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Revista SÍNTESE Direito Administrativo ANO XII – Nº 138 – JUNHO 2017 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – 610‑2 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – 18/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – 07/0042596‑9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – 10/07 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Milena Sanches T. dos Santos COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Patrícia Rosa da Costa Ruiz CONSELHO EDITORIAL Alexandre de Moraes, Carlos Ari Sundfeld, Fernando Dantas Casillo Gonçalves, Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada, Maria Garcia, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Misabel de Abreu Machado Derzi, Odete Medauar, Sidney Bittencourt, Toshio Mukai COMITÊ TÉCNICO Elisson Pereira da Costa, Elói Martins Senhoras, Hélio Rios Ferreira, Luís Rodolfo Cruz e Creuz COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Bruno Fialho Ribeiro, Christopher Pinho Ferro Scapinelli, Jessé Torres Pereira Junior, Luís Rodolfo Cruz e Creuz, Mauro Roberto Gomes de Mattos, Murilo Melo Vale, Paulo Henrique Mendonça de Freitas, Taisa Queiroz Ferro Scapinelli, Tauã Lima Verdan Rangel ISSN 2179-1651

ISSN 2179-1651 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 138_miolo.pdf · jam: “O Programa Empresa Pró-Ética – Estudo sobre a Iniciativa do Ministério da Transparência,

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Revista SÍNTESEDireito Administrativo

Ano XII – nº 138 – Junho 2017

ReposItóRIo AutoRIzAdo de JuRIspRudêncIA

Tribunal Regional Federal da 1ª Região – 610‑2Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1999.02.01.057040‑0

Tribunal Regional Federal da 3ª Região – 18/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – 07/0042596‑9

Tribunal Regional Federal da 5ª Região – 10/07

dIRetoR eXecutIvo

Elton José Donato

GeRente edItoRIAl

Milena Sanches T. dos Santos

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Patrícia Rosa da Costa Ruiz

conselho edItoRIAl

Alexandre de Moraes, Carlos Ari Sundfeld, Fernando Dantas Casillo Gonçalves,Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada, Maria Garcia,

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Misabel de Abreu Machado Derzi,Odete Medauar, Sidney Bittencourt, Toshio Mukai

comItê técnIco

Elisson Pereira da Costa, Elói Martins Senhoras, Hélio Rios Ferreira, Luís Rodolfo Cruz e Creuz

colAboRAdoRes destA edIçãoBruno Fialho Ribeiro, Christopher Pinho Ferro Scapinelli, Jessé Torres Pereira Junior, Luís Rodolfo Cruz e Creuz,

Mauro Roberto Gomes de Mattos, Murilo Melo Vale, Paulo Henrique Mendonça de Freitas, Taisa Queiroz Ferro Scapinelli, Tauã Lima Verdan Rangel

ISSN 2179-1651

2006 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação mensal de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos de Direito Administrativo.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec‑tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Administrativo – v. 1, nº 1 (jan. 2006) Nota: Continuação da REVISTA IOB de DIREITO ADMINISTRATIVO

São Paulo: IOB, 2006‑.

v. 12, nº 138; 16 x 23 cm

Mensal ISSN 2179‑1651

1. Direito administrativo.

CDU 342.9 CDD 341.3

Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

Carta do Editor

Caros leitores, para compor o Assunto Especial desta edição da Revista SÍNTESE Direito Administrativo escolhemos o tema “Lei Anticorrupção Empre-sarial”.

Para compor o Assunto Especial contamos com cinco artigos, quais se-jam: “O Programa Empresa Pró-Ética – Estudo sobre a Iniciativa do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) e do Ins-tituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social”, elaborado pelo Dr. Luís Rodolfo Cruz e Creuz, Advogado e Consultor em São Paulo, Sócio de Cruz & Creuz Advogados, Doutorando em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, Mestre em Relações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas, do Convênio das Universidades Unesp/Unicamp/PUC-SP, Mestre em Direito e Integração da América Latina pelo Prolam – Pro-grama de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP, Pós-Graduado em Direito Societário – LLM – Direito So-cietário, do Insper (São Paulo), Bacharel em Direito pela Pontifícia Universi-dade Católica de São Paulo – PUC/SP; “Do Conflito da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) com a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), no que Pertine à Responsabilidade da Pessoa Jurídica Privada – Antinomia Jurí-dica”, elaborado pelo Dr. Mauro Roberto Gomes de Mattos, Advogado Especia-lizado em Direito Administrativo, Vice-Presidente do Instituto Ibero-Americano de Direito Público (Capítulo Brasileiro) – IADP, Membro da Sociedade Latino--Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social, Membro do IFA – Inter-national Fiscal Association, Conselheiro Efetivo da Sociedade Latino-Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social, Cocoordenador da Revista Ibero--Americana de Direito Público – RIADP (Órgão de Divulgação Oficial do IADP); “A Lei de Anticorrupção Empresarial: um Contraponto à Agenda de Combate à Corrupção”, elaborado pelo Dr. Murilo Melo Vale, Advogado, Professor Substi-tuto de Direito Administrativo da UFMG, Mestre em Direito Administrativo pela UFMG, Pós-Graduado em Direito Público pela Universidade Gama Filho-RJ e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/MG; “A Lei Anticor-rupção e os Fundamentos na Constituição Cidadã”, elaborado pelo Dr. Bruno Fialho Ribeiro, MBA em Gestão Pública pela UNESA (Universidade Estácio de Sá) e Pós-Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes. Autor do Livro: Estudo do Marco Regulatório das Organizações da So-ciedade Civil, Curitiba. CRV, 2016; “Aspectos da Lei Anticorrupção Empresarial Brasileira”, elaborado pelo Dr. Christopher Pinho Ferro Scapinelli, Bacharel em Direito pela UNIDERP, Advogado inscrito na OAB/MS nº 11.226. Especialista em Gestão em Vigilância em Saúde e Saúde da Família pela UNAES. Atuou por mais de 11 anos na área de assessoria jurídica para órgãos públicos na área de Direito Administrativo e Eleitoral, atualmente Presidente da Comissão de Direi-tos Humanos da OAB/MS, e Dra. Taisa Queiroz Ferro Scapinelli, Bacharel em Direito pela Unigran, Advogada inscrita na OAB/MS nº 9.152, Especialista em

processo civil pela Unigran. Atuou por mais de 07 anos na área de consultoria jurídica legislativa e direito eleitoral.

Na Parte Geral publicamos dois artigos com temas vinculados ao Direi-to Administrativo, sendo eles “Do Estado Executor e a Intervenção no Domí-nio Econômico”, elaborado pelo Dr. Tauã Lima Verdan Rangel; e “(In)Cons-titucionalidade das Cotas Raciais em Concursos Públicos Instituída pela Lei nº 12.711/2012 e para Membros do Ministério Público ou para Magistratura”, elaborado pelo Dr. Paulo Henrique Mendonça de Freitas.

Publicamos, também na Parte Geral, cinco acórdãos na íntegra (TRF 1ª R., TRF 2ª R., TRF 3ª R., TRF 4ª R. e TRF 5ª R.) e o ementário com os valores agre-gados.

Já na Seção Especial “Estudos Jurídicos” contamos com um artigo intitu-lado “A Gestão da Sustentabilidade no Judiciário do Estado do Rio de Janeiro“, de Jessé Torres Pereira Junior, Desembargador, Presidente da Comissão de Políti-cas Institucionais para a Promoção da Sustentabilidade, Professor-Coordenador da Pós-Graduação de Direito Administrativo da Escola Estadual da Magistratura.

Tenham todos uma ótima leitura!

Milena Sanches Tayano dos Santos

Gerente Editorial

Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Lei Anticorrupção empresAriAL

DoutrinAs

1. O Programa Empresa Pró-Ética – Estudo sobre a Iniciativa do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) e do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social Luís Rodolfo Cruz e Creuz ........................................................................9

2. Do Conflito da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) com a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), no Que Pertine à Responsabilidade da Pessoa Jurídica Privada – Antinomia JurídicaMauro Roberto Gomes de Mattos ............................................................31

3. A Lei de Anticorrupção Empresarial: um Contraponto à Agenda de Combate à CorrupçãoMurilo Melo Vale ....................................................................................48

4. A Lei Anticorrupção e os Fundamentos na Constituição CidadãBruno Fialho Ribeiro ...............................................................................73

5. Aspectos da Lei Anticorrupção Empresarial BrasileiraChristopher Pinho Ferro Scapinelli e Taisa Queiroz Ferro Scapinelli .......80

Parte Geral

DoutrinAs

1. Do Estado Executor e a Intervenção no Domínio EconômicoTauã Lima Verdan Rangel .......................................................................87

2. (In)Constitucionalidade das Cotas Raciais em Concursos Públicos Instituída pela Lei nº 12.711/2012 e para Membros do Ministério Público ou para MagistraturaPaulo Henrique Mendonça de Freitas ...................................................100

JurispruDênciA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região .................................................1142. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .................................................1213. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................128

4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região .................................................1365. Tribunal Regional Federal da 5ª Região .................................................150

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência de Direito Administrativo .........................155

Seção Especial

estuDos JuríDicos

1. A Gestão da Sustentabilidade no Judiciário do Estado do Rio de JaneiroJessé Torres Pereira Junior .....................................................................192

Clipping Jurídico ..............................................................................................222

Resenha Legislativa ...........................................................................................239

Bibliografia Complementar ..................................................................................241

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................242

Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-

co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.a

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastrodeauto-res e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

Assunto Especial – Doutrina

Lei Anticorrupção Empresarial

O Programa Empresa Pró-Ética – Estudo sobre a Iniciativa do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) e do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social

LuíS RODOLfO CRuz e CReuz1

Advogado e Consultor em São Paulo, Sócio de Cruz & Creuz Advogados, Doutorando em Direi‑to Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, Mestre em Rela‑ções Internacionais pelo Programa Santiago Dantas, do Convênio das Universidades Unesp/Unicamp/PUC‑SP, Mestre em Direito e Integração da América Latina pelo Prolam – Programa de Pós‑Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP, Pós‑‑Graduado em Direito Societário – LLM – Direito Societário, do Insper (São Paulo), Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP.

RESUMO: O objetivo deste estudo é avaliar uma importante iniciativa idealizada para voluntaria‑mente fomentar junto ao setor empresarial a adoção de medidas de integridade e de prevenção da corrupção. Trata‑se do Programa Empresa Pró‑Ética, uma iniciativa pioneira na América Latina, que teve início em dezembro de 2010, por ocasião das comemorações do Dia Internacional de Combate à Corrupção, resultante da parceria da Controladoria‑Geral da União (CGU) e do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Inicialmente avaliamos a Lei Anticorrupção Empresarial – Lei nº 12.846/2013, traçando importantes marcos dessa regulação instituída no calor das investigações ocorridas em meio a escândalos no Brasil. Após, adentramos propriamente nas considerações histó‑ricas do Programa Empresa Pró‑Ética, e, por breve observação, considerar suas origens, fundamentos e gênese. Na sequência, avaliamos requisitos de inscrição e adesão ao Programa Empresa Pró‑Ética, para depois, de maneira não exaustiva, ponderar potenciais benefícios para a empresa aderente e participante e para a sociedade. Ao final, à guisa de conclusão, apresentamos nossos comentários derradeiros acerca do estudo realizado.

1 Autor do livro Acordo de quotistas – Análise do instituto do acordo de acionistas previsto na Lei 6.404/1976 e sua aplicabilidade nas sociedades limitadas à luz do novo Código Civil brasileiro, com contribuições da teoria dos jogos. São Paulo: IOB-Thomson, 2007; coautor do livro Organizações internacionais e questões da atualidade, organizada por Jahyr-Philippe Bichara. Natal: EDUFRN, 2011 (ISBN 978-85-7273-722-7), sendo autor do Capítulo “Organizações internacionais e a integração econômica: revisões de uma teoria ge-ral”, p. 67 a 101. Autor do livro Commercial and economic law in Brazil. Holanda: Wolters Kluwer – Law & Business, 2012. Autor do livro Defesa da concorrência no Mercosul – Sob uma perspectiva das relações internacionais e do Direito. São Paulo: Almedina, 2013. Coautor do livro Direito dos negócios aplicado – Do direito empresarial. Coordenado por Elias M. de Medeiros Neto e Adalberto Simão Filho. São Paulo: Alme-dina, v. I, 2015, sendo autor do Capítulo “Acordo de quotistas aplicado aos planejamentos sucessórios”. E-mail: [email protected]. Twitter: @LuisCreuz.

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PALAVRAS‑CHAVE: Programa Empresa Pró‑Ética; Lei Anticorrupção Empresarial – Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013; Dia Internacional de Combate à Corrupção; Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social; ética empresarial; ética e integridade.

SUMÁRIO: Introdução; I – A Lei Anticorrupção Empresarial – Lei nº 12.846/2013; II – Considerações históricas do Programa Empresa Pró‑Ética; III – A inscrição e adesão ao Programa Empresa Pró‑Ética; À guisa de conclusão; Referências.

Cuando se va a vender uma cosa hay que poner la misma cara com que se va a comprar.2

INTRODUÇÃO

Trazemos ao leitor uma importante iniciativa idealizada para voluntaria-mente fomentar junto ao setor empresarial a adoção de medidas de integridade e de prevenção da corrupção. Trata-se do Programa Empresa Pró-Ética, uma ini-ciativa pioneira na América Latina, que teve início em dezembro de 2010, por ocasião das comemorações do Dia Internacional de Combate à Corrupção, re-sultante da parceria da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social. Segundo noticiado pela própria CGU, essa parceria ganhou notoriedade e foi ampliada, com a formação de um Co-mitê Gestor composto pela CGU e pelo Instituto Ethos, juntamente com outras entidades dos setores público e privado, entre elas a Confederação Nacional de Indústrias (CNI), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a BM&F Boves-pa, o Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC), a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), o Instituto de Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e, recentemente, o Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial (ETCO).

Inicialmente, apresentaremos brevemente conceitos e pontos relevantes da Lei Anticorrupção Empresarial – Lei nº 12.846/2013, considerando seu mar-co histórico, seus pilares e fundamentos. Devemos lembrar que a norma tem sua gênese no ano de 2013, no qual o Brasil recebeu ecos de manifestações po-pulares iniciadas no Estado de São Paulo que tomaram volume e dimensão por todo o País. A pressão popular e o desgaste de legitimidade de representação política castigada por escândalos de corrupção, lavagem de dinheiro, improbi-dade administrativa, crimes de peculato, entre outros, levaram o Congresso a apreciar projeto de lei do Poder Executivo (Projeto de Lei nº 6.826/2010). De trâmite mais acelerado, resultou a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, tam-bém conhecida por Lei de Anticorrupção Empresarial.

2 MARQUES, Gabriel García. El coronel no tiene quien le escriba. Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2012. p. 53.

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Pretendemos, após, avaliar e traçar nossas considerações sobre pontos históricos do Programa Empresa Pró-Ética, e, por breve observação, considerar suas origens, fundamentos e gênese.

Avaliaremos, na sequência, a questão do procedimento de inscrição e adesão ao Programa Empresa Pró-Ética. Como podem as empresas participar, quais requisitos e qual a burocracia enfrentada pelos interessados nessa avalia-ção. Naturalmente lembrando que o procedimento envolve necessária ponde-ração e conferência de diversos pontos, números, políticas e práticas empresa-riais, que devem não somente serem afirmadas como confirmadas.

Após, de maneira não exaustiva, percorreremos os potenciais benefícios para a empresa participante e para a sociedade do Programa Empresa Pró-Ética. Ao menos em tese, quais seriam, quais os objetivos que o legislador buscou alcançar com a regulação imposta ao empresariado? Propomo-nos a apresentar ao leitor uma ponderação sobre tais questões.

Ao final, traçaremos nossas conclusões acerca do estudo apresentado.

I – A LEI ANTICORRUPÇÃO EMPRESARIAL – LEI Nº 12.846/2013

A Lei Anticorrupção Empresarial (“LAE”) – Lei nº 12.846, de 1º de agos-to de 20133, resultou do Projeto de Lei do Poder Executivo (Projeto de Lei nº 6.826/20104), que, segundo sua exposição de motivos, visava a

suprir uma lacuna existente no sistema jurídico pátrio no que tange à responsa-bilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a Administração Pública, em especial por atos de corrupção e fraude em licitações e contratos administrativos.5

O período entre o início da tramitação do projeto e sua aprovação foi ainda mais conturbado por acalorados escândalos políticos e fortes movimen-tações de operações de Polícia Federal, o que colaborou por um clamor da sociedade civil pela aceleração na discussão, aprovação e promulgação de tal marco regulatório, tendo como ponto central certeza de que a corrupção é um dos grandes males que afetam a sociedade moderna.

Não obstante a norma ter recebido (e ainda recebe) críticas e ter posi-ções contrárias, sendo sabido a proeminente necessidade de regulamentação

3 Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providên-cias. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 1º mar. 2017.

4 Projeto de Lei nº 6.826/2010. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=466400>. Acesso em: 1º mar. 2017.

5 Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 6.826/2010. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/sileg/integras/1084183.pdf>. Acesso em: 1º mar. 2017.

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de diversos de seus comandos, conceitos e tipificações, dado que muitos são de natureza aberta e não definida na lei6, o principal ponto de novidade foi a inovadora posição da regulação na forma de responsabilização objetiva da pessoa jurídica7, afastando, com isso, a necessidade de discussão acerca da cul-pabilidade (culpa) do agente na prática da infração. Com a nova ótica imposta pela LAE, a pessoa jurídica passa a ser responsabilizada com a comprovação do fato, do resultado e o nexo causal entre eles, evitando-se, assim, a dificulda-de probatória de elementos subjetivos próprios da sistemática geral e subjetiva de responsabilização de pessoas naturais (p.ex.: a vontade de causar o dano). Desta feita, a LAE instituiu a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou es-trangeira.

Mas a responsabilidade da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. Ou seja, a empresa (pessoa jurídica) será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das referidas pessoas naturais (dirigentes ou administradores), que somente serão responsabilizadas por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade8.

A lei aplica-se às sociedades empresárias e às sociedades simples, per-sonificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representa-ção no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que tempo-rariamente9.

6 Neste sentido, Murilo Melo Vale destaca que “há quem diga que a LAE foi um ‘tiro no pé’: muitos conceitos abertos e não definidos trouxeram à tona o receio de que pudesse incentivar uma ilegal pressão e tentativas de extorsão contra o empresariado, que seria induzido a ceder à ilegalidade, de modo a evitar a aplicação de sanções” (INVALE, Murilo Melo. A lei de anticorrupção empresarial : um contraponto à agenda de combate à corrupção. In: Repertório de Jurisprudência IOB, n. 01, v. I, p. 39, 1. quinz. jan. 2017.

7 Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. “Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta lei praticados em seu interesse ou be-nefício, exclusivo ou não” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 1º mar. 2017).

8 Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. “Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a respon-sabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. § 1º A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput. § 2º Os dirigentes ou administradores somente serão res-ponsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 1º mar. 2017).

9 Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. “Art. 1º Esta lei dispõe sobre a responsabilização objetiva adminis-trativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, perso-nificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamen-te” (grifos nossos) (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 1º mar. 2017).

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Destaca Murilo Melo Vale que a LAE elenca 3 (três) bens jurídicos pro-tegidos pela norma, a saber: (i) patrimônio público nacional ou estrangeiro, (ii) princípios da Administração Pública ou (iii) compromissos internacionais assumidos pelo Brasil10. Nos termos do art. 5º da LAE, constituem atos lesivos à Administração Pública, nacional ou estrangeira, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º da lei (e suprain-formados) que atentem contra tais bens jurídicos11 (sendo a listagem dos incisos do art. 5º taxativa no que tange aos ilícitos).

Importante lembrar que a LAE inovou ao tornar obrigatória aos entes pú-blicos, de todos os Poderes e esferas de governo, a manutenção do cadastro CEIS atualizado, e criou o Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP12.

10 VALE, Murilo Melo. A lei de anticorrupção empresarial: um contraponto à agenda de combate à corrupção. In: Repertório de Jurisprudência IOB, n. 01, v. I, p. 35, 1. quinz. jan. 2017.

11 Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. “Art. 5º Constituem atos lesivos à Administração Pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no pa-rágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da Administração Pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subven-cionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta lei; III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV – no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a Administração Pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V – dificul-tar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional. § 1º Considera-se Administração Pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representa-ções diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro. § 2º Para os efeitos desta lei, equiparam-se à Administração Pública estrangeira as organizações públicas internacionais. § 3º Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 1º mar. 2017).

12 Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. “Art. 22. Fica criado no âmbito do Poder Executivo federal o Cadas-tro Nacional de Empresas Punidas – CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nesta lei. § 1º Os órgãos e entidades referidos no caput deverão informar e manter atualizados, no CNEP, os dados rela-tivos às sanções por eles aplicadas. § 2º O CNEP conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das sanções aplicadas: I – razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou entidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ; II – tipo de sanção; e III – data de aplicação e data final da vigência do efeito limi-tador ou impeditivo da sanção, quando for o caso. § 3º As autoridades competentes, para celebrarem acordos de leniência previstos nesta lei, também deverão prestar e manter atualizadas no CNEP, após a efetivação do respectivo acordo, as informações acerca do acordo de leniência celebrado, salvo se esse procedimento vier a causar prejuízo às investigações e ao processo administrativo. § 4º Caso a pessoa jurídica não cumpra os termos do acordo de leniência, além das informações previstas no § 3º, deverá ser incluída no CNEP referência ao respectivo descumprimento. § 5º Os registros das sanções e acordos de leniência serão excluídos depois de decorrido o prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento integral do acordo de

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Para atender a essa exigência, a CGU desenvolveu o Sistema Integrado de Re-gistro do CEIS/CNEP (https://www.ceiscadastro.cgu.gov.br/ceis/index.aspx), que é alimentado diretamente pelos entes e é a fonte de dados publicados no CEIS.

Com isso, foi criado o Sistema Integrado de Registro do CEIS/CNEP para efetuar publicações no Portal da Transparência, seja dos dados do Cadastro Na-cional de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), seja do Cadastro Nacional das Empresas Punidas (CNEP), criado pela LAE. Enquanto o CEIS visa a consolidar a relação das empresas e pessoas físicas que sofreram sanções que restringiram o direito de participar de licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública, o CNEP tem por objetivo a consolidação das penalidades aplicadas pela Administração Pública a pessoas jurídicas com base na Lei Anticorrupção.

Em 7 de abril de 2015, a Instrução Normativa nº 213 veio regular o regis-tro de informações no CEIS e no CNEP. Segundo a normativa, as informações a serem registradas ou atualizadas no CEIS e no CNEP deverão ser prestadas à Controladoria-Geral da União – CGU por meio do Sistema Integrado de Regis-tro do CEIS/CNEP, disponível no sítio eletrônico supraindicado. O cadastro no Sistema Integrado de Registro do CEIS/CNEP pode ser feito por órgãos e entida-des dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de gover-no, mediante solicitação de habilitação a ser feita no referido sítio eletrônico, cabendo à Corregedoria-Geral da União – CRG gerir e definir os procedimentos operacionais e a política de uso do CEIS, do CNEP e do Sistema Integrado de Registro do CEIS/CNEP.

Segundo o art. 8º da IN 2/2015, o CEIS e o CNEP conterão, conforme o caso, as seguintes informações: (i) nome ou razão social da pessoa física ou jurídica; (ii) nº de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica – CNPJ; (iii) sanção aplicada, celebração do acor-do de leniência ou seu descumprimento; (iv) fundamentação legal da decisão; (v) número do processo no qual foi fundamentada a decisão; (vi) data de início da vigência do efeito limitador ou impeditivo da decisão ou data de aplicação da sanção, de celebração do acordo de leniência ou de seu descumprimento; (vii) data final do efeito limitador ou impeditivo da decisão; (viii) nome do órgão ou entidade sancionadora ou celebrante do acordo de leniência; e (ix) valor da multa.

leniência e da reparação do eventual dano causado, mediante solicitação do órgão ou entidade sancionadora” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 1º mar. 2017).

13 Instrução Normativa nº 2, de 7 de abril de 2015. Regula o registro de informações no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS e no Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/instrucoes-normativas/in_cgu_02_2015.pdf>. Acesso em: 1º mar. 2017.

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Caso o registro de penalidade conte com a informação de data final do efeito limitador ou impeditivo da punição, o apontamento e restrição será au-tomaticamente retirado do CEIS ou do CNEP na data indicada (art. 9º). Con-tudo, no caso das pessoas físicas e jurídicas que tenham penalidades registra-das no CEIS com fundamento no art. 87, IV, da Lei nº 8.666, de 1993 (Lei de Licitações)14, no art. 33, V, da Lei nº 12.527, de 201115, ou em quaisquer outras normas que exijam reabilitação, essas pessoas deverão, expressa e formalmen-te, pleiteá-la diretamente no órgão ou na entidade que aplicou a sanção, ca-bendo exclusivamente a este a atualização do Sistema Integrado de Registro do CEIS/CNEP (art. 9º, parágrafo único16).

Especificamente, no tocante ao Cadastro Nacional de Empresas Inidô-neas e Suspensas – CEIS, a IN 2/2015 determina, no art. 6º17, em cumprimento

14 Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I – advertência; II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV – de-claração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. § 1º Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente. § 2º As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis. § 3º A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo proces-so, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação” (grifos nossos) (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8666compilado.htm>. Acesso em: 1º mar. 2017).

15 Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. “Art. 33. A pessoa física ou entidade privada que detiver in-formações em virtude de vínculo de qualquer natureza com o poder público e deixar de observar o disposto nesta lei estará sujeita às seguintes sanções: I – advertência; II – multa; III – rescisão do vínculo com o Poder Público; IV – suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a Administra-ção Pública por prazo não superior a 2 (dois) anos; e V – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública, até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade. § 1º As sanções previstas nos incisos I, III e IV poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, assegurado o direito de defesa do interessado, no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias. § 2º A reabilitação referida no inciso V será autorizada somente quando o interessado efetivar o ressarcimento ao órgão ou entidade dos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso IV. § 3º A aplicação da sanção prevista no inciso V é de competência exclusiva da autoridade máxima do órgão ou entidade pública, facultada a defesa do interessado, no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 1º mar. 2017).

16 Instrução Normativa nº 2, de 7 de abril de 2015. “Art. 9º O registro de penalidade que contar com a informa-ção de data final do efeito limitador ou impeditivo da punição será automaticamente retirado do CEIS ou do CNEP na data indicada. Parágrafo único. As pessoas físicas e jurídicas que tiverem penalidades registradas no CEIS com fundamento no art. 87, inciso IV, da Lei nº 8.666, de 1993, no art. 33, inciso V, da Lei nº 12.527, de 2011, ou em quaisquer outras normas que exijam reabilitação, deverão pleiteá-la diretamen-te no órgão ou entidade que aplicou a sanção, cabendo exclusivamente a este a atualização do Sistema In-tegrado de Registro do CEIS/CNEP” (grifos nossos) (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/instrucoes-normativas/in_cgu_02_2015.pdf>. Acesso em: 1º mar. 2017).

17 Instrução Normativa nº 2, de 7 de abril de 2015. “Art. 6º Para fins do disposto no art. 23 da Lei nº 12.846, de 2013, os órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de cada uma das esferas de governo registrarão e manterão atualizadas, no CEIS, informações relativas a todas as sanções administrativas

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ao disposto no art. 23 da Lei Anticorrupção18, que os órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de cada uma das esferas de governo devem registrar e manter atualizadas, no CEIS, informações relativas a todas as sanções administrativas por eles impostas a pessoas físicas ou jurídicas que im-pliquem restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública, como: (i) suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, conforme dis-posto no art. 87, III, da Lei nº 8.666, de 1993; (ii) declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, conforme disposto no art. 87, IV, da Lei nº 8.666, de 1993; (iii) impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme disposto no art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002; (iv) impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme disposto no art. 47 da Lei nº 12.462, de 2011; (v) declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, conforme disposto no art. 33, V, da Lei nº 12.527, de 2011; e (vi) suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, conforme disposto no art. 33, IV, da Lei nº 12.527, de 2011. Contudo, podem, ainda, ser registradas no CEIS sanções: (i) que impliquem restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública, ainda que não sejam de natureza ad-ministrativa; e (ii) aplicadas por organismos internacionais, agências oficiais de cooperação estrangeira ou organismos financeiros multilaterais de que o Brasil seja parte, que limitem o direito de pessoas físicas e jurídicas celebrarem con-tratos financiados com recursos daquelas organizações, nos termos de acordos,

por eles impostas a pessoas físicas ou jurídicas que impliquem restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública, como: I – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, conforme disposto no art. 87, inciso III, da Lei nº 8.666, de 1993; II – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, conforme disposto no art. 87, inciso IV, da Lei nº 8.666, de 1993; III – impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme disposto no art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002; IV – impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, conforme disposto no art. 47 da Lei nº 12.462, de 2011; V – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública, conforme disposto no art. 33, inciso V, da Lei nº 12.527, de 2011; e VI – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, conforme disposto no art. 33, inciso IV, da Lei nº 12.527, de 2011. Parágrafo único. Poderão também ser registradas no CEIS sanções: I – que impliquem restrição ao direito de participar em licitações ou de celebrar contratos com a Administração Pública, ainda que não sejam de natureza administrativa; e II – aplicadas por organismos inter-nacionais, agências oficiais de cooperação estrangeira ou organismos financeiros multilaterais de que o Brasil seja parte, que limitem o direito de pessoas físicas e jurídicas celebrarem contratos financiados com recursos daquelas organizações, nos termos de acordos, protocolos, convenções ou tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional” (grifos nossos) (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/instrucoes-normativas/in_cgu_02_2015.pdf>. Acesso em: 1º mar. 2017).

18 Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. “Art. 23. Os órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo deverão informar e manter atualizados, para fins de publicidade, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS, de caráter público, instituído no âmbito do Poder Executivo federal, os dados relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos arts. 87 e 88 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/cci-vil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 1º mar. 2017).

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protocolos, convenções ou tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional.

Já no tocante ao Cadastro Nacional das Empresas Punidas – CNEP, a IN 2/2015 determina, no art. 7º19, que os órgãos e as entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de cada uma das esferas de governo devem registrar e manter atualizadas, no CNEP, informações relativas aos acordos de leniência e às sanções por eles aplicadas com base na Lei Anticorrupção. As informações sobre os acordos de leniência celebrados com fundamento na Lei Anticorrupção serão registradas no CNEP após a celebração do acordo, exceto se causar prejuízo às investigações ou ao processo administrativo, sendo que o descumprimento do acordo de leniência será registrado no CNEP, permanecen-do tal informação no referido Cadastro pelo prazo de três anos.

Importa destacar, ainda, que, em março de 2015, houve a regulamenta-ção da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, por meio do Decreto nº 8.420, de 18 de março de 201520, que regulamenta a responsabilização objetiva ad-ministrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira, de que trata a LAE. Nos termos do art. 2º da norma21, a apuração da responsabilidade administrativa de pessoa jurídica que possa resultar na aplicação das sanções previstas no art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013, será efetuada por meio de Processo Administrativo de Responsabili-zação – PAR, sendo a competência para a instauração e para o julgamento do PAR é da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou, em caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado (art. 3º22). Vale ainda destacar que a competência para o seu exercício será “de

19 Instrução Normativa nº 2, de 7 de abril de 2015. “Art. 7º Os órgãos e entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de cada uma das esferas de governo registrarão e manterão atualizadas, no CNEP, informações relativas aos acordos de leniência e às sanções por eles aplicadas com base na Lei nº 12.846, de 2013. § 1º As informações sobre os acordos de leniência celebrados com fundamento na Lei nº 12.846, de 2013, serão registradas no CNEP após a celebração do acordo, exceto se causar prejuízo às investigações ou ao processo administrativo. § 2º O descumprimento do acordo de leniência será registrado no CNEP, per-manecendo tal informação no referido Cadastro pelo prazo de três anos, nos termos do art. 16, § 8º, da Lei nº 12.846, de 2013” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/sobre/legislacao/arquivos/instrucoes-normati-vas/in_cgu_02_2015.pdf>. Acesso em: 1º mar. 2017).

20 Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. Regulamenta a Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, que dispõe sobre a responsabilização administrativa de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Adminis-tração Pública, nacional ou estrangeira e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 2 mar. 2017.

21 Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. “Art. 2º A apuração da responsabilidade administrativa de pes-soa jurídica que possa resultar na aplicação das sanções previstas no art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013, será efetuada por meio de Processo Administrativo de Responsabilização – PAR” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 2 mar. 2017).

22 Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. “Art. 3º A competência para a instauração e para o julgamento do PAR é da autoridade máxima da entidade em face da qual foi praticado o ato lesivo, ou, em caso de órgão da administração direta, do seu Ministro de Estado. Parágrafo único. A competência de que trata o caput será exercida de ofício ou mediante provocação e poderá ser delegada, sendo vedada a subdelegação” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 2 mar. 2017).

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ofício” ou mediante provocação de quaisquer terceiros interessados, e poderá ser delegada, sendo vedada a subdelegação23.

Com essa base colocada dos fundamentos da LAE, podemos adentrar no próximo capítulo e compreender melhor até mesmo as motivações históricas do Programa Empresa Pró-Ética, bem como o interesse da participação das em-presas desde sua gênese (interessante até mesmo notar que muitas das empresas participantes do ano de 2016 e de anos anteriores (2014 e 2015 especificamen-te) – praticamente sua maioria – possuem substancial distanciamento dos noti-ciários exatamente na escalada das manchetes relacionadas aos últimos grandes escândalos de corrupção, notadamente o “Mensalão” e a “Lava-Jato”24).

II – CONSIDERAÇÕES HISTÓRICAS DO PROGRAMA EMPRESA PRÓ-ÉTICA

Segundo entendimento amplamente aceito, e corroborado pelo pró-prio Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU), o conceito de Integridade pública envolve uma “qualidade ou virtude de uma determinada organização e de seus agentes, quando atuam de maneira proba, conforme o interesse público e os demais princípios”25. Isto por que se reconhece que o

fenômeno da corrupção, em virtude de sua complexidade e de seu potencial danoso à sociedade, exige, além de uma atuação repressiva, também uma ação preventiva por parte do Estado. Portanto, é preciso estimular a integridade no serviço público e privado para que seus agentes sempre atuem, de fato, em prol do interesse público.26

Os custos políticos, sociais e econômicos da corrupção são sentidos ver-ticalmente na sociedade e horizontalmente nos mais diversos meandros da vida pública brasileira e estrangeira, dado que notadamente se trata de um fenômeno sem fronteiras – temos rotineiramente verificado exemplos e casos cada vez mais explosivos com cada nova operação e nova investigação da “Operação Lava-Jato”27.

23 Vide parágrafo único da nota anterior.24 Não avaliamos e nem foi o escopo do presente estudo a investigação jornalística de participação das referidas

empresas em noticiários, e exatamente por isso não podemos afirmar se uma ou algumas tiveram nomes ventilados em noticiários, direta ou indiretamente. Não foi feito para o presente artigo qualquer tipo e/ou espécie de levantamento para avaliar se alguma empresa foi citada em escândalo ou em algum noticiário, em mídia impressa e/ou eletrônica. Fica aqui registrada eventual sugestão de aprofundamento e de pesquisa neste sentido.

25 Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU). Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade>. Acesso em: 1º mar. 2017.

26 Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU). Ibidem.27 Ministério Público Federal – Entenda o Caso Lava-Jato. Disponível em: <http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-

-caso>. Acesso em: 1º mar. 2017.

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A crise de confiança e desapontamento público foi bem colocado por Ana Paula P. Candeloro, que pontuou que a

crise ética que o país vivencia é um reflexo da desconexão do homem com valo-res. O ceticismo na prestação de serviços públicos e a contaminação das esferas de poder pela ganância acabam por justificar desvios de conduta que se mate-rializam em gigantescas perdas financeiras e reputacionais para as empresas que cometeram atos lesivos.28

Ora, foi nesse cenário que o clamor fez a sociedade buscar alternativas pontuais para trazer novos significados e valores para o seio da vida pública.

O Programa evoluiu de uma conjugação de esforços de diversas iniciati-vas oriundas dos setores público e privado que visavam a promover medidas de integridade e de prevenção da corrupção. Essas ações tinham foco no ambiente corporativo, que se relaciona e transita entre o publico e o privado em suas ações e atividades-meio e fim, pelas quais o Pró-Ética surge para tentar fomen-tar e criar um solo mais fértil para um ambiente empresarial mais íntegro, ético e transparente. A ideia é de que o empresariado veja o Programa como uma iniciativa valiosa e que isto se transforme em uma ferramenta que as empresas participantes possam demonstrar ao mercado que todas as aderentes formam um grupo de sério e que não compactua com a corrupção. O mote é mostrar que há empresas socialmente ativas e responsáveis que buscam um diferencial de mercado.

Segundo diretrizes do Programa, a iniciativa consiste em fomentar a ado-ção voluntária de medidas de integridade pelas empresas, por meio do reconhe-cimento público daquelas que, independente do porte e do ramo de atuação, mostram-se verdadeiramente comprometidas com a prevenção e o combate à corrupção e outros tipos de fraudes29. O Instituto Ethos destaca que o objetivo da iniciativa é

consolidar e divulgar os nomes das empresas que adotam voluntariamente medi-das reconhecidamente desejadas e necessárias para que se crie um ambiente de integridade e confiança nas relações entre o setor público e o setor privado, além de conscientizar as empresas de seu papel no enfrentamento da corrupção ao se posicionarem afirmativamente pela prevenção e pelo combate às práticas ilegais e antiéticas e em defesa de relações socialmente responsáveis.30

28 CALDELORO, Ana Paula P. A beleza que reside nas crises. In: Migalhas, sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI254525,51045-A+beleza+que+reside+nas+crises>. Acesso em: 3 mar. 2017.

29 Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU). Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/empresa-pro-etica>. Acesso em: 1º mar. 2017.

30 Instituto Ethos. Disponível em: <http://www3.ethos.org.br/conteudo/projetos/integridade/empresa_pro_etica>. Acesso em: 2º mar. 2017.

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Como indicamos na introdução do presente trabalho, o Programa Em-presa Pró-Ética surgiu em 9 de dezembro de 2010, durante as comemorações do Dia Internacional de Combate à Corrupção, por meio de uma parceria ins-tituída entre a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Instituto Ethos de Em-presas e Responsabilidade Social (Instituto Ethos). Essa parceria fortaleceu-se após a formação do Comitê Gestor31, que é composto por diversas entidades, tanto do setor público quanto do privado. O Comitê-Gestor do Pró-Ética é uma instância colegiada que tem por responsabilidade a análise de solicitações de participação no Programa e a deliberação sobre quais empresas poderão e irão compor a lista anual, discutindo e deliberando também sobre eventual necessi-dade de atualização dos requisitos para participação das entidades empresárias no Programa Empresa Pró-Ética. Atualmente, o Comitê é presidido pelos repre-sentantes da CGU e do Instituto Ethos, de forma alternada, sendo composto por representantes de dez instituições, entre elas a Confederação Nacional de Indústrias (CNI), a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a BM&F Boves-pa, o Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC), a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), o Instituto de Auditores Independentes do Brasil (Ibracon), o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e o Instituto Brasileiro de Ética Concorren-cial (ETCO)32.

O Programa Empresa Pró-Ética foi instituído antes da vigência da LAE, ou seja, antes da possibilidade de medidas mais efetivas de combate à corrupção de forma direta contra pessoas jurídicas (lembrando conceitos anteriormente expostos de responsabilização objetiva de pessoas jurídicas). Sua gênese está vinculada ao reconhecimento de que o problema da corrupção é figurativa-mente comparável a uma célula cancerígena, extrapola a simples possibilidade de atuação e combate na esfera pública. Reconheceu-se que nenhuma solução poderia ser minimamente eficaz ou mesmo viável sem que houvesse a partici-pação direta, ativa e efetiva do setor privado. Para o enfrentamento desse tema, gestores e pensadores reconheceram a necessidade de conscientização tanto

31 Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU). Comitê Gestor do Pró-Ética. Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/comite-gestor>. Acesso em: 1º mar. 2017.

32 Nestes termos, o art. 2º do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 2º O Comitê Gestor do Pró-Ética será composto por representantes do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria--Geral da União – CGU, do Instituto Ethos e de entidades e instituições convidadas dos setores público e priva-do. § 1º A presidência do Comitê Gestor poderá ser exercida de forma alternada por representante do Instituto Ethos e da CGU. § 2º Os membros do Comitê Gestor serão indicados por cada instituição para exercer suas funções por um período de 2 (dois) anos, podendo ser reconduzidos de forma ilimitada. § 3º As instituições do Comitê Gestor deverão observar, quando da indicação dos membros titulares e suplentes, a qualificação técnica nos assuntos relacionados ao Pró-Ética e a reputação dos representantes indicados. § 4º A partir da indicação de que tratam os §§ 2º e 3º, os nomes dos membros titulares e suplentes do Comitê Gestor serão divulgados no sítio eletrônico oficial do Pró-Ética. § 5º A atuação no âmbito do Comitê Gestor não enseja qual-quer remuneração para seus membros” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/regulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

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do setor público quanto do setor privado acerca da importância de prevenção e detecção de atos de fraude e corrupção, visando a incentivar o setor privado a criar mecanismos de controle e a adotar medidas com essa finalidade.

Ademais, tais práticas e estes compromissos também estão inseridos em uma agenda definida de compromissos internacionais assumidos pelo Brasil a partir dos anos 2000, pautada por uma orientação mundial neste sentido. E assim é que, em dezembro de 2010, é instituído o Programa Empresa Pró-Ética, com os seguintes objetivos: a) fomentar, no âmbito do setor privado, a imple-mentação de medidas de promoção da ética e integridade e contra a corrupção; b) conscientizar empresas sobre seu relevante papel no enfrentamento da cor-rupção; c) reduzir os riscos de ocorrência de fraude e corrupção nas relações entre o setor público e o setor privado; d) reconhecer as boas práticas de pro-moção da integridade e de prevenção da corrupção em empresas que adotam voluntariamente medidas desejadas e necessárias para criação de um ambiente mais íntegro, ético e transparente no setor privado e em suas relações com o setor público33.

Segundo notícia histórica, no ano de 2014 foi iniciado todo um grande processo de reestruturação do Programa Empresa Pró-Ética, visando e objeti-vando adequá-lo às mudanças trazidas pela Lei nº 12.846/2013 (devemos lem-brar que originalmente o Programa foi instituído antes da vigência da LAE, que é de 2013), tanto para ampliar o número de participantes quanto para aumentar o espectro de sua divulgação em torno das empresas positivamente avaliadas. A reestruturação culminou em 2015, com a criação da atual nova metodologia de avaliação e com uma nova forma de divulgação das empresas do Programa Empresa Pró-Ética, que passou a ser anual.

Segundo estatísticas, no ano de 2016, 195 (cento e noventa e cinco) em-presas inscreveram-se no Programa Empresa Pró-Ética, um número expressi-vamente relevante e superior ao do ano anterior de 2015, considerando os 97 (noventa e sete) originalmente inscritos por meio de solicitação de acesso ao sistema, sendo a mudança não apenas em questão numérica, mas também em questão qualitativa. Foram ampliados também os setores interessados na parti-cipação do Programa.

33 Inclusive estas são pontualmente os objetivos impostos no art. 1º do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 1º O Pró-Ética consiste na divulgação anual de uma relação de empresas que ado-tam voluntariamente medidas de integridade relacionadas à prevenção e ao combate à corrupção, e tem por objetivos: I – fomentar, no âmbito do setor privado, a implementação de medidas de promoção da ética e da integridade e contra a corrupção; II – conscientizar empresas sobre seu relevante papel no enfrentamento da corrupção ao se posicionarem afirmativamente pela prevenção e pelo combate de práticas ilegais e antiéticas e em defesa de relações socialmente responsáveis; III – reconhecer as boas práticas de promoção da integridade e de prevenção da corrupção em empresas que adotam medidas para criação de um ambiente mais íntegro, ético e transparente no setor privado e em suas relações com o setor público; e IV – reduzir os riscos de ocorrência de fraude e corrupção nas relações entre o setor público e o setor privado” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/regulamen-to-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

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III – A INSCRIÇÃO E ADESÃO AO PROGRAMA EMPRESA PRÓ-ÉTICA

Trata-se de uma iniciativa anual, por meio da qual toda empresa interes-sada deve buscar o sistema de acesso por meio do portal da CGU, dentro do prazo de inscrições, sendo o processo voluntário e gratuito. Prima facie, deve--se adiantar, conforme alerta da própria CGU, que o Programa não representa uma modalidade ou espécie de certificação empresarial ou assemelhada, não criando ou gerando para as empresas participantes/aderentes quaisquer direitos, garantias, privilégios ou benefícios nas suas relações e contratações com o setor público34. Representa, sim, uma mais valia empresarial no sentido corporativo perante o mercado, dado ser um reconhecimento público de que a empresa está envolvida e comprometida com práticas responsáveis de prevenção e de combate a atos de fraude e corrupção. Trata-se, portanto, de uma publicidade fortemente positiva.

O Programa Empresa Pró-Ética de 2017 teve suas inscrições abertas de 1º de fevereiro a 28 de abril de 2017, sendo o acesso ao sistema para registro e início de participação liberado para empresas apenas no período compreendido entre as referidas datas por meio do seguinte endereço eletrônico: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/acessar-sistema>. Lembrando que, para segurança da empresa participante, o sistema só pode ser acessado por meio de um código de acesso.

É importante que sejam preenchidos diversos requisitos. Todos aqueles que desejam participar do Programa devem iniciar os procedimentos primeira-mente com uma triagem de procedimentos e possibilidade de aderência, me-diante avaliação dos conceitos e standarts mínimos do programa, para auferir a possibilidade de adesão ou não. Segundo o Instituto Ethos, para participar do cadastro, é necessário que as empresas “possuam uma série de ferramentas para prevenir a corrupção internamente, tais como código de conduta, políticas de auxílio ao Poder Público no combate à lavagem de dinheiro, sistemas de con-trole interno e auditoria”35.

Para o processo de inscrição, determinadas etapas devem ser cumpridas pela empresa aderente ao Programa Empresa Pró-Ética. No caso específico do Programa do ano de 2017, por exemplo, podemos apresentar o seguinte fluxo-grama de orientação, a saber:

34 Nestes termos, o § 2º do art. 1º do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 1º [...] § 2º O Pró-Ética não é uma certificação e a aprovação para integrar a lista anual de Empresas Pró-Ética não gera à empresa quaisquer direitos, garantias ou privilégios em suas relações com o setor público” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/re-gulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

35 Instituto Ethos. Disponível em: <http://www3.ethos.org.br/conteudo/projetos/integridade/empresa_pro_etica>. Acesso em: 2 mar. 2017.

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Toda empresa que tiver interesse na participação do Programa Empresa Pró-Ética deve efetivar sua inscrição durante o período de inscrições divulga-do anualmente pela Secretaria Executiva do Programa, sendo que o processo de inscrição tem início com preenchimento e envio do formulário Solicitação de Acesso ao Sistema, disponibilizado no supracitado endereço eletrônico da CGU. Após liberado o acesso ao sistema, deverão ser preenchidos os formu-lários Análise de Perfil e Questionário de Avaliação, ali disponibilizados, com posterior envio de documentos fidedignos comprobatórios das respostas forne-cidas. Após tais medidas, será a inscrição efetivada37.

Vale destacar que, caso a empresa perca o prazo de inscrição, seu pe-dido de solicitação de acesso ao sistema ou recebidos formulários Análise de Perfil e Questionário de Avaliação não será aceito38.

São requisitos de admissibilidade ao Programa Empresa Pró-Ética: (i) não constar do Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS, do Cadastro

36 Fonte da imagem/infográfico disponível em: <http://estudio.folha.uol.com.br/pro-etica/2016/12/1837968--organizacao-preve-mais-inscritos-em-2017.shtml>. Acesso em: 2 mar. 2017.

37 Nestes termos, o art. 6º do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 6º A empresa in-teressada em participar do Pró-Ética deverá realizar sua inscrição durante o período de inscrições divulgado anualmente pela Secretaria Executiva. § 1º O processo de inscrição inicia-se com preenchimento e envio do formulário Solicitação de Acesso ao Sistema, disponibilizado no sítio eletrônico do Pró-Ética. § 2º Após obter acesso ao sistema, a empresa deverá preencher os formulários Análise de Perfil e Questionário de Avaliação, ali disponibilizados, e enviá-los com documentos que comprovem as respostas fornecidas. § 3º A inscrição será efetivada com o envio dos formulários Análise de Perfil e Questionário de Avaliação preenchidos, junta-mente com os respectivos documentos comprobatórios” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/regulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

38 Nestes termos, o art. 7º do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 7º Não serão aceitos pedidos de solicitação de acesso ao sistema ou recebidos formulários Análise de Perfil e Questionário de Avaliação fora do prazo de inscrição” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/regulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

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Nacional de Empresas Punidas – CNEP ou do Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas – Cepim; (ii) preencher o campo de resposta de todas as perguntas do questionário de avaliação e apresentar documen-tos comprobatórios; (iii) possuir Código de Ética ou documento equivalente; (iv) submeter o questionário de avaliação no prazo estipulado; (v) apresentar as certidões que comprovem a regularidade fiscal no âmbito federal e trabalhista, quais sejam: a) Certidão de Regularidade Fiscal emitida pela Secretaria da Re-ceita Federal do Brasil (RFB) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN); b) Certificado de Regularidade do FGTS – CRF; e c) certidão de débi-tos trabalhistas, emitida pela Justiça do Trabalho; (vi) comprovar ser signatária do Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção, promovido pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, em parceria com a Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) e o Comitê Brasileiro do Pacto Global39.

Caso a pessoa jurídica não cumpra os referidos requisitos (quaisquer que sejam, ainda que um), será automaticamente excluída do processo de avaliação do Programa. E ainda deverá a empresa, antes da publicação da lista, sob pena de não divulgação do seu nome na lista do ano, comprovar, novamente, os requisitos indicados nos itens (i) e (v) supra, ou seja, não estar inscrita nos cadas-tros CEIS, CNEP e CEPIM e entregar certidões que comprovem a regularidade fiscal no âmbito federal e trabalhista elencadas40.

Sendo regular a inscrição, as respostas apresentadas no formulário Ques-tionário de Avaliação serão analisadas pela Secretaria-Executiva, considerando as características apresentadas pela empresa no formulário Análise de Perfil,

39 Nestes termos, o art. 9º do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 9º A Secretaria--Executiva apenas avaliará as informações e os documentos encaminhados pelas empresas inscritas que cumprirem, até o prazo final do período de inscrição, os seguintes requisitos: I – não constar do Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspensas – CEIS, do Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP ou do Cadastro de Entidades Privadas Sem Fins Lucrativos Impedidas – CEPIM; II – preencher o campo de resposta de todas as perguntas do questionário de avaliação e apresentar documentos comprobatórios; III – possuir Código de Ética ou documento equivalente; IV – submeter o questionário de avaliação no prazo estipulado; V – apresen-tar as certidões que comprovem a regularidade fiscal no âmbito federal e trabalhista, quais sejam: a) Certidão de Regularidade Fiscal emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN); b) Certificado de Regularidade do FGTS-CRF; e c) Certidão de Débitos Trabalhistas, emitida pela Justiça do Trabalho; VI – comprovar ser signatária do Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção, promovido pelo Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, em parceria com a Patri Relações Governamentais & Políticas Públicas, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), o Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (UNODC) e o Comitê Brasileiro do Pacto Global” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/regulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

40 Nestes termos, o art. 9º do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 9º [...] § 1º A empresa que não cumprir os requisitos indicados nos incisos deste artigo será automaticamente excluída do processo de avaliação. § 2º Os requisitos estabelecidos nos incisos I e V deste artigo deverão ser comprovados novamente antes da publicação da lista, sob pena de não divulgação do nome da empresa na lista daquele ano” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/docu-mentos-e-manuais/regulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

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sendo que serão declaratórias as respostas referentes ao perfil da empresa, de-vendo todas as demais respostas apresentadas serem comprovadas documen-talmente, sob pena de serem desconsideradas para fins de avaliação. Havendo dúvida relacionada às respostas apresentadas e/ou fornecidas pela empresa no formulário Análise de Perfil e Questionário de Avaliação, a Secretaria-Execu-tiva poderá solicitar esclarecimentos ou envio de documentos adicionais que possam suportar ou justificar argumentos, fatos ou razões de dados e informa-ções. Por razões mais que óbvias e naturais, a empresa que fornecer informa-ções e documentos inverídicos será automaticamente excluída do processo de avaliação41.

Referido Questionário de Avaliação é composto de 6 (seis) áreas: com-prometimento da alta direção e compromisso com a ética; políticas e procedi-mentos; comunicação e treinamento; canais de denúncia e remediação; análise de risco e monitoramento; e transparência e responsabilidade social42. Tais áre-as visam a cobrir os diversos pilares base que norteiam o programa de integri-dade, lembrando que, segundo o art. 41 do Decreto nº 8.420/2015, Programa de Integridade é um

conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira.43

41 Nestes termos, o art. 10 do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 10. As respostas apresentadas no formulário Questionário de Avaliação serão analisadas pela Secretaria-Executiva consideran-do as características apresentadas pela empresa no formulário Análise de Perfil. § 1º As respostas referentes ao perfil da empresa serão declaratórias. Todas as demais respostas apresentadas deverão ser comprovadas documentalmente, sob pena de serem desconsideradas para fins de avaliação. § 2º A empresa que forne-cer informações e documentos inverídicos será automaticamente excluída do processo de avaliação. § 3º A Secretaria-Executiva poderá solicitar esclarecimentos ou envio de documentos adicionais, em caso de dúvi-da relacionada às respostas fornecidas pelas empresas nos formulários Análise de Perfil e Questionário de Avaliação” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/regulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

42 Nestes termos, o art. 11 do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 11. O questionário de avaliação será composto de seis áreas: comprometimento da alta direção e compromisso com a ética; políticas e procedimentos; comunicação e treinamento; canais de denúncia e remediação; análise de risco e monitoramento; e transparência e responsabilidade social” (Disponível em: http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/regulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

43 Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. “Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de in-tegridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Parágrafo único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adapta-ção do referido programa, visando garantir sua efetividade” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 2 mar. 2017).

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O próprio art. 42 já fixa como será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, o Programa de Integridade, e quais os parâmetros, listando taxativa-mente 16 (dezesseis) itens44.

Vale, ainda, indicar, que o Questionário de Avaliação terá valoração e receberá pontuação máxima de 100 (cem) pontos, divididos entre as referidas 6 (seis) áreas da seguinte forma: I – comprometimento da alta direção e com-promisso com a ética – 20 (vinte) pontos; II – políticas e procedimentos – 25 (vinte e cinco) pontos; III – comunicação e treinamento – 15 (quinze) pontos; IV – canais de denúncia e remediação – 15 (quinze) pontos; V – análise de risco e monitoramento – 15 (quinze) pontos; e VI – transparência e responsabilidade social – 10 (dez) pontos45. A somatória dos pontos das diversas áreas implicará aprovação ou não da empresa.

Ao fim, serão consideradas aprovadas para figurar na lista anual de Em-presas Pró-Ética as empresas que obtiverem pontuação igual ou superior a 70 (setenta) pontos e que tenham obtido, no mínimo, 40% da pontuação em cada área do questionário. Caso a empresa não alcance o mínimo de 40% em uma

44 Decreto nº 8.420, de 18 de março de 2015. “Art. 42. Para fins do disposto no § 4º do art. 5º, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros: I – comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa; II – padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integrida-de, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos; III – padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados; IV – treinamentos peri-ódicos sobre o programa de integridade; V – análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade; VI – registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica; VII – controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica; VIII – procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões; IX – independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento; X – canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé; XI – medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade; XII – procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados; XIII – diligências apropriadas para contra-tação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados; XIV – verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas; XV – monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamen-to na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013; e XVI – transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Decreto/D8420.htm>. Acesso em: 2 mar. 2017).

45 Nestes termos, o art. 12 do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 12. A pontuação máxima do questionário é de 100 (cem) pontos, divididos entre as seis áreas da seguinte forma: I – com-prometimento da alta direção e compromisso com a ética – 20 (vinte) pontos; II – políticas e procedimentos – 25 (vinte e cinco) pontos; III – comunicação e treinamento – 15 (quinze) pontos; IV – canais de denúncia e remediação – 15 (quinze) pontos; V – análise de risco e monitoramento – 15 (quinze) pontos; e VI – transpa-rência e responsabilidade social – 10 (dez) pontos” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e--integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/regulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

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das áreas, ainda que na somatória tenha feito mais de 70 (setenta) pontos, será considerada não aprovada e não figurará na lista daquele ano. E também será considerada não aprovada a empresa cuja somatória de pontos seja inferior a 70 (setenta) pontos46.

Por fim, importante destacar que empresas inscritas que não forem apro-vadas para figurar na lista anual de Empresas Pró-Ética não terão seus nomes e demais informações divulgadas47. A medida é importante porque evita um des-necessário desgaste, pois a empresa não necessariamente pode ter participado e não ter sido aprovado por “não ser ética”, mas por não ter conseguido atingir todos os elevados standards, o que poderá indicar que, se ela cumprir os requi-sitos eventualmente levantados, no ano seguinte ela poderá ter sua aprovação efetivada. Isso porque, durante o processo, o programa de integridade da pessoa jurídica passa por uma avaliação de uma equipe especializada, e a empresa re-cebe um relatório com análise detalhada de suas medidas de integridade e com sugestões de aprimoramento. Ou seja, mesmo que não esteja apta para figurar na lista anual do Pró-Ética para dado exercício, poderá aproveitar a iniciativa para aprimorar seu programa de integridade e buscar nova aprovação.

À GUISA DE CONCLUSÃO

Devemos lembrar que ética e moral não são sinônimos, seja no plano de signos, seja no contexto filosófico, dado que possuem diferentes significa-dos e significações. Mas devemos reconhecer a essência de sua inter-relação e uma relação intrínseca, ainda que muitas vezes exista o uso indistinto de tais termos48. Ética nos remete a um estudo essencialmente especulativo, fundamen-

46 Nestes termos, o art. 12 do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 12. [...] § 1º Serão consideradas aprovadas para figurar na lista anual de Empresas Pró-Ética as empresas que obtiverem pontua-ção igual ou superior a 70 (setenta) pontos e que tenham obtido, no mínimo, 40% da pontuação em cada área do questionário. § 2º A empresa que não alcançar o mínimo de 40% em uma das áreas, ainda que na somatória tenha feito mais de 70 (setenta) pontos, será considerada não aprovada e não figurará na lista daquele ano. § 3º Também será considerada não aprovada a empresa cuja somatória de pontos seja inferior a 70 (setenta) pontos” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa-pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/regulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

47 Nestes termos, o art. 8º do Regulamento do Programa Empresa Pró-Ética, a saber: “Art. 8º Não serão divul-gados os nomes e demais informações das empresas inscritas que não forem aprovadas para figurar na lista anual de Empresas Pró-Ética” (Disponível em: <http://www.cgu.gov.br/assuntos/etica-e-integridade/empresa--pro-etica/arquivos/documentos-e-manuais/regulamento-2017.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2017).

48 Neste sentido, citamos pontual lição de Ana Paula Pedro: “Frequentemente, confundimos moral e ética quan-do nos referimos indistintamente ora ao universo das normas e dos valores sociais tout court, ora quando aludimos ao facto de que a ética e a axiologia têm o mesmo significado, não estabelecendo quaisquer fron-teiras e limites entre cada uma delas, dada a natureza da sua proximidade, por um lado, nem efetuando as respetivas interações de complementaridade que entre si se podem tecer, por outro. Uma das razões para tal acontecer reside no facto de existirem duas palavras para mencionar o domínio valorativo da ética e da moral através da sua origem grega e latina, de raiz etimológica distinta: assim, o termo ética deriva do grego ethos, que pode apresentar duas grafias – êthos – evocando o lugar onde se guardavam os animais, tendo evoluído para ‘o lugar onde brotam os actos, isto é, a interioridade dos homens’ (Renaud, 1994, p. 10), tendo, mais tarde passado a significar, com Heidegger, a habitação do ser, e – éthos – que significa comportamento, costumes, hábito, caráter, modo de ser de uma pessoa, enquanto a palavra moral, que deriva do latim mos,

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tado por valores morais, que acabam orientando o comportamento do ser hu-mano na sociedade em que vive. Já a moral volta-se para a prática, para a ação real e concreta ligada a costumes, ao cotidiano histórico temporal desta mesma sociedade, que ligará regras, convenções sociais e normas morais consideradas válidas por todos para o grupo social.

Para o clássico Plácido e Silva, o termo “moral” é

derivado do latim moralis (relativo aos costumes), na forma substantiva designa a parte da filosofia que estuda os costumes, para assinalar o que é honesto e virtuo-so, segundo os ditames da consciência e os princípios de humanidade. A moral, assim, tem âmbito mais amplo que Direito, escapando à ação deste muitas de suas regras, impostas aos homens como deveres.49

O termo “ética” Plácido e Silva conceitua como derivado do “grego ethikos, é definida como a ciência da moral”50. Ana Paula Pedro leciona que,

apesar de estes conceitos serem distintos, existe uma estreita articulação entre si, na medida em que a ética tem como objeto de estudo a própria moral, não existindo desligada uma da outra, mas sendo independentes entre si, tal como podemos verificar no gráfico que se segue. Neste sentido, tanto a ética implica a moral, enquanto matéria-prima das suas reflexões e sem a qual não existiria, como a moral implica a ética para se repensar, desenhando-se, assim, entre elas uma importante relação de circularidade ascendente e de complementaridade.51

O ilustre Professor José Afonso da Silva, em sua obra, ao tecer considera-ções sobre o Direito à integridade moral, nos diz que a

moral individual sintetiza a honra da pessoa, o bom nome, a boa fama, a reputa-ção que integram vida humana como dimensão imaterial. Ela e seus componen-tes são atributos sem os quais a pessoa fica reduzida a uma condição animal de pequena significação. Daí por que o respeito à integridade moral do indivíduo assume feição de direito fundamental.52

(plural mores), se refere a costumes, normas e leis, tal como Weil (2012) e Tughendhat (1999) referem. Para além disso, os termos ética e moral aplicam-se quer a pessoas quer a sistemas ou teorias morais, o que agrava, ainda mais, o estado de confusão, pois, quando desejamos classificar a natureza da ação humana e de sistemas mais alargados em que os sujeitos se inserem, o cidadão comum oscila sempre indistintamente sobre a utilização de cada um desses termos” (PEDRO, Ana Paula. Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um conceito comum. Kriterion: Revista de Filosofia, Belo Horizonte, n. 130, v. 55, dez. 2014. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2014000200002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1º mar. 2017, p. 484).

49 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 1993. p. 210.50 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. III, 1993. p. 222.51 PEDRO, Ana Paula. Ética, moral, axiologia e valores: confusões e ambiguidades em torno de um conceito comum.

Kriterion: Revista de Filosofia, Belo Horizonte, n. 130, v. 55, dez. 2014. Disponível em: <http://www.scie-lo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-512X2014000200002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 1º mar. 2017, p. 486.

52 SILVA, José Afonso da. Curso de direto constitucional positivo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1992. p. 184.

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E daí por que a integridade moral dos indivíduos, reunidos em socieda-de, também deve ser coletivamente protegida e igualmente assumir “feição de direito fundamental”. E a orientação desta sociedade lastreada por tais padrões morais insculpidos na nossa Carta Fundamental deve fluir para os mais impene-tráveis escritórios, ofícios, esquinas e departamentos de órgãos públicos, assim como para todas as empresas nos termos definidos pela LAE em seu sentido mais amplo, qual seja, aplicando-se às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente53.

Por fim, deixamos nosso entendimento de que as medidas e os cadastros comentados parecem reforçar a vontade de fomento da transparência que deve necessariamente ter o Poder Público ao contratar, e os administrados (pessoas naturais e pessoas jurídicas) ao buscar tais contratações. A colaboração do setor privado nacional como fomentador de divulgação de informações de empresas ou profissionais de bases éticas certamente contribui para um melhor aproveita-mento da gestão publica, com compartilhamento dos custos de monitoramento e de compliance, agregando ainda forte elemento socioeducativo.

Somos levados a acreditar que a medida pode contribuir com a redução da assimetria existente no mercado, tanto para contratações públicas quanto privadas, desde que a participação no Programa Empresa Pró-Ética seja cada vez mais ampliada tanto vertical quanto horizontalmente, e que a iniciativa seja muito mais difundida e divulgada (até mesmo para ampliar seu caráter socioeducativo com medidas de treinamento e educação da sociedade civil). A implantação e efetivo sucesso de todo o conjunto de medidas depende de todos os lados envolvidos, ou seja, não somente dos membros do Poder Pú-blico – quaisquer que sejam (e que devem ser naturalmente rigorosamente fis-calizados), mas também de toda a sociedade civil, que contrata, oferta bens e serviços ao Estado e que deve visar ao bem maior, qual seja, a existência de um Estado transparente e uma relação estreita e correta com ele, baseada em leis e medidas críveis contra corrupção e desvio de finalidade do patrimônio público.

53 Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013. “Art. 1º Esta lei dispõe sobre a responsabilização objetiva adminis-trativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estran-geira. Parágrafo único. Aplica-se o disposto nesta lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que tempora-riamente” (grifos nossos) (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12846.htm>. Acesso em: 1º mar. 2017).

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REFERÊNCIASVALE, Murilo Melo. A Lei de Anticorrupção Empresarial: um contraponto à agenda de combate à corrupção. In: Repertório de Jurisprudência IOB, n. 01/2017, v. I, 1. quinz. jan. 2017.

MARQUES, Gabriel García. El coronel no tiene quien le escriba. Bogotá: Grupo Editorial Norma, 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de direto constitucional positivo. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 1992.

CALDELORO, Ana Paula P. A beleza que reside nas crises. In: Migalhas, sexta--feira, 24 de fevereiro de 2017. Disponível em: <http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI254525,51045-A+beleza+que+reside+nas+crises>. Acesso em: 3 mar. 2017.

SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

Assunto Especial – Doutrina

Lei Anticorrupção Empresarial

Do Conflito da Lei Anticorrupção (Lei nº 12�846/2013) com a Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8�429/1992), no Que Pertine à Responsabilidade da Pessoa Jurídica Privada – Antinomia Jurídica

MAuRO ROBeRTO GOMeS De MATTOS1

Advogado Especializado em Direito Administrativo, Vice‑Presidente do Instituto Ibero‑Ameri‑cano de Direito Público (Capítulo Brasileiro) – IADP, Membro da Sociedade Latino‑Americana de Direito do Trabalho e Seguridade Social, Membro do IFA – International Fiscal Association, Conselheiro Efetivo da Sociedade Latino‑Americana de Direito do Trabalho e Seguridade So‑cial, Cocoordenador da Revista Ibero‑Americana de Direito Público – RIADP (Órgão de Divul‑gação Oficial do IADP).

SUMÁRIO: I – Da Lei de Improbidade Administrativa como fonte de combate à corrupção; II – Do conflito da Lei nº 12.846/2013 com a Lei nº 8.429/1992; III – Da antinomia jurídica aparente das normas – Lei nº 8.429/1992 e Lei nº 12.846/2013; Conclusão.

I – DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO FONTE DE COMBATE À CORRUPÇÃO

A Lei de Improbidade Administrativa adveio do Projeto de Lei nº 1.446/1991, enviado ao Congresso Nacional pelo então Presidente Fernando Collor de Mello, que necessitava dar um basta à corrupção que sempre assolou o País.

Sob o rótulo da moralidade, o Ministro da Justiça do citado Governo, Jarbas Passarinho2, deixou registrado, em sua Exposição de Motivos, que o com-bate à corrupção era necessário, pois se tratava de “uma das maiores mazelas que, infelizmente, ainda afligem o País”.

A Lei de Improbidade surgiu com a finalidade de combater atos que afe-tem a moralidade e maltratem a coisa pública.

1 Autor dos Livros Inquérito Civil e Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa – Limites de Instauração (2014), Lei no 8.112/90 Interpretada e Comentada (6ª ed., 2010), Tratado de Direito Administrativo Dis-ciplinar (2ª ed., 2010), O Limite da Improbidade Administrativa – O Direito dos Administrados Dentro da Lei nº 8.429/1992 (5ª ed., 2010), O Contrato Administrativo (2ª ed., 2002), Licitação e Seus Princípios na Jurisprudência (1999), Compêndio de Direito Administrativo – Servidor Público (1998, entre outras obras).

2 DO 17.08.1991, Seção I, p. 14.124.

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Exatamente para combater a corrupção e a devassidão, a Lei nº 8.429/1992 foi a responsável por regulamentar o que vem disposto no art. 37, § 4º, da CF.

Cabendo ressaltar que ela é direcionada para o agente público, servidor ou não, bem como ao particular, abrangendo a pessoa jurídica.

Nesse sentido, as pessoas jurídicas que participem ou se beneficiem dos atos de improbidade sujeitam-se aos cânones da Lei nº 8.429/19923.

Em abono ao que foi dito, o Ministro Hermam Benjamim, relatando o REsp 1122177/MT, deixou registrado:

O sujeito particular submetido à lei que tutela a probidade administrativa, por sua vez, pode ser pessoa física ou jurídica. Com relação a esta última, somente se afiguram incompatíveis as sanções de perda da função pública e suspensão dos direitos políticos. Em tese, portanto, eventual condenação por improbidade administrativa sujeita as pessoas jurídicas ao ressarcimento integral do dano, à perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ao pagamento de multa civil e à proibição de contratar com o Poder Público ou receber bene-fícios ou incentivos fiscais ou creditícios, nos termos e limites do art. 12 da LIA.

As empresas que forem responsáveis pela corrupção de agentes públi-cos, enriquecendo-os ilicitamente (art. 9º), ou que causem prejuízo ao Erário (art. 10), ou violem os bons princípios da Administração Pública, respondem aos termos da Lei nº 8.429/1992.

Em sendo assim, a Lei nº 8.429/1992 já era responsável pelo combate à improbidade qualificada e também é voltada para a anticorrupção estatal, sen-do o “sujeito particular” submetido à lei que tutela a probidade administrativa, a pessoa física ou jurídica.

Estabelece a Lei nº 8.429/1992 o elemento subjetivo do tipo relacionado à conduta dos acusados pela prática de ato ímprobo.

Nada mais justo e compatível com o sistema jurídico do que estabelecer a responsabilidade subjetiva dos investigados nos atos de corrupção e de viola-ção aos tipos descritos na Lei nº 8.429/1992, pois o sistema acusatório (sancio-nador) vincula-se à conduta.

Improbidade administrativa é a violação de determinada conduta subje-tiva elencada na Lei nº 8.429/1992.

Em sendo assim, não cabe à Lei nº 12.846/2013 estabelecer a responsa-bilidade objetiva para as pessoas jurídicas que violem a probidade, possibilitan-do a corrupção do agente público e também prejuízo ao Erário, em contradição com a Lei nº 8.429/1992, que já era responsável pelo tema sub oculis.

3 Cf. STJ, REsp 1122177/MT, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJ 27.04.2011.

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Na verdade, o legislador criou uma antinomia jurídica, no afã de driblar a responsabilidade subjetiva da pessoa jurídica quando responde pelos termos da Lei nº 8.429/1992, para alçá-la na responsabilidade objetiva, com base na Lei nº 12.846/2013, apesar de o ilícito ser o mesmo já previsto na Lei de Impro-bidade Administrativa.

Não se pode concordar com essa flagrante antinomia jurídica, que viola a regra da segurança jurídica e traz um conflito de normas inaceitável, como será demonstrado.

II – DO CONFLITO DA LEI Nº 12.846/2013 COM A LEI Nº 8.429/1992

A Lei Anticorrupção possui conotação de responsabilização administra-tiva e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pú-blica, nacional ou estrangeira, optando o art. 2º por imputar a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas, caso se comprove a prática de atos lesivos aos entes de direito público, em seu interesse ou benefício.

A primeira indagação que se deve fazer é quanto à validade ou não da presente cláusula de responsabilidade objetiva.

As pessoas jurídicas de direito público privado que prestam serviços pú-blicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa, na forma do art. 37, § 6º, da CF, quando se tratar de responsa-bilidade civil.

Adotou o constituinte moderno a responsabilidade objetiva (teoria do risco administrativo), segundo o qual o dano sofrido pelo indivíduo deve ser individualizado como consequência do funcionamento do serviço público, não importando se esse funcionamento foi bom ou mal. Ocorrendo o dano ao parti-cular, em tese o Poder Público ou a empresa privada concessionária do serviço público deverão suportar determinada indenização, visando a ressarcir o usuá-rio de tal serviço.

Assim, a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito públi-co e das pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público, baseiam-se no risco administrativo, sendo objetiva.

Essa responsabilidade objetiva exige a ocorrência dos seguintes requi-sitos:

– ação ou omissão administrativa;

– existência de nexo entre o dano e a ação administrativa;

– ausência de causa excludente na responsabilidade estatal.

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A Constituição Federal, no seu art. 173, § 5º, estabelece a possibilidade de a lei fixar a responsabilidade da pessoa jurídica e individualmente de seus dirigentes, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular, verbis:

§ 5º A lei, sem prejuízo da responsabilidade da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com a sua na-tureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

O legislador constitucional foi bem explícito quando estabeleceu que a lei punisse a pessoa jurídica nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Em sendo assim, verifica-se que a Lei nº 12.846/2013 não se presta ao papel de regulamentar o art. 173, § 5º, da CF.

Quanto a isso não há a menor dúvida!

Ultrapassado esse aspecto legal, é de se notar que o mesmo legislador constituinte, no art. 37, § 4º, determinou que a lei punisse os atos de improbi-dade administrativa, litteris:

§ 4º Os atos de improbidade administrativa importarão suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressar-cimento ao Erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

A indagação que se faz é: essa Lei de Improbidade Administrativa se apli-ca à pessoa jurídica de direito privado?

A resposta é de que ela é plenamente aplicável à pessoa jurídica por expressa determinação do seu art. 3º, que pune, no que couber, “aquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta”.

Com a aplicação da Lei nº 8.429/1992 à pessoa jurídica, ela, se conde-nada, deverá ressarcir integralmente quando houver dano ao Erário, ficará ex-posta ao pagamento de multa civil variável de acordo com a violação dos tipos descritos na citada lei (art. 12, I, II ou III, da Lei nº 8.429/1992) e também não poderá contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fis-cais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária.

Sendo aplicada a Lei de Improbidade Administrativa para a pessoa ju-rídica, bem como para os seus dirigentes ou administradores, sobreveio a lei anticorrupção (Lei nº 12.846/2013), que visa a combater atos devassos e imo-rais perpetrados em nome ou no interesse de empresas privadas que lesem a

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Administração Pública nacional e estrangeira. Ou seja, também é direcionada para os atos ímprobos, porquanto a corrupção e o enriquecimento ilícito são previstos na Lei nº 8.429/1992, que é constitucional, por ter regulamentado o § 4º do art. 37 da CF.

Pergunta-se: onde estaria o conflito da Lei de Improbidade Administrativa com a lei anticorrupção?

E, para obter a resposta, é de se analisar os atos lesivos à Administração Pública que cada uma das citadas leis descrevem para se atingir uma conclusão sólida e robusta do caso sub oculis.

Pois bem, iniciando-se um cotejo analítico das Leis nºs 12.846/2013 e 8.429/1992, que, junto aos tipos infracionais, descrevem.

Lei nº 12.846/2013:

Art. 2º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não. (grifos nossos)

Lei nº 8.429/1992:

Art. 3º As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbi-dade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta. (grifos nossos)

Comentários

A Lei de Improbidade Administrativa estabelece a responsabilidade do terceiro/particular, extensível às pessoas jurídicas de direito privado, segundo expressa determinação de seu art. 3º.

Justamente por permitir a inclusão no polo passivo da ação de improbi-dade administrativa, o particular, pessoa física, e também a empresa de direito privado ao qual se encontra vinculado, geralmente ambos figuram como acusa-dos perante o escopo da Lei nº 8.429/1992.

Sobre o assunto, deixamos averbado4:

Aqui é interessante destacar uma grande confusão conceitual verificada em al-gumas demandas, onde é elencada a pessoa jurídica de direito privado no polo passivo em conjunto com os seus sócios, em algumas ações de improbidade administrativa. Nesses casos, visa o MP a receber a prestação jurisdicional contra pessoa jurídica em conjunto com os sócios, cobrando os mesmos valores que

4 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Inquérito civil e ação civil pública de improbidade administrativa. Limites de instauração. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 405.

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teoricamente teriam sido desviados, em valores bem superiores aos devidos, em face da duplicidade dos pedidos.

Essa situação faz com que haja a possibilidade de enriquecimento ilícito do Po-der Público se o Magistrado não verificar que a devolução de valores por parte da pessoa jurídica de direito privado e de seus sócios, em conjunto ou separada-mente, deverão ser na medida da extensão do dano, adotando-se a regra pro rata da indenização pretendida na demanda, para que não seja verificado excesso de condenação pecuniária.

Essa possível “conclusão” do MP quando elenca no polo passivo a pes-soa jurídica de direito privado e o seu sócio gerente, ou controlador conjunta-mente, encontra limite legal no que vem estatuído no caput do art. 50 do Có-digo Civil, que somente permite a desconsideração da personalidade jurídica, quando existir abuso, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial.

Dessa forma, prevalece a situação legal da pessoa jurídica de direito pri-vado responder, em conjunto (solidariedade) com o agente público, aos termos da Lei nº 8.429/1992, porquanto a regra estabelecida no art. 50 do Código Civil é excepcional, somente aplicada quando demonstradas as inequívocas malícia e má-fé do sócio, que, por meio de ardil ou de má-fé, busca lesar o Erário utili-zando-se da sociedade como mera “proteção” para alcançar benefício próprio.

Figurando a pessoa de direito privado ou o seu representante legal no rol taxativo da Lei nº 8.429/1992, em que a improbidade administrativa toma forma legal após a verificação da conduta do imputado (elemento subjetivo do tipo), buscou a Lei nº 12.846/2013 “fugir” da responsabilidade subjetiva, para instituir a responsabilidade objetiva das empresas, na hipótese em que o ato ilícito seja o mesmo.

Essa “alteração” da responsabilidade das empresas, que deixa de ser sub-jetiva (Lei nº 8.429/1992) para tornar-se objetiva perante a Lei nº 12.846/2013, nada mais é do que uma burla à lei que disciplina os atos de improbidade ad-ministrativa.

Isso porque a Lei nº 12.846/2013 destaca a pessoa jurídica, sem ex-cluir a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito (art. 3º da Lei nº 12.846/2013), que, em tese, também estariam expostos ao crivo da Lei nº 8.429/1992 (art. 3º da Lei nº 8.429/1992).

Por maior absurdo que possa parecer, ele ocorre de fato, pois a pessoa jurídica será responsabilizada objetivamente, independentemente da respon-sabilização individual das pessoas naturais referidas no caput do art. 3º da Lei nº 12.846/2013 sobre o mesmo ilícito.

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Eis a dicção do art. 3º da Lei nº 12.846/2013:

Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade in-dividual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

Na prática, apesar de os atos de improbidade administrativa serem regu-lados pela Lei nº 8.429/1992, o legislador estabelece, na Lei nº 12.846/2013, a punição da pessoa jurídica de direito privado sobre os mesmos tipos já estabele-cidos na Lei de Improbidade, como se tal fato fosse possível, gerando verdadeira antinomia de normas legais.

Essa confusão legislativa ficará mais evidenciada quando forem coteja-dos os tipos infracionais que as citadas normas legais regulam quando tratam dos atos lesivos à Administração Pública.

Lei nº 12.846/2013:

Art. 5º Constituem atos lesivos à Administração Pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencio-nadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da Administração Pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: [...]

Lei nº 8.429/1992:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao Erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...] (grifos nossos)

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princí-pios da Administração Pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notada-mente: [...]

Comentários

O art. 5º da Lei nº 12.846/2013 imputa à pessoa jurídica o tipo descrito no art. 10 da Lei nº 8.429/1992, que versa sobre o prejuízo ao Erário, praticado de forma dolosa ou culposa, bem como também descreve a violação aos prin-cípios da Administração Pública, a que alude o art. 11 da Lei nº 8.429/1992.

A única inovação que traz a Lei nº 12.846/2013 é que, diferentemente do que vem disposto na Lei nº 8.429/1992, constituem atos lesivos à Adminis-tração Pública nacional ou estrangeira todos aqueles atos praticados por pessoa jurídica que atentem contra o patrimônio público e contra os princípios da Ad-

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ministração Pública, sendo incluída a estrangeira também nesse rol protetivo, porquanto tal fato não foi objeto de preocupação da Lei nº 8.429/1992.

Tirando esse único e exclusivo fato, de não estar inserido no contexto da Lei nº 8.429/1992, a violação a bens tutelados pela probidade administrativa de entidades estrangeiras, os tipos infracionais são rigorosamente os mesmos, isto porque o prejuízo ao Erário, também contemplado nos atos “que atentem con-tra o patrimônio público” ou “contra os princípios da Administração Pública”, não são previstos também na Lei de Improbidade Administrativa.

