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O INTRUSO DA TKPIA TlflQ L \lUr\ UUUU Acampámos uma semana no Parque de Campis- mo da Caparica. Para quem de fora, o enorme recinto parece um campo de refugiados, um bairro da lata ou uma penitenciária. Na realidade, são duas mil habitações rudimentares pertencentes aos sócios do CCCA, encavalitadas umas em cima das outras num terreno público de 12 hectares. Campistas havia um: o repórter da revista 2 PAULO MOURA TEXTO ENRIC VIVESRUBIO FOTOGRAFIA

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O INTRUSO DA

TKPIA TlflQL \lUr\ UUUUAcampámos uma semana no Parque de Campis-mo da Caparica. Para quem vê de fora, o enormerecinto parece um campo de refugiados, um bairroda lata ou uma penitenciária. Na realidade, sãoduas mil habitações rudimentares pertencentesaos sócios do CCCA, encavalitadas umas em cimadas outras num terreno público de 12 hectares.

Campistas só havia um: o repórter da revista 2

PAULO MOURA TEXTO ENRIC VIVESRUBIO FOTOGRAFIA

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ntrei na recepção, tirei uma senha,e quando chegou a minha vez dis-

se à jovem no guichê que queriaacampar.

"Só com carta de campista", ob-

jectou ela. "É sócio do CCCA [Clubede Campismo do Concelho de Al-mada]?" Se não, teria de me fazersócio de outro clube, o Benfica ouo Sporting, sugeriu, para requisitar

a carta de campista."Por que não do próprio CCCA?", alvitrei.

Difícil. Só se um sócio me propusesse, e ele

precisaria de me conhecer bem. Depois, a pro-posta seria afixada 15 dias, durante os quaisqualquer sócio teria oportunidade de aduzirobjecções à minha entrada no clube. No ca-so de não haver nenhuma, o requerimentosubiria à direcção. Quando houvesse opor-tunidade, o presidente do conselho directorreunir-se-ia com o secretário do conselho, pa-ra apreciarem o pedido. A decisão dependeriaentão de factores como a antiguidade do sócio

proponente, a idoneidade e o comportamentodesse sócio, bem como de uma avaliação dascaracterísticas do candidato. Além de tudoisto, a admissão de sócios está interrompida,por decisão especial da direcção, de 1 de Julhoa 12 de Agosto.

"Vejo que não me querem mesmo comosócio do clube", concluí.

"O Benfica ou o Sporting", voltou a aconse-lhar a funcionária, sem qualquer expressão.

Optei pelo Automóvel Clube de Portugal,através do qual obtive a carta de campista.Apresentei-me no Parque da Caparica como prestigioso documento. Surpresa: não ha-via vagas. Também não era possível fazer re-servas. Era chegar e confiar na sorte. Apósvárias tentativas, havia finalmente um lugar:o número 800. Fui autorizado a vê-10, embo-ra o motivo da gentileza da funcionária fosseóbvio: acreditava que eu odiaria o sítio e iriaembora. Afinal era pior: eu realmente odieiaquele cotovelo de areia suja atrofiado entrea casa de banho e três roulottes, mas quandoregressei à recepção para dizer que o aceitava,

já tinha sido ocupado.A minha sorte foi ter percebido que um casal

de franceses, na única zona realmente reser-vada a tendas (com capacidade para quatro),se preparava para partir. Falei com eles e fi-

quei à espera que desmontassem a tenda, emcujo lugar armei a minha, um pequeno iglôde 35 euros. Quando fui registar-me, o factoestava consumado. Atribuíram-me o número3009, mediante o pagamento de duas noitesem avanço: uma tenda e um campista, seteeuros e dez cêntimos por noite. Se incluirmoso carro, estacionado à porta da tenda, custa

mais quatro euros por noite. Nada mau, parauma residência em cima da praia.

