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Introdução à Lógica Contemporânea Ricardo Pereira Tassinari Departamento de Filosofia – UNESP 2014

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Introdução à

Lógica Contemporânea

Ricardo Pereira TassinariDepartamento de Filosofia – UNESP

2014

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PREFÁCIO

A Lógica, hoje, é uma vasta área do conhecimento, extremamente complexa e profunda.

Este livro visa introduzir, de forma sucinta, o leitor a alguns temas básicos da Lógica con-

temporânea e, correlativamente, a alguns temas de História e Filosofia da Lógica.

Este livro é o resultado de um projeto de elaboração de material didático para as disci-

plinas de Lógica (I e II) do Curso de Graduação em Filosofia da UNESP, que começou em

2003 e continua até hoje. Durante esses anos, muitos temas foram inseridos, retirados, ou

modificados, de forma a tratar de questões importantes a uma reflexão filosófica sobre o

papel da Lógica Contemporânea. Em especial, este livro visa fornecer elementos para tratar

de duas questões principais:

1. A Lógica como ciência do raciocínio correto; e

2. A relação da Lógica com as teorias científicas (antigas e contemporâneas); em espe-

cial, em relação a fundamentação das teorias científicas contemporâneas (como, por exem-

plo, Matemática, Computação, Física, Biologia, Psicologia, Linguística, etc.); e, em particular,

a fundamentação da Matemática a partir de uma teoria de conjuntos, mais especificamente,

a partir da Teoria ZFC.

O material aqui reunido também visa possibilitar a discussão sobre as seguintes ques-

tões.

3. O uso de linguagens artificiais para a Lógica melhor desempenhar os itens 1 e 2 aci-

ma.

4. As noções de correção e de completude de uma teoria (formal) no contexto do item

acima.

5. A existência de diversas lógicas e a possibilidade de se considerar a unidade da Lógi -

ca frente a essa diversidade.

6. Os limites do conhecimento por teorias formais, em especial, resultados decorrentes

do PrimeiroTeorema da Incompletude de Gödel.

7. A autonomia da disciplina Lógica em relação a certas metafísicas ou ontológicas parti-

culares (de forma a uma mesma lógica servir a correntes metafísicas ou ontológicas dife-

rentes).

De forma geral, podemos dizer que esta obra se apoia em uma visão operacional da

Lógica e não em uma visão metafísica ou ontológica particular, o que acentua seu carater

abstrato, mas sem perder a correlação com certa “materialidade” histórica.

O conteúdo deste livro é, em geral, muito extenso, até mesmo para um ano de estudo de

Lógica. Nesse sentido, os capítulos do livro foram elaborado de forma a se poder utilizar

apenas de alguns independentemente dos outros (aqueles que o professor achar os mais

relevantes), ficando os restantes como material para um aprofundamento dos estudos pelos

alunos.

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ÍNDICE

Introdução: O Que é a Lógica? (Uma Primeira Visão)........................................................................1

Argumentos e Lógica................................................................................................................................. 4

Argumentos........................................................................................................................................... 4

Lógica e Retórica.................................................................................................................................. 4

Argumentos Persuasivos (Exemplo).................................................................................................5

Argumentos Demonstrativos (Análise)............................................................................................5

Indicadores de Inferência.................................................................................................................5

Verdade e Validade.............................................................................................................................. 5

Argumento Válido................................................................................................................................. 7

Antigamente…....................................................................................................................................... 7

Três Níveis de Análise do Discurso.................................................................................................8

Teorias e a Lógica como Sistemas de Operações sobre Signos: Os Sistemas Formais............9

A Noção de Sistema Axiomático......................................................................................................9

A Noção de Dedução em um Sistema Axiomático........................................................................9

As Noções de Demonstração e Teorema em um Sistema Axiomático...................................10

A Utilização de Signos em um Sistema Axiomático...................................................................10

Operações sobre Signos: Regras de Inferência e Dedução.....................................................10

Operações sobre Signos: Demonstração.......................................................................................11

A Definição de Sistemas Formais e a Teoria BS........................................................................12

As Noções de Correção e Completude de um Sistema Formal......................................................14

A Noção de Dedução em Sistema Formal.....................................................................................14

As Noções de Demonstração e Teorema em um Sistema Formal...........................................14

As Noções de Correção e Completude de um Sistema Formal................................................15

As Noções de Correção e Completude da Teoria BS.................................................................16

As Noções de Correção e Completude Inferenciais de um Sistema Formal........................16

Correção e Completude Inferenciais da Teoria BS....................................................................17

Quadro Resumo – Correção e Completude....................................................................................18

Conectivos Clássicos e suas Regras de Inferência...........................................................................19

A Demonstração Condicional e os Sistemas de Dedução Natural................................................23

Conectivos e Tabelas-Verdade.............................................................................................................25

A Implicação Material e seus Paradoxos...........................................................................................30

A Conceitografia de Frege.....................................................................................................................31

Quadro Resumo – Conectivos................................................................................................................34

Um Exemplo Atual em Filosofia da Lógica: A Lógica segundo G.-G.Granger..............................35

Tabela-Verdade e Argumento Válido: o Método Direto.................................................................37

O Método da Condicional Associada....................................................................................................39

O Método das Ramificações..................................................................................................................41

Regras de Desdobramento...............................................................................................................42

O Método das Ramificações para Argumentos.................................................................................44

Equivalência Lógica e Interdefinibilidade dos Conectivos Clássicos...........................................45

Álgebra das Proposições e Álgebra de Boole....................................................................................47

O Sistema S de Dedução Natural para a Lógica Proposicional Clássica.....................................50

Alguns Esquemas de Dedução do Sistema S......................................................................................53

O Sistema S e a Regra de Demonstração Condicional....................................................................55

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A Correção Inferencial de S.................................................................................................................56

A Correção de S....................................................................................................................................... 59

A Completude de S..................................................................................................................................62

A Completude Inferencial de S............................................................................................................66

Outras Lógicas.......................................................................................................................................... 67

Lógicas Não-Clássicas.......................................................................................................................68

Outras Lógicas – Lógicas Polivalentes.................................................................................................69

A Lógica Trivalente de Klenne........................................................................................................69

A Lógica Trivalente de Łukasiewicz..............................................................................................70

Lógicas n-Valentes e Lógicas Difusas............................................................................................71

Outras lógicas – Lógicas da Relevância e Paraconsistentes...........................................................73

Lógica da Relevância.......................................................................................................................... 73

Lógicas Paraconsistentes.................................................................................................................75

Outras Lógicas – Lógicas Estendidas..................................................................................................76

Lógicas Modais.................................................................................................................................... 76

A Análise Intra-Sentencial...................................................................................................................78

Análise Inicial da Proposição: Constantes, Variáveis e Predicados..............................................79

Digressão: o Conceito.......................................................................................................................80

Predicados n-Ários................................................................................................................................... 81

Quantificadores....................................................................................................................................... 82

O Quantificador Existencial...........................................................................................................82

O Quantificador Universal..............................................................................................................82

Linguagens de 1ª Ordem: Sintaxe........................................................................................................83

Extensão de Predicados (n-Ários).......................................................................................................84

Linguagens de 1ª Ordem: Semântica...................................................................................................85

Formalização do Quadrado Aristotélico das Oposições.................................................................87

Regras de Inferência com Quantificadores......................................................................................88

Regras de Inferência para Quantificadores...............................................................................90

Negações de Quantificadores: Interdefinibilidade e Regras de Inferência......................90

Formalização da Silogística Aristotélica............................................................................................92

Tipos de Sentenças Categóricas....................................................................................................92

Silogismos............................................................................................................................................ 92

Termos................................................................................................................................................. 92

Premissas............................................................................................................................................. 92

Figuras do Silogismo.........................................................................................................................92

Silogismos Possíveis e Silogismos Válidos....................................................................................93

Nomes dos Silogismos e Redução à Primeira Figura..................................................................93

Modos Concludentes dos Silogismos Categóricos e suas Formalizações....................................94

O Sistema R de Dedução Natural para a Lógica de Predicados Clássica....................................95

O Método das Ramificações para a Lógica de 1ª Ordem................................................................98

Regras de Desdobramento para Conectivos................................................................................98

Regras de Desdobramento para Quantificadores e suas Negações......................................98

Os Axiomas da Teoria de Conjunto ZFC (Zermelo-Fraenkel-Choice).........................................99

O Primeiro Metateorema da Incompletude de Gödel....................................................................101

Bibliografia.............................................................................................................................................. 106

Apêndice: A Lógica e as Lógicas – Sobre a Noção de Sistema Formal e o Princípio da

Liberdade Lógica.................................................................................................................................... 108

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INTRODUÇÃO: O QUE É A LÓGICA? (UMA PRIMEIRA VISÃO)

A Lógica se inicia propriamente com Aristóteles e, no decorrer da História da Ciência e

da Filosofia (Antiga, Medieval, Moderna e, principalmente, Contemporânea), recebe uma di-

versidade de exposições e sistematizações. Nesse trajeto histórico, os resultados mais co-

muns da Lógica se desvencilham de uma grande parte das posições metafísicas e ontológicas

particulares (no sentido de serem usados e ensinados por correntes de pensamentos com

posições metafísicas e ontológicas diferentes) e leva a Lógica a se constituir como discipli-

na autônoma.

Notemos então que a palavra “Lógica”, segundo sua etimologia, é o estudo do λóγος

(Lógos), termo grego cujas algumas acepções (que nos interessa aqui) são: (1) Palavra, (2)

Discurso, (3) Razão, (4) Proporção.

Em um sentido muito amplo, a Lógica pode ser entendida como o Estudo do Pensar ou do

Raciocinar. Neste caso, λóγος é tomada na acepção de Razão (cf., por exemplo, Hegel, 1995,

§18-19). Esse sentido é, porém, mais amplo do que o adotado usualmente nos manuais de Ló-

gica. Nestes, se admite que:

Pensar se expressa por > Argumentos

Nesse sentido, são, pois, os argumentos que são estudados na Lógica; notemos, nesse

caso, λóγος com a acepção de Razão, Discuso e Palavra.

Podemos, então, dar a seguinte delimitação INICIAL1.

Lógica: estudo da forma do pensar expresso por argumentos.

Às vezes, usa-se o termo “Lógica Simbólica” para designar a Lógica, enquanto esse estu-

do do argumento se utiliza da noção abstrata de signo na explicitação da forma dos argu-

mentos.

Nesse sentido, a Lógica Contemporânea (incluindo nesta a Lógica Simbólica) resulta de

uma evolução natural da Lógica, na busca de regras que permitam realizar raciocínios cor-

retos, chegando até a criar linguagens artificiais precisas tais que para construir um racio-

cínio correto, basta seguir suas regras sintáticas.

Para a elaboração de tais linguagens, procedemos por análises que podem, esquemati-

camente, serem representadas pelo seguinte diagrama:

Signos Significados

Operações

sobre signos Ações e operações

sobre significados

1Sobre a impossibilidade de uma definição precisa da Lógica no início de seu estudo, veja GRANGER

1955, Introdução.

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Que, em nosso caso, torna-se:

Sentenças Proposições

Consequência Sintática

(Demonstrações) Consequência Semântica

Observemos que signos são termos utilizados para representar algo. Em especial, os te-

mos “água”, “water”, “Wasser” e “H20” são signos que designam a água.

Existe, então, uma diferença importante entre uso e menção de um signo. Por exemplo,

eu uso o termo “água” quando afirmo que a água ferve a 100 ºC; mas eu menciono o termo

“água” quando digo “água” tem 4 letras (notemos que não é a substância água que tem 4 le-

tras mas o signo que eu uso para designá-la). Notemos que as aspas são utilizadas para dis-

tinguir o uso e a menção do signo (o uso é sem aspas; a menção vem entre aspas).

Não precisamos nos limitar a apenas uma palavra. Nesse sentido, por exemplo, a sequên-

cia de palavras “a água ferve a 100 ºC” é um signo que pode ser usado para dizer que a água

ferve a 100 ºC. Aqui, pois, se insere uma distinção importante entre sentenças e proposi-

ções: sentenças são signos usados para designar proposições, por exemplo, a sentença “a

água ferve a 100 ºC” é um signo que é usada para designar a proposição a água ferve a 100

ºC. É nesse sentido que operaremos sobre sentenças (signos) para representar operações

sobre proposições2.

A partir dessa análise e distinção podemos, pois, criar e usar teorias formais, ou siste-

mas formais, com linguagens artificiais precisas, tais que regras sintáticas garantam a vali -

dade inferencial (como será definida aqui posteriormente) de um argumento; como o fez,

por exemplo, Gottlob Frege (1848-1925), que criou um sistema deste tipo que denominou de

“Conceitografia”, tal que, como nos diz Frege (1893, respectivamente pp. 190 e 189), “a obe-

diência à gramática já garantisse a correção formal do curso do pensamento”, criando “um

meio de evitar mal-entendidos e, ao mesmo tempo, erros no próprio pensamento”.

Veremos, ainda, que essa busca da expressão de raciocínios corretos por teorias ou sis-

temas formais leva a explicitar a possibilidade de uma infinidade de raciocínios, levando a

possibilidade de mais de uma lógica.

Notemos que algumas vezes tal estudo é denominado também de “Lógica Matemática”,

já que na análise do argumento se revela a forma matemática da argumentação expressa na

forma dos sistemas de operações sobre signos. Esse sentido é muito próximo ao ideal de

Leibniz (1646-1716) de um calculus ratiocinator inerente a uma Mathesis universalis: “Te-nho para mim que a invenção da forma dos silogismos é uma das mais belas do espírito hu-

mano, e mesmo das mais consideráveis. É uma espécie de matemática universal [Mathesis

universalis]” (Leibniz apud BLANCHÉ e DUBUCS, 1996, pp. 193-194; cf. também TASSI-

NARI, 2011).

Temos também que tais resultados que a Lógica Simbólica fornece podem servir à fun-

damentação de boa parte das Ciências Contemporâneas, estabelecendo nela uma espécie de

lingua characteristica universalis, como proposta também por Leibniz.

2Não é nosso objetivo aqui discutir o que vem a ser uma proposição ou a sua natureza, questões perten-

centes à, por exemplo, Filosofia da Linguagem ou à Teoria do Conhecimento.

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Por fim, podemos nos perguntar:

Será que podemos descrever todas as formas do pensamento correto?

Essa é uma pergunta importante, na Lógica, e que, como veremos, acaba se relativizando

ao fragmento da linguagem considerado. Segundo o fragmento considerado, ela terá respos-

tas tanto afirmativa quanto negativa. De uma forma mais restrita, porém eficaz, o que nos

importa aqui (e que deverá ser levado em conta durante o decorrer desta disciplina para não

se exigir dela algo que, efetivamente, não se pretende) é que:

A Lógica Contemporânea estabelece em parte a forma do pensar correto.

Podemos citar como um exemplo dessa afirmação a Lógica Proposicional Clássica (que

estudaremos mais a frente e) que fornece um estudo completo das inferências feitas ape-

nas a partir da combinação de proposições com apenas dois valores: Verdeiro e Falso.

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ARGUMENTOS E LÓGICA 3

ARGUMENTOS

Uso: Argumentos são usados para

- Convencer

- Ser convencido

- Justificar

- Explicar [em especial, na Ciência, este é um de seus usos principais]

- Demonstrar

Exemplo de argumento:

Se a água está fervendo, então a água está 100 ºC.

Ora, a água está fervendo.

Logo, a água está 100 ºC.

Definição:

Em homenagem a Aristóteles, e apenas para iniciar nossa conversa, vamos propor a se-

guinte definição de argumento:

Argumento: discurso no interior do qual se extrai uma conclusão.

Em Aristóteles, encontramos: “O silogismo é um discurso argumentativo no qual, uma

vez formuladas certas coisas [as premissas], alguma coisa distinta destas coisas [a conclu-

são] resulta necessariamente através delas pura e simplesmente” Tópicos I.1.100a 25, Ana-

líticos Anteriores I.1.24b, Refutações Sofísticas 1.165a.1

LÓGICA E RETÓRICA

Em geral, diferenciamos dois tipos de argumento: aqueles em que as conclusões seguem

necessariamente das premissas (estudaremos eles logo abaixo), estes são estudados na

Lógica; e aqueles em que se tenta persuadir a aceitar a conclusão a partir das premissas

(mas sem que a conclusão siga necessariamente das premissas), estes são estudados na Re-

tórica (bem como a melhor forma de se dizer algo para se persuadir alguém). Assim, temos:

Persuasivos → Retórica (Persuasão)

Argumentos

Demonstrativos → Lógica (Demonstração

3Parte da discussão feita aqui, pode ser encontrada em PINTO, 2001, Cap. 1, e em NOLT, 1991, Cap. 1 e

2.

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ARGUMENTOS PERSUASIVOS (EXEMPLO 4)

Deus existe ou não existe. Se Deus existir e seguirmos seus mandamentos, seremos fe-

lizes pela eternidade; se Deus existir e não seguirmos seus mandamentos, seremos conde-

nados eternamente. Logo, devemos aceitar que ele existe e seguir seus mandamentos.

ARGUMENTOS DEMONSTRATIVOS (ANÁLISE)

Analisando o argumento inicial, temos 3 partes:

Indicador de Premissa

Se a água está fervendo, então a água está 100 ºC. Premissas Ora, a água está fervendo. Inferência válida

Inferência [latim:“inferre” = levar para]

Logo, a água está 100 ºC. Conclusão Inferência não-válida

Indicador de Conclusão Argumento é uma falácia.

INDICADORES DE INFERÊNCIA

Indicadores de inferência são termos usados para indicar inferências. Em geral, divi-

dimo-los em indicadores de premissas e indicadores de conclusão.

Indicador de Premissas (exemplos):

ora já que desde que supondo que sabendo-se que

pois como visto que assumindo que a razão é que

dado que porque em vista de admitindo que como consequência de etc.

Indicador de Conclusão (exemplos):

logo daí dessa maneira segue-se que o(a) qual acarreta que

portanto de modo que neste caso assim sendo o(a) qual implica que

assim dessa forma por conseguinte consequentemente o(a) qual significa que

então de forma que resulta que o(a) qual prova que podemos deduzir que

do(a) qual inferimos que etc.

VERDADE E VALIDADE

Existem vários tipos de frases: declarativa [ou apofântica] (que podem vir a ser ver-

dadeiras); interrogativa (que expressam perguntas); exclamativa (que expressam uma ex-

clamação); imperativa (que expressa uma ordem); e optativa (que expressa uma opção). Tra-

taremos aqui apenas das frases declarativas que assumiremos ser verdadeiras (e usamos o

signo V para designar que uma proposição se verdadeira) ou falsas (e usamos o signo F para

designar que uma proposição é falsa). Assim, temos:

4Inspirado nos Penseés de Blaise Pascal.

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verdadeira (V)

Sentença Declarativa Proposição ou

falsa (F)

Vamos agora analisar as possibilidades da veracidade e falsidade das premissas e das

conclusões em argumentos válidos.

Exemplo de argumento válido5:

[P1] Se a água está fervendo, então a água está 100 ºC.

[P2] Ora, a água está fervendo.

[C] Logo, a água está 100 ºC.

Por que é válido?

Porque da noção de se-então, não poderíamos ter6: Se A, então B; A e não B.

Temos então a seguinte tabela decorrente das análises dos casos possíveis a seguir.

Argumento válido

Casos Premissas Conclusão

[0.] V V

[3.] V F

[1.] F V

[2.] F F

Análise dos casos possíveis:

Lembremos que a lei “A água ferve se, e somente se, está a 100 ºC” só é valida quando o

lugar no qual se está fervendo a água está a pressão atmosférica de 1 atm; se a pressão for

maior que 1 atm, então a água ferve acima de 100 ºC; se a pressão for menor que 1 atm, en-

tão a água ferve abaixo de 100 ºC. Levando isso em conta as situações abaixo são exemplo

de cada um dos casos de veracidade e falsidade das premissas e conclusão descritos na ta-

bela acima à direita.

0. Água fervendo a 1 atm (premissas verdadeiras) e a 100 ºC (conclusão verdadeira).

1. Água sem ferver sem estar a 1 atm (premissas falsas) e a 100 ºC (conclusão verdadeira)

2. Água sem ferver sem estar nem a 1 atm (premissas falsas) nem a 100 ºC (conclusão falsa)

3. Há uma situação possível?

5 P1 e P2 indicam as premissas do argumento e C sua conclusão.6Abaixo indicamos a forma do argumento ao lado com o uso dos signos A e B que representam quaisquer

sentenças possíveis.

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Não existe o caso 3 acima (a menos que a lei físico-química esteja errada, aí não é mais

uma questão relativa à Lógica), pois se as premissas são verdadeiras, isto é se a água ferve

à 100 ºC e a água está fervendo, então a conclusão, a água está a 100 ºC, não pode ser falsa

(ou seja, como dissemos, se é verdadeiro “Se A, então B”, então não podemos ter A e não B).

Esta é a então relação entre validade e verdade:

Em um argumento inferencialmente válido, se supomos que as premissas são verdadei-

ras, então, temos, necessariamente [necessidade lógica], que admitir que, nesse caso, sua

conclusão será verdadeira.

ARGUMENTO VÁLIDO

Vamos então adotar então as seguintes definições:

Definição. Um argumento é inferencialmente válido se, e somente se, todas às vezes

que suas premissas são verdadeiras, sua conclusão também o é.

Ou equivalentemente:

Definição bis. Um argumento é inferencialmente válido se não podemos ter suas pre-

missas verdadeiras e sua conclusão falsa.

Convenção de Notação. Para abreviar, vamos chamar os argumentos inferencialmente

válidos simplesmente de argumentos válidos.

Observemos mais uma vez que podemos ter argumentos válidos com premissas ou con-

clusões falsas (como no Caso 1 analisado na tabela acima).

ANTIGAMENTE…

Antigamente se fazia uma divisão da Lógica em estudo da dedução ou da indução. No es-

tudo da dedução, estudávamos os casos em que deduzíamos casos particulares a partir de

considerações gerais (por exemplo: desde que todo cisne é branco; resulta que os cisnes do

zoológico são brancos); e no estudo da indução, estudávamos casos em que se passava de ca-

sos particulares para considerações gerais (por exemplo: como todos os cisnes que se viu

até hoje são brancos; segue-se que todo cisne é branco). Assim, tínhamos:

Estudo da Dedução (Geral Particular)

Divisão da Lógica

Estudo da Indução (Particular Geral)

nem sempre é valida

Faremos sobre essa divisão apenas duas observações.

(1) Nem sempre, na indução, a verdade da conclusão segue das verdades das premissas,

i.e., nem sempre a indução é válida. Por exemplo, considere o argumento: dado que durante a

minha vida toda, não aprendi matemática; podemos concluir que nunca vou aprender mate-

mática. Esse argumento não é valido, pois, alguém pode não ter aprendido matemática até

então, mas a partir de certo momento (por exemplo, tendo um bom professor) vir a apren-

der.

(2) Atualmente, uma das áreas do estudo da inferência é a Teoria da Inferência Esta-

tística, que se usa o conceito de probabilidade. Mas, a Estatística e a Probabilidade são, em

grande parte, teorias que usam da dedução (cf. NOLT, 1991, Capítulos 9 e 10).

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TRÊS NÍVEIS DE ANÁLISE DO DISCURSO

No início deste curso, falamos sobre o uso de signos. Os signos podem ser estudados,

pelo menos, em três níveis diferentes que designaremos por: Sintaxe, o estudo da relação

dos signos entre si (sem considerar seus significados); Semântica, o estudo da relação dos

signos com seus significados; e Pragmática, o estudo da relação entre os signos e os falan -

tes que os usam. A figura a seguir representa a relação entre tais níveis e seus elementos.

Neste curso, para explicitar formas válidas de inferência através de signos, daremos

ênfase aos aspectos sintáticos e trataremos do aspecto semântico apenas na medida que

ele é necessário a essa explicitação. Não trataremos de forma específica do aspecto prag-

mático.

Exercício: Para os quatro argumentos a seguir: (1) Determine os indicadores de premis-

sa e de conclusão do argumento. (2) Determine a(s) premissa(s) e a(s) conclusão(ões) do ar-

gumento. (3) Determine em que medida o argumento é persuasivo, indutivo ou demonstrati-

vo; (4) Determine se o argumento é válido. (5) Dê pelo menos uma característica do argu-

mento, em cada um dos níveis (sintático, semântico e pragmático).

(A) Desde que todo cisne é branco; resulta que os cisnes do zoológico são brancos

(B) Como todos os cisnes que se viu até hoje são brancos; segue-se que todo cisne é

branco.

(C) Dado que durante a minha vida toda, não aprendi matemática; podemos concluir que

nunca vou aprender matemática

(D) Deus existe ou não existe. Se Deus existir e seguirmos seus mandamentos, seremos

felizes pela eternidade; se Deus existir e não seguirmos seus mandamentos, seremos con-

denados eternamente. Logo, devemos aceitar que ele existe e seguir seus mandamentos.

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TEORIAS E A LÓGICA COMO SISTEMAS DE OPERAÇÕES SOBRE SIGNOS:

OS SISTEMAS FORMAIS

A NOÇÃO DE SISTEMA AXIOMÁTICO

Teorias axiomáticas ou sistemas axiomáticos servem à sistematização de uma área do

conhecimento, como nas Ciências Contemporâneas, no qual necessitamos de deduções e de-

monstrações. Nessas teorias, as deduções e demonstrações sempre se apoiam em asserções

anteriores e, então, devemos aceitar determinadas asserções como primeiras para não cair-

mos em um regresso infinito. Essas primeiras asserções, que aceitamos sem delas ter uma

dedução, são chamadas, por definição, de axiomas.

Vamos então considerar uma teoria axiomática bem simples, com apenas dois axiomas,

como a seguir, para exemplificar as noções que exporemos a seguir, relativas às teorias axi-

omáticas.

Axioma 1: Se o objeto considerado tem vida, então o objeto considerado é um organismo.

Axioma 2: Se o objeto considerado é um organismo, então o objeto considerado é complexo.

A NOÇÃO DE DEDUÇÃO EM UM SISTEMA AXIOMÁTICO

Na teoria exposta no tópico anterior, podemos considerar a seguinte dedução:

Hipótese: O objeto considerado tem vida.

Axioma 1: Se o objeto considerado tem vida, então o objeto considerado é um organismo.Conclusão Parcial: O objeto considerado é um organismo.

Axioma 2: Se o objeto considerado é um organismo, então o objeto considerado é complexoConclusão: O objeto considerado é complexo.

Então, em nossa teoria, da hipótese “O objeto considerado tem vida”, podemos concluir

que “O objeto considerado é complexo”.

De forma geral, podemos dizer que a dedução de uma asserção (chamada, por definição,

de conclusão da dedução) a partir de certas asserções (chamadas, por definição, de hipóte-

ses da dedução) é, por definição, uma sequência de sentenças tal que cada sentença da se-

quência ou é uma hipótese ou é um axioma ou é inferida a partir das anteriores por regras

de inferência.

Notemos que, na dedução acima, cada uma das cinco asserções da sequência acima ou é

uma hipótese ou é um axioma ou é inferida a partir das anteriores por regras de inferência.

Abaixo temos, graficamente, as aplicações de regra de inferência.

Hipótese ──┐

Axioma 1 ──�┌── Conclusão parcial◄─┘

�── Axioma 2

└─► Conclusão

A regra de inferência aplicada na dedução acima é chamada de Modus Ponens e, se X e

Y são duas sentenças, ela tem a forma:

X

Se X, então Y.

Y

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Notemos então que, na dedução acima, a regra foi aplicada duas vezes: à Hipótese e ao

Axioma 1, resultando a Conclusão parcial; e ao Axioma 2 e Conclusão parcial, resultando na

conclusão final da dedução.

AS NOÇÕES DE DEMONSTRAÇÃO E TEOREMA EM UM SISTEMA AXIOMÁTICO

Em uma teoria axiomática, temos ainda que, uma demonstração de uma asserção é, por

definição, uma dedução, dessa mesma asserção, a partir apenas dos axiomas.

Podemos então considerar a seguinte demonstração em nossa teoria axiomática bem

simples (notemos que não existem hipóteses):

Axioma 1: Se o objeto considerado tem vida, então o objeto considerado é um organismo.Axioma 2: Se o objeto considerado é um organismo, então o objeto considerado é complexo.

Conclusão: Se o objeto considerado tem vida, então o objeto considerado é complexo.

A regra de inferência aplicada na dedução acima é chamada de Silogismo Hipotético e,

se X, Y e Z são três sentenças, ela tem a forma:

Se X, então Y.

Se Y, então Z.

Logo, se X, então Z.

Asserções que são axiomas ou para as quais existe uma demonstração são chamadas, por

definição, de teoremas.

Assim, a conclusão “Se o objeto considerado tem vida, então o objeto considerado é

complexo” é então um teorema de nossa teoria, já que existe uma demostração para ela.

A UTILIZAÇÃO DE SIGNOS EM UM SISTEMA AXIOMÁTICO

Se usarmos o signo “�” para representar a noção de implicação e se usarmos letras “A”,

“B” e “C” para representar as sentenças conforme abaixo,

A – “O objeto considerado tem vida”;

B – “O objeto considerado é um organismo”;C – “O objeto considerado é complexo”;

podemos então, representar as sentenças abaixo como segue.

Se o objeto considerado tem vida, então o objeto considerado é um organismo: “A � B”.

Se o objeto considerado é um organismo, então o objeto considerado é complexo: “B � C”.

Se o objeto considerado tem vida, então o objeto considerado é complexo: “A � C”.

Chamamos as sequências de signos “A”, “B”, “C”, “A � B”, “B � C” e “A � C” de fórmu-las, analogamente às sentenças expressas por signos matemáticos.

OPERAÇÕES SOBRE SIGNOS: REGRAS DE INFERÊNCIA E DEDUÇÃO.

Usando então as convenções introduzidas acima, podemos expressar a primeira dedu-

ção, com a sequência de fórmulas abaixo.

Hipótese: A [O objeto considerado tem vida.]

Axioma 1: A � B [Se o objeto considerado tem vida,

então o objeto considerado é um organismo.]

Conclusão parcial: B [O objeto considerado é um organismo.]

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Axioma 2: B � C [Se o objeto considerado é um organismo,

então o objeto considerado é complexo.]

Conclusão final: C [O objeto considerado é complexo.]

Vimos que regras que nos permitem inferir fórmulas de outras fórmulas são chamadas

de regras de inferência.

Em termos de fórmulas, temos o seguinte diagrama da aplicação das regras de inferên-

cia para essa dedução:

A ──┐

A � B──�┌── B ◄─┘

�── B � C

└─► C

Notemos que ambas aplicações tem a forma:

X

X � Y

──────

Y

Ora, essa é exatamente a formalização da regra de inferência Modus Ponens:

X

Se X, então Y.

Y

Notemos então que as regras de inferência, como a Modus Ponens, podem ser vistas

como operações sobre signos, no sentido de que, por exemplo, a aplicação da regra às fór-

mulas “A” e “A � B” resulta a fórmula “B” e que a aplicação da regra às fórmulas B” e “B �

C” resulta a fórmula “C”.

Assim, é como se uma dedução resultasse de operações sobre signos (fórmulas) que po-

demos fazer para, a partir das hipóteses e axiomas, chegar à conclusão.

OPERAÇÕES SOBRE SIGNOS: DEMONSTRAÇÃO.

