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As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel das variáveis do contexto nacional e sectorial Simone Kirpal Instituto de Tecnologia e Educação, Universidade de Bremen, Alemanha RESUMO Os novos conceitos normativos de flexibilidade, empregabilidade e aprendizagem ao longo da vida estão a alterar os requisitos do mercado laboral, introduzindo padrões de emprego flexíveis e novas necessidades em termos de competências. Ao mesmo tempo que o modelo típico de progressão na carreira, baseado num conjunto específico de competências (profissionais), foi comprometido em grande medida, os trabalhadores confrontam-se com desafios crescentes para manter a sua empregabilidade, através de uma adaptação contínua dos seus perfis de competências e da gestão individualizada das suas carreiras. Estas tendências estão a afectar crescentemente os trabalhadores a todos os níveis de competências, tanto nos sectores da produção como dos serviços. Vários estudos e indicadores apoiam a hipótese de que um novo tipo de trabalhador empreendedor, caracterizado por um conjunto de competências individualizadas, mecanismos de controlo internalizados e competências transferíveis, consideradas prioritárias em relação às competências técnicas, se tornará gradualmente o novo protótipo considerado desejável pelos gestores e pelos peritos em desenvolvimento dos recursos humanos. Com base no projecto do 5º programa- quadro de investigação da UE Vocational identity, flexibility and mobility in the European labour market (Identidade profissional, flexibilidade e mobilidade no mercado laboral europeu), argumenta se no presente documento que a maior parte dos trabalhadores da Europa com um nível de competências intermédio não dispõem dos recursos e capacidades necessários para satisfazer as condições de um desenvolvimento potencial que lhes permita vir a ser o tipo de trabalhador empreendedor. A questão central abordada no documento é a medida em que os diferentes contextos nacionais e sectoriais contribuem para criar condições que favorecem ou dificultam o desenvolvimento da capacidade dos trabalhadores para fazerem face a grandes mudanças no trabalho. Palavras-chave Vocational identity, flexibility, work concepts, vocational training, career orientation, professional development Revista Europeia de Formação Profissional N. o 39 – 2006/3 – ISSN 0258-7491 I N V E S T I G A Ç Ã O

INVESTIGAÇÃO · 2008. 4. 14. · permitam participar activamente (e de forma positiva) em processos labo-rais que garantam uma integração bem sucedida em diferentes ambien-tes

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  • As identidades laboraisnuma perspectivacomparativa: o papel dasvariáveis do contextonacional e sectorial

    Simone KirpalInstituto de Tecnologia e Educação, Universidade de Bremen, Alemanha

    RESUMO

    OOss nnoovvooss ccoonncceeiittooss nnoorrmmaattiivvooss ddee fflleexxiibbiilliiddaaddee,, eemmpprreeggaabbiilliiddaaddee ee aapprreennddiizzaaggeemmaaoo lloonnggoo ddaa vviiddaa eessttããoo aa aalltteerraarr ooss rreeqquuiissiittooss ddoo mmeerrccaaddoo llaabboorraall,, iinnttrroodduuzziinnddooppaaddrrõõeess ddee eemmpprreeggoo fflleexxíívveeiiss ee nnoovvaass nneecceessssiiddaaddeess eemm tteerrmmooss ddee ccoommppeettêênncciiaass..AAoo mmeessmmoo tteemmppoo qquuee oo mmooddeelloo ttííppiiccoo ddee pprrooggrreessssããoo nnaa ccaarrrreeiirraa,, bbaasseeaaddoo nnuummccoonnjjuunnttoo eessppeeccííffiiccoo ddee ccoommppeettêênncciiaass ((pprrooffiissssiioonnaaiiss)),, ffooii ccoommpprroommeettiiddoo eemmggrraannddee mmeeddiiddaa,, ooss ttrraabbaallhhaaddoorreess ccoonnffrroonnttaamm--ssee ccoomm ddeessaaffiiooss ccrreesscceenntteessppaarraa mmaanntteerr aa ssuuaa eemmpprreeggaabbiilliiddaaddee,, aattrraavvééss ddee uummaa aaddaappttaaççããoo ccoonnttíínnuuaa ddoosssseeuuss ppeerrffiiss ddee ccoommppeettêênncciiaass ee ddaa ggeessttããoo iinnddiivviidduuaalliizzaaddaa ddaass ssuuaass ccaarrrreeiirraass..EEssttaass tteennddêênncciiaass eessttããoo aa aaffeeccttaarr ccrreesscceenntteemmeennttee ooss ttrraabbaallhhaaddoorreess aa ttooddooss oossnníívveeiiss ddee ccoommppeettêênncciiaass,, ttaannttoo nnooss sseeccttoorreess ddaa pprroodduuççããoo ccoommoo ddooss sseerrvviiççooss..VVáárriiooss eessttuuddooss ee iinnddiiccaaddoorreess aappooiiaamm aa hhiippóótteessee ddee qquuee uumm nnoovvoo ttiippoo ddee ttrraabbaallhhaaddoorreemmpprreeeennddeeddoorr,, ccaarraacctteerriizzaaddoo ppoorr uumm ccoonnjjuunnttoo ddee ccoommppeettêênncciiaass iinnddiivviidduuaalliizzaaddaass,,mmeeccaanniissmmooss ddee ccoonnttrroolloo iinntteerrnnaalliizzaaddooss ee ccoommppeettêênncciiaass ttrraannssffeerríívveeiiss,, ccoonnssiiddeerraaddaasspprriioorriittáárriiaass eemm rreellaaççããoo ààss ccoommppeettêênncciiaass ttééccnniiccaass,, ssee ttoorrnnaarráá ggrraadduuaallmmeennttee oonnoovvoo pprroottóóttiippoo ccoonnssiiddeerraaddoo ddeesseejjáávveell ppeellooss ggeessttoorreess ee ppeellooss ppeerriittooss eemmddeesseennvvoollvviimmeennttoo ddooss rreeccuurrssooss hhuummaannooss.. CCoomm bbaassee nnoo pprroojjeeccttoo ddoo 55ºº pprrooggrraammaa--qquuaaddrroo ddee iinnvveessttiiggaaççããoo ddaa UUEE VVooccaattiioonnaall iiddeennttiittyy,, fflleexxiibbiilliittyy aanndd mmoobbiilliittyy iinn tthheeEEuurrooppeeaann llaabboouurr mmaarrkkeett ((IIddeennttiiddaaddee pprrooffiissssiioonnaall,, fflleexxiibbiilliiddaaddee ee mmoobbiilliiddaaddee nnoommeerrccaaddoo llaabboorraall eeuurrooppeeuu)),, aarrgguummeennttaa ssee nnoo pprreesseennttee ddooccuummeennttoo qquuee aa mmaaiioorrppaarrttee ddooss ttrraabbaallhhaaddoorreess ddaa EEuurrooppaa ccoomm uumm nníívveell ddee ccoommppeettêênncciiaass iinntteerrmmééddiioonnããoo ddiissppõõeemm ddooss rreeccuurrssooss ee ccaappaacciiddaaddeess nneecceessssáárriiooss ppaarraa ssaattiissffaazzeerr aass ccoonnddiiççõõeessddee uumm ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ppootteenncciiaall qquuee llhheess ppeerrmmiittaa vviirr aa sseerr oo ttiippoo ddee ttrraabbaallhhaaddoorreemmpprreeeennddeeddoorr.. AA qquueessttããoo cceennttrraall aabboorrddaaddaa nnoo ddooccuummeennttoo éé aa mmeeddiiddaa eemm qquueeooss ddiiffeerreenntteess ccoonntteexxttooss nnaacciioonnaaiiss ee sseeccttoorriiaaiiss ccoonnttrriibbuueemm ppaarraa ccrriiaarr ccoonnddiiççõõeessqquuee ffaavvoorreecceemm oouu ddiiffiiccuullttaamm oo ddeesseennvvoollvviimmeennttoo ddaa ccaappaacciiddaaddee ddooss ttrraabbaallhhaaddoorreessppaarraa ffaazzeerreemm ffaaccee aa ggrraannddeess mmuuddaannççaass nnoo ttrraabbaallhhoo..

    Palavras-chaveVocational identity,

    flexibility, work concepts,

    vocational training, career orientation,

    professional development

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  • As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel das variáveis do contexto nacional e sectorial

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    Introdução

    As identidades laborais variam tanto do ponto de vista da intensidadecom que são apreendidas, como do do significado que lhes é atribuído pe-los indivíduos (1). Podem ou não ter grande significado para um indiví-duo e esse significado evolui ao longo da vida laboral e da trajectória pro-fissional pessoal do indivíduo (Heinz, 2003). Dado que são susceptíveisde evolução e adaptação, as identidades laborais são muito dinâmicas eestão muito dependentes de uma série de factores e condições (Brown,1997). Contudo, o conceito de identidade laboral pode constituir um ins-trumento útil, que permite compreender melhor a forma como os indiví-duos se relacionam com a sua vida laboral e planeiam o seu futuro desen-volvimento profissional. Por outro lado, a teoria da socialização relaciona-da com o trabalho pressupõe que as identidades laborais desempenhamum papel decisivo, ajudando os indivíduos a definirem a sua orientaçãoprofissional e a criarem uma ligação e um compromisso com o trabalho(Heinz, 1995; 2002).

