12
ANAIS DO VI SIPEM 1 IM/UFRJ- Brasil [email protected] 2 IBC – Brasil [email protected] 3 INES– Brasil [email protected] 4 IBC – Brasil [email protected] 5 IBC – Brasil [email protected] Combinatória, Deficientes Visuais, Surdos, Recursos Didáticos. RESUMO ABSTRACT 15 a 19 de novembro de 2015 Pirenópolis - Goiás - Brasil Palavras-chave: Keywords Combinatorics, Visual Impairments, Deaf, Didatic Resources. Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental com Adaptações para Deficientes Visuais e Surdos 1 Claudia Segadas, 2 Fábio Garcia Bernardo, 3 Júlio César Dos Santos Moreira, 4 Paula Marcia Barbosa, 5 Wagner Rohr Garcez O trabalho tem como objetivo analisar e discutir resultados da aplicação de atividades de análise combinatória para alunos com deficiência visual e surdos do Ensino Fundamental, à luz de referenciais teóricos correlatos. Baseadas em situações-problema, as atividades foram aplicadas a alunos do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e do Instituto Benjamin Constant (IBC), instituições especializadas no ensino de surdos e deficientes visuais, respectivamente. Como algumas questões abordadas nos livros didáticos tinham um apelo visual, fomos motivados a adaptar tais problemas de modo que fossem compreensíveis aos alunos cegos, criando recursos didáticos que permitissem um melhor entendimento do proposto aos estudantes. A compreensão da linguagem escrita interfere no entendimento dos enunciados, especialmente no caso de alunos surdos. Os recursos, bem como a tradução para a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) mostraram-se importantes para auxiliar os alunos surdos a compreender e reconhecer as situações matemáticas envolvidas nos enunciados das questões. The aim of this work is to analyze and discuss results of applying combinatorial analysis activities for students with visual impairments and deaf at elementary schools, in the light of related theoretical frameworks. Based on problem situations, activities were applied to students of the National Institute of Deaf Education (INES) and Benjamin Constant Institute (IBC), specialized institutions in teaching deaf and visually impaired, respectively. Since some textbook activities have a visual appeal, we adapted them so that they would become comprehensible to blind students. Comprehension of the written language affects understanding of statements, especially for deaf students. Resources, as well as translation into the Brazilian Sign Language (LIBRAS) proved to be important to help deaf students to understand and to recognize mathematical situations involved in the statements of the issues.

Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

ANAIS DO VI SIPEM

1IM/UFRJ- Brasil [email protected] 2IBC – Brasil [email protected] 3INES– Brasil [email protected] 4IBC – Brasil [email protected] 5IBC – Brasil [email protected]

Combinatória, Deficientes Visuais, Surdos, Recursos Didáticos.

RESUMO

ABSTRACT

15 a 19 de novembro de 2015 Pirenópolis - Goiás - Brasil

Palavras-chave:

Keywords

Combinatorics, Visual Impairments, Deaf, Didatic Resources.

Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental com Adaptações para Deficientes Visuais e Surdos 1Claudia Segadas, 2Fábio Garcia Bernardo, 3Júlio César Dos Santos Moreira, 4Paula Marcia Barbosa, 5Wagner Rohr Garcez

O trabalho tem como objetivo analisar e discutir resultados da aplicação de atividades de análise combinatória para alunos com deficiência visual e surdos do Ensino Fundamental, à luz de referenciais teóricos correlatos. Baseadas em situações-problema, as atividades foram aplicadas a alunos do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e do Instituto Benjamin Constant (IBC), instituições especializadas no ensino de surdos e deficientes visuais, respectivamente. Como algumas questões abordadas nos livros didáticos tinham um apelo visual, fomos motivados a adaptar tais problemas de modo que fossem compreensíveis aos alunos cegos, criando recursos didáticos que permitissem um melhor entendimento do proposto aos estudantes. A compreensão da linguagem escrita interfere no entendimento dos enunciados, especialmente no caso de alunos surdos. Os recursos, bem como a tradução para a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) mostraram-se importantes para auxiliar os alunos surdos a compreender e reconhecer as situações matemáticas envolvidas nos enunciados das questões.

