155
Introdução à Topologia Diferencial Notas de aula em construção Fernando Manfio ICMC – USP

Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

  • Upload
    lamdieu

  • View
    219

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Introdução à Topologia DiferencialNotas de aula em construção

Fernando Manfio

ICMC – USP

Page 2: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Sumário

1 Superfícies 11.1 Superfícies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11.2 O espaço tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51.3 Aplicações diferenciáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 71.4 As formas locais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141.6 Apêndice 1: O teorema da invariância do domínio . . . . . . . 17

2 Subvariedades 182.1 Subvariedades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182.2 O teorema de Sard . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222.3 Transversalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30

3 Superfícies orientáveis 323.1 Superfícies orientáveis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 323.2 Superfícies com fronteira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 373.3 Orientação em superfícies com fronteira . . . . . . . . . . . . 413.4 O teorema do ponto fixo de Brouwer . . . . . . . . . . . . . . 443.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 463.6 Apêndice 3: Superfícies conexas de dimensão 1 . . . . . . . . 49

4 Teoria do grau 504.1 Aplicações homotópicas e o grau módulo 2 . . . . . . . . . . . 504.2 O grau de uma aplicação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 544.3 Número de interseção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 584.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 604.5 Apêndice 4: O lema da isotopia . . . . . . . . . . . . . . . . . 62

i

Page 3: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

5 A característica de Euler 635.1 Campos vetoriais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 635.2 O índice de um campo vetorial . . . . . . . . . . . . . . . . . 665.3 A característica de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 725.4 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79

6 Introdução à teoria de Morse 806.1 Funções de Morse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 806.2 O fluxo do gradiente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 856.3 A topologia dos conjuntos de nível . . . . . . . . . . . . . . . 866.4 O teorema de Morse . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 876.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

7 Integração em Superfícies 927.1 Álgebra multilinear . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 927.2 O produto exterior de formas lineares . . . . . . . . . . . . . . 957.3 A forma elemento de volume . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 987.4 Formas diferenciais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 997.5 A derivada exterior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1057.6 Integrais de superfícies . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1097.7 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

8 Teoremas clássicos 1208.1 O teorema de Stokes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1208.2 Os teoremas da divergência, rotacional e Green . . . . . . . . 1228.3 A fórmula do grau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1278.4 O teorema da curvatura integral . . . . . . . . . . . . . . . . 1288.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133

A Alguns teoremas do Cálculo 134A.1 A topologia de Rn . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134A.2 A regra da cadeia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137A.3 O teorema da aplicação inversa . . . . . . . . . . . . . . . . . 141A.4 O teorema de mudança de variáveis . . . . . . . . . . . . . . . 145A.5 Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 150

Referências Bibliográficas 152

ii

Page 4: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Capítulo 1

Superfícies

1.1 Superfícies

Nesta seção estudaremos o conceito de superfície em Rn. Intuitivamente,superfícies em Rn são subconjuntos homeomorfos a algum espaço Euclidianoque, em cada ponto, está bem definida uma estrutura de espaço tangente.

Definição 1.1.1. Uma superfície de dimensão m em Rn é um subconjuntoM tal que, para todo ponto p ∈M , existem um aberto V ⊂ Rn, com p ∈ V ,e um homeomorfismo ϕ : U → M ∩ V , definido num aberto U de Rm, talque ϕ é diferenciável e, em cada ponto x ∈ U , a diferencial dϕ(x) é injetora.

A aplicação ϕ chama-se uma parametrização deM , o subconjuntoM ∩Vé uma vizinhança coordenada de M e o número n − m é a codimensão deM em Rn. No caso particular em que n − m = 1, M será chamada umahipersuperfície de Rn.

Na Definição 1.1.1 estamos considerando M com a topologia induzidade Rn. Assim, toda superfície é uma variedade topológica. Além disso, acondição de dϕ(x) ser injetora equivale ao conjunto dϕ(x) · ei : 1 ≤ i ≤ mser linearmente independente ou, de forma equivalente, a matriz Jacobianadϕ(x) ter posto m.

Exemplo 1.1.2. Qualquer subespaço vetorial E de dimensão m em Rn éuma superfície de dimensão m. De fato, seja T : Rm → E um isomor-fismo linear. Munindo E com a topologia induzida de Rn, T torna-se umdifeomorfismo e, portanto, é uma parametrização global para E.

Exemplo 1.1.3. Todo aberto U ⊂ Rn é uma superfície de dimensão n emRn, imagem da única parametrização id : U → U . Reciprocamente, seja M

1

Page 5: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

uma superfície de dimensão n em Rn. Assim, para todo p ∈M , existem umaberto V ⊂ Rn, com p ∈ V , e um homeomorfismo ϕ : U → M ∩ V , onde Ué um aberto de Rn. Pelo teorema da invariância do domínio (cf. Apêndice1), segue que a vizinhança coordenada M ∩ V é aberta em Rn. Portanto, oconjunto M , reunião das vizinhanças coordendas M ∩ V , é aberto em Rn.

Exemplo 1.1.4. O gráfico de uma aplicação diferenciável f : U → Rn−m,definida num aberto U de Rm, é uma superfície de dimensão m em Rn. Defato, denotando por Gr(f) o gráfico de f , basta mostrar que a aplicaçãoϕ : U → Rn, dada por ϕ(x) = (x, f(x)), é uma parametrização globalpara Gr(f). Como f é diferenciável, o mesmo ocorre com ϕ. Cada ponto(x, f(x)) ∈ Gr(f) é imagem pela ϕ do único ponto x ∈ U , logo ϕ é injetora.Como ϕ−1 é a restrição ao gráfico de f da projeção de Rn sobre Rm, segueque ϕ−1 também é contítuna. Isso mostra que ϕ é um homeomorfismo.Finalmente, como dϕ(x) tem posto m em todos os pontos x ∈ U , segue queϕ é uma imersão.

O resultado seguinte é uma recíproca local para o Exemplo 1.1.4.

Teorema 1.1.5. Toda superfície de dimensão m em Rn é, localmente, ográfico de uma aplicação diferenciável. Mais precisamente, dado um pontop da superfície M , existem abertos Z ⊂ Rm e V ⊂ Rn, com p ∈ V , e umaaplicação diferenciável f : Z → Rn−m tais que M ∩ V = Gr(f).

Demonstração. Dado p ∈ M , considere uma parametrização ϕ : U → ϕ(U)de M , com p = ϕ(x). Como E = dϕ(x)(Rm) é um subespaço vetorial de di-mensãom de Rn, existe uma decomposição em soma direta Rn = Rm⊕Rn−mtal que a projeção π : Rm × Rn−m → Rm transforma E isomorficamente so-bre Rm. Considere a aplicação η = πϕ : U → Rm. Como dη(x) = πdϕ(x)é um isomorfismo linear, segue do teorema da aplicação inversa que existeum aberto W de Rm, com x ∈W ⊂ U , tal que η|W : W → η(W ) = Z é umdifeomorfismo. Defina

ξ = (η|W )−1 : Z →W e ψ = ϕ ξ.

Temos que ψ é uma parametrização de M e π ψ = id. Disso decorre que aprimeira coordenada de ψ(x), em relação à decomposição Rn = Rm⊕Rn−m,é x. Denote por f(x) a segunda coordenada. Assim,

ψ(Z) = ϕ(W ) = (x, f(x)) : x ∈ Z

para alguma aplicação diferenciável f : Z → Rn−m. Como ϕ é aberta, tem-seϕ(W ) = M ∩ V = Gr(f), para algum aberto V de Rn, com p ∈ V .

2

Page 6: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 1.1.6. Seja M ⊂ R3 o cone de uma folha, i.e.,

M = (x, y, z) ∈ R3 : x2 + y2 = z2, z ≥ 0.

Observe inicialmente que a projeção π : R2 × R → R2, π(x, y, z) = (x, y),define um homeomorfismo entreM e R2. No entanto,M não é uma superfícieem R3. De fato, caso fosse existiriam, em virtude do Teorema 1.1.5, abertosU ⊂ R2 e V ⊂ R3, com 0 ∈ V , e uma função diferenciável g : U → Rtal que M ∩ V = Gr(g). Observe que M ∩ V não pode ser um gráfico emrelação a uma decomposição da forma R3 = R2⊕R, no qual o segundo fatorseja o eixo-x ou o eixo-y. Assim, tem-se necessariamente g = f |U , ondef(x, y) =

√x2 + y2. No entanto, f não é diferenciável em (0, 0).

Seja f : V → Rn uma aplicação diferenciável, definida no aberto V deRm. Um ponto x ∈ V é chamado ponto regular para f se a diferencial df(x)é sobrejetora. Um ponto q ∈ Rn é chamado valor regular se a pré-imagemf−1(q) contém apenas pontos regulares para f . Um ponto x ∈ V para o quala diferencial df(x) não é sobrejetora será chamado ponto crítico para f .

Proposição 1.1.7. Seja f : V → Rn−m uma aplicação diferenciável, ondeV é um aberto de Rn. Se q ∈ Rn−m é valor regular para f , com f−1(q) 6= ∅,então M = f−1(q) é uma superfície de dimensão m em Rn.

Demonstração. Em virtude do Exemplo 1.1.4, é suficiente mostrar que, lo-calmente, M é gráfico de aplicação diferenciável. Dado um ponto p ∈ M ,com p = (x0, y0), podemos assumir que ∂f

∂y (p) 6= 0. Assim, pelo teorema daaplicação implícita, existem um aberto Z = U ×W , onde U é um aberto deRm contendo x0 e W é um aberto de Rn−m contendo y0, e uma aplicaçãodiferenciável g : U → Rn−m tais que f(x, g(x)) = q, para todo x ∈ U . Issomostra que M ∩ Z = Gr(g).

Exemplo 1.1.8. Podemos usar a Proposição 1.1.7 para mostrar que a esferaunitária Sn = x ∈ Rn+1 : ‖x‖ = 1 é uma hipersuperfície de Rn+1. De fato,considerando a função f : Rn+1 → R, definida por f(x) = 〈x, x〉, temos queSn = f−1(1). Note que f é diferenciável e, para todo ponto x ∈ Rn+1 e todovetor v ∈ Rn+1, tem-se df(x) · v = 2〈x, v〉. Isso implica que 0 ∈ Rn+1 éo único ponto crítico de f . Como f(0) = 0 6= 1, concluimos que 1 é valorregular para f .

Lembremos que uma matriz quadrada X ∈M(n) é chamada simétrica seXt = X e anti-simétrica seXt = −X, ondeXt denota a transposta deX. Asmatrizes simétricas e anti-simétricas formam subespaços vetoriais de M(n),denotados por S(n) e A(n), respectivamente, tal que M(n) = S(n)⊕A(n).

3

Page 7: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 1.1.9. O grupo ortogonal O(n), definido por

O(n) = X ∈M(n) : XXt = I,

é uma superfície de dimensão n(n−1)2 em Rn2 . De fato, considerando a apli-

cação f : M(n) → S(n) dada por f(X) = XXt, temos que O(n) = f−1(I),onde I denota a matriz identidade. Assim, devemos provar que I ∈ S(n) évalor regular para f . A aplicação f é diferenciável e sua diferencial é dadapor

df(X) ·H = XHt +HXt.

Finalmente, dados X ∈ O(n) e S ∈ S(n), tome V = 12SX. Um cálculo

simples mostra que df(X) · V = S, ou seja, df(X) é sobrejetora, logo O(n)

é uma superfície de dimensão n(n−1)2 em M(n) ' Rn2 .

Observação 1.1.10. A imagem inversa f−1(q) pode ser uma superfície semque q seja valor regular para f . Por exemplo, seja f : R2 → R dada porf(x, y) = y2. Note que f−1(0) coincide com o eixo-x, o qual é uma curvade classe C∞ em R2. No entanto, 0 ∈ R não é valor regular para f , poisdf(x, 0) = 0, para todo ponto (x, 0) ∈ f−1(0).

O resultado seguinte é uma recíproca local para a Proposição 1.1.7.

Teorema 1.1.11. Toda superfície de dimensão m em Rn é, localmente,imagem inversa de valor regular. Ou seja, dado um ponto p da superfícieM , existem um aberto V de Rn, com p ∈ V , e uma aplicação diferenciávelf : V → Rn−m tais que M ∩ V = f−1(0), onde 0 ∈ Rn−m é valor regularpara f .

Demonstração. Pelo Teorema 1.1.5, existe um aberto V ⊂ Rn, com p ∈ V ,tal que M ∩ V = Gr(g), onde g : U → Rn−m é uma aplicação diferenciáveldefinida num aberto U de Rm. Defina a aplicação f : V → Rn−m pondof(x, y) = y − g(x). Por construção, temos M ∩ V = Gr(g) = f−1(0). Restaprovar que df(x, y) é sobrejetora em todo ponto (x, y) ∈ f−1(0). De fato,dados (x, y) ∈ f−1(0) e (u, v) ∈ Rn, temos:

df(x, y) · (u, v) = df(x, y) · (u, 0) + df(x, y) · (0, v)

= Id(0)− dg(x) · u+ Id(v)− dg(x) · 0= v − dg(x) · u.

Portanto, dado v ∈ Rn−m, tem-se df(x, y) · (0, v) = v, e isso prova que 0 évalor regular para f .

4

Page 8: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

O conceito de superfície, dado na Definição 1.1.1, pode ser visto da se-guinte forma equivalente.

Teorema 1.1.12. Um subconjunto M de Rn é uma superfície de dimensãom se, e somente se, para todo p ∈ M , existem um aberto V ⊂ Rn, comp ∈ V , e um difeomorfismo ξ : V → ξ(V ) tal que ξ(M ∩ V ) = ξ(V ) ∩ Rm.

Demonstração. Suponha que M seja uma superfície de dimensão m em Rn.Dado um ponto p ∈ M , segue do Teorema 1.1.11, que existe uma aplicaçãodiferenciável f : Z → Rn−m, definida num aberto Z ⊂ Rn contendo p, tal queM ∩ V = f−1(0), onde 0 ∈ Rn−m é valor regular para f . Como a diferencialdf(p) : Rn → Rn−m é sobrejetora, o conjunto df(p) ·e1, . . . ,df(p) ·en geraRn−m. Assim, podemos escolher vetores ei1 , . . . , ein−m tais que o conjuntodf(p)·ei1 , . . . ,df(p)·ein−m seja uma base de Rn−m. Considere a decompo-sição em soma direta Rn = Rm⊕Rn−m tal que Rn−m = spanei1 , . . . , ein−me Rm gerado pelos demais vetores canônicos. Assim, df(p)|Rn−m é um iso-morfismo linear. Defina uma aplicação ξ : Z → Rn = Rm ⊕ Rn−m pondoξ(x, y) = (x, f(x, y)), para todo (x, y) ∈ Z. Temos que ξ é uma aplicaçãodiferenciável e dξ(p) é um isomorfismo. Assim, pelo teorema da aplicaçãoinversa, existe um aberto V ⊂ Rn, com p ∈ V ⊂ Z, tal que ξ|V : V → ξ(V ) éum difeomorfismo. Podemos supor que ξ(V ) = U ×W ⊂ Rm ⊕Rn−m, ondeW é um aberto contendo 0 ∈ Rn−m. Assim,

(x, y) ∈M ∩ V ⇔ ξ(x, y) = (x, f(x, y))

⇔ ξ(x, y) = (x, 0),

ou seja, ξ(M ∩ V ) = ξ(V ) ∩ Rm. Reciprocamente, dado um ponto p ∈ M ,considere o difeomorfismo ξ : V → ξ(V ) tal que ξ(M ∩ V ) = ξ(V ) ∩ Rm.Como ξ(V ) é aberto em Rn, o subconjunto U = ξ(V )∩Rm é aberto em Rm.Defina, então, ϕ : U → Rn pondo ϕ = ξ|−1

U . Assim, ϕ é uma parametrizaçãode M , com ϕ(U) = M ∩ V .

1.2 O espaço tangente

Nesta seção discutiremos a noção de espaço tangente a uma superfície.Veremos que este conjunto admite uma estrutura natural de espaço vetorial,induzida do espaço Euclidiano através das parametrizações da superfície.

Seja M uma superfície de dimensão m em Rn. Fixado um ponto p ∈M ,dizemos que um vetor v ∈ Rn é tangente a M no ponto p se existe umacurva λ : (−ε, ε)→ M , diferenciável em t = 0, tal que λ(0) = p e λ′(0) = v.

5

Page 9: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

O conjunto de todos os vetores tangentes a M no ponto p será chamado oespaço tangente a M em p e será denotado por TpM .

Exemplo 1.2.1. Se U é um subconjunto aberto de uma superfícieM , entãoTpU = TpM para todo p ∈ U . De fato, claramente temos TpU ⊂ TpM . Sev ∈ TpM , existe uma curva λ : (−ε, ε) → M , diferenciável em t = 0, comλ(0) = p e λ′(0) = v. Podemos restringir o intervalo (−ε, ε) de modo queλ(−ε, ε) ⊂ U , logo v ∈ TpU . Em particular, se V é um subconjunto abertode Rn, então TpV = TpRn = Rn.

Proposição 1.2.2. Seja f : U → V uma aplicação diferenciável entre osabertos U ⊂ Rm e V ⊂ Rn, e suponha que existam superfícies M e N taisque M ⊂ U , N ⊂ V e f(M) ⊂ N . Então, df(p)(TpM) ⊂ Tf(p)N para todop ∈ M . Em particular, se f é um difeomorfismo, com f(M) = N , entãodf(p)(TpM) = Tf(p)N para todo p ∈M .

Demonstração. Dados um ponto p ∈M e um vetor v ∈ TpM , considere umacurva λ : (−ε, ε)→ M , diferenciável em t = 0, com λ(0) = p e λ′(0) = v. Acurva α : (−ε, ε) → N , dada por α(t) = f(λ(t)), é diferenciável em t = 0.Além disso, temos α(0) = f(p) e α′(0) = df(p)·v, ou seja, df(p)·v ∈ Tf(p)N .Logo, df(p)(TpM) ⊂ Tf(p)N . A última afirmação segue-se aplicando f−1 àparte já provada.

Corolário 1.2.3. O espaço tangente TpM é um subespaço vetorial de di-mensão m em Rn.

Demonstração. Do Teorema 1.1.12, existem um aberto Z ⊂ Rn, com p ∈ Z,e um difeomorfismo ξ : Z → ϕ(Z) tais que ξ(M ∩ Z) = ξ(Z) ∩ Rm. Então,pela Proposição 1.2.2, temos:

dξ(p)(TpM) = dξ(p)(Tp(M ∩ Z)) = Tξ(p)(ξ(Z) ∩ Rm)

= Tξ(p)Rm = Rm,

ou seja, TpM = dξ(p)−1(Rm) é um subespaço vetorial de dimensão m.

Corolário 1.2.4. Dado um ponto p ∈ M , considere uma parametrizaçãoϕ : U → ϕ(U) de M , com p = ϕ(x). Então, TpM = dϕ(x)(Rm). Emparticular, uma base para TpM é dada por dϕ(x) · ei : 1 ≤ i ≤ m.

Demonstração. Pela Proposição 1.2.2, temos:

dϕ(x)(Rm) = dϕ(x)(TxU) ⊂ Tpϕ(U) = TpM.

Assim, em virtude do Corolário 1.2.3, segue que TpM = dϕ(x)(Rm), umavez que ambos são subespaços vetoriais de dimensão m em Rn.

6

Page 10: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 1.2.5. Sejam f : U → Rn−m uma aplicação diferenciável, definidano aberto U ⊂ Rn, e q ∈ Rn−m um valor regular de f . Então, o espaçotangente a M = f−1(q) num ponto p é dado por TpM = ker df(p). De fato,basta provar que TpM ⊂ ker df(p), já que ambos são subespaços vetoriais dedimensão m em Rn. Então, dado um vetor v ∈ TpM , seja λ : (−ε, ε) → Muma curva diferenciável em t = 0 tal que λ(0) = p e λ′(0) = v. A curvaα : (−ε, ε) → Rn−m, dada por α(t) = f(λ(t)), é constante, igual a q paratodo t ∈ (−ε, ε). Assim,

df(p) · v = df(λ(0)) · λ′(0) =d

dt(f λ)(0) = α′(0) = 0,

ou seja, v ∈ ker df(p).

Exemplo 1.2.6. Uma situação particular do Exemplo 1.2.5 pode ser vistano grupo ortogonal O(n). Lembre que O(n) pode ser considerado como aimagem inversa O(n) = f−1(I) da aplicação diferenciável f : M(n)→ S(n)dada por f(X) = XXt (cf. Exemplo 1.1.9). Como a diferencial de f é dadapor df(X) ·H = XHt +HXt, segue do Exemplo 1.2.5 que

TIO(n) = ker df(I) = H ∈M(n) : Ht +H = 0,

ou seja, o espaço tangente ao grupo ortogonal O(n) na matriz identidade éo subespaço das matrizes anti-simétricas.

1.3 Aplicações diferenciáveis

A noção de diferenciabilidade até agora só faz sentido quando o domínioda aplicação é um subconjunto aberto de algum espaço Euclidiano. O quefaremos agora é estender este conceito, abrangendo aplicações definidas emsuperfícies. A fim de reduzir a notação, uma superfície M de dimensão mem Rn será denotada simplesmente por Mm.

Dados duas parametrizações ϕ : U → ϕ(U) e ψ : W → ψ(W ) de umasuperfície M , com Z = ϕ(U) ∩ ψ(W ) 6= ∅, a aplicação

ψ−1 ϕ : ϕ−1(Z)→ ψ−1(Z) (1.1)

é chamada de mudança de coordenadas entre ϕ e ψ.

Proposição 1.3.1. A mudança de coordenadas (1.1) é um difeomorfismo.

7

Page 11: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Demonstração. Dado um ponto p ∈ Z, considere um aberto U de Rm, comϕ−1(p) ∈ U ⊂ U . Assim, se ξ : V → ξ(V ) é o difeomorfismo dado peloTeorema 1.1.12, tem-se (ξ ϕ)(U) ⊂ Rm. Da mesma forma, se W é umaberto de Rm, com ψ−1(p) ∈ W ⊂ W , tem-se (ξ ψ)(W ) ⊂ Rm. Assim, noaberto ϕ−1(Z), onde Z = ϕ(U) ∩ ψ(W ), temos

ψ−1 ϕ = ψ−1 ξ−1 ξ ϕ = (ξ ψ)−1 (ξ ϕ).

A composta ξ ϕ é diferenciável. Como d(ξ ψ)(x) é um isomorfismo linear,segue do teorema da aplicação inversa que ξ ψ é, possivelmente num abertomenor, um difeomorfismo. Disso decorre, em particular, que (ξ ψ)−1 édiferenciável e, portanto ψ−1 ϕ é diferenciável. Analogamente se prova adiferenciabilidade de ϕ−1 ψ.

Definição 1.3.2. Uma aplicação f : M → N é dita diferenciável no pontop ∈ M se existem parametrizações ϕ : U → ϕ(U) de M e ψ : V → ψ(V ) deN , com p = ϕ(x) e f(ϕ(U)) ⊂ ψ(V ), de modo que a aplicação

ψ−1 f ϕ : U → V (1.2)

seja diferenciável no ponto x ∈ U .

Em virtude da Proposição 1.3.1, segue que a aplicação (1.2) está bemdefinida, e esta será chamada a representação de f em relação às parametri-zações ϕ e ψ, e será denotada por f ou fϕψ.

Observação 1.3.3. No caso particular em que f é da forma f : Mm → Rk,segue que f é diferenciável no ponto p ∈ M se existe uma parametrizaçãoϕ : U → ϕ(U) de M , com p = ϕ(x), tal que a aplicação

f ϕ : U → Rk

é diferenciável no ponto x = ϕ−1(p).

Proposição 1.3.4. Toda parametrização ϕ : U → ϕ(U) de uma superfícieMm em Rn é um difeomorfismo.

Demonstração. Por definição, a aplicação ϕ : U → ϕ(U) é um homeomor-fismo diferenciável. Resta mostrar que a inversa ϕ−1 : ϕ(U) → U é dife-renciável. Escrevamos f = ϕ−1. Note que a aplicação f : ϕ(U) → Rmestá definida num aberto da superfície M . Assim, segundo a Observação1.3.3, devemos mostrar que, para todo p ∈ ϕ(U), existe uma parametrizaçãoψ : W → ψ(W ) de ϕ(U), com ψ(x) = p, tal que f ψ : W → Rm seja di-ferenciável. Basta considerar a própria parametrização ϕ : U → ϕ(U), poisf ϕ = ϕ−1 ϕ = id é a aplicação identidade em Rm, que é diferenciável.

8

Page 12: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Dado uma aplicação f : Mm → Nn, diferenciável no ponto p ∈ M , adiferencial de f no ponto p é a transformação linear df(p) : TpM → Tf(p)Ndefinida do seguinte modo. Considere uma parametrização ϕ : U → ϕ(U)de M , com p = ϕ(x). Dado um vetor v ∈ TpM , temos v = dϕ(x) · w, paraalgum vetor w ∈ Rm. Definimos, então,

df(p) · v = d(f ϕ)(x) · w.

Devemos mostrar que df(p) independe da escolha da parametrização ϕ. Defato, seja ψ : V → ψ(V ) outra parametrização de M , com p = ψ(y) ev = dψ(y) · u. Sabemos, pela Proposição 1.3.1, que ψ = ϕ ξ, onde

ξ : ϕ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V ))→ ψ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V ))

é um difeomorfismo entre abertos de Rm, com ξ(y) = x. Temos:

dϕ(x) · w = v = dψ(y) · u = d(ϕ ξ)(y) · u= dϕ(x) · dξ(y) · u.

Como dϕ(x) é injetora, segue que dξ(y) · u = w. Assim,

d(f ψ)(y) · u = d(f ϕ ξ)(y) · u = d(f ϕ)(x) · dξ(y) · u= d(f ϕ)(x) · w.

Observação 1.3.5. O vetor v ∈ TpM é o vetor velocidade λ′(0) de umacurva λ : (−ε, ε)→M , diferenciável em t = 0, com λ(0) = p. Assim,

df(p) · v = d(f ϕ)(x) · w = d(f ϕ)(x) · (ϕ−1 λ)′(0)

= (f ϕ ϕ−1 λ)′(0) = (f λ)′(0),

ou seja, df(p) · v é o vetor velocidade da curva f λ no instante t = 0.

Proposição 1.3.6 (Regra da cadeia). Considere superfícies M , N , P eaplicações f : M → N e g : N → P tais que f é diferenciável no pontop ∈ M e g é diferenciável no ponto f(p). Então a aplicação compostag f : M → P é diferenciável no ponto p e vale a regra:

d(g f)(p) = dg(f(p)) df(p).

Demonstração. Considere parametrizações ϕ : U → ϕ(U), ψ : V → ψ(V )e ξ : W → ξ(W ) de de M , N e P , respectivamente, tais que p = ϕ(x) ef(p) = ψ(y). Como f é diferenciável em p ∈ M , segue que ψ−1 f ϕ é

9

Page 13: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

diferenciável em x, e como g é diferenciável em f(p), ξ−1gψ é diferenciávelem y. Assim,

ξ−1 (g f) ϕ = (ξ−1 g ψ) (ψ−1 f ϕ)

é diferenciável no ponto x, como composta de aplicações diferenciáveis entreabertos Euclidianos logo, por definição, g f é diferenciável em p. Para asegunda parte, temos:

dg(f(p)) df(p) = d(g ψ)(y) d(f ϕ)(x)

= d(g ψ)(ψ−1(f(p))) d(f ϕ)(x)

= d(g f ϕ)(x)

= d(g f)(p),

como queríamos.

1.4 As formas locais

Um difeomorfismo entre superfícies M e N é uma bijeção diferenciávelf : M → N , cuja inversa f−1 também é diferenciável. O resultado seguintemostra que só existe difeomorfismo entre superfícies de mesma dimensão.

Proposição 1.4.1. Se f : Mm → Nn é um difeomorfismo então, paracada ponto p ∈ M , a diferencial df(p) : TpM → Tf(p)N é um isomorfismo.Decorre, em particular, que m = n.

Demonstração. Das igualdades f−1 f = idM e f f−1 = idN , decorre daregra da cadeia que df−1(q)df(p) é a identidade em TpM e df(p)df−1(q) éa identidade em TqN , onde q = f(p). Portanto, df−1(q) = df(p)−1, ou seja,df(p) : TpM → TqN é um isomorfismo linear para todo p ∈M , cujo inverso édf−1(q). Decorre, em particular, que m = dim(TpM) = dim(TqN) = n.

A fim de concluir que m = n basta que a diferencial df(p) : TpM → TqNseja um isomorfismo em apenas um ponto p ∈ M . O resultado seguinte éuma recíproca local para a Proposição 1.4.1.

Teorema 1.4.2 (Teorema da aplicação inversa). Considere uma aplica-ção diferenciável f : Mn → Nn e um ponto p ∈ M tal que a diferencialdf(p) : TpM → TqN seja um isomorfismo linear, onde q = f(p). Entãoexiste um aberto W ⊂ M , com p ∈ W , tal que f(W ) é aberto em N ef |W : W → f(W ) é um difeomorfismo.

10

Page 14: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Demonstração. Sejam ϕ : U → ϕ(U), ψ : V → ψ(V ) parametrizações de Me N , respectivamente, com p = ϕ(x) e f(ϕ(U)) ⊂ ψ(V ). A representação fde f é diferenciável e, pela regra da cadeia, segue que

d(ψ−1 f ϕ)(x) = dψ−1(q) df(p) dϕ(x)

é um isomorfismo linear. Assim, pelo teorema da aplicação inversa entreabertos Euclidianos, existe um aberto W em Rn, com x ∈ W ⊂ U , tal quef(W ) é aberto em Rn e f |

Wé um difeomorfismo. Tome W = ϕ(W ). Segue

então que W é aberto em M , com p ∈W , f(W ) = ψ(f(W )) é aberto em Ne f |W é um difeomorfismo, como composta de difeomorfismos.

Vejamos uma aplicação simples do Teorema 1.4.2.

Exemplo 1.4.3. Dado uma superfície Mm ⊂ Rn, denotemos por x1, . . . , xnas funções coordenadas usuais de Rn, ou seja, a i-ésima função coordenadaxi : Rn → R é dada por xi(x) = xi, para todo x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn. Afir-mamos que m dessas funções coordenadas constituem uma parametrizaçãolocal para M . De fato, denotemos por φ1, . . . , φn a base dual de Rn, i.e.,φi(ej) = δij , onde e1, . . . , en denota a base canônica de Rn. Note que, alinearidade das funções coordenadas xi implica que

dxi(x) = φi, (1.3)

para quaisquer x ∈ Rn e 1 ≤ i ≤ n. Além disso, como TpM é um subes-paço m-dimensional de Rn, existem inteiros i1, . . . , im tais que φi1 , . . . , φimsão linearmente independentes quando restritos a TpM . Considere entãoa aplicação ϕ = (xi1 , . . . , xim) : M → Rm. Em virtude de (1.3), segueque a diferencial de ϕ no ponto p coincide com a restrição dos funcionaisφi1 , . . . , φim em TpM . Como tais funcionais são linearmente independentes,segue que dϕ(p) : TpM → Rm é um isomorfismo e o teorema da aplicaçãoinversa implica que ϕ é um difeomorfismo local sobre uma vizinhança de p.

Dizemos que uma aplicação diferenciável f : Mm → Nn é uma imersãono ponto p ∈ M se a diferencial df(p) : TpM → Tf(p)N é uma aplicaçãolinear injetora. Se f é imersão em todo ponto p ∈M , diremos simplesmenteque f é uma imersão. Neste caso, devemos ter, necessariamente, m ≤ n.

Exemplo 1.4.4. Considere a aplicação inclusão f : Rm → Rm × Rn, dadapor f(p) = (p, 0). Como f é linear, segue que df(p) = f para todo p ∈ Rm.Assim, f é uma imersão de classe C∞.

11

Page 15: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 1.4.5. Uma curva diferenciável α : I → Rn, definida no intervaloaberto I ⊂ R, é uma imersão se, e somente se, α′(t) 6= 0 para todo t ∈ I. Issosignifica que a imagem α(I) possui, em cada ponto α(t), uma reta tangente.

Exemplo 1.4.6. Uma imersão pode não ser injetora. Um exemplo simplesé a curva α : R → R2 dada por α(t) = (t3 − t, t2). Um cálculo simplesmostra que α′(t) = (3t2 − 1, 2t) 6= (0, 0) para todo t ∈ R e, além disso,α(1) = (0, 1) = α(−1).

O teorema seguinte afirma que, em vizinhanças coordenadas apropriadas,qualquer imersão f : M → N se comporta, localmente, como a inclusãocanônica do Exemplo A.3.5.

Teorema 1.4.7 (Forma local das imersões). Seja f : Mm → Nn uma apli-cação diferenciável que é uma imersão num ponto p ∈M . Então, dado umaparametrização ϕ : U → ϕ(U) deM , com p = ϕ(x), existe um difeomorfismoξ : Z → U ×W , onde Z ⊂ N é um aberto contendo f(ϕ(U)) e W ⊂ Rn−mé um aberto contendo 0, tais que

(ξ f ϕ)(x) = (x, 0) ∈ Rm × Rn−m,

para todo x ∈ U .

Demonstração. Sejam ϕ : U → ϕ(U) e ψ : V → ψ(V ) parametrizações deM e N , respectivamente, com p = ϕ(x) e f(ϕ(U)) ⊂ ψ(V ). Como df(p) éinjetora, segue que d(ψ−1 f ϕ)(x) também é injetora. Pela forma localdas imersões em espaços Euclidianos, restringindo os domínios, se necessário,existe um difeomorfismo h : V → U ×W , onde W ⊂ Rn−m é um abertocontendo 0 ∈ Rn−m, tal que

h (ψ−1 f ϕ) : U → U ×W

é a aplicação inclusão, i.e.,

[h (ψ−1 f ϕ)](x) = (x, 0)

para todo x ∈ U . Agora, basta definir ξ = h ψ−1 e fazer Z = ψ(V ).

Dizemos que uma aplicação diferenciável f : Mm → Nn é uma submer-são no ponto p ∈M se a diferencial df(p) : TpM → Tf(p)N é uma aplicaçãolinear sobrejetora. Se f é submersão em todo ponto p ∈ M , diremos sim-plesmente que f é uma submersão. Neste caso, tem-se m ≥ n.

12

Page 16: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 1.4.8. Uma função diferenciável f : M → R é uma submersão se,e somente se, df(p) 6= 0 para todo p ∈ M . Isso decorre do fato de que umfuncional linear é sobrejetor ou é nulo.

Exemplo 1.4.9. Dado uma decomposição em soma direta da formaRm+n = Rm ⊕ Rn, seja π a projeção sobre o primeiro fator, π(x, y) = x.Como π é linear, segue que dπ(x, y) = π para todo (x, y) ∈ Rm+n, logo π éuma submersão. A matriz jacobiana de π tem como linhas os m primeirosvetores da base canônica de Rm+n. Da mesma forma podemos concluir quea projeção sobre o segundo fator também é uma submersão.

O teorema seguinte mostra que o Exemplo A.3.11 é, localmente, o casomais geral de uma submersão.

Teorema 1.4.10 (Forma local das submersões). Seja f : Mm → Nn umaaplicação diferenciável que é uma submersão num ponto p ∈ M . Então,dado uma parametrização ψ : V → ψ(V ) em N , com f(p) ∈ ψ(V ), existeum difeomorfismo ξ : V ×W → Z, onde W é um aberto de Rm−n e Z ⊂Mé um aberto contendo o ponto p, com f(Z) ⊂ ψ(V ), tal que

(ψ−1 f ξ)(x, y) = x,

para todo (x, y) ∈ V ×W .

Demonstração. Considere uma parametrização ϕ : U → ϕ(U) de M , comp ∈ ϕ(U) e f(ϕ(U)) ⊂ ψ(V ). Como f é submersão em p, segue que ψ−1fϕtambém é uma submersão no ponto a = ϕ−1(p). Assim, pela forma local dassubmersões em espaços Euclidianos, restringindo os domínios, se necessário,existe um difeomorfismo h : V ×W → U , onde W ⊂ Rm−n é um abertocontendo a2, onde a = (a1, a2) ∈ Rm−n × Rn, tal que

[(ψ−1 f ϕ) h](x, y) = x

para todo (x, y) ∈ V ×W . Assim, basta considerar ξ = ϕh e Z = ϕ(U).

13

Page 17: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

1.5 Exercícios

1.1

1. Use a projeção estereográfica para mostrar que a esfera unitária Sn é umahipersuperfície de Rn+1.

2. Mostre que um subconjunto aberto de uma superfície M ⊂ Rn tambémé uma superfície em Rn.

3. Mostre que um subconjunto M ⊂ Rn é uma superfície de dimensão 0 se,e somente se, M é um conjunto discreto.

4. Sejam M1 ⊂ Rn1 e M2 ⊂ Rn2 superfícies de dimensão m1 e m2, res-pectivamente. Prove que o produto cartesiano M1 ×M2 ⊂ Rn1+n2 é umasuperfície de dimensão m1 + m2. Conclua, daí, que o toro T 2 = S1 × S1 éuma superfície de dimensão 2 de R4.

5. O grupo linear GL é o subconjunto aberto deM(n) formado pelas matrizesinversíveis. O grupo linear especial,

SL(n) = X ∈ GL : detX = 1,

é um subgrupo de GL. Prove que SL(n) é uma hipersuperfície de M(n).

6. Considere a função f : R3 → R dada por f(x, y, z) = z2. Mostre que 0não é valor regular para f , embora f−1(0) seja superfície de R3.

1.2

1. Mostre que o espaço tangente à esfera Sn ⊂ Rn+1 num ponto p é dadopor TpSn = v ∈ Rn+1 : 〈v, p〉 = 0.

2. Mostre que o espaço tangente a SL(n), na matriz identidade, é o subespaçodas matrizes de traço nulo.

3. Seja f : U → Rn uma aplicação diferenciável, definida no aberto U ⊂ Rm.Mostre que o espaço tangente ao gráfico de f no ponto (p, f(p)) é o gráficoda diferencial df(p) : Rm → Rn.

