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INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CABO-VERDIANOS E PORTUGUESES ISIS CLEIDE DA CUNHA FERNANDES LÍNGUA CABO-VERDIANA: DA OFICIALIZAÇÃO À TRANSIÇÃO PARA LÍNGUA DE ENSINO ISE, 2008

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INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CABO-VERDIANOS E PORTUGUESES

ISIS CLEIDE DA CUNHA FERNANDES

LÍNGUA CABO-VERDIANA:

DA OFICIALIZAÇÃO À TRANSIÇÃO PARA LÍNGUA DE ENSINO

ISE, 2008

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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INSTITUTO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CABO-VERDIANOS E PORTUGUESES

LÍNGUA CABO-VERDIANA: DA OFICIALIZAÇÃO À TRANSIÇÃO

PARA LÍNGUA DE ENSINO

Trabalho Científico de Fim de Curso realizado sob a orientação do

Professor Dr. Daniel Medina e apresentado ao Departamento de

Estudos Cabo-verdianos e Portugueses no Instituto Superior de

Educação como requisito para obtenção do grau de licenciatura

em Estudos Cabo-verdianos e Portugueses.

ISE, 2008.

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FOLHA DE APROVAÇÃO

LÍNGUA CABO-VERDIANA: DA OFICIALIZAÇÃO À TRANSIÇÃO

PARA LÍNGUA DE ENSINO

O JÚRI

O Presidente: _______________________________________

O (A) Arguente: _____________________________________

O Orientador: _______________________________________

ISE, aos _________de______________ de 2008

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho,

a Deus pela vida e saúde e por me ter proporcionado a felicidade de ter uma família

maravilhosa, cheia de união e que, em todos as fases da minha vida, tem estado sempre

presente com amor, incentivos e compreensão;

Pela protecção e iluminação em momentos difíceis, de tristezas, angústias, incertezas e

também de felicidade, agradeço igualmente a Deus, o meu maior mentor;

Aos meus pais, Pascoal e Clementina, faltam-me palavras para dizer o quão importantes são e

continuarão a ser para mim. Mas aqui, quero deixar firmado a minha eterna gratidão pela

educação exemplar que me transmitiram e por todo o apoio que me têm dado até hoje;

Aos meus irmãos, Osíris, Ozias e Ismael, meus companheiros de sempre, pelas alegrias que

me têm proporcionado e por nunca deixarem de me incentivar a não desistir, em momentos

em que o optimismo e a autoconfiança estiveram ausentes.

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AGRADECIMENTOS

Na certeza de que um trabalho como este não se faz sem o apoio e a contribuição de outras

pessoas, começo primeiramente por agradecer ao meu orientador, Professor Dr. Daniel

Medina, pela orientação paciente e compreensão das dificuldades por que passei ao longo

desse processo.

Agradeço igualmente, aos professores, colegas, amigos, familiares e todos aqueles que,

directa ou indirectamente contribuiram para que alcance hoje, a esta fase da minha formação

acadêmica.

Àquelas pessoas que responderam o inquérito e que me ajudaram na obtenção de alguns

dados importantes para a concretização deste trabalho, também apresento o meu especial

agradecimento.

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EPÍGRAFE

Língua;

língua da fala;

língua recebida lábio

a lábio; beijo

ou sílaba;

clara, leve, limpa;

língua

da água, da terra, da cal;

materna casa da alegria;

e da mágoa;

dança do sol e do sal;

língua em que escrevo

ou antes: falo

Eugénio de Andrade

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ALUPEC Alfabeto Unificado para Escrita da Língua Cabo-verdiana

B.O. Boletim Oficial de Cabo Verde

CPLP Comunidade dos Países de Língua Portuguesa

EBI Ensino Básico Integrado

ES Ensino Secundário

ESup Ensino Superior

LE Língua Estrangeira

LEs Línguas Estrangeiras

LM Língua Materna

LMs Línguas Maternas

L1 Língua Primeira

L2 Língua Segunda

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ÍNDICE DE QUADROS

QUADRO 1 - ETAPAS DA FORMAÇÃO DO CRIOULO DE CABO VERDE .............36

QUADRO 2 - PROPOSTA DE UM MODELO DE ENSINO DA LÍNGUA CABO-

VERDIANA NO EBI..............................................................................................................83

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................................................11

PROBLEMÁTICA, JUSTIFICATIVA E OBJECTIVOS .................................................11

ENQUADRAMENTO TEÓRICO ........................................................................................14

METODOLOGIA...................................................................................................................15

CAPITULO I ..........................................................................................................................17

ORIGEM E FORMAÇÃO DO CRIOULO DE CABO VERDE .......................................17

1. 1. ORIGEM DO TERMO “CRIOULO”..........................................................................17

1.2. REFLEXÃO SOBRE AS ABORDAGENS HISTÓRICAS QUE EXPLICAM A ORIGEM DO TERMO CRIOULO......................................................................................19

1.3. FORMAÇÃO DO CRIOULO DE CABO VERDE......................................................24

1.3.1. RESENHA SÓCIO-HISTÓRICA DE CABO VERDE.............................................24

1.3.2. GÉNESE, FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DO CRIOULO DE CABO VERDE.....26

CAPITULO II .........................................................................................................................37

2. ASPECTOS SOCIOLÍNGUÍSTICOS DO CRIOULO DE CABO VERDE.................37

2.1 ESTATUTO DAS LÍNGUAS EM PRESENÇA ............................................................37

2.2. PROBLEMAS DA COABITAÇÃO LINGUÍSTICA...................................................38

2.3. A ACTUAL SITUAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA DO CRIOULO EM CABO VERDE ....................................................................................................................................43

2.4. CONSTRUÇÃO DO BILINGUISMO FUNCIONAL EM CABO VERDE ..............46

CAPÍTULO III .......................................................................................................................49

3. OFICIALIZAÇÃO DA LÍNGUA CABO-VERDIANA: CONDICIONALISMOS E MEIOS.....................................................................................................................................49

3.1. CONDICIONALISMOS DA OFICIALIZAÇÃO ...................................................49

3.2. MEIOS PARA A OFICIALIZAÇÃO DO CRIOULO.................................................54

CAPÍTULO IV........................................................................................................................59

4. DA OFICIALIZAÇÃO DA LÍNGUA CABO-VERDIANA À TRANSIÇÃO PARA LÍNGUA DE ENSINO ...........................................................................................................59

4.1. OFICIALIZAÇÃO E ESCRITA DA LÍNGUA CABO-VERDIANA ........................59

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4.2. OFICIALIZAÇÃO E ENSINO DA LÍNGUA CABO-VERDIANA...........................62

4.3. OFICIALIZAÇÃO DA LÍNGUA CABO-VERDIANA, A ESCRITA E ENSINO – A POSIÇÃO DOS CABO-VERDIANOS.................................................................................66

4.3.1. SÍNTESE E BREVE REFLEXÃO SOBRE OS RESULTADOS DO INQUÉRITO..................................................................................................................................................68

4.4. PROPOSTA DE UM MODELO CURRICULAR DE TRANSIÇÃO PARA O ENSINO DO CRIOULO ........................................................................................................72

4.4.1. MODELOS DE ENSINO DAS ILHAS SEYCHELLES E DA REGIÃO VALLÉE D AOSTE.................................................................................................................................72

4.4.2. MODELOS DE ENSINO PROPOSTOS PELO QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERÊNCIA PARA O ENSINO DAS LÍNGUAS ....................................................75

4.4.3. MODELO DE ENSINO DA LÍNGUA CABO-VERDIANA – UMA POSSÍVEL PROPOSTA ............................................................................................................................76

CONCLUSÃO.........................................................................................................................84

BIBLIOGRAFIAS..................................................................................................................90

ANEXOS..................................................................................................................................96

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INTRODUÇÃO

PROBLEMÁTICA, JUSTIFICATIVA E OBJECTIVOS

As questões fundamentais e centrais, que constituem um dos grandes desafios deste trabalho,

referem-se, sobretudo à oficialização da língua cabo-verdiana e à sua transição para língua de

ensino. Temos verificado que os apelos à oficialização têm despoletado várias discussões e

vários debates no seio dos diferentes intervenientes sociais do país, sem contudo se ter

chegado a qualquer tipo de consenso. Tendo em conta esses antigos apelos e as metas que já

foram traçadas para a valorização da língua cabo-verdiana, entendemos que, cedo ou tarde, a

oficialização e o ensino da língua deixarão de ser uma mera miragem.

Por outro lado, apesar de reconhecermos que alguns avanços já foram conseguidos em relação

a essa questão, entendemos que muito ainda precisa ser feito para que a oficialização da

língua cabo-verdiana venha a acontecer sem sobressaltos, principalmente, no que toca à sua

futura integração no sistema de ensino cabo-verdiano. Pelo andar das coisas, é necessário que

se começe a pensar mais seriamente no futuro. É preciso que se começe a fazer estudos e a

planificar a futura transição da língua cabo-verdiana para língua de ensino, pois, não se pode

falar da oficialização de uma língua materna sem a integrar no curriculo de ensino de um país.

Nesse sentido, urge que se começe a priorizar a elaboração de um plano-guia que oriente o

processo da oficialização e de transição da língua cabo-verdiana para língua de ensino, ao

mesmo tempo que se deve pensar na reformulação da metodologia do ensino da língua

portuguesa que ainda continua a ser ensinada como se fosse a língua primeira dos cabo-

verdianos. A urgência da oficialização e da integração da língua cabo-verdiana no currículo

de ensino cabo-verdiano se faz sentir, mas é preciso que não se menospreze o ensino da língua

portuguesa que também faz parte da história sócio-cultural do cabo-verdianos.

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É com base nestas preocupações que definimos cumprir os seguintes objectivos com o

desenvolvimento do tema Língua Cabo-verdiana: Da oficialização à Transição para

Língua de Ensino:

• explicar a origem, a formação e a evolução do crioulo, tendo em conta os aspectos

histórico-sociais que estão na origem da sociedade cabo-verdiana;

• fazer uma reflexão sobre a origem, a formação e a evolução dos crioulos em geral e do

crioulo de Cabo Verde;

• estudar a actual situação sociolinguística do crioulo de Cabo Verde;

• evidenciar as acções desenvolvidas em prol da valorização da língua cabo-verdiana e

para uma futura oficialização;

• demonstrar a necessidade da implementação do ensino da língua cabo-verdiana em

Cabo Verde;

• apontar os principais condicionalismos da oficialização e da implementação do ensino

do crioulo;

• conhecer a posição dos cabo-verdianos sobre a oficialização, o ensino e a escrita da

língua cabo-verdiana a partir da aplicação de um inquérito;

• destacar os principais suportes a serem criados para oficializar a língua cabo-verdiana

• conceber um modelo de transição para a integração e o ensino da língua cabo-verdiana

a partir do EBI.

Estes objectivos definidos levaram-nos a organizar este trabalho monográfico em quatro

capítulos.

No primeiro capítulo vamos abordar aspectos relacionados com a origem e formação dos

crioulos em geral e do crioulo cabo-verdiano em particular, ao mesmo tempo que

procuraremos fazer uma breve reflexão sobre as abordagens apresentadas, tendo em conta as

perspectivas de alguns autores que explicam essa origem e a formação.

No segundo capítulo, falaremos dos aspectos sociolinguísticos que caracterizam o crioulo

cabo-verdiano e dos problemas relacionados com a coabitação linguista em Cabo Verde.

Ainda nesse capítulo, apresentamos as perspectivas de alguns estudiosos quanto à construção

de um bilinguismo funcional no contexto sociolinguístico cabo-verdiano.

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No terceiro capítulo, reservamo-lo para fazer uma análise sobre a questão dos

condicionalismos e meios relacionados com a oficialização da língua cabo-verdiana.

No quarto e último capítulo deste trabalho analisaremos a questão da oficialização da língua

cabo-verdiana. Faremos uma reflexão, relacionando a oficialização com questões ligadas à

definição da escrita e à integração da língua no currículo escolar cabo-verdiano, ao mesmo

tempo que evidenciaremos o que se tem feito e o que falta fazer para facilitar, no futuro, não

só a oficialização como também a transição para uma fase de ensino-aprendizagem da língua

cabo-verdiana. Ainda, nesse mesmo capítulo daremos a conhecer, em síntese, os resultados de

um inquérito aplicado para realizarmos o presente trabalho, com vista a revelar a posição dos

cabo-verdianos sobre a oficialização, o ensino e a escrita da sua língua materna.

Numa tentativa de fornecermos eventuais contributos para a implementação do ensino da

língua cabo-verdiana, nessa parte do trabalho, vamos igualmente apresentar e analisar alguns

modelos de ensino de LMs utilizados em outros países, no sentido de apontarmos pistas que

poderão vir a ser úteis para a adopção de um futuro modelo de ensino da língua cabo-verdiana

para Cabo Verde. A finalizar esse capítulo apresentaremos uma proposta de um modelo de

transição para o ensino da língua cabo-verdiana a ser considerado em Cabo Verde, com a

integração de um ensino a começar a partir do EBI.

Por último, através de uma conclusão e tendo presentes os objectivos traçados indicaremos as

principais ilações a que chegamos ao longo dos quatro capítulos que compõem esta

monografia.

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ENQUADRAMENTO TEÓRICO

O tema que dá nome a este trabalho e que propomos desenvolver nas próximas páginas,

relaciona-se com a questão do ensino das línguas nacionais e maternas, um assunto que

passou a ser abordado, de forma mais aberta, com o surgimento de certas correntes

linguísticas. Nesse quadro, os estudos existentes demonstram que as várias investigações na

área de ensino-aprendizagem das línguas estrangeiras (e/ou segundas) têm resultado em

subsídios para o estudo e o ensino dessas línguas, mas também, têm feito com que a questão

da integração das LMs nas escolas, seja um assunto de muito interesse e reflexão,

contribuindo para que elas ganhassem mais importância no processo de ensino –

aprendizagem da língua estrangeira (sobretudo a partir da década de setenta). De entre os

vários factores que estão na base desse interesse, os especialistas apontam a colonização como

um dos que mais contribuiu para que as línguas maternas passassem a ser objecto de estudo,

uma vez que se encontrou uma forma de defender a identidade cultural dos falantes de uma

LM e para facilitar o ensino-aprendizagem da própria língua estrangeira e/ou segunda.

Entretanto, com a polémica levantada pela teoria behaviorista que previa o ensino da LE e

LM através da observação das respostas desencadeadas por determinados estímulos, é que

começaram a surgir propostas mais concretas sobre o ensino da LM e a sua integração nos

curricula.

Em Cabo Verde, os esforços nesse sentido começaram a surgir, principalmente quando se

começou a estudar as causas do insucesso no ensino-aprendizagem do português e, quando

estudiosos como, Manuel Veiga, justificaram esse insucesso como sendo um resultado da

situação de conflito que as crianças/alunos vivem ao entrar na escola. Pois, as criança cabo-

verdianas, ao começarem a aprender o português que não dominam, começam a viver um

conflito, uma vez que a sua língua materna, na qual desde sempre se exprimiu e se afirmou

culturalmente, não faz parte do seu meio escolar e daí, as interferências e o insucesso.

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A oficialização e o ensino da língua cabo-verdiana nas escolas seriam então, um passo que

poderia resolver o problema do insucesso, não só do português, como também de outras

disciplinas. Entretanto, há que se ter em conta que, essa oficialização e implementação da

língua cabo-verdiana no processo de ensino-aprendizagem, envolvem estudos de várias outras

questões que procuraremos demonstrar ao longo do desenvolvimento deste trabalho.

METODOLOGIA

A concretização de um projecto de pesquisa pressupõe a definição do modo como se pretende

realizá-lo, na medida em que, a metodologia é a etapa que possibilita reflectir e determinar o

campo de acção, tendo sempre em mente, o alcance dos objectivos pré-estabelecidos. Neste

caso, tratando-se de um tema voltado para as Ciências Sociais, especificamente para a área da

linguística cabo-verdiana, perspectivamos seguir o chamado método quase experimental: um

misto de análise documental e descrição, de métodos qualitativos e quantitativos.

Neste sentido, impõe-se-nos , pois, um trabalho de terreno, de procura de dados bibliográficos

e outros, num processo investigativo, em que a opinião de académicos, nomeadamente,

professores, pais, encarregados de educação, alunos e de profissionais da área, terão de ser

incluídas no leque de análises. O trabalho de campo, além de ser indispensável para a

pesquisa básica, permitir-nos-á articular conceitos e sistematizar a produção de uma

determinada área de conhecimento. Daí, a necessidade da aplicação de inquéritos,

previamente elaborados, junto desses agentes com a intenção de reflectir sobre a questão

central da pesquisa proposta.

Sendo a pesquisa bibliográfica uma das nossas principais fontes de pesquisa, o instrumento de

recolha de dados para levar a cabo o nosso trabalho, foi o fichamento das informações

retiradas das fontes pesquisadas, com a intenção de concretizar ora a ser apresentado. Desta

forma, através das fichas, contendo registos de dados documentais – obtidos através de um

levantamento exaustivo de obras didácticas, de especialistas, bem como de artigos publicados

quer em revistas periódicas, quer na Internet, entendemos ter sido possível construir uma

visão mais dinâmica do tema proposto de acordo com a óptica de diversos pesquisadores,

visão essa que também foi alargada através do inquérito aplicado

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Com os dados recolhidos, a partir de uma leitura crítica e interpretativa das fontes, observou-

se os critérios utilizados por cada autor no que se refere à disposição dos assuntos para que

possamos ter uma noção de como separar os assuntos que compuseram o desenvolvimento

deste estudo. Desta forma conseguimos fazer considerações e comentários pertinentes

expostos por cada autor e/ou entrevistado, ao mesmo tempo que pudemos estabelecer relações

entre as ideias de um autor, comparando-as com outras ideias de outros autores que possam

defendem a mesma posição ou outra diferente sobre o assunto em tratamento. Assim,

pensamos ter conseguido subsídios suficientes para desenvolver uma análise fundamentada à

volta do tema do nosso trabalho e expôr considerações pessoais.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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CAPITULO I

ORIGEM E FORMAÇÃO DO CRIOULO DE CABO

VERDE

1. 1. ORIGEM DO TERMO “CRIOULO”

O termo crioulo surgiu no Século XVI e tem sido definido de forma diferenciada por vários

pesquisadores, o que pode justificar a existência de certas discrepâncias terminológicas e

alguns contrasensos entre as diferentes abordagens de definição. Salienta-se ainda que, as

polémicas que dizem respeito à conceptualização do termo crioulo, têm que ver com uma

certa resistência por parte de alguns estudiosos que, ao longo do tempo, insistiam em não

reconhecer o crioulo como uma língua. Mas entretanto, os estudos apontam que a origem do

termo crioulo está associada ao particular contacto entre as línguas que, no quadro linguístico,

levou à consequente criação de novas línguas ou também, à morte de outras.

O crioulo, enquanto um termo genérico representa também uma família de línguas que na sua

formação teve uma mesma história e um mesmo contexto sóciocultural.

Vários estudos a que tivemos acesso apontam que a origem do termo crioulo é relativamente

recente e este passou a ser mais valorizado, a partir do aparecimento de um novo ramo da

Linguística, a Crioulística, que teve como um dos primeiros e principais precursores, os

estudiosos, Hugo Schuchardt e Adolfo Coelho que foi quem escreveu o primeiro texto sobre a

Crioulística em Portugal.

Etimologicamente, uma das primeiras acepções do termo crioulo data do século XVI e nasceu

por oposição à ideia dos estudiosos da Academia espanhola e teve como defensores, os

estudiosos Bloch, Meyer-Lubke, Battisti e Adolfo Coelho, todos adeptos da ideia de que o

termo tenha tido origem no verbo “criar” que por sua vez derivou os nomes portugueses –

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cria, criado, criação e criança. Os mesmos autores, segundo Baltazar Lopes(1984), nas suas

definições, deixam entender que se se considerar que esses nomes são derivados do verbo

criar (do latim creatior), tem que se admitir igualmente que, o termo crioulo também teve

origem nas expressões “criadoiro” ou “criadouro”, conforme defende por exemplo Leite de

Vasconcelos que afirma que o crioulo deriva de criadouro, (do latim creatio, onis), tendo sido

depois deformado na boca dos pretros, tendo sofrido a seguinte gradação: criaoiro- criooiro-

crioilo- crioulo.

Com base nesse pressuposto Baltazar Lopes admite que o termo também designa,

originalmente, “animal criado em casa”, tendo sido depois aplicado aos escravos nascidos e

criados numa colónia da América, por oposição aos nascidos em África, tendo,

posteriormente, passado a denominar qualquer indivíduo mestiço nascido numa sociedade

escravocrata e, mais tarde, a designar as línguas faladas pelos indivíduos crioulos,

nomeadamente, aqueles nascidos nas zonas das Caraíbas e da África Ocidental, num primeiro

momento, e em todas as zonas onde a sua formação ocorreu (Pacífico Sul, Oceano Índico,

etc.), num segundo momento.

Tendo em consideração essas definições, pode-se concluir que tais acepções tenham por base

a conceptualização que considera o crioulo como um termo que designa uma língua mista1

nascida durante o processo de exploração da África, Ásia, Oceânia e América pelas potências

europeias, tendo entretanto, originado de uma outra língua mista que é o pigdin, segundo

também defende a linguística tradicional.

Os opositores da Academia espanhola defendem ainda que o termo crioulo terá originado a

forma castelhana criollo que também originou a forma francesa créole, enquanto que Battisti(

citado por Baltazar Lopes) admite que o termo terá originado as formas italianas créolo e

crioglio a partir da forma castellhana criollo. Essas ideias foram, entretanto, contestadas por

Littré e Darmesteter. O Primeiro afirma que o termo castelhano criollo é de origem duvidosa,

enquanto que o segundo autor diz que a origem do termo é incerta.

Posicionando-se em relação a estas definições, por seu lado, Baltazar Lopes admite a ideia de

que o termo castelhano – criollo tenha tido origem na expressão portuguesa – crioulo, mas a

1De acordo com a definição de Zélio Jota é o mesmo que língua de emergência, ou seja é uma língua formada com vocabulário e sistema vocabular de duas ou mais línguas amalgamadas. A língua mista advém da necessidade de comunicação entre indivíduos de língua diferentes, mas de constantes contactos;

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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partir de uma adaptação fonética da palavra portuguesa – crioilo. Em relação ao termo francês

créole, Lopes não acredita que haja uma proveniência directa da palavra espanhola – criollo

uma vez que, a grafia criole pode ser explicada pela influência auditiva do francês créer, ou

pela escita portuguesa croule. Para este autor, é mais provável que a forma francesa créole

tenha surgido da portuguesa crioulo do que da castelhana criollo. Em relação à forma italiana,

Lopes diz que o caso é paralelo ao do Francês, quando muito com influência francesa no que

se refere à primeira sílaba cré- em vez de cri- ((Baltazar Lopes 1984:23-24)

No contexto da escravatura, deve-se realçar ainda que o crioulo tomou a acepção de “Dialecto

português falado em Cabo Verde” designação que, entretanto, segundo estudiosos mais

recentes, como por exemplo, Manuel Veiga (1995), demonstram que, no passado, houve um

certo complexo na assumpção do crioulo como uma língua plena tal como o português, numa

tentativa de desprestigiar a língua (no caso concreto a língua cabo-verdiana), colocando o

português num estatuto de língua plena e de prestígio.

1.2. REFLEXÃO SOBRE AS ABORDAGENS

HISTÓRICAS QUE EXPLICAM A ORIGEM DO TERMO

CRIOULO

Neste ponto do trabalho, procuraremos enquadrar as acepções defendidas pelos diferentes

autores cujas posições foram apresentadas, no sub-capítulo anterior, relacionando-as com as

abordagens defendidas por outros autores. Com isso pretendemos fazer uma reflexão sobre as

diferentes perspectivas que explicam a origem do termo crioulo com vista a apresentar

algumas ilações a que poderão esclarecer qual é a origem mais provável do termo crioulo,

tendo em conta as teorias defendidas pelos estudiosos que seguidamente faremos referência.

Ao confrontarmos a acepção que considera que o crioulo deriva do verbo português criar com

a tese defendida por Bull (1989), concluímos que esta definição assenta na perspectiva étnica,

tendo em conta que o conceito de raça é ressaltado, para explicar a origem do termo crioulo.

