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1 INSULADA: Fotoperformances em ilhas de Belém 1 Rosilene da Conceição Cordeiro 2 (UNAMA/ PA) Pedro Ivan Olaia Ribeiro Filho 3 (UFPA/PA) Analaura Corradi 4 (UNAMA/PA) RESUMO: O presente artigo surgiu no intuito de produzir reflexões teórico-críticas em torno de algumas considerações/posicionamentos/análises quanto aos elementos compositivos das relações conceituais, artísticas e estéticas, ´resentes nas performances do Projeto “INSULADA: o ato de se transformar em ilha”. O projeto em tela se configurou como um ensaio fotoperformático realizado em três ilhas da região insular da cidade de Belém-PA, Ilha de Cotijuba, Ilha das Onças e Ilha do Combu, sendo ele concebido e levado a termo por um coletivo de artistas performers, também, da cidade de Belém, ao ser contemplado com o Prêmio de Produção e Difusão Artística 2016, patrocinado pela Fundação Casa das Artes, no estado do Pará. Os artistas objetivavam propor uma forma artística diferenciada, interfaceada num trabalho interlinguagens entrefotografia, corpo, performance e dos recursos tecnológicos que dispunham, a fim de problematizar indagações sobre vida continental e vida insular as quais, na maioria das vezes reapareciam separadas, nos sentenciando a pensar/ sentir/ experimentar/ produzir saberes culturais sobre tais espaços pertencentes da cidade de forma fragmentada, de realidades dissociadas e culturalmente desiguais. As fotoperformances insulares, assim chamadas, reabriram esses canais de descobertas e análises pelas experimentações diversas (visuais, sonoras, auditivas, olfativas e táteis) percepções contextuais vividas em cada imersão. Ao término das viagens o trabalho foi compartilhado com o público em ações distintas, entre exposições, catálogo virtual, rodas de conversa sobre o processo artístico e duas performances cênicas inclusas no rol de atividades interventivas com o público, INFUSÃO e FISSURA, ambas [a]presentadas no Estúdio REATOR. A performance FISSURA foi re-apresentada na Elf Galeria, em agosto de 2018 por ocasião da exposição “ 1 Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre os dias 19 e 21 de setembro de 2018, Belém/PA. 2 Mestra em Comunicação, Linguagens e Cultura pela Universidade da Amazônia PPGCLC/UNAMA (2018). Especialização em Artes Cênicas, Estudos Contemporâneos do Corpo, UFPA (2012). Graduação em Pedagogia pela UFPA (2003) e atriz, pela Escola de Teatro e Dança da UFPA (2006). Integrante dos grupos de pesquisa Capital Social e Cultural no Contexto Midiático Contemporâneo, Grupo de Pesquisa Arte Contemporânea na Amazônia: fluxos, redes e cartografias, ambos da Universidade da Amazônia. Pesquisadore integrante do grupo de pesquisa PERAU - Memória, História e Artes Cênicas na Amazônia, da Universidade Federal do Pará. Email: [email protected] 3 Mestrando em Linguagens e Saberes na Amazônia - Leitura e Tradução - UFPA-Bragança (2017). Pós- graduado em Educação Matemática Comparada, Escola Superior Aberta do Brasil, ESAB (2015). Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Pará (2010). Ator pela Escola de Teatro e Dança da UFPA. Faz parte do Grupo de Pesquisa LELIM (Laboratório de Estudo Linguagem Imagem e Memórias) e do editorial da Nova Revista Amazônica. Artista multimídia e pesquisador cujo trabalho tem como foco as performances de Sophia, que é sua drag queen.. Email: [email protected] 4 Doutorado em Ciências Agrícolas pela Universidade Federal Rural da Amazônia em Ecossistemas Amazônia ( 2009) mestrado em Letras: Lingüística da Universidade Federal do Pará (1998) É licenciada em Comunicação Social pela Universidade Católica de Pelotas (1980). Professora titular na Universidade da Amazônia, nos cursos de Comunicação Social (Publicidade e Jornalismo) (1990) e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura (2009) Vice coordenadora do ITA Interações e Tecnologia da Amazônia (UNAMA / UFPA), coordenadora do Grupo de Estudos de Capital, Assuntos Sociais e Culturais no contexto da mídia contemporânea (UNAMA) e do Projeto Banzeiro. Email: [email protected]

INSULADA: Fotoperformances em ilhas de Belém1 Rosilene da ... · 6 O fotógrafo Dudu Lobato produz trabalhos artísticos na linguagem da fotografia, onde busca a produção de fotografias

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INSULADA: Fotoperformances em ilhas de Belém1

Rosilene da Conceição Cordeiro2 (UNAMA/ PA)

Pedro Ivan Olaia Ribeiro Filho3 (UFPA/PA)

Analaura Corradi4 (UNAMA/PA)

RESUMO: O presente artigo surgiu no intuito de produzir reflexões teórico-críticas em torno

de algumas considerações/posicionamentos/análises quanto aos elementos compositivos das

relações conceituais, artísticas e estéticas, ´resentes nas performances do Projeto “INSULADA:

o ato de se transformar em ilha”. O projeto em tela se configurou como um ensaio

fotoperformático realizado em três ilhas da região insular da cidade de Belém-PA, Ilha de

Cotijuba, Ilha das Onças e Ilha do Combu, sendo ele concebido e levado a termo por um

coletivo de artistas performers, também, da cidade de Belém, ao ser contemplado com o Prêmio

de Produção e Difusão Artística 2016, patrocinado pela Fundação Casa das Artes, no estado do

Pará. Os artistas objetivavam propor uma forma artística diferenciada, interfaceada num

trabalho interlinguagens „entre‟ fotografia, corpo, performance e dos recursos tecnológicos que

dispunham, a fim de problematizar indagações sobre vida continental e vida insular as quais, na

maioria das vezes reapareciam separadas, nos sentenciando a pensar/ sentir/ experimentar/

produzir saberes culturais sobre tais espaços pertencentes da cidade de forma fragmentada, de

realidades dissociadas e culturalmente desiguais. As fotoperformances insulares, assim

chamadas, reabriram esses canais de descobertas e análises pelas experimentações diversas

(visuais, sonoras, auditivas, olfativas e táteis) percepções contextuais vividas em cada imersão.

Ao término das viagens o trabalho foi compartilhado com o público em ações distintas, entre

exposições, catálogo virtual, rodas de conversa sobre o processo artístico e duas performances

cênicas inclusas no rol de atividades interventivas com o público, INFUSÃO e FISSURA,

ambas [a]presentadas no Estúdio REATOR. A performance FISSURA foi re-apresentada na Elf

Galeria, em agosto de 2018 por ocasião da exposição “

1 ‘Trabalho apresentado no III Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica, realizado entre

os dias 19 e 21 de setembro de 2018, Belém/PA”. 2 Mestra em Comunicação, Linguagens e Cultura pela Universidade da Amazônia PPGCLC/UNAMA

(2018). Especialização em Artes Cênicas, Estudos Contemporâneos do Corpo, UFPA (2012). Graduação

em Pedagogia pela UFPA (2003) e atriz, pela Escola de Teatro e Dança da UFPA (2006). Integrante dos

grupos de pesquisa Capital Social e Cultural no Contexto Midiático Contemporâneo, Grupo de Pesquisa

Arte Contemporânea na Amazônia: fluxos, redes e cartografias, ambos da Universidade da Amazônia.