Antes de sair da recepção reparei num por-menor: havia vários impressos disponíveisnum placará. Um para a proposta de novosócio, outros para inscrição nos vários tor-neios e um para... pedido de autorização paraobras! Obras numa tenda? Decidi não fazermais perguntas e dirigi-me ao meu alvéolo.

O local, na chamada Zona Verde, ficava jun-to à porta de saída para o areal, já em cimadas dunas. O meu primeiro acto como cam-pista foi sair pela porta, apresentando aoguarda o cartão de utente do parque, para irdar um mergulho no mar. A água estava mor-na e transparente, e a multidão de banhistas

dispersava-se pelo imenso areal.Voltei, apresentando o cartão ao guarda,

tomei um duche e sentei-me à porta do iglôa observar o parque. O recinto tem uma áreade 12 hectares e é cercado por um muro alto,encimado por arame farpado. Ao centro, há

uma larga avenida, com um parque de esta-

cionamento em espinha entre as duas faixas,ladeada por duas filas com 25 enormes bun-

galows brancos e novos: as Unidades Comple-mentares de Alojamento.

Para cada um dos lados da avenida (a que os

locais chamam a "espinha"), estendem-se os

dois mil alvéolos, constituídos por uma roulot-te e um avançado. São todos idênticos e distamentre si, na maior parte das zonas, cerca de ummetro, ou menos. A maioria dos alvéolos, ou"unidades de alojamento", está cercada poroutros alvéolos por todos os lados, ou tem aentrada voltada para um "carreiro", uma es-

pécie de rua com pouco mais de um metro de

largura. Por esse motivo, quando um campistapretende retirar a sua roulotte (o que é raroacontecer), a operação tem de ser efectuadacom uma grua.

No momento havia, segundo a direcção, cer-

ca de sete mil pessoas no parque. Na sua esma-

gadora maioria, sócios do CCCA, uma vez quesó eles têm acesso ao recinto, com excepçãoda Zona Verde, onde, na prática, como pudeconfirmar, só há lugar para quatro tendas pe-quenas. O resto da Zona Verde está ocupadoem permanência (durante meses ou anos) portendas grandes pertencentes a sócios.

Do meu observatório foi desde logo eviden-te que os campistas cumprem rotinas muitosemelhantes: de manhã vão à praia; entre as

12h e as 13h voltam para o almoço, que dura

entre três e quatro horas e consiste em chur-rascos de peixe confeccionados no grelhadora carvão, que todos têm à porta do alvéolo;a seguir (geralmente), as mulheres vão lavara loiça (os homens tiveram a cargo o barbe-

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cue); praia outra vez, não por muito tempo;às 17h30 é preciso regressar para lavar os ca-racóis do lanche; à noite, outra vez churras-co, mas agora de carne: febras, costeletas ouentrecosto; mais tarde, é a hora dos petiscose das festas. Tanto ao almoço como ao jantar,é frequente ver dez ou vinte pessoas à mesa,pois os amigos ou familiares convidam-se unsaos outros.

Nos tempos intermédios, há jogos - vólei,basquete ou andebol para os mais novos, car-

tas, dominó ou malha para os homens maisvelhos. As mulheres cuidam das plantas oufrequentam aulas de ginástica rítmica ou dan-

ça hip-hop.Não faltam passatempos num parque que

tem dois campos de jogos, um anfiteatro para"fogo de campo", vários parques infantis, umsalão de convívio, salas de bilhar, matrecos e

pingue-pongue, aulas de ginástica e dança,teatro, bailes, campeonatos de BTT, torneiosde sueca, aulas de informática para idosos,uma biblioteca, um centro de juventude, dois

restaurantes, três cafés, três supermercados,um talho, uma peixaria e até uma roulotte defarturas. Tudo parece correr bem, todos an-

dam felizes e todos se tratam por "compa-nheiro".