Qualquer violação ao patrimônio e a princípios da Administração Pú-blica que infrinjam os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições e notadamente às situações taxadas nos incisos dos arts. 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992 são atos de improbidade administrativa e, como tal, deverão ser regidos pela citada lei, e não pela Lei nº 12.846/2013, que não possui poderes para conflitar com a lei específica sobre a matéria.

Lei nº 12.846/2013:

Art. 5º [...]

I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agen-te público, ou a terceira pessoa a ele relacionada. (grifos nossos)

Lei nº 8.429/1992:

Art. 9º Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exer-cício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades menciona-das no art. 1º desta lei, e notadamente: (grifos nossos)

I – receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percenta-gem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público. (grifos nossos)

Comentários

Na verdade, o enriquecimento ilícito a que alude o art. 9º, I, da Lei nº 8.429/1992 é voltado para o agente público, mas, quando ele recebe vanta-gens ilícitas de pessoas jurídicas de direito privado ou de pessoas, os particula-res se inserem no rol do presente dispositivo legal, por expressa autorização do art. 3º da Lei nº 8.429/1992. A empresa ou pessoa corruptora que oferece, direta ou indiretamente, vantagem indevida ao agente público, ou a terceira pessoa por ele relacionada direta ou indireta, na prática está enriquecendo ilicitamente o corrupto agente.

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Essa situação é demais conhecida de todos e está ricamente detalhada no art. 9º da Lei nº 8.429/1992 e seus incisos. Assim sendo, o art. 5º, I, da Lei nº 12.846/2013 repete o enriquecimento ilícito de que trata a Lei de Improbida-de Administrativa, como se fosse lícito tal expediente.

Lei nº 12.846/2013:

Art. 5º [...]

[...]

IV – no tocante a licitações e contratos:

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expedien-te, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; [...] (grifos nossos)

Lei nº 8.429/1992:

Art. 10. [...]

[...]

VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; (grifos nossos)

Comentários

O constituinte atual5, preocupado com a melhor contratação para o pa-trimônio público, instituiu a obrigação de uma legislação infraconstitucional sobre a obrigação de licitação para as obras, serviços, compras e alienações.

A finalidade dessa obrigação constitucional é a preservação dos prin-cípios da legalidade, igualdade, impessoalidade, moralidade, probidade e da própria economicidade.

Buscou a CF/1988, seguindo a esteira das suas novas orientações, consti-tucionalizar formalmente os principais pontos a serem percorridos no processo de licitação, sem simplesmente apenas mencionar a obrigação de licitar como constantes do texto anterior.

Afirmamos em outra oportunidade6:

5 Art. 37, XXXI, da CF.6 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O contrato administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: América Jurídica,

2002. p. 349.

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A matriz da licitação é a Constituição Federal que estipula como regra o cer-tame, ressalvando os casos especificados na legislação (arts. 24 e 25 da Lei nº 8.666/1993).

Definimos a licitação como7:

O processo instaurado pelo qual o ente público, visando ao interesse da coletivi-dade, convoca os interessados para se submeterem à regras preestabelecidas, for-necendo suas propostas comerciais, a fim de selecionar-se a que é mais eficiente e vantajosa para o Estado.

O inciso VIII do art. 10 da Lei nº 8.429/1992 versa sobre a frustração da licitude de processo licitatório ou a dispensa indevida do certame, que geram prejuízo ao Erário.

Da mesma forma, o inciso IV do art. 5º da Lei nº 12.846/2013 também coíbe a frustração ou a fraude nas licitações e contratos públicos, mediante ajuste, combinação ou qualquer ato de procedimento licitatório público.

Dessa forma, tanto a Lei nº 8.429/1992 como a Lei nº 12.846/2013 dis-ciplinam o mesmo assunto, apenas com algumas especificidades que diferem uma da outra, mas, com certeza, os atos que importem em enriquecimento ilíci-to, prejuízo ao Erário e violação aos princípios da Administração Pública estão inseridos em ambos os diplomas legais citados, gerando a respectiva antinomia das citadas leis, com grande e preocupante conflito, capaz de trazer verdadeiras distorções jurídicas, se o Poder Judiciário não tomar firme medida para coibir o equívoco apontado, quando de sua atuação jurisdicional.

III – DA ANTINOMIA JURÍDICA APARENTE DAS NORMAS – LEI Nº 8.429/1992 E LEI Nº 12.846/2013

O sistema jurídico é o conjunto de regras e de princípios jurídicos que se instituem e se adotam para regular todo o corpo de leis de uma nação.

Sendo o direito positivado pela lei como consequência lógica de uma unidade do sistema jurídico, que, ao tempo em que rege a regra da convivência em sociedade, traz a missão de preconizar também a paz jurídica e a segurança para todos.

Sucede que, no século XIX, com o surgimento do positivismo jurídico, escola que teve como base estudar o direito positivo, ou seja, aquele posto na lei em que se opõe ao jusnaturalismo, ou direito natural, começaram a surgir os conflitos naturais das normas jurídicas.

Assim, o conflito normativo surge no apogeu do pleno domínio do po-sitivismo jurídico, porque nos leva à concessão do direito como um sistema

7 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Op. cit. ant., p. 349.

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normativo8, que pode ser limitado no tempo e no espaço, adaptada a possíveis e prováveis necessidades de futuras revisões.

E, para haver conflitos de normas, elas devem estar vigentes e desempe-nharem um “importante papel sob o nome ‘conflito de deveres’ na Moral, tanto do Direito, especialmente na relação entre a Moral e Direito. Um conflito de normas pressupõe que valem ambas as normas que estão em conflito. Os enun-ciados relativos à validades de ambas as normas são verdadeiros”9.

A partir do momento que houve a crescente importância da lei como motivação para o homem moderno do século XIX positivar as normas, através de leis escritas, começou a surgir a problemática da antinomia jurídica.

Maria Helena Diniz trata sob o tema10:

Com a positivação cresce a disponibilidade espaço-temporal do direito, pois sua validade se torna maleável, podendo ser limitada no tempo e no espaço, adapta-da a prováveis necessidades de futuras revisões.

Resta-nos, por derradeiro, assinalar que a teorização do problema do conflito normativo só surgiu no pleno domínio do positivismo jurídico, porque nos leva à concepção do direito como um sistema normativo.

Foi preciso que o direito fosse concebido como um sistema normativo para que a antinomia e sua correção se revelassem como problemas teóricos. A antinomia jurídica aparece como um elemento do sistema jurídico e a construção do siste-ma exigem a resolução dos conflitos normativos, pois todo o sistema deve e pode alcançar uma coerência interna.

O problema científico do conflito normativo é uma questão do século XIX, sur-gindo com o advento do positivismo jurídico e da concepção do direito como sistema, que criaram condições para o aparecimento de teses em torno da coe-rência ou incoerência (lógica) do sistema jurídico e da questão da existência ou inexistência de antinomias jurídicas.

A positivação do direito também se faz notar na realidade jurídica brasi-leira, que praticamente codificou nosso ordenamento, positivando as normas11.

8 Cf. DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 5-6.9 KELSEN, Hans. Teoria das normas. Trad. José Florentino Duarte. Rio Grande do Sul: Sérgio Fabris, 1986.

p. 159.10 DINIZ, Maria Helena. Conflito de normas. 4. ed. Rio de Janeiro: Saraiva, 2001. p. 5-6.11 Discorrendo sobre a característica do Direito brasileiro, Reis Friede averba: “Como, em nosso País, a realidade

do Direito se expressa, sobretudo, por sua inerente normatividade e esta, por seu turno, em forma de produção estatal, de cunho preponderantemente legislativo, é lícito deduzir que, embora reconhecidamente o Direito transcenda á exclusiva existência normativa (e a norma jurídica ao escopo restrito de atuação da lei), a maior parte do Direito se encontra necessariamente na norma e esta, ato contínuo, na lei, obrigando-nos, por efeito, a reconhecer que o Direito (no Brasil e na esmagadora maioria das nações ocidentais) se constitui em uma realidade essencialmente normativa e preponderantemente legal” (FRIEDE, Reis. Ciência do Direito: norma, interpretação e hermenêutica jurídica. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 127).

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Diz-se conflito de leis a situação criada quando da aplicação da lei ao caso concreto; constata-se a existência de duas leis, que se mostram aplicáveis ao caso, surgindo dúvidas ou divergências, em relação a qual delas deve ter a primazia.

Destarte, a antinomia jurídica como fenômeno legal moderno aparece, dessa forma, como algo inerente ao sistema normativo em que se transformou o direito.

Esse conflito pode ocorrer em determinado momento e local, gerando dúvida relativamente à aplicação de duas leis, existente no mesmo país em que se destinam a regular o mesmo fato.

Contudo, como o sistema jurídico é a unificação lógica das normas e dos princípios jurídicos vigentes, obra da ciência do Direito, para que ela atinja os seus objetivos, é dever do jurista e do operador do direito eliminar contradições porventura existentes entre as normas e entre os princípios, como averba Paulo Dourado Gusmão12:

Sistema jurídico é, pois, a unificação lógica das normas e dos princípios jurídicos vigentes em um país, obra da ciência do Direito. Para obtê-la, elimina o jurista contradições porventura existentes entre normas e entre princípios; estabelece hierarquia entre as fontes do direito, escalonando-as; formula conceitos, extraí-dos do conteúdo das normas e do enunciado dos princípios, agrupa normas em conjuntos orgânicos e sistemáticos, levando em conta a função que devem elas cumprir, como é o caso das instituições; estabelece classificações, ou seja, apon-ta o lugar de cada norma no sistema.

Sendo os conflitos de normas ocorridos durante processo de interpreta-ção, a antinomia pode ser solucionada através da aplicação de critérios hierár-quico, cronológico e da especialidade, porquanto o objetivo da lei não é criar conflito de interpretação com outra norma jurídica, visto que o seu objetivo é trazer a paz.

Para Hans Kelsen13, há antinomia quando “uma norma determina uma certa conduta como devida e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela”.

E, no presente caso, constata-se a antinomia jurídica entre o que vem disciplinado na Lei nº 8.429/1992, aplicável à pessoa jurídica de direito pri-vado (art. 3º), uma vez que estabelece a necessidade de uma conduta subjeti-va para fins de tipificação nos atos de improbidade administrativa, com a Lei nº 12.846/2013, que, para os mesmos atos, preconiza a responsabilidade obje-tiva, havendo o respectivo conflito positivo das aludidas leis.

12 GUSMÃO, Paulo Dourado. Introdução ao estudo do direito. 27. ed. Rio de Janeiro: Forense, p. 12.13 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 153.

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Esse conflito não pode prevalecer, pois os atos jurídicos disciplinados pela Lei nº 12.846/2013 são, na verdade, atos de improbidade administrativa e como tal devem seguir o que vem determinado pela Lei nº 8.429/1992, visto que os atos lesivos à Administração Pública descritos em seus comandos con-fundem-se com os atos ímprobos, descritos na Lei nº 8.429/1992.

Na verdade, o legislador não pode “driblar” a conduta subjetiva des-crita na Lei nº 8.429/1992, para criar conduta objetiva, elencada na Lei nº 12.846/2013, quando os ilícitos administrativos se imbricam entre si.

A coerência do sistema jurídico é representada pelo princípio da não--contradição ou da unicidade, exigindo do sistema jurídico o alcance da justiça pelo direito.

Por essa razão, não se admite a antinomia das citadas normas jurídicas, que trarão muitas distorções, quando aplicadas ao caso concreto, visto que a responsabilidade deve ser subjetiva e não objetiva, quando se tratar de penali-zação sobre atos que atentem contra o Erário, contra os princípios da Adminis-tração Pública, ou que tragam prejuízo aos cofres públicos.

A certeza de que o fato está regulamentado de uma só forma é condição sine qua non para a exteriorização do direito, pois somente assim o jurisdicio-nado estará possibilitado de prever a consequência jurídica para uma conduta própria ou de outrem, regulada pela lei.

Sobre o tema, é de se abrir parênteses para as sólidas palavras de Norberto Bobbio14:

A coerência não é condição de validade, mas sempre condição para a justiça do ordenamento. É evidente que quando duas normas contraditórias são ambas vá-lidas, e pode haver indiferentemente a aplicação de uma ou de outra, conforme o livre-arbítrio daqueles que são chamados aplicá-las, são violadas suas exigência fundamentais em que se inspiram ou tendem a inspirar-se os ordenamentos jurí-dicos: a exigência da certeza (que corresponde ao valor da paz ou da ordem), e a exigência da justiça (que corresponde ao valor da igualdade). Onde existem duas normas antinômicas, ambas válidas, e, portanto ambas aplicáveis, o ordenamento jurídico não consegue garantir nem a certeza, entendida como possibilidade, por parte do cidadão, de prever com exatidão as consequências jurídicas da própria conduta, nem a justiça, entendida com o igual tratamento das pessoas que per-tencem à mesma categoria.

O que não é admissível é que prevaleça o presente conflito aqui desta-cado, pois a responsabilidade da pessoa jurídica é subjetiva, na forma da Lei nº 8.429/1992, que veio regulamentar o que está estatuído no art. 37, § 4º, da

14 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Trad. Maria Celeste C. J. Santos. 10. ed. Brasília: Univer-sidade de Brasília, p. 133.

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CF, em especial ao princípio da moralidade qualificada, aí abrangida a corrup-ção de uma maneira geral.

Não pode se admitir uma responsabilização objetiva, desatrelada da mí-nima coerência jurídica, no afã de punir por punir a empresa, como uma verda-deira resposta ao clamor popular.

Esse posicionamento é muito perigoso e traz no seu âmago a possibilida-de de iniciar-se uma verdadeira “caça às bruxas”, com a realização de muitas injustiças.

As contradições jurídicas devem ser supridas pelo princípio da unidade do sistema jurídico, isso porque não há que prevalecer o antagonismo já decli-nado da conduta descrita na Lei nº 8.429/1992, com a conduta elencada na Lei nº 12.846/2013.

Sobre a unidade do sistema jurídico, sobressaem as considerações da Professora Maria Helena Diniz15:

A antinomia é um fenômeno muito comum entre nós ante a incrível multiplica-ção de leis. É um problema que se situa ao nível da estrutura do sistema jurídico (criado pelo jurista), que, submetido ao princípio da não-contradição, deverá ser coerente. A coerência lógica do sistema é exigência jurídica. Por conseguinte, a ciência do Direito deve procurar purgar o sistema de qualquer contradição, indi-cando os critérios para solução dos conflitos normativos e tentando harmonizar os textos legais.

O princípio da unicidade, também chamado da não-contradição, para o Direito deve ser analisado sobre o conjunto de normas formadores do sistema jurídico. E o sistema jurídico, em sua totalidade, possui o dever de normatizar o fato e não apenas uma lei em específico, como defendido por João Baptista Machado16:

O caso é que o interesse tutelado por uma norma não pode ser isolado da to-talidade dos interesses considerados e tutelados pelo sistema jurídico global. O ordenamento jurídico só pode ser entendido como um sistema de valores tomado como unidade e totalidade, dentro do qual se coordenam e hierarquizam os dife-rentes valores parciais afirmados pelas diferentes normas. Portanto, qualquer pro-blema jurídico só pode ser adequadamente resolvido em função do ordenamento jurídico global – ou, para usar de novo palavras de Falzea, o efeito determina se cumpridamente, não em função de cada norma específica (o quer que isso seja), mas em função de todo o sistema.

15 DINIZ, Maria Helena. Op. cit. ant., p. 15.16 MACHADO. João Baptista. Âmbito de eficácia e âmbito de competência das leis: limites da leis e conflitos

de leis. Coimbra: Almedina, 1998. p. 213.

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Não resta dúvida de que a ciência jurídica procura conhecer o direito como um todo, capaz de expressar sentido único, através de proposições isen-tas de contradição lógica, partindo do pressuposto de que os conflitos normati-vos podem e devem ser resolvidos pela via interpretativa.

Verificado o conflito normativo, deve prevalecer o princípio da unidade do sistema jurídico, em busca de respostas que possibilitem a conciliação, atra-vés da via interpretativa, em busca da aplicação correta da lei ao caso concreto.

A aplicação de uma lei em detrimento de outra será feita através de crité-rios hierárquico, cronológico e da especificidade.

O primeiro e mais relevante critério que possibilite a solução de antino-mias é o hierárquico, visto que a norma jurídica superior suplanta a inferior, que não pode afrontá-la.

Isso ocorre porque a norma que representa o fundamento de nulidade de uma outra norma é, em face desta, uma norma superior.

A Constituição Federal é a norma máxima, que deve ser seguida por todas as demais, sem que haja a contradição ou o conflito com as suas determinações.

Pela hierarquia de normas, é instituído o grau de superioridade de uma sobre a outra, sempre com a finalidade de uma correta harmonização entre elas, a fim de não surgirem dúvidas ou divergências em relação a qual delas deve ter primazia.

O critério cronológico possui como fundamento o que vem estabelecido no art. 2º, § 1º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, no sentido de estabelecer que norma posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que trate a lei anterior.

Já o critério da especialidade prescreve que a norma especial prevalece sobre o geral.

Seu fundamento segue o que vem estatuído no art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro:

Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

[...]

§ 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já exis-tentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

A revogação pode ser parcial (derrogação) ou total (ab-rogação) e tam-bém pode ser expressa (quando indica inequivocamente o dispositivo legal a ser

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revogado) ou tácita (quando regule inteiramente o assunto tratado na lei anterior e quando há incompatibilidade de conciliação entre a antiga e a nova lei).

In casu, o conflito de normas se constata quando a lei nova (Lei nº 12.846/2013), regulando a matéria já prevista na Lei nº 8.429/1992, esta-belece a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, quando ela é alçada à condição de lesar o Erário, violar princípios da boa Administração Pública ou gerar enriquecimento ilícito para ela.

Ou seja, repete os três tipos infracionais descritos nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/1992, que estabelece justamente o contrário da Lei nº 12.846/2013, porquanto preconiza a responsabilidade subjetiva da pessoa jurídica de direito privado, quando ela praticar ato ímprobo em conjunto com o agente público.

Em sendo assim, tanto a Lei nº 8.429/1992 como a Lei nº 12.846/2013 são convergentes quando estabelecem a responsabilidade subjetiva do agente público ou do terceiro particular, conflitando, contudo, quando se trata da res-ponsabilidade das pessoas jurídicas.

Tal situação fica bem clara quando da redação do art. 3º da Lei nº 12.846/2013, verbis:

Art. 3º A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade in-dividual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

§ 1º A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabili-zação individual das pessoas naturais referidas no caput.

§ 2º Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade.

Ou seja, a Lei nº 12.846/2013, de forma confusa e inconsistente com o sistema jurídico vigente, cria uma espécie de “privilégios” entre particulares quando se trata de responsabilização, visto que, apesar de serem particulares, os dirigentes ou administradores de empresas privadas somente serão responsa-bilizados pela prática de atos ilícitos na medida de sua responsabilidade subje-tiva (culpa), ao passo que as empresas não punidas a título de responsabilidade objetiva, em sentido oposto ao que vem estatuído na Lei nº 8.429/1992.

Segundo o critério da especialidade, a Lei nº 8.429/1992 é a lei especial que rege os atos de improbidade administrativa, regulamentado o que vem es-tatuído no art. 37, § 4º, da CF e, portanto, é a norma aplicável à prática de atos de corrupção na esfera cível/administrativa.

Sendo a Lei nº 8.429/1992 a responsável por coibir os atos de corrupção na esfera cível/administrativa, é a responsável pelo combate e pela aplicação das penalidades, estabelecendo as condutas típicas e antijurídicas.

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Quanto a esse aspecto, não há divergência teórica ou técnica. Em assim sendo, a Lei nº 12.846/2013, direcionada para os atos anticorrupção, dispondo também sobre a responsabilização administrativa e cível de pessoas jurídicas, não pode destoar da lei especial (nº 8.429/1992) quando se trata de fixação da conduta, visto que deverá prevalecer a harmonização das normas a fim de não trazer distorções ou inseguranças para o sistema jurídico.

A responsabilidade é subjetiva, vinculada a culpa, sendo incompatível a responsabilização objetiva administrativa e civil da empresa.

Os atos lesivos que porventura as pessoas jurídicas praticarem contra a Administração Pública serão punidos a título de culpa ou de dolo, em conformi-dade com os tipos descritos na Lei nº 8.429/1992 (art. 9º, 10 e 11) – não sendo admissível, em hipótese alguma, a responsabilização objetiva de que trata o art. 2º da Lei nº 12.846/2013.

A antinomia existente entre a Lei nº 8.429/1992 e a Lei nº 12.846/2013, quanto à responsabilização da pessoa jurídica, é suprida pelo critério da espe-cialidade, prevalecendo o princípio da lex specialis derrogat legi generali.

Nessa situação, é de ser aplicado o presente art. 2º da Lei nº 12.846/2013 em conformidade com a Lei nº 8.429/1992, vinculado a elemento subjetivo da conduta, excetuando, assim, a responsabilização objetiva das pessoas jurídicas.

CONCLUSÃO

Como aduzido alhures, na prática, apesar de os atos de improbidade administrativa serem regulados pela Lei nº 8.429/1992, o legislador estabelece, na Lei nº 12.846/2013, a punição da pessoa jurídica de direito privado sobre os mesmos tipos já estabelecidos na Lei de Improbidade Administrativa, como se tal fosse possível, gerando verdadeira antinomia de normas legais.

Essa confusão legislativa ficará mais evidenciada quando forem coteja-dos os tipos infracionais que as citadas normas legais regulam quando tratam dos atos lesivos à Administração Pública.

Em sendo assim, a responsabilidade da pessoa jurídica de direito privado é subjetiva, na forma da Lei nº 8.429/1992.

Assunto Especial – Doutrina

Lei Anticorrupção Empresarial

A Lei de Anticorrupção Empresarial: um Contraponto à Agenda de Combate à Corrupção

The Corporative Anti-Corruption Law: a Contrast on Public Schedule of Combating Corruption Practices

MuRILO MeLO VALeAdvogado, Professor Substituto de Direito Administrativo da UFMG, Mestre em Direito Ad‑ministrativo pela UFMG, Pós‑Graduado em Direito Público pela Universidade Gama Filho‑RJ e membro da Comissão de Direito Administrativo da OAB/MG.

RESUMO: A Lei nº 12.846/2013, conhecida como “Lei de Anticorrupção Empresarial”, foi apresenta‑da como uma estratégia legislativa de combate à corrupção, um mal que tanto assola o País atual‑mente. Nesse contexto, todos os esforços doutrinários, que buscam traçar parâmetros normativos para futuras regulamentações, deixam de discutir um ponto fulcral: será que a proposta normativa efetivamente ocasionará uma redução da corrupção? A hipótese desenvolvida neste trabalho é pre‑ocupante. A Lei nº 12.846/2013 não só será inócua ao combate da corrupção, como também terá um efeito paradoxal: irá incrementar a corrupção no interior da Administração Pública, em virtude do grande empoderamento e da expansão da discricionariedade punitiva dos gestores públicos, de todos os Poderes e de todos os entes da Federação. E isso se evidencia quando se analisa a estra‑tégia adotada pela Lei nº 12.846/2013 em vista da experiência pretérita da agenda de combate à corrupção e de recomendações de marcos teóricos da corrupção.

PALAVRAS‑CHAVE: Administração Pública; Lei de Anticorrupção Empresarial; efetividade legal; dis‑cricionariedade e arbitrariedade; marcos teóricos da corrupção.

ABSTRACT: The Law nº 12.846/2013, known as “Corporative Anti‑Corruption Law”, was presented as a legislative strategy to combat corruption, an evil that plagues the public administration in Brazil currently. In this context, all legal literature, seeking to trace normative guidelines for future regula‑tions, do not discuss a main issue: will the proposed rules effectively cause a reduction of corruption? The hypothesis developed in this paper is worrying. Law nº 12.846/2013 will not only be harmless to combat corruption, but also have a paradoxical effect: it will increase corruption within the public administration, because of the large empowerment and expansion of punitive discretion of public managers, of all different state levels. In addition, this conclusion is evidenced when we analyze the strategy adopted by Law nº 12.846/2013 compared with preterit experience of the public schedule of combating corruption practices and recommendations of theoretical frameworks of corruption.

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KEYWORDS: Public Administration; Corporative Anti‑Corruption Law; legal effectiveness; discretion and arbitrariness; theoretical frameworks of corruption.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O combate à corrupção como agenda de reforma administrativa e legis‑lativa; 2 A estratégia da nova Lei nº 12.846/2013: o notável empoderamento do gestor público na responsabilização administrativa da pessoa jurídica parceira da Administração Pública; 2.1 A respon‑sabilização objetiva das pessoas jurídicas que abrangem os agentes envolvidos na prática do ato lesivo; 2.2 A amplitude e o efeito uniformizador da LAE; 2.3 Os atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira previstos na LAE; 2.4 Espécies, limites da aplicação das penas administrati‑vas previstas; 2.5 A competência para a instauração e o julgamento do processo de responsabiliza‑ção administrativa; 3 O risco jurídico: o notório empoderamento e a expansão da discricionariedade punitiva dos gestores públicos como critérios incentivadores da corrupção; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Em junho de 2013, o Brasil foi tomado por uma onda de manifestações populares, de cunho político, a qual deixou manifestas a desconfiança e a rejei-ção para com a base política deste País. Enfim, não é por menos. A legitimidade representativa restou totalmente desgastada por inúmeros casos de corrupção, crimes de peculato e escândalos de improbidade administrativa etc.

Essa onda de manifestações começou de forma localizada, com protestos em São Paulo contra o aumento das tarifas do transporte público urbano. Con-tudo, graças às facilidades midiáticas proporcionadas pelas redes sociais, as ma-nifestações se espalharam em todo o Brasil, de forma difusa e com motivações múltiplas. Para alguns, esta onda de manifestações revela um fenômeno inédito, por uns chamados de “primavera brasileira”. Entre as reivindicações populares podemos enumerar: a rejeição à PEC que retirava do Ministério Público seu poder de investigação (PEC 37); a urgência na realização de profundas reformas estruturais na saúde e na educação; a abertura e publicação de contas e contra-tos relacionados com o transporte público; a urgência na realização de reforma política; a urgência na tomada de medidas contra a corrupção, entre outras.

Em meio a essa onda de manifestações, o Congresso Nacional colocou em pauta um projeto apresentado pelo Poder Executivo em 2010 (Projeto de Lei nº 6.826/2010), que já vinha sendo debatido pela Controladoria-Geral da União. A aprovação de tal projeto resultou na Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013 (“Lei nº 12.846/2013”), conhecida como “Lei da Anticorrupção Empresa-rial”, aqui reduzida à sigla “LAE”. Essa Lei objetivou criar a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas por condutas descritas como lesivas à Administração Pública nacional ou estrangeira.

Contudo, criada com o objetivo de suprimir a corrupção patrocinada pelo setor privado, as inúmeras disposições trazidas nesse novo marco legal, na verdade, trouxeram uma considerável insegurança jurídica. Há quem diga que

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a LAE foi um “tiro no pé”: muitos conceitos abertos e não definidos trouxeram à tona o receio de que pudesse incentivar uma ilegal pressão e tentativas de extorsão contra o empresariado, que seria induzido a ceder à ilegalidade, de modo a evitar a aplicação de sanções.

No contexto de insegurança jurídica gerada por esse novo marco regula-tório contra a corrupção empresarial, insurge inevitavelmente a discussão sobre a efetividade da criação da LAE. Ou melhor, se, ao invés de reduzir a prática da corrupção, ela não estaria criando um campo fértil para expansão da prática corruptiva por parte do gestor público, agora com maiores poderes discricioná-rios para aplicação de severas penalidades em face da pessoa jurídica privada parceira da Administração Pública.

Em análise à LAE, é evidente a necessidade de regulamentação de vários de seus comandos, conceitos, institutos e tipificações. Contudo, antes de en-tender o que precisa ser regulamentado – o que vem sendo bastante trabalhado pela doutrina jurídica –, é fundamental, a nosso ver, discutir a própria conveni-ência da estratégia de combate à corrupção proposta por essa Lei.

O presente trabalho pretende, assim, buscar compreender como a LAE se insere na agenda política e legislativa de combate à corrupção, de modo a aferir sua adequação e efetividade. Para tanto, será explicitado, objetiva e historica-mente, quais foram as estratégias adotadas pela agenda política de combate ao patrimonialismo na gestão pública e, consequentemente, à corrupção. Assim, inicialmente, o presente trabalho buscará compreender como o tema do “com-bate à corrupção” esteve inserido na agenda política e administrativa de refor-ma do Estado. Posteriormente, o presente trabalho demonstrará, sinteticamente, as principais características da LAE – o que já está bastante difundido pela dou-trina jurídica. Isto para melhor contextualizar qual foi a estratégia de combate à corrupção – em sentido lato, aqui entendido como “atos lesivos ao Estado” – instrumentalizada por essa Lei. Por fim, tentar-se-á compreender o risco aqui apontado, ou seja, porque a LAE poderá ter um efeito paradoxal aos objetivos propostos, qual seja criar um campo propício ao incremento da corrupção, ao contrário de efetivamente reprimi-la.

Com base nisso, antes de traçar possíveis hipóteses de regulamentação e critérios objetivos para guiar na elaboração de futuros diplomas normativos de outros entes da Federação, o presente trabalho buscará demonstrar por que e como a própria estratégia normativa trazida pela LAE deve ser alterada.

1 O COMBATE À CORRUPÇÃO COMO AGENDA DE REFORMA ADMINISTRATIVA E LEGISLATIVA

A gestão pública brasileira ainda sofre com o patrimonialismo que tanto se buscou combater no País. Recorrentes casos de corrupção evidenciam um

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quadro de clientelismo, nepotismo e patronagem e provocam a reflexão sobre quais medidas (ainda) devem ser adotadas para acabar com esse mal.

A corrupção é aqui entendida como a preeminência de interesses priva-dos em decisões tomadas pela Administração Pública. Práticas recorrentes de corrupção já foram identificadas como “consequência natural da sociabilidade brasileira” (Avritzer, 2011, p. 46), contexto em que

[...] fatores ligados à herança ibérica e às práticas portuguesas no período co-lonial criaram um padrão de relação entre o público e o privado que marcou a política no Brasil, estabelecendo uma linha unívoca de desenvolvimento político que torna a corrupção inevitável. (Avritzer, 2011, p. 46)

É válido dizer que essa primazia do interesse particular – e a corrupção, como corolário lógico – foi incentivada por falhas de controle na gestão pública verificada no decorrer da história. Leonardo Avritzer (2011, p. 46) bem pontua que responsabilizar a cultura brasileira pelas recorrências de práticas de corrup-ção é uma visão simplificada e dissonante da realidade:

Em vez de apontar para a disputa entre diferentes concepções de política, al-gumas permeadas pela tolerância em relação à corrupção e outras fortemente críticas do mesmo fenômeno, a análise da naturalidade da corrupção pretende transformar uma disputa política em um aspecto natural da cultura brasileira. (Avritzer, 2011, p. 46)

Com efeito, houve o reforço de uma lógica clientelista no interior do sistema político, que teria acentuado características da competição política que não teriam sido mudadas pela Constituição da República de 1988 (Avritzer, 2011, p. 49). Essa foi uma das razões pelas quais inúmeras reformas adminis-trativas implantadas pelo Governo Federal nem sempre obtiveram o resultado esperado. Apesar da vultosa agenda de mudança de práticas gerenciais da Ad-ministração Pública, tais como a profissionalização e modernização da gestão, ainda assim foi possível constatar a recorrência de práticas de corrupção, como praxe do Poder Público. Ou seja, o aprimoramento da gestão não foi o suficien-te para acabar com o mal da corrupção.

Sabe-se que a mais atual reforma administrativa, intitulada de “Nova Gestão Pública”, surgiu para solucionar problemas de eficiência no modelo burocrático de gestão. Em busca de uma maior racionalidade capitalista de pro-dução, Max Weber apresentou a sua Teoria das Organizações Burocráticas, que foi considerada por autores clássicos como garantia do bom funcionamento dos negócios e serviços (Paula, 2006, p. 54). A “Burocracia” weberiana pregava que a previsibilidade, uniformidade de procedimentos da organização e impessoa-lidade seriam medidas essenciais para gerar a confiabilidade na prestação de sua atividade, prevenindo, assim, os problemas e conflitos (Abrúcio, 1997, p. 6).

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A gestão ideal, segundo a concepção weberiana da burocracia, deveria solidificar o processo de dominação racional-legal (Weber, 2002). Ou seja, no processo de gestão não poderia haver, ou dever-se-ia evitar, grandes margens de discricionariedade para o administrador. A atividade do gestor deveria ser “procedimentalizada” por normas que descrevam cabalmente a conduta ad-ministrativa (atos vinculados), a qual deveria estar estruturada em uma rígida hierarquia (princípio da hierarquia). Desta feita, o controle e a legitimidade da gestão seriam decorrência lógica do atendimento aos seguintes princípios: (i) previsibilidade normativa da conduta; (ii) documentação dos processos, (iii) consecução das atividades somente por especialistas; (iv) promoção do mé-rito profissional; (v) princípio da hierarquia, no qual os superiores controlam e supervisionam toda conduta dos subordinados. Uma vez atendidos tais requisi-tos, a impessoalidade seria consequência da adoção desse modelo.

Assim, o modelo burocrático foi criado como medida para afastar o patri-monialismo monárquico ainda existente nas práticas administrativas do século XIX. Por isso, tal modelo burocrático foi logo adotado pela Administração Pú-blica do Estado Liberal.

Ao prezar a impessoalidade e uniformidade dos procedimentos, o mode-lo burocrático de gestão estabelece que o controle deva se concentrar, basica-mente, na atividade-meio da Administração Pública. No caso, a uniformidade de procedimentos e a rígida hierarquia reduziriam inevitavelmente a margem de discricionariedade do gestor público, fazendo com que o interesse público ficasse indisponível (Filgueiras; Aranha, 2011, p. 353). Neste caso, as políticas públicas e demais decisões estatais deveriam ser tomadas por meio do pro-cesso político, não cabendo ao burocrata redefini-la. Conforme se posicionam Filgueiras e Aranha,

[...] as patologias institucionais da burocracia ocorrem quando a universalidade dos procedimentos, a impessoalidade e o princípio da hierarquia são corrompi-dos. O controle, no contexto das organizações burocráticas [...] deve ser exerci-do para assegurar que a discricionariedade dos agentes públicos não resulte em corrupção. (Filgueiras; Aranha, 2011, p. 353)

Portanto, o controle da corrupção nesse modelo deve ser feito por meio do fortalecimento da burocracia de modo a reduzir a margem de discricio-nariedade dos gestores. “Em uma fórmula bastante simples, maior a margem de discricionariedade dos burocratas, maior a corrupção” (Filgueiras; Aranha, 2011, p. 354).

No momento em que o modelo burocrático foi transplantado para o pa-radigma do Estado do Bem-Estar Social (Welfare State), essa sistemática de con-trole do gestor público não demonstrou efetividade. Em razão da crise de 1929, novas ideias intervencionistas, baseadas nas recomendações de John Maynard

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Keynes, ganharam espaço e hegemonia nos Estados, como forma de solucio-nar os problemas gerados pela grande depressão econômica. Neste contexto, a Administração Pública se imergiu em um processo de agigantamento de suas competências, diante da necessidade exponencial de organizar o novo sistema burocrático-intervencionista (Pereira, 1996, p. 5). O crescimento da máquina estatal, experimentado pelo Estado Social, generalizou preocupações sérias com relação à eficiência dos serviços prestados pela Administração Pública, resultando em uma crise do Estado moldado de acordo com os preceitos buro-cráticos weberianos1.

Nesse contexto, é possível afirmar que o grande aumento das competên-cias estatais reduziu a capacidade de controle da Administração Pública buro-crática e, inevitavelmente, incentivou o aumento considerável de práticas de corrupção na gestão pública. Foram erguidas várias hipóteses que demonstram a influência da burocratização no aumento de práticas corrupção. Como bem expôs Filgueiras e Aranha,

a crise do Welfare State e os movimentos por reformas, por outro lado, implica-ram a construção de novos modelos de gestão. Neste sentido, a burocracia e a atuação das instituições de controle implicariam ineficiência e ampliação das práticas de corrupção. No contexto do desenvolvimento econômico, a corrup-ção poderia ser, inclusive, funcional para a redução de barreiras burocráticas que impediriam a acumulação de capital e gerariam, por conseguinte, custos de transação (Leff, 1964). A criação de mais burocracia para perseguir a integridade dos funcionários públicos implicaria mais custos para o setor público e mais corrupção, à medida que a burocratização se ampliasse e se tornasse corriqueira (Anechiarico e Jacobs, 1996). E, por fim, a ampliação da burocracia teria como resultante a possibilidade de constituição do comportamento rent-seeking por parte de políticos e burocratas, além das externalidades negativas advindas do número de órgãos, documentos e processos necessários para a realização dos fins (Krueger, 1974). (Filgueiras; Aranha, 2011, p. 354)

Diante disso, como afirmado por Filgueiras e Aranha (2011, p. 355), “não basta reduzir a margem de discricionariedade do agente público, é fundamental submetê-lo a controle público sem que disso resulte mais burocratização”.

No Brasil, apesar das reformas descentralizadoras realizadas pelo De-creto-lei nº 200/1967, diagnosticou-se na redemocratização um quadro de de-sorganização das atividades administrativas e dos serviços públicos, “criando a sensação, tão presente no senso comum, de que ela nasceu com a democrati-

1 Conforme bem pontua Abrucio (1997, p. 6), o modelo de Estado Social-Burocrático esfacelou-se em suas três dimensões interligadas: (i) a econômica, representada pelos mandamentos keynesianos de intervenção estatal na economia, como método de garantir o pleno emprego e o macro-desenvolvimento; (ii) a social, caracteri-zada pelo welfare state, o qual preza pela ampliação de políticas públicas voltadas a suprir as necessidades básicas dos cidadãos; e (iii) a administrativa, referente ao modelo burocrático weberiano.

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zação, e não como herança do regime autoritário” (Filgueiras; Aranha, 2011, p. 362).

Foi nesse contexto que as reformas gerencialistas surgiram. Buscou-se desestimular a corrupção, não por meio do fortalecimento do controle burocrá-tico (como prega o modelo weberiano), mas buscando em mecanismos de efi-ciência administrativa e incentivo pelos resultados. Seria o meio adequado para reduzir as cobranças de propinas e o suborno envolvendo aqueles que tinham o poder de descumprir com o rigorismo burocrático. A Nova Gestão Pública bus-cou, então, como sabido: (i) a profissionalização dos gestores; (ii) o incentivo na performance gerencial, com o uso de técnicas desenvolvidas, principalmente pela esfera privada; (iii) a flexibilização da atuação administrativa, mediante o reforço da discricionariedade; (iv) a ampliação da delegação, descentralização e autonomia administrativas, mediante o rígido controle e incentivos dos resul-tados esperados, baseados em metas e indicadores tecnicamente elaborados, entre outros.

É notável o paradoxo entre a estratégia dos modelos burocráticas e geren-cialistas na busca da eficiência e no combate à corrupção decorrente da cultura patrimonialista na gestão pública brasileira: se a burocracia weberiana defende que a luta contra a corrupção se dá mediante a redução da discricionariedade, na Nova Gestão Pública buscou-se aumentar a discricionariedade, com vistas à eficiência administrativa e, com isso, a redução da corrupção.

A questão é que o controle da gestão e da prevalência dos interesses privados na Nova Gestão Pública não se deu, como no modelo burocrático, por meio do rigorismo dos procedimentos (atividade-meio), mas sim pelo con-trole das metas, ou seja, da atividade-fim. Como bem pontuado por Filgueiras e Aranha:

Neste sentido, a nova gestão pública convive com um conflito inerente à sua constituição, que passa, por um lado, pelo reforço da liderança e capacidade de gestão dos burocratas, o que demanda a ampliação de seu poder discricionário; e, por outro lado, pela redução dos controles burocráticos em favor do controle por metas, isto é, o controle dos fins, e não o controle dos meios. O controle, portanto, deve ser realizado a partir dos resultados obtidos em confrontação com os padrões pactuados e esperados de desempenho dos gestores. O controle, para a nova gestão pública, não deve se basear no controle dos meios e dos processos empregados para realizar as atividades da burocracia, mas na performance dos gestores para alcançar os resultados esperados. Portanto, o controle não deve se basear em auditorias e processos, mas em resultados objetivos que ampliem os recursos disponíveis ao público por meio da diminuição dos custos. (Filgueiras; Aranha, 2011, p. 356)

Com base nisso, para o devido controle da gestão pública nesse modelo gerencialista de gestão, tornou-se necessário o amplo reforço do accoutability e

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da transparência para diminuir os custos com a delegação e o risco de corrup-ção decorrente disso (Filgueiras; Aranha, 2011, p. 356).

Contudo, apesar das reformas gerenciais, a corrupção permaneceu como prática corriqueira da Administração Pública brasileira. É possível afirmar que, com as reformas gerenciais e o incremento da transparência na gestão públi-ca, a corrupção tornou-se mais visível aos cidadãos (Filgueiras; Aranha, 2011, p. 357). Por outro lado, constatou-se que a corrupção não foi solucionada no modelo gerencialista e neoliberalista de gestão, pois as reformas administrativas realizadas no período pós- Constituição de 1988 “privilegiou o controle reali-zado no interior do aparato estatal”, havendo “a ampliação desmesurada do controle administrativo-burocrático dissociado do controle público não estatal e da sanção legal” (Avritzer; Filgueiras, 2011, p. 28). Assim, de nada adianta a corrupção ser mais transparente ao público se ela não é punida, efetivamente.

Nesse contexto, é inegável a existência de um certo esforço legislativo na criação de um sistema jurídico voltado à defesa da probidade, tais como a Lei da Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992), a Lei da Ficha Limpa (Lei Com-plementar nº 135/2010), a Lei do Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), entre outras. Contudo, tais diplomas legais não foram suficientes para dar cabo à corrupção posta como eixo central dos problemas socioeconômicos no Brasil.

A LAE (Lei nº 12.846/2013) foi concebida nessa conjuntura da necessi-dade de se incrementar o controle administrativo e judicial de combate à cor-rupção. Porém, o “controle” não foi direcionado à gestão pública, por meio do aprimoramento e endurecimento das sanções contra gestores públicos, ou mesmo à celeridade do controle judicial das atividades administrativas. Em vez disso, a LAE buscou a rigorosa responsabilização da pessoa jurídica envolvida em atos lesivos à administração pública, partindo do pressuposto de que o con-trole das parcerias seria bastante para evitar lesões ao Erário público provocados por iniciativa do particular.

2 A ESTRATÉGIA DA NOVA LEI Nº 12.846/2013: O NOTáVEL EMPODERAMENTO DO GESTOR PúBLICO NA RESPONSABILIzAÇÃO ADMINISTRATIVA DA PESSOA JURÍDICA PARCEIRA DA ADMINISTRAÇÃO PúBLICA

2.1 A responsAbilizAção objetivA dAs pessoAs jurídiCAs que AbrAngem os Agentes envolvidos nA prátiCA do Ato lesivo

A LAE foi concebida como medida para responsabilizar pessoas jurídicas nacionais e estrangeiras contra atos lesivos à Administração Pública. Trata-se de uma medida que visou suprir uma lacuna deixada na responsabilização de atos

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ilícitos cometidos contra a Administração Pública, em especial, atos de corrup-ção e fraude em licitações e gestão de contratos administrativos.

Anteriormente à vigência dessa Lei, o foco de responsabilização sempre foi o das pessoas físicas, o que pode gerar ineficiências sancionadoras. De fato, todo o sistema jurídico voltado para punir atos lesivos contra a Administração Pública buscou a responsabilização pessoal, civil, criminal ou administrativa-mente de pessoas naturais. Tal forma de responsabilização sempre demandou a comprovação da culpa ou dolo do agente envolvido, o que dificulta a compro-vação dos fatos e a punição pelos ilícitos ocorridos. Além disso, sempre houve uma dificuldade para se efetivar o ressarcimento pelos danos ocasionados, já que não havia meios específicos para atingir o patrimônio das pessoas jurídicas envolvidas.

Sabe-se que a Lei nº 8.666/1993 possibilita a punição da pessoa jurídica envolvida com a prática de atos lesivos à Administração Pública. Todavia, as sanções mais graves são direcionadas para as pessoas físicas, na seção sobre as disposições criminais (“Seção III – Dos crimes e das penas” – arts. 89 e seguin-tes), permanecendo a lacuna quanto à efetiva responsabilização da pessoa ju-rídica e o ressarcimento pelos danos. As mesmas deficiências punitivas encon-tramos na Lei da Improbidade Administrativa, já que a penalização da pessoa jurídica dependerá da comprovação da culpa (responsabilidade subjetiva) do agente envolvido.

Para dar cabo a essa lacuna na repressão administrativa e judicial da corrupção, a LAE instituiu a responsabilidade civil objetiva (arts. 1º e 2º) das pessoas jurídicas envolvidas em atos lesivos à Administração Pública. A respon-sabilidade objetiva das pessoas jurídicas incidirá de forma independente, subsi-diária e complementar à responsabilidade individual de outras pessoas naturais envolvidas nos atos ilícitos previstos (art. 3º), ocasião em que será avaliado o aspecto subjetivo do agente (culpa ou dolo), na medida de sua culpabilidade (art. 3º, § 2º).

E não somente a Administração Pública brasileira é protegida, mas tam-bém a Administração Pública estrangeira. A exposição de motivos da LAE reite-ra que a proteção à Administração Pública estrangeira decorreu de compromis-sos internacionais de combate à corrupção assumidos pelo Brasil, tais como a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção; a Convenção Interamerica-na de Combate à Corrupção; e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O disposto nessa Lei deve se aplicar às seguintes pessoas jurídicas, cons-tituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente (art. 1º, parágrafo único): (i) as sociedades empresárias e simples, estas personificadas ou não,

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independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado; (ii) as sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no ter-ritório brasileiro; (iii) quaisquer fundações; e (iv) as associações de entidades ou pessoas.

A LAE estendeu a responsabilidade até mesmo em casos de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária (art. 4º). No caso de fusões e incorporações, a responsabilidade estenderá somente na obri-gação do pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido. Contudo, se a fusão ou incorporação tiver in-tuito fraudulento, todas as demais sanções previstas nessa Lei serão aplicadas (art. 4º, § 1º), tais como suspensão ou interdição parcial das atividades, disso-lução da pessoa jurídica, proibição de receber incentivos, entre outras. Além disso, previu-se também a responsabilidade solidária das sociedades controla-doras, controladas, coligadas e consorciadas no pagamento de multas e obriga-ções indenizatórias aplicadas em face de determinada pessoa jurídica (art. 4º, § 2º).

Tratam-se de medidas que, evidentemente, buscam induzir o controle interno entre as pessoas jurídicas que pretendem realizar determinadas opera-ções societárias, como mecanismo mais rígido e eficaz de prevenir a ocorrência de tais atos ilícitos, reduzindo a corrupção amplamente financiada por pessoas jurídicas que relacionam com ela.

2.2 A Amplitude e o efeito uniformizAdor dA lAe

A LAE foi criada para ser aplicada nacionalmente, em todas as esferas de governo. Não é só o que se deduz da Lei (art. 19), mas por ser decorrência constitucional. Com efeito, a LAE cria normas relacionadas à responsabilidade civil, constituição e extinção de pessoas jurídicas, e aplicação de sanções no âmbito das licitações e contratos administrativos, cuja competência legislativa é privativa da União, nos termos do art. 22, incisos I e XXVII, da Constituição2.

Por buscar proteger a Administração Pública em sua relação com o par-ticular, é inegável que as disposições da LAE devem possuir abrangência nacio-nal. Nesse sentido, a exposição de motivos do Projeto de Lei nº 6.826/2010, de 23 de outubro de 2009, reitera que

[...] a Administração Pública aqui tratada é a Administração dos três Poderes da República – Executivo, Legislativo e Judiciário – em todas as esferas de governo – União, Distrito Federal, estados e municípios –, de maneira a criar um sistema

2 O art. 22, inciso I e XXVII, da Constituição da República diz que compete privativamente à União legislar sobre “direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho” (inciso I) e “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações pú-blicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios” (inciso XXVII).

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uniforme em todo o território nacional, fortalecendo a luta contra a corrupção de acordo com a especificidade do federalismo brasileiro.

Com efeito, a responsabilidade objetiva da pessoa jurídica deve ser apli-cada igualmente em todo o âmbito nacional. Portanto, suas normas possuem um efeito uniformizador, que servirá de parâmetro para a regulamentação nas mais diversas esferas legislativas.

2.3 os Atos lesivos à AdministrAção públiCA nACionAl ou estrAngeirA previstos nA lAe

Para os fins dessa Lei, são considerados atos lesivos aqueles praticadas pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1º que atentem contra (i) o patrimônio público nacional ou estrangeiro, (ii) contra princípios da Administração Pública ou (iii) contra os compromissos internacionais assumi-dos pelo Brasil. Esses são os bens jurídicos protegidos pela LAE.

Contudo, o art. 5º apresenta, em seus incisos, um rol taxativo de condu-tas que são consideradas como atentatórios a tais bens jurídicos protegidos, in verbis:

Art. 5º Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencio-nadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:

I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agen-te público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;

II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo sub-vencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;

III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

IV – no tocante a licitações e contratos:

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expedien-te, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;

c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;

d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

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e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de lici-tação pública ou celebrar contrato administrativo;

f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebra-dos com a administração pública;

V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

Os atos lesivos podem ser divididos em 4 grupos: (i) atos que implicam em promessa, oferecimento ou entrega de vantagem indevida a agente público (art. 5º, I, da LAE); (ii) atos que fraudam a boa consecução dos objetivos das lici-tações e dos contratos (art. 5º, IV, alíneas a a g, da LAE); (iii) atos que dificultam ou impedem a investigação ou fiscalizações do Poder Público (art. 5º, III e V, da LAE); (iv) atos de incentivo à pratica dos atos lesivos previstos (art. 5º, II, da LAE)3.

Não é objeto do presente artigo a análise das hipóteses de aplicação de cada ato lesivo previsto no mencionado art. 5º da LAE. De todo modo, é de se pontuar que vários atos lesivos previstos na LAE possuem equivalência com outras normas sancionadoras previstas em outros diplomas normativos, exem-plificando:

• Oart.5º,I,daLAE(“prometer,ofereceroudar,diretaouindireta-mente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada”) refere-se à conduta semelhante aos tipos penais da “corrupção ativa” e “corrupção ativa em transação comercial internacional”, ambos previstos no Código Penal, respectivamente, nos arts. 333 e 337-B, a serem aplicados aos agentes envolvidos da pessoa jurídica, desde que demonstrados o dolo e a conduta praticada, independente da aceitação e participação no crime pelo agente público envolvido (crime formal)4;

• Oart.5º,II,daLAE(“comprovadamente,financiar,custear,patro-cinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos

3 Como pontuado, não é objetivo deste trabalho apresentar as decorrências jurídicas de cada ato lesivo previsto no art. 5º da LAE bem como sua relação com demais normas semelhantes já existentes no ordenamento jurídico. Isso poderá ser objeto de trabalhos desenvolvidos especificamente para isso.

4 A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) buscou, ainda, prevenir a configuração dessa prá-tica, por meio da responsabilização civil e administrativa do agente público que aceite a vantagem indevida, que importe em enriquecimento ilícito, em diversas situações previstas no seu art. 9º.

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previstos nesta Lei”) busca impor as rígidas consequências legais para aqueles que apoiar a empreitada ilícita definidas nessa Lei. Financiar, custear, patrocinar ou subvencionar, nada mais é do que senão apoiar financeiramente. A pessoa natural que apoia finan-ceiramente um ato ilícito contra a Administração Pública, definido como crime pela legislação penal, tal como o mencionado caso de corrupção ativa citado, é também autor do crime, na condição de partícipe (art. 29 do Código Penal);

• O ato lesivo previsto no art. 5º, III, da LAE (“comprovadamente,utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados”) possui equivalência ao instituto da simulação, prevista no diploma civil, também especificada como “simulação relativa subjetiva”, no qual há uma declaração de vontade, que é “emitida aparentando conferir direitos a uma pessoa, mas transfe-rindo-os, em verdade, para terceiro” (Gagliano; Pamplona Filho, 2009, p. 371);

• AsalíneasdoincisoIVdoart.5ºdaLAE,quetratamdeatoslesivosno tocante a licitações e contratos, possuem normas semelhantes na Lei nº 8.666/1993 (arts. 89 a 98), bem como no art. 36, § 3º, da Lei nº 12.529/2011 (que estabelece infrações contra a ordem econômi-ca, a serem aplicados pelo Cade);

• Oatolesivoprevistonoart.5º,V,daLAE(“Dificultaratividadedeinvestigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes pú-blicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agên-cias reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional”), enquanto conduta que busca impedir a fiscalização do Poder Público, já foi disciplinado em situações jurídicas específicas, por exemplo: (i) no art. 69 da Lei nº 9.605/1998, que prevê como delito penal a conduta de “obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais”, com pena de detenção de um a três anos, e multa (art. 69); (ii) no art. 4º, II, do De-creto-Lei nº 201/1967, que prevê pena de cassação àquele que “im-pedir o exame de livros, folhas de pagamento e demais documentos que devam constar dos arquivos da Prefeitura”; (iii) no art. 728, IV, c, do Regulamento Aduaneiro (Decreto nº 6.759/2009), que prevê a multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) “a quem, por qual-quer meio ou forma, omissiva ou comissiva, embaraçar, dificultar ou impedir ação de fiscalização aduaneira, inclusive no caso de não apresentação de resposta, no prazo estipulado, da intimação em procedimento fiscal”, entre outros.

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2.4 espéCies, limites dA ApliCAção dAs penAs AdministrAtivAs previstAs

Se comprovada a prática dos atos lesivos previstos no art. 5º da LAE, é possível a aplicação, por qualquer ente da Federação lesionado, das seguintes sanções administrativas às pessoas jurídicas envolvidas (art. 6º, I e II): (i) multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e (ii) publicação extraordinária da decisão conde-natória.

Caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bru-to da pessoa jurídica, a multa prevista no art. 6º, I, da LAE poderá variar de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais) (art. 6º, § 4º).

Por outro lado a pena de publicação extraordinária da decisão condena-tória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computa-dores (art. 6º, § 5º).

Essas penalidades poderão ser aplicadas, de forma isolada ou cumula-tiva, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações, e sempre de forma fundamentada (art. 6º, § 1º)5.

Para se poder conferir previsibilidade à ampla discricionariedade confe-rida pela LAE ao sancionador, é de se ressaltar a importância de regulamenta-ções, por cada ente da Federação, acerca da extensão da aplicação da multa e demais penas.

A LAE afirma, ainda, que a aplicação das sanções de multa e publica-ção integral da decisão condenatória, previstas no seu art. 6º, não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado (art. 6º, § 3º). À primeira vista, esse dispositivo parece inócuo. Como se sabe, a função da multa é penalizar um agente pelo descumprimento de deveres jurídicos. A função da indenização é recompor o patrimônio danificado. Um tem o efeito pedagógico, o outro compensatório6. Ou seja, trata-se de institutos totalmente

5 Nesse sentido, a aplicação da sanção deve ser precedida de manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou por órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do respectivo ente público (art. § 6, 2º).

6 Desta generalização, exclui as indenizações por danos morais que, segundo a melhor doutrina, possuem ambas as finalidades pedagógicas e compensatórias. Nesse sentido, é o que bem explica Caio Mario da Silva

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diferentes e a incidência de um não exclui o outro. Se não fosse assim, a exten-são da multa devia equivaler ao prejuízo ocasionado, o que tornaria desneces-sária a institucionalização da responsabilidade administrativa ora em comento, já que o ajuizamento de uma ação judicial de responsabilidade civil já seria suficiente. Além do mais, pode-se dizer que a aplicação da multa não poderia afastar o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV, da CR/19887).

A única razão para a existência dessa disposição é porque o legislador pretendeu resguardar a integralidade da multa aplicada, vedando a possibili-dade de ajuste de uma cláusula penal compensatória, ou melhor, multa com-pensatória convencional. Por isso, a LAE quis vedar qualquer possibilidade de convenção de uma cláusula contratual entre a Administração Pública e o par-ticular que disponha que qualquer aplicação de multa em processos adminis-trativos tenha efeito compensatório nos casos das sanções aplicadas pela Lei em análise. Ou seja, em hipótese alguma, a multa aplicada pela LAE não pode ser utilizada para compensar eventuais prejuízos ocasionados. Sua aplicação sempre será pedagógica.

E isso é reforçado pelo art. 13 da LAE, que afirma que “a instauração de processo administrativo específico de reparação integral do dano não prejudica a aplicação imediata das sanções estabelecidas nesta Lei”. O parágrafo único desse dispositivo completa que, “concluído o processo e não havendo paga-mento, o crédito apurado será inscrito em dívida ativa da Fazenda Pública”.

Para serem aplicadas as penas previstas na LAE, o art. 7º estabelece, de forma bem abstrata, os critérios para a extensão das penas a serem aplicadas, in verbis:

Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

I – a gravidade da infração;

II – a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;

III – a consumação ou não da infração;

IV – o grau de lesão ou perigo de lesão;

V – o efeito negativo produzido pela infração;

VI – a situação econômica do infrator;

VII – a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;

VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, audi-toria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

Pereira (Pereira, 1992, p. 315 et seq.).7 CR/1988 – Art. 5º “[...] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.

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IX – o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e

[...]

Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.

Vários dos critérios de aplicação da pena parecem ter sido inspirados na Lei nº 12.529/2011, novo marco legal de defesa da ordem econômica. O art. 45 dessa Lei, que busca reprimir infrações contra a ordem econômica, dis-põe que a aplicação das penas estabelecidas nessa Lei levar-se-á em considera-ção: a gravidade da infração (inciso I); a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator (inciso III); a consumação ou não da infração (inciso IV); o grau de lesão ou perigo de lesão à livre concorrência, à economia nacional, aos consumi-dores ou a terceiros (inciso V); os efeitos econômicos negativos produzidos no mercado (inciso VI); a situação econômica do infrator (inciso VII).

Além desses, a LAE define como critérios para a aplicação das sanções: a cooperação jurídica para apuração das infrações (art. 7º, inciso VII); a existência de sistema de complience (art. 7º, inciso VIII); e o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidades lesadas (art. 7º, inciso IX).

Em uma análise mais detida, é possível dividir e classificar os critérios de aplicação das penas, apresentados pelo art. 7º da LAE, da seguinte forma:

• Grau de culpa do agente infrator: critérios dos incisos I e II do art. 7º da LAE;

• Grau do dano causado pelo agente infrator: critérios dos incisos III, IV, V e IX, do art. 7º da LAE;

• Grau de cooperação da pessoa jurídica responsável: critério do in-ciso VII do art. 7º da LAE;

• Grau de prevenção promovida pela pessoa jurídica responsável: critério do inciso VIII do art. 7º da LAE;

• Grau de inocuidade da pena a ser aplicada: critério do inciso VI do art. 7º da LAE.

Diante da inexistência de regulamentação, que discipline especificamen-te a maneira como devem ser aplicados os fatores relacionados anteriormente, cria-se a necessidade de o aplicador da pena se atentar para a finalidade da pena a ser aplicada, com relação às particularidades do caso concreto. Essa discussão possui especial relevância quando se discute a aplicação de penas administrativas, de caráter repressivo, já que possuem semelhanças, em vários

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aspectos, com o regime das penas típico do Direito Penal. Marçal Justen Filho (2014) bem explica essa relação entre Direito Penal e Direito Administrativo repressivo:

Embora não seja possível confundir Direito Penal e Direito Administrativo (re-pressivo), é inquestionável a proximidade dos fenômenos e institutos. Como ensina George Dellis, reconhece-se que “a ideia clássica de autonomia pura e simples da ação administrativa e da ação penal está muito bem ultrapassada: a concepção da unidade do domínio repressivo ganha progressivamente terreno”. Por isso, os princípios fundamentais de Direito Penal vêm sendo aplicados no âmbito do Direito Administrativo Repressivo, com a perspectiva de eventuais atenuações necessárias em face das particularidades do ilícito no domínio da atividade administrativa. Mas a regra é a de que os princípios fundamentais do Direito Penal devem ser respeitados, especialmente pela impossibilidade de dis-tinção precisa e absoluta entre sanções administrativas e penais. (Justen Filho, 2014, p. 1.138 et seq.)

Diante disso, é necessário que vários princípios típicos dos Direitos Penal e Processual Penal sejam aplicados na pretensão sancionadora da Administra-ção Pública, tais como o da impossibilidade de utilização de provas obtidas por meio ilícitos, da necessidade de observação do princípio da culpabilidade do agente infrator, da proporcionalidade da pena a ser aplicada, da necessidade de tipificação da conduta delitiva, apta a ensejar a punição administrativa etc., especificidades essas que deverão estar presentes em futuras normas regula-mentadoras da LAE.

2.5 A CompetênCiA pArA A instAurAção e o julgAmento do proCesso de responsAbilizAção AdministrAtivA

Segundo a LAE, a instauração e o julgamento do processo administrati-vo para apuração da responsabilidade da pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judi-ciário (art. 8º, caput, da LAE). A autoridade competente para a instauração e julgamento do processo administrativo de responsabilização, portanto, não são somente os chefes do Poder Executivo dos entes da Federação (prefeitos, gover-nadores e presidente da República). As autoridades administrativas dos Poderes Legislativo e Judiciário, de várias esferas de governo, poderão instaurar e julgar processos administrativos de responsabilização.

Além disso, ao mencionar que a competência para a instauração e o julgamento do referido processo é da autoridade máxima “de cada órgão ou entidade”, a LAE aumentou consideravelmente o espectro de autoridades com-petentes. Nesse sentido, a Lei que trata do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal (Lei nº 9.784/1999) define fielmente a dife-

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rença entre “órgão” e “entidade”. Órgão é “a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta” (art. 1º, § 2º, I, da Lei nº 9.784/1999). Entidade é “a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica” (art. 1º, § 2º, II, da Lei nº 9.784/1999).

Como se sabe, o Estado pode prestar suas competências por si mesmo, poderá delegá-las para terceiros já constituídos ou criar novas pessoas jurídicas, regidas pelo regime de Direito Privado ou Público, para prestar essas atividades. Neste último caso, quando o Estado decide delegar a um particular a prestação de uma atividade que lhe compete, ou mesmo cria uma nova pessoa jurídica para prestar essa missão, estamos diante do que usualmente é chamado de des-centralização administrativa. A descentralização administrativa, usualmente, é motivada pelo princípio da especialização, cujo escopo principal é a eficiência e excelência na prestação de determinadas atividades administrativas ou ser-viços públicos. Por isso, são criadas empresas estatais incumbidas de prestar serviços públicos (Cemig, Copasa, Embratel etc.), autarquias especiais incumbi-das em prestar o policiamento da prestação de serviços públicos (Anatel, Anac, etc.), pessoas jurídicas de direito público incumbidas do ensino universitário e pesquisa (UFMG, USP, UNB etc.), entre outros tipos de pessoas jurídicas.

Assim, pela inteligência do art. 8º, caput, da LAE, é possível que as au-toridades máximas dessas pessoas jurídicas estatais descentralizadas (Adminis-tração Pública indireta) instaurem e julguem processos de responsabilização administrativa para a aplicação das penalidades ali previstas.

O problema que surge é quando se trata de autoridades máximas de ór-gãos administrativos.

A criação de órgãos dentro de uma estrutura administrativa-federativa faz parte do fenômeno da desconcentração administrativa, como sabido na doutri-na jurídica. Diferentemente da descentralização administrativa, na desconcen-tração administrativa o Estado presta as atividades que lhe compete por si mes-mo, dentro da própria estrutura administrativa centralizada, porém por meio da criação de órgãos específicos criados para viabilizar a prestação da atividade dentro da própria pessoa jurídica que representa o ente político.

Por exemplo, o Município de Belo Horizonte presta sua função adminis-trativa primordialmente por meio da Prefeitura de Belo Horizonte e seus órgãos, tais como o Gabinete do Prefeito, as Secretarias Municipais, Controladoria-Ge-ral do Município, Procuradoria-Geral do Município etc. O Poder Legislativo do Município de Belo Horizonte (Câmara Municipal de Belo Horizonte), apesar de realizar prioritariamente funções legislativas, também realiza funções adminis-trativas, por meio de seus órgãos criados, tais como Diretoria Geral, Diretoria de Recursos Humanos, Superintendência de Comunicação Institucional, Procura-doria, entre outros. A criação de órgãos é, portanto, um fenômeno comum típi-

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co da Administração Pública, conhecida como desconcentração administrativa, e ela pode ocorrer no âmbito da Administração Pública direta (centralizada) ou mesmo da indireta (descentralizada).

Os órgãos são, portanto, unidades abstratas que sintetizam os vários cír-culos de atribuições do Estado (Mello, 2006, p. 140). Por serem unidades abs-tratas, elas não têm vontade própria se separadas da entidade centralizada ou descentralizada a que pertencem, pois são simples repartições de competências dentro de uma mesma pessoa jurídica.

Neste caso, por meio de uma simples análise do art. 8º, caput, da LAE, poder-se-ia sustentar que qualquer órgão de uma entidade política ou descen-tralizada poderá instaurar e julgar um processo administrativo de forma autôno-ma da vontade das autoridades hierarquicamente superiores da mesma estru-tura administrativa. É indubitável que isso criará problemas operacionais e até mesmo de eficiência no andamento do processo, pois a inexistência de uma unicidade de processamento poderá fazer com que o procedimento cognitivo não seja realizado por órgãos mais bem preparados para tal dever. Disso de-corre, inevitavelmente, a necessidade de regulamentação específica, pelo ente da Federação ou entidade descentralizada, sobre as competências internas para a instauração e o julgamento do processo administrativo de responsabilização trazida pela LAE. Independente disso, é inegável a intenção legislativa em con-ferir a um espectro maior de gestores públicos a competência em instaurar o procedimento administrativo para aplicação das penalidades previstas na LAE.

Essa competência para a instauração e o julgamento do processo admi-nistrativo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica poderá ser dele-gada, porém é vedada a subdelegação, conforme determina o § 1º do art. 8º da LAE. Por outro lado, nada impede que a lei que estabeleça as competências do ente público possibilite a avocação, pela autoridade de um órgão hierarquica-mente superior, da competência para instaurar e julgar o processo administrati-vo de responsabilização da pessoa jurídica pelos atos lesivos previstos na LAE.

Além disso, ela pode ser exercida de ofício ou por meio de provocação (art. 8º, caput, da LAE). Essa provocação pode ser interna ou externa. Quando a provocação é interna, o interessado pela instauração do processo advém da própria Administração Pública que integra o órgão ou entidade que instaurará e julgará o processo. Quando a provocação é externa, o provocante é um tercei-ro interessado na instauração do processo administrativo de responsabilização, que exerce o seu direito fundamental de petição aos órgãos públicos (art. 5º, XXXIV, a, da CR/1988).

Quando os atos lesivos previstos na LAE são cometidos contra os com-promissos internacionais assumidos pelo Brasil e contra a Administração Públi-ca estrangeira, a competência para a instauração do processo para a apuração e

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o julgamento dos ilícitos previstos será da Controladoria-Geral da União (CGU), conforme determina o art. 9º da LAE.

Este mesmo artigo afirma que a CGU, ao executar sua competência em apurar, processar e julgar os atos lesivos cometidos contra a Administração Pú-blica estrangeira, deverá observar o disposto no art. 4º da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto nº 3.678, de 30 de no-vembro de 20008.

3 O RISCO JURÍDICO: O NOTÓRIO EMPODERAMENTO E A ExPANSÃO DA DISCRICIONARIEDADE PUNITIVA DOS GESTORES PúBLICOS COMO CRITÉRIOS INCENTIVADORES DA CORRUPÇÃO

A LAE surgiu, indubitavelmente, como reação à enorme insatisfação po-pular, em face dos inúmeros escândalos de corrupção recorrentes na vida polí-tica brasileira. Mas o evidente enrijecimento da punibilidade da pessoa jurídica em face de ilícitos cometidos por seus agentes – mesmo que não representem a vontade de todos os demais integrantes da sociedade empresarial – faz surtir a seguinte indagação: será que essa proposta legislativa em vigor surtirá os efeitos esperados?

A análise realizada anteriormente acerca de certas particularidades nor-mativas da LAE, em vista da compreensão das experiências da agenda política e jurídica da luta contra a corrupção, induz na conclusão de que essa estratégia legislativa é inconveniente. Isso porque o enrijecimento em face da empresa e o notável empoderamento de todas as autoridades de órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, de todos os Poderes e de todos os entes da Federação, ao contrário de diminuir a incidência de atos lesivos provocados pelas pessoas jurídicas privadas que se relacionam com a Administração, irá ensejar o aumento da prática de crimes contra a Administração Pública, como a concussão (art. 3169 do Código Penal), corrupção passiva (art. 31710 do Código

8 Esse artigo assim dispõe: “Artigo 4 – Jurisdição – 1. Cada Parte deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de sua jurisdição em relação à corrupção de um funcionário público estrangeiro, quando o delito é cometido integral ou parcialmente em seu território. 2. A Parte que tiver jurisdição para processar seus nacionais por delitos cometidos no exterior deverá tomar todas as medidas necessárias ao estabelecimento de sua jurisdição para fazê-lo em relação à corrupção de um funcionário público estrangeiro, segundo os mesmos princípios. 3. Quando mais de uma Parte tem jurisdição sobre um alegado delito descrito na presente Conven-ção, as Partes envolvidas deverão, por solicitação de uma delas, deliberar sobre a determinação da jurisdição mais apropriada para a instauração de processo. 4. Cada Parte deverá verificar se a atual fundamentação de sua jurisdição é efetiva em relação ao combate à corrupção de funcionários públicos estrangeiros, caso contrário, deverá tomar medidas corretivas a respeito”.

9 Código Penal: “Concussão – Art. 316 – Exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida: Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa”.

10 Código Penal: “Corrupção passiva – Art. 317 – Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indire-tamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa”.

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Penal) e atos de improbidade administrativa (Lei nº 8.429/1992) tipicamente praticados por esses agentes públicos.

A abstração normativa da LAE na definição de quais atos concretos cor-respondem a várias condutas lesivas ali descritas, bem como a inexistência de critérios precisos para a incidência das rígidas sanções administrativas previstas – livremente aplicáveis por quaisquer comissões processante de quaisquer ór-gãos ou entidades, de todos os entes da federação, e de todos os Poderes –, cria, inevitavelmente, um ambiente de ampla discricionariedade punitiva dos ges-tores públicos, à revelia da segurança jurídica aos destinatários dessas normas.

Não existe nenhum critério legal de aplicabilidade das normas sanciona-tórias da LAE e – o que é mais preocupante – inexistem mecanismos de controle e recursos que contrabalancem a ampla discricionariedade punitiva e o elevado empoderamento conferidos a diversos agentes públicos de todos os entes da Federação.

O aumento da discricionariedade punitiva, dissociada de um eficiente mecanismo de controle estatal, cria um terreno fértil para gestores e políticos oportunistas, que possuem como “artilharia” o poder de aplicar (mesmo após respeitada a ampla defesa e o contraditório) multa que poderá chegar a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto da sociedade envolvida, ou, quando não possível aferir o faturamento, até a quantia de R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais). A mera possibilidade de aplicação dessas multas por con-dutas tão abstratas, não definidas minuciosamente pela Lei, poderá instigar o privado parceiro a aceitar qualquer proposta de “extorsão” (concussão), mesmo acreditando fielmente que agiu conforme a Lei e sabendo que existe, ainda, a possibilidade de acionar o Poder Judiciário contra a ameaça a lesão a direito.

Se o modelo do rigorismo procedimental – tipicamente burocrático – gerou ineficiências gerenciais (em razão do acúmulo de competências) e, consequentemente, o aumento da corrupção (modo de liberar-se de barreiras burocráticas), o aumento da discricionariedade somente seria adequado caso a efetividade das políticas e dos atos administrativos discricionariamente prati-cados pudesse ser aferida por metas e por controle por resultados – conforme os preceitos neoliberais de gestão pública.

Assim, o aumento da discricionariedade dos agentes públicos na punição de pessoas jurídicas que se relacionam com o Poder Público é medida temerá-ria, tendo em vista a impropriedade de se estabelecer a aferição da efetividade por metas e controle por resultados nessa competência punitiva do Estado. Se ocorresse o contrário, inevitavelmente se criaria uma situação de enorme injus-tiça: não seria possível estabelecer, de forma equânime, que cada gestor públi-co devesse punir um determinado número de pessoas jurídicas, ou arrecadar uma determinada quantia de multas administrativas em determinado período de

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tempo. Isso implicaria na parcialidade do processante, em evidente desrespeito a princípios penais aplicáveis a todo procedimento punitivo.

A preocupação sobre mecanismos adequados de como combater a cor-rupção inspirou mundialmente a literatura jurídica, econômica e sociológica. Antes de se buscar uma explicação à inversão dos valores sociais que levam às práticas corruptivas, diversas teorias tentaram apresentar soluções diferen-ciadas.

Fernando Filgueiras (2012, p. 300 et seq.) aponta que, em meados do século XX, as “teorias da modernização” relacionaram as práticas de corrup-ção ao subdesenvolvimento estatal. Por isso, para a teoria da modernização, “a corrupção está correlacionada aos processos de mudança social, representando momentos de desfuncionalidade das instituições políticas, conforme o peso da tradição nos processos de mudanças” (Filgueiras, 2012, p. 301). Correlacionan-do as práticas corruptivas ao subdesenvolvimento, tais teorias apontam que a “modernidade capitalista” é o mecanismo principal de mitigação do mau fun-cionamento político e, portanto, da corrupção.

Ainda segundo esse autor, uma vez superada a dicotomia “países desen-volvidos” e “países subdesenvolvidos”, pós-queda do muro de Berlim, premis-sas da “teoria da escolha racional”, pertencentes à corrente neoinstitucionalista, proveram soluções teóricas para reforma do Estado, reconhecidas por institui-ções internacionais – como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacio-nal (Filgueiras, 2012, p. 302). Conforme contribuições teóricas de Susan Rose--Ackerman (apud Filgueiras, 2012, p. 303), “a corrupção ocorre na interface dos setores público e privado, de acordo com sistema de incentivo que permi-tem aos agentes políticos maximizarem utilidade mediante suborno e propina”. Nesse sentido:

As reformas partem da necessidade de diminuir o papel das burocracias, por-quanto minimizem os monopólios existentes, restringindo a cobrança de subor-nos e a presença da propina. Do ponto de vista das reformas institucionais para o combate à corrupção, a mudança deve ser realizada entre os sistemas de incenti-vo e a eficiência burocrática. Por outras palavras, não cabe às reformas institucio-nais reforçar o poder da burocracia, uma vez que estas reformas resultariam em maior discricionariedade e em maior incentivo para o pagamento de propina e de suborno, ou seja, em ampliação das práticas de corrupção. No aspecto formal, que representa um consenso entre analistas ligados a teorias neoinstitucionalis-tas, a prática da corrupção não é coibida mediante reforço do poder burocrático, mas pelo fomento do mercado. (Filgueiras, 2012, p. 304)

Diante disso, a LAE, enquanto estrategicamente busca a redução de prá-ticas de atos lesivos contra a Administração Pública, cria um preocupante para-doxo: com o objetivo de reduzir a corrupção, a LAE fomentará a sua prática, jus-

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tamente em razão do evidente empoderamento dos gestores públicos de todos os níveis de governo, todos munidos com o mesmo poder de utilização dessa capacidade punitiva. Portanto, a descentralização e ampla discricionariedade punitiva – já que todos os órgãos e entidades de todos os Poderes e de todos os entes da Federação poderão instaurar comissão processante para aplicação das sanções administrativas demonstradas anteriormente – vão de encontro às re-comendações de teorias institucionalistas mundialmente aceitas para o controle das práticas corruptivas.

Assim, (i) por não ser possível a adequação da aplicação da LAE aos métodos gerencialistas de controle por resultados – por meio do controle e mo-nitoramento de metas e verificação de efetividade das políticas adotadas – e (ii) por ensejar em evidente aumento da discricionariedade punitiva do Estado, de forma idêntica a agentes públicos de todos os níveis federativos e de todas as entidades, inevitavelmente haverá o fundado receio de elevação da corrupção concretizada por iniciativa do Poder Público.

Para mitigar esse risco, entendemos que as sanções previstas na LAE de-veriam ser aplicadas por um órgão ou entidade central, no qual se poderá focar todo o esforço de controle público-estatal.

Como se viu, várias condutas lesivas da LAE possuem grande semelhan-ça com as previstas na Lei nº 12.529/2011, diploma normativo que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência e dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a Ordem Econômica. Nesse caso, diante da ocor-rência de vários tipos de infrações econômicas, contidas no art. 36, § 3º, da Lei nº 12.529/2011, o processamento para aplicação das penalidades adminis-trativas ocorrerá por conta do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade). Diferentemente do que ocorre com a aplicação das penalidades previs-tas na LAE, todos os órgãos e entidades de todos os Poderes, de todos os entes da Federação, poderão instituir comissões processantes, cada qual com um en-tendimento jurídico aplicável à conduta lesiva, o que inevitavelmente criará um contexto jurídico de grande insegurança para aqueles que se envolvem com a Administração Pública.

Diante da grande insegurança jurídica criada pela LAE – em virtude da expansão da discricionariedade na aplicação de suas penalidades por diversos agentes públicos –, seria adequado que, para se mitigar o potencial aumento da corrupção, todas as penalidades previstas deveriam ser processadas e aplicadas por um órgão central, como o Ministério Público ou Tribunal de Contas, por exemplo, independente de qual seja o nível do Poder Público lesado.

Desse modo, a especialização proporcionada a esse órgão, a previsibi-lidade das decisões a serem tomadas, bem como a facilitação do controle pú-blico e estatal em face da restrição do número de agentes possuidores desse

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elevado empoderamento e da ampla discricionariedade na aplicação das pena-lidades, seriam fatores que convergiriam à estratégia adotada pela LAE com as experiências pretéritas da agenda de combate à corrupção e em sintonia com as recomendações trazidas pelos atuais marcos teóricos do estudo dos fatores e causas das práticas corruptivas.

CONCLUSÃO

Antes de proceder ao esforço teórico em delinear os critérios legais de regulamentação da LAE pelos demais entes da Federação, o presente trabalho conclui que a prioridade da doutrina jurídica deveria ser realizar o alarde sobre a seguinte situação: é inócua a delimitação das situações jurídicas específicas para aplicação das penalidades como forma de dar efetividade à LAE, pois a expansão da discricionariedade punitiva, somada ao notório empoderamento dos gestores públicos, dos mais diversos níveis, criará não somente a conhecida insegurança jurídica – já alertada pela doutrina jurídica – mas, especialmente, a própria não efetividade dos objetivos propostos, qual seja a redução da cor-rupção.

Para se proceder à boa aplicação da LAE, de forma condizente com os objetivos propostos, é essencial, a nosso ver, a reforma desse diploma legal para definir que o processamento das sanções administrativas, ali previstas, seja re-alizado por um órgão administrativo central, desvinculado de qualquer nuance política. Seria o caso, por exemplo, de se atribuir a referida competência, por exemplo, ao Ministério Público, Tribunal de Contas, ou mesmo que fosse criada uma autarquia de atuação especial para esse fim, com autonomia administrativa e orçamentária – como o Cade, por exemplo. Caso se entenda inconveniente a fixação dessa competência a um órgão central, outra medida adequada seria a inserção das referidas sanções administrativas dentro do rol previsto no art. 19 da LAE para a responsabilização judicial.

Seja criando um órgão administrativo central de controle para processa-mento e aplicação das penalidades administrativas previstas, seja incumbindo ao Poder Judiciário o poder de aplicar as referidas sanções – não mais “admi-nistrativas”, e sim “judiciais” –, isso implicaria na redução da discricionarieda-de punitiva e do empoderamento dos gestores públicos de órgãos e entidades públicas, de todos os níveis. Isso será medida que, em tese, mitigaria o referido “sistema de incentivos” da utilização da LAE para a prática de suborno e propi-na, em sintonia com recomendações teóricas voltadas ao estudo da corrupção.

O que as doutrinas política e administrativista não podem permitir é a criação de um sistema legal, de ampla discricionariedade punitiva e empodera-mento de inúmeros gestores públicos, de todos os entes da Federação, de todos

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os Poderes, que enseje no potencial risco de aumento de práticas corruptivas, em dissintonia com os objetivos propostos pela LAE.

Com a possibilidade de controle público e estatal na aplicação das pe-nalidades e diante da redução da insegurança jurídica provocada pela ampla discricionariedade punitiva, a centralização na aplicação das severas penalida-des previstas na LAE é medida que se impõe anteriormente à discussão jurídica sobre a regulamentação de sua aplicação por todos os entes da Federação.

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Assunto Especial – Doutrina

Lei Anticorrupção Empresarial

A Lei Anticorrupção e os Fundamentos na Constituição Cidadã

BRunO fIALhO RIBeIROMBA em Gestão Pública pela UNESA (Universidade Estácio de Sá) e Pós‑Graduado em Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes. Autor do Livro: Estudo do Marco Regula‑tório das Organizações da Sociedade Civil, Curitiba. CRV, 2016.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Dos princípios gerais da atividade econômica; 2 A função social da empre‑sa; 3 O incentivo à implantação da política de compliance a partir da Lei nº 12.846/2013; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Vivemos um momento de grave crise social e econômica que fere e atra-sa a busca por uma sociedade mais justa e solidária. A permanência nesta crise gera convulsão social, aumento da miséria e violência. Ou seja, todo o tipo de corrupção reverbera no ser humano, ele é o centro das nossas vitórias e derrotas.