4. Dados uma superfície M e um ponto p ∈ M , considere parametrizaçõesϕ : U → ϕ(U) e ψ : V → ψ(V ) de M , com p = ϕ(x) = ψ(y). Dado um vetor

14

Page 18: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

v ∈ TpM , suponha que suas expressões, nas bases de TpM associadas a ϕ eψ, sejam dadas por

v =n∑i=1

ai∂

∂xi(p) e v =

n∑i=1

bi∂

∂yi(p),

onde ∂∂xi

(p) = dϕ(x) · ei e ∂∂yi

(p) = dψ(y) · ei. Mostre que as coordenadas dev estão relacionadas por

bj =n∑i=1

ai∂yj∂xi

,

onde yj = yj(x1, . . . , xn) são as expressões da mudança de coordenadas entreϕ e ψ.

A.2

1. Mostre que toda aplicação diferenciável f : M → N , entre as superfíciesM e N , é contínua.

2. Se U é um aberto de uma superfícieMm, mostre que a aplicação inclusãoi : U →M é diferenciável.

3. Se f : M → N é uma aplicação diferenciável, mostre que a restrição de fa qualquer aberto U de M também é diferenciável.

4. Considere o produto cartesiano M = M1 ×M2 das superfícies M1 e M2.

(a) Mostre que as projeções πi : M →Mi são aplicações diferenciáveis.

(b) Se N é outra superfície, mostre que uma aplicação f : N → M édiferenciável se, e somente se, as aplicações coordenadas πi f sãodiferenciáveis, i = 1, 2.

5. Mostre que o gráfico de uma aplicação diferenciável f : M → N é difeo-morfo à superfície M .

6. Mostre que o espaço tangente ao gráfico de uma aplicação diferenciávelf : M → N em um ponto (p, f(p)) coincide com o gráfico da diferencialdf(p) : TpM → Tf(p)N .

7. Sejam L : Rn → Rn uma aplicação linear e M ⊂ Rn uma superfícieinvariante em relação a L, i.e., L(M) ⊂ M . Mostre que a restrição L|Mé uma aplicação diferenciável e dL(p) · v = L(v), para quaisquer p ∈ M ev ∈ TpM .

15

Page 19: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

1.4

1. Dado uma superfície compacta Mm, mostre que não existe um difeomor-fismo local f : M → Rm.

2. Dê exemplo de um difeomorfismo local f : R2 → R2 que não é umdifeomorfismo.

3. Prove que toda imersão f : M → N é, localmente, um mergulho, ou seja,para cada ponto p ∈ M , existe um aberto U de M , com p ∈ U , tal que f |Ué um homeomorfismo sobre a imagem. Além disso, se f é injetora e M écompacta, então f é globalmente, um mergulho.

4. Prove que qualquer submersão f : M → N , comM compacta e N conexa,é sobrejetora.

5. Seja Mn uma superfície compacta. Prove que não existe uma submersãof : M → Rk, para qualquer k ≥ 1.

6. Prove que a composição de imersões também é uma imersão.

7. Seja f : M → N uma submersão. Se M é compacta e N conexa, mostreque f é sobrejetora.

16

Page 20: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

1.6 Apêndice 1: O teorema da invariância do do-mínio

Um problema básico da topologia dos espaços Euclidianos é determinarse dois subconjuntos X ⊂ Rm e Y ⊂ Rn são ou não homeomorfos. Nãoexiste uma resposta geral para este problema. A fim de garantir que X e Ysão homeomorfos é necessário exibir um homeomorfismo entre eles. Quandose suspeita que X e Y não são homeomorfos, a ideia é estudar invariantestopológicos, como a compacidade, a conexidade e o grupo fundamental.

Exemplo 1.6.1. Considere o intervalo fechado X = [a, b] ⊂ R e a bolafechada Y = B[p; r] ⊂ R2. Ambos são compactos e conexos. No entanto,seja qual for o ponto q ∈ Y , o conjunto Y \ q ainda é conexo enquantoque, para qualquer ponto a < x < b, o conjunto X \ x é desconexo. As-sim, se existisse um homeomorfismo f : X → Y , escolheríamos um pontox ∈ (a, b), escreveríamos q = f(x) e teríamos, por restrição, um homeomor-fismo g : X \ x → Y \ q, g = f |X\x, entre um conjunto conexo e umconjunto desconexo, o que é uma contradição.

Se tentarmos repetir esse raciocínio para provar que uma bola fechadaX = B[p; δ] ⊂ R2 não é homeomorfa a uma bola fechada Y = B[q; ε] ⊂ R3

não chegaremos a lugar nenhum, pois X e Y permanecem conexos depois daretirada de qualquer um de seus pontos. É intuitivo que uma bola abertade Rm só é homeomorfa a uma bola aberta de Rn quando m = n. Isso éverdade, e a demonstração desse fato faz uso de um importante teorema deTopologia, cuja demonstração o leitor pode encontrar em [8, Theorem 36.5].

Teorema 1.6.2 (Invariância do domínio). Seja f : U → Rn uma aplicaçãoinjetora e contínua, definida no aberto U ⊂ Rn. Então f(U) é aberto em Rne f é um mergulho.

Corolário 1.6.3. Se uma bola aberta de Rm é homeomorfa a uma bolaaberta de Rn, então m = n.

Demonstração. Como uma bola aberta de Rn é homeomorfa a Rn, podemossupor que as bolas abertas sejam os espaços Rm e Rn. Suponha, por absurdo,que m > n, e considere o homeomorfismo ϕ : Rm → Rn entre os espaçosEuclidianos. Denotando por i : Rn → Rm o mergulho canônico

(x1, . . . , xn) ∈ Rn 7→ (x1, . . . , xn, 0, . . . , 0) ∈ Rm,

obtemos um mergulho ξ = i ϕ : Rm → Rm que a cada ponto x ∈ Rmassocia o ponto ξ(x) = (ϕ(x), 0) ∈ Rm. No entanto, a imagem de Rm pelomergulho ξ não é um aberto em Rm, contradizendo o Teorema 1.6.2.

17

Page 21: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Capítulo 2

Subvariedades

2.1 Subvariedades

Definição 2.1.1. Um subconjunto M de uma superfície Nn é dito ser umasubvariedade de dimensão m se, para cada ponto p ∈M , existem um abertoV de N , com p ∈ V , e um difeomorfismo ξ : V → ξ(V ), onde ξ(V ) é umaberto de Rn, tais que ξ(M ∩ V ) = ξ(V ) ∩ Rm.

Decorre do Teorema 1.1.12 que toda subvariedade de dimensão m emuma superfície N é, em si, uma superfície de dimensão m. O número n−mé chamado a codimensão da subvariedade M na superfície N .

Todo subconjunto aberto de uma superfície Nn é uma subvariedade decodimensão 0 em N , e todo ponto pode ser visto como uma subvariedade decodimensão n. Se M e N são superfícies, podemos considerar a superfícieproduto M × N , como no Exercício 1.1.4. Assim, quaisquer que sejam ospontos p ∈M e q ∈ N , os subconjuntos p×N eM×q são subvariedadesde M ×N .

Sabemos que toda imersão f : M → N é, localmente, um mergulho.Mais precisamente, dado um ponto p ∈ M , existe um aberto U de M , comp ∈ U , tal que f |U é um homeomorfismo sobre a imagem f(U) (cf. Exercício1.4.3). Por outro lado, a imagem f(M) de uma superfície através de umaimersão f : M → N não é, necessariamente, uma subvariedade de N , comomostra o exemplo seguinte.

Exemplo 2.1.2. Seja f : R→ R2 a aplicação dada por

f(t) =(2 cos t+ t, sin t

).

Claramente f é uma imersão e, devido às auto-interseções, f(R) não é umasubvariedade de R2.

18

Page 22: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

O resultado seguinte fornece uma condição necessária para que a imagemde uma superfície seja uma subvariedade.

Teorema 2.1.3 (Teorema do mergulho). Se f : Mm → Nn é um mergulho,definido entre duas superfícies, então a imagem f(M) é uma subvariedadede dimensão m de N .

Demonstração. Dados um ponto arbitrário p ∈ M e uma parametrizaçãoϕ : U → ϕ(U) de M , com p = ϕ(x), para algum x ∈ U , considere o di-feomorfismo ξ : V → ξ(V ) dado pelo Teorema 1.4.7, onde V é um abertode N , com f(ϕ(U)) ⊂ V . A aplicação f , por ser um mergulho, define umhomeomorfismo de M sobre f(M), onde f(M) está munido da topologiainduzida de N . Assim, como f(ϕ(U)) é aberto em f(M), podemos escre-ver f(ϕ(U)) = f(M) ∩ Z, onde Z é um aberto de N . Restringindo ξ, senecessário, podemos supor que V ⊂ Z. Assim,(

ξ (f ϕ))(x1, . . . , xm) = (x1, . . . , xm, 0, . . . , 0),

de modo que ξ(f(M)∩Z) = ξ(Z)∩Rm. Como isso pode ser feito em qualquerponto f(p) de f(M), concluimos que f(M) é uma subvariedade de N .

Decorre, em particular, que toda subvariedade de uma superfície N é aimagem da inclusão canônica, que claramente é um mergulho.

Dado uma aplicação diferenciável f : M → N , queremos saber quandoque a pré-imagem f−1(q) é uma subvariedade de M . Analogamente comono caso Euclidiano, dizemos que um ponto p ∈M é ponto regular para f se adiferencial df(p) é uma transformação linear sobrejetora. Um ponto q ∈ N échamado valor regular para f se a pré-imagem f−1(q) contém apenas pontosregulares para f . Se a diferencial df(p) não é sobrejetora, diremos que p éum ponto crítico para f .

A proposição seguinte é o análogo da Proposição 1.1.7.

Proposição 2.1.4. Considere uma aplicação diferenciável f : Mm → Nn

e um valor regular q ∈ N para f , com f−1(q) 6= ∅. Então o conjuntoS = f−1(q) é uma subvariedade de M , com dimensão m − n. Além disso,para todo p ∈ S, tem-se

TpS = ker df(p). (2.1)

Demonstração. Dados um ponto p ∈ S e uma parametrização ψ : V → ψ(V )de N , com ψ(0) = q, segue da forma local das submersões (cf. Teorema

19

Page 23: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

1.4.10), que existe um difeomorfismo ξ : V ×W → Z, onde W é aberto emRm−m e Z é um aberto em M , com p ∈ Z, tal que

(ψ−1 f ξ)(x, y) = x,

para todo (x, y) ∈ V ×W . Temos:

ξ−1(f−1(q) ∩ Z

)=(ψ−1 f ξ

)−1(0) = (V ×W ) ∩

(Rm−n × 0n

).

Seja T : Rm → Rm um isomorfismo linear que transforma o subespaçoRm−n × 0n sobre Rm−n ⊂ Rm. Então, T ξ−1 : Z → T (ξ−1(Z)) é umdifeomorfismo tal que

(T ξ−1)(f−1(q) ∩ Z

)= T

((V ×W ) ∩

(0n × Rm−n

))= T (V ×W ) ∩ Rm−n.

Ou seja, T ξ−1 transforma o aberto S∩Z difeomorficamente sobre o abertoT (V ×W )∩Rm−n, mostrando que S é uma subvariedade deM , com dimensãoigual a m−n. A prova da segunda parte é inteiramente análoga ao Exemplo1.2.5. Dado um vetor v ∈ TpS, seja λ : (−ε, ε)→ S uma curva diferenciávelem t = 0 tal que λ(0) = p e λ′(0) = v. A curva α(t) = f(λ(t)) é constantee igual a q, para todo t ∈ (−ε, ε). Assim, df(p) · v = α′(0) = 0, ou seja, v ∈ker df(p). Isso mostra que TpS ⊂ ker df(p). Como ambos são subespaçosde TpM de dimensão m− n, a igualdade (2.1) está provada.

Corolário 2.1.5. Sejam f : Mn → Nn uma aplicação diferenciável, ondeM é uma superfície compacta, e q ∈ N um valor regular para f . Então,S = f−1(q) é um subconjunto finito de M .

Demonstração. Pela Proposição 2.1.4, S é uma superfície de dimensão 0,logo é um conjunto discreto. Além disso, como S é fechado em M , e M écompacta, S também é compacta e, portanto, finito.

Dados uma aplicação diferenciável f : Mn → Nn, com M compacta, eq ∈ N um valor regular para f , denotemos por #f−1(q) a cardinalidade doconjunto f−1(q), que é finita em virtude do Corolário 2.1.5.

Lema 2.1.6. A função #f−1(q) é localmente constante quando q percorreo conjunto dos valores regulares q de f .

Demonstração. Denotemos por p1, . . . , pk os pontos do conjunto f−1(q).Pelo teorema da aplicação inversa, existem abertos U1, . . . , Uk ⊂ M , compi ∈ Ui, que podemos supor dois a dois disjuntos, que são transformados

20

Page 24: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

difeomorficamente por f sobre abertos V1, . . . , Vk em N . Considere então osubconjunto

V =(V1 ∩ . . . ∩ Vk

)\f(M\U1 ∪ . . . ∪ Uk

)de N , com q ∈ V . Para cada y ∈ V , tem-se #f−1(y) = #f−1(q).

Podemos usar o Lema 2.1.6 para provar o teorema fundamental da Álge-bra. A prova apresentada aqui é, essencialmente, aquela de Milnor [6].

Teorema 2.1.7 (Teorema fundamental da Álgebra). Todo polinômio não-constante P : C→ C admite uma raiz.

Demonstração. A ideia da prova consiste em transferir o problema do planocomplexo C para a esfera S2 ⊂ R3, que é uma superfície compacta. Para isso,considere a projeção estereográfica πN : S2\N → R2 relativa ao polo norteN = (0, 0, 1), onde identificaremos R2 ' C com o subespaço R2 × 0 ⊂ R3.Escrevendo P (z) = anz

n + . . . + a1z + a0, com an 6= 0, denotemos por f olevantamento de P à esfera S2, i.e., f : S2 → S2 é a aplicação dada por

f(x) =

(π−1N P πN

)(x), x 6= N

N, x = N.

Observe que f é diferenciável em todo ponto x 6= N . Mostremos que ftambém é diferenciável no ponto N . Para isso, considere a projeção estereo-gráfica πS : S2\S → R2 relativa ao polo sul S = (0, 0,−1). Note que πS éuma parametrização para S2. Assim, f será diferenciável no ponto N se, esomente se, a representação πS f π−1

S de f em relação a πS for diferenciávelem z = 0. Para z 6= 0, e usando o Exercício 2.1.3, temos(

πS f π−1S

)(z) =

zn

an + . . .+ a1zn−1 + a0zn(2.2)

e (πS f π−1

S

)(0) = 0. (2.3)

Note que (2.2) também está definida em z = 0, pois an 6= 0. Isso mostra quef é diferenciável no ponto N , pois (2.2) é diferenciável. Observe agora quef tem somente um número finito de pontos críticos. De fato, a aplicação fdeixa de ser um difeomorfismo local, em virtude da regra da cadeia, somentenos zeros da derivada de P , P ′ =

∑kakz

k−1, e estes zeros são em quanti-dade finita, pois P ′ não é identicamente nulo. Denotemos por X o conjunto

21

Page 25: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

dos pontos críticos de f e seja Y = f(X). Assim, o conjunto dos valores re-gulares de f , S2\Y , é conexo. Portanto, em virtude do Lema 2.1.6, a funçãolocalmente constante #f−1(q) é constante em todo o conjunto S2\Y . Noentanto, esta constante não pode ser a identicamente nula, pois o polinônioP não é constante. Disso decorre que S2\Y ⊂ f(S2\X) e, portanto, f ésobrejetora. Logo, existe z ∈ C tal que P (z) = 0, provando o teorema.

2.2 O teorema de Sard

Nesta seção apresentaremos o clássico teorema de Sard a respeito dosvalores regulares de uma dada aplicação diferenciável f : M → N . Maisprecisamente, o teorema afirma que o conjunto de tais pontos é denso emN . A fim de estabelecê-lo, veremos alguns resultados acerca dos conjuntosde medida nula no espaço Euclidiano.

Definição 2.2.1. Dizemos que um subconjunto X ⊂ Rn tem medida nulaem Rn, e escrevemos µ(X) = 0, se para cada ε > 0 dado, é possível obteruma sequência de cubos abertos C1, C2, . . . , Ck, . . . em Rn tais que

X ⊂∞⋃k=1

Ck e∞∑k=1

vol(Ck) < ε.

Existem várias propriedades importantes acerca dos conjuntos de medidanula. Apresentamos algumas delas nos exercícios.

Dizemos que um subconjunto X ⊂ Rn é localmente de medida nula emRn se, para cada x ∈ X, existe um aberto Vx em Rn, contendo o ponto x, talque µ(Vx ∩X) = 0. Observe que, da cobertura aberta X ⊂ ∪Vx extraimos,pelo teorema de Lindelöf (cf. [9, Theorem 30.3]), uma subcobertura enume-rável X ⊂ ∪Vk, logo X = ∪(Vk ∩X) é uma união enumerável de conjuntosde medida nula e, portanto, µ(X) = 0. Assim, um conjunto X ⊂ Rn élocalmente de medida nula se, e somente se, tem medida nula.

Exemplo 2.2.2. Seja Mm uma superfície em Rn, com m < n. Dado umaparametrização ϕ : U → ϕ(U) de M , a vizinhança coordenada ϕ(U) ⊂ Mtem medida nula em Rn (cf. Exercício 4). Como ϕ(U) = A∩M , para algumaberto A de Rn, segue que M é localmente de medida nula e, assim, Mm

tem medina nula em Rn.

Estudaremos agora os conjuntos de medida nula em uma superfície M .

22

Page 26: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Definição 2.2.3. Sejam Mm uma superfície e ϕ : U → ϕ(U) uma parame-trização deM . Dizemos que um subconjunto X ⊂ ϕ(U) tem medida nula emM se o conjunto ϕ−1(X) tem medida nula em Rm, i.e., se µ(ϕ−1(X)) = 0.

Se ψ : V → ψ(V ) for outra parametrização de M , com X ⊂ ψ(V ), entãoψ−1(X) = (ψ−1 ϕ)(ϕ−1(X)) também tem medida nula em Rm em virtudedo Exercício 3, pois ψ−1 ϕ é um difeomorfismo em Rm.

No caso geral, dizemos que um subconjunto X ⊂M tem medida nula emM se, para toda parametrização ϕ : U → ϕ(U) de M , o conjunto ϕ(U) ∩Xtiver medida nula em M de acordo com a Definição 2.2.3.

Os conjuntos de medida nula em uma superfícieM satisfazem proprieda-des análogas daquelas dos conjuntos de medida nula do espaço Euclidiano.Por exemplo, temos a seguinte

Proposição 2.2.4. Se f : Mm → Nn é uma aplicação diferenciável, comm < n, então f(M) tem medida nula em N .

Demonstração. Segue diretamente do Exercício 4, usando parametrizaçõespara M e N .

O teorema seguinte, a respeito do conjunto dos pontos críticos de umaaplicação diferenciável f : Mm → Nn, foi provado por Anthony Morse [7],para o caso n = 1, e por Arthur Sard [10], para o caso geral. Em virtudeda Proposição 2.2.4, basta mostrar o caso em que m ≥ n. A prova queapresentaremos é, essencialmente, aquela de Lee [4]. Por ser relativamentetécnica, o leitor pode omití-la numa primeira leitura.

Teorema 2.2.5 (Sard). Dado uma aplicação diferenciável f : Mm → Nn,denotemos por S o conjunto dos pontos p ∈ M tais que a diferencial df(p)não é sobrejetora. Então f(S) tem medida nula em N .

Demonstração. Dado p ∈ S, considere parametrizações ϕ : U → ϕ(U) de Me ψ : V → ψ(V ) de N , com p ∈ ϕ(U) e f(ϕ(U)) ⊂ ψ(V ). Basta mostrar quef(S ∩ ϕ(U)) tem medida nula em N . Por outro lado,

µ(f(S ∩ ϕ(U))) = 0 ⇔ µ(ψ−1(f(S ∩ ϕ(U)))) = 0 em Rn

⇔ µ(f(ϕ−1(S ∩ ϕ(U)))) = 0 em Rn,

onde f é a representação de f em termos de ϕ e ψ. Assim, o teorema de Sardpara superfícies se reduz ao caso Euclidiano, ou seja, basta mostrar que sef : U → Rn é uma aplicação diferenciável, definida no aberto U ⊂ Rm, e Sé o conjunto dos pontos x ∈ U tais que df(x) não é sobrejetora, então f(S)

23

Page 27: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

tem medida nula em Rn. Provaremos usando indução na dimensão m. Param = 0, f(S) é um conjunto discreto, possivelmente vazio, logo tem medidanula. Suponha então o teorema válido para dimensões 1 ≤ j ≤ m − 1, emostremos que vale para dimensão j = m. Para cada sequência de k inteirosnão-negativos α = (i1, . . . , ik), denotemos por

∂|α|f

∂xα=

∂i1+...ikf

∂xi1 . . . ∂xik,

onde |α| = i1 + . . .+ ik. Denotando por

Si =

x ∈ U :

∂|α|f

∂xα(x) = 0, para todo |α| ≤ i

,

segue queS = (S\S1) ∪ (S1\S2) ∪ . . . ∪ (Sk−1\Sk) ∪ Sk.

Assim, devemos mostrar que:

(a) f(S\S1) tem medida nula,

(b) f(Sj−1\Sj) tem medida nula,

(c) f(Sk) tem medida nula para todo k suficientemente grande.

Prova de (a): podemos assumir que m ≥ 2 pois, se m = 1, então S = S1.Considere um ponto a ∈ S\S1 tal que alguma derivada parcial primeira nãoseja nula em x = a. A menos de uma mudança de coordenadas, podemosassumir que essa derivada parcial é ∂f

∂x1. Segue então do teorema da aplicação

inversa que a aplicação

(x1, . . . , xm) 7→ (f(x), x2, . . . , xm)

restringe-se a uma difeomorfismo em alguma vizinhançaW de a. Compondof com algum difeomorfismo, caso necessário, podemos supor que a restriçãof |W é da forma

x ∈W 7→ (x1, g2(x), . . . , gn(x)).

Para cada t, denote por f t a restrição de f ao hiperplano (t×Rm−1)∩W .A matriz jacobiana de f em um ponto (t, x2, . . . , xm) em (t ×Rm−1)∩Wé da forma

df =

(1 0∗ df t

).

24

Page 28: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Assim, (t, x2, . . . , xm) é ponto crítico para f se, e somente se, é ponto críticopara f t. Note que

f((t × Rm−1) ∩W

)= f t

((t × Rm−1) ∩W

)⊂ t × Rm−1.

Porém, o domínio de f t é um aberto em uma cópia de Rm−1 e, assim, pelahipósete de indução, f

((t×Rm−1)∩W

)tem medida nula em t×Rm−1.

Portanto, o conjunto dos pontos críticos de f |W tem uma interseção de me-dida nula como todo conjunto da forma t × Rm−1 e, pelo Exercício 2.2.5,f(S\S1) ∩W

)tem medida nula. Como podemos cobrir o conjunto S por

uma quantidade enumerável de conjuntos da forma (S\S1)∩W , concluimosque f(S\S1) tem medida nula.

Prova de (b): Fixado um ponto a ∈ Sj−1\Sj , segue que alguma j-ésimaderivada parcial é não-nula em a e, após alguma permutação das funçõescoordenadas, podemos assumir que

∂x1

∂|β|f1

∂xβ(a) 6= 0,

para alguma (j − 1)-terna β = (i1, . . . , ij−1), onde a função ω = ∂|β|f1∂xβ

énula no ponto a, pois a ∈ Sj−1. Assim, como no caso anterior, temos umaaplicação

x 7→ (ω(x), x2, . . . , xm)

que restringe-se a uma difeomorfismo φ em alguma vizinhançaW de a. Noteque φ(Sj−1∩W ) ⊂ 0×Rm−1. Assim, podemos substituir f pela aplicaçãog = f φ−1 que tem a forma

x 7→ (x1, h(x)),

para alguma aplicação h : Z → Rm−1, onde W = φ(Z). Pela hipótese deindução, a restrição g0 de g ao conjunto (0×Rm−1)∩Z tem um conjuntode valores críticos de medida nula. Porém, cada ponto do conjunto

φ(Sj−1 ∩ Z) ⊂ 0 × Rm−1

é crítico para g0, pois difeomorfismo preserva ponto crítico e todas as deri-vadas parciais de ordem menor que j para g, e assim, para g0, anulam-se.Assim, gφ(Sj−1∩Z) = f(Sj−1∩Z) tem medida nula. Como uma quantidadeenumerável de conjuntos da forma Sj−1∩Z cobrem Sj−1\Sj , concluimos quef(Sj−1\Sj) tem medida nula.

25

Page 29: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Prova de (c): Considere um cubo In(r) ⊂ U de lado r. Mostraremos que,se k > m

n − 1, então f(In(r) ∩ Sk) tem medida nula. Dado um pontoa ∈ In(r) ∩ Sk, com a+ h ∈ In(r), segue do teorema de Taylor que

|f(a+ h)− f(a)| ≤ c|h|k+1, (2.4)

para alguma constante c que depende somente de f e In(r). Decompomoso cubo In(r) em Rn cubos menores de lado r/R. Denotemos os cubos quecontêm pontos críticos de f como C1, . . . , Cs. Considere o cubo Ci contendoum ponto crítico a para f . Se y ∈ Ci, então |y − a| ≤ r

√m/R. Assim,

usando a estimativa (2.4) com y = a + h, segue que f(Ci) está contido emum cubo Ci ⊂ Rn de lado

2c

(r√m

R

)k+1

=b

Rk+1

onde a constante b = 2c(r√m)k+1 independe do cubo particular C da de-

composição, e sim somente de f e In(r). A soma dos volumes de todos taiscubos é

L ≤ Rn(

b

Rk+1

)nque, sob a condição que n(k + 1) > m, podemos torná-la suficientementepequena, bastando escolher R suficientemente grande. Isso prova o item (c)e finaliza a prova do teorema.

Uma consequência direta do teorema de Sard é o seguinte

Corolário 2.2.6. O conjunto dos valores regulares de uma aplicação dife-renciável f : M → N é sempre denso em N .

Demonstração. De fato, se existisse um aberto V ⊂ N que não intercepta oconjunto dos valores regulares de f , V seria constituído somente de valorescríticos e não teria medida nula em N , contradizendo o teorema de Sard.

Corolário 2.2.7. O conjunto dos pontos q ∈ N para os quais f−1(q) é umasuperfície é denso em N .

2.3 Transversalidade

Nesta seção estudaremos sob que condições a pré-imagem de uma subva-riedade, através de uma aplicação diferenciável, também é uma subvariedade.

26

Page 30: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

No caso particular em que a subvariedade reduz-se a um ponto basta, em vir-tude da Proposição 1.1.7, que este ponto seja valor regular para a aplicação.O que faremos agora é estender essa noção de regularidade.

Definição 2.3.1. Sejam f : M → N uma aplicação diferenciável e P umasubvariedade de N . Dizemos que f é transversal à subvariedade P se, paratodo ponto p ∈ f−1(P ), tem-se

Tf(p)N = df(p)(TpM) + Tf(p)P. (2.5)

A equação (2.5) significa que todo vetor tangente à superfície N em f(p)se expressa como soma de um vetor tangente à subvariedade P em f(p) eum vetor tangente à imagem de M através de df(p).

Casos triviais de transversalidade ocorrem, por exemplo, quando P = Nou f(M) ∩ P = ∅. Por outro lado, a transversalidade impõe algumas restri-ções nas dimensões das superfícies. Por exemplo, se dimM < dimN−dimP ,então f não pode ser transversal a P , a menos que f(M) ∩ P = ∅.

O resultado seguinte é uma extensão da Proposição 2.1.4.

Teorema 2.3.2. Sejam f : Mm → Nn uma aplicação diferenciável e P k

uma subvariedade de Nn, com f−1(P ) 6= ∅. Se f é transversal a P , entãof−1(P ) é uma subvariedade de Mm, cuja codimensão é n− k.

Demonstração. A ideia da prova é escrever f−1(P ) como a pré-imagem devalor regular de uma outra aplicação diferenciável. A menos de parametriza-ções, podemos assumir que f é da forma f : Rm → Rn, e P é uma superfíciede dimensão k em Rn. Fixemos um ponto p ∈ P e seja x ∈ f−1(p). Assim,existe um aberto V de Rn, com p ∈ V , e um difeomorfismo ξ : V → ξ(V )tais que ξ(P ∩ V ) = ξ(V ) ∩ Rk, ou seja,

ξ(P ∩ V ) = Rk × 0n−k.

Seja π : Rn → Rn−k a projeção canônica sobre o segundo fator. Note queπ transforma o aberto ξ(P ∩ V ) no ponto 0 ∈ Rn−k e sua diferencial, noponto ξ(p), anula-se em TpP ' dξ(p)(TpP ). Considere agora a aplicaçãoh : Rm → Rn−k definida por h = π (ξ f). Pela regra da cadeia e o fatoque π é linear, temos

dh(x)(Rm) = π(dξ(p)(df(x)(Rm)

))= π

(dξ(p)

(df(x)(Rm) + TpP

)).

A condição de transversalidade diz que

df(x)(Rm) + TpP = Rn,

27

Page 31: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

para todo x ∈ f−1(P ). Isso implica que dh(x) é sobrejetora, mostrando que0 ∈ Rn−k é valor regular para h. Como f−1(P ∩ V ) = h−1(0) concluimos,através da Proposição 1.1.7, que f−1(P ) é uma subvariedade de Rm, cujacodimensão é n− k, que coincide com a codimensão de P em Rn.

Considere agora duas subvariedadesM e P de uma superfícieN . Dizemosque M e P são transversais se

TpM + TpP = TpN, (2.6)

para todo p ∈ M ∩ P . Note que a condição (2.6) é justamente a Definição2.3.1 aplicada entre a inclusão i : M → N e a subvariedade P .

Corolário 2.3.3. A interseção não-vaziaM∩P de duas subvariedades trans-versais M e P de N também é uma subvariedade de N . Além disso

codim (M ∩ P ) = codimM + codimP.

Demonstração. O fato de queM∩P é subvariedade de N decorre do fato queM e P são subvariedades de N . Se m, k, n, l denotam as dimensões de M ,P , N e M ∩P , respectivamente, segue do Teorema 2.3.2 que m− l = n− k,logo n− l = (n−m) + (n− k).

Exemplo 2.3.4. Em R2, considereM como sendo o gráfico da função f(x) =x3 − a e P como sendo o eixo-x. Neste caso, M e P são transversais se, esomente se, a 6= 0.

No resultado seguinte veremos que se M e N são superfícies e P é umasubvariedade deN , então quase todas as aplicações diferenciáveis f : M → Nsão transversais a P .

Teorema 2.3.5 (Teorema da transversalidade). Considere superfícies M ,N e S e uma aplicação diferenciável f : M × S → N , transversal a umasubvariedade P de N . Então, o conjunto de todos os pontos s ∈ S, tais quefs = f(·, s) : M → N é transversal a P , é denso em S.

Demonstração. Pelo Teorema 2.3.2, tem-se que f−1(P ) é uma subvariedadede M × S. Denotemos por π a restrição à subvariedade f−1(P ) da projeçãode M × S sobre o segundo fator. Mostremos que se s ∈ S é valor regularpara π, então fs é transversal a P . Fixemos um ponto x ∈ M tal quefs(x) = p ∈ P . Como f(x, s) = p ∈ P e f é transversal a P , temos

df(x, s)(T(x,s)(M × S)

)+ TpP = TpN.

28

Page 32: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Como s ∈ S é valor regular para π, e π é linear, tem-se π(T(x,s)f

−1(P )).

Disso decorre, em particular, que

T(x,s)(M × S) = kerπ + T(x,s)f−1(P ),

ou seja,T(x,s)(M × S) = T(x,s)(M × s) + T(x,s)f

−1(P ).

Assim,

df(x, s)(T(x,s)(M × s)

)+ df(x, s)

(T(x,s)f

−1(P ))

+ TpP = TpN,

e usando o fato que df(x, s)(T(x,s)f

−1(P ))⊂ TpP , tem-se

dfs(x)(TxM) + TpP = TpN,

ou seja, fs é transversal a P . A densidade do conjunto de tais pontos s ∈ Ssegue do teorema de Sard.

29

Page 33: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

2.4 Exercícios

2.1

1. Seja f : M → R uma função diferenciável, onde M é uma superfíciecompacta. Mostre que f tem, pelo menos, dois pontos críticos.

2. Seja f : X → R uma função localmente constante, definida num subcon-junto conexo X ⊂ Rn. Mostre que f é constante.

3. Determine as expressões das projeções estereográficas πN e πS , e mostreque

(πN π−1

S

)(z) = 1

z =(πS π−1

N

)(z) para todo z ∈ C.

2.2

1. Mostre que todo subconjunto de um conjunto de medida nula tambémtem medida nula.

2. Mostre que qualquer união enumerável de conjuntos de medida nula aindaé um conjunto de medida nula.

3. Sejam f : U → Rn uma aplicação diferenciável, definida no aberto U deRn, e X ⊂ U um subconjunto com medida nula em Rn. Mostre que f(X)também tem medida nula em Rn.

4. Seja f : U → Rn uma aplicação diferenciável, definida no aberto U ⊂ Rm.Mostre que, se m < n, então f(U) tem medida nula em Rn. Em particular,Rm tem medida nula em Rn, com m < n.

5. Dado um número real t, considere o conjunto Rn−1t = x ∈ Rn : xn = t.

Fixado um conjunto C em Rn, suponha que Ct = C ∩ Rn−1t tenha medida

nula em Rn−1t , para todo t ∈ R. Mostre que C tem medida nula em Rn.

2.3

1. Verifique se as seguintes subvariedades são transversais:

(a) O plano-xy e o eixo-z em R3.

(b) O plano-xy e o plano gerado pelos vetores (3, 2, 0), (0, 4,−1) em R3.

(c) O plano gerado pelos vetores (1, 0, 0), (2, 1, 0) e o eixo-y em R3.

(d) Rk × 0 e 0 × Rl em Rn.

30

Page 34: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

(e) V × 0 e a diagonal em V × V .

(f) Os conjuntos das matrizes simétricas e anti-simétricas em M(n).

2. Se M e P são subvariedades transversais de uma superfície N , mostreque, em todo ponto p ∈M ∩ P , tem-se

Tp(M ∩ P ) = TpM ∩ TpP.

3. Sejam f : M → N uma aplicação diferenciável e P uma subvariedade deN . Se f é transversal a P , mostre que, em todo ponto p ∈ f−1(P ), tem-se

Tp(f−1(P )) = df(p)−1(Tf(p)P ).

4. Considere duas aplicações diferenciáveis f : M → N e g : N →W , e umasubvariedade P de W de modo que g seja transversal a P . Mostre que f étransversal a g−1(P ) se, e somente se, g f é transversal a P .

31

Page 35: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Capítulo 3

Superfícies orientáveis

3.1 Superfícies orientáveis

Seja E um espaço vetorial real de dimensão n. Dizemos que duas basesE e F definem a mesma orientação em E se a matriz de passagem de Epara F tem determinante positivo. Neste caso, escrevemos E ≡ F . Estapropriedade define uma relação de equivalência no conjunto de todas as basesde E, e cada classe de equivalência, segundo esta relação, chama-se umaorientação no espaço vetorial E. Além disso, a relação ≡ possui duas classesde equivalência, ou seja, o espaço vetorial E admite duas orientações.

Definição 3.1.1. Um espaço vetorial orientado é um par (E,O), onde E éum espaço vetorial e O é uma orientação em E.

Fixada uma orientação O em E, a outra orientação de E será chamadaorientação oposta e será denotada por −O. As bases pertencentes a O serãochamadas positivas, enquanto as outras de negativas. Um isomorfismo linearT : E → F entre os espaços vetoriais orientados E e F é dito ser positivo setransforma bases positivas de E em bases positivas de F .

Exemplo 3.1.2. O espaço Euclidiano Rn será considerado orientado exigin-do-se que a base canônica seja positiva. Assim, em relação à base canônicade Rn, um isomorfismo T : Rn → Rn é positivo se, e somente se, detT > 0.

Observação 3.1.3. Seja T : E → F um isomorfismo linear e suponha queum dos espaços, digamos E, é orientado. A exigência de que T seja positivodetermina, univocamente, uma orientação em F : as bases que definem aorientação em F são as imagens das bases positivas de E por T .

32

Page 36: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Estenderemos agora a noção de orientabilidade a cada espaço tangentede uma dada superfície. Dizemos que duas parametrizações ϕ : U → ϕ(U)e ψ : V → ψ(V ) de uma superfície M são coerentes se ϕ(U) ∩ ψ(V ) = ∅ ou,se ϕ(U) ∩ ψ(V ) 6= ∅, a matriz Jacobiana J(ψ−1 ϕ)(x) tem determinantepositivo em todos os pontos x ∈ ϕ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V )).

Observação 3.1.4. Se ϕ(U) ∩ ψ(V ) 6= ∅, a mudança de coordenadasψ−1 ϕ : ϕ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V ) → ψ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V ) tem determinante jaco-biano diferente de zero em todos os pontos x ∈ ϕ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V )). Comodet J(ψ−1 ϕ)(x) é uma função contínua de x, seu sinal é constante em cadacomponente conexa do aberto ϕ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V ) ⊂ Rm.

Um atlas numa superfície M é uma coleção A de parametrizações cujasimagens constituem uma cobertura paraM . Um atlas A é chamado coerentequando quaisquer duas parametrizações ϕ,ψ ∈ A são coerentes. Além disso,um atlas coerente numa superfície M chama-se maximal se não está contidopropriamente em nenhum outro atlas coerente em M . Note que todo atlascoerente A está contido num único atlas coerente maximal, basta consideraro atlas constituído de todas as parametrizações de M que são coerentes comtodas as parametrizações de A.

Definição 3.1.5. Uma superfícieM é chamada orientável se existe um atlascoerente em M . Uma superfície orientada é um par (M,A), onde M é umasuperfície e A é um atlas coerente maximal.

Neste caso, o atlas A é chamado uma orientação para a superfície M .As parametrizações ϕ ∈ A são chamadas positivas. Assim, uma superfí-cie orientada é uma superfície orientável no qual se fez a escolha de umaorientação.

Exemplo 3.1.6. O espaço Euclidiano Rn é uma superfície orientável, pois oatlas em Rn determinado pela aplicação identidade é coerente. A orientaçãodefinida por este atlas é chamada a orientação canônica de Rn.

Exemplo 3.1.7. Todo subconjunto aberto U de uma superfície orientávelM também é orientável. De fato, fixado um atlas coerente A em M , oatlas em U definido pelas restrições a U das parametrizações positivas de Mtambém é um atlas coerente, logo define uma orientação em U , chamada deorientação induzida.