Pesquisadore integrante do grupo de pesquisa PERAU - Memória, História e Artes Cênicas na Amazônia,

da Universidade Federal do Pará. Email: [email protected] 3 Mestrando em Linguagens e Saberes na Amazônia - Leitura e Tradução - UFPA-Bragança (2017). Pós-

graduado em Educação Matemática Comparada, Escola Superior Aberta do Brasil, ESAB (2015).

Graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Pará (2010). Ator pela Escola de Teatro e

Dança da UFPA. Faz parte do Grupo de Pesquisa LELIM (Laboratório de Estudo Linguagem Imagem e

Memórias) e do editorial da Nova Revista Amazônica. Artista multimídia e pesquisador cujo trabalho tem

como foco as performances de Sophia, que é sua drag queen.. Email: [email protected]

4 Doutorado em Ciências Agrícolas pela Universidade Federal Rural da Amazônia em Ecossistemas

Amazônia ( 2009) mestrado em Letras: Lingüística da Universidade Federal do Pará (1998) É licenciada

em Comunicação Social pela Universidade Católica de Pelotas (1980). Professora titular na Universidade

da Amazônia, nos cursos de Comunicação Social (Publicidade e Jornalismo) (1990) e do Programa de

Pós-Graduação em Comunicação, Linguagens e Cultura (2009) Vice coordenadora do ITA Interações e

Tecnologia da Amazônia (UNAMA / UFPA), coordenadora do Grupo de Estudos de Capital, Assuntos

Sociais e Culturais no contexto da mídia contemporânea (UNAMA) e do Projeto Banzeiro. Email:

[email protected]

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Membrana insulada Metrópole” da qual fez parte do Projeto Circular. Como resultado da

pesquisa obteve-se um processo que não apenas reinaugurou o olhar cotidiano sobre as ilhas da

cidade de Belém-Pa, numa perspectiva humana e estética, bem como oportunizou aos artistas

performers e ao público participante uma visão de dentro e de fora, o meio, o desvio e o avesso

de diversos olhares voltados à vida que pulsa e se retroalimenta de ambos os lados. A relação

arte-vida entendida pelas lentes dos estudos da performance (SCHECHNER, 2003; LIGIÈRO

2011), bem como restauraram e ressignificaram comportamentos memoriais (CORRADI E

CORDEIRO, 2016; CORDEIRO, 2018), alargando reflexões socioculturais acerca da presença

dos afetos nos trajetos pessoais e coletivos nas intervenções artísticas presentes, como

reaproximaram os atuantes do seu imaginário cultural amazônico paraense, reprocessado nas

representações imagéticas da relação corpo-fotografia-performance nesta contemporaneidade

emergente, ainda por desvendar-se.

Palavras-chave: Insulada. Corpo e fotografia. Corpo e performance. Fotoperformances.

1 O EU e os “eus” do projeto INSULADA: Introdução

Este artigo surgiu de um universo maior, de um a priori que nos indaga

permanentemente em algumas de nossas amazonidades cotidianas latentes, buscando

potencializar o posteriori reflexivo que dele decorra com vistas a uma teorização crítica

que não apenas justifique sua realização, como objetiva situar o leitor acerca de como,

de onde partimos e os motivos que moveram o desejo dessas investidas escriturais

interlinguagens por onde tais estudos se apresentaram, revelaram e reverberaram.

Apresentamos, portanto, as margens, enchentes-vazantes deste relato para sua tessitura,

digamos, mais funda e fluida.

INSULADA: o ato de se transformar em ilha foi um trabalho que se deu no

âmbito das pesquisas contemporâneas em torno dos corpos performers e da relação

destes com os contextos socioculturais das ilhas visitadas no universo das linguagens

artísticas presentes no trabalho, sendo elas fotografia, performances cênicas,

audiovisualidades, artes digitais (no que concerne ao trabalho de edições e montagens

realizadas em estúdio), totalmente vinculadas à experiência cultural manifestada na

oralidade local dos sujeitos participantes das ações. Como oralidade, partimos do

pressuposto de que esta se configura importante fonte de conhecimento, tendo em vista

que para Cristo (2012 p. 15 APUD LOUREIRO, 2000) pode ser interpretada como uma

manifestação da cultura e ao mesmo tempo responsável pela transmissão de saberes, fazeres e

viveres culturais. Para a autora, na Amazônia, para muitos povos, ela ainda permanece

como tradição, assumindo caráter poetizante nos mitos e nas artes.

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Assim, aqui nos inclinamos a categorizar a oralidade ligada ao horizonte

criativo vasto, compreendendo criatividade como o trabalho coletivo de um grupo de

pessoas interessadas em criar atividades perceptivas corporais em performances

(CORDEIRO, 2018) numa proposta de interlinguagens guiadas por tal cultura. Algo

que, para além da perspectiva solo, permite a investigação numa tessitura orgânica

social coletiva e comprometedora deste ser/pensar/sentir/fazer arte junto e relacionado a

um determinado contexto, neste caso, o da performance entendida como parte da

cultura cotidiana. Nesse jogo imaginativo a pesquisa desenvolvida conseguiu linkar

desejos pessoais e íntimos, considerados pelos artistas, no universo performático,

produto/meio/processos das práticas culturais mais amplas que margeiam o

viver/produzir/compartilhar mediado por linguagens artísticas.

Logo, Rosilene Cordeiro e Pedro Olaia, performers ligados à cena das

intervenções urbanas5, Dudu Lobato

6 um fotógrafo que atua no campo da fotografia de

imersão (penetrando e vinculando-se de forma proximal aos cenários e vivências do

contexto a ser registrado) e Nando Lima, performer paraense com atuação nos campos

tecnológico e plurimidiático fizeram deste encontro um trabalho de performances sobre

muitas camadas, as quais analisadas metodologicamente pelos estudos da performance

(SCHECHNER 2003) evidenciam ressonâncias significativas às vivências-

aprendizagens dos performers na atualidade, sobretudo quando a experiência se propõe

em diálogo com a cena acadêmica o que, neste caso, corria paralela à formação em pós-

graduação (Mestrado acadêmico) dos performers, Rosilene e Pedro, ao qual os mesmos

estavam vinculados à época.

Dentre as questões motivadoras, estão, portanto: o trabalho com a performance

como chave movente surgiu em face de nossas práticas de pesquisas pessoais estarem

entrelaçadas pela cena artística contemporânea na cidade de Belém passando, inclusive,

5 Processos artísticos vividos no campo aberto, em espaços não convencionais, com público não

programado, a-priori, para a recepção dessa arte, digamos mais “arredia”, subversiva, fugaz aos

dogmativos de uma arquitetura, ou estética formal voltada a um público selecionado. [...] “tomada do

espaço público como campo de conexão direta entre o sujeito e a sociedade e analisada sob o conceito de

Corpomídia, que considera o corpo inserido em suas relações ambientais dos espaços urbanos [como

suporte e conteúdo], e não apenas um depositário de informações”. Cf. O corpomídia e a Intervenção

Urbana. Monografia apresentada por Fabiana Prado para o curso de Pós-graduação “Corpo, Espaço e

Pensamento Moderno”, ECA - USP. São Paulo, 2006. (grifos nossos). 6 O fotógrafo Dudu Lobato produz trabalhos artísticos na linguagem da fotografia, onde busca a produção

de fotografias que interajam com o corpo em movimento, como nas propostas de trabalhos desenvolvidos

na linguagem da performance, onde o fotógrafo capta o momento efêmero do movimento espetacular do

performer, que a partir desta perspectiva de produção fotográfica que resulta em instalação. (Depoimento

obtido do artista, gentilmente cedido para o presente trabalho. 2018)