O Estado Democrático, Social e de Direto tem por objetivo repactuar continuamente o convívio social e, especificamente, as relações entre emprega-dos e empregadores, entre gestores públicos e o povo.

Ademais, usamos o advérbio “continuamente” porque o exercício da ci-dadania deve ser objeto de reflexão todos os dias. As reformas necessárias para a evolução da sociedade devem ser objeto de contínuo debate.

No entanto, vivemos em uma época de ações e reações emergenciais. As decisões e ações necessárias para a pacificação social são tomadas de forma reativa, quando o cenário se torna insustentável. É preciso “ranger de dentes” para romper a inércia, principalmente, de nossa classe política.

Neste contexto, surge a Lei Anticorrupção que “dispõe sobre a responsa-bilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira” (Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013). Por outro lado, causa-nos desesperança, ainda, o fato de que reformas históricas não foram realizadas até agora.

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Levando-se em conta que estamos “condenados a viver”, precisamos lu-tar pelas reformas necessárias a fim de que as novas gerações possam nascer em um ambiente social melhor.

É preciso olhar no retrovisor e abraçar a nossa Constituição, pois este momento oportuniza um novo pacto social que dará ao Brasil o protagonismo na busca de uma sociedade livre, justa e solidária. Dessa forma, focaremos este trabalho sobre as bases constitucionais da Lei Anticorrupção.

1 DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA

Os atos de corrupção, além de atentarem contra os princípios da Admi-nistração Pública1, violam direitos fundamentais e, mais especificamente, os “Princípios Gerais da Atividade Econômica” expressos no art. 170 da Consti-tuição.

A corrupção tem grande parcela de responsabilidade nas injustiças so-ciais, desvalorização do trabalho, concorrência desleal, degradação do meio ambiente, insegurança jurídica e, de forma geral, no subdesenvolvimento dos países. O ambiente de corrupção desestimula o investimento de empresas éticas e profissionais qualificados que temem ver seu nome envolvido em escândalos.

O art. 170 da Constituição expressamente determina que a ordem econô-mica brasileira é fundada na valorização do trabalho humano, dignidade huma-na e justiça social, observando os seguintes princípios: (i) soberania nacional; (ii) propriedade privada; (iii) função social da propriedade; (iv) livre-concorrên-cia; (v) defesa do consumidor; (vi) defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (vii) redução das desigualdades regionais e sociais; (viii) busca do pleno emprego; e (ix) tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.

A ordem econômica brasileira é sustentada em dois pilares: (i) valoriza-ção do trabalho humano e (ii) iniciativa privada. Foi adotado na Constituição o sistema capitalista de livre-mercado, sendo prioritária a valorização do trabalho humano. Nesse sentido é o entendimento de José Afonso da Silva2:

A Constituição declara que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho e na iniciativa privada. Que significa isso? Em primeiro lugar, quer dizer precisamente que a Constituição consagra uma economia de mercado, de natu-reza capitalista, pois a livre-iniciativa, que, especialmente, significa a garantia da

1 CF/1988, art. 37: “A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, e, também, ao seguinte: [...]” (grifou-se).

2 AFONSO DA SILVA, José. Comentário contextual à constituição. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 709.

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iniciativa privada, é um princípio básico da ordem capitalista. Em segundo lugar, significa que, embora capitalista, a ordem econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da economia de mercado.

Por último, conclui o autor que:

Conquanto se trate de declaração de princípio, essa prioridade tem sentido de orientar a intervenção do estado na economia, a fim de fazer valer os valores sociais do trabalho, que, ao lado da livre-iniciativa, constitui um dos fundamen-tos não só da ordem econômica, mas da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV).

2 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA

O estatuto das empresas estatais deve prever, de forma expressa, sua função social, conforme art. 173, § 1º, inciso I, da Constituição. A criação de empresa estatal para exploração de atividade econômica somente é permitida se preencherem um dos seguintes requisitos, quais sejam: (i) imperativos da se-gurança nacional ou (ii) relevante interesse coletivo (art. 173, caput). Vejamos que a criação de empresa estatal é exceção, visto que a Constituição adotou o sistema econômico capitalista, de livre-mercado, conforme dito. Cabe aqui analisar o fundamento da função social da empresa privada.

A Constituição expressamente prevê, no Título II – “Dos Direitos e Ga-rantias Fundamentais”, art. 5º, a garantia ao direito de propriedade (inciso XXII) e que esta atenderá à sua função social (inciso XXII). Trata-se de garantia que tem por objetivo promover a liberdade, a dignidade humana, a solidariedade e a justiça social.

Ademais, ressaltamos que esta garantida ao direito de propriedade e sua função social deve ser interpretada de forma extensiva às empresas privadas e a todos os meios de produção.

Nesse sentido, vale citar o brilhante constitucionalista José Afonso da Silva:

Já estudamos a função social da propriedade, quando examinamos o conteúdo do disposto no art. 5º, XXIII, segundo o qual “a propriedade atenderá a sua função social”. Isso, aplicado à propriedade em geral, significa estender-se a todo e qual-quer tipo de propriedade. O art. 170, III, ao ter a função social da propriedade como um dos princípios da ordem econômica, reforça essa tese. Mas a principal importância disso está na sua compreensão como um dos instrumentos destina-dos à realização da existência digna de todos e da justiça social.3

3 AFONSO DA SILVA, José. Op. cit., p. 712.

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O Constitucionalista correlaciona com os princípios da Ordem Econômi-ca, como citamos anteriormente:

Correlacionando essa compreensão com a valorização do trabalho humano (art. 170, caput), a defesa do consumidor (art. 170, V), a defesa do meio ambiente (art. 170, VI), a redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, VII) e a busca do pleno emprego (art. 170, VIII), tem-se configurada sua direta implicação com a propriedade dos bens de produção, especialmente imputada à empresa, pela qual se realiza e efetiva o poder econômico, o poder de dominação empre-sarial.4

O Ministro Eros Grau compartilha do mesmo entendimento:

O princípio da função social da propriedade, para logo se vê, ganha substan-cialidade precisamente quando aplicado à propriedade dos bens de produção, ou seja, da disciplina jurídica da propriedade de tais bens, implementada sob compromisso com a sua destinação. A propriedade sobre a qual em maior inten-sidade refletem os efeitos do princípio é justamente a propriedade dinâmica, dos bens de produção. Na verdade, ao nos referirmos à função social dos bens de produção em dinamismo, estamos a aludir à função social da empresa.5

Como exemplo de obediência aos princípios da ordem econômica na constituição, a Lei nº 11.101/2005 regulamenta a recuperação judicial, a ex-trajudicial da sociedade empresária, a fim de que as empresas cumpram sua função social e preservem empregos para dignidade dos trabalhadores6.

Ademais, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE é um exemplo de autarquia que tem por objetivo zelar pela ordem econômica, sendo a entidade responsável, no âmbito do Poder Executivo, por fomentar e dissemi-nar a cultura da livre-concorrência.

Da mesma forma, entendemos que a Lei nº 12.846/2013 tem por fun-ção também zelar pela ordem econômica no País. Dificilmente um país com alto nível de corrupção terá uma economia forte e uma sociedade baseada na igualdade, na solidariedade e na justiça social, pois são cenários incompatíveis.

3 O INCENTIVO À IMPLANTAÇÃO DA POLÍTICA DE COMPLIANCE A PARTIR DA LEI Nº 12.846/2013

A Lei nº 12.846/2013 apresenta-se como um instrumento importante de combate à corrupção e estímulo à conduta empresarial ética, conduzindo-nos

4 Idem, ibidem.5 GRAU, Eros Roberto. Elementos de direito econômico. São Paulo: RT, 1981. p. 128.6 “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-

-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.” (grifou-se)

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a um ambiente de desenvolvimento sustentável e confiável, essencial para o desenvolvimento econômico e social do País.

Ademais, na exposição de motivos do Projeto de Lei (PL 6.826/2010), a lei “tem por objetivo suprir uma lacuna existente no sistema jurídico pátrio no que tange à responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos ilícitos contra a Administração Pública, em especial, por atos de corrupção e fraude em licitações e contratos administrativos”. O Ministro do TCU, Benjamin Zymler, destaca que “a Lei Anticorrupção coloca o País dentro dos esforços internacio-nais de combate à corrupção7”.

Destaca-se, primeiramente, o seu caráter preventivo, visto que serão le-vados em conta na aplicação das sanções “a existência de mecanismos e pro-cedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregu-laridades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica” (art. 7º, inciso VIII).

Em segundo lugar, as sanções fortes previstas na lei têm por objetivo desestimular a prática das condutas ilícitas. As multas poderão chegar a 20% do faturamento bruto da empresa e publicação extraordinária da decisão con-denatória, sendo aplicadas de forma isolada ou cumulativamente, conforme as peculiaridades do caso concreto (art. 6º).

Demais disso, a responsabilização na esfera administrativa não afasta as responsabilidades das empresas na esfera judicial, que são muito fortes. Po-derão ser ajuizadas ações para aplicação das sanções às pessoas jurídicas de: (i) perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou pro-veito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; (ii) suspensão ou interdição parcial de suas atividades; (iii) dissolução compulsória da pessoa jurídica; e (iv) proibição de receber in-centivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entida-des públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) ano e máximo de 5 (cinco) anos (art. 19, incisos I, II, III e IV).

CONCLUSÃO

A corrupção e o individualismo estão entranhados no tecido social desde o período colonial. A colonização portuguesa foi marcada pela exploração eco-nômica, monopólio da justiça, privilégios e todo o tipo de conduta reprovável que fazem parte das relações sociais no País até hoje.

7 ZYMLER, Benjamin. Lei anticorrupção empresarial – Uma visão do controle externo. Revista do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 2, n. 11, p. 14, jan./jun. 2016.

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O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, em sua palestra na Brazil Conference, evento organizado pela Universidade Harvard, dos Estados Unidos, apresentou, em contexto histórico, as condutas sociais re-prováveis que nos transportaram para o deserto da corrupção8.

O conhecido “jeitinho brasileiro”, segundo o ministro, tem seu aspecto positivo limitado à “afetividade, solidariedade e criatividade” na superação das adversidades da vida, “em um país marcado por desigualdades sociais, defi-ciências dos serviços públicos e complexidades burocráticas”.

No entanto, o aspecto negativo é predominante, marcado pelo “impro-viso, relações familiares e pessoais acima do dever” que “contribuem para o atraso social, econômico e político do País”. Acrescenta ainda que “o jeitinho importa, com frequência, em passar os outros para trás, em quebrar normas éticas e sociais ou em aberta violação da lei”.

Por todo o exposto, os Direitos Fundamentais, os Princípios Constitucio-nais da Administração Pública e os Princípios Gerais da Atividade Econômica, postos na Constituição, são os fundamentos da Lei nº 12.846/2013, que possui mecanismos eficazes de combate à corrupção, como demonstrado neste artigo.

Demais disso, a efetividade no combate à corrupção dependerá, pri-meiramente, de uma mudança cultural, assim como a adoção de políticas de compliance nas empresas, a ação dos agentes públicos no desenvolvimento de projetos pedagógicos de conscientização e apuração das condutas ilícitas.

Compartilhando o pensamento de Norberto Bobbio no seu livro O futuro da democracia, o cenário atual comporta o pensamento de que “[...] a luz está avançando com dificuldade para começar a clarear ao menos uma parte da área escura [...]”.

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8 Ética e jeitinho brasileiro: por que a gente é assim? Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/palestra-barro -so-jeitinho-brasileiro.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2017.

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Ética e jeitinho brasileiro: por que a gente é assim? Disponível em: <http://s.conjur.com.br/dl/palestra-barroso-jeitinho-brasileiro.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2017.

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MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2008.

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Assunto Especial – Doutrina

Lei Anticorrupção Empresarial

Aspectos da Lei Anticorrupção Empresarial Brasileira

ChRISTOPheR PInhO feRRO SCAPIneLLI Bacharel em Direito pela UNIDERP, Advogado inscrito na OAB/MS nº 11.226, Especialista em Gestão em Vigilância em Saúde e Saúde da Família pela UNAES. Atuou por mais de 11 anos na área de assessoria jurídica para órgãos públicos na área de Direito Administrativo e Eleitoral, atualmente Presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/MS.

TAISA QueIROz feRRO SCAPIneLLIBacharel em direito pela Unigran, Advogada inscrita na OAB/MS nº 9.152, Especialista em processo civil pela Unigran. Atuou por mais de 07 anos na área de consultoria jurídica legis‑lativa e direito eleitoral.

RESUMO: O presente estudo aborda os aspectos mais polêmicos acerca da aplicação da Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, procurando focar nas mudanças práticas mais importantes.

PALAVRAS‑CHAVE: Anticorrupção; leniência; corrupção.

A Lei nº 12.846, de 1º de agosto de 2013, encampou em nosso ordena-mento jurídico uma importante mudança no trato da responsabilização das em-presas com relação à prática de atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira.

O móvel da lei ora em comento foi o acordo celebrado com a Organiza-ção para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE, a qual detém 36 países signatários que se comprometeram na criação de legislações eficientes de combate à corrupção.

De acordo com o seu art. 5º, os atos lesivos não necessariamente são os atos comissivos, ou seja, atos praticados com o dolo (vontade de fazê-lo) e com o prejuízo in concreto, sendo que o enquadramento como ato lesivo aos princí-pios da Administração Pública1 ou aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, em semelhança aos tipos enumerados pela Lei de Improbidade Ad-

1 O art. 37, caput, da Constituição Federal, prevê os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, pu-blicidade e eficiência, enquanto que o art. 3º da Lei nº 8.666/1993 – Lei das Licitações – acrescenta, ainda, o da isonomia, seleção da proposta mais vantajosa para a administração, probidade administrativa, vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo.

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ministrativa2, que, em seus arts. 9º, 10 e 11, elenca os atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito, que causam prejuízo ao Erário, decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício Financeiro ou Tributário (incluí-do pela Lei Complementar nº 157/2016) e que atentam contra os princípios da Administração Pública.

Aplica-se a sociedades empresárias e a sociedades simples, fundações, associações, ou sociedades estrangeiras que tenham sede, filial ou representa-ção no território brasileiro e pessoas físicas como dirigentes administradores ou qualquer pessoa autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.

Os atos, portanto, que são considerados lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira, são:

Art. 5º Constituem atos lesivos à Administração Pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencio-nadas no parágrafo único do art. 1º, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da Administração Pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:

I – prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agen-te público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;

II – comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo sub-vencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta lei;

III – comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

IV – no tocante a licitações e contratos:

a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expedien-te, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;

b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;

c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;

d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;

e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de lici-tação pública ou celebrar contrato administrativo;

f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a Administração Pública, sem au-

2 Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992.

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torização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou

g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebra-dos com a Administração Pública;

V – dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.

Em atenta análise aos itens do rol taxativo elencado pela Lei Anticorrup-ção, a violação de princípios ou compromissos firmados oficiosamente pelo País já abrem o precedente pela responsabilização da pessoa jurídica, indican-do, nos seus arts. 6º e 7º, as penalidades que serão aplicadas às situações que se amoldem aos atos lesivos descritos, senão vejamos:

Art. 6º Na esfera administrativa serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta lei as seguintes sanções:

I – multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem aufe-rida, quando for possível sua estimação; e

II – publicação extraordinária da decisão condenatória.

§ 1º As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamen-te, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natu-reza das infrações.

§ 2º A aplicação das sanções previstas neste artigo será precedida da manifes-tação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público.

§ 3º A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipó-tese, a obrigação da reparação integral do dano causado.

§ 4º Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).

§ 5º A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabeleci-mento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.

§ 6º (VETADO).

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Art. 7º Serão levados em consideração na aplicação das sanções:

I – a gravidade da infração;

II – a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;

III – a consumação ou não da infração;

IV – o grau de lesão ou perigo de lesão;

V – o efeito negativo produzido pela infração;

VI – a situação econômica do infrator;

VII – a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;

VIII – a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, audi-toria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;

IX – o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e

X – (VETADO).

Parágrafo único. Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.

O processo administrativo de apuração, descrito nos arts. 8º e seguintes, atribuem à Controladoria-Geral da União (CGU) a competência exclusiva para instaurar, apurar e julgar atos lesivos à Administração Pública nacional e estran-geira, observando-se o art. 4º da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000.

Como todo processo administrativo e/ou judicial, de acordo com o art. 5º, incisos LV e seguintes, da Constituição Federal, são garantidos à pes-soa jurídica investigada a ampla defesa e contraditório, devendo ser garantidos os meios processuais hábeis para que se demonstre a verdade sobre os fatos, evitando-se a condenação de empresas por meros indícios sem respaldo fático e/ou probatório.

O rito do processo deverá seguir o da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985.

Uma das novidades mais importantes para a Administração Pública é o Acordo de Leniência, conforme arts. 16 e 17 do diploma legal em estudo.

A proposta da celebração do acordo poderá ser feita de forma oral ou escrita, cujo tratamento será sigiloso e o acesso ao teor será restrito, com a ex-ceção da autorização expressa da proponente para divulgação ou compartilha-

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mento da proposição ou de seu teor, com a devida anuência da Controladoria--Geral da União.

Tal acordo prescinde da colaboração efetiva com as investigações, com o fim de identificação dos demais envolvidos e obtenção de informações e docu-mentos do ilícito apurado, elencando a lei os seguintes requisitos: a) reconhecer a participação na infração; b) identificar envolvidos na sua infração; c) reparar integralmente o dano causado; e d) cooperar com a investigação, além de for-necer documentos que comprovem a prática da infração.

Para a celebração de tal acordo, prevê os seguintes benefícios: isenção da obrigatoriedade de publicar a decisão punitiva; isenção da proibição de re-ceber de órgãos ou entidades públicos (inclusive bancos) incentivos, subsídios, empréstimos subvenções, doações etc.; redução da multa em até dois terços (2/3) do valor total; isenção ou atenuação da proibição de contratar com a Ad-ministração Pública (declaração de inidoneidade) e previsão de adoção de pro-grama de integridade (compliance), não se estendendo à obrigação de reparar o dano provocado à Administração Pública.

O prazo para a celebração do referido acordo é de seis meses, se restrin-gindo às pessoas jurídicas, não havendo previsão de extensão às pessoas físicas envolvidas.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A RESPONSABILIDADE

Ponto primordial para a definição da aplicação das sanções à empresa in-vestigada, a conceituação entre as modalidades de responsabilização é de suma importância, tanto para a caracterização da prática da conduta vedada pela lei em comento quanto pela própria defesa da pessoa jurídica alvo da investigação.

As responsabilidades, para fins civis e administrativos, são definidas em subjetiva e objetiva. A primeira é uma conduta comissiva (ação concreta) ou omissiva (ausência de ação quando haveria a obrigação de realizá-la para evi-tar o fato em concreto). Há necessidade de comprovação da culpa na realiza-ção do ato que causou o evento negativo/dano ou a sua omissão quando lhe era necessário praticar ato para impedir sua realização. A modalidade culposa caracteriza-se, portanto, no ato ou na omissão praticado pela pessoa jurídica, que, sem a vontade de praticar o ato em si (por exemplo, emitir uma nota com erros de dados, sem visar à fraude em si), acabe causando dano ao órgão da Administração Pública.

No fato doloso, ao contrário, a empresa tem por fim praticar o ato que visa ao dano, ela tem a intenção de praticá-lo (emitir nota com dados falsos para acobertar uma fraude), existindo, portanto, a intenção e a efetiva prática do ato com a finalidade do ato ilícito.

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A responsabilidade subjetiva, portanto, culposa ou dolosa, deve ser com-provada, não se presume, sendo necessário comprovar a intenção, os meios com que o ato foi praticado e o nexo entre o ato e a vontade, não cabendo uma responsabilização sem a demonstração de todas as suas características.

Na responsabilidade objetiva, ao contrário, a lei presume a responsabili-dade da pessoa jurídica quando da simples ocorrência do ato ou fato, devendo a mesma comprovar a sua não realização, invertendo-se o ônus da prova, tal como ocorre na legislação consumerista analogicamente.

Temos, portanto, adotado pela lei anticorrupção, a aplicação da respon-sabilidade da objetiva, na qual a lei presume a culpa da empresa quando há indícios da prática dos fatos definidos pelos artigos que descrevem as condutas vedadas, justamente para coibir que haja a prática dos atos ilegais que prejudi-quem e violem os princípios da Administração Pública, servindo com uma for-ma de combater a impunidade e aplicar as sanções àquelas empresas envolvi-das com as atividades corruptivas do sistema público, tão sutilmente realizadas na penumbra e que agravam o prejuízo sofrido pela sociedade.

Uma novidade bem importante, aliada ao Acordo de Leniência, é o Ca-dastro Nacional de Empresas Inidôneas – CEIS e Cadastro Nacional de Empresas Punidas – CNEP de responsabilidade da Controladoria-Geral da União, servin-do como base aos órgãos públicos para impedir que as empresas condenadas às sanções disciplinadas na lei participem de licitações, convênios ou outras formas de contratação com o serviço público.

Tais cadastros conterão a relação das sanções aplicadas não somente com base na Lei Anticorrupção, como também na Lei de Licitações e demais leis, visando a uma maior transparência, à organização e à efetiva aplicabili-dade das medidas, com o fim de evitar que outros órgãos da Administração Pública das demais esferas (estadual, municipal, autarquias etc.) estejam efeti-vando negociações, contratos, convênios ou outros instrumentos de prestação de serviços, compras etc.

Outro ponto importante, previsto nos arts. 22 e 23, é a obrigatoriedade de consulta prévia dos órgãos públicos e a inclusão da relação das empresas punidas não somente do Poder Executivo, como também do Legislativo e do Ju-diciário e de todas as esferas de governo, unificando as informações e servindo de base para consulta por todos os órgãos públicos.

Regulamentado pela Instrução Normativa nº 02/2015, no primeiro (CEIS) estarão incluídas as empresas cujas sanções aplicadas são: Suspensão tempo-rária de participação em licitação, impedimento de licitar com União, Estados, Municípios e Distrito Federal, declaração de inidoneidade para licitar ou con-tratar com a Administração Pública.

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Já o segundo (CNEP) é o responsável pela transparência na consolida-ção dos dados das empresas punidas por órgãos da Administração Pública, no qual constarão as informações referentes ao descumprimento do Acordo de Leniência.

A Controladoria-Geral da União possui competência concorrente para instaurar e julgar, sendo exclusiva para avocar os processos instaurados para exame de sua regularidade ou para corrigir os respectivos direcionamentos, in-clusive com a promoção da aplicação das penalidades administrativas previstas.

É exclusiva a responsabilidade da CGU nos casos em que envolvam atos lesivos a órgãos estrangeiros.

Da decisão adotada caberá pedido de reconsideração com efeito suspen-sivo, no prazo de 10 dias, contados da data de publicação da decisão.

Parte Geral – Doutrina

Do Estado Executor e a Intervenção no Domínio Econômico

TAuã LIMA VeRDAn RAnGeLBolsista CAPES, Doutorando vinculado ao Programa de Pós‑Graduação em Sociologia e Direi‑to da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais, Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós‑Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista Lato Sensu em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo/ES, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo/ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

RESUMO: Em harmonia com a dicção contida no art. 170 da Constituição Federal de 1988, a ordem econômica encontra‑se centrada em dois postulados fundamentais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre‑iniciativa. Denota‑se que, ao fixar os dois postulados como alicerces da ordem econômica, o Texto Constitucional de 1988 objetivou indicar que todas as atividades econô‑micas, independentemente de quem possa exercê‑las, devem com eles encontrar compatibilidade. Das premissas ora mencionadas, extrai‑se que, caso a atividade econômica esteja, de alguma forma, vulnerando os preceitos supramencionados, será a atividade considerada inválida e inconstitucional. Além disso, a intervenção do Estado na vida econômica substancia um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, sobremaneira quando identifica, em termos econômicos, a segurança como princípio. Repise‑se, neste ponto, que a intervenção do Estado não poderá enten‑der‑se como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas, mas sim como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista. Assim, o presente trabalho busca promover uma análise acerca do papel desempenhado pelo Estado enquanto executor no domínio econômico, bem como as formas de intervenção.

PALAVRAS‑CHAVE: Estado executor; domínio econômico; intervenção na economia.

SUMÁRIO: 1 Comentários introdutórios; 2 Do Estado executor; 3 Exploração direta; 4 Exploração indireta; Referências.

1 COMENTáRIOS INTRODUTÓRIOS

Em harmonia com a dicção contida no art. 170 da Constituição Federal de 19881, a ordem econômica encontra-se centrada em dois postulados fun-damentais, quais sejam: a valorização do trabalho humano e a livre-iniciativa. Denota-se que, ao fixar os dois postulados como alicerces da ordem econômi-ca, o Texto Constitucional de 1988 objetivou indicar que todas as atividades

1 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

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econômicas, independentemente de quem possa exercê-las, devem com eles encontrar compatibilidade. Das premissas ora mencionadas, extrai-se que, caso a atividade econômica esteja, de alguma forma, vulnerando os preceitos supra-mencionados, será a atividade considerada inválida e inconstitucional. Carvalho Filho, em complemento, vai afirmar que “fundamentos, na verdade, são os pila-res de sustentação do regime econômico e, como tal, impõem comportamentos que não os contrariem”2.

Assim, a ordem econômica, também nominada de “Constituição econô-mica”, pode ser apresentada, enquanto elemento integrante da ordem jurídica, como o sistema de normas, institucionalmente, determinado modo de produção econômica. A ordem econômica diretiva abarcada pela Constituição Federal de 1988 objetiva a transformação do mundo do ser. Neste aspecto, inclusive, a redação do art. 170 afixa que a ordem econômica deverá estar alicerçada na valorização do trabalho e na livre-iniciativa, bem como ter por escopo assegu-rar a todos existência digna, consoante os ditames preconizados pela justiça social, observadas determinadas diretivas. Diógenes Gasparini3 vai afirmar que a intervenção do Estado no domínio econômico como ato ou medida legal que restringe, condiciona ou suprime a iniciativa privada em determinada área econômica, em benefício do desenvolvimento nacional e da justiça social, as-segurados os direitos e as garantias individuais.

Além disso, a intervenção do Estado na vida econômica substancia um redutor de riscos tanto para os indivíduos quanto para as empresas, sobremanei-ra quando identifica, em termos econômicos, a segurança como princípio. Re-pise-se, neste ponto, que a intervenção do Estado não poderá entender-se como uma limitação ou um desvio imposto aos próprios objetivos das empresas, mas sim como uma diminuição de riscos e uma garantia de segurança maior na prossecução dos fins últimos da acumulação capitalista. Ora, a denominada intervenção do Estado no domínio econômico é não apenas adequada, mas in-dispensável à concretização e à preservação do sistema capitalista de mercado. Sobre o papel desempenhado pelo Estado, no que toca à intervenção na ordem econômica, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento robusto que:

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 7.844/92, do Estado de São Paulo. Meia-entrada assegurada aos estudantes regularmente matriculados em es-tabelecimentos de ensino. Ingresso em casas de diversão, esporte, cultura e lazer. Competência concorrente entre a União, Estados-Membros e o Distrito Federal para legislar sobre direito econômico. Constitucionalidade. Livre-iniciativa e or-dem econômica. Mercado. Intervenção do Estado na economia. Arts. 1º, 3º, 170, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição do Brasil. 1. É certo que a ordem eco-

2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 836.

3 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

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nômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema no qual joga um papel primordial a livre-iniciativa. Essa circunstância não legitima, no entanto, a assertiva de que o Estado só intervirá na economia em situações excepcionais. 2. Mais do que simples instrumento de governo, a nossa Constituição enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade. Pos-tula um plano de ação global normativo para o Estado e para a sociedade, infor-mado pelos preceitos veiculados pelos seus arts. 1º, 3º e 170. 3. A livre-iniciativa é expressão de liberdade titulada não apenas pela empresa, mas também pelo trabalho. Por isso a Constituição, ao contemplá-la, cogita também da “iniciativa do Estado”; não a privilegia, portanto, como bem pertinente apenas à empresa. 4. Se de um lado a Constituição assegura a livre-iniciativa, de outro determina ao Estado a adoção de todas as providências tendentes a garantir o efetivo exercício do direito à educação, à cultura e ao desporto [arts. 23, inciso V, 205, 208, 215 e 217, § 3º, da Constituição]. Na composição entre esses princípios e regras há de ser preservado o interesse da coletividade, interesse público primário. 5. O direito ao acesso à cultura, ao esporte e ao lazer, são meios de complementar a formação dos estudantes. 6. Ação direta de inconstitucionalidade julgada impro-cedente. (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, ADIn 1.950, Rel. Min. Eros Grau, Julgado em: 03.11.2011, Publicado no DJ em 02.06.2006, p. 4)

Neste sentido, no que toca à valorização do trabalho humano, é impor-tante estabelecer que, entre os fundamentos da República Federativa do Brasil, a Constituição consignou os valores sociais do trabalho, em seu art. 1º, inciso IV4. A dicção do dispositivo coloca em destaque a preocupação do Constituinte em promover a conciliação entre os fatores de capital e trabalho de forma a atender aos preceitos da justiça social. Assim, em decorrência de tal alicerce, não encontra mais amparo, por exemplo, em comportamentos que conduzam à escravidão ou a meios de trabalho capazes de colocar em risco a vida ou a saúde dos trabalhadores. Ademais, é crucial assinalar, ainda, que a justiça social apresenta escopo protetivo e direcionado a categorias sociais mais des-favorecidas.

No mais, a valorização do trabalho humano encontra relação intrínseca com os valores sociais do trabalho. Inexiste dúvida que, para condicionar o trabalho a aludidos valores, faz-se carecida a intervenção do Estado na ordem econômica. “A Constituição intervém notoriamente nas relações entre empre-gadores e empregados, estabelecidos nos arts. 7º a 11 um detalhado elenco de direitos sociais dos empregados”5, como leciona Carvalho Filho. Os manda-mentos retratam a preocupação estatal em adequar o trabalho aos ditames da justiça social.

4 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [omissis] IV – os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa”.

5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op cit., p. 837.

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Ainda no que atina à valorização do trabalho humano, outro aspecto que decorre desse fundamento é o relativo à automação industrial. Assim, se o uso contemporâneo das recentes tecnologias faz parte do processo de desenvol-vimento das empresas do País, não é menos verdadeiro que as máquinas não podem promover a substituição do homem para assegurar benefícios exclusivos do empresariado. Além disso, o Texto Constitucional é ofuscante ao impor a valorização do trabalho humano, logo, o homem deve ser considerado como alvo da tutela. A valorização do trabalho humano implica na necessidade de localizar o homem trabalhador em patamar mais elevado do que a outros con-cernentes a interesses privados, de maneira a ajustar o trabalho aos primados da justiça social.

O outro fundamento norteador da ordem econômica é o da liberdade de iniciativa, o qual indica que todas as pessoas têm o direito de ingressar no mercado de produção de bens e de serviços por sua conta e risco. Com efeito, o postulado em comento desdobra na liberdade de exploração das atividades eco-nômicas sem que o Estado execute sozinho ou, ainda, concorra com a iniciativa privada. A livre-iniciativa materializa o postulado maior do regime capitalista adotado no território nacional. Afora isso, o alicerce em foco encontra comple-mentação na redação do parágrafo único do art. 170 do Texto Constitucional6, consoante o qual a todos é assegurado o livre-exercício de qualquer atividade econômica, sem necessidade de autorização de órgãos públicos, à exceção das hipóteses expressamente consagradas no ordenamento jurídico vigente.

Tal como o postulado anterior, a liberdade de iniciativa materializa um fundamentos da própria República. Nesta senda, a acepção de livre-iniciativa rememora que o Estado não é mero observador, mas desempenha papel de efetivo participante e fiscal do comportamento econômico dos particulares. Destarte, o Estado interfere, de fato, no domínio econômico, restringindo e con-dicionando a atividade dos particulares em favor do primado do interesse públi-co. Carvalho Filho7 vai mencionar que a garantia da liberdade de iniciativa ao setor privado goza de tamanha proeminência no regime vigente que prejuízos causados a empresários em decorrência da intervenção do Poder Público no domínio econômico são passíveis de serem indenizados em determinadas si-tuações, nos termos preconizados no § 6º do art. 37 do Texto Constitucional de 19888, quando consagra a responsabilidade objetiva. O Supremo Tribunal Federal, em tal trilha, já decidiu que:

6 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

7 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit.8 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017: “Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [omissis] § 6º

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Ementa: Constitucional. Econômico. Intervenção estatal na economia: regula-mentação e regulação de setores econômicos: normas de intervenção. Liberdade de iniciativa. CF, art. 1º, IV; art. 170. CF, art. 37, § 6º. I – A intervenção estatal na economia, mediante regulamentação e regulação de setores econômicos, faz-se com respeito aos princípios e fundamentos da Ordem Econômica. CF, art. 170. O princípio da livre-iniciativa é fundamento da República e da Ordem econômica: CF, art. 1º, IV; art. 170. II – Fixação de preços em valores abaixo da realidade e em desconformidade com a legislação aplicável ao setor: empecilho ao livre exercício da atividade econômica, com desrespeito ao princípio da livre-inicia-tiva. III – Contrato celebrado com instituição privada para o estabelecimento de levantamentos que serviriam de embasamento para a fixação dos preços, nos termos da lei. Todavia, a fixação dos preços acabou realizada em valores inferio-res. Essa conduta gerou danos patrimoniais ao agente econômico, vale dizer, à recorrente: obrigação de indenizar por parte do poder público. CF, art. 37, § 6º. IV – Prejuízos apurados na instância ordinária, inclusive mediante perícia técnica. V – RE conhecido e provido. (Supremo Tribunal Federal, 2ª T., RE 422.941, Rel. Min. Carlos Velloso, Julgado em: 06.12.2005, Publicado no DJ em 24.03.2006, p. 55)

Há um critério, ainda, que reclama apreciação. A acepção de liberdade de iniciativa, de certa forma, é antagônica à valorização do trabalho humano. Ora, a deixar-se à iniciativa privada inteira liberdade para exploração das ati-vidades econômicas, existiria o risco inevitável de não se proteger o trabalho humano. Assim, é perceptível a necessidade de conciliar os fundamentos, de-senvolvendo estratégias de restrições e condicionamentos à liberdade de ini-ciativa, com o escopo de que sejam alcançados, de fato, a justiça social e os valores emanados.

2 DO ESTADO ExECUTOR

O Estado não atua apenas como regulador, mas também como executor, exercendo a atividade econômica. Com efeito, o exercício estatal de tais ativi-dades não pode materializar como regra geral; ao reverso, o Texto Constitucio-nal estabelece uma série de limitações a tal natureza, com o escopo primordial de preservar o princípio da liberdade de iniciativa, concedido aos particulares em geral, conforme preconiza o parágrafo único do art. 170: “É assegurado a todos o livre-exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”9.

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos”.

9 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

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Na condição de exercente da atividade econômica, o Estado pode assu-mir duas posições distintas. A primeira consiste naquela que o próprio Estado se incumbe de explorar a atividade econômica por meio de seus órgãos internos. Carvalho Filho10, ao examinar tal posição, vai exemplificar que é verificável quando a Secretaria Municipal de Saúde passa a fornecer medicamentos ao mercado de consumo, com o escopo primordial de favorecer a aquisição por pessoas de baixa renda. Em tal hipótese, é possível sustentar que há explora-ção direta de atividades econômicas pelo Poder Público. Em decorrência da peculiar situação, a atividade econômica acaba confundindo-se com a própria prestação do serviço público, eis que o fito do Estado é social e não persegue a obtenção do lucro.

Contudo, o que corriqueiramente ocorre é a criação, pelo Estado, de pessoas jurídicas a ele vinculadas, destinadas mais apropriadamente à execu-ção de atividades de cunho mercantil. Para tanto, normalmente, são instituídas empresas públicas e sociedades de economia mista, entidades adequadas a tais escopos. Conquanto sejam pessoas autônomas, que não se confundem com a pessoa do Estado, há que se reconhecer que o controle é exercido por esse, dirigindo e impondo a execução de seus objetivos institucionais. Destarte, caso elas não explorem diretamente a atividade econômica, é o Estado que, em uma fronteira, intervém na ordem econômica. Em tal cenário, é possível sustentar que a há exploração indireta das atividades econômicas pelo Estado.

3 ExPLORAÇÃO DIRETA

A regra concernente à exploração direta de atividades econômicas pelo Estado se encontra materializada na redação do caput do art. 173 da Constitui-ção Federal, preconizando que, “ressalvados os casos previstos nesta Constitui-ção, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante inte-resse coletivo, conforme definidos em lei”11. O dispositivo em comento deve ser analisado em conjunto com o art. 170, inciso IV e parágrafo único. Deste modo, a exploração das atividades econômica incumbe, como regra, à inicia-tiva privada, materializando um dos postulados alicerçantes do regime capita-lista. Destarte, a hipótese consagrada no art. 173 deve ser vista como medida excepcional. Assim, o próprio dispositivo afixou os limites ensejadores da atua-ção do Estado, logo, a regra é que o Estado não explore atividades econômicas, podendo, contudo, fazê-lo em aspecto excepcional, desde que estejam presen-tes os pressupostos nele estabelecidos.

10 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit.11 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

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É carecido repisar que, mesmo quando há exploração da atividade eco-nômica, o Estado está preordenado, mediata ou imediatamente, à execução da atividade apta a traduzir benefício para a coletividade, retratando o inte-resse público. Carvalho Filho12, neste sentido, vai apontar que não é possível conceber o Estado senão como sujeito apto a perseguir o interesse coletivo, logo, denota-se que a intervenção na economia apenas se correlaciona com a iniciativa privada porque é a esta que, inicialmente, incumbe a exploração. Entrementes, o escopo da atuação interventiva haverá de ser, a rigor, a busca pelo atendimento de algum interesse público, em que pese o Estado se revista com feições mercantis de comerciante ou industrial.

Outro ponto digno de destaque alude à inconveniência de o Estado imis-cuir-se nas atividades econômicas. Com efeito, sempre que o Estado intervém no domínio econômico, apresenta-se ineficiente e incapaz de alcançar seus objetivos, desencadeando uma série de problemas. Não é possível comparar os resultados do Estado com aqueles alcançados pela iniciativa privada. Denota--se, em última instância, que o Estado não deve mesmo exercer a função de explorar as atividades econômicas. Logo, o papel que deve desempenhar é, prioritariamente, de Estado-regulador, controlador e fiscal, remanescendo o de-sempenho para as empresas de iniciativa privada.

Além disso, não é demasiado rememorar que nem sempre é fácil estabe-lecer a distinção entre os serviços públicos econômicos das atividades privadas eminentemente econômicas. Ambos propiciam lucratividade, porém, enquanto aquelas objetivam o atendimento de demandas da coletividade para assegurar sua maior comodidade, estas retratam atividade de aspecto empresarial, de in-dústria, de comércio ou serviços. Dessa forma, os primeiros encontram-se situa-dos dentro da esfera normal de competência dos entes federativos, ao passo que as últimas devem ser insertas no setor privado e, somente por via excepcional, à exploração direta pelo Estado.

Nesta linha, ao considerar que o Texto Constitucional13 é ofuscante em não conceder liberdade ao Estado para explorar atividades dotadas de cunho econômico, três pressupostos, porém, são afixados para legitimar a intervenção. O primeiro é a segurança nacional, materializando pressuposto de natureza claramente política. Assim, caso a ordem econômica seja norteada pelos parti-culares e esteja causando algum risco à soberania do País, fica o Estado autori-zado a intervir no domínio econômico, direta ou indiretamente, com o escopo de restabelecer a paz e a ordem sociais.

12 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit.13 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

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Outro pressuposto é o interesse coletivo relevante, que, de acordo com o escólio de José dos Santos Carvalho Filho14, traduz-se em conceito jurídico indeterminado, posto que lhe faltam a precisa e a identificação necessárias à sua determinabilidade. Em decorrência de tal aspecto, o Texto Constitucional15 afixou que essa concepção seria espancada em legislação infraconstitucional, incumbindo, portanto, ao Estado editar lei definidora de interesse coletivo re-levante para permitir a intervenção legítima do Estado no domínio econômico.

O terceiro pressuposto encontra-se implícito no dispositivo legal. Assim, ao ressalvar os casos abarcados na Constituição de 1988, está a admitir que apenas o fato de existir disposição em que haja permissividade intervenção con-tida no texto é suficiente para promover a autorização da exploração da ativi-dade econômica pelo Estado, independentemente de ser hipótese de segurança nacional ou de interesse coletivo relevante. Neste cenário, há interesse coletivo relevante presumido, pois se encontra inserto na Constituição de 1988, con-quanto não foi definido em lei. Em síntese, é possível afirmar que a atuação do Estado como explorador da atividade econômica é, em princípio, vedada, en-contrando permissão apenas quando: (i) exigir a segurança nacional; (ii) atender ao interesse coletivo relevante; (iii) houver expresso permissivo constitucional.

4 ExPLORAÇÃO INDIRETA

A forma mais comum pela qual o Estado intervém no domínio econômi-co é por meio de entidades paraestatais, isto é, as sociedades de economia mista e as empresas públicas são as entidades atreladas ao Estado às quais se atribui a tarefa de intervir no domínio econômico. Em tal situação, o Estado não é o exe-cutor direto das atividades econômicas, socorrendo-se das entidades que têm a sua criação autorizada por lei e já nascem com os escopos predeterminados, nos termos estatuídos no inciso XIX do art. 37 da Constituição Federal16. Aludi-das entidades realmente explorarão as atividades econômicas para as quais a lei as destinou. No mais, a exploração indireta de atividades econômicas pelo Es-tado encontra previsão na redação do § 1º do art. 173 do Texto Constitucional, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 199817,

14 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit.15 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.16 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017: “Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princí-pios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [omissis] XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; [...]”.

17 Brasil, Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas

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que modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências.

É oportuno anotar que a referida lei disporá sobre vários aspectos, a exem-plo da função social e a forma de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da Administração Pública; a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; os man-datos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores. Carvalho Filho, em seu escólio, vai “conceituar a exploração indireta do Estado como aquela pela qual exercer atividades econômicas por intermédio de enti-dades paraestatais a ele vinculadas e por ele controladas”18.

Do cotejo da redação do dispositivo constitucional aludido alhures, ve-rifica-se que são enumeradas três categorias de pessoas jurídicas vinculadas ao Estado que podem explorar atividades econômicas. As duas primeiras são as denominadas empresas públicas e sociedades de economia mista, que se caracterizam por serem destinadas a dois escopos, a saber: (i) o desempenho de atividade econômica; e (ii) a prestação de serviços públicos. Assim, quando exercem atividades econômicas, mencionadas entidades, que são dotadas de personalidade jurídica de direito privado, podem atuar como verdadeiras parti-culares no campo mercantil, seja no setor de comércio, seja no de indústria e, ainda, no de serviços.

O dispositivo, ainda, alude à categoria de empresas subsidiárias, que são aquelas que, derivando de empresas públicas e sociedade de economia mista primária, estão sob o controle destas no que tange ao capital e, com efeito, às diretrizes operacionais. São, também, denominadas de empresas de segundo grau, pois que, a seu turno, podem controlar o capital de entidades derivadas, de terceiro grau, e sucessivamente. Fora das primárias, todas as subsidiárias, em decorrência do mandamento constitucional, exigem autorização legislativa para sua instituição.

Além disso, a execução de atividades econômicas por essas empresas paraestatais apresenta aspectos positivos e negativos. Como fatores positivos, é possível mencionar a personalidade jurídica própria e a autonomia financeira, assim como objetivos econômicos claramente definidos. Em contraparte, como característica negativa, é possível aludir que, mesmo norteada para objetivos

e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

18 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 854.

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econômicos, não poderá se afastar do interesse geral. “O certo é que, con-templando expressamente tais entidades, a Constituição autoriza, também de forma expressa, que elas sirvam de meio para a execução pelo Estado, de forma indireta, de atividade de caráter mercantil”19. Ao lado do exposto, cuida, ain-da, ponderar que autarquias e fundações públicas, conquanto também estejam vinculadas e controladas pelo Estado, não se prestam à execução de atividades econômicas, incompatíveis com sua natureza de entidades sem fins lucrativos, sem aspecto mercantil e voltadas para atividades eminentemente sociais.

Além disso, o Texto Constitucional20 é cristalino quando impõe que essas entidades se sujeitem a regime próprio das empresas privadas, no que toca às obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias. Verifica-se, assim, que o advérbio inclusive, empregado no dispositivo em destaque, não teve outro escopo senão enfocar quais os campos do regime privado que não poderiam deixar de aplicar-se às empresas paraestatais – o regime privado, trabalhista e tributário. Implica dizer, portanto, que os empregados devem sujeitar-se à Con-solidação das Leis do Trabalho (CLT) e que se tornam contribuintes tributários nas mesmas condições que as empresas privadas. Excetua-se, porém, que o re-gime aplicável às empresas privadas não está cerceado a esses dois campos; ao reverso, o texto estabelece que as empresas paraestatais estão submetidas a todo o regime aplicável às empresas privadas. Neste sentido, inclusive, o Supremo Tribunal Federal já assentou entendimento que:

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Alínea d do inciso XXIII do art. 62 da Constituição do Estado de Minas Gerais. Aprovação do provimento, pelo Exe-cutivo, dos cargos de presidente das entidades da Administração Pública indi-reta estadual pela Assembléia Legislativa. Alegação de violação do disposto no art. 173, da Constituição do Brasil. Distinção entre empresas estatais prestadoras de serviço público e empresas estatais que desenvolvem atividade econômica em sentido estrito. Regime jurídico estrutural e regime jurídico funcional das em-presas estatais. Inconstitucionalidade parcial. Interpretação conforme a Consti-tuição. 1. Esta Corte em oportunidades anteriores definiu que a aprovação, pelo Legislativo, da indicação dos Presidentes das entidades da Administração Pública indireta restringe-se às autarquias e fundações públicas, dela excluídas as socie-dades de economia mista e as empresas públicas. Precedentes. 2. As sociedades de economia mista e as empresas públicas que explorem atividade econômica em sentido estrito estão sujeitas, nos termos do disposto no § 1º do art. 173 da Constituição do Brasil, ao regime jurídico próprio das empresas privadas. [...]. (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, ADIn 1.642, Rel. Min. Eros Grau, Julgado em: 03.04.2008, Publicado no DJe em 18.09.2008, p. 194)

19 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 855.20 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

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Ementa: Agravo regimental no agravo de instrumento. Administração Pública indireta. Sociedade de economia mista. Concurso público. Inobservância. Nu-lidade do contrato de trabalho. Efeitos. Saldo de salário. 1. Após a Constituição do Brasil de 1988, é nula a contratação para a investidura em cargo ou emprego público sem prévia aprovação em concurso público. Tal contratação não gera efeitos trabalhistas, salvo o pagamento do saldo de salários dos dias efetivamente trabalhados, sob pena de enriquecimento sem causa do Poder Público. Prece-dentes. 2. A regra constitucional que submete as empresas públicas e sociedades de economia mista ao regime jurídico próprio das empresas privadas – art. 173, § 1º, II, da CB/88 – não elide a aplicação, a esses entes, do preceituado no art. 37, II, da CB/88, que se refere à investidura em cargo ou emprego público. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (Supremo Tribunal Federal, 2ª T., AI 680.939-AgRg, Rel. Min. Eros Grau, Julgado em: 27.11.2007, Publicado no DJe em 31.01.2008)

Ementa: Constitucional. Advogados. Advogado-empregado. Empresas públi-cas e sociedades de economia mista. Medida Provisória nº 1.522-2, de 1996, art. 3º. Lei nº 8.906/94, arts. 18 a 21. CF, art. 173, § 1º. I – As empresas públi-cas, as sociedades de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica em sentido estrito, sem monopólio, estão sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. CF, art. 173, § 1º. II – Suspensão parcial da eficácia das expressões “às empresas públicas e às sociedades de economia mista”, sem redução do texto, mediante a aplicação da técnica da interpretação conforme: não aplicabilidade às empresas públicas e às sociedades de economia mista que explorem atividade econômica, em sentido estrito, sem monopólio. III – Cautelar deferida. (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, ADIn 1.552 MC, Rel. Min. Carlos Velloso, Julgado em: 17.04.1997, Publicado no DJ em 17.04.1998, p. 88)

Ora, a mens legis contida no dispositivo em comento assinala que se as empresas paraestatais tivessem prerrogativas e vantagens específicas do Estado, elas poderiam usufruir de maiores facilidades que as empresas privadas, o que, com efeito, causaria a ruptura do princípio da livre-concorrência e do equilí-brio do mercado. Assim, quis deixar plasmado que o fato de serem instituídas, controladas e fiscalizadas pelo Estado não será idôneo para colocá-las em van-tagens perante suas congêneres privadas. Ao contrário, tal como poderiam usu-fruir as vantagens destas, teriam também de suportar seus ônus e dificuldades.

Afora isso, a regra contida no dispositivo não pode ser interpretada lite-ralmente, bem como a sujeição ao regime jurídico das empresas privadas tam-bém tem que ser vista pontualmente. Nesta linha, por mais que se aproximem das empresas de iniciativa privada e que sofram a incidência do regime jurídico destas, é ofuscante que não podem afastar os influxos de algumas regras advin-das do direito público, indispensáveis na hipótese de que se espanca, isto é, de pessoas administrativas atreladas imprescindivelmente a uma pessoa federativa.

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Mesmo se tratando de pessoas privadas, as entidades encontram-se sujeitas às regras de vinculação com a respectiva Administração Pública direta; obrigam-se à prestação de contas ministerial e ao Tribunal de Contas, tanto quanto à Ad-ministração; só podem promover recrutamento mediante concurso público de provas ou de provas e títulos; são norteadas pelo corolário da obrigatoriedade da licitação21, além de outras normas de direito público inaplicáveis às empre-sas de iniciativa privada.

Denota-se, assim, que se trata de um regime híbrido, por meio do qual, de um lado, sofrem o influxo das normas de direito privado, no momento em que exploram atividades econômicas, e, de outro, submetem-se aos ditames de direito público, no que toca aos efeitos advindos de sua relação jurídica com o Estado. Inexiste dúvida que, mesmo diante de promulgação de lei que regule o estatuto jurídico da empresa pública ou da sociedade de economia mista, continuará o regime híbrido, porquanto, apesar de se aproximarem das pessoas de iniciativa privada, nunca deixarão de ser entidades que foram criadas pelo Estado, logo, terão que se sujeitar à incidência de normas de direito público.

Outro aspecto a ser anotado faz alusão ao fato de as entidades paraesta-tais serem destinadas ao desempenho de atividades mercantis e agirem como particulares nas relações de mercado. Ademais, aludidas entidades nunca po-dem estar preordenadas apenas aos interesses econômicos, como as instituições de iniciativa privada em geral, porém, ao revés, devem buscar sempre o aten-dimento do interesse público. Ora, há que reconhecer que esse é o fim último da atuação do Estado; a atuação interventiva na ordem econômica não pode ser um meio senão para a persecução e alcance de tal fito.

Atinente aos privilégios fiscais, o § 2º do art. 173 da Constituição Fede-ral22 preconiza que as empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. É possível dizer que a impossibilidade da concessão de privilégios fiscais às empresas paraestatais encontra localização dentro do princípio de que a elas se aplica o regime jurídico das empresas privadas, incluindo-se, em tal concep-ção, as obrigações tributárias. “O excesso normativo, porém, embora não muito técnico, revela a vontade do Constituinte de dar ênfase a aspectos especiais que envolvem a atuação do Estado no domínio econômico através de empresas paraestatais”23, conforme observa Carvalho Filho. No mais, cumpre assinalar que o Estado não está proibido de conceder privilégios fiscais a suas empresas; a vedação repousa na premissa que tais privilégios sejam concedidos a elas ape-nas, logo, se as empresas paraestatais forem beneficiadas com privilégios fiscais,

21 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit.22 Brasil, Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.23 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 857.

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estes incidirão também sobre as empresas de iniciativa privada. Desta feita, trata-se, portanto, de materialização maximizada do corolário da isonomia.

REFERÊNCIASBRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

______. Emenda Constitucional nº 19, de 4 de junho de 1998. Modifica o regime e dispõe sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas e custeio de atividades a cargo do Distrito Federal, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

______. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

______. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br>. Acesso em: 12 jan. 2017.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.

GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

Parte Geral – Doutrina

(In)Constitucionalidade das Cotas Raciais em Concursos Públicos Instituída pela Lei nº 12�711/2012 e para Membros do Ministério Público ou para Magistratura

PAuLO henRIQue MenDOnçA De fReITASAnalista Judiciário da Justiça Federal, no Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Origens do racismo; 1.1 Breve histórico do racismo no mundo; 1.2 Racismo no Brasil; 2 Ações Afirmativas; 3 Destinatário das Ações Afirmativas; 4 Da constitucionalidade das cotas raciais em concursos públicos.

INTRODUÇÃO

É grande a polêmica que gravita em torno do tema objeto deste pequeno artigo – pequeno em razão da grandiosa complexidade e multidisciplinaridade do tema, em que, ineludivelmente, argumentos pretensamente lógicos se amal-gamam e se camuflam junto a outros de ordem emocional, religiosa, cultural, e todo tipo de “filosofia popular”que exsurge do seio social (com a necessária ressalva e respeito ao verdadeiro significado desta expressão).

Assim, a prudência recomenda que se faça a necessária advertência de que não se pretende aqui, e nem poderia ser diferente, a abordagem exaustiva de todas as questões atinentes ao debate das Cotas Raciais em concursos públi-cos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos, tal como previsto no âmbito da Administração Pública Federal por meio da Lei nº 12.990/2014 e no exemplo pioneiro do Concurso Público para Provimento de Cargos de Pro-motor de Justiça Substituto do Estado da Bahia, iniciado em 02.09.2014.

Porém, é possível e indispensável, em curto espaço, uma mínima contex-tualização conceitual do tema do preconceito racial no Brasil, com a indicação dos seus traços característicos e origens históricas e do racismo já vivenciado em outros países, especialmente nos Estados Unidos da América (EUA) e na África do Sul (Apartheid), de onde se podem extrair referências válidas a fim de se compreender e diferenciar a questão racial em solo brasileiro e a do mundo afora, e, por conseguinte, apontar posturas políticas e/ou jurídicas para o seu enfrentamento e tratamento.

Por fidelidade à honestidade que deve permear todo debate, há que se registrar a existência de posições contrárias às cotas raciais, sob o fundamento

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de que o Brasil não é um país racista, considerando, principalmente, o fato de que 50,7% dos brasileiros se autodeclararam negros ou pardos no senso reali-zado pelo IBGE no ano de 2010, bem como em razão da elevada miscigenação racial que sempre caracterizou a população brasileira.

Essa corrente de pensamento que nega a existência do racismo no Brasil, liderada por Gilberto Freyre na década de 1940, defende que o preconceito neste é exclusivamente social e não racial, o que nos caracterizaria, inclusive, como uma “Democracia Racial”, denominação esta que já constou até em es-tudos patrocinados pela Unesco sobre a questão racial.

Sem olvidar a existência de posições contrárias à existência do racismo no Brasil – dos que negam a sua existência –, apreciaremos o acerto ou não da adoção de cotas raciais em concursos públicos, especialmente sob o ponto de vista jurídico.

1 ORIGENS DO RACISMO

1.1 breve históriCo do rACismo no mundo

Preliminarmente, cumpre registrar que, segundo renomados geneticistas e sociólogos, o conceito de raça é de ordem social e não biológica. Isto porque não há efetivamente raças humanas, mas apenas uma raça humana.

O que há, em verdade, é a existência de características físicas tradicio-nalmente relacionadas a “raças”, tais como o formato do nariz, a cor da pele, a obesidade, a miopia, a calvície, entre outras, o que, inclusive, já restou obser-vado por Guido Barbujani, um dos maiores geneticistas da atualidade, confor-me afirmação por este proferida em seu livro A invenção das raças, citado por Edilson Vitorelli1:

Mas alguma coisa sabemos: não há motivo para acreditar que a espécie huma-na se subdivide em grupos biológicos distintos, que evoluíram naturalmente, e que possamos chamar legitimamente de raças, qualquer que seja a definição de raça que adotamos. [...] No momento, com base naquilo que sabemos, caíram por terra razões tradicionais para pensar que nossa espécie se compõe de raças diferentes.

E continua o citado autor: “O conceito de raça não pode ser buscado na biologia. É um conceito social. As raças não existem nos genes, mas socialmen-te, na cabeça dos atores sociais”.

1 BARBUJANI, Guido. A invenção das raças. Contexto, 2007, p. 156. Apud VITORELLI, Edilson. Estatuto da Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas. 2. ed. JusPodivm, p. 34.

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E de onde vem, então, este conceito social de raças? A resposta se encon-tra no fato de que as diferenças nos costumes entre os grupos humanos levaram a uma diferenciação entre os clãs, os grupos, e, mais adiante, as populações.

Essa tendência humana ao agrupamento também acarretou uma tendên-cia ao conflito contra aqueles que não pertenciam à mesma sociedade ou gru-po. Criou-se, então, a distinção entre as “pessoas de dentro” e as “pessoas de fora”. Assim, o estabelecimento de alianças sociais com uns sempre implicou a exclusão dos outros, que não fossem incluídos no acordo original.

Assim é a organização social humana até hoje. O princípio de que o ho-mem não sobrevive sozinho não acarretou a eliminação das fronteiras, mas, ao contrário, o seu fortalecimento.

Flávio Baroncelli, citado por Edilson Vitorelli2, conclui:

A distinção entre os “de dentro” e os “de fora” acarretou evolutivamente uma tendência universal: a de perceber características das pessoas encontradas, para entender imediatamente se elas representam perigo. A necessidade de caracteri-zar alguém como pertencente ou não a um grupo viria a ser a mola propulsora do conceito de raças, embora esse conceito não seja congênito às sociedades humanas.

Todavia, as características físicas nem sempre foram definidoras dos agrupamentos humanos. Na Grécia antiga, não havia distinção física entre os habitantes da Pólis. Havia escravidão na antiguidade, porém esta decorria das derrotas nas guerras, não da cor da pele ou de qualquer outra característica física dos homens.

Assim também ocorreu no Império Romano: os povos dominados ser-viam os romanos em razão do jugo que a derrota na guerra os submetia, não porque eram diferentes em raça ou cor.

Foi a partir da descoberta do continente americano – 1942 – e com o início da colonização africana, contemporâneos, que a situação começou a mudar. A vastidão do continente americano e a resistência indígena criaram o clima perfeito para o surgimento da necessidade de submeter o povo africano à escravidão para concretizar o plano de colonização.

Pronto, aí estava o cenário perfeito: dois grandes continentes a dominar e a resistência dos povos que a isto se opunham.

Contudo, era necessária uma justificativa racional para submeter os po-vos africano e americano nativos à vontade europeia colonizadora. E nenhum outro critério era mais evidente e conveniente do que a cor da pele para dife-

2 Vitorelli, op. cit., p. 36.

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renciar os europeus dos referidos povos. A cor da pele estava no “local certo e na hora certa”.

Dessa breve análise histórica pode-se afirmar que até o século XV não havia preconceito racial, que surgiu somente a partir da colonização das Amé-ricas, da África e do caminho para as Índias, pelo Pacífico.

Embora a escravidão tenha sido abolida no século XIX, o racismo e as ideias de superioridade racial ultrapassaram o século XX e causaram danos mui-to maiores que a própria escravidão. Quer exemplo? O massacre nazista ao povo judeu, o Aphartheid na África do Sul, que durou de 1948 a 1994, e o Aphartheid dos Estados Unidos da América, relembre-se, também instituciona-lizado.

Na África do Sul, conquanto os negros constituíssem a maioria numé-rica no país, eram oprimidos pela minoria branca, capitaneada pelo Partido Nacional, institucionalizando uma política pública oficial de segregação racial. Houve a classificação dos cidadãos, separação dos serviços públicos, tais como saúde e educação, separação de praias, imunidade à execução de prisão de brancos por negros, remoções forçadas, supressão de cidadania e o confina-mento de negros em bairros específicos – Bantustões.

Nos Estados Unidos da América, dividido entre o norte libertário e sul escravocrata, a guerra de secessão entre esses hemisférios, ocorrida em 1861, configurou-se no conflito mais sangrento já ocorrido naquele país, cuja prin-cipal causa era o conflito de interesse, entre o sul e o norte, que gravitava em torno da abolição da escravidão.

O norte dos EUA, vencedor no conflito, impôs o fim da escravidão com a aprovação da 13ª emenda à Constituição daquele país, em 1865, após árdua luta liderada pelo então presidente Abraham Lincoln. As mudanças jurídicas, felizmente, não pararam na referida emenda, sendo aprovada também a 14ª emenda, que fixava a igualdade entre os cidadãos, e, por fim, a 15ª emenda, que atribuía o direito de voto aos homens negros.

E, se parecia que este seria o fim da escravidão e o início da igualdade entre negros e brancos nos EUA, infelizmente não foi esta a interpretação da Suprema Corte daquele Estado, ao julgar, em 1873, casos que ficaram conhe-cidos como Slaughterhouse Cases, nos quais restou assentado o entendimento de que a igualdade estabelecida na Constituição Federal não poderia vincular os estados federados, que, segundo a referida Corte, possuíam uma cidadania estadual, paralela e coexistente à cidadania federal, desenhada pelas suas res-pectivas Constituições Estaduais.

Desse modo, estaria vedada a escravidão, mas não a discriminação racial por parte dos estados que compunham a federação dos EUA.

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Com suporte na decisão da Suprema Corte dos EUA, no caso Plessy v. Ferguson3, restou assentado entendimento que perdurou até a década de 1950 e que justificou a instituição de política pública de apartheid entre negros e brancos no transporte ferroviário do Estado da Louisiana, consistente na des-tinação de vagões exclusivos para coloured people, vagões esses que eram de qualidade inferior.

Somente em 1954 viria o fim de políticas públicas de segregação racial nos EUA, após o julgamento do caso Brow v. Board of Education of Topeka, class action ajuizada contra a junta de educação da cidade de Topeka, no Kansas, em razão da obrigatoriedade da separação de crianças negras das bran-cas, restando às crianças negras as piores e mais distantes escolas. A Suprema Corte, neste caso, reconheceu as implicações sociais e psicológicas da segrega-ção racial nas escolas, pondo, então, fim à segregação racial nos EUA.

Estranha a constatação de que os EUA, país que se autorrotula protetor do mundo e defensor da liberdade, cujo símbolo de uma de suas maiores cidades, New York, é a Estátua da Liberdade, possuía políticas públicas institucionaliza-das de segregação racial até o ano de 1954.

Se até aqui o caminhar da história sinaliza para o amadurecimento do pensamento dos norte-americanos em relação à questão racial nos EUA, e para que nenhum leitor destas breves linhas sinta-se desavisado, apresenta-se opor-tuno registrar um curioso caso ocorrido no Estado do Alabama em relação à questão racial.

A Constituição do Estado do Alabama, datada de 1901, ainda contém em seu texto um dispositivo determinando a segregação racial nas escolas, dis-positivo este ineficaz há mais de 50 anos em virtude de decisão proferida pela Suprema Corte dos EUA no caso aludido acima (Brow v. Board of Education of Topeka).

Em 2004, o Poder Legislativo daquele estado convocou referendo para retirar o referido dispositivo de sua Constituição, o que foi rejeitado por 50,1% da população. Em 2012, repito, no ano de 2012, novo referendo popular foi convocado para nova tentativa de extirpar o aludido dispositivo do texto cons-titucional daquele estado federado. O resultado foi que 60,67% dos eleitores votaram pela manutenção do artigo preconceituoso de segregação racial nas escolas.

Portanto, se o leitor é negro e estiver pensando em tirar férias no Estado do Alabama nos EUA, sugiro, com a devida vênia e respeito, que, se não tiver um motivo forte para ir, escolha outro lugar, não porque não é livre, digno ou covarde, mas porque o “povo superior” que lá habita não é digno da visita de

3 Idem, p. 45-46.

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ninguém que não seja complacente e tolerante com injustiça e irracionalidade desse jaez.

1.2 rACismo no brAsil

A corrente que advoga não existir preconceito racial no Brasil adota o raciocínio de que o preconceito existente aqui é social e não racial, o que seria evidenciado pela dificuldade de ascendência social conforme a classe a que pertence o brasileiro, e não conforme a sua cor da pele.

Nessa linha seguiu o sociólogo Gilberto Freyre, com seus estudos na dé-cada de 1940, asseverando que o Brasil seria um exemplo de “democracia ra-cial” para o resto do mundo, conforme já dito.

Na atualidade, quando se fala em cotas raciais, o primeiro e principal argumento que se ouve é exatamente este defendido pelo citado sociólogo. A origem do preconceito no Brasil é social, e não racial. Outro argumento que se opõe é o de que a questão racial no Brasil se deve ao fato de que há uma presunção de coincidência de que os negros, em sua maioria, são pobres. Será? Vejamos.

Evidentemente que o preconceito racial na “Pátria Mãe Gentil” não é tão fácil de demonstração em razão do caráter difuso, dissimulado, velado e hipócrita que assume em nossa cultura. Não é e nunca foi institucionalizado como o foi lá fora. É cultural e inegavelmente camuflado em questões sociais. Entretanto, ainda assim, o preconceito racial, uma hora ou outra, apresenta-se sem nenhum despudor, como ocorreu nos estádios de futebol, recentemente, em que jogadores negros foram ofendidos com xingamentos utilizando palavras do tipo “macacos”.

Um aspecto merece registro para melhor compreensão do preconceito racial no Brasil: o preconceito racial, para os que admitem sua existência, é baseado no fenótipo – cor da pele – e não no genótipo – ascendência ou código genético. Negro, no Brasil, define-se pela cor da pele.

Por este motivo, o IBGE adota o critério da autodeclaração para classifi-car a “cor da população” em seus Censos. Não se olvide as polêmicas e críticas a este critério, bem como aos demais critérios já testados em algumas institui-ções oficiais – análise por comissão racial, como o exemplo da Universidade de Brasília.

Sem desprezar a existência de teses que sustentam a origem do precon-ceito em questões sociais, negando o preconceito racial no Brasil, restrinjo-me, pela necessária limitação do tema proposto, à análise dos elementos e dados que confirmam a tese contrária.

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Como reação ao pensamento defendido por Freyre, alguns pensadores resolveram ir a campo e testar, com base em dados empíricos (estatísticas), se há ou não preconceito racial no Brasil e qual a sua natureza.

Merecem destaques os estudos do sociólogo Carlos Hasenbalg, e de Carlos Antonio Costa Ribeiro, que, posteriormente, reavaliou e utilizou os estu-dos do primeiro.

Carlos Hasenbalg, em pesquisa realizada na década de 1970, sugere que a discriminação racial continuaria sendo um importante fator de estratificação social na sociedade, ao constatar que pessoas nascidas nos níveis ocupacionais mais inferiores, 98% dos indivíduos pesquisados negros permanecem no mes-mo nível ocupacional dos país, enquanto, entre os brancos esse percentual é de 79%. Para o referido autor, este seria um forte indício da existência de barreiras raciais na busca por ascensão social.

Por sua vez, Carlos Antonio Costa Ribeiro, trabalhando com dados mais recentes, referentes ao ano de 2006, constatou, após rigorosa pesquisa estatís-tica, que4:

Em suma, as chances de mobilidade descendente e de imobilidade de pessoas com origens em classes mais altas – profissionais e trabalhadores não manuais de rotina – são significativamente influenciadas pela cor da pele. Há desigualdade racial nas chances de mobilidade descendente e de imobilidade de pessoas com origem nas classes altas. (grifei).

E continua:

O que as análises sugerem é que o preconceito racial se torna mais relevante na medida em que subimos na hierarquia de classes no Brasil. Pessoas com origem nas classes mais baixas encontram dificuldade de mobilidade ascendente porque são de classes mais baixas, não por sua cor ou raça. No entanto, há evidências importantes sugerindo que, tendo origens nas classes mais altas, pessoas negras tenham desvantagens, ou seja, tenham menos chances do que os brancos com origem nessas mesmas classes de permanecer no topo e mais chances de mobili-dade descendente. As análises revelam que a desigualdade de oportunidades de mobilidade social é racial apenas nas classes altas, mas não o é nas classes bai-xas. Esta conclusão é bastante importante porque indica que o preconceito racial deve estar presente com mais força no topo e não na base da hierarquia de classe.

Das conclusões extraídas da pesquisa realizada pelo mencionado soció-logo observa-se que há sim desigualdades de oportunidades em razão da classe social e não da cor ou raça, mas isto ocorre em relação à possibilidade de as-censão nos níveis mais baixos.

4 Idem, p. 56.

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Todavia, quando se trata de ascensão social para classes sociais mais elevadas, o cenário é outro, é mais racial do que social o preconceito, pois, nestes níveis, entre indivíduos que ocupam a mesma classe social (branco ou negro, ricos), há evidências empíricas (estatísticas) da existência de diferenças de oportunidades de acesso baseadas na cor da pele.

Um dado interessante que confirma a veracidade das conclusões apon-tadas acima é o percentual mínimo de negros que conseguem acessar os altos cargos do centro poder no setor público ou privado, cargos com relevante po-der de decisão política, tais como os cargos de membros do Poder Judiciário, magistrados.

O último Censo do Poder Judiciário brasileiro, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça com o objetivo de subsidiar a discussão acerca da ado-ção ou não do sistema de cotas para ingresso na magistratura, divulgado em 16.06.2014, utilizando os critérios de classificação da cor adotados pelo IBGE, apontou que, entre os magistrados brasileiros, apenas 1,4% (um por cento e quatro décimos) são negros e 14% (catorze por cento) são pardos.

O aludido Censo traçou o perfil básico do juiz no País, qual seja homem (64%), branco (84%), casado e heterossexual.

Relembre-se que o Ministro Joaquim Barbosa foi o primeiro Presidente do Supremo Tribunal Federal negro na história do País.

Este cenário fático-ontológico trazido pelo Censo do Poder Judiciário confirma as conclusões apontadas no trabalho do sociólogo Carlos Antonio Costa Ribeiro a respeito da existência de óbices raciais no acesso às classes mais altas da sociedade.

Não se deve ignorar que o Brasil jogou na lógica neoliberal famílias antes escravizadas sem nenhum amparo estatal, e que o resultado disto é a existência da infeliz coincidência do grande número de negros pobres.

Não se pretende, com isto, afirmar que a situação dos negros no Brasil se deve exclusivamente à formação histórica da sociedade brasileira, pois não se está aqui apenas apontando para dados históricos a fim de justificar o presente, mas sim tentando identificar os aspectos e as condições sociais e jurídicas que perpetuam essas desigualdades.

O que se está propondo, em verdade, é a análise de dados atuais que demonstram e identificam a perpetuação da estratificação social em relação à população negra, em uma sociedade cuja maioria numérica é negra e misci-genada, mas o monopólio dos cargos integrantes do centro de poder decisório continua nas mãos da população exclusivamente branca.

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Os dados do Censo do Poder Judiciário realizado pelo Conselho Nacio-nal de Justiça constituem-se não apenas em indícios da existência de precon-ceito racial no âmbito da magistratura, mas, em minha concepção, a prova e o reflexo do preconceito racial velado e dissimulado existente no Brasil.

Desafio qualquer pessoa sensata e sincera a olhar a sua volta, questionan-do-se sobre a existência de eventuais conhecidos em seu círculo de convivência – família, amigos, ambiente de trabalho, escola, igreja etc. – que possivelmente guardem sentimentos ou postura preconceituosa em relação à questão racial. Certamente e lamentavelmente, o índice de respostas absolutamente negativas seria ínfimo.

2 AÇÕES AFIRMATIVAS

Em síntese, ações afirmativas são políticas públicas ou privadas visando assegurar a concretização do princípio da igualdade material ou substancial, garantindo-se proteção às minorias vulneráveis em face da maioria – maioria inerente ao princípio majoritário nas democracias – como fundamento de legi-timidade material do Estado Democrático de Direito.

As situações desfavoráveis a que podem estar submetidos alguns grupos de pessoas, que as tornam vulneráveis, podem advir de diferentes situações, como ocorre com os deficientes, indígenas, afrodescendentes, mulheres, ido-sos, crianças, entre outros grupos que possam ser identificados como vulnerá-veis. Daí a justificativa sociológico-política para as Ações Afirmativas de Cotas para Deficientes, por exemplo. Espécie do gênero Ações Afirmativas.

Chamo a atenção para um detalhe importante consistente na relação de gênero e espécie entre as Ações Afirmativas Lato Sensu e o Sistema de Cotas, e, ainda, para o caráter mais específico do Sistema de Cotas Raciais.

Explico: As Ações Afirmativas são, essencialmente, Políticas Públicas ou Privadas destinadas a promover a igualdade substancial, ou material, por meio da discriminação positiva, mediante tratamento favorável e diferenciado de pes-soas que estejam em situação desfavorável na sociedade, geralmente experi-mentando discriminação e estagnação social, a fim de garantir o acesso dessas pessoas aos bens sociais. Como exemplo de ação afirmativa lato sensu pode-se apontar o art. 7º, inciso XX, da Constituição Federal, que protege constitucio-nalmente o mercado de trabalho da mulher.

Por sua vez, o Sistema de Cotas para Raciais configura-se em subespécie de Ação Afirmativa, o que não altera ou afeta o seu fundamento de validade e aplicação prática.

O principal e mais equivocado argumento que se opõe às ações afirmati-vas, especialmente em relação ao sistema de cotas, é o critério da meritocracia

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pura. A mínima reflexão derruba este argumento que se constitui em discurso repugnante e falacioso.

Defende-se a ideia de que os processos seletivos a cargos públicos e a universidades devem ser baseados no critério exclusivo da meritocracia pura, a fim de selecionar os melhores. O famoso ditado “que vença o melhor!”.

Contudo, não se leva em consideração as condições ofertadas a cada um dos agentes envolvidos na disputa. Segundo Daniel Sarmento5, a expressão “ação afirmativa” surge em uma executive order do Presidente Kennedy, em 1961, e ganha força no governo Lyndon Johnson, que se estende de 1963 a 1969. Este afirmava: “você não pega uma pessoa que foi tolhida por correntes e a liberta, a põe na linha de partida de uma corrida e então diz: ‘você está livre para competir com os outros’, e ainda acredita que está sendo totalmente imparcial”.

A identificação de situações desiguais a que submetidos os agentes con-correntes deu origem à Teoria do Impacto Desproporcional (disparate impact doctrine), questão pioneiramente levantada no Brasil pelo ex-ministro Joaquim Barbosa, que dita que a verificação da desigualdade material deve ser aferida com foco no resultado da situação fática, e não no tratamento jurídico-formal estabelecido na norma.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de declarar a constitucionalidade da adoção de cotas raciais para ingresso em universida-des – ADPF 186/DF –, o que demonstra o acerto e a conformidade jurídica deste tipo de ação afirmativa com o ordenamento jurídico.

3 DESTINATáRIO DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

Edilson Vitorelli, citando Rogério Nunes dos Anjos Filho, denuncia a existência de confusão conceitual entre as expressões “minorias” e “grupos vul-neráveis”, apontando a necessidade de diferenciação e definição destes termos. Ainda, Edilson Vitorelli6, citando, desta feita, Muniz Sodré, conceitua minoria da seguinte forma:

Vulnerabilidade jurídico-social, pois não é institucionalizada pelas regras do ordenamento vigente, possui identidade em constante estado de reconstrução e luta contra o poder hegemônico mediante estratégias discursivas. Em síntese, minoria não é algo que se define por números, mas pela participação efetiva na sociedade e nos órgãos de poder. (grifei)

5 SARMENTO, Daniel. Direito constitucional e igualdade étnico-racial. In: PIOVESAN, Flávia; SOUZA, Douglas Martins de. Ordem jurídica e igualdade étnico-racial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. Apud VITORELLI, Edilson. Estatuto da Igualdade Racial e Comunidades Quilombolas. 2. ed. JusPodivm.

6 Apud Vitorelli, op. cit., p. 25.

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Embora a definição conceitual de minoria já tenha sido inclusive deba-tida no âmbito da ONU até a década de 80, o debate restou abandonado por parte de Órgãos Oficiais, tarefa que coube à doutrina finalizar, e que sobreleva pontuar, conforme supracitado.

Nesse vértice, o grupo que detém o poder em um Estado (poder político, social e econômico), mesmo sendo numericamente menor, não se apresenta vulnerável e, portanto, não se enquadra no conceito de minoria.

Minorias, assim, não é um conceito relacionado necessariamente à quan-tidade numérica, de forma que é possível afirmar que grupos numericamente superiores, que não gozem de acesso aos bens sociais, podem ser classificados como grupos vulneráveis, como minorias.

Conquanto haja quem pretenda distinguir minorias de grupos de vulne-ráveis, entendo desprovida de relevância prática essa distinção, razão pela qual utilizarei o termo minoria como sinônimo de grupos vulneráveis.

Dessa forma, considerando que as ações afirmativas são políticas públi-cas ou privadas voltadas à concretização do princípio da igualdade material às minorias vulneráveis, ineludivelmente, este é o público destinatário delas.

4 DA CONSTITUCIONALIDADE DAS COTAS RACIAIS EM CONCURSOS PúBLICOS

Os principais argumentos contrários à constitucionalidade das cotas ra-ciais em concursos públicos, mesmo para aqueles que são favoráveis às cotas com outros critérios como o social, são:

1) concurso público não seria sede para a concretização da igualdade material ou da justiça social, pois o seu objetivo, constitucional-mente fixado, seria o de selecionar os melhores e mais eficientes agentes públicos em razão do princípio da eficiência que rege a administração pública, e, por isto, não seria meio adequado para a efetivação de políticas públicas afirmativas;

2) o concurso público deve assegurar o princípio democrático de acesso aos cargos e funções públicos, o que seria prejudicado com a reserva de cotas raciais.

Ora, se o concurso público busca sempre a seleção dos melhores a fim de concretizar o princípio da eficiência (art. 37, caput, da CF/1988) e, por isto, as cotas raciais em concursos públicos não seriam compatíveis com a constitui-ção, o que dizer, então, a respeito das cotas para deficientes físicos?

É possível dizer que nos concursos públicos em que há a reserva de cotas a deficientes físicos estar-se-ia sempre garantindo, prioritária e exclusivamente, a seleção dos melhores tecnicamente? Com o devido e merecido respeito à

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capacidade profissional das pessoas portadoras de necessidades especiais, é evidente que a resposta deve ser negativa.

Diante do choque entre o princípio da eficiência e o princípio da igual-dade – em sentido material –, deve sempre prevalecer o primeiro? Seria esta a solução apontada pelo supraprincípio da proporcionalidade quando instado a orientar a atividade ponderativa do intérprete diante da colisão entre valores com envergadura constitucional? A par de opiniões em contrário, entendo ser óbvio que não!

A reserva de cotas em concursos públicos para deficientes físicos exsur-giu exatamente da necessidade de se tratar desigualmente os desiguais na exata medida em que se desigualam, como forma de assegurar a igualdade substan-cial dessas pessoas consideradas vulneráveis, diante das condições materiais desfavoráveis em que se encontram comparativamente à ampla concorrência.

Disto, nota-se que este primeiro argumento – a garantia e prevalência do princípio da eficiência – é mais um argumento falacioso para tentar justificar a impossibilidade de cotas raciais em concursos públicos e, por conseguinte, deve ser descartado.

Por outro lado, o argumento da inconstitucionalidade das cotas raciais em concursos públicos por suposta ofensa ao princípio do acesso democrático aos cargos públicos também é inválido, porém apenas parcialmente. Parcial-mente porque há casos em que este princípio constitucional deve preponderar, uma vez que nesses casos sequer há choque com o princípio da igualdade, conforme adiante será demonstrado.

Ressalte-se que as cotas raciais não impedem o acesso da ampla concor-rência aos cargos públicos, e que elas obedecem ao princípio da temporarieda-de da mesma forma como ocorre com toda e qualquer ação afirmativa – até que as situações de injusta desigualdade desapareçam, tornando-as desnecessárias.

Outrossim, o referido argumento de ofensa ao princípio do acesso de-mocrático aos cargos públicos, entendido e aplicado de forma irrestrita, cons-titui-se apenas em forma dissimulada e transmudada do já referido argumento falacioso da meritocracia pura, e deve ser rejeitado pelos mesmos motivos já apontados em relação a este.

Contrário senso, este argumento não é totalmente equivocado, pois há situações em que a presença de preconceito racial não ameaça ou dificulta o acesso a cargos públicos por parte da população negra, fazendo com que o fundamento de validade e justificação da exigência de cotas raciais desapareça.

E quais seriam essas situações em que mesmo se admitindo a existência de preconceito racial este seria indiferente na disputa? Em concursos públicos, cujos critérios de avaliação sejam exclusivamente objetivos, o que afasta a pos-

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sibilidade de subjetivismos e parcialidades (espaços em que surgiriam oportuni-dades para a discriminação racial).

