219
Revista SÍNTESE Direito Administrativo ANO IX – Nº 108 – DEZEMBRO 2014 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – 610‑2 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – 18/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – 07/0042596‑9 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – 10/07 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Mayara Ramos Turra Sobrane CONSELHO EDITORIAL Alexandre de Moraes, Carlos Ari Sundfeld, Fernando Dantas Casillo Gonçalves, Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada, Maria Garcia, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Misabel de Abreu Machado Derzi, Odete Medauar, Sidney Bittencourt, Toshio Mukai COMITÊ TÉCNICO Elisson Pereira da Costa, Elói Martins Senhoras, Hélio Rios Ferreira, Luís Rodolfo Cruz e Creuz COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Cristina Alves da Silva, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson, Carlos Athayde Valadares Viegas, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Gina Copola, Felipe Cunha de Almeida, Francisco de Salles Almeida Mafra Filho, Ivan Barbosa Rigolin ISSN 2179-1651

ISSN 2179-1651 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 108_miolo.pdf · a compatibilidade do poder normativo das agências reguladoras com o que pede e espera a socie‑ dade e com o que

Embed Size (px)

Citation preview

Revista SÍNTESEDireito Administrativo

Ano IX – nº 108 – Dezembro 2014

reposItórIo AutorIzADo De JurIspruDêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – 610‑2

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – 18/2010

Tribunal Regional Federal da 4ª Região – 07/0042596‑9Tribunal Regional Federal da 5ª Região – 10/07

DIretor eXecutIvo

Elton José Donato

Gerente eDItorIAl e De consultorIA

Eliane Beltramini

coorDenADor eDItorIAl

Cristiano Basaglia

eDItorA

Mayara Ramos Turra Sobrane

conselho eDItorIAl

Alexandre de Moraes, Carlos Ari Sundfeld, Fernando Dantas Casillo Gonçalves,Ivan Barbosa Rigolin, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada, Maria Garcia,

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Misabel de Abreu Machado Derzi,Odete Medauar, Sidney Bittencourt, Toshio Mukai

comItê técnIco

Elisson Pereira da Costa, Elói Martins Senhoras, Hélio Rios Ferreira, Luís Rodolfo Cruz e Creuz

colAborADores DestA eDIção

Cristina Alves da Silva, Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson, Carlos Athayde Valadares Viegas, Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas, Gina Copola, Felipe Cunha de Almeida,

Francisco de Salles Almeida Mafra Filho, Ivan Barbosa Rigolin

ISSN 2179-1651

2006 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação mensal de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos de Direito Administrativo.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec‑tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 5.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Administrativo – v. 1, n. 1 (jan. 2006) Nota: Continuação da REVISTA IOB de DIREITO ADMINISTRATIVO

São Paulo: IOB, 2006‑.

v. 9, n. 108; 16 x 23 cm

Mensal ISSN 2179‑1651

1. Direito administrativo.

CDU 342.9 CDD 341.3

Bibliotecária responsável: Helena Maria Maciel CRB 10/851

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

Carta do Editor

Caros leitores, para compor o Assunto Especial desta edição da Revista SÍNTESE Direito Administrativo escolhemos o tema “O Poder Normativo das Agências Reguladoras”.

Classificadas como autarquias em regime especial, já que possuem autonomia em face dos entes políticos, as agências reguladoras foram cria-das para fiscalizar a prestação de serviços públicos praticados pela iniciativa privada.

Além da função de controle da qualidade da prestação do serviço, tais agências estabelecem regras para o setor para as quais foram criadas.

Estabelecem regras através do poder normativo inerente ao exercício da função administrativa destas agências. Tais regras podem ser regulamen-tares das leis que regem o campo de atividades atribuído a cada agência, ou até mesmo a edição de normas independentes, sobre matérias não discipli-nadas pela lei que criou a agência.

Analisaremos, nesta edição, a constitucionalidade e os limites do Po-der Normativo das Agências Reguladoras.

Para compor o Assunto Especial contamos com dois artigos. São eles: “As Agências Reguladoras e o Seu Poder Normativo”, elaborado pela Advo-gada Cristina Alves da Silva e pelo Mestre em Direito Constitucional Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson; e “As Agências Reguladoras e o Controle Político sobre Sua Criação Normativa”, elaborado pelo Mestre em Direi-to Carlos Athayde Valadares Viegas e pela Doutoranda Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas. Além de uma Íntegra do STJ e do Ementário com os valores agregados.

Na Parte Geral publicamos três artigos, destacando o artigo intitulado “A Arbitragem nos Contratos Administrativos”, elaborado pela Advogada, Pós-Graduada em Direito Administrativo, Gina Copola.

Ainda, na Parte Geral, publicamos sete Acórdãos na Íntegra (TRF 1ª R., TRF 2ª R., 3 TRF 3ª R., TRF 4ª R. e TRF 5ª R.) e o Ementário com os valores agregados.

Para esta edição, na Seção Especial, contamos com “Parecer” elabo-rado pelo renomado Advogado, Membro do nosso Conselho Editorial, Ivan Barbosa Rigolin, intitulado “Doação de Terreno Municipal ao Particular que Pagou sua Desapropriação”.

