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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Curitiba PR – 26 a 28/05/2016 Análise dos Conteúdos Econômicos Presentes no “Encontro com os Presidenciáveis” de 1989¹ Mateus Coelho Martins de ALBUQUERQUE² José Carlos Martines BELIEIRO JUNIOR³ Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS RESUMO Este trabalho tem por objetivo mapear os temas econômicos presentes no debate “Encontro Com Os Presidenciáveis”, exibido na Rede Bandeirantes em 16 de Outubro de 1989, referente às eleições presidenciáveis deste ano. Ele faz uso da Análise de Conteúdo, de base quantitativa e qualitativa, para chegar às conclusões acerca do posicionamento dos nove candidatos presentes no debate no que tange à economia, contextualizando a situação política e econômica da época com a importância dos debates televisivos. PALAVRASCHAVE: Economia; Política; Debate; Televisão; Eleições. 1 Anos 80: A Economia em Pauta O ano era 1987. Começava mais um “Viva o Gordo” na tela da Globo. O humorístico, estrelado por Jô Soares, sempre era iniciado com um número musical, uma paródia, geralmente em deboche de algum fato político que marcou a semana. Um grupo de figurantes e dançarinos entram e começam a cantar “Vou Deitar e Rolar” de Baden Powell e imortalizada na voz de Elis Regina. A paródia citava termos difíceis como “moratória”, “FMI” e “inflação”. O fato da semana era a moratória da dívida pública, decretada pelo Presidente José Sarney e pelo seu Ministro da Fazenda, Dilson Funaro, em fevereiro de 1987. Havia um clamor ____________________________ ¹Trabalho apresentado no IJ 08 – Estudos Interdisciplinares da Comunicação do XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul realizado de 26 a 28 de maio de 2016. ²Acadêmico do curso de Jornalismo da UFSM, email: [email protected] ³Orientador do trabalho. Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSM, email: [email protected] 1

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos ... · A crise do petróleo encareceu o preço do barril, essencial na economia brasileira. Assim, o Brasil investiu em uma indústria

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XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul – Curitiba ­ PR – 26 a 28/05/2016

Análise dos Conteúdos Econômicos Presentes no “Encontro com os Presidenciáveis” de

1989¹

Mateus Coelho Martins de ALBUQUERQUE²

José Carlos Martines BELIEIRO JUNIOR³

Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo mapear os temas econômicos presentes no debate “Encontro Com

Os Presidenciáveis”, exibido na Rede Bandeirantes em 16 de Outubro de 1989, referente às

eleições presidenciáveis deste ano. Ele faz uso da Análise de Conteúdo, de base quantitativa e

qualitativa, para chegar às conclusões acerca do posicionamento dos nove candidatos presentes

no debate no que tange à economia, contextualizando a situação política e econômica da época

com a importância dos debates televisivos.

PALAVRAS­CHAVE: Economia; Política; Debate; Televisão; Eleições.

1 ­ Anos 80: A Economia em Pauta

O ano era 1987. Começava mais um “Viva o Gordo” na tela da Globo. O humorístico,

estrelado por Jô Soares, sempre era iniciado com um número musical, uma paródia, geralmente

em deboche de algum fato político que marcou a semana. Um grupo de figurantes e dançarinos

entram e começam a cantar “Vou Deitar e Rolar” de Baden Powell e imortalizada na voz de Elis

Regina. A paródia citava termos difíceis como “moratória”, “FMI” e “inflação”.

O fato da semana era a moratória da dívida pública, decretada pelo Presidente José

Sarney e pelo seu Ministro da Fazenda, Dilson Funaro, em fevereiro de 1987. Havia um clamor

____________________________ ¹Trabalho apresentado no IJ 08 – Estudos Interdisciplinares da Comunicação do XVII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sul realizado de 26 a 28 de maio de 2016. ²Acadêmico do curso de Jornalismo da UFSM, email: [email protected] ³Orientador do trabalho. Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFSM, email: [email protected]

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público pelo chamado “calote”, e o FMI era com certeza um dos grandes vilões da época. Soa

peculiar hoje que em um dos humorísticos mais populares da época abordarem esse assunto. Mas

o fato é que a turbulência econômica se tornava um dos temas mais relevantes da

Redemocratização (período que consiste da posse de Ernesto Geisel em 1973 até as eleições de

1989).

