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INTRODUC ¸ ˜ AO ` A MEC ˆ ANICA CELESTE por Hildeberto Eulalio Cabral

INTRODUC˘AO~ A MEC ANICA CELESTE^€¦ · estas estrelas parecem fixas na esfera celeste. Na verdade, isto se deve ao fato de que elas ... no plano do horizonte, no sentido anti-hor´ario

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INTRODUCAO A MECANICA CELESTE

por

Hildeberto Eulalio Cabral

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Capıtulo 1

A lei da gravitacao universal

1.1 A lei da gravitacao universal

A massa da Terra

Todos nos estamos familiarizados com uma forca misteriosa, porem real, de cuja ex-istencia ninguem pode duvidar. Esta forca domina o nosso cotidiano e e frequentementelembrada, nos mais diversos contextos, pela expressao ”a lei da gravidade”. Misteriosaporque ela se faz sentir sem necessidade de contato entre os corpos e real porque a com-provacao de sua existencia vem da experiencia comum de que nenhum corpo material podese manter suspenso no ar, por levitacao: e exercida sobre ele uma forca, chamada o pesodo corpo, que esta dirigida ao longo da vertical local e aponta para o centro da Terra (verFigura 1). Sua intensidade e igual ao produto mg, onde m e a massa do corpo e g e umparametro independente desta massa. Este parametro, chamado a acelaracao da gravidadevaria quase imperceptivelmente de ponto para ponto da Terra e, na pratica, e tomado comoconstante, igual a 9, 8 m/s2. O peso de um corpo e a forca da gravidade que a Terra exercesobre o mesmo. Se R denota o raio da Terra, h a altura acima da superfıcie desta onde seencontra a massa m e d = R + h e a distancia da massa ao centro da Terra, entao a inten-sidade da forca que puxa a massa para o centro da Terra e dada pela formula, descobertapelo fısico e matematico ingles Isaac Newton,

F =GmM

d2, (1.1.1)

onde M e a massa da Terra e G e uma constante universal (independente de m, M e d).

R

h

*

m

Figura 1 O peso de um corpo

2

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1.1 A lei da gravitacao universal 3

Em particular, se h = 0, obtemos de (1.1.1) mg = GmM/R2, donde

g =GM

R2. (1.1.2)

Esta equacao mostra que g so seria constante se a Terra fosse uma esfera perfeita.

Aproveitemos a oportunidade para resolver um problema que, a primeira vista, parecede dificuldade imensa: calcular a massa da Terra.

Da igualdade (1.1.2), obtemos

M =gR2

G

donde se ve que o conhecimento do valor de M depende do conhecimento dos valores de g,G e R.

O valor de g pode ser calculado usando-se a expressao para o perıodo de um pendulosimples de comprimento l, a saber, P = 2π

√l/g, obtida por Christian Huygens em 1659. O

valor da constante G = 6, 67× 10−8cm3/g · s2 foi calculado por Henry Cavendish em 1798,usando uma balanca de torcao (ver em um livro de Mecanica a descricao desta experiencia).O valor do raio R da Terra, foi calculado por Eratostenes, tres seculos antes de Cristo,utilisando-se dos seguintes resultados da geometria Euclideana:

(1) uma reta transversal a um feixe de retas paralelas determina com estas retas angulosalternos internos iguais;

(2) arcos de cırculos que subtendem o mesmo angulo central tem comprimentos propor-cionais aos respectivos raios.

Apresentamos aqui o argumento de Eratostenes como esta descrito no livro de Cleomede[?], escrito no seculo I antes de Cristo. Sabia-se que a cidade de Siena, ao sul do Egito, eAlexandria, mais ao norte, estavam situadas sobre o mesmo meridiano terrestre e conhecia-sea distancia C entre elas.

R

C

cr

Cálculo do raio da Terra (Eratóstenes, 300 A.C.)

Eratostenes sabia que, no dia do solstıcio de verao, os raios solares incidiam verticalmenteem Siena. Ele entao considerou a altura r da haste de um relogio solar esferico, situadoem Alexandria e o comprimento c do arco sobre o relogio, definido pela sombra da haste.Usando os dois resultados de geometria acima mencionados, ele relacinou as grandezas r,R, ce C, obtendo

R =C

cr,

e calculou, desta forma, o raio da Terra. O valor por ele obtido e muito proximo do valorutilizado hoje em dia, R = 6378 km.

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4 1 A lei da gravitacao universal

Usando os valores de g, G e R, obtemos para a massa da Terra

M = 5, 97× 1027 g.

Como o volume da Terra e dado por

V =4

3πR3 = 1, 08× 1027 cm3,

encontramos para a densidade media da Terra o valor ρ = 5, 5 g/cm3. Como o materialproximo a superfıcie da Terra, rochas, terra, vegetacao e agua tem densidade inferior a estacifra, concluimos que a parte massica da Terra esta em seu nucleo.

Estas consideracoes ilustram muito bem a forca do metodo cientıfico e, ao mesmo tempo,dao uma perspectiva historica das ideias envolvidas: a massa da Terra pode ser calculadadepois da descoberta da lei (1.1.1) da gravitacao universal (Newton, 1686), mas, para istoprecisou-se do valor de G (Cavendish, 1798), da expressao para o perıodo do movimentopendular (Huygens, 1659) e do valor do raio da Terra (Eratostenes, 300 AC).

A expressao (1.1.1) representa a sıntese de um movimento cientıfico que culminou coma publicacao do tratado ”Princıpios Matematicos da Filosofia Natural” de autoria de IsaacNewton, em 1686.

Ptolomeu e os epiciclos

Ao olharmos para o ceu em uma noite sem nuvens vemos o firmamento pontilhado defocos luminosos, as estrelas. A sensacao que temos e de que as estrelas estao localizadas sobreuma esfera da qual ocupamos o centro. Com excecao de umas poucas delas, os planetas,estas estrelas parecem fixas na esfera celeste. Na verdade, isto se deve ao fato de que elasestao a uma distancia imensa da Terra. Esta conclusao resulta do fato de que dois pontosa uma distancia pequena do observador apresentam angulos de visada diferentes quandoolhados de duas posicoes diferentes, ver figura, mas se os pontos estao muito afastados estesangulos tendem a ficar iquais, pois os triangulos OSS′ e O′SS′ tendem a ficar isosceles.

S

S’

S

S’

O

O’

Dois pontos a pequena e grande distânciaobservados a partir de duas posições

Ora, observando-se duas estrelas ao anoitecer e depois ao raiar do dia, verifica-se queos angulos de visada sao iguais; os dois pontos de observacao estao a uma distancia igualao diametro da Terra. Mesmo que observemos as duas estrelas num intervalo de tempo deseis meses, ainda nao conseguimos distinguir a diferenca entre os dois angulos de visada;

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os pontos de observacao agora estao afastados entre si de uma distancia igual ao diametroda orbita da Terra, cerca de 300 milhoes de quilometros. Isto mostra que a distancia quenos separa das estrelas, exceto do Sol, e realmente muito grande. A proposito, a velocidadeda luz e de 300 mil km/s e enquanto a luz do Sol leva cerca de oito minutos para chegar aTerra, ela gasta 4,3 anos para atingir a estrela que lhe e mais proxima.

Idealizamos, entao, uma esfera de raio imenso com o centro no centro da Terra, quechamamos de esfera celeste. e sobre a qual projetamos todos os corpos celestes.

T

N

S

Equador celeste

Eixo do mundo

A esfera celeste

Meridiano

Zênite

Desde os tempos mais remotos o Homem observou que quase todas as estrelas mantin-ham uma posicao fixa (em relacao as demais), exceto por um pequeno numero delas quese deslocavam por entre as fixas; a estas deu o nome de planetas que significa ”estrelas er-rantes”. A tentativa de compreender o movimento dos planetas e muito antiga, aı incluidoso movimento do Sol e o da Lua. A concepcao mais antiga, empırica e intuitiva, era a de queestes corpos celestes giravam uniformemente em cırculos em torno da Terra, consideradafixa. Observacoes acuradas mostraram que existiam irregularidades no movimento destescorpos, o que nao poderia acontecer no caso de movimento circular uniforme em torno deuma Terra fixa.

Em um dia de sol, pode-se observar que a extremidade da sombra projetada por umahaste vertical descreve uma reta, a qual define a direcao oeste-leste. A direcao leste-oestequando girada de 900, no plano do horizonte, no sentido anti-horario define a direcao norte-sul. Obtemos, assim, os quatro pontos cardiais: norte, sul, leste e oeste.

W

E

S

W E

N

norte, sul, leste, oestePontos cardeais :

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6 1 A lei da gravitacao universal

Ao anoitecer as estrelas nascem ao leste no horizonte e descrevem cırculos no ceu nadirecao leste-oeste. O mesmo acontece com o Sol, durante o dia. Os antigos observaramque estes movimentos circulares ocorriam em torno de um eixo que passava pelo centro daTerra, ao qual chamavam de eixo do mundo. O plano que passa pelo centro da Terra e eperpendicular a este eixo corta a esfera celeste em um cırculo, chamado o equador celeste.

Os cırculos da esfera celeste obtidos pela intersecao desta com os planos que contem o eixodo mundo sao chamados de meridianos celestes. O ponto da esfera celeste determinado pelaintersecao desta com a semi-reta que se origina no centro da Terra e passa pelo ponto ondeesta localizado o observador e chamado de Zenite do observador. O ponto diametralmenteoposto e chamado de Nadir. O semi-meridiano celeste definido pelo Norte, o Sul e o Zenitee chamado de meridiano local ou, o Meridiano.

