 ANTIOXIDANTES ENDGENOS E EXGENOS
Alguns antioxidantes esto estrategicamente compartimentados dentro das
clulas em organelos sub-celulares, a fim de proporcionarem a mxima
proteco. So os antioxidantes endgenos. Estes podem defender das espcies
reactivas por trs mecanismos:
1 - inibindo a sua formao (antioxidantes preventivos);
2 - removendo-os ou degradando-os em produtos menos nocivos (antioxidantes
removedores);
3 - apresentando-se eles prprios para oxidao (antioxidantes captadores).
14
Tambm as ROS e RNS, em nveis moderados, e certas molculas de
sinalizao celular, como as citoquinas, podem aumentar as defesas celulares
antioxidantes (aumentando a regulao da expresso dos genes que codificam)
(Halliwell et al.,1995).
Verificou-se que, apesar dos nveis de proteco, existem danos oxidativos
que atingem as protenas, os lpidos e o DNA, pelo que h necessidade fisiolgica
de reparar estes danos. Assim, concluiu-se que o modelo proposto de sistema de
defesa celular antioxidante estava incompleto e um quarto grupo, os antioxidantes
reparadores, foram adicionados ao conjunto conhecido de sistemas de defesas.
Em resumo, o mecanismo de defesa antioxidante pode incluir qualquer
substncia que neutralize o potencial efeito destruidor das espcies reactivas ou
que o repare.
Figura 3 - Defesa celular antioxidante contra as espcies reactivas. SOD - super-xido dismutase, GPox - glutatio peroxidase, GSH glutatio reduzido, HSP protenas de choque trmico (Adaptado de Willcox et al., 2004).
A dieta desempenha um papel muito importante ao fornecer nutrientes
essenciais como as vitaminas hidroflicas (vitamina C ou cido ascrbico) e as
vitaminas lipoflicas (vitamina E ou -tocoferol) e o -caroteno (Willcox et al.,
2004). Tambm importantes nas defesas antioxidantes e provenientes da dieta
so os minerais, uma vez que muitos deles so cofactores de antioxidantes
Reparam e eliminam os
estragos
Suprimem a propagao das cadeias
Suprimem o incio das cadeias
Degradam as espcies
reactivas
Suprimem a formao de
radicais
Lipases Proteases
Enz.reparadoras DNA HSP
Ac. rico Bilirrubina
Coenzima Q GSH
Catalase GPox SOD
Albumina Lactoferrina Transferrina
Anti-oxidantes Captadores
Anti-oxidantes Removedores
Anti-oxidantes Preventivos
Anti-oxidantes Reparadores
CADEIA OXIDATIVA
DOENA DESTRUIO INICIADOR ESPCIE REACTIVA
15
enzimticos (a glutatio peroxidase contm selnio e a SOD contm zinco).
Ingerem-se outros antioxidantes provenientes de uma alimentao de frutos e
vegetais, os polifenois aos quais pertencem os flavonides.
3.3 DIABETES
A diabetes mellitus uma doena metablica crnica que se caracteriza
por nveis de glucose sangunea elevados e eliminao de glucose pela urina. As
principais formas so a diabetes tipo 1, vulgarmente denominada
insulinodependente e a diabetes tipo 2 no dependente de insulina. A diabetes
mellitus insulinodependente ou tipo 1 surge quando as clulas do pncreas so
destrudas por processos auto-imunes ou infeces e se tornam incapazes de
produzir insulina. Os sintomas surgem rpidamente e afectam principalmente
doentes jovens. A diabetes mellitus no dependente de insulina ou tipo 2 afecta
cerca de 90% dos doentes diabticos, desenvolve-se lentamente e est
geralmente associada obesidade e estilo de vida sedentrio, caracteriza-se por
uma resistncia dos tecidos insulina e/ou deficincia da sua secreo, e tem
vrios graus de severidade. Tipicamente surgia em pessoas com idade superior a
40 anos e com histria familiar de diabetes, mas recentemente tem-se constatado
a ocorrncia desta forma da doena em pessoas mais novas (Costacou & Mayer-
Davis, 2003; Mandel et al., 2005; Rolo & Palmeira, 2006).
A deficiente secreo de insulina nos doentes com diabetes tipo 2
caracteriza-se pela diminuio da primeira fase da secreo de insulina induzida
pela glucose, hiperinsulinmia retardada e posterior desenvolvimento de
incapacidade de sntese de insulina (Sakai et al., 2002; Albuquerque & Pimazoni
Netto, 2008).
16
Figura 4 - Secreo bifsica de insulina estimulada por glucose em indivduos sadios e diabticos (Albuquerque & Pimazoni Netto, 2008).
Inicialmente a resistncia insulina compensada por hiperinsulinmia,
atravs da qual se preserva a tolerncia normal glucose. Quando a resistncia
insulina aumenta mais e/ou a secreo compensatria de insulina diminui, ocorre
deteriorao at diminuio da tolerncia glucose (Evans et al., 2003;
Robertson et al., 2003).
A diabetes est associada com a aterosclerose macrovascular que afecta
as artrias que fornecem sangue ao corao, crebro e membros inferiores.