Podemos também expressar a demonstração feita anteriormente da seguinte forma.

Axioma 1: A � B [Se o objeto considerado tem vida,

então o objeto considerado é um organismo.]

Axioma 2: B � C [Se o objeto considerado é um organismo,

então o objeto considerado é complexo.]

Conclusão: A � C [Se o objeto considerado tem vida,

então o objeto considerado é complexo.]

Notemos que a regra de inferência que usamos para chegar a conclusão “A � C” a partir

dos axiomas “A � B” e “B � C” é a regra de inferência Silogismo Hipotético e, assim, a for-

ma da regra de inferência Silogismo Hipotético é:

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X � Y

Y � Z

──────X � Z

Podemos notar então como a dedução pode ser vista como o resultado de operações so-

bre signos (fórmulas) que podemos fazer para, a partir das hipóteses e axiomas, chegar à

conclusão; e como também a demonstração pode ser considerada como o resultado de ope-

rações sobre signos (fórmulas) que podemos fazer para, a partir dos axiomas, chegar à con-

clusão.

Notemos também que uma demonstração pode ser vista como uma dedução sem hipóte-

ses.

Podemos, pois, dispor dessas noções de deduções e demonstrações, enquanto operações

sobre signos (fórmulas), visando usá-as na ciência, na formulação de teorias, a partir da cri-

ar linguagens artificiais precisas, tais que para construir um raciocínio correto, basta seguir

regras sintáticas. O que faremos a seguir introduzindo a definição de sistema formal ou te-

ria formal.

A DEFINIÇÃO DE SISTEMAS FORMAIS E A TEORIA BS

A partir do que expomos acima, podemos ver que, para realizar deduções e demonstra-

ções em teorias formais, precisamos apenas de fórmulas (que expressarão axiomas e hipó-

teses) e de regras de inferência (que são operações sobre fórmulas). A constatação desse

fato nos permite, então, introduzir a noção de sistema formal ou teoria formal, como fare-

mos a seguir. Vamos introduzir, conjuntamente, um exemplo de teoria formal constituído a

partir de nossa primeira teoria axiomática bem simples, que chamaremos Teoria BS.

Por definição, um sistema formal ou teoria formal se constitui, basicamente, do seguin-

te.

(1) Um conjunto de signos gráficos, chamado, por definição, de alfabeto do sistema formal;

o alfabeto da Teoria BS são os signos: “A”, “B”, “C”, “�”. Denominamos, por definição, de

expressão qualquer sequência finita de signos do alfabeto.

(2) Um subconjunto do conjunto das expressões chamado, por definição, de fórmulas do

sistema formal. As fórmulas da Teoria BS são as expressões: “A”, “B”, “C”, “A � B”, “B � C”

e “A � C”. Será considerada a linguagem do sistema formal o alfabeto e o conjunto de fór-

mulas do sistema formal.

(3) Um subconjunto do conjunto de fórmulas chamado, por definição, de axiomas do sistema

formal; a Teoria BS tem dois axiomas: as fórmulas “A � B” e “B � C”.

(4) Por fim, um conjunto de regras de inferência que nos diz como passar de certas fórmu-

las a outras, em uma dedução; a Teoria BS tem duas regras de inferência: as regras Modus Ponens e Silogismo Hipotético descritas anteriormente.

O quadro a seguir resume o exposto:

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Sistema Formal ou Teoria Formal Teoria BS

Constituintes Constituintes

(1) Alfabeto A B C �

(2) Fórmulas A B C A�B B�C A�C

(3) Axiomas A�B B�C

(4) Regras de Inferência

Modus Ponens (MP):

X

X � Y

──────

Y

Silogismo Hipotético (SH):

X � Y

Y � Z

──────

X � Z

De posse das fórmulas, dos axiomas e das regras de inferência de nosso sistema formal

BS podemos agora introduzir as noções de dedução, demonstração e teorema em um siste-

ma formal. É o que faremos na próxima seção. Em especial, veremos como uma teoria formal

ou sistema formal torna mais preciso os signos sobre os quais podemos fazer as operações

(fórmulas) e as operações que podem ser realizadas sobre eles (regras de inferência).

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AS NOÇÕES DE CORREÇÃO E COMPLETUDE DE UM SISTEMA FORMAL

Introduzida a noção de sistema formal axiomático, podemos agora introduzir as noções

de correção e completude de um sistema formal axiomático, duas noções centrais em Lógi-

ca. Para tal, precisamos introduzir, de forma mais precisa, as noções de dedução, demons-

tração e teorema em um sistema formal discutidas na seção . É o que faremos a seguir.

A NOÇÃO DE DEDUÇÃO EM SISTEMA FORMAL

Definição. Em um sistema formal, uma dedução de uma fórmula X, a partir de certas

hipóteses, é uma sequência de fórmulas tal que:

(1) X é a última fórmula da sequência e

(2) cada uma das fórmulas da sequência:

(a) ou é uma hipótese;

(b) ou é um axioma;

(c) ou é inferida por regra de inferência a partir das anteriores.

Por exemplo, na Teoria BS, podemos então realizar a seguinte dedução, já feita anteri-

ormente (notemos que as fórmulas da dedução são enumeradas e depois delas se escreve

sua justificativa, ou seja, se ela é uma hipótese, um axioma, ou inferida das anteriores por

regra de inferência, neste último caso, se insere a abreviação da regra de inferências e os

números atribuídos às premissas da regra utilizada, MP é a abreviação utilizada para a re-

gra Modus Ponens):

1. A – hipótese [O objeto considerado tem vida.]

2. A � B – Axioma 1[Se o objeto considerado tem vida,

então o objeto considerado é um organismo.]

3. B – MP 1,2 [O objeto considerado é um organismo.]

4. B � C – Axioma 2[Se o objeto considerado é um organismo,

então o objeto considerado é complexo.]

5. C – MP 3,4 [O objeto considerado é complexo.]

Podemos ver que, da mesma forma que anteriormente, a dedução pode ser vista como o

resultado de operações sobre signos (fórmulas) que podemos fazer para, a partir das hipó-

teses e axiomas, chegar até a conclusão, e como uma teoria formal ou sistema formal torna

mais preciso os signos sobre os quais podemos fazer as operações (fórmulas) e as opera-

ções que podem ser realizadas sobre eles (regras de inferência).

AS NOÇÕES DE DEMONSTRAÇÃO E TEOREMA EM UM SISTEMA FORMAL

Definição. Em um sistema formal, uma demonstração de uma fórmula X é uma sequência

de fórmulas tal que:

(1) X é a última fórmula da sequência e

(2) cada uma das fórmulas da sequência:

(a) ou é um axioma;

(b) ou é inferida por regra de inferência a partir das anteriores.

Notemos assim que, como anteriormente, uma demonstração pode ser vista como uma

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dedução sem hipóteses.

Temos então que, na Teoria BS, podemos realizar a demonstração, já feita anteriormen-

te (notemos que, como na dedução, as fórmulas são enumeradas e depois delas se escreve

sua justificativa, ou seja, se ela é um axioma ou inferida das anteriores por regra de infe-

rência, SH é a abreviação para a regra Silogismo Hipotético):

1. A � B – Axioma 1[Se o objeto considerado tem vida,

então o objeto considerado é um organismo.]

2. B � C – Axioma 2[Se o objeto considerado é um organismo,

então o objeto considerado é complexo.]

3. A � C – SH 1,2[Se o objeto considerado tem vida,

então o objeto considerado é complexo.]

Definição. Fórmulas que são axiomas ou para as quais existe uma demonstração são

chamadas, por definição, de teoremas.

Notemos assim que, como existe uma demonstração da fórmula “A � C” na Teoria BS, a

fórmula “A � C” é uma teorema da Teoria BS.

Podemos ver que, da mesma forma que a dedução no tópico anterior, a demonstração

também pode ser vista como o resultado de operações (regras de inferência) sobre signos

(fórmulas) que podemos fazer para, a partir dos axiomas, chegar até a conclusão, e como,

devido a isso, uma teoria formal ou sistema formal torna mais preciso o sentido das noções

de dedução, demonstração e de teorema. Mais ainda, tais definições rigorosas e exatas,

elaboradas sobre uma linguagem artificial precisa, permitem estabelecer quais são os racio-

cínios corretos (nessa linguagem) apenas a partir de regras sintática (sobre signos), possi-

bilitando sua aplicação, em uma ciência cuja teoria possa ser escrita nessa linguagem, para

uma explicação rigorosa. Tal delimitação dos raciocínios corretos (na linguagem artificial)

nos leva aos conceitos de correção e completude (inclusive inferências), como veremos nas

seções seguintes.

AS NOÇÕES DE CORREÇÃO E COMPLETUDE DE UM SISTEMA FORMAL

Vemos, então, como, a partir do surgimento da noção de sistema formal (que pode ser

usada tanto em formas clássicas de raciocínio, como fizeram Frege e Russel, em relação à

Lógica Clássica, quanto em relação às formas não-clássicas, como nas lógicas não-clássicas),

temos que o estudo das deduções e demonstrações se torna então um estudo das operações

sobre signos, no qual as deduções e demonstrações podem ser representadas de forma mais

precisa.

Em especial, uma teoria formal ou sistema formal torna mais preciso os signos sobre os

quais podemos fazer as operações (fórmulas) e as operações que podem ser realizadas so-

bre eles (regras de inferência). Em especial, teoremas são fórmulas que resultam de suces-

sivas aplicações de regras de inferência, a partir dos axiomas, em uma demonstração.

A partir disso, cabe então as seguintes perguntas.

(1) Todos os teoremas da teoria são verdades? Ou ainda, demonstra-se todas as verdades?

(2) Todas as verdades são teoremas? Ou ainda, todas as verdades são demonstráveis?

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Representando graficamente as questões acima temos:

Teoremas

1

��2

Verdades

Essas questões nos levam então as noções de correção e completude de um sistema for-

mal. Ficamos então com as seguintes definições.

Definição. Uma teoria é correta se todos os seus teoremas são verdades.

Definição. Uma teoria é completa se todas as verdades são teoremas.

Temos então que, na representação gráfica acima, a Seta 1 indica a correção do sistema

formal e a Seta 2 indica a completude do sistema formal, como representado abaixo.

Verdades

Correção

��

Completude

Teoremas

AS NOÇÕES DE CORREÇÃO E COMPLETUDE DA TEORIA BS

Consideremos agora as noções de correção e de completude em relação a Teoria BS.

Vamos aqui usar uma noção intuitiva de verdade para as fórmulas. Notemos então que

estamos considerando que as fórmulas “A � B”, “B � C” e “A � C” da Teoria BS são sem-

pre verdadeiras, mas que nem sempre são verdadeiras as fórmulas “A”, “B”, “C”, já que, por

exemplo, o objeto considerado pode não ter vida (ou seja “A” não é verdadeira sempre).

Ou seja, estamos considerando o seguinte.

Verdades: “A � B”, “B � C” e “A � C”.

Outras fórmulas: “A”, “B”, “C”.

Por outro lado, podemos nos perguntar quais fórmulas são teoremas de nossa Teoria BS.

Vimos que, por definição, teoremas são sentenças que são axiomas ou para as quais existe

uma demonstração. Assim, em nossa Teoria BS, são teoremas as fórmulas “A � B” (Axioma

1), “B � C” (Axioma 2) e “A � C” (pois existe uma demonstração, como vimos no Tópico 12).

Ou seja, temos o seguinte.

Teoremas da Teoria BS: “A � B”, “B � C” e “A � C”.

Não-teoremas de BS: “A”, “B”, “C”.

Ou seja, temos assim que, em nossa Teoria BS, todos os teoremas são verdades; logo a

Teoria BS é correta.

Da mesma forma, todas as verdades são teoremas da Teoria BS; logo a Teoria BS é

completa.

Ou seja, o nosso sistema formal BS é correto e completo, já que, nele, verdades o os te-

oremas coincidem.

AS NOÇÕES DE CORREÇÃO E COMPLETUDE INFERENCIAIS DE UM SISTEMA FORMAL

(II) Podemos ainda estudar a relação entre as deduções e as inferências válidas em um

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sistema formal, buscando responder às seguintes questões.

(1) Será que toda dedução é uma inferência válida?

(2) Será que para toda inferência válida existe uma dedução dela no sistema formal?

Representando graficamente as questões acima temos:

Deduções

1

��2

Inferências Válidas

Temos então as seguintes definições.

Definição. Uma teoria é correta inferencialmente se toda dedução constitui uma infe-

rência válida.

Definição. Uma teoria é completa inferencialmente se para toda inferência válida existe

uma dedução para ela na teoria.

Temos então que, nas representações gráficas acima, as setas 1 indicam a correção in-

ferencial do sistema formal e as setas 2 indicam a completude inferencial do sistema for-

mal, como expresso nas representações gráficas abaixo.

Deduções

na Teoria Formal

Completude Inferencial

��

Completude Inferencial

Inferências

Válidas

CORREÇÃO E COMPLETUDE INFERENCIAIS DA TEORIA BS

Mostremos então que a Teoria BS é correta inferencialmente. Para isso, precisamos

mostrar que toda dedução em BS é válida.

Com efeito, notemos que a regra de inferência Modus Pones é de tal forma que, se ad-

mitirmos que suas premissas X � Y e X são verdadeiras, temos que admitir que sua conclu-

são Y também é verdadeira. Temos também que a regra de inferência Silogismo Hipotético é de tal forma que, se admitirmos que suas premissas X � Y e Y � Z são verdadeiras, te-

mos que admitir que sua conclusão Y � Z também é verdadeira. Assim, como, nas deduções

da Teoria BS, apenas usamos as regras de inferência Modus Ponens e Silogismo Hipotético,

então, se admitirmos que as premissas (hipóteses) das deduções são verdadeiras, temos que

admitir todas as conclusões (parciais ou final) são verdadeiras. Logo, toda dedução em BS é

válida.

Podemos então concluir que a Teoria BS é correta inferencialmente.

A completude inferencial da Teoria BS irá depender da noção de implicação adotada.

Pode-se mostrar que existe uma noção de implicação para a qual a Teoria BS é completa in-

ferencialmente.

Exercício. Para cada argumento formal a seguir (a fórmula acima do traço é a premissa

e a fórmula abaixo do traço é a conclusão), encontre uma dedução no sistema BS (no caso

(3), encontre uma dedução diferente da realizada anteriormente).

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(1) A

───

B

(2) B

───

C

(3)* A

───

C

QUADRO RESUMO – CORREÇÃO E COMPLETUDE

S I N T A X E*

Teoria Formal ou Sistema Formal **

(1) Alfabeto (2) Fórmulas (3) Axiomas(4) Regras de

InferênciaS E M Â N T I C A*

Correção

Demonstração Axiomas

Regras de

──────►

Inferência

(Demais)

Teoremas

�� Verdades

Completude

DeduçãoPremissas

(+ Axiomas)

Regras de

──────►

Inferência

Conclusão

Correção

Inferencial

��

Completude

Inferencial

Inferência

Válida

* As noções de sintaxe e semântica aqui adotadas são aquelas já citadas anteriormente.

** Notemos que este diagrama também vale para as teorias axiomáticas não formalizadas.

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CONECTIVOS CLÁSSICOS E SUAS REGRAS DE INFERÊNCIA

Vimos como a noção de teoria formal ou sistema formal nos permite tornar mais preci-

sas as noções de dedução, demonstração e teorema, e representar (sintaticamente), em

termos de operações (regras de inferência) sobre signos (fórmulas), as inferências (se-

mânticas) válidas.

Entretanto, a linguagem formal introduzida até aqui é muito pobre, pois tem apenas um

signo para expressar as relações entre proposições: a implicação “�”.

Vamos agora enriquecer nossa linguagem formal e introduzir novos signos para expres-

sar relações entre proposições; tais signos são chamados conectivos.

Segue abaixo os novos conectivos, com seus sentidos intuitivos, e as regras de inferên-

cia que os definem sintaticamente.

Conectivo Signo Exemplo Sentido

Conjunção ∧ A ∧ B Ocorre A e ocorre B

Disjunção ∨ A ∨ B Ocorre A ou ocorre B ou ocorre ambos

Negação ~ ~A Não ocorre A

Bicondicional � A ↔ B Ocorre A se, e somente se, ocorre B

Condicional � A � B Se ocorre A, então ocorre B

Regras de Inferência

Simplificação (S) Conjunção (C) Adição (A)

X ∧ Y

──────

X

X ∧ Y

──────

Y

X

Y

──────

X ∧ Y

Y

X

──────

X ∧ Y

X

──────

X ∨ Y

Y

──────

X ∨ Y

Dupla Negação (DN)Silogismo

Disjuntivo (SD)

Condicional para

Bicondicional (CB)

~~X

────

X

X

────

~~X

X ∨ Y

~X

──────

Y

X ∨ Y

~Y

──────

X

X � Y

Y � X

──────

X ↔ Y

Bicondicional para

Condicional (BC)

Redução ao

Absurdo (RA)Modus Ponens (MP)

Silogismos

Hipotético (SH)

X ↔ Y

──────

X � Y

X ↔ Y

──────

Y � X

X � Y

X � ~Y

──────

~X

X � Y

X

──────

Y

X � Y

Y � Z

──────

X � Z

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Vejamos agora um exemplo de dedução com essas regras de inferência.

Exemplo. Encontre uma dedução para o argumento abaixo.

~A

A ∨ B

B � C

──────

C

1. ~A Premissa

2. A ∨ B Premissa

3. B � C Premissa

4. B SD 1,2

5. C MP 3,4

Exercício: Reescreva o argumento e a dedução acima considerando a convenção abaixo.

A – É noite

B – É dia

C – O Sol está no Céu

Neste caso, temos o seguinte.

Argumento:

Não é noite

É noite ou é dia

Se é dia, então o Sol está no Céu

Logo, o Sol está no Céu

Dedução:

1. Não é noite – Premissa

2. É noite ou é dia – Premissa

3. Se é dia, então o Sol está no Céu – Premissa

4. É dia – SD 1,2

5. O Sol está no Céu – MP 3,4

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Exercício: Encontre uma dedução para cada um dos argumentos abaixo.

(1)

A

A � B

──────

A ∧ B

(2)

A

B

(A ∧ B) � C

──────

C

(3)

A

A � (B ∧ C)

──────

B

(4)

A

A � ~~B

──────

B

(5)

(A ∨ B) � C

B

──────

C

(6)

A

A ↔ B

──────

B

(7)

A ∧ (A � B)

──────

B

(8)

A

A � B

B � C

──────

A ∧ B ∧ C

(9)

A � B

B � C

C � A

──────

A ↔ B

(10)

A � B

B � C

A � ~C

──────

~A

(11)

A

~A

──────

B

(12)

A

(A ∨ B) � C

~D

D ∨ E

(C ∧ E) � F

F � (G ∧ ~~H)

──────

H

Resolução.

(1)

1. A Premissa

2. A � B Premissa

3. B MP 1,2

4. A ∧ B C 1,3

(2)

1. A Premissa

2. B Premissa

3. (A ∧ B) � C Premissa

4. A ∧ B C 1,2

5. C MP 3, 4

(3)

1. A Premissa

2. A � (B ∧ C) Premissa

3. B ∧ C MP 1, 2

4. B S 3

(4)

1. A Premissa

2. A � ~~B Premissa

3. ~~B MP 1,2

4. B DN 3

(5)

1. (A ∨ B) � C Premissa

2. B Premissa

3. A ∨ B A 1

4. C MP 1, 3

(6)

1. A Premissa

2. A ↔ B Premissa

3. A � B BC 2

4. B MP 1,3

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(7)

1. A ∧ (A � B) Premissa

2. A S 1

3. A � B S1

4. B MP 2,3

(8)

1. A Premissa

2. A � B Premissa

3. B � C Premissa

4. B MP 1,2

5. C MP 3,4

6. A ∧ B C 1,4

7. (A ∧ B) ∧ C C 5,6

(9)

1. A � B Premissa

2. B � C Premissa

3. C � A Premissa

4. B � A SH 2,3

5. A ↔ B CB 1,4

(10)

1. A � B Premissa

2. B � C Premissa

3. A � ~C Premissa

4. A � C SH 1,2

5. ~A RA 3,4

(11)

1. A Premissa

2. ~A Premissa

3. A ∨ B A 1,2

4. B SD 2,3

(12)

1. A Premissa

2. A ∨ B A1

3. (A ∨ B) � C Premissa

4. C MP 2,3

5. ~D Premissa

6. D ∨ E Premissa

7. E SH 5,6

8. C ∧ E C 4,7

9. (C ∧ E) � F Premissa

10. F MP 8,9

11. F � (G ∧ ~~H) Premissa

12. G ∧ ~~H MP 10,11

13. ~~H S 12

14. H DN 13

Os conectivos aqui introduzidos

∧ ∨ ~ ↔ �mais as letras que denotam sentenças

A, B, C, …, X, Y, W, Z

e os signos de parênteses

( )

formam todo o alfabeto da linguagem que utilizaremos nas próximas aulas.

Existem outros conectivos que podem ser definidos na Lógica Proposicional Clássica,

como, por exemplo, o conectivo disjunção exclusiva ∨∨ tal que A∨∨B tem o sentido: ou A

ocorre, ou B ocorre, mas não ambos. Entretanto, todos os conectivos da Lógica Proposicional

Clássica podem ser definidos a partir de combinações dos conectivos introduzidos acima;

por exemplo, a disjunção exclusiva pode ser definida como A∨∨B :=def. (A∨B)∧~(A∧B) (que,

justamente, pode ser lido como: A ocorre ou B ocorre, mas não ambos).

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A DEMONSTRAÇÃO CONDICIONAL E OS SISTEMAS DE DEDUÇÃO NATURAL

Considere que se queira encontrar uma dedução para o seguinte argumento válido:

A � (B � C)

B

────────

A � C

Notemos então que este argumento não pode ser deduzido com as regras de inferências

vistas até agora, pois, como a primeira premissa tem o conectivo “implicação”, só podería-

mos aplicar nela as regras de inferência, MP, SH e CB; mas nenhuma dessas podem ser apli-

cadas às premissas A � (B � C) e B acima.

Por outro lado, consideremos que podemos trabalhar com hipóteses, por exemplo, A.

Chamaremos esta regra de Demonstração Condicional (DC). Neste caso temos:

1. A � (B � C) Premissa

2. B Premissa

3. A Hipótese (Usamos uma linha vertical na frente para denotar que se está sob uma hipótese.)

4. B � C MP 1,3

5. C MP 2,4

6. A � C DC 3-5

Notemos que então que, na aplicação da regra de Demonstração Condicional, retiramos a

linha vertical e a hipótese é considerada uma condição da conclusão e escrevemos sua abre-

viação DC seguida da indicação do intervalo em que se estava sob a hipótese inicial.

Vejamos outro exemplo. Encontrar uma dedução para o argumento válido abaixo.

A ∨ B

────

~A � B

1. A ∨ B Premissa

2. ~A Hipótese

3. B SD 1,2

4. ~A � B DC 2-3

Notemos por fim que podemos usar quantas hipóteses quisermos, desde que mantenha-

mos a ordem correta em relação às premissas. Como no seguinte exemplo de dedução para o

argumento abaixo.

A � (B � C)

────────

B � (A � C)

1. A � (B � C) Premissa

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2. B Hipótese

3. A Hipótese (notemos a segunda linha, pois temos uma segunda hipótese)

4. B � C MP 1,3

5. C MP 2,4

6. A � C DC 3-5

7. B � (A � C) DC 2-6

Exercício. Encontre uma dedução para os seguintes argumentos.

(1)

A

────────

B � (A ∧ B)

(2)

A � B

A � C

────────

A � (B ∧ C)

(3)

A � C

B � D

────────────

A � (B � (C ∧ D))

Notemos que, com a Demonstração Condicional, podemos fazer uma demonstração de

uma fórmula (isto é, uma dedução sem premissas), como nos exemplos abaixo (isso aliás que

justifica o termo “Demonstração” no nome da regra).

1. A Hipótese 1. A Hipótese

2. A ∨ B A 1 2. B Hipótese

3. A � (A ∨ B) DC 1-2 3. A ∧ B C 1,2

4. B � (A ∧ B) DC 2-3

5. A � (B � (A ∧ B)) DC 1-4

Assim B � (A ∨ B) e A � (B � (A ∧ B)) são teoremas de nosso sistema de regras de in-

ferências.

As regras de inferências apresentadas anteriormente mais a regra de Demonstração

Condicional formam o que se chama de um sistema de dedução natural. A Dedução Natural é

um método de demonstração introduzido, independentemente, nos anos 30, por Gerhard

Karl Erich Gentzen (1909-1945) e Stanisław Jaśkowski (1906-1965). Os sistemas de dedu-

ção natural são sistemas dedutivos que não apresentam axiomas, apenas regras de inferên-

cia e que, como o próprio nome diz, possibilitam realizar deduções e demonstrações formais

em Lógica de modo o mais natural possível.

Exercício. Encontre uma demonstração para as fórmulas abaixo.

(1) (A ∧ B) � A (2) ~~A � A

(3) (A ↔ B) � (A � B) (4) (A � B) � ((A � ~B) � ~A)

(5) A � (B � A) (*usar repetição da hipótese) (6)(A � C) � ((B �C) � ((A ∨ B) � C)

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CONECTIVOS E TABELAS-VERDADE

Nas aulas anteriores, inserimos os conectivos lógicos e os sentidos a eles atribuídos

(conforme a tabela abaixo) e, a partir destes, introduzimos regras de inferência que nos

permitiram fazer deduções e demonstrações.

Conectivo Fórmula Sentido

Conjunção A ∧ B Ocorre A e ocorre B

Disjunção A ∨ B Ocorre A ou ocorre B ou ocorre ambos

Negação ~A Não ocorre A

Bicondicional A ↔ B Ocorre A se, e somente se, ocorre B

Condicional A � B Se ocorre A, então ocorre B

Se usarmos a letra “V” de “Verdadeiro” ou a letra “F” de “Falso” para denotar que, res-

pectivamente, uma proposição ocorre ou não ocorre, então podemos nos perguntar:

Será que podemos expressar o sentido dos conectivos em termos de V ou F?

É a resposta a essa questão que estudaremos agora.

Considere então que o seguinte significado da sentença “A”:

A – A alma é imortal

Temos então duas possibilidades:

Situação A alma é imortal

(1) V

(2) F

Ou seja:

(1) A alma é imortal

(2) A alma não é imortal

Considere então:

~A – A alma não é imortal

Exercício. Preencha com V ou F a seguinte tabela.

A ~A

V

F

Considere, agora, os seguintes significados das sentenças “A” e “B”:

A – A alma é imortal

B – O pensamento é poderoso

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 26

Temos então quatro casos possíveis:

Situação A alma é imortal O pensamento é poderoso

(1) V V

(2) V F

(3) F V

(4) F F

Ou seja:

(1) A alma é imortal e o pensamento é poderoso

(2) A alma é imortal e o pensamento não é poderoso

(3) A alma não é imortal e o pensamento é poderoso

(4) A alma não é imortal e o pensamento não é poderoso

Considere então:

A ∧ B – A alma é imortal e o pensamento é poderoso

A ∨ B – A alma é imortal ou o pensamento é poderoso

Exercício. Preencha com V ou F as seguintes tabelas.

A B A ∧ B A B A ∨ B

V V V V

V F V F

F V F V

F F F F

Notemos que:

(1) A conjunção só é verdadeira quando ambas são verdadeiras.

(2) Basta que uma seja falsa para a conjunção ser falsa.

E que:

(1) A disjunção só é falsa quando ambas são falsas.

(2) Basta que uma seja verdadeira para a disjunção ser verdadeira.

Definição. Os valores V e F atribuídos as proposições são chamados de valores-verdade

e as tabelas que expressam o sentido das fórmulas em termos de valores-verdade são cha-

madas tabelas-verdade.

Notemos então que podemos fazer a tabela-verdade de uma fórmula complexa, a partir

do resultado de cada um dos conectivos, definido pelas tabelas-verdades acima, como no

exercício abaixo.

Exercício. Complete a tabela-verdade a seguir.

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A B A ∧ B ~(A ∧ B) ~A ~A ∨ B

V V

V F

F V

F F

Vimos que os sentidos da negação, da conjunção e da disjunção podem ser expresso em

termos de tabela-verdade. Podemos então nos perguntar: Será que podemos propor um sen-

tido para a implicação apenas em termos da tabela-verdade?

A resposta é: Sim!

Vejamos como.

A idéia geral de A � B é: se temos A, temos necessariamente B.

Ou de outra forma: não é possível ocorrer A e não ocorrer B.

Tornar preciso essa noção de “necessariamente” ou de “possível” é complicado. Assim,

se encontrarmos uma noção de implicação apenas em termos de uma tabela-verdade, seria

bem mais simples para se criar uma conceitografia7.

Notemos então a equivalência entre as asserções:

Se chove, então a rua estão molhada ≈ Não chove ou a rua está molhada

Ou seja, idéia é interpretar “A � B” como: não ocorre A ou ocorre B.

Neste caso, se supomos que “A” e que “A � B”, podemos concluir “B”.

Com efeito, se A�B, então, por definição, não ocorre A ou ocorre B; se ocorre A, então

B tem que ocorrer B necessariamente.

Para dar um exemplo, consideremos, novamente:

A – A alma é imortal

B – O pensamento é poderoso

Temos então que:

A�B – A alma não é imortal ou o pensamento é poderoso

Mostremos que de A e A�B podemos concluir B.

(1) A: A alma é imortal.

(2) A�B: A alma não é imortal ou o pensamento é poderoso.

Logo, de (1) e (2), podemos concluir B: o pensamento é poderoso.

Ou seja, iremos considerar A � B como: não ocorre A ou ocorre B.

Notemos então que o sentido de A � B pode ser expresso pela fórmula ~A ∨ B.

Exercício. Complete a tabela-verdade abaixo (considere que A � B tem o mesmo senti-

do de que ~A ∨ B; veja exercício anterior).

7Veja sobre a noção de Conceitografia na Introdução.

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A B A � B

V V

V F

F V

F F

Notar que:

(1) A � B é falsa se, e somente se, A é verdadeira e B é falsa.

(2) Se A é falsa, então A � B é verdadeira.

(3) Se B é verdadeira, então A � B é verdadeira.

Notemos então que “A � B” também denota que não ocorre, simultaneamente, A e não-

B, ou seja, ~(A ∧ ~B).

Exercício. Faça a tabela-verdade de ~(A ∧ ~B) e veja que ela é igual a tabela-verdade

de ~A ∨ B.

Por fim, podemos propor a definição abaixo para indicar o que discutimos acima.

Definição. Usaremos o termo condicional para designar a implicação definida pelas tabe-

las-verdade logo acima.

Assim, para salientar que A � B, em termos das tabelas-verdades acima, podemos ler

esta fórmula como “A condicional B” ao invés de lê-la simplesmente como “A implica B”.

Notemos ainda que é util introduzir a seguinte nomenclatura.

Definição: Considere uma sentença da forma X � Y. A sentença que se encontra antes

do conectivo � (no caso, “X”) é chamada de antecedente da implicação e a sentença que se

encontra depois do conectivo � (no caso, “Y”) é chamada de conseqüente da implicação.

Para terminar a exposição dos conectivos em termos de tabelas-verdade, temos que o

sentido do bicondicional também pode ser escrito em termos de uma tabela-verdade.

Complete então com V e F a tabela-verdade abaixo.

