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INÊZ LEAL TRINDADE Interdisciplinaridade e Contextualização no “Novo Ensino Médio”: conhecendo obstáculos e desafios no discurso dos professores de ciências Belém Novembro - 2004

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INÊZ LEAL TRINDADE

Interdisciplinaridade e Contextualização no “Novo

Ensino Médio”: conhecendo obstáculos e desafios no

discurso dos professores de ciências

Belém Novembro - 2004

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS E MATEMÁTICAS

NÚCLEO DE APOIO AO DESENVOLVIMENTO CIENTÍFICO – NPADC

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

Interdisciplinaridade e Contextualização no “Novo Ensino Médio”: conhecendo obstáculos e desafios no discurso

dos professores de ciências Autora: Inêz Leal Trindade Orientadora: Profª Drª Sílvia Nogueira Chaves

Este exemplar corresponde à redação final da Dissertação defendida por Inêz Leal Trindade e aprovada pela Comissão Julgadora. Data: Assinatura: Comissão Julgadora:

Profª Drª Silvia Nogueira Chaves

Profª Drª Terezinha V. Oliver Gonçalves ___________________________________

___ Profº Drº Genylton Odilon Rêgo da Rocha

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Inêz Leal trindade

Interdisciplinaridade e Contextualização no “Novo

Ensino Médio”: conhecendo obstáculos e desafios no

discurso dos professores de ciências

Dissertação apresentada à Comissão Julgadora do Núcleo Pedagógico de Apoio ao Desenvolvimento Científico da Universidade Federal do Pará, sob orientação da Professora Doutora Silvia Nogueira Chaves, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICAS, na área de concentração: Educação em Ciências.

Belém

Novembro - 2004

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca Setorial do NPADC, UFPA T832 TRINDADE, Inêz Leal Interdisciplinaridade e Contextualização no “Novo Ensino Médio”: conhecendo obstáculos e desafios no discurso dos professores de ciências. / Inêz Leal Trindade; Orientador Silvia Nogueira Chaves. – Belém: [s.n], 2004. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Pará, Núcleo de Apoio ao Desenvolvimento Científico, 2004 CIÊNCIAS – Estudo e ensino. 2. Ensino Médio. 3. INTERDISCIPLINARIDADE (Educação em Ciências). I. Título.

CDD 19. ed. 373

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LISTA DE SIGLAS

ANPED

BM

BID

BIRD

CNE

CEB

DCN

DCNEM

ENEM

FMI

LDB

MEC

NPADC

PCN

PCNEM

PNUD

PROMED

SAEB

SEF

UFRGS

UNICEF

UNESCO

Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação

Banco Mundial

Banco Interamericano de Desenvolvimento

Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

Conselho Nacional de Educação

Câmara de Educação Básica

Diretrizes Curriculares Nacionais

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

Exame Nacional do Ensino Médio

Fundo Monetário Nacional

Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Ministério da Educação e do Desporto

Núcleo Pedagógico de Apoio ao Desenvolvimento Científico

Parâmetros Curriculares Nacionais

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

Programa das Nações Unidas Para o Desenvolvimento

Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio

Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

Secretaria do Ensino Fundamental do MEC

Universidade Federal do Rio Grande do Sul

Fundo das Nações Unidas para a Infância

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

1 AS MOTIVAÇÕES DA PESQUISA: descortinando o palco e os

bastidores do processo

14

1.1. Definindo o Problema e as opções metodológicas da pesquisa 21

2. A REFORMA CURRICULAR DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA:

cenários e motivações

30

2.1. O ensino médio no contexto do século XXI: desafios e

perspectivas

39

2.2. As mudanças no ensino médio na perspectiva da LBB e das

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

43

2.3. O ensino médio mudou? Outras questões para além do discurso

oficial

58

3. SOBRE A INTERDISCIPLINARIDADE: entre o discurso oficial e a

prática dos professores de ciências

69

3.1. Interdisciplinaridade: em busca de seu(s) significado(s) 72

3.2. A interdisciplinaridade no discurso oficial e na prática dos

professores de ciências: oposição ou convergência?

83

4. A CONTEXTUALIZAÇÃO NAS DIRETRIZES E NOS

PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO

MÉDIO

100

4.1. Aprendizagem significativa no pensamento de Ausubel 106

4.2. Em busca de outro(s) significado(s) para a contextualização:

resgatando sua dimensão política

110

4.3. A contextualização no discurso dos professores 113

5 Considerações Finais 125

6 Referências Bibliográficas 128

Anexos

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Aos meus filhos – Arthur e Amanda – que em tão tenra infância tiveram que abdicar de minha companhia e dos meus cuidados para eu pudesse me dedicar à vida acadêmica, mas que, apesar disso, demonstram por mim um amor intenso e verdadeiro, dedico esse trabalho.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, a quem devo tudo o que tenho e tudo o que sou, pela força e pelo

socorro bem presente nas horas de angústias.

Aos meus pais, Alice Trindade e Alderico Trindade pelo amor que sentem por

mim, traduzido em cuidado, carinho, apoio e compreensão em todos os momentos da

minha vida.

À minha Orientadora, Profº Drª Silvia Nogueira Chaves, pela seriedade e

rigorosidade com que conduziu o processo de orientação, mas, sobretudo, pela

solidariedade e generosidade, demonstradas nos diversos momentos de “crise

intelectual” que vivenciei no desenvolvimento desse estudo. Agradeço-lhe por ter

sido, de fato, companheira de jornada nessa importante fase de minha vida

acadêmica.

Aos professores do ensino médio que de bom grado me concederam

entrevista, permitindo que eu adentrasse no universo de suas idéias e práticas. Essa

colaboração foi imprescindível à concretização deste estudo.

A todos os meus irmãos, especialmente à Ana Alice, Sandra e Lecy por terem

se colocado à minha disposição em quase todos os momentos em que precisei de

ajuda.

A Francisco Júnior, por ter incentivado o meu ingresso na Universidade e

apoiado as etapas posteriores de minha formação acadêmica.

Às amigas Eliana Lima, Vânia Glauce, pela companhia e pelas orações, de

modo especial à Maura Botelho, por ter assumido o papel de segunda mãe de minha

filha, cuidando dela com amor e carinho.

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À Carmem Matos e Joelma Cruz, por terem cuidado de mim, da minha casa e

da minha família com amor e dedicação durante boa parte do desenvolvimento desse

estudo.

À Daísa Aparecida e Nancilene Silva, por terem compartilhado comigo o

sonho de fazer pós-graduação, me estimulando e ajudando durante o processo de

seleção do mestrado

Aos meus amigos de sempre João Santiago, Carlos Renilton, Adriano Silva e

Paulo Lima por me fazerem acreditar em mim mesma, por terem vivenciado comigo

alguns dos melhores momentos de minha vida, e acima de tudo, pelas importantes

contribuições dadas ao meu processo de crescimento intelectual, pessoal e

profissional.

À Siane Silva, pela companhia e pela mão amiga à mim estendida sempre que

precisei de sua ajuda.

Aos professores do curso, pelas contribuições dadas no processo de

construção do meu ser-educadora, especialmente à Coordenadora do Programa de

Mestrado, pelos exemplos de dedicação e compromisso com a educação.

A todos os meus colegas de curso, principalmente àqueles com os quais

convivi de forma mais direta, trocando idéias e compartilhando momentos de

angústias, tensões e alegrias nessa árdua e fascinante jornada: Elinete Ribeiro, Ailton

Miranda, Marciléia Serrão, Elizabeth Manfredo, André Ribeiro, Josete Dias, Maria

Catarina, Luíza Pereira e Sônia Oliveira.

Enfim, a todos aqueles que contribuíram de forma direta e indireta para a

realização de mais essa importante etapa de minha vida, pois estou convicta de que,

sozinha, teria sido impossível concluí-la. Muito obrigada a todos!

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RESUMO

Nessa pesquisa discuto os desafios do novo ensino médio na ótica dos professores de

ciências, sobretudo os que dizem respeito à proposta de ensino pautado na

interdisciplinaridade e na contextualização. Para tanto, esse estudo foi desenvolvido

tendo em vista responder como os professores estão lidando no contexto de suas

práticas com os novos princípios do ensino médio e que desafios precisam ser

enfrentados para a implementação da interdisciplinaridade e da contextualização no

ensino, na percepção dos professores de ciências. Para abordar as questões

norteadoras e atingir os objetivos propostos neste estudo, lancei mão da pesquisa

documental, objetivando a leitura da legislação que deu suporte à reforma do ensino

médio, e da pesquisa bibliográfica para abordar os conceitos centrais dessa pesquisa.

Além disso, entrevistei professores das disciplinas Química, Física e Biologia através

da entrevista estruturada. Os resultados da investigação evidenciaram relativo

desconhecimento dos princípios da reforma preconizados nos documentos oficiais,

pela maioria dos entrevistados. Entretanto, os professores não se mostraram alheios

às discussões relacionadas à interdisciplinaridade e a contextualização, o que não

significa que esses sujeitos revelem formas complexas de lidar com esses conceitos

ou que implementem ações conscientemente elaboradas, tendo em vista o ensino

interdisciplinar e contextualizado. Predomina, nas concepções dos professores, uma

visão instrumental da interdisciplinaridade e da contextualização, em consonância

com a concepção apresentada nos textos oficiais. Quanto aos desafios percebidos

pelos professores para a implementação da interdisciplinaridade e da

contextualização no ensino, estes ficaram circunscritos à sua dimensão contextual,

isto é, os problemas estruturais da escola pública e os limites de espaço e tempo. A

dimensão conceitual dos termos em questão, bem como os limites advindos da

formação dos educadores, foram perifericamente problematizados.

Palavras-chave: ensino médio, interdisciplinaridade, contextualização, ensino de

ciências.

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ABSTRACT

In this research I discuss the new high school’s challenges for teachers of science

mainly the ones which concerns the purpose of learning based in interdisciplinary

and contextualization. In face of that, this study was developed in order to answer

how teachers are dealing with their practice with the new high school principles and

what kind of challenges needs to be faced for the implementation of interdisciplinary

and teaching contextualization, from the standpoint of teachers of science. So that I

could consider the guiding questions and reach the goals purposed in this study, I

used documental research, objecting the reading of the legislation that gave support

for the high school reform, and biographic research to observe the central concepts of

this research. Besides, I interviewed teachers of Chemistry, Physics and Biology

through structural interview. The investigation results showed relative ignorance

about the principles of reform established in official documents, for the most of

interviewed teachers. However, the teachers didn’t showed themselves inattentive

concerning the discussion about interdisciplinary and the contextualization, which

not means that these actors reveal complex forms of dealing with these concepts or

that they implement consciously made actions, looking for some contextualized and

interdisciplinary teaching. It domains, through teacher’s conceptions, an instrumental

vision of interdisciplinary and contextualization according to the conceptions pointed

up in official texts. Concerning the challenges perceived by teachers to produce the

implementation of interdisciplinary and contextualization teaching, those ones

remained attached to his context’s dimension, that is, the public school’s structural

problems and the limits of space and time. The conceptual dimension of terms in

question, as well the limits that come from teacher’s formation, were peripherally

observed.

Key-words: high school, interdisciplinary, contextualization, science teaching.

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INTRODUÇÃO

É notório o processo de reforma que vem sendo implementado nas escolas

brasileiras desde a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,

nº 9.394 de 20 de novembro de 1996, orientado pela elaboração dos Parâmetros

Curriculares Nacionais para os níveis que compõem a educação básica, cujos

princípios têm acarretado controvérsias e debates no espaço escolar e até extra-

escolar.

O contexto da reforma educacional consubstancia-se nas mudanças no

campo científico e tecnológico, no qual se inserem as transformações no mundo do

trabalho que têm atingido as sociedades contemporâneas, impondo novas exigências

ao campo educacional como forma de adequação deste às novas demandas do mundo

produtivo. Como afirma Domingues et al (2002: 2)

O desenvolvimento científico e tecnológico das últimas décadas não só transformou a vida social, como causou profundas alterações no processo produtivo que se intelectualizou, tecnologizou, e passou a exigir um novo profissional, diferente do requerido pelos modelos taylorista e fordista de divisão social do trabalho. A sociedade contemporânea aponta para a exigência de uma escola diferenciada, uma vez que a tecnologia está impregnada nas diferentes esferas da vida social.

A reforma do ensino médio apresenta-se coerente com essas premissas uma

vez que os eixos integradores propostos para este nível de ensino – contextualização

e interdisciplinaridade – objetivam a formação de habilidades e competências

necessárias ao mundo produtivo. Este exige um trabalhador que realize múltiplas

tarefas não-especializadas, capaz de tomar decisões, de trabalhar em grupo, de

assumir liderança, entre outros requisitos. (Lopes, 2002; Kuenzer,2002).

Partindo dessas questões, discuto neste texto os princípios do novo ensino

médio, apresentados nos documentos oficiais da reforma – as Diretrizes e os

Parâmetros Curriculares para o Ensino Médio – tomando como base não apenas a

“voz oficial”, mas, sobretudo, as vozes que foram silenciadas nas propostas oficiais,

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apesar do caráter supostamente democrático da elaboração das Diretrizes e dos

Parâmetros Curriculares Nacionais: falo da voz dos professores, que têm sido,

historicamente, considerados consumidores e não agentes das mudanças curriculares

Parto do princípio de que as escolas não são tabulas rasas, prontas a

assimilar o que lhes é apresentado (Santos, 2003, p.4), pois existem múltiplos

fatores que interferem na concretização das mudanças pretendidas pelos órgãos

oficiais, uma delas é a resistência dos professores, assumida ou velada, ou mesmo as

interpretações e ressignificações dadas às propostas curriculares. Como salienta

Santos, mesmo quando os professores aderem a tais propostas, buscam interpretá-las

e adaptá-las de acordo com o contexto institucional de onde trabalham, o que faz

com que assumam características bem diversificadas.

Assim, apresento o discurso dos professores de ciências quanto às questões

da interdisciplinaridade e da contextualização como eixos integradores do novo

ensino médio, buscando evidenciar os obstáculos e desafios que precisam ser

enfrentados para a realização do ensino pautado nesses princípios. Para tanto, esse

texto está dividido em quatro seções.

Na primeira seção, intitulada As motivações da pesquisa: descortinando o

palco e os bastidores do processo, busco evidenciar o caminho percorrido na

definição do problema e objetivos da pesquisa, situando-o no contexto de minha

trajetória pessoal e profissional, para, em seguida, apresentar as opções feitas no

decorrer deste estudo, expressas na metodologia da pesquisa. Apresento ainda os

bastidores da pesquisa, evidenciando aspectos que se constituíram problemáticos e

desafiadores no processo dessa investigação.

Na segunda seção, intitulada A Reforma Curricular Brasileira: cenários e

motivações, abordo o contexto no qual a reforma educacional brasileira se insere, as

mudanças pretendidas através da promulgação da LDB 9.394/96, bem como da

elaboração das Diretrizes e dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o campo da

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educação escolar, enfatizando as principais mudanças propostas para o ensino médio.

Ressalto de antemão que a discussão sobre a reforma do ensino médio não será

centralizada apenas em seus aspectos legais. Procuro, sobretudo, focalizar essa

temática na ótica dos professores de ciências.

Na seção três, denominada Sobre a Interdisciplinaridade: entre o discurso

oficial e a prática dos professores de ciências, discuto a concepção de

interdisciplinaridade nas suas dimensões epistemológicas e pedagógicas,

evidenciando a necessidade e os problemas (obstáculos) da abordagem

interdisciplinar no ensino. Para tanto, busco discutir essa temática à luz da produção

teórica de autores/pesquisadores que têm se dedicado ao tema, bem como na

perspectiva dos textos oficiais e nos discursos dos professores de ciências. Procuro

demonstrar, ainda, que a interdisciplinaridade nos textos oficiais assume finalidades

distintas das que são preconizadas no discurso epistemológico.

Nessa mesma perspectiva, discuto na seção quatro, intitulada A

Contextualização nas Diretrizes e nos Parâmetros Curriculares Nacionais, a

concepção de contextualização no âmbito da produção teórica do ensino de ciências,

bem como nos documentos da reforma, articulando-as com o discurso dos

professores de ciências. Demonstro também, que o conceito de contextualização é

ressignificado tanto no discurso oficial quanto nos discursos dos professores de

ciências, assumindo significados e finalidades distintos da proposta de

contextualização defendida pelos teóricos da área de ensino de ciências.

Espero contribuir com esse estudo para reflexão (e ação) acerca da parte que

nos cabe fazer nesse contexto de imposição de mudanças, num cenário cada vez mais

precarizado e cheio de limitações que é o espaço da escola pública, mas que, apesar

disso, constitui um importante instrumento na luta pela construção de um mundo

melhor.

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1 - AS MOTIVAÇÕES DA PESQUISA: descortinando o palco e os bastidores

do processo.

Escrever sobre minha trajetória pessoal, profissional e acadêmica não se

constitui uma tarefa fácil para mim, especialmente porque essas três dimensões se

encontram imbricadas umas nas outras, pois foi no decurso de minha passagem pelo

curso de graduação que pude me descobrir e me perceber como pessoa no sentido

pleno do termo, capaz de estabelecer reflexões sobre o mundo que me serve de

abrigo, de pensar em mim e na minha relação com os outros e com esse mundo.

Assim, a graduação foi um divisor de águas em minha vida. Cresci e amadureci

como pessoa. Além disso, esse momento foi importante porque me possibilitou a

escolha do meu que-fazer profissional.

Meu ingresso na Universidade Federal do Pará ocorreu no ano de 1994, no

curso de Licenciatura Plena em Pedagogia. Mas esta não foi uma opção inicial,

intencional e deliberada, como devem ser as escolhas profissionais. Os cursos de

graduação ofertados para o Campus de Castanhal foram Matemática, Letras e

Pedagogia. Como não me identificava com as duas primeiras opções, restou a

terceira possibilidade. Na verdade, nem sabia o que de fato era Pedagogia. Tudo o

que sabia era que me formaria para ser professora, profissão (ou ofício) que não me

atraía muito. Mas o que fazer? Fui aprovada (1º lugar da turma), só me restava

aproveitar a chance de fazer um curso de nível superior. Quanto à identificação com

o curso, era uma questão para se pensar depois.

Felizmente, quando adentrei nas disciplinas de cunho pedagógico, mais

especificamente as de fundamentação teórica, por volta do 3º semestre, fui me

identificando paulatinamente com o curso, o que me levou a assumir um

compromisso efetivo com a graduação, no sentido de nela obter o melhor rendimento

possível. Fui me apropriando da problemática da educação nos seus aspectos

filosóficos, sociológicos, históricos e psicológicos, e fui, aos poucos, percebendo o

que significa, de fato, ser educador, os desafios que nos esperam num cenário

marcado por problemas históricos. Alguns professores foram marcantes nesse

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período no sentido de me alertar e conscientizar acerca do papel social do professor e

da educação, por meio de palavras corporeificadas pelo exemplo, como nos diz

Freire (1996), autor que também marcou sensivelmente minha formação acadêmica.

Lamentava o fato de não ter encarado ainda o desafio de uma sala de aula. O

que eu sabia sobre a realidade escolar advinha de minha experiência como aluna do

ensino de 1º e 2º graus (hoje ensino fundamental e médio), das leituras e das

discussões realizadas em sala de aula. Mas não era suficiente!

A possibilidade de vivenciar o cotidiano da escola se descortinou diante de

mim no mês de agosto do ano de 1996, quando fui aprovada para o Programa de

Iniciação Científica, com o plano de trabalho “Uma reflexão acerca da filosofia da

educação ministrada no curso de magistério: um estudo junto à rede pública de

ensino”. A metodologia dessa pesquisa incluía a observação da prática pedagógica

dos professores. Optei pela observação participante e passei um ano

aproximadamente convivendo com os professores de Filosofia da Educação,

participando das aulas e observando fatos do cotidiano escolar. Foi uma experiência

ímpar na minha formação, pois apesar dos entraves e limitações impostas à prática

docente, descobri que de fato eu queria atuar como professora. Senti-me instigada e

desafiada a participar do contexto da sala de aula.

Esse foi o momento mais marcante da minha formação acadêmica, pois me

possibilitou desenvolver o sabor pelo saber, na expressão de Ruben Alves (1995), o

interesse pela pesquisa e a perceber a necessidade da realização de uma investigação

sistemática da realidade educacional, a fim de captar nela o invisível, o que escapa ao

olhar desatento.

Conclui a graduação em janeiro do ano de 1999 e, no mesmo ano fui

aprovada em concurso para professora substituta na matéria Filosofia da Educação

indo trabalhar no Campus de Castanhal, local em que resido e onde fiz o curso de

graduação. Uma vez na instituição, passei a ministrar as disciplinas da área da

Didática.

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Atuei dois anos e meio como professora substituta no campus de Castanhal.

Aqueles foram tempos de incertezas, inseguranças, mas também de desafios

enfrentados no dia-a-dia da sala de aula. Quando penso naquele período de minha

vida profissional, lembro de uma fala de Cavaco (1995, p.179), que tem muito a

dizer sobre os meus sentimentos. Recordemos a complexidade e as contradições vividas nos primeiros anos de trabalho, quando há que enfrentar no dia-a-dia, no cenário da profissão, situações novas e imprevisíveis, obstáculos freqüentes a exigir respostas rápidas, adequadas, convincentes. É o tempo da instabilidade, da insegurança, da sobrevivência, mas também da aceitação dos desafios (...). Trata-se de um período de tensões, de desequilíbrio, de reorganizações freqüentes, de ajustamentos progressivos das expectativas e aspirações ocupacionais ao universo profissional.

Empenhei-me bastante para superar os desafios, de como lidar com a

complexidade da prática docente bem como os de conviver com a ausência de

espaços para discussão sobre questões da sala de aula, que traz como conseqüência a

prática solitária, pois são poucos os professores mais experientes que se propõem a

ajudar aqueles que estão começando. Mas os saldos dessa experiência foram

positivos, pois pude amadurecer como profissional e crescer ainda mais como

pessoa, de modo que adquiri a convicção de que é no Ensino Superior que pretendo

atuar.

A rica e fecunda experiência proporcionada pela docência no Ensino

Superior contribuiu para acirrar minhas inquietações concernentes à educação e à

prática pedagógica, de modo que penso que os problemas que atingem a educação

hoje e que se refletem na ação do professor precisam ser enfrentados e a pesquisa é

um recurso por excelência para adentrar na realidade problemática do campo

educacional, na perspectiva de buscar respostas para as questões que nos inquietam.

Ainda exercendo a função de professora substituta, iniciei o Curso de

Especialização Docência no Ensino Superior da Amazônia, atraída pela proposta do

curso que me oferecia a possibilidade de estudar questões concernentes à prática

docente no ensino superior e assim, buscar respostas para as inquietações e dilemas

no campo da docência. Apesar de iniciar o curso com bastante interesse, e concluir

seus créditos, não foi possível defender a monografia por motivos alheios à minha

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vontade. Entretanto, essa experiência foi válida e alimentou meu sonho de fazer pós-

graduação, de modo que não conseguia me ver longe do espaço acadêmico, com suas

possibilidades de buscas e descobertas no campo do conhecimento.

Passei a procurar Programas de Pós-Graduação pela internet e, foi dessa

forma que tomei conhecimento que o NPADC – Núcleo Pedagógico de Apoio ao

desenvolvimento Científico – abriria as inscrições para o Programa de Mestrado em

Educação em Ciências e Matemática1. Após verificar as linhas de pesquisa

oferecidas pelo Programa – formação de professores e processos ensino-

aprendizagem em Matemática e Ciências, constatei que elas estavam relacionadas à

minha formação em Pedagogia. Esse fato foi importante para minha decisão de

participar do processo de seleção do Programa.

Na medida em que realizava as leituras no campo do ensino de ciências,

meu interesse pelo curso aumentava. A cada novo artigo lido percebia que as

situações problemáticas que cercavam o ensino de ciências não diferiam muito

daquelas que eu havia constatado durante a realização da pesquisa mencionada

anteriormente, e que constituíam foco de constantes discussões no curso de

Pedagogia. Desta feita, percebi que as leituras acumuladas no campo da educação

poderiam somar-se às leituras da área específica do ensino de ciências, o que

contribuiria na elucidação das questões que me propus a investigar.

Uma vez aprovada na seleção do Programa, me lancei ao desafio de

investigar questões referentes ao ensino de ciências. A princípio escolhi o tema um

estudo acerca da metodologia do ensino de ciências no ensino fundamental maior,

em decorrência das novas exigências para a educação expressas nas Diretrizes

Curriculares Nacionais e nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino

Fundamental e Médio.

1 As atividades desenvolvidas pelo NPADC não me eram desconhecidas, pois tive um professor na Graduação – Jorge Coutinho Machado - que fazia constantes referências a elas. Para minha surpresa, esse professor ingressou no Programa de Mestrado juntamente comigo, passando a ser meu colega de curso.

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A proposta de educação contidas nos textos dos parâmetros e das diretrizes

respalda-se nas mudanças que atingiram o cenário mundial nas últimas décadas do

século XX, principalmente no campo científico e tecnológico, que ocasionaram a

chamada revolução científico-tecnológica-informacional. Estas mudanças

provocaram alterações nos processos produtivos e sociais e trouxeram importantes

conseqüências para o campo educacional.

Uma dessas conseqüências foi a inauguração de um novo tempo, para o qual

a escola precisou se ajustar: o tempo da globalização, da modernidade competitiva,

da reestruturação produtiva, o tempo da sociedade da informação e do conhecimento.

Diante desse novo tempo, questiona-se a abordagem conteudista. Nas palavras de

Kuenzer (2001, p. 18)

Impõe-se a substituição da abordagem conteudista pela capacidade de usar o conhecimento científico de todas as áreas para resolver problemas de modo original, o que implica não apenas o domínio de conteúdos, mas de caminhos metodológicos e de formas de trabalho intelectual e multidisciplinar, e exige educação inicial e formação continuada, em níveis crescentes de complexidade.

Estas novas exigências demandam o uso de uma adequada proposta

metodológica que tome como ponto de partida o aprender a aprender, aprender a

pensar e a questionar, não o mero acúmulo de informações desprovidas de sentido

para os alunos.

Partindo desses princípios, me propus a investigar as seguintes questões: Até

que ponto a metodologia utilizada pelos professores de ciências coaduna-se com as

novas exigências para a educação? Estas metodologias estimulam nos alunos o

pensamento reflexivo, proveniente de uma postura indagadora frente às situações

postas por seu meio circundante? Em que medida os alunos percebem a relevância do

conhecimento científico para sua vida? Para o estudo dessas questões, pensei em

entrevistar professores e alunos de ciências.

Na medida em que fui fazendo o levantamento bibliográfico sobre o tema

percebi que essa questão já havia sido muito debatida no pensamento educacional da

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área de ciências, pois autores como Krasilchik (1992), Marandino (1997), Aragão

(2000) entre outros revelam em suas produções que, apesar das tentativas

empreendidas para renovar o ensino de ciências, para modificar os pressupostos

teórico-práticos que fundamentam o fazer educativo dos professores, ainda

predominam práticas tradicionais, o que faz com que as aulas de ciências se tornem

desinteressantes, sustentadas em conhecimento dogmático, a-histórico e distante da

realidade.

Foi então que percebi a necessidade de reformular meu problema de

pesquisa, para que eu pudesse ver nele tanto a relevância objetiva (o respaldo da

academia), quanto a relevância subjetiva (que despertasse interesse em mim).

Após a realização de um seminário em que se discutiu a proposta de

interdisciplinaridade contida nos PCNEM – Parâmetros Curriculares para o Ensino

Médio – tive uma espécie de “insight”: eu poderia reelaborar a minha intenção de

pesquisa, de modo que, em vez de pesquisar a ação propriamente dita do professor na

perspectiva de descobrir se a sua metodologia de ensino incorporava as sugestões dos

PCNs, eu poderia pesquisar o discurso dos professores sobre a nova proposta de

educação. Interessei-me pela proposta de interdisciplinaridade e contextualização,

haja vista a complexidade dessas questões. Optei, então, por delimitar a pesquisa ao

âmbito do ensino médio, posto que é principalmente nele que se concentram as

intenções de realizar um ensino interdisciplinar e contextualizado.

Além da realização do seminário acima citado, o Grupo de Estudos em

Processos de Ensino e de Aprendizagem de Ciências e de Matemática do mestrado

optou por discutir currículo, e, novamente as questões relativas aos PCNs vieram à

tona, o que aguçou ainda mais minha vontade de pesquisar sobre o tema.

Somada a essas atividades, tive oportunidade de analisar uma tese de

doutorado, como requisito de avaliação em uma disciplina do curso, com base no

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esquema paradigmático de Gamboa (1994)2, e escolhi a tese intitulada A política do

conhecimento oficial e a nova geografia dos(as) professores(as) para as escolas

brasileiras (O ensino de geografia segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais),

(ROCHA, 2001), cuja relação com o meu tema de pesquisa é bastante explícita.

O objeto dessa tese é a geografia escolar presente nos Parâmetros

Curriculares Nacionais para o ensino fundamental e médio, elaborados pelo

Governo brasileiro, como parte de sua atual reforma curricular (Rocha, 2001: 10).

Para contextualizar essa discussão, o autor analisa o processo de adequação das

reformas educacionais aos interesses neoliberais, passando pela identificação das

principais políticas educacionais e suas conexões com as políticas educacionais

prescritas pelos organismos internacionais, respaldadas pela LDB 9.394/96. Analisa

ainda a política curricular oficial e seus documentos prescritivos, detendo-se

posteriormente nos Parâmetros Curriculares Nacionais de Geografia para os ciclos do

ensino fundamental e médio, até chegar ao cerne de sua tese.

O capítulo em que me detive, pela natureza das informações e análises, foi o

intitulado uma radiografia do conhecimento oficial: a política de parâmetros

curriculares nacionais, no qual as Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental e

Médio são submetidas à análise, seus principais artigos são evidenciados e

explicados. Como o termo radiografia sugere, os PCNs são submetidos a uma análise

criteriosa de seus fundamentos, desmistificando-se algumas mentiras que parecem

verdades, passando pela sua organização, objetivos, conteúdos, orientações didáticas

e as críticas aos parâmetros.

Essas leituras me permitiram perceber o caráter de imposição dos

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental e Médio. E foi a

constatação da ausência das vozes dos professores que atuam nesses níveis de ensino,

o que me mobilizou a centrar a pesquisa no discurso dos professores. Optei pelo

ensino médio, especificamente a área de Ciências da Natureza, Matemática e suas

2 Para este autor o método utilizado na produção científica releva as diversas concepções implícitas ou explícitas nesta produção, tais como as concepções de mundo, de ciência, de homem, entre outras.

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Tecnologias dos PCNEM, enfocando as disciplinas Biologia, Física e Química, uma

vez que essas são constitutivas do ensino de ciências.

2.1 - Definindo o problema e as opções metodológicas da pesquisa

A partir da releitura da primeira intenção de pesquisa, julguei relevante

mudar o foco da pesquisa para as seguintes questões: como os professores de

ciências do ensino médio se sentem diante das mudanças propostas para este nível de

ensino? Como estes sujeitos estão lidando no contexto de suas práticas com os novos

princípios do ensino médio, a interdisciplinaridade e a contextualização? Quais os

desafios do novo ensino médio na ótica dos professores de ciências?

Desse modo, os objetivos da pesquisa ficaram assim delineados: Verificar

na legislação educacional as mudanças propostas para o ensino médio; compreender

o posicionamento dos professores frente à questão da interdisciplinaridade e

contextualização como eixos norteadores do ensino médio e evidenciar os desafios

do novo ensino médio na ótica dos professores de ciências.

Para responder às questões da pesquisa e atingir os objetivos propostos,

iniciei este estudo com o levantamento bibliográfico de obras que abordam a

temática em questão, cuja leitura subsidiou a construção da base teórica do estudo e a

análise dos dados. Ressalto que foram necessários incontáveis momentos de “ir” à

literatura para elucidar as questões que emergiram na análise dos dados.

É importante salientar que a carência de material bibliográfico sobre a

reforma do ensino médio foi uma dificuldade vivida nesse momento. Em virtude do

caráter recente da elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino

Médio bem como dos Parâmetros Curriculares para este nível de ensino, parte

significativa da produção com essa temática é encontrada mais facilmente em

formato de artigos em Anais de Encontros e Seminários na área da educação e nos

sites da internet, como os GTs da ANPED, revistas especializadas e outros.

