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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS APLICADAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO
MARIA JOS DE ARAJO GADELHA
REPRESENTAES SOCIAIS DE FORMAO CONTINUADA: COM A PALAVRA AS PROFESSORAS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE
PBLICA DE NATAL RN
NATAL/RN 2009
MARIA JOS DE ARAJO GADELHA
REPRESENTAES SOCIAIS DE FORMAO CONTINUADA: COM A PALAVRA AS PROFESSORAS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE
PBLICA DE NATAL - RN
Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao do Centro de Cincias Sociais Aplicadas, linha de pesquisa Formao e Profissionalizao Docente, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte como requisito parcial para obteno do ttulo de Doutora em Educao.
Orientadora: Prof. Dra. Maria do Rosrio de Ftima de Carvalho. Co-orientadora: Prof. Dra. Betnia Leite Ramalho.
NATAL/ RN 2009
Catalogao da Publicao na Fonte. UFRN / Biblioteca Setorial do CCSA
Diviso de Servios Tcnicos
Gadelha, Maria Jos Fernandes.
Representaes sociais de formao continuada: com a palavra as
professoras do ensino fundamental da rede pblica de Natal-RN/ Maria Jos
Fernandes Gadelha. - Natal, RN, 2009.
180 f.
Orientadora: Profa. Dra. Maria do Rosrio de Ftima de Carvalho.
Tese (Doutorado em Educao) - Universidade Federal do Rio Grande
do Norte. Centro de Cincias Sociais Aplicadas. Programa de Ps-
Graduao em Educao.
1. Educao - Tese. 2. Representao social - Tese. 3. Formao
continuada - Tese. 4. Docente - Tese. I. Carvalho, Maria do Rosrio de
Ftima de. II. Universidade Federal do Rio Grande do Norte. III. Ttulo.
RN/BS/CCSA CDU 37.026(043.2)
MARIA JOS DE ARAJO GADELHA
REPRESENTAES SOCIAIS DE FORMAO CONTINUADA:
COM A PALAVRA AS PROFESSORAS DO ENSINO FUNDAMENTAL DA REDE
PBLICA DE NATAL - RN
Aprovada em: 15/12/2009
BANCA EXAMINADORA
PROF. DRA. MARIA DO ROSRIO DE FTIMA DE CARVALHO ORIENTADORA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROF. DRA. BETNIA LEITE RAMALHO (CO-ORIENTADORA) EXAMINADOR INTERNO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
PROF. DRA. MARILEIDE MARIA DE MELO EXAMINADOR EXTERNO - UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARABA
PROF. DRA. CLARILZA PRADO DE SOUZA EXAMINADOR EXTERNO - UNIVERSIDADE CATLICA DE SO PAULO
NEIDE VARELA SANTIAGO EXAMINADOR INTERNO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
LUS CARLOS SALES SUPLENTE EXTERNO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAU
MOISS DOMINGOS SOBRINHO SUPLENTE INTERNO - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE
Natal/RN 2009
Aos meus pais, Josias e Rosa, maiores exemplos na minha vida, pelo esprito de renncia, sabedoria e confiana em Deus, que os tornam o meu permanente ancoradouro.
AGRADECIMENTOS
Como em uma viagem nutica, uma pesquisa, para ser bem sucedida,
necessita alm de faris, planejamento e tripulao, da colaborao de muitas
pessoas, para que possamos embarcar e desembarcar com segurana e satisfao
nos muitos ancoradouros existentes no percurso. Mas o maior ancoradouro
invisvel, o apoio que vem da f. Eis o porqu do meu primeiro e principal
agradecimento ser este:
A Deus e a Nossa Senhora, presenas constantes em minha vida, fazendo-
me renovar a cada dia.
Aos meus filhos Kenia, Eugnio, Edmar e Edmara; a Renata, Tineza e
Ronaldo (noras e genro, mas tambm filhos de corao); e minha neta querida
Fernanda, pelo bem querer e compreenso durante essa trajetria.
minha irm Regilane, amiga, pelo seu permanente e contagiante alto
astral, bem como aos demais familiares.
s professoras, companheiras imprescindveis nesse percurso, que
contriburam com as suas vozes para a consecuo deste trabalho e que vivem o
eterno desafio de aprender e ensinar.
professora Maria do Rosrio de Ftima de Carvalho, orientadora
comprometida em defender a autonomia acadmica e desafiar seus orientandos
busca de faris que possibilitam navegar em mares nunca vistos, pela capacidade
intelectual, afetiva, incentivo e amizade.
professora Betnia Ramalho, coorientadora, pelo acolhimento e mediao.
professora Marileide Maria de Melo, pela leitura cuidadosa nos seminrios
doutorais I e II, recomendaes, apoio terico-metodolgico e disponibilidade em
iluminar os caminhos para o conhecimento das nuances do EVOC e do ALCESTE,
decisivos nas anlises aqui empreendidas.
amiga Tarcimria, por haver favorecido as articulaes com o professor
Accioly para o tratamento dos dados no ALCESTE, a quem estendo a minha
gratido pela ateno que me dispensou.
s colegas dessa trajetria, pelas trocas e parcerias, Mrcia, Juliana,
Valdeci, Vera Chalegre, Aldeci, Diva, Danielle, Nati, Evaldo e tantos/as outros/as que
me ensinaram a ouvir, refletir, agir.
Aos mdicos que contriburam para que eu chegasse saudvel ao trmino
desta pesquisa, especialmente Dr. Natanael Luz (e minha grande amiga Grainha,
sua esposa), Dr.Ricardo Maia, Dr. Daniel e Dra. Raimunda Silva, o meu
reconhecimento pela assistncia e presena constantes.
A Silvio Caldas que encheu a minha vida de alegria e me fez compreender
que preciso viver intensamente cada momento da vida.
Ao professor Ermerson Oliveira, coordenador da Assessoria de
Planejamento e Avaliao da SME e s colegas Eliene, Anizia, Joslia, Sheila,
Yusca, Danielle Kaline, Dayse, Palmira, Auxiliadora, Srlia, pela presena amiga e
compreensiva nos momentos finais deste trabalho e especialmente a Regina que leu
cuidadosa e criticamente as primeiras partes desta pesquisa, sugerindo
complementaes.
A Margarete, Andra, Cludia, Eden, Taisa, Leuzene, Maria Jos Santos e
presidente da Comisso de Formao Continuada, Ensino e Pesquisa, Secretria
Adjunta Pedaggica, Tnia Leiros, pelo coleguismo e parcerias na construo
coletiva da poltica de formao continuada da Secretaria Municipal de Educao.
A Dany e Karine, pelo inestimvel apoio na formatao e pelo trabalho nas
ilustraes.
professora Francisca Freire da Costa (Fef) pela competente reviso da
Tese.
Aos meus professores desde os primeiros ancoradouros, especialmente
queles da ps- graduao, que nesses trs anos e meio contriburam para
movimentar esta viagem nutica.
A todas e a todos que habitam o meu mundo fraterno e afetivo, que, direta
ou indiretamente, contriburam para que este trabalho possa ser defendido, meu
MUITO OBRIGADA!
RESUMO
A investigao metaforicamente apresentada como uma viagem nutica, tendo como objeto de estudo as representaes sociais de formao continuada de professores do Ensino Fundamental e como objetivo analis-las comparativamente em relao s participantes das redes estadual e municipal, situadas em Natal/RN, Brasil. Contriburam para o alcance desse objetivo as vozes de 158 professoras, a vasta literatura sobre formao em desenvolvimento profissional e as formulaes tericas propostas por Moscovici e colaboradores, com relevncia a Teoria do Ncleo Central defendida por Abric. O corpus decorrente das evocaes em torno de formao continuada e as justificativas das docentes foram submetidas a diferentes mtodos/tcnicas informatizados, por meio dos Programas EVOC e ALCESTE, respectivamente, oportunizando evidenciar uma rede de interconexes entre o provvel ncleo central e as produes discursivas. Embora os iderios pedaggicos que perpassam as representaes sociais das docentes da rede estadual sejam ancorados em concepes escolanovista e tecnicistas e as das professoras da rede municipal tendam a um iderio scio-interacionista, a opo por trabalhar com o campo simblico permitiu identificar o compromisso poltico-social dos grupos com os impactos da formao na aprendizagem de seus alunos. Palavras-chave: Representaes sociais. Formao continuada. Docente.
ABSTRACT
Metaphorically, research is presented as a journey by sea, having as object of study the social representations of Continuing Education for teachers of elementary school and as aim, to analyze them in comparison of participants from state and municipal systems, located in Natal-RN, Brazil .They have contributed to the achievement of this objective the voices of 158 teachers, the vast literature on training in professional development and the theoretical formulations proposed by Moscovici and colleagues, with relevance to the Central Nucleus Theory advocated by Abric. The corpus resulting from evocations about continuing education, as well as teachers' justifications were submitted to different computer methods/techniques, through the EVOC ALCESTE Programs, respectively, providing the opportunity to highlight a network of interconnections between the likely core and the production of discourse. Although the educational ideologies that underlie social perception of the state teachers are anchored in New School and technicist concepts and the teachers in the city tend to an ideology of social interaction, the choice of working with the symbolic field identified the political-social commitment of groups with the impacts of training on learning of their students. key-words: Social representations. Continuing education. Teaching.