Sobre esta acepção, Bull é de opinião que, quando se considera que do verbo criar nasceram

os substantivos e adjectivos (cria, criação, criado e criança) e, quando se relaciona estes

termos com o contacto das línguas, pode-se concluir que ela tem por base, fundamentalmente,

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aspectos relacionados com a colonização e a escravatura, em que o escravo, enquanto crioulo

nascido na casa do senhor, era visto como “um animal” que tinha que ser criado, i. é, dotado

de regras de uma boa criação, aos moldes da política colonial portuguesa e, claro está, tinha

que aprender a língua do seu senhor, aprendizagem essa que, como se sabe, não ocorreu de

forma linear, uma vez que, do contacto da língua dos escravos com a dos senhores brancos,

ocorreram adulterações que levaram à origem e formação da língua crioula. A par desta ideia,

pode-se dizer que a perspectiva nativista é uma outra abordagem que sustenta a origem do

termo crioulo, isto se levarmos em conta a ideia que considera o crioulo como o resultado da

evolução de um pigdin que se tornou na língua nativa dos grupos em contacto (colonizados e

colonizadores).

Em relação à ideia defendida por alguns opositores da Escola espanhola, entendemos que essa

definição assenta na perspectiva linguística, pois, quando esses autores definem o crioulo

como língua falada pelos pretos das colónias, ou quando se utiliza a expressão “Dialecto

português falado em Cabo Verde” torna-se evidente que tais conceitos têm por base a ideia

que define o crioulo como uma língua nascida da colonização e de um contexto de contacto

entre as línguas.

Por outro lado, ao analisarmos a explicação da origem do termo crioulo que realça que esta

língua resulta da evolução do pidgin, concluimos que esta definição coaduna com a tese

defendida por Jota (1981:94) que considera que o crioulo é resultante de uma forma

linguística rudimentar, ou da mistura de uma língua civilizacional e uma outra indígena que

nasceu num contexto de emergência e com finalidades estritamente comerciais, apresentando

por isso, um leque vocabular restrito que permitisse, basicamente, o contacto entre

comerciantes e os fregueses.

Da análise feita e depois de uma reflexão a cerca das diversas definições apresentadas,

podemos constatactar que as teses, através das quais se procurou explicar a origem do crioulo

podem ser agrupadas em diferentes fases. No nosso entender, os primeiros autores que se

aventuraram a explicar a origem do termo crioulo, foram, de um certo modo, influenciados

por pensamentos preconceituosos, uma vez que, a maioria deles tratou o termo crioulo com

um tom depreciativo, negando o prestígio que pudesse usufruir enquanto língua materna. De

acordo com constatações feitas também por alguns estudiosos, ao serem utilizados termos

conotativos como “criado, servidor, colónia, colonizador, colonizado, escravatura etc.”, a

explicação da origem do crioulo já nasce carregado de insuficiências, o que contribuu para

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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que não fosse, desde logo, aceite como língua plena. Também, isso poderá ter sido a razão

que justifica o facto, de estudiosos de países em que o crioulo é língua materna, tivessem tido,

numa fase inicial, um certo complexo em assumí-la como língua, usando simplesmente a

terminologia de dialecto quando se referiam ao crioulo.

Partindo da ideia daqueles que atribuíram ao crioulo o nome de “Dialecto Português das

colónias portuguesas em África” ou simplesmente de “instrumento de negócios” como afirma

Jota (1981), pode-se entender que a ideia de língua plena foi também posta em segundo plano.

Nesse contexto, torna-se evidente que o crioulo só seria visto como língua em contextos

comerciais.

Entretanto, apesar de muita controvérsia na definição da origem do termo crioulo e de termos

constactado que muitos não souberam tratar a questão com uma maturidade científica

desejada, outros autores, no entanto, abordaram o assunto de forma menos apaixonada. Coste

e Galisson (1983) foram por exemplo, dois estudiosos que demonstraram maior maturidade

nesta abordagem. Eles definem o crioulo como

certas espécies de sabirs ou de pidgins que se tornaram, historicamente, línguas maternas de algumas comunidades, realçando ainda que, “na sua maior parte, os crioulos (que se encontram na Ásia, África e América) resultam de contactos entre línguas locais (africanas, por exemplo) e línguas europeias (francês, português, inglês, holandês, espanhol), durante períodos em que as potências coloniais reuniam (para o tráfico e para escravatura em particular) as populações locais que por sua vez, tinham línguas vizinhas, mas diversas (Coste e Galisson 1983: 174)

A partir desta definição de Coste e Galisson já se percebe que, apesar de ainda sustentarem a

mesma ideia quanto ao processo que deu origem ao crioulo, alargam porém, a definição do

termo crioulo. Estes estudiosos apresentam uma dimensão mais realista e já levam em

consideração elementos como: línguas maternas, pidgin, contactos entre línguas, populações

locais, entre outros. Todavia a perspectiva por eles defendida não pode ser considerada

plenamente viável, quando consideram que na sua base o crioulo teve um pidgin. O pidgin

visto como um instrumento comunicativo de subsistência e de recurso com um léxico e uma

morfologia reduzidos, não pode ainda ser considerado como língua materna funcional, o que

quer dizer que na sua formação, a língua dominante (a de colonização ou língua-alvo) é vista

como língua de maior prestígio, tendo derivado o léxico daquele.

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Centrando-nos nas definições de alguns estudiosos cabo-verdianos, nomeadamente Dulce

Almada (1961) que considera que o crioulo de Cabo Verde é um dialecto muito limitado

derivado do português, diríamos que se confirma o que antes tínhamos dito. Isto é., se

confirma que existiu(ou ainda existe) um complexo em admitir que o crioulo possa ser uma

língua de prestígio tal como o português. Porém, é importante esclarecer que o crioulo é uma

língua, pois é usado como um instrumento de comunicação em determinadas comunidades

linguísticas.

Tal como afirmam alguns estudiosos, não é o processo que levou à formação do crioulo que o

tira o estatuto de língua, ou que faz com que seja considerado um dialecto de uma língua, uma

língua mista ou simplesmente um falar. Muitas pessoas talvez vejam língua e dialecto como

dois conceitos sinónimos e po isso acham que falar do crioulo como língua é o mesmo que

dizer dialecto crioulo. Mas este pensamento é incorrecto. Para que o crioulo fosse um

dialecto, teria que ser um falar específico de uma região, i. é., teria que ser variante de uma

língua, o que não é o caso. O crioulo é uma língua com variantes e não variante de uma

língua. Ainda, há que se levar em conta que, para que o crioulo fosse dialecto, teria que ter

determinadas características relacionadas com o espaço geográfico em que é usado, de acordo

com a norma imposta nesse espaço; as características que esse idioma acarreta não podiam ser

consideradas desvios ou erros da língua norma; a variante falada numa determinada região

não seria entendida por falantes da língua norma.

Por outro lado, há outros autores que também demonstram que têm um entendimento

sinónimo entre crioulo e falar. Esse entendimento pode não ser de todo incorrecto, mas é

inconveniente, na medida em que, o falar deve ser compreendido com variação de um dialecto

e não de uma língua.Todavia, ao se considerar o crioulo como um instrumento de

comunicação, em que no processo de sua formação esteve outras línguas, as chamadas

línguas-alvo ou de colonização, tornou-se aceitável associar ao crioulo, o nome das outras

línguas que estão na base da sua origem. Assim, de acordo com as línguas-alvo ou as

potências colonizadoras, encontram-se as seguintes denominações:

• Crioulos de base portuguesa;

• Crioulos de base espanhola;

• Crioulos de base francesa;

• Crioulos de base inglesa;

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• Crioulos de base holandesa;

Estes diferentes tipos de crioulos mostram também que na base das suas formações estão as

respectivas potências colonizadoras: Portugal, Espanha, França, Inglaterra e Holanda, o que

reforça a ideia de que o crioulo é resultante do contacto entre as línguas de falantes de línguas

maternas diferentes. Seguindo esta perepectiva, pode-se concluir que, nessa fase, houve uma

maior maturidade na definição da origem do termo crioulo, maturidade essa que por,

exemplo, pode ser sustentada também com a ideia defendida por Porcher (2004), que diz que

não há dúvidas de que o crioulo é uma língua, independentemente do processo que esteve na

base da sua formação ou do estatuto que lhe é atribuído. Este autor é de opinião que não se

deve confundir o conceito do termo crioulo, enquanto língua, com informações relativas à sua

origem e formação. Falar do termo enquanto língua é uma coisa e falar da forma como se

formou é outra questão.

Mas as tentativas para se encontrar um caminho mais científico para a definição do termo

crioulo, não se centralizaram somente nas ideias de Porcher ou de outros estudiosos referidos.

Salientamos também, a definição de Xavier e Mateus (1990). Segundo estes autores, o crioulo

deve ser definido como língua formada pela expansão e complexificação de um pidgin que se

tornou a primeira língua de uma comunidade. Esta definição do crioulo que consta no

Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001) parece-nos considerável não só pela

sua contemporaneidade como pelo facto de nele, o termo crioulo já ser definido como um

sistema de signos vocais que pode ser escrito graficamente e usado comummente como

instrumento de comunicação por um povo e uma nação, identificados por uma cultura

comum, o que demonstra que se alcançou contornos mais concretos e científicos na definição

do termo crioulo, isto é, este termo é assumido como língua plena e instrumento de

comunicação e da unidade sócio cultural de um povo.

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1.3. FORMAÇÃO DO CRIOULO DE CABO VERDE

1.3.1. RESENHA SÓCIO-HISTÓRICA DE CABO VERDE

Cabo Verde é um país arquipelágico de origem vulcânico cujas ilhas são atacadas pela erosão,

o que justifica a sua topografia acidentada marcada pela presença de profundos vales e cristais

aguçados.

O arquipélago de Cabo Verde está localizado na margem Sul do Atlântico Norte do

continente africano, a uma distância de, aproximadamente, 450 km da ilha do Cabo Verde

(que lhe deu o nome) do oeste de Dacar, Senegal. Tendo em conta a sua localização

geográfica, Cabo Verde apresenta uma proximidade com outros países da faixa costeira

ocidental da África (do Cabo Branco às ilhas Bijagós), nomeadamente, a Mauritânia, a

Gambia e a Guiné-Bissau.

O arquipélago é constituído por dez ilhas e oito ilhéus, que se distribuem por dois grupos de

acordo com a sua posição em relação aos ventos dominantes do nordeste: o do Barlavento que

inclui as ilhas de Santo Antão (779 km), São Vicente (227 km), Santa Luzia (35 km), São

Nicolau (343 km), Sal (216 km) e Boavista (620 km), e os ilhéus Branco (3 km) e Raso (7

km) e o grupo de Sotavento composto pelas ilhas do Maio (269 km), Santiago (991 km), Fogo

(476 km) e Brava (64 km), e os ilhéus Grande (2 km), Luís Carneiro (0,22 km) e Cima (1,15

km). As ilhas ocupam uma área total de 4.033 km2 e a sua população total é estimada em

cerca de 480.000 habitantes.

A língua oficial do país é o português, enquanto que o crioulo assume estatuto de língua

materna, com possibilidades de vir a ser também língua oficial, uma vez que nos últimos

tempos têm sido feitos esforços tendo em vista a sua oficialização.

Na ilha de Santiago destaca-se a cidade da Praia que é também a capital do país, seguindo-se-

lhe a cidade do Mindelo, na ilha de S. Vicente.

O escudo é a principal unidade monetária utilizada no país.

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No que concerne à demografia, descoberta e ao povoamento, sabe-se que Cabo Verde foi

descoberto por navegadores portugueses no século XV, mais concretamente, entre 1460 e

1462, pelos historiadores António da Noli (genovês ao serviço do Infante D. Henriques) e

Diogo Gomes (navegador português e escudeiro do Infante D. Fernando).

Após a sua descoberta, as primeiras ilhas de Cabo Verde começaram a ser colonizadas por

Portugal por meio do sistema de capitanias hereditárias. Dois anos mais tarde, com brancos

vindos das ilhas portuguesas (Açores e Madeira) e com escravos trazidos da costa da África

para plantar algodão, árvores frutíferas e cana-de-açúcar, começou-se o povoamento da ilha

de Santiago, a primeira a ser povoada nessa altura (1462). Nesta ilha foi fundada a cidade de

Ribeira Grande que se tornou num ponto muito importante na rota do comércio triangular de

escravos. Entretanto, conforme aludem historiadores como António Carreira(1983) e Elisa

Andrede(1996), a prosperidade da cidade de Ribeira Grande durou pouco tempo, uma vez

que, a partir de 1541, a cidade começou a ser atacada por piratas, tendo começado a decair

entre 1578 e 1585 com ataques levados a cabo pelo inglês Francis Drake e pelo francês

Cassard, o que determinou o abandono da cidade mais tarde. De realçar que nesses ataques, a

cidade de Ribeira Grande sofreu os mais terríveis saques, conforme descrevem os

historiadores, tendo a cidade sido atacada por cerca de dois mil homens que queimaram casas,

apanharam escravos e fizeram reféns mulheres e crianças.

Em 1876, com a abolição do tráfico de escravos, o interesse comercial de Portugal em relação

ao arquipélago de Cabo Verde decresceu e, só a partir da segunda metade do século XX, é que

a importância das ilhas voltou a interessar à metrópole.Todavia, Cabo Verde, enquanto país

com identidade própria, já existia, fruto do cruzamento dos europeus com os africanos, o que

levou à miscigenação de raças, originando o povo cabo-verdiano, um povo dotado de uma

identidade crioula. Deste modo, certos historiadores acreditam que em termos de afirmação de

uma língua nacional, a crioulização do português tenha começado em Santiago, logo nas

primeiras décadas após a descoberta de Cabo Verde, paralelamente com a formação da

sociedade cabo-verdiana e daí, o crioulo da ilha de Santiago ser também considerado um dos

mais antigos crioulos de base portuguesa em África ainda vivos.

Em termos de sectores de subsistência da população e, apesar da característica

geomorfológica do arquipélago, a agricultura e a criação de gado são considerados os sectores

que mais contribuem para a geração de recursos económicos e financeiros no país com

excepção das ilhas salineiras orientais e SãoVicente, principalmente das ilhas de sotavento

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que estão localizadas mais na zona sub-saheliana, apresentando condições climáticas próprias

das regiões áridas e semi-áridas. Quanto às estações do ano, as ilhas contam com duas

estações: a das chuvas ou “das águas” (muito irregulares) que oscilam entre os meses de

Agosto a Outubro e a estação seca, ou o “tempo das brisas”, que vai de Dezembro a Junho. Os

meses de Julho a Novembro são considerados meses de transição. Dado à irregularidade das

chuvas, a escassez de água é uma constante. As secas são frequentes e, daquilo que se conta

do passado, chegaram a causar (até os finais dos anos 40) fome provocando a morte de muitas

pessoas.

1.3.2. GÉNESE, FORMAÇÃO E EVOLUÇÃO DO CRIOULO

DE CABO VERDE

Antes de nos debruçarmos sob o assunto deste ponto, convém realçar que das leituras que

fizemos e como alguns autores também aludem, os estudos feitos no sentido de revelar a

origem e a formação do crioulo, são remotos e inúmeros, principalmente no que se refere à

história do crioulo cabo-verdiano. Dulce Pereira, por exemplo, num artigo sobre “O Crioulo

de Cabo Verde” escrito na obra Introdução à Linguística Geral e Portuguesa, afirma que o

crioulo de Cabo Verde foi um dos primeiros crioulos de base portuguesa que se formaram na

Costa Ocidental de África como resultado de múltiplos contactos línguísticos desencadeados

pelos descobrimentos portugueses nos séculos XV e XVI e que ainda persiste com vitalidade.

Mas por outro lado, quando esta filóloga fala da história do crioulo cabo-verdiano, ela

reconhece que pouco se sabe sobre ele por falta de registos línguísticos e informações sobre o

primeiro século após a ocupação de Cabo Verde (Dulce Pereira 1961:552).

Além de Pereira, outros linguistas que tentaram explicar a formação, desvendar o local onde

surgiu e a génese do crioulo, testemunham que o nascimento do crioulo de Cabo Verde não

foi fácil. Um desses estudiosos é o linguista Manuel Veiga (2002) que, através das seguintes

palavras que transcrevemos, demonstra, de um modo metafórico, o quanto foi realmente

dífícil o aparecimento do crioulo de Cabo Verde: O crioulo de Cabo Verde nasceu de um

parto difícil, cresceu no sofrimento e na resistência constante, consolidou-se e consolida-se

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ainda no meio de uma luta desigual cuja vitória começou a ser hoje uma certeza (Manuel

Veiga 2002:6).

Devido a essa complexidade sobre a origem e formação do crioulo cabo-verdiano, existem

várias teorias que procuram desvendar a verdadeira história desta língua. De entre essas

teorias, existem as chamadas teorias monogenéticas e as policromáticas como sejam: a

eurogénese, a afrogénese e a sociogénese. Existe ainda uma teoria universalista designada por

neurogénese.

Relativamente ao crioulo cabo-verdiano, a teoria monogenética assinala que ele se formou

algumas décadas após o início do povoamento das primeiras ilhas, em 1462 (nomeadamente

nas ilhas de Santiago e do Fogo). Os defensores desta teoria consideram que, quanto à

denominação, a língua cabo-verdiana chama-se crioulo não só por razões históricas, como por

razões de ordem linguística.

Do ponto de vista sincrónico ou histórico, o crioulo tem essa denominação porque,

inicialmente, conforme já tivemos a oportunidade de explicar nas páginas anteriores, esta

língua começou por designar “pequena cria”, ou seja, os escravos trazidos e criados nas ilhas

de Cabo Verde.

Do ponto de vista diacrónico, o crioulo surge como designação de uma língua de tipo

específico originário do encontro de várias outras línguas, tendo cada uma delas, um estatuto

diferente. Por um lado, a língua europeia que assume o estatuto de língua de prestígio, ou de

língua dominante e, por outro lado, as línguas africanas com estatuto de línguas dominadas.

Por outras palavras, o crioulo, em termos diacrónicos, é fruto de uma inter-convivência de

duas línguas distintas, em que uma, a língua do grupo mais forte e geralmente minoritário,

acaba por influenciar a do mais fraco que, quase sempre, é falada por um grupo maioritário.

No caso concreto de Cabo Verde e por razões da história da colonização que esteve na origem

de uma sociedade tipicamente cabo-verdiana, sabe-se que nos primórdios da formação desta

sociedade, brancos e negros que viviam num mesmo espaço geográfico, tinham

obrigatoriamente que ter um instrumento de comunicação verbal. Entretanto, o grupo

dominante, ou do colonizador que falava em português, pouco se interessava em aprender a

língua do seu dominado, ou dos negros, a quem só restava aprender a falar a língua dos

brancos. É assim que, da confluência entre as duas línguas, a dos negros e a dos brancos, a

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língua portuguesa sofreu modificações na boca dos negros e dos próprios brancos até originar

o crioulo.

Todavia, apesar de hoje haver um certo consenso de que as condições que propiciaram o

nascimento do crioulo em Cabo Verde têm que ver com aspectos advenientes das relações

estabelecidas entre os colonizadores e os escravos de diferentes etnias, da necessidade de

inter-compreensão e do isolamento dos grupos em contacto, há que realçar que outros

estudiosos defendem a possibilidade do crioulo se ter formado fora das ilhas de Cabo Verde,

tendo depois se tornado na língua nacional. É o caso de Anthony Naro, citado por Manuel

Veiga2 que considera que na génese do crioulo de Cabo Verde estaria um pidgin de base

portuguesa, o qual denominou de língua de reconheciomento, língua essa surgida na Europa

e que chegou a Cabo Verde através dos cativos trazidos da África Oriental. Por sua vez,

Baltazar Lopes (1984) que é apontado como um dos primeiros estudiosos cabo-verdianos que

começou a apontar a possibilidade do crioulo não ter nascido em Cabo Verde, faz a seguinte

observação a cerca da origem desta língua:

Suponho que o crioulo falado na Guiné é, não uma criação resultante directamente do contacto indígena com o português, mas sim o crioulo cabo-verdiano de Sotavento levado pelos colonos do arquipélago e que, com o tempo, se foi diversificando e adquirindo caracteres próprios sob a influência das línguas nativas (Baltazar Lopes 1984:31).

Nesta ordem de ideia, o autor admite que na formação do crioulo cabo-verdiano tenha

predominado, como substrato, a influência das línguas do ramo mandinga3. Todavia, devemos

realçar que esta teoria de Baltazar assim como a de outros autores que sustentaram a mesma

tese, foram postas em causa por linguistas que souberam ter uma postura mais científica n

abordagem desse assunto.

2 Veiga, Manuel, O Crioulo de Cabo Verde – Introdução à Gramática, 1995, p. 19. 3 Silva, B. L (1957:32) “ Limito-me, pois, ao aventar a hipótese de ser o grupo linguístico mandinga que funcionou como substrato na formação do crioulo de Cabo Verde, a lembrar o que diz Labouret. Segundo o A., as populações de raça negra que habitam a África ao sul do trópico de Câncer falam idiomas que pertencem à mesma família linguística e se subdividem em dois grupos principais: o sudanês e o banto, que se dilatam, respectivamente, ao norte e ao sul de uma linha divisória bastante irregular, a qual vai da embocadura do Gross River, a oeste, até o oceano Índico, pouco mais ou menos, onde desagua o rio Tana. (…) Do campo puramente linguístico, o crioulo cabo-verdiano pouco informa a respeito. (…) mas desde já me parece que apenas o léxico poderá trazer uma contribuição eficaz, apesar da pobreza do vocabulário possivelmente de origem africana quando confrontado com percentagem do tesouro lexical em que a proveniência portuguesa não deixa dúvidas a ninguém.

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O historiador António Carreira (1983:312)4 defende que, ao contrário, do que a maioria dos

historiadores defende, Cabo Verde não era desabitado quando os portugueses chegaram. Ele

levanta a hipótese de Santiago, ter sido refúgio de um pequeno grupo de náufragos Jalofos,

Lêbus, Séréres ou de outros habitantes de Cabo Verde, antes da chegada dos portugueses.

Segundo ele, essa ocupação foi sem propósito deliberado e sem continuidade de povoamento,

uma vez que não tinham condições de vida, sem outros contactos. Esta tese de António

Carreira é corroborada pela historiadora Elisa Andrade (1996:34) que confirma a presença de

grupos humanos em Cabo Verde, antes da chegada dos portugueses, nos principais escritos

dos finais do século XVIII e início do XIX. Segundo Andrade, em 1784, um anónimo

escreveu:

esta ilha (Santiago) foi encontrada habitada por muitos homens negros. Segundo a tradição, foi o rei Jalofo que, devido a um levantamento, teve de fugir do seu país com toda a família para se refugiar em Cabo Verde, na Costa Continental (Península do Senegal); Mas porque houve uma violenta tempestade, provocada pelos ventos do leste (…) foram encalhar nesta ilha (Santiago) que se encontra a oeste de Cabo Verde. Os habitantes da ilha de Santiago são na sua maioria negros e “pardos”; uns são descendentes dos primeiros negros que se encontravam nessa ilha, aquando da sua descoberta e outros descendentes dos escravos que se libertaram e se propagaram como acontece ainda nos nossos dias.5

É nesse quadro que Carreira explica a origem do crioulo de Cabo Verde. Ou seja, este autor

refere que dos contactos havidos entre brancos e negros que habitavam as ilhas de Santiago e

Fogo (as primeiras povoadas) resultou não só o mestiçamento de sangue, e as trocas culturais,

mas também resultou o grande instrumento de comunicação que é o crioulo, língua que se expandiu

depois do seu berço (Santiago e Fogo), acabando por se impor em todo o sector da Costa Ocidental,

do Senegal à Serra Leoa, mais acentuadamente na transição do séc. XIX para XX (António Carreira

1983:312).

