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DOCUMENTOS DE TRABAJO DE IBERCIENCIA | N. o 4 Alvaro Chrispino INTRODUÇÃO AOS ENFOQUES CTS – CIÊNCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE – NA EDUCAÇÃO E NO ENSINO

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  • DOCUMENTOS DE TRABAJO DE IBERCIENCIA | N.o 4

    Alvaro Chrispino

    INTRODUO AOS ENFOQUES CTS CINCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE NA EDUCAO E NO ENSINO

  • DOCUMENTOS DE TRABAJO DE IBERCIENCIA | N.o 4

    INTRODUO AOS ENFOQUES CTS CINCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE NA EDUCAO E NO ENSINO

    Alvaro Chrispino

  • La coleccin Documentos de Trabajo es una iniciativadel Centro de Altos Estudios Universitarios de la Organizacin de Estados Iberoamericanos para la Educacin, la Ciencia y la Cultura (OEI) y su objetivo principal es difundir estudios, informes e investigaciones de carcter iberoamericano en sus campos de cooperacin.

    Estos materiales estn pensados para que tengan la mayor difusin posible y de esa forma contribuir al conocimiento y al intercambio de ideas. Se autoriza, por tanto, su reproduccin, siempre que se cite la fuente y se realice sin nimo de lucro.

    Estes materiais esto pensados para que tenham mayor divulgao possvel e dessa forma contribuir para o conhecimento e o intercmbio de idias. Autoriza-se, por tanto, sua reproduo, sempre que se cite a fonte e se realize sem fins lucrativos

    Los trabajos son responsabilidad de los autores y su contenido no representa necesariamente la opinin de la OEI.

    Los Documentos de Trabajo estn disponibles en formato pdf en la siguiente direccin: www.oei.es/caeu

    edita

    Centro de Altos Estudios Universitarios de la OEI, 2014Bravo Murillo, 38. 28015 Madrid (Espaa)Tel.: (+34) 91 594 43 82 | Fax: (+34) 91 594 32 [email protected] | www.oei.es

    colabora

    Consejera de Economa, Innovacin, Ciencia y Empleo de la Junta de Andaluca

    diseo

    asenmac

    isbN978-84-7666-247-2

  • ndice

    Introduo

    1 PARTE CONCEITOS BSICOS DE ENFOQUE CTS E EDUCAO

    CTS

    1. CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO

    2. SOBRE A CINCIA, MAS NO O QUE A CINCIA!

    3. SOBRE A TECNOLOGIA, MAS NO O QUE A TECNOLOGIA!

    4. SOBRE A SOCIEDADE, MAS NO O QUE A SOCIEDADE!

    5. SOBRE AS RELAES CINCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE

    6. CTS E O ENSINO

    7. CTS E A TCNICA DA CONTROVRSIA CONTROLADA

    2 PARTE A VISO AMPLIADA DAS CORRELAES DO ENFOQUE

    CTS

    8. MODELAGEM PARA PARTICIPAO SOCIAL NAS RELAES

    CTS: UTILIZANDO AS ORDENS DE COMTE-SPONVILLE

    9. SOBRE AS ABORDAGENS CTS

    10. SOBRE AS VARIVEIS QUE IMPLICAM NAS RELAES CTS

    11. REPERCUSSO SOCIAL DO DESENVOLVIMENTO CIENTFICO E

    TECNOLGICO

    Referencias

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  • INTRODUCCIN5

    Introduccin

    Os trabalhos tanto artigos quanto teses e dissertaes que tratam do Enfoque CTS possuem, na sua maioria, um sequencia histrica de fatos e de acontecimentos que pretendem apresentar o que seja este campo do conhecimento para professores, alunos e cidados. Porque sua estrutura de apre-sentao semelhante e os argumentos repetidos, vivemos um grande dilema na apresentao de um trabalho construdo coletivamente com turmas de estudantes dos programas de mestrado e douto-rado do CEFET/RJ. Se no nos utilizamos da narrativa padro, corremos o risco de sermos alijados, visto que no estamos falando a mesma lngua da rea, mesmo que isso busque demonstrar que os caminhos percorridos na produo deste material foram marcados por idas e vindas, na grande arena das ideias e interpretaes oriundas de estudantes de mestrado e doutorado que militam em diferen-tes reas do conhecimento, sendo que a educao e/ou o ensino so seus pontos de aproximao ou convergncia.

    Quando iniciamos as primeiras discusses, tnhamos a inteno de organizar ideias e argumentos que permitissem, ao final do conjunto de encontros de cada curso, reconceitualizar cincia e tecno-logia tal qual a tradio ensinada nas escolas, desconstruindo uma cinca herdada, pronta, infalvel e uma tecnologia portadora de bondade e de progresso impregnado de bem-estar duradouro.

    A primeira preocupao era demonstrar que a Cincia e a Tecnologia so produzidas e mantidas por seres humanos que possuem intencionalidades, interesses, limites, crenas, valores e planos de futuro. Esse conjunto de caractersticas se potencializa quando os indivduos se renem em grupos de interesse e organizam os chamados grupos de pesquisa, que buscam ampliar fronteiras do conhe-cimento e produzir aparatos ou sistemas tecnolgicos inovadores. Fica claro que a Cincia e a Tec-nologia so produes humanas e, por isso, impregnadas de humanidade em todos os seus matizes era o primeiro objetivo.

    Aps isso, buscvamos demonstrar que toda cincia e tecnologia produzidas como produtos cons-truidos socialmente retornam para a sociedade, impactando-a de diversas formas, quer explcita, quer implicitamente. Alguns destes impactos podem ser benficos se vistos como soluo para um problema atual, mas podem ser portadores de futuro incerto, quando produzem riscos no mdio ou longo prazos.

    Consideramos tambm que os textos gerais sobre CTS apontam o surgimento de movimentos sociais que se contrapunham aos impactos danosos dos avanos cientficos e tecnolgicos e a isso chamaram de Movimento CTS, dando inmeros exemplos de fatos e personagens.

    Da mesma forma, apontam para as aes reflexivas de profissionais da Cincia e da Tecnologia que iniciaram discusses a cerca das consequncias deste saber para a Sociedade. De forma geral, essa ao foi chamada didaticamente de Estudos CTS.

    As tradies chamadas de americana e europia as quais agregamos a chamada latino-americana so o caminho comum da apresentao do Enfoque CTS.

    Se considerarmos que CTS defende a construo social da cincia e da tecnologia devemos, por de-ver de ofcio, defender que o prprio CTS de difcil consenso, visto que cada grupo ou pesquisador,

  • INTRODUCCIN

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    dependendo de sua formao, de seus valores, de suas crenas etc, ir ler e interpretar os mesmos fenmenos de forma singular, identificando grandes eixos comuns, mas impregnando-os com suas particularidades, com suas idiossincrasias. Logo, esperar que tenhamos um nico conceito sobre o que seja CTS uma ingenuidade. Encontramos, sim, alguns consensos e aproximaes sucessivas que permitem que a rea se comunique e produza conhecimento a fim de contribuir para o amadu-recimento das relaes cincia, tecnologia e sociedade.

    Este trabalho enfrenta as mesmas dificuldades que seus congneres! Para no se distanciar de seus pares, apresenta temas e debates que so comuns rea, na busca da reconceitualizao da cincia e da tecnologia e na apresentao dos impactos que estas causam na sociedade. Faz isso buscando obras e autores consagrados na rea, sem deixar de recrutar novos autores de diferentes reas que sejam capazes de trazer luzes para o melhor entendimento da Abordagem CTS. Esta no uma obra autoral, mas, sim, de apresentao da rea CTS por meio do pensamento de muitos colaboradores. Nossa participao est no risco de reunir autores da rea e outros colaboradores de reas distintas. O risco da inovao e da ampliao de fronteiras sempre necessrio.

    Deixamos claro desde j que, para ns, a Abordagem CTS um campo complexo, interdisciplinar, contextualizado e transversal, fundamentado especialmente nos saberes da sociologia, da filosofia, na histria, da economia, da poltica, da psicologia, dos valores etc. Trazemos para este primeiro mo-mento a reflexo de Cutcliffe (2003):

    [...] em resumo, pode dizer-se que o campo de CTS deixou para tras qualquer tendncia inicial que pudesse ser relacionado com alguns grupos e que implicasse em uma viso sim-plista em branco e negro da cincia e da tecnologia na sociedade, buscando alcanar uma compreenso mais complexa da relao de CTS. Na atualidade, CTS concebe a cincia e a tecnologia como projetos complexos que se do em contextos histricos e culturais espec-ficos. O que tem surgido um consenso com respeito a que, se bem a cincia e a tecnologia nos trazem diversos benefcios, tambm provocam certos impactos negativos, alguns dos quais imprevisveis, mas todos refletem os valores, pontos de vistas e vises daqueles que esto em situao de tomar deciso com respeito aos conhecimentos cientficos e tecnolgi-cos dentro de seus mbitos. A misso central do campo CTS at a data de hoje tem sido a de expressar a interpretao da cincia e da tecnologia como um processo social. Deste ponto de vista, a cincia e a tecnologia so vistos como projetos complexos em que os valo-res culturais, polticos e econmicos nos ajudam a configurar os processos tecnocientficos, os quais, por sua vez, afetam os valores mesmos e a sociedade que os mantm. (p. 18) grifos nossos

    E como pretendemos fazer interveno no processo de qualificao de professores em servio e em formao , assim como na melhor formao de licenciandos e estudantes da escola bsica, devemos antecipar o que entendemos por Educao CTS e o que esperamos dela. Para ns,

    CTS uma opo educativa transversal (Acevedo, 1996b), que prioriza sobretudo os con-tedos atitudinais (cognitivos, afetivos e valorativos) e axiolgicos (valores e normas).Desde a perspectiva da dimenso cognitiva atitudinal, a educao CTS pretende tambm uma melhor compreenso da cincia e da tecnologia em seu contexto social, incidindo nas interrelaes entre os desenvolvimentos cientfico e tecnolgico e os processos sociais. As-sim, os estudantes devero adquirir durante sua escolarizao algumas capacidades para ajud-los a interpretar, pelo menos de forma geral, questes controvertidas re-lacionadas com os impactos sociais da cincia e da tecnologia e com a qualidade das

  • INTRODUCCIN

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    condies de vida de uma sociedade cada vez mais impregnada de cincia e, sobretudo, de tecnologia. (Acevedo, Vzquez e Manassero, 2001, grifos nossos)

    E quanto a sua pertinncia para o momento atual do Ensino de Cincia e Tecnologia, podemos lem-brar que este tema est fortemente indicado na Base Nacional Comum Curricular, que se ensaia no cenrio educacional brasileiro, como se apresenta desde antes no cenrio internacional como infor-mam desde antes Acevedo, Vzquez e Manassero (2003a):

    Movimento CTS entendido como uma inovao educacional que est em consonncia com as mais relevantes e atuais recomendaes internacionais para proporcionar no ensino de cincias a alfabetizao cientfica e tecnolgica mais completa e til possvel para todas as pessoas (p. 101)

    Essa nossa melhor contribuio para aqueles que buscam conhecer o que seja a Abordagem CTS. Deixamos claro desde j que esta a nossa viso da Abordagem CTS, por mais que tenhamos tentado garantir que as diversas vises e escolas de pensamento estivessem aqui representadas. Consideran-do a amplitude da rea, as escolhas buscam cumprir a intencionalidade da obra, desde j apresentada.