Nesses casos, os verdadeiros obstáculos e desequilíbrios na disputa ad-viriam apenas, muito possivelmente, de diferenças sociais (condições materiais desiguais – pobres e ricos), e não raciais, o que poderia, em tese, justificar even-tuais cotas sociais.

Portanto, afigurar-se-ia inconstitucional e injustificável o critério de dis-criminação positiva baseado na cor da pele em certames cujos critérios avaliati-vos sejam exclusivamente objetivos, por isto a afirmação da validade parcial do argumento de ofensa ao princípio do acesso democrático aos cargos públicos.

Agora, para retornar à questão do preconceito racial como obstáculo ao acesso a cargos públicos de relevante poder decisório, o que justificaria a exi-gência de cotas raciais, relembre-se as conclusões a que chegou o sociólogo Carlos Antonio Costa Ribeiro a respeito da existência de obstáculos de ordem racial no acesso às classes mais altas da sociedade, o que restou ratificado pelo Censo do Poder Judiciário efetivado pelo Conselho Nacional de Justiça recente no ano de 2014 – apenas 1,4% dos juízes são negros.

Soma-se à circunstância apontada no parágrafo supra a inegável exis-tência de preconceito racial velado ou dissimulado existente em nossa cultura combinada e agravada pela insegurança jurídica, que atinge os candidatos ne-gros, decorrente da existência de fases e critérios subjetivos em concursos públi-cos, tais como provas orais e entrevistas pessoais, estas últimas cuja existência nos dias de hoje apresenta-se injustificável sob o ponto de vista constitucional.

Todos que já se submeteram a provas orais e a outras fases subjetivas de avaliação, em que o candidato é identificado, sabem a insegurança jurídica que representa o subjetivismo existente nestas fases/avaliações, que, com muita frequência, constituem-se em espaços para o arbítrio puro dos examinadores.

Além disso, há jurisprudência assente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, interpretando o art. 70, § 1º, da Resolução nº 75, de 12.05.2009, que regulamenta concursos públicos no âmbito da magistratura, e que preceitua que não é possível a revisão, em sede de recurso, da nota e dos critérios de avalia-ção de provas orais – critérios esses que não existem e/ou não são declarados na maioria dos concursos.

Transcrevo o aludido dispositivo:

Art. 70. O candidato poderá interpor recurso, sem efeito suspensivo, no prazo de 2 (dois) dias úteis, contado do dia imediatamente seguinte ao da publicação do ato impugnado.

§ 1º É irretratável em sede recursal a nota atribuída na prova oral. (grifei)

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Isto dificulta ainda mais a possibilidade de sindicabilidade dos atos admi-nistrativos das bancas examinadoras em provas orais de caráter inegavelmente subjetivo, o que contribui para o aumento da possibilidade do cometimento de arbitrariedades em avaliações de natureza subjetiva em que o candidato fica à frente de seus examinadores e à mercê de critérios de avaliação não revelados e irrecorríveis.

Conquanto a vulnerabilidade decorrente do subjetivismo das avaliações referidas anteriormente atinja a todos os candidatos, independentemente da cor ou classe social, a combinação desse subjetivismo irrecorrível com o reconhe-cimento da existência de racismo velado na cultura da sociedade brasileira, especialmente nas classes mais altas, conforme apontado nos estudos do mul-ticitado sociólogo e no Censo do Poder Judiciário – CNJ, refletem e explicam o porquê do inexpressivo número de juízes negros – 1,4% do total em todo o País.

A par do exemplo da magistratura, é evidente que este é só um exemplo, e ninguém há como negar que essa proporção também possa ser verificável em outras carreiras ou áreas profissionais se perscrutados os seus dados em relação ao número de integrantes que as compõe, como, por exemplo, no âmbito do Ministério Público.

Diante desse quadro, feliz o elogio feito pelo Procurador Geral da Re-pública – Janot –, ao apreciar Procedimento de Controle Administrativo nº 1283/2014-11, instaurado no âmbito do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ao Ministério Público do Estado da Bahia pela iniciativa pio-neira de reservar cotas raciais para negros no Concurso Público para Provimen-to de Cargos de Membros do Ministério Público, considerando a relevância deste cargo para a sociedade, assim como o resultado positivo dessa iniciativa para toda a coletividade.

Não se deve pretender a resolução de todos os problemas sociais da população negra ou parda por meio do emprego das cotas raciais para acesso a cargos públicos, como se fosse a Panacéia – na mitologia grega, Panacéia (ou Panacea, em latim) era a deusa da cura, filha de Asclépio e neta de Apollo. O termo Panacéia também é muito utilizado com o significado de remédio para todos os males – que irá resolver todos os problemas sociais referentes ao racis-mo no Brasil.

Contudo, é um ótimo passo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que reconhece seus defeitos e distorções atacando as causas que perpetuam as desigualdades e injustiças, com vistas à construção de uma sociedade democrática não só do ponto de vista formal, mas também material e substancial.

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoApelação Cível nº 0061085‑43.2015.4.01.3800/MGRelator: Desembargador Federal Francisco de Assis BettiRelator Convocado: Juiz Federal César Cintra Jatahy FonsecaApelante: Maria Helena de SouzaAdvogado: MG00064252 – Ursulina Soares FigueiredoApelado: União FederalProcurador: MA00003699 – Niomar de Sousa Nogueira

ementACONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PúBLICO – GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DO PLANO GERAL DE CARGOS DO PODER ExECUTIVO (GDPGPE) – LEI Nº 11.784/2008 – APOSENTADOS E PENSIONISTAS – ExTENSÃO – POSSIBILIDADE – LIMITAÇÃO TEMPORAL – HOMOLOGAÇÃO DO RESULTADO DO PRIMEIRO CICLO DE AVALIAÇÃO – JURISPRUDÊNCIA DO E. STF EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL – PORTARIA Nº 2.592, DE 29.10.2010, DO MINISTÉRIO DO TRABALHO – PRESCRIÇÃO

1. A prescrição atinge as prestações anteriores ao quinquênio que antecedeu o ajuizamento da ação, nos termos do enunciado da Súmula nº 85 do STJ.

2. A Gratificação de Desempenho do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – GDPGPE, instituída pela Lei nº 11.784/2008, deve ser estendida aos inativos e pensionistas em condições idênticas àquelas adotadas para os servidores ativos, enquanto não forem concluídos os procedimentos de aferição de desempenho dos servidores em atividade.

3. O Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral (RE 662.406/AL), decidiu, em hipótese semelhante com relação à GDAFTA, que o marco temporal para o pagamento diferenciado de gratificação de desempenho a servidores ativos e inativos é a data da homologação do resultado das avaliações, após a conclusão do primeiro ciclo de avaliações, não podendo retroagir os efeitos financeiros a data anterior.

4. A GDPGPE deve ser paga aos servidores inativos e pensionistas nos mesmos parâmetros estabelecidos para os servidores ativos até que sejam efetivadas as avaliações que considerem as condições específicas de exercício profissional, pois a partir da conclusão do 1º ciclo de avaliação de desempenho dos servidores ativos a vantagem pecuniária perde o seu caráter de gratificação genérica e passa a adotar a natureza pro

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labore faciendo, não mais existindo desde então o direito dos servidores inativos e pensionistas à percepção da gratificação nos valores pagos aos servidores em atividade.

5. Não há que se falar em manutenção do quantitativo de pontos en-tre servidores ativos e inativos, assegurando-lhes apenas tratamento equivalente de vencimentos e vantagens enquanto se tratar de verba de caráter genérico e impessoal, não associada ao exercício efetivo da função, pois, consoante reiteradamente decidido pelo egrégio STF, existindo diferenciação entre servidores, diretamente relacionada à efe-tiva participação no trabalho, em prol da arrecadação e resultados de fiscalização, e, desde que devidamente regulamentado o modo de afe-rição de desempenho, resta justificável a percepção diferenciada de gratificações.

6. O fim da paridade no pagamento da GDPGPE a servidores ativos e inativos, após a homologação do resultado das avaliações com a conclusão do primeiro ciclo de avaliações, não importa em ofensa à irredutibilidade de vencimentos, considerando que a partir de então a gratificação passa a ser devida em razão do desempenho dos servidores ativos, perdendo seu caráter de generalidade.

7. A Portaria/Ministério do Trabalho nº 2.592, de 29.10.2010, homologou os resultados das avaliações de desempenho relativos ao 1º ciclo de avaliações da GDPGPE no âmbito daquele órgão e, a partir daquela data, a parte autora não faz jus à percepção da aludida gratificação em paridade com os servidores em atividade.

8. Considerando que esta ação foi ajuizada em 23.11.2015, a prescrição atinge as parcelas anteriores a 23.11.2010. Como a parte autora somente tem direito ao pagamento da GDPGPE em paridade com os servidores em atividade até 29.10.2010 (data da homologação do resultado do 1º ciclo de avaliação de desempenho dos servidores ativos), as parcelas a elas devidas foram fulminadas pela prescrição quinquenal.

9. Apelação desprovida.

ACórdão

Decide a Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação.

2ª Turma do TRF – 1ª Região.

Brasília, 3 de maio de 2017.

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Juiz Federal César Cintra Jatahy Fonseca Relator Convocado

relAtório

Exmo. Sr. Juiz Federal César Cintra Jatahy Fonseca – Relator Convocado:

1. A parte autora ajuizou ação ordinária objetivando a percepção da Gratificação de Desempenho do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – GDPGPE, instituída pela Lei nº 11.784/2008, nos mesmos valores pagos aos servidores em atividade, com o pagamento das diferenças decorrentes acresci-das dos consectários legais.

2. Sentença prolatada pelo Juízo a quo julgando improcedente o pedido e condenando a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos hono-rários de advogado, cuja exigibilidade ficou suspensa em relação aos benefi-ciários da gratuidade de justiça.

3. No recurso de apelação, a parte autora repisa os mesmos argumentos expendidos na exordial, no sentido de que lhe assiste o direito ao pagamento da GDPGPE em paridade remuneratória com os servidores ativos.

É o relatório.

votoO Exmo. Sr. Juiz Federal César Cintra Jatahy Fonseca (Relator Convo-

cado):

1. Trata-se de apelação interposta pela parte autora contra sentença que julgou improcedente o pedido de pagamento da Gratificação de Desempenho do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – GDPGPE nos mesmos valores pagos aos servidores em atividade.

2. A prescrição atinge as prestações anteriores ao qüinqüênio que antece-deu o ajuizamento da ação, nos termos do enunciado da Súmula nº 85 do STJ, na hipótese de procedência do pedido.

3. A Lei nº 11.784, de 22.09.2008, instituiu a Gratificação de Desempe-nho do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – GDPGPE e, a partir de 1º de janeiro de 2009, extinguiu a Gratificação de Desempenho de Atividade Téc-nico-Administrativa e de Suporte – GDPGTAS, obstando também a percepção da Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA aos integrantes do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – PGPE, conforme estabelece a regra do seu art. 8º-A, § 3º.

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4. Considerando que a GDPGPE também se sujeita a critérios e proce-dimentos específicos de avaliação de desempenho individual e institucional a serem estabelecidos em atos dos dirigentes máximos dos órgãos ou entidades, mister reconhecer que, enquanto não advier a efetiva conclusão dos ciclos de avaliação de desempenho, deve a gratificação ser paga aos servidores inativos e pensionistas nos mesmos moldes em que vem sendo paga aos servidores ativos.

5. Estabelece o art. 7º-A, § 7º, da Lei nº 11.784/2008:§ 7º Até que seja regulamentada a Gratificação de Desempenho referida no ca-put deste artigo e processados os resultados da primeira avaliação individual e institucional, os servidores que integrarem o PGPE perceberão a GDPGPE em valor correspondente a 80% (oitenta por cento) de seu valor máximo, observada a classe e o padrão do servidor, conforme estabelecido no Anexo V-A desta Lei.

6. Posta a questão nestes termos, cumpre ressaltar que, ao negar aos apo-sentados e pensionistas o direito à percepção da gratificação em questão, houve violação do art. 40, § 8º, da CF/1988, que previa, com a redação da época, a paridade entre os proventos de aposentadoria e pensões e a remuneração dos servidores em atividade (assegurada a eles até a promulgação da EC 41/2003). Inexistia direito à equiparação absoluta entre servidores ativos, inativos e pen-sionistas, mas garantia-se a equivalência de vencimentos e vantagens quando se tratasse de verbas de caráter genérico e impessoal, não associadas ao exercício efetivo da função, de revisão geral da remuneração, como no caso, em que, apesar da previsão de critérios de avaliação, inexistia efetiva regulamentação da questão, com o pagamento uniforme a todos os servidores em atividade.

7. Dessa forma, enquanto não realizadas as avaliações de desempenho, não pode o legislador, sob qualquer pretexto, estabelecer tratamento desigual entre servidores ativos, inativos e pensionistas.

8. Observa-se que a lei atribuiu pontuação aos servidores em atividade conforme seu desempenho institucional e individual mediante avaliação de de-sempenho. Acontece que essa gratificação, tal como a GDATA e a GDASST, também deve ser estendida aos inativos na mesma pontuação destinada aos servidores em atividade, pois, inicialmente, não foram realizadas as avaliações exigidas pela lei. Assim, a GDPGPE passou a possuir nítido caráter genérico, não justificando critérios diferenciados entre os ativos e inativos.

9. Quanto à possibilidade de pagamento diferenciado de gratificação de desempenho a servidores ativos, inativos e pensionistas, o e. Supremo Tribu-nal Federal, em regime de repercussão geral (RE 662.406/AL), com relação à GDAFTA, decidiu que a data a ser considerada seria a da homologação do resultado das avaliações, após a conclusão do primeiro ciclo de avaliações, não podendo retroagir os efeitos financeiros a data anterior. Confira-se a ementa:

DIREITO ADMINISTRATIVO – GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDA-DE TÉCNICA DE FISCALIZAÇÃO AGROPECUÁRIA (GDATFA) – TERMO FINAL

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DO DIREITO À PARIDADE REMUNERATÓRIA ENTRE SERVIDORES ATIVOS E INATIVOS – DATA DA REALIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO DO PRIMEIRO CICLO

1. O termo inicial do pagamento diferenciado das gratificações de desempenho entre servidores ativos e inativos é o da data da homologação do resultado das avaliações, após a conclusão do primeiro ciclo de avaliações, não podendo a Administração retroagir os efeitos financeiros a data anterior.

2. É ilegítima, portanto, nesse ponto, a Portaria Mapa nº 1.031/2010, que retroa-giu os efeitos financeiros da Gratificação de Desempenho de Atividade Técnica de Fiscalização Agropecuária – GDAFTA ao início do ciclo avaliativo.

3. Recurso extraordinário conhecido e não provido.

(RE 662406/AL, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, Julgado em 11.12.2014, DJe-031 13.02.2015)

10. Conclui-se, pois, que a GDPGPE deve ser paga aos servidores inati-vos e pensionistas no valor equivalente a 80% (oitenta por cento) do seu valor máximo, observados a classe e o padrão na carreira, até que sejam efetivadas as avaliações que considerem as condições específicas de exercício profissional.

11. É que, a partir da homologação do resultado da conclusão do 1º ciclo de avaliação de desempenho dos servidores ativos, a gratificação em questão perde o seu caráter de gratificação genérica e passa a adotar a natureza pro labore faciendo, não mais existindo desde então o direito dos servidores inativos e pensionistas à sua percepção nos valores pagos aos servidores em atividade.

12. Nesse sentido, reporto-me aos seguintes julgados, entre outros:CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – SÚ-MULA Nº 85 DO STJ – GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DO PLANO GERAL DE CARGOS DO PODER EXECUTIVO (GDPGPE) – LEI Nº 11.784/2008 – TER-MO FINAL – ISONOMIA ENTRE SERVIDORES ATIVOS E INATIVOS/PENSIO-NISTAS – ART. 40, § 8º, DA CR – EXTENSÃO – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES DA CORTE – SÚMULA VINCULANTE Nº 20 – EC 41/2003 – GDPGPE – REGU-LAMENTAÇÃO – NATUREZA GENÉRICA – EXTENSÃO AOS INATIVOS

1. Cuida-se de decisão proferida na regência do CPC de 1973, sob o qual tam-bém foi manifestado o recurso, e conforme o princípio do isolamento dos atos processuais e o da irretroatividade da lei, as decisões já proferidas não são al-cançadas pela lei nova, de sorte que não se lhes aplicam as regras do CPC atual, inclusive as concernentes à fixação dos honorários advocatícios, que se regem pela lei anterior.

2. Não há falar em reexame necessário, previsto no art. 475, inciso I, do CPC, quando a sentença estiver fundada em jurisprudência ou súmula do Supremo Tribunal Federal ou do tribunal superior competente (art. 475, § 3º, do CPC), o que ocorre na hipótese dos autos, visto que o Supremo Tribunal Federal reco-nheceu a repercussão geral da matéria em questão, aplicando o entendimento já pacificado no sentido de a GDASST ser uma gratificação de caráter genérico (REs 597.154 RG-QO/PB e 572.052 RG/RN).

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3. Prescrição aplicável ao caso na forma do disposto na Súmula nº 85 do STJ.

4. Estabelecidos os critérios e procedimentos referentes ao primeiro ciclo de ava-liação dos servidores para efeito de percepção da GDPGPE, em observância ao disposto na Lei nº 11.357/2006 e suas alterações e, ainda, ao Decreto nº 7.133 de 19 de março de 2010, limita-se à percepção da GDPGPE pelos servidores ina-tivos e pensionistas, nos mesmos moldes ofertados aos servidores em atividade, até a edição da Portaria de regulamentação e o processamento dos resultados da primeira avaliação de desempenho individual e institucional (art. 7º, da Lei nº 11.357/2006, acrescentado pelo art. 2º da Lei nº 11.784/2008).

5. Correção monetária e juros moratórios, como declinados no voto.

6. A verba honorária é devida em 5% sobre o valor da condenação, em confor-midade com o disposto no art. 20, § 4º, do CPC e a jurisprudência desta Corte.

7. Apelação da União desprovida; remessa oficial não conhecida.

(AC 0002964-90.2012.4.01.3100/AP, Rel. Des. Fed. Jamil Rosa de Jesus de Oliveira, 1ª T., DJF1 26.10.2016)

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DO PLANO GERAL DE CARGOS DO PODER EXECUTIVO (GDPGPE) – LEI Nº 11.784/2008 – ISONOMIA ENTRE ATIVOS E INATIVOS ATÉ A AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO DOS SERVIDORES EM ATIVIDADE – GRATIFICAÇÃO PRO LABORE FACIENDO – IMPOSSIBILIDADE DE PARIDADE APÓS O INÍCIO DO PRIMEIRO CICLO DE AVALIAÇÃO

1. A jurisprudência desta Corte firmou o entendimento no sentido de que a Gratificação de Desempenho do Plano Geral de Cargos do Poder Executivo – GDPGPE, embora criada com o caráter pro labore faciendo, em razão da falta de regulamentação das avaliações de desempenho, apresentava-se como gratifica-ção de natureza genérica.

2. O STF já enfrentou o tema, em repercussão geral, concluindo no sentido de que “homenageia o tratamento igualitário decisão que, até a avaliação dos ser-vidores em atividade, implica a observância da mesma pontuação – 80 – no tocante a inativos e pensionistas” (STF, RE 631.389/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe de 03.06.2014).

3. Com a regulamentação das avaliações de desempenho dos servidores pelo Decreto nº 7.133/2010, complementado, no âmbito de cada Ministério, por suas Portarias disciplinadoras (Ministério dos Transportes – Portaria nº 2592/2010; Mi-nistério das Minas e Energia – Portaria nº 853/2010 etc.), restou demonstrado o pressuposto exigido na Lei nº 11.784/2008 para que a gratificação – antes de natureza genérica –, se convolasse em pro labore faciendo. Dessa forma, disci-plinados os critérios e realizadas efetivamente as avaliações, a gratificação perde a sua natureza genérica, tornando descabida a extensão aos inativos.

4. O argumento de que as avaliações têm sido realizadas de forma genérica e que quase todos os servidores estão recebendo a pontuação máxima em relação à GDPGPE não é suficiente para descaracterizar a natureza pro labore faciendo da gratificação, mormente quando considerado que não cabe ao Poder Judiciário

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interferir na questão da pertinência e validade dos critérios impostos no âmbito discricionário da Administração.

5. Não subsiste base legal para o pagamento linear de ativos e inativos, após a avaliação de desempenho dos servidores, sendo este o limite à percepção da vantagem pelos servidores inativos e pensionistas nos mesmos moldes ofertados aos servidores em atividade.

6. Apelação da parte autora desprovida.

(AC 0093481-46.2014.4.01.3400/DF, Rel. Des. Fed. João Luiz de Sousa, 2ª T., DJF1 02.09.2016)

13. Oportuno ressaltar que não há que se falar em manutenção do quan-titativo de pontos entre servidores ativos e inativos, mas sim que seja assegurado tratamento equivalente de vencimentos e vantagens somente enquanto se tratar de verba de caráter genérico e impessoal, não associada ao exercício efetivo da função, pois, consoante tem reiteradamente decidido o egrégio STF, existindo diferenciação entre servidores, diretamente relacionada à efetiva participação no trabalho, em prol da arrecadação e resultados de fiscalização, e, desde que devidamente regulamentado o modo de aferição de desempenho, resta justifi-cável a percepção diferenciada de gratificações.

14. Ademais, o fim da paridade no pagamento da GDASS aos inativos não importa em ofensa à irredutibilidade de vencimentos, considerando que a partir de então a gratificação passa a ser devida em razão do desempenho dos servidores ativos, perdendo seu caráter de generalidade.

15. A Portaria/Ministério do Trabalho nº 2.592, de 29.10.2010, homolo-gou os resultados das avaliações de desempenho relativos ao 1º ciclo de ava-liações da GDPGPE no âmbito daquele órgão e, a partir daquela data, a parte autora não faz jus à percepção da aludida gratificação em paridade com os servidores em atividade.

16. Considerando que esta ação foi ajuizada em 23.11.2015, a prescrição atinge as parcelas anteriores a 23.11.2010. Como a parte autora somente tem direito ao pagamento da GDPGPE em paridade com os servidores em atividade até 29.10.2010 (data da homologação do resultado do 1º ciclo de avaliação de desempenho dos servidores ativos), as parcelas a elas devidas foram fulminadas pela prescrição quinquenal.

17. Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É o voto.

Juiz Federal César Cintra Jatahy Fonseca Relator Convocado

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8335

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Cível – Turma Espec. III – Administrativo e CívelNº CNJ: 0004608‑18.2013.4.02.5101 (2013.51.01.004608‑6)Relator: Desembargador Federal Ricardo PerlingeiroApelante: Camila Pereira DiasAdvogado: João Paulo Castro CarvalhoApelado: Fiocruz – Fundação Oswaldo CruzProcurador: Procurador FederalOrigem: 03ª Vara Federal do Rio de Janeiro (00046081820134025101)

ementAAPELAÇÃO – ADMINISTRATIVO – CONCURSO PúBLICO – CANDIDATO CLASSIFICADO ALÉM DO NúMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL – INExISTÊNCIA DE DIREITO À NOMEAÇÃO – MANUTENÇÃO DA SENTENÇA

1. Recurso de apelação interposta contra sentença que denegou a ordem em mandado de segurança impetrado para obter nomeação e posse no cargo de Tecnologista em Saúde – perfil Programação Visual, sob o fundamento de preterição em decorrência da contratação de terceirizados.

2. Recorrente que obteve classificação na 9ª posição. Das informações prestadas pela autoridade, depreende-se que, para o cargo pretendido pela apelante, foram nomeados candidatos até a 8ª posição, considerando as 6 vagas relacionadas no edital do certame. Ainda que fosse possível a produção de prova no sentido de corroborar eventual contratação ilegal, nenhuma utilidade resultaria à apelante, até porque a sua classificação em 9º lugar não lhe daria, até o final do prazo de validade do concurso, já expirado, direito à nomeação. Inexistente, in casu, preterição do candidato quanto à ordem de nomeação, não há direito a ser assegurado.

3. “Ainda que tivesse sido comprovada a contratação temporária para a realização da mesma função durante o prazo de validade do certame em detrimento da convocação de candidatos aprovados em concurso público, a demonstrar a necessidade de contratação de pessoal, não foi comprovada a existência de cargos efetivos vagos” (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 01417421920154025101, Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, e-DJF2R 12.01.2017). “Não se caracteriza o direito líquido e certo à nomeação de candidato aprovado fora do número de vagas diante

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da ausência de provas de que há cargos vagos na especialidade escolhida, em quantidade suficiente para alcançar a colocação do candidato no certame, e que sejam ocupados por servidores terceirizados irregularmente contratados” (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 00301296220134025101, Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro, e-DJF2R 26.09.2016). “A aprovação em concurso público fora do número de vagas não gera direito subjetivo à nomeação, mas tão somente uma expectativa de direito, [...] sendo prerrogativa da Administração Pública eleger, no âmbito de seu poder discricionário, a melhor forma de prestar os seus serviços, desde que de acordo com a lei” (TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 05068614820154025101, Rel. Des. Fed. Guilherme Diefenthaeler, e-DJF2R 08.09.2016).

4. Apelação não provida.

ACórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, na forma do relatório e do voto constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado.

Rio de Janeiro, 02 de maio de 2017 (data do Julgamento).

Ricardo Perlingeiro Desembargador Federal

relAtório

Trata-se de apelação interposta por Camila Pereira Dias contra sentença proferida em mandado de segurança impetrado por ato do Presidente da Fun-dação Oswaldo Cruz – Fiocruz, tendo por objeto nomeação e posse no cargo de Tecnologista em Saúde – perfil Programação Visual, sob o fundamento de preterição em decorrência da contratação de temporários.

A inicial relata que a impetrante prestou o concurso público, edital nº 03 de 12 de agosto de 2010, da Fundação Oswaldo Cruz, destinado à seleção de candidatos ao provimento de vagas para o cargo de tecnologista em saúde. Ale-gou que, após a realização da prova objetiva e de títulos, obteve aprovação em 9º lugar, havendo previsão em edital de seis vagas para o referido cargo. Susten-ta que houve nomeação até o 8º colocado, de forma que os outros aprovados estão sendo preteridos, tendo em vista que a Fiocruz manteria terceirizados exercendo as respectivas funções.

Sentença às fls. 159-161 denegou a segurança:

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Diante do exposto, julgo improcedente o pedido, denegando a ordem, com ful-cro no art. 269, I, do Código de Processo Civil. Sem custas tendo em vista a Gratuidade de Justiça deferida. Sem condenação ao pagamento de honorários advocatícios, de acordo com o art. 25, da Lei nº 12.016/2009.

Apelação às fls. 164-173, na qual sustenta, em síntese, que houve com-provação de que a Administração Pública preencheu vagas de modo ilegítimo, contratando terceirizados em detrimento dos candidatos regularmente aprova-dos em concurso público. Assim, aduz que tal medida atenta à garantia de igualdade no acesso aos cargos e empregos públicos e aos princípios da legali-dade e da moralidade.

Contrarrazões às fls. 177-180.

Parecer do MPF pelo não provimento da apelação (fl. 187).

É o relatório.

Ricardo Perlingeiro Desembargador Federal

voto

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Ricardo Perlingeiro (Relator):

Consoante relatado, trata-se de apelação interposta Camila Pereira Dias contra sentença que denegou a ordem em mandado de segurança impetrado por ato do Presidente da Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz, tendo por objeto nomeação e posse no cargo de Tecnologista em Saúde – perfil Programação Visual, sob o fundamento de preterição em decorrência da contratação de tem-porários.

A sentença denegatória lastreia-se nos seguintes fundamentos:

Conforme informações prestadas pela impetrada às fls. 129/132 e de acordo com os fatos narrados na inicial, a impetrante não se classificou dentro do número de vagas previsto no edital, razão pela qual ficou aguardando a nomeação em virtude de novas vagas que pudessem surgir. Portanto, não há notícia sobre a disponibilização de novas vagas durante o prazo de vigência do concurso e do efetivo preterimento da Impetrante dentro da ordem de classificação. A questão que se coloca diz respeito à possibilidade de se reconhecer a existência de novas vagas a partir da contratação em caráter temporário para o exercício de atividade semelhante. A faculdade de contratação de trabalhadores temporários pela ré em situações de emergência em saúde pública, prevista na Lei nº 8.745/1993, ainda que durante a validade do concurso e com candidatos aguardando disponibili-dade de vagas para serem convocados, não tem o condão de produzir lesão a direito líquido e certo da Impetrante. Trata-se de situação excepcional, aplicável

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em casos de emergência, nos quais não seria viável aguardar a autorização do Ministério do Planejamento para contratação de pessoal para o provimento de cargos públicos. É certo que eventuais abusos e desvios de finalidade merecem ser corrigidos pela tutela jurisdicional. Entretanto, os elementos que existem nos autos, na via estreita do mandado de segurança, não permitem que seja feito um juízo positivo sobre a existência de tais condutas ilegítimas.

Em que pese a argumentação recursal, a sentença deve prevalecer por seus próprios fundamentos, os quais adoto como razões de decidir.

Com efeito, verifica-se nos autos que recorrente obteve classificação na 9ª posição, em concurso com previsão em edital de 6 vagas disponíveis. Das informações prestadas pela autoridade coatora, depreende-se que, para o cargo pretendido pela apelante, foram nomeados candidatos até a 8ª posição, preen-chendo-se os cargos excedentes no decorrer do concurso.

Ainda que fosse possível a produção de prova no sentido de corroborar eventual contratação ilegal, nenhuma utilidade resultaria à apelante, até porque a sua classificação em 9º lugar não lhe daria, até o final do prazo de validade do concurso, já expirado, direito à nomeação. Inexistente, in casu, preterição do candidato quanto à ordem de nomeação, não há direito a ser assegurado.

No mesmo sentido:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO PARA PRO-VIMENTO DE VAGAS DESTINADAS AO CARGO DE PROFESSOR AUXILIAR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ) – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE HOUVE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PARA O EXERCÍCIO DA MESMA FUNÇÃO DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO PÚBLICO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CARGOS EFETIVOS VAGOS – DESPROVIMENTO DO RECURSO – 1. O Su-premo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento pacificado no sentido de que a aprovação além do número de vagas ofertadas pelo edital do concurso público gera mera expectativa de direito à nomeação, competindo à administração pública, dentro de seu poder discricionário, nomear os candidatos aprovados de acordo com a sua conveniência e oportunidade. 2. Entretanto, a mera expectativa dos candidatos convola-se em direito líquido e certo a partir do momento em que, dentro do prazo de validade do concurso, há contratação de pessoal, de forma precária, seja por comissão, terceirização ou contratação temporária, para o preenchimento de vagas existentes, em flagrante preterição àqueles que, aprovados em concurso ainda válido, estariam aptos a ocupar o mesmo cargo ou função. 3. Da detida análise dos autos, verifica-se que, de fato, durante o prazo de validade do concurso público a que se submeteu o impetrante, a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ abriu inscrições para processo seletivo simplificado para contratação temporária de professores subs-titutos. No entanto, nenhum dos processos seletivos simplificados objetivavam o preenchimento de vagas na área para a qual o impetrante havia sido aprovado,

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de Direito Ambiental e Biomedicina. 4. Desta forma, não foi comprovada a con-tratação temporária de qualquer agente público para realizar a mesma função para a qual foi o impetrante aprovado, de maneira que deve ser mantida a im-procedência do pedido formulado na petição inicial. 5. Além disso, ainda que tivesse sido comprovada a contratação temporária para a realização da mesma função durante o prazo de validade do certame em detrimento da convocação de candidatos aprovados em concurso público, a demonstrar a necessidade de contratação de pessoal, não foi comprovada a existência de cargos efetivos va-gos, tendo a autoridade impetrada afirmado, em suas informações, que, embora houvesse interesse na disponibilização de mais uma vaga para a disciplina de Direito Ambiental e Biomedicina, não houve a criação de tal vaga. 6. Recurso de apelação desprovido. (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 01417421920154025101, Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, e-DJF2R 12.01.2017)

APELAÇÃO CÍVEL – ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – CANDI-DATO APROVADO ALÉM DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTO NO EDITAL – INEXISTÊNCIA DE DIREITO À NOMEAÇÃO – 1. Cuida-se de apelação in-terposta em face de sentença que denegou a segurança requerida e julgou im-procedente o pedido de posse no cargo de administrador júnior da Petrobras. 2. Não há direito à nomeação depois de expirado o prazo de validade de con-curso. 3. Não se caracteriza o direito líquido e certo à nomeação de candida-to aprovado fora do número de vagas diante da ausência de provas de que há cargos vagos na especialidade escolhida, em quantidade suficiente para alcan-çar a colocação do candidato no certame, e que sejam ocupados por servido-res terceirizados irregularmente contratados. Precedentes: TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 200951010148785, Rel. Des. Fed. Marcus Abraham, e-DJF2R 24.02.2014; TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 201350010075205, Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, e-DJF2R 19.05.2014. 4. Apelação não provida. (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 00301296220134025101, Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro, e-DJF2R 26.09.2016)

ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – TÉCNICO EM INFORMAÇÕES GEOGRÁFICAS E ESTATÍSTICAS AI CANDIDATOS APROVADOS FORA DO NÚMERO DE VAGAS – MERA EXPECTATIVA DE DIREITO – CONTRATAÇÃO DE TEMPORÁRIOS – AUSÊNCIA DE PROVAS DA PRETERIÇÃO – INTERFERÊNCIA DO PODER JUDICIÁRIO APENAS EM CASOS DE FLAGRANTE ILEGALIDADE OU ILEGITIMIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO – APELAÇÃO DESPROVIDA – 1. Os Impetrantes participaram do concurso público para o cargo de Técnico em Informações Geográficas e Estatísticas AI, previsto no Edital CP nº 02/2013. Foram classificados para a vaga destinada à Agência do IBGE em Itapetinga/BA, em 4º e 5º lugares. Embora havia a previsão de 1 (uma) vaga para o cargo preten-dido, o 1º lugar e o 3º lugar foram nomeados no ano de 2014, pois o candidato aprovado em 2º lugar desistiu de tomar posse. Sustentam os Impetrantes que dois servidores da citada Agência se aposentaram, tendo seus aludidos cargos sido declarados vagos. 2. A aprovação em concurso público fora do número de vagas não gera direito subjetivo à nomeação, mas tão somente uma expectativa de

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direito. 3. O fato de abrirem novas vagas ou existirem contratações temporárias para o cargo ao qual os Impetrantes concorreram, conforme afirmaram, por si só, não se revela suficiente para assegurar a nomeação e posse dos candidatos, sendo prerrogativa da Administração Pública eleger, no âmbito de seu poder discricionário, a melhor forma de prestar os seus serviços, desde que de acordo com a lei. 4. Não verificada qualquer inconstitucionalidade ou ilegalidade na atuação da Administração, motivo pelo qual não pode o Poder Judiciário intervir. 5. Apelação desprovida. (TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 05068614820154025101, Rel. Des. Fed. Guilherme Diefenthaeler, e-DJF2R 08.09.2016)

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.

Ricardo Perlingeiro Desembargador Federal

Certidão de inClusão em pAutA

Certifico que, por ordem do Exmo. Sr. Desembargador Federal Presidente da 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal – 2ª Região, este pro-cesso foi incluído na Pauta de Julgamentos de 02.05.2017, disponibilizada no e-DJF2R em 18.04.2017, às fls. 237/298, com data formal de publicação em 19.04.2017 nos termos do § 3º do art. 4º da Lei nº 11.419/2006.

Certifico, ainda, que, nos casos em que for parte ente público com prer-rogativa de intimação pessoal, esta Subsecretaria expediu mandado de intima-ção dessa sessão de julgamento, através de oficial de justiça e que o mesmo encontra-se arquivado nesta Subsecretaria.

Rio de Janeiro, 27 de abril de 2017.

(Assinado eletronicamente – Alínea a, inciso III, § 2º, art. 1º da Lei 11.419/2006) Mônica Cataldo de Oliveira Matrícula 11314

Certidão de publiCAção

Certifico e dou fé que o(a) r. despacho/decisão/acórdão/ato ordinatório de fl(s). retro foi disponibilizado no e-DJF2R em 12.05.2017, às fl(s). 183/256, com data formal de publicação em 15.05.2017, consoante o art. 4º, § 3º da Lei nº 11.419/2006.

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Do que, para constar, lavrei a presente certidão.

Rio de Janeiro, 15 de maio de 2017.

(Assinado eletronicamente – Alínea a, inciso III, § 2º, art. 1º da Lei 11.419/2006) Marcelo Rocha Remiz Matrícula 11452

Pauta: 289

0004608-18.2013.4.02.5101 (2013.51.01.004608-6)

Apelação Cível – Turma Espec. III – Administrativo e Cível

Originário: 03ª Vara Federal do Rio de Janeiro

(00046081820134025101)

Pauta: 02.05.2017 Julgado: 02.05.2017

Relator: Des. Fed. Ricardo Perlingeiro

Presidente da Sessão: Aluisio Gonçalves de Castro Mendes

Procurador da República: Anaiva Oberst Cordovil

AutuAção

Apte.: Camila Pereira Dias

Advogado: João Paulo Castro Carvalho

Apdo.: Fiocruz – Fundação Oswaldo Cruz

Procdor.: Procurador Federal

Certidão

Certifico que a Egrégia 5ª Turma Especializada ao apreciar o processo eletrônico em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte de-cisão:

Por unanimidade, negou-se provimento à apelação, na forma do voto do Relator.

Votou o(a) ou votaram os(as) Des. Fed. Ricardo Perlingeiro, J. F. Conv. Jose Eduardo Nobre Matta e Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes.

Acacio Henrique De Aguiar Secretário (a)

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoAgravo Legal em Apelação Cível nº 0012157‑28.2014.4.03.6100/SP2014.61.00.012157‑5/SPRelator: Desembargador Federal Hélio NogueiraApelante: Anaide Maria Pereira GomesAdvogado: SP250821 José Renato Costa Hilsdorf e outro(a)Apelado(a): União Federal – MEXAdvogado: SP000019 Luiz Carlos de FreitasAgravada: Decisão de folhasNº Orig.: 00121572820144036100 7ª Vr. São Paulo/SP

ementACONSTITUCIONAL – APELAÇÃO CÍVEL – MILITAR – PEDIDO DE PENSÃO ESPECIAL DE Ex- -COMBATENTE – LEI Nº 4.242/1963 – NÃO DEMONSTRADA A INCAPACIDADE DE A REQUERENTE (FILHA MAIOR E CAPAz) PROVER OS PRÓPRIOS MEIOS DE SUBSISTÊNCIA – AGRAVO LEGAL IMPROVIDO

1. Cumpre reconhecer que, de fato, a concessão da pensão especial para ex-combatente deve ser regida pela legislação vigente na data do óbito, conforme posicionamento pacífico do Supremo Tribunal Federal: RE 598.150/RJ-AgR, 1ª T., Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 21.02.2011 e MS 21.707, Red. para o Acórdão Min. Marco Aurélio, DJ 22.09.1995.

2. Definida a legislação aplicável, passa-se, doravante, à análise dos requisitos para a concessão do benefício requestado. Os requisitos da pensão requerida devem ser analisados à luz do art. 30 da Lei nº 4.242/1963, quais sejam: 1) ser o ex-militar integrante da FEB, da FAB ou da Marinha; 2) ter efetivamente participado de operações de guerra; 3) encontrar-se o ex-militar, ou seus dependentes, incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência; e 4) não perceber qualquer importância dos cofres públicos. Os dois últimos requisitos são extensíveis aos dependentes, que devem provar o seu preenchimento.

3. Embora a Lei nº 3.765/1960 considerasse como dependentes também as filhas maiores de 21 (vinte e um) anos, de qualquer condição, o art. 30 da Lei nº 4.242/1963, ao instituir a pensão de segundo-sargento, trouxe um requisito específico de prova de que os ex-combatentes encontravam-se “incapacitados, sem poder prover os próprios meios de

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subsistência”, e que não percebiam “qualquer importância dos cofres públicos”, acentuando sobremaneira a natureza assistencial daquele benefício, que deverá ser preenchido não apenas pelo ex-combatente, mas também pelos dependentes. Destarte, imperiosa a necessidade de preenchimento dos requisitos referidos quanto às dependentes.

4. No caso dos autos, na data do óbito da viúva, as apelantes não preenchiam os requisitos trazidos pela lei de regência. Não constam dos autos quaisquer indícios de que era ou é inválida para justificar o recebimento da pensão. Interessa ao caso a avaliação de que não era inválida à época do falecimento do pai ou da mãe, a justificar a reversão da pensão, pois descumpridos os requisitos legais impostos: prova de incapacidade, de que não podem prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos. Assim sendo, resta inviável reconhecer o direito à pensão requerida, ante o não preenchimento dos requisitos legais já mencionados.

5. Nesse sentido, jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça: REsp 1365585/PE, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, J. 13.08.2013, v.u., DJe 20.08.2013, AgRg-REsp 1137430/SC, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, J. 13.08.2013, v.u., DJe 20.08.2013 e REsp 1357152/SC, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, J. 07.05.2013, v.u., DJe 15.05.2013.

6. Como se observa, a decisão agravada foi fartamente motivada, com exame de aspectos fáticos do caso concreto e aplicação da legislação específica e jurisprudência consolidada, sendo que o agravo apenas reiterou o que já havia sido antes deduzido e já enfrentado e vencido no julgamento monocrático, não restando, portanto, espaço para a reforma postulada.

7. Nesse sentido já se pronunciou a jurisprudência: TRF 3ª R., 3ª T., Agravo no AI nº 201003000374845/SP, Rel. Des. Fed. Márcio Moraes, J. 14.06.2012, DE 25.06.2012; TRF 3ª R., 5ª T., AC 200861140032915, Relª Desª Fed. Ramza Tartuce, J. 04.08.2009; STJ, 2ª T., AgRg-REsp 1109792/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 18.06.2009; STF, 2ª T., AgRg-AI 754086, Rel. Min. Celso de Mello, J. 25.08.2009.

8. Agravo legal não provido.

ACórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo legal, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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São Paulo, 02 de maio de 2017.

Hélio Nogueira Desembargador Federal

relAtório

O Exmo. Desembargador Federal Hélio Nogueira (Relator):

Trata-se de Agravo Legal interposto por Anaíde Maria Pereira Gomes contra decisão monocrática (fls. 166/168) que, com fundamento no art. 557, caput, do antigo Código de Processo Civil, negou seguimento ao recurso.

Insurge-se a agravante contra a decisão monocrática ao argumento de que não se encontram presentes os pressupostos legais que autorizam a nega-tiva de seguimento, com fundamento no art. 557, caput, do antigo Código de Processo Civil.

Argumenta que foram atendidos os requisitos legais para o deferimento da pensão especial.

Defende, ainda, que embora o Pai da Apelante tenha falecido em 11/06/1988, portanto, antes da entrada em vigor da Lei nº 8.059/1990 que re-gulamentou o art. 53 do ADCT de 1988 esse fato, por si só, não temo condão de revogar o art. 30 da Lei nº 4.242/1963.

O recurso é tempestivo.

Regularmente intimada, nos termos do art. 1.021, § 2º, do Novo Códi-go de Processo Civil, a Agravada apresentou Contraminuta ao Agravo Legal, fls. 182/192.

É o relatório.

Apresento o feito em mesa na forma regimental.

voto

O Exmo. Desembargador Federal Hélio Nogueira (Relator):

Não assiste razão à Apelante, ora Agravante. Os argumentos apresenta-dos neste recurso não são suficientes para desconstituir a decisão impugnada.

Em primeiro lugar, verifico que o mencionado art. 30 da Lei nº 4.242/1963 mencionado pela Agravante foi revogado pela Lei nº 8.059/1990 e a jurispru-dência do Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento no sentido de que:

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“AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – PENSÃO DE EX--COMBATENTE – REVERSÃO – LEI 4.242/63 APLICÁVEL À ÉPOCA DO ÓBITO – FILHA MAIOR E NÃO INVÁLIDA – FUNDAMENTO DA DECISÃO RECORRIDA NÃO IMPUGNADO – SÚMULA Nº 182/STJ – IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO – SÚMULA Nº 83/STJ

1. Nos termos da Súmula nº 182/STJ, ‘é inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão recorrida’.

2. Considerando a data do óbito do ex-combatente, a sistemática da concessão da pensão especial será regida pela Lei nº 4.242/1963, combinada com a Lei nº 3.765/1960, na hipótese do falecimento ter se dado antes da Constituição da República de 1988, na qual, em linhas gerais, estipula a concessão de pensão especial, equivalente à graduação de Segundo Sargento, de forma vitalícia, aos herdeiros do ex-combatente, incluída as filhas maiores de 21 anos e válidas, desde que comprovem a condição de incapacidade e impossibilidade de susten-to próprio (AgRg-AgRg-REsp 1348576/RN, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 04.12.2012, DJe 10.12.2012).

3. Hipótese em que não há provas nos autos de que a autora seja incapacitada, sem poder prover seus próprios meios de subsistência, tampouco que não recebe qualquer importância dos cofres públicos.

4. Agravo interno a que se nega provimento.

(AgInt-AREsp 924.178/ES, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., Julgado em 16.08.2016, DJe 26.08.2016)

No caso dos autos, não há qualquer prova da incapacidade e da impos-sibilidade de manutenção do sustento da Autora, ora Apelante.

No mais, não vislumbro, nos argumentos trazidos pela agravante, moti-vos que infirmem a decisão monocrática ora atacada, razão pela qual retomo seus fundamentos:

Trata-se de apelação contra sentença de fls. 105/108, que julgou improcedente pedido de habilitação como dependente, reversão e continuo e permanente pa-gamento de pensão especial de ex-combatente.

Alega a apelante que seu direito à pensão especial está amparado na Lei nº 4.242/1963 e no art. 28 da Lei nº 3.765/1960, bem como que jurisprudência é favorável ao seu pleito.

Contrarrazões (fls. 140/164).

Dispensada a revisão, por se tratar de matéria predominantemente de direito, bem como a manifestação do MPF, nos termos regimentais.

É, no essencial, o relatório.

DECIDO.

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Nos termos do caput e § 1º-A do art. 557 do CPC e da Súmula nº 253/STJ, o re-lator está autorizado, por meio de decisão monocrática, a negar seguimento ou dar provimento ao recurso voluntário e à remessa oficial, nas hipóteses de pedido inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com a jurisprudência dominante da respectiva Corte Regional ou de Tribunal Superior.

O caso comporta julgamento na forma do art. 557 do CPC.

Inicialmente, cumpre reconhecer que, de fato, a concessão da pensão especial para ex-combatente deve ser regida pela legislação vigente na data do óbito, conforme posicionamento pacífico do Supremo Tribunal Federal:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – PREVIDENCIÁ-RIO – EX-COMBATENTE – PENSÃO ESPECIAL – REGÊNCIA PELA LEGISLAÇÃO VIGENTE NA ÉPOCA DO ÓBITO DO INSTITUIDOR – PRECEDENTES – AGRA-VO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.

(STF, RE 598.150/RJ-AgR, 1ª T., Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe de 21.02.2011)

CONSTITUCIONAL – PENSÃO POR MORTE DE EX-COMBATENTE DA SEGUN-DA GUERRA MUNDIAL – FALECIMENTO OCORRIDO EM 1982 – INAPLICÁ-VEL A SISTEMÁTICA DO ART. 53, ADCT – É DEVIDA PENSÃO CORRESPON-DENTE À DE SEGUNDO-SARGENTO – LEI Nº 4.242/1963 – Esta Corte assentou o entendimento de que a pensão especial por morte de ex-combatente da Segun-da Guerra Mundial rege-se pelas disposições normativas em vigor no momento do óbito

(STF, MS 21.707, Red. para o Acórdão Min. Marco Aurélio, DJ 22.09.1995)

Definida a legislação aplicável, passa-se, doravante, à análise dos requisitos para a concessão do benefício requestado.

Os requisitos da pensão requerida devem ser analisados à luz do art. 30 da Lei nº 4.242/1963, quais sejam: 1) ser o ex-militar integrante da FEB, da FAB ou da Marinha; 2) ter efetivamente participado de operações de guerra; 3) encontrar-se o ex-militar, ou seus dependentes, incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência; e 4) não perceber qualquer importância dos cofres pú- blicos.

Os dois últimos requisitos são extensíveis aos dependentes, que devem provar o seu preenchimento.

Com efeito, embora a Lei nº 3.765/1960 considerasse como dependentes também as filhas maiores de 21 (vinte e um) anos, de qualquer condição, o art. 30 da Lei nº 4.242/1963, ao instituir a pensão de segundo-sargento, trouxe um requisito específico de prova de que os ex-combatentes encontravam-se “in-capacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência”, e que não per-cebiam “qualquer importância dos cofres públicos”, acentuando sobremaneira a natureza assistencial daquele benefício, que deverá ser preenchido não apenas pelo ex-combatente, mas também pelos dependentes.

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Destarte, imperiosa a necessidade de preenchimento dos requisitos referidos quanto às dependentes.

No caso dos autos, na data do óbito da viúva, as apelantes não preenchiam os re-quisitos trazidos pela lei de regência. Não constam dos autos quaisquer indícios de que era ou é inválida para justificar o recebimento da pensão.

Interessa ao caso a avaliação de que não era inválida à época do falecimento do pai ou da mãe, a justificar a reversão da pensão, pois descumpridos os requisitos legais impostos: prova de incapacidade, de que não podem prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos.

Assim sendo, resta inviável reconhecer o direito à pensão requerida, ante o não preenchimento dos requisitos legais já mencionados.

Nesse sentido, jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça, veja-se:

ADMINISTRATIVO – PENSÃO ESPECIAL – EX-COMBATENTE – ART. 30 DA LEI Nº 4.242/1963 – FILHAS MAIORES DE 21 ANOS – INCAPACIDADE DE PRO-VER SEU PRÓPRIO SUSTENTO – NÃO RECEBIMENTO DE OUTROS VALORES DOS COFRES PÚBLICOS – VERIFICAÇÃO – NECESSIDADE – RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM

1. O direito à pensão de ex-combatente é regulado pela norma vigente na data do falecimento deste. Precedentes.

2. De acordo com o art. 30 da Lei nº 4.242/1963, o recebimento da pensão es-pecial depende de o militar, integrante da FEB, FAB, ou Marinha, ter participado efetivamente de operações de guerra e esteja incapacitado, sem condições de prover seu próprio sustento, além de não receber outros valores dos cofres pú-blicos. Os dois últimos requisitos devem ser comprovados também pelos seus herdeiros. Precedentes.

3. Recurso especial provido em menor extensão, para que os autos retornem a Corte a quo, que deverá examinar os requisitos constantes do art. 30 da Lei nº 4.242/1963 para a concessão da pensão.”

(STJ, REsp 1365585/PE, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, J. 13.08.2013, v.u., DJe 20.08.2013)

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – ADMINISTRATIVO – PEN-SÃO DE EX-COMBATENTE PLEITEADA POR FILHA MAIOR DE 21 ANOS – MILITAR FALECIDO EM 1985 – NECESSIDADE DE ATENDIMENTO AOS RE-QUISITOS PREVISTOS NO ART. 30 DA LEI Nº 4.242/1963 – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA INCAPACIDADE DA AGRAVANTE, BEM COMO DE QUE NÃO POSSUI MEIOS DE PROVER A PRÓPRIA SUBSISTÊNCIA – IMPOSSIBILI-DADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO – PRECEDENTES

1. O benefício previsto no art. 30 da Lei nº 4.242/1963 é devido àqueles que comprovem, bem como aos respectivos herdeiros, o atendimento dos seguintes requisitos: 1º) ser ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, da FEB, da FAB e da Marinha, assim considerados aqueles que participaram efetivamente das

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operações de guerra; 2º) encontrar-se incapacitado, sem poder prover os pró-prios meios de subsistência; e 3º) não perceber qualquer importância dos cofres públicos.

2. Na linha da jurisprudência que atualmente predomina no Superior Tribunal de Justiça, as filhas maiores dos ex-combatentes têm direito à pensão instituída pelo art. 30 da Lei nº 4.242/1963, condicionada a concessão – tal como exigido do instituidor do benefício – à comprovação da incapacidade e da consequente impossibilidade de prover a própria subsistência.

3. Caso em que a autora, por considerar suficiente a prova da filiação com o falecido ex-combatente, não cuidou de demonstrar a própria incapacidade, cir-cunstância que inviabiliza o deferimento da pensão.

4. Agravo regimental a que se nega provimento.” – Grifei.

(STJ, AgRg-REsp 1137430/SC, 5ª T., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, J. 13.08.2013, v.u., DJe 20.08.2013)

ADMINISTRATIVO – PENSÃO ESPECIAL – EX-COMBATENTE – VIOLAÇÃO AO ART.535 – INEXISTÊNCIA – ART. 30 DA LEI Nº 4.242/1963 – FILHA MAIOR DE 21 ANOS – INCAPACIDADE DE PROVER SEU PRÓPRIO SUSTENTO – COM-PROVAÇÃO – AUSÊNCIA

1. A Corte de origem dirimiu a controvérsia de forma clara e fundamentada, em-bora de maneira desfavorável à pretensão do recorrente. Não é possível se falar, assim, em maltrato ao art. 535, II, do Código de Processo Civil.

2. O direito à pensão de ex-combatente é regulado pela norma vigente na data do falecimento deste. Precedentes.

3. A jurisprudência do STJ toma o conceito mais amplo de ex-combaten-te somente para fins do recebimento das pensões especiais previstas nas Leis nºs 6.592/1978, 7.424/1985 e no art. 53 do ADCT e não para concessão da pen-são especial prevista na Lei nº 4.242/1963.

4. De acordo com o art. 30 da Lei nº 4.242/1963, o recebimento da pensão es-pecial depende de o militar, integrante da FEB, FAB, ou Marinha, ter participado efetivamente de operações de guerra e esteja incapacitado, sem condições de prover seu próprio sustento, além de não receber outros valores dos cofres pú-blicos. Os dois últimos requisitos devem ser comprovados também pelos seus herdeiros. Precedentes.

5. Não havendo notícia da incapacidade da autora para prover seu próprio sus-tento, não tem direito ao benefício pleiteado.

6. Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido.” – Grifei.

(STJ, REsp 1357152/SC, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, J. 07.05.2013, v.u., DJe 15.05.2013)

Ante o exposto, com apoio no art. 557 do CPC e na Súmula nº 253/STJ c/c o art. 33 do RI/TRF-3ª Região, nego seguimento à apelação.

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Publique-se. Intimem-se. Decorrido o prazo recursal, o que a Secretaria da Turma certificará, baixem os autos ao Juízo de origem com as cautelas de estilo.

Como se observa, a decisão agravada foi fartamente motivada, com exa-me de aspectos fáticos do caso concreto e aplicação da legislação específica e jurisprudência consolidada, sendo que o agravo apenas reiterou o que já havia sido antes deduzido e já enfrentado e vencido no julgamento monocrático, não restando, portanto, espaço para a reforma postulada.

Nesse sentido já se pronunciou a jurisprudência: TRF 3ª R., 3ª T., Agravo no AI nº 201003000374845/SP, Rel. Des. Fed. Márcio Moraes, J. 14.06.2012, DE 25.06.2012; TRF 3ª R., 5ª T., AC 200861140032915, Relª Desª Fed. Ramza Tartuce, J. 04.08.2009; STJ, 2ª T., AgRg-REsp 1109792/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 18.06.2009; STF, 2ª T., AgRg-AI 754086, Rel. Min. Celso de Mello, J. 25.08.2009.

Pelo exposto, nego provimento ao agravo legal.

É o voto.

Hélio Nogueira Desembargador Federal

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

8337

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação/Remessa Necessária nº 5046510‑18.2016.4.04.7100/RSRelator: Ricardo Teixeira do Valle PereiraApelante: DSD Engenharia Ltda.Advogado: Edemar SorattoApelado: Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPAMPF: Ministério Público Federal

ementAMANDADO DE SEGURANÇA – DIREITO ADMINISTRATIVO – CONTRATO ADMINISTRATIVO – APLICAÇÃO DE PENALIDADES – CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA – MOTIVAÇÃO

O mandado de segurança firma-se em dois pressupostos constitucionais inafastáveis, quais sejam, a proteção a direito líquido e certo do im-petrante, contra ato ilegal e abusivo, praticado pela autoridade.

Satisfatoriamente demonstrados os pressupostos da ação mandamental, correta a sentença que concedeu a segurança.

ACórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, deci-de a Colenda 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimi-dade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 25 de abril de 2017.

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator

relAtório

Trata-se de mandado de segurança impetrado por DSD Engenharia Ltda. em face de ato da Reitora da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Por-to Alegre – UFCSPA, objetivando provimento judicial que reconheça a nulidade da inscrição da impetrante no cadastro do Sicaf e da multa pecuniária imposta,

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ambas as penalidades aplicadas pela autoridade impetrada em detrimento da impetrante, nos autos do Processo Administrativo nº 23103005182/2014-66.

Foi deferido o pedido liminar.

Sentenciando, o Juízo a quo concedeu a segurança, para anular a mul-ta administrativa aplicada e determinar à autoridade impetrada que exclua a inscrição da impetrante do cadastro do Sicaf para fins de suspensão de partici-pação em licitações promovidas pela UFCSPA. Sem honorários (art. 25 da Lei nº 12.016, de 2009).

Inconformada, apelou a UFCSPA. Aduz que inexistente qualquer feri-mento ao contraditório e à ampla defesa na aplicação das sanções à impetrante, não havendo que se falar em qualquer nulidade no procedimento da impetrada. Requer seja recebido e provido o apelo para o fim de modificar a sentença re-corrida, reconhecendo-se a total improcedência do pedido.

O Ministério Público Federal opinou pela intimação da UFCSPA para tra-zer aos autos cópias das fls. 1216 a 1514 do processo administrativo em questão ou, no mínimo, de todas as peças que guardem alguma relação com a decisão administrativa de imposição das sanções e, igualmente, de todas as peças que guardem alguma relação com a decisão que negou provimento ao recurso ad-ministrativo da empresa (evento 4).

É o relatório.

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator

voto

Na presente ação, a impetrante narrou ter celebrado com a UFCSPA con-trato de prestação de serviços nº 22/2015, resultante da adjudicação do objeto do Pregão nº 20/2015, ajuste que, posteriormente, veio a ser rescindido, atra-vés de processo administrativo, em face da constatação de inadimplência por parte da impetrante. Aduziu que a decisão foi proferida sem que lhe tivesse sido oportunizado o prévio exercício do contraditório e da ampla defesa. Disse, ainda, que, além dessa medida, foram impostas em seu detrimento, por meio de ato do Gestor de Contratos da Reitoria da UFCSPA, ofício nº 040/2016/GC/UFCSPA, de 09.05.2016, a pena pecuniária correspondente a 20% do valor global do contrato e a inscrição da impetrante no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – Sicaf para que restasse impedida de participar de futuros processos licitatórios instaurados pela Universidade. Alegou, contudo, que a decisão proferida no processo administrativo não contemplava a imposi-ção das aludidas sanções, de modo que restam, assim, eivadas de nulidade, por

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ausência da correspondente motivação, além da inobservância de uma série de princípios administrativos e contratuais e de previsões constantes nas Leis nº 8.666/1993 e nº 9.784/1999, no Decreto nº 5.450/2005 e no Edital que regia a contratação. Informou que, em 24.05.2016, foi expedido pelo Gestor de Con-tratos o ofício nº 044/2016/GC/UFCSPA, em resposta à impugnação promovida pela autora naquela esfera administrativa, mantendo a determinação contida no ofício anterior.

No que respeita ao conjunto probatório trazido aos autos, irrefutáveis são os fundamentos expostos pelo juízo singular, os quais vão em parte transcritos, como razões de decidir:

[...]

Trata-se de mandado de segurança através do qual a impetrante pretende a ex-clusão de seu nome no cadastro do Sicaf e anulação da penalidade de multa aplicada pela autoridade impetrada, por meio do Gestor de Contratos da Reitoria da UFCSPA.

Com relação à rescisão unilateral do Contrato nº 22/2015, embora a impetrante tenha alegado inobservância do seu direito ao exercício do prévio contraditório e da ampla defesa em relação a tal medida adotada pela autoridade impetrada, sobressai da petição inicial que o inconformismo recai tão somente sobre a im-posição das outras penalidades aplicadas, acima discriminadas, tanto que ex-clusivamente em relação a elas foram formulados os pedidos expressos na parte conclusiva da exordial. Não há pedido de retomada da relação negocial outrora havida com a Universidade, ou de anulação da rescisão.

O que se colhe da inicial é que os defeitos decorrentes da violação do contradi-tório e da ampla defesa que a impetrante aponta existirem na decisão adminis-trativa em que restou confirmada a rescisão do contrato, atingiriam, também, a validade da aplicação das demais penalidades – multa e inscrição do cadastro do Sicaf para fins de impedimento de licitar –, na medida em que o cabimento das referidas sanções, no caso concreto, não foi objeto da fundamentação desenvol-vida pela autoridade administrativa na aludida deliberação.

Definidos os limites objetivos da demanda, passo a analisar o mérito.

No que tange à observância ou não dos princípios do contraditório e da ampla defesa, pela autoridade impetrada, no processo instaurado para fins de tentati-va de adimplemento de obrigações contratuais por parte da impetrada, e que resultou na rescisão contratual, observa-se que, antes da sugestão do Fiscal do Contrato no sentido apenas da rescisão contratual, registrada no Memorando nº 08/2016, de 16 de fevereiro de 2016 (evento 14, PROCADM5, p. 2), foi opor-tunizado à contratada, em diversas ocasiões, manifestar-se a respeito e regulari-zar as pendências constatadas, sob pena de rescisão contratual e demais sanções contratuais, conforme se verifica dos Ofícios que a própria impetrante traz aos autos, quais sejam os de nº 075/2015/GC/UFCSPA, nº 011/2016/GC/UFCSPA, nº 012/2016/GC/UFCSPA, nº 014/2016/GC/UFCSPA, nº 015/2016/GC/UFCSPA,

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nº 016/2016/GC/UFCSPA, nº 017/2016/GC/UFCSPA (evento 1, OUT10; evento 14, PROCADM2/3/4/5).

Verifica-se, ainda que, após a sugestão da rescisão do ajuste, foi a impetrante no-vamente notificada, em 17 de fevereiro de 2016, através do Ofício nº 020/2016/GC/UFCSPA, para exercer o direito de defesa e o contraditório (evento 14, PRO-CADM5, p. 3). Como revela o acompanhamento da remessa postal (evento 14, PROCADM7, p. 1), a notificação foi recebida pela impetrada em 19 de fevereiro de 2016.

Colhe-se dos autos do processo administrativo, que a Defesa foi apresentada em 24 de fevereiro de 2016 (evento 14, PROCADM6), e, ainda que nominada pela autoridade administrativa como “Julgamento de Recurso Administrativo” (evento 14, PROCADM8), não restou evidenciada nos autos a supressão de instância processual, tendo em vista as notificações anteriormente realizadas, conforme acima descrito.

Na referida Defesa, foi apresentada a impugnação dos motivos que, segundo a Administração, justificariam a rescisão contratual, o mesmo sendo feito no Pedi-do de Reconsideração (evento 14, PROCADM9). Nesta última ocasião, em que pese desacolhida a tese defensiva pela autoridade administrativa, o mérito re-cursal foi devidamente enfrentado, conforme decisão de 18 de março de 2016 (evento 1, OUT16).

Como se observa, a decisão administrativa final foi proferida levando em con-sideração as alegações de defesa da impetrante, cujas razões foram afastadas de forma fundamentada pela autoridade julgadora, do que resultou a conclu-são definitiva no sentido da rescisão do ajuste, por inadimplemento contratual, como autoriza o art. 58, V, combinado com os arts. 78, I, e 79, I, todos da Lei nº 8.666/1993, bases normativas do item 21 do Edital e da Cláusula Décima Ter-ceira do contrato (evento 1, EDITAL5 e CONTR6).

Portanto, no que se refere à decisão pela rescisão contratual, não foi a impetrante tolhida do direito ao exercício do contraditório e da ampla defesa no processo administrativo em que reconhecida a sua situação de inadimplência no Contrato nº 022/2015 celebrado com a UFCSPA.

Nesse sentido foi o parecer do Ministério Público Federal, o qual acolho quanto ao ponto, nos termos em que seguem transcritos, in verbis:

Pois bem. O Contrato nº 22/2015, firmado entre impetrante e impetrada, fin-dou por ser extinto, por rescisão unilateral, em vista do reconhecimento do des-cumprimento contratual pela contratada. O cerne da discussão, ora sob análise, cinge-se à suposta ilegalidade no cometimento de sanções administrativas à im-petrante.

De acordo com o item 22 do edital (EDITAL5 – Evento 1, p. 30-31), em especial o que ressai do subitem 22.8, “em qualquer hipótese de aplicação de sanções serão assegurados à licitante vencedora o contraditório e a ampla defesa”. No caso dos autos, do processo administrativo acostado ao evento 14, consta que,

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no dia 20 de janeiro de 2016, realizou-se reunião na qual se deliberou por defi-nir os prazos nos quais a contratada haveria de comprovar o adimplemento das irregularidades já verificadas no âmbito da execução do pacto (PROCADM2, p. 01). Superado o primeiro prazo fixado, em 27 de janeiro de 2016, a empresa foi notificada, por correspondência eletrônica, do vencimento do termo ajustado (PROCADM2, p. 06), o que foi corroborado pelo envio de carta em meio físico (PROCADM3 – Evento 14). Apesar de não visualizado nos autos, infere-se que, nos dias 5 e 12 de fevereiro seguintes, a impetrante foi novamente cientificada da mora em adimplir com os termos do contrato, inclusive com a oportunização de prazo para apresentação das suas razões (PROCADM4 – Evento 14; PROCADM5 – Evento 14, p. 01).

Não há indicativo nos autos, porém, de que a impetrante haja se manifestado diante de todas essas interpelações administrativas.

De todo modo, após a manifestação do servidor fiscalizador do contrato, a au-toridade administrativa determinou expressamente a abertura de prazo para am-pla defesa e contraditório (OUT10 – Evento 1, p. 14; PROCADM5 – Evento 14, p. 02), cuja notificação recebeu a interessada em 19 de fevereiro de 2016 (PROCADM7 – Evento 14, p. 01), com prazo para resposta do qual não se con-troverteu, pois, observado pela impetrante (OUT12 – Evento 1; PROCADM6 – Evento 14).

Logo, diante de todas as oportunidades que lhe foram conferidas, não se verifica a violação dos princípios da ampla defesa e do contraditório na instrução do processo administrativo em discussão.

No ponto específico das penalidades impostas, vale dizer, aliás, que a esse res-peito a empresa sancionada apresentou suas razões, como se extrai do conteúdo defensivo extraído das fls. 1.139-1.140 dos autos administrativos (PROCADM6 – Evento 14, p. 09-10), além de repisá-los no pedido de reconsideração de fls. 1.199-1.215 (PROCADM9 – Evento 14). Então, não prevalece o raciocínio de que, antes de impostas as sanções, não haja ela sido instada a se pronunciar, ou mesmo que não haja ela efetivamente se manifestado sobre o esposado.

Eventual controvérsia que se extrairia da decisão de não conhecer da defesa, pela irregularidade de representação da contratada nos autos (PROCADM8 – Evento 14), por outro turno, também não se sustenta. Isso porque, consoante se depreen-de do “julgamento de recurso administrativo” de 18 de março de 2016 (OUT16 – Evento 16 [Evento 1]), referida decisão foi revista para, em que pese conhecer-se do recurso interposto, negar-lhe provimento. [...]”

Já quanto à aplicação das demais sanções administrativas, a imposição da san-ção pecuniária, no montante de R$ 274.048,31, verificou-se por meio do Ofício nº 040/2016/GC/UFCSPA, de 09 de maio de 2016, expedido pelo Gestor de Contratos, com fundamento na Cláusula Décima Segunda, alínea d e Parágrafo Segundo do contrato em referência (evento 1, OFIC7).

Por sua vez, a inscrição da impetrante no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – Sicaf, para fins de impedimento de licitar no âmbito da UFCSPA,

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foi constatada por meio de Declaração da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (evento 1, OUT8).

No que tange à previsão de tais penalidades por inexecução de contrato adminis-trativo, dispõe o art. 58, II a IV, da Lei nº 8.666/1993 no seguinte sentido:

Art. 58. O regime jurídico dos contratos administrativos instituído por esta Lei confere à Administração, em relação a eles, a prerrogativa de:

II – rescindi-los, unilateralmente, nos casos especificados no inciso I do art. 79 desta Lei;

III – fiscalizar-lhes a execução;

IV – aplicar sanções motivadas pela inexecução total ou parcial do ajuste;

No art. 87 da Lei nº 8.666/1993 encontram-se elencadas as espécies de sanções para cuja aplicação está autorizada a autoridade administrativa na hipótese de inexecução contratual, nos termos que seguem:

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I – advertência;

II – multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III – suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Adminis-tração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

§ 1º Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será desconta-da dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.

§ 2º As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplica-das juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

§ 3º A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclu-siva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação.

O sistema constitucional brasileiro impede que o Estado imponha penalidades aos particulares sem uma lei prévia que defina a infração e a sanção, lógica que

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merece especial atenção no âmbito do Direito Administrativo Repressivo. Por isso, toda sanção administrativa que porventura vier a ser estipulada em contra-to administrativo tendo como causa a inexecução de obrigação contratual deve constar do rol do art. 87 da Lei nº 8.666/1993, sob pena de violação do princípio da legalidade.

No caso sob exame, o contrato celebrado entre a impetrante e a UFCSPA, em conformidade com o item 22 do Edital e item 22 do seu Anexo I (evento 1, EDI-TAL5, p. 8 e 30), prevê em sua Cláusula Décima Segunda, como consequência de eventual inexecução contratual imputável à contratante, as seguintes sanções (evento 1, CONTR6, p. 7/8):

CLÁUSULA DÉCIMA-SEGUNDA – DAS SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E PE-NALIDADES

Pela inexecução total ou parcial do objeto do presente instrumento, a Contra-tante poderá, garantida prévia defesa, rescindir o Contrato e, caso a Contrata-da venha a incorrer em uma das situações previstas o artigo 78, incisos I a XI, e XVIII da Lei nº 8.666/1993, segundo a gravidade da falta cometida, aplicar as seguintes penalidades:

a) Multa compensatória de 10% (dez por cento), calculada sobre o valor total da proposta devidamente atualizado, sem prejuízo da aplicação de outras sanções previstas no art. 87 da Lei nº 8.666/1993, na hipótese de recusa injustificada da licitante vencedora em retirar ou receber o contrato no prazo de cinco (05) dias úteis, após regularmente convocado, prorrogáveis por mais de cinco (05) dias úteis;

b) Advertência;

c) Multa de mora no percentual correspondente a 0,5% (cinco décimos por cento), por dia de atraso dos serviços, a ser calculada sobre o valor da parcela que der causa, até o limite de 10% (dez por cento), caracterizando inexecução parcial, para cada ocorrência;

d) Multa compensatória no percentual de 20% (vinte por cento), calculada sobre o valor total da proposta, pelo descumprimento de obrigações ou pelo atraso além do prazo de vinte (20) dias, caracterizando inexecução total do contrato.

[...]

Parágrafo Quinto – Ficará impedido de licitar e de contratar com a UFCSPA, pelo prazo de até 05 (cinco) anos, garantindo o direito prévio da citação e da ampla defesa, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que a aplicou a penalidade, a Contratada que:

a) deixar de assinar o contrato;

b) deixar de entregar documentação exigida no edital e contrato;

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c) apresentar documentação falsa;

d) ensejar o retardamento da execução do objeto deste Pregão;

e) não mantiver a proposta, injustificadamente;

f) comportar-se de modo inidôneo;

g) fizer declaração falsa;

h) cometer fraude fiscal;

i) faltar ou fraudar na execução do contrato.

[...]

Parágrafo Décimo Segundo – As penalidades serão obrigatoriamente regis-tradas no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – Sicaf, e no caso de suspensão de licitar, o licitante será descredenciado por igual perí-odo, sem prejuízo das multas previstas o contrato e das demais cominações legais.

Parágrafo Décimo Terceiro – As sanções previstas neste Contrato são inde-pendentes entre si, podendo ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa-mente, sem prejuízo de outras medidas cabíveis.

Segundo apurado administrativamente, as faltas em que incorreu a contratada consistiram nas seguintes condutas (evento 1, OUT16, p. 2; evento 14, PROCA-DM5, p. 2):

– reincidentes atrasos no pagamento de salários, vales-alimentação e transporte dos empregados;

– descumprimento de prazos de execução de serviços;

– falta de disponibilização de equipe de plantonista em finais de semana e feria-dos;

– greve dos colaboradores por falta de pagamento dos salários;

Diante das faltas apuradas e do conjunto de regras previstas para reger a relação contratual mantida entre a impetrante e a Universidade, a autoridade impetrada justifica a imposição das penalidades administrativas na sua previsão contratual, no sentido de que seria prescindível justificação outra que não o próprio con-trato, já que este estaria em conformidade com o instrumento editalício e com a legislação, atendendo aos princípios da vinculação ao edital e da legalidade.

Contudo, não é o que basta para a legitimidade da atuação administrativa, tendo em vista que princípios constitucionais outros informadores do Direito Adminis-trativo Sancionador exigem a demonstração de que a pena aplicada seja propor-cional à ilicitude cometida. Desse modo, a consequente necessidade de ponde-ração por parte do administrador requer, por sua vez, a exposição dos motivos da imposição daquela específica sanção a determinada conduta ilícita.

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É o que determina a própria legislação, conforme Lei nº 9.784/1999, que assim dispõe:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da lega-lidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade,moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

VI – adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, res-trições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;

[...]

Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:

II – imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções;

A respeito do tema, é oportuno citar a doutrina de Marçal Justen Filho (Co-mentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16. ed. Revista dos Tribunais. 2014), para quem

[...] é pacífico que o sancionamento ao infrator deve ser compatível com a gravidade e a reprovabilidade da infração. São inconstitucionais os preceitos normativos que imponham sanções excessivamente graves, tal como é dever do aplicador dimensionar a extensão e a intensidade da sanção aos pressu-postos do antijurídico a extensão e a intensidade da sanção aos pressupostos de antijuridicidade apurados. O tema traz a lume o princípio da proporcio-nalidade.

[...] Lembre-se a exposição de Franck Moderne, no sentido de que:

“Como o princípio da especificação e o princípio da não retroatividade, o princípio da proporcionalidade originalmente se impôs no Direito Penal. De lá, foi passado ao Direito Administrativo Repressivo, onde ele é entranhado das mesmas preocupações e produz os mesmos efeitos: adaptar a sanção à gravidade da infração, evitar as punições excessivas em relação aos fatos que as motivam (o que implica a motivação das decisões)”. (página 1.142)

Com efeito, os instrumentos do edital e do contrato, embora prevejam a possi-bilidade de aplicação de sanção pecuniária e de imposição de impedimento de licitar por determinado período, inclusive de forma cumulativa, não estabelecem, de antemão, os critérios orientadores da escolha de uma e outra penalidade, nem os critérios da própria cumulação.

Não se verifica, pois, dos autos do processo administrativo apresentados em juízo, a exposição específica dos motivos de incidência da cláusula que prevê a aplicação de multa compensatória no percentual de 20% sobre o valor total da proposta, dever cujo cumprimento exigiria, por exemplo, a exposição das razões

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pelas quais se entendeu que as faltas cometidas pela contratada consistiriam em descumprimento de obrigações equivalente a inexecução total do contrato, na forma como previsto na alínea d do caput da Cláusula Décima Segunda (evento 1, CONTR6).

Note-se que, enquanto o Ofício nº 040/2016/GC/UFCSPA, que aplicou a multa, apenas faz remissão à sua previsão contratual (evento 1, OFIC7), o julgamento do Pedido de Consideração expôs tão somente os motivos da rescisão unilate-ral do ajuste (evento 1, OUT16), medida que não pressupõe, necessariamente, inexecução total do contrato, de acordo com o disposto nos arts. 77 e 78 da Lei nº 8.666/1993. Em outras palavras, não foi exposta a relação de proporcionali-dade entre o inadimplemento verificado e a multa aplicada, em desacordo com o estabelecido pela própria estipulação contratual, que prevê a aplicação das penalidades ali elencadas “segundo a gravidade da falta cometida”.

Quanto à inscrição da impetrante no Sicaf para efeito de impedimento de parti-cipar de licitações promovidas pela UFCSPA, não houve sequer prova da edição de ato administrativo dedicado à sua aplicação no caso concreto, tão pouco de notificação da impetrada acerca da aplicação da aludida sanção, existindo tão somente as previsões editalícia e contratual, que enumeram uma série de condu-tas justificadoras da medida. Embora entre tais faltas estejam previstas, por exem-plo, “ensejar o retardamento da execução do objeto deste Pregão” e “faltar [...] na execução do contrato”, nas quais, em princípio, poderiam adequar-se as falhas imputadas à impetrante, a aplicação de penalidade dessa natureza não pode ser desprovida da demonstração específica de sua adequação, no que se refere à incidência e graduação da medida. Além disso, sequer houve explicitação dos fatores que justificariam a cumulação desta sanção com a multa aplicada e com a rescisão promovida pela Administração.

Quanto ao ponto, diga-se, ainda, que as previsões editalícia e contratual destoam do disposto no art. 87, III, da Lei nº 8.666/2003, visto que extrapolam o período de 02 (dois) anos, tempo máximo para a manutenção da suspensão de partici-pação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, segundo o dispositivo legal. Cumpre acrescentar que, se a intenção era aplicar o disposto no inciso IV do referido artigo de lei, a medida ali prevista (declaração de inido-neidade para licitar ou contratar com a Administração Pública) igualmente não comportaria aplicação no caso dos autos, tendo em vista a competência exclusi-va do Ministro de Estado ou do Secretário Estadual ou Municipal para aplicação da citada sanção, além de carecer da correspondente motivação.

De acordo com o exposto, impõe-se a conclusão de que os pressupostos fáticos para a imposição de cada uma das sanções administrativas previstas para a re-lação negocial não coincidem necessariamente com aqueles justificadores da rescisão. Nesse sentido, assiste razão à impetrante quando afirma inobservância do direito ao exercício ao contraditório e à ampla defesa relativamente a tais sanções.

Reitere-se que a proporção das mencionadas sanções administrativas em relação às faltas obrigacionais constatadas pela autoridade fiscalizadora não se extrai

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direta e tão somente das previsões legal, editalícia e contratual, devendo ser de-monstradas em decisão fundamentada, que pressupõe a necessária participação da interessada no processo de formação do juízo do administrador acerca preci-samente da proporcionalidade entre a conduta e a sanção.

Nesse sentido, restaram inobservados o disposto na Lei nº 9.784/1999, na parte em que dispõe:

Art. 2º, Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, en-tre outros, os critérios de:

X – garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;

Art. 68. As sanções, a serem aplicadas por autoridade competente, terão na-tureza pecuniária ou consistirão em obrigação de fazer ou de não fazer, asse-gurado sempre o direito de defesa.

É como entendeu recentemente o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp 1457255/PR, cuja ementa segue transcrita:

RECURSO ESPECIAL – ADMINISTRATIVO – MULTA – INMETRO – NECES-SIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO QUE FIXOU O VALOR DA MULTA – QUESTÃO DE DIREITO E NÃO DE FATO – INTELIGÊNCIA DO ART. 9º, § 1º DA LEI Nº 9.933/1999 – INDISPENSABILIDADE DE MOTIVAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO QUE FIXA SANÇÃO – RECURSO ESPECIAL CONHECI-DO E PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA DE PRIMEIRO GRAU, QUE, RECONHECENDO A AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO, REDU-ZIU O VALOR DA MULTA PARA O MÍNIMO LEGAL

1. A controvérsia posta nos autos é diversa daquela discutida no recurso re-presentativo de controvérsia REsp. 1.102.578/MG, da relatoria da eminente Ministra Eliana Calmon, uma vez que não se discute, sequer implicitamente, a legalidade das normas expedidas pelo Conmetro e Inmetro.

2. A tese sustentada no Recurso Especial diz respeito à necessidade de mo-tivação do ato que impõe sanção administrativa; não se discute o poder da Administração de aplicar sanções, a legalidade das normas expedidas pelo órgão fiscalizador, ou, simplesmente, a razoabilidade e proporcionalidade do valor arbitrado, mas a necessidade de o órgão administrativo, ao impor a pe-nalidade que entende devida, motivar adequadamente seu ato, com a expli-citação dos fatores considerados para a gradação da pena, tal como determi-nado pelo art. 9º, § 1º da Lei nº 9.933/1999, questão de direito e não de fato.

3. Tenho defendido com rigor a necessidade e mesmo a imperatividade de motivação adequada de qualquer ato administrativo e principalmente do ato sancionador. É, sem dúvida, postulado que advém de uma interpretação am-pla do texto Constitucional, como desdobramento do princípio do contradi-tório, porquanto a discricionariedade do Administrador encontra limite no

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devido processo legal, estando previsto, ainda, na Lei 9.784/1999, que regula o processo administrativo.