A B A ↔ B

V V

V F

F V

F F

Notar que: A ↔ B é verdadeira se, e somente se, A e B têm o mesmo valor-verdade.

De posse dessas definições, podemos usar as tabelas-verdades para encontrar fórmulas

que são sempre verdadeiras (bem como, encontrar as fórmulas que serão sempre falsas). O

que motiva a seguinte definição.

Definição. Uma fórmula que é sempre verdadeira é chamada de tautologia; uma fórmula

que é sempre falsa é chamada de contradição; uma fórmula que nem é tautologia nem é con-

tradição é chamada de contingência.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 29

Exemplo. Vamos fazer a tabela-verdade das fórmulas abaixo e classificá-las em tauto-

logia, contradição e contingência. Notemos que, em um exercício anterior, fizemos as tabe-

las-verdade de fórmulas complexas, construindo primeiro as tabelas-verdade das formulas

que as compunham. Aqui, vamos usar um outro método: usaremos apenas uma tabela-verdade

para cada fórmula e escreveremos, debaixo de cada letra e da cada conectivo da fórmula, o

seu resultado para em cada linha (os números abaixo da tabela-verdade indicam a ordem de

seu preenchimento).

(1) A ∨ ~A (2) ~~A ↔ A (3) A � (A ∨ B) (4) (A ∨ B) � A

A A ∨ ~ A A A � ~ A A B A � (A ∨ B) A B (A ∨ B) � A

V V V F V V V F F V V V V V V V V V V V V V V V

F F V V F F F F V F V F V V V V F V F V V F V V

1 4 3 2 1 4 3 2 F V F V F V V F V F V V F F

F F F V F F F F F F F F V F

1 5 2 4 3 1 4 3 5 2

Tautologia Contradição Tautologia Contingência

Exercício. Classifique as fórmulas abaixo em tautologia, contradição e contingência.

(1) A ∧ ~A (2) ~(A∧~A) (3) A � A (4) ~A ↔ A

(5) (A∧B) � A (6) (A ∧ (A�B)) � B (7) ((A�B) ∧ ~B) � ~A (8)((A∨B)∧~A) � B

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A IMPLICAÇÃO MATERIAL E SEUS PARADOXOS

A implicação descrita apenas pelo conectivo condicional é chamada de implicação mate-

rial e, como vimos, descreve a implicação apenas em termos dos valores-verdade de seus

constituintes.

Nesse sentido, temos que, se considerarmos a sentença

A Lua é de queijo � 1=1

temos que essa sentença é verdadeira, pois, neste caso, tanto seu antecedente é falso,

quanto seu conseqüente é verdadeiro.

A condicional é a forma com que Frege introduz a implicação em sua Conceitografia (cf.,

por exemplo, Frege, 2009, p.74).

Podemos notar, como faz Frege (idem, p. 75), que “A linguagem corrente não permite

que se traduza esse sinal em todos os casos por ‘se[… então _]’.” Sem dúvida, neste caso,

parece-nos estranha a sentença:

Se a Lua é de queijo, então 1=1.

As sentenças que contém implicações materiais e que parecem contradizer a noção in-

tuitiva de implicação expressa por “se … então _” são chamadas de Paradoxos da Implicação

Material.

Podemos nos perguntar: para que usar uma forma de implicação que nos causa estranha-

mento ao traduzi-la em termos de “se … então _”?

Como vimos, porque, ela simplifica o tratamento da implicação do ponto de vista de uma

conceitografia, bem como de sua interpretação, na medida em que:

(1) o valor-verdade da fórmula composta A�B é determinado apenas pelos valores-ver-

dade de A e de B, sem que se precise considerar qualquer outro dado; e

(2) evita as dificuldades naturais em se tentar caracterizar o que seria a noção mais

complexa de implicação.

Existe um ramo da Lógica, chamado de Lógica da Relevância, que estuda sistemas for-

mais com uma noção de implicação que evitam os paradoxos da implicação material (cf. a se-

ção Lógica da Relevância mais adiante). Entretanto esses sistemas formais inserem maiores

complicações do que a conceitografia que está sendo aqui proposta, e, em geral, por causa

disso, usamos a lógica aqui apresentada para o próprio estudo da Lógica da Relevância.

Por fim, notemos que mesmo que estranhemos a definição de implicação em termos da

implicação material, esse estranhamento deixa de existir se entendermos que essa impli -

cação, da forma A�B, é definida por: não ocorre A ou ocorre B. Assim, a sentença

“A Lua é de queijo � 1=1”

expressa:

A Lua não é de queijo ou 1=1.

E essa sentença é verdadeira, pois é a disjunção de duas sentenças verdadeira, pois

tanto a Lua não é de queijo quanto 1=1.

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A CONCEITOGRAFIA DE FREGE

As páginas abaixo mostram uma das formas com que Frege (2009, p.73-75) introduz sua

Conceitografia.

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QUADRO RESUMO – CONECTIVOS

Conectivo Símbolo Exemplo Sentido

Negação ~ ~A Não ocorre A

Conjunção ∧ A ∧ B Ocorre A e ocorre B

Disjunção Inclusiva ∨ A ∨ B Ocorre A ou ocorre B ou ocorre ambos

Disjunção Exclusiva ∨∨ A ∨∨ B Ocorre A ou ocorre B, porém não ocorre ambos

Condicional � A � B Não ocorre A ou ocorre B

Bicondicional � A ↔ B Ou ocorre A e ocorre B, ou não ocorre A e não ocorre B

Negação (intuitivamente: não) Símbolo gráfico: ~

Tabela-verdade: A ~A Notemos então que:

V F A operação negação inverte o valor-verdade de A

F V

Conjunção (intuitivamente: e) Símbolo Gráfico: ∧

Tabela-verdade: A B (A ∧ B) Notar que:

V V V (1) (A ∧ B) é V se, e somente se,

V F F A e B são ambas V

F V F (2) Se A ou B é F, então (A ∧ B) é F

F F F

Disjunção (intuitivamente: ou) Símbolo Gráfico: ∨

Tabela-verdade: A B (A ∨ B) Notar que:

V V V (1) (A ∨ B) é F se, e somente se,

V F V A e B são ambas F

F V V (2) Se A ou B é V, então (A ∨ B) é V

F F F

Condicional (intuitivamente: se … então __ ) Símbolo Gráfico: �Tabela-verdade: A B (A � B) Notar que:

V V V 1. (A � B) é F se, e somente se, A é V e B é F

V F F 2. Se A é F, então (A � B) é V

F V V 3. Se B é V, então (A � B) é V

F F V

Definição. O antecedente de uma condicional é a sentença que se encontra antes do co-

nectivo � (no caso A).

Definição. O conseqüente de um condicional é a sentença que se encontra depois do co-

nectivo � (no caso B).

Bicondicional (intuitivamente: … se, e somente se, __ ) Símbolo Gráfico: ↔

Tabela-verdade: A B (A ↔ B)

V V V Notar que:

V F F (A ↔ B) é V

F V F se, e somente se,

F F V A e B têm o mesmo valor-verdade.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 35

UM EXEMPLO ATUAL EM FILOSOFIA DA LÓGICA: A LÓGICA SEGUNDO G.-G.GRANGER

Até aqui, apresentamos os elementos que nos permite fazer uma análise lógica dos argu-

mentos e introduzir uma conceitografia (a ser completamente desenvolvida adiante) que ga-

ranta a correção de um argumento que segue certas regras sintáticas apenas. Essa análise e

essa conceitografia não determinam diretamente seja uma ontologia seja uma metafísica

para esses elementos, no sentido de são adotadas por correntes com metafísicas e ontolo-

gias diferentes. Denominamos de Filosofia da Lógica à área que estuda essa natureza dos

elementos aqui apresentados. Nessa seção, vamos apresentar sucintamente, como exemplo,

uma interpretação em Filosofia da Lógica da linguagem da Lógica Proposicional Clássica tal

que: (1) as letras sentenciais designem objetos quaisquer que têm como única propriedade

explícita estarem presentes ou ausentes; e (2) os conectivos designem as relações/opera-

ções entre eles. Essa interpretação é feita por Gilles Gaston Granger (Lógica e Filosofia

das Ciências, São Paulo: Edições Melhoramentos, 1955, Parte III, Cap. IV), que apresenta a

Lógica Proposicional Clássica como sendo a Lógica estrito senso (cf. Formes, Opérations,

Objets. Paris: J.Vrin,1994, p.40). Em um sentido preciso, ele interpreta a Lógica Proposicio-

nal Clássica como expressando uma semântica de presença e ausências.

Assim temos, inicialmente, que os objetos são designados pelas letras latinas maiúscu-

las: A, B, C, etc.

Escrevemos, então, uma dessas letras, e.g., A, diretamente (ou seja, a usamos), quando

queremos indicar sua presença, e escrevemos uma dessas letras entre aspas, e.g., 'A' quan-

do queremos apenas a mencionar.

Para indicar a ausência de A, escrevemos ~A. Assim, o

conectivo ~ designa a operação, denominada de negação,

que passa da presença do objeto a sua ausência e da au-

sência do objeto a sua presença, segundo a tabela ao lado.

Para indicar a presença de dois objetos,

e.g., A e B, usamos o signo ∧ e escrevemos

A∧B. Assim, o signo ∧ designa a operação

conjunção que é tal que A∧B está presente,

se, e somente se, A e B estão ambos pre-

sentes, o que nos dá a tabela ao lado.

Notemos que a ausência de ambos obje-

tos A e B, pode ser indicada por ~A∧~B.

Para indicar que um entre dois objetos,

e.g., A e B, está presente (podendo estar

ambos presentes), usamos o signo ∨ e escre-

vemos A∨B. Assim, o signo ∨ designa a ope-

ração disjunção inclusiva que é tal que (1)

A∨B está presente se, e somente se, pelo

menos um dos dois, A ou B, está presente; ou ainda, equivalentemente, (2) A∨B está ausente

se, e somente se, A e B estão ambos ausentes, o que nos dá a tabela ao lado.

A ~A

Presente Ausente

Ausente Presente

A B A∧B

Presente Presente Presente

Presente Ausente Ausente

Ausente Presente Ausente

Ausente Ausente Ausente

A B A∨B

Presente Presente Presente

Presente Ausente Presente

Ausente Presente Presente

Ausente Ausente Ausente

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 36

Para indicar que, se um objeto, e.g., A,

está presente, então um objeto, e.g., B, está

presente, usamos o signo � e escrevemos

A�B. Assim, o signo � designa a operação

condicional que é tal que (1) A�B está pre-

sente se, e somente se, ambos, A e B, estão

presentes ou A está ausente; (2) ou ainda,

equivalentemente, A�B está ausente se A está presente e B está ausente, o que nos dá a

tabela ao lado.

Vemos então que esse último conectivo capta um tipo de relação de implicação, chamada

de implicação material. Com efeito, vale para ela as regras Modus Ponens (se A�B está pre-

sente e A está presente, então necessariamente B está presente) e Silogismo Hipotético

(se A�B está presente e B�C está presente, então necessariamente A�C está presente).

Para indicar que um objeto, e.g., A está

presente se, e somente se, um objeto, e.g.,

B, está presente, usamos o signo ↔ e escre-

vemos A↔B. Assim, o signo ↔ designa a ope-

ração bicondicional que é tal que (1) A↔B

está presente se, e somente se, os dois, A e

B, estão presente, ou se, os dois, A e B, es-

tão ausentes; (2) ou ainda, equivalentemente, A↔B está presente se, e somente se ambos

tem o mesmo estado, o que nos dá a tabela ao lado.

Por fim, para indicar que um entre dois

objetos, e.g., A e B, está presente (não po-

dendo estar ambos presentes), usamos o sig-

no ∨∨ e escrevemos A∨∨B. Assim, o signo ∨∨

designa a operação disjunção exclusiva que é

tal que (1) A∨∨B está presente se, e somente

se, um dos dois, A ou B, está presente, mas

não ambos, o que nos dá a tabela ao lado.

Notemos então que as tautologias estão sempre presentes, as contradições nunca estão

presentes e as contingências às vezes estão presentes às vezes estão ausentes. Podemos

dizer que a eterna presença das tautologias indica a correção da Lógica Proposicional

Clássica enquanto base de todo o pensar. Ou como nos diz Granger (Idem, p.61): “Podemos

dizer que ele [o objeto qualquer definido apenas pelas operações dos conectivos da Lógica

Proposicional Clássica] desenha então uma possibilidade do objeto mais que um objeto

mesmo, e que nesse sentido a lógica formal tem um porte transcendental […]” , e, ainda, que

“O lógico, regra a priori de toda expressão da experiência, não é conhecido por abstração a

partir dessa experiência, exceto no sentido de que a precede; contudo ele é necessariamen-

te forma de um mundo e não apenas forma de uma linguagem, ou mais exatamente, nesse

caso, a forma de uma linguagem só pode ser que forma de um mundo.”

A B A�B

Presente Presente Presente

Presente Ausente Ausente

Ausente Presente Presente

Ausente Ausente Presente

A B A↔B

Presente Presente Presente

Presente Ausente Ausente

Ausente Presente Ausente

Ausente Ausente Presente

A B A∨∨B

Presente Presente Ausente

Presente Ausente Presente

Ausente Presente Presente

Ausente Ausente Ausente

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TABELA-VERDADE E ARGUMENTO VÁLIDO: O MÉTODO DIRETO

No sentido de constituir teorias formais ou sistemas formais mais expressivos, inseri-

mos os conectivos (negação, conjunção, disjunção, condicional e bicondicional) e vimos algu-

mas regras de inferências a eles associadas. Vimos, na lição anterior, como expressar o sen-

tido dos conectivos e das formulas em geral, em termos de V ou F, ou seja, construindo ta-

belas-verdades. Já que a Lógica estuda (também) os argumentos válidos de uma teoria (in-

clusive de teorias formais), podemos nos perguntar:

Será que podemos expressar, em termos de tabelas-verdades,

a noção de validade de um argumento na linguagem formal vista até agora?

Ou ainda:

Será que, dado um argumento na linguagem formal vista até agora,

podemos usar as tabelas-verdade para determinar se ele é válido ou não?

É o que faremos nesta lição. Comecemos relembrando a definição de argumento válido.

Definição. Um argumento é válido se, e somente se, todas às vezes que suas premissas

são verdadeiras, sua conclusão também o é.

A partir dessa definição podemos estabelecer o seguinte método.

Definição. Dado um argumento, chamamos Método Direto a construção das tabelas-ver-

dade das premissas e da conclusão para avaliar se:

(1) em todos os casos (linhas da tabela-verdade) em que as premissas são verdadeiras a

conclusão é verdadeira e, portanto, o argumento é válido; ou

(2) há um caso (linha da tabela-verdade) com premissas verdadeiras e conclusão falsa e,

portanto, o argumento não é válido.

Exemplo: Verificar se os argumentos a seguir são válidos.

(1) A � B

~B

──────

~A

(2) A � B

~A

──────

~B

(1) Analisando o argumento temos:

Casos possíveis Premissas Conclusão

A B A � B ~B ~A

[1] V V V F F

[2] V F F V F

[3] F V V F V

*[4] F F V V V

Em todos os casos em que as premissas são verdadeiras (que, na tabela-verdade acima,

se reduz apenas à linha [4], indicada por um asterisco à frente), a conclusão é verdadeira

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(indicado pelo negrito e sublinhado) e, portanto: o argumento é válido.

Aliás, a forma desse argumento define a regra de inferência chamada de ModusTollens:

X � Y

~Y

──────

~X

Exemplo:

Se chove, a rua está molhada.

A rua não está molhada.

Logo, não chove.

(2) Analisando o argumento abaixo temos a tabela a seguir.

A � B

~A

──────

~B

:

Casos possíveis Premissas Conclusão

A B A � B ~A ~B

[1] V V V F F

[2] V F F F V

*[3] F V V V F

[4] F F V V V

Existe um caso (indicado com asterisco) em que as premissas são verdadeiras e conclu-

são é falsa e, portanto: o argumento não é válido.

Argumentos dessa forma são chamados de falácia da negação do antecedente.

Exemplo:

Se chove, a rua está molhada.

Não chove.

Logo, a rua não está molhada.

Esse argumento é uma falácia, pois podemos ter o caso em que as premissas são verda-

deiras (quando não está chovendo) e a rua está molhada (por exemplo, alguém está lavando a

calçada), que é exatamente o caso da linha [3] da tabela acima.

Exercício. Verificar se os argumentos a seguir são válidos.

(1) A

A � B

──────

A ∧ B

(2) A

B

(A ∧ B) � C

─────────

C

(3) A � B

B � C

──────

A � C

(4) A ∨ B

A ∨ ~B

──────

A

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O MÉTODO DA CONDICIONAL ASSOCIADA

Vimos, na lição anterior, como determinar, com o uso das tabelas-verdades, se um argu-

mento (escrito em nossa linguagem artificial) é válido ou não. Para isso, tivemos que cons-

truir várias tabelas-verdade, uma para cada premissa e uma para a conclusão, e comparar

essas tabelas em cada linha. Podemos nos perguntar então:

Será que existe um método mais conciso para avaliar,

com tabelas-verdade, a validade de um argumento?

É o que veremos nessa lição. Para tal, introduzimos a definição abaixo e o resultado a

seguir.

Definição. A condicional associada ao argumento

X1

X2

Xk

────── Y

é a fórmula:

(X1 ∧ X2 ∧ … ∧ Xk) � Y

i.e., é a condicional cujo antecedente é a conjunção das premissas do argumento X 1∧X2∧…

∧Xk e o conseqüente é a conclusão Y do argumento.

Exemplos. Segue alguns argumentos e logo abaixo as suas condicionais associadas.

A

A � B

──────

B

(A ∧ (A � B)) � B

A

──────

A ∨ B

A � (A ∨ B)

A � B

B � C

──────

A � C

((A � B) ∧ (B � C)) � (A � C)

A � B

A ∧ C

D

──────

B

((A � B) ∧ (A ∧ C) ∧ D) � B

Proposição. O argumento

X1

X2

Xk

──────

Y

é válido se, e somente se, sua condicional associada (X1 ∧ X2 ∧ … ∧ Xk) � Y é uma tautologia.

A proposição acima motiva o seguinte método.

Definição. O Método da Condicional Associada é o método que consiste em:

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(1) construir a condicional associada ao argumento;

(2) construir sua tabela-verdade;

(3) verificar que a condicional associada ao argumento é uma tautologia e, portanto, o

argumento é válido; ou

(4) verificar que a condicional associada ao argumento não é uma tautologia e, portanto,

o argumento não é válido.

Exemplo. Verificar, com o Método da Condicional Associada, se os argumentos a seguir

são válidos.

(1) A � B

~B

──────

~A

(2) A � B

~A

──────

~B

(1) A condicional associada do argumento é ((A � B) ∧ ~B) � ~A. Analisando-a, temos:

A B ((A � B) ∧ ~ B) � ~ A

V V V V V V V V V F V

V F V F F F F F V F V

F V F V V V V V V V F

F F F V F F F F V V F

A condicional associada é uma tautologia, portanto, o argumento é válido.

(2) A condicional associada do argumento é ((A � B) ∧ ~A) � ~B. Analisando-a, temos:

A B ((A � B) ∧ ~ A) � ~ B

V V V V V F F V F F V

V F V F F F F V V V F

F V F V V V V F V F V

F F F V F V V F V V F

A condicional associada não é uma tautologia, portanto, o argumento não é válido.

Observação. Para entendermos os resultados acima, observemos que, em um argumento

válido, as premissas implicam a conclusão, o que motiva a definição a acima, pois a condicio-

nal associada ao argumento expressa, em apenas uma única fórmula de nossa linguagem ar-

tificial, que a conjunção das premissas do argumento implica a sua conclusão. Segundo a pro-

posição acima, temos que um argumento é válido se, e somente se, a condicional associada é

sempre verdadeira (tautologia), isto é, se as premissas sempre implicam a conclusão.

Exercício. Usando o Método da Condicional Associada, mostre que são válidas as regras

de inferência: Adição, Redução ao Absurdo, Bicondicional para o Condicional, Condicional

para o Bicondicional.

Notemos que os exercícios finais da lição passada mostram, pelo Método da Condicional

Associada, que as regras de inferência Simplificação, Modus Ponens, Modus Tollens e Silo-

gismo Disjuntivo são válidas, já que mostramos que as condicionais associadas a essas re-

gras são tautologias.

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O MÉTODO DAS RAMIFICAÇÕES

As tautologias desempenham um importante papel em Lógica, pois como são fórmulas

sempre verdadeiras, independentes do contexto, isto é, dos possíveis valores-verdade das

suas fórmulas que a compõe, as tautologias são verdades lógicas.

Vimos que a construção de tabelas-verdade é um método que permite determinar se

uma fórmula é ou não uma tautologia. Nesse método, determinamos o valor-verdade da fór-

mula em todos as combinações possíveis dos valores-verdade das fórmulas que a compõe e,

por isso, algumas vezes, o método pode levar a extensas tabelas-verdades, dependendo do

número de letras que compõe a fórmula a ser testada. Mas:

Será que precisamos testar todas as possibilidades

para verificar se uma fórmula é uma tautologia?

Ou ainda:

Será que há métodos mais diretos (que a tabela-verdade)

para se determinar se uma fórmula é ou não uma tautologia?

A resposta a essa pergunta é afirmativa.

Um exemplo, é a demostração (veremos mais adiante um sistema formal cujos teoremas,

isto é, as formulas que têm demonstração, são tautologia), e talvez seja por isso que, natu-

ralmente, usamos a demonstração para chegar a uma verdade lógica.

Mas há outros métodos também. Por exemplo, considere a fórmula: A ∨ (B ∨ ~A).

Se (1) A ∨ (B ∨ ~A) for considerada falsa, como ela é uma disjunção, então, neste caso,

(2) A é falsa e (3) B ∨ ~A é falsa. Mas, se B ∨ ~A é falsa, então (4) B é falsa e (5) ~A é

falsa, ou seja, (6) A é verdadeira. Ora, portanto, se A ∨ (B ∨ ~A) for considerada falsa, te-

mos que A é falsa e verdadeira ao mesmo tempo, o que é um absurdo; logo, A ∨ (B ∨ ~A) é

sempre verdadeira, ou seja, é uma tautologia.

Notemos que o que foi feito foi mostrar que é absurdo supor que A ∨ (B ∨ ~A) não é

uma tautologia (essa forma de raciocínio é chamado de redução ao absurdo ou redução ao

impossível). Podemos representar sinteticamente o que foi dito com o seguinte diagrama:

(1) ~(A ∨ (B ∨ ~A))

(2) ~A

(3) ~(B ∨ ~A)

(4) ~B

(5) ~~A

(6) A

x

O signo “x” abaixo do diagrama acima indica que a sequência tem uma fórmula e a nega-

ção dela, no caso, ~A (fórmula (2)) e A (formula (6)).

Tal forma de proceder motiva o seguinte método.

Definição. Dada uma fórmula para ser determinado se ela é ou não uma tautologia, o

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Método das Ramificações consiste em negar a fórmula e aplicar as regras de desdobramen-

to abaixo até se obter todos os ramos fechados (isto é, com uma fórmula e a negação dela)

ou até não se poder mais aplicar as regras de desdobramento:

A fórmula é uma tautologia se, e somente se, todos os ramos são fechados.

Assim, se há um ramo aberto (isto é, que não tem uma fórmula e sua negação), a fórmula

não é uma tautologia.

REGRAS DE DESDOBRAMENTO

~~A

A

A ∧ B

A

B

A ∨ B

Λ

A B

A � B

Λ

~A B

A ↔ B

Λ

A ~A

B ~B

~(A ∧ B)

Λ

~A ~B

~(A ∨ B)

~A

~B

~(A � B)

A

~B

~(A ↔ B)

Λ

A ~A

~B B

Notemos que o signo “Λ” indica que devemos considerar duas possibilidades, gerando

uma bifurcação na sequência de fórmulas a ser considerada, o que faz com que o Método

das Ramificações gere uma forma de árvore de cabeça para baixo: chamamos de “raiz” à

formula negada inicial e de “ramo” a uma sequência de fórmulas que parte da raiz até uma

última fórmula da sequência de desdobramentos. No exemplo acima, temos uma “árvore”

com apenas um ramo constituído pela sequência de fórmulas de (1) a (6) e a ~(A ∨ (B ∨ ~A))

é a fórmula raiz; o ramo é fechado pois tem a contradição A e ~A (fórmulas (2) e (6)). Veja -

mos abaixo um exemplo de ramificação com dois ramos.

Exemplo. Determinar se a fórmula (~A ∧ ~B) � ~(A ∨ B) é uma tautologia.

(1) ~((~A ∧ ~B) � ~(A ∨ B))

(2) ~A ∧ ~B (1~�)

(3) ~~(A ∨ B) (1~�)

(4) ~A (2∧)

(5) ~B (2∧)

(6) A ∨ B (3~~)

Λ

(7) A (6∨) (8) B (6∨)

x x

Notemos que a direita das fórmulas acima indicamos didaticamente, entre parênteses, a

fórmula e a regra de desdobramento que a originou, mas, em geral não precisamos fazer

isso. Notemos também a presença do sinal “” após uma fórmula para indicar que foi aplica-

da uma regra de desdobramento à fórmula.

Notemos por fim que, na ramificação acima, temos dois ramos:

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1. a sequência de fórmulas (1), (2), (3), (4), (5), (6), (7); e

2. a sequência de fórmulas (1), (2), (3), (4), (5), (6), (8).

O primeiro ramo é fechado devido a presença das fórmulas (4) e (7) e o segundo é fe-

chado devido a presença das fórmulas (5) e (8).

Observação. É importante notar que temos escrever o resultado da aplicação de uma

regra de desdobramento em TODOS os ramos abertos abaixo da fórmula na qual se apli-

ca a regra de desdobramento, conforme o exemplo abaixo.

Exemplo. Determinar se a fórmula ((A ∧ ~B) ∨ (~B ∧ A)) � ~(A � B) é uma tautologia.

~(((A ∧ ~B) ∨ (~B ∧ A)) � ~(A � B))

(A ∧ ~B) ∨ (~B ∧ A)

~~(A � B)

Λ

(A ∧ ~B) (~B ∧ A)

A ~B

~B A

Λ Λ

~A B ~A B

Notemos que a ramificação acima tem quatro ramos.

Por fim, vejamos um exemplo com uma fórmula que não é tautologia.

Exemplo. Determinar se a fórmula (A ∨ B) � A é uma tautologia.

~((A ∨ B) � A)

A ∨ B

~A

Λ

A B

x

O ramo a esquerda é fechado, pois contém as fórmulas A e ~A. Mas a fórmula não é uma

tautologia, pois nem todos os ramos são fechados, já que o ramo da direita é abaerto, pois

não tem uma fórmula e a negação dela. Temos, no ramo da direita, apenas as fórmulas B e

~A para as quais não há regras de desdobramento. Fórmulas desse tipo são importantes,

pois indicam quando a fórmula que foi testada é falsa (e por isso não é uma tautologia), ou

seja, no caso acima, quando B é verdadeira e A é falsa.

Assim, o Método da Ramificação permite determinar se uma fórmula é ou não tautologia

e, mais ainda, caso a fórmula não seja tautologia, o Método permite determinar quais valo-

res-verdades das fórmulas componentes a tornam falsa.

Exercício. Determine se as fórmulas abaixo são tautologias.

(1) A � (A ∨ B) (2) ~(A ∧ ~A) (3) A � A

(4) ((A∨B) ∧ ~A) � B (5) ((A�B)∧(B�C)) � (A�C) (6) ((A�B)∧(B�A)) � (A↔B)

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O MÉTODO DAS RAMIFICAÇÕES PARA ARGUMENTOS

Notemos que, segundo o resultado da lição O Método da Condicional Associada, um ar-

gumento é válido se, e somente se, sua condicional associada é uma tautologia.

Nesse sentido, podemos usar o Método da Ramificação para determinar se uma argu-

mento é válido ou não: basta construir sua condicional associada e verificar, com o Método

da Ramificação, se ela é ou não uma tautologia e, a partir disso, determinar se o argumento

é válido ou não.

Por exemplo, as fórmulas (1), (4), (5) e (6) do exercício da lição anterior são, respecti-

vamente, as condicionais associadas às regras de inferência Adição, Silogismo Disjuntivo,

Silogismo Hipotético e Condicional para Bicondicional, assim, os resultados do exercício

mostra que essas regras são argumentos válidos.

Além dessa aplicação do Método das Ramificações para determinar se um argumento é

válido ou não, temos a seguinte forma definida abaixo.

Definição. Dada um argumento para ser determinado se ele é ou não válido, o Método

das Ramificações para Argumentos consiste escrever a negação da conclusão do argumen-

to e, abaixo, as premissas do argumento, e aplicar as regras de desdobramento a esse con-

junto de fórmulas até se obter todos os ramos fechados ou até não se poder mais aplicar as

regras de desdobramento:

o argumento é válido se, e somente se, todos todos os ramos são fechados.

Exemplo: Determine se o argumento abaixo é válido.

A ∧ B

C

──────

A ∧ C

Aplicando o método temos (notar que a negação da conclusão e as premissas estão em

negrito):

~(A ∧ C)

A ∧ B

C

A

B

Λ

~A ~C

x x

Exercício. Use o Método das Ramificações para Argumentos para mostrar que o Silogis-

mo Hipotético é valido. Compare a árvore obtida com a do último exercício da lição anterior.

Notar que o Método das Ramificações para Argumentos simplesmente abrevia o anterior:

como o anterior começa com a negação da condicional associada, ele leva, necessariamente,

a escrever a negação da conclusão e a conjunção das premissas, e a conjunção das premissas

leva a escrever todas as premissas, o que é o início do Método das Ramificações para Argu-

mentos.

Exercício. Escolha um argumento (em nossa linguagem artificial) já exposto anterior-

mente, ou crie algum, e determine se ele é ou não um argumento válido.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 45

EQUIVALÊNCIA LÓGICA E INTERDEFINIBILIDADE DOS CONECTIVOS CLÁSSICOS

Comecemos com a seguinte questão:

Quanto afirmamos as fórmulas A ∨ B e B ∨ A estamos afirmando a mesma coisa?

Notemos então que apesar de, do ponto de vista sintático, as fórmulas A ∨ B e B ∨ A se-

rem diferentes, do ponto de vista semântico, como estamos interpretando até agora, elas

afirmam a mesma coisa, no sentido de que, se A ∨ B é verdadeira, então B ∨ A é verdadeira

e vice-versa.

Essa relação entre as fórmulas motiva a definição a seguir de equivalência lógica.

Definição. Dizemos que X é logicamente equivalente a Y se temos que:

se X é V, então Y é V e, inversamente, se Y é V, então X é V.

Notação. Vamos escrever X=Y para denotar que X é logicamente equivalente a Y.

Exemplos:

~~A = A A ∨ B = B ∨ A A ∧ A = A (A ∧ B) ∧ C = A ∧ (B ∧ C)

Notemos então que a equivalência lógica tem as seguintes propriedades.

Proposição (Propriedades da Equivalência Lógica).

(1) X = X (Reflexividade);

(2) Se X = Y, então Y = X (Simetria);

(3) Se X = Y e Y = Z, então X = Z (Transitividade).

Exercício. Mostre que a equivalência lógica tem as propriedades acima.

Definida então a equivalência lógica como no início dessa lição, podemos nos perguntar:

Será que existe um método para saber se duas fórmulas são logicamente equivalentes?