    Fica o agradecimento aos mestrandos e doutorandos que desfilaram nas arenas do conhecimento CTS dando suas contribuies para que o trabalho pudesse ser apresentado como uma alternativa de estudo para a rea de educao e ensino CTS.

    Da mesma forma, como este um trabalho que faz convergir pesquisas e aes de nosso grupo ao longo do tempo, indispensvel o agradecimento ao CNPq Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico que viabilizou as diversas pesquisas que resultaram neste trabalho por meio dos recursos oriundos dos Editais Universais de 2007, 2010 e 2013.

    Que seja til s reflexes, produzindo novas questes e inquietaes e nunca saberes acabados.

    Alvaro Chrispino

  • CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO9

    1. CTS como campo de estudo em construo

    (...) importante que a educao tecnocientfica esteja orientada para propiciar uma formao da cidadania que a capacite para compreender, para ser manejada e para participar de um mundo no qual a cincia e a tecnologia esto, a mido, mais presentes. Sem dvida, o enfoque da Cincia, Tecnologia e Sociedade (CTS) especialmente apropriado para fomentar uma educao tecnocientfica dirigida aprendizagem da participao, trazendo um novo significado para conceitos to aceitos como alfabetizao tecnocientfica, cincia para todos ou difuso da cultura cientfica.

    Martn Gordillo e Osorio M.2003

    A concepo clssica das relaes entre a Cincia e a Tecnologia com a Sociedade uma concepo eminentemente otimista e que reflete uma postura linear de progresso, que pode ser simbolizada pela expresso encontrada no Guia da Exposio Universal de Chicago de 1933, segundo Sanmartn (1990, p. 168):

    A cincia descobre, o gnio inventa, a indstria aplica e homem se adapta, ou moldado pelas coisas novas.

    O esprito contido nesta frase mais facilmente identificado por uma equao simples: + cincia = + tecnologia = + riqueza = + bem-estar social (Bazzo, Linsingen e Pereira, 2003; Lpez Cerezo, 1997, 1998). Este o chamado modelo linear de desenvolvimento que pode ser mais resumido conforme apresentam Gonzalez Garcia1, Lpez Cerezo e Lujan Lpez (1996, p. 31) como progresso cientfico => Progresso tecnolgico => progresso econmico => progresso social. Esta concepo, segundo Sa-rewitz (1996, p. 17), foi apresentada originalmente por Vannevar Bush2 (1945, 1999):

    Os avanos na cincia, quando colocados no uso prtico significam: mais trabalho, salrios mais altos, horas mais curtas, colheita mais abundante, tempo mais livre para a recreao, para o estudo, para aprender a viver sem o trabalho fatigoso e enfraquecedor que tem sido a carga do homem comum do perodo passado. Mas, para alcanar estes objetivos... o fluxo do conhecimento cientfico novo deve ser contnuo e significativo.

    O Relatrio Bush solicitou uma liberdade plena para a pesquisa cientfica e tecnolgica que, confor-me tentou justificar seu autor, traria benefcios e vantagens, tal qual fez ao encerrar a Segunda Gran-de Guerra com um artefato tecnolgico produzido pela cincia mais avanada da poca: a bomba atmica. Por mais que a tradio tenha contemplado essa relao direta, ela no se sustenta quando buscamos algumas informaes histricas que sintetizamos de Acevedo, Vasquez e Manassero (2001):

    6 de agosto de 1945: o Enola Gay, um avio B-29, sobrevoou a ilha de Hondo, e despejou sobre a cidade de Hiroshima a Little Boy, a primeira bomba atmica de urnio. Em 9 de agosto lanada outra sobre Nagasaki, uma importante cidade situada a noroeste da ilha japonesa de Kyushu. O sucesso dos artefatos tecnolgicos pe fim a segunda guerra

    1 Neste trabalho, optou-se pela utilizao da referencia de autores espanhis pelo penltimo nome. Ento, o leitor encontrar, por exemplo, Gonzalez Garcia, Lpez Cerezo e Lujan Lpez ao invs de Garcia, Cerezo e Lpez.2 Conhea mais em http://pt.wikipedia.org/wiki/Vannevar_Bush. Como estamos em um curso que trata de cincia e de tecnolo-gia, propomos que o aprofundamento sobre alguns assuntos possa contar com a contribuio da Wikipdia, mas, desde j, lem-bramos sobre a importncia de ler com critrio considerando o processo de construo coletiva da Wikipedia.

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO10

    mundial. Menos de um ms antes, em 16 de julho, a bomba atmica de urnio havia sido testada com xito em um deserto prximo a Alamogordo, no estado norteameri-cano de Novo Mxico. Era a culminncia do Projeto Manhattan iniciado em 1942, que reuniu diversos cientistas que, trabalhando em grupos distintos, contriburam para que o conhecimento cientfico se transformasse em tecnologia. O resultado desta unio foi a vitria poltica dos Estados Unidos sobre seu inimigo e, mais tarde, demonstrou as consequncias sociais para os sobreviventes civis dos episdios nucleares. Este um dos casos que ilustra perfeitamente as complexas e dramticas relaes entre cincia, tecnologia e poder militar.

    4 de outubro de 1957. Um acontecimento surpreende todo o mundo e, em especial, os Estados Unidos: A URSS havia posto em rbita terrestre seu primeiro Sputnik, um sat-lite artificial pouco maior que uma bola de futebol. As repercusses sociais deste acon-tecimento foram enormes. Atualmente, as telecomunicaes dependem de numerosos satlites artificiais para dar manuteno a grande rede de comunicao em tempo real que envolve o planeta.

    Contemporaneamente, temos o efeito estufa, que acelera o aquecimento global do pla-neta, a diminuio das camadas polares, a chuva cida, a diminuio da camada de oz-nio, a utilizao de bombas de napalm nas guerras da Coria e Vietnam, os submarinos que utilizam energia nuclear para sua propulso, os acidentes industriais como os de Bhopal (India, 1984) e Chernobil (Ucrania, 1986), os vazamentos de navios petroleiros (Exxon Valdez, Alaska, 1989 e Jessica, Ilhas Galpagos, 2001). Por outro lado, tambm j possumos a penicilina e as vacinas, as novas tcnicas de diagnstico clnico, os trans-plantes e rgos artificiais, a eletricidade, a maior produo de gros de toda classe para alimentar uma humanidade crescente, as novas formas de comunicao, as tecnologias de informao, e muitos outros pequenos objetos tecnolgicos de uso cotidiano que trazem conforto e facilitam nossas vidas.

    Esses exemplos e outros como as consequncias do uso da talidomida ou desastre ambiental no Golfo do Mxico com a plataforma petrolfera Deepwater Horizon deixam claro que a relao di-reta apresentada pela tradio no absolutamente verdadeira. H vantagens e benefcios, mas h tambm efeitos secundrios que podem surgir a curto, mdio e longo prazos. H grupos sociais que, alm de no serem beneficiados com o resultado tecnolgico, podem sofrer perdas e restries com a disseminao do aparato tecnolgico.

    Considerando este conjunto extremo de consequncias, grupos de ativistas iniciaram manifestaes questionando e, logo depois, algumas vozes ligadas a Cincia e Tecnologia, tambm apresentavam a necessidade de se discutir os riscos que surgiam da chamada prosperidade tecnolgica.

    Dentre os nomes e feitos mais citados estavam:

    Rachel Carson3, que escreveu Silent Spring, em 1958 (Primavera Silenciosa, 1962), onde apresentava diversas questes em torno do uso de inseticidas qumicos como o DDT (Dicloro-Difenil-Tricloroetano), tido poca como grande alternativa pois era barato e eficiente contra os mosquitos da malria e do tifo. Trs semanas aps seu lanamento, o livro j havia vendido 100 mil exemplares. O problema era a capacidade do DDT de ser absorvido pelos animais e por toda a cadeia alimentar, em outras palavras, o seu efeito no cessava. O nome do livro quer insinuar que no haver pssaros na primavera pois

    3 Conhea mais em http://www.geocities.com/~esabio/cientistas/raquel_carson.htm

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO11

    todos tero morrido vtimas dos inseticidas. Esse movimento permitiu o fortalecimento dos chamados movimentos ecolgicos. Hoje o DDT um produto proibido (Cutcliffe, 2003, p .8; 1990, p. 21).

    Ralph Nader4, ativista dos direitos do consumidor, promoveu um grande movimento contra o que chamou de arrogncia da indstria automobilstica em torno da segurana e dos perigos dos modelos Corvair, fabricados pela Chevrolet entre 1960 e 1969. Escre-veu Unsafe at Any Speed: The Designed-In Dangers of the American Automobile 91965). (Cutcliffe, 2003, p. 8; 1990, p. 21).

    Vance Packard5 escreveu The Hidden Persuaders (1957) onde j defendia que a indstria da propaganda criava artificialmente as necessidades e demandas para o consumidor.

    John Kenneth Galbraith6 escreveu The Affluent Society (1958) e The New Industrial Sta-te (1967) e defendia que no Estado industrial o poder econmico havia se desprendido das necessidades dos consumidores e que uma tecnoestrutura controlava a tecnolo-gia visando o crescimento e benefcio da organizao (Cutcliffe, 1990, p. 21).

    Mario Molina7 e Frank S. Rowland8 (1974), publicam na revista Nature uma pesquisa apontando a ao dos clorofluorcarbonos (CFC), dentre outros compostos, na dimi-nuio da camada de oznio. O CFC foi sintetizado em 1928 e especialmente utilizado geladeiras e aparelhos de ar condicionado para refrigerao. O Protocolo de Montreal baniu o consumo destes gases em 2010. Molina, Rowland e Paul Crutzen dividiram o Prmio Nobel de Qumica de 1995. Em seu sitio, Molina apresenta a seguinte frase: Os cientistas podem descrever os problemas que afectam o ambiente com base nas evi-dncias disponveis, mas sua soluo no da responsabilidade dos cientistas, mas da sociedade como um todo.