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Na perspectiva de conhecer os aspectos legais da reforma do ensino médio,

visando a compreensão das mudanças pretendidas para este nível de escolaridade,

consultei e analisei também os documentos oficiais da reforma, tais como a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional, n° 9.394/96, a Resolução CEB/CNE n°

03/98, o Parecer CEB/CNE nº 15/98, além dos Parâmetros Curriculares Nacionais

para o Ensino Médio - área de Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias.

Entretanto, não tive a intenção de fazer uma abordagem legalista da reforma do

ensino médio, mas enfatizar seus aspectos relevantes de modo a fazer um contraste

entre o discurso presente nos documentos oficiais e o discurso dos professores de

ciências.

No levantamento bibliográfico que realizei, pude observar que as pesquisas

sobre o tema focalizam as questões postas pelos PCNEM na perspectiva de sua

submissão ao mundo produtivo. Entre os/as autores/as consultados/as nesse

levantamento, além de Rocha (2001) destaco a abordagem de Lopes (2001; 2002;

2002a; 2002b), pesquisadora do tema com importantes publicações na área. A tônica

do pensamento dessa autora é evidenciar que a proposta de integração curricular do

ensino médio tem como principal objetivo a inserção dos sujeitos no mundo

produtivo. Nessa perspectiva, os conceitos de contextualização e

interdisciplinaridade são ressignificados e utilizados com uma função prática e

utilitária, o que resulta na perda do potencial crítico desses conceitos.

Os estudos que Kuenzer (2000; 2001; 2002; 2002a; entre outras) vem

realizando sobre o ensino médio foram de suma importância para a compreensão do

meu objeto de pesquisa. Nesses estudos, a autora discute o ensino médio em termos

de seu percurso histórico, apresentando as concepções e funções desse nível de

ensino ao longo de seu percurso, adotando a dualidade estrutural3 como categoria de

análise para explicar os históricos problemas que assolam esse nível de escolaridade.

3 Para Kuenzer ( 1997, 2002, 2002a, entre outras) a dualidade estrutural constitui o cerne dos males do ensino médio, historicamente construído a partir de duas redes: uma profissional, para formar sujeitos para ocupar funções instrumentais/manuais, e outra de formação geral/propedêutica, cuja formação destina-se ao desempenho das funções intelectuais.

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No campo das políticas públicas para o ensino médio destaco a produção de

Bueno (2000), que apresenta o pano de fundo das políticas atuais para o ensino

médio, desvelando os interesses subjacentes ao processo de reforma da educação

brasileira. Nessa perspectiva, a autora analisa os fundamentos, as implicações e os

desdobramentos das políticas delineadas para o ensino médio brasileiro. Outros

autores consultados no âmbito das políticas públicas foram Zibas (2002), Cury

(2002), entre outros.

Embora os autores destacados acusem a ausência da voz do professor, senti

falta dessa voz em seus textos, no que diz respeito ao posicionamento desses sujeitos

sobre as mudanças propostas ao seu trabalho pedagógico. O foco das pesquisas a que

tive acesso, no geral, se constitui na percepção da subordinação da reforma curricular

do ensino médio, com seus eixos centrais – contextualização, interdisciplinaridade e

ensino por competências – às demandas do mundo produtivo, com pouca ênfase aos

desdobramentos dessa política na prática dos professores. Esta constatação me

incentivou ainda mais a desenvolver este estudo.

Para compreender o conceito de interdisciplinaridade, busquei auxílio em

Japiassu (1976), que situa a discussão sobre a interdisciplinaridade no campo

epistemológico; Fazenda (1979, 1993, 1994, 2002), que aborda a dimensão

pedagógica do termo, e, apesar de apresentar uma concepção de interdisciplinaridade

que atualmente está sendo desconstruída, é uma das principais pesquisadora do tema

no Brasil; Morin (2001, 2002) cuja produção sobre o pensamento complexo evoca a

discussão sobre interdisciplinaridade; Janstsch & Bianchetti (1995) Frigotto (1995),

Etges (1995), entre outros, que apresentam uma concepção de interdisciplinaridade

por eles denominada de para além da filosofia do sujeito, a partir da qual combatem

a concepção de interdisciplinaridade centrada no sujeito, além de outros autores que

abordam o tema relacionado ao ensino de ciências.

Quanto ao conceito de contextualização, consultei textos de autores que

abordam a produção teórica de Ausubel no que diz respeito a aprendizagem

significativa, a saber Moreira & Masini (1982) e Novak (1981). Na área do ensino de

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ciências destaco a produção de Chassot (2001), Santos & Schenetzler (1998, 2000) e

Mansur (1988) como importantes referências para entender o conceito de

contextualização em sua perspectiva crítica e emancipadora.

Após a primeira aproximação com o material bibliográfico e documental,

iniciei a elaboração do roteiro de entrevista. Optei por esse instrumento devido à

possibilidade de interação entre pesquisador e pesquisado, propiciada, segundo

André & Ludke (1986, p. 33) pela atmosfera de influência recíproca entre quem

pergunta e quem responde. Isso ocorre principalmente nas entrevistas semi-

estruturadas, na qual não há uma ordem rígida de questões. Entretanto, precisei criar

um roteiro de perguntas que contemplasse questões a serem respondidas por todos os

entrevistados na mesma sequência, ou seja, considerei mais adequado para os meus

interesses de pesquisa elaborar um roteiro de entrevista estruturada, o que não me

impediu de interagir com o entrevistado nos momentos em que essa interação se fez

necessária.

A primeira versão do roteiro de entrevistas que elaborei continha questões

muito diretas, do tipo, o que você entende por interdisciplinaridade? Para você o

que significa contextualização? Percebi que estas questões poderiam levar o

entrevistado a dar respostas formais à moda das definições acadêmicas, o que

contrariariam meu objetivo de que revelassem suas concepções.

Conforme o objetivo geral da pesquisa - analisar o discurso dos professores

diante da nova proposta para o ensino médio - eu precisava saber o posicionamento

dos professores de ciências sobre as questões da interdisciplinaridade e da

contextualização, bem como os recursos metodológicos e estratégias utilizadas pelos

professores para trabalhar segundo estes princípios, além dos desafios do novo

ensino médio na ótica desses sujeitos.

Detectado o problema, reelaborei algumas questões e ajustei outros

procedimentos da entrevista. As questões foram organizadas na seguinte seqüência:

formação, tempo de atuação no ensino médio, mudanças ao longo desse tempo,

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contato com os PCNEM, recursos e estratégias utilizadas para trabalhar de forma

interdisciplinar e contextualizada, entre outras4.

Os sujeitos entrevistados foram professores de ciências do ensino médio, das

disciplinas de Química, Física e Biologia. A princípio, centrei a pesquisa numa

escola de ensino médio do município de Castanhal, por ser uma escola que oferece

apenas esse nível de ensino e que concentra boa parte dos professores que atuam no

ensino médio no referido município.

Contudo, o foco da minha pesquisa é o discurso dos professores de ciências

diante das mudanças propostas para o ensino médio e, portanto, o tempo de atuação

desse professor constitui-se um fator relevante a ser considerado. Assim, constatei

que na escola selecionada, apenas duas professoras tinham mais de dez anos de

docência no ensino médio. Esse fato levou-me a contactar professores de outras

escolas com, no mínimo, dez anos de docência no ensino médio.

Muitos foram os entraves para que as entrevistas se concretizassem: o período

letivo (escola no período de avaliação, jogos e outras atividades), a falta de tempo

alegado pelos professores e até a inquietante, mas pertinente questão que eles me

fizeram acerca dos benefícios da pesquisa para suas práticas pedagógicas.

Confesso que tive dificuldade de responder a essa questão por algumas

razões: o estudo não se trata de pesquisa-ação, situa-se no âmbito das políticas

públicas e seus resultados podem aparecer em longo prazo, somados aos de outras

pesquisas que estão sendo desenvolvidas com essa temática. Em segundo lugar,

pensei na discussão feita por Zeichner (1998)5 sobre a resistência dos professores

diante das pesquisas acadêmicas consideradas irrelevantes para suas vidas nas

escolas.

4 Ver em anexo o roteiro da entrevista. 5 Ver artigo ‘Para além da divisão entre professor pesquisador e pesquisador acadêmico’, na obra Cartografias do trabalho docente. 1998.

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Esse fato me inquietou bastante porque reconheço que historicamente os

professores têm sido relegados a um papel passivo nas pesquisas, constituindo-se

meros objetos, que, não obstante fornecerem informações relevantes sobre sua

prática, por se encontrarem em situação privilegiada para fornecer uma visão de

dentro da escola, são referidos nas pesquisas como ‘incompetentes’ e

‘mediocremente superficiais’, uma vez que a complexidade do trabalho docente não

é considerada nos resultados das pesquisas.

A prática preponderante assumida nas pesquisas pelos pesquisadores é a de

coletar informações sem dar o retorno aos sujeitos que a tornaram possível, por isso

entendi a resistência dos professores e os deixei à vontade quanto à decisão de

participar ou não da investigação. Nesse sentido, não me restava outro caminho

senão o do convencimento, da persuasão.

As entrevistas foram realizadas na própria escola, após serem marcadas

previamente. Alguns professores marcaram a entrevista e não compareceram, ou

esqueciam da data e hora marcadas, situações que interpretei como uma espécie de

recusa tácita e que me remetiam novamente a refletir sobre o papel da pesquisa

acadêmica na vida daqueles sujeitos. Dessa forma, compreendi a recusa de alguns

professores em participar da entrevista, apesar de saber que essa atitude reduziria o

meu universo de colaboradores.6

Desta feita, entrevistei onze professores das disciplinas Química, Física e

Biologia, dos quais três são licenciados plenos em Matemática e, além de

trabalharem com a disciplina Matemática, ministram a disciplina Física, em

decorrência da falta de professores com formação em Física no interior do Estado;

seis professores possuem formação em Biologia, dos quais três são Bacharéis em

Biologia, modalidade médica, dois são licenciados plenos em Biologia7, e uma

professora tem formação nos dois níveis (bachalerado e licenciatura); e um

professor é bioquímico. Um dos professores entrevistados é formado em

6 Contribui para essa redução o fato de que alguns professores contactados para entrevista tinham pouco tempo de atuação no ensino médio.

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Pedagogia e Engenharia de Pesca, com Mestrado nessa área, e trabalha com as

disciplinas química e Biologia no ensino médio.

O tempo de atuação desses professores no ensino médio varia de cinco a

vinte e um anos. Seis professores têm menos de 10 anos de atuação e cinco tem mais

de 10 anos de experiência no ensino médio

De posse das transcrições das entrevistas, com as falas dos sujeitos à minha

volta, passei para a etapa mais complexa e desafiadora da pesquisa: a análise dos

dados. Iniciei pelas “imersões” nas entrevistas, que se constituiu na leitura e releitura

do conteúdo das entrevistas, com a finalidade de ‘impregnar-me’ deste conteúdo

(LUDKE E ANDRÉ, 1986). Na medida em que ia realizando as leituras, fazia

anotações à margem dos relatos, sintetizando a fala dos sujeitos (destacando a idéia

central) e destacando trechos que considerava importantes para contrapor com os

dados da literatura a que tive acesso.

Como as questões da entrevista foram semelhantes para todos os

entrevistados, e as intervenções não mudavam o rumo das respostas, apenas

salientavam aspectos que precisavam ser reforçados nos relatos, procurei destacar o

que havia de comum e de divergente nas as falas dos docentes, ou seja, o pensamento

convergente e o divergente desses sujeitos. Isso foi possível mediante a construção

de uma tabela com as questões da entrevista e as falas dos professores. As questões

da entrevista foram separadas na tabela, uma a uma, e os relatos dos professores

foram colocados lado a lado, para possibilitar a visualização da totalidade das

manifestações dos professores diante das questões propostas.

A partir desse procedimento, selecionei as falas significativas dos

professores, isto é, aquelas que eram relevantes na consecução dos meus objetivos de

pesquisa e que apontavam para o pensamento convergente sobre as questões, as que

evidenciavam contradições, entre outras. Concomitante a esse processo, visitei e

7 Um desses professores afirmou que está cursando Química na UFPa.

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revisitei a literatura consultada e fiz outras leituras voltadas para a análise das

questões.

Enfrentei, nessa fase o obstáculo destacado por Gomes (1994, p.69)

relacionado à dificuldade que o pesquisador pode ter em articular as conclusões que

surgem dos dados concretos com conhecimentos mais abstratos. Esse fato pode

produzir um distanciamento entre fundamentação teórica e a prática da pesquisa

(destaques no original). Para superar, ou minimizar os efeitos desses obstáculos, foi

necessário inverter o foco de minha preocupação, ou seja, não bastava partir da teoria

para os dados, mas era necessário também partir dos dados para a teoria, numa

relação dinâmica.

Esse obstáculo foi agravado em função da necessidade de analisar o

conjunto das informações obtidas no processo de leitura e de entrevista a partir de

três eixos: a compreensão dos conceitos de interdisciplinaridade e de

contextualização a partir da literatura (especificada acima), a compreensão desses

conceitos tais como apresentados nos documentos oficias (Texto das Diretrizes e dos

Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio), e a concepção dos

professores de ciências sobre esses conceitos. Portanto, se fazia necessário tecer

junto essas concepções.

Foi nesse momento que percebi o impacto de minha formação disciplinar,

tão severamente criticada no discurso interdisciplinar, que produz uma racionalidade

que só sabe separar, ou, nas palavras de Morin (2002) que produz uma inteligência

cega e míope. Dessa feita, para tecer junto precisei construir várias versões do texto

separadamente: a concepção dos termos em questão na ótica da literatura, depois nos

documentos oficiais, para finalmente percebe-los na ótica dos professores. Só então

procurei articular essas três dimensões da análise. Entretanto, uma vez que a dúvida e

o erro fazem parte do processo de construção do conhecimento, se ainda não

consegui acertar, acredito que esse foi um importante passo dado nessa direção.

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Para finalizar, faço minhas as palavras de Fazenda (2002, 10) quando

afirma: Apesar de árduo e solitário, o processo de pesquisar é também um desafio,

pois a paixão pelo desconhecido, pelo novo, pelo inusitado acaba por invadir o

espaço do educador, trazendo-lhe alegrias inesperadas.

Nessa perspectiva, esse trabalho de pesquisa se constituiu para mim tarefa

desafiadora, que implicou momentos de angústias e sofrimentos, mas também

propiciou ricos momentos de descoberta que me fizeram amadurecer um pouco mais

no campo intelectual. E é nesse fato que reside, na expressão de Paulo Freire (1996),

a boniteza da prática da pesquisa.

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2- A REFORMA CURRICULAR DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: cenário e

motivações.

A década de 90, no cenário educacional brasileiro, é marcada por um amplo

processo de reforma que atinge a educação em todos os níveis, principalmente a

educação básica, que segundo a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional nº 9.394/96, é constituída pela educação infantil, ensino fundamental e

ensino médio. Essa reforma teve início nos países centrais do mundo capitalista, e

alcançou os países periféricos num processo denominado por Bueno (2000) de

consertation8, ou educação comparada, que vem orientando as reformas educacionais

latino-americanas nas últimas décadas. Esse processo se caracteriza pela adoção de

modelos estrangeiros, ou seja, experiências educacionais concebidas em outros

ambientes culturais em razão de objetivos e interesses exógenos, numa tentativa de

equacionar os problemas da educação brasileira.

Para entender o processo de reforma da educação brasileira é preciso situá-lo

no contexto das mudanças que atingiram o cenário mundial nas últimas décadas,

consubstanciadas na revolução científica e tecnológica, que acarretou profundas

mudanças no mundo da produção e lançou novas exigências ao campo da educação.

De acordo com Kuenzer (2001), a velocidade na difusão de informações e a

renovação acelerada das tecnologias colocam a educação diante de novos desafios,

dentre eles, a necessidade da educação pautar-se em novos princípios.

A pedagogia centrada no modelo taylorista-fordista, com seus pressupostos

de especialização, decorrente da divisão técnica do trabalho, com ênfase no conteúdo

e no desenvolvimento da capacidade de memorização, não é compatível com as

novas demandas do setor produtivo. Em seu lugar, defende a pedagogia baseada no

8 No início dos anos 90 foi realizado, em Buenos Aires, o Seminário “La concertatión de políticas educativas em Argentina y América Latina”. Este evento teve a participação de convidados de sete países da região (Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Peru, e República dominicana), com experiências em concertatión, ou seja, iniciativas que buscavam o consenso na solução de problemas educacionais, objetivando divulgar experiências e enriquecer o intercâmbio entre as nações latino-americanas. (BUENO, 2000, p. 75).

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modelo toyotista, a chamada pedagogia das competências, que advoga a formação

flexível e continuada, em níveis crescentes de complexidade, para atender as

exigências de um mercado em constante movimento. Dessa feita, a formação

profissional passa a exigir capacidade para lidar com a incerteza, com a novidade e

para tomar decisões em situações inesperadas.(KUENZER, 20001, p. 18). Em vez

de um profissional disciplinado e cumpridor de deveres, defende-se um profissional

com autonomia intelectual.

É, portanto, dentro do contexto da Revolução técnico-científica e da

sociedade do conhecimento que se dá a gênese da demanda por trabalhadores com

novas qualificações. A partir de então, as escolas passam a se constituir foco de

crescente interesse e reformas educacionais passam a ser exigidas. As políticas

educacionais dão prioridade para a educação básica, iniciando pelo ensino

fundamental e estendendo a preocupação com o ensino médio, pois é este nível de

ensino que sofre o impacto das mudanças atuais, em decorrência de seu papel

estratégico na possibilidade de preparação para o mercado de trabalho e de

qualificação do trabalhador. Desta feita, o ensino médio sofre reformulações em sua

concepção, finalidades e objetivos, para melhor atender os interesses do setor

produtivo.9

Neste sentido, Lopes (2002) e Kuenzer (2001; 2002) advogam que as novas

exigências postas para a educação representam a subordinação desta ao mundo

produtivo ou, nas palavras de Rocha (2001), a colonização da educação pelos

imperativos da economia10. Este autor faz lembrar o contexto político que engendrou

a reforma educacional, o projeto neoliberal, que se caracteriza, segundo Silva e

Gentili (1999), por pregar que o Estado intervenha o mínimo na economia,

mantenha a regulamentação das atividades econômicas privadas num mínimo e

deixe agir livremente os mecanismos do mercado. A educação é vista pela ótica

9 As mudanças propostas para o ensino médio na LDB 9.394/96, e melhor explicitadas nas Diretrizes e nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, serão abordadas a seguir. 10 Esse é o título da 2ª Seção da Tese de doutorado de Rocha, Genilton Odilon. A Política do Conhecimento Oficial e a Nova Geografia dos(as) Professores(as) para as Escolas Brasileiras. São Paulo: USP, 2001.

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neoliberal como algo extremamente estratégico, daí a importância de atrelar a

educação institucionalizada aos objetivos estritos de preparação para o mercado de

trabalho.

Cumpre assinalar, ainda, o protagonismo dos organismos internacionais no

processo de reformas da educação brasileira. A fonte de inspiração dessas reformas é

a literatura veiculada por esses organismos –Banco Mundial, BID, UNESCO,

PNUD, UNICEF – que refletem compromissos assumidos internacionalmente pelo

governo brasileiro11, evidenciando a submissão deste aos interesses das agências

internacionais, que demarcam as prioridades no campo educacional brasileiro, muito

embora essa submissão ocorra de forma consentida. (SILVA JÚNIOR, 2002)

Bueno (2000) e Rocha (2001) traçam o percurso das prioridades assumidas

pelo Banco Mundial no campo educacional nas décadas de 60 até os dias atuais, e

assinalam que a partir da década de 90 o ataque à pobreza, via desenvolvimento

educacional constitui-se a tônica do discurso do Banco Mundial. A justificativa

adotada pelo Banco é de que a educação aumenta a produtividade dos paises pobres

(nos mercados formal e informal nos diversos setores da economia) e assim contribui

para a redução da pobreza. (BUENO, 2001). Neste sentido, a educação passa a

revestir-se de especial importância no contexto da sociedade atual – a sociedade do

conhecimento – que impõe a necessidade da ampliação do grau de escolaridade dos

indivíduos e o aprimoramento constante de suas habilidades e competências. Nas

palavras de Rocha (2001, p.44 ), apoiado em Coraggio (1996),

(...) o investimento em educação básica é visto como a melhor forma de ampliar o recurso dos pobres, o que justifica o considerável crescimento apresentado pelo programa de empréstimos para o setor educacional da última década. Para o Banco Mundial, a educação deve ser ampliada para todos, incluindo as populações tradicionalmente postas à margem desse direito social. O acesso à educação tem que ser eqüitativo e essa equidade surge como condição para a eficiência econômica global.

11 O marco inicial desses compromissos é a Conferência Mundial de Educação para Todos, realizada em Jomtien, na Tailândia, em 1990. A declaração conjunta firmada nesse evento, conhecida como Carta de Jomtien, tornou-se a referência maior para os países emergentes na década de 1990. O compromisso assumido nesse evento constituiu-se a base do Plano Decenal para Todos, laçado em junho de 1993. (BUENO, 2001; ROCHA, 2001).

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É com essa intenção que o Banco Mundial estabelece, a partir da década de

90, uma série de prioridades12 para a educação básica, focalizando inicialmente a

escolarização primária, na perspectiva de equacionar a baixa qualidade da educação

brasileira e seus reflexos nos elevados índices de reprovação e repetência, posto que

o baixo nível da educação contribui para os altos níveis de pobreza apresentados no

país.

Para Rocha (2001), Kuenzer (2001, 2002) e Bueno (2000), o pano de fundo

dessa preocupação com a educação nos países considerados pobres é a relação entre

educação, trabalho e desenvolvimento, que se expressa em torno dos dois eixos já

mencionados: a revolução tecnológica e a sociedade do conhecimento, cujos reflexos

já se fazem sentir nas políticas para o ensino médio e profissional.

Nessa perspectiva, apenas oito anos de escolaridade não são suficientes para

preparar o indivíduo para enfrentar as exigências postas pela nova forma de

organização do trabalho e seu processo produtivo, que demandam trabalhadores com

competências cada vez mais complexas, como capacidade de trabalhar em equipe,

espírito de liderança, capacidade de tomar decisões, autonomia intelectual, raciocínio

rápido, flexibilidade para encarar o imprevisto e o incerto, entre outras. O contexto

atual obriga os sujeitos a prolongarem a escolaridade, força o retorno à escola

daqueles que não concluíram a educação básica em tempo hábil e requer mudança na

concepção e nas finalidades educacionais, bem como na organização curricular dos

sistemas e estabelecimentos de ensino.

É imbuída desse espírito, de adequar a educação aos novos tempos, que surge

a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394/96, cujos

fundamentos constituem-se o aparato legal para o processo de reformas na educação

iniciado na década de 90 no Brasil. A nova lei prescreve significativas mudanças

para a educação nacional, dentre elas, a organização curricular das escolas, através da

12 No caso do Brasil, as prioridades apontadas são, segundo Rocha (2001): providenciar livros didáticos e outros materiais de ensino, cabendo essa responsabilidade aos Estados, melhorar as habilidades dos professores em sala de aula, através de mecanismos de capacitação permanente e elevar a capacidade de gerenciamento setorial, incluindo a capacidade de implementação de sistemas de avaliação.

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elaboração de diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil, o ensino

fundamental e médio.

A nova organização curricular é prescrita na Lei no Art. 9º, que trata das

incumbências da União com a educação. O Inciso VI destaca que a União se

incumbirá de:

Estabelecer, em colaboração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos e seus conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum.

Tais diretrizes constituem a linha de orientação sobre a qual deve ser

construída a organização curricular dos sistemas de ensino e dos estabelecimentos

escolares. É importante lembrar com Rocha (2001) que o texto legal não atribui ao

governo federal a competência para prescrever o currículo stricto sensu, tampouco os

conteúdos mínimos. Mas o MEC desconsidera esse fato, e, juntamente com o

conselho de Educação, passa a elaborar, a partir de 1995, um currículo nacional,

denominado de Parâmetros Curriculares Nacionais.

Ainda sobre a organização curricular da educação, o Art. 26 da LDB 9.394/96

estabelece que,

Os currículos do ensino fundamental e médio devem ter uma base nacional comum, a ser complementada em cada sistema de ensino e em cada estabelecimento escolar, por uma parte diversificada, exigida pelas características regionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e da clientela.

O texto da LDB não esclarece o que vem a ser a base nacional comum, mas,

de acordo com a interpretação do Conselho Nacional de educação, ela objetiva,

segundo Rocha (2001), orientar a definição dos conteúdos mínimos, que servirão de

sustentação tanto para a operacionalização da almejada política de avaliação, como

também a política nacional do livro didático. É fundamentado nesse preceito legal

que se dá o processo de elaboração das diretrizes e dos parâmetros curriculares

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nacionais, na perspectiva de servirem de “referência” a partir da qual deverão ser

elaborados ou reelaborados os currículos das escolas.

Desta feita, em 1995 se dá início a elaboração, em caráter restrito13, dos

Parâmetros Curriculares Nacionais para os dois primeiros ciclos do ensino

fundamental. Em setembro de 1996 o documento foi apresentado oficialmente ao

Conselho Nacional de Educação, recebendo o parecer deste em março de 1997,

Parecer CEB/CNE nº 03/97. Só então os parâmetros foram apresentados aos

professores. Posteriormente, se deu a elaboração dos Parâmetros para os dois últimos

ciclos do ensino fundamental, em 1998. Ainda neste ano são estabelecidas as

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental, por meio da

Resolução nº 02/98, da Câmera de Educação Básica, do Conselho Nacional de

Educação, objeto do Parecer CEB/CNE nº 04/98.

A elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio foi

concluída em 1997, quando o documento foi encaminhado ao Conselho Nacional de

Educação para elaboração do parecer. Essa tarefa foi atribuída à professora Guiomar

Namo de Mello, cujo parecer foi aprovado em 1/06/98 – Parecer nº 15/98 CEB/CNE.

Posteriormente foi elaborada a Resolução que estabelece as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio (Resolução CEB/CNE nº 03/98) à qual o parecer se

integra. Os parâmetros para o ensino médio vieram a público em 1999, quando então

se encerra o ciclo de prescrição dos parâmetros para a educação básica.

Embora sem a pretensão de analisar o processo de elaboração dos PCN,

tampouco de descrever o conteúdo dos documentos14, pois esta não é a intenção

deste texto, devo assinalar que os parâmetros foram apresentados como um

referencial nacional para a melhoria da qualidade da educação básica. Seus

13 De acordo com a equipe coordenadora da elaboração dos parâmetros, a primeira versão deste documento foi elaborada por cerca de 50 pessoas. Posteriormente, foram entregues cerca de 400 cópias do documento para educadores selecionados em todo país, para que expressassem pareceres sobre o documento (REVISTA PÁTIO, 1997). 14 Para melhor compreensão desse processo, ver em Rocha, Genilton Odilon. Uma radiografia do conhecimento oficial: os parâmetros curriculares nacionais para as escolas brasileiras. In: A Política do Conhecimento Oficial e a Nova Geografia dos(as) Professores(as) para as Escolas Brasileiras. São Paulo: USP, 2001 (tese de doutorado)

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elaboradores tiveram a preocupação de assinalar a natureza aberta e flexível dos

parâmetros, e que, portanto, eles não se configuram um currículo único, homogêneo

e obrigatório.

Entretanto, os professores da UFRGS (1996), na análise que fazem dos

Parâmetros Curriculares para os dois primeiros ciclos do ensino fundamental,

questionam a qualidade a que esses documentos se referem, na medida em que eles

não deixam claro em que essa qualidade consiste. Nesse sentido, os professores da

UFRGS (1996, p. 109) argumentam que se a qualidade está relacionada à diminuição

das taxas de evasão e repetência da educação brasileira, essa questão está relacionada

a um conjunto complexo de variáveis e elementos que dificilmente podem ser

reduzidos à inexistência de um padrão curricular comum de referência. Outra

questão levantada pelos professores em questão diz respeito à suposta flexibilidade e

o caráter de não obrigatoriedade dos parâmetros, pois o conteúdo minucioso dos

documentos desmente essa intenção, e coloca os PCN na condição de um verdadeiro

e completo currículo nacional. É o que se observa na análise abaixo:

O detalhamento e desdobramento efetuado nos documentos que descrevem as diversas áreas de estudo não caracterizam simples parâmetros, entendidos como princípios muito gerais a serem seguidos por currículos elaborados em nível local. Os PCN, na verdade, especificam minuciosamente conteúdos, objetivos, formas de avaliação e até mesmo metodologias (ou orientações didáticas, como quer o documento ministerial). Na verdade, seria possível caracterizar os presentes parâmetros não apenas como Currículo (Nacional), mas até mesmo como um grande e nacional Plano de Ensino. (UFRGS, 1986, p. 112)

Nessa mesma direção, Rocha (2001, p.121) argumenta que o discurso da não-

obrigatoriedade dos parâmetros cai por terra, na medida em que estes constituem a

base nacional comum que a LDB exige para educação básica e que deve orientar

outras políticas educacionais como o livro didático e a avaliação nacional. Geraldi

(1996, p.18) chega a ironizar a suposta autonomia das escolas e dos professores

quanto à decisão de não orientar suas práticas e currículos pelos PCN.

Nesse contexto, você – professor, grupo de professores das escolas – podem fazer tudo o que quiserem em aula e na escola, só que os seus alunos serão avaliados com base no que propôs os PCNs, e os resultados serão conhecidos de todos e produzirá repercussão no seu salário (direito

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ou não a gratificações); na escola (pode ganhar ou perder verbas). Se você agüentar tudo isso então você pode ter toda autonomia porque não é obrigatório.

Outra crítica contundente direcionada aos parâmetros, que não posso deixar

de mencionar, diz respeito ao falacioso processo democrático de sua elaboração. No

documento introdutório dos PCN para os dois primeiros ciclos do ensino

fundamental consta que a elaboração dos parâmetros resulta de uma discussão em

âmbito nacional, da qual participaram docentes de universidades públicas e

particulares, técnicos de secretarias estaduais e municipais de educação, instituições

representativas de diferentes áreas do conhecimento, especialistas e educadores.

(MEC, 2001, p. 17). Estes fizeram apreciações sobre a proposta e emitiram cerca de

setecentos pareceres nos quais foram apresentadas críticas e sugestões com relação

ao conteúdo do documento dos parâmetros. No entanto, Rocha (2000, p.149)

evidencia as estratégias democráticas utilizadas para promover a discussão sobre os

documentos

a) o envio, de forma sigilosa para educadores(as) previamente selecionados(as), emitirem seus pareceres (até hoje nada foi divulgado sobre os critérios adotados para selecionar esses(as) pareceristas); b) a realização de encontros regionais relâmpagos (realizados sem grande alarde, sem grande divulgação e por isso mesmo com baixíssima participação) que objetivavam submeter os documentos elaborados a análise e ao parecer de uma platéia que pela primeira vez – e sem entender muito o que estava ocorrendo – estava tendo contato com os mesmos.

Foi o que aconteceu quando da realização do Seminário da Região Norte

Sobre Parâmetros Curriculares, nos dias 19 e 29/09/96. O autor salienta ainda que a

elaboração dos parâmetros para os dois últimos ciclos do ensino fundamental não

contou com a consulta à comunidade educacional, eles foram apresentados e

divulgados já em caráter oficial.

O texto dos parâmetros não menciona essas críticas e não evidencia as

sugestões que foram acatadas15, fato que me leva a concordar com Rocha (2001)

15 Em entrevista concedida à Revista Pátio (1997), a equipe coordenadora da elaboração dos parâmetros declarou que a maior parte das críticas e observações recebidas dizia respeito muito mais à relação dos PCN com a política educacional desenvolvida pelo Ministério da Educação do que com as

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quando afirma que os embates foram apenas silenciados e os mecanismos utilizados

tanto para impedir a participação mais ampla, quanto para calar as vozes dissidentes

foram ocultadas nos documentos.