A estrela que nasce no ponto do horizonte diametralmente oposto ao ponto em que o Solesta se pondo mantera esta relacao de oposicao diametral durante todo o seu movimentonoturno. Assim, podemos localizar a posicao do Sol na esfera celeste, relativamente asestrelas fixas, observando a sucessao das constelacoes que nascem a cada noite do ano. Osgrupos de estrelas que nascem no horizonte vao se sucedendo no decorrer do tempo detal forma que ao cabo de aproximadamente 365 dias o mesmo grupo de estrelas volta anascer na mesma posicao do horizonte. Deste modo os antigos sabiam que o Sol dava umavolta completa em torno da Terra em aproximadamente 365 dias; na verdade, sabiam commais precisao que isto acontecia em 3651

4 dias; este intervalo de tempo e chamado o ano(Ptolomeu e Copernico chamavam de ano egıpcio o ano de 365 dias). O astronomo gregoHiparco, no segundo seculo antes de Cristo, determinou a duracao do ano mais precisamenteem 3651

4 dias menos 1300 , ou seja um ano e igual a 365, 24666 · · · dias. Cada dia e dividido

em 24 horas, cada hora em 60 minutos e cada minuto em 60 segundos. Esta divisao da horae do minuto e um resquıcio da epoca em que os calculos astronomicos eram feitos na basesexagesimal.

A observacao minuciosa do movimento do Sol na esfera celeste permitiu aos antigos con-cluir que sua orbita, que denominavam de eclıptica, era um cırculo. Os pontos de intersecaodo equador celeste com a eclıptica sao chamados de pontos equinociais: o equinocio da pri-mavera ou equinocio vernal e o ponto onde o Sol cruza o equador em seu movimento de sulpara norte, em marco, e o equinocio de outono e o ponto onde o Sol cruza o equador donorte para o sul, em setembro. A reta que passa pelos pontos equinociais e chamada a linhados equinocios. Os pontos de intersecao do plano ortogonal a linha dos equinocios com aeclıptica sao o solstıcio de verao, que ocorre em junho, no hemisferio norte e o solstıcio deinverno, que ocorre em dezembro, no hemisferio sul.

Esfera celeste, órbita da Terra (Eclíptica), eixo do mundo SN

S

N

Ec lípt ica

23.6o

Eq

ua

dor ce leste

g

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1.1 A lei da gravitacao universal 7

O angulo formado pelos dois importantes cırculos da esfera celeste, o equador celeste e aeclıptica, chamado de inclinacao da eclıptica sobre o equador, foi calculado por Eratostenesem 23051′, valor adotado por Hiparco. Hoje, este angulo vale 23030′, sendo esta variacaodevida a oscilacao do eixo da Terra, fenomeno ja detectado por Hiparco. Ele caluculoua medida angular de uma certa estrela na constelacao de Virgem em 60 a oeste do pontoequinocial de outono e comparou com a medida da mesma estrela realizada por Timocaris,122 anos antes, que registrou 80 a oeste do mesmo ponto. A linha dos equinocios tinha por-tanto realizado um movimento de 20 em 122 anos, ou seja, Hiparco determinou a variacaode 59′′ por ano nesta linha. Este fenomeno, chamado de precessao dos equinocios foi nova-mente abordado por Isaac Newton que obteve uma maior precisao em seu calculo, alem deexplica-lo com base em sua teoria da gravitacao.

do Sol.jpg

A longitude l de um astro e o angulo ao longo da eclıptica, compreendido entre o equinociovernal e o ponto em que o semi-meridiano que passa pelo astro intersecta a eclıptica, medidona direcao anti-horaria, definida em relacao ao polo norte.

Eclíptica

N

S

Equador celeste

l

A longitude de um astro

Hiparco foi o primeiro a detectar a variacao nas longitudes do Sol e da Lua. O movi-mento diurno medio do Sol era mais rapido quando ele se encontrava na constelacao doCaranguejo, a epoca do solstıcio de verao e mais lento seis meses depois, quando o Sol

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estava na constelacao de Sagitario, a epoca do solstıcio de inverno. Para dar conta destairregularidade, mantendo-se em consonancia com a ideia de movimento circular uniforme,Hiparco imaginou um segundo cırculo com centro um pouco afastado do centro da Terra so-bre o qual o Sol movia-se uniformemente. Este cırculo excentrico era chamado de deferentee a metade da distancia entre o seu centro e o centro da Terra era chamada de excentrici-dade da orbita do Sol. Construcao analoga para a Lua. Hiparco calculou as excentricidadesdo Sol e da Lua bem como as longitudes dos pontos de suas orbitas mais proximo e maisafastado da Terra, chamados de perigeu e apogeu, respectivamente. Para os planetas estaconstrucao nao era suficiente, pois havia outra anomalia em seus movimentos. O planetaMarte, por exemplo, alem das variacoes de sua longitude no perigeu e no apogeu, apresentaa seguinte irregularidade: ele vai avancando constantemente em sua orbita, depois comecaa retardar o movimento ate estacionar e retroceder um pouco para novamente estacionar e,em seguida, retomar seu percurso de avanco original, descrevendo um laco neste trecho desua orbita. Isto nao podia ser explicado so pela consideracao do cırculo excentrico.

T

M

A órbita de Marte

Para explicar estas estacoes e retrogradacoes ao longo das orbitas dos planetas, osastronomos idealizaram o conceito de epiciclo. O planeta movia-se uniformemente sobreum cırculo cujo centro, por sua vez, girava uniformemente sobre o cırculo excentrico.

O epiciclo

P

T

Excentricidade

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A teoria dos epiciclos foi descrita por Claudio Ptolomeu (128–168 AC), um astronomoque viveu a maior parte de sua vida na cidade egıpcia de Alexandria. Ele escreveu otratado magistral Sintaxe Matematica traduzido pelos arabes no seculo VII com o tıtulode Almagesto. Neste livro ele estuda o movimento do Sol, da Lua e dos planetas entaoconhecidos, Mercurio, Venus, Marte, Jupiter e Saturno. Em particular, calcula as longitudesde cada um destes corpos, dando a taxa de variacao destes angulos em diversos intervalos detempo, hora, dia, mes, etc. A variacao da longitude por dia e o movimento diurno medio doastro e os seguintes valores foram obtidos por Ptolomeu (na verdade, como ele proprio diz,ja haviam sido calculados por Hiparco) para os planetas Marte, Jupiter e Saturno, expressosna base sexagesimal,

ωM = 31i26ii36iii53iv51v33vi

ωJ = 4i59ii14iii26iv46v31vi

ωS = 2i0ii33iii31iv28v51vi.

Esta notacao significa, por exemplo, que

ωM =31

60+

26

602+

36

603+

53

604+

51

605+

33

6060/dia,

de modo que na base 10, que nos e mais familiar, estes numeros sao

ωM = 0, 5240597 0/dia, ωJ = 0, 08312244 0/dia e ωS = 0, 03348855 0/dia.

Dividindo 3600 por cada uma destas taxas de variacao angular, obtemos o tempo aproximadoem que os planetas Marte, Jupiter e Saturno dao uma volta ao redor da Terra (**OU DOSOL?), isto e, os seus perıodos. Obtemos, assim,

PM = 687 dias, PJ = 4331 dias = 11, 86 anos e PS = 10.750 dias = 29, 4 anos.

Vemos, assim, que os perıodos dos movimentos dos planetas Marte, Jupiter e Saturno jaeram conhecidos por Hiparco, dois seculos antes de Cristo.

Na teoria do epiciclos, quando uma nova irregularidade era detectada no movimento deum planeta, acrescentavam-se novos epiciclos para poder explica-la.

Vários epiciclos

P

T

2 x excentricidade

Esta teoria explicava muito bem os fenomenos celestes e nao e sem razaao que foi uti-lizada por mais de quinze seculos. Na segunda metade do seculo XX ficou clara a razao da

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10 1 A lei da gravitacao universal

eficiencia dos epiciclos: demonstrou-se (V.I. Arnold [1]) que, para a maioria dos sistemasgravitacionais de n partıculas materiais com uma massa dominante, cada corpo executa ummovimento que e a superposicao de uma infinidade de movimentos circulares envolvendo soum numero finito de frequencias independentes. Tais movimentos sao chamados de quasi-periodicos. Assim, os epiciclos representam uma aproximacao do movimento quasi-periodico,aproximacao que sera tanto melhor quanto maior for o numero de cırculos auxilares que seconsidere.

A teoria heliocentrica e as leis de Kepler

O livro Almagesto de Ptolomeu e um tratado abrangente da astronomia ate a sua epocae apresenta calculos muito refinados dos problemas pesquisados. Em particular, Ptolomeuconstruiu uma tabela de senos (semi-cordas dos arcos duplos) calculados a intervalos demeio grau. Para isto ele prova um teorema, hoje conhecido por Teorema de Ptolomeu cujoenunciado e o seguinte: Em um quadrilatero inscrito num cırculo, o produto das diagonaise igual a soma dos produtos de lados opostos. Em termos trigonometricos, o teorema da aformula que permite calcular o seno da soma de dois angulos. A tabela de senos foi, seculosdepois, melhorada por Copernico que a construiu para intervalos de 10′ com uma colunaadicional que permitia fazer interpolacoes, para dar maior precisao aos calculos.