Deste modo, António Carreira situa a formação do povo cabo-verdiano e do crioulo na ilha de

Santiago. Segundo ele, alguns autores defendem a formação do crioulo na área continental

dos rios da Guiné e não nas ilhas, mas contrariando esta hipótese, ele deixa entender que o

crioulo terá nascido da confluência do português com as línguas dos escravos e, mais tarde,

evoluiu para o crioulo propriamente dito, enquanto língua materna. Aliás, sobre isso ele

4 Carreira, António, Cabo Verde – Formação e Extinção de uma Sociedade Escravocrata (1460 -1878, 1983 5 Apud. Andrade, E. (1996:34)

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afirma que, inicialmente, o crioulo começou a ser usado pelos descobridores das ilhas de

Cabo Verde devido à intensa actividade comercial estabelecida nas ilhas, o que os obrigava a

usar um instrumento de comunicação simplificado com os escravos. Em sua opinião, o que

contribuiu verdadeiramente para a formação do crioulo de Cabo Verde foi

a manutenção, na Costa e nos Rios, de um tipo de comércio itinerante, porto a porto, impeditivo da fixação dos brancos e/ou mestiços, com carácter estável, duradouro, e em número significativo. Ele diz ainda que o crioulo “nasceu dos contactos mais prolongados e assíduos entre reinóis (entenda-se, os descobridores) estantes em Santiago e no Fogo com escravos trazidos da costa (António Carreira 1983).

Abrimos aqui um parêntese para dizer que fica subentendido que, nessa época a que se refere

Carreira, a variedade do crioulo a que faz referência não seria ainda a língua materna, com

capacidade de satisfazer as necessidades de comunicação, mas sim a que cumpriu funções de

intercompreensão, denominada de proto-crioulo.

Outros estudiosos são ainda de opinião que o crioulo se teria formado simultaneamente, em

Cabo Verde e nos Rios da Guiné. É o caso de Teixeira Mota (1994) que diz que houve um

crioulo cabo-verdiano-guineense, formado simultaneamente dos dois lados e com relativa

unidade devido às influências mútuas nos dois sentidos (Teixeira Mota 1994:505-534)

Por sua vez, Anthony Naro (1976), um outro estudioso, defende a hipótese de que, os crioulos

de base lexical portuguesa falados em diferentes territórios africanos, inclusive o de Cabo

Verde, têm raízes europeias, pois, para ele, pode-se concluir que a base para os pidgins

portugueses usados na África, durante os séculos XVI e XVII, tenha sido substancialmente, se

não inteiramente, formada na Europa muito tempo antes de se tornar corrente em África.

Ainda, segundo Naro, esse pidgin nasceu do balbuciar de línguas por parte de interpretes

europeus cuja missão era fazer a preparação para o uso da língua e uropeia no seio dos

escravos africanos, desde o momento que, eram transportados nas caravelas que partiam em

descobrimento de novas terras. Na óptica de Naro

A língua de reconhecimento, falada por Africanos e Europeus, (...) não pode ter nascido da aprendizagem errada do português feita pelos escravos e da posterior imitação dos erros pelos portugueses. A simplificação do português, implicando a análise das estruturas da língua e a subsequente eliminação das redundâncias, aproximando maximamente as estruturas de superfície produzidas das estruturas profundas correspondentes, foi com certeza realizada por aqueles que tinham o conhecimento da complexidade do sistema, que tinham, enfim, uma competência nativa

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Portanto, com estas palavras de Anthony Naro pode-se concluir que para ele, o crioulo

formou-se de um pigdin que começou a ser falado na Europa pelos intérpretes e depois foi

levado para África. Esse pigdin foi apelidado de língua de reconhecimento6, língua essa que

ter-se-ia transformado num código adquirido7 e se disseminou, em África, particularmente no

início do século XVI, por intermédio dos lançados8. Em suma, o crioulo cabo-verdiano teria

nascido de um adestramento ministrado em Portugal a escravos aí levados para o efeito, e a

partir de uma simples e fácil aquisição, conhecida pelos marinheiros portugueses.

Deste modo e, tomando em consideração as teorias defendidas pelos autores supracitados o

crioulo de Cabo Verde é resultante de um processo de escravização e de colonização e, a sua

história é semelhante à de outros crioulos falados no mundo, principalmente da dos países que

viveram sob o jugo da colonização portuguesa.

Veiga (1995) por exemplo, dá conta que apesar das controvérsias existentes, vários estudiosos

como Taylor (1960); Stewart (1962); Whinnom (1971), após estudos levados a cabo,

acabaram por concluir que na origem do crioulo de Cabo Verde e de outros existentes no

mundo, existiu um pidgin de base portuguesa que data do século XVI e que, por sua vez é

oriundo de um outro pidgin muito mais antigo que remonta aos primórdios da História

oriental do Mediterrâneo. Todavia, esta teoria que é denominada de monogenética não é a

única que explica a génese e formação do crioulo cabo-verdiano. Existem também as

chamadas teorias universalistas ou neurogénese e as policromáticas como: a eurogénese, a

afro génese e a sociogénese, as quais seguidamente se descreve de forma sucinta.

Eurogénese: esta teoria teve como precursor o estudioso Francisco Adolfo Coelho (século

XIX), tendo outros nomes dos nossos dias, vultos como o linguista Félix Prudent, Albert

Waldman e Robert Chaudenson também defendido esta teoria. De um modo geral, a teoria

denominada também de eurogénese assenta na questão da simplificação, ou seja, os seus

defensores consideram que os crioulos são línguas cuja génese está nas línguas dos patrões

europeus que estabeleceram contactos inter-culturais com outros povos no início do século

XV. Portanto, segundo esta teoria, a génese dos crioulos resulta da simplificação da língua

6O mesmo que língua de emergência, língua franca ou língua mista. 7 Sistema linguístico utilizado na comunicação. 8 Segundo A. Carreira eram aqueles que eram considerados transgressores, isto é, todos os cristãos que se instalassem nos rios e portos africanos sem licença régia e por isso eram considerados como perdidos para a cristandade e para a civilização europeia.

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europeia mãe. A propósito desta teorização, Baltasar Lopes da Silva(1984) defende também

esta ideia através da seguintes palavras:

(...) nunca encontrei traço linguístico que se me tenha imposto como provindo necessariamente de um substrato africano. Apenas no léxico se nota a ocorrência de vocábulos a que, como disse atrás, atribuo origem africana, na impossibilidade de lhes encontrar étimo português, mesmo da fase arcaica ou média da vida do idioma (Baltazar Lopes 1984:39).

O mesmo fio de pensamento é também defendido por Rosine Santos (1979:21) que levanta

interrogações se o crioulo nasceu realmente da escravatura. Segunda esta linguista, a origem

esclavagista do crioulo de Cabo Verde é discutível, considerando que houve casos de

crioulização fora do contexto esclavagista. Por isso, Santos levanta a hípótese do crioulo ter

nascido do encontro entre línguas do oeste-atlântico e o português, na fase das relações

comerciais antes da escravatura. Entretanto, os críticos não permitiram que essa teoria

avançasse uma vez que puseram em causa a suacientificidade por sobrevalorizar a raça

branca.

Afrogénese: ao contrário da eurogénese, esta teoria defendia que a origem dos crioulos

assenta nas línguas africanas. Lucien Adam é apontado como um dos principais mentores

desta teoria que data dos finais do século XIX e que, entretanto não conseguiu se afirmar por

falta de rigor científico. Tal como a teoria eurogenética esta teoria não foi bem aceite. Os

críticos consideraram-na unilateral e eivada de conteúdo ideológico por valorizar a raça negra.

Neurogénese: Esta teoria, também chamada de universalista, tem por base a doutrina da

gramática inata defendida pelo linguista norte-americano Noam Chomsky e do bio programa

de Dereck Bickerton. A Neurogénese acredita, pois, na faculdade inata da língua, ou seja,

defende que são os universais linguísticos existentes na espécie humana que determinam a

faculdade de aprendizagem da língua. Deste modo, é a partir deste pressuposto que a teoria

neurogenética defende que existe uma semelhança estrutural entre diversos crioulos, o que

acaba por determinar a capacidade da sua aprendizagem/ competência inata por parte dos

indivíduos. Apesar de se aproximar um pouco mais da realidade, esta teoria também acabou

por ser alvo de críticas. Alguns estudiosos consideraram-na tão racista quanto as outras já

referidas, não tendo nenhuma delas, chegado a ser comprovadas cientificamente. Entretanto,

pensamos que esta teoria pode explicar o facto do crioulo ser hoje, uma língua autónoma e

diferente do português e não uma deturpação ou simplificação daquela. As duas línguas

viveram lado a lado, mas cada uma delas evoluiu de forma independente.

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Sociogénese: esta teoria explica a origem do crioulo a partir da noção de crioulidade9,

segundo o qual o crioulo teria nascido do sistema de “plantação” e depois do de “habitação”.

F. Prudent foi quem defendeu esta ideia que deu o nome de sociogénese. Para a maioria dos

estudiosos esta teoria parece ser a mais válida, apesar de outros a terem considerado

demasiado simplista.

Para a maioria dos estudiosos, a tese sobre a origem do crioulo de Cabo Verdeque parece

mais viável é a que toma Cabo Verde como o espaço do nascimento do crioulo; entende a sua

formação como resultado de um processo dialéctico propiciado por um contexto

plurilinguístico, em que os escravos, não sendo um grupo unitário, por causa da diversidade

étnica e da necessidade de comunicação, foram obrigados a usar um código de comunicação

com os senhores. Nessa situação, não restam dúvidas de que o caminho mais certo para a

intercomunicação necessária era a utilização de um código inicial mínimo que fosse

compreendido pelos grupos em presença: os que davam as ordens e os que executavam.

Das várias hipóteses sobre a origem e formaçáo cabo-verdiana pode-se considerar três linhas

de pensamento:

1) que o crioulo de Cabo Verde se formou na costa atlântica africana e, só depois,

se deu a sua transferência para o arquipélago;

2) que ele teve origem nas ilhas, concretamente em Santiago, e só depois terá sido

levado para África ;

3) que houve o desenvolvimento simultâneo de um crioulo cabo-verdiano-

guineense nas duas regiões: no arquipélago e na costa africana.

Das três hipóteses, parece-nos que a tese que reúne mais consenso e que também nos parece

mais aceitável, é a segunda que se assenta nas ideias do historiador António Carreira (1972) e

também é corroborada por outros autores referidos ao longo do desenvolvimento deste ponto

do trabalho. Em suma, conforme A. Carreira (1984)10, o crioulo cabo-verdiano ter-se-ia

formado a partir de um pidgin de base lexical portuguesa, na ilha de Santiago, a partir do séc.

XV. Esse pidgin teria sido depois transportado para a costa Ocidental da África através dos 9 Segundo António Leão Correia e Silva, pode-se entender Crioulidade como um processo de criação de uma sociedade (denominada crioula), a partir da integração de europeus e africanos, em que estes últimos se encontram sob o domínio sociocultural dos primeiros. 10 Carreira, A. O Crioulo de Cabo Verde – Surto e Expansão, 1984.

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lançados. A partir daí, esse pidgin se transformou em dois proto-crioulos distintos, um que

estaria na base de todos os crioulos de Cabo Verde e, outro que estaria na base do crioulo da

Guiné-Bissau, daí a razão de também se considerar que os crioulos dos dois países se

formaram simultaneamente, num contexto sociolinguístico idêntico.

Portanto a origem, a formação e a evolução do crioulo de Cabo Verde pode ser analisada e

explicada com base na teoria de contacto de línguas, cujo contexto é propício para o

aparecimento de novas línguas. Como referiu Guisan (1996), a história da língua vulgar

românica que se transformou no francês é bem semelhante.

Mas é fora de dúvidas que estas línguas, em determinadas etapas do seu desenvolvimento, sofreram processos absolutamente similares aos das línguas designadas crioulas – é o processo da crioulização –. Podemos afirmar até que a crioulização faz parte do processo natural de mudança linguística através do contacto entre línguas diferentes (Guisan 1996:8-95).

Por isso também, a existência das variantes do crioulo nas ilhas, provadas pelos trabalhos

científicos existentes, nada mais são do que o resultado do povoamento das ilhas que como a

história nos prova não ocorreu de forma linear. Ainda, tendo em conta as referências feitas

nos vários documentos por nós consultados relativos à história da colonização das ilhas de

Cabo Verde e que falam sobre o processo de formação da língua nacional, pode-se concluir

que a formação do crioulo e a sua propagação nas diferentes ilhas não foi um processo

contínuo. O crioulo foi surgindo, nas diferentes ilhas, em três fases, consoante a colonização e

o povoamento das ilhas.

Nas obras Cabo Verde - Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1469-1878)

e O Crioulo de Cabo Verde - Surto e Expansão, ambas da autoria do historiador António

Carreira, este autor explica que, numa primeira fase, foi colonizada a ilha de Santiago, e em

seguida a do Fogo.

Numa segunda fase foi colonizada a ilha de São Nicolau, e em seguida a de Santo Antão. As

restantes ilhas foram colonizadas numa terceira fase, a partir de populações originárias das

primeiras ilhas: Brava foi colonizada a partir de populações do Fogo; Boavista foi colonizada

a partir de populações de São Nicolau e Santiago; Maio foi colonizada a partir de populações

de Santiago e Boavista; São Vicente foi colonizada a partir de populações de Santo Antão e

São Nicolau, enquanto que Sal foi colonizada a partir de populações de São Nicolau e

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Boavista. Deste modo, o crioulo, do ponto de vista sociolinguístico, após a sua génese e

formação, evoluiu também em fases distintas.

Autores como Dulce Almada (1961) António Carreira (1983), Bull (1989) e Manuel Veiga

(1996) descrevem também diferentes fases de evolução por que passou a língua cabo-

verdiana, desde a sua origem. Estes são unânimes em considerar que na base da formação do

crioulo, existiu um pidgin que evoluiu para proto-crioulo que, posteriormente, originou o

crioulo propriamente dito, enquanto língua plena. A primeira fase da evolução do crioulo

denominada de pidgin caracterizava-se pela existência de uma situação de multilinguismo e

de uma certa confusão linguística, daí, a necessidade dos grupos em presença encontrarem

uma forma de comunicação como primeiro instrumento para a sua intercompreesão. É assim

que nasce o pigdin que, nessa altura, não podia ser considerado como uma verdadeira língua.

Essa forma de comunicação era muito limitada, sem uma estrutura definida e com um léxico

reduzido, sem bases gramaticais nem sintácticas, de acordo com a opinião defendida por

Manuel Veiga (1996) e também por outros estudiosos como Baxter (1996:540) que acrescenta

que o pigdin nasce da utilização de estratégias de simplificação, criação e acomodação feitas

por parte dos falantes em contacto que tinham, no contexto em que viviam, que ter um código

compreensível para se comunicarem.

Entretanto, esta primeira fase da formação da língua cabo-verdiana durou muito pouco tempo

(entre 1550/1600). Segundo António Carreira (1984), já no início do século XVII, o pigdin

começou a dar lugar a um idioma mais estruturado e estável denominado de proto-crioulo.

Todavia, deve-se frisar que outros autores não concordam com as definições defendidas por

Manuel Veiga e António Carreira. Um desses autores é Morales (1989) que, ao contrário

daqueles, explica que o crioulo, até se estruturar como língua, teve como base um pidgin que

evoluiu para pós-pidgin que, neste caso, seria um pidgin mais avançado (equivalente à

denominação de proto-crioulo usada pelos outros autores), mas ainda não totalmente estável.

Entretanto, o certo é que o crioulo, propriamente dito, só se formou a partir do século XVII

até o século XVIII. Nessa altura, O crioulo começou a ser considerado uma língua plena e

autónoma, na medida em que, nesse estádio de evolução, possuía recursos lexicais,

gramaticais e sintácticos próprios.

De uma forma simplificada e para se compreender melhor as fases por que passou o crioulo,

ao longo da sua evolução, entendemos que as teses defendidas pelos autores referidos podiam

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ser estruturadas através do quadro ilustrativo que a seguir apresentamos, mas antes, abrimos

um parêntese, para dizer que, este quadro não deve ser interpretado como sendo algo

estanque, na medida em que, o crioulo, enquanto língua viva, sofreu transformações até

ganhar estrutura e estabilidade própria de uma língua, mas continuou e ainda continua a sofrer

transformações. Por isso, o quadro a seguir apresentado visa simplesmente sintetizar as fases

de evolução do crioulo, tendo em conta as conclusões a que chegamos a partir das explicações

dadas pelos diferentes autores referidos, ao longo do desenvolvimento do assunto em realce

neste sub-capítulo.

Quadro 1 – Etapas da formação do crioulo de Cabo Verde

ETAPAS DA FORMAÇÃO DO CRIOULO DE CABO VERDE

Fases Época Características

Pré-pidgin ou

pidgin

A partir de 1462 Comunicação confusa

Instabilidade estrutural

Poucos recursos gramaticais e lexicais

Falta de base sintáctica

Protocrioulo Início do século XVII Aproximação de base estrutural

Recursos gramaticais e lexicais mais desenvolvidos que o

pidgin

Alguma base sintáctica

Crioulo Séculos XVII e

XVIII

Estabilidade estrutural

Recursos lexicais e gramaticais Próprios

Assente numa base sintáctica

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CAPITULO II

2. ASPECTOS SOCIOLINGUÍSTICOS DO CRIOULO DE CABO VERDE

2.1 ESTATUTO DAS LÍNGUAS EM PRESENÇA

A análise da questão da coabitação linguística em Cabo Verde, bem como dos problemas dela

resultantes, no nosso entender, passam pelo estudo e compreensão das diferentes fases do

percurso sociolinguístico cabo-verdiano. Por isso, procuraremos fazer uma abordagem sobre o

assunto em epígrafe, de acordo com os diferentes momentos da evolução do crioulo em Cabo

Verde.

De acordo com Manuel Veiga (2004), a situação linguística de Cabo Verde caracteriza-se pela

presença de duas línguas: o crioulo cabo-verdiano e o português. A história destas duas

línguas coincide com a história da própria sociedade e do povo cabo-verdiano. Por um lado,

pode-se afirmar que a língua portuguesa chegou a Cabo Verde, desde o momento em que os

portugueses deram início ao povoamento das ilhas, em 1462. Por outro lado, a génese do

crioulo, enquanto língua resultante da mistura e consequente transformação do português e de

outras línguas africanas, data do Séc. XV, altura em que esta língua começa a tomar traços

linguísticos mais evidentes. Destas informações históricas testemunhadas pelos relatos de

diversos outros estudiosos, o autor afirma que a língua portuguesa é um pouco mais antiga do

que o crioulo cabo-verdiano, o que significa que o aquela tem cerca de quinhentos anos em

Cabo Verde, enquanto que esta última tem mais ou menos quatrocentos anos.

Sendo assim, a história secular destas duas línguas, como meio de comunicação, ficou

marcada também por uma diferença em termos de veiculação cultural no seio do povo cabo-

verdiano, nas diferentes ilhas, o que justifica igualmente, a diferença de estatuto usufruído por

cada uma delas em Cabo Verde.

A língua portuguesa usufrui de um estatuto de língua oficial e do ensino, da literatura, dos

média e é usada nas situações formais de comunicação, enquanto que o crioulo usufrui de um

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estatuto de língua materna e nacional; de comunicação na família, língua das tradições orais e

musicais, ou seja, é língua da oralidade, usada basicamente nas situações informais de

comunicação.

2.2. PROBLEMAS DA COABITAÇÃO LINGUÍSTICA

A situação desigual em termos de estatuto e prestígio conferidos a cada uma das línguas em

presença, fez com que, ao longo do tempo, o crioulo fosse colocado num patamar de

menoridade em relação ao português. Mas é de realçar que, o facto do crioulo não ter nem um

alfabeto, nem uma escrita padronizados, bem como a falta, durante muito tempo, de uma

gramática escrita são apontados como factores que sempre contribuíram para o desprestígio

do crioulo, o que também determinou a sua não utilização, tanto na administração, como no

sistema formal de ensino tal como acontece com o português. Mas, entretanto, na nossa

opinião esta caracterização desigual e os problemas acima referidos, hoje em dia, já estão um

pouco ultrapassados, isso se levarmos em conta que o crioulo é utilizado em contextos

situacionais, dantes reservados exclusivamente à língua portuguesa. O crioulo deixou de ser

eleito como língua preferida apenas em contextos informais, mas também em contextos

formais, mesmo por aqueles que outrora tinham resistência em utilizá-lo em todos os

contextos. Entretanto, das leituras que fizemos, pudemos verificar que apesar da maioria dos

autores reconhecerem um estatuto desigual às duas línguas, a situação linguística nas ilhas

ainda não reúne consenso e carece de clarificação. Alguns autores dizem que Cabo Verde é

um país bilingue; outros dizem que é monolingue, outros falam de diglossia e outros ainda

vão mais além e falam de um bilinguismo individual sui generis11.

A filóloga cabo-verdiana Dulce Almada Duarte (2003:21-31) levanta a hipótese de Cabo

Verde ser um país onde se verifica mais o fenómeno de diglossia12 com vantagens para a

língua portuguesa do que o do bilinguismo.

11 Termo utilizado por Manuel Veiga que pode ser entendido, segundo definição de Crystal (assinalado no Dicionário de Termos Linguísticos), como um tipo de bilinguismo em que o indivíduo apresenta domínio gramatical e comunicativo em mais do que uma língua 12 Diglossia é termo inaugurado pelo sociolinguista americano Charles Fergusson, em 1957, para definir a coexistência pacifica de duas línguas, em que uma delas é mais prestigiante que a outra.

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Manuel Veiga (2004) também considera que a situação linguística vivida em Cabo Verde, é

de diglossia e não de bilinguismo. Para justificar a sua posição ele apoia-se no conceito de

diglossia defendido por Charles Ferguson13. Segundo ele, para que uma sociedade seja

verdadeiramente bilingue, para além da língua materna, ela tem que dominar também, em qualquer

contexto ou circunstância, uma outra língua e com a mesma competência e eficácia que a língua

primeira confere (Manuel Veiga 2004:9), o que não acontece na socidade cabo-verdiana. Na

sua justificação, Veiga até admite que possa existir bilinguismo individual em Cabo Verde, o

qual denomina de bilinguismo individual sui generis, mas porém remata o seu raciocínio com

a conclusão de que a situação linguística do povo cabo-verdiano caracteriza-se mais pela

diglossia do que pelo bilinguismo (Manuel Veiga 2004:10).

Além da diglossia, quando tenta explicar a situação linguística das línguas em presença,

Manuel Veiga reforça ainda que, no contexto cabo-verdiano há que considerar também o

problema da dialectologia, pois, sendo Cabo Verde um país arquipelágico, onde o

povoamento das ilhas se efectivou em momentos diferentes (as primeiras ilhas no século XV

e as últimas no final do século XVIII), a comunicação entre as ilhas não foi fácil desde o

início do seu percurso sociolinguístico. Isto porque, apesar da distância entre as ilhas ser

pequena (entre 10 e 45 minutos nos pequenos aviões), a mobilidade social em Cabo Verde foi

quase nula, durante um certo período de tempo. Daí, o problema da dialectologia ser também

uma agravante despoletada pela situação geográfica e social do país, favorecendo a formação

de variedades dialectais e sociolectais nas diferentes ilhas do arquipélago.

Porém, esta situação manteve-se até à independência do país. No período pós-independência

era necessário reverter a situação de diglossia e dialectologia que se vivia no país para elevar

o estatuto do crioulo e promover a intercompreensão dialectal entre os falantes das diferentes

ilhas. É, pois a partir desse momento, ou seja, a partir da independência de Cabo Verde que

começaram a ser dados os passos mais concretos com vista a construir uma nova etapa do

desenvolvimento linguístico.

13 Charles Fergusson foi quem em 1957, utilizou pela primeira vez o termo “diglossia” para classificar a situação linguística da Noruega. Foi neste contexto, que em 1959, Charles Ferguson publicou um artigo intitulado “Diglossia” definindo-a como uma situação linguística estável, onde para além de dialectos principais da língua ( que podem incluir uma língua estandarizada ou regionais já estandardizadas) existirem uma variedade sobreposta, muito divergente, altamente codificada (gramaticalmente mais completa) veículo de uma considerável parte da literatura escrita seja de uma período anterior ou pertencente a outra comunidade linguística, e que se aprende em sua maior parte através de um ensino formal oral ou escrita, para objectivos formais mas que não é empregue em sectores da comunidade de comunicação ordinária.”