    Se bem que o trabalho continue a ser um elemento de formação daidentidade global do indivíduo, constitui também um meio de realizaçãopessoal e de concretização de intenções e interesses biográficos. Portanto,o trabalho na sua forma institucionalizada não só serve objectivos de re-produção social numa forma materialista, como também tem uma funçãovital, na medida em que confere uma identidade e um sentido ao percur-so de vida (Hoff et al., 1985). Por outro lado, o trabalho e o emprego cons-tituem um dos principais elos de transmissão das relações sociais. Estarintegrado num contexto laboral e/ou prosseguir uma especialização pro-fissional constitui uma fonte importante do sentimento de valor pessoal euma forma de apresentação da pessoa perante o mundo exterior (Goffman,1969).

    A dinâmica entre a formação da identidade e a integração em contex-tos laborais está certamente a evoluir, à medida que os trabalhadores daEuropa se confrontam crescentemente com o desafio de corresponder àsexigências de flexibilidade e mobilidade no trabalho (FAME Consortium2003, Kirpal 2004a). A necessidade de dar resposta a mudanças contí-nuas no trabalho não só afecta as orientações profissionais e os padrõesde carreira dos trabalhadores, como também exige que os indivíduosdesenvolvam atitudes de aprendizagem e laborais específicas que lhes

    (1) O termo de identidade laboral (work identity) relaciona-se com todos os tipos de processosde formação da identidade que se desenvolvem através da interacção entre o indivíduo eo contexto laboral, que incluem o ensino e a formação profissional. Basicamente, os termosingleses vocational, occupational, professional identity podem ser utilizados como sinónimosde identidade profissional, mas cada um desses termos se refere mais especificamente acertas características do trabalho ou a um conceito específico de trabalho. Por exemplo, otermo de occupational identity aplica se mais aos mercados laborais e aos conceitos detrabalho estruturados com base nas ocupações, ao passo que o termo professional identityé utilizado tipicamente em relação às designadas profissões. Identidade laboral seria aterminologia mais inclusiva neste contexto.

  • permitam participar activamente (e de forma positiva) em processos labo-rais que garantam uma integração bem sucedida em diferentes ambien-tes de trabalho, bem como no mercado laboral em geral. As identidadeslaborais podem contribuir para promover este processo de integração.

    Porém, as identidades laborais internalizadas podem também limitara flexibilidade dos indivíduos, restringindo-os a determinadas funções pro-fissionais e impedindo-os de desenvolver orientações profissionais maisalargadas (Loogma et al., 2004). A dinâmica entre o desenvolvimento deidentidades laborais fortes e a capacidade de resposta a novos paradig-mas de flexibilidade e às exigências do trabalho em mutação foi o objec-to da investigação efectuada no âmbito do projecto do 5º programa-qua-dro de investigação da UE Vocational identity, flexibility and mobility in theEuropean labour market (FAME). A forma como os indivíduos desenvol-vem certos mecanismos e padrões de acção estratégica destinados a darresposta a essa dinâmica tem sido o tema de várias publicações relacio-nadas com esse projecto de investigação, em que participaram parcei-ros da República Checa, da Estónia, de França, da Alemanha, da Grécia,de Espanha e do Reino Unido (Brown, 2004; Brown et. al., 2004; Dif, 2004;Marhuenda et al., 2004). Contudo, o presente artigo centra-se não tantona análise das estratégias individuais como na implantação estrutural dasidentidades laborais, através da análise da influência dos diferentes con-textos nacionais e sectoriais para a formação da identidade no trabalho.O papel do ensino e da formação profissional (sistemas) é analisado emmais profundidade, enquanto mecanismo a nível institucional que estabe-lece a ligação entre a socialização relacionada com o trabalho e a evo-lução do mercado laboral. A análise do papel da formação profissional emdiferentes contextos permitirá compreender melhor a interdependência en-tre as estruturas institucionais, a socialização profissional e a formaçãodas identidades laborais.

    Os conceitos de trabalho e as condições de emprego variam conside-ravelmente entre países europeus e entre sectores. Dado que os traba-lhadores desenvolvem as suas identidades laborais em contextos nacio-nais e sectoriais diferentes, não é de estranhar que exista uma grande di-versidade entre as formas como são equipados e preparados para dar res-posta às mudanças laborais e à evolução dos requisitos em matéria decompetências. No presente documento é apresentada uma síntese dosresultados da investigação efectuada no âmbito do projecto atrás referi-do, em que são evidenciadas algumas dessas diferenças.

    Métodos

    As identidades laborais formam se no decurso de processos de nego-ciação complexos, na interface entre os recursos, as atitudes e os valorespessoais, por um lado, e os processos e ambientes de trabalho, por ou-

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    tro. Manifestam se na interacção entre as disposições individuais e as con-dições estruturais do contexto laboral. No que se refere a condições es-truturais, o projecto procurou ter em conta as economias nacionais, ossectores/profissões e o ambiente de trabalho nas empresas, considera-dos como variáveis independentes que estão na origem de diferentes ti-pos de limitações e oportunidades a que os trabalhadores são desafiadosa dar resposta. Por exemplo, o sistema de ensino e formação profissional,os padrões sectoriais específicos de emprego, em termos de horário detrabalho, níveis salariais e exigências de flexibilidade, bem como as tra-dições profissionais específicas influenciam a evolução dos ambientes detrabalho específicos. Por outro lado, as empresas condicionam o ambien-te de trabalho imediato dos trabalhadores, ao darem resposta a requisitosa nível macro, por exemplo, através da adaptação da sua estrutura orga-nizacional, dos perfis dos cargos e das políticas de contratação. Além dis-so, podem tentar condicionar activamente as identidades laborais e as ati-tudes dos trabalhadores, através das suas políticas de recursos humanose contratação (FAME Consortium, 2003).

    Embora a primeira fase do projecto consistisse numa análise da lite-ratura, para clarificar a implantação nacional e histórica dos conceitos detrabalho e das identidades laborais nos respectivos países parceiros (Laske,2001a), foram também avaliadas as variáveis específicas do contexto, anível sectorial e de empresa, através de uma investigação empíricaefectuada em 2001 e 2002, baseada em entrevistas a gestores e repre-sentantes dos departamentos de recursos humanos. O objectivo destasentrevistas consistia em avaliar a perspectiva organizacional e as expec-tativas das entidades patronais em matéria das atitudes de aprendizageme de trabalho dos trabalhadores. A investigação centrou se na análise dascondições estruturais que determinariam especificamente as estruturasorganizacionais, os perfis profissionais e as necessidades em termos decompetências, bem como da forma como os gestores avaliam as mudançaslaborais (em termos de flexibilidade, mobilidade, organização do trabalho,condições de trabalho e políticas de contratação) verificadas no decursoda última década. As perguntas das entrevistas relacionavam se tambémcom a forma como os gestores percepcionam e valorizam a capacidadedos trabalhadores para dar resposta a essas mudanças e os efeitos des-sa apreciação na atitude e na formação da identidade laboral dos traba-lhadores no trabalho.

    Foram utilizadas no projecto entrevistas semi estruturadas, baseadasem orientações e critérios de avaliação de entrevistas comuns e comple-tadas com métodos de estudo de casos. A fim de ter em conta as estrutu-ras variáveis da organização do trabalho e dos ambientes de trabalho, ainvestigação abrangeu várias ocupações, em cinco sectores com carac-terísticas diferentes e em sete economias nacionais diferentes, bem co-mo em pequenas, médias e grandes empresas (incluindo multinacio-nais) (ver pormenores na figura 1). A combinação de países representa-va diferentes implantações culturais, socioeconómicas e políticas dos con-

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    ceitos de trabalho e das profissões. Os parceiros principais (Estónia, França,Alemanha, Espanha e Reino Unido) efectuaram entrevistas a grandesamostras, cada uma das quais abrangia pelo menos sete empresas porsector (N=132). A República Checa e a Grécia assumiram o papel deobservadores críticos, comparando os resultados da investigação efectua-da pelos parceiros principais com os de investigações empíricas basea-das em pequenas amostras.

    O princípio que esteve na base da selecção dos sectores foi a diversi-dade, para que representassem tradições profissionais e ambientes detrabalho diferentes, por um lado, e dinâmicas e desafios diferentes em ter-mos de flexibilidade e mobilidade, por outro. No presente artigo são sinte-tizados os resultados da análise da literatura e da investigação empíricaefectuada junto de gestores e representantes dos departamentos de re-cursos humanos, sendo analisadas em mais profundidade as “variáveisindependentes” que influenciaram a formação da identidade laboral. Asvariáveis dependentes, os tipos de estratégias desenvolvidas pelos traba-lhadores para fazer face às grandes mudanças laborais e a influência des-sas variáveis nos níveis de identificação com o trabalho (ou com a entida-de patronal) são aspectos que só puderam ser brevemente abordados noâmbito do presente artigo. Os resultados das entrevistas a mais de 500trabalhadores com um nível de competências intermédio e a análise de-talhada dos padrões de adaptação dos trabalhadores são publicados se-paradamente (ver acima).

    Contextos nacionais: implantação histórico-cultural das identidades laborais

    Os conceitos de trabalho são definidos de forma diferente nos dife-rentes países europeus e, por consequência, os sistemas de formaçãoprofissional assumem funções diferentes no que se refere à forma como

    Figura 1: PPaannoorraammaa ddooss sseeccttoorreess iinnvveessttiiggaaddooss nnooss ddiiffeerreenntteess ppaaíísseess ppaarrcceeiirrooss

    SSeeccttoorreess ddee iinnvveessttiiggaaççããooMMeettaalluurrggiiaa// MMaaddeeiirraa ee SSeeccttoorr ddaa TTeelleeccoommuunnii-- SSeeccttoorr TTuurriissmmoo

    MMeettaalloommeeccâânniiccaa mmoobbiilliiáárriioo ssaaúúddee ((22)) ccaaççõõeess ((22)) ddaass TTII ((22))

    Estónia x x xFrança x x x (x)Alemanha x x x xEspanha x x xReino Unido x x x xRepública Checa (1) (x) x xGrécia(1) x

    (1) A República Checa e a Grécia efectuaram investigação empírica baseada em pequenas amostras.(2) As amostras nos sectores das telecomunicações e das tecnologias da informação (TI) abrangiam muitos casos “sobrepostos”, devido a uma

    evolução crescente das empresas no sentido da prestação de serviços integrados de telecomunicações e de TI.