Observacoes mais acuradas exigiam a consideracao de um maior numero de epiciclose isto tornava a teoria cada vez mais complicada. A grande quantidade de observacoessistematicas e meticulosas realizadas por Tycho Brahe (1546-1601) nao so levaram a umacrise desta teoria mas forneceram os elementos para uma nova abordagem do movimentodos planetas. Um pouco antes de Tycho Brahe, o matematico e astronomo polaco NicolauCopernico (1473-1543) fez uma crıtica profunda da astronomia e, retomando a ideia de quee em torno do Sol e nao da Terra que os planetas giram, sustentada pelo astronomo gregoAristarco (seculo III AC), e tambem pelos filosofos gregos Filolau, Heraclides do Pontoe Ecfanto, procedeu a uma analise na qual, com base no heliocentrismo, obteve todos osresultados ate entao conhecidos e ampliou ainda mais o conhecimento com novos resultados.Um dos feitos de Copernico foi calcular as distancias dos planetas ao Sol, coisa que ninguemantes dele havia conseguido fazer. Ele calculou as distancias mınima e maxima de cadaplaneta ao Sol bem como a distancia da Terra a Lua. As medias aritmeticas destas distancias,mınima e maxima, obtidas por Copernico sao dadas abaixo, onde a unidade e a distanciamedia da Terra ao Sol, isto e, a unidade astronomica [i], que equivale a, aproximadamente,150 milhoes de kilometros,

d(Marte, Sol) = 1, 52, d(Jupiter, Sol) = 5, 22 e d(Saturno, Sol) = 9, 18.

Copernico calculou as distancias da Terra a Lua em termos do raio RT da Terra, obtendopara a distancia media

d(Terra, Lua) = 6019

60RT = 384.277 km. (ou 405991 km?)

Eis como se pode calcular a distancia de um planeta ao Sol usando o calculo diferencial,no modelo simplificado em que a Terra e o planeta movem-se em cırculos em torno do Sol,situados em um mesmo plano. Sejam r e r′ as distancias da Terra e do planeta ao Sol,respectivamente, e sejam ω e ω′ as suas velocidades angulares. Seja t o tempo decorrido apartir de uma dada oposicao do planeta (configuracao em que o Sol, a Terra e o planetaestao alinhados com a Terra entre o Sol e o planeta). Seja θ = θ(t) o angulo que a reta queliga a Terra ao planeta faz com a reta que define a referida oposicao (ver Figura 9). Entao,a tangente do angulo θ e dada por

tg θ =r′ sen ω′t− r sen ωt

r′ cosω′t− r cosωt.

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1.1 A lei da gravitacao universal 11

No momento τ em que o planeta retorna em sua orbita (estacao), o angulo θ assume umvalor maximo local, logo, neste momento, dθ

dt = 0. Calculando a derivada e anulando-a,obtemos a equacao

(r′)2ω′ − rr′(ω + ω′) cos(ω − ω′)τ + r2ω = 0.

T P

P0T0S

q

w t

Estação

Esfera celeste

Cálculo da distância de um planeta ao Sol

Dividindo a equacao por r′2, obtemos uma equacao do segundo grau em ρ = r′

r , cujoscoeficientes sao todos conhecidos. Resolvendo-a, obtemos o valor de ρ e daı, temos r′ = ρr.

Na epoca de Copernico o calculo diferencial nao havia sido inventado ainda, de modo queele nao pode usar este metodo. No entanto, vale observar que ele ja conhecia o fato de quelimx→0

sen xx = 1 e, como ja dissemos, o teorema de Ptolomeu pode fornecer a formula para

transformar o seno da soma de dois angulos, resultados utilizados para calcular a derivadada funcao seno. Assim, os ingredientes estavam todos la para calcular a derivada de θ, mas ouso das ideias nao e tao simples assim, e o novo metodo teria que aguardar ainda a chegadade Rene Descartes (1596-1650), Pierre de Fermat (1601-1664), Isaac Newton (1642-1727) eGottfried Leibniz (1646-1716) no cenario matematico.

Copernico relutou muito em tornar publicas as suas pesquisas, pois as novas ideias naoeram muito do agrado da igreja no tempo da inquisicao. De fato, por defender a teoria deCopernico, Giordano Bruno (1548–1600) terminou sendo condenado a fogueira. Curioso eque foi um religioso, Nicolau Schonberg, cardeal de Capua, amigo de Copernico, que insistiuveementemente com ele para que comunicasse suas descobertas aos estudiosos e apos granderelutancia, instado tambem por muitos de seus amigos, Copernico decidiu torna-las publicas,atraves da publicacao de seu livro De Revolutionibus Orbium Cœlestium, em 1543, ano desua morte. Em 1514 ele ja havia publicado um opusculo anonimo no qual expunha, sem oscalculos, as principais conclusoes de seus estudos. E interessante ler o prefacio de seu livro[?] dedicado ao Papa Paulo III.

Com a massa de dados obtidos com as observacoes de Tycho Brahe, Johannes Ke-pler (1571-1630) procedeu a uma analise do movimento dos planetas, concentrando-se naorbita de Marte. A determinacao com que se dedicou a este estudo ele proprio externounas seguintes palavras ”Pelo estudo da orbita de Marte devemos chegar aos segredos daastronomia ou permaneceremos para sempre em sua ignorancia”.

Copernico havia calculado a distancia media de Marte ao Sol, mas Kepler estava inter-essado em calcular a distancia deste planeta ao Sol em muitos pontos de sua orbita. Paraisto ele precisou da duracao do ano marciano, isto e, do perıodo de Marte que, embora jaconhecido desde a antiguidade, ele proprio recalculou, a sua maneira. O metodo de Keplerpara obter a distancia SM do Sol a Marte foi o seguinte (ver Polya [?]). Numa data inicial

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12 1 A lei da gravitacao universal

a Terra encontra-se em uma posicao T1 e apos um intervalo de tempo igual ao perıodo PM

de Marte, ela se encontra em outra posicao T2. Embora a posicao de Marte no espaco, nosdois momentos de observacao, seja a mesma, a partir da Terra nos o vemos em dois lugaresdistintos no firmamento, identificados na figura pelas estrelas S′

1 e S′2.

SM

T1

T2

S1

S2

Observações de Marte com intervalo de um ano marciano.

Durante o intervalo de tempo PM a Terra deu mais de uma volta em torno do Sol mascomo sabemos a sua velocidade angular, podemos calcular a base T1T2 do triangulo ST1T2,bem com o angulo T1ST2. No dia da primeira observacao, identificamos a estrela S1 queesta mais proxima do zenite, isto e, da linha vertical ST1. Fazemos isto a meia-noite demodo que o Sol estara diametralmente oposto ao observador. O mesmo fazemos na posicaoT2, identificando a estrela S2.

S

M

T1

T2

S1

S2

O cálculo da distancia MS

O angulo que uma estrela faz com o zenite pode ser medido por meio de um instrumentochamado paralactico (mais adiante nos o descreveremos). Assim, Kepler mediu os angulosS1T1M e S2T2M . Como os angulos da base do triangulo isosceles T1ST2 sao conhecidos,podemos entao calcular os angulos T1T2M e T2T1M . Logo, no triangulo MT1T2 os tresangulos sao conhecidos e o lado T1T2 tambem, donde, podemos calcular a lado T2M pelalei dos senos. Resulta, entao, que no triangulo SMT2, os lados ST2 e MT2 sao conhecidos etambem o angulo ST2M entre eles. Segue-se que podemos calcular o lado SM , utilizandoa lei dos co-senos. Isto permite caluclar a distancia SM do Sol ao planeta Marte, naquelaposicao da orbita.

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1.1 A lei da gravitacao universal 13

Fazendo isto para outras posicoes de M , Kepler pode calcular as distancias de Marte aoSol em varios instantes ao longo de sua orbita. Com muita reflexao e apos varias tentativas,Kepler finalmente concluiu que Marte descrevia uma elipse em torno do Sol, tendo este emum dos focos. Analisando o movimento dos outros planetas, depois de anos de trabalhointenso1, Kepler enunciou em duas publicacoes, a primeira em 1609 e a outra em 1619, asleis que regem os movimentos dos planetas. As tres leis de Kepler sao as seguintes.

Primeira Lei de Kepler (lei das orbitas, 1609) A orbita de cada planeta e uma elipse, daqual o Sol ocupa um dos focos.

Sol

Planeta

Primeira lei de Kepler: a lei das órbitas

Segunda Lei (lei das areas, 1609) O planeta move-se de tal forma que o segmento de retaque o une ao Sol descreve areas iguais em tempos iguais.

S

Segunda lei de Kepler: a lei das áreas

Terceira Lei (lei harmonica, 1619) A razao dos perıodos de dois planetas e igual a potencia3/2 da razao dos seus semi-eixos.

Terceira lei de Kepler: a lei harmônica

Sol

1Kepler expressou quanto trabalho lhe tinham dado os longos calculos realizados durante os anos laboriososcom a orbita de Marte quando disse Se vos pensais que estes calculos sao longos e tediosos, tende piedadede mim que durante cinco anos tive que faze-los mais de sessenta vezes.