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Todavia, Veiga destaca que apesar de uma consciencialização evidente, os problemas ligados

ao contexto linguístico cabo-verdiano não foram superados a curto prazo e, até hoje, podemos

dizer que ainda existem problemas, uma vez que o processo sociolinguístico cabo-verdiano

foi sempre marcado por problemas advenientes da coabitação linguística. Por isso, este

estudioso defende que é necessário que sejam conhecidas todas as contradições do processo

sociolinguístico de Cabo Verde para que o desenvolvimento do crioulo e a elevação plena do

seu estatuto sejam alcançados de um modo integral e intra-cultural.

Tendo em conta que a relação sociolínguística entre a língua portuguesa e o crioulo não é

considerada harmoniosa, embora estudos feitos revelem que, do século XV ao século XIX,

esta relação foi pacífica, devido ao sistema de ensino formal que na altura vigorava no país,

através do uso exclusivo do português, o crioulo foi sempre marginalizado e menosprezado.

Ainda, conforme constata Manuel Veiga, a criação do Seminário-Liceu de S.Nicolau, na

segunda metade do século XIX (1867), foi um outro entrave ao desenvolvimento do crioulo

de Cabo Verde, na medida em que, a criação desta instituição contribuiu para a afirmação e o

desenvolvimento da língua portuguesa. Aliás, o autor reforça que foi a partir da criação do

Seminário de S. Nicolau que o desenvolvimento da língua portuguesa e do crioulo passou a

processar-se num contexto de contradições e de competição desigual, no âmbito político,

cultural e linguístico, o que também nos leva a acreditar que, foi a partir dessa altura que os

problemas de coabitação linguística passaram a ser mais evidentes. Tanto é que ele afirma

que até ao século XIX, o desenvolvimento das duas línguas se processou de forma quase que

espontânea, sem nenhum projecto programático explícito.

Deste modo, as contradições de âmbito cultural acompanham a própria história que

caracterizou o desenvolvimento das duas línguas em causa. Desde logo, os colonizadores

incutiram na mente dos denominados letrados, a ideia de que aprender a língua portuguesa era

ser detentor do saber, de educação e de prestígio, fazendo a população se convencer da

importância desta língua não só enquanto língua de comunicação na administração pública,

como meio de veiculação cultural, relegando assim, o crioulo para segundo plano. A

importância deste é reconhecida apenas quando é usado em casa e na família.

Assim, durante muito tempo, a atitude dos cabo-verdianos perante as duas línguas era a de

considerar o português como língua de prestígio e saber, enquanto que o crioulo era visto

como língua de identidade cultural, usada informalmente no dia-a-dia, mesmo por aquelas

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pessoas que em situações formais utilizam o português. Entretanto, os estudiosos apontam

como um aspecto positivo, o facto de os considerados letrados, usarem o crioulo também em

ocasiões urgentes da comunicação, situações essas que Manuel Veiga denomina de situações

limites, em que o emissor pretende fazer com que a sua mensagem chegue de forma mais

clara possível ao seu interlocutor. Isso acontece, por exemplo, nas campanhas eleitorais, nas

campanhas de sensibilização e também em publicidades televisivas e radiofónicas.

Tudo isto, para Veiga e outros autores é prova de que esta língua é vista como veículo de

comunicação, mas a língua de prestígio é a língua portuguesa. Em síntese, pode-se dizer que,

das várias referências existentes sobre este assunto bem como nas referências dos estudiosos

do crioulo prevalece uma opinião, quase que unânime, que responsabiliza o discurso colonial

pela deturpação do crioulo. Primeiro por o terem considerado uma língua sem regra e sem

gramática e depois por o terem assumido com um dialecto do português, negando o seu

estatuto de língua plena. Apesar de o crioulo ter conseguido alcançar o estatuto de língua

nacional, depois de Cabo Verde se ter tornado independente, não deixou de enfrentar

problemas que atrapalharam o seu pleno desenvolvimento, pois, sempre que se ultrapassava

um preconceito, apareciam outros que contribuíam para atrasar a sua evolução. Escritores,

políticos e intelectuais arranjavam sempre argumentos para que o crioulo não alcançasse o

mesmo estatuto do português.

De entre os vários argumentos surgidos em desabono ao processo evolutivo do crioulo

destaca-se, por exemplo, a existência de variedades linguísticas nas diferentes ilhas, o que

para muitos gera o problema na definição de uma variedade ou variante a ser implementada

como língua de ensino, aliás uma questão que como já dissemos anteriormente, ainda não

reúne consenso, o que talvez esteja a contribuir também para que, até então, ainda não tenham

sido dados passos decisivos para a construção do real bilinguismo desejado em Cabo Verde.

Um outro argumento que nega a possibilidade do crioulo vir a usufruir de um estatuto

diferente, resulta da comparação entre o crioulo e o inglês. Muitos afirmam que pela posição

que a língua inglesa ocupa no mundo, enquanto língua de globalização, não faz sentido

insistir na oficialização e implementação do ensino do crioulo.

Deste modo, todos os argumentos que, desde muito cedo, acompanharam e atrapalharam o

processo evolutivo do crioulo, demonstram, segundo Manuel Veiga, que a história do crioulo

só será verdadeiramente apreendida por aqueles que têm uma visão cultural, artística e

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antropológica não só de Cabo Verde, como da humanidade, particularmente dos outros países,

onde a língua nacional é o crioulo. Veiga que fundamenta esse argumento a partir de

referências dos autores da obra Éloge de la Créolité, considera ainda que, neste quadro, o uso

do termo crioulidade só faz sentido quando se se aperceber do papel que as letras, a arte e a

cultura desempenhou nos espaços crioulófonos. Isto quer dizer então que, o desenvolvimento

do cioulo como língua oficial e de ensino deve perpassar pela assumpção plena destes

aspectos, sem contudo se menosprezar as contradições que existiram e continuam a existir no

seu desenvolvimento.

Este mesmo autor reforça ainda em jeito de conclusão que, são as próprias contradições do

contexto sociolinguístico cabo-verdiano que também contribuem para o aparecimento de uma

visão artística e antropológica por parte dos defensores do crioulo, daí a nossa constatação de

que, os problemas advenientes da coabitação linguística em Cabo Verde serem naturais e

inerentes ao próprio processo evolutivo de uma língua que nasceu de um contexto de

dominação por parte de outra língua.

Por isso, é também natural que ainda o bilinguismo em Cabo Verde, não seja real. O

bilinguismo verifica-se apenas num número muito reduzido de falantes. Essencialmente,

prevalece na camada da elite letrada da sociedade, mas esse bilinguismo é mais no domínio da

oralidade, uma vez que são poucos os falantes letrados que demonstram domínio da escrita

em crioulo. Em suma, levando em consideração os aspectos destacados, é necessário um

esforço acrescido por parte das entidades competentes nessa matéria para que sejam criadas as

condições para a um verdadeiro bilinguismo em Cabo Verde.

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2.3. A ACTUAL SITUAÇÃO SOCIOLINGUÍSTICA DO

CRIOULO EM CABO VERDE

O crioulo encontra-se ainda num estado sociolinguístico de diglossia porque, apesar de ser a

língua materna de quase toda a população cabo-verdiana, ainda não alcançou o estado de

língua oficial. O português ainda é a língua oficial, utilizada na vida quotidiana (na escola, na

administração pública, em actos oficiais, etc.), coexistindo com o crioulo que, entretanto, é

reconhecido como língua plena e cada vez mais, está a ganhar terreno como instrumento de

comunicação em momentos formais, dantes reservados exclusivamente ao português. Pode-se

afirmar mesmo que, no momento, verifica-se a uma necessidade de redefinição das funções e

do uso das duas línguas em presença em Cabo Verde e esta mudança tem proporcionado

muitos debates sobre usos linguísticos em Cabo Verde.

Por outro lado, os falantes não demonstram a mesma competência linguística14, quando em

situações diversas recorrem a uma das línguas para se comunicarem. O que se verifica na

prática, é que os falantes dominam mais o crioulo do que o português, ainda que este último

seja a língua oficial e de ensino. Assim, devido à coexistência das duas línguas e em

consequência da presença generalizada do português, enquanto língua oficial e de ensino,

pode-se dizer que o crioulo apresenta, actualmente, marcas evidentes de um processo de

descriolização em todas as suas variantes, ou seja, o crioulo é falado com interferência do

português, mas o inverso também é um fenómeno ocorrente.

O português tem sofrido uma descaracterização, principalmente, quando usado na sua forma

oral (pelo menos as críticas que têm sido apontadas relacionam-se mais com o uso actual que

se faz do português do que o crioulo, por serem considerados como erros gramaticais). Esse

problema de interferências do crioulo no português foi por exemplo tratado num artigo

intitulado “Crioulês – O Novo veículo de comunicação dos Quadros?”da autoria da professora

e filóloga cabo-verdiana, Ondina Ferreira,”. Nesse artigo divulgado no Jornal “Expresso das

Ilhas”, no dia 10 de Maio de 2006, a referida autora ao tratar dessa descaracterização que o

14Conhecimento interiorizado que o falante nativo tem da sua língua, isto é, o domínio do sistema de regras que lhe permite produzir e compreender um número infinito de frases assim como reconhecer erros e ambiguidades (Chomsky 1965).

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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português tem estado a sofrer, deixa entender que, em Cabo Verde o “Crioulês” é uma nova

variante do português.15

Por outro lado, quando se coloca o problema da descrioulização das duas línguas em presença

no contexto cabo-verdiano, pensamos que esse fenómeno não deve ser visto apenas como um

resultado das duas línguas em presença.

Entendemos que as outras línguas, nomeadamente, o francês e o inglês, também têm

contribuído para essa descaracterização quer do crioulo quer do português.

Independentemente da coexistência do crioulo e do português, a actual situação linguística de

Cabo Verde é também marcada pela situação de línguas em contacto, em que uma das

línguas, em termos de estatuto e a nível social, goza de menos prestígio junto aos locutores.

Por isso, há que se ter em conta que a interferência linguística, em parte, é fruto de

interferência cultural e, sendo a língua uma forma de expressão cultural, o contacto entre

línguas é também um contacto entre culturas. Neste caso deve-se aceitar que as interferências

linguísticas ocorrem sempre que há línguas em contacto, pois, é um fenómeno normal que

resulta desse contacto de línguas em qualquer contexto sociolinguístico dinâmico.

Neste caso a descaracterização da língua acontece por interferência ou transferência negativa,

quando por exemplo o uso de uma regra ou padrão linguístico presente na primeira língua è

transferido de forma errada para a segunda língua. Sendo assim, a questão das interferências

das línguas em presença em Cabo Verde, em parte, pode não constituir um problema de

maior. No processo de aquisição de uma segunda língua as interferências da língua materna

são quase que inevitáveis, isto porque os falantes sempre se recorrem a ela para analisar os

dados da nova língua, uma vez que a língua materna predomina os seus pensamentos e tende a

interferir nas línguas aprendidas em segundo lugar. Daí que é natural que o domínio do

português pelos cabo-verdianos não seja o desejado, tendo em conta que esta língua é

15 Uma nova língua tem vindo a “ (…) insinuar-se discreta, paulatinamente e, diria, quase envergonhadamente, mas sempre em crescendo, uma nova língua – chamemo-la crioulês, por comodidade de expressão –, uma forma particular de comunicar e de se fazer entender, utilizada, sobretudo, nos media, pelos técnicos, pelos políticos e pelos professores da terra, que, parecendo, não querer expressar-se nem em cabo-verdiano, nem em português, ou fugindo a isto, optam e fazem-no através desta espécie, híbrida, de compromisso, para uma fala situada entre o cabo-verdiano e o português. Presumo que não se trata nem da evolução de um nem da evolução do outro, se assim me é permitido dizer. Por vezes - se me acontece apanhar o discurso já iniciado – interrogo-me sobre a língua veicular, se português, se cabo-verdiano. A dúvida permanece até ao fim. Aí deduzo que se trata do crioulês. É escutá-los no Parlamento, nas reuniões, e, de preferência, frente aos microfones da rádio ou da televisão. (…) ” In Ferreira, O., “Crioulês” – O Novo Veículo de Comunicação dos Quadros?, Jornal Expresso das Ilhas, 10 de Maio de 2006.

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aprendida apenas em contexto formal, como a escola, o que obriga a um distanciamento entre

o domínio das duas línguas em presença.

Mas como já foi dito anteriormente, as interferências entre as línguas em contacto podem

ocorrer nos dois sentidos, o que tem acontecido em Cabo Verde, pois, o crioulo tem sofrido

influências da língua alvo pelo facto de os falantes Cabo-verdianos julgarem que se tornam

melhores falantes desta língua, se o aproximarem o mais possível do português, quer em

termos de estrutura, quer em termos de vocabulário. Sobre esta questão Tomé Varela da Silva

(1998)16 ao responder a alguém que afirmou que a sua comunicação proferida em crioulo

estaria cheia de erros esclarece a questão dos erros cometidos, quando se fala crioulo com as

seguintes palavras:

É ka nha kumunikason ki sta xeiu di éru, mas sin nha kistionador, óras ki el ta kunfundi strutura di kauberdianu ku strutura di purtuges, régras di kauberdianu ku régras purtuges. É ki régras di konkordansa na kiriolu ta distansia di purtuges sima seu di tera, tantu na nunbru komu na jéneru17 (Tomé Varela da Silva, 1998:114)

Por isso, consideramos que os erros cometidos, quer no uso do português, quer no do crioulo,

nada mais são do que uma consequência da situação linguística em que os falantes cabo-

verdianos vivem. Além disso, o fosso que se tem verificado no domínio das duas línguas em

presença é, no nosso entender, fruto do desconhecimento que os falantes têm da sua língua

materna e o complexo que existe ainda em assumir o crioulo como língua dado ao prestigio

do qual o português sempre beneficiou.

Perante esta situação de contacto entre as duas línguas em presença em Cabo Verde, o

estatuto de prestígio para o crioulo, actualmente, verifica-se a nível da modalidade oral, mas

quando se trata da escrita, a situação inverte-se. De um modo geral, o que hoje se constata no

processo sociolinguístico cabo-verdiano, é que em situações de uso, das duas línguas em

presença, o crioulo é quase sempre a língua de comunicação, mas quando o contexto

situacional de comunicação é escrito, o recurso ao português é quase que exclusivo. No nosso

entender, isso deve-se ao uso do português como língua oficial e do ensino e por isso, a única

língua que sempre teve a vantagem de ser utilizada na modalidade escrita, enquanto que o 16 Tomé Varela, Kiriólu: Spedju di Nos Alma In Revista Cultura, nº 2, 1998. 17 Tradução do texto em Portugês: Não é a minha comunicação que está cheia de erros, mas sim o meu questionador, quando ele confunde a estrutura do cabo-verdiano com a estrutura do português, as regras do cabo-verdiano com as regras do português. É que as regras de concordância no crioulo se distanciam das do português como o céu da terra, tanto em número como em género.

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crioulo, apesar de ter um alfabeto que é o ALUPEC, esse instrumento além de não ter estatuto

oficial, é desconhecido por maioria dos cabo-verdianos.

2.4. CONSTRUÇÃO DO BILINGUISMO FUNCIONAL

EM CABO VERDE

Havendo um consenso de que a diglossia é um facto em Cabo Verde e, tendo em conta todos

os problemas advenientes da coabitação linguística, expressos nas linhas anteriores deste

capítulo, é necessário que se saiba então se essa situação é a mais favorável para Cabo Verde.

A maioria dos autores defende que a situação linguística que seria mais favorável para o país,

seria uma situação caracterizada pelo bilinguismo real e funcional, ideia com a qual também

concordamos, uma vez que esse fenómeno equivale também ao desenvolvimento. Nesse

sentido, é necessário esclarecer o que é um bilinguismo real e funcional, quais as suas

vantagens e quais os passos a serem dados para que em Cabo Verde essa situação seja uma

realidade. Os esforços feitos, no sentido de se implementar uma política linguística que iniba

a exclusão do crioulo e para que se reconheça direito de cidadania, quer ao crioulo, quer ao

português, ou seja, se valorize a complementaridade entre as duas línguas em Cabo Verde, são

já um passo importante nesse sentido.

O bilinguismo funcional e real seria então um tipo de bilinguismo em que os falantes

dominariam as duas línguas, quer na vertente oral, quer na escrita, com a mesma performance

e competência, o que segundo Crystal citado no Dicionário de Termos Linguísticos é

característico de um país em que aos indivíduos se pode reconhecer competência

comunicativa ou gramatical em mais do que uma língua.

As vantagens desse tipo de bilinguismo são várias. Um país onde se verifica esse tipo de

bilinguismo consegue atrair visitantes de diferentes nacionalidades, facilitando as relações

internacionais na comunicação. Além disso, os indivíduos bilingues que habitam esse país,

podem adaptar-se facilmente em qualquer país, isto é, conseguem um trabalho e socializam-se

rapidamente. Por tudo isso, há quem defenda que a importância do estudo e da valorização

desse tipo de bilinguismo resultam das situações socioeconómicas, sociopolíticas e sócio

culturais do mundo contemporâneo e globalizado e, neste caso, entendemos que Cabo Verde

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não deve por isso constituir uma excepção. É nesta óptica que Tomé Varela da Silva (1998)18

também defende que as duas línguas (entenda-se crioulo e português) não só são cúmplices

como também são condições para um desenvolvimento harmonioso, equilibrado e integrador

de Cabo Verde e por isso, é necessário uma política linguística visando a construção de um

verdadeiro bilinguismo (Tomé Varela da Silva, 1998:114).

Para se alcançar essa complementaridade funcional e social entre as duas línguas em presença

em Cabo Verde e para que se alcance o bilinguismo desejado, Veiga (1998) diz que

uma das primeiras condições para a oficialização do crioulo é a existência de um alfabeto e de uma escrita estandardizados. Tal alfabeto deve não só poder representar todas as variantes do crioulo como também poder contribuir para a unificação dessas mesmas variantes (Manuel Veiga 1998:95-96).

Além desse primeiro passo, o mesmo autor (2004:11) considera ainda que outros passos são

importantes nesse processo, nomeadamente: a funcionalização e o prestígio do crioulo em

todos os níveis de comunicação e domínios de emprego; a promoção e o desenvolvimento da

investigação linguística em diversas áreas; o fomento e o estímulo à criatividade literária; o

aumento e a valorização do crioulo nos diversos domínios da comunicação; a previsão e a

programação, a nível da Reforma da Educação, o ensino do crioulo, a curto, médio e longo

prazos e a adequação e rentabilização da metodologia do ensino ao contexto linguístico cabo-

verdiano, tendo o crioulo como língua primeira e o português como segunda.

Em Cabo Verde, em 1987, houve uma experiência de ensino bilingue com adultos que teve

sucesso, em que a língua portuguesa foi introduzida depois de os alunos serem alfabetizados

em língua materna, o crioulo. Entretanto, neste caso, a situação é diferente, pois se tratava de

adultos e, como sabemos, os factores que motivam e determinam as aprendizagens nesta faixa

etária não são os mesmos que nas crianças. Por isso há que esclarecer muito bem as

perspectivas para a construção de um verdadeiro bilinguismo no país.

Pela importância que as duas línguas assumem em Cabo Verde, o crioulo, como suporte

identitário e instrumento insubstituível para a integração no todo nacional e o português como

suporte de uma parte da visão do mundo que temos e como instrumento eficaz quer para o

diálogo intercultural, quer para a integração de Cabo Verde na comunidade internacional, os

defensores dessa ideia defendem que a situação linguística que melhor servirá ao país será

18 Veiga, M. – “Implementação do ALUPEC” In Revista Cultura, Ano 2, Julho 1998.

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aquela, onde o bilinguismo é um dado real e não uma simples miragem. Por isso, deve- se

trabalhar numa perspectiva de transformar o português em língua veicular e do crioulo em

língua co-oficial. Com isso o português será aprendido com rigor, por todas as crianças na

idade escolar e por todos os estudantes durante a fase académica e os alunos estarão melhor

preparados para codificar e descodificar a língua portuguesa, nos diversos domínios do seu

emprego, nas diversas funções que exercerem, o que traduzir-se-á na melhoria da qualidade

de ensino.

O crioulo por seu lado ao ser transformado numa língua co-oficial vai fazer parte do currículo

de ensino como disciplina de estudo e também como instrumento de comunicação e de

recurso para possibilitar uma melhor compreensão de outras matérias. O crioulo passará

também a estar presente na administração, nos diplomas legais, nas sessões parlamentares, nas

comunicações ao país dos òrgãos de soberania, nos meios de comunicação social, na

literatura, enfim, em todas as situações formais de comunicação, dentro do país como na

diáspora.

É certo que essa transformação implica investimentos, mas os resultados a serem alcançados

no futuro serão de certo compensadores. E para evitar eventuais problemas é necessário que

esse bilinguismo seja construído de forma paulatina e de acordo com as reais possibilidades

de Cabo Verde.

No que se refere à escrita do crioulo, é sabido que o cabo-verdiano fala em crioulo, mas está

mais habituado a escrever em português, daí que nesse aspecto, deve-se primar por uma

complementaridade entre as duas línguas.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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CAPÍTULO III

3. OFICIALIZAÇÃO DA LÍNGUA CABO-VERDIANA:

CONDICIONALISMOS E MEIOS

3.1. CONDICIONALISMOS DA OFICIALIZAÇÃO

O percurso da língua cabo-verdiana foi sempre marcado por muita controvérsia de vária

ordem. Primeiramente, os estudiosos discutiram a sua verdadeira origem, tendo alguns

chegado a negar o seu estatuto de língua. Entretanto, escritores como Manuel Veiga, Tomé

Varela e Dulce Duarte, demonstraram que a língua cabo-verdiana, tal como a portuguesa, é

uma língua plena e com condições de se tornar num idioma oficial e dominante em Cabo

Verde. Deste modo, as discussões em defesa da oficialização começaram e até hoje têm

suscitado vários e acesos debates, quer no seio dos intelectuais, professores, governantes, ou

mesmo no seio de pais e encarregados de educação, alunos e pessoas singulares. Porém, ainda

assim, os consensos quanto à oficialização da língua cabo-verdiana não foram atingidos,

apesar de já existir uma normativa governamental19 que promove a sua valorização, enquanto

veículo da identidade nacional e também incentiva a criação de condições necessárias para a

sua oficialização efectiva.

O percurso feito até então no sentido de valorizar a língua nacional pode ser considerado

positivo, mas a questão que ainda se coloca entretanto, é o porquê da sua não oficialização se

muitos defendem que ela tem condições de ser língua oficial? A esse respeito, a resposta que

tem sido apontada para esta questão tem que ver com a inexistência de um sistema de escrita

padronizado, ou pelo menos, que seja cem por cento aceite pela população cabo-verdiana. A

este propósito, Veiga (2004) aponta vários motivos para se considerar a questão da escrita

como sendo um problema ultrapassável, pois, segundo este estudioso, a vida em Cabo Verde

decorre na língua cabo-verdiana e hoje, é já um dado aceite que esta língua está presente em

19 Resolução n.º 48/2005 (Boletim Oficial da República de Cabo Verde – 2005)

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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todas as situações de comunicação, quer seja formal ou informal, tanto junto da elite letrada,

dos políticos como da grande massa popular. Ele ainda vai mais longe, afirmando que, nos

casos em que a comunicação deve ser eficaz e imediata, como nas campanhas eleitorais, a

importância do crioulo cabo-verdiano é comumente aceite; o crioulo é língua que veicula nos

diferentes géneros musicais do país, enquanto suporte de identidade cultural; quase toda a

tradição oral cabo-verdiana é moldada em crioulo; no espaço familiar, é apontado como a

língua preferida, mesmo por aqueles letrados que usam o português em momentos formais; a

convivência oral entre a língua portuguesa e o crioulo, durante vários séculos, nunca

conduziu ao desaparecimento de qualquer uma destas duas línguas.

Por todas essas razões, a convivência escrita que representa uma percentagem muito pequena

do nosso quotidiano, não deve ser entendida como uma ameaça para a língua portuguesa

como muitos defendem. Neste sentido, pensamos que a normativa governamental instituída

desde 2005 constitui claramente um incentivo que reforça a política de valorização da língua

Cabo-verdiana a par da portuguesa, numa perspectiva de se alcançar, no futuro, um

verdadeiro bilinguismo.

