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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Fortaleza, CE – 3 a 7/9/2012
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Polifonia e dialogismo na série “As brasileiras”: entre paródias e estereótipos1
Helen E. Nochi Suzuki2
Issaaf Karhawi3
Ligia Maria Prezia Lemos4
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP
Resumo
A partir da série “As brasileiras” (TV Globo, 2012), os telespectadores-internautas criaram
e espalharam pela internet paródias – em áudio, vídeo e imagens – baseadas em estereótipos
que, por sua vez, alimentaram outras produções de sentido também ancoradas em
estereótipos, constituindo um movimento polifônico e dialógico que integrou múltiplas
plataformas, transferências e construções de sentido. Nesse artigo, nos debruçamos
especificamente sobre as montagens imagéticas criadas a partir de fotos e dos títulos dos
episódios da série, sempre relacionados à representação e à imagem da mulher brasileira.
Palavras-chave: “As brasileiras”; TV Globo; polifonia; paródia; estereótipo
A série “As brasileiras”
Em 2012, a Globo exibiu “As brasileiras”, uma coprodução com a Lereby5 dirigida
por Daniel Filho. No total foram 22 episódios semanais exibidos entre 02 de fevereiro e 28
de junho. Os episódios narraram histórias de 22 mulheres brasileiras, de diferentes regiões
do país que nada tinham em comum entre si, a não ser o adjetivo pátrio. Nas palavras do
diretor, Daniel Filho, “abranger desta forma não era minha primeira intenção, pensava em
antes fazer várias temporadas de cada Estado. Mas a ideia de reuni-las logo de uma vez
pareceu tão tentadora e direta que decidimos fazer”.6
“As brasileiras” foi um projeto mais amplo que seu antecessor “As cariocas”7.
Exibida em 2010 pela Globo, a série “As cariocas” concentrava-se, por sua vez, apenas na
cidade do Rio de Janeiro. Cada um dos dez episódios da trama contava a história de uma
1 Trabalho apresentado no GP Ficção Seriada, XII Encontro dos Grupos de Pesquisas em Comunicação, evento
componente do XXXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
2 Mestranda em Ciências da Comunicação pela ECA-USP. Professora na Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação
- FAPCOM. Pesquisadora do Centro de Estudos de Telenovela – ECA-USP e do Obitel - Observatório Ibero-Americano
da Ficção Televisiva. E-mail: [email protected]
3 Mestranda em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, bolsista do CNPq. Pesquisadora do Centro de Estudos de
Telenovela – ECA-USP e do Obitel - Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva. E-mail: [email protected]
4 Mestranda em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, bolsista do CNPq. Especialista em Gestão da Comunicação -
Políticas, Educação e Cultura pela ECA-USP. Pesquisadora do Centro de Estudos de Telenovela – ECA-USP e do Obitel -
Observatório Ibero-Americano da Ficção Televisiva. E-mail: [email protected]
5 A Lereby é uma produtora nacional criada pelo diretor Daniel Filho em 1996. Desde então, tem parceria com a Globo e
a Globo Filmes.
6 Fonte: “As mulheres apresentadas na série não têm nada em comum”. Site da série “As brasileiras”. Disponível em
<http://tvg.globo.com/platb/asbrasileiras-programa/2012/01/27/daniel-filho-as-mulheres-apresentadas-na-serie-nao-tem-
nada-em-comum/> Acesso em 25 de junho de 2012.
7 “As cariocas” foi uma coprodução com a Lereby da obra homônima do jornalista Sérgio Porto (Stanislaw Ponte Preta),
escrita por Euclydes Marinho e dirigida por Daniel Filho.
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mulher carioca, residente em um bairro da cidade. Foi graças à positiva repercussão da
narrativa e ao tom bem-humorado e leve da trama que o projeto audiovisual de “As
cariocas” serviu de inspiração para “As brasileiras”, tanto em questões de formato quanto
em questões estéticas.
Assim, diversos autores8 desenvolveram os episódios da série com curta duração,
narrativa independente, locução em off, apresentando um retrato bem-humorado dos
sotaques, ares e mulheres brasileiras. Foram criados cerca de uma centena de cenários para
dar conta das características regionais de cada uma das protagonistas e cada episódio contou
com o tempo de apenas uma semana de gravação.9
A independência episódica da série “As brasileiras” permitia à trama intitular cada
episódio com referência à mulher brasileira tratada no dia. A repetição composicional dos
títulos construiu, desde “As cariocas”, uma identidade discursiva para a série rapidamente
assimilada pelos telespectadores. Portanto, às quintas-feiras, o espectador estava
acompanhado pela Ana, o anjo de Alagoas (Cléo Pires); Ângela Cristina, a mamãe da Barra
(Glória Pires); Augusta, a inocente de Brasília (Claudia Jimenez); Gabriela, a reacionária do
Pantanal (Sandy); Gigi, a venenosa de Sampa (Giovanna Antonelli) apenas para citar
algumas das personagens, protagonistas de cada uma das tramas. Todas as personagens são
adjetivadas e inseridas em um local do Brasil.