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14 1 A lei da gravitacao universal

Podemos expressar a lei harmonica tambem da seguinte forma: se a1, a2 e P1, P2 sao ossemi-eixos maiores e os perıodos de duas orbitas planetarias, entao a terceira lei diz que

a31P 21

=a32P 22

. (1.1.3)

A orbita da Terra e quase circular. Se o planeta correspondente ao ındice 2 e a Terra etomarmos como unidade de comprimento o semi-eixo a2 (distancia da Terra ao Sol, con-hecida como a unidade astronomica, UA, que mede aproximadamente 150.000.000 km), ecomo unidade de tempo o ano terrestre, entao a relacao acima diz que o semi-eixo maior ada orbita de um planeta esta vinculado ao seu perıodo P atraves da relacao

a3 = P 2.

Assim, conhecendo-se o perıodo do planeta, em anos terrestres, pode-se determinar suadistancia ao Sol, em unidades astronomicas. Em particular, depois de Kepler, podia-secalcular as distancias de Marte, Jupiter e Saturno ao Sol, usando-se os perıodos destesplanetas calculados por Hiparco. Compare os numeros obtidos com a terceira lei de Kepler

d(Marte, Sol) = 1, 52375, d(Jupiter, Sol) = 5, 20064 e d(Saturno, Sol) = 9, 52573

com aqueles mencionados a pagina 6, obtidos por Copernico.

Entre o enunciado das duas primeiras leis de Kepler e o da terceira decorreram dezanos. A argumentacao de Kepler em relacao a terceira lei nao e clara e nao deixa ver aserie de ideias que o levaram a formula-la. Desde cedo em seus estudos ele considerou damaior importancia a busca de uma relacao entre os tempos periodicos dos planetas e ostamanhos de suas orbitas. Ele tentou varias relacoes de proporcionalidade entre o quocienteP1P2

dos perıodos de dois planetas e o quociente dos raios das orbitas, R1R2

, concluindo que

uma potencia(R1R2

)αcom α = 1 era pequena e com α = 2 era grande. A conclusao a que

ele chegou e que α = 3/2. Como ja vimos, Ptolomeu (e mesmo Hiparco) havia calculadoos perıodos de Marte, Jupiter e Saturno e Copernico havia calculado as distancias mediasdestes planetas ao Sol. Provavelmente, Kepler utilizou estes dados para testar seus palpites

sobre os possıveis valores de α. Fazendo os calculos de(P1P2

)2e(R1R2

)3, para os sistemas

Marte-Jupiter, Marte-Saturno e Jupiter-Saturno, obtemos

Marte-Jupiter: 0, 02516 e 0, 02469

Marte-Saturno: 0, 00408 e 0, 00454

Jupiter-Saturno: 0, 16232 e 0, 18386,

o que e uma indicacao da veracidade da lei, mas nao somente pela pobreza da coincidenciados numeros como pela pequena quantidade de casos, nao e possıvel fazer uma afirmacao doporte da que e a terceira lei de Kepler. Alem disso, ele a enunciou de uma maneira precisaem termos do quociente dos semi-eixos das orbitas. Seja como for, ele conseguiu dar umaformulacao perfeita desta que e uma das leis mais importantes do movimento planetario.Veremos adiante que ela foi um elemento decisivo para Newton chegar a sua lei da gravitacaouniversal. Depois, invertendo o procedimento, Newton conseguiu, a partir de suas leis daMecanica (incluindo a lei da gravitacao), re-obter as tres leis de Kepler, com maior gener-alidade.

Contemporaneo de Kepler, Galileu Galilei (1564-1642) dedicou-se ao estudo do movi-mento dos corpos na superfıcie da Terra e, atraves de experiencias extremamente cuidadosas,chegou a formulacao da lei da queda livre dos corpos e da lei da inercia, esta posteriormente

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1.1 A lei da gravitacao universal 15

ficando conhecida como a primeira lei de Newton: um corpo sobre o qual nao age forca al-guma permanece em repouso ou em movimento retilıneo e uniforme. Galileu foi defensor dateoria heliocentrica de Copernico e, tendo aperfeicoado o telescopio, a epoca recentementeinventado na Holanda, mostrou para seus contemporaneos que o planeta Jupiter era ummundo em torno do qual giravam outros mundos, reforcando, assim, a teoria de Copernico.Os quatro maiores satelites de Jupiter observados por Galileu sao hoje chamados de satelitesgalileanos; em ordem de distancia crescente ao planeta sao eles Io, Europa, Ganimede e Cal-ixto. Seus movimentos tambem ofereceram uma oportunidade para a verificacao das leis deKepler, as quais valem nao so para os planetas orbitando o Sol, mas para qualquer corpoque mova-se sob o efeito da atracao gravitacional de outro. Galileu tinha muito interesseem astronomia e descobriu varios fenomenos astronomicos alem dos satelites de Jupiter,como, por exemplo, a rotacao do Sol em torno de um eixo. Tambem tinha muito interesseno estudo do movimento. No entanto, ele nao percebeu que as leis de Kepler encerravama chave para a explicacao da causa dos movimentos dos corpos celestes. Isto coube a IsaacNewton com a formulacao da lei da gravitacao universal. Kepler ja achava que o Sol exerciauma influencia sobre os planetas, algum tipo de forca, que os obrigava a girar ao seu redor.A descoberta da lei da inercia conduzia logicamente a existencia de uma forca exercida so-bre o planeta, do contrario a trajetoria deste seria uma reta e nao uma elipse. Na epocade Newton a intensidade desta forca como funcao da distancia r do planeta ao Sol ficouclara como consequencia do estudo do movimento circular realizado por Christian Huygens(1629-1695) e da terceira lei de Kepler. Huygens tinha descoberto que a intensidade da forcaexercida sobre uma massa m que gira com velocidade escalar constante v em um cırculo deraio r e dada pela formula

F =mv2

r. (1.1.4)

Admitindo que o Sol exerce uma forca sobre um planeta de massa m que gira uniformementecom velocidade escalar v em um cırculo de raio r ao seu redor, e que a intensidade F destaforca e dada pela expressao (MC)2, a que conclusao chegamos? Ora, o perıodo P destemovimento circular e dado por

P =2πr

v, (1.1.5)

onde v e a velocidade do planeta. Mas, a terceira lei de Kepler diz que

P 2 = Ar3 (1.1.6)

onde A e uma constante, independente do planeta.

Resulta de (1.1.5) e (1.1.6) que v2 = 4π2/Ar, logo, por (1.1.4) concluimos que F e dadapor

F =km

r2, (1.1.7)

onde k = 4π2/A e uma constante, a mesma para todos os planetas, isto e, independente dem.

Assim, parece que o Sol exerce sobre cada planeta uma forca diretamente proporcional amassa do planeta e inversamente proporcional a distancia deste ao Sol. Nomes associados aestas consideracoes sao alem de Newton, Edmund Halley (1656-1742), Robert Hooke (1635-1703) e Christopher Wren (1632-1723). No entanto, Newton nao so fez uma analise profundados movimentos dos corpos celestes mas a partir destes estudos foi levado a descoberta deduas leis da mecanica, de uso geral no contexto cotidiano: a segunda lei da dinamica e alei da acao e reacao. Estas, juntamente com a lei da inercia de Galileu (poderıamos chama-la de primeira lei da dinamica) constituem as tres leis de Newton da mecanica classica. A

2Isto e uma hipotese, uma vez que a formula (1.1.4) e obtida para uma forca de contato: a massa estaligada ao centro de forca de algum modo, por um fio, uma haste, etc.

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16 1 A lei da gravitacao universal

terceira lei (acao e reacao) e utilizada por Newton para concluir que se o Sol exerce uma forcasobre um planeta, este reage exercendo sobre o Sol uma forca de igual intensidade e sentidocontrario. Ora, o movimento do planeta em torno do Sol pode ser visto, dualmente, comoo movimento do Sol em torno do planeta. Assim, pela consideracoes acima, a conclusao eque a forca que o planeta exerce sobre o Sol tem intensidade

F =kSM

r2, (1.1.8)

onde M e a massa do Sol, r a distancia do Sol ao planeta e kS , uma constante independentede M .

Pela terceira lei de Newton, as intensidades das forcas em (1.1.7) e (1.1.8) sao iguais,donde resulta que km = kSM , logo,

k

M=

kSm

.

O lado esquerdo desta igualdade e independente de m e o direito, de M . Assim, ambosos quocientes sao independentes de m e M e denotando por G o seu valor comum, temosk = GM e kS = Gm, de modo que a forca entre as massas m e M e dada por

F =GmM

r2, (1.1.9)

onde a constante G e independente de m, M e r.

Newton tambem mostrou que as duas primeiras leis de Kepler implicam que a forcaexercida pelo Sol sobre um planeta e uma ”forca central”(dirigida para o centro atrator,o Sol). Apos muitas consideracoes dentre as quais se incluiam o movimento da Lua e omovimento pendular, Newton finalmente foi levado a enunciar a lei da gravitacao universal,expressa na equacao (1.1.9), formulada nos seguintes termos: No universo duas massasquaisquer exercem, uma sobre a outra, uma forca de atracao cuja intensidade e diretamenteproporcional ao produto das massas e inversamente proporcional ao quadrado da distanciaque as separa. A constante de proporcionalidade G e universal, nao dependendo nem dasmassas nem na distancia que as separa.