Este surto de constantes complicações economicas veio em substituição a um dos

períodos de maior crescimento da história econômica brasileira, o Milagre, durante o mandato do

Presidente Emílio Médici. Um processo de aglutinação de forças estatais somado a uma

facilidade em se conseguir crédito externo possibilitou ao Brasil um desenvolvimento

patrocinado, principalmente, pelas grandes obras estatais e sustentado por um otimismo

crescente na população, com quase 10% de crescimento do PIB e elevação do Brasil ao posto de

oitava maior economia do mundo.

O choque desta grande quantidade de avanços economicos para com a desestabilização

que se iniciaria logo em sequência marcaria para sempre o período como uma época recessiva e

de difícil manutenção financeira. Neste exerto, resumiremos brevemente as políticas econômicas

adotadas pelos três chefes de Estado brasileiros que governaram o país durante a

Redemocratização: Ernesto Geisel, João Baptista Figueiredo e José Sarney.

1.1 ­ Geisel

O papel do Estado na economia durante o regime militar sempre foi misto, hora intenso,

hora mais recuado, porém nunca abandonando o seu papel de gestor da política financeira

nacional, ao contrário dos vizinhos Argentina e Chile que buscaram iniciativas mais ortodoxas.

(SOLA, 1993) Com o presidente Ernesto Geisel, que governou de 1973 até 1979 não foi

diferente. Assim, o a segunda fase do Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), arquitetada

pelo então Ministro do Planejamento João Veloso em 1974, vem com a proposta de “pisar no

acelerador do Estado” para manter o crescimento do PIB (símbolo do Milagre e papel chave da

manutenção da ditadura) em resposta à crise do petróleo de 1973. (GASPARI, 2014).

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A crise do petróleo encareceu o preço do barril, essencial na economia brasileira. Assim,

o Brasil investiu em uma indústria própria petrolífera de matriz energética, fazendo uso do

capital estrangeiro (dos petrodólares presos nos bancos internacionais em decorrência da crise) e

estatal (do BNDE). Essa indústria própria necessitaria de uma redução de consumo, para

diminuir o ritmo das importações, naturais ao crescimento do milagre.

Segundo SALLUM Jr e KUGELMAS (1993) essa política inverteu o jogo de

dependências: agora não era mais produtiva (de importações), mas sim financeira, provinda do

empréstimo dos petrodólares. A inversão nos padrões industriais e de balança geraria não só

rupturas econômicas, mas também rupturas políticas com setores que sustentavam o regime,

como a burguesia industrial do eixo Rio­São Paulo. A descentralização da economia industrial

foi a alternativa encontrada para dissipar o poder e gerar novos aliados. (DIAS e AGUIRRE,

1993)

Segundo SOLA (1993), o trabalho econômico de Geisel tinha dois objetivos claros: uma

liberalização econômica lenta e a inversão dos ciclos econômicos postos. A descentralização,

gerando parcerias em estados menos populosos, proporcionou uma maior capacidade de

aglutinação nacional, gerando uma base aliada estável ao governo. Já o primeiro item se tornou

um impeditivo para o governo controlar os gastos públicos, sobretudo no que tange ao

endividamento.

Esse processo gerou consequências que influíram diretamente nas políticas econômicas

dos dois sucessores de Geisel durante o período da Redemocratização. Tudo o que viria a seguir

seria pautado pela dívida.

