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SUELI APARECIDA NARDES
A INTERTEXTUALIDADE ENTRE OS SERTOES E 0 FILMEGUERRA DE CANUDOS
Trabalho de conclusao de curso apresentado paraobtenr;ao do titulo de graduado em tetras Portugu~slngll!!s pela Faculdade de Ci~ncias Humanas Lelrase Artes sob orienta~o da professora Maria lucia.
CURTIBA2009
RESUMO
o objetivo do presente trabalho enfoca a estudo do livre as Serfaes, que
mesma depois de cern anos continua a estimular estudos e obras correlatas e
campara-Ie com 0 filme Guerra de Canudos no intuito de descobrir as
semelhanyas e diferenyas destacadas pelo escritor e diretor na constrUyaO de
suas obras, e que novo sentido 0 diretor Ihes atribui ao resolver reescrevEHa a
seu tempo.
Intenciona tambem camparar as personagens criados par Euclides e
Rezende, no que diz respeito a religiosidade, e demonstrar como cada urn dos
autores trata esta questao nas atitudes de cada urn dos personagens
principalmente de Antonio Conselheiro, lider do movimento.
Palavras chave: Guerra de Canudos, similaridades, diferen<;:as,
intertextualidade, religiosidade.
SUMARIO
Dedicat6ria.. . 03Agradecimentos . . 04Epigrafe.... .. 05Resumo... . 06Sumario... . 07Introdu98o.... . 081. Contextualiza98o.. . 131.1 Historica.. . 131.2 Vida e Obra.. . 141.3 Estilo Euctidiano.. . 152. 0 Romance: as Sertoes... 182.1 A terra.... .. 192.2 0 Homem.. .. 202.3 A Luta 212.4 Antonio Conselheiro aos olhos de Euclides... .. 213. A Guerra.. . 253.1 A Primeira Expedit;8o.. . 253.2 A Segunda Expedi,iio... .. 263.3 A Terceira Expedic;c3o... . 263.4 A Quarta Expedi980 e a Chacina.. . 274. 0 Filme: Guerra de Canudos... . 284.1 Linguagem Cinematografica.. . 294.2 Cenario.... . 324.3 Personagens.. . 334.4 Antonio Conselheiro aos olhos de Rezende... . .. 355. Tragando um paralelo das Diferengas e Semelhangas.. . 375.1 Comparagoes Bfblicas.. . 40Consideragoes Finais.. . 43Referencias . . 44
Introduc;ao'o presente estudo focaliza "Os Sertoesft
, de Euclides da Cunha, que mais
de cem anos depois de sua publicagao (1902), continua a estimular estudos e
obras correlatas. Esse e 0 caso da "Guerra de Canudos", filme dirigido por Sergio
Rezende, distribuido em 1997, ocasiao do centenario do confllto, que tambem
sera analisado numa leitura contrastiva com 0 texto original.
o objeto de estudo focaliza a romance "Os Sertt'5es", de Euclides da Cunha
e 0 filme "Guerra de Canudos", de Sergio Rezende, para se comparar
semelhangas e diferengas entre os dois textos.
Os Sertoes e um relata da Guerra de Canudos. E uma abra litera ria com
dad os importantes do cotidiano da guerra, porem deturpada pela visao
dominante. Como tantos outros livros, "Os Serfees" nao considera a esperteza do
jagungo um saber proprio de um povo. Essa leitura de Canudos pel a otica do
jagungo e uma provocagao para a imagina<;ao criativa do leitor que nao se
satisfaz com a Historia oficial. Sendo assim, e necessaria acrescentar outras
leituras possibilitando uma visao diferenciada sabre a tema proposto, como por
exemplo, a filme Guerra de Canudos.
Basi (1996) considera que 0 livre posta entre a literatura e a sociologia
naturalista assinala um fim e um camec;a: a tim do imperialismo litera ria, a comec;a
da analise cientifica aplicada aos aspectos mais importantes da sociedade
brasileira
Justifica-se esta pesquisa no sentido de acrescentar outras leituras
possiveis sobre a tema proposto permitindo aos leitores enriquecer 0 seu
crescimento estetico.
Segundo Tania Carvalhal (2006), comparar e um procedimento que faz
parte da estrutura de pensamento do homem e da organizar;ao da cultura.
Sempre que a cornparac;ao e usada como recurso no estuda critica, passibilita
uma explorac;.3.oadequada de seus campos propostos.
Com base nestes argumentos, apresenta-se a problematica deste estudo,
assim enunciado:
Oe que forma a texto Os Sert6es se relaciona com 0 filme Guerra de
Carludos e quando urn ponto de confluencia, semelhanc;as e diferenc;as entre eles
poderao ser apresentadas como evidencia de intertextualidade? Qu, em autras
- 8-
palavras, se a roteirista Sergio Rezende decidiu reescreve-Io (copia-Ie, enfim,
reconta-Io no seu tempo) que novo senti do Ihes atribui com este deslocamente?
Como hipotese, presume-se Que e passivel sim fazer leituras contrastivas
entre as obras e encontrar semelhanyas e diferen9as, pais a metallnguagem
aponta para urn processo relacional entre linguagens e, tratando-se de literatura,
sempre havera esse dialogo intertextual. A intertextualidade, portanto, e uma
forma de metalinguagem onde se toma como referencia uma linguagem anterior,
pais seguindo orientayoes de Kristeva citada por Carvalhal (2006), todo texto se
constroi como mosaico de citayoes, carregados de outros textos, inclusive do
"texto" da realidade.
o objetivo geral da presente pesquisa e esb09ar a arcabou90 teorico que
dispunham a autor de Os Sertees e a Diretor/roteirista de Guerra de Carludcs
para analisar a contexto de produ9ao, tanto do livro, como do filme e identifiear 0
sentido da expressao literatura com parada como um procedimento mental que
favorece a generaliza9ao ou a diferenciac;:ao.
Sao dais as objetivos espeeificos: a primeiro e aprofundar as questoes
teorieas e praticas das intertextualidades para se observar as similaridades e
diferenc;:as entre a texto as Sert6es e 0 filme Guerra de Canudcs; a segundo,
identificar como sao constituidas as personagens, principalmente a figura de
Antonio Conselheiro, dando enfase a fonte religiosa, atraves do fanatismo
praticado pel a protagonista e demais personagens.
Como metodologia, este trabalho prop6e urn estudo que se baseara ern
buscar as origens e a evolu9aO do conceito de intertextualidade. Com isso,
espera-se preparar suficientemente a malha teorica para a posterior analise
desses conceitos em face dos textos escolhidos. Dessa forma, enfrentam-se
questoes relevantes para a literatura comparada e rompe-se com as fronteiras,
nao somente em termos de Literatura Nacional, mas tambem das que permeiam
as conceitos de texto e disci pi ina. As noc;:6es de intertextualidade, isto e, as
confluencias entre textos buscam seus aspectos metodol6gicos embasados na
literatura com parada. A comparac;:ao nao e um metoda especifico e, sim, urn ato
logieo-formal paralel0 a uma atitude dedutiva, favorecendo a generalizac;:ao au a
diferenciac;:ao.
Carvalhal (2006) ainda afirma que 0 sentido da expressao "Iiteratura
- 9-
com parada", complica-se ainda mais ao se constatar que nao existe apenas uma
orienta gao a ser seguida e que as vezes e adotado certo ecletismo metodologico.
Quanta ao diretor do filme, Rezende, baseia-se em teorias semelhantes a
de Euclides, ao manter-se fie I a tecnicas estrangeiras para representar uma
realidade genuinamente brasileira.
Cabera a esta pesquisa avaliar ate que ponto e de qual forma as duas
obras contribuem para a formagao de uma consciencia nacional, tanto sobre 0
conflito como a natureza do brasileiro.
Como suporte teorico recorre-se a Tania Carvalhal (2006) que conceitua
literatura com parada como a investigagao literaria que confronta duas ou mais
literaturas. Nao apenas aproxima-Ias, mas descobrir, tanto as semelhangas como
as diferengas, entre elas
Ainda afirma a autora que "Literatura com parada" rotula investigagoes bem
variadas, com diferentes metodologias, e pela diversificagao dos objetos de
analise concedem a literatura comparada vasto campo de atuagao, temas,
motivos, mitos etc. A diversidade de estudos acentua a complexidade da questao.
A literatura comparada confronta nao so pel a procedimento em si, mas
como recurs a analftico e interpretativo. A comparagao possibilita a este tipo de
estudo literario uma exploragao adequada de seus campos de trabalho.
A comparagao, afirma Carvalhal (2006), e sempre binaria, isto e, entre dais
autores. E a fungao da literatura comparada e buscar as filiagoes de cada autor
em questao, busca as raizes de cada um. Par isso ela diz que a autor
contemporaneo releu 0 anterior para produzir sua obra. Se a obra primeira nao
era tao conhecida, passa a ser a partir da escrita do ultimo. Ou seja, tornam-se
devedores um ao outro
Oiz-se entao, segundo Bakhtin e Tynianov, (citados por CarvalhaI2006),
que todo texto e absorgao e replica de um ou varios textos, 0 processo de escrita
e visto como resultado de um processo de leitura. Para as comparativistas nao
importa qual obra e mais antiga ou qual e mais recente, e sim, se elas se
correlacionam entre si.
Nesta mesma linha, Julia Kristeva, (citada por Carvalhal 2006), chega anogao de intertextualidade, e embora ela quisesse desvincular a questao da
intertextualidade dos estudos, contribuiu para que fosse renovado, isto e, abala a
- 10-
velha concepc;ao de influencia e desloca 0 sentido da divida tao ressaltada
anteriormente, entao a que era entendido como dependencia passa a ser
procedimento natural e continuo de reescrita.
Sendo assim, aS comparativistas nao se ocupam apenas em contestar a
que um texto resgata do outro, mas 0 que levou um autor reler textos anteriores e
que sentido Ihes atribui, levando em considerat;aa dais conceitos: par6dia e
estilizat;ao.
Seguindo ainda nesta vertente de pensamento, Afonso Romano de
Sant'Anna (2007) vai mais adiante. Ele percebe que ao trabalharem somente com
dois conceitos os comparativistas deixam a questao em estado embrionario. A
par6dia tem sido estudada de forma isolada, entao, ele pro poe a inclusao de
outras elementos, parafrase e apropria9ao, para que sejam estudados
junta mente, pois, com os conceitos de ~efejton, udesvion e "aproximat;8Io", podera
se entender melhor os tipos de apropria90es encontrados nos textos literarios.
Romano de Sant'Anna (2007) cita alguns nomes que trac;aram definic;oes
de par6dia, como por exemplo, Brewer, em seu dicionario de literatura: "Par6dia e
uma ode que perverte 0 sentido de outra ode (grego: para-ode), isto se deu
porque a ode era um poem a para cantado ao lado de outra ode, tendo, portanto,
tem origem musical.