RESUM
La Recherche est mtaphoriquement exprime (prsente) comme um voyage nautique, ayant par object dtude les reprsentations sociales de formation continuelle de professeurs dEnseignement Fondamental, ayant comme but de faire lanalise de cettes reprsentations par comparaison l gard des participants des rseaux dEtat et municipal, assises la ville de Natal-RN-Brsil Les voix de 158 professeurs ont contribu pour la russite de cet objectif, aussi que lempleur(vaste) littrature sur la formation en developpement professionnel et les formulations thoriques proposses par Moscovici et ses colaborateurs davantage, en relief, la Thorie du Noyau Central dfendue par Abric. Le corpus dcoulant des vocations autour de la formation continue et des vocations autour de la formation continue et des justificatifs des corps denseignants ont t soumises diffrentes mthodes/ tchniques informatises au moyen de programmes EVOC et ALCESTE, en mme temps que mets en vidance un rseau dinterconnections parmi Le probable Noyau Central et les productions discursifs.Bien que les ides pdagogiques, qui passent travers les reprsentations sociales de corps denseignant de la rseau de lEtat aient tabli en conceptions coleneuvistes et technicistes et les professeurs de la rseau municipal penchent a une ide social-interactiviste loption pour travailler avec le champ symbolique a permis didentificier le compromi politique-social des groupes avec les impacts de la formation dans lapprentissage de ses lves. Mots-cl: reprsentations sociales; formation continue; corps denseignants.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Fatores Determinantes Dos processos de desenvolvimento profissional
dos professores. ........................................................................................................ 68
Figura 2: Distribuio de frequncia decorrente da expresso indutora formao
continuada (clculo para frequncia mdia e frequncia mnima das professoras
vinculadas Seec) RANGMOT ............................................................................... 114
Figura 3: Distribuio de frequncia decorrente da expresso indutora formao
continuada (clculo para frequncia mdia e frequncia mnima das professoras
vinculadas Sme) RANGMOT .............................................................................. 114
Figura 4: Dendograma Das Classes Classificao Hierrquica Descendente Do
Corpus Discursivo .................................................................................................. 126
LISTA DE TABELAS
Tabela 1: Nmero de professores dos anos iniciais do ensino fundamental,
conforme o sexo, vinculados Rede Municipal de ensino de natal por regio
administrativa Natal/RN/2008 ............................................................................... 100
Tabela 2: Distribuio das professoras investigadas segundo faixa etria e vnculo
empregatcio ............................................................................................................ 102
Tabela 3: Distribuio das professoras da investigao segundo a qualificao
profissional e vnculo empregatcio ......................................................................... 103
Tabela 4: Distribuio das professoras conforme a quantidade de anos de
experincia no magistrio e vnculo empregatcio ................................................... 104
Tabela 5: Distribuio dos entrevistados segundo a quantidade de anos de
experincia em sala de aula e vnculo empregatcio ............................................... 105
Tabela 6: Demonstrativo de participao das professoras em cursos (formao
continuada).............................................................................................................. 106
Tabela 7: Distribuio dos cursos frequentados pelas participantes da pesquisa
conforme o vinculo empregaticio ............................................................................. 107
LISTA DE GRFICOS
Grfico 1: Distribuio das professoras da pesquisa segundo o vnculo empregatcio
................................................................................................................................ 101
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Evocao das professoras vinculadas SEEC com relao formao
continuada............................................................................................................. 116
Quadro 2: Evocao das professoras vinculadas SME com relao formao
continuada ............................................................................................................ 118
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ALCESTE Analyse Lexicale par Context dun Ensemble de Segments de Texte
BM Banco Mundial
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Ensino Superior
CEPAL Comisso Econmica para a Amrica Latina e o Caribe
CHD Classificao Hierrquica Descendente
CNSN Colgio Nossa Senhora das Neves.
COED Coordenadoria de Educao
CPDE Centros de Pesquisa e de Desenvolvimento da Educao
EEEB Escola Estadual Edgar Barbosa
EEFIC Escola Estadual Francisco Ivo Cavalcante
EFA Educations For All
EPEN Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste
EVOC Ensemble ds Programes Permettant lAnalyse des vocations
FUNDEF Fundo de Manuteno e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e
de Valorizao do Magistrio
GMR Grupo Metodologicamente Representativo
HB Habilitao Bsica
IDE Instituto de Desenvolvimento de Educao
IES Institutos de Ensino Superior
IFESP Instituto de Formao de Educao Superior Presidente Kennedy
IFP Instituto de Formao de Professores Presidente Kennedy
LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educao Brasileira
MEC Ministrio da Educao
NC Ncleo Central
NURE Ncleo Regional de Ensino
OME Ordem Mdia das Evocaes
PAR Plano de Aes Articuladas
PROMEDLAC Projeto de Educao para a Amrica Latina e Caribe
PMN Prefeitura Municipal de Natal
PNE Plano Nacional de Educao
PPP Projeto Poltico Pedaggico
RS Representao Social
SECD Secretaria de Estado da Educao, da Cultura e dos Desportos do Rio
Grande do Norte
SEEC Secretaria de Estado da Educao e da Cultura
SME Secretaria Municipal de Educao
TELP Tcnica de Associao Livre de Palavras
TNC Teoria do Ncleo Central
TRS Teoria das Representaes Sociais
UNE Unidade de Contexto Elementar
UCE Unidade de Contexto Elementar
UCI Unidades de Contextos Iniciais
UERN Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
UFRN Universidade Federal do Rio Grande do Norte
UnP Universidade Potiguar
ZDP Zona de Desenvolvimento Proximal
SUMRIO
PARTE 1 .................................................................................................................. 16
1 EVOCANDO OS PRIMEIROS ANCORADOUROS ............................................... 17
1.1 TRAJETRIA COMO PROFESSORA: PRIMEIRAS INCURSES .................... 23
1.2 OS PROCESSOS INVESTIGATIVOS NA FORMAO DOCENTE: AS
PRIMEIRAS COORDENADAS .................................................................................. 29
PARTE 2 ................................................................................................................... 39
2 TRAANDO A ROTA: SITUANDO A INVESTIGAO ....................................... 40
PARTE 3 ................................................................................................................... 53
3 FAZENDO AS MALAS: SELECIONANDO OS APORTES TERICO-
METODOLGICOS .................................................................................................. 54
3.1 FORMAO CONTINUADA DE PROFESSORES: INFLUNCIAS E
PROPOSIES ........................................................................................................ 55
3.1.1 A etimologia como bssola dos sentidos e significados de formao
continuada ............................................................................................................... 56
3.1.2 Formao continuada: as provises do discurso pedaggico e do
discurso econmico ............................................................................................... 68
3.1.3 Formao continuada: a legislao educacional brasileira como lastro .. 76
3.2 REPRESENTAES SOCIAIS COMO FERRAMENTA DE PESQUISA............ 82
3.2.1 Teoria do ncleo central: abordagem estrutural das representaes
sociais ...................................................................................................................... 88
3.3 A TCNICA DE ASSOCIAO LIVRE DE PALAVRAS: A METODOLOGIA
COMO ESTRATGIA DE COLETA DE DADOS ...................................................... 90
3.4 TRATAMENTO DOS DADOS: UTILIZAO DOS SOFTWARES EVOC E
ALCESTE .................................................................................................................. 95
PARTE 4 .................................................................................................................. 96
4 IDENTIFICANDO AS COMPANHEIRAS DE VIAGEM .......................................... 97
4.1 FEMINIZAO NO MAGISTRIO ...................................................................... 98
4.2 VINCULAO INSTITUCIONAL ...................................................................... 100
4.3 FAIXA ETRIA ................................................................................................. 101
4.4 QUALIFICAO PROFISSIONAL ................................................................... 102
4.5 EXPERINCIA NO MAGISTRIO E EM SALA DE AULA ............................... 104
PARTE 5 ............................................................................................................... 110
5 CRUZANDO MARES E DESCOBRINDO HORIZONTES .................................. 111
5.1 ANALISANDO PAISAGENS A PARTIR DO EVOC .......................................... 112
5.2 INTERPRETANDO O ARRANJO ESTRUTURAL DAS PAISAGENS A PARTIR
DO ALCESTE ......................................................................................................... 121
5.2.1 Classe A: formao para o sucesso escolar do aluno............................. 126
5.2.2 Classe B: aprimorando a prtica ............................................................... 128
5.2.3 Classe C: troca de experincias ................................................................ 131
5.2.4 Classe D: descompromisso institucional com o ensino e a aprendizagem
............................................................................................................................... 134
5.2.5 Classe E: atualizao de conhecimentos .................................................. 137
5.2.6 Classe F: conhecimento: abertura para novos horizontes ...................... 138
PARTE 6 ................................................................................................................ 142
6 UM BREVE DESEMBARQUE ............................................................................ 143
REFERNCIAS ...................................................................................................... 148
APNDICES .......................................................................................................... 162
APENDICE A: FOLHA DE PROTOCOLO DA APLICAO DA TCNICA DE
ASSOCIAO LIVRE DE PALAVRAS (TALP) ...................................................... 163
APNDICE B: FOLHA DE IDENTIFICAO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA
............................................................................................................................... 164
APNDICE C: DEMONSTRATIVO DOS PARTICIPANTES DA PESQUISA,
CONFORME NMERO DE ORDEM, INSTITUIO, FAIXA ETRIA,
QUALIFICAO, PARTICIPAO EM CURSOS E EXPERINCIA DOCENTE ... 165
APNDICE D: DEMONSTRATIVO DAS PROFESSORAS, PRINCIPAIS
RESPONSVEIS PELA PRODUO DAS UCE, CONFORME A CLASSE,
ESCOLA, FAIXA ETRIA, QUALIFICAO E TEMPO DE EXPERINCIA EM SALA
DE AULA ................................................................................................................ 171
PARTE 2
17
1 EVOCANDO OS PRIMEIROS ANCORADOUROS
O desenvolvimento de vnculo social e das capacidades intelectuais e afetivas comea quando o indivduo vem a perceber que o outro tem uma significao no seu prprio mundo interior. (Serge Moscovici)
Navego na minha incompletude, no percurso ininterrupto que se faz e se
refaz. Por meio de diversos olhares, de diferentes faris, procuro estabelecer
relaes entre a minha trajetria de vida acadmico-profissional - como estudante e
professora formadora de professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental da
Educao Bsica com o meu objeto de estudo: as representaes sociais de
formao continuada dos docentes dos primeiros anos do Ensino Fundamental,
numa metafrica viagem nutica.
O relato de uma viagem nutica evoca os pontos de partida, ancoradouros,
provises, bagagem, enfim, uma preparao minuciosa e com antecedncia, caso
contrrio no proporcionar os recursos interpretativos das diferentes paisagens e
portos visitados.
O meu primeiro ancoradouro nesta viagem so os meus pais, meus
primeiros mestres. Como um navio, os humanos precisam de um porto e de pontos
de referncia para embarcar e ancorar1, especialmente nos primeiros anos de vida.