    Derek J. de Solla Price9, em 1963, escreveu Little Science, Big Science, onde debatia o cresci-mento do financiamento da tecnologia por parte do Estado e que resultou na ne-cessidade de se discutir uma cincia da cincia, produzindo a Fundao para a Cincia da Cincia, em 1965, e diversas sociedades voltadas para a responsabilidade social da cincia, na Inglaterra e em outros lugares (Cutcliffe, 2003, p. 11)

    Barry Commoner10, em 1963, escreveu Science and survival, onde alerta para perda de controle sobre as consequncias sociais da cincia e da tecnologia. Para ele, os cientistas deveriam divulgar mais seus trabalhos e suas consequncias para quem ele chama de no-cientistas. Conclui que a Cincia e os cientistas so capazes de revelar o tamanho do problema, mas somente a ao social pode resolv-lo (Beck, 2010)

    Alm destes grupos sociais, que se organizaram e produziram efeitos importantes para a reflexo em torno dos riscos que envolviam as tecnologias, esse perodo da histria presenciou o surgimen-to de inmeros grupos chamados ativistas que, cada uma sua maneira, buscavam chamar ateno para os riscos a que estavam expostos os cidados. Durante a dcada de 1970, os mais significativos movimentos giravam em torno da energia nuclear e seus riscos, dos msseis balsticos, do transporte supersnico, dos CFC-Clorofluorcarbono usados em aerossis, as primeiras discusses sobre o im-pacto de pesquisas genticas, dentre outros. A dcada de 1980 presenciou uma importante discusso levantada por um sindicato de operrios que solicitava uma

    4 Conhea mais em http://pt.wikipedia.org/wiki/Ralph_Nader 5 Conhea mais em https://en.wikipedia.org/wiki/Vance_Packard 6 Conhea mais em https://pt.wikipedia.org/wiki/John_Kenneth_Galbraith 7 Conhea mais em https://es.wikipedia.org/wiki/Mario_Molina e http://centromariomolina.org/mario-molina/biografia/ 8 Conhea mais em https://en.wikipedia.org/wiki/F._Sherwood_Rowland 9 Conhea mais em http://en.wikipedia.org/wiki/Derek_J._de_Solla_Price10 Conhea mais em http://pt.wikipedia.org/wiki/Barry_Commoner

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO12

    Declarao de Direitos sobre a Nova Tecnologia que exigia algum tipo de controle sobre o processo de trabalho, refletia a problemtica laboral surgida do impacto das novas tec-nologias de automao sobre a estabilidade no trabalho, a segurana dos trabalhadores e a reduo de habilidades necessrias (Cutcliffe, 2003, p. 9).

    Sobre este surgimento e evoluo, Mitcham11 (1990, p. 15) apresenta outro ngulo de estudo. Diz que os Estudos CTS tiveram duas fontes: a primeira a formao, na dcada de 1950, do que se chamou de Science, Technology and Public Policy (STPP) e, a segunda, a crtica social e poltica cincia e tecnologia, surgidas no final da dcada de 1960. Ao analisar cada uma das fontes, escreve o autor que:

    Os programas STPP: O processo de institucionalizao da cincia mo-derna pode ser estudada a partir de trs etapas principais:

    A primeira etapa, em torno dos sculos XVII e XVIII, a cincia foi um trabalho de indivduos, geralmente oriundos da aristocracia.

    A segunda etapa de institucionalizao da cincia ocorre durante o sculo XIX quando ela profissionalizada em departamentos especficos como departa-mentos de qumica, de fsica etc, nas universidades e nos laboratrios de pes-quisa e desenvolvimento industrial. Esta institucionalizao requereu uma or-ganizao um pouco mais complexa, mas ainda em pequena escala.

    A terceira institucionalizao da cincia moderna ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial como resultado do apoio governamental e a criao de proje-tos de pesquisa e desenvolvimento de larga escala, como projeto Manhattan, que resultou na bomba atmica. Tais projetos e aes governamentais intro-duziram na atividade cientfica e tecnolgica estruturas administrativas, pro-cessos de gesto e um contingente de profissionais at ento desconhecidos destas reas. Os programas STPP foram desenvolvidos depois da guerra com o propsito de estudar a gesto em grande escala da cincia e da tecnologia. Escreve o autor que os programas STPP em universidades tecnolgicas mais importantes tais como o Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) e a Universidade Carnegie Mellon esto estreitamente relacionados as faculdades formadoras de engenheiros. A mobilizao cientfica e tecnolgica no perodo da segunda grande guerra demonstrou que a gesto da cincia e da tecnologia em suas no-vas e complexas inter-relaes com o governo e a sociedade exigia capacidades (competncias) especiais. A experincia no suficiente para que os engen-heiros aprendam a faz-lo, assim como os gestores carecem, em geral, da edu-cao e habilidade necessrias para comunicar-se efetivamente com o corpo cientfico. (p. 16). Os programas STPP surgiram no interior da comunidade de cincia e tecnologia.

    Os programas CTS: estes surgiram, na viso de Mitcham, como respostas a influn-cias externas cincia e a tecnologia. Os movimentos ecolgicos e de consumidores, preocupados com as mudanas tecnolgicas, iniciaram um movimento de aproximao da cincia e da tecnologia com a sociedade e a cultura. Nos EUA, os primeiros progra-mas CTS foram produzidos por profissionais oriundos das cincias sociais (Universida-de de Cornell) como por engenheiros preocupados com problemas sociais (Universida-des de Pennsylvania e Etenford). Escreve o autor que os primeiros tinham um carter mais crticos da cincia e da tecnologia como mtodos de conhecimento, como solues

    11 Conhea mais https://en.wikipedia.org/wiki/Carl_Mitcham

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO13

    de problemas e como processos sociais. J o segundo grupo buscava demonstrar aos alunos das chamadas humanidades como era o mundo fabricado pelo homem dando nfase a um tipo de alfabetizao tecnolgica.

    Em uma obra clssica intitulada Sceince, Technology and Society A crosssisciplinary Perspective, or-ganizada por Ina Spiegel-Rsing e Derek Solla Price (1977), encontramos a proposta de estruturao dos estudos CTS suportada por diversas reas do conhecimento (sociologia, poltica, psicologia, va-lores etc) e tambm temas contemporneos ou demarcadores de fatos sociais (guerra, militarismo, sistema e relaes internacionais, modelos etc), com um captulo inicial que se intitula The Study of Science, technology and Society (SSTS): Recent Trends and Future Challenges (Spiegel-Rosing, 1977), reafirmando a polissemia que impera na rea.

    Outros autores apontam para origem distinta do CTS em Educao. Pedretti e Nazir (2011) e Aiken-head (2005), em excelentes artigos de reviso, defendem que Jim Gallagher (1971) introduz a viso CTS quando escreve Para futuros cidados em uma sociedade democrtica, comprender a interre-lao entre cincia, tecnologia e sociedade pode ser to importante como entender os conceitos e os processos da cincia (Gallagher, 1971, p. 337). Ele seguido de uma srie de publicaes que desdo-bram a ideia, com especial ateno ao artigo de Paul Hurd (1975) intitulado Science, Technology, and Society: New Goals for Interdisciplinary Science Teaching.

    Figaredo Curiel (2013), por sua vez, informa a opinio de Jose Antonio Lopez Cerezo, em comuni-cao pessoal quando questionado sobre o inicio do uso do acrnimo CTS:

    At onde eu sei, e com independncia de utilizaes espordicas que no se ligam com a tradio acadmica principal de CTS, science, technology and society foi usado pela pri-meira vez por Rustum Roy, o fundador do STS Programa da Universidade do Estado de Pen-silvania, no final da dcada de 1960 ou principio da dcada de 1970. Eu cheguei a conhec-lo em uma visita a sua universidade. Era um engenheiro de origem hind ou paquistanesa, mas com nacionalidade americana, que se queixava de no haver tido a viso de chamar de society, technology and science o seu programa, o que segundo ele (no princpio da dcada de 1990, quando o conheci) refletia melhor a realidade das coisas. (traduo livre do autor)

    A nosso ver, como trataremos no prximo captulo, o surgimento da idia CTS de difcil identidade, visto que, de acordo com a percepo do leitor, pode ser percebido por analogia em vrias correntes de pensamento, na filosofia, na sociologia, na poltica etc. Como necessitamos iniciar os estudos em algum ponto, vamos arbitrar, com devida justificativa, que as ideias CTS podem iniciar com Robert Merton e Jonh Bernal, especialmente, conforme detalharemos em item prprio deste trabalho.

    H, certamente, uma grande semelhana das ideias CTS com as questes que marcam o mundo mo-derno. Foram estas antecipaes que permitiram que o tema impacto da cincia e tecnologia sobre a sociedade fosse ocupando espaos importantes no debate social e poltico, fosse ganhando espao nas mdias e fazendo com que os cidados participassem um pouco mais sobre o conjunto de pol-ticas pblicas de Cincia e Tecnologia. Isto , passassem a influenciar mais sobre os recursos pbli-cos dirigidos para estes setores, sobre as escolhas de prioridades a serem financiadas com recursos pblicos, sobre as anlises de impactos destes aparatos sobre as pessoas, sobre a sociedade e sobre o meio ambiente.

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO14

    O crescimento do movimento CTS foi de tal ordem que levou os governos e os organismos multila-terais a abrirem espaos nas agendas polticas para eventos/documentos internacionais que acolhes-sem estas preocupaes e a criao de associaes voltadas para esta temtica.

    Dentre os eventos/documentos, podemos enumerar: Nosso Futuro em Comum, que discutia padres para o desenvolvimento sustentvel, e que foi organizado pela Comisso Mundial para o Meio Am-biente e Desenvolvimento e, tambm, a Rio-92. Dentre as comisses surgidas para atender a esta demanda, podemos citar como exemplos:

    Em 1966, a Associao Nacional de Segurana Viria (EUA) Em 1969, a Agncia de Proteo do Meio Ambiente (EUA) Em 1970, a Administrao de Segurana e Sade do Trabalho (EUA) Em 1972, a Oficina de Avaliao da Tecnologia (EUA) Em 1975, a Comisso de Energia Nuclear (EUA) Em 1982, o Conselho de Investigaes Sociais da Dinamarca criou uma Subcomisso de

    Tecnologia e Sociedade e, depois, o Conselho de Tecnologia. Em 1976, o Centro para a Vida laboral, em Estocolmo, Sucia.

    A comunidade cientfica tambm apresentou suas preocupaes por meio de organizaes dirigi-das s questes derivadas das relaes CTS e os impactos da cincia e da tecnologia para a pessoa, a sociedade e o meio ambiente. So inmeras as organizaes ou grupos profissionais que criaram instituies voltadas para este campo de estudo. Segundo Clutcliffe (2003), ressalta-se:

    A Fundao Nacional de Cincias dos Estados Unidos criou o Programa de tica e Va-lores em Cincia e Tecnologia, depois Programa de Dimenses sociais da Engenharia, da Cincia e da tecnologia;

    A Fundao Nacional de Humanidades criou o Programa de Cincia, Tecnologia e Va-lores, agora Humanidades, Cincia e Tecnologia;

    A Associao Americana para o Avano da Cincia criou o Programa de Cincias e Pol-ticas de Atuao e a Comisso para as Liberdades e Responsabilidades Cientficas;

    Os engenheiros e cientistas criaram a Unio dos Cientistas Comprometidos (1969), ins-pirando-se na Federao dos Cientistas Americanos (1945), surgida das preocupaes com as implicaes do projeto Manhattan, que resultou na Bomba Atmica;

    Os cientistas e tecnlogos criaram, mais recentemente (1983), a Organizao para a Responsabilidade Social dos Informticos, dedicada a examinar as implicaes sociais relacionadas com a informtica em mbito militar, nos locais de trabalho etc.