Proposição 3.1.8. Uma orientação em uma superfície M determina umaorientação em cada espaço tangente. Reciprocamente, suponha que seja dadauma orientação Op em cada espaço tangente TpM de modo que exista uma

33

Page 37: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

parametrização ϕ : U → ϕ(U) em M , com p ∈ ϕ(U), tal que dϕ(x) preservaorientação, para todo x ∈ U . Então, M é orientável.

Demonstração. Seja A uma orientação em M . Dado um ponto p ∈ M ,considere uma parametrização ϕ ∈ A, com p = ϕ(x), e definimos umaorientação Op em TpM exigindo-se que a base dϕ(x) · ei : 1 ≤ i ≤ m sejapositiva. Se ψ é outra parametrização em A, com p = ψ(y), temos:

dψ(y) = d(ϕ ϕ−1 ψ)(y) = dϕ(x) d(ϕ−1 ψ)(y).

O isomorfismo d(ϕ−1 ψ)(y) preserva orientação, pois ϕ e ψ são coerentes,e dϕ(x) preserva orientação por hipótese, logo dψ(y) · ei : 1 ≤ i ≤ mtambém é uma base positiva de TpM . Reciprocamente, denotemos por A oatlas emM formado por todas as parametrizações dadas como no enunciado.Se ϕ : U → ϕ(U) e ψ : V → ψ(V ) são parametrizações em A, satisfazendoϕ(U)∩ψ(V ) 6= ∅, então, a mudança de coordenadas ψ−1ϕ tem determinantejacobiano positivo em todos os pontos do domínio, pois d(ψ−1 ϕ)(x) é acomposta de dois isomorfismos que preservam orientação.

Um difeomorfismo local f : M → N , entre duas superfícies orientadasMe N , é dito ser positivo se df(p) : TpM → Tf(p)N é um isomorfismo positivo,para todo p ∈ M . Diremos que f é negativo quando, para todo p ∈ M , oisomorfismo linear df(p) é negativo. Se M é desconexa, é bem possível queum difeomorfismo local f : M → N não seja positivo nem negativo. Noentanto, isso não ocorre quando M é conexa.

Proposição 3.1.9. Seja f : M → N um difeomorfismo local entre duassuperfícies orientadas, M e N . Então, o conjunto

A = p ∈M : df(p) preserva orientação

é um aberto em M .

Demonstração. Sejam A, B as orientações em M e N , respectivamente.Dado p ∈ A, considere parametrizações ϕ : U → ϕ(U) em A e ψ : V → ψ(V )em B, tais que p = ϕ(x) e f(ϕ(U)) ⊂ ψ(V ). Como df(p) preserva orien-tação, o mesmo ocorre com a mudança de coordenadas d(ψ−1 f ϕ)(x).Por continuidade da função determinante, existe um aberto W ⊂ Rm, comx ∈W ⊂ U , tal que d(ψ−1 f ϕ)(y) preserva orientação, para todo y ∈W .Portanto, df(q) preserva orientação para todo q ∈ ϕ(W ) ⊂ ϕ(U). Isso mos-tra que ϕ(W ) é um aberto emM tal que p ∈ ϕ(W ) ⊂ A, i.e., A é aberto.

34

Page 38: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Podemos provar, de forma inteiramente análoga, que o conjunto formadopelos pontos p ∈ M tais que df(p) inverte orientação também é aberto emM . Disso decorre, em particular, que se M é uma superfície conexa, entãoou f preserva orientação ou inverte orientação.

Definição 3.1.10. Um campo normal a uma superfície M é uma aplicaçãocontínua η : M → Rn tal que η(p) é ortogonal a TpM em todo ponto p ∈M .

Proposição 3.1.11. Considere uma superfície Mm em Rn e suponha queexistam n−m campos normais η1, . . . , ηn−m : M → Rn que são linearmenteindependentes. Então, M é orientável.

Demonstração. Para cada ponto p ∈M , definimos uma orientação em TpMdo seguinte modo: uma base v1, . . . , vm de TpM é positiva se, e somentese,

v1, . . . , vm, η1(p), . . . , ηn−m(p)

é uma base positiva de Rn. Dado uma parametrização ϕ : U → ϕ(U) emM , com p ∈ ϕ(U) e U conexo, trocando o sinal de ϕ (basta, por exemplo,compor com um isomorfismo de Rm que inverte orientação), caso necessário,podemos supor que

dϕ(x) · e1, . . . ,dϕ(x) · em, η1(ϕ(x)), . . . , ηn−m(ϕ(x))

seja uma base positiva de Rn, para todo x ∈ U . Portanto, para cada p ∈M ,podemos escolher uma parametrização ϕ : U → ϕ(U) em M , com p ∈ ϕ(U),tal que dϕ(x) : Rm → Tϕ(x)M seja um isomorfismo que preserva orientação,para todo x ∈ U . Logo, pela Proposição 3.1.8, segue queM é orientável.

No caso de hipersuperfícies em Rn, vale a recíproca da Proposição 3.1.11.

Teorema 3.1.12. Uma hipersuperfície Mn ⊂ Rn+1 é orientável se, e so-mente se, existe um campo normal não-nulo η : Mn → Rn+1.

Demonstração. A condição suficiente segue da Proposição 3.1.11, observandoque o campo η determina, em cada ponto p ∈M , uma base η(p) de TpM⊥.Reciprocamente, suponha M orientável. Dado um ponto p ∈ M , considereuma parametrização positiva ϕ : U → ϕ(U) de M , com p = ϕ(x), e denotepor η(p) = η(ϕ(x)) o único vetor unitário tal que

dϕ(x) · e1, . . . ,dϕ(x) · en, η(ϕ(x)) (3.1)

seja uma base positiva em Rn+1. Ou seja, a matriz Aϕ(x) cujas n+1 colunassão os vetores aí indicados tem determinante positivo. Se ψ : V → ψ(V ) é

35

Page 39: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

outra parametrização positiva de M , com p = ψ(y), então a matriz Aψ(y),considerada como em (3.1), é tal que Aϕ(x) = Aψ(y) ·A, onde

A =

(d(ψ−1 ϕ)(x) 0

0 I

).

Como ϕ e ψ são coerentes, temos det(d(ψ−1 ϕ)(x)

)> 0, logo detA > 0.

Assim, detAϕ(x) > 0 se, e somente se, detAψ(y) > 0. Resta mostrar queo campo η é contínuo. Para isso, dado p ∈ M , seja V uma vizinhançacoordenada conexa de p em M que é a imagem inversa f−1(c) de um valorregular. Assim, em V , está definido um campo normal unitário contínuoξ : V → Rn+1 dado por ξ(p) = gradf(p)/‖gradf(p)‖. Se ϕ : U → ϕ(U) éuma parametrização positiva de M , com U conexo, ou se tem

det(dϕ(x) · e1, . . . ,dϕ(x) · en, ξ(ϕ(x))

)> 0

para todo x ∈ U , ou esse determinante é negativo em todos os pontos de U .No primeiro caso, temos ξ(p) = η(p) para todo p = ϕ(x) ∈ V e, no segundocaso, temos ξ(p) = −η(p) para todo p = ϕ(x). Em qualquer caso, η écontínuo em V . Como as vizinhanças coordendas V realizam uma coberturapara M , concluimos que η é globalmente contínuo.

Exemplo 3.1.13. Um exemplo simples de superfície orientável é a esferaSn ⊂ Rn+1. Basta considerar o campo posição η : Sn → Rn+1 dado porη(p) = p. O campo η é contínuo e, pelo Exercício 1.2.1, é normal a Sn.

Uma aplicação simples do Teorema 3.1.12 é analisar a orientabilidade daesfera através da aplicação antípoda.

Exemplo 3.1.14. Consideremos a aplicação antípoda A : Sn → Sn, dadapor A(p) = −p para todo p ∈ Sn. A orientação de Sn, definida pelo campoposição η(p) = p, de acordo com o Teorema 3.1.12, faz com que uma basev1, . . . , vn de TpSn seja positiva se, e somente se, v1, . . . , vn, p é umabase positiva de Rn+1, ou seja, se, e somente se det(v1, . . . , vn, p) > 0, onde(v1, . . . , vn, p) é a matriz (n+ 1)× (n+ 1) cujas colunas estão aí indicadas.Portanto, escolhida uma base positiva v1, . . . , vn de TpSn, o isomorfismodA(p) = −id preserva orientação se, e somente se,

det(−v1, . . . ,−vn,−p) = (−1)n+1 det(v1, . . . , vn, p) > 0,

ou seja, se, e somente se, n é ímpar. Portanto, a aplicação antípoda Apreserva a orientação de Sn quando n é ímpar e inverte quando n é par.

36

Page 40: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

3.2 Superfícies com fronteira

Nesta seção ampliaremos o conceito de superfície, de modo a incluir, porexemplo, as bolas fechadas de Rm. O ponto de partida é admitir que asparametrizações sejam definidas não apenas em abertos de Rm mas tambémem abertos de semiespaços.

Um semiespaço em Rm é um subconjunto da forma

H = x ∈ Rm : α(x) ≤ 0,

onde α é um funcional linear não-nulo em Rm. A fronteira de H, denotadapor ∂H, é definida como sendo o hiperplano ∂H = x ∈ Rm : α(x) = 0.Assim, ∂H é um subespaço vetorial de dimensão m− 1 em Rm, e H é uniãodisjunta H = int(H) ∪ ∂H do seu interior em Rm com a sua fronteira.

Um subconjunto aberto A de H pode ser de dois tipos: A ⊂ int(H) ouA∩∂H 6= ∅. No primeiro caso, A é também aberto em Rm, o que não ocorreno segundo caso, pois nenhuma bola aberta com centro num ponto x ∈ ∂Hpode estar contida em H.

A fronteira de um subconjunto aberto A deH é, por definição, o conjunto∂A = A ∩ ∂H. Observe que ∂A é uma hipersuperfície de Rm pois, como Aé aberto em H, tem-se A = U ∩H, onde U é um aberto de Rm. Assim,

U ∩ ∂H = U ∩ (H ∩ ∂H) = (U ∩H) ∩ ∂H = A ∩ ∂H = ∂A,

o que mostra que ∂A é um subconjunto aberto da hipersuperfície ∂H. Aproposição seguinte afirma que a fronteira de um subconjunto aberto A deH é invariante por homeomorfismos.

Proposição 3.2.1. Sejam A ⊂ H e B ⊂ K subconjuntos abertos em semi-espaços de Rm e f : A → B um homeomorfismo. Então f(∂A) = ∂B. Emparticular, f |∂A é um homeomorfismo entre as hipersuperfícies ∂A e ∂B.

Demonstração. Dado um ponto x ∈ int(A), considere um aberto U de Rm,com x ∈ U ⊂ A. A restrição de f ao aberto U é um homeomorfismo sobresua imagem f(U) que, pelo teorema da invariância do domínio, é abertoem Rm. Como f(U) ⊂ B, tem-se que f(x) ∈ int(B). Isso mostra quef(int(A)) ⊂ int(B), logo f−1(∂B) ⊂ ∂A. De forma inteiramente análoga semostra que f(∂A) ⊂ ∂B.

Passaremos agora a extender o conceito de superfície.

37

Page 41: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Definição 3.2.2. Uma superfície de dimensão m com fronteira em Rn é umsubconjunto M de Rn tal que, para todo ponto p ∈ M , existe um homeo-morfismo ϕ : U → ϕ(U), onde U é um aberto de algum semiespaço de Rme p ∈ ϕ(U), tal que ϕ é diferenciável e, em cada ponto x ∈ U , a diferencialdϕ(x) é injetora.

Como no caso anterior, a aplicação ϕ da Definição 3.2.2 será chamadauma parametrização da superfície M em torno do ponto p. Estas parame-trizações são ligeiramente diferentes daquelas consideradas na definição desuperfície. De fato, estas estão definidas em abertos de semiespaços. Lem-bre que uma aplicação f : X → Rn, definida num subconjunto X ⊂ Rm,é dita diferenciável quando é a restrição de uma aplicação diferenciávelF : U → Rn, definida num aberto U ⊂ Rm.

Em geral, a diferencial de uma aplicação diferenciável f : X → Rn numponto x ∈ X não está bem definida, pois as possíveis extensões de f emvizinhanças de X podem ter diferentes diferenciais no ponto x. O ponto aser observado aqui é que essa diferencial está bem definida quando X é umaberto de algum semiespaço de Rm (cf. Exercício 3.2.1).

Lema 3.2.3. Sejam ϕ : U → ϕ(U) e ψ : V → ψ(V ) parametrizações deuma superfície com fronteira Mm ⊂ Rn, com ϕ(U) ∩ ψ(V ) 6= ∅. Então, amudança de parametrização ψ−1 ϕ é um difeomorfismo.

Demonstração. Dado um ponto p ∈ ϕ(U) ∩ ψ(V ), considere x = ϕ−1(p) ey = ψ−1(p). Em virtude do Exercício 3.2.1, ψ se estende a uma aplicaçãodiferenciável G : Z → Rn, onde Z é um aberto de Rm contendo o ponto y.Como dG(y) é injetora, segue da forma local das imersões que, restringindoZ se necessário, G é um homeomorfismo de Z sobre sua imagem e o homeo-morfismo inverso é a restrição a G(Z) de uma aplicação diferenciável F numaberto de Rn. Assim, pondo A = ϕ−1(G(Z)), segue que A é um aberto numsemi-espaço de Rm, contendo o ponto x. Além disso, (ψ−1 ϕ)|A = (F ϕ)|Aé diferenciável. Assim, ψ−1ϕ é diferenciável numa vizinhança de cada pontox ∈ ϕ−1(ϕ(U)∩ψ(V )), implicando que ψ−1ϕ é diferenciável. Analogamentese prova que ϕ−1 ψ é diferenciável.

Definição 3.2.4. A fronteira de uma superfície M com fronteira, denotadapor ∂M , é o conjunto formado pelos pontos p ∈ M tais que, para todaparametrização ϕ : U → ϕ(U) de M , com p = ϕ(x) tem-se x ∈ ∂U .

Observe que, em virtude da Proposição 3.2.1, juntamente com o Lema3.2.3, dado p ∈ M , basta que exista uma parametrização ϕ : U → ϕ(U) deM , com p = ϕ(x) e x ∈ ∂U , para que se tenha p ∈ ∂M .

38

Page 42: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Se M é uma superfície de dimensão m com fronteira, sua fronteira ∂Mé uma superfície de dimensão m− 1 sem fronteira. As parametrizações quecaracterizam ∂M como superfície são as restrições à fronteira ∂U = U ∩ ∂Hdas parametrizações ϕ : U → ϕ(U) de M que têm como imagem o abertoϕ(U) de M , com ϕ(U) ∩ ∂M 6= ∅. Assim, a restrição ϕ|∂U : ∂U → ∂(ϕ(U))tem ∂(ϕ(U)) = ϕ(U) ∩ ∂M como imagem e seu domínio é o subconjuntoaberto ∂U do espaço vetorial ∂H, cuja dimensão ém−1. O teorema seguinteé fonte de exemplos de superfícies com fronteira.

Teorema 3.2.5. Sejam Mm uma superfície e f : M → R uma funçãodiferenciável. Se a ∈ R é valor regular para f então o conjunto

N = p ∈M : f(p) ≥ a

é uma superfície de dimensão m, cuja fronteira é dada por ∂N = f−1(a).

Demonstração. O conjunto A = p ∈ M : f(p) > a é aberto em M , pois éa imagem inversa do conjunto aberto (a,+∞) em R, logo é uma superfíciede dimensão m. Assim, basta parametrizarmos as vizinhanças dos pontosp ∈ N tais que f(p) = a. Dado um tal ponto p, seja ϕ : U → ϕ(U) umaparametrização de M tal que p = ϕ(x) e x = (x1, . . . , xm). Como a é valorregular de f e, portanto, é valor regular da função f ϕ : U → R, podemossupor que ∂(fϕ)

∂xm(x) > 0. Assim, pela forma local das submersões, existem

um abertoW ⊂ Rm−1 contendo (x1, . . . , xm−1), um intervalo I = (a−ε, a+ε)e um difeomorfismo ξ : W×I → Z sobre um aberto Z ⊂ U contendo o pontox, tais que

f ϕ ξ : W × I → R

tem a forma (f ϕ ξ)(z, t) = t. Consideremos em Rm o semi-espaço H,formado pelos pontos cuja última coordenada é ≥ a. Sejam V = (W×I)∩He ψ = (ϕ ξ)|V . Então, ψ : V → ψ(V ) é uma parametrização do abertoϕ(ξ(V )) ⊂ N , com p ∈ ϕ(ξ(V )).

Considere agora uma aplicação diferenciável f : Mm → Nn, definida nasuperfície com fronteira M , com m ≥ n. O teorema seguinte é o resultadoanálogo ao da Proposição 2.1.4, caracterizando a imagem inversa de valorregular como superfície com fronteira.

Teorema 3.2.6. Se q ∈ N é valor regular, tanto para f quanto para suarestrição f |∂M , então a imagem inversa f−1(q) ⊂ M é uma superfície dedimensão m − n com fronteira. Além disso, sua fronteira ∂(f−1(q)) é ainterseção f−1(q) ∩ ∂M .

39

Page 43: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Demonstração. Como superfície é um conceito local, basta considerar o casoparticular de uma aplicação f : H → Rn, com valor regular y ∈ Rn, onde

H = (x1, . . . , xm) ∈ Rm : xm ≥ 0.

Se x ∈ f−1(y) é um ponto interior então, como no Teorema ??, f−1(y)é uma superfície numa vizinhança de x. Suponha agora que x ∈ f−1(y)seja um ponto da fronteira de H. Considere uma aplicação diferenciávelg : U → Rn, definida numa vizinhança U de x em Rm, que coincide comf em U ∩ H. Podemos supor, diminuindo U se necessário, que g não tempontos críticos. Assim, g−1(y) é uma superfície de dimensão m− n em Rm.Seja π : g−1(y)→ R a projeção sobre a última coordenada,

π(x1, . . . , xm) = xm.

Afirmamos que 0 ∈ R é valor regular para π. De fato, o espaço tangente ag−1(y) em um ponto x ∈ π−1(0) coincide com o núcleo da diferencial

dg(x) = df(x) : Rm → Rn.

Por hipótese, x é ponto regular para f |∂H . Isso implica que este núcleo éum subespaço próprio de Rm−1 × 0. Assim, segue do Teorema 3.2.5, queo conjunto

g−1(y) ∩H = f−1(y) ∩ U,

constituído de todos os pontos x ∈ g−1(y) tais que π(x) ≥ 0, é uma superfíciede dimensão m− n, cuja fronteira é dada por π−1(0).

Seja Mm ⊂ Rn uma superfície com fronteira. Da mesma forma como nocaso ∂M = ∅, temos aqui o espaço tangente definido em cada ponto p ∈M .Mais precisamente, dado um ponto p ∈ M , considere uma parametrizaçãoϕ : U → ϕ(U) de M , com p = ϕ(x). Definimos o espaço tangente a M em p,denotado por TpM , como a imagem dϕ(x)(Rm). Observe que, se p ∈ ∂M ,então U é aberto no semi-espaço H ⊂ Rm, com x = ϕ−1(p) ∈ ∂H. Aimagem dϕ(x)(∂H) = Tp(∂M) é o espaço tangente à fronteira ∂M no pontop. Temos que Tp(∂M) ⊂ TpM é um subespaço vetorial de dimensão m− 1.

Observação 3.2.7. Da mesma forma como no caso de superfícies sem fron-teira, a definição do espaço tangente independe da escolha da parametri-zação. De fato, se ψ : V → ψ(V ) é outra parametrização de M , comp = ψ(y), então ξ = ψ−1 ϕ é um difeomorfismo, com ϕ = ψ ξ, logodϕ(x) = dψ(y) dξ(x). Como dξ(x) é um isomorfismo linear, segue quedϕ(x)(Rm) = dψ(y)(Rm), como queríamos.

40

Page 44: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

3.3 Orientação em superfícies com fronteira

Nesta seção ampliaremos o conceito de orientabilidade para superfíciescom fronteira. A fim de somente simplificar a notação, a partir de agorairemos considerar semiespaços da forma

H = (x1, . . . , xm) ∈ Rm : x1 ≤ 0.

Dizemos que um vetor v ∈ Rm aponta para fora do semiespaço H se v 6∈ H,ou seja, se v = (v1, . . . , vm) então v1 > 0. Veremos no resultado a seguir queeste conceito é invariante por difeomorfismos.

Lema 3.3.1. Seja f : A → B um difeomorfismo entre abertos A e B dosemiespaço H ⊂ Rm. Se um vetor v ∈ Rm aponta para fora de H então,para cada x ∈ ∂A, o vetor df(x) · v também aponta para fora de H.

Demonstração. Como, em virtude da Proposição 3.2.1, f(∂A) = ∂B, segueque para cada x ∈ ∂A tem-se df(x)(∂H) = ∂H. Assim, dado um vetorw = (w1, . . . , wm) ∈ Rm, tem-se df1(x) · w = 0 se, e somente se, w1 = 0,onde f = (f1, . . . , fm). Como v aponta para fora de H, i.e., v1 > 0, bastamostrarmos que df1(x) · v ≥ 0. Se t < 0 então x + tv ∈ H, logo para t < 0suficientemente pequeno, temos x + tv ∈ int(A), logo f(x + tv) ∈ int(B),i.e., f1(x+ tv) < 0. Para tais valores de t, temos

f1(x+ tv)− f1(x)

t=f1(x+ tv)

t> 0.

Tomando o limite quando t→ 0−, obtemos df1(x) · v ≥ 0.

A noção de apontar para fora pode ser ampliada para superfícies comfronteira, da seguinte forma.

Definição 3.3.2. Seja M uma superfície com fronteira. Dado um pontop ∈ ∂M , dizemos que um vetor v ∈ TpM aponta para fora de M se existeuma parametrização ϕ : U → ϕ(U) deM , definida num aberto U de H, comp = ϕ(x) e v = dϕ(x) · w, onde w é um vertor que aponta para fora de H.

Seja ψ : V → ψ(V ) outra parametrização de M , definida no aberto V dosemiespaço H, com p = ψ(y) e v = dψ(y) ·u. Segue do Lema 3.3.1 que, comov aponta para fora de H, o mesmo ocorre com o vetor u = d(ψ−1 ϕ)(x) · v.Assim, a Definição 3.3.2 independe da escolha da parametrização.

Analogamente ao caso anterior, diremos que uma superfície com fronteiraM é orientável seM admitir um atlas coerente. Mostraremos agora que umaorientação em M induz, naturalmente, uma orientação na sua fronteira ∂M .

41

Page 45: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Teorema 3.3.3. Se Mm ⊂ Rn é uma superfície com fronteira orientável,então sua fronteira ∂M também é orientável.

Demonstração. Denotemos por A o conjunto formado por todas as parame-trizações positivas ϕ : U → ϕ(U) de M , onde U é um aberto conexo nosemiespaço H. O conjunto A é um atlas em M . Denotemos agora por Ao conjunto das restrições ϕ = ϕ|∂U das parametrizações ϕ ∈ A tais que∂U = U ∩ ∂H 6= ∅. Por construção, A é um atlas em ∂M . Afirmamosque A é um atlas coerente em ∂M . De fato, sejam ϕ : ∂U → ∂(ϕ(U)) eψ : ∂V → ∂(ψ(V )) parametrizações em A, com ∂(ϕ(U)) ∩ ∂(ψ(V )) 6= ∅.A mudança de coordenadas ξ = ψ−1 ϕ é a restrição do difeomorfismoξ = ψ−1 ϕ à fronteira do seu domínio. Como o atlas A é coerente, temosdet(dξ(x)) > 0 para todo x ∈ ϕ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V )). Além disso, como ξ é umdifeomorfismo, segue da Proposição 3.2.1 que dξ(x)(∂H) = ∂H. Decorre,em particular, que dξ(x) · ei = (0, a2i, . . . , ami) para todo 2 ≤ i ≤ m. Final-mente, como e1 = (1, 0, . . . , 0) aponta para fora de H, segue do Lema 3.3.1que dξ(x) · e1 = (a11, . . . , am1) também aponta para fora de H, i.e., a11 > 0.Assim, a matriz de dξ(x) tem a forma

dξ(x) =

a11 0 . . . 0a21 a22 . . . a2m...

......

am1 am2 . . . amm

com a11 > 0. Assim,

det(dξ(x)) = a11 · det(dξ(x)),

logo det(dξ(x)) > 0. Portanto, A é um atlas coerente, e a orientação definidapor A em ∂M é chamada a orientação induzida da orientação de M .

Em relação à orientação induzida em ∂M porM , uma base v1, . . . , vn−1de Tp(∂M) é positiva se, e somente se, para qualquer vetor v ∈ TpM , queaponte para fora de M , v, v1, . . . , vn−1 é uma base positiva de TpM . Emparticular, se v(p) ∈ TpM é o vetor unitário, tangente a M e normal a ∂Mno ponto p, que aponta para fora de M , então v1, . . . , vn−1 ⊂ Tp(∂M)é uma base positiva se, e somente se, a base v(p), v1, . . . , vn−1 ⊂ TpM épositiva.

Exemplo 3.3.4. O intervalo [0, 1] é uma superfície com fronteira de dimen-são 1. Mostremos que [0, 1] é orientável. De fato, considere as parametriza-ções ϕ : [0, 1)→ [0, 1) e ψ : (−1, 0]→ (0, 1] dadas por ϕ(t) = t e ψ(t) = t+1.

42

Page 46: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

O domínio de ϕ é um aberto da semirreta [0,+∞), que é um semiespaço deR, e o domínio de ψ é um aberto do semiespaço (−∞, 0] ⊂ R. A mudançade coordenadas ψ−1 ϕ : (0, 1) → (−1, 0) é dada por (ψ−1 ϕ)(t) = t − 1,cuja derivada é igual a 1 em todos os pontos. Portanto, A = ϕ,ψ é umatlas coerente, que define a orientação natural de [0, 1].

Observação 3.3.5. A definição de orientação induzida na fronteira parasuperfícies Mn, com n ≥ 2, não se adapta para o caso de dimensão 1.Quando n = 1, tem-se dim ∂M = 0, i.e., ∂M é um conjunto de pontosisolados. Orientar uma superfície de dimensão zero é, por definição, atribuirum sinal, + ou −, a cada um de seus pontos. Se n = 1 eM está orientada, aorientação induzida no ponto p ∈ ∂M será +p se cada vetor que forma umabase positiva de TpM apontar para fora de M , e será −p caso contrário.

Vejamos o seguinte exemplo.

Exemplo 3.3.6. Orientemos o intervalo fechado M = [0, 1] por meio doatlas A, dado no Exemplo 3.3.4. Neste caso, temos ∂M = 0, 1. No pontop = 1, uma base positiva para o espaço tangente a M é gerada pelo vetore1, igual a 1, e neste caso, e1 aponta para fora de M . Assim, ao ponto p = 1atribuimos o sinal +. No ponto p = 0, uma base positiva para TpM tambémé gerada pelo vetor e1, que neste caso aponta para dentro de M . Assim,ao ponto p = 0 atribuimos o sinal −. Portanto, a orientação induzida nafronteira ∂M = 0, 1 atribui o sinal + ao ponto 1 e o sinal − ao ponto 0, eescrevemos, neste caso, ∂[0, 1] = −0 ∪ +1.

SeM e N são duas superfícies orientadas, com orientações A e B, respec-tivamente, então o produto M ×N é uma superfície orientável (cf. Exercício3.1.2). As parametrizações ϕ×ψ, onde ϕ ∈ A e ψ ∈ B, constituem um atlascoerente, que define em M × N a orientação produto. De forma mais pre-cisa, a orientação do espaço tangente aM×N no ponto (p, q) é determinadapela exigência de que v1, . . . , vm, w1, . . . , wn seja uma base positiva, ondev1, . . . , vm e w1, . . . , wn são bases positivas de TpM e TqN , respectiva-mente. No caso em que M e N possuem fronteira, o produto M ×N não éuma superfície com fronteira. Por exemplo, o quadrado [0, 1] × [0, 1] não éuma superfície, pois possui quatro singularidades.

Se apenas uma delas, digamos M , tiver fronteira, o produto M × N éuma superfície com fronteira e ∂(M ×N) = ∂M ×N . Basta observar que seϕ : U → ϕ(U) e ψ : V → ψ(V ) são parametrizações para M e N , respecti-vamente, com U aberto no semi-espaço H ⊂ Rm e V aberto em Rn, entãoU×V é um aberto no semiespaço H×Rn ⊂ Rm+n, com ∂(U×V ) = ∂U×V .

43

Page 47: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Além disso, se M e N são orientáveis, o produto M × N é uma superfíciecom fronteira orientável, e a orientação produto é definida, como no caso emque ∂M = ∂N = ∅, pelo atlas P constituído das parametrizações ϕ × ψ,onde ϕ ∈ A e ψ ∈ B.

Vejamos a seguinte situação particular.

Exemplo 3.3.7. Considere o produto M × [0, 1], onde M é uma superfíciesem fronteira orientada. Consideremos o intervalo [0, 1] orientado como naObservação 3.3.5. Temos ∂(M × [0, 1]) = M0 ∪M1, onde M0 = M × 0 eM1 = M ×1. Consideremos em M0 e M1, respectivamente, as orientaçõessegundo as quais os difeomorfismos canônicos f0 : M →M0 e f1 : M →M1,dados por f0(p) = (p, 0) e f1(p) = (p, 1), são positivos. Afirmamos que aorientação induzida na fronteira ∂(M × [0, 1]) = M0 ∪M1, pela orientaçãoproduto de M × [0, 1], coincide com a de M1, e é a oposta a de M0. De fato,em cada ponto (p, t) ∈M × [0, 1], uma base positiva de

T(p,t)(M × [0, 1]) = TpM × R,

relativo à orientação produto, tem a forma v1, . . . , vn, e1, onde v1, . . . , vné uma base positiva de TpM na orientação de M , e e1 é o vetor da basecanônica de R, igual a 1. No ponto t = 1, o vetor e1 aponta para fora de[0, 1], logo e1 ∈ T(p,1)(M × [0, 1]) aponta para fora de M × [0, 1] no ponto(p, 1). Como v1, . . . , vn, e1 é uma base positiva de T(p,1)(M × [0, 1]), segueque v1, . . . , vn é uma base positiva na orientação induzida em ∂(M× [0, 1])no ponto (p, 1), ou seja, em M1. Por outro lado, e1 aponta para dentro de[0, 1] no ponto t = 0 e, assim, segue que a mesma base v1, . . . , vn é negativano ponto (p, 0) ∈M0.

3.4 O teorema do ponto fixo de Brouwer

O teorema de Brouwer estabelece que qualquer aplicação contínua dodisco fechado unitário Dn ⊂ Rn sobre si mesmo tem, pelo menos, um pontofixo. O teorema é usualmente provado usando técnicas de topologia algé-brica. A demonstração que apresentaremos aqui faz uso apenas dos re-sultados das seções anteriores e de uma consequência da classificação dassuperfícies unidimensionais. Mais precisamente,

Teorema 3.4.1. Qualquer superfície compacta, conexa, unidimensional édifeomorfa ao intervalo fechado [0, 1] ou ao círculo S1.

44

Page 48: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

No Apêndice 3 apresentamos uma demonstração do Teorema 3.4.1. Comotoda superfície compacta unidimensional é a união disjunta finita de suascomponentes conexas, temos o seguinte corolário:

Corolário 3.4.2. A cardinalidade da fronteira de qualquer superfície com-pacta unidimensional é par.

O Corolário 3.4.2 pode ser usado para provar que não existe retração deuma superfície compacta à sua fronteira.

Proposição 3.4.3. Seja M uma superfície compacta com fronteira. Então,não existe aplicação diferenciável f : M → ∂M tal que f |∂M : ∂M → ∂Mseja a aplicação identidade.

Demonstração. Suponha que exista uma tal aplicação f e seja q ∈ ∂M umvalor regular para f (tal ponto existe pelo Teorema de Sard). Então f−1(q)é uma superfície compacta unidimensional com fronteira. Como f |∂M é aidentidade, temos

∂(f−1(q)) = f−1(q) ∩ ∂M = q,

contradizendo o Corolário 3.4.2.

Exemplo 3.4.4. Uma situação particular da Proposição 3.4.3 pode ser vistaconsiderando-se o disco unitário Dn, que é uma superfície compacta, cujafronteira é a esfera Sn−1. Assim, segue da Proposição 3.4.3 que a aplica-ção identidade id : Sn−1 → Sn−1 não pode ser estendida a uma aplicaçãodiferenciável f : Dn → Sn−1.

Podemos agora enunciar e provar o Teorema de Brouwer.

Teorema 3.4.5 (Versão diferenciável). Qualquer aplicação diferenciávelf : Dn → Dn tem, pelo menos, um ponto fixo.

Demonstração. Suponha que f não tenha ponto fixo e fixe um ponto ar-bitrário x ∈ Dn. Como f(x) 6= x, os pontos x e f(x) determinam umareta. Denote por g(x) ∈ Sn−1 o ponto onde a semirreta, com origem emf(x) e passando por x, intercepta Sn−1. Obtemos, assim, uma aplicaçãog : Dn → Sn−1 tal que g|Sn−1 = id. Resta mostrar que g é diferenciável, ob-tendo assim uma contradição com a Proposição 3.4.3. Como x pertence aosegmento determinado por f(x) e g(x), podemos escrever o vetor g(x)−f(x)como um múltiplo t do vetor x− f(x), onde t ≥ 1. Assim,

g(x) = tx+ (1− t)f(x).

45

Page 49: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Resta mostrar que t depende diferenciavelmente de x. Para isso, tome oproduto interno em ambos os lados da fórmula acima, obtendo

t2‖x− f(x)‖2 + 2t〈f(x), x− f(x)〉+ ‖f(x)‖2 − 1 = 0.

A expressão acima é uma equação quadrática, com uma única raiz positiva; aoutra raiz com t ≤ 0 corresponde ao ponto onde a semirreta, com origem emx e passando por f(x), intercepta Sn−1. Isolando t, obtemos uma expressãopara t em termos de funções diferenciáveis de x.

A versão contínua do teorema de Brouwer consiste em reduzir o problemaao caso diferenciável, aproximando a aplicação contínua f : Dn → Dn poruma aplicação diferenciável.

Teorema 3.4.6 (Versão contínua). Toda aplicação contínua f : Dn → Dn

tem, pelo menos, um ponto fixo.

Demonstração. Dado ε > 0 existe, pelo teorema de aproximação de Weiers-trass (cf. [1, Theorem 7.4.1]), uma aplicação polinomial P1 : Rn → Rn talque

‖P1(x)− f(x)‖ < ε

para todo x ∈ Dn. Entretanto, P1 pode transformar pontos do disco Dn empontos fora de Dn. A fim de corrigir, considere

P (x) =1

1 + εP1(x).

A aplicação P transforma Dn sobre Dn e satisfaz ‖P (x) − f(x)‖ < 2ε paratodo x ∈ Dn. Suponha então que f(x) 6= x para todo x ∈ Dn. Então,a função contínua g(x) = ‖f(x) − x‖ admite um mínimo c > 0 em Dn.Escolhendo P como acima, com ‖P (x)−f(x)‖ < c para todo x ∈ Dn, temosP (x) 6= x para todo x ∈ Dn. Assim, P é uma aplicação diferenciável dodisco Dn sobre Dn sem pontos fixos, contradizendo o Teorema 3.4.5.

3.5 Exercícios

3.1

1. Dado um espaço vetorial real E, considere a relação ≡ em E dada pelacondição E ≡ F se, e somente se, a matriz de passagem da base E para a baseF tem determinante positivo. Mostre que ≡ é uma relação de equivalênciaque possui, exatamente, duas classes de equivalência.

46

Page 50: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

2. Mostre que o produtoM×N de duas superfícies é orientável se, e somentese, cada uma das superfícies M e N é orientável.

3. Prove que numa superfície orientável conexa existem, exatamente, duaspossíveis orientações.

4. Dado uma função diferenciável f : U → R, definida no aberto U ⊂ Rn,o gradiente de f no ponto x ∈ U , denotado por gradf(x), é o vetor em Rndefinido por

〈gradf(x), v〉 = df(x) · v,para todo v ∈ Rn. Se c ∈ R é valor regular para f , prove que gradf(p) éortogonal a TpM , para todo p ∈M = f−1(c).

5. Sejam f : Rm → Rn uma aplicação diferenciável e c ∈ Rn um valor regularpara f . Prove que M = f−1(c) é uma superfície orientável.

6. Seja f : M → N um difeomorfismo local. Prove que se N é uma superfícieorientável então o mesmo vale para M .

7. Considere a aplicação f : Sn × R → Rn+1 definida por f(x, t) = etx.Prove que f é um difeomorfismo do cilindro Sn×R sobre o aberto Rn+1\0de Rn+1, e conclua daí que Sn é orientável.

8. Considere uma superfície M que admite um atlas formado por duas pa-rametrizações ϕ : U → ϕ(U) e ψ : V → ψ(V ), com ϕ(U) ∩ ψ(V ) conexo.Mostre que M é orientável. Conclua, em particular, que a esfera Sn é umasuperfície orientável.

9. Seja M ⊂ M(2 × 3) o subconjunto das matrizes de ordem 2 × 3, cujoposto é igual a 1. Mostre que M é uma superfície não-orientável em R6.

10. Mostre que toda hipersuperfície compacta Mn de Rn+1 é orientável.

3.2

1. Mostre que, se A é um subconjunto aberto de um semiespaço H de Rme f : A → Rn é uma aplicação diferenciável então, para cada x ∈ A, adiferencial df(x) : Rm → Rn está bem definida.

2. Prove que vale a regra da cadeia para aplicações diferenciáveis, definidasem abertos de semi-espaços. Conclua daí que, se A,B são abertos nos semi-espaços H ⊂ Rm e K ⊂ Rn, respectivamente, e f : A → B é um aplicaçãodiferenciável, que possui uma inversa também diferenciável, então a diferen-cial df(x) : Rm → Rn é um isomorfismo, para todo x ∈ Rm. Em particular,tem-se m = n.

47

Page 51: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

3. Mostre que a bola fechada unitária Bn = x ∈ Rn : ‖x‖ ≤ 1 é umasuperfície de dimensão n com fronteira, com ∂Bn = Sn−1.

4. Considere a função f : R3 → R dada por f(x, y, z) = (x2 + y2 − 1)2 + z2.Mostre que todo número real diferente de zero é valor regular para f e que,se 0 < c < 1, o conjunto M = (x, y, z) ∈ R3 : f(x, y, z) ≤ c é um torosólido, i.e., é uma superfície compacta tridimensional, cuja fronteira é umtoro bidimensional.

