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VOLUME 2 Nº 1 E 2 |MAIO/NOVEMBRO - 2010 ISSN 2176-2597

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2 |REVISTA ANTT - V. 2 Nº 1 E 2 - MAIO/NOVEMBRO - 2010 - BRASÍLIA

DIREtORIA: Bernardo José Figueiredo Gonçalves de OliveiraIvo Borges de LimaMário Rodrigues JúniorWagner de Carvalho Garcia

www.antt.gov.br

Revista ANTT – Uma publicação técnico-científica, com periodicidade

semestral, produzida pela Agência Nacional de Transportes Terrestres NÚCLEO EDItORIALAlam Gonçalves GuimarãesDanielle de Azevedo Ribeiro TodaJuliana Gonçalves de OliveiraPatrícia Gomes da CunhaSílvio Barbosa da Silva JúniorYara Rodrigues de Assunção

CONSELHO DELIBERAtIVOAguinaldo Nogueira LimaDurval Antônio Guerra ValenteFernando Régis dos ReisLuciana Faria CortoneseSilvia Maria Milhomem Brito Menezes

CORPO TÉCNICOAmir Mattar Valente - UFSCCarlos Alberto Faria - UFU/ FECIVCarlos Henrique Rocha/ UnBCynthia Perpétua Lotti - ANTT/ URSPLílian de Oliveira Vilela - UFUNadja Guedes - UFESMárcia Lika Mon-Má - ANTT/ SUPASMylena Moreira de Alencastro Costa - MF/ SEAEWalquiria Yumiko Fujii - ANTT/ URSPWilliam Rodrigues Ferreira - UFU/ IG

Os artigos técnico-científicos publicados são de responsabilidade de seus autores, não representando a opinião da Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT.

A636r

Revista ANTT, V. 2 N. I e II MAI e NOV. 2010 – Brasília, Agência Nacional de Transportes Terrestres.

Semestral

ISSN: 2176-2597

1. Artigos sobre transportes terrestres. 2. Transportes. CDU - 656.1/.5 656.1 656.2

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ARtIGOS tÉCNICOS

SUMÁRIO

transporte Irregular De Passageiros Versus Regular:Um Estudo De Intervenções Regulatórias Com Modelo Logit

Francisco Gildemir Ferreira da Silva

Uma análise dos custos logísticos de distribuição no processo de exportação de veículos do Brasil para a Argentina: um estudo de caso

Rachel Andrade Ballardin, Rafael Tezza, Antonio Cezar Bornia

O pedágio nas concessões de rodovias brasileiras: taxa ou tarifa?Otto Amaury de Carvalho Alves

06

161410

2842

O sistema globalmente harmonizado de classificação e rotulagem de substâncias químicas - ghs e a legislação brasileira de

transporte terrestre de produtos perigososTatiana Furtado Alvim, Rodrigo Lucius de Amorim 52

A Gestão Ambiental aplicada aos transportes: o caso da Agência Nacional de transportes terrestres

Janice Cabús 65

ENtREVIStAJosé Roberto Correia Serra

REPORtAGEMLaboratórios desenvolvem projetos na área de transportes e logística

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8890

ARtIGOS tÉCNICOS

ENtREVIStAPaulo Sérgio Oliveira Passos

REPORtAGEMTerritório, transportes e desenvolvimento: a atuação recente do Estado brasileiro.

As liberdades comerciais e o transporte rodoviário internacional de cargas no mercosul

Cynthia Bertholini Santos, Marcelo Vinaud Prado, André Dulce Gonçalves Maia

Monitoramento das condições climáticas associadas às condições geológicas-geotécnicas da rodovia BR-116/RJ e seu entorno: correlação chuvas, piezometria e movimentos das encostas dos km 87 e km101 da BR-116/RJ.

Maurício Ehrlich, Clara Ferraz, Sergio Magalhães

A evolução da regulação nas Rodovias Federais concedidasAndré Roriz de Castro Barbo, Diógenes Eustáquio Rezende Correia, Elisia Teresinha Engelmann,Érico Reis Guzen,

IMUNIDADE PARKER V. BROWN: releitura das doutrinas state action e pervasive power no ordenamento jurídico brasileiro

Roberto Domingos Taufick

Gustavo de Almeida Gois, Mírian Ramos Quebaud, Murshed Menezes Ali, Natália Marcassa de Souza, Stéphane Quebaud

126112

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Para a terceira edição, os artigos versam sobre aspectos jurídicos da regulação; legislação e normas internacionais aplicáveis aos transportes; evolução dos aspectos regulatórios nas concessões rodoviárias federais; sinalização viária e aspectos ambientais e sua influência sobre a operação rodoviária.

Apresentamos uma entrevista com o Senhor Ministro de Estado dos transportes Paulo Sérgio de Oliveira Passos, que discorre sobre os 150 anos do Ministério dos transportes, abordando a retomada da tradição em planejamento com o Plano Nacional de Logística e transportes e do programa de gestão de obras, o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC.

Elaboramos uma reportagem que trata das relações entre território e transportes, na qual abordamos temas recentes – em sinergia com o que conversamos com o Senhor Ministro – tomando por base um conceito chave da geografia, que é o território, levando em consideração a obra espanhola Geografía de los transportes, bem como as considerações do geógrafo Daniel Huertas, da USP.

Agradecemos as contribuições recebidas e convidamos os estudiosos, pesquisadores e profissionais dos transportes a nos encaminhar seus trabalhos para publicação.

Boa leitura!

Caros leitores, Sempre primando pelo intercâmbio dos estudos elaborados no âmbito da Agência Nacional de transportes terrestres com aqueles produzidos em outras instâncias - a academia, profissionais, pesquisadores independentes, empresas ou outras organizações que atuam nas áreas correlatas aos transportes terrestres e sua regulação -, a Revista ANtt chega ao seu terceiro número.

Com o objetivo de aumentar a divulgação do conteúdo, nossa terceira edição apresenta uma compilação do segundo número (V II nº I), em sua versão impressa. Na versão eletrônica, é possível acessar todas as edições e baixar o conteúdo impresso tanto da primeira (V I nº I), quanto da terceira (V II nº II), que engloba todo o conteúdo.

Na segunda edição, apresentamos artigos sobre questões ambientais associadas aos transportes, aspectos regulatórios – econômicos e jurídicos – das concessões rodoviárias e dos transportes de passageiros, regulação de transportes de produtos perigosos.Contempla, ainda, uma entrevista com o senhor José Roberto Correia Serra, Diretor Presidente da Companhia Docas do Estado de São Paulo - CODESP, acerca dos investimentos correntes na modernização do Porto de Santos, o principal porto brasileiro. Em especial, sobre a interferência no setor de logística rodoviária e ferroviária de cargas.

trazemos, ainda, uma reportagem sobre os centros de pesquisa associados a universidades – verdadeiros propulsores do conhecimento na área de transportes – que prestam serviços a entes públicos e privados, proporcionando o intercâmbio de experiências entre a academia e o mercado. Esta interação se mostra sintonizada com a linha editorial da Revista ANtt, que visa ser mais um canal de intercâmbio de conhecimento.

EDITORIAL

Núcleo Editorial

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ENTREVISTA

JOSÉ ROBERtO CORREIA SERRADiretor Presidente da CODESP

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Qual a movimentação de carga hoje e o que se espera de incremento para os próximos anos com a modernização do Porto de Santos?

Num aspecto otimista, os resultados apontam para uma movimen-tação de cargas em 2024 de 230 milhões de toneladas. Atualmente, o Porto tem uma capacidade de atendimento de cerca de 115 milhões e fechou 2009 com 83,1 milhões de toneladas.

A previsão para 2024 também mostra projetos hoje em andamento atingindo boas marcas de movimentação. Somente no segmento de contêineres, a Embraport apresenta potencial para chegar a 1,85 milhão tEU e a BtP a 1,79 milhão tEU, somados à otimização e expansão dos terminais existentes que projetam estimativas de 1,9 milhão tEU para Santos Brasil, 1,35 milhão tEU para Libra termi-nais, 900 mil tEU tecondi e 800 mil tEU para a área do Saboó. Essas projeções mostram que Santos está bem atendida para o crescimento no segmento de contêiner e também de cargas, como veículos e granéis vegetais, apenas com as soluções já definidas e com projetos bem delineados.

Com relação ao setor de granéis líquidos, fertilizantes e enxofre, o estudo apresenta um quadro que requer a aceleração dos negócios visando uma expansão mais urgente. De toda forma, já estamos com algumas ações previstas. Além da BtP que atenderá também o setor de granel líquido, há a implantação de novos berços para essa carga, tanto na Ilha Barnabé como no terminal da Alemoa, e a per-spectiva de se dedicar a área de Conceiçãozinha para granel sólido.

Há previsão de implantação de novas tecnologias no projeto?

Paralelo ao projeto estrutural do Porto, existe outro projeto, que avançou bastante, e que está na fase de preparação dos termos de referência para que a CODESP possa licitar, com recursos próprios, a implantação do VtMIS (Vessel traffic Management Information System) e assumir como Autoridade Portuária o pleno gerenciamento e controle do tráfego de embarcações na área do Porto e na zona de fundeio. O projeto prevê modernizações quanto aos acessos para

atender a nova demanda. O que será alterado nos acessos rodoviário e ferroviário quanto ao embarque e desem-barque de carga?

Demos passos muito importantes para a melhoria da infraestrutura portuária. A implantação do viaduto sobre a Rua João Pessoa é um marco histórico no sistema viário do Porto. Além de eliminar o conflito rodoferroviário no local, o tráfego foi distribuído em direção à região de Outeirinhos e ao trecho Macuco/Ponta da Praia, atendendo às principais demandas da margem direita: açúcar, contêineres e grãos. Outro ponto importante no projeto da Avenida é o traçado ferroviário que teve, na região de Outeirinhos, a implementação de cinco faixas para ferrovia, criando condições para expansão do transporte por esse modal.

A pista de entrada já se estende da Praça Barão do Rio do Branco até a Praça da Santa, possibilitando a utilização plena do viaduto e estabelecendo novo acesso às instalações do terminal de Passage-iros até a Ponta da Praia.

As obras do trecho Santa/Canal 4, incluindo o segundo viaduto, já foram iniciadas e devem estar concluídas em torno de novembro próximo.

Quanto ao acesso viário na margem esquerda, o projeto executivo está concluído e contempla as novas intervenções estabelecidas com a Prefeitura Municipal de Guarujá. A expectativa é iniciar as obras ainda no primeiro semestre de 2010. A segunda fase do projeto da Perimetral da Margem Esquerda já está prevista e ligará a Avenida Santos Dumont à rodovia Cônego Domenico Rangoni.

A elaboração do projeto executivo do chamado Mergulhão é mais uma ação importante para a melhoria da infraestrutura viária. Com 1,1 km de extensão através de passagem subterrânea, será con-cebido para eliminar, definitivamente, um dos maiores gargalos do sistema, caracterizado pelo estreitamento das vias naquele trecho, intensificado ainda pela confluência com as linhas ferroviárias.

José Roberto Correia Serra, diretor presidente da CODESP – Companhia DOCAS do Estado de São Paulo, analisa e discorre sobre, o que considera, um desempenho bastante satisfatório nos últimos anos do Porto de Santos, a partir da definição de importantes metas: a conclusão e implementação de projetos de infraestrutura, um forte desempenho financeiro, a manutenção na demanda de movimentação de cargas - mesmo com a crise financeira mundial -, a realização de concorrências para novos arrendamentos e a evolução de estudos imprescindíveis para a expansão e o desenvolvimento portuário.

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Com essas iniciativas, o Porto prepara suas vias de acesso, terrestres e aquaviárias, para atender à demanda projetada de movimentação de cargas e à ampliação das instalações com o ingresso de novos terminais. Mas há também os aspectos logísticos de acesso, fora da área do Porto que despertam grande preocupação, em função da expansão.

O impacto dos novos terminais requer um redimensionamento rodoferroviário que se integre aos projetos que a CODESP já desenvolveu e os que estão em fase de implementação. A Secretaria Especial de Portos já trabalha para a elaboração de um convênio com o governo do Estado de São Paulo para tratar dessa questão. Após a conclusão das obras de modernização, qual será o diferencial entre o Porto de Santos e outros grandes portos no mundo? O Porto mostrou que é, de forma global, um grande negócio. Alem do crescimento verificado no movimento físico, Santos ampliou sua participação na balança comercial brasileira. A pluralidade no atendimento é um dos diferenciais que caracterizam a força do Porto de Santos.

Pretende-se realizar outras ações futuras para expandir ou incrementar os serviços disponibili-zados pelo Porto?

O Plano de Expansão caracteriza o cenário portuário para os próximos três qüinqüênios, considerando o momento atual, os principais projetos consolidados e os factíveis, aliados a estudo de demanda da hinterlândia, abrangendo mercados de origem e destino, principais parceiros comerciais e PIB médio brasileiro e mundial, entre outras variáveis.

Com base em dois estudos recentemente concluídos, a CODESP se prepara para elaborar um novo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto de Santos que deverá ser encaminhado ao Conselho de Autoridade Portuária ainda no primeiro semestre de 2010.

O Estudo de Acessibilidade e o Plano de Expansão estão sendo analisados pela diretoria e podemos garantir que foram realizadas a partir de metodologia científica, pesquisas muito apuradas e um detalhamento que nos permitirá programar com bastante precisão os rumos do Porto nos próximos 15 anos.

Foram avaliadas no estudo de acessibilidade, as condições necessárias para que as vias de acesso ao Porto de Santos possam estar dimensionadas ao crescimento previsto para a movimentação de carga, com um foco bastante dirigido sobre a hinterlândia primária. O momento é de depuração dos dados apresentados, identifi-cando os principais gargalos. Uma ação determinante será a mudança da matriz de transporte, principalmente para as cargas de curta distância, privilegiando o modal ferroviário, hidroviário na Baixada Santista, esteiras transportadoras e dutovias, com o objetivo de desafogar o máximo possível o tráfego rodoviário.

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REPORTAGEM Por PAtRÍCIA GOMES

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LABORATÓRIOS DESENVOLVEM PROJETOS NA ÁREA DE TRANSPORTES E LOGÍSTICA

Criados na década de 90, os laboratórios de transportes e logística tem tido um papel importante não só para o meio acadêmico como também para o mercado de trabalho e para órgãos governamentais. Nessa reporta-gem vamos abordar 2 (dois) laboratórios que desenvolvem estudos, projetos e sistemas que visam atender às demandas nas áreas de infraestrutura: o Labtrans - Laboratório de transportes e Logística, ligado à Universidade Federal de Santa Catarina e o Ceftru - Centro de Formação em transportes Urbanos, da Universidade de Brasília.

Esses laboratórios atuam em pesquisas e extensão onde envolvem alunos de graduação e pós-graduação (mestrado e doutorado), professores, pesquisadores e especialistas. Os estudos contribuem na formação de pes-soal, geração de novos conhecimentos, treinamento e também em apoio técnico voltado aos Governos Federal e Estadual e organizações. Em especial pode-se dizer que os alunos saem da Universidade mais preparados para atuar no mercado de trabalho, lembra o professor e doutor Amir Mattar Valente, coordenador do Labtrans.O intercâmbio entre as Universidades e as organizações/instituições que trabalham com transportes e logística no Brasil ocorre normalmente por meio de Acordos ou termos de Cooperação com objetivos e prazos claramente definidos e sempre envolvendo professores, alunos pesquisadores e especialistas. Os projetos são demandados pelos órgãos governamentais e outras organizações.

No caso do Labtrans / UFSC, pode-se destacar sua atuação em projetos em nível federal para a Agência Nacional de transportes terrestres - ANtt, Departamento Nacional de Infraestrutura em transportes - DNIt, Ministério dos transportes - Mt, Secretaria Especial de Portos - SEP, e Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobras.

Foi a partir de uma demanda da Petrobrás que o Labtrans deu início a esse tipo de trabalho que é desen-volvido até hoje. “Começamos a pensar que poderíamos dar uma contribuição significativa para os setores de transportes e logística, sejam eles públicos ou privados. Há uma forte e importantíssima sinergia quando eles interagem. Por um lado, os professores e pesquisadores envolvidos têm a oportunidade de melhor identificar as necessidades do dia-a-dia do setor e os alunos aprendem mais, vivenciando a prática”, destaca o prof. Dr. Amir.

Entre os projetos desenvolvidos pelo Labtrans, estão o Sistema Logístico – SISLOG (ANtt); Sistema de Acom-panhamento e Fiscalização de transporte Ferroviário – SAFF (ANtt); Sistema Georreferenciado de Informações Viárias – SGV (DNIt); Sistemas de Pesagem em Movimento – MS-WIM (DNIt); trem Regional (Mt); Sistema de Análise Logística de Mercados – SIAM (Petrobras); Sistema de Previsão de Fretes – PREVFREtES (Petrobras).

Prof. Dr. Amir Valente

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CEFTRU

A história do Ceftru teve início a partir dos anos 90 do século passado, quando os professores do Mestrado em transportes Urbanos – hoje, Programa de Pós-Graduação em transportes (PPGt), da Universidade de Brasília − firmaram parcerias com a Agência Internacional de Cooperação Japonesa (JICA) e com o Ministério dos transportes, para oferecer cursos que formavam quadros técnicos de transportes para órgãos públicos e empresas privadas.

Em 1998, o Ceftru - originalmente um Centro de Formação em transportes Urbanos - teve entre seus objetivos fundamentais a qualificação de profissionais do setor transportes, em atenção às lacunas advindas da extinção de órgãos tradicionalmente voltados a essas atividades no âmbito federal.Mais de cinco mil alunos já se formaram em cursos de extensão e especializações, entre outras atividades de capacitação, pelo Ceftru, que tem, nos últimos anos, orientado suas ações em sintonia com sua evolução mais recente para a condição de um Centro Interdisciplinar de Estudos em transportes, segundo informou o Victor Pavarino, chefe do Laboratório de Ensino e Aprendizagem em transportes.

O centro de formação gera pesquisa; produz e divulga conhecimento; capacita recursos humanos; realiza projetos para órgãos públicos e privados; e constrói ferramentas computacionais que visam garantir eficiência, eficácia e efetividade dos transportes. A Instituição dissemina o conhecimento desenvolvido com a publicação de livros, monografias, artigos em revistas e em congressos nacionais e internacionais.Os laboratórios são providos de instalações, aparelhagem e produtos necessários à realização de pesquisas básicas ou complementares em suas áreas de atuação e concentram-se nas seguintes especialidades: tráfego, pavimentação, desenvolvimento de sistemas, informação, geoprocessamento e meio ambiente. Os equipamentos dos laboratórios apóiam o desenvolvimento e a formação de competências de alunos de gradu-ação e pós-graduação da UnB. Esta orientação se traduz, fundamentalmente, em uma visão do transporte sob uma perspectiva ampla e interdisciplinar, recorrendo à própria diversidade de formação dos colaboradores do Centro.

O Ceftru conta também com o Grupo de Pesquisa e Desenvolvimento em transportes - GPDt que tem a finali-dade de desenvolver metodologias para análise e solução de problemas de transportes, realizar estudos na área, e elaborar e executar pesquisas e projetos em parcerias com instituições públicas e privadas. O GPDt possui uma equipe formada por pesquisadores – principalmente mestres e doutores – especialistas na área de transportes. tido como setor fim do Ceftru, o grupo integra, harmoniza e administra a comunicação entre as equipes com o objetivo de orientar o foco dos projetos em transportes. Para desenvolver soluções tecnológicas que atendam às demandas dos parceiros do Ceftru e às necessidades internas, foi instituído o Laboratório de Sistemas. Atualmente, o Laboratório desenvolve projetos de gestão de transporte rodoviário de passageiros, monitoramento da qualidade dos sistemas de transportes, apoio à análise de concessões de rodovias e pesquisa sobre a situação do transporte escolar no País.

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Atualmente, o Ceftru desenvolve uma Solução Geográfica em transportes (Geot) para a Superintendência de Passageiros da Agência Nacional de transportes terrestres (Supas/ANtt). A ferramenta tem o objetivo de propi-ciar uma infraestrutura de dados geográficos para uso dos diversos sistemas e finalidades da Agência, de acordo com o pesquisador Alex Córdon, Chefe do Laboratório de Geoprocessamento. “A Solução Geot envolve muitos desafios em termos de tecnologias de geoprocessamento”, afirmou. Em função desses desafios, da complexidade das atividades do projeto e da evolução da tecnologia adotada para implementação da solução, o pesquisador observou que a equipe envolvida na sua execução vem recebendo treinamentos que foram realizados em algu-mas ferramentas da empresa ESRI (http://www.esri.com), líder mundial no segmento de geotecnologia. “São ferramentas necessárias para a implementação da Solução Geot”.

Os treinamentos realizados nos laboratórios ajudarão os pesquisadores e técnicos envolvidos nos projetos a desempenhar com maior agilidade, eficácia e efetividade suas atividades no intuito de qualificar, ainda mais, os produtos que o Ceftru desenvolve. Nessa perspectiva, o Ceftru apresenta produtos e serviços como: ferramentas de manipulação e análise de informações para apoio às pesquisas realizadas; desenvolvimento de software base-ado em tecnologia de geoprocessamento; execução de projetos, realização de pesquisas e formação de parcerias com outras instituições para a criação de soluções informatizadas na área de transporte.

Em 2004, o Centro Interdisciplinar de Estudos em transportes (Ceftru), da Universidade de Brasília (UnB), deu início às principais atividades do seu Laboratório de Monitoramento e Controle Ambiental em transportes (Lamcat). Com uma equipe multidisciplinar, o laboratório atua no monitoramento de poluição sonora, vibração e poluição do ar (material particulado e gases) e na indicação dos danos causados à saúde humana, às estruturas e às edificações por esses fatores. O trabalho do Lamcat é verificar os impactos provocados pelo transporte urbano ao meio ambiente, realizado, por exemplo, pelo seguinte ensaio de monitoramento de material particulado no ar. Para avaliar a qualidade do ar, em maio de 2007 foram instaladas duas estações de monitoramento que acompanham a presença de material particulado prejudicial à saúde do homem e do planeta na atmosfera. As estações estão situadas no Distrito Federal, na cidade de Brasília.

Já no ano de 2006, o Ceftru criou oficialmente o seu Laboratório de Engenharia Rodoviária (LER). Após uma parceria com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA), foi instalada uma série de aparelhos que possibilitaram ao Laboratório ser um dos mais bem equipados de todo o Brasil em infraestrutura rodoviária. Hoje, o LER realiza inúmeros ensaios para caracterização de materiais, controle tecnológico da construção e avaliação estrutural, funcional e de segurança de pavimentos.

Para o novo diretor do Ceftru, professor e doutor Sérgio Ronaldo Granemann, o objetivo do Ceftru como o de outros laboratórios que desenvolvem projetos e sistemas para a área de transporte e logística no país é “realizar ações cujos resultados possam ser agregados ao desenvolvimento social”.

No âmbito das ações externas, Granemann propõe a consolidação e a ampliação das parcerias já existentes. Ele citou, por exemplo, os trabalhos realizados com a Agência Nacional de transportes terrestres (ANtt) e com o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação do Ministério da Educação (FNDE/MEC). “Esses, entre outros, são projetos com retorno significativo para a UnB, para o Ceftru e para a sociedade”, disse.

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ARTIGOS TÉCNICOS

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TRANSPORTE IRREGULAR DE PASSAGEIROS VERSUS REGULAR: UM ESTUDO DE INTERVENÇÕES REGULATÓRIAS COM MODELO LOGIT

Passengers Transportation Irregular Versus Regular:Analysis Of Regulatories Interventions Using The Logit ModelFRANCISCO GILDEMIR FERREIRA DA SILVADoutorando em Economia CAEN Pós-Graduação em EconomiaUniversidade Federal do Ceará

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ResumoNas duas últimas décadas o transporte clandestino de passageiros cresceu no Ceará. Diante dessa problemática, este artigo procura quantificar a escolha dos usuários de transporte regular e clandestino e identificar os principais atributos que regram tal comportamento. Utilizando de um modelo logit binário e simulando intervenções regulatórias mede-se o quanto diminui a demanda pelo transporte irregular. O resultado é que a liberação de tarifa diferenciada por atividade (trabalho e lazer) ou desonerar os impostos das passagens do transporte regular reduz a demanda do transporte clandestino. Recomenda-se, para outros trabalhos, fazer modelos de oferta e de demanda mais modernos de forma a encontrar resultados mais robustos.

Palavras-Chave: modelos de escolha discreta; transporte de passageiros; regulação.

Abstractthe last two decades has occurred a increasing in clandestine passengers’ transports in Ceará. Looking at this problem, this paper quantifies and identifies the attributes that defines the choice and the behavior of the user of the clandestine or regular mode. Using a logit model and making some simulations we measure the impacts in clandestine demand from some regulation interventions. As result we show that promotions in fares of trips to work or leisure or decreasing in tickets taxes in the regular transports make the clandestine demand decrease. So far, we recommended making offer models and new approaches of demand models to improve the results.

Keywords: discrete choice models; passengers’ transports; regulation.

tRANSPORtE IRREGULAR DE PASSAGEIROS VERSUS REGULAR: UM EStUDO DE INtERVENÇÕES REGULAtÓRIAS COM MODELO LOGIt Francisco Gildemir Ferreira Da Silva

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1. IntroduçãoO transporte clandestino (irregular), intensificado ao final da década de 1990 e início de 2000 no Brasil, surgiu como conseqüência da insatisfação dos usuários ao não atendimento ou atendimento precário da qualidade, oferta temporal, preço e/ou quantidade do serviço de transporte regular. Neste contexto, questiona-se: qual é o atrativo do transporte clandestino frente ao transporte regular e quais as intervenções de Estado que podem ser feitas para reverter o uso do transporte clandestino?

Para analisar empiricamente a escolha de usuários de serviços de transporte, no final do século passado e início deste século, foram desenvolvidos os modelos de escolha discreta (Ben-Akiva, 1973; e McFadden, 1974). Os modelos desse tipo se popularizaram, conforme Jara-Díaz e Ortúzar (1989), por coadunarem um casamento forte entre a teoria econômica do comportamento com um eficiente método econométrico de análise de dispersão em nível do indivíduo. No Brasil, estudos sobre as preferências dos usuários de transporte têm sido desenvolvidos no Congresso de Pesquisa e Ensino em transportes (ANPEt), contudo, não enfatizando aspectos intervencionistas do estado para restabelecer o comportamento econômico desejado.

Para responder as questões postas no primeiro parágrafo e contribuir com a utilização de modelos de escolha discreta para avaliação de políticas regulatórias, será estimado um modelo logit para entender a escolha dos usuários entre o transporte regular e irregular no Ceará e sequencialmente far-se-á simulações de intervenções regulatórias do tipo: promoções para segmentos específicos do mercado e desoneração tributária das passagens para ver tal impacto na demanda do transporte irregular.

Para vislumbrar o proposto, o artigo está dividido em quatro seções exceto a introdução. A primeira apresenta um apanhado da problemática do transporte irregular no estado do Ceará. Na seguinte, faz-se um background teórico da teoria econômica e dos modelos de escolha discreta. Na seção quatro apresentam-se a estimativa do modelo com os dados do PDOtIP - Ce (Plano Diretor e Operacional do transporte Intermunicipal de Passageiros do Estado do Ceará) (2005), precedido pela descrição e análise estatística dos dados e da simulação e quantificação de ações regulatórias de liberação de promoções e da desoneração tributária das passagens. A conclusão segue com uma analise sucinta dos resultados e sugestões para estudos futuros.

2. Problemática do transporte irregular no CearáEm 2004, foram realizados cerca de 42 milhões de deslocamentos intermunicipais de passageiros no Ceará, deste total, pouco menos de 40% dos deslocamentos utilizou o sistema regular por ônibus. Excetuando-se o CRAJUBAR (Crato-Juazeiro-Barbalha), o crescimento da demanda de transporte pelo sistema regular, entre 1997 e 2004, foi de apenas 2%. A tabela 01 apresenta a participação do transporte clandestino intermunicipal na matriz de transportes de passageiro cearense para os anos de 1997 e 2004.

TABELA 01 - Evolução das viagens no STRIP-CE (Sistema de Transporte Intermunicipal de Passageiros do Ceará) no período de 1997 a 2004.

T

Deslocamentos (milhões)1997 2004

Regular Clandestino Total Regular Clandestino Total

Radial (interior-capital) 4,1 3,2 7,3 4,4 1,8 6,2

Regional(*) 4,0 9,5 13,5 3,9 22,8 26,7

Total 13,5 13,1 26,6 16,3 25,9 42,2

(*) excetuando-se os deslocamentos internos na Região do CRAJUBAR. (Fonte: PDOtIP, 2004). Radiais tratam-se dos deslocamentos

provenientes do interior para a capital do estado (Fortaleza) e vice-versa. Regional refere-se às viagens entre cidades, desconsiderando a capital.

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O transporte clandestino nos subsistemas radial registrou uma redução de 15% de 1997 para 2004, conforme indicado na Figura 01. Supõe-se que esta redução foi decorrente das ações mais incisivas do Estado com fiscalizações no eixo capital-interior ou pelo fato dos deslocamentos capital-interior, em geral, serem mais longos.

Por outro lado, os deslocamentos regionais registraram 15% de aumento na participação do clandestino (Figura 01 c) e d)). Isso pode ter relação com crescimento das atividades entre as cidades do interior do Ceará, como a criação dos pólos industriais em Sobral, e/ou das universidades federais em Juazeiro, Quixadá e Sobral.

Segundo o PDOtIP (2005), várias vantagens fazem o clandestino entrar na concorrência: no regular as pessoas precisam deslocar grandes distâncias a pé e no transporte clandestino não, visto que o transporte irregular geralmente é porta-a-porta; o clandestino tem a possibilidade de pagamento por crédito, pois existe a opção do usuário pagar a prazo. Soma-se também que o transporte clandestino possui uma flexibilidade enorme em preço apresentando variação de preços inclusive durante o dia.

a) deslocamentos radiais em 1997 b) deslocamentos radiais em 2004

c) descolamentos regionais em 1997 d) deslocamentos regionais em 2004.

FIGURA 01 – Evolução da participação do clandestino nas viagens radiais 1997 – 2004 (Fonte: PDOtIP-CE 2004)

Do exposto, pode-se ver que existiam vantagens para o usuário optar pelo clandestino e os deslocamentos no sistema regional sofreram aumento expressivo na demanda pelo transporte irregular de 1997 para 2004.

3. Background teórico dos modelos de escolha discretaEsta seção tem como base a teoria econômica da escolha do indivíduo, via modelos de utilidade aleatória - RUM, e a modelagem empírica que foi carreada após Ben-Akiva (1973) e McFadden (1974). Assim, têm-se duas subseções onde se apresentam as duas bases acima, respectivamente.

3.1. Preferência e escolhaA teoria econômica tem duas formas clássicas de abordar a escolha dos indivíduos: abordagem baseada em preferências e a baseada em escolha (Mas-Collel, et, al. 1995). A primeira assume que os indivíduos têm relações de preferências sob seu conjunto de escolha e satisfazendo alguns axiomas de racionalidade. A segunda abordagem focaliza no comportamento de escolha do indivíduo impondo restrições. Neste contexto temos as preferências reveladas ou declaradas que serão explicadas na subseção que segue.

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3.1.1. Preferências declaradas e a escolha de transportesConforme Rus, Campos e Nombela (2006), os estudos em preferências reveladas se dão na escolha efetivamente feita pelo indivíduo, enquanto os em preferências declaradas se dão por uma inferência sob a escolha do indivíduo. Lancaster em 1966 foi quem primeiramente conceituou a técnica de Preferência Declarada - PD - ao definir que a utilidade de um consumidor por um bem econômico pode ser decomposta em utilidades separadas referentes às características ou benefícios providas pelo bem.

Na escolha por modos de transportes McGillivray (1970) afirma que a investigação se concentrou no século passado em estudos de elasticidades e de tempo médio de viagem. O primeiro caso tinha como objetivo entender a magnitude dos parâmetros que leva a escolha de um modo de transporte, enquanto que o segundo objetivava entender em quanto o tempo de viagem influenciava a escolha do modo de transporte. Podem-se estimar funções de escolha por duas abordagens: agregando por zonas ou no nível do indivíduo. A segunda aborda escolhas binárias feitas considerando a valorização do indivíduo pelo tempo, custo da viagem e das características dos indivíduos.

Embora McGillivray (1970) apresente vários exemplos e até mesmo estime modelos binários, esses a época não eram arraigados à teoria econômica, tendo sido ligados a esta pelos trabalhos proeminentes de Ben-Akiva (1973) e McFadden (1974). A popularização do método se deu pela perseverança de McFadden em juntar a teoria econômica ao método estatístico via RUM. Jara-Díaz e Ortúzar (1989) indicam que a popularização dos modelos binários se deu pelo poder destes em replicar o comportamento dos indivíduos.

3.2. Modelos de escolha discreta: histórico e teoria.Os modelos de escolha discreta surgiram a partir da década de 1960, desde então, foram realizados numerosos trabalhos que apresentam estruturas de escolha mais sofisticadas. A aplicação destes modelos tem sido amplamente difundida na literatura para retratar a realidade de mercados de produtos (bens e serviços) no setor de transportes. Os resultados desses modelos fornecem parâmetros econométricos para avaliar: Valores de disposição do usuário a pagar pelo produto (Willingness to Pay) e Elasticidade de Demanda. Assim, Nesta seção será apresentado o histórico dos modelos de maximização de utilidade aleatória e formalizará o modelo Logit binário.

3.2.1 Surgimento, evolução e atualidade Em McFadden (2000a) e McFadden (2000b) é feita uma revisão histórica dos modelos de escolha discreta, caracterizando a teoria, os primórdios da técnica e a agenda de pesquisa. Ainda, o autor resgata as hipóteses básicas que deixaram o modelo mais robusto do ponto de vista econômico, tal como apresentado no trabalho de train (1996) e no livro de train (2003).

O desenvolvimento dos modelos foi na procura de melhorias nos métodos computacionais que relaxassem a hipótese de distribuição IID (Independente e Identicamente Distribuída) e consequentemente reduzissem o problema de IIA - Independência das Alternativas Irrelevantes (representado pelo paradoxo do ônibus azul e vermelho). Isso propiciou o surgimento dos modelos: Multinomial Logit, Nested Logit, Mixed Logit e Multinomial Nested Logit (Ver train, 2003).

Nos últimos anos, muitos trabalhos foram desenvolvidos, principalmente em pesquisas de demanda por viagem com o uso de dados de pesquisa de mercado, ou seja, desagregados. Algumas destas aplicações são: Morikawa (1989), Ben-Akiva & Morikawa (1990), Morikawa, Ben-Akiva, & Yamada (1991), Hensher & Bradley (1993), Hensher, Louviere, & Swait (1999) e Brownstone & train (1999).

3.2.2. Formalização teórica do modeloOs Modelos de Escolha Discreta possuem como principal postulado a sentença (Ortúzar e Willumsen, 1994): “a probabilidade de um indivíduo escolher uma dada opção é função de suas características socioeconômicas e a relativa atratividade da opção, formada através do conhecimento acerca das características desta”. Desses conceitos, a função que representa o grau de preferência de uma alternativa para certo indivíduo deve ser definida em função dos valores dos atributos das alternativas e das características socioeconômicas do indivíduo.

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onde:• xj é um vetor de características de produtos, e tais características são as mesmas para todos os consumidores;• vi características dos indivíduos;• θ representa o vetor de parâmetros a ser estimado, medindo o impacto das preferências na utilidade dos agentes.

observe que θ não varia de indivíduo para indivíduo, mas sim suas características, ou gostos. o modelo é estimado conforme a seguinte equação:

em que Pn(i): Probabilidade de escolha de uma alternativa i por um indivíduo n;A(n): Conjunto de alternativas j disponíveis para o indivíduo n;Vin: Utilidade sistemática de uma alternativa i para um indivíduo n;Vjn: Utilidade sistemática de uma alternativa j para um indivíduo n; eμ: Fator de escala (no MNL, geralmente, normalizado para um).

Como dito anteriormente, a hipótese IID implica no problema da Independência de Alternativas Irrelevantes – IIA (Independence of Irrelevant Alternatives). A principal conseqüência da IIA é o fato das elasticidades cruzadas entre as alternativas serem constantes. Embora o modelo MNL proporcione resultados satisfatórios, a propriedade IIA, que consiste em uma hipótese simplificadora, pode resultar em sérias distorções nos valores de previsão proporcionados pelo modelo.

Há várias soluções para o problema de IIA, tais como: agregar alternativas com semelhantes características e de parâmetros aleatórios (train, 1998), contudo tais alternativas não serão utilizadas nesse artigo, mesmo porque a estimativa de um modelo Logit, embora com o problema IIA, possui propriedades apropriadas para esse trabalho.

4. Modelagem e análisesEsta seção apresentará a modelagem da escolha dos indivíduos, discutindo seus resultados e seguindo com uma simulação de intervenções possíveis por parte do Estado.

4.1. Dados e estatísticas descritivas.Os dados são provenientes da pesquisa de preferência declarada do Plano Diretor e Operacional do transporte Intermunicipal de Passageiros do Estado do Ceará - PDOtIP-CE (2005). A pesquisa foi realizada nos terminais rodoviários obtendo-se: dados socioeconômicos dos usuários, motivo e freqüência de viagem; origem e destino da viagem; e a escolha do indivíduo com relação a duas alternativas (ônibus e van; van e trem; trem e ônibus). Ressalte-se que trem e ônibus são modos regularmente estabelecidos enquanto van trata-se de um modo clandestino.

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);,( ijij vxUU j= 0,1,2,... (1)

ij

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Os locais de coleta dos dados foram: Fortaleza, Juazeiro e Iguatu e os entrevistados tinham residência e destino em diversos municípios do estado e em estados vizinhos, tais como Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte. A amostra, da escolha entre vans e ônibus e trem, tem um total de 620 observações.

TABELA 02 – Resumo estatístico das variáveis

Descrição Média Desvio Padrão Moda Mediana Máximo Mínimo

Idade (IDADE) 33,27 12,90 25 30 67 16

Tempo de Viagem para a escolha um (Temp1) 353,88 66,68 420 360 420 180

Tempo de Viagem para a escolha dois (Temp2) 315,29 66,67 360 300 420 150

Custo da escolha um (Cust1) 25,91 10,70 35 35 40 12

Custo da escolha dois (Cust2) 30,27 12,19 45 35 45 12

Disposição de Automóvel (DispAuto) 0,65 0,69 0 0 2 2

Disposição de Moto (DispMoto) 0,23 0,51 0 0 0 0

Residência (LogResid) - - FORTALEZA - - -

Grau de Instrução (GrInst) - - 2GC - - -

Nível de Renda Familiar (RendFam) - - 2A5 - - -

Sexo do indivíduo (Sex) - - FEMININO - - -

Motivo da Viagem (MotVia) - - Lazer - - -

Freqüência de Viagens (FreqVia) - - Semestral - - -

2GC:=2 Grau Completo; 2A5:= Dois a Cinco Salários. total de 620 observações

As variáveis utilizadas no modelo são apresentadas com medidas estatísticas conforme tabela 02. Nela, as variáveis de Grau de Instrução, Nível de Renda Familiar, Motivo de Viagem e Freqüência de Viagem estão em 9, 6, 6 e 8 faixas, respectivamente. Estas tiveram que ser colocadas como variáveis categóricas no modelo. O Grau de instrução, quando na tentativa de rodar os modelos, não se apresentou significante em nenhum nível e, portanto, embora apresentado aqui, a variável Grau de Instrução não foi utilizado no modelo. O mesmo ocorreu com a variável Idade e com a disposição de moto.

O motivo de viagem foi a moda com 252 observações de 620, sendo acompanhada pelo motivo trabalho com 200 de 620, outros teve 120 do total, saúde teve 32 e comércio e escola tiveram 8 cada. A freqüência de viagens dos indivíduos foi mais acentuada no semestre com 232 dos 620 questionários, enquanto que as outras categorias ficaram abaixo da faixa dos 100.

4.2.Modelo propostoPara chegar à função utilidade apresentada abaixo foi feito 50 propostas de arranjos e reestruturada a base de dados 10 vezes. Este exercício serviu para identificar as variáveis que não explicavam bem o comportamento da decisão dos usuários de transporte rodoviário de passageiros no Ceará, a saber: idade, grau de instrução e disposição de motocicleta na residência. tentou-se ainda aninhar as observações, contudo não foi obtido êxito, pois as variações não foram significativas nos ninhos. Assim, o modelo econométrico tomou a seguinte especificação:

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);Re,,,,,2,1,2( ndFamDummiesDFreqViaViaDummiesMotDispAutoSexCustCustTempU

(3)

Onde:• temp2:= tempo de viagem da escolha 2 (Ônibus);• Cust1:=Custo da viagem utilizando a escolha Irregular;• Cust2:=Custo da viagem utilizando a escolha Regular;• Sex:=Sexo do indivíduo, sendo 0 feminino e 1 masculino;• DummiesMotVia:=Dummies para cada uma das 6 categorias de motivos de viagem;• DFreqVia:= Dummy assumindo valor 1 para qualquer categoria de um mês de frequência acima e 0 para os outros;• DummiesRendFam:= Dummies para cada uma das 6 categorias de renda família;• DispAuto:=Quantidade de Automóveis disponíveis na residência.

A expectativa dos sinais é conforme tabela 03 abaixo:

TABELA 03 – Resumo de SinaisVariável Temp2 Cust1 Cust2 Sexo DummiesMotVia DummiesFreqVia DummiesRendFam DispAuto

Sinal esperado (-) (+) (-) ? ? ? ? (-)

4.3. Resultados e efeitos marginais no modelo LogitOs resultados são apresentados na seguinte seqüência: modelo estimado; e ajuste do modelo e exercícios de simulação.

1)Modelo estimado.O modelo foi estimado por máxima verossimilhança utilizando o software R (2009) e os resultados são apresentados na tabela 04.

TABELA 04 – Resultado do modeloTemp2 Cust1 Cust2 Sex Auto TRA SAL LAZ COM

parâmetro 0.0040 0.0925 -0.1056 0.5866 0.5653 2.2120 2.5476 1.3534 1.0600

P>| Z | 0.316 0.049 0.054 0.005 0.004 0.006 0.005 0.085 0.353

OUT Dfreq 2A5 1SM 5A10 1A2 A10 Const

parâmetro 1.9620 0.2023 2.0406 1.8949 2.1450 1.7511 2.5338 -3.9287

P>| Z | 0.015 0.318 0.007 0.012 0.006 0.019 0.002 0.001

tRA:=trabalho; SAL:=saúde; LAZ:=lazer; COM:=comércio; OUt:=outros; 2A5:=2 a 5 salários; 1SM:= 1 salário mínimo; A10:=5 a 10 salários; 1A2:=1 a 2 salários; e A10:=acima de 10 salários. LR Chi2 (16) = 84.74; Prob>Chi2 = 0.0000; Pseudo R2 = 0.1143; Número de Observações 620.

A maior parte dos coeficientes foi significante a 10%. A freqüência de viagens dos indivíduos não foi significante e sendo assim, nada podemos afirmar dela, tampouco utilizá-la como fator para análise dos efeitos marginais.

As variáveis sem significância estatística são: temp2, COM e Dfreqvia. A primeira é uma variável operacional de possível intervenção por parte da regulação, já as outras duas são relativas à mudança de comportamento ou beneficiamento de atividades de comércio ou de freqüência de utilização dos modos e pouco manipulável pelo órgão de regulação.

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Os sinais dos custos de viagem foram os esperados e o fato de ter veículo automotor em casa é significante estatisticamente. A maioria das variáveis dummies teve significância estatística, e isso favorecerá as simulações que serão propostas.