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a interromper nosso interesse canônico pelas ditas artes convencionais do espetáculo ou

da cena espetacular mais restrita (no caso um teatro puramente caixa preta, quase

sempre ligado ao espaço teatral e as formas tradicionais de um teatro em sua forma

clássica) e um alto teor de experimentação, como forma e conteúdo, bastante marcante

em nossas pesquisas como artistas independentes. Na verdade o desinteresse decorre do

fato de que para nós vigora o entendimento da arte não apenas como produto ou

resultado desse “espetáculo” alheio, de uns para muitos, construído para o que se

considera o “grande público consumidor” passivo da não compreensão do trabalho

artístico presente nas tais produções em si. Tal ideário deste teatro comercial, na maioria

das vezes, é elaborado e nutrido pelo discurso capitalista criticado por Debord (1997), o

qual opera pela segregação do processo que atravessa a relação produção-apreciação, e

não dá a devida atenção à valorização do trabalho criativo mais amplo, ao ato criador

como trabalho, como ofício, considerado em etapas importantes, desconsiderando todas

as fases primordiais vivenciadas pelo mesmo ao ser construído como um todo

indissolúvel, valorizando apenas os resultados representativos da vida e não pela vida

em movimento em si. Obra, portanto, desvinculada de seus realizadores diretos.

Como as performances nos propõem reflexões de cunho político em sentido

macro nos interessa, então, os meios de produção como parte desse todo, pois nosso

foco de experimentação perpassa as dimensões dos processos como essas partes sem as

quais não alcançamos a arte da obra. Então, em se tratando do Projeto INSULADA as

ações são compreendidas em composição, justaposição, circuito e interdependência

entre códigos e linguagens, desde a elaboração do projeto, construído também

coletivamente, como na captura dos registros, das edições dos áudios e vídeos,

perpassando a seleção, decupagens, prensagens e organização dos registros em 12

imagens em papel e 12 fotogrfias em tecido como as que se tornaram suporte das

fotoperformances levadas à exposição, como „resultado/produto‟ do projeto de pesquisa

e difusão artística.

Portanto, o trabalho com a linguagem performance, ao contrário, implica uma

outra reflexão sobre a cena artística em questão por se constituir numa teia re-

significada pelo componente corpo e no corpo por agir com muitas outras formas desse

dizer da arte em contexto contemporâneo, a qual oportuniza outros meios e fins que os

de natureza vendável, porque se ocupa dos processos vividos,

experimentáveis/vivenciados que se desejam compartilhar.

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Para Ligièro (2011, p. 13) interessa aos estudos da performance, essa

confrontação direta com o vivido, o comportamento vivenciado, concentrando-se, desta

forma, na observação do fenômeno em si como apresentação, celebração ou

representação perene e única. Logo, uma vez “finalizados” esses

meios/processos/fenômenos retornam-nos, sempre à reflexão coletiva, à inquietação e à

incompletude dessa vida como grande tema dos processos criativos imediatos, sempre

se fazendo presente como algo incompleto e por re-descobrir, a reinventar-se trabalho

após trabalho. Eis então nosso porto de partida e de chegada: um trabalho de

performances artísticas entre corpos e interlinguagens vivenciadas em ilhas de Belém-

PA as quais podem ser melhor entendidas no site do plano diretor da cidade7.

De acordo com o referido site de pesquisa da cidade de Belém, esses lugares

representativos da vida estão localizados em uma área intermediária do estuário

amazônico, sendo que, nessa área de transição entre a água doce (ao sul da Baía de

Guajará e à direita do Rio Guamá) e a água salgada (ao norte de Belém na altura da

cidade de Colares) encontram-se a Ilha de Cotijuba, Ilha das Onças e Ilha do Combu,

caracterizadas por rios, canais de maré (“igarapés”), florestas, várzeas, baías, campos

alagados e praias pouco exploradas pelo „estrangeiro‟ visitante.

Ainda com base no referido projeto, nessas ilhas as populações nativas e/ou

ribeirinhas de tradição são a maioria dos povos habitantes da mata e da beira, vivendo

principalmente do extrativismo e da pesca, se inserindo na economia local

principalmente como fornecedora de produtos primários. No entanto é necessário

esclarecer: não apenas de agricultura, turismo, pesca artesanal e uma vida pouco

impactada pelo vício urbano vivem essas regiões: as ilhas configuram, primordialmente,

lugares de convívio com dinâmica própria, lócus de afetos, relação biunívoca seres

humanos-vegetais-animais, magia em estado bruto, conexão astral entre elementares,

olhos d‟água a nos acorrentar para dentro de si8.

Premiado com recurso público estadual, o projeto inclinou-se, assim, na

reinauguração de „um possível outro olhar‟ e sua devolução pública no trabalho artístico

em performances oferecido à cidade de Belém-PA sobre uma possível representação de

sua região insular por um posicionamento rtístico e estético, humanizado e humanizante

7 Segundo o referido site o Município de Belém está dividido em 8 Distritos Administrativos e 71 bairros,

com um território de 50.582,30 ha, sendo a porção continental correspondente a 17.378,63 ha ou 34,36%

da área total, e a porção insular composta por 39 ilhas, que correspondem a 33.203,67 ha ou 65,64%.

http://www.belem.pa.gov.br/planodiretor/paginas/brasao.php. Acessado em janeiro/2018. 8 Cf. http://www.fundoamazonia.gov.br/pt/projeto/Ilhas-de-Belem/# , acessado em abril/2016.

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revendo a relação continente-ilhas, olhar de dentro e de fora, o entre e o avesso de

diversas formas existentes de ver a vida cotidiana que pulsa, se re-inventa e ressignifica

na dimensão colaborativas vital entre rios, matas, terra firme, lama, ar, vegetais, animais

todos pertencentes a este universo único e cósmico que nos irmana e arrebanha em

torno de si, reverberando na região que julgamos continental da cidade.

A problemática das relações compositivas no ato criativo INSULADA: o ato

de se transformar em ilha, desdobrou-se como atividades realizadas no mês de

dezembro de 2016 e janeiro de 2017como participante do rol de atividades do Estúdio

REATOR9.

Fotoperformances 1 e 2: Ilha das Onças. Performer Rosilene Cordeiro e Pedro Olaia,

respectivamente. Dudu Lobato. 2016

Metodologicamente optamos pelo registro memorial, crítico e reflexivo, da

concepção, elaboração e realização das ações inerentes ao processo criativo dos

atuantes-performers a partir de algumas concepções conceituais trazidas pelas

discussões enlaçadas pela fotografia, num diálogo de corpo, performance e

fotoperformance considerando que a oralidade, também e sobretudo, se constituiu num

documento relevante ao trabalho, tendo em vista que “a relevância cultural da oralidade

está na sua importância enquanto forma de comunicação ainda predominante em muitos

lugares da Amazônia, onde os meios de comunicação de massa e a internet ainda não

existem ou existem de forma restrita” (CRISTO, 2012, p. 15).

9 O REATOR é um estúdio criado por Nando Lima, em parceria com Artistas, Grupos, e Cia Artísticas

empreendedoras de Belém, para viabilizar ações em vários segmentos artístico disponível em

https://www.reator.net/sobre. Acessado em agosto/2017.