The aim of this work is to analyze and discuss results of applying combinatorial analysis activities for students with visual impairments and deaf at elementary schools, in the light of related theoretical frameworks. Based on problem situations, activities were applied to students of the National Institute of Deaf Education (INES) and Benjamin Constant Institute (IBC), specialized institutions in teaching deaf and visually impaired, respectively. Since some textbook activities have a visual appeal, we adapted them so that they would become comprehensible to blind students. Comprehension of the written language affects understanding of statements, especially for deaf students. Resources, as well as translation into the Brazilian Sign Language (LIBRAS) proved to be important to help deaf students to understand and to recognize mathematical situations involved in the statements of the issues.

Page 2: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 2

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

O presente trabalho foi desenvolvido no âmbito do grupo de extensão e pesquisa

“Ensino de Matemática para Deficientes Visuais e Surdos” do Projeto Fundão - UFRJ, tendo

sido em todas as etapas discutido pelo grupo, que é composto por professores da educação

básica, do ensino superior e por alunos de licenciatura. Trata-se, assim, de um estudo realizado

de forma colaborativa. Tem como objetivo central discutir resultados de aplicação de atividades

envolvendo o conteúdo de combinatória no Ensino Fundamental. Dentre outros aspectos,

verificaremos como as adaptações realizadas e os recursos didáticos auxiliaram alunos

deficientes visuais e surdos para a resolução das atividades. Examinaremos também como a

compreensão da linguagem escrita interfere no entendimento dos enunciados, especialmente

no caso de alunos surdos.

As atividades foram aplicadas em três instituições do governo federal: uma especializada

na educação de surdos, a outra na educação de deficientes visuais e a terceira uma escola de

ensino regular. O foco deste trabalho será nos resultados obtidos nas duas primeiras

instituições, em que participaram alunos de sexto, sétimo e nono anos.

Embora o conteúdo a ser ensinado em combinatória não traga na sua essência um apelo

visual tão evidente como em geometria, algumas estratégias empregadas para a resolução de

problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios

que constam em livros didáticos contêm figuras no seu enunciado, o que pode ser um

obstáculo para o aluno cego.

Selecionamos para este artigo três atividades, algumas por conterem originalmente

figuras e outras pelos aspectos sutis relacionados à linguagem e que somente pudemos

observar quando as aplicamos com surdos. Iremos nos debruçar sobre elas tendo sempre

como pano de fundo, as leituras que fizeram parte do arcabouço teórico deste trabalho. Desde

já advertimos que não se pode tratar alunos com deficiência visual e surdos como se fossem

um só grupo, as estratégias aplicadas para cada um foram pensadas tendo em mente suas

particularidades.

A análise combinatória é um componente curricular essencial da matemática e tem um

papel importante na vida cotidiana do aluno, no que se refere ao cálculo de possibilidades e

tomada de decisão. Os Parâmetros Curriculares Nacionais pregam que o ensino de

combinatória seja introduzido desde o Ensino Fundamental argumentando que:

O Ensino de Análise Combinatória

Introdução

Page 3: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 3

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

[…] o emprego de problemas envolvendo combinatória leva o aluno, desde cedo, a desenvolver procedimentos básicos como a organização dos dados em tabelas, gráficos e diagramas, bem como a classificação de eventos segundo um ou mais critérios, úteis não só em Matemática, como também em outros campos, o que reforça a argumentação dos defensores de seu uso desde as séries iniciais do ensino fundamental. (BRASIL, 1998, p.137)

Recomendam ainda que o aluno seja de início apresentado a problemas que

envolvam a contagem direta para, posteriormente, resolver outros em que não possa se valer

deste método, mas que tenha que utilizar o princípio multiplicativo.

