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52 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017 Ludicidade e ensino de física Introdução A vida contemporânea requer, cada vez mais, a formação de pessoas críticas, intelectualmente autôno- mas e mais bem preparadas para respon- der aos seus desafios; desse modo, a escola, como um dos principais agentes de edu- cação formal, vê-se instada a desenvolver um trabalho que promova a formação de alunos-cidadãos mais sensíveis ao contex- to social em que estão inseridos e, para isso, o uso de metodologias inovadoras de ensino é uma estratégia eficaz e neces- sária. Dentre diversas possibilidades, o en- sino por meio da ludicidade aparece como grande aliado. De acordo com Rau [1], o uso de atividades lúdicas como estratégia de ensino-aprendizagem tem muitas van- tagens em relação ao ensino tradicional porque, além de atender a uma necessi- dade do ser humano em formação, pro- porciona a apropriação de categorias e conceitos formais de uma determinada área de conhecimento de forma prazerosa e divertida. Mas, isso requer um planeja- mento bem elaborado pelo professor para trabalhar com o lúdico, de modo que a atividade alcance o propósito cognitivo previsto sem que se perca seu aspecto pra- zeroso para o estudante. Segundo Santos [2, p. 62], existe dife- rença entre o lúdico livre e o lúdico utili- tário. No primeiro caso existe um certo grau de liberdade, pois os participantes não são obrigados a produzir qualquer tipo de conhecimento formal, priorizando as próprias vontades no desenvolvimento das atividades, o prazer e a liberdade de criação; já o lúdico utilitário tem como objetivo gerar uma aprendizagem, por meio da assimilação de conteúdos e de processos cognitivos orientados para uma avaliação comportamental e até mesmo para fins terapêuticos. Neste segundo caso, o lúdico tem uma “utilidade”, um motivo para ser usado que pode auxiliar em um processo de aprendizagem. Se o estudante não se sente à vontade para participar da atividade (neste caso, do jogo), a atividade não pode ser consi- derada lúdica. Em contrapartida, se o pro- fessor que está orientando tal atividade não se sentir à vontade com essa metodo- logia, mas a está realizando apenas por ordens da coordenação pedagógica ou mo- tivados por outros fatores externos, a característica lúdica também se perderá. Para ser lúdico é preciso que tanto o pro- fessor quanto o aluno sintam prazer em desenvolver a atividade. O jogo como atividade lúdica é uma importante ferramenta para o ensino, po- rém deve ser planejado com cuidado. “O jogo deve ter regras que sistematizam as ações dos envolvidos, mas a imaginação coloca a possibilidade de modificá-las de acordo com suas necessidades e seus inte- resses” [3]. Assim, para o desenvolvi- mento deste artigo foi elaborado um jogo que preza pela interação dos participantes, pelo trabalho em equipe, pelo cumpri- mento de regras que ditam o caminho a ser seguido e os objetivos a serem alcan- çados, além da exigência de coordenação motora. As atividades realizadas tinham a intenção de tornar as aulas de física mais interessantes, alavan- cando a participação dos estudantes na dis- cussão sobre os con- ceitos físicos trabalha- dos e potencializando sua aprendizagem de maneira inovadora. Nessa perspectiva de inovação no ensino de física, vários centros de pesquisa e diversos pesquisadores vêm refletindo e Márcio Henrique Simião Rodrigues Universidade Federal do Pará, Belém, Belém, PA, Brasil E-mail: [email protected] Jéssica de Cassia Silva Pinon Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil E-mail: [email protected] Sarah da Silva Lopes Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil E-mail: [email protected] Ana Cristina Pimentel Carneiro de Almeida Universidade Federal do Pará, Belém, PA, Brasil E-mail: [email protected] Este trabalho apresenta uma experiência inovadora de ensino de física a partir da perspectiva de ensino-aprendizagem por investigação. Trata-se de uma atividade, realizada em turma do 1º ano do Ensino Médio em uma escola privada do Município de Castanhal, PA, que consistiu em ensinar conceitos do movimento circular uniforme (MCU) por meio de um jogo de interação entre os participantes, visando mostrar de forma prática e lúdica a relação entre velocidade lin- ear de um corpo em MCU e o raio da trajetória circular. Previamente, foram realizadas discussões sobre o tema estudado e, em seguida, foram coletados os dados das variáveis para os cálculos necessários à apropriação dos conceitos trabalhados. As atividades foram realizadas na quadra de esportes da escola e os estudantes mostraram grande entusiasmo em participar. A escola moderna, instada a desenvolver um trabalho que promova a formação de alunos-cidadãos mais sensíveis ao contexto social em que estão inseridos, deve valer-se de metodologias inovadoras para o ensino