Reparei, no entanto, que uma grande quan-tidade de homens com walkie-talkies circulapelo parque. Uns vestem a farda da empre-sa de segurança Vigiexpert, outros andam à

paisana.O tratamento por "companheiro" não me

pareceu um gesto de hipocrisia. A afabilidade,a tolerância e o auxílio entre os campistas são

evidentes. Na minha segunda noite resolvi sair,levando o carro. Quando voltei, pouco depoisdas 22h, havia uma fila interminável à entrada."Não há lugar para mais carros", explicou-meum dos homens com walkie-talkie.

"Mas eu paguei por um lugar de carro",protestei.

"Não importa. Quando o limite de carros é

atingido [700, vim a saber], não entram mais.É preciso esperar até que saia algum."

Esperei uma hora e consegui entrar, à tan-gente. Porque, à meia-noite em ponto, quemnão entrou fica de fora. Os portões fecham-se eé preciso estacionar na estrada. "Companhei-ro, lamento, não entra mais ninguém."

"OK, companheiro. Até amanhã." Nem umprotesto.

No dia seguinte, fui a Lisboa. Dormi em ca-sa e regressei ao parque, não de carro, masde bicicleta. Entrei alegremente, exibindo o

cartão, "boa tarde, companheiro", pedaleiem direcção à minha tenda. Passavam cincominutos das 20h. Ouvi alguém gritar atrás de

mim. "Ei! Desmonte! Já passa das oito horas!"Olhei em redor, ostensivamente. Automóveiscirculavam em todas as direcções, dentro do

parque. Faziam-no permanentemente, até àmeia-noite. "Os carros podem circular e asbicicletas não?", balbuciei.

"Ordens!"Obedeci. Comportei-me sempre como um

companheiro exemplar, e por isso não mere-cia o que me fizeram a seguir.

Como só tinha pago duas noites, ao terceirodia fui à recepção para liquidar mais cinco.Que não, declarou o funcionário. Pagaria atotalidade no fim. Regressei descansado aoalvéolo, que estava um forno sob a torreirado sol.

"Boa tarde, companheiro", cantarolei aoporteiro, quando saí para a praia.

"Tenha cuidado. Olhe que vieram aí paralhe desmontar o material", disse ele. Mas só

percebi que falava a sério quando, no regres-so, declarou, agora num tom realmente dra-mático: "Tenho ordens para lhe apreender ocartão." Deveria dirigir-me imediatamente àsecretaria, onde a documentação me seriadevolvida. Lá obedeci, como sempre. A meiodo caminho, fiz um desvio para ir à casa de ba-nho. Imediatamente surgiu atrás de mim umsegurança de bicicleta, em pedalada de grandeurgência: "É o senhor da tenda 3009? Tem de

se dirigir imediatamente à recepção!""Estou a caminho, mas vou só à casa de

banho...""Não pode. Há uma casa de banho na re-

cepção. Aliás, o senhor [já não era um com-panheiro] nem devia estar no parque, porquenão pagou. Tenho ordens para o levar imedia-tamente à recepção."

"Por que me está a tratar dessa maneira?Quem deu essas ordens?"

"Não lhe posso dizer de onde vêm as or-dens", disse o segurança, assumindo um arde agente secreto. "É que não lhe vou mesmodizer de onde vêm as ordens", sublinhou, dan-do a entender que nem sob tortura revelariaa fonte.

Na recepção, foi-me explicado que, comosó tinha pago duas noites, não podia estar noparque. Que me tinham procurado, comonão me encontraram, tinham dado ordenspara desmontar o material. Que o materialnão podia ficar abandonado, sem o campistalá dentro.

Perguntei se podia abandonar o "material"

para ir à praia. Que sim, "mas só se tiver pa-go todas as noites". Argumentei que tentarapagar, mas só acreditaram quando o própriofuncionário responsável pela informação er-rada o veio confirmar.

Lá paguei e ouvi um pirrónico pedido de des-

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culpas, mas se até então era olhado com des-

confiança, agora era visto como um intruso.De início, não percebi qual era o meu crime.