Kapur (1970) aponta algumas razões pelas quais a combinatória deve constar no

currículo escolar, dentre as quais: pode ser introduzida desde cedo no currículo e dispõe de

problemas para os diversos anos de escolaridade; não exige muitos pré-requisitos; pode ser

usada para treinar os alunos a enumerar, fazer conjecturas, generalizar e ter pensamento

sistemático e possui diversas aplicações internas ou não à matemática.

Pìaget e Inhelder (1951, apud BATANERO et al, 1997) citam que um sujeito que não

possui capacidade combinatória não é capaz de usar a ideia de probabilidade, salvo em casos

de experimentos aleatórios muito elementares. Lopes (1977) enfatiza que as ideias de

combinatória, estatística e probabilidade estão presentes desde cedo na vida da criança,

citando como exemplos os jogos e a expectativa de um acontecimento.

A resolução de problemas combinatórios para quaisquer alunos pode requerer o uso de

esquemas visuais, como diagramas e árvores. Estes esquemas mostram-se alternativas

importantes para auxiliar a identificar a estratégia a ser utilizada para os casos em que a

contagem direta não é possível de ser realizada.

Estes esquemas (recursos visuais) são fortes aliados para os alunos surdos, pois, segundo

Skliar (1998, p.28) “A surdez é uma experiência visual [...]. E isso significa que todos os

mecanismos de processamento da informação, e todas as formas de compreender o universo

em seu entorno, se constroem como experiência visual”, porém para os cegos, ou se cria

alguma forma de representá-los concretamente ou se espera que venham a utilizar alguma

forma de representação abstrata que os capacite a resolverem as questões. Pesquisas neste

sentido, por sinal, se fazem necessárias.

Page 4: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 4

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

De acordo com Fiorentini e Lorenzato (2006), a pesquisa-ação é um tipo especial de

pesquisa participante, em que o pesquisador se introduz no ambiente a ser estudado não só

para observá-lo e compreendê-lo, mas sobretudo para mudá-lo em direções que permitam a

melhoria das práticas e maior liberdade de ação e de aprendizagem dos participantes. Nesse

sentido, os autores discutiram, elaboraram e aplicaram as atividades desenvolvidas a partir de

referenciais teóricos e de suas experiências pessoais. As atividades foram propostas e discutidas

com os alunos com o intuito de explorar as possíveis respostas, valorizar a escrita e a fala,

através de discussões, sempre buscando um maior aprofundamento e procurando encontrar

caminhos mais curtos e apropriados para a resolução das mesmas.

A pesquisa-ação, desenvolvida neste trabalho, procurou estabelecer uma ação

conjunta e cooperativa dos pesquisadores junto aos alunos. Através desse processo

investigativo de intervenção em que caminham juntas, práticas investigativas, práticas

reflexivas e práticas educativas, podemos repensar nossas estratégias, gerando novas questões

de investigação.

Assim como Fiorentini e Lorenzato (2006), acreditamos que a educação matemática

é uma prática social. Nesse aspecto, o trabalho de campo torna-se uma opção importante, pois

fornece elementos fundamentais para que possamos melhor compreendê-la e assim, discuti-la

para modificá-la.

As atividades mostradas adiante foram aplicadas em duas turmas do Instituto Benjamin

Constant (IBC), duas turmas do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) e uma turma

do Colégio Brigadeiro Newton Braga (CBNB). Neste artigo iremos nos deter na aplicação que

se deu nas duas primeiras instituições.

No IBC foram turmas de 6º e 7o anos. No 6o ano eram 8 alunos, 3 cegos e os demais com

baixa visão e no 7o ano eram 6 alunos, com 2 cegos e os demais com baixa visão. Além de

recursos didáticos por nós criados, levamos as questões escritas em braille para os alunos

cegos e em tamanho ampliado para os alunos com baixa visão.