Ao nascer encontram conceitos, preconceitos, esteretipos, enfim, representaes
sociais que compartilham em suas relaes sociais, definidoras de atitudes. As
representaes sociais se apresentam do ponto de vista dinmico [...] como uma
rede de idias, metforas, imagens, mais ou menos interligadas livremente e por
isso, mais mveis e fluidas que teorias. Moscovici (2003, p. 210). A esse respeito,
Domingos Sobrinho (2003, p.66) reporta-se a Jodelet (2001, p. 34) que afirma:
1 Ancorar, nesta parte do texto, assume o significado de lanar a ncora para com ela manter o navio
seguro. (DICIONRIO NUTICO, 2009). O sentido de ancorar quando me reporto s representaes sociais transformar [...] algo estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o compara com um paradigma de uma categoria que ns pensamos ser apropriada. quase como que ancorar um bote perdido em um dos boxes (pontos sinalizadores) de nosso espao social. (MOSCOVICI, 2003, p.61).
18
partilhar uma idia ou uma linguagem tambm afirmar um vnculo social e uma
identidade.
Minha me cursou o 5 ano primrio e tornou-se professora na cidade de
Frei Martinho, na Paraba, Nordeste brasileiro. O meu pai aprendeu a assinar o
nome a fim de conseguir uma carteira de habilitao de motorista quando os seus
filhos j eram adultos. Meus pais, fugindo das intempries da seca, como
agricultores, vieram residir em Natal, no Rio Grande do Norte (RN), em 1953.
Segundo eles, desejavam um futuro melhor para os seus filhos e at hoje repetem
que queriam que seus filhos fossem gente. At h pouco tempo trabalhavam no
comrcio, na Avenida Presidente Quaresma (Avenida Um), no Bairro do Alecrim, em
Natal. Hoje, s portas dos seus 90 anos de idade, meus pais ainda fazem e vendem
doce caseiro e falam s pessoas do orgulho de terem trs de seus quatro filhos
formados. Exemplos de determinao, generosidade e perseverana. Tm como
prtica e aconselham no falar sobre as adversidades, mas us-las como escadas
para o crescimento espiritual e valorizao do pouco conseguido.
Tentarei, nos limites desta narrativa, conforme prope Delory-Momberger
(2008), destacar as conquistas e as influncias que possibilitam integrar, estruturar e
interpretar as situaes e os acontecimentos vividos.
Meu segundo ancoradouro foi uma escola pblica, em Natal/RN. O contato
com professoras qualificadas ocorreu aos cinco anos de idade, no Grupo Escolar
Joo Tibrcio. A professora Alzira e a professora Edilza haviam concludo a Escola
Normal2. Com elas aprendi, no Jardim de Infncia, o valor do cumprimento dos
horrios (pontualidade), assiduidade e a importncia do acolhimento aos alunos.
Mesmo no Ensino Superior, nos dias atuais, quando assumo uma turma, aguardo
ansiosa a chegada de meus alunos e procuro acolh-los, desenvolvendo a
habilidade de ouvir e tambm posicionar-me quando percebo ser necessrio.
Destaco ainda a importncia do zelo pelos registros escolares. At outro dia,
guardava as minhas primeiras pinturas e cadernos para mostrar aos meus filhos
como aprendi a pintar e como era o ensino no final da dcada de 1950.
2 A Escola Normal fundada em 13 de maio de 1908, pioneira na formao de professores primrios
no RN funcionou no incio no velho prdio do Atheneu Norte-rio-grandense. Posteriormente foi instalada em um prdio prprio e tinha como um dos seus objetivos: desenvolver e propagar os conhecimentos e tcnicas relativas educao da infncia (Decreto-lei 8.530), e em 1961 foi transformado em Instituto de Educao Presidente Kennedy. (OLIVEIRA, 1990).
19
No Jardim de Infncia aprendi a danar, a tocar pequenos instrumentos
musicais, a ser espectadora, a apresentar as primeiras manifestaes populares,
como Pastoril e Bumba meu Boi. A escola pblica tinha qualidade, mas era para
poucos.
Cursei o primeiro ano primrio no Colgio Sagrada Famlia. Era um colgio
administrado por padres e a nfase maior era na aprendizagem da matemtica e da
leitura. Sentia enorme dificuldade em decorar a tabuada e uma vez fiquei de castigo
na diretoria do colgio at conseguir decorar uma tabuada e apreender que a
operao de multiplicar era parecida com a adio. Memorizava com facilidade as
msicas e poesias e por esse fato era convidada a declamar nas datas
comemorativas, bem como pela entonao da voz. Hoje, sinto ainda a influncia da
poesia na minha formao e relembro uns versos que recitei no Dia das
Professoras, que conclua assim: [...] mestre que posso ainda fazer? para ser
mestre preciso crer, para ser mestre preciso acreditar, para ser mestre preciso
amar. (Autor desconhecido). No livro do quinto ano primrio, mesmo tendo
apropriando-me de todo o contedo conhecimentos gerais, postos no manual
bsico para concorrer ao exame de admisso3, fui reprovada no Instituto Padre
Miguelinho (instituio da rede pblica estadual), muito requisitada na poca pelo
nvel de exigncia e de qualificao dos docentes, mas tambm caracterizada pelo
carter seletivo excludente, gerado pelas circunstncias histrico-sociais e polticas,
expresso de um contexto onde se destacava a seletividade do ensino. Mesmo com
a mdia exigida por aquele exame, no tive acesso escola pblica porque outros
estudantes obtiveram notas mais altas. Assim cursei o ginasial no Colgio Nossa
Senhora das Neves CNSN, instituio particular, onde a maioria das professoras
3 At o final da dcada de 1960, o ensino secundrio brasileiro foi constitudo, em cada momento
histrico, predominantemente de exames parcelados, destinados a poucos privilegiados, na maioria dos casos, em cidades prsperas das regies do Pas. Aps a chamada Reforma Francisco Campos instituda a seriao para todo o curso secundrio oferecido no Pas. Institudo pela Lei Orgnica do Ensino Secundrio: Decreto-Lei 4.244 de 9 de abril de 1942 organizou o curso secundrio, composto de um primeiro ciclo, com quatro sries, denominado de Ginasial, e de um segundo ciclo, composto pelo curso Clssico ou Cientfico, para uma opo ou para outra, de trs sries. Para matricular-se no ensino secundrio, ou seja, para ingresso no curso ginasial, necessitava apresentar prova de que no portava doena contagiosa, apresentar atestado de vacinao. Em seu artigo 32, constava que o aluno deveria: a) ter pelo menos onze anos, completos ou por completar at o dia 30 de junho e ter recebido satisfatria educao primria; b) ter revelado, em exames de admisso, aptido intelectual para os estudos secundrios; e no captulo VI Dos exames de admisso a lei instrua que esses exames poderiam ser realizados em duas pocas, dezembro e fevereiro. Exigia nos artigos 31 e 32 (anteriormente citados) nos pargrafos 2 e 3, respectivamente, que em caso de o aluno no ser aprovado em primeira poca, o mesmo poderia inscrever-se na segunda poca, mas no podia, na mesma poca, repetir os exames em outros estabelecimentos. (OLIVEIRA, 1990).
20
eram as irms Filhas do Amor Divino. Para efetuar o pagamento das mensalidades
meus pais precisaram redobrar o trabalho acordando pelas madrugadas para servir
lanche aos feirantes e assim honrar o compromisso de pagar o Colgio em dia.
Aprovada, no mesmo perodo, no exame de admisso no CNSN, l
permaneci com sucesso at o 1 ano cientfico. Reconheo que uma escola bem
estruturada, com limites de tempo, respeito pelas possibilidades e limites do outro,
espao com acervo bibliogrfico para os estudos, a firmeza de propsitos (sem
perder a ternura) at hoje foram elementos apreendidos nessa etapa da minha vida
estudantil, com reflexos no meu percurso familiar e profissional. Sou uma boa leitora
graas ao acesso dirio biblioteca daquele colgio, onde pude selecionar os livros,
nos intervalos de aula e lev-los por emprstimo para ler em casa.
Ao trmino do primeiro ano cientfico, casei-me, constitui uma famlia com
quatro filhos, um terceiro ancoradouro. Assumi a responsabilidade de acompanhar o
processo evolutivo dos mesmos, nas mltiplas dimenses, seguindo a sabedoria do
meu pai que diz sempre: [...] a maior herana que deixei para os meus filhos foi o
saber e este ningum tira.
Sempre aspirando ampliar os conhecimentos, aps sete anos de interrupo
dos estudos sistemticos tornei-me autodidata4, submetendo-me aos exames do
Supletivo 2 grau e seis meses depois ingressei no Curso de Pedagogia, na
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Procurarei centrar-me, a partir de agora, nos limites desta narrativa, nas fases
de minha vida acadmica que considero meu quarto porto, relevante para o meu
desenvolvimento profissional e pessoal. [...] preciso que se perceba que nas
mltiplas articulaes destas esferas que se coloca a totalidade da formao dos
profissionais da educao. (ALVES, 1998, p.63).
Ao escrever primeiramente em um caderno, descobri vrios (re)encontros:
comigo mesma, com os/as ex-alunos/as, ex-professores, com os companheiros
4 Ao analisar como me tornei autodidata, reconheo a importncia da autoformao no
desenvolvimento profissional docente. A aprendizagem do adulto difere do aprender da criana. H um desejo que move o adulto para buscar novos conhecimentos e geralmente com objetivos definidos (implcitos ou explcitos). Marcelo Garca afirma que [...] ainda que os adultos aprendam (conhecimentos, competncias, atitudes e disposies) em situaes formais, parece ser atravs da aprendizagem autnoma que a aprendizagem do adulto se torna mais significativa. (GARCA, 1999, p.52). Diante desse entendimento, reporta-se a Merrian e Caffarella (1991, p.41) ao afirmarem que [...] a aprendizagem autnoma o modo como a maior parte dos adultos adquire novas idias, competncias e atitudes [...] devido ao fato de serem aqueles que aprendem quem tem a principal responsabilidade na planificao, desenvolvimento e avaliao das suas prprias experincias de aprendizagem.
21
educadores, com os ciclos de vida ressignificados, enfim, com interlocutores que
compartilharam saberes em trs dcadas da minha vida profissional e pessoal.