2) Ajuste do Modelo e alguns exercícios de simulação

Como resultado de ajuste do modelo segue a tabela 05.

TABELA 05 – Ajuste do modelo e efeitos marginais

Temp2 Cust1 Cust2 Sex Auto TRA SAL LAZ

∂y/∂x 0.0008 0.0174* -0.0200* 0.1100* 0.1065* 0.3374* 0.2483* 0.2376*

COM OUT Dfreq 2A5 1SM 5A10 1A2 A10

∂y/∂x 0.1488 0.2652* 0.0383 0.3162* 0.2326* 0.2886* 0.2385* 0.3038*

O resultado do teste de sensibilidade foi a termos percentuais, assumindo predição se Pr(D)>=0.5, 94,36%. Os valores positivamente previstos foram em 75,45% e negativamente em 62,72%.Globalmente o modelo classificou corretamente 74,03% dos casos.Os asteriscos indicam que o efeito marginal foi significante a 10%.

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Os efeitos marginais de trabalho, saúde, lazer e outros foram significantes, portanto, as pessoas que viajam por motivos de trabalho, saúde e lazer apresentam expectativas positiva de utilizar o modo regular. Além disso, observa-se que aumentar o custo do modo regular implica em redução de sua demanda valendo o inverso, logo, reduzir seu custo nos motivos de viagem significantes pode ser uma boa proposta para captar demanda do transporte irregular.

A freqüência de viagem não apresentou significância estatística, então, mudanças operacionais podem não ser uma boa opção para captar demanda do transporte irregular. O fato de possuir automóvel tem relação positiva com a escolha do modo regular, isso sugere que quem possui carro está mais suscetível a utilizar o transporte regular que o irregular quando na necessidade de viajar por um transporte coletivo. Por fim, as dummies para as faixas de renda indicam que um menor salário está mais suscetível ao uso do modo coletivo, como aponta o senso comum.

O modelo teve êxito em 74,03% das classificações, portanto, podemos dizer que ele é um modelo robusto e aplicável. Assim, dada a precisão em prever a escolha foram feitas algumas simulações.

As simulações e seus resultados foram feitos das seguintes formas:• Promoção por motivo de viagem: redução de tarifas para viagens a trabalho em 2 reais. Resultado: não causa grandes impactos na mudança do uso do irregular para regular;

• Desoneração de impostos em todas as passagens: redução em 2 reais todas as tarifas, indiferente ao motivo de viagem.Resultado: isso gerou um acréscimo de quase 5% na demanda pelo transporte regular;• Promoção por motivo de viagem: redução de 3 reais no transporte para trabalho e para lazer.Resultado: acréscimo de 5% na demanda por transporte regular; e• Promoção por motivo e faixa de renda: fez uma tentativa de tarifação diferenciada com redução de 2 reais para uma combinação de motivo de viagem e renda.Resultado: não se obteve mudanças significativas na demanda do transporte regular.As simulações servem para verificar que alterações em preço podem retirar demanda do irregular. Especificamente, se houvesse desoneração de todas as passagens teríamos um acréscimo de 5% na demanda. Sendo que o caso de desoneração não foi explorado em termos percentuais, mas em valor absoluto de 2 reais.

5. Conclusões e recomendaçõesUma intervenção de Estado que diferencie as tarifas de transporte para quem utiliza o transporte intermunicipal para trabalho, saúde e lazer modificam a escolha do indivíduo com relação a utilizar o transporte irregular. Desonerar as passagens reduz, também, a demanda por passagens do transporte clandestino. Portanto, reduzir custos de tarifas em segmentos ou com desoneraçção são propostas efetivas de regulamentação que reduzem a participação do transporte clandestino no interior do estado do Ceará. Além

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disso, pode-se concluir que intervenções no sentido de redução no tempo de viagem são inócuas na decisão dos usuários, assim como o Grau de Instrução e a freqüência de utilização não interfere na decisão do usuário.

As sugestões para novos trabalhos são de investigar mais combinações dos atributos para melhor explicar a decisão do usuário de transportes e utilizar modificações do modelo logit do tipo nested logit ou mixed logit esperando obter resultados mais robustos.

Adicionalmente as combinações, podem-se utilizar mais duas variáveis (distância da viagem e local da residência do entrevistado) e utilizar combinação de duas fontes de dados (dada de preferência declarada e de preferência revelada). tais sugestões estão sendo trabalhadas pelo autor. Além disso, os resultados das simulações são passíveis da crítica de Lucas, uma vez que não se delineou o

equilíbrio do mercado. Nesse sentido, sugere-se fazer estudos com dados de outras pesquisas além de estimar funções de oferta para delimitar o equilíbrio.

“ autor agradece a CAPES pelo apoio nessa pesquisa ao conferir bolsa de doutoramento no CAEN/UFC e ao professor Carlos Felipe Grangeiro Loureiro do PEtRAN/UFC por liberar os dados para a análise.”

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UMA ANÁLISE DOS CUSTOS LOGÍSTICOS DE DISTRIBUIÇÃO NO PROCESSO DE EXPORTAÇÃO DE VEÍCULOS DO BRASIL PARA A ARGENTINA: UM ESTUDO DE CASO

An analysis of logistics costs of distribution in process of exportation of vehicles from Brazil to Argentina: a case study

RAFAEL tEZZADoutor em Engenharia de ProduçãoUniversidade Federal de Santa Catarina

ANtONIO CEZAR BORNIAMestre em Engenharia de ProduçãoUniversidade Federal de Santa Catarina

RACHEL ANDRADE BALLARDINIMestre profissional em Engenharia CivilUniversidade Federal de Santa Catarina

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ResumoEm qualquer processo de exportação de produtos físicos, o custo logístico possui um impacto relevante no custo final do produto, podendo impactar diretamente na competitividade da empresa, principalmente em um mercado competitivo como o automobilístico. Partindo deste contexto, o presente artigo tem como objetivo realizar uma análise dos custos logísticos de distribuição existentes no processo de exportação de veículos montados do Brasil para a Argentina em uma montadora brasileira, comparando a viabilidade de exportação pelo modal rodoviário frente ao modal marítimo. Para isto, é analisado o processo de exportação para a Argentina, considerando a definição do modal de transporte a ser utilizado, a gestão do transporte e seus respectivos custos. Esta análise possibilitou estabelecer uma comparação entre o custo do modal marítimo e do modal rodoviário, salientando as peculiaridades de cada um deles e demonstrando em que situações um modal pode ser preferível a outro.

Palavras-chave: Logística, Modais de transporte, Custos Logísticos de Distribuição.

AbstractIn any process of exporting physical products, logistics costs have a significant impact on final cost of the product and can directly impact the competitiveness of the company, particularly in a competitive market such as automobiles. Given this context, this paper aims to undertake an analysis of logistics costs of distribution in the exporting of assembled vehicles from Brazil to Argentina, comparing the viability of exporting by road and maritime modal. We analyzed the process of exporting to Argentina, considering the definition of transport modal being used, the management of transport and their costs. this analysis enabled a comparison between the cost of maritime and road transportation, emphasizing the peculiarities of each and showing situations in which a shift may be preferable to another.

Keywords: Logistics, Modal transport, Logistic Distribution Costs.

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1 IntroduçãoNos últimos anos, a indústria automobilística sofreu transformações em todo o mundo que acirraram a competitividade. Isto levou à introdução de novos métodos de produção, à redefinição dos níveis de produtividade, novos sistemas de relação entre montadoras e cadeia de fornecedores, a internacionalização dos projetos de veículos e componentes, entre outros. Na esfera externa, as empresas precisam constantemente definir qual a melhor estratégia de atuação nos mercados: atender a demanda de exportação e prever qual segmento tornar-se-á mais importante e ainda ser competitiva em preço e qualidade.

As empresas automobilísticas têm como seu core business a montagem de veículos automotivos e, consequentemente, a comercialização dos mesmos para o abastecimento do mercado interno, bem como para outros países. O abastecimento do mercado externo demanda das empresas um grau de planejamento e organização que envolve toda cadeia produtiva interna e externa, evidenciando questões referentes à distribuição logística. Dentro deste contexto, surgem alguns gargalos, como por exemplo, o transporte, o qual pode impactar diretamente na competitividade de uma montadora, pela necessidade de entregar o produto dentro do prazo e sem avarias, no local correto e com o menor custo.

A montadora estudada, atua dinamicamente neste processo de montagem e comercialização de veículos no mercado interno e no mercado externo, principalmente no mercado argentino. Instalada em Betim (MG), desde 1976, a opera atualmente em dois turnos com ritmo de produção diária próxima de 3.000 carros. Com investimentos na ordem de R$ 5 bilhões até 2010, a montadora prepara-se para consolidar uma capacidade de produção de 800 mil veículos por ano, o que a torna uma das maiores fábricas de automóveis do mundo. No primeiro semestre de 2009, a empresa foi responsável por 8% do volume de exportação nacional de veículos e comerciais leves. Nos dois últimos anos, a montadora exportou para mais de 50 países, sendo a Argentina o principal país importador. No caso específico da exportação de veículos montados para a Argentina, o transporte pode ser realizado por dois modais principais: marítimo e rodoviário. A exportação de veículos para a Argentina envolve deslocamento na faixa dos 3000 km, envolvendo custos significativos. Desta forma, a escolha do modal pode ter impacto relevante nos custos e, consequentemente, na competitividade da empresa. Sendo assim, o presente artigo tem como objetivo geral levantar e analisar os custos logísticos de distribuição existentes no processo de exportação de veículos montados (Completely Buit Up - CBU) para a Argentina. A principal contribuição do trabalho concentra-se no detalhamento dos custos de distribuição envolvidos na exportação de veículos,

auxiliando no desenvolvimento da área relacionada a custos logísticos no Brasil.

Na próxima sessão, é apresentado o referencial teórico seguido pela apresentação da metodologia utilizada no estudo e do estudo de caso propriamente dito e por fim são apresentadas as considerações finais e as referências.

2 Referencial teórico

2.1 Modais

O transporte, nacional ou internacional pode ser realizado pelos modais de transporte: rodoviário, ferroviário, aeroviário, dutoviário e aquaviário (marítimo, fluvial e lacustre). também existe a possibilidade de combinar uma ou mais modalidade de transporte. A essa operação dá-se o nome de multimodalidade. Os cinco tipos de modais de transporte básico são o ferroviário, o rodoviário, o aquaviário, o dutoviário e o aéreo. Segundo Bowerson e Closs (2001), a importância relativa de cada tipo pode ser medida pela distância coberta pelo sistema, pelo volume de tráfego, pela receita e pela natureza da composição de tráfego.

2.1.1 Modal rodoviário

É um modal utilizado para cargas pequenas e médias, bem como para curtas e médias distâncias com coleta e entrega porta a porta. Normalmente o modal rodoviário abrange uma área maior, devido a capilaridade das estradas. Isto possibilita praticamente qualquer combinação de origem – destino. Por exemplo, as entrega just-in-time, salvo raras exceções, são realizadas neste modal.

O setor pode ser classificado em duas categorias: transportadores de cargas gerais e transportadores rodoviários especializados. O primeiro grupo é responsável pela maior parte das receitas e incluem transportadores comuns interurbanos e transportadores gerais. Os especializados são responsáveis pelo transporte de máquinas pesadas, petróleo líquido, produtos refrigerados, agrícolas, veículos motorizados, materiais de construção e outros itens específicos (ARRUDA, 2001).

Segundo Ballou (2008), as vantagens inerentes ao uso de caminhões são (i) o serviço porta a porta, de modo que não é preciso carregamento ou descarga entre origem e destino, como

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frequentemente ocorre com os modos aéreo e ferroviário; (ii) a frequência e a disponibilidade do serviço e (iii) sua velocidade e conveniência no transporte porta a porta.

O modal rodoviário é o mais expressivo no transporte de cargas no Brasil, atingindo praticamente todo o território nacional. A rede rodoviária nacional se apresenta bastante deteriorada, com extensos trechos necessitando de recursos maciços para sua recuperação. Essa situação das estradas prejudica em muito o transporte rodoviário, aumentando o tempo e encarecendo os custos operacionais. (ALVARENGA e NOVAES, 2000).

também vale ressaltar que viagens realizadas no modal rodoviário com operações round-trip (viagem casada) ou operações one way impactarão fortemente no custo frete praticado. Entende-se por operações round-tip viagens cujo transportador possui garantia de mercadoria no retorno do equipamento ao ponto de origem. Entende-se por operações one-way viagens cujo custo de retorno do equipamento do transportador ao ponto de origem fica sob a responsabilidade do contratante.

2.1.2 Modal ferroviário

O transporte ferroviário geralmente tem um custo por unidade de peso menor, se comparado ao aéreo e ao rodoviário, principalmente no caso de grandes quantidades. É limitado pelo tempo de trânsito e pela frequência do serviço. Outra característica do modal é a disponibilidade do equipamento. As linhas ferroviárias usam os vagões umas das outras, e às vezes o equipamento não está disponível onde necessário. Os vagões podem estar sendo carregados, descarregados, em manobras nos pátios ou em manutenção (ARRUDA, 2001).

2.1.3 Modal aeroviário

O transporte aéreo deve ser utilizado para médias e longas distâncias, em caso de produtos de alto valor agregado e com elevado grau de exigência quanto aos níveis de serviço aos clientes. Faria e Costa (2005), ressalta que, na prática, se um produto precisa ser entregue em um ponto distante, o modal aéreo oferece menor tempo em trânsito se comparado a qualquer outra modalidade de transporte. O produto é disponibilizado com maior rapidez e confiabilidade ao seu destinatário, em se tratando de níveis de segurança do produto transportado.

O frete aéreo interno compete diretamente, em maior parte com o rodoviário e em menor escala com o ferroviário. No caso do transporte internacional, entre países separados por grandes distâncias marítimas, o modal marítimo é o seu maior concorrente.

2.1.4 Modal aquaviário

Segundo Lambert et al (1998), esta modalidade de transporte pode ser desmembrada em categorias: (i) fluvial para o interior tais como rios e canais, (ii) lagos, (iii) oceanos litorâneos (cabotagem), interlitorâneos e marítimo internacional.

Os concorrentes diretos do transporte marítimo brasileiro são os transportes ferroviários e rodoviários, sendo que a maioria dos produtos transportados por hidrovias é composta de materiais semi-processados ou matérias-primas transportadas a granel. Este transporte é indicado para movimentação de artigos pesados,

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grandes volumes, de baixo valor unitário, que possam ser carregados e descarregados com eficiência por meios mecânicos (ARRUDA, 2001).

A limitação ao uso desse modal se dá por diversas razões. Para Ballou (2008), as hidrovias domésticas estão confinadas ao sistema hidroviário interior, exigindo que o usuário esteja localizado em suas margens ou utilize outro modal de transporte, combinadamente. A disponibilidade e confiabilidade do modal são fortemente influenciadas pelas condições meteorológicas. Os novos avanços advindos da globalização repercutiram positivamente sobre o crescimento do comércio internacional, assim como, impulsionaram essa modalidade de transporte.Faria e Costa (2005) relaciona as características econômicas e de serviço dos principais modos de transporte (quadro 1).

Item/Modo Rodoviário Ferroviário Aéreo Dutoviário Aquaviário

Capacidade do embarque Embarques Médios Embarques Médios Embarques Menores Embarques Maiores Embarques Maiores

Velocidade Média Menor Maior Menor Menor

Preço (para usuário) Médio Menor Maior Menor Menor

Resposta do serviço Média Mais lenta Mais rápida Lenta Lenta

Custo de inventário Média Mais caro Menos caro Mais caro Mais caro

Custo fixo Baixo Alto Alto Alto Médio

Custo variável Média Baixo Alto Baixo Baixo

QUADRO 1 : Comparativo entre modalidades de transporte Fonte : Faria e Costa (2005, p.89)

2.2 Custos logísticos

Os custos logísticos, segundo Lambert (1998), refletem como as atividades logísticas estão interligadas às atividades de abastecimento, planta e distribuição da organização. Na visão do autor existe uma troca compensatória entre Marketing, Logística e Suprimentos ao correlacionar o composto de marketing (produto, preço, promoção e localização do cliente/nível de serviço), com os custos logísticos (custos de transporte, inventário, lote de pedido, armazenagem, processamento de pedido e informação) e com distribuição (localização do produto/nível de serviço, preço, localização do fornecedor e material/componente adquirido).

Existem inúmeros custos envolvidos no transporte de mercadorias ao seu destino final, particularmente quando esta transação envolve exportação e importação de produtos. A Câmara de Comércio Internacional (CCI) criou regras para administrar conflitos oriundos da interpretação de contratos internacionais firmados entre exportadores e importadores concernentes à transferência de mercadorias, às despesas decorrentes das transações e à responsabilidade sobre perdas e danos. Para facilitar esse entendimento foram criados os Incoterms (International Commercial Terms) que são um conjunto de regras internacionais para consolidação e interpretação de termos comerciais, ou seja, são utilizados para definir, dentro da estrutura de um contrato de compra e venda internacional os direitos e obrigações recíprocos do exportador e do importador. Estabelece um conjunto padrão de definições e determinando regras e práticas neutras, como por exemplo: onde o exportador deve entregar a mercadoria, quem paga o frete, quem é o responsável pela contratação do seguro. As partes poderão escolher desde a entrega do produto, colocado à disposição do importador na fábrica do exportador, até a entrega do produto em local predefinido pelo importador. (NASCIMENtO, 2005).

Para Ballou (2001), existem três conceitos importantes dentro dos custos logísticos: compensação de custos, custo total e sistema total.

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A compensação de custos que é a relação entre o custo do estoque (depósitos) de um lado e o custo do transporte e do processamento do pedido do outro — inversamente proporcional um ao outro.O custo total é a soma dos custos, formando a curva do custo total. Este reconhece que os custos individuais exibem comportamentos conflitantes, devendo ser examinados coletivamente e balanceados no ponto de equilíbrio.

O sistema total considera todos os fatores afetados de alguma forma após a decisão tomada, já que se preocupa com a relação inter-organizacional inovando ao expandir as fronteiras da gestão do ciclo de suprimento além dos meros limites organizacionais.

O quadro 2 apresenta a classificação e finalidade dos custos logísticos, porém a maioria das empresas tem dificuldade em mensurar os custos logísticos, pois existe uma deficiência nas informações contábeis no que diz respeito a sua utilidade na gestão logística e em seus diversos objetos de análises.

Finalidade da Informação Classificação dos Custos Logísticos

Quanto a relacionamento com o objeto Diretos e Indiretos

Quanto ao comportamento diante do volume de atividade Variáveis e Fixos

tvQuanto ao relacionamento com to processo de gestão

Controláveis e Não controláveis

Custos de oportunidade

Custos Relevantes

Custos Irrecuperáveis

Custos Incrementais ou diferenciais

Custos Ocultos

Custo Padrão

Custo-Meta

Custo Kaizen

Custo do Ciclo de Vida

QUADRO 2 – Classificação e finalidade dos custos logísticos Fonte: Faria e Costa (2005).

Conforme Faria e Costa (2005), os custos logísticos devem ser gerenciados, segundo os preceitos da Logística Integrada, de forma global, observando sempre os seus impactos no resultado econômico da organização e atendendo o nível de serviço estabelecido pelos clientes. Para apurar os custos logísticos totais, deve-se partir da somatória dos seguintes elementos:

- CAM (Custos de Armazenagem e Movimentação de Materiais) – nestes são consideradas as atividades de movimentação de materiais, embalagens e produtos e acondicionamento dos estoques. Os custos de armazenagem interagem ou são influenciados pelos custos de transportes, em função da localização e das quantidades movimentadas;

- CtRA (Custos de transporte - incluindo todos os modais ou operações intermodais) – os custos de transportes são influenciados pelos fatores: distância, volume, densidade, facilidade de acondicionamento, facilidade de manuseio, responsabilidade e mercado;

- CE (Custos de Embalagens utilizadas no sistema logístico) – inclui os custos da embalagem para a movimentação logística. É importante padronizar para garantir o manuseio, movimentação e armazenagem e reduzir o custo com o transporte;

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- CMI (Custos de Manutenção de Inventários - matérias-primas, produtos em processo e produtos acabados) – são considerados os custos para que os materiais e produtos estejam disponíveis para o sistema logístico e dependem das decisões da empresa em mantê-los;

- CtI (Custos de tecnologia de Informação) – incluem os custos de emissão e atendimento dos pedidos, os de comunicação, transmissão de pedidos, entradas, processamentos e acompanhamentos que envolvem os sistemas utilizados;

- CDL (Custos Decorrentes de Lotes) – envolve os custos decorrentes para a preparação de produção (setup de máquina, inspeção ou refugo de setup), capacidade perdida e planejamento, manuseio e movimentação de materiais;

- CtRI (Custos tributários tributos não recuperáveis) – incluem tributos sobre propriedades, sobre as vendas ou circulação (variando em função da região) e que não serão recuperados;

- CDNS (Custos Decorrentes do Nível de Serviço) – considera os custos necessários para atender as necessidades de entrega dos clientes (nível de serviço), sejam eles o aumento do nível estoque, o envolvimento do pessoal, os sistemas de informação entre outros;

- CAD (Custos da Administração Logística) – no caso de existir um gestor que se responsabilize por todos os processos logísticos, seus custos devem ser considerados.

A partir do somatório dos custos logísticos individuais tem-se o Custo Logístico total (CLt).

CLt = CAM + CtRA + CE + CMI + CtI + CtRI + CDL + CDNS + CAD

O Custo Logístico total também pode ser apurado, somando os custos dos processos logísticos:

CLt = CLOGAba + CLOGPla + CLOGDis

onde temos: CLOGAba = Custos Logísticos do AbastecimentoCLOGPla = Custos Logísticos da PlantaCLOGDis = Custos Logísticos da Distribuição

3. MetodologiaSegundo os meios de investigação, a pesquisa assume a forma de estudo de caso, ampliando o estudo sobre o fenômeno e possibilitando o levantamento detalhado de informações. Neste estudo, são realizadas pesquisas bibliográficas em livros e artigos científicos e pesquisa documental, de onde serão retiradas informações de documentos da indústria automobilística com objetivo de levantar e identificar os custos logísticos de distribuição existentes nos processos de exportação de veículos montados do Brasil para a Argentina. O estudo foi conduzido entrelaçando-se observação e participação em outros procedimentos que contribuíram para a aproximação entre pesquisador e dados coletados para que estes se tornem parte do processo de pesquisa.

Os dados foram coletados com base nos procedimentos logísticos de exportação para a Argentina existente na montadora em estudo. A coleta de dados primários foi feita através de pesquisa por meio de observação dos dados reais dos custos logísticos de distribuição nos processos de exportações de veículos. Os dados secundários foram obtidos por meio de relatórios internos e websites. A quase totalidade das informações necessárias ao estudo estava disponível nos relatórios da montadora em estudo. Foi também necessário o levantamento

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de dados de instituições que fazem pesquisas sobre o mercado e suas potencialidades, o levantamento de informações junto aos portos e empresas automobilísticas. Os documentos internos da montadora foram importantes para o entendimento do Custo Logístico de distribuição, bem como a importância da realização de análises para tomadas de decisões. A coleta de dados foi realizada no período de dezembro de 2008 a junho de 2009. Os valores apresentados foram modificados, visando evitar a exposição de dados reais da empresa, entretanto as proporções foram mantidas.

As variáveis utilizadas na pesquisa foram os custos de distribuição, o volume exportado e o tempo de trânsito (transit time). Os custos de distribuição foram divididos em rodoviário e marítimo.No modal rodoviário, os custos foram subdivididos em:• Transporte rodoviário até a Argentina: refere-se ao custo do frete rodoviário por unidade transportada, em equipamentos tipo cegonha, apropriado ao transporte de veículos e utilitários e com capacidade para 11 veículos. Por tratar-se de transporte internacional é necessário que a transportadora possua autorização da ANtt para transportes internacionais;• Seguro do transporte: refere-se ao seguro do bem. O valor do seguro do veículo é calculado com base em percentuais sobre o valor do automóvel. Os valores podem variar em função da região para a qual o veículo é transportado bem como a incidência de acidentes ocorridos, gerando avarias nos veículos e impactando no valor da apólice de seguro no momento da renovação.• Despachante: refere-se ao processo de desembaraço aduaneiro. São procedimentos alfandegários realizados junto à Receita Federal na cidade de São Borja, no Rio Grande do Sul.No modal marítimo, foram levantados os custos internos de distribuição e os custos portuários. Os custos internos de distribuição foram subdivididos em:• Transporte rodoviário até o porto: refere-se ao custo do frete rodoviário por unidade transportada, em equipamentos tipo cegonha, apropriado ao transporte de veículos e utilitários e com capacidade para 11 veículos;• Pedágio: foi realizada a roteirização do fluxo da cidade de Betim até o Rio de Janeiro e a roteirização da cidade de Betim até a cidade de Santos;• Seguro do transporte: refere-se ao seguro do bem. Os Custos Portuários foram subdivididos em:• Movimentação no porto: refere-se à movimentação do veículo no pátio do terminal portuário. É considerado item de movimentação a armazenagem e a movimentação do veículo a partir do momento que os veículos são retirados da carreta até o acondicionamento do veículo no costado do navio. O terminal portuário Multicar, localizado no Rio de Janeiro apresenta os itens de custos armazenagem, coordenação e movimentação separadamente e com valores distintos para cada operação. Considerando que os terminais em análise são privados, cada um possui uma política comercial e definição de prazos conforme negociação comercial;• Taxa de ISPS CODE: refere-se à taxa praticada por todos os terminais portuários mundiais, atendendo às medidas de segurança adotadas por portos e terminais marítimos por determinação da Organização Marítima Internacional;• THC (Therminal Handling Charge): corresponde a taxa de movimentação dos veículos dentro do navio e inclui os serviços de mão-de-obra portuária;• Despachante: refere-se ao processo de desembaraço aduaneiro. São procedimentos burocráticos realizados junto à Receita Federal.• Taxa de liberação de BL (Bill of lading): trata-se do conhecimento de embarque do transporte marítimo, sendo sua emissão de responsabilidade do embarcador.

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4. Estudo de casoA unidade de análise é uma das principais empresas do setor automobilístico. Foi considerado o Departamento de Operações de Serviços Logísticos com foco nas comercializações intercompany entre Brasil e Argentina. As vendas intercompany podem ocorrer de duas maneiras distintas: a montadora no Brasil fornece produtos diretamente para a planta cliente (planta Argentina e planta África do Sul) ou por meio de uma triangulação onde a montadora no Brasil comercializa para a sede na Itália e esta, por sua vez, distribui ao mercado europeu.

O estudo aborda o processo de distribuição de veículos montados para a Argentina comparando os modais rodoviário e marítimo, paralelamente no modal marítimo essa comparação restringe seu universo, considerando os terminais portuários privados do Porto do Rio de Janeiro e Porto de Santos.

O abastecimento do mercado interno da Argentina, especificamente para alguns modelos se faz em sua totalidade por meio de veículos importados do Brasil. O modelo X, em todas as suas versões, comercializado na Argentina, ilustra essa realidade. Foi considerado como base de estudo o X, 3 e 5 portas, que em 2008 representou 100% do modelo comercializado na Argentina.

A definição do modal utilizado nos processos de exportação para a Argentina não se dá, exclusivamente, em função da análise de um único elemento da cadeia de distribuição. Isso significa que a análise realizada pela empresa considera a interdependência entre os elementos, ou seja, os trade-offs de custo. Dentre as variáveis consideradas, podemos citar: volume de produção, disponibilidade de carretas tipo “cegonha” para transporte, conciliação do modal utilizado junto ao atendimento do nível de serviço ao cliente (transit-time e possíveis avarias), disponibilidade de navios do tipo Roll on/ Roll-off, bem como espaço nos mesmos conforme programação da produção da montadora, porto de atracação do navio, o Round Trip (Viagem casada), entre outros.

Atualmente o modal rodoviário para a Argentina representa 80% dos veículos exportados para esse mercado. Neste modal o fluxo de transporte inicia-se na cidade de Betim/Minas Gerais, sede da montadora com destino à montadora na cidade de Buenos Aires/ Argentina. O Incoterm (Internacional Commercial Terms) da operação é CPt (Cost Insurance and Freight). Segundo a legislação internacional, trata-se da responsabilidade do exportador os custos referentes ao transporte rodoviário até o destino final, ou seja, Buenos Aires mais o custo de desembaraço aduaneiro. O fluxo de exportação rodoviária conforme Figura 1, demonstra as fases do transporte evidenciando respectivo lead time bem, como o transit-time da operação.

Buenos Aires - AR Betim - BR

2 dias 4 dias 1 dia

TRANSIT-TIME - 7 dias

São Borja - RS

FIGURA 1 – Fases do fluxo de exportação rodoviária – Brasil x Argentina Fonte: Informações fornecidas pela empresa

No caso do modal marítimo, este representa 20% dos veículos exportados para a Argentina. Por questões de viabilidade logística, técnica e financeira, a empresa utiliza três terminais portuários:

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• Terminal Privado Multi-Car – Porto do Rio de Janeiro;• Terminal Privado Deicmar – Porto de Santos;• Terminal Privado Santos Brasil – Porto de Santos.

Neste modal, o fluxo de transporte inicia-se também na cidade de Betim/Minas Gerais, sede da montadora com destino ao Porto de Zarate, na Argentina. O Incoterm (Internacional Commercial Terms) da operação é FOB (Free on Board). Segundo a legislação internacional trata-se de responsabilidade do exportador os custos referentes ao transporte rodoviário interno, documentação, taxas/despachantes e desembaraço aduaneiro. O frete internacional e demais despesas no país de destino da mercadoria, são de responsabilidade do importador. O fluxo de exportação marítima (Figura 2) demonstra as fases do transporte evidenciando respectivo lead times, bem como o transit-time da operação, considerando o Porto do Rio de Janeiro – Multicar terminais Portuários.

Porto Rio de Janeiro – RJ Multicar Terminais

Portuários

Porto Zarate - AR

Betim - BR

01 Dia

04 Dias

05 Dias

TRANSIT-TIME - 10 dias FIGURA 2 – Fases do Fluxo de exportação Marítima – Brasil x Argentina Multicar terminais Portuários. Saída Rio de Janeiro.

Fonte: Informações fornecidas pela empresa

Ao analisar a mesma operação, porém ocorrendo do porto de Santos, observa-se, conforme Figura 3, um ganho de lead-time que impactará diretamente no transittime da mercadoria.

Porto Santos São Paulo - SP

Deicmar ou Santos Brasil Terminais Portuários

Porto Zarate - AR

Betim - BR

01 Dia

04 Dias

04 Dias

TRANSIT-TIME - 09 dias FIGURA 3 - Fases do Fluxo de exportação Marítima – Brasil x Argentina Deicmar ou Santos Brasil – Saída Porto de Santos.

Fonte: Informações fornecidas pela empresa

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UMA ANÁLISE DOS CUStOS LOGÍStICOS DE DIStRIBUIÇÃO NO PROCESSO DE EXPORtAÇÃO DE VEÍCULOS DO BRASIL PARA A ARGENtINA: UM EStUDO DE CASO Rachel Andrade Ballardini

No que diz respeito à estrutura dos itens de custo referente ao modal marítimo, estes são subdivididos basicamente em dois grupos: custos internos de distribuição e custos portuários, como pode ser visualizado na tabela 1. Esta tabela apresenta também os custos em cada um dos três portos.

TABELA 1 – Portos Rio de Janeiro e Santos

PORTOS DO RIO DE JANEIRO E SANTOS PORTO DO RIO DE JANEIRO PORTO DE SANTOS

Itens de CustoValores unitários (R$)

MULTICAR

Valores unitários (R$)

DEICMAR

Valores unitários (R$)

SANTOS BRASIL

transporte rodoviário até o porto 320,21 400,49 406,74

Pedágio 21,37 25,23 25,23

Seguro do transporte 13,70 13,70 13,70

Custo Interno de Distribuição 355,27 439,42 445,66

Movimentação no Porto (com armazenagem de 10 dias)

139,62 159,32 157,22

tHC 10,68 33,01 33,01

Despachante 2,72 2,72 2,72

taxa liberação BL 2,04 2,04 2,04

Custo Portuário 155,06 197,09 195,00

CUStO INtERNO tOtAL 510,33 636,51 640,66

Frete Internacional 299,20 299,20 299,20

CUStO DE DIStRIBUIÇÃO tOtAL 809,53 935,71 939,86

FONtE: Organizado pelos autores.

Os custos internos de distribuição foram subdivididos em:- transporte rodoviário até o porto: refere-se ao custo do frete rodoviário por unidade transportada, em equipamentos tipo cegonha, apropriada ao transporte de veículos e utilitários e com capacidade para 11 veículos; - Pedágio: foi realizada a roteirização do fluxo da cidade de Betim até o Rio de Janeiro e a roteirização da cidade de Betim até a cidade de Santos. A partir daí, foram levantados quantas praças de pedágio fazem parte da respectiva rota. Considerando que o valor do pedágio é cobrado por eixos da carreta, o equipamento tipo cegonha possui 4 eixos e se enquadra na categoria de “caminhão reboque e caminhão trator com semi-reboques”. O valor do pedágio, multiplicado pela quantidade de praças de pedágio, identificadas na roteirização, é o valor do pedágio considerado por cada equipamento de transporte (cegonheira). O resultado dessa operação é dividido por 11, que representa a quantidade de veículos transportados por cada carreta. Dessa forma encontra-se o custo unitário do pedágio. É importante ressaltar que por se tratar de equipamentos específicos para veículos montados, equipamento de transporte retorna ao seu ponto de origem vazio sendo assim o custo do pedágio no retorno do equipamento é absorvido pela montadora;- Seguro do transporte: refere-se ao seguro do bem. Foram realizadas análises nas tabelas IRB (Instituto de Resseguros do Brasil) negociadas entre a montadora e a seguradora responsável pela apólice da montadora. Essas informações foram obtidas junto ao departamento de seguros da empresa. O valor do seguro do veículo é calculado com base em percentuais sobre o valor do automóvel. Os valores podem variar em função da região para a qual o veículo é transportado bem como a incidência de acidentes ocorridos, gerando avarias nos veículos e impactando no valor da apólice de segura na renovação.

Os Custos Portuários foram subdivididos em:- Movimentação no porto: refere-se à movimentação do veículo no pátio do terminal portuário. É

considerado item de movimentação a armazenagem e a movimentação do veículo a partir do momento que os veículos são retirados da carreta até o acondicionamento do veículo no costado do navio. O

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terminal portuário Multicar, localizado no Rio de Janeiro apresenta os itens de custos armazenagem, coordenação e movimentação separadamente e com valores distintos para cada operação. Considerando que os terminais em análise são privados, cada um possui uma política comercial e definição de prazos conforme negociação comercial;

- taxa de ISPS CODE: Refere-se à taxa praticada por todos os terminais portuários mundiais, atendendo às medidas de segurança adotadas por portos e terminais marítimos por determinação da Organização Marítima Internacional. trata-se de uma medida preventiva de proteção em função do aumento do risco de atentados terroristas. Esta taxa é cobrada por unidade transportada;

- tHC (Therminal Handling Charge): corresponde a taxa de movimentação dos veículos dentro do navio e inclui os serviços de mão de obra portuária;

- Despachante: refere-se ao processo de desembaraço aduaneiro. São procedimentos burocráticos realizados junto à Receita Federal.

- taxa de liberação de BL (Bill of lading): trata-se do conhecimento de embarque do transporte marítimo, sendo sua emissão de responsabilidade do embarcador.

Verifica-se que o Porto do Rio de janeiro apresentou-se mais competitivo em função da localização geográfica, apresentando menores custos internos de distribuição e também menores custos portuários.

O porto de Santos é a segunda opção para processos de exportação da montadora e sendo necessário utilizar este porto, o terminal portuário que apresentou menores custos portuários foi a Santos Brasil, ficando o terminal Deicmar como terceira opção, sob o ponto de vista de custos.

No transporte rodoviário, foram levantadas duas situações de transporte: viagem de um trecho e Round Trip (viagem casada), conforme tabela 2.

Conforme tabela 2, o modal rodoviário apresentou-se mais competitivo na condição de viagem Round Trip (viagem casada). Evidenciou-se que o volume atual permite a realização dessa operação logística, porém em função da sazonalidade do mercado esta condição poderá perder competitividade quando houver redução no quantitativo de unidades importadas da Argentina. Atualmente considera-se a relação 1 de unidades exportadas (modelo X) frente a 3 unidades importadas (modelo Y).

TABELA 2 – Levantamento de custos exportação rodoviárias Argentinas

Levantamento de custos – Export. Rodoviárias Argentinas Viagem IDARound Trip – Dividido Planta Brasileira e

Planta Argentina

Itens de Custo Valores unitários (R$) Valores unitários (R$)

Transporte rodoviário até a montadora na Argentina (Buenos Aires 796,76 478,05

Seguro do transporte 54,40 54,40

Despachante 24,48 24,48

CUSTO DE DISTRIBUIÇÃO TOTAL 875,64 556,93

FONtE: Organizado pelos autores.

Portanto, pode-se afirmar, sob o ponto de vista de custos, que o modal rodoviário é a melhor opção para realização da logística de distribuição de veículos montados para a Argentina. Sustentando essa afirmação, a modalidade de Round Trip torna-se fundamental para a redução do custo logístico de distribuição.O modal marítimo é a segunda opção para realização do processo de exportação onde o Porto do Rio de Janeiro, através do terminal portuário privado Multicar é o mais recomendado.

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Sendo necessário realizar a operação logística através do porto de Santos, observa-se que os custos portuários são bastante semelhantes, mas o terminal portuário privado Santos Brasil apresentou-se mais competitivo frente ao terminal Deicmar, por praticar custos portuários inferior.

5. Considerações finaisDurante o levantamento dos custos logísticos de distribuição existentes no processo de exportação de veículos montados para a Argentina pela montadora em estudo, identificou-se que nenhuma tomada de decisão na montadora é realizada sem análise minuciosa sob o ponto de vista dos custos logísticos.

No levantamento dos custos logísticos de distribuição de veículos exportados através do terminal portuário – Multicar, no Rio de Janeiro observou-se que os custos internos de distribuição representam a maior parte do custo total de distribuição por este terminal portuário, sendo o custo de transporte o mais representativo. Com relação aos custos portuários, verifica-se que a maior parte deste está associada aos custos operacionais e de movimentação (armazenagem, coordenação e movimentação de veículos nos terminais). Os custos relacionados aos processos burocráticos (taxa de liberação de BL, despachante e ISPS Code) são os que representam menor impacto neste processo.

Com relação aos custos logísticos de distribuição de veículos exportados através do terminal portuário Deicmar, em Santos verificou-se que os custos internos de distribuição representam a maior parte do custo total de distribuição por este terminal portuário, também sendo o custo de transporte o mais representativo. Com relação aos custos portuários, verifica-se que a maior parte deste está associada aos custos operacionais. Pode-se verificar também que houve uma unificação dos itens de custos operacionais (armazenagem, coordenação e movimentação de veículos nos terminais) em um único item denominado movimentação no porto. Os custos relacionados aos processos burocráticos (taxa de liberação de BL, despachante) são os que representam menor impacto neste processo.

Na exportação de veículos através do terminal portuário Santos Brasil, em Santos, observou-se que os custos internos de distribuição representam a maior parte do custo total de distribuição por este terminal portuário. Se comparado os custos denominados transporte interno até o porto, observa-se variação no valor deste item. Essa variação de custo se dá em função da quilometragem entre o terminal Santos Brasil e Deicmar. Para os

terminais em análise, o custo operacional (transporte rodoviário até o porto) também é semelhante. O terminal Santos Brasil apresenta uma redução na ordem de 1% sobre este item de custo, se comparado ao terminal Deicmar.

O levantamento dos custos logísticos de distribuição de veículos exportados através do modal rodoviário identificou que os itens de custo de transporte representam a maior parte do custo total de distribuição por este modal. Se comparado com os custos distribuição total considerando viagens casadas, percebe-se um ganho de competitividade por parte das duas montadoras (com planta no Brasil e com planta na Argentina) uma vez que o item de custo frete rodoviário apresenta significativa redução. Observa-se também que esta competitividade está associada ao volume de importação realizada pelo Brasil junto à planta da argentina.

Evidencia-se que o volume atual permite a realização dessa operação logística, uma vez que a relação é de 3 por 1, ou seja, a cada veículo exportado do Brasil para a Argentina, três veículos são importados da Argentina para o Brasil. Porém trata-se de um valor sazonal, considerando-se que se, fizer necessário a utilização de apenas um trecho neste fluxo, a vantagem logística deixa de existir. Sendo assim, conclui-se que, sob o ponto de vista de custos, o modal rodoviário é a melhor opção para realização da logística de distribuição de veículos montados para a Argentina. Para sustentar essa afirmação, a modalidade de Round Trip (viagem casada) torna-se fundamental para a redução do custo logístico de distribuição. Identificou também que, no modal marítimo, a melhor opção para realização do processo de exportação é por meio do porto do Rio de Janeiro, no terminal portuário privado Multicar. Sendo necessário realizar a operação logística através do porto de Santos, observa-se que os custos portuários são bem semelhantes, porém o terminal portuário privado Santos Brasil apresentou-se mais competitivo frente ao terminal Deicmar por praticar custos portuários inferiores, mas sem relativa significância. Sendo assim, ao decidir qual o modal de transporte será utilizado em determinado fluxo, a montadora permanece irredutível à qualidade de serviços oferecidos ao cliente, bem como o controle dos custos logísticos totais e, consequentemente, os custos logísticos de distribuição. É importante ressaltar que a área de logística, que responde hierarquicamente à diretoria industrial da montadora, aborda os pontos considerados como estratégia empresarial. A Logística é um diferencial competitivo da montadora em função da otimização de recursos que ela é capaz de oferecer.

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UMA ANÁLISE DOS CUStOS LOGÍStICOS DE DIStRIBUIÇÃO NO PROCESSO DE EXPORtAÇÃO DE VEÍCULOS DO BRASIL PARA A ARGENtINA: UM EStUDO DE CASO Rachel Andrade Ballardini

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aplicada. 3. Ed. São Paulo: Edgard Blücher, 2000.

ARRUDA, Ricardo takahashi. O impacto das variações do programa

de produção nos custos logísticos: um estudo de caso na Fiat

Automóveis. Santa Catarina, 2001, 123 p. Dissertação. Universidade

Federal de Santa Catarina, Programa de Pós Graduação em Engenharia da

Produção.

BALLOU, Ronald H. Gerenciamento da cadeia de suprimentos:

planejamento, organização e logística empresarial. São Paulo:

Bookman, 2001. 532 p.

BALLOU, Ronald H. Logística empresarial: transportes de materiais

e distribuição física; tradução Hugo t.Y.Yoshizaki. 20º reimpr. São

Paulo: Atlas, 2008.

BOWERSOX, Donald J., CLOSS, David J. Logística empresarial: o

processo de integração da cadeia de suprimento. São Paulo: Atlas,

2001.

FARIA, A. C. ; COStA, M. F. G. . Gestão de Custos Logísticos. 1. Ed.

São Paulo: Atlas, 2005.

LAMBERt, Douglas, StOCK, James, VANtINE, José. Administração

estratégica da logística. São Paulo: Vantine Consultoria, 1998.

NASCIMENtO, João Pereira do. Vantagens e limitações decorrentes

da implantação da lei de modernização dos portos. Rio de Janeiro,

2005, 117 p. Dissertação. Universidade Federal do Rio de Janeiro, COPPE.