Todavia, somos obrigados a continuar a insistir que, nesta fase de pré-oficialização da língua

cabo-verdiana, o problema da escrita ainda se coloca. Muitos ainda têm resistência em aceitar

o ALUPEC20, ou se calhar, têm dificuldades em usar este sistema de escrita que não passa

ainda de uma proposta em fase de experimentação, conforme referencia Mário Matos, num

artigo escrito recentemente no asemana online21. Concordarmos também, quando este autor

diz, no mesmo artigo que nesta fase, é necessário que se faça um estudo que permita ver o

nível de aceitação do ALUPEC no seio dos falantes cabo-verdianos e, principalmente, porque

a existência de variantes nas diferentes ilhas do país tem demonstrado que há certo

desentendimento entre os falantes de Barlavento e Sotavento, tendo em conta que cada grupo

entende que a variante que deve ser padronizada é a sua. Para além disso, o nível de

conhecimento e de aplicabilidade do ALUPEC no seio dos cabo-verdianos não é ainda o

desejável e muitos cabo-verdianos vêm esse instrumento um alfabeto aplicável somente para a

escrita da variante do crioulo de Santiago, o que na prática, sabemos que não corresponde à

verdade.

20 Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-verdiano 21http://www.asemana.cv/article.php3?id_article=30423/

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Outro problema que se coloca, além da fragmentação dialectal, da não aceitação do ALUPEC,

tem que ver com a definição (ou ausência) de certas normas. De entre essas normas destacam-

se:

• a ausência de normas que permitem definir a forma correcta de escrever certas

palavras (por ex: a palavra correspondente à palavra portuguesa «algibeira» que

ainda continua a ter diferentes representações como sejam: algibêra, aljubêra,

alj’bêra, gilbêra, julbêra, lijbêra.);

• a ausência de normas que estabelecem quais os limites lexicais a serem adoptados

(ainda é frequente os falantes do crioulo juntarem classes gramaticais diferentes,

como por exemplo ao escrever a palavra “pâ m” que geralmente é escrita como

uma única palavra - pâm/ «para que eu...».);

• a ausência de normas que definem quais devem ser as estruturas gramaticais a

serem adoptadas, as variações que ocorrem numa mesma variante (na variante de

Santiago os falantes não fazem concordância nos tempos verbais quando estão

perante uma oração que é subordinada à outra, como por exemplo, utilizam a

forma incorrecta - bú cría pâ m’ dâ ou bú crê pâ m’ dába em vez da correcta que

seria - bú cría pâ m’ dába «tu querias que eu desse») e

• ausência da definição dos níveis de linguagem: familiar, formal, informal,

científico, gíria, etc.

Deste modo, somos de opinião que o processo de normalização da língua cabo-verdiana

deverá conduzir a criação de condições necessárias para que todos os problemas apontados

sejam ultrapassados, pois, só assim poder-se-ia falar de uma oficialização efectiva e, caso

contrário teremos que continuar a lidar como diz Matos, com o que actualmente se tem

verificado no seio dos falantes – cada falante ao falar (ou ao escrever) utiliza o seu próprio

dialecto22, o seu próprio sociolecto23, o seu próprio idiolecto24.

Alguns autores até defendem um processo de normalização “dos crioulos” (colocamos a

expressão entre aspas por não a considerarmos correcta do ponto de vista linguístico) de

Sotavento em torno da variante de Santiago e outro processo de normalização “dos crioulos”

de Barlavento em torno da variante de São Vicente. Manuel Veiga é um dos que se destaca

22 http://pt.wikipedia.org/wiki/Dialecto 23 http://pt.wikipedia.org/wiki/Socioleto 24 http://pt.wikipedia.org/wiki/Idioleto

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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quanto a defesa desta tese, pois, em vários colóquios, conferências e encontros de reflexão

tem demonstrado ser defensor de uma perspectiva de oficialização da língua cabo-verdiana

que privilegie as variantes de Santiago e de S. Vicente. Mas a esse respeito, ainda que sejamos

a favor da oficialização do crioulo, temos alguma reticência em aceitar esta perspectiva de

oficialização. A nosso ver, fazer a normalização em torno das variantes de Santiago e de S.

Vicente, está-se a procurar minimizar o conflito que sempre existiu entre o Badiu e o

Sampadjudu em relação a aceitação da variante que cada um utiliza. Por outro lado,

estaríamos a admitir que em Cabo Verde temos mais do que um crioulo, ou seja, o crioulo

tornar-se-ia numa língua pluricêntrica25.

Neste sentido, outras questões teriam também que ser clarificadas, como sejam: a quantidade

de línguas oficiais em Cabo Verde. Quantas línguas oficiais existirão em Cabo Verde? Duas

ou três? teremos duas línguas nacionais oficiais ou uma única com duas variantes oficiais?

Essa situação poderia gerar conflitos. Existem países com duas línguas oficiais, como

Espanha, por exemplo, em que o Castelhano convive com outras línguas, em várias regiões do

país, que possuem duas línguas oficiais. Mas neste caso, são duas línguas mesmo e não uma

única língua.

Outra questão que se coloca tem que ver com essa convivência de duas variantes oficiais de

uma única língua. Será que essa forma de congregação linguística é correcta do ponto de vista

línguístico?

Em relação à língua portuguesa apraz-nos também colocar a seguinte questão: a língua

portuguesa desapareceria da situação linguística cabo-verdiana? Uma vez mais, esclarecemos

que não somos contra a oficialização, mas entretanto, ao levantarmos todas estas

interrogações, queremos somente chamar a atenção de todos os interessados no processo de

oficialização da língua cabo-verdiana que, nessa matéria, mais do que querer, importa

conhecer as dificuldades que se impõem e saber superá-las, não a um tempo imediato, mas

sim a a médio e a longo prazos, pois, é um processo que levará o seu tempo próprio. Não

basta oficializar por oficializar. É necessário que sejam conhecidos os suportes para a

oficialização existentes e também que se faça um estudo alargado sobre esta matéria para que

se saiba quais serão os verdadeiros impactos da oficialização na educação. Ninguém sabe, ao

certo, o que vai acontecer depois da oficialização e é nesse sentido que insistimos que,

25 http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=L%C3%ADngua_pluric%C3%AAntrica&action=edit

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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necessariamente, devem ser criadas as condições para que seja feito um estudo de fundo para

que se possa ter uma ideia clara dos passos que seguir- se- ão à oficialização.

Os problemas da oficialização não devem ser analizados somente na fase da pré-oficialização.

É necessário que se pense também nas eventuais dificuldades que terão de ser ultrapassadas

depois do processo da oficialização se tornar efectivo, principalmente no que diz respeito à

educação.

Colocamos tónica na educação porque a oficialização da língua cabo-verdiana implica o seu

ensino efectivo e, inquestionavelmente, tem-se que estar preparado para os impactos que esta

medida terá na educação cabo-verdiana. A educação em Cabo Verde já passou por várias

reformas e outras reformas já estão em curso, no sentido de se melhorar, cada vez mais, a

qualidade do ensino no país, mas, entretanto, o insucesso escolar continua e continuará a ser

um problema a ser ultrapassado. Muitos referem que o problema do insucesso escolar em

Cabo Verde deve-se ao facto do ensino ser ministrado em língua portuguesa e por isso, a

oficialização do crioulo e o seu ensino resolveriam esse problema. Essa ideia, não nos parece

de todo válida, pois, o insucesso escolar é um problema global e não se restringe

exclusivamente ao facto dos alunos serem ensinados, ou não num idioma que não seja a sua a

língua materna ou nacional. No nosso entender esse insucesso poderia ser um reflexo da

própria forma com a língua portuguesa tem sido ensinada.

Admitir esta ideia significa que no dia que passarmos a ser ensinados/educados em língua

cabo-verdiana, seremos os melhores alunos do mundo e ponto final. Mas não. Como já

referimos o problema do insucesso escolar não é exclusivo de Cabo Verde e há que levar em

conta que se, por um lado, os alunos têm dificuldades de aprendizagem porque não sabem a

língua portuguesa, por outro lado, nada nos garante que quando passarem a ser ensinados em

sua língua materna vão ter sucessos no aproveitamento escolar. Por isso, esta questão não

deve ser análisada de forma tão superficial como muitos pretendem. Porém, a aprendizagem

dos alunos poderia ser melhorada com o recurso à sua língua materna, desde que isso seja

feito com todo o rigor e cientificidade. Até porque já está mais do que provado que o ensino

de uma LM ajuda na melhoria do ensino-aprendizagem de uma LE L2., mais por outro lado e

necessário redefinir a metodologia do ensino da língua portuguesa no contexto cabo-verdiano.

Um outro problema que a oficialização da língua cabo-verdiana acarretaria, relaciona-se com

com as dificuldades quanto à falta de bibliografias básicas. Os docentes já contam com um

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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leque variado de livros em língua portuguesa, mas para ensinarem a língua cabo-verdiana

teriam que conviver com essa dificuldade que é a inexistência (ou pouca existência) de

manuais escritos nesta língua. Esta situação poderia ser resolvida com a tradução dos livros

existentes em língua portuguesa para a cabo-verdiana, mas com isso colocar-se-ia o problema

financeiro, pois, Cabo Verde mal consegue comprar livros em português, quanto mais traduzir

os livros escritos em língua portuguesa para a para língua cabo-verdiana.

A falta de professores capacitados para ensinar esta língua é uma outra dificuldade que não

deve ser menosprezada, quando se fala da oficialização da língua materna dos cabo-verdianos.

O país ainda não dispõe de professores capacipatos para ensinar a língua cabo-verdiana

(entenda-se professores capazes de ensinar quer a componente oral, quer a componente

escrita da língua cabo-verdiana).

Outro problema que poderá dificultar o ensino desta língua no futuro, é a resistência dos

falantes cabo-verdianos em consultarem algumas gramáticas e dicionários já existentes.

Apesar desses instrumentos existirem o que se tem verificado na prática é que os falantes não

têm o hábito de os consultar para tirarem as suas dúvidas como fazem em relação à língua

portuguesa ou outras línguas, porque sendo falantes nativos, acham que isso lhes garante o

domínio da língua.

3.2. MEIOS PARA A OFICIALIZAÇÃO DO CRIOULO

Face aos problemas referenciados nos pontos anteriores, pensamos que a oficialização da

língua cabo-verdiana deverá passar, numa primeira fase, pela concretização de algumas

medidas, que do nosso ponto de vista são urgentes.

Primeiramente, é necessário que seja decidido qual o nível desta língua que servirá de idioma

padrão, tendo em conta as diferentes variações que ocorrem nos dois grupos de ilhas

(Barlavento e Sotavento). A elaboração de instrumentos gramaticais e outros que irão garantir

e fundamentar o uso da língua deverá ser outro suporte a ser criado, sem falar de acções

dinamizadoras que devem ser levadas a cabo com vista a promover o uso corrente da língua

cabo-verdiana, enquanto língua oficializada e também no que tange à sua utilização literária

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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de acordo com a norma adoptada. Mas aqui, não se deve esquecer que qualquer língua

percorre um trajecto e passa por um processo de evolução e consolidação até se tornar num

instrumento de escrita viável e eficaz, isto é, até se tornar num instrumento verdadeiramente

literário e pronto a ser utilizado. E por isso, todos devem estar cientes que tal processo não

acontece do dia para a noite. A esse respeito, a declaração da autoria de Adriano Miranda

Lima escrito num artigo online26 que a seguir trancrevemos, parece-nos bastante esclarecedor

e deve merecer uma reflexão por parte de todos os agentes implicados na oficialização e

implementação do ensino da língua cabo-verdiana. Este autor, de um modo metafórico, afirma

o seguinte:

(...) Estou curioso de saber como vai o nosso crioulo tornar-se dum momento para outro numa língua literária pronta a utilizar. A consegui-lo, será uma realização única na história cultural da humanidade. Por enquanto, o cabo-verdiano tem ao seu dispor uma língua literária que lhe foi dada por imposição, sim, mas que passou a ser seu património cultural de direito próprio por conviver com ela desde há 5 séculos, língua que desde sempre constituiu o veículo transmissor do seu pensamento mais elevado e complexo. Dir-se-á que foi duma fecundação telúrica que nasceu o bebé Crioulo, que a breve trecho se tornou um menino escorreito, traquinas e “trivido”, mas que se mantém ainda muito trôpego no andar e no falar. Anda bem dentro de casa, mas porta fora ainda não tem maturidade para se desenvencilhar no meio do trânsito complicado da via pública. Soletra as palavras mas ainda gagueja muito para ler um livro a sério. Lê aquela poesia lírica e satírica de sabor popular mas engasga-se muito com poemas mais densos de ideias e conceitos, e muito mais ainda com a prosa escrita.

Por outro lado, ao se decidir pela oficialização da língua cabo-verdiana, os responsáveis do

Governo, principalmente os que estão ligados à Educação, terão que ponderar se esta

oficialização implica ou não, a transformação desta língua num instrumento de ensino

principal, colocando em segundo plano o ensino da língua portuguesa. Até ao momento,

embora se reconheça que o crioulo tem interferido na aprendizagem do português, a sua

coabitação com a língua portuguesa tem acontecido sem quaisquer incompatibilidades ou

fricções de relacionamento de maior. Todavia, há que considerar que após a oficialização da

lingua cao-verdiana essa convivência linguística poderá deixar de ser saudável, tendo em

conta certas incompatibilidades que poderão surgir, mas que entretanto, podem ser superadas

ou quiça evitadas com uma boa planificação prévia.

26http://www.islasdecaboverde.com.ar/san_vicente/adriano_lima/oficializacao_do_crioulo_uma_pausa_para_refl

exao.htm Fevereiro de 2005/

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

56

A oficialização da língua cabo-verdiana, inevitávelmente, vai levar à sua introdução nos

programas de ensino, daí que é preciso pensar também em que contexto e com que carga

horária lectiva em relação a língua portuguesa é que ela vai ser ensinada. De certo que, para

acelerar a sua aprendizagem e a sua difusão, enquanto novo veículo de comunicação oficial,

muitos defenderão que este deve ter um tratamento privilegiado nos programas, mas isso

exige alguma cautela. A aprendizagem simultânea das duas línguas poderá trazer benefícios,

mas é necessário definir qual o lugar que a língua cabo-verdiana irá ocupar no programa de

ensino oficial cabo-verdiano. Importa também esperar para saber se irá disputar com a língua

portuguesa o lugar de primazia como língua do ensino, destronando-o, e quais os benefícios

e/ou inconvenientes advenientes dessa disputa..

Essa possibilidade é natural, numa perspectiva de longo prazo, devido às sinergias culturais

que possam surgir, de forma espontânea ou pela via administrativa, no sentido de consolidar a

consciência da identidade nacional. Mas isso vai trazer outras implicações, nomeadamente, a

relação de Cabo Verde com a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa (CPLP)

ficaria comprometida e Cabo Verde estaria assim a fugir do horizonte da globalização que o

mundo actual clama. Por isso, qualquer medida a ser implementada no que diz respeito ao

ensino da língua cabo-verdiana não deverá subalternizar o ensino da língua portuguesa em

Cabo Verde e nem deverá promover a sua extinção. Por isso, neste particular, é necessário

criar as bases para que o ensino desta última língua aconteça, seguindo os reais parâmetros de

ensino de língua segunda.

A escolha da (s) variante (s) a ser (em) adoptada (s) deve (m) ser feita também de ânimo leve

e com o maior rigor científico que tal decisão exige. É sabido que a língua cabo-verdiana

assume características próprias, de acordo com mundivivência de cada ilha ou grupo de ilha,

daí que é necessário um estudo prévio antes que seja feita qualquer introdução da nova língua

oficial. Sobre este ponto Pereira (2004) diz que uma língua para ser oficial precisa de passar

por um processo de normalização e de instrumentalização, em que se deve escolher uma

variedade que sirva como modelo e como base para que se possam elaborar gramáticas e

dicionários bem como definir uma ortografia, o que contribui para o seu ensino na escola que,

em conjunto com outros meios de divulgação, constitui um suporte privilegiado do seu novo

estatuto27.

27 - Pereira, D., 2004, In www.projectos.htm

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Outro aspecto que não deve ser esquecido é quem irá leccionar a língua cabo-verdiana, pois,

os estabelecimentos de ensino do país carecem de professores devidamente qualificados para

o ensino desta língua. Além disso, urge criar instrumentos didácticos para a leccionar como

manuais, dicionários monolíngues e gramáticas com estudos linguísticos actuais.

Reconhecemos que nesse campo, Cabo Verde já conta com um trabalho sério e de mérito

como por exemplo a Gramática do Crioulo do linguista Manuel Veiga; já existem dicionários

bilingues, mas é mais viável que haja diversidade de instrumentos didáctico-pedagógicos e, os

instrumentos que forem adoptados devem ter como base estudos técnicos aprofundados de

forma a existir uma adequação entre esses instrumentos e a realidade da língua falada na

prática e não imaginada.

Os linguísticas nacionais devem ser motivados também para a investigação e para

conceberem mais instrumentos de trabalho sobre a língua cabo-verdiana, contribuindo para

uma futura aprendizagem e o seu estudo nas escolas, de modo uniforme. Muitos hão-de dizer

que as regras da língua são criadas pelos próprios falantes e que o léxico da língua surge do

seu uso quotidiano. Isto é, que é a língua que faz a gramática e não os teóricos que fazem a

língua; que é a língua que faz o dicionário e não vice-versa. Mas, as especificidades da língua

cabo-verdiana falada nas diferentes ilhas, não facilitam, pelo menos num tempo imediato, o

seu ensino de modo uniforme, rigoroso, homogéneo e, por isso, antes de toda a decisão

devemos ter um alfabeto que seja aceite unanimemente.

Em relação à afirmação da língua cabo-verdiana reconhecemos que vários esforços têm sido

feitos para a sua valorização e instrumentalização escrita, mas neste sentido, a problemática

da estandardização da língua tem se revelado ainda num aspecto delicado, quer no seio dos

políticos, quer no seio dos especialistas da língua cabo-verdianos. Por isso, entendemos que

esta questão deverá ser resolvida o mais imediatamente possível. Entretanto, a resolução que

vier a ser tomada deverá ser muito bem pensada, tendo em conta a questão da melhor variante

a ser adoptada. No nosso entender, as medidas que forem tomadas nesse sentido, além de

partir de dados históricos que têm que ver com o prestígio das variantes dominantes, não

devem ignorar ainda, o facto de nas escolas do país existirem alunos que não falam a variante

que possa ser adoptada para o ensino, sem falar de outros que a meio do ano lectivo podem

mudar de escola com a variante privilegiada, podendo depois passar a ter problemas de

adaptação numa outra escola para onde se deslocou em que eventualmente encontrará uma

outra variante.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Outro suporte importante, é o resgate do prestígio da língua, junto de alguns sectores da

comunidade cabo-verdiana, nomeadamente na comunicação social. Se se conseguir levar

avante todos estes aspectos, estamos em crer que aqueles cabo-verdianos que ainda estão

reticentes quanto ao valor da língua cabo-verdiana como língua oficial, vão passar a estar

mais conscientes da real importância que a sua oficialização e o seu ensino terão para o

progresso e o sucesso linguístico e científico dos cidadãos nacionais, principalmente dos

alunos.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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CAPÍTULO IV

4. DA OFICIALIZAÇÃO DA LÍNGUA CABO-

VERDIANA À TRANSIÇÃO PARA LÍNGUA DE ENSINO

4.1. OFICIALIZAÇÃO E ESCRITA DA LÍNGUA CABO-

VERDIANA

Desde a primeira República até à actual conjuntura, muitos anos já se passaram, muita coisa já

foi feita para criar as bases para elevar a língua cabo-verdiana ao estatuto de língua oficial,

mas o que ainda se verifica como já referimos anteriormente, é que falta haver um consenso

quanto à sua normalização escrita, o que no nosso entender, tem um dos principais factores

que justificam a sua não oficialização. Sobre este assunto, Dulce Amada28 diz por exemplo

que é de se lamentar o facto de ainda o crioulo não começar a ser escrito de forma

sistematizada, apesar de muita coisa positiva já ter sido feita para garantir as bases para a sua

instrumentalização escrita. Em consequência disso, a autora deixa entender que a não

padronização ainda da escrita da língua cabo-verdiana traduz-se numa desvantagem, uma vez

que ela refere que com a situação da não definição da escrita do crioulo corre-se o risco de se

acelerar o processo de descrioulização que já o atinge (Dulce Almada, 1998: 63-64).

Por outro lado, o que se tem verificado é que com a não definição de uma escrita

estandardizada, a escrita da língua cabo-verdiana continua a ser feita de maneira arbitrária,

segundo o prazer daqueles que têm a necessidade de o fazer, o que no nosso entender

contribui ainda mais para a sua descaracterização.

Alguns registos existentes demonstram que as primeiras tentativas para a escrita do crioulo

datam do séc. XIX, mas a ausência de um alfabeto e de uma escrita padrão oficializados têm

feito com que, ainda nos nossos dias, a sua escrita varie entre as preferências individuais dos

partidários da escrita etimológica e as dos defensores da fonológica, como base para a sua

28 Almada, Dulce In A História da Escrita em Cabo Verde, p. 62

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

60

ortografia. Todavia, um facto curioso e positivo realçado por alguns autores, é que apesar do

crioulo não ter uma escrita estandardizada, de uns anos para cá, ele adquiriu um grau de

autonomia e de funcionalidade notável.

A língua cabo-verdiana não precisou de ser escrita para se afirmar, não apenas como língua

capaz de exprimir todos os anseios do povo que a fala, mas ainda como meio de expressão

literária, dos quais temos o exemplo de vários escritores que escreveram em crioulo,

demonstrando que tal como o português, também se pode expressar todo o sentimentalismo

que caracteriza o povo cabo-verdiano nesta língua.

Segundo os especialistas, uma língua com estatuto oficial é usada como instrumento de uso

quer oral, quer escrito em situações sobretudo formais, o que não acontece ainda com a língua

cabo-verdiana. De acordo com a proposta para a escrita do crioulo aprovada a título

experimental pelo Parlamento cabo-verdiano29, o modelo de escrita que será implementado

para o crioulo de Cabo Verde vai ter uma forma ortográfica, mas a língua em si, conforme

Veiga (1996), vai ficar com duas variantes30. Entretanto esta perspectiva do autor tem sido

muito contestada e, no nosso entender, muitas vezes até com alguma paixão, esquecendo-se

que nesse aspecto a imparcialidade e a cientificidade devem andar de mãos dadas para que a

decisão que vier a ser tomada seja rigorosa, realista e sirva os cabo-verdianos no seu todo. É

necessário lembrar que o problema da ortografia de uma língua é complexo, porque ele

envolve aspectos não só de natureza linguística, mas também sociolinguística e

psicolinguística, sem falar dos factores de carácter político, económico e, naturalmente,

pedagógico que podem determinar a sua escolha.

A determinação do alfabeto para a escrita de uma língua é a primeira medida que se impõe

antes do seu ensino e deve, por isso, ser feita em função do destinatário que é a comunidade

que o vai utilizar. Tendo em conta este princípio e, considerando os pressupostos que

sustentam a proposta do ALUPEC (ver as bases no decreto-lei assinalado)31, entendemos que

29 - Decreto – Lei n.º 67/98 de 31 de Dezembro de 1998-Suplemento do B.O. de Cabo Verde, n.º 48 30- Segundo ALUPEC (Alfabeto Unificado para Escrita da Língua Cabo-verdiana), proposta que está em experimentação desde 1998, vai ser implementado um sistema de escrita com base nas variantes de São Vicente e de Santiago, sistema que Veiga (2004) apelida de Norte/Norte e Sul/Sul, respectivamente. 31 ALUPEC é um conjunto de sinais gráficos para a representação uniforme de cada som da língua cabo-verdiana. Ela consiste na harmonização de dois modelos de alfabeto, o de base etimológica e o de base fonológica. Ainda ALUPEC é de base latina e compõe-se de vinte e três letras e quatro dígrafos, com a representação maiúscula e minúscula: A B D DJ E F G H I J K L LH M N NH ¨N O P R S T TX U V X Z A b d dj e f g h i j k l lh m n nh ¨n o p r s t tx u v x z

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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este instrumento pode ser um instrumento viável e eficaz para a normalização da escrita da

língua cabo-verdiana, mas entretanto é necessário que antes que ele seja oficializado

definitivamente, se faça um estudo sobre a atitude dos cabo-verdianos sobre a língua materna

para também se conhecer o seu grau de aceitação e de conhecimento do instrumento que se

pensa oficializar.