    A preocupao social, por meios organizados, com os impactos econmicos, sociais, ambientais, po-lticos, ticos e culturais da Cincia e Tecnologia e a busca de maior participao da Sociedade nas decises envolvendo Cincia e Tecnologia so as marcas do que definiremos como Movimento CTS. Certamente, esta definio e a trajetria histrica que culmina numa definio resultado da for-mao do autor ou da viso do analista. A trade CTS envolve trs grandes reas com histrias e fun-damentos distintos e, quando analisados por profissionais de diferentes reas e formaes, oferecem outras tantas vises e ngulos, todos pertinentes e merecedores de nossa ateno. Deixamos claro e explcito que a viso de CTS que apresentamos aqui construda a partir dos aspectos educacionais de CTS. Se encaramos o processo educacional como aquele que oferece condies de transformao, no podemos desconsiderar os aspectos fundantes possveis e que oferecem vises e fundamentos distintos e inter-complementares que so os aspectos sociais, histricos, polticos, axiolgicos e os aspectos econmicos de CTS.

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO15

    Mas, se por um lado, a histria registrou um grande nmero de aes organizadas por segmentos sociais preocupadas com os impactos da Cincia e da Tecnologia, por outro, tambm podemos e de-vemos enumerar os acontecimentos que transformaram essa relao tridica em Campo de Estudos CTS, que se caracteriza pelos estudos acadmicos que buscam explicar a Natureza da Cincia, da Tecnologia e da Sociedade e como o entendimento diferente sobre estes campos do saber resulta em relaes estreitas entre estes trs campos. Fica claro para os estudiosos que marcam o Campo CTS filsofos da cincia e da tecnologia, historiadores da cincia e da tecnologia, socilogos da cincia e da tecnologia, educadores em CTS, cientistas polticos etc que no h um nico, exclusivo e corre-to conceito para Cincia, assim como no o h para Tecnologia e muito menos para Sociedade. H, sim, muitas maneiras de interpretar cada um desses campos/conceitos e, por consequncia, interfe-rir na maneira com os trs se relacionam. Sobre isso, escrevem Vzquez et al (2008, p. 34):

    O conceito de Natureza da Cincia engloba uma variedade de aspectos sobre o que a cin-cia, seu funcionamento interno e externo, como constri e desenvolve o conhecimento que produz, os mtodos que usa para validar esse conhecimento, os valores envolvidos nas ati-vidades cientficas, a natureza da comunidade cientfica, os vnculos com a tecnologia, as relaes da sociedade com o sistema tecnocientfico e vice-versa, as contribuies desta para a cultura e o progresso da sociedade.

    Sobre a mesma temtica, Adriz-Bravo (2016) buscar diferenciar Natureza da Cincia e CTS para, depois, tentar uma convergncia ou mesmo intercomplementaridade entre eles. Escreve ele:

    Para esta discusso, entendo o enfoque cincia-tecnologia-sociedade (CTS) como uma co-rrente de pensamento com incidncia no campo da educao cientfica que aborda o ensino das cincias desde os pontos de vista poltico, econmico, social, histrico, tecnolgico etc. (Lacolla, 2004). Entendo por natureza da cincia (NOS) uma rea curricular emergente que agrupa um conjunto de contedos metatericos (transpostos da filosofa, histria e socio-loga da cincia, principalmente) considerados valiosos para a educao cientfica (Adriz-Bravo, 2005).[...]A luz do proposto, parece possvel postular uma complementariedade entre NOS e CTS: ambas poderiam potencializar-se mutuamente para gerar mudanas articuladas no saber e no saber fazer dos professores de cincias. A partir desta premissa, estou propondo que o enfoque CTS ajudaria aos professores a encontrar umas maneiras de fazer que deixem de lado rotinas e incorporem alternativas didticas que construam em classe uma imagem de cincia mais ajustada a produo NOS.

    Na verdade, alguns autores no fazem diferena entre os termos Movimento CTS e Estudos CTS, utilizando as duas expresses indistintamente. A nosso ver, as expresses querem representar movi-mentos diferentes: o Movimento CTS representa melhor as consequncias sociais e aes da socie-dade em torno dos temas Cincia e Tecnologia e a expresso Estudos CTS identifica um campo de estudo que busca melhor entender as relaes que compem a trade CTS, o que pode dar ideia de antecedncia. Vacarezza (2002, p. 67) escrever que

    Reservamos o conceito de campo s funes estritamente cognitivas que levam a cabo os distintos cultores da reflexo sobre as relaes entre cincia, tecnologia e o social. O concei-to de movimento faz referncia conformao de um sujeito poltico (ou a um conjunto mais ou menos integrado ou contraditrio de sujeitos polticos) que pretende intervir em situaes de poder social global sobre a base de reivindicaes ou objetivos de mudanas especficas (sejam setoriais ou globais).

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO16

    H, entre os estudiosos da Abordagem CTS, uma outra importante distino entre a tradio ame-ricana (numa viso meramente didtica preocupada com as consequncias) e a tradio europeia (numa viso meramente didtica preocupada com a antecedncia). Assim escrevem Cachapuz et al (2008, p. 29) sobre as distintas facetas da perspectiva CTS:

    a norte-americana, que coloca maior nfase na abordagem das consequncias sociais das inovaes tecnolgicas e nas influncias sobre a forma de vida dos cidados e das insti-tuies e a europia que coloca a nfase na dimenso social antecedente aos desenvolvi-mentos cientficos e tecnolgicos, evidenciando a diversidade de fatores econmicos, pol-ticos e culturais que participam na gnese e aceitao das teorias cientficas. Contudo, para alm destas facetas apontadas no poderem ser disjuntas, o que muitos autores tm vindo a sobrepor a importncia social do conhecimento proporcionado pela cincia e tecnologia que, ao mesmo tempo que proporciona melhor compreenso do mundo natural, representa um instrumento essencial para o transformar.

    Parece haver uma concordncia sobre aspectos de antecedncia e consequncia de CTS entre os au-tores citados Cachapuz et al. (2008), Vacarezza (2002) e Mitcham (1990). Fazem essa categorizao Gonzlez Garca, Lpez Cerezo e Lujn Lpez (1996).

    Autores como Vaccarezza (2002), Dagnino, Thomas e Davyt (2003) e Kreimer e Thomas (2004), especialmente, defendem a existncia de um Pensamento Latinoamericano de CTS (PLACTS), ba-seados no cenrio sociopoltico existente nas dcadas de 60 e 70 em vrios pases da America Latina, chegando a listar os especialistas que, poca, defendiam ideias que se assemelham s ideias dos Enfoques CTS hoje. Segundo eles, os principais so: Oscar Varsavsky (2010), Jorge Sbato (2004), Francisco R. Sagasti (1986), Amilcar Herrera (1973), Miguel Wionseck, Mximo Halty-Carrre, Os-valdo Sunkel, Marcel Roche, Jos Leite Lopes, entre outros.

    Este tema mereceu de ns maiores pesquisas a fim de conhecer mais esta interessante hiptese de trabalho. Em recente pesquisa, Silva (2015), pesquisando o CTS Latino Americano em obras prim-rias, encontrou

    127 autores relacionados com os temas de estudo do CTS latino-americano, e [identificou] suas nacionalidades. Destes 127 autores, 94 foram enquadrados na categoria autores-funda-dores, 21 na categoria autores-discpulos e 12 no puderam ser relacionados a nenhuma das duas categorias por falta de maiores informaes disponveis sobre eles (p. 53)

    Ao final, conclui que:

    Aps o trmino da pesquisa e da anlise dos resultados, acreditamos que podemos respon-der pergunta de partida deste trabalho. Sobre se existiu uma tradio latino-americana de CTS nas dcadas de 60 e 70, concluimos que a partir da anlise feita pode-se afirmar que sim, alm das tradies americana e europia, existiu uma tradio CTS latino americana. Porm, diferentemente das outras duas tradies, esta no formou escola, suas teorias e pesquisas tiveram uma interrupo devido ao contexto poltico local, caracterizado por re-gimes autoritrios e ditatoriais.Ao pesquisar os autores-fundadores da tradio CTS latino-americana, percebeu-se que estes so intelectuais, no necessariamente acadmicos, provenientes de diversas reas de formao, fazendo com que a tradio tenha uma caracterstica interdisciplinar, dialgica e construda atravs das diferentes proposies e pontos de vista dos autores sobre a questo do subdesenvolvimento latino-americano.

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    Por mais pertinentes que sejam as anlises feitas pelos autores-fundadores do CTS latino-americano quanto as interrelaes de fatores polticos e econmicos com o desenvolvimen-to da cincia e da tecnologia, conclui-se neste trabalho que estes temas so pouco abordados no contexto de ensino CTS. Ao correlacionar o referencial bibliogrfico de artigos recentes publicados na rea de ensino CTS no Brasil, foram poucas as citaes a autores-fundadores do CTS latino-americano e suas obras. Em sua maioria, as obras originais foram citadas por pessoas que j estudavam o tema nos dias de hoje, se destacando entre todos o autor Renato Dagnino, um dos autores-discpulos da tradio CTS latino-americana. Foi possvel cons-tatar um hiato entre o que foi produzido pelos autores-fundadores nas dcadas de 60 e 70 com o que se produz sobre CTS hoje, mostrando que no parece haver uma apropriao por parte dos autores de artigos na rea de ensino CTS dos questionamentos e consideraes desenvolvidas pelos autores relacionados tradio latino-americana de CTS (p. 127-128).

    Em recente publicao, Roso e Auler (2016) resgatam as ideias do PLACTS e suas contribuies (ou no) para as praticas educativas do movimento CTS.

    A histria da relao CTS teve, como primeira caracterstica, uma reao quela viso acrtica e neu-tra que se deu Cincia e Tecnologia ao longo do tempo. Com o amadurecimento dos estudos CTS, este se transformou efetivamente numa rea inter/transdisciplinar que atraia estudantes e pro-fissionais da rea das chamadas cincias exatas e da natureza, mas que tambm recrutou alunos e pesquisadores das chamadas cincias humanas e sociais. Essa uma importante oportunidade de aproximar duas culturas, a chamada humanstica e a dita cientfico-tecnolgica que foram separadas em algum momento da histria, como prope Snow (1995) em sua obra clssica As duas culturas.

    O segundo momento dos Estudos CTS foi marcado pela superao do processo reativo, criando aes planejadas e mecanismos de multiplicao das ideias defendidas e organizadas at ento. O segundo momento marcado pelo surgimento de cursos e programas de estudos CTS voltados, principalmen-te, para a alfabetizao sobre tecnologia, o que transcende a alfabetizao em tecnologia e que no deve permitir a viso ingnua de achar que se nos entendesse melhor (a tecnologia), nos quereria mais (Cutcliffe, 2003, p. 16).