Como consequncia, estes doentes tm um risco mais elevado de sofrerem
enfarte do miocrdio, trombose e amputao de extremidades inferiores. Tambm
est associada com complicaes microvasculares na retina e glomrulo que
podem levar falncia deste tecido ou rgo (Brownlee, 2001).
A doena e as suas complicaes tm um impacto econmico significativo,
nas famlias e nos sistemas de sade dos pases (WHO, 2010b).
3.3.1 REGULAO DO METABOLISMO DA GLUCOSE
3.3.1.1 Transportadores de glucose e captao de gl ucose
A captao de glucose nas clulas ocorre atravs de difuso facilitada por
transportadores especficos (Kahn & Pessin, 2002). O transporte facilitado de
glucose nos tecidos perifricos mediado atravs de transportadores solveis
17
pertencentes famlia dos transportadores de glucose, GLUTs. Actualmente,
existem 14 membros desta famlia (GLUTs 1-14) cuja distribuio tecidular,
propriedades cinticas e especificidade de hidratos de carbono varivel. Essas
protenas so divididas em 3 classes principais, sendo a classe I a melhor
caracterizada e compreende os GLUTs 1-4 e o GLUT 14 (Kahn & Pessin, 2002;
Manolescu et al., 2007 A classe II composta pelos GLUTs 5, 7, 9 e 11 e a classe
III pelos transportadores GLUT 6, 8, 10, 12 e 13 (Manolescu et al., 2007).
A insulina estimula a captao de glucose no msculo e tecido adiposo
atravs de vias de sinalizao complexas que se iniciam com a ligao da insulina
ao receptor de membrana (Kahn & Pessin, 2002).
A translocao dos transportadores do local de armazenamento intracelular
para a membrana considerada o passo limitante do processo de captao de
glucose (Kahn & Pessin, 2002).
3.3.1.2 Sntese do glicognio
Nos tecidos dos mamferos, os hidratos de carbono so armazenados
principalmente na forma de glicognio sendo os principais locais de depsito o
fgado e o msculo-esqueltico. Alm destes, tecidos como o msculo liso e
cardaco, rins, crebro e tecido adiposo tambm so capazes de sintetizar e
armazenar glicognio (Srivastava & Pandey, 1998; Roach, 2002).
Entre as refeies, o glicognio do fgado o responsvel por manter a
glicemia do nosso organismo e durante o exerccio fsico, a fonte de glucose
para o msculo.
O glicognio um polmero ramificado de glucose, com peso molecular
aproximado de 107 Daltons que apresenta uma cadeia aproximada de 1-11
resduos de glicosil, tendo cerca de 4000 cadeias de glicosil (Lomako et al., 1991)
A insulina regula a sntese de glicognio em duas etapas: a primeira
atravs do controle da captao e transporte de glucose e a segunda pela
regulao dos estados de fosforilao e activao das enzimas envolvidas na
sntese e degradao do glicognio (Srivastava & Pandey, 1998; Roach, 2002).
Aps entrar na clula, a glucose fosforilada a glucose-6-fosfato pela
18
hexoquinase muscular e/ou pela glucoquinase/hexoquinase hepticas. A glucose-
6-fosfato (G-6-P) convertida a glucose-1-fosfato (G-1-P) pela enzima
fosfoglucomutase e a seguir, convertida em uridina-difosfato glucose (UDP-G)
pela enzima uridina-difosfato glucose pirofosforilase. A UDP-G formada serve
como doador de unidades glicosil para a cadeia de glicognio nascente. Essa
reaco catalisada pela enzima glicognio sintetase (GS), ponto-chave na
sntese de glicognio. Alm da GS, uma protena iniciadora chamada glicogenina
e uma enzima ramificadora tambm contribuem para o processo de sntese e
armazenamento de glicognio (Figura 5 ) (Srivastava & Pandey, 1998; Roach,
2002; Ferrer et al., 2003).
Figura 5 - Sntese de glicognio. UTP-uridina trifosfato, UDP-uridina difosfato, PPi-fosfato inorgnico (Adaptado de Srivastava & Pandey, 1998).
A GS uma protena multimrica, cuja actividade regulada por
mecanismos alostricos e de fosforilao/desfosforilao. Nos mamferos ela
Glucose
Hexo/glucoquinase
Glucose-6-fosfato
Fosfoglucomutase
Glucose-1-fosfato
UDP-glucose pirofosforilase
UDP-glucose
UTP
PPi
Glicognio (n resduos)
Glicognio sintetase / glicogenina /
enzima ramificadora
19
existe basicamente sob duas isoformas, uma expressa no fgado e outra no
msculo, tambm se encontra em outros tecidos (Srivastava & Pandey, 1998;
Roach, 2002). A insulina modula a actividade da GS atravs de modificao
covalente, translocao e regulao alostrica (Ferrer et al., 2003).
A degradao do glicognio (glicogenlise) catalisada pela glicognio
fosforilase resultando em glucose-1-fosfato, substrato para a glucose-6-fosfatase.
A queda das reservas de glicognio a primeira resposta dos tecidos,
especialmente do fgado, para a manuteno das concentraes normais de
glucose sangunea frente a uma reduo das concentraes plasmticas de
insulina e aumento das concentraes de glucagon (Roach, 2002; Ferrer et al.,
2003).