3.4

1. Mostre que o Teorema de Brouwer é falso para o disco abertoBn = x ∈ Rn : ‖x‖ < 1.

2 (Teorema de Frobenius). Se as entradas aij de uma matriz A ∈M(n) sãotais que aij ≥ 0 para todo 1 ≤ i, j ≤ n, mostre que A admite um autovalornão-negativo.

48

Page 52: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

3.6 Apêndice 3: Superfícies conexas de dimensão 1

49

Page 53: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Capítulo 4

Teoria do grau

4.1 Aplicações homotópicas e o grau módulo 2

Considere uma aplicação diferenciável f : M → N entre duas superfíciesde mesma dimensão, com M compacta. Dado um ponto q ∈ N , lembre que#f−1(q) denota a cardinalidade do conjunto solução da equação f(p) = q,o qual é finita quando q é valor regular para f . Nesta seção mostraremosque, quando N é conexa, #f−1(q) mod 2 é o mesmo para todo valor regularq ∈ N de f . Este valor comum será chamado o grau de f módulo 2, e serádenotado por deg2 f .

Faremos, inicialmente, algumas considerações sobre o conceito de homo-topia diferenciável.

Definição 4.1.1. Duas aplicações diferenciáveis f, g : Mm → Nn são ditashomotópicas se existe uma aplicação diferenciável F : M× [0, 1]→ N tal que

F (p, 0) = f(p) e F (p, 1) = g(p),

para todo p ∈ M . A aplicação F chama-se uma homotopia entre f e g, eescrevemos, neste caso, f ' g.

Dada uma homotopia F : M × [0, 1] → N , consideremos, para cadat ∈ [0, 1], a aplicação diferenciável Ft : M → N , dada por Ft(p) = F (p, t).Assim, considerar uma homotopia F equivale a definir uma família diferen-ciável a 1-parâmetro

t ∈ [0, 1] 7→ Ft ∈ C∞(M ;N)

de aplicações de M em N , com F0 = f e F1 = g. A diferenciabilidade dafamília significa que (p, t) 7→ Ft(p) é uma aplicação diferenciável.

50

Page 54: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Intuitivamente, uma homotopia pode ser pensada como um processo dedeformação diferenciável da aplicação f sobre g. Essa deformação ocorredurante uma unidade de tempo; no instante t = 0 temos f , e no instantet = 1 temos a aplicação g. Nos instantes intermediários, 0 < t < 1, asaplicações Ft fornecem os estágios intermediários da deformação.

Exemplo 4.1.2. Quaisquer duas aplicações diferenciáveis f, g : Mm → Rnsão homotópicas. De fato, basta definir a aplicação F : M × [0, 1] → Rnpondo F (p, t) = (1− t)f(p) + tg(p) para obter uma homotopia entre f e g.Neste caso, F é chamada uma homotopia linear. Decorre, em particular, quequalquer aplicação diferenciável f : M → Rn é homotópica à aplicação nula,através da homotopia F (p, t) = (1− t)f(p).

Exemplo 4.1.3. Considere duas aplicações diferenciáveis f, g : Mm → Sntais que, para todo p ∈ M , f(p) e g(p) nunca são pontos antipodais, i.e.,f(p) 6= −g(p). Essa hipótese implica que (1 − t)f(p) + tg(p) 6= 0 paraquaisquer t ∈ [0, 1] e p ∈ M . Assim, a aplicação F : M × [0, 1] → Sn,definida por

F (p, t) =(1− t)f(p) + tg(p)

‖(1− t)f(p) + tg(p)‖,

é uma homotopia entre f e g. Note que, quando t percorre o intervalo [0, 1],F (p, t) descreve um arco de círculo na esfera Sn ligando f(p) a g(p).

O lema seguinte nos diz que o grau módulo 2 de uma aplicação dependesomente de sua classe de homotopia.

Lema 4.1.4 (Homotopia). Sejam f, g : M → N aplicações homotópicasentre superfícies de mesma dimensão, onde M é fechada. Se y ∈ N é valorregular para f e g, então

#f−1(y) ≡ #g−1(y) mod 2.

Demonstração. Seja F : M × [0, 1]→ N uma homotopia entre f e g. Supo-nhamos, inicialmente, que y ∈ N também seja valor regular para F . EntãoF−1(y) é uma superfície compacta de dimensão 1, cuja fronteira é o conjunto

F−1(y) ∩(M × 0 ∪M × 1

)=(f−1(y)× 0

)∪(g−1(y)× 1

).

Assim, a cardinalidade dos pontos na fronteira de F−1(y) é

#f−1(y) + #g−1(y)

51

Page 55: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

que, pelo Teorema 3.4.1, é um número par, logo #f−1(y) ≡ #g−1(y) mod 2.Suponha agora que y ∈ N não seja valor regular para F . Do Lema 2.1.6 te-mos que #f−1(y) e #g−1(y) são funções localmente constantes de y. Assim,existe uma vizinhança V de y em N , consistindo de valores regulares paraf , tal que

#f−1(z) = #f−1(y),

para todo z ∈ V . Analogamente, existe uma vizinhança W de y em N ,consistindo de valores regulares para g, tal que

#g−1(z) = #g−1(y),

para todo z ∈W . Escolha um valor regular z para F pertencente à interseçãoV ∩W . Então,

#f−1(y) = #f−1(z) ≡ #g−1(z) = #g−1(y),

completando a demonstração.

Dizemos que dois difeomorfismos f, g : M → N são isotópicos se existeuma homotopia F : M × [0, 1]→ N entre f e g tal que, para cada t ∈ [0, 1],a aplicação Ft : M → N , dada por Ft(p) = F (p, t), é um difeomorfismo.Dizemos neste caso que F é uma isotopia entre f e g.

O lema seguinte, cuja demonstração é apresentada no Apêndice 4, éconhecido como o Lema da isotopia, e diz respeito aos difeomorfismos comsuporte compacto. Lembre que um difeomorfismo f : M → M tem suportecompacto se existe um subconjunto compacto K ⊂M tal que f(p) = p paratodo p ∈M \K.

Lema 4.1.5 (Isotopia). Seja M uma superfície conexa. Dados quaisquerdois pontos p, q ∈ M , existe um difeomorfismo f : M → M , com suportecompacto e isotópico à aplicação identidade de M , satisfazendo f(p) = q.

Podemos agora provar o resultado central dessa seção.

Teorema 4.1.6. Seja f : M → N uma aplicação diferenciável entre super-fícies de mesma dimensão, onde M é fechada e N é conexa. Se y, z ∈ Nsão valores regulares para f , então

#f−1(y) ≡ #f−1(z) mod 2.

Essa classe comum, denotada por deg2 f , depende somente da classe de ho-motopia de f .

52

Page 56: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Demonstração. Dados dois valores regulares y, z ∈ N para f , segue do Lema4.1.5 que existe um difeomorfismo h : N → N tal que h(y) = z e h é isotópicoà aplicação identidade id : N → N . Como h é difeomorfismo, z é tambémvalor regular para hf . Além disso, como f ' f e h ' id, segue do Exercício4.1.3 que h f é homotópica a f . Assim, pelo Lema 4.1.4, segue que

#(h f)−1(z) ≡ #f−1(z) mod 2.

Como(h f)−1(z) = f−1(h−1(z)) = f−1(y),

temos #(h f)−1(z) = #f−1(y). Portanto,

#f−1(y) ≡ #f−1(z) mod 2.

Suponha agora que f é homotópica a uma aplicação diferenciável g : M → N .Pelo Teorema de Sard, existe y ∈ N que é valor regular para f e g. Acongruência

deg2 f ≡ #f−1(y) ≡ #g−1(y) ≡ deg2 g mod 2

mostra que deg2 f é um invariante homotópico, e isso completa a demons-tração.

Calcular o grau módulo 2 de uma aplicação diferenciável f é simples:basta escolher um valor regular arbitrário y para f e contar os pontos dapré-imagem f−1(y). Assim, deg2 f ≡ #f−1(y) mod 2. Vejamos algunsexemplos e aplicações simples da invariância homotópica do grau mod 2.

Exemplo 4.1.7. Considere a aplicação diferenciável f : S1 → S1 definidapor f(z) = zn, com n ≥ 0. Para cada z ∈ S1, temos

df(z) · v = nzn−1 · v,

para todo v ∈ TzS1. Assim, df(z) = 0 se, e somente se, z = 0. Disso decorreque todo ponto z ∈ S1 é ponto regular para f . Como a equação f(z) = wadmite n soluções distintas, concluimos que deg2 f ≡ 0 mod 2, se n é par,e deg2 f ≡ 1 mod 2, se n é ímpar.

Exemplo 4.1.8. Uma aplicação constante f : M → M tem sempre graumod 2 par. A aplicação identidade id : M →M , no entanto, tem grau mod2 ímpar. Assim, a aplicação identidade de uma superfície fechada M nãopode ser homotópica a uma aplicação constante.

53

Page 57: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 4.1.9. O Exemplo 4.1.8 pode ser usado para mostrar que nãoexiste uma retração da esfera Sn−1 ⊂ Dn, ou seja, não existe uma aplicaçãodiferenciável f : Dn → Sn−1 tal que f |Sn−1 = id. De fato, se tal aplicação fexistisse, obteríamos uma homotopia F : Sn−1 × [0, 1]→ Sn−1, dada por

F (x, t) = f(tx),

entre uma aplicação constante e a aplicação identidade de Sn−1.

4.2 O grau de uma aplicação

Considere duas superfícies orientadas M e N , de mesma dimensão, ef : M → N uma aplicação diferenciável. Se M é compacta, definimos ograu de f da seguinte forma. Seja p ∈M um ponto regular para f , de modoque df(p) é um isomorfismo linear entre os espaços vetoriais orientados TpMe Tf(p)N . Definimos o sinal da diferencial df(p), denotado por sign df(p),como sendo +1, se df(p) preserva orientação, ou sendo −1, se df(p) inverteorientação. Dado um valor regular q ∈ N para f , definimos

deg(f ; q) =∑

p∈f−1(q)

sign df(p).

Afirmamos que, quando N é conexa, o número inteiro deg(f ; q) não dependeda escolha do valor regular q, e sim da classe de homotopia de f . Este inteiroserá chamado o grau da aplicação f , e será denotado por deg f . A fim deprovar a afirmação, consideremos alguns resultados preliminares.

Proposição 4.2.1. O inteiro deg(f ; q) é uma função localmente constantequando q percorre os valores regulares de f .

Demonstração. A demonstração é essencialmente a mesma do Lema 2.1.6.Seja f−1(q) = p1, . . . , pk. Pelo teorema da aplicação inversa, existem aber-tos U1, . . . , Uk ⊂M , com pi ∈ Ui, e que podemos supor dois a dois disjuntos,que são transformados difeomorficamente por f sobre abertos V1, . . . , Vk emN , com q ∈ Vi para todo 1 ≤ i ≤ k. Por outro lado, pela Proposição 3.1.9,o conjunto dos pontos p ∈ M tais que df(p) preserva (inverte) orientaçãoé aberto em M . Assim, se o ponto pi é tal que df(pi) preserva (inverte)orientação, podemos supor, diminuindo o aberto Ui se necessário, que df(p)preserva (inverte) orientação para todo p ∈ Ui. Considere então o subcon-junto

V =(V1 ∩ . . . ∩ Vk

)\f(M\U1 ∪ . . . ∪ Uk

)de N , com q ∈ V . Para cada y ∈ V , temos deg(f ; y) = deg(f ; q).

54

Page 58: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Consideremos agora a situação em que a superfície M é a fronteira deuma superfície compacta orientada X, no qualM está munida da orientaçãoinduzida de X, conforme o Teorema 3.3.3.

Lema 4.2.2 (Lema da extensão). Se uma aplicação diferenciável f : M → Nadmite uma extensão diferenciável F : X → N , então deg(f ; q) = 0 paratodo valor regular q ∈ N .

Demonstração. Suponhamos, inicialmente, que q ∈ N seja também valorregular para F . Assim, F−1(q) é uma superfície compacta de dimensão 1 emX, constituída de uma união finita de arcos e círculos. Os pontos da fronteirade F−1(q) são os pontos da fronteira dos arcos, que pertencem à fronteiraM = ∂X de X. Seja A ⊂ F−1(q) um desses arcos, com ∂A = a ∪ b.Afirmamos que

sign df(a) + sign df(b) = 0,

logo, somando sobre todos os arcos, obtemos deg(f ; q) = 0. As orientaçõesde X e N determinam uma orientação no arco A da seguinte forma. Dadoum ponto p ∈ A, seja v1, . . . , vn+1 uma base positiva de TpX, com v1

tangente a A em p. Então, declaramos o vetor v1 sendo positivo em TpA se,e somente se, dF (p) transforma v2, . . . , vn+1 sobre uma base positiva deTqN . Denotemos por v1(p) o único vetor unitário, tangente ao arco A noponto p, na orientação induzida. Temos que v1(p) aponta para fora em umponto da fronteira, digamos o ponto b, e aponta para dentro no outro pontoda fronteira, o ponto a. Segue então que

sign df(a) = −1 e sign df(b) = +1,

cuja soma é zero. Realizando essa soma sobre todos tais arcos A, obtemosdeg(f ; q) = 0. Suponha agora que q seja valor regular para f mas não paraF . Pela Proposição 4.2.1, a função deg(f ; q) é constante numa vizinhança Vde q em N . Assim, escolhendo um valor regular z para F em V , obtemos

deg(f ; q) = deg(f ; z) = 0,

pelo caso anterior.

O lema seguinte nos diz que o grau de uma aplicação é um invariantehomotópico.

Lema 4.2.3 (Homotopia). Se f, g : M → N são duas aplicações homotópi-cas, então deg(f ; z) = deg(g; z) para todo valor regular comum z ∈ N .

55

Page 59: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Demonstração. Seja F : M × [0, 1] → N uma homotopia entre f e g, ondeM × [0, 1] está munida da orientação produto. A fronteira de M × [0, 1]consiste deM ×1, com a orientação positiva, eM ×0, com a orientaçãooposta. Assim, o grau de F |M×∂[0,1] em um valor regular z ∈ N é igual adiferença

deg(f ; z)− deg(g; z),

que, de acordo com o Lema 4.2.2, deve ser igual a zero.

Finalmente, podemos enunciar e provar o resultado principal desta seção.

Teorema 4.2.4. Seja f : Mn → Nn uma aplicação diferenciável, com Mfechada e N conexa. Então o inteiro deg(f ; z) não depende da escolha dovalor regular z ∈ N , e sim da classe de homotopia de f .

Demonstração. Dados y, z ∈ N dois valores regulares para f , considere umdifeomorfismo positivo h : N → N , isotópico à aplicação identidade, tal queh(y) = z. Como f é homotópica a h f ,

deg(f ; z) = deg(h f ; z), (4.1)

em virtude do Lema 4.2.3. Por outro lado, como h preserva orientação,temos:

deg(f ; y) =∑

p∈f−1(y)

sign df(p) =∑

p∈(hf)−1(z)

sign d(h f)(p)

= deg(h f ; z).

(4.2)

Assim, de (4.1) e (4.2), obtemos que deg(f ; y) = deg(f ; z).

Vejamos alguns exemplos.

Exemplo 4.2.5. Se f : M → N é a aplicação constante, então deg f = 0.

Exemplo 4.2.6. A aplicação identidade id : M →M tem sempre grau iguala 1. Disso decorre, em particular, que um difeomorfismo f : M → M queinverte orientação (cf. Exercício 1), onde M é fechada, não é homotópica àaplicação identidade.

Exemplo 4.2.7. Dado 1 ≤ i ≤ n+ 1, considere a reflexão Ri : Sn → Sn emtorno do hiperplano xi = 0, i.e.,

Ri(x1, . . . , xn+1) = (x1, . . . ,−xi, . . . , xn+1).

56

Page 60: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Dados x ∈ Sn e v ∈ TxSn, com v = (v1, . . . , vn+1) ∈ Rn+1, temos

dRi(x) · v = (v1, . . . ,−vi, . . . , vn+1).

No ponto x = (0, . . . , 0, 1, 0, . . . , 0), a base e1, . . . , ei−1, ei+1, . . . , en+1 épositiva em TxSn pois, fazendo v = x, a base e1, . . . , ei−1, v, ei+1, . . . , en+1é positiva em Rn+1. No entanto, no ponto y = Ri(x) = (0, . . . ,−1, . . . , 0), amesma base e1, . . . , ei−1, ei+1, . . . , en+1 é negativa em TySn pois, se v = y,então e1, . . . , ei−1, v, ei+1, . . . , en+1 é base negativa em Rn+1. Disso decorreque dRi(x) inverte orientação, logo degRi = −1.

Exemplo 4.2.8. A aplicação antípoda A : Sn → Sn pode ser escrita comocomposta de n+ 1 reflexões:

A(p) = −p = (R1 R2 . . . Rn+1)(p).

Assim, usando o Exercício 4.2.2, concluimos que degA = (−1)n+1. Dissodecorre, em particular, que se n é par a aplicação antípoda não é homotópicaà aplicação identidade de Sn.

Uma consequência da definição do grau de uma aplicação diferenciávelf : M → N é que, se deg(f) 6= 0, então f é sobrejetora. De fato, seexistisse q ∈ N\f(M), então f−1(q) = ∅, logo deg(f) = deg(f ; q) = 0.Este fato simples pode ser usado para dar outra demonstração do teoremafundamental da Álgebra.

Teorema 4.2.9 (Teorema fundamental da Álgebra). Todo polinômio não-constante P : C→ C admite uma raiz.

Demonstração. Como na prova do Teorema 2.1.7, seja f : S2 → S2 o levanta-mento do polinômio P à esfera S2. Como P é não-constante, existe um valorregular w ∈ S2 para f tal que f−1(w) 6= ∅. Fixemos um ponto arbitrárioz ∈ f−1(w). Escrevendo f = f1 + if2, segue que a diferenciabilidade de fno ponto z ∈ C é equivalente às equações de Cauchy-Riemann

∂f1

∂x=∂f2

∂ye

∂f1

∂y= −∂f2

∂x.

Isso implica que o determinante da matriz jacobiana

df(z) =

(∂f1∂x

∂f1∂y

∂f2∂x

∂f2∂y

)é positivo. Como z ∈ f−1(w) foi escolhido de forma arbitrária, concluimosque deg(f ;w) 6= 0. Disso decorre que f é sobrejetora e, portanto, a equaçãoP (z) = 0 tem, pelo menos, uma solução.

57

Page 61: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Outra aplicação do conceito do grau é um teorema devido a Brouwer, thehairy ball theorem, afirmando que todo campo definido na esfera S2n anula-seem algum ponto.

Teorema 4.2.10 (Brouwer). A esfera Sn admite um campo de vetores tan-gente não-nulo em todo ponto se, e somente se, n é ímpar.

Demonstração. Seja X : Sn → Rn+1 um campo de vetores tangente a Sn talque X(p) 6= 0 para todo p ∈ Sn. Sem perda de generalidade, podemos suporque X é unitário pois, do contrário, o campo X(p) = X(p)/‖X(p)‖ tambémsatisfaz as hipóteses. Assim, sendo X unitário, definimos uma aplicaçãoF : Sn × [0, π]→ Sn pondo

F (p, t) = p cos t+X(p) sin t.

A aplicação F é diferenciável e satisfaz

F (p, 0) = p e F (p, π) = −p,

ou seja, F é uma homotopia entre a aplicação antípoda e a identidade deSn. Porém, pelo Exemplo 4.2.8, isso só ocorre quando n é ímpar. Recipro-camente, se n = 2k − 1, a aplicação X : Sn → Rn+1, dada por

X(x1, . . . , x2k) = (x2,−x1, x4,−x3, . . . , x2k,−x2k−1)

define um campo de vetores tangente a Sn não-nulo em todo ponto.

4.3 Número de interseção

Seja f : Mm → Nn uma aplicação diferenciável, transversal a uma sub-variedade fechada P k de Nn, ondeMm e Nn são superfícies orientadas, comMm compacta. Suponhamos que as dimensões das superfícies satisfaçamm + k = n. Isso implica que f−1(P ) é uma subvariedade de dimensão zerode M , logo é uma coleção finita de pontos em M . Além disso, com a orien-tação induzida de N , a subvariedade P também é uma superfície orientada.

O número de interseção de f com P relativo a um ponto x ∈ f−1(P ), edenotado por I(f, P )x, é definido como sendo +1 se, dados uma base positivav1, . . . , vm para TxM e uma base positiva w1, . . . , wk para Tf(x)P , entãoo conjunto

df(x) · v1, . . . ,df(x) · vm, w1, . . . , wk

forma, nesta ordem, uma base positiva para Tf(x)N , e definimos sendo −1,caso contrário.

58

Page 62: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Definição 4.3.1. O número de interseção de f com P , denotado por I(f, P ),é definido como o interiro

I(f, P ) =∑

x∈f−1(P )

I(f, P )x.

No caso particular em que M e N têm mesma dimensão e P = y, acondição de f ser transversal a P é equivalente a y ∈ N ser valor regularpara f . Assim, neste caso, tem-se I(f, P ) = deg(f ; y).

O objetivo agora é mostrar que duas aplicações homotópicas, ambastransversais a uma dada subvariedade, têm o mesmo número de interseção.Suponha que a superfície M seja a fronteira de uma superfície compactaorientada X, no qual M está munida da orientação induzida de X, e que fadmita uma extensão diferenciável F : X → N . Neste caso, F também étransversal à subvariedade P .

A mesma prova do Lema 4.2.2 pode ser usada para mostrar que, nestecaso, tem-se I(f, P ) = 0. Mais precisamente,

Lema 4.3.2. Se uma aplicação diferenciável f : Mm → Nn, transversal àuma subvariedade P k de Nn e tal que m + k = n, admite uma extensãodiferenciável F : X → N , então I(f, P ) = 0.

Com isso, podemos provar que o número de interseção é invariante porhomotopia.

Lema 4.3.3. Aplicações homotópicas têm o mesmo número de interseção.

Demonstração. Sejam f, g : Mm → Nn duas aplicações homotópicas, ambastransversais à uma subvariedade P k de Nn, com m+ k = n. Considere umahomotopia F : M × [0, 1]→ N entre f e g, onde M × [0, 1] está munida daorientação produto. Como na prova do Lema 4.2.3, temos que o número deinterseção de F |M×∂[0,1] com P é igual a diferença

I(f, P )− I(g, P )

que, de acordo com o Lema 4.3.2, é igual a zero.

59

Page 63: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

4.4 Exercícios

4.1

1. Mostre que a relação de homotopia ' é uma relação de equivalência noconjunto das aplicações diferenciáveis de M em N .

2. Sejam f, f ′ : M → N e g, g′ : N → P aplicações diferenciáveis. Se f ' f ′e g ' g′, mostre que g f ' g′ f ′, i.e., a composição de aplicações preservahomotopia.

3. Se f : Sn → Sn é uma aplicação diferenciável sem pontos fixos, mostreque f é homotópica à aplicação antípoda A : Sn → Sn.

4. Se f : Sn → Sn é uma aplicação diferenciável tal que f(p) 6= −p paratodo p ∈ Sn, mostre que f é homotópica à aplicação identidade de Sn.

5. Se n é ímpar, mostre que a aplicação antípoda A : Sn → Sn é homotópicaà aplicação identidade de Sn.

6. Seja f : Mm → Sn uma aplicação diferenciável que não é sobrejetora.Mostre que f é homotópica a uma aplicação constante.

7. Uma superfície M é dita simplesmente conexa se toda aplicação diferen-ciável α : S1 → M é homotópica à aplicação constante. Prove que a esferaSn, com n > 1, é simplesmente conexa.

8. Prove que todo difeomorfismo f : Rn → Rn, que preserva orientação, éisotópico à aplicação identidade.

4.2

1. Prove que um difeomorfismo f : M → N tem grau +1 ou −1 de acordose f preserva ou inverte, respectivamente, orientação.

2. Sejam M , N , P superfícies fechadas, orientadas de dimensão n, e consi-dere aplicações diferenciáveis f : M → N e g : N → P . Prove que vale arelação deg(g f) = deg f · deg g.

3. Sejam Mn uma superfície compacta e f : M → Sn uma aplicação dife-renciável. Prove que deg(f) = 0.

4. Calcule o grau da função f : R→ R dada por f(x) = x2.

5. Calcule o grau da aplicação f : S1 → S1 dada por f(z) = zn, com n ∈ Z.

60

Page 64: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

6. Seja f : Sn → Sn uma aplicação diferenciável tal que f(p) = f(−p), paratodo p ∈ Sn. Prove que n é ímpar.

7. Se m < n, prove que toda aplicação diferenciável f : Mm → Sn é homo-tópica à aplicação constante.

8. Prove que qualquer aplicação diferenciável f : Sn → Sn com grau diferentede (−1)n+1 deve ter um ponto fixo.

9. Sejam f, g : Sn → Sn duas aplicações diferenciáveis não-ortogonais, i.e.,〈f(x), g(x)〉 6= 0, para todo x ∈ Sn. Prove que deg(f) = ±deg(g).

4.3

1. Sejam Mm e P k subvariedades compactas de Nn, com m + k = n. De-finimos o número de interseção I(M,P ) como o número de interseção dainclusão canônica i : M → N com P . Analogamente definimos I(P,M).Mostre que I(M,P ) = (−1)mkI(P,M).

61

Page 65: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

4.5 Apêndice 4: O lema da isotopia

62

Page 66: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Capítulo 5

A característica de Euler

5.1 Campos vetoriais

Nesta seção iremos somente relembrar as definições básicas e generalida-des dos campos vetoriais definidos em superfícies.

Um campo vetorial sobre uma superfície Mm ⊂ Rn é uma aplicaçãoX : M → Rn que associa a cada ponto p ∈ M um vetor X(p) ∈ TpM .Em conformidade com a Definição 1.3.2, diremos que o campo vetorial X édiferenciável no ponto p ∈ M se existe uma parametrização ϕ : U → ϕ(U)de M , com p ∈ ϕ(U), tal que X ϕ é diferenciável no ponto x = ϕ−1(p).

Um subconjunto aberto U de uma superfície M ainda é uma superfí-cie. Assim, tem sentido considerar campos vetoriais definidos em U . Porexemplo, dado uma parametrização ϕ : U → ϕ(U) de M , os vetores

∂x1(p), . . . ,

∂xm(p)

(5.1)

constituem, para cada p = ϕ(x), uma base de TpM , onde ∂∂xi

(p) = dϕ(x) ·ei,com 1 ≤ i ≤ m. As aplicações ∂ϕ

∂xi: ϕ(U) → Rn são diferenciáveis e, assim,

os m campos vetoriais Xi : ϕ(U)→ Rn, dados por

Xi(ϕ(x)) =∂ϕ

∂xi(x),

também são diferenciáveis, e consituem um referencial em M associado a ϕ.Se ϕ : U → ϕ(U) é uma parametrização de M , podemos escrever

X(p) =m∑i=1

ai(x)∂

∂xi(p), (5.2)

63

Page 67: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

para todo p = ϕ(x) ∈ ϕ(U). Assim, em cada vizinhança coordenada ϕ(U),o campo X fica determinado por m funções ai : U → R que dão, em todoponto x ∈ U , as m coordenadas de X(p) relativamente à base (5.1).

Proposição 5.1.1. O campo vetorial X é diferenciável se, e somente se, asfunções a1, . . . , am : U → R, dadas em (5.2), são diferenciáveis, qualquer queseja a parametrização ϕ de M .

Demonstração. Se as funções a1, . . . , am : U → R são diferenciáveis, paratoda parametrização ϕ : U → ϕ(U) de M , é claro que X é diferenciável.Reciprocamente, suponhamos que X seja diferenciável e considere uma pa-rametrização ϕ : U → ϕ(U) de M . Sejam A(x) a matriz n × m cujascolunas são os vetores ∂

∂x1(ϕ(x)), . . . , ∂

∂xm(ϕ(x)), associados a ϕ, e V (x) o

vetor coluna cujas coordenadas são a1(x), . . . , am(x). Em cada ponto x ∈ U ,a matriz A(x) possui uma submatriz m×m inversível. Restringindo, se ne-cessário, o aberto U , podemos supor que esta matriz é a mesma em todos ospontos e, por simplicidade de notação, admitiremos que ela é formada pelasm primeiras colunas de A(x), ou seja,

A(x) =

(P (x)Q(x)

),

onde P (x) é uma matriz inversível de ordem m ×m e Q(x) é uma matrizde ordem (n − m) × m. A aplicação x 7→ P (x)−1 é diferenciável em U ,assim como a aplicação x 7→ B(x) é diferenciável, onde B(x) = (P (x)−1, 0)é uma matriz de ordem m×n, cujas últimas n−m colunas são nulas. ComoB(x) ·A(x) = Id, temos

V (x) = B(x) ·A(x) · V (x) = B(x) ·X(ϕ(x)).

Isso mostra que x 7→ V (x) = (a1(x), . . . , am(x)) é diferenciável em U .

O conjunto de todos os campos vetoriais diferenciáveis, tangentes a M ,será denotado por X(M).

Definição 5.1.2. Uma curva integral de um campo vetorial X ∈ X(M) éuma curva diferenciável α : I → M , definida num intervalo aberto I ⊂ R,tal que α′(t) = X(α(t)), para todo t ∈ I.

Considere um campo X ∈ X(M) e uma parametrização ϕ : U → ϕ(U)de M . Se α : I → M é uma curva integral de X, com α(I) ⊂ ϕ(U), segue

64

Page 68: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

de (5.2) que:

α′(t) = X(α(t)) ⇔ dϕ(α(t))−1 · α′(t) = dϕ(α(t))−1 ·X(α(t))

⇔ d

dt(ϕ−1 α)(t) =

m∑i=1

(ai ϕ−1 α)(t) · ei.

Assim, a condição α′(t) = X(α(t)), para todo t ∈ I, dá a expressão local

d

dt(ϕ−1

i α) = ai ϕ−1 α, (5.3)

para 1 ≤ i ≤ m, que constitui um sistema de equações diferenciais ordináriasde 1a ordem. O teorema fundamental de existência e unicidade para soluçõesde tais sistemas tem a seguinte consequência neste contexto:

Teorema 5.1.3. Sejam M uma superfície e X ∈ X(M). Então, para cadap ∈ M , existe um intervalo aberto I contendo 0 onde está definida a únicacurva integral α : I →M tal que α(0) = p.

Neste caso, dizemos que a curva integral α : I →M tem origem no pontop. Outro resultado básico sobre equações diferenciais afirma que a soluçãode um sistema depende diferenciavelmente das condições iniciais, ou seja,denotando por t 7→ ϕ(p, t) a curva integral de X que tem origem em p, entãoo ponto ϕ(p, t) ∈M depende diferenciavelmente de p e t.

Dizemos que um campo vetorial X ∈ X(M) é completo quando suas cur-vas integrais estão definidas em toda reta (esse é o caso, por exemplo, quandoa superfície é compacta). Nesse caso, obtemos uma aplicação diferenciávelϕ : M × R → M onde, para cada p ∈ M e cada t ∈ R, ϕ(p, t) é o ponto deparâmetro t na curva integral de X que tem origem no ponto p. Fixado umvalor t ∈ R, a aplicação ϕ define uma translação ϕt : M → M ao longo dascurvas integrais, dada por ϕt(p) = ϕ(p, t), para todo p ∈M .

Proposição 5.1.4. Dado um campo completo X ∈ X(M), as translaçõesϕt : M →M , ao longo de suas curvas integrais, são difeomorfismos de M .

Demonstração. Tem-se, evidentemente, que ϕ0 = id. Afirmamos que

ϕt+s = ϕt ϕs,

para quaisquer t, s ∈ R. Daí segue-se que

ϕs ϕt = ϕt ϕs e ϕ−t ϕt = ϕt ϕt = id,

65

Page 69: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

donde ϕt é um difeomorfismo, cujo inverso é ϕ−t. A igualdade ϕt+s = ϕtϕsdecorre da unicidade da curva integral que tem origem num ponto. Elasignifica que ϕ(p, t+ s) = ϕ(ϕ(p, t), s), i.e., o ponto de parâmetro s na curvaintegral de origem ϕ(p, t) é o mesmo que o ponto de parâmetro t + s nacurva integral de origem p = ϕ(p, 0). A fim de provar isso, seja γ : R→M acurva integral de origem p, γ(t) = ϕ(p, t). Dado t0 ∈ R arbitrário, definimosξ : R→M pondo ξ(s) = γ(t0 + s). Devemos provar que ξ é a curva integralde origem γ(t0). Temos ξ(0) = γ(t0). Além disso, para todo s0 ∈ R, temos

ds(s0) =

dt(t0 + s) = X(γ(t0 + s0)) = X(ξ(s0)).

Pela unicidade, ξ é a curva integral de origem γ(t0).

Dessa forma, todo campo completo X ∈ X(M) determina um grupo dedifeomorfismos ϕt : t ∈ R, formado pelas translações ao longo das curvasintegrais de X. Reciprocamente, dado um grupo a 1-parâmetro de difeo-morfismos ϕt : t ∈ R de uma superfície M ⊂ Rn, definimos uma aplicaçãoX : M → Rn pondo

X(p) =d

dt(ϕt(p))(0),

para todo p ∈ M . Isso define um campo X ∈ X(M), que tem ϕt : t ∈ Rcomo grupo a 1-parâmetro associado.

Exemplo 5.1.5. Em R2, considere o campo X = x ∂∂x − y ∂

∂y . Então,α(t) = (x(t), y(t)) é uma curva integral de X se, e somente se,

dx

dt= x e

dy

dt= −y.

Assim, devemos ter x(t) = Aet e y(t) = Be−t, com A,B ∈ R. Portanto, acurva integral maximal de X, passando pelo ponto p = (p1, p2), é dada porαp(t) = (p1e

t, p2e−t), para todo t ∈ R.

5.2 O índice de um campo vetorial

Nesta seção estudaremos o índice de uma singularidade isolada de umcampo vetorial definido numa superfície, como uma aplicação do conceito degrau, definido anteriormente.

Uma singularidade de um campo vetorial X ∈ X(M) é um ponto p ∈Mpara o qual X(p) = 0. Em uma vizinhança próxima de uma singularidade p

66

Page 70: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

a direção do campo pode mudar radicalmente. Por exemplo, o campo podecircular em torno de p, ter um comportamento de convergência, divergência,espiral, sela ou, eventualmente, algo mais complicado. Algo interessante,neste contexto, é que a topologia da superfície influencia fortemente no com-portamento do campo. O que faremos a partir de agora é investigar a relaçãoentre um campo vetorial X ∈ X(M) e a topologia da superfície M .

Consideremos inicialmente um campo vetorial X : Rn → Rn, definidoem Rn, e suponhamos que x0 ∈ Rn seja uma singularidade isolada de X.Escolha um número ε > 0 tal que X(x) 6= 0, para todo 0 < ‖x − x0‖ ≤ ε.Denotando por Sn−1

ε ⊂ Rn a esfera centrada em x0 e de raio ε, a aplicaçãoG : Sn−1

ε → Sn−1, dada por

G(x) = X(x)/‖X(x)‖, (5.4)

está bem definida, e é chamada a aplicação de Gauss associada a X em x0.

Definição 5.2.1. O índice do campo X na singularidade isolada x0, deno-tado por indx0(X), é definido como o grau da aplicação de Gauss em (5.4).

Observe que, pela invariância do grau por homotopia, a definição doíndice independe da escolha do raio ε. De fato, dado outro número ε′ > 0,com X(x) 6= 0, para todo 0 < ‖x − x0‖ ≤ ε′, considere um difeomorfismoh : Sn−1

ε → Sn−1ε′ que preserva as orientações das esferas. Denotando por

G′ : Sn−1ε′ → Sn−1 a aplicação de Gauss associada ao campo X em x0,

relativa a ε′, considere a aplicação composta H = G′ h. Assim, G e H sãoduas aplicações diferenciáveis da esfera Sn−1

ε na esfera unitária Sn−1. Se hfor escolhido de tal forma que G(x) 6= −H(x), para todo x ∈ Sn−1

ε , segue doExemplo 4.1.3 que G e H são homotópicas, logo têm mesmo grau. Como hfoi escolhido sendo positivo, segue que H e G′ têm mesmo grau e, portanto,as aplicações de Gauss G e G′ têm mesmo grau.

Esta definição tem um caráter geométrico bem simples. Por exemplo,para campos X : R2 → R2, o número indx0(X) é simplesmente o númerode voltas positivas que a aplicação de Gauss G faz em torno de S1, menos onúmero de voltas negativas.

Observação 5.2.2. No caso de campos X : R2 → R2, o sentido de percursoda aplicação de Gauss G é descrito da seguinte forma. Se G percorre ocírculo S1 no sentido anti-horário, quando o campo X percorre o círculo S1

ε

no sentido anti-horário, dizemos que G percorre S1 no sentido positivo. Casocontrário, dizemos que G percorre S1 no sentido negativo.

67

Page 71: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 5.2.3. Podemos construir campos vetoriais cujas singularidadestêm índice prescrito. Por exemplo, o campo X : R2 → R2, definido porX(z) = zk, tem uma singularidade isolada na origem, cujo índice é k.

Nosso objetivo agora é mostrar que o índice é invariante por difeomorfis-mos. Para isso, faremos uso do seguinte lema auxiliar.

Lema 5.2.4. Todo difeomorfismo f : Rn → Rn, que preserva orientação, éisotópico à aplicação identidade.

Demonstração. Podemos assumir que f(0) = 0. Como a diferencial de f naorigem é dada por

df(0) · v = limt→0

f(tv)

t,

para todo v ∈ Rn, é natural definirmos uma aplicação F : Rn × [0, 1] → Rnpondo

F (v, t) =

f(tv)t , se t 6= 0

df(0) · v, se t = 0.

Afirmamos que F é uma isotopia entre df(0) = F (·, 0) e f = F (·, 1). Defato, pondo

f(x) = (f1(x), . . . , fn(x)),

com x = (x1, . . . , xn) ∈ Rn, podemos escrever

fi(x) =

∫ 1

0

dfi(tx)

dtdt =

n∑j=1

xi

∫ 1

0

∂fi∂xj

(tx)dt.