Tenham todos uma ótima leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto EspecialO POder NOrmativO das agêNcias reguladOras

dOutriNas

1. As Agências Reguladoras e o Seu Poder NormativoCristina Alves da Silva e Rocco Antonio Rangel Rosso Nelson ..................9

2. As Agências Reguladoras e o Controle Político sobre Sua Criação NormativaCarlos Athayde Valadares Viegas e Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas .........................................................................................35

JurisPrudêNcia

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ..........................................................................54

2. Ementário ................................................................................................62

Parte GeraldOutriNas

1. A Arbitragem nos Contratos AdministrativosGina Copola............................................................................................70

2. Indenização pela Teoria da Perda de uma Chance: a Jurisprudência do Superior Tribunal de JustiçaFelipe Cunha de Almeida ........................................................................85

3. O Controle Social da Administração Pública e o Programa “Olho Vivo no Dinheiro Público”Francisco de Salles Almeida Mafra Filho ...............................................103

JurisPrudêNcia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região .................................................110

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região .................................................114

3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................119

4. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................125

5. Tribunal Regional Federal da 3ª Região .................................................137

6. Tribunal Regional Federal da 4ª Região .................................................144

7. Tribunal Regional Federal da 5ª Região .................................................151

ementário de JurisprudênciA

1. Ementário de Jurisprudência de Direito Administrativo .........................155

Seção EspecialParecer

1. Doação de Terreno Municipal ao Particular que Pagou sua DesapropriaçãoIvan Barbosa Rigolin .............................................................................191

Clipping Jurídico ..............................................................................................200

Resenha Legislativa ...........................................................................................214

Bibliografia Complementar ..................................................................................215

Índice Alfabético e Remissivo ...............................................................................216

Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do

Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publi-cações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWOR-DS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.a

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

Assunto Especial – Doutrina

O Poder Normativo das Agências Reguladoras

As Agências Reguladoras e o Seu Poder Normativo

CRISTINA ALVES DA SILVAEspecializanda em Direito Administrativo pela Universidade Anhanguera‑Uniderp, Advogada.

ROCCO ANTONIO RANGEL ROSSO NELSONEspecialista em Direito e Cidadania pela Escola Superior do Ministério Público, Especialista em Direito Penal e Criminologia pela Universidade Potiguar, Mestre em Direito Constitucional pela UFRN, Ex‑Professor do Curso de Direito do Centro Universitário Facex, Professor de Direito do Instituto Federal do Rio Grande do Norte – IFRN.

RESUMO: O presente trabalho tem como escopo discutir a constitucionalidade do poder normativo das agências reguladoras. Para isso, faz‑se necessário traçar essas entidades na linha do tempo de sua evolução, em breve histórico das mesmas, bem como sua natureza jurídica e suas as carac‑terísticas específicas, para que se possa compreender sua relação e inserção no contexto social, legislativo e jurídico brasileiro. A análise não pode fugir do contexto de uma sociedade que se mostra cada vez mais técnica e complexa, exigindo do Estado atuação compatível com os problemas apre‑sentados pelo grupo social, avaliando se a organização estatal apresenta mecanismos eficientes para atender às demandas sociais e às exigências da Constituição. É assim que se poderá perceber a compatibilidade do poder normativo das agências reguladoras com o que pede e espera a socie‑dade e com o que exige a Constituição, ou seja, com a concretização de direitos fundamentais e a realização da vontade constitucional.

PALAVRAS‑CHAVE: Agências reguladoras; constitucionalidade; poder normativo.

ABSTRACT: This work is scoped to discuss the constitutionality of the legislative power of regulatory agencies. For this, it is necessary to trace these entities in the timeline of its evolution, in the same brief history as well as its legal nature and its specific features so it is possible to understand their relationship and interaction in Brazilian social, legislative and legal context. The analysis can not es‑cape from the context of a society that is increasingly technical and complex, requiring state action compatible with the problems presented by social group, assessing if the state organization has effective mechanisms to meet social demands and the requirements of Constitution. That is how it is possible to realize the compatibility of the legislative power of regulatory agencies with is asked and expected by the company and what the Constitution requires, in other words, the realization of fundamental rights and the fulfillment of the constitutional will.

KEYWORDS: Regulatory agencies; constitutionality; normative power.

SUMÁRIO: 1 Das considerações iniciais; 2 As agências reguladoras no Brasil; 2.1 Natureza jurídica e características; 2.2 As agências reguladoras brasileiras; 2.3 O poder normativo das agências regu‑ladoras; 2.3.1 A constitucionalidade do poder normativo destas entidades; 2.3.2 A descentralização

10 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

normativa no Estado brasileiro; 2.3.3 A finalidade do poder normativo das agências reguladoras; 2.3.4 O exercício da função normativa com fundamento nos standards; 3 Das considerações finais; Referências.

1 DAS CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente trabalho tem por objetivo trazer ao debate o aspecto da constitucionalidade do poder normativo das agências reguladoras.

