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i GLAUCIMARA DA SILVA BARALDI INTERPRETAÇÕES E AVALIAÇÕES DO AGIR EM TEXTOS DE OPINIÃO Doutorado em Lingüística Aplicada e Estudos de linguagem PUC/SP 2006

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GLAUCIMARA DA SILVA BARALDI

INTERPRETAÇÕES E AVALIAÇÕES DO AGIR EM TEXTOS DE OPINIÃO

Doutorado em Lingüística Aplicada e Estudos de linguagem

PUC/SP 2006

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GLAUCIMARA DA SILVA BARALDI

INTERPRETAÇÕES E AVALIAÇÕES DO AGIR EM TEXTOS DE OPINIÃO

Doutorado em Lingüística Aplicada e Estudos de linguagem

Texto apresentado à Banca examinadora

Da Pontifícia Uniersidade Católica de São Paulo Como exigência parcial para a obtenção do título de doutora

Em Lingüística Aplicada e Estudos de Linguagem, sob a orientação da Professora Doutora Anna Rachel Machado.

PUC/SP 2006

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BANCA EXAMINADORA

______________________________________ Prof. Dra. Anna Rachel Machado – Orientadora

_______________________________________ Prof. Dra. Elisabeth Brait

_______________________________________ Prof. Dra. Vera Lúcia de Albuquerque Sant’Anna

_______________________________________ Prof. Dra. Anise de Abreu Gonçalves D’ Orange Ferreira Ferreira

______________________________________ Prof. Dra. Célia Maria Coêlho Brito

______________________________________ Prof. Dra. Fernanda Liberalli

______________________________________ Prof. Dra. Maria Inês Batista Campos

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FICHA CATALOGRÁFICA

PALAVRAS-CHAVE: Interacionismo sociodiscursivo, leitura interativa, ação e texto polêmico.

Autorizo, para fins acadêmicos ou científicos, a reprodução total ou parcial desta tese por

processos fotocopiados ou eletrônicos.

BARALDI, GLAUCIMARA DA SILVA. INTERPRETAÇÕES E AVALIAÇÕES DO

AGIR EM TEXTOS DE OPINIÃO. SÃO PAULO. Pp. 198 . 2006.

TESE (DOUTORADO) Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. 2006. ÁREA DE CONCENTRAÇÃO: Lingüística Aplicada e Estudos de Linguagem ORIENTADORA: PROFa. Dra. ANNA RACHEL MACHADO

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Que a leitura, reveladora dos vários mundos possíveis, seja um dos instrumentos que permita, a cada homem, trocar a arma da fome pela

arma da esperança.

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A alguém muito especial,

Winston

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AGRADECIMENTOS

À Anna Rachel Machado, mais que uma orientadora, um exemplo real do que

é ser interacionista sócio-discursiva e que me acompanhou, vivamente, ao

longo de todo o percurso turbulento desta tese.

À CAPES que, por meio de seu aporte financeiro, permitiu a realização

dessa tese.

À PUC-SP, instituição na qual trilhei os caminhos tortuosos e magníficos da

pesquisa e ao Lael e seus professores, onde mais de perto, pude aprender e

fazer o exercício da investigação.

Aos professores que fizeram parte de todas as bancas de qualificação e que

muito contribuíram para reorientar o trabalho.

Aos colegas do Grupo Alter que comigo compartilharam o conflito, motor do

desenvolvimento de um grupo de pesquisa e de todo trabalho intelectual.

À Maria Lúcia, secretária do Lael, que me ajudou a lidar com papéis e prazos,

nem sempre muito fáceis para mim.

Ao Yuri, que chegou em minha vida ao longo da elaboração desta tese e,

pequenininho, revolucionou o meu jeito de viver e me ensinou a olhar o

mundo através de um caleidoscópio.

Ao Winston, que relativizou meu tempo e que faz comigo leituras

compartilhadas da vida e dos textos.

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APRESENTAÇÃO São Paulo, dia 27 de agosto de 2006. Caro leitor, ou melhor dizendo, caro interlocutor,

Domingo de manhã. Estou diante do computador e finalizo as conclusões. Dou por terminada esta tese. Terminada? A sensação é de obra inacabada. Trata-se de um intervalo. Talvez uma interrupção no turno de fala... Afinal, o interlocutor, é também um locutor. E é nessa troca incessante, contínua e permantente que o ser humano vai se constituindo e se transformando a cada dia. Sensação de incompletude, sem dúvida, mas que evidencia uma concepção de sujeito que percorre este estudo. Um sujeito essencialmente relacional, que se constitui na e pela linguagem. Um sujeito sócio-histórico, que também está marcado pelo seu inconsciente e pelo inconsciente coletivo e que, vivendo as restrições do meio, interage com ele e o transforma, sendo, portanto, um sujeito heterogêneo. O pesquisador é esse sujeito, os leitores também o são, os actantes colocados em cena nos textos também... Dentro desse universo (nesse caso, redundante falar complexo) diferentes abordagens teóricas perseguem a significação e a compreensão dos sentidos. O interacionismo sócio-discursivo (ISD) foi a minha escolha. Interdisciplinar na sua constituição, o ISD propõe um modelo de análise de textos e procura, por meio dele, desvelar o agir humano. Serve-se de dois princípios básicos da análise discursivo-enunciativa: a perspectiva sócio-histórica (e portanto, ideológica) do discurso que Bakhtin já assinalava e a subjetividade na linguagem, já apontada por Benveniste e que serve de base, inclusive, para a análise dos tipos de discurso proposta pelo ISD. O trabalho realizado é este que se apresenta. O trabalho real, o feixe de possibilidades, muito mais amplo. Não se esgotaram todos os mecanismos de análise do corpus possíveis. Os impedimentos que marcaram as aventuras e desventuras dessa tese também constituíram esse trabalho. Fazem parte de sua heterogeneidade constitutiva e, talvez até, estejam lingüisticamente marcados. Afinal, em nossa tarefa como pesquisador, não fica só tentar desvendar os sentidos do discurso do outro, mas também fica a produção de um outro discurso a ser revelado também.

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RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo mais amplo trazer aportes para o ensino de leitura no Brasil, compreendendo a descrição dos textos numa perspectiva lingüístico-discursiva e a análise da interpretação e avaliação do agir representado nos textos como recursos para uma leitura mais complexa e eficiente, necessária para o desenvolvimento de um cidadão mais reflexivo e autônomo. Para isso, assumimos uma concepção de aprendizagem baseada nos princípios do interacionismo social (Vygotsky, 1933, 1934) e, em relação ao ensino de leitura, uma abordagem de natureza interativa (Dolz, 1994;Kleiman, 1999). Adotamos, ainda, os pressupostos do Interacionismo sócio-discursivo (Bronckart, 1997;99 e 2004), vertente interdisciplinar da Psicologia, que atribui ao agir e à linguagem um papel preponderante no desenvolvimento humano. Os dados coletados e analisados são artigos de opinião e comentários jornalísticos extraídos do jornal Folha de S. Paulo. Foram selecionados seis textos, todos eles publicados entre os meses de fevereiro e março do ano de 2004, tendo de uma forma ou de outra, como temática principal, a crise política derivada da denúncia de corrupção do então assessor (Waldomiro Diniz) do Ministro da Casa Civil, José Dirceu e que apresentam uma intertextualidade explícita.. A análise foi feita de acordo com os procedimentos propostos por Bronckart (1997-99, Bronckart, 2004) e Bronckart e Machado (2004), observando-se suas características organizacionais, enunciativas e semânticas, com destaque para a análise da representação do agir e de seus actantes, que são comuns aos diferentes textos. Essas análises procuraram revelar que figuras interpretativas do agir são construídas pelos textos.. Os resultados das análises e as conclusões que nos foram possíveis chegar, especialmente no que diz respeito à relação entre as marcas lingüísticas e as figuras interpretativas do agir que foram representadas nos diferentes textos, nos permitem afirmar que as diferentes representações do agir levam a diferentes interpretações dos fatos e dos agires interpretados e avaliados nos textos.

Pudemos, assim, concluir que a prática da leitura de textos opinativos, sob a perspectiva da análise da semântica do agir abre um campo novo de interpretação dos textos, à medida que observamos duas categorias de avaliação do agir. A primeira delas diz respeito à avaliação que os textos expressam dos fatos e das pessoas envolvidas nos fatos. A segunda diz respeito à rede discursiva que esses textos constroem, dada a intertextualidade que existe entre eles e que acaba gerando outra categoria de avaliação do agir: a interpretação e avaliação do agir linguageiro dos próprios produtores dos textos.

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SUMMARY (ABSTRACT)

This survey has a broader aim which is to aggregate some aspects to the teaching of reading comprehension in Brazil, which comprise the description of texts in a linguistic-discursive perspective and the analysis of the understanding and assessment of acting represented in the texts as resources for a more complex and efficient reading process, necessary for the development of a more reflexive and independent reader.

With that in mind, we considered a conception of learning based on the principles of socio-interacionism (Vygotsky, 1933, 1934), and, with regards to the teaching process of reading, an approach of interactive nature (Dolz, 1994;Kleiman, 1999). We also adopted the assumptions of the socio-discursif interacionism (Bronckart, 1997; 99 e 2004), interdisciplinary side of Psychology, which attributes the acting and the language a preponderant role in human development.

The data collected and analyzed are articles expressing opinions and journalistic comments extracted from Folha de S. Paulo newspaper. Six texts were selected, all of which published in the months of February and March, 2004, which had as the main subject, in some way, the political crisis that arose from corruption charges against the then assistant (Waldomiro Diniz) of the State Minister, José Dirceu. Said articles present an explicit intertextuality.

The analysis was conducted according to the procedures proposed by Bronckart (1997-99, Bronckart, 2004) and Bronckart and Machado (2004), observing their organizational, enunciating and semantic characteristics, highlighting the analysis of the representation of acting and its actors, which are the same in all different texts. This analysis aimed at revealing which interpretative figures of acting are construed by the texts.

The results of the analysis and conclusions we came to, specially with regards to the relation between linguistic marks and interpretative figures which were represented in the different texts, allow us to assert that the different representations of acting lead us to different interpretations of the facts and the acting interpreted and assessed in the texts. We could, therefore, conclude that the practice of reading articles expressing opinion, under the perspective of the semantic analysis of acting opens a new field of text interpretation, as we observe two categories of assessment of acting. The first one refers to the assessment that texts make of the facts and of the people involved in the facts. The second category refers to the discursive net that these text construe, given the intertextuality existing among them and which generates another category of assessing the acting: the interpretation and assessment of the language acting of the text producers.

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ÍNDICE

I – INTRODUÇÃO 1 1. Histórico e justificativa da pesquisa 22. Objetivos e perguntas de pesquisa 63. A pesquisa e sua inserção na Lingüística Aplicada 74. Organização da tese 8 PARTE I – PRESSUPOSTOS TEÓRICOS-METODOLÓGICOS 10 CAPÍTULO 1 – INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO 1. O interacionismo sócio-discursivo e a problemática do agir 122. Os princípios gerais do interacionismo sócio-discursivo 163. O interacionismo sócio-discursivo e o agir humano 204. A configuração global dos textos 31 4.1. O contexto sócio-interacional de produção 33 4.2. A arquitetura interna dos textos – o folhado textual 36 4.2.1. A infraestrutura textual a) plano global b) mundos discursivos e tipos de discurso c) os quatro tipos de discurso d) características dos tipos de discurso e) a planificação intratipo – seqüências

37

4.2.2. Mecanismos de textualização a) os mecanismos de conexão b) os mecanismos de coesão nominal c) os mecanismos de coesão verbal

47

4.2.3. Os mecanismo enunciativos 50 CAPÍTULO 2 – A LEITURA COMO POTÊNCIA 58 CAPÍTULO 3 – CARACTERÍSTICAS DOS TEXTOS DE OPINIÃO

66

PARTE II – A PESQUISA 71 CAPÍTULO 4 – QUESTÕES METODOLÓGICAS 721. Procedimentos de coleta e seleção de dados 732. Procedimentos de análise dos dados 75 2.1. Estudo do contexto de produção 75 2.2 Procedimentos de análise dos textos 78 CAPÍTULO 5 – INTERPRETANDO DADOS 821. Os textos opinativos e o suporte em que foram publicados : o jornal Folha de S. Paulo.

83

2. Características do contexto de produção 853. O plano global dos textos 964. Os tipos de discurso 100 4.1. Síntese dos tipos de discurso 1095. As figuras do agir construídas nos textos 110 5.1. Análise dos actantes 110

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5.2. As avaliações que se faz do agir 138 5.3. Síntese da análise das figuras interpretativas do agir 1406. Análise dos mecanismos enunciativos – a inserção de vozes 1407. O diálogo entre os textos 148 CONCLUSÕES 1531. A escolha de uma abordagem teórico-metodológica entre tantas abordagens teórico-metodológicas

154

2. Um jornal e uma polêmica pública... 1553. Diferentes mundos discursivos, diferentes formas de engajamento do produtor e dos destinatários dos textos

157

4. A importância do estudo dos tipos de discurso e sua relação com o contexto 1595. Ler é, também, compreeender as diferentes representações do agir 1596. Entre omissões e destaques – o discurso como produtor de diferentes realidades

161

7. Ler é compreender os textos em rede 1618. A verdade de quem? 1629. Contribuições teórico-metodológicas 163BIBLIOGRAFIA 166ANEXOS 173

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INTRODUÇÃO

“em mim eu vejo o outro

e outro e outro

enfim dezenas trens passando

vagões cheios de gente centenas

o outro

que há em mim é você você

e você

assim como eu estou em você

eu estou nele em nós

e só quando estamos em nós estamos em paz

mesmo que estejamos a sós.”

(Leminski)

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Este capítulo introdutório tem como objetivo apresentar o mapa desta

tese de doutorado, de forma a situar o leitor no universo temático, teórico e

metodológico que adotamos.

1. Histórico e justificativa da pesquisa Esbocei1, num primeiro momento, minha tese de doutorado no

Programa de Estudos Pós-Graduados em Lingüística Aplicada ao Ensino de

Línguas da PUC/SP a partir do meu interesse em prosseguir o trabalho que

desenvolvi na minha pesquisa de mestrado (Luca, 2000), quando, ao levar

em consideração os pressupostos do interacionismo sociodiscursivo, analisei

textos pertencentes a diferentes gêneros utilizados no ensino de História em

um colégio da rede particular de ensino da cidade de São Paulo, levantando

as características lingüístico-discursivas que interferiam na leitura e na

compreensão dos textos pelos alunos para, a partir delas, propor

procedimentos de leitura que pudessem colaborar para o desenvolvimento

das capacidades de ação, das capacidades lingüísticas e das capacidades

lingüístico-discursivas que permitem uma leitura mais eficiente dos textos.

Esta tese se constitui, então, como um prolongamento e aprofundamento de

minha dissertação de mestrado.

Como acontece freqüentemente na área de educação, especialmente

no que diz respeito às práticas didáticas, a pesquisa derivou de uma

preocupação constante com o ensino da leitura na escola, observada por

mim em três papéis sociais diferentes: como professora do Ensino

Fundamental II (que motivou meu mestrado), como coordenadora

pedagógica de um colégio particular de São Paulo, em contato direto com

alunos, pais e professores que insistentemente demonstravam e, ainda

demonstram, preocupação em relação às dificuldades que crianças e

adolescentes têm de compreenderem, de forma crítica e reflexiva, aquilo que

lêem e minha experiência como professora do curso “Leitura – do dever ao

prazer” – ministrado na COGEAE – PUC/SP, onde trabalho especialmente 1 Opto pelo uso da primeira pessoa do singular quando apresento a minha trajetória pessoal, profissional e acadêmica como professora, aluna do LAEL-PUC e pesquisadora. Nas demais partes desta tese, utilizo-me da primeira pessoa do plural, seja porque este é o uso mais recorrente no contexto acadêmico, seja pela posição teórica que assumo, a qual considera a pesquisa o resultado de um intenso debate e diálogo entre muitas vozes.

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com professores preocupados em aprimorar a prática pedagógica

relacionada ao ensino da leitura .

Neste trabalho, de maior fôlego, procuro ampliar as possibilidades de

ensino da leitura, recorrendo à análise de textos pertencentes aos gêneros

opinativos de jornal, pois acredito que eles podem e devem ser objeto de

ensino na escola, nos difererentes níveis, em diferentes disciplinas e,

relacionado a meu interesse específico, para a compreensão do tempo

histórico em que alunos e professores estão mergulhados. É necessário,

portanto, trazer aportes para que os professores mesmos possam

desenvolver essa leitura para poderem efetuar transposições didáticas

adequadas a cada situação concreta de trabalho em que se encontram.

Acredito ainda, que o desenvolvimento da atividade de leitura a partir

dos gêneros opinativos os quais circulam nos jornais seja de grande

relevância, pois por meio deles podemos desenvolver a capacidade de

argumentar dos alunos. Isso é de fundamental importância, uma vez que

passamos a maior parte de nosso tempo, na vida social, argumentando, seja

oralmente, seja por escrito, ao tentar defender nossas posições e ao tentar

modificar o posicionamento dos outros. Portanto, se pensarmos em um

ensino que contribua para uma cidadania plena, em que o indivíduo possa

interagir dialogicamente com o mundo, justifica-se uma proposta de ensino

da leitura voltada para a compreeensão da argumentação. Chartrand (1995)

e Souza (2003), por exemplo, confirmam essa nossa posição, ao verem, no

trabalho com textos argumentativos, uma possibilidade da formação de

leitores e produtores críticos.

Além disso, a escolha de artigos de opinião de um jornal impresso de

grande circulação em São Paulo permite uma aprendizagem significativa ao

levarmos a vida social para dentro da instituição escolar, mostrando e

propiciando diferentes leituras sobre a realidade. Segundo Golder (1996), a

efetiva aprendizagem da argumentação deve estar ligada às interações

sociais efetivas a que um indivíduo é exposto, de forma que ele aprenda a

argumentar de maneira cada vez mais complexa em contextos reais,

levando-se em conta os interesses de seu interlocutor.

Para desenvolver esse estudo, optei por trabalhar com a análise de

um conjunto de textos que polemizam entre si e não com textos que tratem

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de temáticas variadas. Assim, selecionei textos que tomam um mesmo objeto

temático, pois acredito que eles possam ser significativos para o

desenvolvimento da argumentação e de uma leitura mais crítica e reflexiva,

uma vez que a profundidade da leitura decorre da dissonância interpretativa

ou do conflito de interpretações (Zilberman e Silva, 1988).

Dando então prosseguimento ao mestrado, esta tese inova ao

averiguar em que medida os procedimentos de análise apresentados em

Bronckart (1997) e aprofundados em Bronckart e Machado (2004) contribuem

para uma interpretação mais refinada dos artigos de opinião constitutivos de

uma polêmica pública. Acredito que essa análise, tendo como base teórico-

metodológica o interacionismo sociodiscursivo, enriquecido com a análise da

semântica do agir, possa vir a ser utilizada como ferramenta/procedimento

para o ensino de leitura, concebida dentro de uma perspectiva interativa, com

as necessárias transposições didáticas. De acordo com essa posição, Dolz

(1994:232) assinala a importância das análises de textos para o ensino

baseado em um modelo interativo de leitura e afirma que no modelo

interativo, a análise das características do texto, objeto da leitura, constitui

uma etapa para a identificação dos problemas colocados pela atividade de

construção de sua significação. Roulet (1999:20), por sua vez, defende que

“l’analyse objective des rapports internes du texte doit être complétée, pour

passer à l’interprétation, par une analyse externe faisant intervenir les

dimensions subjective et socioculturelle, pour éviter les errements d’un

structuralisme radical”.

Além disso, considero que este trabalho de pesquisa também é

inovador, no sentido que testa um procedimento metodológico ainda em

construção e até agora só utilizado para a análise de textos no contexto do

trabalho, buscando verificar sua produtividade quando utilizado na análise de

outros tipos de textos.

A escolha da abordagem do interacionismo sociodiscursivo justifica-se

pela associação do interacionismo social a uma abordagem discursivo-

enunciativa da linguagem, cujos princípios apresento a seguir a título de

introdução:

a) A linguagem é uma prática social.

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b) Nesse sentido, a atividade de linguagem é produtora de objetos de

sentido e constituinte do pensamento humano.

c) Estamos sempre a interpretar e a avaliar as condutas observáveis

humanas por meio da construção de diferentes “figuras interpretativas do

agir” que se “desenham” nos textos.

d) Na medida em que interagimos com essas interpretações e

avaliações, que também passam a nos constituir, modificamo-nos e nos

desenvolvemos, pois a linguagem constitui o ser humano e os textos são os

instrumentos principais propiciadores do desenvolvimento humano, tanto em

relação aos conhecimentos (ou cognitivo) e aos saberes, quanto em relação

às capacidades de agir (saber-fazer) e da identidade das pessoas.

A adoção de uma concepção de leitura numa perspectiva

interacionista, por sua vez, veio ao encontro de minhas leituras de Paulo

Freire, ainda nos primeiros anos de minha prática docente, quando tomei a

leitura como elemento conscientizador dos indivíduos e libertador de idéias

pré-concebidas, ou apreendidas dos textos sem uma crítica conseqüente.

Claro que ao longo do tempo essa idéia foi amadurecendo e se

moldando e, para isso, muito contribuiu, junto com as discussões travadas

entre os membros do Grupo Alter, o curso que ministro na PUC/COGEAE –

“Leitura, do dever ao prazer?“, que foi pensado em conjunto com a

Professora Lília Santos Abreu-Tardelli há alguns anos e que, nos dias atuais,

com muitas transformações, continuo a ministrar. Tanto as discussões do

Grupo Alter quanto as reflexões derivadas do curso me orientaram na

seleção dos objetivos desta pesquisa.

Em primeiro lugar explicito o objetivo maior desta tese: estabelecer as

diferenças e semelhanças entre os diferentes textos que tematizam uma

questão polêmica pública, no que diz respeito às suas características

lingüístico-discursivas e às representações do agir e dos actantes neles

construídas, tendo em vista o ensino da leitura na escola.

Para alcançar esse objetivo maior, tracei os objetivos específicos que

nortearam e operacionalizaram este trabalho. É o que apresentarei a seguir.

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2. Objetivos e perguntas de pesquisa Para que esse objetivo maior seja alcançado, é preciso ter em mente

que não é possível compreender o agir humano simplesmente observando

externamente a conduta humana. Para analisar as intenções e as finalidades,

as razões para o agir, as capacidades e os recursos materiais e simbólicos

mobilizados, em suma, a responsabilidade dos indivíduos ao agirem faz-se

necessário recorrer aos textos produzidos, quer seja pelos próprios actantes,

quer seja por observadores de seu agir, que interpretam e avaliam suas

condutas, pois, por meio de sua análise, acredito ser possível detectar essas

interpretações e avaliações que são representadas nos textos, ao mesmo

tempo em que estes mesmos textos podem influenciar a atividade social em

que estão inseridos.

Para isso, então, estabeleci os seguintes objetivos específicos:

1. Identificar as características lingüístico-discursivas dos textos

analisados em relação às capacidades de linguagem envolvidas na atividade

de leitura.

2. Identificar as figuras interpretativas do agir dos protagonistas que são

colocados em cena pelos textos.

3. Identificar os critérios de avaliação que podem ser detectados nos

textos, bem como as instâncias enunciativas responsáveis por essas

avaliações.

Em relação ao primeiro objetivo, de natureza mais organizacional, a

pergunta de pesquisa é:

Quais são as características lingüístico-discursivas que caracterizam

esses textos, tendo em vista o plano global do texto e os tipos de discurso?

Em relação ao segundo objetivo, de natureza sintático-semântica, a

pergunta de pesquisa está subdividida:

1. Quem são os principais protagonistas representados nos textos?

2. Como são representados esses protagonistas?

3. Que papéis são atribuídos a esses protagonistas?

4. Que tipo de agir é representado nos textos que compõem o corpus da

pesquisa?

Em relação ao terceiro objetivo, a pergunta de pesquisa está

subdividida:

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1. Como o agir representado é avaliado?

2. Que instâncias enunciativas são postas nos textos como responsáveis

por essas avaliações? Que outras vozes são mobilizadas?

3. A pesquisa e sua inserção na Lingüística Aplicada

Localizo minha pesquisa dentro do campo da Lingüística Aplicada,

uma vez que a análise da linguagem é o foco central, porém, destaco o

caráter transdisciplinar (Celani, 1992) desta disciplina e o diálogo permanente

que ela estabelece com a Educação, a Sociologia, a Psicologia e as Ciências

do Trabalho, que permitem, sem dúvida alguma, o enriquecimento das

pesquisas.

Esta tese, em especial, faz parte do projeto desenvolvido pelo Grupo

ALTER-LAEL2 (Análise de linguagens no trabalho educacional e suas

relações), coordenado pela Profa Dra Anna Rachel Machado. No exterior,

esse projeto está vinculado ao Grupo LAF – Langage, Action, Formation -

coordenado pelo Professor Jean Paul Bronckart, da Section de Sciences de

L’Education de l’Université de Genève, que tem uma composição

interdisciplinar e envolve profissionais das Ciências da Educação, da

Psicologia, da Filosofia e da Lingüística e tem como objetivo maior identificar

e analisar os elementos que permitem a constituição, a gênese, a

interpretação e a avaliação do agir humano por meio da linguagem e tem,

ainda, a preocupação de “desenvolver um aprofundamento teórico-

metodológico sobre as relações entre linguagem/trabalho educacional,

relações essas que são tomadas no quadro da problemática maior das

relações entre discursos, atividades sociais e ações” (Machado, 2004).

O trabalho do Grupo LAF, ao qual o Grupo ALTER-LAEL está filiado,

envolve as seguintes problemáticas centrais:

a) análise epistemológica e metodológica do estatuto, da pertinência e das

condições de descrição dos fenômenos ou unidades de características

2 grupo ALTER-LAEL, coordenado pela prof.ª dra. Anna Rachel Machado, era constituído, durante o período de meu doutorado, pelos seguintes alunos : Daniella Barbosa , Daniela Lopes, Adriana Cintra de Carvalho , Adriana Paes de J. Correia, Eliane Lousada , Glaucimara Baraldi , Lília Abreu-Tardelli , Luzia Bueno , Maurício Érnica , Tânia Mazzillo, Maria Izabel R. Tognato e Marina Buzzo.

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praxiológicas – agir, atividade, ação. Esses conceitos se tornam, portanto,

centrais neste trabalho de pesquisa e serão explicitados ao longo do texto.

b) análise das condições de emergência do agir humano nos diferentes

gêneros de textos produzidos socialmente.

c) análise lingüístico-discursiva das unidades, estruturas e processos

textuais que desempenham uma função particular na expressão das

diferentes dimensões do agir.

A partir dessas problemáticas centrais, as diferentes pesquisas dos

membros do grupo ALTER-LAEL apresentam objetivos específicos

relacionados à análise de diferentes situações do trabalho educacional,

buscando subsídios junto a outras disciplinas como a ergonomia da atividade,

a psicologia, a sociologia e a própria análise do discurso.

Expandindo as noções desenhadas pelo Grupo LAF, as pesquisas

desenvolvidas pelo Grupo ALTER buscam outras referências da análise do

discurso e têm construído procedimentos de análise que permitem uma

descrição mais refinada das figuras do agir e, a partir destes trabalhos, das

análises, procedimentos e categorias utilizados, este grupo busca construir

procedimentos metodológicos de análise unificados.

É importante ressaltar que a presente tese difere desse conjunto de

trabalhos do grupo, uma vez que não tem seu foco na situação de trabalho

do professor, e sim no aprimoramento do ensino da leitura na escola. Por

outro lado, esse trabalho está filiado ao grupo ALTER-LAEL na medida em

que utiliza o mesmo arcabouço teórico-metodológico do grupo e inova ao

transpor essa abordagem para o ensino.

4. Organização da tese

Esta tese está dividida em duas grandes partes. A parte I reúne o

conjunto de pressupostos teóricos que embasaram o meu trabalho de

pesquisa, enquanto que a parte 2 reúne o trabalho de pesquisa propriamente

dito.

O primeiro capítulo da parte I apresenta o quadro teórico geral do

interacionismo sociodiscursivo e seus princípios gerais, bem como outros

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conceitos relacionados que contribuíram para complementar o referencial

teórico-metodológico para a análise dos dados.

Por tratar-se de uma pesquisa que, em uma perspectiva mais ampla,

envolve também o ensino, apresentaremos, ainda no capítulo um, a

concepção de aprendizagem de base vygotskyana que orienta o trabalho e

suas relações com o interacionismo sociodiscursivo.

Com base nos princípios gerais sobre leitura numa perspectiva

interativa, o capítulo dois desta tese desenvolve, então, a idéia da leitura

como potência, como instrumento de sedimentação ou de transformação das

representações dos mundos que os indivíduos têm.

No terceiro capítulo, apresento as características dos textos opinativos.

Reconhecendo a existência de uma abordagem de natureza mais filosófica

(Tolmin,1958) e um enfoque mais estrutural (Adam,1992) centraremos

nossos estudos numa perspectiva discursivo-enunciativa, tal como propõe

Bronckart(1997), Dolz (1995 a, 1995b), Dolz e Pasquier (1993), Machado

(1998), Golder (1996), Souza (2003), entre outros.

A parte II está dividida em três capítulos. No primeiro capítulo,

apresentamos os procedimentos metodológicos referentes à coleta e seleção

de dados, bem como os procedimentos utilizados na análise.

O segundo capítulo apresenta os resultados das análises de dados

que fizemos, enquanto que o terceiro capítulo apresenta minhas reflexões

finais a título de conclusão deste trabalho.

Passamos, então, ao primeiro capítulo da Parte I desta tese.

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PARTE I - PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

“Eu quero dizer agora o oposto do que eu disse antes Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante

Do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo...” Raul Seixas

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CAPÍTULO 1 – O INTERACIONISMO SOCIODISCURSIVO

É essa concepção de dialética permanente entre as restrições sócio-histórico-discursivas e o espaço de decisão sincrônica de um agente que

nos parece caracterizar mais claramente o interacionismo sociodiscursivo. Bronckart - 1997

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Introdução Este capítulo tem como objetivo apresentar os princípios básicos que

norteiam a concepção de aprendizagem que subjaz a esta tese, a relação

dessa concepção com uma abordagem interativa da leitura e com a proposta

de análise de textos baseada no interacionismo sociodiscusivo.

1. O interacionismo social e a problemática do agir O objetivo desta seção é apresentar, de forma bastante breve, o

percurso histórico que levou o agir humano a ser objeto de muitas das

pesquisas atuais.

Como o próprio Bronckart (2004:14) nos lembra, o agir humano

deixou de ser objeto de pesquisas durante um bom tempo. A hegemonia da

corrente estruturalista, a partir do final da década de 60, levou ao

apagamento do sujeito, do ator e do autor dos discursos para se valorizarem

as estruturas, as regras e invariantes. Essa negação do sujeito transformou o

indivíduo em produto dos determinismos e não sujeito de suas ações.

A década de 80, por sua vez, foi marcada pelo enfraquecimento e

queda do comunismo como modelo político e do marxismo, estruturalismo e

funcionalismo como referências teóricas hegemônicas, o que levou a novas

leituras do próprio marxismo. Segundo Silva (2002:40), nas ciências

humanas, isso significou a reabilitação do sujeito, enquanto, nas ciências

sociais, permitiu a emergência do “ator”, valorizando-se a subjetividade e a

individualidade do ser humano. Esse sujeito revalorizado é transformado em

ator responsável pelos seus atos, pelas suas idéias e pelos seus gostos, sem

ser individualista, pois inserido no social.

É nesse contexto que observamos a revalorização dos autores

interacionistas. Além disso, Dosse (1992) constata que o pensamento atual

converge em torno de um novo paradigma marcado pelas teorias da ação e

pela análise do sentido. E, nessa perspectiva, o paradigma hermenêutico

atual acentua o papel da interpretação na estruturação da ação,

recuperando-se todas as categorias semânticas próprias dela: intenções,

vontades, desejos, motivos, sentimentos. Assim, revalorizam-se os trabalhos de Vygotsky e, com Brunner

(1984), entre outros, ressurge uma vertente do interacionismo social que se

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caracteriza pela instauração do agir como unidade de análise do

funcionamento humano por meio da análise das características da linguagem

e de seus efeitos sobre as condições de seu funcionamento.

Compreendemos, então, o ISD dentro desse quadro epistemológico maior e

encontramos em Vygotsky (1934/1998; 1933/1989) a base do pensamento de

Bronckart.

É na busca de uma nova psicologia no período pós Revolução Russa

que Vygosky pensa o desenvolvimento humano a partir de quatro entradas3:

a) filogênese, que pensa o desenvolvimento histórico da espécie e que nos

permite concluir que o ser humano constitui a espécie menos pronta ao

nascer e que, portanto, dependendo do que o ambiente fornece, o cérebro se

desenvolve de um ou outro jeito.

b) ontogênese, que diz respeito ao desenvolvimento de um ser da espécie,

considerando-se que o ser humano passa por um processo biológico de

desenvolvimento determinado pela filogênese.

c) sociogênese, de caráter histórico-cultural, diz respeito às formas de

funcionamento cultural que, de certa forma, determinam o desenvolvimento

humano. A cultura, então, aparece como um alargador das potencialidades,

na medida em que cada cultura organiza o desenvolvimento do indivíduo de

uma certa forma. Nesse sentido, a sociogênese tem certa tinta determinista,

uma vez que a cultura daria os limites do desenvolvimento.

Ao considerar essas três entradas, verificamos nelas uma natureza

biológica e histórico-cultural que, de certa forma, determinariam o

desenvolvimento do indivíduo, o que levou Vygotsky a ser criticado pelo

caráter determinista de sua psicologia, o que não deixaria de ser uma

influência do próprio marxismo.

Por outro lado, e daí a grande riqueza do pensamento vygotskyano,

existe a quarta entrada, a microgênese, que é a porta aberta da teoria para o

não determinismo, uma vez que cada fenômeno psicológico tem sua história.

Cada indivíduo interage com o meio e procura resolver seus conflitos a partir

do histórico cultural que o constitui, mas também a partir do seu caráter

singular, (o qual não deixa de ser social), que nos leva a compreender o

3 Ver Kolh, Marta. In: Lev Vigotsky. Coleção Grandes educadores. Atta mídia e educação ( vídeo).

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posicionamento “logocêntrico” moderado defendido por Bronckart (Bronckart,

2004), uma vez que essa posição epistemológica coloca a linguagem no

centro do desenvolvimento e do funcionamento humano, mas nega o

determinismo definitivo do sócio-linguageiro.

Não é por acaso, então, que dizemos que, para o interacionismo social

e para o ISD, a premissa básica é a primazia do social.

Estamos, portanto, diante de um ser humano em constante

transformação, que interage com o meio, modificando-o e se modificando. É

assim que entendemos o sujeito que, na escola, interage com seus parceiros,

colegas e professores, e, nessas interações, aprende e se desenvolve.

Estamos, então, diante de outro princípio básico do pensamento

vygotskyano: a relação entre desenvolvimento e aprendizagem. Em

“Pensamento e Linguagem” (Vygotsky, 1934/1998), ao tratar do

desenvolvimento dos conceitos científicos na infância, Vygostsky demonstra

que a aprendizagem orienta e estimula o desenvolvimento, de forma que o

saber acumulado pela sociedade e transmitido formalmente pela escola

instrumentaliza o aluno para agir nessa sociedade e permite, por meio da

aprendizagem, o seu desenvolvimento.

Dessa forma, segundo Vygotsky (1934/1998:127) “quando a criança

aprende alguma operação aritmética ou algum conceito científico, o

desenvolvimento dessa operação ou conceito apenas começou. O nosso

estudo mostra que a curva do desenvolvimento não coincide com a curva do

aprendizado escolar, em geral, o aprendizado precede o desenvolvimento”.

Por isso, a escola exerce um papel fundamental, uma vez que é a

responsável pela aprendizagem formal, responsável pelo desenvolvimento.

Assim, aprendizado e desenvolvimento encontram-se inter-relacionados e em

constante interação. Em outras palavras, tudo o que está no indivíduo esteve

primeiro no social. Entretanto, ao se apropriar do que lhe chega do social, o

indivíduo não o incorpora de forma passiva, mas transforma aquilo de que se

apropriou, transformando-o em experiência única, podendo devolver à

sociedade os elementos apropriados sempre de forma diferente, num recriar

constante.

Preocupado em compreender os níveis de desenvolvimento da

criança, Vygotsky (1933/1989:95) desenvolve as noções de zona de

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desenvolvimento real, “isto é, o nível de desenvolvimento das funções

mentais da criança que se estabeleceram como resultado de certos ciclos de

desenvolvimento já completados” e de zona de desenvolvimento proximal,

entendida como “distância entre o nível de desenvolvimento real, que se

costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível

de desenvolvimento potencial determinado através da solução de problemas

sob a orientação de um adulto ou em colaboração com os companheiros

mais capazes (1933:97)”. A partir desses princípios, podemos dizer que a

atividade escolar e as constantes intervenções pedagógicas que propiciam a

interação e a criação de uma zona de desenvolvimento proximal contribuem

para o processo de aprendizagem e para o desenvolvimento do indivíduo.

É nessa direção em que acreditamos que deva estar qualquer

proposta didática. Qualquer projeto de ensino-aprendizagem precisa levar em

conta os níveis de desenvolvimento do aluno, bem como a importância da

interação social para a construção do conhecimento, pois a interação se

realiza no contato com o outro, a qual se dá via instrumentos simbólicos e,

sobretudo, pela linguagem. Nesse sentido, a escola tem de propiciar

condições para que o aluno compreenda a linguagem escrita não como mero

conjunto de signos e regras gramaticais a serem decodificadas, mas como

um texto em relação direta com o contexto social, pleno de significados e

sentidos, ditos e presumidos, resgatando-se, assim, a natureza dialógica da

linguagem. Para isso, faz-se necessário que as atividades de ensino estejam

intencionalmente planejadas para o desenvolvimento das capacidades de

linguagem que são mobilizadas na atividade de leitura.

A escolha do termo “escola”, nesse caso, é intencional, pois

acreditamos que o ensino dos conteúdos disciplinares e, em especial, das

práticas sociais de linguagem e, especificamente, da leitura devam ter um

caráter transdisciplinar e, portanto, atravessar as diferentes disciplinas

curriculares, devendo, portanto, integrar o projeto global da escola. A favor

desse posicionamento, Kleiman (1999:16) afirma que, “todo professor é

formador e também professor de leitura”. A leitura seria, então, um espaço

comum a todos os profissionais que atuam em educação. Isso nos leva a

pensar o ensino da leitura como um projeto colaborativo entre os professores

de uma escola, que permita, assim, a construção de um espaço

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compartilhado, onde a leitura seja compreendida por todos, alunos e

professores, como fundamental para a construção de uma cidadania plena

em uma sociedade em que a escrita tem, ainda, importância central.

Ora, esse posicionamento a respeito do ensino da leitura na escola

acaba por exigir que os profissionais envolvidos tenham um maior

conhecimento dos textos com os quais trabalham, extrapolando a esfera do

conhecimento do conteúdo temático e tomando conhecimento das

capacidades de linguagem mobilizadas no processo de leitura e suas

relações com as características lingüístico-discursivas dos textos.

Essa concepção de aprendizagem que assumimos juntamente com

uma concepção de leitura interativa está associada a um posicionamento

epistemológico e político multidisciplinar - o interacionismo sociodiscursivo -,

que apresentaremos mais detalhadamente a seguir.

2. Os princípios gerais do interacionismo sociodiscursivo Esta seção tem como objetivo apresentar as concepções teóricas mais

gerais que caracterizam o interacionismo sociodiscursivo (ISD), no que diz

respeito à sua filiação ao interacionismo social, à problemática do agir e da

linguagem.

Mas afinal, o que é o interacionismo sociodiscursivo? Antes de mais

nada, um posicionamento epistemológico e político (Bronckart, 2004) no

campo da “ciência do humano” (Bronckart, 2006:10), que tem caráter

integrador e multidisciplinar e que busca explicar e interpretar o papel da

atividade linguageira no agir e no desenvolvimento humano, tornando-o um

ser social e consciente. Tem seus fundamentos básicos nas obras de

Spinoza, Darwin, Hegel e Marx, o que significa assumir uma concepção de

ser humano a partir dos princípios do monismo, do evolucionismo e do

materialismo dialético, entendendo a evolução humana numa perspectiva

dialética e histórica, cheia de idas e vindas, num permanente movimento

descontínuo e não linear.

Enquanto corrente do interacionismo social, o ISD considera os

instrumentos, a linguagem (instrumento de natureza semiótica) e o trabalho

como elementos fundamentais na construção da consciência e sustenta que:

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a) a problemática da construção do pensamento consciente humano deve ser

tratada paralelamente à construção dos mundos dos fatos sociais e dos

trabalhos culturais;

b) os processos históricos de socialização e de individuação constituem-se

como duas vertentes complementares do mesmo desenvolvimento humano,

idéia essa que recupera a epistemologia de cunho monista de Spinoza e que

enfatiza, acima de tudo, a historicidade do humano.

Como princípio maior do interacionismo sociodiscursivo, temos a

concepção de que a linguagem desempenha um papel fundamental no

desenvolvimento humano, na medida em que ela contribui para codificar os

pré-construídos históricos e para organizar, comentar e regular as ações4 e

interações humanas. Com base em Bronckart (2006), podemos afirmar que o

objetivo maior do interacionismo sociodiscursivo é demonstrar que os textos

e os discursos são os instrumentos principais do desenvolvimento humano,

tanto em relação aos conhecimentos (ou cognitivo) e aos saberes, quanto em

relação às capacidades de agir (saber-fazer) e da identidade das pessoas.

O ISD tem suas pesquisas voltadas para três domínios de

investigação: o dos pré-construídos, o dos processos de mediação e

formação e o dos processos de desenvolvimento.

Esses domínios de investigação não podem ser entendidos de forma

isolada e estanque, sob pena de termos uma visão muito simplista e

reducionista das propostas do ISD. Eles estão em constante relação,

imbricam-se e complementam-se, tendo como unidade básica de análise o

agir humano que, na concepção teórico-metodológica que assumimos,

manifesta-se no quadro dos pré-construídos sócio-historicamente elaborados

pela humanidade.

Vejamos, a seguir, como podemos compreender de forma mais

detalhada esses três níveis ou domínios de investigação propostos pelo ISD.

O primeiro nível da abordagem interacionista – o nível dos pré-

construídos - envolve a análise de quatro grandes elementos principais do

ambiente humano, que se relacionam entre si e que são construídos pela

humanidade ao longo de sua história, a saber:

4 O conceito de ação será melhor explicitado no decorrer do capítulo.

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1. as atividades coletivas humanas – são consideradas de natureza

coletiva e como elemento primeiro ou fundamental do ambiente humano e

podem ser compreendidas como sendo os quadros que organizam e

mediatizam o que é central da relação que se desenvolve entre os indivíduos

e o meio físico. Podem ser divididas em atividades gerais e atividades

semióticas ou linguageiras.

2. as formações sociais – são as formas concretas que ganham as

organizações da atividade humana em função dos contextos físicos,

econômicos e históricos, e são geradoras de regras, normas e valores que

regulam as interações entre os membros de um grupo.

3. os textos – são os correspondentes empíricos das atividades

linguageiras realizadas com os recursos de uma língua natural, isto é,

poderíamos dizer que a linguagem se manifesta em textos. Eles são

unidades comunicativas globais cujas características composicionais

dependem das propriedades das situações de interação e das propriedades

da atividade geral que comentam, assim como das condições histórico-

sociais de sua elaboração. Distribuem-se em múltiplos gêneros, os quais são

socialmente indexados, ou seja, são reconhecidos como pertinentes e/ou

adaptados a uma situação de comunicação específica. Para Bronckart

(1997), seriam essas indexações sociais, ao nível dos pré-construídos, que

permitem ao indivíduo escolher os textos mais adequados às diferentes

situações de comunicação que ele vivencia cotidianamente.

Para o mesmo autor, ao mesmo tempo em que os textos organizam o

agir, eles são co-construídos por esse agir, num processo contínuo e dialético

de construção, organização e reorganização, de forma que, empiricamente,

não há como separar essas duas dimensões.

4. os mundos formais de conhecimento – constituem-se em produtos das

operações de re-contextualização e de generalização e aplicam-se aos textos

e aos conhecimentos por eles veiculados. Sob o efeito dessas operações,

certos conhecimentos são abstraídos dos contextos sócio-culturais e

semióticos locais e organizam-se em sistemas de representações coletivas

tendentes à universalidade. Esses mundos formais de conhecimento são o

que Habermas (1987) descreve como o mundo objetivo, o mundo social e o

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mundo subjetivo, os quais explicaremos mais detalhadamente ainda neste

capítulo.