Definindo então

hij(x) =

∫ 1

0

∂fi∂xj

(tx1, . . . , txn)dt,

segue que hij são funções diferenciáveis e satisfazem

hij(0, . . . , 0) =∂fi∂xj

(0, . . . , 0),

para quaisquer 1 ≤ i, j ≤ n. Assim, podemos escrever

F (x1, . . . , xn, t) =

(n∑i=1

xih1i(tx), . . . ,n∑i=1

xihni(tx)

),

mostrando que F é diferenciável. Portanto, f é isotópica à aplicação lineardf(0). Como f é um difeomorfismo positivo, segue que df(0) ∈ GL+(n).

68

Page 72: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Assim, como GL+(n) é conexo por caminhos, existe uma curva diferenciávelα : [0, 1] → GL+(n) tal que α(0) = df(0) e α(1) = id, ou seja, existe umaisotopia deformando df(0) sobre a aplicação idendidade.

Lema 5.2.5. Dado um difeomorfismo f : Rn → Rn, considere campos veto-riais X,Y ∈ X(Rn) que são f -relacionados, ou seja, df(x) ·X(x) = Y (f(x)),para todo x ∈ Rn. Se x0 é uma singularidade isolada de X, então

indx0(X) = indf(x0)(Y ).

Demonstração. Assumimos, sem perda de generalidade, que x0 = f(x0) = 0.Se f preserva orientação, segue do Lema 5.2.4 que f é isotópica à aplicaçãoidentidade. Ou seja, existe uma família a 1-parâmetro de difeomorfismosft : Rn → Rn tais que f0 = id, f1 = f e ft(0) = 0, para todo t ∈ [0, 1]. Paracada t ∈ [0, 1], consideremos o campo vetorial

Xt = dft X f−1t .

Como x0 = 0 é uma singularidade isolada do campo X, o mesmo ocorre comtodos os campos Xt. Em particular, x0 = 0 é uma singularidade isoladade Y . Além disso, denotando por Gt a aplicação de Gauss associada aocampo Xt concluimos, em particular, que G0 e G1 são homotópicas, i.e., asaplicações de Gauss de X e Y são homotópicas. Portanto, essas aplicaçõestêm o mesmo grau. Para o caso não-orientável, basta considerar o casoespecial em que f é uma reflexão R. Neste caso, os campos X e Y estãorelacionados por

Y = R X R−1,

de modo que as aplicações de Gauss associadas a X e Y satisfazem a mesmarelação

GY = R GX R−1.

Disso decorre que GY tem o mesmo grau que GX .

Considere agora uma superfície M e um campo vetorial X ∈ X(M) comuma singularidade isolada p ∈M . Dado uma parametrização ϕ : U → ϕ(U)de M , com p = ϕ(x), considere o campo vetorial ϕ∗X dado por

(ϕ∗X)(x) = dϕ(x)−1 ·X(ϕ(x)),

para todo x ∈ U . O campo ϕ∗X é chamado o pull-back do campo X atravésda parametrização ϕ.

69

Page 73: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Definição 5.2.6. O índice do campo vetorial X ∈ X(M) na singularidadeisolada p ∈M , denotado por indp(X), é definido pondo

indp(X) = indx(ϕ∗X),

onde ϕ∗X é o pull-back de X através da parametrização ϕ, com p = ϕ(x).

Observe que, em virtude do Lema 5.2.5, o índice indp(X) está bem defi-nido, ou seja, independe da escolha da parametrização ϕ.

Fixado uma parametrização ϕ : U → ϕ(U) de M , escrevamos

X(p) =

m∑i=1

ai(x)∂

∂xi(p),

para todo p = ϕ(x) ∈ ϕ(U), onde ai : U → R são as funções coordenadasde X na vizinhança coordenada ϕ(U). Calculando a diferencial de X numponto p = ϕ(x), obtemos:

dX(p) =m∑i=1

m∑j=1

∂ai∂xj

(x) · ∂∂xi

(x) + ai(x) · d ∂

∂xi(p)

.

Se p é uma singularidade de X, obtemos

dX(p) =m∑

i,j=1

∂ai∂xj

(x) · ∂∂xi

(p).

Ou seja, obtemos uma aplicação linear dX(p) : TpM → TpM cuja matriz,em relação à base

∂∂x1

(p), . . . , ∂∂xm

(p), é dada por

dX(p) =

(∂ai∂xj

(x)

).

Em particular, o determinante de dX(p) é um invariante bem definido de X.

Definição 5.2.7. Uma singularidade p ∈M de um campo X ∈ X(M) diz-senão-degenerada se a diferencial dX(p) : TpM → TpM é um isomorfismo.

Proposição 5.2.8. Se p ∈ M é uma singularidade não-degenerada de umcampo vetorial X ∈ X(M), então:

indp(X) =

+1, se det(dX(p)) > 0−1, se det(dX(p)) < 0

.

70

Page 74: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Demonstração. Como o índice de X é uma característica local, basta mos-trarmos que o resultado é válido quando M = Rn. Suponhamos, sem perdade generalidade, que p = 0 ∈ Rn. Assim, X : Rn → Rn é uma aplicaçãodiferenciável, com X(0) = 0. Como provado no Lema 5.2.4, a aplicaçãoF : Rn × [0, 1]→ Rn, dada por

F (v, t) =

X(tv)t , se t 6= 0

dX(0) · v, se t = 0,

é uma homotopia entre os campos dX(0) = F (·, 0) e X = F (·, 1). Dissodecorre, em particular, que X e dX(0) têm o mesmo índice. Como dX(0)é um isomorfismo, concluimos que ind0(dX(0)) = 1, se det(dX(0)) > 0, eind0(dX(0)) = −1, se det(dX(0)) < 0.

Exemplo 5.2.9. Considere o campo vetorial X : R3 → R3 dado por

X(x, y, z) = (y,−x, 0).

O campo X é tangente a S2, logo define um campo vetorial X ∈ X(S2),que possui duas singularidades: o polo norte N = (0, 0, 1) e o polo sulS = (0, 0,−1). Por outro lado, a projeção natural π : S2 → R2, dada porπ(x, y, z) = (x, y), é uma parametrização de S2 em torno do polo norte (étambém em torno do polo sul). Denotando por ϕ = π−1, temos:

(ϕ∗X)(u, v) = (v,−u),

onde (u, v) denotam as coordenadas de R2. Além disso, a diferencial docampo ϕ∗X, na singularidade (0, 0), é dada por

d(ϕ∗X)(u, v) =

(0 1−1 0

).

Disso decorre que N e S são singularidades não-degeneradas do campo X e,pela Proposição 5.2.8, concluimos que

indN (X) = indS(X) = 1.

Observação 5.2.10. Se n ∈ N é par, podemos construir, de forma análogaao Exemplo 5.2.9, um campo vetorial X ∈ X(Sn) cujas únicas singularidadesnão-degeneradas são os polos norte e sul, ambos de índice igual a 1.

71

Page 75: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Veremos a seguir alguns exemplos simples de campos vetoriais em R2,tendo a origem como a única singularidade não-degenerada, e o correspon-dente índice. Queremos, na realidade, chamar a atenção para o fluxo geradopelo campo, que consiste das curvas integrais cujas direções tangentes sãogeradas pelo campo. Como visto em (5.3), este fluxo provém de uma equaçãodiferencial e a investigação da sua natureza é um tópico ativo em pesquisa,que está além de nossos propósitos aqui.

Exemplo 5.2.11. Denotando por (x, y) as coordenadas usuais de R2, con-sidere os campos vetoriais X,Y, Z,W ∈ X(R2) dados por

X(x, y) = (x, y),

Y (x, y) = (−x,−y),

Z(x, y) = (x,−y),

W (x, y) = (−y, x).

A origem p = (0, 0) é a única singularidade dos campos X, Y , Z e W . Alémdisso, temos

dX(0, 0) =

(1 00 1

), dY (0, 0) =

(−1 00 −1

),

dZ(0, 0) =

(1 00 −1

), dW (0, 0) =

(0 −11 0

).

Disso decorre que a origem é uma singularidade não-degenarada para todosos campos e, pela Proposição 5.2.8, concluimos que

indp(X) = indp(Y ) = indp(W ) = +1 e indp(Z) = −1.

5.3 A característica de Euler

Nesta seção provaremos o teorema de Poincaré-Hopf, segundo o qual asoma dos índices das singularidades isoladas de um campo vetorial sobre umasuperfície compacta não depende do campo, e sim da topologia da superfície.

Se X é um campo vetorial com um número finito de singularidades,podemos redefinir X numa vizinhança de cada uma das singularidades demodo a obter um novo campo vetorial X ′ com a mesma soma dos índices etendo também um número finito de singularidades, sendo estas todas não-degeneradas. A Proposição 5.3.3 a seguir estabelecerá esse fato, e com isso

72

Page 76: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

poderemos assumir que as singularidades de qualquer campo vetorial, quandoem quantidade finita, são todas não-degeneradas.

Dado um campo vetorial X ∈ X(Rn), considere um disco D ⊂ Rn con-tendo singularidades x1, . . . , xk de X em seu interior, e considere também aaplicação f : ∂D → Sn−1 dada por

f(x) =X(x)

‖X(x)‖. (5.5)

Lema 5.3.1. Para a aplicação f definida em (5.5), tem-se

deg f =

k∑i=1

indxi(X).

Demonstração. Para cada 1 ≤ i ≤ k, considere um disco Di ⊂ Rn centradoem xi tal que Di ⊂ int(D) e Di ∩ Dj = ∅, para i 6= j. Se Gi denota aaplicação de Gauss de X na singularidade xi, definida na esfera ∂Di, temos

indxi(X) = degGi,

para todo 1 ≤ i ≤ k. Por outro lado, seja M = D \∪ki=1int(Di) e considere aaplicação F : M → Sn−1 dada por F (x) = X(x)/‖X(x)‖. Note que F estábem definida e, pelo lema da extensão, tem-se degF |∂M = 0. Porém, a com-ponente ∂D de ∂M tem orientação oposta de todas as outras componentes∂Di, com 1 ≤ i ≤ k. Assim,

deg f −k∑i=1

degGi = 0,

ou seja,

deg f =

k∑i=1

degGi =

k∑i=1

indxi(X),

como queríamos.

Lembremos que o suporte de uma função diferenciável f : M → R, deno-tado por suppf , é o conjunto

suppf = p ∈M : f(p) 6= 0.

Disso decorre que se p /∈ suppf , então f se anula numa vizinhança de p.Uma função diferenciável f : M → R é dita ser uma função auxiliar num

73

Page 77: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

ponto p ∈M se existe um aberto U de M , com p ∈ U , tal que f é constantee igual a 1 numa vizinhança de p e suppf ⊂ U .

O resultado seguinte pode ser encontrado em [4] e garante a existênciade tais funções.

Lema 5.3.2. Dados um ponto p ∈ M e um aberto U de M , com p ∈ U ,existe uma função auxiliar f : M → R em p de modo que f(M) ⊂ [0, 1] esuppf ⊂ U .

Proposição 5.3.3. Seja X ∈ X(M). Se p ∈ M é uma singularidade iso-lada de X, existem um subconjunto D ⊂ M homeomorfo a um disco deRn, com p ∈ int(D), e um campo vetorial X ′ ∈ X(M) com somente umnúmero finito de singularidades em D, todas não-degeneradas, satisfazendoX ′|M\D = X|M\D e ∑

X′(p)=0

indp(X′) =

∑X(p)=0

indp(X).

Demonstração. Como o índice é um conceito local podemos supor, sem perdade generalidade, que M = Rn e p = 0. Escolha um valor regular a ∈ Rnpara X, com ‖a‖ < ‖X(x)‖, para todo 1 ≤ ‖x‖ ≤ 2. Além disso, sejaf : Rn → [0, 1] uma função auxiliar em p, com f ≡ 1 em ‖x‖ ≤ 1 e f ≡ 0em ‖x‖ ≥ 2. Considere o campo vetorial

X ′(x) = X(x)− af(x),

para todo x ∈ Rn. Seja D o disco com centro em p = 0 e raio igual a 2.Note que X ′|Rn\D = X|Rn\D e

‖X(x)‖ > ‖a‖ ≥ ‖af(x)‖,

para todo 1 ≤ ‖x‖ ≤ 2. Seja V = x ∈ Rn : ‖x‖ < 1. Como X ′ = X − ano aberto V , as singularidades de X ′ em V são os pontos na interseçãoV ∩ X−1(a). Como a é valor regular para X, essas singularidades são emquantidade finita e não-degeneradas. Portanto, segue do Lema 5.3.1 que∑

x∈X−1(0)∩D

indx(X) = deg (X|∂D/‖X|∂D‖)

= deg(X ′|∂D/‖X ′|∂D‖

)=

∑x∈X′−1(0)∩D

indx(X),

como queríamos.

74

Page 78: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Corolário 5.3.4. Se X ∈ X(M) é um campo vetorial com um número finitode singularidades, existe um campo vetorial Y ∈ X(M), com um númerofinito de singularidades e todas não-degeneradas, tal que∑

x∈X−1(0)

indx(X) =∑

x∈Y −1(0)

indx(Y ).

O teorema seguinte, em dimensão 2, foi provado por Poincaré em 1885.A verão geral, como acima apresentado, foi provada por Hopf em 1926.

Teorema 5.3.5 (Poincaré-Hopf). Sejam M uma superfície compacta e ori-entada, e X ∈ X(M) um campo vetorial cujas singularidades são todas isola-das. Então, a soma global dos índices do campo X é um invariante topológicoda superfícieM . Mais precisamente, se p1, . . . , pk denotam as singularidadesde X, então o número inteiro

k∑i=1

indpi(X) = χ(M)

independe da escolha do campo X, e será chamado a característica de Eulerda superfície M .

Demonstração. Em virtude do Corolário 5.3.4, podemos assumir que as sin-gularidades de X são todas não-degeneradas. Consideremos as seguintessituações:

Caso 1: ∂M 6= ∅. Para cada 1 ≤ i ≤ k, seja Di ⊂ M um subconjuntohomeomorfo a um disco de Rn, com pi ∈ int(Di) e Di ∩Dj = ∅, para i 6= j.Seja

N = M \k⋃i=1

int(Di)

e considere a aplicação f : N → Sn−1 dada por f(x) = X(x)/‖X(x)‖. Deforma inteiramente análoga à prova do Lema 5.3.1, concluimos que

k∑i=1

indpi(X) = deg f,

e isso prova o teorema neste caso.

Caso 1: ∂M 6= ∅. Dado ε > 0, denote por Nε a ε-vizinhança1 de M , ou seja,

Nε = x ∈ Rn : ‖x− y‖ ≤ ε, para algum y ∈M.1Para ε > 0 suficientemente pequeno, Nε é uma superfície n-dimensional de Rn, com

∂Nε 6= ∅.

75

Page 79: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

A ideia central da prova2 consiste em construir um campo vetorial na super-fície Nε de modo que tenha as mesmas singularidades e índices de X, e aconclusão segue do Caso 1.

O principal problema associado a este invariante consiste em calcularχ(M) quando se têm informações sobre M .

Exemplo 5.3.6. Para a esfera Sn, temos:

χ(Sn) =

0, se n é ímpar2, se n é par .

De fato, para n ímpar, segue do teorema de Brouwer que existe campo ve-torial X ∈ X(Sn) sem singularidades. Quando n é par, é possível cons-truir sobre Sn um campo vetorial X ∈ X(Sn) com duas singularidades não-degeneradas, ambas com índice igual a 1 (cf. Observação 5.2.10).

O fato que χ(Sn) = 0, para n ímpar, pode ser visto de uma situação maisgeral, como mostra o exemplo seguinte.

Exemplo 5.3.7. Se a dimensão de M é ímpar, então χ(M) = 0. De fato,considere um campo vetorial X ∈ X(M), cujas singularidades isoladas sejamp1, . . . , pr. Observe que estes mesmos pontos são também singularidadesisoladas do campo vetorial −X. Assim, segue do Teorema 5.3.5 que

r∑i=1

indpi(X) =

r∑i=1

indpi(−X). (5.6)

Por outro lado, considere uma parametrização ϕi : Ui → M de M , compi ∈ ϕi(Ui). Na vizinhança coordenada ϕi(Ui), podemos escrever

X(q) =

m∑j=1

aij(q)dϕi(x) · ej ,

para todo q ∈ ϕi(Ui), onde x = ϕ−1i (q). Assim, o índice do campo X no

ponto pi é o sinal do determinante

det

(∂aij∂xk

(pi)

),

2Prova detalhada na próxima versão.

76

Page 80: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

enquanto que o índice do campo −X no ponto pi é o sinal do determinante

det

(−∂aij∂xk

(pi)

)= (−1)m · det

(∂aij∂xk

(pi)

).

Assim,

r∑i=1

indpi(X) = (−1)mr∑i=1

indpi(−X). (5.7)

Como m é um número ímpar, concluimos de (5.6) e (5.7) que

r∑i=1

indpi(X) = 0

e, portanto, χ(M) = 0.

Exemplo 5.3.8. Seja M2 ⊂ R3 uma superfície compacta e nela considereuma triangulação, i.e., uma coleção de triângulos curvilíneos (imagens difeo-morfas de triângulos do plano) que cobrem M , de modo que dois quaisquerdeles, ou não se interceptam, ou têm somente um vértice em comum, ouentão têm exatamente um lado em comum. Seja V o número de vértices, Ao número de arestas e F o número de faces desta triangulação. Definiremosum campo vetorial X sobre M e provaremos que a soma das singularidadesde X é igual a V − A+ F , ou seja, qualquer que seja a triangulação de M ,teremos

χ(M) = V −A+ F.

Em vez de difinir X explicitamente, daremos suas curvas integrais. Inicial-mente, subdividimos baricentricamente cada triângulo de M , i.e., subdivi-dimos cada triângulo de M em seis outros, traçando suas 3 medianas. Emseguida, enchemos cada triângulo com as linhas integrais do campo, da se-guinte forma. Cada linha integral parte sempre do centro de um elementode dimensão menor para o centro de um elemento de dimensão maior, ouseja, de um vértice para o meio de um lado, de um vértice para o centro dotriângulo, ou do meio de um lado para o centro do triângulo. Cada elemento(vértice, aresta ou face) contribui precisamente com uma singularidade docampo. O centro deste elemento é uma singularidade. Assim, o campo Xterá V +A+F singularidades. Porém, num vértice as curvas integrais todassaem daquele ponto; já no centro de um triângulo, todas as curvas integraisentram. Em qualquer caso, o índice da singularidade é 1. No meio de um

77

Page 81: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

lado, há curvas integrais que entram e outras que saem. Tem-se aí um pontode sela, e seu índice é −1. Assim, a soma dos índices das singularidades docampo X é igual a V −A+ F .

Observação 5.3.9. Para a esfera S2 obtemos, em virtude do Exemplo 5.3.8,que V −A+F = 2, que é o teorema clássico de Euler para poliedros convexos,justificando assim o nome dado a χ(M).

78

Page 82: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

5.4 Exercícios

5.1

1. Considere um campo X ∈ X(Rn) tal que ‖X(p)‖ ≤ c, para todo p ∈ Rn,onde c > 0. Prove que X é completo.

2. Prove que se M é compacta, qualquer campo X ∈ X é completo.

3. Determine as curvas integrais em R2 do campo vetorial X = e−x ∂∂y + ∂

∂xe verifique se o campo é completo.

4. Quais curvas integrais do campo X = x2 ∂∂x +y ∂

∂y estão definidas em todoR?

5. Determine as curvas integrais em R2 do campo vetorial X = x2 ∂∂x +xy ∂

∂y .

5.2

1. Prove que as singularidades não-degeneradas de um campo vetorial X ∈X(M) são sempre isoladas.

2. Considere os campos vetoriais X,Y, Z,W ∈ X(R2) dados por

X(x, y) = (x, y), Y (x, y) = (−x,−y), Z(x, y) = (x,−y), W (x, y) = (−y, x).

Determine as singularidades dos campos, calcule o índice de cada singulari-dade isolada e esboce as curvas integrais de cada campo.

5.3

1. Sejam M e N duas superfícies compactas e orientadas. Prove que

χ(M ×N) = χ(M) · χ(N).

2. Calcule a característica de Euler do toro T 2.

79

Page 83: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Capítulo 6

Introdução à teoria de Morse

6.1 Funções de Morse

Dados uma função diferenciável f : M → R, definida numa superfícieM ,e um ponto p ∈ M , tem-se que ou p é ponto regular para f ou df(p) = 0.Se p é ponto regular para f , segue da forma local das submersões que existeuma parametrização em torno de p tal que, nesta vizinhança coordenada,f é simplesmente a projeção sobre a primeira coordenada. Neste caso, co-nhecemos o comportamento local de f nos pontos regulares, a menos dedifeomorfismos. O objetivo agora é estudar o comportamento local de f emseus pontos críticos.

Consideremos inicialmente funções diferenciáveis f : Rn → R, definidasem Rn. Nosso interesse inicial reside na diferencial segunda d2f(x) da funçãof no ponto x. Mais precisamente, à esta diferencial fica associada uma matrizde ordem n× n

Hf (x) =

(∂2f

∂xi∂xj(x)

),

chamada a matriz Hessiana de f no ponto x. Note que o teorema de Schwarzgarante que essa matriz é simétrica.

Suponhamos agora que f admita um ponto crítico x. Isso significa quedf(x) = 0, i.e.,

∂f

∂x1(x) = . . . =

∂f

∂xn(x) = 0.

Definição 6.1.1. Dizemos que o ponto crítico x é não-degenerado quandoa matriz Hessiana nesse ponto é inversível, i.e., detHf (x) 6= 0.

O comportamento local de uma função em um ponto crítico não-de-generado é completamente determinado, a menos de difeomorfismos, pelo

80

Page 84: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

chamado Lema de Morse. Este lema descreve completamente a função, emuma parametrização apropriada, em termos da matriz Hessiana do respectivoponto.

Lema 6.1.2 (Morse). Sejam f : Rn → R uma função diferenciável e x ∈ Rnum ponto crítico não-degenerado para f . Então, existe um difeomorfismoξ : V →W , com 0 ∈ V , p ∈W e ξ(0) = x, tal que

f(ξ(y)) = f(x) +n∑

i,j=1

hij(y)yiyj ,

para todo y = (y1, . . . , yn) ∈ V , onde (hij(x)) denota a matriz Hessiana def no ponto x.

Disso decorre que toda função diferenciável, em torno de um ponto críticonão-degenerado, é localmente equivalente a um polinônio quadrático, ondeos coeficientes são dados pela matriz Hessiana.

Considere agora uma função diferenciável f : M → R, definida na super-fície Mn, e p ∈ M um ponto crítico para f . Diremos que p é ponto críticonão-degenerado para f se existe uma parametrização ϕ : U → ϕ(U) de M ,com ϕ(0) = p, tal que 0 seja ponto crítico não-degenerado para a funçãof ϕ. Devemos verificar que essa definição independe da escolha da para-metrização. Para isso, seja ψ : V → ψ(V ) outra parametrização de M , comψ(0) = p. Então

f ψ = (f ϕ) φ,

onde φ = ϕ−1 ψ. Devemos então provar o seguinte

Lema 6.1.3. Sejam f : Rn → R uma função diferenciável e φ : Rn → Rn umdifeomorfismo tal que φ(0) = 0. Se 0 ∈ Rn é ponto crítico não-degeneradopara f então também o é para a função g = f φ.

Demonstração. Denotemos por Hf , Hg as matrizes Hessianas de f e g, res-pectivamente, no ponto 0. Usando a regra da cadeia, obtemos

∂g

∂xj(x) =

n∑k=1

∂f

∂yk(φ(x)) · ∂φk

∂xj(x),

onde y = φ(x). Assim,

∂2g

∂xi∂xj(0) =

n∑k,l=1

∂2f

∂yi∂yj(0) · ∂φl

∂xi(0) · ∂φk

∂xj(0) +

n∑k=1

∂f

∂yk(0) · ∂2φk

∂xi∂xj(0).

81

Page 85: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Como 0 é ponto crítico de f , cada termo no segundo somatório é nulo. Assim,

∂2g

∂xi∂xj(0) =

n∑k,l=1

∂2f

∂yi∂yj(0) · ∂φl

∂xi(0) · ∂φk

∂xj(0).

Usando a notação de multiplicação de matrizes, a igualdade acima pode serescrita como

Hg(0) = (dφ(0))t ·Hf (0) · (dφ(0)).

Como φ é difeomorfismo, temos que det(dφ(0)) 6= 0, logo det(dφ(0))t 6= 0.Portanto, como detHf (0) 6= 0, concluimos que detHg(0) 6= 0, i.e., 0 é pontocrítico não-degenerado para g = f φ.

Definição 6.1.4. Uma função diferenciável f : M → R, cujos pontos críticossão todos não-degenerados, é chamada uma função de Morse.

Uma das razões para destacarmos os pontos críticos não-degenerados éque a ocorrência de pontos críticos degenerados é rara. Mais precisamente,usando o teorema de Sard, provaremos que a maioria das funções diferenciá-veis são funções de Morse.

Consideremos uma função diferenciável f : M → R, definida na superfícieMm ⊂ Rn. Dado um ponto a = (a1, . . . , an) ∈ Rn, definimos uma novafunção fa : M → R pondo

fa(p) = f(p) + a1x1 + . . .+ anxn,

para todo p = (x1, . . . , xn) ∈M .

Teorema 6.1.5. O conjunto dos pontos a ∈ Rn, para os quais a funçãofa : M → R é uma função de Morse, é denso em Rn.

Demonstração. Consideremos dois casos:

Caso 1: Seja f : Rn → R uma função diferenciável, definida em Rn. Asso-ciada a f , considere a aplicação g : Rn → Rn dada por

g(x) =

(∂f

∂x1(x), . . . ,

∂f

∂xn(x)

).

A diferencial da função fa num ponto x ∈ Rn é dada por

dfa(x) = g(x) + a.

Assim, x é ponto crítico para f se, e somente se, g(x) = −a. Além disso,como f e fa têm as mesmas derivadas parciais de segunda ordem, a matriz

82

Page 86: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Hessiana de f em x é a matriz (dg(x)). Assuma que o ponto −a seja valorregular para g. Como g(x) = −a, concluimos que det(dg(x)) 6= 0. Dissodecorre que x é ponto crítico não-degenerado para fa. No entanto, o teoremade Sard nos diz que o conjunto dos pontos a ∈ Rn, para os quais −a é valorregular para g, é denso em Rn.

Caso 2: Para o caso de uma função f : M → R, definida numa superfícieMm ⊂ Rn, fixe um ponto p ∈M e sejam x1, . . . , xn as coordenadas usuais deRn. Segue do Exemplo 1.4.3 que m dessas funções coordenadas constituemuma parametrização de M em torno de p. Assim, a superfície M podeser coberta por abertos Uα onde, em cada Uα, m das funções x1, . . . , xnconstituem uma parametrização. Pelo teorema de Lindelöf, podemos assumirque os abertos Uα são em quantidade enumerável. Fixado um aberto Uα,suponha que (x1, . . . , xm) seja uma parametrização em Uα. Para cada pontoc = (cm+1, . . . , xn) ∈ Rn−m, considere a função f(0,c) : M → R dada por

f(0,c) = f + cm+1xm+1 + . . .+ cnxn.

Pelo Caso 1, o conjunto dos pontos b ∈ Rm para os quais a função

f(b,c) = f(0,c) + b1x1 + . . .+ bmxm

é uma função de Morse em Uα, é denso em Rm. Denotemos por Sα o conjuntodos pontos a ∈ Rn para os quais fa não é função de Morse em Uα. Assim,cada faixa horizontal Sα ∩ (Rm × c) tem medida nula, considerado comoum subconjunto de Rm. Por outro lado, um subconjunto de Rn, cujas faixashorizontais têm medida nula em Rm, tem medida nula em Rn. Assim, cadaSα tem medida nula em Rn. Agora, um ponto p é ponto crítico degeneradopara uma função em M se, e somente se, o é para a mesma função restrita aum aberto Uα. Assim, o conjunto dos pontos a ∈ Rn para os quais fa não éfunção de Morse em M é união dos Sα, que tem medida nula por ser uniãoenumerável de conjuntos de medida nula.

Vejamos um exemplo no contexto de superfícies em R3.

Exemplo 6.1.6. Seja M ⊂ R3 uma superfície regular orientável. Dado umponto p0 ∈M , consideremos a função altura h : M → R em relação ao planotangente Tp0M , dada por

h(p) = 〈p− p0, N(p0)〉,

onde N é a orientação de M , i.e., N é um campo diferenciável unitário,normal a M . Do Exercício 7 segue que p é ponto crítico de h. Além disso,

83

Page 87: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

usando o Exercício 1, a forma hessiana de f coincide com a segunda formafundamental da superfície M no ponto p. Disso decorre, em particular, quep ∈ M é ponto crítico não-degenerado para h se, e somente se, K(p) 6= 0,onde K denota a curvatura Gaussiana da superfície M .

Provaremos no Capítulo 4, como uma aplicação do teorema de Poincaré-Hopf, o seguinte

Teorema 6.1.7 (Reeb). Suponha que uma superfície compacta M admitauma função de Morse f : M → R tendo, exatamente, dois pontos críticos.Então M é homeomorfa a uma esfera.

84

Page 88: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

6.2 O fluxo do gradiente

85

Page 89: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

6.3 A topologia dos conjuntos de nível

86

Page 90: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

6.4 O teorema de Morse

Nesta seção apresentaremos um teorema para superfícies M2 ⊂ R3, de-vido a Marston Morse, relacionando os pontos críticos de uma função deMorse com a característica de Euler da superfície. Inicialmente, relembrare-mos alguns fatos sobre formas quadráticas.

Uma forma quadrática em Rn é uma função H : Rn → R cujo valor numvetor v = (v1, . . . , vn) é dado por

H · v =n∑

i,j=1

hijvivj ,

onde (hij) é uma matriz simétrica n × n. Dado uma função diferenciávelf : U → R, definida no aberto U ⊂ Rn, temos uma forma quadrática Hf (x)associada à diferencial segunda de f em x, chamada a forma Hessiana dafunção f no ponto x. Mais precisamente,

Hf (x) · v = d2f(x) · v =

n∑i,j=1

∂2f

∂xi∂xj(x)vivj ,

para todo v = (v1, . . . , vn) ∈ Rn. Como visto na Seção 6.1, a matriz Hessiana(∂2f

∂xi∂xj(x)

)também será denotada por Hf (x).

Recordemos também que um ponto crítico x ∈ U de uma função dife-renciável f : U → R é dito não-degenerado se a matriz Hessiana nesse pontoé inversível. Todo ponto crítico não-degenerado x ∈ U é um ponto críticoisolado. Decorre, em particular, que se todos os pontos críticos de uma fun-ção diferenciável f : Rn → R são não-degenerados, então em cada compactoK ⊂ Rn existe apenas um número finito deles.

Seja H : Rn → R uma forma quadrática. Dizemos que H é positiva seH · v > 0 para todo v 6= 0 em Rn. Se H · v < 0 para todo v 6= 0, dizemos queH é uma forma quadrática negativa. Se uma forma quadrática for positivaou negativa, diremos que ela é uma forma definida. H será dita uma formaquadrática indefinida se existem vetores v, w ∈ Rn tais que H · v > 0 eH · w < 0.

87

Page 91: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Observação 6.4.1. Se uma forma quadráticaH é definida, então sua matriz(hij) é inversível. De fato, denotemos por T : Rn → Rn a transformaçãolinear cuja matriz, em relação à base canônica de Rn, é (hij), ou seja,

H · v = 〈T (v), v〉.

Assim, como H é definida, tem-se 〈T (v), v〉 6= 0 para todo v 6= 0, logoT (v) 6= 0 para todo v 6= 0, i.e., T é inversível. Disso decorre, em particular,que se a forma Hessiana de uma função diferenciável, num ponto x, é positivaou negativa, o ponto crítico em questão é não-degenerado.

O lema a seguir relaciona os conceitos de ponto crítico e a forma Hessiana.

Lema 6.4.2. Sejam f : U → R uma função diferenciável, x ∈ U um pontocrítico de f e Hf (x) a forma Hessiana de f no ponto x. Então:

(a) Se a matriz Hessiana de f em x tem determinante positivo, então aforma Hessiana de f em x é definida. Além disso, se Hf (x) é positiva,x é um ponto de mínimo local para f ; se Hf (x) é negativa, x é umponto de máximo local para f .

(b) Se a matriz Hessiana de f em x tem determinante negativo, então aforma Hessiana de f em x é indefinida, e x é um ponto de sela.

A partir de agora nos restringiremos à superfícies M2 ⊂ R3.

Proposição 6.4.3. Seja p ∈M um ponto crítico de uma função diferenciávelf : M → R. Então, p é ponto crítico não-degenerado para f se, e somentese, p é uma singularidade simples do campo gradf .

Demonstração. Considere uma parametrização ϕ : U → ϕ(U) de M , comϕ(0, 0) = p, tal que 〈 ∂

∂x1(p), ∂

∂x2(p)〉 = 0. Nessa parametrização, escrevamos

gradf(p) = α∂

∂x1(p) + β

∂x2(p).

Pondo⟨

∂∂x1

, ∂∂x1

⟩= g11 e

⟨∂∂x2

, ∂∂x2

⟩= g22, e lembrando que

〈gradf(p), v〉 = df(p) · v,

um cálculo simples mostra que podemos escrever

gradf(p) =∂(f ϕ)

∂x1· 1

g11· ∂

∂x1+∂(f ϕ)

∂x2· 1

g22· ∂

∂x2.

88

Page 92: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Se escolhermos a parametrização ϕ de modo que, no ponto p, tenhamosg11(p) = g22(p) = 1, então a parte linear do campo gradf é dada, nessaparametrização, pela matriz ∂2(fϕ)

∂x21

∂2(fϕ)∂x1∂x2

∂2(fϕ)∂x2x1

∂2(fϕ)∂x22

(0, 0).

Basta observar agora que as afirmações da Proposição são, ambas, equiva-lentes ao determinante da matriz acima ser diferente de zero.

Teorema 6.4.4 (Morse). Considere uma função de Morse f : M2 → R,definida numa superfície compacta M2 ⊂ R3. Então

M − s+m = χ(M2),

onde M , m, s denotam o número de pontos de máximo local, mínimo locale sela, respectivamente, de f .

Demonstração. Como os pontos críticos de f são não-degenerados, segueda Proposição 6.4.3 que as singularidades do campo gradf são isoladas esimples. Assim, nos pontos de máximo local ou mínimo local, o índice degradf é +1, e nos pontos de sela de f , o índice de gradf é −1. A fórmulasegue agora do Teorema de Poincaré-Hopf.

Corolário 6.4.5 (Reeb). Suponha que a superfície compacta M2 ⊂ R3

admita uma função de Morse f : M2 → R com apenas dois pontos críticos.Então M é homeomorfa a uma esfera.

Demonstração. Basta observar que χ(S2) = 2 e usar o Teorema de Morse.

89

Page 93: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

6.5 Exercícios

6.1

1. Sejam M ⊂ R3 uma superfície regular e f : M → R uma função di-ferenciável. Dado um ponto crítico p ∈ M para f , defina uma funçãoHf (p) : TpM → R pondo

Hf (p) · w =d2

dt2(f α)(0),

onde α : (−ε, ε) → M é uma curva diferenciável em t = 0, com α(0) = p eα′(0) = w. Mostre que Hf (p) é uma forma quadrática em TpM , chamadaa forma hessiana de f em p. Mais precisamente, se ϕ : U → ϕ(U) é umaparametrização de M , com ϕ(u, v) = p, mostre que

Hf (p) · w = fuu(p)(u′)2 + 2fuv(p)u′v′ + fvv(p)(v

′)2.

2. Dado uma função derivável f : R → R, prove que existe outra funçãoderivável g : R→ R tal que

f(t) = f(0) + tf ′(0) + t2g(t).

3. Usando o Exercício 2, prove o Lema de Morse para funções f : R→ R.

4. Usando o Lema de Morse, prove que se p é um ponto crítico não-de-generado para uma função f : M → R, então existe uma parametrização(x1, . . . , xm) em torno de p tal que

f = f(p) +m∑i=1

εix2i , εi = ±1.

5. Prove que a função f do Exercício 4 admite um máximo em p se todos osεi são negativos, e admite um mínimo em p se todos os εi são positivos. Alémdisso, prove que se os εi admitem sinais contrários, então p não é máximonem mínimo para f .

6. Prove que a função altura f : Sn−1 → R, dada por f(x1, . . . , xn) = xn,definida na esfera Sn−1, é uma função de Morse com dois pontos críticos,seus polos. Além disso, um dos polos é ponto de máximo para f e o outro éponto de mínimo.

90

Page 94: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

7. SejaM ⊂ R3 uma superfície. Dados um ponto q ∈ R3 e um vetor unitáriov ∈ R3, considere a função altura h : M → R em relação ao plano ortogonala v, passando por q, dada por

h(p) = 〈p− q, v〉,

para todo p ∈ M . Mostre que p é ponto crítico de h se, e somente se, v éortogonal a TpM .

6.4

1. Seja M2 uma superfície orientada homeomorfa a um n-toro. Prove quequalquer função de Morse em M2 tem, pelo menos, 2n pontos de sela.

91

Page 95: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Capítulo 7

Integração em Superfícies

7.1 Álgebra multilinear

Nesta seção apresentaremos os fundamentos algébricos necessários ao es-tudo das formas diferenciais. Definiremos algumas generalizações do espaçodual de um espaço vetorial E.

Seja E um espaço vetorial real de dimensão n. Dizemos que uma aplica-ção ϕ : E × . . .× E → R, definida no produto cartesiano de r fatores iguaisa E, é r-linear se ϕ é linear em cada uma de suas variáveis. Denotaremospor Lr(E) o espaço vetorial real formado por todas as aplicações r-lineares.Em particular temos L1(E) = E∗, onde E∗ denota o espaço dual de E.

O produto tensorial de ϕ ∈ Lr(E) e ψ ∈ Ls(E), denotado por ϕ⊗ ψ, é aaplicação ϕ⊗ ψ ∈ Lr+s(E) definida por

ϕ⊗ ψ(v1, . . . , vr, w1, . . . , ws) = ϕ(v1, . . . , vr) · ψ(w1, . . . , ws)

para quaisquer v1, . . . , vr, w1, . . . , ws ∈ E. Observe que esta operação não écomutativa, porém é associativa e distributiva em relação à adição.

Proposição 7.1.1. Seja f1, . . . , fn uma base para E∗. Então o conjuntodos produtos tensoriais fi1⊗fi2⊗. . .⊗fir : 1 ≤ i1 ≤ . . . . ≤ ir ≤ n constituiuma base para o espaço Lr(E). Decorre, em particular, que dimLr(E) = nr.