No nosso entender, esse passo devia começar a ser dado, desde o momento em que se

aprovou, a título experimental, o ALUPEC, aliás, uma das recomendações da proposta é que,

durante os cinco anos de experiência, esse instrumento fosse divulgado para depois se analisar

os resultados da sua aceitação. Apesar dessa falha, entendemos que esse alfabeto reúne as

condições para ser oficializado. Eventualmente haverá necessidade de alguns ajustes, mas isso

só poderão ser detectado e feito quando se começar verdadeiramente a experimentar de uma

forma mais alargada possível a sua aceitação, assimilação e aprendizagem por parte dos cabo-

verdianos.

O ALUPEC é um instrumento que além de permitir a unificação linguística das variantes

existentes em Cabo Verde, é um instrumento viável porque se caracteriza como um alfabeto

funcional devido a biunivocidade das letras que o compõem, em que cada fonema

corresponde a um grafema, o que facilita a sua assimilação e aprendizagem.

Ainda que muita coisa precisa ser feita, pensamos que, pelo menos, as bases para a

oficialização da língua cabo-verdiana já existem. O problema mais urgente a ser resolvido

imediatamente, prende-se com a questão da(s) variante(s) a ser(em) estandardizada(s). Mas

apesar das controvérsias à volta dessa questão, entendemos que Manuel Veiga nos dá

subsídios mais do que suficientes para resolver essa questão. Na sua gramática Veiga

esclarece que as principais variantes faladas em Cabo Verde estão centralizadas à volta das

variantes das ilhas de Santiago e de São Vicente e, se assim é, a opção para a estandardização

da escrita se torna mais fácil.

Por outro lado, há que se lembrar que a questão da variação linguística é um fenómeno

sociolínguístico intrínsico a todas as línguas. Todas as línguas vivas possuem variantes

dialectais e diferenças várias na sua estrutura de superfície e a nível do seu uso, em função das

diferenças geográficas e culturais dos falantes que usam essa língua. Por isso, é preciso que

seja definida a forma da escrita comum da língua que possa congregar as diferenças das

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

62

variantes existentes, permitindo com que o ensino da língua cabo-verdiana possa ser feito sem

sobressaltos. Todavia, se se optar pela oficialização de uma única variante, caminho que a

nosso ver seria o mais certo a seguir, a de Santiago é que devia ser oficializada por razões não

só históricas como linguísticas. Do ponto de vista linguístico, considera-se que a variante de

Santiago apresenta um melhor desempenho fonético-fonológico e em termos gramaticais

apresenta uma estrutura já bem sistematizada.

Do ponto de vista histórico, a variante de Santiago é a variante mais antiga e a que deu origem

as outras existentes nas diferentes ilhas de Cabo Verde. Além disso, quando comparada com a

língua portuguesa é a que se apresenta com uma matriz mais próxima desta que a originou,

apresentando menor influência das outras línguas estrangeiras.32 Em suma, é a variante mais

representativa, mais estruturada e mais genuína. Além destas razões, em termos de

prefereência da escrita, ainda que não exista uma forma da escrita oficial, os textos escritos (

literários ou não) que se têm dado à estampa em Cabo Verde têm demonstrado que a variante

de Santiago apresenta um vantagem de preferência em relação à de S. Vicente, pois, a maioria

desses textos são escritos na variante de Santiago.

Por isso, o que não entendemos é o porque de tanta morosidade na tomada de uma decisão

definitiva. Nesse caso, ousamos dizer que é necessário mais coragem e vontade políticas, pois,

enquanto não se tomar uma decisão nesse campo, o ensino da língua cabo-verdiana está a ser

adiado a cada dia que passa e quem perde são os cabo-verdianos e o próprio país que nessa

conjuntura alcançaria um maior desenvolvimento em todos os sectores, caso a língua nacional

fosse elevada à categoria de língua oficial.

4.2. OFICIALIZAÇÃO E ENSINO DA LÍNGUA CABO-

VERDIANA

Os inúmeros avanços registados no domínio da investigação do ensino-aprendizagem das

línguas estrangeiras/segundas trouxeram resultados significativos para a melhoria do ensino

dessas línguas, como também conduziu a um maior interesse e uma maior preocupação com a

32 Baltazar Lopes é um dos estudiosos e linguístas do crioulo que defende esses pressupostos.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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questão do ensino das LMs nas escolas. Essa preocupação com a integração da língua materna

nas escolas que surgiu em decorrência da defesa do ensino-aprendizagem das línguas

estrangeiras, começou a ganhar mais importância, sobretudo, a partir da década de setenta.

Mas entretanto, foi com o aparecimento da chamada corrente behaviorista33 nos anos 50 que

se despoletou muitas discussões sobre a aprendizagem das línguas, o que conduziu ao

aparecimento de vários e novos métodos de ensino da LE/L2.

A corrente behaviorista não aceitava que a aprendizagem das línguas estrangeiras pudesse

ocorrer com ajuda das línguas maternas, mas outras correntes que apareceram depois

acabaram por provar o contrário.

A colonização e o contacto entre línguas de povos de culturas diferentes levou também com

que certas escolas (anglo-saxónicas e francesas) começassem a estudar a melhor forma de se

conduzir a aprendizagem das línguas estrangeiras nesses contextos e, consequentemente o

ensino/aprendizagem da língua materna passou a ganhar cada vez mais importância não só

com um meio que facilitava a aprendizagem e o domínio da língua estrangeira, mas também

porque se passou a defender as culturas minoritárias dos povos cuja posição no quadro da

escravatura encontrava-se em desvantagem em relação ao colonizador que, neste caso, era o

que impunha a sua língua ao grupo dominado.

Em Cabo Verde, antes da independência em 1975, a língua portuguesa parecia servir os

interesses do país que, nessa altura, tinha necessidade de alfabetizar a população. Sendo

assim, a oficialização da língua cabo-verdiana bem como a sua normalização não constituíam

preocupação dos intelectuais cabo-verdianos, principalmente porque, o abandono da língua

portuguesa era visto como um entrave ao desenvolvimento do país. Todavia, com o

alargamento da escolaridade obrigatória a toda a população, nos últimos anos do século XIX,

começam a surgir várias correntes a favor da defesa do valor da língua nacional, mas

entretanto, outros tentam negar esse valor, proibindo até a sua utilização nas escolas e

veiculando a ideia contrária de que a língua portuguesa é que era língua doptada de

superioridade comunicativa, língua dos civilizados e dos homens cultos. A luta pela

33 Corrente que se baseia no comportamento pela observação das respostas a um determinado estímulo para explicar as coisas. Esta corrente defendia que a língua é um conjunto de hábitos que se pode adquirir por imitação ou reforço.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

64

dignificação da língua cabo-verdiana era levada a cabo por intelectuais, apenas como uma

forma de afirmação da caboverdianidade (conceito muito defendido pelos claridosos).

Após a independência, os alunos e adultos que frequentavam as escolas demonstravam baixo

domínio da língua portuguesa e o país não contava com um número suficiente de professores

com formação adequada para superar essa dificuldade. Por isso, para a resolução do problema

do insucesso escolar, alguns estudiosos nacionais começaram a apontar a possibilidade de se

ensinar na língua materna. A preocupação com a valorização da língua nacional começou

então a ser demonstrada com mais força, preocupação essa que também foi despertada pela

UNESCO34 que defendia a inclusão das línguas nacionais nas escolas africanas. É, pois, nesse

contexto que se pode enquadrar o surgimento da preocupação com a oficialização do ensino

da língua cabo-verdiana em Cabo Verde.

Nessa altura, Manuel Veiga (1982:18), um dos primeiros defensores da oficialização da

língua cabo-verdiana afirmou que o elevado índice de reprovações nas escolas primárias era

devido ao facto de a criança cabo-verdiana não dominar a língua portuguesa e também devido

ao conflito que ela vive ao entrar na escola, por não poder usar a língua materna na qual até

então ela se afirmou e se exprimiu. Com esta afirmação de Veiga, torna-se evidente que na

perspectiva do autor, o sucesso de ensino em Cabo Verde perpassa pela oficialização e o

ensino da língua cabo-verdiana, enquanto língua materna. Dessa data até então, não só Veiga

como outras personalidades nacionais vêm insistindo para que o veículo de comunicação

nacional dos cabo-verdianos seja oficializado e para que o seu ensino seja uma realidade em

Cabo Verde, mas entretanto, a língua do ensino e oficial no país continua a portuguesa.

É certo que a oficialização da língua cabo-verdiana e o seu ensino tem se traduzido numa

questão muito delicada e problemática em Cabo Verde, mas necessária para que os cabo-

verdianos passem a valorizá-la, verdadeiramente, enquanto elemento de identidade nacional.

É preciso que ela seja transformada num instrumento de comunicação oficial e seja integrado

no currículo escolar cabo-verdiano. Só assim será possível também fazer com que os cabo-

verdianos, principalmente a nova geração, a saibam escrever e ler, deixando de lado o medo

de que a língua cabo-verdiana é uma língua difícil de aprender e de escrever. Enquanto os

34 - A UNESCO a partir de 1975 passou a estudar a possibilidade de inclusão das línguas nacionais nas escolas africanas, o que culminou com a publicação em 1979 de uma importante obra a ter em conta nesta matéria e intitulada “Línguas Nacionais e Formação de Professores em África” fruto do trabalho que esta organização encomendara a Joseph Poht em 1975.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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cabo verdianos não passarem a estudá-la como língua oficial, é natural que o receio da sua

utilização se verifique, daí que, a melhor forma de acabar com esse medo é incentivar o seu

conhecimento através do ensino nas escolas. Existem países com uma situação linguística

parecida com a de Cabo Verde, em que se adoptou um sistema de alfabetização em língua

materna, mesmo havendo resistências iniciais da população, mas essa medida acabou por ser

bem sucedida. Por isso, entendemos que a oficialização do ensino da língua cabo-verdiana

não será também um problema irresolúvel em Cabo Verde.

Quando se tem falado da questão da ensino oficial da língua cabo-verdiana, muitos ainda têm

colocado a tónica na questão do número de falantes desta língua, afirmando que o número de

falantes desta lingua não tem uma expressividade que justifique a sua oficialização. No nosso

entender essa questão não é também relevante, se se levar em conta os exemplos de línguas

que não são faladas por uma grande quantidade de pessoas, mas nem por isso deixam de ter

uma imposição e de contribuir para o desenvolvimento e dignificação do país onde são

usadas quer no quadro nacional quer no mundial.

Por todos os motivos apresentados, entendemos que já está mais do que na hora de se definir

sobre a questão da oficialização do ensino da língua cabo-verdiana. Os problemas que ainda

existem podem perfeitamente ser seleccionados no decorrer do tempo. Essa oficialização é

necessária não só para reforçar a importância desta língua como suporte identitário, de

integração e desenvolvimento nacional, mas também para permitir a melhor definição do

actual estatuto das línguas em presença.

Por outro lado, a importância da língua portuguesa como instrumento que irá permitir o

diálogo intercultural e a integração de Cabo Verde na comunidade internacional, deve ser

levada em conta. Com isto queremos dizer que, a oficialização da língua deverá criar também

as condições para se alcançar o real bilinguismo. Com a oficialização da língua cabo-

verdiana, a portuguesa também deve continuar a ser ensinada, devendo haver uma aposta na

transformação desta última, que já é língua oficial, em língua veicular e segunda e na

transformação progressiva da primeira em língua oficial. Estas duas transformações devem

constituir os dois objectivos fundamentais da política linguística, o que no fundo, parece estar

evidente nos vários documentos elaborados até então.

A língua portuguesa deve ser aprendida com rigor, por todas as crianças na idade escolar e por

todos os estudantes durante a fase académica. Em relação à língua cabo-verdiana, a sua

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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oficialização deverá conduzir ao seu ensino (como matéria e como instrumento de

comunicação oral e escrita), bem como a sua utilização em todos os sectores: na

administração, nos diplomas legais, nas sessões parlamentares, nas comunicações ao país dos

órgãos de soberania, nos meios de comunicação social, na literatura, enfim, em todas as

situações formais de comunicação, dentro do país como na diáspora. É claro que para se

chegar a esse patamar, não deve existir medo nas tomadas de decisões que se impõem para

evitar problemas. Se se quer realmente que no futuro o bilinguismo deixe de ser uma simples

miragem é preciso que a curto prazo seja dado o primeiro passo para esse processo.

A sensação que nos fica é que tem havido um certo esmorecimento e desinteresse pela

questão, pois, mais de cinco anos de experimentação do ALUPEC já se passaram e não temos

conhecimento de que a sua divulgação tenha sido feita convenientemente, conforme o

previsto, pelo menos a nível das escolas que é o lugar onde entendemos que devia começar

essa divulgação. Por outro lado, ainda a Comissão Consultiva para a língua cabo-verdiana e a

as demais entidades ligadas à questão em causa não se pronunciaram e, tudo isto leva-nos a

colocar, uma vez mais, a seguintes questões: para quando a oficialização Da língua cabo-

verdiana? O porquê do não pronunciamento ainda das entidades ligadas à questão? Será que

já desistiram a meio do caminho, depois de muita caminhada e de muita coisa feita? Estamos

em crer que não! Mas só nos resta esperar para ver e quiçá, do fórum …agendado para o

próximo mês de … nos dê as respostas às questões colocadas

.

4.3. OFICIALIZAÇÃO DA LÍNGUA CABO-VERDIANA,

A ESCRITA E ENSINO – A POSIÇÃO DOS CABO-

VERDIANOS

Os resultados que a seguir apresentamos foram obtidos com a aplicação de um inquérito

realizado junto de um grupo heterogénio constituído por cem (100) indivíduos cabo-

verdianos, de ambos os sexos, residentes na ilha de Santiago, com uma faixa etária

compreendida entre os 15 (quinze) e 50 (cinquenta) anos de idade. Do grupo dos indivíduos

inquiridos, todos são alfabetizados, incluindo pessoas com um grau de habilitações literárias

mínimo de 9º (nono) ano de escolaridade e outras com grau máximo de pós-graduação. A

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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heterogeneidade da amostra foi uma opção propositada com vista a também abrangermos

indivíduos pertencentes a diferentes grupos sociais e de actividades, nomeadamente alunos,

professores (do ensino básico ao superior), especialistas da língua e pessoas da sociedade

civil.

O inquérito foi um meio que encontramos para conhecer e compreender a opinião dos

inqueridos em relação à oficialização e implementação da língua cabo-verdiana nos currícula

e quanto à possibilidade da adopção do ALUPEC como instrumento da escrita desta língua.

Além destes objectivos, conhecer a posição dos indivíduos que compõem a amostra do

inquérito foi outro motivo dos que nos levou a realizá-lo.

Gostaríamos ainda de destacar que a nossa intenção com este estudo não é fazer uma análise

exaustiva. Entretanto, uma vez que entendemos que as medidas que no futuro vierem a ser

tomadas em relação à oficialização e implementação do ensino da língua cabo-verdiana não

devem ignorar a opinião dos cabo-verdianos, decidimos levá-lo a cabo no sentido de darmos o

nosso modesto contributo que, eventualmente, possa servir para outros estudos futuros a

serem desenvolvidos de forma mais exaustiva e aprofundada.

Na análise do inquérito procurámos ter presente três aspectos relacionados com a língua cabo-

verdiana, de acordo com os três grupos de questões definidos no questionário aplicado aos

inqueridos:

1- Oficialização do Crioulo;

2- Implementação do ensino do Crioulo;

3 - Escrita do crioulo e o uso do ALUPEC.

De referir que a todos os inquiridos solicitamos que respondessem a todos os grupos de

perguntas do questionário.

Em relação ao primeiro grupo do questionário do inquérito sobre oficialização da língua cabo-

verdiana, os indivíduos inquiridos responderam a cada questão colocada, conforme os

resultados que apresentamos no quadro constante no anexo deste trabalho.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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4.3.1. SÍNTESE E BREVE REFLEXÃO SOBRE OS

RESULTADOS DO INQUÉRITO

Tendo em consideração os resultados finais do inquérito acima apresentados, pensamos que

estes dados provam de um modo evidente pque a maioria dos cabo-verdianos inqueridos é a

favor da oficialização da língua cabo-verdiana e reconhece que isso traz vantagens. Ao

analisarmos as justificações apontadas em relação e estas questões, concluimos que entre 82%

e 87% dos inquiridos vêm a oficialização como uma forma de reconhecimento da língua

materna nacional, enquanto um elemento de identidade sócio-cultural do povo cabo-verdiano.

Nessa questão, apenas 16`% das pessoas interrogadas não são a favor da oficialização,

enquanto que 2% não manifestaram a sua opinião.

Quanto ao prazo para a oficialização da língua cabo-verdiana, as respostas dos inquiridos

apontam para um equilíbrio entre os que consideram que essa oficialização deve ser feita a

curto prazo (22%) e os que entendem que deve ser a médio prazo (26%), enquanto que uma

percentagem maior considera que deve ser a longo prazo (45%). Neste caso, mesmo tendo em

conta que 7% dos inquiridos não assinalou qual deveria ser esse prazo, poder-se-ia deduzir

ainda assim que a opção - longo prazo sairia a ganhar em relação às preferências de curto e

médio prazos. Como justificação da data em que se deveria oficializar a língua cabo-verdiana

a maioria que escolheu a opção a longo prazo justificou a sua resposta, dizendo que esse prazo

permetiria criar as condições necessárias para o ensino da língua caboverdiana,

nomeadamente no que toca à formação e qualificação de professores para o ensino do crioulo,

criação de materiais didácticos de e em língua cabo-verdiana e a definição da questão da

variante a ser padronizada.

No que toca aos factores dos quais dependem a oficialização da língua cabo-verdiana,

devemos realçar que quase todos os inquiridos apontaram mais de que um factor, mas,

entretanto 6% não apontaram nenhum factor específico. Daqueles que responderam a essa

questão, apontaram como factores condicionantes da oficialização, a falta de professores

qualificados (58%), de materiais didáctico-pedagógicos (53%), seguidos dos outros factores

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

69

como, questões políticas (35%), falta de vontade política (22%) e implementação do ensino

do crioulo (2%).

Relativamente à implementação do ensino da língua cabo-verdiana, que corresponde ao

segundo grupo de perguntas que compõem o questionário do inquérito, verificamos que

apenas uma pequena percentagem (11%) dos inqueridos considera que o ensino da língua

cabo-verdiana seria pouco útil, enquanto que 47% considera que seria útil e 39% que seria

muito útil.

Ainda, dos cem inquiridos, 73% destacaram que o ensino da língua cabo-verdiana

contribuiria para a melhoria do ensino-aprendizagem da língua portuguesa e das outras

disciplinas, enquanto que 20% responderam que o ensino da língua cabo-verdiana não

contribuiria para o ensino-aprendizagem nem do português, nem das outras disciplinas.

Quanto ao nível de escolaridade em que se deve iniciar esse ensino, a maioria (59%) é a favor

que o ensino da língua cabo-verdiana deve começar a ser feita a partir do ensino primário,

enquanto que 21% e 5% destacaram que se deve começar pelo ensino secundário e superior

respectivamente.

No que toca a obrigatoriedade do ensino da língua cabo-verdiana, 62 % acha que esse ensino

deve ser obrigatório, enquanto que 30 % é de opinião que deve ser facultativo.

No que concerne ao terceiro e último grupo do questionário do inquérito, em que as perguntas

feitas incidem sobre a questão da escrita e o uso do ALUPEC, 46% responderam que os

alunos cabo-verdianos teriam muitas dificuldades na escrita do crioulo, usando o ALUPEC,

enquanto que 40% respondeu negativamente a essa questão. 10% dos inquiridos não deram a

sua opinião, 1% destacou que essa dificuldade dependeria da própria boa vontade do aluno,

enquanto que 3% registaram que essa dificuldade far-se-ia sentir somente no início de uma

eventual aprendizagem por parte do aluno. Em relação à língua portuguesa, as respostas

dadas, indicam-nos que 52% dos inquiridos consideram os alunos e os cabo-verdianos teriam

mais dificuldades em escrever em crioulo do que em português, enquanto que 33%

descartaram essa dificuldade, assinalando não à questão colocada; 13% deixaram em branco

o espaço da resposta, 1% assinalou que essa dificuldade seria só no início e também 1%

afirmou que essa dificuldade irá depender da forma como for implementado o ensino do

ALUPEC.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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No tocante à leitura de livros escritos em crioulo, das cem pessoas interrogadas, 68%

confirmaram já terem lido um livro escrito em crioulo, enquanto que 32% não responderam à

questão, o que nos levou a considerar que talvez nunca tenham lido um livro em crioulo.

Quanto à dificuldade na leitura, 43% dos inquiridos que leram um livro escrito em crioulo

marcaram que tiveram pouca dificuldade na leitura; 14% que não tiveram nenhuma

dificuldade e 11% que tiveram muitas dificuldades.

Depois da apresentação dos resultados acima expostos, vamos agora tentar fazer uma breve

reflexão sobre os mesmos.

Da análise dos dados obtidos concluimos que as pessoas que compõem a amostra do inquérito

feito, deixaram bem claro que a oficialização da língua cab-verdiana, deverá acontecer, cedo

ou tarde, para que os cabo-verdianos possam não só a conhecer melhor, como também para

passarem a valorizá-la cada vez mais como um elemento de identidade nacional. Além do

reconhecimento do valor identitário da língua cabo-verdiana, enquanto língua materna,

reforçando a ideia de que a oficialização da língua cabo-verdiana traria vantagens na melhoria

do ensino-aprendizagem dos alunos e ajudaria igualmente no desenvolvimento dos diferentes

sectores de desenvolvimento do país. Todavia a maioria dos indivíduos inqueridos (incluindo

os que são contra a oficialização) manifestou que há ainda que resolver a questão das

variantes bem como uma necessidade de formação de professores e de criação de

instrumentos didáctico-pedagógicos.

Em relação à implementação do ensino da língua cabo-verdiana também os resultados não

deixam dúvidas de que há uma vontade expressa da língua materna dos cabo-verdianos passar

a ser ensinada nas escolas do país, desde o ensino primário. Isso demonstra também que existe

uma consciência de que a LM, quando aprendida desde a tenra idade, traz mais e melhores

beneficios para a melhoria da qualidade de ensino-aprendizagem e do próprio

desenvolvimento da consciência identitária do aluno.

Entretanto em relação à escrita do crioulo, as opiniões das pessoas interrogadas opontam para

uma certa insegurança em relação ao uso do ALUPEC porque, a maioria das pessoas que

considerou que os alunos e os cabo-verdianos teriam muitas dificuldades em usar o ALUPEC

e que na escrita do crioulo estes enfrentariam mais dificuldades ao escrever na sua língua do

que em português, quando tentam justificar as suas respostas, deixam subentendido que pouco

sabem sobre o ALUPEC. Porém, aqueles que apresentaram uma justificação aceitável

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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realçaram a questão das variantes; outros ainda afirmaram que as dificuldades que

eventualmente vieram a se verificar no uso do ALUPEC podem ser sentidas apenas no início,

mas com o tempo, dependendo da forma como se processar o ensino desse instrumento nas

escolas e da boa vontade dos aprendentes, tais dificuldades podem ser superadas com relativa

facilidade.

Convém realçarmos que esta insegurança, constatámo-la, principalmente, nas respostas dos

inquiridos pertencentes à classe estudantil e dos pertencentes à sociedade civil cabo-verdiana,

o que no nosso entender está também associado ao deconhecimento do ALUPEC. Por isso,

reforçarmos a ideia de que a questão da estandardização de um alfabeto para a escrita do

crioulo deve ser bem estudada e quiça, fosse já hora de se começar a pensar numa forma de

informar a sociddade cabo-verdiana da aplicabilidade do ALUPEC e também de se iniciar

com uma experiência piloto junto dos alunos em algumas escolas do país quer do Barlavento,

quer do Sotavento.