No INES foi aplicado em duas turmas de 9o ano com 12 alunos cada. Nesta instituição, há

uma abordagem bilíngue, na qual a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) é a língua de instrução,

sendo a Língua Portuguesa, na modalidade escrita, a segunda língua. Contudo, no

experimento, optou-se por aplicar as atividades primeiramente em Língua Portuguesa, a fim de

avaliar a interpretação e reconhecimento de situações matemáticas envolvidas nos enunciados

pelos alunos. Posteriormente, os enunciados foram traduzidos para a LIBRAS. No que diz

Metodologia

Page 5: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 5

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

respeito a esse processo de tradução, cabe ressaltar que não basta explicitar o significado de

uma palavra sem o contexto ao qual ela está inserida. Segundo Agra (2007, p.3):

[…] uma língua é algo social, histórico, determinado por condições específicas de uma sociedade e de uma cultura e assim, entende-se que, no processo de tradução, o tradutor deve levar em conta os fatores culturais e lembrar que a palavra só tem sentido em um contexto que se especializa neste determinado cenário.

Quanto a dificuldades na leitura por parte dos alunos, houve a preocupação de que o

texto escrito não fosse um empecilho para a realização da atividade, assim optou-se pela

tradução e não pela simplificação deste com o objetivo de facilitar a compreensão, pois de

acordo com Coutinho (2015) “facilitar a compreensão do texto escrito, pelos alunos, por meio

da simplificação do português, podem também simplificar o desafio cognitivo proposto e

comprometer o ensino de Matemática”.

Nas duas instituições os alunos liam individualmente as questões e tinham um tempo

(não definido a priori) para resolvê-las. Em seguida, discutíamos as soluções propostas,

analisávamos as corretas e as incorretas, bem como buscávamos estabelecer uma metodologia

de solução. Grande parte das questões podia ser resolvida pelo princípio multiplicativo. Neste

caso, procurávamos auxiliá-los a chegar nele, visto que permite resolver grande quantidade de

problemas de análise combinatória.

Conforme citado, o trabalho foi realizado de forma colaborativa, visando atingir objetivos

comuns. As concepções, planejamento, desenvolvimento, coleta e análise de dados, bem

como a escrita dos resultados foram todos pensados e discutidos por todos os pesquisadores,

autores do estudo, bem como pelos demais participantes do grupo.

Os pesquisadores realizaram dois encontros em cada uma das turmas supracitadas

para a aplicação das atividades que serão descritas, utilizando dois tempos de aula (cerca de

1h40) em cada um desses encontros. Após a aplicação das atividades, o grupo todo se reunia

para discutir, pensar e escrever relatórios sobre os resultados observados.

Considerando os objetivos deste trabalho, apresentaremos a seguir as observações

e discussões sobre a aplicação das três atividades nas duas instituições.

ORGANIZANDO CUBINHOS

a) Você tem 5 figuras iguais formadas, cada uma, por 6 caixas de fósforos e tem também 10

cubinhos. Em cada figura coloque 2 cubinhos, sabendo que:

- não pode haver dois cubinhos na mesma caixa;

Atividades Propostas

Page 6: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 6

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

- um dos cubinhos deve estar obrigatoriamente na fileira com uma única caixa.

Há 5 possibilidades diferentes de organizar os cubinhos. Utilize as figuras para mostrar cada

uma delas.

b) De quantas maneiras diferentes podemos organizar 2 cubinhos na figura abaixo, um em

cada caixa, sabendo que não pode haver dois cubinhos na mesma caixa?

Esta atividade foi baseada em uma questão do texto de Imenes, Jakubovic e Lellis (1993).

Como no texto do livro estão desenhadas as figuras, construímos um material que os alunos

pudessem manipular com uma placa de papelão e bases de caixinhas de fósforo (Figuras 1 e

2).

No item (a) os alunos deveriam ter entendido bem as condições de distribuição dos

cubinhos em cada caixa. Poderiam utilizar todas as cinco pilhas ou, então, fixar o primeiro

cubinho na caixa de cima de uma das pilhas e ir alterando a posição do segundo. No item (b)

poderiam resolver utilizando o princípio aditivo (5+4+3+2+1) ou então o princípio

multiplicativo, não esquecendo de dividir por 2, para não computar as repetições ( ).