Além da reiteração na composição do título dos episódios, as imagens de divulgação
de “As brasileiras” se limitavam a um estilo visual simples com foco nas mulheres
brasileiras. Na abertura10
, o logo de um violão apresenta o nome da série e em seguida, em
um cenário branco, as protagonistas desfilam em trajes de gala ao som dos versos “Bela,
bela, bela. Ela anda na rua como quem passa na passarela, o mundo é dela. [...] A bela é
linda é nossa ela é da cor do Brasil11
”. O cenário branco evidencia a “mulher/atriz”
brasileira que desfila, enfatizando seu papel de protagonista, de sujeito social pleno de si.
8 Autores da série: Adriana Falcão, Ana Maria Moretzsohn, Carol Castro, Clarice Falcão, Gregório Duvivier, Jô Abdu,
Marcelo Saback, Marcio Alemão Delgado, Marcius Melhem, Marcos Bernstein, Sylvio Gonçalves. Fonte: “As
brasileiras”. Disponível em: http://tvg.globo.com/platb/asbrasileiras-programa/creditos/. Acesso em 25 de junho de 2012. 9 Fonte: “A difícil tarefa de ilustrar histórias diversificadas”. Site da série “As brasileiras”. Disponível em:
http://tvg.globo.com/platb/asbrasileiras-programa/2012/01/27/a-dificil-tarefa-de-ilustrar-historias-diversificadas/. Acesso
em 25 de junho de 2012. 10 A ideia da abertura de “As brasileiras” é a mesma de “As cariocas” a não ser pelo logo inicial que, na anterior,
apresentava o Cristo Redentor e o último verso da canção, “A bela é carioca, mas é da cor do Brasil”. 11 Trecho da canção Bela fera, de Pedro Luís & A parede.
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Da abertura, toda a concepção visual da série é montada. Portanto, as imagens de
divulgação e mesmo as disponíveis no site oficial da trama12
são protagonizadas pelas
“mulheres/atrizes” brasileiras em sua beleza como vemos na figura 1.
Figura 1 – Exemplo de material fonte para as montagens.
A partir desse tipo de material, o telespectador-internauta passou a realizar
montagens e paródias – inspiradas nos títulos dos episódios da série “As brasileiras” e
motivadas por suas próprias realidades e vivências pessoais e profissionais. Construções
espontâneas e autorreferenciadas que, ao serem publicadas nas redes sociais explicitavam o
processo de diálogo do indivíduo com o coletivo, ou seja, os enunciados propostos
ofereciam a possibilidade de serem compreendidos como resultado de um discurso
compartilhado acerca de determinada questão. A produção de sentido dessas construções na
internet pode ser compreendida através dos conceitos de polifonia e dialogismo segundo
Bakhtin (2010a e 2010b), autor que nos oferece também uma abordagem sobre a paródia e
suas instâncias significativas na sociedade em “A cultura popular na Idade Média e no
Renascimento” (2008) pois essas intervenções utilizam a comicidade e os estereótipos do
repertório social. Analisaremos também a criação/participação colaborativa sob a ótica de
Jenkins (2009), além de trabalharmos a questão dos estereótipos e preconceitos explicitados
nos enunciados segundo Lippman (1980), Heller (2004) e outros.
Novas práticas: o telespectador-internauta
A palavra-chave que conduz nosso trabalho, mesmo que tacitamente, é
“participação”. Usar o termo é repensar o papel da audiência em seu local de inatividade
para o atual posto de colaboradora. Se outrora o telespectador de ficção televisiva era
qualificado como um receptor passivo, previsível, leal, isolado socialmente, silencioso e
invisível, hoje esse mesmo consumidor é visto como ativo, migratório, conectado
socialmente, barulhento e público (JENKINS, 2009, p. 47). Em nosso trabalho, portanto,
partimos do pressuposto de uma participação criativa da audiência no processo de fruição
12 Site de “As brasileiras”. Disponível em: http://especial.asbrasileiras.globo.com/home/. Acesso em 24 de junho de 2012.
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da ficção televisiva, visto que participar da ficção sempre foi característico do
telespectador, sobretudo, da telenovela. Ao afirmar que a telenovela “[...] é tão vista quanto
falada”, Lopes (2009, p. 29) – mesmo antes da internet – já a apresenta como formadora de
um espaço de conversação, negociação de sentidos, uma narrativa que, até na mais simples
das enunciações, estava presente no discurso do povo brasileiro. Seria espantoso, e mesmo
incoerente, se essa conversação – como reflexo da convergência digital – não caminhasse
da segurança do lar para o compartilhamento na internet.
