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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012. INVESTIGAÇÃO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE UMA “CULTURA MARAJOARA” NAS ARTES VISUAIS E NA ARQUITETURA POR MEIO DO ARQUIVO DE THEODORO BRAGA Bolsista: Paola da Silva Pascoal Orientador: Professor Dr. Fernando Atique Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de História Universidade Federal de São Paulo Pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. A antiga civilização que ocupou a atual Ilha do Marajó, no Pará, despertou grande interesse nos meios intelectuais e artísticos brasileiros desde o século XIX, mas, com especial destaque, nas décadas de 1920 e 1930. A possibilidade de se valer da cultura material de tal povo na constituição de uma expressão artística “genuinamente nacional” animou parte importante dos pensadores da região Norte do Brasil, mas, também dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo 1 . Tomada como uma fonte válida para a combinação entre modernização e nacionalismo, os grafismos marajoaras foram adaptados das cerâmicas encontradas por arqueólogos ligados ao Museu do Pará, atual Emilio Goeldi, nas composições gráficas da imprensa seriada, nos ornamentos domésticos (de bordados a louças) e na produção arquitetônica. Como pontuou o historiador da arte Arthur Valle, “tal precedente cultural autóctone logo se tornaria fundamental para o desenvolvimento de uma consciência nativista entre os artistas e intelectuais nacionais” 2 . Um dos pioneiros e principais divulgadores das discussões acerca da cultura marajoara e dessa possibilidade repertorial para a “cultura visual e artística” do período foi o advogado, pintor, professor, historiador, crítico de arte e geógrafo Theodoro José da Silva Braga, paraense de Belém, nascido em 8 de junho de 1872. Mudou-se para São Paulo, em 1921 e faleceu na mesma cidade, em 1953, durante sua vida reuniu grande documentação, a qual se constituiu no fundo principal para o desenvolvimento desta pesquisa. 1 VALLE, Arthur. Repertórios Ornamentais e identidades no Brasil da 1ª República. Apresentado no XIII Encontro de História. Rio de Janeiro: ANPUH-Rio. pp. 6. 2 Idem. pp. 6.

INVESTIGAÇÃO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE UMA … · no ambiente das artes visuais e da arquitetura brasileiras da primeira metade do século XX. ... também em Recife, pelas mãos

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Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

INVESTIGAÇÃO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DE UMA “CULTURA

MARAJOARA” NAS ARTES VISUAIS E NA ARQUITETURA POR MEIO DO

ARQUIVO DE THEODORO BRAGA

Bolsista: Paola da Silva Pascoal Orientador: Professor Dr. Fernando Atique Escola de Filosofia, Letras e Ciências Humanas Departamento de História Universidade Federal de São Paulo Pesquisa apoiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. A antiga civilização que ocupou a atual Ilha do Marajó, no Pará, despertou grande

interesse nos meios intelectuais e artísticos brasileiros desde o século XIX, mas, com especial

destaque, nas décadas de 1920 e 1930. A possibilidade de se valer da cultura material de tal

povo na constituição de uma expressão artística “genuinamente nacional” animou parte

importante dos pensadores da região Norte do Brasil, mas, também dos Estados do Rio de

Janeiro e São Paulo1. Tomada como uma fonte válida para a combinação entre modernização

e nacionalismo, os grafismos marajoaras foram adaptados das cerâmicas encontradas por

arqueólogos ligados ao Museu do Pará, atual Emilio Goeldi, nas composições gráficas da

imprensa seriada, nos ornamentos domésticos (de bordados a louças) e na produção

arquitetônica. Como pontuou o historiador da arte Arthur Valle, “tal precedente cultural

autóctone logo se tornaria fundamental para o desenvolvimento de uma consciência nativista

entre os artistas e intelectuais nacionais” 2.