Demonstração. Denotando por e1, . . . , en ⊂ E a base dual de f1, . . . , fn,temos:

fi1 ⊗ . . .⊗ fir(ej1 , . . . , ejr) =

1, se j1 = i1, . . . , jr = ir0, nos demais casos .

92

Page 96: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Assim, dados v1, . . . , vr ∈ E, com vi =∑aijej , e ϕ ∈ Lr(E), temos:

ϕ(v1, . . . , vr) =

n∑j1,...,jr=1

ϕ(ej1 , . . . , ejr) · (fj1 ⊗ . . .⊗ fjr) (v1, . . . , vr).

Isso mostra que os elementos fi1 ⊗ . . . ⊗ fir geram o espaço Lr(E). Alémdisso, tais elementos são linearmente independentes. De fato, considere umacombinação linear nula

n∑i1,...,ir=1

ai1,...,ir · fi1 ⊗ . . .⊗ fir = 0. (7.1)

Aplicando (ei1 , . . . , eir) a ambos os membros de (7.1), obtemos ai1,...,ir = 0para toda sequência (i1, . . . , ir), provando que os elementos fi1 ⊗ . . . ⊗ firsão linearmente independentes.

Definição 7.1.2. Uma aplicação ϕ ∈ Lr(E) é dita uma r-forma linear seϕ(v1, . . . , vr) = 0 sempre que a sequência (v1, . . . , vr) possuir repetições, ouseja, existirem i 6= j tais que vi = vj .

Segue do Exercício 2 que ϕ ∈ Lr(E) é uma r-forma linear se, e somentese, ϕ é anti-simétrica. O conjunto das r-formas lineares será denotado porAr(E), que é um subespaço de Lr(E). Convencionaremos aqui A0(E) = R.

Exemplo 7.1.3. Todo funcional ϕ ∈ E∗ é uma 1-forma linear, já que não épossível violar a condição de anti-simetria. Portanto, A1(E) = E∗.

Exemplo 7.1.4. O determinante de uma matriz n×n pode ser consideradocomo uma n-forma linear

det : Rn × . . .× Rn → R

se, para cada v1, . . . , vn ∈ Rn, o número det(v1, . . . , vn) é o determinante damatriz n× n, cujas colunas são os vetores v1, . . . , vn.

Queremos agora determinar uma base para o espaço Ar(E). Denotare-mos por Sr o conjunto de todas as permutações do conjunto 1, 2, . . . , r.Uma permutação σ ∈ Sr é uma transposição se existe um par (ij) em1, 2, . . . , r tal que σ(i) = j, σ(j) = i e σ(k) = k para todos os demaisíndices k 6= i, j. Toda permutação σ ∈ Sr se escreve como um produtoσ = τ1 · . . . · τt de transposições. Além disso, se

σ = τ1 · . . . · τt = µ1 · . . . · µu,

93

Page 97: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

tem-se t ≡ u mod 2, ou seja, a paridade da fatoração de σ como produto detransposições é sempre a mesma. Uma permutação σ ∈ Sr é chamada umapermutação par (resp. ímpar) se σ se escreve como produto de um númeropar (resp. ímpar) de transposições. O sinal de σ, denotado por signσ, édefinido pondo

signσ =

+1, se σ é par−1, se σ é ímpar .

Definição 7.1.5. O alternador de uma aplicação ϕ ∈ Lr(E) é a aplicaçãor-linear Alt(ϕ) definida por

Alt(ϕ)(v1, . . . , vr) =1

r!

∑σ∈Sr

signσ · ϕ(vσ(1), . . . , vσ(r)),

para quaisquer vetores v1, . . . , vr ∈ E.

Proposição 7.1.6. O alternador satisfaz as seguintes propriedades:

(a) Alt(ϕ) ∈ Ar(E), para toda ϕ ∈ Lr(E).

(b) Se ϕ ∈ Ar(E) então Alt(ϕ) = ϕ.

Demonstração. (a) Dado uma permutação σ ∈ Sr, seja σ′ = σ · (ij), onde(ij) é uma transposição fixada. A fim de simplificação, dados v1, . . . , vr ∈ E,escrevamos v = (v1, . . . , vi, . . . , vj , . . . , vr) e v′ = (v1, . . . , vj , . . . , vi, . . . , vr).Assim, temos:

Alt(ϕ)(v′) =1

r!

∑σ∈Sr

signσ · ϕ(vσ(1), . . . , vσ(j), . . . , vσ(i), . . . , vσ(r)

)=

1

r!

∑σ∈Sr

signσ · ϕ(vσ′(1), . . . , vσ′(i), . . . , vσ′(j), . . . , vσ′(r))

=1

r!

∑σ′∈Sr

−signσ′ · ϕ(vσ′(1), . . . , vσ′(r))

= −Alt(ϕ)(v),

ou seja, Alt(ϕ) é anti-simétrica, provando que Alt(ϕ) ∈ Ar(E).

(b) Se σ = (ij), temos

ϕ(vσ(1), . . . , vσ(r)) = signσ · ϕ(v1, . . . , vr),

94

Page 98: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

pois ϕ ∈ Ar(E). Agora, como qualquer permutação σ ∈ Sr pode ser expressacomo produto de transposições (ij), a expressão acima é válida para todapermutação σ ∈ Sr. Assim,

Alt(ϕ)(v1, . . . , vr) =1

r!

∑σ∈Sr

signσ · ϕ(vσ(1), . . . , vσ(r))

=1

r!

∑σ∈Sr

signσ · signσ · ϕ(v1, . . . , vr)

= ϕ(v1, . . . , vr),

e isso conclui a demonstração.

Decorre da Proposição 7.1.6 que o alternador pode ser visto como umaaplicação linear

Alt : Lr(E)→ Ar(E)

satisfazendo Alt(Alt(ϕ)) = Alt(ϕ) para toda ϕ ∈ Lr(E). Propriedadesadicionais do alternador podem ser encontradas no Exercício 5.

7.2 O produto exterior de formas lineares

A fim de determinar a dimensão do espaço Ar(E), introduzido na Se-ção 7.1, gostaríamos de obter um resultado análogo ao da Proposição 7.1.1.Observe, inicialmente, que se α ∈ Ar(E) e ω ∈ As(E), o produto tensorialα ⊗ ω, em geral, não pertence ao espaço Ar+s(E). Em razão disso, intro-duziremos a noção de produto exterior de formas lineares. De forma maisprecisa,

Definição 7.2.1. O produto exterior de duas formas lineares α ∈ Ar(E) eω ∈ As(E), denotado por α ∧ ω, é a (r + s)-forma linear definida por

α ∧ ω =(r + s)!

r!s!Alt(α⊗ ω). (7.2)

O fato de que α ∧ ω ∈ Ar+s(E) segue da Proposição 7.1.6. Além disso,vale a comutatividade e a distributiva em relação à adição. A propriedadecomutativa permite-nos denotar o produto exterior (α ∧ ω) ∧ η, bem comoα ∧ (ω ∧ η), simplesmente por α ∧ ω ∧ η, o mesmo valendo para o produtoexterior de ordem superior ω1 ∧ ω2 ∧ . . . ∧ ωk.

Considere agora dois funcionais lineares ϕ,ψ ∈ E∗. Um cálculo simplesmostra que

ϕ ∧ ψ = ϕ⊗ ψ − ψ ⊗ ϕ.

95

Page 99: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Disso decorre que

ϕ ∧ ψ = −ψ ∧ ϕ (7.3)

e

ϕ ∧ ϕ = 0. (7.4)

A não-comutatividade do produto exterior em A1(E) = E∗ pode serusada para obter algumas relações no conjunto de geradores para Ar(E).De fato, dado uma base f1, . . . , fn de E∗ e uma sequência de índicesI = (i1, . . . , ir) do conjunto 1, 2, . . . , n, denotemos por fI o produto exte-rior

fI = fi1 ∧ . . . ∧ fir . (7.5)

Assim, se duas sequências de índices I e J diferem somente na ordem de seusíndices, segue de (7.3) que fI = ±fJ . Além disso, se pelo menos dois índicesde I forem iguais, segue de (7.4) que fI = 0. Consequentemente, podemosdescartar alguns produtos em (7.5), considerando apenas aqueles fI paraos quais os índices da sequência I foram enumerados em ordem crescente.Usaremos a notação I = i1 < . . . < ir, e diremos que I é uma r-lista. Noteque existem, exatamente, n!

r!(n−r)! dessas r-listas.

Podemos então agora caracterizar a base para o espaço Ar(E).

Teorema 7.2.2. Se f1, . . . , fn é uma base de E∗, então as r-formas line-ares

fI = fi1 ∧ . . . ∧ fir , (7.6)

onde I percorre o conjunto de todas as r-listas, constituem uma base para oespaço Ar(E). Decorre em particular que dimAr(E) = n!

r!(n−r)! .

Demonstração. Dado uma r-forma ω ∈ Ar(E), segue da Proposição 7.1.1que

ω =n∑

i1,...,ir=1

ai1,...,irfi1 ⊗ . . .⊗ fir .

Assim,

ω = Alt(ω) =

n∑i1,...,ir=1

ai1,...,irAlt(fi1 ⊗ . . .⊗ fir).

96

Page 100: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Porém, cada uma das r-formas Alt(fi1 ⊗ . . . ⊗ fir) é igual a uma constantemultiplicada por um dos elementos fi1 ∧ . . .∧ fir , logo os elementos em (7.6)geram Ar(E). O fato que as r-formas lineares em (7.6) são linearmenteindependentes segue de forma análoga à Proposição 7.1.1.

Corolário 7.2.3. O produto exterior satisfaz a seguinte propriedade anti-comutativa:

α ∧ ω = (−1)rsω ∧ α, (7.7)

onde α ∈ Ar(E) e ω ∈ As(E).

Demonstração. Se I = i1 < . . . < ir e J = j1 < . . . < jr, segue dapropriedade anti-comutativa (7.3) que

fI ∧ fJ = (−1)rsfJ ∧ fI .

Assim, como os produtos tensoriais fI e fJ geram os espaços Ar(E) e As(E),respectivamente, a relação (7.7) segue por linearidade.

Observação 7.2.4. Decorre do Teorema 7.2.2 que dimAn(E) = 1. Issosignifica que, a menos de uma constante, existe apenas uma n-forma linearsobre o espaço E. Além disso, quando r > n, temos Ar(E) = 0.

Exemplo 7.2.5. Vimos no Exemplo 7.1.4 que o determinante é uman-forma linear em Rn. Assim, devido à unicidade, seque que, a menos deuma constante, o determinante é a única n-forma linear em Rn.

A proposição seguinte mostra que o determinante é, a menos de umaconstante, a única n-forma em qualquer espaço vetorial de dimensão n.

Proposição 7.2.6. Dados ω ∈ An(E) e uma base v1, . . . , vn de E, temos

ω(w1, . . . , wn) = det(aij) · ω(v1, . . . , vn), (7.8)

para quaisquer w1, . . . , wn ∈ E, onde aij é a matriz tal que wi =∑aijvj .

Demonstração. Considere a aplicação ϕ ∈ Ln(Rn) definida por

ϕ ((a11, . . . , a1n), . . . , (an1, . . . , ann)) = ω(∑

a1jvj , . . . ,∑

anjvj

).

O fato que ω é alternada em E implica que ϕ é alternada em Rn, i.e.,ϕ ∈ An(Rn). Assim, pelo Exemplo 7.2.5 segue que ϕ = λ · det, para algumλ ∈ R. Além disso,

λ = ϕ(e1, . . . , en) = ω(v1, . . . , vn),

onde e1, . . . , en é a base canônica de Rn, provando a igualdade (7.8).

97

Page 101: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Observação 7.2.7. Segue da Proposição 7.2.6 que uma n-forma linear não-nula ω ∈ An(E) divide as bases de E em dois grupos disjuntos, aquelas paraos quais ω(v1, . . . , vn) > 0 e aquelas para os quais ω(v1, . . . , vn) < 0. Sev1, . . . , vn e w1, . . . , wn são duas bases de E e A = (aij) é a matriz definidapor wi =

∑aijvj , então as bases v1, . . . , vn e w1, . . . , wn estão no mesmo

grupo se, e somente se, detA > 0. Esse critério, que independe de ω, podeser usado para definir a noção de orientação no espaço vetorial E.

7.3 A forma elemento de volume

Nesta seção veremos como introduzir uma noção de volume num espaçovetorial orientado E.

Exemplo 7.3.1 (Elemento de volume). Suponha que o espaço vetorial Eesteja orientado e munido de um produto interno 〈,〉. Definiremos uman-forma linear ω, chamada o elemento de volume de E, da seguinte forma.Fixe uma base ortonormal positiva e1, . . . , en ⊂ E. Dados v1, . . . , vn ∈ E,escrevamos

vj =

n∑i=1

aijei,

para cada 1 ≤ j ≤ n. Denotando por A = (aij) a matriz assim obtida,definimos

ω(v1, . . . , vn) = detA.

Do Exemplo 7.1.4 segue que ω ∈ An(E). Resta mostrar que ω independe daescolha da base de E. Para isso, considere a matriz de Gramm g = (〈vi, vj〉).Como

〈vi, vj〉 =

⟨n∑k=1

akiek,n∑s=1

asjes

⟩=

n∑k=1

akiakj ,

segue que g = At · A, onde At denota a transposta da matriz A. Assim,det g = (detA)2. Decorre, em particular, que det g ≥ 0, sendo det g = 0 se,e somente se, v1, . . . , vn são linearmente dependentes. Concluimos então que

ω(v1, . . . , vn) = ±√

det(〈vi, vj〉), (7.9)

onde o sinal + ou − é o sinal de det a. Portanto, ω(v1, . . . , vn) > 0 quandoos vetores v1, . . . , vn formam, nesta ordem, uma base positiva para E eω(v1, . . . , vn) < 0 se a base v1, . . . , vn é negativa. Além disso, a igualdadeω(v1, . . . , vn) = ±

√det g mostra que a definição de ω independe da escolha

de uma base para E.

98

Page 102: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Observação 7.3.2. No caso particular em que E = Rn, o número |detA|é o volume do paralelepípedo que tem como arestas os vetores v1, . . . , vn, demodo que ω(v1, . . . , vn) é o volume orientado desse paralelepípedo, i.e., umvolume dotado sinal.

Para cada aplicação linear ϕ : E → F , associamos uma nova aplicaçãolinear ϕ∗ : F ∗ → E∗, chamada a transposta de ϕ, definida por

ϕ∗(f)(v) = f(ϕ(v))

para quaisquer f ∈ F ∗ e v ∈ E. A noção de transposta se generaliza nocontexto de formas lineares.

Para cada r, a aplicação linear ϕ : E → F determina uma aplicaçãolinear ϕ∗ : Ar(F )→ Ar(E) definida por

ϕ∗(ω)(v1, . . . , vr) = ω(ϕ(v1), . . . , ϕ(vr)),

para quaisquer ω ∈ Ar(F ) e v1, . . . , vr ∈ E. A r-forma linear ϕ∗(ω) chama-seo pull-back de ω para o espaço E através de ϕ.

7.4 Formas diferenciais

Nesta seção estudaremos o conceito de formas diferenciais de grau r,que serão os integrandos das integrais em superfícies. Grosso modo, o quefaremos aqui é globalizar os conceitos estudados na seção anterior, ou seja, es-tudaremos objetos definidos numa superfície que produzem, em cada ponto,uma r-forma linear no respectivo espaço tangente.

Definição 7.4.1. Uma forma diferencial de grau r em uma superfície Mn

é uma aplicação ω que, a cada ponto p ∈ M , associa uma r-forma linearω(p) ∈ Ar(TpM).

Com as operações usuais de soma e multiplicação por escalar

(α+ ω)(p) = α(p) + ω(p),

(λ · α)(p) = λ · α(p),

o conjunto das formas diferenciais de grau r torna-se um espaço vetorialreal. Uma forma diferencial de grau zero é simplesmente uma função realω : M → R.

99

Page 103: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Seja ϕ : U → ϕ(U) uma parametrização de M . Em cada ponto p = ϕ(x)do aberto ϕ(U) em M , temos a base dϕ(x) · e1, . . . ,dϕ(x) · en do espaçotangente TpM . Denotaremos por

du1(p), . . . ,dun(p) ⊂ (TpM)∗

a base dual de TpM . A parametrização ϕ determina, no aberto ϕ(U) ⊂M , nformas diferenciais de grau 1, denotadas por du1, . . . ,dun. Para cada pontop ∈ ϕ(U), os funcionais lineares du1(p), . . . ,dun(p) constituem uma basepara o espaço dual (TpM)∗.

Para cada r-lista I = (i1 < . . . < ir), segue do Teorema 7.2.2 que asr-formas lineares

duI(p) = dui1(p) ∧ . . . ∧ duir(p)

constituem uma base para o espaço Ar(TpM). Além disso, se ω é uma formadiferencial de grau r, podemos escrever

ω(p) =∑I

aI(p)duI(p) (7.10)

para todo ponto p ∈ ϕ(U), onde as funções aI : ϕ(U)→ R são chamadas asfunções coordenadas de ω em relação a ϕ.

Definição 7.4.2. Dizemos que uma forma diferencial ω é diferenciável se,em cada vizinhança coordenada de M , as funções coordenadas de ω, dadasem (7.10), são diferenciáveis.

A Definição 7.4.2 independe da escolha da parametrização ϕ. De fato,seja ψ : V → ψ(V ) outra parametrização emM , com ϕ(U)∩ψ(V ) 6= ∅. Dadoum ponto p ∈ ϕ(U)∩ψ(V ), com p = ϕ(x) = ψ(y), temos as respectivas bases

dϕ(x) · e1, . . . ,dϕ(x) · en e dψ(y) · e1, . . . ,dψ(y) · en

do espaço tangente TpM . Denotando por (ξij) a matriz da mudança decoordenadas ξ = ψ−1 ϕ entre ϕ e ψ, temos:

dϕ(x) · ej =

n∑i=1

ξij(x) · dψ(y) · ei

(cf. Exercício 1). Assim, as respectivas bases duais du1(p), . . . ,dun(p) edv1(p), . . . ,dvn(p) se relacionam por

dvi(p) =n∑j=1

ξijduj(p). (7.11)

100

Page 104: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Na vizinhança coordenada ψ(V ), podemos escrever

ω(p) =∑J

bJ(p)dvJ(p),

para cada p ∈ ψ(V ). Portanto, segue de (7.23) e (7.11)

aJ(p) =∑I

det(ξIJ)bI(p), (7.12)

ou seja, se as funções coordenadas de ω numa parametrização ψ são funçõesdiferenciáveis, então elas ainda o serão em qualquer outra parametrização ϕ,com ϕ(U)∩ψ(V ) 6= ∅. O conjunto das formas diferenciais de grau r que sãodiferenciáveis em M será denotado por Ωr(M).

Analogamente como definimos o produto exterior de formas lineares, de-finiremos agora o produto wedge de formas diferenciais.

Definição 7.4.3. Dados duas formas α ∈ Ωr(M) e ω ∈ Ωs(M), definimosuma forma diferencial de grau r + s, denotada por α ∧ ω, pondo

α ∧ ω(p) = α(p) ∧ ω(p)

para todo p ∈M , onde α(p) ∧ ω(p) é o produto exterior das formas linearesα(p) e ω(p). A forma diferencial α∧ω é chamada o produto wedge de α e ω.

Analogamente às propriedades satisfeitas pelo produto exterior em for-mas lineares, temos a seguinte

Proposição 7.4.4. O produto wedge satisfaz as seguintes propriedades:

(a) α ∧ (ω + η) = α ∧ ω + α ∧ η,

(b) (α+ ω) ∧ η = α ∧ η + ω ∧ η,

(c) (f · α) ∧ (g · ω) = fg(α ∧ ω), para quaisquer f, g ∈ C∞(M),

(d) α ∧ ω = (−1)rsω ∧ α,

(e) (α ∧ ω) ∧ η = α ∧ (ω ∧ η).

Demonstração. A verificação de tais propriedades é consequência do fato deque toda forma diferencial é, pontualmente, uma forma linear e, para estas,as propriedades são verdadeiras.

101

Page 105: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Seja f : M → N uma aplicação diferenciável entre duas superfícies. Dadouma forma diferencial ω ∈ Ωr(N), podemos definir uma forma diferencial degrau r em M , denotada por f∗ω, pondo

f∗ω(p)(v1, . . . , vr) = ω(f(p))(df(p) · v1, . . . ,df(p) · vr)

para quaisquer p ∈ M e v1, . . . , vr ∈ TpM . A forma diferencial f∗ω é cha-mada o pull-back de ω através de f . Para o caso de formas diferenciais degrau zero, i.e., funções g ∈ C∞(N), definimos f∗g como sendo a funçãodiferenciável g f : M → R.

Analogamente às propriedades satisfeitas pelo pull-back de aplicaçõeslineares, temos a seguinte

Proposição 7.4.5. O pull-back de formas diferenciais, através de uma apli-cação diferenciável f : M → N , satisfaz as seguintes propriedades:

(a) f∗(α+ ω) = f∗α+ f∗ω,

(b) f∗(α ∧ ω) = f∗α ∧ f∗ω,

(c) f∗(g · ω) = f∗g · f∗ω,

(d) (g f)∗ω = f∗g∗ω, onde g : N → P é uma aplicação diferenciável.

Demonstração. A verificação de tais propriedades segue do fato que, pon-tualmente, a aplicação f é um aplicação linear, onde as propriedades severificam.

Vejamos agora como interpretar o pull-back, através de uma aplicaçãodiferenciável f : M → N , em termos de parametrizações. Dado um pontop ∈ M , considere parametrizações ϕ : U → ϕ(U) de M e ψ : V → ψ(V ) deN , com p ∈ ϕ(U) e f(ϕ(U)) ⊂ ψ(V ). Qualquer forma diferencial ω ∈ Ωr(N)pode ser expressa, no aberto ψ(V ) ⊂ N , como

ω =∑I

aIdvI .

Assim, usando a relação (7.25), obtemos:

f∗ω =∑I,J

det(ξIJ) · (aI f)duI , (7.13)

onde (ξIJ) denota a matriz da representação ξ = ψ−1 f ϕ de f , em relaçãoàs parametrizações ϕ e ψ.

Vejamos alguns exemplos.

102

Page 106: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 7.4.6. Denotemos por dx1, . . . ,dxn a base canônica de (Rn)∗,dual à base canônica e1, . . . , en de Rn. Dado uma forma ω ∈ Ωr(M),onde M é uma superfície de dimensão n, considere uma parametrizaçãoϕ : U → ϕ(U) de M . Assim, no aberto ϕ(U) ⊂M , podemos escrever

ω =∑I

aIduI .

Por outro lado,

ϕ∗dui(x)(ej) = dui(ϕ(x))(dϕ(x) · ej) = δij .

Isso mostra que ϕ∗dui = dxi. Mais geralmente, se I = (ei1 < . . . < eir) éuma r-lista, obtemos:

ϕ∗ω(x)(ei1 , . . . , eir) = ω(ϕ(x))(dϕ(x) · ei1 , . . . ,dϕ(x) · eir)= aI(ϕ(x)).

Portanto, concluimos que

ϕ∗ω =∑I

(aI ϕ)dxI . (7.14)

Observe que, interpretando a parametrização ϕ como uma aplicação diferen-ciável, a expressão (7.14) é simplesmente um caso particular de (7.13).

Exemplo 7.4.7. Sejam M e N superfícies, com M ⊂ N , e i : M → N aaplicação inclusão, i(p) = p para todo p ∈ M . Se ω ∈ Ωr(N), então i∗ωé chamada a restrição de ω a M . Para cada ponto p ∈ M , o espaço TpMé um subespaço de TpN e i∗ω(p) é a restrição de ω(p) a r-listas de vetorespertencentes a TpM . Por exemplo, considereN = R3 eM = (x, y, 0) ∈ R3.Se ω = dx ∧ dz, então i∗ω = 0.

Exemplo 7.4.8. Seja Mn uma superfície orientada. Assim, cada espaçotangente TpM está munido de uma orientação, induzida por parametriza-ções positivas ϕ : U → ϕ(U), com p ∈ ϕ(U). Além disso, podemos induziro produto interno Euclidiano em cada TpM . Dessa forma, podemos intro-duzir uma forma de volume ω na superfície M , da seguinte forma. Paracada ponto p ∈ M , definimos ω(p) sendo a forma de volume do espaçoTpM , como no Exemplo 7.3.1. Ou seja, dados v1, . . . , vn ∈ TpM , o númeroω(p)(v1, . . . , vn) representa o volume orientado do paralelepípedo gerado pe-los vetores v1, . . . , vn. Observe que, em relação à parametrização ϕ, temos

ω(p) = a(p)du1(p) ∧ . . . ∧ dun(p),

103

Page 107: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

em cada ponto p = ϕ(x). Usando a expressão de ω, dada em (7.9), obtemosa(p) =

√g(p), onde g(p) = det(gij(p)) e gij(p) = 〈dϕ(x) · ei,dϕ(x) · ej〉.

Portanto, concluimos que

ω(p) =√g(p)du1(p) ∧ . . . ∧ dun(p). (7.15)

Isso mostra que ω é diferenciável, ou seja, ω ∈ Ωn(M).

Exemplo 7.4.9. No caso particular em que n = 2, é usual denotar por

E = 〈dϕ(x) · e1, dϕ(x) · e1〉,F = 〈dϕ(x) · e1, dϕ(x) · e2〉,G = 〈dϕ(x) · e2, dϕ(x) · e2〉.

Assim, a forma de área da superfície M se escreve como

ω =√EG− F 2du1 ∧ du2.

Finalizaremos esta seção analizando a relação entre orientabilidade e for-mas diferenciais de grau máximo numa dada superfície.

Proposição 7.4.10. Uma superfícieMn é orientável se, e somente se, existeuma forma diferencial contínua ω de grau n, definida emM , tal que ω(p) 6= 0para todo p ∈M .

Demonstração. Se M é orientável, basta considerar a forma de volume ωdada em (7.15). Reciprocamente, suponha que exista uma forma diferencialcontínua ω de grau n em M , tal que ω(p) 6= 0 para todo p ∈M . Denotemospor A o conjunto formado por todas as parametrizações ϕ : U → ϕ(U) deM , com U conexo, tal que para todo p ∈ ϕ(U) tem-se

ω(p) = a(p)du1(p) ∧ . . . ∧ dun(p),

com a(p) > 0, para algum p ∈ ϕ(U). Como a é contínua e ϕ(U) é conexo,tem-se a > 0 em ϕ(U). O conjunto A, assim construído, é um atlas emM . Além disso, se ϕ : U → ϕ(U) e ψ : V → ψ(V ) pertencem a A, comϕ(U) ∩ ψ(V ) 6= ∅, segue de (7.12) que

a(p) = det(d(ψ−1 ϕ)(x))b(p)

para todo p ∈ ϕ(U) ∩ ψ(V ) e x = ϕ−1(p). Como a(p) > 0 e b(p) > 0, segueque det(d(ψ−1 ϕ)(x)) > 0 para todo x ∈ ϕ−1(ϕ(U) ∩ ψ(V )), logo o atlasA é coerente.

104

Page 108: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

7.5 A derivada exterior

O objetivo desta seção é estender a noção de diferencial de uma aplica-ção diferenciável, ou seja, definiremos uma aplicação d que transforma cadaforma diferencial de grau r numa forma diferencial de grau r + 1.

Dado uma função diferenciável f : Rn → R, a diferencial de f num pontox ∈ Rn pode ser expressa como

df(x) =n∑i=1

∂f

∂xi(x)dxi,

onde dx1, . . . ,dxn ⊂ (Rn)∗ denota a base dual da base canônica de Rn.Observe que df(x) ∈ A1(Rn) para todo x ∈ Rn e, como f é diferenciável, asfunções coordenadas ∂f

∂xisão diferenciáveis. Isso mostra que a diferencial df

da função f é uma forma diferencial de grau 1, i.e., df ∈ Ω1(Rn). Portanto,a cada forma diferencial de grau zero f ∈ C∞(Rn), podemos associar umaforma diferencial de grau 1 df ∈ Ω1(Rn). Note que este argumento nãosó vale para funções definidas em Rn como também para funções definidasnuma superfície M .

Consideremos inicialmente uma forma ω ∈ Ωr(U), onde U é um abertode Rn. Podemos então escrever

ω =∑I

aIdxI ,

onde as funções coordenadas aI : U → R são diferenciáveis. Definimos umaforma diferencial de grau r + 1 no aberto U , denotada por dω, pondo

dω =∑I

daI ∧ dxI

=∑I

n∑i=1

∂aI∂xi

dxi ∧ dxI ,

(7.16)

onde∂aI∂xi

(x) = daI(x) · ei.

Como as funções aI são diferenciáveis, tem-se dω ∈ Ωr+1(U).

Definição 7.5.1. A forma diferencial de grau r + 1, dada em (7.16), échamada a derivada exterior de ω.

105

Page 109: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 7.5.2. Se f é uma forma diferencial de grau zero, i.e., f : Rn → Ré uma função diferenciável, então

df =

n∑i=1

∂f

∂xidxi.

Ou seja, a derivada exterior de uma função diferenciável f : Rn → R coincidecom a diferencial de f .

Exemplo 7.5.3. Se ω ∈ Ω1(Rn), com

ω =n∑i=1

aidxi,

então

dω =n∑i=1

dai ∧ dxi =n∑

i,j=1

∂ai∂xj

dxj ∧ dxi

=∑j<i

∂ai∂xj

dxj ∧ dxi +∑i<j

∂ai∂xj

dxj ∧ dxi

=∑i<j

∂aj∂xi

dxj ∧ dxi −∑i<j

∂ai∂xj

dxi ∧ dxj

=∑i<j

(∂aj∂xi− ∂ai∂xj

)dxi ∧ dxj .

Proposição 7.5.4. A derivada exterior satisfaz as seguintes propriedades:

(a) d(α+ ω) = dα+ dω.

(b) d(α ∧ ω) = dα ∧ ω + (−1)rα ∧ dω.

(c) d2 = 0, i.e., d(dω) = 0.

Demonstração. Para provarmos o item (a), sejam α, ω ∈ Ωr(U), com

α =∑I

aIdxI e ω =∑I

bIdxI .

Então:

d(α+ ω) =∑I

d(aI + bI) ∧ dxI =∑I

(daI + dbI) ∧ dxI

=∑I

daI ∧ dxI +∑I

dbI ∧ dxI = dα+ dω.

106

Page 110: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Para provar o item (b) basta, em virtude do item (a), considerar o caso emque α = fdxI e ω = gdxJ , onde I é uma r-lista e J é uma s-lista. Comoα ∧ ω = fgdxI ∧ dxJ , temos:

d(α ∧ ω) = d(fg) ∧ dxI ∧ dxJ

= (df · g) ∧ dxI ∧ dxJ + (f · dg) ∧ dxI ∧ dxJ

= df ∧ dxI ∧ (gdxJ) + (−1)rfdxI ∧ (dg ∧ dxJ)

= dα ∧ ω + (−1)rα ∧ dω,

provando o item (b). Finalmente, para provar o item (c), consideremos,como no item (b), o caso em que ω = fdxI . Temos

dω = df ∧ dxI =

n∑i=1

∂f

∂xidxi ∧ dxI ,

de modo que

d(dω) =

n∑i=1

n∑j=1

∂2f

∂xj∂xidxj ∧ dxi ∧ dxI

.

Porém, na soma acima, os termos

∂2f

∂xj∂xidxj ∧ dxi ∧ dxI e

∂2f

∂xi∂xjdxi ∧ dxj ∧ dxI

cancelam-se aos pares, em virtude do Teorema de Schwarz, logo d(dω) = 0para toda forma ω ∈ Ωr(U). Portanto, d2 = 0.

A proposição seguinte relaciona o pull-back da derivada exterior.

Proposição 7.5.5. Sejam f : U → Rm uma aplicação diferenciável, definidano aberto U ⊂ Rn, e ω ∈ Ωr(Rm). Então

d(f∗ω) = f∗(dω).

Demonstração. Provemos por indução em r. Se r = 0, então ω : Rm → R éuma função diferenciável. Então, dados x ∈ U e v ∈ Rn, segue da Regra daCadeia, que

d(f∗ω)(x)(v) = d(ω f)(x)(v) = dω(f(x)) · df(x) · v= f∗(dω)(x)(v).

107

Page 111: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Logo, d(f∗ω) = f∗(dω). Suponha agora o resultado válido para formas degrau r e seja ω uma forma de grau r+1. Devido à linearidade de d, podemossupor que ω = aIdxI , onde I é uma (r + 1)-lista. Temos:

d(f∗ω) = d(f∗(aIdxI)) = d(f∗(aIdxi1 ∧ . . . ∧ dxir+1))

= d(f∗(aIdxi1 ∧ . . . ∧ dxir) ∧ f∗(dxir+1))

= d(f∗(aIdxJ)) ∧ f∗(dxir+1) + (−1)rf∗(aIdxJ) ∧ d(f∗(dxir+1)),

onde J = (i1 < . . . < ir). Porém,

f∗(dxir+1) = d(f∗xir+1) = d(xir+1 f).

Assim,d(f∗(dxir+1)) = d(d(xir+1)) = 0.

Portanto, usando a hipótese indutiva, temos:

d(f∗ω) = d(f∗(aIdxi1 ∧ . . . ∧ dxir)) ∧ f∗(dxir+1)

= f∗(d(aIdxJ)) ∧ f∗(dxir+1)

= f∗(d(aIdxJ) ∧ dxir+1

)= f∗(d(aIdxI)) = f∗(dω),

como queríamos.

As considerações feitas sobre a derivada exterior em Rn permitem-nosdefinir a derivada exterior numa superfície M . Dado uma parametrizaçãoϕ : U → ϕ(U) em M , o pull-back

ω ∈ Ωr(ϕ(U)) 7→ ϕ∗ω ∈ Ωr(U)

nos dá uma bijeção entre as formas diferenciais definidas no abertoϕ(U) ⊂ M e as formas diferenciais definidas no aberto U ⊂ Rn. Assim,dado uma forma diferencial ω ∈ Ωr(M), existe uma única forma diferencialdϕω de grau r + 1, definida no aberto ϕ(U), tal que

ϕ∗(dϕω) = d(ϕ∗ω). (7.17)

Observe que, seω =

∑I

aIduI

no aberto ϕ(U) então, em virtude do Exemplo 7.4.6, temos

ϕ∗ω =∑I

aIdxI .

108

Page 112: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Assim,d(ϕ∗ω) =

∑I

daI ∧ dxI .

Portanto, a igualdade (7.17) significa que

dϕω =∑I

daI ∧ duI .

Gostaríamos de concluir que dϕω independa da parametrização ϕ. Paraisso, seja ψ : V → ψ(V ) outra parametrização em M , com ϕ(U)∩ψ(V ) 6= ∅.Fazendo ξ = ψ−1 ϕ, temos ϕ = ψ ξ e, assim, ϕ∗ = ξ∗ ψ∗. Portanto, nainterseção ϕ(U) ∩ ψ(V ), temos:

ϕ∗(dψω) = ξ∗ψ∗(dψω) = ξ∗d(ψ∗ω) = d(ξ∗ψ∗ω)

= d(ϕ∗ω) = ϕ∗(dϕω),

ou seja, dψω = dϕω em ϕ(U) ∩ ψ(V ).

Definição 7.5.6. A derivada exterior de uma forma ω ∈ Ωr(M) é a formadiferencial de grau r+ 1 em M , denotada por dω, cujo valor em cada pontop ∈ M é dado por dω(p) = dϕω(p), onde ϕ é qualquer parametrização deM , com p = ϕ(x).

7.6 Integrais de superfícies

O objetivo desta seção é discutir a noção de integração em superfícies,e veremos que os integrandos apropriados são as formas diferenciais. O queestá por trás é o teorema de mundaça de variáveis em Rn.

O suporte de uma forma diferencial ω ∈ Ωr(M), denotado por suppω, éo fecho do conjunto dos pontos p ∈M tais que ω(p) 6= 0. Assim, p ∈ suppωsignifica que toda vizinhança de p contém pontos q tais que ω(q) 6= 0. Poroutro lado, p 6∈ suppω significa que existe alguma vizinhança V de p em Mtal que ω(q) = 0 para todo q ∈ V .

Consideremos inicialmente o caso em que ω é uma forma diferencial contí-nua de grau n, com suporte compacto, definida num aberto U ⊂ Rn. Então,

ω(x) = a(x)dx1 ∧ . . . ∧ dxn

para todo x ∈ U , onde a : U → R é uma função contínua, com suportecompacto igual a suppω. Definimos a integral de ω sobre o aberto U pondo∫

Uω =

∫Ka, (7.18)

109

Page 113: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

onde K é qualquer conjunto compacto J-mensurável, com suppω ⊂ K; porexemplo, considere uma cobertura para suppω constituída por um númerofinito de blocos e chame de K a união desses blocos.

Sejam h : U → V um difeomorfismo positivo entre os abertos U, V ⊂ Rne ω uma forma diferencial contínua de grau n, definida no aberto V . Seguede (7.13) que

h∗ω(x) = a(h(x)) det(dh(x)) · dx1 ∧ . . . ∧ dxn.

Assim, usando o teorema de mudança de variáveis, obtemos:∫Vω =

∫Ka(y)dy =

∫h−1(K)

a(h(x)) det(dh(x))dx

=

∫Uh∗ω.

Considere agora uma superfície orientada Mn e seja ω uma forma dife-rencial contínua de grau n, com suporte compacto, definida em M , tal quesuppω esteja contido na imagem de uma parametrização positivaϕ : U → ϕ(U) de M . Em termos dessa parametrização, podemos escre-ver

ω(p) = a(p)du1(p) ∧ . . . ∧ dun(p)

para todo p ∈ ϕ(U), onde a função contínua a : ϕ(U) → R tem suportecompacto, igual a suppω. Por definição, pomos∫

Mω =

∫Uϕ∗ω. (7.19)

Note que a igualdade (7.19) significa, em virtude de (7.18), que∫Mω =

∫Ka ϕ,

onde K ⊂ Rn é qualquer subconjunto compacto J- mensurável tal quesuppϕ∗ω ⊂ K ⊂ U .