Na sua concepc;ao existem tres tipos de par6dia: a verbal, com a alterat;ao
de uma au outra palavra; a formal, em que as estilos e as efeitos tecnicos de um
escritor sao usados como forma de zombaria; e a tematica, em que se faz a
caricatura da forma e do espfrito do autor.
Ele afirma ainda que, mode rnamente a par6dia se define atraves de um
jogo de intertextualidade, quando a autor utiliza texto de outros para escrever sua
pr6pria obra
Romano (2007) cita 0 estudo de Tynianov, onde ele sofistica 0 conceito de
par6dia lado a lado com 0 conceito de estiliza9.3.0. Para ele, a estllizac;ao esta
pr6xima da par6dia, uma e outra tern vida dupla. Assim sendo, a par6dia de uma
comedia pode ser uma tragedia e a par6dia de uma tragedia pode ser uma
comedia. Mas quando ha a estilizaC;ao, nao ha mais discord€mcia, e sim,
concordancia dos dois pianos: 0 do estilizando e a do estilizado. Pode-se dizer,
entao. que a estiliza9ao caminha na mesma diret;.3.o do texto e par6dia caminha
-11-
ern diregao oposta, distorcendo 0 sentido. Enfirn, da estilizagao a par6dia nao ha
mais que urn passo, quando a estilizagao tem uma rnotivagao carnica ou e
fortemente marcada, se converte em par6dia.
Quanto a par3frase, pode se definir assim, segundo 0 autor; ue a
reafirmagao, ern palavras diferentes, do mesmo sentido de uma obra escrita, isto
e, a afirmagao geral da ideia de uma mesma abra camo esclarecimento de uma
passagem de dificil entendimento", pode Se dizer que e uma traduc;ao, isto e, a
obra passar a existir a partir da [eitura de outro texta
Neste casa, 0 autor canclui a ideia da seguinte forma: a par6dia deforma,
ou seja, inverte a significado: a paratrase conforma, com um grau minima de
alterac;aa e a estilizac;ao, reform a com urn desvio talerave!.
Em relac;ao a apropria<;ao, outro recurso de deslocamento, discorda da
estilizagao e se opoe a parafrase. A apropriagao e fruto da abson;ao do material
lido para a construg3a de outro texto cam outro significado.
- 12-
1. CONTEXTUALlZA9AO
1.1 HIST6RICA
Apesar de 0 Pre-Modernismo nao se estabelecer como uma escola literaria
pade assim ser chamado 0 periodo que compreende as primeiros 20 anos do
seculo XX, ende se destacaram alguns autores, em cujas caracterfsticas
percebem-se a precocidade da visao critica da realidade brasileira, que viria a se
desenvolver no Modernisrno. Cujo objeto deste estudo se refere a urn destes
grandes nemes, Euclides da Cunha.
Estes autores ja promovem uma ruptura com 0 passado, utilizando-se de
urn can~ter inovador, 0 regionalismo, mostrando urn vasto painel brasileiro, 0 tipo
humano marginaJizado, au seja, mostra-se a figura do sertanejo nordestino, a
caipira etc., a liga9ao com fata politicos, econ6micDS e sociais e a den uncia da
realidade brasileira, onde a realidade oficial passa a ser a tematica do periodo.
Apes a Proclama<;:ao da Republica, em 1889, 0 Brasil foi comandado por
dois Presidentes militares: Marechal Deodoro da Fonseca e Marechal Floriano
Peixoto, responsaveis pela instala<;:ao e consolida<;:ao do regime republica no em
nosso pais. Este periodo e lembrado como a Republica da Espada (1889-1894).
Em 1894 assume a presid€mcia do Brasil, Prudente de Moraes, 0 primeiro
presidente civil da nossa histeria. Nosso pais inicia uma nova fase: a chamada
Republica das Oligarquias ou Republica Cafe com Leite. A chamada Republica
Velha (1894-1930) assentava-se na hegemonia dos proprietarios rurais de Sao
Paulo e de Minas Gerais. Era conhecida como a Republica Cafe com Leite,
formula que reconhecia a lavoura cafeeira somada a pecuaria 0 devido peso nas
decisoes economicas e polfticas do pais. Nessa fase, 0 poder politico sofre a
influencia de grandes fazendeiros, sobretudo dos ricos cafeicultores.
Enquanto 0 sui e 0 sudeste atingiam urn per[odo aureo, sustentados pela
ascensao do cafe, 0 Nordeste sofria as conseqOencias econornicas e sociais do
acelerado declinio da cana- de - a<;:ucar.
A Republica nao correspondia e as tao esperadas transforma90es estavam
longe de acontecer. Os contrastes entre os dois Brasis eram visiveis. De um lado,
a elite detinha 0 dinheiro e 0 poder representado pelas oligarquias furais, de
- 13-
outr~, as camadas sociais nao favorecidas sofriam as diversidades produzidas
pelo clima e falta de prosperi dade.
Esse quadro de tensao e desigualdade resultou em agitar;:oes socia is em
alguns pontos do pais. Os conflitos deram-se em tempos e lugares diferentes. S6
para exemplificar: 0 fen6meno do canga<;:o, a caso do padre Cicero em Juazeiro,
as movimentos operarios em Sao Paulo (1914-18). Destes movimentos, 0 nucleo
jagunr;:o de Canudos, materia de Os Sertoes de Euclides da Cunha, sera focado
neste estudo.
1.2 VIDA E OBRA
EuC\ides Rodrigues Pimenta da Cunha nasceu em Cantagalo, Rio de
Janeiro, no dia 20 de janeiro de 1866 e ai morreu, em 1909. Logo cedo, aos tres
anos de idade, ficou 6riao de mae, e como 0 pai um guarda-livros que percorria
fazendas fluminenses, nao podia assumir a responsabilidade, foi criado por
parentes mais pr6ximos. Apos haver conC\uido 0 ginasio e a colegio, no Rio de
janeiro, ingressou, em 1884, na Escola Politecnica, para cursar Engenharia. Par
motivos financeiros do pai, acabou escolhendo a carreira das armas, pois esta Ihe
proporcionaria maior seguran<;:a e tranquilidade
Em 1886 transferiu-se para a Escola Militar da Praia Vermelha, no Rio de
Janeiro que entao passava par uma fase de ardente positivismo republicano.
Euclides, ainda cadete, num ate de apaixonada adesao a doutrina que recebera
dos mestres, afronta 0 Ministro da guerra que visitava a Escola, lan<;:ando fora 0
proprio sabre; e excluido do Exercito e, confessando-se militante republicano,
esta para ser submetido a Conselho de Guerra quando D.Pedro II lhe concede
perdao. Mais tarde, com a prociama<;:ao da Republica reintegra-se no Exercito e
passa a alferes-aluno. Cursa, de 1890 a 1892, a Escola Superior de Guerra,
formando-se em Engenharia Militar e bacharelando-se em Matematica, Cielncias
Fisicas e Naturais. Oedica-se a profissao de engenheiro e trabalha na Estrada de
Ferro Central do Brasil. Por motivos politicos e afastado do Exercito e passa
trabalhar em Sao Paulo como Superintendente de Obras.
Em 1897 colabora pela segunda vez para 0 Estado; entre outros artigos
comenta sabre Canudos, que interpreta como uma revolta insuflada por
- 14-
monarquistas renitentes. Neste artigo, sob 0 titulo a nossa vendeia, ele nao
hesitou em fazer urn paralelo entre os jagunc;:os, que 0 governo brasileiro
procurava vencer nos sertoes e a revoluyao frances a que tambem tentava
esmagar os sertanejos nas charnecas da Bretanha. Aqui como na Vendeia a
Republica tambem sairia triunfadora.
o jornal manda~o com correspondente para acompanhar as operac;:oes que
o Exercito iria executar na regiao para destruir "0 foco" Euclides 113.permanece de
agosto a outubro de 1897; de volta poe-se a escrever Os Sertees, primeiro na
fazenda do pai, em Descalvado, depois em S.Jose de Rio Pardo (1898-1901)
para onde foi incumbido de reconstruir uma ponte. 0 livre, que sai em novembro
de 1902, alcanya repercussao nacional. Euclides e aclamado membro do Instituto
Historico e Geografico Brasileiro e eleito para a Academia Brasileira de Letras.
Em 1903, escreve Contrastes e Confront os, livro que tambem se prop6e a
continuar expondo os problemas brasileiros. Em 1905, vai para a Amazonia e
quando retorna publica Relatorio sabre 0 Alto Purus, resultado de seus estudos
como chefe da Comissao de Reconhecimento do Alto Purus, cargo designado
pelo Barao do Rio Branco, seu grande amigo e admirador. Em 1909, passa no
concurso para a cadeira de Logica do Colegio Pedro II. Fica pouco tempo, pOis,
par quest6es de hanra e assassinado. 0 historiadar e engenheira fai marto pelo
jovem tenente Dilermando de Assis. Euclides chegou armado para matar ou
marrer em nome da hanra, uma vez que sua mulher, Ana de Assis, abandonara~a
pelo tenente. Campeao de tiro, Assis, alvejou~o primeiro. Contava, ao marrer,
quarenta e tres anos de idade
1.30 ESTILO EUCLIDIANO
Para alguns, quanta mais inconfundivel for 0 estila nas suas marcas
interiores, tanto maior sera a personalidade do escritor.
A critica estrutural deslacau a eixa da analise e5tilistica para 3 campos da
semialogia, e com ela, a canceita de e5tilo trouxe novas conatac;:oes.
A maiaria das teoricos da literatura cansidera inseparavel a ideia de e5tila
da expressividade lingOistica, 5em a que nao havera literatura.
~ 15 -
Embora 0 estilo nao se esgote nos seus elementos forma is, e atraves da
representac;:ao verbal que se podem estabelecer as suas qualidades, estudar 0
seu mecanismo interno ou as linhas mais caracteristicas que presidiram a
elaborac;:ao.
o historiador da literatura Bosi (1998) afirma que nao se deve enquadrar 0
livre em Udeterminado genero", ja que Ma abertura a mais de uma perspectiva e 0
modo proprio de enfrenta-Io" Ha quem viu, caso de Afrfmio Coutinho, 0 texto
euclidiano como "obra de ficyao" Ha ainda aqueles, como Massaud Moises, que
entendem como ~c6moda" a posic;:ao de nao enfrentar a questao da classificac;:ao
da obra - dar dizer que 0 livre se trata de um "ensaio recheado de elementos
esteticos e literarios". A opiniao de Bosi e a mais coerente, e a que mais atende anatureza do livro. Isso porque a obra permite, efetivamente, varias entradas. Ela
acata leituras a partir de varios pontes de vista.