    País

    par

    ceiro

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    dão resposta às exigências do mercado laboral e à evolução em termosde competências. Nos casos da França e da Alemanha, por exemplo, cons-tatamos que o desenvolvimento das estruturas profissionais e dos siste-mas de formação profissional, que estão estreitamente relacionados comessas estruturas, tem sido relativamente estável e contínuo. As condiçõesde emprego nas diferentes profissões e os sistemas de formação profis-sional são concebidos de forma a darem resposta às novas exigências domercado, pois as estruturas de formação e as vias profissionais são cons-tantemente ajustadas.

    Na Alemanha, o conceito de Beruf tem condicionado ao longo dos sé-culos as identidades profissionais, conferindo lhes o prestígio da prepa-ração profissional, de padrões de qualificação e de ética e normas pro-fissionais. Este conceito, que tem a sua origem na Idade Média, influen-ciou também outras partes da Europa continental, estabelecendo uma li-gação forte entre a aquisição de competências e os mercados de traba-lho profissionais. Neste contexto, a função socializante da aprendizagem(tradicionalmente nos ofícios e no comércio) e do ensino e formaçãoprofissional desempenhava um papel central nos processos de for-mação de uma identidade relacionada com o trabalho (Laske, 2001b). Oconceito de Beruf, enquanto base deste duplo sistema de formação, é ain-da o princípio organizacional dominante no ensino e na formação profis-sional e nos mercados laborais da Alemanha, determinando em grandemedida os requisitos e a adaptação das competências (Greinert, 1997). Aformação profissional inicial continua a desempenhar um papel importan-te na socialização dos jovens, através da aquisição de uma especializaçãoprofissional que está estreitamente ligada à integração em certas comu-nidades profissionais, através de categorias profissionais bem definidascom que os indivíduos se identificam.

    No âmbito deste sistema, a posição relativa da via profissionalizante,em comparação com a via académica, tem sido tradicionalmente muitoforte na Alemanha, muito mais do que noutros países (Lane, 1988; Cantor,1989). Efectivamente, e apesar de as transferências cruzadas, por exem-plo, com as universidades, serem muito poucas, a formação através daaprendizagem não só é muito considerada, como também proporciona(pelo menos para os jovens) boas oportunidades de progressão no em-prego e de obtenção de qualificações técnicas ou de supervisão (Sauter,1995). Porém, na medida em que a via académica tem vindo a conquis-tar mais popularidade no decurso das duas últimas décadas, receia-se queo estatuto da via profissionalizante possa ser afectado (Nijhof et al., 2002;Stenström et al., 2000; OCDE, 1998). Estas preocupações estão relacio-nadas com o desaparecimento das garantias virtuais de progressão numemprego permanente e bem pago proporcionadas aos trabalhadores qua-lificados, que ofereciam perspectivas de progressão a uma percentagemimportante da coorte de aprendizes. Reuling (1998) argumenta que a com-binação entre a formação para o exercício de uma profissão e a formaçãoatravés do exercício de uma profissão constitui um ponto forte específico

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    do sistema alemão. Se a ligação do sistema à progressão no emprego dei-xar de existir, o ensino profissional muito especializado passará a ser umaopção mais arriscada.

    A França caracteriza se igualmente por tradições profissionais e umaética do trabalho fortes. Por outro lado, está a integrar também na sua po-lítica de formação profissional programas flexíveis e diversificados. No iní-cio da década de 1970 foi criado um sistema de formação profissional con-tínua, como instrumento de promoção da flexibilidade, da aprendizageme do desenvolvimento profissional dos trabalhadores, através do desem-penho de tarefas laborais caracterizadas por níveis de qualificação eresponsabilidade mais elevados. O sistema francês de formação profis-sional contínua, concebido como complemento da formação profissionalinicial, tem por objectivo promover o acesso de trabalhadores com todosos níveis de competências à aprendizagem e formação contínuas, paracombater os efeitos de exclusão decorrentes do sistema francês de en-sino formal e para fomentar a acreditação da aprendizagem relacionadacom o trabalho (Dif, 1999; Michelet, 1999). No âmbito deste sistema, ostrabalhadores franceses têm acesso a uma aprendizagem autogerida, ge-ralmente sob a forma de projectos de formação financiados através dacontribuição obrigatória da entidade patronal para o sistema de for-mação profissional contínua.

    Este processo de reforço da aprendizagem relacionada com o traba-lho influencia de forma significativa os conceitos de desenvolvimentodos recursos humanos em França. Por exemplo, mais de dois terços detodas as entidades patronais que proporcionam formação profissional con-tínua aplicam activamente uma estratégia de reforço da flexibilidade eda mobilidade laborais (Simula, 1996; Charraud et al., 1998). Porém, umaavaliação desta abordagem indica que a flexibilidade dos trabalhadores ea sua progressão na carreira não são apenas determinadas pela prestaçãode formação, mas também por factores estruturais como as dimensões, aestrutura organizacional e as políticas de recursos humanos da empresa;as especificidades sectoriais desempenham igualmente um papel signifi-cativo (Dubar et al., 1990). A tendência para hierarquias menos diferen-ciadas, por exemplo, restringiu significativamente as oportunidades de mo-bilidade ascendente dos trabalhadores.

    Apesar de a formação profissional contínua ter por objectivo reforçara flexibilidade dos trabalhadores e a sua progressão na carreira, o desen-volvimento da identidade profissional sofreu alterações significativas nodecurso das três últimas décadas. De acordo com vários estudos deSainsaulieu (1977, 1985, 1996, 1997) e Dubar (1992, 1996, 2000), emFrança as identidades laborais estão cada vez mais fragmentadas e dis-persas. Por outro lado, o tipo de trabalhador cuja identidade laboral é mo-delada por um elevado nível de interactividade com o trabalho, de ante-cipação da necessidade de adaptação e de capacidade de adaptação aambientes de trabalho em mutação está a assumir uma importância cres-cente. A formação profissional contínua constitui para estes trabalhado-

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    res um instrumento importante de reforço da flexibilidade e de melhoria doacesso a oportunidades de carreira e a um estatuto profissional maiselevado (Barbier, 1996).

    Embora o duplo sistema alemão continue a dar provas de que permi-te prestar uma preparação profissional de grande qualidade, é menos fle-xível e inovador, mas também muito mais diversificado, através do princí-pio da descentralização. O sistema francês, em contrapartida, conferiu umcerto grau de flexibilidade aos sistemas franceses de formação profissio-nal. O sistema alemão continua a ter dificuldade em adaptar se às novasexigências, nomeadamente no que se refere aos novos requisitos de com-petências associados à evolução tecnológica. Porém, os conceitos de tra-balho, a ética do trabalho e as estruturas profissionais dos dois paísesapresentam grandes semelhanças, influenciando significativamente a cons-trução da identidade laboral dos trabalhadores.

    No caso da Estónia e da Espanha, deparamos com uma situação detransição. Nestas últimas décadas, os dois países confrontaram se comuma instabilidade e uma descontinuidade significativas em domínios co-mo o desenvolvimento do sistema de ensino e formação profissional, asestruturas institucionais e a configuração do mercado laboral. Combinadascom economias nacionais fracas e instáveis, estas perturbações levam aque seja muito difícil para os trabalhadores definir uma orientação profis-sional estável e progredir na carreira.

    Os países em transição para uma economia de mercado, como a Estónia,confrontam se com um processo complexo de reconversão profissional.Ao longo de três períodos históricos muito distintos, o período pré-comu-nista, o período soviético e o novo período de transição, os mercados la-borais e os sistemas de formação profissional desses países sofreram vá-rias transformações, que se caracterizaram em todos os casos por umaorientação política e económica e por um conceito de trabalho radicalmen-te diferentes. Até ao princípio do século XX, a Estónia, à imagem do mo-delo alemão, estabelecera uma relação estreita entre a formação profis-sional, o desenvolvimento das competências e as identidades profissio-nais relacionadas, interligadas com os mercados de trabalho profissionais.O regime soviético integrou na ideologia marxista-leninista o discurso dosignificado do trabalho e das identidades laborais, promovendo uma iden-tidade proletária forte do trabalhador que acompanhou o desenvolvimen-to da industrialização e a implantação de um sistema de valores que exal-tava o trabalho manual. No domínio da formação profissional, este siste-ma estabelecia uma equivalência rígida entre a especialização profissio-nal e os perfis profissionais em que se baseava todo o sistema económi-co e educativo.

    O sistema soviético, muito formalizado e centralizado, e caracteriza-do por condições de trabalho estáveis, limitava a progressão na carrei-ra, mas por outro lado assegurava a permanência do emprego, promo-vendo assim uma atitude passiva por parte do trabalhador, pouco inte-ressado na mobilidade, na flexibilidade, na obtenção de mais formação

  • ou na melhoria das competências. Este tipo de atitude entra hoje em cho-que com as novas exigências e condições de trabalho de uma economiade mercado e da democratização. Tal como muitos outros países pós co-munistas, a Estónia confronta se hoje com o desemprego estrutural, agra-vado pelo desfasamento entre as competências da mão de obra disponí-vel e as que são exigidas por uma economia de mercado. Na última dé-cada, as exigências crescentes em termos de mobilidade profissional obri-garam a pôr em prática medidas de reconversão, de aquisição de novascompetências e de promoção da flexibilidade, com vista a criar novos per-fis profissionais, com requisitos diferentes. Porém, é impossível eliminarinstantaneamente os efeitos da socialização profissional do passado.Actualmente a maior parte dos trabalhadores não só não dispõem das ne-cessárias competências especializadas, como também não têm capaci-dade de adaptação, comunicação, assunção de responsabilidades ou ini-ciativa (Joons et al., 2001).