Devemos mostrar que a integral de ω, definida em (7.19), independeda escolha da parametrização ϕ. Seja então outra parametrização positivaψ : V → ψ(V ) de M , com suppω ⊂ (ϕ(U) ∩ ψ(V )), tal que

ω(p) = b(p)dv1(p) ∧ . . . ∧ dvn(p)

110

Page 114: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

para todo p ∈ ψ(V ); a função contínua b : ψ(V )→ R tem suporte compactoigual a suppω. Denotemos por ξ = ψ−1 ϕ a mudança de coordenadas entreϕ e ψ. Assim, ϕ∗ = ξ∗ ψ∗ e de (7.13), temos

ξ∗ψ∗ω(x) = b(ψ(ξ(x))) det(dξ(x)) · dx1 ∧ . . . ∧ dxn. (7.20)

Considere um subconjunto compacto J-mensurável K ⊂ ϕ−1(ϕ(U)∩ψ(V )).Usando o teorema de mudança de variáveis e a relação (7.20), obtemos:∫

Vψ∗ω =

∫ξ(K)

(b ψ)(y)dy =

∫Kb(ψ(ξ(x))) det(dξ(x))dx

=

∫Kξ∗ψ∗ω(x)dx =

∫Uϕ∗ω.

Isso mostra que a integral de superfície∫M ω está bem definida, sempre que

ω seja uma forma diferencial contínua de grau n, com suporte compacto,contido na imagem de uma parametrização positiva de uma superfície orien-tada Mn.

Observação 7.6.1. A escolha de uma orientação para a superfície M fixaum sinal para a integral de ω, o qual muda com a mudança da orientação.Ou seja, se ϕ : U → ϕ(U) é uma parametrização negativa de M , à qual setem

ω(p) = a(p)du1(p) ∧ . . . ∧ dun(p)

para todo p ∈ ϕ(U), então∫K

(a ϕ)(x)dx = −∫Mω,

onde K é qualquer compacto J-mensurável tal que ϕ−1(suppω) ⊂ K ⊂ U .De fato, compondo ϕ com o difeomorfismo h : Rn → Rn, que muda o sinalna primeira coordenada, h(x1, . . . , xn) = (−x1, x2, . . . , xn), obtemos umaparametrização positiva ψ = ϕ h : U → ϕ(U), onde U = h−1(U). Emrelação à parametrização ψ, a forma ω se escreve como

ω(p) = −a(p)dv1(p) ∧ . . . ∧ dvn(p)

para todo p ∈ ϕ(U). Como o determinante jacobiano de h tem valor absolutoigual a 1 em todos os pontos, segue do teorema de mudança de variáveis que∫

K(a ϕ)(x)dx =

∫h−1(K)

a(ϕ(h(y)))dy =

∫h−1(K)

(a ψ)(y)dy

= −∫h−1(K)

−a(ϕ(h(y)))dy = −∫Mω.

111

Page 115: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Observação 7.6.2. Se as formas ω1, . . . , ωr têm suportes compacto, conti-dos na mesma vizinhança coordenada ϕ(U), segue da aditividade da integralno espaço Euclidiano que, se ω = ω1 + . . .+ ωr, então∫

Mω =

∫Mω1 + . . .+

∫Mωr.

Queremos agora definir a integral∫M ω no caso em que suppω é um sub-

conjunto compacto qualquer em M . Para isso, consideremos uma partiçãoda unidade diferenciável ∑

i

ξi = 1,

estritamente subordinada a uma cobertura aberta M = ∪Wi, onde cada Wi

é imagem de uma parametrização positiva ϕi : Ui → Wi. Para cada índicei, seja ωi = ξi · ω. Então∑

i

ωi =

(∑i

ξi

)· ω = ω.

O suporte de ω, sendo compacto, tem interseção não-vazia com apenas umnúmero finito de suportes das funções ξi, pois estes constituem uma famílialocalmente finita. Assim, ωi = ξi · ω = 0, exceto para um número finito deíndices i, ou seja, ω =

∑i ωi é, na realidade, uma soma finita.

O suporte de cada forma diferencial ωi está contido na vizinhança coor-denada Wi e, sendo um subconjunto fechado de suppω, é compacto. Assim,∫M ωi está bem definida. Definimos, então,∫

Mω =

∑i

∫Mωi. (7.21)

Devemos mostrar que a definição dada em (7.21) independe da partição daunidade escolhida. Considere então outra partição da unidade diferenciável∑ζj = 1, estritamente subordinada a uma cobertura abertaM = ∪Vj , onde

cada Vj é imagem de uma parametrização positiva de M . Para cada índicej, seja ωj = ζj · ω. Seja também ωij = ξi · ζj · ω. Temos:

∑j

ωij =∑j

ξiζjω = ξi

∑j

ζjω

= ξi · ω = ωi.

Analogamente, temos ∑i

ωij = ωj

112

Page 116: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

para qualquer índice j. Além disso, para todo índice i, suppωij ⊂ Ui e, paratodo índice j, suppωij ⊂ Vj . Assim,∫

Mωi =

∑j

∫Mωij e

∫Mωj =

∑i

∫Mωij .

Portanto,

∑i

∫Mωi =

∑i

∑j

∫Mωij

=∑j

(∑i

∫Mωij

)=∑j

∫Mωj ,

provando que a definição de∫M ω independe da partição da unidade esco-

lhida.

A proposição seguinte resume algumas propriedades da integral de umaforma diferencial contínua de grau n, com suporte compacto, definida numasuperfície orientada Mn.

Proposição 7.6.3. São válidas as seguintes propriedades:

(a)∫M (α+ ω) =

∫M α+

∫M ω.

(b) Se c ∈ R então∫M c · ω = c

∫M ω.

Demonstração. Estas propriedades são válidas quando o suporte de ω estácontido numa vizinhança coordenada. O caso geral segue-se por adição.

Teorema 7.6.4. Sejam Mn, Nn superfícies orientadas e f : M → N umdifeomorfismo positivo. Dado uma forma diferencial ω ∈ Ωn(N), tem-se∫

Mf∗ω =

∫Nω.

Demonstração. Considere uma cobertura aberta M = ∪iWi, onde cadaWi é imagem de uma parametrização positiva ϕi : Ui → Wi. Assim,N = ∪f(Wi), onde cada f(Wi) é imagem da parametrização positiva f ϕi.Escrevamos ω =

∑ωi, onde suppωi ⊂ f(Wi). Assim, f∗ω =

∑f∗ωi, com

suppf∗ωi ⊂Wi para cada índice i. Disso decorre que:∫Nωi =

∫f(Wi)

ωi =

∫Ui

(f ϕi)∗ωi =

∫Ui

ϕ∗i f∗ωi =

∫Wi

f∗ωi

=

∫Mf∗ωi.

113

Page 117: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Portanto,∫Nω =

∑i

∫Nωi =

∑i

∫Mf∗ωi =

∫M

∑i

f∗ωi =

∫Mf∗ω,

como queríamos.

114

Page 118: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

7.7 Exercícios

7.1

1. Prove que o produto tensorial satisfaz as seguintes propriedades:

(a) (ϕ+ ψ)⊗ φ = ϕ⊗ φ+ ψ ⊗ φ,

(b) ϕ⊗ (ψ + φ) = ϕ⊗ ψ + ϕ⊗ φ,

(c) (λ · ϕ)⊗ ψ = ϕ⊗ (λ · ψ) = λ(ϕ⊗ φ),

(d) (ϕ⊗ ψ)⊗ φ = ϕ⊗ (ψ ⊗ φ).

2. Mostre que uma aplicação ϕ ∈ Lr(E) é uma r-forma linear se, e somentese, ϕ é anti-simétrica.

3. Se v1, . . . , vr ∈ E são vetores linearmente dependentes, mostre queω(v1, . . . , vr) = 0 para toda r-forma linear ω ∈ Ar(E). Dualizando, sef1, . . . , fr ∈ E∗ são funcionais lineares linearmente dependentes, mostre quef1 ∧ . . . ∧ fr = 0.

4. Se r > dimE, mostre que Ar(E) = 0.

5. Prove que o alternador satisfaz as seguintes propriedades adicionais:

(a) Se α ∈ Lr(E) é tal que Alt(α) = 0, então, para qualquer ω ∈ Ls(E),

Alt(α⊗ ω) = 0 = Alt(ω ⊗ α).

(b) Alt (Alt(α⊗ ω)⊗ η) = Alt(α ⊗ ω ⊗ η) = Alt (α⊗Alt(ω ⊗ η)) paraquaisquer α ∈ Lr(E), ω ∈ Ls(E) e η ∈ Lk(E).

7.2

1. Prove que o produto exterior satisfaz as seguintes propriedades:

(a) (α+ ω) ∧ η = α ∧ η + ω ∧ η,

(b) α ∧ (ω + η) = α ∧ ω + α ∧ η,

(c) (λα) ∧ ω = α ∧ (λω) = λ(α ∧ ω),

(d) Para quaisquer α ∈ Ar(E), ω ∈ As(E) e η ∈ Ak(E), tem-se:

(α ∧ ω) ∧ η = α ∧ (ω ∧ η) =(r + s+ k)!

r!s!k!Alt(α⊗ ω ⊗ η).

115

Page 119: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

2. Sejam f1, . . . , fn ∈ E∗ e v1, . . . , vn ∈ E. Mostre que

fi1 ∧ . . . ∧ fir(vi1 , . . . , vir) = det(fiλ(vjµ)).

Em particular, se f1, . . . , fn é base de E∗, dual à base v1, . . . , vn ⊂ E,então f1 ∧ . . . ∧ fn(v1, . . . , vn) = 1.

3. Sejam fi, hi bases de E∗, duais às bases f i e hi, respectivamente,de E. Mostre que

f1 ∧ . . . ∧ fn = det(fi(hj)

)h1 ∧ . . . ∧ hn.

4. Dado um operador linear T : E → E, considere sua transpostaT ∗ : An(E) → An(E). Mostre que T ∗ é simplesmente a multiplicação poruma constante c. É possível saber quem é a constante c?

5. Sejam E um espaço vetorial orientado e T : Rn → E um isomorfismolinear positivo. No espaço E, considere o produto interno µ induzido de Rn,i.e., T ∗µ = 〈, 〉. Se ω denota a forma de volume de E, mostre que T ∗ω = det.

6. Prove a identidade de Lagrange: se A = (aij) é uma matriz de ordemn× r, com n ≥ r, mostre que

det(At ·A) =∑I

(det(aI)) ,

onde I percorre todas as sequências com r elementos do conjunto 1, 2, . . . , ne aI é a matriz r × r obtida de a escolhendo-se as r linhas cujos índicespertencem a I.

7. Considere bases e1, . . . , en e f1, . . . , fn para um espaço vetorial E,com respectivas bases duais e1, . . . , en e f1, . . . , fn, relacionadas por

ej =n∑i=1

aijf i e fi =n∑j=1

aijej .

(a) Se I e J são r-listas, com

fI =∑J

αIJeJ ,

e indicando com aIJ a submatriz r × r que consiste em selecionar damatriz (aij) cada elemento aij tal que i ∈ I e j ∈ J , prove que

αIJ = det(aIJ). (7.22)

116

Page 120: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

(b) Se uma forma linear ω ∈ Ar(E) admite expressões

ω =∑J

αJeJ e ω =∑I

βIfI ,

em relação às bases eJ e fI, prove que

αJ =∑I

det(aIJ)βI . (7.23)

(c) Conclua, usando a Observação 7.2.4, que se uma n-forma linear em Ese escreve, em termos das bases eI e fJ, como

ω = α · e1 ∧ . . . ∧ en = β · f1 ∧ . . . ∧ fn,

então α = det(aij)β.

8. Prove que a aplicação ϕ∗ : Ar(F )→ Ar(E) satisfaz as seguintes proprie-dades operatórias:

(a) ϕ∗(α+ ω) = ϕ∗(α) + ϕ∗(ω),

(b) ϕ∗(λ · ω) = λ · ϕ∗(ω), λ ∈ R,

(c) ϕ∗(α ∧ ω) = ϕ∗(α) ∧ ϕ∗(ω).

7.3

1. Considere bases e1, . . . , em ⊂ E e f1, . . . , fn ⊂ F , e suas respectivasbases duais e1, . . . , em ⊂ E∗ e f1, . . . , fn ⊂ F ∗.

(a) Se A = (aij) denota a matriz n×m de uma aplicação linear ϕ : E → F ,mostre que

ϕ∗(fi) =

m∑j=1

aijej , 1 ≤ i ≤ n.

(b) Se I e J são r-listas, mostre que

ϕ∗(fI) =∑J

det(aIJ)eJ . (7.24)

Conclua daí que, dado uma forma linear ω ∈ Ar(F ), escrita como

ω =∑I

λI · fI ,

117

Page 121: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

tem-se

ϕ∗(ω) =∑I,J

λI · det(aIJ)eJ . (7.25)

(c) Na situação particular em que m = n = r, mostre que

ϕ∗(f1 ∧ . . . ∧ fn) = detA · e1 ∧ . . . ∧ en.

Conclua daí que, na situação mais particular, quando ϕ : E → E éum operador linear, o operador linear induzido ϕ∗ : Ar(E)→ Ar(E) édado por

ϕ∗(ω) = detA · ω

para qualquer ω ∈ Ar(E).

7.4

1. Sejam ϕ : U → ϕ(U) e ψ : V → ψ(V ) parametrizações em M , comϕ(U) ∩ ψ(V ) 6= ∅. Em cada ponto p ∈ ϕ(U) ∩ ψ(V ), com p = ϕ(x) = ψ(y),considere as respectivas bases dϕ(x) · ei e dψ(y) · ej do espaço tangenteTpM . Mostre que

dϕ(x) · ej =n∑i=1

ξij(x) · dψ(y) · ei,

onde (ξij) denota a matriz da mudança de coordenadas ξ = ψ−1 ϕ.

2. Sejam α, ω ∈ Ω1(R3). Se ω(x) 6= 0 para todo x ∈ R3 e α ∧ ω = 0, mostreque α = f · ω, onde f : R3 → R é uma função diferenciável.

3. Seja f : M → N um difeomorfismo entre as superfícies M e N . Mostreque o pull-back

ω ∈ Ωr(N) 7→ f∗ω ∈ Ωr(M)

define uma correspondência biunívoca entre as formas diferenciais dos espa-ços Ωr(M) e Ωr(N).

7.5

1. Seja ω ∈ Ωn−1(Rn) dada por

ω =

n∑i=1

(−1)i+1aidx1 ∧ . . . ∧ dxi ∧ . . . ∧ dxn.

118

Page 122: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Mostre que

dω =

(n∑i=1

∂ai∂xi

)dx1 ∧ . . . ∧ dxn.

2. Dizemos que uma forma ω ∈ Ωr(M) é fechada se dω = 0; dizemos queω é exata se existe α ∈ Ωr−1(M) tal que ω = dα. Mostre que toda formaexata é fechada.

3. Mostre que a forma de volume em Rn é exata.

4. Sejam ω ∈ Ω1(R2 − (0, 0)) dada por

ω =1

x2 + y2(xdy − ydx),

e f : U → R2 a aplicação definida por f(r, θ) = (r cos θ, r sin θ), ondeU = (r, θ) : r > 0 e 0 < θ < 2π. Mostre que f∗ω = dθ.

7.6

1. Seja ω ∈ Ωn(M) com suporte compacto. Se ω ≥ 0 e ω(p) > 0, para algump ∈M , prove que

∫M ω > 0.

119

Page 123: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Capítulo 8

Teoremas clássicos

8.1 O teorema de Stokes

O objetivo central dessa seção é apresentar um teorema que relacionaos operadores

∫e d, sobre as formas diferenciais, e a operação ∂, que a

cada superfície com fronteira associa sua fronteira. Observe que ∂ é umaoperação de natureza totalmente geométrica, enquanto que d e

∫são de

natureza analítica. Em dimensão 1, este teorema reproduz, basicamente, oTeorema Fundamental do Cálculo; no caso de dimensão 2 e 3, o teoremacorresponde aos clássicos teoremas de Green, Gauss e Stokes.

Lembremos que seMn é uma superfície com fronteira, então sua fronteira∂M é uma superfície de dimensão n − 1. Além disso, uma orientação nasuperfície M induz uma orientação em ∂M , conforme visto no Teorema3.3.3.

Teorema 8.1.1 (Stokes). Seja Mn uma superfície orientada com fronteira,onde ∂M está munida da orientação induzida. Então, para qualquer formadiferencial ω ∈ Ωn−1(M), com suporte compacto, vale a fórmula:∫

Mdω =

∫∂M

i∗ω, (8.1)

onde i : ∂M → M denota a aplicação inclusão. Além disso, o lado direitode (8.1) deve ser interpretado sendo igual a zero caso ∂M = ∅.

Corolário 8.1.2. Se ω ∈ Ωn−1(M) é tal que suppω ∩ ∂M = ∅, então∫M

dω = 0.

120

Page 124: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Demonstração. Como suppω ∩ ∂M = ∅, segue que ω(p) = 0 para todop ∈ ∂M . Disso decorre que i∗ω = 0, e a conclusão segue do Teorema deStokes.

Nos exemplos e exercícios a seguir veremos algumas aplicações do Teo-rema de Stokes.

Exemplo 8.1.3. Sejam Mn uma superfície compacta, orientada, com∂M = ∅, e f, g : M → N aplicações diferenciáveis homotópicas. Afirma-mos que, para qualquer forma diferencial fechada ω ∈ Ωn(N), temos∫

Mf∗ω =

∫Mg∗ω.

De fato, seja F : M × [0, 1] → N uma homotopia entre f e g. Do Exemplo??, temos ∂(M×[0, 1]) = (−M0)×M1, ondeM0 = M×0 eM1 = M×1.Como F (p, 0) = f(p) e F (p, 1) = g(p) para todo p ∈ M , podemos escrever,usando o Teorema de Stokes:∫

Mg∗ω −

∫Mf∗ω =

∫M1

F ∗ω −∫M0

F ∗ω =

∫(−M0)∪M1

F ∗ω

=

∫∂(M×[0,1])

F ∗ω =

∫M×[0,1]

d(F ∗ω)

=

∫M×[0,1]

F ∗dω = 0,

pois dω = 0.

Exemplo 8.1.4. Seja M ⊂ R2 uma superfície compacta de dimensão 2,com fronteira. Consideremos em M a orientação natural, induzida de R2. Aforma

ω =1

2(xdy − ydx)

é tal que dω = dx ∧ dy. Assim, a área A de M é dada por

A =

∫M

dx ∧ dy =1

2

∫∂M

(xdy − ydx), (8.2)

onde a fronteira ∂M tem a orientação induzida deM . Note que o lado direitode (8.2) é simplesmente uma integral curvilínea ao longo da curva ∂M .

121

Page 125: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

8.2 Os teoremas da divergência, rotacional e Green

Nesta seção reformularemos o Teorema de Stokes nos casos clássicos estu-dados, tradicionalmente, num segundo curso de Cálculo, os quais se referemà integral de um campo de vetores ao longo de uma hipersuperfície orientada.

Antes de obtermos as fórmulas clássicas, discutiremos a forma de volume,vista no Exemplo 7.4.8, na situação particular em que M é uma hipersuper-fície.

Exemplo 8.2.1. Seja Mn ⊂ Rn+1 uma hipersuperfície orientada. Deno-tando por η : M → Rn+1 o campo unitário de vetores normais, que define aorientação de M , segue que v1, . . . , vn é uma base positiva de TpM se, esomente se, det(η(p), v1, . . . , vn) > 0. Por outro lado, como η(p) é unitário eortogonal a TpM , o volume do paralelepípedo gerado por vetores arbitráriosv1, . . . , vn é igual a |det(η(p), v1, . . . , vn)|. Assim, se ω é a forma de volumede M , temos

ω(p)(v1, . . . , vn) = det(η(p), v1, . . . , vn)

para quaisquer p ∈ M e v1, . . . , vn ∈ TpM , já que o sinal do determinantecoincide com o da definição de ω. Desenvolvendo este determinante ao longode sua primeira coluna η(p) = (η1(p), . . . , ηn+1(p)), obtemos:

ω(p)(v1, . . . , vn) =n+1∑i=1

(−1)i+1ηi(p) ·Ai,

onde Ai denota o determinante da matriz n×n, obtida omitindo-se a i-ésimalinha da matriz (n+1)×n cujas colunas são v1, . . . , vn. Como o determinanteAi é dado por

Ai = dx1 ∧ . . . ∧ dxi ∧ . . . ∧ dxn+1(v1, . . . , vn),

obtemos a seguinte expressão para a forma de volume de M :

ω(p) =

n+1∑i=1

(−1)i+1ηi(p)dx1 ∧ . . . ∧ dxi ∧ . . . ∧ dxn+1.

Interpretemos o Exemplo 8.2.1 na situação particular em que M é umaesfera.

122

Page 126: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 8.2.2. Seja Mn a esfera centrada no ponto a de raio r > 0, i.e.,

M = x ∈ Rn+1 : ‖x− a‖ = r.

Para cada ponto p ∈M , consideremos

η(p) =1

r(p− a)

a normal unitária, exterior a M . Neste caso, obtemos:

ω =n+1∑i=1

(−1)i+1 1

r(pi − ai)dx1 ∧ . . . ∧ dxi ∧ . . . ∧ dxn+1.

Quando n = 3 e M ⊂ R3 é a esfera centrada no ponto (a, b, c) e raio r > 0,a forma de volume de M é dada por

ω =1

r(x− a)dy ∧ dz +

1

r(y − b)dx ∧ dz +

1

r(z − c)dx ∧ dy.

Sejam Mn ⊂ Rn+1 uma hipersuperfície orientada e η : M → Rn+1 ocampo contínuo de vetores normais unitários, que define a orientação de M .Dado um campo diferenciável de vetores F : U → Rn+1, onde U ⊂ Rn+1 éum aberto contendo M , definimos a integral do campo F sobre M pondo∫

MF =

∫M〈F, η〉ω,

onde ω é a forma de volume da hipersuperfície M . A integral∫M F é usual-

mente chamada o fluxo do campo F através de M .

O teorema seguinte, conhecido como Teorema da Divergência, é umaaplicação do Teorema de Stokes.

Teorema 8.2.3. Seja Ω ⊂ Rn+1 um domínio compacto com fronteira regularMn = ∂Ω. Dado um campo diferenciável de vetores F : U → Rn+1, definidono aberto U ⊂ Rn+1 contendo Ω, vale a seguinte fórmula:∫

M〈F, η〉dM =

∫Ω

divFdx, (8.3)

onde η : M → Rn+1 é o campo contínuo de vetores normais unitários quedefine a orientação de M , induzida de Ω, e dM é a forma de volume de M .

123

Page 127: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Demonstração. Observemos inicialmente que Ω é uma superfície compactacom fronteira, de dimensão n + 1, contida em U . Neste caso, a orientaçãode Rn+1 induz, naturalmente, uma orientação em Ω, pois TxΩ = Rn+1 paratodo x ∈ Ω. Assim, sua fronteira M = ∂Ω é uma hipersuperfície compacta,orientada, em Rn+1. Escrevendo F = (F1, . . . , Fn+1), definimos uma formadiferencial αF ∈ Ωn(U) pondo

αF (x) =n+1∑i=1

(−1)i+1Fi · dx1 ∧ . . . ∧ dxi ∧ . . . ∧ dxn+1. (8.4)

Seguindo o Exemplo 8.2.1, obtemos

αF (x)(v1, . . . , vn) = det(F (x), v1, . . . , vn),

onde (F (x), v1, . . . , vn) é a matriz (n + 1) × (n + 1), cujas colunas são osvetores F (x), v1, . . . , vn. Mostremos agora que

〈F, η〉ω = i∗αF , (8.5)

onde i : M → Ω é a aplicação inclusão e ω é a forma de volume de M . Defato, dado qualquer base positiva v1, . . . , vn ⊂ TpM , temos:

αF (x)(v1, . . . , vn) = det(F (x), v1, . . . , vn)

= 〈F (x), v1 × . . .× vn〉= 〈F (x), η(x)〉‖v1 × . . .× vn‖= 〈F (x), η(x)〉ω(x)(v1, . . . , vn),

pois o produto vetorial v1× . . .×vn é um vetor normal a TpM , na direção danormal positiva η(x). Finalmente, a derivada exterior da forma αF é dadapor

dαF =n+1∑i=1

(−1)i+1n+1∑j=1

∂Fi∂xj

dxj ∧ dx1 ∧ . . . ∧ dxi ∧ . . . ∧ dxn+1

=n+1∑i=1

∂Fi∂xi

dx1 ∧ . . . ∧ dxn+1

= divF · dx1 ∧ . . . ∧ dxn+1.

Portanto, a fórmula (8.3) segue agora do Teorema de Stokes.

124

Page 128: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Considere agora um campo de vetores diferenciável F : U → R3, definidono aberto U ⊂ R3. O rotacional do campo F , denotado por rotF , é o campode vetores diferenciável rotF : U → R3 definido por

rotF =

(∂F3

∂y− ∂F2

∂z,∂F1

∂z− ∂F3

∂x,∂F2

∂x− ∂F1

∂y

),

onde F = (F1, F2, F3). O teorema seguinte é a versão clássica do Teoremade Stokes apresentado, usualmente, num segundo curso de Cálculo.

Teorema 8.2.4. Sejam F : U → R3 um campo de vetores diferenciável,definido no aberto U ⊂ R3, e M2 ⊂ R3 uma superfície compacta, orientada,com fronteira, contida em U . Então∫

M〈rotF, η〉dM =

∫∂M〈F, τ〉ds, (8.6)

onde τ é o vetor unitário tangente à curva ∂M , que aponta no sentido posi-tivo de ∂M , e η : M → R3 é o campo normal unitário que define a orientaçãoem M .

Demonstração. Ao campo F associamos a forma diferencial ωF ∈ Ω1(U),dada por

ωF = F1dx+ F2dy + F3dz,

cuja derivada exterior é dada por

dωF = dF1 ∧ dx+ dF2 ∧ dy + dF3 ∧ dz. (8.7)

Substituindo as expressões

dFi =∂Fi∂x

dx+∂Fi∂y

dy +∂Fi∂z

dz

1 ≤ i ≤ 3, em (8.7), obtemos:

dωF =

(∂F3

∂y− ∂F2

∂z

)dy ∧ dz +

(∂F1

∂z− ∂F3

∂x

)dz ∧ dx

+

(∂F2

∂x− ∂F1

∂y

)dx ∧ dy

= αrotF .

Assim, segue de (8.5) que

〈rotF, η〉ω = i∗αrotF ,

125

Page 129: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

onde i : M → R3 denota a aplicação. Denotando por j : ∂M →M a inclusãonatural, obtemos do Teorema de Stokes que:∫

M〈rotF, η〉dM =

∫Mi∗αrotF =

∫Mi∗dωF =

∫M

di∗ωF

=

∫∂M

j∗(i∗ωF ).

Denotando por k : ∂M → R3 a composta das inclusões, i.e., k = i j, temos

(k∗ωF )(x)(v) = ωF (x)(v).

Por outro lado, comoωF (v) = 〈F, v〉

para todo v ∈ R3, obtemos

k∗ωF (τ) = 〈F, τ〉,

logo k∗ωF = 〈F, τ〉ds, provando a fórmula (8.6).

O teorema seguinte, devido a Green, é a versão do Teorema de Stokesem R2.

Teorema 8.2.5 (Green). SejaM2 ⊂ R2 um domínio compacto com fronteiraregular ∂M . Se f, g : M → R são funções diferenciáveis, vale a seguintefórmula: ∫

M

(∂g

∂x− ∂f

∂y

)dxdy =

∫∂M

(fdx+ gdy). (8.8)

Demonstração. O domínioM tem a orientação natural induzida de R2, e suafronteira ∂M tem a orientação induziada deM : em cada ponto x ∈ ∂M , umvetor tangente não-nulo v ∈ Tx(∂M) aponta na direção positiva se, e somentese, η(x), v é uma base positiva de R2, onde η(x) é a normal unitária queaponta para fora deM . Assim, a fórmula (8.8) segue diretamente do Teoremade Stokes aplicado à forma diferencial

ω = fdx+ gdy,

definida em M .

126

Page 130: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Finalmente, interpretando o Teorema de Stokes em dimensão 1, obtemoso Teorema Fundamental do Cálculo:

Teorema 8.2.6. Se f ; [a, b] :→ R é uma função derivável, então∫ b

af ′(x)dx = f(b)− f(a).

Demonstração. Basta aplicar o Teorema de Stokes à forma diferencialf ∈ Ω0([a, b]).

8.3 A fórmula do grau

Nesta seção apresentaremos uma aplicação importante do teorema deStokes, que relaciona a operação analítica de integração e o comportamentotopológico de aplicações.

Teorema 8.3.1 (Fórmula do grau). Sejam f : M → N uma aplicação di-ferenciável entre duas superfícies compactas, orientadas e n-dimensionais, eω ∈ Ωn(N). Então ∫

Mf∗ω = deg(f)

∫Nω. (8.9)

Demonstração. Dividiremos a prova em duas etapas.Versão local: seja q ∈ N um valor regular para f . Como f é um difeo-morfismo local em cada ponto da imagem inversa f−1(q), existe uma vizi-nhança V de q em N tal que f−1(V ) consiste de conjuntos abertos disjuntosU1, . . . , Uk tais que f : Uj → V é um difeomorfismo, para cada 1 ≤ j ≤ k.Se ω tem suporte contido em V , então f∗ω tem suporte contido em f−1(V ).Assim, ∫

Mf∗ω =

k∑j=1

∫Uj

f∗ω.

Como cada f : Uj → V é um difeomorfismo, temos∫Uj

f∗ω = sign df(pj)

∫Vω,

onde p1, . . . , pk = f−1(q). Como deg(f) =∑

sign df(pj), a fórmula (8.9)está provada nesse caso.Caso geral: seja y ∈ N um valor regular para f e considere uma vizinhança

127

Page 131: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

V de y em N dada pela versão local. Pelo lema da isotopia segue que,para cada ponto z ∈ N , existe um difeomorfismo h : N → N , isotópico àidentidade, tal que h(y) = z. Assim, a coleção de todos os abertos h(V ),onde h : N → N é um difeomorfismo isotópico à identidade, é uma coberturapara N . Como N é compacta, existem h1, . . . , hk tais que

N = h1(V ) ∪ . . . ∪ hk(V ).

Usando uma partição da unidade, podemos escrever ω como uma soma deformas, cada uma destas tendo suporte contido em um dos conjuntos hj(V ).Como os dois lados de (8.9) são lineares em ω, basta provar a fórmula paraformas com suporte contido em algum aberto h(V ). Assuma então quesupp (ω) ⊂ h(V ). Em virtude do Exercício 2, temos∫

Mf∗ω =

∫M

(h f)∗ω =

∫Mf∗h∗ω. (8.10)

Como supp (h∗ω) ⊂ V , a versão local implica que∫Mf∗(h∗ω) = deg(f)

∫Nh∗ω. (8.11)

Finalmente, como h ∼ id, h preserva orientação, logo deg(h) = +1. Assim,∫Nh∗ω =

∫Nω. (8.12)

A fórmula (8.9) segue agora de (8.10), (8.11) e (8.12).

8.4 O teorema da curvatura integral

Nesta seção provaremos o teorema da curvatura integral de Hopf, segundoo qual a integral da curvatura Gaussiana de uma hipersuperfície compactaMn ⊂ Rn+1 de dimensão par é igual à metade da característica de Eulerde M . Este teorema constitui um dos mais simples e expressivos exemplosde relações existentes entre Topologia e Geometria Diferencial. No casoparticular de uma superfície compacta M2 ⊂ R3, o teorema em questãodecorre diretamente do clássico teorema de Gauss-Bonnet.

Seja Mn uma superfície compacta e orientável. Assim, de acordo com oExemplo 7.4.8, temos uma forma de volume ω em M . Mais precisamente,ω é uma n-forma em M tal que, em cada ponto p ∈ M e a cada base

128

Page 132: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

positiva v1, . . . , vn de TpM , o número ω(p)(v1, . . . , vn) representa o volumedo paralelepípedo gerado pelos vetores v1, . . . , vn. Além disso, a integral

v(M) =

∫Mω

é definida como sendo o volume da superfície M .Gostaríamos aqui de chamar a atenção do leitor para o seguinte ponto.

O volume não é um conceito topológico, mas sim geométrico; ele dependeda maneira como a superfície está imersa no espaço Euclidiano. Consequen-temente, a integral de funções não é uma operação topológica, ou seja, nãoé uma operação preservada por difeomorfismos.

A fim de entender melhor o que está ocorrendo, consideremos um difeo-morfismo f : Mn → Nn entre duas superfícies orientadas, com fronteira.Denotando por ωN a forma de volume de N , segue que f∗ωN é uma n-formaemM , de modo que, em cada ponto p ∈M , (f∗ωN )(p) é um múltiplo escalarde ωM (p), ou seja,

(f∗ωN )(p) = λ(p) · ωM (p). (8.13)

Definição 8.4.1. O múltiplo escalar em (8.13) será chamado o Jacobianodo difeomorfismo f no ponto p, e será denotado por Jf (p).

Observação 8.4.2. A fim de compreensão, note que a n-forma linear ωM (p)associa, a cada base v1, . . . , vn de TpM , o volume orientado do paralelepí-pedo gerado por estes vetores. Por outro lado, (f∗ωN )(p) associa o volumeorientado do paralelepípedo gerado pelos vetores df(p) · v1, . . . ,df(p) · vnem Tf(p)N . Dessa forma, o valor de Jf (p) é o fator pelo qual df(p) aumentaou diminiu o volume; seu sinal reflete se df(p) preserva ou inverte orientação.Neste sentido, Jf mede a mudança do volume e orientação realizada por f .

A partir de agora, fixemos uma hipersuperfície compactaMn ⊂ Rn+1. Deacordo com a Observação ??, M é automaticamente orientável. Assim, emvirtude do Teorema 3.1.12, existe um campo normal diferenciável não-nuloη : M → Rn+1. Definiremos agora a aplicação normal de Gauss g : Mn → Sn

da hipersuperfíe M , transladando a origem do campo η para a origem doRn+1, e fazendo

g(p) = ponto final do transladado de η(p). (8.14)

O Jacobiano da aplicação normal de Gauss, denotado por Jg(p) = κ(p), seráchamado a curvatura de M no ponto p.

129

Page 133: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo 8.4.3. QuandoM = Rn, tem-se κ ≡ 0 pois, neste caso, a aplicaçãode Gauss é constante.

Exemplo 8.4.4. Consideremos o caso em que Mn = Snr , i.e., a esfera cen-trada na origem de raio r. Consideremos a orientação da esfera dada pelocampo normal η(p) = p, para todo p ∈ Snr . Neste caso, a aplicação de Gaussé dada por

g(p) =1

rη(p) =

1

rp.

Sua diferencial é portanto dada por

dg(p) =1

rid.

Denotando por ωSnr e ωSn as formas de volume das esferas Snr e Sn, respec-tivamente, temos:

(g∗ωSn)(p)(v1, . . . , vn) = ωSn(g(p))(dg(p) · v1, . . . ,dg(p) · vn)

=1

rn+1ωSn(p)(v1, . . . , vn).

Assim,

g∗ωSn =1

rn+1ωSn .

Por outro lado, como ωSn = r · ωSnr , concluimos que

g∗ωSn =1

rnωSnr ,

logo κ(p) = 1rn , para todo p ∈ Snr .

Baseado nos Exemplos 8.4.3 e 8.4.4, podemos concluir que o valor de κ(p)mede o quão curvada é a hipersuperfícieM no ponto p; quanto mais curvadafor M maior é a variação do campo normal η. Além disso, a curvatura éum conceito geométrico da hipersuperfície, ou seja, não é preservada portransformações topológicas.

Proposição 8.4.5. Se Mn ⊂ Rn+1 é uma hipersuperfície compacta de di-mensão par, então o grau da aplicação de Gauss g : M → Sn é dado por

deg(g) =1

2χ(M). (8.15)

130

Page 134: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Demonstração. Considere um ponto a ∈ Sn tal que a e −a sejam valoresregulares para a aplicação de Gauss. Como n é par, segue do Exemplo 5.2.9que existe um campo Y ∈ X(Sn), cujas únicas singularidades são os pontosa e −a, com índices iguais a +1. Definimos um campo vetorial X ∈ X(M)pondo

X(p) = Y (g(p)),

para todo p ∈ M . Como Tg(p)Sn = TpM , segue que X está bem definido.Como Y anula-se apenas nos pontos a,−a ∈ Sn, segue que X anula-sesomente nos pontos p ∈ M tais que g(p) = ±a. Ou seja, os zeros de X emM são os pontos dos conjuntos

p1, . . . , pr = g−1(a) e q1, . . . , qs = g−1(−a).

Em uma vizinhança de cada um dos pontos pi e qj , g é um difeomorfismo,pois a e −a são valores regulares para g. Segue-se que os pontos pi e qj sãotodos zeros simples do campo X. Da Proposição 5.2.8 segue que o índicedo campo X em cada um desses pontos é +1 ou −1 se, e somente se, aaplicação de Gauss preserva ou inverte, respectivamente, a orientação norespectivo ponto. Concluimos, então, que o número algébrico de zeros de Xé igual ao número algébrico de pontos pi mais o número algébrico de pontosqj relativamente à aplicação g. Assim, segue do teorema de Poincaré-Hopfque

χ(M) =∑

X(p)=0

ind(X, p) =∑g(p)=a

ind(X, p) +∑

g(p)=−a

ind(X, p)

= deg(g, a) + deg(g,−a) = 2 deg(g),

provando a equação (8.15).

Embora a curvatura seja um conceito geométrico da hipersuperfície, aintegral global da curvatura em uma hipersuperfície compacta, de dimensãopar, é um invariante topológico. Esse é o conteúdo do resultado central dessaseção.

Teorema 8.4.6 (Hopf). Seja Mn ⊂ Rn+1 uma hipersuperfície compacta dedimensão par. Então ∫

Mκ =

1

2v(Sn) · χ(M),

onde χ(M) é a característica de Euler de M e a constante v(Sn) é o volumeda esfera unitária Sn.

131

Page 135: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Demonstração. Considerando a aplicação de Gauss (8.14) e usando o Teo-rema 8.3.1, obtemos:∫

Mκ =

∫MJgωM =

∫Mg∗ωSn = deg(g)

∫SnωSn

= deg(g) · v(Sn).

A conclusão segue agora da Proposição 8.4.5.