Um dos pioneiros e principais divulgadores das discussões acerca da cultura marajoara

e dessa possibilidade repertorial para a “cultura visual e artística” do período foi o advogado,

pintor, professor, historiador, crítico de arte e geógrafo Theodoro José da Silva Braga,

paraense de Belém, nascido em 8 de junho de 1872. Mudou-se para São Paulo, em 1921 e

faleceu na mesma cidade, em 1953, durante sua vida reuniu grande documentação, a qual se

constituiu no fundo principal para o desenvolvimento desta pesquisa.

1 VALLE, Arthur. Repertórios Ornamentais e identidades no Brasil da 1ª República. Apresentado no XIII Encontro de História. Rio de Janeiro: ANPUH-Rio. pp. 6. http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1213300383_ARQUIVO_anpuh_2008.pdf 2 Idem. pp. 6.

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Analisando-se o arquivo pessoal de Theodoro Braga, que fora recebido pelo Arquivo

Público do Estado de São Paulo – AESP -, levantou-se sua produção no período de 1903 a

1953, visando encontrar documentos elucidativos de sua atuação no projeto de nacionalização

da arte brasileira que havia ideado, ao mesmo tempo em que se buscava encontrar uma

melhor compreensão acerca da cultura marajoara, da qual foi um dos principais

propugnadores.Paralelamente, procedeu-se ao levantamento das obras do autor (produções

artísticas, publicações seriadas e demais produções textuais), que auxiliaram na compreensão

tanto de sua relevância e contribuição, quanto na repercussão de seu ideário e de sua atuação

no ambiente das artes visuais e da arquitetura brasileiras da primeira metade do século XX.

1. Braga: autor multifacetado Braga: autor multifacetado Braga: autor multifacetado Braga: autor multifacetado

Theodoro Braga foi, como diversos outros atores sociais do século XIX-XX, um

profissional multifacetado. Formou-se advogado em 1893, pela Faculdade de Direito do

Recife, mas na mesma cidade logo cedo se inclinou à formação artística, qual iniciou por

volta de 1892, também em Recife, pelas mãos de Jerônimo José Telles Júnior, mestre do

paisagismo pernambucano, quem, segundo o historiador Edilson da Silveira Coelho, foi um

dos responsáveis pela construção de sua personalidade artística. Já no Rio de Janeiro, em

1894 Theodoro Braga estudou pintura na Escola Nacional de Belas Artes- ENBA -, com os

professores Belmiro de Almeida, Daniel Bérard e Zeferino da Costa, na qual obteve conceito

máximo, quando de sua formatura em 1898.

Em 1899, recebeu o Prêmio de Viagem à Europa e partiu para aperfeiçoamento na

cidade de Paris, onde estudou na Academia Julian com Jean-Paul Laurens, mestre da pintura

histórica francesa. Na sua estadia em Paris, Theodoro Braga manteve contato com a arte

decorativa francesa. De regresso a Belém em 1905, sua terra natal, pôde desenvolver pintura

alusiva à fundação da cidade, por encomenda daquela municipalidade, fortalecendo seus

vínculos com a pintura histórica. Ali escreveu “A planta brasileira (copiada do natural)

aplicada à ornamentação”; um repertório visual.

No Rio de Janeiro em 1921, Braga gravitou em torno dos docentes e dos formandos da

ENBA até que, no mesmo ano mudou-se para São Paulo para desenvolver atividade docente

no Instituto de Engenharia Mackenzie, onde ministrou disciplina de Desenho Técnico, e na

Escola de Belas Artes, local que chegou a dirigir.

Sua produção ainda conta com a publicação do livro “Artistas Pintores do Brasil” de

1942, e de várias publicações em periódicos como na revista Ilustração Brasileira com os

textos “ Estylização nacional de arte decorativa aplicada”, de 1921 e “Nacionalização da arte

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brasileira” na mesma revista, em 1922. É possível, ainda, fazer menção às várias telas que

pintou, como por exemplo, “A fundação da cidade de Belém”, de 1908; “Muiraquitã”, de

1920, e “Périplo Máximo de Antônio Raposo Tavares”, de 1928.