Para De Certeau (2007, p. 94), “o telespectador não escreve coisa alguma na tela da
TV. Ele é afastado do produto, excluído da manifestação”. À primeira instância é essa a
conclusão a qual podemos chegar quando dissertamos sobre a participação das audiências
na produção de ficção televisiva. A passividade, “espelho de um ator multiforme e
narcísico” (2007, p. 94), faria do telespectador nada além de um ser disforme e
incapacitado. O que a internet nos mostra, no entanto, é a habilidade do usuário com novas
mídias e a familiaridade com o hipertexto. Quando Lévy (1996, p. 42), ao tratar do
hipertexto, concedia ao suporte digital a capacidade de gerar novos tipos de leituras
coletivas, além de aceitar o próprio ato de ler como um processo coletivo, compartilhado,
também aceitava que com a apropriação do usuário do hipertexto e das ferramentas da
internet, a leitura seria modificada. Indo além, o ato de ler aplica-se também ao ato de
assistir a programas de ficção. Portanto, que novas possibilidades de assistência são essas?
Ainda nas palavras de Lévy (1996, p. 41): “é somente na tela que o leitor encontra a
nova plasticidade do texto ou da imagem. Toda leitura em computador é uma edição, uma
montagem singular”. Enquanto o autor tratava do hipertexto e da possibilidade de mexer no
texto do outro, em um passo adiante, na cultura da convergência, os meios se confundem e
conversam entre si. O hipertexto não se restringe a um texto (virtual) estruturado em rede,
constituído de nós e ligações entres esse nós (LÉVY, 1996, p. 43), mas em uma maneira de
pensar do telespectador-internauta. Essa maneira de pensar hipertextual, em um ambiente
também hipertextual nos mostra que: “o hipertexto está dentro de nós, ou antes, está em
nossa capacidade interior de recombinar e atribuir sentido dentro de nossas mentes a todos
os comportamentos do hipertexto que estão distribuídos em muitas diferentes esferas de
expressão cultural” (CASTELLS, 2003, p. 166).
Antes da noção do hipertexto como constituinte de uma “prática”, uma série como
“As brasileiras” seria assistida, comentada entre os familiares, com os vizinhos, sempre
respeitando as barreiras geográficas e aquelas impostas pela familiaridade. Aqueles que se
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nomeassem fãs da série poderiam recortar e reunir imagens de revistas, ler entrevistas com
as atrizes ou assistir ao making of da série na TV. O transbordamento da série estaria
limitado àquilo que o produtor, a Globo, disponibilizou em outros meios tão tradicionais
quanto a televisão. Pensar como um hipertexto, ou melhor, de maneira transmidiática, em
polifonia, é apropriar-se do texto do outro, da ficção televisiva e transformá-la. A ficção
deixa de trilhar o caminho pré-estabelecido pelo roteiro, produção e orçamento e passa a
seguir os passos do telespectador-internauta na internet e refletir sua própria vida, real.
Se a oferta de ficção e de produtos relacionados a ela sempre dependeu dos
telespectadores, na cultura da convergência e da participação, não poderia ocorrer de outra
forma: “a circulação de conteúdos – por meio de diferentes sistemas de mídia (...) depende
fortemente da participação ativa dos consumidores” (JENKINS, 2009, p. 29). Jenkins aceita
o papel do produtor no processo de transmidiação da ficção televisiva – na criação de sites
oficiais, de blogs de personagens ou de vídeos exclusivos para a web – mas aposta,
também, na participação de um internauta capaz de criar mundos antes não previstos pelo
produtor. Por se constituírem como espaços regidos pelo compartilhamento de imagens,
textos e vídeos entre amigos, as redes sociais são locus favoráveis para a prática desse
“novo assistir”. Em pesquisa realizada na rede social Facebook, por Lopes e Mungioli
(2011), constatou-se, por exemplo, que os telespectadores-internautas assistem a telenovela
ao mesmo tempo em que comentam sobre ela na rede. No caso de “As brasileiras”, eles não
apenas comentavam nas redes sociais, ou criavam comunidades virtuais para a trama, como
também parodiavam a série, e sua própria realidade social, com o uso de montagens
imagéticas, nas redes sociais.
Polifonia em “As brasileiras”
Para Bakhtin, “o romance, tomado como um conjunto, caracteriza-se como um
fenômeno pluriestilístico, plurilíngue e plurivocal” (2010c, p. 73). Transpondo essa ideia
para a obra audiovisual, esta noção se caracteriza pela existência de outras obras em sua
organização interna. A construção de um enunciado é fundamentada na pluralidade de
vozes: não há vazio, mas relações sociais, encontro e trocas. Nos estudos bakhtinianos, a
noção de polifonia e dialogismo ficam evidentes: os processos enunciativos geram
discursos construídos com base em discursos anteriores: “cada enunciado é um elo na
corrente complexamente organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, 2010a, p. 272).