Para tanto, faz-se necessário traçar essas entidades na linha do tempo de sua evolução, em breve histórico das mesmas, para que se possa compreender sua relação e inserção no contexto social, legislativo e jurídico brasileiro.

Por consequência, a natureza jurídica e as características especí-ficas dessas autarquias precisam ser aclaradas, o que se buscará fazer como forma de suporte para o entendimento do que elas são em essên-cia e o que representam para a configuração do Estado.

Não há como afastar a análise das agências reguladoras da relação que elas têm com a sociedade e com o Estado, em uma aproximação que reflete o Estado como prestador e assegurador de direitos fundamen-tais e sociais pautados na Constituição da República e a sociedade como beneficiária para quem se dirigem tais direito.

Nessa perspectiva, percebe-se uma sociedade que se mostra cada vez mais técnica e complexa, exigindo do Estado atuação compatível com os problemas apresentados pelo grupo social. É aí que se pode questionar se a organização estatal apresenta mecanismos eficientes para atender às demandas sociais e às exigências da Constituição.

A atuação das agências reguladoras, nesse contexto, se mostra compatível com o que pede e espera a sociedade e com o que exige a Constituição, ou seja, com a efetivação de direitos fundamentais e com a realização da vontade constitucional. A privatização de setores é uma realidade, mas os direitos fundamentais precisam ser protegidos concre-tizados.

Para isso, é imprescindível observar que a descentralização nor-mativa é imprescindível e que o poder normativo das agências tem na-tureza regulamentar, sendo fruto da delegificação e se direcionando de forma técnica e específica para o setor regulado. Não há exclusão do

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������11

Pode Legislativo, mas uma complementação normativa, dada a impos-sibilidade de este Poder tratar de forma técnica, específica e célere, ma-térias que a Constituição quer que sejam assim regulamentadas no com-passo da concretização dos direitos fundamentais. É o que se pretende demonstrar.

2 AS AGÊNCIAS REGULADORAS NO BRASIL

As agências reguladoras formam, hoje, um conjunto de estrutu-ras originais dentro do aparelho do Estado contemporâneo. Sua criação ocorre em resposta a exigências novas e atestam a insuficiência das es-truturas tradicionais para responder aos problemas das sociedades com-plexas e evolutivas.

Isso porque o Estado não possui mecanismos suficientes para su-prir todas as necessidades da coletividade, de forma a garantir que os direitos fundamentais sejam assegurados na sua integralidade1.

No Brasil, um dos pontos de máxima proeminência da reforma ad-ministrativa do Estado consistiu no processo de desestatização ocorrido na década de 1990, em que foram instituídas medidas para distanciar do poder estatal determinadas atividades, que se achava que seriam de-sempenhadas mais eficientemente pelo setor privado, bem como por-que o Estado interventor do atual momento não conseguia desempenhar seu papel de forma hábil, fazendo-se necessária a ocorrência de uma desregulamentação, reduzindo a quantidade de normas limitativas da atividade econômica2.

Logo, no Brasil, as agências reguladoras são um instituto bastante recente, surgido a partir de 1996 e fruto do processo de desestatização que se desencadeou a partir de 1990, com a edição da Medida Pro-visória nº 155/19903, convertida na Lei nº 8.031/1990, que estabele-ceu o chamado “Plano Brasil Novo”, no Governo do então Presidente Fernando Collor, e posteriormente regulamentado pela Lei nº 9.491/19974,

1 AMARAL, Alexandra da Silva. Princípios estruturantes das agências reguladoras e os mecanismos de contro-le. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008, p. 27.

2 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Estado Mínimo x Estado Máximo: o dilema. Revista Eletrônica sobra a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, nº 12, dezembro/janeiro/fevereiro, 2008. Disponível na Internet: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 10 set. 2011.

3 Brasil. Medida Provisória nº 155/1990, de 15 de março de 1990, que cria o programa nacional de desesta-tização, convertida posteriormente na Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990.

4 Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997, que altera procedimentos relativos ao Programa Nacional de Deses-tatização, revoga a Lei nº 8.031, de 12 de abril de 1990, e dá outras providências.

12 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

que disciplina o Plano Nacional de Desestatização5, instituída em Go-verno posterior, o do Presidente Fernando Henrique Cardoso.

A primeira autarquia em regime especial a ter recebido o nome de agência reguladora no Brasil foi a Agência Nacional de Energia Elétri-ca – ANEEL, constituída pela Lei nº 9.427, de 1996. Em seguida, foram estabelecidas igualmente a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel e a Agência Nacional de Petróleo – ANP, respectivamente pelas Leis nºs 9.472, de 1997, e 9.478, de 1997.

A criação das agências reguladoras não ocorreu de forma even-tual. Insere-se em um contexto histórico que ajunta algumas circunstân-cias, tais como crise absoluta e falha do modelo de Estado interventor, ora prestador de serviços, o desencadeamento de um processo de deses-tatização, atribuindo a entes econômicos particulares o direito de prestar serviços públicos, por meio de delegação, que até então eram prestados exclusivamente por empresas estatais, e a necessidade de se conferir segurança e independência aos investimentos estrangeiros6.