O segundo nível de análise trata dos processos desenvolvidos pelas

comunidades humanas para assegurar a transmissão e a reprodução dos

pré-construtos históricos, quais sejam:

a) os processos de educação informal por meio dos quais os adultos

integram as crianças e os jovens nos pré-construídos coletivos;

b) processos de educação formal, que dizem respeito à transmissão do

saber e às dimensões pedagógicas que envolvem as condições de formação

de pessoas em ensino formal.

c) processos de transação social no quadro das interações cotidianas que

se desdobram em avaliações, geralmente linguageiras, recíprocas, que

contribuem para manter as interações, ainda que em situações de conflito.

Esses processos envolvem uma grande diversidade de meios e,

portanto, de aprendizes diversos. Segundo Bronckart, o grupo por ele

coordenado, assim como outros grupos, centralizaram-se fortemente nos

estudos das mediações no quadro dos sistemas educativos, considerados

como o principal meio de formação nas sociedades contemporâneas.

Segundo Bronckart, no terceiro nível de estudo – a análise dos

processos de desenvolvimento - focalizar-se-iam os efeitos exercidos pela

transmissão dos pré-construídos aos seres humanos, em três domínios de

investigação:

a) na análise das condições de emergência do pensamento consciente –

que resulta da interiorização dos signos linguageiros por meio da

interiorização de suas quatro propriedades fundamentais já formuladas por

Saussure: caráter imotivado, radicalmente arbitrário, discreto e ativo;

b) na análise das condições de desenvolvimento posterior das pessoas –

desenvolvimento dos conhecimentos e das capacidades de agir;

c) na análise dos mecanismos pelos quais qualquer pessoa contribui para

a transformação permanente dos pré-construídos.

Acreditamos que o desenvolvimento do indivíduo é constante,

permanente e vai além dos sistemas educativos, o que nos permite afirmar

que, embora a pesquisa que apresento aqui esteja relacionada às mediações

formativas escolarizadas, pois a escola é a instituição responsável pela

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transmissão dos pré-construtos sócio-historicamente construídos pela

humanidade, ela também se relaciona com os outros níveis de análise.

Na seção seguinte, examinaremos mais especificamente, como se

concebe o agir humano no quadro do ISD.

3. O interacionismo sociodiscursivo e o agir humano Ao eleger o agir humano como unidade de análise, Bronckart (1997,

2004,2006) percorre diversas correntes da filosofia e da sociologia,

especialmente Anscombre (1957), Von Wright (1971), Ricouer (1989) e

Habermas (1987), que tratam da ação e, em especial, de sua distinção de

acontecimento. Ao fazer uma revisão geral das teorias de ação, o autor

discute como cada uma dessas teorias aborda um aspecto do estudo da

ação, observando que cada uma delas representa uma forma de

interpretação da conduta humana, o que nos leva a concluir que não há uma

teoria que englobe todas as possibilidades de análise da conduta humana.

Tendo em vista essas considerações, Bronckart propõe, então, reunir uma

série de categorias já estudadas e procura criar uma terminologia conceitual

própria para estudar a ação, sendo sua teoria, então mais uma possibilidade

de interpretação da ação humana.

Do ponto de vista metodológico, o interacionismo sociodiscursivo faz

uma distinção entre agir (no sentido geral) e agir linguageiro (de natureza

semiótica). Ambos são formas de agir humanas, que mantêm uma relação

indissolúvel entre si, na medida em que um não existe sem o outro.

Se há um agir, seja ele geral, seja ele linguageiro, temos a existência de

um actante dotado de uma série de recursos, fruto do processo de

aprendizagem dos pré-construídos, seja os recursos relacionados às

capacidades de agir, seja em relação aos mundos formais de conhecimento

os quais, em interação, permitem que a intervenção do actante tenha um

certo resultado.

A partir de Van Wright (1971) e Anscombre (1957/2001) Bronckart

analisa a diferença entre ação e evento, levando-se em consideração que a

“ação” comporta condutas de intervenção intencional no curso das coisas.

Ação, então, para esses autores, envolveria o exercício do poder, a

orientação intencional, a interdependência com os motivos, enquanto os

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eventos se produzem na natureza, sendo interpretados ao nível das relações

causais, sem comportar a intervenção humana intencional.

Bronckart (1997, 2004, 2006), entretanto, assume e amplia a

perspectiva que Ricouer defende em sua “semântica da ação”, na qual

identifica e define os parâmetros que permitem distinguir, mais claramente, a

ação dos eventos: para Ricouer, toda ação implicaria um agente que, ao

intervir no mundo, mobilizaria as capacidades mentais e comportamentais

de que dispõe (poder fazer) transformando-as em motivos e intenções. Para

Bronckart (2004, 2006) os motivos e razões que o agente assume dizem

respeito às representações anteriores ao agir (por que fazer), enquanto as intenções (efeitos que se quer alcançar) teriam função projetiva. Todos

esses elementos são mobilizados em função do resultado que se espera

alcançar, porém a obtenção desse resultado não ocorre de forma retilínea,

pois é preciso constantes ajustes do agir em função dos outros envolvidos na

atividade. Nunca agimos sozinhos; por isso, temos que ajustar as nossas

ações em função das representações de mundo, dos motivos e intenções dos

outros.

Bronckart ainda define os três parâmetros que definem a

responsabilidade dos actantes, transformando-oo em atores: capacidades,

razões e intenções.

Embora Bronckart aproveite a abordagem de Ricouer, vê nela algumas

limitações e, por isso, procura ir além, destacando que o agir não é produção

de um ator solitário. O agir é, sempre, uma entidade dialógica, influenciada

por fatores históricos, sociais, culturais e semióticos. Embora a ação seja o

recorte individual da atividade, esse agir tem sempre um caráter de interação,

uma vez que agimos dentro de uma certa atividade (que é sempre coletiva,

social) e também porque o indivíduo interage com sua própria história. Além

disso, uma vez realizada a ação, o agente perde o controle em relação aos

seus efeitos e em relação às diferentes interpretações que se podem fazer

dela.

Nesse sentido, compreendemos a ação individual do ponto de vista do

interacionismo social, isto é, como participação na atividade coletiva.

Segundo Schurman (2003 :56), a pessoa constitui sua história à medida que

sua ação é parte da atividade coletiva. Tudo que um indivíduo produz, cria,

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pensa, age, faz parte de um sistema de relações sociais e, nesse sentido,

trilha territórios alheios. Uma ação se pensa e se desenvolve na interação

com os outros.

Para aprofundar o estudo da ação, o ISD recorre, ainda à teoria do

agir comunicacional de Habermas (1987), o qual parte do princípio que toda

atividade organiza-se a partir das representações coletivas que constituem

nosso conjunto de conhecimentos sobre o mundo e se organizam em três

sistemas qualificados de mundos: mundo objetivo, mundo social e mundo

subjetivo:

Quadro 1 – os mundos formais de conhecimento (Habermas, 1987)

E é a partir da teoria do agir comunicacional que Bronckart postula a

existência de dois tipos de agir básicos (Bronckart, 2004:27):

a) Agir praxiológico – visa a um efeito direto sobre o mundo e que

apresenta três aspectos: agir teleológico, agir regulado por normas e agir

dramatúrgico, derivados da relação entre o agir e sua pretensão de ser

validado em relação ao mundo objetivo, ao social e ao subjetivo.

b) Agir comunicacional – envolve a linguagem, vista como instrumento

de natureza semiótica, a qual prolonga e reforça as capacidades

comportamentais humanas. Esse agir comunicacional materializa-se em

práticas de linguagem que visam a estabelecer um acordo necessário para o

MUNDO OBJETIVO OU MATERIAL

Representações referentes aos conhecimentos relativos ao universo material elaborados sócio-historicamente. Em síntese, representações dos

objetos do mundo, quaisquer que sejam.

MUNDO SOCIAL

Representações referentes aos conhecimentos sobre o conjunto de regras, convenções, sistemas

de valores elaborados por um grupo particular, enfim, representações dos diferentes modos de

colaboração entre os indivíduos que participam da organização da vida coletiva.

MUNDO SUBJETIVO Representações referentes aos conhecimentos

sobre as características individuais e internas de cada ser humano implicado na atividade social.

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desdobramento social das diversas formas do agir praxiológico. Seu efeito,

portanto, não é direto sobre o mundo, mas é anterior e necessário para o

indivíduo agir sobre o mundo. Entretanto, esses tipos de agir não se realizam autonomamente, pois o

agir comunicacional articula-se ao agir praxiológico, é o instrumento pelo qual

se manifestam concretamente as avaliações sociais de pretensão à validade

das três formas do agir praxiológico.

Para compreendermos os aspectos do agir praxiológico e sua relação

com a avaliação que fazemos sobre nosso próprio agir e o dos outros, é

preciso compreender o que Habermas propõe em relação às pretensões à

validade. Segundo o autor, todo agir humano mostra pretensões à validade

a partir das quais se exerce avaliações e controle coletivo em relação aos

mundos físico, social e subjetivo. O quadro abaixo sintetiza os aspectos do

agir em relação às suas pretensões à validade e em relação aos mundos sob

as quais elas se constroem:

O AGIR EXIBE PRETENSÕES À VALIDADE EM RELAÇÃO AO :

MUNDO OBJETIVO

MUNDO SOCIAL MUNDO

SUBJETIVO

Procurando se mostrar verdadeiro

em relação aos conhecimentos, o que condiciona a

eficácia do agir que intervém no mundo

Procurando se mostrar em

conformidade com as regras e

valores sociais

Procurando se mostrar autêntico

ou sincero.

Aspectos do AGIR agir teleológico agir regulado por normas

agir dramatúrgico

Quadro 2 – Origem dos tipos de agir.

A teoria de Habermas (Habermas, 1987) apresenta, ainda, a relação

entre os mundos formais e o que ele chama de mundo vivido. A distinção

entre mundos formais e mundo vivido é fundamental, pois a regulação do agir

dá-se por meio das múltiplas representações e pelo importante papel do

mundo vivido. O mundo vivido diz respeito a certas dimensões do estado de

um agente no momento em que ele se engaja no agir . Esse agente tem uma

série de conhecimentos explícitos dos mundos formais que ele acumulou ao

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longo da vida, ou seja, ele tem um conjunto de experiências as quais o fazem

ser dotado de um saber de primeiro plano relativo ao contexto desse agir. O

mundo vivido é constituído, também, de uma reserva de convicções e

hipóteses de natureza implícita que interferem no agir e que servem de “pano

de fundo” a respeito do contexto em que o actante se encontra, dando-lhe

uma pré-compreensão do contexto.

O engajamento no agir se traduz, então, necessariamente, por uma

confrontação entre os elementos do mundo vivido que orientam esse

engajamento e os sistemas de conhecimentos formais a partir das quais se

desdobram as avaliações sociais (as contestações e as justificativas) desse

agir, transformando, inclusive, o próprio mundo vivido. Entre mundos formais

e mundo vivido, portanto, instaura-se uma relação dialética que, para o ISD, é

fator maior do desenvolvimento humano.

Essa relação dialética é fator de desenvolvimento e pode ser melhor

entendida se pensarmos na existência de conflito de representações entre

indivíduos, uma vez que um indivíduo elabora suas avaliações a partir do que

considera familiar ou não em relação às representações que tem de seres,

objetos e acontecimentos. Da mesma forma, todos esses conjuntos de

sistemas de representações também regulariam as interpretações, as

avaliações e os controles coletivos sobre o agir individual. O caráter plural,

multifacetado e conflituoso do ser humano em interação com um contexto

social absolutamente dinâmico, dá origem a conflitos em relação ao nosso

agir e em relação à interpretação e à avaliação do agir do outro. De acordo

com Machado5, podem ser identificados conflitos de diferentes naturezas:

a) conflitos entre as representações de cada “mundo” de cada actante;

b) conflitos entre os “mundos” de cada actante;

c) conflitos entre os elementos do “mundo vivido” e os conhecimentos

formais do actante;

d) conflitos entre as representações dos diferentes actantes, entre as

representações do actante e do observador externo.

5 Notas de aula. 2004 (não publicado).

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25

Uma vez que o sujeito tem o seu agir “julgado” pelo controle coletivo

dos outros, isso contribui para delimitar as suas ações do ponto de vista

externo, quando o outro:

a) atribui os motivos e intenções de seu agir;

b) atribui-lhe recursos e capacidades cognitivas e comportamentais para

agir;

c) atribui-lhe determinadas intenções ao seu agir. Dessa forma, atribui-

lhe uma responsabilidade no agir.

Mas não é só a avaliação externa que altera e constitui o sujeito e que

atribui a ele uma certa responsabilidade sobre seu agir no mundo. A

avaliação de si mesmo também constitui o sujeito, pois ele incorpora os

critérios de avaliação coletiva em relação aos mundos representados e passa

a aplicá-los a si mesmo, construindo representações de si mesmo como

responsável por suas ações em relação às diferentes situações em que está

envolvido.

É interessante observar que a constituição do sujeito se dá não só a

partir da internalização da avaliação do outro, mas também do embate que

se trava entre a avaliação/representações dos outros e a sua própria auto-

avaliação/representações internas. É a negociação constante e conflituosa

entre as avaliações externas e a representação de si mesmo que gera a

transformação contínua de um sujeito essencialmente polifônico. (Bronckart,

2000).

Na mesma linha de pensamento, podemos afirmar que o agir

humano, não pode ser deterministicamente atribuído a representações

diretamente ‘obedecidas’, mas como resultado interno de um confronto

constante entre diferentes representações, que nos levam a efetuar escolhas,

diante das possibilidades que nos são dadas.

De forma semelhante, ao discutir os conceitos de agentividade e

“atorização”, Schurmans (2003:57) assume uma abordagem compreensiva

desses conceitos e considera os seres humanos não como simples

reprodutores, mas como reagentes aos determinismos (de diferentes

naturezas – biológicos, ambientais, históricos, culturais, sociais, econômicos)

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os quais pesam sobre eles, ao mesmo tempo em que, por outro lado, são

constituídos por esses determinismos.

Ao considerarmos a pessoa sob o ângulo da agentividade,

reconhecemos, segundo Schurmans (2003), que nós, seres humanos, não

somos “todo poderosos”, uma vez que certas situações se impõem a nós de

forma aleatória. Por outro lado, ao considerarmos a pessoa sob o ângulo

complementar de sua “atorialidade”, compreendemos o indivíduo como

produtor de sentido, que reage aos eventos e participa de sua história,

podendo ser considerado autor da situação.

Se levarmos em conta a agentividade e a atorialidade no âmbito das

representações, observamos, de acordo com Bronckart (2004,2006), que

qualquer indivíduo é, indissociavelmente, ator e agente. Para Schurmans

(2003:274): “Nós somos, ao mesmo tempo, agentes e atores. Agentes, na

medida em que nossa ação se realiza submetida à instituição que enquadra

o possível e o pensável; atores, porque somos dotados de um poder que se

traduz na força que gera a mudança na constituição coletiva da história”.

Entretanto, os motivos e intenções, as capacidades cognitivas e

comportamentais para agir, a responsabilidade dos indivíduos (que, como

vimos, nos dão o estatuto de ator) não podem ser detectadas diretamente a

partir de condutas observáveis. Na concepção que adotamos, os textos

estabelecem uma reconfiguração do agir humano veiculando interpretações e

avaliações sobre esse agir. Dessa forma, são nos textos, quer sejam orais ou

escritos, quer sejam os que dirigimos a nós mesmos ou aos outros, quer

sejam o que são a nós dirigidos é que se “desenham” as “figuras

interpretativas” de nosso agir, tal como é representado por nós, atribuindo-

nos, ou não, as características de um agente ou de um ator.

Na medida em que os textos referem-se a uma determinada atividade

social, eles exercem influência sobre essa atividade e sobre as ações que

nela estão envolvidas, refletindo, ao mesmo tempo, as representações,

interpretações, avaliações existentes a respeito dessas mesmas ações e da

atividade social que se realiza. Por outro lado, são destes mesmos textos que

podemos fazer emergir essas representações, interpretações e avaliações

que nos levam a compreender a ação de linguagem e a ação humana.

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Ao reconhecer o sentido relativo dos conceitos de “ação” e “atividade”

nas diferentes teorias e, portanto, a multiplicidade de interpretações

decorrentes disso, Machado & Bronckart (2004) desenvolveram uma

proposta para orientar os trabalhos de pesquisa, buscando, assim,

estabelecer conceitos e categorias mais estáveis para o desenvolvimento das

pesquisas do grupo, de acordo com a teoria exposta até agora.

Assim, o termo “agir” diz respeito às diferentes intervenções dos

seres humanos sobre o mundo, enquanto que os conceitos de atividade e

ação designam interpretações desse agir coletivo ou individual,

respectivamente, quando esse agir é interpretado como sendo movido por

intencionalidade, razões para o agir e com recursos para o agir. Do ponto de

vista metodológico, é possível ainda fazermos uma distinção entre agir (no

sentido geral) e agir linguageiro (de natureza semiótica).

Se há um agir, seja ele geral, seja ele linguageiro, temos a existência

de um actante, qualquer pessoa que está implicada no agir. Trata-se de um

termo que ainda não indica que à essa pessoa é ou não atribuída uma

determinada responsabilidade no agir.

Esse actante pode ser:

- no plano interpretativo, considerado “agente”. Neste caso, o actante não

tem, nas formas textuais, a ele atribuídas capacidades, responsabilidades,

finalidades, intenções e motivações;

- considerado ator. Neste caso, o actante assume, nas formas textuais,

capacidades, responsabilidades, finalidades, intenções e motivações. É a

avaliação social que nos fabrica como responsáveis pelas nossas ações

dentro da atividade.

Decorre também, então, os três planos de análise do agir propostos

por Machado e Bronckart (2004): o plano da motivação, da intencionalidade e

dos recursos do agir, os quais explicitamos melhor a seguir.

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Quadro 3 – relativo ao plano motivacional do agir

Ex.1: “O poder público colocou na ilegalidade os cientistas que estudam a biodiversidade.” (extraído de “Estado criminaliza estudo da biodiversidde, diz MCT. In: FSP, dia 24 de julho de 2006, p. A11) Ex 2: “Enquanto este artigo era escrito às 17h45 do domingo em um cybercafé a duas quadras do lendário Hotel Commodore de Beirute, localizado na rua Rua Hamra do bairro de mesmo nome, duas fortes explosões interromperam o trabalho.” (extraído de “Parques e escolas acolhem refugiados em Beirute”. In: FSP, dia 24 de julho de 2006, p. A10)

De natureza individual

Motivos – razões do agir interiorizadas por uma pessoa singular. Ex.:“Após a conclusão de seu depoimento, a advogada deverá ser indiciada por homicídio duplamente qualificado por motivo fútil (ciúme) e recurso que impossibilitou a defesa da vítima (Ubiratan estava desarmado). A polícia e o Ministério Público dizem que ela colaborou com as investigações, por isso não pedirão sua prisão preventiva. (extraído de “Carla volta ao DHPP para concluir depoimento sobre morte de Ubiratan”, in: Folha on line,27/09/2006,10h33)

De natureza material ou da ordem das representações.

Determinantes externos

De natureza coletiva

PLANO MOTIVACIONAL

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Quadro 4 – relativo ao plano da intencionalidade do agir

Finalidades Intenções

De natureza individual Ex.: Um dos advogados de Suzane Von Richthofen, Mário Sérgio de Oliveira, disse que tentará cancelar o julgamento no qual sua cliente foi condenada a 39 anos de prisão pelo assassinato dos pais.” (extraído de FSP, dia 23 de julho de 2006, primeira página.)

De origem coletiva e socialmente validadas. Ex. Antes de tudo, convem lembrar que o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), órgão criado em 1936 com a finalidade de proteger os monumentos históricos e artísticos brasileiros, foi convertido em Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN). (extraído de Almeida, Lúcia Machado de. Passeio a Ouro Preto. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia; São Paulo: Ed. Da Universidade de São Paulo, 1980, p. 18

PLANO DA INTENCIONALIDADE

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Quadro 5 – relativo ao plano dos recursos do agir

Em síntese, segundo Bronckart (2004), o agir é interpretado na

medida em que atribuímos ou não às condutas humanas observáveis uma

dessas propriedades: determinações externas e motivos que levam o sujeito

ou um grupo a agir; a intencionalidade, seja a finalidade ou a intenção que

leva ao agir e os recursos externos e internos usados para o agir. O agir,

então, envolve sempre um ou vários sujeitos que, no texto, podem assumir

papéis diferentes (ator ou agente) e que chamamos de protagonista.

A análise desses papéis pode ser feita a partir do estudo sintático-

semântico proposto por Bronckart e Machado (2004). Por meio dela, é

possível fazer o levantamento do papel que é atribuído aos protagonistas. A

análise sintática permite identificar o papel sintático que é atribuído ao

NÍVEL INDIVIDUAL NÍVEL COLETIVO

Instrumentos

Recursos mentais ou comportamentais atribuídos a uma pessoa singular. Ex. “Dentre todas as qualidades do Rei, a mais importante era sua capacidade de reconhecer os próprios limites. Em qualquer circunstância difícil, ele não hesitava em consultar aquele a quem todos chamavam o sábio, uma figura ponderada cujos conselhos eram de ouro.” (extraído de Keshavjee, Shafique (1999) O rei, o sábio e o bufão. Uma fábula sobre Deus e as religiões. São Paulo: Nova Alexandria, p.12)

PLANO DOS RECURSOS PARA O AGIR

Artefatos Capacidades

Ferramentas materiais mobilizadas no meio social Ex. “ Sei que o computador pode determinar o luar exato para onde vão me mandar – insistiu Dolf. – Eu posso levar um giz e marcar o lugar. Assim fica fácil de encontrar depois. Posso também levar uma faca se precisar me defender e...”

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protagonista da ação: sujeito, objeto, complemento, predicativo do sujeito,

etc., enquanto que a análise semântica destaca a relação do protagonista

com esse agir, por exemplo, se lhe é atribuído responsabilidade pelo agir

(agentivo), se ele sofre o agir do outro (objetivo) ou se ele se beneficia de um

agir direcionado a outro (beneficiário) Abaixo, seguem os principais papéis

semânticos atribuídos aos protagonistas de um agir:

Quadro 6 – papéis sintático-semânticos atribuídos aos protagonistas de um agir

4. A configuração global dos textos Em relação direta com a teoria exposta nas seções anteriores,

Bronckart e seu grupo construíram, durante vários anos todo um trabalho

visando a caracterizar os diferentes níveis de apreensão dos textos.

Para isso, destacamos a diferença entre o conceito de texto e o

conceito de discurso apresentada pelo ISD. De acordo com Bronckart

(1997:45), texto seria: “ toda a unidade de produção verbal situada, acabada

e auto-suficiente do ponto de vista da ação ou comunicação”, sendo formado

por frases interligadas, a partir de regras determinadas e que transmitem uma

mensagem coerente. Acompanhando a evolução conceitual que foi sendo

construída pelo autor, em Bronckart (2004, c) os textos podem ser definidos

como os correspondentes empíricos-lingüísticos das atividades linguageiras

Agentivo Ser animado responsável por um processo dinâmico

Instrumental Ser inanimado que é a causa imediata de um evento ou que

contribui para a ocorrência de um processo dinâmico

Atributivo Entidade a quem é atribuída uma determinada sensação ou

estado.

Objetivo Entidade que sofre um processo dinâmico

Beneficiário Destinatário animado de um processo dinâmico

Factivo Estado ou resultado final de uma ação expressa pelo verbo

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de um grupo6 que (Bronckart, 2005) se constroem com a mobilização dos

recursos lexicais e sintáticos de uma determinada língua natural.

O texto deve ser compreendido dentro de um conjunto maior de

espécies de textos ou gêneros - conjunto dos enunciados relativamente

estáveis na sociedade – daí serem chamados de gêneros de texto. A

respeito dessa conceituação, Bronckart (1997:142-143) faz uma série de

observações, demonstrando a influência da noção de gênero do discurso

(Bakhtin, 1953/1997) e sua construção sócio-histórica sobre sua proposta

teórica e, especialmente, a equivalência entre os conceitos de gênero de

texto e gênero de discurso.

Segundo Bronckart (1997:60), “a escolha (do gênero) efetua-se na

confrontação entre os valores atribuídos pelo agente aos parâmetros de sua

situação de comunicação, e leva em consideração os mundos representados

(contexto de produção) e os valores de uso atribuídos aos gêneros

disponíveis no intertexto7.”

Do ponto de vista teórico-metodológico, a análise dos textos leva em

conta o levantamento de hipóteses sobre o contexto de produção que

influencia a forma que o texto vai tomar e propõe, também, uma análise mais

refinada da arquitetura interna dos textos chamada de “folhado textual”, pois

o autor concebe o texto em níveis diferentes de organização, superpostos um

sobre o outro, embora não estanques. Há uma relação de interdependência e

interpenetração entre esses níveis, daí a metáfora de “folhado” ou de

“patisserie”. Esses três níveis de análise são: a infraestrutura textual, os

mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos. Para o estudo

das figuras interpretativas do agir, Bronckart e Machado (2004) propõem o

estudo da semântica do agir nos textos.

Vejamos, a seguir, cada um desses níveis de análise.

6 « Dès lors, les textes peuvent être définis comme les correspondants empiriques-linguistiques des activités langagières d’un groupe – (Bronckart , 2004 c) « Como dissemos, a atividade linguageira apresenta-se empiricamente na forma de textos (orais ou escritos) que se constroem com a mobilização dos recursos lexicais e sintáticos de uma determinada língua natural. Assim, os textos podem ser definidos como sendo os correspondentes empíricos/lingüísticos das atividades linguageiras de um grupo. » (Bronckart, 2005) 7 Numa perspectiva sócio-discursiva, podemos entender o intertexto como: “o conjunto de gêneros de texto elaborados pelas gerações precedentes, tais como são utilizados, e eventualmente transformados e reorientados pelas formações sociais contemporâneas.”(Bronckart:1996;60)

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4.1. O contexto sócio-interacional e a situação de produção Reconhece-se a fundamental importância da reconstrução do

contexto sócio-interacional de produção do texto para a análise do agir.

Nesse sentido, resgata-se a importância de Bakhtin, um pensador que

historiciza a linguagem, deixando clara a relação existente entre linguagem e

contexto social. Brait (1997: 97), ao discutir as idéias desse autor, afirma que

“a palavra não é falada no vazio, mas numa situação histórica e social

concreta, no momento e no lugar da atualização do enunciado”. Justifica-se,

portanto, a importância do estudo do contexto sócio-interacional mais amplo

e, também, o estudo da situação de produção.

A situação de produção envolve, segundo Bronckart (1997/1999:93),

“os parâmetros que podem exercer influência sobre a forma como um texto é

organizado, a partir das representações pessoais que o agente faz do mundo

objetivo e do sócio-subjetivo.” É importante ressaltar que o que podemos

fazer, ao analisarmos esses parâmetros de produção, é levantarmos

hipóteses das representações desse agente, a partir do material que temos

em mão e a partir de nossas próprias representações, uma vez que nós

também somos agentes.

Para Bronckart, a situação de produção, vista como as

representações do agente produtor, deve ser analisada a partir de dois

conjuntos de fatores agrupados e, a nosso ver, indissociáveis:

1. o que ele chama de mundo físico, o qual se relaciona com a situação

material de produção e;

2. o que o autor chama de mundo sócio-subjetivo, que se relaciona com a

situação de interação social.

É a partir desses sistemas de representações que o sujeito pode

situar e avaliar suas ações:

a) fazendo uma representação interna do contexto de produção e;

b) mobilizando as representações referentes ao conteúdo temático. 8

c) entrando em conflito com as representações sociais dos “outros”.

8 conteúdo temático compreendido como o conjunto de informações que estão explicitamente presentes no texto.

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1. Em relação ao mundo físico, quatro são os parâmetros essenciais a

serem analisados:

2. Em relação ao mundo sócio-subjetivo, o qual leva em conta as

representações que o agente faz de normas, valores, regras e a imagem que

o agente tem de si próprio ao agir, também se destacam quatro outros

parâmetros de análise relacionados, portanto, à situação de interação social:

Um dos parâmetros de análise proposto por Bronckart diz respeito ao

agente produtor do texto (emissor-destinatário). Sobre isso, observamos a

influência de Bakhtin (1953/1997), para quem o autor está presente em sua

obra, principalmente no momento em que “conteúdo e forma se fundem”. A

nosso ver, este autor é aquele que constrói significados e sentidos, a partir

das representações que tem da realidade. Segundo Bronckart (1997/1999), é

a partir das representações que constituem o mundo físico e o sócio-subjetivo

do produtor, portanto, não é um agente “assujeitado”, que somente sofre os

efeitos do meio, mas um sujeito que interage com esse meio e com seus

parceiros em uma determinada situação de comunicação. O que existe é um

constante diálogo entre os interlocutores (eu-outro/ autor-leitor/ enunciador-

destinatário) e entre os diferentes discursos. Remetendo-nos, de novo, ao

próprio Bakhtin (1953/1997:316), lembramos que o “enunciado está repleto

de ecos e lembranças de outros enunciados”, assim como reflete o papel

a) lugar de produção, considerado como o lugar físico da produção do texto empírico. b) momento de produção, considerado como o período de tempo em que o texto é produzido. c) emissor, considerado como a pessoa física que produz o texto, seja ele oral ou escrito. d) receptor, considerado como a pessoa física ou conjunto de pessoas a quem se destina o texto, estando ou não no mesmo espaço-tempo da produção.

a) lugar social, considerado como o quadro das instituições e da formação social em que se dá a produção do texto: escola, família, interação formal ou não. b) posição social do emissor, considerado como o papel social desempenhado pelo agente, que se torna enunciador. c) posição social do receptor, considerado como o papel social atribuído ao receptor pelo agente. Esse receptor ganha o estatuto de destinatário. d) objetivo, compreendido como os efeitos que o produtor quer produzir sobre o destinatário, levando-se em conta o ponto de vista do enunciador.

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social do agente, seu lugar social e os efeitos que o autor espera produzir no

destinatário.

Sem confundir a figura do agente produtor (indivíduo físico) com o

enunciador, narrador e expositor (figuras construídas discursivamente) não

podemos nos esquecer de que esse sujeito histórico é também um sujeito

ideológico que, conforme Pauliukonis (2003:39) tem na sua fala “um recorte

das representações sociais do seu tempo, ou um sujeito heterogêneo que

insere outras vozes em seu discurso e delas se utiliza em suas

argumentações”.

Essa natureza dialógica da linguagem, fundamento básico do

pensamento de Bakhtin, remete-nos a outro parâmetro proposto por

Bronckart: a análise do “outro”, do interlocutor, de quem o agente espera uma

“compreensão responsiva ativa”. Nos dizeres de Bakhtin (1953/1997:290):

“De fato, o ouvinte que recebe e compreende a significação (lingüística) de

um discurso adota simultaneamente, como com este discurso, uma atitude

responsiva ativa: ele concorda ou discorda (total ou parcialmente), completa,

adapta, apronta-se para executar, etc., e esta atitude do ouvinte está em

elaboração constante durante todo o processo de audição e de compreensão

desde o início do discurso, às vezes, já nas primeiras palavras emitidas pelo

locutor.”

Parece que Bronckart, nos trabalhos posteriores ao livro “Atividades

de linguagem, textos e discursos”, de 1997, procurou ampliar e ao mesmo

tempo considerar com maior complexidade os procedimentos de análise da

situação de produção. Trata-se de buscar informações “externas” aos textos,

no sentido de se resgatar a situação sócio-histórica em que está imersa a

produção dos mesmos. Para nós, considerando a temática dos textos

selecionados para análise neste trabalho, faz-se necessário conhecer a

conjuntura política brasileira no momento dos fatos (Caso Waldomiro Diniz),

bem como conhecer o contexto intelectual/jornalístico em que escrevem os

autores desses textos.

Em segundo lugar, cabe observar que o estudo da situação de

produção e especialmente dos parâmetros do mundo sócio-subjetivo

apresenta uma série de dificuldades derivadas da impossibilidade de se

identificar quais foram, de fato, as representações do mundo sócio-subjetivo

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efetivamente mobilizadas por um determinado agente produtor e pelos seus

interlocutores. Por isso, configura-se o conflito de representações entre os

interlocutores e o texto se torna o lugar do embate dessas diferentes

representações em conflito.

4.2. A arquitetura interna dos textos – o folhado textual Além do estudo do contexto de produção, que faz parte de toda

produção textual, Bronckart nos fornece um modelo de análise mais refinada

da arquitetura interna dos textos, que é chamada de “folhado textual”, pois o

autor concebe o texto em níveis diferentes de organização, superpostos um

sobre o outro, embora não estanques. Há uma relação de interdependência e

interpenetração entre esses níveis e daí a metáfora criada pelo autor: a de

“folhado” ou de “patisserie”. Observemos o desenho 9a seguir, que procura de

forma esquemática representar os três níveis de análise: a infraestrutura

textual, os mecanismos de textualização e os mecanismos enunciativos, os

quais formam o nível organizacional dos textos.

9 Extraído de Luca, Glaucimara Baraldi. Subsídios lingüístico-discursivos para a prática da leitura na aula de História. Dissertação de mestrado, Lael/2000, p. 73

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4.2.1. A infraestrutura textual Este nível engloba o estudo do plano global do texto, dos tipos de

discurso e das seqüências predominantes, bem como os valores que as

unidades dêiticas assumem, as modalizações e a identificação dos

protagonistas centrais postos em cena no texto, assim como a análise

sintático-semântica dos sintagmas nominais que a eles se referem.

a) Plano Global

O plano global do texto diz respeito à organização do conteúdo

temático e depende do gênero ao qual o texto pertence, bem como de sua

extensão, do contexto de produção e do conteúdo temático.

Geralmente, o plano global deriva da combinação específica dos tipos

de discurso, das seqüências e de outras formas de planificação. Devido a

isso, a classificação dos planos de texto torna-se praticamente impossível,

assim como é impossível classificar e categorizar todo o universo de gêneros

de texto existentes. Soma-se a isso o exame da capa, do título, das divisões

presentes no texto, de seus tamanhos, dos elementos paratextuais que o

circundam, etc. Devido a toda sua complexidade, em nosso trabalho limitar-

nos-emos a estudar o plano global de cada texto empírico e a fazer um

resumo do conteúdo temático, tal como propõe Bronckart (1997/1999:248)

b) Mundos discursivos e tipos de discurso

Dentro da proposta teórica de Bronckart, é preciso explicitar bem as

escolhas conceituais e terminológicas que ele faz, bem como distinguir texto

de discurso.

O conceito de texto pode ser usado em diversas acepções. Os textos

podem ser definidos como sendo os correspondentes empíricos/lingüísticos

das atividades linguageiras (Bronckart, 2004), reúnem tanto as produções

escritas como as produções orais. O texto é visto como uma unidade de

comunicação verbal superior organizada, que transmite uma mensagem que

tende a ser coerente e que revela a atividade social que a gera. Cabe aqui

ainda uma outra observação de natureza terminológica, uma vez que a noção

de texto também é utilizada pela Lingüística textual. Bronckart procura

explicitar essa divergência conceitual. Enquanto Adam (1991) considera seu

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projeto de trabalho analisar o texto em si, isto é, sem relação com as

atividades sociais, Bronckart (1997/1999), por sua vez, considera o texto não

como um objeto puro, mas sim em relação direta com o contexto de

produção. Bronckart revê o conceito de ação como correspondente empírico

da ação de linguagem, tal como proposto no modelo de 1997 e, ao rever sua

posição, para a considerar o conceito de texto como correspondente das

atividades de linguagem, o que dá ao texto um caráter “coletivo”, explicitado

pelo dialogismo e por meio das diversas vozes implícitas e explícitas que o

constituem.

Por outro lado, os tipos de discurso seriam segmentos de textos que,

nas palavras de Bronckart, (1997/1999:149) se caracterizam como “formas

lingüísticas que são identificáveis nos textos e que traduzem a criação dos

mundos discursivos específicos, sendo esses tipos articulados entre si por

mecanismos de textualização e por mecanismos enunciativos que conferem

ao todo textual sua coerência seqüencial e configuracional”. Além disso, os

tipos de discurso constituem-se a partir de modelos disponíveis no chamado

interdiscurso, tal qual ocorre com os gêneros de texto em relação ao

intertexto.

Para a construção dos tipos de discurso, o agente produtor

desenvolve três procedimentos psicológicos. O primeiro diz respeito à

construção de mundos discursivos virtuais, diferentes do mundo ordinário em

que o agente se insere, mas que, ao mesmo tempo, articulam-se a ele. Em

relação a isso, o agente produtor pode decidir por situar as coordenadas do

mundo discursivo disjuntas das coordenadas do mundo da interação social

(mundo ordinário), ou seja, os fatos são organizados estabelecendo-se

distância entre o mundo ordinário e as coordenadas do conteúdo temático,

não importando se os fatos são passados, presentes ou futuros, reais ou

imaginários, pois os fatos são narrados como se fossem passados,

caracterizando a ordem no narrar (como podemos observar no exemplo 1);

ou o agente pode situar as coordenadas do mundo discursivo conjuntas ao

mundo onde se realiza a ação da linguagem. Os fatos são apresentados

como acessíveis ao mundo ordinário do agente e são expostos,

caracterizando a ordem do expor, no qual o conteúdo temático é avaliado

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segundo os critérios de validade do mundo ordinário (como podemos

observar no exemplo 2).

EXEMPLO 1

“Em um país distante, vivia um povo pacífico. As ondas sujas e revoltas dos problemas do mundo só muito raramente vinham rebentar em suas belas praias quentes e acolhedoras. Isolados de tudo, e orgulhosos de sê-lo, seus habitantes dedicavam seu tempo ao trabalho e à família, ao lazer e aos amigos”. (extraído de Keshavjee, Shafique (1999) O rei, o sábio e o bufão. Uma fábula sobre Deus e as religiões. São Paulo: Nova Alexandria, p.11).

EXEMPLO 2

“Refrigerantes normal e diet, água mineral e gasosa e gelo são imprescindíveis em qualquer refeição. Num almoço, suco de frutos é muito adequado. As polpas são uma boa opção e podem ser encontradas em todos os sabores e cores”. (extraído de Dajcz, Mônica. Segredos de uma banqueteira – para receber em casa com sucesso. (2006). São Paulo: Melhoramentos, p. 11).

O segundo procedimento psicológico do agente produtor é escolher o

grau de implicação dos parâmetros da situação material de produção e pode

optar em integrar os parâmetros ao texto, o que chamamos de implicação ou,

então, produzir um texto autônomo em relação aos parâmetros materiais de

produção. Nos casos de implicação do agente, existem referências dêiticas

aos parâmetros e, para interpretar esses textos, é preciso ter acesso ao

contexto. De outra forma, quando o texto apresenta-se autônomo em relação

aos parâmetros da ação de linguagem, sua interpretação não requer

conhecimento desse contexto.

O terceiro procedimento psicológico diz respeito à escolha das

seqüências convencionais que compõem os tipos de discurso: narrativa,

descritiva, argumentativa, explicativa, dialogal e injuntiva. Ou ainda, da

escolha de seqüências chamadas de não convencionais: script e o plano

expositivo puro.

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c) Os quatro tipos de discurso

Os quatro tipos de discurso derivam da articulação dos dois primeiros

procedimentos psicológicos citados no item anterior. Redimensionando o

estudo de Benveniste(1959/1966) Bronckart evita qualquer ambigüidade

terminológica e distingue os mundos da ordem do narrar, que podem ou não

implicar os parâmetros de produção, traduzindo-se nos discursos de relato

interativo ou narração; e os mundos da ordem do expor, que podem ter ou

não relação de implicação ou autonomia em relação aos parâmetros da

situação de ação, traduzindo-se pelo discurso interativo ou discurso teórico.

Vejamos o quadro10 a seguir, onde é possível verificar as articulações entre a

situação de produção e as coordenadas gerais dos mundos discursivos:

COORDENADAS GERAIS DO MUNDO DISCURSIVO

Relação ao ato

de produção

Conjunto Disjunto EXPOR NARRAR

IMPLICADO Discurso interativo Relato interativo

AUTÔNOMO Discurso teórico Narração

Quadro 7 - Tipos de discurso

(FONTE: Bronckart;1997/1999:157)

d) Características dos tipos de discurso

Nesse item, procuraremos elencar as características mais comuns de

cada tipo de discurso e as unidades lingüísticas que aparecem regularmente

em cada um deles. Para isso, observe cada um dos quadros apresentados,

que representam um tipo de discurso ou a fusão de tipos.

10 Destacamos, aqui, o cuidado que Bronckart toma ao trabalhar com a classificação dos tipos de discurso, lembrando que toda classificação tem caráter simplificador e que, portanto, deve ser entendida, de fato, como um instrumento de análise, dentre outros.

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Quadro 8 – Discurso Interativo

eixo do expor – conjunto e implicado – constituição de um mundo discursivo conjunto ao da interação social, havendo referências

explícitas aos parâmetros da situação material de produção: - Forma de diálogo ou de monólogo;

- Produzido oralmente ou por escrito;

- Presença de unidades lingüísticas que se referem à interação verbal;

- Predomínio do presente, que tem valor de simultaneidade e do pretérito

perfeito, com valor de anterioridade;

- Futuro Perifrástico – “ir+infinitivo” (representando a posterioridade em

relação ao momento da interação);

- Presença de dêiticos espaciais (aqui, ali, lá, isso, isto, aquilo);

- Presença de dêiticos temporais (agora, daqui a pouco, ontem);

- Presença de 1ª e 2ª pessoas do singular e plural, que se referem aos

protagonistas da interação verbal;

- Presença da expressão “a gente”;

- Presença de anáforas pronominais – “lhe”, “a”;

- Presença de auxiliares: poder, querer, dever, como modalizadores;

- Densidade verbal elevada (quantidade de verbos em relação à quantidade

de palavras);

- Densidade sintagmática11 baixa;

- Presença de frases não declarativas como as interrogativas, exclamativas e

imperativas.

EXEMPLO “Quer ir? Vai. Eu não vou segurar. Uma coisa que não dá certo é segurar uma pessoa contra a vontade, apelar pro lado emocional. De um eito ou de outro isso vira contra a gente mais tarde: não fui porque você não deixou, ou: Não fui porque você chorou. Sabe, existem umas harmonias em que é bom a gente não mexer. Estraga a música. Tem a hora dos violinos e tem a hora dos tambores. Eu compreendo, compreendo perfeitamente. Olha, e até admito: você muda pra melhor. Fora de brincadeira, acho mesmo. Eu sei das minhas limitações, pensei muito nisso quando tava tentando te entender. É, é um defeito meu considerar as pessoas em primeiro lugar. Concordo. Mas não tem mais jeito, eu sou assim. Paciência.” (extraído de ÂNGELO, Ivan. Padrão de sonhos e outros contos.)

11 Relação entre o número de modificadores e o número de nomes.

Excluído: Completar biblio)

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Quadro 9 – Discurso Teórico

eixo do expor – conjunto e autônomo – construção de um mundo discursivo conjunto aos parâmetros materiais de produção, mas o

agente produtor não se implica no texto.

- Geralmente monologado e escrito;

- Ausência de frases não declarativas;

- Predomínio do presente com valor genérico e não dêitico e pretérito

perfeito

- Ausência de futuro;

- Ausência de unidades que se referem aos participantes da interação ou ao

espaço-tempo da produção. (ausência dos dêiticos de pessoa, espaço e

tempo);

- Ausência de nomes próprios com função de vocativo, pronomes e adjetivos

de 1ª e 2ª pessoas do singular;

- Presença de “nós” e de “se” que não se referem aos protagonistas da

interação;

- Presença de organizadores lógico-argumentativos: como, de outro lado, de

fato, primeiro, mas;

- Presença de modalizações lógicos: de modo geral, é evidentemente difícil,

parece, aparentemente;

- Presença de frases passivas;

- Presença de anáforas pronominais e anáforas nominais;

- Baixa densidade verbal;

- Alta densidade sintagmática.

OBS: A questão da autonomia no discurso teórico é discutida por Bronckart

(1996). Ele enfatiza que o discurso tende à autonomia, sem jamais atingi-la

verdadeiramente, havendo, portanto, graus de autonomia.

EXEMPLO “CONECTIVO – Entende-se, habitualmente, por conectivos os morfemas que

estabelecem uma ligação entre duas proposições. Pode tratar-se de

elementos adverbiais (entretanto, enfim...), de conjunções de coordenação

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(e, pois...) ou de subordinação ( que, porque...). Eles têm um papel essencial

para estabelecer a coesão de um texto.”