4. O Tribunal a quo entendeu que a menção ao motivo pelo qual o recorren-te estava sendo apenado – ausência de selo de identificação em 12 reatores eletrônicos – era suficiente para a escolha aleatória do valor da multa, dentro dos valores possíveis (à época entre R$ 100,00 e R$ 50.000,00), confundindo motivo (infringência da norma) com motivação (apresentação dos fundamen-tos jurídicos que justificam a escolha da reprimenda imposta), olvidando-se, ainda, de que a própria Lei nº 9.933/1999 informa os critérios a serem utili-zados para a gradação da pena (art. 9º, § 1º e incisos), quais sejam: (a) gravi-dade da infração, (b) vantagem auferida pelo infrator, (c) a condição econô-mica do infrator e seus antecedentes, (d) prejuízo causado ao consumidor; e (e) repercussão social da infração.

5. É dever do órgão fiscalizador/sancionador indicar claramente quais os parâmetros utilizados para o arbitramento da multa, sob pena de cercear o direito do administrado ao recurso cabível, bem como o controle judicial da legalidade da sanção imposta; com efeito, sem a necessária individualização das circunstâncias favoráveis ou desfavoráveis à empresa em razão da infra-ção cometida, não há como perceber se o valor da multa é ou não proporcio-nal; veja-se que, no caso, concreto, a multa foi arbitrada em valor próximo do máximo admitido pela norma legal.

6. Tal circunstância não passou despercebida pelo Julgador singular, que ano-tou, com propriedade, a falta de motivação do ato administrativo de fixação da pena de multa, reduzindo-a ao mínimo legal.

7. Recurso Especial conhecido e provido para restabelecer a sentença.

(REsp 1457255/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T., Julgado em 07.08.2014, DJe 20.08.2014)

À mesma conclusão chegou o Ministério Público Federal, ainda que apenas sob o fundamento do dever de motivação do ato administrativo, conforme a sequência do parecer que segue transcrita, in verbis:

A ilegalidade, porém, parece estar patente justamente na indigitada decisão, mas por motivo diverso. É que, com razão a impetrante, a autoridade administrativa nada mencionou acerca das penas incidentes à espécie, muito menos a gradação cabível no caso. Não motivou, portanto, a eleição das sanções imputadas dentre as cabíveis.

Conforme consta do subitem 22.1 do edital, além da multa compensatória de 20% (vinte por cento) sobre o valor total da proposta, previu-se a aplicação de multas em patamares diversos e de advertência (EDITAL5 – Evento 1, p. 30). Outrossim, o impedimento de licitar e de contratar, nos termos do subitem 22.6, possui como prazo máximo o de 5 (cinco) anos. Nesse caso, entre as penas cabí-veis, por não constar da decisão que rescindiu o contrato a fundamentação para

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a eleição das sanções cominadas, o ato administrativo carece de validade, por atentar contra disposição expressa do artigo 50, inciso II da Lei nº 9.784/1999.

Diante disso, a decisão administrativa objurgada não merece subsistir, o que im-plica o desfazimento dos seus efeitos, nos termos do que reclama a impetrante, pois, em seu lugar, outra haverá de ser prolatada, no sentido de expor os fun-damentos para o enquadramento dos fatos às hipóteses de rescisão contratual, assim como às sancionadoras, inclusive com a gradação aplicável.

Em face do exposto, o Ministério Público Federal opina pela concessão da segu-rança.

Assim, pelos fundamentos expostos, são nulas as penalidades administrativas aplicadas à impetrante – multa compensatória e impedimento de licitar –, tendo em vista a violação ao direito ao contraditório e à ampla defesa, assim como em razão da ausência de motivação dos atos administrativos sancionadores.

Configurada, portanto, a violação de direito líquido e certo da impetrada, decor-rente de ilegalidade praticada por autoridade pública, nos termos do art. 5º, LXIX, da Constituição Federal.

É devida a concessão liminar da ordem para efeito de execução provisória da sentença (art. 14, § 4º, da Lei nº 12.016/2009).

Ante o exposto, concedo a segurança pleiteada, inclusive liminarmente, para anular a multa administrativa aplicada e determinar à autoridade impetrada que exclua a inscrição da impetrante do cadastro do Sicaf para fins de suspensão de participação em licitações promovidas pela UFCSPA, nos termos da fundamen-tação.

Sem condenação em honorários advocatícios.

A tais fundamentos, não foram opostos argumentos idôneos a infirmar o convencimento do julgador. A sentença manteve o entendimento manifestado na decisão liminar, merecendo confirmação, por seus próprios fundamentos.

Por certo, o mandado de segurança firma-se em dois pressupostos cons-titucionais inafastáveis, quais sejam, a proteção a direito líquido e certo do im-petrante, contra ato ilegal e abusivo, praticado pela autoridade. O autor da ação mandamental possui o dever de demonstrar, mediante prova pré-constituída, e existência do direito postulado, com o correspondente lastro legislativo, bem como a sua titularidade sobre o aludido direito, e ainda, cumulativamente, de-monstrar que tal direito material está sofrendo ataque abusivo e ilegal, por parte de autoridade pública.

No caso em exame, a sentença analisou com profundidade a contro-vérsia e, de acordo com a prova trazida aos autos, restaram satisfatoriamente demonstrados os pressupostos da ação mandamental. Assim, correta a sentença que concedeu a segurança.

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Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação e ao reexame ne-cessário, nos termos da fundamentação.

Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Relator

eXtrAto de AtA dA sessão de 25.04.2017

Apelação/Remessa Necessária nº 5046510-18.2016.4.04.7100/RS

Origem: RS 50465101820164047100

Relator: Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Presidente: Marga Inge Barth Tessler

Procurador: Dr(a) Cláudio Dutra Fontella

Apelante: DSD Engenharia Ltda.

Advogado: Edemar Soratto

Apelado: Fundação Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA

MPF: Ministério Público Federal

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 25.04.2017, na sequência 610, disponibilizada no DE de 10.04.2017, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígra-fe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à apelação e à remessa oficial.

Relator Acórdão: Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira

Votante(s): Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira Des. Federal Fernando Quadros da Silva Desª Federal Marga Inge Barth Tessler

José Oli Ferraz Oliveira Secretário de Turma

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (convocado)Embargos de Declaração em Apelação Cível nº 579400‑SE(0001048‑09.2012.4.05.8500/01)Apte.: Helena da Silva LeiteAdv./Proc.: Janete de Oliveira Souza GomesApte.: DNIT – Departamento Nacional de Infra‑Estrutura de TransportesRepte.: Procuradoria Regional Federal da 5ª RegiãoApdo.: os mesmosEmbte.: DNIT – Departamento Nacional de Infra‑Estrutura de TransportesOrigem: 2ª Vara Federal de Sergipe – SERelator: Des. Federal Ivan Lira de Carvalho (Convocado)

ementAEMBARGOS DECLARATÓRIOS – ADMINISTRATIVO – DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA – DANOS MATERIAIS – CABIMENTO – LOTEAMENTO JAPUÍ – PEDRA BRANCA – MUNICÍPIO DE LARANJEIRAS/SE – SENTENÇA MANTIDA – DISCUSSÃO ACERCA DE MATÉRIA Já ANALISADA – IMPOSSIBILIDADE – OMISSÃO QUANTO À VERBA HONORáRIA

I – Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que deu parcial provimento à apelação do DNIT, para afastar a condenação no pagamento de danos morais, e negou provimento à apelação do parti-cular.

II – O DNIT embargou ao argumento de que o acórdão da Segunda Turma restou omisso quanto ao fato de que a área de terra abrangida pela obra de duplicação da BR 101/SE encontrava-se localizada na faixa de domínio já existente da rodovia, sendo descabida a indenização pleiteada. Questionou o valor da indenização constante do laudo pericial e apontou omissão quanto à condenação em honorários advocatícios.

III – Decidiu o acórdão embargado, com base nas provas acostadas, que foi realizada a duplicação da pista de rolamento no sentido Laranjeiras/Aracaju, contendo totalmente o lote 01 de propriedade da autora; que o acostamento engloba 50% do lote 02 e que a tubulação de esgotamento transfixa os lotes 01 e 02, vindo a desembocar quase no centro do lote 03 (laudo técnico, fls. 227/242). Isso é fato. A questão em discussão diz respeito aos supostos prejuízos sofridos pela autora, em razão de ser proprietária de imóvel situado às margens da BR-101.

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IV – Ao avaliar o preço da terra ocupada, considerando a sua dimensão, localização, estado de conservação, segurança do imóvel e benfeitorias, entendeu o perito que o valor da área objeto da desapropriação (comple-tamente nua), considerando os parâmetros ditados pelas normas e, pelo método comparativo usando inferência estatística (matemática avança-da), seria no montante de R$ 66.248,00 (sessenta e seis mil, duzentos e quarenta e oito reais).

V – Não é possível, em sede de embargos declaratórios, reabrir discussão acerca de questão já debatida e decidida.

VI – O Código de Processo Civil, em seu art. 1.022, condiciona o cabi-mento dos embargos de declaração à existência de omissão, contradição, obscuridade ou erro no acórdão embargado, não se prestando este recur-so à repetição de argumentação contra o julgamento de mérito da causa.

VII – No que diz respeito à verba honorária, apesar deste relator enten-der ser aplicável o regramento trazido pela Lei nº 13.105/2015/CPC, a Segunda Turma do TRF 5ª Região já pontua entendimento majoritário no sentido de prestigiar o princípio da vedação da surpresa, segundo o qual não podem as partes ser submetidas a um novo regime processual financeiramente oneroso, ao meio de uma liça que ainda se desenvolve. E nessa linha, há que ser aplicada a disciplina do CPC de 1973, que não proibia a fixação de honorários em quantia certa e também não previa honorários advocatícios recursais.

VIII – Embargos de declaração parcialmente providos, para afastar a omissão quanto aos honorários advocatícios, fixados em R$ 2.000,00.

[03]

ACórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos de Declaração em Apelação Cível, em que são partes as acima mencionadas.

Acordam os Desembargadores Federais da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em dar parcial provimento aos embargos de declaração, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráfi-cas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado.

Recife, de de 2017.

Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho Relator Convocado

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relAtório

O Exmo. Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Relator Con-vocado): Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que deu parcial provimento à apelação do DNIT, para afastar a condenação em no pa-gamento de danos morais, e negou provimento à apelação do particular.

O DNIT embargou ao argumento de que o acórdão da Segunda Tur-ma restou omisso quanto ao fato de que a área de terra abrangida pela obra de duplicação da BR-101/SE encontrava-se localizada na faixa de domínio já existente da rodovia, sendo descabida a indenização pleiteada. Questionou o valor da indenização constante do laudo pericial e apontou omissão quanto à condenação em honorários advocatícios.

É o relatório.

Apresento o feito em mesa independente de pauta.

voto

O Exmo. Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho (Relator Con-vocado): Trata-se de embargos de declaração opostos contra acórdão que deu parcial provimento à apelação do DNIT, para afastar a condenação em no pa-gamento de danos morais, e negou provimento à apelação do particular.

O DNIT embargou ao argumento de que o acórdão da Segunda Tur-ma restou omisso quanto ao fato de que a área de terra abrangida pela obra de duplicação da BR-101/SE encontrava-se localizada na faixa de domínio já existente da rodovia, sendo descabida a indenização pleiteada. Questionou o valor da indenização constante do laudo pericial e apontou omissão quanto à condenação em honorários advocatícios. Alguns aspectos merecem análise.

Decidiu o acórdão embargado, com base nas provas acostadas, que foi realizada a duplicação da pista de rolamento no sentido Laranjeiras/Aracaju, contendo totalmente o lote 01 de propriedade da autora; que o acostamento engloba 50% do lote 02 e que a tubulação de esgotamento transfixa os lo-tes 01 e 02, vindo a desembocar quase no centro do lote 03 (laudo técnico, fls. 227/242). Isso é fato. A questão em discussão diz respeito aos supostos pre-juízos sofridos pela autora, em razão de ser proprietária de imóvel situado às margens da BR-101.

Ao avaliar o preço da terra ocupada, considerando a sua dimensão, loca-lização, estado de conservação, segurança do imóvel e benfeitorias, entendeu o perito que o valor da área objeto da desapropriação (completamente nua), considerando os parâmetros ditados pelas normas e, pelo método comparati-

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vo usando inferência estatística (matemática avançada), seria no montante de R$ 66.248,00 (sessenta e seis mil, duzentos e quarenta e oito reais).

Não houve omissão quanto a isso.

Ao analisar os embargos declaratórios, observo que se repete argumenta-ção já veiculada nos autos.

O acórdão embargado foi prolatado com amparo na legislação que rege a espécie e em consonância com a jurisprudência do Tribunal. O entendimento nele sufragado abarca todas as questões aventadas em sede de embargos, de modo que não restou caracterizada qualquer omissão no pronunciamento ju-risdicional impugnado.

Na verdade, o que se constata é a pretensão do embargante de reabrir discussão acerca da temática de mérito. Neste sentido, trago à colação o seguin-te precedente do colendo Superior Tribunal de Justiça:

“ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – RESSARCI-MENTO AO SUS – FORMAÇÃO DEFICIENTE – PEÇAS ILEGÍVEIS – JUNTADA POSTERIOR – NÃO CABIMENTO – INEXISTÊNCIA DE OMISSÃO – INCON-FORMISMO DA EMBARGANTE – REVISÃO DO JULGADO – VIA IMPRÓPRIA – EMBARGOS REJEITADOS

1. Os embargos de declaração, a teor dos arts. 535, II, do CPC e 263 do RISTJ, prestam-se a sanar omissões eventualmente existentes no acórdão.

2. O que a embargante chama de vício é na verdade tentativa de modificação do entendimento firmado pelo órgão julgador, uma vez que não há no corpo do decisum posicionamentos que exijam esclarecimentos mais acurados.

3. Não obstante doutrina e jurisprudência admitam a modificação do acórdão por meio dos embargos de declaração, essa possibilidade sobrevém como resultado da presença dos vícios que ensejam sua oposição, o que não ocorre no presente caso, em que a questão levada à apreciação do órgão julgador foi devidamente exposta e analisada, não havendo omissões a serem sanadas.

4. Incumbe ao agravante o dever de formar corretamente o recurso de agravo, cabendo fiscalizar a apresentação das peças obrigatórias previstas no art. 544, § 1º, do Código de Processo Civil, que devem constar do instrumento no ato de sua interposição, cuja juntada posterior é inadmissível, uma vez que operada a preclusão consumativa. Precedentes do STJ.

5. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ, 1ª T., EDcl-AgRg-Ag 1321768/RJ, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, J. 07.12.2010, Publ. DJe 16.12.2010)

Conforme se verifica, os embargos declaratórios não servem de instru-mento para repetição de argumentação contra o julgamento de mérito da causa.

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No que diz respeito à verba honorária, entendo ser aplicável o regramen-to trazido pela Lei nº 13.105/2015/CPC, que no art. 85 disciplina o assunto, inclusive dando ênfase à fixação da remuneração dos advogados através de percentual incidente sobre o valor da condenação ou do proveito econômico ou do valor atualizado da causa, inclusive fazendo destaque para as causas em que a Fazenda Pública figura como parte (§ 3º). Também o vigente CPC inova ao prever honorários advocatícios recursais (§ 11).

Não desconheço que em razão da incipiência de aplicação de um novo código, muitas dúvidas advenham, notadamente no que diz respeito a conflitos intertemporais das normas. Parece-me ser caminho certo a atenção ao que diz o art. 14 da lei em comento: “a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais pratica-dos e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada”.

Por outro lado, não posso olvidar que a Segunda Turma do TRF 5ª Re-gião já pontua entendimento majoritário no sentido de prestigiar o princípio da vedação da surpresa, segundo o qual não podem as partes ser submetidas a um novo regime processual financeiramente oneroso, ao meio de uma liça que ainda se desenvolve. E nessa linha, há que ser aplicada a disciplina do CPC de 1973, que não proibia a fixação de honorários em quantia certa e também não previa honorários advocatícios recursais.

Esse posicionamento da Segunda Turma pode ser sentido quando do jul-gamento da Ac. 58302/PE, bem assim da Ap-Reex 0802623-03.2013.4.05.8300, havidas na sessão ordinária do dia 29.03.2016, onde, em nome da harmonia das decisões, ressalvei o ponto de vista acima narrado e acompanhei os relato-res que entenderam diversamente. Em ambos os julgamentos deixei registrada em notas taquigráficas a provisoriedade do posicionamento que assumi, deixan-do espectro para possível revisão da linha de julgar.

Com ser assim, ainda animado pela harmonia das decisões turmárias, mantenho neste julgado a regra do direito anterior, em respeito à jurisprudência desta Segunda Turma.

Diante do exposto, dou parcial provimento aos embargos de declaração apenas para afastar a omissão quanto aos honorários advocatícios, fixados no valor de R$ 2.000,00.

É como voto.

Parte Geral – Ementário de Jurisprudência8339 – Agente público – responsabilidade pessoal – impossibilidade – teoria do órgão – obser­

vância

“Processo civil. Administrativo. Agravo de instrumento. Teoria do órgão. Responsabilidade pessoal do agente público. Secretária de Saúde do Município. Impossibilidade. Ausente no polo passivo. STJ. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido e provido. 1. As alegações da agravante encon-tram guarida na teoria do órgão público, constantemente aplicada pelos tribunais, especialmente, quando se trata da responsabilização pessoal do agente público. A característica fundamental da teoria do órgão público consiste no princípio da imputação volitiva, ou seja, a vontade do órgão público é imputada à pessoa jurídica a cuja estrutura pertence. 2. Assim, parece-me desarrazoada a decisão do juízo a quo ao determinar a pena de responsabilidade pela omissão do descumprimento da medida concedida para a agravante, com a cominação de multa diária aplicada ao agente públi-co responsável, pois tal autoridade não se confunde com a entidade pública do município de barro, nem a representa processualmente. 3. A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que, para ser imputada à agravante tal responsabilidade deveria ela fazer parte do polo passivo da demanda o que ocorreria caso a desídia no fornecimento da cadeira de rodas especial dever-se a conduta desempenhada diretamente por ela. 4. O entendimento exposto no acórdão impugnado se amolda à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, firmada no sentido de que o agente público não pode ser pessoalmente condenado ao pagamento de astreintes se não figurou como parte na relação processual em que imposta a cominação, sob pena de afronta ao direito constitucional de ampla defesa. 5. Existem outras formas eficazes de coerção, como a cominação de astreintes em desfavor do próprio município e o bloqueio de verbas públicas para garantir a eficácia da decisão. 6. Agra-vo de instrumento conhecido e provido.” (TJCE – AI 0626784-64.2016.8.06.0000 – Rel. Antônio Abelardo Benevides Moraes – DJe 13.03.2017 – p. 63)

8340 – ANP – auto de infração – tipicidade de condutas – legalidade

“Apelação. Administrativo. Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP. Auto de infração. Tipicidade das condutas. Legalidade. Recurso desprovido. 1. A controvérsia pos-ta nos autos cinge-se em perquirir se as condutas perpetradas pela apelante constantes dos itens 2.1 e 2.3 do documento de fiscalização nº 806-101-15-33-43439, de 27.01.2015, configurariam violação aos itens 27.1 do Capítulo VI e 19.1 do Capítulo IV do Regulamento Técnico de Dutos Terrestres – RTDT. 2. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, autar-quia federal vinculada ao Ministério de Minas e Energia, foi efetivamente implantada pelo Decreto nº 2.455, de 14 de janeiro de 1998, sendo o órgão regulador das atividades que integram a referida indústria, com a responsabilidade pela execução da política nacional para o setor energético do petróleo, gás natural e biocombustíveis. 3. Os fatos descritos no item 2.1 do boletim de fiscalização são incontroversos, requerendo a apelante, tão somente, que seja reconhecida a atipicidade da conduta, visto que não teria ocorrido prejuízo efetivo. Todavia, tendo em vista que a não imple-mentação do controle de corrosão interna dos dutos descumpriu as recomendações técnicas de Relatórios de Monitoração da Corrosão, quais sejam a EMI 07/2014, no período de 14.02.2013 a 18.02.2013, e EMI 19/2013, no período de 23.08.2012 a 14.02.2013, constituída a infração ad-ministrativa disposta no item 27.1 do Capítulo VI, Regulamento Técnico anexo à Resolução ANP nº 06/2011, sendo a conduta apenada nos termos do art. 3º, inciso IX, da Lei nº 9.847/1999, não restando, assim, configurada a atipicidade alegada, tampouco violação ao princípio da legalidade ou da reserva legal. 4. Depreendeu-se da ação de fiscalização que houve encerramento da atividade da apelante com pendência de treinamento e capacitação da força de trabalho responsável por alte-rar o sentido do fluxo de operadores envolvidos na operação das válvulas, tendo o treinamento sido encerrado em 18.05.2012, contudo constou da operacionalização da mudança o dia 06.05.2012. 5. Verifica-se que as provas acostadas aos autos revelam a subsunção do fato à norma, incor-rendo na infração do item 19.1, Capítulo IV, do Regulamento Técnico anexo à Resolução ANP nº 06/2011, sendo a conduta apenada nos termos do art. 3º, inciso IX, da Lei nº 9.847/1999. 6. Insta ressaltar que não cabe ao Poder Judiciário interferir no mérito administrativo, sob pena de ofensa ao

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princípio da separação dos poderes, cabendo somente apreciar o ato administrativo discricionário tido por ilegal ou abusivo. 7. No caso em comento, não restou demonstrada ilegalidade ou abuso de poder aptos a afastar a penalidade de multa aplicada, cabendo registrar que a imposição de pe-nalidade pecuniária tem caráter educativo e repreensivo, e a autuação decorreu do poder de polícia da ANP, cujo objetivo foi resguardar o interesse público de modo a evitar danos. 8. Verba honorária majorada de 5% (cinco por cento) para 6% (seis por cento) sobre o valor atualizado da causa, nos termos do disposto no art. 85, § 3º, inciso III, § 4º, inciso III, e § 11, do novo Código de Processo Civil. 9. Recurso de apelação desprovido.” (TRF 2ª R. – AC 0129778-29.2015.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Rel. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes – DJe 15.03.2017 – p. 451)

8341 – Bem público – ocupação irregular – mera detenção – esbulho – configuração

“Agravo de instrumento. Ação reivindicatória. Bem público. Ato de tolerância por parte da admi-nistração pública. Ocupação irregular e mera detenção. Cessação da tolerância. Notificação para desocupação. Não atendimento. Esbulho configurado. Presentes os requisitos para deferimento da tutela antecipada. Os bens públicos são indisponíveis, impenhoráveis, inalienáveis, não sujeitos à prescrição aquisitiva ou qualquer oneração; e a posse estatal sobre esses bens deriva diretamente da lei, não decorrendo de elementos próprios do direito privado. Os atos de mera tolerância por parte da Administração Pública não são suficientes para desfazer a qualidade da ocupação irregular de bem público. Ainda que ocupado o imóvel por mera liberalidade da Administração anterior, a posse sobre ele não deixa de ser injusta e ao proprietário é garantido o direito de reavê-lo de quem quer que injustamente o possua ou detenha. Para a concessão da medida liminar em favor do ente pú-blico mostra-se imprescindível a prova dos requisitos elencados no art. 561 do CPC/2015. A partir do momento em que a agravada foi notificada para sair do local, deixando de atender à medida, a ocupação precária outrora exercida com o consentimento do proprietário transmudou-se em esbu-lho.” (TJMG – AI-Cv 1.0000.16.076777-8/001 – 5ª C.Cív. – Rel. Wander Marotta – DJe 09.03.2017)

8342 – Bem público – posse – mera detenção – benfeitorias – indenização – não cabimento

“Constitucional. Administrativo. Bem público. Inexistência de posse do bem. Mera detenção. Não cabe indenização pelas benfeitorias. Precedentes STJ e desta Corte. Apelação conhecida e despro-vida. 1. Preliminarmente, o apelante argumenta que o magistrado de planície deixou de apreciar a tese levantada em relação a autorização concedida pelo gestor público à época e ainda o docu-mento introduzido nos autos referente a um parecer emitido pela Procuradoria Geral do Município. No entanto, é possível identificar o raciocínio do magistrado, ao elencar como motivo de decidir o fato de não haver o reconhecimento do direito a indenização, por ser o apelante, mero detentor do bem público. Preliminar rejeitada. 2. O cerne da questão consiste em analisar a possibilidade de pagamento, por parte do município, de indenização pelas benfeitorias realizadas, tais como, cercas, plantios e fruteiras, quando de ocupação de imóvel público. 3. Nos casos de ocupação de bem público, não há o direito de retenção em favor de quem realizou benfeitorias de qualquer natureza, possuindo somente a característica de detentor, não possuindo direito à indenização por benfeitorias ou acessões. 4. Precedentes do Egrégio Tribunal de Justiça e do Superior Tribunal de Justiça. 5. Apelação conhecida e desprovida.” (TJCE – Ap 0001595-35.2009.8.06.0112 – Rel. Paulo Francisco Banhos Ponte – DJe 21.02.2017 – p. 18)

8343 – Concorrência pública – empresa consorciada – participação – limite – edital – previsão

“Agravo de instrumento. Mandado de segurança. Edital de concorrência pública. Limite de em-presas consorciadas. Previsão em edital. 1. A limitação de participação de empresas em consórcio cabe única e exclusivamente ao órgão promotor da licitação, pois é um juízo de oportunidade e conveniência da Administração que se encontra em sua margem de discricionariedade, nos termos do art. 33, da Lei nº 8.666/1993. Contudo, o limite imposto e a sua justificação, devem fazer parte do edital convocatório, sob pena de manifesta ilegalidade. 2. Agravo de instrumento não provido.” (TJAP – AI 0001732-02.2016.8.03.0000 – Rel. Des. Gilberto Pinheiro – DJe 20.02.2017 – p. 35)

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8344 – Concurso público – candidato classificado – além do número de vagas – direito à no­meação – inexistência

“Apelação. Administrativo. Concurso público. Candidato classificado além do número de vagas previsto no edital. Inexistência de direito à nomeação. Manutenção da sentença. 1. Ação ordinária. Inicial relata que o candidato foi classificado na 243ª posição no concurso para provimento de cargo de Técnico Judiciário – Área Administrativa – Especialidade Segurança e Transporte (RJ21) realizado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região, cujo edital previa 2 vagas, além de cadas-tro de reserva. Aduz que, embora a validade do certame tenha sido prorrogada até 15.01.2012, a União terceirizou a contratação ao invés de nomear os classificados do cadastro de reserva. Requer a apresentação, pela União, da relação de contratados para o cargo de Técnico Judiciário – Área Administrativa – Especialidade Segurança e Transporte, a partir de julho/2007, além da sua nome-ação e/ou reserva da vaga e o ‘pagamento do salário com as devidas atualizações do período em que esteve indevidamente fora do cargo’. Indeferida a antecipação dos efeitos da tutela. Sentença que julga improcedentes os pedidos. Apelação. 2. Das informações prestadas pela Divisão de Pro-vimento e Lotação depreende-se que, para o cargo pretendido, foram nomeados candidatos até a 25ª posição, não havendo vagas disponíveis. Ainda que fosse possível a produção de prova no sentido de corroborar eventual contratação ilegal, nenhuma utilidade resultaria ao apelante, até porque a sua classificação em 243º lugar não lhe dá, até o final do prazo de validade do concur-so, direito à nomeação. Inexistência de cerceamento de defesa. Não ocorrência de preterição do candidato quanto à ordem de nomeação. 3. ‘Ainda que tivesse sido comprovada a contratação temporária para a realização da mesma função durante o prazo de validade do certame em detri-mento da convocação de candidatos aprovados em concurso público, a demonstrar a necessidade de contratação de pessoal, não foi comprovada a existência de cargos efetivos vagos’ (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 01417421920154025101, Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, e--DJF2R 12.01.2017). ‘Não se caracteriza o direito líquido e certo à nomeação de candidato aprova-do fora do número de vagas diante da ausência de provas de que há cargos vagos na especialidade escolhida, em quantidade suficiente para alcançar a colocação do candidato no certame, e que sejam ocupados por servidores terceirizados irregularmente contratados’ (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 00301296220134025101, Rel. Des. Fed. Ricardo Perlingeiro, e-DJF2R 26.9.2016). ‘A aprovação em concurso público fora do número de vagas não gera direito subjetivo à nomeação, mas tão somente uma expectativa de direito, [...] sendo prerrogativa da Administração Pública eleger, no âmbito de seu poder discricionário, a melhor forma de prestar os seus serviços, desde que de acordo com a lei’ (TRF 2ª R., 8ª T.Esp., AC 05068614820154025101, Rel. Des. Fed. Guilherme Diefentha-eler, e-DJF2R 08.09.2016). 4. Apelação não provida.” (TRF 2ª R. – AC 0013799-58.2011.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Rel. Ricardo Perlingeiro – DJe 30.03.2017 – p. 825)

Comentário editorial SínTeSeTrata-se de apelação interposta contra sentença proferida em ação ordinária que move contra a União Federal.

De acordo com a inicial o demandante foi classificado fora do número de vagas previstas no edital do concurso público. Sendo este classificado na 243ª posição, cujo o edital previa duas vagas para o provimento imediato e 700 (setecentos) destinados ao cadastro reserva.

Aduz que: “[...] embora a validade do certame tenha sido prorrogada até 15.01.2012, a União terceirizou a contratação ao invés de nomear os classificados do cadastro de reserva. Requer a apresentação, pela União, da relação de contratados para o cargo de Técnico Judiciário – Área Administrativa – Especialidade Segurança e Transporte, a partir de julho/2007, além da sua nomeação e/ou reserva da vaga e o pagamento do salário com as devidas atualizações do período em que esteve indevidamente fora do cargo”.

Assim, o d. Relator entendeu:

“[...]

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Ainda que fosse possível a produção de prova no sentido de corroborar eventual contratação ilegal, nenhuma utilidade resultaria ao apelante, até porque a sua classificação em 243º lugar não lhe dá, até o final do prazo de validade do concurso, direito à nomeação. Assim, afasto a alegação de cerceamento de defesa e indefiro o pedido de conversão em diligência formulado às fls. 150-152.

Inexistente, in casu, preterição do candidato quanto à ordem de nomeação, não há direito a ser assegurado.

No mesmo sentido:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO PARA PROVIMENTO DE VA-GAS DESTINADAS AO CARGO DE PROFESSOR AUXILIAR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (UFRJ) – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE HOUVE CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA PARA O EXERCÍCIO DA MESMA FUNÇÃO DURANTE O PRAZO DE VALIDADE DO CONCURSO PÚBLICO – AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE CARGOS EFETIVOS VAGOS – DESPROVIMENTO DO RECURSO – 1. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça possuem entendimento pacificado no sentido de que a aprovação além do número de vagas ofertadas pelo edital do concurso público gera mera expectativa de direito à nomeação, competindo à administração pública, dentro de seu poder discricionário, nomear os candidatos aprovados de acordo com a sua conveniência e oportunidade. 2. En-tretanto, a mera expectativa dos candidatos convola-se em direito líquido e certo a partir do momento em que, dentro do prazo de validade do concurso, há contratação de pessoal, de forma precária, seja por comissão, terceirização ou contratação temporária, para o preenchi-mento de vagas existentes, em flagrante preterição àqueles que, aprovados em concurso ainda válido, estariam aptos a ocupar o mesmo cargo ou função. 3. Da detida análise dos autos, verifica-se que, de fato, durante o prazo de validade do concurso público a que se submeteu o impetrante, a Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ abriu inscrições para proces-so seletivo simplificado para contratação temporária de professores substitutos. No entanto, nenhum dos processos seletivos simplificados objetivavam o preenchimento de vagas na área para a qual o impetrante havia sido aprovado, de Direito Ambiental e Biomedicina. 4. Desta forma, não foi comprovada a contratação temporária de qualquer agente público para realizar a mesma função para a qual foi o impetrante aprovado, de maneira que deve ser mantida a improcedência do pedido formulado na petição inicial. 5. Além disso, ainda que tivesse sido comprovada a contratação temporária para a realização da mesma função durante o prazo de validade do certame em detrimento da convocação de candidatos aprovados em concurso pú-blico, a demonstrar a necessidade de contratação de pessoal, não foi comprovada a existência de cargos efetivos vagos, tendo a autoridade impetrada afirmado, em suas informações, que, embora houvesse interesse na disponibilização de mais uma vaga para a disciplina de Direito Ambiental e Biomedicina, não houve a criação de tal vaga. 6. Recurso de apelação desprovido. (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 01417421920154025101, Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, e-DJF2R 12.01.2017)

[...]

Ante o exposto, nego provimento à apelação.

É como voto.”

Por todo exposto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou provimento à apelação.

8345 – Concurso público – exame médico – inaptidão – perícia médica – habilitação para o exercício profissional – cabimento

“Apelação cível e remessa necessária. Concurso público. ECT. Carteiro. Inaptidão no exame pré--admissional. Esporão calcâneo. Perícia médica atestando a capacidade para o exercício profissio-nal. 1. Havendo divergência entre o laudo pré-admissional da ECT e o laudo do perito do juízo, isento e imparcial, concluindo pela aptidão do candidato ao emprego pretendido, há de prevalecer este último, mormente quando bem fundamento e detalhado, como é o caso dos autos. Preceden-tes. 2. Apelação e remessa necessária conhecidas e desprovidas.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0018898-38.2013.4.02.5101 – 7ª T.Esp. – Rel. José Antonio Lisbôa Neiva – DJe 06.03.2017 – p. 406)

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8346 – Concurso público – investigação social – inaptidão – reintegração ao certame – impossi­bilidade

“Mandado de segurança. Concurso público. Agente de segurança penitenciária. Eliminação. Inap-tidão declarada na fase de investigação social. Alegação de ilegalidade pelo impetrante. Pleito de reintegração ao concurso público. Impossibilidade. Omissão de informações sobre sua vida pregressa. Previsão expressa no edital do concurso público de exclusão do candidato no caso de omissão ou no caso do candidato prestar informações inverídicas. Inexistência de ilegalidade do ato administrativo, uma vez que a Administração Pública cumpriu as regras expressas no edital do certame. Vinculação do candidato as regras do edital. Ato administrativo que obedeceu aos princí-pios constitucionais e legais. R. Sentença que denegou a segurança mantida. Revogação da liminar concedida pela r. sentença. Recurso de apelação do impetrante desprovido.” (TJSP – Ap 1045516-76.2014.8.26.0053 – São Paulo – 13ª CDPúb. – Relª Flora Maria Nesi Tossi Silva – DJe 17.03.2017)

8347 – Concurso público – soldado – polícia militar – edital – limitação de idade – legalidade

“Constitucional. Administrativo. Concurso Público para soldado de fileira da polícia militar esta-dual. Edital. Idade limite de 30 anos. Comprovação exigida para inscrição no curso de formação. Limitação justificada pela natureza da atribuição do cargo. Previsão em lei estadual. Possibilidade. Apelação conhecida e desprovida. 1. A questão controvertida cinge-se à legalidade da participação do recorrente no curso de formação profissional para ingresso na Polícia Militar do Estado do Ceará, tendo em vista contar com idade superior à prevista em lei e no edital do certame. 2. A limitação de idade para inscrição em concursos públicos para policial militar é perfeitamente viável, desde que tal discriminação, gerada em virtude da natureza especial das atribuições, esteja prevista em lei estadual, tal como no caso em questão. 3. Não há que se falar de ilegalidade ou inconstitucionali-dade da norma editalícia que prevê o limite máximo de 30 (trinta) anos para a matrícula no curso de formação profissional, ademais quando não demonstrado qualquer ausência de razoabilidade na espécie. 4. Apelação conhecida e desprovida.” (TJCE – Ap 0214005-47.2013.8.06.0001 – Rel. Paulo Francisco Banhos Ponte – DJe 01.03.2017 – p. 23)

8348 – Concurso público – vagas destinadas a portadores de necessidades especiais – surdez unilateral – impossibilidade

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Concurso público. Candidato portador de sur-dez unilateral. Impossibilidade de concorrer às vagas destinadas aos portadores de necessidades especiais. Decreto nº 3.298/1999, alterado pelo Decreto nº 5.296/2004. Legalidade da exclusão. Aplicação da Súmula nº 552/STJ. Agravo regimental do particular a que se nega provimento. 1. A redação original do Decreto nº 3.298/1999, que regulamenta a lei sobre Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência (Lei nº 7.853/1989), previa que a surdez era sufi-ciente para a caracterização da pessoa portadora de deficiência, sem fazer distinção entre a surdez unilateral ou bilateral. 2. Ocorre que em 2004, o Decreto nº 5.296/2004 alterou a redação do art. 4º, II, do Decreto nº 3.298/1999, excluindo da qualificação deficiência auditiva os portadores de surdez unilateral. 3. Diante da inovação legislativa, esta Corte, alinhando-se ao entendimento já fir-mado no Supremo Tribunal Federal, assentou a orientação de que o candidato que apresenta surdez unilateral não tem direito a participar do certame na qualidade de deficiente auditivo, consolidando tal orientação no enunciado da Súmula nº 552/STJ. 4. No caso dos autos, o certame foi realizado em 2008, quando já vigente a legislação que contraria a pretensão da parte autora. 5. Agravo Regimen-tal do Particular a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-AgRg-Ag-RE 27.458 – (2011/0165677-7) – 1ª T. – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho – DJe 17.03.2017 – p. 1737)

Transcrição editorial SínTeSeSúmula do Superior Tribunal de Justiça:

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“552 – O portador de surdez unilateral não se qualifica como pessoa com deficiência para o fim de disputar as vagas reservadas em concursos públicos.”

8349 – Conselho Regional de Administração – atividade de segurança e vigilância – registro junto à autarquia – desnecessidade

“Processo civil. Conselho Regional de Administração – CRA/SP. Registro junto à autarquia. Des-necessidade. Atividade de segurança e vigilância. 1. Os conselhos de profissões regulamentadas têm dentre os seus objetivos não apenas a fiscalização dos inscritos em seus quadros, mas também a defesa da sociedade, sob o ponto de vista ético, uma vez que esta necessita de órgãos que a defenda contra os profissionais não habilitados ou despreparados para o exercício da profissão. 2. Na hipótese, observo que as atividades básicas exercidas pela empresa estão ligadas ao ramo de prestação de serviços de vigilâncias armada e desarmada a estabelecimentos financeiros e a outros estabelecimentos a prestação de serviços de monitoramento eletrônico e, portanto, não guardam qualquer relação com as atribuições próprias da atividade de administração, regulamentadas pela Lei nº 4.769/1965. 3. Considerando que a atividade básica da empresa que determina a neces-sidade de registro junto ao conselho profissional correspectivo, não a atividade-meio, deve ser afastada a exigência do registro da autora perante o CRA/SP. 4. Apelação não provida.” (TRF 3ª R. – AC 0022161-27.2014.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nery Junior – DJe 06.03.2017 – p. 358)

8350 – Contrato administrativo – preço de gêneros alimentícios – equilíbrio econômico­finan­ceiro – restabelecimento

“Tutela de urgência. Contrato administrativo. Pretensão de restabelecimento do equilíbrio econô-mico-financeiro. Alta no preço do feijão carioca. Preço de gêneros alimentícios que sofre variações sazonais e está sujeito a condições climáticas. Eventual excepcionalidade que não se presume. Recurso não provido.” (TJSP – AI 2209215-26.2016.8.26.0000 – São José do Rio Preto – 1ª CDPúb. – Rel. Luís Francisco Aguilar Cortez – DJe 24.02.2017)

8351 – Contrato de trabalho temporário – candidato aprovado em concurso público – cargo de escriturário – nomeação – cabimento

“Candidato aprovado em concurso público para o cargo de escriturário. Cadastro de reserva. Con-tratação precária. Empregado temporário. Direito à nomeação. Preterição não demonstrada. Não provimento. Havendo ocupação precária, por contratação temporária, para o exercício de atri-buições distintas do cargo para o qual foi realizado concurso público e/ou para atender à neces-sidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços, não há que se falar em desvio de finalidade e caracterização de burla à exigência constitucional do concurso público e, tampouco, a consequente preterição do candidato aprovado, dada a inexistência de comprovação da preterição na ordem de classificação. Recurso conhecido e improvido.” (TRT 21ª R. – RO 0001406-66.2016.5.21.0008 – Relª Isaura Maria Barbalho Simonetti – DJe 14.03.2017 – p. 726)

Comentário editorial SínTeSeTrata-se o presente julgado de Recurso Ordinário, opostos em desfavor do Banco do Brasil. Objetivando o Recorrente sua nomeação em concurso público.

Em apartada síntese o Reclamante alegou que fora aprovado em concurso público, em cadas-tro reserva para o cargo de Escriturário, na colocação 139ª.

O reclamante alega que a existência de pregões eletrônicos e a contratação de terceirizados de-monstram que o Banco do Brasil possui real necessidade de força de trabalho, o que não jus-tificaria que a recorrida preterisse os classificados na lista de espera do certame, prestigiando os terceirizados, bem como, assevera que outros candidatos com classificação no concurso em pior posição que o demandante, assim como, que existem vagas para realizar sua nomeação.

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Em suas contrarrazões, o Reclamado alegou que a seleção foi para formação de cadastro reserva, não gerando direito à nomeação. Aduz ainda que não houve contratação de mão de obra especializada para a realização de funções de escriturário, na região em que o reclamante prestou concurso. Por fim, argumentou que, nomear o reclamante fere os arts. 5º, caput e inciso LVI, 37, caput e inciso II e 170 caput e inciso IV da Constituição Federal.

Assim manifestou-se a nobre relatora acerca do caso: No caso em apreço, o reclamante foi aprovado, na 139ª colocação.

Para formação de cadastro de reserva ao cargo de Escriturário na microrregião “Natal/RN” (ID ab8db10 – p. 1), nos termos do Edital nº 03 – 2012/003 – BB, lançado pelo Banco Reclamado (ID daf633c), e busca sua contratação, sob alegação de que houve contração de empregados terceirizados para o exercício das mesmas funções descritas no edital do con-curso, em detrimento da nomeação dos candidatos aprovados, em clara burla ao princípio constitucional do concurso público.

O Edital nº 03 – 2012/003 – BB prevê a descrição sumária das atividades, no item 2.4 (ID daf633c – p. 1):

“Comercialização de produtos e serviços do Banco, atendimento ao público, atuação no caixa (quando necessário), contatos com clientes, prestação de informações aos clientes e usuários; redação de correspondências em geral; conferência de relatórios e documentos; controles esta-tísticos; atualização/manutenção de dados em sistemas operacionais informatizados; execução de outras tarefas inerentes ao conteúdo ocupacional do cargo, compatíveis com as peculiari-dades do Banco do Brasil S.A.”

Já as tarefas descritas no Anexo 1 do Pregão Eletrônico Gecop nº 2012/20382 (9600) para contratação de empresa prestadora de serviços temporários para atender à necessidade tran-sitória de mão de obra, decorrente do acréscimo extraordinário, temporário e imprevisível de serviço, indica, no item 2.1 as tarefas dos terceirizados (ID 622fdf3 – p. 14):

“Os serviços serão prestados nas dependências determinadas pelo Banco do Brasil e consis-tirão na execução e/ou auxílio de tarefas internas ou externas, complementares ou de apoio aos serviços administrativos, operação de máquinas ou aparelhos auxiliares de trabalhos buro-cráticos e auxílio em serviços de natureza manual ou mecânica, de acordo com as instruções fornecidas pelo Banco.”

Não bastasse serem essencialmente distintas as atribuições do escriturário e do empregado temporário contratado pelo Banco Reclamado, o referido Anexo deixa claro que a contratação se deve em razão de demandas sazonais e/ou imprevisíveis, tais como “afastamentos prolon-gados de funcionários do quadro próprio”, para “gozo de licenças diversas (saúde, maternida-de, concorrer a mandato eletivo), que reduzem a capacidade de atendimento das agências” (ID 622fdf3 – p.17).

Nessa linha, encontra-se a regra editalícia em conformidade com o regramento constante nos arts. 2º e 9º da Lei nº 6.019/1974, não havendo qualquer legalidade ou inconstitucionalidade quanto a isso, uma vez que o Banco Reclamado, apesar de sua natureza pública, sujeita-se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários, nos termos art. 173, § 1º, II, da CRFB.

Observa-se, também, que o Reclamante não impugnou o argumento defensivo de que as vagas são “para atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou à acréscimo extraordinário de serviços, tendo como característica marcante a necessidade transitória e excepcional de trabalhadores” (ID f70b2a5 – p. 19), ou seja, o de que as supostas vagas existentes estão reservadas para casos de remoção interna e funcioná-rios efetivos que se encontram fora dos quadros por mais de 90 (noventa) dias por diversos motivos (cedidos a órgão do poder público, dirigente sindicais, funcionários que estão de licença saúde ou licença interesse).

Ademais, sequer demonstrou o reclamante a preterição em sua ordem de classificação.

Sendo assim, havendo ocupação precária, por contratação temporária, para o exercício de atribuições distintas do cargo para o qual foi realizado concurso público e/ou para atender à necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou a acréscimo extra-ordinário de serviços, não há que se falar em desvio de finalidade e caracterização de burla à

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exigência constitucional do concurso público e, tampouco, a consequente preterição do can-didato provado, dada a inexistência de comprovação da preterição na ordem de classificação.

Ante o exposto, a nobre Relatora negou provimento ao mérito do Recurso Ordinário.

8352 – Convênio – prestação de contas – acórdão do TCU – execução – controle do Poder Judi­ciário – possibilidade

“Direito administrativo e processo civil. Apelação. Embargos à execução. Acórdão do TCU. Con-trole do Judiciário. Possibilidade. Convênio. Prestação de contas. Fim do mandato. Responsabilida-de. Sucessor. 1. A sentença acolheu os embargos à execução de Acórdão do TCU (nº 306/1995), que condenou o ex-Prefeito de Castelo/ES, João Fernandes Passamani, por não ter prestado contas relativas a recursos federais transferidos à Prefeitura, convencido o Juízo da ilegitimidade do execu-tado, que já não mais ocupava o cargo de Prefeito à época da prestação de contas. 2. O Convênio nº 28/Serse/88, de 08.08.1988, foi firmado entre o Ministério do Interior – através da Secretaria especial da Região Sudeste (Serse) – e a Prefeitura Municipal de Castelo, para implementar o pro-jeto de apoio ao produtor organizado em microbacias hidrográficas naquele município. A vigência do convênio abarcou o mandato de dois Prefeitos, estendendo-se de 08.08.1988 a 08.02.1989, e a prestação de contas deveria ser feita até 08.03.1989. 3. O STJ já reconheceu a possibilidade de controle jurisdicional das decisões proferidas pelo Tribunal de Contas da União, tendo em vista a sua natureza de órgão de controle auxiliar do Poder Legislativo, com atividade meramente fisca-lizatória e ostentando suas decisões caráter técnico-administrativo, máxime em face do Princípio Constitucional da Inafastabilidade do Controle Jurisdicional previsto no art. 5º, XXXV, da Constitui-ção Federal (REsp 1447561/PE, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 07.06.2016, DJe 12.09.2016). Mesmo adotando-se uma linha mais restritiva, todavia, a ilegitimidade qualifica--se como ilegalidade grave, possibilitando revisão judicial. 4. O Acórdão nº 306/1995 condenou o ex-Prefeito, João Fernandes Passamani, à restituição da quantia disponibilizada pelo convênio, à ausência de prestação de contas, cuja responsabilidade recaia, na verdade, sobre seu sucessor, que exercia o mandato de Prefeito ao fim do convênio, quando deveria ser apresentado o Relatório Final. 5. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 0000184-70.2012.4.02.5002 – 6ª T.Esp. – Rel. Antônio Henrique Correa da Silva – DJe 16.03.2017 – p. 260)

8353 – Desapropriação – aquisição posterior – indenização – descabimento

“Processual civil. Administrativo. Desapropriação. Indenização. Aquisição posterior. 1. O STJ fir-mou entendimento de que não cabe indenização por desapropriação indireta quando ela ocorreu antes da aquisição do imóvel pelo postulante do direito. 2. Assim, mostra-se ilegítimo o interesse dos agravantes na obtenção da indenização, porquanto adquiriu o imóvel após a intervenção da Administração na propriedade. 3. Agravo Interno não provido.” (STJ – AgInt-EDcl-REsp 1.533.984 – (2015/0120045-4) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 07.03.2017 – p. 1234)

8354 – Improbidade administrativa – dispensa indevida de licitação – dano in re ipsa – revisão das sanções – princípio da proporcionalidade – observância

“Administrativo. Improbidade administrativa. Art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/1992. Dispensa indevida de licitação. Dano in re ipsa à administração. Revisão das sanções impostas. Princípio da propor-cionalidade. Observância. 1. Conforme estabelecido pelo Plenário do STJ, ‘aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas, até então, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça’ (Enunciado Administrativo nº 2). 2. Segundo entendimento consolidado no âmbito das Turmas que compõem a Primeira Seção, o prejuízo decorrente da dispensa indevida de licitação é presumido (dano in re ipsa), consubstancia-do na impossibilidade da contratação pela Administração da melhor proposta, não tendo o acórdão de origem se afastado de tal entendimento. 3. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de que

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a revisão da dosimetria das sanções aplicadas em ação de improbidade administrativa implica reexame do conjunto fático-probatório, esbarrando na dicção da Súmula nº 7, do STJ, salvo quan-do, da leitura do acórdão recorrido, verificar-se a desproporcionalidade entre os atos praticados e as sanções impostas. 4. Hipótese em que, muito embora o Tribunal de origem tenha excluído as demais sanções impostas no primeiro grau de jurisdição, fixou a multa civil prevista no art. 12, II, da LIA em cinco remunerações mensais atualizadas, louvando-se nas peculiaridades da questão, notadamente no dano presumido causado à administração pública, inocorrendo qualquer laivo de violação aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 5. Agravo regimental despro-vido.” (STJ – AgRg-REsp 1.499.706 – (2014/0309323-3) – 1ª T. – Rel. Min. Gurgel de Faria – DJe 14.03.2017 – p. 1290)

Transcrição editorial SínTeSeLei nº 8.429/1992:

“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbara-tamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

[...]

VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de par-cerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada ao inciso pela Lei nº 13.019, de 31.07.2014, DOU de 01.08.2014, com efeitos após decorridos 540 (quinhentos e quarenta) dias de sua publicação oficial)”

8355 – Improbidade administrativa – Estatuto da Cidade – desafetação de áreas urbanas sem participação cidadã – dolo genérico – verificação – princípios que regem a administra­ção pública – violação

“Apelação cível. Ação civil pública. Ato de improbidade administrativa. Violação do Estatuto da Cidade e dos princípios que regem a administração pública. Preliminares. Litisconsórcio necessá-rio unitário. Desnecessidade. Cerceamento de defesa. Não ocorrência. Alteração do plano diretor da capital. Desafetação de 70 (setenta) áreas urbanas sem a participação cidadã. Inobservância do Estatuto da Cidade. Art. 40, § 4º, incisos I, II e III c/c art. 52, inciso VI, todos da Lei Federal nº 10.257/2001. Dolo genérico verificado. Violação dos princípios norteadores da administração pública. Art. 11, inciso IV, da LIA. Multa civil. Proporcionalidade e razoabilidade. Redução do valor da sanção. 1. No caso vertente, não se pode cogitar da existência de litisconsórcio passivo necessá-rio em relação aos demais vereadores, supostamente envolvidos nos fatos narrados na inicial, pois além de inexistir previsão legal a esse respeito, não se exige do magistrado solução uniforme para todas as partes. Ademais, a não inclusão dos legisladores municipais, que possam ter participado da improbidade, no polo passivo da presente demanda, não impede eventual e futura responsa-bilização, por meio de ação própria, caso reste demonstrado o conluio com o agente público na prática do ato ímprobo. 2. Quanto a arguição de cerceamento de defesa, tem-se que nem a prova pericial nem a prova testemunhal se prestariam aos fins colimados pelo réu/apelante, uma vez que a realização de audiências públicas no caso vertente decorre exclusivamente de uma imposição legal, nos termos do art. 2º, incisos I e II e art. 40, § 4º, incisos I e II, todos do Estatuto da Cidade. 3. Para tornar efetiva a gestão democrática e transparente que estabelece o Estatuto da Cidade, referida norma determina que o prefeito que impedir ou deixar de garantir quaisquer dos requisitos contidos nos incisos I a III do § 4º do art. 40 do mesmo diploma legal se sujeitará a responder por improbi-dade administrativa, nos termos da Lei federal nº 8.429/1992 (art. 52, inciso VI). 4. O argumento do apelante de que ‘a mera alteração formal de um dispositivo seu’ (do plano diretor) tornaria des-necessária a ‘convocação de audiências públicas’ vez que ‘o projeto de lei encaminhado à Câmara Municipal não versa sobre a elaboração de um novo Plano Diretor, não encontra respaldo na reali-dade fática retratada nestes autos, na medida em que mencionado dispositivo (a ser alterado) visava

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justamente desafetar nada mais que 70 (setenta) áreas públicas municipais, no setor denominado Parque Lozandes e imediações, perfazendo a soma de todas elas uma área de mais de 700.000 m² (setecentos mil metro quadrados), incorrendo numa modificação substancial do zoneamento muni-cipal com impactos significativos no trânsito e no meio ambiente artificial’. 5. Comprovada a ma-nifesta violação dos princípios da administração pública, bem assim o dolo genérico, concernente à vontade deliberada de praticar o ilícito, deve o agente público sujeitar-se às sanções previstas no inciso III do art. 12 da Lei federal nº 8.429/1992. 6. Os atos de improbidade administrativa descritos no art. 11 da Lei federal nº 8.429/1992, dependem da presença do dolo genérico, mas dispensam a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública ou enriquecimento ilícito do agente. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. 7. Compete ao julgador, diante das peculia-ridades do caso concreto, avaliar, à luz dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a adequação das penas, decidindo quais as sanções apropriadas e dosá-las, de acordo com a conduta do agente e o eventual gravame sofrido pelo erário, até porque mister que a sanção imposta nos termos do art. 12 da Lei federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992, guarde compatibilidade com o ato ímprobo provado e perpetrado pelo agente. 8. A multa civil arbitrada pelo magistrado de primeiro grau merece ser reduzida para quantia correspondente a 3 (três) vezes o valor da atual remuneração do recorrente, adequando-se a sanção aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 9. Apelação cível conhecida e parcialmente provida.” (TJGO – AC 201594257990 – 4ª C.Cív. – Rel. Mauricio Porfirio Rosa – DJe 27.01.2017 – p. 90)

Comentário editorial SínTeSeCuida-se de apelação cível interposta pelo Prefeito Municipal de Goiânia, contra a sentença exarada nos autos da ação civil pública por ato de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público em face do Município de Goiânia e do Prefeito Municipal.

O Ministério Público do Estado de Goiás aduz que, às vésperas de um ano eleitoral, o Prefeito de Goiânia, em suposto ato de improbidade, malversação do patrimônio público e ofensa aos princípios da Administração, sem qualquer consulta pública prévia, enviou à Câmara Mu-nicipal de Goiânia o projeto de Lei Complementar municipal nº 2011/000533 objetivando vender à iniciativa privada 33 áreas públicas municipais que totalizam mais de 330.000 m² (trezentos e trinta mil metros quadrados).

O parquet alegou ainda que o projeto tramitou de forma truculenta e acelerada tanto na Secretaria Municipal de Planejamento e Urbanismo como na Câmara Municipal de Goiânia, tendo sido realizada uma pequena audiência pública, aduzindo estar comprovado que existem pretensões escusas e alheias à ética e à moralidade administrativas, ressaltando que os Vere-adores, ao invés de impedir o ato, cuidaram de, sem publicidade, acrescentar mais 37 (trinta e sete) áreas àquelas já previstas no projeto, totalizando 70 (setenta) áreas públicas a serem desafetadas e alienadas a particulares.

Foi então o Prefeito de Goiâna condenado por ato de improbidade administrativa capitulado no art. 11, inciso IV, da Lei federal nº 8.429, de 2 de junho de 1992, condenando-o, ainda, ao pagamento de multa civil arbitrada em 10 (dez) vezes o valor de sua atual remuneração.

Ao manifestar-se sobre o caso, assim manifestou-se o nobre Relator:

“[...] Quanto ao tema de fundo, princípio afirmando que a Carta Magna, em seu art. 182, estabeleceu que o Poder Público municipal deve executar uma política de desenvolvimento urbano, conforme diretrizes fixadas em lei, com o ‘objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes’.

Para Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves ‘a política de desenvolvimento e de expansão ur-bana tem por base o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal e obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, sendo que a propriedade urbana cumprirá sua função social sempre que estiver em harmonia com as exigências ali contidas’ (in Improbidade Administra-tiva. 6. ed. Lumen Juris, 2011, p. 482).

Regulamentando o preceito constitucional, foi editada a Lei Ordinária nº 10.257 de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da cidade que, além de estatuir diversas obrigações aos

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proprietários de imóveis urbanos, instituiu inúmeros deveres a serem observados pela admi-nistração pública, em especial pelo Prefeito Municipal.

Acerca do plano diretor, permito-me transcrever as lições de Hely Lopes Meirelles, ipsis litteris:

O plano diretor ou plano diretor de desenvolvimento integrado, como modernamente se diz, é o complexo de normas legais e diretrizes técnicas para o desenvolvimento global e constante do Município, sob os aspectos físico, social, econômico e administrativo, desejado pela co-munidade local.

[...]

O plano diretor deve ser uno e único, embora sucessivamente adaptado às novas exigências da comunidade e do progresso local, num processo perene de planejamento que realize sua adequação às necessidades da população dentro das modernas técnicas de administração e dos recursos de cada Prefeitura.

O plano diretor não é estático; é dinâmico e evolutivo. Na fixação dos objetivos e na orientação do desenvolvimento do Município é lei suprema e geral que estabelece as prioridades nas realizações do governo local, conduz e ordena o crescimento da cidade, disciplina e controla as atividades urbanas em benefício do bem-estar social.

O plano diretor não é um projeto executivo de obras e serviços públicos, mas sim um instru-mento norteador dos futuros empreendimentos da Prefeitura, para o racional e satisfatório atendimento das necessidades da comunidade. (in Direito Municipal Brasileiro. 16. ed. Ma-lheiros, 2008, p. 549/550)

Como se vê, o plano diretor de uma cidade é uno e integral.

Não é estático, mas sim dinâmico e evolutivo.

O tratamento normativo dessas matérias, relativas à edição e alteração do plano diretor, de-mandam o cumprimento de determinados pressupostos objetivos que condicionam o exercício da competência legislativa, a saber, a participação cidadã e o estudo de impacto ambiental, nos termos do que dispõe § 2º do art. 85, cumulado com § 3º do art. 132, todos da Consti-tuição Goiana, ad litteram:

“Art. 85. O Plano Diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para as cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expan-são urbana.

[...]

§ 2º O Plano Diretor, elaborado por órgão técnico municipal, com a participação de entidades representativas da comunidade, abrangerá a totalidade do território do Município e deverá conter diretrizes de uso e ocupação do solo, zoneamento, índices urbanísticos, áreas de inte-resse especial e social, diretrizes econômico-financeiras, administrativas, de preservação da natureza e controle ambiental.

[...]

Art. 132. O Estado criará organismo, com nível de Secretaria de Estado, para formulação, avaliação periódica e execução da política ambiental, cabendo-lhe apreciar:

[...]

§ 3º Todo projeto, programa ou obra, público ou privado, bem como a urbanização de qual-quer área, de cuja implantação decorrer significativa alteração do ambiente, está sujeito à aprovação prévia do Relatório de Impacto Ambiental, pelo órgão competente, que lhe dará publicidade e o submeterá à audiência pública, nos termos definidos em lei. (g.)”

A exigência constitucional de participação cidadã, na confecção normativa e alteração do pla-no diretor, tem por objetivo permitir que os mais diversos seguimentos sociais da comunidade possam influir na construção de um meio ambiente urbano equilibrado, cuja manutenção exige medidas de prevenção, daí a importância do estudo prévio de impacto ambiental, para o adequado tratamento normativo acerca do uso e ocupação do solo urbano. Nesse sentido, é arguto magistério do renomado ambientalista Édis Milaré, ad litteram:

Não é possível entender cidadania sem participação. Aliás, a cidadania, com seus direitos e deveres postos em prática, inclui valores éticos e políticos como a reciprocidade, a abnegação, a solidariedade, o altruísmo, o empenho na coisa pública – este último, para os romanos,

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constituía a famosa virtus, virtude moral e força. O exercício da cidadania não é apenas uma virtude social e política da pessoa humana: é também a sua força, aquele fator psicológico, so-cial e político que impulsiona a sociedade para frente, mediante o estabelecimento de foros de negociação e grupos de pressão autênticos e legítimos. Daí se constata a força dos movimentos sociais. Se o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental, que tem associados a si outros direitos e também deveres – como se repete na Constituição Federal e em outros instrumentos legais infraconstitucionais –, o exercício da cidadania am-biental não pode separar-se do meio ambiente urbano e da sua qualidade de vida. (in Direito do ambiente. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 977)

Assim, incumbe ao administrador municipal garantir a gestão democrática do município.

Nos dizeres de Hely Lopes Meirelles “o Estatuto da Cidade consigna, [...] no que tange à gestão democrática, que os organismos gestores das regiões metropolitanas e aglomerações urbanas incluirão obrigatória e significativa participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade, de modo a garantir o controle direto de suas atividades e o pleno exercício da cidadania (art. 45)” (in op. cit., p. 546).

[...]

A norma constitucional encontra-se regulamentada no art. 12 da Lei de Improbidade Adminis-trativa, que as dividiu em sanções fixas, quais sejam, a perda da função pública, o ressarci-mento integral do dano e a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio. E, em sanções graduadas, quais sejam, suspensão dos direitos políticos, multa civil e proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios.

Reza o inciso III do art. 12 que aplica-se ao caso de ato administrativo que atente contra os princípios da Administração Pública (art. 11 da LIA): ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos.

Saliento, por oportuno, que, segundo o majoritário entendimento doutrinário e jurisprudencial, não há exigência de que todo o elenco de sanções previstas no art. 12 da Lei de Improbidade Administrativa seja aplicado ao agente ímprobo, uma vez que a punição deve ser fixada confor-me as diretrizes do princípio da proporcionalidade, observando a gravidade do fato praticado. Tanto assim que o caput do art. 12 do diploma faz referência expressa à possibilidade de as penas serem aplicadas de forma isolada ou cumulativa, conforme a gravidade do fato. Veja--se, in verbis:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legisla-ção específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: (g.)

Para a aplicação das sanções, o legislador fixou algumas balizas para o julgador na dosimetria da pena, ressaltando a necessidade de se avaliar a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido. [...]”

Ante ao exposto, o nobre Relator, conheceu do apelo interposto pelo Prefeito Municipal de Goiânia, para dar parcial provimento, apenas para reduzir a multa civil arbitrada na sentença para quantia correspondente a 3 (três) vezes o valor da atual remuneração do recorrente, mantendo-se a sentença quanto ao mais.

8356 – Improbidade administrativa – indisponibilidade de bens – constrição sobre bem imóvel rural – valor real do bem – não comprovação

“Processual civil. Agravo de instrumento. Improbidade administrativa. Indisponibilidade de bens. Constrição sobre bem imóvel rural. Indeferimento. Valor real do bem. Não comprovação. Incerteza quanto à aptidão para garantia de integralidade do débito. Agravo desprovido. I – Havendo funda-dos indícios da prática de atos de improbidade administrativa, causadores de enriquecimento ilícito ou dano ao Erário pelos réus na ação principal, justifica-se a decretação de indisponibilidade de bens. II – Requerimento para que a constrição atingisse apenas o bem imóvel denominado Fazenda

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Esplanada, transcrito na matrícula 15.905 no CRIH da Comarca de Bom Jesus da Lapa/BA. III – In-deferido, ante a não comprovação do real valor do bem, ensejando dúvidas quanto a sua aptidão para garantir efetivamente o débito. IV – Agravo de Instrumento desprovido.” (TRF 1ª R. – Proc. 00692526620164010000 – 4ª T. – Rel. Juiz Antonio Oswaldo Scarpa – J. 21.03.2017)

Comentário editorial SínTeSeCuida-se de agravo de instrumento com pedido de reforma da decisão agravada, interposto em face de decisão proferida que decretou a indisponibilidade de bens do agravante e de outros requeridos, nos autos da Ação Civil Pública.

A ação foi ajuizada pelo Ministério Público Federal em face de possíveis irregularidades reali-zadas por um ex-prefeito de uma cidade, que desviou verbas públicas e simulou Carta Convite.

O juízo a quo afirmou estarem presentes os requisitos necessários à concessão da medida cautelar de indisponibilidade de bens para os réus. Foi decretado o bloqueio no valor de até R$ 400.555,80 (quatrocentos mil, quinhentos e cinquenta e cinco reais e oitenta centavos), sendo R$ 133.518,60 (cento e trinta e três mil, quinhentos e dezoito reais e sessenta centa-vos) a título de ressarcimento do dano e 267.037,20 (duzentos e sessenta e sete mil, trinta e sete reais e vinte centavos) a título de multa.

Portanto, o agravante alega que a decisão merece ser reformada, ante a inexistência de atos ímprobos e a ausência de comprovação da dilapidação do patrimônio.

Dessa forma, o nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

É que a análise da certidão apresentada às fls. 569/570, firmada pela oficial do Cartório do Registro de Imóveis e Hipotecas de Bom Jesus da Lapa/BA, revela que o agravante comprou dito imóvel pelo valor de R$ 48.000,00 (quarenta e oito mil reais), nos termos da escritura pública de compra e venda lavrada em 23 de novembro de 2009.

Desse modo, apesar de haver nos autos laudo de avaliação originado de empresa de projetos agropecuários e ambientais e firmado por Engenheiro Agrônomo com inscrição no Crea (fls. 559/568), não pode ele ser acolhido como meio incontroverso de prova quanto ao valor atual do bem, por se tratar de documento produzido unilateralmente pela parte e não submetido ao crivo do contraditório, não tendo, assim, nesse momento processual, a força probante que se busca atribuir.

Ainda que se presuma a ocorrência de valorização imobiliária no período entre 2009 e 2016, mesmo assim não há a certeza jurídica de que esteja apto do ponto de vista econômico e jurídico a garantir a integralidade do débito cobrado em Juízo, que atingiria, segundo o MPF, o montante de R$ 400.555,80 (quatrocentos mil, quinhentos e cinquenta e cinco reais e oitenta centavos).

Desse modo, malgrado os seus argumentos no sentido da inexistência de dolo na sua conduta e, também de dano ao Erário, não há nos presentes autos elementos incontroversos de prova nesse sentido.

Cabe asseverar, ademais, que não procede a alegação de ausência de comprovação de que esteja dilapidando o patrimônio, não se justificando, assim, no seu entender, a decretação de indisponibilidade dos bens, eis que já se encontra sedimentado no âmbito desta Corte o entendimento, segundo o qual, tal prova é presumida, verbis:

‘PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – INDISPONIBILIDADE DE BENS – PERICULUM IN MORA PRESUMIDO – IMPOSSIBILIDA-DE – CONTAS BANCÁRIAS – MODULAÇÃO DA CONSTRIÇÃO – PROVIMENTO PARCIAL DO AGRAVO

1. Nas ações de improbidade administrativa, o pedido cautelar de indisponibilidade de bens tem o objetivo de assegurar a reparação de eventual dano aos cofres públicos, no caso de futura condenação.

2. A relevância da fundamentação, em princípio, decorre da presença de fortes indícios da prática de atos de improbidade administrativa que causam enriquecimento ilícito ou dano ao Erário. O risco de dano irreparável, presumido em face dos atos praticados, prescinde da prova de dilapidação do patrimônio pelos agentes, sendo implícito no próprio comando do

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art. 7º da Lei nº 8.429/1992, em atendimento à determinação do art. 37, § 4º, da Constitui-ção. Precedentes do STJ e da 4ª Turma.’ (Ag 0057998-33.2015.4.01.0000/BA, Rel. Des. Fed. Olindo Menezes, 4ª T., e-DJF1 de 17.11.2016).

Diante do exposto, ratifico a decisão (fls. 577/580) e nego provimento ao agravo de instru-mento.

É como voto.”

Por todo exposto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento ao agravo de instrumento.

8357 – Improbidade administrativa – professor – dedicação exclusiva – exercício de profissão de arquiteto – vedação – dolo – má­fé – configuração

“Apelação cível. Remessa necessária. Administrativo. Improbidade administrativa. Professor uni-versitário. Dedicação exclusiva. Exercício da profissão de arquiteto. Vedação. Dolo. Má-fé confi-gurada. Sentença reformada. 1. O Ministério Público Federal propôs ação civil pública por ato de improbidade administrativa em face do ora apelado, em razão da suposta prática de ato ímprobo consistente na quebra do regime de dedicação exclusiva ao qual é submetido o réu, professor adjunto, lotado no Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Estado do Espírito Santo, violando o disposto no art. 14, § 1º, d, do Decreto nº 94.664/1987. 2. Todo o debate travado nos autos desta ação de improbidade se resume na correta interpretação e aplicação da regra constante do art. 14, I, § 1º, d, do Decreto nº 94.664, de 23 de julho de 1987, ao tratar do novo plano único de classificação e retribuição de cargos e empregos de que se refere a Lei nº 7.596, de 10.04.1987. 3. O regime de dedicação exclusiva gera impedimento para o exercício de qualquer outra atividade remunerada, em especial de caráter permanente, como a ocupação de emprego na iniciativa privada ou mesmo o exercício da atividade profissional de arquiteto, excep-cionando apenas a participação em órgãos de deliberação coletiva relacionada com as funções de magistério, a participação em comissões julgadoras ou verificadoras, relacionadas com o ensino ou pesquisa, a percepção de direitos autorais ou correlatos ou a colaboração esporádica, remunerada ou não, em assuntos de sua especialidade e devidamente autorizada pela instituição de ensino. A Resolução nº 13/2002, do Conselho Universitário da Universidade Federal do Espírito Santo, por sua vez, ao estabelecer os regimes de trabalho do pessoal docente da carreira do Magistério Superior, expressamente previu que ‘aos professores da Ufes em regime de Dedicação Exclusiva é permitida a colaboração esporádica, remunerada ou não, em assuntos de suas respectivas especia-lidades, desde que estas atividades não interfiram no cumprimento de suas atribuições acadêmicas e contratuais’. 4. O apelado realizou várias atividades profissionais extra universidade, conforme informações prestadas pelo Crea/ES e pelo Conselho Regional de Arquitetura do Espírito Santo, revelando que não se trata simplesmente do recebimento de ‘direitos autorais’ pelos projetos de arquitetura desenvolvidos pelo autor, mas de reiterada atividade remunerada extra universidade. 5. Vê-se, além disso, que as atuações do apelado não se deram em caráter eventual, mas de modo corriqueiro e sem a autorização da Ufes, em inobservância das normas legais e regimentais que normatizam o regime de dedicação exclusiva dos professores universitários das Instituições Federais de Ensino Superior. 6. A atuação do réu foi dolosa, pois agiu livre e conscientemente no sentido de descumprir o regime de dedicação exclusiva, já que, em vários períodos, atuou como arquiteto sem a autorização da Universidade a que está vinculado. Assim, é evidente o dolo e a má-fé do servidor que optou pelo regime de dedicação exclusiva, mas exercia outra atividade remunerada, em desrespeito ao comando legal. Ou seja, recebeu a gratificação GDE, embora estivesse exer-cendo cumulativamente outro emprego de arquiteto. 7. Dessa forma, na condição de Professor Universitário não poderia ignorar a proibição para o exercício das atividades fora da abrangência da Universidade Federal do Espírito Santo. A falta de ética, de lealdade à instituição universitária e à sociedade civil, a conduta abusiva e imbuída de má-fé, verificadas relativamente ao réu, cla-ramente configuram a prática do ato de improbidade administrativa. 8. Houve claro prejuízo ao Erário porquanto o réu vinha percebendo valores pecuniários no âmbito de sua remuneração como

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servidor público autárquica da Ufes correspondentes à gratificação para se dedicar exclusivamente às atividades acadêmicas daquela Universidade. Assim, a Ufes pagou valores pecuniários indevidos ao Réu sob o compromisso do desempenho de atividades exclusivas, o que não se concretizou. 9. O elemento subjetivo do tipo – o dolo – ficou demonstrado pelas provas produzidas, inclusive decla-ração do réu no sentido que não poderia exercer outra atividade além daquela vinculada à Ufes, a despeito de logicamente saber que prosseguia com suas atividades de arquiteto. A má-fé, a conduta desleal e ímproba, o comportamento frontalmente contrário aos princípios que regem a Adminis-tração Pública, foram devidamente comprovados pelos elementos de prova constantes dos autos. 10. No tocante à imposição das penalidades da improbidade administrativa ao réu, deve-se dosar as sanções de acordo com a natureza, a gravidade e as consequências do ato ímprobo, além da extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente. E, nessa toada, devem ser as penas fixadas dentro dos limites e parâmetros estabelecidos no art. 12, I e III da Lei nº 8.429/1992. 11. Com base no princípio da proporcionalidade, não são obrigatoriamente cumulativas as medidas previstas no art. 12 da LIA, razão pela qual o magistrado pode entender ser suficiente a incidência de uma ou de algumas medidas, levando em consideração a gravidade do caso, os antecedentes do responsável, a intensidade do dolo e a suficiência da sanção. 12. No caso concreto, além da devolução dos valores indevidamente recebidos a título de gratificação pela dedicação exclusiva (nos períodos indicados na petição inicial), abatidos os valores já pagos, deve ser aplicada multa civil no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais), levando-se em consideração a culpabilidade, bem como a situação financeira do réu. As demais penalidades (perda da função pública, suspensão de direitos políticos e de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário) se mostram excessivas e desnecessárias (e sequer foram postuladas pelo Ministério Público Federal), pois as sanções antes mencionadas são suficientes para a reprimenda da conduta do apelado, desestimulando a prática de condutas ímprobas. 13. Apelo e remessa necessária pro-vidos.” (TRF 2ª R. – AC 0109008-24.2015.4.02.5001 – 6ª T. – Rel. Guilherme Calmon Nogueira da Gama – DJe 17.03.2017 – p. 326)

8358 – Improbidade administrativa – ressarcimento ao Erário – prescritibilidade – observância

“Agravo de instrumento. Cabimento. Ação civil pública por ato de improbidade administrativa. Prescritibilidade do dever de ressarcimento ao Erário. Determinação de sobrestamento do feito. Im-possibilidade. Inaplicabilidade do RE 852.475/SP. Pretensão de imposição das sanções pela prática de atos de improbidade administrativa não alcançada pela prescrição. Regular prosseguimento do feito. Recurso conhecido e provido. Cabível a interposição de agravo de instrumento, vez que se amolda ao inciso II do art. 1.015 do Código de Processo Civil/2015, pois o ressarcimento ao Erário está englobado no mérito da ação civil pública pela prática de atos de improbidade administrativa. Tendo em vista o conjunto fático-probatório dos autos, tem-se que é inaplicável ao caso o Recurso Extraordinário nº 852.475/SP, uma vez que não houve o decurso da prescrição quinquenal, não se podendo falar em sobrestamento do presente feito.” (TJPR – AI 1576975-8 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Mateus de Lima – DJe 02.03.2017 – p. 88)

Transcrição editorial SínTeSeLei nº 13.105, de 16 de março de 2015 – Código de Processo Civil:

“Art. 1.015. Cabe agravo de instrumento contra as decisões interlocutórias que versarem sobre:

I – tutelas provisórias;

II – mérito do processo;

III – rejeição da alegação de convenção de arbitragem;

IV – incidente de desconsideração da personalidade jurídica;

V – rejeição do pedido de gratuidade da justiça ou acolhimento do pedido de sua revogação;

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VI – exibição ou posse de documento ou coisa;

VII – exclusão de litisconsorte;

VIII – rejeição do pedido de limitação do litisconsórcio;

IX – admissão ou inadmissão de intervenção de terceiros;

X – concessão, modificação ou revogação do efeito suspensivo aos embargos à execução;

XI – redistribuição do ônus da prova nos termos do art. 373, § 1º;

XII – (Vetado);

XIII – outros casos expressamente referidos em lei.

Parágrafo único. Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias pro-feridas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário.”

8359 – Inexigibilidade de licitação – dano patrimonial – inexistência – dolo – não configuração

“Processo civil. Agravo interno. Improbidade administrativa. Inexigibilidade de licitação. Art. 10, VIII, da Lei nº 8.429/1992. Inexistência de dano patrimonial. Dolo não caracterizado. Ausência de comprovação do elemento subjetivo. Análise. Reexame de matéria fático-probatória. Súmula nº 7/STJ. 1. Tratando-se de improbidade administrativa, ‘a jurisprudência do STJ considera indispen-sável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos arts. 9º e 11 da Lei nº 8.429/1992, ou pelo menos eivada de culpa gra-ve, nas do art. 10’ (AIA 30/AM, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Corte Especial, DJe 28.09.2011). 2. No caso, desconstituir as premissas do aresto quanto à inexistência do elemento subjetivo na con-duta demanda, necessariamente, o reexame de fatos e provas, o que é vedado ao STJ, em recurso especial, por esbarrar no óbice da Súmula nº 7/STJ. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 614.208 – (2014/0295510-6) – 2ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 27.03.2017 – p. 1462)

Comentário editorial SínTeSeTrata-se de agravo interno interposto pelo Ministério Público Federal contra decisão que conhe-ceu do agravo em recurso especial para negar provimento ao especial.

Aduz o agravante que o referido exame não demandaria o revolvimento do acervo probatório, pois trataria de sua revaloração.

Pugnou pela condenação por improbidade administrativa, pela prática de atos ilícitos por parte dos agravados, que resultaram em danos ao Erário.

Assim, o d. Relator entendeu:

“[...]

Inicialmente, é de se observar que o Tribunal de origem, no julgamento da apelação, com base no acervo probatório dos autos, entendeu que, ‘embora seja forte o indício de sua ocorrência pela negativa de competitividade, não restou demonstrado nos autos que o valor pago pelo serviço tenha sido em descompasso com o praticado pelo mercado, nem que a empresa deixou de prestar o serviço para o qual foi contratada. Assim, não há que se falar em prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito’ (e-STJ, fl. 516 – grifos acrescidos).

No momento da apreciação dos embargos infringentes, a Corte regional entendeu que não foi configurado o elemento volitivo capaz de comprovar a má-fé (dolo) em fraudar a administração pública com a conduta perpetrada pelos agentes (e-STJ, fl. 583 – grifos acrescidos):

Competia à parte autora, ora embargada, demonstrar que a contratação do serviço ocorreu por preços superiores ao de mercado. Do contrário, estar-se-ia no reino do arbítrio, onde se conde-na alguém a ressarcir dano material cuja quantificação se dispensa o interessado em apontar.

Na hipótese em exame, para que houvesse um dano ao Erário, seria preciso dizer-se, por exemplo, que houve a contratação de uma empresa para prestação de um serviço para o qual outra pessoa jurídica, pelo mesmo serviço e nas mesmas condições, cobraria um valor muito abaixo do contratado.

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Tem-se, pois, que se demonstrar um dano material. Todavia, na petição inicial, não foi apon-tado, nem por aproximação, qual o prejuízo que sofreu o erário em razão da contratação da empresa CAM – Centro de Assessoria Municipal Ltda.

Nesse pórtico, no tocante à ofensa aos princípios da Administração Pública de modo a ca-racterizar ato de improbidade, é preciso demonstrar a presença do elemento subjetivo da conduta, não apenas a quebra da legalidade. No caso em apreço, os fatos narrados pela União na exordial não representam mais do que meras irregularidades, sem indícios de má-fé dos envolvidos.

Em outras palavras, não se pode equiparar, de modo puro e simples, o mero quebrantamento da legalidade com um ato de improbidade. Indispensável que a violação da legalidade esteja acompanhada de deslealdade para com o aparato administrativo. As circunstâncias precisam demonstrar desonestidade, o que não ocorreu no caso.

A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de ser indispensável a presença de dolo ou culpa do agente público para ensejar a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992, não sendo suficientes, para tanto, meras irregularidades administrativas.

Nota-se que, ‘para que seja reconhecida a tipificação da conduta do réu como incurso nas previsões da Lei de Improbidade Administrativa, é necessária a demonstração do elemento subjetivo, consubstanciado pelo dolo para os tipos previstos nos arts. 9º e 11 e, ao menos, pela culpa, nas hipóteses do art. 10’ (AgRg-AREsp 533.862/MS, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 04.12.2014).

Assim, a revisão das conclusões relativas aos elementos subjetivos da conduta do agente depende da análise dos elementos probatórios dos autos, o que encontra óbice na orientação contida na Súmula nº 7 desta Corte.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo interno.

É como voto.”

Por todo exposto, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo interno.

8360 – Licitação – alienação de bem público – suspensão de pagamento – possibilidade

“Processo civil. Agravo de instrumento. Alienação de bem público mediante licitação. Terracap. Normas de direito administrativo e civil. Pagamento. Suspensão. Possibilidade. A manifestação ine-quívoca da parte contratante em não mais continuar a avença, autoriza a concessão do pedido liminar, para a suspensão do pagamento das parcelas contratadas, sem que seja realizada a ins-crição do nome do contratante nos órgãos de proteção ao crédito. Precedentes.” (TJDFT – Proc. 07015558320168070000 – (992114) – 6ª T.Cív. – Rel. Esdras Neves – J. 23.02.2017)

Comentário editorial SínTeSeCuida-se de ação de rescisão de contrato com pedido de tutela provisória de urgência, ajuizada por Luciana Ferreira Pinto da Silva e Augusto Pinto da Silva Neto em desfavor de Companhia Imobiliária de Brasília – Terracap, na qual os autores/agravados pleiteiam a concessão de tutela provisória de urgência, para suspender os descontos em folha das prestações vincendas, bem como que a ré, ora agravante, abstenha-se de realizar a inscrição do nome dos autores nos cadastros de inadimplentes.