Da mesma forma, o parecer nº 15/98 dos PCNEM, ressalta a consulta a

muitas e variadas fontes para sua elaboração. Entretanto, o leitor não fica sabendo o

que foi e o que não foi incorporado entre as sugestões oferecidas nas consultas

efetivadas. Não fica sabendo também como foram realizadas as audiências públicas

(NUNES, 2002). Analisando essa omissão no parecer, Bueno (2000) evidencia que,

ao invés do consenso, predominou a diretividade no processo de elaboração dos

parâmetros. Seus elaboradores ignoram que o conhecimento do cotidiano escolar é

privilégio dos sujeitos que nele atuam, e por esse motivo, qualquer tentativa de

instituir medidas que visem a melhoria do ensino, deve ser precedida da consulta a

tais sujeitos.

Para finalizar, importa lembrar que a reforma curricular da educação no

Brasil está sustentada nos pressupostos do construtivismo preconizado por César

Coll. Este assume como base teórica a Psicologia e a Psicopedagogia, postergando as

importantes contribuições da Sociologia da Educação, da Sociologia do Currículo, da

Filosofia da Educação, que ampliam as possibilidades de estudo do fenômeno

educativo. Neste sentido, o currículo ancorado nessa teoria, como é o caso dos

parâmetros, apresenta um caráter bastante conservador na medida em que isola a

educação do contexto social e político, concorrendo para a despolitização da

educação. (ROCHA, 2001; BUENO, 2000; UFRGS, 1996).

Sacristán (1997, p. 38) analisando as mudanças curriculares na Espanha,

Brasil e Argentina, aponta críticas ao viés psicologizante do construtivismo,

argumentando que a Psicologia, apesar da sua importância para a educação, não

oferece bases suficientes para que se compreenda a complexidade do currículo e da

prática pedagógica. Neste sentido, afirma:

questões pedagógicas, mas que essas manifestações foram acatadas na segunda versão dos PCN. As críticas que foram incorporadas nessa versão são relacionadas com o poder da escola, avaliação e

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A realidade educativa, as práticas de aprendizagem e a qualidade da educação dependem de mecanismos e recursos que tem a ver com coisas não estudadas pela psicologia, nem a cognitiva, nem as outras. Os professores precisam ter idéia sobre os processos mentais e sobre muitas outras coisas. Uma psicologização do debate curricular pressupõe uma visão irreal e parcial da prática. Nenhuma teoria psicológica pode dar conta da realidade cultural complexa que é o currículo. Nenhuma teoria psicológica, em conseqüência, pode pretender ser guia da mudança dessa realidade cultural. (...) A ciência cognitiva pode ser útil ao lado de muitas outras, mas não pode ser o guia da mudança da educação.

Certamente as críticas direcionadas aos parâmetros, desde o seu processo de

elaboração e implantação são inúmeras e não cabem nos limites deste texto. As que

foram aqui evidenciadas são significativas para elucidar o cunho impositivo da

reforma curricular brasileira, que, realizada sem a expressiva participação dos(as)

professores(as), tende a não alcançar as metas idealizadas.

Feitas essas considerações, passo a apresentar as mudanças realizadas e

pretendidas para o ensino médio, no âmbito da nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, bem como das Diretrizes e dos Parâmetros Curriculares para o

Ensino Médio.

2.1 - O ensino médio no contexto do século XXI: desafios e perspectivas

Tem-se afirmado que as mudanças ocorridas no final do século no mundo do trabalho têm trazido novos desafios ao ensino médio. Uma análise mais profunda, mostrará contudo, que esses são apenas os desafios que sempre estiveram presentes no transcurso da constituição histórica desse nível de ensino, apenas agravadas em face da crise que marca o cenário nacional e internacional (KUENZER, 2002, p.25)

As recentes transformações ocorridas na esfera da ciência e da tecnologia,

bem como no campo do conhecimento, conforme salientado no início deste texto,

trouxeram novos desafios para a educação, principalmente para a educação

secundária, em decorrência de sua histórica função de preparar para o trabalho. Esse

fato marca o retorno do ensino médio ao centro das discussões acadêmicas, pois este

conteúdo.

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passa a ser focalizado em diversos estudos e pesquisas (ZIBAS, 2001; BUENO,

2000; KUENZER, 2002, entre outros).

Dentre esses desafios destacam-se: a universalização do ensino médio,

decorrente do aumento da demanda por este nível de escolarização, considerado

exigência mínima do mercado atual; a superação da concepção conteudista que tem

marcado este nível de ensino em função de sua versão predominantemente

propedêutica, com vistas a propiciar uma sólida base de formação geral que

possibilite o enfrentamento das exigências de um mercado cada vez mais dinâmico;

além da melhoria da estrutura física das escolas secundárias, que necessitam de

espaços físicos adequados, bibliotecas, laboratórios e equipamentos, elementos

importantes para possibilitar condições de aprendizagens significativas. Outro

importante desafio diz respeito à formação dos professores e a melhoria da condição

salarial destes. Precondições essenciais para que se discuta um novo modelo para o

ensino médio.

Tais desafios, como nos mostra Kuenzer no texto em epígrafe, não são novos,

pois são postos em face aos históricos problemas que assolam o ensino médio desde

que passou a integrar a educação brasileira, na década de 30. Um desses problemas é

a falta de identidade dessa etapa de escolarização, tanto em termos institucionais

quanto em termos de concepção e finalidade. O ensino médio se desenvolveu sem

recursos próprios, ocupando os espaços ociosos do ensino fundamental (Kunzer,

2000; 2002), qual passageiro clandestino num navio de carências, como salienta

Mello (1999) no parecer das diretrizes curriculares nacionais para o ensino médio.

Quanto às finalidades do ensino médio, este tem convivido com três funções:

formativa, propedêutica e profissional, sendo estas duas últimas preponderantes no

percurso de seu desenvolvimento histórico, e responsáveis pela ambigüidade do

referido nível de ensino, que tem se dividido entre preparar para o trabalho

(formação profissional) e/ou preparar para o vestibular (ensino acadêmico).

Tendo em vista o enfrentamento dessa situação, o governo federal, orientado

nas prescrições das agências internacionais, traça novas políticas para o ensino médio

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a partir da década de 90. Assim, o ensino médio e profissional passa a assumir

prioridade no 2º mandato do governo de Fernando Henrique Cardoso, após ser

submetido a avaliações cujos resultados apontaram deficiências incontestáveis

relacionadas à educação secundária, tais como a precariedade infraestrutural das

escolas, a defasagem idade/série dos alunos que freqüentam o ensino médio, enfim, a

baixa qualidade do ensino médio no Brasil, que o deixa em uma posição incômoda se

comparado aos dados educacionais de outros países da América Latina (BUENO,

2000).

Nessa perspectiva, o documento Avança Brasil! de FHC, argumenta em favor

da articulação entre educação, trabalho e cidadania, justificando a necessidade da

progressiva universalização do ensino médio para a inserção dos jovens na sociedade

do conhecimento. Dentre as ações previstas com esta intenção constam: a reforma do

ensino técnico, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio e a

implantação do Enem.

As metas delineadas para o ensino médio, nos termos da proposta do

Executivo ao Plano Nacional de Educação, são estabelecidas:

Coordenar com os Estados as ações destinadas a garantir a expansão; promover a oferta de vagas por turnos, com prioridade para o aumento das vagas diurnas; buscar recursos externos para, juntamente com a contrapartida dos Estados, financiar a expansão e equipar as escolas com computadores, laboratórios e bibliotecas; estimular os Estados a ampliar em pelo menos 10% a destinação de recursos fiscais para este nível de ensino; implementar o Proinfo, a educação à distância e a avaliação permanente, com vistas à melhoria da qualidade de ensino. (BUENO, 2000, p.203)

As ações, tendo em vista atingir essas metas são contempladas no Projeto

Escola Jovem, também conhecido como Programa de Melhoria e Expansão do

Ensino Médio (Promed) e no Projeto Alvorada. Estes projetos contam com o

financiamento parcial do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), em uma

gestão compartilhada com a União e os Estados16.

16 De acordo com a divulgação do PROMED pelos meios de comunicação, em sua face concreta, o Projeto Escola Jovem vem injetando US$ 1 bilhão (US$ 500 milhões emprestados pelo BID; e US$

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O Programa de Melhoria e Expansão do Ensino Médio (Projeto Escola

Jovem) objetiva a ampliação do atendimento – a longo prazo – do ensino médio em

âmbito nacional, com vistas à melhoria da qualidade do ensino oferecido. As metas

desse projeto são, de acordo com Cury (2002, p.19)

Implementar a reforma curricular e assegurar a formação continuada de docentes e gestores de escolas de ensino médio; equipar progressivamente as escolas de ensino médio com bibliotecas, laboratórios de informática e ciências e kit tecnológico, para recepção da TV escola; criar 1,6 milhão de novas vagas; melhorar os processos de gestão dos sistemas educacionais das unidades federativas; redefinir a oferta de ensino médio, com a criação de uma escola para jovens.

O Projeto Alvorada visa reduzir as desigualdades regionais por meio da

melhoria das condições de vida das áreas mais carentes do Brasil, através do

Programa de Desenvolvimento do Ensino Médio, que apóia projetos estaduais

voltados para garantir o atendimento integral dos egressos do ensino fundamental. As

metas do Projeto Alvorada são: aumentar a qualidade do atendimento a 1.505 alunos

das redes estaduais; absorver progressivamente, nas redes estaduais, 180 mil

alunos, hoje atendidos nas redes municipais; e criar condições para o atendimento

de um milhão de novos alunos (REVISTA EDUCAÇÃO, 2002, p.25)

Outro importante programa em andamento no ensino médio é a avaliação de

resultados, realizada através do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem),

objetivando avaliar o desempenho dos alunos ao término da escolaridade básica, na

perspectiva de aferir o desenvolvimento das competências fundamentais ao exercício

pleno da cidadania (BUENO, 2000, p.211). Contudo, o Enem tem sido alvo de

críticas visto que padroniza os resultados, estabelecendo generalizações acerca da

situação educacional brasileira que comporta peculiaridades que não deveriam ser

ignoradas.

As políticas evidenciadas na perspectiva da melhoria do ensino médio são

sinalizadoras de que este nível de ensino tem ocupado um lugar de destaque nas

500 milhões de contrapartida nacional, sendo US$ 50 milhões do Tesouro Nacional e US$ 450 milhões das Unidades da Federação. (REVISTA EDUCAÇÃO, ano 28, nº 250, fevereiro de 2002)

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preocupações governamentais, haja vista sua importância para o processo de

desenvolvimento do país. Esse novo olhar sobre o ensino médio se traduz nas

mudanças que o atingiram com o advento da nova Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, de nº 9.394/96. Esta lei se constitui o instrumento legal que rege

tais mudanças, apresentando nova concepção e finalidades para o ensino médio. É o

que discuto no próximo item.

2.2 - As mudanças no ensino médio na perspectiva da LDB 9.394/96 e das

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

Para que se compreenda o que se denomina de novo ensino médio nos textos

e documentos oficiais divulgados pelo MEC, se faz necessário evidenciar as

principais alterações propostas para o ensino médio na atual Lei de Diretrizes e Bases

da Educação Nacional, nº 9.394/96, contrapondo-as com a Lei anterior, nº 5.692/71,

que regia o ensino de 1º e 2º grau, pois, como lembra Oliveira (2002, p.50) o que é

anunciado como novo ensino médio nos documentos e discursos oficiais refere-se às

mudanças mais recentes ocorridas nesta etapa de ensino. Essas mudanças sinalizam

a direção dada ao processo de reforma curricular expresso nas Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio, e nos Parâmetros Curriculares Nacionais para este

nível de ensino.

Entretanto, importa deixar claro que não farei uma abordagem presa apenas

aos aspectos legalistas da reforma. Os aspectos legais serão destacados na medida em

que são eles que direcionam as mudanças pretendidas. Porém, uma vez que as

transformações no cotidiano e na prática docente do ensino médio requerem o

protagonismo dos professores no sentido da apropriação dos princípios legais,

políticos, filosóficos e pedagógicos do currículo proposto, abordarei a mudança do

ensino médio também na perspectiva dos sujeitos que atuam nessa etapa de

escolarização. A experiência docente desses sujeitos os autoriza a nos informar até

que ponto as mudanças pretendidas nas prescrições oficiais, ocorreram/estão

ocorrendo, de fato, no cotidiano escolar.

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Partindo dos aspectos legais da reforma, a primeira e significativa mudança

prevista na nova LDB é o princípio unificador da educação básica, enunciado no art.

21, conceito que unifica três etapas de ensino: a educação infantil, o ensino

fundamental e o ensino médio17 (CURY, 2002). O ensino médio passa a integrar a

educação básica, constituindo-se etapa conclusiva da mesma.

No que se refere às finalidades da educação básica, diz o Art. 22 da LDB: a

educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe a

formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios

para progredir no trabalho e em estudos posteriores. A qualidade de básica não é

específica de nenhuma etapa ou modalidade, sendo que o caráter indispensável,

articulado à cidadania e ao trabalho, é próprio de toda educação básica (CURY,

2002). Percebe-se então, que a função propedêutica e profissional, pelo menos em

termos legais e conceituais, é retirada do ensino médio desde que este passa a

integrar a educação básica.

É válido ressaltar que quando a Lei 5692/71 estabeleceu as finalidades do

ensino de 1º e 2º grau, evidenciou textualmente a “qualificação para o trabalho”

como pressuposto da educação primária e secundária. No Art. 1º dessa Lei consta

que o ensino de 1º e 2º graus tem por objetivo geral proporcionar ao educando a

formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de

auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente

da cidadania. (destaque meu).

Verifica-se que o objetivo do ensino médio, na perspectiva da Lei 5.692/71,

era a profissionalização, cuja motivação girava em torno de duas preocupações. De

um lado, a retomada da expansão econômica do Brasil, determinada pelo crescente

desenvolvimento industrial em conseqüência do modelo de substituição das

importações, e de outro lado, para conter o avanço da demanda pelo ensino superior.

(ROMANELLI, 1978)

17 A Lei 5.692/71 dividia a educação escolar em dois níveis, o ensino de 1º e de 2º grau. O 1º grau que compreendia a 1ª até a 8ª série, recebeu a denominação de ensino fundamental na LDB 9.394/96, e o

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A pretensão do ensino profissionalizante se deu no intuito da formação de

técnicos para atuarem no mercado industrial em expansão no Brasil na década de 70,

porém, a tentativa não obteve êxito, pois antes de ser implementado foi alterado

através do parecer nº 76/1975 que restabeleceu a modalidade de educação geral,

posteriormente normatizada pela Lei 7.044/1982.

Zibas (1993, p.27) aponta alguns motivos da malograda tentativa de

implantação da profissionalização na escola secundárias, a saber:

Os custos mais altos dos cursos técnicos e profissionalizantes imobilizaram o dispositivo legal, que sofreu ainda resistência de setores das classes médias e altas as quais interessava apenas um ensino médio de caráter propedêutico (...). Nas escolas públicas, a falta de recursos deu origem a improvisações curriculares pseudoprofissionalizantes, sem qualquer significado, resultando ainda no empobrecimento da educação geral.

Nessa mesma direção, Niskier (1986) evidencia outros fatores que

contribuíram para o insucesso da tentativa de profissionalização compulsória: a falta

de professores habilitados para exercer o magistério das disciplinas

profissionalizantes, o não-aproveitamento dos técnicos formados em nível secundário

pelo mercado de trabalho, já que a crise econômica provocou desemprego, além da

falta de recursos das escolas públicas para instalação de oficinas e laboratórios. O

resultado da precariedade do ensino de 2º grau na perspectiva da qualificação foi,

segundo Niskier (p.44) a oferta aos alunos apenas daquelas habilitações de cuspe e

giz, ou seja, formação de professores e contabilidade em sua esmagadora maioria. 18

Dessa forma, a Lei 7.044 de 18/10/1982 surgiu da necessidade de modificar

os dispositivos da Lei 5.692/71 referentes à profissionalização do ensino de 2º grau.

Assim, passou a ser objetivo do ensino de 1º e 2º graus, proporcionar ao educando a

formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de

auto-realização, preparação para o trabalho e para o exercício consciente da

cidadania. (destaque meu).

ensino de 2º grau, dividido em três séries, passou a se chamar ensino médio. 18 Eu tive oportunidade de vivenciar uma dessas habilitações, pois minha formação em nível secundário foi o curso técnico de Contabilidade. Durante o curso todo não pude experienciar as aulas

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O ensino de 2º grau, ainda que destituído da função profissionalizante, foi

regido pelos princípios do taylorismo-fordismo, que nas palavras de Kuenzer (2002a;

p.31), se caracteriza pela divisão do processo produtivo em pequenas partes, em que

os tempos e os movimentos são padronizados e rigorosamente controlados por

inspetores de qualidade, ações de planejamento são separadas da produção.

A pedagogia taylorista-fordista primava, portanto, pela especialização,

determinada pela divisão técnica do trabalho e correspondia a uma pedagogia

centrada nos conteúdos com a finalidade de desenvolver a capacidade de

memorização. A prioridade desta pedagogia centrava-se nos modos de fazer e no

disciplinamento, não posibilitando ao trabalhador o acesso ao conhecimento

científico que lhe propiciasse o domínio intelectual das práticas sociais e produtivas e

a construção de sua autonomia. É o que observa Kuenzer (2002 ; p.32)

Compreender os movimentos necessários a cada operação, memorizá-los e repeti-los ao longo do tempo não exige outra formação escolar que o desenvolvimento da capacidade de memorizar conhecimentos e repetir procedimentos em uma determinada seqüência. A pedagogia, tanto escolar quanto do trabalho, em decorrência, propôs conteúdos que, fragmentados, organizavam-se em seqüências rígidas, tendo por meta a uniformidade das respostas para procedimentos padronizados, separando os tempos de aprender teoricamente e de repetir procedimentos práticos e exercendo rigorosamente o controle externo sobre o aluno

Esses princípios sustentadores da pedagogia escolar nas décadas de 70 e 80

passam a ser questionados com o advento das transformações no mundo do trabalho,

originadas da globalização da economia e da reestruturação produtiva, que exigem

um novo profissional cuja formação ocorra com base em outros paradigmas

substitutivos ao paradigma taylorista-fordista e seus pressupostos de especialização e

divisão técnica do trabalho.

Como decorrência, questionam-se os valores e a arquitetura do modelo produtivo tradicional e desencadeia-se uma busca de alternativas, tais como estratégias de estímulo ao trabalho, novos métodos organizacionais e sociopsicológicos, a ênfase na participação dos operários e a preocupação made in japan com a qualidade dos produtos. (BUENO, 2000, p, 48 – grifos da autora)

práticas devido à precariedade estrutural da escola, de forma que a tônica do curso eram as aulas teóricas.

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Este novo discurso presente nos setores empresariais requer um novo tipo de

trabalhador, com capacidades intelectuais para se adequar aos novos tempos do

mundo do trabalho decorrentes da revolução técnico-científica, que exige uma

sociedade mais esclarecida e trabalhador melhor informado. Isso requer uma nova

pedagogia que atenda as demandas da revolução na base técnica de produção, com

seus impactos profundos sobre a vida social. Para tanto, é preciso romper com a

marca conteudística que tem caracterizado o ensino médio.

Mais do que nunca, o ensino médio do início do novo século deverá superar a concepção conteudística que o tem caracterizado, em face de sua versão predominantemente propedêutica, para promover mediações significativas entre os jovens e o conhecimento científico, articulando saberes tácitos, experiências e atitudes. (KUENZER,2002, p. 42).

Como é possível perceber com Freitas (1999), a demanda por trabalhadores

com novas habilidades (de comunicação, abstração e integração), constitui a raiz do

atual interesse direcionado à escola básica. Nesse sentido, o autor destaca que a

possibilidade do novo padrão de exploração da classe trabalhadora pode reacender

uma importante contradição no seio das demais contradições do sistema capitalista:

a contradição entre explorar ou educar.(p.93). Desta feita, o autor argumenta:

(...) Para explorar o trabalhador, o capital necessita educá-lo um mínimo que seja. Enquanto esse mínimo significou a quase inexistência de instrução, o capital não teve necessidade de educar o trabalhador (...). O capital sempre procurou sonegar instrução. No entanto, o novo padrão de exploração com uso de tecnologia sofisticada (...) exige que a “torneira da instrução” seja aberta um pouco mais, para formar o novo trabalhador que está sendo aguardado na produção. A questão que se coloca para o capital é: como instruir um pouco mais sem aumentar o grau de conscientização das classes populares? Nossa hipótese é que, uma vez que não pode deixar de instruir um pouco mais, o capital vai querer controlar um pouco mais a agência escola, de forma a garantir a veiculação de seu projeto político. (FREITAS, Ibidem, p.94).

Os novos princípios propostos para o ensino médio, na perspectiva de superar

sua versão conteudística e propedêutica, conforme discutirei adiante, representam a

abertura da torneira da instrução de que nos fala Freitas, mas as limitações da

proposta decorrem, principalmente, das finalidades sociais e educativas a que ela se

destina, bem como da inexistência de condições efetivas para sua realização.

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Entretanto, é preciso que consideremos as brechas deixadas pelo aspecto inovador da

reforma, para atuarmos em direção a uma educação, de fato, transformadora.

Neste sentido, os documentos que tratam da reforma do ensino médio

salientam a preocupação com as mudanças no conhecimento e seus desdobramentos

no que se refere à produção e às relações sociais de forma geral (BRASIL, 1999, p.

15). Tal preocupação objetiva a integração dos alunos ao mundo contemporâneo nas

dimensões fundamentais da cidadania e do trabalho. É a revolução técnico-científica

impondo novos paradigmas de formação nas sociedades contemporâneas, e causando

forte impacto na escola de nível médio.

Na tentativa de superar a concepção conteudista do ensino médio, traduzida

no ensino acadêmico/propedêutico, a LDB 9.394/96 apresenta novas finalidades e

uma nova organização curricular para esse nível de ensino.

As finalidades do ensino médio são expressas no Art. 35 da LDB:

I – A consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; II – A preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV - A compreensão dos fundamentos científicos-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.

O ensino médio tem como objetivo, nessa nova concepção, aprofundar os

conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, oferecer preparação básica para o

trabalho e a cidadania. Entretanto, essa preparação básica para o trabalho não se

vincula a nenhum componente curricular em particular, pois o trabalho deixa de ser

obrigação – ou privilégio – de conteúdos determinados, para se integrar ao currículo

como um todo (BRASIL, 1999; p. 70).

Embora tenha como finalidade a preparação para o trabalho, o ensino médio

não se confunde com ensino profissionalizante. Este ganha um capítulo específico na

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nova LDB, e cujos artigos sofrem alterações a partir do Decreto 2.208 de 17 de abril

de 199719.

Nota-se a intenção de afirmar o caráter formativo do ensino médio,

priorizando-o em detrimento do caráter propedêutico e profissionalizante. Para

atingir essa intenção,os documentos da reforma argumentam em favor de um ensino

que estimule a capacidade de pensar do educando, e desenvolva suas capacidades

cognitivas superiores. Para tanto, é preciso recorrer a formas diferenciadas de

tratamento dos conteúdos, que favorecem a relação da teoria com a prática. Defende-

se, portanto, a adoção de práticas de ensino que tenham como eixo a

interdisciplinaridade e a contextualização.

O novo perfil do ensino médio desenhado na Lei nº 9.394/96 ganha contornos

mais nítidos na elaboração das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino

Médio (DCNEM) e dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio

(PCNEM) pelo Conselho Nacional de Educação. Estes documentos representam a

expressão da reforma curricular para o ensino médio na medida em que trazem em

seu bojo um conjunto de

prescrições e/ou recomendações que devem servir para apoiar a organização

curricular dos estabelecimentos de ensino e o trabalho dos professores.

A resolução CEB/CNE nº 03/98 que institui as Diretrizes Curriculares

Nacionais para o Ensino Médio estabelece as bases legais das diretrizes, os princípios

norteadores e a nova organização curricular para o ensino médio. Essas prescrições

são aprofundadas no Parecer CEB/CNE 15/98, que constituem um texto de

aproximadamente 65 páginas. Os objetivos das diretrizes são enunciados nas

seguintes perspectivas

Sistematizar os princípios e diretrizes gerais contidos na LDB; explicitar os desdobramentos desses princípios no plano pedagógico e traduzi-los em diretrizes que contribuam para assegurar a formação básica comum

19 Decreto que objetivou regulamentar o § 2º do Art. 36 e os Arts. 39 a 42 da LDB 9.394/96. Este Decreto separa a educação profissional da educação regular, ou seja, do ensino médio. A educação profissional passa a ser organizada em três tipos de formação: básica (não exige escolaridade prévia), técnica (exige conclusão da educação básica regular ou deve ser feita paralela ao ensino médio) e a tecnológica (formação profissional de nível superior).

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nacional; dispor sobre a organização curricular da formação básica nacional e suas relações com a parte diversificada, e a formação para o trabalho (BRASIL, 1999, p. 64)

Embora o parecer sinalize para a possibilidade de atualização das DCNEM,

salienta o caráter de obrigatoriedade das diretrizes após sua aprovação e

homologação, o que significa que os estabelecimentos de ensino precisarão ajustar

suas propostas em conformidade com as prescrições das diretrizes abaixo

apresentadas em linhas gerais.

O Art. 1º apresenta as diretrizes como conjunto de definições doutrinárias

sobre princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização

pedagógica e curricular das unidades escolares que integram os diversos sistemas de

ensino na perspectiva de vincular a educação ao mundo do trabalho e a prática

social, consolidando a preparação para o exercício da cidadania e propiciando

preparação básica para o trabalho.

Este Artigo é bastante elucidativo da coerência que há entre as diretrizes e as

finalidades da educação básica expressas na nova LDB. Neste sentido, o Art. 2º

prescreve que a organização curricular deste nível de ensino e deve ser dada pela Lei

nº 9.394/96.

No Art. 3º são apresentados os três princípios que devem orientar a

organização curricular do ensino médio, quais sejam: os princípios estéticos,

políticos e éticos, que se traduzem na estética da sensibilidade, política da igualdade

e ética da identidade.

A estética da sensibilidade visa estimular a criatividade, o espírito

inventivo, a curiosidade pelo inusitado, e a afetividade, bem como facilitar a

constituiçâo de identidades capazes de suportar a inquietação, conviver com incerto

e imprevisível (...). (Art. 3º, Inciso I das DCNEM). Nota-se que a formação

preconizada pelo ensino médio deve ser feita mediante os pressupostos do novo

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paradigma de produção, na perspectiva de integrar o educando à nova lógica da

organização do trabalho20.

Esse é um dos termos que evidenciam a ambivalência da proposta de reforma

curricular do ensino médio, pois, ao mesmo tempo em que a estética da sensibilidade

revela aspectos das demandas trabalhistas da “qualidade total”, que como vimos,

requer profissionais com uma formação flexível e polivalente, que possibilite ao

trabalhador a convivência com o incerto e o imprevisível, esse discurso, de certa

forma, responde aos anseios defendidos no pensamento educacional nos últimos

anos. Educar para a incerteza constitui, para Morin (2001), um dos sete saberes

necessários à educação do futuro.

Para Lopes (2002a), a razão da ambigüidade do discurso presente nos textos

oficiais se dá em função da busca de legitimação da proposta junto a diferentes

grupos. Nesse sentido, os discursos acadêmicos são ressignificados para atender

finalidades educacionais presentes no contexto atual. Esse fato representa para

Freitas (1999) o esforço de cooptação do educador, na medida em este não pode

recusar a mudança e, assim, ser taxado de retrógrado e conservador. No entanto, cabe

destacar a pertinente pergunta feita por Freitas (p.101) ao tratar dessa questão: como

tirar proveito desse novo período de contradições do sistema capitalista pressionado

entre a necessidade de instruir um pouco mais o trabalhador e, ao mesmo tempo,

explorá-lo. Quais as novas formas de luta que devemos adotar?

Outro princípio do novo ensino médio é a política da igualdade, que diz

respeito à preparação do educando para a vida civil, através do reconhecimento dos

direitos humanos e dos direitos e deveres da cidadania. Percebe-se nesse princípio o

estímulo ao protagonismo do sujeito nas condutas sociais, de participação e

solidariedade, respeito e senso de responsabilidade, pelo outro e pelo público.

(BRASIL,1999, p. 77).

20 Tal premissa leva Silva Júnior (2002) a argumentar que o discurso sobre a separação do ensino médio da educação profissional cai por terra, pois na perspectiva das motivações da reforma do ensino médio, este se torna tão profissionalizante quanto a educação profissional de nível técnico.

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Quanto à ética da identidade, esta tem como pressuposto básico a formação

para autonomia como fim mais importante, pois estimula o sujeito a construir sua

identidade ética e levá-lo a reconhecer sua própria identidade e a do outro.

O Art. 4º estabelece que as propostas pedagógicas das escolas e os currículos

dela decorrentes incluirão competências básicas, conteúdos e formas de tratamento

dos conteúdos, de acordo com as finalidades do ensino médio apresentadas na LDB.

As competências básicas de que o currículo do ensino médio não pode

prescindir diz respeito ao desenvolvimento da capacidade de aprender e continuar

aprendendo, de autonomia intelectual e do pensamento crítico, de modo a ser capaz

de continuar com os estudos e de adaptar-se com flexibilidade às novas condições de

ocupação ou aperfeiçoamentos (Art. 4º, Inciso I). Quanto às formas de tratamento do

conteúdo, os currículos deverão ser organizados de modo a adotar metodologias de

ensino diversificadas, que estimulem a reconstrução do conhecimento e mobilizem o

raciocínio, a experimentação, a solução de problema e outras competências

cognitivas superiores. (Art. 4º, inciso III).

Importa salientar que, ainda que as finalidades implícitas dessa formação

sejam para atender as demandas do setor produtivo, é possível reconhecer que esse

discurso impulsiona à flexibilização, e não à rigidez das práticas e dos métodos

educacionais. Essa “brecha” pode ser utilizada pelos educadores para propiciar uma

educação com finalidades distintas das que são esperadas pelos idealizadores da

reforma.

Nessa perspectiva, o ensino – desvinculado da vida, do cotidiano dos alunos,

compartimentalizado, centrado nos acúmulo de informações, visando a memorização

destas – não é compatível com as demandas do mundo contemporâneo, haja vista a

revolução científico-tecnológica-informacional em curso. Desta feita, o Art. 6º

estabelece que a organização do currículo deve se basear nos princípios pedagógicos

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da Identidade, diversidade e autonomia, interdisciplinaridade e contextualização,

sendo estes últimos explicados nos Arts. 8º e 9º21.

O Art. 10º prescreve que a organização da base nacional comum em três áreas

do conhecimento: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza,

Matemática e suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias. Tal

organização tem como base a reunião daqueles conhecimentos que compartilham

objetos de estudo e, portanto, mais facilmente se comunicam, criando condições

para que a prática escolar se desenvolva numa perspectiva de interdisciplinaridade

(Brasil, 1999, p. 32).

Entretanto, os critérios de seleção dos conteúdos não são discutidos nos

PCNEM e nas Diretrizes. Não há justificativas da escolha das três áreas com suas

respectivas disciplinas. Como afirma Lopes (2000b, p.95) não se justifica porque são

essas áreas e não outras, porque são essas disciplinas e não outras.

Esse fato revela a naturalização dos conteúdos disciplinares como se eles

fossem inquestionavelmente os melhores e mais legítimos e reforça a idéia corrente

no pensamento curricular crítico de que a organização do currículo não se dá de

forma parcial e inocente, como afirma Silva (1995) sendo este um processo social

que envolve, além de fatores lógicos e epistemológicos, interesses, conflitos,

necessidade de legitimação e controle, propósitos de dominação, entre outros. A

fabricação de um currículo não é nunca apenas o resultado de propósitos ‘puros’ de

conhecimento (...) o currículo não é constituído de conhecimentos válidos, mas de

conhecimentos considerados socialmente válidos (SILVA, 1995, p.8 - Destaque no

original). No caso da organização curricular expressa nos PCNEM, esses

conhecimentos são aqueles articulados com o mundo do trabalho no contexto da

globalização.

21 Os princípios da interdisciplinaridade e contextualização, defendidos no Art.6º e explicitados nos Arts. 8º e 9º, serão abordados no próximo capítulo.

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Outra questão relevante sobre a organização do currículo em áreas do

conhecimento, desconsiderada nas diretrizes, é apontada por Nunes (2002, p.22)

quando afirma que essa organização exige uma profunda mudança de mentalidade

de todos os sujeitos que participam da atividade educativa dentro da escola. A

autora destaca, ainda, a necessidade da mudança na organização dos tempos e dos

espaços escolares e também na forma de contratação dos professores, das exigências

de trabalho, além da melhoria da capacitação docente.