    Os trabalhadores estónios só lentamente estão a compreender que asidentidades laborais são agora menos pré-estruturadas e menos influen-ciadas pela ideologia, dependendo antes de uma construção activa porparte do indivíduo, baseada em grande medida no desempenho e na pro-gressão profissional. Esta abordagem está a ser promovida em muitas áre-as profissionais através de programas de reconversão de grande escala.Por exemplo, os profissionais de enfermagem da Estónia têm de fazer umareconversão e de se submeter a exames sobre as matérias ensinadas nosnovos currículos, para demonstrar a sua conformidade com os novos re-quisitos e atitudes laborais. No âmbito deste processo de adaptação, aqui-sição de novas competências e melhoria do seu estatuto profissional co-mo pessoal qualificado, os profissionais de enfermagem desenvolvem tam-bém novas formas de identidade e de orgulho profissional (Kirpal, 2004b).

    A Espanha caracteriza se por algumas semelhanças com os países emtransição, na medida em que os períodos históricos criaram a fragmen-tação e a descontinuidade dos conceitos de trabalho e do sistema espan-hol de formação profissional. Estas descontinuidades são um factor im-portante de perpetuação da preparação inadequada em termos de com-petências e da instabilidade das identidades laborais que afectam hoje ostrabalhadores. Historicamente, dois acontecimentos desencadearam umprocesso de transição que influenciou significativamente o mercado labo-ral e o sistema de formação espanhóis. Em primeiro lugar, o fim da erafranquista, em 1975, transformou radicalmente o ambiente político, após40 anos de isolamento político e económico do país. Em segundo lugar,a adesão à União Europeia, em 1986, criou um novo quadro para a eco-nomia espanhola.

    O sistema espanhol de ensino e formação profissional era muito diver-sificado, não regulamentado e de má qualidade até ao princípio da déca-da de 1990, em que a integração formal da prática laboral nos programasde qualificação profissional reforçou significativamente a relação entre aaquisição e a procura de competências. Apesar de a qualidade e a ade-

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  • As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel das variáveis do contexto nacional e sectorial

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    quação da formação profissional terem melhorado significativamente en-tretanto, as elevadas taxas de desemprego dos jovens e a transição en-tre a vida escolar e laboral continuam a colocar problemas importantes. Omercado de trabalho proporciona aos jovens poucas oportunidades de ob-tenção de um emprego a longo prazo e de progressão na carreira, inde-pendentemente do seu nível de qualificações. Dado que os postos de tra-balho destinados a trabalhadores não especializados ou semi especiali-zados são ainda muito numerosos em Espanha, grande número de jovenstrabalhadores qualificados acabam por se encontrar na situação de seremdemasiado qualificados para os postos de trabalho que ocupam. Por ou-tro lado, muitos trabalhadores confrontam se também aparentemente coma falta de áreas profissionais reconhecidas e com o baixo nível de recon-hecimento das qualificações profissionais formais. As entidades patronaisvalorizam mais a formação profissional contínua do que as qualificaçõesformais, nomeadamente no que se refere a proporcionar oportunidadesde progressão na carreira aos seus trabalhadores.

    A investigação efectuada em Espanha permitiu estabelecer uma re-lação directa entre a desvalorização das qualificações profissionais for-mais e a dificuldade dos trabalhadores em construírem identidades labo-rais e criarem confiança nas suas competências pessoais (Marhuendaet al., 2001; Kirpal, 2004a). Na maioria dos casos, as condições de tra-balho são instáveis, pelo que os trabalhadores devem ser extremamenteflexíveis. Porém, este tipo de flexibilidade impõe uma adaptação contínua,que confere aos indivíduos um controlo muito reduzido sobre o seu pró-prio desenvolvimento profissional e a orientação da sua carreira.Subsequentemente, as identidades laborais dos trabalhadores estão fre-quentemente sujeitas a mudanças, em função da situação laboral e dascondições de emprego. O facto de as suas competências e qualificaçõesprofissionais não serem reconhecidas, combinado com a situação econó-mica instável da Espanha (taxa de desemprego elevada, mercados de tra-balho não regulamentados, sistemas de formação profissional diversifica-dos e elevada procura de trabalhadores com baixas qualificações e nãoespecializados), leva a que os trabalhadores estejam muito dependen-tes do contrato de trabalho que detêm. Uma solução individual para essascircunstâncias parece ser a procura de emprego no sector público. Actualmentea maior parte dos cidadãos espanhóis aspiram a ser funcionários públi-cos, pois essa é uma das poucas oportunidades de conseguirem uma si-tuação laboral estável, com a promessa de continuidade e de progressãona carreira por prazos mais prolongados (Marhuenda et al., 2001).

    Estes diferentes exemplos nacionais demonstram que tradições profis-sionais fortes e contínuas podem disponibilizar um enquadramento queorienta e apoia os indivíduos no processo de desenvolvimento de identi-dades relacionadas com o trabalho. É o caso, nomeadamente, de paí-ses onde os sistemas de formação profissional e as áreas profissionaisestão muito formalizados e estão ligados aos mercados de trabalho pro-fissionais, como acontece na Alemanha. Neste caso, o reconhecimento

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    das qualificações profissionais e dos perfis profissionais associados a es-sas qualificações facultam aos trabalhadores uma orientação e um senti-mento de estabilidade, quando entram no mercado laboral. E apesar de amaioria destas estruturas estarem hoje em transição e se terem tornadoinstáveis, as mudanças serão provavelmente mais graduais, dando algumtempo aos indivíduos para se adaptarem.

    Por outro lado, países com tradições e mercados laborais desorgani-zados e muito diversificados não dispõem frequentemente de estruturasinstitucionais de apoio ao desenvolvimento de sistemas de formação pro-fissional fortes. As qualificações profissionais não são reconhecidas e estãodesligadas até certo ponto dos requisitos do mercado laboral. Nestas cir-cunstâncias, os trabalhadores têm dificuldade em desenvolver orientaçõesprofissionais e perspectivas de progressão na carreira estáveis. Os traba-lhadores não só são obrigados a participar muito mais activamente na de-finição e identificação dos elementos laborais relevantes com que se po-dem identificar, como também devem dar resposta aos desafios coloca-dos por processos de redefinição das suas identidades laborais no con-texto de perfis de cargos e requisitos de competências em mutação rápi-da. É o caso da Estónia. O processo de transição implica novos requisi-tos laborais, padrões de qualificação e programas de formação, bem co-mo novas áreas profissionais emergentes a que o mercado laboral se de-ve adaptar e que a mão de obra tem de internalizar. Por outro lado, um as-pecto interessante do exemplo dos países em transição é o facto de de-monstrar que a evolução dos conceitos de trabalho e das identidades la-borais pode contribuir para a realização de objectivos políticos ou econó-micos. As comunidades profissionais e os grupos de interesses emergen-tes podem desempenhar um papel central no contexto da reconversão,proporcionando um quadro de desenvolvimento de formas colectivas deidentidade laboral.

    Finalmente, o Reino Unido representa um modelo em que o mercadolaboral nunca esteve totalmente estruturado com base em ocupações eprofissões claramente definidas, assentando crescentemente num eleva-do nível de flexibilidade, desregulamentação e fluidez dos perfis laboraise dos requisitos de competências. Este sistema mais aberto e menosformalizado não coloca a tónica na ligação do indivíduo a uma ocupaçãoespecífica, mas antes no desenvolvimento das competências indivi-duais, na aquisição de um conjunto de conhecimentos e competências,na experiência de trabalho e numa atitude laboral pró activa. Sobretudodesde a falência dos programas de aprendizagem, no final da década de70, as competências técnicas ou profissionais específicas são geralmen-te adquiridas no trabalho, reforçando assim a importância do ensino gerale da aprendizagem no trabalho, em detrimento do ensino e da formaçãoprofissional (Brown, 2001). Além disso, a aprendizagem no trabalho e aformação profissional estão geralmente ligadas a ambientes de trabalhoconcretos, em vez de prepararem o indivíduo para um conjunto de tarefasde carácter geral numa determinada área profissional.

  • As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel das variáveis do contexto nacional e sectorial

    Simone Kirpal 35

    Uma das características do sistema britânico de formação profissio-nal consiste no facto de o acesso à maior parte dos tipos de emprego deum modo geral ser pouco regulamentado, em termos de condições pré-vias de acesso ao posto de trabalho (Tessaring, 1998). Esta característi-ca está geralmente associada a um baixo nível de reconhecimento dasqualificações em geral, de tal modo que os formandos que frequentamprogramas específicos de formação profissional têm poucas certezas noque se refere à sua progressão subsequente (Brown, 1995). A situação émuito flexível: é possível arranjar emprego sem qualificações específi-cas e, posteriormente, continuar a trabalhar sem obter necessariamentequalificações formais. Por consequência, grande parte da aprendizagemefectuada no trabalho ou inclusive em acções de formação mais formaisnão obtém reconhecimento externo. O facto de o nível intermédio de com-petências estar geralmente pouco desenvolvido no Reino Unido colocaquestões complexas e multifacetadas, que não podem ser abordadas nopresente documento. Uma das consequências deste facto é, porém, queo número de licenciados que ocupam postos de trabalho de nível intermé-dio é muito mais elevado no Reino Unido do que noutros países da Europa(do Norte), tais como, por exemplo, a Alemanha ou os Países Baixos (Lloydet al., 1999). Por outro lado, pressupõe se que os licenciados contratadospara um primeiro emprego possuem competências genéricas ou de ba-se mais desenvolvidas, tais como competências de comunicação, sociaise de coordenação, a que é atribuída tipicamente a prioridade sobre a aqui-sição de competências técnicas específicas, no contexto da formação eno contexto laboral do Reino Unido.

