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7/23/2019 Intertextualidade: dilogos possveis .pdf
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PRESENT O
Aintertextualidade constitui um
dos
grandes
temas
a cujo
estudo
se tm dedicado, sob perspectivas toricas distintas, tanto a Lingus-
tica Textual como uma srie de
outras
disciplinas, particularmente a
Teoria Literria, no interior da qual o conceito teve origem. A crtica
literria francesa Julia Kristeva, responsvel pela introduo
do
con-
ceito na
dcada de
1960,
com
base no postuladodo dialogismo bakhti-
niano, concebe cada texto como
constituindo
um intertexto numa
sucesso
de
textos j escritos
ou
que ainda
sero escritos.
A Lingustica Textual, como iremos ver
no
desenvolvimento des-
te volume, incorporou o
postulado
dialgico de Bakhtin (1929), de que
um texto (enunciado) no existe nem
pode
ser avaliado e/ou com-
preendido
isoladamente: ele est sempre em dilogo com outros textos.
Assim, todo texto revela uma relao radical de
seu
interior com seu
exterior. Dele fazem parte outros textos que lhe do origem, que o
predeterminam
com os quais dialoga, que ele retoma, a que alude ou
aos quais se ope.
Segundo
Bakhtin (1986, p .162), o
texto
s
ganha
vida
em
contato com outro
texto (com
conte
xto).
Somente neste ponto de contato
entre textos que uma luz brilha, iluminando tanto o posterior como oante-
rior, juntando dado texto a um dilogo.
Enfatizamos
que
esse
contato um
contato dialgico entre textos
por
trs desse contato est um contato de
personalidades
e no de coisas
Sendo assim, este livro tem como principal objetivo analisar, com
o auxlio
de
muitos exemplos, essa necessria presena do outro na-
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KOCH
BENTES
C V LC NTE
quilo
que dizemos
escrevemos)
ou
ouvimos lemos),
procur ndo
d r
conta
d s du s
facetas desse fenmeno: a inter textualidade
em
sentido
mplo
lato
sensu ,
constitutiva de todo e
qu lquer
discurso, e a inter-
textualidade stricto sensu,
test d pel
presena necessria de
um
intertexto.
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INTRO UO
Se pretendemos lanar um olhar sobre o fenmeno
da
intertex
tualidade, faz-se necessrio ter claro
em
mente o conceito
de
texto
sobre o qual nos iremos debruar, j que este conceito no de con
senso
no
s entre as diferentes disciplinas tericas
que
o
tomam
como
objeto, mas inclusive,
no
interior da Lingustica Textual, pelo fato de,
nas
vrias etapas
de seu
desenvolvimento, ter ele passado
por
uma
sr
ie de transformaes, conforme as perspectivas adotadas
em
cada
momento.
Assim, num primeiro momento (segunda metade dos anos 1960),
o texto foi visto,
pela
maioria dos pesquisadores, como uma entidade
abstrata, o signo lingustico primrio (Hartmann, 1968), a unidade
mais alta
do
sistema lingustico, cujos elementos e regras combinat
rias cabia Lingustica Textual determinar. Foi nesse perodo, portan-
to,
que
tiveram grande
impul
so os estudos sobre os mecanismos
de
coeso textual, ou seja, os recursos da lngua que
permitem
estabelecer,
entre os elementos constituintes
de
uma superfcie textual, relaes
sinttico-semnticas que
lhe garantam a continuidade
de
sentido.
No
se fazia, ento, distino clara
entre
coeso e coerncia, termos
muitas
vezes
usados como
intercambiveis e /
ou
equivalentes.
Em um segundo momento, j na segunda metade
da
dcada
de
1970, ocorreu o que
se
chamou,em Koch (2004), de viradapragmtica ,
alterando-se e alargando-se
em
muito o conceito primitivo
de
texto, por
influncia de teorias de ordem enunciativa, como a Teoria da Ativida
de
Verbal, a Teoria dos Atos
de
Fala e a Teoria da Enunciao cf. Koch,
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KOCH
BENTES C V LC NTE
2004). O objeto de estudo passa a ser o texto-em-funes (Schmidt,
1978), cuja constituio determinada
por
uma srie
de
fatores
de
na
tureza pragmtica, como
intencionalidade
aceitabilidade
situacionalidade
informatividade intertextualidade
ao lado
da coeso
e
da coerncia
cujos
limites passam, agora, a
ser
traados de forma mais precisa cf. Beau
grande e Dressler, 1981; Van Dijk, 1978; 1981; Charolles, 1983).