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separadamente e com valores distintos para cada operação. Considerando que os terminais em análise são privados, cada um possui uma política comercial e definição de prazos conforme negociação comercial;- taxa de ISPS CODE: Refere-se à taxa praticada por todos os terminais portuários mundiais, atendendo às medidas de segurança adotadas por portos e terminais marítimos por determinação da Organização Marítima Internacional. trata-se de uma medida preventiva de proteção em função do aumento do risco de atentados terroristas. Esta taxa é cobrada por unidade transportada;- tHC (therminal Handling Charge): corresponde a taxa de movimentação dos veículos dentro do navio e inclui os serviços de mão de obra portuária;- Despachante: refere-se ao processo de desembaraço aduaneiro. São procedimentos burocráticos realizados junto à Receita Federal.- taxa de liberação de BL (Bill of lading): trata-se do conhecimento de embarque do transporte marítimo, sendo sua emissão de responsabilidade do embarcador.

Verifica-se que o Porto do Rio de janeiro apresentou-se mais competitivo em função da localização geográfica, apresentando menores custos internos de distribuição e também menores custos portuários. O porto de Santos é a segunda opção para processos de exportação da montadora e sendo necessário utilizar este porto, o terminal portuário que apresentou menores custos portuários foi a Santos Brasil, ficando o terminal Deicmar como terceira opção, sob o ponto de vista de custos. No transporte rodoviário, foram levantadas duas situações de transporte: viagem de um trecho e Round trip (viagem casada), conforme tabela 2.

Conforme tabela 2, o modal rodoviário apresentou-se mais competitivo na condição de viagem Round trip (viagem casada). Evidenciou-se que o volume atual permite a realização dessa operação logística, porém em função da sazonalidade do mercado esta condição poderá perder competitividade quando houver redução no quantitativo de unidades importadas da Argentina. Atualmente considera-se a relação 1 de unidades exportadas (modelo X) frente a 3 unidades importadas (modelo Y).

tabela 2 – Levantamento de custos exportação rodoviárias Argentinas

Levantamento de custos – Export. Rodoviárias Argentinas

Viagem IDA Round Trip – Dividido Planta Brasileira e Planta Argentina

Itens de Custo Valores unitários (R$) Valores unitários (R$)Transporte rodoviário até a montadora na

Argentina (Buenos Aires796,76 478,05

Seguro do transporte 54,40 54,40Despachante 24,48 24,48

CUSTO DE DISTRIBUIÇÃO TOTAL 875,64 556,93

O PEDÁGIO NAS CONCESSÕES DE RODOVIAS BRASILEIRAS: TAXA OU TARIFA?

The toll on brazilian’s highways concessions:tax or tariff?OttO AMAURY DE CARVALHO ALVESAgência Nacional de transportes terrestres

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separadamente e com valores distintos para cada operação. Considerando que os terminais em análise são privados, cada um possui uma política comercial e definição de prazos conforme negociação comercial;- taxa de ISPS CODE: Refere-se à taxa praticada por todos os terminais portuários mundiais, atendendo às medidas de segurança adotadas por portos e terminais marítimos por determinação da Organização Marítima Internacional. trata-se de uma medida preventiva de proteção em função do aumento do risco de atentados terroristas. Esta taxa é cobrada por unidade transportada;- tHC (therminal Handling Charge): corresponde a taxa de movimentação dos veículos dentro do navio e inclui os serviços de mão de obra portuária;- Despachante: refere-se ao processo de desembaraço aduaneiro. São procedimentos burocráticos realizados junto à Receita Federal.- taxa de liberação de BL (Bill of lading): trata-se do conhecimento de embarque do transporte marítimo, sendo sua emissão de responsabilidade do embarcador.

Verifica-se que o Porto do Rio de janeiro apresentou-se mais competitivo em função da localização geográfica, apresentando menores custos internos de distribuição e também menores custos portuários. O porto de Santos é a segunda opção para processos de exportação da montadora e sendo necessário utilizar este porto, o terminal portuário que apresentou menores custos portuários foi a Santos Brasil, ficando o terminal Deicmar como terceira opção, sob o ponto de vista de custos. No transporte rodoviário, foram levantadas duas situações de transporte: viagem de um trecho e Round trip (viagem casada), conforme tabela 2.

Conforme tabela 2, o modal rodoviário apresentou-se mais competitivo na condição de viagem Round trip (viagem casada). Evidenciou-se que o volume atual permite a realização dessa operação logística, porém em função da sazonalidade do mercado esta condição poderá perder competitividade quando houver redução no quantitativo de unidades importadas da Argentina. Atualmente considera-se a relação 1 de unidades exportadas (modelo X) frente a 3 unidades importadas (modelo Y).

tabela 2 – Levantamento de custos exportação rodoviárias Argentinas

Levantamento de custos – Export. Rodoviárias Argentinas

Viagem IDA Round Trip – Dividido Planta Brasileira e Planta Argentina

Itens de Custo Valores unitários (R$) Valores unitários (R$)Transporte rodoviário até a montadora na

Argentina (Buenos Aires796,76 478,05

Seguro do transporte 54,40 54,40Despachante 24,48 24,48

CUSTO DE DISTRIBUIÇÃO TOTAL 875,64 556,93

ResumoUm dos temas que continua desafiando os juristas, não só no Brasil, mas em outras nações, diz respeito à natureza jurídica do pedágio. Esta questão, aparentemente despida de maior importância, na verdade se reveste de enorme relevância, na medida em que define o regime jurídico a que se submete tal exação. Segundo a doutrina, o pedágio tanto pode ser tributo (taxa de serviço), quando se subordina ao regime constitucional-tributário, como pode ser preço público (tarifa), caso em que se subordina ao regime jurídico administrativo, ou pode, ainda, ser considerado um instituto sui generis, comportando-se ora como taxa de serviço, ora como preço público. O presente estudo tem por escopo demonstrar as principais contribuições técnico-jurídicas existentes acerca da natureza jurídica do pedágio e os problemas ocasionados por sua dúbia interpretação, com ênfase na legislação, doutrina e jurisprudência pátrias. Analisaremos o pedágio e suas diversas naturezas jurídicas, apresentando-se como: taxa de serviço; preço público; e figura sui generis. Assim, discutir e identificar a real natureza jurídica do pedágio constitui tema de grande relevância e interesse não apenas para os juristas, mas para os agentes políticos, os cientistas políticos, e a Sociedade em geral, uma vez que tem inegáveis repercussões no exercício da cidadania.

Palavras-chave: 1. Natureza jurídica do pedágio 2. tributos 3. Concessões de rodovias 4. Serviços Públicos

AbstractOne of the subjects that continue defying the jurists, not only in Brazil, but in other nations, is the legal nature of the toll. this question, apparently bared of higher importance, in truth resembles with enormous relevance, while defines the legal regime that this exaction is submitted. According to the doctrine, the toll in such way can be a tribute (service tax), when subordinated to the constitutional-tributary regime; it can be a public price (tariff), in case it’s subordinated to the legal administrative regime, or it still can be considered a sui generis institute, presented sometimes as service tax or as public price. the present study objects to demonstrate the main existing legal contributions about the legal nature of the toll and the problems caused for its double interpretation, with emphasis in the Brazilian’s legislation, doctrine and jurisprudence. We will analyze the toll and its different legal natures, presented as: service tax; public price; and a sui generis case. So, to discuss and to identify the real legal nature of the toll, not only constitutes subject of great relevance and interest for the jurists, but for the political agents, the political scientists, and the Society in general, once there are undeniable repercussions in the exercise of the citizenship.

Keywords: 1. toll’s legal nature 2. tributes 3. Highway’s concessions 4. Public Services

O PEDÁGIO NAS CONCESSÕES DE RODOVIAS BRASILEIRAS: tAXA OU tARIFA? Otto Amaury de Carvalho Alves

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1. Introduçãotema que suscita grandes controvérsias entre os doutrinadores pátrios diz respeito à natureza jurídica do pedágio. Os debates acerca do tema buscam definir se a referida cobrança corresponde a um tributo ou a uma tarifa; e, em se tratando de tributo, em qual espécie ela se enquadraria.

A possibilidade de instituição dessa cobrança vem expressamente prevista na Constituição Federal, em seu art. 150, segundo o qual, sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público.

Assim, cresce a importância do assunto afeto à referida prestação e à definição de sua natureza jurídica, tendo em vista essa crescente concessão de rodovias à exploração da iniciativa privada, pois que surgem dúvidas quanto aos critérios regentes dessa atividade. Deve-se seguir o regime constitucional aplicável aos tributos, ou devem ser aplicados critérios jurídico-legais aplicáveis aos contratos administrativos?

É certo que para a transferência da execução de obras e serviços relativos à manutenção das rodovias deve-se seguir um regime próprio, conforme será demonstrado no desenvolver deste trabalho. Entretanto, a doutrina não é unânime quanto à natureza jurídica do pedágio cobrado como contraprestação do serviço ofertado, havendo discussões acirradas relativas ao tema. Daí a justificativa do presente trabalho, cujo objetivo, porém não é o de estabelecer um ponto final quanto ao assunto, mas demonstrar as principais contribuições técnico-jurídicas existentes acerca da natureza jurídica do pedágio, e os problemas ocasionados por sua dúbia interpretação, com ênfase na legislação, doutrina e jurisprudência pátrias.

2. Concessões rodoviárias no BrasilA concessão e a permissão constituem formas de descentralização da execução de serviços públicos. São instrumentos a serviço do Estado para ofertar utilidades que supram as necessidades dos cidadãos. Esses institutos estão previstos no art. 175 da Carta Magna, estabelecendo que incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Assevera, ainda, o mesmo dispositivo, que a lei disporá sobre: o regime das

empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; os direitos dos usuários; a política tarifária; e a obrigação de manter serviço adequado.

Nesse diapasão, entende-se por serviço público concedido aquele que é executado pelo particular, em seu nome e por sua conta e risco, segundo cláusulas contratuais fixadas, mas alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, desde que obedecido o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, remunerando-se pela própria exploração do serviço, em regra, mediante taxa ou tarifa.

Conforme conceitua Meirelles (2003, p. 163),Concessão é a delegação contratual da execução do serviço, na forma

autorizada e regulamentada pelo executivo. O Contrato de concessão é ajuste

de Direito Administrativo, bilateral, oneroso, comutativo e realizado intuitu

personae. Com isto se afirma que é um acordo administrativo (e não um

ato unilateral da Administração), com vantagens e encargos recíprocos, no

qual se fixam as condições de prestação do serviço[...]. Sendo um contrato

administrativo, como é, fica sujeito a todas as imposições da Administração

necessárias à formalização do ajuste, dentre as quais a autorização

governamental, a regulamentação e a licitação.

É de frisar que esse instituto pode abarcar duas formas de prestação de utilidade pública: as obras e os serviços públicos. Diferenciando-as, assevera o mestre Celso Antonio Bandeira de Mello (2003, p. 621) que,

Obra pública é a construção, reparação, edificação ou ampliação de um bem

imóvel pertencente ou incorporado ao domínio público.[...] De fato, serviço

público e obra pública distinguem-se com grande nitidez, como se vê da

seguinte comparação:

a) a obra é, em si mesma, um produto estático; o serviço é uma atividade,

algo dinâmico;

b) a obra é uma coisa: o produto cristalizado de uma operação humana; o

serviço é a própria operação ensejadora do desfrute;

c) a fruição da obra, uma vez realizada, independe de uma prestação,

é captada diretamente, salvo quando é apenas o suporte material para

a prestação de um serviço; a fruição do serviço é a fruição da própria

prestação; assim, depende sempre integralmente dela;

d) a obra, para ser executada, não presume a prévia existência de um

serviço; o serviço público, normalmente, para ser prestado, pressupõe uma

obra que lhe constitui o suporte material.

Visando a viabilizar o cumprimento do disposto no art 175 da Carta Política, foi editada a Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que regulamenta os incisos do referido dispositivo, além de trazer conceitos acerca das concessões e permissões. Nela há distinção entre concessão não precedida de obra pública e concessão precedida de obra pública.

O PEDÁGIO NAS CONCESSÕES DE RODOVIAS BRASILEIRAS: tAXA OU tARIFA? Otto Amaury de Carvalho Alves

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A primeira refere-se à delegação da prestação do serviço, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado.

também nesse sentido, Carvalho Filho (2003, p. 296) conceitua o referido instituto como “o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública transfere à pessoa jurídica ou a consórcio de empresas a execução de certa atividade de interesse coletivo, remunerada através do sistema de tarifas pagas pelos usuários”.

Já a concessão precedida de obra pública consiste na construção total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço por prazo determinado. Nesse caso incluem-se as concessões de construção e conservação rodoviárias, onde o concessionário é remunerado pela cobrança do pedágio.

Ainda assim, estabelece Carvalho Filho (2003, p. 298) que concessão de serviço público precedida de obra pública é,

[...] o contrato administrativo através do qual o Poder Público ajusta com a

pessoa jurídica ou consórcio de empresas a execução de determinada obra

pública, por sua conta e risco, delegando ao construtor, após a conclusão,

sua exploração por determinado prazo.

É notório que as vias e estradas públicas constituem-se em obras de suma importância para a vida da coletividade. Na verdade, são obras públicas indispensáveis ao dia-a-dia das pessoas, pois não há como imaginar o funcionamento de indústrias, a prática do comércio, a distribuição de produtos de primeira necessidade, a movimentação de pessoas e riquezas no território nacional, sem que haja as vias de tráfego integrando diferentes localidades e regiões. tamanha é essa relevância que sua construção constitui-se, inclusive, em aspecto importante de propostas de governos, principalmente no Brasil, onde quase dois terços de todo o transporte nacional é realizado pelas vias terrestres.

Ocorre que inúmeras vezes os custos para atender à construção e manutenção dessas vias são elevados, demandando do Estado o investimento de vultosas somas nessa atividade, em detrimento, muitas vezes, de outras necessidades básicas e não menos importantes como a educação, a saúde e a segurança.

Devido a essa crescente necessidade é que teve início a prática de repassar o encargo da construção e manutenção das vias para a iniciativa privada. Essa prática é comum não só no Brasil, mas, também, noutros países, principalmente naqueles em processo de desenvolvimento. Surge, assim, a possibilidade de conceder a manutenção e conservação de rodovias à iniciativa privada, mediante procedimento licitatório próprio e após a devida autorização legislativa para essa transferência, instrumentalizada pelo contrato de concessão.

O contrato de concessão de exploração de rodovia é definido por Meirelles (2002, p. 370) como: “[...] documento escrito que encerra a delegação do poder concedente, define o objeto da concessão, delimita a área, forma e tempo da exploração, estabelecendo os direitos e deveres das partes e dos usuários do serviço”.

Assim, cabe ao Estado, precipuamente, a construção, conservação e manutenção das vias públicas. No entanto, com vistas à maior economicidade na prestação dos serviços, ou a uma mais adequada prestação dessas utilidades, ele poderá delegar essa atribuição a entidades privadas, utilizando-se do instrumento da concessão. Ressalte-se, como exposto acima, que a concessão de exploração das vias terrestres pela iniciativa privada deve, obrigatoriamente, ser precedida de autorização legislativa e, em todos os casos, de procedimento licitatório, em observância aos princípios constitucionais que regem a administração, sob pena de nulidade absoluta do ato.

A necessidade de licitação está expressamente prevista na Lei 8.987/95 que determina ser obrigatório o procedimento licitatório prévio no caso de concessão de serviço público. Isso revela o caráter vinculado da concessão da exploração da infra-estrutura viária, que deve respeitar os princípios e regras impostos ao administrador público. Nesse sentido, explicita o Professor Celso Antonio Bandeira de Mello (2003, p. 657):

A existência da pertinente autorização legislativa produzida nas distintas

esferas competentes (federal, estadual, municipal e distrital), como é óbvio,

não libera a Administração para escolher, a seu líbito, o concessionário que

deseje. Deverá proceder a uma licitação a fim de que se apresentem os

interessados, selecionando-se aquele que oferecer condições mais vantajosas.

[...]

A Lei 8.947 estabelece em seu art. 2°, como já se viu, que a modalidade

licitatória própria das concessões de serviço público (e de obra pública) é a

concorrência.[...]

A licitação, como, de resto, o menciona o art. 14 da Lei 8.987, realizar-se-á

na conformidade do regime próprio de tal instituto, isto é, o previsto na Lei

8.666 de 21.06.1993, atualizada pela Lei 8.883, de 08.06.1994, de par com

algumas adaptações óbvias e, e certas peculiaridades.

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No que se refere à autorização legislativa, de ser outorgada sempre por intermédio de lei específica. Nesse sentido, esclarece Berti (2009, p. 156) que,

[...] a concessão não é um ato discricionário da Administração Pública, que lhe autorizaria transferir as obrigações relativas à

manutenção de estradas à iniciativa privada a hora que bem entendesse, da maneira como lha agradasse, sem respeitar qualquer

critério técnico ou jurídico. Ao contrário, há todo um regramento a ser seguido; há parâmetros que impõem limites à atuação da

administração Pública.

3. Remuneração do concessionárioFundamentalmente, nas concessões de serviço público precedidas de obras públicas a remuneração do concessionário decorre do preço pago, diretamente, pelos usuários efetivos do serviço concedido.

A empresa, denominada de concessionária, ao fornecer o serviço, por sua conta e risco, obtém ressarcimento dos investimentos realizados mediante a cobrança, diretamente ao usuário, de um determinado valor. Sobre o tema esclarece Bandeira de Mello (2003, p. 672) que,

Em geral, o concessionário de serviço público (ou da obra pública) explora o serviço (ou a obra pública) mediante tarifas que cobra diretamente dos usuários, sendo daí que extrai, basicamente, a remuneração que lhe corresponde. Isto não exclui a possibilidade de que sejam também previstas outras fontes de recursos para compor-lhe a remuneração.

A Lei 8.987/95 estabelece ainda no § 1º, do art. 6º que, para haver um serviço adequado, é necessário que se tenha em vista a modicidade das tarifas cobradas. Nesse intuito, o art. 11 do mesmo diploma legal prevê que no atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas à obtenção da modicidade dessas tarifas. Essas receitas alternativas e complementares advêm, principalmente, da exploração econômica, pela empresa concessionária, da faixa de domínio da rodovia. Porém, vale ressaltar que é inexigível a cobrança pelo uso da faixa de domínio por outras concessionárias de serviço público, tendo em vista a falta previsão legal, pois, do contrário, inviabilizaria a observância do princípio da modicidade das tarifas públicas.

Por fim, cabe tecer alguns comentários acerca do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão, cláusula obrigatória em qualquer contrato administrativo.Entende-se por equilíbrio econômico-financeiro a relação de igualdade constituída pelas obrigações assumidas pelo contratante momento do ajuste e pela compensação econômica que lhe corresponderá. tal possibilidade tem por fundamento evitar que o cumprimento da obrigação assumida se torne demasiadamente desproporcional à recompensa angariada.Nas palavras de Berti (2009, p. 191)

Em que pese o fato de tratar-se de um contrato administrativo, vale dizer, subordinado aos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade deste mesmo interesse público, a Administração contratante [...] deve respeitar os termos inerentes à cláusula do equilíbrio econômico-financeiro [...] nas seguintes situações: a) agravos econômicos oriundos das sobrecargas decididas pelo contratante no uso de seu poder de alteração unilateral do contrato; b) agravos econômicos resultantes de medidas tomadas sob titulação jurídica diversa da contratual (teoria do fato do príncipe) [...]; c) agravos econômicos sofridos em razão de fatos imprevisíveis produzidos por forças alheias às pessoas contratantes e que convulsionem gravemente a economia do contrato [...]; d) agravos econômicos provenientes das sujeições imprevistas [...]; e) agravos econômicos resultantes da inadimplência da Administração contratante, isto é, de violação contratual de sua parte [...].

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É de se ver que os motivos que podem dar causa ao reequilíbrio, originam-se de situações emergenciais ou de responsabilidade do poder concedente. Dessa forma, os reajustes periódicos dos valores tarifários devem ser previstos no contrato, quando possíveis de serem previstos, ou, uma vez verificado um motivo emergencial ensejador do desequilíbrio, a administração deve, de pronto, restabelecer o equilíbrio quebrado.

Do todo o exposto, depreende-se que a remuneração pelo serviço prestado é paga, diretamente, ao concessionário do serviço público e que, embora o poder concedente possua algumas prerrogativas, tais como: a fiscalização do contrato, o poder de rescisão unilateral, a encampação, etc., por medida de justiça, há que se preservar também os interesses da concessionária, mormente naquilo que tange à questão do equilíbrio econômico-financeiro, nas situações legalmente previstas.

4. Natureza jurídica do pedágio: correntes doutrinárias acerca do temaNo intuito de se definir a natureza jurídica do pedágio, uma primeira corrente sustenta ser ele mais uma subespécie de taxa, tratando-se, assim, de um tributo. Apegam-se os defensores dessa tese ao fato de a previsão para a instituição da referida cobrança encontrar-se no Capítulo I, do título VI, relativo ao Sistema Constitucional tributário, da nossa Carta Política. Essa tese é sustentada, dentre outros, por Amaro (2003, p. 48-49), que assim dispõe:

Essa disposição deu legitimação constitucional expressa ao pedágio. Além disso, reconheceu-lhe natureza tributária (por oposição à idéia de que ele traduziria um preço público), pois essa figura está referida num dispositivo que cuida de tributos, e como exceção a um princípio que limita a criação de tributos.

Na mesma linha de raciocínio, se manifesta o professor Kiyoshi Harada, nas seguintes palavras:Com relação ao pedágio, cobrado nas vias públicas, a sua natureza tributária ficou claramente estabelecida pelo inciso V, do art. 150 da Constituição Federal de 1988 de sorte que o posicionamento anterior da doutrina e jurisprudência deve ceder à nova realidade. Diz o referido texto que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. Portanto, a Carta Política de 1988 define, com solar clareza, que pedágio é tributo. Do contrário, a ressalva não teria sentido algum. No passado, já tivemos a taxa pela utilização efetiva ou potencial do serviço de conservação de estradas como a taxa rodoviária única e o selo pedágio. Agora, cobra-se apenas pela utilização efetiva do serviço de conservação de rodovias, ainda que sob o errôneo regime de direito privado, distorção que cabe ao Judiciário corrigir, se vier a ser provocado à luz do novo texto constitucional.

Em nossa jurisprudência, essa corrente também encontra acolhida. Neste sentido, julgou o Pretório Excelso, quando da apreciação do Recurso Extraordinário nº 181475/RS, interposto pelo Sindicato das Empresas de transportes de Carga no Estado do Rio Grande do Sul, cuja ementa transcrevemos abaixo:

CONSItUCIONAL – tRIBUtÁRIO – PEDÁGIO – Lei 7.712, de 22.12.88I – Pedágio: natureza jurídica: taxa: CF, art. 145, II, art. 150, V.II – Legitimidade constitucional do pedágio instituído pela Lei 7.712, de 1988.III – RE não conhecido.(RE 181475 / RS - RIO GRANDE DO SUL – Rel. Min. CARLOS VELLOSO - Julgamento: 04/05/1999)

Com o devido respeito a essa tese, acreditamos não ser suficiente para classificação da referida cobrança como tributo o simples fato de a norma autorizadora estar ou não inserida no capítulo que trata do Sistema Constitucional tributário, levando-se em consideração apenas a figuração topológica da referida norma.

Se assim fosse, teríamos que desconsiderar como tributos, por exemplo, a Contribuição para o Salário Educação - previsto no § 5º, do art. 212, da CF, bem como a contribuição para o PIS, prevista no art 239, do mesmo

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diploma, tendo em vista que ambas se encontram fora do capítulo acima referido. No entanto, é pacífico na nossa doutrina e jurisprudência que tais contribuições detêm natureza tributária. Dessa forma, vê-se que a classificação baseada unicamente na disposição geográfica da norma não é suficiente para determinar a natureza jurídica do instituto.

Além disso, os defensores dessa corrente amparam-se, ainda, no fato de a cobrança do pedágio estar vinculada, segundo eles, à utilização de rodovias conservadas pelo Poder Público. Aqui, mais uma vez, ousamos discordar desse pensamento que, apesar de lógico, carece de maiores esclarecimentos.

A primeira observação que se pode fazer é que, atualmente, a quase totalidade das vias dotadas de pedágio são mantidas e conservadas não pelo Poder Público, diretamente, mas por empresas privadas sem qualquer participação de capital público, por intermédio do instituto da concessão, conforme debatido anteriormente.

Uma segunda observação pertinente refere-se ao conceito de tributo que, segundo o Código tributário Nacional, trata-se de toda prestação pecuniária, compulsória, instituída em lei, não sancionatória e que deve ser cobrada, vinculadamente, pela Administração Pública. No caso do pedágio os recursos advindos de sua instituição não são cobrados pela Administração Pública, nem tampouco cobrados pelo particular e repassados àquela, mas sim cobrados diretamente pelo concessionário e a ele próprio destinados como forma de ressarcir-se dos investimentos realizados. Nesse sentido, preleciona Berti (2009, p. 178) que,

Ora pois, se o pedágio é pago à concessionária da estrada, a qual foi escolhida mediante licitação prévia, por certo não há como entender que o pagamento se dá em benefício do fisco, vale dizer, não é a Administração Pública, direta ou indireta [...] quem faz a cobrança.

Noutro sentido, uma segunda corrente defende ser o pedágio um preço público ou tarifa.

Os defensores dessa teoria se embasam no fato de o pedágio não ser criado segundo os critérios adotados para instituição dos tributos, a saber: criação e alteração por intermédio de lei, vinculação ao princípio da anterioridade tributária, dentre outros, além de não integrar as receitas que compõem o orçamento anual dos entes federados. Assim, seria o pedágio uma contraprestação devida ao particular que, mediante simples contrato administrativo com o Poder Público, conserva e explora a rodovia.

Defende esse entendimento Bandeira de Mello, citado por Andrade (2003, p. 20), segundo o qual,O pedágio cobrado pelas concessionárias de rodovias tem caráter de tarifa, administrativamente revisível, por ato do próprio executivo, sempre que necessário à preservação do equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Não se trata de modo algum de um tributo (taxa), sujeito aos princípios constitucionais tributários;

Nesse sentido, pondera, ainda, Berti (2009, p. 187) que, De fato, trata-se de simples preço público, pois remunera a prestação de um serviço público, mas não é pago a ente público [...], não sendo instituído ou majorado por lei nem sujeitando-se às limitações constitucionais tributárias, tais como a anterioridade.

também nesse sentido tem se posicionado parte da nossa jurisprudência, conforme se depreende dos excertos abaixo:

MANDADO DE SEGURANÇA. Insurgência do impetrante contra a cobrança de pedágio na entrada para a cidade de Diadema, de quem trafega pela rodovia dos imigrantes, sentido Capital-Santos, sob alegação de que se trata de taxa e, portanto, incluída na vedação do inciso V, do art. 150, da CF/88. Inocorrência. Não se trata de taxa, mas de preço ou tarifa. Cobrança legal e constitucional.[...] Segurança denegada. Sentença mantida. Recurso improvido.(tJSP – Apelação Cível nº 059.881.5/4-00 – 4ª Câmara de direito público – Rel. Eduardo Braga)PEDÁGIO – COBRANÇA – INtERDIÇÃO DA EStRADA VELHA DO MAR, OBRIGANDO USUÁRIO DEStA A UtILIZAR-SE DA VIA ANCHIEtA. Pretendida ilegalidade do pedágio. Preço público, e não taxa. [...] Denegação de segurança mantida.

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(tJSP - Apelação Cível nº 244.842 – Rel. Barbosa Pereira Filho)tal teoria, segundo entendemos, apesar de bem próxima do conceito ideal de pedágio, possui uma lacuna de grande importância. Essa lacuna refere-se à possibilidade de o pedágio ser instituído e cobrado, diretamente, pelo Poder Público, pois, nesse caso, sua instituição e cobrança, necessariamente, deverão obedecer aos princípios constitucionais que regem a atividade tributária do Estado, e os valores decorrentes do pedágio devem, obrigatoriamente, integrar as receitas dos Governos na lei orçamentária. Nesse caso específico o pedágio revestir-se-ía de caráter tributário.

Assim, apesar de parte da doutrina e da jurisprudência pátrias reconhecer o pedágio como preço público, é notório que não esclarece totalmente as dúvidas acerca do tema quando a sua instituição estiver a cargo do próprio Poder Público, quando então a criação do pedágio e as alterações no valor cobrado deverão observar todos os princípios constitucionais tributários, além de, obrigatoriamente, haver previsão de tal receita na lei orçamentária do ente público responsável.

Por fim, há uma terceira corrente defendendo que o pedágio é uma figura sui generis, enfatizando que ele tanto pode ser tributo, como preço público, dependendo da forma de sua instituição e do ente responsável pela conservação e manutenção da via. Essa tese é defendida, dentre outros, por Cintra do Amaral e Ricardo Alexandre.

Segundo seus defensores, o pedágio será classificado como preço público quando a manutenção da rodovia - e conseqüente cobrança do pedágio - estiver sob responsabilidade de entes privados, por intermédio do instrumento da concessão de serviços públicos, subordinando-se ao regime jurídico-contratual administrativo.

Noutro sentido, será considerado tributo, na subespécie taxa de serviço, quando a referida manutenção da via e cobrança do valor estiverem, diretamente, sob responsabilidade do Poder Público, adstrito, assim, aos princípios constitucionais tributários. Nesse sentido, preleciona Cintra do Amaral, citado por Andrade (2002, p. 33),

De tudo que foi exposto, concluo:O pedágio pode ser, conforme o caso, taxa ou tarifa. É taxa quando a rodovia é explorada diretamente pelo Poder Público, e por este cobrado do usuário. É tarifa quando pago pelo usuário a uma concessionária de obra pública.

Dessa forma, vê-se, pois, que não há unanimidade na determinação da natureza jurídica do pedágio. E que cada corrente se utiliza de critérios variados para o embasamento da definição por eles adotada.

5. Considerações finaisEstabelecidas as premissas que fundamentam a presente discussão, envolvendo temas típicos do direito público, que vão desde a manutenção dos serviços públicos, passando por conceitos afetos ao direito tributário, bem como, por definições de institutos do direito administrativo, podemos, enfim, estabelecer qual a definição da natureza jurídica do pedágio entendemos ser a mais coerente.

Se entendermos o pedágio como um tributo, necessário se faz enquadrá-lo numa de suas espécies, a saber: imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições sociais.

Não nos parece possível classificá-lo como imposto, pois a receita oriunda dos impostos não é vinculada a uma determinada atividade do Estado e não é cobrada em virtude de uma atuação direta do deste. Já o pedágio, em sua quase totalidade, tem sua cobrança vinculada a uma atuação de um particular, concessionário de serviço público, que se vale do valor para fazer frente às despesas na manutenção da via, bem como para sua remuneração.

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No que tange à contribuição de melhoria, também não vemos similaridade com o pedágio, tendo em vista que aquela é cobrada em virtude de real valorização imobiliária, decorrente de obra pública posterior ao imóvel; enquanto que a cobrança do pedágio não se deve a uma possível valorização imobiliária causada pelas obras que lhe deram causa e, sim, pela efetiva utilização daquelas vias conservadas.

Ao compararmos o pedágio ao empréstimo compulsório, mais uma vez se decide pela impossibilidade de semelhança, pois o empréstimo compulsório é instituído para o atendimento de despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, guerra, ou sua iminência; e, ainda, para o financiamento de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, devendo o valor cobrado ser restituído ao contribuinte quando finda a situação que lhe deu causa. Logo se vê que o pedágio não se enquadra em nenhuma dessas possibilidades, pois é cobrado posteriormente à execução das obras de construção e manutenção das vias, com o objetivo de ressarcimento das despesas realizadas; e depois de cobrado não há possibilidade de devolução ao contribuinte.

No que tange às contribuições sociais, sabemos que elas têm nitidamente a intenção de instrumentalizar a intervenção do Estado no domínio econômico, financiar atividades de entidades fiscalizadoras do exercício profissional, bem como, subsidiar atividades de interesse social. O pedágio não serve de instrumento para financiar nenhuma dessas atividades. Sua finalidade é ressarcir o concessionário dos gastos sofridos com a conservação de manutenção das vias.

Por fim, cabe comparar o pedágio à taxa. Nesse ponto é que há grande confusão.

A taxa é cobrada em duas situações distintas, a saber: em razão do efetivo exercício do poder de polícia; e como contraprestação de uma atividade prestada ao contribuinte (ou posta à sua disposição), diretamente, pelo Poder Público.

De antemão, já podemos descartar a primeira possibilidade, pois na conservação e construção de rodovias não há que se falar em poder de polícia. No entanto, dúvida persiste quanto à possibilidade de enquadramento do pedágio como taxa de serviço.

Entendemos que quando o próprio poder público conserva uma rodovia e oferece determinadas utilidades, como a oferta de socorro médico e mecânico, ele está prestando um serviço, que deve ser remunerado por taxa. Ao instituir tal cobrança para custeio desses serviços haverá sim um pedágio com natureza de taxa de serviço, portanto um tributo. Nesse caso, a referida exação deverá, obrigatoriamente, obedecer a todos os princípios constitucionais que regem os tributos, conforme anotado anteriormente.

Porém, se a conservação da via e a prestação das utilidades estiverem a cargo de concessionários de serviços públicos, como ocorre na quase totalidade dos casos, não há que se falar em pedágio como sendo uma taxa, mas sim uma tarifa.Dessa forma, de acordo com o raciocínio desenvolvido em todo o trabalho, e a partir dos pressupostos nele adotados, pode-se concluir que o pedágio pode tanto revestir a natureza jurídica de tributo, na subespécie taxa, como de preço público. Assim, acreditamos que a referida exação trata-se, na verdade, de um instituto bem singular, nos acostando ao pensamento da terceira corrente, conforme exposto no tópico anterior.Resumindo, entendemos que quando a via for explorada diretamente pelo Poder Público o pedágio revestir-se-á da natureza de tributo - da subespécie taxa de serviço - ao qual se aplicarão as normas gerais que regem a atividade tributária do Estado. Seu fato gerador será o uso, sempre efetivo, de uma via pública conservada diretamente, pelo Poder Público, seja por órgão da administração direta, seja por entidade autárquica ou empresa controlada pelo Estado. A base de cálculo, como as das taxas em geral, será fixada em lei, devendo guardar uma relação direta com o custo da atuação estatal em que consiste o respectivo fato gerador.Noutro norte, quando a via pública objeto da cobrança do pedágio for explorada por entidade privada, mediante contrato de concessão de serviço público, a cobrança será preço público ou tarifa. Nesse caso, sua instituição será autorizada por lei específica, mas suas alterações futuras não estarão sujeitas às amarras dos princípios constitucionais tributários, podendo ser majorada mediante simples alteração do contrato de concessão, para a manutenção do equilíbrio financeiro, desde que essa possibilidade esteja prevista na lei autorizadora.

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______. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº

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25.06.1999. p. 288.

______. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº

059.881.5/4-00 – 4ª Câmara de direito público – Rel. Eduardo Braga. Pub

DJ de 25/02/1999.

______. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº

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THE GLOBALLY HARMONIZED SYSTEM OF CLASSIFICATION AND LABELLING OF CHEMICALS - GHS AND BRAZILIAN DANGEROUS

GOODS ROAD TRANSPORTATION RULEStAtIANA FURtADO ALVIMRODRIGO LUCAS DE AMORIMAgência Nacional de transportes terrestres

O SISTEMA GLOBALMENTE HARMONIZADO DE CLASSIFICAÇÃO E ROTULAGEM DE SUBSTÂNCIAS QUÍMICAS - GHS E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPORTE TERRESTRE DE PRODUTOS PERIGOSOS

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O SIStEMA GLOBALMENtE HARMONIZADO DE CLASSIFICAÇÃO E ROtULAGEM DE SUBStÂNCIAS QUÍMICAS - GHS E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE tRANSPORtE tERREStRE DE PRODUtOS PERIGOSOS Tatiana Furtado Alvim

RESUMOO objetivo deste artigo é discorrer sobre dois sistemas que dizem respeito à classificação de produtos químicos. O primeiro é o Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Perigosos – GHS, que tem o objetivo de harmonizar, em todo o mundo, a classificação de produtos químicos, a sinalização de seus perigos e a elaboração de fichas de dados de segurança. O GHS está em fase de implementação no Brasil. O segundo concerne ao sistema atualmente utilizado no país para classificar os produtos químicos como perigosos ou não para o transporte terrestre. Cabe não só esclarecer os diferentes objetivos e aplicabilidades dos dois sistemas, mas também analisar a existência de pontos conflitantes, no que tange principalmente à classificação das substâncias e sinalização de perigos e riscos.

Palavras-Chave: transporte Rodoviário, GHS, Produtos Perigosos, Classificação, Pictogramas

ABSTRACT

the purpose of the present paper is to provide information about two different systems related to the classification of chemicals. the Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals - GHS, being implementated in Brazil, aims to globally harmonize the classification of chemicals, labels and safety data sheets. the other system is the currently used in Brazil to classify chemicals as dangerous or not for road transportation. It also should clarify the different goals and applicability of both systems, analyse the existence of conflicting points, especially with regard to classification of the substances and signaling of its hazards and risks.

Keywords: Road transport, GHS, Dangerous Goods, Classification, Pictogram

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O SIStEMA GLOBALMENtE HARMONIZADO DE CLASSIFICAÇÃO E ROtULAGEM DE SUBStÂNCIAS QUÍMICAS - GHS E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE tRANSPORtE tERREStRE DE PRODUtOS PERIGOSOS Tatiana Furtado Alvim

1. IntroduçãoA utilização de produtos químicos com possíveis efeitos adversos às pessoas e ao meio ambiente é vasta não só em diversos ambientes de trabalho, mas também na rotina de grande parte da população. Em função disso, governos e organizações têm regulado, ao longo dos anos, por meio de instrumentos legais, a transmissão das informações aos usuários de produtos químicos por intermédio de rótulos e fichas de dados de segurança.

Embora tais instrumentos legais sejam similares em diversos aspectos nos diversos países, as diferenças existentes são suficientes para gerar desde pequenas incoerências em fichas de dados de segurança até classificação de perigo discrepante para um mesmo produto. Por exemplo, uma substância pode vir a ser classificada como inflamável em um país, e não em outro, em função dos diferentes sistemas de classificação utilizados. Ademais, decisões de quando comunicar riscos em etiquetas ou fichas de dados de segurança podem variar entre os países. Essas e outras situações, além de trazerem incertezas ao consumidor e usuário e de não alertarem sobre possíveis riscos associados ao uso, afetam o comércio internacional. Companhias interessadas em exportação de produtos químicos devem dispor de conhecimento técnico suficientemente eficiente para acompanhar mudanças nos regulamentos de diversos países e para preparar diferentes fichas de segurança e rótulos em função das exigências dos destinos de exportação.

2. Origem, organização e objetivo do GHSNo âmbito da Organização das Nações Unidas-ONU, foi publicada em 2003 a primeira edição do GHS-Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals (Sistema Globalmente Harmonizado de Classificação e Rotulagem de Produtos Químicos) sob a premissa de que devem ser harmonizados os sistemas existentes, que regem a classificação de substâncias químicas, seus rótulos e fichas de dados de segurança.

“A harmonização da comunicação de perigos teve início em 1989, época em que a Organização Internacional do trabalho (OIt) elaborou e adotou a Convenção 170 e a Recomendação 177 sobre Segurança no Uso de Produtos Químicos no trabalho. Por meio desses instrumentos, os países que as ratificaram, incluindo o Brasil, obrigaram-se a adotar um sistema para classificação e rotulagem de produtos químicos.

Em 1992, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED - RIO 92) aprovou a harmonização dos sistemas de classificação de produtos químicos e criou comitês incumbidos de desenvolver o novo sistema de classificação e de rotulagem. Esse trabalho foi concluído em 2002 e endossado pelo Conselho Econômico e Social da ONU em 2003, ocasião em que foi publicada a primeira versão do “Livro Púrpura”. O GHS é uma recomendação das Nações Unidas, e incluí-lo nas normativas nacionais é de caráter voluntário. Desse modo, sua adoção depende da conscientização e do comprometimento dos governos nacionais e do setor privado para que sejam feitas as mudanças legais necessárias em cada país. “Consciente da importância e da complexidade da implantação desse sistema, o governo brasileiro instituiu, por meio do Decreto de 26 de junho de 2007, um grupo de trabalho Interministerial denominado Gt-GHS-Brasil” (MDIC, 2009). tal grupo tem a atribuição de elaborar e propor estratégias, diretrizes, programas, planos e ações para a implementação do GHS no país. É coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e conta, dentre outros, com representantes da Agência Nacional de transportes terrestres em nome do Ministério dos transportes.Assim, o GHS não só abrange critérios harmonizados para a classificação tanto de substâncias e misturas que contêm produtos químicos, de acordo com os perigos físicos à saúde e ao meio ambiente como também

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promove a harmonização da comunicação dos elementos de perigos, incluindo os requisitos para rotulagem e elaboração das fichas de dados de segurança.

3. A harmonização da classificação de produtos como perigosos PARA O transporte terrestre

O trabalho de harmonização, entretanto, não é totalmente novo no país, haja vista já se encontrar amplamente difundido e sustentado um conceito harmonizado de classificação e sinalização no que diz respeito aos perigos físicos e toxicidade aguda aplicados à atividade de transporte terrestre de produtos perigosos, com base no Comitê Econômico e Social de Peritos no transporte de Produtos Perigosos das Nações Unidas- UNCSDtG.

4. O Transporte de produtos perigosos no brasil

4.1. Visão do setor

A partir da década 70, é observado aumento na ocorrência e na gravidade dos acidentes de trânsito no país, devido ao fato de que o uso dos modos motorizados, por exemplo, o automóvel, ter começado a ser considerado essencial na vida urbana. Neste período, também é observado um aumento da atividade econômica da indústria química no Brasil, acompanhado da necessidade de transporte de tais produtos que, assim como as demais cargas, são sujeitos a acidentes rodoviários. Ainda hoje se observa que a política adotada pelo Brasil privilegia o uso do modo rodoviário no transporte de cargas, incluindo as perigosas, em detrimento do uso dos demais modais. Aproximadamente 70% do transporte de produtos considerados perigosos é feito por rodovias. (Alves et al, 2010)

Quando não é realizado de forma correta, o transporte rodoviário de produtos perigosos pode apresentar sérios impactos ao meio ambiente, à população e à segurança pública, devido às propriedades dos materiais transportados, tais como inflamabilidade, toxicidade e corrosividade. A ocorrência de acidentes com esse tipo de produto representa graves riscos à segurança e à saúde da população. Pode, também, comprometer a sustentabilidade, devido à vulnerabilidade e sensibilidade ambiental das áreas impactadas.

Segundo a CNt, durante o ano 1994, 2% dos veículos pesados que transitaram em rodovias federais transportavam produtos perigosos, dos quais líquidos e sólidos inflamáveis, gases comprimidos, liquefeitos ou dissolvidos sob pressão representaram 90% do total transportado. Em termos de tonelagem, os líquidos inflamáveis foram responsáveis por 48% do total. É conveniente destacar que caminhões que transportam líquidos inflamáveis, até mesmo quando descarregados, representam uma fonte de perigo adicional no tráfego rodoviário. (Real, 2000)

Com o objetivo de agregar-se o maior grau de segurança, confiabilidade e profissionalismo ao transporte de tal tipo de produto, a atividade é altamente regulamentada e acompanhada.

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4.2 Regulamentação

O transporte rodoviário e ferroviário de produtos perigosos, no âmbito nacional e por vias públicas, é disciplinado, respectivamente, pelos Decretos nº. 96.044/88 e 98.973/90 e complementados pelas instruções da Resolução ANtt nº. 420/04 e suas alterações, sem prejuízo da legislação e disciplina peculiar a cada produto.