A proposição abaixo responde afirmativamente essa questão.

Proposição: Dadas duas fórmulas X e Y, temos que:

X = Y se, e somente se, a fórmula (X ↔ Y) é uma tautologia.

Exercício. Mostre que X ∨ Y = ~(~X ∧ ~Y).

Pela proposição anterior, basta mostrar que (X ∨ Y) ↔ ~(~X ∧ ~Y) é uma tautologia, o

que podemos ver pela tabela-verdade abaixo.

X Y (X ∨ Y) ↔ ~ (~X ∧ ~Y)

V V V V V F F F

V F V V V F F V

F V V V V V F F

F F F V F V V V

Notemos, na tabela-verdade acima, que sempre que X∨Y é V, ~(~X∧~Y) é V, e vice-versa

(como na definição de equivalência lógica) e que é isso que faz (X∨Y) ↔ ~(~X∧~Y) ser uma

tautologia. Notemos, na tabela-acima, que, inversamente, como (X∨Y) ↔ ~(~X∧~Y) é uma

tautologia, então X∨Y é V se, e somente se, ~(~X∧~Y) é V (equivalência lógica).

Vemos então que a equivalência lógica permite expressar uma igualdade entre os senti-

dos das fórmulas.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 46

Existe então vários aspectos interessantes que podem ser daí derivados.

Por exemplo, o exercício anterior mostra que afirmar X∨Y é equivalente a afirmar

~(~X∧~Y) e, nesse sentido, podemos expressar o conectivo ∨ apenas com os conectivos ∧ e

~.

Vamos então investigar, agora, a possibilidade de definir conectivos uns pelos outros.

Podemos nos perguntar:

Será que também podemos expressar o conectivo � apenas com os conectivos ∧ e ~?

O exercício a seguir mostra que sim.

Exercício. Mostre que X � Y = ~(X ∧ ~Y).

Por fim, também podemos expressar o conectivo ↔ em termos de ∧ e ~, conforme o

exercício a seguir.

Exercício. Mostre que X ↔ Y = (X � Y) ∧ (Y � X). Conclua, a partir deste resultado e

dos resultados dos exercícios anteriores, que os conectivos ∨, � e ↔ podem ser expressos

em termos apenas dos conectivos ∧ e ~ e que, assim, podemos reduzir os conectivos de nos-

sa linguagem artificial à uma linguagem apenas com os conectivos ∧ e ~ sem perder poder

expressivo.

O exercício anterior mostra que podemos assumir a conjunção e a negação como noções

primitivas e, a partir daí, derivar delas todas as outras noções relativas a disjunção, impli-

cação e bicondicional. Em uma interpretação mais livre, podemos dizer, que da noção de si-

multaneidade e de negação, podemos derivar todas as outras noções lógicas (de alternativa,

de implicação, etc.).

Notemos, por fim, que característica expressa no exercício anterior não é apenas rela-

tiva a ∧ e ~, como podemos constatar pelos exercícios abaixo.

Exercício. Mostre que X ∧ Y = ~(~X ∨ ~Y) e X � Y = ~X ∨ Y e que, assim, podemos tam-

bém reduzir os conectivos de nossa linguagem artificial à uma linguagem apenas com os co-

nectivos ∨ e ~ sem perder poder expressivo. Note, em especial, que X � Y = ~X ∨ Y é a de-

finição que adotamos para a implicação na lição Conectivos e Tabelas-Verdade.

Exercício. Mostre que X ∨ Y = ~X � Y e que X ∧ Y = ~(X � ~Y). Conclua que podemos

reduzir os conectivos de nossa linguagem artificial à uma linguagem apenas com os conecti-

vos � e ~ sem perder poder expressivo.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 47

ÁLGEBRA DAS PROPOSIÇÕES E ÁLGEBRA DE BOOLE

A noção de equivalência lógica nos permite definir uma álgebra das proposições (que es-

tudaremos agora).

Preencha então o quadro abaixo apenas com V ou F: V denota uma fórmula sempre ver-

dadeira (tautologia) e F uma fórmula sempre falsa (Contradição).

V ∧ V = V ∧ F = F ∧ V = F ∧ F =

V ∨ V = V ∨ F = F ∨ V = F ∨ F =

~V = ~F =

Agora, preencha o quadro abaixo apenas com X, V e F.

Leis da Idempotência

X ∧ X = X ∨ X =

Leis dos Elementos Identidades

X ∧ V = X ∨ F = X ∧ F = X ∨ V =

Leis da Complementariedade

X ∨ ~X = X ∧ ~X = ~~X = ~V = ~F =

Notemos que, nas equações consideradas, X pode ser vista como uma variável (ou seja,

X pode vir a se substituída tanto por V quanto por F), como mostra o exercício abaixo.

Exercício. Substitui X por V e por F nas equações acima e verifique que elas se reduzem

as equações mais acima.

Temos ainda as seguintes leis.

Leis da Comutatividade

X ∧ Y = Y ∧ X X ∨ Y = Y ∨ X

Leis da Associatividade

X ∧ (Y∧Z) = (X∧Y) ∧ Z X ∨ (Y∨Z) = (X∨Y) ∨ Z

Leis da Distributividade

X∧ (Y∨Z) = (X∧Y) ∨ (X∧Z) X ∨ (Y∧Z) = (X∨Y) ∧ (X∨Z)

Leis de De Morgan

~(X∧Y) = ~X∨~Y ~(X∨Y) = ~X∧~Y

A partir das equivalências lógicas acima, podemos ver os conectivos ∧, ∨ e ~ como opera-

dores matemáticos sobre os valores-verdade V e F e as letras X, Y e Z acima como variá -

veis (que podem ser substituídas por V ou F ou, ainda, por outras fórmulas com conectivos

∧, ∨ e ~), ou seja, podemos estabelecer uma Álgebra das Proposições.

Com efeito, para as equivalências lógicas vale a seguinte proposição.

Proposição (Regra da Substituição por Equivalentes).

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Se X = Y e se, em uma fórmula Z, substituímos X por Y obtendo Z’, então: Z’ = Z.

Exemplos.

(1) Como A∧A = A, temos que (A∧A)∧B = A∧B, pois podemos substituir A∧A por A.

(2) Considerando as equivalências V∨A = V; B∨F = B; e V∧B = B; temos que (V∨A) ∧ (B∨F)

= V ∧ B = B.

Exercício. Calcule o valor das seguintes expressões.

(1) ~(A ∧ F) (2) ~(A ∨ F) ∧ ~(A ∧ V) (3) A ∧ (~A ∨ B)

(4) Compare o resultado de (3) com a regra do Silogismo Hipotético.

Notemos, por fim, que as mesmas leis formais acima se aplicam a conjuntos, se inter-

pretarmos o conectivo ∧ como a operação de interseção ∩, o conectivo ∨ como a união ∪, ~

como a complementar ∁, F como o conjunto vazio ∅ e V como o conjunto universo U, como

abaixo.

U ∩ U = U U ∩ ∅ = ∅ ∅ ∩ U = ∅ ∅ ∩ ∅ = ∅

U ∪ U = U U ∪ ∅ = U ∅ ∪ U = ∅ ∅ ∪ ∅ = ∅

∁U = ∅ ∁∅ = U

Leis da Idempotência

X ∩ X = X X ∪ X = X

Leis dos Elementos Identidades

X ∩U= X X ∪ ∅ = X X ∩ ∅ = ∅ X ∪ U = U

Leis da Complementariedade

X ∪ ∁X = U X ∩ ∁X = ∅ ∁∁X = X ∁U = ∅ ∁∅ = U

Leis da Comutatividade

X ∩ Y = Y ∩ X X ∪ Y = Y ∪ X

Leis da Associatividade

X ∩ (Y∩Z) = (X∩Y) ∩ Z X ∪ (Y∪Z) = (X∪Y) ∪ Z

Leis da Distributividade

X∩ (Y∪Z) = (X∩Y) ∪ (X∩Z) X ∨ (Y∩Z) = (X∪Y) ∩ (X∪Z)

Leis de De Morgan

∁(X∩Y) = ∁X∪∁Y ∁(X∪Y) = ∁X∩∁Y

As leis acima definem então uma estrutura que é comum tanto à Álgebra das Proposi-

ções como à Álgebra de Conjuntos; mais ainda: definem uma álgebra abstrata, que vale para

diversos conteúdos, chamada atualmente de Álgebra de Boole, em homenagem ao filósofo,

lógico e matemático George Boole (1815-1864).

Quaisquer deduções feitas a partir das leis acima, como no exemplo (2) acima,

(V∨A)∧(B∨F) = B, são válidas tanto para a Álgebra das Proposições quanto para a Teoria de

Conjuntos; nesta, a dedução se torna (U∪A) ∩ (B∪∅)= B. Logo, temos uma economia ao de-

duzirmos proposições apenas das leis acima, já que valem para ambos domínios. Vemos aqui

uma das vantagens do pensamento formal abstrato resultante de sistemas de regras sin-

táticas bem definidas.

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As interpretações dessas leis (em termos de proposição, conjuntos e, também, em ter-

mos de probabilidade) foram proposta por Boole, em 1847, em um pequeno livro, Mathema-

tical Analysis of Logic, ampliando a discussão sobre elas, posteriormente, em An Investiga-tion of the Laws of Thought: On which are founded the Mathematical Theories of Logic

and Probabilities. Nessas obras, Boole já apresenta uma concepção de Matemática como um

estudo consistindo de signos e de regras precisas para operar sobre signos e não apenas

como uma ciência da medida e dos números, como era usual na época. Notemos então que

existe uma semelhança dos temas da última obra de Boole citada e aqueles do Órganon de

Aristóteles, ao tratar do lógico (silogismo) na Ciência e do raciocínio por possibilidade/pro-

babilidade.

Observemos que as últimas leis da tabela acima, Leis de De Morgan, foram nomeadas

assim em homenagem ao seu descobridor, Augustus De Morgan (1806-1871). Podemos ver,

aqui também, como a Lógica, enquanto disciplina, é uma obra coletiva e como tem incorpora-

da em seus resultados, várias descobertas de diversos pensadores.

Por fim, notemos que o estudo da Álgebra de Boole propiciou o surgimento dos compu-

tadores, nos quais, temos os conectivos ∧, ∨ e ~ aplicados aos elementos 1 e 0, como na ta-

bela abaixo (note que 1 e 0 fazem, respectivamente, os papeis de V e F e podem indicar uma

propriedade física, como, por exemplo, passa corrente elétrica ou não passa corrente

elétrica).

A ~A A B A ∧ B A B A ∨ B

1 0 1 1 1 1 1 1

0 1 1 0 0 1 0 1

0 1 0 0 1 1

0 0 0 0 0 0

Exercício. (1) Determine, em relação aos dois primeiros circuitos, qual corresponde ao ∧

e qual corresponde ao ∨. (2) Escreva a fórmula associada ao último circuito.

◯ – Lâmpada (1 – ligada; 0 – desligada) ─̷─ Interruptor (1 – ligado; 0 – desligado)

A ┌─̷─┐ ┅─◯─┤ ├─┅ └─̷─┘

B

┅──◯──̷──̷──┅A B

A B ┌─̷──̷─┐┅─◯─┤ ├─┅ └───̷──┘

C

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O SISTEMA S DE DEDUÇÃO NATURAL PARA A LÓGICA PROPOSICIONAL CLÁSSICA

Vamos aqui introduzir um sistema de dedução natural (cf. a lição Demonstração Condici-

onal e os Sistemas de Dedução Natural) para a Lógica Proposicional Clássica que designare-

mos por S. O sistema S tem apenas dois conectivos e três regras de inferência para facili -

tar mostrar, posteriormente, a correção e completude desse sistema, inclusive a correção e

completude inferenciais (cf. a lição As Noções de Correção e Completude de um Sistema

Formal). Como os sistemas de dedução natural são sistemas formais dedutivos que não pos-

suem axiomas, apenas regras de inferência, então, para definir S, precisamos apenas defi-

nir: (1) o alfabeto de S, (2) as fórmulas de S, e (3) as regras de inferência de S.

(1) Alfabeto de S. O Alfabeto de S se constitui dos signos:

~, �, A, B, C, A',B', C', A'', B'', C'', A''', B''', C''', etc.

O sistema S possui então apenas dois conectivos: ~ e �. Apesar disso, a nossa lingua-

gem formal aqui definida tem ainda o mesmo poder expressivo que a linguagem formal que

utilizamos até agora (com os conectivos ~, ∧, ∨, � e ↔), pois, como vimos na lição Equivalên-

cia Lógica, ∨, ∧ e ↔ podem ser definidos em termos de ~ e � apenas (cf. definições mais

abaixo).

Chamaremos os signos A, B, C, A',B', C', A'', B'', C'', A''', B''', C''', etc. de letras

sentenciais; introduzimos as linhas após as letras para não limitar o número de letras sen-

tenciais.

(2) Fórmulas de S. São as fórmulas constituídas apenas de letras sentenciais e dos co-

nectivos ~ e �; mais exatamente, as fórmulas de S são definidas pelas seguintes regras de formação:

(a) Letras sentenciais são fórmulas;

(b) Se X é uma fórmula, então ~X é uma fórmula; e

(c) Se X e Y são fórmulas, então (X � Y) é uma fórmula.

Notemos que (a) estabelece uma base para nossa definição e que, a partir dela, podemos

construir (infinitas) fórmulas usando as regras (b) e (c) (este tipo de definição é chamada

de definição por indução). Assim, temos que, por exemplo, (~B � A'') é uma fórmula, pois:

pela regra (a), B e A'' são fórmulas (já que B e A''são letras sentenciais); por (b), ~B é uma

fórmula (já que B é uma fórmula); e, por (c), (~B � A'') é uma fórmula (já que ~B e A'' são

fórmulas). Ou seja, a fórmula (~B � A'') tem então a seguinte árvore de construção;

(~B � A'')

Λ

~B A'''

/

B

Vamos aqui adotar as seguintes definições:

X ∨ Y :=def. ~X � Y

X ∧ Y :=def. ~(X � ~Y)

X ↔ Y :=def. (X � Y) ∧ (Y � X)

(notar que ∧ já está definido logo acima)

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(3) Regras de Inferência de S.

Modus Ponens (MP) Redução ao Absurdo (RA) Demonstração Condicional (DC)

X � Y

X

──────

Y

~X � Y

~X � ~Y

──────

X

X

�Y

──────

X � Y

Dados os elementos constituintes de nosso sistema S, podemos agora definir dedução e

demonstração em S.

Definição. Uma dedução no sistema S de uma fórmula Z a partir das premissas X1, X2,

…, Xk é uma sequência de fórmulas Y1, Y2, …, Ym tal que:

(1) a última fórmula Ym é Z; e

(2) cada fórmula Yi da sequência:

(2.a) ou é uma da premissa Xj;

(2.b) ou é uma hipótese (usada na aplicação da regra de inferência DC);

(2.c) ou é a repetição de uma fórmula anterior da sequência*;

(2.d) ou é o resultado da aplicação de umas das regras de inferência MP, RA ou DC**.

Notação. Vamos indicar que existe uma dedução, no sistema S, da conclusão Z a partir

das premissas X1, X2, …, Xk por***:

X1, X2, …, Xk ˫ Z

Exemplo. Mostrar que: (1) X � Y, Y � Z ˫ X � Z ; e (2) Y ˫ X � Y.

X � Y, Y � Z ˫ X � Z Y ˫ X � Y

1. X � Y Premissa 1. Y Premissa

2. Y � Z Premissa 2. X Hipótese

3. X Hipótese 3. Y Repetição

5. Y MP 1,3 4. X � Y CD 2-3

6. Z MP 2,5

7. X � Z DC 3-6

Notemos que X � Y, Y � Z ˫ X � Z é a regra do Silogismo Hipotético (SH). Assim, no

sistema S, SH é uma regra derivada das regras primitivas MP, RA e DC. Agora que sabemos

que SH pode ser derivada, podemos usá-la como uma regra de nosso sistema: a ideia, ao

usá-la, é que estamos subentendendo que poderíamos repetir essa dedução de SH.

Analogamente, toda forma de dedução no sistema S pode ser vista como estabele-

cendo uma regra de inferência (derivada). Assim, Y ˫ X � Y estabelece também uma re-

gra de inferência, chamada de Prefixação e abreviada por Pf; Pf diz que, de Y, podemos

*Só podemos repetir uma fórmula se ela não está sob uma hipótese já utilizada em uma regra DC.**Só podemos aplicar essas regras a uma fórmula se ela não está sob uma hipótese já utilizada em uma

regra DC.***Em geral, usa-se o signo S, no sinal de dedução, i.e., X1, X2, …, Xn ˫S Z, para indicar que se trata de uma

dedução em S; entretanto, para simplificar, vamos aqui dispensar o uso do signo S.

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concluir X � Y, ou seja, podemos colocar o prefixo “X �“ antes de Y (daí seu nome).

Vamos agora definir uma demonstração em S. Cabe observar (ausência do item 2.a aci-

ma na definição abaixo) que: uma demonstração é apenas uma dedução sem premissas.

Definição. Uma demonstração no sistema S de uma fórmula Z é uma sequência de fór-

mulas Y1, Y2, …, Ym tal que:

(1) a última fórmula Ym é Z; e

(2) cada fórmula da Yi sequência:

(2.a) ou é uma hipótese (usada na aplicação da regra de inferência DC)

(2.b) ou é a repetição de uma fórmula anterior da sequência*;

(2.c) ou é o resultado da aplicação de umas das regras de inferência MP, RA ou DC**.

Definição. Um fórmula Z é um teorema de S se existe uma demonstração para Z.

Notação. Vamos indicar que existe uma demonstração da fórmula Z no sistema S, ou

ainda, que Z é um teorema de S, por***:

˫ Z

Exemplo. Mostre que: (1) ˫ X � X e (2) ˫ ~~X � X.

˫ X � X ˫ ~~X � X

1. X Hipótese 1. ~~X Hipótese

2. X Repetição 1 2. ~X � ~~X Pf 1

3. X � X DC 1-2 3. ~X � ~X PI

4. X RA 2,3

5. ~~X � X DC 1-4

Notemos que a fórmula X � X é chamada de Princípio da Identidade e abreviada por

PI e que ~~X � X é chamado de Princípio da Dupla Negação.

Notemos que, na demonstração de ~~X � X, usamos tanto a regra de Prefixação (na li-

nha 2) quanto o Princípio da Identidade (na linha 3). Assim, podemos não só usar uma regra

derivada nas novas demonstrações (como no caso de Pf), como também os teoremas, ou seja

as fórmulas já demonstradas (como no caso de PI). Novamente, a ideia, de podermos usar

um teorema (em uma dedução ou demonstração) e que no lugar dele poderíamos colocar toda

a sua demonstração, assim, no lugar da fórmula 3 (PI), poderíamos colocar sua demonstra-

ção, feita acima.

*Só podemos repetir uma fórmula se ela não está sob uma hipótese já utilizada em uma regra DC.**Só podemos aplicar essas regras a uma fórmula se ela não está sob uma hipótese já utilizada em uma

regra DC.***Também aqui, em geral, usa-se o signo S, no sinal de demostração, i.e., ˫S Z, para indicar que se trata

de uma demonstração em S; e, também, para simplificar, vamos dispensar o uso do signo S.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 53

ALGUNS ESQUEMAS DE DEDUÇÃO DO SISTEMA S

Na lição anterior, demonstramos, no Sistema S,

˫ X � X (Princípio da Identidade – PI) e

˫ ~~X � X (Princípio da Dupla Negação – PDN)

e mostramos que são regras de inferência derivadas em S:

X � Y, Y � Z ˫ X � Z (Silogismo Hipotético – SH) e

Y ˫ X � Y (Prefixação – Pr)

Nessa lição vamos exibir alguns esquemas de dedução em S que usaremos para mostrar

a correção, a correção inferencial, a completude e a completude inferencial de S. Em espe-

cial, vamos deduzir também todas as regras de inferências de nosso sistema de dedução na-

tural anterior e mostrar, assim, que podemos usá-las sempre que precisarmos, ou seja, va-

mos mostrar que:

S tem o mesmo poder dedutivo e demonstrativo que o sistema de dedução natural anterior

Proposição. No sistema S temos os seguintes esquemas de dedução.

X, ~X ˫ Y (Ex Contradictione Quodlibet – CQ)

~X ˫ X � Y (Duns Scotus – DS)

~~X ˫ X (Dupla Negação – DN)

X ˫ ~~X (Dupla Negação – DN)

X ˫ X ∨ Y (Adição – A)

Y ˫ X ∨ Y (Adição – A)

X ∨ Y, ~X ˫ Y (Silogismo Disjuntivo – SD)

X ∨ Y, ~Y ˫ X (Silogismo Disjuntivo – SD)

X � Y ˫ ~Y � ~X (Contraposição – CP)

X�Y, ~X�Y ˫ Y (Segue do Terceiro Excluído – ST)

X, ~Y ˫ ~(X � Y) (Negação do Condicional – NC)

X ∧ Y ˫ X (Simplificação – S)

Y ∧ X ˫ X (Simplificação – S)

X, Y ˫ X ∧ Y (Conjunção – C)

X, Y ˫ Y ∧ X (Conjunção – C)

X � Y, Y � X ˫ X ↔ Y (Condicional para Bicondicional – CB)

X ↔ Y ˫ X � Y (Bicondicional para Condicional – BC)

X ↔ Y ˫ Y � X (Bicondicional para Condicional – BC)

Os esquemas de dedução se encontram a seguir.

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X, ~X ˫ Y (CQ) ~X ˫ X � Y (DS) ~~X ˫ X (DN) X ˫ ~~X (DN)

1. X Premissa 1. ~X Premissa 1. ~~X Premissa 1. X Premissa

2. ~Y � X Pf 1 2. X Hipótese 2. ~~X � X PDN 2. ~~~X � X Pf 1

3. ~X Premissa 3. Y CQ 1,2 3. X MP 1,2 3. ~~~X � ~X PDN

4. ~Y � ~X Pf 2 4. X � Y DC 2-3 4. ~~X RA 2,3

5. Y RA 2,4

X ˫ X ∨ Y (A) Y ˫ X ∨ Y (A) X ∨ Y, ~X ˫ Y (SD) X ∨ Y, ~Y ˫ X (SD)

1. X Premissa 1. Y Premissa 1. X ∨ Y Premissa 1. X ∨ Y Premissa

2. ~~X DN 1 2. ~X � Y Pf 1 2. ~X � Y Df. ∨ 1 2. ~X � Y Df. ∨ 1

3. ~X � Y DS 2 3. X ∨ Y Df. ∨ 2 3. ~X Premissa 3. ~Y Premissa

4. X ∨ Y Df. ∨ 3 4. Y MP 2,3 4. ~X � ~Y Pf

5. X RA

X � Y ˫ ~Y � ~X (CP) X�Y, ~X � Y ˫ Y (ST) X, ~Y ˫ ~(X � Y) (NC) X ∧ Y ˫ X (S)

1. X � Y Premissa 1. X � Y Premissa 1. X Premissa 1. X ∧ Y Premissa

2. ~~X Hipótese 2. ~X � Y Premissa 2. ~Y Premissa 2. ~(X � ~Y) Df. ∧ 1

3. X DN 2 3. ~Y � ~X CP 1 3. ~~(X � Y) � ~Y Pf 2 3. ~X Hipótese

4. Y MP 1,3 4. ~Y � ~~X CP2 4. ~~(X � Y) Hipótese 4. X � ~Y DS 3

5. ~~X � Y DC 2-4 5. Y RA 3,4 5. X � Y DN 4 5. Z CQ 2,4

6. ~Y Hipótese 6. Y MP 1,5 6. ~X � Z DC 3,5

7. ~~X � ~Y Pf 6 7. ~~(X�Y) � Y DC 4-6 7. ~X Hipótese

8. ~X RA 5,7 8. ~ (X � Y) RA 3,7 8. X � ~Y DS 7

9. ~Y � ~X DC 6-8 9. ~Z CQ 2,8

10.~X � ~Z DC 7,9

11.X RA 6,10

X ∧ Y ˫ Y (S) X, Y ˫ X ∧ Y (C) X�Y,Y�X˫X↔Y (CB) X ↔ Y ˫ X � Y (BC)

1. X ∧ Y Premissa 1. X Premissa 1. X � Y Premissa 1. X ↔ Y Premissa

2. ~(X � ~Y) Df. ∧ 1 2. Y Premissa 2. Y � X Premissa 2. (X � Y)∧(Y � X)Df.∧1

3. ~Y Hipótese 3. ~~Y DN* 2 3. (X � Y)∧(Y � X)C1,2 3. X � Y S 2

4. X � ~Y Pf 3 4. ~(X � ~Y) NC 1,3 4. X ↔ Y Df. ∧ 3

5. Z CQ 2,4 5. X ∧ Y Df. ∧ 4 X ↔ Y ˫ Y � X (BC)

6. ~Y � Z DC 3,5 1. X ↔ Y Premissa

7. ~Y Hipótese X, Y ˫ X ∧ Y (C) 2. (X � Y)∧(Y � X)Df.∧1

8. X � ~Y Pf 7 Idem acima 3. Y � X S 2

9. ~Z CQ 2,8

10. ~X � ~Z DC 7,9

11.X RA 6,10

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 55

O SISTEMA S E A REGRA DE DEMONSTRAÇÃO CONDICIONAL

Definidos o sistema S, dedução e demonstração no sistema S, podemos estudar as pro-

priedades de S, em especial, em relação à dedução e à demonstração em S. Notemos que o

sistema S estabelece operações sobre signos (isto é, aplicação de regras de inferência so-

bre fórmulas) e que estabelece um discurso que está um nível acima em relação aos argu-

mentos usuais da linguagem natural; a partir de agora, para estudar as propriedades desse

sistema, teremos um discurso sobre esse discurso, ou seja, um discurso de segundo nível;

do ponto de vista cognitivo, faremos operações sobre operações.

Notemos então que podemos afirmar o seguinte resultado.

Proposição. Se X ˫ Z, então ˫ X � Z.

Ou seja, se existe uma dedução de Z com premissa X, então existe uma demonstração

de X � Y.

Exemplo. Os resultados obtidos anteriormente: ~~X ˫ X e ˫ ~~X � X.

Para ver que vale, em geral, a Proposição acima, observemos que, uma dedução de Z a

partir de X tem a forma:

1. X Premissa

� (passos da dedução de Z)

n. Z

Se, ao invés de considerar X como premissa, consideramos X como hipótese de uma re-

gra CD temos:

1. X Hipótese

� (mesmos passos que acima)

n. Z

n+1. X � Z CD 1-n

Ou seja, para toda dedução X ˫ Z, existe uma demonstração ˫ X � Z.

Esse resultado pode ser generalizado como abaixo.

Proposição (DC): Se X1, X2, …, Xk ˫ Z, então X1, X2, …, ˫ Xk � Z

Com efeito, suponhamos que existe a dedução X1, X2, …, Xk ˫ Z:

1. X1 Premissa Então, existe a dedução 1. X1 Premissa

2. X2 Premissa X1, X2, …, ˫ Xk � Z : 2. X2 Premissa

� �k-1. Xk-1 Premissa k-1. Xk-1 Premissa

k. Xk Premissa k. Xk Hipótese

� �k+m. Z k+m. Z

k+m+1 X � Z CD n-n+m

A proposição acima tem uma infinidade de aplicações é um resultado importante, pois

mostra como obter demonstrações a partir de deduções, como, por exemplo, obter ˫ (X�Y)

� (~Y�~X)) a partir de X�Y ˫ ~Y�~X (CP), ou ~X ˫ X � Y (DS) a partir de ~X, X ˫ Y

(CQ).

Notação. Observemos que vamos indicar as Proposições acima apenas pelo termo De-

monstração Condicional, já que se trata apenas de uma aplicação dessa regra.

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A CORREÇÃO INFERENCIAL DE S

Vamos, nesta lição, mostrar que o sistema de dedução natural S, definido na lição O Sis-

tema S de Dedução Natural para a Lógica Proposicional Clássica, é inferencialmente correto

(cf. a lição As Noções de Correção e Completude de um Sistema Formal), ou seja, vamos

mostrar a proposição CI abaixo.

Correção Inferencial (CI). Se X1, X2, …, Xk ˫ Z (existe dedução de Z em S a partir das

premissas X1, X2, …, Xk,, então:

Se X1, X2, …, Xk são verdadeiras, então Z é verdadeira.

Certamente, temos que:

CI vale para deduções com zero aplicações de regras de inferência.

Com efeito, em uma dedução X1, X2, …, Xk ˫ Z com zero (nenhuma) regra de inferência, a

conclusão Z é uma premissa Xi; e se as premissas são verdadeiras, Xi é verdadeira e Z tam-

bém o é.

Vamos mostrar agora que:

Se CI vale para deduções com menos de n regras de inferência,

então CI vale para uma dedução com n regras de inferência.

Assim, mostraremos que:

CI vale para todas as deduções;

pois, como vimos,

CI vale para deduções com zero regras de inferência;

e se vale para zero, menos que uma regra de inferência, então,

CI vale para deduções com uma regra de inferência;

e se vale para zero e uma regra de inferência, menos que duas regras de inferência, então

CI vale para deduções com duas regras de inferência;

e se vale para zero, uma e duas regras de inferência, menos que três regras, então

CI vale para deduções com três regras de inferência;

e assim por diante.

Seja agora uma dedução X1, X2, …, Xk ˫ Z com n aplicação de regras de inferência.

Notemos que, neste caso, a conclusão Z resulta de fórmulas que foram deduzidas das

premissas com menos de n regras de inferência. Essas fórmulas serão consideradas verda-

deiras, por hipótese, para, a partir daí, mostrar que Z tem que ser verdadeira; com isso,

mostraremos que:

Se CI vale para deduções com menos de n regras de inferência,

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 57

então CI vale para uma dedução com n regras de inferência.

Observação. Essa hipótese, de que CI vale para os casos anteriores, para, a partir daí,

mostrar que vale para os casos seguintes, é chamada de “hipótese de indução” e essa forma

de demonstrar uma proposição é chamada de “demonstração por indução”.

Temos, então, três casos para analisar, segundo a regra de inferência pela qual Z foi

obtida: (1) MP, (2) RA e (3) DC.

(1) No caso em que Z foi obtida por MP, Z só pode ter sido obtida de fórmulas do tipo Y

e Y � Z; ou seja, a dedução de Z é da forma

1. X1 Premissa

2. X2 Premissa

k. Xk Premissa

l. Y

m. Y � Z

m+1. Z MP l, m

Ora, mas, neste caso, houve deduções de Y e de Y � Z a partir das premissas X1, X2, …,

Xk. E como essas deduções têm menos que n regras de inferência, por hipótese de indução,

se as premissas X1, X2, …, Xk são V, então Y é V e Y � Z é V; e, como MP é um argumento

válido, conforme vimos, temos então que Z é V.

(2) No caso em que Z foi obtida por RA, Z só pode ter sido obtida de fórmulas do tipo

~Z � Y é V e ~Z � ~Y; ou seja, a dedução de Z é da forma

1. X1 Premissa

2. X2 Premissa

k. Xk Premissa

l. ~Z � Y

m. ~Z � ~Y

m+1. Z RA l, m

Ora, mas, neste caso, houve deduções de ~Z � Y é V e ~Z � ~Y a partir das premissas

X1, X2, …, Xk. E como essas deduções têm menos que n regras de inferência, por hipótese de

indução, se as premissas X1, X2, …, Xk são V, então ~Z � Y é V e ~Z � ~Y é V; e, como RA é

um argumento válido, conforme vimos, temos então que Z é V.