Mesmo tendo se radicado em São Paulo, manteve vínculos de pesquisa com o seu

estado natal, assim como com a produção da ENBA, participando de salões da década de

1920, nos quais apresentou “uma série de projetos e protótipos de natureza diversificada,

como colunas, vasos, tapetes, xales ou elementos tipográficos, aproveitando motivos da flora

da Amazônia, bem como dos grafismos dos índios marajoara ou dos que habitaram outrora o

rio Cunani, no Amapá” 3.

De acordo com Edilson da Silveira Coelho, “Theodoro Braga reflete sua postura de

pesquisador paciente, metódico e sistemático e se coloca entre os principais nomes da

historiografia da arte brasileira da primeira metade do século XX”4, mas segundo alega André

Cozzi, essa imagem frequente de Theodoro Braga como um pintor comportado, sempre calmo

e resignado, não condiz com o que pretendia realmente, pois almejava uma “livre expressão

fundamentada no rigor de estudo preliminares de matemática e geometria, não na

subjetividade psicologizada”5.

A intenção de Theodoro Braga era criar objetos decorativos com inspiração em

elementos nacionais visando enraizar uma “herança comum” na essência das criações

artísticas brasileiras através de uma memória nacional capaz de afastar qualquer

estrangeirismo, causando, assim, uma identificação local, ou seja, o projeto de Theodoro

Braga era o de articular a sociedade em torno de um desenvolvimento artístico alternativo, e

para tanto, a arte decorativa seria a melhor maneira de mobilizar toda uma sociedade, pois cria

ser a arte, o elemento unificador das nações. Segundo a pesquisadora Patrícia Bueno de

Godoy “o esforço de Theodoro Braga para a divulgação do projeto de nacionalização da arte

brasileira visava chamar a atenção de professores e industriais, pois estes seriam os grandes

responsáveis por espalhar esse novo caráter, verdadeiro da arte nacional”. Isso nos revela que

Braga cria no design como atividade industrial, capaz de ser pensada dentro de agendas de

reprodução da arte, contrariando, assim, a interpretação costumeira de que praticava uma arte

“artesanal”. Braga, de fato, concedeu amplo destaque à necessidade de implantação de cursos,

3 VALLE, Arthur. Repertórios Ornamentais e identidades no Brasil da 1ª República. Apresentado no XIII Encontro de História. Rio de Janeiro: ANPUH-Rio.pp7. http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1213300383_ARQUIVO_anpuh_2008.pdf 4 COELHO, Edilson da Silveira. A formação artística de Theodoro Braga e a criação das obras A fundação da cidade de Belém e A planta brasileira (copiada do natural) – aplicada à ornamentação. 5 COZZI, André. “Fascinação de Iara” - o nacional e o feminino na obra de Theodoro Braga. 19&20, Rio de Janeiro, v. II, n. 2, abr. 2007. Disponível em: <http://www.dezenovevinte.net/obras/fascinacao_iara.htm>.

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desde as séries primárias, que contemplassem uma metodologia embasada no repertório

nacional, e que redundassem num espraiamento de motivos marajoaras.

Os produtos obtidos na pesquisa que desenvolvemos sobre Braga dizem respeito à

sistematização de seu acervo pessoal, pesquisado com diligência desde a implementação da

bolsa de Iniciação Científica, em junho de 2011. Na pesquisa, procurou-se tecer considerações

sobre o ator social investigado, bem como produzir sua biografia e cronologia; tecer suas

ligações com outros personagens inseridos no debate marajoara e sistematizar tudo o que foi

possível levantar em fontes primárias AESP.