1.2 ­ Figueiredo

A política econômica do presidente João Baptista Figueiredo, que governou de 1979 até

1985, teve início com o propósito de dar continuidade ao II PND, usando­o de sustentáculo para

a estabilidade necessária à transição. Para isso, o governo adota medidas intervencionistas,

dando ao Estado o papel de “maestro” da condução, com reforma cambial, controle de preços,

expansão de crédito, entre outras medidas.

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MOURA (1990) ainda aponta os motivos pelos quais essa política de hiper controle

fracassou: ela ignora o segundo surto de crise do petróleo, iniciado em 1979, que deteriorou a

economia internacional e prejudicou as relações de venda dos produtos mantidos pela construção

industrial patrocinada pelo II PND. Assim, o governo inverte os papéis e passa a adotar medidas

liberalizantes.

Estas medidas se dão da seguinte forma: criar meios para que o Brasil volte a receber

financiamento do capital externo, principalmente do mercado Europeu. Com esse objetivo no

foco, o governo começa a aplicar reformas administrativas no sentido de direcionar caixa para

setores tidos como prioritários. Isso surtiu efeito na medida em que “o setor capitalista privado se

adapta a patamares inferiores de produção, diminuindo rapidamente seu endividamento interno e

externo." (SALLUM Jr e KUGELMAS, 1993, p.286), mas esbarrou na redução da atividade

econômica global, ainda em consequência da crise.

Assim se cria, segundo MOURA (1990), um “pacote de assistência financeira ao país”,

sustentado por empréstimos vindos do FMI e de instituições financeiras públicas e privadas dos

Estados Unidos. Isso leva à segunda experiência intervencionista do governo Figueiredo (logo

após uma experiência ortodoxa) e à um crescimento de 5% ao ano, o que permitiu a estabilidade

necessária para a transição política de Figueiredo até a democracia.

1.3 ­ Sarney

A situação do brasil quando Sarney assume a presidência da república era crítica: “o

crescimento inflacionário (em fevereiro de 1986 a inflação já atingia três dígitos ao ano, 235%) e

o enorme déficit público – ou seja, o governo gastava mais do que arrecadava.” (GOMES, 2014,

p.18). O governo apostou no intervencionismo para solucionar a questão.

A primeira das saídas que Sarney escolheu para o problema foi a adoção do Plano

Cruzado. O plano previa a adoção de uma nova moeda, o Cruzado, além de um congelamento de

todos os preços e salários no Brasil. A inflação ficava regulada pelo chamado “gatilho salarial”,

recurso que corrigia os salários toda a vez que a inflação atingisse os 20% de crescimento.

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O plano tinha todos os “ingredientes típicos da terapêutica heterodoxo­inercialista”

(MOURA, 1990, p.51) e se saiu muito bem no início com um “momento de máxima esperança,

sinalizando com maior ênfase a possibilidade de reversão no quadro político­econômico do

país.” (MUSZYNSKI e MENDES, 1990, p.78), entretanto, sofreu com a dificuldade de regular e

fiscalizar o congelamento, peça chave na sua manutenção. O governo segurou os reajustes

necessários deliberadamente até 1986, o que reverteu todos os resultados até ali conquistados.

Sarney não aceitou correr o risco de ver sua popularidade baixar. Também pesava o fato de que, em novembro, haveria eleição para o governo dos estados e para a Assembleia Nacional Constituinte. O Plano não foi corrigido, o partido do governo, o PMDB, teve uma avassaladora vitória eleitoral (elegeu 22 dos então 23 governadores e 260 dos 487 deputados federais). A ressaca veio no dia 21 de novembro, quando o Plano Cruzado II foi anunciado à população. O novo Plano sinalizava o fim do sonho de consumo e estabilidade, surgido com o Cruzado. (GOMES, 2014, p.19)

Com a crescente da inflação, o Cruzado II se traduziu em insucesso. Em 29 de abril de

1987 se nomeia o economista Luiz Carlos Bresser­Pereira, que em 16 de junho lançou o novo

pacote de medidas econômicas, o Plano Bresser. Ainda de raízes heterodoxas, o Plano buscava

novamente o congelamento dos preços, porém, sem a estratégia do gatilho, ajustando os salários

pela inflação média do trimestre. Teve como maior empecilho a dificuldade das empresas

públicas e estatais de se adaptarem às novas regras salariais. MOURA (1990) ainda aponta a

tentativa frustrada do ministro de impor uma reforma tributária, pouco apoiada pelo executivo. A

soma destes dois fatores geraram consequências graves nas contas públicas.