Achou-se necessario examinar 0 contexto social e cultural. Sende assim
expoem-se as teorias cientificas da epoca do Realismo, Naturalismo e
Parnasianismo, uma vez que 0 estilo de Euclides da Cunha foi fortemente
impregnado por estes estilos de epoca e atualizou muitas caracteristicas vi gentes
deste perfodo.
Atraves destes elementos, Euclides da Cunha elaborou 0 mundo sertanejo
Canudos e a arma militar atraves dos com bates
Segundo Basi ('1998):
E moderno em Euc1ides 0 desejo de descobrir 0 misterio da terra e do
homem brasileire. Os Sertoes sao obra de urn escritor comprometido com a
natureza, com 0 hornem e com a sociedade. A descric;:ao que Euc1ides faz da
terra, do homem e da luta situa Os Sertoes, de pleno direito, no nivel da cultura
cientifica e historica. Situando a obra na evoluyao do pensamento brasileiro, diz
lucidamente Antonio Candido:
Uvro posta entre a li/em/um e a sociologia na/uralisla, asSerlOes assina/am um fim e um comec;:o: ° fim do imperialisJllo literario eo comec;:o da analise cientffica apficada aos aspectos mais impot1allles
da sociedade br8sileira (no caso, as contradiC;:Oes coll/idas na diferellc;:a
de cullura efllre regi60s litor<1l1oas e 0 interior)
- 16-
Basi ainda afirma que a personalidade de Euclides da Cunha pende para
as conflitos violentos, par Isso as imagens de Antonio Conselheiro e seus
fanaticos, esmagados pelas "ra9as do litoral", entraram em sua consciencia e 113
ficaram eternamente
o engenheiro, Euclides da Cunha, deteve seu olhar na materia enos
determinismos racials que 0 seculo XIX Ihe ensinara aceitar sem reservas.
5e a critico afirma que 0 escritor de Os sertoes sofre todas as influencias
das teorias cientificas da epoca, e pertinente pesquisa-Ias e fazer urn estudo
critico das mesmas. Posteriormente sera necessario verificar como elas se
atualizam no romance em estudo.
o Realismo, 0 Naturalismo e 0 Parnasianismo sao as correntes artisticas
mais expressivas da segunda metade do seculo XIX ate 0 limiar do SE!culo XX, 0
escritor Euclides da Cunha, ainda total mente impregnado deste estllo de epoca,
atualiza em seu livro muitas das caracteristicas vigentes neste periodo. Este
momenta reflete no plano artistico, a consolidayao da burguesia e seu
fortalecimento, enquanto classe detentora do poder, em funy~1O do triunfo
definitivo do capital industrial sobre 0 capital de comercio, e da implementayao do
capitalismo avanyado,
o apogeu da Revoluyao Industrial, os avanyos cientificos e tecnol6gicos
marcaram profundas transformayoes na vida, na arte e no pensamento.
o impeto revolucionario e contestat6rio do periodo romantico, a exaltayao
da liberdade individual, da rebeldia sao substituidos por novas palavras de ordem:
a ciencia, 0 progresso, a razao, que interessam a c1asse dominante, no senti do da
estabilizayao de suas conquistas, de preservayao da ordem, de maximizayao da
produ.yao industrial.
A leva de escloitores que vivenciou estes ideais pode ser chamada de a
gerayao do materialismo, pois 0 desenvolvimento cientifico da epoca influenciou
toda a sua intelectualidade. Estudantes aderem ao cientificismo, ao materialismo,
opondo-se a metafisica.
Algumas doutrinas cientifico-filos6ficas dessa epoca deixaram marcas
muito visiveis na produ.yao litera ria. Oentre elas cila-se ° Positivismo, doulrina
desenvolvida por Augusto Comte, que consiste na observayao dos fen6menos
- 17-
submisSDS a imaginac;:ao. Em seus estl.:dus abrangeu varios campos. da Teoria do
Conhecimento a Sociologia, caracterlzado rei a orientaC;:3ocientificista que deu ao
pensamento filosofico, atribuindo a constituic;ao e ao processo da ciencia positiva
importancia capital para 0 progresso do conhecimento.
Outra teoria, tambem muito importante, fOl desenvolvida por Charles
Darwin. Parte do principia de que homem e 0 produto da evoluc;ao natural das
especies. Este pass a a ser visto especial mente sob 0 aspecto biofis;oI6gico,
tornado como ser animal, regido pelo instinto biol6gico, pelas mesmas leis que
regem todos os animais.
Ainda Qutra teoria merece ser destacada: 0 Determinismo, sistematizado
por Hypolite Taine, que prop6e que 0 comportamento humano seja determinado
por fo«;:as biol6gicas (0 instinto, a heranc;a genetica), sociologicas e ambientais
(ecologia, meio social) e historicas. Todos os fatos psicol6gicos e sociais sao
manifestac;:oes naturais que nada tern de transcendencia
Das teorias citadas, esta ultima, a de Hypolite Taine fai a que mais
influenciou a feitura do romance de Eliciides da Cunha, como sera demonstrado
neste estudo.
1\ descric;:aa minuciesa da terra, do homern e da luta situ a as Serloes como
uma leltura cientifica e historiea da realidade brasileira nordestina. Uma serie de
autores e tendemclas difundidas na epoca, de extrac;ao cientificista, passou a
influenciar na personalidade do jovem cadete. Os ideais foram repassados por
influencia direta com Benjamim Constant, urn intelectuaf brilhante e respeitado da
epoca. Com a eonvivencia direta ou nao com este professor, Euclides da Cunha
absorveu referencias teorieas de autores e correntes como 0 Determinisrno de
Taine, 0 Evolucionismo de Spencer. 0 Darwinismo racial, 0 positivisrno de Cornte,
a visao do hero; de Thomas Cary Ie, para quem a Historia era feita grac;as a ac;ao
des grandes homens.
2. 0 ROMANCE: OS SERTOES
o esquema determinista, de Hypolite Taine, ja se pode perceber na
- 18-
composir;ao da estrutura do Romance cujo nudeo e formado par tres partes: ~A
terraH, "0 hamem", "a luta~
Para que 0 escritor pudesse entender a forma cientifica das acantecimentos
ocorridos em Canudos era necessaria cansiderar 0 cruzamenta dos fatores
ambientais geograficos (A terra); das aspectos antropologicos necessarios para
se mostrar os cruzamentos entre as rar;as e 0 surgimento do sertanejo (0
Homem); das circunstancias historicas, culturais, politicas, sociais que
ocasionaram a guerra em Canudos (A luta). Nesta divisao percebe-se, portanto, a
familiaridade do escritor com 0 Cientificismo do final do seculo XIX,
particularmente a Determinismo de Taine, conforme citado acima.
2.1A TERRA
Na primeira parte, 0 escritor faz um minucioso relato das condi~6es flsicas
de Canudos, levando em conta 0 relevo, a clima, a fauna e a flora do lugar. A
profunda formar;ao de Euclides da Cunha em Ciencias Naturais e Geografia foram
fundamentais para a realizagao desse estudo, calcado, portanto, em bases
~cientificas"
Outro aspecto relevante para a realizagao dessa parte do livro foram as
informagoes repassadas pelo seu amigo particular Teodoro Sampaio. la
continuamente a casa do amigo para relatar episodios que presenciara na
caatinga. A medida que Euclides ia escrevendo as capitulos, nao deixava de leva-
los, aos domingos, a Teodoro, a fim de ouvir a seu juizo, debater as pontos
controvertidos. Esses capitulos diziam respeito a natureza fisica dos sert6es,
geologia, aspecto, relevo. E Teodoro, velho conhecedor da regiao entre 0 Sao
Francisco e a ltapecuru dava-lhe todas as informa~oes necessarias. Conhecendo
a regiao do vasto sertao baiano, antes de Euclides, foi-the inteiramente utH.
Oebatiam sabre a constituigao do solo, sabre as estudos de Hartt e Derby em
relar;ao as terras salgadas dos tabuleiros arenosos, das montanhas calcarias, 0
curso dos rios, a regime dos ventos e caracteristicas da flora. Teodoro Sampaio
foi a rna is valioso colaborador, nessa fase preparat6ria de seu livro. Como homem
desinteressado, deu-Ihe tudo a que sabia e tudo a que possuia sabre 0 Nordeste.
- 19-
E uma paragem impressionadora.As condiyOes estruturais da terra la se vincula ram a viole!ncia
maxima dos agentes exteriores para 0 desenho de relevos estupendos.o regime torrencial dos climas excessivos, sobrevindo, de subilo, depoisdas insolayoes demoradas, e embalendo naqueles pendores, expos amulto, arrebalando-Ihes para longe lodos os elementos degradados. asseries mais antigas daqueles ultimos rebenlos das montanhas: todas asvariedades crislalinas, e os quartzitos asperos, e as filadas e calcareos,revezando-se ou entrelatyando-se, repontando dura mente a cada passo,mal cobertos por uma flora tolhitya-dispondo-se em cenarios em queressalta, predominante. 0 aspecto atormentado das paisagens. (... )
(...) as pesquisas de Fred. Hartl, de fato, eSlabelecem nas lerrascircunjacentes a Paulo Afonso, a existencia de inegaveis baciascr~taceas.
2.20 HOMEM
Nesta parte, a escritor faz um estudo detalhado dos componentes que
forjaram as etnias que habitam a regiao e apresenta a sertanejo como uma sub-
raga, produto de multiplos cruzamentos. Faz urn estudo das bases antropol6gicas
do homem brasileiro, orientado pelas teorias raciais do sEkulo XIX. Oeste estudo
resulta urn ponto de vista de fundo preconceituoso em relagao ao sertanejo. Para
o escritor a hist6ria da humanidade se faz pelo dominio das ragas fortes sobre as
fracas. Mostra a prioridade da raga branca no processo de miscigena9:to, de
cruzamento e de mestigagem. A mistura de negros, portugueses, indios nao
permite a unidade racial do povo brasileiro. 0 sertanejo, visto como uma sub-raya
resultado de multiplos cruzamentos representa uma involugao biol6gica.
Percebe-se, mals uma vez a influencia dos modelos da Biologia e das
Ciencias Naturais para os estudos da sociedade e da cultura.
Mas este estudo e todo marcado par paradoxos e contradigoes, pais a certa
altura do livro encontramos:
o sertanejo C. antes de tudo, um forte. Nao tern 0 raquitismoexaus/ivo dos mestir;os neurastenicos do litoral (p81).