A Companhia Imobiliária de Brasília – Terracap interpôs Agravo de Instrumento aduzindo em suas razões, em síntese, que o contrato objeto da lide é regido pela Lei de Licitação e Contra-tos e que não houve ilegalidade ou conduta indevida por parte da Agravante que motivasse o pedido de rescisão, asseverando, ainda, que inexiste no contrato celebrado cláusula resolutiva, bem como que não é cabível o seu distrato. Sustenta que deve ser ressarcida pelo uso do bem, sob pena de enriquecimento ilícito.

Ao negar provimento ao Recurso, assim manifestou-se o nobre Relator:

“[...] O contrato de alienação de bem público mediante licitação é um contrato administrativo, regulado pela Lei nº 8.666/1993 (Lei de Licitações e Contratos) e, subsidiariamente, pelas normas de Direito Civil. Neste contexto, é importante destacar que existem contratos que admitem a dissolução pela declaração de vontade de uma das partes, desde que seja prevista

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esta possibilidade e que as partes arquem com as consequências desta dissolução. Isto porque é um direito potestativo das partes contratantes.

Com efeito, a Escritura Pública prevê, nos itens VII e VIII, a possibilidade de distrato ou resci-são judicial (ID 925531 – p. 41), nos seguintes termos:

VII) – Na hipótese de distrato ou rescisão judicial da presente escritura, pelo inadimplemento das condições constantes deste instrumento e do edital licitatório, o Outorgado Comprador per-derá em favor da outorgante vendedora a importância paga como entrada inicial, constantes da Cláusula Segunda do presente ajuste, valor este que será à época devidamente atualizado;

VIII) – Em caso de rescisão do contrato com o licitante comprador e, em havendo débito re-gularmente apurado de IPTU/TLP e, ocorrendo a hipótese de devolução das prestações pagas, à exceção do sinal e princípio de pagamento, será procedida a compensação entre os valores eventualmente pagos pela Terracap a título de IPTU, TLP e ITBI com o total das parcelas a serem devolvidas.

Acrescente-se que o item 52, do Edital nº 03/2010 da Terracap (ID 925531 – p. 33) esta-belece que, em caso de rescisão do contrato com o licitante comprador e, em havendo débito tributário regularmente apurado e, ocorrendo a hipótese de devolução das prestações pagas, à exceção do sinal e princípio de pagamento, será procedida a compensação entre os valores eventualmente pagos pela Terracap a título de tributos com o total de parcelas a serem de-volvidas, o que configura cláusula penal para o licitante que pretender a extinção do contrato.

Assim, ainda que se cuide de contrato administrativo, tratando-se de empresa pública de direito privado, a ré/agravante submete-se às regras de direito civil (art. 173, § 1º, inc. II, da CF) e, tendo os autores solicitado a dissolução do ajuste, inclusive com a anuência quanto ao pagamento dos ônus dele decorrentes e sem que a Terracap tenha dado resposta sobre o pedido, não é razoável exigir o cumprimento das obrigações que depois serão desfeitas. Nesse sentido, transcrevo julgados deste Tribunal de Justiça:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSO CIVIL – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – TUTE-LA PROVISÓRIA – SUSPENSÃO DOS EFEITOS DO CONTRATO – RESCISÃO ANTECIPADA – TERRACAP – TUTELA ANTECIPADA RECURSAL – DEFERIDA – SUSPENSÃO – EXECUÇÃO FORÇADA – NÃO INCLUSÃO – NOME DA ADQUIRENTE – CADASTRO DE INADIMPLEN-TES – VEROSSIMILHANÇA PRESENTE – DECISÃO REFORMADA – 1. A concessão da tutela provisória constitui meio de garantia de efetivação da prestação jurisdicional e sua aplicação está condicionada a demonstração de seus pressupostos autorizadores, a prova inequívoca e verossimilhança da alegação e, ainda, o fundado receio de dano irreparável ou de difícil repa-ração. 2. Em sede de cognição sumária, inerente do exame de tutelas provisórias, revela-se cabível a tutela de urgência para suspender a execução forçada decorrente de contrato cuja cláusula é questionada judicialmente, mormente porque essa medida é plenamente reversível. 3. ‘Demonstrada a inequívoca intenção do particular em não prosseguir com o negócio firma-do, por falta de capacidade financeira, é possível a ele pedir a rescisão unilateral do contrato, suspendendo-se, em sede de antecipação dos efeitos da tutela, a exigibilidade das parcelas vencidas e vincendas, não podendo, ainda, a Administração negativar o nome da parte até a solução definitiva do processo.’ (Acórdão nº 916298, 20150020293783AGI, Relator: Ana Maria Duarte Amarante Brito, 6ª T.Cív., Data de Julgamento: 27.01.2016, Publicado no DJe: 02.02.2016). 4. No agravo de instrumento deverão ser analisadas questões atinentes à de-cisão objurgada sob pena de invasão de matéria meritória. 5. Agravo de instrumento provido. (Acórdão nº 983323, 20160020303596AGI, Relator: Leila Arlanch, 2ª T.Cív., Data de Julga-mento: 23.11.2016, Publicado no DJe: 29.11.2016, p. 146/158)

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RESCISÃO – ESCRITURAS DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS – TERRACAP – INCAPACIDADE ECONÔMICA – POSSIBILIDADE – APURAÇÃO DO QUANTUM – HONORÁRIOS RECURSAIS – 1. Conquanto a alienação de imóveis pela Ter-racap tenha sido precedida de licitação, aplicam-se aos referidos contratos de compra e venda as normas de Direito Privado, encontrando-se, portanto, as partes no mesmo nível jurídico, sem qualquer preponderância da Administração sobre o particular. A licitação é exigida apenas para assegurar igualdade de competição entre os particulares. 2. Havendo manifestação da Empresa Contratada em rescindir o ajuste, diante da demonstração de sua incapacidade eco-nômica em honrar os contratos de compra e venda de imóveis firmados, não se mostra razoá-vel a manutenção da avença, diante da liberdade de contratar e, por conseguinte, de se manter vinculado, albergada no art. 421 do CC/2002, cabendo apenas à parte desistente arcar com

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os ônus do desfazimento do negócio. Além disso, a resilição pleiteada está assegurada no art. 473 do CC/2002, assim como nas cláusulas dos contratos firmados. 3. Não havendo a r. sentença determinado o valor da obrigação, deve o seu montante ser apurado mediante liquidação ou cumprimento de sentença, de forma que se mostra desnecessária qualquer alte-ração na decisão impugnada pois não foi imposto procedimento diverso. [...] 5. Apelo conhe-cido e não provido. (Acórdão nº 974415, 20160110565249APC, Relator: Flavio Rostirola, 3ª T.Cív., Data de Julgamento: 13.10.2016, Publicado no DJe: 25.10.2016, p. 1611/1628)

Dessa forma, verificada a probabilidade do direito pleiteado na ação de origem, não há que falar em reforma da decisão agravada.

Ademais, ausente o perigo de dano para a agravante, uma vez que o não pagamento das pres-tações vincendas resultará na incidência da Cláusula IV da Escritura de Venda e Compra, que dispõe sobre a incidência de multa, juros de mora e correção monetária na hipótese de atraso. Ressalte-se que a suspensão do pagamento não importará em prejuízo à agravante, pois, se a ação de rescisão for julgada improcedente, a agravada terá que arcar com as parcelas venci-das, sujeitando-se aos efeitos da mora. [...]”

8361 – Licitação – edital – qualificação econômico­financeiro – regularidade fiscal – intempes­tividade

“Mandado de segurança. Licitação. Inabilitação. Descumprimento do edita. Inocorrência prova da regularidade fiscal. Fato atribuído a terceiro. Proporcionalidade. Apelação desprovida. 1. O apela-do foi inabilitado em razão da inobservância do item 7.3.6.1.3, do edital, referente à qualificação econômico-financeira. A prova indica que o apelado apresentou a certidão. Há informação de que tramitava execução fiscal, na comarca de Campinas, referente a IPTU. 2. O apelado comprovou, em recurso perante a Comissão de Licitação, que a execução fiscal estava extinta, por acordo for-malizado e cumprido (fls. 267/280). A execução fiscal constava na certidão, porque o município não solicitou o arquivamento do processo. 3. É evidente a desproporcionalidade da inabilitação do apelado, por fato atribuído a terceiro. 4. A alegação de que a comprovação da regularidade fiscal é intempestiva não é exata, porque os documentos destinados a este fim foram apresentados no recurso administrativo. Trata-se do exercício do contraditório e da ampla defesa, em processo administrativo, nos termos do art. 5º, LV, da Constituição Federal. 5. Apelação e reexame necessário desprovidos.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0018678-91.2011.4.03.6100/SP – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Fábio Prieto – DJe 03.03.2017 – p. 598)

Destaque editorial SínTeSeDo voto do Relator destacamos o seguinte julgado:

“[...]

RECURSO ESPECIAL – PREQUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – SÚMULA Nº 211/STJ – RE-VISÃO – FATOS – SÚMULA Nº 07/STJ – LICITAÇÃO – HABILITAÇÃO – PREGÃO – PROVA – REGULARIDADE FISCAL – PREVIDÊNCIA SOCIAL – EDITAL – RIGORISMO FORMAL – DES-PROPORCIONALIDADE – INTERPRETAÇÃO TELEOLÓGICA – PROPOSTA MAIS VANTAJOSA

1. Não se conhece do recurso especial, no ponto em que se questiona a forma como o recor-rido demonstrou a regularidade fiscal nas instâncias ordinárias, por não ter sido tal matéria objeto de prequestionamento nas instâncias ordinárias, além de exigir revolvimento do quadro fático-probatório da demanda, inviável em sede de recurso especial. Inteligência das Súmulas nºs 211/STJ e 07/STJ.

2. No caso vertente, cooperativa foi inabilitada, após ter sua proposta declarada vencedora na fase competitiva em pregão, porque deixou de apresentar apenas uma das 548 (quinhentos e quarenta e oito) certidões de regularidade fiscal perante a Previdência social, relativas a cada um dos cooperados, conforme exigido no edital do certame.

3. O juízo a quo considerou desproporcional e excessivamente rigorosa a inabilitação do lici-tante, máxime porque a certidão faltante já existia à época do certame, não tendo sido apre-sentada por singelo e justificável lapso do concorrente, devido à quantidade de documentação a ser fornecida na fase de habilitação.

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4. A prova de regularidade fiscal, perante a Previdência Social, exigida para a contratação ad-ministrativa do particular, segundo os arts. 195, § 3º, da CF, 4º, da Lei nº 10.520/2002, e 3º, 27, inciso IV, e 29, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993, deve ser interpretada teleologicamente, a fim de garantir o equilíbrio financeiro da seguridade social e evitar a contratação de pessoas inidôneas, que possam tornar-se inaptas economicamente para os encargos contratuais, à vista das dívidas fiscais não pagas, resguardando-se, outrossim, a isonomia no procedimento licitatório, ao expurgar concorrentes que tendem a apresentar custos mais reduzidos, justa-mente devido ao fato de não honrar com suas obrigações.

5. A falta de apenas uma, dentre 578 certidões de regularidade fiscal perante a Previdência, não é fato bastante para macular a recorrida como particular inidôneo ao cumprimento do con-trato, principalmente quando se comprova que a certidão faltante já existia na época da fase de habilitação, não tendo sido criada extemporaneamente, pós-certame, conforme provado nas instâncias ordinárias.

6. O Superior Tribunal de Justiça tem entendimento jurisprudencial sobre a necessidade de se temperar o rigorismo formal de algumas exigências do edital licitatório, a fim de manter o caráter competitivo do certame, selecionando-se a proposta mais vantajosa à Administração Pública, caso não se verifique a violação substancial aos demais princípios informadores deste procedimento. Precedentes.

7. Recurso especial conhecido parcialmente e, nesta parte, não provido.”

(REsp 997.259/RS, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., Julgado em 17.08.2010, DJe 25.10.2010) – o destaque não é original.

8362 – Licitação – empresa em recuperação judicial – certidões negativas de débitos – dispensa – impossibilidade

“Agravo de instrumento. civil. Recuperação judicial. Licitação. Poder público. Dispensa apresen-tação. Certidões negativas. Impossibilidade. Incabível a dispensa de apresentação de certidões ne-gativas de débitos para a habilitação em pregão eletrônico com sociedade de economia mista, em razão do disposto no art. 52, inciso II, da Lei nº 11.101/2005, segundo o qual a dispensa da apre-sentação de certidões negativas das empresas em recuperação judicial não alcança a contratação com o Poder Público.” (TJDFT – Proc. 20160020389417AGI – (995443) – 6ª T.Cív. – Rel. Esdras Neves – J. 21.02.2017)

Transcrição editorial SínTeSeLei nº 11.101/2005:

“Art. 52. Estando em termos a documentação exigida no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefí-cios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;”

8363 – Licitação – edital – requisitos – não preenchimento – inabilitação – cabimento

“Licitação. Pretendida nulidade do certame licitatório que declarou a autora inabilitada para dele participar. Inviabilidade. Requisitos constantes do edital não preenchidos pela autora. Inexistência de alegado ‘excesso de formalismo’. Sentença de improcedência. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 1017440-08.2015.8.26.0053 – São Paulo – 4ª CDPúb. – Rel. Ferreira Rodrigues – DJe 01.03.2017)

8364 – Licitação – menor preço global – preço a menor – inexequibilidade – folha proposta – preenchimento – equívoco

“Apelação cível. Mandado de segurança. Processo licitatório. Menor preço global. Art. 48, II, da Lei nº 8.666/1993. Preço a menor. Inexequibilidade. Preço a maior. Oneroso. Equívoco no preen-chimento da folha-proposta. Apelo provido em parte. I – A Lei nº 8.666/1993, aplicada subsidiaria-mente ao pregão, em seu art. 48, inciso II, estabelece que serão desclassificadas as propostas com

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valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessa-riamente especificadas no ato convocatório da licitação. II – In casu, as candidatas do processo lici-tatório não apresentaram suas propostas, quanto aos valores, de acordo com as regras contidas no edital. III – Recurso provido em parte.” (TJMA – AC 0002892-88.2013.8.10.0027 – (197467/2017) – Rel. Des. Marcelino Chaves Everton – DJe 17.02.2017 – p. 124)

8365 – Militar – temporário – incapacidade para o serviço – acidente em serviço – nulidade de licenciamento – configuração

“Administrativo. Militar temporário. Incapacidade para o serviço militar. Acidente em serviço. Reforma na mesma graduação da ativa. Nulidade do licenciamento. Direito à reforma. Recebi-mento dos valores devidos no período em que esteve afastado. Inteligência do art. 106, II, da Lei nº 6.880/1980. Procedência. I – Em face do disposto no art. 14 da Lei nº 13.105/2015, aplica-se a esse processo o CPC/1973. II – A controvérsia, nos presentes autos, cinge-se ao direito do militar temporário à reforma. III – O Estatuto dos Militares – Lei nº 6.880/1980, no seu art. 106, II, asse-gura o direito a reforma aos militares, sem distinção, no caso de serem julgados definitivamente incapazes para o serviço ativo das Forças Armadas. IV – Não se confundem a incapacidade para o serviço militar e a incapacidade para todo e qualquer trabalho, ou seja, a invalidez total. V – A invalidez total é condição para a concessão da reforma ao militar temporário, somente quando a lesão não decorre de acidente em serviço. VI – O autor foi incorporado às fileiras da Aeronáutica em 02.08.2004, como Soldado S2 na Base Aérea de Campo Grande e, conforme os documentos médicos que constam dos autos, em virtude de um acidente em serviço ocorrido em 08.04.2008, tornou-se incapaz para o exercício do serviço militar. VII – Na perícia médica judicial, o expert concluiu que há nexo entre a lesão e o acidente em serviço e que o autor ‘Encontra-se incapaz para o serviço militar definitivamente’. VIII – Em reforço à prova técnico-pericial, há outros elementos nos autos que confirmam a razão da pretensão do autor. IX – Com efeito, na ressonância magnética realizada em 18.04.2008, foi diagnosticado ‘Ruptura do ligamento colateral medial’, ‘Ruptura do ligamento cruzado anterior’, ‘Cisto de Baker, em partes moles posteriores do compartimento me-dial’. X – Outrossim, há nos autos declaração de ortopedista, emitida em 23.08.2010, no sentido de que o autor necessita de nova cirurgia para reconstruir o ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo. XI – Desse modo, resta evidenciado que o autor, ao ser excluído das fileiras da Aero-náutica, em 01.08.2008, não estava recuperado das lesões originadas pelo acidente que sofreu em serviço e, portanto, encontrava-se incapaz para o serviço militar ativo. XII – Tratando-se, portanto, de militar acidentado em serviço, incide a norma veiculada no art. 108, § 1º, em combinação com a do art. 109 do Estatuto dos Militares, fazendo jus o autor à reforma no mesmo grau em que se encontrava na ativa, independentemente do tempo de serviço. XIII – Sendo assim, o ato de licen-ciamento deve ser anulado e o autor reintegrado e reformado, desde a data do indevido licencia-mento (01.08.2008). XIV – Por conseguinte, o autor faz jus à percepção dos valores que deixou de receber, no período em que esteve afastado. XV – A correção monetária deve incidir, desde a data em que devidas as parcelas, conforme os índices previstos no Manual de Orientação de Procedi-mentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 267/2013 do Conselho da Justiça Federal. XVI – Os juros moratórios nas condenações impostas à Fazenda Pública incidem, nos termos do julgamento do REsp 1.205.946, pelo rito do art. 543-C do Código de Processo Civil. XVII – Considerando a entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, aplica-se o princípio tempus regit actum, referente ao ajuizamento da demanda, sob pena de ofensa ao princípio da segurança jurídica. Na fixação dos honorários sucumbenciais, aplica-se o art. 20 do antigo Código de Processo Civil de 1973. XVIII – O montante fixado a título de verba honorária deve considerar o grau de complexidade da causa, bem como a quantidade de atos processuais praticados, de

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modo que os honorários advocatícios, no caso em tela, devem ser fixados em R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), em perfeita consonância com os dispositivos legais supramencionados. XIX – Presentes os requisitos, concedida a tutela antecipada, para a reintegração e reforma do autor, em 30 (trinta) dias. XX – Apelação do autor provida.” (TRF 3ª R. – AC 0005929-22.2009.4.03.6000/MS – 11ª T. – Relª Juíza Fed. Noemi Martins – DJe 06.04.2017 – p. 1287)

Comentário editorial SínTeSeO acórdão em comento trata de apelação interposta contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados por um militar temporário.

Seu pedido foi sua reintegração nas fileiras da Aeronáutica e posterior reforma, com pagamen-to dos vencimentos desde seu licenciamento.

A r. sentença julgou improcedentes os referidos pedidos com fundamento de que o autor não está definitivamente incapacitado para todo e qualquer trabalho militar.

Em suas razões de apelação, alega o autor que “[...] incapacitado para o serviço militar, de modo que preenche os requisitos legais para sua reintegração às fileiras da Aeronáutica e pos-terior reforma, com pagamento dos vencimentos desde seu licenciamento indevido”.

Dessa forma, o nobre Relator entendeu:

“[...]

O Estatuto dos Militares – Lei nº 6.880/1980 assegura ao militar temporário o direito à refor-ma, ainda que a sua incapacidade refira-se apenas ao serviço militar.

O serviço militar Inicial obrigatório, em tempos de paz, estende-se a todos os homens brasi-leiros e maiores de 18 anos, e é constituído do exercício das atividades das Forças Armadas relacionadas à defesa da Pátria e à garantia dos Poderes, da Lei e da Ordem, nos termos dos arts. 1º e 2º da Lei nº 4.375/1964 e 2º da Lei nº 6.880/1980.

O recrutamento para esse serviço é precedido de quatro fases – seleção, convocação, incor-poração ou matrícula nos Órgãos de Formação de Reserva, e voluntariado – nas quais os aspectos físicos, culturais, psicológicos e morais dos candidatos devem ser avaliados pelas Comissões de Seleção, segundo os requisitos fixados pelo Estado-Maior, consoante os arts. 12 a 15 da Lei nº 4.375/1964.

Após a aprovação na seleção, os candidatos são incorporados à organização militar da Ativa e passam a ser regidos funcionalmente pelo Estatuto dos militares, nos termos do art. 3º, § 1º, II, do Estatuto dos Militares (Lei nº 6.880/1980), in verbis:

“Art. 3º Os membros das Forças Armadas, em razão de sua destinação constitucional, formam uma categoria especial de servidores da Pátria e são denominados militares.

§ 1º Os militares encontram-se em uma das seguintes situações:

a) na ativa:

[...]

II – os incorporados às Forças Armadas para prestação de serviço militar inicial, durante os prazos previstos na legislação que trata do serviço militar, ou durante as prorrogações daqueles prazos; [...]”

O art. 106, II, do referido Estatuto assegura o direito à reforma aos militares, sem distinção, no caso de serem julgados definitivamente incapazes para o serviço ativo das Forças Armadas. Confira-se:

‘Art. 106. A reforma ex officio será aplicada ao militar que:

[...]

II – for julgado incapaz, definitivamente, para o serviço ativo das Forças Armadas; [...]’

Assim, a referida Lei assegura aos militares temporários – os incorporados para prestar o Serviço militar Obrigatório, durante o prazo de incorporação – o direito à reforma, no caso de incapacidade para o Serviço militar.

Não se confundem a incapacidade para o serviço militar e a incapacidade para todo e qual-quer trabalho, ou seja, invalidez total, que é considerada pela referida Lei em duas hipóteses,

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quais sejam: para conceder ao militar reforma com remuneração calculada com base no soldo recebido pelos militares de grau hierárquico imediatamente superior ao dele ou para conferir ao militar não estável reforma do com qualquer tempo de serviço, remuneração calculada com base no soldo integral do posto ou graduação, no caso de invalidez decorrente de um dos motivos do art. 108, VI, do Estatuto dos militares.

[...]

Em reforço a prova técnico-pericial, há outros elementos nos autos que reforçam a pretensão do autor.

Com efeito, na ressonância magnética realizada em 18.04.2008 (fl. 47), foi diagnosticado ‘Ruptura do ligamento colateral medial’, ‘Ruptura do ligamento cruzado anterior’, ‘Cisto de Baker, em partes moles posteriores do compartimento medial’.

Outrossim, na fl. 237, há declaração de ortopedista, emitida em 23.08.2010, no sentido de que o autor necessita de nova cirurgia, para reconstrução do ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo.

Desse modo, resta evidenciado que o autor, ao ser excluído das fileiras da Aeronáutica, em 01.08.2008, não estava recuperado das lesões originadas pelo acidente que sofreu em serviço e, portanto, encontrava-se incapaz para o serviço militar ativo.

Ademais, o conjunto probatório constante destes autos demonstra que, ao ingressar nas fileiras da Aeronáutica, o autor não apresentava a patologia que ocasionou a sua incapacidade para atividade no serviço militar ativo, o que adveio em decorrência de acidente ocorrido em ser-viço, incapacitando-o para a prática de atividades relacionadas ao serviço militar, que exigem perfeitas condições de saúde e considerável vigor físico.

Tratando-se, portanto, de militar acidentado em serviço, incide na hipótese o art. 108, § 1º, combinado com o art. 109 do Estatuto dos militares, fazendo jus o autor à reforma no mesmo grau em que se encontrava na ativa, independente do tempo de serviço.

Nesse sentido, a jurisprudência do E. STJ:

‘AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – MILITAR TEMPORÁRIO – ACIDENTE EM SERVIÇO – INCAPACIDADE PARA A ATIVIDADE CASTRENSE – DIREITO À REFORMA – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA – NECESSIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – 1. “A jurisprudência do STJ reconhece que o militar temporário ou de carreira que se torna defini-tivamente incapacitado para o serviço ativo das Forças Armadas, em decorrência das causas previstas nos incisos I a IV do art. 108 da Lei nº 6.880/1980 – que contemplam hipóteses com relação de causa e efeito com as atividades militares –, faz jus à reforma, com soldo cor-respondente ao que recebia na ativa, independentemente de seu tempo de serviço, conforme determina o art. 109 da Lei nº 6.880/1980” (AgRg-AREsp 504.942/RS, Relª Min. Assusete Magalhães, 2ª T., Julgado em 09.09.2014, DJe 16/09/2014). 2. A alteração das conclusões adotadas pelo Tribunal de origem quanto à invalidez total e definitiva para o trabalho castrense e a relação de causalidade com o acidente sofrido em serviço, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.’ (g.n.)

(STJ, AEAREsp 201304057353, Sérgio Kukina, 1ª T., DJe Data: 20.10.2014)

‘ADMINISTRATIVO – MILITAR TEMPORÁRIO – INCAPACIDADE DECORRENTE DE ACIDEN-TE EM SERVIÇO – INCAPACIDADE PARA ATIVIDADES CASTRENSES – REFORMA – POS-SIBILIDADE – SÚMULA Nº 83/STJ – 1. O militar, temporário ou de carreira, que se torna definitivamente incapacitado para o serviço ativo das Forças Armadas em decorrência das causas elencadas nos incisos I a V do art. 108 da Lei nº 6.880/1980 faz jus à reforma, inde-pendentemente de seu tempo de serviço, conforme determina o art. 109 do Estatuto militar. 2. A incapacidade total e definitiva para qualquer trabalho somente é exigida do temporário quando o acidente ou doença, moléstia ou enfermidade, não tenha relação de causa e efeito com o serviço (art. 108, VI, da Lei nº 6.880/1980), hipótese diversa à dos autos, em que reconhecido o nexo de causalidade entre o acidente ocorrido e a doença que acomete o militar. REsp 1328915/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., Julgado em 04.04.2013, DJe 10.04.2013. Agravo regimental improvido.’ (g.n.)

(STJ, AGAREsp 201400779111, Humberto Martins, 2ª T., DJe 27.06.2014)

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[...]

Ante o exposto, dou provimento à apelação, para determinar a reintegração e a reforma do autor, [...], ao Serviço da Aeronáutica, a partir do licenciamento indevido, efetuando todos os pagamentos do período pela remuneração calculada com base no soldo equivalente ao grau hierárquico que ocupava na ativa, com juros e correção monetária, observada a prescrição quinquenal, consoante consta da fundamentação desta decisão. Fica concedida a antecipação da tutela, nos termos acima explicitados.

É como voto.”

Assim, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região deu provimento à apelação.

8366 – Processo administrativo disciplinar – bens públicos – desvio – demissão – cabimento

“Administrativo. Servidor público federal. Desvio de bens públicos. Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD). Conjunto probatório. Penalidade de demissão. Ausente comprovação de cercea-mento de defesa no PAD. 1. Agravos retidos do demandante e da UFRJ não conhecidos, porquanto ausentes – nas razões ou na resposta à apelação, respectivamente –, postulações expressas dos liti-gantes para as apreciações desses recursos pelo Tribunal (art. 523, § 1º, do CPC/1973). 2. Cinge-se a controvérsia à reintegração de servidor público no cargo efetivo de Assistente da Administração da UFRJ, com restabelecimento das remunerações desde a aplicação de penalidade de demissão, decorrente de infração apurada em Procedimento Administrativo Disciplinar – PAD que se busca anular. 3. No caso, o demandante, Chefe da Seção de Cadastro e Tombamento da UFRJ, teria rece-bido, na condição de substituto eventual do Diretor da Divisão de Gestão Patrimonial da Pró-Reito-ria de Planejamento e Desenvolvimento, uma doação de bens oriundos do MPF avaliados em R$ 871.071,96, no período de agosto/setembro de 2008, sem autorização da Universidade, transfe-rindo-os irregularmente para uma associação de moradores, sem observância da normatização in-terna pertinente. 4. Instaurou-se comissão de PAD no âmbito da UFRJ destinada a apurar as irregu-laridades noticiadas. O Processo nº 23079.040011/2008-63 tramitou na Procuradoria da Universidade, onde foi lavrado o parecer PFUFRJ/PGA/012/2009, que assinalou a ocorrência de vícios insanáveis na condução do apuratório, sugerindo o refazimento do processo a partir do ‘Auto de Qualificação e Interrogatório do Acusado’ e designação de novo trio processante. 5. Inspeção realizada na Universidade pela Corregedoria Setorial do Ministério da Educação constatou, todavia, que deixaram de ser adotadas as providências sugeridas no parecer jurídico, encontrando-se o pro-cedimento disciplinar paralisado desde agosto/2009; razão pela qual, em 01.04.2010, foi lavrada a Nota de Instrução nº 166/2010/CSMEC/CORAS/CRG/CGU-PR, sugerindo a avocação daquele PAD pela Controladoria-Geral da União – CGU. 6. Acolhendo integralmente a aludida Nota de Instru-ção, em 07.07.2010 o Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado do Controle e da Transparência avocou o processo da UFRJ, instaurando-se novo PAD no âmbito da CGU – Processo nº 00190.020535/2010-97 –, tendo como escopo a apuração das supostas irregularidades ocorridas no recebimento dos referidos bens (armários, cadeiras e mesas, aparelhos de fac-símile e telefôni-cos, cafeteiras, condicionadores de ar, poltronas giratórias, refrigeradores, rádios transceptores, scanners de mesa, impressoras a laser e jato de tinta, estabilizadores de voltagem, microcomputa-dores, monitores de vídeo, notebooks, dentre outros, consoante Termo de Baixa lavrado pelo MPF), sendo a Universidade apenas comunicada da decisão final do PAD pela CGU. 7. A penalidade de demissão foi aplicada ao servidor após o apurado no PAD, por descumprimento dos deveres esta-belecidos no art. 116, incisos I, II e III, da Lei nº 8.112/1990; por valer-se do cargo para lograr pro-veito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, nos termos dos arts. 117, inciso IX, e 132, inciso XIII, ambos da Lei nº 8.112/1990; por lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional, consoante art. 132, inciso X, da Lei nº 8.112/1990, e, ainda, por improbidade administrativa causadora de lesão ao Erário, com fulcro no art. 132, inciso IV, da Lei nº 8.112/1990 (Portaria nº 2722, de 28.12.2011, do Ministro de Estado Chefe da CGU interino, publicada no DOU em 29.12.2011). 8. A alegada tese de cerceamento de defesa no PAD restou sem comprovação nos presentes autos, porque os elementos acostados permitem concluir que o

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PAD instaurado pela CGU pautou-se nos princípios da ampla defesa e do contraditório, sendo co-lhidos testemunhos, com notificação ao acusado e presença de seu advogado nas inquirições, além de oportunidade de apresentação de defesa escrita e fornecimento de cópias de peças de seu inte-resse. 9. O Relatório Final do PAD foi claro, técnico e minucioso, coligindo testemunhos e demais elementos probatórios, evidenciando a apuração da responsabilidade e participação do acusado no processo de retirada e doação de bens em nome da UFRJ, sem a anuência da Universidade, com descumprimento de sua regulamentação interna para o procedimento de retirada de bens doados, patrimoniação e doação, que definia rotinas de trabalho e atribuições dos servidores envolvidos, cabendo ao Diretor da Divisão de Gestão Patrimonial a responsabilidade pela coordenação do aludido procedimento de retirada de bens, enquanto ao Chefe da Seção de Cadastro e Tombamen-to seu acompanhamento; Atribuições essas que deixam de conferir a quem as desempenha poder de decisão quanto à forma adequada para recebimento e doação de bens concernentes ao patrimô-nio da UFRJ. 10. Após avaliação do conjunto probatório acostado ao PAD, ‘a Comissão decidiu por indiciar o servidor, entendendo que ele praticou atos para os quais não detinha competência, des-cumpriu normas legais e regulamentares, causou lesão aos cofres públicos e praticou ato de impro-bidade administrativa que causa prejuízo ao erário, conforme Termo de Indiciação [...]’. 11. Poste-riormente ao encerramento da instrução processual no PAD, o servidor requereu produção de prova oral à Comissão Processante, que a considerou intempestiva, pois formulada após encerrada a fase instrutória, já lavrado o Termo de Indiciamento, sem apresentação de uma justificativa para que retrocedesse o procedimento, como assinalado pela AGU no parecer encartado no PAD. 12. A de-cisão da Comissão do PAD quanto à impossibilidade de retirada dos autos da repartição cingiu-se de legalidade, eis que amparada no Manual de Procedimento Administrativo Disciplinar da CGU e na Lei nº 8.112/1990 (art. 161, § 1º), inexistindo nestes autos demonstração de prejuízos à defesa do acusado no PAD, bem como de óbice a impedir-lhe o acesso àqueles autos. 13. O conjunto probatório do PAD evidencia que o servidor possuía conhecimento das normas internas da Univer-sidade quanto ao recebimento dos bens doados à Instituição, tanto é que alegou em sua defesa o descumprimento da regulamentação em detrimento de ‘praxes administrativas’ diversas, alegação que não restou comprovada no PAD e foi rechaçada enquanto argumento pelo Juízo a quo na sen-tença, porquanto as supostas práticas irregulares ‘não são capazes de justificar a conduta do autor. O costume somente se caracteriza como prática habitual apta a gerar o reconhecimento de situa-ções na ausência de normas e, nunca, contra legem’. 14. O próprio servidor frisou em seu depoi-mento ter decidido receber os bens em doação, indicando que, apesar de ter ciência da regulamenta- ção da Universidade quanto à questão, descumpriu-as, revelando-se pouco crível que – trabalhan - do na instituição pública há mais de 20 anos, 19 dos quais no setor de gestão de patrimônio, tendo exercido função de chefia –, desconhecesse estar agindo fora da legalidade ao implementar um acordo com um suposto representante de uma associação de moradores, sem anuência da UFRJ, autorizando que referida pessoa retirasse os bens doados pelo MPF e os transportasse para o depó-sito da Universidade – ao qual nunca chegaram –, em veículos que não eram da UFRJ. 15. Conso-ante Decreto nº 99.658/1990, com alterações do Decreto nº 6.087/2007, a doação de bens classi-ficados como ‘ociosos’ (aqueles que, embora em perfeitas condições de uso, não estejam sendo aproveitados, nos termos do art. 3º, parágrafo único, alínea a) só pode ocorrer entre órgãos e enti-dades públicas federais, após verificada a oportunidade e a conveniência da doação em relação à opção por outra forma de alienação, sendo que as instituições filantrópicas somente podem receber doação de bens antieconômicos ou irrecuperáveis (art. 15), o que não era o caso. 16. Nesse contex-to, a sentença hostilizada julgou improcedente o pedido do demandante, consignando, afinal, que ‘diante da gravidade dos fatos, que violam os princípios da moralidade e da legalidade, não há como considerar excessiva a pena de demissão, imposta pela autoridade competente’, afastando ofensa aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, porque a conduta do servidor ‘se amolda às hipóteses que a lei prevê a penalidade de demissão’, restando infrutífero, nas circunstân-

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cias, o apelo do demandante. 17. Agravos retidos do demandante e da UFRJ não conhecidos. Ape-lação conhecida e desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 0049941-27.2012.4.02.5101 – 7ª T.Esp. – Rel. José Antonio Lisbôa Neiva – DJe 22.02.2017 – p. 568)

8367 – Responsabilidade civil do Estado – acidente ferroviário – danificação de cabos telefôni­cos – dano material – comprovação

“Cerceamento de defesa. Inexistente. Administrativo. Responsabilidade civil. Acidente ferroviário. Danificação de cabos telefônicos. Dano material. Comprovados. Laudo criminalístico. Legitimida-de. Indenização cabível. Orçamento idôneo. 1. Inicialmente, afasto a preliminar de cerceamento de defesa, pelo indeferimento do pedido de oitiva de testemunhas, uma vez que o Código de Processo Civil consagra o juiz como condutor do processo, cabendo a ele analisar a necessidade da dilação probatória, conforme os arts. 125, 130 e 131 do CPC/1973, vigentes à época da prolação da senten-ça, bem como dos arts. 139, 370 e 371 do CPC/2016. 2. Desta forma, o magistrado, considerando a matéria impugnada, pode indeferir a realização da prova, por entendê-la desnecessária ou im-pertinente, entendimento corroborado nesta análise, não tendo ocorrido o cerceamento de defesa. 3. Cumpre destacar que o serviço de transporte ferroviário tem caráter público, nos termos do dis-posto no art. 21, XII, d, da Constituição da República. 4. Assim, em análise do pedido de indeniza-ção por danos morais, observo os preceitos contidos nos art. 5º, V e X, e art. 37, § 6º da Constituição da República. 5. Nesse passo, as administrações ferroviárias têm o dever de promover medidas de segurança e educação, conforme se denota dos dispositivos do Decreto nº 1.832, de 4 de março de 1996. 6. Na hipótese de responsabilidade extracontratual por dano causado por agente público, im-põe-se, tão somente, a demonstração do dano e do nexo causal, por prescindir a responsabilidade objetiva da culpa do agente. 7. No entanto, ao se tratar da caracterização da responsabilidade civil do Estado por uma conduta omissiva genérica, como no caso em análise, mostra-se imprescindível, além daqueles fatores, a presença do elemento culpa pelo descumprimento de dever legal, para que se possa apurar a responsabilidade subjetiva da Administração. 8. De acordo com o Boletim de ocorrência nº 603331100 o acidente envolvendo composição ferroviária pertencente à parte ré ocorreu em 19.06.1994, com a seguinte disposição (fl. 08v): Segundo declarações das PN01 e PN02, o trem prefixo D. 4404, composto pelas locomotivas de nº 7813 com 23 veículos (vagões), com peso de 1799 toneladas de soja, conduzidos pela PN01 e auxiliado pela PN02, trafegava no sentindo Barretos – Bebedouro, veio a descarrilhar sobre a ponte que sobrepõe a Av. Conselheiro Antonio Prado que dá acesso ao Bairro Frigorífico. Houve danos de grande monta na rede telefônica (01 – cabo telefônico de 200 – local pares e 01 cabo telefônico de 7 quadras IU), pertencente a Telesp, que passa sob a ponte, segundo a testemunha 03, que é funcionário da mesma. Houve que-da de 03 (três) vagões no local do descarrilamento, causando prejuízo de grande monta nos veículos e na ponte de ferro. Foi elaborado BO/PC nº 1548 onde compareceu no local, juntamente com a I.C., o Dr. José Silas do Amaral Finotello. 9. Por sua vez, o laudo elaborado pelo Perito Criminal e Engenheiro Wilson Moriguchi pelo Instituto de Criminalística relata o ocorrido, com fotos compro-vando os danos decorrentes do acidente, incluindo a deterioração dos trilhos, a queda do pontilhão e a destruição de cabos e postes. Ademais, conclui (fls. 15/16): Acredita este Perito que a causa mais provável do descarrilamento se deve aos componentes da composição com sua capacidade normal de carga 80T, serem excessivas para a capacidade da estrutura da linha férrea em conter a composição frenada, isto porque quando da frenagem houve o arrastamento de vários dormentes em pontos distintos, alterando sua distribuição simétrica. 10. Nota-se que o perito judicial é profis-sional habilitado para relatar a dinâmica do acidente e as consequências decorrentes. Trata-se de engenheiro, de confiança do juízo e seu laudo goza de presunção de legitimidade, face à sua natu-reza imparcial. 11. Ademais, a ré não trouxe aos autos qualquer prova documental que demonstre a invalidade da pericia criminalística, apenas argumentando, de forma genérica, a necessidade de participação de profissionais com conhecimentos específicos nas áreas de transporte ferroviário e telecomunicações (fl. 139). 12. Correto o r. Juízo a quo ao fundamentar que: Ressalta-se, ademais,

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que o laudo foi produzido pelo Instituto de Criminalística da Polícia Científica, órgão notoriamente especializado nesse tipo de trabalho, estando devidamente fundamentado, acompanhado de fotos e, bem por isso, suficiente para embasar o convencimento do Julgador. No curso do processo, a prova pericial foi submetida ao crivo do contraditório. Contudo, a ré não trouxe para os autos ele-mentos que infirmassem as conclusões do perito, de sorte que a pretensão indenizatória deduzida na inicial deve ser acolhida (fl. 131). 13. Dessa forma, considerando o detalhamento do laudo peri-cial apresentado, restando este em consonância com o boletim de ocorrência lavrado à época dos fatos, ficou comprovada a responsabilidade da parte ré pelos danos materiais suportados pela parte autora. 14. Foi juntado aos autos orçamento para reparo (fls. 33/36), com descrição minudenciada das peças e serviços realizados para reparação dos cabos telefônicos danificados. 15. Em relação ao conserto dos equipamentos telefônicos, cumpre observar que houve a prova do dano material experimentado por meio do referido orçamento, não havendo nos autos qualquer elemento para afastar tais valores. 16. Apelação improvida.” (TRF 3ª R. – AC 0026955-38.2007.4.03.6100/SP – 6ª T. – Relª Desª Fed. Consuelo Yoshida – DJe 03.03.2017 – p. 759)

8368 – Responsabilidade civil do Estado – paciente – realização de cirurgia – demora excessiva – agravamento do quadro clínico – indenização – danos morais e estéticos – possibili­dade

“Administrativo. Responsabilidade civil do Estado. Excessiva demora na realização de cirurgia. Agravamento do quadro clínico da autora. Indenização devida. Reparação por danos morais e estéticos. Possibilidade. Redução do quantum indenizatório. 1. Trata-se de ação movida em face da União Federal, através da qual objetiva indenização por danos materiais, morais e estéticos de-correntes da demora na realização de cirurgia no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia – Into. 2. Restou atestado pelo perito o nexo causal do agravamento da situação clínica da autora do momento da realização de seu diagnóstico de escoliose até o quadro apresentado no momento da perícia médica. 3. Mesmo considerando a eventual demora da autora em regressar ao Into para re-alização do tratamento cirúrgico após o nascimento de sua filha, lapso aproximado de 2 anos entre 2003 e 2005, fato incontroverso é que de 1999 a 2003 passaram-se 4 (quatro) anos e da inclusão na fila em setembro de 2005 até a cirurgia em julho de 2010 somam-se cerca de 5 (cinco) anos, perío-dos que fogem completamente ao razoável. 4. A União Federal foi incapaz de apresentar qualquer justificativa para tais atrasos ou apresentar alguma espécie de documento, uma excepcional lista de espera que justificasse o ocorrido. 5. A ocorrência do dano estético resta evidenciada na ‘atrofia em ambas as pernas (pela ausência de função do seguimento distal à articulação do joelho), com pulsos pediosos e poplíteos filiformes; mais os pés em equino’. Note-se que o perito observou que o mal é de caráter definitivo, além de confirmar a existências de problemas para se locomover, bem como a necessidade do uso de muletas. 6. O dano moral resulta do grande sofrimento físico e psíquico vivenciado pela autora, derivando inexoravelmente do próprio fato ofensivo, in res ipsa. A omissão administrativa resulta do fato de o estado de saúde da autora ter se agravado com o passar dos anos, após injustificável atraso na realização de cirurgia de sua coluna. 7. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte é firme em admitir a possibilidade de acumulação entre o dano estético e moral, desde que estes possam ser identificados separadamente. 8. O Juízo sentenciante arbitrou indenizações de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) e R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), por danos morais e estéticos, respectivamente. Contudo, as mesmas devem ser reduzidas para o total de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), sendo R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de compen-sação dos danos morais e R$ 20.000,00 (vinte mil reais) pelos dos danos estéticos, o que se mostra adequado e razoável diante das circunstâncias peculiares do caso e com jurisprudência da Sétima Turma Especializada. 9. Devem ser observados os índices aplicáveis à caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009,

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razão pela qual a sentença também deve ser reformada nesse aspecto. 10. Apelação conhecida e parcialmente provida.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0002844-27.2012.4.02.5167 – 7ª T.Esp. – Rel. José Antonio Lisbôa Neiva – DJe 06.03.2017 – p. 404)

8369 – Responsabilidade civil do Estado – ECT – extravio de correspondência – ressarcimento tarifado – inaplicabilidade – dano moral – caracterização

“ECT. Extravio de correspondência. Sedex. Preliminar de ilegitimidade afastada. Responsabilidade objetiva. Inaplicabilidade do ressarcimento tarifado e de indenização limitada ao preço postagem. Comprovação do conteúdo dos documentos extraviados e do dano causado. Provas indiciárias. Dano material comprovado e dano moral caracterizado. Recursos conhecidos e não providos. Ação ajuizada objetivando a condenação da ECT ao pagamento de indenização por danos materiais e morais, em virtude do extravio de correspondência postada, na modalidade Sedex, sob alegação de que o seu conteúdo disponha de título de crédito. Conhecimento de Embarque. Documento indis-pensável para concluir a operação de exportação. Preliminar de ilegitimidade ativa afastada. Não há que se falar em ausência de legitimidade em razão de não ser a contratante dos serviços, nem re-metente ou destinatário do objeto postal cuja indenização pleiteia, por ser inegável que a principal prejudicada pela alegada falha na prestação do serviço foi a parte autora. O extravio da correspon-dência remetida por sua preposta causou efetivos prejuízos à empresa exportadora, que encontrou dificuldades no desembaraço aduaneiro de mercadorias. 3. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, empresa pública, responde objetivamente pelos danos causados no caso de falha nos serviços prestados (art. 5º, V, c/c art. 37, caput e § 6º da CF/1988 e art. 14, § 3º do CDC). 4. A inexistência de declaração do conteúdo e do valor do objeto postado, diante das peculiaridades da hipótese dos autos, não leva obrigatoriamente ao ressarcimento tarifado, nos termos do disposto no art. 17 da Lei nº 6.538/1978, nem a indenização limitada ao preço postal pago pelos clientes no ato da postagem, ante a comprovação do conteúdo dos documentos extraviados e do dano causado. 5. As provas indiciárias comprovam que os documentos apresentados, correspondem ao conteúdo do Sedex extraviado, decorrente da falha na prestação do serviço. Demonstrado o nexo causal e a existência do dano resta configurado o dever de indenizar. Os danos materiais ficaram cabalmente comprovados no ‘demonstrativo de despesas’. 6. Com relação à possibilidade da pessoa jurídica sofrer dano moral, o entendimento do Superior Tribunal Federal já se encontra sedimentado no verbete da Súmula nº 227. Na presente hipótese, restou demonstrado que a ineficiência do serviço prestado, em razão do extravio da documentação postada, acarretou impacto negativo capaz de abalar a credibilidade da empresa, causando dano à sua imagem junto ao mercado consumidor. É o que se extrai do depoimento da testemunha Helton Adão de Araújo, de acordo como o qual: ‘pelo atraso, a empresa BTG e outras com a qual tinham relacionamento não mais adquiriram nenhuma carga deles; que perdeu vários clientes em razão desse atraso’. 7. Analisando o quantum da inde-nização fixado a título de dano moral pela douta sentença, verifica-se que o valor de R$ 5.000,00 está de acordo com os parâmetros adotados por esta turma em situações similares, levando em conta as circunstâncias particulares do caso concreto e os limites e da adequação que devem pautar o arbitramento. 8. Recursos de apelação conhecidos e não providos.” (TRF 2ª R. – AC 0107726-48.2015.4.02.5001 – 6ª T.Esp. – Rel. Alcides Martins Ribeiro Filho – DJe 20.02.2017 – p. 396)

Transcrição editorial SínTeSe“Lei nº 6.538/1978:

Art. 17. A empresa exploradora ao serviço postal responde, na forma prevista em regulamento, pela perda ou danificação de objeto postal, devidamente registrado, salvo nos casos de:

I – força maior;

II – confisco ou destruição por autoridade competente;

III – não reclamação nos prazos previstos em regulamento.”

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8370 – Servidor público – adicional de insalubridade – incorporação aos proventos de aposen­tadoria – impossibilidade

“Administrativo. Servidor público. Adicional de insalubridade. Incorporação aos proventos de apo-sentadoria. Impossibilidade. 1. O STJ já firmou o entendimento segundo o qual o adicional de insalubridade constitui compensação ao servidor pela exposição a agentes nocivos à saúde, de-vendo interromper seu pagamento quando cessarem essas condições adversas, não sendo possível sua incorporação aos proventos da aposentadoria. 2. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.642.703 – (2016/0296914-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 06.03.2017 – p. 1519)

8371 – Servidor público – aposentadoria por invalidez – motivo insubsistente – reversão – pos­sibilidade

“Administrativo. Servidor público. Aposentadoria por invalidez. Motivo insubsistente. Reversão. Art. 186, § 1º, da Lei nº 8.112/1990. Possibilidade. 1. Remessa necessária e apelação cível interpos-ta em face de sentença que julga parcialmente procedente o pedido para condenar a demandada a proceder à reversão do demandante ao seu cargo originário, pagando-lhe os valores atrasados, relativos à sua remuneração, incluindo as gratificações decorrentes do exercício de sua função, desde 11.11.2013, acrescidos de juros e correção monetária. 2. O laudo pericial do juízo atestou que o autor possui algumas restrições funcionais, como sentar em locais muito baixos, mas que isso não o impede de exercer a sua atividade como auxiliar de enfermagem. 3. Ficou comprovada a insubsistência do motivo da aposentadoria, qual seja, a incapacidade para o trabalho, eis que o art. 186 da Lei nº 8.112/1990, exige a invalidez do servidor, o que não ocorreu na hipótese, con-forme afirmado pelo perito judicial. 4. Com relação à correção monetária, a partir de 30.06.2009, aplicam-se os percentuais dos índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança, em virtude da recente decisão do E. STF, no RE 870.947, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 27.04.2015, que, ao reconhecer a existência de repercussão geral sobre o tema, embora pendente de julgamento final, consignou em seus fundamentos que, na parte em que rege a atualização monetária das condenações imposta à Fazenda Pública, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, continua em pleno vigor. 5. Se a citação tiver ocorrido após a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os juros de mora devem ser fixados nos mesmos índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança (STJ, Corte Especial, REsp Representativo de Controvérsia nº 1.205.946, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 2.2.2012; AgRg-REsp 1.086.740, Relª Min. Assusete Magalhães, DJe 10.02.2014; AgRg-REsp 1.382.625, Rel. Min. Herman Benja-min, DJe 07.03.2014; TRF 2ª R., Ap-Reex 200051010111096, Rel. Des. Fed. Marcus Abraham, e-DJF2R 26.6.2014; AC 200551010246662, Rel. Des. Fed. Aluisio Mendes, e-DJF2R 24.06.2014), com a ressalva da Súmula nº 56 do TRF 2ª R. (‘É inconstitucional a expressão “haverá a incidência uma única vez”, constante do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009’). 6. Apelação e remessa necessária parcialmente provida.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0007208-46.2012.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Carmen Silvia Lima de Arruda – DJe 06.03.2017 – p. 197)

Transcrição editorial SínTeSeLei nº 8.112/1990:

“Art. 186. O servidor será aposentado:

I – por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrentes de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;

II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço;

III – voluntariamente:

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a) aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, e aos 30 (trinta) se mulher, com pro-ventos integrais;

b) aos 30 (trinta) anos de efetivo exercício em funções de magistério, se professor, e 25 (vinte e cinco) se professora, com proventos integrais;

c) aos 30 (trinta) anos de serviço, se homem, e aos 25 (vinte e cinco) se mulher, com proven-tos proporcionais a esse tempo;

d) aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e aos 60 (sessenta) se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de serviço.

§ 1º Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – Aids, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.”

8372 – Servidor público – dependência química – aposentadoria por invalidez – perícia médica – reversão

“Administrativo. Servidor público federal. Aposentadoria por invalidez com proventos proporcio-nais. Dependência química. Proventos integrais. Impossibilidade. Lei nº 8.112/1990 e julgados das Cortes superiores. Perícia médica. Reversão. Descabimento. Interdição pela justiça estadual. 1. Não se conhece da apelação do demandante, pois ausente sua sucumbência (art. 499, caput, do CPC/1973). 2. Ao demandante, policial rodoviário federal, portador de dependência quími-ca, foi concedida aposentadoria por invalidez com proventos proporcionais, com base no art. 40, § 1º, inciso I, da CRFB/1988, nos termos da Portaria nº 750, de 17.05.2010, do Ministério da Justi-ça, buscando-se nesta via os proventos integrais ou a anulação do referido ato e a reintegração do servidor ao cargo. 3. Anulada a primeira sentença por esta Corte, ao fundamento de necessidade de prova pericial, os autos retornaram à origem para produção da referida prova, cuja realização foi determinada pelo Juízo a quo, a fim de garantir ao demandante o direito à defesa (art. 5º, inciso LV, da CRFB/1988) e à comprovação dos fatos alegados na inicial, para esclarecimentos técnicos acerca da debilidade e gravidade do quadro clínico do demandante, portador de dependência química. 4. Em resposta aos quesitos apresentados, a conclusão pericial. Partindo de histórico clínico/ocu-pacional e realizando exame físico/psíquico no qual apurado o bom estado geral do demandante atestou a capacidade laborativa do demandante, que ‘não apresenta impedimento físico ou psí-quico para o exercício da sua atividade laborativa habitual e para o exercício da sua vida civil independente’, ainda que portador de dependência química permanente, avaliada como incurável e potencialmente grave. 5. O Tribunal Pleno do STF firmou, em sede de repercussão geral, a tese segundo a qual a concessão de aposentadoria de servidor público por invalidez com proventos integrais exige que a doença incapacitante esteja prevista em rol taxativo da legislação de regência (STF, RE 656.860/MT, Rel. Min. Teori Zavascki, Tribunal Pleno, DJe 17.09.2014). Nessa linha, o entendimento assentado pela Primeira Seção do STJ, em sede de Embargos de Divergência (STJ, EREsp 1.322.441/DF, Rel. Min. Herman Benjamin, 1ª S., DJe 10.02.2016). 6. Coligindo-se os refe-ridos entendimentos e as disposições da Lei nº 8.112/1990, conclui-se que a dependência química do demandante (álcool e crack) não se encontra dentre as doenças graves que amparam a apo-sentadoria por invalidez permanente com proventos integrais. 7. A aposentadoria com proventos proporcionais foi concedida ao demandante com base na legislação vigente à época, em virtude da dependência química constatada, inclusive como assinalado pelo perito, restando ausente nos presentes autos justificativa para a anulação do ato. 8. Quanto à possibilidade de reversão da apo-sentadoria, o laudo pericial, partindo de histórico clínico/ocupacional e realizando exame físico e psíquico, atestou a capacidade laborativa do demandante, que ‘não apresenta impedimento físico ou psíquico para o exercício da sua atividade laborativa habitual e para o exercício da sua vida civil independente’, ainda que portador de dependência química permanente, avaliada como incurável

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e potencialmente grave. 9. Em que pese a conclusão pericial, o demandante encontra-se interditado pelo Juízo da 2ª Vara de Órfãos e Sucessões de Vila Velha/ES, que, reconhecendo a incapacidade civil absoluta do servidor, nomeou sua companheira para exercer o encargo de curadora. Portanto, o apelante encontra-se legalmente inapto para retornar ao trabalho, sendo da competência daquele Juízo examinar, em procedimento próprio, caso do interesse do servidor, pedido de levantamento da curatela, que, uma vez deferido, possibilitará a formulação de novo pleito de retorno ao trabalho. 10. Ainda que assim não fosse, a perícia feita por um único profissional (médico psiquiatra), ape-sar de oficial, deixou de ser realizada por junta médica, como determina o art. 25, inciso I, da Lei nº 8.112/1990, revelando-se insuficiente, portanto, para afastar a incapacidade civil absoluta do de-mandante. 11. Decidiu a Corte Especial do STJ que o servidor aposentado por invalidez ‘poderá ser convocado a qualquer momento para reavaliação das condições que ensejaram a aposentadoria, procedendo-se à reversão, com o seu retorno à atividade, quando a junta médica oficial declarar insubsistentes os motivos da aposentadoria, nos termos do art. 25 da Lei nº 8.112/1990, ou à con-versão da aposentadoria com proventos proporcionais em integrais, quando a junta médica con-siderar inválido o servidor, se acometido de qualquer das moléstias especificadas em lei [...]’ (MS 15.141/DF, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Corte Especial, DJe 24.05.2011). 12. Em suma, afastada a hipótese de aposentadoria por invalidez com proventos integrais, descabe, nas circunstâncias, (i) a anulação do ato que concedeu ao servidor a aposentadoria com proventos proporcionais e (ii) autorizar seu retorno ao trabalho, dada a sua interdição pela Justiça estadual/ES, a quem compete examinar pedido de levantamento da curatela, caso seja do interesse do demandante, revelando-se insuficiente, de qualquer forma, a perícia, porquanto deixou de observar a disciplina legal. 13. A reforma da sentença, em tais circunstâncias, não impede, frise-se, a apreciação na via judicial de novo pleito do demandante para retorno ao trabalho, caso levantada a curatela pelo juízo compe-tente em procedimento próprio. 14. Invertida a sucumbência, cabe ao demandante suportar o ônus da verba honorária (R$ 1.000,00), suspenso com base no art. 12 da Lei nº 1.060/1950. 15. Apelação do demandante não conhecida. Remessa necessária e apelo da União conhecidos e providos.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0002049-68.2011.4.02.5001 – 7ª T.Esp. – Rel. José Antonio Lisbôa Neiva – DJe 06.03.2017 – p. 401)

Comentário editorial SínTeSeCuida-se de recuso de Apelação interposta em Ação movida por policial rodoviário federal, representado por sua curadora em face da União Federal, objetivando a anulação do ato que lhe concedeu aposentadoria por invalidez com proventos proporcionais, de modo que seja reintegrado ao cargo de policial rodoviário federal ou que passe a receber proventos integrais por ter se aposentado em virtude de doença grave e/ou incurável.

Em apartada síntese, a MMª Juíza sentenciante, é incontroverso o fato de o autor ser depen-dente químico reconhecido pela própria União Federal. Indicando que “não cabe a reintegração do autor ao cargo, eis que ausente um dos requisitos necessários ao seu preenchimento, qual seja, a capacidade de fato para exercer os atos da vida civil. Conforme se extrai do Termo de Curatela, fl. 31, o autor foi declarado absolutamente incapaz ‘enquanto não cessar a causa determinante da interdição decretada’. Com efeito, até que o autor venha a se tratar, o que é possível, ele não estará apto para exercer os atos da vida civil, nos quais se inclui o exercício de sua profissão, restando, pois, prejudicado o seu retorno ao cargo”.

Sustentou o autor que Apelação em que sustenta que a Emenda Constitucional nº 70/2012 prevê o pagamento de proventos integrais para aposentadoria por invalidez. Argumentou ainda que, o rol de doenças do art. 186, § 1º, da Lei nº 8.112/1990 não é taxativo, razão pela qual faria jus à proventos integrais por sua doença ser grave e incurável. Declara que o procedimen-to administrativo através do qual foi aposentado violou o princípio do devido processo legal.

Ao dar parcial provimento aos pedidos formulados pelo Servidor, para anular a sentença e determinar uma nova perícia médica, assim Manifestou-se o Nobre Relator:

“[...] A referida aposentadoria foi definida através dos processos administrativos nºs 08.667.008.836/2008-96 e 08.667.005.027/2009-11, que utilizaram como funda-

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mento o exame médico pericial realizado pela Junta Médica Regional do Espírito Santo, reali-zado em 18.12.2008, que assim atestou:

‘A Junta Médica do 12ª SPRF-ES reunida na presente data com a presença do Psiquiatra Dr. Luiz Henrique Puppim – CRM-ES 813, considera o servidor incapaz para exercer a função de policial, “Sine Die”, não sendo o mesmo, entretanto, portador de alienação mental. Seu porte de arma deverá continuar suspenso.’ (fl. 58 dos autos virtuais)

Após pedido de revisão do autor, ainda foi elaborado, em 05.10.2010, o relatório médico assinado por apenas um psiquiatra, através do qual foi ratificado que o autor não é alienado mental, embora sua doença seja incurável. (fls. 66/67 dos autos virtuais)

Cumpre observar que entre a realização do exame pela Junta Médica e a aposentadoria do au-tor, o mesmo foi declarado absolutamente incapaz para exercer pessoalmente os atos da civil, por ser portador de ‘quadro psiquiátrico crônico’, sendo sua companheira nomeada curadora. (fl. 31 dos autos virtuais)

Esclarecidas tais questões, cumpre afastar a alegação do autor quanto à suposta violação do devido processo legal no curso do processo administrativo.

Infere-se dos documentos acostados aos autos que o autor não só tomou ciência do processo administrativo (fl. 143 dos autos virtuais), como forneceu documentação exigida para fins de concessão de sua aposentadoria. (fls. 198/211 dos autos virtuais)

Ademais, as alegações do autor são genéricas, sendo certo que não foi comprovada qualquer ilegalidade no procedimento administrativo do qual o autor efetivamente participou.

[...]

Insta destacar que, ao contrário do que consta da apelação, a EC 70/2012 não alterou os critérios para o recebimento de proventos de forma proporcional ou integral, ressalvando, apenas, que para os servidores que ingressaram no serviço público até a data da publicação da EC 41/2003 e que se aposentaram ou venham a se aposentar por invalidez permanente, deve ser adotada a remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria como base de cálculo para obtenção dos proventos.

Confira-se o texto do art. 6º-A da EC 41/2003 alterado pela EC 70/2012:

‘Art. 6º-A. O servidor da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, que tenha ingressado no serviço público até a data de publicação desta Emenda Constitucional e que tenha se aposentado ou venha a se aposentar por invalidez permanente, com fundamento no inciso I do § 1º do art. 40 da Constituição Federal, tem direito a proventos de aposentadoria calculados com base na remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria, na forma da lei, não sendo aplicáveis as disposições constantes dos §§ 3º, 8º e 17 do art. 40 da Constituição Federal.’

Quanto aos proventos devidos em caso de aposentadoria por invalidez, prevê o art. 40, § 1º, da Constituição Federal:

‘Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos ser-vidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão apo-sentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

I – por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei.’

Ou seja, a regra é o recebimento de proventos proporcionais ao tempo de contribuição, sendo excepcionalmente devidos em sua integralidade nas hipóteses ‘de acidente em serviço, molés-tia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei’.

Já o art. 186 da Lei nº 8.112/1990 elenca as seguintes doenças como aquelas inseridas no rol das graves, contagiosas ou incuráveis:

‘Art. 186. O servidor será aposentado:

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I – por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;

§ 1º Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida – Aids, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada.’

De acordo com o autor, as situações descritas no mencionado dispositivo seriam meramente exemplificativas, devendo-se incluir sua doença no respectivo rol, haja vista a ser grave e incurável.

Nesse mesmo sentido, apresenta-se a jurisprudência do E. STJ:

‘ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL – INATIVO – REVISÃO DE APOSENTADORIA PROPORCIONAL PARA INTEGRAL – INVALIDEZ PERMANENTE – REVISÃO – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – ART. 186, I, § 1º, DA LEI Nº 8.112/1990 – ROL NÃO TAXATIVO – PRECEDENTES – 1. Tendo o Tribunal de origem reconhecido a incapacidade definitiva e permanente da autora para fins de per-cepção de aposentadoria por proventos integrais, não há como reexaminar o conjunto fático--probatório dos autos para acolher entendimento em sentido diverso, tendo em vista o óbice da Súmula nº 7/STJ. 2. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o rol do art. 186, I, § 1º, da Lei nº 8.112/1990 não é taxativo, diante da impossibilidade de se elencar todas as doenças consideradas graves, contagiosas e incuráveis. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.’ (STJ, AgREsp 1349536, 2ª T., Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Publicado no DJe em 01.07.2013)

Cumpre mencionar que o Plenário do E. STF reconheceu repercussão geral da matéria nos autos do RE 656860, cuja controvérsia é a ‘concessão de aposentadoria por invalidez com proventos integrais nos casos em que a doença incurável não estiver no rol legal’. No entanto, o referido recurso ainda não teve seu mérito julgado, estando concluso, desde 16.07.2013, com o Relator Ministro Teori Zavascki.

Certo é que ainda prevalece na Suprema Corte o entendimento de que é exigida a expressa previsão em lei da doença para que o beneficiário faça jus a proventos integrais.

Confira-se: ‘AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – SERVIDOR PÚBLICO – APOSENTADORIA POR INVALIDEZ (INCISO I DO § 1º DO ART. 40 DO MAGNO TEXTO) – INTEGRALIDADE – IMPROCEDÊNCIA DA PRETENSÃO – 1. O entendimento adotado pela instância judicante de origem afina com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que o direito ao recebimento de proventos integrais, decorrentes da aposentadoria por invalidez, pressupõe que a doença de que padece o servidor esteja relacionada em lei, nos termos do inciso I do § 1º do art. 40 da Magna Carta de 1988. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.’ (STF, AI 767.931, 2ª T., Rel. Min. Ayres Britto, Publicado no DJe em 21.03.2011) Dessa forma, o argumento do autor quanto ao caráter exemplificativo do art. 186, § 1º, da Lei nº 8.112/1990 não merece prosperar.

Ocorre que esta Corte já se posicionou quanto à equiparação do alcoolismo, quando crônico, à efetiva alienação mental, condição que se encontra amparada pelo rol de doenças que ensejam o recebimento de aposentadoria com proventos integrais por seu portador.

Confira-se: ‘MILITAR – REFORMA COM PROVENTOS CORRESPONDENTES AO DO GRAU HIERÁRQUICO IMEDIATAMENTE SUPERIOR – SÍNDROME DE DEPENDÊNCIA ALCOÓLICA EQUIPARADA À ALIENAÇÃO MENTAL – DIREITO À REFORMA – AUXÍLIO-INVALIDEZ – IM-POSSIBILIDADE – Lide na qual o Autor postulou a reforma com proventos de 3º Sargento, bem como o pagamento do auxílio invalidez, desde a data de sua reforma. Sentença que julgou procedente o pedido de auxílio-invalidez e improcedente a reforma com proventos correspon-dentes ao do grau hierárquico imediatamente superior. Segundo o laudo pericial, o Autor apre-senta um quadro de transtorno esquizofrênico (CID F20) associado a um quadro demencial, que o torna definitivamente incapaz para qualquer trabalho, tanto na vida militar como na civil, sendo caso de alienação mental. Ainda segundo o laudo, o Autor não necessita de cuida-dos permanentes de enfermagem, nem de internação em instituição apropriada. Precedentes

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desta Egrégia Corte no sentido de que o alcoolismo crônico é moléstia equiparada à alienação mental, ensejando, portanto, a reforma postulada. Indevido o Auxílio-Invalidez, uma vez que, segundo o laudo pericial, o Autor não necessita de assistência de enfermagem, nem de inter-nação em instituição apropriada. Remessa e apelações providas.’ (TRF 2ª R., AC 328601, 6ª T., Rel. Des. Fed. Guilherme Couto, Publicado no DJe em 10.02.2009)

‘ADMINISTRATIVO – MILITAR – RETIFICAÇÃO DE REFORMA – LEI Nº 5.774/1971 – ALCO-OLISMO CRÔNICO – ALIENAÇÃO MENTAL – JUROS DE MORA – CORREÇÃO MONETÁRIA – EXPURGOS INFLACIONÁRIOS – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – I – Nos termos da legislação vigente ao tempo da reforma do autor (Lei nº 5.774/1971), ao militar acometido de alienação mental era concedida reforma, no grau imediatamente superior ao que possuía na ativa. II – A prova pericial produzida concluiu que o autor é alienado mental, tendo a doença relação direta com o alcoolismo de que é portador desde o tempo em que estava na Marinha. III – Não é pos-sível dissociar a síndrome de dependência ao álcool da alienação mental, das quais foi vítima o autor, pois o alcoolismo crônico, que foi diagnosticado nele pela própria ré, se enquadra nas modalidades de doenças psíquicas que impedem o seu portador de determinar-se de acordo com o entendimento do caráter ilícito de seus atos, visto que neste caso o doente não consegue controlar a compulsão de ingerir bebidas alcoólicas e, por consequência, não consegue evitar os transtornos decorrentes do seu estado de embriaguez. IV – Indevido o auxílio-invalidez, ten-do em vista que, de acordo com o perito judicial, o autor necessita, permanentemente, apenas de assistência médica de cunho ambulatorial. V – Os juros de mora incidem a partir da citação. VI – Os expurgos inflacionários devem ser incluídos na correção monetária, ainda que não tenham sido requeridos na inicial. VII – Em respeito à norma inserta no art. 20, § 4º, do CPC, sendo vencida a Fazenda Pública, os honorários advocatícios devem ser fixados em percentual não superior a 5% (cinco por cento) sobre o valor da condenação, conforme o entendimento dos tribunais. VIII – Remessa necessária e apelações parcialmente providas.’ (TRF 2ª R., AC 343874, 5ª T., Rel. Des. Fed. Antônio Cruz Netto, Publicado no DJU em 10.08.2006) [...]”

8373 – Servidor público – desvio de função – diferenças remuneratórias – indenização – paga­mento – comprovação – necessidade

“Apelação. Direito administrativo. Servidor público. Desvio de função. Direito às diferenças remu-neratórias, a título de indenização. Reconhecimento pelos tribunais. Não comprovação do desvio funcional. Honorários advocatícios. Desprovimento. 1. Discute-se a possibilidade de configuração de desvio de função de servidor público e o eventual pagamento de diferenças remuneratórias daí decorrentes, a título de indenização. 2. Quanto à prejudicial de mérito, no caso em análise, cuida-se, com efeito, de prescrição de trato sucessivo, e não de prescrição do próprio fundo do direito (não diz com a situação jurídico-fundamental de ser servidor público ou com modificações atinentes a essa especial condição), porquanto a tutela jurisdicional de direito subjetivo-material ou a posição jurídica de vantagem que o demandante visa a obter no caso não é senão as diferen-ças remuneratórias, decorrentes de suposto desvio de função, pelo que há de se reconhecer tão somente a prescrição quinquenal daí resultantes, como o fez a sentença objurgada. 3. Tanto o STF quanto o STJ têm reconhecido a servidores públicos em desvio de função o direito a pleitear, a títu-lo de verbas indenizáveis, as diferenças remuneratórias derivadas dessa peculiar situação jurídica, com fundamento na vedação geral do enriquecimento ilícito, por parte da Administração Pública. Verificada tal hipótese, não se admite, todavia, a possibilidade de reenquadramento ou ascensão funcionais, sob pena de violação à expressa regra de aprovação prévia por concurso público, nos termos do art. 37, II, da CF , para fins de investidura em cargo ou emprego públicos. Julgados do STF e Súmula nº 378, do STJ. 4. Na hipótese vertente, tem-se que o desvio de função, a que supos-tamente se submeteu a demandante, perante a órgão hospitalar da ré, não ficou bem caracterizado, de acordo com o que se depreende dos elementos probatórios coligidos ao feito. 5. Os documentos colacionados aos autos são aptos a comprovarem tão só a qualidade de servidora pública da autora, na condição de auxiliar de enfermagem, no hospital vinculado à ré, bem como seu nível de forma-ção educacional e qualificação profissional compatíveis com o cargo ocupado. Todavia, tais provas documentais, à evidência, não têm o condão de, por si sós, configurarem a cabal demonstração de

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que a demandante exercera atribuições próprias de técnico de enfermagem e, portanto, que fora sujeita, de forma inconteste, a transvio de função na espécie. 6. Verifica-se do depoimento pessoal da autora que ela executa tarefas de natureza simples, compatíveis com as atribuições específicas de seu cargo de auxiliar de enfermagem, as quais muito se aproximam daquelas desempenhadas por técnicos de enfermagem. Mesmo no que tange aos serviços de cuidados diretos de enfermagem a pacientes em estado grave, fica evidente que a demandante realizava apenas procedimentos singelos, como ministrar medicação, realizar aspiração e administração de oxigênio. 7. Da análi-se das provas testemunhais – da autora e da ré – não é possível haurir, com razoável segurança, que a demandante executava funções privativas de técnico de enfermagem, de forma habitual e ininterrupta. Especialmente quanto aos serviços pertinentes a cuidados diretos de enfermagem a pacientes em estado grave, não se pode extrair a firme convicção de que tais cuidados envolviam a assunção de responsabilidades e procedimentos complexos com certa frequência, ou, ao contrário, se eram efetivados de maneira eventual. 8. O desvio funcional de servidor público, para exercer atribuições típicas de cargo outro, distinto do que ocupa como resultado de provimento originário em virtude de aprovação em concurso público, por constituir situação fático-jurídica de absoluta anormalidade e excepcionalidade, nos domínios da estrutura organizacional da Administração Pú-blica, há de ser, por isso mesmo, comprovado nos autos de maneira incontestável, com o escopo de se aferir, com redobrada cautela e rigor necessário, os seus pressupostos de real ocorrência, sob pena de vilipêndio a postulados caros, imanentes ao sistema republicano e ao Estado Democrático de Direito, como soem ser os princípios da legalidade, da isonomia, bem como a regra da estrita observância ao concurso público. 9. Diante de panorama de completa ausência de comprobatório desvio de função da autora, com indubitável atuação como técnico de enfermagem nos quadros funcionais do hospital da ré, cargo para o qual não se investira regularmente por concurso públi-co, tem-se, pois, que a sentença impugnada agiu acertadamente, ao não reconhecer o desvio de função na espécie, objeto desta demanda. 10. Mantém-se a condenação da autora ao pagamento dos honorários advocatícios, tais como fixados no comando sentencial, porquanto obedecidos os parâmetros, qualitativos e quantitativos, previstos no CPC/1973, legislação processual vigente à época da publicação da sentença, segundo apreciação equitativa estabelecida no art. 20, § 4º, do referido código. Custas ex lege. 11. Publicada a sentença sob a vigência do CPC/1973, cujo regramento impõe-se incidir na causa em exame, descabe condenar a apelante ao pagamento de honorários de sucumbência recursal no caso em tela, disciplinado no art. 85, § 11, do CPC/2015, por força do princípio tempus regit actum (o tempo rege o ato). 12. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 0003515-92.2014.4.02.5001 – 6ª T.Esp. – Rel. Guilherme Calmon Nogueira da Gama – DJe 22.02.2017 – p. 464)

Remissão editorial SínTeSeVide RSDA nº 114, jun./2015, ementa nº 7258 do TJRO.

8374 – Servidor público – médico – dupla jornada – gratificações GDASST e GDPST – incidên­cia – possibilidade

“Administrativo. Agravo regimental no recurso especial. Servidor público civil. Médico. Jornada de quarenta horas. Dupla jornada. Gratificações GDASST e GDPST. Incidência sobre vencimentos relativos às duas jornadas. Possibilidade. Fundamento constitucional e infraconstitucional. Recurso extraordinário. Ausência. Súmula nº 126/STJ. Incidência. 1. O Tribunal a quo decidiu de acordo com a jurisprudência desta Corte no sentido de que é pertinente o pedido de recebimento da remu-neração total correspondente às duas jornadas de trabalho efetivamente desempenhadas, inclusive no que tange à percepção das gratificações GDASST e GDPST, tal qual ocorre com o adicional de tempo de serviço. 2. O direito dos autores foi reconhecido pela Corte de origem com fundamento no princípio da irredutibilidade salarial e na independência dos poderes. Contudo, a recorrente não interpôs recurso extraordinário a fim de impugnar tal motivação, suficiente à manutenção do aresto,

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fazendo incidir, na hipótese, a Súmula nº 126 do STJ, que dispõe ser inadmissível recurso especial quando o acórdão impugnado assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qual-quer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.531.566 – (2015/0110177-2) – 2ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 02.03.2017 – p. 1483)

Transcrição editorial SínTeSe Súmula nº 126 do Superior Tribunal de Justiça:

“Inadmissível recurso especial, quando o acordão recorrido assenta em fundamentos, cons-titucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário.”

8375 – Servidor público – pensão por morte – união estável homoafetiva – comprovação – de­pendência econômica – presunção

“Administrativo. Servidor público. Pensão por morte. Lei nº 8.112/1990. União estável homoafeti-va. Comprovação. Designação prescindível. Dependência presumida. Juros e correção monetária. Honorários. 1. Remessa necessária em face de sentença que julga procedente pedido de pensão por morte do companheiro do demandante, com o pagamento dos atrasados a contar do óbito do instituidor. 2. Conforme entendimento jurisprudencial, a exigência de designação expressa do companheiro como beneficiário da pensão vitalícia se torna prescindível diante da comprovação da união estável por outros meios idôneos de prova (STJ, 2ª T., REsp 1.307.576, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 25.04.2012). 3. A dependência econômica do companheiro é presumida, não sendo necessária sua prova material (TRF 2ª R., 5ª T.Esp., AC 200951010122360, Rel. Des. Fed. Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, e-DJF2R 09.07.2013). 4. A união entre pessoas do mesmo sexo merece ter a aplicação das mesmas regras e consequências válidas para a união heteroafeti-va. Precedentes: STF, 1ª T.Esp., RE 687.432-AgR, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 01.10.2012; TRF 2ª R., 8ª T.Esp., REO 201151020042202, Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva, e-DJF2R 24.07.2015. 5. Com relação à correção monetária, a partir de 30.06.2009, aplicam-se os percentuais dos índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança, em virtude da recente decisão do E. STF, no RE 870.947, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 27.04.2015, que, ao reconhecer a existência de repercussão geral sobre o tema, embora pendente de julgamento final, consignou em seus fundamentos que, na parte em que rege a atualização monetária das condenações imposta à Fazenda Pública, o art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pela Lei nº 11.960/2009, continua em pleno vigor. 6. Se a citação tiver ocorrido após a entrada em vigor da Lei nº 11.960/2009, os juros de mora de-vem ser fixados nos mesmos índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança (STJ, Corte Especial, REsp Representativo de Controvérsia nº 1.205.946, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 02.02.2012; AgRg-REsp 1.086.740, Relª Min. Assusete Magalhães, DJe 10.02.2014; AgRg-REsp 1.382.625, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 07.03.2014; TRF 2ª R., Ap-Reex 200051010111096, Rel. Des. Fed. Marcus Abraham, e-DJF2R 26.6.2014; AC 200551010246662, Rel. Des. Fed. Aluisio Mendes, e-DJF2R 24.06.2014), com a ressalva da Súmula nº 56 do TRF 2ª R. (‘É inconstitucional a expressão “haverá a incidência uma única vez”, constante do art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960/2009’). 7. Honorários advocatícios arbitrados em valor fixo (R$ 5.000,00) por se tratar de causa de pouca complexidade e não apresentar singularidade em relação aos fatos e direitos alegados, atualizados a partir da data do presente voto. 8. Remessa necessária parcialmente provida.” (TRF 2ª R. – REO 0018921-81.2013.4.02.5101 – 5ª T.Esp. – Rel. Ricardo Perlingeiro – DJe 06.03.2017 – p. 244)

8376 – Servidor público – professor municipal – remuneração – piso nacional do magistério – observância

“Direito público. Recurso de apelação cível. Direito administrativo e processual civil. Professor municipal. Observância do piso nacional dos profissionais do magistério. Lei nº 11.738/2008 e nota

RSDA Nº 138 – Junho/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA ������������������������������������������������������������������������������191

técnica do MEC. Ônus da prova. Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido. 1. O cerne da presente questão consiste em analisar se impõe-se ao município de Massapê a observância do piso nacional da remuneração dos profissionais do magistério público, instituído pela Lei Federal nº 11.738/2008, piso nacional dos professores. Sentença recorrida entendeu pela improcedência do pleito autoral. 2. Importa destacar que o Supremo Tribunal Federal, na apreciação da ADI 4.167/DF, reconheceu a constitucionalidade do referido diploma normativo. E ainda, por ocasião do julga-mento dos aclaratórios opostos contra o aludido acórdão da ADI 4.167/DF, o STF definiu o termo inicial para incidência do piso nacional, qual seja 4/2011. 3. Os documentos colacionados aos autos, em especial os recibos de pagamento, são suficientes para demonstrar que o Município de Massapê vem efetuando pagamento dos vencimentos das requerentes em consonância com a legis-lação federal e municipal, que previa para o ano de 2011 um piso de R$ 1.187,00 (um mil, cento e oitenta e sete reais), consoante Nota Técnica nº 89/2013/Divape/Sase/MEC, juntada à fl. 140. Juntada aos autos. 4. Entremostra-se acertada a sentença de piso, posto terem quedado-se inertes os requerentes quanto a comprovação de que fora pago montante inferior ao piso nacional dos profes-sores do ensino básico pelo município de Massapê (art. 373 do CPC/2015). 5. Recurso de apelação conhecido e desprovido.” (TJCE – Ap 0004286-87.2012.8.06.0121 – Rel. Paulo Francisco Banhos Ponte – DJe 17.02.2017 – p. 22)

8377 – Servidor público – valores recebidos indevidamente – erro da administração – restitui­ção – impossibilidade

“Administrativo. Servidor público. Valores recebidos indevidamente por erro da administração. Boa-fé. Restituição. Impossibilidade. 1. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que incabível a restituição ao Erário de valores percebidos pelos servidores públicos em decorrência de erro da Administração Pública, inadequada ou errônea interpretação da lei, desde que constatada a boa-fé do beneficiado, pois diante do princípio da legítima confiança, o servidor, em regra, tem a justa expectativa de que são legais os valores pagos pela Administração Pública, pois gozam de presunção de legalidade. 2. Não há que se falar em restituição ao Erário, por se tratar de verba de natureza alimentar, paga por equívoco da Administração e recebida de boa-fé pelo servi-dor. 3. Apelação e remessa oficial desprovidas.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0009222-56.2012.4.03.6109/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Wilson Zauhy – DJe 13.03.2017 – p. 130)

Seção Especial – Estudos Jurídicos

A Gestão da Sustentabilidade no Judiciário do Estado do Rio de Janeiro

JeSSé TORReS PeReIRA JunIORDesembargador, Presidente da Comissão de Políticas Institucionais para a Promoção da Sus‑tentabilidade, Professor‑Coordenador da Pós‑Graduação de Direito Administrativo da Escola Estadual da Magistratura.