A Constituição Federal deixou evidente que o setor econômico estaria a cargo da iniciativa privada, conforme se observa no art. 170 da Constituição7, reservando ao Estado o papel de agente normativo e regulador da mesma atividade, segundo o art. 174 da Constituição8, a ele só se atribuindo a exploração direta do setor nas situações descritas na forma do art. 173 da Constituição9, ou seja, quando necessárias aos imperativos da segurança nacional ou relevante interesse coletivo.

Ressalta-se que as agências reguladoras sugiram no Brasil por de-cisão estritamente política, visando a um melhor desempenho do papel do Estado e da divisão de funções nascidas com o princípio da separa-ção de poderes, como forma de fiscalizar e garantir que as atividades de-

5 AMARAL, Alexandra da Silva. Princípios estruturantes das agências reguladoras e os mecanismos de contro-le. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 37.

6 MENDES, Conrado Hubner. Reforma do Estado e agências reguladoras: estabelecendo os parâmetros de discussão. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Serviços públicos e regulação estatal: introdução às agências reguladoras. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 123.

7 “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei.”

8 “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”

9 “Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.”

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������13

senvolvidas pela iniciativa privada obedeçam aos ditames estabelecidos pela sociedade no contexto atual.

A partir da década de 1990, começaram a surgir as agências regu-ladoras inspiradas no modelo norte-americano. Isso porque, diante da ineficiência do intervencionismo do Estado no Governo do então Presi-dente Fernando Henrique Cardoso, houve um fortalecimento da política liberalizante da economia.

Buscou-se diminuir a participação do Estado e um aumento nas atividades desenvolvidas pelos particulares, delegando o Estado algumas de suas funções à iniciativa privada, sem, contudo, voltar ao Estado Li-beral, passando o Estado a somente exercer função reguladora sobre as atividades desenvolvidas.

Dessa forma, com o processo de desestatização atingindo o setor de serviços estatais, surgem as agências reguladoras. Entretanto, a venda das empresas estatais prestadoras de serviços trazia consigo o risco de o Estado perder totalmente o poder de influir na sua prestação e de contro-lar a estrutura empresarial.

Tanto quanto o sistema financeiro, sistemas como o elétrico ou de telecomunicações demandam autoridades fortes que os monitorem todo o tempo, porque são serviços fundamentais ao País, e seu colapso seria um verdadeiro desastre econômico.

Além disso, nesses campos, se exerce um extraordinário poder econômico, e o Estado não pode ficar indiferente à concentração empre-sarial excessiva ou fechar os olhos para as práticas anticoncorrenciais10.

Como consequência das mudanças na economia do País, fez-se necessária a ocorrência de alterações substanciais no sistema legislativo, principalmente no que concerne à abertura ao capital estrangeiro na Constituição de 198811, à atenuação dos monopólios estatais12 e à ins-

10 SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Serviços públicos e regulação estatal: introdução às agências reguladoras. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 34.

11 Brasil. Emenda Constitucional nº 06/95, que suprimiu o art. 171 da Constituição de 1988, que conceituava a empresa brasileira e admitia a outorga de e benefícios especiais e preferenciais, e, ainda, alterou a redação do art. 176, § 1º, permitindo a pesquisa e lavra de recursos minerais e aproveitamento das potências de energia elétrica concedidos e autorizados para empresas constituídas por leis nacionais, sem a exigência de capital nacional; Emenda Constitucional nº 07/95, que alterou o art. 178 da Constituição de 1988; Emenda Constitucional nº 36/02, que alterou o art. 178 da Constituição de 1988, passando a admitir participação do capital estrangeiro, no limite de até 30% nas empresas jornalísticas e de radiofusão.

12 Brasil. Emenda Constitucional nº 05/1995, que alterou o art. 25, § 2º, da Constituição de 1988, permitindo que os Estados-membros concedam às empresas privadas a exploração de serviços público locais de gás ca-nalizado; Emenda Constitucional nº 08/1995, que alterou o art. 21, XI, da Constituição de 1988, permitindo a delegação de serviços de telecomunicações às empresas privadas, prevendo ainda a criação de um órgão

14 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

tituição do Programa Nacional de Desestatização (PND)13. Assim, após modificações substanciais no aparato legislativo, optou-se por instituir as agências reguladoras como novo modelo de atuação do Estado regu-lador, ora interventivo.

Todavia, desde promulgada, a Constituição Federal de 1988 evi-denciava que o Estado deveria exercer as funções de fiscalização, in-centivo e planejamento, atuando como agente normativo e regulador da atividade econômica, de forma determinante para o setor público e indicativo para o setor privado, como se observa nas linhas do art. 174 da Constituição Federal14. Posteriormente, no ano de 1995, com a instituição das Emendas Constitucionais nºs 8 e 9, foi prevista a criação de órgãos reguladores específicos para os setores de petróleo15 e teleco-municação16.

A Constituição Federal de 1988 não optou ou exigiu a criação das agências reguladoras, mas deixou essa opção para o legislador, que op-tou pela utilização do modelo norte-americano. Evidenciou-se, então, a partir da década de 1990, um processo de “agencificação”17, que seria a outorga da função regulatória do Estado para as agências reguladoras.