Com asta afirmar:;ao mostra as diferenc;as entre 0 mestiC;o dosertao e do litoral. 0 do serrao ficou isento da cultura ·superior', por ter{icado iso/ado da civilizat;tlo, perdido nas caatingas, longe das cidades e,par isso, /lao decaiu. Ja 0 do litoral, vivendo nas grandes cidades sofrello peso do desellvolvimenlo, sllcllmbiu e degenerou-se.
o livro retrata aquele mestir:;o do serttio atraves de alltltesescomo sendo 11m H{JrclIles- QIJasimodo, ou seja. gller(eiro, valente,porem feio, mirrado, quase om monstro.
(. ..) e da figura vulgar do labareu canlles/ro, repon/a,inespemdamente, 0 aspecto dominador de um tita acobreado e potente,I'um desdobramOflto stfrpreendente de rorfia e agilidade extraordinarias.(p81)
- 20·
2.3 A LUTA
Neste capitulo do livra, Euclides narra todo 0 conflito, ate seu final terrivel e
melanc6lico. Faz um relata das varias expedi90es contra Canudos e as
resistencias do sertanejo
Nesta parte do livro, as esquemas deterministas verificados ate entaD, vao
sendo eiiminados, e 0 texte, como 5e fosse uma epopeia ganha aspectos
dramaticos e relata a vioh~ncia e a barbarie da guerra. 0 ataque final das foryas
do exercito, ocorrido a 5 de outubro de 1897 poe fim a uma pagina negra da
nossa his tori a
(..) os triulltadores, aque/es triullfadores. os mais originais entrelodos os Iriunfadores memorado$ pela Hist6ria, campreenderam quenaquele alldar acabaria por devora-Ios, urn 8 !lm, 0 filtimo redutor:r;mbalido
2.4 ANTONIO CONSELHEIRO AOS OLHOS DE EUCLIDES
A guerra de Canudos e conhecida como um dos principais conflitos que
ocorreram em 1897, em Canudos, assinalando a queda da Monarquia e
estabelecendo a regime republicano no Brasil. Antes de entramos em detalhes
sabre a conflito da guerra, vale ressaltar aqui a trajet6ria do lider protagonlsta.
Antonio Vicente Mendes Maciel, Antonio Conselheiro, nasceu em
Quixeramobim, no Ceara, e viveu no meio da familia que possuia um padrao de
vida mediano. Teve uma boa educa9ao que Ihe proporcionou contato com a
Geografia, a Matematica e Unguas Estrangeiras. Apes a morte do pal, passou a
tomar eonta dos negecios da familia, porem nao obtendo muito sueesso,
abandonou e na mesma epoea casou-se com sua prima, e passou a exereer
fun90es juridicas na eidade de Campo Grande e Ipu. Mas foi abandonado pela
mulher 0 que Ihe rendeu vaguea90es pelo sertao nordestino.
Conheeeu uma eseultora e deste envolvimento tiveram urn filho, porem
Antonio Conselheiro os abandonou e continuou suas peregrina90es pelo sertao,
eonstruiu igrejas e passou a ser conhecido pela barba grisalha, bata azul,
sandalias de eouro e a mao apoiada em um bordao.
- 21 -
Possuia um espirito de lideran9a impressionante, capaz de arrebanhar para
sua jornada espiritual, inumeros fieis advindos de varias partes de cidades do
Nordeste, como Pernambuco, Ceara, Bahia e Sergipe. Sua peregrina9aO durou
mais ou menos uns quinze anos, ate 1871, quando fundou 0 arraial de Canudos,
sede de seu reinado
Alem do mais, tinha uma linguagem clara, limpida, transparente. Pregava a
biblia e suas cita90es latin as fundamentavam suas opinioes religiosas. Oeixava
transparecer a conhecimento das ideias dos mais importantes santos cat6licos,
como S. Agostinho, S. Tomas, S. Inacio e autores classicos como a poeta grego
Homero, a teatr610go Euripedes, 0 poeta latina Virgilio e a educador Quintiliano.
Citava, ainda, a martir cat61ico ingles Thomas Morus, autor do livro A Utopia, que
relata sua imagina<;ao de uma comunidade perfeita, que vivia em paz e igualdade.
Antonio conselheiro se serviu deste modelo pra organizar a comunidade sertaneja
de Canudos, e come<;ou, em 1893, a realizar sua utopia.
A Folhinha Laemmert. no Rio de Janeiro, em 1877 registrou a ocorrido:
Apareceu 00 sertlfo do norte, urn individuo, que se diz cllamarAntonio Conse/heiro, e que exerce grande influfmcia no espirito dasclasses popu/ares, servido-se de seu exterior misterioso e costumesasceticos, com que imp6e a ignorancia e a simplicidade. Deixou crescerc.' barba e cabelos. veste uma /(mica de afgodao e alimenta-set~nllemeflte, sendo quase lIfua m/I/uia. Acompanllado de duasprofessas, vive rezar terqos e fadainhas e a pregar e a dar conse/f,os astIlullidOes. que reune, onde Ille permitem os parocos; e, movendosentimen/os re/igiosos, vai arrebanlla/ldo a povo e guiando-o a seugas/a. Revefa ser homem inteligente. mas sem cu/tura
Em 1893, fixa-se na Bahia, em uma velha fazenda de gada, chamada
Canudos, e batizada mais tarde, pelo seu fundador, de Bela Monte. Ai teve inicio
uma intensa migra<;ao de fieis chegando ao final com mais de cinco mil
edifica<;6es, com uma populac;ao que excedia vinte mil pessoas. As pessoas
abandonavam a sua casa e todos as seus pertences e instalavam-se no lugar
santo, como eles 0 chamavam. Toda regiao comeryou a sentir falta de mao de
obra, pois quase toda a popularyao migrava para a terra do Santo Antonio
Aparecido.
o lider espiritual era 0 Antonio Conselheiro, seguido de uma irmandade,
pequenos comerciantes e 0 povo que para la se dirigia. Bela Monte se tornou uma
cidade independente, com norm as e condutas pr6prias. Defendia que os hom ens
- 22-
deveriam se Jivrar das opressoes e injusti4tas que Ihes eram impostas, buscande
superar os problemas de acordo com os valores cristaos e religiosos. A bebida e
o adulterio eram proibidos. Tambem 0 casamento civil, a circula4tao do dinheiro
republicano e a acumula4ta.o de bens materiais.
A norma era recusar 0 Estado, criticar 0 modelo republica no e afirmar
canudos como a terra santa, 0 lugar onde seria posslvel salvar-se do mundo
corrompido pel a a4ta.odo dinheiro, do presidente, dos padres que perderam a fe e
se aliararn aos interesses mundanos. Seguiam urn ideario meio confuse sem
saber ao certo a que se opunham. Queriam era mesmo a manuten4tao de um
espat;:o religioso que abrigasse 05 excluldos e onde fosse possivel viver a
verdadeira fe que ja nao existia fora de Canudos.
Ap6s 0 trabalho diario, todos 05 que quisessem se reuniam diante das
igrejas para ouvir Conselheiro. E a medida que Canudos cresci a Antonio
Conselheiro definiu algumas funt;:oes e atribuiu para pessoas de sua inteira
confian4ta, como Joa.o Abade que recebia as recem-chegados, Antonio Beato,
reporter de Canudos, Tim6teo era 0 sineiro, Manuel Quadrada, 0 curandeiro,
Pajeu era a comandante militar e Antonio Vila Nova guardava as armas e
munit;:oes.
Apesar da pobreza, ninguem passava fame; apesar de todos trabalharem,
ninguem era explorado.
Os dirigentes da igreja cat6lica percebendo que estavam sendo contrariados
nos seus interesses e perdendo influencias sobre muitas pessoas, em defesa
resolveram interferir, cheganda a Canudos, em 1895, 0 missionario Italiano Joao
Evangelista e mais dois sacerdotes; fica ram em Canudos 13 dias observando a
camunidade, ministraram casamentos. missas e batizados.
Num dos encontros com Conselheiro, frei Joao Evangelista expos a
Conselheiro que iria aconselhar 0 povo a dispersar, mas os canudenses ficaram
encolerizados com tal fa4tanha e protestaram contra 0 frei, pois entenderam que 0
abjetivo era que a tudo volta sse a ser como antes. "Acatar a proposta do frei era 0
mesmo que acabar com Canudas e negar a autoridade espiritual e moral de
ConselheiroH e 0 lider, Antonio conselheiro, fai categorico: "Eu nao desarmo
minha gente, mas tambem nao estorvo a santa missao" E assim, angariava cada
vez mais pessoas para sua grei. Ou seja, enquanto os padres pregavam 0 reino
- 23 -
dos ceus, Conselheiro prometia 0 paraiso terrestre.
Para os canudenses nao importava qual partido politico governava 0 pais,
eles defendiam 0 arraial de qualquer forc;;a que se opusesse ao Conselheiro e
alguns ate morreram defendendo seu guia.
As autoridades e setores dominantes viam na renovag30 social e religiosa
de Antonio Conselheiro uma ameaga a ordem estabelecida.
A aC;;aodo Antonio Conselheiro acabou provocando reagoes dos fazendeiros
e coroneis nordestinos, da igreja e dos republicanos em especial dos setores mais
radicais do Exercito, os jacobinos. Os canudenses passaram a serem vistos como
ignorantes, misticos, bandidos de varias especies, gente simples, liderados par
um louco que conspirava contra a nascente republica. E 0 Exercito decidiu enviar
tropas para destruir Canudos; a guerra estava instaurada.
Segundo Euclides da Cunha, as sertanejos que se refugiaram na vila de
Canudos, onde criaram um eslilo comunitario de vida, nao poderiam ser
considerados culpados, mas produto de uma serie de fatores economicos,
geograficos, raciais e historicos. Abandonados pelo governo, a populagao
miseravel do sertao, formada pel a mistura de banco com 0 negro e Indio, foi se
isolando cada vez mais, organizando-se em comunidades fechadas e muito
atrasadas culturalmente, facilitando 0 surgimento do misticismo e fanatismo
religiosos. Com isso, criava-se uma situac;;ao favoravel a atuagEio de lideres
capazes de arras tar multidoes com suas promessas de paraiso e redeng30.
Os sertanejos, esperanc;;osos, almejavam por uma situac;;ao de vida melhor,
viam a solugao em Antonio conselheiro, que deu conla deste papel, por possuir
muito carisma. E a populag30 que se agregava a ele foi aumentando cada vez
mais, causando incomodo e provocando a interierencia das tropas policiais. Esse
combale foi-se tornando cada vez mais violento, levando 0 governo, impotente
diante da situaC;;3o, a apelar para 0 exercito. Depois de diversos confronlos as
tropas federais conquistaram a vitoria, numa carnificina chocante que arrasou 0
arraial de Canudos.
- 24-
3. A GUERRA
o inicio da guerra de Canudos fol deflagrado por urn pequeno incidente.