A Resolução ANtt nº. 420/04 especifica exigências detalhadas aplicáveis ao transporte terrestre de produtos perigosos. tal regulamento está elaborado com base na décima primeira e décima segunda edições das Recomendações para o transporte de Produtos Perigosos das Nações Unidas, conhecido como Orange Book, e na edição de 2001 do Acordo Europeu para o transporte de Produtos Perigosos - ADR.

O documento, além de trazer uma lista de aproximadamente 3000 produtos perigosos, os mais comumente transportados, dispõe sobre as exigências relacionadas à classificação dos produtos; embalagens e tanques; marcação e rotulagem; identificação de unidades de transporte e de carga; documentação; prescrições especiais relativas às operações de transporte.

4.3 Critérios de classificação para o transporte

Convém, inicialmente, compreender como dados produtos vêm a ser considerados perigosos para o transporte terrestre.

A classificação de um produto como perigoso para o transporte terrestre deve ser feita pelo seu fabricante, que é o real conhecedor da substância, ou pelo expedidor orientado pelo fabricante, tomando como base as características físico-químicas do mesmo. Procede-se, então, à alocação a uma das classes ou subclasses de risco seguintes: (Resolução ANtt nº. 420/04)

TABELA 1: Classificação de Produtos Perigosos

Classes Característica

Classe 1 Explosivos

Classe 2 Gases

Classe 3 Líquidos Inflamáveis

Classe 4Sólidos inflamáveis, substâncias sujeitas a combustão espontânea, substâncias que em contato com água emitem gases

inflamáveis

Classe 5 Substâncias oxidantes e peróxidos orgânicos

Classe 6 Substâncias tóxicas e substâncias infectantes

Classe 7 Material radioativo

Classe 8 Substâncias corrosivas

Classe 9 Substâncias e artigos perigosos diversos

FONTE: Resolução ANtt nº. 420/04

Entretanto, os critérios para a realização da referida classificação não são aleatórios, uma vez que não pode ser utilizado um tipo de teste por cada fabricante ou expedidor de produto perigoso. Com isso, objetiva-se agregar confiabilidade ao que for declarado, além de promover uma harmonização das classificações no país.

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Assim, os testes e ensaios exigidos para a classificação de produtos como perigosos para o transporte terrestre a serem utilizados atualmente devem tomar como base as disposições da publicação Recommendations on the Transport of Dangerous Goods, Manual of Tests and Criteria (ST/SG/AC.10/11 Ver. 3) da Organização das Nações Unidas-ONU.

O objetivo da publicação supracitada é apresentar o esquema de classificação elaborado pelas Nações Unidas para certos tipos de produtos perigosos e descrever os testes, métodos e procedimentos considerados como os mais confiáveis e eficazes pelas autoridades competentes, o que agrega informação suficiente para que se promova uma classificação apropriada de produtos como perigosos para transporte.

Como o objetivo de aliar confiabilidade às classificações dadas, as condições prescritas para a realização dos referidos testes devem ser seguidas da maneira mais próxima possível da descrita em tal publicação. Deve-se notar, entretanto, que é transferida a competência pela classificação para a autoridade responsável por proceder à realização dos testes. É tal autoridade que assume o poder de dispensar algumas exigências, variar detalhes dos procedimentos e requerer ensaios adicionais justificadamente a fim de obter classificação confiável e realista do risco do produto.

5. Conceito de Risco x PerigoO entendimento dos termos “risco” e “perigo” como sinônimos é muito frequente tanto na interpretação de documentos como na interpretação de artigos científicos, textos técnicos e outros.

Convém transcrever a própria consideração sobre risco e perigo dada pelo GHS:

“O risco e consequentemente a comunicação de tal informação é obtida quando a exposição é ponderada juntamente com o perigo (...)

Perigo X Exposição = Risco” (GHS , 2005)

O entendimento da diferença conceitual entre ambos é peça fundamental para compreensão da ausência de incoerência quando é observada uma classificação diferente para um mesmo produto dada pelo GHS e pela legislação de transporte de produtos perigosos.

TABELA 2: Comparação entre os conceitos de risco e perigo Risco X Perigo

“Risco é a probabilidade ou chance de lesão ou morte”

(Sanders e Mc Cornick, p. 675)

“Perigo é uma condição ou um conjunto de circunstâncias que têm o potencial de causar ou contribuir para uma lesão ou morte” (Sanders e Mc

Cornick, p. 675)

Risco “(...) é uma função da natureza do perigo, acessibilidade ou acesso de contato (potencial de exposição), características da população exposta

(receptores), a probabilidade de ocorrência e a magnitude da exposição e das consequências (...)” (Kolluru, 1996, p1.10)

“Um perigo é um agente químico, biológico ou físico (incluindo-se a radiação eletromagnética) ou um conjunto de condições que apresenta uma fonte de

risco, mas não o risco em si” (Kolluru, 1996, p1.10)

“(...) risco é um resultado medido do efeito potencial do perigo” (Shinar, Gurion e Flascher, 1991, p. 1095)

Perigo é a situação que contém “uma fonte de energia ou de fatores fisiológicos e de comportamento/ conduta que, quando não controlados,

conduzem a eventos/ocorrências prejudiciais/nociva” (shinar, Gurion e Flasher, 1991, p. 1095, apud Grimaldi e Simonds, 1984, p. 236)

FONTE: Fischer et al, (2002)

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Assim, torna-se possível e sensato concluir, no que tange a produtos químicos, que o perigo é determinado levando-se em consideração as características intrínsecas daqueles, ou seja, o perigo é inerente à composição molecular. Pode-se considerar o risco como um efeito do perigo ponderado com outro fator.

6. Análise da existência de coerência/incoerência dada pela classificação aplicada ao transporte de produtos perigosos e ao GHS

Para fins do escopo do GHS, a classificação refere-se, coerentemente, aos perigos das substâncias, haja vista que o objetivo é classificá-las de acordo com suas características intrínsecas, e não associá-las a uma determinada atividade na qual podem estar envolvidas.

Já para fins de transporte, a classificação é dada em função do perigo associado à substância, ponderado com as atividades englobadas em uma operação de movimentação dela. Assim, conclui-se:

Perigo X transporte = Risco associado ao transporte.

também é importante compreender que, para fins de transporte, a alocação em classes de risco se dá em função do único risco físico presente, ou do mais sério, no caso de haver riscos múltiplos. Para fins do GHS, devem ser apresentados os perigos correspondentes aos perigos físicos nos mesmos moldes do utilizados na classificação para transporte, também os perigos à saúde e ao meio ambiente.

A tabela 3 dispõe o que é avaliado para fins de transporte e para fins do GHS.

TABELA 3: Base da classificação para o GHS e para o transporte de produtos perigosos

GHS Transporte de Produtos Perigoso

Base da Classificação

Perigos físicosPerigos físicos - químicos ponderados com a

atividade de transportePerigos a saúde

Perigos ao ambiente

Resultado Classe de Perigo Classe de Risco

Essa análise é fundamental para a compreensão dos motivos pelos quais o GHS se refere a classes de perigo, enquanto a regulamentação de transporte se refere a classes de risco. também, para entender-se por que classificações diferentes pelos citados sistema dados para um mesmo produto ou substância não apresentam incoerência.

Como exemplos, apresentam-se a seguir alguns casos concretos.

Para fins do escopo do GHS, os líquidos serão considerados como inflamáveis em função de seu ponto de fulgor, que vem a ser a menor temperatura na qual um líquido combustível ou inflamável desprende vapores em quantidade suficiente para que a mistura vapor-ar, logo acima de sua superfície, propague uma chama a partir de uma fonte de ignição.

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Neste sentido, o GHS classifica um produto como líquido inflamável em quatro categorias, a saber:

TABELA 4: Categorias de Classificação de Líquidos Inflamáveis segundo o GHS Categoria Critério

1 Ponto de fulgor <23ºC e temperatura inicial de ebulição ≤ 35ºC

2 Ponto de fulgor <23ºC e temperatura inicial de ebulição > 35ºC

3 Ponto de fulgor ≥ 23ºC ≤ 60ºC

4 Ponto de fulgor > 60ºC ≤ 93ºC

FONTE: GHS (2005)

Para fins de transporte, líquidos inflamáveis são considerados perigosos somente se apresentam ponto de fulgor de até 60,5ºC, em ensaio de vaso fechado, ou até 65,6ºC, em ensaio de vaso aberto. todavia, caso apresentem ponto de fulgor maior do que 35ºC, mas não mantenham a combustão, esses líquidos não precisam ser considerados inflamáveis para fins de transporte. (Resolução ANtt nº. 420/04)

Assim, levando-se em conta a ressalva realizada pela legislação de transporte, entende-se não haver incoerência no caso de certo líquido poder ser classificado como inflamável nos termos do GHS e não inflamável para transporte.

Cabe analisar também a questão dos riscos à saúde e ao meio ambiente, que são considerados para que se proceda à classificação de acordo com o GHS. Certos produtos podem apresentar não só perigos à saúde, como irritação da pele e dos olhos, como também perigo ao meio ambiente, como toxicidade aquática, sem ser, por tais motivos, perigosos para o transporte. Por último, mas não encerrando o rol de possibilidades, cabe apontar o caso de um produto apresentar perigo físico e perigo à saúde em termos do GHS, mas somente o perigo físico é considerado em termos de transporte.

Entende-se, então, que tais situações e outras semelhantes virão a acontecer quando da implementação do GHS no país, mas não se apresentam como incoerentes. Entretanto, os pontos cruciais são analisar como ambos os sistemas se apresentarão em termos visuais (comunicação dos riscos por meio de pictogramas) e esclarecer aos expedidores, aos fabricantes, aos transportadores de produtos perigosos, à fiscalização rodoviária e ao mercado consumidor de produtos químicos e perigosos o objetivo de cada um dos sistemas e a coerência entre eles.

7. Sinalização de perigos e riscos para fins do GHS e do transporte, respectivamentetratando-se de produtos químicos e perigosos, é importante que a identificação, seja pelo usuário, seja equipe de atendimento a emergências, possa ser realizada da maneira mais rápida e eficiente possível, haja vista a necessidade de fácil entendimento dos riscos associados e da possível necessidade de pronta assistência emergencial. Faz-se uso, então, da pictografia.

Pictografia é a forma de escrita pela qual idéias são transmitidas por desenhos. Um pictograma (do latim picto -pintado + grego graphe -caracter, letra) é, pois, um símbolo que representa um objeto ou conceito por meio de ilustrações. Complementarmente, o GHS define pictogramas como uma composição gráfica que inclui um símbolo e outros sinais gráficos como borda, padrão ou cor de fundo definidos com o objetivo de transmissão de dada informação.

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A tabela 5 apresenta os símbolos de perigo e respectivos pictogramas que serão utilizados para o GHS e também alguns dos pictogramas utilizados no transporte. Com exceção dos últimos três apresentados, todos os demais têm como referência alguns dos presentes na legislação de transporte.

TABELA 5: Símbolos e pictogramas a serem utilizados pelo GHS e alguns dos pictogramas de transporte

SímboloExemplo de

pictograma gerado para o GHS

Alguns exemplos de pictogramas gerados para o

Transporte

Năo referenciados na legislaçăo de transporte

Năo referenciados na legislaçăo de transporte

Năo referenciados na legislaçăo de transporte

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Diante da tabela 5, torna-se simples perceber que, ao utilizar somente um símbolo - por exemplo, de inflamável para vários tipos de substâncias, como líquidos, sólidos, substâncias sujeitas à combustão espontânea - o GHS realmente explora somente a característica química, propriedade intrínseca da substância. Ele não pode ser utilizado para o transporte, pois a função do pictograma na face externa do caminhão e nas embalagens externas destinadas ao transporte, além de servir para alertar o usuário sobre o carregamento, é orientar a equipe de atendimento a emergências sobre o real conteúdo da carga, a fim de possibilitar um rápido e eficaz atendimento.

Cabe analisar, por fim, o resultado que ambas as classificações e ambos os sistemas de utilização de pictogramas ocasionarão nas embalagens destinadas ao consumidor e nas destinadas ao transporte.

A figura 1 representa o caso mais simples e menos provável de geração de dúvida. Não só para o GHS como também para o transporte, o produto é classificado somente como inflamável. Assim, o símbolo a ser utilizado nos pictogramas, tanto na embalagem interna (destinada ao usuário) quanto na embalagem externa (destinada ao transporte), será o mesmo.

FIGURA 1: Embalagem interna e embalagem externa identificadas com os mesmos símbolos

FONtE: GHS (2005)

também, pode ocorrer que o produto a ser transportado apresente, além de perigo físico-químico, perigo à saúde nos termos do GHS e esta característica não seja considerada geradora de risco para o transporte. A figura 2 apresenta um produto classificado como inflamável e carcinogênico de acordo com o GHS. No entanto, para fins de transporte, o único perigo considerado gerador de risco é o de inflamabilidade, enquadrado na classe de risco correspondente aos inflamáveis. Assim, na embalagem interna, os pictogramas são formados utilizando-se os símbolos de inflamável e o de carcinogenicidade, enquanto na embalagem destinada ao transporte, resenta-se somente o pictograma gerado com o símbolo de inflamável.

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FIGURA 2: embalagem interna identificada com um símbolo a mais do que a embalagem externaFONtE: GHS (2005)

Finalmente, cabe analisar outra situação possível, porém lembrando que as possibilidades não se limitam às apresentadas. A figura 3 representa um produto que, de acordo com o GHS, é considerado somente irritante aos

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olhos, o que requer que seja ele marcado com pictograma contendo o ponto de exclamação. Para o transporte, tal perigo não agrega risco à atividade e não é considerado perigoso. Assim, a embalagem externa não deve apresentar nenhum tipo de pictograma.

FIGURA 3: Somente embalagem interna identificada com símbolo de perigoFONtE: GHS (2005)

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8. Esclarecimentos a serem realizados aos envolvidos da cadeia de transporte O ponto central é o esclarecimento dos envolvidos na cadeia de transporte de produtos perigosos, o que abrange desde os fabricantes de produtos químicos até os agentes fiscalizadores.

Aos fabricantes e expedidores caberá o esclarecimento principalmente no que diz respeito a diferentes escopos e objetivos das duas classificações; diferença entre o conceito de risco e de perigo; características dos produtos a serem levados em conta para proceder-se às classificações; utilização correta dos pictogramas nas embalagens internas e externas.

No que tange aos transportadores, cabe esclarecer primordialmente a razão da ausência de incoerência, caso seja corretamente oferecido para transporte um produto portando pictogramas de risco nos termos do GHS, mas que não é considerado perigoso para transporte; assim, tal expedição não necessita dos documentos específicos, sinalizações e outras exigências cabíveis caso o produto fosse considerado perigoso.

Por último, cabe esclarecer os agentes fiscalizadores no mesmo sentido das figuras expostas acima, a fim de que sejam evitadas aplicações indevidas de infrações devido, principalmente, à observância de símbolos já conhecidos em pictogramas de embalagens de produtos perigosos em carga não classificada como perigosa para transporte, e também o contrário, isto é, a presença de símbolos de risco à saúde, que não é por eles conhecido de acordo com o transporte. Ambos os pontos tratam, na verdade, do esclarecimento do real escopo de aplicabilidade de cada uma das classificações.

9. Considerações finais

Conclui-se que a implementação do GHS no Brasil acompanha a tendência global e é imprescindível tanto para manutenção do país no mercado internacional como para agregar confiabilidade ao consumidor e usuário no que diz respeito às informações prestadas pelos fabricantes.Como a legislação aplicável ao transporte de produtos perigosos já se encontra consolidada e amplamente divulgada entre os envolvidos, é importante que tais normas, ao tratarem de assuntos correlatos, não pareçam incoerentes. Em verdade, elas se complementam.O entendimento de ambos os sistemas por parte da cadeia de transporte e dos consumidores de produtos químicos e perigosos auxilia o país em seu desenvolvimento econômico, além de colocá-lo no mesmo patamar dos países desenvolvidos no que diz respeito a esclarecimento e presteza nas informações disponíveis à população.

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Fischer, D; Guimarães, L.; Schaeffer, C., Percepção de risco e perigo: um estudo qualitativo no setor de energia elétrica, UFRGS/PPGEP, Porto Alegre, 2002

GHS, Globally Harmonized System of Classification and Labelling of Chemicals, United Nations, Revisão 1, New York e Genebra, 2005.

MDIC, Termo de Referência, 2009. Gt-GHS-Brasil, Disponível em http://www.desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=787, acessado em 17 de março de 2010

Real, M. A informação como fator de controle de risco no transporte rodoviário de produtos perigosos, tese de Mestrado, UFRJ/COPPE/PEt, Rio de Janeiro, 2000

Resolução ANtt nº. 420 de 12 de Fevereiro de 2004

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The Environmental Management applied to transport:the case of Agência Nacional de Transportes TerrestresJANICE CABÚSAgência Nacional de transportes terrestres

A GESTÃO AMBIENTAL APLICADA AOS TRANSPORTES:O CASO DA AGÊNCIA NACIONAL DE TRANSPORTES TERRESTRES

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ResumoEste artigo tem por objetivo abordar a gestão ambiental na compatibilização dos transportes terrestres com a preservação do meio ambiente. Faz-se uma breve caracterização do papel da Agência Nacional dos transportes terrestres – ANtt e apresenta-se o Sistema de Gestão Ambiental desenvolvido para a ANtt, concebido com base na série de normas internacional ISO 14000. Por fim, algumas recomendações são elencadas, considerando, inclusive, o papel do setor transportes no contexto do Plano Nacional de Mudanças do Clima – PNMC.

Palavras-chave:transportes terrestres; Meio Ambiente; Gestão Ambiental; Sistema de Gestão Ambiental; ISO 14000.

Abstractthis article aims to address the environmental management of land transport compatible with the preservation of the environment. It is a brief characterization of the role of the Agência Nacional de transportes terrestres - ANtt and presents the Environmental Management System developed for ANtt designed based on the number of international standards ISO 14000. Finally, some recommendations are suggested, considering, including the role of the transport sector in the context of the National Climate Change Plan - PNMC.

Keywords:Land transport; Environment; Environmental Management; System Environmental Management; ISO 14000.

A GEStÃO AMBIENtAL APLICADA AOS tRANSPORtES: O CASO DA AGÊNCIA NACIONAL DE tRANSPORtES tERREStRES Janice Cabús

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1. IntroduçãoA questão ambiental está cada vez mais presente no cotidiano da sociedade brasileira. Além disso, atualmente, a questão ambiental é ponto fundamental na pauta de discussões de projetos estruturantes que buscam o desenvolvimento sustentável do Brasil.

A gestão ambiental, ou seja, a adoção de ações aderentes a um padrão de qualidade ambiental começa a ser tratada como um assunto estratégico na medida em que tais ações contribuem para a redução dos custos diretos e indiretos de qualquer empreendimento ou atividade, público ou privado.

Por outro lado, a legislação ambiental brasileira é reconhecida, mundialmente, como uma das mais avançadas no que tange à proteção do meio ambiente. O reflexo esperado no setor governamental é o planejamento realizado sob uma nova perspectiva: a visão ambiental.

De fato o caput do artigo 225 da Constituição Federal de 1988 preceitua que: “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Assim, a construção, a instalação, a ampliação e o funcionamento de atividades/empreendimentos considerados efetiva ou potencialmente poluidores do meio ambiente estão sujeitos ao controle ambiental nos termos da legislação específica, que trata da matéria.

O licenciamento ambiental, instituído pela Lei nº 6.938, 31 de agosto de 1981, que aprovou a Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA que é considerada o marco regulatório para o setor ambiental, foi recepcionado pela Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988 e é definido pelo art. 1º, inciso I, da Resolução CONAMA nº 237, de 19 de dezembro de 1997, como:

Um procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.

De acordo com o inciso IV do art. 9 da citada Lei, o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras são

instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente - PNMA.

Neste contexto, estão inseridos os empreendimentos/atividades de transporte terrestre destinados à prestação de serviços públicos por terceiros sob regime de concessão ou permissão, conforme o artigo 175 da Constituição Federal.

tanto as concessões quanto as permissões de prestação de serviços públicos regidas pelos termos do já citado artigo da Constituição Federal regem-se também pela Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que “dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços previsto no art. 175 da Constituição Federal, e dá outras providências”.

Observa-se que o Poder Concedente possui a incumbência de estimular o aumento da qualidade, da produtividade, da preservação do meio ambiente e conservação. Por outro lado, cabe às concessionárias cumprir e fazer cumprir as normas do serviço e as cláusulas contratuais da concessão e executar o serviço concedido, respondendo por todos os prejuízos causados ao Poder Concedente, aos usuários ou a terceiros.

Paralelamente, os editais e os contratos de concessão e de permissão possuem cláusulas que envolvem aspectos ambientais definindo as obrigações das concessionárias de transportes terrestres.

Sob uma visão mais operacional, a questão ambiental deve ser inserida no âmbito do planejamento do transporte, gerando diretrizes de referência para o setor.

2. A Agência Nacional de Transportes TerrestresA Agência Nacional de transportes terrestres – ANtt, entidade vinculada ao Ministério dos transportes, é o órgão regulador da atividade de exploração da infraestrutura ferroviária e rodoviária federal e da atividade de prestação de serviços de transporte terrestre. As suas principais atribuições estão relacionadas ao transporte de passageiros, às concessões rodoviárias e às concessões ferroviárias.

Em 2007, no transporte Rodoviário Coletivo Interestadual e Internacional de Passageiros, segundo o Anuário Estatístico dos transportes terrestres – AEtt/2008 existiam 213 empresas com uma frota de 13.907 veículos (ônibus) que transportaram um total de 132.851.360 passageiros, numa distância de 1.415 milhões de quilômetros. Em agosto de 2009 o número de veículos subiu para 14.753.

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Possui delegação legal para fiscalizar, ainda, os veículos autorizados para o transporte de passageiros, sob o regime de fretamento, que em 2007 totalizaram 27.649 veículos habilitados, de acordo com o AEtt/2008.

As atuais Concessões Rodoviárias sob a responsabilidade da ANtt totalizam 4.083,2 quilômetros e encontram-se relacionadas na tabela 1 – Atuais Concessões Rodoviárias, a seguir:

TABELA 1 – Atuais Concessões Rodoviárias - 2009.CONCESSIONÁRIA RODOVIA EXTENSÃO (Km)

NOVADUTRA BR-116/RJ/SP 402,0

PONTE BR-101/RJ 13,2CONCER BR-040/MG/RJ 179,9

CRT BR-116/RJ 142,5

CONCEPA BR-290/RS 121,0

ECOSUL BR-116/293/392/RS 623,8

AUTOPISTA PLANALTO SUL BR-116/PR/SC 412,7

AUTOPISTA LITORAL SUL BR-376/PR – BR-101/SC 382,3

AUTOPISTA RÉGIS BITTENCOURT BR-116/SP/PR 401,6

AUTOPISTA FERNÃO DIAS BR-381/MG/SP 562,1

AUTOPISTA FLUMINENSE BR-101/RJ 320,1

TRANSBRASILIANA BR-153/SP 321,6

RODOVIA DO AÇO BR-393/RJ 200,4TOTAL 4083,2

Fonte: ANtt.

Com os atuais processos de concessão referentes à 3ª Etapa Fase I e à 2ª Etapa Fase II, bem como os trechos previstos para licitação no ano de 2010 serão 8.426,8 quilômetros de rodovias concedidas.Quanto ao modo ferroviário, as atuais concessões ferroviárias sob a responsabilidade da ANtt encontram-se relacionadas na tabela 2 – Concessões Ferroviárias - 2008, a seguir:

TABELA 2 – Concessões Ferroviárias - 2008.OPERADORAS ORIGEM EXTENSÃO (Km)

ALL – América Latina Logística Malha Oeste S.A. RFFSA 1.945,0

FCA – Ferrovia Centro-Atlântica S. A. RFFSA 8.066,0

MRS – MRS Logística S.A. RFFSA 1.674,0

FTC – Ferrovia Tereza Cristina S.A. RFFSA 164,0

ALL – América Latina Logística Malha sul S.A. RFFSA 7.304,0

FERROESTE - 248,0

EFVM – Estrada de Ferro Vitória a Minas - 905,0

EFC – Estrada de Ferro Carajás - 892,0

TRANSNORDESTINA LOGÍSTICA S.A. RFFSA 4.207,0

ALL - América Latina Logística Malha Paulista S.A. RFFSA 1.989,0

ALL - América Latina Logística Malha Norte S.A. - 500,0

VALEC / Subconcessão: Ferrovia Norte-Sul S.A. - 420,0

TOTAL 28.314,0

Fonte: ANtt.

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3. O sistema de acompanhamento e gestão ambiental da ANTTNo escopo de tais atribuições e consciente da responsabilidade de regulação dos empreendimentos que administra sob o regime de concessão e permissão, a ANtt observa a conformidade legal, inclusive ambiental, e o compromisso com a prevalência do interesse público nas suas atividades.

Assim, estudos desenvolvidos pela Agência entre 2003 e 2005, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, resultaram na concepção do Sistema de Acompanhamento e Gestão Ambiental da ANtt – SGA/ANtt, cuja função é justamente sistematizar a gestão ambiental na instituição de forma integrada, coordenada e estruturada.

A série de normas ISO 14000 foram adaptadas às atribuições da Agência, enquanto órgão regulador da infra-estrutura e dos serviços públicos federais de transportes terrestres concedidos. Assim, o SGA/ANtt está em sintonia com os avanços internacionais alcançados na gestão de organizações, que resultaram na padronização de procedimentos de gestão ambiental.

O primeiro passo adotado para conceber o SGA/ANtt foi identificar os aspectos ambientais. Aspectos ambientais são entendidos como os elementos das atividades, dos produtos ou dos serviços que possuem interação com o meio ambiente e que possam causar impactos ambientais positivos ou negativos. É importante ressaltar que o sistema foi originalmente concebido considerando-se as concessões rodoviárias e as concessões ferroviárias sob a tutela da Agência.

Assim, os aspectos ambientais foram identificados e definidos a partir dos seguintes elementos: os aspectos legais presentes nas atribuições da ANtt, o arcabouço legal referente ao setor de transportes, o arcabouço legal referente à questão ambiental, a Política Ambiental do Ministério dos transportes e as cláusulas ambientais dos contratos de concessão que abordam a questão.

Desta forma, identificou-se na Lei nº 10.233 de 05 de junho de 2001, que “dispõe sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, cria o Conselho Nacional de Integração de Políticas de transporte, a Agência Nacional de transportes terrestres, a Agência Nacional de transportes Aquaviários e o Departamento Nacional de Infraestrutura de transportes, e dá outras providências”, que o gerenciamento da infra-estrutura e a operação dos transportes aquaviário e terrestre são regidos pelos seguintes princípios, dentre outros:

V – compatibilizar os transportes com a preservação do meio ambiente, reduzindo os níveis de poluição sonora e de contaminação atmosférica, do solo e dos recursos hídricos;VI – promover a conservação de energia, por meio da redução do consumo de combustíveis automotivos;VII – reduzir os danos sociais e econômicos decorrentes dos congestionamentos de tráfegos;XII – estimular a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias aplicáveis ao setor de transportes.

Além destas atribuições gerais, a Lei estabelece competências específicas ao transporte Ferroviário e Rodoviário, com destaque para a fiscalização das cláusulas contratuais, tanto de prestação de serviços ferroviários e de manutenção e reposição dos ativos arrendados, quanto de permissão para prestação de serviços ou de concessão para exploração da infra-estrutura.

No âmbito da fiscalização dos contratos, o artigo 37 da citada Lei estabelece a obrigação do concessionário em:I – adotar em todas as suas operações, as medidas necessárias para a conservação dos recursos naturais, para a segurança das pessoas e dos equipamentos e para a preservação do meio ambiente;

Importa acrescentar que nos termos do artigo 22 da Lei, “constituem a esfera de atuação da ANtt”, além daquelas já citadas, as seguintes atividades:I - o transporte ferroviário de passageiros e cargas ao longo do Sistema Nacional de Viação;III - o transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;IV - o transporte rodoviário de cargas;VI - o transporte multimodal;VII - o transporte de cargas especiais e perigosas em rodovias e ferrovias.

O Sistema foi então concebido com o objetivo de orientar a atuação da ANtt em relação aos requisitos legais, técnicos e de regulação relativos ao meio ambiente.

Sob o aspecto técnico, convém ressaltar que as obras rodoviárias e ferroviárias possuem potencial de causar diversos impactos ambientais, desde aqueles ligados à remoção de vegetação nativa até impactos culturais sobre as comunidades afetadas.

Identificar, prever e avaliar os impactos ambientais de um projeto de engenharia pressupõe a análise do empreendimento em suas principais atividades, para cada uma das fases de seu ciclo de vida - planejamento, implantação, operação/manutenção e desativação.

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Essas atividades ou ações são a origem dos impactos ambientais, uma vez que transformam o ambiente (ou induzem transformações), resultando em alterações da qualidade ambiental.

A identificação e avaliação dos aspectos ambientais e impactos ambientais, é feita com base em três componentes ambientais básicos: o meio físico onde se desenvolvem as atividades, particularmente onde se localiza as malhas rodoviárias e ferroviárias concedidas; o meio biótico, com as principais condicionantes legais e diretrizes para identificação e localização de áreas legalmente protegidas; e o meio sócio econômico ou antrópico, que deve considerar a distribuição das populações nas áreas ou entornos de interesse e suas atividades econômicas.

A Resolução CONAMA Nº 237/1997, revisou os procedimentos e critérios utilizados no licenciamento ambiental introduzidos pela Resolução CONAMA Nº 001/1986, ratificando a rodovia e a ferrovia como empreendimentos para os quais é exigida a avaliação de impacto ambiental. Essa nova Resolução estabelece estarem sujeitos ao licenciamento ambiental, entre outros, os seguintes empreendimentos e atividades ligados ao Setor transportes:- obras: rodovias, ferrovias;- extração e tratamento de minerais para obras civis;- outras obras de arte (pontes, viadutos, túneis, trincheiras);- transporte, terminais e depósitos:- transporte de cargas perigosas;- transporte por dutos;- terminais de minério e de petróleo e derivados;- terminais e depósitos de produtos químicos e produtos perigosos;- recuperação de áreas contaminadas ou degradadas.

Cabe ressaltar que os itens apresentados não esgotam a questão do licenciamento ambiental, mas constituem um quadro de referência, a partir do qual os detalhes e as especificidades do processo de licenciamento ambiental poderão ser mais facilmente buscados e compreendidos dentro do arcabouço legal e das instruções e orientações dos órgãos ambientais.

Além dos órgãos ambientais que detém a competência do licenciamento ambiental, outros agentes estão envolvidos no processo:- o empreendedor; no caso, a concessionária de rodovia ou ferrovia;- a ANtt, pela titularidade que detém em relação aos empreendimentos concedidos;- as equipes multidisciplinares, formadas por técnicos especialistas em diferentes áreas de conhecimento, com competência para realizar os estudos ambientais; ou para solicitar e analisar os serviços contratados, por parte do empreendedor; ou ainda as equipes responsáveis pelos projetos técnicos e as análises sócio-econômicas;- as instituições governamentais que devem ser ouvidas durante o processo, em função de suas competências específicas; entre outros, podem-se citar, em nível federal, a Fundação Nacional do Índio – FUNAI, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN; também, dependendo de cada caso, devem ser ouvidos órgãos estaduais e municipais que possam ter atuação sobre o empreendimento ou seus efeitos;- as organizações não governamentais - ONGs defensoras da preservação dos recursos naturais e de comunidades locais e indígenas;- o Ministério Público, representado por promotoria e procuradoria com a competência de fiscalizar a aplicação da lei.

Posteriormente, em 2006, a Agência aprovou as Linhas de Ação para o Acompanhamento e a Gestão Ambiental, em atenção ao princípio de compatibilização dos transportes com a preservação do meio ambiente no gerenciamento da infra-estrutura e da operação dos transportes terrestres concedidos.Estas Linhas de Ação encontram-se relacionadas na tabela - 3, a seguir:

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TABELA 3 – Linhas de Ação para o acompanhamento e a Gestão Ambiental na ANTT.LINHAS DE AÇÃO PARA O ACOMPANHAMENTO E A GESTÃO AMBIENTAL NA ANTT

Estabelecer, implementar e manter um Sistema de Acompanhamento e Gestão Ambiental na ANTT

Acompanhar e monitorar a execução dos contratos quanto aos aspectos ambientais

Estabelecer a articulação institucional interna para a gestão ambiental

Estabelecer articulação institucional externa para a gestão ambiental

Promover a capacitação de pessoal para a gestão ambiental

Executar o planejamento para a gestão ambiental

FONtE: Deliberação ANtt Nº 375/2006, de 17/10/2006.

4. O Plano Nacional de Mudança do Clima – PNMC e o Setor de Transportes

4.1. O efeito estufaO efeito estufa, responsável pelo aquecimento global, é causado pelo aumento da concentração do gás CO2 e outros gases na atmosfera associado à destruição da camada de ozônio, que protege a terra dos raios solares. (vide Figura 1)

A atmosfera da terra é constituída de gases que permitem a passagem da radiação solar e absorvem grande parte do calor emitida. Desta forma, a temperatura média da superfície do planeta mantém-se constante.

Sem o efeito estufa, a temperatura média da terra seria de 18°C abaixo de zero, ou seja, ele é responsável por um aumento de 33°C.

Fonte: OLIVEIRA (2003).

FIGURA 1 – Efeito Estufa.

No entanto, estudos realizados demonstram que o fenômeno de mudança do clima, resultado do processo de acúmulo de Gases do Efeito Estufa – GEE e causado em grande parte pelas atividades humanas, vem se intensificando e exigindo a disposição por parte dos governos, das empresas e da sociedade como um todo no sentido de mitigar os diversos impactos futuros decorrentes do mesmo e encontrar formas de adaptação aos efeitos inevitáveis e esperados.

Um dos grandes sumidouros, ou áreas de remoção de carbono, são as árvores. Para crescer as árvores intensificam o processo da fotossíntese, retirando CO2 da atmosfera e fixando o carbono na matéria orgânica. Assim, com o reflorestamento há redução da concentração do gás carbônico na atmosfera e consequentemente do aquecimento global.

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4.2. O Plano Nacional sobre Mudança do Clima - PNMCO Plano Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC reúne as ações que o País pretende colocar em prática para combater as mudanças globais do clima e para o enfrentamento de suas conseqüências e encontra-se estruturado em 04 (quatro) eixos:a.Mitigação.b.Vulnerabilidade, impacto e adaptação.c.Pesquisa e desenvolvimento.d.Capacitação e divulgação.

As oportunidades de mitigação são entendidas como mudanças e substituições tecnológicas que podem contribuir para a redução do uso de recursos e das emissões por unidade de produção, bem como a adoção de medidas que reduzem as emissões de Gases do Efeito Estufa - GEE e aumentem os sumidouros.

Os impactos futuros são analisados com base em diferentes cenários de emissão de gases de efeito estufa até 2100. Esses cenários não pressupõem medidas adicionais de combate à mudança do clima ou maior capacidade adaptativa dos sistemas, setores e regiões analisados. Além disso, entidades públicas e privadas vêm realizando uma série de estudos de vulnerabilidade em diversos setores tais como zona costeira, biodiversidade, recursos hídricos, geração de energia elétrica, dentre outros, de forma a subsidiar as adaptações necessárias, minimizando os possíveis danos e aproveitando as oportunidades.

Paralelamente, investimentos na produção de conhecimento (estudos) devem propiciar ao País as ferramentas para a tomada de decisão sobre a melhor estratégia para o enfrentamento dos problemas.

Além disso, diversas ações de capacitação e divulgação, propostas e em andamento, objetivam tratar da questão sobre mudanças climáticas (Programa Capacitação de Gestores Ambientais, sítio na internet da Coordenação Geral de Mudança Global do Clima, Ações da Petrobrás de Capacitação e Disseminação de Informações, Programa Nacional de Racionalização do Uso dos derivados do petróleo e do gás natural - CONPEt Escolas, Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica - PROCEL Escolas, dentre outros).

O Plano Nacional sobre Mudança do Clima - PNMC possui os seguintes objetivos gerais:a.Identificar, planejar e coordenar as ações e medidas que possam ser empreendidas para mitigar as emissões de gases de efeito estufa geradas no Brasil.b.Identificar, planejar e coordenar as ações e medidas necessárias à adaptação da sociedade aos impactos que ocorram devido à mudança do clima.

Ele será implantado em fases sucessivas de modo que ocorra uma constante avaliação dos seus objetivos, bem como a inclusão de outros a serem identificados por intermédio de um diálogo permanente com a sociedade civil. Será, portanto, um plano dinâmico, reavaliado constantemente para que possa estar em consonância com os anseios da sociedade. Está prevista para 2010 a sua primeira revisão.

4.3. O setor transportes e o aquecimento globalO setor transportes, particularmente os transportes terrestres (rodovias, ferrovias) utilizam recursos ambientais em suas diversas fases. Além disso, causam degradação do meio ambiente (poluição do ar, da água e dos solos; poluição sonora e visual, perda no habitat natural).

Evento realizado em maio de 2009 pela Confederação Nacional do transporte – CNt denominado “Oficina

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Nacional transporte e Mudanças Climáticas”, que teve como objetivo identificar os desafios para tornar o transporte no Brasil mais sustentável, apontou que os gases provenientes dos escapamentos contribuem para o agravamento do aquecimento global e que apesar dos transportes rodoviários desempenharem papel de grande relevância no desenvolvimento econômico do Brasil, eles possuem a marca de serem poluidores. tais questões levam o setor a promover ações de gestão ambiental e motivaram a realização do evento, de forma a abrir um espaço de diálogo entre especialistas, entidades, associações civis e privadas relacionadas à interface transportes/meio ambiente.

De fato, conforme Ribeiro e Mattos (2000), mostrar a importância do transporte rodoviário nas emissões de gases de efeito estufa comparativamente com outros modais, torna-se crucial para a escolha de estratégias de mitigação e abatimento das emissões nas grandes cidades. Os autores concluem que, caso o Brasil seja obrigado, no futuro, a diminuir as suas emissões de gases de efeito estufa, em função de acordos internacionais o transporte rodoviário deverá ser prioritário.

Michaelis et al (1996) citado por Mattos (2001) ressaltam as estimativas para o setor transportes que pode reduzir suas emissões no ano de 2025 em até 40% a partir de mudanças nos projetos dos veículos, através de materiais e mecanismos mais eficientes; redução do tamanho dos veículos; mudança para combustíveis alternativos; redução no nível de atividade de transporte de passageiros e cargas pela alteração do padrão do uso do solo, sistemas de transporte, padrões de deslocamento e estilos de vida; e a mudança para modais de transporte menos intensivos em energia.

A implantação do Plano Nacional de Logística dos transportes – PNLt é citado pelo PNMC como uma ação de melhoria dos transportes e representa a volta do planejamento a médio-longo prazo para o setor, dotando-o de uma estrutura de gestão e servindo de base para a formulação dos Planos Plurianuais. Além disso, o PNLt enfatiza a diretriz que trata do “forte compromisso com a preservação do meio ambiente, com a evolução tecnológica e com a racionalização energética”.

A matriz de transporte atual (2005) e a estimada (2025), segundo o PNLt consideram um aumento da participação do modo ferroviário dos atuais 25% para 32%%. O modo rodoviário cairia dos atuais 58% para 33% (vide Figura 2).

Fonte: Adaptado de Plano Nacional sobre Mudança do Clima – PNMC Brasil (2008).FIGURA 2 – Matriz de transporte Atual e Futura (t/km).

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5. Considerações e RecomendaçõesConhecimento, segundo o dicionário é a informação, a idéia, a noção ou a notícia sobre um determinado assunto. Pode ser entendido, também, pela compreensão de determinado assunto ou tema de forma lógica e racional.

Pode, ainda, ser definido como a informação utilizada no presente ou no futuro em um contexto específico, subsidiando a tomada de decisão. Desta forma, o conhecimento possui características dinâmicas, ou seja, o seu valor e a sua qualidade mudam constantemente.

Integrar o conhecimento (a informação) àqueles que precisam utilizá-lo de forma eficiente e eficaz em busca de com um objetivo específico é primordial em qualquer instituição moderna.

Desta forma, no âmbito de atuação da ANtt, é necessária a integração das informações essenciais e fundamentais, inclusive as informações referentes à questão ambiental, para a eficiente e eficaz regulação dos transportes terrestres concedidos.

A implantação do SGA/ANtt atende aos preceitos legais e conceituais por intermédio da adoção de medidas preventivas capazes de assegurar melhores relacionamentos entre os serviços concedidos e o meio no qual os mesmos se encontram inseridos. Além disso, proporciona, também, um relacionamento mais estreito e harmonioso da Agência com a comunidade em geral e com os outros agentes envolvidos, dentre eles o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, os Órgãos Estaduais de Meio Ambiente, o Ministério Público, a Defesa Civil e, também, com as concessionárias dos transportes terrestres concedidos.Atualmente, verifica-se um crescente aumento das exigências dos órgãos ambientais, em sua grande parte respondendo aos anseios e necessidades da sociedade, que contribui diretamente para a qualidade dos licenciamentos ambientais destinados á instalação e à operação de infraestruturas de transportes. Inúmeros são os exemplos de licenças ambientais que não são emitidas porque a variável ambiental não foi adequadamente considerada nos diversos estudos elaborados.

Internamente, a ANtt passou por uma reestruturação e a Portaria/DG Nº 254/2009, de 30/06/2009, constituiu o Núcleo de Meio Ambiente da ANtt – NMA/ANtt com a finalidade de coordenar as ações relativas à questão ambiental no âmbito da Agência. O NMA/ANtt, composto por representantes das unidades organizacionais, coordena, também as atividades necessárias à implantação das Linhas de Ação para o Acompanhamento e a Gestão Ambiental e aquelas destinadas à implantação do SGA/ANtt.

O SGA/ANtt necessita de revisão objetivando o seu aprimoramento e adequação a esta atual realidade política, econômica, tecnológica e institucional. Além disso, tal revisão deve contemplar os aspectos ambientais relacionados com o transporte Coletivo Rodoviário de Passageiros.

Em associação ao aprimoramento do SGA/ANtt faz-se necessária a concepção de um mecanismo automatizado de coleta e manutenção das informações ambientais com a função de auxiliar a gestão das informações ambientais no âmbito da ANtt e servir de apoio tecnológico para a integração e o compartilhamento das informações ambientais entre as unidades organizacionais da Agência.

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A GEStÃO AMBIENtAL APLICADA AOS tRANSPORtES: O CASO DA AGÊNCIA NACIONAL DE tRANSPORtES tERREStRES Janice Cabús

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ENTREVISTA

PAULO SÉRGIO OLIVEIRA PASSOSMinistro dos Transportes

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Por PAtRÍCIA GOMES

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Qual a importância de se organizar o setor de transportes em um ministério autônomo há 150 anos?

R. Com a vinda da Família Real para o Brasil, as características econômicas da então colônia portuguesa começaram a mudar, com a expansão da agricultura e do comércio, bem como da ocupação do território. Assim, foi necessário implantar facilidades de transporte para tal expansão. A criação do Ministério dos transportes se insere nesse contexto histórico, como uma necessidade de organização por parte do poder público, ainda no Império.A origem do Ministério dos transportes está na criação, por Dom Pedro II, em 28 de julho de 1860, pelo Decreto nº 1067, da Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas. Posteriormente, recebeu diversas atribuições e denominações, como por exemplo, Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas; Ministério da Viação e Obras Públicas; Ministério da Infraestrutura, até chegar a Ministério dos transportes, desde 1992.

E que importância tem, hoje, o setor de transportes e, por conseguinte, o Ministério dos Transportes, para o desenvolvimento nacional?