Após uma fracassada tentativa de adotar uma política mais ortodoxa (com a inflação

atingindo o pico de 684,6%), o governo, em sua reta final, traça “uma re­edição do Plano

Cruzado, acompanhado, desta vez, de promessas de austeridade fiscal e monetária.” (MOURA,

1990, p.54), com o lançamento do Plano Verão em 16 de Janeiro de 1989. O plano somava

políticas heterodoxas (como, novamente, o congelamento dos preços) e ortodoxas (como uma

reforma administrativa). Assim como nas proposições de Bresser, o plano esbarrou nos entraves

políticos:

A reforma administrativa (...) evaporou­se nas disputas entre Executivo e Legislativo sobre a responsabilidade pelos cortes nos gastos. Na ausência de uma

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firme determinação sobre o ajuste fiscal, a política de juros reais e elevados transformou­se em mero mecanismo de transferência de renda do setor público para o setor privado, além de provocar o aumento de déficit público. Finalmente, a combinação de juros altos e cruzados e taxa de câmbio congelada gerou uma enorme entrada de hotmoney do exterior, provocando uma expansão monetária imprevista. (MOURA, 1990, p.54)

Assim, o Governo Sarney é encerrado com taxas econômicas alarmantes, colocando o

país em estado de recessão. A inflação diária beirava os 2,0% ao dia nos últimos anos do

governo, com um déficit operacional de 12,38%. (MOURA, 1990) A temática econômica não só

influia no dia­a­dia da população, como também gerava um cenário de incredulidade. E é nesse

cenário instável que ocorreriam as eleições presidenciais.

2 ­ 1989: Novos Cenários

As eleições de 1989 foram as primeiras eleições diretas em 29 anos, período em que o

país passou pelo Regime Militar e pelas eleições indiretas de Tancredo Neves. Estas marcaram a

história da transição democrática pela trágica morte de seu vitorioso postulante e consequente

posse de seu vice, José Sarney que governaria de 1985 até 1989. O capítulo anterior condensou a

grave crise econômica pelo qual terminou o governo Sarney, crise econômica essa que é a

precursora do grave problema do enfraquecimento do poder deliberativo do governo.

MUSZYNSKI e MENDES (1990) analisaram pesquisas de opinião do Consórcio Polis,

realizadas em 1988, comparando nações da América Latina com situação política semelhantes

(uma democracia recente vinda de longos períodos de ditadura militar) com o Brasil. Nos atendo

apenas a análise do nosso país, temos dados bem relevantes para este presente trabalho. 47% dos

brasileiros consideram que o governo democrático é mais eficiente na resolução de problemas

econômicos do que os governos militares, contra 22% que pensam o contrário

Entretanto, a mesma pesquisa mostra que apenas 18% dos brasileiros consideram o

governo democrático melhor do que os militares no que tange ao crescimento econômico. 84%

dos brasileiros consideravam a situação econômica nacional ruim/péssima (com 88% achando

que ela havia piorado). No âmbito geral, 56% consideravam a Presidênca da República vigente

ruim/péssima.

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Logo, o fato de os brasileiros possuírem a esperança de que governos democráticos são

mais capacitados para resolver situações econômicas do que governos militares não os impede de

avaliar negativamente o presente momento em todos os âmbitos e, no âmbito econômico,

considerar que o governo militar realizou um melhor trabalho do que o governo democrático

posto no agora. E as falhas na economia tem, como ilustram as pesquisas, um peso compensativo

na visão geral de descrétido do governo, gerando um enfraquecimento do poder deliberativo,

havendo uma descrédito para qualquer modalidade de governo.