    De acordo com Cutcliffe (2003, p. 18), atualmente CTS concebe a Cincia e a Tecnologia como proje-tos complexos que ocorrem em contextos histricos e culturais especficos. Escreve ele:

    Podemos dizer que, em resumo, pode dizer-se que o campo de CTS deixou para tras qualquer tendncia inicial que pudesse ser relacionado com alguns grupos e que implicasse em uma viso simplista em branco e negro da cincia e da tecnologia na sociedade, buscando alcanar uma compreenso mais complexa da relao de CTS. Na atualidade, CTS concebe a cincia e a tecnologia como projetos complexos que se do em contextos histricos e culturais especfi-cos. O que tem surgido um consenso com respeito a que, se bem a cincia e a tecnologia nos trazem diversos benefcios, tambm provocam certos impactos negativos, alguns dos quais imprevisveis, mas todos refletem os valores, pontos de vistas e vises daqueles que esto em situao de tomar deciso com respeito aos conhecimentos cientficos e tecnolgicos dentro de seus mbitos. A misso central do campo CTS at a data de hoje tem sido a de expressar a interpretao da cincia e da tecnologia como um processo social. Deste ponto de vista, a cincia e a tecnologia so vistos como projetos complexos em que os valores culturais, polti-cos e econmicos nos ajudam a configurar os processos tecnocientficos, os quais, por sua vez, afetam os valores mesmos e a sociedade que os mantm. (p. 18) grifos nossos

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO18

    O mesmo autor, Cutcliffe (2003), concluindo os acontecimentos sociais nas dcadas de 1960 e 70, escreve que CTS um campo de estudo ativista, interdisciplinar e orientado a problemas que tratava de entender e responder as complexidades da cincia moderna e da tecnologia na sociedade contem-pornea (p. 25).

    Para Aibar e Quintanilla (2012), os estudos CTS podem ser estudados em dois aspectos bsicos:

    Por um lado, exploram os impactos ou efeitos da cincia e da tecnologia na estrutura social, na indstria e a economia, na poltica, no meio ambiente, no pensamento e, em geral, na cultura. Por outro, de forma paralela, os estudos CTS tentam determinar em que medida e de que forma diferentes fatores (valores de diferentes ordens, foras econmicas e polticas, culturas profissionais ou empresariais, grupos de presso, movimentos sociais, etc.) confi-guram ou influenciam no desenvolvimento cientfico e tecnolgico. (p. 12)

    Para Zani et al (2013, p. 63):

    A necessidade do cidado de conhecer os direitos e obrigaes de cada um, de pensar por si prprio e ter uma viso crtica da sociedade onde vive e especialmente a disposio de transformar a realidade para melhor so alguns dos lemas do movimento CTS (Cincia, Tecnologia e Sociedade).

    Zaiuth e Hayashi (2011, p. 279) veem o Movimento CTS como apelo para a responsabilidade social dos cientistas, os quais devem se comprometer com padres ticos, tanto na sua prpria formao e tambm nos que esto na primeira linha da educao para cidadania, os professores.

    Para Mello e Guazzelli (2011, p. 25),

    [...] o movimento CTS tem como objetivo maior apresentar um ensino de cincias voltado formao cientfica e tecnolgica, oferecida a todos os cidados, indistintamente, para que eles sejam capazes de tomar decises responsveis, com base na cincia e tecnologia, levan-do em considerao, no mesmo patamar, a sociedade, o ambiente e as dimenses afetivas, atitudinais, ticas e culturais.

    No que concerne a Abordagem CTS com nfase na Educao e no currculo, Acevedo, Vzquez e Manasero (2001) informam que no momento atual

    emerge a educao CTS (Cincia, tecnologia e Sociedade) como inovao do currculo es-colar (Acevedo, 1996a, 1997a, Vzquez, 1999), de carter geral, que proporciona propostas de alfabetizao em cincia e tecnologia (Science and Technology Literacy, STL) para todas as pessoas (Science and Technology for All, STA) uma determinada viso centrada na for-mao de atitudes, valores e normas de comportamento a respeito da interveno da cincia e da tecnologia na sociedade (e vice-versa) com o fim de exercer responsavelmente como cidados e poder tomar decises racionais e democrticas na sociedade civil12. Desde este ponto de vista, CTS uma opo educativa transversal (Acevedo, 1996b), que prioriza so-bretudo os contedos atitudinais (cognitivos, afetivos e valorativos) e axiolgicos (valores e normas)Desde a perspectiva da dimenso cognitiva atitudinal, a educao CTS pretende tambm uma melhor compreenso da cincia e da tecnologia em seu contexto social, incidindo nas

    12 Neste ponto, os autores acrescentam a seguinte nota no original: La posicin de los autores respecto al papel que debe tener el movimiento CTS en la alfabetizacin cientfica y tecnolgica para todas las personas ha sido expuesta numerosas veces; recien-temente se muestra con rotundidad en Acevedo, Manassero y Vzquez (2002a, b). Por su inters, vase tambin el punto de vista sostenido por Solbes, Vilches y Gil (2002b).

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO19

    interrelaes entre os desenvolvimentos cientfico e tecnolgico e os processos sociais. As-sim, os estudantes devero adquirir durante sua escolarizao algumas capacidades para ajud-los a interpretar, pelo menos de forma geral, questes controvertidas re-lacionadas com os impactos sociais da cincia e da tecnologia e com a qualidade das condies de vida de uma sociedade cada vez mais impregnada de cincia e, sobretudo, de tecnologia. (grifos nossos)

    Para Acevedo, Vzquez e Manassero (2003a, p. 101):

    Movimento CTS entendido como uma inovao educacional que est em consonncia com as mais relevantes e atuais recomendaes internacionais para proporcionar no ensino de cincias a alfabetizao cientfica e tecnolgica mais completa e til possvel para todas as pessoas.

    Auler (2007) apresentar as seguintes reflexes:

    Quanto aos objetivos da educao CTS, sintetizados na referida pesquisa, pode-se destacar: promover o interesse dos estudantes em relacionar a cincia com aspectos tecnolgicos e sociais, discutir as implicaes sociais e ticas relacionadas ao uso da cincia-tecnologia (CT), adquirir uma compreenso da natureza da cincia e do trabalho cientfico, formar cidados cientfica e tecnologicamente alfabetizados capazes de tomar decises informadas e desenvolver o pensamento crtico e a independncia intelectual (sem indicao de pgina)

    Ainda sobre os aspectos educacionais e curriculares podemos elencar as posies de Santos e Morti-mer (2002), Amaral, Xavier e Maciel (2009) e Santos, Amaral e Maciel (2012).

    Santos e Mortimer (2002, p. 3) escrevem que

    Roberts (1991) refere-se s nfases curriculares Cincia no contexto social e CTS como aquelas que tratam das inter-relaes entre explicao cientfica, planejamento tecnolgico e soluo de problemas, e tomada de deciso sobre temas prticos de importncia social. Tais currculos apresentam uma concepo de: (i) cincia como atividade humana que ten-ta controlar o ambiente e a ns mesmos, e que intimamente relacionada tecnologia e s questes sociais; (ii) sociedade que busca desenvolver, no pblico em geral e tambm nos cientistas, uma viso operacional sofisticada de como so tomadas decises sobre proble-mas sociais relacionados cincia e tecnologia; (iii) aluno como algum que seja preparado para tomar decises inteligentes e que com-preenda a base cientfica da tecnologia e a base prtica das decises; e (iv) professor como aquele que desenvolve o conhecimento de e o comprometi-mento com as inter-relaes complexas entre cincia, tecnologia e decises.

    Amaral, Xavier e Maciel (2009, p. 102), por sua vez, esclarecem:

    Para uma eficaz associao dos termos Cincia/Tecnologia/Sociedade numa relao tridi-ca, requer-se trabalhar a cincia como atividade humana, historicamente contextualizada, indicando os cenrios socioeconmico e cultural onde as descobertas cientficas foram ou esto sendo realizadas, bem como, a apresentao das suas inter-relaes com a tecnologia e a sociedade.

    Santos, Amaral e Maciel (2012, p. 229) informam que

    A proposta curricular envolvendo as relaes CTS corresponde, assim, a uma integrao entre educao cientfica, tecnolgica e social, em que os contedos cientficos e tecnolgi-

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO20

    cos so estudados juntamente com a discusso de seus aspectos histricos, ticos, polticos e scio-econmicos.

    Segundo Osorio M. (s/d), CTS corresponde a um nome que se d a uma linha de trabalho acadmico e investigativo, que tem por objeto perguntar-se pela natureza social do conhecimento cientfico-tecnolgico e suas incidncias nos diferentes mbitos econmicos, sociais, ambientais e culturais das sociedades.

    Ainda segundo Osorio M. (s/d), e tambm Lpez Cerezo (2009), os estudos CTS esto dirigidos prin-cipalmente:

    No plano da investigao, promovendo uma viso socialmente con-textualizada da Cincia e da Tecnologia;

    No mbito das polticas pblicas de Cincia e Tecnologia, defendendo a participao pblica na tomada de deciso em questes de poltica e de gesto cientfico-tecnolgica e

    No plano educativo, tanto o ensino mdio quanto o ensino superior, contribuindo com uma nova e mais ampla percepo da Cincia e da Tecnologia com o propsito de for-mar um cidado alfabetizado cientfica e tecnologicamente.

    Para Firme e Amaral (2011, p. 384):

    Na perspectiva CTS para o Ensino de Cincias, reconhecida a necessria articulao dos conhecimentos cientficos e tecnolgicos com o contexto social, tendo como objetivo pre-parar cidados capacitados para julgar e avaliar as possibilidades, limitaes e implicaes do desenvolvimento cientfico e tecnolgico.

    Para Mackenzie (2008), cincia, tecnologia e sociedade (CTS) um nome genrico para uma co-leo de estudos das cincias sociais e humanas que examinam os contextos e contedos da cincia e da tecnologia (p. 163), realando que, por conta dessa diversidade, no desenvolvimento de seu trabalho, no cabe dizer que utilizado o enfoque CTS mas sim um enfoque CTS, dai nossa proposta de grafar enfoques CTS ou abordagens CTS, no plural.

    A funo de alfabetizao cientfica e tecnolgica como propsito da educao CTS est muita clara para diversos autores. Para Miembiela (2001), citando vrios autores o propsito da educao CTS, apesar de haver muito debate e pouco consenso,

    promover a alfabetizao em cincia e tecnologia, de maneira que se capacite os cidados para participarem no processo democrtico de tomada de deciso e se promova a ao ci-dad encaminhada a resoluo de problemas relacionadas com a cincia e a tecnologia em nossa sociedade (p. 91).

    A mesma ideia defendida por Waks (1990, p. 43) quando escreve que

    o propsito da educao CTS promover a alfabetizao em cincia e tecnologia, de ma-neira que se capacite os cidados para participar da tomada de deciso e se promova a ao cidad encaminhada a resoluo de problemas relacionados com a cincia e a tecnologia na sociedade industrial.

