21
Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009, Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural 1 INTERNACIONALIZAÇÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS FRIGORÍFICAS [email protected] Apresentação Oral-Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais GESSUIR PIGATTO; GIULIANA APARECIDA SANTINI. UNESP/ CAMPUS EXPERIMENTAL DE TUPÃ, TUPA - SP - BRASIL. Internacionalização das empresas brasileiras frigoríficas Grupo de Pesquisa: Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais Resumo O Brasil é o quarto maior produtor mundial de carne bovina, representando 10% de toda a produção, e o maior exportador mundial, com participação de 25% do mercado. Apesar da importância que o país possui no mercado internacional de carne bovina, somente a partir da segunda metade desta década as empresas brasileiras que atuam no setor passaram a ter uma participação ativa no processo de internacionalização das suas atividades produtivas e econômicas. A aquisição de indústrias em diferentes mercados e continentes se tornou uma estratégia corrente entre os principais grupos exportadores de carne brasileiros, como forma de contornar as restrições comerciais impostas por alguns dos principais mercados consumidores, como Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul. A possibilidade de atender mercados mais exigentes e com melhor remuneração, atraiu o interesse destes grupos sobre empresas localizadas em países da América Latina, Austrália, Estados Unidos e Europa. Além disso, a possibilidade de estar mais próximo do mercado consumidor, adquirir conhecimento sobre os canais de distribuição e divulgar a marca da empresa também foram decisivos no processo de internacionalização observado no setor. Dessa forma, este artigo tem como objeto principal analisar o processo de internacionalização das empresas frigoríficas de carne bovina do país, sendo que especificamente pretende-se: i) analisar o panorama mundial do mercado de carne bovina (potencial e restrições desse mercado); ii) analisar as estratégias de internacionalização utilizadas pelas empresas frigoríficas brasileiras, tão bem como as vantagens buscadas pelas mesmas por meio desse processo. Palavras-chaves: carne bovina, indústria, estratégia, barreiras, internacionalização Abstract Brazil is the world’s fourth largest producer of bovine meat, representing 10% of the whole production, and the major exporter, participating with 25% of the market. Although the country has an important participation in the bovine meat world market, it was only after the second half of this decade that Brazilian companies started to participate actively in the internationalization process of its productive and economic activities. The acquisition of industries in several markets and continents became a current strategy among the greatest Brazilian exporters of meat as a way to deal with the commercial restrictions

INTERNACIONALIZAÇÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS … · O Brasil é o quarto maior produtor mundial de carne bovina, ... uma participação ativa no processo de internacionalização

  • Upload
    trandan

  • View
    213

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

1

INTERNACIONALIZAÇÃO DAS EMPRESAS BRASILEIRAS FRIGOR ÍFICAS [email protected]

Apresentação Oral-Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e

Cadeias Agroindustriais GESSUIR PIGATTO; GIULIANA APARECIDA SANTINI.

UNESP/ CAMPUS EXPERIMENTAL DE TUPÃ, TUPA - SP - BRASIL.

Internacionalização das empresas brasileiras frigoríficas

Grupo de Pesquisa: Estrutura, Evolução e Dinâmica dos Sistemas Agroalimentares e Cadeias Agroindustriais

Resumo O Brasil é o quarto maior produtor mundial de carne bovina, representando 10% de toda a produção, e o maior exportador mundial, com participação de 25% do mercado. Apesar da importância que o país possui no mercado internacional de carne bovina, somente a partir da segunda metade desta década as empresas brasileiras que atuam no setor passaram a ter uma participação ativa no processo de internacionalização das suas atividades produtivas e econômicas. A aquisição de indústrias em diferentes mercados e continentes se tornou uma estratégia corrente entre os principais grupos exportadores de carne brasileiros, como forma de contornar as restrições comerciais impostas por alguns dos principais mercados consumidores, como Estados Unidos, Japão e Coréia do Sul. A possibilidade de atender mercados mais exigentes e com melhor remuneração, atraiu o interesse destes grupos sobre empresas localizadas em países da América Latina, Austrália, Estados Unidos e Europa. Além disso, a possibilidade de estar mais próximo do mercado consumidor, adquirir conhecimento sobre os canais de distribuição e divulgar a marca da empresa também foram decisivos no processo de internacionalização observado no setor. Dessa forma, este artigo tem como objeto principal analisar o processo de internacionalização das empresas frigoríficas de carne bovina do país, sendo que especificamente pretende-se: i) analisar o panorama mundial do mercado de carne bovina (potencial e restrições desse mercado); ii) analisar as estratégias de internacionalização utilizadas pelas empresas frigoríficas brasileiras, tão bem como as vantagens buscadas pelas mesmas por meio desse processo. Palavras-chaves: carne bovina, indústria, estratégia, barreiras, internacionalização Abstract Brazil is the world’s fourth largest producer of bovine meat, representing 10% of the whole production, and the major exporter, participating with 25% of the market. Although the country has an important participation in the bovine meat world market, it was only after the second half of this decade that Brazilian companies started to participate actively in the internationalization process of its productive and economic activities. The acquisition of industries in several markets and continents became a current strategy among the greatest Brazilian exporters of meat as a way to deal with the commercial restrictions

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

2

imposed by some of the main consumers, as the United States, Japan and South Korea. The possibility of serving more demanding markets and with better paying has attracted the interest of these groups in companies located in Latin American countries, Australia, the United States and Europe. Also, the possibility of being closer to consumers, getting knowledge about the distribution channels and making the company’s name popular were of great importance in the internationalization process observed in this sector. Thus, this article aims to analyze the internationalization process of slaughterhouses of bovine meat in the country, and we specifically intend to: i) analyze the world panel of the bovine meat market (its capacity and restrictions); ii) analyze the internalization strategies used by Brazilian slaughterhouses and the intended advantages through this process . Key Words: meat bovine, industry, strategics, restrictions, internationalization.

1. INTRODUÇÃO

O Brasil é o quarto maior produtor mundial de carnes, sendo responsável por 10% de toda a produção. À sua frente concorrem países como China (27,3%), Estados Unidos (18,2%) e União Européia (17,5%). Somados, esses países concentram 70% da produção de aves, 83% da produção de suínos e 60% da produção de bovinos no mundo. Entretanto, é importante destacar que o país apresentou as maiores taxas de crescimento na produção, no período entre 2004 e 2008, para os três produtos (USDA, 2008).

Em função do tamanho da sua população, do nível de renda e das taxas de crescimento, União Européia, China, Estados Unidos e Brasil, que são os principais players do mercado de carne, também são responsáveis pelo consumo de 153 milhões de toneladas de carne/ano, ou 66% de todo o consumo mundial.

No caso específico do mercado de bovinos, o rebanho de aproximadamente 200 milhões de cabeças existente no território nacional produziu em 2008, cerca de 9,8 milhões de toneladas de carne, o que faz do país o segundo maior produtor de carne bovina do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Apesar de o rebanho brasileiro ser superior ao norte-americano, os índices de produtividade obtidos naquele mercado faz com que a produção norte-americana seja 20% maior que a brasileira.

Em termos de consumo, entretanto, o país fica atrás não apenas dos norte-americanos (12,5 milhões de toneladas), mas também da União Européia (8,5 milhões). A demanda nacional de 7,2 milhões de toneladas representa um consumo per capita de 37 kg/ano, abaixo do consumo de países como Argentina, Uruguai e do próprio Estados Unidos (USDA, 2008).

As vantagens técnicas e econômicas apresentadas pela produção pecuária nacional permitem reduzir os entraves da baixa produtividade. No elo de produção pecuária, algumas vantagens competitivas - dentre elas, o fato do Brasil possuir enormes áreas de pastagens disponíveis - permitem ao país oferecer no mercado internacional um animal com qualidades diferenciadas, criado de forma ambientalmente mais adequada.

A possibilidade de oferecer uma grande quantidade de animais, criados unicamente a pasto, permite às empresas nacionais criarem estratégias de comercialização no mercado internacional. A venda de carne, a partir de animais que foram criados de maneira livre (bem-estar animal), alimentados apenas por pasto (ecologicamente correto), e sem a necessidade do uso de elevadas quantidades de grão na alimentação (o que não pressionaria os preços dos alimentos), deve ser amplamente explorada pelo setor pecuário

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

3

brasileiro. O boi criado predominantemente a pasto merece destaque pelo fato das pessoas acreditarem que sua carne seria mais saudável que a produzida por meios mais intensivos.

Além disso, o país também tem investido no aumento da produtividade desses animais, seja por meio da melhoria genética (ainda com falhas) ou pelo sistema de produção, onde os animais são confinados.