R. O desenvolvimento da economia do país depende fundamentalmente de uma rede de transportes eficiente e bem estruturada, tanto para o transporte de matéria-prima de consumo interno ou de exportação, quanto para a movimentação de produtos industrializados. Para que seja alcançada esta eficiência, é necessário que o transporte seja efetuado pelo modal adequado, seja rodoviário, ferroviário, hidroviário, dutoviário e até mesmo o aeroviário. Desta forma, o transporte é efetuado de modo econômico, com maior eficiência energética e menor impacto ambiental, aumentando a competitividade dos produtos brasileiros, tanto no mercado externo como no interno. Nesse contexto,

o papel do Ministério dos transportes é o de estabelecer as diretrizes para o desenvolvimento do setor, planejar a infraestrutura necessária, estabelecer as prioridades para a sua implantação e acompanhar a execução dos projetos, tanto na fase de estudos quanto na de execução.

Quanto ao PNLT – Plano Nacional de Logística e Transportes - , concebido em sua gestão anterior como ministro, o senhor considera que ele esteja sendo usado efetivamente como ferramenta de planejamento de longo prazo?

R. O Brasil ainda possui uma matriz de transportes desequilibrada. Em 2005, as rodovias respondiam por 58% da carga transportada, as ferrovias, por 25%, as hidrovias por 13%, as dutovias por 3,6% e o modal aéreo por 0,4%. A meta estabelecida pelo Plano Nacional de Logística e transportes é a de que, em 2025, as rodovias respondam por 30%, as ferrovias por 35%, as hidrovias por 29%, as dutovias fiquem com 5% e o modal aeroviário com 1% de toda a carga movimentada no Brasil. O PNLt, enquanto ferramenta de planejamento de longo prazo, necessita de atualizações periódicas, tanto da sua base de informações como do seu portfólio de projetos, tendo em vista as mudanças da economia e de outros fatores conjunturais. Esta atualização está em curso, por meio da contratação de consultoria especializada. A prova de que o PNLt tem uso efetivo é o fato de a maioria dos projetos em andamento ou previstos no PAC – Programa de Aceleração do Crescimento – ter origem no PNLt. E em relação ao Programa de Aceleração do Crescimento, um programa de gestão de obras, como o senhor avalia seus resultados?

R. Vemos avanços históricos. O PAC mostra-se cada vez mais capaz de aumentar a produtividade, gerar empregos e fazer girar a economia do País. Esse programa consolidou a ideia de que

O PERFIL DO MINIStRO - Economista, formado pela Universidade Federal da Bahia, é servidor público federal desde 1973, tendo ingressado por concurso público como técnico em Planejamento, lotado no Ministério dos transportes. Posteriormente, passou a integrar a carreira de Planejamento e Orçamento. Dedicou grande parte de sua vida ao Ministério dos transportes, tendo exercido inúmeras funções técnicas e de direção, a última delas como Secretário-Executivo. Ainda no Governo Federal exerceu cargos de destaque no Ministério do Bem-estar Social e no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, onde foi durante seis anos secretário-adjunto da Secretaria de Orçamento Federal. Em entrevista à Revista ANtt, o Senhor Ministro comenta a respeito do sesquicentenário do Ministério dos transportes e o cenário atual da área no Brasil.

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o planejamento é condição fundamental para o Brasil crescer de maneira sustentável. Com isso, o governo federal garantiu o escoamento dos níveis crescentes de produção e prepara os eixos de transporte para uma expansão ainda mais acentuada, nos próximos anos.

Para isso, o Ministério dos transportes tem canalizado recursos, de forma planejada, para uma eficiência de matriz, o que permitirá uma ampla expansão da malha ferroviária e priorização do transporte em hidrovias sem, com isso, deixar de atender à extensa demanda por recuperação da malha rodoviária.

Com o PAC, o governo federal realizou um conjunto de obras importantes para atender aos níveis de produção atuais, quebrando um hiato de paralisia no setor. Em rodovias, pode-se destacar a conclusão de algumas obras, como os 13,7 km na BR-163/MS, com a adequação de capacidade da travessia de Dourados; duplicação de 31,5 km na BR-060-DF/GO; 133 km na BR-282/SC Lajes; 84 km na BR-153/PR; 7,2 km na BR-030/BA; 61,5 km no trecho Sul da Rodoanel de São Paulo; 100 km na BR-050/MG – Uberlândia/Uberaba; 112 km na BR-230/PB João Pessoa - Campina Grande; entre outros.

Na área ferroviária, temos a conclusão do trecho Aguiarnópolis/tO - Palmas/tO, da Ferrovia Norte-Sul; 823 km de obras na Ferrovia Nova transnordestina; além de obras na Ferrovia de Integração Oeste-Leste; no Contorno Ferroviário de Araraquara/SP; São Francisco do Sul/SC e Joinville/SC.

Já no setor hidroviário, 21 terminais foram concluídos: 3 no Pará, 17 no Amazonas e 1 em Rondônia, além da conclusão da eclusa de tucuruí. Dentre as obras iniciadas, podem ser citadas o derrocamento, dragagem e sinalização no rio tocantins; o início da construção da eclusa de Lajeado; a dragagem, sinalização e balizamento das principais hidrovias brasileiras; e ainda, a recuperação de 16 portos marítimos.

Em que pontos o senhor considera como avanços no setor nas gestões mais recentes e que pontos o senhor julga que ainda são passíveis de melhorias?R. O grande avanço do setor já foi dado através da retomada do processo de planejamento no setor de transportes de modo permanente, participativo, integrado e interinstitucional, envolvendo toda a sociedade brasileira; houve um grande reforço de investimentos na infraestrutura de transportes através do PAC que totalizou quase R$ 80 bilhões no período 2007-2010, elevando o percentual de dispêndios de 0,2% para 0,5% do PIB e caminhando para atingirmos o patamar ideal de 1%. Como pontos passíveis de melhorias podem ser citados os caminhos apontados pelo PNLt para a mudança na matriz de transportes, envolvendo

a consolidação de uma nova malha ferroviária, a estruturação de corredores hidroviários e a intensificação dos esforços de racionalização energética em transportes.

Por favor, faça suas considerações finais.

R. No corrente ano, quando se comemora os 150 anos de história do Ministério dos transportes, queremos destacar que a instituição, mais do que testemunha, foi, desde a sua criação, agente a serviço do desenvolvimento nacional, participando na formulação de políticas, na coordenação e supervisão de iniciativas de planejamento, na gestão e na execução da infraestrutura de transportes indispensável para o crescimento do País.teremos pela frente um período de grandes mudanças no setor de transportes. Estamos discutindo juntamente com a ANtt o novo marco regulatório do setor ferroviário, com a separação entre manutenção das vias e operação de transportes, dando abertura para a atuação de operadores independentes. Até o final do ano, teremos a criação da EtAV – Empresa de transporte Ferroviário de Alta Velocidade – e o leilão para concessão da construção e exploração do trem de Alta Velocidade entre o Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. O PAC 2, por sua vez, prevê investimentos de R$ 104,5 bilhões em infraestrutura de transportes. Com a continuidade destas ações, acreditamos que o Brasil contará com rodovias, ferrovias, hidrovias e portos em condições de suportar o crescimento esperado para a sua economia.

Felizmente estamos tendo a oportunidade de viver um novo período de expansão de nossa economia, com significativos avanços na área social.Uma parte importante da população brasileira está saindo da condição de pobreza para ingressar no mercado de consumo e isto tem acrescentado novos e importantes desafios para nossa infraestrutura de transporte e sua cadeia logística.também a expectativa internacional é de que o Brasil estará no rol das cinco maiores economias do Planeta na próxima década o que nos lança com maior vigor no mercado mundial, exigindo maior competitividade de nossa produção e comercialização agrícola e industrial, dada a nossa sobejamente conhecida potencialidade nesses segmentos.

Isto tudo significa manter e dar continuidade aos programas de investimentos na área logística, retomados com o PAC I e a seguir pelo PAC II.

O Planejamento Estratégico de longo prazo, organizado pelo PNLt, nos manterá no rumo certo, assegurando bases sólidas para investir, com eficácia, na busca por um País socialmente mais justo, economicamente mais equilibrado, bem como mais eficiente e sustentável do ponto de vista energético e ambiental.

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REPORTAGEM por SÍLVIO BARBOSA DA SILVA JÚNIOR

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Território, transportes e desenvolvimento: a atuação recente do Estado brasileiro.

território é um conceito bastante usual para a geografia. Mais que usual, é o conceito-chave com o qual trabalha aquela ciência. Grosso modo, território se refere ao exercício de poder sobre um espaço determinado. Em geral, ao espaço dominado/ gerido por um agente estatal nacional, regional ou local.

Se o território foi fundamental em outros períodos nos termos dos expansionismos estatais, de questões bélicas ou meramente palco de nacionalismos exaltados e aspectos étnico-culturais, cada vez mais ele se torna importante para outras questões, notadamente aquelas relativas ao desenvolvimento sócio-econômico e provimento de qualidade de vida às populações que abrigam.

Sob este último aspecto, o conhecimento do território e de suas características, de seu conteúdo, é fundamental para ações efetivas que visem à melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento sócio-econômico nas mais variadas escalas, do local ao global. Pensar desenvolvimento pressupõe pensar o território e, mais ainda na atualidade, pensar o território sob uma perspectiva de sustentabilidade – econômica, social, ambiental, política...

Um dos elementos mais destacados na organização territorial são seus sistemas de movimento – ou de transportes, como preferirem. São eles que organizam os fluxos de pessoas e bens no espaço, sendo, ao mesmo tempo, um indicativo do grau de desenvolvimento e um indicativo de que a organização estatal que gere aquele território preocupa-se com seu desenvolvimento.

O livro espanhol “Geografía de los transportes” 1de Joana Maria Seguí Pons e Maria Rosa Martínez Reynés é um dos poucos “manuais” de planejamento de transportes lançados recentemente. Lança olhares sobre diversas questões relativas ao planejamento de transportes, inclusive sua vasta interface com o território: o transporte não é uma atividade finalística, mas sim algo que depende de fatores espaciais e, concomitantemente, interfere sobre a dinâmica espacial (ou territorial).

É com este ponto que as autoras iniciam a obra, falando das relações conceituais entre as categorias de análise da geografia – espaço, território – e os transportes, bem como trazendo o estado da arte da temática, abordando, inclusive, questões tecnológicas destes estudos. Analisa, para cada sub-setor – transporte marítimo, transporte aéreo, transportes terrestres – o estado atual dos estudos e do mercado de cada um. Abordam, ainda, questões relativas à intermodalidade e aos sistemas urbanos e regionais de transportes de passageiros, ainda que focados nas realidades espanhola e européia.

Porém, o ponto alto do livro não está em ser um dos poucos manuais de planejamento de transportes na atualidade trazendo questões de ordem tecnológica, operacional e acadêmica do setor, que preenchem boa parte do livro; sua grande contribuição se encontra nos últimos capítulos, nos quais abordam três itens relevantes: impactos dos transportes na economia e no território; relações entre transporte e questões ambientais; e questões relativas a planejamento e políticas de transportes.

No primeiro item chegam a uma conclusão semelhante ao que já dissemos anteriormente: transporte e desenvolvimento estão intimamente ligados: o atendimento adequado às demandas, o fornecimento de infraestrutura adequada às regiões deprimidas, levando em consideração o potencial de desenvolvimento e os custos de implantação/ manutenção, obviamente.

¹PONS, Joana Maria Seguí; REYNÉS, Maria Rosa Martínez Reynés. Geografía de los transportes. Palma (Illes Balears): Universitat de les Illes

Ballears, 2004.

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No que se refere aos aspectos ambientais, foca na falsa dicotomia existente desenvolvimento e meio ambiente. O desenvolvimento sócio-econômico atual não pode cometer os erros pretéritos e presentes, mas sim superá-los, internalizando diretrizes ambientais. A isto se refere à sustentabilidade: à necessidade de o desenvolvimento econômico e social sem abrir mão da manutenção das qualidades ambientais necessárias à sobrevivência e reprodução das gerações futuras. Pois se o transporte é uma das linhas-mestras do desenvolvimento, seu planejamento deve levar em consideração a qualidade ambiental.

Por fim, ao tratar de aspectos de políticas públicas e planejamento, reafirmam a importância de se levar em consideração os aspectos ambientais, notadamente os aspectos firmados em conferências internacionais. Ressaltam, ainda e relação ao planejamento, ao relatarem o caso europeu, a necessidade patente de articulação entre as instituições – no caso europeu em nível transnacional – para a consecução de sistemas de transporte que suportem efetivamente um desenvolvimento sócio-econômico adequado e sustentável.

Mas e no Brasil destes tempos, como anda sendo realizado o planejamento de transportes? Ele tem tido alguma relação com algum ordenamento territorial maior? As questões ambientais são tratadas como deveriam? As instituições se articulam como deveriam? Para responder tais perguntas em profundidade seria necessário se debruçar algum tempo sobre estas questões. Sem a pretensão de esgotar o assunto em uma pequena reportagem, o objetivo aqui é mais lançar um pouco de luz sobre o assunto e, quem sabe, propiciar o início de um debate necessário sobre ele.

Como acadêmico que estuda sobre o assunto, como profissional que trabalha no setor e, ainda mais como cidadão e usuário das redes de transportes, a impressão que tenho é a de que a atuação estatal no setor de transportes se dedica majoritariamente sobre ações pontuais. Busca-se resolver congestionamentos com duplicações, alargamentos, pavimentam-se rodovias onde começa a emergir uma demanda, estudam-se melhorias em portos já congestionados, ou a transferência de suas cargas para portos novos. Não observo um planejamento que pense um sistema de transportes articulado com a dinâmica social e econômica – materializadas na dinâmica territorial.

Noto, ainda, deficiência no acompanhamento de obras – não é raro ver em uma rodovia uma placa informando uma data já ultrapassada para o fim de uma obra ainda em curso. E, tão grave quanto, é observar a falta de clareza nos critérios para estabelecimento de prioridades, focando o uso do recurso público na melhor alternativa possível.

No entanto é possível observar alguns avanços recentes. Desde 2006, e lançado oficialmente em 2007, há o Plano Nacional de Logística e transportes – PNLt. Este plano consiste numa tentativa de resgatar o planejamento de longo prazo – abandonado há algum tempo – para o setor de transportes, por meio da indicação de obras estruturantes do setor – construção e ampliação de rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, terminais, hidrovias, dentre outros aspectos. Um ponto positivo é a participação dos poderes públicos regionais e locais, bem como de setores da sociedade civil organizada na elaboração do PNLt. No entanto, a construção do plano ainda é prejudicada pela carência de dados e pela falta de uma diretriz de ordenamento do território nacional que sirva de guia.

Derivado do PNLt há o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC –, lançado em 2007, cujo objetivo é alcançar um nível estabelecido de crescimento econômico. Para tal, foram pensadas e desenvolvidas ações em termos econômicos e institucionais, bem como investimentos em infraestrutura de transportes, energia, habitação e saneamento. No que se refere aos investimentos em infraestrutura de transportes, buscou-se a solução de alguns gargalos logísticos dentre os elencados no PNLt, visando, por fim, o crescimento econômico. Apesar da execução de obras abaixo do esperado, destaco como ponto positivo a existência de uma metodologia de gestão e acompanhamento de obras, bem como a derivação das ações do plano a partir do PNLt, um plano construído em parceria com a sociedade.

Durante o Encontro Nacional de Geógrafos2, ocorrido em Porto Alegre no fim de julho, participei de grupo de discussões que trabalhou, dentre outros aspectos, o setor de transportes em seus diversos aspectos, dentre os quais a questão institucional, a atuação recente do Estado brasileiro e o papel do território nos dias atuais. Lá tive a oportunidade de conversar com o geógrafo Daniel Huertas, que tem como foco de estudo a atuação do estado brasileiro perante a ocupação amazônica recente, expansão da fronteira agrícola e a articulação das redes de transporte.

Daniel Monteiro Huertas, jornalista formado pela Universidade Estadual Paulista – UNESP – campus de Bauru, e geógrafo graduado na Universidade Federal de Uberlândia – UFU, mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo – USP. Atualmente é docente da Escola Superior Diplomática (ESD), curso preparatório para a seleção do Instituto Rio Branco (IRBr), e doutorando em Geografia Humana pela USP, com ênfase em Geografia da Circulação.Além disto, tem o hábito de percorrer o país, conhecendo seus mais recôndidos grotões: é um profundo conhecedor do território brasileiro. Segue o conteúdo de nossa conversa:

²XVI Encontro Nacional de Geógrafos, organizado pela Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB, de 25 a 31/07 em Porto Alegre.

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1. Sob a perspectiva de um geógrafo que trabalha a questão do território e suas relações com os sistemas de transporte, como você compreende a importância destes sistemas para o desenvolvimento nacional?

Não acredito em desenvolvimento nacional sem um correlato desenvolvimento dos sistemas de transportes, sobretudo em um país de dimensões continentais como o Brasil. Mas estes, por si só, também não garantem o pleno desenvolvimento das potencialidades socioeconômicas, pois os problemas do país não se restringem apenas à ineficiência da circulação. Mas duas questões, sob o meu ponto de vista, são de extrema relevância nessa discussão: os sistemas de transportes precisam ser orientados a privilegiar o mercado interno para assegurar o incremento das trocas interregionais e as forças produtivas também devem se esparramar por todo o território nacional, observadas as restrições ambientais no caso da Amazônia. Políticas que visam apenas a formatação de corredores de exportação não garantirão o desenvolvimento do país, principalmente em uma condição desfavorável na divisão internacional do trabalho – exportador de commodities agropecuárias e minerais e importador de bens de alto valor agregado.

2. Como você avalia a atuação recente do estado brasileiro em relação ao planejamento de transportes?

Vejo que o governo federal já se deu conta de que a logística de transportes em tempos de globalização econômico-financeira é um poderoso instrumento de organização do território, mas o Estado perdeu a sua capacidade de execução e planificação a partir dos anos 80. Algumas evidências levam a crer que o governo Lula está tentando retomar parte dessa capacidade, mesmo que em outra conjuntura. O Estado não pode apenas restringir a sua função ao papel normatizador e regulador, já que talvez seja o único agente econômico capaz de corrigir as históricas e crônicas desigualdades regionais brasileiras. O primeiro passo já foi dado com a elaboração do Plano Nacional de Logística e transportes (PNLt) e a criação de um órgão estatal nos moldes da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para gerenciá-lo será bem-vinda, desde que consiga alavancar um grande esforço de sinergia a nível federal e regional, concentrando a inteligência necessária para se pensar os sistemas de transportes do país. O extinto GEIPOt³ de alguma forma preenchia essa lacuna.

3. Dentre as políticas recentes, quais você considera como um avanço?

O reforço do papel das agências reguladoras, dotando-as de mecanismos institucionais que possam equacionar com justiça,inteligência e seriedade as concessões pretéritas e as que estão por vir. Destaco também a revogação da carta-frete, uma reivindicação histórica dos trabalhadores autônomos de carga rodoviária. A expansão ferroviária que está em curso no Brasil, mesmo aquém do ideal, merece ser citada.

4. E quais você considera como de patente necessidade de revisão?

O reconhecimento de que o modelo de concessões rodoviárias e ferroviárias estabelecido na década de 90 foi equivocado já é um grande avanço. Isso está obrigando a ANtt a elaborar diagnósticas e estudos da situação dos transportes terrestres no país para, em seguida, embasar a revisão de uma série de processos e normas dentro dos parâmetros legais. A partir daí o órgão terá condições técnicas de pressionar as concessionárias a cumprir de modo mais satisfatório o papel que lhes foi outorgado. É um absurdo que apenas 10% de toda a malha ferroviária esteja em plena capacidade. E os outros 90%? Estão subutilizados ou apodrecendo porque não é viável economicamente para as empresas? As concessionárias ferroviárias ficaram acomodadas no atendimento a grandes clientes cativos em trechos de alta densidade e esqueceram do restante do país. Os investimentos foram altamente concentrados. No modal rodoviário, o último lote de concessões federais, em trechos de altíssima densidade como a Régis Bittencourt (BR-116) e a Fernão Dias (BR-381), mostrou a deformação do modelo paulista, que cobra pedágios exorbitantes. Nesse caso, o modelo paulista precisa ser revisto urgentemente, pois é a “mina de ouro” do setor privado.

5. Quais pontos, por fim, devem ser aperfeiçoados, no seu entendimento, em relação à gestão estatal dos sistemas nacionais de circulação?

Regulamentação e estímulo à navegação de cabotagem; indução à aviação regional; incremento da navegação fluvial na Amazônia; elaboração de uma tabela nacional de frete rodoviário e desenho de um plano intermodal para o país, detectando nós e eixos que poderiam abrigar plataformas logísticas multimodais. Na questão rodoviária, principal modal de nossa matriz de transportes, acredito que os contratos de concessão ainda precisam ser aperfeiçoados em vários aspectos. Ainda vejo com alguma frouxidão a maneira pela qual alguns itens são cobrados pelo poder concedente. Em muitos casos, por exemplo, os investimentos programados não passam de objetos óbvios, como manutenção da via, implantação ³Empresa Brasileira de Planejamento de transportes

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de sinalização adequada e dotação de infraestrutura de serviços, mas é preciso ir além. Praticamente toda a rede rodoviária federal foi construída entre os anos 30 e 70 e essa é a grande chance de o Estado exigir a duplicação de trechos importantes, correções de traçado e construção de obras de arte. Em outras palavras, pensar contrapartidas do setor privado capazes de oferecer um “choque de engenharia” nas principais artérias do país. Além disso, as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste também precisam ser inseridas nesse contexto, e não apenas o “filé mignon”. Como fazer isso é a grande questão, pois são zonas do país com baixa atratividade econômica. Uma ideia seria vincular uma concessão de uma rodovia do Centro-Sul a uma do Maranhão, em um exemplo hipotético. Nesse caso, apenas a manutenção mínima do pavimento e da sinalização da via daquele Estado nordestino seria suficiente, mas isso demanda estudos para que sejam arquitetadas possibilidades de equilíbrio econômico-financeiro.

Assim como destaca nosso colega geógrafo, fica patente que, por um tempo, o Estado brasileiro abandonou o planejamento de vários setores, inclusive o de transportes. Recentemente observa-se uma ação mais intensa do Estado no sentido de retomar as rédeas do planejamento, ainda que, inicialmente, esteja focado em resolver gargalos ao invés de promover o desenvolvimento em áreas novas.

Outro ponto ainda conflituoso são as questões ambientais: não existe sinergia entre a atuação dos órgãos de transporte e aqueles responsáveis pelo licenciamento e gestão ambientais: os órgãos ambientais parecem não compreender a importância de obras de infraestrutura para o país, enquanto os planejadores de transporte encaram a questão ambiental como um entrave ao desenvolvimento. Isto poderia ser diferente se houvesse uma diretriz territorial nacional à qual seguir; deste modo, o pessoal da área ambiental levaria em consideração a proposta de organização territorial na concessão dos licenciamentos e na constituição de áreas de preservação; do mesmo modo, falta aos planejadores de transporte a capacidade de planejar empreendimentos menos impactantes – não sei se por questões de formação acadêmica ou outra qualquer.

O alerta que se faz novamente é à necessidade de um ente integrador de políticas públicas. E este ente só pode ser uma diretriz, um projeto nacional que tenha por base o território. Com uma organização territorial pretendida é possível traçar e articular as políticas setoriais em busca de um objetivo comum. É preciso que as instituições se articulem de forma mais afinada e que busquem estes objetivos comuns; é preciso, ainda, que se acelere esta lenta revalorização do território como guia das políticas públicas.

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ARTIGOS TÉCNICOS

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Freedom trade and freight International Road Transport In MercosurCYNtHIA BERtHOLINI SANtOSMARCELO VINAUD PRADOANDRÉ DULCE GONÇALVES MAIAAgência Nacional de Transportes Terrestres

AS LIBERDADES COMERCIAIS E O TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERNACIONAL DE CARGAS NO MERCOSUL

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Resumo O objetivo deste artigo é lançar diretrizes para análise de uma proposta do que seriam as “liberdades da terra” aplicadas ao transporte rodoviário, no intuito de gerar subsídios técnicos para as negociações que pautam o ideal de integração do sistema de transporte terrestre no MERCOSUL. Considerações sobre os aspectos técnicos, operacionais e institucionais do transporte rodoviário são alinhadas em comparação com os conceitos das liberdades do ar. Ao se implementar o conceito de liberdades técnico comerciais, abrem-se caminhos para entendimentos mais maduros calçados em alicerces técnicos consistentes, possibilitando a mensuração dos níveis de harmonização das relações comerciais no bloco econômico.

Palavras-Chave: transporte Rodoviário, liberdades comerciais, Mercosul

ABSTRACTthe purpose of the present paper is to provide guidelines for the analysis of a proposal about what would “freedom of land” be when related to freight road transport in order to generate technical support for the negotiations that govern the ideal integration of that activity in MERCOSUR. Considerations on the technical, operational and institutional aspects about freight road transport are coherent when compared with the concepts of “freedom of air”. When implementing the concept of freedom technical trade, newer, more mature and solid ways of understanding are can be seen, enabling the analysis of the relations levels of harmonization in that economic bloc.

Keywords: Road transport, Freedom trade, Mercosur

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1. Introdução Nos últimos anos do século XX as nações do mundo buscaram de maneira mais incisiva uma maior flexibilização das suas fronteiras, principalmente em termos socioeconômicos e financeiros, uma vez que os avanços tecnológicos são disseminados e compartilhados quase instantaneamente, permitindo novas perspectivas de expansão da riqueza das nações. Estas diretrizes mundiais têm estado marcadas de forma notória na crescente internacionalização da produção e da comercialização de bens e serviços (Espírito Santo Jr. e Correia, 2006; Silva, 2009).

A conseqüência deste processo tem sido observada por meio da facilitação ao livre trânsito de mercadorias e serviços, muitas vezes transformando mercados nacionais em mercados plurinacionais ou em blocos regionais, e estes em mercados verdadeiramente mundiais (Espírito Santo Jr. e Correia, 2002).

As liberdades praticadas no transporte internacional, principalmente no transporte de bens, atuam como um termômetro do desenvolvimento e maturidade dos mercados, pois como atividade meio para todo sistema produtivo, reflete o nível de integração nas transações comerciais realizadas.

Para o transporte aéreo de pessoas e bens, estas liberdades técnicas e comerciais foram muito bem definidas na convenção de Chicago (ICAO, 1944) e desde então estabelecem parâmetros de integração desse mercado em diversos níveis, por meio de acordos bilaterais, multilaterais e de blocos econômicos, como a Comunidade Européia.

No que concerne ao transporte Rodoviário Internacional de Cargas – tRIC, apesar da sua importância estratégica em todos os blocos econômicos, não possui um instrumento que sirva de base para mensuração da integração operacional e comercial desse mercado de serviços, tendo seus parâmetros de liberdades de atuação técnica e comercial espelhado nas chamadas “liberdades do ar” definidas para o transporte aéreo.

Porém, a associação direta dos conceitos das liberdades do ar com o modus operandi do tRIC, sem levar em conta características técnicas, operacionais e institucionais desse modo de transporte, pode gerar interpretações distorcidas da real extensão da aplicação desses conceitos. Isto porque a livre interpretação desses conceitos aumenta as chances de ocorrência de prejuízos regulatórios, bem como pode contribuir para o fomento dos custos de propriedade e de transação não previstos pelos países partes, nas relações bilaterais, tripartites e multilaterais.

Isto posto, o presente trabalho busca lançar diretrizes para análise de uma proposta do que seriam as “liberdades da terra” aplicadas ao transporte rodoviário, no intuito de gerar subsídios técnicos para as negociações que pautam o ideal de integração do sistema de transporte terrestre no MERCOSUL, conforme preconizado por Santos e Prado (2009).

Para atingir tal objetivo, uma revisão sobre o conceito das liberdades do ar é realizada, bem como do transporte rodoviário internacional de cargas e seu contexto no MERCOSUL. Considerações sobre os aspectos técnicos, operacionais e institucionais do transporte rodoviário são alinhados em comparação com os conceitos das liberdades do ar, visando gerar subsídios para o estudo do que seriam os conceitos aplicados às liberdades da terra para o tRIC no maior bloco econômico da America Latina.

2. O transporte aéreo internacional e as liberdades do ar

A Convenção Internacional de Aviação Civil (Convenção de Chicago), realizada em 1944, é o marco da aviação comercial mundial, oportunidade em que foi determinada a padronização das regras técnicas e econômicas do transporte aéreo internacional com o objetivo de buscar a paz e a cooperação entre as nações. Logo, a padronização só seria possível se houvesse um órgão mundial para determinar e regular as regras do transporte aéreo.

Nesse sentido, a Convenção de Chicago dispôs sobre a criação da Organização Internacional de Aviação Civil – OACI, ou ICAO, como é internacionalmente conhecida (ICAO, 1944). A OACI funciona como uma espécie de agência reguladora do transporte aéreo mundial ao ditar as regras tanto no âmbito técnico quanto no econômico por meio dos dezoitos anexos da Convenção de Chicago; e das normas e práticas recomendadas (Standards and Recommended Practices - SARPs) de aplicação uniforme para todos os países signatários. Ou seja, a OACI fixa as normas mínimas a serem adotadas pelos Estados signatários da Convenção de Chicago.

Por sua vez, os Estados, representados pelo órgão regulador nacional, são responsáveis pela adaptação das normas mínimas da OACI à realidade do mercado nacional. Assim, os Estados são livres para determinarem o nível de acesso aos seus mercados por transportadores aéreos internacionais.

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Logo após a Convenção de Chicago, foi criada a Associação Internacional de transporte Aéreo (IAtA) – uma organização não governamental mundial, criada em 1945, para fomentar o transporte aéreo seguro, regular e econômico; oferecer os meios para estabelecer a colaboração entre as empresas aéreas, e cooperar com a OACI e outros organismos internacionais.

A IAtA objetiva o aprimoramento da segurança ao promover serviços aéreos rentáveis e seguros; o reconhecimento da importância da indústria do transporte aéreo para o desenvolvimento social e econômico do mundo; a viabilidade financeira da indústria ao otimizar os lucros e minimizar os custos; elaborar produtos e serviços que ajudam as companhias aéreas a satisfazerem as necessidades dos consumidores; a padronização e procedimentos que facilitam as operações do transporte aéreo internacional; e o apoio à indústria para identificar e articular as posições comuns da indústria (infraestrutura e congestionamento).

Na prática, a IAtA é o órgão responsável pela auto-regulação do transporte aéreo internacional. A auto-regulação da IAtA é elaborada em dois níveis: associação de comércio (técnica, legal, financeira, serviços de tráfego e os problemas das agências reguladoras do setor); e a coordenação de tarifas (tarifas de passageiros e carga, além das condições e seus encargos).

2.1. As liberdades do ar

Segundo OACI (1944), o direito de tráfego é um direito de acesso aos mercados que se expressam como uma especificação física ou geográfica acordada, ou uma combinação de especificações, sobre as pessoas ou objetos que são transportados por uma rota autorizada. Em outras palavras, é o direito de transportar passageiros, carga e mala postal, seja separadamente ou juntos (na mesma aeronave) tanto na forma remunerada quanto na gratuita. Estes direitos são denominados de liberdades do ar.

As liberdades do ar são dividas em duas categorias: as fundamentais e as comerciais. As liberdades fundamentais são conhecidas como International Air Services Transit Agreement ou Two Freedoms agreement. São abertas para todos os signatários da Convenção de Chicago, ou seja, não precisam de acordos bilaterais ou multilaterais.

Essas liberdades são essenciais para as operações do transporte aéreo internacional porque significam o direito de sobrevôo ou de trânsito inocente e o direito de pouso técnico para reabastecimento e reparação de pane verificada na aeronave, ou seja, não há comercialização de serviços. Nestas liberdades, as receitas geradas são provenientes apenas do uso do espaço aéreo e/ou encargos aeroportuários no caso de manutenção ou abastecimento. Apesar de não haver a necessidade de tratados, o Estado poderá exercer a sua soberania ao vetar que determinada aeronave sobrevoe o seu espaço aéreo, pois uma aeronave só poderá exercer os direitos das liberdades fundamentais mediante autorização (Soutelino, 2008).

Quanto às liberdades comerciais, as mesmas dependem de acordos bilaterais ou multilaterais para entrarem em vigor. Nestes acordos, são definidos, na sua maior parte, aspectos relacionados à capacidade de transporte dos equipamentos a serem utilizados na operação; tarifas; número de operadores; vôos ocasionais, extras e de fretamento; rotas e destinos a serem operados; e outros detalhes comerciais da operação.

Aproveitando o contexto, pode-se salientar que os conceitos básicos das liberdades instituídos pela convenção de Chicago podem ser assim descritos (OACI, 1944; SILVEIRA, 2007):

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TABELA 1 – Liberdades do ar

Liberdades do ar

Conceitos Ilustração

É o direito de sobrevoar o território de outro Estado, sem o direito de pousar.

2º É o direito de fazer uma escala técnica (reabastecimento ou manutenção) no território do outro Estado contratante, sem embarcar

ou desembarcar passageiros ou carga.

3º É o direito de transportar passageiros e cargas do território do Estado de nacionalidade da aeronave para o território do outro Estado com

propósito comercial.

É o direito de transportar passageiros e carga do território do outro Estado contratante para o território do Estado de nacionalidade da

aeronave.

5ºÉ o direito de transportar passageiros e carga entre o território do

outro Estado contratante e o território de um terceiro Estado.

6º É o direito de transportar passageiros e carga entre dois países passando pelo (e utilizando a infraestrutura) Estado sede do

transportador.

7ºÉ o direito de transportar passageiros e carga entre o território do outro Estado contratante e o território de terceiro Estado, sem que

haja qualquer conexão ou extensão de qualquer serviço com o Estado sede do transportador.

8ºÉ o direito de transportar passageiros e carga entre dois pontos no território do outro Estado desde que o serviço se origine ou termine

com o Estado sede do transportador.

9º É o direito de transportar passageiros e carga entre dois pontos no território do outro Estado contratante, sem continuar o serviço aéreo

para o território do Estado de nacionalidade da aeronave.

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3. O transporte rodoviário internacional de cargas no mercosulDe acordo com a Associação Latino-Americana de Integração – ALADI, define-se o transporte internacional de carga (tIC) como a operação de transladar produtos (carga), fornecendo um serviço, por um preço denominado frete, desde o país de origem (exportador) até o país de destino (importador). O transporte internacional de carga pode ser realizado nas modalidades aérea, por água (marítima e fluvial), terrestre (rodoviária e ferroviária) ou por uma combinação de duas ou mais dessas modalidades (transporte intermodal).

A realização do transporte rodoviário de carga se conforma em normas estabelecidas em acordos internacionais sobre transporte e trânsito. Historicamente, o Brasil mantém acordos internacionais de transporte terrestre com quase todos os países da América do Sul. Sua dimensão e localização geográfica tem sido preponderante nesse sentido.

No caso do MERCOSUL, adota-se o Acordo de transportes do Cone Sul, isto é o Acordo Sobre transporte Internacional terrestre – AtIt, firmado entre a Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Peru, Paraguai e Uruguai, que contempla tanto o transporte rodoviário, quanto o ferroviário. O AtIt permite a regulamentação conjunta do transporte internacional terrestre na América do Sul, possibilita a “garantia de regularidade de atendimento, bem como definições pertinentes a direitos e obrigações de usuários e transportadores” (Lopez, 2000).

Para que o transporte rodoviário internacional de carga se realize, no âmbito do MERCOSUL, faz-se necessário proceder em conformidade às normas estabelecidas nos acordos internacionais sobre transporte e trânsito internacional e nas legislações nacionais de cada país.

A integração plena de países com características tão distintas como os que compõem o MERCOSUL é de grande complexidade. As diferenças econômicas, políticas, geográficas, sociais, legais, culturais são, em muitos aspectos, obstáculos a serem vencidos para uma maior expansão econômica e a facilitação dos trâmites fronteiriços em todas as esferas (Santos e Prado, 2009).

Historicamente, entretanto, pode-se compreender o porquê ainda de tantos entraves no transporte rodoviário internacional de carga. A predominância de regimes políticos ditatoriais nos países sul-americanos por mais da metade do século XX, por exemplo, aportou aos limites fronteiriços uma importância estratégica de

segurança nacional.

Embora o Acordo Sobre o transporte Internacional terrestre – AtIt tenha sido firmado considerando a necessidade de se adotar uma norma jurídica única que reflita os princípios essenciais acordados pelos governos signatários (AtIt, 1990), não há nessa norma um caráter de supranacionalidade. Os Estados Partes é que deverão empenhar-se no cumprimento de acordos bilaterais, visando harmonizar suas legislações, disponibilidades técnicas-operacionais, entre outras.

Nesse sentido, Barbosa (2001) indica que, com a integração acontecendo de maneira física, nos setores de transporte, energia e comunicação, principalmente, a percepção desses benefícios se dará de forma mais clara. O autor afirma, ainda, que em bloco a inserção na economia mundial é muito mais factível.

4. Aspectos operacionais e institucionais do tric à luz das liberdades do ar

As liberdades do ar são conceitos universais já institucionalizados e amplamente utilizados para definir as relações comerciais no transporte aéreo internacional, fato não observado no transporte rodoviário, dada a inexistência de um tratado de alcance mundial para esse modo de transporte. Pode-se atribuir a alguns fatores preponderantes a inexistência de um acordo global:

•O transporte aéreo possui acesso pontual (aeroportos e aeródromos) e navegação hipoteticamente livre no espaço aéreo operacional. Nesse quesito o transporte rodoviário funciona de maneira contrária: possui acesso amplo à via de navegação (rodovias) sendo que o transporte está restrito às mesmas (infraestrutura física).

•No caso do transporte aéreo, a soberania dos países fica mais vulnerável, pois qualquer ponto da fronteira terrestre é um ponto potencial para a invasão do espaço aéreo alheio, levando os países a manter atenção redobrada quanto ao acesso das aeronaves estrangeiras. Em contrapartida, o acesso dos veículos do transporte terrestre, em principio, fica restrito aos pontos de fronteira com acesso rodoviário e autorizados ao trânsito por meio de acordo internacional, fazendo com que o controle de acesso no tRIC seja bem mais seguro e passível de controle mais rigoroso.

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•O tipo de carga transportada no transporte aéreo tem características de peso, volume e valor bastante distintas das operadas no transporte rodoviário. Em se considerando ainda o tRIC, a maioria dos embarques contratados compõe cargas fechadas e com destino único (MDIC, 2009), tornando algumas características das liberdades do ar pouco aplicáveis na prática quando se trata do transporte por rodovia.

tais fatores diminuem a necessidade de um acordo abrangente em nível mundial, corroborado ainda pelo fato de que o paradigma geográfico da fronteira terrestre simplesmente anula a necessidade desse tipo de acordo, dada a inexistência de fronteiras entre vários países.

No caso do MERCOSUL, o AtIt caracteriza as normas básicas de acesso e trânsito entre os países signatários, ficando os aspectos comerciais e operacionais passíveis de acordos bilaterais ou multilaterais.

No âmbito das liberdades essenciais, pode-se inferir que as duas primeiras liberdades do ar se fundem em uma só liberdade em se tratando do tRIC, dado que o acesso ao solo do outro país é inerente ao transporte por meio de rodovias. Ademais, a autonomia de deslocamento dos equipamentos rodoviários é muito mais restrita do que a das aeronaves em geral, o que faz com que a necessidade de paradas técnicas como reabastecimento e manutenção corretiva sejam praticamente inevitáveis.

No caso das liberdades comerciais, outro fator preponderante impede uma associação direta das liberdades do ar com as relações comerciais possíveis de serem estabelecidas no tRIC.

No que tange ao transporte aéreo, as aeronaves são equipamentos comerciais, monovolumes, e de posse e/ou propriedade de uma empresa operadora específica, permitindo, no máximo, que uma aeronave seja cedida por meio de subcontratação para uma operadora estrangeira em unidades operacionais indivisíveis.

Para o tRIC, existe a possibilidade de subcontratação de parte dos conjuntos rodantes, que são compostos em sua maioria por uma unidade de tração e implementos (reboques, semi-reboques, dentre outros), sendo possível a subcontratação com intercâmbio de tração, isto é, um conjunto rodante multinacional.

Em se considerando essa flexibilidade de uso de equipamentos previstos em acordos bilaterais ou em nível de bloco econômico, todas as liberdades comerciais precisam ser revistas à luz desse condicionante operacional.

5. Considerações finais

Um dos objetivos da flexibilização e um dos novos papéis de um Estado moderno é o de procurar promover e garantir a existência de um ambiente competitivo entre as empresas existentes e as que, potencialmente, podem vir a ingressar no mercado. Na realidade, as transformações sucessivas verificadas no ambiente competitivo e a um ritmo cada vez mais crescente colocam às empresas a exigência de responder apropriadamente ao mercado, de forma a garantirem a sustentabilidade e o sucesso da sua atividade.

Face às diferenças operacionais, institucionais e geográficas entre as atividades do transporte aéreo internacional de cargas e o tRIC, faz-se necessário a adequação dos conceitos para a aplicação das liberdades do ar no transporte terrestre, com o objetivo de formalizar os aspectos técnicos e comerciais dos acordos bilaterais por meio de conceitos sólidos e inteligíveis a todos os países partes

Ao se implementar o conceito de liberdades técnico comerciais, abrem-se caminhos para entendimentos mais maduros calçados em alicerces técnicos consistentes, possibilitando a mensuração dos níveis de harmonização das relações comerciais no bloco econômico.

À vista do exposto, o presente trabalho teve por motivo principal lançar a primeira flecha na discussão sobre uma proposta do que seriam as “liberdades da terra” aplicadas ao transporte rodoviário, no intuito de gerar subsídios técnicos para as negociações que pautam o ideal de integração do sistema de transporte terrestre no MERCOSUL.

Finalmente, espera-se que este trabalho seja o início concreto e efetivo de uma ampla e detalhada discussão sobre o assunto. Recomendam-se estudos mais acurados do tema abordado, levando em conta as questões colocadas neste trabalho quanto às diferenças entre o transporte aéreo e terrestre em âmbito de operação internacional. tais estudos propiciarão fundamentos importantes para as negociações visando à harmonização das normas e procedimentos do tRIC no âmbito do MERCOSUL.

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MAURÍCIO EHRLICH(COPPE/UFRJ)CLARA FERRAZSERGIO MAGALHÃES(CRT)

MONITORAMENTO DAS CONDIÇÕES CLIMÁTICAS ASSOCIADAS àS CONDIÇÕES GEOLÓGICAS-GEOTÉCNICAS DA RODOVIA BR-116/RJ E SEU ENTORNO: CORRELAÇÃO CHUVAS, PIEZOMETRIA E MOVIMENTOS DAS ENCOSTAS DOS kM 87 E kM101 DA BR-116/RJ.

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ResumoCorrelacionam-se chuvas, piezometria e movimentos de encostas em dois trechos da BR -116/RJ. Busca-se explicitar os mecanismos e as condições de estabilidade da região estudada, levando em consideração as condições locais geológico-geotécnicas e de drenagem da área. Observou-se nos dois locais, que a subida do lençol apresenta-se defasada de cerca de 7 dias do pico da chuva e que intensidades inferiores a 50mm em 96 horas basicamente não foram sentidas pelos piezômetros. No km 101, as movimentações laterais foram monitoradas por inclinômetros e, como seria de esperar, ocorreram com maior velocidade nos períodos chuvosos, praticamente não se observaram movimentações nos períodos de estiagem. Em linhas gerais, a direção e a profundidade dos movimentos observados mostraram-se condizentes com o perfil geológico-geotécnico encontrado no local.