Ainda no Governo de Fernando Henrique Cardoso, houve a criação das agências reguladoras: Lei nº 9.427/1997 (ANEEL); Lei nº 9.472/1997 (Anatel); Lei nº 9.478/1997 (ANP); Lei nº 9.782/1999 (Anvisa); Lei

regulador; Emenda Constitucional nº 09/95, que alterou o art. 177, § 1º, da Constituição de 1988, autori-zando contratação pela União de empresas estatais e privadas para execução de diversas atividades ligadas a exploração de petróleo.

13 Programa Nacional de Desestatização (PND) pela Lei nº 8.031/1990, substituída mais tarde pela Lei nº 9.491/1997.

14 “Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.”

15 “Art. 21. Compete a União: [...] XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15.08.1995) [...].”

16 “Art. 177. Constituem monopólio da União: [...] I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qual-quer origem; [...]

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei.

§ 2º A lei a que se refere o § 1º disporá sobre: [...] III – a estrutura e atribuições do órgão regulador do mono-pólio da União.”

17 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 54.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������15

nº 9.961/2000 (ANS); Lei nº 9.984/2000 (ANA); Lei nº 10.233/2001 (Antaq e ANTT); Medida Provisória nº 2.228-1/2001 e Lei nº 10.454/2002 (Ancine), como forma do Estado tentar suprir as necessidades sociais e econômicas, diante do seu atual sistema de intervenção falido.

2.1 Natureza jurídica e características

As agências reguladoras são pessoas jurídicas de direito público classificadas como autarquias em regime especial. Tal classificação é de notória importância para o desenvolvimento das suas funções, isso por-que, ao serem criadas na forma de autarquias, são dotadas de autonomia em face dos entes políticos, e, assim, não há interferência do Estado no desempenho das atividades com interferência no domínio econômico e fiscalização de prestação dos serviços públicos por parte das agências.

Por possuírem natureza autárquica, as agências reguladoras estão sujeitas ao disposto no art. 37, XIX, da Constituição Federal de 198818, ou seja, necessitam de lei específica que as institua e as extinga. Ainda, por serem criadas na forma especial, são dotadas de maior estabilidade e autonomia administrativa em razão do seu ente criador, o que as dis-tingue das tradicionais autarquias.

Outra demonstração dessa especialidade é no que concerne à in-vestidura de seus dirigentes, que são nomeados pelo Presidente da Repú-blica, mas distinguindo-se das demais autarquias, essa nomeação vai de-pender de prévia aprovação do Senado Federal, conforme previsto nos arts. 84, XIV19, e 52, III, f20, da Constituição Federal de 1988, combinados com o art. 5º da Lei nº 9.986/200021, recebendo, por isso, a terminologia de investidura especial.

18 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...] XIX – somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, de sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) [...].”

19 “Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] XIV – nomear, após aprovação pelo Senado Federal, os Ministros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores, os Governadores de Territórios, o Procurador-Geral da República, o presidente e os diretores do banco central e outros servidores, quando determinado em lei; [...].”

20 “Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: [...] III – aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de: [...] f) titulares de outros cargos que a lei determinar; [...].”

21 Brasil. Lei nº 9.986, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre a gestão de recursos humanos das Agências Reguladoras e dá outras providências. [...] Art. 5º O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente (CD I) e os demais membros do Conselho Diretor ou da Diretoria (CD II) serão brasileiros, de reputação ili-bada, formação universitária e elevado conceito no campo de especialidade dos cargos para os quais serão

16 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Além disso, os dirigentes têm mandato por prazo certo, fixado no ato da nomeação, e a duração não deve ultrapassar a da legislatura do Presidente. Ainda no que diz respeito ao mandato dos dirigentes, há ainda o que a doutrina nomeia de quarentena, que ocorre quando, ter-minado o mandato, o ex-dirigente é impedido por quatro meses de exer-cer qualquer atividade ou prestação de serviço no setor regulado pela agência, conforme dispõe o art. 8º da lei supracitada22.

Ainda, os Conselheiros e os Diretores somente perderão o manda-to em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar, salvo se a lei que instituir a agência reguladora crie outras condições23. Sobre a organização dos de-mais cargos e carreiras, tem-se a Lei nº 10.871/200424, que dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais, denominadas agências reguladoras, definindo o regime esta-tutário para os agentes, e sobre outras regras.

Outro item de fundamental importância na garantia da autonomia das agências reguladoras é a independência financeira em relação ao Erário público, o que ocorre mediante a arrecadação de uma taxa de regulação devida pela concessionária diretamente à agência do setor regulado, taxa com relação direta em razão do proveito financeiro obti-do com a concessão, e, dessa forma, a agência não depende de verbas orçamentárias para o seu custeio.

Essa taxa de regulação tem natureza contratual, com pagamento contratualmente estipulado, pois é do contrato de concessão de serviços firmado entre o poder concedente e a concessionária que se origina a cobrança, que é fixada como forma de contrapartida para contratação da concessão, assegurando a segurança jurídica dos investimentos25.

nomeados, devendo ser escolhidos pelo Presidente da República e por ele nomeados, após aprovação pelo Senado Federal, nos termos da alínea f do inciso III do art. 52 da Constituição Federal. Parágrafo único. O Presidente ou o Diretor-Geral ou o Diretor-Presidente será nomeado pelo Presidente da República dentre os integrantes do Conselho Diretor ou da Diretoria, respectivamente, e investido na função pelo prazo fixado no ato de nomeação.”