Com grandes áreas de terra e baixo volume de capital, a tendência brasileira é adotar o sistema de confinamento apenas na terminação dos animais, notadamente no período de entressafra. Entre as vantagens do sistema, está a possibilidade de reduzir a idade de abate do animal; acelerar o giro de capital, com retorno mais rápido dos valores investidos na engorda, e reduzir a ociosidade dos frigoríficos no período de entressafra.

Desde 2002, o crescimento no número de animais confinados pelas maiores empresas do setor no Brasil foi de 186,8%, passando de 438 mil em 2002, para 1,25 milhões em 2007, e a previsão para 2008 é de 1,7 milhões de animais (CAVALCANTI e CAMARGO, 2008)1. O país possui um rebanho de aproximadamente 200 milhões de cabeças, sendo que o confinamento deve representar um volume inferior a 5% da produção nacional. Para comparação, em 2006, nos Estados Unidos, o confinamento foi superior a 24,4 milhões de animais, ou cerca de 66% do rebanho abatido naquele país2 (DIAS, 2007).

Esses grandes confinamentos compram os bezerros dos produtores e engordam os animais até a terminação, para posterior venda para os frigoríficos. A diferença ficaria pela forma de alimentação, onde no Brasil é possível aos confinadores alimentar o animal a base de volumosos, ao invés de grãos como no modelo norte-americano.

O país possui algumas características que podem tornar o confinamento altamente competitivo, notadamente pela oferta de animais para engorda e o baixo custo de produção dos grãos, que são utilizados como parte da alimentação dos animais. Com a produção brasileira de grãos localizada nos estados do Centro-Oeste brasileiro (Goiás, Mato Grosso, Tocantins), e a produção de cana-de-açúcar em São Paulo, os confinamentos localizados próximos às divisas desses estados podem se beneficiar também da redução dos custos logísticos de transporte com a alimentação (ração ou bagaço de cana)

Dentre os setores de processamento de proteína animal, há que considerar que o setor industrial da pecuária de corte nacional foi o último a organizar as suas atividades, algo que ainda não está consolidado. Isso por que o setor sempre foi conhecido pelos problemas envolvendo a elevada clandestinidade das indústrias frigoríficas, uso de “laranjas” para constituição das empresas, falta de profissionalismo na administração das empresas, problemas de relacionamento comercial entre produtores e indústrias processadoras, e dificuldade em solucionar problemas sanitários, notadamente a febre aftosa.

Assim, observa-se que nos últimos anos, o setor passou por algumas mudanças significativas, principalmente nas ações envolvendo as indústrias frigoríficas, que até o final da década de 1990 eram extremamente fragmentadas (poucas empresas tinham atuação nacional), com um parque industrial ocioso e tecnologicamente atrasado.

O aumento da demanda interna por proteína animal, provocado pela estabilização econômica; e, a abertura de novos mercados no exterior, decorrente de problemas 1 A pesquisa feita pela empresa abrange 50 dos maiores confinamentos do país, que possuem uma capacidade instalada para receber aproximadamente 885 mil animais. 2 Esse volume de animais confinados é resultado de pesquisa feita com 2.165 confinamentos, que possuem capacidade superior a 12 milhões de cabeças.

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

4

climáticos e sanitários, permitiu que as empresas brasileiras promovessem uma revolução tecnológica e administrativa.

Hoje, o país possui algumas das mais importantes indústrias frigoríficas do mundo, com presença nos principais mercados mundiais (estruturas industriais nos países fornecedores, e centros de distribuição em alguns dos principais mercados consumidores).

Nesse contexto, este artigo tem como objeto principal analisar o processo de internacionalização das empresas frigoríficas de carne bovina do país. A internacionalização pode ser compreendida como o processo de concepção do planejamento estratégico e sua respectiva implementação, para que uma empresa passe a operar em outros países - seja produzindo ou somente comercializando - diferentes daquele no qual originalmente atua (ALMEIDA, 2007).

De modo específico, os objetivos do trabalho são: i) analisar o panorama mundial do mercado de carne bovina (potencial e restrições desse mercado); ii) analisar as estratégias de internacionalização utilizadas pelas empresas frigoríficas brasileiras, tão bem como as vantagens buscadas pelas mesmas por meio desse processo.

Para responder a esses objetivos, o artigo foi estruturado em cinco seções. Após esta introdução, a segunda seção destaca o método utilizado na pesquisa. Na terceira e quarta seção, discute-se, de modo analítico, o panorama mundial do mercado da carne bovina (com suas potencialidades e restrições), e as estratégias de internacionalização utilizadas pelas empresas brasileiras. Essas análises são feitas com a contribuição de teorias relacionadas à área de Economia e Estratégias Internacionais. Na quinta seção, algumas considerações são feitas com base nas análises desenvolvidas.

2. METODOLOGIA

O principal método utilizado para a realização deste trabalho foi um levantamento

bibliográfico de caráter qualitativo para se obter um embasamento teórico e a definição de conceitos empregados na pesquisa. Esse levantamento foi realizado por meio de sites, artigos científicos e livros que trouxessem contribuições teóricas (da área da Economia e Estratégias Internacionais, para compreensão do processo de Internacionalização das empresas brasileiras), e também setoriais, específico ao segmento de processamento da carne bovina.

As abordagens qualitativas são especialmente úteis para determinar as razões ou os porquês. Deste modo, a pesquisa qualitativa tem se mostrado uma alternativa bastante interessante, enquanto modalidade de pesquisa em uma investigação científica, pois além de contribuir com a realização do trabalho de pesquisa, é útil para firmar conceitos e objetivos a serem alcançados, e dar sugestões sobre variáveis a serem estudadas com maior profundidade (ACEVEDO e NOHARA, 2006).

Como forma de analisar o panorama mundial da carne bovina foi utilizada como metodologia de pesquisa os métodos quantitativos, a partir da coleta de dados secundários referente à oferta (produção e importação) e demanda (consumo e exportação), da carne bovina no âmbito mundial. Visando dar suporte a estas informações, foram realizadas análises descritivas, com base em métodos qualitativos pesquisados.

O Método Quantitativo, de acordo com Richardson et al. (1999) apud Marconi e Lakatos (2004) é caracterizado pelo emprego da quantificação, tanto nas modalidades de coleta de informação, quanto no tratamento delas por meio de técnicas estatísticas. Boudon

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

5

(1989, p. 24) em seus estudos realizados sobre os métodos em sociologia ressalta que “[...] as Pesquisas Quantitativas podem ser definidas como as que permitem recolher, num conjunto de elementos, informações comparáveis entre um elemento e outro”.

Para o levantamento e coleta de dados setoriais (quantitativos e qualitativos) foram utilizados como base de dados, os trabalhos acadêmicos já existentes (monografias, dissertações e teses); artigos de jornais; periódicos; informações de trabalhos realizados por instituições específicas, como United States Department of Agriculture (USDA), Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC), Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (ICONE) etc. Além destas, as informações das próprias empresas, obtidas por meio de relatórios anuais foram cruciais para a análise das estratégias de internacionalização das mesmas.

3. RESULTADOS E DISCUSSÕES 3.1 Panorama mundial do mercado da carne bovina (potencialidades e restrições)

Com uma demanda estimada em quase 60 milhões de toneladas em 2008, o consumo de carne bovina cresceu mais de 5% nos últimos cinco anos (2004/2008), puxado principalmente pelo crescimento da demanda chinesa e brasileira. Dos quatro maiores consumidores do mundo (Estados Unidos, União Européia, Brasil e China), Brasil e China foram os únicos países que apresentaram um crescimento de demanda pelo produto, no período.

Enquanto os Estados Unidos e a União Européia reduziram sua demanda em quase 1% no período, o Brasil teve um crescimento de 12%, e a China, de 10,5%, apontando um consumo de 7,3 milhões e 6,2 milhões de toneladas, respectivamente (USDA, 2008).

Entretanto, é importante considerar a redução do volume de crédito disponível no mercado internacional, e o custo de acesso a esses recursos, que devem afetar o consumo mundial de alimentos de uma maneira geral, incluindo a demanda pela proteína animal, no curto prazo. 3 A carne bovina (e também a suína) deve sofrer os maiores impactos, em função da sua maior elasticidade em relação à renda, quando comparada à carne de frango. Isso deve ficar mais nítido nos países em desenvolvimento, como o Brasil, onde o crescimento na renda é variável primordial para o crescimento da demanda por este tipo de proteína. A substituição por produtos mais barato, como alternativa à manutenção do consumo de carnes, poderá reduzir o crescimento da demanda por cortes específicos de bovinos.