Na aplicação desta questão para as turmas de sexto e sétimo anos do IBC, foi possível

observar que os alunos nunca haviam lidado anteriormente com situações desta natureza.

Dessa forma, problemas que, à primeira vista, poderiam parecer triviais, apresentaram-se

complexos para uma parte destes alunos. Uma consideração a ser feita diz respeito ao uso do

material concreto, pois este se mostrou importante por permitir a visualização do problema aos

cegos, sendo utilizado por todos os alunos.

Após a distribuição do material e apresentação da questão, solicitamos aos alunos que

buscassem a solução, se possível, registrando-a. Tanto no item (a), quanto no item (b), foi

Figura 1: Material para o item (a) Figura 2: Material para o item (b)

Page 7: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 7

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

notada a dificuldade de enumerarem as diferentes possibilidades. Pelo fato de realizarem a

contagem de maneira aleatória, isto é, sem seguir um padrão, eles incorriam na repetição dos

resultados. De modo a facilitar o registro e promover uma ordenação do raciocínio

combinatório, foi sugerido que as caixinhas fossem numeradas de 1 a 6, em que 1

representava a única caixinha da primeira fileira, 2 e 3 as da segunda fileira e 4, 5 e 6 as da

última fileira. Dessa forma, todos alunos encontraram as respostas (1,2), (1,3), (1,4), (1,5) e

(1,6) para o item (a).

O item (b) possuía um nível maior de dificuldade em relação ao item (a). Algumas

estratégias diferentes poderiam ser desenvolvidas para se alcançar a resposta final, mas os

alunos esbarraram mais uma vez na dificuldade de ordenar de maneira sistemática as

possibilidades. Na turma do sexto ano, apenas um aluno, com baixa visão, conseguiu resolver

esta tarefa utilizando os dedos da mão no lugar dos cubinhos, mostrando todas as 15

possibilidades dentro da caixinha. Na turma do sétimo ano, dois alunos acertaram o item

utilizando o material completo, isto é, a placa com as caixinhas e os cubinhos.

Foi possível observar a dificuldade para os alunos cegos de escreverem as respostas

das questões cuja resolução possuía um grande número de possibilidades. O material concreto

os ajudou na visualização da questão, mas a falta de organização foi um empecilho para

obterem o sucesso desejado.

No INES, no primeiro momento, quase todos os alunos exploraram o material sem

preocupação em entender o enunciado entregue. Fizeram diversas tentativas de organizar os

cubinhos: alguns colocaram todos os cubinhos na mesma figura, dividindo-os igualmente em

duas caixas; outros repetiram a mesma organização do exemplo em todas as 5 figuras e,

outros ainda, organizaram os dois cubinhos em cada figura de maneira aleatória. A partir

desse momento orientamos em LIBRAS que era necessário fixar um cubinho em uma das

caixas e variar a posição do segundo cubinho.

No item (b), tal como no IBC, também não realizaram a contagem das possibilidades de

forma sistemática. Em uma das turmas todos os alunos começaram a desenhar as

possibilidades. Já na outra turma, os alunos apenas contaram as possibilidades aleatoriamente,

e escreveram uma resposta final, não necessariamente correta. Uma aluna em especial

escreveu: 5 x 6. Quando perguntamos o porquê, ela disse: “Porque tem 6 caixas e 5”.

Questionamos então: “5 o que?”. Ela não soube responder, apenas usou os números que

estavam no enunciado.

Page 8: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 8

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

MONTANDO SANDUÍCHES

Na cantina da escola há dois tipos de pães: pão francês e pão de forma. Dois tipos de

recheio: queijo e salame. Quantos tipos diferentes de sanduíches você pode escolher sabendo

que eles podem ser feitos com apenas queijo, apenas salame ou queijo com salame? Escreva

todas as possibilidades.