SUMÁRIO: 1 Os eixos temáticos da sustentabilidade; 2 O eixo do uso racional dos recursos naturais e bens públicos; 3 O eixo do gerenciamento de resíduos; 4 O eixo da educação e sensibilização ambien‑tais; 5 O eixo da qualidade de vida no ambiente laboral; 6 O eixo das contratações administrativas; 6.1 Contextualização; 6.2 A cláusula geral do desenvolvimento sustentável; 6.3 O vínculo da susten‑tabilidade; 6.4 O parâmetro do preço de mercado; 6.5 A sustentabilidade positivada nas licitações e contratos do Judiciário fluminense; 6.6 A orientação do Tribunal de Contas da União; Conclusão.

1 OS EIxOS TEMáTICOS DA SUSTENTABILIDADE

Quanto maiores a dimensão e a complexidade da organização, maior o desafio de estruturarem-se, com racionalidade, eficiência e eficácia, ações comprometidas com a sustentabilidade.

O Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro bem ilustra a asserção. Sua estrutura organizacional compreende 800 órgãos jurisdicionais (os que prestam a jurisdição de primeiro e segundo graus) e 700 unidades administrativas (as que cuidam das atividades de apoio logístico e financeiro em geral), distribuídos pelas 82 Comarcas do Estado, ocupando 150 móveis com área total de 640 mil metros quadrados, nos quais circulam, diariamente, em caráter permanente, 800 magistrados, 16 mil servidores, 5 mil empregados de empresas terceiri-zadas, além de um contingente flutuante de membros do Ministério Público, advogados, procuradores estatais, defensores públicos e demais protagonistas dos processos judiciais (partes, testemunhas, peritos, entre outros auxiliares da justiça). Trata-se do segundo maior Tribunal de Justiça do País, em termos de dimensão física e volume de processos (2 milhões de ações novas distribuídas e 1,2 milhão de ações julgadas, a cada ano, do que resulta um acervo de proces-sos em curso no total, por ora, de 9 milhões).

Por evidente que esse complexo de pessoas, edificações, instalações e serviços demanda consumo diário de energia elétrica, água, produtos e insumos os mais variados, gerando toneladas de resíduos, recicláveis ou não, a exigir gestão sustentável nos três segmentos de sua integrada e interdisciplinar abran-gência – social, econômica e ambiental.

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Tal o cenário organizacional que levou a administração judiciária es-tadual, em 2010, a aderir a convênio – já renovado até 2018 – proposto pelo Ministério do Meio Ambiente, que, com fundamento no modelo de coopera-ção estimulado pelo art. 241 da Constituição da República, com a redação da Emenda Constitucional nº 19/98, instituiu a chamada Agenda Ambiental da Administração Pública brasileira, entrelaçando os Três Poderes constituídos, em todos os entes integrantes da Federação, daí a sigla A3P, cuja apresentação enfatiza que “a sobrevivência das organizações públicas ou privadas estará as-sentada na nossa capacidade de atualizar o seu modelo de gestão, adequando-o ao contexto da sustentabilidade”.

Das proposições da A3P, às quais, fundadas no art. 225 da Constitui-ção Federal, se somam normas legislativas, bem como diretrizes e orientações expedidas por entidades especializadas, notadamente, no âmbito judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, é possível extraírem-se os cinco eixos temáticos que balizam a concepção de políticas, objetivos e metas de sustentabilidade, tal como adotados pelo Judiciário fluminense, por inspiração de seu órgão formu-lador (Comissão de Políticas Institucionais para a Promoção da Sustentabilidade – Cosus) e sob a gestão de duas unidades operacionais, vinculadas à Presidência do Tribunal (Departamento de Promoção à Sustentabilidade e Divisão de Ges-tão Ambiental).

Esse conjunto de princípios, normas, regras e recomendações induz a classificação das ações de sustentabilidade, no âmbito interno da organização judiciária fluminense, em cinco eixos temáticos, que aglutinam órgãos, unida-des e agentes, com atribuições e competências afins, para a realização de tare-fas integradas em todos os níveis e escalões dos órgãos jurisdicionais e unidades administrativas, a saber: (i) uso racional dos recursos naturais e bens públicos; (ii) gerenciamento de resíduos; (iii) educação e sensibilização ambientais; (iv) qualidade de vida no ambiente laboral; e (v) contratações e licitações sus-tentáveis.

As sessões mensais da Cosus desenvolvem-se segundo esses eixos te-máticos, cujos agentes responsáveis mantêm a Comissão atualizada sobre as ações e os resultados obtidos, dela colhendo, em resposta, análises colegiadas, decorrentes de debates interdisciplinares, lançadas em atas que constituem do-cumentos tanto orientadores do prosseguimento dos trabalhos quanto indutores da formação progressiva de uma cultura gerencial comprometida com a susten-tabilidade.

2 O EIxO DO USO RACIONAL DOS RECURSOS NATURAIS E BENS PúBLICOS

Nos projetos de reforma ou de edificação de prédios do Judiciário flumi-nense ingressaram preocupações objetivas com eficiência energética, utilização de materiais de mínimo impacto ambiental e processos construtivos redutores desses impactos.

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Isto porque as edificações respondem por 42% de toda a energia elétrica consumida no País, distribuídas entre os setores residencial (23%), comercial (11%) e público (8%). No caso dos prédios públicos ou comerciais, sistemas de condicionamento de ar arcam com 48% do consumo, e os de iluminação, com 24%, segundo levantamentos do Ministério do Meio Ambiente.

Daí o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e a Eletrobrás haverem lançado, em 2010, a Etiqueta de Eficiência Energética de Edificações, que avalia e classifica as edificações de acordo com o seu consumo de energia. Segundo o consumo induzido por fachada e entorno dos prédios, pelos sistemas de iluminação e de ar-condicionado, o nível de efi-ciência energética da edificação é classificado de (A) a (E), sendo que somente os prédios que recebem a classificação A, nos três aspectos avaliados, ganham o selo Procel Edifica.

O Poder Judiciário fluminense conveniou com a Eletrobrás, aos 7 de de-zembro de 2012, projeto destinado a promover, com base no Plano Nacional de Eficiência Energética (PNEf), o processo de etiquetagem Procel Edifica-Inme-tro, tendo como edificação-piloto o prédio do fórum novo de Niterói, a irradiar, oportunamente, o mesmo processo aos demais prédios em obras ou a edificar.

Desde então, os projetos básicos de edificação de novos fóruns e de re-forma dos prédios existentes passaram a incluir, como itens obrigatórios de cri-térios técnicos, os de eficiência energética (cobertura verde, vidros especiais, ar-condicionado central com distribuição setorizada, elevadores inteligentes, instalações e equipamentos adequados à racionalização do uso das águas, aquecimento solar, equipamentos de alto desempenho, valorização da ilumi-nação natural, uso de tintas à base de água e de materiais de acabamento com baixa volatilidade, uso de madeira certificada e de pisos permeáveis etc.), can-teiros de obras com baixo impacto ambiental, controle adequado de resíduos e bicicletário, entre outras soluções de sustentabilidade.

Ditos critérios foram incorporados aos projetos de reformas e edificação dos prédios dos fóruns de Alcântara, Itaboraí, Mesquita, Nilópolis, Rio Bonito, Teresópolis, Rio das Ostras e Lâmina III do Fórum Central, nos quais foram ins-talados teto verde e área para segregação de resíduos, entre janeiro de 2013 e julho de 2014.

Ainda como medida pertinente ao eixo de racionalização dos recursos naturais e ao uso de bens públicos, a Presidência do Tribunal editou, acolhendo proposta da Cosus, o Ato nº 12/2014, que estabeleceu a padronização de im-pressão mediante o uso preferencial da Fonte Ecológica Spranq (Ecofont), que enseja até 25% de economia de tinta na impressão de documentos que, dada a sua natureza, não possam ser apenas virtuais.

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3 O EIxO DO GERENCIAMENTO DE RESÍDUOS

A gestão ambiental adequada de resíduos veio a ser disciplinada pela Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, a chamada Lei da Política de Resí-duos Sólidos, regulamentada, na administração da União, pelo Decreto Fe-deral nº 7.404/2010, e, na administração deste Estado, pelo Decreto Estadual nº 40.645/2007. Esse conjunto normativo instituiu a separação obrigatória dos resíduos recicláveis daqueles não recicláveis. Neste Estado, foi constituída a Co-missão da Coleta Seletiva Solidária, impondo a destinação dos recicláveis a co-operativas de catadores e os não recicláveis aos aterros sanitários credenciados.

Considerada a índole essencialmente técnica da matéria, o Judiciário flu-minense conveniou com a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), aos 21 de novembro de 2013, parceria de cooperação técnica e científica para a elaboração do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJERJ), abrangente do Complexo do Fórum Central e do depósito localizado na Praça da Bandeira. Elaborada pelo Instituto de Biologia daquela universidade, após visitas às instalações e fontes gerado-ras das toneladas de resíduos decorrentes das atividades judiciárias, a versão preliminar do plano foi aprovada aos 5 de junho de 2014, estimando-se que, no segundo semestre de 2014, estará concluída a versão final, consagrando as soluções gerenciais que serão implementadas para todo o ciclo da gestão dos resíduos sólidos, incluindo coleta, separação, transporte e destinação.

4 O EIxO DA EDUCAÇÃO E SENSIBILIzAÇÃO AMBIENTAIS

A maioria das pessoas ainda não tem consciência dos impactos socioam-bientais que elas próprias produzem. Assim também ocorre com os servidores públicos, daí a importância de formar-se uma nova cultura institucional, nas atividades-meio e fim do setor público, mediante ações educativas.

Palestras, cursos, exibição de filmes comentados e outras iniciativas do gênero podem vir a sensibilizar os servidores, com o objetivo de despertar a res-ponsabilidade socioambiental individual e coletiva, bem como de capacitá-los para práticas administrativas sustentáveis.

Nos três últimos anos, ações desse teor foram deflagradas: o sistema in-terno de som do complexo do fórum central da Capital veiculou mensagens ambientais que orientam, por meio de ilustrações práticas, como economizar água e energia elétrica; alcançaram as 20 mil pessoas que, diariamente, aguar-dam, nos corredores daquele fórum, as audiências ou circulam pelo prédio, bem assim os serventuários e auxiliares que trabalham no complexo; também o sítio eletrônico do Tribunal dissemina mensagens ambientais periódicas; re-alizaram-se cursos de formação de agentes e monitores ambientais, bem como de capacitação para o preparo e condução de procedimentos licitatórios com observância de requisitos de sustentabilidade; sessões de cinema exibiram fil-

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mes acerca de saneamento, resíduos, consumo, gestão e mudanças climáticas; os novos servidores do Judiciário, aprovados em concursos públicos, são re-cepcionados pelo programa de integração funcional, em cujo temário se insere matéria ambiental nas matrizes de competência; o sítio eletrônico do Tribunal permite acesso ao clipping produzido pelo Ministério do Meio Ambiente, no qual se sintetiza o noticiário ambiental divulgado na mídia nacional, e se dá acesso à legislação ambiental por meio do banco do conhecimento ambiental.

A Escola da Magistratura mantém, há 15 anos, um fórum permanente de direito ambiental, promotor de eventos e palestras de especialistas e autori-dades; oferece um módulo de direito ambiental no programa do curso de pós--graduação em direito administrativo e um curso de pós-graduação em direito ambiental, cada qual com 360 horas-aula de duração e credenciamento pelo Conselho Estadual de Educação (CED).

A Escola de Administração Judiciária também oferece um curso de pós--graduação lato sensu em direito ambiental, igualmente credenciado pelo CED, destinado a serventuários.

Servidores treinados vêm impulsionando a execução dos convênios de cooperação ambiental: (a) com a Eletrobrás, referente ao processo de etiqueta-gem (Ence) Procel Edifica-Inmetro; (b) com a UERJ, almejando a elaboração do Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos; (c) com a Seplag – Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado, facultando o acesso ao Sistema de Gestão de Gastos, do Governo do Estado do Rio de Janeiro; (d) com a Ampla, para o estabelecimento de condições técnicas e financeiras de implementação de eficiência energética em unidades consumidoras situadas nas regiões servidas pela concessionária; e (e) com a Secretaria de Estado do Ambiente, objetivando promover a integração institucional na execução de atividades de cooperação e assessoria técnica em gestão ambiental.

A cada ano, são promovidos eventos comemorativos do dia mundial do meio ambiente e outras datas significativas, tais como:

• criaçãodeumnovolayout do sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, desde 2011.

• ciclosdepalestrassobre:

– “Judiciário Sustentável e A3P”;

– “Protocolo de Quioto: resultados e preparativos para sua subs-tituição – o que esperar do futuro das mudança climáticas e suas repercussões na gestão pública”.

5 O EIxO DA QUALIDADE DE VIDA NO AMBIENTE LABORAL

Importa à sustentabilidade a melhoria da qualidade do ambiente de tra-balho, onde o servidor exerce suas atividades e passa a maior parte de sua vida

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profissional ativa, por isto que o conceito abarca aspectos físicos, ambientais e psicológicos.

Em agosto e setembro de 2012, realizou-se o primeiro curso de noções de ergonomia, com a participação de serventuários de diversos setores e do qual resultou a criação, em outubro daquele ano, do Grupo de Trabalho em Ergonomia, que realiza reuniões mensais, com elaboração de folder e cartilha virtual com noções de ergonomia para os serventuários.

Seguiram-se visitas a serventias judiciárias, para análise e diagnóstico dos riscos ergonômicos, tendo em vista a implantação do processo judicial eletrô-nico, entre 2012 e 2013. E produziu-se um vídeo para exibição nas serventias, mostrando a correção de posturas corporais em relação ao mobiliário e aos equipamentos de informática.

6 O EIxO DAS CONTRATAÇÕES E LICITAÇÕES ADMINISTRATIVAS

6.1 ConteXtuAlizAção

A Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010, introduziu na Lei nº 8.666/1993, a chamada Lei Geral das Licitações e Contratações Adminis-trativas, modificações que abrem um novo ciclo para a gestão dos contratos públicos, qual seja o da incorporação, como cláusula geral obrigatória, do de-senvolvimento nacional sustentável.

As repercussões dessa cláusula sobre as várias fases do processo adminis-trativo das contratações de compras, obras e serviços se prenunciam intensas, em extensão e profundidade. Serão por ela alcançadas a especificação de mate-riais e produtos, a elaboração de projetos básicos de obras e serviços, a estimati-va dos preços de mercado, a definição dos critérios de julgamento de propostas, o exercício do juízo de aceitabilidade de preços, a análise de impugnações a atos convocatórios de licitações, o julgamento de recursos administrativos, a adjudicação do objeto e a homologação do procedimento competitivo.

A rigor, nada escapa à necessidade de revisão e de ajustamento em todos os segmentos que configuram o devido processo legal da contratação, a que se devem adaptar órgãos, entidades e agentes, na Administração direta e na indi-reta, de qualquer dos Poderes de todos os entes federativos, bem como fornece-dores, prestadores de serviços e executores de obras que pretenderem participar dos certames licitatórios ou contratar com a Administração, no desempenho do compromisso jurídico-administrativo com o desenvolvimento sustentável.

Embora o tema conste da CR/1988 há 24 anos, raros segmentos da Admi-nistração Pública brasileira se animaram a descerrar-lhe o sentido e a promover--lhe efetiva aplicação em sua atividade contratual, nessas duas décadas. A Lei nº 12.349/2010 terá transformado em dever jurídico o que antes dela não pas-

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sava de apelo politicamente correto, dever esse que cobrará a responsabilidade dos administradores públicos, por isto que impende conhecê-lo e bem praticá--lo.

6.2 A CláusulA gerAl do desenvolvimento sustentável

A nova série de alterações começa pela introdução, na cabeça do art. 3º da Lei nº 8.666/1993, da expressão que se destaca em negrito:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a pro-moção do desenvolvimento nacional sustentável, e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

A Lei nº 12.349/2010 faz uso múltiplo da vetusta técnica de vincular a aplicação de determinado regime jurídico a cláusulas gerais, que são aquelas que exprimem valores universais a serem reconhecidos e atendidos quando da aplicação da lei por elas balizada. As diretrizes estabelecidas em cláusulas gerais fixam o compromisso de aplicar-se a lei em harmonia com esses valores, que lhe dão significado ontológico permanente.

Daí afirmar-se que ditas cláusulas asseguram a mobilidade do sistema jurídico (v. COSTA, Judith Martins. As cláusulas gerais como fatores de mobi-lidade do sistema jurídico, Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 680, p. 50), na medida em que permitem “que o aplicador o ajuste às contingências históricas e socioeconômicas que o tempo e a cultura vão moldando e transformando [...] Há leis que prodigalizam o emprego de cláusulas gerais no propósito de assegurar maior longevidade e atualidade aos respectivos sistemas normativos, a despeito das mutações da cultura, que tenderiam a torná-los obsoletos [...]”. No Código Civil brasileiro de 2002, por exemplo, identificam-se como cláusu-las gerais, entre outras, a da função social do contrato como limite à autonomia privada; a do atendimento aos fins sociais e econômicos de todo negócio jurí-dico; a da função social da propriedade e da empresa; a do dever de indenizar objetivamente, isto é, independentemente de dolo ou culpa, quando a atividade causadora do dano criar riscos para o direito de outrem.

Há vagueza e generalidade nas cláusulas gerais e caberá ao aplicador da lei criar a solução que as homenageará a cada caso concreto, o que poderá legitimar soluções distintas para situações aparentemente idênticas. A função da cláusula geral é integrativa, no sentido de que o sistema espera que o apli-cador encontre a solução adequada, desde que concordante com as diretrizes estabelecidas em suas cláusulas gerais. Estas conferem ao aplicador discrição que deve exercitar em busca de soluções que submetam o caso concreto às di-

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retrizes estabelecidas em tese. Resulta que os agentes da Administração devem instruir os processos de contratação de modo a demonstrar que os direitos e obrigações previstos no contrato sejam aptos a cumprir as diretrizes das cláusu-las gerais fixadas nas normas de regência.

A cláusula geral introduzida na Lei nº 8.666/1993 pela Lei nº 12.349/2010 é a da “promoção do desenvolvimento nacional sustentável”. Em outras pala-vras, e à conta da configuração jurídica da cláusula geral, toda contratação de obra, serviço ou compra pela Administração Pública deve ser capaz, doravante, de contribuir para promover o desenvolvimento sustentável. Descumprirá essa cláusula geral e padecerá de vício de ilegalidade o contrato inepto para pro-mover desenvolvimento sustentável, ou, pior, que, além de não o promover, o comprometa, a demandar a invalidação da avença e a responsabilização de quem lhe haja dado causa.

Assim, os processos administrativos da contratação, com ou sem licita-ção, passam a zelar, necessariamente, nos termos da nova redação do art. 3º, caput, da Lei nº 8.666/1993, pela observância de três valores inarredáveis e cumulados: isonomia entre os concorrentes no mercado; proposta mais van-tajosa para o interesse público, entre as obteníveis no mercado; promoção do desenvolvimento sustentável.

O texto inovador associa o desenvolvimento sustentável ao âmbito na-cional. Nada obstante, nenhuma razão há para excluir-se da cláusula geral o desenvolvimento sustentável regional ou o desenvolvimento sustentável local. Isto porque o art. 3º da Lei nº 8.666/1993 veicula norma de caráter geral, o que significa que porta abrangência nacional, em face do art. 22, inciso XXVII, da CR/1988, por isto que de observância obrigatória pelas administrações da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Obras, serviços ou compras contratados por esses entes federativos devem, sem exceção, igual-mente cumprir a nova cláusula geral, mas, em sua maioria, as contratações estaduais, distritais ou municipais importam ao desenvolvimento sustentável em âmbito regional, estadual ou local, não, necessariamente, nacional.

A adotar-se interpretação restritiva – no sentido de que a nova cláusu-la importa, exclusivamente, ao desenvolvimento sustentável nacional –, estar--se-ia a exonerar os poderes públicos estaduais, distritais e municipais de sua observância na maioria de suas contratações, somente devendo incidir na-quelas cujos objetos e resultados repercutissem em âmbito nacional. Tal in-terpretação não se compadece com o caráter geral da norma do art. 3º da Lei nº 8.666/1993 e com a índole universal da cláusula geral nela introduzida pela Lei nº 12.349/2010. A função da qualificadora “nacional” na expressão “de-senvolvimento sustentável” está em compatibilizá-la com as políticas públicas constitucionais, que, conquanto se refiram ao desenvolvimento econômico na-cional, por evidente que não arredam o exercício das competências estaduais, distritais e municipais do dever de promover o desenvolvimento do País, com

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o fim de elevar a qualidade de vida de sua população, onde quer que se en-contre no território nacional. O fundamento último desse desenvolvimento e dessa qualidade reside na dignidade da pessoa humana, com o compromisso da promoção do bem de todos, sem preconceito de qualquer índole (CR/1988, arts. 1º, III, e 3º, IV).

Nem se justificaria que a nova cláusula geral desprezasse a contribuição do poder de compra dos poderes públicos das várias esferas federativas, todas autônomas entre si (CR/1988, art. 18), como instrumento de fomento do mer-cado interno, em qualquer de seus âmbitos. É o que se deduz do item 6 da ex-posição de motivos interministerial que encaminhou a Medida Provisória (MP) nº 495, de 19.07.2010, que veio a converter-se na Lei nº 12.349/2010, verbis:

A modificação do caput do art. 3º visa agregar às finalidades das licitações pú-blicas o desenvolvimento econômico nacional. Com efeito, a medida consigna em lei a relevância do poder de compra governamental como instrumento de promoção do mercado interno, considerando-se o potencial de demanda de bens e serviços domésticos do setor público, o correlato efeito multiplicador sobre o nível de atividade, a geração de emprego e renda e, por conseguinte, o desen-volvimento do país [...] a proposição fundamenta-se nos seguintes dispositivos da Constituição Federal de 1988: (i) inciso II do art. 3º, que inclui o desenvolvi-mento nacional como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil; (ii) incisos I e VIII do art. 170, atinentes à organização da ordem econômi-ca nacional, que deve observar, entre outros princípios, a soberania nacional e a busca do pleno emprego; (iii) art. 174, que dispõe sobre as funções a serem exer-cidas pelo Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica; e (iv) art. 219, que trata de incentivos ao mercado interno, de forma a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país.

O exame da exposição de motivos de todo novo diploma legislativo sem-pre foi importante para conhecer-se a ratio de suas disposições. Tornou-se ainda mais relevante no Estado Democrático de Direito, cuja construção é o repto lançado pela CR/1988, que passa a exigir a explicitação dos motivos (conjunto das razões de fato e de direito que legitimam toda manifestação da autorida-de pública, seja legislativa, administrativa ou judiciária), de sorte a habilitar o controle – social e pelas instituições a tanto legitimadas – da idoneidade desses motivos para a consecução das finalidades de interesse público que intentariam promover (CR/1988, arts. 5º, LIV e LV, 74 e 93, IX e X, se bem entendidos tais preceptivos em todo o seu potencial vinculante do exercício do poder estatal, quer se trate de ato judicial, legislativo ou administrativo).

Sendo assim, as razões anunciadas na exposição de motivos da MP 495/2010 deixam claro que o novo regime legal das licitações e contratações pretende aproveitar o poder de compra do estado para estimular a sustentabili-dade em suas múltiplas relações com o “desenvolvimento cultural e sócio-eco-nômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do país”. Cria-se,

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portanto, vinculação entre tais motivos e as definições, direitos e obrigações a serem estabelecidos em projetos, editais e contratos de compras, obras e ser-viços da Administração Pública. Vinculação que, no jargão do direito público, traduz dever jurídico. Em outras palavras, a cláusula geral do desenvolvimento nacional é de presença e cumprimento obrigatórios nas contratações adminis-trativas, tanto como mola propulsora da ação quanto como finalidade a ser por ela alcançada.

6.3 o vínCulo dA sustentAbilidAde

Ao “desenvolvimento nacional”, fórmula adotada pela Medida Provisória nº 495/2010, a Lei nº 12.349/2010 aditou “sustentável”. O motivo parece evi-dente: comprometer as licitações e contratações com os princípios e normas de proteção ambiental, igualmente guindados a status de política pública consti-tucional, com realce, tratando-se de obras, serviços e compras governamentais, para o disposto no art. 225, § 1º, inciso V, da CR/1988:

Para assegurar a efetividade desse direito (meio ambiente ecologicamente equi-librado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida), incumbe ao Poder Público: [...] V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Técnicas, produtos e substâncias há que degradam o meio ambiente, di-reta ou reflexamente, a curto, médio ou longo prazo, e que, nada obstante, integram projetos e especificações objeto de licitações e contratações adminis-trativas, a violar, rombudamente, o dever jurídico de controle de que aquele preceptivo da Constituição incumbe os poderes públicos.

Em verdade, a Lei nº 12.349/2010 veio por cobro a omissão do regime legal geral das licitações e contratações, que não explicitava, mediante norma interna de seu próprio sistema, o que já decorria da Constituição da República e vinha sendo alvo de regras em leis setoriais e normas infralegais específicas. Com efeito, legislações estaduais pioneiras (São Paulo e Minais Gerais à frente, mas não apenas) cuidaram de inserir normas que tornassem suas licitações e contratações comprometidas com a proteção ambiental – as chamadas licita-ções e contratações sustentáveis – desde fins da década de 1990, ao passo que se calava a Lei Geral das Licitações e Contratações da Administração Pública brasileira.

Ilustra-se a preocupação de administrações estaduais, escoteiras na ado-ção de normas de proteção ambiental na contratação de bens e serviços, com excerto de parecer oferecido na Procuradoria do Estado de São Paulo acerca da constitucionalidade da Lei estadual nº 11.878/2005, que adotou o “selo verde oficial do Estado” para identificar produtos que integram o Cadastro de Mate-riais do Estado de São Paulo segundo critérios ambientais, verbis:

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[...] a Constituição impõe ao Poder Público a adoção não apenas de ações de cunho repressivo, visando à recuperação do dano ambiental, mas contempla, principalmente e de forma muito mais eficaz, ações de caráter preventivo, como o incentivo a tecnologias menos gravosas ambientalmente e o tratamento dife-renciado em razão do impacto ambiental dos produtos e serviços e seus pro-cessos de elaboração e prestação, atribuindo ao Poder Público o dever de [...] “V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da Lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade” [...]

A ação da Administração Pública na qualidade de consumidor, ao contratar a aquisição de bens, a prestação de serviços diversos e a execução de obras, en-contra-se necessariamente subordinada aos comandos de natureza preventiva determinados pela Constituição, que levam, obrigatoriamente, à implantação de políticas públicas voltadas ao consumo sustentável. Ao Poder Público cabe de-sempenhar o papel de indutor de políticas ambientalmente sustentáveis.

Nesse sentido, há que se destacar a atuação do Brasil na “Conferência da Terra”, quando se reuniu a “Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento”, conhecida como Eco/92, que adotou na Agenda 21 o de-senvolvimento sustentável como meta a ser alcançada pelos países, mediante o estabelecimento de programas voltados ao exame dos padrões insustentáveis de produção e consumo, e de políticas estratégicas nacionais de estímulo a mudan-ça no padrão de consumo insustentável. No mesmo sentido a Declaração do Rio 92 contempla, no Princípio 8, que os Estados devem reduzir e eliminar padrões insustentáveis de produção e consumo.

Vê-se, portanto, que os referidos documentos de natureza programática demons-tram a clara preocupação mundial com o denominado consumo sustentável, no qual não apenas a iniciativa privada, mas principalmente o Poder Público pos-suem papel da mais alta relevância. O consumo sustentável pressupõe o desen-volvimento econômico de forma viável, com competitividade e lucro, aliado às questões ambientais e sociais.

[...] o que se quer evidenciar é que, com a elevação do significado da Consti-tuição e com o consenso, quase universal, não só de sua superioridade formal, como também de sua ascendência axiológica sobre todo o ordenamento jurídico, há uma importantíssima modificação no direito administrativo: a lei é substituída pela Constituição como a principal fonte desta disciplina jurídica. A reserva verti-cal da lei foi substituída por uma reserva vertical da Constituição. A Constituição passa a figurar como norma diretamente habilitadora da atuação administrativa, havendo uma verdadeira osmose entre a Constituição e a lei [...] Com efeito, a Constituição se presta (i) não só como norma direta e imediatamente habilitadora de competências administrativas, como também (ii) serve de critério imediato de decisão administrativa [...] Com efeito, a vinculação da atividade administrativa ao direito não obedece a um esquema único, nem se reduz a um tipo específico de norma jurídica – lei formal. Essa vinculação, ao revés, dá-se em relação ao

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ordenamento jurídico, uma unidade (Constituição, leis, regulamentos gerais, re-gulamentos setoriais), expressando-se em diferentes graus e distintos tipos de nor-mas, conforme a disciplina estabelecida na matriz constitucional. A vinculação da Administração não se circunscreve, portanto, à lei formal, mas a esse bloco de legalidade (o ordenamento jurídico como um todo sistêmico), a que aludia Hariou, que encontra melhor enunciado, para os dias de hoje, no que Merkl cha-mou de princípio da juridicidade administrativa [...] (Procuradora Sílvia Helena Nogueira Nascimento, no Processo SMA nº 10.409/2005).

O quadro de anomia legal na administração federal veio a ser mitigado pela Instrução Normativa nº 1, de 19 de janeiro de 2010, da Secretaria de Logís-tica e Tecnologia da Informação, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, editada para dispor “sobre os critérios de sustentabilidade ambiental na aquisição de bens, contratação de serviços ou obras pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional”. E que haure diretamente da Constitui-ção a legitimação de suas disposições regulamentadoras da atuação estatal na contratação de compras, obras e serviços sustentáveis.

Em síntese, tal regulamentação administrativa tornou obrigatório, sem prejuízo de outras práticas de sustentabilidade ambiental, tecnicamente justifi-cadas em cada contratação (vinculação a motivos explicitados), que:

(a) as especificações de bens, serviços e obras contenham “crité-rios de sustentabilidade ambiental, considerando os processos de extração ou fabricação, utilização e descarte dos produtos e matérias-primas”;

(b) os instrumentos convocatórios das licitações (editais e cartas--convite) formulem “exigências de natureza ambiental de forma a não frustrar a competitividade”;

(c) os editais das licitações dos tipos melhor técnica e técnica e preço estabeleçam “critérios objetivos de sustentabilidade am-biental para a avaliação e classificação das propostas”;

(d) a elaboração de projetos básicos ou executivos, para a contra-tação de obras e serviços de engenharia, visem “à economia da manutenção e operacionalização da edificação, a redução do consumo de energia e água, bem como a utilização de tecnolo-gias e materiais que reduzam o impacto ambiental”, arrolando uma série de usos e procedimentos tendentes ao cumprimento dessa finalidade;

(e) nas obras e serviços de engenharia, se exija o uso de agrega-dos reciclados, observando-se as normas do Projeto de Geren-ciamento de Resíduo de Construção Civil (PGRCC), consoante estabelecidas pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente, de-vendo os resíduos removidos estar acompanhados de Controle

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de Transporte de Resíduos, de acordo com as normas pertinentes da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT);

(f) no projeto básico ou executivo para contratação de obras e ser-viços de engenharia sejam observadas as normas do Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro), bem como as normas da Organização Internacional para a Padronização (ISO) nº 14000, tanto que “o instrumen-to convocatório, além de estabelecer diretrizes sobre a área de gestão ambiental dentro de empresas de bens, deverá exigir a comprovação de que o licitante adota práticas de desfazimento sustentável ou reciclagem dos bens que forem inservíveis para o processo de reutilização”;

(g) tratando-se de compra, serão exigíveis critérios de sustentabi-lidade ambiental, tais como os de que “os bens sejam consti-tuídos, no todo ou em parte, por material reciclado, atóxico, biodegradável”, sejam observados os requisitos ambientais para a obtenção de “certificação do Inmetro como produtos susten-táveis ou de menor impacto ambiental em relação aos seus si-milares”, “os bens sejam preferencialmente acondicionados em embalagem individual adequada, com o menor volume possível, que utilize materiais recicláveis”, os bens não contenham subs-tâncias perigosas em concentração acima da recomendada na norma europeia conhecida como RoHS (Restriction of Certain Hazardous Substances – Restrição de Certas Substâncias Perigo-sas), tais como mercúrio, chumbo, cromo hexavalente, cádmio, bifenil-polibromados e éteres difenil-polibromados, comprova-do mediante certificação emitida por instituição pública oficial ou instituição credenciada;

(h) caso inexista tal certificação, o edital poderá prever que a entida-de pública contratante diligencie “para verificar a adequação do produto às exigências do ato convocatório, correndo as despesas por conta da licitante selecionada” (o que se compadece com a regra do art. 75 da Lei nº 8.666/1993), e desclassificando-se a proposta caso não se confirme a adequação do produto;

(i) cuidando-se de contratação de serviços, as empresas contratadas devem adotar práticas de sustentabilidade em sua execução, tais como o uso de produtos de limpeza e conservação que obede-çam às classificações e especificações determinadas pela Agên-cia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), medidas tendentes a evitar o desperdício de água tratada, a observância de normas técnicas quanto aos equipamentos de limpeza que gerem ruído no seu funcionamento, o fornecimento aos empregados dos equi-pamentos de segurança pertinentes;

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(j) a empresa contratada treine os seus empregados para a redução de consumo de energia elétrica, de água e a redução da produ-ção de resíduos sólidos;

(k) a empresa contratada separe os resíduos recicláveis na fonte ge-radora, destinando-os a associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis;

(l) sejam respeitadas as normas da ABNT sobre resíduos sólidos;

(m) preveja-se a destinação ambiental adequada de pilhas e bate-rias usadas ou inservíveis, segundo o disposto em resolução do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente);

(n) todos os órgãos e entidades da Administração Pública federal direta, autárquica e fundacional disponibilizem os bens consi-derados ociosos, e que não tenham previsão de utilização ou alienação, para doação a outros órgãos e entidades públicas de qualquer esfera da federação, devendo, ademais, antes de iniciar o processo de contratação, verificar a disponibilidade e a van-tagem de reutilização de bens, por meio de consulta ao fórum eletrônico de materiais ociosos;

(o) o portal eletrônico de contratações públicas do governo federal (Comprasnet) passe a divulgar listas dos bens, serviços e obras contratados com base em requisitos de sustentabilidade ambien-tal, bolsa de produtos inservíveis, banco de editais sustentáveis, boas práticas de sustentabilidade ambiental, dados sobre planos e práticas de sustentabilidade ambiental na Administração Públi-ca federal.

Associado ao desenvolvimento nacional,

o desafio ambiental e climático não é um modismo, um nicho, uma nota. É o pano de fundo de qualquer proposta verdadeiramente desenvolvimentista. O verde de anos atrás defendia espécies ameaçadas. Elas continuam precisando de proteção, mas o verde hoje tem urgências mais amplas. Mudou de patamar. Ne-nhum planejamento estratégico em empresas, organizações, países pode ignorar essa questão. É uma nova lógica à qual todos os outros projetos – da logística à reforma tributária, da educação ao planejamento urbano, da energia ao finan-ciamento público – têm que se adaptar. É isso ou não ter futuro. Simples assim. (LEITÃO, Miriam. O Globo, edição de 05.10.2010, p. 34)

6.4 o pArâmetro do preço de merCAdo

A introdução do desenvolvimento nacional sustentável entre as cláusu-las gerais da Lei nº 8.666/1993 não altera o parâmetro básico de comparação entre propostas quanto ao preço, para o fim de fixar-se a preferência da Admi-

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nistração, qual seja o do valor de mercado do bem, obra ou serviço objeto da licitação ou da contratação direta, desde que se comparem preços de objetos igualmente comprometidos com a sustentabilidade.

Na legislação específica há, pelo menos, 22 possíveis acepções qualifi-cadas de preço (preço estimado, oferecido, aceitável, contratado, reajustado, revisto, corrigido, atualizado, máximo, mínimo, simbólico, irrisório, excessi-vo, menor preço, melhor preço, técnica e preço, registro de preços, preço de mercado, preço baseado nas ofertas dos demais licitantes, preço global, preço unitário, tomada de preços). Em todas, subjaz a ideia de preço de mercado.

Quando cogita de estimar o preço, na fase interna instrutória inerente a todo procedimento licitatório (Lei Geral, art. 23, caput, e Lei do Pregão, art. 3º, I), a legislação almeja: (i) definir a modalidade cabível de licitação, se em função do valor estimado (concorrência, tomada de preços e convite), não se aplicando nas modalidades que se distinguem em função da natureza do ob-jeto, qualquer que seja o seu valor (leilão, concurso e pregão); (ii) vincular a aquisição à disponibilidade orçamentária – Lei Geral, arts. 7º, § 2º, III, e 14; (iii) ministrar elementos, à comissão de licitação ou ao pregoeiro, para a for-mulação do juízo de aceitabilidade das propostas de preço e sua classificação/desclassificação – Lei Geral, arts. 7º, § 2º, II, e § 7º; 14; 40, X e § 2º, II; e Lei do Pregão, art. 4º, XI.

A legislação não indica critérios de estimação, porém há referências ba-lizadoras, em face das quais a jurisprudência das Cortes de controle externo examina os casos concretos, a saber:

(i) na Lei Geral, arts. 7º, § 2º, II (planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários, no caso de obra ou serviço); 15, V e § 6º (preços praticados no âmbito da AP e incompatibilidade com preço vigente no mercado); 23, § 1º (recursos disponíveis no mercado e economia de escala); 26, parágrafo único, III (justificativa do preço na contratação direta); 40, X (permitido preço máximo, ve-dados preço mínimo e preços de referência); 43, IV (compatibilidade com preços correntes no mercado, ou fixados por órgão oficial competente, ou constantes do sistema de registro de preços); 45, § 1º, I (preço em correspondência com as especificações); 48, II (custos coerentes com os de mercado);

(ii) na Lei do Pregão, arts. 1º, parágrafo único (especificações usuais no mercado); 3º, I (critérios de aceitação estabelecidos na fase preparatória);

(iii) a pesquisa para estimar-se o preço há de ser ampla, envolvendo várias fon-tes (resultados de licitações anteriores sobre o mesmo objeto ou assemelhado; preços obtidos por outros órgãos ou entidades da Administração Pública na con-tratação de objetos assemelhados; preços registrados ou constantes de cadastros administrativos, tipo Comprasnet, para o mesmo objeto ou assemelhado; coleta de preços junto ao mercado), lançados os elementos e os resultados da pesquisa nos autos do processo (Lei do Pregão, art. 3º, III).

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No Estado Democrático de Direito, prevalece a exegese do órgão com-petente, no exercício regular de sua competência. Insere-se na competência dos órgãos de controle interno e externo, como agasalhada na CR/1988: fiscaliza-ção de legalidade, legitimidade e economicidade (art. 70, caput); julgar contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao Erário (art. 71, II); aplicar sanções a responsáveis por ilega-lidade de despesas ou irregularidade de contas, incluindo multa proporcional ao dano causado ao Erário (art. 71, VIII); responsabilidade solidária do controle interno por irregularidades verificadas e não informadas (art. 74, § 1º).

À vista dessas competências, é de rigor que a Administração observe a orientação dominante das Cortes de Contas acerca do valor estimado, que a ins-ta a buscar conhecer o preço de mercado mediante ampla pesquisa na fase pre-paratória, o que conduz à apuração da mediana (Lei nº 11.439, de 29.12.2006, art. 115 – “Os custos unitários de materiais e serviços de obras executadas com recursos dos Orçamentos da União não poderão ser superiores à mediana daqueles constantes do Sistema Nacional de Pesquisa de Custos e Índices da Construção Civil – Sinapi, mantido pela Caixa Econômica Federal, que deverá disponibilizar tais informações na internet. § 1º Somente em condições espe-ciais, devidamente justificadas em relatório técnico circunstanciado, aprovado pela autoridade competente, poderão os respectivos custos ultrapassar o limite fixado no caput deste artigo, sem prejuízo da avaliação dos órgãos de controle interno e externo”). Mais:

Ac. 2.986/2006, 1ª C., Rel. Min. Augusto Nardes – “Os processos de dispensa de licitação devem conter documentos que indiquem a prévia pesquisa de preços de mercado, em relação ao objeto a ser contratado/adquirido, e a habilitação do respectivo fornecedor/prestador de serviços”;

Ac. 1.024/2007, Plenário, Rel. Min. Aroldo Cedraz – “Possibilidade de estabe-lecimento de patamares de remuneração mínima a ser paga aos profissionais empregados de eventual vencedora de licitação [...] não se mostra irregular regra editalícia desta natureza, que vise a obstar a competição danosa entre as licitan-tes e a garantir a qualidade e a eficiência dos serviços contratados. Insta frisar, contudo, que, por óbvio, deve ser observado o princípio da razoabilidade no estabelecimento desses valores, os quais devem ser consentâneos com as funções a serem executadas e com os preços praticados no mercado [...]”;

Decisão nº 528/1998, Plenário, Rel. Min. Lincoln Magalhães da Rocha – “Há ir-regularidade em procedimento licitatório em que não foi realizada a avaliação da compatibilidade dos preços constantes das propostas com os preços praticados no mercado [...]”;

Ac. 904/2006, Plenário, Rel. Min. Ubiratan Aguiar – “Na licitação do tipo menor preço deve ser escolhido o melhor preço para a administração, aí entendido pre-ço consentâneo com o praticado no mercado, assegurada a prestação do serviço ou a entrega do bem a contento, não havendo impedimento a que se determinem requisitos de qualidade técnica mínima [...]”;

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Ac. 1.461/2003, Plenário, Rel. Min. Augusto Sheman Cavalcanti – “[...] exija de cada licitante de obras públicas, nos instrumentos convocatórios, a documenta-ção que comprove a compatibilidade dos custos dos insumos com os de merca-do [...], tais como composição unitária de preços; curva de insumos e serviços; tabelas de preços consagradas, como Sinapi, Pini, Dnit etc.; e demonstrativo de cálculo dos encargos sociais e do BDI utilizados na composição dos preços”.

Na mesma linha, o entendimento da jurisprudência judicial, que se ilus-tra com o julgado pelo Superior Tribunal de Justiça no ROMS 15.051/RS-2002, Relª Min. Eliana Calmon:

A licitação da modalidade menor preço compatibiliza-se com a exigência de preços unitários em sintonia com o valor global [...] Previsão legal de segurança para a Administração quanto à especificação dos preços unitários, que devem ser exequíveis com os valores de mercado, tendo como limite o valor global.

Não sem relevantes razões, portanto, a exposição de motivos da MP 495/2010 advertiu, em seu item 12, que:

[…] são preservadas disposições precedentes da Lei nº 8.666, de 1993, que de-vem balizar as licitações, sobretudo no que concerne à manutenção de decisões de compra baseadas, eminentemente, nos atributos de preço e qualidade. A me-dida restringe, portanto, incentivos à constituição de monopólios e eventual con-luio entre os licitantes, o que ensejaria a prática de preços mais elevados e maior ônus às compras públicas, vis-à-vis outras fontes de suprimento disponíveis.

Cabe, aqui, a advertência para o parâmetro do preço de mercado por-que tem sido frequente a ponderação de que os requisitos da sustentabilidade repercutem sobre os preços, chegando alguns a afirmar que os majorariam em cerca de 30%. Não se tem notícia de estudo que analise a questão no mercado brasileiro, porém se pode prenunciar ser infundada a arguição, ou, ao menos, tende a sê-lo na medida em que as empresas incorporem ao seu processo pro-dutivo práticas de sustentabilidade, que, ao contrário, geram redução de custos.

Em setembro de 2010, o Instituto de Logística e Supply Chain – ILOS comunicou ao Fórum Global de Sustentabilidade, realizado no Rio de Janeiro, o resultado de pesquisa que efetuou com mais de 100 empresas brasileiras, su-blinhando os seguintes achados:

60% acham que as mudanças climáticas já têm impacto hoje em seus negócios, 6% dizem que terão impacto a curto prazo, 20% afirmam que apenas no longo prazo e apenas 14% acham que não serão afetadas. Clientes, fornecedores e governo são as fontes de pressão para essa mudança de atitude, mas apesar de as empresas relatarem que 69% dos clientes já exigem soluções ecologicamente corretas e 19% exigirão no curto prazo, apenas um em cada quatro clientes acei-ta pagar mais por isso. No setor onde há mais disposição de pagar esse preço é o de material de construção: chega a 50% [...] Há novas atitudes nas empresas, mesmo que o consumidor não queira pagar por essa mudança [...] Apenas uma em cada cinco empresas ouvidas pela pesquisa não pensa em ter áreas dedicadas

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à sustentabilidade. O tema até recentemente estava restrito ao marketing, mas hoje está entrando no cotidiano das empresas: 82% das que têm ações de susten-tabilidade afirmaram que elas estão na área de compras, 77%, na de produção, 76%, no setor de logística [...] Quase metade delas reporta que essas ações pro-duzem também uma bem-vinda redução de custos, como a racionalização de transporte e armazenagem, diminuição do consumo de energia e combustíveis, corte em desperdício no consumo de água. A Ambev fez uma gestão de sua frota, monitorando as emissões de gases de 35 veículos a diesel e fez uma manuten-ção dos caminhões que estavam fora das especificações. Aumentou o percentual de veículos que usam biodiesel. Reduziu o consumo de água, substituindo a lavagem tradicional da frota por lavagem a seco. Livrou-se dos veículos velhos. Hoje, a idade média da frota é de três anos e meio. A empresa trocou também o GLP pelo gás natural, como combustível das empilhadeiras. As empresas buscam outras que tenham necessidade de transporte complementar. O caminhão, que antes voltava vazio, agora volta carregado com produtos de uma outra empresa que queira fazer o caminho inverso. Na Natura, no transporte para países da região ou áreas mais distantes do país, está sendo utilizada, sempre que possível, a via marítima, em vez da rodoviária, para reduzir as emissões [...] A Copercusar fez acordo de longo prazo para aumentar a participação das ferrovias em seus transportes e construir uma malha de dutos. A rede Walmart criou o primeiro centro de distribuição ecoeficiente: o telhado deixa passar a luz solar, economi-zando energia;a água da chuva é coletada e reutilizada; as caixas são de plástico reciclado e recicláveis. O Pão de Açúcar fez um centro de distribuição com as mesmas características: telhas translúcidas, energia solar, uso de água da chuva, reutilização da madeira e painéis termoisolantes nas câmaras frias. Magazine Luíza está montando em Louveira, São Paulo, um centro de distribuição com a mesma lógica [...] A Coca-Cola já inaugurou no Paraná a primeira “fábrica ver-de” do grupo na América Latina com esses mesmos cuidados de redução do uso de água [...] A Unilever se prepara para lançar o Comfort concentrado, que vai reduzir em 79% o consumo de água no produto, o que equivale a 30 piscinas olímpicas ao ano e economia de 58% de plástico nas embalagens [...]. (O Globo, edição de 12.09.2010, p. 34)

Vê-se que o mercado se apetrecha para a sustentabilidade como estraté-gia de redução de custos, não de elevação de preços. Cabe ao poder de compra do poder público incentivá-lo, incluindo em seus editais de licitação e termos de contratos as exigências que conformam produtos, materiais, serviços e obras aos requisitos da sustentabilidade.

6.5 A sustentAbilidAde positivAdA nAs liCitAções e ContrAtos do judiCiário fluminense

O Ato Normativo nº 6, de 2014, da Presidência do Tribunal, consolidou a estrutura básica padronizada de atos convocatórios e de termos de contrato, que deverá ser observada nas licitações e contratações do Tribunal de Justiça, incluindo requisitos expressos de sustentabilidade, sem embargo das adapta-ções que se mostrarem necessárias em cada caso, e atendendo às normas es-

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tabelecidas na Resolução nº 114, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (anexo I).

O Ato Executivo nº 5.298, de 2013, aprovou o Guia Verde, contendo as especificações dos produtos mais frequentemente adquiridos pela administra-ção judiciária, com base em normas técnicas expedidas pelas entidades creden-ciadas competentes, tais como Inmetro, ABNT, Conama (anexo II).

Aos 10 de setembro de 2014, entrou em vigor, aprovados pela Presidên-cia do Tribunal, o Manual de Gestão de Contratos e as Rotinas Administrativas nº 5 e nº 41, definidoras dos processos de trabalho que integram o ciclo das contratações de compras, obras e serviços em geral e, especificamente, de bens e produtos de informática, todos com expressas orientações acerca dos requisi-tos de sustentabilidade que se devem levar em conta nas fases interna e externa do processo de contratação, com ou sem licitação, bem como os fluxos de procedimentos discriminados em 39 formulários padronizados, conjunto esse resultante do consenso obtido após ano e meio de debates entre diretorias, ges-tores e fiscais de execução de contratos.

6.6 A orientAção do tribunAl de ContAs dA união

O controle externo se vem debruçando sobre o tema, provocado em ca-sos nos quais a aplicação do desenvolvimento sustentável tem sido questiona-da em licitações e contratos. Segue-se rol exemplificativo de manifestações do Tribunal de Contas da União, das quais se extrai a orientação que a Corte vem construindo para dissipar dúvidas e incompreensões acerca da possível e dese-jável introdução de requisitos de sustentabilidade nos editais de licitação e em minutas de contratos de compras, obras e serviços.

Uma vez que a promoção do desenvolvimento nacional sustentável foi incluída ao lado da garantia à isonomia e da seleção da oferta mais vantajosa como pro-pósitos primeiros da licitação, o gestor deverá adotar nova postura, buscando contínua e permanentemente alcançar esse novo objetivo, tal como já procedia em relação aos outros dois. A nova finalidade exige que a Administração ava-lie sempre o efeito que a compra do objeto provocará quanto à promoção do desenvolvimento nacional. O gestor não pode ignorar esse aspecto, como não pode ignorar o dever de tratar os interessados com isonomia ou o de selecionar a proposta mais vantajosa.

A nova finalidade fixada para a licitação representa novo propósito para o con-trato administrativo. Este deixa de ser apenas instrumento para o atendimento da necessidade de um bem ou serviço que motivou a realização da licitação, para constituir, também, instrumento da atividade de fomento estatal, voltado, dessa forma, não só para os interesses imediatos da Administração contratante como também para interesses mediatos, ligados às carências e ao desenvolvimento do setor privado.

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Se o contrato cumprirá a finalidade de atender duplo interesse da Administração – imediato e mediato –, é legítima e adequada a conclusão de que a seleção a ser procedida mediante o certame licitatório resulte na escolha da proposta que ofereça a maior vantagem em relação a ambos objetivos.

E o que é a proposta mais vantajosa para a Administração? É aquela que ofereça o bem ou serviço requerido na licitação pelo menor preço, sem prejuízo da qua-lidade do produto ou serviço ofertado. Mesmo que a maior vantagem oferecida à Administração não seja, necessariamente, o menor preço, um preço menor re-presentará, inexoravelmente, uma vantagem maior, quando mantidas as demais condições.

Assim, a Administração, ao descrever o objeto licitado, não pode adotar especi-ficações dissociadas da necessidade a suprir, uma vez que isso poderia conduzir a elevação dos gastos contratados. Não pode também, por outro lado, deixar de fixar especificações mínimas, porque isso, embora possa levar a preços menores, resultaria em contratação inútil em face daquilo que se pretende atender, o que não representa vantagem alguma para a Administração. O dever de buscar a contratação mais vantajosa impõe, portanto, a necessidade de fixação de limites superiores e inferiores para especificação do objeto. Acima deles, o gasto pode ser superior ao necessário; abaixo, a contratação pode resultar inútil.

Essas especificações mínimas, até o advento do dever legal de a Administração buscar a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas suas contra-tações, deviam respeitar estritamente as características indispensáveis a dotar o bem ou o produto contratado de aptidão para suprir a necessidade que motivou a instauração do procedimento licitatório. Assim, se, por exemplo, a Administração tivesse necessidade de realizar uma escavação para abrir ruas, a especificação do objeto a ser contratado deveria observar as características que tornassem o produto a ser adquirido apto a escavar e movimentar a terra nas quantidades e prazos tecnicamente justificáveis, tais como capacidades volumétrica e de carga, potência, manobrabilidade, consumo etc.

A nova finalidade estabelecida para a licitação pela Lei nº 12.349/2010 implica, porém, nova necessidade a ser atendida pela contratação resultante da licitação. Tal contratação não servirá apenas ao propósito de a Administração, tomando o mesmo exemplo usado no parágrafo anterior, cavar e movimentar terra, mas, igualmente, ao objetivo de promover o desenvolvimento nacional. Tão impor-tante quanto atender à específica necessidade da Administração que venha a motivar a abertura de procedimento licitatório, é, também, desde a alteração legislativa promovida no art. 3º, o atendimento dos interesses previstos no § 7º do referido dispositivo legal, a saber, geração de emprego e renda, efeito na ar-recadação de tributos e desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no país. Em suma, o objeto procurado pela Administração pode não ser apenas uma escavadeira, mas uma escavadeira cuja compra produza os efeitos positivos para a economia previstos na lei.

Assim, do mesmo modo que a descrição do objeto incluía especificações desti-nadas a garantir a utilidade do bem adquirido frente à necessidade que motivou a abertura do procedimento, deverá, agora, incluir qualidade que o torne apto também a suprir essa nova necessidade. O objeto passou a conter elementos que

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não dizem respeito estritamente à utilidade que o bem ou o serviço prestará à Administração, mas também que dizem respeito ao resultado da sua compra para a sociedade brasileira. Com a nova finalidade para a licitação, um objeto não é mais definido apenas pelo que é capaz de produzir, mas também pelos efeitos que sua compra desencadeia. Se houver comprovação de que a única forma de atender à necessidade de promover o desenvolvimento nacional é a aquisição de produto brasileiro, então essa especificação deverá constar da descrição do objeto. Outra contratação, acerca dessa necessidade – a cujo atendimento a Ad-ministração encontra-se obrigada por dever legal –, não seria útil e, portanto, não seria vantajosa. Embora a licitação busque o menor preço, isso não se deve dar com o sacrifício da utilidade que o produto contratado prestará à Administração. Vê-se, com isso, que a nova finalidade da licitação não concorre com o dever de selecionar a proposta mais vantajosa, mas dá a ele novo significado.

A necessidade da Administração se confundia, antes, com a utilidade do bem, ou seja, o resultado oriundo do seu uso, parâmetro que servia também como medida da vantajosidade. Agora a aquisição do bem não visa mais estritamen-te atender à necessidade suprível pela utilidade que ele produz, mas também necessidades de outra ordem, relacionadas com aspectos macroeconômicos e expressamente mencionadas na lei (Acórdão nº 1.317/2013-Plenário, Processo nº 032.230/2011-7, Rel. Min. Aroldo Cedraz);

A experiência na destinação de resíduos orgânicos em usina de compostagem é suficiente para demonstração da capacidade de processamento de resíduos orgânicos oriundos de frutas, legumes e verduras (Acórdão nº 792/2012-Plenário, Processo nº 028.574/2011-7, Rel. Min. José Múcio Monteiro);

Licitação de obra pública: a exigência de apresentação por parte das licitantes do Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da Cons-trução (PCMAT) só pode ser feita em obras com mais de 20 trabalhadores (Acór-dão nº 1.883/2011-Plenário, Processo nº 011.664/2011-8, Rel. Min. Raimundo Carreiro);

Pregão para contratação de serviços. A licença ambiental de operação deve ser exigida apenas do vencedor da licitação. Representação informou ao Tribunal supostas irregularidades na condução do Pregão Eletrônico nº 7/2010, promovi-do pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), com o objetivo de contratar empresa para a execução dos serviços de limpeza e conservação dos prédios da entidade. Ao propor a improcedência da representação, o relator en-tendeu não haver irregularidade na exigência de licença ambiental de operação do licitante vencedor do certame, uma vez que tal exigência estaria, inclusive, em conformidade com o art. 20, § 1º, da Instrução Normativa nº 2, de 30 de abril de 2008, da Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Para ele, seria irregular caso fosse exigido licença ambiental de todos os licitantes, o que não ocorreu. Em consequência, propôs a improcedência da representação, o que foi aprovado pelo Plenário. Precedente citado: Acórdão nº 5.611/2009, da 2ª Câmara (Acór-dão nº 125/2011-Plenário, Processo nº 015.085/2010-4, Rel. Min. Subst. André Luís de Carvalho);

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Exigência de licença operacional ambiental para fim de habilitação. Represen-tação oferecida ao TCU apontou supostas irregularidades na condução do Pre-gão Eletrônico nº 92/2009, realizado pela Fundação Universidade do Amazonas (UFAM), cujo objeto era a contratação de empresa especializada na prestação de serviços gerais, limpeza e conservação, jardinagem, capina, poda e corte de ár-vores de grande porte, realizados de forma continuada, nas unidades do campus universitário. Entre as ocorrências noticiadas, encontrava-se a “exigência prévia de licença operacional ambiental”. Em seu voto, o relator considerou assistir ra-zão à UFAM, chamada a se manifestar nos autos, “vez que amparada em legisla-ção e normas específicas”. Segundo o relator, a apresentação da referida licença deve ocorrer mesmo na fase de habilitação, caso contrário, “como o prazo para obtenção da licença junto aos órgãos competentes pode demorar até 120 dias, não haveria garantias para a Administração de que, se a licitante vencesse o certame, seria, de modo célere, autorizada a operar, pelo IPAAM e Vigilância Sanitária, acarretando, desse modo, risco à execução contratual”. O relator fez, ainda, alusão ao voto proferido no Acórdão nº 247/2009-Plenário, no qual restou assente que “o cumprimento da legislação ambiental deve ser verificado ainda na fase de habilitação dos licitantes, conforme os arts. 28, inciso V, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993 [...]. A lei não previu outro momento para se exigir o cumprimento de leis específicas (como as ambientais), nem para aquelas que impõem o cumprimento de certas condições para o funcionamento da licitante”. O Plenário acolheu o voto do relator (Acórdão nº 1.895/2010-Plenário, Processo nº 001.597/2010-8, Rel. Min. Augusto Nardes, 04.08.2010);

Pregão para a contratação de serviços especializados de gerenciamento am-biental de obra. O relator comunicou ao Plenário ter adotado medida cautelar determinando “que a Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa) suspenda o processamento do Pregão Eletrônico nº 31/2010, na fase em que se encontre, ou, se já ultimado, abstenha-se de celebrar o contrato com a vencedora do certame, ou ainda, se já formalizado o ajuste, que não adote qualquer medida tendente a iniciar a execução dos serviços”, até que o Tribunal decida sobre o mérito das irregularidades suscitadas em processo de representação. A referida licitação visa à seleção de empresa para a prestação de serviços técnicos especializados de gerenciamento ambiental das obras de dragagem de aprofundamento e de der-rocagem do canal de acesso, da bacia de evolução e dos berços de atracação do Porto de Vitória/ES. Segundo a representante, a modalidade licitatória utilizada pela Codesa foi inadequada, porquanto os serviços discriminados no termo de referência ostentam, a seu ver, natureza intelectual, além de apresentar elevado grau de complexidade técnica, demandando ampla experiência da empresa e dos profissionais a serem mobilizados. Não deveriam, portanto, ser classificados como serviços comuns, conforme definição constante do art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 10.520/2002. Em sua instrução, a unidade técnica chamou a atenção para o fato de que “o produto pretendido não é um estudo e um relatório, mas são as informações produzidas a partir de um estudo e registradas em documentos denominados EIA/Rima”. Nesse sentido, “a principal qualidade desejável dessas informações é a sua precisão, a qual não é passível de ser objetivamente descri-ta ou definida pelo edital, pois isto importaria realizar o próprio estudo que se pretende contratar. A precisão da informação, por sua vez, depende diretamente da qualidade dos métodos utilizados para a coleta e do tratamento dos dados dis-

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poníveis. No entanto, não está caracterizada nos autos a existência, no mercado, de definição dos métodos mais adequados de coleta e de tratamento de dados para a produção do conhecimento pretendido, nem estes foram objetivamente determinados pela entidade contratante. Ou seja, há liberdade para o prestador de serviço na escolha da metodologia de estudo que entender mais adequada. Assim, mesmo empresas igualmente qualificadas podem elaborar produtos dís-pares”. Anuindo às conclusões da unidade técnica, o relator enfatizou que o sig-nificativo grau de especificidade dos serviços licitados confere-lhes, em juízo de cognição sumária, cunho predominantemente intelectual. Nesse contexto, não lhe pareceu razoável “que as propostas sejam aferidas unicamente pelo critério de menor preço, regente da modalidade pregão, reclamando análise mais crite-riosa para constatação do atendimento ou não das exigências editalícias, a qual não se compatibiliza com o simplificado rito do pregão, configurando o fumus boni iuris.” Tendo em vista a iminência da homologação, adjudicação e contra-tação do objeto licitado, entendeu estar presente o periculum in mora. O Plenário referendou a cautelar. Decisão monocrática no Processo nº 012.761/2010-9, Rel. Min. Raimundo Carreiro;

Exigência de que o produto a ser fornecido atenda a normas de proteção ambien-tal. O relator comunicou ao Plenário haver determinado à Secretaria de Estado de Esporte, Turismo e Lazer do Acre, por medida cautelar, que se abstivesse de utilizar recursos de origem federal, transferidos mediante convênio, para a aqui-sição dos bens de que trata o item 8 do Pregão Presencial para Registro de Preços nº 235/2009 (“Estação de Trabalho Padrão – Processador”). Entre as possíveis irregularidades suscitadas na representação formulada ao TCU, e que justificaram a adoção do provimento cautelar, destacava-se a exigência editalícia de com-provação, por parte do licitante, de que o equipamento estaria em conformidade com a “norma EPEAT, na categoria GOLD”, o que, em síntese, demonstraria que o equipamento atendia a normas internacionais de proteção ambiental. Para a representante, a aludida exigência técnica era restritiva à competitividade do cer-tame. Em seu despacho, considerou o relator “louvável a preocupação dos ges-tores em contratar empresas que adotem em seus processos produtivos práticas responsáveis ambientalmente”. No entanto, para ele, “a adoção dessas restrições ambientais deve se dar paulatinamente, de forma que os agentes do mercado possam se adaptar a essas novas exigências antes delas vigorarem plenamen-te. Caso contrário, estar-se-ia criando uma reserva de mercado para as poucas empresas que cumprirem de antemão essas exigências, implicando violação ao princípio constitucional da livre concorrência, maiores custos e reduzidas ofertas de produtos”. No caso concreto, o reduzido número de empresas aptas a preen-cher o requisito ambiental editalício (em torno de três), acabaria, em princípio, “por reduzir excessivamente a competitividade do certame”. Esse fato indicava que a exigência, “ao menos no presente momento, é desarrazoada”. O Plená-rio, por unanimidade, referendou a cautelar. Decisão monocrática no Processo nº 003.405/2010-9, Rel. Min. Benjamin Zymler;

Momento adequado para apresentação, pelo licitante vencedor, de licenças sanitária e ambiental. O Plenário referendou cautelar deferida pelo relator que determinou à Fundação Universidade do Amazonas que suspendesse o Pregão Eletrônico nº 92/2009, cujo objeto era a “contratação de empresa especializa-da na prestação de serviços gerais, limpeza e conservação, jardinagem, capina,

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poda e corte de árvores de grande porte, realizados de forma continuada, nas unidades do campus universitário [...]”. Entre as possíveis irregularidades sus-citadas na representação formulada ao TCU, mereceu destaque o fato de que, nada obstante o edital ter previsto que as exigências constantes do seu item 12.9 (“Licença de Funcionamento da Vigilância Sanitária” e “Licença de Operação Ambiental”) estariam adstritas ao licitante vencedor, tais requisitos teriam sido decisivos para inabilitar a representante e uma outra empresa que acudiu ao cer-tame, as quais teriam ofertado preços significativamente menores que o orçado pela administração. Para o relator, a fumaça do bom direito estaria caracterizada pela violação aos princípios da vinculação ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, insculpidos no art. 3º da Lei nº 8.666/1993 e no art. 5º do Decreto nº 5.450/2005. A exigência, em si, não representaria restrição ao caráter competitivo do certame, uma vez que se tratava de obrigação cabível somente à futura contratada, em consonância com o art. 20, § 1º, da IN/SLTI 2/2008, cujo teor é o seguinte: “Art. 20. [...] § 1º Exigências de comprovação de propriedade, apresentação de laudos e licenças de qualquer espécie só serão devidas pelo vencedor da licitação; dos proponentes poder-se-á requisitar tão somente decla-ração de disponibilidade ou de que a empresa reúne condições de apresentá-los no momento oportuno”. De acordo com o relator, o perigo na demora decorre da iminência de assinatura do contrato resultante do pregão. Além disso, a pos-sibilidade de prorrogação da contratação por até 60 meses aponta “para que o eventual prejuízo ao erário” seja “de difícil reparação”. Decisão monocrática no Processo nº 001.597/2010-8, Rel. Min. Augusto Nardes;

Contratação de serviços por meio de pregão. Exigência, para fim de habilitação, da apresentação de licença ambiental de operação. Encontra amparo no nosso ordenamento jurídico a inclusão, no edital, da exigência de prévio licenciamento ambiental de operação, expedido pelo órgão estadual competente, para as ativi-dades sujeitas a esse procedimento. Foi essa a conclusão a que chegou o relator, ao apreciar representação formulada ao TCU noticiando possíveis irregularidades no Pregão Eletrônico nº 33/2009, promovido pela Universidade Federal do Pará (UFPA), cujo objeto era a “contratação de empresa especializada em serviços de conservação, manutenção e limpeza nas áreas externas da cidade universitária Prof. José Silveira Netto e das unidades da UFPA na cidade de Belém”, bem como em outras localidades no interior do estado. Em consequência da aludida representação, os responsáveis foram instados a apresentar esclarecimentos sobre as seguintes ocorrências: “a) inclusão, no edital do pregão, de exigência de licen-ciamento ambiental sem qualquer referência ao órgão expedidor, e que, mesmo assim, veio a motivar desclassificação de licitante por apresentação de licença emitida por outro estado da federação, configurando possível ofensa ao princí-pio da não distinção de sede; b) tal desclassificação teria se fundado em motivo irrelevante, uma vez que a licença de operação exigida poderia facilmente ser obtida após a celebração do contrato, em se tratando de serviços comuns e ne-cessários;”. Um dos argumentos apresentados pela unidade técnica para defen-der a invalidação do edital do pregão foi o de que a exigência de apresentação da referida licença seria indevida, por ser desnecessária na fase de processamento do pregão e irrelevante em face de outras exigências editalícias, relativas à expe-riência anterior mínima dos participantes. A unidade instrutiva aduziu também que seria exigência estranha ao rol exaustivo de documentos previstos na Lei

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nº 8.666/1993. Em seu voto, dissentindo da unidade técnica, o relator ressaltou entendimento consignado no voto condutor do Acórdão nº 247/2009-Plenário, segundo o qual “a Lei de Licitações exige, em seu art. 30, inciso IV, prova do atendimento de requisitos previstos em lei especial, encontrando o licenciamento da empresa interessada junto ao órgão ambiental, para fins de funcionamento e exercício das atividades requeridas no edital, fundamento também no disposto no art. 28, inciso V, segunda parte, da referida lei. Há, portanto, necessidade de se incluir no edital, em razão dos serviços que serão prestados, exigência que reflita a adequada observação da legislação específica (ambiental), cuja compro-vação deverá ser apresentada pelas licitantes para habilitação”. De acordo com o relator, o precedente mencionado ampara o procedimento da UFPA de fazer inserir, já no edital, como exigência de habilitação, a necessidade de a empresa interessada possuir licença ambiental de operação. A par de sua fundamentação legal e material, a exigência “coaduna-se com a crescente preocupação com os aspectos ambientais que cercam as atividades potencialmente poluentes”. O Plenário anuiu à conclusão do relator (Acórdão nº 870/2010-Plenário, Processo nº 002.320/2010-0, Rel. Min. Augusto Nardes);

Contratação de serviços por meio de pregão: Necessidade de a licença ser ex-pedida pelo órgão ambiental do Estado onde os serviços serão prestados. Outra possível irregularidade no Pregão Eletrônico nº 33/2009 centrava-se no fato de a exigência inclusa no edital não estabelecer que a licença de operação deveria ser fornecida pelo órgão competente do Estado do Pará. Como a representante pos-suía licença de operação no âmbito do Estado do Amazonas, a unidade técnica entendeu que a UFPA “ampliou indevidamente o sentido da redação do edital”, em prejuízo da licitante que formulou a representação. Para o relator, “tal obje-ção não possui força invalidante da inabilitação da empresa representante, uma vez que a legislação ambiental é clara em atribuir aos estados a competência para regulamentar e proceder ao licenciamento ambiental em seu território”. O edital “não precisaria, portanto, indicar o órgão competente para tanto”, bas-tando exigir que o documento tivesse validade. Além disso, a empresa “deveria saber que a licença expedida no Estado do Amazonas não teria validade em outro estado. Como corolário, tem-se que, como as licenças são válidas apenas nos limites de cada unidade da federação, há fundamento bastante para a recusa, da UFPA, do documento apresentado pela ora representante”. Para o relator, agir de modo diferente seria “ferir direitos das outras participantes, com docu-mentação em perfeita ordem”. O Plenário acolheu o voto do relator (Acórdão nº 870/2010-Plenário, Processo nº 002.320/2010-0, Rel. Min. Augusto Nardes);

Contratação de serviços por meio de pregão. Concessão de prazo razoável, a partir da publicação do edital, para as licitantes providenciarem o licenciamento ambiental. Em outra linha de argumentação, a unidade técnica defendeu que a UFPA deveria conceder prazo razoável, a partir da publicação do edital, para que as empresas pudessem providenciar o licenciamento ambiental requerido. O relator concluiu, no entanto, que “essa providência não tem poder invalidatório, nem pode ser imposta à universidade, por ampliar os prazos mínimos para aber-tura das propostas expressamente fixados na Lei nº 8.666/1993”. De todo modo, considerou que tal providência poderia ser “preconizada à UFPA como reco-mendação”. Nesse sentido, o relator propôs e o Plenário decidiu “recomendar à Universidade Federal do Pará que, em procedimentos licitatórios futuros, em

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que seja obrigatória a apresentação de licença ambiental de operação por parte das firmas interessadas, planeje adequadamente a licitação de forma que seja lançado o edital com antecedência suficiente para que, observada a legislação ambiental e os prazos requeridos pelo órgão local responsável pela concessão de licenças, possam as empresas requerer, antecipadamente, bem como dispor, no momento da licitação, das respectivas licenças ambientais necessárias à exe-cução do objeto licitado”. Precedente citado: Acórdão nº 247/2009-Plenário (Acórdão nº 870/2010-Plenário, Processo nº 002.320/2010-0, Rel. Min. Augusto Nardes, 28.04.2010);

Nas licitações para aquisição de veículos, no que se refere a consumo e emissão de poluentes, devem os editais adotar exigências tecnicamente embasadas, que possam ser objetivamente avaliadas, sem a imposição de restrições a tecnologias que possam oferecer níveis compatíveis com os parâmetros pretendidos.

Representação versando sobre suposta irregularidade em pregão eletrônico con-duzido pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), destinado à aqui-sição de motocicletas tipo comum com baú, por meio do sistema de registro de preços, apontara possível restrição à competitividade decorrente de cláusula no edital demandando “sistema de alimentação por injeção eletrônica para motores com capacidade volumétrica entre 130 cm³ e 155 cm³”. Em juízo de mérito, realizadas as oitivas regimentais após a suspensão cautelar do certame, anotou o relator que “a questão central da representação diz respeito à utilização de resul-tados de estudo técnico realizado pela ECT com objetivo de justificar a exigência constante do item 2.2.5 do Anexo 03 do edital, sob a alegação de que motoci-cletas com motor com capacidade volumétrica, entre 130 cm³ e 155 cm³, não dotadas de sistema de alimentação por injeção eletrônica, consomem mais com-bustíveis e emitem mais dióxido de carbono (CO2)”. Ressaltou que o estudo re-alizado pela ECT baseou-se exclusivamente em sua frota de motocicletas, sendo indevida a extrapolação do resultado para o universo de motocicletas disponíveis no mercado, “dado que tecnologias mais modernas poderiam vir a ser implemen-tadas em modelos que não aqueles da frota da estatal”. No tocante à emissão de gases poluentes, anotou o relator que “a própria área técnica da empresa pública reconhece que há outros métodos para diminuir a emissão de poluentes que não passam necessariamente pelo sistema de alimentação dos motores, como, por exemplo, a utilização de catalisadores de ar”. Embora caracterizada a improprie-dade – consistente no descarte de outras tecnologias que permitiriam menores consumo e emissão de poluentes – o relator consignou que a exigência não elimi-nara a competitividade do certame (quatro modelos de motocicleta atenderiam ao requisito) e, tampouco, comprometera sua economicidade, com o segundo colocado ofertando proposta final inferior à da primeira colocada. Nesse sentido, entendeu o relator – preservados os princípios da eficiência, da impessoalidade e do desenvolvimento sustentável – pela convalidação da licitação, sem prejuízo da emissão de determinação à ECT para que, nas futuras licitações, “faça constar dos editais, no que se refere a consumo e emissão de poluentes, exigências tecni-camente embasadas, que possam ser objetivamente avaliadas, sem a imposição de restrições a tecnologias que possam oferecer níveis compatíveis com os parâ-metros pretendidos pela empresa”. O Plenário do TCU, acolhendo a proposta da relatoria, julgou parcialmente procedente a representação, revogando a cautelar

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concedida e expedindo a determinação sugerida (Acórdão nº 2.297/2013-Plená-rio, Processo nº 003.663/2013-2, Rel. Min. Benjamin Zymler);

Recomendação ao Senac/MS no sentido de que adote critérios de sustentabilida-de na aquisição de bens, materiais de tecnologia da informação, bem como na contratação de serviços ou obras, conforme disposto na Decisão Normativa/TCU nº 108/2010, na Instrução Normativa/SLTI-MP nº 1/2010 e na Portaria/SLTI-MP nº 2/2010 (Acórdão nº 5.804/2013-2ª Câmara, Processo nº 046.616/2012-8);

Sustentabilidade. O TCU deu ciência ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense sobre impropriedade caracterizada pela não adoção de forma integral pelo IFF, em relação à sustentabilidade ambiental na aquisi-ção de bens e serviços, de quesitos como a preferência pela aquisição de pro-dutos com menos consumo de matéria-prima e maior quantidade de conteúdo reciclável, exigência de certificação ambiental por parte das empresas partici-pantes, preferência nas aquisições de bens/produtos reciclados, preferência das aquisições de bens/produtos passíveis de reutilização, reciclagem ou reabaste-cimento, o que afronta o disposto no Decreto nº 5.940/2006 e Instruções Nor-mativas/MPOG nºs 01 e 02/2010 (Acórdão nº 6.195/2013-2ª Câmara, Processo nº 028.280/2011-3);

Acordam os Ministros do Tribunal de Contas da União, reunidos em Sessão do Plenário, ante as razões expostas pelo Relator, em: […] 9.1. recomendar ao Mi-nistério do Planejamento, Orçamento e Gestão que apresente, em 90 (noventa) dias, um plano de ação visando a orientar e a incentivar todos os órgãos e en-tidades da Administração Pública Federal a adotarem medidas para o aumento da sustentabilidade e eficiência no uso de recursos naturais, em especial energia elétrica, água e papel, considerando a adesão do País aos acordos internacionais: Agenda 21, Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima e Processo Marrakech, bem como o disposto na Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009, na Lei nº 9.433, de 8 de janeiro de 1997, na Lei nº 10.295, de 17 de outubro de 2001, no Decreto nº 5.940, de 25 de outubro de 2006, e na Instrução Normativa SLTI/MP nº 1, de 19 de janeiro de 2010; 9.2. determinar à Segecex que estude, em conjunto com a 8ª Secex, a viabilidade de incluir, nos normativos que vierem a tratar das próximas contas da Administração Pública Federal, infor-mações adicionais sobre a execução de medidas pertinentes à sustentabilidade, à luz dos temas tratados no presente relatório de auditoria, bem como que avalie a possibilidade de consolidar essas informações, a fim de fazer parte das Contas do Governo; 9.3. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que institua sistemática que permita que as economias alcançadas com a imple-mentação de ações visando ao uso racional de recursos naturais revertam em benefícios dos órgãos que as adotarem, a exemplo de minuta de portaria nesse sentido no âmbito do Programa de Eficiência do Gasto; 9.4. recomendar ao Mi-nistério do Meio Ambiente, ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e à Eletrobras, no que lhe competem, que:

9.4.1. ampliem a divulgação de seus respectivos programas – A3P, PEG e Procel EPP – perante a Administração Pública Federal, informando sobre o apoio presta-do e sobre a existência de banco de dados contendo boas práticas bem como dis-ponibilizem links de acesso, em suas respectivas páginas na internet, dos outros dois programas de apoio e de outros sites com informações sobre práticas susten-

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táveis; 9.4.2. retomem as iniciativas visando implementar o Projeto Eficiência e Sustentabilidade na Esplanada dos Ministérios, tendo em vista sua importância na criação de bases para a implementação de uma política coordenada, mais abran-gente e de longo prazo voltada para sustentabilidade e eficiência em toda a Admi-nistração Pública Federal; 9.4.3. avaliem a estrutura, respectivamente, da Agenda Ambiental da Administração Pública, do Programa de Eficiência do Gasto e do Subprograma Procel Eficiência Energética em Prédios Públicos, visando dotá-los das condições necessárias para fomentar a adoção de ações voltadas para o uso racional de recursos naturais na Administração Pública Federal; 9.4.4. atuando de forma conjunta e coordenada, disponibilizem na internet relação organizada de todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal, contendo in-dicadores de consumo de água, energia e papel per capita, com a apresentação detalhada de casos de sucesso na implementação de medidas que geraram eco-nomias no uso racional de recursos e a publicação de parâmetros de consumo de energia, água e papel per capita, específico por natureza de edificação pública federal; 9.5. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, à Eletrobras e à Secretaria do Tesouro Nacional que se articulem para buscar compatibilizar as iniciativas de desenvolvimento de seus respectivos softwares de acompanhamento de gestão, de forma a não duplicar esforços, analisando a possibilidade de unificar suas funcionalidades; 9.6. recomendar à Eletrobras que promova a divulgação, no âmbito do Procel EPP, da Reserva Global de Reversão e da parcela de recursos oriundos da Lei nº 9.991, de 2000, como fontes de fi-nanciamento para ações de eficiência energética para o Poder Público; 9.7. reco-mendar à Eletrobras e ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que busquem soluções para que os recursos da Reserva Global de Reversão possam ser utilizados para financiar ações de eficiência energética nos prédios públicos federais; 9.8. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que incentive os órgãos e instituições públicas federais a adotarem um modelo de gestão organizacional estruturado na implementação de ações voltadas ao uso racional de recursos naturais, a exemplo das orientações fornecidas pelos Pro-gramas A3P, PEG e Procel EPP; 9.9. recomendar ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão que incentive os órgãos e instituições públicas federais a implantarem programas institucionais voltados ao uso racional de recursos na-turais, inclusive prevendo designação formal de responsáveis e a realização de campanhas de conscientização dos usuários (Acórdão nº 1.752/2011-Plenário, Processo nº 017.517/2010-9, Rel. Min. André de Carvalho);

Diante da legislação ambiental, em especial a que disciplina o correto manejo florestal, e considerando que a comprovação da procedência legal da madeira é condição necessária para sua comercialização, a exigência de atestado de cer-tificação ambiental quanto à madeira utilizada não compromete, em princípio, a competitividade das licitações públicas. Representação acerca de possíveis irregularidades em pregão eletrônico promovido pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), com o objetivo de contratação de empresa para forne-cimento de mobiliário, apontara possível restrição à competitividade do certame. A limitação decorreria, dentre outros aspectos apontados na inicial, da exigência de que a empresa fornecedora apresentasse, como critério de habilitação técnica, atestado de certificação ambiental para a madeira dos mobiliários, conforme a Instrução Normativa nº 01/2010, do Ministério do Planejamento, Orçamento e

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Gestão. Em juízo de mérito, realizadas as oitivas regimentais após concessão da cautelar pleiteada pelo representante, o relator – ao tempo em que entendeu ade-quado o exame da unidade instrutiva no que respeita à ausência de justificativas quanto à exigência exclusiva de certificados, ante a faculdade de apresentação de outros meios de atestação de conformidade da origem da madeira – mani-festou ceticismo quanto à afirmação de que o requisito em tela tenha frustrado a competitividade da licitação. Com efeito, registrou o relator que “perante a vasta legislação ambiental vigente, em especial a que disciplina o correto ma-nejo florestal, entendo que as empresas moveleiras, em sua maioria, possuem condições de atender a tal exigência, uma vez que a procedência legal da ma-deira é condição sine qua non para produzirem, sob pena de serem punidas nos termos da lei”. Ademais, anotou que a Administração não pode “ignorar a nova redação dada pela Lei nº 12.349/2010, ao art. 3º da Lei de Licitações, que coloca a sustentabilidade como parte do problema a ser considerado nas contratações públicas”. E que a UFCG, ao exigir a atestação da madeira na condição de con-sumidor final, “cumpre seu papel na busca do uso sustentável das florestas brasi-leiras; ao mesmo tempo em que contribui, diretamente, com a Política Nacional do Meio Ambiente, no que concerne ‘à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equi-líbrio ecológico’ (art. 4º, inciso I, da Lei nº 6.938, de agosto de 1981)”. Nesse sentido, “a Administração Pública pode contribuir fortemente para a preservação do meio ambiente. Com influência expressiva na economia nacional, as compras governamentais mostram-se importantes indutores da política ambiental brasi-leira”. Em vista disso, concluiu o relator que “considerando o rigor da legislação ambiental vigente, para o correto manejo florestal no Brasil, e ante as informa-ções trazidas aos autos, a exigência ora questionada não foi fator decisivo para a restrição a competitividade do certame”. O Plenário, acolhendo a proposta do relator, considerou procedente a Representação ante as demais irregularidades evidenciadas nos autos, fixando prazo para que a UFCG anulasse o certame e determinando à entidade que, em se reeditando a licitação impugnada, evite dis-posições editalícias que comprometam a competitividade da licitação (Acórdão nº 2.995/2013-Plenário, Processo nº 019.848/2013-7, Rel. Min. Valmir Campelo);

A realização de processo de licitação sem a observância de critérios de sus-tentabilidade ambiental contraria o disposto na Instrução Normativa SLTI-MP nº 1/2010 (Acórdão nº 711/2014-1ª Câmara);

Recomendação à 15ª SRPRF/RN no sentido de que adote critérios que promovam a sustentabilidade ambiental e o uso de recursos renováveis em sua gestão e em suas licitações, em observância ao que estabelece o art. 3º da Lei nº 8.666/1993, o Decreto nº 7.745/2012, a Decisão Normativa/TCU nº 108/2010, a IN/SLTI-MP 1/2010 e a Portaria/SLTI-MP nº 2/2010, item 1.7.3.1 (Acórdão nº 1.199/2014-2ª Câmara, Processo nº 024.323/2013-6).