Os consumidores brasileiros poderão, por outro lado, se beneficiar da redução das exportações brasileiras de carne bovina. Em 2008, pela primeira vez desde 1996, o Brasil deverá registrar queda nas exportações do produto em relação ao ano anterior. As previsões para as exportações brasileiras de carne bovina, em 2008, estão em 1,9 milhão de toneladas, contra as 2,1 milhões de 2007 (USDA, 2008). Com isso, as indústrias de

3 A previsão feita pelo FMI de crescimento de 0,5% para a economia mundial em 2009, e de 3,3% para economias emergentes e em desenvolvimento, não deverá ser suficiente para manter o consumo mundial de carnes. A população deverá, de maneira geral, reduzir seus gastos, inclusive com alimentos, como forma de se prevenir de conseqüências maiores da crise econômica.

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

6

processamento são obrigadas a destinar um maior volume de carne para o mercado interno, pressionando para baixo o preço do produto, o que beneficia o consumidor final.

Com relação à queda na demanda dos Estados Unidos e dos países da União Européia, esta está atrelada a uma alteração do comportamento do consumidor, que pode estar associado, em parte, aos casos de vaca louca e febre aftosa que atingiram esses mercados entre 2003 e 2004. Além dos problemas envolvendo questões sanitárias, o envelhecimento da população (queda nas taxas de natalidade e aumento da idade da população), a busca por qualidade de vida (associada à redução no consumo de proteína), e o aumento das barreiras comerciais impostas aos países exportadores também explicam a queda na demanda. Os fatores associados ao envelhecimento da população e a busca por melhor qualidade de vida podem também levar ao entendimento de que o mercado de proteína animal, da forma como se encontra hoje, está chegando a um ponto de saturação.

Quase metade do consumo norte-americano de carne bovina ocorre por meio do consumo fora do lar, principalmente em restaurantes de fast-food e alimentação casual. Com a crise econômica que atinge fortemente o país, as empresas que oferecem esse tipo de produto, e conseqüentemente, as indústrias fornecedoras são as mais afetadas.

Apesar disso, os Estados Unidos ainda são os maiores consumidores do mundo, com uma demanda de 12,5 milhões de toneladas, seguido da União Européia, com uma demanda de 8,5 milhões de toneladas (USDA, 2008).

Pela primeira vez em cinco anos, no ano de 2008 foi possível observar uma queda nas importações mundiais de carne bovina. Essa queda está concentrada em cinco dos seis maiores importadores mundiais: Estados Unidos, Rússia, Japão, União Européia e Coréia do Sul. Apenas o México apresentou um crescimento das importações mundiais em 2008, em relação a 2007. Desses mercados, apenas a Rússia não possui fortes restrições à importação de carne bovina, porém, constantemente usa do fato de ser o segundo maior importador do mundo, para renegociar e diminuir os preços pagos pelo produto importado.

O baixo crescimento no consumo dos maiores mercados consumidores (principalmente Estados Unidos e União Européia) não deve se transformar em falta de oportunidades para os produtores brasileiros. Além de remunerarem melhor a tonelada da carne consumida, o aumento dos custos de produção nesses países está levando à redução da produção local, abrindo oportunidade para os países exportadores.

Além disso, as previsões de crescimento apontam para novos destinos. Para os próximos anos, é esperado um maior crescimento no consumo da Ásia (Oriental e Sudeste), América Latina, Oriente Médio e Norte da África, como conseqüência das taxas de crescimento da população e da renda per capita desses países. Estudo realizado pelo departamento de agricultura norte-americano mostra que o crescimento da renda per capita da população, e um maior número de países entrando no mercado mundial devem ser os principais motores do crescimento da demanda por proteína animal até 2015 (USDA, 2006).

A manutenção do crescimento econômico chinês também irá levar a uma maior diversificação na alimentação por parte dos consumidores chineses, estimulando o crescimento pela demanda de carnes, dentre elas, a bovina (4,7 kg/pessoa/ano). Apesar de não ser um grande importador de carne, principalmente da carne bovina, o potencial de consumo - determinado pelo tamanho do mercado consumidor chinês (tamanho da população interna e baixa demanda atual per capita) -, torna aquele país, um destino

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

7

obrigatório para qualquer exportador mundial. O gargalo chinês em atender a sua demanda interna por proteína animal está, principalmente, na escassez de terra para pastagens.

A maior parte dos países que terão um crescimento mais significativo no consumo per capita, e conseqüentemente, no consumo total, não produzem um volume suficiente para atender à demanda que irá surgir. Ao mesmo tempo, os principais países consumidores, apresentam estabilidade ou redução da sua produção, fazendo com que a demanda (mesmo estável) não seja completamente atendida. Esse cenário criará novas oportunidades de negócio para as empresas localizadas em países com potencial para aumento da produção, sem problemas ambientais, sanitários ou de outra forma de restrição.

O acesso a esses mercados, principalmente por parte do Brasil irá depender das restrições impostas no âmbito do comércio internacional. É natural que quando um país exporta, ou busca abrir novos mercados, tenha que cumprir certos requisitos solicitados ou impostos pelos países importadores, como a realização de visitas e auditorias, análise de riscos, oferecimento de garantias de qualidade e da origem do produto, comprovação da não ocorrência de doenças e pestes, apresentação de certificados sanitários e fitossanitários, rastreabilidade, entre outras exigências.

O problema é que muitas vezes, o processamento dessas informações é demorado ou muito rigoroso. Essas ações podem criar situações, intencionalmente ou não, que dificultam ou mesmo inviabilizam as exportações, sejam por questões técnicas, sejam por questões burocráticas ou administrativas (LIMA e BARRAL, 2007).

Esse cenário de crescentes restrições comerciais pode ser justificado, no caso dos países da América Latina, pela sua maior abertura comercial, iniciada na metade da década de 1980, que trouxe conseqüências também nas relações econômicas e comerciais em todo o mundo. Esse processo resultou em uma competitividade determinada pela capacidade dos governos em praticar subsídios, seguidos de proteções tarifárias e não-tarifárias. Os subsídios, muito praticados pelos Estados Unidos e União Européia, desde as décadas de 1930, por meio de suas políticas agrícolas, podem ser utilizados tanto para estimular a produção doméstica como as exportações. Os subsídios, apesar de serem classificados como políticas que impedem/ retardam a maior competitividade dos produtores e que aumentam os dispêndios dos governos, é avaliado como menos prejudicial que as tarifas, uma vez que estas trazem a distorção no preço pago pelos consumidores (CARBAUGH, 2004).

À medida que os países passaram a rediscutir essas políticas no âmbito das negociações internacionais (Rodadas de Negociação da Organização Mundial do Comércio), novos instrumentos foram sendo criados para dificultar as importações, tomando maior forma as barreiras não-tarifárias. Estas incluem questões administrativas relacionadas ao comércio internacional e técnicas; estas últimas privilegiam requisitos de segurança de pessoas e bens, saúde, segurança sanitária e fitossanitária, prevenção da concorrência desleal, proteção do meio ambiente, segurança nacional, entre outros (INMETRO, 2005).

Na próxima seção, essas questões serão tratadas de modo específico às barreiras que restringem o maior acesso da carne bovina brasileira no mercado internacional. 3.1.1 Restrições enfrentadas pelo Brasil no mercado mundial de carne bovina

As barreiras não-tarifárias acabam por influenciar de maneira decisiva a demanda do consumidor. Os consumidores do mundo todo estão mais exigentes quanto a fatores

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

8

como qualidade, responsabilidade ambiental e social, ao demandarem produtos, principalmente os agroalimentares, como é o caso da carne bovina. Exigências estabelecidas pelas grandes redes varejistas, principalmente as sediadas nos países europeus, têm levado as empresas produtoras de carne, em especial as exportadoras, a realizarem investimentos visando atender a uma série de requisitos técnicos, estruturais e organizacionais na produção animal. As normas EUREPGAP, implantadas por redes varejistas como Tesco e Carrefour, destacam além de questões relacionadas à qualidade e inocuidade dos alimentos, preocupação com a forma com que os alimentos são produzidos, dando destaque para a preservação ambiental, saúde e segurança dos trabalhadores e bem-estar animal.

Para Leamir (1989), citado por Miranda (2001), o que leva ao aumento das barreiras não-tarifárias é o fato de seus efeitos de redistribuição não poderem ser mensurados de forma exata, sendo apenas supostos. Dessa forma, as reações políticas a esse tipo de barreira são menores do que em relação às barreiras tarifárias.

O mercado de carne bovina já possui uma divisão entre os países que possuem restrições para a importação de carne e um nível de renda elevado, e com isso adquirem apenas cortes de qualidade superior, como Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos, Canadá4; e os países que não possuem restrições à importação do produto, mas possuem como característica, a importação de cortes de segunda linha, até por possuírem um nível de renda mais baixo, como é o caso da Rússia e do Egito. Estes dois últimos mercados são atendidos principalmente pelo Brasil, enquanto Japão e Coréia são atendidos pelos Estados Unidos e pela Austrália.