Nesse sentido, os registros revelam os progressos e reveses desse percurso, como
ser histrico, poltico-social e idiossincrtico que constri conhecimentos, valores e
posturas de forma interativa no meio cultural. Neles, percebo as influncias
familiares, profissionais, culturais e acadmicas, os sentimentos de pertencimento a
diversos grupos e movimentos sociais vivenciados em favor da incluso e sucesso
escolar de todos, onde sempre procurei ocupar espaos de compartilhamento e
envolvimento em aes comprometidas com as causas sociais e a promoo dos
direitos humanos.
Considero que os ancoradouros e mares navegados contriburam na minha
formao, nas prticas cotidianas, no meu empenho, desempenho e nas minhas
(re)descobertas existenciais, fundamentais no meu processo formativo contnuo.
Nele vo se configurando e se constituindo a minha conscincia de mundo e o
reconhecimento da importncia de um trabalho colaborativo e participativo, que visa
contribuir com a humanizao da educao e da sociedade brasileira.
Ao investigar como se constitui uma conscincia e suas manifestaes,
identifiquei no Prefcio do livro do mestre Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, a
seguinte afirmao do professor Ernani Maria Fiore: [...] a conscincia emerge no
mundo vivido, objetiva-o, problematiza-o, compreende-o como projeto humano. [...]
essa misteriosa e contraditria capacidade que tem o homem de distanciar-se das
coisas para faz-las presentes, imediatamente presentes. (FREIRE, 1987, p.14).
Revelam-me essas palavras o meu assumir consciente, a postura avaliativa, os
processos interativos, colaborativos e as problematizaes que emergem desse
processo, presentes nas minhas aulas nos ltimos anos.
Acredito que todos podem contribuir na re-elaborao do mundo,
transformando-o e contrariando o que afirmam os grupos hegemnicos que cada
um tem o que merece!. necessria a relativizao dessa viso meritocrtica, pois
o mundo que humanizado pela maioria dos homens, no os humaniza. As mos
que o fazem no so as que o dominam. Esse pensamento ilustrado pela msica
popular brasileira, interpretada por Z Ramalho e por Z Geraldo, denominada
Cidado, especialmente no verso que diz:
22
T vendo aquele colgio moo, eu tambm trabalhei l, l eu quase me arrebento, pus a massa, fiz cimento, ajudei a rebocar. Minha filha inocente vem pra mim toda contente: - Pai vou me matricular. Mas me chega um cidado: - criana de p no cho, aqui no pode estudar [...]. (RAMALHO NETO, 2005).
Reflexes que encorajam qualquer um/a a tomar as rdeas de sua vida e
decidir registr-las. Reporto-me conscientizao no como fanatismo, mas como
uma necessidade que possibilita ao homem inserir-se efetivamente no processo
histrico e social da humanidade e dele participar. Procuro desse modo assumir o
timo do barco5 e navegar em algumas fases de minha vida, ancorando em dois
novos portos: o primeiro denomino Trajetria como professora: primeiras incurses.
O segundo, Os processos investigativos na formao docente: identificando as
primeiras coordenadas.
Tomo como referncia nesta parte do estudo a Temporalidade de Formao,
defendida por Pineau (2003, p.13) [...] o aprendizado da vida, sem dvida, no
acontece sem o aprendizado dos contratempos, condio importante para o acesso
sua realidade dialtica, seu devir, sua formao permanente.
sobre esse aprendizado na vida e com a vida que registro os momentos
considerados formativos, na tentativa de ressignific-los. Utilizo, ainda, como aporte
terico, os postulados de histrias de vida em Pineau (2003, 2006), Josso (2004),
Passeggi (2003, 2006), dentre outros estudiosos que trabalham com histrias de
vida, desde 1980, ampliando diuturnamente seus estudos, na perspectiva de
pesquisa e formao no campo da profisso docente. Corrente que se inscreve em
um movimento biorreflexivo, possibilita a construo de novos espaos conceituais e
aos sujeitos apropriarem-se do poder de refletir sobre as suas vidas, projetar e agir
conscientemente.
Ento, procuro refletir sobre a minha formao inicial e o meu
desenvolvimento profissional como docente, buscando na minha vida acadmica as
experincias e as influncias na minha prtica pedaggica, com os seus sentidos.
Processos formativos que ocorreram e ocorrem em um contexto concreto - em
Natal/RN, no Nordeste brasileiro espao onde o ensino e a aprendizagem foram
sendo configurados segundo caractersticas especficas, que merecem ser
analisadas em razo do contexto educacional e poltico-social em que se situam.
5 Expresso que associei, metaforicamente, direo dada pesquisa ora relatada, pois timo o
leme que o timoneiro segura para controlar o rumo do barco. O leme o componente responsvel pela manobra da embarcao. (DICIONRIO NUTICO, 2009).
23
Para alm dessa perspectiva, enfatizo a necessidade do desenvolvimento
profissional docente, fundamental ao exerccio docente, levando em conta os
desafios do sculo XXI, tendo como referncias bsicas os estudos desenvolvidos
por Nvoa (1991, 1992a, 1992b), Gauthier et al (1998), Garca (1999), Ramalho,
Nuez e Gauthier (2003), dentre outros que consideram a formao como um dos
instrumentos mais potentes para democratizar o acesso das pessoas cultura,
informao e ao trabalho.
Do exposto, posso dizer que analisarei a minha trajetria de vida acadmico-
profissional nos portos j anunciados, como aprendiz e docente, compartilhada na
prpria prtica pedaggica cotidiana com os meus pares e na perspectiva do
desenvolvimento profissional com o outro e para o outro. Como estratgia, escolhi o
mergulho nas histrias de vida na formao de professores, com o intuito de refletir
em torno das seguintes questes: Por que importante o(a) professor(a) elaborar
registros sobre a sua prpria vida, como aprendiz permanente e como docente? Que
elementos evocados nas narrativas podem contribuir na construo de uma postura
investigativa e avaliativa comprometida com a melhoria do desempenho dos
estudantes? Esses questionamentos no sero respondidos neste trabalho. So
reflexes que contribuem para eu rememorar fatos e vivncias, dar sentido s
minhas experincias e aes formativas, perante o mundo e a outros seres
humanos, processo efetivamente educativo.
1.1 TRAJETRIA COMO PROFESSORA: PRIMEIRAS INCURSES
[...] a renovao dos estoques mentais e culturais no passa apenas pela incorporao do novo, ou talvez no se detenha nela. Ela requer igualmente a transformao do familiar, sua transposio para novos quadros, em readequao ao presente, quando preciso tornar inditos estranhar elementos at ento familiares. [...] a busca do novo que reordenar o familiar, mesmo que isto signifique desorden-lo, num primeiro momento.
(ngela Arruda)
Nas relaes sociais e de interioridade (como pessoa, profissional, ser
poltico scio-histrico e cultural), como o timoneiro de um barco, identifico nas
24
cartas nuticas e experincias formativas os rumos que devem ser seguidos,
reconheo a importncia dos saberes apropriados e dos determinantes que
influenciam os percursos. Nessa direo, as narrativas tornam-se mais uma
reinterpretao que um relato. Percebo acontecimentos que possuam um
significado no momento em que foram vivenciados e que hoje servem como
coordenadas para alcanar novos horizontes.
Dentre os faris que sinalizam os rumos a ser tomados, rememoro a minha
primeira experincia como professora, em maro de 1979, na Escola Estadual
Presidente Kennedy. Instituio considerada modelo de formao para os
professores que lecionavam na pr-escola e nas sries iniciais do primeiro grau.
Tive como parmetro bsico os bons professores, especialmente os que impuseram
lies de civilidade como: saber ouvir (no sentido de silenciar quando o mestre
falava ou um colega de turma); responsabilidade; pontualidade e assiduidade;
amorosidade; e domnio do contedo.
Fui indicada pelas minhas professoras para o ingresso no quadro do
magistrio quando ainda estudante do Curso de Pedagogia, na UFRN, um dos
critrios utilizados pela Escola na poca. Momento em que a Lei de Diretrizes e
Bases LDB n 5692/71 regulamentava a educao em todo o territrio nacional e
definia a formao mnima para o exerccio do magistrio, conforme o Captulo V,
artigos 29 a 40. A poltica educacional brasileira influenciada pela tecnocracia,
gestada no Ministrio de Planejamento pelos militares, tinha a finalidade de manter
a ordem, garantir a paz social e assegurar a acelerao do desenvolvimento
econmico e do progresso social. Dessa forma, os princpios da racionalidade,
eficincia e produtividade eram transferidos da economia para a educao, com
todos os equvocos e reducionismos possveis, tiveram reflexos na minha formao
inicial e continuada, nesse perodo. Formao docente perpassada por um iderio
tecnicista com uma viso puramente instrumental e pretensamente neutra tinha
como referncia a coerncia interna, sem considerar o contexto histrico das
produes cientficas, os estudos desenvolvidos pelos profissionais em seu
cotidiano, a especificidade da educao escolar e suas implicaes. Poucas eram as
professoras e professores, no Curso de Pedagogia da UFRN, que utilizavam
abordagens libertadoras e me apresentaram o mestre Paulo Freire, como a
25
professora MS.c6 Leda Nunes, o professor MS.c Paulo de Tarso, a professora MS.c
Dione Violeta, Dra. Neide Varela, dentre outros presentes nesse processo.
Os efeitos da LDB 5692/71 contriburam para que o antigo Curso Normal
cedesse lugar a uma Habilitao Bsica HB, em nvel de 2 Grau, entre as muitas
disponveis no mbito de uma profissionalizao universal e compulsria para esse
nvel de ensino. Assim, a HB em magistrio no oferecia os fundamentos
necessrios ao exerccio da docncia, numa perspectiva emancipatria de ensino e
nem os conhecimentos necessrios para o acesso dos estudantes ao terceiro grau.
A dimenso institucional e a fora da LDB, em vigor, como maremotos7
arrastaram os institutos de educao que aos poucos deixaram de existir; e a
formao de professores para ministrar aulas, agora uma habilitao, tornou-se
restrita aos pedagogos, que centravam suas prticas ao como ensinar nas sries
iniciais do 1 grau, em detrimento do para qu ensinar e aprender. Nesse cenrio,
como concluinte do Curso de Pedagogia, assumi no Kennedy trs disciplinas no
Curso de Magistrio: Didtica Geral, Biologia Educacional e Psicologia Educacional.