(3) No caso em que Z foi obtida por DC, Z só pode ter a forma Y � W (que é a forma

de uma conclusão da regra de inferência DC) e a dedução de Z é da forma

1. X1 Premissa

2. X2 Premissa

k. Xk Premissa

l. Y Hipótese

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 58

m. W

m+1. Y � W CD l-m ( Y � W é a fórmula Z)

Ora, mas, neste caso, houve uma dedução de W a partir das premissas X1, X2, …, Xk e Y.

Como a dedução de W tem menos que n regras de inferência, por hipótese de indução, se as

premissas X1, X2, …, Xk são V, temos que, se Y é V então W é V. Ou seja, neste caso, Y � W

tem que ser V (pois, se Y � W fosse F, W seria F, o que não ocorre); logo, como Y � W é Z,

Z tem que ser V.

Como analisamos os três casos possíveis e, para todos eles, se as premissas X1, X2, …, Xk

são verdadeiras, a conclusão Z é verdadeira, temos que CI vale para todas as deduções do

sistema S.

Notação. Em geral, denota-se que, se X1, X2, …, Xk são verdadeiras, então Z é verda-

deira, por:

X1, X2, …, Xk ⊧ Z

Assim, uma das formas que se abrevia CI na literatura especializada é:

X1, X2, …, Xk ˫ Z ⇒ X1, X2, …, Xk ⊧ Z

CI nos garante então que podemos usar o sistema S para fazer deduções, no sentido

que, toda dedução em S, que parte de premissas X1, X2, …, Xk e chega a uma conclusão Z, ex-

pressa um argumento válido de premissas X1, X2, …, Xk e conclusão Z. Com isso, chegamos a

elaborar uma conceitografia para a Lógica Proposicional Clássica, ou seja, uma linguagem tal

que, apenas seguindo suas regras sintáticas (isto é, de manipulação de signos), temos garan-

tida a correção de nossos argumentos.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 59

A CORREÇÃO DE S

Vamos, nesta lição, mostrar que o sistema de dedução natural S, definido na lição O Sis-

tema S de Dedução Natural para a Lógica Proposicional Clássica, é correto (cf. Também a li-

ção As Noções de Correção e Completude de um Sistema Formal). Ou seja, vamos mostrar a

proposição Co abaixo.

Correção (Co). Se existe demonstração em S de Z, então Z é uma tautologia.

Notemos que Co também pode ser expressa como

(Co’) Se a fórmula Z é um teorema de S, então Z é uma tautologia

pois, por definição, Z é um teorema de S se, e somente se, existe demonstração em S de Z.

Vamos mostrar Co por indução, isto é, vamos mostrar que Co vale para para demonstra-

ções com uma regra de inferência e, depois, mostrar que: se Co vale para demonstrações

com menos que n regras de inferências, então Co vale para demonstrações com n regras de

inferência. Assim, mostraremos que Co vale para todas as demonstrações de S.

Vejamos que: Co vale para demonstrações com uma apenas uma regra de inferência.

Notemos que uma demonstração não tem premissas (diferente de uma dedução) e assim,

em uma demonstração com apenas uma regra de inferência, essa regra não pode ser MP ou

RA, pois estas regras partem de premissas.

Assim, em uma demonstração com apenas uma regra de inferência, essa regra só pode

ser DC (a partir de uma hipótese); seja então X essa hipótese; logo, a única demonstração

possível com uma regra de inferência é da forma:

1. X Hipótese

2. X Repetição 1

3. X � X DC 1-2

Como X � X é uma tautologia, temos que: Co vale para demonstrações com uma apenas

uma regra de inferência.

Vejamos que: se Co vale para demonstrações com menos que n regras de inferências, en-

tão Co vale para demonstrações com n regras de inferência.

Seja então uma demonstração da conclusão Z com n aplicação de regras de inferência.

Temos então três possibilidades, conforme a última regra aplicada foi: (1) MP, ou (2)

RA, ou (3) DC.

Analisemos as três possibilidades.

(1) No caso em que Z foi obtida por MP, Z só pode ter sido obtida de fórmulas do tipo Y

e Y � Z; ou seja, a demonstração de Z é da forma⁝

l. Y

m. Y � Z

m+1. Z MP l, m

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 60

Ora, mas, neste caso, houve demonstrações de Y e de Y � Z e como essas demonstra-

ções têm menos que n regras de inferência, por hipótese de indução, Y e de Y � Z são tau-

tologias. Como MP é um argumento válido, conforme vimos, se Y e de Y � Z são sempre V

(tautologias), então Z é sempre V (tautologia).

(2) No caso em que Z foi obtida por RA, Z só pode ter sido obtida de fórmulas do tipo

~Z � Y é V e ~Z � ~Y; ou seja, a dedução de Z é da forma⁝

l. ~Z � Y

m. ~Z � ~Y

m+1. Z RA l, m

Ora, mas, neste caso, houve demonstrações de ~Z � Y é V e ~Z � ~Y. E como essas

deduções têm menos que n regras de inferência, por hipótese de indução, ~Z � Y e ~Z �

~Y são tautologias; e, como RA é um argumento válido, conforme vimos, se ~Z � Y e ~Z �

~Y são sempre V (tautologias), então Z é sempre V (tautologia).

(3) No caso em que Z foi obtida por DC, Z só pode ter a forma Y � W (que é a forma

de uma conclusão da regra de inferência DC) e a dedução de Z é da forma

l. Y Hipótese

m. W

m+1. Y � W CD l-m ( Y � W é a fórmula Z)

Ora, mas, neste caso, houve uma dedução de W a partir de Y. Por CI, se Y é verdadeira,

então W é verdadeira, ou seja, o argumento com premissa Y e conclusão W é válido, e sua

condicional associada Y � W é tautologia; como Z é Y � W, temos que Z é uma tautologia.

Como analisamos os três casos possíveis e, para todos eles, Z é tautologia, temos que: se

Co vale para demonstrações com menos que n regras de inferências, então Co vale para de-

monstrações com n regras de inferência.

Assim, temos que Co vale para demonstrações com uma regra de inferência e que, se Co

vale para demonstrações com menos que n regras de inferências, então Co vale para de-

monstrações com n regras de inferência; com isso temos que Co vale para todas as demons-

trações de S.

Notação. Em geral, denota-se que Z é uma tautologia, por:

⊧ Z

Logo, uma das formas que se abrevia Co na literatura especializada é:

˫ Z ⇒ ⊧ Z

Temos, como consequência de Co a seguinte proposição.

Proposição (Consistência). O sistema S é consistente. Isto é, em S, não demonstramos

uma fórmula X e a negação dela ~X.

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Com efeito, se X for demonstrável em S (X é teorema de S), então X é uma tautologia e

~X é uma contradição (pois como X é sempre verdadeira, ~X é sempre falsa); e assim, ~X

não é demonstrável em S.

Assim, Consistência e Co nos garantem que, na nossa conceitografia (o sistema S), não

demonstramos nada contraditório (é consistente) e, mais ainda, demonstramos o que é sem-

pre verdadeiro (tautologias).

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A COMPLETUDE DE S

Vamos, nesta lição, mostrar que o sistema de dedução natural S definido anteriormente

é completo (cf. a lição As Noções de Correção e Completude de um Sistema Formal).

Antes, precisamos mostrar a seguinte proposição que nos ajudará a mostrar a completu-

de e a completude inferencial.

Proposição (Dedução da linha da tabela-verdade). Dada uma linha da tabela-verdade

de uma fórmula Z, com letras sentenciais X1, X2, …, Xk temos que:

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z*

em que

Xi* = Xi se Xi é V e Z* = Z se Z é V

Xi* = ~Xi se Xi é F Z* = ~Z se Z é F

Exemplo. A notação com estrela * acima nos permite referenciar às diversas linhas de

uma tabela-verdade ao mesmo tempo, por exemplo, para a tabela-verdade abaixo, a notação

X1*, X2* ˫ Z* expressa todas as deduções que estão abaixo dela.

X1 X2 Z

A B ~A � B X1*, X2* ˫ Z*

V V V A, B ˫ ~A � B

V F V A, ~B ˫ ~A � B

F V V ~A, B ˫ ~A � B

F F F ~A, ~B ˫ ~(~A � B)

Vamos mostrar a Proposição acima, de que X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z*, por indução no número

de conectivos de Z, isto é, vamos mostrar que:

(I) X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* vale, se Z não tem conectivos (Z tem zero conectivos); e que,

(II) se X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* vale para fórmulas com menos que n conectivos,

então X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* vale para uma fórmula Z com n conectivos.

Com isso mostramos que X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* vale para Z com qualquer número de conecti-

vos, ou seja, X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* vale para todas as fórmulas.

(I) Z tem zero conectivos. Se Z não tem conectivos, então Z é uma letra sentencial, por

exemplo, a letra sentencial A. Na nossa notação acima, temos que X1 é A, pois A é a única le-

tra sentencial de Z. Temos então a tabela-verdade abaixo.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 63

X1 Z

A A X1* ˫ Z*

V V A ˫ A

F F ~A ˫ ~A

E, como temos no sistema S as deduções A ˫ A e ~A ˫ ~A (indicadas ao lado da tabela-

verdade acima) temos que X1* ˫ Z*, ou seja, a Proposição acima vale no caso em que Z não

tem conectivos (Z tem zero conectivos).

(II) Z com n conectivos. Suponhamos que Z tem n conectivos e que a Proposição acima,

vale para fórmulas com menos que n conectivos (hipótese de indução).

O último conectivo na construção de Z é ~ ou �, ou seja, temos dois casos possíveis:

(1) Z é da forma ~Y (que indicaremos por Z = ~Y); ou

(2) Z é da forma Y � W (que indicaremos por Z = Y � W).

Para cada um desses casos, temos dois subcasos:

(a) Z é V; ou

(b) Z é F.

Analisando os quatros subcasos possíveis, temos o seguinte.

(1.a) Z = ~Y e Z é V.

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Y* (por hipótese de indução, pois Y tem menos que n conectivos)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ ~Y (Y* = ~Y, pois Y é F, já que Z é V e Z = ~Y)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z (Z = ~Y)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* (Z* = Z, pois Z é V)

(1.b) Z = ~Y e Z é F.

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Y* (por hipótese de indução, pois Y tem menos que n conectivos)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Y (Y* = Y, pois Y é V, já que Z é F e Z = ~Y)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ ~~Y (Pela regra DN aplicada a Y)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ ~Z (Z = ~Y)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* (Z* = ~Z, pois Z é F)

(2.a) Z = Y � W e Z é V. Se Z é V e Z = Y � W, então (i) Y é F ou (ii) W é V.

(i) X1*, X2*, …, Xk* ˫ Y* (por hipótese de indução, pois Y tem menos que n conectivos)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ ~Y (Y* = ~Y, pois Y é F, neste caso(i))

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Y � W (Pela regra DS aplicada a ~Y)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z (Z = Y � W)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* (Z* = Z, pois Z é V)

(ii) X1*, X2*, …, Xk* ˫ W*(por hipótese de indução, pois W tem menos que n conecti-

vos)

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 64

X1*, X2*, …, Xk* ˫ W (W* = W, pois W é V, neste caso(ii))

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Y � W (Pela regra P aplicada a W)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z (Z = Y � W)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* (Z* = Z, pois Z é V)

(2.b) Z = Y � W e Z é F. Neste caso, como Z é F e Z = Y � W, Y é V e W é F.

X1*, X2*, …, Xk* ˫ W*(por hipótese de indução, pois W tem menos que n conecti-

vos)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ ~W (W* = ~W, pois W é F)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Y* (por hipótese de indução, pois Y tem menos que n conectivos)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Y (Y* = Y, pois Y é V)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ ~(Y � W) (Pela regra NC aplicada a Y e ~W acima)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ ~Z (Z = Y � W)

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* (Z* = ~Z, pois Z é F)

Ou seja, em todos os casos possíveis, temos que, se X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* vale para fór-

mulas Z com menos que n conectivos, então X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* vale para uma fórmula Z

com n conectivos. Com isso, e com o resultado anterior de que X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* vale

quando Z tem zero conectivos, mostramos que X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z* vale para todas as fór-

mulas.

Podemos agora mostrar o resultado central desta lição.

Completude.

Se a fórmula Z é uma tautologia, então Z é teorema de S, ou seja,

se a fórmula Z é uma tautologia, então existe uma demonstração de Z em S.

Com efeito, seja Z uma tautologia e X1, X2, …, Xk as letras sentenciais de Z. Neste caso:

X1*, X2*, …, Xk* ˫ Z (Z* = Z, pois Z é sempre V).

Quando Xk é V, temos

X1*, X2*, …, Xk ˫ Z

e pela Demonstração Condicional (veja a lição O Sistema S e a Regra de Demonstração

Condicional) temos

X1*, X2*, …, Xk-1* ˫ Xk � Z.

E quando Xk é F, temos

X1*, X2*, …, ~Xk ˫ Z

e pela Demonstração Condicional (idem acima) temos

X1*, X2*, …, Xk-1 ˫ ~Xk � Z.

Assim, a partir das premissas X1*, X2*, …, Xk-1* temos uma dedução de Xk � Z e uma

dedução de ~Xk � Z e (juntado as duas deduções, que são uma sequência de fórmulas, em

uma única uma sequência de fórmulas), temos uma dedução de Xk � Z e ~ Xk � Z , e, pela

regra Segue do Terceiro Excluído (veja a lição Alguns Esquemas de Dedução do Sistema S),

temos que existe uma dedução de Z a partir das premissas X1*, X2*, …, Xk-1*, ou seja,

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X1*, X2*, …, Xk-1* ˫ Z

Se repetirmos o procedimento n-1 vezes para cada uma das premissas chegamos à:

˫ Z.

Ou seja, Z é teorema de S.

Temos então, que se Z é uma tautologia, então Z é teorema de S, ou seja, se Z é uma

tautologia, então existe uma demonstração de Z em S.

Uma das formas que se abrevia a Completude na literatura especializada é:

⊧ Z ⇒ ˫ Z

E com a Correção mostrada na lição A Correção de S, temos:

˫ Z ⇔ ⊧ Z

Chegamos então a um importante resultado de que, na nossa conceitografia (o sistema

S), toda fórmula que demonstramos é sempre verdadeira (tautologia), mais ainda, demons-

tramos toda fórmula que é sempre verdadeira (tautologia).

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A COMPLETUDE INFERENCIAL DE S

Vamos, nesta lição, mostrar que o sistema de dedução natural S definido anteriormente

é inferencialmente completo (cf. a lição As Noções de Correção e Completude de um Siste-

ma Formal).

Completude Inferencial. Se o argumento com premissas X1, X2, …, Xk e conclusão Y é

válido, então X1, X2, …, Xk ˫ Y (existe dedução em S de Y a partir das premissas X1, X2, …,

Xk).

Com efeito, vimos, na lição O Método da Condicional Associada, que se o argumento com

premissas X1, X2, …, Xk e conclusão Y é válido, então sua condicional associada (X1 ∧ X2 ∧ … ∧

Xk) � Y é uma tautologia. Se (X1 ∧ X2 ∧ … ∧ Xk) � Y é tautologia, então, devido a Completu-

de de S, existe uma demonstração de Y em S. Considere então uma dedução que com pre-

missas X1, X2, …, Xk:

1. X1 Premissa

2. X2 Premissa

3. X3 Premissa

…,

k. Xk Premissa

k+1. (X1 ∧ X2) C 1,2

k+2. ((X1 ∧ X2) ∧ X3) C k+1, 3

k+3. (((X1 ∧ X2) ∧ X3) ∧ X4) C k+2, 4

k+k-1. (…((X1 ∧ X2) ∧ X3)… ∧ Xk) C k+k-2, k

⁝ (aqui entra a demonstração, com m linhas, da tautologia abaixo, que existe, devido a Completude de S)

k+k-1+m. (X1 ∧ X2 ∧ … ∧ Xk) � Y

k+k+m. Y MP k+k-1, k+k-1+m

Logo, se o argumento com premissas X1, X2, …, Xk e conclusão Y é válido, então X1, X2, …,

Xk ˫ Y (existe dedução em S de Y a partir das premissas X1, X2, …, Xk).

Na literatura especializada, uma das formas de escrever a completude inferencial é:

X1, X2, …, Xk ⊧ Z ⇒ X1, X2, …, Xk ˫ Z

E com a Correção Inferencial mostrada na lição A Correção Inferencial de S, temos:

X1, X2, …, Xk ˫ Z ⇔ X1, X2, …, Xk ⊧ Z

Com isso, chegamos ao importante resultado de que, na nossa conceitografia (o sistema

S), toda dedução constitui uma inferência válida e, mais ainda, existe uma dedução em S

para toda inferência válida.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 67

OUTRAS LÓGICAS 8

Antes de tratarmos de outras lógicas, ou ainda, de outras formas de raciocínio, retome-

mos o que vimos sobre a forma de raciocino até aqui considerada.

Vimos, até aqui:

(1) uma teoria formal, ou sistema formal, o sistema S, no qual podemos expressar deduções,

demonstrações e teoremas;

(2) que, ao sistema S, podemos atribuir uma semântica (de tabelas-verdades) em que cada

sentença (fórmula):

(1.1) é verdadeira (V) ou falsa (F);

(1.2) não pode ser verdadeira (V) e falsa (F) ao mesmo tempo;

(1.3) e cada sentença ou é uma sentença elementar (letras sentenciais) ou é uma combinação

destas por meio de conectivos vero-funcionais, isto é, termos que expressam relações cujo

valor-verdade é função do valor-verdade de suas componentes;

(3) que, em S:

(3.1) os teoremas de S são exatamente as fórmulas que são sempre verdadeiras (tautolo-

gias), conforme os resultados de Correção e Completude; e

(3.2) as inferências válidas são exatamente aquelas para as quais existe uma dedução, con-

forme os resultados de Correção Inferencial e Completude Inferencial.

Usamos, com frequência, raciocínios em que proposições são consideradas ou verdadei-

ras ou falsas, em especial, quando buscamos um conhecimento que expõe o que ocorre (V)

em oposição ao que não ocorre (F). Vimos ainda como as relações entre essas proposições

podem ser expressas por conectivos vero-funcionais. Devido a esses fatores, a forma de

raciocínio descrita pelo sistema S é chamada de Lógica Proposicional Clássica.

Nesse sentido, os itens acima listados nos mostram que o sistema S expressa correta e

completamente a Lógica Proposicional Clássica, lembrando ainda de que existem outros sis-

temas formais que expressam de forma correta e completa a Lógica Proposicional Clássica;

neste caso, esses sistemas são equivalentes entre si, bem como equivalentes ao sistema S,

já que têm o mesmo conjunto de teororemas (tautologias) e o mesmo conjunto de deduções

(aquelas que expressam argumentos válidos).

Nesse sentido, podemos entender o porquê as “leis de pensamento” ou “princípios” abai-

xo são considerados fundamentais e porque a linguagem e os sistemas vistos até aqui são

adequados para expressá-los.

- Princípio da Não-Contradição: ~(X∧~X).

- Princípio do 3º Excluído: X∨~X.

- Princípio da bivalência: X∨∨~X (que é uma conjunção dos dois princípios acima).

- Princípio(s) da Identidade: X�X e X↔X.

8 Recomendação de Leitura: Mortari, 2001, Cap. 18 (do qual foi retirado boa parte da discussão sobre ló -

gicas não clássicas feita aqui).

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LÓGICAS NÃO-CLÁSSICAS

Podemos conceber, como veremos a seguir, outras formas de raciocínio, além da clássica

descrita acima. Essas formas de raciocínio são chamadas de não-clássicas e o seu estudo é

chamado de Lógicas Não-Clássicas. Grosso modo, podemos dividi-las como abaixo.

- Lógicas Complementares ou Ampliadas ou Estendidas (se elas admitem mais princípios

que os clássicos).

- Lógicas Alternativas ou Heterodoxas (se não admitem alguns dos princípios clássicos

ou propõe outros contrários).

Notemos que essa divisão não é exaustiva, pois podemos ter uma lógica que, por um lado,

admite mais princípios que os clássicos e, por outro, deixa de admitir algum(ns) deles. Ve-

jamos, a seguir, alguns exemplos de lógicas não-classicas.

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OUTRAS LÓGICAS – LÓGICAS POLIVALENTES

A LÓGICA TRIVALENTE DE KLENNE

Vimos que, pelo Princípio da Bivalência, uma proposição dever ser considerada ou verda-

deira ou falsa, temos assim apenas dois valores-verdades possíveis: V ou F.

Mas será que essa é a única forma de raciocínio válida? Será que podemos admitir uma

outra forma válida de raciocínio, com mais de dois valores-verdade possíveis? Essas ques-

tões nos leva a consideração das Lógicas Polivalentes (Poli = muitos; Polivalentes = muitos

valores-verdade).

Comecemos considerando uma lógica com três valores verdade para qualquer proposição

X:

V – Sabemos que X é verdadeira;

F – Sabemos que X é falsa;

I – Não sabemos o valor-verdade de X

Exercício. A partir da tabela-verdade dos conectivos clássicos, preencha a tabela-ver-

dade abaixo.

X ~X X Y X∧Y X∨Y X�Y

V F V V V

I I V I V

F V V F F

I V I

I I I

I F I

F V F

F I I

F F V

Notemos então que, nessa nova lógica, não existem tautologias. Com efeito, sempre que

todas as componentes de uma fórmula têm valor I, o resultado da fórmula é I; logo, dada

uma fórmula qualquer, ela terá valor-verdade I na linha em que todas as suas letras senten-

ciais são I. Logo, também não há um sistema formal para expressar tautologias.

Veremos, mais adiante, que existem questões lógico-matemáticas, com apenas duas solu-

ções possíveis, digamos S1 e S2, tais que, para qualquer algoritmo:

(1) se a resposta à questão é S1, o algoritmo chega a essa resposta;

(2) se a resposta à questão é S2, o algoritmo não chega a uma resposta.

O diagrama abaixo representa uma situação deste tipo:

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 70

S1 � o algoritmo chega a essa resposta

Questão � Resposta ou

S2 � o algoritmo não chega a uma resposta

Podemos ver então, como propôs o lógico e matemático Stephen C. Kleene (1909 – 1994),

que o valor I, discutido anteriormente, pode expressar a indecidibilidade lógico-matemática

(notemos então que I expressa o caso (2) acima, enquanto que V e F são relativos ao caso

(1), no qual a questão tem uma resposta).

A LÓGICA TRIVALENTE DE ŁUKASIEWICZ

A Lógica acima representa o caso em que I indica a ignorância a respeito do valor-ver-

dade clássico de X. Podemos também considerar uma lógica trivalente na qual, para qualquer

proposição X, temos:

V – X é verdadeira;

F – X é falsa;

I – X é indeterminada ontologicamente (ou seja, não é que X é V ou F e não sabemos,

mas X é indeterminada de fato; I é um valor-verdade ontologicamente tão legitimo quanto

os outros dois, V ou F).

Uma lógica desse tipo foi proposta pelo lógico polonês Jan Łukasiewicz (1878-1956),

chamada de Ł3 (3 devido aos três valores-verdades), para tratar da questão dos futuros

contingentes.

Com efeito, notemos que o Princípio da Bivalência leva a considerar que ocorre uma as-

serção sobre um evento futuro ou ocorre a sua negação.

Mas o futuro não é contingente? Como podemos já o considerar como determinado?

Nesse sentido, Łukasiewicz introduziu as interpretações abaixo dos conectivos, consi-

derando que os eventos futuros são ontologicamente indeterminados.

X ~X X Y X ∧ Y X ∨ Y X � Y

V F V V V V V

I I V I V I I

F V V F V F F

I V V F V

I I I I V*

I F I F I

F V V F V

F I I F V

F F F F V

Notemos que a tabela-verdade acima é quase idêntica à estudada anteriormente; a única

diferença (indicada por *) é que I � I é V, ou seja, temos que é verdadeiro que o ontologi-

camente indeterminado (I) implique o ontologicamente indeterminado (I).

Notemos que nessa lógica, temos tautologias, como a fórmula X � X.

Na medida em que as fórmulas que são tautologias dessa lógica tem que ser verdadeiras

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para todas as linhas das tabelas-verdades, inclusive para as linhas que tem apenas valores-

verdade clássicos (V ou F), então as tautologias dessa lógica são também tautologias clássi-

cas. Entretanto, o inverso não ocorre, ou seja, nem toda tautologia clássica é tautologia

dessa lógica, como podemos ver do exercício abaixo. Ter uma implicação é condição neces-

sária para que uma tautologia clássica seja uma tautologia nessa lógica, isso pode ser inter-

pretado no sentido de que fórmulas são sempre verdadeiras apenas se expressar uma rela-

ção hipotética entre proposições, pois, no futuro as proposições não estão determinadas,

apenas suas relações de implicação.

Exercício. Faça as tabelas-verdades das fórmulas abaixo.

(1) X � X (2) X ∨ ~X (3) ~(X ∧ ~X)

(4) (X � ~X) (5) (~X � X) (6) (X � ~X) ∧ (~X � X)

Veja que, em Ł3: vale o Princípio da Identidade (pois ele é sempre verdadeiro, conforme

o item (1)); não vale o Princípio do 3º Excluído (pois ele não é sempre verdadeiro, conforme

o item (2); não vale o Princípio da Não-Contradição (pois ele não vale para os eventos futu-

ros, isto é, quando X é I, conforme o item (3)); e a fórmula do item (6) permite expressar o

indeterminado em nossa linguagem artificial pois essa formula é V quando X é I, e é F em

todos os outros casos.

Notemos que, se X � Y e X são ambas V (primeira linha da tabela-verdade acima do co-

nectivo �), então Y é verdadeira. Ou seja, vale a regra Modus Ponens.

Exercício. Mostre que são tautologias: (1) (X ∧ Y) � X; e (2) X � (X ∨ Y)

Em 1931, M. Wajsberg mostrou que se definirmos as fórmulas X ∨ Y :=def. ((X�Y) � Y),

X ∧ Y :=def. ~(~X ∨ ~Y) e X ↔ Y :=def. (X � Y) ∧ (Y � X), temos o seguinte sistema formal

para Ł3.

Axiomas para Ł3:

(X�Y) � ((Y�Z) � (X�Z))

(~X�~Y) � (Y�X)

((X�~X) � X) � X

Regra de Inferência para Ł3: Modus Ponens

LÓGICAS N-VALENTES E LÓGICAS DIFUSAS

Por fim, notemos que podemos considerar lógicas com n valores-verdade, chamadas de

lógica n-valentes. Por exemplo, Łukasiewicz propôs uma sequência de lógicas Łn tal que cada

Łn é uma lógica n-valente. Podemos ainda considerar uma lógica infinito-valente (como tam-

bém propôs Łukasiewicz), na qual cada proposição tem um valor-verdade que é um número

entre 0 e 1; 0 indicando o valor-verdade Falso e 1 o valor-verdade Verdadeiro. Umas das in-

terpretações possíveis de tal lógica seria a probabilista, na qual, por exemplo, se o valor da

proposição A é 0,50, então A tem a probabilidade de 50% de ocorrer.

Consideremos ainda a seguinte questão: qual o mínimo número de grãos de arroz são ne-

cessários para se fazer um monte de arroz?

Notemos que se:

(1) um grão de arroz não é um monte de arroz; e

(2) se n grãos de arroz não são um monte de arroz, então n+1 grãos de arroz não são um

monte de arroz;

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então não exite um monte de arroz. Com efeito: um grão não é um monte de arroz; dois

grãos não são um monte de arroz, três grãos não são um monte de arroz, etc.

Uma das formas de tratar tais raciocínios, chamado de Paradoxo de Sorites, ou ainda,

de tratar, com conceitos imprecisos, como, por exemplo, “x é músico” (com efeito, quando

diríamos que x é músico é verdadeira ou falsa?), é supor que o valor-verdade da sentença “n

grãos de arroz são um monte de arroz” é difuso, ou seja, não é apenas V ou F, mas, por

exemplo, é um número entre 0 e 1. O estudo de tais formas é chamado de Lógica Fuzzy ou

Difusa e foi proposta por Lotfi Askar Zadeh, nascido em 1921 (para uma breve introdução à

Lógica Difusa, veja Feitosa e Paulovich 2005, Apêndice)

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OUTRAS LÓGICAS – LÓGICAS DA RELEVÂNCIA E PARACONSISTENTES

LÓGICA DA RELEVÂNCIA

Vimos (na lição A Implicação Material e seus Paradoxos) que existem sentenças que

contém implicações materiais e que parecem contradizer a noção intuitiva de implicação ex-

pressa por “se … então _”, ou seja, os chamados Paradoxos da Implicação Material.

Por exemplo, sentenças da forma (X � Y) ∨ (Y � Y) são tautologias, como:

Se chove no Brasil, então chove no Japão, ou, se chove no Japão, então chove no Brasil.

Considerando, deduções, vimos, por exemplo, que deduções da forma X ˫ Y � X são váli-

das (Regra da Prefixação), como:

Chove no Brasil. Logo, se chove no Japão, então chove no Brasil.

Analisemos a dedução X ˫ Y � X na Lógica Clássica. Vamos colocar na frente de cada

fórmula o índice da premissa ou hipótese da qual ela depende (quando ela for uma premissa

ou hipótese, colocamos o próprio número dela na frente)

1. X Premissa

2. Y Hipótese {2}

3. X Rep 1 {1}

4. Y � X DC 3-6 {1}

Notemos que a dedução que permite a aplicação da regra DC começa na fórmula 2 (hi-

pótese) e termina na fórmula 3, mas a fórmula 3 não foi inferida a partir de 2.

A pesquisa de sistemas lógicos que superassem tais paradoxos deu origem a Lógica da

Relevância. De forma breve, podemos dizer que, segundo a Lógica da Relevância, devemos

considerar que existe uma implicação quando as premissas são relevantes para a conclusão.

X � (Y � Z) ˫ Y � (X � Z)

1. A � (B � C) Premissa {1}

2. B Hipótese {2}

3. A Hipótese {3}

4. B � C MP 1,3 {1,3} Notar que para chegar em C precisamos de 1 e 3 acima.

5. C MP 2,4 {1,2,3} Notar que para chegar em C precisamos de 1, 2 e 3 acima.

6. A � C DC 3-5

7. B � (A � C) DC 2-6

1. X � Y Premissa {1}

2. Y � Z Premissa {2}

3. X Hipótese {3}

5. Y MP 1,3 {1,3}

6. Z MP 2,5 {1,2,3}

7. X � Z DC 3-6 {1,2}

Para exemplificar a noção de relevância, considere a dedução (X � Y), (Y � Z) ˫ (X �

Z). Vamos, na frente de cada fórmula da dedução colocar o conjunto dos índices das premis-

sas ou hipóteses que são relevantes para a sua dedução. Assim, por exemplo, na dedução

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abaixo, o conjunto {1,3} indica que fórmulas 1 (premissa) e 3 (hipótese) são relevantes para

a obtenção da fórmula 5.