Como forma de melhor visualização dessas barreiras sobre o mercado brasileiro, o quadro 1 traz um resumo das principais dificuldades encontradas pelas empresas brasileiras para exportação aos mercados norte-americano e europeu.

Quadro 1. Barreiras impostas pelos Estados Unidos e União Européia à importação de carne bovina do

Brasil País Barreiras

Estados Unidos

Barreiras não-tarifárias: Técnicas - não existem acordos sanitários para comercialização. Administrativas - exigência de licenciamento de importação. Barreiras tarifárias:

� Taxa de processamento de mercadoria, fixada em 0,21% com valor máximo de US$ 485 e mínimo de US$ 25.

� Taxa de manutenção portuária, taxa ad valorem de 0,125%.

União Européia

Barreiras não-tarifárias (sanitárias e fitossanitárias): exigências relativas à rastreabilidade individual de bovinos, bem como a rastreabilidade dos cortes exportados e a sua ligação com os animais que deram origem ao produto. Exige-se a maturação sanitária da carne bovina, a permanência dos bovinos por 90 dias na área aprovada pela UE e por 40 dias na última propriedade anterior ao abate. Exige-se controle de questões relativas à sanidade animal, como programas de monitoramento soro-epidemiológico para febre aftosa. Tarifas de importação:

� Cota Hilton

4 Esses países fazem parte do Bloco do Pacífico (em função da localização geográfica), e proíbem as importações de carne bovina in natura de países aonde ainda existam riscos de novos focos de febre aftosa e possuam programas ativos de vacinação do rebanho bovino contra esta doença.

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

9

� Cota Gatt � Cota A & B

Subsídios Fonte: elaboração própria dos autores com base em informações do MAPA, MDIC e Icone Brasil

No caso dos Estados Unidos, o maior problema para a exportação de carne bovina

brasileira são as barreiras técnicas, pois não há equivalência de processos de verificação sanitária, nem reconhecimento de áreas livres ou de baixa intensidade de enfermidades (SABADIN, 2006).

A União Européia encontra-se em um nível intermediário, uma vez que possui restrições parciais, nos cortes mais nobres para a importação de carne de países com problemas sanitários, como o Brasil, mas é uma grande consumidora de cortes de segunda linha.

As restrições sanitárias dificilmente serão retiradas em um curto espaço de tempo, levando as questões relacionadas ao controle da sanidade sobre os produtos de origem animal e, conseqüentemente, a qualidade dos alimentos, a influenciarem de maneira decisiva a dinâmica do comércio mundial, estabelecendo novos parâmetros de competitividade associados aos processos de certificação (DIAS e SOUZA, 2006).

No caso das barreiras sanitárias, as exportações de bovinos (e também suínos) brasileiros para diversos países consumidores são vetadas, ou restringidas, em função principalmente da febre aftosa, que afeta os dois tipos de animal. Apesar de não ser contagiosa para os seres humanos, a febre aftosa provoca perdas econômicas significativas, afetando não apenas o comércio entre os países, mas também a redução de produtividade dos rebanhos, gerando prejuízos para os produtores.

O fato de o vírus permanecer ativo fora do animal hospedeiro (quando este é abatido), e se reproduzir, restringe a comercialização (importação) por parte dos países que já não apresentam focos do vírus. O vírus sobrevive 24 horas em carcaças/músculos, aproximadamente duas semanas no meio ambiente (temperatura moderada), e até mesmo meses, em ossos congelados, no sangue ou em vísceras (OIE, 2008).

A União Européia também se destaca na imposição de barreiras comerciais em relação à importação de produtos derivados da pecuária de corte. Os cortes nobres da carne bovina brasileira são exportados para a União Européia dentro dos limites estabelecidos pela Cota Hilton. Além dessa, outros dois tipos de cotas de importação incidem sobre a carne bovina in natura no mercado europeu, sendo elas a Cota GATT e a Cota A&B (SABADIN, 2006).

A Cota Hilton é a que a União Européia distribui entre os países que exportam carne bovina in natura fresca, resfriada ou congelada para o seu mercado, variando de acordo com cada país. Essas cotas possuem uma taxa de importação de 20% ad valorem (tarifa que incide sobre o valor da mercadoria). A cota brasileira é de 5 mil toneladas anuais, que são distribuídas entre as empresas, conforme a Portaria n.o 13, de 20 de junho de 2006. Dessa forma, envolve cortes selecionados com altos preços; de maneira geral, uma tonelada de carne da Cota Hilton equivale a várias toneladas de outras carnes de qualidade inferior. Enquanto o Brasil conta com apenas 5 mil toneladas de Cota Hilton, a Argentina tem 28 mil toneladas, e o Uruguai, 8,3 mil toneladas. Participam também da Cota Hilton, a Austrália, a Nova Zelândia, os Estados Unidos e o Canadá, entre outros países (MOURA e MEISTER, 2007).

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

10

A Cota GATT surgiu na década de 1970, quando a Europa restringiu a importação de carne in natura congelada em 54.000 toneladas, variando de acordo com as necessidades dos países que compõem a União Européia. Conforme Miranda (2001) citado por Moura et al (2007), 80% dessa cota é dividida entre os importadores europeus, com o objetivo de premiar os importadores tradicionais, restando aos novos importadores a divisão do restante. A distribuição da cota ocorre por licenças de importação, e as empresas podem comprar a carne bovina de qualquer país. Essa cota é menos valorizada que a Cota Hilton, pois inclui outros cortes do quarto traseiro de qualidade inferior, admitindo animais mais pesados de 480 kg (MOURA e MEISTER, 2007).

A Cota A&B, que vigorou até o início de 1980, sendo substituída pela Autônoma Extra entre 1988 e 1993, foi reintroduzida na década de 1990 e incide sobre a carne congelada da indústria exportadora. O Brasil detém direito de aproximadamente 5 mil toneladas, do total de 50 mil toneladas, em peso equivalente-carcaça da cota (MOURA e MEISTER, 2007).

Além das barreiras sanitárias, outra barreira que pode ameaçar as exportações brasileiras (se for colocada em prática), envolve questões de ordem ambiental. Há uma crescente tendência no sentido de se tratar as questões ambientais no âmbito das negociações comerciais, uma vez que elas repercutem, cada vez mais, na formulação de políticas e regulamentações públicas, no comportamento das sociedades, nos padrões de consumo e da produção e, conseqüentemente, na competitividade dos países.

Embora haja uma relação comercial entre os países, possibilitado pelo processo de globalização, cada país apresenta uma condição econômica, social, política e também, ambiental. Assim, as normas, regulamentos e legislações estabelecidas por blocos econômicos, como principalmente, União Européia, em relação a suas relações comerciais com outros países, em temáticas como, meio ambiente, responsabilidade social, sustentabilidade, podem responder como barreiras comerciais (QUEIROZ, 2005).

Conforme Young e Lustosa (2003), a busca de equilíbrio dos fluxos comerciais internacionais tem levado países desenvolvidos a impor barreiras não-tarifárias ambientais – ‘barreiras verdes’ –, alegando que os países em desenvolvimento possuem leis ambientais menos rigorosas que as suas, resultando em custos mais baixos – também chamados de dumping ecológico – e, conseqüentemente, menores preços praticados no mercado internacional

Nesse caso, os maiores prejuízos para a pecuária de corte seria pelo deslocamento dos rebanhos brasileiros, os quais estão se deslocando cada vez mais para o Norte do país, ocupando áreas desmatadas, como a Floresta Amazônica.

Segundo Smeraldi e May (2008), em 2007, a Amazônia Legal5 passou da marca histórica de 10 milhões de abates de bovinos, com um aumento de 46% em relação a 2004. Entre 1990 e 2006, a participação do rebanho bovino na região amazônica, em relação ao rebanho nacional, passou de 18% para 36%. De acordo com Platonow (2007), baseado no levantamento sistemático de produção agrícola divulgado pelo IBGE, o número de cabeças de gado na região da Amazônia Legal dobrou de 37 milhões em 1996, para 73 milhões em 2006, um crescimento três vezes maior do que a média nacional.

5 Parte da floresta amazônica que atinge o Brasil, formada por nove estados brasileiros, sendo eles o Acre (AC); Amapá (AP); Amazonas (AM); Mato Grosso (MT); Maranhão (MA); Pará (PA); Rondônia (RO); Roraima (RR) e Tocantins (TO).