Sob a orientao da supervisora pedaggica Maria do Socorro Freire, iniciei
as atividades em cada uma das quatro turmas, fazendo o teste de sondagem com as
alunas. O teste visava identificar os conhecimentos prvios das estudantes, de modo
a adequar o plano de ensino, elaborado na Secretaria de Estado da Educao, da
Cultura e dos Desportos do Rio Grande do Norte SECD/RN8. Havia, dessa forma,
uma dicotomia entre quem planejava os programas do Curso e quem os executava,
em nvel escolar. Os contedos eram transmitidos de forma explicativa, o que exigia
o domnio das teorias, com o apoio dos livros,9 organizados por Piletti (1975) e Turra
et al (1975). Assim prevalecia o qu e o como ensinar importantes na relao
contedo e mtodo.
6 MS.c a abreviatura Master of Sciense utilizada para designar a titulao das pessoas que
concluram o curso de ps-graduao em nvel de mestrado. 7 O maremoto uma espcie de terremoto que ocorre na superfcie da terra coberta pelas guas de
mares e oceanos. Pode ser provocado por um deslocamento de placas tectnicas ou outro tipo de abalo ssmico. A energia liberada no abalo ssmico forma ondas gigantes (at 30 metros) e at tsunamis. So extremamente perigosos para embarcaes em funo da alta agitao que ocorre nas guas dos mares ou oceanos afetados. Tambm podem provocar destruio em cidades litorneas situadas prximas ao epicentro do abalo ssmico. 8 Esta denominao dada pela Lei Complementar Estadual n 163 de 5/2/1999 foi alterada pela Lei
Complementar Estadual n 340 de 31/01/2007 que passou a ser denominada Secretaria de Estado da Educao e da Cultura (SEEC), transferindo os desportos para outra pasta. 9 Os livros so importantssimos em minha vida, ferramenta bsica para estabelecer a unidade
indissolvel teoria e prtica, em uma perspectiva crtica.
26
Analisando a minha prtica docente inicial, identifico fortes traos da
tendncia tradicional, reflexos das situaes formativas vivenciadas. Pretendia
desenvolver a arte de ensinar tudo a todos preconizada por Comenius (2006, p.9)
que explicita em sua obra A Didtica Magna o que significa ensinar [...] com solidez,
segurana e prazer. O seu conceito de educar, no sentido de ocupar a alma com
coisas teis e no com contedos vs, levava-me a alguns impasses quando ainda
no sabia distinguir o que seria til na formao dos futuros professores do primeiro
grau10.
Assim eu primava para dar a melhor aula possvel, revisando e ensaiando
previamente a forma/ o como11 iria apresentar os contedos aos alunos/as, dando
mais nfase metodologia. Geralmente recorria a esquemas explicativos com base
em livros tcnicos, apresentados em cartazes, lbum seriado e/ou no quadro de giz.
Nesse modelo, o professor reconhecido como um executor/reprodutor e consumidor de saberes profissionais produzidos pelos especialistas das reas cientficas, sendo, portanto, o seu papel no processo de construo minimizado, uma vez que ele ocupa um nvel inferior na hierarquia que estratifica a profisso docente. (RAMALHO; NUEZ; GAUTHIER, 2003, p.21).
A participao nos estudos coletivos realizados na Escola, aos sbados, a
participao nos treinamentos promovidos pela SECD/RN e as consultas aos
manuais orientadores da poca contribuam para eu assumir princpios pedaggicos
assentados na pedagogia tecnicista. Importantes na poca e necessrios enquanto
conhecimentos instrumentais, meios para assumir posteriormente uma prtica
pedaggica mais consciente. As crticas racionalidade instrumental na formao
docente, utilizadas como fim em si mesmo, impulsionaram debates e produes no
meio acadmico.
Destaco como decorrncia desse movimento, o Projeto O Ensino da
Didtica na UFRN e nos Cursos de Magistrio: uma proposta de atualizao.
Planejado, desenvolvido e acompanhado por uma equipe de professores do
Departamento de Educao, no perodo 1987 a 1989, contribuiu com a reviso
10
Apesar dessas indefinies terico-metodolgicas eu tinha saberes sobre o que ser um bom professor. Trazia a imagem dos professores/as, significativas em minha vida, aqueles exemplos que contriburam em minha formao humana que favoreceram o compromisso com a aprendizagem de todos/as os/as meus/minhas alunos/as. 11
A discusso de como fazer alguma coisa desligada de o que fazer, para que e para quem conduz a um equvoco terico-prtico grande, pois os estudantes (futuros professores) poderiam aprender o caminho que conduziria a algum lugar, sem saber para onde ir.
27
crtica dos contedos curriculares das disciplinas consideradas instrumentais
(Didtica Geral, Metodologia, Prtica de Ensino). Inicialmente coordenado pela
Professora MS.c Celina Santa Rosa teve a sua continuidade sob a coordenao da
Dra. Marta Maria de Arajo. Participei do referido Projeto no perodo abril/91 a
dezembro/92 que culminou com um Curso de Extenso, com uma carga horria de
360 horas, proporcionando aos participantes a descoberta das limitaes e novos
caminhos terico-metodolgicos, na perspectiva Histrico-Crtica12.
Momento em que criticvamos tudo, mas no assumamos uma postura
propositiva e qualquer proposta oficial, mesmo sendo apresentada por grupos de
estudos compostos por educadores progressistas e comprometidos com a melhoria
da formao docente, era combatida. O Curso contribuiu para a reflexo sobre as
ligaes entre o qu, para qu, para quem, como fazer, na unidade dialtica
teoria e prtica, enfim, superar a fragmentao de atividades didtico-pedaggicas,
como se estas no compusessem um todo orgnico. As dificuldades e as
possibilidades docentes eram problematizadas e postas em discusso, mediante
leituras recomendadas nas reflexes em torno das temticas e em exposies
pertinentes, assumindo uma dimenso poltica.
Esses relatos tornaram-se possveis pelos registros em meus cadernos e na
memria corporificada, vivida. Nessa linha de entendimento, Barbosa e Passeggi
(2006) recorrem a Pineau (2003) o qual considera que: a prtica das histrias de
vida permite a reordenao pessoal do tempo, o estabelecimento de uma coerncia
12
A Pedagogia Histrico - Critica, perspectiva terica adotada neste trabalho, considera o homem como sujeito das relaes sociais e a sua formao tida como um processo histrico, dinmico que lhe possibilita apropriar-se da realidade e a constri de acordo com o seu sistema de significao pessoal (sentido) e social (significado), processo indissocivel. Considera os professores como profissionais da educao, intelectuais necessrios construo de um projeto social emancipador que oferece as condies necessrias educao bem sucedida de crianas, jovens e adultos. As discusses iniciais dessa Pedagogia comearam a ser delineadas no livro Escola e Democracia, quando Dermeval Saviani prope uma nova teoria crtica de educao, na busca de respostas pergunta: possvel encarar a escola como uma realidade histrica, isto , suscetvel de ser transformada intencionalmente pela ao humana? (SAVIANI, 2001b). Como uma tendncia pedaggica derivada da teoria dialtica do conhecimento deve ser assumida enquanto totalidade, ou seja, trabalhada com conhecimentos humanos, tcnicos, cientficos e polticos em prol de uma sociedade comprometida com a emancipao econmica, poltica e social de sua coletividade. Tendncia pedaggica que vem sendo elaborada progressivamente por educadores como Libneo (1994, 2004) e assume nomes como Pedagogia histrico-cultural, scio-histrica, rumo ao que Marx defendia que era [...] denunciar as desigualdades sociais contra a falsa idia de igualdade poltica e jurdica proclamada pelos liberais. (apud COSTA, 2005, p. 114) e viabilizar a educao [...] como prtica cultural intencional de produo e internalizao de significados para, de certa forma, promover o desenvolvimento cognitivo, afetivo e moral dos indivduos. [...] a razo pedaggica est tambm associada, inerentemente, a um valor intrnseco que a formao humana, visando a ajudar os outros a se educarem, a serem pessoas dignas, justas, cultas, aptas a participar ativa e criticamente na vida social, poltica, profissional, cultural. (LIBNEO, 2004, p.1).
28
especfica dos acontecimentos e espaos que marcaram a profissionalizao.
Barbosa e Passeggi (2006, p.81). Assim, cada momento vivenciado e recordado
adquire o seu sentido de acordo como a pessoa a representa para si mesmo e
tambm exterioriza. Os sentidos que damos nossa autobiografia, nossa trajetria
projetam-se no dever ser e na relao com o outro. As autoras prosseguem
(BARBOSA; PASSEGI, 2006, p. 90) destacando um pensamento de Delory-
Momberger (2000) ao mostrar que:
A histria de vida na formao no prioritariamente um instrumento do passado, nem mesmo do modo como o narrador representa sua vida. [...] um objeto construdo que tira sua realidade de sua prpria existncia. [...] e oferece, em compensao, um quadro metodolgico e experimental para pensar o modo como o sujeito se reconstri como projeto.
Reflexo que remete minha experincia como vice-diretora da Escola
Estadual Francisco Ivo Cavalcante Ensino de 2 grau, seguida da experincia
como gestora da Escola Estadual Edgar Barbosa Ensino de 2 grau. (EEEB)
Fui vice-diretora por um ano no perodo em que os dirigentes escolares eram
escolhidos pelos polticos e/ou indicados pela SECD/RN). Momento histrico em que
o governador era binico, ou seja, indicado pelo governo militar, incio da dcada de
80, do sculo passado. A diretora era sobrinha de um deputado federal e fui indicada
pela ex/ professora Dione Violeta, coordenadora da Coordenadoria de Educao
(COED/SECD) que havia me apresentado livros, numa tendncia histrico-crtica
como Uma escola para o povo de Maria Teresa Nildecoff e Lies do prncipe e
outras lies de Neidson Rodrigues.