(extraído de Maingueneau, Dominique(1998). Termos-chave da análise do

discurso. Belo Horizonte: Ed. UFMG, p. 31)

Quadro 10 – Relato Interativo

- Caráter monologizado;

- Eixo do narrar disjunto e implicado;

- Ausência de frases não declarativas;

- Predomínio do pretérito perfeito e imperfeito, às vezes, associados ao uso

do futuro simples ou futuro do pretérito;

- Presença de pronomes e adjetivos de 1ª e 2ª pessoas do singular e do

plural, que remetem diretamente aos protagonistas da interação verbal em

cujo quadro o relato desenvolve-se.

- Presença de organizadores temporais: antes, depois, quando eu tinha

..anos, outro dia...

- Presença de anáforas pronominais e anáforas nominais, com a repetição

fiel do sintagma antecedente

- Baixa densidade sintagmática

- Densidade verbal mais elevada

EXEMPLO

“Num casarão antigo, situado na Alameda Santos, número 8, nasci, cresci e passei parte de minha adolescência. Ernesto Gattai, meu pai, alugara a casa por volta de 1910, casa espaçosa, porém desprovida de conforto. Teve muita sorte de encontrá-la, era exatamente o que procurava: residência ampla para a família em crescimento e, o mais importante, o fundamental, o que sobretudo lhe convinha era o enorme barracão ao lado, uma velha cocheira, ligada à casa, com entrada para duas ruas: Alameda Santos e Rua da Consolação. Ali instalaria sua primeira oficina mecânica. Impossível melhor localização!” (extraído de GATTAI, Zélia (1985). Anarquistas, graças a Deus. 10 ed., Rio de Janeiro: Record, p. P. 9)

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Quadro 11 – Narração

- Eixo do narrar – disjunto e autônomo;

- Sempre monologado;

- Presença só de frases declarativas;

- Predomínio do pretérito perfeito e pretérito imperfeito;

- Presença do pretérito mais que perfeito;

- Presença do auxiliar no imperfeito + infinitivo (ex: devia cessar);

- Presença de organizadores temporais que marcam a origem e o desenvolvi-

mento do evento, independente do mundo da produção;

- Ausência de pronomes e adjetivos de 1ª e de 2ª pessoas do singular e do

plural, que remetem ao produtor do texto ou aos seus destinatários;

- Presença de anáforas nominais e pronominais;

- Média densidade sintagmática – menor que a do discurso teórico e maior do

que a do discurso interativo;

- Densidade verbal maior que do discurso teórico, mas menor que a do

discurso interativo;

- Ausência de unidades dêiticas.

EXEMPLO “Era fim de agosto de 1939 e os vinicultores franceses estavam aflitos por causa da colheita. Dois meses antes, as perspectivas tinham sido brilhantes. O tempo estava bom e havia a promessa de uma excelente vindima. Depois o tempo mudou. Choveu durante seis semanas a fio e as temperaturas caíram rapidamente.” (extraído de Kladstrup, Don (2002). Vinho & guerra: os franceses, os nazistas e a batalha pelo maior tesouro da França. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., p. 20)

Bronckart chama atenção, ainda, para a possibilidade de nos

depararmos com variantes dos tipos de discurso, bem como a fusão deles,

destacando-se a fusão do discurso interativo e do discurso teórico e, ainda, a

fusão da narração com o discurso teórico

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Quadro 12 – Fusão do Discurso Interativo e do Discurso

- Presentes geralmente no quadro das exposições orais e escritas

- Presença simultânea de subconjuntos de unidades características do

discurso interativo e do discurso teórico:

•Do discurso interativo: - pronomes de 1ª pessoa

frases imperativas

•Do discurso teórico: - organizadores lógico-argumentativos

modalizações lógicas (talvez, pode fazer...)

retomadas anafóricas

densidade sintagmática alta

- Quanto aos tempos verbais: combinação do presente, pretérito perfeito e

futuro que tomam valores, ora do discurso interativo, ora do discurso teórico.

- Fusão decorrente de uma dupla restrição exercida sobre o autor:

•necessidade de apresentar informações independentes da

situação material de produção – típico do discurso teórico.

•necessidade de se solicitar a participação ativa do destinatário,

chamando sua atenção, procurando sua aprovação, inscrevendo-se nas

coordenadas do mundo ordinário – típico do discurso interativo.

Para melhor compreendermos esse tipo de fusão, apresentamos a

seguir um exemplo: EXEMPLO “A partir de Charles Darwin, da teoria da seleção natural e da descoberta de inúmeros fósseis em diversas regiões da Terra, tem-se procurado reconstituir o caminho que a espécie humana percorreu para chegar a sua forma e vida atuais. No entanto, existem inúmeras hipóteses e somente algumas certezas, pois há diferentes teorias e interpretações. Além disso, como já dissemos, a cada nova descoberta as teorias existentes são confrontadas. [fique sempre atento às notícias sobre o assunto nos meios de comunicação}!” (Trecho extraído de MONTELLATO, Andréa Rodrigues Dias e outros. História temática: tempos e culturas, São Paulo, Scipione, 2000, p.92)

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Quadro 13 – Fusão da Narração e do Discurso Teórico

- Presente geralmente em obras históricas e monografias científicas

- Presença simultânea de subconjuntos de unidades características do

discurso teórico e da narração:

• do discurso narração: organizadores temporais

tempos verbais

• do discurso teórico: organizadores textuais lógico-argumentativos.

alta densidade sintagmática

EXEMPLO

“Galileu foi, sem dúvida, um pensador versátil e criativo, mas as pesquisas mostraram a importância que trabalhos de seus predecessores tiveram para ele, quer fossem seus contemporâneos mais velhos entre os mathematici, homens como Tartaglia ou Guidobaldo Del Monte (1545-1607), pensadores medievais como os que desenvolveram as teorias do impetus para explicar o movimento dos projéteis, ou professores do Collegio Romano jesuíta. Também se sabe que não havia nada de novo em seu modus operandi, que era essencialmente aquele dos outros mathematici, combinando análises matemáticas e pesquisas experimentais (205:cf10). Não obstante, Galileu foi um convincente divulgador de suas próprias idéias e um magnífico veiculador de idéias técnicas.” (extraído de Henry, John (1998). A revolução científica e as origens da ciência moderna. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, p. 30)

A fusão do discurso interativo e do discurso teórico, como já dito, é

própria das exposições orais e escritas em que seja necessário solicitar a

participação ativa do destinatário, portanto, acreditamos que tal fusão

apareça muito em textos de natureza didática.

Por outro lado, a fusão da narração e do discurso teórico é recurso

muito presente nas obras científicas e históricas.

e) A planificação intratipo – forma de organização dos tipos de discurso em

seqüências

O estudo da infraestrutura geral dos textos, como dito anteriormente,

envolve o estudo dos tipos de discurso e da organização seqüencial ou linear

do conteúdo temático. Para este estudo, Bronckart recorre aos estudos de J.

M. Adam (1989 e segtes.) e, de forma crítica, relaciona os textos a seus

contextos de produção, caracteriza os tipos básicos de seqüências

Excluído: ¶

Excluído: ¶

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convencionais (narrativa, descritiva, argumentativa, explicativa e dialogal,

acrescenta, ainda, a seqüência injuntiva) e destaca, também, a existência de

segmentos não organizados convencionalmente, como o caso do “script”

(enumeração de ações) e do plano expositivo puro (esquematizações).

Quadro 14 – Tipos de seqüência

TIPO DE SEQUËNCIA

QUAL É O EFEITO

PRETENDIDO

FASES

DESCRITIVA

Fazer o destinatário ver com detalhes os elementos de

um objeto de discurso, conforme a orientação dada

a seu olhar pelo produtor

Ancoragem Aspectualização Relacionamento Reformulação

EXPLICATIVA Fazer o destinatário

compreender um objeto de discurso.

Constatação inicial Problematização

Resolução Conclusão/avaliação

ARGUMENTATIVA

Convencer o destinatário a respeito do posicionamento do produtor diante de um

objeto de discurso controverso.

Premissa - tese Suporte argumentativo Contra-argumentação

Conclusão

NARRATIVA

Manter a atenção do destinatário criando

suspense derivado do estabelecimento de uma

tensão e resolução

Situação inicial Complicação

Ações desencadeadas Resolução da situação

final

INJUNTIVA Fazer o destinatário agir de um certo modo ou em uma

determinada direção.

Enumeração de ações temporalmente subseqüentes

DIALOGAL Fazer o destinatário

participar da interação proposta

Abertura Operações transacionais

Fechamento (extraído de Machado, 1998:74-107)

4.2.2. Os mecanismos de textualização: mecanismos de conexão, coesão nominal e coesão verbal Um segundo nível de análise do texto refere-se aos mecanismos de

textualização, distribuídos em três grandes conjuntos: conexão, coesão

nominal e coesão verbal, que tornam o texto empírico um todo coerente.

Koch (1992) nos lembra que um texto é muito mais que a simples soma de

frases e palavras e os recursos de coesão textual são, justamente, os

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principais responsáveis pela tecitura do texto e, portanto, pela construção do

sentido.

Os mecanismos de textualização são os responsáveis pela coerência

temática, uma vez que organizam os elementos constitutivos do conteúdo em

diversos percursos entrecruzados, explicitam ou marcam as relações de

continuidade, ruptura ou contraste. Esses mecanismos manifestam-se, no

texto, através das marcas de textualização, compreendidas como as

unidades lingüísticas que dão essa coerência e que atravessam os tipos de

discurso e as seqüências as quais se articulam e compõem o texto.

a) Os mecanismos de conexão

Os mecanismos de conexão são responsáveis pelas as grandes

articulações da progressão temática, por meio dos organizadores textuais,

marcando relações entre tipos de discurso, fases de seqüência ou outra

planificação. Bronckart procura relacionar os organizadores textuais com

função de conexão aos tipos de discurso e seqüências da seguinte forma:

- discursos da ordem do narrar – têm maior incidência de organizadores com

valor temporal – antes, depois, agora, hoje, ontem, mais tarde, mês que vem,

há muito tempo atrás...

- discursos da ordem do expor – têm maior incidência de organizadores

lógicos – porque, de um lado, por outro lado, agora (com valor restritivo),

embora, mas, de qualquer forma...

- seqüências descritivas, qualquer que seja o tipo de discurso em que estão

inseridas – maior freqüência de organizadores espaciais – aqui, ali, lá, acima,

abaixo, do lado, mais perto, mais longe, próximo a ...

É importante destacar que essa correspondência não é mecânica e

necessária e sim parcial e flexível, sendo possível encontrar organizadores

lógicos na ordem do narrar e organizadores temporais na ordem do expor.

Por outro lado, uma mesma unidade lingüística pode ganhar estatuto de

organizador lógico ou de organizador temporal, isso depende do contexto em

que for utilizado, como o exemplo do “ágora” que pode ter sentido de

organizador temporal ou de organizador lógico restritivo.

Excluído: a

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A seguir, elencamos as unidades lingüísticas que podem ser

utilizadas como marcas de conexão. Observemos que essa classificação não

pode ser pensada buscando-se um correspondente direto na microssintaxe

ou na macrossintaxe, pois essas unidades pertencem a categorias

gramaticais diferentes e podem assumir papel sintático ou não:

a) advérbios ou locuções adverbiais com caráter transfrástico – embora, de

fato, depois, primeiramente, de um lado, além disso, por outro lado...

b) sintagmas preposicionais e sintagmas nominais que ganham estatuto de

adjuntos adverbiais.

c) As conjunções de coordenação em forma simples ou em forma de locução

– e, ou, mas, isto é, ou seja, portanto ...

d) conjunções de subordinação – antes de, desde, porque.

b) Os mecanismos de coesão nominal

Os mecanismos de coesão nominal marcam relações de

solidariedade e descontinuidade entre dois subconjuntos internos à estrutura

da frase. No caso dos mecanismos de coesão nominal, esses introduzem

argumentos e organizam sua retomada no desenvolver do texto através de

anáforas, que dão efeito de estabilidade e continuidade. Em português, a

coesão nominal é marcada por duas categorias de anáforas: anáforas

nominais, constituídas por sintagmas nominais de vários tipos e anáforas

pronominais, formadas por pronomes pessoais relativos, possessivos e

demonstrativos, além do uso do artigo definido.

Bronckart também relaciona a coesão nominal com os tipos de

discurso:

- tipos de discurso da ordem do narrar – presença de anáforas pronominais

de 3ª pessoa;

- discurso interativo – predomínio dos pronomes de 1ª, 2ª e 3ª pessoas, que

acumulam valor dêitico e anafórico;

- discurso teórico – predomínio das anáforas nominais.

É preciso compreender a coesão que se constrói a partir de palavras

e frases as quais se encontram conectadas entre si, numa seqüência linear e

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por meio de dependências de ordem gramatical (Kock. 1990: 18). Embora ela

não seja condição necessária e suficiente para que um texto seja, de fato, um

texto, ela tem por função dar maior legibilidade a ele, pois explicita os tipos

de relações estabelecidas entre os elementos lingüísticos que o compõem.

c) Os mecanismos de coesão verbal.

Enquanto parte dos mecanismos de textualização, a coesão verbal

também é responsável pela coerência temática do texto. Dentro dessa

perspectiva, Bronckart (1997) propõe um quadro geral de análise de coesão

verbal numa dimensão discursiva e demonstra como é possível definir as

funções de coesão verbal que são comuns a cada tipo de discurso e como

isso está ligado ao contexto de produção. Não faremos uma exposição

exaustiva do estudo dos mecanismos de coesão verbal, pois suas categorias

não serão utilizadas para o estudo do agir representado nos textos que

analisamos.

4.2.3. Os mecanismos enunciativos: O eu e o outro no discurso – interpretar, julgar e avaliar.

Os textos trazem as marcas do sujeito e do outro. Sujeito este

pensado dentro da pós-modernidade, em toda sua multiplicidade, em sua

heterogeneidade. Nem completamente livre, nem completamente

assujeitado, trata-se de um sujeito de relações, um sujeito que se constitui na

relação com o outro e que está em constante transformação. Nesse sentido,

o dizer do sujeito não é a expressão do real ou da única verdade, esse dizer

é um conjunto de possibilidades. Segundo Brandão (1998:37) “o sujeito

passa a ocupar uma posição privilegiada já que a verdade não é mais algo

que se manifesta por sua força interna, mas algo que é representado por um

sujeito que lhe confere sentido. A noção de representação desloca-se do eixo

da verdade para ser solidária com o da subjetividade. Subjetividade que se

constitui na linguagem e pela linguagem. É porque constitui o sujeito que a

linguagem pode representar o mundo: porque falo, aproprio-me da

linguagem, instauro a minha subjetividade e é enquanto sujeito constituído

pela linguagem, que posso falar, representar o mundo.”

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Dentro da perspectiva do ISD, Bronckart (1997) nos lembra que o

autor, agente da ação de linguagem concretizada no texto empírico, não é o

único responsável pelo texto. A construção do texto é sempre atividade

interativa, pois o autor constrói suas representações do mundo físico e sócio-

subjetivo a partir da interação com as ações e discursos dos outros e sua

própria vivência pessoal. Assim, o texto é carregado dos traços dessa

constituição interativa. Para Bronckart (1997), um texto é polifônico quando

nele se fazem ouvir várias vozes distintas. Angelim explica que: (2003:15)

“entende-se polifonia como a multiplicidade de sujeitos responsável pelo

ponto de vista das falas, em um texto. Conseqüência natural da vida em

sociedade, a polifonia reflete a interação do homem, como ser social, na

troca de informações, nas tomadas de posição, enfim, no fenômeno da

aculturação do ser humano, no decorrer de sua existência”.

A noção de “vozes” já aparece nos textos do Círculo Bakhtin, ligada ao

paradigma dialógico de linguagem. (Esse paradigma permite-nos

compreender que os discursos são sempre dialógicos, isto é, eles estão

sempre em contato com outros discursos e assim se deixam transparecer, o

que Bakhtin denominou de vozes sociais.“ Segundo Faraco (1988:23-24),

trata-se de uma concepção de linguagem que toma como essencial sua

realidade dialógica e de onde nasce uma das categorias centrais do

pensamento bakhtiniano: o dialogismo. Bakhtin aborda “o dito dentro do

imenso universo do já dito e, ao mesmo tempo, determinada pela réplica

ainda não dita, todavia solicitada e já prevista” (...) Mas o dialógico em

Bakhtin não se esgota aí, pois a ele interessa, sobretudo, “a síntese dialética

de vozes contrárias.” Nesse sentido, Tezza (1988:55) afirma: “Um enunciado

é parte integrante de um diálogo ininterrupto não como uma voz que

responde mecanicamente a outra voz num teatro de marionetes que se

comunicam, mas como uma voz que traz em si, na sua concepção mesma, a

perspectiva da voz do outro, a intenção e o ponto de vista do outro, a

entoação alheia”.

Se é o dialogismo condição necessária para o sentido do discurso,

Barros (1999:2) desdobra esse princípio em dois: o da interação verbal entre

o enunciador e o enunciatário do texto (interação verbal) e o da

intertextualidade no interior do discurso.

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A intertextualidade, então, segundo Fiorin (1999:30), “é o processo de

incorporação de um texto em outro, seja para reproduzir o sentido

incorporado, seja para transformá-lo. Segundo Barros(1999:4), a

intertextualidade pode ser entendida como o “diálogo entre os muitos textos

da cultura, que se instala no interior de cada texto e o define.(...) Deve-se

observar que a intertextualidade na obra de Bakhtin é, antes de tudo, a

intertextualidade interna das vozes que falam e polemizam no texto, nele

reproduzindo o diálogo com outros textos.”

As vozes seriam, então, entidades que assumem ou às quais se

atribuem uma dada responsabilidade enunciativa. Segundo Bronckart

(1997/1999), geralmente é a instância geral que assume a responsabilidade

como narrador ou expositor, o que podemos observar quando há o

predomínio da 3ª pessoa do singular. Essa instância geral pode colocar em

cena outras vozes:

• As vozes de personagens procedentes de seres humanos ou entidades

humanizadas implicados na qualidade de agentes nos acontecimentos ou

ações constitutivas do conteúdo temático.

• Vozes sociais procedentes de personagens, grupos ou instituições sociais

que intervêm na qualidade de agentes do percurso temático, porém são

citados como instâncias externas de avaliação.

• Voz do autor que procede diretamente da pessoa que está na origem da

produção de linguagem e que intervem, nessa qualidade, para comentar ou

avaliar aspectos do que foi enunciado.

Essas vozes que se fazem ouvir no texto, de forma explícita ou

implícita, também podem introduzir diversos comentários e avaliações

formulados a respeito do conteúdo temático. Estes são traduzidos pelos

modalizadores, que orientam o destinatário na interpretação do

posicionamento dessas vozes em relação ao conteúdo temático. Os

modalizadores seriam, justamente, as marcas deixadas pelo autor no texto e

expressam sua subjetividade.

Para Bronckart, quatro são as funções de modalização:

1. Modalizações lógicas – avaliação de alguns elementos do conteúdo

temático, apoiada em critérios do mundo objetivo – condições de verdade,

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fatos certos, possíveis, prováveis, necessários. Elas podem ser realizadas

através de marcadores lexicais, modos verbais como o futuro do pretérito e

mesmo por gestos ou entonação. Ex.: pode, é necessário.

“Dizia Sábato que os adultos sempre somos culpados de algo. Mas as

crianças, que culpa podem ter as crianças? Perguntava-se. Vale para o

ataque israelense que matou tantas crianças em Qana, no Líbano. Os

“adultos” do Hizbollah podem ter todas as culpas do mundo, e as têm. Mas

as crianças, os bebês, que culpa poderiam ter?”

(Rossi, Clóvis. O limite insuportável. Folha de São Paulo, 01 de agosto de

2006)

2. Modalizações deônticas – avaliação de alguns elementos do conteúdo

temático, apoiada em critérios do mundo social – valores, opiniões, regras,

direito, obrigações sociais, regras do grupo...Ex.: deve.

“O mundo deve vir a reconhecer a maneira cínica com que os

terroristas exploram as vítimas civis.”

(Dersowitz, Alan. M. Os acusadores previsíveis, J. Post. Tradução de Irene

Walda Heynemann)

3. Modalizações apreciativas – avaliação do conteúdo temático a partir de

critérios do mundo subjetivo das vozes que fazem o julgamento. Ex.: bom,

felizmente, infelizmente.

“Existem razões justas, baseadas na lei moral e nas regras

internacionais, para iniciar uma guerra. Israel as teve todas ao revidar as

agressões dos terroristas islãmicos instalados no seu vizinho do norte, o

Líbano. O trágico é que, por mais justas e embasadas que sejam as razões

para disparar os canhões, quando eles começam a vomitar fogo, o inferno se

instala e consome igualmente vidas inocentes e de combatentes.”

(Revista Veja, 02 de agosto de 2006, p.90)

4. Modalizações pragmáticas – explicitam certos aspectos da

responsabilidade de uma entidade constitutiva do conteúdo temático –

personagem, grupo, instituição - em relação às ações de que é o agente.

“Usando apenas seu carisma e sua história, sua dialética e sua

fabulosa capacidade de convencimento, José Dirceu conseguiu formar e

manter a base aliada do governo Lula no Congresso, sem recorrer a

mesadas, jabás, cargos e empregos. Só no papel, na arte da articulação

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política, fazendo a ponte entre os interesses – sempre legítimos, claro – do

empresariado produtivo, do Estado solitário e do partido do povo. Realidade

ou Ficção?

(Motta, Nelson. Uma dupla do barulho. Folha de São Paulo, 18 de agosto de

2006, p. A2)

A escolha dos modalizadores independe dos tipos de discurso.

Alguns textos são cheios deles, em outros eles são raros ou até mesmo

ausentes. Segundo Bronckart (1997/1999), essa gestão talvez esteja ligada

ao gênero de texto, por exemplo: podem ser mais freqüentes em artigos de

opinião como os textos do nosso corpus, que estão repletos de

modalizadores, pois o conteúdo temático é algo de debate, de avaliação e

comentário.

A visão de Bronckart sobre o estudo das marcas de subjetividade que

inscrevem os enunciadores no texto e, portanto, expressam a

heterogeneidade nos leva a buscar outros estudos para complementar e

ampliar essa visão. Os estudos desenvolvidos por Authier-Revuz (1998) e

Maingueneau (1997, 1998, 2001) mostram-se bastante produtivos para isso.

Authier-Revuz articula as concepções de Benveniste, Bakhtin,

Pêcheux e Lacan (cf, Brait: 1996:104), debruça-se sobre o caráter dialógico

do discurso e desenvolve, assim, os conceitos de heterogeneidade

constitutiva, cuja idéia principal é a de que todo discurso apresenta-se

constitutivamente atravessado por outros discursos - pelo discurso do outro e

de heterogeneidade mostrada, marcada ou não-marcada. Segundo

Maingueneau (1997:75), a heterogeneidade mostrada “incide sobre as

manifestações explícitas, recuperáveis a partir de uma diversidade de fontes

de enunciação” e, portanto, são analisáveis por meio das marcas lingüísticas,

enquanto a heterogeneidade constitutiva “aborda uma heterogeneidade que

não é marcada em superfície” e que, portanto, não é possível de ser

analisada.

Maingueneau (1997, 2001) traça uma série de marcas lingüísticas

que expressam a diversidade de fontes de enunciação, enfim, as diferentes

vozes que constituem o discurso e caracterizam a heterogeneidade mostrada

e que nos serão úteis na análise de nossos dados: aspas, negação polêmica,

Formatado: Português (Brasil)

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discurso relatado, ironia, citação de autoridade e pressuposição são algumas

manifestações dessa heterogeneidade que podem ser detectadas nos textos.

Destacamos a importância do discurso relatado como uma

manifestação clássica da heterogeneidade mostrada (cf. Maingueneau,

1997:86) e esclarecemos o que estamos entendendo como discurso relatado,

apropriando-se do dizer de Sant’Anna (2004:59): “termo amplo, capaz de

abranger várias formas de inclusão, mais ou menos clara, do discurso do

outro no fio condutor daquele que enuncia”, especialmente, mas não só, o

discurso direto, o discurso indireto e o discurso indireto livre. São justamente

os verbos dicendi que introduzem a fala reportada, marcando a fronteira entre

o dizer de quem cita e o dizer do citado. Deles emerge a subjetividade, seja,

por exemplo, daqueles verbos que expressam opinião (concordar, discordar),

seja daqueles que expressam julgamento (aprovar, censurar, reprovar).

Entendemos o discurso direto como aquele em que “o relator

menciona as próprias palavras empregadas pelo enunciador citado, ou pelo

menos ele apresenta seu enunciado como tal” (cf. Maingueneau, 1998:46).

Isto quer dizer que não necessariamente a citação seja a exata reprodução

das palavras do enunciador citado, mas são apresentadas como se fossem.

O discurso direto clássico se constitui pelo uso de verbos introdutores e pelo

uso das aspas.

No discurso indireto, ao contrário, o enunciador faz uso de suas

próprias palavras para citar o outro, pois não tem a intenção de reproduzir as

palavras exatas, mas sim o “conteúdo do pensamento” (cf. Maingueneau,

2001:149). Geralmente o discurso indireto é introduzido por um verbo dicendi

associado ao “que”.

Em determinadas situações, podemos nos deparar com o discurso

direto após introdutores de discurso indireto (verbo+que). Maingueneau

(2001:152) destaca que é um procedimento em expansão na imprensa atual.

O discurso indireto livre, por sua vez, é compreendido como uma

forma puramente interpretativa que combina os recursos do discurso direto e

do indireto livre e não tem marcas próprias, não sendo compreendido fora do

contexto. O que existe é uma mistura de duas vozes: “não se pode dizer

exatamente que palavras pertencem ao enunciador citado e que palavras

pertencem ao enunciador citante” (Maingueneau, 2001:153).

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Segundo Maingueneau (1998:133), ”é praticamente impossível

encontrar um texto que não deixe aflorar a presença do sujeito falante. Esse

último inscreve continuamente sua presença no seu enunciado, mas essa

presença pode ser mais ou menos visível”.

É interessante verificar como uma palavra aparentemente neutra,

inserida em um enunciado vivo, torna-se marca de subjetividade. Em: “A

moça é uma cadeira”, o substantivo “cadeira” está dotado de subjetividade e

da expressividade de seu enunciador. Bakhtin (1953/1997: 313) nos lembra

que: “a palavra existe para o locutor sob três aspectos: como palavra neutra

da língua e que não pertence a ninguém; como palavra do outro pertencente

aos outros e que preenche o eco dos enunciados alheios; e, finalmente,

como palavra minha, pois na medida em que uso essa palavra numa

determinada situação, com uma intenção discursiva, ela já se impregnou de

minha expressividade. Sob estes dois últimos aspectos, a palavra é

expressiva, mas esta expressividade, repetimos, não pertence à própria

palavra: nasce no ponto de contato entre a palavra e a realidade efetiva, nas

circunstâncias de uma situação real, que se atualiza através do enunciado

individual. Neste caso, a palavra expressa o juízo de valor de um homem

individual.”

Kerbrat-Orecchioni (2002) identifica uma série de categorias de

palavras que podem marcar essa subjetividade em um texto, demonstra que

algumas palavras como substantivos, adjetivos, verbos e advérbios podem

ser índices de subjetividade na enunciação e aponta alguns exemplos que

apresentam propriedades “mais” ou “menos” subjetivas. Os adjetivos, por

exemplo, podem expressar tanto afetividade quanto avaliação.

Aspecto interessante da obra da autora e que nos serviu na análise

dos dados diz respeito ao estudo do valor avaliativo eventual dos verbos

subjetivos definidos pelo enunciador. O estudo dos verbos subjetivos envolve

três dimensões diferentes: quem faz a avaliação, sobre quem ou sobre o que

se faz a avaliação e qual é a natureza do julgamento avaliativo. A primeira

dimensão diz respeito a quem assume a responsabilidade enunciativa e,

portanto, responsabiliza-se pela avaliação. A segunda dimensão diz respeito

ao objeto da avaliação que pode ser um fato, um indivíduo ou um objeto. A

terceira dimensão diz respeito ao julgamento que pode ser feito. No domínio

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axiológico, o julgamento pode ser do tipo bem/mal, já no domínio das

modalizações, ele pode ser verdadeiro, falso ou incerto.

CAPÍTULO 2 – LEITURA COMO POTÊNCIA

Formatado

Excluído: ¶¶

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A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados Roger Chartier

O leitor é um caçador que percorre terras alheias.

Michel de Certeau

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Neste capítulo abordaremos as questões que nos parecem cruciais

para o ensino da leitura na escola em geral e dos textos opinativos na

formação do leitor/cidadão, em particular.

Em primeiro lugar, gostaríamos de propor uma breve reflexão. O que é

ler? Ainda que todos nós leiamos, nem sempre nos fazemos essa pergunta.

O hábito de recorrer a etimologia da palavra pode, então, nos abrir um

universo diferente de sentidos para ela. Em latim, legere significa “colher”.

Segundo Brasil (2000), “ler, na acepção moderna do termo é, pois, uma

metáfora, cujas raízes conhecemos apenas de modo aproximado: ela pode

derivar, segundo os especialistas, de expressos como legere oculis, ‘reunir

(as letras) com os olhos’. De qualquer maneira, há na palavra ‘ler’ a presença

do olho que anda ao longo da página, colhe signos e recolhe sentidos que

vão sendo ajuntados uns aos outros: ler é um verbo ‘corporal’ “. Reunir letras,

relacioná-las, colher signos, recolher sentidos… Um jeito diferente de ver a

leitura, atividade social que, em nossa sociedade, é objeto de ensino da

escola.

Ainda que a escola seja a principal instituição responsável pelo ensino

da leitura e, historicamente, ser o livro o principal objeto de leitura, não é só a

escola e não são só os livros os responsáveis pelo ensino da leitura.

Nascemos imersos no mundo da leitura, seja porque nossa família é letrada,

seja porque a escrita está por todos os lados: nas placas de rua, nos ônibus,

nos mercados...

Desde a leitura pública na Grécia Antiga até às práticas mais recentes

de leitura no Brasil e no mundo (texto eletrônico), a evolução histórica dessa

prática não esteve somente ligada às transformações na capacidade técnica

de impressão do material a ser lido. Aliás, a leitura deixou de ser vista como

uma atividade natural a todas as pessoas, invariável e imutável ao longo do

tempo, para ser compreendida em seus aspectos sócio-históricos, portanto,

como prática ideológica e representantiva de um determinado grupo e de

uma determinada sociedade em um determinado tempo.

Enquanto prática social (Chartier, 1999) e não ato solitário de um

indivíduo, a leitura sofre as influências e influencia a sociedade e acaba por

exercer diferentes funções sociais ao longo da História. De um instrumento

Formatado: Recuo: Primeiralinha: 1,27 cm

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de edificação espiritual e de iniciação ao sagrado, sendo o livro o elemento,

por excelência, da conservação e preservação da memória na Idade Média, a

leitura torna-se, no século XVIII, uma “febre social”, dando origem ao leitor

moderno – heterogêneo, anônimo e disperso.

O século XX, por sua vez, vê multiplicarem-se as experiências sociais

de leitura, em especial com o processo de democratização da escola, que

levou à alfabetização das massas ao mesmo tempo em que outros meios de

comunicação, como o rádio e a televisão, criam novas formas de divulgação

e reflexão sobre o conhecimento. Além disso, com a difusão do uso do

computador e da internet, novas formas de se ler se colocam. As informações

tornam-se cada dia mais voláteis, instantâneas e imediatas. As fontes estão

ao nosso dispor, porém nem sempre sabemos selecioná-las ou refletir sobre

elas o suficiente.

Muitos são os autores que pensam a relação entre leitura e ideologia

(Zilberman e Silva, 1988; Silva, 1996; Freire,1982/1994, entre outros). Nesse

sentido, discute-se como a leitura pode ser usada como instrumento de

controle da classe dominante e como ela pode colaborar para a reprodução

das estruturas sociais. Por outro lado, a leitura também pode ser

compreendida dialeticamente, ao aparecer como instrumento de

conscientização, meio de aproximação entre os indivíduos e a produção

cultural. Trata-se de uma possibilidade concreta de acesso ao conhecimento

e desenvolvimento do poder de crítica por parte do leitor.

A leitura pode ser vista, então, como um processo político e ter,

também, um significado utilitário: leitura como instrumento para obter

melhores condições de vida por conta das exigências do mundo do trabalho;

ou então pode ser vista como alternativa de expressão, de comunicação, de

compreensão do mundo.

A leitura, portanto, é compreendida como potência. E, como potência,

ela pode vir a sedimentar ou transformar as representações coletivas por nós

apropriadas, que se organizam em sistemas ou “mundos” (formais ou

representados): “mundo objetivo”, “mundo social” e “mundo subjetivo”,

(Habermas, 1987; Bronckart, 2004) tal como já explicitamos em capítulo

anterior.

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61

Por meio da leitura, existe um confronto constante das representações

do leitor que interagem com as representações mobilizadas nos textos, o que

nos leva a efetuar escolhas diante das possibilidades que nos são dadas, nos

permitindo transformar ou sedimentar as representações dos mundos que

temos.

Lajolo (1999:15) traça uma relação direta entre o universo da leitura e

o mundo: “ou o texto dá sentido ao mundo ou ele não tem sentido nenhum.”

Freire (1982/1994:20), discutindo a importância do ato de ler, destaca que a

compreensão crítica do ato de ler “não se esgota na decodificação pura da

palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na

inteligência do mundo. A leitura do mundo precede sempre a leitura da

palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da

continuidade da leitura daquele”. E ainda podemos dizer que a leitura da

palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo mas por uma certa

forma de “escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de transformá-lo

através de nossa prática consciente.

A história da leitura, de certa forma, se mistura à história de autores e

leitores, uma vez que entendemos a leitura como interação (Dolz:1994) . A

prática da leitura é uma atividade social que, compreendida em uma

concepção interacionista, considera o leitor um sujeito ativo que interage a

todo momento com o autor através de seu texto. Como observa Kleiman

(1989:17), “a leitura é considerada um processo interativo, no sentido de que

os diversos conhecimentos do leitor interagem a todo momento com o que

vem da página para chegar à compreensão.” Mas a leitura também é

interativa, pois permite que grupos de leitores partilhem entre si os

conhecimentos que mobilizam para que, ao interagir um com o outro e com o

autor através do texto, construam significações próprias, individuais, enfim,

pessoais.

Retomamos, então, a idéia desenvolvida por Bakhtin (1953/1997;

Bakhtin/Voloshínov 1929/1981) de compreensão responsiva ativa por parte

do interlocutor. Segundo o autor (Bakhtin, 1953/1997:291): “a compreensão

responsiva nada mais é senão a fase inicial e preparatória para uma

resposta”. A leitura é sempre um diálogo, no qual a cada palavra que

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queremos compreender, recorremos a uma série de outras nossas palavras,

ainda que o façamos somente internamente. Não é de se estranhar, portanto,

que até mesmo o silêncio pode ser compreendido como uma resposta.

Então, as leituras são sempre plurais (Chartier, 1999). São elas que

constroem diferentes sentidos para os textos, uma vez que a compreensão é

um processo de interação entre um leitor ativo e o texto, em que as

características desse leitor, sua experiência de vida, seus conhecimentos

prévios, sua circunscrição social, suas relações com o mundo e com os

outros interagem com o texto e produzem um significado que é próprio ao

contexto no qual a atividade de leitura se realiza. É desta forma que o leitor,

ao ler, constitui-se, representa-se, forma-se e transforma-se

permanentemente. Segundo Chartier (1999:19) “cada leitor, cada espectador,

cada ouvinte produz uma apropriação inventiva da obra ou do texto que

recebe”. Por outro lado, como o próprio autor observa: “a grande questão,

quando nos interessamos pela história da produção dos significados, é

compreender como as limitações são sempre transgredidas pela invenção

ou, pelo contrário, como as liberdades da interpretação são sempre

limitadas”.

Cabe aqui uma reflexão mais cuidadosa a respeito desse misterioso

universo que é a leitura. Autor, texto e leitor fazem parte desse universo

complexo, contraditório e dinâmico. Ao reconhecer os direitos do leitor,

reconhece-se a singularidade de cada sujeito. Eco (2005), já nos anos 60 e

70, em sua “Obra Aberta” defendia o papel ativo do intérprete nas leituras de

textos. Tratava, na época, dos textos de natureza estética, mas acreditamos

poder estender essa visão aos textos em geral.

Porém, o próprio Eco (1993/2005) adverte, ao discutir a natureza do

significado e as possibilidades e limites da interpretação, que os direitos

dados aos intérpretes, nas últimas décadas, foram exagerados, discordando

da idéia desconstrucionista de dar ao leitor o direito de produzir um fluxo

ilimitado e incontrolável de leituras. Nessa direção, Eco condena o que ele

chama de superinterpretação e afirmar que as propriedades do texto em si

impõem limites ao alcance da interpretação legítima. Na mesma direção,

Chartier (1999:77) destaca que a liberdade do leitor não é absoluta, uma vez

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que ela é cercada por limitações “derivadas das capacidades, convenções e

hábitos” que caracterizam as práticas de leitura.

Entre autor empírico e leitor existe o texto e, no texto, existem muitos

outros autores. Todos aqueles que contribuíram ao longo do tempo para a

constituição desse autor empírico e que podem aparecer implícita ou

explicitamente no texto, de forma consciente ou não por parte de quem

escreve. Por isso, ler depende de uma atitude ativa diante do texto que o

leitor desenvolve ao ler, na medida em que lê mais, compreende melhor,

interpreta de forma mais legítima e permanentemente vai se constituindo

mais cidadão.

Essa atitude ativa diante do texto exige, por parte do leitor, uma série

de capacidades de linguagem que são mobilizadas no processo de leitura e

que no quadro do interacionismo sociodiscursivo (1997/1999), envolvem a

capacidade de se relacionar às diversas dimensões lingüísticas e estruturais

da textualização em relação aos fatores extra-verbais e de uso (Dolz, 1994).

Três seriam as capacidades de linguagem que o leitor mobiliza para

construir sentido a partir do que lê:

a) as capacidades de ação;

b) as capacidades discursivas;

c) as capacidades lingüístico-discursivas.

Essas capacidades de linguagem não são inatas. São sócio-

historicamente construídas, seja nas mediações formativas escolares, seja

nas mediações formativas não escolares. São justamente as capacidades de

ação que permitem ao leitor compreender a situação de ação de linguagem

em que se encontra, mobilizar representações do contexto em que está

inserido, bem como levantar hipóteses do contexto no qual o texto foi

produzido, acessando os conhecimentos já vivenciados e acumulados. Dolz

(1994) nos lembra o quanto é importante, na atividade de leitura, levarmos

em conta dois aspectos do contexto: o contexto de leitura e o contexto de

produção do texto que, muitas vezes, não é o mesmo.

Nesse sentido, quanto mais o leitor recorre ao seu conhecimento

prévio, mais elementos ele tem condições de reconhecer em um texto. Por

isso que podemos dizer que a “intertextualidade é um fenômeno cumulativo”

(Kleiman, 1992:62), uma vez que quanto mais se lê, mais se detectam os

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vestígios de outros textos naquele que está sendo lido, tornando-se mais fácil

perceber as relações entre texto e outros textos.

É, ainda, o domínio das capacidades de ação que permite ao leitor

identificar a que gênero pertence o texto, da mesma forma que a identificação

do gênero contribui para a interpretação do texto, tal como nos lembra

Kleiman (1999) e Bronckart (1997/1999). As experiências anteriores de leitura

constituem o intertexto, no qual estão nossos conhecimentos sobre gêneros e

que nos dão condições de antecipar o que podemos encontrar, por exemplo,

num artigo de opinião, numa carta de leitor.

As capacidades discursivas, por sua vez, também atuam na

identificação do gênero a que pertence o texto, bem como permitem a

organização do conteúdo temático num plano global, em que se articulam os

tipos de discurso e as seqüências. São esses elementos que constituem o

que Bronckart (1997/1999), como vimos, chama de infraestrutura, que

organizam o conteúdo temático e permite ao leitor ter uma idéia global do

texto.

As capacidades lingüístico-discursivas dizem respeito ao domínio dos

mecanismos de textualização e permitem a percepção e as atribuições de

valor às articulações entre as frases de uma mesma seqüência (conexão) ou

entre os diferentes tipos de discurso que compõem um texto, bem como

permitem a identificação das unidades de significação a partir da coesão

verbal e da coesão nominal.

Por outro lado, as capacidades lingüístico-discursivas também são

responsáveis pela compreensão do posicionamento enunciativo, pois

permitem ao leitor reconhecer as diferentes vozes presentes no texto, as

modalizações que indicam comentários, avaliações implícitas ou explícitas no

texto, bem como as escolhas lexicais, compreendendo o significado das

unidades lingüísticas dentro do universo do texto e de seu contexto.

Ainda que parte das práticas escolares de leitura esteja centrada na

compreensão do que o autor quis dizer, buscando-se identificar qual é a sua

intenção, Eco coloca em discussão a possibilidade de se identificar essa

intensão ou sua validade, uma vez que, para ele, essa intenção pode não

fornecer dados efetivos para a interpretação e pode ser, inclusive, irrelevante

ou enganosa como guia para a construção do sentido do texto. O autor

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assinala ainda que, entre a intenção do autor e a intenção do leitor, existe a

intenção do texto. Questão a ser discutida, uma vez que quem escreve o faz

com alguma intenção. Por outro lado, de fato, é muito difícil se descobrir qual

é a real intenção do autor, até porque entre a sua intenção e o que ele

efetivamente produz de efeitos de sentido na escrita pode haver um grande

abismo. Ou, em termos de ação, como nos mostra Bronckart, a intenção

inicial não garante que se atinja os objetivos desejados.

Nessa mesma perspectiva, Ricoeur (1989), ao pensar a hermenêutica,

coloca o agir humano como eixo fundamental de sua reflexão e discute o

processo complexo que é interpretar. Para ele interpretar é um processo

complexo que englobaria dois estágios complementares: a objetividade e a

subjetividade. A significação da obra é percebida pela análise objetiva de seu

código e pela apropriação subjetiva do seu conteúdo pelo leitor. Assim, o

texto seria a objetivação do discurso, a marca deixada pela ação, que se

torna independente do autor e gera suas próprias conseqüências na ordem

social e histórica.

Ignoramos, então, a intenção do autor? Enquanto dado real e

concreto, cremos que trabalhamos com o indefinível. Porém, levantar

hipóteses sobre os objetivos do autor, em parte delimitadas pelo gênero,

pode dar pistas para as interpretações. E nesse sentido pode ser, também,

um critério restritivo à infinitude de interpretações.

È a partir dessa concepção de leitura, que estamos pensando a leitura

de textos opinativos na escola. Dado que o sentido do texto não é

naturalmente dado e sim sócio-historicamente construído, como pontua

Orlandi (1988:59), é possível, “dentro de uma perspectiva discursiva, trazer

para a discussão o modo pelo qual, no funcionamento da ideologia, o leitor se

instala nesse processo de produção de sentidos” e constrói um espaço

compartilhado em que a leitura seja compreendida como fundamental na

construção de uma cidadania plena.

No próximo capítulo, então, destacaremos as principais

características dos artigos de opinião e suas relações com o estudo da

argumentação.

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CAPÍTULO 3 – CARACTERÍSTICAS DOS TEXTOS DE OPINIÃO – SEU CARÁTER ARGUMENTATIVO

“A articulação de um discurso argumentativo supõe sempre dois movimentos: um de desconstrução e outro de construção, visando a uma

transformação. “ Helena Nagamine Brandão (1998)

Excluído: ¶¶

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Este capítulo tem como objetivo apresentar, de forma sucinta, algumas

dos principais estudos teóricos e metodológicos que dizem respeito ao

estudo da argumentação e que podem contribuir, seja para a análise dos

dados desta tese, seja para o ensino da leitura e da escrita de textos

opinativos.

Em primeiro lugar, destacamos o caráter fortemente argumentativo

que têm os artigos de opinião. Ao tratarem de questões polêmicas, sobre as

quais não existe uma verdade absoluta ou uma resposta única, os artigos de

opinião trazem temas atuais e de interesse geral que permitem diferentes

posicionamentos. Essas diferentes posições para serem socialmente

validadas dependem da argumentação, ou seja, da capacidade de o agente

produtor dar sustentação à idéia que está defendendo, seja por meio de

fatos, dados, provas, razões, evidências, etc. Uma leitura crítica desses

textos, portanto, exige por parte do leitor capacidades de linguagem que

revelem os argumentos apresentados pelo texto, bem como identifiquem os

argumentos falaciosos, ou seja, inválidos ou falsos.