    O facto de não existir no Reino Unido um modelo comum de ensino eformação profissional, desenvolvimento das competências e formação daidentidade profissional significa também que estes processos variam mui-to em função dos sectores e das profissões. Portanto, as identidades la-borais são muito individualizadas e muito dependentes do contexto labo-ral específico, do perfil do cargo, da composição das competências indi-viduais e da orientação da carreira. A economia em geral está menosestruturada com base nas profissões ou nas comunidades profissionais,se bem que nalguns sectores essas comunidades sejam ainda impor-tantes. O que não quer dizer que as profissões não sejam significativas,mas antes que são menos significativas do que noutros países da Europa.

    Uma tendência geral que pode ser identificada em todos os paísesabrangidos pela investigação é a de que os trabalhadores têm cada vezmais necessidade de construir identidades profissionais (individuais e co-lectivas) pluridimensionais, que possam ser ajustadas em função da evo-lução socioeconómica e tecnológica. Dado que as formas colectivas deidentidade laboral se encontram numa situação de declínio generalizado,a auto iniciativa adquiriu significado para o trabalhador individual. A res-ponsabilidade pelo estabelecimento de uma ligação com o contexto labo-ral e pelo desenvolvimento de formas de identificação com o trabalhoestá agora quase inteiramente a cargo do indivíduo e manifesta se fre-

  • quentemente sob a forma de um processo aberto e assistemático. Noscinco países estudados, os mecanismos institucionais que poderiam orien-tar e apoiar o indivíduo no processo de adaptação da sua identidade e dassuas competências laborais estão muito pouco desenvolvidos. A aprendi-zagem e a socialização profissional podem desempenhar um papel de-cisivo neste contexto. Na Alemanha e na Estónia, por exemplo, os traba-lhadores mostraram grande dificuldade em reorientar e adaptar as suasidentidades laborais, que até há 10 ou 20 anos radicavam em contextosestáveis, a um ambiente de trabalho em mutação. Em contrapartida, ostrabalhadores do Reino Unido parecem ter aprendido a lidar com formasde identidade laboral individualizadas, por vezes em tal grau que a faltade compromisso com o trabalho e as mudanças de emprego frequentespodem criar grandes problemas às entidades patronais (Brown et al., 2004).

    Revista Europeia de Formação ProfissionalN.o 39 – 2006/336

    Figura 2: CCoonntteexxttooss nnaacciioonnaaiiss:: iimmppllaannttaaççããoo eessttrruuttuurraall ddaass iiddeennttiiddaaddeess llaabboorraaiiss

    PPaaííssAAlleemmaannhhaa FFrraannççaa EEssttóónniiaa EEssppaannhhaa RReeiinnoo UUnniiddoo

    Ensino e formação profissional

    Formação profissional contínua

    Perfil de competências profissionais

    Características específicas

    Orientação geral

    Cond

    içõe

    s es

    trutu

    rais

    Muitoformalizados;duplo sistema deformação/aprendizagem.

    Geralmenteregulada a nívelestatal;mecanismo deintegração nomercado laboral.

    Muito estável.

    Ligação forte entrea aquisição decompetências e osmercados detrabalhoprofissionais.

    Estabilidade.

    Muito formalizados,geralmente minist-rados na escola.

    Flexível; completa oensino e formaçãoprofissional iniciais;apoiada pelas ent-idades patronais.

    Em vias de adaptação.

    As qualificações for-mais têm uma po-sição predominan-te no mercado detrabalho.

    Flexibilidade.

    Em vias de sofreruma adaptaçãoprofunda.

    Programas dereconversão degrande escala(organizados peloEstado e pelasentidadespatronais).

    Reorientação;disparidade entreas competênciasda mão de obra ea procura decompetências.

    Descontinuidade,devido a sistemaspolíticos emmutação.

    Conformidade comnovas normas.

    Diversificados,nãoregulamentados;falta dereconhecimento.

    Diversificada, emparte organizadapelas entidadespatronais;substitui em parteo ensino eformaçãoprofissional inicial.

    Numerosospostos de trabalhodestinados a umamão de obra nãoespecializada;necessidade denormas.

    Descontinuidade,ausência denormas; taxa dedesempregoelevada.

    Reforço dascompetências.

    Fracos, em compa-ração com o ensinogeral e a formaçãono local de trabal-ho.

    Impulsionada pelaprocura, modular;mecanismo de pro-moção da transiçãoentre diferentes vi-as educativas.

    Muito flexível e des-regulamentado; flu-idez dos perfis doscargos e dos requi-sitos de competên-cias.

    Economia de mer-cado liberal, commercados laboraisflexíveis.

    Individualização

  • As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel das variáveis do contexto nacional e sectorial

    Simone Kirpal 37

    Influência das especificidades sectoriais naformação das identidades laborais

    Tal como os contextos nacionais, os grupos sectoriais e/ou profissio-nais têm características específicas, que influenciam os processos de for-mação da identidade no trabalho (2). A nível sectorial, foram identifica-das no âmbito do projecto de investigação duas características que pare-cem revestir-se de especial importância: o grau de formalização das pro-fissões e da aprendizagem (incluindo a formação profissional inicial e con-tínua) e a dinâmica de mudança, incluindo as exigências de flexibilidadee mobilidade. Tendo em conta estas características, os sectores investi-gados podem ser divididos em dois grupos, sectores muito formalizadose sectores não regulamentados, os quais podem ser por sua vez muitodinâmicos ou menos dinâmicos, tendo em conta as mudanças relacio-nadas, por exemplo, com o perfil dos cargos, os requisitos de competên-cias, a aprendizagem, as estruturas organizacionais, etc.

    Por sua vez, estas características estruturais sectoriais estão tambémdependentes de certas tradições que, nalguns casos, se sobrepõem à suaimplantação nacional. Este facto pode ter produzido ao longo do tempocombinações específicas destas características. Contudo, estes casos se-riam excepcionais (3). Constatou se que as especificidades sectoriais semanifestam em todos os países, sobrepondo-se assim em grau signifi-cativo às influências nacionais e à implantação histórico-cultural das iden-tidades laborais (4). Este facto indica claramente que as tendências in-ternacionais e globalizantes têm um forte impacto nas identidades labo-rais. Porém, sugere também que as funções laborais e os perfis dos car-gos, que parecem ser relativamente pouco influenciados pelas particula-ridades nacionais ou culturais, dado serem determinados em grandemedida pela natureza do trabalho ou da própria profissão, influenciamde forma importante as identidades laborais.

    A título de exemplo, foi possível identificar em todos os sectores umelemento básico característico do trabalho específico a efectuar. Esteselementos representam uma “cultura sectorial” específica que parecia serdecisiva a nível dos aspectos com que os trabalhadores se identificam noseu contexto laboral. Adicionalmente, estes elementos são também comfrequência os que mais atraem os trabalhadores, podendo constituir o prin-cipal factor de motivação que os leva a optar pela especialização numa

    (2) Estas características são analisadas em profundidade para os vários sectores de investiga-ção em Career Development International, 2004, Vol. 9, Nº 3.

    (3) O sector da metalurgia/metalomecânica, por exemplo, caracterizava se por uma grande he-terogeneidade, em certas combinações com especificidades nacionais.

    (4) O primado das características específicas do sector e a sua influência forte na formação daidentidade laboral reforçaram a abordagem adoptada no projecto, que consistia em centrara análise efectuada no âmbito da investigação nas perspectivas sectoriais, de preferênciaàs nacionais. A primeira análise a nível nacional foi considerada como um instrumento des-tinado a facilitar a integração dos resultados da investigação efectuada a nível sectorial.

  • determinada área profissional e desempenhando assim um papel impor-tante na construção da identidade profissional do trabalhador. No sectormetalúrgico, por exemplo, o trabalho com um material específico e pro-cessos de trabalho que implicassem pelo menos um certo grau de traba-lho manual ou mecânico constituíam elementos significativos com que ostrabalhadores se identificavam. O mesmo se verificava em relação ao in-teresse técnico dos trabalhadores dos sectores das telecomunicações edas TI, ao passo que no caso dos profissionais de enfermagem aspec-tos como cuidar das pessoas e ser responsável por elas pareciam ser de-cisivos. Os trabalhadores do sector do turismo referiam que a interacçãosocial e a comunicação eram os elementos que estavam na base da suaidentificação com o trabalho.

    Papel do ensino e formação profissional e das competências

    Pôde observar-se em todos os sectores uma evolução dos requisitosde competências em que passou a ser atribuída mais importância às com-petências genéricas e de comunicação do que aos conhecimentos técni-cos, combinada com uma procura elevada de competências múltiplas. Sãopelo menos duas as dinâmicas que exigem este novo equilíbrio de com-petências: uma organização do trabalho baseada em hierarquias menosdiferenciadas e no trabalho de equipa e a terciarização da economia, quese orienta cada vez mais para os serviços, conferindo um novo papel aocliente no contexto da economia. Este último aspecto tem, na prática, duasconsequências: um elevado nível de interacção com o cliente a níveldos trabalhadores intermédios e o facto de os clientes e os consumidoresem geral se terem tornado muito mais exigentes, tendo ideias muito con-cretas sobre a qualidade do serviço que esperam lhes seja prestado. Estaevolução está na origem de uma estrutura muito mais competitiva, inclu-sive em sectores de serviços estabelecidos como os da enfermagem oudo turismo. As estruturas de formação profissional inicial têm vindo a re-conhecer gradualmente estes novos requisitos de competências e, noscasos em que foram introduzidas reformas nestes últimos anos, os sis-temas de formação tentaram dar resposta a essas exigências (5).