Mas aos poucos ia ficando claro por que ra-zão era considerado persona non grata: é que,entre as sete mil pessoas daquele parque de

campismo, eu era o único campista.

A maior parte das famílias do Parque/\ da Caparica é composta por três/\ gerações, sendo que ado meio/ \ éa menos representada. Avós e/ \ netos constituem os aglomerados/ \ típicos, uns reformados e outros/ \ estudantes, porque as férias aqui/ \ são longas - cinco meses, pelo/ \ menos. No resto do ano, um cam-/ \ pista admitiu que vem todos osfins-de-semana. Sendo que este começa naquinta-feira e termina na terça. "À quarta voua casa para ver o correio."

Há muita gente que fica mesmo aqui o anointeiro. O carácter permanente da ocupaçãoé visível nos pavimentos das tendas - de ti-joleira, azulejos ou soalho flutuante -, nosarbustos, nas heras, e mesmo árvores de fruto

que adornam muitos alvéolos, na mobília enos electrodomésticos que os recheiam.

Todas as tendas têm fogão, forno, micro-ondas, frigorífico, televisão com serviço Meoou Zon, com antena parabólica, computadorcom Internet wi-fi, aquecedores, ventoinhas,sofás, cómodas, mesas, camas, roupeiros.Nalgumas é possível ver mesas de sala devidro, candeeiros arte-nova, lustres. Tudoatafulhado num espaço exíguo para umavivenda de férias, ainda que enorme parauma tenda.

Na realidade, cada alvéolo é composto poruma roulotte e um avançado de lona, com umacobertura de pano amarelo sobre o conjunto.Na roulotte ficam os quartos, no avançado asala, funcionando a cozinha numa pequenatenda à parte, sob a mesma cobertura. Mas é

frequente haver mais um ou dois quartos noavançado, e na roulotte terem sido montadosbeliches. Aliás, diz-se que alguns campistasescavaram o chão por baixo da tenda, paraabrirem mais um piso, reservado a adega,arrumações ou mesmo quarto de dormir.Não consegui confirmar isto. Os directoresgarantiram-me que é uma lenda.

Nas unidades maiores, o proprietário po-de dar-se ao luxo de abrir parte da lona do

avançado, transformando esse espaço numaesplanada. Isto se tem a sorte (ou o privilé-gio) de ter um alvéolo voltado para uma das

ruas. Se estiver encravado entre centenas deoutros alvéolos, com uma distância de meio

metro entre cada um, a esplanada daria parao quarto do vizinho.

Não obstante, é por vezes nestes "bairros"impenetráveis que a animação é maior. Veja-se a festa do Carreiro da Alegria.

\oparque do CCCA há festas em

todas as noites de Verão. Algumasrealizam-se nos restaurantes, desúbito transformados em boites,no salão de convívio, nos camposde jogos ou no "fogo de campo".É necessário pedir licença à direc-

ção do parque, que a concede nacondição de não haver duas fes-tas na mesma noite, para evitar

concorrência.Se, por exemplo, há uma sessão das Noites

Tropicais no Pérola do Oceano, o restauranteParque, atribuído a outro concessionário, noextremo oposto do recinto, não pode dar festanessa noite. Talvez para compensar os preju-ízos resultantes desta política económica de

"regulação de Estado", o Pérola aposta forte

no comércio informal. Para se conseguir umrecibo é preciso chamar o patrão e ouvir umadescompostura.

Mas na organização da festa ficou de ladoa poupança. A banda, constituída por voca-lista, baixista e organista, não teme a incon-

gruência do repertório. Salta do tango parao pimba, com um pé na bossa nova e outronum género inovador a que eu chamaria "slow

espiritual"."Mãe de Deus, tende piedade de nós", chia-

va o cantor, enquanto os pares evoluíam emamplexos românticos, barriga contra barriga,antes de saltarem de braços no ar, entoandoem coro "Mas quem será o pai da criança?Sei lá, sei lá".