Portanto, não há discurso sem outros discursos, o ciclo exige a ação de outro(s), a existência
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de interlocutores. Esse ciclo de ação mútua e continuada caracteriza a polifonia que se
refere a variadas vozes que intervêm no texto. Aqui, falas não são enunciados individuais,
mas falas sociais, falas ideológicas, culturais. Falas muitas vezes controversas, pontuadas
por esferas da comunicação marcadamente ideológicas.
Para Bakhtin (2010b), a comunicação verbal, apoiada no diálogo, estabelece a
palavra como um “território comum entre o locutor e o interlocutor” e é a expressão do
mundo interior de cada indivíduo, ou seja, sua consciência, que constrói o sentido. Então, o
dialogismo é inerente à linguagem. O autor entende “a ideologia do cotidiano como um
domínio da palavra interior [da consciência] e exterior [com o outro] desordenada e não
fixada num sistema, que acompanha cada um dos nossos atos ou gestos e cada um dos
nossos estados de consciência” (p. 123). Nesse aspecto, a enunciação é produto de uma
interação social, que é manifestada individualmente, mas reflete as características e
influências, mesmo inconscientemente, do entorno social em que o sujeito está inserido.
Portanto, toda enunciação espera uma resposta, é um ato de diálogo com o outro, marcando
a compreensão ativa e responsiva. “Qualquer tipo genuíno de compreensão deve ser ativo,
deve conter já o germe de uma resposta.” (BAKHTIN, 2010b, p.137).
Um texto literário ou uma obra de ficção televisiva não poderia, deste modo, falar
apenas de si. Em uma série como “As brasileiras” ouvem-se as vozes de um país, de uma
nação de enunciados. As vozes falam de uma mulher brasileira, não aquela concebida
individualmente pelo diretor ou roteirista da trama, mas aquela construída por discursos –
tecidos nas relações sociais – sobre as mulheres brasileiras. Nesse sentido, estereótipos,
preconceitos, ideologias, individualidades e identificações são, legitimamente, constituintes
da narrativa de “As brasileiras”.
Remix, paródia e intertextualidade
Há condições ou momentos em que a construção de mundos paralelos se torna
possível por meio de narrativas, ficções, escrituras, oralidades etc. É possível a
manifestação desse duplo sentido, da realidade e dos mundos paralelos, de várias maneiras:
seja na conversa oral, informalmente, seja nas construções de sentido do real através da
escrita ou simplesmente durante o bate-papo informal em que o raciocínio construído da
realidade encontra outro sentido. A manifestação popular acerca de determinado assunto
que surge espontaneamente pode ser, hoje em dia, amplamente divulgada através da
internet.
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Por meio da paródia (imitação cômica), é possível a expressão espontânea de
situações em que se extinguem, ao menos momentaneamente, as diferenças de hierarquia,
poder ou status de classes. Bakhtin (2008) demonstra essa possibilidade ao descrever a
ocasião do carnaval na Idade Média como manifestação de caráter não oficial.
Mas quando se estabelece o regime de classes e de Estado, torna-se impossível
outorgar direitos iguais a ambos os aspectos, de modo que as formas cômicas –
algumas mais cedo, outras mais tarde – adquirem um caráter não-oficial, seu sentido
modifica-se, elas complicam-se e aprofundam-se, para transformarem-se finalmente
nas formas fundamentais de expressão da sensação popular do mundo, da cultura
popular (BAKHTIN, 2008, p. 5).
A utilização de mecanismos de transferência de sentido ou de construção de outros
sentidos a partir de um original utilizando a comicidade é uma forma de vivenciar a
dualidade do mundo, “ao lado do mundo oficial, um segundo mundo e uma segunda vida”
em ocasiões determinadas que “oferecem uma visão do mundo, do homem e das relações
humanas totalmente diferente, deliberadamente não oficiais” (BAKHTIN, 2008, p. 4-5) e
que, portanto, permitem a manifestação do ensejo popular.
Bakhtin (2008) enfoca a ocasião do carnaval na Idade Média para explicitar essa
manifestação popular de uma cultura que não tem o compromisso com a arte, mas torna-se
a representação da realidade construída espontaneamente numa situação em que os
representados também fazem parte do riso, apresentando, assim, uma versão da realidade
que se estreita como “uma opinião sobre um mundo em plena evolução no qual estão
incluídos os que riem” (p. 11). Nesse sentido, essa manifestação não é a representação de
um indivíduo, mas pertence a um “corpo popular, coletivo e genérico”.