A nossa ideia fica ainda mais reforçada, quando também constatmos que a maioria dos

inquiridos que já leu um livro escrito em crioulo, respondeu que sentiu dificuldades nessa

leitura, embora tenha sido pouca. Essas dificuldades, no nosso entender são naturais,

acontecem com qualquer língua e nesse sentido, realçamos aqui, uma observação importante

assinalada numa das respostas dadas por uma professora do ensino superior inquerida.

Segundo essa docente que também é linguista, mais de 99% dos cabo-verdianos tem

dificuldades em ler em crioulo tal como 90% tem em ler bem em português.

Levando em consideração esse facto que consideramos ser de extrema valia, pode-se dizer

que as dificuldades e as inseguranças apontadas existem e talvez continuem sempre a existir.

Todavia o que importa é que todos os actores envolvidos na questão da oficialização da língua

cabo-verdiana devem estar cientes dessas dificuldades para que possam ser resolvidas

paulatinamente.

Em suma, os resultados do inquérito, no nosso entender, demonstram que a oficialização e a

implementação do ensino da língua cabo-verdiana são reconhecidas como necessidades

importantes para a melhoria do sucesso escolar do aluno, para o reforço da identidade da

populaçao e para o próprio desenvolvimento do país em outros sectores além da educação.

Por isso, é necessário que passos nesse sentido sejam dados, ou seja, os dados que obtivemos,

no nosso entender, demonstram que é necessário que o processo de ofialização da língua

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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cabo-verdiana seja acelerado no sentido de satisfazer as reais vontades do povo cabo-verdiano

e promover a afirmação e valorização da língua nacional em Cabo Verde e na diáspora.

4.4. PROPOSTA DE UM MODELO CURRICULAR DE TRANSIÇÃO PARA O

ENSINO DO CRIOULO

4.4.1. MODELOS DE ENSINO DAS ILHAS SEYCHELLES

E DA REGIÃO VALLÉE D AOSTE

O ensino de uma disciplina implica a sua integração num currículo de ensino adoptado num

país e, consequentemente a concepção desse currículo deve ser elaborado em função de

diferentes variáveis. Por isso, quando se fala do ensino da língua cabo-verdiana, os passos a

serem dados devem seguir essa mesma linha, com isso queremos dizer que a integração desta

língua no currículo de ensino em Cabo Verde deve acontecer também a partir da consideração

de vários factores. Nesse caso, os decisores e os conceptores desse currículo podem partir da

análise de outras realidades linguísticas semelhantes a Cabo Verde, mas o currículo a ser

concebido nunca deve ser uma mera cópia dessa realidade ainda que ela seja semelhante à

nossa. Por isso, neste ponto do trabalho, vamos analisar alguns modelos propostos por alguns

autores e também pelo Quadro Europeu Comum de Referência das Línguas.

No nosso entender, esses modelos poderão servir de base para o caso cabo-verdiano, tendo em

conta que são concebidos com vista a se alcançar a viabilização do bilinguismo que, no fundo,

é o que no futuro seria também a situação mais viável para Cabo Verde, conforme já tivemos

a oportunidade de explicar nos capítulos anteriores deste trabalho.

O primeiro modelo que vamos apresentar é o modelo das ilhas Seychelles. Apesar de nessas

ilhas se viver um contexto linguístico diferente do de Cabo Verde, é um modelo que pode

servir para a elaboração do currículo bilingue cabo-verdiano, pois, é um modelo em que o

ensino é iniciado em língua materna e, a medida que o aluno vai adquirindo as competências

objectivadas, vai se reduzindo o ensino da língua materna de forma planeada.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Nessas ilhas, conforme explica Richer (1996:343), existem três línguas oficiais: o inglês, o

francês e o crioulo, o que quer dizer que se trata de um contexto linguístico trilingue, em que

cada uma das línguas tem um passado histórico e, por isso, o seu nível de utilização por parte

dos falantes varia em função disso. Das três línguas, o inglês é a língua mais dominada, mas

nem por isso o francês e o crioulo deixam de ter um lugar no dia-a-dia dos falantes, quer no

ensino quer nas outras situações de uso formal ou menos forma.

Entretanto, o referido autor destaca que por razões históricas, o crioulo só começou a ser

valorizado a partir de 1979 com a tomada de algumas medidas legislativas, nomeadamente, a

introdução do crioulo no sistema de ensino em 1979, que começou com um programa de

alfabetização de adultos. Anos depois, uma outra lei aprovada, em 1982, conduziu à

introdução do ensino do crioulo nas ilhas Seychelles, desde o primeiro ano da Escola Primária

para aprendizagens fundamentais. A par disso, as línguas inglesa e francesa foram

introduzidas, mais tarde, como matéria e com a finalidade de ajudar no ensino de disciplinas

das áreas das ciências sociais e humanas, respectivamente.

Em 1981, uma nova política linguística foi implementada pelo Governo das ilhas Seychelles,

e o ensino do crioulo foi reforçado no primeiro ano da escola primária, sendo que, nos anos

seguintes (2º, 3º e 4º anos) o número de aulas foi sendo diminuído. No ensino secundário, o

ensino do crioulo é feito nos primeiros quatros anos.

O inglês é introduzido no sistema de ensino como matéria, a partir do 2º ano da Escola

Primária e, a partir do 5º é ensinado como instrumento de ensino aprendizagem de outras

disciplinas curriculares.

O francês passa a ser ensinado como língua estrangeira a partir do 4 ano da Escola Primária

como matéria.

Um outro modelo é o modelo de ensino bilingue implementado na região italiana denominada

de Vallé d’Aoste, região cuja localização geográfica fica entre a França e a Suíça. Nessa

região italiana, o bilinguismo foi implementado nas escolas, introduzindo o ensino do francês

e do italiano, com a mesma carga horária. Para que esse modelo de ensino bilingue desse

resultados satisfatórios nessa região autónoma da Itália, foram tomadas medidas proactivas,

ou seja, de acordo com as disposições nacionais, a organização docente nas escolas

valdotianas implicava a presença de três professores em duas turmas. Esses professores

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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tinham todos igual estatuto e responsabilidade em relação aos estudantes. Um tinha que fazer

seguimento, por exemplo, do italiano, da geografia, educação física; outro acompanhava o

ensino do francês, da história e da educação musical; enquanto que o terceiro tinha a

responsabilidade de ministrar o ensino de matemática, da ciência e da educação visual.

Com essa medida, o objectivo era permitir com que os professores também conseguissem

manter as suas competências nas duas línguas para que pudessem estar aptos a ensinar a

língua italiana, em uma sala de aula e em outra, a língua francesa. Neste quadro, aos

professores era exigida uma planificação semanal geral rigorosa e durante as suas funções

tinham que ter um grau de cooperação muito elevado para que pudessem alcançar bons

resultados com os alunos.

De acordo com Decime e Pasquier (2003)35 este cenário normativo, permitiu, no início dos

anos 1990, o desenvolvimento de uma metodologia que permitiu explorar os resultados da

investigação em psicologia cognitiva e do modelo teórico da abordagem texto, baseado nos

princípios da alternância: idioma, construção conceptual e diversificação dos textos. Este

processo permitiu também a renovação didática e pedagógica com a formação dos professores

que do ponto de vista metodológico e disciplinar foram adaptados a novas exigências.

Essa forma de alfabetização bilingue simultânea não nos parece a mais adequada para Cabo

Verde, porque no caso dessa região quer o francês quer o italiano gozam de estatuto de língua

materna. Entretanto, esse modelo pela forma como foi implementado, oferece alguns

subsídios no que diz respeito à forma de implementação de medidas. Também, pudemos

compreender que nessa região italiana, alguns condicionalismos foram sendo superados

depois da implementação do modelo, nomeadamente formação de mais e melhores

professores e produção de materiais didácticos, o que demonstra que não vale esperar até que

existam todas as condições para se ensinar uma língua, até porque entendemos que as

dificuldades que forem sendo encontradas, depois da implementação de uma política de

ensino, podem servir de referência para se saber como criar certos meios adaptados às reais

necessidades sentidas.

35 R. Decime, A. Pasquier- Education et sociétés plurilingues, 2003, numéro 14, pp 17-23 (site : www.cebip.com).

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

75

4.4.2. MODELOS DE ENSINO PROPOSTOS PELO

QUADRO EUROPEU COMUM DE REFERÊNCIA PARA

O ENSINO DAS LÍNGUAS

No Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas que é um documento publicado

pelo Conselho Europeu no domínio do ensino das línguas estrangeiras em contextos em que

existem uma língua nacional, encontramos também alguns modelos interessantes. Esses

modelos enquadram-se ao contexto europeu, que é diferente do cabo-verdiano, mas tendo em

conta que prevêem que o ensino da língua seja feito a partir de uma língua com a qual o aluno

tem mais familiaridade, com uma diminuição programada que ocorre à medida que o

aprendente alcança níveis mais elevados de ensino, entendemos por isso, que tais propostas

podem dar alguns subsídios na elaboração do modelo do ensino da língua cabo-verdiana em

Cabo Verde, pelo que decidimos apresentá-los.

Os dois modelos referenciados no referido documento destinam-se ao Ensino Primário,

Ensino Secundário Inferior e Ensino Secundário Superior (isto tendo em conta o sistema

europeu que no nosso caso equivaleriam ao EBI, ES, e ESup.).

O primeiro Modelo proposto pelo Quadro Europeu Comum de Referência concebe o ensino

primário como uma fase de libertação do aluno do etnocentrismo. Nessa fase de ensino o

modelo prevê que o ensino da LE1 deve levar com que o aluno consiga reconhecer a sua

identidade linguística e cultural, pelo que nessa fase ele deve aprender, essencialmente, os

aspectos relacionados como os sons da língua, o ritmo, a estética da outra língua para que

possa desenvolver também a sua competência comunicativa.

No Ensino Secundário Inferior, a LE2 começa a ser ensinada a partir de alguns requisitos

básicos que os alunos já haviam adquirido da LE1. Nessa fase, o aluno deve ser trabalhado

para desenvolver a compreensão oral sobre as suas produções.

Na terceira etapa, ou seja, no Ensino Secundário Superior, o modelo determina a diminuição

do ensino formal da LE1, passando a ser utilizada apenas para facilitar a aprendizagem

doutras disciplinas. Neste nível, uma terceira língua (LE3) pode começar a ser ensinada aos

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

76

alunos como opção, pois já terão adquirido maturidade linguística para usar essa terceira

língua.

O segundo modelo proposto, no referido documento de referência para o ensino das línguas

estrangeiras, também estabelece que o ensino da LE1 comece na Escola Primária, nos

mesmos moldes considerados pelo primeiro modelo, mas só que o desenvolvimento das

diferentes capacidades do aluno vão até ao término do Ensino Secundário, e neste caso através

da LE2 o aprendente passa a conhecer os aspectos sociolinguísticos e socioculturais da língua,

ampliando assim, a sua familiarização com a língua, quando usada em outros contextos,

nomeadamente a comunicação social. Ou seja, nesta fase procura-se desenvolver a capacidade

linguística para que o aluno possa usar a língua em contextos cultural e intercultural.

Quando chegar ao Nível Secundário Superior, as duas LEs, ou seja LE1 e LE2 os alunos já

terão maturidade linguística suficiente para continuarem a aprendizagem, mas só que terão

que ter uma competência muito mais complexa e exigente. Nessa fase, os alunos podem

escolher uma LE3, caso queiram, mas será mais por motivos profissionais e académicas.

4.4.3. MODELO DE ENSINO DA LÍNGUA CABO-

VERDIANA – UMA POSSÍVEL PROPOSTA

Ao fazermos uma análise de todos os modelos que acabamos de apresentar, concluímos que

eles podem se enquadrar em realidades diferentes da que se vive em Cabo Verde, mas

entretanto, todos eles apontam para um aspecto importante, isto é, em todos os modelos

analisados, coloca-se a tónica, ainda que de forma implícita, na importância que a LM tem na

aprendizagem de uma outra língua, quer ela seja uma LE, quer seja uma L2. De um modo

geral, a análise dos modelos apresentados dão uma ideia de como é que, em cada uma das

realidades, se implementou o ensino da LM, através de uma política previamente preparada e

planeada. No nosso entender, isso demonstra que também em Cabo Verde, esse pormenor

deve ser considerado. É evidente que, em Cabo Verde, existe um distanciamento claro em

termos de aquisição e aprendizagem das duas línguas em presença e, por isso, o modelo a ser

adoptado deve levar em conta esse aspecto, sem contudo se esquecer o que já foi comprovado

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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por várias investigações: que o ensino-aprendizagem de uma LE/L2 exige o domínio da

LM/L1, quer por parte do aluno, quer por parte do professor.

Vygotsky (1934) é, por exemplo, um dos vários estudiosos que sustenta esta tese e que realça

que, a importância da LM/L1 no ensino aprendizagem de uma LE/L2 verifica-se sobretudo na

fase inicial do processo de ensino-aprendizagem, o que nos leva a dizer que, no contexto

cabo-verdiano, a língua deve começar a ser ensinado, desde muito cedo. Mas no caso de Cabo

Verde, há ainda que definir bem uma outra questão, pois, se o objectivo é alcançar a paridade

no ensino das línguas cabo-verdiana e portuguesa, deve-se trabalhar para que a língua

portuguesa seja realmente ensinada como uma L2 e não como uma LE.

Por outro lado, a implementação do ensino da língua cabo-verdiana, ou de qualquer outra LM,

é uma medida que deve perpassar obrigatoriamente, pela consideração de alguns factores

fundamentais como, a idade a partir do qual se vai ensinar a língua, o prestígio que ela usufrui

junto dos cabo-verdianos; a motivação, ou não dos alunos em aprender uma língua que, até

então, usaram somente a nível da fala; o papel que os professores têm e terão no ensino da

língua e o papel dos pais na motivação dos filhos para a aprenderem. Tendo em conta esses

factores, insistimos igualmente que se deve fazer um estudo (feito por especialistas) para

conhecer as verdadeiras representações e aspirações que os cabo-verdianos têm sobre a sua

língua materna e o que pensam sobre a sua introdução no currículo de ensino nacional.

Com isso seria possível não só esclarecer os factores acima referidos, como também seria

possível conceber um modelo de ensino que fosse de encontro à concepção que a população

tem da sua LM.

Das várias acções levadas a cabo, desde a primeira República até a presente conjuntura, no

sentido de valorizar e oficializar a língua cabo-verdiana, a última actuação do Governo sobre

a situação linguística cabo-verdiana aconteceu com a aprovação da Resolução nº 48, de

Novembro 2005, onde se incentiva a valorização do uso da língua cabo-verdiana. Através

dessa resolução torna-se evidente que o Governo de Cabo Verde define uma política

linguística em Cabo Verde que vise a construção do bilinguismo. Entretanto, entendemos que

esse passo dado talvez não tenha sido dado da melhor forma.

Dizemos isso porque, quando na realidade, constatamos que os cabo-verdianos ainda têm

algumas reticências quanto ao prestígio da língua cabo-verdiana, pode-se dizer que se traçou

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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uma política linguística, mas faltou por outro lado, a planificação, sendo prova disso as

reservas que ainda existem quanto à escrita da língua e ao alfabeto a ser padronizado.

A “Comissão Nacional para a Padronização do Alfabeto”, criada em 1993, concebeu uma

proposta de regras ortográficas que é o Alfabeto Unificado para a Escrita do Cabo-verdiano,

ALUPEC, o qual foi oficialmente publicado em 1998 – no Suplemento do Boletim Oficial de

Cabo Verde, I série, nº48, de 31 de Dezembro. Na introdução dessa proposta lê-se que

(…) Sendo o crioulo a língua do quotidiano em Cabo Verde e elemento essencial da identidade nacional, o desenvolvimento harmonioso do país passa necessariamente pelo desenvolvimento e valorização da língua materna. Porém, esse desenvolvimento e valorização não serão possíveis sem a estandardização da escrita do crioulo, ou seja, Língua Cabo-verdiana. Ora, a estandardização do alfabeto constitui o primeiro passo para a estandardização da escrita do crioulo ou seja da língua cabo-verdiana.

Além dessa resolução, como já dissemos anteriormente, o Governo publicou várias outras

resoluções36 através dos quais se pode constatar as metas e as etapas estipuladas pelo Governo

para a oficialização da língua cabo-verdiana, bem como para a sua valorização e ensino. Todo

esse percurso feito e marcado por publicação de resoluções, decretos-lei, etc. demonstra que

tem existido uma política linguística para o país, mas a implementação plena das medidas, no

nosso entender, não têm tido resultados desejados por falta de um plano-guia.

Nesse sentido, entendemos que o Governo e as outras entidades com autoridade nessa matéria

devem começar a apostar, mais seriamente, num plano para a criação e implementação de um

modelo curricular que leve à criação de um modelo próprio para Cabo Verde, em que os

objectivos e as fases a serem percorridas são traçadas e, ao mesmo tempo, procurar-se-ia

tomar medidas que visem a reformulação do sistema de educação, ou seja, a planificação

linguística permitiria criar um plano das alterações que devem ser introduzidas no currículo a

médio e a longo prazos, com a oficialização da língua cabo-verdiana.

Numa fase inicial, essa planificação implicaria, como já explicamos anteriormente no ponto

em que falamos dos meios para a oficialização, a criação das condições básicas,

nomeadamente, incentivos à investigação da língua, formação de professores e de materiais

36 O Governo publicou as seguintes Resoluções: Resolução 8 – 98, B.O. n. 12 de 31 de Abril Resolução n 8 – 98 B. O. n 10 de em Julho de 1999, o Governo procedeu a uma revisão da Constituição

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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didáctico-pedagógicos em e sobre a língua cabo-verdiana. Paralelamente a isso, há que

procurar criar formas de incentivar a valorização da língua por parte dos cabo-verdianos,

como uma maneira de a prestigiar não só como um instrumento que é valido para a

comunicação diária, mas também como instrumento de ensino. Neste aspecto pensamos que

não só o Ministério da Educação como o Ministério da Cultura, têm um papel muito

preponderante e deveriam trabalhar em conjunto e com ajuda de outros parceiros nacionais e

internacionais que tenham contributos a dar nessa matéria.

Face aos condicionalismos ainda existentes37 entendemos que a implementação da língua

cabo-verdiana no currículo de ensino cabo-verdiano deveria ser feito por fases.

Numa primeira fase, tendo em conta a carência de professores com formação para o ensino da

língua cabo-verdiana, devia se apostar no seu ensino a nível do ensino superior. Embora essa

integração já se verifica a nível do curso ministrado no Instituto Superior da Educação na área

de estudos cabo-verdianos e portugueses, permitindo com que os professores formados nessa

área adquiriram alguma valência para o ensino da língua cabo-verdiana, pensamos que essa

formação é ainda deficitária. É preciso que os objectivos e o peso da disciplina de linguística

cabo-verdiana e outras afins a nível da referida formação, sejam revistos para que os

professores terminem o curso mais capacitados e dotados de mais ferramentas para ensinar a

língua cabo-verdiana e também para que comecem a desenvolver estudos investigativos que

poderão servir de apoio na concepção de materiais didáctico-pedagócicos. Além disso, é

necessário que nessa fase da formação, se comece também a preparar os professores do EBI

para o ensino da língua cabo-verdiana.

Numa segunda fase, começar-se-ia a conceber um currículo de ensino da língua no EBI, pois,

sendo a língua cabo-verdiana uma LM e, considerando os pressupostos do autores38 que

defendem que a LM facilita o desenvolvimento integral da criança e a aprendizagem de uma

LE L2 e de outras disciplinas, entendemos que o seu ensino em Cabo Verde deve começar a

ser feito a partir do EBI.

O modelo do currículo a ser concebido nesse caso, deve permitir por isso, o desenvolvimento

integral da criança, desde que ela iniciar o ensino básico e, gradualmente, esse ensino deve ser

37 Ler capítulo III, na parte em que falamos dos factores condicionantes da oficialização 38 Vygotsky (1934), Martín (2004), Mateus (2002), são alguns autores que destacam a importância do ensino de uma LM no desenvolvimento da Criança e na aprendizagem de uma outra LE ou L2.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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reforçado para que ela possa ter ferramentas para aprender a língua portuguesa. Essa proposta

parece-nos ser adequada também para que se possa alcançar, numa fase mais adiantada, a

educação bilingue que se deseja, ideia que também é defendida por Salazar Ferro (1997)39 ao

fazer as seguintes observações na introdução de uma artigo sobre educação bilingue em Cabo

Verde escrito na revista Cimboa:

os alunos em Cabo Verde podem comunicar-se em crioulo quando começam a escola (seis ou sete anos de idade) mas, em geral, não o podem fazer em Português. Quando lhes é imposto o uso do Português, sem outra alternativa, preferem ficar calados, pois sentem medo de errar e ser alvo de troça dos colegas e, muitas vezes do próprio professor. Este vai falando quase todo o tempo, mandando repetir algumas vezes e arrancando penosamente algumas respostas (Salazar Ferro 1997:6).

Esta constatação feita por Ferro é, para nós, cem por cento válida e por isso, é partindo da

análise da sua proposta de ensino da língua materna e de transição para o ensino bilingue, bem

como de outras propostas explicadas anteriormente, que procuramos definir um possível

modelo de ensino da língua cabo-verdiana no EBI, o qual passamos a apresentar de seguida:

No primeiro ano do EBI, a língua cabo-verdiana pode ser ensinada como disciplina e como

meio de ensino de outras disciplinas. Assim o aluno não só aprenderia a LM, podendo

desenvolver, nessa primeira fase, as suas capacidades no domínio dos sons e da fala, como

também compreenderia o conteúdo das outras disciplinas. Nesse caso, o ensino da língua

cabo-verdiano podia ser feito em simultâneo como da língua portuguesa, mas só que, esta

última seria aprendida como meio de ensino, ou seja, meio de transmissão do conteúdo

explicado em língua cabo-verdiana, depois destes terem sido compreendidos por via de uma

explicação feita em LM. Isto significa dizer então que, a língua cabo-verdiana teria que ser

introduzida com uma carga horária maior.

No segundo ano do EBI, a língua cabo-verdiana continuaria a ser estudada como no primeiro

ano, só que o aprendente deverá começar a desenvolver as suas capacidades nos domínios da

escrita e da leitura. A língua portuguesa começaria a ser ensinada tal como no primeiro ano.

A partir do terceiro ano o aluno já terá adquirido a capacidade de diferenciar as duas línguas,

reconhecendo as funções de cada uma delas no seu processo de ensino-aprendizagem. Nessa

39 Ferro, Salazar Educação Bilingue em Cabo Verde, pp. 6-9 in Cimboa, Revista Cabo-verdiana de Letras, Artes e Estudos, n 2, Verão 1997

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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altura, a língua cabo-verdiana será ensinada como disciplina e como meio de estudo das

disciplinas das ciências exactas, enquanto que a língua portuguesa será ensinado como

disciplina e ainda como meio de ensino das disciplinas pertencentes às ciências não exactas

até ao 4º Ano.

A partir do 5º até 6º anos do EBI, a língua portuguesa continuará como disciplina e língua de

ensino de outras disciplinas, quer das ciências exactas, quer das não exactas, enquanto que a

cabo-verdiana será ensinado apenas como língua autónoma com uma carga horária menor que

a da língua portuguesa.

Este modelo ajudaria o aluno não só a assimilar a sua língua materna, como também, a partir

do 4º ano, ele estaria em condições de acompanhar as aulas em língua portuguesa sem

necessidade de a decorar. A língua cabo-verdiana nesse fase de transição para o ensino

bilingue não prejudicaria a aprendizagem da língua portuguesa, pois, conforme diz Ferro

(1997) para os alunos que entram no EBI sem o domínio do português, o uso do crioulo como

meio de ensino de outras disciplinas irá permitir a compreensão das diferentes matérias ao

mesmo tempo que este faz uma transição suave para o português. Por outro lado, quando

também propomos que a língua portuguesa seja ensinada como língua e meio de ensino de

todas as disciplinas a partir do 5º ano, é porque esta língua é a que possui maior tradição

científica do que a cabo-verdiana (pelo menos por enquanto) e assim sendo, ela garante ao

aprendente maiores possibilidades de integração no ensino e no mercado de trabalho a nível

internacional.