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Como resultado das reflexões teóricas aqui propostas entre os artistas-autores

acerca dos diálogos estreitos estabelecidos a partir da tríade fotografia-corpo-

performance, consideramos que os trabalhos concebidos em etapas, perpassando o

deslocamentos dos performers às ilhas, à produção local, à ambientação ao lócus das

ações em cada ilha chegada, ao trabalho fotoperformativo triangulado entre Pedro,

Rosilene e Dudu, e das ações de produção, edição e montagens, obtivemos um rico

material que hoje compõe o acervo audiovisual, imagético e textual das ações

performativas presentadas nos diferentes tempos e espaços, igualmente apresentado em

sua escritura acadêmica ( como literatura resultante da ação) compondo o acervo das

experiências performáticas, hoje, igualmente compreendidas performances em

comunicação.

2 Atravessamentos, convergências e fragmentações: relações metodológicas

INsuLares

Na justificativa do projeto INSULADA10

, lemos:

“Nossos antepassados indígenas e africanos tinham o hábito de conviver

pacificamente e respeitar profundamente a natureza e a força, intensidade e

poder das coisas que não vemos e que popularmente, nessa região, chamamos

de visagens/assombrações, termos, conceitos, ampliados na literatura

maravilhosa/ fantástica e nas ciências, procurando “explicar” daquilo que

bem sabemos que existe, pois ainda que não consigamos provar sua

existência, podemos senti-las, mesmo que não a vemos. Aquilo que na Física

se denomina como energia-matéria escura ou invisível”.

Tais orientações nos ajudam a pensar que, como amazônidas (moradores

naturais dos rios, matas e florestas desta vasta região natural que se abriu em cidades),

temos um imaginário expressivo (tanto tradicional de matas ou campesino, como

urbano) bastante aflorado pelas questões que atravessam, totalmente, os viveres locais

entre lendas e mitos próprios de nossa diversidade regional. Para Durans (1989)

imaginário corresponde ao conjunto das relações de imagens que constituem o capital

pensado do homo-sapiens e disso não podemos nos apartar ao pensar as relações

estabelecidas entre esse „lá‟ e „cá‟ da ilha e do continente, tão presente e difundida pela

oralidade de seus habitantes, repassada de gerações a gerações como um expressivo

ritual de memória da ancestralidade que os habita.

Dentre eles, por exemplo, alguns moradores das ilhas e do continente, depõem

que em Belém há uma cobra grande enterrada, e que quando ela acordar a cidade vai

10

Trecho obtido da justificativa do Projeto INSULADA enviado à Casa das Artes. 2016

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ruir e será engolida pelas águas11

. Acredita-se, ainda, que foi essa mesma cobra grande

que abriu os rios, onde antes só existia terra e a cobra grande nasceu pequena e foi

crescendo ao longo do tempo e saiu abrindo caminho na terra para a água passar, e por

isso nossos rios são em formatos serpentoidais.

Cumprindo esse ritual imaginativo difundido pela oralidade acredita-se, ainda

hoje, que o Curupira12

é uma entidade travessa, moradora da mata, que não pode ver um

novelo de cipó porque senão ele fica entretido tentando desfazê-lo, pois sua função é

“proteger árvores, plantas e animais das florestas”. Crê-se, ainda, que o Muiraquitã é um

talismã sagrado construído por índias Icamiabas, mulheres guerreiras, Amazonas sem

marido que cultuam a grande mãe Lua e do barro esverdeado modelam muiraquitãs e

outros amuletos13

.

Dessas histórias comuns contidas no imaginário paraense e repassadas de boca

em boca foram pensadas fotoperformances, em que os atuantes estivessem envolvidos

numa atmosfera intimista realizando um trabalho de corpos conectados a essas energias

do mesmo modo aos elementos naturais dos contextos de imersão procurando, por meio

dos registros fotográficos capturar sentidos/sensações/emoções presentes naquele „ali-

agora‟ dessas performances cênicas como experimentações corpóreas atravessadas pelos

sentidos, pelas percepções dos fenômenos advindos desses diálogos presenciais que

aconteceram nos lócus considerados centros ativos de re-existências, resistência e

ressignificações poéticas aonde a natureza persiste em meio ao apelo de um caos

urbano, sendo que estes sofrem e exercem influencias dos contextos entre si. Se o meio

ambiente nos leva ao pensamento de estarmos em „nossa casa original‟ foram os anseios

que nos motivaram a irmos em busca da alquimia exata entre a captura da objetividade

das câmeras “em punho” e os instantes quânticos de energias moldáveis onde tudo

acontece, tudo se transforma, onde o corpo se transmuta cenicamente ao ponto de se

plasmar uma energia captada, foto e/ou vídeo capturada Performance. Lá onde a obra

se corporifica se tornando poesia.

Para os Estudos da Performance, com base em Schechner (2003),

comportamentos alteram-se de forma prática e conceitualmente ao encontrar-se com

11

Cf. A cobra grande. Disponível em

http://www.orm.com.br/tvliberal/revistas/npara/edicao4/lendas/cobra.htm 12

Adaptado de Lenda do Curupira http://lendasdobrasil.blogspot.com/2010/10/lenda-do-curupira.html 13

Cf. Lenda do Muiraquitâ. http://www.sohistoria.com.br/lendasemitos/muiraquita/

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relações reflexivas sobre este ser/fazer/mostrar-se fazendo performance oportunizando

a ampliação do olhar e o aprofundamento de conceitos em torno das temáticas e das

circunstâncias contextuais em que elas decorrem. Segundo Ligièro (2011, p. 13 APUD

CORDEIRO, 2018, p. 23) para os estudos da performance importa, contudo, a

confrontação direta com este „vivido‟ como exercício da vida, o comportamento

vivenciado restaurado, revisitado pela cena artística concentrando-se, assim, na

observação do fenômeno em si como apresentação, celebração ou representação perene

e única. Assim, poderíamos seguir Cordeiro (2018) considerando que em se tratando de

uma pesquisa grupal vai-se do individual ao coletivo, da vivência pessoal mais orgânica

à restauração de comportamentos da vida social, uma vez que

Na perspectiva da pesquisa do grupo, tais comportamentos, pensamentos,

palavras, objetos, gestos, sensações, percepções estariam associadas ao

sagrado cotidiano, à vida cultural e social produzido no exercício de viver, a

uma memória individual ligada à memória da comunidade, a qual os sujeitos

envolvidos na atividade pertenciam, às vivências simbólicas e representativas

de uma fé tipicamente cotidiana experimentada na rotina da vida presente não

espetcularizada. [...] (CORDEIRO, 2018, p. 23)

Fotoperformances 3 e 4: Ilha do Combu. Performers Pedro Olaia e Rosilene Cordeiro. Dudu Lobato. 2016

Para Cordeiro (2018 APUD CANTON 2009) cortes, interrupções, misturas,

fragmentações, as quebras de fronteiras, as relações híbridas, assim como as distorções

conceituais, os desvios, os vazamentos estéticos, as mobilidades em trânsito, os pontos

de fuga, os resíduos, e as efemeridades, são palavras relacionadas que traduzem com a

necessária imprecisão, a exata fugacidade da possibilidade, no atual contexto, na

dificuldade em conceituar Arte, hermeticamente falando, na contemporaneidade

recente. Dificuldade acentuada, sobretudo, porque utiliza vocábulos escorregadios

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10

demais, comporta e agrega tanto, ao ponto de desagregar-se com maior facilidade a cada

nova tentativa.