Palavras-chave: Monitoramento, Encostas, Inclinômetro, Piezômetro, Pluviometria.

MONItORAMENtO DAS CONDIÇÕES CLIMÁtICAS ASSOCIADAS ÀS CONDIÇÕES GEOLÓGICAS-GEOtÉCNICAS DA RODOVIA BR-116/RJ E SEU ENtORNO: CORRELAÇÃO CHUVAS, PIEZOMEtRIA E MOVIMENtOS DAS ENCOStAS DOS KM 87 E KM101 DA BR-116/RJ. Maurício Ehrlich

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1. IntroduçãoA BR-116 interliga duas importantes regiões do país – Sudeste/Nordeste, e tem destacada relevância para o escoamento da produção agrícola. Em virtude do forte apelo turístico da região, o trecho entre a BR-040 e a BR-393 tem grande volume de tráfego, principalmente nos finais de semana e feriados prolongados, com maior concentração no trecho da Serra dos Órgãos. A Agência Nacional de transportes terrestres (ANtt) e a Concessionária Rio - teresópolis (CRt) tem investido num programa de pesquisa junto à COPPE procurando aprofundar o conhecimento das condições reais de campo. tem-se por objetivo melhor explicitar os mecanismos que governam a instabilização de encostas na região serrana. Em linhas gerais, tais problemas estão associados às condições geológico-geotécnicas e de drenagem.

O problema de instabilidade das encostas se agrava no período compreendido entre os meses de novembro e março, quando a intensidade das chuvas aumenta ocasionando escorregamentos de encostas e também enchentes.

O artigo é parte de um estudo de maior envergadura que visa correlacionar chuvas com o comportamento das encostas, caracterizar o regime pluviométrico e desenvolver um sistema de alerta meteorológico. Busca-se também desenvolver modelos numéricos de previsibilidade de temporais e acidentes relacionados. Para monitoração mais detalhada escolheram-se dois trechos com histórico de problemas: o km 87 e o km 101. Apresenta-se a seguir um breve relato de problemas ocorridos nesses trechos.

2. HistóricoEm fevereiro de 2005, verificou-se rotura de toda seção da estrada ao longo de um trecho de 40 m de extensão na altura do km 87,3. Na figura 1 apresenta-se foto do local do acidente. A rotura atingiu cerca de 10 m de profundidade envolvendo a camada de aterro e também terreno natural situado abaixo. O material deslizado avançou na forma de uma corrida de lama em direção ao Condomínio da Granja Comary, tendo percorrido uma distância de 120 m de extensão. Foi significativo o montante de precipitação antecedente à rotura. Verificou-se um total de 134 mm de chuvas nos 4 dias anteriores ao evento. A precipitação diária máxima observada em fevereiro ocorreu no dia 05 atingindo o valor de 63.2 mm. No dia do colapso (08/02) a precipitação foi de 7.2 mm. Esses dados correspondem à Estação Climatológica Auxiliar de teresópolis localizada na cota 874 e distante 4.5 km do local do acidente (cota 936). No entanto, comparando-se esses valores com a série histórica não se pode dizer, que o montante de chuva tenha sido excepcional.

No km 101 tem-se um antigo histórico de movimentos lentos. No início da década de 70 efetuou-se um alteamento de cerca de 2 metros de forma a melhor confinar a base da pista e minimizar os movimentos. Após a intervenção, os movimentos diminuíram, mas não cessaram por completo (Bittencourt e Pinto, 1978).

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FIGURA 1: Foto do local do acidente no km 87 (Jornal O DIA).

3. Caracterização geológico-geotécnica dos locaisSondagens foram executadas objetivando verificar os subsolos dos dois locais. Na Figura 2 apresenta-se o perfil do terreno observado na região do km 87.3 (local do colapso de fev/2005), que pode ser considerado típico do local. Um aterro de baixa permeabilidade encontrava-se posicionado sobre camadas de maior permeabilidade bloqueando em parte o fluxo da água subterrânea.

Sondagens convencionais e geofísicas resistivas foram efetuadas para caracterizar o perfil do subsolo encontrado no km 101. Os ensaios geofísicos demonstraram a ocorrência de uma língua de material menos consolidado que segue das partes de menor profundidade para as áreas mais profundas. Esta língua apresenta-se inclinada (~45º) em relação ao eixo da rodovia no sentido Rio de Janeiro e tem profundidade variando de 30 m (cota 215, perfil CRt-02) a 70 m (cota 140, perfil CRt-08) e largura entre 150 m (a 27 m de profundidade) e 100 m (a 47 m de profundidade).

tais estudos, associados aos testemunhos obtidos nas sondagens, indicam que a partir de 9m de profundidade da superfície do terreno tem-se a presença se um paleotalus, ou seja, blocos de rocha vindo da escarpa acima, depositados ao longo de milhares de anos num antigo talvegue.

Outro dado importante que reforça a teoria da existência de um depósito de blocos de rocha na região do km 101 é o fato das sondagens revelarem a ocorrência de “Granito Alterado” se iniciando em pequenas profundidades, em torno de 9 m, e se estendendo até o limite das sondagens (~50 m). De acordo com o perfil geológico desta região, o substrato granítico é encontrado nos grandes picos, sotoposto à suíte Santo Aleixo, composta basicamente de gnaisses.

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OCORRÊNCIAS

APÓS ROTURA

920

910

-50

960

950

940

930 FINA

-30-40

3+00(ESTIMADO)

ORIGINAL

-20

3+00(ESTIMADO)

(25/02)

SR-02

N.A.

SILTEARENOSO

924N.A.

922(26/02)

SP-06

SILTEARGILOSO

0-10

N.A.925.3(21/02)

ROCHA924(12/03)

ALTERADA

10

SP-02(SR-04)

20 30 40 50

DRENOSPROFUNDOS

(ESTIMADO)

3+00

1+15

SILTE

3+00

ARGILO-ARENOSO

ATERRO

935

AREIA

PISTA

ATERRO

EIXO DA

1+15

DESVIO 3+00

ORIGINAL3+00

escala 1:500

==

==

=

=

==

=

=

=

=

==

=

=

07/02 - PRIMEIRA TRINCA08/02 - ROTURA GERAL

05/02 - 63.2mm DE CHUVA

POSIÇÃO DO LENÇOL FREÁTICO (25/02 - 26/02)

FIGURA 2: Perfil Geotécnico típico do local do acidente – km 87 (Ehrlich, 2008).

4. InstrumentaçãoOs furos de sondagens foram aproveitados para a instalação da instrumentação (Oliveira et al, 2008). A monitoração em sua maioria é automática e no caso das chuvas transmite os dados coletados em tempo real. Concomitantemente está sendo efetuado um levantamento sobre informações pré-existentes de chuvas e deslizamentos de encostas relacionados à rodovia.

Encontram-se em operação estações meteorológicas automáticas situadas nos km 40, km 71, km 81, km 94, km 105 e km 133,5, além de informações e dados disponíveis nos principais centros de previsão de tempo. A transmissão dos dados de campo se dá via sistema de telefonia celular.

Para monitoramento das poropressões foram instalados piezômetros tipo corda vibrante (elétricos) e Casagrande. 11 piezômetros Casagrande e 11 elétricos foram instalados pelos km 86,3, 86,8, 87,3, 87,9 e 101. Com exceção do km 101 que possui 3 Casagrande e 3 elétricos, os outros trechos monitorados contam com dois pares de cada instrumento. A monitoração dos instrumentos elétricos é automática, o que facilita cotejar a interrelação entre chuvas, fluxos e pressões de água subterrânea. As leituras automáticas viabilizam o acompanhamento durante chuvas intensas.

No km 101, em duas verticais, são monitorados os movimentos laterais através de inclinômetros (21 meses de monitoração). As leituras dos 2 instrumentos serão apresentadas a seguir.As figuras 3 e 4 apresentam as locações dos instrumentos nos trechos estudados. Na tabela 1 tem-se a localização e profundidade de assentamento dos piezômetros.

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FIGURA 3: Localização da instrumentação do entorno do km 87.

FIGURA 4: Localização da instrumentação do entorno do km 101.

Eixo B

Eixo A

Inclinômetro

CasagrandePlezômetro Elétrico

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TABELA 1: Localização dos piezômetros

km Posição Pista Tipo Cota do terreno

(m)

Profundidade

(m)

Cota de posicionamento

(m)

86,3 bordo 1 C.grande 938,42 14,75 923,67

86,3 bordo 1 Elétrico 938,73 23,30 915,43

86,3 bordo 2 C.grande 940,36 8,25 932,11

86,3 bordo 2 Elétrico 939,89 19,65 920,24

86,8 bordo 1 C.grande 929,45 26,68 902,77

86,8 bordo 1 Elétrico 929,55 24,50 905,05

86,8 c. corte 2 C.grande 943,99 13,90 930,09

86,8 c. corte 2 Elétrico 938,64 10,80 927,84

87,3 sob o vdt 1 C.grande 932,10 11,45 920,65

87,3 sob o vdt 1 Elétrico 929,01 17,20 911,81

87,3 c. corte 2 C.grande 950,28 15,60 934,68

87,3 c. corte 2 Elétrico 941,00 14,50 926,50

87,9 bordo 1 C.grande 951,55 18,50 933,05

87,9 bordo 1 Elétrico 951,48 17,90 933,58

87,9 c. corte 2 C.grande 963,18 18,25 944,93

87,9 c. corte 2 Elétrico 960,88 12,90 947,98

101 bordo 2 Elétrico 238,58 12,90 225,68

101 bordo 2 C.grande 238,36 7,45 230,91

101 bordo 1 Elétrico 235,57 17,00 218,57

101 bordo 1 C.grande 235,93 8,10 227,83

101 c. corte 1 Elétrico 240,86 23,30 217,56

101 c. corte 1 C.grande 241,07 7,85 233,22

5. Resultados

5.1. InclinômetrosAs figuras 5 e 6 apresentam as leituras coletadas até dia 11 de dezembro de 2009. As leituras iniciaram em abril de 2007, em linhas gerais os dois pontos de monitoração têm apresentado comportamentos semelhantes. A diferença entre eles está na superfície de movimentação que no inclinômetro I1 se situa a 10 m de profundidade, enquanto que em I2 essa superfície fica na cota de 17,50 m abaixo do nível do terreno.

Os deslocamentos acumulados são da ordem de 70 mm e observam-se maiores taxas de velocidade de movimentação nos períodos chuvosos, chegando nesses períodos à cerca de 20 mm/mês. Até o momento tem-se em média uma velocidade de cerca de 40 mm/ano corroborando com a expectativa de movimento lento.

O movimento por ser intermitente se classifica como rastejo, diferentemente da fluência que se trata de um movimento contínuo.

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FIGURA 5: Leituras Inclinômetro I1- km 101.

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FIGURA 6: Leituras inclinômetro I2 – km 101

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5.2. Estudos geofísicosNa figura 7 apresenta-se o perfil geoelétrico CRt-02, que passa pelo ponto de instalação do inclinômetro I2 no bordo da pista sentido RJ. O perfil CRt-03 que passa pela posição do inclinômetro I1 na outra margem da rodovia, pode ser visualizado na figura 8. Os resultados indicam a presença de uma faixa de material menos resistivo que vai das partes superiores às camadas mais profundas (Marcelino, 2008).

Observa-se que os pontos que se verificam maiores deslocamentos laterais encontram-se em zonas de transição de materiais de diferentes resistividades; no inclinômetro I1 a 10 m de profundidade e no inclinômetro I2 a 17,50 m. Nota-se também que I1 está praticamente todo em área de anomalia condutiva, ficando apenas a extremidade inferior em zona de rocha sã, representada pela cor azul.

FIGURA 7: Perfil CRt-02 e inclinômetro I2.

FIGURA 8: Perfil CRt-03 e inclinômetro I1.

5.3. PluviógrafosNa figura 9 tem-se os registros pluviométricos de chuvas acumuladas de 96h correspondentes ao período de janeiro de 2008 até dezembro de 2009. Observa-se que ocorreram picos de chuva significativos nesse intervalo de leituras, passando de 300 mm em três eventos, sendo dois deles maiores que 400 mm. Como esperado, as maiores leituras ocorrem entre novembro e abril.

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Figura 9: Leituras pluviométricas.

5.4. PiezômetrosNa figura 10 apresentam-se leituras do piezômetro elétrico do km 87,3 (instalado sob o viaduto) junto com os registros pluviométricos (acumulados de 96 horas) das estações meteorológicas situadas no km 71, km 94 e km 105. Na figura 11 os gráficos correspondentes ao piezômetro elétrico instalado no km 101 na pista 1 no sentido RJ apresenta resultados semelhantes.

Percebe-se nos dois casos que as leituras dos piezômetros variam de acordo com as variações pluviométricas maiores que 100 mm. O tempo de resposta é de aproximadamente 7 dias, ou seja, após um evento chuvoso de mais de 100 mm em 96 horas, um pico nas leituras piezométricas é registrado no decorrer de uma semana.

FIGURA 10: Leituras piezométricas no km 87,3 (sob o viaduto) vs. leituras pluviométricas.

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FIGURA 11: Leituras piezométricas no km 101 sentido RJ vs. leituras pluviométricas

6. ConclusõesOs pluviógrafos assinalam a estação chuvosa entre os meses de novembro e abril, podendo atingir picos significativos com valores diários maiores que 150 mm.

Os resultados piezométricos mostram que a variação de poropressão acompanha o regime de chuvas e podem alcançar variações da ordem de 7 m (Piezômetro km 87,3 viaduto). As leituras piezométricas foram sensíveis às chuvas acumuladas (96h), com uma defasagem de aproximadamente sete dias em relação aos picos de chuva. Os picos pluviométricos com intensidades menores que 50 mm em 96 horas basicamente não foram sentidos pelos piezômetros.As movimentações laterais medidas nos inclinômetros instalados no km 101 assinalaram maiores velocidade de deslocamento nos períodos chuvosos, praticamente não havendo movimentação nos períodos de estiagem. Verificou-se nos dois instrumentos instalados, resultados similares tanto quanto a velocidade e períodos de deslocamento quanto no valor de deslocamento acumulado (~70 mm). O movimento é classificado como Rastejo por ser intermitente e em termos de velocidade de deslocamento (~40 mm/ano) pode ser descrita como Muito Baixa, segundo a escala de classificação de Cruden e Varnes (1996). No entanto, em períodos chuvosos essas taxas de deslocamento podem chegar à ordem de 20 mm/mês.

Verificou-se através dos ensaios geofísicos efetuados no km 101, a ocorrência de uma língua de material menos consolidado que segue das partes de menor profundidade para as áreas mais profundas. Esta língua apresenta-se inclinada (~45º) em relação ao eixo da rodovia no sentido Rio de Janeiro e tem profundidade variando de 30 m (cota 215, perfil CRt-02) a 70 m (cota 140, perfil CRt-08) e largura entre 150 m (a 27 m de profundidade) e 100 m (a 47 m de profundidade).

tais estudos, associados aos testemunhos obtidos nas sondagens efetuadas anteriormente, indicam se tratar de um paleotalus, ou seja, blocos de rocha vindo da escarpa acima, depositados ao longo de milhares de anos num antigo talvegue.

Outro dado importante que reforça a teoria da existência de um depósito de blocos de rocha na região do km 101 é o fato das sondagens revelarem a ocorrência de “Granito Alterado” se iniciando em pequenas profundidades, em torno de 9 m, e se estendendo até o limite das sondagens (~50 m). De acordo com o perfil geológico desta região, o substrato granítico é encontrado nos grandes picos, sotoposto à suíte Santo Aleixo, composta basicamente de gnaisses.Os dois inclinômetros estão instalados nesta zona de anomalia condutiva (língua) e o sentido de movimentação coincide com o sentido de orientação desta área de material de menor resistividade.

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Cruden, D.M., Varnes, D.J., 1996, “Landslides types and process”,

Special Report 247: Landslides – Investigation and mitigation, pp.36-75.

Ehrlich, M. (2008) Monitoramento das condiçõesclimáticas associadas

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Marcelino, M. B (2008) Levantamento geofísico (geoelétrico) do km 101

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Oliveira, G. A., Ehrlich, M. e Lacerda, W. A. (2008) Monitoramento de

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Congresso Brasileiro de Mecânica dos Solos e Engenharia Geotécnica

- vol. 2 - Búzios – Rio de Janeiro- Brasil.

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ANDRÉ RORIZ DE CAStRO BARBODIÓGENES EUStÁQUIO REZENDE CORREIAELISIA tERESINHA ENGELMANNÉRICO REIS GUZENGUStAVO DE ALMEIDA GOISMÍRIAN RAMOS QUEBAUDMURSHED MENEZES ALINAtÁLIA MARCASSA DE SOUZAStÉPHANE QUEBAUDAgência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT

A EVOLUÇÃO DA REGULAÇÃO NAS RODOVIAS FEDERAIS CONCEDIDAS

The development of regulation in federal toll roads concessions

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Resumo

A concessão de rodovias com cobrança de pedágio garante o investimento e a manutenção constantes, necessários em trechos rodoviários estratégicos para o desenvolvimento da infraestrutura do país. Neste sentido, em 1993 deu-se início ao Programa de Concessões de Rodovias Federais. Ao longo dos anos a regulação deste setor foi se consolidando no país. As experiências adquiridas com as primeiras concessões se refletem nos novos contratos firmados e nos estudos em realização. Este artigo aborda a evolução na regulação nas rodovias federais concedidas, apresentando as inovações nos modelos de contrato e as perspectivas para novos estudos.

Palavras-chave: Concessão, Rodovia, Regulação

Abstractthe process of road concession and toll charge enables the investments and maintenance of main road segments which play an important role in the country’s infrastructure development. therefore, in 1993 the Federal Road Concession Program was established. Regulation in this sector has been consolidating through the years. the experiences acquired along the process can be seen in recent contracts and studies. this paper approaches the development of regulation in federal toll roads concessions, presenting the innovations on contract models and the perspectives for future studies.

Keywords: Concession, Road, Regulation

A EVOLUÇÃO DA REGULAÇÃO NAS RODOVIAS FEDERAIS CONCEDIDAS Érico Reis Guzen

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1. Histórico das concessões de rodovias federais no Brasil

A cobrança de pedágio em rodovias federais é anterior à utilização do processo de concessão. A Rodovia Presidente Dutra, que liga o Rio de Janeiro a São Paulo, a Freeway entre Porto Alegre e Osório e a Ponte Rio-Niterói foram as primeiras rodovias federais a cobrar pedágio sob a administração do Departamento Nacional de Estradas e Rodagem – DNER, no final da década de 60 e início da década de 70.

Somente em 1993 deu-se início ao Programa de Concessões de Rodovias Federais. O programa foi criado pela Portaria Ministerial nº 10/93, posteriormente modificada pelas portarias 246/94, 824/94 e 214/95. Esta portaria deu origem a um Grupo de trabalho cuja finalidade era estudar a possibilidade de conceder à iniciativa privada a exploração de cerca de 30% dos 52.000 km de rodovias federais pavimentadas, além de estabelecer os procedimentos para sua licitação.

Inicialmente, foram analisados 18.059 km de rodovias, dos quais 11.191 km foram considerados viáveis para concessão e 6.868 km viáveis somente para a concessão dos serviços de manutenção. Foram definidas duas etapas do programa. A primeira teve início em 1995, quando foram concedidos à iniciativa privada quatro trechos de rodovias federais e a Ponte Rio-Niterói, totalizando 858,6 km. O modelo adotado foi o de Reabilitação-Operação-transferência (Rehabilitate Operate Transfer – ROT), que contempla investimentos em ampliação e melhoramentos, e posterior operação e manutenção.

O objetivo principal do programa era a redução dos custos públicos e a diminuição do papel do Estado provedor. Para isso fazia-se necessário o repasse ao setor privado de atividades que poderiam ser mais bem geridas por ele. No entanto, o programa carecia de legislação que regulamentasse esta transferência. As leis no 8.987/95, nº 9.074/95 e no 9.277/96 consolidaram o embasamento jurídico necessário para a implantação do programa.

A promulgação da Lei nº 9.277/96 (denominada Lei das Delegações), criou a possibilidade de estados, municípios e o Distrito Federal solicitarem a delegação de trechos de rodovias federais para incluí-los em seus Programas de Concessão de Rodovias. A Portaria nº 368/96, do Ministério dos transportes, estabeleceu os procedimentos para a delegação de rodovias federais aos estados dentre outras definições.

Em 1997 e 1998 inclui-se no programa de concessões federais trechos que estavam em obras de duplicação, como o da BR-381/MG/SP, entre Belo Horizonte e São Paulo, e todo o corredor formado pelas rodovias BR-116/SP/PR, BR-376/PR e BR-101/SC, entre São Paulo, Curitiba e Florianópolis. No mesmo período foram excluídos do programa outros trechos, que eram objeto de restauração e ampliação de capacidade.

Entre 1996 e 1998 foram assinados Convênios de Delegação com os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Minas Gerais, que também deram início aos seus programas de concessões.

Face às dificuldades para implementação dos programas estaduais, a Resolução nº 8, de 5 de abril de 2000, do Conselho Nacional de Desestatização – CND, recomendou “a revisão do Programa de Delegação de Rodovias Federais, de que trata a Lei nº 9.277/96”, e autorizou o Ministério dos transportes a “adotar medidas necessárias à unificação da política de concessões rodoviárias”.A concessão de rodovias com cobrança de pedágio garante o investimento e a manutenção constante necessária em trechos rodoviários estratégicos para o desenvolvimento da infraestrutura do país. Essas rodovias possuem um fluxo intenso de veículos e, consequentemente, com um desgaste rápido do pavimento, que nem sempre pode ser recuperado com recursos públicos. Além da manutenção, as concessionárias também prestam serviços de atendimento aos usuários, em especial, o atendimento médico de emergência em acidentes e o serviço de guincho para veículos avariados na rodovia.

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Com a promulgação da Lei no 10.233, de 5 de junho de 2001, foram criados a Agência Nacional de transportes terrestres – ANtt e o Departamento Nacional de Infraestrutura de transportes – DNIt, e foi extinto o DNER. Nesse contexto, o papel da regulação do setor de transportes terrestres, incluindo a regulação dos contratos das rodovias federais concedidas passou a ser exercido pela ANtt.Em 2002, o Pólo Rodoviário de Pelotas, inicialmente constante do Programa de Concessões do Estado do Rio Grande do Sul, passou a integrar o quadro de concessões de rodovias federais concedidas. Ao passar para a esfera federal, o respectivo contrato de concessão foi objeto de termo aditivo, ampliando sua extensão de 551,5 km para 623,8 km, com a inclusão do segmento da BR-116/RS até o município de Jaguarão. Após a inclusão do pólo, a ANtt passou a regular um total de 1.482,4 km de rodovias, detalhados na Figura 1.

Figura 1 – Rodovias da 1ª Etapa do Programa de Concessões

Apesar de a ANtt ter a atribuição de regular o setor de transportes terrestres, os estudos necessários para a licitação das Concessões de Rodovias Federais eram realizados pelo Ministério dos transportes. Somente em 2005 a Agência assumiu a condução desses estudos. Em fevereiro de 2006, foram publicados os editais do leilão de sete lotes de rodovias federais, integrantes da 2ª Etapa - Fase I do Programa de Concessões Rodoviárias, ilustrados na Figura 2.

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Figura 2 – Rodovias da 2ª Etapa do Programa de Concessões – Fase 1

Em 2008 foi colocado em licitação o edital do trecho compreendido pelas rodovias BR-116/BA e BR-324/BA (Figura 3), integrante da 2ª Etapa – Fase II do Programa de Concessões, cujo contrato foi assinado em 3 de setembro de 2009.

FIGURA 3 – Rodovias da 2ª Etapa do Programa de Concessões – Fase 2

Atualmente encontra-se em processo pré-leilão a 3ª Etapa – Fase I, abrangendo as rodovias BR-040/DF/GO/MG, BR-116/MG e BR-381/MG, com previsão de publicação de edital ainda para o ano de 2010, totalizando uma extensão de 2.055 km, conforme apresentado na Figura 4.

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FIGURA 4 – Rodovias da 3ª Etapa do Programa de Concessões – Fase 1

Além desses trechos, estão em processo de finalização os estudos de viabilidade técnico-econômica da 3ª Etapa

- Fase II, abrangendo as rodovias BR-101/ES, BR-101/BA e BR-470/SC, totalizando uma extensão de 1.608 km, conforme apresentado na Figura 5.

FIGURA 5 – Rodovias em estudo para a 3ª Etapa do Programa de Concessões – Fase 2

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2. As etapas de concessão de rodovias federaisPara melhor entender as diferenças entres as etapas de concessão de rodovias federais no Brasil, vale salientar o momento econômico do país. A União assumiu o papel de desenvolver a infraestrutura básica durante longo tempo, desde a criação do Estado Novo. A construção de grande parte da malha rodoviária pavimentada a partir da década de 50 foi possível por meio da utilização dos recursos tributários direcionados, por força de lei, ao financiamento de rodovias. Parcela significativa das rodovias brasileiras foi construída através dos recursos do Fundo Rodoviário Nacional (FRN), criado em 1945 (Benjamin, 2006).

Posteriormente, com o fim da vinculação dos tributos à infraestrutura rodoviária, iniciado com o crescente comprometimento do FRN com outras áreas do governo, e consumado pela constituição de 1988, iniciou-se o processo de deterioração da malha do país (Duarte, 2009). Como consequência, o programa de concessões brasileiro ganhou incentivadores, uma vez que experiências internacionais iniciadas na década de 70 se firmaram como tendência na pauta de organismos multilaterais de financiamento ao desenvolvimento (Santos et al., 2006). No entanto, a apropriação dessa experiência se deu de forma acelerada no Brasil, não sendo possível a maturação de uma estratégia eficaz de preparação das instituições públicas à nova realidade.

Em meio a esse contexto, o processo de concessão de rodovias vem se aprimorando ao longo dos anos. Atualmente, os modelos de contrato e edital em estudo para a 3ª Etapa do programa de concessões rodoviárias, apesar de ainda trazer premissas da 1ª Etapa, incorporam inovações provindas da experiência adquirida na regulação do setor ao longo dos anos.

2.1. Premissas mantidasApesar da evolução observada nos últimos contratos de concessão rodoviária no Brasil, algumas premissas são mantidas, como o prazo de concessão. A Lei das Delegações (9.277/96) autoriza o prazo de até 25 anos, prorrogável por igual período. Com exceção dos contratos de concessão firmados com as concessionárias Concepa e Ponte, que possuem prazo de 20 anos, todos os demais possuem prazo de 25 anos.

O modelo de concessão adotado, como já mencionado anteriormente, é o de Reabilitação-Operação-transferência (Rehabilitate Operate Transfer – ROT), em todas as concessões federais, as rodovias já haviam sido construídas. Assim, o objeto

das concessões rodoviárias federais é a exploração da infraestrutura e da prestação de serviços públicos e obras, abrangendo a execução dos serviços de recuperação, manutenção, monitoração, conservação, operação, ampliação, melhorias e exploração.

Com relação às características de tráfego das rodovias, pode-se verificar que todas possuem Volumes Diários Médios – VDM elevados, acima de 8.000, em geral. A política ministerial, até o momento, vem sendo de conceder apenas trechos viáveis economicamente, sem a necessidade de subsídios governamentais.

No que se refere à distribuição de riscos, a concessionária assume integral responsabilidade por todos os riscos inerentes à concessão e pelo risco de tráfego, bem como pelo risco dos valores dos quantitativos. No que tange ao risco de tráfego, neste inclui-se o risco de redução do volume de tráfego previsto originalmente na sua proposta econômica. Isso significa que, sob hipótese alguma, a concessionária poderá pleitear reequilíbrio econômico-financeiro do contrato em decorrência de frustração do tráfego da proposta de concessão. Em relação aos riscos dos valores dos quantitativos, nestes incluem-se os valores previstos para execução do programa de exploração da rodovia, e o aumento no valor das matérias primas não enseja reequilíbrio econômico-financeiro.

Uma das premissas fundamentais de todos os contratos de concessão de rodovias federais é a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Essa manutenção é feita por meio do equilíbrio entre os encargos da concessionária e as receitas da concessão, expresso no valor da tarifa Básica de Pedágio – tBP, determinado na proposta econômica vencedora do leilão. Assim, por meio do mecanismo da revisão da tBP contratual, realizado sempre na ocasião do reajuste anual da tarifa, as possíveis alterações previstas contratualmente nos encargos da concessionária, ou nas receitas da concessão, são analisados e expressos no valor da tBP. O meio de manutenção do equilíbrio é a conservação da taxa Interna de Retorno – tIR da proposta de concessão.

2.2. Evolução do mecanismo de regulação

2.2.1. Tarifa A principal diferença para o usuário das rodovias federais concedidas a partir da 2ª Etapa do programa de concessões foi a tarifa cobrada. Muitos usuários questionam porque as concessões, a partir da 2ª etapa, possuem tarifas mais baixas. O primeiro motivo é a

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estabilidade econômica. A 1ª Etapa do programa foi feita em um momento econômico com instabilidade monetária e altos índices de inflação no país. A taxa de Juros de Longo Prazo (tJLP) era de 25%, e o risco-país, de 900 pontos. É natural que, por consequência, a tIR dessas concessões tenha sido alta. À época do leilão da 2ª Etapa, a situação econômica do país era outra, com uma moeda mais estável e com substancial redução dos juros e boa liquidez financeira, fazendo com que sobrassem recursos para investimento no mercado.

Além disso, ainda havia o risco regulatório. A legislação era recente e a regulação do setor estava associada à política governamental vigente. Não existia uma Agência Reguladora do setor. temia-se que os governos estaduais e federal interviessem unilateralmente nos contratos. Posteriormente, já no início dos anos 2000, houve um aperfeiçoamento da legislação regulatória e a criação de uma autarquia específica para gerir as rodovias federais concedidas, no caso a ANtt. Com mais esse fato, houve a diminuição do risco regulatório, pois a partir daquele momento os investidores perceberam que as regras eram claras e não mudariam com eventuais mudanças de governo.

Apesar de todos esses fatores, que influenciaram diretamente na formação das tarifas praticadas nas novas concessões, é importante deixar claro que não cabe comparação entre os preços iniciais apresentados a partir da 2ª Etapa do programa com os praticados pelas concessionárias da 1ª Etapa. Isso é fato, haja vista que as tarifas de pedágio em vigor nas rodovias da 1ª Etapa trazem a carga de inúmeros investimentos adicionais realizados ao longo dos anos, tendo sido incorporados por meio de diversas revisões e reequilíbrios econômico-financeiros.

Não foram somente os fatores econômicos que influenciaram as tarifas praticadas pelas concessionárias. Há também o fator financeiro: nas concessões da 1ª Etapa a tarifa é reajustada anualmente de acordo com uma fórmula baseada na variação ponderada de índices de reajuste relativos aos principais componentes de custos setoriais experimentados pelas concessionárias na execução de suas atividades. Para os contratos a partir da 2ª Etapa de concessões, por outro lado, foi considerado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. A utilização do IPCA para os reajustes anuais permite uma situação mais equilibrada entre a variação do custo de vida do usuário e a tarifa de pedágio.

A flexibilização das condições de habilitação nos certames licitatórios – de modo a propiciar maior número de participantes – é outro fator importante na redução tarifária, uma vez que possibilita maior concorrência no momento da licitação dos lotes.

2.2.2. Regulação por parâmetros de desempenhoNos contratos firmados na 1ª Etapa de concessões, os investimentos não são definidos a preços globais. Além disso, as obras de ampliação de capacidade das concessões foram inicialmente definidas sem previsão contratual de adequação às necessidades futuras da rodovia, sendo definidas de maneira estática. Assim, as alterações necessárias ao cronograma de investimentos, por conta de inserções de obras para adequar a capacidade da rodovia a sua realidade ao longo dos anos, geraram revisões da tBP.

Na 2ª Etapa – Fase 1 do programa de concessões, os investimentos são definidos a preços globais e as quantidades passam a ser risco da concessionária, não somente o valor. Foi instituído o conceito de obras obrigatórias e não obrigatórias. Obras obrigatórias são aquelas cujas datas de conclusão ou implantação devem ocorrer no ano determinado pela ANtt no edital de licitação e no Programa de Exploração Rodoviária – PER. As obras e serviços não obrigatórios, relativos à recuperação, manutenção, conservação e operação do sistema rodoviário, devem respeitar os parâmetros mínimos de qualidade estabelecidos no PER. Dessa forma, foi também inserido no PER o conceito de parâmetro de desempenho, que define as especificações e os indicadores de avaliação dos padrões requeridos, ou seja, a qualidade dos serviços e obras. As obras não obrigatórias devem ser efetuadas sempre que houver necessidade para se manter os parâmetros de desempenho estabelecidos.

A combinação desses conceitos no processo de regulação permite que a Agência realize uma fiscalização mais eficiente, baseada em critérios pré-definidos de qualidade – os parâmetros de desempenho. Além disso, à exceção das obras obrigatórias, os investimentos são realizados apenas quando as condições da rodovia exigem. Isso facilita, inclusive, a busca de soluções mais adequadas ao estágio tecnológico da ocasião, e não geram pleito de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

A 2ª Etapa – Fase 2 de concessões inaugurou ainda o conceito de obra condicionada ao volume de tráfego, para investimentos em ampliação de capacidade da rodovia. Essas obras só são realizadas quando a rodovia atinge um nível de serviço limite previamente determinado em contrato, não gerando, portanto, pleito de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.tanto na 1ª Etapa quanto na 2ª Etapa de concessões a não realização das obras obrigatórias pela concessionária no ano previsto, além de fundamentar multa, enseja o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato, reduzindo a tarifa. Porém há a dificuldade de aplicar o mesmo mecanismo para as obras não obrigatórias, dado que estas não possuem uma quantidade pré-definida nos contratos de concessão.

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Na 2ª Etapa – Fase 2 do programa visando ao aperfeiçoamento do mecanismo de reequilíbrio dos contratos foi estabelecido o desconto de reequilíbrio. Este mecanismo busca reequilibrar o contrato de concessão quando há o descumprimento dos parâmetros de desempenho, previstos para as obras não-obrigatórias, além da multa prevista como nas demais etapas de concessão. A cada ano o resultado da avaliação de desempenho determinará o desconto de reequilíbrio para o respectivo ano. O percentual do desconto de reequilíbrio de cada ano será deduzido da tBP. Por meio deste mecanismo, não somente a concessionária é penalizada pelo não cumprimento do contrato, como o usuário da concessão é também beneficiado com uma tarifa condizendo com o serviço oferecido.

2.2.3. Fluxo de caixa marginalConforme já mencionado, os contratos de concessão da 1ª Etapa foram assinados em meio a uma realidade econômica de instabilidade monetária e altos índices de inflação. Assim, pode-se considerar que a tIR desses contratos são altas quando comparadas com o mercado atual, mas são condizentes com a remuneração da proposta econômica vencedora do leilão. Esse fato gera uma distorção no equilíbrio econômico-financeiro, pela inserção de novas obras ou serviços, não previstos na proposta econômica vencedora do leilão. Por exemplo, a inserção de obras novas dentro do PER da rodovia altera os encargos da concessionária, gerando a necessidade de uma revisão tarifária. A concessionária tem então sua tarifa alterada pela inserção de uma obra, sendo remunerada pela mesma taxa do início do contrato, desconsiderada a realidade econômica do momento da revisão. Essa diferença entre a realidade econômica considerada na assinatura do contrato e a do momento da revisão pode prejudicar ora o usuário, ora a concessionária.

Para minimizar essas distorções, foi incluído no contrato da 2ª Etapa – Fase 2, que na hipótese de inclusão de novos investimentos no contrato, entendidos como quaisquer obras ou serviços não constantes do PER, a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro acontece por meio da consideração de Fluxo de Caixa Marginal.

O fluxo de caixa em questão é projetado em razão do evento que ensejou a recomposição, considerando os fluxos dos dispêndios marginais resultantes deste evento e os fluxos das receitas marginais necessárias para a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro. O Fluxo de Caixa Marginal considera a seguinte fórmula para determinação da tIR do evento:

( )( ) 11

%81−

+++

=p

TJLPTIR

onde: (i) π equivale à meta para a inflação fixada pelo Conselho Monetário Nacional para o ano em que ocorreu a recomposição do equilíbrio econômico-financeiro, e (ii) tJLP corresponde ao valor vigente da taxa de Juros de Longo Prazo na data da recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.

Para fins de determinação dos fluxos dos dispêndios marginais, são utilizados critérios de mercado para estimar o valor dos investimentos, custos e despesas resultantes do evento que deu causa ao reequilíbrio. Os volumes de tráfego considerados são livres de risco, caracterizados pelos valores reais observados.

3. Novos contratos

Atualmente, o processo para concessão da 3ª Etapa – Fase 1 encontra-se em andamento, com previsão de publicação para o ano de 2010. As premissas já adotadas nos contratos da 2ª Etapa se mantêm para a 3ª Etapa – Fase 1. No entanto, novos mecanismos estão sendo estudados para incorporação nos contratos da 3ª Etapa.

3.1. Trabalhos iniciais

Uma das questões abordada nesses estudos é a flexibilização do prazo estipulado para a realização dos trabalhos Iniciais na rodovia concedida. Inicialmente, os trabalhos Iniciais foram concebidos de modo que, previamente à cobrança da tarifa de pedágio, fossem executadas obras e prestados serviços de melhoria geral das rodovias do lote rodoviário, objetivando as questões de segurança e conforto. Para que essas obras fossem realizadas, era estipulado um prazo de 6 meses. Após a aprovação dos trabalhos Iniciais por parte da ANtt era autorizada a cobrança nas praças de pedágio.

No entanto, no início de uma concessão, existem trâmites relacionados à desapropriação, transferência de ativos, liberação ambiental que, porventura, podem atrasar o início dos trabalhos iniciais. A concessionária não possui incentivo, ainda, para o cumprimento do prazo de 6 meses, uma vez que o impacto do seu atraso só é incorporado no momento da revisão da tarifa, um ano após o início da cobrança de pedágio.

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Neste sentido, para os próximos contratos, o prazo para a realização dos trabalhos Iniciais continuará de 6 meses com possibilidade de aprovação para até um ano sem o reequilíbrio econômico-financeiro. Ou seja, caso a concessionária se antecipe e consiga a finalização dos trabalhos iniciais antes dos 6 meses, poderá ser iniciada a cobrança de pedágio sem incorporação desse impacto na tarifa a ser cobrada. Desta forma a concessionária tem incentivo para o término dos trabalhos iniciais. Da mesma maneira, se a concessionária não terminar os trabalhos Iniciais em 6 meses, não será, da mesma forma, reequilibrado o contrato, tendo a concessionária a penalização do pedágio não cobrado no período previsto. Outra medida adotada neste sentido foi fixar, em até 30 dias a contar da publicação do extrato do contrato no Diário Oficial da União – D.O.U., o prazo para a transferência do sistema rodoviário e dos bens da concessão para a concessionária. Dessa forma, a ANtt espera minimizar os trabalhos burocráticos e impacto tarifário provindo dos atrasos de abertura das praças de pedágio.

3.2. Receitas extraordináriasO contrato de concessão conceitua receitas alternativas (extraordinárias) como sendo quaisquer receitas da concessionária não advindas do recebimento de pedágio ou de aplicações financeiras, sejam elas direta ou indiretamente provenientes de atividades vinculadas à exploração da rodovia, das suas faixas marginais, acessos ou áreas de serviço e lazer, inclusive decorrentes de publicidade. Segundo os contratos e as resoluções da ANtt nº 675/2004 e a nº 2552/2008, a concessionária terá direito à apropriação dos custos diretos associados, desde que comprovados junto a ANtt, e a 15% das receitas alternativas a título de ressarcimento dos custos administrativos.

O fato é que como as concessionárias não têm ganhos significativos com receitas alternativas, não se sentem incentivadas a procurar novas fontes de receita. Enquanto algumas concessões possuem verba de receita alternativa na média anual de R$1.270.000,00 (concessionária Ponte) e R$545.845,00 (concessionária Concepa) com média de desconto na tarifa de 0,52% e 0,26% respectivamente, outras não chegam a um valor médio de R$ 5.000,00 com descontos mínimos. O objetivo de diminuir o valor da tarifa com a utilização de receitas extraordinárias não é eficientemente alcançado.

A Figura 6 a seguir mostra o desconto na tarifa Básica de Pedágio ao longo do tempo pela utilização das receitas alternativas pelas concessões da 1ª Etapa do programa. Pode-se verificar que mesmo os melhores resultados da utilização deste mecanismo ainda se mostram pouco satisfatórios com descontos de no máximo 0,64%, como no caso da concessionária Ponte.

FIGURA 6 – Desconto na tBP em razão da reversão à modicidade das receitas extraordinárias

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Para incentivar a concessionária a utilizar o recurso das receitas extraordinárias e propiciar ao usuário uma tarifa reduzida nos novos contratos de concessão, está sendo prevista uma alíquota fixa que será utilizada para desconto da tarifa teto de leilão pela receita extraordinária, como no modelo paulista de concessões rodoviárias. Sendo esse desconto fixado, caso a concessionária ganhe mais do que a proporção do desconto fixado, esse ganho reverteria como lucro para a concessão, sem desconto adicional na tarifa. Assim a empresa terá incentivo para buscar novas fontes de receita e o usuário usufruirá uma modicidade tarifária muito maior. Metas também serão estipuladas para aumento deste desconto ao longo do contrato de concessão.

3.3. Fluxo de caixa marginalA adoção do fluxo de caixa marginal como forma de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro de contratos de concessão iniciou na 2ª Etapa – Fase 2 do Programa. No entanto, considerando que a taxa de desconto utilizada para determinar a tarifa-teto das concessões de rodovias é obtida pela metodologia do custo médio ponderado de capital Weighted Average Cost of Capital – WACC, com critérios específicos para determinação do custo de capital próprio e de terceiros, entende-se adequado manter a mesma metodologia para a obtenção da taxa de desconto dos fluxos de caixa marginais durante o período de concessão.

Dentre as considerações para esta proposição, destaca-se que o WACC representa um custo de oportunidade do negócio, sendo que o estabelecimento de custo de capital abaixo do nível real do custo de oportunidade pode inviabilizar economicamente os investimentos da concessão e, de outro lado, no caso da adoção da taxa de desconto acima do risco efetivamente verificado, pode-se ter uma subalocação dos níveis de eficiência produtiva.

3.4. Programa de exploração da rodovia

Em primeiro lugar, embora já constante nos PER das outras etapas, mais especificamente na 2ª Etapa, a obrigação da concessionária, no que tange ao fornecimento de relatórios e cadastros, foi reforçada, para o perfeito acompanhamento das obras e dos serviços previstos no PER, permitindo assim que esta Agência possa realizar uma fiscalização mais eficiente. Para este fim, foi estabelecida uma relação dos documentos necessários a este acompanhamento, destacando, em particular, o período dos

trabalhos Iniciais, durante o qual a concessionária deve elaborar e encaminhar à ANtt os cadastros georreferenciados dos elementos físicos da rodovia, assim como projetos, programas e outros estudos.