Como ja foi dito anteriormente, o valor desta constante foi medido por Henry Cavendishem 1798, cerca de um seculo depois da publicacao dos ”Principia”de Newton. Ate entaoa lei da gravitacao universal expressava apenas uma proporcionalidade, mas a partir dadeterminacao de G por Cavendish ela se tornou um instrumento efetivo atraves do qualanalises quantitativas podiam ser feitas.

Newton demonstrou que as tres leis de Kepler sao uma consequencia de suas leis daMecanica. Este foi o primeiro triunfo de seu sistema. Alem disto, ele obteve estas leis emforma generalizada. Para a terceira lei, ele obteve para o quociente do cubo do semi-eixomaior a pelo quadrado do perıodo P do planeta a seguinte expressao

a3

P 2=

G(M +m)

4π2. (1.1.10)

Por serem as massas dos planetas muito pequenas em relacao a do Sol, Kepler nao poderiater detectado a presenca delas em sua terceira lei.

1.2 Algumas aplicacoes da terceira lei de Kepler

A terceira lei de Kepler tem muitas aplicacoes. Por meio dela podemos abordar questoescomo: estimativas das massas dos planetas, da massa do Sol, da massa da Galaxia, da

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1.2 Algumas aplicacoes da terceira lei de Kepler 17

distancia da Terra a Lua, etc. Alguns dos calculos que faremos, a seguir, se baseiam emhipoteses simplificadoras e sao, portanto, aproximados, servindo no entanto como uma boailustracao.

1. Distancia da Terra a Lua. Seja dL esta distancia, raio da orbita da Lua em torno daTerra, suposta circular. Seja PL o perıodo lunar e MT , ML as massas da Terra e da Lua,respectivamente. Entao, a versao Newtoniana da terceira lei de Kepler nos da

d3LP 2L

=G(MT +ML)

4π2.

Desprezando a massa da Lua em relacao a da Terra e levando em conta a igualdade (2), ouseja, GMT = gR2

T , resulta daı a seguinte expressao para o calculo da distancia dL

dL =

(gR2

TP2L

4π2

)1/3

.

O perıodo lunar e PL = 27, 32 dias, g = 9, 8 m/s2 e RT = 6378 km. Fazendo os calculos,obtemos dL = 383.184 km, bem proximo do 384.700 km, calculado por Copernico.

2. Massa do Sol. Sejam dT a distancia da Terra ao Sol, PT o perıodo terrestre (um ano)e MS , MT as massas do Sol e da Terra, respectivamente. A terceira lei de Kepler nos da

d3SP 2T

=G(MS +MT )

4π2, donde MS +MT =

4π2

GP 2T

d3S .

Aristarco de Samos (seculo III AC) calculou a razao dS/dL entre os raios das orbitas (su-postas circulares) da Terra em torno do Sol e da Lua em torno da Terra.

ST

L

Cálculo da razão entre as distâncias Terra-Sol

eTerra-Lua, Aristarco de Samos, século 3 AC

Sua abordagem matematica e perfeita (ver M.M. Marie [?]), mas em sua epoca as tecnicasde observacao nao eram suficientemente precisas para a medicao do angulo formado pelaretas que unem o Sol a Terra e a Lua, esta em posicao dicotomica (triangulo S − T − Lretangulo em T ). Ele considerou este angulo como sendo de tres graus, otendo um valorentre 18 e 20 para esta razao. Este angulo mede apenas 9′ e o valor desta razao e de 390 oque tendo em vista a distancia ja calculada entre a Terra e a Lua, nos da dS = 390×384.000km = 149.760.000 km.

Conhecendo o valor de dS , obtemos o valor da soma MS +MT e ao ver que e desprezıvelem relacao a ela o valor da massa MT da Terra, ja calculada na pagina 2, encontramos

MS = 1, 989× 1033 g.

Dividindo a massa da Terra pela massa do Sol, encontramos MT = 3× 10−6 MS ; a Terratem uma massa igual a tres milionesimos da massa do Sol!

Conhecendo a distancia dS podemos calcular o raio R do Sol da seguinte maneira. Mede-se o angulo ϕ que fazem as linhas de visada da Terra aos extremos de um diametro do Sol, no

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18 1 A lei da gravitacao universal

instante em que o seu centro passa pelo meridiano local; isto ja Ptolomeu o fez, servindo-sede um instrumento construido por ele a que deu o nome de paralactico.3 Da figura abaixo,usando trigonometria, obtemos

R = dS tgϕ

2. (1.2.1)

T

Sol

R

Sdj

Cálculo do raio da esfera solar

3Este nome vem do fenomeno da paralaxe ilustrado na figura abaixo: um objeto visto de duas posicoesdiferentes apresenta um deslocamento visual em relacao a paisagem ao fundo.

O

O1

O2P1

P2

A fenômeno da paralaxe

O paralactico e um instrumento formado por tres reguas, duas menores de mesmo comprimento e umaterceira, mais longa do que as duas primeiras. Uma das reguas menores e mantida fixa, na vertical, e asoutras duas, graduadas, sao articuladas as extremidades da primeira. A regua menor, articulada ao extremosuperior da regua vertical, e dividida em mil partes iguais e ao longo dela estao alinhados dois dispositivosque permitem fazer-se a visada de uma estrela. A outra extremidade desta regua graduada menor deslizasobre a regua graduada maior, esta articulada na parte inferior da regua fixada verticalmente. Assim, aovisar uma estrela lemos a quantidade x de tracos na regua graduada maior e relacionamos esta medida como angulo θ entre o zenite e a estrela pela formula

x

2= 1000 sen

π − θ

2, donde, θ = 2arccos

( x

2000

).

q

O instrumento paraláctico

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1.2 Algumas aplicacoes da terceira lei de Kepler 19

Figura 18. Calculo do raio da esfera solar

Observacao (1)Para outra forma de percepcao de distancias entre os corpos celestes, uti-lizamos a velocidade da luz como parametro. Esta velocidade no vacuo e c = 300.000 km/s.Assim, a luz leva dL

c = 1, 284 segundos para percorrer a distancia da Terra a Lua e dSc = 8, 3

minutos para vir do Sol a Terra. O planeta mais afastado do Sol, Plutao, esta a umadistancia dP = 39, 5 dS , logo, a luz do Sol leva dP

c = 39, 5 dSc = 39, 5 × 8, 3 = 5, 46 horas

para chegar a ele. Apesar de ja parecer grande esta distancia, os confins do sistema so-lar define apenas uma pequena vizinhanca em torno do Sol, quando se trata de distanciasastronomicas: a estrela alfa da constelacao de Centauro, a mais proxima do Sol, esta a umadistancia de 4, 3 anos luz, isto e, a sua luz leva mais de quatro anos para chegar ate nos!

As distancias de estrelas proximas ao Sol podem ser calculadas pela formula (paral),desde que facamos as medidas da paralaxe com um intervalo de 6 meses, o que significaque estamos utilizando os extremos de um diametro da orbita da Terra em torno do Solcomo postos de observacao. Se fizermos as medidas com o intervalo de 12 horas, estamosobservando a estrela a partir de dois pontos separados por uma distancia igual ao diametroda Terra e isto e insuficiente para detectar o angulo paralactico. Para estrelas distantes,este metodo nao serve.

3. Massa de Jupiter. Consideremos um dos satelites de Jupiter, por exemplo, Calixto,o satelite Galileano mais afastado do planeta. Sua distancia ao centro de Jupiter e dC =1884000 km e seu perıodo e PC = 16, 69 dias. A distancia de Jupiter ao Sol e dJ = 5, 2 UA= 5, 2 × 149.600.000 km e o seu perıodo e PJ = 11, 86 anos. A terceira lei de Kepler, naformulacao Newtoniana, aplicada aos sistemas Sol-Jupiter e Jupiter-Calixto, nos da

d3JP 2J

=G(MS +MJ)

4π2,

d3CP 2C

=G(MJ +MC)

4π2,

onde MS , MJ e MC sao as massas do Sol, de Jupiter e de Calixto, respectivamente.

Desprezando MC em relacao a MJ , destas igualdades obtemos, por divisao(dJdC

)3(PC

PJ

)2

=MS

MJ+ 1.

Substituindo os valores numericos das grandezas que aparecem no lado esquerdo desta igual-dade, obtemos

MS

MJ+ 1 =

(5, 2× 1, 496× 108

1, 884× 106

)3

×(

16, 69

11, 86× 365, 25

)2

= 1045,

donde vemos que a massa de Jupiter e cerca de um milesimo da massa do Sol. Comparandocom a massa da Terra, encontramos MJ = 333MT .

Obs. Calculando as massas dos nove planetas do sistema solar, encontra-se que a massado Sol e mais do que 99, 8% da soma das massas deles com a massa do Sol. Isto faz comque cada planeta mova-se ao redor do sol basicamente sob a atracao gravitacional deste,sofrendo apenas uma pequena perturbacao em seu movimento devida a presenca dos outrosplanetas. Assim, as orbitas dos planetas em torno do Sol sao perturbacoes do movimentoelıptico.