Os anos 1980, por
sua
vez, caracterizaram-se pela incorporao,
nas
pesquisas
em
Lingustica Textual,
dos
mecanismos, processos,
estratgias
de ordem
cognitiva responsveis
pelo
processamento tex
tual e pela construo dos sentidos,
de
forma a ampliar-se grandemen-
te o conceito de texto e, por decorrncia, o objeto da prpria Lingus
tica Textual, conforme se
pode
verificar
em
Marcuschi
1983):
Proponho que se veja a LT, mesmo
que
provisria e genericamente, como
o
estudo
das operaes lingusticas e cognitivas reguladoras e controla
doras
da
produo, construo, funcionamento e recepo de textos
escritos
ou
orais. Seu tema abrange a coeso superficial ao nvel
dos
constituintes lingusticos, a coerncia conceitual ao nvel semntico e
cognitivo e o sistema
de
pressuposies e implicaes ao nvel
pragm-
tico da produo de sentido no plano das aes e intenes. Em suma,
a
LT
trata o texto como um ato de comunicao unificado num comple
xo universo de aes humanas. (p. 12-13)
Percebe-se, ento, que coeso e coerncia no podem ser vistas de
forma totalmente estanque, visto que,
na
construo
de
ambas, operam
processos de ordem cognitiva,
de
tal modo que se deveria pensar
em
um
contnuo: haveria alguns fenmenos mais tpicos
de
coeso (por
exemplo, as anforas diretas correferenciais), e outros mais tpicos de
coerncia (deteco
da
presena
de
intertextualidade, construo
da
macroestrutura global
do
texto), caminhando-se de um polo a outro
do
contnuo conforme a complexidade
das
inferncias exigidas
no
processamento. Dessa forma,
em
se tratando
de
fenmenos como a
referenciao a interpretao
de
enunciados justapostos
sem
a presen
a de articuladores, haveria uma imbricao necessria entre coeso e
coerncia,
pois
estaria em j
ogo
um clculo de
sentido
(Koch, 1999).
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INTERTEXTUALIDADE: dilogos possveis
13
Nova reviravolta vai ocorrer a partir dos
anos
1990, quando da
adoo do sociocognitivismo e do interacionismo bakhtiniano,
pas-
sando o texto a
ser
visto como:
[ ]
lugar
de constituio e de interao de sujeitos sociais, como even
to, portanto, em que convergem aes lingusticas, cognitivas e sociais
Beaugrande, 1997), aes por
meio
das quais se constroem interativa
mente os objetos-de-discurso e as mltiplas propostas de sentidos, como
funo de escolhas
operadas
pelos coenunciadores entre as inmeras
possibilidades de organizao que cada lngua lhes oferece .. construto
histrico e social,
extremamente
complexo e
mu
ltifacetado . Koch,
2002,
p. 9)
, portanto
,
luz
deste ltimo
paradigma,
que a Lingustica Tex
tual vem desenvolvendo suas pesquisas, e dessa perspectiva que
procedemos
aqui ao
tratamento do fenmeno da intertextualidade,
que vem constituindo um dos grandes temas a cujo estudo se t
m
dedicado, tambm,
sob pontos
de vista tericos d istintos, a Anlise
do
Discurso
(por
exemplo,
Maing
u
eneau
2001) e, no Brasil, Fior
in
Barros 1994) e Brait 1997), entre outros); a Lingustica Antropolgica
(cf.Bauman,2004); e a Teoria Literria f.Kristeva, 1974; Genette,1982;
Jenny, 1979),
no
interior
da qu
al o conceito teve sua origem.
Escreve o
Dicionrio
de linguagem e lingustica de Trask 2004):
O conceito de in tertextualidade foi
introduzido
na dcada de 1960,
pela
crtica literr ia francesa Julia Kristeva. Num sentido mais bvio, o termo
pode ser aplicado aos casos clebres em que
uma
obra literria faz aluso
a ou
tr
a ob
ra
literria:
por
exemplo, o Wisses de
J
Joyce e a Odisseia
de
Homero
entre outros); o romance
Lord
of lies
de
W
Golding e o livro
The coral island
de
R
M. Ballantyne; as ltimas obras de Machado de
Assis e o
Eclesiaste;
a
Inveno
de
Orfeu
de Jorge de Lima e Os
lusadas
(p. 147)
Salienta ainda o Dicionrio que a inteno de Kristeva tem apli
cao
ma
is ampla: ela encara
cada
texto como cons
tituindo um
inter-
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KOCH
BENTES C V LC NTE
texto numa sucesso
de
textos j escritos ou que ainda sero escritos
p. 147).
Segundo
Kristeva (1974),
qualquer
texto
se
constri como
um
mosaico
de
citaes e a absoro e transformao
de
um
outro
texto
(p. 60 . nessa
mesma
linha de pensamento que Greimas (1966) afirma:
O texto
redistribui
a lngua. Urna
das vias dessa
reconstruo a
de
permutar
textos, fragmentos de textos que existiram
ou
existem
em
redor
do texto considerado, e,
por
fim, dentro dele
mesmo;
todo texto
um
intertexto; outros textos esto presentes nele,
em
rveis variveis, sob
formas mais
ou
menos reconhecveis.
A Lingustica textual como iremos
ver
no desenvolvimento deste
trabalho,
incorporou
o
postulado
dialgico de Bakhtin (1929), de que
um
texto (enunciado)
no
existe nem pode
ser
avaliado e/ou com
preendido
isoladamente: ele est sempre em dilogo
com
outros textos.