Os dois últimos Artigos das diretrizes são referentes à educação profissional.

O Art. 12 estabelece a não-dissociação entre formação geral e preparação básica para

o trabalho, que por sua vez não deve ser confundida com profissionalização. E o Art.

13 aponta para a possibilidade de aproveitamento dos estudos do ensino médio para

obtenção de habilitação profissional, em cursos realizados paralelos ou

posteriormente ao ensino médio.

Os princípios apresentados nos artigos das DCNEM são aprofundados no

Parecer CEB/CNE 15/98. Este apresenta um discurso bastante avançado em termos

de proposições para a melhoria do ensino médio, e foi elaborado em sintonia com a

última geração de reformas do ensino médio no mundo, (BRASIL, 1999, p.73)

conforme a parecerista faz questão de ressaltar.

Apesar do discurso otimista, o texto do parecer reconhece que o ensino médio

apresenta problemas22, no entanto, as soluções se darão em longo prazo e dependem

dos outros (NUNES, 2002). É o que afirma Mello: O ensino médio vai ser aquilo que

nossos esforços, talentos e circunstâncias forem capazes de realizar (BRASIL, 1999,

p.110). Nesse sentido, os órgãos estaduais formuladores dos novos currículos de

ensino médio, as universidades e outras instituições de ensino superior, tem um papel

decisivo no êxito da implementação das DCNEM.

22 Os problemas históricos do ensino médio, como a falta de identidade – em termos de concepção e de estrutura – a questão da universalização e da dualidade – são abordadas no parecer, porém, sem encaminhamentos concretos para reversão desses problemas.

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Os professores são mencionados no parecer, com destaque para precariedade

de sua formação, sobre a qual a parecerista lava as mãos, pois ignora a complexidade

dessa questão e transfere a responsabilidade com a formação dos professores para as

instituições de ensino superior.

A preparação dos professores, pela qual o ensino médio mantém articulação decisiva com a educação básica, foi insistentemente apontada como a maior dificuldade de implementação dessas DCNEM, por todos os participantes, em todos os encontros, mantidos durante a preparação deste parecer, maior mesmo que os condicionantes financeiros. Uma unanimidade de tal ordem possui peso tão expressivo que dispensa maiores comentários e análises. Um peso que deve ser transferido às instituições de ensino superior, para que considerem, quando no exercício de sua autonomia, assumirem a responsabilidade com o país e com a educação básica que considerem procedentes. (BRASIL, 1999, p.111)

Na contramão desse discurso, os professores entrevistados apontaram a

precariedade estrutural das escolas e as condições do trabalho docente como

elementos impeditivos das mudanças pretendidas para o ensino médio. Certamente a

formação dos professores assume peso relevante para a implementação das diretrizes,

na medida em que prescrevem um ensino radicalmente diferente daquele que os

professores estão habituados a lidar, pautados em princípios complexos e difíceis de

serem implementados nas atuais condições das escolas de ensino médio. Porém,

propor soluções para essa questão é problema político e requer ação conjunta, na

qual o papel do Estado como indutor de políticas para a formação dos professores

não pode ser ignorado.

Mesmo sem contar com a participação dos professores, e com o

conhecimento superficial que estes demonstram conhecer sobre a proposta oficial,

conforme abordarei a seguir, a estes cabe a responsabilidade de transformar o

currículo proposto em currículo em ação, pois esta é a forma de reconhecer que o

desenvolvimento curricular será feito na e pela escola (BRASIL, 1999, p.104)

O parecer sinaliza que a implementação das diretrizes ocorrerá mediante um

processo de transição e ruptura. A ruptura no sentido de que a construção de um

novo ensino médio, significativamente diferente do atual, vai requerer mudança de

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concepções, valores e práticas. Neste sentido, há destaque nas DCNEM para a

necessidade de que os professores se apropriem dos princípios legais, políticos,

filosóficos e pedagógicos, tanto do currículo proposto, como da proposta pedagógica

da escola. É o que se observa na citação que segue.

Outro reconhecimento que se aplica: se não há lei ou norma que possa transformar o currículo proposto em currículo em ação, não há controle formal nem proposta pedagógica que tenha impacto na sala de aula, se o professor não se apropriar dessa proposta como seu protagonista mais importante. (BRASIL, 1999, p.104)

Nessa perspectiva, perguntei aos professores se eles conheciam os PCNEM

e como se deu o contato com a proposta de ensino neles contida. Eles afirmaram que

tomaram conhecimento dos PCNEM quando da realização das reuniões promovidas

pelas escolas para apresentação e discussão da nova proposta curricular para o ensino

médio.

Quando houve a divulgação do novo PCN, as escolas estaduais fizeram reuniões com professores, voltadas para o planejamento, (recomendando que este) fosse baseado no PCN (...) nós planejamos nossas aulas em relação ao PCN. (Profº João) É, o Ministério mandou, a SEDUC23 mandou um exemplar pra cada um de nós, foi distribuído isso. A escola promoveu alguns debates (voltados para) aqueles aspectos mais essenciais, a direção (da escola) promoveu, e nós fizemos alguns encontros discutindo isso. Mas eu confesso que ainda tem muita coisa obscura (nos PCN) que precisa se discutir mais. É uma coisa nova ainda pra nós. (Profª Norma)

Contudo, a maioria expressiva dos entrevistados afirmou não possuir

conhecimento aprofundado sobre os parâmetros. Dois professores afirmaram

desconhecer tais documentos. O professor Adriano foi taxativo em sua resposta,

quando respondeu: Não. Não conheço! A professora Carmem afirmou que teve

contato com os PCN, mas que não teve oportunidade de ler a proposta nele contida.

A professora Cláudia afirma: Eu conheço pouco. Muito pouco. A gente teve algumas

reuniões aqui, discussões, então eu (...) não tenho grande aprofundamento sobre

eles. O depoimento da professora Siane também é revelador do desconhecimento da

proposta de mudança curricular para o ensino médio, pois afirma que, apesar de ter

trabalhado em quatro escolas, em apenas uma teve um rápido contato com os PCN.

23 Secretaria de Educação do Estado do Pará.

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Eu nunca vi o livro dos PCN. Quando nós fomos fazer o planejamento no início do ano, o meu colega estava com um livro desses lá (...) e eu dei uma lida rápida numa parte lá, que era para a gente fazer o plano. Aquele plano que fica na escola. Mas eu não tenho muito conhecimento do que está escrito lá, não.

Questionei os professores se as escolas nas quais trabalham promovem

reuniões para discussão dos parâmetros e, quase todos, com exceção de dois

entrevistados, responderam que os PCN são discutidos geralmente por ocasião do

planejamento anual realizado nas escolas, mas para o professor Paulo esse é um

período muito limitado, no qual são colocados alguns tópicos dos PCN, mas são

muito poucos (Profº Edson). O depoimento da professora Carmem corrobora essa

constatação.

É, o título tem: reunião. Mas é tão pouco o tempo, que entra outros assuntos e na realidade do PCN tem pouquíssima coisa. O que se sabe é de leituras (feitas) de vez em quando. Quando o tempo dá, a gente vai lendo (...).

Ao abordar o tema PCN nas entrevistas, supus que os professores

expressariam seu descontentamento com o fato de terem sido ignorados no processo

de elaboração dos parâmetros, e, em decorrência disso, com o caráter impositivo da

reforma. Contudo, essa não foi a tônica dos depoimentos. As críticas endereçadas ao

texto dos parâmetros são bastante superficiais, limitadas às diferenças existentes nas

regiões do Brasil, e à constatação de que existem coisas lá que são meio absurdas de

se trabalhar (Profº Paulo), ou mesmo difíceis de serem postas em prática, como é o

caso da contextualização, que abordarei a seguir.

Apenas uma professora evidencia o seu ‘lamento’ sobre a não-participação

dos professores na elaboração das propostas para o ensino médio.

O que se lamenta é que as modificações vêm e nós temos aqui só que operacionalizar, nós não somos chamados pra discutir qual a melhor forma de se fazer, e a gente vai ficando muito perdida. (Profª Norma).

Esse depoimento evidencia que a inquietação dos professores limita-se à

forma (como fazer?) e não ao conteúdo da reforma proposta nos textos oficiais. Os

professores não questionam o “por que fazer?” e o “para que fazer?”, elementos que

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possibilitam um posicionamento político importante para o enfrentamento das

exigências impostas à prática docente.

A fala da professora Carmem é mais crítica no que diz respeito à não-

participação efetiva dos professores e à distância entre o que se preconiza no

documento dos parâmetros curriculares e a realidade da sala de aula, sinalizando um

jargão bastante veiculado no meio educacional: na prática a teoria é outra.

Porque quem fez os PCN? Será que eles realmente atuavam quando tiveram suas brilhantes idéias, ou só colocaram e pronto? Muitas coisas a gente vê é muito fácil, mas eles não vão primeiro fazer pra ver. Dizem: ah, reunimos os professores... Não! Quem se reuniu? Alguém que é professor e que nunca atuou... Quando eles inventaram isso pro professor, na realidade eles imaginavam que desse certo. Eles até podem ter feito experiências com ‘bloquinhos’, mas manda eles irem pra uma sala de aula (Profª Carmem)

Porém, em que pese o lamento e o descontentamento dessas professoras

sobre o processo de implantação dos PCNEM, essa não foi a tônica do discurso dos

professores, o que pode significar que estes não se percebem como agentes da prática

pedagógica, portadores de autonomia, que os possibilita questionarem as pressões e

exigências impostas à sua prática e até de se rebelarem contra elas.

Uma vez que os depoimentos evidenciam que os entrevistados não possuem

conhecimento aprofundado sobre a proposta de reforma curricular expressa no

documento dos PCNEM, resta saber os pontos de confluência ou divergência dos

discursos dos professores sobre as mudanças no ensino médio em relação às

prescrições oficiais. É essa a discussão que desenvolvo a seguir.

2.3- O ensino médio mudou? Outras questões para além do discurso oficial.

Tendo em vista perceber os impactos da reforma na prática dos professores de

ciências, iniciei a entrevista perguntando sobre as mudanças percebidas no ensino

médio ao longo da atuação dos professores neste nível de ensino, uma vez que, como

reconhece Zibas (2002), existem diversas formas pelas quais esses sujeitos

recebem/percebem os princípios da reforma.

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O objetivo desses estudos – a LDB, as diretrizes curriculares e demais dispositivos legais, bem como os documentos emitidos por diversas agências nacionais e instituições multilaterais – tende a ser considerado um poderoso indutor de mudanças. Entretanto, sabemos que reformas, como esta aqui referida, geradas em órgãos da administração central, encontram, nas escolas, estruturas culturais e políticas historicamente estabelecidas, criando uma trama institucional que interpela, filtra, transforma, ignora, escamoteia ou absorve, muitas vezes fragmentariamente, as mudanças pretendidas. (ZIBAS, 2002, P. 72)

Mesmo afirmando não terem conhecimento aprofundado sobre o documento

que expressa a intenção da reforma curricular no ensino médio, isso não significa que

os pressupostos da reforma sejam alheios aos discursos dos professores. Alguns

desses pressupostos foram abordados por esses sujeitos na pergunta: o que mudou no

ensino médio ao longo do tempo em que você atua nesse nível de ensino? Em

resposta a essa questão os professores mencionaram a mudança na abordagem do

conteúdo, que precisa ser trabalhado hoje levando em conta as experiências concretas

dos alunos, de modo a estimular o raciocínio, a capacidade de pensar e não apenas a

memorização das informações recebidas em sala.

Bom, houve uma mudança a respeito de como o aluno pode perceber o assunto. (...) Hoje no ensino médio é bastante cogitada a parte de contextualização, ou seja, levar o ensino a uma realidade (Profº João) Vem sendo feita uma tentativa de adaptar, de tornar o ensino médio mais voltado pro cotidiano, de se trabalhar (...) uma Biologia mais voltada pro interesse da própria vida do aluno. (Professora Norma)

Para alguns professores, com a mudança na abordagem do conteúdo, o ensino

de ciências deixou de ser eminentemente teórico, possibilitando que o professor

diversifique os procedimentos de ensino, através da realização de atividades práticas,

trabalhos em grupo, entre outros.

É, a forma de abordar mudou. Porque logo que eu comecei trabalhar, a gente se baseava só naquela parte da teoria. (...) quando você cobrava na prova (...) cobrava mesmo só a parte teórica. Hoje em dia não, você já faz a parte prática e, quando tem, quando eles (os alunos) têm facilidade a gente chega até a fazer experiências na sala de aula (...). Antigamente eu dava só a matéria, dava exercícios para o aluno resolver em casa, hoje em dia não, a gente faz trabalhos em grupo (...). (Profª Carmem) É possível fazer um trabalho em sala de aula, vamos supor, de ciências, (..) se o professor for criativo ele pode fazer teatro com os alunos da 2ª série,

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5ª série, de acordo com a disciplina. E antigamente não se fazia isto. Era simplesmente... senta, escreve. Senta, escreve... (Profº Carlos)

As características do ensino tradicional foram mencionadas como

pertencentes ao “passado”, recente ou remoto, do ensino de ciências, pois alguns

professores se reportaram tanto às suas práticas como professores do ensino médio

quanto às suas vivências como alunos desse nível de ensino. Dentre essas

características, além da perspectiva teórica do ensino, outras mencionadas

relacionam-se à centralidade da figura do professor no processo de ensino e de

aprendizagem, e, decorrente dessa centralidade, o autoritarismo docente e a

verticalização da relação professor-aluno. Somado a esses elementos, ou subjacente a

eles, foi mencionado ainda o desinteresse que o professor manifestava pela

aprendizagem do aluno, uma vez que a preocupação girava em torno da transmissão-

recepção do conhecimento.

Antigamente não existia isso, o professor entrava em sala (...) eu fui dessa época, (...) e jogava matéria. E aí? Qual é a aplicabilidade disso no nosso cotidiano, na nossa vida? Quer dizer, o aluno até perguntava: “mas como é que a gente vai usar isso no nosso cotidiano, no dia-a-dia? Porque aprender isso aí?” E o professor não tava nem aí, entrava em sala e dizia: É isso aí e pronto! Acabou-se!” Se você aprendeu, aprendeu, se não aprendeu... (Profº Adriano) Porque quando eu fiz o ensino médio, antigo 2º grau, o aluno se comportava com medo da punição. (...) A nossa comunicação com o professor era bem pequena. O aluno ficava às vezes só escutando. (Profº Carlos)

De acordo com o depoimento do professor Adriano, antes o conteúdo era

trabalhado separadamente da experiência do aluno e das realidades sociais. Esse

conteúdo era valorizado em função de sua dimensão intelectual e racional, portanto,

tinha valor em si mesmo. Entretanto, ainda que o professor reconheça que hoje se

tenta trabalhar esse conteúdo a partir das suas relações com o cotidiano dos alunos,

há um forte indício de que ele (o conteúdo) ainda é privilegiado na medida em que os

fatos do cotidiano são utilizados para ilustrar esse conteúdo e não para explicar o

vivido de forma que o educando possa ressignificar a sua experiência concreta.24

24 Essa questão será melhor abordada na Seção 4.

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Discutindo o papel da escola na sociedade atual e as implicações para o

ensino de ciências, Costa (s/d) argumenta que as mudanças em curso no mundo hoje

provocaram mudanças na escola, fato que implica uma nova maneira de ser

professor, de maneira que as práticas acima evidenciadas não servem aos propósitos

educacionais do atual ensino de ciências. Neste sentido, afirma:

O professor como autoridade suprema, que sabe tudo, incumbido de ensinar ao aluno, que nada sabe, é cada vez mais um modelo do passado (...). O professor não pode monopolizar o discurso na sala de aula, mas tem que ser capaz de a transformar numa verdadeira comunidade de aprendizagem em que os alunos tenham um papel de relevo. (COSTA, s/d, p.03).

Outra mudança apontada no ensino médio, por uma parcela significativa de

professores, diz respeito à avaliação. Segundo os depoimentos, a avaliação sofreu

uma alteração significativa, pois deixou de ser entendida como produto e passou a

ser encarada como processo. Nas palavras do professor Carlos, mudou a forma de

avaliar o aluno. Hoje você avalia o comportamento do aluno, a freqüência, uma

série de coisas que precisam ser levadas em conta... A avaliação deixou também de

ser relacionada a prova, fato que possibilita a diversificação dos instrumentos25. É o

que reconhece o professor Paulo:

A gente tem procurado, de acordo com os PCN, avaliar o aluno não somente naquela prova rotineira. Tem procurado pegar tudo que o aluno faz em sala e trazer pra questão que está sendo trabalhado naquele momento. Então eu avalio nesse sentido hoje, eu desliguei um pouco daquela prova rotineira. (...) Eu tenho procurado mudar nesse sentido.

Os professores mencionaram ainda o desinteresse dos alunos do ensino

médio, apesar dos esforços empreendidos pelos professores para melhorar o ensino.

A professora Carmem argumenta que apesar da mudança na abordagem do conteúdo,

isso não fez com que o aluno ficasse mais interessado.O professor Adriano afirma

que antigamente era muito mais difícil para o aluno aprender. Hoje os alunos já

estão pegando as coisas totalmente esmiuçadas. Na mesma direção, a professora

25 Importa ressaltar que a mudança na avaliação é prescrita na LDB atual para a educação. No Art. 4, Inc. V, alínea a tem-se que a avaliação deverá ser continua e cumulativa do desempenho do aluno, com prevalência dos aspectos qualitativos sobre os quantitativos e dos resultados ao longo do período sobre os de eventuais provas finais.

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Joelma observa, a cada ano que passa, no ensino médio, os alunos estão estudando

menos. Por mais que a gente se esforce, eu acho que está havendo um desinteresse

por parte dos alunos. Essa questão foi mencionada por uma parte significativa dos

entrevistados como elemento comprometedor do processo de ensino e aprendizagem.

A queixa em relação ao desinteresse dos alunos nas atividades de sala de aula

pode ser mais um indício de que o conteúdo ainda não é trabalhado de forma

significativa em sala de aula, ou seja, continua desligado das experiências dos alunos.

De acordo com o pensamento de Dewey (1959), evidenciado por Cunha (1994), uma

possível explicação (ou hipótese) para essa situação advém do fato de que o aluno

não é levado a perceber o significado e a relevância dos conteúdos ensinados. Desta

feita, Cunha (1994, p.52) afirma:

É comum os professores observarem que seus alunos entregam-se de modo relapso e sem objetivo a certas atividades; via de regra, essa atitude é atribuída às características da idade, especialmente no caso dos adolescentes. Dewey procura mostrar que os estudantes agem assim quando são levados a um trabalho sem perceber o alcance e o significado do mesmo. Estudam porque estão acostumados a obedecer e não porque compreendem o sentido da matéria, o nexo entre os assuntos (...). o mesmo pode ser dito quanto às ações repetidas e rotineiras que os professores tanto propõem, com o intuito de automatizarem as respostas dos alunos diante de determinados problemas. Esse método limita o campo de significações do educando e dificulta sua adaptação às mudanças ocorridas no mundo e no próprio terreno do conhecimento escolar.

Nesse sentido, o educando precisa ser estimulado a assumir seu papel como

protagonista do processo de ensino e aprendizagem, no sentido de comprometer-se

efetivamente com a sua aprendizagem. Para tanto, o professor precisa adotar diversas

estratégias para promover contextos de aprendizagem significativos para os alunos.

Para o professor Adriano, a mudança acelerada no conhecimento científico,

impulsiona (ou deveria impulsionar) o professor a buscar várias fontes de

informações para usar em sala de aula, como jornais, revistas, pois o professor

precisa estar todo tempo informado, a globalização faz com que a gente busque isso.

Além disso, o professor precisa incentivar os alunos a usarem essas mesmas fontes. É

o que reconhece Costa (s/d), referindo-se às novas exigências postas ao ensino de

ciências no contexto da sociedade atual.

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O professor não pode se limitar a seguir o livro de texto, mas tem de usar materiais diversificados e estimular os alunos a consultar diversas fontes de informação. O ensino na sala de aula não pode se basear exclusivamente no quadro e giz, mas tem que tirar partido das novas tecnologias de informação. Ensinar não pode reduzir ao binômio de expor a matéria e passar exercícios, sendo necessário propor tarefas diversificadas, incluindo problemas, projectos e investigações, e estimular diferentes formas de trabalho e de interação entre os alunos.

Um entrevistado ressaltou a desvalorização do profissional da educação,

evidenciada através do achatamento salarial e da escassez de recursos para a

educação, fato que leva esse sujeito a constatar a queda da qualidade do ensino

médio: ao longo desses anos, eu acredito que a qualidade do ensino, principalmente

de nível médio, baixou muito (professor Roberto). De acordo com esse depoimento,

as condições do trabalho docente, desestimulam (os professores) e, ao mesmo tempo,

vai fazendo com que a mudança na abordagem do conteúdo não seja dada, nem

priorizada. Essas condições foram solenemente ignoradas no documento dos PCN,

cujo discurso é bastante otimista quanto à possibilidade de implementação da

reforma, apesar dos problemas que têm assolado historicamente o ensino médio.

Em que pese essa constatação, de modo geral, os professores consideram

positiva a mudança na abordagem do conteúdo, mas os discursos oscilam entre a

tranqüilidade aparente e a sensação de inquietação e de dúvida, decorrentes das

dificuldades encontradas, principalmente pelos alunos, em relação a nova abordagem

do conteúdo e do contraste que há entre essa abordagem e a exigência do vestibular.

Eu me sinto tranqüilo, eu acho que a matéria deve ser ministrada de todas as formas, só que é um pouco mais complexo e fica um muito mais difícil para os alunos. Porque, os alunos que viam química de uma maneira, hoje tem que ver de forma diferente, tem que ver a química misturada à física, (...), à biologia, então, para eles fica um pouco mais difícil de ser entendido. Mas, no meu entendimento, também fica um pouco mais complicado de ser passado, mas eu acho que (...) a experiência é válida. (Profº Edson) (...) o aluno do ensino médio não estava acostumado a fazer uma análise do texto. Então hoje toda questão exige que você leia e interprete. E isso trouxe uma grande dificuldade pro ensino médio. (...) Mas, é o correto. Com certeza você tem que fazer o aluno pensar, analisar... Tem dificuldades, mas eu acho que o caminho é por aí. (Profº João).

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De modo geral, os entrevistados reconhecem que a mudança na abordagem

do conteúdo acarretou dificuldades para o processo de ensino e de aprendizagem,

mas as relacionam, principalmente, ao despreparo dos alunos, habituados que

estavam com um ensino que primava pela memorização do conteúdo, em detrimento

do estímulo à capacidade de pensar, elaborar idéias, interpretar textos, entre outras.

Essa percepção coaduna-se com os estudos sobre o ensino de ciências que

reconhecem que este tem se caracterizado, de maneira geral, pela transmissão de

conteúdos programáticos para memorização de fatos e conceitos. (MARANDINO,

1997; KRASILCHIK, 1987; ARAGÃO, 2000, entre outros). Para Carraher &

Carraher (1985, p.1) se o ensino de ciências visar apenas a transmissão de

conteúdos, o aluno provavelmente aprenderá a repetir o que aprendeu. Essa tradição

ainda é forte no ensino de ciências, apesar do discurso contrário a ela.

A falta de qualificação dos professores para lidar com as novas exigências

postas para o ensino médio foi apontada, embora com menor ênfase, como elemento

que dificulta a mudança das práticas docentes na direção desejada pelas prescrições

oficiais. O professor hoje não recebe uma qualificação que lhe dê bases para poder

passar isso para o aluno, para poder cobrar isso do aluno (professor Roberto).

Nessa mesma perspectiva, outro entrevistado afirma:

Tem-se exigido mudança, mas a gente não tem visto muito essa mudança. Os alunos não têm acompanhado as mudanças e até mesmo nós, os professores. Para você ter uma idéia, eu estou com cinco anos, (...) trabalhando com o ensino médio, e as escolas que eu trabalho nunca foram convidadas para o professor fazer um curso (...) de aperfeiçoamento, algo nesse sentido. Não tivemos (...). (Professor Paulo).

Em um estudo que também trata da reforma do ensino médio e seus

impactos no cotidiano escolar26, Abramovay (2003, p.269) argumenta que um dos

entraves à reforma do ensino médio é o despreparo dos professores para lidar com

as inovações propostas, agravado pela falta de investimento na formação

continuada dos professores. E justifica que isso ocorre tanto em função da ausência

de cursos que os atualizem sobre as novas diretrizes, como da escassez de tempo para

o professor participar de atividades de formação continuada. A falta de reuniões

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informativas, discussões e outras atividades contribuem para a desinformação dos

professores quanto aos princípios da reforma.

Os depoimentos dos professores alertam para a necessidade imperiosa da

existência de programas de formação continuada para os professores da escola

pública, pois a busca pela atualização limita-se ao âmbito da iniciativa individual

do(a) professor(a), que algumas vezes, mesmo sem apoio, busca aprimorar-se no que

diz respeito ao seu conhecimento pedagógico.

Entretanto, os professores não questionaram a ausência de políticas públicas

para a questão da formação continuada, que acaba circunscrita à iniciativa individual.

Não houve destaque para a função do Estado como órgão responsável pela

implementação de políticas voltadas para esse fim. Em virtude disso, os professores

acabam, solitariamente, ‘correndo atrás do prejuízo’, para usar uma expressão

popular.

Percebo ainda, no discurso destes professores, além do pouco

questionamento e críticas ao processo de imposição da reforma curricular para o

ensino médio, a tentativa de adequação dos professores às mudanças pretendidas. Os

professores tentam se ‘ajustar’, se ‘adaptar’, ‘acompanhar as mudanças’, ‘se

atualizar’, o que confere um caráter adaptativo ao discurso dos professores. Não

percebi, no geral, os professores assumindo uma posição de autonomia frente ao seu

fazer pedagógico, ou seja, não se assumindo como sujeitos capazes de construir uma

proposta curricular.

Em seus discursos, os entrevistados denunciam o contraste existente entre a

proposta dos PCNEM, cuja ênfase não é a abordagem conteudística, e os programas

dos vestibulares que, apesar da mudança na formulação das questões, prioriza o

conteúdo, uma vez que o referido programa precisa ser cumprido.

(...) Olha, na verdade é uma mudança que, se a gente aproveitar a realidade do aluno, ela muito contribui. Mas pra você preparar um aluno para o

26 Os resultados desse estudo são apresentados na obra “Ensino Médio: múltiplas vozes”.

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PSS27 que só exige conteúdo, essa mudança tem um choque muito drástico. O aproveitamento deles é complicado, porque aqui a gente procura trabalhar buscando o dia-a-dia do aluno, no sistema avaliativo. Mas quando você cai num PSS ou até num concurso, você tem uma outra realidade, porque lá eles querem conteúdo, infelizmente. Embora as provas venham assim meio diversificadas, em forma de texto, questão interdisciplinar, mas na hora eles querem conteúdo. E às vezes fica um pouco complicado o sistema avaliativo quando você bate com a questão conteúdo do PSS do vestibular ou de concursos (...) em sala de aula. Ainda deixa muito a desejar nesse sentido.

Essa pressão ajuda a reduzir o caráter humanístico e crítico dos conteúdos,

resultando num ensino cuja ênfase é dada à memorização de conceitos e fórmulas. É

o que reconhece Beltran et al (1991) apud Abramovay (2003, p.175)

A pressão para ‘dar a matéria’ e ‘terminar o programa’, tem resultado na superficialidade da análise dos fenômenos, na má construção dos conceitos e na ausência do relacionamento dos assuntos com o saber. (...) Nessas condições, este estudo desliza para o seu grau mais baixo e mais inútil: a simples memorização dos conceitos e de ‘regrinhas’ para resolver problemas e testes visando passar no vestibular.

O embate entre essas concepções (ensino humanista/crítico e ensino

conteudístico) provoca uma certa inquietação e dúvidas nos professores.

Mesmo que tenha aí os PCN para que a gente tente mudar... mas eu vejo assim, há uma exigência por parte das universidades também, tem o conteúdo do Prise, (Programa de Ingresso Seriado da UEPA) que você tem que atender a essas exigências... e agora apareceu também o Processo Seletivo Seriado... A gente acaba ficando dividido um pouco, até porque agora são dois conteúdos divididos, algumas vezes são conteúdos conflitantes... Que exigências nós vamos atender? É o PCN? (Profª Norma).

Importa ressaltar que essa é uma questão muito presente no relato dos

professores, que indicam que o vestibular continua exercendo uma forte pressão em

termos de conteúdo e de abordagem do conteúdo no ensino médio, de modo que os

professores relacionam as mudanças neste nível de ensino com a mudança nas provas

do vestibular. Desta feita, são os programas do vestibular adotados pela Universidade

Federal (PSS) e Estadual (PRISE), que forçam mudanças nas práticas dos

professores. O relato do professor Édson é revelador desse fato.

27 PSS - Processo Seletivo Seriado – que substitui o antigo vestibular como meio de acesso às vagas nos cursos da UFPa.

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Eu confesso que o que mudou na minha prática na sala de aula foram os programas que o vestibular adotou e não que o PCN adotou. Como o vestibular adotou uma nova maneira agora, uma parte subjetiva, o trabalho de interdisciplinaridade, então é em cima disso que eu estou trabalhando, mas mais porque a comissão do vestibular passou do que o PCN tava mandando fazer.

Estas falas são reveladoras, pois confirmam o já sabido, as mudanças no

cotidiano das práticas docentes não vêm por decreto. Apesar da Lei de Diretrizes e

Bases da Educação Nacional (lei 9.394/96) traçar um novo perfil para o ensinn

médio, na perspectiva de retirar o seu perfil academicista e conteudístico, (aspecto

reforçado nos PCNEM e nas DCNEM), concordo com Carneiro (0998) quando

afirma que o caráter propedêutico do ensino médio é uma herança que vai continuar

certamente por um bom tempo. Os depoimentos dos professores sinalizam que a

preparação para o vestibular continua sendo a principal finalidade do ensino médio.

É em decorrência desse fato que Abramovay (2003, p. 173) afirma que os objetivos

do ensino médio só serão conhecidos quando o vestibular deixar de exercer a

influência que tem na determinação de como esse estudo deve ser realizado nas

escolas. Na mesma direção, Bueno (2002, p. 193) argumenta que independente do

novo discurso político intensamente veiculado nas escolas, o exame vestibular

constitui ainda, a maior preocupação dos educadores.28

Em que pese o desabafo acerca das pressões sobre o trabalho do professor

de ciências (não só deles), estes professores não questionam a legitimidade desses

programas nem se rebelam contra a proposta curricular dos PCNEM, tampouco sobre

as múltiplas pressões do trabalho docente. Ao contrário, mantêm uma postura de

subserviência a estas pressões expressas na frase que exigência nós vamos atender?

Apenas uma professora foi taxativa em sua afirmação: Eu não me preocupo: eu

tenho que cumprir o programa cem por cento. Não! Eu prefiro que os alunos...

aprendam, levem adiante... (Profª Joelma).

28 Uma pesquisa realizada pelo MEC em parceria com a UNESCO demonstrou que a preparação para o vestibular é a principal finalidade do ensino médio, seguida da preparação para o mercado de trabalho, o que leva os professores a optarem pelo conteúdo exigido no processo seletivo, fato que reduz o caráter crítico e humanístico dos conteúdos ministrados (ABRAMOVAY, 2003)

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Embora os professores reconheçam em seus discursos algumas das mudanças

preconizadas nos documentos oficiais, e evidenciem seus aspectos positivos, alguns

destes professores manifestam-se céticos quanto à mudança do ensino médio serem

traduzidas em ações concretas, o que indica que as proposições oficiais fazem parte

do ideário dos professores, mas não de suas práticas.

Mudanças no ensino médio? Mudança que a gente vê que tem muito é na teoria, mas na prática... (Profª Siane) (...) mudanças que nós olhamos pra trás e eram as mesmas que se usavam? Se o professor realmente verificar tudo é a mesma coisa. Antigamente você fazia objetivo, hoje não é mais objetivo, já é habilidade, mas é a mesma coisa. (profª Carmem).