22 O art. 8º da Lei nº 9.986/2000 diz que o ex-dirigente fica impedido para o exercício de atividades ou de prestar qualquer serviço no setor regulado pela respectiva agência, por um período de quatro meses, contados da exoneração ou do término do seu mandato.

23 O art. 9º da Lei nº 9.986/2000 dispõe que os Conselheiros e os Diretores somente perderão o mandato em caso de renúncia, de condenação judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar. “Parágrafo único. A lei de criação da Agência poderá prever outras condições para a perda do mandato”.

24 Brasil. Lei nº 10.871, de 20 de maio de 2004, dispõe sobre a criação de carreiras e organização de cargos efetivos das autarquias especiais denominadas Agências Reguladoras e dá outras providências.

25 CARVALHO, Cristiano Martins. Agências reguladoras. Jus Navegandi, edição de outubro/2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2654/agencias-reguladoras>. Acesso em 19 jan. 2012.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������17

Entre as principais características das agências reguladoras, pode--se citar o poder normativo concedido a essas autarquias, que, mediante esse poder, podem editar normas abstratas infralegais de cunho legisla-tivo, como forma de regulamentar o setor a ser regulado; pode-se dizer que seria uma delegação legislativa.

Há certa controvérsia na doutrina acerca dessa nomenclatura, e os autores avessos a essa ideia justificam que, em função de a nature-za desse instituto ser imune ao controle político, somente poderiam as agências emitir normas acerca de matérias de suas competências a partir de uma teoria sobre os regulamentos autônomos brasileiros26.

Outros doutrinadores consideram autênticas as delegações de Po-der Legislativo às agências, porquanto, pautadas no imperativo de exer-cício de uma discricionariedade técnica, que funda-se em motivos de cunhos científicos e tecnológicos que tornam essa alternativa tecnica-mente a mais viável ou a única adequada27, até porque a criação de agências reguladoras como forma de descentralização da Administração e com o escopo de obter um maior controle dos serviços prestados exige todo um aparato de conhecimentos técnicos do setor regulado.

Diante disso, válido é o entendimento que a atribuição de poder normativo às agências reguladoras não exclui o poder de legislar, entre-tanto, significa o alargamento do desempenho da função normativa do Estado. Destarte, o poder normativo atribuído às agências reguladoras é o que lhe torna peculiar e a diferencia dos papéis clássicos do Executivo, de forma que,excluir sua incidência seria obstruir sua própria essência. Necessária, aqui, a ênfase de que seu exercício depende de limites con-feridos pela sua lei criadora, o que aparta o argumento de que se estaria diante de regulamentos autônomos28.

Também é válido ressaltar que a função normativa da agência re-guladora é tão somente técnica e direcionada ao setor regulado, o que requer a edição de normas por agentes especializados. Vale ressaltar que a edição dessas normas deve observar a participação da sociedade e do setor regulado, evitando a criação de um sistema repleto de normas tec-

26 CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001. p. 142.27 SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 50.28 AMARAL, Alexandra da Silva. Princípios estruturantes das agências reguladoras e os mecanismos de contro-

le. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

18 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

nocráticas, que desvalorizam os valores humanos ao se ater à máxima racionalização.

Tal juízo seria incompatível com o atual estágio do direito admi-nistrativo que acompanha a evolução do Estado e da sociedade, acres-cendo-se de um caráter valorativo, tornando-se necessária a justificação de suas decisões publicamente, respeitando o princípio da publicidade de suas decisões, disposto no art. 37, caput29, da Constituição Federal de 1988.

Além disso, as normas reguladoras editadas por essas autarquias devem obedecer ao processo argumentativo, garantindo a sua legitimi-dade e assegurando que os interesses da coletividade sejam assegurados, e, ainda, se necessária a legitimidade formal, ausentes a representação democrática, observar-se-á o princípio da participação, garantindo legi-timidade substancial.

Ulterior particularidade das agências reguladoras é a certa inde-pendência conferida a esses entes administrativos, sendo dotados de função quase judicial, que nada mais é do que o poder de solucionar conflitos de interesses, decidindo-os administrativamente entre os dele-gatários, o poder concedente, a própria agência e os usuários dos servi-ços prestados.

No caso dos serviços públicos, podemos citar a Lei nº 8.987/199530, e, ainda, as leis específicas instituidoras dessas autarquias preveem a sua competência para a tomada de decisões, como é o caso da Lei nº 9.427/199631, instituidora da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, que, no art. 3, V32, atribui competência a esta para dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre concessionárias, permis-sionárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores, bem como as leis insti-

29 “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...].”

30 Brasil. Lei nº 8.987, de 12 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal e dá outras providências.

31 Brasil. Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que Institui a Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, disciplina o regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica e dá outras providências.