3.3.1.3 Metabolismo da glucose
No estado fisiolgico, a manuteno da homeostase da glucose mantida,
principalmente, atravs da regulao hormonal da captao perifrica e produo
endgena de glucose, primeiro pelo msculo, tecido adiposo e fgado, alm da
secreo de insulina pelo pncreas e da secreo de hormonas contra-
reguladoras (Taha & Klip, 1999; Saltiel & Kahn, 2001; Beardsall et al., 2003;
Moore et al., 2003).
A insulina uma das hormonas essenciais que regulam o metabolismo, o
crescimento e a diferenciao celular, actuando em diversos tecidos. De maneira
geral, as aces anablicas da insulina incluem o estmulo da captao, da
utilizao e do armazenamento intracelular de glucose, aminocidos e cidos
gordos e a inibio de processos catablicos como a glicogenlise, liplise e
protelise. Alm disso, a insulina tambm inibe a gluconeognese heptica
(Saltiel; Kahn, 2001; Beardsall et al., 2003; Moore et al., 2003).
No estado ps-prandial, quando as concentraes de glucose sangunea
esto elevadas, a hiperglicmia sinaliza s clulas do pncreas para produzir e
libertar insulina e suprimir a produo de glucagon pelas clulas dos ilheus
pancreticas (Taha & Klip, 1999; Beardsall et al., 2003). Uma vez libertada, a
insulina estimula a captao de glucose pelo msculo atravs do aumento da
20
translocao dos transportadores de glucose (GLUT4) para a membrana. Alm
disso, as concentraes aumentadas de glucose no interior das clulas
musculares e a presena da insulina estimulam a gliclise para produo de
energia. A glucose que no imediatamente utilizada pelo msculo e/ou tecido
adiposo captada pelo fgado onde a insulina estimula a produo de glicognio
atravs da estimulao da GS, inibio da glicognio fosforilase e inibio da
gluconeognese e da glicogenlise.
Figura 6 - Viso global do metabolismo heptico da glucose, com destaque para os alvos da inibio da produo heptica de glucose. Frutose-6P - frutose-6-fosfato; Frutose-1,6P - frutose-1,6-difosfato; ciclo TCA - ciclo do cido tricarboxlico (adaptado de McCormack et al., 2001).
No tecido adiposo, a insulina estimula a captao de glucose de forma
semelhante ao msculo e promove a lipognese, aumentando a actividade da
lipoprotena lipase, que liberta cidos gordos para a sntese de trigliceridos e inibe
a lipase hormona-sensvel, enzima responsvel pela utilizao das reservas de
gordura. Em relao ao metabolismo proteico, a insulina tambm possui um efeito
anablico, promovendo a entrada de aminocidos nas clulas e estimulando a
sntese proteica (Figura 7 ) (Taha & Klip, 1999; Beardsall et al., 2003; Moore et al.,
2003).
Durante o jejum ou entre as refeies, as concentraes de insulina
diminuem e as de glucagon e outras hormonas contra-reguladoras da insulina
21
aumentam. O glucagon actua primeiramente no fgado com o objectivo de activar
vias que levem ao aumento das concentraes plasmticas de glucose como a
gluconeognese e glicogenlise. Embora as concentraes de glucose sangunea
sejam mantidas inicialmente pela glicogenlise heptica, as reservas de
glicognio so limitadas e aps um jejum prolongado, a contribuio da
gluconeognese heptica bem como renal a partir de glicerol, lactato e
aminocidos aumenta progressivamente (Saltiel & Kahn, 2001; Beardsall et al.,
2003). Durante o jejum, a captao de glucose no msculo reduzida e este
torna-se altamente dependente da oxidao de cidos gordos para obteno de
energia. Alm disso, ocorre aumento da glicogenlise e protelise muscular. No
tecido adiposo ocorre activao da liplise com elevao da libertao de cidos
gordos e glicerol que servem como precursores gluconeognicos e cetognicos
no fgado (Figura 7 ) (Beardsall et al., 2003; Moore et al., 2003).
Figura 7 - Regulao do metabolismo da glucose (adaptado de http://health.howstuffworks.com/diabetes1.htm. Acesso em 26-01-2010).
22
3.3.2 PATOGNESE DA DIABETES TIPO 2
A insulina a hormona anablica mais importante que regula o
metabolismo energtico. Uma deficincia relativa ou absoluta, como no caso da
diabetes, leva a severas disfunes nos principais rgos alvos da insulina, isto ,
fgado, tecido adiposo e msculo. A falta de insulina pode levar ao aumento da
glicmia, reduo da captao de glucose pelos tecidos perifricos, reduo da
lipognese e da sntese proteica, com os aminocidos sendo utilizados como
substrato para a gluconeognese. Alm disso, ocorre activao da produo
heptica de glucose e aumento da liplise no tecido adiposo com consequente
elevao de cidos gordos na circulao (Moore et al., 2003). Se no controlada,
a hiperglicmia crnica resulta no desenvolvimento de diversas complicaes que
levam a disfuno, dano ou falncia de vrios rgos (American Diabetes
Association, 2008; WHO, 2009).
Em relao patognese da diabete tipo 2, podem ser identificados quatro
defeitos intrnsecos bsicos:
(1) resistncia insulina nos tecidos muscular e adiposo;
(2) reduo da secreo de insulina;
(3) aumento da produo de glucose pelo fgado;
(4) reduo de produo de peptdeo semelhante ao glucagon (GLP-1)
(Stolar et al., 2008).