Este tipo de atividade é comum de constar nos primeiros problemas que são introduzidos

de análise combinatória. Escolhemos o contexto de cantinas escolares, por estas estarem

presentes nas instituições em que se deram a pesquisa, portanto fazia parte do cotidiano dos

alunos. Nossa experiência com alunos videntes revela que estes se valem de desenhos ou

objetos concretos para simbolizarem os pães e recheios. Construímos os sanduíches e

recheios utilizando EVA (para representar o salaminho e queijo), esponja para representar o

pão de forma e papel ondulado para representar o pão francês (Figuras 3 e 4). A princípio

pensamos em montar sanduíches de presunto e queijo, porém o formato do presunto é

retangular, tal qual o do queijo, o que nos fez optar pelo salaminho.

Mais uma vez, o material manipulável foi um auxílio indispensável para os alunos com

deficiência visual, pois lhes era permitido montar os sanduíches e assim visualizarem as

possíveis respostas. É interessante destacar que alguns alunos, ao montarem dois sanduíches,

esgotando assim o material entregue, afirmaram que não havia mais possibilidade de preparar

outro. Isto ocorreu porque, na concepção do aluno, uma vez feito o sanduíche, não seria

possível retirar o seu recheio para a montagem de mais alguns. Após a intervenção dos

professores que aplicaram a questão, orientando-os quanto a essa possibilidade, os alunos

deram continuidade à resolução, alcançando a resposta desejada, isto é, seis. Destacamos

novamente a dificuldade em registrar de maneira sistemática as respostas.

No INES, diferentemente do IBC, o enunciado da questão foi apresentado com imagens

indicativas da diferença entre pão francês e pão de forma. Na cantina da escola há dois tipos

de pães: pão francês ( ) e pão de fôrma ( ) . Dois tipos de recheio: queijo e salame.

Quantos tipos diferentes de sanduíches você pode escolher sabendo que eles podem ser feitos

com apenas queijo, apenas salame ou queijo com salame? Escreva todas as possibilidades.

Nesta segunda atividade, todos os alunos logo entenderam o que era para ser feito e

listaram as possibilidades. Entretanto, alguns alunos não diferenciaram o pão de fôrma do pão

francês, mesmo com os desenhos no enunciado, que foram feitos para facilitar a

compreensão. Tal como no IBC, a maioria não listou de forma sistemática as soluções,

Page 9: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 9

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

contando-as de maneira aleatória. Aproveitamos esse momento para orientá-los a resolver a

atividade de forma organizada, para que não contassem uma possibilidade mais de uma vez

ou esquecessem alguma possibilidade.

Havíamos preparado material manipulável para ser utilizado, caso necessário, igual ao do

IBC. Em uma das turmas deixamos o material disponível em cima da mesa do professor, mas

não houve interesse pelo seu uso. Já na segunda turma, o material foi entregue junto com a

atividade. Todos os alunos utilizaram o material e, inspirados nele, fizeram desenhos dos

sanduíches, compreendendo melhor a diferença entre os pães.

CAMINHO PARA A ESCOLA

Um aluno para ir de casa à escola precisa chegar ao centro da cidade para então pegar

outra condução. Sabendo que de casa até o centro ele pode utilizar trem, ônibus ou van e do

centro até a escola, ônibus ou metrô, de quantas maneiras diferentes ele pode ir de casa à

escola passando pelo centro?

Assim como na anterior, a situação de ir à escola e escolher que condução irá tomar faz

parte do cotidiano desses alunos, que em geral necessitam de duas conduções para chegarem

à sala de aula.

Nesta atividade, os alunos do IBC, de um modo geral, entenderam o que era para ser

feito, apresentando oralmente algumas possibilidades. Na turma do sétimo ano, um aluno

cego cometeu o erro de somar o número de escolhas possíveis para ir de casa ao centro com o

número de escolhas para ir do centro à escola. Os demais alunos dessa turma listaram

corretamente as possibilidades.