Introdução processos cognitivos orientados para uma Márcio ... · ensinar o conceito de carga elétrica sem ... 2ª Regra: Esses três ... riam dar voltas de maneira sincro-nizada

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52 Física na Escola, v. 15, n. 2, 2017Ludicidade e ensino de física

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Introdução

Avida contemporânea requer, cadavez mais, a formação de pessoascríticas, intelectualmente autôno-

mas e mais bem preparadas para respon-der aos seus desafios; desse modo, a escola,como um dos principais agentes de edu-cação formal, vê-se instada a desenvolverum trabalho que promova a formação dealunos-cidadãos mais sensíveis ao contex-to social em que estão inseridos e, paraisso, o uso de metodologias inovadorasde ensino é uma estratégia eficaz e neces-sária. Dentre diversas possibilidades, o en-sino por meio da ludicidade aparece comogrande aliado. De acordo com Rau [1], ouso de atividades lúdicas como estratégiade ensino-aprendizagem tem muitas van-tagens em relação ao ensino tradicionalporque, além de atender a uma necessi-dade do ser humano em formação, pro-porciona a apropriação de categorias econceitos formais de uma determinadaárea de conhecimento de forma prazerosae divertida. Mas, isso requer um planeja-mento bem elaborado pelo professor paratrabalhar com o lúdico, de modo que aatividade alcance o propósito cognitivoprevisto sem que se perca seu aspecto pra-zeroso para o estudante.

Segundo Santos [2, p. 62], existe dife-rença entre o lúdico livre e o lúdico utili-tário. No primeirocaso existe um certograu de liberdade,pois os participantesnão são obrigados aproduzir qualquertipo de conhecimentoformal, priorizandoas próprias vontadesno desenvolvimentodas atividades, o prazer e a liberdade decriação; já o lúdico utilitário tem comoobjetivo gerar uma aprendizagem, pormeio da assimilação de conteúdos e de

processos cognitivos orientados para umaavaliação comportamental e até mesmopara fins terapêuticos. Neste segundocaso, o lúdico tem uma “utilidade”, ummotivo para ser usado que pode auxiliarem um processo de aprendizagem.

Se o estudante não se sente à vontadepara participar da atividade (neste caso,do jogo), a atividade não pode ser consi-derada lúdica. Em contrapartida, se o pro-fessor que está orientando tal atividadenão se sentir à vontade com essa metodo-logia, mas a está realizando apenas porordens da coordenação pedagógica ou mo-tivados por outros fatores externos, acaracterística lúdica também se perderá.Para ser lúdico é preciso que tanto o pro-fessor quanto o aluno sintam prazer emdesenvolver a atividade.

O jogo como atividade lúdica é umaimportante ferramenta para o ensino, po-rém deve ser planejado com cuidado. “Ojogo deve ter regras que sistematizam asações dos envolvidos, mas a imaginaçãocoloca a possibilidade de modificá-las deacordo com suas necessidades e seus inte-resses” [3]. Assim, para o desenvolvi-mento deste artigo foi elaborado um jogoque preza pela interação dos participantes,pelo trabalho em equipe, pelo cumpri-mento de regras que ditam o caminho aser seguido e os objetivos a serem alcan-çados, além da exigência de coordenação

motora. As atividadesrealizadas tinham aintenção de tornar asaulas de física maisinteressantes, alavan-cando a participaçãodos estudantes na dis-cussão sobre os con-ceitos físicos trabalha-dos e potencializando

sua aprendizagem de maneira inovadora.Nessa perspectiva de inovação no

ensino de física, vários centros de pesquisae diversos pesquisadores vêm refletindo e

Márcio Henrique Simião RodriguesUniversidade Federal do Pará, Belém,Belém, PA, BrasilE-mail: [email protected]

Jéssica de Cassia Silva PinonUniversidade Federal do Pará, Belém,PA, BrasilE-mail: [email protected]