32 “Art. 3o Além das atribuições previstas nos incisos II, III, V, VI, VII, X, XI e XII do art. 29 e no art. 30 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, de outras incumbências expressamente previstas em lei e observado o disposto no § 1o, compete à ANEEL: [...] V – dirimir, no âmbito administrativo, as divergências entre conces-sionárias, permissionárias, autorizadas, produtores independentes e autoprodutores, bem como entre esses agentes e seus consumidores; [...].”

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������19

tuidoras das demais agências reguladoras preveem tal competência para solucionarem conflitos.

Entretanto, essa independência deve ser compatível com o regime constitucional brasileiro e de modo algum pode-se afastar o princípio básico determinante em nosso sistema político democrático, predito pelo art. 5º, XXXV33.

Assim, em relação ao Poder Judiciário, a suposta independência não existe, tendo em vista o sistema de unidade de jurisdição, garantido pelo artigo supracitado da Constituição Federal de 1988.

Logo, o fato de ser a última instância administrativa, a decisão tomada por ela não deve ser submetida a controle por meio de recurso hierárquico impróprio e, por ser evidentemente técnica, não pode sofrer intromissão política. Com obviedade, não obsta recurso ao Judiciário para revisão dessas decisões no que se aplica aos atos administrativos34.

Pode-se afirmar que as competências das quais as agências regu-ladoras são dotadas fortalecem o Estado, porque retiram do emaranhado das lutas políticas a regulação de importantes atividades sociais e econô-micas, atenuando a concentração de poderes na Administração Pública e, por conseguinte, alcançam de forma mais satisfatória o objetivo da separação de poderes, que é garantir de forma mais eficaz a segurança jurídica, proteção da coletividade e dos particulares, mantendo a proba-bilidade da interferência do legislador, seja para alterar o regime jurídico da agência reguladora, seja para extingui-la35.

2.2 as agêNcias reguladoras brasileiras

No que se refere à estrutura das agências reguladoras brasileiras, observa-se que estas têm sido criadas por leis esparsas, com estrutura e atribuições próprias, e além de independência técnica, devem possuir

33 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.”

34 MENDES, Conrado Hubner. Reforma do Estado e agências reguladoras: estabelecendo os parâmetros de dis-cussão. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 131.

35 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências reguladoras e a evolução do direito administrativo econômico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 375.

20 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

autonomia financeira e administrativa, recebendo seus recursos direta-mente das concessionárias36.

A primeira agência reguladora a ser instituída foi a Agência Na-cional de Energia Elétrica – ANEEL, constituída pela Lei nº 9.427, de 26 de dezembro de 1996, é composta por um Diretor Geral e por quatro Diretores (logo, dispõe de regime colegiado), nomeados pelo Presidente da República, com mandados não coincidentes de quatro anos, e os membros da Diretoria dependerão de prévia aprovação do Senado Fede-ral, conforme art. 52, inciso III, alínea f37, da Constituição Federal. Ainda, faz parte da sua estrutura uma Procuradoria e tem a função jurídica, ou seja, de defender a agência em juízo, e as superintendências regionais38.

Em 16 de julho de 1997, foi criada pela Lei nº 9.472 a Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, que tem como órgão supe-rior o Conselho Diretor – composto por cinco conselheiros, decidindo por maioria absoluta de votos, com mandado de cinco anos, nomeados pelo Presidente da República com aprovação pelo Senado – e, ainda, um Conselho Consultivo – órgão de participação institucionalizada da sociedade na agência –, uma Procuradoria – responsável por defender a agência judicialmente –, uma Corregedoria – que avalia o desempenho funcional dos servidores da agência, sua eficiência e os processos dis-ciplinares –, uma Biblioteca e uma Ouvidoria – que visa a conhecer as reclamações dos usuários pela ausência ou ineficiência na prestação dos serviços –, bem como unidades especializadas39.

Ainda em 1997, foi instituída a Agência Nacional do Petróleo – ANP pela Lei nº 9.478, de 6 de agosto de 1997, dirigida por regime Co-legiado, por uma Diretoria – um Diretor Geral e quatro Diretores, com mandado de quatro anos, nomeados pelo Presidente da República, nos termos do art. 52, inciso III, alínea f, da Constituição Federal –, ainda integram a sua estrutura superintendências e um Procurador-Geral. A deliberação de seus diretores contará com no mínimo três votos conver-gentes, e os atos decisórios deverão ser publicados no Diário Oficial da União – DOU, atendendo ao princípio administrativo da publicidade40.

36 CAL, Arianne Brito Rodrigues. As agências reguladoras no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 101.

37 “Compete privativamente ao Senado Federal: [...] III – aprovar previamente, por voto secreto, após arguição pública, a escolha de: [...] f) titulares de outros cargos que a lei determinar.”

38 CAL, Arianne Brito Rodrigues. Op. cit., p. 101.39 Idem, ibidem.40 Idem, p. 97.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������21

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, instituída pela Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999, é dirigida por uma Direto-ria Colegiada, constituída por um Procurador, um Ouvidor e um Corre-gedor, e unidades especializadas. Assim como a Anatel, dispõe de um Conselho Consultivo – responsável por acompanhar o desenvolvimento das atividades realizadas. Os Diretores são nomeados pelo Presidente da República, nos termos do art. 52, inciso III, alínea f, da Constituição Federal41.