Observação 8.4.7. Quando a dimensão n da hipersuperfície Mn é ímpar,o grau da aplicação normal de Gauss g : Mn → Sn não é um invariantetopológico da superfície M , depende da maneira como Mn está imersa emRn+1. Mais precisamente, se for possível obter uma imersão Mn ⊂ Rn+1 talque g tem grau par, então é possível obter imersões de Mn em Rn+1 quedão como grau qualquer outro número par escolhido. Da mesma forma, seexiste uma imersão Mn ⊂ Rn+1 tal que o grau de g é ímpar então, dado umnúmero ímpar qualquer, existe uma imersão de Mn em Rn+1 que tem essenúmero como grau de g.

132

Page 136: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

8.5 Exercícios

8.1

1. Se Mn é uma superfície orientada, compacta, com fronteira, prove quenão existe retração diferenciável de M sobre ∂M .

2. Seja M uma superfície compacta, orientável, com ∂M = ∅. Mostre quenão existe uma homotopia entre a aplicação identidade deM e uma aplicaçãoconstante.

3. Mostre que a aplicação antípoda A : Sn → Sn é homotópica à aplicaçãoidentidade de Sn se, e somente se, n é ímpar.

4. Mostre, por meio de um exemplo, que o Teorema de Stokes não é válidopara formas diferenciais com suportes não-compacto.

8.2

1. Mostre que o Teorema de Green pode ser obtido a partir do Teorema daDivergência.

8.3

1. Sejam M , N e Z superfícies compactas orientadas, tais que M = ∂Z edimM = dimN = n. Se f : M → N é uma aplicação diferenciável queadmite uma extensão diferenciável a Z, prove que∫

Mf∗ω = 0,

para toda ω ∈ Ωn(N).

2. Sejam f, g : M → N duas aplicações homotópicas entre superfícies com-pactas, orientadas e de mesma dimensão n. Prove que∫

Mf∗ω =

∫Mg∗ω,

para toda ω ∈ Ωn(N).

3. Construa uma forma ω ∈ Ωn(Sn) tal que∫Sn ω 6= 0.

8.4

1. Seja Mn ⊂ Rn+1 uma hipersuperfície compacta. Prove que a caracterís-tica de Euler é sempre um número par.

133

Page 137: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Apêndice A

Alguns teoremas do Cálculo

A.1 A topologia de Rn

O espaço Euclidiano de dimensão n, denotado por Rn, é o conjunto dasn-uplas x = (x1, . . . , xn), cujas coordenadas x1, . . . , xn são números reais. Oespaço Rn, munido das operações de soma e produto, dadas por

x+ y = (x1 + y1, . . . , xn + yn),

α · x = (αx1, . . . , αxn),

com x, y ∈ Rn e α ∈ R, torna-se um espaço vetorial real de dimensão n.

O comprimento de um vetor x ∈ Rn, denotado por ‖x‖, é definido comoo número real

‖x‖ =√x2

1 + . . .+ x2n.

O número ‖x‖ é também chamado de norma Euclidiana, uma vez que provémdo produto interno Euclidiano

〈x, y〉 = x1y1 + . . .+ xnyn.

Existem outras normas que podemos considerar em Rn. A norma Eucli-diana, por exemplo, é motivada pela fórmula do comprimento de um vetorno plano em coordenadas cartesianas. Outras duas normas em Rn de mani-pulação simples são as normas do máximo e da soma, dadas respectivamentepor

‖x‖M = max|x1|, . . . , |xn|,‖x‖S = |x1|+ . . .+ |xn|.

(A.1)

134

Page 138: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Essas três normas se relacionam através das seguintes desigualdades:

‖x‖M ≤ ‖x‖ ≤ ‖x‖S ≤ n · ‖x‖M , (A.2)

para qualquer x ∈ Rn. As desigualdades em (A.2) servem, na verdade, paramostrar que essas três normas são equivalentes (cf. Exercício 2).

Uma norma num espaço vetorial E dá origem a uma noção de distância.Mais precisamente, dados x, y ∈ E, a distância de x a y é definida pondo

d(x, y) = ‖x− y‖.

Observação A.1.1. Uma norma arbitrária ‖‖ num espaço vetorial E podenão provir de um produto interno. De fato, se a norma provém de umproduto interno, vale a regra do paralelogramo:

‖x+ y‖2 + ‖x− y‖2 = 2(‖x‖2 + ‖y‖2

).

Observe que esta identidade não é válida para toda norma. Por exemplo, asnormas dadas em (A.1) em Rn não a cumprem, logo não provêm de produtointerno algum em Rn. Quando não dissermos explicitamente qual a normaque estamos considerando em Rn, ficará subentendido que se trata da normaEuclidiana.

A bola aberta de centro no ponto p ∈ Rn e raio r > 0, denotada porB(p; r), é o conjunto dos pontos x ∈ Rn cuja distância ao ponto p é menordo que r, ou seja,

B(p; r) = x ∈ Rn : ‖x− p‖ < r.

Analogamente definimos a bola fechada B[p; r] de centro p e raio r > 0,pondo

B[p; r] = x ∈ Rn : ‖x− p‖ ≤ r.

Definição A.1.2. Um subconjunto X ⊂ Rn chama-se aberto se, para cadaponto p ∈ X, existe r > 0 tal que B(p; r) ⊂ X. Um subconjunto X ⊂ Rnchama-se fechado quando seu complementar for aberto.

135

Page 139: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Dados um subconjunto X ⊂ Rn e um ponto x ∈ Rn, apenas uma dastrês possibilidades seguintes se verifica:

(1) Existe uma bola aberta B(p; r) tal que x ∈ B(p; r) ⊂ X.

(2) Existe uma bola aberta B(p; r) tal que x ∈ B(p; r) ⊂ Rn \X.

(3) Dado qualquer bola aberta B(p; r) contendo x, a bola B(p; r) contémpontos tanto de X como de seu complementar Rn \X.

Os pontos que satisfazem (1) formam o interior do conjunto X; aquelesque satisfazem (2) formam o exterior de X; a fronteira do conjunto X éo conjunto dos pontos que satisfazem a propriedade (3). Segue então daspropriedades acima que o interior de qualquer subconjunto X ⊂ Rn é umconjunto aberto.

Definição A.1.3. Seja f : X → Rn uma aplicação definida no conjuntoaberto X ⊂ Rm. Dizemos que f é contínua no ponto p ∈ X se, paraqualquer ε > 0, existe δ > 0 tal que:

x ∈ X, ‖x− p‖ < δ ⇒ ‖f(x)− f(p)‖ < ε.

Em outras palavras, f é contínua no ponto p se dado ε > 0, existe δ > 0tal que

f(B(p, δ)) ⊂ B(f(p), ε).

Se f : X ⊂ Rm → Rn é contínua em todos os pontos de X, diremos simples-mente que f é uma aplicação contínua.

Observação A.1.4. A definição de continuidade da aplicação f : Rm → Rnfaz uso de uma norma em Rm e outra em Rn. No entanto, se alterarmos umadessas normas ou ambas, a continuidade persistirá (cf. Exercício 4). Alémdisso, a continuidade de f pode ser interpretada em termos dos abertos deRm e Rn (cf. Exercício 5).

Analogamente ao caso de funções de uma variável real, a continuidadese exprime em termos de limite da seguinte forma: se p ∈ X é um pontoisolado então toda aplicação f : X ⊂ Rm → Rn é contínua no ponto p. Casop seja um ponto de acumulação de X, então f é contínua em p se, e somentese,

limx→p

f(x) = f(p).

136

Page 140: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

A.2 A regra da cadeia

Lembremos que uma função f : I → R, definida no intervalo abertoI ⊂ R, é derivável no ponto p ∈ I se existe um número real f ′(p) para o qual

limh→0

f(p+ h)− f(p)

h= f ′(p). (A.3)

Observemos que a relação (A.3) não faz sentido no contexto de aplicaçõesf : Rm → Rn. A fim de estender essa definição ao caso geral, façamosinicialmente algumas considerações. Definimos uma transformação linearL : R→ R pondo L(h) = f ′(p)·h, e escrevemos r(h) = f(p+h)−f(p)−L(h).Então, para todo h 6= 0, tal que p+ h ∈ I, temos

f(p+ h)− f(p) = L(h) + r(h), (A.4)

com

limh→0

r(h)

h= 0. (A.5)

Em virtude da relação (A.5), dizemos que o resto r(h) tende para zero maisrapidamente do que h. A relação (A.4) é usualmente interpretada dizendoque L + f(p) é uma aproximação para f no ponto p. Em outras palavras,para pequenos valores de h, o acréscimo f(p+h)−f(p) é, aproximadamente,uma aplicação linear de h.

O que faremos agora é generalizar essa definição para dimensões maiores.Ou seja, gostaríamos de dizer que uma aplicação f : U → Rn, definida noaberto U ⊂ Rm, é diferenciável no ponto p ∈ U quando, para pequenosvalores de v, o acréscimo f(p+v)−f(p) é, aproximadamente, uma aplicaçãolinear de v. De forma mais precisa,

Definição A.2.1. Dizemos que uma aplicação f : U → Rn, definida noaberto U ⊂ Rm, é diferenciável no ponto p ∈ U se existe uma transformaçãolinear L : Rm → Rn tal que, para todo v ∈ Rm, com p+ v ∈ U , tenhamos

f(p+ v)− f(p) = L(v) + r(v), (A.6)

onde

limv→0

r(v)

‖v‖= 0. (A.7)

137

Page 141: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Diremos que f : U ⊂ Rm → Rn é diferenciável se f é diferenciável emtodos os pontos de U . Observe que, como a validez da condição (A.7) inde-pende das normas escolhidas em Rm e Rn, segue que o fato de uma aplicaçãoser ou não diferenciável num determinado ponto também não depende dasnormas (cf. Exercício A.1.3).

Um cálculo simples mostra que a transformação linear L : Rm → Rn queocorre em (A.6) é dada por

L(v) =∂f

∂v(p) = lim

t→0

f(p+ tv)− f(p)

t.

Disso decorre, em particular, que a transformação linear que fornece a apro-ximação para o acréscimo f(p+ v)− f(p) na vizinhança do ponto p é única,e é chamada a diferencial de f no ponto p, e será denotada por df(p).

Observação A.2.2. Quando m = n = 1, a função linear df(p) : R → R éidentificada com o número f ′(p)·1 e, para todo v ∈ R, df(p)·v é simplesmenteo produto do número f ′(p) pelo número v.

A transformação linear df(p) : Rm → Rn possui, em relação às basescanônicas de Rm e Rn, uma matriz de ordem n × m, chamada a matrizJacobiana de f no ponto p, denotada por Jf(p). Suas m colunas são osvetores

df(p) · ej =∂f

∂xj(p) =

(∂f1

∂xj(p), . . . ,

∂fn∂xj

(p)

),

onde f1, . . . , fn : U → R são as funções coordenadas de f . Assim,

Jf(p) =

(∂fi∂xj

(p)

).

Proposição A.2.3. Uma aplicação f : U → Rn, definida no aberto U ⊂ Rm,é diferenciável no ponto p ∈ U se, e somente se, cada uma de suas funçõescoordenadas f1, . . . , fn : U → R é diferenciável nesse ponto.

Demonstração. Basta observar que a igualdade vetorial

f(p+ v)− f(p) = df(p) · v + r(v)

equivale às n igualdades numéricas

fi(p+ v)− fi(p) = dfi(p) · v + ri(v),

onde ri(v) = (r1(v), . . . , rn(v)), enquanto que o limite vetorial limv→0

r(v)

‖v‖= 0

corresponde aos n limites numéricos limv→0

ri(v)

‖v‖= 0.

138

Page 142: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Vejamos a seguir alguns exemplos de aplicações diferenciáveis.

Exemplo A.2.4. Toda aplicação constante f : Rm → Rn é diferenciável, esua diferencial, em cada ponto, é identicamente nula.

Exemplo A.2.5. Considere uma transformação linear L : Rm → Rn. Paracada ponto p ∈ Rm, temos

L(p+ v)− L(p) = L(v) = L(v) + 0.

Disso decorre que a diferencial dL(p) é igual a L, para todo p ∈ Rm, logo Lé diferenciável.

Exemplo A.2.6. Seja ϕ : Rm × Rn → Rk uma aplicação bilinear. Dadosum ponto (p, q) ∈ Rm×Rn e um vetor (v, w) ∈ Rm×Rn, a bilinearidade deϕ nos dá

ϕ(p+ v, q + w)− ϕ(p, q) = ϕ(v, q) + ϕ(p, w) + ϕ(v, w).

Por outro lado, existe uma constante c > 0 tal que ‖ϕ(v, w)‖ ≤ c‖v‖‖w‖,para quaisquer v ∈ Rm e w ∈ Rn (cf. Exercício ??.7). Fazendo uso da normada soma, temos ‖(v, w)‖ = ‖v‖+ ‖w‖. Assim,

‖ϕ(v, w)‖‖(v, w)‖

≤ c‖v‖‖w‖‖v‖+ ‖w‖

≤ c · ‖v‖,

logo

lim(v,w)→0

ϕ(v, w)

‖(v, w)‖= 0.

Isso mostra que ϕ é diferenciável em cada ponto (p, q) ∈ Rm×Rn, sendo suadiferencial dϕ(p, q) : Rm × Rn → Rk dada por

dϕ(p, q) · (v, w) = ϕ(v, q) + ϕ(p, w),

com r(v, w) = ϕ(v, w).

Observação A.2.7. O mesmo raciocínio mostra que se

ϕ : Rm1 × . . .× Rmk → Rn

é uma aplicação k-linear, então ϕ é diferenciável no ponto p = (p1, . . . , pk)de Rm1 × . . .× Rmk , sendo sua diferencial a transformação k-linear

dϕ(p) : Rm1 × . . .× Rmk → Rn

dada por

dϕ(p) · (v1, . . . , vk) =k∑i=1

ϕ(p1, . . . , pi−1, vi, pi+1, . . . , pk).

139

Page 143: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo A.2.8. Casos particulares importantes de aplicações bilinearessão o produto interno ϕ : Rm × Rm → R, dado por

ϕ(p, q) = 〈p, q〉,

e a multiplicação de matrizes ψ : Rkn × Rnm → Rkm dada por

ψ(X,Y ) = X · Y.

Suas diferenciais são dadas por

dϕ(p, q) · (v, w) = 〈v, q〉+ 〈p, w〉 e dψ(X,Y ) · (V,W ) = V Y +XW.

Outro exemplo importante de aplicação n-linear é a função determinante

det : Rn × . . .× Rn = Rn2 → R.

Aqui, escrevamosdet(X) = det(X1, . . . , Xn),

para salientar que det(X) depende linearmente de cada uma das n linhasXi da matriz X = (X1, . . . , Xn). Sua diferencial no ponto X é o funcionallinear

d det(X) : Rn2 → R,

cujo valor na matriz V = (V1, . . . , Vn) é dado por

d det(X) · V =

n∑k=1

det(X1, . . . , Xk−1, Vk, Xk+1, . . . , Xn).

O teorema seguinte é a versão intrínseca da regra da cadeia, que relacionaa derivada da composição de aplicações diferenciáveis.

Teorema A.2.9 (Regra da cadeia). Sejam f : U → Rn uma aplicaçãodiferenciável no ponto p ∈ U e g : V → Rk uma aplicação diferenciável noponto q = f(p), onde supomos que U ⊂ Rm e V ⊂ Rn são abertos, comf(U) ⊂ V . Então, a composta g f : U → Rk é diferenciável no ponto p evale a regra:

d(g f)(p) = dg(q) df(p).

Corolário A.2.10. A composta de duas aplicações diferenciáveis é umaaplicação diferenciável.

140

Page 144: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Corolário A.2.11. Seja f : U → Rn uma aplicação, definida no abertoU ⊂ Rm, diferenciável no ponto p ∈ U e que admite uma inversag : V → Rm, definida no aberto V ⊂ Rn e diferenciável no ponto q = f(p).Então, df(p) : Rm → Rn é um isomorfismo. Em particular, tem-se m = n.

Demonstração. Das igualdades g f = id|U e f g = id|V , segue da regra dacadeia que dg(q) df(p) = id : Rm → Rm e df(p) dg(q) = id : Rn → Rn.Disso decorre que dg(q) = df(p)−1.

Corolário A.2.12. Sejam f, g : U → Rn aplicações definidas no abertoU ⊂ Rm e diferenciáveis no ponto p ∈ U , e c um número real. Então, asaplicações f + g e c · f são diferenciáveis no ponto p e vale:

d(f + g)(p) = df(p) + dg(p) e d(c · f)(p) = c · df(p).

Como comentário final, gostaríamos de mencionar que não entraremosem detalhes sobre a classe de diferenciabilidade de uma dada aplicação. Amenos de menção explícita em contrário, as aplicações diferenciáveis, a partirde agora consideradas, serão sempre de classe C∞.

A.3 O teorema da aplicação inversa

Dados dois abertos U, V ⊂ Rn, dizemos que uma aplicação f : U → Vé um difeomorfismo se f é uma bijeção diferenciável cuja inversa também édifereciável. Em particular, f é um homeomorfismo entre U e V . No entanto,um homeomorfismo pode ser diferenciável sem que seu inverso o seja. Umexemplo simples é a função f : R → R dada por f(x) = x3. Sua inversaf−1(x) = 3

√x não é derivável em x = 0.

Se f : U → V é um difeomorfismo, a regra da cadeia nos garante quesua diferencial df(p) : Rn → Rn, em cada ponto p ∈ U , é um isomorfismo(cf. Corolário A.2.11). Em termos do determinante jacobiano, isso significaque det Jf(p) 6= 0, para todo p ∈ U . Antes de analisarmos a recíproca dessaconclusão, vejamos alguns exemplos.

Exemplo A.3.1. Uma função derivável f : I → J , de um intervalo I ⊂ Rsobre o intervalo J ⊂ R, é um difeomorfismo se, e somente se, f ′(x) 6= 0,para todo x ∈ I. De fato, se f ′(x) 6= 0 para todo x ∈ I, então f ′(x) > 0 paratodo x ∈ I, e neste caso f é um homeomorfismo crescente, ou f ′(x) < 0 paratodo x ∈ I, e neste caso f é um homeomorfismo decrescente. Em qualquercaso, segue do teorema da função inversa do Cálculo I que f−1 : J → I éderivável.

141

Page 145: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo A.3.2. Considere a aplicação f : R2 → R2 definida por

f(x, y) = (ex cos y, ex sin y).

Claramente f é de classe C∞. A matriz jacobiana de f no ponto (x, y) édada por

Jf(x, y) =

(ex cos y −ex sin yex sin y ex cos y

).

Disso decorre que det Jf(x, y) = e2x 6= 0. No entanto, f sequer é injetora.De fato, observe que f transforma cada reta vertical x = x0 sobre o círculode raio ex0 e centro na origem, com período 2π.

Uma aplicação diferenciável f : U → Rn, definida no aberto U ⊂ Rn, édita um difeomorfismo local se para cada ponto p ∈ U existem um aberto Vp,com p ∈ Vp ⊂ U , tal que f |Vp é um difeomorfismo sobre um abertoWp ⊂ Rn.Se f : U → Rn é um difeomorfismo local de U sobre V = f(U) então, paracada p ∈ U , a diferencial df(p) : Rn → Rn é um isomorfismo.

Todo difeomorfismo é um difeomorfismo local. Além disso, todo difeo-morfismo local é uma aplicação aberta. Disso decorre que um difeomorfismolocal f : U → Rn é um difeomorfismo (global) sobre sua imagem V = f(U)se, e somente se, f é uma aplicação bijetora.

Teorema A.3.3 (Aplicação inversa). Considere uma aplicação diferenciávelf : U → Rn, definida no aberto U ⊂ Rn, e um ponto p ∈ U de modoque a diferencial df(p) : Rn → Rn seja um isomorfismo. Então f é umhomeomorfismo de um aberto V contendo p sobre um aberto W contendof(p), cuja inversa f−1 : W → V é diferenciável, e sua derivada é dada pordf−1(q) =

(df(f−1(q))

)−1, para todo q ∈W .

Veremos agora algumas aplicações deste teorema no contexto de aplica-ções diferenciáveis de posto máximo.

Definição A.3.4. Dizemos que uma aplicação diferenciável f : U → Rn,definida no aberto U ⊂ Rm, é uma imersão no ponto p ∈ U se a diferencialdf(p) : Rm → Rn é uma aplicação linear injetora. Se f é uma imersão emtodo ponto p ∈ U , diremos simplesmente que f é uma imersão.

Observe que isso só ocorre quando m ≤ n.

Exemplo A.3.5. Considere a aplicação inclusão f : Rm → Rm × Rn, dadapor f(p) = (p, 0). Como f é linear, segue que df(p) = f para todo p ∈ Rm.Assim, f é uma imersão de classe C∞.

142

Page 146: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Exemplo A.3.6. Uma curva diferenciável α : I → Rn, definida no intervaloaberto I ⊂ R, é uma imersão se, e somente se, α′(t) 6= 0 para todo t ∈ I. Issosignifica que a imagem α(I) possui, em cada ponto α(t), uma reta tangente.

Exemplo A.3.7. Uma imersão pode não ser injetora. Um exemplo simplesé a curva α : R → R2 dada por α(t) = (t3 − t, t2). Um cálculo simplesmostra que α′(t) = (3t2 − 1, 2t) 6= (0, 0) para todo t ∈ R e, além disso,α(1) = (0, 1) = α(−1).

O teorema seguinte afirma que, para qualquer imersão f : U → Rn,é possível introduzir novas coordenadas na vizinhança de cada ponto daimagem de modo que f assuma, localmente, a forma do Exemplo A.3.5.

Teorema A.3.8 (Forma local das imersões). Seja f : U → Rm+n umaimersão definida no aberto U ⊂ Rm. Para cada ponto p ∈ U , existe umdifeomorfismo h : Z → V ×W , de um aberto Z ⊂ Rm+n contendo f(p) sobreo aberto V ×W ⊂ Rm × Rn contendo (p, 0), tal que h(f(x)) = (x, 0) paratodo x ∈ V .

Demonstração. Denotando por E a imagem da diferencial df(p), i.e.,E = df(p)(Rm), considere vetores linearmente independentes v1, . . . , vn emRm+n, que geram um subespaço vetorial F ⊂ Rm+n, de modo que tenhamosRm+n = E ⊕ F . Defina uma aplicação ϕ : U × Rn → Rm+n pondo

ϕ(x, y) = f(x) +n∑i=1

yivi,

onde y = (y1, . . . , yn) ∈ Rn. Temos que ϕ é diferenciável, e sua diferencialno ponto (p, 0) é

dϕ(p, 0) · (v, w) = df(p) · v +

n∑i=1

wivi,

onde v ∈ Rm e w = (w1, . . . , wn) ∈ Rn. Como df(p) é injetora e Rm+n éa soma direta da imagem de df(p) com o subespaço gerado por v1, . . . , vn,segue que dϕ(p, 0) é injetora, logo um isomorfismo. Pelo teorema da apli-cação inversa, ϕ transforma difeomorficamente um aberto contendo (p, 0),que podemos supor ser da forma V ×W ⊂ Rm × Rn, com p ∈ V , sobre umaberto Z ⊂ Rm+n contendo f(p) = ϕ(p, 0). Defina h = ϕ−1 : Z → V ×W .Como ϕ(x, 0) = f(x), temos que h(f(x)) = (x, 0) para todo x ∈ V , comoqueríamos.

143

Page 147: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Definição A.3.9. Dizemos que uma aplicação diferenciável f : U → Rn,definida no aberto U ⊂ Rm, é uma submersão no ponto p ∈ U se a diferencialdf(p) : Rm → Rn é uma aplicação linear sobrejetora. Se f é uma submersãoem todo ponto p ∈ U , diremos simplesmente que f é uma submersão.

Note que uma condição necessária para que isso ocorra é que m ≥ n.

Exemplo A.3.10. Uma função diferenciável f : U → R é uma submersãose, e somente se, df(x) 6= 0 para todo x ∈ U . Isso decorre do fato de queum funcional linear é sobrejetor ou é nulo.

Exemplo A.3.11. Dado uma decomposição em soma direta da formaRm+n = Rm ⊕ Rn, seja π a projeção sobre o primeiro fator, π(x, y) = x.Como π é linear, segue que dπ(x, y) = π para todo (x, y) ∈ Rm+n, logo π éuma submersão. A matriz jacobiana de π tem como linhas os m primeirosvetores da base canônica de Rm+n. Da mesma forma podemos concluir quea projeção sobre o segundo fator também é uma submersão.

Observação A.3.12. Se T : Rm+n → Rm é uma aplicação linear sobreje-tora, podemos obter uma decomposição em soma direta da forma Rm+n =Rm⊕Rn tal que a restrição T |Rm : Rm → Rm seja um isomorfismo. De fato,como os vetores T (e1), . . . , T (em+n) geram Rm, é possível escolher dentre elesuma base T (ej1), . . . , T (ejm). Sejam J = j1, . . . , jm e I = i1, . . . , ino conjunto dos índices restantes. A partição 1, . . . ,m + n = I ∪ J for-nece a decomposição em soma direta Rm+n = Rm ⊕Rn. A restrição T |Rm éisomorfismo pois transforma uma base em outra base.

O teorema seguinte mostra que o Exemplo A.3.11 é, localmente, o casomais geral de uma submersão. Mais precisamente, dado uma submersão f ,é possível considerar novas coordenadas de modo que f seja, localmente, aprojeção sobre as primeiras coordenadas.

Teorema A.3.13 (Forma local das submersões). Seja f : U → Rm umaaplicação diferenciável, definida no aberto U ⊂ Rm+n, que é uma submersãonum ponto a ∈ U . Se a diferencial df(a) : Rm+n → Rm é sobrejetora ou,mais precisamente, se é dado uma decomposição em soma direta do tipoRm+n = Rm ⊕ Rn tal que a = (a1, a2) e a derivada parcial

∂f

∂x1(a) = df(a)|Rm : Rm → Rm

é um isomorfismo, então existem abertos V , W , Z, com a ∈ Z ⊂ Rm+n,a2 ∈W ⊂ Rn, f(a) ∈ V ⊂ Rm, e um difeomorfismo h : V ×W → Z tal que

(f h)(x, y) = x

144

Page 148: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

para todo (x, y) ∈ V ×W .

Demonstração. Considere a aplicação ϕ : U → Rm × Rn definida por

ϕ(x, y) = (f(x, y), y);

ϕ é diferenciável e sua diferencial dϕ(a) : Rm+n → Rm × Rn é dada por

dϕ(a) · (v, w) = (df(a) · (v, w), w) =

(∂f

∂x1(a) · v +

∂f

∂x2(a) · w,w

).

Observe que a aplicação linear

(v, w) 7→

((∂f

∂x1(a)

)−1

·(v − ∂f

∂x2(a) · w

), w

)é uma inversa para dϕ(a), logo dϕ(a) é um isomorfismo. Pelo teorema daaplicação inversa, ϕ é um difeomorfismo de um aberto contendo o pontoa sobre um aberto contendo (f(a), a2), que podemos supor ser da formaV ×W , com V aberto em Rm e W aberto em Rn. Sejam Z = ϕ−1(V ×W )e h = ϕ−1 : V ×W → Z. Como ϕ deixa fixa a segunda coordenada, seuinverso h tem a mesma propriedade:

h(x, y) = (h1(x, y), y)

para todo (x, y) ∈ V ×W . Então, dado (x, y) ∈ V ×W , temos:

(x, y) = (ϕ h)(x, y) = ϕ(h1(x, y), y)

= (f(h1(x, y), y), y)

= ((f h)(x, y), y),

donde concluimos que (f h)(x, y) = x para todo (x, y) ∈ V ×W .

A.4 O teorema de mudança de variáveis

Um bloco de dimensão n em Rn é um produto cartesiano

A =

n∏i=1

[ai, bi] ⊂ Rn (A.8)

de intervalos compactos [ai, bi]. O volume do bloco A, como em (A.8), de-notado por vol(A) é, por definição,

vol(A) =n∏i=1

(bi − ai).

145

Page 149: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Uma partição de um bloco A é um conjunto finito do tipo

P = P1 × . . .× Pn,

onde cada Pi é uma partição do intervalo [ai, bi]. Dado uma função limitadaf : A→ R, definida no bloco A ⊂ Rn, considere uma partição P de A. Paracada bloco B determinado pela partição P , associamos os números

mB = inff(x) : x ∈ B e MB = supf(x) : x ∈ B.

A partir destes, definimos a soma inferior e a soma superior de f em relaçãoà partição P , pondo

s(f, P ) =∑B∈P

mB · vol(B) e S(f, P ) =∑B∈P

MB · vol(B),

onde as somas acima estendem-se a todos os blocos B da partição P . ComomB ≤MB para todo bloco B, tem-se

s(f, P ) ≤ S(f, P ).

A integral inferior∫Af e a integral superior

∫Af de uma função limitada

f : A→ R são definidas pondo∫A

f = sup s(f, P ) e∫Af = inf S(f, P ),

onde o supremo e o ínfimo estendem-se a todas as partições P do bloco A.Se m,M ∈ R são tais que m ≤ f(x) ≤M para todo x ∈ A, então

m · vol(A) ≤∫A

f ≤∫Af ≤M · vol(A).

Definição A.4.1. Seja f : A → R uma função limitada no bloco A ⊂ Rn.Dizemos que f é integrável se a sua integral inferior coincide com sua integralsuperior. Definimos então a integral de f como∫

Af =

∫A

f =

∫Af.

Como no caso de uma variável, temos a seguinte

Proposição A.4.2. Toda função contínua f : A→ R é integrável.

146

Page 150: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

O resultado seguinte é um importante critério de integrabilidade.

Teorema A.4.3 (Lebesgue). Uma função limitada f : A → R é integrávelse, e somente se, o conjunto Df dos seus pontos de descontinuidade temmedida nula.

Dizemos que um subconjunto limitado X ⊂ Rn é J-mensurável se, dadoum bloco A ⊂ Rn contendo X, a função característica χX : A → R éintegrável. No caso afirmativo, definimos o volume de X pondo

vol(X) =

∫AχX .

Exemplo A.4.4. Uma bola aberta ou fechada em Rn é J-mensurável poissua fronteira é uma esfera, que tem medida nula em Rn. Um bloco, comoem (A.8), é outro exemplo de conjunto mensurável. Conjuntos que não sãoJ-mensuráveis são, por exemplo, aqueles cuja fronteira coincide com o pró-prio conjunto, como é o caso do conjunto de Cantor.

Uma consequência do Teorema de Lebesgue é a seguinte caracterizaçãodos conjuntos J-mensuráveis.

Proposição A.4.5. Um subconjunto limitado X ⊂ Rn é J-mensurável se,e somente se, sua fronteira ∂X tem medida nula.

Queremos agora definir a integral de uma função limitada f : X → R,definida num conjunto J-mensurável X ⊂ Rn. Para isso, considere um blocoA ⊂ Rn contendo X. Defina a função f : A→ R pondo

f(x) =

f(x), x ∈ X

0, x ∈ A \X .

Definição A.4.6. Dizemos que a função limitada f : X → R é integrável sea função f : A→ R for integrável. Neste caso, definimos∫

Xf =

∫Af.

Analogamente ao Teorema de Lebesgue, temos o seguinte

Teorema A.4.7. Seja X ⊂ Rn um conjunto J-mensurável. Uma funçãolimitada f : X → R é integrável se, e somente se, o conjunto Df dos seuspontos de descontinuidade tem medida nula.

147

Page 151: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Em algumas situações é útil usar o símbolo diferencial, como no resultadoseguinte, conhecido como o teorema da integração repetida.

Teorema A.4.8. Seja f : A→ R uma função integrável, definida no produtoA = A1 ×A2 dos blocos A1 ⊂ Rm e A2 ⊂ Rn. Então∫

Af(x, y)dxdy =

∫A1

(∫A2

f(x, y)dy

)dx =

∫A2

(∫A1

f(x, y)dx

)dy.

Corolário A.4.9. Seja f : A → R uma função contínua, definida no blocoA =

∏ni=1[ai, bi]. Então∫Af(x)dx =

∫Ai

(∫ bi

ai

f(x1, . . . , xn)dxi

)dx1 . . . dxi . . . dxn,

onde

Ai =

n∏i 6=j=1

[ai, bi].

Exemplo A.4.10. Considere n funções diferenciáveis a1, . . . , an : A → R,definidas no bloco A ⊂ Rn, e defina a função

f =

n∑i=1

∂ai∂xi

.

Temos que f é contínua e∫Af(x)dx =

∫A

n∑i=1

∂ai∂xi

dx

=n∑i=1

∫Ai

(∫ bi

ai

∂ai∂xi

(x1, . . . , xn)dxi

)dx1 . . . dxi . . . dxn

=n∑i=1

∫Ai

[ai(x1, . . . , bi, . . . , xn)− ai(x1, . . . , ai, . . . , xn)] dxi,

onde dxi = dx1 . . . dxi . . . dxn.

Para funções reais de uma variável real, tem uma fórmula de mudançade variáveis para integrais simples. Se h : [a, b]→ R é uma função derivávele f : R→ R é uma função contínua, então∫ h(b)

h(a)f(y)dy =

∫ b

af(h(x))h′(x)dx.

A fórmula de mudança de variáveis para integrais múltiplas torna-se:

148

Page 152: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Teorema A.4.11 (Mudança de variáveis). Sejam h : U → V um difeo-morfismo entre os abertos U, V ⊂ Rn, X ⊂ U um subconjunto compactoJ-mensurável e f : h(X) → R uma função integrável. Então, a funçãocomposta f h : X → R é integrável e vale a fórmula:∫

h(X)f(y)dy =

∫Xf(h(x)) · | det dh(x)|dx.

149

Page 153: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

A.5 Exercícios

A.1

1. Prove que uma bola aberta B(p; r) é um conjunto aberto em Rn, enquantoque uma bola fechada B[p; r] é um conjunto fechado. Além disso, todosubconjunto de Rn que possui um número finito de elementos também éfechado.

2. Duas normas ‖‖1 e ‖‖2 num espaço vetorial E são chamadas equivalentesse existem constantes a > 0 e b > 0 tais que

‖x‖1 ≤ a · ‖x‖2 e ‖x‖2 ≤ b · ‖x‖1para todo x ∈ E. Prove que:

(a) A equivalência entre normas é uma relação de equivalência.

(b) As três normas usuais de Rn são equivalentes umas às outras.

(c) Duas normas quaisquer em Rn são equivalentes.

3. Sejam ‖‖1 e ‖‖2 duas normas arbitrárias em Rn. Prove que

limx→p‖x− p‖1 = 0⇔ lim

x→p‖x− p‖2 = 0.

4. Prove que a continuidade de uma aplicação f : Rm → Rn, no sentido daDefinição A.1.3, independe das normas escolhidas.

5. Prove que uma aplicação f : Rm → Rn é contínua se, e somente se, aimagem inversa f−1(V ) de todo aberto V ⊂ Rn é um aberto em Rm.6. Seja L : Rm → Rn uma transformação linear. Mostre que existe umaconstante c > 0 tal que ‖L(x)‖ ≤ c‖x‖, para todo x ∈ Rm. Conclua daí queL é uma aplicação Lipschitziana, logo é contínua.

7. Seja ϕ : Rm × Rn → Rk uma aplicação bilinear. Mostre que existe umaconstante c > 0 tal que ‖ϕ(v, w)‖ ≤ c‖v‖‖w‖, para quaisquer v ∈ Rm ew ∈ Rn.8. No espaço vetorial L(Rm;Rn) das transformações lineares L : Rm → Rn,considere a função ‖‖ : L(Rm;Rn)→ R dada por

‖L‖ = sup‖L(v)‖ : v ∈ Rm, ‖v‖ = 1,

para todo L ∈ L(Rm;Rn). Mostre que a função ‖‖ é uma norma emL(Rm;Rn) e satisfaz a seguinte propriedade:

‖L(v)‖ ≤ ‖L‖‖v‖,

para todo v ∈ Rm.

150

Page 154: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

A.2

1. Seja f : U → Rn uma aplicação definida no aberto U ⊂ Rm. Mostre queas seguintes afirmações são equivalentes:

(a) f é de classe C1;

(b) As funções coordenadas f1, . . . , fn : U → R da aplicação f possuemderivadas parciais contínuas ∂fi

∂xj: U → R.

2. Prove que se uma aplicação f : U → Rn, definida no aberto U ⊂ Rm, édiferenciável no ponto p ∈ U então f é contínua em p.

3. Considere as funções f, g : R2 → R dadas por

f(x, y) = x+ y e g(x, y) = x · y,

para todo (x, y) ∈ R2. Mostre que f e g são diferenciáveis e calcule suasderivadas.

A.3

1. Mostre que todo difeomorfismo é um homeomorfismo.

2. Mostre que todo difeomorfismo local é uma aplicação aberta.

3. A curva α : R→ R2, dada por α(t) = (t− sin t, 1− cos t), é uma imersão?Justifique.

4. Considere a curva f : (−1,+∞)→ R2 dada por f(t) = (t3−t, t2). Mostreque f é uma imersão injetora.

5. Encontrar uma imersão f : R→ R2 e uma função descontínua g : R→ Rtais que f g seja diferenciável.

6. Mostre que toda submersão é uma aplicação aberta.

151

Page 155: Introdução à Topologia Diferencial - ICMC · Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies NestaseçãoestudaremosoconceitodesuperfícieemRn. Intuitivamente

Referências Bibliográficas

[1] J. Dieudonné, Foundations of Modern Analysis, Academic Press, 1960.

[2] V. Guillemin, A. Pollack, Differential topology, AMS Chelsea Pu-blishing, 2000.

[3] M. W. Hirsch, Differential Topology, Springer, vol. 33, 1976.

[4] J. M. Lee, em Manifolds and Differential Geometry, Graduate Studiesin Mathematics, vol. 107, 2009.

[5] E. L. Lima, Curso de Análise, vol. 2, Projeto Euclides, IMPA, 1999.

[6] J. W. Milnor, Topology from the Differentiable Viewpoint, PrincetonUniversity Press, 1997.

[7] A. P. Morse, The behaviour of a function on its critical set, Annals ofMathematics 40 (1), (1939), 62–70.

[8] J. R. Munkres, Elements of Algebraic Topology, Addison-Wesley Pu-blishing Company, Inc., 1984.

[9] J. R. Munkres, Topology, Second edition, Prentice Hall, 2000.

[10] A. Sard, The measure of the critical values of differentiable maps, Bul-letin of the American Mathematical Society 48 (12), (1942), 883–890.

[11] H. Seifert, W. Threlfall, Lecciones de Topologia, Publicaciones del Ins-tituto Jorge Juan de Matemáticas, Madrid, 1951.

152