A implementação do ensino do crioulo é uma medida que cabe ao Governo e essa

implementação deve ser feita, no nosso entender, num tempo razoável para resultados

positivos sejam alcançados no futuro. Nesse sentido, a implementação do ensino no EBI, não

devia começar logo de uma forma generalizada. Pode-se partir de uma experiência-piloto (a

título do que vai acontecer este ano com a educação especial), em algumas escolas do país,

com um grupo de professores e de alunos previamente determinados. Do seguimento dos

resultados dessa experiência vai-se colher então, subsídios importantes, quer para

investigação, quer para o melhoramento do ensino, através de conclusões e recomendações a

serem produzidas. Depois disso será possível avaliar o sucesso do modelo e decidir se vale a

pena a sua implementação generalizada, a nível do EBI e também a nível do Ensino

secundário num tempo mais avançado.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Antes de terminar esse ponto, vamos apresentar, de seguida, um quadro em que procuramos

sintetizar o modelo que propomos para o ensino da língua cabo-verdiana no EBI, mas antes,

gostaríamos de dizer que com esta proposta pretendemos apresentar aquilo que pode ser

tomado com um modesto contributo e um caminho para uma reflexão e apresentação de

outras propostas futuras, com vista a se poder encontrar um melhor modelo de ensino da

língua cabo-verdiana para Cabo Verde.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Quadro 2 – Proposta de um modelo de ensino da língua cabo-verdiana no EBI

Ano de ensino do EBI Línguas

Língua cabo-verdiana Língua portuguesa

Carga Horária

1º Ano do EBI Ensinada como língua e meio de ensino

dos conteúdos de outras disciplinas

Ensinada como meio de ensino dos

conteúdos de outras disciplinas

Língua cabo-verdiana com maior carga

horária do que a língua portuguesa

2ºAno do EBI Ensinada como língua e meio de ensino

dos conteúdos de outras disciplinas

Ensinada como meio de ensino dos

conteúdos de outras disciplinas

Língua cabo-verdiana com maior carga

horária do que a língua portuguesa

3ºAno

Ensinada como língua e meio de ensino

dos conteúdos de outras disciplinas

pertencentes às ciências exactas

Ensinada como língua e meio de ensino

dos conteúdos de outras disciplinas

pertencentes às ciências não exactas

Língua cabo-verdiana com mesma

carga horária do que a língua

portuguesa

4ºAno Ensinada como língua e meio de ensino

dos conteúdos de outras disciplinas

pertencentes às ciências exactas

Ensinada como língua e meio de ensino

dos conteúdos de outras disciplinas

pertencentes às ciências não exactas

Língua cabo-verdiana com mesma

carga horária do que a língua

portuguesa

5ºAno

Ensinada como língua autónoma Ensinada como língua e meio de ensino

dos conteúdos de outras disciplinas

pertencentes às ciências exacta e não

exactas

Língua cabo-verdiana com menor carga

horária do que a língua portuguesa

6ºAno Ensinada como língua autónoma Ensinada como língua e meio de ensino

dos conteúdos de outras disciplinas

pertencentes às ciências exactas e não

exactas

Língua cabo-verdiana com menor carga

horária do que a língua portuguesa

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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CONCLUSÃO

Chegado a este ponto do trabalho e tendo em conta os objectivos a que propusemos alcançar com

o desenvolvimento do tema que dá corpo a esta monografia, vamos procurar apresentar neste

último ponto, as principais ilações a que chegamos ao longo do tratamento dos tópicos referentes

aos quatro capítulos.

Primeiramente gostaríamos de dizer que, entendemos que não podiamos falar da questão da

oficialização da língua cabo-verdiana e do seu ensino, sem antes conhecermos um pouco da sua

história. Por isso definimos como um dos primeiros objectivos deste trabalho, fazer uma reflexão

sobre a origem, a formação e a evolução dos crioulos em geral e do cabo-verdianos em particular.

Da análise feita, concluímos que a definição do termo crioulo foi sempre comtroverso, o que

também se repercutiu na própria explicação sobre a história real da origem e formação dos

crioulos em geral e do crioulo cabo-verdiano particularmente. Entretanto, sabe-se que o termo é

recente, data do Século XVI e a sua definição passou a ganhar maior consistência e consenso no

quadro do aparecimento de um novo ramo da linguística que é a crioulística que passou a

defender a tese de que os crioulos foram resultados de contacto de línguas.

Relativamente ao crioulo cabo-verdiano, concluimos que também as explicações sobre a sua

origem e formação são controvérsas, facto que é reconhecido por diferentes estudiosos que

apontam a faltam de registos que relatam a sua história, desde o primeiro século da ocupação de

Cabo Verde. Essa controvérsia justifica também a exististência de várias teorias acerca da história

do crioulo cabo-verdiano, que podem ser enquadradas em três linhas de pensamento:

1) que o crioulo de Cabo Verde se formou na costa atlântica africana e, só depois, se

deu a sua transferência para o arquipélago;

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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2) que ele teve origem nas ilhas, concretamente em Santiago, e só depois terá sido

levado para África;

3) que houve o desenvolvimento simultâneo de um crioulo cabo-verdiano-guineense

nas duas regiões: no arquipélago e na costa africana.

Entretanto, um dado que nos ficou assente é que a maioria das teses, através das quais se

procurou explicar a origem e formação do crioulo cabo-verdiano apontam que a sua génese

esteve relacionada com a história da escravatura, tal como também aconteceu com todos os

outros crioulos em geral. Portanto, pode-se concluir que a tese sobre a origem e a formação do

crioulo de Cabo Verde que reune maior consenso é a que toma Cabo Verde como o espaço do

nascimento do crioulo; que entende a sua formação como resultado de um processo dialéctico

propiciado por um contexto plurilinguístico, em que os escravos, não sendo um grupo unitário,

por causa da diversidade étnica e da necessidade de comunicação, foram obrigados a usar um

código de comunicação com os senhores.

Em suma, seria a segunda linha de pensamento destacada acima, o que também vai de encontro à

tese de A. Carreira (1984), que diz que o crioulo cabo-verdiano ter-se-ia formado a partir de um

pidgin de base lexical portuguesa, na ilha de Santiago, a partir do séc. XV. Esse pidgin teria sido

depois transportado para a costa Ocidental da África através dos lançados. A partir daí, esse

pidgin se transformou em dois proto-crioulos distintos, um que estaria na base de todos os

crioulos de Cabo Verde e, outro que estaria na base do crioulo da Guiné-Bissau, daí a razão de

também se considerar que os crioulos dos dois países se formaram simultaneamente, num

contexto sociolinguístico idêntico. Essa ideia levou-nos também a concluir que até se transformar

numa língua plena o crioulo cabo-verdiano evoluiu em fases distintas, isto é, de pigdin evoluiu

para proto-crioulo e deste para crioulo propriamente, isso por volta do século XVIII, altura em

que se tornou numa língua autónoma.

No início desta monografia , afirmamos que a nossa grande preocupação centrar-se-ia na questão

da oficialização e transição da língua cabo-verdiana para língua de ensino, mas entretanto

entendemos que para falarmos desse assunto, teriamos que conhecer um pouco a situação

linguística que a caracteriza. Com a realização deste estudo, pudemos constatar que a actual

situação da língua cabo-verdiana, caracteriza-se pelo estado sociolinguístico de diglossia, uma

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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vez que a competência dos falantes na língua cabo-verdiana não é a mesma que têm em língua

portuguesa. Além disso, pudemos também compreender que a língua cabo-verdiana está a passar

por uma fase que se pode considerar de contacto de línguas. Por outro lado, é nossa conficção de

que o papel que a língua cabo-verdiana tem desempenhado e deverá desempenhar actualmente,

não pode ser visto somente em relação à sua coabitação com a língua portuguesa, mas também

com o contacto que tem mantido com outras línguas estrangeiras, como o inglês e o francês.

Outro dado acerca da actual situação linguística da língua cabo-verdiana que pudemos apreender

é que, ela está a ser marcada pelo fenómeno de descrioulização que, no nosso entender, é

resultante do contacto com outras línguas, do pouco prestígio que tem tido junto dos falantes(na

sua vertente escrita) e ainda da relação de um certo conflito com a língua portuguesa, acabando as

duas línguas por se influenciarem mutuamente. Neste sentido, concluímos que a actual situação

linguística que se vive no país, em nada abona a língua nacional e para que se possa reverter essa

situação, é necessário redefenir o seu prestígio e estatuto(a par também da redefinição do papel

da língua portuguesa) para que se possa não só oficilizar a língua, como também se possa

alcançar o bilinguismo real e funcional desejado.

Por outro lado, apesar de se ter provado que tal como a língua portuguesa a língua cabo-verdiana

é uma língua plena e com condições de se tornar num idioma dominante e oficial, pudemos

perceber que a sua oficialização bem como a sua integração no sistema de ensino cabo-verdiano

nem sempre têm sido tratadas de forma pacífica, principalmente, porque ainda existem alguns

factores que têm condicionado uma tomada de decisão definitiva, nomeadamente:

• a inexistência de uma norma de escrita da língua;

• a resistência prevalecente no seio de alguns cabo-verdianos em não aceitar o

ALUPEC;

• a existência de um certo complexo por parte do povo cabo-verdiano em assumir

o prestígio da língua cabo-verdiana em pé de igualdade com o que atribuem à

língua portuguesa (marca deixada pelo discurso colonialista que em determinada

altura a subalternizou);

• a diversificação da língua em função do tempo, nível cultural e académico dos

seus falantes, da ilha, do espaço geográfico, do acesso aos meios de

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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comunicação social ou não (neste caso com predomínio do uso da língua

portuguesa);

• pouca quantidade e diversificação de instrumentos de estudo da língua, quer de

âmbito investigativo, quer didáctico-pedagógicos;

• falta de recursos humanos qualificados para ensinar a língua e

• resistência dos falantes em consultar instrumentos sobre a língua já existentes.

No término deste trabalho, não poderíamos deixar de recuperar aqui, as palavras do estudioso

Roland Barthes40 para também introduzirmos outras ilações a que chegamos com o estudo feito.

Segundo Barthes, aquilo que pode ser opressivo num ensino não é (...) o saber que ele veicula,

mas sim as formas discursivas através das quais anunciamos esse saber ou essa cultura. Ora,

esta citação, no nosso entender, explica em poucas palavras a necessidade de oficialização da

língua cabo-verdiana e a implementação do seu ensino e, quando são os próprios cabo-verdianos

que reclamam essa oficialização, não restam dúvidas de que já existe uma consciência que a

nossa língua é um meio de transmissão do saber e também da nossa identidade cultural.

Comprovamos esse facto também, através dos resultados obtidos com a aplicação do inquérito,

objectivando o conhecimento da posição dos inquiridos sobre a oficialização, a escrita e o ensino

da língua cabo-verdiana. Ou seja, Da análise dos dados obtidos, pudemos constactar que a

maioria das pessoas vêm a oficialização da sua língua materna como uma forma de

reconhecimento do seu valor identitário ao mesmo tempo que também traria vantagens na

melhoria do ensino-aprendizagem dos alunos e ajudaria igualmente no desenvolvimento dos

diferentes sectores de desenvolvimento do país. Ainda, com esse inquérito ficou claro que para

grande parte dos entrevistados, o ensino da língua cabo-verdiana deve começar a ser feito, desde

o ensino primário, o que nos levou a inferir que existe também uma consciência de que a LM,

quando aprendida desde a tenra idade, traz mais e melhores beneficios para a melhoria da

qualidade do ensino-aprendizagem e do próprio desenvolvimento da consciência identitária do

aluno, enquanto cidadão nacional.

Entretanto em relação à escrita do crioulo, as opiniões dos interrogados apontam para uma certa

insegurança e receio em relação ao uso do ALUPEC, o que poderá estar relacionado como o 40 Apud. Emília Amor, 2003

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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desconhecimento da aplicabilidade deste instrumento e também com a questão da indefinição da

variante a ser oficializada.Convém realçarmos que essa insegurança e receio, constactámo-la,

principalmente, nas respostas dos estudantes e indivíduos da sociedade civil cabo-verdiana, o que

nos encoraja a dizer que talvez fosse já momento de se começar a pensar numa forma de informar

a sociddade cabo-verdiana da aplicabilidade do ALUPEC e também de se iniciar com uma

experiência piloto junto dos alunos em algumas escolas do país quer do Barlavento, quer do

Sotavento para se ter uma ideia igualmente do grau da sua aceitação.

Em suma, os resultados do inquérito, apontam que a oficialização e a implementação do ensino

da língua cabo-verdiana são constituem necessidades importantes para o melhoria do sucesso

escolar do aluno, para o reforço da identidade da população e para o próprio desenvolvimento do

país em outros sectores além da educação. Neste sentido é necessário que o processo de

oficialização da língua cabo-verdiana seja acelerado, visando a satisfação das reais vontades do

povo cabo-verdiano e promover a afirmação e valorização da língua nacional em Cabo Verde e

na diáspora.

Sabemos que muita coisa já foi feita até à presente conjuntura. Colóquios e Fóruns linguísticos,

aprovação de vários Decretos-lei, resoluções governamentais e revisões constitucionais, são

exemplos de esforços feitos para valorizar a língua cabo-verdiana e preparar a sua oficialização e

tudo isso, tornou evidente que tem havido uma preocupação em definir uma política linguística

para Cabo Verde, mas entretanto, ficou-nos a ideia de que tudo tem sido feito sem uma

planificação. Por isso, somos de opinião que se deve começar a repensar as etapas a serem

percorridas, ou seja, as medidas que vierem a ser implementadas para oficializar a língua cabo-

verdiana deveriam ser orientados por plano. Isso permitiria estabelecer prazos e prioridades, a

começar numa fase inicial, pela criação de condições básicas que ainda carecem de ser criadas,

como sejam: determinação da variante a ser oficializada e de um alfabeto para a escrita da língua,

estudos sobre e em língua cabo-verdiana, formação de professores, elaboração de materiais

didáctico-pedagógicos, resgate do prestigio da língua cabo-verdiana junto de alguns sectores (por

exemplo na comunicação social)., estabelecimento de parcerias com instituições (nacionais e

internacionais) de investigação e de ensino do crioulo.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Se é um dado que Cabo Verde é um país, onde predomina a diglossia, também não restam

dúvidas que as duas línguas(cabo-verdiana e portuguesa) não podem desempenhar as mesmas

funções no sisema de ensino cabo-verdiano. Daí que, a política linguística de oficialização e

integração da língua cabo-verdiana nos curricula que vier a ser implementada deve também ser

orientada por um plano que permitiria a elaboração de um modelo de ensino da LM, no qual os

objectivos, as metodologias e as fases a serem alcançadas estariam bem definidas.

Tendo em conta que o ensino de uma língua não pode ser feito sem professores capacitados, no

nosso entender o modelo que vier a ser elaborado pelo Governo para esse efeito, deve incluir

como ponto de partida, uma planificação para a preparação do pessoal docente, o que implicaria a

integração da língua cabo-verdiana a partir do nível superior. Assim ao mesmo tempo que se

investiria na formação, estar-se-ia também a fomentar a produção de trabalhos investigativos de e

em língua cabo-verdiana, a promover a realização de estudos, o uso da língua nos órgãos de

comunicação. Para o desenvolvimento dessas acções o Ministério da Educação e o da Cultura

deveriam trabalhar em estreita relação, investindo juntos para um único fim: oficializar e criar as

condições para o ensino da língua cabo-verdiana em outros níveis, além do superior, o que

deveria acontecer numa segunda fase e, no nosso entender, a partir do ensino primário.

Estamos cientes que o ensino da língua cabo-verdiana poderá ser começado em função de

diferentes propostas e do lugar que se quer que a futura língua oficial ocupe nos curricula, mas

uma vez mais, queremos afirmar que essa escolha não deverá menosprezar a vontade dos cabo-

verdianos. Por outro lado é importante não esquecer que a língua portuguesa faz parte da história

do povo cabo-verdiano e permitirá a nossa relação com a comunidade internacional,

principalmente, a comunidade lusófona. Por isso, esta língua deverá continuar também a fazer

parte do sistema de ensino, a par da língua cabo-verdiana, mas como já foi dito, há que redefinir o

seu estatuto. Assim, é partindo desta premissa, da importância atribuída às LMs no

desenvolvimento da criança e também dos resultados obtidos do inquérito que entendemos que,

numa segunda fase, o ensino efectivo da língua cabo-verdiana deve ser integrado a partir do EBI

a par do ensino da língua portuguesa, mas com objectivos diferentes conforme explicamos no

ponto do trabalho em que nos debruçamo-nos sob este assunto.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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ANEXOS

ANEXO 1 – INQUÉRITO

PERFIL DO ENTREVISTADO

Sexo: Masculino Feminino

Estado Civil: Solteiro(a) Casado(a) Divorciado(a) Viúvo(a)

Idade: 15– 19 20 – 30 31 – 40 41 – 50 + de 50

Este inquérito enquadra-se no âmbito da realização da Monografia de fim de licenciatura em Estudos Cabo-verdianos e Portugueses, no Instituto Superior de Educação. Através deste instrumento, pretende-se colher subsídios para o desenvolvimento do nosso trabalho cujo título è: Língua Cabo-verdiana – Da Oficialização à Transição para Língua de Ensino. Assim, por se entender que a comunidade escolar, bem como outros actores da sociedade, têm uma contribuição valiosa a dar no desenvolvimento do tema em destaque e, certamente para se chegar a algumas conclusões, achamos por bem aplicar este questionário a um grupo alvo específico que envolva, professores, alunos, especialistas da língua, pais e encarregados de educação e outra entidades da sociedade civil que estão implicados nas questões da oficialização e implementação da língua cabo-verdiana como língua de ensino. Neste sentido, agradecemos antecipadamente a sua colaboração no preenchimento deste inquérito e solicitamos igualmente, que todas as perguntas sejam respondidas, uma vez que o nosso propósito não é avaliar as respostas certas, ou erradas.

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Residência:

Bairro____________________ Cidade____________________ Ilha _________________

Profissão: _______________________________________________________________

Local onde estuda/trabalha:

________________________________________________________________________

Habilitações literárias:

Ens. Secundário (completo

Ens. Secundário (incompleto)

Ens. Superior (Bacharelato)

Ens. Superior (Licenciatura)

Ens. Superior (Mestrado)

Ens. Superior (Doutoramento)

1. OFICIALIZAÇÃO DO CRIOULO

1. É a favor, ou não da oficialização do crioulo? Sim Não

Porquê?

________________________________________________________________________

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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2. Na sua opinião, a oficialização do crioulo deve ser feita:

A curto prazo A médio prazo A longo prazo

Porquê?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

3. Na sua perspectiva, quais seriam as vantagens da oficialização do

crioulo?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

4. No seu entender, o que falta para a oficialização do crioulo?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

5. Para si, a oficialização do crioulo depende de:

Questões políticas

Falta de vontade do governo

Falta de professores qualificados para o ensino desta língua

Falta de materiais didáctico – pedagógicos

Outros aspectos (indicar s.f.f.)

_______________________________________________________________________

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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2. IMPLEMENTAÇÃO DO ENSINO DO CRIOULO

6. Como avaliaria a utilização do crioulo nas escolas?

Inútil Pouco útil Útil Muito útil

Porquê?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

7. Defende a implementação do ensino do crioulo, ou do ensino em crioulo?

Porquê?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

8. No seu entender, a partir de que nível se deve começar a ensinar o (em) crioulo?

Ens. Básico Ens. Secundário Ens. Superior

9. Na sua opinião, o ensino do crioulo deve ser:

Facultativo Obrigatório

Porquê?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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10. A implementação do ensino do crioulo contribuiria para a melhoria

da aprendizagem do português e das outras disciplinas?

Sim Não

Porque?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

3. ESCRITA DO CRIOULO

11. Para si, os alunos teriam muita dificuldade em usar o ALUPEC41 na

escrita do crioulo? Sim Não

Porquê?

_______________________________________________________________________

_______________________________________________________________________

12. Considera que os cabo-verdianos conseguiriam escrever em crioulo

sem problemas, usando o ALUPEC? Sim Não

Porquê?

________________________________________________________________________

________________________________________________________________________

41 Alfabeto Unificado para a escrita do Crioulo.

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13. Considera que os alunos teriam mais dificuldades, escrevendo em

crioulo do que em português? Sim Não

Porque?

_______________________________________________________________________

_______________________________________________________________________

14. Já leu algum livro em Crioulo? (Se sim diga qual)

Título e autor

_______________________________________________________________________

15. Qual foi o grau de dificuldade que teve ao ler o livro?

Nenhuma Pouca Muitas Dificuldades

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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ANEXO 2 – RESULTADOS DO INQÚERITO

1 – OFICIALIZAÇÃO DO CRIOULO

É a favor, ou não da oficialização do crioulo?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Sim, é a favor da

oficialização

Não, não é a favor da

oficialização

Sem opinião

100 pessoas 82% 16% 2%

Na sua opinião, a oficialização do crioulo deve ser feita a curto, a médio ou a longo prazo?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Curto prazo Médio prazo Longo prazo Sem

opinião

Inválido

100 pessoas 22% 26% 45% 6% 1%

Na sua opinião, a oficialização do crioulo traz vantagens, ou não traz vantagens?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Traz vantagens Não traz vantagens Sem opinião

100 pessoas 87% 2% 11%

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Na sua opinião de quais dos seguintes factores depende a oficialização do crioulo?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Questões

políticas

Falta de

vontade

do

Governo

Falta de

professores

qualificados

Falta de

materiais

didácticos-

pedagógicos

Sem

opinião

Implementaç

ão do ensino

do crioulo

100 pessoas

35% 22% 58% 53% 6% 2%

Em relação à implementação do ensino do crioulo os inqueridos responderam às questões da

seguinte forma:

2 – IMPLEMENTAÇÃO DO ENSINO DOCRIOULO

Como avaliaria a utilização do crioulo nas escolas?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Útil Muito útil Pouco útil Inútil Sem

opinião

100 pessoas 47% 39% 11% 2% 1%

A partir de que nível de ensino se deve começar a ensinar o (em) crioulo?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Ensino básico Ensino secundário Ensino

superior

Sem

opinião

100 pessoas 69% 21% 5% 5%

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Língua Cabo-verdiana: da Oficialização à Transição para Língua de Ensino

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Na sua opinião, o ensino do crioulo deve ser facultativo ou obrigatório?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Facultativo Obrigatório Sem opinião Inválida

100 pessoas 30% 62% 7% 1%

A implementação do ensino do crioulo contribuiria para a melhoria do ensino

aprendizagem do português e de outras disciplinas?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Sim, contribui Não, não contribui Sem opinião

100 pessoas 73% 20% 7%

Relatitivamente à questão da escrita e o uso do ALUPEC os inquiridos responderam às questões

da maneira seguinte:

3 – ESCRITA DO CRIOULO E USO DO ALUPEC

Para si, os alunos teriam muitas dificuldades em usar o ALUPE na escrita do crioulo?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Muitas dificuldades Poucas dificuldades Sem opinião

100 pessoas 46% 40% 10%

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• 2% responderam que essa dificuldade seria só no início;

• 2 % responderam que depende de como se processar o seu ensino-aprendizagem e da boa

vontade do aluno;

Considera que os alunos e os cabo-verdianos teriam mais dificuldades, escrevendo em crioulo do que em

português?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Sim, mais dificuldades

na escrita do crioulo do

que em português

Não, menos dificuldades

na escrita do crioulo do

que em português

Sem opinião

100 pessoas

52% 33% 13%

• 1% – Respondeu que essa dificuldade seria só no início; 1- respondeu que depende da

forma como for implementado o uso do ALUPEC

Já leu algum livro escrito em crioulo?

N de inquiridos Respostas dos inquiridos

Sim Não

100 pessoas 68 32

Qual foi o grau de dificuldade que teve ao ler o livro?

n. inquiridos Respostas dos inquiridos

Nenhuma

dificuldade

Pouca dificuldade Muita dificuldade Sem opinião

Não leu

100 pessoas 14% 43% 11% 32%

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