Dentro do conjunto dos estudos referentes à argumentação,

destacamos a abordagem filosófica de Tolmin (1558/1993), o enfoque

estrutural de Adam (1992), mas privilegiamos o enfoque enunciativo-

discursivo da argumentação (Chartrand, 1995; Golder, 1996; Dolz,1995a,

1995b, Dolz e Pasquier, 1993) e a relação dessas abordagens com o ISD.

O enfoque enunciativo-discursivo da argumentação procura relacionar

a situação de produção da argumentação à construção do texto

argumentativo, o que nos permite afirmar a existência de uma variedade de

textos argumentativos. Segundo Golder (1996) o tratamento que o locutor dá

à situação de produção se traduz no texto por meio da escolha de certas

unidades lingüísticas que acabam por caracterizar esse discurso.

Trata-se, portanto, associar o esquema textual da argumentação às

suas coerções contextuais. Nessa perspectiva, apresentamos o conceito de

argumentação inspirado em Golder (1996), que nos serviu de base:

“construção por parte do locutor de uma representação discursiva, de uma

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esquematização cujo objetivo é a modificação da representação que o

interlocutor faz do tema abordado”.

Podemos afirmar que, embora cada texto argumentativo tenha um

contexto de produção imediato sempre único, há algumas características

contextuais gerais que caracterizam a produção desse tipo de texto

[Machado (2000), Souza (2003), Golder (1996)] e que resultam em um

conjunto de unidades lingüísticas constantes. Essas características podem

ser assim explicitadas:

a) Existência de uma situação social controversa, que gera um tema

admissível e passível de ser discutido dentro do sistema de valores dos

interlocutores. Desta forma, não se coloca em discussão um tema que o

interlocutor não o reconheça como polêmico, como possível e socialmente

autorizado para ser discutido, Por exemplo, não se escolhe como tema a ser

discutido a alimentação à base de carne de vaca na Índia, onde esse animal

é considerado sagrado.

b) Existência de crenças contrárias ou posições possíveis de serem

flexibilizadas. É possível se discutir o consumo de carne de vaca em uma

situação em que estão presentes vegetarianos e não vegetarianos, mas não

na Índia.

c) Existência de locutor e interlocutor que se engajem na polêmica. Por parte

do locutor, a crença de que é possível convencer o interlocutor. Por parte do

interlocutor, é preciso haver abertura para se engajar na discussão e, até

quem sabe, fazer com que o próprio locutor altere sua posição.

Analogamente, podemos dizer que são as características da situação

de produção que fazem com que o locutor escolha um gênero argumentativo

dentro dos diferentes gêneros argumentativos que existem e se posicione

explícita ou implicitamente diante de um tema controverso.

Também é interessante observar que a relação entre locutor e

interlocutor, na argumentação, não é mecânica. Ela é dinâmica e sofre a

influência das representações que os interlocutores têm das relações sociais

que mantêm entre si, gerando efeitos na forma e no conteúdo dos

argumentos. Nesse sentido, Golder(1996) destaca que a relação social entre

locutor e destinatário pode ser simétrica ou não, o que pode marcar maior

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69

necessidade de negociação e de modalização em relação às idéias que se

defende ou não.

Aliás, Golder destaca a existência de duas operações lógico-discursivas

fundamentais que permitem a construção do texto argumentativo, que

também nos parece bastante adequada: a justificação e a negociação.

Segundo a autora, a justificação é a operação pela qual o locutor fornece

razões que sustentam a posição defendida. É por meio dessa operação que

é possível a construção de uma rede de argumentos interconectados.

Já a negociação é uma operação lógico-discursiva que exige bastante

destreza por parte do enunciador, uma vez que se trata de operação bastante

complexa. É a negociação que contribui para que o discurso argumentativo

seja ou não aceito, uma vez que ela dá lugar ao interlocutor e permite o

surgimento de contradiscursos. O enunciador antecipa o que o interlocutor

possa usar na defesa de uma posição diferente. Do ponto de vista lingüístico-

discursivo, há unidades lingüísticas que tornam possível a tarefa de

negociação, seja por meio das modalizações, seja por meio da mudança da

responsabilidade enunciativa. Podemos, ainda, nos referir a formas mais

complexas de negociação, como a ironia e o subentendido, que permitem ao

locutor assumir um determinado posicionamento que coloca o interlocutor

numa situação constrangedora e ou ridicularizada.

Machado (2000) analisa textos pertencentes ao gênero e publicados

na Folha de S. Paulo e mostra o predomínio das seqüências argumentativas,

que aparecem justapostas umas às outras, cujos argumentos vão

fundamentando conclusões parciais que se tornam argumentos para a

conclusão global. Segundo a autora, isso caracteriza o que se pode chamar

de uma recursividade argumentativa, indicando que o produtor toma o objeto

em discussão como sendo controverso, considerando que há destinatários

que não compartilham de suas opiniões.

As operações de justificação e de negociação próprias da argumentação

nos remetem ao caráter dialógico dos textos. Numa perspectiva bakhtiniana

(Bakhtin, 1953/1997:316) o dialogismo é constitutivo de qualquer enunciado,

e não apenas nos argumentativos: “O enunciado está repleto dos ecos e

lembranças de outros enunciados, aos quais está vinculado no interior de

uma dada esfera comum da comunicação verbal. O enunciado deve ser

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70

considerado acima de tudo como uma resposta a enunciados anteriores

dentro de uma dada esfera”. Segundo Maingueneau (1998:42) o termo

dialogismo, na análise do discurso, após Bakhtin, refere-se “à dimensão

profundamente interativa da linguagem, oral ou escrita (...) Mas Bakhtin

emprega também dialogismo no sentido de intertextualidade.” Genette

(1982:8), por sua vez, pontua que a intertextualidade supõe a presença de

um texto em um outro, seja por meio de citação direta, citação indireta,

alusão, entre outros.

Nesse sentido, os artigos de opinião podem ser vistos como diálogo

com o pensamento do outro, para transformar ou sedimentar representações,

uma vez que a justificação das afirmações demonstra a preocupação do

produtor em responder previamente uma possível questão do destinatário

sobre a pertinência e a validade da afirmação, assim como a negociação está

relacionada ao fato de que o produtor prevê possíveis

refutações/discordâncias dos destinatários ou possíveis conclusões

contrárias às que ele quer construir. Além disso, a refutação, que também

pode aparecer em textos argumentativos, dá ao texto um caráter

heterogêneo, e lingüisticamente, isso se manifesta por meio de marcadores

refutativos, quais sejam: verbos de dizer (refutar, discordar), locuções

metalingüísticas (é mentira, é falso, não é verdade), lexemas (erro, engano),

negação polêmica e organizadores argumentativos: mas, entretanto, por

outro lado, apesar de, etc.

A argumentação constitui e é constituída pela contradição, o que

marca sua dimensão polifônica. Segundo Brandão (1998: 90): “a dimensão

polifônica da argumentação mostra, dessa forma, a sua face contraditória, ao

verificarmos que, ao mesmo tempo em que está voltada para o outro, em que

o discurso se modela com as imagens e presunções que o locutor tem do

outro, em que o discurso se constrói também vinculado à formação ideológica

desse outro, o percurso argumentativo está marcado paradoxalmente por

uma anulação do discurso do outro, visando à afirmação do mesmo e do

único.“ É como se fosse um jogo em que o locutor precisa vencer, pelos

argumentos, o outro a quem se dirige.

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71

Uma vez caracterizados, de forma geral, os artigos de opinião,

concluímos a apresentação teórica desta pesquisa e na seqüência

apresentaremos os aspectos metodológicos que a compõe.

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72

PARTE II – A PESQUISA

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73

CAPÍTULO 4 – QUESTÕES METODOLÓGICAS

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74

Neste capítulo, apresentaremos os procedimentos de coleta e seleção

de dados, bem como os procedimentos adotados para análise.

1. Procedimentos de coleta e seleção de dados Escolhemos como dados para nossa análise, textos de natureza

opinativa veiculados na mídia impressa. Essa escolha se deu, em primeiro

lugar, devido a importância que a mídia adquiriu na sociedade

contemporânea, sendo considerada responsável pela democratização das

informações, uma vez que atinge um número cada vez maior de leitores.

Como conseqüência disso, podemos também considerar a mídia um meio de

educação não formal, aquilo que anteriormente chamamos de mediações

formativas não escolarizadas, mas que, nos dias de hoje, contribuem para a

criação, a manutenção ou a reformulação de figuras interpretativas do agir

que se desenvolvem em uma determinada sociedade, avaliando esse agir de

forma positiva ou negativa, portanto, construindo “modelos para o agir” dos

membros dessa sociedade. Assim, por meio de seus textos orais ou escritos,

a mídia tem se constituído como um importante espaço de veiculação e

legitimação de idéias e, conseqüentemente, de posicionamentos que avaliam

ou interpretam o agir em nossa sociedade e que, de certa forma, formam a

opinião pública, sedimentando ou transformando as representações sociais.

Em segundo lugar, procuramos selecionar textos com um só tema

relacionado à situação política brasileira atual. Assim, selecionamos textos

referentes às denúncias de corrupção envolvendo indivíduos ligados ao

governo do PT, o que permitiu um intenso debate entre aqueles que

defendem o governo e aqueles que o acusam.

Porém, a crise política brasileira com o governo petista no poder tem

se prolongado ao longo do tempo. Se por um lado isso é bastante

interessante, pois permite a seleção de textos que dialogam entre si e que,

portanto, compõem uma rica e complexa rede discursiva, por outro lado,

coloca uma questão metodológica que diz respeito ao recorte desse corpus.

Ao nos preocuparmos com esse contexto, adotamos determinados princípios

para a coleta e seleção de dados, que explicitamos a seguir:

a) Como esboçado na introdução desta tese, a metodologia de coleta

foi construída a partir do texto “Disputa Simbólica” da Professora Marilena

Excluído: ¶

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75

Chauí, quando da denúncia de ato de corrupção praticado por um dos (ex)

assessores (Waldomiro Diniz) do então Ministro da Casa Civil José Dirceu.

Trata-se de artigo de opinião publicado no dia 18 de fevereiro de 2004, na

seção “Tendências e Debates” do jornal Folha de S. Paulo, o qual gerou

grande controvérsia entre jornalistas/intelectuais.

b) A partir do texto de Marilena, todos os textos selecionados deveriam

ser posteriores ao dela e, de alguma maneira, fazer referência ao caso

Waldomiro Diniz ou ao artigo de Chauí, de forma que pudéssemos analisar

as diferentes figuras interpretativas do agir que foram construídas a partir do

fato e que foram expressas nos textos. Fechamos, assim, o núcleo temático

no caso Waldomiro Diniz. Isso nos deu o recorte inicial da rede discursiva

analisada.

c) A princípio, pensamos em analisar textos de diferentes jornais

diários, porém, reconhecendo o jornal impresso como espaço para o

“confronto de diferentes pontos de vista” (cf Sant’Anna, 2004:92), optamos

por um único jornal, a Folha de S. Paulo, o mesmo suporte do texto de Chauí.

A escolha do jornal Folha de São Paulo deu-se a partir de critérios bastante

claros.

O primeiro deles diz respeito ao fato de a análise centrar-se no

confronto de diferentes pontos de vista em um mesmo jornal da imprensa

escrita. É justamente a polêmica, travada no seio de um só suporte que nos

permite verificar se há ou não o caráter “crítico, moderno, pluralista e

apartidário” a que se compromete o Projeto Folha, tal como exposto em seu

Manual da Redação (2001:10).

O segundo critério de escolha da Folha diz respeito ao fato de o jornal

ter ampla distribuição nacional, com uma tiragem bastante expressiva. E até

mesmo como decorrência dessa amplitude de distribuição, destacamos a

influência reconhecida que esse jornal tem na história e no pensamento do

país. É o próprio Manual da Redação do jornal (2001:12) que nos fornece

dados a respeito de seu papel nacional, a partir das estimativas da

Associação Nacional de jornais: a Folha é um dos quatro jornais de maior

influência nacional, tendo esta influência crescido 116% desde o ano de

1985, que marca o início do período de redemocratização brasileira.

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76

d) Todos os textos deveriam se caracterizar, grosso modo, como

textos de opinião, podendo ser artigos de opinião ou comentários

jornalísticos.

e) Os textos selecionados deveriam estar localizados, temporalmente,

entre os meses de fevereiro e março de 2004, quando o caso de corrupção

foi intensamente divulgado pela mídia.

A seguir, apresentamos um quadro com a relação dos textos

selecionados para a análise, destacando o título de cada um desses textos,

as datas de publicação, quem são os produtores empíricos e o papel social

de cada um deles.

DATA AUTOR PAPEL SOCIAL TÍTULO DO ARTIGO

18/02/2004 Marilena Chauí

Professora de filosofia da USP

Intelectual engajado ao PT

Disputa Simbólica

19/02/2004 José Arthur Giannotti Professor da USP Fatos e disputa

política 19/02/2004 Clóvis Rossi Jornalista O lugar do PT

22/02/2004 Eliane Cantanhêde Jornalista Pó, pedra e “agenda

positiva”

10/03/2004 Renato Janine Ribeiro Filósofo Para defender a

política

11/03/2004 Marilena Chauí Filósofa Em prol da reforma política

13/03/2004 Marcos Augusto Gonçalves Jornalista Vícios públicos e

privados Quadro 15 – Quadro geral dos textos analisados

2. Procedimentos de análise Como já apresentamos os procedimentos de coleta e seleção de

dados, seguiremos apresentando os procedimentos de análise adotados.

Nossos procedimentos de análise basearam-se nos trabalhos desenvolvidos

pelo Grupo LAF (2001) (Bronckart, 1997; Bronckart & Machado, 2004), que

inclui a utilização de procedimentos oriundos da semântica do agir.

Guardamos semelhanças com outros procedimentos de análise utilizados por

outros analistas de linguagem/discurso e recorreremos a alguns deles para o

enriquecimento da análise, especialmente a Maingueneau (1997) e a Kerbrat-

Oricchionni (2002).

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77

Nossas análises procuraram responder à seguinte grande questão de

pesquisa:

Quais são as diferenças e semelhanças que existem entre os

diferentes textos que tematizam uma questão polêmica pública, no que diz

respeito às suas características lingüístico-discursivas e às representações

do agir e dos actantes neles construídas, tendo em vista o ensino da leitura

na escola?

Para responder a essa grande questão de pesquisa, que tem seu foco

nos diferentes tipos de agir representados nos textos de opinião e movido,

ainda, pela idéia de que a descrição da organização de um texto em relação

a seu contexto é um passo anterior à sua interpretação (cf. Roulet,1999),

nosso estudo envolveu a análise em três níveis dos textos: organizacional,

discursivo-enunciativo e semântico.

Para proceder a essas análises, desdobramos a nossa grande

questão de pesquisa em questões operacionais relacionadas ao tipo de

análise que desenvolvemos. Segue quadro-síntese dessas questões12:

12 Os tipos de análise citados no quadro-síntese serão melhor desenvolvidos na seqüência do capítulo de metodologia.

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78

QUESTÕES

TIPOS DE ANÁLISE

1. Quais são as características

lingüístico-discursivas que

caracterizam esses textos, levando-

se em conta a infra-estrutural textual?

1. Análise com base na identificação

dos diferentes níveis da infraestrutura

textual, de acordo com Bronckart

(1997):

a) tipos de discurso e seqüência;

b) mecanismos de textualização:

conexão, coesão verbal e coesão

nominal;

c) mecanismos enunciativos.

2.a)Quais são os principais

protagonistas representados nos

textos?

b)Como esses protagonistas são

representados?

c) Que papéis lhes são atribuídos?

d) Que tipo de agir é representado?

2. Análise sintático-semântica dos

enunciados propostos por Bronckart

& Machado (2004).

3.a)Como o agir representado é

avaliado?

3.b) Que instâncias enunciativas são

postas nos textos como responsáveis

por essas avaliações? Que outras

vozes são mobilizadas?

3. Análise semântica do agir proposto

por Bronckart & Machado (2004)

associado aos procedimentos

propostos por Maingueneau (1997) e

Kerbrat-Orecchionni (1998/2001)

Quadro 16 – questões operacionais e tipos de análise

De acordo com os procedimentos de análise propostos por Bronckart

(1997) e Bronckart e Machado (2004) procedemos da seguinte forma:

2.1. Estudo do contexto de produção Na verdade, esta etapa antecipa o trabalho de análise propriamente

dito e é necessária uma vez que, segundo o próprio Bronckart (1997), esse

estudo nos permite fazer uma leitura mais contextualizada do corpus. O

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79

estudo do contexto de produção levou em consideração o contexto físico e o

contexto sócio-subjetivo de produção, tal como explicitado no capítulo teórico,

destacando a instituição midiática em que foram produzidos os textos, os

produtores efetivos e os destinatários privilegiados. Também demos

destaque ao reconhecimento do suporte que veiculou os textos.

2. 2. Procedimentos de análise dos textos 2.2.1. Primeira etapa de análise - Identificação do conteúdo temático e do

plano global dos textos

Nossa primeira etapa de análise constituiu-se na identificação do

conteúdo temático e do plano global dos textos, seguindo, assim os critérios

de análise propostos por Bronckart (1997) e Bronckart e Machado (2004).

Para isso, foi necessária uma primeira leitura de cada um dos textos, para a

construção do plano global de cada um deles, feito levando-se em

consideração a estrutura argumentativa.

2.2.2 . Análise dos tipos de discurso

Para a análise dos tipos de discurso, seguimos os seguintes critérios

propostos por Bronckart (1997):

a) Identificação de unidades lingüísticas que marcam implicação do

produtor no texto: pronomes de primeira pessoa do singular e primeira

pessoal do plural e formas verbais correspondentes; dêiticos temporais e/ou

dêiticos espaciais; frases não declarativas.

b) Identificação de unidades lingüísticas que marcam conjunção/disjunção

em relação aos parâmetros da situação de produção: estudo dos tempos

verbais, dos advérbios e/ou locuções adverbiais de tempo.

Essa foi uma etapa fundamental no processo de análise, pois já

permitiu antecipar índices, tanto de implicação dos produtores nos textos,

quanto dos destinatários privilegiados, o que foi útil posteriormente, quando

da análise da responsabilidade enunciativa.

Formatado: Português (Brasil)

Page 92: INTERPRETAÇÕES E AVALIAÇÕES DO AGIR EM TEXTOS DE … · procuraram revelar que figuras interpretativas do agir são construídas pelos ... as we observe two categories of assessment

80

2.2.3. Mecanismos de textualização

Para a análise dos mecanismos de textualização, em primeiro lugar,

procuramos analisar esses mecanismos visando, sobretudo, a identificar os

organizadores textuais que são índices de heterogeneidade ou polifonia.

Em segundo lugar, a análise da coesão nominal se mostrou bastante

útil não só porque a sua reconstrução por meio das cadeias anafóricas, como

demonstrado em trabalho anterior (Luca, 2000) é fator decisivo para a

compreensão do texto. Sobretudo, a reconstrução dessas cadeias anafóricas

auxilia a identificação dos diferentes protagonistas postos em cena no texto e

a forma como uma determinada representação desses protagonistas vai

sendo construída por essa cadeia anafórica.

2.2.4. O agir representado nos textos.

A organização do plano global de cada texto, a partir dos critérios

formais que estruturam os textos de natureza argumentativa, permitiu-nos

detectar, em primeiro lugar, que a discussão proposta pelos artigos de

opinião gira em torno de duas grandes questões relativas ao agir:

a) interpretação e avaliação do agir e do agir linguageiro dos actantes

envolvidos nos fatos tematizados;

b) interpretação e avaliação do agir linguageiro dos produtores de textos que

comentaram os fatos e, portanto, tornaram-se actantes em relação a um agir

linguageiro que é materializado pelos textos.

Essa primeira constatação nos levou a selecionar todos os actantes

que foram colocados em cena em cada um dos textos. Não nos

preocupamos, nesse primeiro momento, em selecionar segmentos temáticos

completos, mas sim basicamente a figura do actante. Esse primeiro

levantamento quantitativo nos permitiu destacar os actantes que mais foram

colocados em cena nos textos analisados. A partir dele, estabelecemos como

critérios de seleção dos actantes/protagonistas o que vem a seguir:

1. Estar presente, como actante, na maioria dos textos de forma implícita ou

não;

2. Ser humano ou instituição social, de forma que entendamos essas

instituições como conjunto de pessoas. Ex: um partido político como o PT ou

o PSDB;

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81

3. Ser actante a quem seja atribuído, pelo texto, um determinado

envolvimento com o agir.

Com base nesses critérios, emergiram os seguintes actantes nos

textos analisados:

Quadro 17 – actantes e o número de ocorrência nos textos

A partir desse primeiro levantamento, estabelecemos como critérios

metodológicos de análise os seguintes procedimentos:

a) Segmentação do texto segundo critérios temáticos relacionados ao agir

dos actantes representados, conforme Bronckart e Machado (2004);

b) Em cada segmento temático, identificação dos actantes colocados em

cena nos textos;

c) Análise de cada um dos segmentos de texto em que um determinado

actante aparece, de acordo com o seguinte conjunto das unidades ou

estruturas lingüístico-discursivas que podem indicar elementos da

agentividade:

ACTANTE TEXTO 1 Chauí

TEXTO 2 Giannotti

TEXTO 3 Rossi

TEXTO 4 Eliane

TEXTO 5 Marcus Augusto

TEXTO 6 Janine

TOTAL

Professora Marilena Chauí/Chauí/Professora/Filósofa

4

5

7

2

2

Ø

20

PT/partido

14

7

11

6

6

Ø

44

Governo Lula/Governo/Governo do PT

1

3

1

8

Ø

2

15

casal Garotinho

1

1

2

Ø

Ø

Ø

4

Caso WaldomiroDiniz/Waldomiro Diniz/assessor/ex-assessor

1

3

2

Ø

1

3

10

José Dirceu/Ministro José Dirceu

1

1

1

Ø

Ø

Ø

3

Lula/Presidente Lula/Presidente da República

3

3

2

Ø

Ø

Ø

8

José Arthur Gianotti

1

2

Ø

Ø

Ø

1

4

Oposição/ações oposicionistas

2

Ø

Ø

1

Ø

Ø

3

Page 94: INTERPRETAÇÕES E AVALIAÇÕES DO AGIR EM TEXTOS DE … · procuraram revelar que figuras interpretativas do agir são construídas pelos ... as we observe two categories of assessment

82

• o papel sintático-semântico do sintagma que representa cada um dos

actantes colocados em cena nos textos;

• classificação dos verbos e nominalizações que indicam o agir

atribuído ao protagonista;

• modalizações empregadas que também são marcas típicas de

interpretação e avaliação do agir;

• tipo de agir que é atribuído ao protagonista;

• unidades e estruturas textuais que indicam as razões para o agir, a

intencionalidade e os recursos para o agir dos protagonistas.

• Discriminação dos critérios de avaliação e dos elementos lingüísticos

que marcam essas avaliações: verbos subjetivos, advérbios, adjetivos,

modalizações, ironia, elementos gráficos como itálico, aspas, negrito.

Com essa análise, verificamos se o actante é representado como ator

ou agente nos textos, bem como a avaliação do agir neles representados.

Com base nos procedimentos teórico-metodológicos apresentados até

então neste trabalho, o próximo capítulo apresenta os resultados das

análises de textos por nos desenvolvida, procurando discutir e interpretar

esses resultados.

Page 95: INTERPRETAÇÕES E AVALIAÇÕES DO AGIR EM TEXTOS DE … · procuraram revelar que figuras interpretativas do agir são construídas pelos ... as we observe two categories of assessment

83

CAPÍTULO 5 – INTERPRETANDO DADOS

Ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os

olhos que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam.

Leonardo Boff - Águias e galinhas

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84

Neste capítulo apresentaremos os resultados das análises dos dados,

enfocando, em primeiro lugar, as características do gênero e do contexto e

as características dos textos em três níveis:

• organizacional;

• enunciativo;

• sintático/semântico

1. Os textos opinativos e o suporte em que foram publicados os textos:

o jornal Folha de S. Paulo.

A escolha de textos opinativos está diretamente relacionada ao

contexto sócio-interacional em que ocorreram as produções desses textos.

Todos eles foram publicados em meio à crise política vivida pelo governo

Lula, quando o assessor do então Ministro José Dirceu foi acusado de

corrupção e deu origem à discussão sobre a instalação da “CPI do bingo”.

Como conseqüência, cresceu a oposição ao Partido dos Trabalhadores e ao

governo Lula. Começa-se a questionar a ética do partido e, por associação, a

do próprio presidente.

Foi nesse contexto que uma quantidade enorme de textos – orais e

escritos - foram produzidos por defensores e opositores ao governo. Tais

textos dialogam entre si e buscam fixar, na opinião pública, diferentes

representações para os fatos e para os actantes neles envolvidos, daí a

escolha dos textos de natureza opinativa, os quais demonstram como os

próprios autores interpretam o fato como polêmico, passível de debate e de

diferentes interpretações.

Como já dissemos no capítulo de metodologia, todos os textos foram

extraídos do jornal Folha de S. Paulo, representante da mídia impressa no

Estado de São Paulo e reconhecido como um grande formador de opinião.

Não podemos nos esquecer de que, na sociedade contemporânea, a

imprensa tem papel fundamental na formação da opinião pública, seja

transformando, seja sedimentando as representações sociais. Como afirma

Ribeiro (2003:121): “sabe-se que a imprensa tem se caracterizado por

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85

exercer grande influência sobre a sociedade. É a responsável pela

constituição do imaginário social, já que é por meio dela que os grandes fatos

são postos em debate e que se constituem os pontos de vista. Pode-se dizer

que ela é um dos pilares do universo midiático contemporâneo.”

Os textos veiculados na Folha de S. Paulo representam a

possibilidade de análise dos fatos do cotidiano sob o ponto de vista de

diferentes expoentes da sociedade, sejam eles jornalistas (não seria o

jornalista um intelectual do mundo contemporâneo também?) ou intelectuais

que procuram convencer os seus leitores, utilizando a mídia para fazerem

públicas as suas convicções. Nesse sentido, o discurso jornalístico é,

segundo Maingueneau (2001:40), “de certa forma antecipadamente

legitimado, uma vez que foi o próprio leitor que o comprou. O jornal procura

apresentar-se como quem responde a demandas, explícitas ou não, dos

leitores.”

O jornal, ao publicar o texto impresso, acentua (cf. Maingueneau,

2001:80) profundamente os efeitos da escritura, seja porque o texto pode

circular em espaços muito distantes do lugar em que foi originado, seja

porque ele pode ser copiado, recopiado, arquivado, analisado

posteriormente, seja porque a impressão e a ampla circulação do jornal

permitem uma abertura ilimitada do número de destinatários-leitores, seja

porque o espaço físico destinado ao texto é limitado.

A escritura do texto, então, sofre as restrições impostas pelo próprio

suporte. Como o próprio projeto Folha destaca, “o espaço público, terreno

em que o jornalismo sempre lastreou sua legitimidade, passa por um

terremoto que ainda não assentou; até a terminologia do debate (direita e

esquerda, por exemplo) foi desorganizada. Conceito sempre difuso, a opinião

pública ganha unidade com a convergência geral de idéias, mas se dispersa

numa segmentação de interesses que desafia a linguagem em comum. O

jornalismo reflete fraturas e deslocamentos que ainda estão por mapear e se

defronta com dilemas capazes de pôr seus pressupostos em questão: o que

informar, para quem e para quê?” (cf. Manual da Redação, 2001:11)

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86

2. Características do contexto de produção – intelectuais e jornalistas no debate público.

INSTRUÍ-VOS porque temos

necessidade de toda a nossa

inteligência; agitai-vos, porque

teremos necessidade de todo o

nosso entusiasmo; ORGANIZAI-

VOS porque teremos necessidade

de toda a nossa força.

A. Gramsci

Esta seção tem como objetivo apresentar um panorama geral do

contexto de produção dos textos por nós selecionados e analisados.

2.1.1. O contexto do debate – nossos autores filósofos e jornalistas

É na esfera social pública, no contexto do jornalismo, que figura o

debate travado entre os vários textos selecionados e, como vimos, é o jornal

diário o suporte desse debate.

Embora a esfera seja jornalística, parte dos autores dos textos que

compõem nosso corpus de pesquisa (José Arthur Giannotti, Marilena Chauí e

Renato Janine Ribeiro) são conhecidos como intelectuais e concebem, os

artigos de opinião que escreveram, com uma forte abordagem filosófica. Os

demais autores são socialmente conhecidos como jornalistas, ainda que para

alguns pensadores (Leclerc,2004), o jornalista possa ser considerado um

intelectual.

Segue quadro-resumo que nos explicita o contexto físico de produção

dos textos:

Page 99: INTERPRETAÇÕES E AVALIAÇÕES DO AGIR EM TEXTOS DE … · procuraram revelar que figuras interpretativas do agir são construídas pelos ... as we observe two categories of assessment

87

CONTEXTO FÍSICO DE PRODUÇÃO TEXTO

TÍTULO DATA DE PUBLICAÇÃO

EMISSOR RECEPTOR

1 Disputa Simbólica 18/02/2004 Marilena Chauí 2 Fatos e disputa

política 19/02/2004 José Arthur

Giannotti 3 O lugar do PT 19/02/2004 Clóvis Rossi 4 Pó, pedra e

“agenda positiva” 22/02/2004 Eliane

Cantanhêde 5 Vícios públicos e

privados 13/03/2004 Marcos Augusto

Gonçalves 6 Para defender a

política 10/03/2004 Renato Janine

Ribeiro

Leitores indeterminados da Folha de S. Paulo

Quadro 17 - o contexto físico de produção

Ao seguirmos os critérios de análise do contexto de produção, faz-se

necessário traçarmos as características do contexto social dessa produção,

que sintetizamos, inicialmente, da seguinte forma:

Quadro 18 – contexto social de produção

O texto 1 é um artigo de opinião que foi publicado no jornal Folha de S.

Paulo do dia 18 de fevereiro de 2004 na seção “Tendências e Debates”, na

CONTEXTO SOCIAL DE PRODUÇÃO

TEXTO TÍTULO SUPORTE PAPEL SOCIAL DO ENUNCIADOR

PAPEL SOCIAL DOS DESTINATÁRIOS

1

Disputa Simbólica

Professora de filosofia política e

história da FFLCH/USP

2

Fatos e disputa política

Professor emérito de filosofia da

FFLCH/USP 3

O lugar do PT Jornalista

4

Pó, pedra e “agenda positiva”

Jornalista

5

Vícios públicos e privados

Jornalista

6

Para defender a política

Imprensa escrita de São Paulo.

Jornal Folha de S. Paulo

Professor de filosofia da FFLCH/USP

De uma forma global, podemos afirmar que os

leitores potenciais de todos os textos selecionados para análise são os leitores do jornal Folha de S. Paulo que se interessam pela

política brasileira contemporânea.

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88

qual são publicados artigos sobre questões polêmicas atuais, produzidos por

figuras proeminentes do cenário político, econômico e intelectual brasileiro.

Sua autora, Marilena Chauí, é professora de Filosofia Política e História da

Filosofia Moderna da Universidade de São Paulo e autora de livros, entre

eles, Cultura e Democracia, participou da fundação do Partido dos

Trabalhadores (PT), ao qual está filiada, e é uma de suas principais

ideólogas.

Para compreendermos melhor o contexto de produção do texto,

reconstruímos as hipóteses de representação do mundo sócio-subjetivo da

autora. Para isso, recorremos a uma série de textos e notícias publicadas

pelo próprio jornal Folha de S. Paulo, inclusive posteriores ao próprio artigo

de opinião analisado por nós, em que Chauí se posiciona a respeito de seu

papel como intelectual.

Em palestra de abertura ao Simpósio “O silêncio dos intelectuais”,

organizado por Adauto Novaes, em agosto de 2005, Chauí (2005) discute o

papel do intelectual no dias de hoje, especialmente aquele que ela chama de

“intelectual engajado” e afirma que, embora o intelectual moderno apareça

constantemente na esfera pública por conta dos meios de comunicação de

massa, o intelectual engajado13 está quieto e não por recusa de falar, mas

por impossibilidade de fazê-lo, pois “lhe falta um pensamento capaz de

desvendar e interpretar as contradições que movem o presente e de imaginar

o porvir”. Isso, associado ao recuo da cidadania e a despolitização, levou à

substituição do intelectual engajado pela figura do especialista competente,

que determina o que os outros devam pensar, fazer, sentir e esperar (perda

do princípio básico da democracia que garante o direito de todo cidadão

opinar e julgar politicamente).

E por que o intelectual engajado está com sua visão obscurecida e em

silêncio?

Chauí pontua uma série de fatores concorrentes para isso: refluxo

mundial das idéias socialistas; o encolhimento do espaço público e o

13 Na conceituação de Chauí (2005). Intelectual engajado, figura em extinção? – intelectual engajado – aquele que “intervem publicamente se colocando à esquerda do espectro político e tendo como horizonte o ideal de uma sociedade justa e igualitária – a sociedade socialista.”

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alargamento do espaço privado derivado da política neoliberal; inserção do

saber e da tecnologia no modo de produção capitalista, que ganha estatuto

de capital; surgimento da ideologia pós-moderna marcada pela fragmentação

do espaço e do tempo e pela impossibilidade de distinguir-se entre aparência

e sentido, entre imagem e realidade.

Para Léclerc (2004:17) o intelectual é um ser híbrido que

profissionalmente produz uma obra artística e, engajado nos assuntos da

vida pública, é dotado, queira ou não, de visibilidade e se aproxima dos

políticos. Nesse sentido, ultrapassam o campo de sua competência

profissional (ex: romancista, historiador, físico...) para falar de coisas sobre as

quais não é especialista, mas em relação às quais se julga implicado. Sartre

(1965) dizia que o intelectual é aquele que se ocupa do que não lhe diz

respeito.

Gramsci é o autor marxista que pensa a História sempre como

“História mundial” e pensa o estatuto e a função do intelectual na História e

no seio do Partido Comunista, construindo o conceito de “intelectual orgânico

do proletariado” em oposição aos “intelectuais tradicionais” representados

pela Igreja e pelas profissões docentes. Historicamente, o intelectual foi visto

como representante da classe dominante. Entretanto, Gramsci observa que,

mesmo oriundo da classe dominante, o intelectual pode se colocar a serviço

das classes populares.

Sobre isso, Léclerc (2004:58) assinala que, “ao engajar-se ao lado do

proletariado, ele ‘trai’ sua classe de origem e fala em nome da classe

dominada. Faz-se o representante dos oprimidos e dos sem voz, tornando-se

então o mandatário, não de interesses particulares (os da futura classe

dominante em que se transformaria o proletariado), mas do universal

encarnado na classe portadora do futuro e do sentido da História. Os

oprimidos estariam destinados, então, pelo curso fatal da História, a se

tornarem a sociedade finalmente reconciliada consigo mesma, a humanidade

em seu conjunto, o “gênero humano”.

Parece indiscutível, ao se pensar o intelectual no mundo

contemporâneo, considerá-lo em sua dimensão plural: seja ao assumir os

papéis típicos das sociedades tradicionais (clérigos e letrados do Antigo

Regime), seja ao assumir os papéis tipicamente característicos do intelectual

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moderno: pesquisa científica, criação estética e intelectual, bem como, no

campo político, pela importância que assume o chamado engajamento.

Para Silva (2002), essa idéia de intelectual engajado é fruto do pós

Segunda Guerra Mundial, no contexto da Guerra Fria e do processo de

descolonização, quando se constrói uma nova percepção da História, com o

crescimento das ideologias de esquerda (marxista/comunista), em que o

engajamento aparece como uma necessidade.

Não há como negar, portanto, a relação entre intelectuais e ideologia.

Não é por ser um “intelectual” que suas idéias estarão isentas da ideologia,

que está sempre presente. Enquanto produtor de discurso, ele é constituído e

constituinte de ideologia, entendida como um conjunto de idéias, crenças e

doutrinas próprias de uma época, de uma classe social ou de um grupo

qualquer.

Segundo Léclerc (2004:32), “os intelectuais não são apenas os

usuários e os difusores das ideologias, mas pelo menos no que concerne a

faixa superior, à qual alguns observadores reservam o termo intelligentsia –

os produtores e os criadores desses sistemas de pensamento coletivo. O

intelectual não apenas está sob dependência do ideólogo: ele próprio é

potencialmente um novo ideólogo. Os intelectuais dominantes são

ideólogos...”

A idéia de “intelectual engajado” nos fez retornar à Paris do pós-

guerra, quando Sartre publica, na Revista Les Temps Moderns, um manifesto

sobre a missão dos intelectuais – declaração das intenções sobre as

responsabilidades dos intelectuais diante da crise histórica do pós-guerra e

faz um apelo: assumir a responsabilidade da reordenação da sociedade.

Sartre destaca o compromisso que o intelectual tem com sua época, com seu

tempo, o que não lhe permite ficar indiferente aos embates sociais e políticos

– escrever é engajar-se no e a favor do presente.

Na visão de Léclerc (2004:97-98) existem formas concretas de

engajamento: escrever textos engajados, polêmicos que tomam partido a

propósito de debates da sociedade; elaborar obra ou atividade profissional de

jornalista ou “para-jornalista” e participação em manifestos e petições.

Silva (2002: 17) observa: “a atividade do intelectual engajado, para

não dizer sua própria existência, é conflitual e ambivalente. Por um lado, ele

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tem por função a produção do conhecimento, a elaboração das idéias, por

outro lado, investido por essas mesmas idéias, ele “enuncia a verdade”. A

prática do intelectual situa-se, então, entre dois pólos distintos e

contraditórios: a produção do saber e a enunciação da verdade.”

Ao representar-se como intelectual engajada, Marilena assume seu

papel social e se coloca como interlocutora das questões sócio-políticas e

econômicas que atingem a sociedade brasileira e vivencia o conflito entre

envolvimento e o distanciamento.

Viver o conflito entre envolvimento e distanciamento, acreditamos,

marca a atuação do intelectual. Bastos e Rêgo em “Intelectuais e política – a

moralidade do compromisso” (1999) definem a função mais profunda do

intelectual: desvendar a aparência dos fenômenos, exercitando

permanentemente a crítica. São críticos das estruturas materiais e espirituais

que não permitem aos cidadãos participar das decisões referentes a seus

destinos. Nessa perspectiva, demonstram que os intelectuais podem

contribuir de algum modo no processo de transformação do mundo em busca

da liberdade. Porém, também pontuam os riscos que existem em ser

intelectual no mundo contemporâneo: risco de perder o senso crítico; de

enredar-se nas “ilusões e mitos de seu tempo”, de enredar-se nos modismos,

no “fetiche do êxito”; de enredar-se no descompromisso com o valor das

idéias.

Viver um eterno conflito, um eterno dilema é o ônus do intelectual

contemporâneo: manter um distanciamento crítico e envolver-se com a

sociedade em que vive; distanciar-se dos fenômenos que analisa e, ao

mesmo tempo, estar envolvido com eles. Parece-nos que esse conflito

latente, que faz parte do cotidiano do intelectual, está relacionado à

necessidade de lidar com a velocidade das transformações da sociedade

contemporânea. Distanciar-se para analisá-la com criticidade pressupõe um

tempo que, nos dias de hoje, o intelectual não tem.

Bastos e Rêgo (1999) pontuam, ainda, que este conflito pode gerar

apologia ou indiferença. Vejamos: se a crítica é a razão de ser da atividade

intelectual, a apologia paralisa a crítica e oculta a realidade, pois não tem o

compromisso com a verdade. Já a indiferença, por sua vez, gera um

afastamento em relação ao humano e não permite uma real compreensão

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dos fenômenos. Silva (2002:41) destaca, por sua vez, que o início dos anos

90 viveu o agravamento da crise econômica e das exclusões sociais no

mundo, bem como o crescimento do liberalismo e o desmoronamento do

comunismo, o que gerou um “ceticismo intelectual”.

Dentro desse contexto, Bastos enxerga dois caminhos analíticos sobre

a figura do intelectual. Um caminho, de tradição marxista, coloca que a

objetividade do mundo por si só já engaja o intelectual. Nesse sentido, não há

escolha. Os conflitos e a realidade do mundo se imprimem em todos os

momentos na consciência, independente da vontade dos sujeitos.

Por outro lado, num caminho analítico diferente, Bastos e Rêgo (1999)

propõem enxergar o intelectual como sujeito moral. A dimensão moral da

opção do intelectual pelo envolvimento ou não com as experiências políticas

e sociais de seu tempo não elimina o compromisso com a justiça social e a

liberdade – os imperativos éticos que norteiam a atividade intelectual, uma

vez que a crítica deve constituir-se em estado permanente da consciência do

intelectual.

Coloca-se, então, uma outra questão que envolve o intelectual no

mundo contemporâneo: as suas relações com a mídia. E sobre isso, Marilena

Chauí também tem suas representações. Em carta escrita aos alunos, em 25

de setembro de 2005, Marilena afirma: “Na sociedade capitalista, os meios de

comunicação são empresas privadas e, portanto, pertencem ao espaço

privado dos interesses de mercado; por conseguinte, não são propícios à

esfera pública das opiniões, colocando para os cidadãos, em geral, e para os

intelectuais, em particular, uma verdadeira aporia, pois operam como meio de

acesso à esfera pública, mas esse meio é regido por imperativos privados.

Em outras palavras, estamos diante de um campo público de direitos regido

por campos de interesses privados. E estes sempre ganham a parada.

Apesar de tudo o que lhes disse acima, fiz, como os demais (no mundo

inteiro, aliás), uso dos meios de comunicação, consciente dos limites e dos

problemas envolvidos neles e por eles.”

Tal posição de Marilena Chauí nos faz pensar que, nos dias atuais, a

notoriedade do intelectual deve-se, em parte, à autoridade intelectual, mas

em outra parte, à presença no espaço público da mídia. Isso tem

desdobramentos muito sérios, pois ocupar espaço na mídia é aceitar as

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regras mercadológicas típicas dela, o que reflete inclusive na adequação do

discurso às regras de tempo e espaço. Bastos e Rêgo (1999) salientam que

isso “tem seu preço”, pois ao adaptar-se ao discurso, tempo e espaço da

mídia, abre-se mão da base do pensamento crítico, pois se desconsidera o

tempo e o processo argumentativo do próprio intelectual - a unificação

desses tempos sob a égide do tempo da mídia é incompatível com o tempo

necessário para a produção do conhecimento e com a natureza do

pensamento crítico.

O texto de Chauí por nós analisado acaba por dar origem a outros

textos, entre eles, o texto “Fatos e disputa política”, do filósofo José Arthur

Giannotti, também parte de nosso corpus. Giannotti também tem suas

representações sobre o papel da mídia. Em artigo, cujo título é “O dedo em

riste do jornalismo moral”, de maio de 2001, o autor destaca a

responsabilidade da mídia na enunciação dos fatos: “Ela deve enunciar os

fatos do ponto de vista de sua diferença e de sua verdade. Mas, como isso se

faz por meio de empresas capitalistas, cuja existência depende da obtenção

de lucros, deve ainda corresponder a certas expectativas de seus leitores.

Sob esse aspecto, a função crítica do jornalista também é

contraditória, pois visa ao público, ao mesmo tempo em que procura garantir

o interesse privado. Mas, enquanto o político se arrisca para fazer da matéria

social amorfa um fato verdadeiro, o jornalista se arrisca para fazer da

verdade uma crença social. A mídia, se de um lado é guardiã da moralidade

pública, de outro, por ser empresa, tende a imaginar que seu ponto de vista

privativo se identifique com o ponto de vista geral. É obrigação da mídia

informar os fatos no seu nível de realidade. Não cabe contar o enredo de

uma peça como se fosse fato real, muito menos um fato político como se

fosse obra de santos. Por certo, cabe-lhe o dever de zelar pela moralidade

pública; deixa, porém, de ser democrática quando recusa ao fato político sua

necessária aura de amoralidade. Quando um jornalista o expõe do ponto de

vista de sua total transparência, destrói o caráter político desse fato e

transforma sua informação em arma política a serviço de interesses

totalitários.”

Observamos que Giannotti entende os jornalistas como aqueles que

aspiram pela universalidade e desejam guardar a moralidade pública, mas

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que ao mesmo tempo, trabalham para uma particularidade, a empresa

capitalista de que são funcionários.

Chauí e Giannotti, dois filósofos uspianos, destaques na mídia

impressa e no debate intelectual brasileiro foram fortemente influenciados

pela filosofia francesa que ganhou expressão por meio do Departamento de

Filosofia da USP, com a hegemonia da filosofia uspiana na década de 70,

momento em que se estabeleceram relações entre a filosofia universitária e a

indústria da consciência em nosso país.