LAMOUNIER (1990) realça que este processo de enfraquecimento da “capacidade

decisória” não era uma regra para processos de redemocratização, apenas aconteceu desta forma

no Brasil. E esta capacidade, este crédito ao executivo, faltou justamente em um momento em

que os diversos atores sociais do Brasil se aglutinavam em um processo de identificação

ideológica, de necessidade grupal de consolidação (e melhora) da democracia.

Ao final de 1989, com o país à beira da hiperinflação, essa capacidade encontrava­se no nível talvez mais baixo de toda história republicana brasileira, a ponto de literalmente todos os 22 candidatos à presidência da República se proclamarem de alguma forma em oposição ao governo Sarney. (LAMOUNIER, 1990, p.23)

A experiência bipartidária oriunda da ditadura é rapidamente dissipada em uma grande

multiplicidade de legendas assim que este bipartidarismo não é mais dado como regra, levando a

crer que não havia uma forte coalisão ideológica, tanto na situação (ARENA), quanto na

oposição (MDB), além do fato de existirem um para fazer oposição ao outro. O fato é que, dos

nove partidos presentes no debate analisado por este artigo, todos tinham membros articulados

no MDB (PT, PDT, PTB, PSDB, PCB e PSD) ou na ARENA (PDS, PL, PFL e o PSD, com

membros nos dois partidos).

Esse repentino multipartidarismo, fruto do bipartidarismo de direito mas nãode facto,era

inédito ao eleitor, já que “um dos constrangimentos mais duráveis à democracia oriundos do

golpe de 1964 foi, justamente, a interrupção do sistema partidário do período 1945­1956 que

demonstrava uma tendência de forte identificação junto ao eleitorado”. (ARTURI, 1995, p.13)

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Identificação essa que esses novos partidos, em medidas diferentes, possuíam de maneira mais

rarefeita.

A representação em partidos não é o enfrentamento mais relevante posto nesse cenário de

fragmentação repentina. Dentre os nove, o candidato Lula (PT) é o único vivo a ainda compor

com o mesmo partido nos dias de hoje. LAMOUNIER (1990) aponta a disputa ali posta: um

embate entre as utopias políticas de projeto nacional. A utopia participatória, com a

popularização e a descentralização dos mecanismos políticos (discurso alinhado com o petismo),

a utopia parlamentarista, que “é precisamente a busca de uma identidade institucional apropriada

à complexidade econômica e social já alcançada pelo país”.(LAMOUNIER, 1990, p.25), onde se

buscava, além da instauração do parlamentarismo, uma revisão de todo o conceito de

representatividade desenhado na história política brasileira, e a utopia presidencialista, que vai

um pouco além do que estava dado por acreditar no sustentáculo de uma presidência forte

através da garantia dada pelo voto. A estabilidade nacional se concentraria na relação do

presidente com o povo que o elegeu, relação inexistente até então (já que a chapa Tancredo

Neves/Sarney foi eleita indiretamente).

Esses três projetos de utopia seriam os blocos que concentrariam a disputa, em todos os

âmbitos, daquela eleição. O cenário de uma democracia com partidos políticos pulverizados,

capacidade decisória enfraquecida e opinião pública a favorecer o passado ditatorial em

comparações reforça a tese de que “a promulgação da nova Constituição em 1988 e as eleições

presidenciais por sufrágio universal em 1989 permitem qualificar o atual regime como

democrático, o que não implica, entretanto, que a democracia esteja consolidada no país.”.