O professor Roberto não desconsidera a possibilidade de que haja mudanças

no ensino médio nos termos preconizados nos PCN e nas diretrizes curriculares, mas

especula que essa mudança seja muito incipiente e que, portanto, não pode ser

generalizada de modo a atingir as escolas e as práticas docentes como um todo.

Na minha visão isso acontece de forma, vamos supor, muito pontual. Muito pontual. O discurso é feito, certo? Agora, a prática (...) é outra questão. Na minha visão existem algumas escolas fazendo esse trabalho, existem alguns colegas desenvolvendo esse trabalho, eu até concordo, corroboro que seja feito dessa forma (...). Mas existem o que? Existem ensaios. Na minha visão existem ensaios, alguns professores acham que estão fazendo isso.

As questões evidenciadas nos depoimentos dos professores são um claro

indício de que mudanças curriculares não ocorrem apenas por força de prescrições

oficiais, que, por si só, não garantem a implementação das mudanças. É o que

reconhece Stajn (2002) apud Abramovay (2003, p.239)

Um documento curricular só existe enquanto reforma na hora em que é implementado na sala de aula. O documento, por si só, não garante modificações nas práticas docentes, e mais ainda, não garante que possíveis modificações serão na direção desejada.

Os resultados dessa pesquisa sinalizam que, pelo menos na prática dos

professores de ciências entrevistados, há um longo caminho a percorrer para que as

prescrições oficiais se concretizem nas escolas de ensino médio. É o que acontece

com a questão da interdisciplinaridade e da contextualização como novos princípios

desse nível de ensino, elementos que abordarei no próximo capítulo.

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3- SOBRE A INTERDISCIPLINARIDADE: entre o discurso oficial e a prática

dos professores de ciências

A interdisciplinaridade aparece no texto das diretrizes e dos Parâmetros

Curriculares Nacionais, ao lado da contextualização, como eixo integrador do novo

ensino médio, na perspectiva de tornar significativos e menos fragmentados os

conteúdos ensinados. Esta proposta de educação, como vimos anteriormente, deriva

das novas configurações do conhecimento na sociedade contemporânea, e, portanto,

das demandas sociais e políticas para a escola num contexto de transformação.

Advoga-se, hoje, a necessidade de formar um profissional capaz de enfrentar os

desafios mais urgentes da sociedade contemporânea, principalmente os desafios

postos pelo mundo do trabalho. (PIERSON & NEVES, 2001). Nesse contexto, o

ensino compartimentalizado, caracterizado pelo tratamento estanque dos conteúdos,

deixa de fazer sentido. Assim, a nova proposta de reformulação curricular pretende a

superação dessa forma de abordar o conhecimento.

A tendência atual, em todos os níveis de ensino, é analisar a realidade segmentada, sem desenvolver a compreensão dos múltiplos conhecimentos que se interpenetram e conformam determinados fenômenos. Para essa visão fragmentada contribui o enfoque meramente disciplinar que, na nova proposta de reforma curricular, pretendemos superado pela perspectiva interdisciplinar e pela contextualização dos conhecimentos. (BRASIL, 1999, p 34).

Autores que discutem essa temática (JAPIASSU, 1976; FAZENDA, 1979;

1994; 1999; VEIGA-NETO, 2002; LÜCK, 1994; MORIN, 2002, entre outros)

reconhecem que o interesse pela interdisciplinaridade não é recente no campo

educacional, mas em função das novas demandas impostas à educação no contexto

atual, decorrente da complexidade de um mundo cada vez mais globalizado, a defesa

da perspectiva interdisciplinar ganha nova força no discurso educacional.

Nesse sentido, diferentes vozes em diferentes contextos reconhecem que a

crescente complexificação da realidade impõe novas exigências para o campo do

conhecimento. Morin (2002) destaca que um dos desafios lançados pelo século XXI

é o confronto com os problemas e desafios da complexidade, para o qual a nossa

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formação pautada num ensino disciplinar não nos prepara adequadamente. Na

mesma direção, Lück (1994, p.19), argumenta que chegamos ao final do século,

reconhecendo que nos defrontamos com um universo cultural extremamente rico e

complexo, e que somos incapazes de compreende-lo todo. Essa incapacidade de

compreender os fatos na perspectiva da totalidade deriva do conhecimento

fragmentado e especializado produzido pela ciência moderna a que tivemos/temos

acesso ao longo da nossa formação escolar e universitária, caracterizada, segundo

Morin (2002), pela separação dos objetos de seu contexto e das disciplinas umas das

outras, o que dificulta a compreensão abrangente dos fenômenos estudados.

De modo geral, a tônica dos discursos em defesa da interdisciplinaridade

deriva da crescente complexidade do mundo em que vivemos, que leva à busca da

unidade perdida pela especialização. Apesar do reconhecimento de que esta foi

importante para o desenvolvimento das ciências, pois possibilitou grande produção

de conhecimento e tecnologia, esses ganhos acarretaram prejuízos por dificultar a

visão global da realidade (LÜCK, 2004). Por essa razão, tudo o que concorre para a

obtenção do conhecimento fragmentado, parcializado e atomizado, passou a ser alvo

de críticas. O currículo baseado na estrutura disciplinar, herança da modernidade,

constitui um desses alvos. Nas palavras de Veiga-Neto (2002, p.152)

O currículo foi um dos mais poderosos artefatos que se valeu a modernidade para impor uma certa ordem no mundo, uma ordem feita de compartimentações hierarquizadas, presenças e ausências, vozes e silêncios (... ) Ao fazer das disciplinas o elemento-chave para se constituir o ordenador da escola moderna, o currículo tanto escondeu o caráter contingente da disciplinaridade, quanto – ao mesmo tempo e por isso mesmo – a impôs como se o próprio mundo tivesse uma ‘estrutura de fundo’ disciplinar, daí ela passou a funcionar como se fosse a única forma possível de se compreender verdadeiramente o mundo e como a melhor forma de se relacionar com ele e estar nele

De fato, a disciplinaridade deriva do postulado positivista, cujas

características constituem o que conhecemos como paradigma da ciência moderna,

que nasceu e se desenvolveu a partir da compreensão do universo como sistema

mecânico composto de unidades materiais elementares, passível de ser conhecido

pela decomposição de suas partes e pela especialização dos seus investigadores.

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Para Santos (1989, p.34), no paradigma da ciência moderna, a redução da

complexidade é vista como necessária para a rigorosidade do conhecimento. Nesse

sentido, afirma:

Na ciência moderna o conhecimento avança pela especialização. O conhecimento é tanto mais rigoroso quanto mais restrito é o objeto sobre o qual incide. Nisso reside, aliás, o que hoje se reconhece ser o dilema básico da ciência moderna; o seu rigor aumenta na proporção direta da arbritariedade em que espartilha o real. Sendo um conhecimento disciplinar, tende a ser um conhecimento disciplinado, isto é, segrega uma organização do saber orientada para policiar as fronteiras entre as disciplinas e reprimir os que a quiserem transpor. (SANTOS, 1988, p. 64)

A tendência à disciplinaridade foi estimulada pela necessidade da formação

especializada, através de uma pedagogia calcada na concepção moderna de ciência –

a pedagogia taylorista-fordista. Essa tendência, como vimos, vem sendo alvo de

críticas contundentes, pois produz uma racionalidade fragmentadora. Para Morin

(2002, p.17) a inteligência que separa é míope, daltônica e vesga, termina a maior

parte das vezes por ser cega, posto que elimina as possibilidades de compreensão e

reflexão numa perspectiva multidimensional. Para Santos (1988, p. 64), a excessiva

parcelização e disciplinarização do saber científico faz do cientista um ignorante

especializado.

Dessa percepção decorrem os argumentos em favor da integração curricular

na perspectiva de colocar em funcionamento novas geometrias para o

currículo.(VEIGA-NETO, 2002, p.153). Nessa ótica, o currículo integrado constitui

o foco da mudança do ensino médio, justificado pelas mudanças nos processos de

trabalho e pela organização do conhecimento no mundo globalizado, que para Lopes

(2002a, p. 97) é entendido como cada vez mais interligado, exigindo constante e

crescente inter-relação de saberes para sua compreensão.

Antes, porém, de adentrar na discussão sobre a proposta de

interdisciplinaridade nos documentos oficiais e nos discursos dos professores de

ciências, é necessário fazer uma rápida incursão pelo vasto e complexo terreno da

interdisciplinaridade, na perspectiva de apresentar algumas concepções acerca dessa

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temática, visto que a polissemia do termo não permite uma concepção fechada,

única, tampouco, verdadeira de interdisciplinaridade. Em virtude disso, não pretendo

fazer um resgate abrangente das diversas concepções existentes sobre

interdisciplinaridade, pois essa tarefa foge aos objetivos desse texto. Minha intenção

é mostrar alguns dos sentidos ou significados atribuídos ao termo e assumidos pelos

autores que vêm discutindo essa temática.

3.1- Interdisciplinaridade: em busca de seu(s) significado(s)

Quanto ao termo interdisciplinar, devemos reconhecer que este não possui ainda um sentido epistemológico único e estável. Trata-se de um neologismo cuja significação nem sempre é a mesma e cujo papel nem sempre é compreendido da mesma forma. (JAPIASSU, 1976, p.72)

A percepção evidenciada por Japiassu (1976), um dos primeiros

pesquisadores brasileiros a abordar o complexo tema da interdisciplinaridade29,

continua bastante atual. De fato, a literatura que trata dessa temática apresenta

acaloradas discussões que revelam controvérsias, contradições e ambigüidades

acerca dos vários sentidos que têm sido atribuídos à interdisciplinaridade desde que

esta passou a fazer parte do discurso educacional.

Para Veiga-Neto (s/d), a discussão sobre interdisciplinaridade, na literatura

educacional brasileira, se formou a partir de dois eixos: um eixo de fundamentação,

articulado a um discurso filosófico (epistemológico) e um eixo de desenvolvimento,

anunciado pelo discurso filosófico, mas que se expande num discurso pedagógico de

cunho prescritivo. Articulado ao primeiro eixo, encontra-se o pensamento de

Japiassu (1976) expresso na obra Interdisciplinaridade e Patologia do saber, e ao

segundo eixo, a obra de Fazenda (1979) integração e interdisciplinaridade no ensino

brasileiro: efetividade ou ideologia, sobre a qual comentarei após apresentar a

concepção de interdisciplinaridade assumida por Japissu (1976).

29 Na obra Interdisciplinaridade e Patologia do saber (1976), o autor apresenta os principais problemas que envolvem a interdisciplinaridade, as conceituações até então existentes e faz uma reflexão sobre a metodologia interdisciplinar, baseado nas experiências realizadas até então.

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Para Japiassu, com o advento da ciência moderna o conhecimento passou por

um profundo processo de esfacelamento em função da multiplicação crescente das

ciências, cujo desenvolvimento se fez às custas da especialização, de modo que para

conhecer cada vez mais determinado fenômeno, o cientista precisou restringir seu

objeto de estudo a dimensões cada vez menores30. Esse fato ocasionou a

diversificação das disciplinas provocando um hiato entre elas e a realidade, além de

pôr fim às esperanças da busca pelo saber unitário. Nas palavras de Gusdorf (1976,

p.15)

A “túnica inconsútil” da unidade do saber dissociou-se me parcelas cada vez mais diminutas. A ciência em migalhas de nossa época não passa de reflexo de uma consciência esmigalhada, incapaz de formar uma imagem de conjunto do mundo atual. Donde o desequilibro ontológico de que padece nossa civilização. (destaque no original).

Diante do estado patológico em que se encontra o saber, decorrente do

predomínio das especializações, consideradas por Japiassu (1976) como verdadeiras

cancerizações epistemológicas (p.48), impõe-se a exigência da interdisciplinaridade,

cujo apelo se apresenta como o remédio mais adequado à patologia geral do saber

(p.31), doença que contagia o homem e a própria civilização. A interdisciplinaridade

viria como um remédio para este mundo doente, para um mundo cuja harmonia se

perdeu.31 Para esse autor, a interdisciplinaridade apresenta-se sob a forma de um

tríplice protesto:

a) Contra um saber fragmentado, em migalhas, pulverizado numa multiplicidade crescente de especialidades, em que cada um se fecha como que para fugir ao verdadeiro conhecimento;

b) Contra o divórcio crescente, ou esquizofrenia intelectual, entre uma universidade cada vez mais compartimentalizada, dividida, subdividida, setorizada e subsetorizada, e a sociedade em sua realidade dinâmica e concreta, onde a “verdadeira vida” sempre é percebida como um todo complexo e indissociável. (...)

c) Contra o conformismo das situações adquiridas e das “idéias recebidas” ou impostas. (JAPIASSU, 1976, p.43).

30 Japiassu (1976) usa a expressão cunhada por G. K. Chesterton, segundo a qual o especialista converteu-se neste homem que, à força de conhecer mais sobre um objeto cada vez menos extenso, acaba por saber tudo sobre o nada. 31 Veiga-Neto (s/d), Jantsch e Bianchett (1995), Etges (1995) procuram desconstruir essa concepção idealista em defesa da interdisciplinaridade, conforme abordarei a seguir.

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A esses protestos, somam-se outras motivações e justificações em defesa da

interdisciplinaridade. No entanto, é preciso ressaltar que o enfoque dado por Japiassu

ao tema, relaciona-se ao desenvolvimento da pesquisa32. O autor deixa claro esse fato

quando afirma que a interdisciplinaridade reivindica as características de uma

categoria científica, dizendo respeito à pesquisa (p. 51 – destaques no original).

Antes de definir o termo em questão, Japiassu (1976) define os conceitos vizinhos

que são considerados etapas para se chegar à abordagem interdisciplinar, quais

sejam: disciplinaridade, multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, além da

transdisciplinaridade, que o autor considera etapa superior da interdisciplinaridade.

Para este autor, disciplinaridade significa uma progressiva exploração

científica especializada numa certa área ou domínio homogêneo de estudo (p.61),

termo mais empregado para designar o ensino de uma ciência, ou seja, o conjunto

sistemático e organizado de conhecimentos que apresentam características próprias

nos planos de ensino, da formação, dos métodos e das matérias (p. 72). Os termos

multidisciplinaridade e pluridisciplinaridade têm sua definição baseada nos trabalhos

de Jantsch (1972) apud Japiassu (1976)33, nos seguintes termos: o primeiro significa

gama de disciplinas que são propostas simultaneamente, mas desprovidas de relações

entre elas (por exemplo: música + matemática + história). O segundo significa a

justaposição de diversas disciplinas situadas geralmente no mesmo nível hierárquico

e agrupadas de modo a fazer aparecer a relação existente entre elas (p.73). Trata-se

de disciplinas mais ou menos vizinhas nos domínio do conhecimento (por exemplo: a

física + a química + a biologia no domínio científico)

Para Japiassu (1976, p.72) esses dois níveis do interdisciplinar evocam

simples justaposição, num trabalho determinado dos recursos de várias disciplinas,

sem implicar necessariamente um trabalho de equipe e coordenado. No nível

multidisciplinar existem apenas trocas de informação entre duas ou mais

especialidades, sem que as disciplinas chamadas a contribuir para a solução de um

32 A discussão sobre interdisciplinaridade alcança o terreno pedagógico no pensamento de Fazenda (1979; 1994; 1999). 33 Fazenda (1979) apresenta outras definições baseadas em outros autores, o que evidencia que não existe consenso explicativo para esses termos.

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problema sejam modificadas ou enriquecidas. Em outros termos, esse nível consiste

em estudar um objeto sob diferentes ângulos, mas sem que tenha havido um acordo

prévio sobre os métodos a seguir ou sobre os conceitos a serem utilizados (p.73). O

mesmo ocorre com o nível pluridisciplinar, apesar de nesse haver alguma relação

entre as disciplinas, possibilitada por sua proximidade no domínio do conhecimento.

Feitas essas considerações, o autor começa a delinear sua concepção de

interdisciplinaridade, que, para ele, se caracteriza pela intensidade das trocas entre

os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas, no interior de um

projeto específico de pesquisa. (p.74 – grifos no original). Para esclarecer melhor a

distinção entre os níveis apresentados, Japiassu (1976, p.74) afirma:

A distinção entre as duas primeiras formas de colaboração e a terceira está em que o caráter do multi e do pluridisciplinar de uma pesquisa não implica outra coisa senão o apelo aos especialistas de duas ou mais disciplinas: basta que se justaponham os resultados de seus trabalhos, não havendo integração conceitual, metodológica, etc.. Por outro lado, podemos retomar essa distinção ao fixarmos as exigências do conhecimento interdisciplinar para além do simples monólogo de especialistas ou do “diálogo paralelo” entre dois dentre eles, pertencendo a disciplinas vizinhas. Ora, o espaço do interdisciplinar, quer dizer, seu verdadeiro horizonte epistemológico, não pode ser outro senão o campo unitário do conhecimento. (p.74) Numa primeira aproximação, o que vem a ser, afinal, o interdisciplinar? Passamos por graus sucessivos de cooperação e de coordenação crescentes antes de chegarmos ao grau próprio do interdisciplinar. Este pode ser caracterizado como o nível em que a colaboração entre as diversas disciplinas ou entre os setores heterogêneos de uma mesma ciência conduz a interações propriamente ditas, isto é, a uma certa reciprocidade nos intercâmbios, de tal forma que, no final do processo interativo, cada disciplina saia enriquecida. Podemos dizer que nos reconhecemos diante de um empreendimento interdisciplinar todas as vezes em que ele conseguir incorporar os resultados de várias especialidades, que tomar de empréstimo a outras disciplinas certos instrumentos e técnicas metodológicas, fazendo uso dos esquemas conceituais e das análises que se encontram nos diversos ramos do saber, a fim de faze-los integrarem e convergirem, depois de terem sido comparados e julgados. (p.75 – grifos do autor).

Portanto, evidencia-se, no pensamento de Japiassu uma concepção de

interdisciplinaridade constituída a partir de trocas recíprocas e enriquecimento mútuo

das disciplinas, sem supremacia de uma sobre as outras. Cada especialidade (ou

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disciplina) ao entrar no processo interativo, sai enriquecida, fato que resulta na

compreensão de um fenômeno nas suas múltiplas dimensões.

Vale ressaltar que no nível interdisciplinar o autor não defende a total

eliminação das fronteiras disciplinares34, pois essa seria uma última (e superior)

etapa da gradação esboçada pelo multi, pluri e interdisciplinar. Adotando a

concepção de Piaget (1972) apud Japiassu (1976, p.75), o transdisciplinar é assim

definido:

Enfim, a etapa de relações interdisciplinares podemos esperar que se suceda uma etapa superior, que não se contentaria em atingir interações ou reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas que situaria essas ligações no interior de um sistema total, sem fronteiras estabelecidas entre as disciplinas35.

Mas para que se efetive o domínio interdisciplinar o autor afirma que existem

alguns obstáculos – de ordem epistemológica, institucional, psicossociológicos,

culturais – que precisam ser transpostos, bem como algumas exigências que precisam

ser levadas em conta. E, em que pese a perspectiva teórica assumida por Japiassu ao

abordar a interdisciplinaridade, o autor faz menção à dimensão atitudinal do termo

quando afirma.

Em suma, a interdisciplinaridade não é apenas um conceito teórico. Cada vez mais parece impor-se como uma prática. Em primeiro lugar, aparece como uma prática individual: é fundamentalmente uma atitude de espírito, feita de curiosidade, de sentido da descoberta, de desejo de enriquecer-se com novos enfoques, de gosto pelas combinações de perspectivas e de convicção levando ao desejo de superar os caminhos já batidos. Enquanto prática individual, a interdisciplinaridade não pode ser apreendida, apenas exercida. Ela é fruto de um tratamento contínuo, de um afinamento sistemático das estruturas mentais. Em segundo lugar, a interdisciplinaridade aparece como prática coletiva. (JAPIASSU,1976, p.82)

34 Da mesma forma, Morin (2002) na defesa da reforma do pensamento em direção ao pensamento complexo, também investe contra a fragmentação do conhecimento e a disciplinarização excessiva, mas não defende a supressão das disciplinas. Segundo o autor, a reforma por ele idealizada tem por objetivo articular as disciplinas, religá-las, dar-lhes utilidade e valor. 35 Entretanto, Japiassu afirma que o próprio Piaget se apressa em precisar que se trata apenas de um sonho, de uma etapa previsível de associações, mais do que uma realidade já presente (p.76)

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Essa concepção de interdisciplinaridade, como categoria de ação e como

sinônimo de parceria, constitui a tônica do pensamento de Fazenda (1979)36, que situa

a discussão sobre o tema no terreno pedagógico, anunciada pelo discurso

epistemológico presente na obra de Japiassu (1976) que, nas palavras de Gusdorf37

(1976, p.27), propõe o esboço de tal epistemologia da esperança, que culmina na

proposição de uma nova pedagogia. Segundo Veiga-Neto (s/d), estavam aí dadas as

condições para que, num clima de busca de novas pedagogias para uma nova

sociedade (...), o discurso epistemológico chegasse ao campo pedagógico. No

prefácio da obra de Fazenda (1979), Japiassu tece críticas ao ensino universitário

baseado na epistemologia da dissociação e do esfacelamento do saber, que resulta na

compreensão de uma ciência alienada e propõe a necessidade de se repensar a

pedagogia das disciplinas científicas, se os educadores pretendem superar o

monólogo fastidioso de seu ensino e instaurar uma prática dialógica onde o metiér

de ensinar se converta na arte de fazer descobrir, de fazer compreender, de

possibilitar a compreensão (1979, p.16).

E, na perspectiva de promover a articulação entre o universo epistemológico e

o universo pedagógico, Fazenda (1979) procura identificar qual seria o valor, a

utilidade, a aplicabilidade da interdisciplinaridade no ensino, bem como seus

obstáculos e possibilidades de efetivação. Para a autora, é somente na troca, numa

atitude conjunta entre educadores e educandos visando um conhecer maior e melhor,

que a interdisciplinaridade no ensino ocorrerá como meio de conseguir uma

formação geral, como meio de atingir uma formação profissional, como incentivo à

formação de pesquisadores e pesquisas, como condição para uma educação

permanente, como superação da dicotomia ensino/pesquisa e como forma de

compreender e modificar o mundo.

36 A obra de Fazenda (1979), intitulada Integração e interdisciplinaridade no ensino brasileiro: efetividade ou ideologia constitui a segunda publicação sobre o tema da interdisciplinaridade no Brasil. Nesta obra, a autora busca estabelecer a construção de um conceito para a interdisciplinaridade, baseada no pensamento de Japiassu(1976) e de outros pesquisadores europeus que se dedicavam ao tema na década de 60. 37 Segundo Fazenda (1994), Geoge Gusdorf foi um dos principais precursores do movimento em prol da interdisciplinaridade na década de 70.

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Como vimos, uma das principais fontes na qual Fazenda se inspira para

definir sua concepção de interdisciplinaridade, é a obra de Japiassu (1976), de modo

que há uma semelhança entre as duas concepções. Para a autora,

interdisciplinaridade é um termo utilizado para caracterizar a colaboração entre

disciplinas diversas ou entre setores heterogêneos de uma mesma ciência (...).

caracteriza-se por uma intensa reciprocidade nas trocas, visando um

enriquecimento mútuo. (FAZENDA, 1979, p.41). Nessa perspectiva, o pensar e o

agir interdisciplinar partem do princípio de que nenhuma fonte de conhecimento é,

em si mesma, completa. Daí a necessidade da interação, do diálogo entre as diversas

especialidades do conhecimento.

Entretanto, a mesma autora afirma que interdisciplinaridade não é categoria

de conhecimento, mas de ação (FAZENDA, 1994, p,28). Baseada nessa

compreensão menciona várias vezes que a interdisciplinaridade depende basicamente

de uma atitude, de uma mudança de postura em relação ao conhecimento, uma

substituição da concepção fragmentária para a unidade do ser humano (p.40). É

bastante evidente a ênfase dada ao sujeito para que se promova uma transformação

no conhecimento.

(...) Pois interdisciplinaridade não se ensina, nem se aprende, apenas vive-se, exerce-se. Interdisciplinaridade exige um engajamento pessoal de cada um. Todo indivíduo engajado nesse processo será o aprendiz, mas, na medida em que familiarizar-se com as técnicas e quesitos básicos, o criador de novas estruturas, novos conteúdos, novos métodos, será motor de transformação. (FAZENDA, 1979, P.56)

Interdisciplinaridade é uma nova atitude diante da questão do conhecimento, de abertura à compreensão de aspectos ocultos do ato de aprender e dos aparentemente expressos, colocando-os em questão (FAZENDA, 2002, p.11)

Fazenda (1994; 1999) enfatiza ainda a importância da parceria para o melhor

enriquecimento e aproveitamento do trabalho interdisciplinar. Nessa perspectiva,

afirma que próprio também do movimento interdisciplinar é o estabelecimento de

novas e melhores parcerias – o conhecimento interdisciplinar quando reduzido a ele

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mesmo empobrece-se, quando socializado adquire mil formas inesperadas.

(FAZENDA, 1994, p.12).

Em decorrência da ampla circulação e aceitação da produção teórica dos

autores acima apresentados, a concepção de interdisciplinaridade por eles

preconizada é predominante no campo educacional brasileiro, mas alguns autores

(VEIGA-NETO, s/d; JANTSCH e BIANCHETT, 1995; 1995b; ETGES, 1995; entre

outros) têm procurado desconstruir a concepção reinante sobre o tema, apresentando

alguns de seus limites e equívocos. Os autores mencionados denominam a concepção

hegemônica da interdisciplinaridade de “filosofia do sujeito”38, que se caracteriza por

privilegiar a ação do sujeito sobre o objeto, de modo a tornar o sujeito um absoluto

na construção do conhecimento e do pensamento. (JANTSCH e BIANCHETT,

1995, p.23).

Destaca-se, nessa perspectiva, a autonomia do sujeito, em detrimento das

condições objetivas que envolvem o processo de construção do conhecimento, o que

leva os autores a destacarem o caráter a-histórico da filosofia do sujeito, que tende

também a atribuir a salvação da ciência nos trabalhos em equipe ou em “parceria”,

como se as outras iniciativas estivessem condenadas a priori (p.12). Opondo-se a

essa compreensão, Jantsch e Bianchet (1995, p.12) apresentam o seguinte argumento:

Não é, a nosso ver, um trabalho em equipe ou em “parceria” que superará a redução subjetivista própria da filosofia do sujeito. Isto posto, podemos dizer, também, que a “interdisciplinaridade” da “parceria”, ao contrário do que supõem os que se orientam pela filosofia do sujeito, não abarca, ordena e totaliza a realidade supostamente confusa do mundo científico. Ou seja, a fórmula simples do somatório de individualidades ou de “sujeitos” pensantes (indivíduos) – que não apreende a complexidade do problema/objeto – não é milagrosa nem redentora. Muito menos será o “ato de vontade” que leva um sujeito pensante a aderir a um “projeto em parceria. (destaques no original)

Na perspectiva de contribuir para a superação da hegemonia da filosofia do

sujeito nas discussões sobre interdisciplinaridade, Jantsch e Bianchet (1995) lançam

mão do que eles chamam de concepção histórica da interdisciplinaridade, que

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segundo os autores, implica a constituição do objeto e a compreensão do mesmo,

aceitando-se, com isso, a tensão entre o sujeito pensante e as condições objetivas

(materialidade) para o pensamento (p. 12), no sentido de emprestar uma conotação

científica ao termo. É o que fica claro na assertiva abaixo.

Não se trata de destruir a interdisciplinaridade – historicamente construída e necessária – mas de lhe emprestar uma configuração efetivamente científica, que, a nosso ver, seria possível por uma adequada utilização da concepção histórica da realidade. Queremos afirmar também que, contrariamente à visão da interdisciplinaridade assentada na parceria, afirmamos que a questão a ser hoje levantada não é a parceria sim ou não, mas, quando e em que condições, uma vez que a fórmula (da filosofia do sujeito) parceria = interdisciplinaridade = redenção do pensamento e conhecimento não se sustenta. (JANTSCH & BIANCHETT, 1995, p.18)

Na concepção dos autores, tanto a disciplinaridade quanto a

interdisciplinaridade são imposições históricas, sendo, portanto, filhas do tempo

(uma construção humana necessária), e nesse sentido, falar hoje da necessidade da

interdisciplinaridade já não depende mais da decisão do sujeito (individual ou de um

grupo de indivíduos): é uma imposição do momento atual. (p. 21). Para os autores

em foco, o processo de fragmentação do conhecimento ocorreu paralelo ao processo

de fragmentação do trabalho. Da mesma forma, o taylorismo (a ciência da divisão do

trabalho) e o fordismo (a ciência da produção em série), não ocorreram de forma

gratuita ou descontextualizada, eles são um modo de viver o trabalho e o

conhecimento possível pela materialidade histórica posta/construída. (p.196). Por

esse motivo, segundo os autores, não se justifica qualquer lamentação pela unidade

perdida. Uma atitude destas revelaria um olhar para trás e não no sentido da

história (JANTSCH e BIANCHET, 1995a, p.196).

Nesse sentido, os autores citados perguntam se o apelo pela

interdisciplinaridade no contexto atual não seria, pelo menos em parte, uma

imposição da atual materialidade histórica? E explicitam essa questão:

Parece-nos que a tecnologia já construída, se por um lado (potencialmente) torna possível a dispensa de um trabalho manual, por outro lado põe a necessidade de superação do trabalho e do conhecimento fragmentados.

38 Essa concepção, como vimos, predomina principalmente na produção de Fazenda (1979; 1994; 1999; entre outras).

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Possibilita-se, assim, a nosso ver, o conceito marxista de homem omnilateral. E para confirmar a suspeita do “parece-nos”, vemos hoje o grande capital demandar sistematicamente trabalhadores menos parciais. O trabalhador parcial, superespecializado, está perdendo espaço para aquele capaz de projetar, executar e avaliar. (JANTSCH e BIANCHET, 1995a, p.196)

Com base nessa compreensão, os autores enunciam sua concepção de

interdisciplinaridade, baseada em Seibeneichler (1989), apud Jantsch e Bianchet

(1995a, p197), nos seguintes termos:

Ela (a interdisciplinaridade) é antes de tudo uma perspectiva e uma exigência que se coloca no âmbito de um determinado tipo de processo. Ela tem basicamente a ver com a procura de um equilíbrio entre a análise fragmentada e a síntese simplificadora. Entre a especialização e saber geral, entre o saber especializado do cientista, do expert e o saber do filósofo.

Percebo, nessa concepção, uma certa aproximação com o paradigma da

complexidade defendido por Morin (2002), que permita tanto a separação e a

disjunção do conhecimento científico, quanto a comunicação desses conhecimentos

entre si, sem operar a disjunção. Nas palavras de Morin (p.53) torna-se necessário

um paradigma da complexidade que, ao mesmo tempo disjunte e associe, que

conceba os níveis de emergência da realidade sem reduzi-los às unidades

elementares e às leis gerais. Nessa perspectiva, é imperiosa a formação de um

pensamento que consiga vislumbrar/distinguir a parte no todo e o todo nas partes.

Baseado na compreensão da interdisciplinaridade para além da filosofia do

sujeito39, Frigotto (1995) reconhece a problemática da interdisciplinaridade como

uma necessidade (algo que se impõe historicamente) e como problema (algo que se

impõe como desafio a ser decifrado). Segundo esse autor,

A necessidade da interdisciplinaridade na produção do conhecimento científico funda-se no caráter dialético da realidade social que é, ao mesmo tempo, uma e diversa e na natureza intersubjetiva de sua compreensão.o caráter uno e diverso da realidade social nos impõe distinguir os limites reais dos sujeitos que investigam os limites do objeto investigado.

39 Esse é o título da obra que reúne artigos produzidos por autores que se contrapõem à concepção de interdisciplinaridade defendida por Fazenda.

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Delimitar um objeto para a investigação não é fragmentá-lo, ou limitá-lo arbritariamente. (FRIGOTTO, 1995, p.27).

Nessa perspectiva, mesmo que, no processo de construção do conhecimento

se imponha a necessidade da delimitação de um determinado problema, isso não

significa o abandono das múltiplas dimensões que lhes são constituintes. Para o

autor, mesmo delimitado, um fato teima em não perder o tecido da totalidade de que

faz parte indissociável.