A paródia na experiência de representar uma situação através de um texto ou de uma
imagem, transformando o seu significado original, permite que a experiência pessoal de um
indivíduo, ou grupo, seja explicitada coletivamente. Mas, para que essa manifestação seja
compreendida é necessário que as intenções abarcadas nesse texto ou imagem sejam
entendidas pelo outro. Então a comicidade a que se refere a peça construída reflete e refrata
de certa forma o coletivo. Para Bakhtin (2008), o enunciado sempre é uma construção
social e a comicidade que traduz uma situação real, representa uma alternativa de expressar
uma acepção de mundo que somente seria possível através desse dispositivo que, apesar de
mostrar um ponto de vista unitário, reflete uma visão coletiva do mundo.
O riso tem um profundo valor de concepção do mundo, é uma das formas capitais
pelas quais se exprime a verdade sobre o mundo na sua totalidade, sobre a
história, sobre o homem; é um ponto de vista particular e universal sobre o
mundo, que percebe de forma diferente embora não menos importante (talvez
mais) do que o sério; por isso a grande literatura (que coloca por outro lado
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problemas universais) deve admiti-lo da mesma forma que ao sério: somente o
riso; com efeito, pode ter acesso a certos aspectos extremamente importantes do
mundo (BAKHTIN, 2008, p. 57).
Em sua análise de paródias televisivas, Faria (2011) ressalta que a convergência
midiática e a convergência cultural se utilizam da tecnologia para modificar as relações
entre produtores de conteúdos e audiência, estabelecidos tradicionalmente. Assim, a
possibilidade da interferência do telespectador, utilizando as novas tecnologias, permite um
fenômeno em que é possível “uma fluidez, deslizamentos ou interstícios de conteúdos e
uma expansão incalculável de um produto lançado pela televisão brasileira” (2011, p. 203).
Para essa autora, a paródia construída a partir de uma matriz audiovisual, ao migrar para
outras formas de manifestação, com a expansão no seu processo de criação e a interferência
criativa do telespectador comum, propicia uma hipertextualidade.
As montagens imagéticas dos internautas são apropriações daquelas criadas para a
série “As brasileiras” que, conjugadas com as respectivas titulações, permitem a criação de
outros sentidos em intervenções que refletem situações do cotidiano e intercalam
significados retirados de outros contextos e que envolvem, em grande parte, estereótipos e
preconceitos.
Do estereótipo à autoestima
Todas as coisas são múltiplas, complexas, multifacetadas. As pessoas, as ideias, os
objetos dão-se a conhecer a partir do olhar do observador. E, por essa razão, “de qualquer
acontecimento público que exerça amplos efeitos, na melhor das hipóteses, só vemos uma
fase e um aspecto” (LIPPMANN, 1980, p. 149) e, portanto, incompleto. Assim,
testemunhos, relatos e descrições abarcam um tanto de criatividade, pessoalidade e
construção que depende dos olhos, hábitos e posição de quem vê. Essa definição parcial e
primeira tem a função de resumir e classificar o novo – entre o já conhecido. “Na maior
parte das vezes, não vemos primeiro para depois definir, mas primeiro definimos e depois
vemos.” (LIPPMANN, 1980, p. 151).
Para Bosi (1977), possuímos um círculo de ação limitado, reduzido e, dentro dele,
nos movemos sempre em caminhos familiares, repetidos, confiando e aceitando o
pensamento e informações vindas dos outros, aqueles que participam conosco da
construção de um discurso que reforça constantemente nossa “confiança social”.
Classificam-se e armazenam-se, conforme categorias preestabelecidas, fatos, coisas,
pessoas, opiniões. Essa é a utilidade do processo de estereotipia ao agilizar e organizar em
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compartimentos determinados um mundo que demandaria tempo e disposição para sua
análise primeira. Segundo Lippmann (1980), por economia, os estereótipos tomam
conceitos emprestados das artes, dos códigos morais, filosofias sociais, agitações políticas
para moldar nossa contemplação de acordo com a familiaridade e, apesar de existir conexão
entre visão e os fatos, é uma “estranha conexão” baseada em tipos e generalidades. Sem
intimidade, juntam-se os pontos da figura criando um desenho baseado em estereótipos e
essa figura passa a fazer parte de repertórios pessoais, sociais e coletivos.
Aqui se enquadra o termo “as brasileiras” do título da série. Quem são as
brasileiras? Juridicamente são as pessoas do sexo feminino, nascidas no Brasil, mesmo que
seus pais sejam estrangeiros; as nascidas no estrangeiro, com pelo menos um dos genitores
brasileiro; e, ainda, aquela que foi aceita e naturalizada brasileira. Brasileira, sabe-se, é uma
nacionalidade e não uma etnia. Intimamente ligada à República Federativa do Brasil,
porém, apresenta um número maior de significados do que os determinados por lei, entre os
quais, muitos carregam estereótipos e preconceitos. Traço característico da vida cotidiana, a
categoria de pensamento compreendida como preconceito, segundo Heller (2004) é baseada
na ultrageneralização e, assim, pode ser alcançado de duas maneiras:
[...] por um lado, assumimos estereótipos, analogias e esquemas já elaborados; por
outro, eles nos são “impingidos” pelo meio em que crescemos e pode-se passar
muito tempo até percebermos com atitude crítica esses esquemas recebidos, se é
que chega a produzir-se uma tal atitude (HELLER, 2004, p. 44).