Em segundo lugar, apesar de não ter havido alterações significativas para os parâmetros de desempenho, há de salientar uma mudança bastante importante no que concerne à segurança viária, assunto de maior relevância quando se trata das estatísticas preocupantes observadas com acidentes de trânsito no país.

tanto os PER da 1ª Etapa, quanto os da 2ª Etapa, mantiveram especificações técnicas equivalentes no que diz respeito ao valor de retrorrefletância para a sinalização horizontal, vertical e aérea, sendo idêntico tanto para a sinalização horizontal, quanto a vertical e aérea, embora cada uma delas apresente ordens de grandeza bem diferentes. Sendo assim, foi feita uma diferenciação entre a sinalização horizontal, vertical e aérea, adotando-se valores comparáveis aos preconizados pela norma NBR 14644 da ABNt.Em terceiro lugar, estão descritos as obras e serviços a serem realizados no sistema rodoviário durante o prazo da concessão em todos os PERs. Em qualquer etapa da concessão, porém, pode ocorrer a necessidade de intervenções de caráter emergencial para garantir ou mesmo restabelecer os fluxos de tráfego contemplados pelo sistema rodoviário, atendendo a todas as origens e destinos previstos. A razão dessas interrupções, ou risco de, podem ter origens diversas, mas são, na maioria das vezes, decorrentes de forças da natureza.

O conceito de obras e serviços emergenciais que está se propondo para a 3ª Etapa, inexistente nos outros PER, consiste num conjunto de operações de caráter eminentemente emergencial, a serem eventualmente realizados com o objetivo de reparar, repor, reconstruir ou restaurar trechos ou estruturas do corpo estradal que tenham sido seccionados, obstruídos ou danificados por eventos extraordinários ou catastróficos, de calamidade pública, ou ainda acidentes com cargas perigosas, colocando em flagrante risco o desenvolvimento do tráfego da rodovia ou ocasionando a sua interrupção parcial ou total, ou ainda, risco iminente para a segurança dos usuários ou para a população lindeira à rodovia.

Os custos das obras e serviços emergenciais apenas poderão ser objeto de eventuais solicitações de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato mediante a ocorrência de casos fortuitos ou laudo técnico emitido por profissional ou instituição de reconhecida capacidade técnica na especialidade, atestando que o ocorrido originou-se em vício oculto.

Finalmente, sempre com a preocupação em continuamente melhorar a segurança e o conforto dos usuários da rodovia, a

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ANtt pretende incorporar ao PER a solicitação de um programa de redução de acidentes à concessionária, a ser apresentado em duas fases, sendo a primeira concomitante com a recuperação e a outra, de manutenção, durante o restante do período da concessão.Deverão ser identificados segmentos com problemas de traçado, superelevação, sobrelargura, cruzamentos em nível e outros, com a apresentação de um cronograma de obras e ações para minimizá-los ou saneá-los na fase de recuperação. Deverão ser identificados os segmentos onde se fizerem necessárias barreiras, defensas e atenuadores de impacto, e apresentado um cronograma com proposta de implantação nos três primeiros anos desta mesma fase, estruturado por prioridades. As seções com travessia de pedestres deverão ser levantadas, sendo a priorização de implantação de passarelas tecnicamente fundamentada. Outras sugestões para redução de acidentes com pedestres como a implantação de calçadas, baias para pontos de ônibus e eventuais iluminações deverão ser apresentadas.

Para o acompanhamento dos resultados desse programa e a verificação da necessidade de adequação ou melhorias, deverão ser entregues anualmente relatórios de acompanhamento, contendo, no mínimo:• As informações mensais de acidentes por trecho homogêneo considerado;• Os trechos homogêneos/locais com a identificação dos respectivos tratamentos, bem como o mês de realização, a fim de permitir a avaliação da solução adotada e a identificação da redução dos acidentes;• Todas as informações georreferenciadas e em mapas, a fim de se ter uma visão espacial dos acidentes e tratamentos realizados.Ao longo do período da concessão, deverá ser realizada a monitoração dos trechos homogêneos, a fim de que sejam identificados e tratados trechos homogêneos ou locais pontuais com elevação do número de acidentes ou de sua gravidade/severidade.

3.1. Fator X

A licitação de um trecho rodoviário por meio do leilão permite que a concessionária embuta seus ganhos de escala no preço de sua tarifa. No entanto, ao longo da operação da concessão a concessionária pode conseguir ganhos de escala ainda maiores que não são repassados ao usuário. No entanto, a empresa não terá prejuízo caso não aumente seus ganhos de escala uma vez que seu fluxo de caixa já foi projetado para um determinado nível de serviço e de encargos. Neste sentido pretende-se incorporar à 3ª Etapa o mecanismo do fator X. O Fator X é um mecanismo redutor do reajuste de tarifa que permite o compartilhamento dos ganhos de produtividade das concessionárias com os usuários.

A ANAtEL, por meio da Resolução no 418, de 18 de novembro de 2005, foi pioneira ao utilizar a metodologia do fator X no reajuste das tarifas das operadoras de telefonia. A metodologia foi aprimorada então pela Resolução ANAtEL no 507, de 16 de julho de 2008. A metodologia aprovada pela ANAtEL visa incorporar a otimização de custos, conforme previsto no Decreto 4.733/2003 e nos Contratos de Concessão por ela firmados. Nesta metodologia existe um índice único para todas as concessionárias.

Para os novos contratos de concessão a ANtt prevê a utilização do Fator X de forma a estabelecer metas de ganho de produtividade. A cada cinco anos o fator sofreria um acréscimo fixado em contrato incorporando os ganhos de produtividade e reduzindo a tarifa. Além disso, conforme se realizarem estudos de ganhos de produtividade do setor, a Agência poderia rever tais metas. A primeira proposta metodológica apresenta o Fator X conforme o Quadro 1 a seguir.

A EVOLUÇÃO DA REGULAÇÃO NAS RODOVIAS FEDERAIS CONCEDIDAS Érico Reis Guzen

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TABELA 1 – Percentuais do Fator X ao longo do período de concessão

Período da Concessão Fator X (%)

Até o 5º ano do Prazo da Concessão 0,00

Do 6º ao 10º ano do Prazo da Concessão 0,25

Do 11º ao 15º ano do Prazo da Concessão 0,50

Do 16º ao 20º ano do Prazo da Concessão 0,75

Do 21º ao 25º ano do Prazo da Concessão 1,00

A tarifa seria reajustada reduzindo do Índice de Reajuste da tarifa o Fator X. Essa medida serve não só de incentivo para que a concessionária consiga ganhos de escala ao longo da concessão, como propicia ao usuário uma tarifa mais condizente com esses ganhos.

4. ConclusõesDesde o início do Programa de Concessões de Rodovias Federais, o processo regulatório vem se desenvolvendo no país. O estabelecimento do marco regulatório com legislações específicas e a criação da Agência Nacional de transportes terrestres, com um quadro efetivo capacitado e voltado para o trabalho especializado, foram essenciais neste processo. A consequência de todo o esforço voltado para o setor foi a evolução nos mecanismos de regulação. O Quadro 2 a seguir apresenta um resumo dos principais aspectos dessa evolução.

TABELA 2 - Resumo dos principais aspectos dessa evolução na regulação de rodovias federais

1ª Etapa 2ª Etapa – Fase 1 2ª Etapa – Fase 2 e 3ª Etapa – Fase 1 3ª Etapa – Fase 2

Premissas básicas

- Prazo de concessão

- VDM alto

- Manutenção do equilíbrio econômico

financeiro

- Utilização do IPCA

- Flexibilização das condições de habilitação

para o processo de licitação

- Obras obrigatórias e não obrigatórias e parâmetros

de desempenho

- Utilização do gatilho do nível de serviço para obras ampliação de capacidade

- Desconto de reequilíbrio

- Fluxo de Caixa Marginal

- Flexibilidade nos trabalhos iniciais

- Incorporação do WACC no Fluxo de

Caixa Marginal

-Taxa de desconto para Receitas extraordinárias

Enquanto os novos contratos já são confeccionados à luz de uma nova realidade e compatíveis com os novos mecanismos de regulação, os contratos antigos ainda se encontram defasados. Dessa forma, a ANtt vem desenvolvendo um trabalho de padronização dos contratos de concessão, com levantamento de lacunas e pontos fortes nos contratos de todas as etapas em vigor do programa de concessões. O objetivo é o estabelecimento de um modelo de contrato a ser seguido e a padronização dos demais contratos.

No Brasil, ainda é recente o processo de concessão de rodovias. O processo de evolução da regulação do setor que se iniciou é contínuo e prevalecerá ao longo do tempo. Novos estudos serão realizados dentro da experiência do setor, sempre com o intuito de melhorar as relações entre a União, o usuário da rodovia e a concessionária, garantindo um serviço adequado aos usuários.

A EVOLUÇÃO DA REGULAÇÃO NAS RODOVIAS FEDERAIS CONCEDIDAS Érico Reis Guzen

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delegação, pelo Mt, mediante regime de autorização, aos Municípios,

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Presidente Costa e Silva (Rio de Janeiro – Niterói) e respectivos acessos,

integrantes da BR-101/RJ, dezembro de 1994.

Contrato de Concessão PG-137/95-00. Concessão da Exploração da Rodovia:

BR-116/RJ/SP, trecho Rio de Janeiro – São Paulo, outubro de 1995.

Contrato de Concessão PG-138/95-00. Concessão da Exploração da Rodovia:

BR-040/MG/RJ, trecho Juiz de Fora – Petrópolis - Rio de Janeiro (trevo das

Missões), outubro de 1995.

Contrato de Concessão PG-156/95-00. Concessão da Exploração da Rodovia:

BR-116/RJ, trecho Além Paraíba/teresópolis/Entroncamento com a BR 040/RJ,

novembro de 1995.

Contrato de Concessão PG-16/97-00. Concessão da Exploração da Rodovia:

BR-290/RS, trecho Osório - Porto Alegre, março de 1997.

Contrato de Concessão PJ/CD/215/98. Concessão da Exploração das

Rodovias: BR-116-392-293/RS, Pólo Rodoviário de Pelotas, julho de 1998.

Contrato nº 013/00-Mt de Rerratificação e Sub-rogação ao contrato PJ/

CD/215/98. Concessão da Exploração das Rodovias: BR-116-392-293/RS,

Pólo Rodoviário de Pelotas, maio de 2000.

Contrato de Concessão relativo ao Edital nº 001/2007. Concessão da

Exploração da Rodovia: BR-116/SP/PR, trecho São Paulo – Curitiba,

fevereiro de 2008.

Contrato de Concessão relativo ao Edital nº 002/2007. Concessão da

Exploração da Rodovia: BR-381/MG/SP, trecho Belo Horizonte - São Paulo,

fevereiro de 2008.

Contrato de Concessão relativo ao Edital nº 003/2007. Concessão da

Exploração das Rodovias: BR-116/376/PR e BR-101/SC, trecho Curitiba -

Florianópolis, fevereiro de 2008.

Contrato de Concessão relativo ao Edital nº 004/2007. Concessão da

Exploração da Rodovia: BR-101/RJ, trecho Divisa RJ/ES – Ponte Presidente

Costa e Silva, fevereiro de 2008.

Contrato de Concessão relativo ao Edital nº 005/2007. Concessão da

Exploração da Rodovia: BR-153/SP, trecho Divisa MG/SP – Divisa SP/PR,

fevereiro de 2008.

Contrato de Concessão relativo ao Edital nº 006/2007. Concessão da

Exploração da Rodovia: BR-116/PR/SC, trecho Curitiba – Divisa SC/RS,

fevereiro de 2008.

Contrato de Concessão relativo ao Edital nº 007/2007. Concessão da

Exploração da Rodovia: BR-393/RJ, trecho Divisa MG/RJ – Entroncamento

da BR-116 (Dutra), março de 2008.

Contrato de Concessão relativo ao Edital nº 001/2008. Concessão da

Exploração das Rodovias: BR-116/324/BA e BA-526/528, trecho Divisa BA/

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A EVOLUÇÃO DA REGULAÇÃO NAS RODOVIAS FEDERAIS CONCEDIDAS Érico Reis Guzen

REVISTA ANTT - V. 2 Nº 2 - NOVEMBRO - 2010 - BRASÍLIA | 123

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ROBERtO DOMINGOS tAUFICKConselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE

IMUNIDADE PARkER V. BROWN: RELEITURA DAS DOUTRINAS STATE ACTION E PERVASIVE POWER NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

THE PARkER V. BROWN IMUNITY: the state action and pervasive power doctrines and the Brazilian legal system

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ResumoO presente trabalho traz a releitura da doutrina state action ou imunidade Parker v. Brown e visa abordar, de maneira inovadora, a relação entre concorrência e regulação. Pensado a partir da análise da recalcitrante jurisprudência do tribunal concorrencial administrativo brasileiro (CADE) e do parco tratamento dispensado pela doutrina nacional ao tema, o presente estudo visa trazer análise alternativa àquela introduzida pelo professor Calixto Salomão Filho, suscitando divergências entre a sua abordagem e as conclusões extraídas diretamente da leitura dos marcos jurisprudenciais norte-americanos. Abordando dúvidas construídas ao longo de mais de uma década da aplicação do instituto, no Brasil, a partir da solitária leitura da sua obra Regulação da Atividade Econômica – princípios e fundamentos jurídicos, o estudo abarca a relação dicotômica entre a natureza da atividade de órgãos de Estado – como aqueles que integram o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência – e a premência da implementação de políticas públicas instrumentalizadas pelas agências reguladoras, a partir da ótica prática da Suprema Corte norte-americana – formuladora da imunidade Parker v. Brown.

Palavras-chaves: doutrina state action; imunidade Parker v. Brown; concorrência e regulação; políticas públicas; supervisão ativa

Abstractthis work revalues the state action doctrine or Parker v. Brown immunity as well as brings a new perspective to the relationship between competition and regulation. Conceived from the analysis of the Brazilian antitrust agency’s unstable jurisprudence and the scarce study dedicated by Brazilian scholars on the subject, this article aims at forging a new alternative to the analysis meritoriously introduced in Brazil by professor Calixto Salomao Filho more than a decade ago - bringing a core debate on how his conclusions may diverge from the reading of the American leading cases as well as tackling concerns built up along one decade applying the state action doctrine from a standpoint that stands doctrinally untouched. this piece of work also stresses how the Brazilian understanding of the aforementioned relationship between competition and regulation was deeply influenced by the way that an interested party (the Brazilian competition tribunal itself: CADE) conceived of its own jurisdiction. the relationship between public policies and non-political acts is studied herein according to US Supreme Court rulings which may help identify elements that can be useful in understanding if and how the state action doctrine or Parker v. Brown immunity can be applied in Brazil. Keywords: state action doctrine; Parker v. Brown immunity; competition and regulation; public policy (state action); active supervision

IMUNIDADE PARKER V. BROWN: RELEItURA DAS DOUtRINAS StAtE ACtION E PERVASIVE POWER NO ORDENAMENtO JURÍDICO BRASILEIRO Roberto Domingos Taufick

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INTRODUÇAO ÀS DOUTRINAS STATE ACTION E PERVASIVE POWER: a leitura da doutrina e a jurisprudência brasileira

1.1 Da análise doutrinária A tradução da doutrina state action ou imunidade Parker v. Brown para o contexto brasileiro foi realizada pela obra Regulação da Atividade Econômica – princípios e fundamentos jurídicos do professor Calixto Salomão Filho, cuja leitura tem sido debatida nos julgados do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), quando se fala na interface entre concorrência e regulação. A sua abordagem retrata se e quando a regulação substitui o sistema concorrencial na análise (i) das condutas praticadas pelos agentes regulados ou das (ii) estruturas aprovadas em outorgas regulatórias – podendo, por esse motivo, ser retratada como uma abordagem excludente. Segundo o autor, das três intervenções do Estado no domínio econômico (agente direto, agente fiscalizador e agente normativo), apenas a atuação direta do Estado na atividade econômica seria objeto certo de análise concorrencial, ficando as intervenções políticas (fiscal e normativa) sujeitas à natureza da atividade fiscalizadora ou normatizada.

Relata Salomão Filho que essa análise incidental quanto à ação política se daria pela presença concomitante de dois elementos: (i) a constatação da existência, ou não, de uma política expressa de substituição da competição pela regulação e (ii) a existência, ou não, de ativa e constante supervisão do cumprimento das obrigações regulatórias pelo administrado. Na interpretação do autor – e isso é particularmente importante -, seria insuficiente a presença isolada de uma lei atribuindo poderes a determinada agência para determinar as variáveis empresariais básicas, como preço e quantidade produzida. O primeiro motivo pelo qual esse trecho é importante está no paradoxal entendimento do próprio autor, manifestado mais adiante em sua obra, ao tratar da realidade brasileira, no sentido de que a manifesta intenção de substituição da concorrência pela regulação pode ser substituída pela outorga legal ao regulador de poderes para influir nas variáveis fundamentais de orientação da vida da empresa. A isso se some a sua conclusão de que “os atos fiscalizatórios ou normativos de agências (autarquias) não podem ser objeto de discussão nos órgãos concorrenciais”, mas apenas os atos dos administrados e “na medida em que o controle concorrencial [pelo regulador] não tenha sido extenso ou profundo o suficiente”. O segundo motivo

que torna esse trecho relevante está em fundamentar a necessidade de recorrermos à leitura dos precedentes norte-americanos para esclarecer tal paradoxo e outros tantos com que nos depararemos na análise jurisprudencial - releitura que faremos no item 2 abaixo.

Observe-se, contudo, que as conclusões de Salomão Filho vão além de uma regra geral: o autor observa que, pela aplicação dos critérios acima expostos, no sistema brasileiro, apenas a outorga de concessões estaria coberta pela doutrina da state action. Essa conclusão é extremamente importante por permitir inferir que, para o professor do Largo de São Francisco, a substituição da concorrência pela regulação é maciça, ou seja, não pode se restringir a um ou mais pontos de determinada relação entre agente e órgão regulador. Dessa forma, adotada essa leitura, sob nenhum aspecto contratos de concessão, incluindo a sua outorga, poderiam ser objeto de análise pelo CADE. Por outro lado, dado o paradoxo apontado no parágrafo anterior (quanto à determinação das variáveis econômicas fundamentais), fica em aberto a possibilidade de aplicação da teoria às autorizações e permissões, dado que, embora disciplinadas fora dos contratos administrativos, poderiam, em diversas hipóteses, estar sob ativa regulação de alocação espacial, precificação e quantidade produzida (determinação das variáveis empresariais básicas) – de que tem sido exemplo o setor de telecomunicações, após a privatização.

Salomão Filho aponta, finalmente, que o tratamento utilizado para as agências federais norte-americanas é diferenciado em relação àquele dispensado às agências estaduais, em função de excluir a discussão acerca do conflito federativo entre o poder político local para regular e a soberania do legislativo federal em impor a legislação concorrencial. A discussão, embora análoga, teria dado origem, na esfera federal do conflito, à doutrina da pervasive power – em oposição à state action (esfera estadual do conflito) -, na qual o afastamento da concorrência pela regulação dependeria, tão-somente, de constatar-se a existência de uma política expressa de substituição da competição pela regulação.

A doutrina pervasive power restringe o afastamento da norma concorrencial a apenas dois casos. Na primeira hipótese, o poder regulatório substituiria a concorrência (poder extenso). No segundo, o poder atribuído à agência reguladora incluiria (mas não afasta) a análise concorrencial (poder profundo). Segundo o autor, a ausência do requisito da supervisão ativa na doutrina pervasive power, apontada no parágrafo anterior, demonstraria a maior confiança da Suprema Corte na atuação das agências reguladoras federais. Contudo, considerando que a presunção quanto à supervisão ativa pelas agências federais é relativa (iuris tantum), as análises de substituição da concorrência pela regulação, segundo as teorias

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state action e pervasive power, terminam, em última instância, por se equivaler. Registre-se, por derradeiro, que a ausência de um aceso debate doutrinário acerca da aplicabilidade da state action ao direito brasileiro tem legado ao entendimento jurisprudencial do próprio CADE a análise da referida adequação e, por subseqüente, levado à indagação quanto ao seu grau de imparcialidade para definir a extensão da sua própria competência. A análise dos julgados do tribunal administrativo, a que daremos vazão no subitem 1.2 abaixo, vem, nesse esteio, para elucidar os elementos incorporados nos arrazoados dos Conselheiros, analisar a forma com que a doutrina tem sido invocada e, mais adiante, avaliar a sua conformação à doutrina Parker v. Brown tal qual concebida pela Suprema Corte dos EUA (item 2 abaixo).

1.2 Da Jurisprudência do CADEEmbora sejam freqüentes os casos de atuação do CADE em mercados regulados, permanecem pouco freqüentes os casos nos quais o CADE tenha sido levado a discutir, de maneira extensa, a própria eficácia da atuação da agência reguladora e, por assim dizer, decidir contrariamente ao ente regulador ou na ausência da sua intervenção. Mesmo dentre esses casos, são lembrados, com maior freqüência, em razão da sua influência para o desenvolvimento do posicionamento do Conselho, os casos abaixo descritos – os quais, por esse motivo, podem ser considerados leading cases no desenvolvimento do tema. É sempre válido recordar, porém, que a análise do “entendimento cadiano” abaixo ilustrado deve ser realizada tendo-se em mente a parcialidade que vicia, ex ante, a leitura que o tribunal concorrencial brasileiro faz da sua própria esfera de atuação.

No Ato de Concentração (AC) nº 08012.155/97-97, em que se discutiu a aquisição de 41,73% do capital ordinário e 26,85% do capital total da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD) pelo consórcio Valepar, foi debatida a supervisão ativa das concessões das Estradas de Ferro Vitória-Minas (EFVM) e Carajás (EFC) pelo Ministério dos transportes, em especial quanto ao transporte de minérios no Sistema Sul, onde a CVRD transporta para os seus concorrentes. A análise demonstrou que a supervisão era rasa e, ao analisar a competência do CADE para atuar em setores regulados, o então Conselheiro thompson Almeida Andrade concluiu (i) que o edital de licitação e o contrato de concessão devem estar conformes às leis (incluindo a concorrencial) e, por esse motivo, deve o CADE realizar o controle de legalidade dos atos e contratos administrativos e (ii) que não há respaldo legal para excluir a apreciação do CADE em determinados mercados. Nesse sentido, decidiu pela celebração de tCC prevendo termos aditivos ao contrato de concessão, incluindo determinações do TCU

que o órgão regulador não logrou cumprir e obrigações de obediência à norma reguladora do setor de transporte ferroviário de carga. Observe-se que a análise do relator, de 30 de maio de 2000, fundamentou-se no Direito Administrativo, mas não considerou a concorrência ou o conflito de competências entre regulação e concorrência. três elementos se destacam nessa análise intrusiva: (a) a intervenção do CADE em um contrato de concessão, a (b) interpretação da norma reguladora e (c) a execução de obrigação imposta pelo TCU ao regulador. Longe de ser abandonada, essa lógica de intervenção do órgão concorrencial veio a ser mantida em decisões seguintes.Assim, em janeiro de 2001 o CADE analisou o Processo Administrativo (PA) nº 08012.006207/98-48, instaurado para apurar suposta prática anticoncorrencial de fixação de preços abusivos pelas representadas Riogás S/A e Companhia Estadual de Gás do Rio de Janeiro – CEG. Após trazer à baila a leitura de Calixto Salomão Filho a respeito da state action, o então Conselheiro Afonso Arinos de Mello Franco entendeu que a doutrina norte-americana era aplicável ao ordenamento brasileiro e analisou o próprio sistema de tarifação do ente regulador, verificando se obedecera à regulação do setor e à razoabilidade econômica. Aqui, importa frisar que a própria falta de consistência no posicionamento externado na doutrina que, conforme apontamos, é contraditória nesse particular, facilitou a adoção desse posicionamento pelo Conselho. De qualquer modo, o julgado traz o questionamento acerca da competência do CADE para, eventualmente, indispor-se contra uma forma de tarifação, caso o regulador supervisione, ativamente, o mercado regulado, mas a regulação, como política pública, adrede afaste, ainda que pontualmente, a concorrência no setor.

Por sua vez, em fevereiro de 2003, por ocasião da análise do PA nº 08000.021660/96-05, envolvendo empresas de transporte terrestre, o então relator Fernando Oliveira Marques observou que, segundo a state action, na omissão do órgão regulador, poderia o CADE atuar para suprir a carência de supervisão ou própria carência de regulamento adequado – o que implica margem para a própria análise da adequação da regulação aos anseios concorrenciais. Nesse mesmo sentido se posicionou o Conselho no julgamento da Representação 07/93, movida pela Câmara das Empresas Brasileiras de Capital Nacional (CEBRACAN) em face de Rodoviária Nacional Ltda. (RODONAL), quando o voto vogal do então Conselheiro Antônio Fonseca fez observar que, além de inerte, o órgão regulador não gozava de independência ou reputação para regular. Aqui, novamente, por força do PA nº 08000.021660/96-05, o CADE deixa antever a possibilidade de atribuir a si próprio o poder de regular caso julgue, a seu critério, que a política pública externada pela atuação do regulador – ou, em

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última instância, legada pelo legislador – não se coadune com os valores concorrenciais. Tratar-se-ia de adequar a regulação aos princípios concorrenciais, não só elegendo a concorrência como um bem em si, mas invocando a sua primazia sobre qualquer política pública lançada por um poder soberano – seja o Executivo, seja o Legislativo.

trata-se, justamente, do legado do Conselho por ocasião da apreciação da Averiguação Preliminar (AP) nº 08000.025952/96-54, em que a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE). Representou em face do Departamento de Aviação Civil (DAC). Naquela oportunidade, a então Conselheira Lucia Helena Salgado e Silva observou que o CADE teria poderes para expedir recomendações ou solicitar providências para o cumprimento da lei concorrencial caso verificasse que a norma regulatória fosse incompatível com os princípios impostos pela concorrência no mercado.

Essa linha foi, excepcionalmente, criticada pelo então Conselheiro Celso Fernandes Campilongo, que, em junho de 2001, aproveitou o PA nº 53500.000359/1999, em que foi analisada a criação de dificuldade à entrada, ao funcionamento, ou ao desenvolvimento de empresa pelas representadas tV Globo Ltda. e tV Globo São Paulo Ltda., para (i) apresentar a sua discordância quanto ao voto do relator João Bosco Leopoldino da Fonseca, que interpretou a norma reguladora de forma diversa da Agência Nacional de telecomunicações (ANAtEL) – a seu ver, extrapolando a competência do CADE – e (ii) afirmar que cabe ao órgão regulador interpretar as normas reguladoras. De todo modo, com supedâneo na própria lei reguladora (Lei Geral de telecomunicações - LGt), avalia que o CADE é competente para analisar condutas in concreto, mas não para emitir ou interpretar normativos in abstracto.

A excepcionalidade do entendimento de Campilongo, que se alinha, diretamente, ao pensamento de Salomão Filho quando à questão da competência, ou não, do CADE para apreciar os atos de outra agência, ficou clara não só naquele julgamento, mas também nos julgados que se seguiram. Em setembro de 2004, o então Conselheiro Roberto Pfeiffer, em seu voto-vista ao PA nº 08000.007754/95-28, em que foram representadas a Associação Brasileira de Agências de Viagens do Distrito Federal (ABAV/DF) e o Sindicato das Empresas de turismo do Distrito Federal (SINDEtUR/DF), observou que a jurisprudência do CADE tem-se encaminhado no sentido de entender que essa autarquia deve atuar sempre que a agência reguladora é omissa em sua atividade normativa, de supervisão e de aplicação do regulamento. Ademais, o Conselho tem entendido que, mesmo na existência de ente regulador atuante, o CADE tem competência para julgar questões

regulatórias que acarretem efeitos, ainda que potenciais, sobre a concorrência. Em outras palavras, trata-se dos princípios da onipresença e inafastabilidade da atuação do CADE, ambos desenvolvidos no seio do próprio Conselho.

Esse entendimento manteve-se ao longo da última formação do Conselho, de que é claro exemplo o caso da taxa de Segregação e Entrega de Contêineres (tHC2), em que foi analisada a acusação de abuso de posição dominante por parte dos terminais portuários de contêineres localizados na área de influência do porto de Santos, ao estabelecerem cobrança para liberação de contêineres (justamente a tHC2) em prejuízo dos recintos alfandegados independentes e dos consumidores. Novamente citando Calixto Salomão Filho, o CADE interveio em setor concedido a partir de uma interpretação normativa destoante daquela realizada pelo órgão com expertise no setor. Interessa observar que o então Conselheiro Prado analisou que, de forma genérica, a regulação não afastava a concorrência, sem se preocupar, especificamente, com a fixação do preço, que, em se tratando de variável essencial do mercado, denotaria a real intenção de excluir a formação natural de preços pela concorrência. E, apesar dos esforços envidados pelo Conselho para provar que a tHC2 era preço, e não tarifa, essa alteração quanto à natureza não altera o fato de que o valor, preço ou não, era objeto de fiscalização da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ) e, mesmo assim, foi objeto de discussão não só no caso THC2 (referente ao Porto de Santos), mas, igualmente, em decisão anterior, quanto ao Porto de Salvador. Ressalte-se que o próprio voto condutor do então Conselheiro Cueva apontava que o CADE não era revisor de políticas públicas, o que realça a dificuldade em identificar os elementos que o CADE considera integrantes, ou não, de uma política pública e sobre os quais pode intervir. Aliás, trecho do voto do então Diretor-Geral da ANTAQ, transcrito pelo então Conselheiro Ricardo Cueva, derruba o argumento de que a decisão da ANTAQ não teria analisado o elemento concorrencial. Importa indagar, porém, se, na mesma linha da dúvida deixada por Calixto Salomão Filho, a competência para regular bandas de preços e tarifas e o efetivo exercício dessa competência não são já suficientes, per se, para comprovar a intenção de, nesse particular, substituir-se a concorrência pela regulação.

Por derradeiro, em junho de 2008 o CADE julgou o seu mais recente e maior leading case abarcando a relação entre concorrência e regulação: o AC nº 08012.003267/2007-14, o denominado caso VARIG/GOL. A principal discussão se situou em torno da competência do CADE para distribuir slots – competência que tanto a Procuradoria-Geral do CADE (ProCADE), quanto o representante do Ministério Público Federal (MPF) junto à autarquia, entenderam

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não ter sido atribuída ao Conselho. Esse entendimento foi contrariado pelos Conselheiros. O então Conselheiro Prado, recorrendo, novamente, ao professor Calixto Salomão Filho, observou que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), como outras agências, tem poder formalmente profundo, embora não seja extenso. Contudo, embora formalmente profundo, a atuação da agência reguladora na seara concorrencial não seria qualitativamente satisfatória (por lhe faltar capacidade técnica em antitruste) e efetiva (não há histórico de aplicação de análise concorrencial). Segundo Prado, não caberia ao CADE normatizar ou redistribuir slots, mas não fugiria da sua competência exigir a devolução de slots pelas requerentes no AC em função de entender, na mesma linha de Pfeiffer no PA nº 08000.007754/95-28, que o CADE tem competência para julgar questões regulatórias que acarretem efeitos, ainda que potenciais, sobre a concorrência (denominadas de falhas do regulador pelo ex-Conselheiro). Esse entendimento levou a que o Conselheiro Furquim concluísse, em voto divergente, pela necessidade de devolução de slots, para a restauração da efetiva concorrência no setor. Como pontos nevrálgicos dessas conclusões ficam duas indagações: (i) se o fato de haver uma agência concorrencial não impede que reguladores possam analisar questões concorrenciais (poder profundo), como poderia o CADE entender pela sua incapacidade [da agência reguladora] de análise concorrencial sem analisar o histórico dos seus julgados e da própria lei que autorizou o regulador a proceder à análise concorrencial?; e (ii) a intervenção in abstracto pelo CADE, alterando regulamentos do ente regulador, difere, materialmente, de uma intervenção incidenter tantum desautorizando a interpretação prevista no regulamento?

1.3 Da necessidade de revisitar a doutrinaConforme se observa, a jurisprudência do CADE tem evoluído no sentido de uma atuação abrangente do antitruste em setores regulados. Esse posicionamento, embora muitas vezes não tenha alterado o desenho final da decisão do CADE, tem-se tornado, paulatinamente, mais relevante para definir em que grau a atuação do CADE não representa uma revisão da análise regulatória ou a indevida intromissão da delimitação de uma política pública definida por ao menos um dos três poderes soberanos.

Da análise da doutrina e da jurisprudência se observa que a atuação da concorrência no setor regulado, onde admitida, tem sido entendida como ampla o suficiente

para substituir a regulação. Ambas, assim, têm caminhado no sentido de servir à substituição da regulação pela concorrência, em sentido inverso àquele que o professor Calixto Salomão Filho afirma terem feito doutrina e jurisprudência norte-americanas, em que a state action representa isenções concorrenciais.

Embora se tenha pautado, genericamente, pela leitura de Calixto Salomão Filho – único doutrinador brasileiro repetidamente citado na análise da matéria -, o entendimento do CADE tem optado, habitualmente, pela interpretação mais abrangente da sua competência, ainda que isso represente fugir ao entendimento doutrinário corriqueiramente citado nos votos do Conselho. Exemplo disso está na própria Súmula 3 do CADE, que fixa requisitos para a análise de licitações de concessões – caso expressamente citado por Salomão Filho como de isenção concorrencial plena.

Os julgados permitem concluir, ainda, que o CADE tem alçado a proteção da concorrência a um patamar superior à definição de políticas públicas por um dos poderes soberanos. Observa-se, ainda, a invocação da competência para analisar não só a existência de uma ativa supervisão, mas para julgar a própria qualidade da regulação. O CADE tem interpretado a exclusão da concorrência como função do não exercício de uma atribuição que (i) ou não foi dada ao regulador, (ii) ou foi dada, mas não pode ser exercida de forma satisfatória – excluindo a possibilidade de que se possa ter tido o legítimo propósito de afastar a concorrência onde ela pudesse ser um empecilho a uma política pública efetivamente fiscalizada pelo regulador. A análise tem falhado, ainda, ao evitar a análise do conflito entre a competência concorrencial, genérica, e a regulação específica a determinado setor, conflito esse consubstanciado no brocardo latino lex specialis derogat legi generali (lei especial derroga a lei geral).

Nesse sentido, a fim de verificarmos se a jurisprudência norte-americana traz esclarecimentos à leitura inaugural do professor Calixto Salomão Filho que possam auxiliar (i) a uniformização dos entendimentos no CADE ou (ii) a adoção de leituras mais flexíveis acerca dos nichos concorrencial e regulador, entendo necessário embeber da fonte e passarmos pela releitura dos leading cases norte-americanos que ensejaram construção doutrinária tão invocada e, propriamente, em função das inumeráveis interrogações ainda pendentes, certamente pouco compreendida.

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2 O LEADING CASE PARKER V. BROWN: formação e consolidação jurisprudencial da imunidade concorrencial

2.1 Da imunidade da política de Estado, dos poderes amplos e da fiscalização profunda – do estudo dos leading cases norte-americanos Parker v. Brown (317 U.S. 341 (1943)) resulta de uma ação movida a fim de sustar um programa de quotas agrícolas promovido pelo estado da Califórnia sob alegação de que o programa colidia com as leis concorrenciais federais. O programa impugnado – o California Agricultural Prorate Act -, visando manter a higidez agrícola do estado e evitar desperdício na comercialização de produtos agrícolas, foi formulado para a comercialização da safra de uvas-passas de 1940 e realizava-se dentro dos parâmetros do Agricultural Marketing Agreement de 1937, de âmbito federal, contando com o apoio financeiro da União. A ementa do acórdão da Suprema Corte dos Estados Unidos resume que não caberia a ela intervir por três razões precípuas: (i) a ação do estado decorre de uma política pública (state action) emergencial, dada a situação de excepcionalidade por que passava a agricultura do estado da Califórnia; (ii) o poder executivo federal, por meio do Ministro da Agricultura, vinha cooperando com o programa e (iii) o programa se casa com preocupação encampada, também, pelo poder legislativo federal, por meio do Agricultural Marketing Agreement de 1937.

Segundo o Ministro-Presidente da Suprema Corte Stone, duas questões deviam ser, inicialmente, levantadas: se havia ofensa (i) ao Sherman Act (legislação concorrencial) ou (ii) ao Agricultural Marketing Agreement de 1937 (legislação regulatória federal). Segundo o tribunal distrital, a norma feria a legislação concorrencial, razão pela qual foi dado ganho de causa ao autor da ação (apelado perante a Suprema Corte) naquela instância.

Segundo apurado pelo tribunal a quo, quase toda a uva-passa consumida nos Estados Unidos e quase metade daquela produzida no mundo adviria da Raisin Proration Zone n.1, sendo certo que entre 90-95% da produção da Califórnia era exportada para outros estados dentro dos Estados Unidos ou para outros países. O produtor vendia as uvas-passas para armazenadores, que as

mantinham guardadas até que houvesse revenda para agentes sitos, especialmente, em outros estados e outros países. O tempo de armazenamento poderia levar de dias a dois anos, a depender da quantidade estocada e da demanda. Eram igualmente freqüentes contratos futuros. Contudo, nos últimos anos, foi verificado terem-se tornado cada vez mais comuns sobras da safra anterior.

O California Agricultural Prorate Act autorizava o estabelecimento de programa para comercialização de produtos agrícolas produzidos no estado, reduzindo a competição entre os produtores e mantendo os preços na distribuição do produto aos armazenadores. A norma autorizava a criação de uma comissão de nove membros, oito deles indicados pelo governador para mandatos de quatro anos, com a necessária aprovação pelo Senado e compromisso juramentado.

Mediante requerimento de dez produtores dentro de determinada zona de produção, após audiências públicas e estudos econômicos demonstrando que o estabelecimento de um programa evitaria desperdício da produção e conservaria a higidez do estado sem levar ao enriquecimento injustificado dos produtores, a comissão poderia autorizar a criação do programa. O estabelecimento do programa para uvas-passas determinava a sua classificação, de acordo com a qualidade, em padrão inferior e superior – classificação essa que definia a destinação e o valor de venda do produto.

Segundo o Ministro Stone, a leitura do Sherman Act levava a que o programa só fosse reputado ilegal se derivado de contrato, combinação ou conspiração de entes privados. A decisão do Congresso Nacional, no exercício da atividade legislativa, não se enquadra nessa definição. Ademais, na democracia norte-americana, por força da Constituição, a soberania de um estado só pode ser retirada pelo Congresso Nacional. Nesse sentido, não havia, nesse caso, tampouco em qualquer outro caso na história norte-americana, hipótese em que o legislativo tentasse restringir o poder político.

Segundo Stone, o estado não pode conferir imunidade concorrencial autorizando a violação ao Sherman Act (Northern Securities Co. v. United States, 193 U. S. 197, 193 U. S. 332, 193 U. S. 344-47). Por outro lado, o estado ou o município certamente podem ser partes em acordos que ferem o Sherman Act (Union Pacific R. Co. v. United States). Contudo, o Sherman Act se volta contra ações dos particulares e não contra políticas públicas (individual X state action). E é o estado, por meio da comissão, que adota e fiscaliza o programa, impondo sanções para a consecução de uma política pública criada sob o amparo legislativo. O programa, portanto, não representaria um acordo ou conspiração, mas ato soberano, imposto como ato de governo que a norma

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antitruste não coíbe.A fim de determinar se o estado tinha competência para implementar uma política com impacto inter-estatal, volta-se Stone para demonstrar o interesse local em proteger a indústria de uvas-passas. Os dados juntados no processo permitiram concluir que entre 1914-1920 os preços das uvas da Califórnia, incluindo uvas-passas, subiram enormemente, alcançando seu pico em 1921. Houve, então, um enorme acréscimo de área plantada, acompanhado pela redução de preços. O pico de produção foi alcançado em 1938. Desde 1920, 30-50% do total produzido têm sido armazenados para a venda junto com a safra subseqüente (carry over), mas foi a partir de 1934 que, com a baixa de preços e o excesso de área plantada, tornou-se economicamente inviável a venda do produto. Estudiosos do setor indicam que as vendas passaram a ocorrer abaixo dos custos de produção. Desde a década de trinta havia sinais de programas federais voltados a minimizar os danos causados aos agricultores pela baixa do preço.

O julgamento de Parker v. Brown trouxe importantes contribuições ao antitruste norte-americano. A maior parte dos achados faz alusão à separação entre as competências regulatórias estaduais e federais. Contudo, a sua singular contribuição aos estudos dos pontos de enfrentamento entre concorrência e regulação, no Brasil, não é trivial: trata-se da isenção antitruste conferida aos poderes legislativo e executivo no ensejo da soberana implantação e implementação de políticas públicas. E, mesmo sendo natural, no direito brasileiro, por determinação legal, enfrentar atos anticoncorrenciais praticados por agentes estatais, seguindo a doutrina state action, essa submissão só se estenderia aos entes de mercado sujeitos ao direito privado, como empresas públicas e sociedades de economia mista – tipologias que o direito norte-americano desconhece. O ato do regulador, ato público em sentido estrito, estaria coberto pela doutrina inaugurada em Parker v. Brown.

A segunda grande contribuição ao tema veio de United States v. RCA (358 U.S. 334 (1959)), que consagra a doutrina da pervasive power. Relata o Ministro-Presidente Warren que as apeladas Radio Corporation of America (RCA) e National Broadcasting Company eram rés em ação cível antitruste movida pelo governo dos EUA, cujo principal ponto de controvérsia versava acerca de se a aprovação pela Federal Communications Commission (FCC) de um acordo entre as apeladas – para trocar a estação de televisão de Cleveland pela de Filadélfia – barrava, ou não, a ação antitruste independente do governo em face dessa mesma operação. A aprovação da operação pela FCC, apontam os autos, teria passado pela análise de elementos concorrenciais. Todavia, aponta Warren, seria

necessário proceder a uma análise da história legislativa do papel da FCC.

Procedendo a essa análise, conclui o Ministro que a história legislativa da FCC não confere poder de análise concorrencial a esse órgão, razão pela qual o recurso à ação antitruste independente é reputado válido. A relevante contribuição de United States v. RCA centra-se em que a análise regulatória não preclui a análise concorrencial onde o poder de decisão da agência reguladora não for amplo o suficiente para afastar o direito concorrencial ou profundo o suficiente para abarcar decisões em sede concorrencial. Observe-se que a decisão deve pautar-se em determinação legal que defina se o regulador tem ou não poder para decidir sob aspectos concorrenciais em setores nos quais a concorrência não foi excluída.

Em Goldfarb v. Virginia State Bar (421 U.S. 773 (1975)), um casal interessado em adquirir uma casa no condado de Fairfax – e cujo financiador demandou a contratação de um seguro – entrou com ação em face das ordens de advogados de Fairfax e Virginia ao se deparar com a necessidade de que a apólice de seguro fosse analisada por um advogado e ao perceber que nenhum advogado aceitava trabalhar por menos que os honorários mínimos fixados pela ordem dos advogados de Fairfax e executada pela ordem dos advogados da Virginia (price-fixing). Embora o tribunal distrital tenha dado ganho de causa aos autores, o tribunal de apelação reverteu a decisão, ao entender que as ações da ordem dos advogados eram imunes enquanto políticas públicas (state action), nos termos da doutrina Parker v. Brown, assim como em função de se tratar de profissão liberal e pelos efeitos locais da decisão, que excluiriam o caso do alcance do Sherman Antitrust Act.

A aludida decisão foi, finalmente, revertida pela Suprema Corte, que entendeu que consistia violação ao Sherman Act a fixação de preços mínimos (e não a sua mera sugestão), cuja desobediência era severamente sancionada. O tribunal entendeu, ainda, (i) que a atividade de consultoria e o financiamento da casa própria eram praticados além dos limites do estado da Virginia, assim como (ii) que profissionais liberais prestam serviço, cuja contraprestação é o pagamento em dinheiro – o que representa mercancia. Estudando o histórico do Sherman Act, concluiu-se que o Congresso Nacional não teria garantido qualquer isenção concorrencial aos profissionais liberais, o que mantinha a aplicação do Sherman Act.