Quanto à abordagem da interdisciplinaridade como problema, Frigotto (1995)

situa essa discussão em dois eixos: de um lado pelos limites do sujeito que busca

construir o conhecimento de uma determinada realidade, de outro, pela

complexidade desta realidade em seu caráter histórico (p.31). Os limites do sujeito

se apresentam no plano da formação, bem como limites físicos e de tempo. No

âmbito do caráter histórico, os limites se apresentam uma vez que a produção e a

divulgação do conhecimento não se faz alheia aos conflitos, antagonismos e relações

que se estabelecem entre as classes ou grupos sociais. (p. 36).

Com relação aos desafios da interdisciplinaridade na pesquisa e na ação

pedagógica, Frigotto (1995, p. 45) afirma: se no campo da produção científica os

desafios ao trabalho interdisciplinar são grandes, quando passamos para o

cotidiano do trabalho pedagógico percebemos que estamos diante de limites

cruciais. E reconhece o principal limite que dificulta (ou impede) o trabalho

interdisciplinar:

O limite mais sério para a prática do trabalho pedagógico interdisciplinar, situa-se na dominância de uma formação fragmentária, positivista e metafísica do educador e de outra nas condições de trabalho (divisão e organização) a que está submetido. (...) O especialismo na formação e o pragmatismo e o ativismo que impera no trabalho pedagógico constituem em resultado e reforço da formação fragmentária e das forças que obstaculizam o trabalho interdisciplinar. (p. 46)

Como podemos perceber, a discussão sobre a interdisciplinaridade é bastante

complexa, pois envolve tanto a dimensão de sua possibilidade quanto a de seus

limites e desafios. Tendo em vista essa questão, passarei a discutir aspectos da

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reforma do ensino médio, no que diz respeito ao currículo integrado, com a intenção

de perceber de que forma a interdisciplinaridade é compreendida no texto das

Diretrizes e nos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio.

3.2- A interdisciplinaridade no discurso oficial e na prática dos professores de

ciências: oposição ou convergência?

Uma primeira observação necessária para a discussão do tema em questão é

que, se na literatura educacional a finalidade do trabalho interdisciplinar é, entre

outras coisas, possibilitar a compreensão do conhecimento nas suas múltiplas

dimensões, o destaque conferido ao tema nos documentos da reforma não visa

necessariamente a estas mesmas finalidades. Nestes documentos, evidencia-se a

necessidade do currículo integrado (pautado na interdisciplinaridade e na

contextualização) para formação de habilidades e competências necessárias aos

processos produtivos, como forma de atender a reconfiguração das concepções de

trabalho, de espaço e de tempo nesses processos.40 É o que expressa o parecer

CEB/CNE nº 15/98.

A facilidade de acessar, selecionar e processar informações está permitindo descobrir novas fronteiras do conhecimento, nas quais este se revela cada vez mais integrado. Integradas são também as competências e habilidades requeridas por uma organização da produção na qual criatividade, autonomia e capacidade de solucionar problemas serão cada vez mais importantes, comparadas à repetição de tarefas rotineiras. E mais do que nunca, há um forte anseio de inclusão e de integração sociais como antídoto à ameaça de fragmentação e segmentação. (...)

Inicia-se, assim, em meados dos anos 80 e primeira metade dos anos 90 um processo, ainda em curso, de revisão das funções tradicionalmente duais da escola secundária, buscando um perfil de formação do aluno mais condizente com as características da produção pós-industrial. O esforço de reforma teve como forte motivação inicial as mudanças econômicas e tecnológicas. (BRASIL, 1999, p.71)

Nos documentos da reforma, são recorrentes os argumentos em favor da

interdisciplinaridade para a promoção de uma aprendizagem motivadora, em que os

40 Para Lopes (2002a, p.103), o trabalho hoje é organizado de forma mais horizontal, de maneira que o trabalhador é co-responsável pelas atividades realizadas. As concepções de espaço e tempo também se modificam: há agregação de espaços e o tempo não é mais fixamente organizado, ampliando-se as jornadas de trabalho para além do horário e do espaço do emprego.

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conteúdos sejam abordados de modo a possibilitar a compreensão mais ampla da

realidade. O conceito de interdisciplinaridade é evidenciado no Art. 8º, Inc. I das

DCNEM:

A interdisciplinaridade, nas suas mais variadas formas partirá do princípio de que todo conhecimento mantém um diálogo permanente com outros conhecimentos, que pode ser de questionamento, de negação, de complementação, de ampliação, de iluminação de aspectos não distinguidos.

Essa compreensão de interdisciplinaridade é reforçada no texto dos

parâmetros, no qual aparece associada ao discurso disciplinar.

Na perspectiva escolar, a interdisciplinaridade não tem a pretensão de criar novas disciplinas ou saberes, mas de utilizar os conhecimentos de várias disciplinas para resolver um problema concreto ou compreender um determinado fenômeno sob diferentes pontos de vista. Em suma, a interdisciplinaridade tem uma função instrumental. Trata-se de recorrer a um saber diretamente útil e utilizável para responder às questões e aos problemas sociais contemporâneos. (BRASIL; 1999, p.34 – destaque meu).

Na proposta de reforma curricular do ensino médio, a interdisciplinaridade deve ser compreendida a partir de uma abordagem relacional, em que se propõe que, por meio da prática escolar, sejam estabelecidas interconexões e passagens entre os conhecimentos através de relações de complementaridade, convergência ou divergência. (p.36)

É possível perceber através dessa assertiva que o Parecer das diretrizes

silencia sobre a discussão epistemológica que envolve a interdisciplinaridade. Esta

não é abordada levando em conta a complexidade do conhecimento que é, por

natureza, interdisciplinar, mas que, por força das circunstâncias históricas, passou

por um processo de fragmentação e esfacelamento. Desta feita, para lidar com o

conhecimento nas suas múltiplas dimensões, não basta articular conhecimentos

(diga-se conteúdo) das várias disciplinas de modo a estabelecer passagens e

interconexões entre eles. É preciso problematizar o conhecimento científico,

abordando-o nas suas dimensões sociais, éticas, históricas, políticas, e outras que lhes

são constitutivas. É nesse sentido que Morin (2002) defende a reforma do

pensamento para gerar um pensamento do contexto e do complexo. Para esse autor:

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O pensamento contextual busca sempre a relação de inseparabilidade e as inter-retroações entre qualquer fenômeno e seu contexto, e deste com o contexto planetário. O complexo requer um pensamento que capte relações, inter-relações, implicações mútuas, fenômenos multidimensionais, realidades que são simultaneamente solidárias e conflitivas (...), que respeite a diversidade ao mesmo tempo que a unidade, um pensamento organizador que conceba a relações recíproca entre todas as partes. (MORIN, 2002, p. 19).

Como podemos perceber, não basta discutir a interdisciplinaridade a partir de

sua dimensão metodológica (como). Embora sem negar essa dimensão, concordo

com Frigotto (1995, p.26) quando afirma que:

A questão da interdisciplinaridade, ao contrário do que se tem enfatizado, especialmente no campo educacional, não é sobretudo uma questão de método de investigação e nem de técnica didática, ainda que se manifesta enfaticamente nesse plano. (...) a questão da interdisciplinaridade se apresenta como necessidade e como problema fundamentalmente no plano material histórico-cultural e no plano epistemológico.

Nesse sentido, Japiassu (1976, p.92) destaca a necessidade de transpormos o

obstáculo da elaboração de conceitos para dizer claramente de que falamos, aquilo

que fazemos e como o realizamos. Além da necessidade de interrogar-nos sobre a

finalidade e o porque do projeto interdisciplinar, é preciso sabermos sobre o quê ele

se interessa, de quê se ocupa, em conformidade com aquilo a que visa (destaques no

original). Em suma, essa problematização não pode ocorrer fora do campo

epistemológico. Dada essa complexidade, Japiassu (p.92) reconhece que o trabalho

verdadeiramente interdisciplinar é muito árduo e sua realização extremamente

difícil. Essa discussão é omitida no Parecer das diretrizes.

A concepção de interdisciplinaridade nos textos da reforma não cancela o

caráter disciplinar do conhecimento científico. Devido ao caráter de terminalidade do

ensino médio, objetiva-se por um lado, aprofundar os saberes disciplinares em

Biologia, Física, Química e Matemática e, por outro lado, promover a articulação

interdisciplinar entre esses saberes.

Da mesma forma, os autores que discutem/pesquisam essa temática

reconhecem que a prática interdisciplinar não nega as especialidades, mas respeita

cada território do conhecimento, trabalhando o conhecimento através de conexões

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recíprocas. (FAZENDA, 1979; 1994; 1999; MORIN, 2002). Nesse sentido, Lück

(1994, p.67) afirma que a interdisciplinaridade não consiste numa desvalorização

das disciplinas e do conhecimento produzido por elas. Embora estas produzam a

fragmentação dos conhecimentos, também oferecem os elementos, as idéias que são

utilizadas para construir um metaconhecimento (conhecimento do conhecimento).

Entretanto, as idéias de interdisciplinaridade predominam nos documentos da

reforma do ensino médio como possibilidade de relacionar disciplinas, sendo que

estas relações podem ser de complementaridade, convergência ou divergência

(Brasil; 1999, p.34), ou mesmo de mero diálogo entre as disciplinas. Dessa forma,

evidencia-se a ambigüidade do termo, que indica tanto a idéia de integração limitada

de idéias como de integração mais ampla. Nessa perspectiva, o documento expressa:

Nesta multiplicidade de interações e negações recíprocas, a relação entre as disciplinas tradicionais pode ir da simples comunicação de idéias até a integração mútua de conceitos diretores, da epistemologia, da terminologia, da metodologia e dos procedimentos de coleta e análise de dados. Ou pode efetuar-se, mais singelamente, pela constatação de como são diversas as formas de conhecer. (BRASIL; 1999, p.88)

Como podemos perceber, essa interação pode ir de um nível mais elementar

(da simples constatação de que existem várias maneiras de se conhecer um

fenômeno) até um nível mais profundo (no campo da epistemologia). Entretanto,

segundo Mello (1999), relatora das DCNEM, até o nível mais elementar da

interdisciplinaridade – a interdisciplinaridade singela – é importante para que os

alunos aprendam a olhar o mesmo objeto sob perspectivas diferentes.

Concordo com Rocha (2001) quando evidencia que o Parecer das diretrizes

silencia sobre a diversidade de concepções existentes no campo educacional sobre a

interdisciplinaridade. No texto dos PCNEM há apenas uma menção a essa questão,

quando se reconhece que a interdisciplinaridade tem uma variedade de sentidos e de

dimensões que podem se confundir, mas são todos importantes (p. 209). No entanto,

não há discussão sobre esses sentidos, tampouco sobre a complexidade que cincunda

a prática interdisciplinar, e os limites advindos da formação fragmentária e

positivista dos educadores.

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Não percebi nos PCNEM propostas metodológicas para o trabalho

interdisciplinar, mas apenas exemplos de interação entre os conhecimentos

científicos.

Uma compreensão atualizada do conceito de energia, dos modelos de átomo e de moléculas, por exemplo, não é algo “da Física”, pois é igualmente “da Química”, sendo também essencial à Biologia molecular, num exemplo de conceitos e modelos que transitam entre as disciplinas. A poluição ambiental, por sua vez, seja ela urbana ou rural, do solo, das águas ou do ar, não é algo só “biológico”, só “físico” ou só “químico”, pois o ambiente, poluído ou não, não cabe nas fronteiras de qualquer disciplina, exigindo, aliás, não somente as Ciências da Natureza, mas também as Ciências Humanas, se pretender que a problemática efetivamente sócio-ambiental possa ser mais adequadamente equacionada, num exemplo da interdisciplinaridade imposta pela temática real (BRASIL, 1999: 209)

Essa é mais uma evidência de que a interdisciplinaridade proposta nos

parâmetros tem uma finalidade instrumental. Segundo Etgs (1995) essa concepção

está inserida numa idéia de ciência denominada de razão instrumental, através da

qual, o esforço da racionalidade e da ação humana é reduzido a servir de meio para

um determinado fim visado pelo homem. Principalmente para atender interesses

práticos e imediatos. Nesse sentido, o autor afirma: Não é o conhecimento enquanto

estrutura que interessa, mas apenas seu funcionamento em vista de fins

subjetivamente e previamente postos. A ciência existe para resolver problemas

(p.67)41.

Para Etgs (1995) no caso da interdisciplinaridade instrumental a interação

ocorre de forma transitiva. Passa-se por outra disciplina de onde se aproveitam tais

ou quais elementos para constituir o fim que se tem em vista (...) Trata-se de mera

passagem, sem que se afetem os princípios ou a estrutura da referida disciplina.

(p.68)42. Para o autor é isso que ocorre quando pesquisadores de diversas disciplinas

se reúnem para formar uma equipe, objetivando um trabalho de cooperação, que

possibilite a incorporação de elementos das diferentes áreas do saber. Entretanto,

41 Reconheço que esta deve ser uma das finalidades da ciência, mas não a única. 42 O autor denomina essa passagem e trânsito entre as disciplinas de transdisciplinaridade. Entretanto, na concepção de Japiassu (1976) e de Morin (2002) a transdisciplinaridade seria a etapa superior da interdisciplinaridade, na qual as fronteiras disciplinares seriam dissipadas.

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esse caso evidencia a ação instrumental da interdisciplinaridade. É o que se percebe

no argumento de Etgs (p.69)

A simples incorporação de elementos de uma teoria em outra entra aí como informação, sem que os pressupostos teóricos e metodológicos desses diversos campos, inclusive da própria teoria que se utiliza, sejam questionados. O químico lança mão de dados da física, ou da biologia, não para ampliar seus conhecimentos, não para aprofundar os questionamentos, não para se interrogar sobre o seu próprio método, não para se refletir sobre os tipos de perguntas que se faz. Mas apenas para agir como um técnico que lança mão de diversos elementos com vistas a um objetivo que se propôs. (...) Isso é uma ação puramente instrumental, ou seja, uma execução meramente técnica, jamais uma atividade interdisciplinar.

A compreensão restrita da interdisciplinaridade como possibilidade de

relacionar conteúdos é a marca dos depoimentos dos professores entrevistados. Antes

de adentrar nessa discussão, importa ressaltar que esses depoimentos, de maneira

geral, não apresentam reações desfavoráveis ao enfoque interdisciplinar no ensino de

ciências. Os entrevistados reconhecem sua necessidade e conseguem perceber as

possibilidades de integração entre as áreas do conhecimento científico. O professor

Edson considera válida a experiência de estudar pela ‘mistura de disciplinas’. Com

certeza o aluno (...) fica muito mais bem preparado, fica com um conhecimento

muito maior. Os depoimentos que seguem confirmam a conotação positiva em favor

da interdisciplinaridade.

Para a gente poder trabalhar biologia em nível de ensino médio, para explicar os fenômenos biológicos, precisamos dos fenômenos químicos. Então a gente procura associar os fenômenos químicos aos acontecimentos biológicos quando se fala de ser vivo (...) procura trabalhar sempre em questão disso. A necessidade de eles entenderem isso é porque eles vão precisar desse conhecimento químico (...) de todo conhecimento de química para explicar os fenômenos biológicos (Profº Paulo) As ciências têm que trabalhar lado a lado. É necessário o professor mostrar para o aluno que ele não precisa só da Biologia, ele precisa também da matemática, da física, do português. O professor tem que conduzir a aula de maneira que o aluno tenha um ponto de vista, se não geral, mas pelo menos que ele tenha escutado algumas versões sobre o mesmo assunto. (Profº Carlos)

Para Lopes (2002a) nessa compreensão reside a conotação positiva da

reforma. Esse discurso inovador constitui o fator de legitimidade da política

curricular proposta, elaborada pela rejeição das práticas consideradas tradicionais

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predominantes no campo educacional. Desta feita, o discurso sobre o currículo

integrado é pouco sujeito a críticas, o que confere aos PCNEM maior legitimidade,

pois se apresenta relacionado à inovação pedagógica. Sendo assim, é um discurso

que atrai e congrega pessoas, confere caráter de atualidade e é pedagogicamente

defensável, facilmente promovendo consensos.(LOPES; 2002a, p.101).

Mesmo que os professores evidenciem que não estão alheios à problemática

do relacionamento entre as diversas áreas do conhecimento, isso não significa,

segundo Pierson & Neves (2001) que os indícios de aceitação a uma abordagem

interdisciplinar, presentes no discurso sejam suficientes para permitir uma mínima

sistematização de ações integradoras e carecem, portanto, de alguma

fundamentação43.

Nesse sentido, ao utilizar os termos conhecimento químico, fenômeno

biológico, os professores estão se referindo a conteúdos dessa disciplina, e não à

abordagem do conhecimento na sua complexidade. Ou seja, o fato de o professor

reconhecer que o aluno não precisa só de química, mas também do conhecimento

biológico, não significa que ele esteja partindo de uma compreensão da

complexidade do conhecimento, isso apenas evidencia a valorização dos conteúdos.

Às vezes, ao trabalhar um conteúdo, por exemplo, da Física, que também é abordado

na Matemática, mas que os alunos ainda não aprenderam, os professores dão “uma

pincelada” no assunto da Matemática para que os alunos compreendam o assunto da

física. Assim, os alunos percebem que esses assuntos estão relacionados. É o que fica

claro no depoimento da professora Siane:

Já aconteceu de eu estar dando aula e, dentro do assunto que eu estou trabalhando, por exemplo, Física, que envolve a matemática, às vezes envolve um pouco da Química, um pouco também da ciência que a gente vê na 8ª série. E aí num determinado momento o aluno disse: (...) Professora, eu não aprendi isso não. Porque tu não aprendeste? Esse assunto é lá da 6ª série e vocês não aprenderam? (...) Daí eu parei a minha aula e fui dar aula de matemática, fui fazer uma revisão. Essa semana aconteceu de novo lá na escola: eu estava dando uma aula de Física e falando sobre coseno, que é (um conteúdo) lá da matemática. O aluno disse: A professora de Matemática ainda não ensinou isso para nós, não! Aí

43 Essa questão será abordada no próximo ítem.

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eu disse: Olha, então eu vou dar uma pincelada aqui rapidinha para vocês (...). Eu expliquei mais ou menos para eles como era para fazer uma tabela.

Importa lembrar com Fazenda (1996) que a preocupação em relacionar

conteúdos não se configura como abordagem interdisciplinar, apesar de que o

depoimento acima deixa transparecer a inexistência até mesmo desse nível de

integração, na medida em que a professora comenta que pára a aula de física para dar

aula de matemática. Isso configura uma concepção excludente em que o “e” é

desvalorizado em detrimento do “ou”. Ou os alunos aprendem física, ou matemática,

ou biologia, mas não física, matemática e biologia de forma articulada e adquiram,

dessa forma, a compreensão do conhecimento científico, efetivamente em suas

múltiplas dimensões, articulado ainda às suas implicações sociais, éticas e políticas.

Portanto, a concepção de interdisciplinaridade evidenciada pelos

entrevistados é de integração de conteúdo, não de interação propriamente dita, de

modo a enriquecer o conhecimento das diferentes disciplinas que compõem o

currículo do ensino médio. Os professores percebem, por exemplo, que a Física

partilha alguns conteúdos com a Química, que por sua vez, partilha conteúdos com a

Biologia, o que evidencia uma visão de interdisciplinaridade restrita, reduzida ao seu

nível mais elementar que é a integração. Nesse sentido, é significativo o depoimento

da professora Carmem quando afirma:

Eu procuro fazer sempre dessa maneira. (...) Eu vou fazendo assim, no caso da Química, por exemplo, quando nós vamos falar sobre o mol, um assunto da Química, eu digo: “olha gente, tal assunto que eu dei em Física, mas vocês vão precisar em Química. Então vamos ver logo isso aqui, quando o professor falar”... Às vezes o aluno diz: O professor tal já falou”. “Então vocês já sabem”. Eu sempre costumo mostrar que esses assuntos, eles vão ver não só na Física. Eles estão ligados a outros assuntos.

Esse exemplo configura a interdisciplinaridade de ilustração, na qual o

conteúdo de uma determinada disciplina é trabalhado e o professor apenas ilustra

com exemplos a que outras disciplinas aquele conteúdo está relacionado. Essa

compreensão de ensino interdisciplinar se faz presente no depoimento de outros

entrevistados.

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A Física é muito rica em interação com as outras disciplinas, porque a Física mexe com átomo, mexe com partículas, e essa partícula e esse átomo vem da química. Então eu sempre digo: pessoal, o átomo lá da oitava série, o professor ensinou pra vocês em Química... Então a Física se relaciona com várias disciplinas mesmo.

De modo geral, a interdisciplinaridade que os professores de ciências

mencionam praticar, ou acham que estão fazendo, como lembra o professor Adriano,

apresenta-se circunscrita à área de Ciências da Natureza, Matemática e Biologia.

Apenas três professores mencionam a articulação dos conteúdos das disciplinas dessa

área, com as áreas de Linguagens e Ciências Humanas. Essa concepção está

relacionada ao que a relatora das Diretrizes chama de interdisciplinaridade singela,

cuja finalidade não é levar os alunos à compreensão do fenômeno na sua inter-

relação com as outras áreas do conhecimento, mas possibilitar que eles constatem

que um mesmo conteúdo pode ser visto e abordado a partir de vários enfoques.

Posso depreender a partir dos depoimentos destacados, que apesar dos

professores se posicionarem de forma favorável à proposta de interdisciplinaridade,

apresentando argumentos que evidenciam a sua importância, concordo com Silva

(1999) apud Pierson e Neves (2001, p. 3) quando afirma que esta consciência, para a

grande maioria dos docentes, não chega a configurar-se como uma problematização

da fragmentação, ou como uma tomada de posição interdisciplinar. Ela limita-se ao

reconhecimento de uma demanda natural da prática pedagógica por enfoques

integradores, do que a uma ação conscientemente elaborada nesta direção.

O discurso dos professores evidencia essa concepção quando comentam sobre

as estratégias utilizadas para desenvolver um trabalho interdisciplinar.

Eu acho que a forma melhor de se fazer isso é com leitura...geralmente, nos livros hoje, nos livros que são adotados, que a gente tem acesso, geralmente no final de cada tópico...tem uma parte de leitura de interdiciplinariedade, eu utilizo justamente nessa parte, a gente pede que o aluno faça um trabalho valendo um ponto, dois pontos, para que force ele ler pra ele ver que existe isso (Profº João)

Atividades de leitura e de pesquisa são importantes no processo de ensino e

de aprendizagem, mas por si só não garantem o alcance dos objetivos propostos.

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Precisam ser orientadas e bem conduzidas pelos professores. No caso da abordagem

interdisciplinar dos conteúdos, o auxílio dos docentes torna-se imprescindível, pois

se trata de uma abordagem nova para os alunos, não habitual ao seu processo de

aprendizagem. Para Pierson & Neves (2001), além de promover a aprendizagem dos

conteúdos, o objetivo do enfoque interdisciplinar no ensino de ciências (não apenas

nele), é possibilitar uma mudança de postura do aluno em relação ao conhecimento

científico, mas para que isso aconteça, essa mudança precisa ocorrer antes no

professor.

Os professores, de modo geral, não se referem à interdisciplinaridade como

uma prática complexa, cuja efetivação requer que se vença obstáculos internos ao

próprio sujeito, decorrentes de sua formação, marcadamente disciplinar.

Corroborando com essa constatação, Alves Filho et al (2001, p.1) afirma

que a dificuldade de trabalhar com projetos, metodologias ou técnicas

interdisciplinares em qualquer grau de ensino tem suas raízes na formação

disciplinar dos professores. A formação com forte predominância e valorização do

conteúdo se reflete em um ensino também disciplinar com eventuais relações ao

cotidiano e, mais raro ainda, com aspectos interativos às demais áreas do saber.

Esta tradição, apesar de não inviabilizar, limita a prática interdisciplinar nas escolas.

Para promover um ensino na perspectiva interdisciplinar é necessário superar

os hábitos consolidados nos cursos de formação de professores. É o que reconhece

Japiassu (1976, p.100)

Este trabalho não pode ser concebido sem uma modificação profunda dos hábitos pedagógicos. È por isso que a formação dos mestres, sobretudo dos futuros mestres do ensino superior, parece-nos a viga do novo edifício a ser construído. Trata-se de uma formação devendo associar teoria e prática e comportar um tratamento constante do trabalho interdisciplinar tanto no nível da pesquisa quanto no do ensino.

É nesse sentido que Morin (2002) propõe a reforma da instituição universitária,

atualmente repartida em compartimentos isolados, que separa os diversos domínios

do conhecimento, aliada à reforma dos educadores. Entretanto, para o autor essa

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concepção suscita um paradoxo, pois não se pode reformar a instituição se as mentes

não forem reformadas; mas só se pode reformar as mentes se a instituição for

previamente reformada. Existe aqui uma impossibilidade lógica, mas é desse tipo de

impossibilidade que a vida se nutre (p.20).

Contudo, não podemos esquecer que a instituição universitária não existe nela

mesma como uma entidade autônoma, mas é constituída por pessoas. Então, é

através das pessoas que o caminho da reforma pode ser aberto. A educação dos

educadores torna-se necessária nesse processo. E, ao mesmo tempo em que Morin

(2002, p.21) questiona sobre quem educará os educadores?, ele responde:

É necessário que se auto-eduquem e eduquem escutando as necessidades que o século exige, das quais os estudantes são portadores. É certo que a reforma se anunciará a partir de iniciativas marginais, por vezes julgadas aberrantes, mas caberá à própria universidade levá-la a cabo.

É necessário, portanto, a reforma da universidade para a mudança dos nossos

hábitos intelectuais, que se constituem um dos obstáculos que dificultam a prática da

interdisciplinaridade na escola. Entretanto, para transformar esses hábitos, é

necessário a transformação da concepção de ciência que norteia a prática docente e

os elementos constitutivos desta.

A professora Norma reconhece que o trabalho interdisciplinar requer o

diálogo com os professores das outras áreas do conhecimento, quando afirma: eu

penso que essa produção, essa tentativa, essa iniciativa não pode ser só de uma

disciplina. Em outro momento da entrevista, devido a falta de interação entre os

professores, acaba reconhecendo que a interdisciplinaridade não é uma prática

adotada nas escolas.

Olha, eu te confesso que não há essa interação. Os textos que nós trabalhamos tem assim, conhecimento de outras áreas, mas não há uma interação com o professor da outra disciplina, acaba sendo uma iniciativa do professor, eu acredito que dentro das outras disciplinas também não tem esse trabalho assim, coletivo e, acaba, eu posso dizer que nem acontece.

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Pierson & Neves (2001) reconhecem que a passagem do estado de não-

integração ao estado de intensa integração entre os conhecimentos é gradual e não

prescinde da colaboração entre os especialistas. Para tanto, estes têm que superar

obstáculos e enfrentar o desafio de lançar-se ao diálogo, à integração e às trocas

recíprocas. Apesar das limitações do sujeito nos seus aspectos internos e externos,

não posso desconsiderar a importância da ação do sujeito, tanto individual como

coletiva, em direção do trabalho interdisciplinar.

Para que se consiga implementar ações interdisciplinares nas escolas,

Fazenda (1979), apoiada em Japiassu (1976) aponta alguns obstáculos que precisam

ser transpostos: Obstáculos de ordem epistemológicos e institucionais, que

consistem na eliminação das barreiras entre as disciplinas; Obstáculos

psicossociológicos e culturais, que reside na falta de formação específica, a

acomodação à situação estabelecida e o medo de perder o prestígio pessoal que

impedem a montagem de uma equipe especializada que parta em busca de uma

linguagem comum. Obstáculos metodológicos, expressos na necessidade de rever

formas de desenvolvimento do conteúdo; obstáculos quanto à formação, que

consiste na necessidade de ao lado de uma formação teórica se estabelecer um

exercício constante no trabalho interdisciplinar, e obstáculos materiais, que reside

na necessidade do planejamento de espaço e tempo, bem como de uma previsão

orçamentária adequada.

Destes obstáculos, os professores destacaram os de ordem material.

As dificuldades... o tempo para nós promovermos essas reuniões, até porque a própria estrutura da escola pública, que você conhece. Professor tem que estar aqui, tem que estar ali ... então, é difícil você conseguir um encontro... a não ser no planejamento, e acabamos fazendo um planejamento que reúne o grupo de biologia, o grupo de física, o grupo de química e, não há um entrosamento, que seria o único momento assim que estaríamos disponíveis pra estar planejando, acabamos nos desviando disso. (Profª Norma)

O maior problema nosso, dos professores de química, eu acredito como o mais difícil é a questão tempo, que a gente até poderia apresentar uma coisa melhor. Mas a gente se sente obrigado a ter uma carga horária alta, e o nosso tempo pra você trabalhar à parte, fica muito resumido e a gente fica

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às vezes até sem estratégia por falta de tempo pra poder tocar mais nesse assunto. (Profº Paulo)

As dificuldades? Eu acho que é a falta de tempo pra pensar, de elaborar, de estudar... Na minha disciplina, nós temos dificuldades também, como eu disse, falta de material didático... (Profª Cláudia)

Embora não se constituindo o principal obstáculo a ser superado para a

implementação da interdisciplinaridade no ensino, não posso desconsiderar que as

condições sociais de ensino e de trabalho docente influenciam a prática do professor

em sala de aula e, como lembra Frigotto (1995), constituem um dos sérios limites

para a prática do trabalho interdisciplinar, ao lado da formação fragmentária e

positivista do educador.

Os depoimentos dos professores referentes às condições de trabalho a que

estão submetidos remetem ao que Imbernón (s/d) chama de processo de

proletarização e desqualificação profissional, resultado da perda progressiva do

controle do trabalho em face da variedade de tarefas que o professor precisa realizar.

Refletindo acerca dos bastidores do trabalho docente, Nacarato et al (1998)

nos fazem lembrar o aviltamento salarial dos professores que os obrigam a ampliar a

jornada de trabalho. Essa ampliação chega, em muitos casos, a fazer com que o(a)

professor (a) trabalhe os três períodos do dia, durante toda a semana. Para Nacarato

et al (1998, p. 85), estes fatos trazem como conseqüência o estresse do docente, e

queda na qualidade de sua aula, a impossibilidade de se aperfeiçoar constantemente

e a falta de tempo para preparar e refletir criticamente sobre sua prática

pedagógica.

Portanto, as dificuldades de formação são agravadas pelas condições de

trabalho, uma vez que a precarização do trabalho docente traz efeitos cada vez mais

devastadores sobre a escola pública. Essa precarização é bastante conhecida e

denunciada na literatura e no meio educacional. No entanto, como afirma Kuenzer

(2002a) é necessário registrá-las até para isentar os professores das culpas que lhes

têm sido imputadas, e, neste sentido, afirma.

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Qualquer projeto que busque superar a disciplinaridade reificada em uma prática pedagógica repetitiva, não encontrará condições mínimas de se realizar nas condições em que se encontra a escola pública (...). Nesta escola que aí está, sem um grande esforço de investimento, é muito difícil viabilizar novas diretrizes, com relação a conteúdos e métodos que superem a disciplinaridade. (KUENZER, 2002a, p. 326).

Os depoimentos dos professores referentes aos obstáculos para a realização

de um ensino interdisciplinar evidenciam que a problemática da interdisciplinaridade

é de ordem infra-estrutural (falta de tempo, muita aula, falta de material...), não de

formação. Ou seja, os professores só percebem as barreiras externas, as internas eles

não vêem (ou não mencionam). Os problemas de aprendizagem são evidenciados (os

alunos não estavam acostumados a pensar assim, não foram estimulados), e são

analisados da perspectiva interna, enquanto que os problemas de ensino são omitidos,

não percebidos como intrínsecos aos professores. Os limites envolvendo a

interdisciplinaridade acabam sendo circunscritos a uma dimensão contextual e não

conceitual

Os professores não percebem ou não manifestam compreensão de que boa

parte dos problemas com a abordagem interdisciplinar é também endógeno e envolve

aspectos da formação docente. Esse problema não é específico dos professores de

ciências, tampouco do ensino médio, mas estende-se aos demais níveis de ensino (do

fundamental à pós-graduação), uma vez que a formação dos professores que atuam

em tais níveis de ensino centrou-se (e ainda é centrada) na pedagogia

Taylorista/fordista, assim, eles tendem a reproduzir em suas práticas a fragmentação

disciplinar, difícil de ser superada. Nesse sentido, Kuenzer, (2002a, p. 308) afirma:

Aqui se desnuda uma primeira dificuldade: professores formados segundo a pedagogia taylorista/fordista com base na racionalização positivista, reproduzem na sua prática a fragmentação disciplinar; não é, pois, num passe de mágica, apenas por força da argumentação, bastante frágil, diga-se de passagem, presente no Parecer 15/98 CNE, que os professores passarão a ter condições de desenvolver projetos transdisciplinares.