Sarah da Silva LopesUniversidade Federal do Pará, Belém,PA, BrasilE-mail: [email protected]

Ana Cristina Pimentel Carneiro deAlmeidaUniversidade Federal do Pará, Belém,PA, BrasilE-mail: [email protected]

Este trabalho apresenta uma experiênciainovadora de ensino de física a partir daperspectiva de ensino-aprendizagem porinvestigação. Trata-se de uma atividade,realizada em turma do 1º ano do Ensino Médioem uma escola privada do Município deCastanhal, PA, que consistiu em ensinarconceitos do movimento circular uniforme(MCU) por meio de um jogo de interação entreos participantes, visando mostrar de formaprática e lúdica a relação entre velocidade lin-ear de um corpo em MCU e o raio da trajetóriacircular. Previamente, foram realizadasdiscussões sobre o tema estudado e, em seguida,foram coletados os dados das variáveis para oscálculos necessários à apropriação dos conceitostrabalhados. As atividades foram realizadas naquadra de esportes da escola e os estudantesmostraram grande entusiasmo em participar.

A escola moderna, instada adesenvolver um trabalho que

promova a formação dealunos-cidadãos mais sensíveisao contexto social em que estão

inseridos, deve valer-se demetodologias inovadoras para

o ensino

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buscando implementar mudanças, comoé o caso do ensino com enfoque em Ciên-cia, Tecnologia, Sociedade e Ambiente(CTSA). De acordo com as premissasdefendidas por essa abordagem, é precisoorganizar uma ação educadora que prio-rize o papel do estudante como um inves-tigador de sua aprendizagem, para queeste possa desenvolver uma visão pessoalde mundo, com mais autonomia emrelação aos conteúdos a que tem acesso[4]. O professor, por sua vez, desloca-sedo papel de detentor do conhecimento eassume uma postura de tutor, mostrandopossíveis caminhos a serem seguidos eorientando seus alunos na tomada dedecisões mais acertadas no âmbito da áreade conhecimento em que estão traba-lhando. Assim, “não é só uma questão detomada de consciência e de discussõesepistemológicas, é também necessário umnovo posicionamento do professor emsuas classes para que os alunos sintamuma sólida coerência entre o falar e ofazer” [5].

Nesse novo modelo de educação, opapel do físico-educador configura-se deforma diferente da educação tradicional,pois, ao fazer a transposição didática doconteúdo, ele leva em consideração nãosomente o conteúdoem si mesmo, masplaneja visando dife-rentes estratégias deabordagem, de modoa tornar a aula inte-ressante e convidati-va. Esse novo docentenão apenas apresentafórmulas e teorias para preparar paraprovas e concursos; ele convida a pensar,a refletir criticamente sobre conceitos e suaformalização, visto que não adiantaensinar o conceito de carga elétrica semfazer uma relação com o consumo e oprocesso de geração de energia elétricapara a sociedade e sua relação com o meioambiente [6].

Nessa nova abordagem do ensino defísica, o uso de atividades lúdicas torna-se um grande aliado, pois possibilita omanejo das inúmeras fórmulas e concei-tos, despertando a curiosidade científica eo prazer em aprender essa disciplina tãoimportante. O lúdico é ferramenta edu-cacional importante e necessária notrabalho com um público que está emtransição de seu período da infância paraa adolescência, pois busca aliar o senti-mento de brincar e se divertir ao processode ensino-aprendizagem de conceitosfísicos por meio de uma experiência didá-tica muito prazerosa e cognitivamenteprodutiva.

Breve contextualização daexperiência

Na escola em que foi realizada a expe-riência aqui relatada, o professor de físicavinha encontrando muitos obstáculos emrelação ao processo de ensino-aprendi-zagem. O maior deles estava relacionadoao fato de haver sido recentemente contra-tado em substituição ao antigo professor,que já acompanhava a turma desde oinício do semestre letivo. Essa troca de do-centes em pleno mês de junho, às vésperasda segunda avaliação anual, havia geradouma expectativa na turma em relação aotrabalho do novo professor; os alunos fa-ziam comparações entre os dois e, caso onovo professor não correspondesse àsexpectativas da turma, corria-se o riscode haver desinteresse e pouca participaçãonas aulas. Se, por outro lado, a turma per-cebesse que o novo professor mantinha omesmo ritmo de trabalho do primeiro, oprocesso de ensino-aprendizagem setornaria mais dinâmico.