É Cancline (1997), inclusive, quem esclarece, inclusive, que após qualquer

conversa sobre a arte, a expressão “quando não somos capazes de falar, devemos ficar

em silêncio” chega a parecer uma doutrina bastante aceitável. No entanto, segundo ele

“à exceção daqueles que são verdadeiramente indiferentes à arte, no entanto,

pouquíssimas pessoas, e entre elas os próprios artistas, conseguem manter esse silêncio”

(CANCLINE 1997, p. 143). Para o autor, a questão que envolve a nossa percepção de

qualquer coisa (a capacidade que temos em apreender por meio dos sentidos ou da

mente) aspectos que julgamos importantes em alguma obra em especial ou nas artes em

geral encoraja comentários incessantes, sejam estes falados ou escritos e não podemos

esquecer em seu canto, banhando-se em sua própria significância, algo que

significa tanto para nós. (CANCLINE, 1997, p. 143). [grifos nossos]

Do mesmo modo numa dimensão inter-colaborativa vital e inteira entre rios,

matas, terra firme, lama, ar, vegetais, animais, a parte fixa e a região hídrica, e a parte

urbanizada do continente, todos pertencemos a este mesmo cosmo de significância

indiscutível no qual o inventado da vida está presente e integra-se, pertenças do

imaginário e mitologias das encantarias com que convivemos, as quais irmanam e

reúnem os seres todos em torno de si e no qual os seres humanos sempre estiveram

presentes, apesar de seu distanciamento causado pela equivocada dicotomia no

entendimento da relação continental versus região insular da cidade, logo, natureza

versus cultura separados de modo arbitrário.

Atualmente interrogamo-nos, artistica e academicamente falando, nesses temas

sociais que objetivam a reaproximação desse homem com uma totalidade, portanto

sensível ligado aos fenômenos naturais, culturais e místicos, coletivizado de forma tão

insensível, com a matéria da sua humanização ultrajada, contida no espaçotempo14

desse “entre” da arte e da vida, e nessa humanidade, na subjetividade a ser redescoberta

uma redefinição de conceitos que a arte pode propiciar.

14 Cordeiro (2018, p. 25) designa o termo relacionado à perspectiva formativa e em rede, faz referência à

ação de escrita que ocorre noutra relação temporal e espacial conjugada que não apenas reatualiza a

narrativa do ocorrido, como instaura uma outra visão, crítica e reflexiva, sobre o produto derivante (o que

se escreve) como processo igualmente experimental, vivencial presente, neste caso, a corpografia

memorial.

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11

O espetacular, corrompido em Debord (1997) nos convocando a sua nova

conceituação, re-aproximando-nos desse espetacular do encantamento adormecido,

manifesto na re-ativação dos sentidos amortecidos pela rotina dilacerante das relações

urbanizadas. Ativa-nos as criações produzidas no campo artístico, manifestados nas

sensações, nos afetos; canais abertos liberando-nos para a experiência do sagrado

cotidiano (CORDEIRO 2018) deslegitimado na sociedade de consumo que nos foi

sufocado pelo cartesianismo imposto pelas relações produtivas valoradas pela indústria

cultural15

na experiência16

do tempo presente.

Contudo, para Durand (1989, p. 14) o ser humano é dotado de uma extensa

capacidade de formar símbolos em sua vida sociocultural, assim “O imaginário, longe

de ser a epifenomenal louca da casa a que a psicologia clássica o reduz, é, pelo

contrário, a norma fundamental, a justiça suprema”. Destacamos que o autor utiliza a

expressão imaginário ao invés de simbolismo, uma vez que para ele o símbolo seria a

maneira de expressar o imaginário.

Em Cordeiro (2016) evidencia-se que a experiência do corpo como suporte

performativo „jogando‟ com a fotografia significa compreender, quadro a quadro, a

„estampa e a moldura do conteúdo e dos discursos que o envolvem como material dessa

matéria orgânica e sensorial maior não gessada por funções rígidas ou

condicionamentos estáticos. Uma forma outra de emoldurar as ilhas da cidade pelos

sentidos, nos movimentos, nas ações re-vendo-as nele, re-visitando suas margens e

superfície a partir dele, como quem aprecia-se em contato, instalando-se entre os

elementos naturais compositivos dessa matéria orgânica, quase [des]conhecidas,

reconhecendo-a e re-descobrindo-se nela, saltando pra dentro do corpo instaurado obra

artística que, recorrendo à experimentação de algo vivido concretamente per-formou-

se nele.

15

Para Adorno e Horkheimer, Indústria Cultural distingue-se de cultura de massa. Esta é oriunda do

povo, das suas regionalizações, costumes e sem a pretensão de ser comercializada, enquanto que aquela

possui padrões que sempre se repetem com a finalidade de formar uma estética ou percepção comum

voltada ao consumismo. CABRAL, João Francisco Pereira. "Conceito de Indústria Cultural em Adorno e

Horkheimer"; Brasil Escola. Disponível em http://brasilescola.uol.com.br/cultura/industria-cultural.htm.

Acessado em fevereiro/2018. 16

Experiência não como o que passa, mas o que nos passa. Não relacionada ao que acontece, mas ao que

nos acontece, não o que toca, mas o que nos toca (Cf. BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência

e o saber de experiência. 2002 , p.20)

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12

O cênico dessas relações dialógicas confluentes em torno das referidas

categorias que se encontram na vida diária desaguando em cores e matizes distintos na

cena performativa foi obtido nas fotografias corpografadas, igualmente, pelo corpo do

performer-fotógrafo imerso no processo de feitura, na imersão espaçotemporal de

fotógrafo performando/se exercitando essa imersão de forma mais intencional, expondo-

se duplamente uma vez que se permitiu adentrar o universo performativo com ênfase e

decisão pessoal como o inusitado não previsto que a performance comporta como

linguagem (CORDEIRO 2018). Algo que em Schechner (2003, p.29) pode ser

corroborado pelo fato do autor enfatizar as múltiplas formas de vivenciar performance.

Para ele nas artes, “realizar performance” é colocar o desempenho, a excelência deste

em um show, numa peça, numa dança, num concerto, e acrescentamos: numa ação

fotográfica, numa ação física mais efetiva com a câmera perfazendo movimentos

deliberadamente cotidianos de forma mais enfática, desenhando-se como corpo

interventivo nos corpos que captura no espaçotempo, performando-se em percurso.

Schechner (2003) enfatiza que performance se dá tanto na vida cotidiana quanto na arte,

uma dessas formas “realizar performance”, portanto, consiste em exibir-se, chegar a

extremos, traçar uma ação para aqueles que assistem. E ainda, como performance,

descreve:

também pode ser entendida em relação a: sendo, fazendo, mostrar fazendo,

explicar esse “mostrar fazendo”. “Sendo” é a existência por ela mesma.

“Fazendo” é a atividade de todos que existem, dos quarks até seres

conscientes e cordas supergaláticas. “Mostrar fazendo” é desempenhar:

apontar, sobrelinhar, e exibir fazendo. “Explicar „mostrar fazendo” são os

estudos performáticos. (SCHECHNER, 2003, p.29).