No sexto ano, mais uma vez foi possível observar a ordenação de maneira não

sistemática, resultando na repetição das possibilidades. Como dois alunos apresentaram

dificuldades na compreensão da questão, e não haviam materiais manipuláveis preparados

para esta atividade, um dos professores procurou adaptar o material da escala cuisenaire para

representar o trem, o ônibus e a van (Figura 4). De igual modo, três placas retangulares foram

utilizadas para representar a casa, o centro e a escola. Ainda assim, estes alunos não

Figura 3: Material representando os elementos envolvidos na questão

Page 10: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 10

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

conseguiram encontrar a solução. Os demais, após serem orientados, conseguiram ordenar de

forma sistemática e chegaram à resposta correta.

No INES, no início da atividade os alunos procuraram no enunciado palavras que

conheciam. Ao encontrar palavras desconhecidas, como condução, eles perguntaram e

esclarecemos por meio da LIBRAS seu significado, utilizando palavras conhecidas como

transporte.

Ao invés de responderem o enunciado da questão, relataram sua experiência pessoal

narrando como faziam para chegar à escola. Uma das alunas, por exemplo, sinalizou: “eu só

pego metrô”. Tiveram muita dificuldade de entender que se tratava de uma situação

hipotética em que só haveria as opções descritas no enunciado. Quase todos os alunos ficaram

muito preocupados em escrever um texto longo para a resposta. Diversas vezes afirmamos que

não se fazia necessário ficarem tão presos à correção da escrita em português. Apenas dois

alunos responderam corretamente e depois explicaram para os demais. Após esse primeiro

momento, foi apresentado no quadro duas maneiras de organizar o pensamento: listando as

opções ou fazendo a árvore de possibilidades, quanto ao pedido dos alunos.

Ensinar combinatória não é uma tarefa das mais fáceis. Esta afirmação é feita baseada

no contraste que há entre um ensino pautado no uso de algoritmos, no qual o professor

espera que seus alunos os reproduzam na resolução das questões, e um ensino baseado em

situações que requerem uma exploração, levando o aluno a conjecturar as variadas

possibilidades sem necessariamente se ater a uma fórmula. Neste caso, o ensino de

combinatória encaixa-se nesta última descrição. Embora muitos alunos queiram descobrir se

uma determinada questão envolve um arranjo, uma combinação ou uma permutação, para

então aplicar uma fórmula, reconhecidamente este não é o meio recomendado pela maior

parte dos educadores. Na verdade, levando o aluno a compreender o princípio multiplicativo,

o professor o prepara para resolver a maioria das questões de raciocínio combinatório. Dessa

forma, este assunto revela-se interessante e importante para ser trabalhado com nossos

Figura 4: Aluno manipulando a escala cuisinaire

Considerações Finais

Page 11: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 11

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

estudantes, desde as séries iniciais.

A ausência de um pensamento sistemático foi um dos pontos observados nessa pesquisa.

Pensar como o deficiente visual ou surdo compreende as questões relacionadas ao raciocínio

combinatório nos motiva a pesquisar sobre a melhor maneira de conduzi-los a ter uma

organização que os auxilie no processo de contagem.

Os materiais adaptados, desenvolvidos pelo grupo, auxiliaram na criação de estratégias

de contagem e na compreensão das questões, sendo em alguns casos fundamentais. Embora

tenham sido criados para serem manipulados por deficientes visuais e surdos, podem ser

também utilizados por professores em classes regulares.

Foi possível notar ainda a importância de enunciados claros e objetivos. Após a leitura

dos mesmos, os alunos pediram explicações e fizeram conjecturas, tentando melhor entender

a situação descrita nos problemas. Cabe ressaltar que as atividades “caminho para escola” e

“montando sanduíches” são situações comuns no dia a dia dos alunos e foram trabalhadas

em cima de contextos reais e com bastante significado para eles, o que os motivou a buscarem

as soluções de forma criativa. As aulas ganharam outra conotação, se mostrando dinâmicas e

prazerosas. Notamos claramente que alguns alunos puderam perceber e concluir que o

princípio multiplicativo era um importante caminho para a solução.