Apesar das dificuldades e obstáculos evidenciados para superar a

fragmentação dos conhecimentos e adotar a abordagem interdisciplinar, é visível o

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otimismo expresso nas DCNEM e nos PCNEM sobre a viabilidade de implantação

desse princípio no ensino médio.

Uma concepção assim ambiciosa do aprendizado científico-tecnológico no Ensino Médio, diferente daquela hoje praticada na maioria de nossas escolas, não é uma utopia e pode ser efetivamente posta em prática no ensino da Biologia, da Física, da Química e da Matemática, e das tecnologias correlatas a essas ciências. Contudo, toda a escola e sua comunidade, não só o professor e o sistema escolar, precisam se mobilizar e se envolver para produzir as novas condições de trabalho, de modo a promover a transformação educacional pretendida. (BRASIL, 1999: 208)

Concordo com Nunes (2002) quando afirma que o parecer deixa na penumbra

a responsabilidade do Estado no sentido de promover as condições adequadas para a

implementação da reforma, tanto no âmbito da reestruturação infra-estrutural das

escolas quanto no âmbito da formação dos professores. Para a parecerista, as

mudanças pretendidas para o ensino médio dependem da criatividade dos outros, ou

seja, dos sistemas estaduais, das escolas, dos professores, dos quais se esperam

múltiplos arranjos institucionais e currículos inovadores (p. 18).

Contudo, Nunes (2002) lança a inquietante, mas pertinente questão: será

possível o exercício da criatividade num estado de precariedade tão profundo como

o que encontramos em várias de nossas instituições escolares? É o que reconhecem

as professoras entrevistadas:

No ensino médio nós temos dificuldades porque na realidade é difícil você trabalhar esse material didático. Alguns (profº) têm resistência até por falta de tempo, ter uma carga horária grande, porque trabalham em várias escolas, enfim. Se nos tivéssemos carga horária reduzida, horário certo em determinadas escolas, então daria tempo até pra tentar articular e fazer um trabalho de interação, mas eu acho que ainda ta muito fraco. (Profª Cláudia)

Em que pese a constatação das dificuldades, os professores não questionaram

o papel do Estado como órgão responsável na promoção de políticas de valorização

do profissional da educação, garantindo-lhes salários dignos e condições de trabalho

adequadas. Bueno (2002, p. 19) constata:

Quando se trata da efetivação das normas o discurso do parecer enfatiza a vontade dos atores sociais, individualizando-os e deixando na penumbra

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um dos principais obstáculos à sua implementação: o fato de que o Estado oscila entre a necessidade de assumir compromissos mais consistentes com o ensino médio e política de manter uma política de enxugamento e redistribuição financeira na área educacional.

Para Kuenzer (2002a) as condições de trabalho docente, decorrentes da

ausência de políticas de valorização do professor e da escola pública, inviabilizam a

reforma pretendida para o ensino médio. Essa constatação advém dos resultados das

investigações realizadas no âmbito das reformas para o ensino Médio44 .

(...) a reforma do ensino médio não é pra valer; em primeiro lugar, porque se desconhece a realidade da escola pública no Brasil; em segundo lugar, porque não integra às políticas o necessário financiamento. Ou seja, ela não se objetiva não porque haja resistência dos professores e dos profissionais da educação à mudança, mas sim porque não existem condições materiais mínimas para sua implementação, que abrangem desde os recursos materiais, de espaço físico e de equipamentos, às formas de seleção, contratação, carreira e remuneração dos professores até o tipo de qualificação e de subjetividade docente disponíveis nas escolas. (Kuenzer, 2002, p. 328)

De fato, não percebi posicionamentos desfavoráveis dos professores à

proposta de reforma curricular do ensino médio e os seus eixos norteadores – a

contextualização e a interdisciplinaridade – o que pode significar uma aceitação

tácita dessa proposta ou pode ser lida como decorrente do fato do professor não se

perceber como sujeito autônomo e, portanto, como construtor das práticas

curriculares nas escolas. De qualquer forma, essa não resistência explícita à proposta

de abordagem integradora de currículo, é um bom sinal para que se comece a pensar

ações na perspectiva interdisciplinar, posto que esta não é uma demanda acadêmica

ou um privilégio científico, mas acima de tudo, uma demanda social, que para

Japiassu (1976), exige uma preocupação com a formação global do homem, a

superação de sua visão fragmentada e o desenvolvimento de uma visão

interdisciplinar do mundo. Para tanto, é mister que se propicie condições aos

professores que atuam nas escolas públicas no Brasil.

Entretanto, ainda que a manifestação de posições contrárias ao processo de

imposição da reforma curricular do ensino médio não seja a tônica dos discursos dos

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sujeitos entrevistados, não percebo a resistência como algo ausente das práticas

desses sujeitos. Acredito que as limitações apresentadas, decorrentes da falta de

condições, falta de tempo, falta de espaço, entre outras, sinalizam formas de

resistências não assumidas, porém, existentes no discurso e nas práticas dos

professores de ciências.

44 A pesquisa realizada por Kuenzer resultou na publicação da obra “Ensino Médio: construindo uma proposta para os que vivem do trabalho”. São Paulo: Cortez, 2002.

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4- A CONTEXTUALIZAÇÃO NAS DIRETRIZES E NOS PARÂMETROS

CURRICULARES NACIONAIS PARA O ENSINO MÉDIO:

Como vimos, a preocupação com um ensino mais integrado, que busque

estabelecer relações entre os diversos campos do conhecimento, bem como diminuir

a distância entre a teoria e a prática, vem ganhando destaque nos debates

educacionais nos últimos anos. Tal fato decorre das exigências impostas no contexto

de um mundo cada vez mais globalizado e interligado, cujo enfrentamento e

compreensão demanda uma formação mais geral, polivalente e flexível. Tendo por

base essas premissas, a contextualização constitui um dos princípios norteadores da

reorganização curricular do ensino médio, apresentados nos documentos que tratam

da reforma desse nível de ensino.

Nesses documentos, a contextualização é apresentada como elemento

através do qual se busca dar novo significado ao conhecimento escolar, como

recurso que a escola tem para tirar o aluno da condição de expectador passivo

(1999, p. 91) e possibilitar aprendizagens significativas, ou seja, que permita ao

aluno conferir significado ao que aprende e com isso, estabelecer relações entre a

teoria e sua prática cotidiana.

O termo recurso me remete à dimensão instrumental do termo

contextualização, em consonância com o que foi abordado na discussão sobre a

interdisciplinaridade. Apresentar a contextualização como sendo um recurso, algo

que utilizo para um determinado fim, de preferência prático e imediato, significa

omitir o real significado do termo, que é o de possibilitar a compreensão do

conhecimento a partir de seu enraizamento político, histórico, social, econômico e

cultural.

No texto dos PCNEM estão explicitadas as justificativas para a defesa do

ensino tendo como eixo a contextualização nas diversas disciplinas que compõem as

áreas do conhecimento. No caso do ensino da Biologia encontra-se o seguinte

argumento: A adolescente que aprendeu tudo sobre aparelho reprodutivo, mas não

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entende o que se passa com seu corpo a cada ciclo mensal, não aprendeu de modo

significativo. (BRASIL, 1999, p. 92). No ensino de Química a justificativa é

construída tomando como base a constatação da falta de relação do conhecimento

químico com a vida dos alunos.

Pesquisa recente com jovens de ensino médio revelou que estes não vêem nenhuma relação da Química com suas vidas nem com a sociedade, como se o iogurte, os produtos de higiene pessoal e limpeza, os agrotóxicos ou as fibras sintéticas de suas roupas fossem questões de outra esfera do conhecimento, divorciadas da química estudada na escola. No caso desses jovens, a química aprendida na escola foi transposta do contexto de sua produção original, sem que pontes tivessem sido feitas para contextos que são próximos e significativos. (p. 91)

Portanto, defende-se a contextualização em contraposição ao ensino

desvinculado da vida e do cotidiano dos alunos, na perspectiva de possibilitar o

trânsito inteligente do mundo da experiência imediata e espontânea para o plano das

abstrações, e deste, para a reorganização da experiência. É o que se observa na

assertiva abaixo.

Quando se recomenda a contextualização como princípio de organização curricular, o que se pretende é facilitar a aplicação da experiência escolar para a compreensão da experiência pessoal em níveis mais sistemáticos e abstratos e o aproveitamento da experiência pessoal para facilitar o processo de concreção dos conhecimentos abstratos que a escola trabalha (BRASIL, 1999, p. 95 – destaque meu)

Assim, os contextos apresentados nos PCNEM para dar uma nova dimensão

aos conteúdos ensinados referem-se a três dimensões da experiência humana, quais

sejam: trabalho, cidadania e vida pessoal, cotidiano e convivência. Entretanto, o

Parecer CEB/CNE nº 15/98 enfatiza que o trabalho é o contexto mais importante da

experiência curricular no Ensino Médio, de acordo com as diretrizes traçadas pela

LDB em seus Artigos 35 e 36. (BRASIL, 1999, p.92 – destaque no original).

Para possibilitar que os conhecimentos, no contexto do trabalho, sejam úteis e

significativos à formação dos alunos, e posteriormente aproveitados na ocupação

profissional por eles escolhidas, o Parecer CEB/CNE 15/98 apresenta a seguinte

sugestão:

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A produção de serviços de saúde pode ser o contexto para tratar os conteúdos de Biologia45, significando que os conteúdos dessas disciplinas poderão ser tratados de modo a serem, posteriormente, significativos e úteis a alunos que se destinem a essas ocupações. A produção de bens nas áreas de mecânica e eletricidade contextualiza conteúdos de Física com aproveitamento na formação profissional de técnicos dessas áreas. (BRASIL, 1999, p.93).

A justificativa para a valorização do contexto do trabalho é dada tanto em

função da importância que ele assume como princípio formativo na nova LDB,

quanto em função de sua relevância para a compreensão dos fundamentos

científicos-tecnológicos dos processos produtivos nas sociedades contemporâneas.

Dessa feita, o parecer 15/98 enfatiza a importância da tecnologia para contextualizar

os conhecimentos de todas as áreas e disciplinas no mundo do trabalho.

Por sua própria natureza de conhecimento aplicado, as tecnologias, sejam elas das linguagens e comunicação, da informação, do planejamento e gestão, ou as mais tradicionais nascidas no âmbito das Ciências da Natureza, só podem ser entendidas de forma significativa se contextualizadas no trabalho. (BRASIL, 1999, p.93- destaque meu).

Podemos contrastar esse discurso determinista, que confere centralidade ao

trabalho como única possibilidade de contextualizar as tecnologias e o conhecimento

científico, com a abordagem denominada CTS, presente nas discussões sobre o

ensino de ciências desde a década de 70, que apresenta uma outra alternativa para

relacionar as tecnologias e o conhecimento científico à realidade social, não

necessariamente articulada ao mundo do trabalho.

O significado do ensino de CTS é dado por Hofstein (1988) apud Santos e

Schnetzler (2002, p.59)

CTS significa o ensino do conteúdo de ciência no contexto autêntico do seu meio tecnológico e social. Os estudantes tendem a integrar a sua compreensão pessoal do mundo natural (conteúdo da ciência) com o mundo construído pelo homem (tecnologia) e o seu mundo social do dia-a-dia.

45 Essa concepção representa a abordagem médica do ensino de ciências, como se a finalidade do ensino de Biologia fosse a formação de médicos, e está presente no discurso dos(as) professores(as), conforme discutirei adiante.

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Nessa perspectiva, a ciência é estudada de maneira inter-relacionada com a

tecnologia e com a sociedade, nos seus aspectos sociais, políticos, históricos,

econômicos e éticos. Santos e Schnetzler (1998) advertem, entretanto, que não basta

apenas incluir temas sociais no ensino de ciências para que os conhecimentos

científicos sejam abordados de forma contextualizada, é preciso abordar as inter-

relações entre ciência, tecnologia e sociedade, evidenciando como a ciência tem

influenciado a tecnologia e a sociedade, como a tecnologia tem influenciado a

ciência e a sociedade, e como esta última tem influenciado as demais (p.264). A

finalidade da abordagem CTS, para os autores mencionados, é apresentar uma

concepção de ciência voltada para o interesse social, visando a compreensão das

implicações sociais do conhecimento científico, e dessa forma, contribuir para a

formação do cidadão.

Para Lopes (2002; 2002a; 2002b) a centralidade do contexto do trabalho nos

documentos da reforma do ensino médio representam mais um indício de que a

principal finalidade desta reforma é a formação para inserção social no mundo

produtivo, o que limita o potencial crítico do conceito de contextualização, tal como

defendido na literatura educacional, principalmente a que focaliza o ensino de

ciências.

Outro contexto considerado relevante, também indicado pela LDB, e

apresentado no Parecer das diretrizes, é o contexto da cidadania, cuja discussão de

seus aspectos, segundo a relatora do Parecer, não deve se restringir a uma área

específica do currículo, pois o exercício da cidadania é testemunho que se inicia na

convivência cotidiana e deve contaminar toda organização curricular (Brasil, 1999,

p.94). A esse exercício relacionam-se práticas sociais e políticas e as práticas

culturais e de comunicação, e também a vida pessoal, o cotidiano e a convivência,

bem como questões ligadas ao meio ambiente, corpo e saúde. (p.94 – destaques no

original)

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Um exemplo da possibilidade de contextualizar os conteúdos na perspectiva

da vida cidadã é evidenciado no texto abaixo:

Trabalhar os conteúdos das Ciências Naturais no contexto da cidadania pode significar um projeto de tratamento de água ou de lixo da escola ou a participação numa campanha de vacinação, ou a compreensão de porque as construções despencam quando os materiais utilizados não têm a resistência devida. E de quais são os aspectos técnicos, éticos e políticos envolvidos no trabalho da construção civil. (BRASIL, 1999, p.94 – destaque meu)

Destaca-se, ainda, a importância do contexto da vida pessoal, cotidiano e

convivência, como contexto que é mais próximo do aluno e mais facilmente

explorável para dar significado aos conteúdos de aprendizagem (...) fazendo a ponte

entre o que se aprende na escola e o que se faz, vive e observa no dia a dia. (p. 94).

Relacionado ao contexto da vida pessoal, há um destaque para questões do meio

ambiente, corpo e saúde. Desta feita, os conhecimentos das Ciências, da

Matemática e das Linguagens devem ser relevantes na compreensão das questões

ambientais mais próximas e estimulem a ação para resolvê-las. (p.94 – destaque

meu). Da mesma forma,

As visões, fantasias e decisões sobre o próprio corpo e saúde, base para um desenvolvimento autônomo, poderão ser mais orientadas se as aprendizagens da escola estiverem significativamente relacionadas com as preocupações comuns na vida de todo jovem: aparência, sexualidade e reprodução, consumo de droga, hábitos de alimentação, limite e capacidade física, repouso, atividade, lazer. (BRASIL, 1999, p.94)

Entretanto, apesar de enfatizar a formação articulada ao contexto da

cidadania, esta é destituída de sua dimensão política, na medida em que o Parecer das

diretrizes destaca a apenas possibilidade de compreensão dos fenômenos

relacionados ao meio ambiente, ao corpo e à saúde. Apesar de que o conhecimento

científico e os fenômenos a ele relacionados precisam ser compreendidos, este ato

por si só não basta para promover a educação para a cidadania, que requer, acima de

tudo, uma tomada de posição.

Nesse sentido, Oliveira (1992) apud Chassot (2001, p.130), quando destaca a

necessidade do ensino para a formação do cidadão e da cidadã possibilitar a

compreensão das rápidas transformações do mundo moderno, nos faz lembrar que

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compreendê-las não significa aceitá-las como tal. Ao contrário, exige-se a formação

do pensamento crítico, o que está em desacordo com o princípio de consumir sem

refletir, cada vez mais presente na sociedade contemporânea.

A respeito da educação para a cidadania, Santos & Schnetzler (1998, p.256)

afirmam:

Discutir sobre ciência e educação para a cidadania significa refletir sobre como elas estão influenciando a vida do cidadão e qual o papel social que lhes compete. Qual a finalidade da ciência? Quais os fins da educação? A quem a ciência tem servido atualmente? Para quem temos educado nossos alunos? São questões que devem estar presente no fazer pedagógico de todo educador.

Para esses autores, o ensino de ciências pode contribuir para a formação da

cidadania desde que favoreça a participação dos alunos na vida comunitária. Nesse

sentido, a educação da cidadania implica incluir atividades que possibilitem a tomada

de decisão do aluno no que diz respeito aos problemas sociais que afetam seu

cotidiano e sua vivência pessoal e social. Para tanto,

(...) ao invés de solicitar aos nossos alunos que memorizem termos de classificação biológica, símbolos químicos e fórmulas físicas, podemos solicitar a eles a discussão de uma série de problemas sociais. Assim, serão relevantes estudos pertinentes ao equilíbrio do ecossistema, análise de dados sobre problemas de saneamento e estudo de doenças relacionadas à falta de higiene, estudo do uso adequado de produtos químicos e análises do uso inadequado de produtos químicos e análises das conseqüências de uso inadequado, estudo do princípio de funcionamento de aparelhos eletrodomésticos e sua utilização adequada para evitar danos, e assim por diante. (SANTOS & SCHNETZLER;1998, p.266)

É preciso, portanto, propor atividades em que os alunos possam, através

delas, decidir sobre o papel de cada um na preservação do meio ambiente, sobre

medidas para evitar agravamentos de epidemias, sobre o papel do governo e da

sociedade na melhoria da qualidade de vida, etc. (p.267). Assim, a ciência se

transforma em instrumento de conscientização do cidadão/ã.

Voltando ao discurso oficial, o Parecer das DCNEM evidencia que é possível

generalizar a contextualização como recurso para tornar a aprendizagem

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significativa ao associá-la com experiências da vida cotidiana ou com os

conhecimentos adquiridos espontaneamente (1999, p.94 – destaques no original).

Entretanto, o Parecer ressalta, que é preciso ter cuidado com a banalização dessa

proposta, que pode ocorrer caso os conteúdos sejam abordados apenas na dimensão

espontaneísta e cotidiana (prática) dos fatos, sem articulação com o plano abstrato

(teoria). Nesse sentido, a aprendizagem significativa é assim definida:

A aprendizagem significativa pressupõe a existência de um referencial que permita aos alunos identificar e se identificar com as questões propostas. Essa postura não implica permanecer apenas no nível de conhecimento que é dado pelo contexto mais imediato, nem muito menos pelo senso comum, mas visa gerar a capacidade de compreender e intervir na realidade, numa perspectiva autônoma e desalienante. (BRASIL, 1999: 36)

A aprendizagem, nessa perspectiva, deve considerar o conhecimento

espontâneo mas visar alcançar o conhecimento abstrato. Essa compreensão encontra-

se fundamentada nas teorias psicológicas interacionistas de desenvolvimento, uma

vez que são freqüentes as referências a Piaget e Vigotsky no Parecer das DCNEM.

Nesse sentido, contextualizar é entender o aluno como alguém portador de uma

bagagem cultural formada por conceitos adquiridos espontaneamente, e que,

portanto, não inicia a aprendizagem escolar partindo do zero, em outras palavras, o

aluno não pode ser entendido como tabula rasa.

Dada a aproximação do conceito de aprendizagem significativa com as

teorias psicológicas interacionistas de desenvolvimento, abordarei esse conceito no

pensamento de Ausubel, autor que se constitui referência nos estudos sobre

aprendizagem significativa,

4.1- Aprendizagem significativa no pensamento de Ausubel

Como vimos, é possível perceber, no Parecer das diretrizes, uma certa relação

do conceito de aprendizagem significativa defendido por Ausubel (1968). Entretanto,

o Parecer apenas menciona o termo, não explicitando, de fato o seu significado. Para

melhor compreendê-lo, recorro ao pensamento de Ausubel, através da obra em

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Moreira e Masine (1982) discutem a teoria do referido autor46, bem como no estudo

que Novak (1981) realiza sobre aprendizagem significativa.

Para Ausubel, aprendizagem significativa é um processo pelo qual uma nova informação se relaciona com um aspecto relevante da estrutura de conhecimento do indivíduo. Ou seja, neste processo a nova informação interage com uma estrutura de conhecimento específica, a qual ausubel define como conceitos subsunçores ou, simplesmente, subsunsores (subsumers), existentes na estrutura cognitiva do indivíduo. A aprendizagem significativa ocorre quando a nova informação ancora-se em conceitos relevantes preexistentes na estrutura cognitiva de quem aprende. (MOREIRA & MASINE, 1982, p. 7 - destaque no original).

O exemplo da atuação dos subsunçores é dado por Moreira e Masini (1982,

p.8):

Na Física, por exemplo, se os conceitos de força e campo já existirem na estrutura cognitiva do aluno, eles servirão de subsunçores para novas informações referentes a novos tipos de força e campo, por exemplo, a força e o campo eletromagnéticos. Entretanto, esse processo de ancoragem da nova informação resulta em crescimento e modificação do conceito de subsunçor.

Mas, como a aprendizagem pode ser significativa no caso da inexistência

dessas entidades psicológicas responsáveis pela articulação entre a informação

existente na estrutura cognitiva do indivíduo e a nova informação? Nessa situação

destaca-se a necessidade da aprendizagem mecânica, que ocorre quando conceitos

relevantes não existem na estrutura cognitiva de um indivíduo (NOVAK, 1981, p.

58). Nesse caso, cada unidade de conhecimento tem que ser arbitrariamente

armazenada na estrutura cognitiva.(p.59). Para esse autor, na aprendizagem

mecânica, a nova informação não se relaciona a conceitos já existentes na estrutura

cognitiva e, portanto, pouca ou nenhuma interação ocorre entre a nova informação

adquirida e aquela já armazenada. (p.59). Moreira e Masini (1982, p. 9), dão

exemplos desse tipo de aprendizagem:

A aprendizagem de pares de sílabas sem sentido é um exemplo típico de aprendizagem mecânica, porém a simples memorização de fórmulas, leis e conceitos, em Física, pode também ser tomada como exemplo, embora se possa argumentar que algum tipo de associação ocorrerá nesse caso.

46 Trata-se da obra Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Moraes, 1982.

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Entretanto, para Moreira e Masini (1982, p.9) Ausubel não estabelece a

distinção entre aprendizagem mecânica e aprendizagem significativa como sendo

uma dicotomia, e sim como um continuum (destaque no original). A aprendizagem

mecânica é necessária para a formação dos subsunçores quando estes ainda não

integram a estrutura cognitiva dos sujeitos.

Outra resposta dada ao como se inicia o processo de criação dos subsunçores

é dada em função de dois processos: a formação de conceitos e a assimilação de

conceitos. O primeiro, segundo Novak (1981) e Moreira e Masini (1982), ocorre na

criança em idade pré-escolar, através da aquisição espontânea de idéias genéricas

por meio da experiência empírico concreta (MOREIRA E MASINI, p.10). E o

segundo é a forma de aquisição de novos conceitos pelas crianças mais velhas e

pelos adultos. Essa aquisição é feita de forma mais eficiente na medida em que

ocorre de forma mais ativa, possibilitando uma interação do novo conceito com os

conceitos já adquiridos.

Para possibilitar a ponte cognitiva para o novo conhecimento, e assim, levar

ao desenvolvimento de conceitos subsunçores facilitadores da aprendizagem

subseqüente, Ausubel recomenda o uso dos organizadores prévios, estratégia

proposta pelo autor para deliberadamente, manipular a estrutura cognitiva a fim de

facilitar a aprendizagem significativa. (Moreira e Masini, 1982, p.12). Nessa

concepção, organizadores prévios são:

Materiais introdutórios apresentados antes do próprio material a ser apreendido (...). Segundo o próprio Ausubel (...), a principal função do organizador prévio é a de servir de ponte entre o que o aprendiz já sabe e o que ele deve saber, a fim de que o material possa ser aprendido de forma significativa. Ou seja, os organizadores prévios são úteis na medida em que funcionem como “pontes cognitivas”. A principal função dos organizadores prévios é superar o limite entre aquilo que o aluno já sabe e aquilo que ele precisa saber, antes de aprender a tarefa apresentada.

Entretanto, não se trata de estabelecer simples comparações introdutórias

entre o material novo e o já conhecido. É preciso atentar para três importantes fases

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que devem ser deliberadamente organizadas e construídas para cada uma das

unidades a serem ensinadas.

a) identificar o conteúdo relevante na estrutura cognitiva e explicar a relevância desse conteúdo para a aprendizagem do novo material;

b) dar uma visão geral do material em um nível mais alto de abstração, salientando relações importantes;

c) prover elementos organizacionais inclusivos, que levem em consideração mais eficientemente e ponham em melhor destaque o conteúdo específico do novo material. (MOREIRA e MASINI, 1982, p13)

Para finalizar a concepção de aprendizagem significativa, Ausubel destaca

duas importantes condições para que esta ocorra:

a) o material a ser aprendido seja potencialmente significativo para o aprendiz, i.e., relacionável a sua estrutura de conhecimento de forma não-arbritária e não-literal (substantiva);

b) o aprendiz manifeste uma disposição de relacionar o novo material de maneira substantiva e não-arbitrária a sua estrutura cognitiva. (MOREIRA e MASINI, 1982, p.14)

Portanto, não basta que o conteúdo seja significativo, o aprendiz precisa

manifestar interesse e intenção de aprender de forma significativa, relacionando a

nova informação (novo conhecimento) à sua estrutura cognitiva de forma relevante.

Caso contrário, tanto o processo de aprendizagem como seu produto serão

mecânicos e sem significado (p.14).

Partindo dessas premissas, a aprendizagem significativa pressupõe que o

educador estimule a aprendizagem do aluno, tornando o material de ensino

significativo para o aluno, de modo que ele consiga relacionar esse material com sua

estrutura de conhecimento, mas implica também que o aluno manifeste disposição de

aprender significativamente. Portanto, não constitui tarefa fácil a ser desempenhada

numa escola marcada pela desmotivação tanto dos alunos quanto dos professores, em

função dos históricos problemas que assolam a educação brasileira. Essa questão não

é abordada no Parecer das diretrizes.

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4.2- Em busca de outro(s) significado(s) para a contextualização:

resgatando sua dimensão política.

Como vimos no item anterior, a idéia de contextualização aparece associada à

valorização do cotidiano, ainda que de forma tênue, uma vez que os saberes escolares

devem ser relacionados com situações concretas da vida dos educandos, o que

contribui para que haja a aproximação da proposta com a perspectiva crítica de

currículo (LOPES, 2002a). E por isso, tal concepção de contextualização, que

enfatiza a valorização dos saberes prévios dos alunos e da prática cotidiana, contribui

para dar legitimidade à proposta dos PCNEM junto à comunidade educacional. No

entanto, é preciso considerar que as finalidades educacionais preconizadas nos

documentos da reforma do ensino médio atendem a outras finalidades, diferentes

daquelas defendidas no pensamento educacional de alguns teóricos do ensino de

ciências (CHASSOT, 2001; SANTOS & SCHNETZLER, 2000; entre outros).

Para Lopes et al (2001) no ensino de ciências, as relações entre ciência, vida

cotidiana e contextos sociais mais amplos constituem-se preocupações consideradas

no pensamento educacional da área, seja como forma de superar um ensino

verbalista e academicista, seja como forma de motivar e provocar interesse nos

alunos, seja ainda como forma de garantir o conhecimento das aplicações de

conceitos científicos (Lopes, et al. 2001, p. 5).

Nesse sentido podemos mencionar a produção de Lutfi (1988), na qual as

relações entre cotidiano e ensino de química se dão de forma aprofundada, e são

interpretadas como forma de possibilitar o entendimento das relações sociais e

econômicas na sociedade. Na obra intitulada Cotidiano e Educação Química, Lufti

apresenta diversas atividades desenvolvidas nas aulas de química, no qual o

conhecimento químico é ensinado/apreendido de forma imbricada às suas dimensões

sociais, políticas, econômicas e ambientais47. Nesse caso, para Lopes et al (2001, p.

5), o cotidiano não é restrito às ações isoladas do dia-a-dia, nem sua relação com o

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ensino de química se resume à ilustração das aulas com exemplos de aplicação

científica.

Chassot (2001) é outro autor que se destaca na área, defendendo a idéia de

que o ensino de ciências deve ser encharcado de realidade, de modo que os alunos

possam estabelecer um vinculo entre os conhecimentos ditos científicos com os

conhecimentos de seu dia-a-dia. Esse autor enfatiza a importância de se ver a

química como uma linguagem, capaz de permitir a compreensão mais crítica do

mundo, bem como a necessidade de que o ensino inter-relacione os saberes

científicos e populares, sem estabelecer hierarquias sociais entre eles. (LOPES, et

al. 2001, p. 5). Contextualizar, nessa perspectiva, é “encharcar” o ensino de

realidade, tornando-o menos asséptico, dogmático, mais político, portanto.

(CHASSOT, 2001)

Em que pese as diferenças de enfoque das perspectivas teóricas voltadas

para o ensino de ciências, e dos questionamentos que estas podem suscitar, é possível

perceber que

... a valorização do cotidiano, das experiências dos alunos, dos saberes populares e de contextos sociais e tecnológicos mais amplos tende a assumir um viés crítico e vinculado a defesa de uma educação democrática. (LOPES et al. 2001, p. 6)

Percebe-se, portanto, que estas propostas de ensino contextualizado no

ensino de ciências não se limitam a promover uma simples adequação do aluno ao

mundo, mas tem como finalidade possibilitar a sua compreensão, para que seja

possível empreender ações no sentido da transformação do real.

No caso da abordagem das DCNEM, o conceito de cotidiano é

ressignificado. Na abordagem realizada sobre o princípio da contextualização, Lopes

(2001, 2002, 2002a, 2002b) utiliza o conceito de recontextualização utilizado por

Basil Bernstein (1998). A recontextualização se constitui a partir da transferência de

textos de um contexto a outro, como por exemplo, da academia ao contexto oficial de

47 Lufti (1988) descreve essas atividades desenvolvidas juntamente com ao alunos, que consistiu em visitas a fábricas de diversos produtos alimentícios (leite, conservas, entre outros), na perspectiva de

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um Estado nacional,ou do contexto oficial ao contexto escolar. (LOPES, 2002, p.2))

Nesse processo, os textos são deslocados de seu contexto de produção para atender a

finalidades sociais distintas. Nesse sentido, a autora afirma:

Propostas curriculares oficiais, como os PCNEM, podem ser interpretados então como um híbrido de discursos curriculares produzidos por processos de recontextualização. Novas coleções são formadas, associando texto de matrizes teóricas distintas. Os textos são desterritorializados, deslocados das questões que levaram à sua produção e relocalizados em novas questões, novas finalidades educacionais. Por isso, as ambigüidades são obrigatórias. Nesse caso, não existe um sentido negativo de adulteração de textos supostamente originais, mas revela-se a produção de novos sentidos cumprindo finalidades sociais distintas. (LOPES, 2002, p.3)

Verifica-se que aparentemente há uma aproximação do conceito de

contextualização apresentado nas DCNEM com o discurso de autores que defendem

o ensino que valorize as práticas cotidianas dos alunos para a promoção de uma

aprendizagem significativa. (DEWEY, In: CUNHA, 1994; AUSUBEL, In:

MOREIRA E MASINI, 1982; MORIN, 2002). No entanto, como vimos, nos

documentos oficiais o contexto do trabalho é mais valorizado em detrimento do

contexto da vida cotidiana. Nesse sentido,

Há um deslocamento desse enfoque relacionado com os saberes populares, com as experiências sociais dos alunos e de questionamento do cotidiano no qual estão inseridos, para relocalização com o discurso das competências necessárias ao mundo produtivo. (LOPES, 2002a: 147)

É nesse sentido que ocorre, segundo Lopes (2002) a recontextualização do

conceito de contextualização, pois este é ressignificado, não utilizado no seu sentido

original, o que faz com que a integração curricular, via contextualização, perca o seu

potencial crítico, pois sua finalidade é adequar e integrar o aluno ao mundo produtivo

(mercado de trabalho) e não de levá-lo a compreender esse mundo numa perspectiva

crítica e transformadora. Como vimos, contextualizar, na concepção dos textos

oficiais, é apenas compreender o “mundo”, mas não criticá-lo ou transformá-lo.