Assim, as brasileiras são muitas, diferentes entre si e, apesar disso, carregam juntas
– e há séculos – um estigma13
relacionado a um imaginário coletivo de “mulher brasileira”
que as faz nascidas para a sexualidade, o amor, a beleza e a submissão ao homem. Seu
estereótipo as relaciona a adjetivos como formosas, adoráveis, bonitas, ornamentais, mas
também ociosas, desfrutáveis, subalternas:
Desde os primeiro registros acerca dos hábitos e costumes em terras brasileiras, a
imagem da mulher tem sido repetida, fixada, enquanto sensual, sexualmente
disponível, uma imagem cristalizada e ritualizada pela repetição: índias que
andavam nuas e se entregavam aos descobridores; negras escravizadas pelos
senhores de engenho, mistura racial e o aparecimento da mulata, o rebolado do
carnaval (ROSSETO, 2011, p. 333).
Produto de dominação, como a maior parte dos preconceitos, essa concepção da
“brasileira” visa conservar a estrutura social que dela se beneficia. Estrutura social que
sempre replicou e amplificou o ambiente macro em que o país, o Brasil, esteve incluído.
13
Utilizamos aqui a palavra “estigma” no sentido proposto por Goffman (1982), mais especificamente
localizando-a junto à classificação de “estigmas tribais”, ou seja, aqueles que englobariam, resumidamente, as
identidades sociais que contrariam as qualidades esperadas dos padrões de normalidade de uma raça, nação ou
religião.
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Definido pelo primeiro mundo como país do terceiro mundo, o Brasil manteve-se ao longo
de sua história com representação subalterna aliada a uma autoimagem inferiorizada.
Estereótipo e preconceito são temas universais e, por essa razão, lembramos aqui do estudo
de caso realizado na aldeia de Winston Parva por Elias (2000) e que destaca os termos
“estabelecidos”, para grupos que ocupam posição hegemônica de prestígio e poder e
“outsiders”, para os heterogêneos e unidos por laços sociais mais fracos. Dessa forma:
A peça central dessa figuração é um equilíbrio instável de poder, com as tensões
que lhe são inerentes. Essa é também a precondição decisiva de qualquer
estigmatização eficaz de um grupo outsider por um grupo estabelecido. Um grupo
só pode estigmatizar outro com eficácia quando está bem instalado em posições de
poder das quais o grupo estigmatizado é excluído (ELIAS, 2000, p. 23).
Para Elias (2000), ocorre que é obscura essa polifonia do movimento de ascensão e
declínio dos grupos que os leva de estabelecidos a outsiders e vice-versa. Para Heller
(2004), isso acontece porque o preconceito tem um caráter provisório, não é eterno nem
imutável e, justamente por esse caráter, pode alterar-se na atividade social e individual.
Ora, Orlandi (1990, p. 27) afirma que a Análise do Discurso se constitui
precisamente nesse intervalo, “na região das questões que dizem respeito à relação da
linguagem (objeto lingüístico) com a sua exterioridade (objeto histórico)”. O Brasil atual,
no movimento de ocupar um novo lugar, alterando o estereótipo anterior articulado na
inferioridade, vem passando por uma dinâmica que o “estabelece” em uma nova posição,
mais participante, atuante. Nesse ambiente e em um movimento integrado e reflexivo,
[...] as mulheres emergem como novos atores sociais na escolha de suas vidas e de
sua maneira de ser, os modelos femininos se diversificam. Mulheres reivindicam
não mais serem reduzidas a uma só dimensão, pois querem ser simultaneamente
mães, companheiras, trabalhadoras, cidadãs e protagonistas de seu lazer e prazer
(DEL PRIORI, 2010, p. 23).
O estereótipo das mulheres brasileiras passa por transformações e, ao voltar nosso
olhar para o telespectador-internauta, vemos surgir o discurso que revela sua nova posição
de autoestima em inúmeras paródias nascidas com inspiração nesses títulos, porém
propondo novos reflexos e refrações. Os telespectadores-internautas subvertem o antigo
estereótipo e, em nossa amostra temos, em lugar de “As brasileiras”, com sua carga
estigmatizada, títulos representativos de uma infinidade de profissões e das mulheres nelas
engajadas, ou seja, as profissões, ocupações e atuações da atual mulher brasileira. Por essa
razão, entre essas montagens imagéticas, poucas são ligadas àqueles estereótipos.