Antonio Conselheiro precisava concluir uma das suas igrejas e mandou comprar
madeira em Juazeiro (SA) e pagou adiantado. Como a material nao foi entregue
no tempo marcado, 0 !ider dos canudenses resolveu ir pessoalmente buscar 0
lote de madeira comprado. Tal atitude foi mal interpretada pelo juiz da cidade, Dr.
Arlinda Leoni, que se <lproveitando da situac;ao, considerou 0 ato do beato comourn desafio a lei e uma amear;:a de invasao a Juazeiro.
Como as conselheiristas nao atacaram Juazeiro, 0 juiz mandou a tenente
Pires Ferreira ir ao encontro deles, para naQ ficar em ma posir;:ao diante do
governador
3.1 A PRIMEIRA EXPEDI<;:AO
o juiz, Or. Arlinda Leoni, solicitou ao governo estadual 0 envio de tropas a
fim de proteger a populagao da eidade, pensado na possivel invasao e ataque dos
canudenses. Chegaram a cidade, cento e sete homens eomandados pelo tenente
Pires Ferreira com a missao de prender a Antonio Conselheiro. Enviados a
Canudos, desde os primeiros instantes tiveram que enfrentar muitas dificuldades
oeasionadas pela seca, num terreno ingreme e longo (mais de cem qUiI6metros).
o resultado foi 0 que se esperava: a humilha9a.o e a derrota. Os canudenses
reagiram usando velhas espingardas, foiees, faeoes e garruchas. Diante da
resistencia inesperada, as sold ados entraram em panico, debandaram e
abandonaram suas armas no local.
A vitoria dos canudenses, em 21 de novembro de 1896, no povoado de
Uaua, nao fol ace ita pacifica mente pelo Estado. Estavam criadas as condigoes
para 0 inicio de uma luta contra Antonio Conselheiro e seus seguidores.
Embora 0 governador baiano nao quisesse 0 comandante do distrito militar
da Bahia, general Solon, conseguiu autoriza9ao pra uma nova expedigao.
3.2 A SEGUNDA EXPEDU;;AO
A segunda expe.·dic;ao reuniu quinhentos homens, comandados pelo major
Febronio de Brito e organizados em colunas macic;:as. Altern das armas
tradicionais, leva ram metralhadoras e dais can hoes.
o major Febronio avaliou mal a luta que teria de enfrentar nos sert6es,
passando 15 dias se preparando em Monte Santo, ao passar par Queimadas
deixou parte de suas munic;6es, julgando- as dispensaveis
Apes dais dias de marcha, sob a calor infernal e de percorrer por trilhas
pedregosas, as canhoes retardavam a chegada. Enquanto i550, as jagunc;os se
preparavam, com seus faeoes, faices, 8spingardas e vel has garruchas.
Antes mesma de come9ar a luta, as sold ados jil estavam exaustos. A
expediC;:3o acampou na Serra do Cambaio, distante de Canudos 13 quil6metros.
Os conselheiristas cOlTIe~am a gritar dando vivas ao "Conselheiro~, e as sold ados
sao emboscados pel as jagun~os em terrenos acidentados, no Morro do Cambaio
e em Tabuleirinhos. Perante as for~as militares, estaduais e federais, mais uma
vez as sertanejos saem vitoriosos.
Diante desta grande humilha~ao, a gaverno baiano telegrafa ao presidente
da Republica solicitanda ajuda federal para cam bater as canunendes, e como as
movimentos populares no Brasil, as for~as que representavam as classes
dominantes 5e uniram, au seja, instaura-se uma real guerra de exterminia.
3.3 A TERCEl RA EXPEDI<;:AO
o presidente interino da Republica, Manoel Vitorino, escolheu a famoso
coronel Antonio Moreira Cesar para comandar a nova expedic;:ao contra Canudos.
Faram mil e trezentas homens, armadas com canhoes Krup, recem-
importados da Alemanha, tragaram urn plano de acyao, porem sem os devidos
cuidados sabre uma regiao desconhecida.
A derrota das expedi~oes anteriares aumentou 0 prestigio de Canudos
junto aos sertanejos, passando a receber milhares de novas adeptos, refor~ando
a defesa com a construc;:ao das trincheiras.
- 26-
o coronel Moreira Cesar, subestimando os sertanejos, nao previu
dificuldades e nao avaliou os inimigos com quem iria defrontar, confiou apenas
em seus exitos e sem perceber estava caindo na armadilha dos conselheiristas,
ordenou 0 bombardeio, mas foram recebidos por uma intensa fuzilaria, e quando
atravessava 0 rio Vaza Barris Moreira Cesar foi atingido p~r dois tir~s, culminando
em sua morte em marlfo de 1897.
Diante do incidente, tomou a frente 0 coronel Tamarindo, mas nao foi multo
adiante, sendo igualmente atingido pelos sertanejos, sendo a partir de entao, as
tropas, comandada pelo major Cunha Matos, 0 que tambem nao teve muito exito,
fazendo com que os soldados saissem pelas caatingas perdendo-se e morrendo.
Assim, recursos que seriam utilizados pelos sold ados contra Canudos
foram abandonas em proveito dos proprios canudenses contra possiveis ataques
futures.
3.4 A QUARTA EXPEDI(AO E A CHACINA
A derrota da terceira expedi9ao repercutiu algumas conseqOencias politicas
e militares.
Primeire, descobriu-se uma conspirat;:ao para tirar do poder ° governador
Luiz Vianna, sendo aprisionados os implicados.
Segundo, a Escola Militar do Rio de Janeiro revoltou-se contra 0 governo,
mas foi control ada pele presidente Prudente de Morais.
o tal presidente ia-se fortalecendo contra seus adversarios civis e militares,
porem percebeu Que sua estabilidade no governo dependia do resultado de uma
nova expedic;:ao a Canudos. Foi quando entao, convidou 0 general Artur Oscar
para comandar a quarta expedic;:ao, que aceitou com entusiasmo.
Foram cinco mil homens, comandados pe\os generals Artur Oscar, Joao da
Silva Barbosa e Claudio Savaget, enviados pelo suI. As tropas dividiam-se em
duas colunas. A primeira e cercada pelos jagunc;:os no Morro da Favela e tem que
se socorrer da segunda coluna que, vitoriosa em Cocorob6 havia mudado de
estrategia, dividindo-se em pequenos batalh6es. As duas colunas tenia ram um
ataque maci90. Conseguem tamar boa parte do arraial, mas as sold ados mal
- 27-
resistem a fame e a sede.
Comandados pelo proprio Ministro da Guerra, 0 Marechal Carlos Bittencourt,
8000 hom ens deslocam-se para a regh30 de Canudos, em agosto de 1897.
Canudos fica isolado e sem agua. A torre da igreja e derrubada per um tiro de
canhao. Estarrecidos, esperando a salvacr30, os sertanejos nao se renderam, e
muitos foram degolados apes 0 assalto final, e quando as soldados chegaram ao
fim da resistencia 56 encontraram quatre sobreviventes: um velho, um rapaz de
16 anos, um caboclo e um negro.
o escritor Euclides da Cunha a tudo assistiu para fazer a reportagem no
jornal A provincia de Sao Paulo, hoje, 0 Estado de Sao Paulo. Toda a est6ria de
Canudos e seu massacre fcram depois recontados no livre Os Sert6es, pelo
escritor que assistiu a·~onito um crime praticado por uma nacionalidade inteira
Fecflemos es/e livro.Canudos n~o se rendel!. Exemplo unico em toda a Historia resisliv
ate ao esgotamen/o complelo. Expugn8do palma a palma, fla precisaointegral do lerll1O, caiu flO dia 5. ao enlDrdecer,quando cairam seusul/imos de{ensores, que lodos morreram. Eram qualro apenas 11m vel/lo,dois Immens {ei/os e vma criam:;8, 118 !rente dos quais rugiamraivosamcnte cinco mil so/dodos
4. 0 FILME: A GUERRA DE CANUDOS
Ao contra rio da obra, em que Euclides da Cunha narrou atraves de um
personagem masculino, 0 filme de Sergio Rezende mostra uma ViS30 diferenciada
do conflite ao utilizar um personagem feminine para narrar a historia.
Para isso Rezende se valeu de uma linguagem cinemategrcHica "classicaH
,
de superproducr30, isto 13, a forma de mostrar a "realidade" difundida no cinema
hellywoodiano dos anos 40 e 50, e que ate agora e muito comum na maioria das
produc;6es Norte Americanas. 0 cinema nos moldes hollywoodianos mostra
imagens tecnicamente desenvolvidas e moralmente ideais. A estetica deste
cinema era vista como "linguagem do dominante", do poder economico, com
intuito de explicitar a superproducr30, que nao mostra 0 confronto violento entre a
imagem que 0 espectador tem da realidade. Como afirma Nilza Rezende, citada
- 28-
por Schafer (2006), em rela,ao a "superprodu,ao" do filme Guerra de Canudos:
Conceitos sao para quem eria, para 0 espectador vale a emogao do ~filma90n
Rezende tem como embasamento teorias iguais as de Euclides ao se
manter fiel a tecnicas estrangeiras para mostrar uma realidade brasileira. Isto e,
Euclides embasou-se em pensadores europeus para e norte american os para
tentar elucidar a realidade brasileira e Rezende preferiu narrar como genera "filme
de guerra", baseado no cinema norte americana, delineando personagens
estereotipados, como no proprio conflito, fazendo-se perder no filme aspectos do
texto euclidiano que poderia atribuir 0 mesma objetivo denunciador igual aD do
livra. A tecnica hollywDodiana mostra 0 alcance total da realidade criada atraves
das imagens apresentando ao espectador a ilusao de estar diante dos fatos
narrados, como uma unica interpretayao do fato.
4.1 A LlNGUAGEM CINEMATOGRAFICA
Filme e obra foram constituidos em epocas e linguagens diferentes,
seguindo cada pressuposto teorico cultural proprio de cad a tempo. E, uma vez
que, tanto a obra quanto 0 filme foram baseados em relatos, segundo Schafer
(2006), afirma-se que nem urn nem outro descrevem a Guerra e 0 Homem como
fatos completos, pois ao relatar as informayoes, elas sao recortadas.
Para discutirmos com relagao a linguagem cinematografica propriamente
dita, usada por Rezende, faz-se necessario demonstrar primeiro as tecnicas
utilizadas como, por exemplo, 0 enquadramento e 0 movimento
o enquadramento e a unidade basica do discurso filmico que se constitui
na representagao em continuagao de determinado assunto (espago) por urn certo
tempo. 0 enquadramento se realiza para 0 espectador em pianos e angulagoes,
reforyando 0 designio do diretor na conduyao da narrativa. Os pianos, por sua
vez, sao distinguidos pelo diretor na constru<;ao de seqOE!Ocias, pela distancia,
entre 0 assunto e a objetiva da camera, isto e, a distancia entre 0 assunto e 0
espectador, ou a maneira como foi recortado.