(ARTURI, 1995, p.10)

3 ­ Encontro Com Os Presidenciáveis: A Eleição Exposta

O debate realizado na Bandeirantes em 16 de outubro de 1989 é um marco no

estabelecimento da tradição de debates televisivos no Brasil. Na única tentativa de se fazer um

debate presidenciável antes disso, em 1960 na TV Tupi, o futuro presidente Jânio Quadros abriu

mão para participar de um comício. Debates para a disputa do senado foram transmitidos pela

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TV Gaúcha em 1974. A Lei Falcão de 1976 impediu os debates até 1982, quando se realiza um

enfrentamento entre Franco Montoro e Reynaldo Barros, para o governo de São Paulo. Assim, o

“Encontro” foi o primeiro debate presidencial televisionado da história do Brasil. (LEITE, 2003)

O programa contou com a participação de nove dos vinte e dois candidatos à Presidência

da República, com as ausências notáveis de Ulysses Guimarães (PMDB) e Fernando Collor

(PRN). Na Grande São Paulo, teria alcançado 18% dos lares em sua metade, feito impressionante

para um programa de três horas. (GOMES, 2014) Marília Gabriela, mediadora, inicia

apresentando as regras do programa. Segundo LEITE (2003) existe uma espécie de obrigação do

público em assistir aos debates, devido a cobrança indireta que ele sofrerá pelo seu voto. A

explicação das regras do embate seriam uma institucionalização de uma suposta neutralidade.

Ao longo das suas três horas, o debate foi dividido em oito blocos, que alternavam entre

perguntas feitas pelos candidatos, pelos jornalistas das Bandeirantes e por jornalistas convidados.

Seus nove participantes discutiram fervorosamente, dando emoção ao show, e representavam a

amplitude das variáveis políticas ali presentes: Lula (PT) e Brizola (PDT) com uma esquerda

desenvolvimentista; Maluf (PDS) e Aureliano Chaves (PFL) como oriundos diretos do poder

emanado pelo regime militar; Afonso Camargo (PTB), Mário Covas (PSDB) e Afif (PL) fazendo

o perfil gestor e empreendedor, se atendo à tecnicalidades e Ronaldo Caiado (PSD) e Roberto

Freire (PCB) representando o pensamento mais ideológico e menos asséptico eleitoralmente

(apesar de estarem em lados opostos do pensamento político e econômico).

A lógica do programa não encontrou sucessores nos debates televisivos, pelo grau de

envolvimento da apresentadora Marília Gabriela, ao permitir minutos a mais de fala e tomar

sozinha decisões de casos omissos ao regulamento. “Foi um brilhante trabalho jornalístico em

rede nacional, em um momento histórico da democracia”. (GOMES, 2014, p.49) A sua

existência é um marco no estabelecimento democrático no país:

Em países que tiveram, em sua história, regimes autoritários de longa duração – caso de Brasil, Espanha e Portugal – os debates são muito mais recentes. Tal fato só vem a reforçar a idéia de que esta é uma experiência democrática, ainda que a democratização do meio televisivo seja algo com que muitos sonham, e do qual muitos igualmente duvidam. (LEITE, 2003, p.11)

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4 ­ Análise e Conclusões

Em seu resumo didático do funcionamento da Análise do Conteúdo, CAMPOS (2004)

aponta que Berelson, um dos maiores estudiosos desta metodologia, a tratava como “uma técnica

de pesquisa que visa uma descrição do conteúdo manifesto de comunicação de maneira objetiva,

sistemática e quantitativa”. (CAMPOS, 2004, p.612) Ao chegar na etapa da categorização, onde

criamos indexadores para os dados coletados, podemos dividi­los entre apriorísticos (onde as

categorias são pré­definidas) e não­apriorísticas (onde as categorias surgem do próprio material).

Adotamos aqui a vertente apriorística, escolhendo as categorias de indexação conforme a

literatura sobre a política e a economia do período (dissertada nos capítulos anteriores). As

categorias são as seis temáticas que permeavam o debate econômico da época, na intenção de

quantificar quais se destacavam e em que candidatos (ou espectros políticos).