Performance, então, para exibir fatos, relacionada a “mostrar fazendo” de

forma destacada, sublinhada, marcada para o olhar dos outros seria um meio

significativo para pensar o trabalho em INSULADA. Um fotógrafo performer em cena

destacando corporalmente seu ato de imersão sem capturar a si mesmo nessas imagens,

mas sublinhando-se subjetivamente pela fotoperformances que registrou ingressando na

arena dessa ação duplamente, como performer fotógrafo e como uma espécie de

observador (plateia) diferenciado, pois de forma simultânea coube a ele registrar, um

tipo de audiência desses momentos como presente dos processos vividos. Entre a

fricção imaginativa como participante do ato, sem perder de vistas a dimensão criativa e

técnica que o levou até ali esse precisou orquestrar esse lidar semi-estruturado de onde

partiu e com isso, em fluxo, exercitou sua imersão como experiência, experiência

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13

entendida como conteúdo estético do trabalho em performance. Algo, segundo ele,

aprendido no contexto desse trabalho de forma diferencial.

Em INSULADA, as performances, se deram no campo desse “mostrar-se

fazendo”, ultrapassando o estado de clichês criado sobre as ilhas de espaços fixos que

permitem uma única visão sobre elas: a natureza exótica, contraposta ao urbano, estável

e paralisante, sem mobilidade, fluidez e instransponível desse “ambiente inalterado

habitado por ele mesmo” fruto de um imaginário muitas vezes alienado e alienante

construído pela mídia como olhar de fora, estrangeiro a nós. Clichês entendidos aqui

apenas como as “imagens que supõem um espaço de interioridade. Ou seja, territórios

capturados e imóveis, conjuntos e fronteiras estáveis, corpos orgânicos” (PARENTE,

1993, p. 18).

O que presenciamos, ao contrário, foram diferentes momentos de intervenção

corporal, dialógica e fotográfica, num contato rico, pela pluralidade e dinamismo em

que se deu, direto, presencial como fenômeno proposto em tempo real e obtido dessa

experiência corporal em contato orgânico com o ambiente natural das ilhas (com os rios,

as matas, a lama, o ar, os animais, nas conversas com os barqueiros, com os moradores

dos lugares no contexto urbanizado das comunidades visitadas nossas reconhecidas

colaboradoras de percurso). Momentos efêmeros entendidos como vestígios “perdidos”

no tempo-espaço cronológico da experiência, mas que a fotografia fixou como “devir”

dessas vertiginosas imersões. Imagens múltiplas, capturadas, segundo elementos

estabelecidos pelo próprio performer fotógrafo, na imagem objetivada desse corpo per-

formando-se ilha, contendo uma narratividade própria obtida dessa relação posta. E

esse, seja, talvez, um dos desafios que seja colocado ao fotógrafo contemporâneo:

descobrir (se)

Em que sentido é possível extrair imagens dos clichês imagens que nos

permitam realmente “viajar” (devir). Se tudo nos parece uma ficção, se tudo

parece conspirar para uma desmaterialização do mundo, se temos dificuldade

de viver a história, é porque tudo já parece ter sido programado, pré-

estabelecido, construído, calculado. (PARENTE, 1993, p. 18)

Na fala do fotógrafo, Dudu Lobato (2016), um fato importante a ser destacado:

“o que mais me impressionou foi que não precisamos ir lá longe, lá fora. Bastou

atravessar a cidade, uma parte da „nossa casa‟, em Belém mesmo, que eu ainda não

conhecia”. Talvez, no discurso do fotógrafo possamos identificar o quanto essa

interdição do espaço e do tempo na parte dessa cidade dita urbana continental

distanciada e distanciando-se cada vez mais da ilha, se deu essa automação da

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percepção, citada por Parente (1997) tenha contribuído francamente para que esse

distanciamento que separou o olhar urbano do olhar insulado tenha se consolidado de

forma tão feroz, ao ponto da representação ter sido considerada de forma mais eficaz

que a apresentação, propriamente dita, enquanto o vivido da existência em estar lá foi

bastante significativo para o coletivo de artistas do INSULADA.

Um corpo performado/performando-se tornado público revelando,

publicamente, uma questão política num ato artístico: é preciso rever a forma com que

geograficamente fomos tratados por décadas de colonização, subjugo que ainda persiste

em práticas e pensamentos pós-colonialistas que nos fragmentam na atualidade.

Fotoperformances como hibridismo produzido no campo das narrativas contemporâneas

do corpo, re-arranjado, metaforizado implicando em criação, ativismo, denúncia,

poesia, acessando outras camadas poéticas no seu fazer criativo em diálogo. Corpo no

limite, como vida, imagem e representação nesse limiar do fenômeno artístico no qual a

vida se manifesta em poesia e crueldade e se materializa imagens, fotografias,

fotoperformações.

Durand (1989, p. 14) define imagem como a matéria de todo o processo de

simbolização, fundamento da consciência na percepção do mundo. Imaginário é a

capacidade individual e coletiva de dar sentido ao mundo. É o conjunto relacional de

imagens que dá significado a tudo o que existe. Uma resposta à angústia existencial

frente à experiência "negativa" da passagem do tempo. Imaginário mediando o contato

artístico entre fotografia, corpo, vídeo, performance em estreita interação com as

imagens que cada performer traz consigo da particularidade do seu imaginário íntimo à

disposição do grupo, fomentando o entrecruzamento de percepções, códigos distintos e

linguagens pessoais operalizadas na constituição das ações.

Fotografia cruzando-se nas vias e nos discursos traduzidos em dúvidas,

inquietações, incertezas e questionamentos que criam a possibilidade de re-inventar-se

como linguagem, já que mais que captar imagens o performer fotógrafo devolve ao

mundo o registro da sua imagem interior, da sua opinião e discurso, acerca das coisas e

do mundo, da vida em si. Seu próprio corpo, assim é posto a prova, não só pela

capacidade com que vai escrevendo tecnicamente sua ação própria atuação

fotonarrativa, como expondo, poética e politicamente, sua sensibilidade, seu

conhecimento, seu posicionamento como visão de mundo frente às tensões da vida, e

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expressando-se artisticamente no sentido das possibilidades nascentes desse reolhar-se

diante e a partir da obra em que se comunica como artista de visualidades latentes.

Fotoperformances 5 e 6: Ilha de Cotijuba. Performers Pedro Olaia Rosilene Cordeiro. Dudu Lobato. 2016

Ambiente, planos, ângulos, formas, movimentos, tempos, texturas, cores,

sensações, sentimentos vem à tona expressar esse “dizer” guardado longe da palavra

oralizada, mas possível pelas conexões, teóricas e práticas, estabelecidas na pesquisa

INSULADA reunindo-se em torno do objeto “corpografado”, fotoperformado, portanto,

ao mesmo tempo em que, desgarrando-se pelo universo sígnico sem fim, se devolve ás

inquietações que o envolve e das ações performativas decolonialistas necessárias a essa

reflexão que se propõe crítica e transformadora.

Não se trata apenas de convergências em busca de uma unidade totalitária, ao

contrário, encaminharam-se por ocasionar deslocamentos, situações fronteiriças,

quebras e reencontros com várias interpretações possíveis e discursos plurais, como

manifestações localizadas nesse contemporâneo recente pertencente à área dessa

extremidade sugerida. Simultaneidade, processual (fotografia, corpo, performance e

captação em vídeo ocorrendo numa só frequência temporal no exato espaço sob

diferentes ângulos da mesma cena potencializando uma polivalência de imagens)

processo de descentralização do corpo como linguagem para a relação em contexto,

como meio e mensagem, como organismo complexo interligando, concomitantemente,

linguagens, sentidos, sensações, como diferentes processos de significação.