A resistncia insulina geralmente precede o incio da diabetes e
caracteriza- se pela reduo da captao de glucose nos tecidos perifricos como
o msculo e o tecido adiposo. Como mecanismo de compensao, h o aumento
da secreo de insulina pelo pncreas, levando a hiperinsulinmia. Quando a
clula j no capaz de promover maior secreo de insulina, surge a
hiperglicmia. O aumento da produo de glucose pelo fgado resulta da
resistncia heptica insulina e contribui especialmente com a hiperglicmia de
jejum. A exposio crnica glucose (glucotoxicidade) e a cidos gordos livres
(lipotoxicidade), bem como o aumento da necessidade secretria de insulina so
factores que levam perda da funo das clulas pancreticas. Um outro factor
na patognese da diabetes est relacionado com a reduo nos nveis de GLP-1,
hormona intestinal secretada durante a alimentao e que aumenta a secreo de
insulina. A hormona GLP-1 suprime a produo de glucagon pelas clulas alfa
23
pancreticas e retarda o esvaziamento gstrico, o que reduz a hiperglicmia ps-
prandial. A estratgia de tratamento ideal da diabetes deve ser direccionada para
estes quatro defeitos intrnsecos para que o controle glicmico seja alcanado
(Gerich & Dailey, 2004; Todd & Bloom, 2007; Stolar et al., 2008).
3.3.3 DIABETES E STRESSE OXIDATIVO
Baseado em estudos clnicos e laboratoriais h uma evidncia cada vez
maior que o stresse oxidativo desempenha um papel importante na patognese
dos dois tipos de diabetes mellitus (Rsen et al., 2001; Wilcox et al., 2004).
Um aumento dos nveis de insulina, cidos gordos livres e/ou glucose pode
aumentar a produo de ROS e o stresse oxidativo. O stresse oxidativo tem como
consequncia uma diminuio da secreo de insulina e da sua aco nos
tecidos alvo, acelerando a progresso da doena desde: resistncia insulina,
tolerncia glucose diminuda e por fim diabetes tipo 2 declarada (Ceriello, 2000).
Uma repetida exposio a nveis elevados de cidos gordos livres e
hiperglicmia, pode conduzir a uma disfuno das clulas (clulas produtoras
de insulina), que com o tempo se pode tornar irreversvel (Robertson et al., 2003;
Ceriello & Motz, 2004).
Os pacientes diabticos quando comparados com indivduos saudveis
apresentam uma produo aumentada de ROS (e outros radicais livres) e/ou
possuem as defesas antioxidantes diminudas, indicando uma aco crtica das
ROS no surgimento da diabetes, na sua progresso e nas consequncias
patolgicas (Ceriello et al., 1998; Rsen et al., 2001; Wilcox et al., 2004; Rolo &
Palmeira, 2006; Palmeira et al., 2007).
As clulas danificadas pelo stresse oxidativo (clulas endoteliais dos
capilares da retina, clulas mesangiais do glomrulo renal, clulas de Schwan dos
nervos perifricos), contrariamente s outras clulas do organismo, no so
capazes de regular o transporte de glucose para o seu interior, quando expostas a
hiperglicmia (Brownlee, 2005). Assim surgem as complicaes degenerativas
mais frequentes da diabetes: retinopatia, glomerulonefrite e neuropatia perifrica.
24
Hoje em dia vulgarmente aceite que o stresse oxidativo gerado em
consequncia da hiperglicmia tem um papel importante nas complicaes
secundrias da diabetes, tanto a nvel macrovascular como microvascular (Ha &
Kim, 1999; Ceriello & Motz, 2004; Ceriello, 2005).
3.3.3.1 Vias patolgicas para a toxicidade da gluco se
Na deteriorao dos tecidos causada pela hiperglicmia h quatro
mecanismos moleculares que tm sido considerados como os principais
implicados: aumento do metabolismo da via dos poliois, activao da protena
quinase C, aumento dos produtos finais avanados da glicosilao (AGE) e
aumento do metabolismo da via das hexosaminas (Brownlee, 2001; Brownlee,
2005; Palmeira et al., 2007)
3.3.3.1.1 A via dos poliois
Normalmente a aldose redutase reduz os aldedos txicos da clula
a lcoois inactivos. Mas quando a concentrao de glucose se torna muito
elevada a mesma enzima tambm reduz a glucose a sorbitol que
posteriormente oxidado a frutose, o que implica o consumo do cofactor NADPH.
Porm o NADPH tambm o cofactor essencial para a regenerao de um
importante antioxidante intracelular, o glutatio reduzido. Ao consumir NADPH e
consequentemente diminuir a quantidade de glutatio reduzido, a via dos poliois
aumenta a susceptibilidade intracelular ao stresse oxidativo (Browlee, 2005).
A excessiva produo de superxido induzida pela hiperglicmia inibe de
forma significativa a glucose-6-fosfato desidrogenase, a enzima limitante da via
das pentoses, necessria para o fornecimento de equivalentes redutores ao
sistema de defesa antioxidante (Nishikawa et al., 2000a; Sakai et al., 2003).