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

11

Todas essas barreiras discutidas, ao mesmo tempo em que se apresentam como dificuldades para o acesso do Brasil aos mercados maduros dos países desenvolvidos da Europa, Ásia e América do Norte, levam as empresas a pensar e agir de modo estratégico quando da decisão de realização de investimentos produtivos, seja no Brasil, ou até mesmo em outros países. São esses investimentos, principalmente os de aquisição de fábricas concorrentes no mercado internacional que tem dinamizado ainda mais o processo de internacionalização das empresas brasileiras. Essas estratégias de investimento serão discutidas na próxima seção. 4.2 Estratégias de internacionalização das empresas

Apesar das restrições comerciais que afetam as exportações brasileiras de carne bovina, o país atende a mercados nos cinco continentes, com carne “in natura” ou “industrializada”.

Grande parte da carne que é exportada pelas empresas brasileiras chega ao seu destino final por intermédio de trading6, que importa o produto e os revende para o varejo ou food service. Muitas vezes, até mesmo a marca da empresa brasileira é substituída por outras, de produtores ou varejistas locais. Sem o acesso direto ao comprador, as empresas são obrigadas a dividir o lucro da venda do produto com as tradings.

Uma estratégia utilizada pelas empresas brasileiras para ter acesso aos principais mercados do mundo tem sido a aquisição de indústrias em países produtores que não enfrentam resistência para exportação (Uruguai, Argentina, Austrália), e nos grandes mercados consumidores (Estados Unidos e Europa). Assim, no período recente de quatro/ cinco anos, tem sido possível observar a aquisição de indústrias e/ou distribuidoras de carne na Europa e nos Estados Unidos. Com isso, as empresas aceleram o processo de aproximação com o consumidor, adquirindo uma marca já conhecida do público, ao mesmo tempo em que abre espaço para importar por meio desta empresa, os produtos processados em território nacional. Isso nos mercados que não possuem restrições às importações de carne brasileira; para os mercados com restrições, o acesso vem sendo feito por meio da compra de fábricas em países onde não existe a restrição, ou a importação a partir desses mercados.

Como exemplo, pode-se citar os investimentos diretos realizados por cinco das maiores empresas brasileiras (JBS Friboi, Marfrig, Bertin, Minerva e Independência) no exterior; sendo que três delas (JBS Friboi, Marfrig e Minerva) passaram por um dos principais crivos do mercado, ao abrirem seu capital na bolsa de valores. A estratégia de Investimento Direto Estrangeiro (IDE) é caracterizada pelo estabelecimento de subsidiárias da matriz da empresa no mercado desejado, ou somente de uma planta desenvolvida para executar processos de montagem de produtos, exportados do país de origem para o país de destino.7 Esta estratégia é definida como a de maior risco, porém a de maior potencial de lucros e menor distância em relação ao cliente final (CASSAR, 2004).

6 Uma trading é uma empresa de estrutura comercial, administrativa, financeira, com grande capacidade de detectar negócios, e concentrá-los nas diferentes partes do mundo. Geralmente são organizações que detêm conhecimento especializado, estrutura adequada e o aporte financeiro necessário para facilitar a colocação dos produtos no exterior, sendo ágeis, seguras e eficientes (MINERVINI, 1997). 7 A terminologia de Investimento Direto Estrangeiro é genérica, atendendo às situações em que uma empresa faz investimento produtivo em áreas externas ao seu país. No caso do Brasil, quando se trata dos

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

12

O quadro 2 apresenta as empresas adquiridas pelas empresas nacionais nos mercados sul-americano, europeu e norte-americano, a partir do ano de 2005.

Quadro 2. Aquisições feitas por frigoríficos brasileiros no mercado internacional Ano Empresa

Adquirente Empresa Adquirida País Atuação

2005 JBS Swift Argentina Bovinos 2006 Marfrig Tacuarembó Uruguai Bovinos 2006 Bertin Canelones Uruguai Bovinos 2006 Marfrig Elbio Perez Rodrigues Uruguai Bovinos 2006 JBS Venado Tuerto Argentina Bovinos 2006 JBS Pontevedra Argentina Bovinos 2007 Marfrig La Caballada Uruguai Bovinos e ovinos 2007 Marfrig Quikfood Argentina Bovinos 2007 Marfrig Best Beef S.A. e Estâncias del Sur Argentina Bovinos 2007 Marfrig Frigorífico Patagônia Chile Bovinos e ovinos 2007 Marfrig Quinto Cuarto Chile Bovinos 2007 Marfrig Establecimentos Colônia Uruguai Bovinos 2007 Marfrig Mirab Argentina/EUA Bovinos 2007 JBS Berazategui Argentina Bovinos 2007 JBS Colonia Caroya Argentina Bovinos 2007 JBS SB Holdings EUA Bovinos 2007 JBS Swift Foods Company EUA Bovinos e suínos 2008 JBS Inalca S.p.A. (50%) Itália Bovinos 2008 JBS Tasmangroup Austrália Bovinos 2008 JBS National Beef EUA Bovinos 2008 JBS Smithfield Beef EUA Bovinos 2008 Bertin Riggamonti (50%) Itália Bovinos 2008 Minerva Friasa S.A Paraguai Bovinos 2008 Marfrig OSI Europa Frangos 2008 Independência Fernando de LaMora Paraguai Bovinos

Fonte: JBS (2009), Marfrig (2009), Bertin (2009), Minerva (2009), Independência (2009).

Além das aquisições da JBS Friboi nos Estados Unidos, também ocorreram entre

2005 e 2008, a aquisição (total ou parcial) de empresas em países da América Latina, Europa e Austrália. Esse movimento de internacionalização, não apenas das empresas brasileiras, mas também das norte-americanas, é recente no setor, uma vez que nas últimas décadas foi possível observar uma atuação local das principais empresas mundiais. Com exceção da Swift (EUA), que possuía plantas industriais na Austrália, o que se observava eram empresas exportando para diversos mercados, basicamente a partir do país sede.

Apesar de estar em evidência o processo de internacionalização das indústrias frigoríficas de carne bovina, o que se observa ainda é um segundo processo. A própria história da indústria frigorífica brasileira tem em sua base as atividades de empresas norte-americanas (Swift, Armour e Wilson) e inglesas (Anglo) na década de 20 e mais intensamente na década de 40 do século passado. Todas essas empresas acabaram investimentos realizados pelas empresas brasileiras no exterior, o termo utilizado é Investimento Direto Brasileiro (IDB).

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

13

deixando o país e sendo adquiridas por outras indústrias, mesmo em seus países de origem; entretanto, foram elas que iniciaram o processo que agora retorna, com forte participação das empresas brasileiras.

Além da Swift, o mercado norte-americano era dominado pela Tyson e pela Cargill (Excel). As três empresas juntas foram responsáveis por 65% da produção norte-americana, em 2008 (TYSON, 2009). Em 2007, a empresa brasileira JBS Friboi adquiriu a Swift e, em 2008, a National Beef e a Smithfield, o que a transformaria na maior processadora de carne bovina do país, com aproximadamente 30% do mercado. O Departamento de Justiça dos Estados Unidos, entretanto, vetou a compra da National Beef Packing Company por parte da companhia brasileira, que em fevereiro de 2009 desistiu oficialmente de adquirir a empresa norte-americana. Com isso, a participação da empresa no processamento norte-americano deverá ficar próxima a 20%.

A forte presença brasileira no mercado internacional, por meio das exportações e da propriedade de empresas - além de atender a praticamente todo o mercado interno -, permite às empresas brasileiras que atuam no setor cárneo, uma situação de grande competitividade frente aos demais players internacionais que também atuam nesse setor. Isso por que essas aquisições ou parcerias trazem como vantagens conhecer melhor o mercado consumidor e buscar uma alternativa para atender mercados que não podem ser abastecidos diretamente pelas exportações feitas a partir do Brasil.

Outra vantagem competitiva assumida pelas empresas frigoríficas passa a ser a redução de custos (e se tornará ainda mais forte no longo prazo).8 Devido à necessidade de escala de produção e de custos baixos, os setores da economia que se caracterizam pela produção de commodities têm como uma de suas características principais, a existência de um pequeno grupo, normalmente de grandes empresas, com presença global e que concentram a maior parte da oferta do produto. A concentração de mercado nesses setores é conseqüência da própria dinâmica de produção e comercialização, exigindo a necessidade de grandes escalas de produção e preços baixos, para as empresas serem competitivas e terem condições de negociar com as empresas compradoras (normalmente redes varejistas que também possuem uma característica monopolista).

Os investimentos produtivos realizados pelas empresas brasileiras no mercado internacional possuem impacto importante, também, nos números do comércio exterior brasileiro, e de investimento direto.

As aquisições de empresas localizadas em outros países, ou até mesmo a construção de plantas industriais nesses países, assegura e expande mercados para bens e serviços dessas empresas, além de fortalecer a competitividade das empresas pela obtenção de economias de escala, efeitos de especialização de aprendizado e pelo fornecimento de uma maior base financeira para reinvestimentos e desenvolvimento tecnológico (ALÉM e CAVALCANTI, 2005; CORRÊA e LIMA, 2008). Além das empresas, o país também ganha com esses investimentos, seja pelo fortalecimento das empresas locais e da marca “made in Brasil” no exterior, seja pelo aumento da remessa de lucros para o país.