2. O Acervo de Braga no AESPO Acervo de Braga no AESPO Acervo de Braga no AESPO Acervo de Braga no AESP

Ao analisar este Fundo específico de Theodoro Braga pode-se perceber a envergadura

de sua produção, o empenho e a forma aplicada com que estudava, já que seu arquivo pessoal

é composto por documentos de diversos formatos, assuntos e gêneros, mostrando, assim,

“multiformidade” 6 de toda a sua obra e pensamento. É possível perceber seu alto grau de

organização e de pleno entendimento do que era ser um artista e um historiador, já que em sua

obra os dois campos constantemente se cruzaram, sendo possível afirmar que, para Braga,

tudo podia ser historicizado, tudo podia ser tema de estudo, como, também, tudo podia ser

alçado à categoria de fonte.

Tendo sido o objetivo principal desta pesquisa investigar o arquivo pessoal de

Theodoro Braga, procurando reunir e interpretar documentos textuais e iconográficos, sobre a

constituição de uma “cultura marajoara” nas artes visuais e na arquitetura, fazia-se então

necessário encontrar fontes textuais e iconográficas que permitissem questionamentos acerca

de tal cultura. Porém nas caixas analisadas até o momento o debate marajoara não se fez tão

evidente, já que tais documentos seriam os originais de um dicionário sobre a região

amazônica.

Já se sabe que um dos métodos utilizados por Braga foi o incentivo às modificações das

práticas do ensino do desenho e da arte em geral no Brasil, para uma produção de obras com

características de fato brasileiras, o que leva o pesquisador Clóvis Morais Rêgo alegar que a

preocupação com o brasileirismo se constitui em Braga “num “leit-motiv”. A nacionalização

de nossa arte se transforma nê-le em uma quase obsessão”7. Braga acreditava que por

6 COELHO, Edilson da Silveira. A multiforme obra artística e intelectual de Theodoro Braga. Comunicação apresentada no III Encontro de História da Arte da UNICAMP- IFCH/ UNICAMP. Campinas: IFCH, 2007. http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2007/COELHO,%20Edilson%20da%20Silveira.pdf http://www.unicamp.br/chaa/eha/atasIIIeha.html#C 7 MORAIS REGO, Clóvis. Theodoro Braga: historiador e artista. Belém: Conselho Estadual de Cultura, 1974.pp.28.

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meio da orientação com caráter prático ao ensino de desenho, e da união

entre formas novas e típicas seria construído, o futuro estilo brasileiro

8,

da mesma forma alega que “a grande Arte Nacional está entregue a mocidade brasileira, que

tem sabido e saberá elevá-la ao apogeu da verdade, do sentimento e da originalidade. Falta-

nos, porém, a nossa arte aplicada; aos nossos operários compete nacionaliza-la.”9

Como mencionado anteriormente, por se tratar de um acervo que reúne documentos

originais de pesquisas, infelizmente não foi encontrado nenhum tipo de texto ou qualquer tipo

de iconografia, produzida por Braga, que caminhasse em torno da construção da cultura

marajoara, ou seja, não se trata de um acervo dedicado a guardar suas obras prontas, mas sim

de guardar toda e qualquer referência à região amazônica. Porém, é importante esclarecer que

mesmo não tendo sido possível encontrar documentos escritos por Braga sobre a cultura

marajoara, a pesquisa torna-se relevante, pelo fato de ter conseguido encontrar vários tipos de

documentos, que foram primeiramente selecionados por Theodoro Braga, colocando-os,

assim, no patamar de fontes para as suas pesquisas, além de ter sido capaz de capturar as

referências bibliográficas do artista.

Percebe-se que dentre os vários títulos listados por Braga os de Raymundo Morais

tornam-se mais relevantes, pois este escritor é muito mencionado nos documentos deste

acervo, podendo ser o que mais tenha influenciado nos estudos de Braga. No texto da

conferência realizada na Escola de Engenharia Mackenzie, em 1934, Theodoro Braga

menciona Raymundo Morais como o “escritor privilegiado da Planície Amazônica” 10.