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11
As mulheres brasileiras falam de si: estereótipos e profissões
A pesquisa na internet requer a lida com um novo tipo de texto. O texto perde o
limite físico que outrora encontrávamos no papel e passa a ser parte de uma rede complexa
de nós e conexões. Apesar de, na estreia de “As brasileiras”, a rede social Facebook ter sido
locus de intenso compartilhamento de paródias, após esse período as montagens são
dificilmente localizáveis. Portanto, para nosso estudo coletamos 32 paródias feitas pelos
internautas14
. A partir das montagens reunidas, selecionamos aquelas que fazem referência
às profissões das mulheres brasileiras, uma vez que as sátiras relativas ao estado, cidade ou
município das brasileiras exigiria um conhecimento de especificidades de cada um desses
locais para uma análise coerente. Assim, das 32 paródias, nossa amostra intencional reuniu
14 montagens dos telespectadores-internautas15
.
Figura 2 – Exemplo de montagem: As enfermeiras.
Assim como o cenário branco da abertura de “As brasileiras”, como em um papel
em branco os internautas, logo na estreia da série, passaram a usar as imagens de
divulgação para, a partir delas, construir suas próprias narrativas. É como se a lacuna em
14
Entre as paródias há aquelas que brincam com as profissões; as advogadas, as biólogas, as colegiais da
Paraíba, as cientistas sociais, as economistas, as enfermeiras, as jornalistas, as nutricionistas, as psicólogas, as
publicitárias, as universitárias do Rio de Janeiro, as assistentes sociais, as brasileiras do agronegócio, as
geógrafas, as matemáticas, as universitárias, as UFBPenses. Outras que satirizam as regiões do país; as
alencarinas, as baianas, as cuiabanas, as curitibanas, as florianopolitanas, as janduienses, as paraibanas (1 e 2),
as peixeiras, as viçosenses, as bayeuxenses, as pedra branquenses, as santarritenses. Por fim, paródias que
fazem alusão a outros países como em as americanas e las mexicanas. 15
No total, 17 montagens tratavam das profissões das mulheres brasileiras. Desse número foram excluídas três
(as universitárias do Rio de Janeiro, as UFBPenses e as colegiais da Paraíba) também pela especificidade
exigida na análise.
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branco deixada pela produção da abertura despertasse a postura “ativo-responsiva” dos
espectadores. Como se aquele espaço precisasse de resposta.
[...] Toda compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza ativamente
responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante diverso); toda compreensão
é prenhe de resposta, e nessa ou naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte
se torna falante. A compreensão passiva do significado do discurso ouvido é apenas
um momento abstrato da compreensão ativamente responsiva real e plena, que se
atualiza na subsequente resposta em voz real alta (BAKHTIN, 2010a, p. 271).
A compreensão do enunciado da série, a construção dos títulos dos episódios e a
apresentação das protagonistas geram uma resposta do espectador que poderia ser, na
concepção bakhtiniana, um suspiro, uma palavra qualquer, uma construção frasal elaborada
e, em nosso caso, a construção de uma paródia.
Essa resposta à enunciação televisiva e mesmo a apropriação da narrativa é
facilitada pelo uso de ferramentas de edição de imagens como Paint ou Photoshop e pela
possibilidade de compartilhamento das redes sociais que faz com que conteúdos diversos
circulem pela internet: “as possibilidades abertas [...] pelas redes sociais [...] ampliam
sobremaneira as experiências criativas dos consumidores de narrativas midiáticas
proporcionando uma circulação de conteúdos jamais vista” (LOPES; MUNGIOLI, 2011, p.
252).
Para Jenkins (2009, p. 235), o uso dessas novas tecnologias – como as de edição de
imagens – são ferramentas que permitem ao usuário envolver o conteúdo dos “velhos meios
de comunicação” com a internet, vista sob a perspectiva de um “[...] veículo para ações
coletivas – solução de problemas, deliberação pública e criatividade alternativa”.
Aqui, entendemos criatividade na perspectiva de Lopes et al. (2009, p. 415), ou seja,
como um processo interativo no qual o usuário emite conteúdo “[...] criando algo novo a
partir daquilo que lhe foi dado. Estimulado pelo produtor de conteúdo a emitir uma
resposta, o internauta produz, transpondo a condição de receptor e alcançando a de
emissor”. No caso das paródias de “As brasileiras” não nos referimos a um processo
estimulado de maneira deliberada pelo produtor, mas a um processo genuinamente popular,
dos telespectadores-internautas.
Recorrendo novamente a Lopes (2009), arriscaríamos dizer que no caso de “As
brasileiras” a série “é mais falada do que vista”. A facilidade de compartilhamento no
Facebook permitiu que os internautas, mesmo aqueles sem contato direto com a série,
pudessem dividir na rede social uma paródia que fala de si.
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Como na corrente complexa de enunciados da qual fala Bakhtin (2010a), os
telespectadores-internautas passaram a ter contato com enunciados-resposta de outros
internautas e, como integrantes da incessante produção se sentidos, também construíam
seus próprios enunciados-resposta fosse formulando novas paródias, fosse compartilhando
outras.