Mas, acima de tudo, a Suprema Corte observou que as atividades das rés não estavam isentas do Sherman Act enquanto state action, no sentido examinado em Parker v. Brown. (i) Nem a Suprema Corte do estado da Virginia, tampouco qualquer lei do estado da Virginia tratava

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de tal atividade como política pública; (ii) embora a ordem dos advogados estadual possa emitir normas éticas, a Suprema Corte não as aprovava; (iii) a isenção concorrencial demanda política pública gerenciada por um estado agindo soberanamente, não se admitindo que se trate apenas de uma medida instigada por uma política pública. Em Goldfarb, portanto, a ação disciplinar da ordem dos advogados insere-se como atividade de cunho privado e, como tal, sujeita ao Sherman Act. A grande contribuição de Goldfarb está expressa nos itens (i) e (iii) – ou seja, em haver política pública efetivamente levada a cabo por poder soberano – e reside em tornar mais claro o ponto que suscitamos em Parker v. Brown.

Em United States v. NASD, Inc. (422 U.S. 694 (1975)), a Suprema Corte afirmou a imunidade concorrencial conferida à Securities and Exchange Commision pelo Maloney Act de 1938 e pelo Investment Company Act de 1940, seguindo o entendimento da corte distrital. Em jogo, estava a análise de práticas de venda e distribuição empregadas na comercialização de valores mobiliários de fundos mútuos. A ação trazia a alegação de que os réus-apelados combinavam restringir a oferta e fixar os preços de revenda das ações dos fundos mútuos em transações no mercado secundário por meio de corretor. Embora autor e ré tenham concordado em que o §22(d) do Investment Company Act demandava que os corretores uniformizassem preços no mercado primário, o autor entendeu que a isenção não se estendia ao mercado secundário, devendo-se cingir, tão-somente, ao estritamente necessário, ou seja, ao segmento a que a lei expressamente estabeleceu imunidade.

Contudo, na linha do tribunal distrital e após detalhado estudo do histórico do Investment Company Act, a fim de buscar a mens legis, a Suprema Corte concluiu que o objetivo dos normativos regulatórios era incompatível com o Sherman Act e representava clara isenção concorrencial.

É importante observar, contudo, a linha da divergência apontada pelo Ministro White ao voto do Ministro Powell – em que foi seguido pelos Ministros Douglas, Brennan e Marshall. Discordando do tribunal distrital, observou, concordando com o autor da ação, que isenções concorrenciais são interpretadas de forma estrita e não devem ser estendidas além daquela conferida pela letra da lei. A imunidade não decorre, automaticamente, do mandato legal para que a agência reguladora autorize um ato que passará, também, pela análise concorrencial. Nesse mesmo sentido, cita que, em United States v. Philadelphia National Bank, 374 U. S. 321, 374 U. S. 350-351 (1963), entendeu-se que, em relações governadas primariamente por questões negociais,

em contraposição à coerção regulatória, os tribunais devem estar hesitantes em interpretar que o Congresso objetivava substituir as normas concorrenciais. Ademais, em United States v. McKesson & Robbins, Inc., 351 U. S. 305, 351 U. S. 316 (1956), fez-se entender que o afastamento da norma concorrencial em virtude de conflito com norma regulatória não é de praxe, tendo sido aceito, tão-somente, em casos de clara incompatibilidade entre as regras regulatória e concorrencial.

Apoiando-se nos precedentes da Suprema Corte, concluiu que, ausente uma expressa imunidade concorrencial conferida normativamente pelo Congresso, a imunidade só poderia ser observada se o Congresso, claramente, substituísse as leis concorrenciais e o modelo de concorrência vigente por um regime competitivo diferenciado, definido por regras específicas fiscalizadas por uma agência administrativa, as quais purgam da ilegalidade determinados atos de outro modo considerados violações concorrenciais. Essa situação, a seu ver, não se casaria com o caso sob análise. Embora vencido em suas conclusões, os fundamentos aplicados por White não divergem daqueles que embasaram as conclusões dos demais membros do tribunal e devem ser tomados como parte substancial da contribuição do caso para os nossos estudos. De NASD retiram-se (i) a excepcionalidade do afastamento da competência do órgão concorrencial; (ii) a possibilidade de se afastar, parcialmente, a concorrência em determinado setor, com relação a determinados atos, apenas; (iii) a possibilidade de que a norma seja interpretada além do seu sentido gramatical (mens legis) para que a isenção concorrencial seja ampliada.

Em Cantor v. Detroit Edison Co. (428 U.S. 579 (1976)), a ré (Detroit Edison Co.) era uma monopolista na distribuição de energia elétrica no sudeste de Michigan, que fornecia aos seus clientes, sem qualquer acréscimo, 50% do total das lâmpadas comuns mais freqüentemente utilizadas pelos consumidores – prática que precede a própria regulação do setor elétrico. Além de aprovada pela Comissão de Serviços Públicos de Michigan dentro da estrutura tarifária da concessionária, essa prática não poderia ser alterada sem que houvesse aprovação, pela Comissão, de pedido da ré nesse sentido. O autor da ação, varejista no mercado de lâmpadas, reclamara que a ré usava do seu monopólio no mercado de distribuição para reduzir a concorrência no mercado de lâmpadas, em desacordo com o Sherman Act. O tribunal distrital entendeu que havia isenção concorrencial, posicionamento confirmado pelo tribunal de apelação. A Suprema Corte, contudo, decidiu que a concomitante sujeição de determinados produtos à regulação e à concorrência não significa, necessariamente, que se

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deva obedecer a padrões inconsistentes, tampouco que a norma federal deva sujeitar-se à estadual. Mas, acima de tudo, mesmo presumindo que o Legislativo não desejava que as normas concorrenciais se aplicassem a áreas reguladas por um estado, a aplicação da norma concorrencial não seria vedada em um setor desregulado como o mercado de lâmpadas elétricas. Ou seja, Cantor afirma que a isenção concorrencial deve ser excepcional e se limita aos setores regulados, sendo equivocado acolher, sob o guarda-chuva regulatório, para isentar da aplicação das normas concorrenciais, setores sujeitos à livre-concorrência e para os quais não há uma política pública desenhada pela Administração. A diferença básica está em que, em Parker v. Brown, a política agrícola era pública (state action), ao passo que, em Cantor, fala-se de uma ação privada (private action) autorizada pelo estado.

Segundo a Suprema Corte, a distribuição de eletricidade era amplamente (pervasively) regulada pela comissão, mas a distribuição de lâmpadas era desregulada. A lei de criação da comissão não tratava das lâmpadas, tampouco havia qualquer outra norma que o fizesse. Desse modo, a aprovação pela Comissão de decisão da ré em manter o programa relativo às lâmpadas não implementava qualquer política governamental relativa a lâmpadas, de tal sorte que o tribunal entendeu que o estado era neutro quanto à permanência do programa.

Retomando a discussão em Goldfarb, o caso Bates v. State Bar of Arizona (433 U.S. 350 (1977)) traz a discussão acerca da vedação de publicidade em serviços de profissionais liberais. No caso em questão, os apelantes eram advogados membros da ordem dos advogados do Arizona que foram processados por essa instituição sob a alegação de violarem a norma da Suprema Corte do estado, que proibia os advogados de fazerem publicidade em jornais e outras mídias. A Suprema Corte do Arizona condenou os advogados, defendendo se tratar de um ato soberano do estado do Arizona. A Suprema Corte do EUA concluiu que se tratava de um caso no qual havia a manifestação soberana do estado do Arizona por seu judiciário e que havia ativa supervisão de uma atividade eleita para supervisão do estado, no sentido de Goldfarb - o que garantiria a isenção concorrencial. Contudo, por ferir a Primeira Emenda à Constituição dos EUA (freedom of speech), a Suprema Corte entendeu que a propaganda era admissível. Ou seja, manifestações dos poderes soberanos devem estar conformadas à Constituição Federal.

New Motor Vehicle Bd. v. Orrin W. Fox Co. (439 U.S. 96 (1978)), por sua vez, envolveu a análise do California Automobile Franchise Act, o qual exigia que a abertura ou realocação de um revendedor, por parte de empresa automobilística, dentro da área de um revendedor preexistente, dependesse da aprovação do California New Motor Vehicle Board. Essa aprovação dependia do protesto por parte do revendedor preexistente junto ao Board, sendo certo que ao Board cabia notificar a automobilística do protesto sem que, necessariamente, tivesse avaliado o mérito do protesto previamente à aludida notificação da automobilística.

A falta de análise prévia à notificação da automobilística levou a que o tribunal distrital entendesse que o direito da automobilística e do pretendente revendedor ao devido processo legal (décima-quarta emenda à constituição dos EUA) foi violado. A Suprema Corte, discordando, fez observar que não havia infração do devido processo legal. Atendo-nos ao lado concorrencial, que nos interessa, o Ministro Brennan observou que se tratava da emanação do poder soberano do legislativo da Califórnia com o objetivo de evitar práticas comerciais injustas ou opressivas ao comércio por meio da regulação da atividade comercial. A falta de análise prévia à notificação da automobilística ou a necessidade de protesto por parte do ofendido não constituiriam irregular delegação de política pública (state action) aos administrados. Uma legislação não deve ser reputada inválida apenas porque aqueles a quem pretende proteger podem abrir mão da sua proteção.

A conclusão fundamental para a nossa análise foi ditada pelo Ministro Brennan no sentido de que a norma California Automobile Franchise Act foi promulgada para substituir a concorrência e, portanto, estaria fora do alcance das normas concorrenciais por meio da isenção state action. Caso um efeito adverso sobre o processo competitivo fosse suficiente para tornar uma norma inválida, o poder da Administração em estabelecer a regulação de atividades econômicas estaria efetivamente destruído (Exxon Corp. v. Governor of Maryland, 437 U. S. 117, 437 U. S. 133. Pp. 439 U. S. 110-111).

Afirmado o princípio da imunidade concorrencial para políticas públicas, o caso Cal. Liquor Dealers v. Midcal Aluminum, Inc. (445 U.S. 97 (1980)) ou, simplesmente, Midcal, fez acrescer que, para a efetiva caracterização da imunidade, era imprescindível a supervisão ativa do regulador – sem o que a política pública (state action) se converteria em atividade eminentemente privada (private action). trata-se do princípio norteador do voto divergente do Ministro White em NASD – o qual, embora divergisse nas conclusões da decisão dos seus homólogos, trouxe princípios que já eram apontados na

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jurisprudência daquele tribunal.

Em Midcal foi analisado o sistema de precificação para o vinho adotado no estado da Califórnia. Nesse modelo, o produtor de vinho e os atacadistas tinham o dever de definir os preços a serem cobrados pelos atacadistas em contratos a serem registrados com o estado. O atacadista vendendo abaixo do valor pactuado poderia ser multado ou ter a sua licença suspensa ou revogada. Nesse sentido, um atacadista acusado de vender vinho a preço mais baixo que aquele estabelecido ajuizou ação junto ao tribunal de Apelação da Califórnia, à qual foi dado provimento por se entender haver violação ao Sherman Act.

Esse entendimento foi confirmado pela Suprema Corte, segundo a qual havia fixação de preço de revenda, dado que o produtor poderia sustar a concorrência definindo os preços cobrados pelos atacadistas. Apontou, ainda, que o envolvimento da Administração não é suficiente para estabelecer a imunidade Parker v. Brown: embora houvesse uma clara política pública expressa e articulada visando permitir a fixação de preços de revenda, não se preenchia o segundo requisito, qual seja a supervisão ativa pela própria Administração (actively supervised by the State itself). De acordo com o sistema, a Administração simplesmente autorizava os preços determinados pelos produtores e punia quem os desafiasse – de tal modo que não estabelecia os preços, não analisava a sua razoabilidade, não regulava os termos dos contratos, não monitorava as condições do mercado e não procedia ao reexame do programa. Segundo observado, a política concorrencial nacional não poderia ser ofuscada por uma fina capa (gauzy cloak) de envolvimento da Administração em algo que se torna, essencialmente, um acordo privado de fixação de preços. Não havia, ademais, prova que indicasse que o sistema adotado ajudava de qualquer modo a sustentar os pequenos retalhistas ou a conter o consumo de álcool pelos californianos e, que, portanto, indicasse que esse mesmo sistema fosse reputado mais relevante para o estado da Califórnia que a proteção da concorrência.

É interessante notar, a partir dessa última observação, que, apesar da falta de uma ativa supervisão, o tribunal apelou, também, aos próprios resultados da regulação, a fim de verificar se haveria razoabilidade em percebê-la como efetiva política pública. Não vejo nessa análise material da regulação um interesse do tribunal em definir, peremptoriamente, se a matéria era passível de

ser regulada e se essa regulação poderia afastar a defesa da concorrência – o que viria a consistir em indevida ingestão de um poder soberano (judiciário) em outro (executivo ou legislativo). Vejo, sim, uma análise ad cautelam da Suprema Corte que, apesar de não encontrar supervisão ativa formal, teria intentado verificar a existência de algum efeito positivo sobre o mercado que indicasse, eventualmente, uma auto-regulação que pudesse suprir essa ativa supervisão. Ou seja, a Suprema Corte tentava, sim, verificar se, sob qualquer ponto de vista, ela estaria ingerindo em uma política pública – e não, em sentido inverso, simplesmente analisando se, ainda que houvesse supervisão ativa, poderia ser estendida àquele caso a isenção Parker v. Brown. Aliás, os casos já analisados permitem concluir que a Suprema Corte utiliza a supervisão ativa como critério de aferição da relevância do programa para o estado. No presente caso, a cautela em relação a esse pressuposto – que não deixa de ser uma presunção relativa – levou a que tribunal averiguasse, ainda, se a regulação não era, de fato, efetiva para, só então, afastar plenamente a imunidade concorrencial.

Finalmente, 324 Liquor Corp. v. Duffy (479 U.S. 335 (1987)) reafirma o posicionamento da Suprema Corte em Midcal para o mercado de bebidas alcoólicas no estado de Nova York, em função da ausência da ativa supervisão do estado. Relembra-se, porém, que, em Parker v. Brown, a Suprema Corte decidiu que o Sherman Act não se aplicava à conduta anticoncorrencial de um estado atuando por meio do seu legislativo (Hallie v. Eau Claire, 471 U. S. 34, 471 U. S. 38 (1985)). Observa-se, ainda, que Parker v. Brown se apóia nos princípios do federalismo e da soberania os estados - o que, se por um lado, reforça o entendimento de que uma manifestação inconteste do poder soberano excepciona a aplicação do direito concorrencial, traz à luz a inviabilidade de uma transferência às cegas da state action para o ordenamento brasileiro.

Na linha dos casos acima expostos, penso por bem resumir, abaixo, quatro das mais relevantes constatações extraídas para a revisão da análise da imunidade concorrencial: (i) a excepcionalidade do afastamento da concorrência, (ii) a instrumentalidade da supervisão ativa, (iii) a especificidade da norma regulatória em relação à norma concorrencial e (iv) o enquadramento da política pública como manifestação de um poder soberano. Esses quatro entendimentos serão resumidos no item 3 abaixo.

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3. A JURISPRUDENCIA E A DOUTRINA NO BRASIL À LUZ DA DOUTRINA PARKER V. BROWN: análise ex post

3.1 Porosidade regulatória: imunidade e grau de complementação da concorrência pela regulação Contrariamente aos ensinamentos de Calixto Salomão Filho e à jurisprudência que vem se consolidando no CADE, a substituição da concorrência pela regulação pugnada pela doutrina Parker v. Brown há de ser excepcional, limitando-se ao estritamente necessário. Por um lado, isso implica afirmar que ela é mais restrita que afirmado por Salomão Filho, porquanto não demanda a plena substituição da concorrência, mas a sua isenção apenas nos limites estritamente necessários. Por outro lado, ressalte-se, isso nos leva a afirmar que a isenção é, casuisticamente, mais ampla e não abarca, apenas, as concessões, mas qualquer posicionamento manifesto por um dos poderes soberanos no sentido de substituir a concorrência. Sendo desnecessário estendê-la a todos os aspectos de determinado setor, torna-se mais factível admiti-la mais largamente em pequenas doses. Esse comportamento paradoxal, ainda não analisado pela jurisprudência do CADE, é que confere a benéfica convivência entre a regulação e a concorrência, tornando-as complementares em lugar de superpostas. Vale frisar que, da forma posta por doutrina e jurisprudência brasileiras, tem-se caminhado no sentido de servir à substituição da regulação pela concorrência, em sentido inverso àquele no qual foi concebida a isenção Parker v. Brown.

3.2 Supervisão ativa como proxy da relevância regulatória A supervisão ativa não é um dado em si, mas a aferição da relevância daquela política pública que ensejou a substituição da concorrência nos limites do necessário. A concorrência, observe-se, não deve, nessa linha, ser afastada sem que haja motivo relevante para tanto. A aferição da relevância se dá pelo registro da qualidade da supervisão pelo regulador. Nesses termos, é de rigor reconhecer que, mesmo a lei demandando que o regulador leve em consideração questões concorrenciais na análise regulatória, não haveria como concluir que a supervisão não é ativa quando

o regulador poderia, simplesmente, ter definido a concorrência incompatível com a política pública após a devida análise do setor.

Como bem se extrai da jurisprudência norte-americana, apenas o estudo do histórico dos julgados e da própria legislação regulatória apontam para a mens legis, sob pena de o CADE, verdadeiro órgão de Estado, intervir na formulação de uma política pública implementada pelo regulador. Se a agência é ativa, não cabe ao CADE julgar que a concorrência seja um bem per se e, por subseqüente, inafastável, situando-se acima de um valor que uma lei específica publicada por um dos poderes soberanos determinou que fosse escolhido pelo regulador ativo.

3.3 Especificidade da intervenção regulatóriaA intervenção generalizada do CADE advém do entendimento de que não há exceções concorrenciais escritas (ou explícitas, no dizer de Calixto Salomão Filho). Por esse motivo, aplica-se sempre que exista contrariedade ao ambiente concorrencial, ainda que em ambiente regulado. Essa capacidade de intervir permite ao CADE, mesmo que indiretamente, interferir na regulação e, por subseqüente, na política pública de um setor (poder político), normatizando casuisticamente.

Observe-se, porém, que, se a norma concorrencial é ampla e enseja a jurisprudência do CADE no sentido de não haver exceções à sua atuação, as normas regulatórias são específicas a um determinado setor. Isso nos conduz, inequivocadamente, ao clássico confronto entre norma geral e norma específica, cuja resposta os romanos já deram com a primazia da norma específica de igual hierarquia.

3.4 Poder políticoUm dos elementos essenciais na construção histórica da imunidade concorrencial nos EUA veio da necessidade de garantir a não intervenção estadual em matéria legislada em âmbito federal e vice-versa. A conclusão a que chegou a Suprema Corte estava em que o legislativo federal poderia impor obrigações aos estados federados e que, portanto, os regramentos estaduais não poderiam ir de encontro às leis federais. Por outro lado, os estados estariam livres para conceber políticas públicas que afastassem a lei concorrencial se fosse demonstrado que aquela exceção era realmente necessária. A evidência da necessidade de fato decorria da prova de que o estado supervisionava ativamente a consecução daquela política pública (state action). Essa interpretação se estendeu para conflitos entre os poderes federais pela já comentada teoria da pervasive power.

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Essa noção histórica tem o grande mérito de fazer observar que, na ausência de hierarquia estabelecida entre regulação e concorrência, isenções podem ser criadas (i) pela especificidade da norma regulatória e (ii) pela execução, pelo regulador, de políticas públicas formuladas pelos poderes soberanos. Essas manifestações que, a meu ver, são sempre explícitas – e nisso discordo de Salomão Filho -, decorrem de julgados do judiciário, normas do legislativo e programas do executivo, que devem estar traduzidos em regulamentos cumpridos pela agência ou outro regulador.

Não poderia, nessa linha, uma agência concorrencial intervir onde um poder soberano tenha afastado a sua interferência pela supervisão ativa de um regulador. Seria não só hierarquicamente desarrazoado, mas, propriamente, uma subversão da relação delegante-delegado e uma afronta ao art. 2º da Constituição Federal de 1988 (CF). Essa atuação desvirtuaria, ainda, a própria concepção do CADE como órgão de Estado, visto que interferência na regulação implicaria o redesenho da estratégia traçada para determinado setor, transformando a autarquia em órgão formulador de políticas públicas e, portanto, de governo.

4. CONSIDERAÇÕES FINAISO presente trabalho apresentou, paulatinamente, doutrina e jurisprudência brasileiras em matéria de análise concorrencial em setores regulados, fazendo observar a baixa uniformidade entre a linha divisória para a atuação do CADE proposta em doutrina e aquela consubstanciada nas conclusões do próprio órgão judicante da concorrência. Ante essa análise, divisou-se, ex ante, a necessidade de proceder à análise dos casos jurisprudenciais norte-americanos, em função de (i) tratarem com riqueza as motivações para o disciplinamento do assunto e (ii) abordarem essa relação de forma menos parcial, uma vez que a imunidade regulatória à concorrência surge de julgados da Suprema Corte norte-americana e, portanto, do poder judiciário.

O estudo veio mostrar que a teoria sob análise, ou seja, a imunidade Parker v. Brown, visa garantir que a política pública que se manifeste em uma regulação, ao justificar a ativa supervisão do ente regulador, represente a clara intenção de substituir, mesmo que parcialmente, a concorrência. A substituição, frise-se, não precisa ser plena – ela se opera, apenas, onde a convivência entre a concorrência e a regulação não for funcional. Embora haja primazia da norma específica regulatória, o afastamento da aplicação concorrencial deve ser analisado incidenter tantum, restringindo-se ao estritamente necessário. trata-se da releitura da imunidade concorrencial originária do leading case Parker v. Brown, analisando-a, desta vez, teleologicamente.

As teorias não foram concebidas para admitir a intrusão do CADE em assuntos regulatórios na discordância da política externada pelas agências especializadas, mas para afirmar a primazia da regulação quando, (i) a partir da escolha de um valor prioritário em relação à defesa da concorrência (substituição da concorrência), (ii) esse valor vier a ser efetivamente implementado como política de governo (fiscalização ativa). A regulação é porosa. Apenas os três poderes são soberanos por meio dos supremos representantes do executivo, legislativo e judiciário. É assim que ao legislativo é licito intervir na esfera antitruste, formulando isenções concorrenciais, como o faz o art. 88 do projeto de lei para o novo SBDC, ao redefinir o que é um ato de concentração. Da mesma forma o judiciário, ao avaliar a competência de atuação CADE em operações envolvendo instituições financeiras. Nesse mesmo sentido, expressas políticas regulatórias priorizadas pelo chefe do executivo não devem sofrer interferências concorrenciais na sua substância.

O CADE atua nos poros regulatórios, complementando e/ou suprindo a regulação – e não a contradizendo. É, no mínimo, paradoxal aceitar a existência de um setor regulado, analisar tal setor com base na estrutura regulada e, alfim, querer redefinir, parcialmente, a regulação do setor, como se a regulação pudesse ser desmembrada sem perder o sentido originalmente desejado. Em uma ordem constitucional em que a concorrência não se sobrepõe à regulação, como poderia derrogá-la ou, mormente, abrogá-la?

Poder-se-ia, eventualmente argumentar que esse desenho conferiria excessiva discricionariedade ao Executivo. Observo, contudo, que essa regra não é mais favorável ao despotismo que a restrição regulamentar da soberania regulatória do Executivo. Ambos os modelos pressupõem um Estado de Direito, sem o qual qualquer regra não vale mais que a vontade do ditador. E, no Estado de Direito, o direito concorrencial só pode ser aplicado a um setor regulado na medida em que com ele não conflite, sob pena de verificarmos atividade regulatória indireta.

A noção de que, no limite, há nichos nos quais a convivência entre concorrência e regulação é inviável e que a regulação – ao representar a política do estado (state action) e, portanto, manifestação soberana de um dos três poderes – afasta, na presença de ativa supervisão do regulador, a aplicação da concorrência, permanece pouco enfrentada no Brasil. Esse é, contudo, o sentido em que foram erigidas as doutrinas state action e a pervasive power e sob esse prisma é que se deve repensar a aplicabilidade pura das teorias concebidas no antitruste norte-americano.

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ReferênciasBRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ato de

concentração 08012.003267/2007-14. O Plenário, por unanimidade,

aprovou a operação com restrição à cláusula de não-concorrência, nos

termos do voto do Relator. VRG Linhas Aéreas S/A e GtI S/A. Relator:

Conselheiro Luis Fernando Rigato Vasconcellos. J. em 25 de junho de 2008.

Disponível em <http://www.cade.gov.br/Default.aspx?a8889b6caa60b241

d345d069fc>. Acesso em 22 de setembro de 2008.

BRcompra), atacadistas podem compelir que os varejistas vendam o

produto por mais de 112% do valor efetivamente pago pelo produto. Como

resultado de o apelante ter vendido garrafas de bebida alcoólica abaixo dos

112% do valor de rótulo, sua licença foi suspensa por 10 dias. A Suprema

Corte entende que o art. 101-bb é inconsistente com o §1o do Sherman

Act. O ajuste de preço de revenda tem sido desde longa data considerado

per se uma violação antitruste. A legislação de Nova York, que se aplica

a todos os atacadistas e varejistas, admite “controle vertical” dos preços

de varejo pelo atacado. tal abrangente fixação de preço tem elevado

potencial de reduzir a competição entre e intramarcas, porque evita que

os atacadistas incentivem a competição no varejo. O sistema de preços de

Nova York não tem validade sob o escudo da isenção antitruste da state

action. O sistema estadual preenche o primeiro critério Parker v. Brown,

de que a prática analisada seja articulada e expressa de forma clara como

política de Estado. Contudo, não preenche o segundo, de que a política

do estado seja ativamente supervisionada pelo próprio estado. Nova York

simplesmente autoriza o estabelecimento de preços e fiscaliza os preços

estabelecidos pelos entes privados. O estado eliminou a concorrência entre

varejistas sem que houvesse a sua substituição por regulação adequada

(tradução nossa). 324 Liquor Corp. v. Duffy, 479 U.S. 335 (1987).

Relator: Ministro Powell. J. em 13 de janeiro de 1987. Disponível em

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Administrativo 08012.007443/99-17. Infração à ordem econômica. Abuso

de posição dominante por parte dos terminais portuários de contêineres

localizados na área de influência do porto de Santos.

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Cueva. J. em 27 de abril de 2005. Disponível em <http://www.cade.gov.

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BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo

administrativo 08012. 006207/98-48. Processo administrativo instaurado

para apurar urna suposta prática anticoncorrencial de fixação de preços

abusivos pelas representadas, cuja previsão corno infração está descrita

no art. 21, inciso XXIV, da Lei n° 8884/94. Valesul Alumínio S/A,

PROSINt - Produtos Sintéticos S/A, CSN - Companhia Siderúrgica Nacional,

Companhia Nacional de Álcalis, Riogás S/A, Companhia Estadual de Gás do

Rio de Janeiro – CEG. Relator: Conselheiro Afonso Arinos de Mello Franco

Neto. J. em 31 de janeiro de 2001. Disponível em <http://www.cade.

gov.br/Default.aspx?a8889b6caa60b241d345d069fc>. Acesso em 22 de

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BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Processo

administrativo 53500.000359/1999. Abuso de poder econômico. Agência

Nacional de telecomunicações - Anatel “Ex- Offício” - (tVA Sistema de

televisão S/A – Directv, tV Globo Ltda. e tV Globo São Paulo Ltda.

Relator: João Bosco Leopoldino da Fonseca. J. em 20 de junho de 2001.

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BRASIL. Conselho Administrativo de Defesa Econômica. Ato de

concentração 08012.155/97-97. Ato de Concentração. Leilão de

privatização. Aquisição de 41,73% do capital ordinário e 26,85% do capital

total da Companhia Vale do Rio Doce pelo consórcio Valepar. Companhia

Vale do Rio Doce - CVRD e Valepar S/A. Relator: Conselheiro thompson

Almeida Andrade. J. em 30 de maio de 2000. Disponível em <http://www.

cade.gov.br/Default.aspx?a8889b6caa60b241d345d069fc>. Acesso em 22

de setembro de 2008.

EStADOS UNIDOS DA AMERICA. Suprema Corte. Certiorari. Em uma ação

de competência da justiça estadual, o réu Midcal Aluminium, distribuidor

de vinho, apresentou com sucesso uma contestação de índole concorrencial

à política do estado da Califórnia de fixação de preço de revenda para a

indústria atacadista de vinho. A discussão do caso enfrenta a imunidade

das leis estaduais em apreço em relação ao Sherman Act por força

da doutrina state action de Parker v. Brown ou do §2o da 21a emenda

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REVISTA ANTT - V. 2 Nº 2 - NOVEMBRO - 2010 - BRASÍLIA | 137

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(tradução nossa). Cal. Liquor Dealers v. Midcal Aluminum, Inc., 445

U.S. 97 (1980). Relator: Ministro Powell. J. em 3 de março de 1980.

Disponível em <http://supreme.justia.com/us/445/97/case.html>. Acesso

em 20 de setembro de 2008.

EStADOS UNIDOS DA AMERICA. Suprema Corte. Certiorari. Os Apelantes,

advogados e membros da ordem dos advogados do estado do Arizona,

foram por ela acusados de violar o código de ética da suprema corte

estadual, a qual proíbe a propaganda, em jornais ou outra mídia, dos

serviços de advogado. A contenda teve como fundamento uma propaganda

de jornal veiculada por pedido dos apelantes, na qual eram oferecidos

de advogado a honorários bastante razoáveis e listados os preços para

certos serviços. A Suprema Corte estadual afirmou o posicionamento do

comitê da ordem e entendeu que s apelantes violaram a regra, afastando

a alegação de que a regra feria os §§1o e 2o do Sherman Act em razão da

tendência de limitar a concorrência, assim como o direito dos apelantes à

primeira emenda (tradução nossa). Bates v. State Bar of Arizona, 433

U.S. 350 (1977). Relator: Ministro Blackmun. J. em 27 de junho de 1977.

Disponível em <http://supreme.justia.com/us/433/350/case.html>. Acesso

em 20 de setembro de 2008.

EStADOS UNIDOS DA AMERICA. Suprema Corte. Recurso voluntário

(appeal). trata-se de ação intentada em corte federal para fazer cessar

a execução de um programa agrícola estadual, sob alegação de que

colidia com as leis federais antitruste. A corte entende que o programa de

comercialização adotado pelo estado da Califórnia, regulando o manejo, a

disposição e preços de uvas passas produzidas no estado, em larga parte

alienadas no comércio interestadual ou internacional, não fere o Sherman

Act (tradução nossa). Parker v. Brown, 317 U.S. 341 (1943). Relator:

Presidente Stone. J. em 4 de janeiro de 1943. Disponível em <http://

supreme.justia.com/us/317/341/case.html>. Acesso em 20 de setembro

de 2008.

EStADOS UNIDOS DA AMERICA. Suprema Corte. Recurso voluntário

(appeal). O Ato de Franquia Automobilística (Ato) do estado da Califórnia

requer que um fabricante de automóveis obtenha aprovação do Conselho

de Carros Motorizados anteriormente à abertura ou realocação de um

negócio varejista dentro do mercado de um franqueado preexistente e em

caso de protesto deste. O Ato exige, ainda, que o Conselho notifique o

fabricante de tal obrigação mediante o protesto do franqueado já existente.

O Conselho não precisa realizar uma audiência sobre o mérito do protesto

antes de notificar o fabricante. Os apelantes, um fabricante e possíveis

novos franqueados e realocados, uma vez notificados, nos termos do Ato,

dos protestos de franqueados preexistentes e antes que houvesse qualquer

audiência, moveram ação alegando a inconstitucionalidade do estatuto

com fundamento no devido processo legal. O tribunal distrital entendeu

que a ausência de audiência prévia negava aos produtores e seus possíveis

franqueados o devido processo legal demandado pela 14a emenda (tradução

nossa). New Motor Vehicle Bd. v. Orrin W. Fox Co., 439 U.S. 96 (1978).

Relator: Ministro Brennan. J. em 5 de dezembro de 1978. Disponível em

<http://supreme.justia.com/us/439/96/case.html>. Acesso em 20 de

setembro de 2008.

EStADOS UNIDOS DA AMERICA. Suprema Corte. Certiorari. O réu, único

fornecedor de eletricidade a sudeste de Michigan, também oferta a seus

clientes residenciais 50% da lâmpada padrão mais utilizada – prática que

precede a regulação estadual que regula o setor elétrico. A referida prática

de venda de lâmpadas é aprovada pela Comissão de Serviços Públicos de

Michigan e não pode ser mudada até que o réu peticione e a Comissão

aprove uma nova tarifa. O requerente, varejista atuante na venda de

lâmpadas, traz a presente ação para alegae que o réu, usando seu poder

de mercado no segmento de distribuição de energia elétrica, restringe a

competição no mercado de lâmpadas, em violação ao Sherman Act. O

tribunal distrital, em julgamento sumário, estendeu a imunidade Parker

v. Brown ao caso, de tal sorte que as práticas estariam resguardadas das

leis antitruste federais – posicionamento confirmado no tribunal recursal.

A Suprema Corte entende que nem a aprovação do estado de Michigan,

tampouco a determinação de que a política não pode ser alterada até que

uma nova tarifa seja peticionada são argumentos suficientes para elidir

a aplicação das leis concorrenciais federais (tradução nossa). Cantor v.

Detroit Edison Co., 428 U.S. 579 (1976). Relator: Ministro Stevens.

J. em 6 de julho de 1976. Disponível em <http://supreme.justia.com/

us/428/579/case.html>. Acesso em 20 de setembro de 2008.

EStADOS UNIDOS DA AMERICA. Suprema Corte. Certiorari. Os

requerentes, marido e mulher, contrataram a compra de uma casa em

Fairfax, Virginia, e o financiador da compra demandou que eles fizessem

seguro, o que demandava análise legal restrita a advogados pertencentes à

ordem dos advogados da Virginia. Os requerentes tentaram, sem sucesso,

encontrar um advogado que examinasse o título cobrando abaixo da tabela

da ordem dos advogados do condado de Fairfax, a qual é fiscalizada pela

ordem do estado da Virginia, ora ré. Os requerentes, então, entraram com

a presente ação em face dos réus alegando que a fixação e cobrança de

honorários mínimos representavam fixação de preços em violação ao §1o

Referências

IMUNIDADE PARKER V. BROWN: RELEItURA DAS DOUtRINAS StAtE ACtION E PERVASIVE POWER NO ORDENAMENtO JURÍDICO BRASILEIRO Roberto Domingos Taufick

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do Sherman Act. Embora tenha isentado a ordem estadual do Sherman

Act, o tribunal distrital acolheu o pedido em face da ordem de advogados

do condado. O tribunal de apelação reverteu a decisão, sustentando que

a ordem estadual não se sujeitava ao Sherman Act nos termos de Parker

v. Brown e que a ordem local também estava isenta, dado que o exercício

da advocacia não se confundia com a mercancia. Entendeu, ainda, que

as atividades das rés não afetavam de forma significativa o comércio

interestadual de tal sorte a que a aplicação do Shreman Act deveria ser

afastada. A Suprema Corte entendeu que a fixação de honorários mínimos,

tal como publicados pela ordem local e fiscalizados pela ordem estadual,

constituía afronta ao §1o do Sherman Act (tradução nossa). Goldfarb v.

Virginia State Bar, 421 U.S. 773 (1975). Relator: Presidente Burger.

J. em 16 de junho de 1975. Disponível em <http://supreme.justia.com/

us/421/773/case.html>. Acesso em 20 de setembro de 2008.

EStADOS UNIDOS DA AMERICA. Suprema Corte. Recurso voluntário

(appeal). O histórico legislativo do Ato de Comunicações de 1934 (“Ato”)

revela que a Federal Communications Commission (“FCC”) não tem o

poder de decidir em matéria antitruste e que os atos da FCC não visam

afastar a aplicação das leis antitruste em tribunais federais. Não havendo

regulação ampla (pervasive) ou estrutura tarifária envolvida, o Ato não

demanda aplicação da doutrina de jurisdição primária, o que permitiria

que o governo só analisasse a operação como uma violação do Sherman

Act por meio de procedimento próprio diante da FCC ou em litígio judicial

contestando a decisão da FCC. Uma vez que a FCC não tem poderes para

analisar questões concorrenciais, esta ação concorrencial independente não

está atrelada a decisão anterior, coisa julgada ou preclusão. O julgamento é

considerado nulo e o caso, enviado à corte inferior para instrução (tradução

nossa). United States v. RCA, 358 U.S. 334 (1959). Relator: Presidente

Warren. J. em 24 de fevereiro de 1959. Disponível em <http://supreme.

justia.com/us/358/334/case.html>. Acesso em 20 de setembro de 2008.

EStADOS UNIDOS DA AMERICA. Suprema Corte. Recurso voluntário

(appeal). O presente recurso exige que o tribunal determine até que

ponto da autoridade reguladora atribuída à Securities and Exchange

Commission (“SEC”) por meio do Ato Maloney e pelo Ato de Investimento

Corporativo de 1940 substitui a política antitruste do §1o do Sherman Act.

Em discussão está se certas práticas de compra e distribuição adotadas

por fundos mútuos estão imunes da responsabilidade concorrencial.

Concluímos que sim e, nesses termos, mantemos a decisão do tribunal

distrital (tradução nossa). United States v. NASD, Inc., 422 U.S. 694

(1975). Relator: Ministro Powell. J. em 26 de junho de 1975. Disponível

em <http://supreme.justia.com/us/422/694/case.html>. Acesso em 20 de

setembro de 2008.

EStADOS UNIDOS DA AMERICA. Suprema Corte. Recurso voluntário

(appeal). De acordo com o §101-bb da Lei de Controle de bebidas

Alcoólicas de Nova York e regulamentos a Autoridade Estadual de Bebidas

Alcoólicas (LSA), varejistas de bebidas alcoólicas devem cobrar, ao menos,

112% do valor de rótulo dos atacadistas em vigor no momento da venda

ou oferta. Os atacadistas devem informar à LSA, mensalmente, os valores

de rótulo e podem reduzir o preço de venda ao varejista sem reduzir o

valor de venda ao consumidor final. Como os varejistas costumam comprar

bebidas alcoólicas em caixas (o que baixa o seu valor de

Referências

IMUNIDADE PARKER V. BROWN: RELEItURA DAS DOUtRINAS StAtE ACtION E PERVASIVE POWER NO ORDENAMENtO JURÍDICO BRASILEIRO Roberto Domingos Taufick

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140 |REVISTA ANTT - V. 2 Nº 1 E 2 - MAIO/NOVEMBRO - 2010 - BRASÍLIA

Normas da Revista Eletrônica ANTT

1. Normas Gerais1.1. Serão aceitos artigos originais e inéditos destinados à Revista ANtt, que contenham análises e contribuições para o desenvolvimento do setor de transportes terrestres e áreas correlatas. Dentre elas: transporte ferroviário, de passageiros, transporte de carga, infraestrutura rodoviária, concessões públicas, aspectos ambientais, regulação, logística, tecnologias, estudos de casos resultantes de métodos quantitativos e qualitativos aplicados ao sistema de transportes que ainda não foram publicados nem encaminhados a outra revista para o mesmo fim.

1.2 Os artigos encaminhados são submetidos à avaliação de um Corpo técnico de especialistas na área pertinente à temática do artigo e, caso aprovados, entram na fila de publicação.

1.3 Serão aceitos trabalhos escritos em idioma Português. As opiniões e conceitos emitidos nos textos são de exclusiva responsabilidade dos autores.

1.4 Para submeter um artigo à publicação Revista ANtt, o autor deve tomar conhecimento do Regulamento da Revista ANtt e seguir as Normas para Submissão disponíveis no sítio eletrônico da Revista ANtt.

1.5 Os Autores deverão submeter os artigos por meio dos contatos disponíveis no sítio eletrônico da Revista ANtt, no endereço www.antt.gov.br/revistaantt.

1.6 Direitos Autorais para artigos publicados nesta revista são do autor, com direitos de primeira publicação para a Revista ANtt. Em virtude de aparecerem nesta revista de acesso público, os artigos são de uso gratuito.

2. Formatos aceitos:São aceitos para publicação na Revista ANtt os seguintes formatos de trabalhos:

2.1 Artigostécnico-científicos – trabalhos de natureza técnico-científica de caráter original, que não tenham sido submetidos para publicação em qualquer outro veículo de divulgação.

Conjuntura e Panorama Profissional – Comunicação de conteúdo sucinto, descrevendo o andamento ou os resultados obtidos por meio de trabalhos de pesquisa ou projetos significativos na área de transportes.Resenhas Bibliográficas – Análise crítica de livros, teses, dissertações e monografias, editados no Brasil ou no exterior, reconhecidos como sendo de interesse para o conhecimento dos transportes e áreas associadas.

2.2 Relatórios técnicosA sessão de relatórios técnicos configura-se como espaço para divulgação dos resultados de pesquisas técnicas na área de interesse da Revista ANtt, inclusive notas técnicas, teses e dissertações produzidas no âmbito da Agência ou não e que não tenham caráter de confidencialidade.

A Revista será composta, ainda, de uma sessão de reportagens, uma de entrevistas – ambas de responsabilidade da Assessoria de Comunicação da ANtt – e artigos especiais, elaborados sob solicitação a profissionais renomados sobre temas relevantes à área de atuação da ANtt.

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REVISTA ANTT - V. 2 Nº 1 E 2 - MAIO/NOVEMBRO - 2010 - BRASÍLIA | 141

3. Diretrizes para autores:3.1 Os artigos deverão ser encaminhados em formato digital.doc, em espaço simples, fonte times New Roman, tamanho 12, sem notas de cabeçalho e rodapé.

3.2 A configuração da página deve ser A4 com margens de 2,5 cm (superior, inferior, direita e esquerda).

3.3 O título do trabalho (Português e em Inglês) deve aparecer centralizado com fonte times New Roman, tamanho 14 e em negrito.

3.4 A seguir devem aparecer resumo e abstract, com um máximo de 15 linhas (250 palavras, incluindo um mínimo de três e máximo de cinco palavras-chave descritoras do conteúdo do trabalho apresentadas em Português e em Inglês.

3.5 tabelas e ilustrações devem ser referidas no texto e numeradas de acordo com a seqüência. As tabelas devem ter título/legenda na parte superior e as ilustrações título/legenda na parte inferior.3.6 As ilustrações (gráficos, mapas e fotos) deverão ser enviadas em formato .gif ou .jpg, já inseridas no corpo do texto.

3.7 As referências deverão ser organizadas de acordo com a NBR-6023 da ABNt (agosto de 2002).

3.8 As citações diretas e indiretas deverão ser organizadas de acordo com a NBR-10520 da ABNt (agosto de 2002).3.9 Para cada tipo de trabalho, deverão ser observados os seguintes limites: artigos técnico-científicos, de 10 a 20 páginas; conjuntura e panorama profissional, de 3 a 7 páginas; resenhas bibliográficas, de 2 a 5 páginas e; Relatórios técnicos, de 5 a 10 páginas. .

4. Processo de Avaliação4.1 Os artigos enviados para publicação são avaliados preliminarmente pelo Corpo técnico, que examina os aspectos de tecnicidade e adequabilidade do trabalho à linha editorial, e se estão dentro das normas do regulamento da Revista ANtt.

4.2 Para assegurar o anonimato da autoria do artigo no processo de revisão pelos pares, ele não deve conter nenhum elemento que permita a identificação de autor. Informações relativas ao(s) autor(es) deverão ser preenchidas no corpo da mensagem de encaminhamento do trabalho para submissão do artigo à Revista ANtt.

4.3 Uma vez aprovado, caso necessário, o artigo deverá passar pelas correções e alterações sugeridas pelos revisores. Os autores são comunicados dos passos do processo por e-mail. A partir da aprovação final, o artigo é inserido na fila de publicação da Revista, de acordo com a programação das edições.Fluxograma representativo:

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