Teremos entao, 0 grande plano geral, onde se prioriza 0 ambiente, 0 plano
geral, mostra ambiente e personagem, plano medio ou de conjunto, onde se
mostra a rela9aO entre ambiente e personagens, plano america no, onde os
- 29-
personagens sao mostrados da cintura para cima, comum no cinema
hollywoodiano, meia-figura, que e 0 meio termo entre 0 americana e primeiro
plano, primeiro plano, enquadramento de rosto e ombros, primeirissimo plano ou
close-up, onde se mostra apenas 0 rosto, detalhe. que e 0 enquadramento de
parte do persona gem e parte do ambiente e plano sequencia, e 0 enquadramento
com durac;:ao mais lon9a. Todos os enquadramentos sao combinados com os
movimentos e angula/foes, pelo direlor, para dar 0 rllmo das cenas.
Alem das varia\=oes de pianos, a angulac;:ao tern papel importante na
criac;:ao cinematogrcHica, pois ambas subtraem parte do ~real~ para privilegiar uma
ou outra abordagem do assunto
Pode-se considerar, segundo Schafer (2006), 0 enquadramento como uma
"moldura", Schafer (2006) diz que alguns autores utilizam a denominac;:ao nivel
filmico para 0 conjunto participante do enredo (personagens, ambientac;:ao, sons)
e profflmico para a forma como 0 enredo e mostrado (angulac;:oes,
enquadramentos, diferenciac;:ao de planas).
Quanto ao movimento, os estudiosos da arte 0 definiram como principal
diferenciador das demais artes figurativas, em especial da fotografia, e e 0
responsc3vel par transmitir a impressao de realidade sugerida ao espectador.
Todas estas t6cnicas sao utilizadas na montagem e construc;:ao de
realidades, que e a parte mais relevante da confecc;:ao de um filme. E atraves das
montagens que os pIanos se unem urn ao outro constituindo um relacionarnento
narrativo, semantico e estetico, estabelecendo a analogia espac;:o x tempo.
Schafer (2006) afirma que a identificac;:ao do cinema brasileiro com a
produc;:ao norte americana se deu em consequencia do subdesenvolvimento do
Pais, pois a industria cinematografica necessitava de tecnologia e mao de obra
importada. As primeiras proje/foes se deram, no Brasil, entre 0 ano de 1896 e
1897. A produc;:ao de Rezende aconteceu entre 1996 e 1997.
Em traca do cafe que exportava, 0 Brasil impoltava ate pali/o eera /Jomlal que importasse tambem entretenimento fabricado nosg'fjfldes cen/ros da Europa e America do Norte. Em algu/ls meses 0cinema nacional eClipsou-se e 0 llIercado cinematogrtJfico br8sileiro, emcanst ante desenvolvimento, ficoll inteiramente a disposigtiO do filllIeestrangeiro
- 30-
A hegemonia do cinema norte americana logo se estabeleceu devido ao
grande poder econ6mico daquele pais. E pode-se ver ainda nos dias atuais, a
estetica do cinema hollywoodiano classico, presente em grande parte das
produyoes.
A intenyao de Rezende, ao produzir Guerra de Canudos nos moldes
hollywoodianos, foi exatamente esta, explicitar uma estetica classica de
superproduyao. Por isso segue uma linha cronol6gica, clara e ao fim fecha a
enredo com a historia de uma familia deslocada pela guerra, e para completar
seus designios de superproduyao, Rezende evita confrontos excessivamente
violentos entre a imagem que e a espectador tem da realidade e a maneira pela
qual tal realidade e representada pel a narrativa cinematogr8.fica. Enfim, 0
prop6sito e oferecer as pessoas a ilusao de estarem diante dos fatos narrados
sem ter que se perguntar em qual linha te6rica a filme foi contado, mas e vista
como unica interpretayao.
Dessa forma, Rezende procurou criar 0 filme para representar a realidade,
e par isso ele ignora a subdesenvolvimento e mostra a miseria em segundo plano
Isto fica claro pela quantidade de figurantes e cenarios verossimeis, enquanto a
pobreza e a problematica da seca sao dissolvidas nas cenas de ayoes de conflito.
Rezende, diferente de Euclides, optou pela narrativa nos moldes classico
do genero "filme de guerra", difundida pel a cinema Norte Americano, trayando
personagens estereotipados e desprezou elementos do texto original, que poderia
dar ao filme uma "forya" denunciadora.
Porem, a maneira como foi feito a filme, entra em paralelo com as grandes
produyoes, que estao mais comprometidas com entretenimento
descompromissado com a abordagem crftica de um tema.
Ambos os autores fizeram usa do discurso importado na composir;;:ao das
obras; a escritor fez a conhecimento importado trabalhar paralelamente com as
figuras de linguagens e descrir;;:oes, em estado de tensao constante. Assim, 0
lei tor busca estabelecer um sentido para 0 conflito belico e se ve diante de outro
conflito, a luta, mas que a transcende. Com a conflito na narrativa as relayoes
teoria e pratica sao revistas como verdade e mentira, agressor e agredido. E a
partir desta instabilidade da-se a denuncia do crime e a tentativa de construyao da
identidade brasileira.
-31-
Ambas as artes se deparam no mesmo campo semiologico dos ajustes e
obstaculos esteticos: na obra, figuras, composiyoes e versificayoes, no filme estas
tecnicas se dao p~r meio do enquadramento, movimentos de camera e efeito de
luz e as duas tambem tern 0 papel conotativo, sobrepondo-se ao denotativo. Par
isso as tecnicas utilizadas pelo autor e diretor sao comparadas, pois ambos se
embasam no mesmo acontecimento.
4.2 CENARIO
Schafer (2006) afirma que Rezende permaneceu fiel ao filme Guerra de
Canudos, em tomadas externas, dando priori dade ao espa90 fisico.
Como Euclides, corne90u tam bern pela geografia da terra na primeira cena,
passando em seguida para a procissao de Conselheiro na segunda cena,
remetendo as reflexoes de Euclides sobre a rellgiosidade da popula9ao e
somente depois e projetado na tela 0 nome "Guerra de Canudos", quando entao
come9a 0 desenvolvimento da historia.
Na primeira cena, temos um plano seqOencia, quando acontece a
apresenta9ao da regiao ao espectador, com dura9ao de 1minS8s, camera
focalizada em primeirissimo plano (PP), uma rocha na qual pode-se observar a
forma9ao de uma especie de [[quen no lado esquerdo, em seguida come9a a
viagem panoramica com movimento da camera mostrando a caatinga e alguns
morros.
No livro a foCaliza98.0 do sertao se da apos um grande percurso geogratico
p~r todo 0 pais, que contrap6e as dua5 realidades em antiteses. No filme, tem-5e
inicio a primeira cena, 0 sertao. Essa diferen9a pode ser explicada pela distancia
temporal e contexte socie historico em que ambas fcram constituidas. Euclides
precisava mostrar urn territorio que era desconhecido na epoca, Rezende
apresenta 0 filme na epoca em que 0 sertao nordestino ja era cenhecide em
virtu de de ter side palco de outros filmes.
Euclides conferiu ao homem e a terra vinculo de responsabilidade, isto se
perde no filme e so pode ser percebido ao lei tor atento de Os Serfaes
Euclides escreveu: "Acredita-se que a regiao incipiente ainda esta se
- 32-
preparando para a vida: 0 liquen ataca a pedra, fecundando a terra~ Sem a leitura
do livre a imagem nao consegue extra polar 0 seu sentido denotativ~, nenhuma
outra imagem e capaz de dar a rocha um significado mais amplo.
Acabada a primeira cena, sobre a terra, esta nao ocupara mais 0 centro
narrativo, aparecera apenas em alguns pianos ou cenas de ligac;:ao, com imagens
estaticas apenas para vincular uma cena a outra, sugerindo mudanc;:a no espac;:o
ou passagem de tempo, ou seja, diferente de Euclides que deu a terra status de
personagem
o espectador pode notar tambem 0 tom das cores nas vestimentas
sertanejas iguais a terra. As roupas de couro cru confundem-se com a vegetac;:ao,
mas nao estabelecem relac;:ao entre 0 sertanejo e 0 meio ambiente, na~ fica
explicito no filme a relac;:ao do sertanejo com a sua terra, exceto na cena 111
onde Arimateia tern um vasto conhecimento da regiao a que the facilita a cac;:ada
e sobrevivencia.
Na cena 147, Penha discute com Lucena 0 porque de estar ali junto
daquele povo, contrariando a ordem do arraial: "Nao acredito em milagres, mas
acreditei no Belo Monte" Para ela, que representa 0 "Iado nacional" dos
canudenses, 8elo Monte representa a "terra prometida" livre de dominac;:6es
politico econ6micas.
Na cena 201 e ultima do filme, e mostrado 0 regresso de Luiza e Tereza,
desaparecendo pel a mata entre as caatingas, sem rumo certo. Ha ai apenas 0
movimento fIlmico, contrario ao movimento da camera da primeira cena.
Desta forma, remete-se a um futuro nada otimista, 0 fato de se
embrenharem pela mata, e 0 fato de serem uma mulher e uma crianc;:a sugere a
ideia de urn novo cicio.
No filme a terra e vista apenas como espac;:o fisico enquanto na obra pode-
se ter varias leituras e estender 0 deserto a outras instancias como 0 descaso
praticado contra aquela regiao
4.3 PERSONAGENS
Segundo Schafer (2006) Rezende apresenta 0 sertanejo, no filme, atraves
de uma familia nucleo, par meia da qual a narrativa fa; desenvalvida.
- 33-
Os personagens sao verossimeis, pois se apresentam de forma
convencionada como 0 nordestino, e faz jus a observag<3o de Euclides ao
caracterizar a sertanejo como miseravel, ingenuo e religioso.
Tanto no filme com na obra tem-se a referencia ao hamem que Euclides
trata na segunda parte do livro. Tanto 0 escritor como 0 diretor tra.yam a trajet6ria
de Conselheiro ate Canudos, no filme, na cena dais tem-se a peregrina.yao que
acaba algumas cenas depois, na cidadela.
Esta aproxima.yao se da pelo mavimento filmico traves da combina.yao de
imagens.
Rezende mostra uma familia tipica que representa a comunidade
canudense e a define da seguinte forma: Lucena, 0 patriarca e provedor da
subsistencia, um sertanejo ingenuo e cheio de valores morais e religiosos, era
tambem um guerreiro. Penha, a esposa dedicada e submissa, que resiste com
sofrimento a miseria em que se encontra e preocupa-se com a futuro dos filhos,
mas nao consegue transcender de sua situagao, e Luiza, a filha mais velha, que
questiona a postura passiva dos paiS e resiste as adversidades com bravura,
pagando alto preyo para fazer cumprir seus designios. Ela contesta a estere6tipo
formado pelo casal.