Um legado conceitual que é atravessado pelos sentidos, sentimentos e afetos de

uma relação a revelar as várias faces de uma cidade reencontrando-se em suas ilhas não

como uma geografia entendida da forma com que foi colonizada, mas enquanto pontos

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16

de partida, indicações de caminhos, em que ideias suscitam ideias, em que a obra

transcende a si mesma e une ilhas e continente, no mesmo cenário e partir de um mesmo

tema. Importante, sobretudo, compreender que a memória faz parte desse conteído

acessado pois

O trabalho com a memória coletiva, portanto, implica sempre essa volta a si

mesmo: nos pensamentos nsa emoções, nos relatos, nas ações, nos objetos e

nos lugares que representam esse ponto de reencontro, sempre mediados por

lembranças, pessoas e espaços memoriais e o corpo continua sendo uma

forma bastante importante e significativa de se investigar essa relação

arquitetônica, igualmente histórica e memorial pelos afetos, sentidos e

significados nele contidos ( CORRADI E CORDEIRO, 2016, P. 16)

Para Cordeiro (2016) pensar a experiência do corpo como corpografia

memorial e em estado de performance significa compreender, ainda, quadro a quadro,

sua „estampa e a moldura do conteúdo e dos discursos que o envolvem como matérias

dessa matéria orgânica e sensorial maior não gessada por funções rígidas ou

condicionamentos estáticos; uma forma de emoldurar a cidade de sentidos outros para

que a cidade se re-veja nele, se re-visite a partir dele, como quem aprecia. Logo,

INSULADA revela-se, circularidade, uma exposição entre elementos quase

[des]conhecidos, reconhecendo-os/se, saltando para dentro do corpo recorrendo à

experiência do vivido para re-animá-lo em caminho reflexivo, produções escritas do

corpo grafadas por múltiplas relações imagéticas acionadas;.

3 IN fuSÃO e FISSURA do transbordamento das ilhas em nós: Consider@ções de

volta

Não é apenas a zona continental da cidade de Belém-PA, com seus 173,78 km,

representante dos 34,36% de sua área geral, que atrai o gosto e interesse por

investigações experimentais corpóreo-sensoriais no campo da performance. Em se

tratando dessa pesquisa foi justamente o seu território insular (já evidenciado)

distribuído em 39 ilhas, portanto 65,64% dessa área total que despertou nossa intenção

de trabalho proposto no Prêmio de Produção e Difusão Artística SEIVA 2016, da

Fundação Cultural do Pará.

Então esse é um dado importante para o fechamento do projeto “INSULAR: o

ato de se transformar em ilha”: encontramos importantes achados nesse abrir-se ao

ambiente, no deixar-se tocar por ele para, circundando aquilo que, por inúmeros e

urbanos motivos, nos inclinaram aos holofotes da cidade em detrimento das luzes que

hoje inundaram nosso olhar com a liquidez que banhou nossos corpos, deixemo-nos

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seguir com o sol que tingiu nossa pele e cabelos com as cores do ar, do céu, das águas, a

terra, a lama, do fogo obtido no contato dessas penetrações de retorno, nos fazendo suar,

ativando nossa fome, nosso desejo criativo em trajeto. Nós afro brasileiros, afro-

indígenas amazônidas, paraenses, batizados na piedade de nossos ancestres seres da

encantaria cabocla amazônica de “afagos à beira rio” (na voz do poeta Antonio Silva)

espraiados nos demais espaços onde foi possível chegar; e vulgarmente afastados do

convívio com essas mesmas entidades pelo preconceito cultural desigual que nos

dividiu estabelecido na relação cidade-ilhas.

Para o fotógrafo Dudu Lobato esse foi um trabalho diferenciado e bastante

significativo, pois

Como fotógrafo e performer, fotografar um Projeto contemplado pelo SEIVA

2016 como o INSULADA, foi algo diferente para mim, já que ao mesmo

tempo, esse projeto me desafiou e agregou. Desafiou porque, antes de tudo,

era preciso compreender, respeitar e observar os locais (as tres ilhas

propostas onde foram apresentadas e fotografadas as perfomances: Cotijuba,

Ilha das Onças e Combu), a sua natureza característica, a geografia, sua

população e à luz disto construir o trabalho. Pois todos esses elementos

serviram para contribuir, a sua forma, para a composição das

fotoperformances. Ao mesmo tempo agregou, pois nas 3 ilhas propostas

neste projeto, onde foram apresentadas as performances que fotografei,

percebi que as mesmas se encontram em frente á cidade de Belém. Então me

permiti, no meu processo de criação, deixar meu corpo e minha mente

criarem a partir dessas imersões, como uma folha de papel em branco, algo

que seria preenchido no momento em que eu saísse de casa para atravessar o

rio para fotografar as performances. (Dudu Lobato. Depoimento oral. 2018)

Na fala do artista performer fotógrafo identificamos atos artísticos atravessados

pela experiência criativa pessoal a qual, no âmbito da performance se vive em atos

presenciais de contatos perceptíveis. Ora, a ilha não faz parte do universo diário do

artista mas este mantem com ela algo de cultural o que lhe permite redescobrir-se tanto

como fotógrafo como amazônida. Um gesto importante a ser considerado pelo coletivo

como ato gerador de outra reflexão discursiva relevante: essas ações ocorreram quando

nossa pesquisa adentrou a discussão da nossa própria porção sensível-geográfica de

artistas territorializados dessa região, revisitando esse nosso „torrão‟ insular, nossa

região insular interna e particular, alterando nossos corpos individuais numa

coletividade estabelecida pelo grupo de atuantes-performers envolvidos na ação,

potencializando os sentidos, nossas percepções humanas e estéticas, atravessando

nossas experiências cotidianas, pessoais, profissionais e políticas com atuação no centro

da cidade de Belém-PA. Entrava em jogo, igualmente, nossas relações com essa cidade

urbano-fluvial que nos cerca, envolve, que nos encanta e nos infere, afeta e questiona

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em tudo que somos e nos tornamos (e a qual desconhecíamos também!) na relação com

esta arte que desenvolvemos a que denominamos performance.

Para Olaia (2018), artista performer que situa suas pesquisas no âmbito da

tríade corpo-performance-tecnologia sempre em relação com a cultura, ao referir-se ao

campo da linguagem performance, declara;

performance é arte, é vida, fricção, pulsação, choques de dor e prazer, jogo

cênico de improviso em que o afeto e o encantamento atravessam o espaço e

tempo, alterando, possibilitando outras dimensões que ultrapassam as

linguagens em si. Essas formas se desdobram em novas linguagens e fogem

do nosso próprio domínio, inclusive, do nosso discurso sobre elas.

(Pedro Olaia. Depoimento oral. 2018)

Sentimo-nos, então, no desejo múltiplo e exponencial de compartilhar a

natureza em entrelaçamentos: com seus seres aquáticos-terrestres-aéreos pensantes;

erveiros-bichos do mato correndo de nós e em mesmos; matas abertas dentro de

florestas intocáveis do que estamos a buscar no mundo; gentes-rios em mutação entre

vazante e cheia, alternando-se, eu diria, por inúmeras existências e em ininterruptas

gerações sempre em estado cíclico como a natureza que se refaz. Seres em ininterrupta

evolu(A)ção, flechados e capturados pela arte, reanimados pela vida em seu status

natural de vida em relação;.