A formao e experincia da diretora da EEFIC eram fundamentadas numa
administrao centralizadora de carter burocrtico, controlador, permeada de
princpios tayloristas, que se chocaram com os encaminhamentos e comunicaes
horizontais dados por mim numa tendncia ao compartilhamento e trabalho em
equipe, no sentido de relacionar a teoria com a prtica, como professor povo. No
aceitando reduzir as minhas funes como administradora escolar ao mero
gerenciamento de recursos humanos e materiais e sim articular os vrios segmentos
escolares e coordenar situaes propcias aprendizagem de todos fui devolvida ao
1 Ncleo Regional de Ensino (I NURE). Ao tomar conhecimento do meu desejo de
retornar sala de aula, a professora Dione aconselhou-me a no retornar ao
Kennedy (conforme eu manifestara o desejo) e indicou-me como diretora da EEEB.
29
Por quatro anos, vivenciamos planejamentos aos sbados, tivemos o
acompanhamento dos professores Antnio Cabral e Rosrio Cabral que
monitoraram a elaborao do Projeto Pedaggico da escola, construdo
coletivamente. Contvamos com a colaborao da equipe pedaggica constituda
pelas professoras Maria Abigail Azevedo, Mrcia Maria Gurgel, Leila Oliveira Dantas,
dentre outras que dinamizavam o planejamento participativo, a biblioteca e os
movimentos de lideranas estudantis. Em substituio ao toque estridente da sirene,
a cada semana uma turma assumia o alerta do tempo e espao dos horrios de aula
com as suas produes culturais que culminaram com a formao de grupos
culturais, musicais e o Jornal Sentinela. Ao trmino do quarto ano de gesto
compartilhada (colegiada) tive meu terceiro filho e no retorno da licena gestante
retomei a sala de aula, por no necessitar de uma dedicao exclusiva em trs
expedientes. E foi na Escola Estadual Presidente Kennedy que, por mais duas
dcadas vivenciei a funo com a qual me identifico mais: professora de
professores/as.
Registro a seguir os primeiros passos definidores dos processos
investigativos, reconhecendo a importncia dos instrumentos de navegao, as
coordenadas o as evidncias que nos permitem refletir sobre as mudanas que
devem ser estimuladas e os rumos para uma formao que beneficie o conjunto de
professores e estudantes. Tais processos desenvolvi na continuidade de estudos,
em nvel institucional e na Ps-Graduao na UFRN.
1.2 OS PROCESSOS INVESTIGATIVOS NA FORMAO DOCENTE: AS
PRIMEIRAS COORDENADAS
Fala-se hoje, com insistncia, no professor pesquisador. No meu entender o que h de pesquisador no professor no uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar que se acrescente de ensinar. Faz parte da natureza da prtica docente a indagao, a busca, a pesquisa. O de que se precisa que, em sua formao permanente, o professor se perceba e se assuma, porque professor, como pesquisador.
(Paulo Freire)
30
A conscincia que nenhuma teoria esgota a complexidade do real e as
motivaes decorrentes da minha vivncia formativa contriburam para eu frequentar
um Curso de Especializao em Administrao Escolar, oferecido pela UFRN.
Frequentei o Curso, no perodo de 1992 a 1994, com uma carga horria de
765 horas. Tive o privilgio de ter como professoras: Dra. Maria Luiza Ribeiro, Dra.
Maria Doninha, MS.c Ana Lourdes Menezes Magalhes, MS.c Maria do Socorro de
A. Borba, Dra. Roslia de Ftima e Silva e Dra. Jomria de M. Alloufa. Esta orientou
o trabalho monogrfico. Todas nos motivaram a estabelecer relao dos contedos
abordados nos componentes curriculares do Curso com o objeto de estudo
selecionado e a assumir atitudes cientficas na prtica docente.
Desenvolvi uma investigao em duas escolas pblicas, uma municipal e
outra estadual, durante um semestre, cujo ttulo Prtica pedaggica X Formao
docente (GADELHA, 2003).
Como professora da disciplina Prtica de Ensino, acompanhando
sistematicamente o estgio supervisionado, levantava a hiptese que a formao
permanente dos professores seria um dos fatores que contribui para o
aperfeioamento do fazer pedaggico do prprio professor. A reviso bibliogrfica,
presente em todas as etapas de pesquisa permitiu ampliar a minha viso de
docncia, conforme a anlise posterior. A investigao procurou responder as
seguintes questes: o professor das sries iniciais do 1 grau que possui curso de
licenciatura plena apresenta uma prtica pedaggica mais competente que o
professor egresso do 2 grau habilitao magistrio? Que determinante (s)
contribui (em) para a melhoria da prtica pedaggica?
Assim, o objeto de estudo foi a prtica docente dos professores das sries
iniciais do Ensino Fundamental, estabelecendo uma relao com as formaes
acadmicas dos mesmos. O primeiro grupo de sujeitos possua o Curso Magistrio,
em nvel de segundo grau e o segundo grupo o Curso de Pedagogia, nas duas
escolas investigadas. A anlise dos dados revelou que a formao inicial, tanto em
nvel mdio, como em nvel de terceiro grau, no determinante para uma prtica
pedaggica transformadora, consciente e consistente e nem para a oferta de um
ensino de qualidade.
Revelou ainda a existncia de outros determinantes que contribuem para o
sucesso da prtica pedaggica e para o xito na aprendizagem de todos, dentre
eles, a formao continuada dos professores, que, mesmo no sendo os nicos
31
atores dos quais depende o sucesso na aprendizagem dos alunos, preciso admitir,
so reconhecidamente essenciais [...] dentro desses processos de inovao
educativa, como produtores de saberes, razo pela qual ns reconhecemos que o
docente faz a diferena. (RAMALHO; NUEZ; GAUTHIER, 2003, p.19). Nessa
direo preciso formar o professor, na perspectiva de seu desenvolvimento
profissional, em suas mltiplas dimenses, superando o modelo formativo
hegemnico, tendo em vista uma prtica docente consciente e transformadora.
A conscientizao aqui entendida como a capacidade que tem o homem
de distanciar-se das coisas para presentific-las e melhor compreend-las. Freire
(1987) evidencia a importncia do compromisso e da deciso em colaborar na
construo do mundo comum, humanizado, por meio de uma atitude dialgica que
pressupe o reconhecimento do outro, em suas potencialidades e possibilidades e o
reconhecimento de si, no outro. Define o mundo comum como lugar de encontros,
de descobertas e redescobertas de sujeitos, em todo o processo histrico da cultura.
Outra experincia que merece registro no processo de formar-me
pesquisadora foi uma investigao vivenciada, em grupo, com colegas no Seminrio
Saberes e Profisso Docente do Ncleo de Estudos e Pesquisas em Educao
Bsica do Departamento de Educao, coordenada pelos professores Dr. Isauro
Nuez Beltran e Dra. Betnia Ramalho, no segundo semestre de 1996. Cursava
essa disciplina como mestranda. Procurvamos identificar os motivos que levavam
os professores e professoras de primeira a quarta srie do Ensino Fundamental a
frequentarem um curso de Pedagogia, com vrios anos de experincia no
magistrio. O objetivo bsico foi constatar se os saberes disciplinares e curriculares
constituam-se ou no problema para o seu agir profissional, tomando como base as
suas formaes para a docncia, em nvel de segundo grau. O estudo caracterizou-
se como exploratrio e descritivo desenvolvido em uma abordagem quanti-
qualitativa. O instrumento de coleta de dados constou de um questionrio do tipo
misto, adequado natureza da problemtica do trabalho, que foi respondido por
vinte professores que cursavam Pedagogia no Instituto de Formao de Professores
Presidente Kennedy IFP, no ano de 1997. A anlise dos dados permitiu-nos
identificar que os saberes disciplinares e curriculares constituam problemas para os
professores investigados que buscaram, no Curso, superar as suas deficincias.
Nessa direo sugeriram que as agncias formadoras e empregadoras investissem
em formaes contnuas e em servio, visando formao global da pessoa, alm
32
da dimenso profissional. A comunicao oral foi apresentada no XIII Encontro de
Pesquisa Educacional do Nordeste XIII EPEN, em 1997, realizado em Natal/RN.
Experincias dessa natureza levaram-me a dar voz e vez aos professores
nas minhas pesquisas, considerando a parcela significativa de contribuio que
esses atores sociais vm ofertando, direta ou indiretamente, nas pesquisas e nas
necessrias transformaes educacionais no sculo XXI onde a diversidade tnica,
cultural e social assume dimenses nunca vistas e o desenvolvimento da tecnologia
revoluciona os processos de trabalho e as formas de gesto escolar.
Diante da anlise atual, os dados apresentados no meu primeiro trabalho
monogrfico revelam que as representaes sociais de prtica docente estavam
permeadas de um iderio pedaggico tecnicista, presente na minha formao e nos
primeiros anos de docncia. A afirmativa vai ao encontro do que assegura Moscovici
(1978) sobre a representao social: funciona como uma antropologia do mundo
contemporneo, lida com as formas como os grupos atribuem sentido ao real,
elaborando-o e explicando-o para si mesmos, para se comunicarem e agirem no dia
a dia.
Entretanto, considero que os estudos e leituras compartilhadas, a relao
teoria e prtica, permitiram uma transio da representao da prtica docente na
perspectiva tecnicista para uma viso mais ampla de ensino, numa tendncia
pedaggica histrico-cultural. Ao confrontar a hiptese inicial com as consideraes
finais, no trabalho monogrfico, retomei as reflexes sobre a natureza
multidimensional do ato educativo, apresentando as indicaes dos participantes da
pesquisa e a necessidade da formao permanente que deve sinalizar para o
saber, saber ser e saber fazer docente que contribua para a superao dos atuais
nveis de ineficincia do sistema educacional. (GADELHA, 1993).
A experincia, acima relatada, foi uma motivao para eu dar continuidade
aos estudos. Nessa direo, cursei disciplinas, como aluna especial no mestrado em
educao, pela necessidade sentida em aprofundar os conhecimentos, como
professora de Psicologia Educacional, no Curso de Pedagogia do Instituto de
Formao de Professores Presidente Kennedy - IFP. A transformao da Escola
Estadual Presidente Kennedy em IFP, estava ocorrendo com o assessoramento do
professor Michel Brault, representante do governo francs, com o objetivo de formar
professores para o Ensino Fundamental e Pr-escolar. Teve, desse modo, como
primeira misso realizar um curso de Licenciatura em Pedagogia, Habilitao em
33
Magistrio, em convnio com a Universidade Estadual do Rio Grande do Norte
(UERN).