Sensível a esse contexto, o novo pro-fessor percebeu que, para manter e atéaumentar o rendimento acadêmico da tur-ma, não apenas correspondendo a exigên-cias institucionais, mas também desper-tando curiosidade e interesse científicos

pela física, resolveupropor a realização deuma atividade que,além de atingir ospropósitos de apren-dizagem, fugisse damonotonia do coti-diano das aulas e in-centivasse a maior

participação dos estudantes.No início do segundo semestre esco-

lar, o assunto que estava sendo trabalhadocom a turma do primeiro ano do EnsinoMédio da escola em questão era mecânica(cinemática, dinâmica e estática). Nessemesmo período, estavam acontecendo osJogos Olímpicos do Rio de Janeiro e, para

chamar a atenção dos estudantes para umdos temas desse conteúdo, movimento cir-cular uniforme (MCU), o professor de físi-ca propôs a atividade aqui relatada, apósa resolução de uma questão proposta nomaterial didático da escola que apresen-tava cinco patinadores (Fig. 1) realizandoum movimento de rotação conjunta e demaneira alinhada.

De acordo com a questão proposta,os alunos deveriam responder qual dospatinadores possuía maior velocidade li-near. Tal questão gerou muita discussãona sala de aula, com diferentes respostaspor parte dos estudantes. O intuito eramostrar-lhes a relação entre a velocidadedo corpo e o raio da trajetória circular. Pormeio da Eq. (1) para o cálculo da veloci-dade, temos:

(1)

Partindo daí, é possível analisar quequando se mantém o período (T) cons-tante, a velocidade de um corpo em MCUé diretamente proporcional ao raio (R);logo, quanto maior o raio, maior será avelocidade do corpo [7].

A fim de mostrar na prática a situa-ção representada na imagem, porém comalgumas adaptações para o espaço daescola, foi elaborado um jogo. Conside-rou-se para esse trabalho apenas a veloci-dade linear (v) do corpo; a velocidade an-gular (w) não foi abordada nessa ativi-dade.

O professor explicou aos estudantesque as competições esportivas deixaramde ser apenas provas de resistência física,tornando-se também provas de inteligên-cia, no sentido de que se vem cada vezmais aliando pesquisas científicas paramelhorar o rendimento dos atletas e dasáreas de competição. Esportes como o atle-tismo podem possibilitar grandes exem-plos práticos para o ensino de temas dafísica como lançamento oblíquo e equação

Figura 1: Imagem da questão passada aos estudantes. Fonte: Blog Geocities, Disponívelem http://www.geocities.ws/saladefisica8/cinematica/circular.html.

O professor desloca-se dopapel de detentor do

conhecimento e assume umapostura de tutor, mostrandopossíveis caminhos a seremseguidos e orientando seus

alunos na tomada de decisões

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horária da velocidade, entre outros. No ca-so deste trabalho, tomou-se como referên-cia competições de patinação artística dosJogos Olímpicos do Rio de Janeiro paraelaborar uma atividade visando à aprendi-zagem do conceito de velocidade linear deum corpo sujeito a um movimento cir-cular uniforme (MCU).

Atividade prática

Como já referido anteriormente, a ati-vidade foi realizada em uma escola da redeparticular de ensino do município de Cas-tanhal/PA, com 20 alunos de uma turmado 1ª série do Ensino Médio, no início deagosto de 2016. Inicialmente a turma foidividida em quatro equipes de cinco inte-grantes; após a formação das equipes, asregras do jogo foram explicitadas.

1ª Regra: Três integrantes da equipe

deveriam ter aproximadamente amesma altura;

2ª Regra: Esses três integrantes deve-riam dar voltas de maneira sincro-nizada ao redor do eixo central(Fig. 2);

3ª regra: os três integrantes devemficar o tempo todo com os braçosesticados (Fig. 3);

4ª regra: os integrantes não podemsoltar as mãos durante o movi-mento em volta do eixo (Fig. 4).

O objetivo das equipes era dar o maiornúmero de voltas em um intervalo detempo de um minuto (60 s), sendo quepara a volta ser considerada válida deveriaobedecer as quatro regras do jogo. Vence-ria o jogo a equipe que desse o maior nú-mero de voltas corretas no tempo deter-minado. Após a explicitação das regras,

os estudantes foram levados para a qua-dra de esportes da escola para que a parteprática da atividade tivesse início.