1. X � Y Premissa {1}

2. Y � Z Premissa {2}

3. X Hipótese {3}

5. Y MP 1,3 {1,3}

6. Z MP 2,5 {1,2,3}

7. X � Z DC 3-6 {1,2}

Notemos então que, para que a dedução seja relevante, só podemos aplicar a regra DC

se a hipótese da regra (no caso, fórmula 3) é relevante para a fórmula logo anterior à con-

clusão da regra DC (fórmula 6; no caso, a hipótese é relevante para ela). Notemos também

que a conclusão da regra DC (no caso, fórmula 7) não depende da sua hipótese (fórmula 2).

Notemos então que a hipótese (fórmula 2) não é relevante para última fórmula antes da

conclusão da Regra DC (fórmula 3), assim, segundo a Lógica da Relevância, não podemos apli-

car a Regra DC.

Qual sistema formal é então correto e completo em relação a essa noção de relevância?

Se o único conectivo da linguagem for a implicação “�”, um sistema correto e completo

é aquele que tem a Regra Modus Ponens e os quatro esquemas de axiomas:

(1) X � X

(2) [X � (Y � Z)] � [Y � (X � Z)]

(3) (Y�Z) � [(X �Y) � (X �Z)]

(4) [X � (Y � Z)] � [(X � Y) � (X � Z)]

No caso da Lógica da Relevância, os outros conectivos não podem ser definidos a partir

da implicação e da negação, como no caso da Lógica Clássica.

Obtemos um sistema correto e completo envolvendo os demais conectivos adicionando

os seguintes esquemas de axiomas:

(5) (X∧Y) � X

(6) (X∧Y) � Y

(7) [(X�Y) ∧ (X�Z)] � [X�(Y∧Z)]

(8) X � (X ∨ Y)

(9) Y � (X ∨ Y)

(10) [(X�Z) ∧ (Y�Z)] � [(X∨Y) � Z]

(11) [X ∧ (Y ∨ Z)] � [(X ∧ Y) ∨ Z]

(12) (X � ~X) � ~X

(13) (X � ~Y) � (Y � ~X)

(14) ~~X � X

Os sistema formais para a Lógica da Relevância, já no caso proposicional, não são deci-

díveis, ou seja, diferente da Lógica Clássica em que existe um algoritmo para determinar

seus teoremas (que são exatamente as tautologias, então, por exemplo, a tabela-verdade é

um tal algoritmo), demonstrou-se que não existe um algoritmo que determine os teoremas

da Lógica da Relevância.

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Exercícios.

(1) Avalie o PI e mostre que ele é pode ser obtido por Demonstração Condicional respei-

tando a relevância (dica: veja a demonstração feita anteriormente, no Sistema S, e analise

a relevância da hipótese para cada fórmula colocando o conjunto de índices como feito no

início desta seção).

(2) Mostre que os axiomas de (1) a (4) podem ser demonstrados usando a Demonstração

Condicional respeitando a relevância (coloque na frente da cada fórmula o conjunto de índi-

ces das hipóteses relevantes para ela).

LÓGICAS PARACONSISTENTES

Uma característica interessante das lógicas da relevância é que nelas não vale a Regra

Ex Contradictione Quodlibet vista anteriormente: X, ~X ⊦ Y.

A ideia aqui é que, neste caso, X não é relevante para a dedução da premissa Y.

Notemos então que nas lógicas da relevância valem menos princípios que no caso da Lógi-

ca Clássica, por exemplo, na Lógica da Relevânica não vale as Regras Ex Contradictione

Quodlibet e Prefixação.

Lógicas para as quais não vale a Regra Ex Contradictione Quodlibet são chamadas de Ló-

gicas Paraconsistente.

As Lógicas Paraconsistentes são importantes no Brasil, pois nosso lógico mais famoso

Newton Carneiro Affonso da Costa foi um dos pioneiros do estudo desses sistemas no mun-

do.

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OUTRAS LÓGICAS – LÓGICAS ESTENDIDAS

LÓGICAS MODAIS

Nessas lógicas, estendemos a linguagem com novos símbolos, como, por exemplo, os da

tabela abaixo.

Operadores Exemplo

Lógicas Aléticas □: É necessário que □X: É necessário que X

[de ἀλήθεια] ◊: É possível que ◊X: É possível que X

Lógicas Deônticas O: É obrigatório OX: X é obrigatório

[de Deontologia] P: É permitido PX: X é permitido

Lógicas Epistêmicas K: Sabe-se que KX: Sabe-se que X

B: Acredita-se que BX: Acredita-se que X

Lógicas Temporais F: No futuro, será o caso que FX: Ocorrerá X

P: No passado, foi o caso que PX: Ocorreu X

H: Foi sempre o caso que HX: Foi sempre o caso que X

G: Será sempre o caso que GX: Será sempre o caso que X

Exemplo. Na lógica temporal temos:

Teoremas:

GX �FX (Se será sempre o caso que X, então, no futuro, será o caso que X)

HX�PX (Se foi sempre o caso que X, então, no passado, foi o caso que X)

Regra de Inferência:

X ⊦ FPX (ocorre X; logo, no futuro, será o caso que, no passado, foi o caso que X)

Notemos que os operadores acima não podem ser definidos simplesmente em função do

valor-verdade da sentença X; por exemplo, se □X é V (X é necessário), então X é V; mas,

não é o caso de que se X é V, então □X é V (X é necessário), pois X pode ser uma verdade

contingente, como chove (quando está chovendo). Por isso tais operadores são chamados de

operadores intensionais, em oposição aos operadores extensionais ou vero-funcionais, como

os conectivos.

Uma propriedade interessante nas lógicas aléticas e deônticas é a Dualidade:

~□ ~ X ↔ ◊X ~O ~ X ↔ PX

~ ◊ ~ X ↔ □X ~P ~ X ↔ OX

Semântica de Mundos Possíveis ou Semântica de Kripke (inspirada em Leibniz).

Consideremos, como abaixo, três mundos possíveis, w1, w2 e w3, nos quais, respectiva-

mente, são verdades {A}, {B} e {A, B}. As setas indicam a chamada relação de acessibilida-

de entre os mundos; nesse sentido: w1 “enxerga” w1, w2 e w3; w2 “enxerga” w3; e, w3 “enxer-

ga” só a si próprio.

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[Desenho]

Nessa interpretação, podemos definir:

□X em um mundo w se, e somente se, X é V em todos os mundos acessíveis a w; e

◊X em um mundo w se, e somente se, X é V em algum mundo acessível a w.

Exercício. Determine se ??

Quais seriam os axiomas para a Lógica Modal? Por exemplo, será que □X�□□X (se X é

necessário, então é necessário que X seja necessário)?

Vemos assim que várias noções de necessidade e possibilidade lógicas podem ser consi-

deradas (e estudadas), em função dos axiomas propostos, como os abaixo.

K: □(X�Y) � (□X�□Y)

T: □X�X

4: □X�□□X

5: ◊X� □◊X

Notemos que como ◊X = ~□ ~ X, os axiomas acima também definem axiomas para o pos-

sível ◊, chamados de axiomas duais (que não trataremos aqui).

Notemos também que, usualmente, a lógica proposicional subjacente é a clássica (por

isso essas lógicas modais são chamadas de estendidas), logo, toda tautologia deve ser teo-

rema de nosso sistema axiomático proposto (assim, temos outras axiomas e regras de infe-

rência que garantem a demonstração de todas as tautologia, como as do sistema S visto

anteriormente).

Também, nos sistemas chamados normais, admitimos a seguinte regra de inferência (se

X é teorema; logo, X é necessário).

Regra de necessitação:

⊦X

____

⊦ □X

A combinação dos axiomas acima constitui diversos sistema modais como os abaixo (con-

siderados na literatura da área).

Sistemas:

KD = K + D

T = K + T

B = T + B = K + T + B

S4 = T + 4 = K + T + 4

S5 = T + 5

Lógica temporal também pode usar essa semântica: relação de acessibilidade é transiti-

va (isto é, se x é acessível a y e y a z, então x é acessível a z). Em geral, axiomas determi-

nam propriedades da relação de acessibilidade. Por exemplo, a semântica de mundos possí-

veis nas quais valem os axiomas T e 4 são aquelas em que as relações de acessibilidade tem,

respectivamente, a propriedade reflexiva (isto é, todo mundo é acessível a si próprio) e

transitiva.

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A ANÁLISE INTRA-SENTENCIAL

Para entendermos a necessidade da análise intra-sentencial, consideremos o argumento:

Todo homem é mortal.

Ora, Sócrates é homem.

Logo, Sócrates é mortal.

O argumento acima sem dúvida é um argumento válido, pois, se suas premissas são admi-

tidas como verdadeiras, então sua conclusão tem que ser admitida como verdadeira. Mais

ainda, isso se dá devido a sua forma:

Todo H é M.

Ora, a é H.

Logo, a é M.

Notemos, porém, que o argumento é válido devido à forma de composição dos termos e

não devido a forma de composição de sentenças, pois, se fizermos a análise do argumento

acima com o que estudamos até agora, como todas as sentenças que compõe o argumento

são sentenças simples e diferentes entre si, obtemos:

A

B

C

que não é um argumento válido, já que o valor de C na formalização não depende em nada do

valor de A e B.

Daí a necessidade de um novo instrumental para analisar a validade dos argumentos

como acima. É o que vamos fazer nessa nova parte.

Para esse estudo, vamos introduzir uma nova linguagem artificial, chamada de linguagem

de primeira ordem. A nossa linguagem será composta de:

1. Constantes Individuais

2. Variáveis Individuais

3. Predicados n-ários

4. Quantificadores

5. Conectivos (já vistos anteriormente)

Vejamos, nas lições a seguir, o que constitui cada um desses elementos.

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ANÁLISE INICIAL DA PROPOSIÇÃO: CONSTANTES, VARIÁVEIS E PREDICADOS

Como na Lógica Proposicional, vamos usar um sistema de signos para representar (abs-

tratamente) e analisar as possíveis formas de relações entre os termos.

Assim, comecemos com a questão: como formalizar a sentença a seguir?

Sócrates é homem

Podemos, por exemplo, usar o signo “a” para designar Sócrates e o signo “H” para desig-

nar mortal. Assim, a sentença acima fica:

a é H

Vamos então analisar o significado de cada um desses termos.

Quanto ao signo “a”, sabemos o que ele designa: o próprio indivíduo Sócrates que viveu

na Grécia Antigua. Assim, temos uma importante classe de termos, definida a seguir.

Definição. Um signo usado para indicar um indivíduo determinado é chamado de cons-

tante individual.

O termo “constante” indica que, durante nossa análise, tal signo sempre nomeará o indi-

víduo considerado, ou seja, não haverá mudança do indivíduo que é designado por esse signo.

Notação. Como constantes individuais, vamos letras minúsculas do início do alfabeto: a,

b, c etc.

Exemplos. a = Sócrates; b = Platão; e c = Zeus.

E quanto ao signo “H”?

Em geral, em Filosofia, se diz que H designa um universal. Mas o que significa isso de um

ponto de vista lógico-matemático?

Para investigar o sentido de “H”, vamos substituir, na sentença inicial, o termo “Sócra-

tes” por um termo variável “x”, que indica a possibilidade de substituir “x” por qualquer ter-

mo determinado. Assim temos:

x é homem

Definição. Um signo usado para indicar um indivíduo indeterminado é chamado de variá-

vel individual.

O termo “variável” indica que tal signo não designa um indivíduo determinado, mas pode

ser substituído por qualquer constate individual.

Notação. Como variáveis individuais, vamos usar letras minúsculas do final do alfabeto:

x, y, z.

Notemos então que a expressão “x é homem” acima não é nem verdadeira nem falsa, mas

será verdadeira ou falsa ao substituirmos “x” por uma constante individual:

� a é homem = Sócrates é homem = V

x é homem � b é homem = Platão é homem = V

� c é homem = Zeus é homem = F

� etc.

Assim, o termo “homem” ou, como usamos acima, o signo “H”, podem ser vistos como de-

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signando uma função que leva objetos à proposições, ou ainda, aos valores-verdades V ou F.

Notação. Em correlação com a notação das funções matemáticas, vamos escrever

H(x)

para denotar

x é homem.

Assim, temos que

H(x) = x é homem

H(a) = Sócrates é homem = V

H(b) = Platão é homem = V

H(c) = Zeus é homem = F

De forma geral temos

Definição. Um signo usado para indicar um universal é chamado de predicado.

Notação. Vamos usar como predicados as letras maiúsculas: A, B, C, …, Z.

Exemplos. H = homem; M = mortal; e F = filósofo.

Podemos agora expressar uma proposição em nossa linguagem:

As expressões H(a), H(b) e H(c) acima designam, respectivamente,

Sócrates é homem, Platão é homem e Zeus é homem.

Começamos então a ter os elementos necessários para definir as fórmulas de nossa nova

linguagem. Notemos que se X é um predicado e t é um termo (isto é, uma constante individu-

al ou uma variável individual), então X(t) é uma fórmula.

DIGRESSÃO: O CONCEITO

Compreensão: aquilo que permite distinguir entre aplicação e não aplicação

do conceito

Conceito

(designado por

um predicado)

- Conceito ≠ Imagem

- Conhecimento Conceitual ≠ “Conhecimento” Imagético

- Conhecimento Conceitual ≠ Mito Extensão: conjunto-verdade

De uma forma bem geral, notar que se estabelecêssemos a compreensão dos predicados “x

é belo” ou “x é bom”, teríamos resolvido, por exemplo, os principais problemas da estética

ou da ética.

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PREDICADOS N-ÁRIOS

Notemos que as relações também podem receber o mesmo tratamento que fizemos an-

teriormente.

Considere a sentença:

Sócrates é mestre de Platão.

Da mesma forma que antes, podemos substituir “Sócrates” e “Platão” por variáveis indi-

viduais obtendo:

x é mestre de y

Notemos que essa expressão também não é nem verdadeira nem falsa, mas será verda-

deira ou falsa ao substituirmos “x” e “y” por constantes:

� a é mestre de b = Sócrates é mestre de Platão = V

x é mestre de y � b é mestre de a = Platão é mestre de Sócrates = F

� a é mestre de c = Sócrates é mestre de Zeus = F

� etc.

Assim, também o termo “mestre” pode ser visto como uma função: só que, diferente dos

predicados anteriormente analisados, “mestre” leva pares de indivíduos à proposições, ou

ainda, aos valores-verdades V ou F.

Notação. Em correlação com a notação matemática, vamos escrever

M(x,y) ou xMy

para denotar

x é mestre de Y.

Assim, temos que

M(x,y) = xMy = x é mestre de y

M (a, b) = aMb = a é mestre de b = Sócrates é mestre de Platão = V

M (b, a) = bMa = b é mestre de a = Platão é mestre de Sócrates = F

M (a, c) = aMc = a é mestre de b = Sócrates é mestre de Zeus = F

etc.

Notemos que a relação “mestre” acima pode ser vista como um predicado definidos para

dois elementos; por isso relações entre dois elementos são chamados predicados binários.

Da mesma forma, relações entre três elementos, como, por exemplo, x ensinou y a z, são

chamadas predicados ternários. Podemos continuar, considerando n elementos, como abai-

xo.

Definição. Um signo usado para designar uma relação entre n elementos é chamado de

predicado n-ário.

Notação. Como para predicados unários, vamos usar como predicados n-ários as letras

maiúsculas: A, B, C, …, Z.

Exemplos. M(x,y) = x é mestre de y; E(x,y,z) = x ensinou y a z; F(x) = x é filósofo.

Notemos, então que se X é um predicado n-ário e t1,…,tn são termos (isto é, constantes

individuais ou variáveis individuais), então X(t1,…,tn) é uma fórmula.

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QUANTIFICADORES

Vimos, nas lições anteriores, elementos que constituem nossa linguagem artificial: cons-

tantes individuais, variáveis individuais, predicados n-ários. já vimos, na Parte 1 de nosso

Curso, os conectivos. O último tipo de elemento que falta são os quantificadores. Com os

quantificadores poderemos asserir, em termos de nenhum, algum ou todos, quantos indiví-

duos de determinado domínio de discurso, por exemplo, tem certo predicado.

O QUANTIFICADOR EXISTENCIAL

Consideremos a fórmula atômica F(x) a que atribuiremos o significado: x é filósofo.

(Lembremos que, como vimos anteriormente, essa expressão não é verdadeira, nem falsa).

Como asserir, em nossa linguagem, a partir de F(x), a proposição:

Alguém é filósofo.

Uma das formas seria F(a), significando que o indivíduo a é filósofo. Mas nesse caso, sa-

beríamos quem é filósofo (o indivíduo a), enquanto a asserção “Alguém é mortal” não nos es-

pecifica quem é filósofo. A notação abaixo soluciona essa questão.

Notação. Escrevemos

∃x F(x)

para expressar que existe um x tal que x tem o predicado F.

Assim, no caso em que F = filósofo, então ∃x F(x) expressa que existe um x tal que x é

filósofo, ou de forma mais usual, existe um filósofo, ou ainda, alguém é filósofo.

Definição. O signo ∃ (um E invertido) usado na notação acima é chamado de quantifica-

dor existencial.

O QUANTIFICADOR UNIVERSAL

Da mesma forma, podemos asserir, em nossa linguagem, a partir de F(x), a proposição:

Todos são filósofos.

Para isso usamos a expressão abaixo.

Notação. Escrevemos

∀x F(x)

para expressar que, para todo x, x tem o predicado F.

Assim, se F = filósofo, então ∀x F(x) expressa que, para todo x, x é filósofo, ou de for-

ma mais usual, todos são filósofos.

Definição. O signo ∀ (um A invertido, da palavra alemã “allgemein” e da inglesa “all”)

usado na notação acima é chamado de quantificador universal.

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LINGUAGENS DE 1ª ORDEM: SINTAXE

Explicitados todos os elementos (constantes individuais, variáveis individuais, predica-

dos n-ários, conectivos e quantificadores) podemos definir agora as linguagens artificiais

que vamos utilizar, ou seja, seus alfabetos e fórmulas.

Definição. Um alfabeto de uma linguagem de 1ª ordem se constitui de:

(1) Constantes Individuais: a, b, c, etc (se necessário a1, a2, etc).

(2) Variáveis Individuais: w, x, y, z (se necessário x1, x2, x3, etc).

(3) Predicados n-ários: A, B, …, Z (se necessário A1, A2, A3, etc).

(4) Conectivos Lógicos: ~, ∧, ∨, �.

(5) Quantificadores Existencial e Universal: ∃ e ∀.

(6) Símbolos auxiliares: ( ) , (isto é, parênteses e vírgula)

Definição. Uma expressão de uma linguagem de 1ª ordem é qualquer seqüência finita de

símbolos de seu alfabeto.

Definição. Um termo individual é uma constante individual ou uma variável individual.

Definição. Uma fórmula atômica é uma expressão com um predicado n-ário seguido de n

termos individuais entre parênteses e separados por vírgula; ou seja, se X é um predicado

n-ário e t1,…,tn são termos individuais, então X(t1,…,tn) é uma fórmula atômica.

Definição. Uma fórmula é qualquer expressão definida pelas regras de composição abai-

xo.

1) Uma fórmula atômica é uma fórmula.

2) Se X é uma fórmula, então ~X é uma fórmula.

3) Se X e Y são fórmulas, então (X ∧ Y) é uma fórmula.

4) Se X e Y são fórmulas, então (X ∨ Y) é uma fórmula.

5) Se X e Y são fórmulas, então (X � Y) é uma fórmula.

6) Se Y é uma fórmula e x é uma variável, então ∃xY é uma fórmula.

7) Se Y é uma fórmula e x é uma variável, então ∀xY é uma fórmula.

Definição. O conectivo principal de uma fórmula é último conectivo usado na sua forma-

ção.

Introduzida a parte sintática de uma linguagem de 1ª ordem, podemos agora introduzir

a semântica dessa linguagem. Para isso precisamos discutir alguns aspectos em relação a ex-

tensão de predicados n-ários.

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EXTENSÃO DE PREDICADOS (N-ÁRIOS)

Nas lições anteriores, vimos que um predicado pode ser interpretado como uma função

que atribui um valor-verdade V ou F aos indivíduos de um domínio de discurso e, de forma

geral, um predicado n-ário pode ser interpretado como uma função que atribui um valor-ver-

dade V ou F às seqüências de n indivíduos de um domínio de discurso (Frege).

AVISO IMPORTANTE. Sempre que falarmos de predicados estaremos supondo que o

predicado (n-ário) está bem definido no domínio de discurso; isto é, para cada elemento (ou

seqüência de n elementos, no caso de predicados n-arios) do domínio de discurso o valor-

verdade que o predicado lhe associa está bem definido.

Podemos dizer que, nesse caso, estabelecemos a compreensão do predicado, ou seja:

aquilo que permite distinguir entre aplicação e não aplicação do predicado a um indivíduo do

domínio de discurso.

Por exemplo, a compreensão do predicado “Homem” é aquilo que permite distinguir en-

tre aplicação ou não aplicação do predicado “Homem” a um indivíduo do domínio de discurso.

O mesmo vale para predicados n-ários em geral. Por exemplo, a compreensão do predi-

cado binário “Mestre” é aquilo que permite distinguir entre aplicação ou não aplicação do

predicado “Mestre” a um par ordenado de indivíduos do domínio de discurso.

Quando o predicado (unário) está bem definido em um domínio de discurso, também

está bem definida a extensão ou o conjunto-verdade do predicado, ou seja: o conjunto dos

elementos a que o predicado atribui valor-verdade V.

Assim, por exemplo, no domínio de discurso D = {a, b, c} (no qual a = Sócrates, b = Platão

e c = Aristóteles), a extensão ou conjunto verdade do predicado E (escritor) é

{b, c}

levando em consideração que Sócrates não escreveu nenhum livro.

Da mesma forma, quando um predicado n-ário está bem definido em um domínio de dis-

curso, também está bem definida a sua extensão ou o seu conjunto-verdade, ou seja: o con-

junto das seqüências de elementos a que o predicado n-ário atribui valor-verdade V.

Assim, por exemplo, no mesmo domínio de discurso D acima, temos que a extensão da

relação “mestre” é o conjunto:

{(a,b), (b,c)}

Dado então o Aviso Importante acima e que, neste caso, as extensões ou conjunto-ver-

dade dos predicados (n-ários) estão bem definidos, em geral, em Lógica, tratamos os predi-

cados unários como conjuntos de elementos e os predicados n-ários como conjuntos de se-

qüência de n elementos.

Assim, por exemplo, se X é um predicado unário e Y um predicado n-ário, podemos dizer

que:

X(a) é V se, e somente se, a Є X e

Y(a1, …, an) se, e somente se, (a1, …, an) Є Y

Com isso, simplificamos a exposição da semântica de nossa linguagem, na lição a seguir.

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LINGUAGENS DE 1ª ORDEM: SEMÂNTICA

Vamos agora estabelecer uma semântica para a linguagem de primeira ordem exposta na

lição Linguagem de 1ª Ordem: Sintaxe. Trata-se, sobretudo, de definir: interpretação, fór-

mula verdadeira em uma interpretação e fórmula válida (a validade desempenha na Lógica

de 1ª ordem o papel que a tautologia tem para a Lógica Proposicional).

Para definir interpretação, fórmula verdadeira em uma interpretação e fórmula válida,

precisamos de algumas definições preliminares.

Definição. Em uma fórmula ∃xY, a parte Y é chamada de escopo do quantificador ∃x, e

em uma fórmula ∀xY, a parte Y é chamada de escopo do quantificador ∀x.

Definição. A ocorrência da variável x é livre se não ocorre logo após um quantificador

(como nas expressões “∃x” ou “∀x”) ou não está no escopo de um quantificador ∃x ou ∀x.

Definição. Uma sentença é uma fórmula que não tem variável com ocorrência livre

Definição: Uma interpretação I para uma linguagem de primeira ordem consiste de:

1) Um conjunto não-vazio D, chamado de domínio da interpretação;

2) Para cada constante individual a, uma atribuição I(a) de algum elemento de D.

3) Para cada letra predicativa A uma atribuição a I(A) de algum conjunto de seqüência

de n elementos de D.

Exemplos.

Seja L a linguagem com as constantes a, b e c, e as letras predicativas E, F (de aridade

1) e M (de aridade 2).

(1) Uma interpretação para L é

D = {Sócrates, Platão, Aristóteles},

I(a) = Sócrates, I(b) = Platão, I(c) = Aristóteles,

I(E) = {Platão, Aristóteles}, I(F) = {Sócrates, Platão, Aristóteles}, e

I(M) = {(Sócrates, Platão), (Platão, Aristóteles)}.

Notemos que, nesta interpretação, podemos ver as classes definidas por E, F e M como

significando, respectivamente: escritor, filósofo, mestre de.

(2) Outra interpretação para L é

D = {1, 2, 3, 4},

I(a) = 1, I(b) = 2, I(c) = 4,

I(E) = {1, 2,3}, I(F) = {1, 3} e

I(M) = {(1,2), (2,4)}.

Vamos agora definir quando uma sentença S é verdadeira em uma interpretação I; para

simplificar a exposição da definição, vamos introduzir a definição e a notação abaixo.

Definição. Dada uma interpretação I de domínio D de para uma linguagem de primeira

ordem L, denotamos por L(D) a linguagem que além dos símbolos de L tem, para cada ele-

mento de D, uma constante associada a ele.

Notação: Escrevemos ⊧I S para denotar que a sentença S é verdadeira em I, e ⊭I S para

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 86

denotar que S não é verdadeira em I.

Definição. ⊧I S (por indução a partir das regras de composição da fórmula S)

1) ⊧I A(a1, …, an) se, e somente se, (I(a1), …, I(an)) Є I(A);

2) ⊧I ~X se, e somente se, ⊭I X;

3) ⊧I X ∧ Y se, e somente se, ⊧I X e ⊧I Y ;

4) ⊧I X ∨ Y se, e somente se, ⊧I X ou ⊧I Y ;

5) ⊧I X � Y se, e somente se, ⊭I X ou ⊧I Y ;

6) ⊧I ∃xY se, e somente se, ⊧I Y(x/a) para toda constante individual a em L(D); Y(x/a) é a

fórmula que resulta de Y pela substituição das ocorrências livres da variável x pela constan-

te a.

7) ⊧I ∀xY se, e somente se, ⊧I Y(x/a) para alguma constante individual a em L(D); Y(x/a)

é a fórmula que resulta de Y pela substituição das ocorrências livres da variável x pela

constante a.

Exercícios.

(1) Na interpretação dada no exemplo (1) acima verifique se:

(a) ⊧I E(b) (b) ⊧I E(a) (c) ⊧I M(b,c) (d) ⊧I ~E(a) (e) ⊧I ~E(b)

(f) ⊧I E(b) ∧ M(b,c)(g) ⊧I E(a) ∧ E(b) (h) ⊧I E(a) ∨ E(b) (i) ⊧I E(a) � E(b) (j) ⊧I ∃x E(x)

(k) ⊧I ∀x E(x) (l) ⊧I ∀x F(x) (m) ⊧I ∃x ~F(x)

(2) Formalize, nessa nova linguagem, as sentenças:

(a) Algum filósofo é escritor (b) Algum filósofo não é escritor

(c) Todo filósofo é escritor (d) Nenhum filósofo é escritor

Definição: Um modelo para um conjunto de fórmula é uma interpretação em que cada

fórmula do conjunto é verdadeira.

Definição: Um contramodelo para uma fórmula é uma interpretação na qual ela é falsa.

Definição: Uma sentença é válida se é verdadeira em toda interpretação.

Podemos estender a noção de validade para uma fórmula qualquer (e não apenas para

sentenças).

Definição: Uma fórmula é válida se e somente se:

(1) é uma sentença verdadeira em toda interpretação ou,

(2) caso tenha variáveis livres, se é verdadeira a sentença obtida quantificando univer-

salmente todas as suas variáveis livres.

Vemos então que a validade desempenha na Lógica de 1ª ordem o papel que a tautologia

tem para a Lógica Proposicional.

Com essas definições, estabelecemos de forma precisa uma semântica para as lingua-

gens de 1ª ordem. Temos então uma linguagem cujo uso implica que identifiquemos os indiví-

duos e os universais e que expressa de forma concisa e precisa as relações desses indiví-

duos com os universais e dos universais entre si. Assim, uma de suas maiores virtudes da

tradução de sentenças da linguagem natural para ela é explicitação dessas relações.

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FORMALIZAÇÃO DO QUADRADO ARISTOTÉLICO DAS OPOSIÇÕES

Com as definições dos quantificadores e a partir da composição de funções proposicio-

nais com conectivos, vamos começar a estudar os principais resultados lógica tradicional.

Proposições Categóricas e Suas Formalizações

Afirmativa

(A e I de “A f I r m o”)

Negativa

(E e O de “n E g O”)

Universal

A

Todo A é B

∃x (A(x) � B(x))

E

Nenhum A é B

∃x (A(x) � ~B(x))

Particular

I

Algum A é B

∀x (A(x) ∧ B(x))

O

Algum A não é B

∀x (A(x) ∧ ~B(x))

Se o universo de discurso não é vazio, temos as seguintes definições e inferências

imediatas:

- A e O, E e I são contraditórias, i.e., se uma é falsa, a outra é verdadeira.

- A e E são contrárias, i.e., não são ambas verdadeiras.

- I e O são subcontrárias, i.e., não são ambas falsas.

- I e O são, respectivamente, subalternas de A e E,

e são verdadeiras, se, respectivamente, A e E são verdadeiras.

- A e E são, respectivamente, superalternas de I e O,

e são falsas, se, respectivamente, I e O são falsas.

O que nos dá o quadra abaixo.

Obs.: Pode-se também considerar ainda:

A como ∃xA(x); E como ∃x~A(x); I como ∀xA(x); e O como ∀x~A(x).

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REGRAS DE INFERÊNCIA COM QUANTIFICADORES

Nas lições anteriores, Quantificadores e Linguagem de 1ª Ordem: Semântica, introduzi-

mos os quantificadores existencial e universal e estabelecemos suas semânticas. Nessa li-

ção, veremos algumas regras de inferência a eles relacionados.

Comecemos com o seguinte exercício.

Exercício. Qual fórmula implica qual? (Segue abaixo exemplos de interpretação.)

(1) ∀xA(x) (2) A(a) (3) ∃xA(x) (4) A(x)

Todos são autônomos Pinóquio é autônomo Alguém é autônomo x é autônomo

A partir da solução do exercício anterior, podemos considerar como válidas as seguintes

inferências:

(1) Instanciação Universal (IU)

∀xA(x)

─────

A(a)

∀xA(x)

─────

A(x)

(2) Generalização Universal (GU)

A(x)

─────

∀A(x)

(3) Generalização Existencial (GE)

A(a)

─────

∃xA(x)

(4) Instanciação Existêncial (IE)

∃xA(x)

─────

A(a)

a ⇒ Nova

Notemos que, no caso (4) da Instanciação Existencial, como não sabemos quem é o indi-

víduo x que existe e tem a propriedade A, temos que usar uma nova constante para designá-

lo.

Não temos restrições para o caso da regra (1) de Instanciação Universal; mais ainda, em

geral, em uma dedução ou demonstrção, IU é usada para introduzir uma constante que já

ocorreu.