Homens de manga cavada e fio de ouro,rapazes de camisa justa lilás e brinco, gel e

patilha fininha, dançando com raparigas devestido preto justo e curto e saltos altos, en-tradões anafados, de calção e chinelo, bonébranco de pala para trás, raparigas em grupo à

espera nas mesas, crianças a correr, outras detrotinete: é uma autêntica festa de aldeia, quemobiliza a comunidade inteira até às tantas.

Nos bairros, as festas, de carácter esporá-dico ou regular, têm mais personalidade. É

famosa a do Carreiro da Alegria. Trata-se deum desses "becos" onde não se pode abriros braços sem tocar na tenda do vizinho. O

espaço é diminuto, mas os organizadores, quehabitam as seis tendas alinhadas de ambosos lados do carreiro, conseguiram montarum sistema de karaoke, colunas de som, du-as mesas repletas de comida e um balcão de

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bebidas. Estavam todos aos saltos no carreiro."The roof, the roofis onfire", cantavam. "So-mos uns 30, de cinco famílias, o mais velhotem 66 anos e a mais nova dois, que foi feitano parque", disse Francelina Jacinto, de 53

anos, a "matriarca do carreiro", envergandouma T-shirt e um boné com um smile, o sím-bolo do Carreiro da Alegria.

s~ "v parque de campismo do CCCA' \ existe há 42 anos, e grande partedos seus utentes está cá desdeessa altura. É o caso das famí-lias Terras e Vargas. Já vão naterceira geração. Compraramtendas junto uns dos outros, e

agora constituem um bairro. Os

l I churrascos são feitos alternada-> ' mente em casa do casal Terras

ou Vargas, ou dos filhos. Nenhum deles pensaalguma vez sair daqui. "Isto é um condomí-nio privado junto à praia", explicou JacintoTerras, de 80 anos. A mulher, Manuela, não

gosta de praia, mas valoriza o convívio. Sãofamílias que vivem juntas há décadas, comonas aldeias que já não existem. Todos se co-nhecem. Os mais velhos são compinchas da

sueca ou do dominó, os jovens deram aqui os

primeiros passos, brincam na rua, começama namorar.

Jacinto Terras e o filho, João, tiveram umavez uma conversa. "Se nos saísse o Euromi-Ihões, abandonávamos o parque?" Concluí-ram que não.

É notório que a maioria da população doCCCA pertence à classe média baixa. É barato.Um alvéolo aqui custa, hoje, entre três mil e

cinco mil euros. Mais o aluguer do terreno,que ronda os 50 euros por mês. O problemaé que não se consegue comprar não se sendosócio do CCCA. Mesmo para estes é difícil, por-que o espaço não se multiplica, como eles.

Quando alguém pretende desistir do seualvéolo, pode pôr o material à venda. Mas o

comprador não fica com direito ao terreno,que é colocado numa espécie de concurso,no qual o critério de preferência é a antigui-dade do sócio. Ou o grau de amizade com os

directores, dizem as más línguas.Quem pretende comprar é colocado numa

lista de espera. Quando surgem as oportuni-dades, o primeiro da lista pode optar. Se nãolhe agradar a unidade à venda, por estar porexemplo num aglomerado irrespirável, podedeclinar. Tem um ano para escolher, após o

que perde o direito.São regras complicadas, que permitem mui-

tas discussões e conflitos. David Carneiro, de

35 anos, e Cristina Dias, de 32, com uma fi-lha de quatro meses, compraram agora umbonito alvéolo, depois de anos a "viver" nodos pais dele. Aproveitei para perguntar aCristina como poderia eu comprar tambémum alvéolo.

"Isso não é possível", disse ela. "Nós só

conseguimos porque o David é da direcção e

amigo de pessoas..."David corrigiu logo: "Estou em lista de es-

pera há dois anos. Aliás, inscrevi-me para quenão dissessem que foi por cunha."