25
3.3.3.1.2 Activao de isoformas da protena quinas e C (PKC)
Segundo Browlee (2001) o sorbitol metabolizado a frutose pela sorbitol
desidrogenase, aumentando a razo NADH/NAD+, resultando em trioses fosfato
oxidadas com sntese de diacilglicerol (DAG) (Rolo & Palmeira, 2006).
A hiperglicmia dentro da clula aumenta a sntese de diacilglicerol que
um cofactor de activao das isoformas da PKC (, , ) (Rolo & Palmeira, 2006).
Quando a PKC activada tem vrios efeitos na expresso dos genes. Por
exemplo: a sintase endotelial de xido ntrico (eNOS) que vasodilatadora, est
diminuda, enquanto a endotelina-1 que vasoconstritora est aumentada, o
factor de transformao do crescimento que promove ocluso capilar est
aumentado, assim como o factor inibidor-1 da activao do plasminognio, que
est ligado diminuio da fibrinlise e consequente ocluso vascular
(Brownlee, 2005).
3.3.3.1.3 Produo intracelular de precursores de A GE
Os produtos finais avanados da glicosilao (AGE) tm origem na auto-
oxidao da glucose a glioxal, decomposio do produto de Amadori ou
cetoamida (-carbonil) a 3-desoxiglucosona e fragmentao do gliceraldedo-3-
fosfato e dihidroxiacetona-fosfato a metilglioxal. O glioxal, metilglioxal e 3-
desoxiglucosona reagem com grupos amina de protenas intra e extra celulares,
formando AGE (Rolo & Palmeira, 2006).
26
Figura 8 Esquema do processo de glicosilao.
Segundo Brownlee (2005) os precursores intracelulares de AGE danificam
as clulas por trs mecanismos:
1 - a glicosilao das protenas intracelulares, incluindo as protenas envolvidas
na transcrio dos genes;
2 - os precursores intracelulares de AGE podem difundir para fora da clula e
modificar as molculas da matriz extracelular e causar disfuno celular;
3 - os precursores de AGE ao difundirem para o exterior da clula modificam as
protenas circulantes no sangue (a albumina um exemplo), que podem depois
ligar-se aos receptores dos AGE e activ-los, causando a produo de citoquinas
inflamatrias e factores de crescimento que por seu lado causam patologias
vasculares.
Principalmente pelas suas propriedades de glicosilao proteica, os AGE
tm sido implicados na patognese da maioria das complicaes microvasculares
da diabetes: nefropatia, retinopatia e neuropatia (Ha & Kim, 1999; Rolo &
Palmeira, 2006).
3.3.3.1.4 Actividade aumentada da via das hexosamin as
Em condies metablicas normais 2-5% da glucose que entra nas clulas
segue a via metablica das hexosaminas. Quando a glucose intracelular est
27
aumentada muita glucose vai seguir esta via, em que a enzima glutamina:frutose-
6-fosfato amidotransferase (GFAT) converte a frutose-6-fosfato a glucosamina-6-
fosfato e por fim a uridina difosfato-N-acetilglucosamina. Esta liga-se aos resduos
de serina e treonina dos factores de transcrio e esta alterao resulta em
mudanas patolgicas da expresso dos genes. Por exemplo a modificao do
factor Sp1 resulta numa expresso aumentada do factor de crescimento 1 e do
factor inibidor-1 da activao do plasminognio (PAI-1), ambos prejudiciais ao
funcionamento os vasos sanguneos dos diabticos (Brownlee, 2001; Rolo &
Palmeira, 2006).
Figura 9 - Mecanismos moleculares que relacionam a hiperglicmia com o aumento da via de
formao de poliois, via das hexosaminas, formao de espcies reactivas de oxignio (ROS)
estimulao da protena quinase C (PKC). (Adaptado de Rolo & Palmeira, 2006)
28
3.3.3.2 Stresse oxidativo: o elo de ligao para os danos causados pela hiperglicmia
A grande produo de superxido pela cadeia de transporte de electres
da mitocndria, induzida pela hiperglicmia, o elo de ligao causal entre o alto
nvel de glucose e as vias responsveis pelo dano hiperglicmico (Nishikawa et
al., 2000b; Cerielo & Motz, 2004; Brownlee, 2005; Rolo & Palmeira, 2006;
Palmeira et al., 2007).
A mitocndria a principal fonte celular de ROS, que resultam de um
deficiente transporte de electres (Nishikawa et al., 2000b; Sakai et al., 2002).
O piruvato proveniente da gliclise transportado para a mitocndria onde
oxidado pelo ciclo do cido tricarboxlico (TCA) para produzir NADH. Os
electres provenientes da oxidao dos substratos so encaminhados pelos
transportadores redox da cadeia respiratria (complexos I, III e IV) at ao
aceitador final, o oxignio molecular. Mediante quatro redues o oxignio
convertido em gua (Nishikawa et al., 2000a).