Alguns aspectos observados neste trabalho vem nos estimulando a buscar pesquisas que

possam nos auxiliar a melhor entendê-los. Um destes é o número significativo de alunos

surdos que mudaram o contexto das questões para situações ligadas às experiências pessoais,

colocando-se no sujeito das situações. Este dado foi particularmente percebido na questão do

caminho da escola. Outro tema que tem captado nossa atenção são as situações de sala de

aula em que a manipulação do material se sobreponha ao seu fim. Na questão dos sanduíches,

por exemplo, o fato de alguns alunos terem montado aqueles que eram possíveis com o

material entregue e não perceberem que o enunciado solicitava o número de todas as

quantidades possíveis, sugere que, de alguma forma, estes alunos “abandonaram” a pergunta

proposta e se limitaram ao material disponível. Neste caso, vale a pena pensar no papel do

professor como mediador e a sua influência neste contexto, tendo sempre em mente que o

material deve ser um auxiliar na compreensão matemática. Estas e outras questões vêm

alimentando nosso trabalho e têm sido fontes de mais investigações.

Page 12: Introduzindo a Análise Combinatória no Ensino Fundamental ... · problemas são bastante visuais, como a árvore das possibilidades. Além disso, muitos exercícios que constam

VI Seminário Internacional de Pesquisa em Educação Matemática

Claudia Segadas, Fábio Garcia Bernardo, Júlio César Dos Santos Moreira, Paula Marcia Barbosa, Wagner Rohr Garcez 12

15 a 19 de novembro de 2015 | Pirenópolis - Goiás - Brasil

AGRA, K. L.O., A integração da língua e da cultura no processo de tradução. Biblioteca On-line de Ciências da Comunicação, v. 01, p. 01-18, 2007. Disponível em http://www.bocc.ubi.pt/pag/agra-klondy-integracao-da-lingua.pdf . Acesso:14 de junho de 2015.

BATANERO, C., NAVARRO-PELAYO, V. e GODINO, J. Effect of the implicit combinatorial model on combinatorial reasoning in secondary school pupils. Educational Studies in Mathematics 32, 181-199; 1997.

BRASIL. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/matematica.pdf. Acesso: 12 de junho de 2015.

COUTINHO, M. D., A constituição de saberes num contexto de educação bilíngue para surdos em aulas de matemática numa perspectiva de letramento. (Tese de doutorado), Faculdade de Educação, UNICAMP, São Paulo. 2015.

FIORENTINI, D., LORENZATO, S. Investigação em Educação Matemática: Percursos Teóricos e Metodológicos. Coleção Formação de Professores. São Paulo: Editora Autores Associados, 2006.

IMENES, L., JAKUBOVIC, J. e LELLIS, M. Matemática ao vivo – 3a Série, 1o Grau. São Paulo: Scipione, p. 117-119, 1993.

KAPUR, J. N. Combinatorial Analysis and School Mathematics. Educational Studies in Mathematics 3, p. 111-127, 1970.

LOPES, M. L. Justificativa de um currículo de matemática para o ensino pré-escolar (4-7 anos). Boletim GEPEM, p. 21-33, ago. 1977.

PIAGET, J. e INHELDER, B. La genèse de l'idée de l'enfant hasard chez. Presses Universitaires de France, Paris, 1951 apud BATANERO, C., NAVARRO-PELAYO, V. e GODINO, J. Effect of the implicit combinatorial model on combinatorial reasoning in secondary school pupils. Educational Studies in Mathematics 32, 181-199; 1997.

SKLIAR, C. “Os estudos surdos em educação: problematizando a normalidade” In SKLIAR, C. (org.) A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Editora Mediação, 1998.

Referências