Nesta poca, fui aprovada em um processo seletivo para lecionar a
disciplina Psicologia da Infncia e Adolescncia, que teve como critrios:
disponibilidade para exercer a docncia em dois turnos; anlise do Curriculum Vitae;
entrevista, com base no perfil do professor formador; e a participao em um ciclo
de estudos realizado em um perodo de seis meses, com a professora MS.c Maria
Iolanda, da UFRN, tendo como base a abordagem gentica de Piaget e a
perspectiva scio-histrica de Vygotsky (1998, 1991). O ciclo de estudos
intencionava uma espcie de nivelamento e processo seletivo para docentes, em
nvel de ensino superior, culminando com a elaborao de um projeto para o
desenvolvimento de uma pesquisa em duas escolas e um projeto de trabalho para o
desenvolvimento da referida disciplina.
Participei de momentos formativos com os meus pares, com a mediao do
professor Michel Brault, mas sentia certa inquietao e incompletude. Concordo com
o mestre Paulo Freire, ao afirmar que o investimento no processo autoformativo
assume um diferencial, por levar a conscincia do inacabamento, pois na medida em
que o/a professor/a torna-se consciente do seu papel, amplia o seu olhar [...]
captador, apreendedor, transformador, criador de beleza e no espao vazio a ser
enchido por contedos. (FREIRE, 1996, p.51).
Nesse caminho, integrei um grupo de estudos, no IFP, coordenado pelo
professor Dr. Moiss Domingos Sobrinho, tendo como referencial bsico a Teoria
das Representaes Sociais - TRS, originalmente desenvolvida por Serge Moscovici
em sua obra A representao social da psicanlise (1978). Versa sobre as
representaes sociais da psicanlise construdas pelos parisienses na dcada de
1950. Define os parmetros de uma anlise cientfica do senso comum atribuindo
uma lgica a esse tipo de conhecimento na contemporaneidade, no mais visto
como algo catico e fragmentado. A esse respeito tivemos acesso s proposies
de Denise Jodelet, pesquisadora que corrobora esse pensamento afirmando:
34
Se ns queremos fazer a cincia dos fenmenos mentais nas sociedades, necessrio identificar o conhecimento produzido em comum e reconhecer a legitimidade de suas propriedades relativas teoria. No se deve denegri-lo enquanto popular, pr-cientfico, pois longe de ser uma pura e simples imagem desprovida de funo, ele joga um papel essencial contribuindo para determinar o gnero de argumentos e de explicaes que ns aceitamos. (JODELET, 1989, p. 14)
A autora nos inspira a estabelecermos relaes das representaes sociais
com as ondas do mar, em sua dinamicidade e em conformidade com os ventos e os
movimentos de rotao e translao terrestres. As representaes se movimentam e
se recompem, revelando uma plasticidade que a TRS ainda no explorou
suficientemente.
A Teoria apresenta-se como uma nova perspectiva de estudo dos fenmenos
sociais, sendo o principal farol que ilumina e valoriza o carter processual do
conhecimento, histrica e culturalmente produzido na rede de relaes sociais onde
vivem os indivduos, redefine os conceitos da Psicologia Social, numa abordagem
psicossocial, superando, portanto, os reducionismos das tendncias psicologizantes
e/ou sociologizantes.
As representaes sociais so conhecimentos que no se caracterizam por
uma contraposio ao saber cientfico. Diferenciam-se dos mesmos pelos modos de
elaborao e funo a que se destinam e pela sua especificidade. Como afirma
Moscovici (2003, p. 94-95, grifo do autor):
[...] durante o processo de transformao que os fenmenos so mais facilmente percebidos. Por isso nos concentramos na emergncia das representaes sociais, provenham elas de teorias cientficas seguindo suas metamorfoses dentro de uma sociedade e a maneira como elas renovam o senso comum ou originem-se de acontecimentos correntes, experincias e conhecimento objetivo que um grupo tem de enfrentar a fim de constituir e controlar seu prprio mundo.
Essas consideraes iniciais estiveram presentes no Grupo de Estudo,
coordenado pelo professor Dr. Moiss Domingos Sobrinho e subsidiaram as
definies para a pesquisa Formao de Professores: uma avaliao psicossocial,
concluda em 1997 no Curso de mestrado13. O interesse pela temtica surgiu
durante o acompanhamento sistemtico s prticas dos professores-alunos, nas
13
Orientada pelo Dr. Moiss Domingos Sobrinho nos trs primeiros semestres e concluda sob a orientao Dra. Margot Campos Madeira (GADELHA, 1997).
35
observaes em sala de aula e nas redaes dos memoriais produzidos pelos
concluintes, no IFP. Momentos em que eu identificava a criao, gradual, de ncleos
de estabilidade e maneiras habituais de desenvolverem aes, perpassadas por
muito entusiasmo. Ao escreverem os memoriais de formao, no ltimo perodo do
Curso os (as) alunos (as) atribuam ao Curso as mudanas qualitativas no ensino e
na aprendizagem de seus alunos, nas sries iniciais do Ensino Fundamental. Optei,
ento, por apreender as articulaes que 20 egressos do Curso estabeleciam entre
os princpios presentes na Proposta Pedaggica do Curso, o processo formativo e
sua atuao, enquanto docentes, tendo como suporte terico a TRS.
Estabeleci um critrio de contraste, nesse grupo, aps seis meses de
concluso do Curso: alguma forma de continuidade de estudos pelos sujeitos.
Critrio julgado importante para a seleo dos participantes da investigao, haja
vista o processo de formao encetado ter como um dos objetivos despertar o
formando para investir, permanentemente, no mesmo. Por esse critrio, a
composio da populao dessa pesquisa considerou a existncia de trs grupos de
sujeitos, constituindo um Grupo Metodologicamente Representativo (GMR): o
primeiro composto por aqueles que concluram o Curso e optaram pela formao
continuada oferecida no IFP (atravs de minicursos e oficinas pedaggicas); o
segundo grupo, caracterizado por no haver participado de nenhum programa de
formao; e o terceiro grupo que estava cursando outras graduaes.
Os sujeitos da pesquisa lecionavam em escolas estaduais ou municipais, na
rede pblica em Natal. Era invariante, nos seus discursos que haviam aprendido
muito. A anlise dos dados permitiu identificar trs vertentes, atravs das quais
essa aprendizagem assumia gradual concreticidade, indicando os polos subjacentes
a esse aprender que se refletiam, segundo os sujeitos, na modificao de suas
atitudes: o sujeito frente a si prprio; o sujeito frente ao aluno e o sujeito frente sua
prpria atividade profissional.
No conjunto da nova representao de si professor e de si aluno perpassava
a renovao da prtica, haja vista que a representao no uma abstrao, mas
um esforo do sujeito que conhece e descobre formas de se comunicar e de agir.
(GADELHA, 1997).
Nas entrevistas gravadas e posteriormente transcritas, assim como nos
momentos de conversas informais (registradas em dirio de campo), os professores
verbalizavam o desejo de formarem grupos de estudo na escola, pela necessidade
36
de sistematizarem as suas prticas. Afirmavam que desistiam pela apatia e
pessimismo de alguns colegas que, segundo eles, conseguiam contagiar os demais.
A anlise dos resultados da pesquisa permitiu reiterar a importncia da
formao continuada que possibilita ao docente tornar-se sujeito ativo e autnomo
de sua prtica.
O reconhecimento da importncia de atividades formativas e cooperativas fez-
me vivenciar uma experincia em formao continuada na Escola Municipal Antnio
Campos e Silva. Coordenada pelo Instituto de Desenvolvimento de Educao - IDE,
o Projeto Ide Cidadania teve como parceiros: a Prefeitura Municipal de Natal -
PMN, por meio da Secretaria Municipal de Educao SME e Universidade Potiguar
UnP. Esta assegurou a certificao do Curso de Aperfeioamento em Projeto
Poltico Pedaggico PPP aos docentes e equipe de apoio pedaggico.
A minha participao ocorreu como pedagoga e professora formadora, em
encontros intensivos, no incio do semestre letivo e em estudos semanais
sistemticos, s sextas-feiras, nas duas ltimas horas de cada turno, de forma a
propiciar a participao de todos os docentes e equipe tcnico-administrativa e
pedaggica em seus respectivos turnos.
Os estudos objetivaram a construo coletiva do PPP e partiam da
problematizao, anlise dos problemas apresentados no cotidiano escolar e na sala
de aula, estimulando atitudes reflexivas e investigativas. Tive o acompanhamento da
professora Dra. Cludia Santa Rosa, Coordenadora Pedaggica do Projeto que
envolveu todos os segmentos da comunidade educativa: pais, familiares,
funcionrios, equipes administrativas e de apoio pedaggico, com vistas a que
assumissem o protagonismo do PPP. Estivemos atentas para no nos determos em
problemas pontuais e sim utiliz-los como elementos basilares nas aes propostas
no referido Projeto, (re) elaborado nos variados encontros, referendados em uma
Assembleia.
A experincia me moveu para uma investigao em nvel de doutorado,
objetivando identificar todo o campo de representaes envolvido com a formao
continuada, em sua complexidade, na Rede de Ensino Estadual e Municipal,
apresentada em sua gnese, definidora do objeto de estudo que hoje se concretiza
em tese.
37
Como afirma Pineau (2006, p.341) O modelo interativo ou dialgico trabalha
uma nova relao de lugar entre profissionais e sujeitos por uma co-construo de
sentido.
Considero as histrias de vida como um dos dispositivos de formao docente
que possibilita contribuir no processo emancipatrio profissional, pessoal e na busca
da sua prpria autonomizao. No entanto, optei por uma perspectiva quanti-
qualitativa com relao aos sujeitos da investigao ora apresentada.
Nessa perspectiva, a elaborao dessa narrativa contribuiu para um processo
de metamorfose pessoal e cultural. A leitura crtica permitiu que os momentos
fossem, gradualmente, interrelacionando-se e ajustando-se s aspiraes do
presente. Mais que um exerccio autorreflexivo, possibilitou desvelar representaes
e traos de subjetividade, caracterizados pelo processo social, histrico-cultural
vivenciado.
A possibilidade de compartilhamento da narrativa faz dela uma obra aberta.