Importa lembrar com Kuenzer (2002) que o cotidiano não se explica nele

mesmo. Como palco das vivências humanas, evidencia relações contraditórias, e,

abordar tanto os aspectos químico e biológico dos alimentos, quanto seus aspectos econômico e social.

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ainda que o contexto seja o mesmo, assume significados diferentes de acordo com os

lugares sociais ocupados por diferentes sujeitos. É necessário estabelecer as

finalidades ao se tratar das questões do cotidiano. Nesse sentido, Kuenzer (2002, p.

74) indaga:

Vamos contextualizar o conteúdo no cotidiano da violência, do tráfico e de outras formas de contravenção, da miséria que acompanha a exclusão, das estratégias criadas para fazer frente à inexistência de direitos, tais como aceitar a exploração, viver na rua, se alimentar do lixo, ou trabalhar precocemente em situações perigosas e insalubres para conseguir condições mínimas, não de existir, mas de continuar apenas com a vida biológica por mais um tempo, o que é a realidade de boa parte de nossos alunos? Ou simplesmente tomaremos o cotidiano que se constrói a partir da exclusão, ou seja, o dos incluídos que usam dentifrícios, telefones e outros bens e serviços que têm disponíveis em sua situação de classe, como se ela fosse universal ou o ideal a ser atingido?

Acredito que contextualização é um excelente recurso para tornar

significativo os conteúdos e, conseqüentemente, a aprendizagem, desde que suas

possibilidades sejam devidamente exploradas. As questões sociais, éticas e políticas

explícitas no conhecimento científico precisam ser trabalhadas no ensino de ciências

para que a ciência seja compreendida, não apenas assimilada e consumida

acriticamente, pois o conhecimento não é mais uma mercadoria, é o meio que nós,

humanos, produzimos para sermos e estarmos no mundo.

Feitas essas considerações, passo a abordar de que forma o conceito de

contextualização é (re)significado nos discursos e nas práticas dos professores de

ciências.

4.3- A contextualização no discurso dos professores

Ainda que se considere que muitos professores nas escolas lerão o texto dos parâmetros com desinteresse ou descrédito, ou mesmo abandonarão seus volumes nas gavetas, não entendo ser possível pensar na força de um cotidiano que se constrói a despeito das orientações oficiais. Certamente existem reinterpretações desses documentos e ações de resistência aos mesmos na prática pedagógica, assim como permanece em evidência o seu caráter produtivo do conhecimento escolar. Todavia, menosprezar o poder do currículo escrito oficial

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sobre o cotidiano das escolas significa desconsiderar toda uma série de mecanismos de difusão, simbólicos e materiais, desencadeados por uma reforma curricular, com o intuito de produzir uma retórica favorável às mudanças projetadas e orientar a produção do conhecimento escolar. (LOPES, 2002, p..2)

Como vimos, quando questionados sobre as mudanças ocorridas ao longo do

tempo de atuação no ensino médio, os professores entrevistados destacaram a

contextualização, o que significa que estes professores percebem que hoje se espera

que os conteúdos sejam trabalhados numa nova perspectiva, ou, no mínimo,

incorporam essa palavra ao seu vocabulário profissional. Dessa forma, os professores

reconhecem a importância do ensino levar em conta as questões vivenciadas pelos

alunos no seu dia-a-dia, objetivando não o mero acúmulo de informações, mas que o

aluno faça análise do conteúdo trabalhado, de forma interpretativa e compreensiva, e

consiga relaciona-lo com os acontecimentos de sua vida cotidiana. É o que afirmam

os professores entrevistados:

Bom, houve uma mudança a respeito de como o aluno pode perceber o assunto. Hoje, no ensino médio é bastante cogitada a parte de contextualização, ou seja, levar o ensino a uma realidade (Professor João – destaque meu)

(...) hoje o ensino está mais voltado a fazer com que o aluno pense, e não apenas decore os textos e que eles conciliem (o conteúdo) com a vida lá fora, com a prática do dia-a-dia, com os acontecimentos que ocorrem em nossa casa (Professora Cláudia)

LOPES (2002), discutindo sobre a organização do conhecimento escolar no

novo ensino médio, salienta que, ainda que não sejam percebidas mudanças

significativas nesta organização nas escolas de ensino médio, já é possível perceber

uma valorização dos conceitos de interdisciplinaridade e de contextualização,

embora os professores incorporem esses conceitos ao seu discurso de forma a-crítica

e não questionadora.

É possível perceber essa questão através da conotação ilustrativa que a

contextualização assume no discurso dos professores. Ou seja, levar o ensino a uma

realidade é radicalmente diferente da proposta de Chassot (2001) para o qual o

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ensino deve ser impregnado de realidade. O sentido da trajetória da contextualização

na concepção dos professores é partir do ensino para a realidade, e a proposta de

Chassot é partir da realidade para o ensino. No primeiro caso, o conteúdo assume

relevância, sendo apenas “pincelado” com aspectos da realidade, apresentados de

forma ilustrativa. No segundo caso, a realidade social na sua complexidade é tomada

como ponto de partida para ensinar o conteúdo. É nesse sentido que Chassot defende

um ensino “sujo” com os problemas sociais, em detrimento de um ensino

“asséptico”, impermeável à contaminação com a realidade.

Como vimos os professores incorporam a contextualização em seus

discursos, mas de forma a-crítica e não questionadora. Tal incorporação pode ser

percebida de forma mais clara na avaliação positiva que os professores fazem do

ensino interdisciplinar.

Olha, na verdade é uma mudança que, se a gente aproveitar a realidade do aluno, ela muito contribui. (Profº Paulo – destaque meu). Não dá mais para ficar hoje (...) só na teoria, a gente tem que ver um pouco da prática para enriquecer o conhecimento dos alunos, para que ele possa ver aquilo que realmente acontece. (Professor Robson – destaque meu)

É o correto (nova abordagem do conteúdo). Com certeza você tem que fazer o aluno pensar, analisar... Tem dificuldades, mas o caminho é por aí. (Profº João).

Esses depoimentos evidenciam mais uma vez a contextualização de

ilustração, pois, aproveitar a realidade é diferente de ensinar por meio da reflexão

sobre a realidade. Vejo ainda que a concepção dos professores de ciências aproxima

mais da proposta oficial do que o que se defende no campo teórico. Para Morin

(2002), por exemplo, contextualizar é buscar a relação de inseparabilidade entre

qualquer fenômeno, e, fazendo a ponte dessa premissa com o ensino de ciências, isso

significa que o contexto social, político, econômico, ambiental, entre outros, devem

estar imbricados no conhecimento científico para que o aluno encontre sua

relevância, e assim, os conteúdos possam operar por si mesmos. (FREIRE, 1996, p.

34).

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Embora os professores analisem a contextualização de forma positiva,

quando se pensa na sua dimensão prática as dificuldades são evocadas. Contudo,

estão quase invariavelmente atreladas à aprendizagem e não ao ensino.

O aluno do ensino médio não estava acostumado a fazer análise do texto. Então hoje, toda questão exige que você leia e interprete. E isso trouxe uma grande dificuldade pro ensino médio. (Profº João – destaque meu)

As dificuldades a que o professor João se refere, dizem respeito às

dificuldades sentidas por professores e alunos diante dessa nova forma de se

trabalhar o conteúdo, questão recorrente na fala dos outros professores.

Eu acho que a matéria deve ser ministrada de todas as formas, só que é um pouco mais complexo e fica muito mais difícil pros alunos, porque, os alunos viam química de uma maneira, hoje tem que ver de forma diferente... para eles fica um pouco mais difícil de ser entendido (Profº Edson – destaque meu)

O aluno não têm tido essa preparação para procurar mudar... o alunado mesmo não tem acompanhado as mudanças (Profº Paulo – destaque meu)

Há que se concordar com estes professores uma vez que historicamente, no

ensino de ciências, predominou a concepção tradicional de educação, com forte viés

positivista, que concebe o conhecimento como um conjunto de informações passíveis

de absorção pelo aluno e pela aluna, através do uso quase exclusivo da memória,

premissa que traz embutida a idéia que aprender é memorizar, bem como a de que

ensinar é transmitir conhecimentos (Aragão, 2000, p. 88 – destaques no original).

Possivelmente foi esta concepção de educação que marcou a formação escolar dos

alunos (e dos professores) no ensino fundamental da qual eles terão dificuldades de

se desvencilhar no ensino médio.

Porém, importa ressaltar que os professores entrevistados centraram as

dificuldades no que diz respeito ao ensino contextualizado, ao processo de

aprendizagem, ou seja, não cogitaram a possibilidade desta questão ser também

problema de ensino. Apenas um professor mencionou a limitação do ensino, mas não

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identificou a ‘causa’ da dificuldade: Eu não consigo passar, agora eu não sei qual é

o problema, se é o método, se é o professor, se é o estudante... (profº João). Na

verdade, o ensino conteudístico e academicista, centrado na teoria, abstrato e sem

conexões com a realidade, também marcou a formação desses professores, que por

sua vez reproduziram essa ‘maneira de ensinar’ em suas práticas por um longo

período, de forma que é difícil romper com esta tradição.

A constatação desse fato me remete à inquietação da professora Siane quando

afirma:

Trabalhar com a interdisciplinaridade e com a contextualização é uma dificuldade muito grande porque nós não aprendemos assim. Agora está vindo essas inovações no ensino (...) e às vezes se torna difícil para a gente trabalhar porque na universidade ninguém aprendeu assim... (Professora Siane)

Nesse sentido, podemos perceber que o trabalho contextualizado também

requer mudanças nos nossos hábitos pedagógicos, de modo que a formação dos

professores (atuais e futuros) deve levar em conta a associação entre teoria e prática,

bem como constantes exercícios de atividades interdisciplinares e contextualizadas

durante o processo de formação docente. No entanto, é preciso considerar uma

importante observação feita por Japiassu (1976, p.100) quando, na discussão sobre

interdisciplinaridade, afirma que é ilusório pensar que a criação de leis ou de um

conjunto de medidas administrativas possa colocar um fim a hábitos arraigados, a

rotinas e estruturas adquiridas. Isso significa que a necessidade do ensino

interdisciplinar e contextualizado precisa ser sentida pelos professores, e não

representar apenas uma mera adesão aos termos que estão na moda no cenário

pedagógico, em função de seu caráter inovador e progressista.

Apesar dos fatores internos (relacionados à formação) não serem percebidos

de forma explícita nos depoimentos dos professores, eles se manifestam de forma

implícita na medida em que as dificuldades sentidas pelos professores, para ensinar

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de forma contextualizada, circunscrevem-se à necessidade de “atualização”48, da

leitura e da pesquisa para que seja possível promover uma educação compatível com

os novos desafios impostos à sua prática. É o que reconhecem os professores:

... Eu tive que ter um tempo extra pra fazer bastante pesquisas, pra poder mudar até mesmo o conteúdo (...). Ou seja, antes a gente tinha um conteúdo muito seco, esses livros antigos você pode observar que era um conteúdo muito seco, muito direto, então a gente teve que pesquisar, eu por exemplo tive que pesquisar internet.. (Professor João)

Na medida do possível a gente vem tentando se atualizar, procurando ler mais... Eu digo na medida do possível devido ao tempo que nós dispomos pra isso. Então, quando posso sempre faço algum curso. E sempre que tem esses encontros pra discutir sobre ensino médio eu quero estar porque eu preciso me atualizar. (Professora Norma ).

Há que se ressaltar que os elementos destacados pelos professores

(necessidade da leitura e da pesquisa) são positivos na medida em que o ensino

pautado na contextualização ‘força’ os professores a transcenderem o livro

didático49, ou seja, façam leituras e busquem outras informações além dele, na

perspectiva de superarem as restrições do conhecimento advindas do uso do livro

didático, e quiçá, consigam perceber que este uso limita a prática pedagógica.

A necessidade da pesquisa na prática pedagógica, destacada pelo professor

João, é destacada por Freire (1996) como um dos saberes necessários à prática

educativa. É bastante conhecida a citação que enfatiza essa importância:

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino, continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade. (Freire, 1996: 32).

Além de ser elemento indissociável da boa prática pedagógica, não posso

deixar de enfatizar que a revolução processada no campo do conhecimento hoje nos

impõe, mais do que nunca, a necessidade da leitura e da pesquisa, como constantes

48 Atualização, aperfeiçoamento e capacitação foram os termos utilizados pelos professores para se referir à educação continuada. 49 Os relatos dos professores evidenciam que o livro didático ainda é utilizado como o seu principal instrumento de trabalho.

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aliadas da nossa ação educativa. Não é possível pensar e realizar uma educação de

qualidade desprovida destes elementos.

Contudo, apesar da importância da leitura e da pesquisa para a promoção da

melhoria do ensino, a busca por esses elementos evidenciam o discurso “adaptativo”

dos sujeitos às prescrições oficiais ditadas para suas práticas e desacompanhadas de

ações concretas para sua efetivação. Os professores buscam se adaptar a essas

prescrições sem questionarem o porque, ou melhor, com que finalidades elas são

apresentadas.

Percebo, de forma geral, que os professores aceitam a proposta do ensino

contextualizado como forma de tornar o ensino mais atraente, talvez em função desse

discurso estar articulado à práticas mais inovadoras, e o professor não quer ser

rotulado como tradicional. Assim, como mencionei anteriormente, a legitimidade da

proposta de reforma curricular decorre da idéia de mudança nela embutida. Acredito

que é nesse sentido que os argumentos dos professores entrevistados são favoráveis

tanto à contextualização quanto à interdisciplinaridade.

Entretanto, quando questionei sobre os recursos e estratégias que os

professores utilizam para trabalhar de forma contextualizada, os exemplos, de forma

geral, apresentam-se de forma vaga, e às vezes, não muito claros.

No meio em que a gente vive em Castanhal, eu acho que é interessante a gente conhecer o que gira em torno da gente. Então, na medida do possível, a gente tenta mostrar que existe uma fábrica de reciclagem de lixo ali, que existe uma fábrica de suco. Então eu procuro mostrar ela (...) como funciona, de que forma vem a matéria-prima, como é processado... (Profº Edson) Às vezes eu pego uma determinada brincadeira dentro da sala de aula, para explicar aquele assunto relacionado com a questão da química. Às vezes eu pergunto: alguém tá no período fértil? A partir dessa questão, eu utilizo todos os detalhes pra explicar a questão química dentro do nosso dia-a-dia (Profº Paulo)

As estratégias utilizadas pelos professores para promover um ensino de forma

contextualizada evidenciam que nem sempre os professores compreendem o sentido

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e significado da contextualização, aplicando-a em suas práticas de forma banalizada

e superficial, na perspectiva de mostrar que os conhecimentos apreendidos têm

alguma relação com os fatos e acontecimentos do dia-a-dia:

Na concepção desses professores, os elementos do cotidiano são utilizados

para ilustrar o conteúdo, que é trabalhado, na visão dos professores, na perspectiva

de estabelecer relações entre o conhecimento e aspectos vivenciais da vida do

educando. Mas o conteúdo continua sendo privilegiado para explicar o cotidiano

pessoal e social do educando.

O ensino contextualizado, a meu ver, deve partir dos elementos do cotidiano,

dos aspectos da dimensão vivencial dos alunos, em direção ao plano abstrato-teórico,

de modo a possibilitar que o educando ressignifique sua experiência cotidiana. Nesse

sentido, a experiência dos sujeitos constitui o ponto de partida para que o conteúdo

ganhe relevância e seja aprendido de forma significativa, e o ponto de chegada de sua

atuação como cidadão, agora investida da dimensão crítica.

Outro exemplo de estratégias de abordagem de conteúdo de forma

contextualizada é dado nos depoimentos abaixo:

Por exemplo, na questão da genética, (...), nós acabamos discutindo a questão da prevenção de certas doenças. Então, a gente sempre tá voltando (esse conteúdo) pra vida, para o contato com as doenças aqui da nossa região. Então, (essa) é uma forma de falar do dia-a-dia, do que é que pode acontecer, como evitar (certas doenças), que cuidados devem ser tomados. (Professora Norma). Como eu consigo fazer? Por exemplo, agora no segundo ano eu estou trabalhando sobre grupo sanguíneo, então eu pedi que eles (os alunos) fizessem uma pesquisa, fiz com que eles fossem ao hemopa pra saber a importância da doação sanguínea, como é feita, quais são os métodos, e expor os resultados dessa pesquisa na sala de aula, para mostrar para os outros alunos, já que não dava pra ir todos. Todos pesquisaram o trabalho, a parte teórica, (...) e como o hemopa não podia atender todos, eu pedi que eles tirassem uma comissão de cada grupo de alunos e eles foram ao hemopa, pesquisaram, e hoje apresentaram (os resultados da pesquisa) para a turma. Então é uma forma deles terem o conteúdo com a parte prática. Lá no hemopa o trabalho foi com a parte prática. Esse trabalho objetivou conscientizá-los da importância da doação de sangue, quais são os recursos, quem é apto, quem não é apto, como se deve fazer, onde procurar, no sentido de formar cidadãos mais conscientes. (Profª Cláudia)

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Importa destacar os aspectos positivos desses depoimentos, na medida em que

destacam a importância da pesquisa para possibilitar práticas de ensino

contextualizado. De fato, a pesquisa mostra-se um excelente recurso para

contextualizar aspectos sociais do conteúdo, na medida em que exige o protagonismo

dos alunos na descoberta proporcionada pela aventura no campo do conhecimento.

Dessa forma, alunos e professores saem ganhando no ato de conhecer. É o que

reconhece a professora Claúdia:

Então eu faço isso, eu tento fazer com que eles pesquisem, que eles vão atrás, que eles descubram as coisas. Com certeza eles vão aprender muito mais, do que só eu chegar na sala de aula e falar, falar, falar... Então eles mesmos vão descobrir a importância (dos conteúdos). Hoje eles estavam falando lá na sala da importância de doar sangue, inclusive, muitos nem sabiam disso, hoje eles estão mais conscientes.

Entretanto, esses depoimentos coadunam-se com o exemplo dado no parecer

das Diretrizes, quando relaciona os conhecimentos de Biologia aos serviços de

produção de saúde, resultando no processo da “medicalização da Biologia”, através

do qual privilegia-se os conteúdos clássicos da Biologia, abordando-os numa

perspectiva médica, e não biológica. Mas acredito que a formação dessas professoras

contribua de forma explicita para explicar essa compreensão, pois ambas são

formadas em Biologia, na modalidade médica.

Entretanto, apesar da contextualização assumir, no discurso da maioria dos

professores, uma conotação ilustrativa, é possível identificar no depoimento do

professor Adriano a contextualização como forma de problematização da realidade.

(...) Na hora da explicação (eu procuro) contextualizar e também em cima de questões que a gente formula para trabalhar com os alunos. Então a gente pega e procura principalmente tirar de coisas rotineiras, do dia-a-dia, e, a partir disso faz as perguntas, e trabalha em cima dessas perguntas. Então a contextualização que a gente faz é essa, em cima dessas questões.

Mesmo que as perguntas sejam feitas pelo professor, elas constituem uma

possibilidade de estabelecer um clima de diálogo na sala de aula. Nessa perspectiva,

o professor deixa de lado o conteúdo em si, para trabalha-lo em forma de questão. A

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problematização da realidade, no pensamento de Freire (1996, p.34), é uma forma de

contextualizar os conteúdos. Nesse sentido, afirma:

Porque não estabelecer uma necessária “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos? Por que não discutir as implicações políticas e ideológicas de um tal descaso dos dominantes pelas áreas pobres da cidade? A ética de caso imbutida nesse descaso? Porque, dirá um educador reacionariamente pragmático, a escola não tem nada que ver com isso. A escola não é partido. Ela tem que ensinar os conteúdos, transferi-los aos alunos. Aprendidos, estes operam por si mesmos.

Entretanto, apesar dos argumentos favoráveis ao ensino contextualizado,

alguns professores mostraram-se céticos quanto à sua possibilidade de realização no

cotidiano escolar, marcado por limitações estruturais, de tempo e de espaço.

Olha, a minha preocupação maior hoje é fazer esse tipo de abordagem, só que eu encontro dificuldades, exatamente (por causa) da disponibilidade de horário para fazer isso. (...). A gente anda muito atado à carga horária, por causa do salário. (...) que é a base, o fundamental. Então existe uma preocupação muito grande com relação a isso, mas para se ensinar de forma contextualizada, o professor precisa se dedicar. Eu não vou dizer para você que eu faço assim, porque se eu dissesse, estaria fazendo uma abordagem mentirosa. (...) Seria muito bonito se fosse feito. Eu acredito que algumas escolas, talvez algumas escolas públicas, em que haja uma boa administração pra equacionar essas variáveis, eu acredito que esteja atingindo esses objetivos. Porém, na maioria das escolas, pelo menos que eu conheço, eu acho que estão aquém dessa questão. Não se dá muito ouvido a quem quer fazer, muitas vezes a pessoa é alijada por querer fazer e, (essa proposta) não anda, seria bom que andasse porque é preparação para a vida, não é? Só que não é o que acontece. (Professor Roberto)

Esse depoimento nos faz lembrar o predomínio da gestão escolar na qual

ocorre o que Severino (1995, p. 169) chama de hipertrofia do administrativo sobre o

pedagógico, em que nem sempre as questões pedagógicas assumem a devida

relevância ou são tratadas com o mesmo rigor e seriedade que as questões

administrativas. Esse modelo de gestão administrativa e pedagógica, segundo

Kuenzer (2002a) é pautada na concepção taylorista/fordista, cujo plano de cargos e

salários prevê a contratação dos profissionais da educação por tarefas, ou jornadas de

trabalho, e até mesmo por aulas ministradas. A autora cita as conseqüências dessa

forma de contratação:

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A primeira delas é a necessidade de se dividir entre diversos espaços, para assegurar condições de sobrevivência, configurando-se um modelo de professor tarefeiro, “bóia-fria”, que não chega a desenvolver sentido de pertinência a nenhum dos espaços em que trabalha, e em decorrência, relação de compromisso. (KUENZER, 2002a, p.318)

Esse fato, como vimos anteriormente, advém da necessidade da ampliação da

jornada de trabalho do professor que para conseguir assegurar mínimas condições de

sobrevivência precisa se deslocar entre várias escolas, o que reduz consideravelmente

o seu tempo disponível para estudos individuais e torna praticamente inviável a

possibilidade do engajamento em trabalhos coletivos na escola.

A fala do professor Roberto acima evidencia ainda outra importante questão

que vêm à tona nas discussões sobre a interdisciplinaridade e contextualização. Estas

requerem tempo, espaço e dedicação do professor. De fato, os aspectos estruturais da

escola, somados com a desmotivação dos professores em função do salário e da

crescente desvalorização do profissional da educação, bem como as limitações de

espaço e de tempo, constituem elementos que limitam as possibilidades da realização

de um ensino contextualizado. Para Nunes (2002, p.22), entre as exigências da nova

organização do ensino médio a autora ressalta que é preciso mudar ainda a

organização dos tempos e dos espaços da instituição e também, muito possivelmente,

a forma de contratação dos professores e das exigências de trabalho. Corroborando

com este pensamento, Zibas (2001) apud Abramovay (2003, p.230) afirma:

Nem sempre tem-se colocado na devida evidência que o fato de que conceitos complexos, teoricamente tão fluídos como a interdisciplinaridade, a estruturação curricular por áreas, a contextualização e o desenvolvimento de competências básicas exigem, para sua concretização, condições materiais, culturais e pssicosociais que não estão dadas. Em outras palavras, as deficiências históricas do ensino médio, principalmente aquelas que dizem respeito às condições de trabalho e à formação docentes, deveriam estar, se não superadas, pelo menos equacionadas, para que as sofisticadas mudanças curriculares sugeridas não se transformem em mais uma mistificação do histórico objetivo de melhoria de qualidade do ensino.

Entretanto, apesar dessas limitações, acredito que discutir as implicações

políticas, éticas e sociais do conhecimento científico, que também é uma forma de

contextualizar os conteúdos, não demanda muitos arranjos institucionais e materiais

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para se realizar. Da mesma forma, trabalhar os conteúdos a partir de aspectos que são

relevantes para os alunos, próximos de sua vivência pessoal e social, pode ser feito

mediante práticas dialógicas entre os sujeitos que participam da construção do

conhecimento em sala de aula. Não estou, com isso desconsiderando as limitações

impostas pela precarização da escola pública, apenas enfatizando que, apesar delas, é

possível ensinar de forma que o conteúdo seja significativo para os alunos. Cunha

(1994, p.55), apoiado na premissa de Dewey segundo a qual a educação deve

preparar para a vida, afirma que:

Isso pode ser facilitado pelo uso de recursos tais como laboratórios, oficinas e atividades de jogos e dramatizações, a serem empregados sempre em associação com a sala de aula. Dewey sugere que a ausência desse aparelhamento de apoio ao professor não deve servir de justificativa para que este se dê por vencido e se acomode a métodos tradicionais. Pode-se utilizar as próprias matérias já trabalhadas com os alunos como objetos do ato de pensar; os conhecimentos do dia anterior devem ser interligados às lições de hoje, o que coloca o educando em condições de iluminar as experiências cotidianas e aplicar sobre elas os conhecimentos adquiridos na escola.

Dessa forma, vejo que é possível ensinar de forma significativa no ensino de

ciências, desde que a dimensão política do termo seja resgatada como forma de

contribuir para a formação de cidadãos/ãs críticos e participativos. Portanto, o ensino

contextualizado pode ser realizado no cotidiano das aulas de ciências, uma vez que,

em que pese o caráter ideológico da reforma, com sua finalidade explícita da

inserção no mundo produtivo, os princípios da reforma – interdisciplinaridade e

contextualização – podem ser utilizados pelos professores na perspectiva de, como

nos faz lembrar Freire (1992) apud Chaves (2001, p.6) construir nossa rebeldia feita

de aparente acomodação.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As carências do sistema de ensino público são tão grandes e a realidade tão dura e sofrida que considerar o professor responsável é, no mínimo, leviano. Só atuando em diversas frentes e simultaneamente, resolveremos uma situação tão complexa como a do ensino no Brasil. (BIZZO, 2002, p.12).

Acredito que seja cedo para se falar em considerações finais em um processo

que se encontra no início, e que, portanto, está em aberto. Aliás, o processo de

pesquisa, assim como as demais produções acadêmicas, é sempre algo em aberto,

sujeito a novas reformulações, ressiginificações e redirecionamentos. Nesse sentido,

esboçarei aqui reflexões que me inquietaram (e me inquietam) no decurso da

pesquisa.

Quando destaco a fala de Bizzo na epígrafe acima não o faço na intenção de

redimir os professores diante das limitações e obstáculos impostos à sua prática, mas

na perspectiva de lembrar que o sistema de ensino está inserido num contexto social

mais amplo, e o professor é apenas um elo desse sistema.

Em se tratando da temática abordada – a contextualização e a

interdisciplinaridade no ensino de ciências – apesar desta não se constituir novidade

no meio educacional, sabemos da distância em que estas se encontram dos cursos de

formação de professores, nos quais ainda predomina a racionalidade técnica e o

ensino fragmentado e compartimentalizado, com pouca flexibilidade curricular. Essa

é a herança da modernidade impregnada em nossa subjetividade e em nossas práticas

da qual temos dificuldades de nos desvencilhar. Nas palavras de Domingues et al

(2002, p. 7)

Ocorre, porém, que a interdisciplinaridade e a contextualização não são coisas novas. O difícil é transformar isso em realidade, ou seja, em práticas escolares cotidianas. As dificuldades vão além da questão epistemológica e os obstáculos de ordem pessoal, institucional e de formação de professores adquirem relevância.

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Para se desenvolver práticas interdisciplinares nas escolas, além de uma nova

compreensão do conhecimento como algo não fragmentado, é necessário assumir

novas posturas em relação a este conhecimento, como defende Fazenda (1996),

dispor de condições institucionais/materiais e de possibilidade de formação inicial e

continuada embasada em novo paradigma de educação. Acredito que são nessas

“frentes”, como lembra Bizzo, que se deve atuar para se tratar das questões da

interdisciplinaridade e da contextualização no ensino.

Penso que a responsabilidade na direção de prática interdisciplinares nas

escolas não deve recair nas universidades, mas concordo com Pierson e Neves (2001)

quando afirmam que os cursos de formação inicial (licenciaturas) são pontos

estratégicos a serem focalizados se quisermos possibilitar mudanças na direção

desejada. É necessário, além disso, a criação de dinâmicas de formação continuada

que possibilitem o desenvolvimento das competências necessárias para enfrentar os

desafios da educação na contemporaneidade. O papel do Estado na promoção de

políticas públicas para atender essas demandas ganha relevância.

Desta feita, não podemos discutir interdisciplinaridade sem abordar seus

obstáculos e desafios. Como vimos, a literatura educacional que trata do tema

apresenta fartas discussões sobre os obstáculos e desafios da interdisciplinaridade

que se traduzem em concepções com os mais variados enfoques, alguns românticos e

idealistas, outros esperançosos e utópicos, mas centrados no chão da materialidade

histórico-cultural. É difícil optar por uma concepção de interdisciplinaridade que

satisfaça nossos anseios por uma educação menos compartimentalizada, que

possibilite um olhar mais abrangente sobre os fenômenos que constituem nossa

realidade natural, social, cultural, portanto, histórica.

Tendo em vista essa dificuldade, faço a opção de resolvê-la de forma não

excludente (ou uma ou a outra), mas inclusiva, em que cabe a dimensão do “e”.

Dessa forma, acredito que a interdisciplinaridade (e a contextualização) exige

condições materiais e históricas para se concretizar na pesquisa e no ensino, mas, o

sujeito precisa “querer ser” interdisciplinar, o que significa que ela não pode ser

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imposta ao sujeito, mas ser buscada a partir de uma necessidade endógena. Ou seja,

as dimensões externas e internas precisam ser consideradas quando se aborda o

fenômeno interdisciplinar.

Faço minhas as palavras de Lüke (1994) quando se refere aos desafios que a

interdisciplinaridade evoca, mas que também podem se relacionar com a proposta da

contextualização no ensino. Nesse sentido, a realização de práticas de ensino

interdisciplinares e contextualizadas provoca,

(...) como toda ação a que não se está habituado, uma sobrecarga de trabalho, um certo medo de errar, de perder privilégios e direitos estabelecidos (...). A orientação pelo enfoque interdisciplinar para orientar a prática pedagógica implica em romper com hábitos e acomodações, implica em buscar algo novo e desconhecido. É certamente, um grande desafio. (LÜKE, 1994, p.88.).

Quando me aproprio dessas palavras não o faço de modo subserviente à

proposta de ensino contextualizado e interdisciplinar apresentada nos textos oficias.

Apenas acredito que, apesar de ressiginificadas no discurso oficial, a

interdisciplinaridade e a contextualização carregam em si enorme potencial para

buscarmos (e lutarmos por) uma educação que possibilite a formação de seres

humanos críticos, capazes não apenas de compreender o mundo, mas buscar sua

transformação. Mesmo de forma contrária aos nossos anseios, as “torneiras da

instrução”, como nos lembra Freitas (1999), foram abertas para explorar o

trabalhador, mas podemos aproveitar essa abertura para educar esse

homem/cidadão/trabalhador, no sentido autêntico do termo “educação”.

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Anexos

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ROTEIRO DA ENTREVISTA COM OS PROFESSORES DE BIOLOGIA,

QUÍMICA E FÍSICA DO ENSINO MÉDIO

01. Formação e disciplina que ministra no ensino médio;

02. Tempo de atuação no ensino médio;

03. Mudanças ocorridas ao longo do tempo de atuação;

04. Como se sente diante das mudanças;

05. Sobre os PCNEM: como foi o contato com eles.

06. Mudanças ocorridas após o contato com os PCNEM;

07. Escola propõe promove reuniões para discutir interdisciplinaridade? Existem

propostas nessa direção?

08. Recursos e estratégias utilizadas para trabalhar de forma interdisciplinar;

09. Obstáculos e desafios do ensino interdisciplinar;

10. Recursos e estratégias utilizadas para trabalhar de forma contextualizada;

11. Obstáculos e desafios do ensino contextualizado;

12. Como se sente diante das mudanças propostas para o ensino médio.