Foi na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da rua Maria Antonia,

embrião da futura Universidade de São Paulo, que contava com o nome de

Cruz Costa entre seus fundadores, mestre de José Arthur Giannotti e Bento

Prado Jr, que se formou a geração de Marilena Chauí e também de nosso

terceiro filósofo, Renato Janine Ribeiro, autor de “Para defender a política”.

Arantes (2004: 262) relata que nessa época o “Departamento estava

saindo do gueto através de Marilena (Chauí) e Giannotti. Giannotti tinha a

vantagem de ter ajudado a montar o CEBRAP (Centro Brasileiro de Análise e

Planejamento), não era mais professor da USP e estava se tornando uma

espécie de líder metodológico da oposição (MDB). Já Marilena teve, desde o

início, uma enorme repercussão pública, bem maior que a de Giannotti.

Marilena, por assim dizer, desfrutava de um dos handcaps mais favoráveis de

nossa formação francesa”.

Por outro lado, Giannotti e Marilena, já na década de 70, demarcavam

caminhos diferentes dentro do mundo intelectual paulistano, sobretudo a

partir da fundação do PT, como demonstra Arantes (2004:264-266). De um

lado, Marilena Chauí, pólo de atração para a mídia como referência para a

esquerda cultural e “mentora filosófica da então novíssima esquerda”

marcava presença, também, na fundação do CEDEC (Centro de Estudos da

Cultura Contemporânea) que se contrapunha ao CEBRAP. É, assim que

Arantes (2004: 265) traz essa discussão até os dias de hoje: “Seja como for,

acho que não se pode perder de vista aquela bifurcação do nosso campinho

intelectual paulistano que, de metamorfose em metamorfose e transfusões de

parte a parte continua vigorante até hoje”. Tal bifurcação é fato que podemos

comprovar ao longo do tempo, por meio de diferentes debates travados por

dois de nossos autores ao longo desses anos e em diferentes momentos,

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Chauí e Giannotti debateram por meio de seus textos publicados na mídia.

Os textos desses autores, que compõem nosso corpus de pesquisa, são

exemplos típicos do que Arantes constata. Pesquisar, ensinar, produzir,

publicar são tarefas inerentes ao trabalho intelectual. Os artigos tornaram-se

meios para se medir a produtividade no mundo acadêmico. Por outro lado,

estar no mundo editorial também é fundamental.

É, como dissemos, nesse departamento uspiano que nosso terceiro

filósofo, Janine Ribeiro autor do texto 6 “Para defender a política”, se forma.

Em sua conferência “O cientista e o intelectual”, proferida em 05 de outubro

de 2005, o autor destaca o intelectual como aquele que faz uso público do

conhecimento e efetua todas as mediações possíveis para transformar o

trabalho acadêmico, o conhecimento, em algo que possa ser apropriado

socialmente. Intelectual é aquele que traduz em público os avanços do

conhecimento e discute a sua apropriação. Portanto, enquanto homem das

mediações, o intelectual articula-se com a mídia e, enquanto intelectual

midiático, corre o risco de pecar pela presteza, pela rapidez e pelo

imediatismo. Segundo o autor (2005): ”É possível, assim, que a diferença

entre ele e o jornalista, entre o ‘verdadeiro’ intelectual e o midiático, seja

então de grau, não de natureza. Mas também é possível que a mídia na

verdade devesse ser chamada de imídia. Porque ela o que menos faz, hoje,

são mediações, dado que reage de pronto, no imediato.“

Nessa mesma direção, Bastos e Rêgo (1999: 14) destacam que são

os meios de comunicação que organizam a agenda do debate público e

definem, inclusive, os sujeitos desse debate. Segundo as autoras, no Mundo

Contemporâneo “a questão do intelectual em sua dimensão tradicional –

educador, persuasor, guardião dos valores universais, compromissado com a

justiça social, crítico do poder – foi reduzida e dificilmente problematizada”. A

influência do intelectual sobre a opinião pública está minimizada e ele

encontra dificuldade em se fazer ouvir.

Cresce, segundo Léclerc (2004:79), o número de jornalistas entre as

profissões exercidas por intelectuais na França. “Nos últimos tempos, o

intelectual engajado, escritor-jornalista tem perdido espaço para o jornalista

profissional. Na prática, não apenas os intelectuais clássicos devem se

submeter à mídia e se curvar, portanto, às normas que, segundo os

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jornalistas, regem doravante o discurso público, mas os próprios jornalistas

estão se tornando, talvez, os verdadeiros “novos intelectuais”. O jornalista,

que era mediador, parece transformado num intelectual, no novo tipo de

intelectual da mídia”. Ou ainda: o nosso intelectual é necessariamente

midiático. Segundo, ainda, Léclerc (2004:86), “o intelectual serve-se dos

meios de comunicação, mas agora se julga traído por ele ou pego numa

armadilha.’

Por outro lado, a exposição do intelectual na mídia não quer dizer

maior ou menor compromisso com a esfera pública, uma vez que ele perde a

liberdade de escolha dos próprios temas.

Novaes (2005) questiona se, hoje, estaríamos vivendo uma “Segunda

traição dos intelectuais”, devido à relação que mantêm com os meios de

comunicação de massa. O intelectual submete-se à lógica e acaba por trair

os princípios universais da razão, da liberdade, da justiça e da felicidade.

Pensar e refletir sobre o papel do intelectual, sem dúvida alguma, nos

dias de hoje, é tarefa complicada. Não é por acaso, portanto, que em agosto

de 2005, Adauto Novaes organizou o simpósio “O silêncio dos intelectuais” .

No Brasil, a discussão a respeito da formação e do papel do intelectual

acaba por ganhar uma configuração ainda mais complexa, pois é preciso

pensar essa condição intelectual na periferia da ordem capitalista

internacional. Segundo Arantes (1997:35) “faz-se necessário atentar para a

dificuldade de “formação” do intelectual na atmosfera opressiva do

subdesenvolvimento”.

É nesse caldo de discussão intelectual que localizamos nossos

intelectuais como produtores de artigos de opinião sobre um fato do cotidiano

político brasileiro e que, entre os conflitos do distanciamento/envolvimento;

de reflexão/ imediatismo, escrevem para a Folha de S. Paulo.

Os textos 3, 4 e 5 também foram publicados na Folha de S. Paulo e

fazem parte do conjunto de textos opinativos elaborados por jornalistas que

escrevem com regularidade e em espaço fixo do jornal, chamados de

colunistas, Estes textos são conhecidos como comentários jornalísticos.

Clóvis Rossi é autor do texto 3, cujo título é “O lugar do PT”. É repórter

especial, membro do Conselho Editorial do jornal e tem uma coluna diária

publicada no caderno Brasil, cuja temática envolve política, questões sociais

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e econômicas. Já o texto 4 foi escrito pela jornalista Eliane Catanhêde,

colunista da Folha em Brasília e, em sua coluna, aborda política, economia,

área social, analisa e opina sobre os bastidores da capital brasileira. O texto

4, por sua vez, foi escrito pelo jornalista Marcos Augusto Gonçalves, editor da

Ilustrada.

2.1.1. A representação dos destinatários

É possível levantarmos algumas hipóteses de representação dos

destinatários dos textos veiculados pela Folha e que selecionamos para a

análise. Trata-se, então, de pensar o perfil de leitor esperado pelo jornal e

que, portanto, são potencialmente leitores dos artigos e comentários, foco de

nosso trabalho. Para isso, recorremos ao próprio documento do Projeto

Folha. Nele, verificamos que o jornal distingue dois “tipos” de leitores. O

primário é aquele que compra o jornal, enquanto que o leitor secundário é

aquele que tem acesso ao jornal, embora não tenha o hábito de comprá-lo.

Sant`Anna (2004:110), ao desenvolver sua tese de doutorado com um

corpus também composto de notícias da Folha de S. Paulo, destaca o perfil

do leitor do jornal: predominantemente jovem, pertencente às camadas mais

bem situadas na pirâmide social do país, com grau de escolaridade de nível

secundário e universitário. É esse perfil de leitor presumido, discursivamente

construído pelo próprio jornal que é colocado como potencial interlocutor dos

autores que produziram os textos de opinião escolhidos para a análise.

Por outro lado, não nos parece legítimo afirmar que o leitor privilegiado

e presumido dos artigos de opinião seja o mesmo leitor presumido pelos

comentários jornalísticos produzidos pelos colunistas da Folha. Nossa

hipótese é de que, ao levar a discussão filosófica como eixo dos artigos de

opinião, os filósofos representam um leitor envolvido não só nas questões

políticas que estão debatendo, mas também minimamente envolvidos com o

conhecimento filosófico que sustenta as suas argumentações.

3. O plano global dos textos

O plano global dos textos de opinião pode ser representado pelas

seguintes fases relacionadas à estrutura da seqüência argumentativa:

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FASES DO PLANO GLOBAL

TEXTO 1

TEXTO 2

TEXTO 3

TEXTO 4

TEXTO 5

TEXTO 6

Apresentação da tese anterior

Em política há duas grandes disputas: a disputa pelo poder

e a disputa simbólica.

(tese defendida pela autora)

A crítica ao caso de

corrupção do assessor de

José Dirceu é hipócrita.

(tese criticada pelo autor)

Marilena Chauí capota

bravamente nos seus argumentos

em defesa do partido (PT).

(tese defendida pelo autor)

O governo Lula está num momento decisivo.

(tese defendida pela autora)

Os seres humanos não agem apenas

racionalmente, mas são movidos por

paixões, o que nos conduziria à

necessidade de organizar as

instituições de modo a induzi-los a “bem

administrar”

(Tese criticada pelo autor)

Houve um esvaziamento da

dimensão política com o caso de Waldomiro

Diniz.

(tese defendida pelo autor)

Apresentação dos dados

Reconstituição histórica do PT que

o fez ocupar o lugar simbólico de ético na política

A corrupção existe no PT

como em outros partidos.

Relato dos fatos citados e

interpretados por Marilena

Implantação de uma agenda

positiva logo após a reabertura do

congresso

Existência de negociatas que se

sucedem nos nebulosos territórios

da captação de recursos para campanhas e

negociações entre o Executivo e o Legislativo.

Apresentação do papel histórico da

corrupção no Brasil.

Distinção entre moral e política.

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Argumentos

As ações oposicionistas, os

noticiários, os editoriais e as

colunas políticas operam de modo a

retirar do PT os dois lugares simbólicos

que ocupa.

Benedita da Silva não faz

parte do casal Garotinho, mas

do PT.

Marilena tem mantido uma

relação esdrúxula com

os fatos.

O exercício da política abre um espaço de ação que não pode

ser dito, a princípio, moral

ou imoral.

A ação política não pode ser

julgada por uma rígida aplicação da regra moral.

Refuta os argumentos

apresentados por Marilena evidenciando

erros e omissões no

relato da filósofa

Necessidade de o governo mostrar

que está governando,

mostrar serviço, manter a

estabilidade econômica, dar

sinais de reaquecimento e

espetáculo de crescimento, ativar

a área social e restaurar a moralidade.

A crítica deve ser feita a uma

instituição pública, no caso o PT.

Se for comprovada culpa, deve haver

punição.

A política não é a negação da moral, mas também não podemos deixar a política refém

de uma moral elementar.

A política está desprestigiada.

Precisamos mais do que honestidade,

precisamos de escolhas.

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Quadro 19 – Fases do Plano Global

Refutação

Refuta a crítica feita pela oposição ao

caso do ex-assessor de José Dirceu

Refuta a tese de Marilena de que

haveria uma disputa simbólica para retirar do PT o lugar simbólico

de ético na política.

Refuta o argumento de

que ele endossaria a tese

da imoralidade constitutiva da

política

Confirma a existência da

disputa simbólica,

mas refuta a tese de

Marilena ao afirmar que

as denúncias não são vazias.

Refuta a tese de Marilena Chauí de

que haveria um complô contra o PT.

Refuta o argumento de

que não devemos criticar o ministro José Dirceu, mas sim o arcabouço

institucional que o compele a manobrar

temerariamente.

Refuta o caráter amoral da política.

Refuta o argumento de que seu texto é uma defesa do governo.

Conclusão

Existe uma disputa simbólica para

destituir o PT do lugar simbólico que

ocupa.

Se todo governo fosse punido,

haveria uma crise institucional que

levaria a corrupção às

alturas.

O PT tem ocupado o “lugar” da corrupção.

É o próprio PT que faz pó, que destrói os

seus símbolos.

O PT utiliza-se da prerrogativa de estar no poder

para acobertar os sua cumplicidade

com os vícios públicos.

O Brasil vive o risco de enfraquecer um projeto

de governo por questões laterais

(corrupção)

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4. Tipos de discurso A análise dos tipos de discurso feita em cada texto nos permitiu ter

uma visão macro dos mundos discursivos construídos a partir da relação com

as coordenadas do mundo físico (conjunto e disjunto) e com o grau de

implicação dos parâmetros da situação material de produção (autônomo ou

implicado). Segue quadro que nos dá uma perspectiva geral da análise:

Quadro 20 – Tipos de Discurso

O texto 1 inicia em discurso teórico e constrói um mundo discursivo

autônomo e conjunto. Utiliza-se de presente genérico e de autonomia em

relação ao contexto de produção sem qualquer marca dêitica e há uma

exposição filosófica a respeito da diferença entre disputa política e disputa

simbólica. É o que podemos observar no segmento de texto: “Em política, há

duas grandes disputas: a definidora da própria política, isto é, a disputa pelo

poder; e a disputa simbólica, isto é, pela ocupação de um lugar onde se

reconheça uma imagem definida por valores postos pela sociedade.”

Em seguida, a autora inicia um novo segmento de texto caracterizado

pela autonomia (não há marcas de implicação de produtor e interlocutor no

TIPOS DE DISCURSO

TEXTO 1

TEXTO 2

TEXTO 3

TEXTO 4

TEXTO 5

TEXTO 6

Relato interativo X Narração

Discurso interativo X X X X X X Discurso teórico X X X X X X

Fusão do discurso

interativo e do discurso

teórico

Fusão da narração e do discurso

teórico

X

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segmento) e pela disjunção (caracterizada pelo uso do pretérito perfeito que

cria um mundo discursivo disjunto ao mundo ordinário), marcando um

segmento de narração: “Do ponto de vista simbólico, o PT, ao definir-se não

como um partido para os trabalhadores, e sim dos trabalhadores, ocupou o

lugar definido pela criação e conservação de direitos civis e sociais dos

economicamente explorados, socialmente excluídos e politicamente

subalternos. Na disputa simbólica, o campo dos direitos ou da cidadania

plena definiu a imagem do PT, diferenciando-o, por exemplo, do PSDB, que

ocupou o lugar simbólico denominado "modernidade séria e responsável".

Na segmento: “Historicamente, porém, a disputa simbólica sofreu um

deslocamento. De fato, a oposição ao governo Collor introduziu o tema da

ética na política, e as circunstâncias fizeram com que esse lugar simbólico

também fosse ocupado pelo PT. Todavia, diferentemente do lugar simbólico

dos direitos, o da ética na política não é ocupado sem contestação, porque

outros partidos o disputam continuamente. Por isso, tais partidos e os meios

de comunicação procuram manter os olhos da população voltados para esse

lugar, buscando fatos reais ou imaginários que destituam o PT”, a autora

mantém a autonomia e disjunção do discurso próprios do eixo do narrar. Ao

remeter o leitor ao passado utilizando o advérbio “Historicamente”, constrói

um mundo disjunto ao do mundo ordinário e, sem implicar os enunciadores

no texto, reconstrói-se, textualmente, a história do Partido dos Trabalhadores

e demonstra como ele ocupou o lugar simbólico de ético na política. É a

própria História do partido, portanto, que o legitima e justifica o seu

reconhecimento como partido ético. Faz isso se utilizando, ainda, de uma

série de organizadores lógico-argumentativos típicos do discurso teórico -

porém, de fato, todavia, porque, por isso - que assumem a função de

organizadores da própria argumentação e marcam a fusão de dois tipos de

discurso: a narração e o discurso teórico.

Em: “Se, de janeiro de 2003 a fevereiro de 2004, acompanharmos as

ações oposicionistas, os noticiários, os editoriais e as colunas políticas dos

jornais, rádios e televisões, notaremos que operam de modo a retirar do PT

os dois lugares simbólicos que ocupa”, temos exemplo de um novo segmento

de texto em que a autora novamente re-encaminha a construção do mundo

discursivo, retoma um discurso conjunto (eixo do expor) e aproxima o período

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dos fatos ao momento de produção do texto por meio dos seguintes recursos

lingüísticos:

• por meio das referências de data expressas no texto - de janeiro de 2003

a fevereiro de 2004;

• expressões que nos remetem à simultaneidade entre o tempo da

produção e o tempo dos fatos: política econômica atual, governo anterior,

atual Presidente da República, atualmente, que acabam assumindo valor

dêitico, só compreendidos na relação com o contexto de produção;

• predomínio dos verbos no presente do indicativo com valor atual: somos

colocados; o atual Presidente da República não tem; mas é no ataque.

Também utiliza o pronome “nós”- oculto que remete aos participantes

da interação – implicando autora e leitores, o que nos leva ao discurso

interativo. Observamos, ao retomarmos Benveniste (1976), que este “nós”, no

plural, tem valor mais complexo e constrói um sentido que aproxima o locutor

aos seus interlocutores-leitores, criando um clima de envolvimento. Brandão

(1998:52), ao discutir o valor do “nós” em campanha publicitária da Petrobrás,

destaca o caráter propositadamente ambíguo do pronome no plural: “com a

indefinição criada, ele pode ser inclusivo/exclusivo”. Em nossa análise,

observamos que o “nós” amplia o círculo do locutor e responsabiliza,

também, os leitores pelo dito por meio do texto.

Ao considerar a crítica hipócrita, a autora recorre à conjunção dos

mundos - para justificar o porquê da crítica ser hipócrita, dando uma série de

argumentos, organizados em itens e com o apoio de organizadores lógico-

argumentativos: ou seja, porque, qual seja, afinal, portanto, porém - marcas

de discurso teórico que acabam sendo combinadas com marcas da

interação: não é, porém, o que temos (nós oculto) visto. É o que observamos

no fragmento de texto a seguir exposto: “Mas é no ataque ao lugar simbólico

da ética na política que a disputa é mais acirrada e ganha ares consistentes.

Os alvos do ataque têm mudado no correr dos tempos. Atualmente, o alvo é

o caso do ex-assessor de José Dirceu. Por um lado, a crítica é válida e

consistente, pois tudo indica que houve corrupção. Por outro lado, a crítica é

hipócrita porque: a) pretende atingir o governo Lula com um episódio

envolvendo o casal Garotinho, em 2002, no Rio de Janeiro; b) não levanta a

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causa do problema (que também atingiu, por exemplo, assessores de FHC, e

levou um amigo a defender publicamente a tese da imoralidade constitutiva

da política), qual seja, o inadequado sistema eleitoral, que induz a

procedimentos inaceitáveis; afinal, é um segredo de polichinelo como são

financiadas as campanhas eleitorais no Brasil; c) não menciona a proposta

de reforma política, publicada em livro pelo Instituto da Cidadania, que, no dia

1º de julho de 2003, a entregou ao Executivo e ao Legislativo, tendo sido

discutida e aprovada por uma comissão especial (pluripartidária, com 45

membros) criada pelo presidente da Câmara, João Paulo; a reforma (que

prevê o financiamento público das campanhas) não será um decreto

presidencial, e sim uma ação do Congresso Nacional.”

Já o texto 2 inicia em discurso interativo e constrói um mundo

discursivo conjunto e implicado. O autor utiliza o futuro do pretérito

(poderia),e o presente do indicativo (pelo que me consta) e marca a

conjunção entre mundo discursivo e mundo ordinário, assim como a primeira

pessoa do singular expressa pelo “eu” marca a implicação do produtor. São

exemplos disso:

Ex. 1.: “A respeito do caso de corrupção envolvendo assessor do Planalto,

nunca poderia imaginar que minha amiga e ex-aluna Marilena Chaui pudesse

escrever o seguinte, na Folha de ontem:”. Na seqüência utiliza-se do discurso

citado de Marilena e novamente utiliza-se do discurso interativo: “Pelo que

me consta, Benedita da Silva não faz parte do casal Garotinho, mas do PT.

Ex. 2: Além disso, como muita gente sabe, o amigo referido sou eu, o que

me leva a procurar esclarecer meu ponto de vista .No final das contas, se até

mesmo Marilena não me entendeu, não poderia proceder de outra maneira.

Que isso tenha ocorrido, porém, não é de estranhar, pois Marilena tem

mantido, nos últimos tempos, uma relação esdrúxula com os fatos.” A

expressão “tem mantido” e “nos últimos tempos” liga o mundo discursivo ao

mundo ordinário, de forma a demonstrar, também, que os fatos expostos

tiveram início do passado mas se prolongam até o momento da produção do

texto.

Formatado: Português (Brasil)

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Em “Nunca endossei a tese da imoralidade constitutiva da política e,

todas as vezes que me ocupei dessa questão, sublinhei a diferença entre

"imoral" e "amoral", observamos que o autor utiliza o pretérito perfeito

(endossei) para marcar a anterioridade em relação ao tempo do mundo da

produção, ao mesmo tempo que, por meio do uso do pronome pessoal “eu”

oculto e do pronome possessivo “me”, que exercem função dêitica, o autor se

implica no texto e se confunde com o enunciador.

Ao apresentar os seus argumentos, o autor recorre a informações

independentes da situação material de produção. Para isso, utiliza-se do

discurso teórico, caracterizado pela autonomia e pela disjunção em relação

ao momento da produção: “É da essência da atividade política alargar o

âmbito das práticas ou das instituições, pois somente assim as regras

instaladas servem para guiar condutas em processo. Regras envelhecidas

não servem para enfrentar o novo. Daí o próprio exercício da política, no qual

o risco é inerente, abrir um espaço onde a ação não pode ser dita, em

princípio, moral ou imoral. Em que medida o financiamento das campanhas

está sujeito a essa indefinição? Como diminuir a força do poder econômico

nas campanhas? Mesmo financiada pelos cofres públicos, sempre haveria

um líder comunitário achando-se no direito de pedir liberação de verba sem

levar em conta a eqüidade em sua distribuição. Toda ação implica interpretar

a regra, o que se faz de um ponto de vista particular, produzindo resultados

imprevistos, quando não indesejados.”

“Voltemos ao que nos interessa” marca a retomada do discurso

interativo: implicação e conjunção com o mundo ordinário – (nós) voltemos,

(nós) suponhamos, (nós) convenhamos – pronome de primeira pessoal do

plural com valor dêitico que implica enunciador e destinatários (eu e vocês) e

verbos no presente do subjuntivo, bem como a presença de verbos no

pretérito perfeito: (houve) que hierarquiza a noção de passado em relação ao

mundo ordinário, dando idéia de anterioridade.

A presença de frases não declarativas que também caracterizam o

discurso interativo: “Até onde deve ir a punição?; “como julgar essa ação?” –

implicam o leitor, como se a pergunta fosse feita para que ele respondesse.

O texto 3, por sua vez, apresenta segmentos de discurso teórico e de

discurso interativo, marcando especialmente a conjunção com o mundo

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ordinário: utiliza-se, inicialmente, do presente genérico (dizem, concentra),

mas também do presente do indicativo (capota) que, juntamente com a

locução verbal (está funcionando), marcam a conjunção entre mundo

discursivo e mundo ordinário e utiliza o pretérito perfeito (fizeram) para

marcar a anterioridade em relação ao tempo do mundo da produção.

Embora não haja dêiticos de pessoa que explicitam a implicação dos

participantes da interação verbal, destacamos a existência de dêiticos

temporais que também marcam a implicação do produtor. A expressão “não

está funcionando”, por exemplo, marca o tempo em que o produtor do texto

está e, portanto, a implicação deste produtor.

O texto tem início com o verbo “dizem”, que oculta uma terceira

pessoa do plural “eles”, sem qualquer referência anterior, o que dá um

caráter de sujeito indeterminado: “Dizem que a visão da forca concentra a

mente. Se é verdade, não está funcionando no caso do PT. Uma de suas

mais brilhantes e lúcidas intelectuais, a filósofa Marilena Chauí, capota

bravamente nos seus argumentos em defesa do partido, tal como antes o

fizeram companheiros seus menos filósofos.”

No segundo parágrafo, o autor marca explicitamente a conjunção entre

o mundo discursivo e o mundo ordinário com a utilização do organizador

temporal “ontem”, só compreensível se levarmos em conta o momento da

produção do artigo de Rossi: “No artigo ontem publicado pela Folha, Chauí

começa capotando no relato dos fatos: diz que o PT está sendo acusado por

um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002".

O texto apresenta uma série de organizadores lógico-argumentativos

que caracterizam o discurso teórico e que organizam as seqüências

argumentativas: é verdade, ademais, tal como, também, é claro, mas.

O texto finaliza em discurso teórico e generalizante: “Fatos podem

atrapalhar a filosofia, mas continuam sendo fatos.”

Já o texto 4 constrói um mundo discursivo conjunto e implicado, com o

predomínio do discurso interativo: “O Congresso está um deserto desde a

quinta-feira e vai continuar não só durante como além do Carnaval. É o

tempo que o governo e o PT querem -aliás, precisam muito- para se refazer

do tranco.

A idéia é desencavar a velha ladainha de uma "agenda positiva" logo na

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reabertura da reabertura do Congresso, quando o Carnaval e a ressaca

passarem, já em março: “ Utiliza-se, inicialmente, do presente do indicativo

(está, precisam) que marca a conjunção entre mundo discursivo e mundo

ordinário, bem como utiliza a expressão “desde quinta-feira”, que marca o

início de um período que se estende até “após o carnaval”, passando,

inclusive, pelo momento da produção do próprio texto. Também utiliza o

futuro de presente para organizar o tempo posterior ao momento da

produção: “O item 1 será a reforma política”, bem como o pretérito perfeito

para marcar o tempo anterior à produção: Os novos ministros(...) participaram

da conversa).

O uso de frases não declarativas, especialmente perguntas e

exclamações são marcas interativas claras, que procuram estabelecer um

diálogo com o interlocutor: “O item 1 será a reforma política, tão decantada.

Tem crise? Chame-se a reforma política! Baixou a crise? Esqueça-se! Mas o

mais interessante da tal "agenda positiva" é mostrar que "o governo está

governando". Ué?! E não está, ou estava?”

Por outro lado, a presença do discurso teórico, autônomo e conjunto,

também se faz presente, como no exemplo a seguir: ”O governo Lula está

num momento decisivo. Tem a obrigação de manter a estabilidade

econômica, mas dando sinais de reaquecimento (e nem se fala em

"espetáculo do crescimento") e ativando finalmente a área social. Enquanto

restaura-se a moralidade.”

O último parágrafo do texto é um segmento de texto típico de discurso

interativo – conjunto e implicado: “A professora Marilena Chauí identifica um

complô nacional, talvez mundial, quiçá planetário, para desfazer os símbolos

mais caros ao PT. Errado, professora. Se há complô, é do próprio PT. Quem

está fazendo pó de seus símbolos não somos nós nem mesmo a oposição.”

Os verbos no presente do indicativo (identifica, há, é, somos) e a locução

verbal (está fazendo) marcam a conjunção, característica que predomina ao

longo de todo o texto, bem como marcas da interação, seja por meio do

vocativo – professora, seja por meio do pronome pessoal “nós”, que implica a

própria autora do texto como pertencente aos meios de comunicação de

massa.

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O texto 5 começa com a construção de um mundo discursivo disjunto

e implicado que caracterizamos como discurso interativo: “Em artigo

publicado anteontem na seção "Tendências/Debates", a professora Marilena

Chauí procura depositar na conta da imperfeição institucional as negociatas

que se sucedem nos nebulosos territórios da captação de recursos para

campanhas e das negociações entre Executivo e Legislativo.” Utiliza-se,

inicialmente, do presente do indicativo com valor de passado (procura

depositar), o qual, junto com a expressão “anteontem” marcam a disjunção

em relação ao momento de produção.

Na seqüência, introduz o discurso teórico (conjunto e autônomo) para

apresentar a tese de Marilena Chauí: “A tese é que os seres humanos não

agem apenas racionalmente, mas são movidos por paixões, o que nos

conduziria à necessidade de organizar as instituições de modo a induzi-los a

"bem administrar". Sendo assim, a crítica moralizante à corrupção deveria

ceder lugar à "crítica cívica das instituições". Seguido da introdução de um

segmento de discurso interativo, marcado pela expressão “não devemos

criticar”:

“Transposto para a atualidade, o argumento sugere que não devemos

criticar o ministro José Dirceu, mas o arcabouço institucional que o compele a

manobrar temerariamente. A conclusão é que, se não fossem as distorções

da representação política e as falhas no sistema de financiamento de

campanhas, o PT poderia ter eleito maioria parlamentar, o que restringiria o

balcão político. E não haveria necessidade de "operadores" como Waldomiro

Diniz para pedir dinheiro a "empresários do bingo". A utilização desses

recursos permite que o autor se distancie da tese defendida por Marilena e,

quando quer a implicação de si e dos leitores, recorre ao “nós” oculto.

A apresentação dos contra-argumentos e a conclusão do comentário

jornalístico é todo feito em discurso teórico, não havendo unidades dêiticas

que impliquem os participantes da interação. A conjunção com o mundo da

produção, situando o mundo discursivo no eixo do expor, está marcada pelo

uso do presente do indicativo e do pretérito perfeito que têm função de

organização da temporalidade no texto. O discurso teórico é, ainda, marcado

pela presença de organizadores lógico-argumentativos – certamente, mas, no

caso, de fato.

Formatado: Português (Brasil)

Formatado: Português (Brasil)

Formatado: Português (Brasil)

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O texto 6 constrói um mundo discursivo conjunto e implicado, com

predomínio do discurso interativo. Como marcas de conjunção, podemos

observar a utilização inicial do presente do indicativo (é, deve, inquieta) e

também do gerúndio (estando eu, não acompanhando) que dá caráter de

simultaneidade entre dois acontecimentos (entre o caso de corrupção e o fato

do autor/enunciador não estar no Brasil no momento). A implicação do

produtor está marcada pela presença de unidades dêiticas: pronome pessoal

de primeira pessoa (eu) e pronome pessoal do caso oblíquo (me).

Na seqüência, o autor recorre a pequenos segmentos de discurso

interativo (implicado e disjunto) associados a segmentos de relato interativo.

É um movimento que procura retomar fatos do passado e relacioná-los ao

momento da crise e da produção do texto: “O impeachment de Collor, em

1992, defendido por todo o arco democrático brasileiro e por este jornal”... ou

então: “Havia graça em furar a fila. Houve simpatia por Sinhozinho Malta,

ícone da opressão e do desdém pela lei, na novela “Roque Santeiro” (1985).

Em 19 anos de democracia, não resgatamos a dívida social, mas tornamos a

corrupção detestável”; ou ainda: “Também foi o sinal que a sociedade

brasileira não tolera mais a corrupção.”

O uso do presente do indicativo mostra a construção de um mundo

conjunto ao mundo da produção e a primeira pessoa do plural marca a

implicação do agente produtor como parte da “sociedade brasileira”.

Ao distinguir moral e política, o autor utiliza a fusão do discurso

interativo com o discurso teórico, ambos do eixo do expor (conjunto) havendo

a presença de pronome de primeira pessoa, típico do discurso interativo (eu

prefiro, nós imaginemos, (eu) digo, (eu) não sei, agora (nós) vivemos),

dêiticos de tempo (agora, hoje) associados à utilização do presente simples

que marcam a conjunção do mundo ordinário e organizadores lógico-

argumentativos típicos do discurso teórico: de outro modo, mas, por isso, isto

é, justamente porque, ora. Tal tipo de discurso se mantem ao longo do

restante do texto.

4.1. Síntese sobre os tipos de discurso

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Os artigos de opinião e os comentários jornalísticos ora analisados

mobilizam diferentes tipos de discurso. Porém, observamos o predomínio do

discurso interativo e do discurso teórico, presentes em todos os textos.

Nos textos há o predomínio do discurso interativo, que marca a

implicação do produtor e, em alguns casos, de um interlocutor geral – o leitor

– e o discurso teórico. Acreditamos que esse predomínio está relacionado

não só à situação de ação de linguagem mas também às operações do

pensamento humano (Bronckart 2006:155) que são desenvolvidas pelos

produtores à medida que produzem seus textos. Particularmente em relação

aos artigos de opinião e comentários jornalísticos, verificamos a necessidade

das marcas de implicação próprias do discurso interativo as quais exigem um

raciocínio prático próprio das interações dialogais que permitem a

aproximação e o envolvimento do leitor com o texto, o que já é, em si, uma

forma de persuasão desse leitor.

Em grande parte dos textos, esse raciocício prático vem associado ao

raciocínio de ordem lógica e/ou semiológica próprio do discurso teórico que

dá sustentação aos processos de teorização e argumentação necessários

para as situações polêmicas e/ou conflituosas próprias dos temas abordados

em artigos de opinião.

Tanto o discurso interativo quanto o discurso teórico presentes nos

textos analisados caracterizam-se pela marca avaliativa. O discurso interativo

relata ora o agir dos actantes envolvidos nos fatos, ora o agir linguageiro que

está sendo avaliado, enquanto que o discurso teórico traz para o mundo

discursivo “teses”, geralmente de natureza filosófica, para justificar as

interpretações e avaliações construídas nos textos.

Após identificarmos o plano global dos textos e os tipos de discurso de

cada um deles, consideramos respondida nossa primeira pergunta de

pesquisa que dizia respeito às características organizacionais dos artigos

analisados. Segue, agora, o estudo do agir tematizado e representado nos

textos.

5. As figuras do agir construídas nos textos

5.1. A análise dos actantes

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5.1.1. Marilena Chauí como actante

A actante Marilena Chauí está presente em todos os textos, com

exceção do texto 5, escrito pelo filósofo Renato Janine Ribeiro.

Em relação ao seu próprio texto, podemos afirmar que Marilena

assume a responsabilidade pelas suas próprias ações linguageiras.

De uma forma geral, verificamos que em todos os textos em que a

actante é citada, a ela é atribuído um papel agentivo, isto é, atribui-se a ela

responsabilidade por um processo ativo, portanto pela ação, no caso,

diferentes ações de linguagem que têm a intenção de defender o governo do

PT, motivada pelas críticas feitas pela ação oposicionista.

Ex.1(Texto 2): Nunca poderia imaginar que minha amiga e ex-aluna pudesse

escrever o seguinte, na folha de ontem: "a crítica é hipócrita porque: a)

pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal

Garotinho, em 2002, no Rio de Janeiro; b) não levanta a causa do problema

(que também atingiu, por exemplo, assessores de FHC, e levou um amigo a

defender publicamente a tese da imoralidade constitutiva da política), qual

seja, o inadequado sistema eleitoral, que induz a procedimentos

inaceitáveis".

Ex.2 (texto 3): Uma de suas mais brilhantes e lúcidas intelectuais, a filósofa

Marilena Chaui, capota bravamente nos seus argumentos em defesa do

partido, tal como antes o fizeram companheiros seus menos filósofos.

Ex.3 (texto 4): A professora Marilena Chauí identifica um complô nacional,

talvez mundial, quiçá planetário, para desfazer os símbolos mais caros ao

PT.

Ex.4 (texto 5): Em artigo publicado anteontem na seção

"Tendências/Debates", a professora Marilena Chauí procura depositar na

conta da imperfeição institucional as negociatas que se sucedem nos

nebulosos territórios da captação de recursos para campanhas e das

negociações entre Executivo e Legislativo.

Como podemos observar pelos exemplos acima citados, todos os

textos que citam Chauí fazem referência ao papel social da actante, seja

como professora, seja como filósofa, marcando um certo distanciamento

entre o enunciador do texto e o protagonista trazido para a cena, mas

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também marcando seu lugar e papel social. Porém, o texto 2, escrito por

Giannotti, atribui-lhe outros papéis sociais – o de amiga e ex-aluna. Ao

atribuir-lhe esses papéis, o autor caracteriza a protagonista de forma a, em

primeiro lugar, fazer uma clara aproximação entre ele e Chauí (amiga), ao

mesmo tempo em que a expressão “ex-aluna”, marca uma hierarquia –

aquela existente entre professor e aluno.

Mas essa aproximação é feita no sentido de interpretar e avaliar o agir

linguageiro da protagonista de forma negativa. Logo no início, o autor inicia a

construção desse sentido quando usa a expressão: “nunca poderia imaginar”

– nunca - advérbio de negação associado ao verbo “poderia” no futuro do

pretérito, que tem valor de modalização lógica na negativa, colocando o agir

linguageiro de Chauí como “impossível de ser imaginado”, além das

capacidades de imaginação do filósofo.

Neste mesmo sentido, a expressão “ex-aluna” associada à expressão

analisada, constrói um mundo discursivo que nos leva, enquanto leitores, a

interpretar o texto de forma a perceber um sentido implícito: a decepção do

mestre em relação à sua “ex-aluna”.

Além disso, os leitores assíduos do jornal Folha de S. Paulo poderiam

também, levar em conta o contexto histórico mais amplo e, dessa forma,

relacionar a crítica de Giannotti a divergências históricas entre esses dois

filósofos, já explicitadas em outros momentos neste mesmo jornal, como por

exemplo, em maio de 2001, na polêmica travada por meio dos seguintes

artigos de opinião: “O dedo em riste do jornalismo moral”, “Acerca da

moralidade pública” e “Para a virtuosa Marilena”, ou ainda, a um contexto

maior, que diz respeito à própria constituição da filosofia uspiana como nos

relata Arantes (2004). Ao levarmos em conta esse contexto mais geral,

poderíamos até dizer que a expressão “amiga” guarda uma certa ironia.

Observamos, ainda, que o dizer de Marilena Chauí é avaliado

negativamente sob os critérios do mundo sócio-subjetivo – o dizer de

Marilena é avaliado com o adjetivo “falso”, como não verdadeiro por Gianotti,

uma vez que:

a) Marilena considera a crítica hipócrita e usa como argumento para justificar

sua crítica o fato de que “a crítica pretender atingir o governo Lula com um

episódio envolvendo o casal Garotinho.”

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b) Giannotti nomeia esse dizer como falso e usa como argumento o seguinte

dizer: “pelo que me consta, Benedita da Silva não faz parte do Casal

Garotinho, mas do PT.” – Dessa forma, Giannotti avalia a ação linguageira de

Marilena como falsa e lhe atribui a responsabilidade por essa falsidade, bem

como lhe atribui, também, o papel de ator – o casal Garotinho não faz parte

do governo Lula, mas Benedita da Silva faz parte.

Na seqüência, Giannotti continua a interpretar e a avaliar o dizer de

Marilena, agora, como incompreensível – falta capacidade para Marilena

compreendê-lo: “No final das contas, se até mesmo Marilena não me

entendeu, não poderia proceder de outra forma” – interpreta a referência feita

a ele como fruto de uma ação de incompreensão por parte da filósofa, o que

justifica sua necessidade de “responder” ao texto de Marilena.

“Que isso tenha ocorrido, não é de se estranhar, pois Marilena tem

mantido, nos últimos tempos, uma relação esdrúxula com os fatos”. É assim

que Giannotti avalia:

a) o seu próprio agir – como necessário para esclarecer o que não foi

compreendido por Marilena – ele próprio se coloca como ator no texto, sendo

responsável pelo seu dizer e tem a intenção de esclarecer os fatos;

b) o agir de Marilena com o adjetivo “esdrúxulo”, portanto, sem conformidade

com as regras e valores sociais do mundo social e objetivo (avaliação

negativa). O uso da forma verbal no presente do indicativo demonstra, ainda,

uma habitualidade desse agir.

c) o agir de Marilena de forma negativa, como um agir esperado. Utiliza como

argumento, recurso para justificar essa posição, a entrevista que a autora dá

a uma revista francesa. Em primeiro lugar, responsabiliza Marilena pelo dizer:

“ Ela afirma”, que vem seguido de uma citação literal marcada pelas aspas.

Ao se afastar do dizer e citá-lo para criticar o agir linguageiro de Marilena,

Gianotti deixa para o leitor compreender, através do implícito, o que falta de

verdade no dizer de Marilena que, novamente, é julgado como não

verdadeiro em relação à ordem do mundo social e objetivo.

O texto 3, por sua vez, também interpreta e avalia o agir linguageiro

de Marilena Chauí. Logo no primeiro parágrafo, o enunciador assim o

qualifica: “Uma de suas mais brilhantes e lúcidas intelectuais, a filósofa

Marilena Chauí capota bravamente nos seus argumentos em defesa do

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partido, tal como antes fizeram companheiros seus menos filósofos”.

Recorre-se aos adjetivos “brilhante” e “lúcida” para qualificar positivamente o

papel de intelectual exercido por Marilena para, em seguida, intensificar a

crítica negativa à ação linguageira da autora, que vem na seqüência, através

do verbo no presente simples do indicativo – “capota” nos argumentos

associado ao advérbio de intensidade “bravamente”. Constrói-se um sentido

de que Marilena perde a lucidez e, então, “capota” – verbo de ação que nos

leva a ter a idéia de queda, avaliando o agir linguageiro de Marilena de forma

negativa, colocando-a como atora: responsável pelo ato de capotar, uma vez

que utilizou argumentos não verdadeiros com a intenção de ir em “defesa do

partido”. São três argumentos que Rossi procura desconstruir:

a) ela (Marilena) diz: “que o PT está sendo acusado por um episódio

envolvendo o casal Garotinho, em 2002. Só a data é verdadeira: o episódio

envolve também financiamento de campanha para candidatos do PT

(Geraldo Magela, no DF e Benedita da Silva, no Rio)”. Rossi leva o leitor a

interpretar o agir linguageiro de Marilena como não verdadeiro, uma vez que

“só a data é verdadeira” . Neste caso, o enunciado implícito nos leva a

entender que há um dizer falso. Ela omite (tem a intenção de omitir, de

esconder) a relação entre candidatos do PT e o casal Garotinho, e, portanto,

tira a responsabilidade do PT e de seus candidatos no episódio de corrupção.

b) Segundo Rossi, Marilena critica os defensores da ética na política por não

se dedicarem a discutir o financiamento de campanha. Ele escreve: “Depois,

a filósofa petista reclama que os defensores da ética na política, em vez de

denunciarem o caso, se dediquem a discutir o financiamento de campanha.

"É um segredo de polichinelo como são financiadas as campanhas eleitorais

no Brasil", diz.

Perfeito. Pena que o "segredo de polichinelo" tenha, agora, feito do PT

a sua vítima (e sabe-se lá para que outras campanhas Waldomiro Diniz não

pediu dinheiro a bicheiros).

Pena também que, apesar de o Instituto da Cidadania, outrora

presidido por Lula, ter apresentado proposta de reforma política, como

menciona a filósofa, ela omite que o governo do PT não fez o menor esforço

para levá-la adiante.”

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O autor utiliza-se do verbo dicendi “reclamar” e interpreta o dizer de

Marilena como uma queixa, um descontentamento por parte da autora em

relação à forma como são financiadas as campanhas eleitorais no Brasil. A

autora usa a expressão “segredo de polichinelo” e demonstra que isso é de

conhecimento público. Rossi considera esse argumento verdadeiro, porém

responsabiliza o PT, por meio de um participante seu, Waldomiro Diniz, de ter

pedido dinheiro a bicheiros para financiar campanhas.

Embora o enunciador não se implique no texto por meio de dêiticos,

ele deixa marcas de sua subjetividade ao utilizar-se de modalizações

apreciativas, que avaliam o conteúdo temático a partir de critérios do mundo

subjetivo como: “perfeito” e “pena”. c) A filósofa menciona em seu artigo que o Instituto de Cidadania apresentou

uma proposta de Reforma Política. Rossi avalia esse agir linguageiro de

Marilena de forma negativa, uma vez que “ela omite que o governo do PT

não fez o menor esforço para levá-la adiante.” A omissão da verdade é

considerada como ponto fraco da argumentação de Chauí. Rossi avalia o

dizer de Marilena como um “não dizer”, como uma omissão (age com a

intenção de omitir) de que o governo do PT não fez esforço. Ao mesmo

tempo, Rossi atribui o papel de ator ao governo do PT, de ser responsável

em não levar a reforma adiante.

d) “Diz a filósofa que a questão não é a ética na política nem a reforma

política e sim a disputa simbólica para destituir o PT do lugar que ocupa” –

Rossi traz a voz de Marilena em discurso citado e entre aspas, marcando

claramente seu distanciamento em relação ao agir linguageiro de Marilena e

dando prova da verdade do que diz. Por meio da modalização lógica “é

claro” considera o dizer de Marilena como verdadeiro e dentro da

naturalidade do mundo social que exista uma disputa simbólica (sem sujeito

determinado) para destituir o PT do lugar que ocupa. Porém, novamente ele

avalia de forma negativa o agir linguageiro de Marilena, uma vez que este

seria omisso, um não dizer, pois ela “deixa de mencionar que as denúncias

não são vazias, mas decorrentes do lugar em que o PT está se colocando...”