Por meio da pesquisa realizada no acervo de Theodoro Braga, pode-se dizer que a

constituição de uma cultura marajoara está presente, justamente na utilização das publicações

de Raymundo Morais como possível referência teórica, já que existem semelhanças entre o

discurso de Morais e o de Theodoro Braga, já que ambos caminham para a ideia de que com o

passar do tempo à cultura indígena e a natureza seriam inculcadas na população brasileira, ao

ponto desta se reconhecer e se apropriar de tais elementos.

3. A “Campanha Marajoara” de Theodoro BragaA “Campanha Marajoara” de Theodoro BragaA “Campanha Marajoara” de Theodoro BragaA “Campanha Marajoara” de Theodoro Braga

A partir da pesquisa foi possível perceber que durante toda sua vida Theodoro Braga

esteve cercado pelas questões da arte e do ensino, dimensões que entrelaçadas seriam capazes

8 BRAGA, Theodoro. Estylisação nacional de arte decorativa applicada. In. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro: 25 dez. 1921. Nº. 16. Ano IX. 9 BRAGA, Theodoro. Nacionalização da arte brasileira. In. Ilustração Brasileira. Rio de Janeiro: Ano X, set. 1922. 10 BRAGA, Theodoro. A arte cerâmica dos Incolas Marajóuaras. Conferencia realisada na Escola de Engenharia Mackenzie, em outubro. In Annuario da Escola de Engenharia Mackenzie. Ano I. SP. 1934, p. 99.

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de se integrarem ao cotidiano do povo brasileiro, como confirma a Publicação do XVIII Salão

Paulista de Belas Artes, em artigo necrológico: “oitenta anos viveu ele, pode-se dizer que

tirando os tempos indecisos da infância, todos eles foram dedicados à arte.”11

Entretanto, a produção de Braga passou por mudanças de acordo com o contexto

histórico em que viveu: “mantendo ou não o pé no passado romântico, ou o corpo no

ufanismo republicano, ou no modernismo que se abria a sua frente”12 Braga buscava a

nacionalização da arte brasileira, que se daria, como dito anteriormente, pela libertação

estético-visual dos modelos estrangeiros. Contudo, Theodoro Braga começa a ter contato

primeiramente com a arte decorativa francesa, quando residiu em Paris para a realização de

seus estudos como pensionista da ENBA, antes de vincular-se ao marajoara. Segundo a

historiadora Patrícia Bueno de Godoy, Braga teria sido influenciado por Eugène Grasset,

artista de extrema importância na arte decorativa e um dos nomes mais significativos do Art

Nouveau. Como sabido, uma das ideologias compositivas da Art Nouveau é a estilização de

motivos vegetais, de maneira a invocar uma nova relação com a natureza, tema lançado ainda

no século XIX, por Viollet-le-Duc.

De acordo com Godoy, Theodoro Braga foi um dos artistas que introduziu o debate

em torno do ornamento e do ensino da arte, pois,

“Acreditava que o estabelecimento de um estilo inconfundivelmente brasileiro deveria surgir com a infiltração do ornamento - inspirado na flora, na fauna e na arte marajoara - em todas as esferas sociais. Para isso, a reformulação educacional era a medida mais urgente a ser executada. O ensino da arte decorativa, desde as primeiras séries escolares, e a eliminação dos repertórios estrangeiros, exaustivamente copiados pelos alunos, seria a maneira ideal para instituir uma arte incontestavelmente nacional” 13.

Braga em suas publicações tentava comprovar que as mudanças nos padrões artísticos

brasileiros podem mudar e enraizar-se em si mesmos, alegando assim que para nacionalizar a

arte seria necessário, primeiramente, educar e instruir o operariado desde o início,

incorporando, assim, o ensino de desenho nas escolas brasileiras.