Consideramos até agora as regras de inferência relativas a uma sentença atômica A(a)

ou A(x), mas tais regras valem para quaisquer fórmulas, por exemplo:

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 89

(1) Instanciação Universal (IU)

∀x(A(x) � B(x))

───────────

A(a) � B(a)

∀x(A(x) � B(x))

───────────

A(x) � B(x)

(3) Generalização Universal (GU)

A(x) � B(x)

───────────

∀x(A(x) � B(x))

(4) Generalização Existencial (GE)

A(a) ∧ B(a)

───────────

∃x(A(x) ∧ B(x))

(5) Instanciação Existêncial (IE)

∃x(A(x) ∧ B(x))

───────────

A(a) ∧ B(a)

a ⇒ Nova

Podemos, pois, enunciar essas regras de uma forma completamente geral; é o que fare-

mos a partir da notação introduzida a seguir.

Notação. Dada uma fórmula Y, escrevemos:

Y(x/a)

para indicar a fórmula que resulta de Y substituindo as ocorrências livres de x pela cons-

tante individual a; e escrevemos

Y(a/x)

para indicar a fórmula que resulta de Y substituindo as ocorrências da constante individual

a pela variável individual x; neste caso, supomos que x é livre para a, isto é, a constante a

não está sob o escopo de um quantificador da forma ∀x ou ∃x.

Exemplo. Se Y representa a fórmula M(a,b,x), então Y(x/a) é M(a,b,a) e Y(a/x) é

M(x,b,x).

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 90

REGRAS DE INFERÊNCIA PARA QUANTIFICADORES

Instanciação Universal (IU)

∀xY

─────

Y(x/a)

a ⇒ (Em geral) constante que já ocorreu na dedução ou demonstração.

Instanciação Existencial (IE)

∃xY

──────

Y(x/a)

a ⇒ Necessariamente, uma constante quenão ocorreu

anteriormente na dedução ou demonstração

Generalização Existencial (GE)

Y

──────

∃xY(a/x)

Generalização Existencial (GE)

Y

──────

∃xY(a/x)

Com essas novas regras de inferência, podemos fazer deduções, com anteriormente.

Exercício. Faça a dedução dos argumentos abaixo

(1)

S(a)

∀x(S(x) � P(x))

───────────

P(a)

(2)

∃xS(x)

∀x(S(x) � P(x))

───────────

∃xP(x)

(3)

∀xS(x)

∀x(S(x) � P(x))

───────────

∀xP(x)

(4)

∀x(M(x) � P(x))

∀x(S(x) � M(x))

───────────

∀x(S(x) � M(x))

(5)

∃x(M(x) ∧ P(x))

∀x(M(x) � S(x))

────────────

∃x(S(x) ∧ P(x))

NEGAÇÕES DE QUANTIFICADORES: INTERDEFINIBILIDADE E REGRAS DE INFERÊNCIA

Exercício. Correlacione cada fórmula da coluna A com a fórmula equivalente da coluna B.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 91

A B

~∃xY ~∀xY

∃x~Y ∀x~Y

~∃x~Y ~∀x~Y

∃xY ∀xY

Notemos então que escolhido um quantificador como primitivo, o outro pode ser defini-

do com o uso da negação, por meio das equivalências: ∀xY = ~∃x~Y e ∃xY = ~∀x~Y.

A solução do exercício acima motiva ainda as regras de inferências a seguir.

Negação do Quantificador (NQ)

~∀x Y

──────

∃x ~Y

~∃x Y

──────

∀x ~Y

∃x ~Y

──────

~∀x Y

∀x ~Y

──────

~∃x Y

Exercício. Faça a dedução do argumento abaixo.

∀x(A(x) � B(x))

~ ∀xB(x)

────────────

~ ∀xA(x)

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FORMALIZAÇÃO DA SILOGÍSTICA ARISTOTÉLICA

Vimos na lição Formalização do Quadrado Aristotélico das Oposições que existem qua-

tro tipos de sentenças categóricas.

TIPOS DE SENTENÇAS CATEGÓRICAS

A – Universal Afirmativa: Todo A é B.

I – Particular Afirmativa: Algum A é B.

E – Universal Negativa: Nenhum A é B.

O – Particular Negativa: Algum A não é B.

SILOGISMOS

Podemos agora estudar, como fez Aristóteles, a possibilidade de inferência de uma sen-

tença categórica a partir de duas outras sentenças categóricas (notemos que a inferência

de uma sentença categórica a partir de apenas uma sentença categórica são as inferências

imediatas estudadas na lição Formalização do Quadrado Aristotélico das Oposições).

Nesse sentido, vamos então supor que:

Os silogismos têm duas premissas e uma conclusão.

A palavra “silogismo” em grego é sinônimo de raciocínio (como vimos na definição aris-

totélica, na lição Argumentos e Lógica), no entanto aqui vamos estudar (como fez o próprio

Aristóteles) os raciocínios com duas premissas e uma conclusão (notemos que raciocínios

mais complexos podem ser formados compondo-se os silogismos com duas premissas).

Feita essa restrição, vamos estudar os elementos dos silogismos categóricos e seus ti-

pos. A figura abaixo ajuda a exemplificar os elementos dos silogismos categóricos.

TERMOS

Notemos que para inferir uma sentença categórica de duas outras, o sujeito da conclu-

são tem que aparecer em uma premissa, o predicado da conclusão tem que contar na outra

premissa e tem que haver um termo comum as duas premissas (como na figura acima), o que

motiva as definições abaixo.

S: termo menor (sujeito da conclusão)

P: termo maior (predicado da conclusão)

M: termo médio (ausente da conclusão e presente em ambas premissas)

PREMISSAS

A partir da definição acima dos termos, podemos fazer a seguinte classificação das

premissas (ver figura).

Premissa Maior: aquela com o termo maior.

Premissa Menor: aquela com o termo menor

FIGURAS DO SILOGISMO

Notemos que os termos menor, médio e maior, podem ocupar diferentes posições (sujei-

to e predicado) das premissas. Para simplificar a classificação dos silogismo, vamos conside-

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 93

rar que a primeira premissa é a maior, sem perda de generalidade (caso não seja, basta in-

verter as premissas). Temos então 4 figuras para os silogismos, conforme a posição do ter-

mo médio nas premissas:

1ª Figura

MP

SM

───

SP

2ª Figura

PM

SM

───

SP

3ª Figura

MP

MS

───

SP

4ª Figura

PM

MS

───

SP

(considerada por medievais,

mas não por Aristóteles)

SILOGISMOS POSSÍVEIS E SILOGISMOS VÁLIDOS

Dos 256 silogismos possíveis (pois, com 4 tipos de sentenças categóricas temos: as 4 fi -

guras possíveis acima x 4 premissas menores x 4 premissas maiores x 4 conclusões), apenas

19 são válidos (sendo que, como veremos na formalização dos silogismo, em 4 deles suben-

tendemos uma premissa que expressa que o domínio não é vazio). Na tabela Modos Conclu-

dentes dos Silogismos Categóricos e Suas Formalizações, temos os 19 silogismos categóri-

cos válidos.

NOMES DOS SILOGISMOS E REDUÇÃO À PRIMEIRA FIGURA

Os nomes dos silogismos (estabelecidos na Idade Média) indicam a forma de redução

dos silogismos (das 2ª, 3ª e 4ª figuras) aos da 1ª figura:

A primeira consoante do nome de cada silogismo indica o silogismo correspondente na 1ª

figura ao qual ele se reduz.

As consoantes que seguem as vogais indicam as operações a serem feitas para essa re-

dução:

S : conversão simples (permutação entre sujeito e predicado);

P : conversão por acidente (de “Todo A é B” para “Algum B é A”);

M : permutação das premissas;

C : redução ao absurdo (constrói-se um novo silogismo na primeira figura que tem como

premissas a que precede C e a contraditória da conclusão, deduz-se então a contraditória

da outra premissa, sendo pois absurdo considerar, no silogismo inicial, as premissas verda-

deiras e a conclusão falsa).

(Para uma dedução formal dessas reduções veja MATES, 1968, Seção 11.2)

Aristóteles, nos Primeiros Analíticos, mostra como reduzir todos os silogismos a Barba-

ra ou a Celarent.

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MODOS CONCLUDENTES DOS SILOGISMOS CATEGÓRICOS E SUAS FORMALIZAÇÕES

1ª Figura

MP

SM

–––

SP

bArbArA

Todo M é P.

Todo S é M.

Logo, todo S é P.

∀x (M(x) � P(x))

∀x (S(x) � M(x))

────────────

∀x (S(x) � P(x))

cElArEnt

Nenhum M é P

Todo S é M.

Logo, nenhum S é P.

∀x (M(x) � ~P(x))

∀x (S(x) � M(x))

────────────

∀x (S(x) � ~P(x))

dArII

Todo M é P.

Algum S é M.

Logo, algum S é P.

∀x (M(x) � P(x))

∃x (S(x) ∧ M(x))

───────────

∃x (S(x) ∧ P(x))

fErIO

Nenhum M é P.

Algum S é M.

Logo, algum S não é P.

∀x (M(x) � ~P(x))

∃x (S(x) ∧ M(x))

────────────

∃x (S(x) ∧ ~P(x))

2ª Figura

PM

SM

–––

SP

cEsArE

Nenhum P é M.

Todo S é M.

Logo, nenhum S é P

∀x (P(x) � ~M(x))

∀x (S(x) � M(x))

────────────

∀x (S(x) � ~P(x)).

cAmEstrEs

Todo P é M.

Nenhum S é M.

Logo, nenhum S é P

∀x (P(x) � M(x))

∀x (S(x) � ~M(x))

────────────

∀x (S(x) � ~P(x))

fEstInO

Nenhum P é M.

Algum S é M.

Logo, algum S não é P.

∀x (P(x) � ~M(x))

∃x (S(x) ∧ M(x))

────────────

∃x (S(x) ∧ ~P(x))

bArOcO

Todo P é M.

Algum S não é M.

Logo, algum S não é P.

∀x (P(x) � M(x))

∃x (S(x) ∧ ~M(x))

────────────

∃x (S(x) ∧ ~P(x))

3ª Figura

MP

MS

–––

SP

dArAptI

Todo M é P.

Todo M é S.

Logo, algum S é P.

[∃x M(x)]

∀x (M(x) � P(x))

∀x (M(x) � S(x)

–––––––––––––––––––

∃x (S(x) ∧ P(x))

fElAptOn

Nenhum M é P.

Todo M é S.

Logo, algum S não é P.

[∃x M(x)]

∀x (M(x) � ~P(x))

∀x (M(x) � S(x))

––––––––––––––––––––––

∃x (S(x) ∧ ~P(x))

dIsAmIs

Algum M é P.

Todo M é S.

Logo, algum S é P.

∃x (M(x) ∧ P(x))

∀x (M(x) � S(x))

–––––––––––––––––––

∃x (S(x) ∧ P(x))

dAtIsI

Todo M é P.

Algum M é S.

Logo, algum S é P.

∀x (M(x) � P(x))

∃x (M(x) ∧ S(x))

––––––––––––––––––

∃x (S(x) ∧ P(x))

BOcArdO

Algum M não é P.

Todo M é S.

Logo, algum S não é P.

∃x (M(x) ∧ ~P(x))

∀x (M(x) � S(x))

–––––––––––––––––––

∃x (S(x) ∧ ~P(x))

fErIsOn

Nenhum M é P.

Algum M é S.

Logo, algum S não é P.

∀x (M(x) � ~P(x))

∃x (M(x) ∧ S(x))

–––––––––––––––––––

∃x (S(x) ∧ ~P(x))

4ª Figura

(considerada

por medie-

vais, mas não

por

Aristóteles)

PM

MS

–––

SP

bAmAlIp

Todo P é M.

Todo M é S.

Logo, algum S é P.

[∃x P(x)]

∀x (P(x) � M(x))

∀x (M(x) � S(x))

–––––––––––––––––––––

∃x (S(x) ∧ P(x))

cAmEnEs

Todo P é M.

Nenhum M é S.

Logo, nenhum S é P.

∀x (P(x) � M(x))

∀x (M(x) � ~S(x))

–––––––––––––––––––––

∀x (S(x) � ~P(x))

dImAtIs

Algum P é M.

Todo M é S.

Logo, algum S é P.

∃x (P(x) ∧ M(x))

∀x (M(x) � S(x))

–––––––––––––––––––––

∃x (S(x) ∧ P(x))

FEsApO

Nenhum P é M.

Todo M é S.

Logo, algum S não é P.

[∃x M(x)]

∀x (P(x) � ~M(x))

∀x (M(x) � S(x))

–––––––––––––––––––––

∃x (S(x) ∧ ~P(x))

FrEsIsOn

Nenhum P é M.

Algum M é S.

Logo, algum S não é P

∀x (P(x) � ~M(x))

∃x (M(x) ∧ S(x))

–––––––––––––––––––––

∃x (S(x) ∧ ~P(x))

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O SISTEMA R DE DEDUÇÃO NATURAL PARA A LÓGICA DE PREDICADOS CLÁSSICA

Vamos aqui introduzir um sistema de dedução natural para a Lógica de Predicados

Clássica que designaremos por R. O sistema R tem apenas dois conectivos, um quantificador

e cinco regras de inferência. Como o sistema S para a Lógica Proposicional Clássica, o siste-

ma R é um sistema de dedução natural e não possui axiomas, apenas regras de inferência;

logo, para definir R, precisamos apenas definir: (1) o alfabeto de R, (2) as fórmulas de R, e

(3) as regras de inferência de R.

(1) Alfabeto de R. O Alfabeto de R se constitui dos signos:

~ � ∀

a’ a’’ a’’’ a’’’’ etc.

x’ x’’ x’’’ x’’’’ etc.

A,’ A,’’ A,,’’ A,’’’A,,’’’A,,,’’’ A,’’’’ etc.

Como o sistema S, o sistema R possui apenas dois conectivos: ~ e �. Também como em

S , sua linguagem formal tem ainda o mesmo poder expressivo que a linguagem formal com

os conectivos ~, ∧, ∨, � e ↔ (cf. definições mais abaixo).

O sistema R possui apenas um quantificador: o quantificador universal ∀. Entretanto,

neste caso, o poder expressivo de sua linguagem é também o mesmo que se tivesse o quanti-

ficador existencial ∃, pois, como vimos na Seção Regras de Inferência com Quantificadores

ele pode ser definido a partir da negação e do quantificador universal, como na definição

mais abaixo.

Os signos a’ a’’ a’’’ a’’’’ etc. são chamados de constantes de R e os signos x’ x’’ x’’’ x’’’’ etc.

são chamados de variáveis de R. As linhas (aspas simples) são usadas para não limitar o nú-

mero de constantes e variáveis (podendo então haver infinitas contates ou variáveis). Cons-

tantes e variáveis de R são chamadas de termos de R.

Os signos A,’ A,’’ A,,’’ A,’’’A,,’’’A,,,’’’ A,’’’’, etc. são chamados de predicados de R; um predi-cado n-ário é um predicado com n linhas inferiores (vírgulas). Como no caso das constantes

e variáveis, as linhas superiores (aspas simples) são usadas para não se limitar o número de

predicados n-ários.

(2) Fórmulas de R.

Uma fórmula atômica de R é uma expressão formada de um predicado n-ário seguido de

n termos entre parênteses separados por vírgulas.

Exemplo: A,’(a’) e A,,’’’(a’’’, x’’).

As fórmulas de R são definidas pelas seguintes regras de formação:

(a) Uma fórmula atômica é uma fórmula;

(b) Se X é uma fórmula, então ~X é uma fórmula;

(c) Se X e Y são fórmulas, então (X � Y) é uma fórmula;

(d) Se Y é uma fórmula e x é uma variável, então ∀xY é uma fórmula.

Notemos que, como em S, (a) estabelece uma base para nossa definição e que, a partir

dela, podemos construir (infinitas) fórmulas usando as regras (b), (c) e (d) (definição por

indução).

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Vamos adotar as seguintes definições para os demais conectivos e o quantificador

existencial:

X ∨ Y :=def. ~X � Y

X ∧ Y :=def. ~(X � ~Y)

X ↔ Y :=def. (X � Y) ∧ (Y � X)

(notar que ∧ está definido logo acima)

∃xY :=def. ~∀x~Y

(3) Regras de Inferência de R.

Modus

Ponens (MP)

Redução ao

Absurdo (RA)

Demonstração

Condicional (DC)

Generalização

Universal (GU)

Instanciação

Universal (IU)

X � Y

X

──────

Y

~X � Y

~X � ~Y

──────

X

X

�Y

Y

──────

∀xY

∀xY

──────

Y(x/t)──────

X � Y

Dados os elementos constituintes de nosso sistema R, podemos agora definir dedução e

demonstração em R.

Definição. Uma dedução no sistema R de uma fórmula Z a partir das premissas X1, X2,

…, Xk é uma sequência de fórmulas Y1, Y2, …, Ym tal que:

(1) a última fórmula Ym é Z; e

(2) cada fórmula Yi da sequência:

(2.a) ou é uma da premissa Xj;

(2.b) ou é uma hipótese (usada na aplicação da regra de inferência DC);

(2.c) ou é o resultado da aplicação de umas das regras de inferência MP, RA, DC, GU

ou IU em fórmulas anteriores na sequência (Yi com i<j) que não estejam sob uma hipó-

tese já utilizada.

Notação. Vamos indicar que existe uma dedução, no sistema R, da conclusão Z a partir

das premissas X1, X2, …, Xk por*:

X1, X2, …, Xk ˫ Z

Notemos então que todo esquema de dedução de S é um esquema de dedução de R.

Exemplo. Mostrar que: (1) X � Y, Y � Z ˫ X � Z ; e (2) Y ˫ X � Y.

X � Y, Y � Z ˫ X � Z Y ˫ X � Y

1. X � Y Premissa 1. Y Premissa

2. Y � Z Premissa 2. X Hipótese

3. X Hipótese 3. Y Repetição

5. Y MP 1,3 4. X � Y CD 2-3

6. Z MP 2,5

7. X � Z DC 3-6

*Em geral, usa-se o signo R, no sinal de dedução, i.e., X1, X2, …, Xn ˫R Z, para indicar que se trata de uma

dedução em R; entretanto, para simplificar, vamos aqui dispensar o uso do signo R.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 97

Analogamente a S, toda forma de dedução no sistema R pode ser vista como esta-

belecendo uma regra de inferência (derivada). Assim, Y ˫ X � Y estabelece também uma

regra de inferência Prefixação abreviada por Pf.

Como em S, vamos agora definir uma demonstração em R. Cabe observar novamente que:

uma demonstração é apenas uma dedução sem premissas.

Definição. Uma demonstração no sistema R de uma fórmula Z é uma sequência de fór-

mulas Y1, Y2, …, Ym tal que:

(1) a última fórmula Ym é Z; e

(2) cada fórmula da Yi sequência:

(2.a) ou é uma hipótese (usada na aplicação da regra de inferência DC)

(2.b) ou é o resultado da aplicação de umas das regras de inferência MP, RA, DC, GU

ou IU em fórmulas anteriores na sequência (Yi com i<j) que não estejam sob uma hipó-

tese já utilizada..

Definição. Um fórmula Z é um teorema de R se existe uma demonstração para Z.

Notação. Vamos indicar que existe uma demonstração da fórmula Z no sistema R, ou

ainda, que Z é um teorema de R, por*:

˫ Z

Notar que todo esquema de demonstração de S é um esquema de demonstração de R e

que todo esquema de fórmula que é teorema em S o é em R.

Exemplo. Mostre que: ˫ X � X (Princípio da Identidade) e ˫ ~~X � X (Princípio da Du-

pla Negação).

˫ X � X ˫ ~~X � X

1. X Hipótese 1. ~~X Hipótese

2. X Repetição 1 2. ~X � ~~X Pf 1

3. X � X DC 1-2 3. ~X � ~X PI

4. X RA 2,3

5. ~~X � X DC 1-4

Por fim, pode-se mostrar que:

(1) O Sistema R é correto e completo, ou seja,

˫ Z ⇔ ⊧ Z

no qual ⊧ Z denota que a fórmula Z é uma fórmula válida da linguagem de R; e

(2) O Sistema R é inferencialmente correto e completo, ou seja,

X1, X2, …, Xk ˫ Z ⇔ X1, X2, …, Xk ⊧ Z

no qual X1, X2, …, Xk ⊧ Z denota que, para toda interpretação I, X1, X2, …, Xk ⊧I Z.

*Também aqui, em geral, usa-se o signo R, no sinal de demostração, i.e., ˫R Z, para indicar que se trata de

uma demonstração em R; e, também, para simplificar, vamos dispensar o uso do signo R.

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O MÉTODO DAS RAMIFICAÇÕES PARA A LÓGICA DE 1ª ORDEM

Vimos, na lição O Método das Ramificações, um método automático para testar se uma

fórmula era ou não tautologia, isto é, verdadeira em todas as interpretações (linhas da ta-

bela-verdade) e vimos, na lição O Método das Ramificações para Argumentos, um método

automático para testar se um argumento era válido ou não na Lógica Proposicional Clássica.

Veremos nessa lição como estender ambos Métodos para a Lógica de 1ª Ordem, no sentido

de testar se uma fórmula é válida ou não ou se um argumento é válido ou não.

Notemos inicialmente que devemos definir uma Regra de Desdobramento para cada re-

gra de formação de uma fórmula (cf. a lição Linguagem de 1ª Ordem: Sintaxe); no caso das

regras de formação relativas aos conectivos, as regras de desdobramento são as mesmas

que antes, conforme a tabela-abaixo.

REGRAS DE DESDOBRAMENTO PARA CONECTIVOS

~~X

X

X ∧ Y

X

Y

X ∨ Y

Λ

X Y

X � Y

Λ

~X Y

X ↔ Y

Λ

X ~X

Y ~Y

~(X ∧ Y)

Λ

~X ~Y

~(X ∨ Y)

~X

~Y

~(X � Y)

X

~Y

~(X ↔ Y)

Λ

X ~X

~Y Y

A essas regras temos que acrescentar regras de desdobramento relativas aos quantifi-

cadores existencial e universal e suas negações, como na tabela abaixo.

REGRAS DE DESDOBRAMENTO PARA QUANTIFICADORES E SUAS NEGAÇÕES

∃xY

Y(x/c)

em que c é uma nova constante

∀xY

Y(x/c)

em que c é uma constante

já presente na ramificação

(ou nova se não existe nenhuma)

~∃xY

∀x~Y

~∀xY

∃x~Y

A forma de aplicação do Método de Ramificação (para fórmulas e para argumentos) per-

manece a mesma que antes.

Exercício. Aplique o Método da Ramificação para mostrar que são válidos os modos con-

cludentes dos silogismos categóricos aristotélicos.

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OS AXIOMAS DA TEORIA DE CONJUNTO ZFC (ZERMELO-FRAENKEL-CHOICE)

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 101

O PRIMEIRO METATEOREMA DA INCOMPLETUDE DE GÖDEL

Vamos, nesta seção, discutir o Primeiro Teorema da Incompletude de Gödel, um dos

principais resultados da Lógica contemporânea, que mostra que não existe uma teoria axio-

mática completa em relação a Aritmética dos números naturais.

Vejamos, inicialmente, como construir teorias de primeira ordem sobre os números na-

turais.

Notemos inicialmente que todos os números naturais podem ser constituídos a partir do

número 0 e da função sucessor S da seguinte forma:

0 :=def. 0

1 :=def. S(0) (isto é, 1 é o sucessor de 0)

2 :=def. S(1) (isto é, 2 é o sucessor de 1)

3 :=def. S(2) (isto é, 3 é o sucessor de 2) etc.

Mais ainda, podemos denotar todos os números naturais apenas com os signos 0, S, ( e )

da seguinte forma.

0 :=def. 0

1 :=def. S(0)

2 :=def. S(S(0))

3 :=def. S(S(S(0))) etc.

Podemos então definir um numeral pela seguinte definição por recursão

Definição. Um numeral é uma expressão9 que determinada pelas seguintes regras:

(1) 0 é um numeral.

(2) Se a expressão u é um numeral, então a expressão S(u) é um numeral.

Logo, pela definição acima:

0 é um numeral;

S(0) é um numeral;

S(S(0)) é um numeral;

S(S(S(0))) é um numeral; etc.

Notemos, que os numerais como definidos acima são expressões que denotam números

naturais. Mas não apenas eles, por exemplo, quando escrevemos (1+1) estamos denotando o

número natural 2. Logo, podemos usar também os signos + (adição) e . (multiplicação) para

construir expressões que denotam números naturais. Tal situação motiva a definição de

termo a seguir.

Definição. Um termo é uma expressão determinada pelas seguintes regras:

1. Uma variável individual x é um termo;

2. 0 é um termo;

9 Lembremos que uma expressão é uma sequência de signos do alfabeto da linguagem.

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Introdução à Lógica Contemporânea – Prof. Ricardo P. Tassinari – Dpto. Filosofia – UNESP – 2014 – p. 102

3. Se a expressão u é um termo, então a expressão S(u) é um termo.

4. Se as expressões u e v são termos, então a expressão (u+v) é um termo.

5. Se as expressões u e v são termos, então a expressão (u.v) é um termo.

Exemplo de termos: 0, x1, S(0), S(x1), (0+0), (x1 +0), ( x1 + x2 ), S( x1 + x2 ), (x1 + S(x2)),

(x1 . 0 ), ( x1 . x2 ), ( x1 . x2 ) + x1, x1 . S(x2), etc.

Por fim, para construir teorias de primeira ordem sobre números naturais, vamos consi-

derar ainda, em nossa linguagem, os signos = (igualdade) e < (menor que).

Assim, podemos definir as formulas atômicas de nosso sistema como a seguir.

Definição. Uma fórmula atômica é uma expressão definida pelas seguintes regras:

(1) Se u e v são termos, então u = v é uma fórmula atômica;

(2) Se u e v são termos, então u < v é uma fórmula atômica.

Exemplo de fórmulas atômicas: x1=x2 , x1<x2 , Sx1=0 , Sx1=Sx2 , x1+0=x1 ,

x1+Sx2=S(x1+x2) , x1.0=0 , x1<0.

Vamos agora considerar a teoria formal N com os seguintes axiomas não-lógicos.

Axiomas não-lógicos de N:

N1. Sx1 ≠ 0

N2. Sx1 = Sx2 � x1 = x2

N3. x1 + 0 = x1

N4. x1 + Sx2 = S( x1 + x2 )

N5. x1 . 0 = 0

N6. x1 . Sx2 = ( x1 . x2 ) + x1

N7. ~ ( x1 < 0 )

N8. x1 < Sx2 � (x1 < x2 ∨ x1 = x2)

N9. x1 < x2 ∨ x1 = x2 ∨ x2 < x1

Notemos que N tem os seguintes signos não-lógicos:

0 (uma constante, denominada de zero),

S (um símbolo de função unária, denominado de sucessor)

+ (um símbolo de função binária, denominado de adição)

. (um símbolo de função binária, denominado de multiplicação)

< (um símbolo de predicado binário, denominado de menor que)

Por fim, para enunciar o Primeiro Metateorema da Incompletude de Gödel, considerare-

mos as definições abaixo.

Definição. Uma teoria T é extensão de uma teoria S se todo teorema de S é teorema de

T.

Definição. Uma teoria T é consistente se não existe uma fórmula F tal que F e ~F são

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teorema de T.

Primeiro Metateorema da Incompletude de Gödel. Para toda extensão consistente axio-

matizada T de N, existe, e podemos exibir, uma fórmula fechada GT tal que:

(1) GT é verdadeira no Modelo Padrão N

(2) GT não é teorema de T;

Notemos então que o Metateorema acima implica que a verdade aritmética não é definí-

vel por meio de teorias axiomáticas, pois, para qualquer teoria axiomática T (extensão de

N) existirá uma verdade aritmética que não é demonstrável em T. Nesse sentido, podemos

dizer que a dimensão semântica relativa aos Números Naturais não pode ser reduzida à di-

mensão sintática (mera manipulação de signos definidas por um conjunto finito de regras).

Passemos agora a descrever os aspectos gerais da metademonstração do Primeiro Me-

tateorema da Incompletude (para detalhes, ver Tassinari, 2003). O núcleo da metademons-

tração está em construir, para cada extensão axiomatizada T de N, uma fórmula GT, chama-

da de Fórmula de Gödel, tal que GT implica sua própria indemonstrabilidade em T. Portanto,

como T é consistente, T não pode demonstrar GT, o que mostra, por este fato mesmo, que

GT é verdadeira. A analogia aqui com o paradoxo do mentiroso é evidente. Lembremos o pa-

radoxo do mentiroso: consideremos o enunciado “Eu estou mentindo”. Ora, se este enuncia-

do for verdadeiro, então é uma mentira, portanto é falso; por outro lado, se for falso, então

é uma mentira, e, portanto, é verdadeiro; lgo, temos uma contradição. Porém, no caso da

fórmula de Gödel, não há uma contradição propriamente dita, pois o que a fórmula implica,

devido a sua construção como veremos a seguir, é sua própria indemonstrabilidade, e não

sua autonegação. Daí decorre, não que ela não seja verdadeira, mas que ela não seja de-

monstrável. Um dos méritos do Metateorema é, portanto, também, diferenciar a noção de

verdade da noção de demonstrabilidade, bem como, diferenciar a noção de metademonstra-

ção da de demonstração.

A metademonstração tem então os seguintes passos gerais.

(1) Inicialmente, define-se uma numeração de Gödel, que consiste em representar, com

números, as expressões e as sequências de expressões de T de N. Tal número é chamado de

número de Gödel da expressão ou da sequência de expressões.

Notemos que como os termos e fórmulas são expressões e demonstrações são sequên-

cias de expressões (de fórmulas), então a numeração de Gödel permite associar um número

a cada fórmula e um número a cada demonstração (na Observação 1, mostramos como defi-

nir uma possível numeração de Gödel para N).

(2) A partir de (1), mostra-se como a demonstração em T pode ser representada por

uma fórmula de T, que denominaremos de Dem(x,y), tal que, se x é o número de Gödel da

demonstração da fórmula de número Gödel y, então a fórmula Dem(x,y) é teorema de T.

(3) A partir de (2), podemos definir uma fórmula TeoT(a), ou seja, a fórmula

∃xDem(a,x), tal que TeoT(a) é um teorema de T se, e somente se, a é o número de Gödel de

uma fórmula que é teorema de T.

(4) Por fim, exibe-se uma fórmula GT, chamada de fórmula de Gödel, tal que

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GT é ~TeoT([GT]),

na qual [GT] é o número de Gödel da fórmula GT, ou seja,

GT expressa sua própria indemonstrabilidade (veja na Observação 2, os passos gerais

para a construção de GT).

(6) Se GT fosse um teorema de T, então também seria um teorema a fórmula TeoT([GT]).

Ora, mas como GT é ~TeoT([GT]), teríamos que são teorema de T as fórmulas TeoT([GT]) e

~TeoT([GT]), o que não é possível, se a teoria T é consistente.

Podemos, então, concluir que, se T é consistente, então GT não pode ser demonstrada

em T.

(7) Portanto, temos que GT não é demonstrável em T, e, por este fato mesmo, já que

afirma sua própria indemonstrabilidade, é verdadeira, o que metademonstra as partes (1) e

(2) do Metateorema.

Observação 1. Uma possível numeração de Gödel para a teoria N.

Inicialmente, vamos associar às infintas variáveis xi da teoria N os números pares:

x1 x2 x3 x4 x5 x6 …

2 4 6 8 10 12 …

Assim, sobram os números ímpares paras associarmos aos outros signos de N. Associa-

mos, pois, a cada signo de N, os seguintes números:

~ � ∀ = 0 S + . < ( ) xi

1 3 5 7 9 11 13 15 17 19 21 2.i

Com isso toda expressão (que é uma sequência de signos) fica associada a uma sequência

de números, por exemplo, a fórmula ~(x1<0) está associada à sequência de números (1, 19, 2,

17, 9, 21).