Desta forma, Chauí omite que as denúncias são verdadeiras, portanto, ela

afasta a responsabilidade do PT, enquanto que Rossi avalia e atribui ao PT a

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responsabilidade pelos fatos denunciados, uma vez que o PT “está se

colocando nesse ‘lugar’.”

Atentemos, ainda, para a escolha lexical que se repete ao longo do

texto: “a filósofa”, que marca o papel social da autora, mas que, ao vir

acompanhada de “filósofa petista“ qualificando o substantivo, demonstra

como a filósofa pode ter uma posição menos lúcida diante dos fatos, por

pertencer ao próprio PT.

O texto 4, por sua vez, faz citação direta à Professora Marilena Chauí

e interpreta o seu agir linguageiro de forma irônica: “A professora Marilena

Chauí identifica um complô nacional, talvez mundial, quiça planetário, para

desfazer os símbolos mais caros ao PT. Errado, professora. Se há complô, é

do próprio PT. Quem está fazendo pó de seus símbolos não somos nós nem

mesmo a oposição. É ele: o PT no poder.”

Considerando o exagero dos adjetivos colocados para caracterizar o

“complô” identificado por Chauí constrói-se a ironia e fica implícito que a

jornalista avalia o dizer (agir linguageiro) da filósofa, deixando subentendido

que não existe complô nenhum.

O vocativo “professora” implica a actante “Chauí” e também, constrói

um sentido irônico, pois não é usual esse tratamento direto do interlocutor

visado em comentários jornalísticos . Na seqüência constrói-se uma

avaliação negativa em relação ao dizer de Marilena: “errado”, portanto, a

professora erra.

O texto 5 também comenta o artigo “Disputa Simbólica” escrito por

Chauí e interpreta o agir linguageiro da autora: “a professora Marilena Chauí

procura depositar na conta da imperfeição institucional as negociatas que se

sucedem nos nebulosos territórios da captação de recursos para campanhas

e das negociações entre Executivo e Legislativo.” O enunciador avalia a ação

de Marilena Chauí e interpreta a intencionalidade da autora em relação ao

resultado positivo que ela pretende alcançar. Faz isso por meio da locução

verbal “procura depositar”. A utilização da modalização com valor pragmático

“procura” explicita a interpretação do objetivo de Chauí de tirar a

responsabilidade dos partidos por estas negociatas e atribui-lhes papel de

agente e não de ator.

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117

Entretanto, nesse texto, o dizer de Marilena é avaliado como, em

parte, verdadeiro e de acordo com o que pensa o autor: ”A crítica deve ser

feita, como quer a professora, a uma instituição pública, no caso, o PT. O

partido sempre apareceu para a sociedade como o guardião-mor da pauta

republicana, mas os sinais cada vez mais enfáticos são de que, uma vez no

poder, está utilizando essa prerrogativa para acobertar sua cumplicidade com

os vícios públicos -e não para assumir a liderança moral e política de uma

transformação.” Marcos Augusto utiliza a modalização deôntica “deve”, que,

como vimos, relaciona-se a critérios do mundo social. Por outro lado, ao

utilizar-se do próprio dizer de Chauí, o autor responsabiliza uma instituição

pública pelas negociatas e utiliza-se de um organizador lógico-argumentativo

de natureza restritiva – “no caso” - dando ao partido o papel de ator e não de

agente.

Protagonista de destaque nos textos 2, 3, 4 e 5, verificamos que, em

todos eles, Marilena Chauí se destaca como uma actante que assume o

papel sintático-semático agentivo, responsável pelo seu dizer. Em todos

esses textos, a avaliação global de seu dizer é negativa e compreendida

como de defesa ao PT, partido político que também se destaca como

actante/protagonista em todos os textos. Segue, então, a análise

desenvolvida sobre este destacado actante ou protagonista.

5.1.2. O PT/partido como actante Este actante está presente em todos os textos analisados, com

exceção do texto 5 escrito pelo filósofo Renato Janine Ribeiro. Se levarmos

em conta o levantamento quantitativo que fizemos, o PT se destaca como o

grande protagonista do conjunto de textos. Trata-se de um actante não

humano – uma instituição, portanto, um protagonista coletivo e que tem seu

agir reconfigurado nos textos.

O início do artigo de Marilena Chauí coloca o PT assumindo o papel

sintático-semântico de Agentivo, constituindo-o como um real ATOR . Ex.:

“ Ao definir-se como um partido dos trabalhadores...”

“ O PT ocupou o lugar simbólico da ética na política.”

“ O PT luta contra os preconceitos de classe”.

Formatado: Português (Brasil)

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Em “O PT ocupou o lugar definido pela criação e conservação dos

direitos civis e sociais dos economicamente explorados, socialmente

excluídos e politicamente subalternos” verificamos que o PT assume o papel

de ator ao ocupar um determinado lugar e ao ter de criar e conservar os

direitos civis e sociais. Portanto, o texto atribui ao PT a responsabilidade por

criar e conservar esses direitos, ao mesmo tempo em que atribui aos

“economicamente explorados, socialmente excluídos e politicamente

subalternos” um papel passivo, isto é, de beneficiários da ação do partido.

Porém, ao longo do texto, o PT deixa o seu papel de ator e assume o

papel semântico de possível objetivo, alvo que sofre a ação dos partidos

oposicionistas.

EX.: Os outros partidos “operam de modo a retirar do PT os dois lugares

simbólicos que ocupa”.

“ A questão não é a ética na política nem a reforma política e sim a disputa

simbólica para destituir o PT do lugar que ocupa”.

“Outros partidos e os meios de comunicação buscam fatos reais ou

imaginários para destituir o PT (do lugar que ocupa)”.

Coerentemente com o título “Disputa Simbólica”, o texto encaminha o

leitor para uma verdadeira disputa, estabelecendo uma divisão nítida entre o

PT e o “resto”, a oposição que tem como finalidade global destituir o PT do

lugar simbólico que ocupa. É pois, o lugar simbólico, o objeto da disputa. De

ator responsável pela ocupação do lugar simbólico, ao actante que sofre a

ação da oposição, o PT aparece sempre em relação ao lugar simbólico que

ocupa.

Ao considerarmos o segundo texto uma resposta ao texto de Chauí,

verificamos que o autor procura construir outra figura do PT e a ele restitui o

papel de ator responsável e desconstrói os argumentos dos quais Chauí

utiliza e que, justamente, tratavam o PT mais como aquele que está sujeito à

ação alheia do que um ator efetivo. Vejamos: “Pelo que me consta, Benedita

da Silva não faz parte do Casal Garotinho, mas do PT”. Neste fragmento,

assumindo o papel semântico atributivo, verificamos que o texto demonstra

que Benedita faz parte do PT, o que permite ao leitor estabelecer uma

relação de comprometimento do partido com os fatos.

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No trecho a seguir, constatamos o seguinte movimento discursivo: “O

sr. Waldomiro Diniz foi pilhado negociando em nome do PT.” O Sr Waldomiro

Diniz, sintaticamente sujeito da passiva, mas com papel semântico agentivo

em relação ao verbo “negociar”, construindo textualmente a idéia de que teve

a intenção de negociar em nome do PT, portanto, é a ele atribuído o papel de

actante que negociou, porém, não negociou em seu próprio nome e sim em

nome do PT, que assume o papel semântico de beneficiário e permite ao

leitor, novamente, estabelecer uma relação de comprometimento do partido

com os fatos.

Em “Aliás, há outros episódios ligando a captação de recursos para o

PT com o jogo do bicho...” – a captação de recursos assume o papel de

instrumento que liga o PT e assume o papel de beneficiário (a quem se

destinam os recursos) ao jogo do bicho.

O segmento de texto por nós analisado abaixo apresenta o PT como

actante, portanto, como um ator habitual (“tem feito”, no sentido de “tem

julgado”) responsável pelo julgamento da ação política. O autor atribui essa

ação ao PT e a avalia de forma negativa:

“À parte a ironia, se a imprecisão da ação política escapa à bivalência

entre o bem e o mal – a uma rígida aplicação da regra moral sem a avaliação

das contingências de sua aplicação – como julgar essa ação? A meu ver,

saindo da oposição entre vigiar e punir, de maneira a criar instituições

capazes de previnir, na medida do possível, que a ação política seja julgada

a partir do extremo do absolutamente moral e santo (como, aliás, tem feito o

PT) ou que seja assumida na sua imoralidade, já que os fins justificariam os

meios.”

Inicialmente o autor já marca o tom de ironia que precedeu o

fragmento que ora analisamos. Na seqüência, apresenta a questão que quer

discutir – como julgar a ação política. Faz isso, inclusive, por meio de um

enunciado interrogativo que assume a função de pergunta retórica, pois o

próprio autor responde à pergunta na seqüência.

Para isso, ele novamente marca o mundo discursivo dentro do eixo do

expor, no âmbito do comentário e constrói um mundo discursivo implicado -

Ao meu ver – que explicita os recursos cognitivos do próprio autor, o qual se

coloca como actante com o objetivo de criticar; portanto, apresenta-se como

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ator, executando as seguintes operações linguageiras, avaliando os fatos e

propondo uma nova forma de avaliação da ação política:

a) traz uma voz social implícita, a de Michel Foucault com a expressão

“saindo da oposição entre vigiar e punir”14, que é utilizada por ele, para traçar

um paralelo entre o fato de a ação política escapar do bem e do mal e ela

não poder ser julgada também da forma maniqueísta: vigiar e punir. Dessa

forma, o autor dá sustentação, por meio do recurso de autoridade implícito,

ao seu argumento de que não é possível uma “rígida aplicação da regra

moral sem a avaliação das contingências de sua aplicação”.

b) “de maneira a“ – organizador lógico-argumentativo que indica uma

finalidade: ”criar instituições capazes de previnir”...

c) Utiliza-se do verbo “criar” no infinitivo, impessoalizando-o, não identifica o

agente responsável por essa ação – criar instituições capazes de previnir ... –

Porém, são essas instituições que ganham o papel de ator – agentes com a

intenção de previnir que a ação política seja julgada a partir do “extremo do

absolutamente moral e santo”.

d) Utiliza-se de uma modalização lógica – “na medida do possível” – que

exprime uma avaliação apoiada em critérios do mundo objetivo e apresenta o

conteúdo do ponto de vista da possibilidade.

e) Na seqüência, o autor utiliza a voz passiva “que a ação política seja

julgada a partir do extremo do absolutamente moral e santo” – uso da

passiva, operação que apaga o sujeito (quem julga?), mas que destaca o

objeto do julgamento – a “ação política” e o recurso/instrumento externo que

não deve definir os critérios do julgamento – “a partir do extremo do

absolutamente moral e santo.

f) Utiliza adjetivos subjetivos de natureza axiológica – extremo,

absolutamente – para qualificar “moral” e “santo” – dois substantivos, também

de natureza subjetiva, que trazem, já em si, forte carga avaliativa em função

dos valores culturais a que estão ligados e que, no texto, constroem um

sentido do “absurdo”, do “impossível”, que vem acompanhado dos

parênteses (como, aliás, tem feito o PT), que marcam claramente o

comentário avaliativo negativo do autor em relação à ação do PT. Está

14 Referência o título do livro de Michel Foucault.

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implícito, de forma irônica, que: “O PT tem julgado a ação política a partir do

extremo do absolutamente moral e santo.” O PT, então, age com a intenção

de julgar a ação política com um instrumento absolutamente moral e santo.

Ao fechar seu comentário avaliativo, o autor propõe uma outra forma

de julgar a ação política - “ou que seja assumida na sua imoralidade, já que

os fins justificariam os meios.” Apresenta essa outra possibilidade de forma a

fortalecer aquela que ele próprio defendeu anteriormente. Faz isso por meio

das seguintes operações:

a) utiliza-se do “ou” que marca uma frase condicional;

b) utiliza-se novamente da voz passiva e apaga a agentividade – “que (a

ação política) seja assumida na sua imoralidade” – quem assume?

c) utiliza-se do organizador lógico argumentativo “já que” para dar o

argumento que justificaria essa outra possibilidade de julgamento da ação

política: “os fins justificariam os meios”. Utiliza-se da voz social sem citação

explícita do pensador Maquiavel. A essa citação, o autor aproxima os dizeres

de Chauí, atribuindo-lhe essa posição, porém marca o seu próprio

distanciamento em relação a e esse dizer, ao utilizar-se do verbo no futuro do

pretérito.

Ainda que tenhamos destacado o PT como actante desse segmento

de texto, verificamos que quem se destaca como agente principal é a “ação

política”, a qual assume o papel de paciente: um objeto não humano que

sofre um processo dinâmico que, no caso, é o julgamento, que poderá

ocorrer, segundo Giannotti, de várias formas, por meio de diferentes recursos

que por ele foram avaliados.

Em outro fragmento de texto, o autor, novamente, marca o seu

comentário com o verbo “Convenhamos”, no presente do subjetivo e

aproxima o PT aos demais partidos afirmando que em todos há corrupção: ”a

corrupção existe no PT como em outros partidos.”

Como conclusão de seu artigo, Giannotti avalia novamente o papel do

PT no cenário político nacional por meio de uma pergunta: “O PT tirará desse

episódio a lição devida e se mostrará menos juiz e mais empreendedor?”

Implicitamente, a pergunta permite ao leitor mais atento perceber duas

avaliações a respeito do PT: “muito juiz” e “pouco empreendedor”.

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O texto 3, por sua vez, também dialoga diretamente com o texto de

Marilena Chauí e isso pode ser observado por um leitor atento dos dois

textos. O título do texto de Rossi é: “O lugar do PT”. Clóvis Rossi destaca, no

título, a discussão fundamental que Chauí propõe em seu texto – a disputa

simbólica para destituir o PT dos lugares simbólicos que ele assumiu – e já

encaminha o leitor para a sua própria discussão. Ele também discutirá o lugar

do PT o qual, já no título, ganha o papel de actante fundamental do texto, ou

seja, de protagonista.

Para isso, recorre a um dizer indeterminado: “ Dizem que a visão da

forca concentra a mente”. Na seqüência, recorrendo ao uso da modalização

lógica com valor epistêmico “se é verdade”, o autor coloca em dúvida o grau

de verdade, de certeza sobre o predicado: “não está funcionando com o PT” ,

o que nos leva a identificar uma avaliação negativa do partido. Esta avaliação

negativa diz respeito às capacidados para o agir do partido, pois “não está

concentrando a mente diante da visão da forca”.

Em: “Uma de suas mais brilhantes intelectuais, a filósofa Marilena

Chauí, capota bravamente nos seus argumentos em defesa do partido, tal

como antes fizeram companheiros seus menos filósofos”. O partido (PT) é

colocado semanticamente como aquele que precisa ser defendido. Nesse

caso, o autor atribui a Marilena Chauí e aos “outros companheiros menos

filósofos” o papel de agentes com a intenção de defender o partido, portanto,

ela e seus companheiros exercem o papel de ator e não o partido.

Ao comentar o texto de Chauí, Rossi procura desconstruir os

argumentos por ela construídos, recorre aos fatos e julga o agir linguageiro

da autora. Ao fazer isso, responsabiliza o PT por candidatos beneficiários que

se envolveram no financiamento ilegal de campanha – financiamento de

campanha para os candidatos do PT e ironicamente trata o PT como “vítima”

no trecho: “Pena também, que o ‘segredo de polichinelo’ tenha, agora, feito

do PT a sua vítima.” O autor utiliza a expressão pejorativa “pena”, recupera a

expressão “segredo de polichinelo” trazendo a voz de Marilena textualmente

para compor seu texto e, aparentemente, atribui ao PT o papel de vítima,

(papel sintático-semântico de objetivo) daquilo que a própria Marilena critica:

a forma como são financiadas as campanhas eleitorais no Brasil.

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123

Ao final, o texto apresenta uma concordância com parte da

argumentação de Marilena e coloca o PT como alvo de uma disputa

simbólica. Com a modalização lógica de certeza “é claro”, avalia essa

disputa dentro dos critérios do mundo objetivo como fato atestado. Por outro

lado, de forma mais forte, também avalia negativamente a argumentação de

Chauí com o adjetivo “capenga” - “Mas, a argumentação é capenga” –

seguido de argumento para justificar a avaliação negativa: “Marilena deixa de

mencionar que as denúncias não são vazias, mas decorrentes do ‘lugar’ em

que o PT está se colocando.” O texto desloca o PT para “outro lugar”, que

não é textualmente identificado, mas que pode ser inferido de forma negativa

pelo texto atribuindo-lhe um lugar pelo qual ele próprio é responsável em

ocupá-lo. Novamente as aspas, sinal da heterogeneidade que constitui os

textos, marcam a ironia.

O texto 5, por sua vez, representa o PT como um protagonista

coletivo, portanto, desenha-se uma atividade. O autor sintetiza a tese de

Marilena:

“Em artigo publicado anteontem na seção "Tendências/Debates", a

professora Marilena Chauí procura depositar na conta da imperfeição

institucional as negociatas que se sucedem nos nebulosos territórios da

captação de recursos para campanhas e das negociações entre Executivo e

Legislativo.”,

Na seqüência, Marcos Augusto apresenta uma série de argumentos

que demonstram discordância em relação à tese de Marilena e conclui que:

“A conclusão é que, se não fossem as distorções da representação política e

as falhas no sistema de financiamento de campanhas, o PT poderia ter eleito

maioria parlamentar, o que restringiria o balcão político.” Portanto, o balcão

político do PT se deve ao fato de não ter eleito a maioria parlamentar.

No segmento de texto “A crítica deve ser feita, como quer a

professora, a uma instituição pública, no caso o PT”, o actante é

representado como uma instituição pública, portanto, coletiva, o que nos

coloca diante de uma atividade e é apresentado como paciente da crítica: “a

crítica deve ser feita”: A utilização do metaverbo “deve” tem valor deôntico, o

que representa uma avaliação feita a partir das coordenadas formas do

mundo social, portanto, é obrigação social “criticar” uma instituição pública, o

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que explicita, também, um determinante externo do agir: a crítica é externa, é

social. Observamos, ainda, que não se apresenta, explicitamente, quem seria

o agente dessa crítica (X critica) o que nos parece estar ligado ao fato de ser

uma obrigação da sociedade em geral.

Assim, vemos que duas figuras emergem do texto sobre o PT:

1. Protagonista responsável pelo lugar da ética na política ao paciente que

passa a ser alvo da oposição quer quer destituí-lo do lugar que ocupa.

2. Protagonista responsável pelas ações dos seres humanos que o

constituem e que agem de forma corrupta. É, portanto, responsável pela

corrupção.

Dado que o PT foi o partido pelo qual Luiz Inácio da Silva, o Lula, foi

eleito Presidente da República, os textos apresentarem a expressão governo

ligada ora ao partido (PT) ora à figura individual do próprio presidente Lula.

Segue, então, a análise do papel sintático-semântico deste protagonista nos

diferentes textos selecionados.

5.1.3.Governo Lula/Governo/Governo do PT como actante Referências ao governo do presidente Lula/governo Lula/governo

petista são feitas em cinco dos seis textos analisados. Vejamos quais são as

figuras interpretativas do agir que lhes são atribuídas em cada um deles.

O texto 1 coloca: “Mas é no ataque ao lugar simbólico da ética na

política que a disputa é mais acirrada e ganha ares consistentes. Os alvos do

ataque têm mudado no correr dos tempos. Atualmente, o alvo é o caso do ex-

assessor de José Dirceu. Por um lado, a crítica é válida e consistente, pois

tudo indica que houve corrupção.

Por outro lado, a crítica é hipócrita porque: a) pretende atingir o

governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002, no

Rio de Janeiro; b) não levanta a causa do problema (que também atingiu, por

exemplo, assessores de FHC, e levou um amigo a defender publicamente a

tese da imoralidade constitutiva da política), qual seja, o inadequado sistema

eleitoral, que induz a procedimentos inaceitáveis; afinal, é um segredo de

polichinelo como são financiadas as campanhas eleitorais no Brasil; c) não

menciona a proposta de reforma política, publicada em livro pelo Instituto da

Cidadania, que, no dia 1º de julho de 2003, a entregou ao Executivo e ao

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Legislativo, tendo sido discutida e aprovada por uma comissão especial

(pluripartidária, com 45 membros) criada pelo presidente da Câmara, João

Paulo; a reforma (que prevê o financiamento público das campanhas) não

será um decreto presidencial, e sim uma ação do Congresso Nacional.”

Observamos que:

a) o governo Lula é apresentado como paciente/beneficiário, aquele que

pode ser atingido pela crítica.

b) um determinado agir linguageiro é representado como sendo o de criticar.

O verbo é substantivado, o qual apaga o sujeito da crítica, que tem a intenção

de atingir o governo Lula. A interpretação da intenção desse actante fica

explicitada lingüisticamente pela modalização com valor pragmático expressa

pela relação predicativa indireta “pretende atingir”, dando à crítica o papel de

ator e, portanto, realizando uma ação consciente e intencional.

c) Chauí avalia a própria crítica, adjetivando-a positivamente, por critérios do

mundo objetivo: “ela é válida e consistente”.

Por outro lado, a autora também avalia a crítica e a adjetiva

negativamente a partir de critérios do mundo sócio-subjetivo (falta de

sinceridade): “a crítica é hipócrita”.

d) atribui maior valor à segunda avaliação, de caráter negativo, ao colocá-la

depois do organizador lógico-argumentativo de natureza adversativa “por

outro lado”.

e) essas avaliações (positivas e negativas) podem ser estendidas aos

actantes responsáveis pela “crítica”. Portanto, não é apenas o agir verbal que

é avaliado como hipócrita, mas os próprios actantes que a desenvolvem.

Já o texto 2 faz referência explícita ao governo no seguinte fragmento:

“A imoralidade subjetiva de Waldomiro Diniz é uma coisa, outra coisa é a

imoralidade pública do resto do governo, mesmo que ele esteja envolvido

nela. Isso porque o próprio processo político decidirá se o ato individual é ou

não coletivamente imoral.” Em primeiro lugar, verificamos que o autor atribui

a Waldomiro Diniz um tipo de agir, chamado por nós de atributivo, na medida

em que a ele é atribuído um determinado estado: o da imoralidade subjetiva.

A mesma atribuição desse estado é atribuída ao “resto do governo”, a quem

também se atribui a imoralidade pública, embora deva receber tratamento

diferente, expresso pela marca lingüística “outra coisa é”.

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O autor distingue, então, a imoralidade de um indivíduo da imoralidade

pública e insere Waldomiro Diniz como parte do governo atual ao destacá-lo

do “resto do governo” .

O autor, ainda, dá ao “processo político”- uma entidade inanimada - o

papel de ator, atribuindo-lhe a responsabilidade de decidir se o ato individual

é ou não coletivamente imoral ”. Configura-se, assim, um agir instrumental,

uma vez que se atribui ao processo político a possível ocorrência de um

processo dinâmico: a tomada de uma decisão.

“Importa saber” – com sentido de “é necessário” tem função de

modalização deôntica (base nos critérios do mundo social) e indica a

necessidade de se exercer essa capacidade cognitiva de “saber”, “conhecer”,

ainda que o actante não seja definido pelo enunciador – “quais instituições

internas trabalham para restringir a corrupção do partido, do governo e do

jogo político como um todo”. O autor atribui ao governo a existência de

corrupção, coloca-a no universo dos fatos reais e caracteriza um tipo de agir

agentivo do governo, ao mesmo tempo em que responsabiliza as instituições

internas por um agir instrumental de trabalhar para restringi-la.

O uso da passiva em: “Se todo governo fosse punido, haveria uma

crise institucional, com enfraquecimento e talvez desaparecimento das

instituições de vigilância pública, o que levaria a corrupção pública às alturas”

– O uso do futuro do pretérito (haveria, levaria) e do pretérito imperfeito do

subjuntivo (se... fosse) coloca os fatos ao nível do possível, mas no caso, não

desejável. O governo aparece como paciente, aquele que pode vir a sofrer a

ação da punição.

No texto 3, o termo “governo” aparece associado ao PT e deixa

explícita uma interpretação do autor do texto: o governo é do PT. Isso fica

claro no fragmento: “Ela (Marilena) omite que o governo do PT não fez o

menor esforço para levá-la adiante”. Em primeiro lugar, verificamos estar

diante de dois processos de avaliação levados a cabo pelo autor no mesmo

segmento de texto. O primeiro, feito ao agir linguageiro de Marilena, avalia

negativamente o seu não-dizer, atribuindo-lhe a intenção de esconder uma

não-ação do governo do PT. Estamos, então, diante do segundo processo de

avaliação. Rossi interpreta o agir do governo, também, como um não-agir –

“não fez” , utilizando-se do verbo “fazer”.

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127

Já o texto 4 traz, inicialmente, uma organização textual que interpreta

governo e PT como duas instâncias diferentes. Vejamos:

“O Congresso está um deserto desde a quinta-feira e vai continuar não

só durante como além do Carnaval. É o tempo que o governo e o PT querem

-aliás, precisam muito - para se refazer do tranco. A idéia é desencavar a

velha ladainha de uma "agenda positiva" logo na reabertura da reabertura do

Congresso, quando o Carnaval e a ressaca passarem, já em março.”

Governo e PT aparecem, no texto, como dois actantes diferentes que

“querem” e “precisam muito” de tempo. O verbo “precisa” indica uma

necessidade que pode ser satisfeita com o congresso fechado (congresso

fechado lhes dará mais tempo) , enquanto que o “querer” revela, por meio de

seu valor pragmático, o desejo do PT e do governo.

Em “A idéia é desencavar a velha ladainha de uma ‘agenda positiva’,

logo na reabertura da reabertura do Congresso, quando o carnaval e a

ressaca passarem em março”, observamos que:

a) O termo “a idéia” nos indica um agir cognitivo que é o de ter uma idéia, de

idealizar;

b) O verbo é substantivado e apaga o actante, que pode ser inferido pela

reconstrução da coesão nominal: governo e PT;

c) A esses dois actantes são atribuídos os recursos cognitivos necessários,

portanto a capacidade de ter uma idéia que é a agenda positiva;

d) Dotados de capacidades, esses actantes são representados com a

intenção de “desencavar a velha ladainha” de uma “agenda positiva”;

e) a autora avalia a intenção dos actantes de forma negativa e adjetiva a

“agenda positiva” de “velha ladainha”, expressão popular que indica

mesmice, repetição;

f) essa avaliação negativa pode ser estendida ao curso do agir, ao tempo que

terá o governo e o PT para colocarem “suas idéias” em prática. Essa

avaliação negativa fica marcada pela repetição do termo “reabertura” e o “já”,

advérbio de tempo, o qual tem a função de um organizador temporal que,

isoladamente, dá a idéia de “adiantado”, mas, no texto, tem sentido inverso e

avalia negativamente a demora na reabertura do Congresso.

O caráter negativo das avaliações ao agir do governo e do PT é

observado em diferentes segmentos de texto. Em: “Mas o mais interessante

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128

de tal ‘agenda positiva’ é mostrar que ‘o governo está governando’. Ué?! E

não está ou estava?” Destaca-se a finalidade do governo e do PT de

mostrarem que o “o governo está governando”. Em primeiro lugar,

destacamos o valor das aspas, que têm papel de importância, na medida em

que trazem o discurso do PT e do governo para o texto, mas com

distanciamento, deixando lingüisticamente marcado que não é o enunciador

quem está dizendo isso, mas sim o PT e o governo. Além disso, esse agir do

PT e do governo é desqualificado pelo uso da ironia, que coloca em xeque a

finalidade do desses actantes, insinuando que pode não haver o que mostrar.

Essa ironia fica explicitada no texto pelo conflito entre dois enunciados:

E1- o governo está governando.

E2 - Ué?! E não está ou estava?

No segmento de texto a seguir, a autora avalia, objetivando, o

momento que vive o governo como “decisivo”, bem como faz um movimento

de definição do termo “governo”. Se até então o termo governo vinha sozinho

ou próximo ao PT, neste segmento o governo é qualificado: “ O governo Lula

está num momento decisivo. Tem a obrigação de manter a estabilidade

econômica, mas dando sinais de reaquecimento (e nem se fala em

“espetáculo de crescimento”) e ativando finalmente a área social.” Define-se,

em primeiro lugar, um actante humano como responsável pelo governo e a

quem se atribui uma série de obrigações à luz das representações que se faz

do mundo social. A autora, então, justifica a sua afirmação e apresenta o

governo Lula como sendo responsável de agir de uma determinada forma,

com base nos valores do mundo social: tem a “obrigação de manter a

estabilidade econômica, de dar sinais de reaquecimento e de ativar a área

social.”

O texto 6, por sua vez, constrói figuras interpretativas do agir do

governo muito diferentes, se comparadas aos textos 2, 3 e 4. Vejamos. Após

uma longa discussão a respeito do debate político e da corrupção no Brasil,

fazendo referências, inclusive, a governos anteriores (Collor e FHC), bem

como a respeito da relação entre política e moral, o filósofo Janine Ribeiro faz

a seguinte referência ao governo: “Nada disso é uma defesa deste governo

ou do anterior. E uma defesa da política, para retomar um título de um livro

de Marco Aurélio Nogueira”.

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129

O governo é colocado no papel de objetivo que precisa ser defendido.

O autor demonstra sua preocupação em já apresentar a sua interpretação a

respeito de seu próprio agir linguageiro, negando, ou seja, restringindo outras

possíveis interpretações. O autor se coloca, então, como actante que tem os

recursos para fazer a defesa do governo, mas que não a faz, embora tenha

como objetivo defender a política. Parece que nesse caso, a “política” sai da

esfera concreta, sai do mundo objetivo, para se pensar a política no mundo

das idéias, do abstrato. E para fortalecer ainda mais o seu argumento, utiliza-

se da voz explícita de Marco Aurélio Nogueira.

Nessa mesma perspectiva, o autor faz uma retrospectiva histórica e

atribui ao Brasil o papel sintático-semântico agentivo, responsável pela

mudança de metas. Ao mesmo tempo, o autor destitui a “ágora” de

responsabilidade por essa mudança: “O Brasil mudou de metas, no segundo

mandato de FHC, sem a ágora opinar. O debate se focou na corrupção. Hoje

corremos de novo o risco de enfraquecer um projeto de governo, não porque

nos descontente em suas grandes opções, mas por questões laterais.” Em

seguida, traz a discussão para o presente, utilizando-se do organizador

temporal “hoje” e avalia a situação de forma semelhante ao passado.

O autor constrói um mundo discursivo em que o governo tem um papel

sintático-semântico atributivo – o governo tem um projeto - e utiliza um “nós”

genérico que parece englobar os brasileiros de forma geral, à medida que ele

não “nos” descontenta em suas grandes opções. Em contrapartida, o autor

avalia o momento atual de crise como um momento de risco, colocando o

projeto de governo como paciente/beneficiário que sofre o risco de

enfraquecer “por questões laterais”. Assim, essas “questões laterais” seriam

o instrumento que enfraqueceria um bom projeto de governo. Ocorre que o

leitor precisa inferir a respeito do que são essas “questões laterais”, uma vez

que o autor as omite. Nesse caso, a coesão se dá de forma implícita e o item

lexical referente deve ser inferido pelo leitor, no caso, as questões laterais se

referem à corrupção.

O autor, ainda, faz uma avaliação positiva do agir do governo, uma vez

que esse governo tem um projeto e que este projeto tem “grandes opções”.

Observamos que os textos que compõem nosso corpus acabaram

criando dois grandes posicionamentos que avaliam o agir do governo e do

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130

PT. Textos que constroem uma argumentação explícita (texto de Chauí) ou

uma argumentação implícita (texto de Janine Ribeiro) em defesa do governo

e textos que constroem uma argumentação de crítica ao governo. No

primeiro caso, o texto de Chauí traz para a cena discursiva o “casal

Garotinho”, assim como no segundo caso, os textos de Giannotti e Rossi

também o fazem, porém, construindo interpretações diferentes do agir.

Vejamos.

5.1.4. O casal Garotinho como actante O actante casal Garotinho é colocado em cena nos textos 1, 2 e 3.

Seguem os segmentos de textos com esse actante em cena:

Texto 1 - A crítica é hipócrita porque pretende atingir o governo Lula com um

episódio envolvendo o casal Garotinho.

Texto 2 - Pelo que me consta, Benedita da Silva não faz parte do casal

Garotinho, mas do PT.

Texto 3 - Chauí começa capotando nos fatos: diz que o PT está sendo

acusado por um “episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002”. Envolve,

ademais, um funcionário intimamente ligado a José Dirceu, que o indicou aos

Garotinho.

Tanto no texto 1 quanto no texto 3 o actante “casal Garotinho”

aparece assumindo o mesmo papel sintático-semântico: objetivo, ser ao qual

se atribui um estado de estar envolvido em um episódio. O episódio exerce a

função semântica de instrumento com que se pretende atingir o governo Lula.

É desta forma que o texto cria um efeito de sentido que nos permite,

enquanto leitores, compreendermos o actante “governo Lula” como alvo.

Já no texto 2, observamos que o texto nos leva a construir outras

representações em relação ao “episódio”. Vejamos: no texto, o enunciador

marca seu comentário com a expressão “Pelo que me consta” - utiliza-se o

pronome pessoal do caso oblíquo “me”, que marca a sua implicação e

assume o papel de actante dotado de uma certa capacidade de

conhecimento, mas, com isso, introduzindo sua versão contrária à de Chauí.

O enunciador expressa sua avaliação e explicita os recursos cognitivos que o

permitem interpretar a crítica que Marilena Chauí faz a respeito da crítica ao

caso do ex-assessor de José Dirceu. Há, também, uma interpretação e

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131

avaliação negativas do agir linguageiro de Chauí, uma vez que ela refuta o

dizer anterior. No texto 1, não existe qualquer referência à Benedita da Silva,

enquanto o texto 2 a coloca como uma protagonista. A função semântica

atributiva negativa “não faz parte do Casal Garotinho” separa Benedita da

Silva do Casal Garotinho, ao mesmo tempo em que a coloca fazendo parte

do PT. O texto 2 destaca, também, Benedita da Silva como protagonista. Na

verdade, a avaliação negativa se faz por uma atribuição ao dizer de Chauí de

“não verdadeiro”. Ao constituir Benedita da Silva como protagonista, o autor

traz à tona os discursos anteriores ao de Chauí, quais sejam, aqueles que

denunciaram o escândalo.

Observamos fenômeno semelhante no texto 3. Em: ”Chauí começa

capotando nos fatos: diz que o PT está sendo acusado por um “episódio

envolvendo o casal Garotinho, em 2002”. Só a data é verdadeira: o episódio

envolve também financiamento de campanha para candidatos do PT:

Geraldo Magela no Distrito Federal e Benedita da Silva no Rio.” Neste

segmento do texto 2, o actante “Casal Garotinho” é parte do discurso citado

de Marilena Chauí, em que ele assume a função de objetivo. Em

contrapartida, o texto reconfigura o agir desse actante e lhe dá outro sentido

no trecho: “Envolve, ademais, um funcionário intimamente ligado a José

Dirceu, que o indicou aos Garotiho”. O casal Garotinho, então, assume a

função semântica de beneficiário, aquele para quem se destina a indicação

feita por José Dirceu. Portanto, estabelece uma relação entre o governo do

PT, o ministro José Dirceu, Waldomiro Diniz e Casal Garotinho. E o que é

mais interessante, este texto esclarece o texto anterior.

É interessante notar que o texto 3, ao fazer referência ao episódio do

Casal Garotinho, também destaca Benedita da Silva como protagonista, tal

como o texto 2, enquanto o texto 1 não faz qualquer referência a essa

protagonista, embora estabeleça uma estreita relação entre o caso do ex-

assessor de José Dirceu (Wadomiro Diniz) e o casal Garotinho. Ao omitir

Benedita da Silva, o texto constrói o distanciamento entre o caso de

corrupção e um membro do partido dos trabalhadores. Observamos que o

texto 2 e 3, ao trazerem para a cena Benedita da Silva, o fazem para destruir

a argumentação de Chauí em defesa do partido e aproximam Benedita,

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132

candidata do PT ao caso Garotinho e, portanto, ao caso Waldomiro Diniz, o

próximo actante por nós analisado.

5.1.5. Caso Waldomiro Diniz /Waldomiro Diniz/assessor/ex-assessor como actante. No texto 1, não há referência explícita a Waldomiro Diniz, pelo menos

não com seu nome próprio. A referência a ele é feita da seguinte forma: “caso

do ex-assessor de José Dirceu”, como podemos observar no seguinte trecho:

“Mas é no ataque ao lugar simbólico da ética na política que a disputa é mais

acirrada e ganha ares consistentes. Os alvos do ataque têm mudado no

correr dos tempos. Atualmente, o alvo é o caso do ex-assessor de José

Dirceu”. Nesse caso, o leitor tem que utilizar os seus conhecimentos a

respeito dos fatos para relacionar o “ex-assessor de José Dirceu” ao

referente Waldomiro Diniz. No texto, é o caso do ex-assessor que é

apresentado como alvo, portanto, como objeto, destinatário dos ataques das

ações oposicionistas.

Já o texto 2, que mantem uma interlocução direta com o texto 1,

embora também não faça referência a Waldomiro Diniz de forma explícita,

utiliza-se da expressão “assessor do planalto” e não “ex-assessor de José

Dirceu”, como podemos observar no seguinte fragmento: “A respeito do caso

de corrupção envolvendo assessor do Planalto, nunca poderia imaginar que

minha amiga e ex-aluna Marilena Chaui pudesse escrever o seguinte(...)” .

Tais escolhas lexicais levam o leitor a construir duas representações

diferentes: no primeiro texto, o acusado é visto como “ex”; portanto fora do

governo. No segundo texto, ele é representado como parte do governo, a

quem se atribui a responsabilidade pelo assessor. Atribui-se ao assessor um

estado de pertencimento ao governo.

Em “O sr. Waldomiro Diniz foi pilhado negociando em nome do PT, o

que afeta o partido como um todo”, verificamos que o uso da passiva coloca

o sr. Wadomiro Diniz como objetivo de um agir nomeado como o de “pilhar”,

que implica o sentido de “ser pego em crime, em algo faltoso” mas também

como agentivo de “negociar”, enquanto que em “A imoralidade subjetiva de

Waldomiro Diniz é uma coisa, outra coisa é a imoralidade pública do resto do

governo”, observamos que o papel semântico é atributivo - a Waldomiro

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133

Diniz se atribui a imoralidade (ele tem imoralidade subjetiva), constituindo-se

uma avaliação negativa da ação do actante.

O texto 3, por sua vez, apresenta o actante Waldomiro Diniz no

seguinte segmento temático: “Pena que o ‘segredo de Polichinelo’ tenha,

agora feito do PT, a sua vítima ( e sabe-se lá para que outras campanhas

Waldomiro Diniz não pediu dinheiro a bicheiros)”. O uso da expressão “sabe-

se lá” insinua a possibilidade de que, de fato, Waldomiro Diniz pediu dinheiro

a bicheiros não uma vez só, mas várias. Nesse segmento de texto, o actante

aparece como sujeito da ação possível de pedir dinheiro emprestado.

O texto 5, por sua vez, faz uma única referência ao actante Waldomiro

Diniz no trecho a seguir: “E não haveria necessidade de “operadores” como

Waldomiro Diniz para pedir dinheiro a “empresários do bingo”. Assim, a

Waldomiro se atribui o papel agentivo de “operador” que “pede dinheiro”. Ele

age com a intenção de pedir dinheiro a “empresários do bingo”. Observemos

como, no segmento de texto, as aspas são fundamentais. Sem aspas, as

expressões “operador” e “empresários do bingo” não teriam nada de

negativo. Porém, nesses casos, as aspas marcam o eufemismo.

O texto 6, no fragmento: “O caso Waldomiro Diniz é, ao que consta,

um ato de corrupção que requer julgamento”. Com a utilização da expressão

“ao que consta”, verificamos que o texto representa o caso como certo, uma

vez que a expressão pode ser compreendida como aquilo que se sabe de

acordo com nossos valores e leis, ou seja, pelos critérios do mundo social.

Na seqüência, o texto encaminha o leitor para uma possível punição – “Se for

provada sua culpa - Waldomiro Diniz) ele deve ser punido pela lei.” –

Waldomiro Diniz aparece então como possível paciente de uma punição pela

lei. A utilização do metaverbo “deve” como modalização deôntica, coloca a

ação da lei como um dever dentro dos critérios do mundo social.

Em todos os textos por nós analisados, o actante Waldomiro Diniz

aparece relacionado a outro actante – José Dirceu - que será objeto de nossa

próxima análise.

5.1. 6. José Dirceu/Ministro José Dirceu como actante Esse actante está presente em três dos textos analisados.

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134

De uma forma geral, verificamos que os textos atribuem papéis

sintático-semânticos diferentes ao mesmo actante e constroem diferentes

representações. Ou o actante aparece como adjunto, não sendo responsável

pelo agir, mas apenas como um actante que teve um assessor (texto 1) ou

ele aparece sintaticamente como sujeito e, do ponto de vista semântico,

como possível actante a quem se atribui a responsabilidade pela ação de se

envolver com o ato de corrupção (2) e em (3) como responsável da ação de

indicar Waldomiro ao casal Garotinho. Coloca-se, assim, José Dirceu como

elo entre Waldomiro Diniz e Casal Garotinho. Assim, o que é omitido em

outros textos é aqui fica esclarecido.

Observemos que no texto 1, no segmento de texto: “Atualmente, o

alvo é o caso do ex-assessor de José Dirceu” verificamos que a ação da

oposição recai sobre o objeto – ex-assessor e não sobre o complemento

José Dirceu. Parece-nos que o prefixo “ex” exerce um papel fundamental na

construção das representações do leitor, uma vez que “ex” indica o

distanciamento, a ruptura do assessor em relação a José Dirceu, bem como

a construção sintático-semântica também marca o afastamento da ação da

oposição: ela recai sobre o ex-assessor e não sobre José Dirceu, neste caso,

poupado dos ataques.

Em “Suponhamos que se mostre que o ministro José Dirceu esteja

envolvido e, por conseguinte, o presidente Lula, responsável pela escolha e

atuação de seu ministério”, abre perspectivas para que o leitor leve em conta

a possibilidade de o ministro estar envolvido com corrupção.

O texto 3 também apresenta, num primeiro momento, o actante como

adjunto, porém logo assume o papel agentivo, responsável pela indicação do

funcionário ao Casal Garotinho. Além disso, os textos apresentam marcas

que expressam uma interpretação do enunciador. No segmento “Envolve,

ademais, um funcionário “intimamente” ligado a José Dirceu, que o indicou

aos Garotinho e que trabalhava até a “semana passada’ no mesmo palácio

do Presidente da República” aquele que era simplesmente “ex-assessor”

passa a ser “funcionário intimamente ligado”, o que representa a relação

entre José Dirceu e Waldomiro Diniz de formas completamente diferentes.

Vejamos. O uso do advérbio “intimamente” expressa proximidade

entre o funcionário e o ministro. Na verdade, mostra um estado de ligação

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135

íntima do tal funcionário com José Dirceu. Aliás, se compararmos o segmento

do texto 1 com o segmento do texto 3, verificamos que no primeiro procura-

se afastar o assessor em relação a José Dirceu. No texto 3, o advérbio

aproxima os dois. Outro recurso lingüístico utilizado para marcar essa

aproximação é a expressão “até semana passada”. Nesse caso, ela marca a

aproximação entre o funcionário e o próprio Presidente da República por

meio de uma locução adverbial de tempo.

A aproximação de José Dirceu a Lula, o Presidente da República, nos

encaminha para a próxima análise, a do actante presidente Lula. 5.1.7. Lula/presidente Lula/presidente de república como actante

O texto 1, ao defender a tese de que “procura-se destituir o PT desse

lugar simbólico”, procura justificar esse argumento e recorre ao que considera

uma contradição: “Em certos momentos, aliás, somos colocados diante de

algo paradoxal, pois procura-se destituir o PT desse lugar simbólico,

afirmando-se que o atual presidente da República não tem direito ao cargo

porque seria intelectualmente inculto.” Observemos que a crítica nomeia o

actante pelo cargo que ocupa, isto é, o ataque não é simplesmente à pessoa,

mas ao que ela representa para o Estado Brasileiro. Ao recuperar o dizer da

crítica, Marilena Chauí avalia-a de forma negativa, como um paradoxo porque

“Ergue-se contra Lula aquilo mesmo que fez o PT nascer e ocupar o lugar

simbólico dos direitos, isto é, a luta contra os preconceitos de classe que,

pela discriminação e a exclusão, negam cidadania aos trabalhadores!” A

crítica ao presidente, então, é representada como preconceituosa,

discriminadora e excludente ao atribuir-lhe um estado e uma qualidade

negativa (seria intelectualmente inculto), não tendo, por isso, direito ao cargo.