    Fourez (1997), ao relacionar Alfabetizao Cientfica e Tecnolgica (ACT) com CTS, faz interessante distino entre ambos. Escreve que

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO21

    Em certos meios se fala menos de ACT que de movimento Cincia, Tecnologia e Socieda-de (CTS). s vezes a realidade designada a mesma, mas a escolha das palavras aporta diferenas. CTS traz conscincia um problema que no era considerado como tal h meio sculo: os vnculos entre os polos em que se apoia. Enquanto que falar de uma ACT (como da promoo de uma cultura cientfica e tecnolgica) no questiona o lugar das cincias e das tecnologias na sociedade, o movimento CTS o faz, pelo menos implicitamente (p. 18). (grifos nossos)

    Bazzo, Lisingen e Pereira (2003, p. 125) escreveram:

    Os estudos CTS definem hoje um campo de trabalho recente e heterogneo, ainda que bem consolidado, de carter crtico a respeito da tradicional imagem essencialista da cincia e da tecnologia, e de carter interdisciplinar por convergirem nele disciplinas como a filosofia e a histria da cincia e da tecnologia, a sociologia do conhecimento cientfico, a teoria da educao e a economia da mudana tcnica. Os estudos CTS buscam compreender a di-menso social da cincia e da tecnologia, tanto desde o ponto de vista dos seus antecedentes sociais como de suas consequncias sociais e ambientais, ou seja, tanto no que diz respeito aos fatores de natureza social, poltica ou econmica que modulam a mudana cientfico-tecnolgica, como pelo que concerne s repercusses ticas, ambientais ou culturais dessa mudana.O aspecto mais inovador deste novo enfoque se encontra na caracterizao social dos fato-res responsveis pela mudana cientfica. Prope-se em geral entender a cincia-tecnologia no como um processo ou atividade autnoma que segue uma lgica interna de desenvolvi-mento em seu funcionamento timo (resultante da aplicao de um mtodo cognitivo e um cdigo de conduta), mas sim como um processo ou produto inerentemente social onde os elementos no-epistmicos ou tcnicos (por exemplo: valores morais, convices religio-sas, interesses profissionais, presses econmicas, etc.) desempenham um papel decisivo na gnese e na consolidao das ideias cientficas e dos artefatos tecnolgicos.

    Como os movimentos educacionais so motivados por interesses de grupo, por relaes de poder dos mais diversos, no surpresa que o chamado Movimento CTS (em suas mais diversas manifestaes) sofra oscilaes na sua aceitao e produo nas reas em que se manifesta como atividade de pes-quisa e ensino. Santos (2011) chega a referir-se como movimento declinante. Sustenta sua percepo a partir do fato de que as publicaes com ttulos CTS esta diminuindo nos ltimos anos. A nosso ver, mesmo que o rtulo CTS esteja sendo menos aplicado aos produtos de ensino e pesquisa, sua essncia anterior ao acrstico CTS e posterior a ele. CTS como movimento de construo social da Cincia e da Tecnologia e como rea de estudos sobre impactos da Cincia e da Tecnologia na Socie-dade se mantm ativo e produtivo. Outros slogans esto ocupando os espaos do ensino de cincia e tecnologia, como sempre ocorreu com os modismos que imperam temporariamente, mas a ideia se mantm e deve tornar-se mais madura entre grupos que passada a febre percebem nas dinmicas internas da rea CTS ferramentas de contribuio para a formao de cidados mais bem preparados para a participao social. Parece ficar claro que este no um campo de convergncia fcil ou simples. Por isso, certamente, John Ziman (1980) tido por alguns como o responsvel pela criao e divulgao da trade CTS no meio educacional atravs de seu trabalho Teaching and Learning about Science and Society diz que CTS um campo de estudos que responde por diversos outros nomes como, por exemplo:

    Estudos Sociais da Cincia, Cincia da Cincia, Cincia e Sociedade, Responsabilidade So-

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO22

    cial na Cincia, Teoria da Cincia, Estudos de Polticas de Cincias, Cincia num Contexto Social; Estudos Liberais em Cincias, Relaes Sociais de Cincia e Tecnologia, Histria/Filosofia/Sociologia da Cincia/Tecnologia/Conhecimento (p. 01).

    Para ns, a viso sobre CTS diverge de acordo com o objetivo ou local (origem) visto que a definio e a trajetria histrica que culmina numa definio resultado da formao do autor ou da viso do analista.

    Em sntese, temos que as relaes CTS buscam oferecer aos cidados ferramentas para melhor en-tenderem como os conhecimentos cientficos e os conhecimentos, artefatos e sistemas tecnolgicos impactam a sociedade de modo geral e os grupos sociais, em especial. No sentido inverso, busca-se que os especialistas em Cincia e em Tecnologia percebam que a interlocuo com os cidados indispensvel e necessria, permitindo que se acolha maior participao social nos processos de de-ciso social envolvendo temas e aspectos que povoam o universo da Cincia e da Tecnologia.

    Uma boa imagem das relaes CTS

    As relaes entre a cincia, a tecnologia e a sociedade tm um carter muito mais com-plexo e dinmico (...). mais do que as ligaes de uma corrente ou as linhas que so tranadas dar forma a um tecido acabado e definitivo, as relaes entre a Cincia, Tecno-logia e a Sociedade podem ser vistas como um processo da construo e de reconstruo recproco e dinmico. Talvez a imagem das redes de estrada, dos veculos que viajam por elas e das pessoas que lhes conduzem ou que viajam neles seria uma metfora mais adequada para compreender aquelas relaes. A extensa rede de estradas que tem e que se ramifica na superfcie do territrio vai tornando acessveis novos lugares de uma ma-neira similar maneira em que o desenvolvimento dos diversos campos cientficos vai permitindo conhecer novos mbitos da realidade. Mas, apesar disso, o prprio desen-volvimento das redes de comunicao vai dando forma ao territrio, em um processo construtivo no muito distante do que caracteriza as relaes entre os campos do con-hecimento e as realidades tratadas por eles. De outra forma, no possvel compreender a construo das rotas no territrio, sem considerar o tipo de veculos que vai passar por eles. Estes, alm dos artefatos tecnolgicos, so uma boa metfora da prpria tecnologia ao mostrar que suas relaes com cincia so assim estreitas e interdependentes, como aquelas dos carros com as estradas, das estradas de ferro com as rotas e dos automveis com as estradas. De fato, a histria da Cincia e da Tecnologia, assim como das rotas do transporte e dos aparatos tecnolgicos que por eles viajam, a historia das interaes contnuas e de transformaes mtuas. Mas o interesse principal dessa imagem est no papel que atribui aos assuntos, aos condutores e passageiros, e sociedade. Nenhum sentido tenderia imaginar caminhes e veculos sem as pessoas que os utilizam. As es-tradas e os automveis permitem que os povos sejam transportados e vivam em lugares diferentes, mas tambm certo que so as disposies das estradas e o uso dos autom-veis os que, por sua vez, vo determinando os hbitos, os territrios e as cenas em que est passando a vida humana.

    Martn Gordillo, Mariano y Osorio M., Carlos. Educar para participar en ciencia y tec-nologa. Un proyecto para la difusin de la cultura cientfica. http://www.rieoei.org/rie32a08.pdf (Traduo livre)

    Atividade Proposta para reflexo

    Recentemente, o STF-Supremo Tribunal Federal organizou uma Audincia Pblica em torno do tema da Ao Direta de Inconstitucionalidade da Lei de Biossegurana. Com essa ao, o STF buscou ouvir os diferentes setores da sociedade organizada sobre o tema. Aps isso, encaminhar a deciso sobre a possibilidade de utilizao de clulas embrionrias humanas em pesquisas cientficas. Em entrevista a Revista VEJA (n. 2059, de 07/maio/2008, p. 11-15), o socilogo Simon Schwartzman diz

    Eu nunca vi um estudo srio e competente sobre transposio do Rio So Francisco.

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    CTS COMO CAMPO DE ESTUDO EM CONSTRUO23

    1. Pesquise como o STF organizou a audincia pblica sobre clulas embrionrias. Identifique as instituies convidadas para o debate e suas posies. Faa um esquema geral das posies, clas-sificando-as como contra ou favorvel e o argumento utilizado.

    2. Proponha um esquema semelhante para o debate tecnocientfico e social sobre o tema Trans-posio do Rio So Francisco. Imagine que voc seja chamado a organizar um grande debate e depois ter que decidir se a transposio do Rio So Francisco deve ou no ser efetivada.

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    SOBRE A CINCIA, MAS NO O QUE A CINCIA!25

    2. Sobre a Cincia, mas no o que a Cincia!

    A frase de Eric Hobsbawm13 considerado o maior historiador de nosso sculo expressa a dificul-dade de tratar este tema: a Cincia. Ele aponta a importncia da Cincia para o sculo XX e, para-doxalmente, a dificuldade de se lidar com ela. Estamos efetivamente envolvidos e impactado pelo resultado da Cincia e nos sentimos desconfortveis com o desconhecimento sobre ela. Formamos, como cidados, opinies sobre a produo cientfica e tecnolgica, sobre os especialistas, sobre os impactos e, certamente, sabemos muito pouco sobre este campo do conhecimento. Este conhecimen-to, alis, j considerado fator estratgico para o desenvolvimento dos pases.

    Alm disso, os impactos da cincia e da tecnologia na sociedade deixam de ser pontuais para serem amplos e genricos, solicitando dos cidados uma nova maneira de lidar com esses conhecimentos. Como afirma Casassus (2007):

    Se antigamente a cincia e a tecnologia eram importantes somente para as pessoas que diri-giam para as carreiras cientficas, hoje isto mudou, pois, as tecnologias com base matemti-ca moldam nossa existncia (p. 79)

    Alguns problemas se apresentam na preparao deste texto-debate: a extenso dos assuntos que compe o tema e a exiguidade de tempo e espao. Isso nos obriga a fazer escolhas e traar um camin-ho possvel onde as discusses sobre Cincia se tornam instrumentais para o melhor entendimento das relaes CTS.

    Alan Chalmers (1993), em sua obra intitulada O que cincia afinal? Busca analisar a evoluo da ideia recente sobre cincia e mtodo cientfico, apresentando crticas e argumentos importantes a fim de contrapor-se a ideia herdada de cincia desde Karl Popper e Imre Lakatos. Faz uma simples mas rica trajetria pedaggica para, ao final, concluir sobre a dificuldade que tratar desta pergunta O que cincia?. Escreve ele: Poder-se-ia dizer que o livro procede de acordo com um velho pro-vrbio: Ns comeamos confusos, e terminamos confusos num nvel mais elevado . (p. 21).

    13 Conhea mais em http://pt.wikipedia.org/wiki/Eric_Hobsbawm

    Nenhum perodo da histria foi mais penetrado pelas cincias naturais nem mais dependente delas do que o sculo XX. Contudo, nenhum perodo, desde a retratao de Galileu, se sentiu menos vontade com elas. Este o paradoxo que tem que enfrentar o historiador do sculo.

    Eric Hobsbawmin A Era dos Extremos O breve sculo XX

    A falta do interesse, e mesmo a rejeio para o estudo das cincias, associado falha escolar de uma porcentagem elevada dos estudantes, constituem um problema de especial gravidade, tanto na regio ibero-americana como nos pases desenvolvidos. Um problema que merece uma ateno prioritria porque, como foram indicadas na Conferncia Mundial sobre a Cincia para o Sculo XXI, organizada pela UNESCO, e pelo Conselho Internacional para a Cincia, para que um pas esteja em condies de atender as necessidades fundamentais de sua populao, o ensino das cincias e da tecnologia um imperativo estratgico.

    Declarao de Budapeste, 1999.