Vamos agora mostrar como associar um número a cada sequência de números. Conside-

remos os números primos, isto é, os números que são divididos apenas por si mesmos e por 1,

ou seja: 2, 3, 5, 7, 11, 13, 17 etc. Se pn denota o n-ésimo número primo (ou seja, p1=2, p2=3,

p3=5, p4=7 etc.), então podemos atribuir a cada sequência de números (x1, …xn) o número p1x1.

p2x2. … . pn

xn; por exemplo, à sequência (1, 19, 2, 17, 9, 21) atribuímos o número:

p11.p2

19.p32.p4

17.p59.p6

21 = 21.319.52.717.119.1321 =

582.565.235.856.745.000.000.000.000.000.000.

Com isso, associamos um número a cada expressão de N (e termos e fórmulas são ex-

pressões de N), chamado de número de Gödel da expressão. Por exemplo, calculamos acima

o número de Gödel da fórmula ~(x1<0).

Como a cada sequência de números (x1, …xn), podemos associar o número p1x1. p2

x2. … . pnxn;

e como uma demonstração é uma sequência de fórmulas, então podemos associar um número

a cada demonstração. Esse número é chamado de número de Gödel da demonstração.

Observação 2. Como construir a fórmula de Gödel.

A partir de uma numeração de Gödel é possível mostrar que existe uma fórmula, que de-

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notamos por Dem(x, y), tal que se x é o número da demonstração da fórmula de número y,

então a fórmula Dem(x,y) é teorema de T. Com isso, podemos representar os teoremas de

T pela fórmula ∃xDem(a,x), que pode ser denominada por TeoT(a).

Além disso, é possível mostrar como calcular a função Sub([A], [x], [a]) é o número da

fórmula que resulta da substituição da variável x, pelo número do termo a.

Vamos então mostrar, em linhas gerais, como obter a fórmula GT.

Comecemos pela fórmula: ~TeoT(x1).

Se a variável x1 vier a ser substituída pelo numeral [A], obtemos a fórmula ~TeoT([A])

que é verdadeira se, e somente se, A não é um teorema de T.

Como 2 é o número de Gödel da variável x1, temos então que Sub([A], 2, [a]) é o número

da fórmula que resulta da substituição de x1 pelo numeral [a] da expressão a.

Chamemos, então, de G a fórmula

G : ~TeoT(Sub(x1, 2, x1)),

e, chamemos de GT a fórmula

GT : ~TeoT(Sub([G], 2, [G])),

temos que

(�) GT é o resultado de se substituir em G a variável x1 pelo numeral [G].

Pela interpretação de TeoT e Sub em GT, temos que GT é verdadeira se, e somente se,

a fórmula que resulta de G,

pela substituição da variável x1 pelo numeral [G], não é um teorema de T.

Ora, mas por (�) acima, esta fórmula, que GT afirma não ser teorema, é a própria GT.

Assim,

GT : ~TeoT([GT]),

Temos, pois, que a fórmula GT afirma sua própria indemonstrabilidade.

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APÊNDICE: A LÓGICA E AS LÓGICAS –

SOBRE A NOÇÃO DE SISTEMA FORMAL E O PRINCÍPIO DA LIBERDADE LÓGICA

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A LÓGICA E AS LÓGICAS: SOBRE A NOÇÃO DE SISTEMA FORMAL E O PRINCÍPIO DA LIBERDADE LÓGICA1

Ricardo Pereira TassinariItala M. Loffredo D’Ottaviano

INTRODUÇÃO: A NOÇÃO DE SISTEMA FORMAL

De forma geral e resumida, para tratarmos da noção de sistema formal, a Lógica pode ser definida como o estudo das formas dos argumentos válidos.

Lembremos que um argumento, que parte de certas asserções (chamadas de premissas do argumento) e chega a uma asserção final (chamada de conclusão do argumento), é válido (por definição), se a conclusão segue necessariamente das premissas.

Em sentido amplo, essa é a própria definição de silogismo dada por Aristóteles (2005, p. 347):

1 Apoio FAPESP.

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O silogismo é um discurso argumentativo no qual, uma vez formuladas certas coisas [as premissas], alguma coisa distinta destas coisas [a conclusão] resulta necessariamente através delas pura e simplesmente.2

Podemos dizer, ainda de forma geral, que explicitar esse “necessariamente”, ou mais exatamente, a necessidade lógica (por vezes denominada de inferência válida ou inferência lógica), foi, e continua sendo, um dos principais objetivos da Lógica.

Além disso, a partir de uma caracterização da necessidade lógica, estudamos também, na Lógica, os sistemas axiomáticos, que servem à sistematização de uma área do conhecimento na qual necessitamos de deduções e demonstrações. Vejamos então o que vem a ser o sistema axiomático a partir de algumas definições introduzidas informalmente para depois mostrar uma caracterização formal das mesmas.

Em geral, assumimos que uma dedução de uma asserção (chamada de conclusão da dedução) a partir de outras asserções (chamadas de premissas da dedução) é um argumento válido (sendo as premissas e conclusão da dedução, respectivamente, as premissas e conclusão do argumento).

Na sistematização de uma área do conhecimento, como as deduções sempre se apóiam em asserções anteriores, devemos aceitar determinadas asserções como primeiras para não cairmos em um regresso infinito; essas primeiras asserções, que aceitamos sem delas ter uma dedução, são chamadas de axiomas.

A partir dos axiomas, regras de inferência estabelecem então como passar de uma asserção à outra, em deduções e demonstrações, gerando asserções chamadas de teoremas. Notemos que as regras de inferência também são argumentos válidos.

Uma demonstração de uma asserção (ou seja, de um teorema) é uma dedução dessa mesma asserção a partir apenas dos axiomas.

Assim, axiomas, deduções, demonstrações e teoremas são partes integrantes dos sistemas axiomáticos estudados pela Lógica.

Contemporaneamente, para o estudo da forma dos argumentos válidos e dos sistemas axiomáticos, elaborou-se um recurso de análise, 2 Tópicos I.1.100a 25, cf. também Analíticos Anteriores I.1.24b e Refutações Sofísticas 1.165a.1

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Informação, conhecimento e ação ética

denominado sistema formal (ou teoria formal). Essa noção nasce propriamente, na Filosofia da Lógica e da Matemática, com a corrente formalista, que toma como um de seus objetos de estudos os sistemas de operações3 sobre signos gráficos4.

Notemos que a corrente formalista referida aqui tem em David Hilbert seu principal representante e se constitui, principalmente, a partir de reflexões sobre as grandes sistematizações da Lógica, como os trabalhos de Johann Gottlob Frege (dentre eles, Conceitografia: uma Linguagem de Fórmulas dos Pensamentos Puros Copiada da Aritmética, de 1879, e Leis Fundamentais da Aritmética: Exposição do Sistema, de 1893-1903) e de Alfred North Whitehead e Bertrand Arthur William Russell (Principia Mathematica, em 3 volumes, publicados entre 1910-1913)5.

Podemos dizer que um sistema formal é a parte sintática de um sistema axiomático. Com efeito, um sistema de signos e de operações sobre eles possui tanto uma parte semântica (relativa aos significados dos signos) como uma parte sintática (que aqui será considerada como as marcas no papel usadas para representar os significados6). Nesse sentido, as operações sobre a parte sintática dos signos representam operações sobre a parte semântica dos signos. A idéia é então estudarmos as relações e operações semânticas a partir das relações e operações sintáticas dos signos. A vantagem desse estudo é a de substituir elementos abstratos e invisíveis por outros elementos concretos e visíveis7 e, a partir daí, definir, de forma mais rigorosa, noções lógicas como as de dedução, consequência sintática, demonstração e teorema.

Passemos então a uma definição geral de sistema formal.

3 Ao leitor mais especializado na área, observamos que o termo operação, neste trabalho, designa uma função matemática parcial; i.e., uma função f que associa, a cada elemento (ou lista de elementos) de um domínio D, para o qual f está definida, um elemento de D, podendo não estar definida para todo elemento (ou lista de elementos) de D.4 Cf. Bocheński (1966, p. 299, 306-307).5 Cf. Kneale, W. e Kneale, M. (1962, p. 697) e Bocheński (1966, p. 299).6 Distinguem-se, relativamente à parte sintática de um signo, tipo e ocorrência (em Inglês, type e token). Por exemplo, para um mesmo tipo “u” podemos ter várias ocorrências, como no caso da palavra “Curupira”. Podemos então operar sobre os tipos operando sobre as ocorrências.7 Cf. Frege (1983) e Shoenfield (1967, p.2).

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Definição 1: Um sistema formal (ou teoria formal) se constitui dos seguintes elementos.

1. Um conjunto de signos, chamado de alfabeto do sistema formal. Dado o alfabeto do sistema formal, podemos definir seu conjunto de expressões, sendo que uma expressão do sistema formal é qualquer sequência finita de signos do alfabeto.

2. Um subconjunto do conjunto de expressões do sistema formal, cujos elementos são denominados de fórmulas-bem-formadas do sistema formal ou, simplesmente, de fórmulas do sistema formal (a linguagem do sistema formal constitui-se então do alfabeto e das fórmulas do sistema formal).

3. Um subconjunto do conjunto de fórmulas do sistema formal, cujos elementos são denominados de axiomas do sistema formal.

4. Um conjunto de relações entre fórmulas do sistema formal, que são chamadas de regras de inferência do sistema formal (as premissas ou hipóteses da regra de inferência são as fórmulas às quais se aplica a regra para, a partir delas, obter-se uma nova fórmula, chamada de conclusão, ou consequência imediata, da regra de inferência)8.

Em um sistema formal, os axiomas são, usualmente, classificados em axiomas lógicos e axiomas não-lógicos, que correspondem, respectivamente, na Lógica Tradicional9, aos axiomas e postulados de uma teoria10, distinção essa que remonta ao próprio Aristóteles11. Podemos dizer, em poucas palavras, que os axiomas lógicos são “as verdades da Lógica”, enquanto os axiomas não-lógicos são “as verdades do domínio particular estudado”.

Dados os elementos de um sistema formal S, podemos então definir, rigorosamente, as noções de demonstração, teorema, dedução e consequência sintática. Terminemos esta seção introduzindo estas definições.8 Notemos que as regras de inferência são operações sobre fórmulas (no sentido empregado na Nota 1) e, consequentemente, operações sobre signos (pois, estamos considerando que uma expressão, isto é, uma sequência de signos, ainda é um signo).9 Usaremos, como se faz habitualmente, o termo Lógica Tradicional para designar a teoria lógica de Aristóteles (principalmente a teoria dos silogismos) e suas posteriores sistematizações.10 Cf. Eves (2004, p. 179).11 Cf. Aristóteles (Analíticos Posteriores 72a, 2005, p.255).

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Informação, conhecimento e ação ética

Definição 2: Uma demonstração de uma fórmula B em um sistema formal S é uma sequência de fórmulas F1, ..., Fn do sistema formal tal que:

1. Cada uma das Fi (1 ≤ i ≤ n):

a) ou é um axioma do sistema formal S;

b) ou é uma consequência imediata de alguma regra de inferência de S a partir de fórmulas anteriores na sequência;

2. Fn é a própria fórmula B.

Definição 3: Um teorema do sistema formal S é qualquer fórmula para a qual existe uma demonstração em S.

Definição 4: Uma dedução, no sistema formal S, de uma fórmula B (chamada de conclusão da dedução) a partir de um conjunto + de fórmulas de S (chamadas de premissas ou hipóteses da dedução) é uma sequência de fórmulas F1, ..., Fn de S tal que:

1. Cada uma das Fi (1 ≤ i ≤ n):a) ou é uma fórmula de +;b) ou é um axioma do sistema formal S;c) ou é uma consequência imediata de alguma regra de inferência de S a partir de fórmulas anteriores da sequência;

2. Fn é a própria fórmula B.

Definição 5: Em um sistema formal S, uma fórmula B é uma consequência sintática, de um conjunto + de fórmulas de S se, e somente se, existe uma dedução de B, em S, a partir de +.

Em geral, escrevemos:

ŌS B

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para denotar a existência de uma dedução, em S, da fórmula B a partir das fórmulas do conjunto + de fórmulas;

+��%�ŌS�&

para denotar a existência de uma dedução, em S, da fórmula C a partir da fórmula B e das fórmulas do conjunto + de fórmulas; e

ŌS �%�

para denotar que B é teorema de S (a idéia aqui é que a demonstração é um caso particular da dedução, uma dedução a partir de um conjunto vazio de premissas, e que ŌS B denota que existe uma demonstração para B, ou seja, B é teorema de S)12.

LÓGICA CONTEMPORÂNEA: A LÓGICA E AS LÓGICAS

Introduzidas as definições de sistema formal, demonstração, teorema, dedução e consequência sintática em um sistema formal, podemos, então, discutir o papel dos sistemas formais na Lógica Contemporânea e sua relação com alguns usos do termo “lógica”.

Como vimos, em geral, em um sistema formal ou teoria formal, os axiomas são divididos em axiomas lógicos e axiomas não-lógicos, sendo que os axiomas não-lógicos dizem respeito ao domínio específico do conhecimento que sistematizamos com a teoria. No caso de não termos axiomas não-lógicos, todos os axiomas do sistema formal são axiomas lógicos, o que significa que esses axiomas, juntamente com as regras de inferência, regulam as inferências válidas (demonstrações e deduções) e determinam as proposições demonstráveis (os teoremas) e, portanto, definem formalmente a lógica estudada.

Assim, a noção de sistema formal permite introduzir uma primeira acepção usual do termo “lógica”:

12 Notemos que, como as regras de inferência são operações sobre signos (confira Nota 6 acima), a demonstração e a dedução podem ser consideradas ainda operações sobre signos (que partem das premissas e dos axiomas e resultam, respectivamente, em teoremas e consequências sintáticas); o signo “ŌS”, usado nos três casos acima, denota então a possibilidade de realização dessas operações.

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Informação, conhecimento e ação ética

Uma lógica, em sentido estrito, é um sistema formal

Com efeito, tanto Frege quanto Russell, nas obras citadas na seção anterior, propuseram sistemas formais que pretendiam sistematizar o conhecimento lógico e, também, parte do conhecimento matemático13. Já na Conceitografia (Begriffsschrift) de Frege, que exibe um sistema sintático que representa operações semânticas válidas realizadas na Lógica, podemos encontrar a crença de que a Lógica se deixaria expressar por um único sistema formal14. Mas a questão da existência de um único sistema formal para a Lógica se apresentou mais complexa do que parecia à primeira vista, como mostrará o desenvolvimento histórico posterior da Lógica.

Comentemos, então, a questão dos princípios lógicos, que nos sistemas formais são expressos pelos axiomas lógicos.

Na Lógica Tradicional, uma das exigências que se fazia em relação aos seus axiomas lógicos é que esses fossem auto-evidentes15. Dessa forma, os axiomas seriam imediatamente aceitos por qualquer um e não precisariam de demonstrações, o que evitaria uma regressão ao infinito para justificá-los, e garantiriam a veracidade das proposições apoiadas sobre eles. Porém, o critério para se determinar o que é ou não auto-evidente foi sofrendo uma extensão que, aos poucos, foi descaracterizando-o.

Um momento importante dessa descaracterização foi o da descoberta, por Bertrand Russell, da possibilidade de derivação de uma contradição no Leis Fundamentais da Aritmética: Exposição do Sistema de Frege16. Frege, em um Postscriptum ao segundo volume da obra17, reconhece a existência do problema e expõe um outro paradoxo que ficará conhecido, posteriormente, como o Paradoxo de Russell (mas que, na verdade, é diferente daquele que Russel relata em sua carta). Expomos, a seguir, o Paradoxo de Russel em uma versão contemporânea.

13 Ambos são considerados, na Filosofia da Lógica e da Matemática, representantes da corrente logicista, justamente por acreditar que conhecimentos matemáticos fundamentais (e.g. da Aritmética) poderiam ser deduzidos das sistematizações da Lógica propostas por eles.14 Podemos encontrar raízes dessa concepção na lingua characteristica universalis e no calculus ratiocinator de Leibniz. (Cf. Granger (1955), Blanché (1985), Kneale, W. e Kneale, M. (1962)). 15 Cf. Aristóteles (2005, p. 254-255).16 A tradução da carta em que Russell comunica a Frege sua descoberta pode ser encontrada em Carta... (2012).17 Cf. Kneale, W. e Kneale, M. (1962, p. 659-660).

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Parece auto-evidente que podemos assumir que a todo predicado está associada sua extensão, isto é, a classe dos objetos que o satisfazem. Assim, por exemplo, ao predicado “homem” está associada a classe dos homens. Vamos chamar tal classe de H. Por outro lado, temos que a classe dos homens não é um homem e, assim, a classe dos homens não pertence a si própria, ou seja, em uma notação contemporânea, H�H. Podemos então considerar o predicado “classe que não pertence a si própria” que, em notação contemporânea, pode ser expresso pela fórmula “x�x”, ou seja, a classe x não pertence a x. Vamos chamar de R (em homenagem a Russell) a seguinte classe:

R = {x | x�x}.

Ou seja, R é a classe de todas as classes que não pertencem a si próprias. Podemos agora perguntar: R é uma classe que pertence a si própria, ou seja, R�R? Ora, um elemento x pertence a R se, e somente se, não pertence a si próprio, ou seja, x�x; em signos:

x�R���x�x�

A resposta a nossa pergunta é então:

R�R���R�R�

o que é uma contradição!

Portanto, não é verdadeiro que a todo predicado está associada sua extensão, contrariando a aparência de auto-evidência evocada para justificar esse princípio.

A partir daí, como nos diz Haack (2002, p.36, grifo do autor):A resposta de Frege à descoberta da inconsistência foi admitir que ele nunca tinha realmente pensado que o axioma relevante fosse tão auto-evidente quanto os outros – um comentário que bem pode levar a um saudável ceticismo a respeito do conceito de auto-evidência.

Se a auto-evidência dos princípios assumidos foi se mostrando cada vez mais fraca e, também, difícil de ser caracterizada, por outro lado, a partir da meta-reflexão a respeito dos sistemas lógicos percebeu-se a possibilidade de se assumir outros princípios lógicos.

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Com efeito, se podemos por em questão certos princípios, é porque eles não se mostram como necessários – “necessário” equivalendo a “não é possível ser de outra forma”. E como um princípio (axioma) não pode ser demonstrado (pois, se o fosse, não seria verdadeiramente um “princípio”), neste caso, só resta uma argumentação retórica para justificá-lo. Aí começa a possibilidade de se ter diversos sistemas formais e, a partir daí, diversas lógicas18.

Para citar um exemplo, consideremos um dos princípios basilares da Lógica Clássica, o Princípio da Não-Contradição, segundo o qual nenhuma proposição pode ser, ao mesmo tempo, verdadeira e falsa. Notemos que este princípio não pode ser demonstrado, por se tratar de um princípio. Notemos ainda que um princípio lógico deve se aplicar à totalidade das proposições e basta que se admita apenas um caso em que o princípio não valha, para que, portanto, ele deixe de ser um princípio. No caso do Princípio da Não-Contradição, se admitirmos de fato que há uma proposição que é verdadeira e falsa ao mesmo tempo, como por exemplo, o Paradoxo do Mentiroso19, então, o Princípio da Não-Contradição deixa de valer para nós. Neste caso, deixam de valer algumas regras de inferência da Lógica Clássica, derivadas, como por exemplo, que de uma contradição tudo segue (que tem o belo nome latino ad falsum quod libitum ou, também, ex contradictio sequitur quodlibet). A partir daí, podemos elaborar sistemas em que a existência de contradições não torne os sistemas triviais, que são exatamente os sistemas chamados de paraconsistentes20.

Mais ainda, como a linguagem do sistema formal é artificial e convencional, a aceitabilidade dos axiomas e das regras de inferência depende também da interpretação de cada um dos signos21, ou seja, do que

18 Para uma introdução a História da Lógica e o surgimento das lógicas não-clássicas, consulte D’Ottaviano e Feitosa, 2003.19 De forma resumida podemos explicar a admissão da existência do Paradoxo do Mentiroso da seguinte forma: seja “Paradoxo do Mentiroso” o nome dado à sentença “O Paradoxo de Mentiroso é falso”. Admitimos então que essa sentença existe, já que a estamos exibindo, e que ela expressa uma proposição que é exatamente sua própria negação. Uma rápida análise nos mostra então que o Paradoxo do Mentiroso é verdadeiro se, e somente se, é falso, o que é uma contradição. Assim, se assumimos que o Paradoxo do Mentiroso existe e expressa sua negação, assumimos que existe uma contradição.20 Notemos que a paraconsistência nos permite admitir a existência do Paradoxo do Mentiroso sem que da existência dessa contradição infiramos que tudo pode ocorrer, pela regra do ad falsum quod libitum; na visão dos autores, é uma expressão de paraconsistência na metalinguagem.21 Cf. Haack (2002, p. 60).

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chamamos semântica do sistema formal. Daí a dificuldade ainda maior em se estabelecer um único sistema formal que expressaria toda a Lógica.

Por exemplo, usualmente, o signo “�” é utilizado para indicar a conjunção de duas proposições, isto é, que duas proposições tem que ser verdadeiras simultaneamente. Assim, se temos as sentenças B e C tais que:

%�Ł�“O homem é racional”

&�Ł�“O homem é mortal”

A fórmula “B�C” é lida como “O homem é racional e mortal”.

Uma das regras da Lógica Clássica é que, da premissa “B�C”, podemos inferir “C�B”. No caso, do exemplo acima, ela significa que, da premissa “O homem é racional e mortal”, podemos concluir que “O homem é mortal e racional”.

Entretanto, podemos considerar que a conjunção deva representar também uma ordem temporal, como no caso em que:

B { “O homem vive”

C { “O homem morre”

Neste caso, não podemos, da premissa “B�C”, inferir “C�B”, ou seja, não podemos da premissa “O homem vive e morre”, inferir que “O homem morre e vive”.

Essas duas interpretações da conjunção “�” nos permitem então ver como a aceitabilidade dos axiomas e das regras de inferência dependerá da semântica estabelecida para ela e, portanto, da semântica do sistema formal.

Com a possibilidade de existir mais de um sistema formal que expresse inferências válidas e, portanto, várias formas de pensar, a Lógica passa, então, a ser um campo de estudo dos diversos sistemas formais (lógicas e teorias construídas sobre elas), seus pressupostos e consequências, bem como das semânticas a eles associadas. Nesse sentido, podemos estabelecer uma segunda acepção do termo “lógica”, que designaremos pelo substantivo próprio “Lógica”:

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A Lógica, em sentido amplo, é uma disciplina, uma ciência, um ramo do saber, na qual se estuda diversos sistemas formais,

e não se constitui, necessariamente, em apenas um sistema formal.

E, por isso, em Lógica, estudamos lógicas.

Por fim, identificamos, na literatura sobre Lógica, uma terceira acepção do termo “lógica”, que também é usual:

O termo “lógica”, como, por exemplo, em “Lógica Modal”, é empregado para indicar uma sub-área da Lógica, na qual se estuda algumas

noções conexas à Lógica e alguns sistemas formais a elas relacionados.

Vemos então como o movimento histórico de análise dos elementos da Lógica levou a mudanças fundamentais na área; não apenas criando uma nova terminologia, na qual o próprio termo “lógica” recebe diferentes acepções (vimos aqui, sem pretender sermos exaustivos, três acepções usadas), mas também e principalmente modificando nossa própria forma de entender o que é a Lógica22.

A LIBERDADE LÓGICA E SEU PRINCÍPIO

Como entender então esse panorama de evolução da Lógica?

Em uma primeira aproximação, podemos dizer que, na investigação lógica, o pensar, pensando sobre si mesmo, busca regras gerais subjacentes às suas inferências particulares, buscando estabelecer as leis lógicas. Também podemos dizer que os axiomas lógicos e regras de inferência de um sistema formal são princípios que expressam essas leis lógicas. Esses princípios não são demonstráveis (pois são “princípios”) e necessitam de critérios para serem estabelecidos. Em especial, na Lógica Tradicional, o principal critério é o da auto-evidência. Entretanto, a auto-evidência dos princípios assumidos foi se mostrando cada vez mais fraca e, nesse sentido, cada vez mais difícil de ser caracterizada. Na meta-reflexão a respeito dos sistemas lógicos, percebeu-se a possibilidade de assumir outros princípios lógicos. Conjuntamente a essa possibilidade, como a linguagem do sistema formal é artificial e convencional, a aceitabilidade dos axiomas e das regras

22 Sobre os fundamentos da Lógica assim concebida, recomendamos a leitura do livro Ensaio sobre os Fundamentos da Lógica do eminente lógico brasileiro Newton da Costa (DA COSTA, 1994).

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de inferência depende também da interpretação de cada um dos signos, da semântica do sistema formal. Esse cenário mostrou a impossibilidade de se estabelecer um único sistema formal que expressaria, de forma unânime, toda a Lógica. Ora, na medida em que não é possível estabelecer um único sistema formal que expresse toda a Lógica, vários sistemas são possíveis. Porém, para que um sistema formal seja efetivamente regulador de nossas inferências, todas as inferências realizadas devem estar no sistema formal (devem ser demonstrações e deduções possíveis de serem representadas no sistema formal).

Nesse sentido, propomos então a seguinte interpretação:

1. podemos dizer que leis lógicas são leis que o pensamento estabelece a si próprio;

2. mas, na medida em que ele “estabelece a si” essas leis e pode manter-se efetivamente dentro delas, então, elas se tornam, efetivamente, leis para o pensamento;

3. nesse sentido, existe o que podemos chamar de autodeterminação do pensamento; e

4. logo, não se pode restringir, necessariamente, a forma lógica do pensamento em geral àquela de um cálculo lógico particular qualquer.

Nesse sentido, a auto-referencialidade dos conceitos e regras do pensamento é auto-instauradora23 e permite estabelecer mais de uma lógica para o pensamento em geral.

Denominamos essa interpretação ou esse factum, para usar a terminologia de Granger24, de Liberdade Lógica e o princípio que afirma existir a Liberdade Lógica de Princípio da Liberdade Lógica.

Nossa posição pode ser interpretada, segundo as categorias estabelecidas por Haack (1998, p. 291-292), como sendo um caso de pluralismo global; aqui pluralismo significa que “há mais de um sistema lógico correto” e global significa que

23 Com efeito, nesse caso, a autodeterminação de um sistema lógico pelo e para o pensamento é um caso particular da auto-instauração da realidade por um conhecimento filosófico tal como exposto em Tassinari, 2007, p. 240-242.24 Cf. Granger (1989, p. 264, 275) e Tassinari (2007, p. 242).

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[…] princípios lógicos deveriam valer independentemente do assunto. Contudo [...] nega[mos] ou que os lógicos clássico e alternativo estejam realmente usando “válido”/“logicamente verdadeiro” no mesmo sentido, ou então que eles estejam realmente discordando sobre um e o mesmo argumento.

Com relação a não se poder restringir a forma do pensamento à de um sistema axiomático25, notemos que não há um sistema axiomático completo já para o Cálculo de Predicados de Segunda Ordem26 (e também para os de ordem superior, que ainda seguem princípios da Lógica Clássica, como o Princípio da Não-Contradição e o Princípio do Terceiro Excluído).

Mas, o que o Princípio da Liberdade Lógica afirma é bem mais que isso. Com efeito, o Princípio da Liberdade Lógica se expressa, em relação à constituição de sistemas formais, da seguinte forma: a escolha da linguagem estabelece o conjunto de fórmulas possíveis e esse conjunto já pode ser interpretado como um sistema formal, chamado, em geral, de trivial; a partir desse conjunto, temos então vários subconjuntos que, desde que tenhamos regras que permitam defini-los, essas regras também definem um sistema formal, uma lógica; podemos, a partir daí, estabelecer, para nós, que nosso pensar siga um desses sistemas formais; e, se, de fato, podemos nos manter dentro dessas regras, o sistema formal escolhido estabelece uma forma possível para o pensamento. É, portanto, a possibilidade de nos mantermos dentro das regras estabelecidas por uma lógica (sistema formal) que faz dela uma lógica possível.

CONCLUSÃO

Em resumo, podemos então considerar a Lógica como o estudo das diversas formas de expressão das leis do pensamento, enquanto livre pensamento, i.e., daquele que pode dar as suas regras e torná-las efetivas. Ou ainda, na medida em que essa liberdade se estabelece pelo pensamento que se pensa a si próprio, enquanto meta-reflexão, a Lógica é o estudo das próprias formas do (auto)pensamento livre.

25 Em termos mais técnicos o termo “sistema axiomático” indica “sistema formal recursivamente axiomatizável”.26 Cf. Mendelson, 1997, p. 376.

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Vemos assim, porque, nesse estudo, tornou-se importante e uma tarefa quase que obrigatória a um lógico contemporâneo que propõe uma nova lógica, não apenas determinar se um sistema formal S proposto é decidível – i.e., se, para toda fórmula F, existe um método efetivo (algoritmo) para decidir se F é ou não um teorema de S –, mas também determinar o quanto S “cobre” do campo semântico que sistematiza, ou seja: estudar o que se chama usualmente de correção e de completude do sistema formal S em relação a uma semântica para S27.

Podemos, então, dizer que a Lógica se nutre dos diversos resultados sobre os sistemas formais. E, enquanto o estudo do autopensamento livre, a Lógica se torna cumulativa e descobridora de suas próprias formas28.

Notemos que essa concepção não está necessariamente em contradição com uma concepção platônica, usual na Lógica e na Matemática, da existência atual de um universo das formas (possíveis). Com efeito, nesse universo encontramos, também, as diversas formas dos sistemas formais e, portanto, as diversas formas do autopensamento estudadas pela Lógica; e o Princípio da Liberdade Lógica ainda se mantém válido na medida em que, apesar de se encontrarem no universo das formas possíveis, essas formas seriam aquelas do autopensamento, que ele explicita para si através de suas próprias escolhas.

Por último, podemos dizer que a Lógica enquanto disciplina caminhou, em seu movimento histórico, desde Aristóteles até o período contemporâneo, no sentido de se descobrir como estudo das formas válidas do autopensamento livre, ou seja, de efetivar e descobrir o Princípio da Liberdade Lógica.

27 Para introduzir aqui as definições de correção e completude, podemos dizer, de forma bem geral e abstrata, que estabelecer uma semântica para um sistema formal S significa definir uma propriedade P para as fórmulas de S. Denotaremos, nesse caso, essa semântica por SP. Por exemplo, no caso da Lógica Proposicional Clássica, a propriedade P é ser uma tautologia, i.e., ser verdadeira em todos os casos possíveis de veracidade e falsidade das proposições atômicas que compõe a fórmula e, no caso da Lógica de Primeira Ordem, a propriedade é ser válida. Temos, então, as seguintes definições. Definição. Um sistema formal S é correto, em relação a uma semântica SP, se todo e qualquer teorema de S tem a propriedade P. Definição. Um sistema formal S é completo, em relação a uma semântica SP, se toda e qualquer fórmula de S que tem a propriedade P é teorema de S.28 Podemos aqui identificar diferentes tipos de processos auto-organizados, porém reservamos para outros trabalhos a discussão mais detalhada desse tópico. Para uma discussão sobre Lógica e Auto-Organização, cf. Tassinari (2003).

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