4. Massa da Galaxia. Medidas astronomicas mostram que o Sol esta situado a dois tercosdo centro da Galaxia, que esta tem um diametro de 100.000 anos-luz e que o perıodo de

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20 1 A lei da gravitacao universal

rotacao do Sol em torno do centro da Galaxia e P = 200 milhoes de anos. Neste calculovamos considerar somente a massa da Galaxia contida no disco galactico que tem o Sol comoum ponto da periferia. Assim, a atracao da Galaxia sobre o Sol e como se toda esta parteda massa da Galaxia estivesse localizada em seu centro. Por conseguinte, a terceira lei deKepler nos da

R3

P 2=

G(Mg +MS)

4π2,

onde Mg e a massa da Galaxia, MS a massa do Sol e R = 33.000 anos-luz e o raio da orbitado Sol em torno do centro da Galaxia. Desprezando a massa do Sol em relacao a da Galaxia,obtemos4

Mg =4π2

G

R3

P 2.

Agora, tomando-se por medida de comprimento a unidade astronomica e por medida detempo o ano terrestre, a terceira lei de Kepler para o sistema Sol-Terra nos da

(1UA)3

(1ano)2=

G(MS +MT )

4π2,

donde, desprezando MT em relacao a MS , vemos que

MS =4π2

G(UA)3/(ano)2.

Assim, medindo R em unidades astronomicas e P em anos, obtemos

Mg =R3

P 2MS .

Como 1 UA corresponde a 8, 3 minutos-luz, um ano-luz e igual a

365, 25× 24× 60

8, 3UA = 63388 UA.

Calculando o quociente R3/P 2, obtemos

R3

P 2=

(33× 6, 3368× 107)3

(2× 108)2= 229× 109.

Assim, a massa da Galaxia e estimada, por este metodo, em cerca de 230 bilhoes de massassolares. Sob a hipotese de 2, 3 massas solares por estrela, vemos que a Galaxia contem aoredor de 100 bilhoes de estrelas.

4Esta formula tambem pode ser obtida igualando a forca gravitacional da Galaxia sobre o Sol a forcacentrıfuga sobre o Sol devida a sua rotacao em torno da Galaxia,

GMgMS

R2= MSRω2, onde ω =

P,

o que, por eliminacao de ω, da a formula mencionada.

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Capıtulo 2

O Problema de Kepler

2.1 Reducao do problema de dois corpos ao problema de Ke-pler

O problema Newtoniano dos n corpos consiste no estudo da dinamica de n partıculas mate-riais no espaco, com vetores-posicao r1, . . . , rn e massas m1, . . . , mn, sujeitas unicamentea acao mutua de suas atracoes gravitacionais.

Segundo a lei da gravitacao Newtoniana,a massa mk e atraıda pela massa mj comuma forca dada pela expressao

mjmk

||rj − rk||3(rj − rk)

e a resultante das forcas de todas as out-ras massas e a soma sobre os ındices j = k.Por outro lado, conforme a segunda lei deNewton, a froca resultante e igual ao pro-duto da massa mk pela aceleracao rk. Istovale para cada massa mk.

m1

m j

m k

rj

rk

r1

Fig. 1 Forca gravitacional sobre mk

Por conseguinte, o movimento dos n corpos e regido pelo sistema de equacoes diferenciais

mkrk =∑j =k

mjmk

||rj − rk||3(rj − rk) (k = 1, ...., n). (2.1.1)

O centro de massa do sistema e definido como o ponto G representado pelo vetor

r =1

M

n∑k=1

mkrk. (2.1.2)

A importancia de se tomar a media ponderada dos vetores r1, . . . , rn e que o ponto G assimdefinido e intrinsecamente associado ao sistema de massas, nao dependendo da particularescolha do sistema de referencia.

Exercıcio 2.1 Prove esta afirmacao, isto e, prove que se rj e r∗j representam a massa mj

relativamente a dois sistemas de referencia com origens nos pontos O e O∗, entao tomando

21

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22 2 O Problema de Kepler

os pontos G e G∗ definidos por

OG =1

M

n∑k=1

mkrk e O∗G∗ =1

M

n∑k=1

mkr∗k,

tem-se G∗ = G.

Das equacoes (2.1.1) vemos que∑n

k=1mkrk = 0, logo, d2

dt2r = 0. Segue-se que

r(t) = ta+ b,

onde a e b sao vetores constantes. Isto mostra que o centro de massa do sistema desloca-seem linha reta com velocidade constante.

Tomemos um sistema de referencia com origem no centro de massa e eixos paralelos aosistema original. Denotando por Rj o vetor posicao de mj neste sistema, temos Rj = rj−r.Como Rk = rk e Rj − Rk = rj − rk, as equacoes Newtonianas (2.1.1) sao validas para osvetores R1, . . . , Rn. Note que neste caso, R = 0, isto e, o centro de massa esta localizado naorigem do sistema de coordenadas.

Geralmente, tomamos os vetores-posicao r1, . . . , rn ja satisfando a relacao do centro demassa

m1r1 + · · ·+mnrn = 0. (2.1.3)

Para o caso mais simples, o problema dos dois corpos, as equacoes do movimento sereduzem a

r1 =m2

||r1 − r2||3(r2 − r1), r2 =

m1

||r1 − r2||3(r1 − r2).

No caso do centro de massa fixo na origem, m1r1 +m2r2 = 0, obtemos

r1 = − κ1||r1||3

r1 e r2 = − κ2||r2||3

r2,

onde κ1 = m2

(m2

m1 +m2

)2

e κ2 = m1

(m1

m1 +m2

)2

.

A primeira destas equacoes descreve o movimento de m1 e a segunda descreve o movi-mento de m2, ambos em torno do centro de massa do sistema.

Se quizermos estudar o movimento de umamassa em torno da outra, por exemplo, m2 emtorno de m1, fazemos r = r2−r1, e a equacaoresultante e

r = − κ

||r||3r, (2.1.4)

onde κ = m1 +m2.

Assim, somos levados a estudar o movimento deum ponto r = r(t) em IR3 que e atraıdo paraa origem segundo a equacao Newtoniana (2.1.4)do inverso do quadrado da distancia. Este e con-hecido como o Problema de Kepler.

r

F= r| |r 3

k

Fig. 2 O Problema de Kepler

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2.2 Estudo da dinamica do problema de Kepler 23

2.2 Estudo da dinamica do problema de Kepler

Toda a informacao sobre a dinamica deste problema e obtida a partir dos tres fatos enun-ciados no seguinte teorema.

Teorema 2.2.1 Para uma solucao r = r(t) da equacao (2.1.4) sao constantes ao longo dotempo as funcoes energia, h, momento angular, C e vetor de Laplace, e, descritas abaixo:

h =1

2||r||2 − κ

||r||; (2.2.1)

C = r× r (2.2.2)

κ

(e+

r

||r||

)= r×C. (2.2.3)

Demonstracao Para a primeira funcao, temos

h = r · r+ κ

||r||3(r · r) = r ·

(r+

κ

||r||3)= 0.

O segundo item e obvio ja que os vetores r e r sao paralelos, logo

C = r× r = 0.

Quanto ao terceiro, temos

d

dt

(r

||r||

)=

(r× r)× r

||r||3=

(− r

||r||3

)×C =

1

κ(r×C),

donde,d

dt

r

||r||

)=

d

dt(r×C),

e, por integracao, segue-se (2.2.3). QED

As tres propriedades estabelecidas neste teorema sao chamadas leis de conservacao. Aprimeira e conhecida como lei da conservacao da energia e a segunda como lei de conservacaodo momento angular.

Algumas consequencias imediatas das leis de conservacao (2.2.2) e (2.2.3) sao as seguintes.

Proposicao 2.1 (a) Se C = 0, entao o movimento e retilıneo.

(b) Se C = 0, o movimento ocorre no plano que passa pela origem e e ortogonal a C.

(c) O vetor e esta no plano do movimento.

(d) Se C = 0 e e = 0, o movimento e circular e uniforme.

Demonstracao

(a) Se C = 0 a equacao (2.2.3) mostra que o vetor e nao e nulo e que r = −||r||e, logoo movimento ocorre ao longo da reta que passa pela origem na direcao de e.

(b) Como o produto vetorial de dois vetores e ortogonal a cada fator, (2.2.2)) mostraque o movimento ocorre no plano que passa pela origem e e ortogonal a C.

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24 2 O Problema de Kepler

(c) Se C = 0 a afirmacao decorre do item (a). Se C = 0, tomando o produto internopor C em ambos os lados da equacao (2.2.3) e usando o fato de que r e ortogonal a C,obtemos e ·C = 0, logo o vetor e esta no plano do movimento.

(d) Como r · (r ×C) = C · (r × r) = C ·C = ||C||2, tomando o produto interno por rem ambos os lados de (2.2.3) e levando em conta que r · e = 0, obtemos

||r|| = c2

κ,

onde c = ||C||; isto mostra que o movimento ocorre no cırculo de raio c2/κ e centro naorigem. Para ver que o movimento e uniforme, tomando o produto vetorial por r, a direita,em (2.2.3), como e = 0, obtemos

κr× r

||r||= (r×C)× r = ||r||2C,

donde, κ C||r|| = ||r||2C, logo, ||r||2 = κ

||r||. Usando a igualdade ||r|| = c2

κ, encontramos ||r|| = κ

c,

logo a velocidade escalar e constante. Assim, o movimento e circular e uniforme. QED

Vamos considerar, agora, C = 0 e e = 0.

Teorema 2.2.2 Seja r = r(t) uma solucao da equacao (2.1.4) para a qual C = 0 e e = 0.Entao:

(a) a curva descrita por r, isto e, a orbita da partıcula, e uma conica;

(b) a orbita e uma elipse, uma parabola ou uma hiperbole, conforme seja a energia hnegativa, nula ou positiva.