Algumas das empresas do setor de carnes estão entre as empresas mais internacionalizadas do país, como é o caso do JBS Friboi (81% da receita e 59,2% dos 8 Segundo Stefano (2007) citando estudo do Rabobank, o custo de produção de carne no Brasil é de US$ 1,44/kg, enquanto na Argentina; US$ 1,60/kg, na Austrália; US$ 1,82/kg, e nos Estados Unidos; US$ 1,90/kg. A isso, soma-se o fato do Brasil somado a Argentina, possuírem um rebanho superior a 230 milhões de cabeças, que geram uma produção de aproximadamente 12,5 milhões de toneladas de carne.

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

14

ativos estão no exterior), Marfrig (32,6% das receitas e 13% dos ativos)9, Perdigão (6% das receitas e 23% dos ativos), Sadia (10% da receita e 2% dos ativos) (FELIX e JOHNSON, 2008).

Apesar dos ganhos com tecnologia, acesso a mercados, entre outros benefícios, o aumento do Investimento Direto Brasileiro (IDB) no exterior, aumenta a saída de recursos financeiros do país, pressionando a Balança de Pagamentos. Além disso, com a produção e comercialização dos produtos a partir das novas plantas no exterior, também pode haver impacto na redução das exportações dessas empresas, uma vez que alguns dos mercados passarão a ser atendidos pelas novas plantas industriais. É possível que após um período inicial de queda das exportações, estas voltem a crescer por meio do comércio intra-firma, onde as estruturas existentes no exterior sirvam de canal de distribuição para produtos produzidos no país. O impacto positivo do investimento direto sobre a Balança de Pagamentos fica por conta da entrada de lucros enviados por essas empresas para o Brasil, e o acesso a financiamentos com taxas de juros mais atrativas.

Após a trajetória de investimentos realizados pelas empresas brasileiras do setor de carnes, notadamente dos frigoríficos de bovinos, é possível definir hipóteses para a atuação dessas empresas no cenário nacional e internacional. Além das fusões e aquisições, outras estratégias que vem sendo adotadas pelas empresas brasileiras e que devem ser mantidas, são as aquisições buscando estratégias de diversificação produtiva, com a entrada ou consolidação em setores diferentes daqueles em que as empresas operam atualmente.

Entre as empresas que vem adotando essa estratégia de diversificação produtiva é possível citar o Bertin, que além de atuar em setores que utilizam subprodutos do boi, como limpeza, couro e energia, com o biodiesel de sebo, mais recentemente entrou no setor de lácteos, com a aquisição da Vigor (Vigor, Faixa Azul, Leco e Danúbio).

A entrada no negócio de leite reforça a diversificação do grupo Bertin, que opera 13 frigoríficos no Brasil, Paraguai e Uruguai - que abatem 14 mil cabeças de bois por dia, e faturou em 2008 R$ 7,5 bilhões (já incluído os resultados do setor lácteo).

Com essas aquisições, o grupo Bertin, assim como a Perdigão, estabeleceu uma estratégia de crescimento baseada na cadeia de proteína animal - carne e leite. A principal diferença entre os dois grupos, além das operações não alimentícias que o Bertin possui, está no setor cárneo escolhido. O grupo Bertin mantém seus investimentos unicamente em bovinos, enquanto a Perdigão se concentra em aves e suínos.

A aquisição das operações da Vigor garante ao Bertin o acesso aos canais de distribuição do grupo lácteo (principalmente no Sudeste), e a possibilidade de aproveitar as sinergias (custos e tecnologia) da estrutura logística de distribuição de produtos congelados e refrigerados necessária para leite e carnes.

A internacionalização, com a aquisição do frigorífico uruguaio Canelones em 2006, também esteve entre as opções estratégias do Bertin, permitindo-lhe acesso ao mercado norte-americano de carne bovina in natura. Em 2008, a empresa atravessou o Oceano Atlântico, e em uma estratégia de agregar valor a seus produtos adquiriu 50% do grupo italiano Riggamonti (maior produtor de bresaola da Itália).

9 Como a pesquisa levam em consideração os números das empresas referentes a 2007, não incluem a aquisição do Grupo OSI realizada em 2008, e que elevou para cerca de 65% a receita proveniente em dólares da empresa.

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

15

Além das operações em serviços públicos, e higiene e beleza, a forte atuação do grupo no setor de couros, diferencia a estratégia adotada pela empresa em relação aos concorrentes. Como resultado de um processo de verticalização para frente, a empresa processa 18 mil unidades diárias em suas dez plantas (nove no Brasil e uma na China). A fábrica chinesa Wonder Best Holding Co é resultado de uma joint venture com um sócio chinês. Construída com o objetivo de processar couro semi-acabado e acabado, entrou em operação no início de 2007, localizando-se na província de Guandong.

O grupo Marfrig também vem diversificando suas atividades, se transformando em uma empresa de alimentos com atuação nos setores de pecuária de corte, frango, suínos e ovinos. A empresa é uma dos maiores grupos de alimento da América Latina, com capacidade diária de abate de 21.100 mil cabeças de bovinos/dia, cerca de 8.000 ovinos/dia, 1,7 milhão de aves/dia, 4.200 suínos/dia e 2,2 mil toneladas diárias de produtos industrializados e processados (MARFRIG, 2009).10

Em seu processo de internacionalização, a empresa adquiriu em 2006 o AB&P (Argentine Breeders & Packers), especializada em carne de gado angus, preferida pelos americanos e europeus. No mesmo ano, a empresa adquiriu dois frigoríficos no vizinho Uurguai. As empresas Tacuarembó e Elbio Perez Rodrigues permitirão ao grupo brasileiro acesso a um dos principais mercados do mundo, os Estados Unidos. Ao contrário do Brasil, as empresas instaladas no Uruguai têm permissão para exportar carne bovina in natura para os Estados Unidos, por ser área livre de febre aftosa sem vacinação.

Tão importante quanto o acesso ao mercado dos Estados Unidos, essas aquisições são estratégias importantes para a empresa, no que diz respeito ao alcance de mercados que levam em conta a aprovação do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) no momento de abrir o seu mercado ao produto. Além dos países do Nafta (Canadá e México), este é o caso de Japão, Taiwan e Coréia do Sul.

Em 2007, a empresa adquiriu as ações do frigorífico argentino Quickfood, um dos maiores exportadores de carnes da Argentina e também dono da marca Paty, que no país virou sinônimo de hambúrguer com uma participação de 50% a 60% do mercado argentino. Com as aquisições feitas pelas empresas brasileiras e norte-americanas (Cargill e Tyson Foods), o setor de carne bovina da Argentina está praticamente todo em mãos estrangeiras - principalmente brasileiras. O controle das empresas argentinas garante às empresas brasileiras um acesso diferenciado ao mercado europeu. Ao contrário da carne brasileira, que tem direito a exportar apenas 5 mil toneladas/ano dentro da Cota Hilton, as empresas argentinas exportam 28 mil toneladas/ano.

No início de 2008, o Marfrig também adquiriu a CDB Meats (Reino Unido) que atua na importação e distribuição de alimentos com marca própria (Meteor, Concord e Caprice) e outras marcas para o varejo, o food service e para indústrias processadoras de alimentos.

A maior e talvez mais importante aquisição da empresa, foi a compra, também em 2008, do grupo OSI com operações no Brasil e na Europa. A empresa, que atuava em frangos e bovinos, opera 15 plantas industriais, sendo o maior processador de carne de

10 Sua estrutura produtiva conta com: 18 plantas de abate de bovinos (9 no Brasil; 4 no Uruguai e 5 na Argentina); 10 plantas de abate de aves (07 no Brasil e 03 no Reino Unido); 3 unidades de abate de cordeiros (1 no Chile e 2 no Uruguai); 2 plantas de abate de suínos no Brasil; 30 plantas de produtos industrializados e processados (12 no Brasil, 3 no Uruguai, 5 na Argentina, 1 nos Estados Unidos e 9 na Europa), e 2 tradings (Chile e Reino Unido) (MARFRIG, 2009).

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

16

frango do Reino Unido e, por meio da marca Moy possui 80% de participação de mercado em “empanados resfriados” e 75% em “assados” no Reino Unido. No Brasil, o grupo operava por meio das empresas Braslo (bovinos) e Penasul/Pena Branca e Agrofrango (Aves). Além de plantas industriais e marcas conhecidas, a aquisição do grupo OSI permitirá ao grupo brasileiro acesso direto aos maiores varejistas do Reino Unido, como as redes Tesco e Sainsbury�s. Apesar de não exportar para essas empresas diretamente do Brasil, em função das restrições comerciais existentes, a possibilidade da aproximação e conhecimento sobre o funcionamento dos canais de distribuição europeus dará condições de ganhos de competitividade para a empresa.