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    SOBRE A CINCIA, MAS NO O QUE A CINCIA!26

    Len Oliv (2000), em sua obra intitulada El bien, el mal y la razn, inicia seus trabalhos com a mes-ma questo que enfrentamos agora: O que cincia?. O autor busca responder provocao de duas maneiras: a primeira seria responder por meio das ideias fundamentais e mtodos prprios da cin-cia. Parafraseando Courant e Robbins que enfrentaram o mesmo problema quando buscavam res-ponder o que a matemtica? lembra da expresso usada por eles: Tanto para entendidos como para profanos no a filosofia, e sim unicamente a experincia ativa em matemtica, a que pode res-ponder a pergunta que a matemtica?. Complementa Oliv: Nisso se equivocam redondamente (p. 25). Logo, sobre a matemtica e a cincia, h algo mais a dizer que seus mtodos e ideias.

    A segunda maneira de responder provocao, ainda segundo Oliv (2000), considerar que a pro-vocao no uma pergunta cientfica. Isto , a resposta deve basear-se em algo mais do que mto-dos, ideias e descries tidas como exatas. Defende que para responder questo, cientistas e no-cientistas devem refletir sobre o que fazem os cientistas, sobre como o fazem, sobre os resultados que obtm e como a que est condicionado todo esse sistema. Conclui escrevendo: Dado que se trata de uma pergunta sobre a cincia de uma pergunta metacientfica , no se requer fazer o mesmo que se faz na cincia para respond-la (p. 26).

    Para a anlise desta pergunta metacientfica e seus problemas, Oliv (2000) diz que h trs disci-plinas que podem dar conta da reflexo: a histria da cincia, a sociologia da cincia e a filosofia da cincia. Parece que fica claro que a tarefa de responde a provocao no simples nem trivial.

    Para ns, parece haver uma relao direta entre o que sabemos sobre cincia [e tecnologia] e o que en-sinamos e como ensinamos cincia [e tecnologia]. Some-se a isso a viso ampliada que poderemos ter com as contribuies advindas das disciplinas histria, sociologia e filosofia da cincia [e tecnologia].

    Assim como Chalmers (1993), Oliv (2000) e muito outros, no temos a pretenso de responder pergunta, considerando os argumentos dos autores e, tambm, porque este no nosso objetivo neste trabalho. Buscaremos uma trajetria instrumental e intencional do(s) conceito(s) de cincia, visto que queremos refletir sobre o conceito herdado de cincia, a participao de fatores sociais e indivi-dual na produo da cincia e da tecnologia e a relao destas com a sociedade, espelhada na imagem pblica da cincia e da tecnologia.

    Vamos, pois, em nosso trajeto provocativo, (1) descrever as diferentes vises sobre cincia e as con-tribuies da sociologia da cincia e da tecnologia, (2) apresentar os resultados de pesquisas de opi-nio sobre Cincia e Tecnologia a fim de identificarmos pontos fortes e paradoxos na opinio dos cidados. Depois, vamos (3) estudar as vises distorcidas de Cincia que alimentam as concepes dos cidados para, ao final, (4) apresentarmos algumas especificidades que devem ser consideradas no esforo de entender o que seja Cincia nas suas mais diversas concepes.

    Deixamos claro, desde j, que no h nenhuma pretenso de obter um conceito de cincia, tarefa a que se dedicam faz tempo os epistemlogos da cincia. A proposta aqui levantar reflexes e apre-sentar vises pouco comuns nas discusses sobre Educao em Cincias e CTS que so, forte e infe-lizmente, pautados na tradio que precisa ser superada. Por tal, buscaremos apresentar pesquisas sobre como a populao em geral v a Cincia e a Tecnologia e as reflexes sobre o que no se deseja na aprendizagem de Cincia e Tecnologia. Daremos espao para transcries avantajadas dos textos escolhidos para exemplificar a ideia que necessitamos para seguir a diante na discusso CTS.

    Sobre o escopo e intencionalidade deste captulo, importante antecipar que, ao apresentar a evo-

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    SOBRE A CINCIA, MAS NO O QUE A CINCIA!27

    luo da Sociologia da Cincia, Oliver Martin (2003) como poderamos lanar de mo de Berger e Luckmann 2014, Vega Encabo (2012), Bennssar et al (2011), Chikara Sasaki (2010), Pierre Bourdieu (2003, 2008), Shinn e Ragouet (2008), Jess Valero (2004), Stephen Cutcliffe (2003), dentre outros elenca as ideias norteadoras dos pensadores em Sociologia iniciando com Auguste Comte (1789-1857), Karl Marx (1818-1883), Levy-Bruhl (1857-1939), mile Durkheim (1858-1917) para, aps isso, iniciar o perodo que chamou de Sociologia do Conhecimento Cientfico. Chama ateno para o fato que nenhum dos autores clssicos, apesar de citarem o conhecimento cientfico, o converteu em objeto central de seus propsitos (p. 18) e apresenta trs autores que, em sua viso, abordaram preci-samente o conhecimento cientfico como objeto de estudo: Max Scheller (1874-1928), Karl Mannhein (1893-1947) e Pitirim Sorokin (1889-1968).

    Dando continuidade a sua narrativa, Martin (2003) escreve que

    Em nenhum momento os autores clssicos que temos revisado atribuem a sociologia a ca-pacidade de explicar a origem da validez das teorias cientficas. Em geral, propem uma classificao das formas de conhecimento e distinguem o conhecimento cientfico de outras formas de conhecimento, no pretendem definir sociologicamente as fronteiras que sepa-ram essas diferentes formas. Para eles, a definio de cincia no surge da sociologia e sim, com maior segurana, da epistemologia. Todos admitem que o desenvolvimento da cincia respeita uma lgica essencialmente racional, que os conhecimentos cientficos evoluem de modo endgeno e que a validez de uma teoria independente de sua origem social. (p. 23)

    O autor deixa claro que as discusses sobre verdadeiro e falso; objetivo e subjetivo, cincia e no-cincia e tudo mais que trate de um relativismo em cincia no possui espao nem apoio at ento.

    Essa viso ingnua ser ampliada e enriquecida quando, nas dcadas de 1920 e 1930, a cincia co-meou a ser encarada de forma diferente, especialmente no processo diferenciado de elaborao e de construo, bem como o sistema de difuso do conhecimento cientfico e de como os cientistas se organizavam. Esta nova fase personalizada e demarcada, ainda segundo Martin (2003), tendo como smbolo Robert Merton, que inaugura uma corrente chamada por Shinn e Ragouet (2008) de diferenciacionistas.

    A nosso ver, a primeira ideia que derivar no Campo CTS pode ter origem nas reflexes mertonia-nas, nas dcadas de 1940-50, quando deixa claro que a cincia no natural o que indica que de produo social e que estrutura a sociologia normativa, dando mostra que necessrio o estabele-cimento de regras externas a fim de regrar interesses e crenas na produo cientfica.

    No mesmo perodo, John D. Bernal (1937) publica, na Inglaterra, A Funo Social da Cincia, trazen-do para a arena das ideias as questes que hoje so prprias da Construo Social da Cincia (e da Tecnologia).

    Merton e Bernal podem ser resgatados como possveis precursores dos estudos atuais do Campo CTS.

    Esta nova fase recebe as contribuies de Thomas Kuhn (1922-1996), cujas ideias servem como ponto de partida para reflexes e surgimento de abordagens importantes para esta nova etapa da sociologia da cincia. Dentre as manifestaes inovadoras desta fase, podemos enumerar:

    1. O grupo de estudos franco-britnico (PAREX: Paris e Sussex), fundado em 1971 e que pas-

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    SOBRE A CINCIA, MAS NO O QUE A CINCIA!28

    sou a se chamar, em 1981, European Association for the Study of Science and Technology.2. O chamado Programa Forte em Sociologia do Conhecimento Cientfico, criado e manti-

    do por socilogos da Universidade de Edimburgo e3. O chamado Programa Emprico do Relativismo, criado e mantido por especialistas da

    Universidade de Bath, na Inglaterra.

    Estes programas de estudos sociais da cincia trouxeram tona questes que demonstram que o conhecimento cientfico socialmente construdo, que a comunidade cientfica trabalha a partir de crenas e interesses, que os cientistas e grupos possuem valores prvios que, em alguma medida, interferem nas decises que tomam.

    Mais recentemente, identifica-se o movimento de, analogamente sociologia da cincia, aplicar a mesma lgica a rea de tecnologia, fundando a chamada sociologia da tecnologia, que se apropria tambm de saberes oriundos da filosofia da tecnologia. Sasaki (2010) informa que o principal pro-motor do construtivismo social da tecnologia na atualidade o historiador da tecnologia Wiebe E. Bi-jker, como ele prprio reconhece, o construtivismo social da tecnologia a ampliao metodolgica do Strong Program de Bloor (p. 121). Bourdieu (2008), em sua obra Para uma Sociologia da Cincia, tambm identifica esta evoluo e estes mesmos autores como marcos importantes da rea.

    No Brasil, os estudos de Natureza da Cincia e da Tecnologia NdCeT so fortemente difundidos na grande rea da Educao/Ensino em Cincia e Tecnologia, podendo ser percebida em duas gran-des subreas com histrico e produo bem distintas. A primeira, mais disseminada, consolidada e produtiva, a que se pode chamar de Histria e Filosofia da Cincia (e menos em Tecnologia), aten-dendo ao que aponta Martin na sua narrativa histrica quando diz que a produo cientifica estava entregue, desde antes, aos epistemlogos. E a segunda, a prpria rea CTS.

    No temos, pois, a pretenso de tratar do conceito de cincia como fazem e muito bem os epis-temlogos. Muito menos trazer para este espao as questes e reflexes daquele grupo. Aqui vamos descontruir a ideia de Cincia herdada, neutra, positiva, individual e fechada nos laboratrios.

    Podemos, a ttulo de ilustrao das questes em torno da Cincia e dos embates calorosos, socorrer-nos, por exemplo, de Steve Woolgar (1991), de Pierre Bourdieu (2003, dentre outros) ou Boaventura de Sousa Santos (2003, dentre outros). Optamos por Boaventura de Sousa Santos (2003), por sua proximidade com o universo ibero-americano e escolhemos sua obra Conhecimento Prudente para uma vida decente: Um discurso sobre as cincias revisitado14, quando descreve sucintamente um dos muitos aspectos que podem exemplificar a complexidade do tema que a chamada guerras da cin-cia que foi, acima de tudo, um debate entre cientistas em geral e cientistas cujo objeto de investi-gao a prpria cincia enquanto fenmeno social (2003, p. 17).

    Este confronto de ideias e posies, inclusive de viso pessoal, teve momentos mais agudos como, por exemplo, as publicaes de Lewis Wolpert (1992) e de Gross e Levitt (1994).

    Sempre pela descrio de Boaventura de Sousa Santos (2003) reiterando nossa intencionalidade e escolha assumida de posio e de narrativa , Lewis Wolpert (1992) escreve The Unnatural Nature of Science, tendo como alvo os autores do Programa Forte da Sociologia do Conhecimento e do Progra-

    14 Esta obra uma reflexo coletiva sobre outra obra clssica de Boaventura de Souza Santos: Um discurso sobre as cincias, de 1987

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    ma Empirico do Relativismo.