Demonstracao Tomando o produto interno por r em (2.2.3), obtemos

κ(e · r+ ||r||) = c2.

Fazendo e = ||e||, r = ||r|| e denotando por θ o angulo entre e e r, obtemos

r =c2/κ

1 + e cos θ. (2.2.4)

Esta e a equacao polar de uma conica com foco na origem, excentricidade e, parametrop = c2/κ, e eixo definido pelo vetor e.

Vamos re-escrever esta equacao para visu-alizar a orbita de outro modo. A equacao(2.2.4) pode ser re-escrita na seguinte forma

r = e(c2/eκ− r cos θ).

Consideremos no plano do movimento coor-denadas polares (r, θ) com a origem do sis-tema polar no centro atrator e o eixo polardefinido pelo vetor e. Seja l uma reta noplano do movimento, perpendicular ao vetore situada a uma distancia c2/eκ da origem.

rq

c2

ke

e

l

Fig. 3 Orbita da partıcula

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2.2 Estudo da dinamica do problema de Kepler 25

Seja P o ponto definido por r. A equacao acima diz que a distancia do ponto P a origeme igual a ϵ vezes a sua distancia a reta l. O conjunto formado pelos pontos que satisfazemesta condcao e, por definicao, a conica de foco na origem, excentricidade ϵ, eixo e e diretrizl. Isto prova o item (a).

Provemos o item (b). Quadrando a igualdade (2.2.3), obtemos

κ2(e2 +

2e · rr

+ 1

)= ||r||2c2.

Da igualdade que antecede a equacao (2.2.4) obtemos e · r =c2

κ− r e usando isto juntamente

com a equacao da energia (2.2.1), a igualdade acima se reduz a seguinte

κ2(e2 − 1) = 2c2h. (2.2.5)

Desta relacao resulta que a orbita e uma elipse, uma parabola ou um ramo de hiperbole,conforme seja a energia h negativa, nula ou positiva. QED

Este teorema expressa a primeira lei de Kepler, na formulacao obtida por Newton, comoconsequencia de suas leis da Mecanica.

A linha dos nodos e a reta intersecao doplano da orbita com o plano de referencia,se este nao coincide com aquele.Consideremos o referencial ortonormal

e1, e2, e3 (2.2.6)

onde o vetor e1 e paralelo a linha dos no-

dos, e3 =1

cC e e2 = e3 × e1. Temos

r = r(cosϕ e1 + senϕ e2), (2.2.7)

onde ϕ e o angulo que o vetor-posicao rfaz com a linha dos nodos.

linha dos nodos

r

e1

e2e

3

C

f

Fig. 4 Referencial induzido

Derivando a funcao vetorial (2.2.7) em relacao ao tempo, obtemos

r = r(cosϕ e1 + senϕ e2) + rϕ(−senϕ e1 + cosϕ e2),

donder× r = r2ϕ e3,

logo, a conservacao do momento angular, r× r = C = c e3, expressa-se na forma

r2ϕ = c. (2.2.8)

Como a area descrita pelo raio vetor entre os instantes t0 e t e dada por

A(t) =1

2

∫ t

t0

r2ϕ dt,

segue-se do Teorema Fundamental do Calculo e de (2.2.8) que

dA

dt=

c

2, (2.2.9)

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26 2 O Problema de Kepler

donde, por integracao, obtemos

A(t)−A(t0) =c

2(t− t0).

Esta e a epressao da segunda lei de Kepler: a area varrida pelo raio-vetor entre dois instantesdo tempo e proporcional ao tempo decorrido.

Se a orbita e elıptica o seu ponto maisproximo do centro atrator e chamado de peri-centro e o ponto mais afastado de apocentro.Se a e o semi-eixo maior da elipse, a distanciado pericentro ao foco atrator e, em conformi-dade com a equacao polar da orbita (2.2.4),

dada porc2/κ

1 + ee a distancia apocentrica, por

c2/κ

1− e, de modo que

2a =c2/κ

1 + e+

c2/κ

1− e,

donde obtemos

x x x

Apocentro

Pericentro

r

a

q

Fig. 5 Pericentro e apocentro

c2

κ= a(1− e2). (2.2.10)

Recordemos a relacao

b = a√

1− e2 (2.2.11)

entre o semi-eixo menor b e o semi-eixo maior a de uma elipse de excentricidade e.

A area da elipse e dada por πab mas de acordo com a segunda lei de Kepler (2.2.9)

tambem pode ser calculada porc

2P , onde P e o perıodo do movimento. Portanto, temos

πab =c

2P,

donde, quadrando esta igualdade e usando (2.2.10) e (2.2.11), obtemos

4π2a4(1− e2) = c2P 2 = aκ(1− e2)P 2.

Fazendo as simplificacoes resulta daı a seguinte expressao para a terceira lei de Kepler,

a3

P 2=

κ

4π2. (2.2.12)

Comentario 2.2.1 Se m2 representa a massa de um planeta que move-se em torno do Sol,de massa m1, entao de acordo com a equacao (2.1.4) do movimento relativo de dois corpos,temos κ = m1+m2, logo κ depende da massa do planeta. Portanto a terceira lei de Kepler,em sua formulacao original, e apenas uma aproximacao. A influencia da massa do planetaera impossıvel de ser detectada por Kepler em virtude da preponderancia da massa solarsobre as dos planetas.

A lei de Kepler frequentemente vem escrita sob a forma

a3n2 = κ,

onde

n =2π

P(2.2.13)

e o movimento medio.

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2.2 Estudo da dinamica do problema de Kepler 27

Proposicao 2.2 A energia h de uma orbita elıptica depende unicamente do semi-eixo maiora, sendo a relacao de vınculo a seguinte

a =κ

2|h|. (2.2.14)

Demonstracao Como a energia e uma constante do movimento seu valor pode ser calculadousando-se um instante particular. Facamos isto quando a partıcula passa no pericentro.Neste ponto, temos r ortogonal r, de modo que c2 = r2||r||2 e, por outro lado, r = a(1− e).Usando estas relacoes e (2.2.10) obtemos da equacao de energia (2.2.1)

h =c2

2r2− κ

r=

κa(1− e)(1 + e)

2r2− κ

r=

κ(1 + e− 2)

2r= − κ(1− e)

2a(1− e),

logo h = − κ

2a, que e exatamente a equacao (2.2.14). QED

O problema de Kepler (2.1.4) requer seis constantes para a sua integracao completa.As leis de conservacao ja nos dao sete, a saber, tres do momento angular, tres do vetor deLaplace e uma da energia. Efetivamente, apenas cinco destas contam pois as funcoes h, Ce e sao dependentes, decorrencia das duas relacoes seguintes

e ·C = 0, e κ2(e2 − 1) = 2c2h.

Para obter as seis constantes de inte-gracao, fazemos o seguinte: consideramosduas constantes provenientes do momentoangular, a longitude do nodo ascendente,Ω, e a inclinacao, ι. A primeira e o anguloque o eixo das abscissas faz com a semi-reta da linha dos nodos que e cortada pelapartıcula em seu movimento ascendente; asegunda e o angulo do plano orbital como plano de referencia. Outras duas con-stantes provem do vetor de Laplace; saoelas a excentricidade e = ||e|| e o argu-mento do pericentro, ω, que e o anguloque o vetor e faz com a referida semi-retada linha dos nodos. A quinta constantee o semi-eixo maior da eclipse, a, que edeterminada pela energia.

linha dos nodos

r

e1

e2e

3

C

w

W i

i pericentro

x

q

Fig. 6 Os elementos orbitais

Para a sexta constante do movimento tomamos um dos instantes de passagem da partıculapelo pericentro e o denotamos por T . As seis constantes

Ω, ι, ω, a, e, T (2.2.15)

sao chamadas os elementos da orbita elıptica.

Os cinco primeiros elementos orbitais sao de carater geometrico: os dois primeiros de-finem a posicao do plano da orbita no espaco, o terceiro determina a posicao da elipse dentrodeste plano, o quarto determina o tamanho e o quinto a forma da orbita elıptica. O sextoelemento e de carater cinematico e ele intervem na determinacao da posicao da partıculaem sua orbita em um instante qualquer. Este e o assunto da proxima secao.

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28 2 O Problema de Kepler

2.3 Determinacao da partıcula na orbita

O vetor-posicao (2.2.7) da partıcula na orbita e dado, no referencial e1, e2, e3 definido pelomomento angular e o nodo ascendente, por

r = r(cosϕ e1 + senϕ e2) com ϕ = θ + ω, (2.3.1)

onde o angulo θ e chamado a anomalia verdadeira.

Para encontrar os valores do angulo θ edo raio-vetor r em cada instante t in-troduzimos outro angulo E, a anomaliaexcentrica, que e muito conveniente naparametrizacao da elipse.O angulo E e o angulo central da cir-cunferencia circunscrita a orbita elıptica,compreendido entre o pericentro e o pontoP ′ desta circumferencia cuja projecao or-togonal no eixo maior da elipse e a mesmaque a do ponto P da partıcula na orbita.

Eq

P

Pericentro

Fig. 7 Anomalias verdadeira e excentrica

Comentario 2.3.1 Se tomamos esta circunferencia como o cırculo excentrico, a nocaode excentricidade dos astronomos antigos, que era a distancia entre o centro onde estava oobservador e o centro do cırculo excentrico, e, a relacao entre esta distancia e a excentri-cidade da elipse, e, e dada pela equacao e = ae. E interessante observar que Lagrange sereferia ao angulo E como a anomalia do excentrico.