O principal factor a regular a produo de ROS pela mitocndria o estado
redox da cadeia respiratria. A transferncia de electres atravs da cadeia
respiratria gera um gradiente de protes (voltagem). Em condies normais,
muita da energia deste gradiente de voltagem usada para gerar ATP (Nishikawa
et al., 2000a; Sakai et al., 2002). A amplitude deste gradiente designada
controlo respiratrio e regula todo o transporte de electres atravs da cadeia
respiratria (Rolo & Palmeira, 2006). Quando a diferena de potencial
electroqumico elevada, como quando h hiperglicmia, a vida dos
transportadores intermdios, como a ubisemiquinona, prolongada (Nishikawa et
al., 2000a). Isto sucede, porque a actividade dos complexos da cadeia respiratria
como a bomba de protes, so regulados pelo gradiente transmembranar de
protes e o potencial de membrana. Quando so suficientemente altos inibem a
bomba de protes. Cada local de gerao de ROS tem um potencial diferente e
assim responde de forma diferente a mudanas do gradiente transmembranar de
protes e ao potencial de membrana, o que d origem a uma complexa regulao
da produo de ROS (Rolo & Palmeira, 2006).
29
Parece haver um patamar acima do qual mesmo uma pequena variao no
potencial de membrana d origem a uma grande produo de superxido pela
mitocndria (Nishikawa et al., 2000a).
Figura 10 - Produo de ROS pela cadeia de transporte de electres da mitocndria e dissipao
do gradiente de protes pelas protenas no ligadas. A captao pelas defesas antioxidantes
insuficiente para prevenir o stresse oxidativo na hiperglicmia. CI, complexo I; CII, complexo II;
CIII, complexo III; CIV, complexo IV; CV, complexo V; ADP, adenosina difosfato; ATP, adenosina
trifosfato; ATC, ciclo cido tricarboxlico; PNL, protenas no ligadas; GSH, glutatio reduzido;
GSSG, glutatio oxidado (Adaptado de Rolo & Palmeira, 2006).
O aumento de dadores de electres (NADH e FADH2) induzido pela
hiperglicmia, aumenta o fluxo de electres atravs da cadeia de transporte de
electres da mitocndria. Consequentemente h um aumento da razo ATP/ ADP
e hiperpolarizao do potencial de membrana da mitocndria. Isto conduz a uma
inibio parcial do transporte de electres no complexo III, resultando numa
acumulao de electres para a coenzima Q. Leva a uma reduo parcial do O2 e
produo do radical livre anio superxido. Pensa-se que esta reduo
acelerada da coenzima Q e produo de ROS que a fonte da disfuno da
mitocndria, que desempenha um papel crtico nas desordens metablicas
ligadas diabetes (Rolo & Palmeira, 2006; Palmeira et al., 2007).
A inibio da produo de ROS e/ou o aumento de captao de ROS
provaram ser terapias benficas (Rolo & Palmeira, 2006).
30
3.3.3.2.1 Funcionamento mitocondrial e a secreo d e insulina pelas clulas
Nas clulas do pncreas a razo ATP/ADP provavelmente determina a
abertura do canal KATP envolvido na secreo de insulina (Detimary et al., 1995;
Tarasov et al., 2004). Alteraes nesta razo em consequncia da disfuno
mitocndrial induzida pela glucose, iro afectar a secreo de insulina (Rolo &
Palmeira, 2006).
A glucose transportada atravs da membrana celular por transportadores
(GLUT) principalmente pelo GLUT-2. Mais de 90% do piruvato produzido a partir
da glucose pela via glicoltica vai para o interior da mitocndria. A razo ATP/ADP
aumenta como consequncia do aumento do processamento da glucose, pela via
glicoltica, ciclo do cido tricarboxlico e fosforilao oxidativa. Este aumento na
razo ATP/ADP causa o fecho dos canais de K+ sensveis ao ATP causando
despolarizao dos canais de Ca2+ sensveis voltagem, desencadeando a
exocitose das vesculas secretoras de insulina (Rolo & Palmeira, 2006).
Figura 11 - Mecanismo de secreo de insulina pelo pncreas. ATP, adenosina trifosfato; GLUT-
2, transportador de glucose; pyr, piruvato (Adaptado de http://www.lookfordiagnosis.com. Acesso
em 04-12-2009).
31
3.4 ENZIMAS DO METABOLISMO DA GLUCOSE
3.4.1 -GLUCOSIDASE
3.4.1.1 Funo
Os hidratos de carbono constituem a classe de alimentos de maior
importncia na dieta dos ocidentais. Correspondem a 40-50% das calorias
ingeridas, constituindo o principal componente da dieta na forma de amido ou de
acares simples (Payan, 2004).
O amido, principal forma de armazenamento de hidratos de carbono nas
plantas, formado por dois tipos de polmeros de glucose: amilose e amilopectina
(Muralikrishna & Nirmala, 2005; Whitcombe & Lowe, 2007). A amilose um
polmero linear de molculas de glucose unidas por ligaes glucosdicas -1,4 e
corresponde a cerca de 20% do amido da dieta (Muralikrishna & Nirmala, 2005). A
amilopectina constitui cerca de 80% do amido da dieta, um polmero ramificado,
possui cadeias principais de glucose unidas por ligaes -1,4 interligadas por
ligaes -1,6 a cada 20-25 resduos de glucose (Muralikrishna & Nirmala, 2005).
Como so molculas complexas, precisam de ser degradados em
molculas menores capazes de ser absorvidas no tracto gastrointestinal. Os
hidratos de carbono dependem de vrias enzimas para a sua degradao e
posterior absoro (Payan, 2004). Essas enzimas podem ser divididas em trs
grupos principais de acordo com o seu mecanismo de aco: endo-amilases, exo-
amilases e enzimas de desramificao (Muralikrishna & Nirmala, 2005).