    As competências múltiplas abrangem todo um leque de expectativaspor parte das entidades patronais: “O perfil do técnico de TI com com-petências múltiplas, tal como é definido pelas entidades patronais, abran-ge aspectos muito variados, tais como confidencialidade, competênciaslinguísticas, competências técnicas híbridas, competências de comuni-cação, facilidade de adaptação à mudança e capacidade de auto desen-volvimento contínuo, capacidade de resistência ao stresse, competências

    Revista Europeia de Formação ProfissionalN.o 39 – 2006/338

    (5) Por exemplo, a criação do duplo programa de formação para as novas profissões de TIda Alemanha, que entrou em vigor em 1995, ou o novo programa de enfermagem da Estóniaintegram um número importante de módulos centrados na promoção das competências decomunicação.

  • As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel das variáveis do contexto nacional e sectorial

    Simone Kirpal 39

    no domínio do trabalho de equipa e conhecimentos administrativos gerais”(Loogma et al., 2004, p. 329). Porém, havia também exemplos em que ascompetências genéricas e de comunicação eram consideradas secun-dárias por entidades patronais e trabalhadores, nomeadamente em áreasque exigiam um trabalho predominantemente manual e mecânico ou pu-ramente técnico, tais como alguns segmentos da indústria metalúrgica oudo sector das telecomunicações e das TI. A combinação de competênciasconsiderada desejável parece depender com frequência da medida emque as empresas integram o trabalho de equipa na sua prática laboral quo-tidiana. Foi possível observar uma evolução importante nestes últimosanos, por exemplo, no sector da metalurgia/metalomecânica, em que atransferência de responsabilidade para os níveis mais baixos e o trabalhoem equipa se tornaram mais comuns, em comparação com formas de or-ganização do trabalho tayloristas e hierárquicas. Verificou-se uma evo-lução semelhante no sector da saúde, em que a profissão de enfermeiropassou a estar menos estruturada em torno das directivas dos médicos.No sector do turismo continua a predominar uma organização hierárquicado trabalho, ao passo que no sector das TI e das telecomunicaçõesexiste uma combinação entre o trabalho muito individualizado e o traba-lho organizado em torno de projectos e do trabalho de equipa.A profissãode enfermeiro constitui um exemplo elucidativo da evolução da procura decompetências. A abordagem moderna, centrada no doente, exige a tran-sição de uma abordagem de controlo directivo para uma abordagem detransferência de poderes para outros níveis que está a atribuir uma novaimportância à consulta. Esta nova abordagem introduz a orientação e oaconselhamento no processo de prestação de serviços de saúde, exigin-do, portanto, competências interpessoais muito desenvolvidas. Por outrolado, “as tecnologias da informação e da comunicação e a gestão de umtratamento de dados complexo, combinadas com uma nova abordagemde orientação para o consumidor, redefinem o perfil tradicional dos ser-viços de saúde” (Kirpal, 2004b, p. 287). Os dois processos exigem com-petências de comunicação avançadas, estando também na origem de umdesenvolvimento das competências genéricas e de processos de traba-lho mais complexos.

    A evolução da procura de competências evidencia a importância do pa-pel e do reconhecimento da formação profissional inicial e contínua. Osresultados da investigação sugerem que, em muitas áreas, é atribuída aprioridade à formação contínua, combinada com a experiência prática detrabalho, em detrimento das qualificações profissionais formais. Pelo me-nos era esse o caso nos sectores das TI e do turismo e, até certo ponto,no das telecomunicações. Nos sectores da enfermagem e da metalurgia/me-talomecânica, a formação inicial é muito valorizada por entidades patro-nais e trabalhadores, sendo considerada como um requisito prévio para aentrada no mercado laboral e a progressão na carreira. Por outro lado, aexperiência prática de trabalho adquirida no âmbito de programas de for-mação profissional é também considerada como uma estratégia de recru-

  • tamento, nomeadamente no duplo modelo de formação alemão. De ummodo geral, uma qualificação formal inicial aumenta a empregabilidadee as hipóteses de progressão na carreira, estando também na base da ca-pacidade de aprendizagem em geral e do desenvolvimento de uma formabásica de identidade profissional, inclusive num sector tão diversificadocomo o do turismo. Porém, no caso de muitos grupos profissionais a qua-lificação profissional inicial não confere aos jovens trabalhadores uma pre-paração que lhes permita dominar as competências que lhes são exigidasna prática laboral quotidiana. Nos sectores do turismo, das telecomuni-cações, das TI ou até da enfermagem, entidades patronais e trabalhado-res confirmaram que o que conta realmente é a experiência de trabalho.A aquisição de competências era claramente relacionada com a aprendi-zagem no trabalho, abrangendo a formação no local de trabalho, a apren-dizagem através da prática e a aprendizagem autónoma.

    Foi possível observar em muito sectores, nomeadamente nos das TI,das telecomunicações e da metalurgia/metalomecânica, uma procuracrescente de conhecimento just-in-time (à medida). Esta tendência este-ve na origem da reestruturação das modalidades e do papel da formaçãocontínua, submetendo os trabalhadores a uma pressão considerável, emtermos de estudo autónomo e de aprendizagem informal. Na maioria doscasos, a aquisição deste tipo de conhecimentos não contribui significa-tivamente para aumentar as competências profissionais, uma vez quesão de curto prazo, que se desactualizam rapidamente e que são consi-derados como um requisito mínimo de acompanhamento da evolução tec-nológica, para manter a empregabilidade própria. Os trabalhadores for-mularam a observação crítica de que a aquisição de conhecimento just-in-time estava a deixar pouco espaço e poucos recursos para um desen-volvimento mais profundo e a mais longo prazo das competências, quepode ser importante para promover oportunidades de progressão nacarreira. Alguns trabalhadores consideravam que esta estrutura de co-nhecimento lhes proporciona ainda menos controlo sobre o desenvolvi-mento das suas competências. Por outro lado, favorece a contratação delicenciados, uma tendência que podia ser observada em áreas técnicascomo as da metalurgia/metalomecânica, das telecomunicações e das TI.Outros factores que obstam a que os trabalhadores melhorem as suascompetências profissionais são a incompatibilidade dos cursos e acçõesde formação com o seu horário de trabalho, a falta de apoio financeiropor parte das entidades patronais e a inadequação da formação pro-posta. O facto de as empresas, no que se refere às oportunidades de for-mação, privilegiarem um segmento “fulcral” da mão de obra, em detrimen-to de outros segmentos mais “desfavorecidos”, é um problema que se co-loca nos sectores das telecomunicações/TI, do turismo e da metalurgia/me-talomecânica.

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  • As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel das variáveis do contexto nacional e sectorial

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    Conclusões

    As estruturas económicas e sociais existentes influenciam fortementea natureza do trabalho e estão na origem de uma série de alteraçõesdestinadas a dar resposta à necessidade de mudança. Como é evidente,a forma como as exigências de flexibilidade afectam a mão de obravaria muito a nível dos diferentes países europeus e dos diferentes sectores;as questões que se colocam nos vários contextos nacionais e sectoriaissão também diferentes. Porém, algumas variáveis contextuais pareceminfluenciar a formação das identidades laborais, tanto a nível da implantaçãonacional dos conceitos de trabalho como a nível das estruturas sectoriaisespecíficas.

    Formalização versus desregulamentação

    Estruturas formalizadas e regulamentadas promovem a estabilidadee a continuidade e prestam apoio ao indivíduo no desenvolvimento deuma orientação profissional e de uma identidade laboral. Por exemplo,sistemas estabelecidos de ensino e formação profissional e oreconhecimento das qualificações formais podem ter uma funçãoformativa decisiva no desenvolvimento de um interesse profissionalinicial e da autoconfiança, uma constatação que se aplica em certamedida a todos os grupos profissionais investigados. Situações deestabilidade e segurança no emprego são importantes para que oindivíduo possa criar uma ligação e um compromisso com a empresae planear o seu desenvolvimento profissional. São igualmente importantespara a progressão na carreira, quer do ponto de vista do aprofundamentodos conhecimentos e competências individuais, através da mobilidadehorizontal (tal como no sector da enfermagem), quer através da promoção,que implica a mobilidade vertical. Condições de emprego instáveis,pelo contrário, levam a que seja muito difícil para os trabalhadoresdesenvolverem uma identidade laboral estável, sendo este um casotípico dos trabalhadores do sector do turismo.

    A influência da formalização aplica-se também à organização e àsfunções das comunidades e associações profissionais. A influência fortedestas organizações na formação da identidade foi constatada em quasetodos os grupos profissionais investigados. Quando o nível de formalizaçãodas associações profissionais é elevado (tal como no caso da enfermageme como é tradicional na indústria metalúrgica), a prestação de orientaçãoe apoio profissional contribui para que os trabalhadores possam reforçara sua posição em termos do contexto laboral, das relações entidade patronaltrabalhador e do seu estatuto profissional. Quando esses mecanismos nãoexistem, podem ser substituídos por comunidades profissionais informais(como acontece no sector das TI) que assumem a mesma função ou, caso

  • isso se não verifique, os processos de formação da identidade são muitoindividualizados, como acontece no sector do turismo.