Para Braga o principal objetivo de sua “campanha” era utilizar-se da natureza para

criar uma visualidade compartilhada14, genuinamente brasileira. O resgate desta cultura

marajoara propagandeado por Braga consiste na aplicação dos motivos marajoaras em

11 XVIII SALÃO PAULISTA DE BELAS ARTES. São Paulo: Galeria Prestes, 1953. (homenagem póstuma a Theodoro Braga). 12 COELHO, Edilson da Silveira. A multiforme obra artística e intelectual de Theodoro Braga. Comunicação apresentada no III Encontro de História da Arte da UNICAMP- IFCH/ UNICAMP. Campinas: IFCH, 2007. pp.167. http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2007/COELHO,%20Edilson%20da%20Silveira.pdf http://www.unicamp.br/chaa/eha/atasIIIeha.html#C. 13 GODOY, Patrícia Bueno. O nacionalismo na arte decorativa brasileira- De Eliseu Visconti a Theodoro Braga. Comunicação Apresentada no I encontro de História da arte, IFCH-UNICAMP, Campinas: 2004. pp. 80. 14 Theodoro Braga acreditava que por meio da utilização da flora “nacional” nos mais diversos suportes artísticos, contribuiria para levar o povo brasileiro a perceber a relevância nacional no cenário artístico.

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variados tipos de suporte, na intenção de difundir e nacionalizar a verdadeira arte brasileira

esquecida, em detrimento dos estrangeiros, fenômeno que se convencionou chamar de “estilo

marajoara”, “marajoara-déco” ou “neomarajoara”.

O pesquisador Márcio Roiter afirma que nas primeiras décadas do século XX acontece

na decoração das casas uma epidemia deste estilo, já que os labirintos, zigue-zagues, gregas e

tramas geométricas derivadas dos desenhos marajoara eram aplicados em toda e qualquer

superfície. Segundo Roiter a identidade brasileira entre os anos de 1930 e 1950, período de

vigência do Art Déco, era representada também pela vertente marajoara, até mesmo o próprio

governo de Getúlio Vargas, de 1930 a 1945, incentivava o orgulho nacional, tentando buscar

nas origens os parâmetros para um projeto de nação15, e é justamente neste período que

surgem os selos e moedas com decorações marajoaras.

O Art Déco é o termo que mais costumeiramente se associa às manifestações no

campo das artes decorativas e na arquitetura produzidas partir da década de 1920, no

estrangeiro, identificadas pela utilização de estruturas geometrizadas, de forte influência

cubista. Segundo Marcelo Araujo e Regina Barros, estudiosos destas manifestações16, o nome

Art Déco é derivado da abreviação da Exposition Internationalle des Arts Décorative et

Industrilles Modernes, acontecida em Paris entre abril e outubro de 1925. Tal exposição é de

extrema importância no campo artístico, pois é um dos marcos da união entre indústria e a

arte, pois tinha como finalidade incentivar a união produtiva entre artistas, artesãos e

fabricantes de manufaturas, assim como estimular a abertura de mercados para as artes

aplicadas produzidas naquele país. A partir daquele momento o “luxuoso modern style

rapidamente se disseminou por todo o mundo, incorporando influências locais. No Brasil, o

Art Déco incorporou referências a motivos indígenas”17.

15 ROITER, Márcio Alves. A Influência Marajoara no Art Déco Brasileiro. In. Revista UFG/Julho 2010/ Ano XII nº 8, p.20. 16 O Art Déco Brasileiro. Coleção Fulvia e Adolpho Leiner. Pinacoteca do Estado de São Paulo. 2008, p.8. 17 Idem. pp. 9.