Posteriormente, essas molculas menores penetram nas clulas e
participam nas reaces catablicas intracelulares de libertao de energia.
32
3.4.1.2 Caracterizao molecular da -glucosidase
A -gucosidase enquadrada na classe enzimtica EC 3.2.1.20
(Muralikrishna & Nirmala, 2005) uma exo-amilase e pode cindir as ligaes
glucosdicas -1,4 externas da amilose, amilopectina e polissacridos
relacionados, removendo gradualmente maltose ou glucose (Sorensen et al.,
2004). A -glucosidase tambm capaz de clivar ligaes -1,6 desde que
possuam ligaes -1,4 adjacentes (Figura 12 ). A -glucosidase humana
pertence famlia GH 31 (Frandsen & Svensson, 1998). Esta enzima encontra-se
ligada membrana epitelial do intestino delgado e uma enzima chave na
digesto dos hidratos de carbono (Tundis et al., 2010).
Figura 12 - Regio do substrato onde ocorrer a clivagem decorrente da aco da enzima -
glucosidase (seta preta) (Adaptado de
http://www.sigmaaldrich.com/rea_of_interest/Biochemicals/Enzyme_Explorer/Key_Resources/Car
bohydrate_Analysis.htm. Acesso em 19-12-2009).
Diversos estudos bioqumicos, sobre estrutura e inibidores, contriburam
para aumentar a rea de conhecimento sobre amlases (Strobl et al., 1998;
Gerrard et al., 2000; Titarenko & Chrispelels, 2000; Payan, 2004). Recentemente
Saqib (2008) construiu o modelo tridimensional da -glucosidase humana e
investigou a interaco com o inibidor competitivo acarbose.
3.4.1.3 Importncia da -glucosidase como alvo biolgico
Nos diabticos o processo de digesto e absoro rpida dos hidratos de
carbono no considerado desejvel devido resposta glicmica elevada
33
(Englyst & Englyst, 2005). Uma das abordagens teraputicas para tratar a
diabetes na fase inicial diminuir a hiperglicmia ps-prandial. Isto faz-se
retardando a absoro de glucose atravs da inibio das enzimas que hidrolisam
os hidratos de carbono no tubo digestivo. Uma destas enzimas a -glucosidase.
Os inibidores desta enzima determinam a reduo da taxa de glucose
absorvida e a consequente diminuio da glucose ps-prandial (Chiasson et al.,
2002).
3.4.1.4 Os inibidores da -glucosidase
A acarbose, miglitol e voglibose tm sido amplamente usados como
inibidores da -glucosidase, porm exercem o controlo da glicemia por um curto
prazo e para cerca de 30-40% dos pacientes so inadequadas, devido aos efeitos
colaterais como hipoglicmia em doses mais elevadas, problemas hepticos,
acidose lctica e diarreia. (Tundis et al., 2010).
Figura 13 - Estrutura qumica do pseudotetrasacardeo acarbose, um inibidor endgeno no proteico da -glucosidase.
Estes efeitos adversos tm despertado o interesse mdico no
desenvolvimento de novos agentes teraputicos, como os flavonides (Kandra et
al., 2005).
Em todo o mundo tem-se recorrido medicina tradicional para o tratamento
da diabetes. As plantas tm sido utilizadas devido sua efectiva aco, menores
efeitos colaterais, e baixo custo (Venkatesh, et al., 2003)
H diversas publicaes com ensaios de extractos brutos vegetais e
metabolitos secundrios isolados de diversas plantas que possuem actividade
inibitria sobre a -glucosidase (Asano et al., 2001; Hiroyuki et al., 2001; Lee &
Lee, 2001; Matsui et al., 2001; Payan, 2004; McDougall & Stewart, 2005; Matsui
34
et al., 2006; Mukherjee et al., 2006; Mai et al., 2007; Jung et al., 2006 Yin et al.,
2008; Tundis et al., 2010).
3.4.2 GLUCOSE-6-FOSFATASE
3.4.2.1 Funo
A glucose-6-fosfatase (G-6-Pase) catalisa a desfosforilizao da glucose-6-
fosfato (G-6-P) no fgado e representa o ltimo passo antes da libertao de
glucose livre nos vasos hepticos, seja ela proveniente da gluconeognese ou da
glicogenlise. uma enzima que se encontra principalmente no fgado e rins.
nestes tecidos que, durante o perodo de jejum, a gluconeognese resulta na
libertao de glucose livre para a corrente sangunea (Schaftingen & Gerin, 2002;
Roden & Bernroider, 2003).
Esta enzima reguladora da manuteno da glicemia em nveis normais
(Nordlie et al., 1999). Este facto foi demonstrado em pacientes com a doena de
armazenamento do glicognio tipo 1a e 1b (em que a enzima deficiente) e
causa hipoglicmia entre outros problemas clnicos (Cori & Cori, 1952; Narisawa
et al., 1983; Hawkins et al., 1995). Pelo contrrio, em animais diabticos, a
actividade cataltica da enzima, contedo proteico, e nveis de mRNA esto
aumentados e presumivelmente contribuem para a hiperglicmia (Burchell & Cain,
1985; Liu et al., 1994; Lyall et al., 1995; Argaud et al., 1996).