Como resultado das estratégias de crescimento adotadas pela empresa, em 2008 o grupo atingiu uma receita líquida R$ 6,2 bilhões de reais, registrando um crescimento superior a 80% em relação aos R$ 3,3 bilhões de 2007 (MARFRIG, 2009). A empresa abriu seu capital na bolsa de valores em 2007, sendo que em 2006 (último ano de capital fechado) o grupo havia faturado apenas R$ 2,8 bilhões.

Entre as empresas brasileiras que operam no mercado de carne bovina, a que possui a estratégia de internacionalização mais agressiva é o grupo JBS/Friboi.

Desde que adquiriu o grupo argentino Swift, em 2005, as aquisições não pararam mais e transformaram o grupo no maior produtor de carne bovina do mundo, com operações nos cinco continentes e um faturamento, em 2008, de R$ 30 bilhões (crescimento de mais de 100% em relação aos R$ 14 bilhões de 2007). Como amostra do grau de internacionalização do grupo, as operações com carne bovina brasileira responderam por apenas 19% da receita do grupo em 2008

A empresa possui 64 unidades de produção (22 no Brasil, 6 na Argentina, 18 nos EUA, 10 na Austrália e 8 na Itália), que lhe garante uma capacidade de abate diária de 65,2 mil cabeças/dia de bovinos, 47,9 mil de suínos e 20,5 mil de ovinos, sendo que as operações com suínos se concentram nos Estados Unidos e com ovinos nos Estados Unidos e Austrália (JBS, 2008)

Entre os anos de 2005 e 2006, as aquisições do grupo ficaram restritas a frigoríficos argentinos, e a receita líquida da empresa não ultrapassava R$ 4 bilhões. Apenas em 2007 é que o grupo iniciou ações mais agressivas e realizou operações nos Estados Unidos e Austrália (Swift), e Europa (50% da Inalca/Itália). Com essas operações, a receita líquida da empresa saltou para R$ 24 bilhões, colocando a empresa entre as maiores indústrias de carne do mundo.

Finalmente, em 2008, com as aquisições da Tasman (Austrália) e Smithfield (EUA), a empresa tornou-se o maior frigorífico de carne bovina no mundo, com um faturamento superior a R$ 30 bilhões. A distribuição geográfica das plantas industriais do grupo permite que sejam atendidos todos os principais mercados consumidores do mundo, principalmente os mercados onde a carne brasileira ainda encontra dificuldades de acesso, como Japão, Coréia do Sul, Estados Unidos e Canadá. Enquanto as plantas localizadas no Brasil atendem principalmente a União Européia e a Rússia - que não possuem restrições sanitárias aos produtos brasileiros -, as plantas australianas abastecem o mercado da Coréia do Sul, e as plantas norte-americanas atendem os consumidores do México e Canadá.

Ao invés de optar pela diversificação produtiva, algumas empresas vinham optando pela integração vertical para frente, com forte atuação no setor de couros (estratégia também adotada pelo Bertin), além da internacionalização, como é o caso dos grupos Independência e Minerva.

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

17

O grupo Minerva adquiriu em 2008 o controle do Friasa S.A., que opera uma planta industrial frigorífica no Paraguai, com capacidade de abate de 700 cabeças/dia. A aquisição marca o início da expansão internacional do Minerva e faz parte da estratégia da companhia de diversificação geográfica e inserção em novos mercados. O país vizinho torna-se atrativo para as empresas brasileiras por ser o 8º maior exportador de carne bovina do mundo, possuir status sanitário de livre de febre aftosa com vacinação e, principalmente, estar habilitado a realizar exportações para o mercado chileno.

Além da planta industrial adquirida no Paraguai, o grupo também está presente nos estados de São Paulo, Goiás, Tocantins e Mato Grosso, onde opera seis plantas de abate, sete de desossa, dois curtumes, com uma capacidade de abate de 6.600 cabeças/dia, processamento de 1.300 toneladas e produção de 5.000 couros/dia.

A atuação do grupo antes restrita ao abate de animais e ao processamento de couro, ganha nova dinâmica com a inauguração, em março de 2009, da Minerva Dawn Farms. A Unidade produtiva (joint venture entre o frigorífico brasileiro e a irlandesa Dawn farms) irá produzir itens voltados para o mercado de food service, com o processamento de carne para produtos industrializados, como alimentos de bovinos, suínos e aves e também carnes com vegetais e molhos. Além de estar preparada para produzir sanduíches e pizzas.

Com 6,4 mil funcionários e constituindo-se como um dos maiores exportadores de carne bovina do Brasil, o frigorífico não ficou de fora dos efeitos da crise econômico/financeira que afeta o mercado internacional. Apesar de ter obtido, em 2008, uma receita líquida de R$ 2,1 bilhões, o grupo encerrou o ano com prejuízo de R$ 180 milhões de reais. Com 63% das suas receitas obtidas no mercado internacional, a queda no consumo associada à dificuldade de obtenção de créditos afetou o resultado da companhia.

Apesar dos resultados do final do semestre, a empresa vem mantendo seus investimentos, e deve aumentar sua capacidade de abate em 1.500 animais/dia com a entrada em operação, ao longo de 2009, das plantas de Rolim de Moura (RO) e Redenção (PA), com capacidade de 750 animais/dia cada uma.

Das empresas com forte atuação em bovinos que optaram pela internacionalização das suas atividades, a que foi mais afetada pela crise econômica foi o grupo Independência. Com 11 unidades de abate de carne (capacidade de abate de 10.800 cabeças/dia), além de 3 curtumes (capacidade de processar 10 mil peles/dia) e confinamentos, o grupo tinha um faturamento previsto para 2008 de quase R$ 2 bilhões de reais. Assim como os demais frigoríficos de bovinos, a estratégia de internacionalização das atividades produtivas do grupo se iniciou pela América Latina.

Em 2008, o grupo adquiriu o Frigorífico Guarani, que possui capacidade de abate de 500 animais/dia, e tinha como principais clientes a Rússia e o Chile, país que mantém fechada sua fronteira para a carne brasileira desde os casos de febre aftosa, de 2005. A estratégia do grupo, como das demais empresas do setor, era iniciar a partir da planta paraguaia uma expansão geográfica que lhe permitisse atender aos mercados consumidores internacionais com um baixo risco sanitário.

A solicitação de recuperação judicial, solicitada pelo grupo em fevereiro de 2009, deverá interromper os planos de expansão do grupo, apesar de informações divulgadas pela empresa informarem que a filial paraguaia, foi constituída de maneira autônoma, intitulando-se Independência Guaraní SA., e que esta continuaria operando sem alterações. A unidade é uma das mais lucrativas do grupo, e tem obtido bons resultados em função da aceitação da carne bovina “Made in Paraguay” no mercado internacional.

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

18

Outra forma de integração tem atraído as indústrias que atuam no setor da pecuária de corte. A necessidade de obter matéria-prima de qualidade, em quantidade suficiente para atender as suas plantas industriais de forma contínua, tem levado algumas indústrias a investirem em confinamentos. Marfrig, JBS Friboi, Bertin são algumas das empresas que possuem confinamentos em diferentes estados brasileiros.

Possuindo oferta de animais através de seus confinamentos, essas companhias podem negociar preços com os produtores com mais segurança em período de baixa oferta (entressafra, por exemplo), já que podem recorrer aos seus próprios rebanhos para manter as fábricas em operação, por alguns dias.

Com o investimento em confinamentos, as empresas brasileiras se aproximam cada vez mais do modelo norte-americano, onde a principal fonte de matéria-prima para os frigoríficos são os grandes confinamentos, sendo muitos de propriedade das próprias indústrias, como é o caso do Five Rivers, do grupo JBS Friboi.

Além de permitir uma maior regularidade no fornecimento de matéria-prima para os frigoríficos, a constituição de grandes confinamentos poderá diminuir um dos maiores problemas que o setor vem enfrentando, o avanço dos rebanhos sobre a Floresta Amazônica. Apesar de continuar tendo a sua alimentação baseada em pasto, os animais confinados necessitam de complementos alimentares, que além dos grãos tradicionalmente utilizados nesse sistema de produção, existe a opção de polpa cítrica, bagaço de cana, caroço e casa de algodão.

A necessidade de obter a matéria-prima para alimentar os animais faz com que os confinamentos se aproximem das áreas de lavoura, ocupando as fronteiras dessas produções. Com isso, os confinamentos deverão se instalar em estados como São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Bahia, distanciando-se do bioma amazônico.