    Quando os mecanismos de estabilização estão enfraquecidos (comoé o caso na indústria metalúrgica/metalomecânica e no sector dastelecomunicações) ou não existem (tal como acontece nos sectores dasTI e do turismo), os trabalhadores confrontam se com o desafio daconstrução dos seus próprios sistemas de identificação. Neste contextopodem ser evidenciadas três tendências: em primeiro lugar, a transferênciado conceito de uma atitude laboral profissional, tal como a que é deesperar no caso das profissões liberais (advogados, médicos, gestores),para os trabalhadores com um nível de competências intermédio. Estaevolução pode ser observada, por exemplo, nos peritos de TI, nostrabalhadores muito qualificados dos sectores do turismo e da metalomecâ-nica e, em certa medida, nos profissionais de enfermagem. Neste caso,a ética profissional, o interesse e o compromisso pessoal, uma atitudede aprendizagem pró activa e a auto realização são promovidos eadoptados como contextos fundamentais. Uma segunda possibilidadeobservada foi uma atitude laboral muito individualizada, de que seencontram exemplos no contexto do Reino Unido, mas que é constatadacom uma frequência crescente na maioria dos grupos profissionaisinvestigados. Neste caso é colocada a tónica nas competências,conhecimentos e qualificações profissionais do indivíduo, bem como napromoção activa da sua própria carreira, através da aprendizagem e daformação contínua, bem como da mobilidade e flexibilidade, enquantoinstrumentos importantes de progressão na carreira. Em terceiro lugar,grande número de trabalhadores desenvolvia uma atitude laboral funcionalou instrumental, satisfazendo os requisitos mínimos de aprendizagem,flexibilidade e mobilidade necessários para manter a sua empregabilidade.Esta abordagem, que podia ser observada nos sectores das telecomunicaçõese metalúrgico/metalomecânico, mas que estava também representadaem menor grau noutros sectores, pode ser considerada como uma respostapassiva a requisitos laborais em mutação, ao passo que as duas primeirastendências prevêem e exemplificam uma abordagem mais pró activa.

    Flexibilidade e mobilidade

    A evolução organizacional, as inovações tecnológicas e uma orientaçãoforte para o consumidor exigem uma adaptação dos trabalhadores àsnovas exigências do contexto laboral, através do desenvolvimento denovos perfis de competências e da capacidade de aprendizagem contínua.As empresas têm de dar resposta ao desafio da adaptação a exigênciasorganizacionais em mutação, de modo a criar um ambiente favorável àaprendizagem e a apoiar a adaptação dos trabalhadores à mudançadas situações laborais. Geralmente estão em posição de reprimir ouincentivar activamente as atitudes laborais específicas dos seus

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  • As identidades laborais numa perspectiva comparativa: o papel das variáveis do contexto nacional e sectorial

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    trabalhadores, podendo influenciar assim a construção das suas identidadeslaborais.

    No que se refere à mobilidade, o consórcio responsável pela execuçãodo projecto estabeleceu uma distinção entre mobilidade geográfica ouespacial, mobilidade horizontal e mobilidade vertical. As exigências demobilidade espacial colocadas aos trabalhadores relacionam se com anecessidade e/ou a possibilidade de mudança de local de trabalho, detransferência para uma nova localização, de efectuar deslocações noâmbito da sua actividade profissional ou de ser obrigado a fazer um longotrajecto casa-emprego. A mobilidade horizontal relaciona-se com umamudança de entidade patronal ou de departamento, a rotação dos postosde trabalho, a aquisição de uma determinada especialização ou a transiçãopara o trabalho de equipa. Finalmente, a mobilidade vertical abrange acapacidade, o interesse e a oportunidade de desenvolvimento da carreirapessoal, tirando partido de oportunidades como a continuação dos estudosou uma promoção na empresa. A mobilidade horizontal e vertical estáestreitamente relacionada com oportunidades de desenvolvimentoprofissional contínuo e de aprendizagem relacionada com o trabalho. Amigração pode ser considerada como uma forma específica de mobilidade,que se relaciona geralmente com uma mudança de entidade patronal ede área profissional. Se bem que esta questão se revista de grandeinteresse a nível europeu, o caso dos trabalhadores migrantes não foitido em consideração no projecto, na medida em que a formação da suaidentidade profissional é um caso específico.

    Em tempos de grandes dificuldades económicas, a flexibilidadee a mobilidade eram consideradas inicialmente como exigênciasque exerciam pressão sobre as empresas e os trabalhadores.Porém, a flexibilidade e a mobilidade criam também oportunidadesem termos do ambiente de aprendizagem no trabalho, dos perfisdos cargos, das opções de carreira e da autonomia e auto realizaçãodos trabalhadores. As estratégias organizacionais das empresastanto podem proporcionar novas oportunidades aos trabalhadorescomo submetê-los a uma pressão acrescida, por exemplo, atravésda intensificação do trabalho; a prevalência desta característicafoi referida pelos trabalhadores de todos os sectores em que incidiua investigação. O estudo revelou que a flexibilidade e a mobilidadesão percepcionadas e valorizadas de modo muito diferente emdiferentes grupos profissionais, mostrando também como é queessa vivência afecta os processos de formação da identidade notrabalho.

    Os trabalhadores relacionavam tipicamente a questão da flexibilidadecom a capacidade de fazer face e de se adaptar às mudanças no trabalho,por exemplo, a novas tarefas e situações laborais ou a uma nova organizaçãodo trabalho, geralmente associada a uma melhoria das competências edos perfis profissionais. Relacionavam na também com as condições detrabalho, em termos de horários flexíveis, horários de trabalho irregulares,

  • alteração dos horários de trabalho e necessidade de fazer horas extraordinárias.Havia grandes variações no modo como a flexibilidade e a mobilidadeeram percepcionadas: quer como criando oportunidades, quer como novasexigências que submetem os trabalhadores a uma pressão suplementar.Os profissionais de enfermagem, por exemplo, consideravam que controlavamem grande medida o grau de flexibilidade e mobilidade a que eram obrigadosa dar resposta e que tinham opções individuais. Nas novas economias,pelo contrário, os dois elementos eram percepcionados como exigênciasque estavam fora do controlo dos trabalhadores e que criavam um elevadonível de stresse. As exigências de flexibilidade eram consideradas criticamente,em termos de horas extraordinárias e de horários de trabalho flexíveis,nomeadamente no sector do turismo, em que os mecanismos de compensaçãodesses requisitos eram considerados inadequados, não só do ponto devista da remuneração financeira, como também dos da segurança noemprego, das perspectivas de carreira e da prestação de formação. Aflexibilidade tinha a conotação mais negativa quando era interpretada comoa possibilidade de contratar e despedir pessoal com baixos custos. Asimplicações negativas eram a falta de compromisso com o trabalho e deligação à empresa, bem como os elevados níveis de rotatividade do pessoal.

    No que se refere à aceitação da flexibilidade e da mobilidade pelostrabalhadores, foi também possível identificar diferenças nacionais (ouculturais). Os trabalhadores franceses e do Reino Unido parecem, de ummodo geral, estar mais bem preparados do que os trabalhadores alemãespara corresponder às exigências de flexibilidade e mobilidade, que osbeneficiariam pessoalmente. A socialização, a aprendizagem e asexperiências pessoais desempenhariam um papel importante nestecontexto, o que se tornou bem claro comparando, por exemplo, as atitudeslaborais dos profissionais de enfermagem e dos trabalhadores dosector das telecomunicações dos três países. Por outro lado, trabalhadoresde países com uma economia instável, como a Espanha ou a Estónia,estão geralmente mais habituados a adaptar se à mudança das condiçõesde trabalho, pois necessitam com frequência de ser muito flexíveis pararesistirem à turbulência e a períodos de transição.

    A mobilidade horizontal era utilizada com frequência como um instrumentoimportante de desenvolvimento das competências profissionais e demelhoria das oportunidades de carreira. Nomeadamente nos sectoresdas TI e do turismo, e principalmente no Reino Unido, a mudança deemprego para obter experiência de trabalho estava estreitamente associadaao desenvolvimento profissional. No sector da enfermagem, a mobilidadehorizontal (principalmente entre diferentes departamentos do hospital)era geralmente praticada para alargar e aprofundar as competênciasprofissionais, mas sem intuitos de promoção. Era notório que, na maioriados sectores, os trabalhadores com níveis de competências intermédiosprivilegiavam a mobilidade horizontal, em detrimento da mobilidade vertical.Esta tendência podia ser associada aos elementos básicos de uma profissão(tal como foi referido mais atrás) com que os trabalhadores com estes

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    níveis de competências se identificavam tipicamente. Este padrão deidentificação profissional pode estar na origem de uma certa incompatibili-dade entre a execução de tarefas técnicas e a assunção de funçõesadministrativas e de coordenação caracterizadas por um nível mais elevadode responsabilidade laboral. Nos sectores das telecomunicações, das TIe da metalurgia /metalomecânica, por exemplo, para muitos trabalhadoresa transição de funções de técnico especializado para funções de coordena-ção era vivida de forma conflitual, o que obstava com frequência a queocupassem posições de chefia na equipa. Os especialistas de TI associavaminclusive os cargos de gestão a uma degradação inevitável dos conhecimentostécnicos e das competências práticas (Loogma et al., 2004). No caso dosprofissionais de enfermagem, a maioria dos trabalhadores vivia essasituação de modo semelhante: o pessoal de enfermagem que se identificavafortemente com a prestação de cuidados directos aos doentes geralmentenão estava interessado em transitar para cargos de gestão e adquirircompetências relacionadas com a administração, a coordenação ou astarefas de gestão em geral (Kirpal, 2004b).