Em seu depoimento, Dudu Lobato reitera, ainda, como a cultura amazônica de

vida ribeirinha e urbana se assemelham, integram e se tornam comportamentos

restaurados compartilhados de forma cotidiana, sempre traduzidas entre acolhimento,

disponibilidades afinidades afetivas. E enfatiza:

Vale, ainda. ressaltar, outras relações estabelecidas nesse projeto. Essas

relações começavam sempre no mesmo rio que nos levou às 3 ilhas. Onde os

barqueiros sempre solícitos, nos contavam as mais variadas histórias durante

toda a travessia de ida e volta, assim como os próprios moradores das ilhas

propostas sempre nos acolheram e trataram da forma mais humana e gentil

possível, mesmo sem nos conhecerem. Nos recebiam e nos guiavam aos

locais bem apropriados e peculiares para a realização da nossa ação artística

com a maior disponibilidade. (Dudu Lobato. Depoimento oral. 2018)

A fala do fotógrafo performer foi um divisor de águas nesse trabalho tendo em

vista que a partir dele passamos a ver melhor e refletir de forma mais detalhada os

caminhos da performance como meios e fins do trabalho tendo em vista natureza do

trablho de performances entre performances (corpo/ fotografia/tecnologia) atravessadas,

pelas culturas locais (pois na Amazônia tais expressões são plurais) em suas

manifestações entre arte e vida. Ao se referir ao trabalho com Rosilene e Pedro em cena

performativa, o artista esclarece:

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Em se tratando da relação estabelecida entre os performers da cena e o

fotógrafo performer com o propósito de realização deste projeto, destaco que

as performances nunca eram roteirizadas, elas surgiam “espontaneamente” do

contato dos mesmos com os ambientes em que nos encontrávamos, onde os

mesmos iniciavam com um "pedido de permissão" (uma espécie de ritual na

mata, feito com velas, jogos de cartas de tarô e entrega de bebidas tais como

vinho e cachaça) para os nossos antigos ancestrais para adentrar na floresta

com proteção e abertura, seguidos de um "encantamento/transe" que tomava

conta dela e dele. Depois "purificação/limpeza energética e espiritual" do

ambiente e por fim uma espécie de "batismo/renascimento", onde os

performes pareciam estar prontos para as adversidades dos 4 elementos da

natureza que buscávamos nos relacionar/representar/fotoperformar: terra,

água. ar e fogo. Dito isso, como eu trabalho com minha câmera no modo

manual, eu tinha que pensar rápido e saber o momento certo de fotografar

cada uma dessas nuances, dessas performances apresentadas nas 3 ilhas para

não perder a veracidade, a clareza e as sensações do momento, aquilo que ali

estava compartilhando em sensações com eles, sem comprometer o registro

do trabalho.

Como pode se observar, o fotógrafo se tornou um participante-comungante

determinante no trabalho pelo grau de envolvimento que este empreendeu nessa

participação interferindo diretamente, adentrando os espaços com disponibilidade e

entrega ao que estava fazendo ali, mesmo com a ideia vaga do que exatamente buscava,

mas certo de que estava junto, desdobando-se em todas as fases do trabalho, que era

parte fundamental do ato de performar e deste modo se marca performer. Ali, invadido

pela experiência de haver sido „tocado‟ pelas ações descobre que a performance,

igualmente, não era apenas captada pela câmera, mas era demandada, do mesmo modo

pelos fluxos sensitivos/intuitivos/estéticos/ poéticos que partiam dele e por ele como

performances.

Então o que tínhamos no retorno dessas vivências, naquele agora do término de

tudo, ante nossos olhos igualmente aprendizes, não eram apenas pedaços, fragmentos

“pegos aqui e ali das performances a três” e colados nessas fotoperformances que

representaram nossas viagens imaginativas e criativas ao atravessas nossos rios físicos e

imaginativos. O que brotou foi um mosaico desses corpos residuais nessa passagem

breve por essas experiências vitais propostas em intervenções e instalações

performativas de caráter sensorial, entre corpos, objetos e paisagens naturais, capturadas

em áudios, vídeos e imagens, entre sons, texturas, papel e tecido nos remetendo às

representações dessas relações que ora se apresenta ao corpo sem que nunca tivesse sido

interrompida nele, apesar de nosso afastamento cronológico. Um material. Agora, a ser

disponibilizado ao público no sentido lato do termo.

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Exposição INSULADA. Estúdio REATOR. Fotoperformances Dudu Lobato. Instalação Nando

Lima. 2016

A exposição resultante deu forma ao corpus obtido da relação estabelecida na

atuação dos quatro performers denominado corpus criativo obtido desse conjunto plural

do corpoambiente, fotoperformatizado, habitado por suas imagens, entre corpo em

movimento, áudio, vídeo, fotografia entre-ações gerando a imagem “retalhada” em

imagens-corpo, habitando-nos e presentificando/se esse espaço comemorativo comum,

tornando público nossas intimidades de percurso, devolvendo-nos ao nosso porto de

origem. Envolvimento afetivo, sensível, ético, poético e político nesses meses de

trabalho, estados performativos configurados INFUSÃO e FISSURA17

, compartilhados

em janeiro de 2017, no estúdio REATOR, nossa ilha editorial e laboratorial desse corpo

que “volta para casa” para revelar-se „arte pública‟, obra compartilhada.

Resultado-processo proposto entre degustação de frutas, cheiros, imagens e

muita conversa, entre artistas, curadores de arte e comunidade em geral como ato de

performances receptivas do trabalho, que se desejou coletivo e generoso, expressando o

querer bem vivido durante as ações, um cuidar de si e dos outros, nos registros que

propõem essa re-união dos elementos naturais entre si e com a parte inventada da vida

recorrente. Uma tela em muitas janelas imagéticas, expressões de uma relação sagrado-

profanada em abertura espacial, interna e externa, nos lançando como redes para fora

das canoas em que inúmeras vezes naufragamos em poesia, gerando a maresia do

entorno (antes de tudo o nosso próprio afogamento nas aprendizagens de percurso). Em

agosto de 2018 o trabalho foi convidado a compor a Exposição “Membrana insulada

Metrópole‟, de organização de Nando Lima e Dudu Lobato, em parceria com a Elf

Galeria, a qual compôs o Circuito Circular no mês de agosto/2018, na cidade de Belém-

PA. E daí, quiçá, espraiando-se em novas camadas de pesquisa e outros possíveis

desdobramentos.

17

Cf http://www.fcp.pa.gov.br/espacos-culturais/teatro-margarida-schivasappa/98-noticias-teatro-

margarida-schivasappa/1359-show-mulher-lucinha-bastos . Acessado em março/2017;

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21

Referências

BONDÍA, Jorge Larrosa. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. [Trad.] João

Wanderley Geraldi. Revista Brasileira de Educação (jan/fev/mar/abr. Nº 19. 2002)

CANCLINI, Néstor García. Culturas Híbridas - estratégias para entrar e sair da modernidade.

Tradução de Heloísa Pezza Cintrão e Ana Regina Lessa. São Paulo: EDUSP, 1997 (Ensaios

Latino-americanos, 1)

CANTON, Katia. Narrativas enviesadas. Martins Fontes. São Paulo: 2009 (Coleção Temas da

Arte Contemporânea)

CORDEIRO, Rosilene da Conceição; CORRADI, Analaura. CORPOGRAFIA MEMORIAL: a

narrativa poética do corpo em “Proibido para o banho, performance a São Marçal”. Artigo

aprovado como comunicação oral e apresentado no IV Seminário Brasileiro de Poéticas

Orais: narrativas, performances, cantos e seus arquivos de saberes, ocorrido entre os dias 26 a

28 de abril de 2017, na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), em Salvador. Disponível em

https://poeticasorais4.wordpress.com/apresentacao/

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