Moedas brasileiras, datadas de 1939, com bordaduras marajoaras, executadas pelos gravadores

Benedito Ribeiro e Orlando Maia. Disponível em: http://www.moedasdobrasil.com.br/series.asp?s=15

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Luís Paulo Conde alega que o Art Déco caminha entre o clássico e o moderno, pois

em sua arquitetura ainda se percebe uma composição de matriz clássica, como uma estrutura

tripartida em base, corpo e coroamento escalonado, mas, ao mesmo tempo, já buscava uma

simplificação de fachadas18. Dentre as várias características da arquitetura Art Déco

destacam-se, segundo Conde, uma

“composição com linhas e planos, verticais e horizontais, fortemente definidos e contrastados, articulação/integração entre arquitetura, interiores e Design, valorização dos acessos e portarias, iluminação cenográfica influenciada pelo cinema, intenção esta manifesta desde as perspectivas que acompanham os projetos”.19

Para Conde, a Arquitetura Art Déco, assim como a modernista, ao ser introduzida no

Brasil, encontrou uma forte corrente nativista intelectual, que buscava, como dito

anteriormente, uma expressão própria para a cultura brasileira, criando, assim, inúmeras

manifestações em todos os gêneros artísticos. Na arquitetura, esse pensamento também

englobou a discussão acerca do “estilo Marajoara, de inspiração indigenista, inventado por

Edgar Vianna,20 que logo se identifica com a temática decorativa Art Déco, tornando-se uma

variante desta”.21 Porém, para o autor a influência da cultura indígena na arquitetura Art Déco

restringiu-se a três aspectos: “motivos decorativos geométricos e labirínticos inspirados

naqueles da cerâmica marajoara da Ilha de Marajó, Pará; altos e baixos-relevos e

estatuárias (mais rara) representando o índio, a flora e a fauna amazônica; e edifícios

batizados com nomes indígenas” 22, sendo este o mais relevante para o pesquisador, que

identificou prédios em Copacabana, Botafogo, Catete, Laranjeiras, Flamengo e outros bairros

cariocas. Para Theodoro Braga, a arquitetura assim como as artes decorativas, deveriam se

basear somente no que é brasileiro, como fica claro no texto Por uma arte brasileira, no qual

declara, que a arquitetura,

“A arquitetura arte por excelência, escrínio de todas as outras artes, melhor que todas elas, poderá, em todos os seus mínimos detalhes, como nos seus grandes conjuntos, através da alma vibrátil dos seus apóstolos abnegados, buscar na nossa natureza a linha, o gesto, o movimento, que possam caracterizar a arte arquitetônica brasileira.”23

Não por acaso, Theodoro Braga exerceu durante muito tempo atividade docente dentro

do curso de arquitetura no Instituto Mackenzie, dando aulas de arte decorativa, fato que

18 CONDE, Luiz Paulo; CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Guia da arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo, 2000(Guias da arquitetura do Rio de Janeiro). pp.14. 19 Idem. 14. 20 Sobre Edgar Vianna, consultar ATIQUE, Fernando. Arquitetando a “Boa Vizinhança”: arquitetura, cidade e cultura nas relações Brasil-Estados Unidos (1876-1945). Campinas: Pontes / FAPESP, 2010, pp.186. 21 CONDE, Luiz Paulo; CZAJKOWSKI, Jorge (org.). Guia da arquitetura Art Déco no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Centro de Arquitetura e Urbanismo, 2000(Guias da arquitetura do Rio de Janeiro). pp. 14 22 CONDE. pp.15. 23 BRAGA, Theodoro. Por uma arte Brasileira. In Revista de Engenharia Mackenzie. Jul ,1938.

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permitiu que as bases de sua campanha de nacionalização da arte brasileira fossem

transmitidas fortemente aos futuros arquitetos, pois os incentivava, claramente, a utilizarem a

natureza brasileira como um padrão ornamental.

O engenheiro-arquiteto Eduardo Kneese de Mello, egresso do Mackenzie, também

desenvolveu juntamente com Theodoro Braga atividade docente ali. Kneese de Mello foi

considerado, na década de 1930, o arquiteto da elite paulistana, desenvolvendo projetos

residenciais nos bairro do Pacaembu, no jardim América, dentre outros. De acordo com o

estudo feito sobre o arquiteto, por Aline Nassaralla Regino, pode-se perceber que dentre as

residências projetadas por ele, se destaca a residência do próprio Theodoro Braga, construída

em 1935 no Pacaembu. Esta era uma mistura entre as características arquitetônicas do

neocolonial e do estilo missões, sendo assim identificada como um estilo híbrido, mas o que

de fato a faz relevante é o fato de que o próprio proprietário foi o responsável por “projetar

toda a ornamentação com motivos marajoaras da fachada, além dos pisos, dos gradis de

ferro forjado nos vãos da fachada e no interior” 24.