Temos clareza que a sua incompletude apoia-se na plenitude do sentido e em sua
profuso ilimitada, haja vista que cada trecho narrado suscita outras histrias.
Como afirma Josso (2004, p.44) [...] a histria da nossa formao e a
compreenso dos nossos processos de formao e de conhecimento podem ser
transformadas e enriquecidas quando narradas. O dilogo travado comigo mesma
articulou-se com os discursos e testemunhos de outros ao revisitar as imagens do
passado, significativas na produo de ser professora de professores dos anos
iniciais do Ensino Fundamental, indicando representaes de como eu me vejo e
como desejo ser vista no futuro prximo: contribuindo para que a escola torne-se um
ambiente verdadeiramente educativo e centro de desenvolvimento profissional.
Como afirma Nvoa (2007, p.201):
O que eu quero perceber so os processos de mudanas, que se definem muitas vezes na longa durao das coisas humanas e, outras vezes, se inscrevem na curta durao das rupturas e das polticas. Percebermos o passado enquanto processo de mudana a melhor maneira de nos dotarmos de um patrimnio de experincias e de idias que pode nos ajudar a compreender melhor os dilemas do presente.
Mais que um ponto de chegada, desejo que as questes sinalizadas nesta
parte do trabalho e nos demais momentos sejam perspectivadas como possveis
38
pontos de partida para investigaes futuras, com vistas ao aprofundamento de
estudos que se pretende interventores de uma sociedade mais humana, uma melhor
qualidade de vida para todos e a ampliao de movimentos sociais comprometidos
com o fortalecimento da escola pblica e com a aprendizagem bem sucedida das
crianas, jovens, adultos e idosos das classes populares.
PARTE 2
40
2 TRAANDO A ROTA: SITUANDO A INVESTIGAO
Se temos uma concepo do mundo como histrico-social, as instituies tambm o seriam, por isso em boa parte so a histria que as precedem. Assim como ns somos as instituies que nos precedem. Inclusive nos pontos de conflito de uma sociedade, as possibilidades e as opes potenciais esto determinadas por essa sociedade; os movimentos dos sujeitos esto estabelecidos pelos limites das comunidades nas quais atuam. (Wolfgang Wagner)
Ao evocar os primeiros ancoradouros que possibilitaram constituir-me como
pessoa e como profissional, na busca do meu desenvolvimento profissional, percebo
as influncias das escolhas terico-metodolgicas dos momentos histricos vividos
que nos levaram busca de estudos em torno do tema, gestando o problema desta
pesquisa, o seu objeto, objetivos e questes norteadoras.
A rpida revoluo tecnolgica das ltimas dcadas vem provocando
mudanas na estruturao da sociedade, no nvel econmico, social e
organizacional. Os sistemas de transporte e de comunicao aproximam e conectam
os indivduos, modificando o estado anterior das coisas, num processo dinmico de
acelerao da mobilidade fsica e da comunicao. Os seus efeitos se fazem sentir
na esfera produtiva e na educao/formao. As pessoas se relacionam com
facilidade por meio de uma multiplicidade de fontes de informao, de comunicao
e de conhecimento, ultrapassando os limites do espao e tempo formalizados, como
escolas, instituies de ensino superior, universidades.
As mudanas no ficam limitadas s formas de comunicao. Do origem a
novas formas de pensamento, por meio da ideia de redes de conhecimentos que
supera a uniformizao e a massificao, caractersticas da sociedade at o sculo
passado, com fortes reflexos nos processos educativos e na formao de
professores. (ALVES, 2004).
A autora se reporta a um estudo por ela desenvolvido em 1982 quando j
indicava que a formao da professora no ocorria apenas na instituio formal, mas
[...] em mltiplos espaostempos: o acadmico, o da prtica pedaggica
cotidiana, o da ao governamental, o da prtica poltica coletiva, o das pesquisas
em educao. (ALVES, 2004, p.20, grifo da autora).
41
Nessa direo, a escola passa a ser um dos espaos formativos privilegiado,
um centro de agregao do coletivo humano para a sistematizao do conhecimento
circulante, articuladora de outros canais de ao educacional ligados com o mundo,
devendo incrementar a sua potncia com os novos recursos e parcerias para a
explorao e produo do conhecimento.
A educao escolar, enquanto um processo complexo, encontra na Lei de
Diretrizes e Bases da Educao Nacional - LDB 9394/96, em seu artigo primeiro, um
conceito amplo: A educao abrange os processos formativos que se desenvolvem
na vida familiar, na convivncia humana, no trabalho, nas instituies de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizaes da sociedade civil e nas
manifestaes culturais.
Essa desafiadora concepo de educao impe a (re)viso dos conceitos
de ensino e aprendizagem, no mais restritos ao professor e nem ao mbito escolar.
Vo alm dos muros escolares, onde lderes, dirigentes, profissionais, familiares,
amigos, mdia, entre outros, contribuem no processo formativo humano.
Diante desse novo cenrio, o mestre Paulo Freire nos leva a ampliar a
compreenso do que a atividade ensinante, educativa e a importncia de
percebermos como se d a aprendizagem no processo de ensinar. Evidencia o
papel das interaes e prticas sociais para a aprendizagem:
No fundo, passa despercebido a ns que foi aprendendo socialmente que mulheres e homens, historicamente, descobriram que possvel ensinar. Se estivesse claro para ns que foi aprendendo que percebemos ser possvel ensinar, teramos entendido com facilidade a importncia das experincias informais nas ruas, nas praas, no trabalho, nas salas de aula das escolas, nos ptios dos recreios em que variados gestos de alunos, de pessoal administrativo, de pessoal docente se cruzam cheios de significao (FREIRE, 1996, p.44).
Reflexo que torna presente o ausente, levando-nos a presentificar os
exemplos dos nossos pais, familiares, professores, enfim, dos que contriburam em
nossa formao ao longo da vida. Com certeza os nossos valores, conceitos,
preconceitos, esteretipos, prticas, crenas, mitos, histrica e socialmente
compartilhados, constituem as representaes sociais e contribuem para darmos um
sentido social aos objetos dos quais nos apropriamos (MOSCOVICI, 1978, 2003).
Os exemplos das professoras e professores com os quais convivi foram
significativos. Nessa direo, Freire (1996, p.44) complementa: A eloquncia do
42
discurso pronunciado na e pela limpeza do cho, na boniteza das salas, na higiene
dos sanitrios, nas flores que adornam. H uma pedagogia indiscutvel na
materialidade do espao.
Reconhecemos a importncia dos vrios espaos educativos extraescolares
para a aprendizagem de crianas, jovens, adultos e idosos, que podem favorecer
repercusses necessrias melhoria de vida das pessoas e grupos sociais mais
vulnerveis s lgicas da explorao e da acumulao capitalista. No entanto,
interessa-me a educao escolar, especialmente a que ocorre nos espaos
institucionais pblicos. Justifica a escolha do objeto de estudo desta investigao
haver dedicado toda a minha vida profissional para o fortalecimento e melhoria dos
processos formativos docentes e aprendizagem dos que circulam nas instituies
que oferecem educao formal, tendo presente que papel e dever do Estado
garantir o [...] ensino fundamental, obrigatrio e gratuito, assegurada, inclusive, sua
oferta gratuita para todos os que a ela no tiveram acesso na idade prpria, em
escolas pblicas, direito consagrado na Constituio Federal de 1988, em seu artigo
208, inciso I (BRASIL, 2004). A referida Constituio acolhe, ainda, em seu artigo
206, os princpios da universalidade do ensino, da igualdade, da liberdade, do
pluralismo, da gratuidade do ensino pblico, da valorizao dos profissionais do
ensino, da gesto democrtica da escola e o padro de qualidade. Integram em
seus objetivos valores antropolgico-culturais, polticos, profissionais, princpios
doutrinrios e organizativos do sistema escolar.
A educao escolar assume, assim, uma concepo multidimensional. Os
direitos fundamentais da pessoa humana, tutelado e garantido pela fora da
organizao e controle social caractersticas prprias do Estado de Direito, que
prima pela obedincia lei - concede educao escolar mais uma atribuio:
estabelecer e reforar a democracia, promover o desenvolvimento humano
sustentvel e contribuir para novas formas de relacionamento, baseadas no respeito
mtuo e na justia social. Assim, a escola precisa assegurar o acesso ao
conhecimento sistematizado e a apropriao/reelaborao deste, com qualidade, o
que se constitui como um direito participao ativa na vida, como presena
consciente no mundo, o que requer responsabilidade tica em mover-se no
mundo. (FREIRE, 1996).
Nessa linha de pensamento, Freire (1992) contempla a necessria leitura
da palavra que precede e requer a contnua leitura de mundo. Conforme o mestre,
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ler e re-ler o mundo, como seres inacabados, pressupe uma postura crtica [...]
malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa inflexvel
ao sonho e utopia. (FREIRE, 1996, p.14). um convite ao exerccio
corresponsvel, tico e poltico-social o que pressupe uma formao contnua. Agir
no restrito sala de aula, pois sendo uma produo humana multidimensional,
consciente, livre de preconceitos deve ser compartilhada com outros atores sociais,
contribuindo na luta contra qualquer forma de discriminao ou manuteno de
desigualdades sociais.
A diversificao do ambiente escolar, crescentemente complexo, portanto,
requer a implantao e implementao de rgos colegiados, responsveis pela
elaborao e acompanhamento sistemtico do Projeto Pedaggico da Escola, pela
organizao escolar, dentre outras competncias. Instituies que abrem passagem
a valores profissionais mais colaborativos, abertos participao com o pblico, a
assegurar os direitos sociais da criana e do adolescente e os fins da educao.
Movimento que leva o professor a tomar assento como um dos membros do
colegiado, representante dos seus pares, devendo desenvolver um papel formativo
na composio poltico-social e cultural, em um processo democrtico, participativo e
salutar. Como afirma (ENGUITA, 1995, p.96):
medida que o aparato educativo trata, com maior ou menor fortuna, de responder a essa complexidade, a educao das crianas, includas as mais novas [...] passa a depender cada vez menos de um professor (seu professor-tutor) e cada vez mais de um conjunto deles. [...] o importante j no somente o mestre ou o professor, mas tambm e cada vez mais, a organizao da qual faz parte.
Nessa perspectiva, a docncia passa a ser vista como um espao