    Gross e Levitt (1994) publicam o Higher Supertition, que seria inspirao para muitos violentos ata-ques que vieram a seguir (2003, p. 18), contra os estudos culturais, os estudos feministas, os estudos sobre raa e etnia e as anticincia (astrologia, terapias alternativas etc).

    Boaventura de Sousa Santos (2003) lembra ainda, em sua descrio da guerras da cincia, do caso Sokal, considerado um dos mais agudos episdios deste conjunto de eventos. Em 1996, a revista So-cial Text publicou um nmero sobre o tema Science Wars15. Neste nmero, o fsico Alan Sokal (1996) apresentou um artigo Transgressing the boundaries: towards a transformative hermeneutics of quantum gravity. Nele, Sokal apresentou uma reinterpretao ps-moderna do domnio dos estu-dos sobre a gravidade quntica, [sendo que] o texto apoiava-se num extenso rol de autores invariavel-mente associados s correntes rotuladas de anticincia (2003, p. 19), com o intuito de demonstrar que o embuste produzido por ele poderia ser publicado se contivesse sinais externos que o caracteri-zasse como aceitvel pela corrente que ele desejava criticar (ps-modernistas).

    A polmica continuaria mais tarde com a publicao Impostures Intellectualles (Sokal e Bricmont, 1997), que tinha como alvo os intelectuais franceses ps-modernos como, por exemplo, Lacan, La-tour, Deleuze, dentre outros. A resposta a este texto veio a pblico por meio da obra Impostures Scientifiques, de Jurdant (1998).

    Para concluir a narrativa sinttica deste conjunto de episdios que busca representar a dificuldade de tratar o tema cincia e aqueles a que produzem, daremos a palavra a Boaventura de Sousa Santos (2003):

    Naturalmente que os grandes debates epistemolgicos permanecem, mas parecm ter deixa-do de ser campos de batalha para se acolherem no mbito e no estilo de discusses acadmi-cas, sem dvida intensas, mas pacficas e com repeito mtuo pelas diferenas (p. 22).O decorrer da guerra tornou ainda mais claro que as diferenas epistemolgicas no co-rriam apenas entre cientistas naturais e cientistas sociais, mas tambm entre cientistas naturais e entre cientistas sociais, e que tais diferenas se articulavam de modo complexo com as diferenas culturais e polticas, com diferentes concepes sobre a relao entre conhecimento cientfico e outras formas de conhecimento. Em suma, tornaram-se mais cla-ras as divergncias e as suas causas, e, se no aumentou a tolerncia, aumentou, pelo menos, o conhecimento da diversidade de perspectivas (p. 23). Grifos nossos

    Posto o nosso entendimento sobre a Cincia e a maneira como trabalham os cientistas, vamso am-pliar o escopo de nossos estudos buscando conhecer como a populao em geral percebe a Cincia.

    2.1. As pesquisas sobre Percepo Pblicas da Cincia e da Tecnologia

    Vogt e Polino (2003) apresentam os resultados de pesquisa sobre a percepo pblica da Cincia, realizada em 2002 (na Argentina) e em 2003 (no Brasil, Uruguai e Espanha), sob os auspcios da Or-ganizao dos Estados Ibero-Americanos (OEI, 2003) e a Rede Ibero-Americana de Indicadores de Cincia e Tecnologia (RICYT/CYTED), que deram incio ao Projeto Ibero-Americano de Indicado-res de Percepo Pblica, Cultura Cientfica e Participao dos Cidados, a fim de contribuir para o desenvolvimento conceitual da matria.

    15 Santos (2003) chama ateno para o fato de que uma verso ampliada do nmero temtico se Social Text viria a ser publicada no mesmo ano, sem o texto de Sokal e com a adio de textos no includos na publicao original (Ross, 1996). Este volume seria uma das respostas mais importantes aos atoaques dos guerreiros da cincia (p. 19, nota de rodap)

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    SOBRE A CINCIA, MAS NO O QUE A CINCIA!30

    A pesquisa assume que

    um dos desafios da atualidade para a compreenso da dinmica de interaes entre cincia, tecnologia e sociedade o desenvolvimento de uma gerao de indicadores que permitam avaliar a evoluo de trs dimenses de anlise relevantes: a percepo pblica, a cultura cientfica e a participao dos cidados.

    A pesquisa resumida pelos autores da seguinte forma (Vogt e Polino, 2003, p.19-27):

    1. Imaginrio social sobre cincia e tecnologia

    Representao social da cincia: A imagem que prevalece na pesquisa apresenta a cincia como epopia de grandes descobertas" (35,3% em mdia), a cincia como condio de avano tecnolgico (46,4% em mdia) e, por ltimo, a cincia como fonte de benefcios para a vida do ser humano (45,4% em mdia) . Apesar de ser bastante comum na mdia, por exemplo, imagens que apresentam uma valorao negativa ("perigo de descontrole", "concentrao de poder" ou "idias que poucos enten-dem") esto em posio secundria.

    Utilidade da cincia: Os entrevistados dos quatro pases (72% em mdia) consideram que o desen-volvimento da cincia e da tecnologia o principal motivo da melhoria da qualidade de vida da so-ciedade. Interessante comparar esta resposta com o fato de que os respondentes no esperam que a Cincia e a tecnologia sejam capazes de solucionar todos os problemas (85,9% em mdia).

    A imagem da cincia como conhecimento legtimo: Os resultados indicam que a sociedade moderna enfatiza a racionalidade cientfica e deposita sua confiana na verdade da cincia, em detrimento da f religiosa. As respostas brasileiras sobre legitimidade da cincia alcanam 70,4%, enquanto a dis-cordncia est em 27,2%. Nos demais pases, as respostas so equilibradas.

    A cincia na vida cotidiana: Para a afirmao de que "o mundo da cincia no pode ser compreen-dido pelas pessoas comuns" encontra-se equilbrio entre a concordncia e a discordncia. Quando so analisados os resultados globais, a discordncia sobe para 53,4% e a concordncia alcana 45,7%, em mdia. A maioria dos entrevistados nos quatro pases (aproximadamente 60%) considera que ela opera como fator de racionalidade da cultura humana, uma vez que, se se descuidasse da cincia, nossa sociedade seria cada vez mais irracional.

    A cincia e a tecnologia como fontes de risco: 74,3%, em mdia, dos entrevistados considera que "os benefcios da cincia e da tecnologia so maiores que os efeitos negativos", mas, diante da afirmao de que "o desenvolvimento da cincia traz problemas para a humanidade", encontramos diferentes posies nos quatro pases participantes:

    Na Argentina, as respostas esto muito equilibradas, embora, como no Brasil, sobressaia a discordncia (pouco mais de 50%, em mdia).

    Na Espanha e no Uruguai as respostas se inclinam para a concordncia (57% em mdia). Nesse sentido, apesar da tendncia geral da imagem favorvel da cincia, a percepo de que ela no est livre de ter conseqncias negativas.

    Entre os principais problemas, mencionam-se "os perigos de aplicar alguns conhecimentos" e "a uti-lizao do conhecimento para a guerra.

    A imagem dos cientistas e da atividade cientfico-tecnolgica: Nos quatro pases a vocao para o conhecimento aparece como o o principal motivo que leva os cientistas a desenvolver seu trabalho

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    SOBRE A CINCIA, MAS NO O QUE A CINCIA!31

    cotidiano, considerando-se tambm a busca para soluo de problemas da populao. A imagem de cincia tradicional fortalecida quando se percebe que conquistar poder ou um prmio importante encontram posio secundria. Chama a ateno o fato de que , as habilidades que caracterizam os cientistas no so suficientes para convencer os entrevistados sobre a capacidade de tomada de de-cises polticas pelos cientista: 51,6%, em mdia, dos entrevistados nos quatro pases no concorda que "os cientistas so os que melhor sabem o que convm investigar para o desenvolvimento do pas", bem como 57,7%, em mdia, concorda que "o governo no deve intervir no trabalho dos cientistas, ainda que seja o prprio governo quem os pague".

    Percepo da cincia e tecnologia local: Nos quatro pases predomina uma imagem do desenvol-vimento cientfico-tecnolgico local segundo a qual existe "um pouco de cincia e tecnologia em algumas reas (temticas)".

    Na Argentina, no Brasil e na Espanha, as respostas oscilam entre 55% e 64% de adeses. No Uruguai as respostas so mais numerosas, chegando a 80%.

    No que se refere ao financiamento pelo Estado da Cincia e Tecnologia, parece haver uma ideia de que este financiamento insuficiente.

    Na Argentina, Espanha e Uruguai, a adeso chega a 87% das respostas. Apesar disso, o Brasil apresenta novamente um comportamento diferenciado, pois uma porcentagem nitidamente superior (27,8%) dos demais pases opina que o Estado financia a pesqui-sa nesse pas de maneira "razoavelmente suficiente".

    Do mesmo modo, 82% dos entrevistados na Argentina, 62,3% no Brasil e 78,9% na Es-panha indicam que o "pouco apoio estatal" o principal fator que limita o desenvolvi-mento da cincia e tecnologia, descartando a responsabilidade de outros setores.

    Por outro lado, no Uruguai (66%), Argentina (59,4%) e, em menor escala, Espanha (43,2%), os entrevistados opinam que os conhecimenos gerados em seus pases "tm utilidade, mas no se difundem".

    2. Processos de comunicao social da cincia

    Informao cientfica incorporada: Na Argentina (80%), Brasil (71 %) e Espanha (67%), os entrevis-tados se consideram "pouco informados" no que se refere cincia e tecnologia.

    Consumo de informao cientfica: O consumo de informao cientfica em jornais (53,4%) e tele-viso (64%) majoritariamente ocasional na Argentina. No Brasil, as caractersticas de consumo so semelhantes. Tambm na Espanha o comportamento parecido no que se refere a jornais - 58% do consumo ocasional-, embora se acentue uma tendncia de escasso consumo de contedo cientfico televisivo (81 %). Diferentemente da Argentina, Brasil e Espanha, os dados do Uruguai apresentam um perfil mais equilibrado nas mesmas categorias. Quanto s revistas de divulgao cientfica, em todos os pases o consumo tem caractersticas fundamentalmente espordicas.

    Valoraes a respeito de cientistas e jornalistas: Nos quatro pases se tende a considerar que s em algumas ocasies a comunicao dos cientistas com a sociedade de difcil compreenso. Os en-trevistados pressupem, com isso, que a eventual incapacidade de comunicao dos cientistas no uma condio estrutural de suas competncias profissionais, mas, fundamentalmente, depende de outros fatores.

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    SOBRE A CINCIA, MAS NO O QUE A CINCIA!32

    3. Participao dos cidados em questes de cincia e tecnologia

    Nos quatro pases participantes, 94,5%, em mdia, acredita ser importante participar em questes de cincia e tecnologia, mas, ao mesmo tempo, somente 7,3%, em mdia, informaram j ter tido expe-rincias concretas de participao.

    Assim, observa-se que, no caso da Espanha, apesar de seu carter minoritrio