Tambm
na
Anlise
o
discurso
encontram-se posies
de
certa
forma semelhantes (mantidas, evidentemente, as diferenas de pers
pectiva terica). Assim,
podemos
ler em Pcheux (1969):
[ ..]
Deste modo, dado discurso
envia a
outro,
frente ao
qual
urna
res
posta direta
ou
indireta,
ou
do qual ele orquestra
os
termos principais,
ou
cujos argumentos destri. Assim que o processo discursivo
no
tem,
de direito, um ircio: o
discurso se
estabelece
sempre sobre
um
discurso
prvio.
Da mesma
forma,
Maingueneau
(1976), ao afirmar
que
o intertex
to
constitui
um dos
componentes decisivos
das
condies de produo,
ressalta:
um
discurso
no vem ao
mundo numa inocente solitude,
mas
constri-se atravs de um j-dito em relao ao
qual
toma posio
p. 39).
A questo
vem sendo
examinada, tambm,
sob
o ngulo sociose
miolgico. Assim, para Vern (1980), a pesquisa semiolgica deve
considerar trs dimenses do princpio da intertextualidade:
7/23/2019 Intertextualidade: dilogos possveis .pdf
7/8
INTERTEXTUALIDADE
ilogospossveis
15
a)
as
operaes produtoras
de
sentido so sempre intertextuais
no interior de um certo universo discursivo (por exemplo, o
cinema);
b) o princpio
da
intertextualidade aplica-se tambm entre do
mnios discursivos diferentes (por exemplo, cinema e TV);
c no
processo
de produo de
um discurso,
h
uma relao
intertextual com outros discursos relativamente autnomos
-manuscritos,
rascunhos,
primeiras verses e verses in
termedirias - que, embora funcionando como momentos
ou
etapas da produo, no vo aparecer na superfcie
do
discurso
produzido
ou terminado . Mas o
estudo de
tais
textos pode oferecer esclarecimentos fundamentais no s
sobre o processo
de produo em
si (veja-se a
pesquisa da
Crtica Gentica), como tambm sobre o processo de leitura,
no
nvel
da
recepo. Trata-se, conforme as palavras
de
Vern,
de
uma intertextualidade profunda , j
que
tais textos, que
participam do processo de produo de outros textos, no
atingem jamais (ou
muito
raramente) a consumao social
dos discursos.
Ainda segundo
Vern (1980, p. 82), a anlise semiolgica s
pode
avanar por diferena, isto , por comparao entre objetos textuais:
Um texto no tem propriedades em si : caracteriza-se somente por
aquilo que o diferencia
de
outro texto [ ..].Por isso, tambm a noo
de intertextualidade no se refere
apenas
verificao de um dos as
pectos
do
processo de
produo
dos discursos,
mas
tambm expres
so de uma regra de base do mtodo [ ..
];
trabalha-se sempre sobre
vrios textos, conscientemente
ou
no, uma vez que as operaes na
matria significante so,
por
definio, intertextuais.
Todo texto , portanto,
um
objeto heterogneo, que revela uma
relao radical
de seu
interior com
seu
exterior. Dele fazem parte outros
textos que
lhe
do origem, que o predeter
minam,
com os quais dialo
ga, que ele retoma, a
que
alude ou aos quais se ope.
Nas
palavras
de
Bakhtin,
7/23/2019 Intertextualidade: dilogos possveis .pdf
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16
KOCH BENTES C V LC NTE
O texto s ganha vida
em
contato com outro texto com contexto). So
mente
neste
ponto
de contato entre textos
que uma luz
brilha, ilumi
nando tanto o posterior como o anterior, juntando dado texto a
um
dilogo. Enfatizamos
que
esse contato um contato dialgico entre
textos
Por
trs desse contato est um contato de personalidades e
no
de coisas. Bakhtin, 1986, p. 162)
Cabe, tambm, lembrar que a Lingustica Textual tem mostrado
que
a comparao
dos
textos
produzidos
em dada
cultura permite
depreender as propriedades formais, estilsticas e temticas comuns a
determinados
gneros textuais intertextualidade metagenrica), bem
como estruturas comuns a cada um
dos
tipos textuais intertextuali
dade tipolgica). Tais propriedades so representadas na memria
social sob forma
de
esquemas cf.,
por
exemplo, Van Dijk e Kintsch,
1983; Van Dijk, 1983; 1989), que desempenham papel de grande rele
vncia
no
processamento textual,
quer em
termos de produo, quer
em termos de compreenso.
m razo desta - necessria - presena
do
outro naquilo
que
dizemos escrevemos)
ou
ouvimos lemos) que
postulamos
a exis
tncia de
uma
intertextualidade ampla, constitutiva de
todo
e qualquer
discurso, a par de uma intertextualidade
stricto sensu
esta ltima ates
tada, necessariamente, pela presena
de um
intertexto.