A escolha da quadra de esportes comolocal da parte prática da atividade deveu-se ao fato de esse espaço ser mais adequadoà natureza dos exercícios. Segundo Dohme[8], é preciso planejar o espaço onde a ati-vidade lúdica irá ocorrer de modo que odesenvolvimento se dê da melhor maneirapossível. Em ambientes fechados sãoaconselhados jogos que desenvolvam o ra-ciocínio, como xadrez ou jogos da memó-ria. Já jogos de correria e movimentaçãosão mais aconselhados em ambientes maisespaçosos ou abertos [8, p. 25].

Antes de a competição começar me-diu-se, com auxílio de uma fita métrica,o comprimento dos braços de todos osintegrantes das quatro equipes. Os valoresforam anotados pelos respectivos árbitrospara serem utilizados após o término daatividade.

As equipes eram formadas por cincointegrantes, sendo que apenas três de-veriam executar os movimentos em tornodo eixo e os outros dois seriam os árbitrosque fariam a análise das voltas da equipeadversária. O papel dos árbitros era crono-metrar o tempo de um minuto e fazer acontagem do número de voltas da equipeadversária, analisando se estavam de acor-do com as quatro regras do jogo.

Para o início da competição, uma dasequipes apresentou-se voluntariamente.Os três integrantes dessa equipe que ti-nham aproximadamente a mesma alturadirigiram-se para o centro da quadra deesportes (Fig. 5) e posicionaram-se de bra-ços dados.

Os dois árbitros das equipes adversá-rias posicionavam-se próximo do centro(Fig. 6) para analisar a regularidade dasvoltas e cronometrar o tempo gasto pelaequipe avaliada. Esse procedimentorepetiu-se até que todas as equipes tives-sem realizado as voltas em torno do centroda quadra.

O primeiro membro do grupo deveriase posicionar aproximadamente 10 cmdistante do centro da quadra (Fig. 7) emanter-se o maior tempo possível nestadistância para ter maior desempenho nahora da realização das voltas. Não era per-mitido pisar no eixo central do meio daquadra.

Após a realização da prática, as equi-pes se reuniram com seus integrantes ecalcularam as diferentes velocidades dostrês colegas que realizaram as voltas. Oscálculos foram realizados com o auxíliodo professor.

Resultados e discussões

Figura 2: Representação da movimentação feita em torno do eixo central. Fonte: MárcioRodrigues.

Figura 3: Representação da terceira regra do jogo. Fonte: Márcio Rodrigues.

Figura 4: Representação de uma infração (mãos separadas e braços flexionados). Fonte:Márcio Rodrigues.

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A atividade teve duração de uma horae meia. A equipe campeã conseguiu reali-zar sete voltas em um minuto. O interes-sante é que a terceira equipe conseguiugirar 11 vezes em torno do centro da qua-dra. Entretanto, os árbitros julgaram queseis voltas não estavam de acordo com asregras, pois os integrantes soltaram asmãos em algumas voltas. Dessa maneira,a equipe foi penalizada em seis voltas eacabou com um total de cinco voltas

corretas.Com o término da atividade, os estu-

dantes que realizaram as voltas e que esta-vam na ponta mais afastada do centro daquadra questionaram o professor sobrequal o motivo de eles estarem muito maiscansados do que os membros da equipeque estavam mais próximos do centro. Aresposta para essa dúvida era o foco prin-cipal da atividade.

Antes de o professor responder, pediu

ao conjunto dos estudantes que tentassemelaborar possíveis respostas à questão,com suas próprias explicações, o que criourodas de discussão referentes ao conteúdode movimento circular uniforme (MCU).Uma das discussões se referia ao motivoda medição do comprimento dos braçosdos estudantes. O mais interessante foi ocomentário de um aluno que antes dessaatividade prática apresentava baixo rendi-mento durante as aulas tradicionais compincel e quadro branco, inclusive com bai-xo rendimento no que diz respeito à nota.Segundo esse aluno, a medição feita peloprofessor serviria para que os integrantesda equipe que eram responsáveis pelo cál-culo da velocidade de seus companheirosao redor do centro da quadra pudessemestimar o raio da trajetória circular per-corrida. O comentário desse aluno escla-recia a dúvida de toda a turma, sendo queesse era justamente o assunto em foco naatividade, razão pela qual o professor ha-via medido o comprimento dos braços dosintegrantes das equipes.