Portanto, em relação ao actante Lula, a avaliação da autora é positiva: tem

direito ao cargo, não é intelectualmente inculto.

O texto 2, por sua vez, constrói outra representação a respeito do

actante. No trecho “Suponhamos que se mostre que o Ministro José Dirceu

esteja envolvido e, por conseguinte, o presidente Lula, responsável pela

escolha e atuação de seu ministério”, o presidente Lula assume o papel

semântico agentivo, atribuindo-se a ele a responsabilidade pela escolha e

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136

atuação de seu ministério, o que leva o leitor à conclusão lógica que, se o

Ministro estiver envolvido, o presidente tem responsabilidade sobre isso.

Representação semelhante ao texto 2 também é construída pelo texto

3, embora a função sintático-semântica assumida pelo actante tenha sido

diferente: “Envolve, ademais, um funcionário intimamente ligado a José

Dirceu que o indicou aos Garotinho e que trabalhava até a semana passada

no palácio do presidente da República..” O presidente da República assume

o papel sintático de adjunto a quem se atribui um palácio (locativo) onde

trabalhava José Dirceu, o responsável pela indicação do funcionário aos

Garotinho e constrói uma imagem de proximidade entre José Dirceu e o

presidente.

Em outro segmento do texto 3, retoma-se outro trecho de Chauí a

respeito da reforma política, dando nova versão dos fatos. Segue fragmento

do texto: “Depois, a filósofa petista reclama que os defensores da ética na

política, em vez de denunciarem o caso, se dediquem a discutir o

financiamento de campanha. "É um segredo de polichinelo como são

financiadas as campanhas eleitorais no Brasil", diz.

Perfeito. Pena que o "segredo de polichinelo" tenha, agora, feito do

PT a sua vítima (e sabe-se lá para que outras campanhas Waldomiro Diniz

não pediu dinheiro a bicheiros). Pena também que, apesar do Instituto da

Cidadania, outrora presidido por Lula, ter apresentado proposta de reforma

política, como menciona a filósofa, ela omite que o governo do PT não fez o

menos esforço para levá-la adiante.”

O actante Lula assume o papel sintático de agente da passiva, mas o

papel semântico agentivo. Ele foi, mas só no passado, responsável por

presidir o Instituto e propor a reforma política. Porém, na seqüência, o

discurso nos faz, enquanto leitores, aproximarmos Lula ao governo do PT,

permitindo-nos construir uma avaliação negativa que se faz do próprio

governo e, portanto, de Lula, quando se avalia negativamente o esforço –

falta de esforço – para levar a reforma adiante em contradição com o agir de

“outros”.

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137

Seguimos nossa análise, focando, na seqüência, José Arthur Giannotti

como actante. Trata-se de um actante colocado em cena, não como

participante do fato motivador do debate – o caso de corrupção que envolve

Waldomiro Diniz – mas sim como actante citado por Marilena Chauí que

avalia, de forma negativa, o dizer do filósofo.

5.1. 8. José Arthur Giannotti como actante O actante selecionado, José Arthur Giannotti é, também, o autor do

texto 2. Ocorre que, ao considerarmos o caráter dialógico dos textos e

levarmos em consideração que esses textos não só interpretam e avaliam os

fatos, mas também o agir linguageiro de outro sobre os fatos em questão a

partir dos fatos, ele aparece como actante em seu próprio texto, como

também nos textos escritos por Marilena Chauí e por Renato Janine Ribeiro.

Instala-se, assim, um diálogo entre intelectuais da filosofia uspiana que

só é compreendido pelos leitores que acompanham a discussão política. Em:

“A crítica é hipócrita porque não levanta a causa do problema, que também

atingiu, por exemplo, assessores de FHC, e levou um amigo a defender

publicamente a tese da imoralidade constitutiva da política”, o actante não

aparece explicitamente. A escolha lexical “um amigo”, dá um caráter

indeterminado a esse protagonista e exige do leitor esse conhecimento prévio

para compreender a quem o enunciador faz referência. Mais do que isso, a

escolha desqualifica a idéia de ”amigo”, na medida em que o coloca como um

actante responsável por um agir linguageiro que é, por si mesmo, contrário

aos valores sociais: a imoralidade constitutiva da política.

Em contrapartida, o texto 2 escrito por Ginnotti, explicita claramente

um diálogo com o texto 1, diz quem é o amigo e permite ao autor deixar claro

o objetivo de seu novo agir linguageiro: esclarecer seu próprio ponto de vista:

“Além disso, como muita gente sabe, o amigo referido sou eu, o que me leva

a procurar esclarecer o meu ponto de vista”.

Já no texto 6 observamos a presença do actante somente de forma

indireta e não explícita: “Alguns falam em caráter amoral da política”. A

utilização do pronome indefinido dá um caráter difuso ao responsável pela

“fala”, de forma que o texto não responsabiliza ninguém em especial por ela.

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138

Por outro lado, um leitor atento ao diálogo entre os textos reconstrói a rede

discursiva e identifica quem é o “amigo”.

A próxima análise destaca a “oposição” como actante/protagonista. 5.1. 9. Oposição/ações oposicionistas como actante Se confrontarmos as representações construídas pelo texto 1 e pelo

texto 4 a respeito das ações oposicionistas, verificamos que são

completamente diferentes, para não dizer opostas. Observe os dois

fragmentos de texto abaixo:

Texto 1 – “Se nós acompanharmos as ações oposicionistas, os noticiários, os

editoriais e as colunas políticas dos jornais, rádios e televisões notaremos

(ações oposicionistas,) que operam de modo a retirar do PT os dois lugares

simbólicos que ocupa.”

Texto 6 – “Quem está fazendo pó de seus símbolos, não somos nós, nem

mesmo a oposição.”

No texto 1, as ações oposicionistas assumem o papel semântico de

agentes e são responsáveis, junto com os meios de comunicação, com a

finalidade de retirar do PT os lugares simbólicos que ocupa.

Já no texto 2, embora a oposição também seja colocada no papel

semântico agentivo, a forma negativa “não somos nós, nem mesmo a

oposição” constrói um sentido negativo. A negativa pressupõe a existência de

uma fala anterior (a oposição quer retirar do PT os lugares simbólicos que

ocupa) com a qual o enunciador do texto 2 não concorda.

5.2. As avaliações que se faz do agir Como já explicitado na parte teórica, a análise do agir envolve o

estudo das avaliações que são construídas nos textos a respeito desse agir.

Os textos opinativos que analisamos são enunciados ideológicos que

permitem ao enunciador construir avaliações a respeito do objeto de seu

enunciado. Para uma análise global das avaliações construídas nos textos,

fizemos um levantamento com base na seleção dos actantes a fim de

verificar como o agir global de cada um deles é avaliado em cada um dos

textos por nós analisado.

Observemos o quadro a seguir. Ele nos dá uma visão global das

avaliações expressas nos textos:

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139

Quadro 21 – Visão global das avaliações expressas nos textos

De uma forma geral, podemos afirmar que o agir linguageiro de

Marilena Chauí é avaliado de forma negativa em todos os textos em que ela

é citada como actante, assim como as ações do PT/partido também são

avaliadas negativamente em todos os textos em que ele aparece como

actante, com exceção do texto da própria Chauí.

Trata-se de consenso entre os diferentes autores que citam o Caso

Waldomiro Diniz, a avaliação negativa das ações desse actante,

consideradas por todos eles como corruptas. Embora essa avaliação seja

negativa, verificamos que os textos 1 e 6 procuram afastar Waldomiro Diniz

do governo e do então Ministro José Dirceu, ao contrário dos textos 2, 3,e 5

que procuram aproximar esses actantes.

Podemos dividir os textos em dois grandes grupos. O primeiro grupo

reúne os textos 1 e 6 que, globalmente, avaliam de forma positiva o governo

e, para isso, avaliam positivamente os actantes ligados a ele (PT/partido,

Presidente Lula, Presidente da República, Ministro José Dirceu) e, em

ACTANTE TEXTO 1 Chauí

TEXTO 2 Giannotti

TEXTO 3 Rossi

TEXTO 4 Eliane

TEXTO 5 Marcus Augusto

TEXTO 6 Janine

Professora Marilena Chauí/Chauí/Professora/Filósofa

__

__

__

__

PT/partido

+

__

__

__

__

Governo Lula/Governo/Governo do PT

+

__

__

__

+

casal Garotinho

Ø

Ø

Ø

Caso WaldomiroDiniz/Waldomiro Diniz/assessor/ex-assessor

__

__

__

__

__

José Dirceu/Ministro José Dirceu

Ø

__

__

Lula/presidente Lula/presidente da república

+

__

__

José Arthur Gianotti

__

Ø

__

Oposição/ações oposicionistas

+

Ø

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140

contrapartida, avaliam negativamente um agir linguageiro anterior que

criticava o governo (Giannotti). O segundo grupo de textos, que reúne os

textos 2, 3, 4 e 5, por sua vez, avaliam de forma negativa o governo e, para

isso, avaliam negativamente os actantes ligados a ele.

5.3. Síntese da análise das figuras interpretativas do agir Em relação à análise do agir, pudemos observar que o actante se

constitui de diferentes formas e isso é o que constrói as figuras interpretativas

do agir. O conjunto de textos que analisados instituem uma polêmica pública.

Nele verificamos a existência de representações do agir que é o motivo da

polêmica, mas também representações de outros agires para justificar uma

determinada figura. Os enunciadores trazem à tona outros agires passados

ou futuros e que são interpretados e avaliados, como também recorrem à

abstração (no caso, a filosofia) para justificar e avaliar essas representações

e, sobretudo, na questão da polêmica, não se limitam a representar somente

o agir-motivo da ação linguageira, mas também interpretam e avaliam o agir

linguageiro do outro para validar ou não uma determinada representação.

6. Análise dos mecanismos enunciativos – a inserção de vozes

O artigo de opinião e o comentário jornalístico são, na sua essência,

expressões de um ponto de vista. Diferente da notícia, que busca a

objetividade e a informação, mascarando, de certa forma, o comentário, o

texto opinativo traz, inerente à sua constituição, o comentário. Seu produtor-

enunciador sofre as restrições de escrever para um jornal, isto é, deve

produzir um texto com as características do discurso jornalístico, porém está

autorizado a expor sua autoria e seu posicionamento. O jornal, portanto, por

meio dos textos de natureza opinativa procura garantir a diversidade de

posicionamentos. Essa orientação, exposta, inclusive no Manual de Redação

da Folha de S. Paulo, como já mencionamos, por si só, já revela um

posicionamento ideológico do jornal, o que invalida qualquer pretensão à

neutralidade.

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Como já vimos na parte teórica, o produtor de um determinado texto

assume diferentes posicionamentos enunciativos e além da sua própria voz,

outras vozes penetram no texto e são responsáveis pela constituição

dialógica dos textos.

O nosso corpus de texto permitiu observar diferentes procedimentos

de inserção de vozes. Em primeiro lugar, destacamos o predomínio da voz do

autor/enunciador que procura expor o seu ponto de vista, utilizando-se de

diferentes argumentos. Observamos essa voz explicitamente marcada do

autor/enunciador nos textos 2 e 6, como demonstram os exemplos a seguir:

EX.1: A respeito do caso de corrupção envolvendo assessor do Planalto,

nunca (eu) poderia imaginar que minha amiga e ex-aluna Marilena Chaui

pudesse escrever o seguinte, na Folha de ontem...” (texto de Giannotti)

Ex.2: O caso Waldomiro Diniz é, ao que consta, um ato de corrupção que

requer julgamento. Se for provada sua culpa, ele deve ser punido pela lei.

Mas, estando eu fora do Brasil e não acompanhando os detalhes, e sim o

quadro mais amplo, o que mais me inquieta não é isso, mas o esvaziamento

da dimensão política que se produziu.

Nesse processo de construção argumentativa, vozes terceiras

penetram no texto por meio de diferentes procedimentos. Observamos, por

exemplo, a voz do autor/enunciador inserida num coletivo indeterminado que

relacionamos com “sociedade brasileira”. São exemplos desse procedimento:

Ex.1: Se, de janeiro de 2003 a fevereiro de 2004, (nós) acompanharmos as

ações oposicionistas, os noticiários, os editoriais e as colunas políticas dos

jornais, rádios e televisões, (nós) notaremos que operam de modo a retirar

do PT os dois lugares simbólicos que ocupa. (Texto de Chauí)

Ex.2: (nós) Convenhamos, a corrupção existe no PT como em outros

partidos, em maior ou menor grau. (Texto de Giannotti)

Ex.3: “Hoje (nós) corremos de novo o risco de enfraquecer um projeto de

governo, não porque nos descontente em suas grandes opções, mas por

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questões laterais. E nisso a ética acaba sendo instrumentalizada. Ora,

respeitar a ética exige também respeitar a política. Isso está faltando.”

Também observamos a voz do autor/enunciador inserida num coletivo:

“A professora Marilena Chaui identifica um complô nacional, talvez mundial,

quiçá planetário, para desfazer os símbolos mais caros ao PT. Errado,

professora. Se há complô, é do próprio PT. Quem está fazendo pó de seus

símbolos não somos nós nem mesmo a oposição.” (texto de Catânhede)

Reconhecemos neste “nós” a voz dos “os meios de comunicação”. A

autora/enunciadora se reconhece como parte deles. Embora não haja

nenhuma referência explícita aos meios de comunicação no texto, é a relação

específica entre os textos que compõem nosso corpus que nos permite fazer

essa relação. Trata-se de uma resposta ao texto de Marilena Chauí, no qual

a filósofa critica os meios de comunicação por agirem de forma a retirar o

lugar simbólico de ético do PT.

Esse recurso, que recorre ao uso do “nós” tem função fortemente

argumentativa, pois o enunciador partilha a responsabilidade do dizer com o

coletivo ao qual ela se insere.

Embora não tenhamos pretensão de esgotar todos os procedimentos

de inserção de vozes, fizemos um primeiro levantamento para detectar outras

vozes sociais que foram mobilizadas nos textos.

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TEXTO 1

Voz social de partidos

políticos – considerados

como instituições

PT

PSDB

Vozes sociais explícitas – de

grupos sociais

Dos trabalhadores

Dos economicamente explorados

Socialmente excluídos

Politicamente subalternos

Voz social - Oposição ao governo Collor

Voz social Outros partidos

Voz dos meios de

comunicação

Noticiários, editoriais, colunas políticas dos

jonais, rádios e televisões.

Voz personificada explícita Um amigo

Voz social da crítica

Voz da social da instituição Instituto de Cidadania

Voz da instituição Comissão especial

Quadro 22 - outras vozes – texto 1

TEXTO 2

Voz personificada e explicitada Minha amiga e ex-aluna Marilena

Chauí

Voz social Muita gente

Voz social implícita Vigiar e punir – referência ao livro de

mesmo nome de Michel Foucault

Voz social implícita

Os fins justificariam os meios

referência à frase célebre de

Maquiavel

Quadro 23 – Outras Vozes – texto 2

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TEXTO 3

Voz social indeterminada X

Voz personificada explícita Marilena Chauí

Voz da instituição Folha

Voz da oposição Que quer destituir o PT

Quadro 24 – Outras Vozes – texto 3

TEXTO 4

Voz do partido político PT

Voz personificada explicita Ministros Eunicio Oliveira e Eduardo

Campos

Vozes sociais indeterminadas Dizia-se

Imagine-se

Não se sabe

Ninguém lembra mesmo

Voz do governo Governo Lula

Voz da oposição

Voz personificada e explicitada Professora Marilena Chauí

Quadro 25 – Outras Vozes – texto 4

TEXTO 5

Presença de vozes

personificadas explicitadas

pelo autor

Professora Marilena Chauí

Quadro 26 – Outras Vozes – texto 5

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TEXTO 6

Voz social Arco democrático brasileiro

Voz da instituição Este jornal – FSP

Voz social coletiva Sociedade brasileira

(cada vez menos) gente

Voz social implícita Alguns falam...

Voz social Debate

Voz personificada e

explicitada

Marco Aurélio Nogueira

Voz social Ágora

Quadro 27 – Outras Vozes – texto 6

Se é da tensão entre informar e opinar que se constitui a notícia (cf.

Sant’Anna, 2004:174), o artigo de opinião e o comentário jornalístico se

constituem a partir de uma dupla tensão: a tensão entre informar e opinar,

pois ao opinar se interpreta a informação; e a tensão entre diferentes

opiniões que se confrontam. Essa dupla tensão marca a presença do

discurso relatado como uma das principais formas de inserção da voz do

outro no discurso do eu-enunciador, seja pelo discurso direto (DD), seja pelo

discurso indireto (DI) e suas formas híbridas. Embora as formas de discurso relatado não sejam as únicas formas de

inserção do discurso do outro, elas têm papel preponderante em nossos

dados. A seguir apresentamos exemplos de discurso relatado presentes em

nosso corpus, sem ter a intenção de elencar todas as ocorrências porque

observamos uma certa repetição nessas ocorrências e, portanto, nas

reflexões derivadas.

O discurso direto caracteriza-se pela reprodução das próprias palavras

pelo enunciador citado e geralmente vem acompanhado de verbos dicendi,

como podemos observar nos seguintes exemplos de nosso corpus:

Ex.1: . Na entrevista à revista francesa "Esprit", de janeiro de 2004, intitulada

"La méthode Lula", a respeito dos assessores do presidente, ela afirma: "A

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equipe econômica é composta de três tipos de conselheiros. De início, há os economistas, professores, consultores etc. Mas esses "experts", diferentemente daqueles do governo Cardoso, não estão ligados aos bancos, às grandes instituições financeiras nem, de maneira geral, às grandes instituições econômicas instaladas. Seria fácil escolher outros

exemplos, mas não é o que interessa aqui.”

Ex.2: Diz a filósofa que "a questão não é a ética na política nem a reforma

política, e sim a disputa simbólica para destituir o PT do lugar que ocupa".

Este exemplo coloca-nos diante de uma forma híbrida15 caracterizada

pelo discurso direto introduzido pelo uso do verbo dicendi (dizer), pelo uso

dos dois pontos e pelo sinal tipográfico das aspas, mas também pelo uso do

que, marca clássica da inserção do discurso indireto.

O discurso indireto, por sua vez, é forma recorrente de inserção de

vozes. Geralmente ele vem acompanhado de verbo dicendi + que, o que

caracteriza sua forma clássica, como podemos observar no seguinte

exemplo:

EX.1: “Depois, a filósofa petista reclama que os defensores da ética na

política, em vez de denunciarem o caso, se dediquem a discutir o

financiamento de campanha.”

Porém citamos abaixo um fragmento de texto que se constitue, ao

nosso ver, discurso indireto, mas sem seguir o modelo canônico, como

podemos observar no exemplo abaixo:

Ex.1: Em artigo publicado anteontem na seção "Tendências/Debates", a

professora Marilena Chaui procura depositar na conta da imperfeição

institucional as negociatas que se sucedem nos nebulosos territórios da

captação de recursos para campanhas e das negociações entre Executivo e

Legislativo.

Trata-se de um fragmento em que a fronteira do discurso citante e o

discurso citado fica claro, pois o enunciador citante traduz a fala citada, sem

se preocupar com a reprodução exata delas, ao contrário, expressa o

conteúdo do pensamento (uma espécie de síntese do artigo da enuncidora

citada) de acordo com o seu entendimento. Não há a utilição de verbo

15 Ver Maingueneau, 2001, p.151-152)

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dicendi+que, porém, a escolha da locução verbal “procura depositar”

condiciona a interpretação do leitor, dando um certo direcionamento ao

discurso citado.

Outras formas de inserção da voz do outro são recorrentes em nosso

corpus e podem ser vistas como estratégias de interpretação do discurso

alheio.

Em “Do ponto de vista simbólico, o PT, ao definir-se não como um

partido para os trabalhadores, e sim dos trabalhadores, ocupou o lugar

definido pela criação e conservação de direitos civis e sociais dos

economicamente explorados, socialmente excluídos e politicamente

subalternos”(Chauí), não é só da voz do PT que ouvimos ecos. Os

trabalhadores, economicamente explorados, socialmente excluídos e

politicamente subalternos falam por meio do PT e, portanto, constituem

coletivamente a voz do partido.

A voz da “oposição” está presente em diferentes textos, como por

exemplo, no texto 1: “Por um lado, a crítica é válida e consistente, pois tudo

indica que houve corrupção”. É a voz geral da oposição que critica.

Por outro lado, observamos que em um mesmo texto essa voz pode

representar enunciadores diferentes. No texto de Marilena Chauí, verificamos

que:

Fragmento 1: “Historicamente, porém, a disputa simbólica sofreu um

deslocamento. De fato, a oposição ao governo Collor introduziu o tema da

ética na política, e as circunstâncias fizeram com que esse lugar simbólico

também fosse ocupado pelo PT.” É a voz da oposição que traz a discussão

da ética na política. Na época do governo Collor o PT era uma voz que

constituía a oposição, discutia a ética na política e assumiu esse lugar

simbólico.

Fragmento 2: “Se, de janeiro de 2003 a fevereiro de 2004, acompanharmos

as ações oposicionistas, os noticiários, os editoriais e as colunas políticas

dos jornais, rádios e televisões, notaremos que operam de modo a retirar do

PT os dois lugares simbólicos que ocupa.” É a voz da oposição que

desqualifica o PT e tenta tirá-lo de seu lugar simbólico. Aqui, a voz do PT não

constitui mais a voz da oposição.

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A inserção implícita de vozes também pode derivar da utilização do

“não polêmico”, como podemos observar no exemplo retirado do texto de

Marcus Augusto: “A tese é que os seres humanos não agem apenas

racionalmente, mas são movidos por paixões, o que nos conduziria à

necessidade de organizar as instituições de modo a induzi-los a ‘bem

administrar’.” Este enunciado nos permite identificar uma outra voz implícita

que afirma que os seres humanos agem somente de forma racional.

Levando-se em consideração o conjunto do texto, o leitor identifica essa voz

como a voz de Marilena Chauí.

Em determinadas situações, o jornalista-enunciador recorre a uma voz

genérica e não especificada para construir sua argumentação, como faz

Rossi em: “Dizem (quem diz) que a visão da forca concentra a mente. Se é

verdade, não está funcionando no caso do PT.”

Em outras situações, o enunciador traz a voz do outro por meio de

recursos que dão pistas para o leitor identificar de quem é a voz, porém para

isso, o leitor precisa recorrer ao seu conhecimento de mundo. Como

exemplo, citamos:

“...não levanta a causa do problema (que também atingiu, por exemplo,

assessores de FHC, e levou um amigo a defender publicamente a tese da

imoralidade constitutiva da política)...”(Chauí)

“Pelo que me consta, Benedita da Silva não faz parte do casal Garotinho,

mas do PT. Além disso, como muita gente sabe, o amigo referido sou eu, o

que me leva a procurar esclarecer meu ponto de vista.” (Giannotti)

“Alguns falam em caráter amoral da política. Prefiro distinguir moral e política

de outro modo. “(Janine Ribeiro)

Observamos que no exemplo acima não é só o conhecimento de

mundo que permite compreender o diálogo entre as vozes, mas sim a

intertextualidade que marca os discursos.

7. O diálogo entre os textos

O diálogo entre os textos constrói uma rede discursiva entre eles, de

forma que é possível “recortar” cada um deles e “remontá-los” explicitando

esse diálogo. É como se os autores fizessem parte de um debate. Esses

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segmentos de diferentes textos se entrelaçam, numa espécie de teia ou rede

e acabam dando origem a um “novo texto”, o que demonstra o caráter

interativo dos artigos de opinião.

Para ilustrarmos justamente essa construção de um “novo texto” a

partir dos segmentos dos diferentes textos, optamos em utilizar as seguintes

cores:

“ Se, de janeiro de 2003 a fevereiro de 2004, acompanharmos as ações oposicionistas, os noticiários, os editoriais e as colunas políticas dos jornais, rádios e televisões, notaremos que operam de moto a retirar do PT os dois lugares simbólicos que ocupa. “ “A professora Marilena Chauí identifica um complô nacional, talvez mundial, quiçá planetário, pra desfazer os símbolos mais caros ao PT. Errado, professora. Se há complô, é do próprio PT. Quem está fazendo pó de seus símbolos não somos nós, nem mesmo a oposição. É ele: o PT no poder. “ “Por um lado a crítica é válida e consistente, pois tudo indica que houve corrupção.“ “A respeito do caso de corrupção envolvendo assessor do Planalto, nunca poderia imaginar que minha amiga e ex-aluna Marilena Chauí pudesse escrever o seguinte na Folha de ontem:” “Por outro lado a crítica é hipócrita porque:

a) pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002, no Rio de Janeiro.”

“Pelo que me consta , Benedita da Silva não faz parte do casal Garotinho, mas do PT.”

Azul – segmento de texto de Marilena Chauí

Verde – segmento de texto de Eliane Catanhêde

Turquesa – segmento de texto de Giannotti

Vermelho – segmento de texto de Clóvis Rossi Amarelo – segmento de texto de Renato Janine Ribeiro

Lilás – segmento de texto de Marcus Augusto

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“No artigo ontem publicado pela Folha, Chauí começa capotando no relato dos fatos: diz que o PT está sendo acusado por um episódio envolvendo o Casal Garotinho, em 2002” Só a data é verdadeira...”

b) “não levanta a causa do problema (que também atingiu, por exemplo, assessores de FHC, e levou um amigo a defender publicamente a tese da imoralidade constitutiva da política), qual seja o inadequado sistema eleitoral, que induz a procedimentos inaceitáveis, afinal é um segredo de polichinelo como são financiadas as campanhas eleitorais no Brasil;”

“Alguns falam em caráter amoral da política.” “Depois a filósofa petista reclama que os defensores da ética na política, em vez de denunciarem o caso, se dediquem a discutir o financiamento de campanha. “ “È um segredo de polichinelo como são financiadas as campanhas eleitorais no Brasil”, diz. “Além disso, como muita gente sabe, o amigo referido sou eu, o que me leva a procurar esclarecer o meu ponto de vista. No final das contas, se até mesmo Marilena não me entendeu, não poderia proceder de outra maneira. Que isso tenha ocorrido, porém, não é de estranhar, pois Marilena tem mantido, nos últimos tempos, uma relação esdrúxula com os fatos. Cabe outro exemplo. Na entrevista à revista “Esprit”,, de janeiro de 2004, intitulada “la méthode Lula” a respeito dos assessores do presidente, ela afima:” “A equipe econômica é composta de três tipos de conselheiros. De início, há os economistas, professores, consultores etc. Mas esses “experts”, diferentemente daqueles do governo Cardoso, não estão ligados aos bancos, às grandes instituições financeiras, nem, de maneira geral, às grandes instituições econômicas instaladas.” “Seria fácil escolher outros exemplos, mas não é o que interessa aqui.” c) “não menciona a proposta de reforma política, publicada em livro pelo

Instituto da Cidadania, que no dia 1º de julho de 2003, a entregou ao Executivo e ao Legislativo, tendo sido discutida e aprovada por uma comissão especial (pluripartidária, com 45 membros) criada pelo presidente da Câmara, João Paulo; a reforma (que prevê o financiamento público das campanhas) não será um decreto presidencial, e sim uma ação do Congresso Nacional. “

“Pena também, que, apesar de o Instituto da Cidadania, outrora presidido por Lula, ter apresentado proposta de reforma política, como menciona a filósofa, ela omite que o governo do PT não fez o menor esforço para levá-la adiante.

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Diz a filósofa que:” “A questão não é a ética na política nem a reforma política, e sim a disputa simbólica para destituir o PT do lugar que ocupa.” “É claro que sempre haverá quem queira destronar o PT dos lugares reais e simbólicos que ocupa, mas a argumentação fica capenga quando deixa de mencionar que as denúncias não são vazias, mas decorrentes do “lugar” em que o PT está se colocando, em todos os campos, político, econômico, social e, agora, ético. “ “Em artigo publicado anteontem na seção “Tendências;Debates”, a professora Marilena Chauí procura depositar na conta da imperfeição institucional as negociatas que se sucedem nos nebulosos territórios da captação de recursos para a campanha e das negociações entre Executivo e Legislativo.” Se cada texto tem forte caráter argumentativo, o que verificamos, com

essa análise é que a argumentação e contra-argumentação se constroem

nesse diálogo. Observemos que esse diálogo entre os textos se dá por meio

de diferentes procedimentos:

1. com referência explícita ao texto que está sendo comentado e com

citações literais dele em discurso direto: “Nunca poderia imaginar que minha

amiga e ex-aluna Marilena pudesse escrever o seguinte...”.

2. sem referência direta ao texto, mas com citação direta ao autor: A

professora Marilena Chauí identifica um complô nacional...” – nesse caso, o

enunciador apresenta uma interpretação global do texto.

3. de forma vaga e indeterminada, com verbos “dicendi”, mas sem nomear o

responsável pelo dizer: “e levou um amigo a defender”, “alguns falam em

caráter amoral da política”. Nesse caso, verificamos que tanto Chauí, quanto

Janine Ribeiro, ao fazerem essas referências nebulosas dialogam com textos

produzidos por Gianotti, inclusive no período anterior ao debate travado, com

o uso de aspas em palavras ou expressões.

Observamos que os textos 2,3, 4 e 5 dialogam de forma direta com o

texto 1- “Disputa Simbólica” escrito por Marilena Chauí e buscam fixar na

oposição pública diferentes representações para os fatos e para os actantes

nele envolvidos.

O texto 6, por sua vez, não estabelece um diálogo direto com o texto

de Chauí, porém, mesmo assim, ele compõe a rede discursiva que

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construímos com os textos selecionados, uma vez que recorre ao tema “ética

na política’ e se utiliza do caso de Waldomiro Diniz para discuti-la.

Por outro lado, também observamos um diálogo indireto entre o texto

de Janine e o texto de José Arthur Giannotti, também parte de nosso corpus.

O enunciado “Alguns falam em caráter amoral da política” nos parece uma

referência implícita a Giannoti (alguns) e a seu texto “Fatos e disputa

política”, quando o autor afirma que nunca endossou a tese da imoralidade

constitutiva da política, mas também a um cojunto de artigos de opinião que

polemizaram entre si e que foram escritos no mês de maio de 2001, ora por

Gianotti, ora por Marilena Chauí. Em 17 de maio de 2001, Gianotti publicou

“O dedo em riste do jornalismo moral”, em que discutia a existência de uma

“zona cinzenta de amoralidade na democracia”. Esse texto motivou uma

resposta em forma de artigo de opinião por parte da filósofa Marilena Chauí –

Acerca da moralidade pública (Folha de S. Paulo, 24/05/2001) e depois um

novo artigo de opinião de Giannotti – “Para a virtuosa Marilena”.

Ainda que esses últimos textos citados não façam parte de nosso

corpus por estar temporalmente fora do período que recortamos para a

análise, parece-nos interessante demonstrar a relação existente entre esses

textos de 2001 e os textos por nós selecionados, de 2004, pois explicitam

claramente o conceito de dialogismo de Bakhtin – um enunciado é sempre

uma resposta a outros enunciados. Além disso, reconstruir todo esse

contexto de produção nos permite entender melhor o debate travado entre

esses textos de 2004. Do ponto de vista da aprendizagem da leitura,

permite-nos uma leitura mais crítica.

Portanto, a compreensão e interpretação de cada um dos textos e,

mais especificamente, dos agires linguageiros interpretados e avaliados

neles, depende da leitura cruzada desses textos e não de leituras isoladas,

uma vez que a polêmica, marca dos artigos de opinião e desses comentários

jornalísticos, se constitui justamente por meio das diferentes vozes que

polemizam entre si.

Uma vez apresentado o resultado das análises e sua problematização,

passemos, a seguir, às conclusões deste trabalho.

Formatado: Português (Brasil)

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153

CONCLUSÕES

“Aos poucos, formam-se redes e teias, tecidos e tecituras, envolvendo escritos e leituras, com os quais se criam e difundem imagens e noções,

fantasias e interpretações. Tudo migra por meio da escritura e da leitura, impregnando modos de ser, sentir, pensar, agir e fabular de uns e outros,

em todo o mundo.” Octávio Ianni

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154

Este capítulo tem como objetivo retomar as questões de pesquisa que

direcionaram esta tese, procurando fazer uma reflexão mais global a respeito

das análises que desenvolvemos, bem como avaliar a produtividade dos

procedimentos teórico-metodológicos utilizados na análise dos textos,

sobretudo no que diz respeito a desenvolver as capacidades de linguagem

envolvidas no processo de leitura. Ao final, apontaremos outras perspectivas

de pesquisa que podem advir deste trabalho.

Em primeiro lugar, relembramos a macro pergunta de pesquisa, que

norteou todo o trabalho: Quais são as diferenças e semelhanças que existem

entre os diferentes textos que tematizam uma questão polêmica pública, no

que diz respeito às suas características lingüístico-discursivas e às

representações do agir e dos actantes neles construídas, tendo em vista o

ensino da leitura na escola?

Cabe uma reflexão a respeito da própria questão de pesquisa maior.

Destaca-se, nela, o papel central que procuramos dar ao agir humano e as

possibilidades de interpretação desse agir por meio dos textos. Daí decorre o

segundo aspecto central e não menos importante de nosso trabalho. O valor

conferido à linguagem como constituinte e constituída pelo humano. Os

nossos pressupostos teóricos-metodológicos, então, vieram ao encontro da

necessidade de se analisar os textos como construtores de representações

do agir e, em especial, do agir linguageiro representado nos textos de

opinião. Partindo desses princípios básicos, partimos da idéia de que a leitura

e compreensão dos textos de opinião passam, também, pela compreensão

das diferentes representações do agir que estes textos constroem e que, de

forma implícita ou explícita, ficam marcadas no texto. Por isso, a análise

lingüístico-discursiva desses textos se coloca como produtiva e necessária.

1. A escolha de uma abordagem teórico-metodológica entre tantas abordagens teórico-metodológicas... A princípio, parecia simples e fácil. Dar continuidade aos estudos da

proposta teórico-metodológica já assumida na dissertação de mestrado e,

tendo em vista um corpus diferente, produzir a tese de doutorado.

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155

Porém, o processo tumultuado da construção desta tese demonstrou,

na prática, aquilo que defendemos na teoria: que nem a vida nem o processo

de pesquisa são lineares. Chegamos à conclusão do trabalho, ainda que o

consideremos inconcluso, seja por uma crença teórica, seja porque o prazo

de entrega determina, de certa forma, a conclusão do trabalho. Lendo-o pela

última vez antes da entrega, relembro como a constituição de meu objeto de

estudo só se configurou, de fato, há cerca de um ano e meio atrás. Lembro

ainda, que o desenvolvimento do grupo ALTER-LAEL andou, par e passo, ao

desenvolvimento desta pesquisa, que viveu todas as interpéries da

construção de procedimentos teórico-metodológicos compatíveis para a

análise de dados.

O Interacionismo sociodiscursivo foi o grande viés teórico delineador

desta tese, ainda que tenhamos recorrido a outros autores que consideramos

compatíveis com essa teoria. A escolha das categorias de análise, sobretudo

aquelas referentes às representações do agir, foram se constituindo, aos

poucos tomando por base pesquisas recentes, especialmente a análise de

textos da fonte do agir (Bronckart & Machado, 2004). A análise dos registros

do agir, iniciada por Bulea & Fristalon (2004), além das outras análises

efetuadas no próprio grupo ALTER, como a de Abreu-Tardelli (2006), Mazillo

(2006) e Lousada (2006) também se constituíram em referências para a

análise de dados, porém, nem sempre se mostraram produtivas para o

corpus em questão.

2. Um jornal e uma polêmica pública... Ingredientes especiais para a produção de artigos de opinião. Artigos de opinião são textos que mobilizam leitores. A polêmica

fascina o ser humano e exercita sua capacidade de olhar o mundo sob

diferentes aspectos. Por isso, a leitura de textos argumentativossão bastante

propícios para um maior engajamento do indivíduo no mundo. E não é um

engajamento ingênuo e acrítico, mas um estar no mundo crítico, reflexivo,

que reconhece e identifica diferentes pontos de vista, diferentes formas de

pensar e ver o mundo.

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No caso da leitura de textos argumentativos é de salutar importância

buscar associar o contexto de produção dos textos aos aspectos ligados à

sua estruturação e à sua textualização.

Em uma perspectiva mais geral, pudemos observar que o conjunto de

textos que analisamos estava inserido em uma situação de argumentação

explícita (cf.: Dolz & Pasquier, 1993) na medida em que abordavam um tema

atual, de natureza política e que construía, por parte dos produtores,

diferentes representações desse contexto público e polêmico. Todos os

artigos escolhidos foram assinados pelos seus produtores que, inseridos em

um realidade sócio-histórica e influenciados por diferentes princípios

ideológicos da sociedade ocidental, bem como do jornal, se

responsabilizaram explicitamente pelos textos produzidos.

Em relação às representações da instituição social, observamos que

se trata de jornal de grande circulação e que, segundo Machado (2000)

impõe restrições ao produtor, que vai desde restrições dos próprios

proprietários dos jornal até os das empresas que aí anunciam. Mesmo que o

jornal se diga “democrático” e, portanto, aberto a diferentes posições, que

podem não coincidir com as do próprio jornal, ele é um espaço também de

coerção para o produtor do texto, visto que, ao se expor, sua imagem será

avaliada por amplos setores da sociedade. Ao expor-se, o produtor procura

influenciar o pensamento de seus destinatários, isto é, procura transformar ou

sedimentar a posição ou o comportamento dos destinatários em relação à

questão controversa por meio de diferentes argumentos.

Quanto aos destinatários, retomamos discussão já apresentada na

análise do contexto de produção e destacamos como, embora todos os

textos por nós analisados componham um mesmo jornal, que através do seu

Manual de Redação traça um perfil geral de leitor, qual seja, jovem, de classe

média, com Ensino Médio ou universitário, as representações que cada

produtor constrói pode ser diferente. Parece-nos que os autores trabalham

com a idéia de um leitor presumido privilegiado e, especialmente em relação

aos artigos de opinião escritos pelos filósofos, verificamos que este leitor

privilegiado é representado como um leitor mais intelectualizado e que

circula, pelo menos parcialmente, pelo conhecimento filosófico.

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157

Por outro lado, também observamos que os textos opinativos que

analisamos nos levam a pensar em um leitor assíduo do jornal, conectado

aos fatos e que os têm na memória. Esse conhecimento dos fatos, isto é,

esse maior conhecimento de mundo contribui para um diálogo mais eficiente

entre texto e leitor. Ex: O caso Waldomiro Diniz é, ao que consta, um ato de

corrupção que requer julgamento.” (Ribeiro, Renato Janine. Para defender a

política). O autor considera o seu leitor como alguém que acompanha o

“Caso Waldomiro Diniz’ e, então, tem um conhecimento prévio que, ao

interagir com o texto, constrói um entendimento e uma interpretação dos

fatos.

3. Diferentes mundos discursivos, diferentes formas de engajamento do produtor e do destinatário dos textos

Em relação à infraestrutura textual, isto é, em relação aos tipos de

discurso e as seqüências observamos que os textos são, na sua maioria,

heterogêneos, isto é, constituídos por diferentes tipos de discurso, com o

predomínio de segmentos de discurso teórico e de segmentos de discurso

interativo, mobilizando diferentes mundos discursivos: da ordem do narrar e

da ordem do expor. Acreditamos que isto esteja relacionado ao contexto de

produção dos textos, uma vez que o produtor, ao recorrer ao discurso

interativo, implicando a si mesmo e, em algumas situações, o leitor, procura

aproximar-se de seu interlocutor, com ele estabelecendo uma relação de

maior confiança e credibilidade, partilhando com ele a responsabilidade sobre

o dizer, ao mesmo tempo em que a conjunção com o mundo ordinário marca

a atualidade dos fatos. Por outro lado, a representação do tema como

polêmico estabelece, ao locutor, a necessidade de convencer o interlocutor a

respeito de sua posição e um dos recursos muito utilizados é justamente a

autonomia do discurso (ausência de dêiticos de pessoa, tempo e lugar) e a

utilização do presente genérico que dá caráter de verdade ao texto.

Observamos a presença do discurso teórico em segmentos de textos que

trazem informações independentes da situação material de produção para

construção dos argumentos, muitas vezes sendo uma abordagem de

natureza mais filosófica.

Também nos chamou atenção os segmentos de texto onde aparece a

Formatado: Português (Brasil)

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primeira pessoa do plural (nós), unidade lingüística que envolve o

enunciador, mas que pode assumir outros valores:

a) pode envolver os destinatários em relação ao que afirma o produtor. Nos

textos 1 e 6 escritos respectivamente, por Marilena Chauí e Renato Janine

Ribeiro o “nós” (eu +vocês) aparece, como um agente genérico e difuso que

nos remete à “nós”, sociedade brasileira. Este “nós”, que implica locutor e

destinatários, não só gera um efeito de aproximação entre os participantes da

interação, como também, transfere parcela da responsabilidade enunciativa

para os destinatários que são representados assumindo a mesma posição

dos enunciadores isto é, como atores no texto. Porém, como observa

Brandão (1998:159) a respeito do “você” na propaganda institucional da

Petrobrás, o “nós” genérico, ao mesmo tempo em que responsabiliza a todos,

não responsabiliza, de fato, ninguém, uma vez que este “nós” é anônimo.

Paradoxalmente, ao engajar o leitor presumido, os enunciadores tomam para

si o direito de externar o que acreditam ser a opinião pública e, então, retiram

do interlocutor a vontade própria, restringindo as suas possibilidades

interpretativas e impondo o seu ponto de vista.

b) Pode envolver o “eu” mais um grupo específico, como no caso do texto 4,

de Eliane Catânhede. Sentido este só possível de ser construído na relação

do texto de Catânhede com o texto de Chauí.

Em relação às seqüências, predomina a seqüência argumentativa em

todos os textos. Várias seqüências argumentativas vão se justapondo de

forma a apresentar uma série de argumentos que encaminham o texto para a

conclusão global, caracterizando o que se pode chamar de uma

recursividade argumentativa, (Machado,2000) indicando que o produtor toma

o objeto em discussão como sendo controverso e considera que há

destinatários que não compartilham de suas opiniões. No final dos textos os

autores apresentam uma conclusão final, que sintetiza a sua posição diante

da polêmica.

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4. A importância do estudo dos tipos de discurso e sua relação com o contexto de produção A análise dos tipos de discurso nos permitiu concluir que a

predominância do discurso teórico e do discurso interativo é produto de uma

situação de produção dos textos que consideramos ambígua, isto é,

constitutivamente contraditória. Por um lado, é um sujeito individual, o

autor/enunciador do texto, que fala de um ponto de vista geral e coletivo, isto

é, tem como objetivo, convencer a coletividade de leitores de um certo ponto

de vista que é individual, mas que se quer coletivo. Nesta perspectiva,

podemos compreender melhor o movimento geral de todos os textos. Ao

estarem inseridos no contexto de produção jornalístico, os textos têm uma

forte relação com o presente, como o momento da produção e com o exame

dos fatos que estão acontecendo no momento, o que nos permite

compreender a presença marcante do eixo do expor e, especialmente, as

marcas do discurso interativo, com uma ancoragem do texto essencialmente

temporal em relação à situação de produção, que se manifesta

especialmente pelos dêiticos temporais. Por outro lado, para convencer o

leitor de sua posição, os autores buscam fundamentação em argumentos de

ordem universal e premissas generalizantes, ancoradas em valores

cristalizados no mundo social e subjetivo. Para isso, recorrem ao discurso

teórico.

5. Ler é, também, compreender as diferentes representações do agir Comprovamos nossa hipótese inicial de que os artigos de opinião têm

seu forte caráter argumentativo sedimentado, também, nas construções de

diferentes representações do agir dos actantes envolvidos. Portanto,

convencer o leitor de seus argumentos é fazer com ele construa

determinadas representações sobre o agir dos protagonistas nele envolvidos.

A estratégia de análise dessas representações não foi simplesmente

verificar que o actante/protagonista é ator ou agente. Foi observar como, nos

diferentes textos, um mesmo actante vai se constituindo de forma diferente

nos diferentes textos. Mais que isso, observamos que, ao longo de um

mesmo texto, pode haver um deslocamento dos papel atribuído a um actante,

o que leva o leitor a ir transformando as representações que tem dele.