Elas são: a inflação, o emprego, a dívida externa e interna, o capital estrangeiro, a

desigualdade (que compreende os debates sobre a redistribuição de renda, a concentração de

riquezas, do poder de compra e de políticas salariais) e o papel do estado (o debate entre a

ortodoxia e a heterodoxia interventora). A validação entre pares dessas temáticas, necessária

segundo CAMPOS (2004), foi realizada entre orientador e orientado, além da triangulação com a

contextualização bibliográfica prévia. O acesso ao debate se deu através do Youtube, em vídeo

creditado nas referências.

4.1 ­ Primeiro Bloco

No primeiro bloco, os candidatos responderam a pergunta da mediadora: “Se eleitos

agora, quais seriam as suas primeiras medidas?”. Apesar das tradicionais saudações ao público, à

emissora e aos adversários, todos os candidatos permearam pelas temáticas, muitos em mais de

uma delas. Existe um equilíbrio entre boa parte dos temas apontados, com um ligeiro destaque

para a Dívida.

4.2 ­ Segundo e Terceiro Blocos

Estes dois blocos funcionaram de maneira sequencial e igual. Todos os candidatos faziam

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perguntas a um outro oponente, não podendo repetir o candidato perguntado. Os temas

apareceram sete vezes durante as perguntas, o que reforça o protagonismo da economia na

discussão. Três são sobre Dívida, duas sobre o papel do Estado, uma sobre a inflação e uma

sobre capital estrangeiro. Essa última seria a única vez em que o tema seria tocado no debate,

com extrema concordância entre Mário Covas (PSDB) e Lula (PT), algo de díficil projeção na

polarização atual representada pelos dois partidos. Das perguntas que fugiram do tema podemos

destacar polêmicas (como o aborto, em uma pergunta elaborada por Maluf) e críticas políticas ao

governo (em pergunta elaborada por Brizola para Roberto Freire) sendo que esta última é

respondida com pensamentos acerca da dívida.

4.3 ­ Quarto Bloco

Aqui, os três jornalistas do Grupo Bandeirantes (Fernando Mitre, José Augusto Ribeiro e

José Paulo de Andrade) fizeram perguntas aos candidatos, sem poder repeti­los. Também

escolheram outro candidato para comentar a resposta. Como os candidatos não escolhem as

temáticas, cabe aqui analisar os desejos da imprensa. Os temas aparecem em menor número, seis

vezes, divididos em Papel do Estado (três), Inflação (dois) e Desigualdade Social (um). Nota­se

aqui o desejo de fugir da economia para colocar os candidatos em conflitos políticos, como a

relação de Lula com o MST e de Caiado com a UDR. Há um interesse, por parte dos jornalistas,

em mapear a situação das estatais e de novos modelos econômicos (Maluf inclusive cita sua

simpatia pelo modelo liberalizante de Estenssoro na Bolívia, o que gera discussão), daí o

destaque para o Papel do Estado.

4.4 ­ Quinto e Sexto Blocos

Aqui a mesma metodologia do bloco anterior é adotada, permitindo­se porém a repetição

de candidatos em relação ao quarto bloco. O bloco teve que ser dividido ao meio devido a uma

discussão generalizada. Os temas econômicos foram citados seis vezes, Dívida Externa e Interna

(2), Papel do Estado (2) e Desigualdade Social (2). Percebe­se que no total até agora, há uma

intensa participação das categorias no debate, com amplo equilíbrio entre a maioria delas.

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4.5 ­ Sétimo Bloco

Neste bloco, nove jornalistas de outros veículos foram sorteados para fazer perguntas aos

candidatos, estes também sorteados. As categorias apareceram três vezes, divididas em Inflação,

Emprego e Dívida Externa e Interna. Um menor número de vezes em que as caretorias aparecem,

aliado a um intenso número de perguntas de ordem eleitoral aos candidatos, denota, pelo menos

tirando este debate como objeto de análise, que o interesse em mostrar proposições econômicas

partia dos próprios candidatos, e não da imprensa em geral, interessada em cobrir o pleito e suas

reviravoltas.