Outra estudante respondeu para oscolegas que o maior cansaço dos partici-pantes que estavam mais afastados docentro se devia ao fato de eles se moveremem torno do eixo com velocidade maiorque os outros colegas, pois possuíam umraio maior em relação ao centro da traje-tória.

Depois das discussões, cada equiperealizou os cálculos da velocidade dos inte-grantes que estavam realizando as voltasem torno do centro da quadra, conformeapresentado a seguir.

Equipe 1

A primeira equipe realizou cinco vol-tas completas em 60 s, logo, considerandoque o movimento tenha sido uniforme,cada volta teve duração de 12 s. Esse valorfoi utilizado para o cálculo da velocidadedos integrantes da equipe (Tabela 1), con-siderando o valor de pi (π = 3,14.).

Equipe 2

A segunda equipe realizou sete voltasem 60 s, logo, cada volta teve período deaproximadamente 8,5 s (Tabela 2).

Equipe 3

A terceira equipe conseguiu realizar11 voltas em 60 s. Embora tenham sidopunidos pelos árbitros por não cumpriremas regras em todas as voltas, os cálculosde velocidade consideraram as 11 voltas(Tabela 3), logo, cada volta teve duraçãode aproximadamente 5,45 s.

Equipe 4

A quarta equipe realizou oito voltas

Figura 5: Estudantes se preparando para a atividade. Fonte: Márcio Rodrigues.

Figura 6: Estudantes realizando voltas em torno do centro da quadra de esportes. Fonte:Márcio Rodrigues.

Figura 7: Equipe campeã em suas voltas. Fonte: Márcio Rodrigues.

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Tabela 2: Resultados encontrados pelos estudantes para a velocidade que cada membroda equipe 2 atingiu (em média) por volta.

Integrante Raio Velocidade no MC

Mais próximo do centro 0,1 m 0,073 m/s

Do meio 1,4 m 1,01 m/s

Mais afastado do centro 2,78 m 2,05 m/s

Fonte: Márcio Rodrigues.

Tabela 3: A tabela mostra os resultados encontrados pelos estudantes para a velocidadeque cada membro da equipe 3 atingiu (em média) por volta.

Integrante Raio Velocidade no MC

Mais próximo do centro 0,1 m 0,11 m/s

Do meio 1,41 m 1,62 m/s

Mais afastado do centro 2,91 m 3,35 m/s

Fonte: Márcio Rodrigues.

Tabela 4: A tabela representa a velocidade que cada membro da equipe 4 atingiu (emmédia) por volta.

Integrante Raio Velocidade no MC

Mais próximo do centro 0,1 m 0,083 m/s

Do meio 1,39 m 1,16 m/s

Mais afastado do centro 2,83 m 2,36 m/s

Fonte: Márcio Rodrigues.

Tabela 1: Velocidade que cada membro da equipe 1 atingiu, em média, por volta.

Integrante Raio Velocidade no MC

Mais próximo do centro 0,1 m 0,052 m/s

Do meio 1,42 m 0,74 m/s

Mais afastado do centro 2,86 m 1,49 m/s

Fonte: Márcio Rodrigues.

em 60 s; desta maneira, cada volta teveperíodo aproximado de 7,5 s. Essa equipetambém foi penalizada em duas voltaspelos árbitros, mas as oito foram consi-deradas para os cálculos da velocidade(Tabela 4).

As medidas dos raios representadosnas tabelas são resultado da soma do com-primento dos braços dos integrantes dasequipes (Fig. 8). Todos os participantes queestavam mais próximos do eixo de rotação(globo central da quadra de esportes) apre-sentaram raios de 0,1 m, pois estavamlocalizados a 10 cm do mesmo, e foi feitaconversão de unidade de centímetro parametros. O integrante do meio estava gi-rando em um raio de 1,37 m devido à so-matória do seu braço com o do integrantepróximo ao eixo de rotação. O estudanteda ponta girava em um raio maior, poisalém da medida de seu próprio braço aindahavia os braços de seus companheiros,totalizando um raio de 2,78 m.