Teorema 2.3.1 Seja r = r(t) uma solucao do problema de Kepler (2.1.4) com energianegativa, semi-eixo maior a, excentricidade e. Entao, r e θ sao dados pelas equacoes

r = a(1− e cosE), (2.3.2)

tg

2

)=

√1 + e

1− etg

(E

2

). (2.3.3)

Demonstracao Tomemos um sistema de coordenadas com eixos paralelos aos eixos daelipse e origem no centro da elipse. Denotemos por ξ, η as coordenadas do ponto P naelipse e por x, y as coordenadas do correspondente ponto P na circumferencia. Entao ξ, ηsatisfazem a primeira das seguintes equacoes e x, y a segunda

ξ2

a2+

η2

b2= 1, x2 + y2 = a2.

Os semi-eixos a e b sao relacionados pela equacao (2.2.11) e as abscissas x e ξ sao iguais,logo η =

√1− e2y.

Portanto, ver Fig. 8 ou Fig. 9, temos as equacoes

ae+ r cos θ = a cosE e rsenθ = a√

1− e2senE,

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2.3 Determinacao da partıcula na orbita 29

isto e

rsenθ = a√

1− e2senE

r cos θ = a(cosE − e). (2.3.4)

Quadrando estas equacoes e somando os resultados, obtemos

r2 = a2[(1− e2)sen2E + cos2E − 2e cosE + e2

]= a2(1− e cosE)2,

e extraindo a raiz quadrada obtemos a equacao (2.3.2).

Agora, a segunda das equacoes (2.3.4) juntamente com a equacao (2.3.2) nos dao

r(1 + cos θ) = a(1− e)(1 + cosE).

Como 1+cosu = 2 cos2 u2 , senu = 2senu

2 cosu2 , o quociente da primeira das equacoes (2.3.4)

pela equacao acima obtida nos da

sen(θ/2)

cos(θ/2)=

√1− e2 sen(E/2)

(1− e) cos(E/2),

que nos fornece a equacao (2.3.3). QED

Por este teorema para se conhecer os valores r(t) e θ(t) basta conhecer o valor de E =E(t). Este e o conteudo do proximo teorema.

Teorema 2.3.2 A anomalia excentrica E e calculada pela equacao de Kepler

E − e senE = n(t− T ), (2.3.5)

onde n = 2πP e o movimento medio.

Demonstracao Consideremos a figura ao ladona qual O e o centro da elipse, F e o foco atra-tor, P0 e o pericentro, P e o ponto sobre a elipse,P ′ o ponto correspondente no circumferencia quedefinira a anomalia excentrica E, H e a projecaoortogonal de P sobre o eixo que passa pelo pericen-tro e θ e a anomalia verdadeira. O semi-eixo maiorda elipse e a, a excentricidade e e, de modo que oproduto ae e a distancia focal.A area do setor circular OP0P

′ menos a area dotriangulo OHP ′ e dada pela integral desde a ab-scissa de H ate a do ponto P0 da funcao y(s), or-denada do ponto P ′(s) sobre a circumferencia cor-respondente ao ponto P (s) na elipse que se projetano eixo OP0 na mesma abscissa x(s).

a

P

OP

0HF

Eq

e

Fig. 8 Para a equacao de Kepler

Como vimos acima, a ordenada η(s) de P (s) relaciona-se com y(s) pela equacao η(s) =√1− e2y(s). Portanto, temos a igualdade∫ a

xy(s) ds =

1√1− e2

∫ a

xη(s) ds.

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30 2 O Problema de Kepler

A integral do lado direito e igual a area do setor elıptico FP0P menos a area do trianguloFHP . Calculando as areas mencionadas, antes e agora, obtemos a igualdade

1

2a2E − 1

2a2senE cosE =

1√1− e2

[ c2(t− T )− 1

2r cos θ rsen θ

], (2.3.6)

pois a area do setor elıptico FP0P entre o instante T de passagem pelo pericentro e oinstante t onde esta situado o ponto P e, conforme a segunda lei de Kepler (2.2.9), dadapelo primeiro termo entre colchetes no lado direito da equacao (2.3.6).

Usando as expressoes (2.3.4) encontramos a igualdade

1√1− e2

r cos θ rsen θ =1

2a2senE cosE − 1

2a2e senE,

e, por outro lado, usando a igualdade (2.2.10) e a terceira lei de Kepler (2.2.12), obtemos aigualdade

1√1− e2

c

2=

1

2a2

P=

1

2a2n.

Levando estas informacoes para a igualdade (2.3.6) e cancelando o fator comum 12a

2,obtemos a equacao de Kepler (2.3.5). QED

2.4 Determinacao dos elementos orbitais

Como acabamos de ver os elementos orbitais permitem conhecer toda a historia, passada efutura, da partıcula. Por isto e muito importante sua obtencao. Faremos isto a seguir pordois modos distintos. O primeiro utiliza o conhecimento das condicoes iniciais, isto e, daposicao e velocidade em um dado instante, r(t0), r(t0). O segundo modo usa o conhecimentoda posicao em tres instantes proximos, r(t1), r(t2), r(t3).

Determinacao dos elementos orbitais a partir das condicoes iniciais

Sejam r0 e r0 a posicao e a velocidade de uma orbita elıptica do problema de Kepler

r = − κ

||r||r

no instante t0.

ComoC = r0×r0, obtemos de imediato osdois primeiros elementos orbitais, o angulodo nodo ascendente Ω e a inclinacao ι, pois(veja a figura ao lado)

C = c (sinΩ sin ι,− cosΩ sin ι, cos ι).(2.4.1)

Da equacao (2.2.3), obtemos a expressaoexplıcita do vetor de Laplace

e = − r

||r||+

1

κ

(r× C

).

linha dos nodos

r

e1

e2e

3

C

w

W

W

i

i

Fig. 9 Vetor e3 em termos de Ω e ι

Este vetor determina o argumento do pericentro ω e a excentricidade da orbita, e.Portanto, estes dois elementos orbitais sao obtidos imediatamente de r0 e r0.

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2.4 Determinacao dos elementos orbitais 31

A energia h e calculada imediatamente usando-se r0 e r0, pois h =1

2||r||2 − κ

||r||, logo o

semi-eixo maior da orbita tambem e, ja que ele e dado pela expresasao (2.2.14).

Resta determinar o momento de passagem, T , pelo pericentro. Este elemento orbitale obtido usando-se a equacao de Kepler (2.3.5) uma vez que, pela terceira lei de Kepler(2.2.12), o perıodo P e determinado pelo semi-eixo maior a e a anomalia excentrica podeser calculada em termos de r0, pois este vetor define r0 e ϕ0 e, entao, o valor E(t0) pode sercalculado por meio de (2.3.4) obtendo-se, antes, θ0 = θ(t0) usando-se (2.3.1).

Determinacao dos elementos orbitais a partir das posicoes em tres instantes

Sejam r1 = r(t1), r2 = r(t2) e r3 = r(t3) as posicoes do vetor-posicao nos instantest1 < t2 < t3.

O nodo Ω e a inclinacao ι sao obtidos imediatamente pois1

cC e igual ao vetor (r2 −

r1)× (r3 − r1) dividido por sua norma.

Vejamos como obter a excentridade e e o argumento do pericentro ω. Usando θ = ϕ−ω,escrevamos a equacao (2.2.4) na forma

e cosω r cosϕ+ esenω rsenϕ = −r +c2

κ.

Usando o fato de que, ver Fig. 7, r cosϕ = r · e1 e rsen ϕ = r · e2, esta equacao toma aforma

e cosω [r · e1] + esenω [r · e2] = −r +c2

κ.

Agora, expressando esta equacao nos instantes t1 e t2 e fazendo a subtracao dos resul-tados e, depois, expressando-a nos instantes t1 e t3 e fazendo a subtracao dos resultados,obtemos o seguinte sistema linear nas incognitas e cosω e e senω:

e cosω[(r1 − r2) · e1] + e senω[(r1 − r2) · e2] = r2 − r1

e cosω[(r1 − r3) · e1] + e senω[(r1 − r3) · e2] = r3 − r1.

Como os vetores r1−r2 e r1−r3 nao sao colineares o determinante da matriz dos coeficientesdeste sistema e diferente de zero. Resolvendo este sistema obtemos os valores

e cosω = e1 e e senω = e2,

e, por conseguinte, temos

e =√

e21 + e22 e ω = arctg(e2e1

).

Sabe-se o quadrante em que esta o angulo ω pelos sinais de e1 e e2.

Agora, usando a equacao (2.2.10), obtemos a seguinte expressao para o calculo do semi-eixo maior,

a =r + e1[r · e1] + e2[r · e2]

1− e2,

tomando o seu valor em um dos instantes, por exemplo, em t1.

O calculo do instante de passagem pelo pericentro, T , e feito como no caso anterior.

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32 2 O Problema de Kepler

2.5 Calculo de orbitas

Nesta secao descreveremos dois metodos para se obter as condicoes iniciais em um dadoinstante, se forem conhecidas as coordenadas celestes em tres instantes proximos. Os doismetodos principais sao o metodo de Laplace e o metodo de Gauss.