Apesar da posição competitiva do país no mercado internacional, o setor da pecuária de corte ainda possui significativos gargalos que comprometem as oportunidades que se abrem no médio e longo prazo para o setor.

Alguns desses gargalos estão ligados diretamente ao setor, como a falta de gestão profissional em muitas empresas, o relacionamento conturbado existente entre pecuaristas e frigoríficos, o baixo rendimento do rebanho brasileiro quando comparado com o de outros importantes países produtores, como Estados Unidos e Austrália. Outros gargalos são estruturais e estão ligados às ações do governo brasileiro, como a questão tributária, a legislação sanitária brasileira que permite com que muitos frigoríficos atuem na ilegalidade, oferecendo o mercado um produto sem inspeção.

As dificuldades inerentes ao setor tenderão a ser resolvidas por meio do maior desenvolvimento das atividades a ele relacionadas, principalmente com a necessidade de atendimento de maior qualidade e produtividade não só nas plantas do exterior, mas inclusive, nas do Brasil. Agora, as dificuldades de caráter mais amplo, e que envolvem as políticas protecionistas, essas somente serão resolvidas com muito comprometimento de governo e entidades do setor na resolução desses conflitos. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pecuária de corte brasileira sempre esteve presente no mercado internacional, mesmo com o consumo interno absorvendo, na metade da década de 1990, mais de 95% da produção nacional. Com as alterações do ambiente econômico nacional, e avanços na

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

19

tecnologia e na produção, a partir do início da atual década, as exportações brasileiras de carne bovina começaram a se destacar, tornando o país líder nas exportações mundiais a partir de 2004. Apesar dessa liderança, o produto brasileiro enfrenta restrições de acesso nos principais mercados consumidores do mundo. Dessa forma, as empresas brasileiras eram obrigadas a vender a produção, destinada ao mercado externo, por meio de tradings e para mercados de segunda linha, o que resultava em receita e lucros menores.

Com a dificuldade de reverter as restrições de acesso da carne brasileira, as principais empresas nacionais começaram a alterar suas estratégias de expansão. Em paralelo ao aumento das exportações, a partir das plantas industriais instaladas no Brasil, onde o custo de produção está entre os mais baixos do mundo, essas empresas iniciaram um forte processo de internacionalização, por meio da aquisição de empresas em mercados consumidores e mercados exportadores.

Essa estratégia, iniciada em 2005, e que teve nos anos de 2007 e 2008 maior intensidade, tornou as empresa brasileiras referências internacionais no setor, e donas de parcela significativa do parque industrial dos principais exportadores mundiais de carne, Argentina, Paraguai, Uruguai e Estados Unidos, além de forte presença no mercado consumidor norte-americano e europeu.

Uma maior consolidação da posição brasileira no mercado internacional dependerá do resultado das estratégias adotadas pelas empresas brasileiras, associada às ações tomadas no âmbito da solução dos entraves as exportações. 6. REFERÊNCIAS ACEVEDO, C. R.; NOHARA, J. J. Monografia no curso de administração. São Paulo: ed. Atlas, 2006. p.48.

ALÉM, A. C.; CAVALCANTI, C. E. O BNDES e o apoio à internacionalização das empresas Brasileiras: algumas reflexões. Revista do BNDES, v.12, n.24, p.43–76, dez. 2005.

ALMEIDA, A. (org.). Internacionalização de empresas brasileiras: perspectivas e riscos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

BOUDON, R. Os Métodos em Sociologia. Tradução: Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: ed. Ática, 1989.

CARBAUGH, R. Economia internacional. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2004.

CASSAR, M. Marketing Internacional. In: DIAS, R.; RODRIGUES, W. (org). Comércio Exterior: teoria e gestão. São Paulo: Atlas, 2004.

CAVALCANTI, M. da R.; CAMARGO, A. Pesquisa top Beefpoint de confinamentos 2007-2008: os 50 maiores confinamentos do Brasil em 2007. Piracicaba: Agripoint, 2008. Disponível em: <http://www.beefpoint.com.br/top50_08/Top_50_Confinamentos_ BeefPoint_2007_08_Relatorio.pdf.>. Acesso em nov. 2008.

CORREA, D.; LIMA, G. T. O comportamento recente do investimento direto brasileiro no exterior em perspectiva. Revista de Economia Política.2008, v. 28, n. 2, p. 249-268

DIAS, F. Confinamento brasileiro. FEICORTE 2007, junho de 2007. Disponível em: <http://www.assocon.com.br/pdf/confinamento_bras_feicorte.pdf>. Acesso em ago. 2008.

FELIX, A.; JOHNSON, K. (editores) Valor Especial: multinacionais brasileiras. Valor Econômico, novembro de 2008.

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

20

INDEPENDÂNCIA S.A. Divulgação de Resultados 2007 e 2008. 2009. Disponível em: http://ri.independencia.com.br/independencia/web/default_pt.asp?idioma=0&conta=28

INMETRO. Manual de barreiras técnicas às exportações. Brasília. 2005. Disponível em: <http://www.inmetro.gov.br/infotec/manualBarreiras.asp>. Acesso em jul. 2008. JBS S.A. Divulgação de Resultados 2007 e 2008. 2009. Disponível em: http://www.jbs.com.br/ri

LIMA, C.A. R.; BARRAL, W. Barreiras Não-Tarifárias ao Comércio: papel regulatório da OMC, controvérsias e novas restrições. Revista Brasileira de Comércio, São Paulo, n.93, p. 73-87, out/ dez 2007.

MARFRIG GROUP. Divulgação de Resultados 2007 e 2008. 2009. Disponível em: <http://www.marfrig.com.br/ri.. Acesso em jan. 2009.

MARCONI, M. de A.; LAKATOS, E. M.. Metodologia Científica. 4ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2004.

MINERVA S.A. Divulgação de Resultados 2007 e 2008. 2009. Disponível em: http://www.minerva.ind.br/ri/index.htm

MINERVINI, N. Exportar: competitividade e internacionalização. São Paulo: Makron Books, 1997.

MIRANDA, S. H. G. Quantificação dos efeitos das barreiras não-tarifárias sobre as exportações brasileiras de carne bovina. São Paulo, 2001. 200p. Tese (Doutorado) – Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo.

MOURA, A. D; MEISTER, L. C. Diagnóstico da Cadeia Produtiva Agroindustrial da Bovinocultura de Corte do Estado de Mato Grosso. Federação da Agricultura e pecuária do estado de Mato Grosso (FAMATO). Relatório impresso. Cuiabá. 2007. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DE EPIZOOTIAS/OIE. Código Sanitario para los Animales Terrestres 2008, 2008. Disponível em: <http://www.oie.int/esp/normes/mcode/E_INDEX.HTM>. Acesso em fev. 2008.

PLATANOW, V. Em dez anos, número de bois na Amazônia quase dobrou. Agência Brasil, 19 de dezembro de 2007. Disponível em: <www.agenciabrasil.gov.br/noticias/ 2007/12/19/materia.2007-12-19.1115382800/view>. Acesso em abr/mai 2008.

QUEIROZ; A. F. Meio Ambiente e Comércio na Agenda Internacional: a questão ambiental nas negociações da OMC e dos blocos econômicos regionais. Ambiente & Sociedade. n.2, v.3, jul./dez.2005.

SABADIN, C. O Comércio Internacional da Carne Bovina Brasileira e a Indústria Frigorífica Exportadora . 2006. Dissertação (mestrado em Agronegócio). Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Universidade de Brasília. Unversidade Federal de Goiás. Campo Grande.

SMERALDI, R.; MAY, P. H. O Reino do Gado: uma nova fase da pecuarização da Amazônia. São Paulo: Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, 2008.

STEFANO, F. Novo contra o velho no campo. Revista Exame, edição 901, 06 de setembro de 2007.

TYSON FOODS. Fiscal 2008 Fact Book, Tyson Foods, Inc. 2009. Disponível em: <http://media.corporate-ir.net/media_files/irol/65/65476/FY08_Fact_Book_FINAL.pdf> Acesso em mar. 2009.

Porto Alegre, 26 a 30 de julho de 2009,

Sociedade Brasileira de Economia, Administração e Sociologia Rural

21

UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE. SDA Agricultural Baseline Projections to 2015. Office of the Chief Economist, World Agricultural Outlook Board, U.S. Department of Agriculture. Prepared by the Interagency Agricultural Projections Committee. Baseline Report OCE-2006-1, 108 pp.

UNITED STATES DEPARTMENT OF AGRICULTURE. Livestock and poultry: world markets and trade. Foreign Agricultural Service/USDA, october, 2008. Disponível em: <http://www.fas.usda.gov/psdonline/circulars/livestock_poultry.pdf> Acesso em jan. 2009.