Em todas as situações os integrantes

que estavam mais afastados do centro daquadra giravam com velocidade maior doque seus companheiros, pois possuíamum raio maior em relação ao eixo derotação. Isso significa que, por possuírem

velocidades maiores, eles deveriam per-correr uma distância maior para conse-guir acompanhar o ritmo dos outros doiscolegas.

A partir desses dados, os estudantesque estavam girando mais afastados docentro perceberam como tiveram que semover muito mais rápido que seus com-panheiros e por um espaço maior, e porisso estavam mais cansados.

Após a atividade e a realização dos cál-culos, os alunos foram questionados maisuma vez sobre a questão dos cinco pati-nadores, que havia motivado a atividade.Todos os participantes conseguiram assi-milar que o patinador mais afastado doeixo de rotação se movia com velocidadelinear superior à de seus companheiros.

Considerações finais

Os resultados da atividade mostramque seus principais objetivos foram alcan-çados. O primeiro deles estava relacionadoà participação dos alunos: a partir domomento em que estes se propuseram aparticipar, visto que não se tratava de umaobrigação, podemos avaliar que atingimoso propósito da ludicidade, que é envolveros alunos na brincadeira; some-se a issoo fato de que a atividade ocorreu fora deseu horário de aula, no contraturno dadisciplina. Quando o estudante escolheparticipar e professor dá suporte neces-sário para o desenvolvimento da atividade,o processo de ensino-aprendizagem acon-tece de maneira efetiva e producente, tor-nando-se bastante enriquecedor. Vemosque também foi alcançado um segundoobjetivo, relacionado mais especificamenteà aprendizagem de conceitos físicos, aoobservarmos o levantamento de hipótesese as respectivas considerações feitas pelosestudantes em relação ao conteúdo deMCU, mostrando uma compreensão dotema e evidenciando apropriação adequa-

Figura 8: Ilustração do processo de medida do raio de rotação de cada participante (Foiusada uma fita métrica para efetuação das medidas. As letras da imagem representameixo (E), meio (M) e ponta (P), indicando a posição de cada estudante). Fonte: MárcioRodrigues.

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Referências

[1] M.C.T.D. Rau, A Ludicidade na Educação: Uma Atitude Pedagógica. – (Ibpex, Curitiba, 2011), Série Dimensões da Educação, 2ª ed., ver atual. e ampl.[2] M.A.R. dos Santos, Ludicidade, Estudos Transdisciplinares (Editora Açaí, Belém, 2013).[3] T.M. Kishimoto (org), Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação (Cortez, São Paulo, 2008), 11ª ed.[4] A. Chassot, Alfabetização Científica – Questões e Desafios para a Educação (Editora da Unijuí, Ijuí, 2016), 7ª ed.[5] A. Cachapuz, D. Gil-Pérez, A.M.P. Carvalho, J. Praia e A. Vilches (orgs), A Necessária Renovação do Ensino de Ciências (Cortez, São Paulo, 2011),

3ª ed.[6] C.W. da Rosa, e A.B. da. Rosa, Revista Ibero-americana de Educação 58, 1 (2012).[7] B. Sant’anna, G. Martine, H.C. Reis e W. Spinelli, Conexões com a Física (Moderna, São Paulo, 2010), v. 1, 1ª ed.[8] V. Dohme, Atividades Lúdicas na Educação: O Caminho de Tijolos Amarelos do Aprendizado (Vozes, Petrópolis, 2011), 6ª ed.

da de tais conceitos. Finalmente, quantoà questão do prazer de jogar envolvidona atividade, o trabalho em equipe, odesenvolvimento de atitudes de coopera-ção, o índice de envolvimento e a satis-fação dos estudantes indicam que houvedescontração e diversão.

A ludicidade, em especial o jogo, como

ferramenta metodológica para o ensinode física fornece uma opção de aumentara participação e o interesse dos estudantes,que estão a cada dia mais conectados aosequipamentos tecnológicos e apresentamcerta aversão a métodos tradicionais deensino. É papel do professor procuraralternativas para maximizar a aprendi-

zagem e formar o estudante para a vida,orientando o melhor caminho para aformação de pessoas conscientes, sensíveise participativas, que conheçam seus direi-tos e deveres e que contribuam para aconstrução de uma sociedade melhor.