Nassaralla Regino declara que ao contrário do que se possa pensar, Kneese de Mello

não era um defensor da nacionalização da arte e da arquitetura, pois publicou um texto na

revista Acrópole em 1938 com o título “Acrópole de Athenas” no qual descreve a arquitetura

grega como a uma arte perfeita e pura, pois reunia em si arte e beleza, sendo por isso um

dever imitá-la e copiá-la, incentivo bem diferente àquele dado por Theodoro Braga que no

mesmo número da revista Acrópole publicou seu texto “Por uma arte brasileira”, no qual

repudia qualquer influência estrangeira em todos os âmbitos da arte. Braga utilizou-se de

imagens de sua residência para ilustrar o texto publicado. Algumas das imagens podem ser

vistas abaixo.

24 VALLE, Arthur. Repertórios Ornamentais e identidades no Brasil da 1ª República. Apresentado no XIII Encontro de História. Rio de Janeiro: ANPUH-Rio. pp. 8. Disponível em http://www.encontro2008.rj.anpuh.org/resources/content/anais/1213300383_ARQUIVO_anpuh_2008.pdf

Imagens da residência de Theodoro Braga, já com a ornamentação marajoara, feita pelo proprietário. Fonte: REGINO, Aline Nassaralla. Eduardo Kneese de Mello. Do eclético ao moderno. Tese de doutorado FAU USP, 2011.

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Theodoro Braga não foi o único a aplicar o estilo marajoara em sua residência, porém

em São Paulo, sem dúvida, esta residência foi um expoente. Todavia, no Rio de Janeiro, esta

forma de ornamentação arquitetônica teve maior repercussão, devido ao interesse que existia

na cidade em se assemelhar dos parâmetros arquitetônicos e artísticos europeus e norte-

americanos. Braga por meio de sua campanha, carregada de conteúdo ideológico,

tentou incentivar os arquitetos a criarem de forma prática uma

“personalidade arquitetônica” que pudesse ser identificada como nacional.

Rogava ele aos arquitetos:

“Façamos obra nossa por e para nós mesmos; e aos arquitetos, mais do que a qualquer outro artista, cabe delinear, em seus mínimos detalhes, o acabamento patriótico de suas obras, sempre expostas ao grande público, dando-lhes uma ornamentação que não se dispensa que eduque, pela execução plástica, o espírito popular, integrando-o no ambiente em que vive. Façamos obra nossa Brasileira” 25.

Essa atitude de Braga e de diversos outros contemporâneos seus, como Euclydes

Fonseca, Manoel Pastana ou Fernando Correia Dias de Araújo inscreve-se na construção de

uma identidade nacional, sobretudo pela busca por um caráter nacional, que caminha em

vários segmentos, mas é evidente que pode ser vista como uma questão de interpretação,

carregada de subjetividade, mesmo que sejam demandas colocadas no coletivo, assim como a

política, a cultura, a arquitetura e a arte.

25 BRAGA. In . PINHEIRO, Maria Lucia Bressan. O marajoara. In. Modernizada ou Moderna? A arquitetura em São Paulo, 1938-45. (Tese de Doutorado) São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 1998. Pp. 36.

Desenho da Fachada principal da residência de Theodoro Braga, na qual se percebe as linhas labirínticas nos gradis das

janelas. Projeto de Eduardo Kneese de Mello, 1935. Fonte: REGINO, Aline Nassaralla. Eduardo Kneese de Mello. Do eclético

ao moderno. Tese de doutorado FAU USP, 2011.

Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

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