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14/04/2013
Irresponsabilidade histórica disfarçada de liberdade criativa
Daniela Bruno Flor
Os filmes históricos estão em alta no mercado cinematográfico há alguns
anos. Blockbusters norte-americanos baseados em momentos e figuras verídicas
não só levam multidões aos cinemas, como “A Dama de Ferro” (2011), da diretora
Phyllida Lloyd - que arrecadou 30 milhões de dólares, segundo o site IMDB - como
são sucessos de crítica, caso do indicado ao Oscar 2013 de melhor filme, “Lincoln”,
de Steven Spielberg. As produções tidas pelo espectador médio como verdadeiros
documentos, porém, não passam de obras de ficção.
Os filmes em torno de grandes figuras da história mostram apenas uma
faceta de pessoas complexas, seja em busca de atrair o grande público, por razões
técnicas, como o tempo restrito, ou em prol da qualidade artística. A tendência é
apelar para o lado emocional que humaniza o biografado. Margaret Thatcher, ex-
premiê britânica falecida no último dia 8 de abril, foi retratada em “A Dama de Ferro”
em momentos de fragilidade opostos a sua figura rígida e intransigente. A caricatura
de mulher batalhadora, mas sensível na intimidade, ofusca no filme a governante
conservadora e muito controversa, criticada por sua política fiscal e socioeconômica,
real razão de sua fama.
Aquilo que o espectador vê como cópia da realidade por aclamadas
referências fiéis a vestuário e diálogos originais, são recortes que influenciam a
opinião da sociedade acerca do passado, ao desfigurá-lo. A morte de Thatcher
deixou isso claro. Enquanto parcelas da população do Reino Unido festejavam,
pessoas ao redor do mundo que claramente tiveram no filme seu único contato com
a história de Thatcher lamentavam seu falecimento. Se repetem comentários como
este, retirado do Facebook: - Quem já assistiu o filme “A Dama de Ferro” sabe que
ela foi uma mulher guerreira e inovadora, grande personalidade. Fico triste com a
sua ida.
A deturpação histórica não vem apenas pelo recorte de facetas ou momentos,
mas também pela opinião arbitrária do roteirista ou mesmo da política norte-
americana. Em “Lincoln”, a veneração ao presidente ídolo dos Estados Unidos e aos
republicanos apaga quaisquer fossem seus interesses econômicos e políticos na
abolição da escravatura, tratando o seu esforço como exclusivamente em defesa da
moral. Assim como a glorificação ao neoliberalismo de Thatcher, apesar das
consequências infelizes como o sucateamento dos serviços públicos e aumento do
desemprego no Reino Unido.
O erro é que a liberdade criativa pela arte não pode justificar um retrato
irresponsável da verdade. O espectador comum é que acaba enganado: acata
opiniões parciais como suas, pois as pintam como fatos.