    Estes resultados podem levar à conclusão de que, para a maioria dostrabalhadores qualificados, o desempenho das tarefas essenciais de umaprofissão é mais importante do que fazer carreira como supervisor ou chefede equipa, nomeadamente quando a estrutura salarial não mudasignificativamente, como é o caso no sector da enfermagem. No caso dostrabalhadores britânicos e franceses e dos trabalhadores que desenvolvema sua actividade em sectores diversificados e menos formalizados, taiscomo os do turismo e das TI, verificava-se que a orientação da carreiraera mais forte. No que a este ponto se refere, é importante observarque, nomeadamente no Reino Unido, a estrutura salarial muda significativa-mente com a progressão na carreira. Era notório que, no caso dostrabalhadores do Reino Unido, os progressos na via do desenvolvimentoprofissional se relacionavam principalmente com a mobilidade verticalascendente e com salários mais altos; em combinação com a passagempor diferentes situações de emprego, esta via implicava também comfrequência mudanças de área profissional. A ligação a uma empresa oua um ambiente de trabalho específico tão pouco parecia ter grande significado.Os trabalhadores qualificados de outros países, pelo contrário, identifica-vam se muito mais com a sua condição de perito numa determinada área,criando uma identificação forte com as actividades laborais exercidas queimplicavam a aplicação de competências técnicas muito específicas.

    Outros factores estruturais que criam poucos incentivos a que ostrabalhadores optem pela via da mobilidade vertical eram a falta deoportunidades de progressão na carreira, devido a reestruturaçõesorganizacionais, à falta de apoio por parte das entidades patronais ou aomodo de organização da profissão. A tendência para hierarquias poucodiferenciadas que caracteriza a organização do trabalho nos sectores dastelecomunicações, das TI e metalúrgico/metalomecânico tem vindo a reduzirsignificativamente o número de lugares de supervisão, nomeadamente a

  • nível da gestão intermédia. Uma das consequências deste facto na Ale-manha, por exemplo, é que muito menos trabalhadores utilizam a qualifi-cação de Meister como um instrumento clássico de progressão na carreira,pois esta via está cada vez mais comprometida devido ao recrutamentode licenciados para esses cargos. A falta de apoio das entidades patronais,que não proporcionam nem facilitam o acesso a formação adequada, eraum problema nos sectores do turismo e das TI, nomeadamente, ao passoque no sector da enfermagem a organização muito formalizada da profissãorestringia significativamente as oportunidades de progressão na carreira.

    A relação entre a mobilidade, a flexibilidade e a identidade laboral tornam-se mais evidentes quando se tem em conta a auto imagem de especialistasde TI e trabalhadores metalúrgicos, que se auto-diferenciam claramentedo pessoal administrativo, dos gestores e dos directores. O estudosobre o sector das TI revela que a identidade laboral de um especialistade TI pode estar de tal modo enraizada na tecnologia, que se correlacionacom um elevado nível de inflexibilidade no que se refere a desenvolveruma orientação profissional mais alargada. Seria interessante investigarmais a fundo a medida em que competências técnicas muito desenvolvidas,mas de âmbito muito restrito, representam um risco para esses trabalhadoresquando surge a necessidade de adaptação a contextos laborais em mutação.

    Reflexões

    O projecto de investigação permitiu confirmar que os trabalhadores daEuropa estão cada vez mais sujeitos a maiores exigências em termosde flexibilidade e mobilidade no trabalho e que se confrontam com anecessidade de mudanças e ajustamentos contínuos. Os resultados doprojecto demonstravam também que nem todos os trabalhadores comníveis de competências intermédios dispõem dos recursos pessoaisnecessários para fazer face às exigências de adaptação ao seu postode trabalho, de desenvolvimento das competências ou de orientação dacarreira. Analisando agora os casos individuais, verificou se que existiamem todos os grupos profissionais investigados trabalhadores comformas clássicas de identidade laboral caracterizadas por um elevado nívelde identificação com a sua profissão, a sua entidade patronal, os produtosda empresa ou as suas tarefas laborais quotidianas. Uma evolução rápidadas condições de trabalho colocava grandes desafios a este grupo detrabalhadores, nomeadamente aos que não dispunham dos meios ou dosrecursos pessoais necessários para se adaptarem a novas exigências.Nesses casos, os trabalhadores desenvolviam tipicamente uma estratégiade “recuo defensivo”, tentando manter o seu estatuto profissional e o perfildo cargo. Este grupo de trabalhadores oferecia grande resistência àsexigências de maior flexibilidade, manifestando pouco interesse pelaaprendizagem, pela progressão na carreira ou por mudar de local detrabalho ou de entidade patronal. Por outro lado, a pressão no sentido

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    de mostrar mais flexibilidade, a alteração das tarefas laborais ou dasfunções profissionais ou a mudança de entidade patronal criam frequentementestresse e estão na origem de uma falta de controlo sobre o desempenhoprofissional. Esta afirmação aplicava-se de um modo muito especial aocupações e organizações em que as exigências de flexibilidade e mobilidadesão elevadas e as formas de organização do trabalho e as tarefas mudamrapidamente, como acontece no sector das TI.

    Em contrapartida, os trabalhadores com formas de identidade laboralflexíveis, evolutivas e individualizadas e com capacidade para antecipare internalizar as exigências de mudanças contínuas no trabalho, estavammuito mais preparados para dar resposta às exigências de flexibilidade.Estes trabalhadores possuíam com frequência a combinação desejávelde competências técnicas com competências sociais híbridas e tinhamcapacidade para utilizar a flexibilidade, a mobilidade e a aprendizagemcomo instrumentos de progressão na carreira. Os resultados da investi-gação demonstraram também que as entidades patronais que privilegiamestes trabalhadores flexíveis estão cada vez mais interessadas num tipode trabalhador semelhante a um empreendedor independente, que vendeos seus serviços, qualificações e competências pela melhor oferta (vertambém Pongratz et al., 2003; Voß et al., 1998). Este tipo de trabalhadorcaracteriza se por um elevado nível de flexibilidade, pela aprendizagemcontínua, pela capacidade de gestão dos riscos, de construção e modelaçãoda sua própria identidade laboral e de orientação da sua carreira.

    As novas formas emergentes da relação entidade patronal-trabalhadorreforçam este modelo de empreendedorismo, afastando se gradualmentedos antigos tipos de relação baseada na confiança e flexibilizando ospadrões de compromisso organizacional (Baruch, 1998; Reader et al.,2001). Esta tendência promove e apoia uma tendência geral de“individualização” das identidades laborais, em detrimento das formascolectivas clássicas, dificultando assim a negociação colectiva para ostrabalhadores. Por outro lado, este modelo transfere da empresa para otrabalhador a responsabilidade pela formação, a aprendizagem e odesenvolvimento profissional. Porém, para o trabalhador individual estaatitude laboral pró-activa, empreendedora e de aquisição de competênciasmúltiplas gera também identidades laborais complexas, flexíveis epluridimensionais, que podem ser conflituais quando é necessária umaadaptação contínua a exigências de mudança. A estabilidade e a conti-nuidade que eram asseguradas formalmente através de contratos detrabalho permanentes e de uma ligação estável à empresa, por exemplo,devem ser agora construídas activamente pelos próprios trabalhadores.

    A medida em que os trabalhadores têm capacidade para corresponderàs exigências de flexibilidade e adaptação tem um impacto significativona sua motivação, no seu compromisso com o trabalho e nas suas formasde identificação com o trabalho. No presente artigo tentou se demonstrarque não é o indivíduo por si só que determina o potencial de adaptação,mas que as variáveis estruturais desempenham também um papel crucial,

  • apoiando ou inibindo o desenvolvimento dos trabalhadores. Dado o númeropotencialmente elevado de trabalhadores na Europa que não correspondemao tipo empreendedor (e, portanto, em possível desvantagem), os trabalha-dores necessitam de alguma forma de apoio para os equipar e prepararpara corresponder às exigências de mudança no trabalho. Os resultadosda investigação demonstravam que os trabalhadores com níveis decompetências intermédios e de idade superior a 35 anos, nomeadamente,têm de ser activamente apoiados e orientados, para evitar que caiam numaestratégia passiva de “recuo defensivo” que, em última análise, pode levarà sua exclusão profissional. Em contrapartida, os trabalhadores quereceberam formação nos últimos 10 anos estão muito melhor preparadospara antecipar e corresponder às exigências de flexibilidade e aprendiza-gem contínua. Esta constatação evidencia o papel crucial que o ensinoe a formação profissional inicial desempenham neste contexto, quandosão concebidos de modo a preparar adequadamente os jovens para darresposta aos desafios dos ambientes de trabalho modernos. Porém, quandoos trabalhadores não tiveram oportunidade de receber formação adequada,adaptada aos padrões modernos, essa insuficiência deve ser compensadapela aprendizagem contínua no local de trabalho.

    A flexibilidade é especialmente necessária à integração entre a formaçãoprofissional inicial e contínua, e à obtenção de uma combinação equilibradaentre os conhecimentos técnicos específicos e as competências genéricas.A acreditação da aprendizagem informal, necessária para permitir o acessoefectivo à aprendizagem contínua, à promoção e à mobilidade horizontal,deve ser também melhorada. Os instrumentos de orientação destinadosa prestar apoio aos trabalhadores na resposta às exigências de flexibili-dade e mobilidade e a conferir lhes a capacidade de serem os agentes doseu próprio desenvolvimento profissional não se devem limitar necessaria-mente a disposições institucionais. A aprendizagem profissional contínua,auto iniciada e autogerida, e “auditorias às competências” de auto orientaçãosocioprofissional podem constituir também instrumentos poderosos.

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