A pressão para comprar os espaços é tãogrande que a direcção não consegue fazero que devia: dar baixa dos alvéolos que vãosendo abandonados, para fazer diminuir adensidade de tendas no parque.

Legalmente, a distância mínima entre astendas seria de dois metros. Aqui, segundo o

próprio presidente do conselho director, Luís

Filipe Ramos, dois terços do parque não cum-prem essa regra. A concentração de tendas ede materiais, aliada ao facto de todas teremum grelhador em funcionamento diário, levao risco de incêndio a um nível extremo. Todosos anos, aliás, tem havido fogos no parque, e,apesar dos muitos extintores, vive-se à esperade uma catástrofe.

A desculpa que a direcção tem apresentadoé a de que, como o parque poderá ter de sairdeste local, instalando-se nuns terrenos de-signados por Pinhal do Inglês, longe da praia,não faz sentido iniciar as obras antes que umadecisão seja tomada.

Com efeito, segundo o projecto Polis paraa zona, os três parques de campismo junto à

praia terão de ser deslocalizados. Além dosdanos causados à zona de dunas e à arribafóssil da Caparica, multiplicam-se as queixascontra os privilégios dos mais de 11 mil sóciosdo CCCA sobre toda aquela zona de terrenospúblicos à beira da praia.

João Terras e Luís Filipe Ramos, que perten-cem a uma direcção eleita por quatro vezesseguidas, dizem ser um erro tirar dali os par-ques. "Nós fizemos crescer a Costa de Capari-ca", alegou Luís Filipe Ramos. "Isto não é umaregião de hotéis. As pessoas ou têm cá casa,ou vêm e vão de Lisboa todos os dias. Nãoestamos em Miami Beach. Aqui a água é fria e

os areais estão a diminuir", desvalorizou ele,para concluir que, se afastarem os sócios doCCCA, mais ninguém viria para aqui.

"Sem os parques, muita gente não poderiafazer férias na praia", explicou o presidente.A missão dele é defender esse direito, paraos 11 mil sócios do clube. Pouco lhe importaque aquela área imensa fique vedada ao restoda população. "Temos de defender os nossossócios. São eles que pagam as quotas."

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Ou que a actividade do clube seja menoscampismo do que proporcionar casas de

praia a uma multidão de pessoas que nãosão ricas.

"Dantes era horrível, era uma trabalheira,ter de montar e desmontar as tendas", recor-dou Francisco Mateus, outro dos membros doclã Vargas. "Não havia electricidade. Tínha-mos de acender um Petromax."

E que tal abrir mais algum espaço paraverdadeiros campistas, perguntei ao presi-dente.

"O que temos é pouco para os nossos só-cios."

E criar regras para impedir que as tendasestejam vazias a maior parte do ano?

"Quanto mais tempo estiverem vazias, mais

rentável é para o parque, que recebe a mensa-lidade e não tem gastos em electricidade, águae gás", respondeu João Terras. Um sócio podeestar meses ou anos sem ocupar a tenda, quenunca é desalojado. Mesmo que deixe de pa-gar, é, segundo Terras, "muito difícil que lhedesmontem o material. Só depois de muitosavisos, muitas reuniões da direcção".

Já a tenda 3009, pertencente ao único cam-pista do parque, ia ser desmontada porque o

utente se ausentou por umas horas.Para os directores, "o campismo de tenda

às costas não é um modelo de negócio viável

para os parques". Já "não há disso em lugarnenhum". O modelo do parque do CCCA re-

presenta "o campismo do futuro".

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A avenida centraldo parque éconhecida peloslocais como a"espinha". De umlado e do outro,estendem-seduas mil roiWottese respectivosavançados.Quando estivemosno Parque deCampismo daCaparica, haviacerca de 7000"companheiros",como se tratamentre si. No planoanterior, jogo damalhaeumadasmuitas festasque acontecemdiariamenteno parque. Noplano seguinte,actividadesrotineiras da vidano parque

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