No filme a sertanejo e caracterizado atraves da familia e se estende a toda
a populayao, au seja, um personagem que tem rosto e conduz a narrativa. E aqui
que difere de Euclides, pois a autor do livre, com exceyao de algumas descri.yoes
aos persenagens de guerra, os sertanejos nao tem identificagao, e um ser
distante. Tais concepgOes adquirem certa igualdade quando se trata de
caracteriza-Io como vitima, onde 0 livro exp6e que 0 crime e 0 de uma nagao
contra sua origem, a livro apresenta a guerra de urn exercito contra rebeldes.
Ao prom over a identificagao dos personagens, Rezende aproximou luta e
espectador, mas nao Ihe conferiu profundidade a ponto de extra polar 0 universe
temporal da hist6ria, ficando lirnitado.
Outro fator que influenciou esta limitagao foi a determinag30 maniquefsta
do inimigo. Em Os Sertoes, a exercito era apenas urn dos fatores que vitimavarn a
populagao; no filrne, ele se torna um antagonista, pois nem mesmo as reflexoes
de Luiza sobre a loucura de Conselheiro e a ineficacia dos ideais republicanos
conseguem desfocalizar a culpa dos militares pela situagao do conflito.
- 34-
Euclides luta p~r estabelecer um tipo genuinamente brasileiro, isto e, a
busca por uma identidade, descrevendo 0 sertanejo como unico capaz de
compreender e utilizar a terra em que vive em seu beneficio proprio, aqui a autor
o descreve como entidades incorporeas e duendes. Porem, ao fazer esta
observar;ao ele exclui do sertanejo sua capacidade de se integrar a sociedade
lelrada.
4.4 ANTONIO CONSELHEIRO AOS OLHOS DE REZENDE
o Conselheiro de Rezende difere do de Euclides em alguns aspectos.
Euclides 0 considera um insano, que reunia no misticismo doentio todos os erros
e supersti<;6es farm ados pela redur;ao da nacionalidade e que arrastava 0 povo
sertanejo porque era dominado pelas suas aberrar;6es. Segundo Euclides, 0 meio
permitia com que ele realizasse a far;anha de angariar povos para si.
Rezende, em prime ira instancia, 0 caracteriza como Euclides 0 fez, porem
esta vi sao e deturpada ao apurar mais profundamente os fatos.
No filme, na cena 21, a peregrinar;ao tern fim em Belo Monte, onde efundada a cidade. Ao chegar, Conselheiro profere seu discurso profetizando sobre
o sertao, 0 mar, soldac!os do anti Cristo e a premonir;ao dos quatro fogos contra 0
inimigo futuro, que seria 0 conflito entre os jagunr;os contra as quatro expedir;6es.
Na cena 144, Conselheiro abre os brar;os a Luiza, em forma de cruz, ao
finallzar 0 sermao sobre 0 erguimento de Jerusalem e a vontade de Oeus. E na
cena 15, ao morrer, sua voz permanece presente na cena.
A beira da morte, 0 anciao tern sobre a mao 0 diario e 0 lapis, denotando
que mesmo morrendo ele escrevia e bastante. Esta ultima escrita demonstra um
tom mais manse com parada aos discursos anteriores e a linguagem tambem esta
mais erudita, 0 espectador distingue urn Conselheiro mais logleo e com boa
ponderagao. Nesta ultima escrita ele pede desculpas ao povo e se des pede. 0espectador e conduzido a admitir uma profundidade maior no personagem,
estereotipado de "insano", e tern a impressao de que perdeu algo ate reconhecer
a perda de Belo Monte, por parte do fanatica, ja que nao se tern a presenga,
apenas a sua voz ecoando enquanto a igreja vai sendo destruida.
o pedido de desculpas denota que ele admltiu seu proprio erro, mas nao 0
- 35-
fez antes por dois motivos: primeiro, poderia desconcertar 0 publico em relac;:ao
ao seu papel e segundo, porque desviaria a atenc;:ao da protagonista, a heroina
da historia.
Dai dizer que Rezende se manteve fiel a narrativa cinematografica
classica, pois seria erro problematizar outro personagem que nao fosse
protagonista.
Quanta a religiosidade, Euclides assegura que e um pova sem religiao
definida, devido a mesti9agem e cren9as indigenas. Considera-o entao, um povo
de facil manipulac;:ao, isla e, ingenuo. Quanta a Rezende, transfere para a
espectador a missaa de construir um Antonio Conselheiro mais amplo, porem
esta possibilidade fica fora de cogitac;:ao pela impessoalidade das cenas que
seguem, pais na cena seguinte a morte de Conselheiro, inicia-se a guerra
sobrepondo a ac;:aoa reflexao.
o pedido de desculpas proferido par ele a beira da morte sugere que ele
admite ter errado, mas nao 0 fai revelado antes por dois motivos: primeiro, criaria
um efeito desconcertante ao publico, aprofundando uma reflexao sabre seu papel;
segundo, desviaria a atenc;:ao de Luiza, a heroina da historia. Pais aos olhos de
Luiza, foi Conselheiro 0 responsavel pelo desmoronamento de sua familia.
No filme, Conselheiro e considerado estereotipo de fanatico, reforc;:ando a
carater doentio do texto euclidiano. Mas Euclides estava apenas em busca de
uma identidade nacional, enquanto para Rezende 0 personagem fica
desarticulado de um argumento mais amplo e consequentemente, reduzido em
sua complexidade humana.
- 36-
5 TRA9ANDO UM PARALELO DAS DIFEREN9AS E SEMELHAN9AS
Como proposto no inrcie do presente trabalho, 0 objetivo e apontar as
similaridades e diferen<;:as que escritor e diretor expoem evidenciando aspectos
de intertextualidade na composi<;:ao de suas obras,
Neste momento jell e passivel dizer que ambos au autores possuem tanto
diferenc;as quanta semelhan<;:as, pois a comec;ar pelo narrador, cnde Euclides 0
fez atraves do olhar masculino, dominante nos filmes de guerra, Rezende 5e opoe
narrando atraves de um olhar feminino.
Na obra, Euclides da enfase aD ambiente citando·o muito mais em relac;ao
as mulheres, dando a terra significado papel de esteril, infertil, hostil, comparando-
a a fertilidade, cujo aspecto S8 refere a feminilidade. Para ele a mulher e
caracterizada como duas polaridades, bruxa au beata.
o cineasta mostra urn dos medtos da Guerra de Canudos ao inverter a
otica do conflito, transferindo-a a uma mulher, mais especificamente Luiza,
protagonista do filme. Enquanto seu pai, Lucena, se prende as suas persuasoes
religiosas, Luiza faz lim caminho completamente diferente, deixa para tr<3Sas
ilus6es e segue 5eu caminho livre da opre55aO patriarcal. Ela contesta as duas
figuras masculina5, a pai par nao prover a suficiente para a alimentay.3o da familia
e a proprio Con5elheiro par destruir a familia. Quando Conselheiro aparece para
ajuda-Ia a se levantar, ela recusa, fugindo ao encontro de seu proprio destino,
transformando-se em prostituta.
o despertar da sexualidade numa menina ingenua, a principia, deixa
evidente que ela cede a lugar de dominada e adquire a de dominadora, seduzindo
urn soldado para se casar com ele. Pode-5e perceber que ela 5e desenvolve
muito rapidamente na construy.3o de seus sonhos felizes, mas a guerra que se
inlcia no sertao a impede de realiza-Ios.
Ela passa enta.J, do papel inicial que possui no inicio, de submissa a
contestadora e afronta alem do soldado com quem se relaciona, a pr6prio pai.
Ao perder a marido e a mae Luiza percebe que esta s6 de novo e precisa
salvar a irma, tera que lutar sozinha, assumindo entao a papel de guerreira.
Antes de sairem Tereza convence a irma a rezar, vista que ja esta
convencida da religiosidade adquirida junto ao povo de Conselheiro. A reza indica
- 37-
a seriedade da mulher em amparar e fazer prosseguir a vida.
Penha tambem tem papel representativo e relevante. A principio, uma
mulher subordinada e dependente, mas depois se rebela, ao perceber que como
a fuga de Luiza ela tambem poderia ter seguido outro caminho, contestando a
onipotencia pela perda do filho.
Fica evidente, ao narrar pel a otica feminina 0 sentimento aposto a
impassibilidade masculina, pois enquanto ° pai se corta pela perda do filho,
mesmo sem demonstrar a minima de em09i:'to, a mae, desesperada, vai buscar 0
corpo.
A transforma9<30 do seu costume frente a realidade e colocada por
Rezende, 0 que nao acontece com os personagens masculinos, ditados por
Euclides, que se mantem impassiveis: Penha e Luiza se utilizam do livre-arbitrio
na escolha. Ao adquirirem esse aspecto de dominio masculino, se transformam
em guerreiras e atingem um patamar superior.
Diretor e escritor tiveram como embasamento teorias iguais ao se
conservar fiel a tecnicas estrangeiras para mostrar uma realidade brasileira. Isto
e, Euclides embasou-se em pensadores europeus e norte america no para tentar
elucidar a realidade brasileira e Rezende preferiu narrar como genera "filme de
guerra", base ado no cinema norte americano.
Quanto a linguagem hit certo distanciamento, pOis visto que cad a um
escreveu em epoca diferente, obviamente a linguagem utilizada tambem deveria
se encaixar seguindo 0 pressuposto cultural de cada tempo.
Ambos fizeram uso do discurso importado na composi9aO das obras: 0
escritor fez 0 conhecimento importado trabalhar paralelamente com as figuras de
linguagens e descri90es, em estado de tensao constante. a intuito de Euclides
era denunciar urn crime. A obra apresenta-se atraves de figuras de linguagens,
composi90es e versifica90es, no filme estas tecnicas se dao por meio do
enquadramento, movimentos de camera e efeito de luz e as duas tambem tern 0
papel conotativo, sobrepondo-se ao denotativo. Mas ambos se basearam no
mesmo acontecimento.
Em rela9ao ao espa90 ffsico ha rela9ao de semelhan9a entre autor e
diretor, apenas com urn pequeno de5vio, pois ambos iniciam suas obras pela
geografia, priorizando 0 e5pa90 fisico. Mas na obra fez-5e necessario uma viagem
- 38-
geogrMica ate chegar ao sertao nordestino, pOis era a primeira imagem mostrada
daquela regiao. Quando Rezende fez 0 roteiro do filme, cem anos depois da obra,
esta regiao ja era conhecida. Essa diferenga pode ser explicada pela distancia
temporal e contexto socia historico em que ambas foram constituidas.