4.6 ­ Oitavo Bloco

Semelhante ao primeiro, este é um bloco de considerações gerais. Porém, por se tratar do

último bloco, e haver a necessidade de “deixar uma impressão no eleitor”, quatro candidatos não

citaram as categorias, focando as suas falas em frases de efeito e chamamentos para a campanha.

Entretanto, os outros cinco citaram algumas mais de uma vez (como aconteceu em outros

blocos), totalizando oito citações (quatro para a Dívida, duas para a Desigualdade, uma para o

Papel do Estado e uma para a Inflação).

4.7 ­ Análise Geral

Para visualizar a situação geral, dividimos os dados em dois gráficos. O primeiro mostra

quantas vezes as Categorias foram usadas em perguntas, não contando respostas e comentários.

O segundo mostra quantas vezes determinado candidato esteve envolvido com determinada

categoria, seja ela como pergunta, seja ela como uma resposta ou comentário.

Figura 1 ­ Quantas perguntas foram feitas mencionando cada categoria

Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=zlk8x9QguR8

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Figura 2 ­ Quantas vezes cada candidato esteve envolvido com as categorias

Fonte:https://www.youtube.com/watch?v=zlk8x9QguR8

Nota­se, em primeiro lugar, a presença dos temas previamente elencados com destaque

no debate, principalmente nos blocos em que os próprios puderam ditar o tom da discussão.

Logo, se todos se consideravam oposição ao governo de José Sarney (LAMOUNIER, 1990),

também consideravam que a raíz do problema, o estopim das mudanças, seria a economia. Além

disso, provou­se acertada a decisão de não colocar a categoria “Impostos”, que não seria

mencionada em nenhum momento no debate, o que deixa claro que uma reforma tributária não

era pauta de nenhuma daquelas candidaturas.

Analisando o espectro total, observamos que a única pauta de pouco alcance foi a do

Capital Estrangeiro, abordado apenas por Covas e Lula (um perguntando para o outro, inclusive).

A categoria da Desigualdade Social alcançou números surpreendentes, embora seja claro que ela

não encontra espaço nos candidatos mais identificados à direita política (Aureliano Chaves,

Maluf e Caiado), apenas com uma citação por parte de Aureliano (citação que foi uma resposta a

um jornalista, ou seja, não foi de escolha própria). Ronaldo Caiado foi o que menos se adequou

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às categorias em geral, muito pelo caráter polêmico de sua candidatura, devido à sua relação com

a União Democrática Ruralista (UDR). Caiado se ateve menos à tecnicalidades que os outros

candidatos, defendendo interesses específicos.

Duas categorias se destacaram das demais: o Papel do Estado (presente nas falas de todos

os candidatos) e a Dívida Interna e Externa (a que mais acumulou citações). Ante à crises

econômicas, as duas pautas tendem a ser muito levantadas. O Papel do Estado, questionado por

setores da direita como excessivamente interventor, pautando uma dinamização da gestão das

estatais (e, posteriormente no Brasil, a sua privatização) e a Dívida pública, pautada pela

esquerda como um instrumento imperialista que reduz o orçamento e atravanca políticas sociais.

No Brasil de 2016, em uma situação com muitas distinções da de 1989, mas semelhante

pela crise econômica e pela instabilidade política, o enxugamento do Estado e o elevado grau da

dívida se mantém pautas atuais. Assim, é possível inferir que ante à situações críticas estas duas

temáticas são os baluartes econômicos da disputa entre a direita e a esquerda, mesmo em debates

amistosos e com elevados níveis de concordância como o “Encontro Com Os Presidenciáveis”.

Essa divisão será um dos pilares de sustentação da disputa pelas utopias de LAMOUNIER

(1990), independente das mudanças na configuração partidária apresentada pela nossa recente (e

ainda instável) democracia.

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