CONCLUSÃO

A Constituição de 1988 e a legislação que se lhe seguiu vêm estabele-cendo compromissos da sociedade e do estado com a sustentabilidade, ou seja,

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com o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. As mais recentes inovações legislativas, desdobrando as incumbências que o art. 225, § 1º, da Carta Fundamental assina aos poderes públicos, deixam claro que a es-tes cabe papel essencial no cumprimento desses compromissos, na medida em que é o estado um dos maiores, senão o maior, dos contratantes permanentes de produtos, serviços e obras, tanto que se estima em 16% do PIB (Produto Interno Bruto) a participação de todos os contratos celebrados por órgãos e entidades estatais e paraestatais na economia do País, o que giraria em torno dos R$ 320 bilhões ao ano.

A questão ambiental insere-se, cada vez mais, nas atividades relativas ao sistema produtivo e à administração das organizações, impossibilitando disso-ciar as variáveis ambientais de suas decisões estratégicas. Pontos de tensão são inevitáveis na aplicação e interpretação de princípios e normas, dos quais de-corram requisitos de sustentabilidade a serem observados na atuação de órgãos e entidades integrantes da Administração Pública, bem assim das sociedades empresárias.

Esses pontos de tensão geram conflitos que vêm sendo judicializados em progressão geométrica, sobretudo mediante ações civis públicas propostas pelo Ministério Público. Basta referir que demandas versando sobre danos e direitos ambientais, distribuídas aos Juízos e instâncias do Judiciário fluminense, apresentam a seguinte evolução: em toda a década de 1970, foram aforadas três ações; na de 1980, seis ações; na de 1990, 74 ações; na primeira década do novo século, 2.759 ações; só em 2011, 1.627 ações. Daí a relevância de se conhecer o desenvolvimento dos princípios e normas de sustentabilidade e suas implicações, inclusive no plano das responsabilidades civil, administrativa e penal, seja para evitá-las, reduzi-las ou operar os seus efeitos e consequências.

Duas lições desde logo se insinuam: 1ª) a pergunta inteligente não é a que indaga qual o custo da sustentabilidade, mas sim qual o custo de ignorá--la; 2ª) a de que, ao contrário do que imaginavam os economistas clássicos, não é a oferta que produz a demanda, porém esta é que condiciona aquela. As respostas a essas inquietações, quase nunca prontas ou em elaboração, estão, literalmente, a mudar a face do planeta, para o bem ou para o mal. O Judiciário fluminense está a cumprir a parte que lhe cabe.

Clipping Jurídico

Servidor pode acompanhar cônjuge aprovado em concurso de remoção

A 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) determinou a remoção de um servidor para a cidade de Vitória, no Espírito Santo, para seguir a companheira, tam-bém servidora, transferida após a participação em concurso de remoção da Procuradoria da Fazenda Nacional. A União argumentou que a remoção da companheira do autor, procuradora federal, para o estado do Espírito Santo não se deu por interesse da Admi-nistração, mas a pedido. Por isso, seria incabível também a remoção do cônjuge. No TRF3, o Desembargador Federal Hélio Nogueira, Relator do acórdão, considerou que a remoção da companheira ocorreu, sim, no interesse da Administração. O magistrado verificou que ela participou de concurso de remoção aberto para preenchimento de va-gas na Procuradoria Federal do Espírito Santo e que, segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a manifestação da Administração para o preenchimento dessas vagas demonstra necessidade de interesse público. Na decisão, o desembargador citou a jurisprudência do STJ sobre o assunto: a manifestação da Administração, ao oferecer vaga a ser ocupada por critério de remoção, acaba revelando que tal preenchimento é de interesse público, pois tem por objetivo adequar o quantitativo de servidores às neces-sidades dos órgãos e unidades administrativas (STJ, REsp 1.294.497/RN). Ele explicou, ainda, que, de acordo com o art. 36, inciso III, letra a, da Lei nº 8.112/1990, a remoção a pedido para outra localidade poderá ocorrer para acompanhar cônjuge ou companheiro, também servidor público civil ou militar, de qualquer dos Poderes da União, dos Esta-dos, do Distrito Federal e dos Municípios, que foi deslocado no interesse da Administra-ção. Assim, como o desembargador considerou que a remoção da companheira ocorreu no interesse da Administração, ele manteve a decisão de 1º grau autorizando também a remoção do cônjuge. Nº do Processo: 0023349-85.2015.4.03.0000. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Tribunal garante à candidata acesso a provas de vestibular e a planilhas de correção

A 5ª Turma do TRF da 1ª Região, por unanimidade, negou provimento à remessa oficial (também conhecida como reexame necessário ou duplo grau obrigatório, um instituto do CPC que exige que o juiz encaminhe o processo para o tribunal, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum ente público) da sen-tença, da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado da Bahia, que, nos autos do mandado de segurança impetrado por uma estudante contra ato do Reitor da Universi-dade Federal da Bahia, ora impetrado, confirmou a liminar e concedeu a segurança para determinar que os impetrados deem acesso à estudante aos documentos relacionados às provas da segunda fase do vestibular realizadas pela autora. Ao analisar o caso, o Relator, Desembargador Federal Souza Prudente, esclareceu que a sentença garantiu à impetrante acesso às provas de Português e de História realizadas e aos respectivos espelhos de correção referentes à 2ª etapa do exame vestibular para o curso de Direito, do qual a candidata participou de modo a possibilitar a ela eventual interposição ou não de recurso à banca examinadora pertinente à avaliação realizada. O magistrado desta-cou que a instituição de Ensino Superior, ao negar à impetrante acesso às provas por ela realizadas, bem assim aos espelhos de correção, violou o princípio fundamental da publicidade e o direito subjetivo público da impetrante de obter informações de reparti-ções públicas visando à defesa de seus direitos e ao esclarecimento de situações de seu interesse pessoal. O desembargador concluiu que, em hipóteses como esta, a orientação jurisprudencial é no sentido de que se deve preservar a situação de fato consolidada com o deferimento do pedido, garantindo à impetrante o acesso às provas e às planilhas de

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correção. Deste modo, o Colegiado, acompanhando voto do relator, negou provimen-to à remessa oficial para manter a sentença em todos os seus termos. Nº do Processo: 0021191-13.2012.4.01.3300. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Comissão aprova presença dos pais como condição para receber Bolsa Família

A Comissão de Educação da Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei da deputada Geovania de Sá que condiciona o recebimento do benefício do Programa Bolsa Família à participação dos pais ou responsáveis legais em, no mínimo, uma reunião por semestre de pais e mestres na escola. O texto (PL 3.994/2015) altera a lei que criou o Bolsa Família (10.836/2004). A proposta recebeu parecer favorável da Relatora, Deputada Professora Dorinha Seabra Rezende. A mesma exigência mínima de participação em reuniões da escola será cobrada dos pais ou responsáveis dos demais estudantes brasileiros, segundo mudança proposta na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB – Lei nº 9.394/1996). A determinação foi incluída por emenda da relatora no projeto original. Dorinha Rezende elogiou o projeto original de Geovania de Sá. Além de constituir uma valiosa oportuni-dade para estabelecer sintonia com a proposta pedagógica da escola e para ter contato com o que está sendo ensinado aos alunos, a participação dos pais é sempre uma garan-tia de continuidade das ações em curso na instituição, disse a relatora. O texto aprovado estabelece que o regulamento disporá sobre a ausência justificada dos pais ou respon-sáveis legais, por motivos de força maior, em reuniões de pais e professores na escola, como questões de saúde ou negação de dispensa por parte do empregador. Atualmente, o programa exige da família, como condição para receber o benefício social, o exame pré-natal, o acompanhamento nutricional dos filhos, o acompanhamento de saúde e a frequência escolar de 85%. O projeto original substitui esta última condicionalidade pela presença dos pais na escola. Dorinha Rezende apresentou emendas que objetivam aperfeiçoar a Lei do Bolsa Família. Uma delas obriga a frequência escolar mínima de 75% para adolescentes como condição para recebimento do benefício variável destina-do a famílias que se encontrem em situação de pobreza ou extrema pobreza. O valor do benefício é composto por duas parcelas, conforme a renda e a composição da família: a básica, concedida independentemente do tamanho da família, e a variável, direcionada às famílias que tenham criança ou adolescente de até 15 anos, mulheres grávidas ou amamentando. A frequência escolar de 85% foi excluída da lei no parecer, mas está presente no decreto que regulamenta o programa social (Decreto nº 5.209/2004). O pro-jeto tramita em caráter conclusivo e será analisado ainda pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Reconhecida responsabilidade do Estado de São Paulo por dívida da Vasp com a União

O Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou procedente em parte pedido do Estado de São Paulo para evitar que seja retido repasse de recursos pela União em decorrência de dívidas da antiga Viação Aérea São Paulo (Vasp). Na Ação Cível Originária (ACO) nº 776, a decisão impede a execução de parte da dívida, po-rém reconhece a validade e possibilidade de retenção de parte do débito, equivalente a US$ 260 milhões em valores de 1990. Foi reconhecida a parte do débito renegociada em contrato realizado em 26 de setembro de 1990, poucos dias antes da privatização da companhia, ocorrida em 1º de outubro daquele ano. O contrato de renegociação foi

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firmado com o objetivo de equalizar dívidas anteriores e possibilitar refinanciamento de outras pela União, visando tornar a empresa atrativa para o setor privado. Por ostentar a condição de fiador, o Estado de São Paulo acabou assumindo responsabilidade solidária direta da dívida. Contudo, o Ministro Gilmar Mendes observou que a cláusula segunda do contrato, relativo à incorporação de novos financiamentos ao saldo devedor, cria óbi-ce à execução de parte da dívida. Isso porque determina o repasse de benefícios even-tualmente obtidos pela União de renegociações com credores externos. Tais descontos foram obtidos pela União mas não repassados ao saldo devedor, o que torna a dívida ilíquida para fim de cobrança. “É o caso de declarar-se que o valor do saldo devedor, o qual pode ser objeto de retenção (por ser certo, líquido e exigível), restringe-se ao refi-nanciamento da obrigação principal assumida em 26 de setembro de 1990, consubstan-ciada na dívida anteriormente existente, qual seja, US$ 260.619.097,38”, diz a decisão. Porém os acréscimos ao saldo devedor provenientes de financiamentos posteriores à as-sinatura do contrato só obrigam o pagamento pelo fiador caso se tornem líquidos. O mi-nistro também afastou alegação do Estado de São Paulo de que o saldo devedor deveria ser compensado com crédito de R$ 1,5 bilhão da Vasp em relação à União, devido em razão do congelamento de tarifas imposto por planos econômicos passados. O caso está em disputa judicial, e, segundo alega o Estado de São Paulo, o direito já foi reconhecido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1). O ministro do STF considerou a compensação inviável porque o alegado crédito da companhia com a União não ostenta caráter de liquidez. Outro ponto abordado foram os repasses da União que poderiam ser retidos para fim de pagamento de dívida. O ministro considerou válidas as retenções dos recursos do Fundo de Participação dos Estados e aqueles créditos referentes ao Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)-Exportação. Afastou parcelas referentes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) oriundos da Lei Kandir (Lei Comple-mentar nº 87/1996) e da Medida Provisória (MP) nº 237/2005, por ausência de previsão legal. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Obrigatoriedade de fornecimento de medicamentos não contemplados em lista do SUS é tema de repetitivo

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afetou o Recurso Especial nº 1.657.156, da relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, para julgamento pelo sis-tema dos recursos repetitivos. A questão submetida a julgamento trata da obrigatorie-dade de fornecimento, pelo Estado, de medicamentos não contemplados na Portaria nº 2.982/2009 do Ministério da Saúde (Programa de Medicamentos Excepcionais). O tema está cadastrado no sistema dos repetitivos sob o número 106. A seção, com base no art. 1.037, II, do Código de Processo Civil, também determinou a suspensão do an-damento dos 678 processos, individuais ou coletivos, que versam sobre essa questão e que tramitam atualmente no território nacional. Conforme previsto nos arts. 121-A do RISTJ e 927 do CPC, a definição da tese pela Primeira Seção vai servir de orientação às instâncias ordinárias da Justiça, inclusive aos juizados especiais, para a solução de casos fundados na mesma controvérsia. A tese estabelecida em repetitivo também terá impor-tante reflexo na admissibilidade de recursos para o STJ e em outras situações processuais, como a tutela da evidência (art. 311, II, do CPC) e a improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC). O tema pode ser consultado na página de repetitivos do STJ. Nº do Processo: 1657156. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

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Educação rejeita projeto que torna facultativa língua estrangeira para aluno surdo

A Comissão de Educação rejeitou proposta (PL 2.487/2007) que torna facultativo às pes-soas com deficiência auditiva o aprendizado de língua estrangeira, desde que o aluno tenha a opção de estudar, em sua escola, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como parte do currículo escolar. O autor do projeto é o deputado Augusto Carvalho, que considera que o aluno com deficiência auditiva fica com uma sobrecarga linguística desproporcio-nal ao ser obrigatoriamente submetido ao aprendizado, além do conhecimento formal de Libras, da língua portuguesa e de uma língua estrangeira. Mas o Relator, Deputado Eduardo Barbosa, acredita que a medida não seria favorável aos deficientes auditivos, pois os colocaria em posição de desvantagem em relação aos demais alunos ao limitar--lhes o aprendizado de conhecimento tão fundamental no mundo moderno globalizado. O parecer dele foi contrário à proposta. O projeto também já foi rejeitado pelas comis-sões de Seguridade Social e Família e de Defesa dos Direitos das Pessoas com Defi-ciência, e foi arquivado. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Comissão destina para educação metade dos dividendos das estatais

A Comissão de Educação aprovou o Projeto de Lei nº 150/2015, que transfere para o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) 50% da receita do Tesouro Nacional com participações e dividendos pagos pelas empresas estatais, que hoje se destinam à amortização da dívida pública federal. A proposta, do Deputado Félix Men-donça Júnior (PDT-BA), destina os valores à educação pública, desde o ensino básico até o superior, nas três esferas da administração (União, estados e municípios). Também são beneficiados, segundo o projeto, o ensino profissional e tecnológico, bolsas de estudo e programas de financiamento estudantil. O parecer do Relator, Deputado Waldenor Pereira, foi favorável à proposta. Diversificar as fontes de receitas e aumentar os recursos disponíveis para investimentos em educação é uma iniciativa meritória, sob o ângulo das políticas educacionais, disse. A medida vem ao encontro do cumprimento da Meta 20 do Plano Nacional de Educação, que prevê, ao final da década de vigência do Pla-no, 10% do PIB destinados à educação, completou. A proposta altera duas leis: a Lei nº 5.537/1968, que criou o FNDE, e a Lei nº 9.530/1997, que trata do pagamento da dí-vida pública. A primeira norma já prevê uma série de fontes para custear o FNDE – como recursos orçamentários e 30% da receita líquida da loteria esportiva. O FNDE é uma autarquia ligada ao Ministério da Educação que gerencia uma série de programas educa-cionais em áreas como merenda escolar, compra de livros para estudantes e bibliotecas e transporte escolar. O projeto será analisado, em caráter conclusivo, pelas comissões de Finanças e Tributação; e Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Comissão aprova criação de fundo destinado ao transporte urbano de estudantes

A Comissão de Educação aprovou, com emendas, proposta que cria o Fundo Nacional do Passe Livre para garantir a gratuidade no transporte urbano coletivo a estudantes do ensino infantil, fundamental, médio e de graduação nas zonas rural e urbana. O texto aprovado é o do Projeto de Lei (PL) nº 8.023/2014, da Deputada Keiko Ota (PSB-SP) e da ex-deputada Sandra Rosado, com pequenas modificações em razão de emendas. Pelo texto, a gratuidade está assegurada também a acompanhantes de crianças matriculadas em creches ou na pré-escola e de alunos com deficiência. Relator, o Deputado Átila Lira (PSB-PI) defendeu a aprovação do projeto com três emendas. A primeira inclui expli-citamente entre os beneficiários os alunos da educação infantil. A segunda e a terceira

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emendas providenciam apenas ajustes formais no texto. Lira também votou favoravel-mente às emendas de redação aprovadas na Comissão de Desenvolvimento Urbano. O relator lembra que atualmente o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) já executa dois programas voltados para o transporte estudantil, mas que só atendem a estudantes matriculados na educação básica da zona rural. O PNATE (Lei nº 10.880/2004) destina recursos a estados, Distrito Federal e municípios para a manu-tenção do transporte dos alunos da educação básica pública, residentes em área rural. Já o Caminho da Escola permite a renovação da frota com redução de preços dos veículos, e garante o transporte de estudantes da educação básica (primário e fundamental) na zona rural. A Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) não fazem distinção entre o aluno residente em zona urbana e o aluno do campo, observa o relator, concordando com a intenção das autoras de universalizar o benefício a todos os estudantes. Para que seja garantido o tratamento equânime aos estudantes brasileiros, é preciso, de fato, garantir a todos eles o transporte estudantil, diário e gratuito, como condição de acesso e permanência na escola, defendeu Lira. Esse projeto dá suporte ao transporte gratuito de estudantes, de todos os níveis, etapas e modalidades de ensino, também das áreas urbanas, completou. De acordo com o projeto de lei, o Fundo Na-cional do Passe Livre será financiado com recursos do Tesouro Nacional, royalties do petróleo e rendimentos do Fundo Social. O caixa do fundo também poderá ser abasteci-do com recursos de participação e dividendos recebidos pelo Tesouro Nacional das em-presas de economia mista controladas pela União e das instituições financeiras federais, além de quotas da União no chamado salário-educação. O projeto ainda será analisado conclusivamente pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Justiça determina que Estado do Rio de Janeiro faça nova licitação para o serviço de barcas no prazo de dois anos

Os desembargadores da 15ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro decidiram que o governo do Rio de Janeiro deverá realizar, no prazo de dois anos, nova licitação para o serviço de transporte aquaviário. Na decisão, por unanimida-de, os magistrados anularam a licitação realizada em fevereiro de 1998, que resultou no contrato de concessão de serviços entre o Estado e a Barcas S.A. (atual CCR Barcas). A ação civil pública foi proposta pelo Ministério Público, que alegou a existência de irre-gularidades no contrato de concessão, inexecução dos serviços concedidos, autorização indevida de novas linhas de navegação sem licitação, precariedade das embarcações e falta de segurança para os passageiros. Em 1998, a prestação do serviço de transporte marítimo de passageiros e cargas estava sob a responsabilidade da Companhia de Nave-gação do Estado do Rio de Janeiro – Conerj, sociedade de economia mista estadual. Em 1998, o governo do Rio promoveu, através do Programa de Desestatização, a realização da licitação pública do serviço, em que saiu vencedora a empresa Barcas S.A. Em 2012, o Grupo CCR adquiriu 80% do capital da empresa Barcas S.A. e a rebatizou com o nome de CCR Barcas. A Desembargadora Jacqueline Lima Montenegro, Relatora do processo, assinalou em seu voto pelo provimento parcial do apelo, para julgar procedente em parte os pedidos formulados na petição inicial, declarando a nulidade do procedimento de licitação e, consequentemente, do contrato de concessão celebrado pelas partes, com a assunção do serviço pelo Poder Concedente, na forma do disposto no § 2º do art. 35 da Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessões), a partir do trânsito em julgado, determinando, por fim, a realização de novo certame, referente ao mesmo objeto, no prazo máximo

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de 02 (dois) anos, mantida a sentença, quanto ao mais, tal como disposta em sua parte dispositiva. Nº do Processo: 0000838-96.2004.8.19.0001. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro)

Estado responderá por morte de detento com vírus HIV tratado a soro e analgésicos

A 3ª Câmara de Direito Público do TJ responsabilizou o Estado pela morte de um de-tento em decorrência de complicações advindas do vírus HIV e fixou indenização por danos morais ao pai da vítima em R$ 25 mil. O Desembargador Ronei Danieli, Rela-tor da apelação, entendeu que houve negligência dos órgãos que compõem o sistema prisional e os responsabilizou pela morte do sentenciado. O ente estatal não realizou, quando do ingresso do apenado na unidade prisional ou em momento posterior, exame clínico que diagnosticasse o contágio com o vírus HIV, conhecimento que lhe permitiria despender tratamento adequado e individualizado, sustentou. O diagnóstico, acredita, permitiria neutralizar os efeitos do HIV através do uso de medicamentos específicos, de forma a impedir que doenças como a suportada pelo detento, potencializadas pelas más condições do cárcere, se manifestassem em nível tão severo, a ponto de tirar-lhe a vida. Somado a isso, Danieli lembrou ainda a precariedade das instalações prisionais e o descumprimento de preceitos legais que disciplinam ações de prevenção de moléstias contagiosas no ambiente carcerário. O detento, já acometido por doença oportunista (meningite), era tratado apenas com analgésicos e soro fisiológico. Quando finalmente foi conduzido do presídio de Lages para um hospital, faleceu em 10 dias. A Câmara fez questão de registrar, contudo, que a morte por causa natural de um detento não traz obrigação ao Estado de indenizar. Já neste caso, distinguiu, além de não prestar assis-tência médica adequada, o Estado descumpriu seu dever de guarda e permitiu resultado fatal e prematuro que poderia ser evitado. Patente o nexo causal entre a conduta omis-siva do Poder Público e o dano evidenciado, concluiu Danieli. A decisão foi unânime. Nº do Processo: 0305884-83.2014.8.24.0039. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina)

Ministro afasta eficácia de incorporação salarial posteriormente incluída em plano de carreira

O Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), manteve a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que determinou o desconto de percentuais relativos aos Planos Bresser (julho/1987 – 26,06%), Verão (fevereiro/1989 – 26,05%) e Collor (março/1990 – 84,32%), que haviam sido incorporados às remunerações de um grupo de servidores do Ibama por sentença judicial transitada em julgado. No caso em questão, os percentuais foram absorvidos pela modificação da estrutura remuneratória e o enqua-dramento dos celetistas no regime jurídico único dos servidores públicos civis da União (Lei nº 8.112/1990). O ministro concedeu parcialmente o Mandado de Segurança (MS) nº 26280, impetrado pelo Sindicato dos Servidores Públicos Federais do Estado de Rondônia (Sindsef-RO), apenas para desobrigar os servidores de devolverem valores re-cebidos até sua decisão. No mandado de segurança, o Sindsef-RO alegou que a ordem proferida pelo TCU violou o princípio da coisa julgada, tendo em vista que a vantagem foi incorporada aos vencimentos por sentença judicial transitada em julgado, que não deu margem a interpretações nem impôs qualquer limite de tempo para o recebimento dos percentuais referentes aos planos econômicos, que foram fixados de forma permanente. Segundo entendimento do TCU, a determinação não afronta a coisa julgada porque os valores não se incorporam aos salários dos servidores, tendo natureza de antecipação

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salarial. Segundo observou o TCU, não consta da sentença qualquer determinação de que as parcelas sejam pagas mesmo após o subsequente reajuste salarial. Além disso, não há direito adquirido a regime de vencimentos, motivo pelo qual uma vantagem sa-larial relativa ao regime celetista não se estende ao posterior enquadramento do servidor como estatutário. Em sua decisão, o Ministro Fachin citou precedentes (MS 25430 e RE 596663), nos quais o STF reconheceu que a controvérsia em exame não se refere ao alcance da coisa julgada, mas sim à eficácia temporal da sentença. Nesse caso, ao reco-nhecer a existência, a inexistência ou o modo de ser das relações jurídicas, a sentença leva em consideração as circunstâncias de fato e de direito presentes no momento em que é prolatada. Com isso, por se tratar de relação jurídica de trato continuado, a eficácia temporal da sentença permanece enquanto se mantiverem inalterados esses pressupos-tos fáticos e jurídicos que lhe serviram de suporte (cláusula rebus sic stantibus), perdendo sua eficácia quando é incorporada à remuneração ou à relação jurídica. “No caso dos autos, tendo havido modificação da estrutura remuneratória dos servidores do Ibama, a decisão que lhes favoreceu deveria ter produzido efeitos somente durante a vigência do regime jurídico anterior. Com a mudança de regime, não é possível manter o pagamento de vantagem econômica sem qualquer limitação temporal. Nos termos dos precedentes indicados nesta decisão, aos servidores substituídos pelo sindicato impetrante deve-se reconhecer apenas o direito à irredutibilidade do valor nominal da remuneração, excluí-das, tal como indicou o ato impugnado, as parcelas que foram posteriormente incorpora-das à remuneração em virtude de alterações legislativas”, afirmou o Ministro Fachin em sua decisão. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Projeto institui perda de cargo de servidor por mau desempenho

Servidores públicos estáveis – aqueles que já passaram pelo estágio probatório e foram aprovados – poderão perder seus cargos caso tenham mau desempenho no trabalho. É o que propõe a Senadora Maria do Carmo Alves, que apresentou o Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 116/2017. Se aprovada a proposta, servidores públicos municipais, estaduais e federais terão seu desempenho aferido semestralmente e, caso recebam no-tas inferiores a 30% da pontuação máxima por quatro avaliações consecutivas, serão exonerados. Também perderá o cargo aquele que tiver desempenho inferior a 50% em cinco das últimas 10 avaliações. O projeto garante aos servidores o direito de pedir a re-consideração das notas, bem como de apresentar recurso ao órgão máximo de gestão de recursos humanos da instituição em que trabalha. Eventual exoneração ocorrerá apenas após processo administrativo, instaurado depois das primeiras avaliações negativas, com o objetivo de auxiliar o avaliado a identificar as causas da insuficiência de desempenho e superar as dificuldades encontradas. A Senadora Maria do Carmo, na justificativa do projeto, ressalta que deve ficar claro que não se trata aqui de punir os bons servidores, que merecem todo o apoio legal para bem cumprir seu mister. Trata-se de modificar o comportamento daqueles agentes públicos que não apresentam desempenho suficiente, especificamente daqueles que recebem ajuda da chefia imediata e do órgão de recursos humanos da sua instituição, mas, mesmo assim, optam por permanecer negligentes. A matéria será analisada pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) e pela Comissão de Assuntos Sociais (CAS). Nessa última, deve receber decisão terminativa: se aprovada, não precisará ser votada em Plenário e poderá seguir para a Câmara dos Deputados. (Conteúdo extraído do site do Senado Federal)

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Tribunal suspende efeitos da lei estadual que criou 800 cargos comissionados

Por unanimidade, a Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) concedeu medida cautelar para suspender artigos da Lei Estadual nº 19.611/2017, que recriaram 800 cargos comissionados no âmbito do Poder Executivo. A votação foi re-alizada em sessão ordinária, após apresentação do voto pelo Relator, Desembargador Carlos Alberto França. Em fevereiro deste ano, o Governador do Estado, Marconi Perillo, encaminhou à Assembleia Legislativa projeto de lei para alterar a Lei nº 17.275/2011, a fim de incluir a Fundação Previdência Complementar do Estado de Goiás (Prevcom) no rol de entidades da administração indireta, vinculadas à Secretaria do Estado da Fazen-da. Contudo, durante o trâmite, o Deputado Francisco Oliveira acrescentou os artigos a respeito dos cargos de provimento em comissão, anteriormente extintos. Proposta pelo procurador-geral de Justiça do Estado de Goiás, Benedito Torres, a ação direta de incons-titucionalidade apontava erros formais na normativa, sancionada em março deste ano, divergindo completamente da intenção original do projeto. Ao analisar os autos, França destacou que o tema inserido importou em despesas ao erário estadual e em transbor-damento da competência legislativa do parlamento estadual. Segundo a normativa im-pugnada, foram criados 102 cargos de lotação na Casa Militar da Governadoria, 150 cargos para o Departamento Estadual de Trânsito e 548 cargos destinados à Secretaria de Gestão e Planejamento, para atuação no Vapt Vupt. No voto, o magistrado relator frisou, contudo, que não constam dos dispositivos as atribuições administrativas dos cargos de provimento em comissão criados, se de direção, chefia ou assessoramento. Dessa forma, o magistrado considerou presentes os elementos para concessão da liminar, tida como instrumento judicial rápido: há o fumus boni iuris, pelo embasamento das alegações, e o periculum in mora, configurado pelo risco da demora, já que a lei, recentemente pro-mulgada, implica em gastos à Administração Pública se os cargos forem preenchidos. A mesma lei foi objeto de ação popular, ajuizada pelo cidadão Júnior César Bueno. Na 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual de Goiânia, a Juíza Suelenita Soares Correia deferiu parcialmente liminar determinando a suspensão da nomeação dos 800 cargos, em deci-são proferida no dia 19 do mês passado. Na petição, foi alegado que os custos das con-tratações teriam impacto de R$ 1,5 milhão aos cofres públicos. Na ocasião, a magistrada também entendeu que a emenda aditiva, de autoria do deputado Francisco Oliveira, não foi elaborada segundo procedimento legislativo previsto na Constituição. Veja decisão da Corte Estadual. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás)

Estado deve pagar R$ 70 mil para mãe que teve filha morta por tiro de policial

O Estado do Ceará foi condenado a pagar R$ 70 mil de reparação por danos morais para uma mãe que teve a filha, então com oito anos, baleada durante ação policial. A decisão é da Juíza Nádia Maria Frota Pereira, respondendo pela 10ª Vara da Fazenda Pública de Fortaleza. A magistrada considerou demonstrada e provada a responsabilidade do reque-rido pelo dano sofrido pela autora. Segundo os Autos (nº 0860766-53.2014.8.06.0001), em 25 de janeiro de 2012, por volta das 17h, no bairro Conjunto Ceará, na Capital, a menina foi vítima de disparo de arma de fogo efetuado por policial militar. Ele estava de folga no dia, mas, ao tomar conhecimento de que sua irmã fora vítima de assalto, saiu em busca do criminoso. Ao avistá-lo, identificou-se como policial e passou a efetuar dispa-ros contra o assaltante, em via pública e com arma da corporação. Um dos tiros atingiu a garota, que faleceu. Por conta dos danos sofridos, a mãe da vítima ingressou na Justi-ça requerendo condenação ao pagamento de indenização por danos morais. O Estado apresentou contestação alegando ausência de responsabilidade civil no ocorrido, uma

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vez que o fato foi cometido por policial militar no período de folga. Ao analisar o caso, no entanto, a juíza explicou que, embora o agente público estivesse de folga naquele dia, no momento da perseguição identificou-se como policial militar e utilizou arma pertencente ao Poder Público, valendo-se, portanto, da condição de agente público. Desta forma, há uma relação causal entre a atuação do policial na qualidade de agente estatal e o fato gerador do dano experimentado pela autora. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará)

Ensino Médio pelo Telecurso 2000 não impede matrícula em universidade pelo sis­tema de cotas

A 5ª Turma do TRF da 1ª Região, por unanimidade, negou provimento à apelação inter-posta pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) contra a sentença, da 1ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Uberaba/MG, que concedeu a segurança para determinar a matrícula ao aluno, parte autora, no primeiro semestre do curso de Educa-ção Física na universidade, pelo sistema de cota social (hipossuficiência), após concluir o Ensino Médio através do programa Telecurso 2000. Em suas razões, a universidade alegou que o Senai é parceiro do Telecurso 2000 e não fornece o curso de maneira gratuita. Pelo fato de não ser uma entidade pública, não se pode afirmar que o apelado não tenha cursado o Ensino Médio integralmente em escolas públicas. Sustentou que, com relação ao princípio da proporcionalidade, usado como fundamento para embasar a sentença, tal argumento não pode afastar a aplicação da Lei nº 12.711/2012, que é clara no sentido de que somente poderão concorrer às vagas reservadas aos candidatos egressos de escolas públicas os estudantes que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas, em cursos regulares ou no âmbito da modalidade de Edu-cação de Jovens de Adultos, o que não é o caso do impetrante. Ao analisar o caso, o Relator, Juiz Federal Convocado Henrique Gouveia Cunha, esclareceu que, conforme os autos, o impetrante concorreu e se classificou em 33º lugar no curso de Educação Física pela ação afirmativa Grupo 1 (candidatos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas, com renda familiar bruta per capita igual ou inferior a 1,5 salário-mínimo, que tenham cursado integralmente o Ensino Médio em escolas públicas), destinados às vagas pelo sistema de cotas, mas teve o requerimento indeferido, sob o fundamento de que não teria cumprido a exigência de ter cursado o Ensino Médio integralmente em escola pública. O magistrado asseverou que a reserva de vagas pelo sistema de cotas visa resguardar o acesso à educação aos alunos economicamente hipossuficientes, integrantes de uma suposta minoria excluída, de modo que lhes seja possibilitado o ingresso à universidade pública, como forma de democratização do Ensino Superior no País. Trata-se, pois, de um conjunto de ações afirmativas que buscam a promoção da igualdade efetiva segun-do a visão aristotélica, que consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade. O magistrado destacou, porém, que o can-didato concluiu parte do Ensino Médio na modalidade Educação Jovens e Adultos (EJA) pelo Centro Estadual de Educação Continuada (Cesec), escola mantida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, com certificado válido em todo o território nacional. Pos-teriormente, concluiu apenas duas matérias do Ensino Médio pelo Telecurso, e teve o histórico escolar emitido pelo Senai/FIEMG, entidade sem fins lucrativos. Como somente duas matérias do Ensino Médio foram concluídas através do Telecurso, tal fato apenas confirma o estado de hipossuficiência do apelado, não se mostrando razoável impedir o acesso ao Ensino Superior. Diante do exposto, o Colegiado acompanhando o voto do relator, negou provimento à apelação, devendo ser mantida a sentença que concedeu a segurança, uma vez que o pedido formulado nos autos encontra-se em sintonia com

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o exercício do direito à educação, conforme previsão constitucional. Nº do Processo: 0001801-64.2016.4.01.3802. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Negada liminar sobre pagamento de gratificações a servidores da Comurg

O Juiz substituto em segundo grau Marcus da Costa Ferreira negou liminar ao Sindicato dos Empregados nas Empresas de Asseio, Conservação, Limpeza Pública e Ambiental, Coleta de Lixo e Similares do Estado de Goiás (Seacons-GO). O sindicato pretendia derrubar medida cautelar imposta pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) que determina que o Município de Goiânia não pague mais gratificações aos funcionários da Comurg nem repasse contribuição sindical ao Seacons-GO. Segundo consta da medida cautelar deferida pelo TCM, a vereadora Priscila Tejota apresentou solicitação de audito-ria na Comurg por supostas irregularidades relacionadas aos pagamentos feitos por meio de Convenções Coletivas de Trabalho (CLT) entre a companhia e o Seacons. O pedido da parlamentar foi apresentado em sessão da Câmara de Vereadores. Após ser acionado, o TCM realizou auditoria e constatou várias irregularidades na Comurg, como: aumento de remuneração de alguns funcionários, por meio de CLT e Acordos Coletivos de Tra-balho; concessão de quinquênios em desacordo com a Constituição; incorporação de gratificações com apenas um ano de trabalho; disposição de funcionários da empresa municipal para entidade de classe; concessão de tratamento privilegiado a determinados grupos de empregados; além de repasses de recursos públicos indevidos à entidade sin-dical. O relator do caso no TCM, conselheiro Daniel Goulart salientou que o Seacons, o Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação (Seac-GO) e Comurg realizaram vários acordos que obrigavam o ente público a pagar gratificações de horas extras para diri-gentes sindicais; pagar 3% do valor bruto da folha de pagamento nos meses de julho e novembro de 2016 ao Seacons, além de gratificações para dirigentes sindicais e demais empregados. O TCM apontou que o Município de Goiânia destinou verba à Secretaria Municipal de Infraestrutura e Serviços Públicos (atual supervisor da Comurg) para o exer-cício financeiro de 2016, de mais de R$ 1 bilhão, e, desta quantia, R$ 359 milhões foram destinados com exclusividade à coleta de lixo. Segundo o TCM, na auditoria constatou--se também que, ao fazer análise da folha de pagamento da Comurg, se verifica que a remuneração de funcionários que recebem supersalários era composta por vencimento base, quinquênio, gratificação de função e gratificação incorporada. Como exemplo, o órgão acostou aos autos exemplos de remuneração recebida por alguns funcioná-rios. Eles recebiam até R$ 1 mil de salário mais gratificação adicional – quinquênio de R$ 9 mil, gratificação de função de R$ 3 mil, gratificação incorporada de R$ 6 mil e adicional de assiduidade de R$ 62,00. Com isso, segundo apurado pelo órgão, a remu-neração bruta chegava a R$ 21.341,67. Daniel Goulart ponderou que a remuneração correspondente aos quinquênios, que deveria incidir sobre o salário base do empregado, era muito superior à sua própria base de cálculo. Os quinquênios mais vultosos foram concedidos apenas a uma pequena parte de servidores da Comurg, principalmente li-gada à administração da companhia e ao sindicato dos empregados, ressaltou. Após a conclusão da auditoria, o TCM determinou, em medida cautelar, que a Prefeitura de Goiânia e a Comurg deixassem de permitir qualquer tipo de incorporação de gratifi-cações aos empregados da Comurg, não repassassem qualquer tipo de pagamento a título de contribuição sindical assistencial patronal e confederativa patronal ao sindicato. Além do Seacons não poder mais firmar acordos de Convenção Coletiva de Trabalho ou auditar os atuais vigentes. Por isso, a entidade sindical ajuizou mandado de segurança com pedido de liminar no Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) requerendo a suspensão

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da medida cautelar do TCM para que o município voltasse a repassar os valores como eram feitos anteriormente e também mantivesse o pagamento das gratificações. Marcus Ferreira, juiz em substituição na 3ª Câmara Cível do TJGO, ao analisar o caso, salientou que a medida liminar só pode ser concedida quando há urgência e quando esta possa re-sultar em ineficácia da medida caso venha a ser deferida ao final, o que não é o caso. O magistrado pontuou ainda que não vislumbro relevância de urgência dos pedidos feitos na ação, pois, a princípio, há indícios de irregularidades na concessão das gratificações e incentivos funcionais recebidos pelos funcionários do órgão, fato que refuto a presunção de que as verbas são pagas com suporte válido, finalizou. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás)

Ministro determina prorrogação de convênios entre União e RR para fiscalização em fronteira

O Ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a prorro-gação de contratos firmados entre a União e o Estado de Roraima para fiscalização na faixa de fronteira com a atuação das forças de segurança pública e defesa social. Com os contratos, serão liberados recursos com a finalidade de fortalecer a presença de ór-gãos que compõem o Sistema Estadual de Segurança Pública (Sesp) de Roraima, nos municípios fronteiriços de Bonfim, Caracaraí, Normandia, Paracaima e Rorainópolis. No pedido de tutela de urgência solicitado na Ação Cível Originária (ACO) nº 2521, o Esta-do de Roraima ressalta que os convênios foram firmados com a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), órgão do Ministério da Justiça (MJ). Alega obrigatoriedade de prorrogação de ofício dos convênios firmados com a Administração Pública, quando a própria administração der causa ao atraso na liberação de recursos. Salienta que, além do atraso no repasse de recursos, outras ações da União comprometeram a execução dos convênios, a exemplo da demora pelo período de 12 meses para responder ao pedido de ajuste do plano de trabalho solicitado pelo Estado de Roraima. O autor da ACO alega que a conduta da União viola o princípio da obrigatoriedade do contrato, previsto no art. 66 da Lei nº 8.666/1993 e no art. 43, inciso VI, da Portaria Interministerial nº 507/2011, tendo em vista que não houve prorrogação de ofício por parte da União. O Ministro Gilmar Mendes considerou que, no caso, há potencial existência de conflito federativo e, por essa razão, reconheceu a competência do Supremo para analisar a ação. De acordo com ele, a pretensão das partes pode atingir de forma grave a pres-tação de serviço de segurança pública em faixa de fronteira, necessária à manutenção da segurança nacional de todos os entes federativos, nos termos do § 2º do art. 20 da Constituição Federal. O relator observou que a União, ao firmar convênios com os de-mais entes federados, não transfere recursos a governantes específicos, “e sim à corres-pondente pessoa jurídica de direito público, que passa a ser responsável pela execução do objeto desses convênios e pela consequência jurídica de eventual inadimplemento”. Assim, salientou que não pode haver punição do gestor que não tenha participado ativa ou passivamente para a consecução da ilicitude. Nesse caso, a responsabilidade deve recair sobre o Estado-membro, enquanto responsável pela atuação de seus governantes passados, uma vez que não pode existir a incidência das sanções previstas na legisla-ção nacional apenas a cada gestão. Com base nos autos, o Ministro Gilmar Mendes destacou haver interesse mútuo na continuidade da execução dos convênios. “Vê-se, pois, que ambos os interessados (Estado de Roraima e Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Segurança Pública – Senasp) demonstraram interesse (análise da conveniência e oportunidade) na manutenção do objeto dos convênios”, avaliou. Para o

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ministro, o prazo estipulado de dois anos para término do contrato deve atender às metas estabelecidas, “não se verificando plausível restringir o tempo de execução a ponto de tornar-se inatingível o objeto principal do contrato”. Ele lembrou que em audiência de tentativa de conciliação realizada no Supremo, representante da Senasp-MJ pontuou que o prazo inicialmente fixado de 24 meses não era suficiente para a execução do convênio no prazo original, manifestando-se pela necessidade da prorrogação. “Verifica-se que o prazo de dois anos, constante do art. 4º da Lei nº 10.201/2001, não se mostra razoável para a execução dos convênios envolvendo área tão sensível relacionada à segurança pública de área de fronteira”, concluiu o Ministro Gilmar Mendes, ao acrescentar que a inaplicabilidade do prazo decorre do disposto no caput do art. 6º da mesma lei. Dessa forma, o Ministro Gilmar Mendes deferiu a tutela de urgência para determinar à União a prorrogação dos Convênios Siconv 793005/2013, 773040/2012 e 778489/2012 pelo período de 24 meses, devendo o Estado de Roraima cumprir o compromisso firmado em audiência e reiterado no Ofício nº 53/17-DEPLAF/SESP-RR, “no sentido de realizar o depósito atualizado da quantia objetivo de bloqueio judicial incidente sobre a conta vin-culada ao Convênio nº 778489/2012, no prazo de até três meses”. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Estado é condenado a pagar aluguéis atrasados de imóvel onde funcionou escola

O Estado do Maranhão terá que pagar ao locador de um imóvel em São Luís, onde fun-cionou escola pública, os aluguéis devidos de 1º de junho de 2013 a 31 de agosto de 2014, no valor mensal de R$ 9 mil, acrescidos de juros e correção monetária. A decisão é da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Maranhão (TJMA), que ainda condenou o ente público a pagar indenização de R$ 99.965,97 por danos materiais. O entendimento unânime, em voto relatado pelo Desembargador Paulo Velten, também foi pelo envio de cópia integral dos autos ao Ministério Público do Maranhão (MPMA), a fim de apurar não só a conduta considerada desidiosa da Procuradoria-Geral do Estado, como também os prejuízos causados ao erário pelo órgão/gestor contratante, uma vez que o Estado terá de pagar aluguéis e indenizar danos materiais decorrentes da omissão injustificada do responsável pelo contrato, que não promoveu o competente distrato no tempo e modo devidos. De acordo com os autos, o imóvel localizado no bairro Diamante foi alugado à Secretaria de Educação do Estado do Maranhão (Seduc), desde 2004, local onde fun-cionou, temporariamente, o Liceu Maranhense e depois o Colégio Solano Rodrigues, no período em que ambos tinham sido interditados pelo Ministério Público. O proprietário do imóvel ajuizou ação de cobrança, com pedido de indenização, alegando que a Se-duc não cumpriu as cláusulas contratuais. Disse que o prédio foi entregue à Secretaria em perfeito estado, mas a locatária não o conservou, não reformou e retirou a vigilância do imóvel, o que resultou em vários arrombamentos e saques. Ressaltou que, à época, teria sido assegurado por representantes da Seduc que a destruição do prédio seria in-denizada, e os meses de aluguéis atrasados seriam todos pagos, o que não aconteceu. Em dezembro de 2015, o Juiz João Francisco Gonçalves Rocha, da 5ª Vara da Fazenda Pública da capital, condenou o Estado a pagar os aluguéis vencidos e vincendos, com juros e correção, e indenização por danos morais de R$ 20 mil ao proprietário, além de indenização por danos materiais, a ser apurada através de liquidação por arbitramento. Atuação descompromissada. Em reexame necessário, o Relator Paulo Velten pontuou, inicialmente, a atuação descompromissada da Procuradoria-Geral do Estado no caso. Destacou que, citado o ente público, não foi oferecida contestação, nem recurso contra a sentença houve. Ao verificar a não comprovação de pagamento por parte do Estado, o Desembargador Paulo Velten entendeu por manter a sentença de primeira instância

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na parte em que reconheceu a obrigação de pagar os aluguéis a partir de 1º de junho de 2013, determinando que fosse até o tempo de ajuizamento da ação. Quanto aos danos materiais, considerou compatíveis com os mencionados em laudo do Instituto de Crimi-nalística (ICRIM) e com o valor de R$ 99.965,97, estabelecido pelo Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Maranhão (CREA-MA) para fins de recuperação das ins-talações físicas do prédio. No que se refere ao dano moral, o relator votou pela reforma da sentença de 1º grau, por entender que, de acordo com jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no próprio TJMA, o mero descumprimento con-tratual, sem qualquer repercussão extrapatrimonial, não enseja, por si só, dano à honra, imagem ou personalidade do contratante inocente. Os Desembargadores Jaime Ferreira de Araujo e Marcelino Everton concordaram com o voto do relator. Nº do Processo: 19.139/2016. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão)

Candidato preterido em concurso por dívida relativa ao IPTU deve ser nomeado

Os integrantes da Corte Especial do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO), em sessão realizada, por unanimidade, seguiram o voto do Relator, Desembargador Ney Teles de Paula, determinando que Thiago Antônio Cruvinel Campos Bonfim seja nome-ado no cargo de médico legista de 3ª classe. Sua nomeação havia sido preterida devido ao fato de o candidato ter uma dívida relativa ao Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) de Goiânia. Aprovado em 7º lugar no concurso público para médico legista de 3ª classe da Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC), Thiago impetrou mandado de segurança alegando que, após informado da dívida em seu nome, deu baixa na indevida negativação, apresentando à SPTC a certidão negativa, superando, assim, os óbices à sua participação no certame. Em um outro mandado de segurança, diz, já havia lhe sido concedida liminar autorizando sua participação no curso de formação, até que se resolvesse o problema com o IPTU. Porém, no decreto de nomeação dos aprovados, seu nome foi saltado, tendo sido convocado, em seu lugar, o 8º colocado no concurso. O Desembargador Ney Teles de Paula explicou que o candidato aprovado dentro do número de vagas destinadas à formação de cadastro de reserva possui mera expectativa de direito, estando a eventual nomeação no campo da discricionariedade da Adminis-tração Pública. Ocorre que a jurisprudência hodierna tem-se posicionado no sentido que a mera expectativa de direito converte-se em direito subjetivo se, dentro do prazo de validade do concurso, a Administração preterir o candidato na nomeação por inob-servância da ordem de classificação, afirmou. Portanto, acolhendo o parecer ministerial, o magistrado confirmou a liminar deferida, considerando impositiva a nomeação de Thiago, em atenção à ordem classificatória. Votaram com o relator, os Desembargadores Leobino Valente Chaves, Nelma Branco Ferreira Perilo, Carlos Escher, Kisleu Dias Maciel Filho, Jeová Sardinha de Moraes, Fausto Moreira Diniz, Carlos Alberto França, Francisco Vildon J. Valente, Amaral Wilson de Oliveira, Elizabeth Maria da Silva, Nicomedes Domingos Borges, Itamar de Lima e Beatriz Figueiredo Franco. A sessão da Corte Es-pecial foi presidida pelo Desembargador Gilberto Marques Filho. Nº do Processo 201691614947. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás)

Dois coronéis do Exército são condenados por improbidade administrativa

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) confirmou, nesta semana, a conde-nação de dois coronéis do Exército por improbidade administrativa. Ambos deixaram de registrar a movimentação financeira do Hotel de Trânsito do Exército em Santa Rosa durante sua administração. Os fatos ocorreram entre 2006 e 2010, período em que co-mandaram o 19º Regimento de Cavalaria Mecanizada. Segundo o Ministério Público

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Federal (MPF), durante o período, teriam deixado de arquivar a documentação relativa ao movimento contábil e financeiro das atividades do hotel e de recolher qualquer va-lor por meio de Guia de Recolhimento da União (GRU). O MPF ajuizou ação na Vara Federal do município pedindo a condenação dos réus. A sentença foi procedente e os militares recorreram ao tribunal. Eles alegam que os documentos comprobatórios fica-ram arquivados no hotel e que não podem ser responsabilizados se o material sumiu depois de deixarem o comando. Explicaram que as importâncias pagas pelos hóspedes eram simbólicas, e o dinheiro era aplicado nas melhorias do estabelecimento. Segundo a Relatora do caso, Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, o fato de o dano material comprovado ter valor reduzido não torna atípica a conduta. Na condi-ção de administradores do Hotel de Trânsito, agiram de modo excessivamente informal e sem transparência, inviabilizando o controle interno e externo sobre a destinação dos recursos públicos e violando as normas legais atinentes ao exercício de seu cargo, con-cluiu a desembargadora. Como pena, os militares terão que pagar multa civil no valor de cinco vezes a sua remuneração na época dos fatos. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

Teto constitucional incide em cada cargo nos casos em que é permitida a acumulação

Por decisão majoritária, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou provimento a dois Recursos Extraordinários (REs 602043 e 612975) em que o Estado do Mato Grosso questionava decisões do Tribunal de Justiça local (TJMT) contrárias à aplicação do teto na remuneração acumulada de dois cargos públicos exercidos pelo mesmo servidor. Os ministros entenderam que deve ser aplicado o teto remuneratório constitucional de forma isolada para cada cargo público acumulado, nas formas autorizadas pela Cons-tituição.Otemadebatidonosrecursosteverepercussãogeralreconhecida.•Tesederepercussão geral: O Plenário aprovou a seguinte tese para efeito de repercussão geral, sugerida pelo Relator da matéria, Ministro Marco Aurélio: “Nos casos autorizados, cons-titucionalmente, de acumulação de cargos, empregos e funções, a incidência do art. 37, inciso XI, da Constituição Federal, pressupõe consideração de cada um dos vínculos formalizados, afastada a observância do teto remuneratório quanto ao somatório dos ga-nhosdoagentepúblico”.•Recursos:ORE602043dizrespeitoàaplicabilidadedotetoremuneratório previsto no inciso XI do art. 37 da CF, com redação dada pela Emenda Constitucional (EC) nº 41/2003, à soma das remunerações provenientes da cumulação de dois cargos públicos privativos de médico. O caso teve origem em mandado de segu-rança impetrado por servidor público estadual que atuava como médico na Secretaria de Saúde e na Secretaria de Justiça e Segurança Pública. Ao julgar a ação, o TJMT assentou a ilegitimidade do ato do secretário de Administração do Estado que restringiu a remune-ração acumulada dos dois cargos ao teto do subsídio do governador. Por sua vez, o RE 612975 refere-se à aplicabilidade do teto remuneratório sobre parcelas de aposentado-rias percebidas cumulativamente. Um tenente-coronel da reserva da PM e que também exercia o cargo de odontólogo, nível superior do SUS vinculado à Secretaria de Estado de Saúde, impetrou mandado de segurança no TJMT contra determinação do secretário de Administração de Mato Grosso no sentido da retenção de parte dos proventos, em razão da aplicação do teto remuneratório. Ao julgar a questão, o TJMT entendeu que o teto deve ser aplicado, isoladamente, a cada uma das aposentadorias licitamente re-cebidas, e não ao somatório das remunerações. Assentou que, no caso da acumulação de cargos públicos do autor, a verba remuneratória percebida por cada cargo ocupado nãoultrapassaomontanterecebidopelogovernador.•Julgamento:Ojulgamentoteveinício na sessão plenária com os votos dos Ministros Marco Aurélio (Relator) e Alexandre

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de Moraes, que desproveram os recursos, e o voto divergente do Ministro Edson Fachin, pelo provimento dos REs. A análise da questão foi concluída na sessão quando a maioria dos ministros seguiu o voto do relator, pelo desprovimento dos recursos. Para eles, o teto constitucional deve ser considerado em relação a cada uma das remunerações isolada-mente, e não quanto à soma delas. O relator considerou inconstitucional a interpretação segundo a qual o texto da EC 41/2003 abrange também situações jurídicas em que a acumulação é legítima, porque prevista na própria Constituição Federal. Para o ministro, pensar o contrário seria o mesmo que “o Estado dar com uma das mãos e retirar com a outra”. De acordo com o relator, o entendimento da Corte sobre a matéria “não derruba o teto”. Ele considerou que o teto remuneratório continua a proteger a Administração Pública, “só que tomado de uma forma sistemática e, portanto, não incompatível com um ditame constitucional que viabiliza a cumulação de cargos”. Entre os argumentos levantados, os ministros consideraram que a hipótese apresentaria violação à irredutibi-lidade de vencimentos, desrespeito ao princípio da estabilidade, desvalorização do valor do trabalho e ferimento ao princípio da igualdade. Acompanharam esse entendimento os Ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e a Presidente do STF, MinistraCármenLúcia.•Divergência:OMinistroEdsonFachinabriuadivergênciaaovotar pelo provimento dos recursos. Para ele, “a garantia da irredutibilidade só se aplica-ria se o padrão remuneratório nominal tiver sido, então, obtido de acordo com o direito e compreendido dentro do limite máximo fixado pela Constituição”. Com base no art. 17 do ADCT, o ministro entendeu que os valores que ultrapassam o teto remuneratório de-vem ser ajustados sem que o servidor possa alegar direito adquirido. Assim, considerou que o teto remuneratório é aplicável ao conjunto das remunerações recebidas de forma cumulativa. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Acumulação de cargos e exoneração depende de atribuições do servidor

Decisão do Desembargador Amaury Moura Sobrinho, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, determinou a suspensão de um ato administrativo do Município de Acari que notificou uma servidora para que optasse por um dos cargos que exerce, como professora e como Auxiliar de Infraestrutura (GNO) – Especialidade. De acordo com o julgamento, para tal determinação, se faz necessário analisar o conjunto das atribuições conferidas ao servidor no desempenho das funções do cargo. O desembargador também destacou que a suspensão do ato ocorre diante da imprecisão da legislação quanto à matéria. Como se não bastasse, afastar a servidora que exerce o cargo de professora há mais de 16 anos lhe ocasionará lesão grave e irreparável, considerando a natureza ali-mentícia da remuneração recebida, ressalta. A decisão também reforçou que, por outro lado, não há que se falar em lesão iminente ao erário, pois a remuneração é auferida em contraprestação ao trabalho realizado como professora, já exercido há vários anos. Em primeiro lugar, as declarações juntadas aos autos sinalizam que há compatibilidade de horários entre os dois vínculos. A primeira, emitida pelo Diretor da Escola Municipal Major Hortêncio, atesta que a servidora exerce suas funções de segunda a sexta-feira, das 7h às 11h30min; a segunda, emitida pela SETHAS-RN, atesta que a servidora desenvolve suas atividades na cidade de Acari-RN, no programa do leite, das 13h às 18h, pontua. O desembargador também enfatizou que a própria Constituição da República permite a acumulação de um cargo de professor com outro técnico ou científico, desde que haja compatibilidade de horários, prevista no art. 37, inciso XVI. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte)

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Justiça condena Estado a indenizar policial militar preso indevidamente

O Juiz Fernando Teles de Paula Lima, respondendo pela 8ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Fortaleza, condenou o Estado do Ceará a pagar indenização por danos mo-rais de R$ 15 mil para policial militar que foi preso indevidamente. A decisão foi publica-da no Diário da Justiça Eletrônico. Segundo os Autos (nº 0064732-67.2008.8.06.0001), o autor é policial militar desde 19 de fevereiro de 2001. Ele prestava serviço na cabine de policiamento que existia na esquina da Avenida Raul Barbosa com a Avenida Murilo Borges, turno noturno, se apresentando às 19h30min na 7ª Companhia da Polícia Militar (CIA), na escala de 12 por 36 horas. Após o turno, ele deveria se deslocar até a 7ª CIA às 7h30min, chegando lá até as 8h, para devolver as armas e depois ir para casa, segundo determinação de seus comandantes e fiscais da área. No dia 14 de outubro de 2004, ele foi preso por volta das 9h em sua casa, quando se preparava para dormir, sob suposto flagrante delito de ter abandonado o posto de serviço antes das 8h, conforme auto de prisão em flagrante delito e denúncia do Ministério Público da Vara da Auditoria Militar do Estado do Ceará. No dia da prisão, ocorreu um assalto à mão armada próximo ao referido cruzamento, quando um estudante universitário que se deslocava até a Unifor foi executado exatamente às 7h33min, ou seja, três minutos após os policiais saírem para a 7ª CIA. Por isso, o policial ficou preso em suposto flagrante delito por 21 dias no presídio militar. Ele alegou que, apesar de ser policial honrado, foi encarcerado em local totalmente impróprio pelas suas condições pessoais e profissionais, no mesmo ambiente onde são colocados policiais militares que cumprem pena por tráfico, estupro, roubo, dentre outros crimes. O Ministério Público requereu a absolvição dele pelo fato de não constituir crime, uma vez que testemunhas militares confirmaram que havia determina-ção do comando para que os soldados saíssem meia hora antes do término do serviço. A saída do policial exatamente às 7h30min foi confirmada pelos porteiros da escola muni-cipal que funciona em frente ao local do crime, por vigias noturnos e documentos acos-tados aos autos. Segundo o autor, restou demonstrado que o flagrante delito atribuído mostrou-se abusivo e indevido, pois não foi configurada nenhuma materialidade, sem confissão, sem testemunhas, sem provas materiais, sem nada que justificasse. A senten-ça, transitada em julgado em 21 de fevereiro de 2008, absolveu o policial. Por conta da prisão ilegal, a vítima entrou com ação na Justiça para requerer danos morais. Em contestação, o Estado do Ceará alegou que a prisão em flagrante não se deu de forma desmotivada ou injusta por haver indícios suficientes para a caracterização do flagrante, pois o demandante havia se ausentado do seu suposto serviço. Afirmou que, no caso em liça, os agentes da polícia estavam cumprindo seu dever legal, autuando em flagrante aquele que, segundo testemunhas, houvera praticado uma conduta tipificada no Código Penal Militar como crime. Em decisão, o magistrado afirmou que consigne-se que o fato de o autor perder sua liberdade por 21 dias sem um édito condenatório, sem ter praticado um fato típico criminoso, por si, gera uma lesão a direito subjetivo tutelado pela Constituição Federal, que em decorrência da atividade da administração causou-lhe dano ao patrimônio moral, concluiu. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará)

Candidato a concurso público não tem direito à revisão de nota

A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, negou pro-vimento à apelação interposta por um candidato a concurso público contra a sentença que julgou improcedente seu pedido de revisão da nota de corte da prova. Consta dos

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autos que o requerente prestou concurso para o cargo de procurador federal de 2ª ca-tegoria na Advocacia-Geral da União (AGU). Na prova objetiva ele alcançou 113,5 pontos. Assim, o impetrante pleiteia nova correção da prova para afastar os critérios adotados pelos examinadores. Dessa forma, o candidato alcançaria a nota de corte (120 pontos) exigida para prosseguir nas demais etapas da avaliação. O concorrente alega que as nove questões impugnadas foram mal elaboradas. Argumenta que as respostas do gabarito oficial divergem da doutrina e da legislação pátria sobre os temas arguidos. A anulação de cinco das nove questões resultaria em significativo aumento na nota final. Assim, eu poderia participar da segunda fase do processo seletivo, diz o candidato. O impetrante afirma, ainda, que a apreciação pelo Poder Judiciário é totalmente possível tendo em vista que a hipótese é de flagrante ilegalidade, pois a Justiça está autorizada a anular ato público eivado de nulidade. A matéria em debate diz respeito a critério de formulação e correção de quesito integrante de prova de concurso público, razão pela qual escapa da ingerência do Poder Judiciário, disse a Juíza Relatora do processo, Hind Ghassan Kayath, que promoveu o julgamento da lide fundamentando-o no art. 285-A do Código de Processo Civil (CPC) de 1973, vigente à época. A magistrada enfatiza que a anulação de questão de prova pelo Poder Judiciário somente pode acontecer na hipótese de flagrante ilegalidade na sua elaboração pela banca examinadora, sem o respeito às normas dispostas no edital, completa. Segundo a relatora, no caso em exame, é visto que o candidato não obteve pontuação suficiente para estar entre os aprovados na primeira fase da seleção, não efetuando sua inscrição definitiva. De acordo com fundamentação jurisprudencial, a relatora reitera ainda que ao Poder Judiciário é vedado substituir-se aos membros da comissão examinadora na formulação e avaliação de mérito das questões de concurso público. Nº do Processo: 00742410820134013400. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Fechamento da Edição: 18�05�2017

Resenha Legislativa

LEIS ORDINáRIAS

lei nº 13.443, de 11.05.2017 – publiCAdA no dou de 12.05.2017Altera a Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000, para estabelecer a obrigato-riedade da oferta, em espaços de uso público, de brinquedos e equipamentos de lazer adaptados para utilização por pessoas com deficiência, inclusive visual, ou com mobilidade reduzida.

lei nº 13.438, de 26.04.2017 – publiCAdA no dou de 27.04.2017Altera a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adoles-cente), para tornar obrigatória a adoção pelo Sistema Único de Saúde (SUS) de protocolo que estabeleça padrões para a avaliação de riscos para o desenvolvi-mento psíquico das crianças.

DECRETOS

deCreto nº 9.054, de 17.05.2017 – publiCAdo no dou de 18.05.2017Aprova as Estruturas Regimentais e os Quadros Demonstrativos dos Cargos em Comissão da Assessoria Especial do Presidente da República e dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Gabinete Pessoal do Presidente da República.

deCreto nº 9.053, de 15.05.2017 – publiCAdo no dou de 16.05.2017Remaneja Funções Comissionadas Técnicas – FCT para a Fundação Escola Na-cional de Administração Pública – Enap e dá outras providências.

deCreto nº 9.050, de 12.05.2017 – publiCAdo no dou de 15.05.2017Dispõe sobre a distribuição do quantitativo de Gratificações Temporárias das Unidades dos Sistemas Estruturadores da Administração Pública Federal – GSISTE e define os procedimentos a serem observados para a sua concessão.

deCreto nº 9.049, de 12.05.2017 – publiCAdo no dou de 15.05.2017Regulamenta a Lei nº 5.821, de 10 de novembro de 1972, que dispõe sobre as promoções dos oficiais da ativa das Forças Armadas, para a Aeronáutica e dispõe sobre as promoções dos aspirantes a oficial e dos oficiais temporários do Coman-do da Aeronáutica.

deCreto nº 9.047, de 10.05.2017 – publiCAdo no dou de 11.05.2017Altera o Decreto nº 7.246, de 28 de julho de 2010, que regulamenta a Lei nº 12.111, de 9 de dezembro de 2009, que dispõe sobre o serviço de energia elétrica dos Sistemas Isolados, as instalações de transmissão de interligações in-ternacionais no Sistema Interligado Nacional – SIN, e dá outras providências.

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deCreto nº 9.044, de 03.05.2017 – publiCAdo no dou de 04.05.2017Cria o Colégio de Secretários de Segurança Pública e o Colégio de Secretários de Justiça e Assuntos Penitenciários no âmbito do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

deCreto nº 9.038, de 26.04.2017 – publiCAdo no dou de 27.04.2017Aprova as Estruturas Regimentais e os Quadros Demonstrativos dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança da Secretaria de Governo e da Secretaria--Geral da Presidência da República, remaneja cargos em comissão e funções de confiança e substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE.

deCreto nº 9.036, de 20.04.2017 – publiCAdo no dou de 24.04.2017Dispõe sobre a priorização de políticas de fomento aos projetos de empreendi-mentos públicos dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

deCreto nº 9.035, de 20.04.2017 – publiCAdo no dou de 24.04.2017Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Co-missão e das Funções de Confiança do Ministério do Planejamento, Desenvolvi-mento e Gestão, remaneja cargos em comissão, substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE e transforma cargos em comissão.

deCreto nº 9.034, de 20.04.2017 – publiCAdo no dou de 24.04.2017Altera o Decreto nº 7.824, de 11 de outubro de 2012, que regulamenta a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas universida-des federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio.

MEDIDA PROVISÓRIA

medidA provisóriA nº 776, de 26.04.2017 – publiCAdA no dou de 27.04.2017 – eXposição de motivos

Altera a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos.

Fechamento da Edição: 18�05�2017

Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGO DOUTRINáRIO

• AResponsabilidadeObjetivaCivil na Lei Anticorrupção: AnáliseSobre as Sanções de Perdimento de Bens, Direitos ou Valores e as de Suspensão ou Interdição das Atividades Empresariais

Henrique Saibro e Guilherme Weber Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Lei Anticorrupção empresAriAL

•A Lei Anticorrupção e os Fundamentos na Cons-tituição Cidadã (Bruno Fialho Ribeiro) .................73

•A Lei de Anticorrupção Empresarial: um Con-traponto à Agenda de Combate à Corrupção (Murilo Melo Vale) ..............................................48

•Aspectos da Lei Anticorrupção Empresarial Bra-sileira (Christopher Pinho Ferro Scapinelli e Taisa Queiroz Ferro Scapinelli) .....................................80

•Do Conflito da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) com a Lei de Improbidade Ad-ministrativa (Lei nº 8.429/1992), no Que Pertine à Responsabilidade da Pessoa Jurídica Privada – Antinomia Jurídica (Mauro Roberto Gomes de Mattos) ............................................................31

•O Programa Empresa Pró-Ética – Estudo sobre a Iniciativa do Ministério da Transparência, Fisca-lização e Controladoria-Geral da União (CGU) e do Instituto Ethos de Empresas e Responsa-bilidade Social (Luís Rodolfo Cruz e Creuz) ...........9

Autor

Bruno FiALho riBeiro

•A Lei Anticorrupção e os Fundamentos na Cons-tituição Cidadã) ...................................................73

christopher pinho Ferro scApineLLi e tAisA Queiroz Ferro scApineLLi

•Aspectos da Lei Anticorrupção Empresarial Bra-sileira ...................................................................80

Luís roDoLFo cruz e creuz

•O Programa Empresa Pró-Ética – Estudo sobre a Iniciativa do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União (CGU) e do Instituto Ethos de Empresas e Res-ponsabilidade Social .............................................9

mAuro roBerto Gomes De mAttos

•Do Conflito da Lei Anticorrupção (Lei nº 12.846/2013) com a Lei de Improbidade Ad-ministrativa (Lei nº 8.429/1992), no Que Pertine à Responsabilidade da Pessoa Jurídica Privada – Antinomia Jurídica ............................................31

muriLo meLo VALe

•A Lei de Anticorrupção Empresarial: um Con-traponto à Agenda de Combate à Corrupção .......48

tAisA Queiroz Ferro scApineLLi e christopher pinho Ferro scApineLLi

•Aspectos da Lei Anticorrupção Empresarial Bra-sileira ...................................................................80

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

concursos púBLicos

• (In)Constitucionalidade das Cotas Raciais em Concursos Públicos Instituída pela Lei nº 12.711/2012 e para Membros do Ministério Público ou para Magistratura (Paulo Henrique Mendonça de Freitas) ........................................100

estADo executor

•Do Estado Executor e a Intervenção no Domí-nio Econômico (Tauã Lima Verdan Rangel) .........87

Assunto

pAuLo henriQue menDonçA De FreitAs

• (In)Constitucionalidade das Cotas Raciais em Concursos Públicos Instituída pela Lei nº 12.711/2012 e para Membros do Ministério Público ou para Magistratura .............................100

tAuã LimA VerDAn rAnGeL

•Do Estado Executor e a Intervenção no DomínioEconômico ..........................................................87

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

concurso púBLico

•Apelação – Administrativo – Concurso públi-co – Candidato classificado além do número de vagas previsto no edital – Inexistência de direito à nomeação – Manutenção da sentença (TRF 2ª R.) ...............................................8335, 121

contrAto ADministrAtiVo

•Mandado de segurança – Direito administra-tivo – Contrato administrativo – aplicação de penalidades – Contraditório e ampla defesa – Motivação (TRF 4ª R.) ..............................8337, 136

DesApropriAção

•Embargos declaratórios – administrativo – De-sapropriação indireta – Danos materiais – Ca-bimento – Loteamento Japuí – Pedra branca

RSDA Nº 138 – Junho/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �������������������������������������������������������������������������������������������������������243 – Município de Laranjeiras/SE – Sentença man-tida – Discussão acerca de matéria já Analisa-da – Impossibilidade – Omissão quanto à verba honorária (TRF 5ª R.) ...............................8338, 150

miLitAr

•Constitucional – Apelação cível – Militar – Pe-dido de pensão especial de ex-combatente – Lei nº 4.242/1963 – Não demonstrada a incapa-cidade de a requerente (filha maior e capaz) prover os próprios meios de subsistência –Agravo legal improvido (TRF 3ª R.) ..........8336, 128

serViDor púBLico

•Constitucional e administrativo – Servidor pú-blico – Gratificação de desempenho do plano geral de cargos do poder executivo (GDPGPE) – Lei nº 11.784/2008 – Aposentados e pensio-nistas – Extensão – Possibilidade – Limitação temporal – Homologação do resultado do pri-meiro ciclo de avaliação – jurisprudência do e. STF em sede de repercussão geral – Portaria nº 2.592, de 29.10.2010, do Ministério do Tra-balho – Prescrição (TRF 1ª R.) ..................8334, 114

EMENTÁRIO

Assunto

AGente púBLico

•Agente público – responsabilidade pessoal – im-possibilidade – teoria do órgão – observância ................................................................8339, 155

Anp

•ANP – auto de infração – tipicidade de condutas – legalidade .............................................8340, 155

Bem púBLico

•Bem público – ocupação irregular – mera de-tenção – esbulho – configuração .............8341, 156

•Bem público – posse – mera detenção – benfei-torias – indenização – não cabimento......8342, 156

concorrênciA púBLicA

•Concorrência pública – empresa consorcia-da – participação – limite – edital – previsão ................................................................8343, 156

concurso púBLico

•Concurso público – candidato classificado – além do número de vagas – direito à no meação – inexistência ...........................................8344, 157

•Concurso público – exame médico – inaptidão – perícia médica – habilitação para o exercício profissional – cabimento ..........................8345, 158

•Concurso público – investigação social – inap-tidão – reintegração ao certame – impossibili-dade ........................................................8346, 159

•Concurso público – soldado – polícia militar – edital – limitação de idade – legalidade ............8347, 159

•Concurso público – vagas destinadas a porta-dores de necessidades especiais – surdez unila-teral – impossibilidade .............................8348, 159

conseLho reGionAL De ADministrAção

•Conselho Regional de Administração – ativida-de de segurança e vigilância – registro junto à autarquia – desnecessidade .....................8349, 160

contrAto ADministrAtiVo

•Contrato administrativo – preço de gêneros ali-mentícios – equilíbrio econômico-financeiro – restabelecimento ...................................8350, 160

contrAto De trABALho temporário

•Contrato de trabalho temporário – candidato aprovado em concurso público – cargo de escri-turário – nomeação – cabimento .............8351, 160

conVênio

•Convênio – prestação de contas – acórdão do TCU – execução – controle do Poder Judiciário – possibilidade ........................................8352, 162

DesApropriAção

•Desapropriação – aquisição posterior – indeni-zação – descabimento .............................8353, 162

improBiDADe ADministrAtiVA

• Improbidade administrativa – dispensa indevi-da de licitação – dano in re ipsa – revisão das sanções – princípio da proporcionalidade –observância .............................................8354, 162

• Improbidade administrativa – Estatuto da Ci-dade – desafetação de áreas urbanas sem par-ticipação cidadã – dolo genérico – verificação – princípios que regem a administração pública– violação ................................................8355, 163

• Improbidade administrativa – indisponibilidade de bens – constrição sobre bem imóvel rural –valor real do bem – não comprovação.....8356, 166

• Improbidade administrativa – professor – dedi-cação exclusiva – exercício de profissão de ar-quiteto – vedação – dolo – má-fé – configuração ................................................................8357, 168

• Improbidade administrativa – ressarcimento ao Erário – prescritibilidade – observância ....8358, 169

inexiGiBiLiDADe De LicitAção

• Inexigibilidade de licitação – dano patrimo-nial – inexistência – dolo – não configuração ................................................................8359, 170

LicitAção

•Licitação – alienação de bem público – suspen-são de pagamento – possibilidade ...........8360, 171

244 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 138 – Junho/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

•Licitação – edital – qualificação econômico--financeiro – regularidade fiscal – intempesti-vidade .....................................................8361, 173

•Licitação – empresa em recuperação judicial – certidões negativas de débitos – dispensa – impossibilidade .......................................8362, 174

•Licitação – edital – requisitos – não preenchimen-to – inabilitação – cabimento ...................8363, 174

•Licitação – menor preço global – preço a me-nor – inexequibilidade – folha proposta – preen-chimento – equívoco ...............................8364, 174

miLitAr

•Militar – temporário – incapacidade para o ser-viço – acidente em serviço – nulidade de licen-ciamento – configuração .........................8365, 175

processo ADministrAtiVo DiscipLinAr

•Processo administrativo disciplinar – bens públicos – desvio – demissão – cabimento .............8366, 178

responsABiLiDADe ciViL Do estADo

•Responsabilidade civil do Estado – acidente ferroviário – danificação de cabos telefônicos – dano material – comprovação .................8367, 180

•Responsabilidade civil do Estado – pacien-te – realização de cirurgia – demora excessiva – agravamento do quadro clínico – indeniza-ção – danos morais e estéticos – possibilidade ................................................................8368, 181

•Responsabilidade civil do Estado – ECT – extra-vio de correspondência – ressarcimento tarifa- do – inaplicabilidade – dano moral – caracteri-zação .......................................................8369, 182

serViDor púBLico

•Servidor público – adicional de insalubrida-de – incorporação aos proventos de aposenta-doria – impossibilidade ............................8370, 183

•Servidor público – aposentadoria por invalidez – motivo insubsistente – reversão – possibili-dade ........................................................8371, 183

•Servidor público – dependência química – apo-sentadoria por invalidez – perícia médica –reversão ...................................................8372, 184

•Servidor público – desvio de função – diferen-ças remuneratórias – indenização – pagamento – comprovação – necessidade .................8373, 188

•Servidor público – médico – dupla jornada – gratificações GDASST e GDPST – incidência – possibilidade .........................................8374, 189

•Servidor público – pensão por morte – união es-tável homoafetiva – comprovação – dependên-cia econômica – presunção ....................8375, 190

•Servidor público – professor municipal – remu-neração – piso nacional do magistério – obser-vância ......................................................8376, 190

•Servidor público – valores recebidos indevida-mente – erro da administração – restituição –impossibilidade .......................................8377, 191

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

JustiçA estADuAL

•A Gestão da Sustentabilidade no Judiciário do Estado do Rio de Janeiro (Jessé Torres Pereira Junior) ................................................................192

Autor

Jessé torres pereirA Junior

•A Gestão da Sustentabilidade no Judiciário do Estado do Rio de Janeiro ....................................192

CLIPPING JURÍDICO

•Acumulação de cargos e exoneração dependede atribuições do servidor ..................................236

•Candidato a concurso público não tem direito à revisão de nota ...............................................237

•Candidato preterido em concurso por dívida re-lativa ao IPTU deve ser nomeado ......................234

•Comissão aprova criação de fundo destinado ao transporte urbano de estudantes ........................225

•Comissão aprova presença dos pais como con-dição para receber Bolsa Família .......................223

•Comissão destina para educação metade dos dividendos das estatais ......................................225

•Dois coronéis do Exército são condenados por improbidade administrativa ...............................234

•Educação rejeita projeto que torna facultativalíngua estrangeira para aluno surdo ...................225

•Ensino Médio pelo Telecurso 2000 não impe-de matrícula em universidade pelo sistema decotas ..................................................................230

•Estado deve pagar R$ 70 mil para mãe que teve filha morta por tiro de policial ...........................229

•Estado é condenado a pagar aluguéis atrasados de imóvel onde funcionou escola ......................233

•Estado responderá por morte de detento comvírus HIV tratado a soro e analgésicos ...............227

• Justiça condena Estado a indenizar policial mili-tar preso indevidamente ....................................237

• Justiça determina que Estado do Rio de Janei-ro faça nova licitação para o serviço de barcas no prazo de dois anos ........................................226

•Ministro afasta eficácia de incorporação sala-rial posteriormente incluída em plano de car-reira ...................................................................227

•Ministro determina prorrogação de convênios entre União e RR para fiscalização em fron-teira ...................................................................232

RSDA Nº 138 – Junho/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �������������������������������������������������������������������������������������������������������245 •Negada liminar sobre pagamento de gratifica-

ções a servidores da Comurg .............................231

•Obrigatoriedade de fornecimento de medi-camentos não contemplados em lista do SUS é tema de repetitivo ...........................................224

•Projeto institui perda de cargo de servidor pormau desempenho ..............................................228

•Reconhecida responsabilidade do Estado de SãoPaulo por dívida da Vasp com a União .............223

•Servidor pode acompanhar cônjuge aprovado em concurso de remoção ..................................222

•Teto constitucional incide em cada cargo nos casos em que é permitida a acumulação ...........235

•Tribunal garante à candidata acesso a provasde vestibular e a planilhas de correção ..............222

•Tribunal suspende efeitos da lei estadual que criou 800 cargos comissionados ........................229

RESENHA LEGISLATIVA

Leis

•Lei nº 13.443, de 11.05.2017 – Publicada noDOU de 12.05.2017 .........................................239

•Lei nº 13.438, de 26.04.2017 – Publicada no DOU de 27.04.2017 .........................................239

Decretos

•Decreto nº 9.054, de 17.05.2017 – Publicado no DOU de 18.05.2017 ....................................239

•Decreto nº 9.053, de 15.05.2017 – Publicadono DOU de 16.05.2017 ....................................239

•Decreto nº 9.050, de 12.05.2017 – Publicadono DOU de 15.05.2017 ....................................239

•Decreto nº 9.049, de 12.05.2017 – Publicadono DOU de 15.05.2017 ....................................239

•Decreto nº 9.047, de 10.05.2017 – Publicadono DOU de 11.05.2017 ....................................239

•Decreto nº 9.044, de 03.05.2017 – Publicadono DOU de 04.05.2017 ....................................240

•Decreto nº 9.038, de 26.04.2017 – Publicadono DOU de 27.04.2017 ....................................240

•Decreto nº 9.036, de 20.04.2017 – Publicadono DOU de 24.04.2017 ....................................240

•Decreto nº 9.035, de 20.04.2017 – Publicadono DOU de 24.04.2017 ....................................240

•Decreto nº 9.034, de 20.04.2017 – Publicadono DOU de 24.04.2017 ....................................240

meDiDA proVisóriA

•Medida Provisória nº 776, de 26.04.2017 – Publicada no DOU de 27.04.2017 – Exposiçãode motivos .........................................................240