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A análise sintático-semântica que procedemos nos permitiu concluir

que não é o papel que se atribui a um determinado actante que determina a

função sintático-semântica que ele assume. Ao contrário, é a função

sintático-semântica que provoca um determinado efeito de sentido, ou seja, é

a função sintático-semântica que coloca um actante num determinado papel

e a alteração dessa função, ao longo do texto, também altera o papel a ele

atribuído. Tal conclusão fortalece a idéia de que os diferentes discursos

produzem diferentes realidades.

É o que podemos observar, por exemplo, com o actante PT, no texto

de Chauí. De ator responsável pela ocupação do lugar simbólico de ético na

política, ao papel sintático-semântico objetivo, o PT se torna paciente e sofre

a ação da oposição que quer lhe retirar do lugar simbólico da ética. Vitimiza-

se o partido e cria-se a dicotomia “bem e mal”, aqueles que querem preservar

o lugar de ético do PT e aqueles que querem destituir o PT deste lugar, o que

vai demarcando claramente o caráter ideológico do embate.

Se em um mesmo texto pode haver um deslocamento do papel

assumido pelo actante, o que pudemos observar por meio das análises é que

entre os textos é a representação do lugar simbólico que o PT ocupa que se

constitui de maneiras diferentes. Em nosso corpus pudemos observar,

novamente, a dicotomia “bem e mal” “, caracterizados respectivamente pelo

lugar da ética na política e pelo lugar da corrupção. Em Chauí, o PT ocupa o

lugar da ética. Em Giannotti o lugar simbólico do PT é representado como o

lugar da corrupção. É o mesmo lugar atribuído ao PT no texto de Rossi. Em

Catânhede, o PT ocupa o lugar da falta de ética, justamente de onde ele

destrói os próprios símbolos. O texto de Marcus Vinícius, por sua vez,

também atribui ao PT o lugar dos “vícios públicos”, ou seja, da corrupção. O

que verificamos, então, é a polarização do debate, demarcando duas

formações discursivas que constroem diferentes interpretações do agir do

actante PT, dentro de um mesmo campo discursivo. A análise nos permitiu

apreender a interação entre essas diferentes formações discursivas,

marcadas ideologicamente por diferentes posicionamentos políticos, de modo

a observar que a identidade discursiva se constrói nesse interação, portanto,

nesse diálogo.

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Vale, então, retomar o que Séve (2001) chama de “batalha das

representações”, o confronto entre as representações do sujeito e outras

representações veiculadas seria uma condição necessária para transformar o

mundo. Segundo o autor, “para transformar o mundo, urge transformar a

representação do mundo”. Cabe ao leitor, interlocutor ativo, se posicionar

nessa batalha de representações, fazendo interagir sua experiência e

conhecimento de mundo, suas próprias representações com aquelas

construídas nos diferentes textos e então, assumir sua própria posição frente

à polêmica .

6. Entre destaques e omissões – o discurso como produtor de diferentes realidades A análise de nosso corpus permitiu observar que a força

argumentativa dos artigos de opinião está relacionada, também, à forma

como os actantes são colocados em cena nos textos. Ao se omitir um

determinado actante da cena, discursivamente ele deixa de existir,

construindo-se um sentido. Podemos citar como exemplo retirado de nosso

corpus de pesquisa, a actante “Benedita da Silva” . No texto de Chauí, que

inaugura a polêmica pública, não há referência a essa actante. Nos textos de

Rossi e Giannotti, por sua vez, Benedita da Silva é colocada como actante

responsável ( que nos leva ao conceito de ator), pertencente ao PT e

envolvida em ato de corrupção.

7. Ler é compreender os textos em rede. Ainda que o princípio dialógico da linguagem e a intertextualidade

sejam aspectos já consagrados nos estudos contemporâneos do discurso,

este trabalho ganha relevância à medida em que propõe que o ensino de

leitura na escola deva levar em conta uma compreensão mais refinada dos

textos que está relacionada a uma leitura que faça emergir deles, o

dialogismo e a intertextualidade. Observamos que a compreensão mais

crítica dos textos que compuseram nosso corpus não se dá texto a texto, mas

sim no entrecruzamento, no diálogo, nem sempre tão cordial, entre esses

textos.

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Acreditamos que esse trabalho possa ter destacado as vantagens que

existem de se proceder uma análise de textos em que o diálogo entre eles

seja explicitado à medida em que a compreensão de cada texto se dá na

relação, no diálogo, com os outros textos.

8. A verdade de quem? Em contato com diferentes posicionamentos que interpretam os fatos

do cotidiano como, por exemplo, o conjunto de textos que analisamos, o leitor

pode se perguntar: afinal, qual é a verdade?

Superar a busca da verdade absoluta e permitir-se “ler” a realidade

sob diferentes ângulos talvez seja um dos grandes desafios no mundo atual.

Nesse sentido, consideramos este trabalho de grande relevância social, uma

vez que ele abre perspectivas para o ensino da leitura sob outra perspectiva.

O grande esforço democrático para desenvolver um aluno cidadão pleno é

dar a ele condições para que ele seja capaz de não tomar como verdade

aquilo que se constrói como representação. O que procuramos evidenciar

nesta pesquisa foi justamente os procedimentos de análise lingüístico-

discursivos que permitem desnudar o texto e revelar como se dá a

construção dessas diferentes representações e como elas constroem

“realidades” diferentes.

A seleção ou omissão de fatos e de actantes, o privilégio a uma ou

outra ação, a representação dos actantes como atores ou agentes, a função

sintático-semântica que os actantes assumem, as avaliações que se faz dos

actantes e de seu agir por meio de adjetivos, verbos subjetivos, e outros

recursos lingüísticos, bem como a escolha do gênero e dos tipos de discurso

estão relacionadas às representações que os produtores fazem do contexto

de produção e constroem um certo sentido por meio do texto.

As representações construídas nesses textos e as opiniões neles

construídas são compreendidas como posições assumidas por diferentes

vozes autorizadas pela própria sociedade e que, analisando o cotidiano a

partir do “lugar” que ocupam, interpretam os fatos e o agir dos indivíduos a

partir de suas próprias visões de mundo.

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Os textos por nós analisados trazem a voz dos outros, seja para

concordar, discordar, valorizar, desqualificar, seja para autorizar, negar ou

confirmar. Por outro lado, essa pluralidade de vozes busca construir uma

univocidade impossível – formar a opinião pública tendo como pressuposto a

verdade construída pelo e no texto. Desta forma, não é a pluralidade de

opiniões nem a diversidade e o respeito à diferença que se busca, mas sim,

fazer prevalecer, na batalha das representações, aquela responsável por

uniformizar, na medida do possível, a opinião pública.

Nessa perspectiva, acreditamos que as propostas didáticas voltadas

para o ensino da argumentação e da leitura crítica devem observar os

procedimentos lingüístico-discursivos responsáveis por construir os diferentes

posicionamentos e que nesta pesquisa apresentamos, de forma a permitir ao

leitor-aprendiz construir um novo posicionamento a partir desse confronto de

vozes, posicionamento este também multifacetado, plurivocal e passível de

transformações.

9. Contribuições teórico-metodológicas Ao final, temos o objetivo de apresentar algumas das contribuições e

perspectivas para o ensino da leitura na escola, bem como para o grupo

ALTER –LAEL e, possivelmente, para o quadro teórico metodológico do ISD.

Na seqüência, levantaremos algumas perspectivas para o desenvolvimento

de novas pesquisas.

Em relação aos pressupostos teórico-metodológicos de base,

tomamos por base o interacionismo sociodiscursivo. Trata-se de um quadro

em construção e transformção permanentes e que ganha contornos

diferentes, nas diferentes pesquisas do grupo Alter-Lael. Além disso, é um

aporte teórico-metodológico constitutivamente transdisciplinar, o que abre

perspectivas efetivas de diálogo entre as diferentes áreas do conhecimento,

de forma a compreender a linguagem humana sob diferentes abordagens.

Por tratar-se de um quadro epistemológico em permanente

transformação, aliás, fenômeno absolutamente coerente com os princípios do

ISD, sentimos certa dificuldade em colocar em prática tudo aquilo que líamos,

discutíamos e sistematizávamos, o que nos leva a esclarecer que, durante o

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percurso dessa pesquisa, várias tentativas de aprimoramento do quadro de

análise proposto pelo ISD foram feitas, mas nem todas resultaram em

contribuições efetivas para esta pesquisa. Algumas das categorias de análise

dos dados, baseadas em pesquisas recentes, como a análise de textos da

fonte do agir (Bronckart & Machado, 2004; Bronckart & Machado, 2005;

Filliettaz, 2004), a análise dos registros do agir, iniciada por Bulea & Fristalon

(2004), além das outras análises efetuadas no próprio grupo ALTER, como a

de Abreu-Tardelli (2006) e Mazillo (2006) nem sempre foram aplicáveis ao

corpus de análise que selecionamos, o que nos levou a construir

procedimentos de análise próprios que contribuem para o desenvolvimento

das pesquisas do grupo.

Também devemos levar em conta que esta pesquisa é inovadora, pois

aplicou a proposta teórico-metodológica do ISD a um corpus que até então

não tinha servido como base de pesquisa, qual seja, textos produzidos no

contexto jornalístico tendo como perspectiva o ensino da leitura na escola e

mostrou-se produtiva na medida em que fomos promovendo ajustes nos

procedimentos de análise de acordo com as necessidades do corpus e

demonstramos como a construção dos textos argumentativos, entre eles os

artigos de opinião e os comentários jornalísticos, têm sua argumentação

construída a partir da interpretação do agir ou do agir linguageiro dos

actantes.

Ressaltamos, ainda, que nossa pesquisa contribui para a análise dos

mecanismos enunciativos, vozes e modalizações, em relação às diferentes

representações que podem ser construídas nos textos.

Sem dúvida alguma, outras perspectivas de pesquisa existem e

podem ser aplicadas, inclusive ao mesmo corpus. Tais perspectivas de

pesquisa só corroboram com o caráter plural e complexo do conhecimento.

Não era pretensão esgotar todas as possibilidades de análise, mas

sim propor um novo recorte que, analisando as figuras interpretativas do agir

que são construídas nos textos, pudéssemos compreender como diferentes

representações dos fatos, ações e actantes são construídas em nome da

“verdade”. Gostaríamos, ainda, de apontar algumas perspectivas para futuras

pesquisas relacionadas ao ensino da leitura por meio da análise das

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representações do agir em textos argumentativos. Em primeiro lugar parece-

nos importante aprofundar o modelo de análise dos dados, uma vez que os

procedimentos que nos permitem a análise do agir estão em fase de

construção. Pesquisadores podem se debruçar na revisão e refinamento das

categorias de análise da busca de uma proposta mais unificada.

Em segundo lugar, há necessidade de aprofundar nossa análise no

que diz respeito aos mecanismos enunciativos, concentrando-nos no

aperfeiçoamento das categorias para a análise das vozes, modalizações e

marcas enunciativas que constroem as diferentes representações.

Em terceiro lugar, parece-nos crucial destacar que nossas análises

centraram-se no modelo proposto por Bronckart (1997) e, em relação às

figuras do agir, a Bronckart e Machado (2004), por isso, podem ser melhor

refinadas se associadas a outros aportes teóricos, especialmente ao conceito

de ethos e de interimcompreensão constitutiva (Maingueneau 1997, 1998).

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ANEXOS – TEXTOS QUE FORAM OBJETO DE ANÁLISE São Paulo, quarta-feira, 18 de fevereiro de 2004 TENDÊNCIAS/DEBATES A disputa simbólica MARILENA CHAUÍ Em política, há duas grandes disputas: a definidora da própria política, isto é, a disputa pelo poder; e a disputa simbólica, isto é, pela ocupação de um lugar onde se reconheça uma imagem definida por valores postos pela sociedade. Do ponto de vista simbólico, o PT, ao definir-se não como um partido para os trabalhadores, e sim dos trabalhadores, ocupou o lugar definido pela criação e conservação de direitos civis e sociais dos economicamente explorados, socialmente excluídos e politicamente subalternos. Na disputa simbólica, o campo dos direitos ou da cidadania plena definiu a imagem do PT, diferenciando-o, por exemplo, do PSDB, que ocupou o lugar simbólico denominado "modernidade séria e responsável".

A crítica é hipócrita porque pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002

Historicamente, porém, a disputa simbólica sofreu um deslocamento. De fato, a oposição ao governo Collor introduziu o tema da ética na política, e as circunstâncias fizeram com que esse lugar simbólico também fosse ocupado pelo PT. Todavia, diferentemente do lugar simbólico dos direitos, o da ética na política não é ocupado sem contestação, porque outros partidos o disputam continuamente. Por isso, tais partidos e os meios de comunicação procuram manter os olhos da população voltados para esse lugar, buscando fatos reais ou imaginários que destituam o PT. Se, de janeiro de 2003 a fevereiro de 2004, acompanharmos as ações oposicionistas, os noticiários, os editoriais e as colunas políticas dos jornais, rádios e televisões, notaremos que operam de modo a retirar do PT os dois lugares simbólicos que ocupa. No caso dos direitos, isso ficou claro, por exemplo, com as tentativas de desqualificar a política internacional e as várias políticas sociais iniciadas, de identificar a política econômica atual com a do governo anterior, de interpretar as reformas da Previdência e tributária como destruição de direitos (quando elas buscaram quebrar privilégios travestidos de direitos). Em certos momentos, aliás, somos colocados diante de algo paradoxal, pois procura-se destituir o PT desse lugar simbólico, afirmando-se que o atual presidente da República não tem o direito ao cargo porque seria intelectualmente inculto, ou seja, ergue-se contra Lula aquilo mesmo que fez o PT nascer e ocupar o lugar simbólico dos direitos, isto é, a luta contra os preconceitos de classe que, pela discriminação e a exclusão, negam cidadania aos trabalhadores! Mas é no ataque ao lugar simbólico da ética na política que a disputa é mais acirrada e ganha ares consistentes. Os alvos do ataque têm mudado no correr dos tempos. Atualmente, o alvo é o caso do ex-assessor de José

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Dirceu. Por um lado, a crítica é válida e consistente, pois tudo indica que houve corrupção. Por outro lado, a crítica é hipócrita porque: a) pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002, no Rio de Janeiro; b) não levanta a causa do problema (que também atingiu, por exemplo, assessores de FHC, e levou um amigo a defender publicamente a tese da imoralidade constitutiva da política), qual seja, o inadequado sistema eleitoral, que induz a procedimentos inaceitáveis; afinal, é um segredo de polichinelo como são financiadas as campanhas eleitorais no Brasil; c) não menciona a proposta de reforma política, publicada em livro pelo Instituto da Cidadania, que, no dia 1º de julho de 2003, a entregou ao Executivo e ao Legislativo, tendo sido discutida e aprovada por uma comissão especial (pluripartidária, com 45 membros) criada pelo presidente da Câmara, João Paulo; a reforma (que prevê o financiamento público das campanhas) não será um decreto presidencial, e sim uma ação do Congresso Nacional. O que se esperaria dos defensores da ética na política? Que tomassem o episódio como ocasião para expor claramente à sociedade o desastre do sistema eleitoral, avaliassem a proposta do Instituto da Cidadania e o documento do relator da comissão parlamentar especial, fizessem propostas de mudanças e persuadissem a sociedade brasileira a exigir a reforma. Não é, porém, o que temos visto, porque a questão não é a ética na política nem a reforma política, e sim a disputa simbólica para destituir o PT do lugar que ocupa. Marilena Chaui, 62, professora de filosofia política e história da filosofia moderna da USP, é autora, entre outros, de "Cultura e Democracia" (Ed. Cortez) e "A Nervura do Real" (Companhia das Letras). São Paulo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES Fatos e disputa política Quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI

A respeito do caso de corrupção envolvendo assessor do Planalto, nunca poderia imaginar que minha amiga e ex-aluna Marilena Chaui pudesse escrever o seguinte, na Folha de ontem: "a crítica é hipócrita porque: a) pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002, no Rio de Janeiro; b) não levanta a causa do problema (que também atingiu, por exemplo, assessores de FHC, e levou um amigo a defender publicamente a tese da imoralidade constitutiva da política), qual seja, o inadequado sistema eleitoral, que induz a procedimentos inaceitáveis". Pelo que me consta, Benedita da Silva não faz parte do casal Garotinho, mas do PT. Além disso, como muita gente sabe, o amigo referido sou eu, o que me leva a procurar esclarecer meu ponto de vista. No final das contas, se até mesmo Marilena não me entendeu, não poderia proceder de outra maneira. Que isso tenha ocorrido, porém, não é de estranhar, pois Marilena tem mantido, nos últimos tempos, uma relação esdrúxula com os fatos. Aqui cabe outro exemplo. Na entrevista à revista francesa "Esprit", de janeiro de 2004, intitulada "La méthode Lula", a respeito dos assessores do presidente, ela afirma: "A equipe econômica é composta de três tipos de conselheiros. De início, há os economistas, professores, consultores etc. Mas esses "experts", diferentemente daqueles do governo Cardoso, não estão ligados aos bancos, às grandes instituições financeiras nem, de maneira geral, às grandes instituições econômicas instaladas". Seria fácil escolher outros exemplos, mas não é o que interessa aqui.

O PT tirará desse episódio a lição devida e se mostrará menos juiz e mais empreendedor?

Nunca endossei a tese da imoralidade constitutiva da política e, todas as vezes que me ocupei dessa questão, sublinhei a diferença entre "imoral" e "amoral". É da essência da atividade política alargar o âmbito das práticas ou das instituições, pois somente assim as regras instaladas servem para guiar condutas em processo. Regras envelhecidas não servem para enfrentar o novo. Daí o próprio exercício da política, no qual o risco é inerente, abrir um espaço onde a ação não pode ser dita, em princípio, moral ou imoral. Em que medida o financiamento das campanhas está sujeito a essa indefinição? Como diminuir a força do poder econômico nas campanhas? Mesmo financiada pelos cofres públicos, sempre haveria um líder comunitário achando-se no direito de pedir liberação de verba sem levar em conta a eqüidade em sua distribuição. Toda ação implica interpretar a regra, o que se faz de um ponto de vista particular, produzindo resultados imprevistos, quando não indesejados. Voltemos ao que nos interessa. O sr. Waldomiro Diniz foi pilhado negociando em nome do PT, o que afeta o partido como um todo. Aliás, há outros episódios ligando a captação de recursos para o PT com o jogo do bicho, cabendo perguntar até que ponto estão associados às propostas petistas de

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legalizá-lo. Suponhamos que um candidato "X" seja favorável a essa legalização e, por isso, tenha apoio financeiro de um bicheiro. Obviamente toda essa ajuda deve ser declarada. Mas o bicheiro não pode declará-la integralmente, pois então não seria bicheiro. Donde a regra: quem aceita dinheiro do jogo do bicho coloca-se à margem da moralidade pública constituída. Suponhamos que esse jogo seja, depois, legalizado. A doação anterior tornou-se moral, e o candidato, uma vez eleito, paladino da renovação das instituições. À parte a ironia, se a imprecisão da ação política escapa à bivalência do bem e do mal -a uma rígida aplicação da regra moral sem a avaliação das contingências de sua aplicação- como julgar essa ação? A meu ver, saindo da oposição entre vigiar e punir, de maneira a criar instituições capazes de prevenir, na medida do possível, que a ação política seja julgada a partir do extremo do absolutamente moral e santo (como, aliás, tem feito o PT) ou que seja assumida na sua imoralidade, já que os fins justificariam os meios. Isso depende, obviamente, de um longo processo de amadurecimento das próprias instituições políticas.

Houve uma infração a ser punida. Até onde deve ir a punição? Quem se conduz de modo imoral ao coletar dinheiro de campanha, provavelmente, continuará procedendo, posteriormente, da mesma maneira. Suponhamos que se mostre que o ministro José Dirceu esteja envolvido e, por conseguinte, o presidente Lula, responsável pela escolha e atuação de seu ministério. Todos eles devem ser punidos? À medida que o delito recua do ator para outros responsáveis por ele, vai perdendo sua carga moral para se transformar numa questão política. Daí a punição depender do jogo dos próprios interesses políticos e da avaliação de sua oportunidade. A imoralidade subjetiva de Waldomiro Diniz é uma coisa, outra coisa é a imoralidade pública do resto do governo, mesmo que ele esteja envolvido nela. Isso porque o próprio processo político decidirá se o ato individual é ou não coletivamente imoral.

Convenhamos, a corrupção existe no PT como em outros partidos, em maior ou menor grau. Importa saber, além do discurso ideológico e do palavrório simbólico, quais instituições internas trabalham para restringir a corrupção do partido, do governo e do jogo político como um todo. Mas ainda é preciso levar em consideração um paradoxo. Se todo o governo fosse punido, haveria uma crise institucional, com enfraquecimento e talvez desaparecimento das instituições de vigilância pública, o que levaria a corrupção pública às alturas. O PT tirará desse episódio a lição devida e se mostrará menos juiz e mais empreendedor?

José Arthur Giannotti, filósofo, é professor emérito da USP e coordenador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento

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CLÓVIS ROSSI São Paulo, quinta-feira, 19 de fevereiro de 2004 O lugar do PT

MADRI - Dizem que a visão da forca concentra a mente. Se é verdade, não está funcionando no caso do PT. Uma de suas mais brilhantes e lúcidas intelectuais, a filósofa Marilena Chaui, capota bravamente nos seus argumentos em defesa do partido, tal como antes o fizeram companheiros seus menos filósofos.

No artigo ontem publicado pela Folha, Chaui começa capotando no relato dos fatos: diz que o PT está sendo acusado por "um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002". Só a data é verdadeira: o episódio envolve também financiamento de campanha para candidatos do PT (Geraldo Magela, no Distrito Federal, e Benedita da Silva, no Rio). Envolve, ademais, um funcionário intimamente ligado a José Dirceu, que o indicou aos Garotinho, e que trabalhava até a semana passada no mesmo palácio do presidente da República.

Depois, a filósofa petista reclama que os defensores da ética na política, em vez de denunciarem o caso, se dediquem a discutir o financiamento de campanha. "É um segredo de polichinelo como são financiadas as campanhas eleitorais no Brasil", diz. Perfeito. Pena que o "segredo de polichinelo" tenha, agora, feito do PT a sua vítima (e sabe-se lá para que outras campanhas Waldomiro Diniz não pediu dinheiro a bicheiros). Pena também que, apesar de o Instituto da Cidadania, outrora presidido por Lula, ter apresentado proposta de reforma política, como menciona a filósofa, ela omite que o governo do PT não fez o menor esforço para levá-la adiante.

Diz a filósofa que "a questão não é a ética na política nem a reforma política, e sim a disputa simbólica para destituir o PT do lugar que ocupa". É claro que sempre haverá quem queira destronar o PT dos lugares reais e simbólicos que ocupa, mas a argumentação fica capenga quando deixa de mencionar que as denúncias não são vazias, mas decorrentes do "lugar" em que o PT está se colocando, em todos os campos, político, econômico, social e, agora, ético.

Fatos podem atrapalhar a filosofia, mas continuam sendo fatos.

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São Paulo, domingo, 22 de fevereiro de 2004 ELIANE CANTANHÊDE Pó, pedra e "agenda positiva"

BRASÍLIA - O Congresso está um deserto desde a quinta-feira e vai continuar não só durante como além do Carnaval. É o tempo que o governo e o PT querem -aliás, precisam muito- para se refazer do tranco.

A idéia é desencavar a velha ladainha de uma "agenda positiva" logo na reabertura da reabertura do Congresso, quando o Carnaval e a ressaca passarem, já em março. O item 1 será a reforma política, tão decantada. Tem crise? Chame-se a reforma política! Baixou a crise? Esqueça-se! Mas o mais interessante da tal "agenda positiva" é mostrar que "o governo está governando". Ué?! E não está, ou estava? Como os novos ministros Eunício Oliveira (Comunicações) e Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia) participaram da conversa, imagina-se que os dois vão passar a mostrar serviço, lançar projetos, programas. Com um contingenciamento de metade dos R$ 12 bilhões do Orçamento, não se sabe ao certo com que recursos, mas anunciar não dói. E, se não faz, ninguém lembra mesmo. No início, dizia-se que a política econômica era "igualzinha" à de FHC. Depois, que o Fome Zero era um embuste e que a política social nem era igual, mas, sim, pior do que a do governo anterior. Em relação às maracutaias: a diferença é que são denunciadas mais cedo.

O governo Lula está num momento decisivo. Tem a obrigação de manter a estabilidade econômica, mas dando sinais de reaquecimento (e nem se fala em "espetáculo do crescimento") e ativando finalmente a área social. Enquanto restaura-se a moralidade.

A professora Marilena Chaui identifica um complô nacional, talvez mundial, quiçá planetário, para desfazer os símbolos mais caros ao PT. Errado, professora. Se há complô, é do próprio PT. Quem está fazendo pó de seus símbolos não somos nós nem mesmo a oposição.

É ele: o PT no poder.

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FOLHA DE S.PAULO São Paulo, sábado, 13 de março de 2004 MARCOS AUGUSTO GONÇALVES Vícios públicos e privados

SÃO PAULO - Em artigo publicado anteontem na seção "Tendências/Debates", a professora Marilena Chaui procura depositar na conta da imperfeição institucional as negociatas que se sucedem nos nebulosos territórios da captação de recursos para campanhas e das negociações entre Executivo e Legislativo.

A tese é que os seres humanos não agem apenas racionalmente, mas são movidos por paixões, o que nos conduziria à necessidade de organizar as instituições de modo a induzi-los a "bem administrar". Sendo assim, a crítica moralizante à corrupção deveria ceder lugar à "crítica cívica das instituições". Transposto para a atualidade, o argumento sugere que não devemos criticar o ministro José Dirceu, mas o arcabouço institucional que o compele a manobrar temerariamente. A conclusão é que, se não fossem as distorções da representação política e as falhas no sistema de financiamento de campanhas, o PT poderia ter eleito maioria parlamentar, o que restringiria o balcão político. E não haveria necessidade de "operadores" como Waldomiro Diniz para pedir dinheiro a "empresários do bingo".

Certamente aperfeiçoamentos institucionais são necessários e podem estimular a ação virtuosa, mas, mesmo que isso ocorra, não há como aliviar os agentes políticos da parcela de responsabilidade pela qual precisam responder. No caso das administrações petistas, não se trata, de fato, de exigir que as supostas virtudes privadas de seus quadros se traduzam em virtudes públicas num ambiente institucional vicioso. A crítica deve ser feita, como quer a professora, a uma instituição pública, no caso o PT. O partido sempre apareceu para a sociedade como o guardião-mor da pauta republicana, mas os sinais cada vez mais enfáticos são de que, uma vez no poder, está utilizando essa prerrogativa para acobertar sua cumplicidade com os vícios públicos -e não para assumir a liderança moral e política de uma transformação.

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FOLHA DE S.PAULO São Paulo, dia 10 de março de 2006 RENATO JANINE RIBEIRO Para defender a política O caso Waldomiro Diniz é, ao que consta, um ato de corrupção que requer julgamento. Se for provada sua culpa, ele deve ser punido pela lei. Mas, estando eu fora do Brasil e não acompanhando os detalhes, e sim o quadro mais amplo, o que mais me inquieta não é isso, mas o esvaziamento da dimensão política que se produziu. O impeachment de Collor, em 1992, defendido por todo o arco democrático brasileiro e por este jornal, foi decisivo em nossa história. Um caso de corrupção permitiu afastar um presidente pela via constitucional, sem traumas. Também foi o sinal de que a sociedade brasileira não tolera mais a corrupção. Ela já foi aceita socialmente. Havia graça em furar a fila. Houve simpatia por Sinhozinho Malta, ícone da opressão e do desdém pela lei, na novela "Roque Santeiro" (1985). Em 19 anos de democracia, não resgatamos a dívida social, mas tornamos a corrupção detestável. Cada vez menos gente defende formas explícitas de desacato à cidadania. Mas uma coisa é defender ética na política, e outra rebaixar a ética, confundindo o ideal de não-corrupção, requisito necessário porém não suficiente da vida em sociedade, com o cerne da discussão política. A política é a discussão dos caminhos que desejamos para a sociedade. Esse debate social dos nossos sonhos é a coisa mais importante numa coletividade. Alguns falam em caráter amoral da política. Prefiro distinguir moral e política de outro modo. Na política democrática, as divergências são legítimas. Já na ética, aceitamos um arco menor de divergências. Temos dificuldade em considerar decente quem age contra nossos princípios éticos. Mas, na escolha das metas para a sociedade, na definição da política, temos de supor que o adversário seja honesto. Por isso, é correto os promotores serem implacáveis contra a corrupção. É obrigação ética. Mas, quando uma eleição é vista como a luta entre o bem e o mal, como há anos é o caso em São Paulo (Estado e capital), perdemos todos. Não ocorre debate político. Muitos votam num candidato não por suas propostas, mas por desconfiarem moralmente de seu rival. A discussão decai. Imaginemos uma peça sobre o debate político e a corrupção no Brasil. O caso Collor foi o primeiro ato. Ato segundo: no começo do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, as "fitas do BNDES" apontam manipulação de concorrências para a compra de estatais. Essa ação foi errada. Mas, com a celeuma em torno, ejetou-se do poder toda uma linha que disputava a hegemonia no governo federal, propondo maior desenvolvimento e menor obsessão com a moeda. O monetarismo ganhou a batalha política sem jamais ela vir a público, isto é, tornar-se política. Os rumos do Brasil entre 1998 e 2002 foram decididos a partir de um escândalo, não de uma escolha tomada na arena pública, após debates na imprensa e no Congresso. O resultado foi mau para o país. Digo isso sem tomar partido. Não sei se os

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desenvolvimentistas do PSDB eram melhores que os monetaristas. O que importa é que não houve uma discussão nacional das metas a adotar. Agora vivemos o terceiro ato da peça. Mudanças importantes na política podem decorrer das acusações da oposição a um ministro contra o qual não há, que eu saiba, sombra de prova. E com isso uma questão criminal, policial, moral, sim, mas confinada, cresce a ponto de calar o debate sobre os rumos do país. Isso está errado. A política não é a negação da moral. Crimes devem ser punidos. Mas precisamos construir, no Brasil, uma esfera propriamente pública. Isso exige não deixar a política refém de uma moral elementar, porque óbvia. A corrupção deve ser condenada. Mas não basta não ser ladrão para governar bem. E é justamente porque, numa democracia, os partidos são legítimos que precisamos de mais do que a honestidade: necessitamos de escolhas. Nada disso é uma defesa deste governo ou do anterior. É uma defesa da política, para retomar o título de um livro de Marco Aurélio Nogueira. Ela está desprestigiada. Muitos políticos honestos têm responsabilidade nisso, ao não verem a dimensão de nosso repúdio à corrupção. Mas quem perde, quando a dimensão política é exaurida, não são os políticos, é a sociedade. Voltemos a Collor. A corrupção permitiu afastá-lo, mas a verdadeira razão era que a sociedade se cansara de sua política aventureira. O luxo de sua casa deu uma linguagem que autorizava o processo. No parlamentarismo, bastaria uma votação na Câmara para destituir o chefe de governo. Num regime presidencial foi preciso mais, isto é, a desonestidade. Mas isso é imaturo. Precisamos eleger e destituir pelas razões verdadeiras. Se não queremos mais um governante, digamos isso. E construamos regras que levem a destituí-lo como algo normal e sem traumas. Pode ser o parlamentarismo, pode ser a imprensa fazendo o seu papel. O que não podemos é acreditar no pretexto. O Brasil mudou de metas, no segundo mandato de FHC, sem a ágora opinar. O debate se focou na corrupção. Hoje corremos de novo o risco de enfraquecer um projeto de governo, não porque nos descontente em suas grandes opções, mas por questões laterais. E nisso a ética acaba sendo instrumentalizada. Ora, respeitar a ética exige também respeitar a política. Isso está faltando.

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ANEXOS – Quadro demonstrativo dos segmentos de texto onde aparecem os actantes. A partir destes quadros, desenvolvemos a análise das figuras interpretativas do agir. Actante: Marilena Chauí

TEXTO 1 TEXTO 2 TEXTO 3 TEXTO 4 TEXTO 5 TEXTO 6 (nós) acompanharmos as ações oposicionistas, os noticiários, os editoriais e as colunas políticas dos jornais, rádios e televisões, (nós) notaremos que operam de modo a retirar do PT os dois lugares simbólicos.

Nunca poderia imaginar que minha amiga e ex-aluna pudesse escrever o seguinte, na folha de ontem: “a crítica é hipócrita porque: a) pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002, no Rio de Janeiro; b) não levanta a causa do problema (que também atingiu, por exemplo, assessores de FHC, e levou um amigo a defender publicamente a tese da imoralidade constitutiva da política) qual seja, o inadequado sistema eleitoral, que induz a procedimentos inaceitáveis”.

Filósofa Marilena Chaí capota nos seus (Marilena) argumentos em defesa do partido.

A professora Marilena Chauí identifica um complô nacional, talvez mundial, quiçá planetário, para desfazer os símbolos mais caros ao PT.

A professora Marilena Chauí procura depositar

Em certos momentos, aliás, (nós) somos colocados diante de algo paradoxal ...

No final das contas, se até mesmo Marilena não me entendeu

Chauí começa capotando no relato dos fatos

Errado, professora A crítica deve ser feita, como quer a professora, a uma instituição

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pública, no caso, o PT.

Não é porém, o que (nós) temos visto, porque a questão não é a ética na política nem a reforma política, e sim a disputa simbólica para destituir o PT do lugar que ocupa.

Que isso tenha ocorrido, não é de se estranhar, pois Marilena tem mantido, nos últimos tempos, uma relação esdrúxula com os fatos.

Depois, a filósofa petista reclama que os defensores da ética na política, em vez de denunciarem o caso, se dediquem a discutir o financiamento de campanha.

Ela afirma: “a equipe econômica é composta de três tipos de conselheiros. De início, há os econominstas, professores, consultores etc. Mas esses “experts”, diferentemente daqueles do governo Cardoso não estão ligados a bancos, às grandes instituições financeiras nem, de maneira geral, às grandes instituições economicamente instaladas.”

Pena também que, apesar de o Instituto da Cidadania, outrora presidido por Lula, ter apresentado proposta de reforma política Como menciona a filósofa

Ela omite que o governo do PT não fez o menor esforço para levá-la adiante.

Diz a filósofa que “a questão não é a ética na política nem a reforma política e sim a disputa simbólica para destituir o PT do lugar que ocupa”.

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Actante: PT/partido

TEXTO 1 TEXTO 2 TEXTO 3 TEXTO 4 TEXTO 5 TEXTO 6 O PT não se definiu como Partido para os Trabalhadores.

Pelo que me consta, Benedita da Silva não faz parte do Casal Garotinho, mas (BS faz parte) do PT.

O lugar do PT (título).

É o tempo que o governo e o PT querem, aliás, precisam muito – para se refazer do tranco.

A conclusão é que, se não fossem as distorções da representação política e as falhas no sistema de financiamento de campanhas, o PT poderia ter eleito maioria parlamentar, o que restringiria o balcão político.

O PT definiu-se como Partido dos Trabalhadores. O PT ocupou o lugar definido pela criação e conservação dos direitos civis e sociais dos economicamente explorados, socialmente excluídos e politicamente subalternos.16

O sr. Waldomiro Diniz foi pilhado negociando em nome do PT. Aliás, há outros episódios ligando a captação de recursos para o PT com o jogo do bicho...

Dizem que a visão da forca concentra a mente. Se é verdade, não está funcionando com o PT.

A professora Marilena Chauí identifica um complô nacional, talvez mundial, quiçá planetário para desfazer os símbolos mais caros ao PT.

A crítica deve ser feita, como quer a professora a uma instituição pública, no caso o PT.

O campo dos direitos ou da cidadania plena definiu a imagem do PT.

À parte a ironia, se a imprecisão da ação política escapa à bivalênica entre o bem e o mal – a uma

“Uma de suas mais brilhantes intelectuais, a filósofa Marilena Chauí capota

Se há complô, (êle) é (complô) do próprio PT

O partido sempre apareceu para a sociedade como o guardião-mor da pauta republicana,

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rígida aplicação da regra moral sem a avaliação das contingências de sua aplicação – como julgar essa ação? Ao meu ver, saindo da oposição entre vigiar e punir, de maneira a criar instituições capazes de previnir, na medida do possível, que a ação política seja julgada a partir do extremo do absolutamente moral e santo (como, aliás, tem feito o PT) ou que seja assumida na sua imoralidade, já que os fins justificariam os meios.

bravamente nos seus argumentos em defesa do partido, tal como antes fizeram companheiros seus menos filósofos”.

mas os sinais cada vez mais enfáicos são de que, uma vez no poder, (o PT) está utilizando essa prerrogativa para (o PT) acobertar sua cumplicidade com os vícios públicos -e- (o PT) não assumir a lidenrança moral e política da transformação.

A imagem do PT o diferenciou do PSDB.

Convenhamos, a corrupção existe no PT como em outros partidos.

Chauí começa capotando nos fatos: diz que o PT está sendo acusado por “um episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002). (citação de Chauí)

Quem está fazendo pó de seus (do PT) símbolos não somos nós nem mesmo a oposição. É ele, o PT no poder.

O PT ocupou lugar simbólico diferente do PSDB.

O PT tirará desse episódio a lição devida e se mostrará menos juiz e mais

Só a data é verdadeira: o episódio envolve também

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empreendedor? financiamento de campanha para candidatos do PT

O PT ocupou o lugar simbólico de ética na política.

Pena também, que o “segredo de polichinelo” tenha, agora, feito do PT a sua vítima.

Outros partidos e os meios de comunicação buscam fatos reais ou imaginários Para destituir o PT (do lugar que ocupa).

...ela omite que que o governo do PT não fez o menor esforço

As ações oposicionistas operam de modo a retirar do PT os dois lugares simbólicos que ocupam.

É claro que sempre haverá quem queira destronar o PT dos lugares simbólicos que ocupa, mas, a argumentação é capenga quando deixa de mencionar que as denúncias não são vazias, mas decorrentes do “lugar” em que o PT está se colocando.

Procura-se(X) destituir o PT desse lugar simbólico.

Ergue-se (\X)contra Lula aquilo mesmo

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que fez o PT nascer o ocupar o lugar simbólico dos direitos.

Quadro 23 A – Protagonista PT

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Governo Lula/Governo/Governo do PT TEXTO 1 TEXTO 2 TEXTO 3 TEXTO 4 TEXTO 5 TEXTO 6 A crítica é hipócrita porque pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho.

A imoralidade subjetiva de Waldomiro Diniz é uma coisa, outra coisa é a imoralidade pública do resto do governo.

Ela (Marilena) omite que o governo do PT não fez o menor esforço para levá-la (a reforma) adiante.

O governo e o PT querem-aliás, precisam muito – para se refazer do tranco.

Nada disso é uma defesa deste governo ou do anterior. E uma defesa da política, para retomar um título de um livro de Marco Aurélio Nogueira”.

Importa saber, além do discurso ideológico e do palavrório simbólico, quais instituições internas trabalham para restringir a corrupção do partido, do governo e do jogo político como um todo.

A idéia (do governo e do PT) é desencavar a velha ladainha de uma “agenda positiva”, logo na reabertura da reabertura do Congresso, quando o carnaval e a ressaca passarem em março.

Hoje corremos o risco de enfraquecer um projeto de governo, não porque nos descontente em suas grandes opções, mas por questões laterais.

Se todo governo fosse punido, haveria uma crise institucional, com enfraquecimento e talvez desaparecimento das instituições de vigilância pública, o que levaria a corrupção pública às alturas.

Mas o mais interessante de tal “agenda positiva” é mostrar que “o governo está governando.” Ué?! E não está ou estava?

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O governo Lula está num momento decisivo. (governo Lula) tem a obrigação de manter a estabilidade econômica, mas dando sinais de reaquecimento ( e nem se fala em “espetáculo de crescimento”) e ativando finalmente a área social.

ActanteCasal Garotinho TEXTO 1 TEXTO 2 TEXTO 3 TEXTO 4 TEXTO 5 TEXTO 6 A crítica é hipócrita porque pretende atingir o governo Lula com um episódio envolvendo o casal Garotinho.

Pelo que me consta, Benedita da Silva não faz parte do casal Garotinho, mas do PT.

Chauí começa capotando nos fatos: diz que o PT está sendo acusado por um “episódio envolvendo o casal Garotinho, em 2002”

Envolve, ademais, um funcionário intimamente ligado a José Dirceu, que o indicou aos Garotinho.

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Caso Waldomiro Diniz /Waldomiro Diniz/assessor/ex-assessor TEXTO 1 TEXTO 2 TEXTO 3 TEXTO 4 TEXTO 5 TEXTO 6 Atualmente o alvo é o caso do ex-assessor de José Dirceu

A respeito do caso de corrupção envolvendo assessor do Planalto

Pena que o “segredo de Polichinelo” tenha, agora feito do PT a sua vítima ( e sabe-se lá para que outras campanhas Waldomiro Diniz não pediu dinheiro a bicheiros)

E não haveria necessidade de “operadores” como Waldomiro Diniz para pedir dinheiro a “empresários do bingo”.

O caso Waldomiro Diniz é, ao que consta, um ato de corrupção que requer julgamento.

O sr. Waldomiro Diniz foi pilhado negociando em nome do PT, o que afeta o partido como um todo.

Envolve, ademais,um funcionário intimamente ligado a José Dirceu, que os indicou aos Garotinho.

Se for provada sua (Waldomiro Diniz) culpa ele deve ser punido pelo lei.

A imoralidade subjetiva de Waldomiro Diniz é uma coisa, outra coisa é a imoralidade pública do resto do governo.

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José Dirceu/Ministro José Dirceu TEXTO 1 TEXTO 2 TEXTO 3 TEXTO 4 TEXTO 5 TEXTO 6 Atualmente, o alvo é o caso do ex-assessor de José Dirceu.

Suponhamos que se mostre que o ministro José Dirceu esteja envolvido e, por conseguinte, o presidente Lula, responsável pela escolha e atuação de seu ministério.

Envolve, ademais, um funcionário intimamente ligado a José Dirceu, que o indicou aos Garotinho e que trabalhava até a semana passada no mesmo palácio do presidente da república.

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Lula/presidente Lula/presidente da república TEXTO 1 TEXTO 2 TEXTO 3 TEXTO 4 TEXTO 5 TEXTO 6 Em certos momentos, aliás, somos colocados diante de algo paradoxal, pois procura-se destituir o PT desse lugar simbólico, afirmando-se que o atual presidente da República não tem direito ao cargo porque(ele) seria intelectualmente inculto.

Na entrevista à revista francesa “Esprit”, de janeiro de 2004, intitulada “La méthode Lula, a respeito dos assessores do presidente, ela afirma: “ a equipe econômica é composta de três tipos de conselheiros. De início, há os econominstas, professores, consultores etc. Mas esses “experts”, dferentemente daqueles do governo Cardoso não estáo ligados a bancos, às grandes instituições financeiras nem, de maneira geral, às grandes instituições economicamente instaladas.”

Envolve, ademais, um funcionário intimamente ligado a José Dirceu que o indicou aos Garotinho e que trabalhava até a semana passada no palácio do presidente da República.

Ergue-se contra Lula aquilo mesmo que fez o PT nascer e ocupar o lugar simbólico dos direitos, isto é, a luta contra os preconceitos de classe que, pela discriminação e a exclusão, negam cidadania aos trabalhadores!

Suponhamos que se mostre que o Ministro José Dirceu esteja envolvido e, por conseguinte , o presidente Lula, responsável pela escola e atuação de seu ministério.

Pena também que, apesar do Instituto da Cidadania, outrora presidido por Lula, ter apresentado proposta de reforma política, como menciona a filósofa, ela omite que o governo do PT não fez o menos esforço para levá-la adiante.

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José Arthur Gianotti TEXTO 1 TEXTO 2 TEXTO 3 TEXTO 4 TEXTO 5 TEXTO 6 A crítica é hipócrita porque não levanta a causa do problema, que também atingiu, por exemplo, assessores de FHC, e levou um amigo a defender publicamente a tese da imoralidade constitutiva da política.

Além disso, como muita gente sabe, o amigo referido sou eu, o que me leva a procurar esclarecer o meu ponto de vista.

Alguns falam em caráter amoral da política.

Quadro 29 A – Protagonista José Arthur Gianotti

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Oposição/ações oposicionistas TEXTO 1 TEXTO 2 TEXTO 3 TEXTO 4 TEXTO 5 TEXTO 6 Se nós acompanharmos as ações oposicionistas, os noticiários, os editoriais e as colunas políticas dos jornais, rádios e televisões notaremos (ações oposicionistas,)que operam de modo a retirar do PT os dois lugares simbólicos que ocupa.

Quem está fazendo pó de seus símbolos, não somos nós, nem mesmo a oposição.