3.4.2.2 Caracterizao molecular da glucose-6-fosfa tase
Vrias tentativas foram feitas para purificar a G-6-Pase, tem-se revelado
uma tarefa difcil devido instabilidade da enzima aps a extraco das
membranas e ao facto da G-6-Pase s representar cerca de 0.1% da protena
microssomal heptica (Burchell & Burchell, 1982; Speth, & Schulze, 1986).
35
Contudo pode-se dizer que um polipptido de 35 KDa (Speth & Schulze,
1992a).
Em 1975 Arion e colaboradores propuseram para esta enzima um modelo
designado modelo de transporte de substracto, que o mais vulgarmente aceite.
A G-6-Pase (EC 3.1.3.9) um sistema multicomponente constitudo por uma
protena cataltica e trs transportadores. T1 (T1-translocase) para a G-6-P, T2
para o fosfato/pirofosfato e T3 para a glucose (McCormack et al., 2001; Van
Schaftingen & Gerin, 2002).
O stio activo da G-6-Pase est localizado no lmen do retculo
endoplasmtico (RE), por isso so necessrias protenas de transporte para
permitir a entrada de G-6-P neste compartimento, assim como a sada da glucose
e do fosfato (Pi) (Van Schaftingen & Gerin, 2002; Csala et al., 2006).
Figura 14 - Representao esquemtica do complexo enzimtico glucose-6-fosfatase de acordo com o modelo de transporte de substrato. T1 translocase, T2 e T3 transportadores respectivamente de fosfato inorgnico e glucose. Tambm esto referidas as diferentes formas de doenas de armazenamento do glicognio (GSD) causadas por deficincia num destes constituintes. Pi - fsforo inorgnico, G-6-P glucose-6-fosfato; G-6-Pase glucose-6-fosfatase (adaptado de Van Schaftingen & Gerin, 2002).
Sabe-se que o transporte de glucose atravs da membrana do rectculo
endoplasmtico de alta capacidade e bidireccional, embora a protena
transportadora de glucose ainda no tenha sido identificada (Csala et al., 2006).
semelhana de outras enzimas luminais a G-6-Pase tem elevada actividade e
baixa especificidade se a membrana estiver permeabilizada. Este fenmeno
designado como latncia e indica que os fluxos transmembranares
(presumivelmente a entrada de glucose e a sua libertao) so limitantes de todo
36
o processo (Van Schaftingen & Gerin, 2002; Csala et al., 2006). Latncia refere-se
poro da actividade enzimtica intrnseca que no se manifesta a menos que a
estrutura microssomal seja quebrada, sendo os microssomas permeabilizados
(Nordlie, 1979). Calcula-se: 100 x (actividade dos microssomas rompidos -
actividade dos microssomas intactos) / actividade dos microssomas rompidos
(Arion & Walls, 1982).
Em microssomas intactos a actividade fosfohidrolase da G-6-Pase
especfica da G-6-P, mas em microssomas sem a membrana intacta, a enzima
catalisa uma vasta gama de dadores de grupos fosfato (Arion et al., 1971).
A componente rompida facilmente quantificada ensaiando a actividade
fosfohidrolase com manose-6-fosfato, de baixo Km , em microssomas no tratados
e em microssomas tratados para ficarem totalmente rompidos. Baixas
concentraes de manose-6-fosfato s so hidrolisadas pela fosfohidrolase
existente nos microssomas rompidos (Arion et al., 1982).
Um modelo alternativo do funcionamento da G-6-Pase baseia-se numa
nica enzima multifuncional embutida na membrana do rectculo endoplasmtico
e ligada por canais aos espaos intra e extra-vesiculares, com diferente
permeabilidade glucose (Bertellot et al., 1995).
3.4.2.3 Importncia da glucose-6-fosfatase como alv o biolgico
Na diabetes tipo 2 a gluconeognese heptica est significativamente
aumentada, contribuindo para a hiperglicmia ps-prandial que se observa. A
inibio farmacolgica da G-6-Pase tem sido um mtodo proposto para restaurar
a sensibilidade insulina (Rolo & Palmeira, 2006).
3.4.2.4 Os inibidores da glucose-6-fosfatase
A glucose comporta-se como um inibidor no competitivo da G-6-Pase
independentemente da presena de detergentes que vo permeabilizar os
microssomas.
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Em microssomas intactos a inibio por fosfato no competitiva, mas
competitiva na presena de detergentes, o que indica a presena de um
transportador do fosfato (Arion et al., 1980 b).
O vanadato inibe as actividades fosfotransferase e fosfohidrolase, sendo
mais potente em microssomas tratados com detergentes (Singh et al., 1981). Este
efeito suprimido por quelantes de metais como o EDTA, possivelmente devido
formao de um complexo EDTA-vanadato (Huyer et al., 1979). Tambm o
tungstato um potente inibidor, sendo tambm mais potente em microssomas
tratados com detergente (Foster et al., 1998)
A G-6-Pase tambm inibida por diversos compostos anfiflicos como
cidos gordos e acil-Co A (Fulceri et al., 1995; Mithieux & Zitoun, 1996; Daniele et
al., 1997).
Diversos fosfoinositidos (difosfatidilinositol 3,4,5-trifosfato,