Nesse sentido, o cômico se refere mais aos estereótipos relativos às profissões das
brasileiras – que encontram nas imagens da série, um “papel em branco” para a construção
de paródias – do que necessariamente aos estereótipos apresentados na trama da série
televisiva. É como se a ficção fosse um pretexto, ou mesmo o pontapé, para a enxurrada de
material produzido pelos internautas.
Suas montagens são nomeadas com títulos que remetem a um universo único e
específico, como por exemplo, as nutricionistas, as publicitárias, as cientistas sociais, as
advogadas (Fig. 3). Essas denominações solicitam uma compreensão já compartilhada
desse universo tratado. Em cada um deles, as “mulheres/atrizes” são definidas por
enunciados baseados em estereótipos profissionais, portanto, compartilhados pelo grupo
social em questão. No caso de “As advogadas”, as atrizes da série passam a representar o
papel de a rica tributária, a zen ambientalista, a curiosa administrativa, a apaixonada
civilista etc.
Figura 3 – Exemplo de montagem: As Advogadas.
Essas montagens são construções estruturadas que mesclam a natureza de
determinado tema com as diferentes e sutis percepções acerca da realidade dos universos
propostos por estereótipos profissionais. Por exemplo, no universo das enfermeiras (Fig. 2)
temos: a estressada da UTI, a poderosa da saúde coletiva, a atenciosa da geriátrica, a alegre
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da pediatria. Há nessas construções a evidente polissemia do signo, especialmente o visual,
que não carrega apenas o símbolo da série “As brasileiras”, mas signos ideológicos que
versam sobre grupos profissionais, e, consequentemente, diferentes brasileiras.
Interdiscursivamente, novos enunciados são construídos resultantes da produção de
sentidos apoiada em estereótipos. Esse remix, à luz de Bakhtin (2010b), representa a
polifonia, o conjunto de vozes vindas de outras obras, presentes na organização interna de
um discurso. Também se depreende o conceito de dialogismo (BAKHTIN, 2010b) visto
que as titulações das mulheres/atrizes remetem a uma compreensão particular de
significados que, conjugados com a imagem, produzem um efeito de comicidade.
Por sua vez, o telespectador-internauta, ao construir uma paródia com base naquilo
que vive em sua profissão, também lança mão de estereótipos que conduzem à comicidade.
O compartilhamento no Facebook é índice da função cômica das montagens: não há
descontentamento, mas divisão. As montagens multiplicam-se na rede e outras novas
somam-se às já construídas. Não é exatamente a série “As brasileiras” que rege ou nutre
essa ação, mas a construção de enunciados. Os internautas identificam-se com os
estereótipos e compartilham, ou seja, constroem discursivamente o ethos
(MAINGUENEAU, 2010). Ao publicar em sua página do Facebook uma montagem de sua
profissão, o internauta fala de si, se apresenta discursivamente para o outro. Essa construção
está atrelada a estereótipos, talvez como uma maneira de validação mais enfática de seu
ethos, uma vez que, os estereótipos são facilmente reconhecidos.
Portanto, em nosso estudo, pensar estereótipos não é pensar negativamente, senão o
contrário: ponderamos sobre um telespectador-internauta que, utilizando-se da paródia e do
humor em suas montagens cômicas, se repensa e se recoloca assertiva e positivamente
como mulher brasileira.
Considerações Finais
Por meio do exercício de análise feito neste trabalho percebemos através da
interação dos telespectadores-internautas com o conteúdo televisivo da série “As
brasileiras” – estabelecida nas montagens criadas para a Internet – alguns pontos nodais do
mundo digitalizado em que vivemos, e o trabalho da significação desse conteúdo. A
espontaneidade com que os usuários interferem num conteúdo original denotando uma nova
cadeia de produção, que não é fornecida pelo produtor, mas que pode ser alterada,
modificada, parodiada ou estereotipada pelos internautas, demonstra o grande poder de
difusão da internet e a inversão dessa cadeia construtiva de sentidos.
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Na polifonia dos discursos construídos podemos perceber a desconstrução do
estereótipo da mulher brasileira, e dentro de cada sistema de titulação dessas imagens,
notamos a utilização do dialogismo como recurso de comicidade. Cada uma dessas
intervenções, nomeadas e regidas sob um sistema próprio, reflete os variados entendimentos
acerca da situação descrita pelas titulações do conjunto das “mulheres/atrizes”. Nomes que
por si só possuem outro significado, mas que, em conjunto com a imagem, compactuam
com outras unidades de sentidos, discutindo características conhecidas, estereotipadas, de
situações descritas. Interferência espontânea que, online, permite perceber a polifonia de
temas e leituras a partir de uma mesma matriz.
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