Outro ponto marcante e quando Euclides mostra a guerra em primeiro
plano, denotando a realidade da miseria, enquanto Rezende a mostra em
segundo plano, a filme foi feito para representar a realidade, sem ter que expor a
problematica da pobreza, como a fez Euclides. 0 autor conferiu ao homem e a
terra vinculo de responsabilidade, Euclides a representa como status de
personagem podendo-se fazer varias leituras atraves dela, como por exemplo, 0
descaso com a regia a isto se perde no filme, pois acabada a primeira cena sobre
a terra, esta nao ocupara mais 0 centro narrativo, aparecera apenas em alguns
planas ou cenas de ligat;ao, com imagens estaticas apenas para vincular uma
cena a outra, sugerindo mudanr;a no espat;o.
Rezende utilizou-se de personagens verossimeis na elaborat;ao do filme
apresentando-os atraves de uma familia nucleo, identificados e representando a
comunidade. Ja os personagens euclidianos sao inverossimeis. Com excegao de
algumas descrigoes aos personagens de guerra, 0 sertanejo nae tem
identificat;ao, e um ser distante. Tais concep96es adquirem certa igualdade entre
os autores quando se trata de caracteriza-Io como vitima, onde 0 livro exp6e que
o crime e 0 de uma na9ao contra sua origem, ° livro apresenta a guerra de um
exercito contra rebeldes
Em se tratando do campo religioso, Euclides considera Conselheiro um
insano, que reunia no misticismo doentio tad as as erros e supersti96es formados
pela redugao da nacionalidade e que arrastava a pave sertanejo porque era
dominado pelas suas aberrayoes. Oiz ainda que e um povo ingenuo, desprovido
de religiao, e assim com a mestit;agem de ra9a, a sua religiao tambem se deu da
mistura de crenyas entre as povos, indios, africanos e portugueses.
Rezende, no primeiro momenta a tem com a mesma visao de Euclides,
porem tal visao e deturpada, pais pode-se observar como a religiosidade e mais
marcante no filme em compara9ao com a obra. Islo fica evidente, pois quando
Conselheiro morre, Beatinho se aproxima e vi! em seu diario sua ultima escrita, 0
sermao, demonstrando que ele tinha urn tom mais brando e a linguagem mais
- 39-
erudita, comparadas aos sermoes anterieres, proferidos em vida. 0 espectador
nota urn Conselheiro rna is ponderado. Rezende transfere para 0 espectador a
condusao de um Conselheiro mais amplo, embora isto seja quase impossivel
devido as cenas que se seguem, com inieio da guerra, impossibilitando 0
espectador de tirar tais conclus6es.
Outro fater relevante que marca a religiosidade em Guerra de Canudos equando ao final do filme Tereza convida a irma para rezar antes de sairem da vila.
Luiza, apesar de ter 5e rebelado contra Conselheiro e ao seu fanatismo, por ter
Ihe tirado a familia, neste momenta ela reza.
No decorrer das duas narrativas pode-se, entao, perceber esta diferenya.
Eudides deu foco maior ao conflito e estava apenas em busca de uma identidade
nacional, enquanto para Rezende 0 personagem fica desarticulado de um
argumento mais amplo e consequentemente, reduzido em sua complexidade
humana.
5.1 COMPARA~OES SiSLICAS
Uma comparayclo significativa pode ainda ser feita com relayao a biblia e
confrontar a figura de Antonio conselheiro com a figura do representante biblico
do Velho Testamento, Moises, e com a flgura de Jesus Cristo, do Novo
Testamento.
Na epoca de Moises, este era 0 respons8vel por tirar 0 povo de Israel do
Egito, livra-Io das maos dos egipcios e conduzi-Io a Terra Prometida. Moises nao
se julgava preparado para tao grande cargo e questionou ao Senhor Deus porque
sabia que ao iniciar a peregrinayao ele seria tambem interrogado pelo povo.
Porem, ordenado per Deus, ele deveria dar como resposta que 0 proprio Deus era
com ele, e 0 havia enviada para libertayc3a do pava. E para que a pava cresse que
Moises era enviada de Deus, Este Ihes mostrava sinais poderosos atraves
daquele, afirmando que MoisEls Ihes seria como gDeusft
Entaa, a povo seguiu a Moises, acreditanda num lugar segura, na Terra
Prometida, e Maises Ihe pregava os mandamentos, instruia-a no caminho que
devia seguir e tuda a que Deus Ihe designava era repassada ao pava, acerca das
leis que devia seguir e a que Ihe era proibida, exartanda-a a obediE!ncia, e a
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pratica do bem. E quando qualquer dos mandamentos fosse viol ada, era
necessaria oferecer sacrificios para remissao do pecado.
Assim como encontramos no capitulo 3 do livre de Exodo, velho
testamento, que a anjo do Senhor apareceu a Moises e Ihe dizia que ele deveria
tirar a pavo do Egita conduzi-IO a Terra prometida, no inicia do filme Conselheiro
diz que, urn dia, Jesus apareceu a ele e 0 instruiu a sair pelos sertoes preganda
penitencias, pregando 0 evangelho, e as escrituras sagradas, e que sofreria
persegui90es dos hereges, porem, deveria retribuir a todos com beneficios por
onde quer que passasse, e que a Senhar a encheria de poder a ele e aos adeptas
para serem cheios de grar;a da Vida Eterna.
No Novo Testamento, epaca em que Jesus Cristo fai enviado a Terra, nao
fai diferente, pais Este tambem pregava os mandamentos fazendo com que a
pavo seguisse a dautrina para fugir da ira futura que assolaria a terra, a salvar;ao
de suas almas, promulgava as mandamentos e as leis a serem cumpridas e as
implicar;Oes quando qualquer dos mandarnentos fosse violado. E isto se percebe
clara mente no inicio do filme, quando Conselheiro chega a casa de Lucena e
pede agua para 0 seu pova e logo depois ele prega a sermao da montanha, cujo
sermao esta no capitulo 5 do livre de Mateus, novo testamento, e que foi pregado
par Jesus Cristo.
Igualmente como 0 povo seguia a Maises e a Jesus Cristo, apesar de os
fatos se apresentarem em epocas muita distantes uma da outra, era tambem
assim com a grande rebanho que seguia a Conselheiro. Este Ihes pregava as
mandamentos a qual era seguido pelo povo.
Conselheiro se assemelha a figura de Jesus tanto no carisma com que
apascentava a rebanho quanta na maneira como se vestia. Trajava apenas uma
tunica de algodao e tinha a barba e os cabelos crescidos, e a simplicidade com
que andava apoiado ao bordao, e a sabedoria ao falar. E, do mesmo modo como
Cristo sofreu perseguir;oes par aqueles que nao aceitavam a sua doutrina,
Conselheiro foi perseguida, a principia, pelos fazendeiras ucaroneis~, por
perderem as trabalhadores que abandanavam as terras para segui-Io e depois,
pela igreja cat6lica, que resolveu canter as pregar;oes de Antonio Conselheiro,
pedindo providencias ao governo baiano, dizendo que a lider pregava doutrinas
subversivas e que tai~ doutrinas a dispersava de suas abrigar;5es fazendo mal
- 41 -
tanto a igreja quanta ao Estado.
Conselheiro foi um pregador de mensagens biblicas, ou seja, escolheu 0
caminho do bern, dedicou sua vida a uma finalidade construtiva, mesmo quando
tinha outra OPIYc3.0a escolher diante de todo 0 mal que Ihe fora causado desde a
infancia, quando perdeu a mae, e ao ser trafdo pel a esposa na fase adulta de sua
vida.
Tantos sofrimentos poderiam ter Ihe rendido, em nome da honra, a
vinganlYa, costume comum no Nordeste. Porem, na sua humildade procurou agir
como urn homem correto conforme a educa9ao que Ihe fora dado por seu pai, 0
que 0 tornou um menino aplicado, e ao desempenhar a fungc3.ode escrivao de
Juiz de Paz e Advogado provisionado, estas ocupayoes 0 fizeram conhecer bern
a justi9a e a integridade. Par isso sua escolha nao poderia ter side outra, senao 0
caminho do bem
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CONSIDERA~OES FINAlS:
Ao fim deste trabalho e passivel concluir que, como Carvalhal (2006)
assegura, no palco do comparativismo 0 processo de esc rita e vista como
resultante do processo de leitura. A intertextualidade designa 0 trabalho de
modificayao e abson;:ao de varios textos. E 0 que antes era entendido como urn
fator de divida passa a ser vista como urn processo continuo de reescrita.
Pade-se dizer, entao, que Rezende leu Euclides e materializQu seu filme
num processo de reescrita, fazendo usa de dais dos aspectos abordados par
Romano de Sant'Anna, como par exemple, a paratrase e a estiliza9ao:
No primeiro aspecto 0 diretor reafirma, em palavras diferentes,
apresentando um mesma sentido no filme em relayao a obra de Euclides, isto e,reafirma<;:ao do conflito e suas causas na guerra. Pode se dizer que e uma
tradu<;:ao, isto e, com uma outra linguagem 0 filme passa a existir a partir da
leitura de outro texto; Segundo aspecto diz respeito a estiliza<;:ao, onde ha
concord~lncia entre dois pianos: 0 do estilizando, 0 filme, eo do estilizado, a obra.
Pode-se dizer, entao, que a estiliza<;:ao caminha na mesma dire<;:ao do texto,
como 0 filme caminha na mesma dire<;:ao da obra.
Foram encontradas tanto diferen<;:as quanta semelhan<;:as entre as duas
obras, e 0 novo sentido conferido pelo diretor ao recontar a seu tempo foi 0 de
trazer a mem6ria um fato que caiu no esquecimento, em rela<;:ao ao verdadeiro
senti do daquela guerra, de um crime praticado contra 0 povo nordestino, e passou
a ser lembrada apenas para exaltar os vencedores
Canudes nao fei s6 um mevimente de fanatices, mas a luta de um pove
corajoso na reivindica<;:ao de seus direitos, que reunindo for<;:asbuscava alento no
poder da religiao como unico melo de sobrevivencia e 0 senso de justi<;:a.
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REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:
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BOSI, Alfredo. Hist6ria Concisa da Uteratura Brasi/eira, Sao Paulo, Editora Cultrix,
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COIN, Cristina. A Guerra de Canudos, Sao Paulo, Editora Scipione, 1994
COSTA, Nicola S. Ordem e Progresso no Sertao, Sao Paulo, Editora Moderna,
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CUNHA, Euclides da. Os sertoes: Guerra de Canudos, Sao Paulo, Abril Cultural,
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SANT'ANNA, Affonso Romano. Par6dia, Paratrase & Cia, Sao Paulo, Editora
Atica, 2007.
SCHAFER, Fabio Mauricio. Projer;ao dcs Sertees, Curitiba, Imprensa Oficial,
2006
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