Em 28 de janeiro de 2000, foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, dirigida por uma Diretoria Colegiada – composta por cinco Diretores e um Diretor-Geral, com mandado de três anos, no-meados pelo Presidente da República, nos termos do art. 52, inciso III, alínea f, da Constituição, e, assim como a Anvisa, conta com um Corre-gedor, um Procurador e um Ouvidor, e, ainda, com a Câmara de Saúde Suplementar – esta possui caráter permanente e consultivo42.

Já no caso da Agência Nacional de Águas – ANA, instituída pela Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, também é dirigida por uma Di-retoria Colegiada – constituída por cinco membros, com mandado de quatro anos, nomeados pelo Presidente da República, nos termos do art. 52, inciso III, alínea f, da Constituição – e conta com uma Procura-doria – vinculada à Advocacia-Geral da União, competente para repre-sentar a ANA judicialmente43.

No caso das agências nacionais que regulam os transportes terres-tres e aquaviários, a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq, ambas insti-tuídas pela Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001, ambas são constituídas por Diretorias em regime colegiado e, assim como a Anvisa e a ANS, contam com um Procurador, um Corregedor e um Ouvidor, e as delibe-rações ocorrerão por maioria absoluta dos votos. Uma peculiaridade é que as relações trabalhistas serão regidas pela Consolidação de Leis do Trabalho – CLT, em regime de emprego público, podendo efetuar con-tratação temporária44.

41 Idem, p. 102.42 Idem, p. 105.43 Idem, p. 107.44 Idem, p. 108.

22 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Ao analisar os parágrafos supra, identifica-se que existem várias diferenças, e cada agência possui peculiaridades próprias, isto porque as agências são executoras de atividades diferentes, e tais particularidades variam de acordo com o setor de desempenho de cada agência.

Pode-se apontar algumas falhas no ordenamento jurídico nas es-truturas dessas agências instituídas por lei, entre elas o fato de algumas agências exigirem aprovação do Senado Federal, nos termos do art. 52, inciso III, alínea f, da Constituição Federal, após nomeação pelo Presi-dente da República, e outras não, como é o caso da ANA.

Além disso, como se observa, algumas agências não possuem ou-vidoria, a exemplo da ANEEL, ANP e ANA, sendo que a ouvidoria deve-ria ser vista como um dos órgãos mais importantes da estrutura de uma agência reguladora, e essa ausência constitui uma restrição às reclama-ções dos usuários do serviço, não sendo possível tomar ciência quanto à prestação do serviço pela concessionária.

Diante da diferenciação que existe na estrutura de cada agência reguladora, torna-se necessária uma uniformização, de forma que sejam concedidas a cada ente regulador as mesmas regras, porque, quando falamos em agências reguladoras, falamos em uma única figura do orde-namento jurídico45.

2.3 o poder Normativo das agêNcias reguladoras

O complexo grau de abstração e generalidade nas leis editadas pelo Poder Legislativo não suporta mais os novos padrões sociais, sendo imprescindível a edição de normas mais diretas para tratar de especifici-dades, planejar os setores e viabilizar a intervenção estatal para assegu-rar que a vontade da Constituição seja alcançada.

Justifica-se, então, a atribuição de poder normativo às agências reguladoras, que, de modo algum, exclui o poder de legislar, apenas incentiva o aprofundamento da atuação normativa do Estado46.

A natureza do poder normativo das agências reguladoras é regu-lamentar, sendo consequência da delegação de competência legislativa pela via da delegificação ou deslegalização.

45 Idem, p. 114.46 SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Op. cit., p. 27.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������23

Vislumbra-se uma solução para a sobrecarga do Legislativo quan-do se viabiliza com a simplificação do processo legislativo, leia-se, pela entrega de parte da função normativa a outros órgãos ou instâncias esta-tais, em particular para o Executivo47.

Não há como mensurar até onde o Executivo deixa de representar os interesses sociais como o Legislativo, mas certo é que o conceito de lei, como comando normativo estatal derivado do Legislativo e com-posto das características de generalidade, abstração, impessoalidade e permanência, não se compatibiliza com a sociedade técnica48.

Para compreender melhor essa atribuição de poder normativo às agências reguladoras, é imperioso analisar o contexto da complexidade e tecnicidade das relações sociais e econômicas, isto porque cabe ao Estado promover o bem comum de forma eficiente cumprindo os princí-pios democráticos e a concretização dos direitos fundamentais, assegu-rando a vontade da Constituição.

2.3.1 A constitucionalidade do poder normativo destas entidades

Quando se fala em se é constitucionalmente viável as agências reguladoras serem dotadas de poder normativo, não significa que elas podem produzir regulamentos autônomos, isto porque todas as suas competências devem ter base legal, visto que só a lei pode criá-las e conferir poderes para normatizar49.

A constitucionalidade da lei atributiva depende de o legislador es-tabelecer standards suficientes, o que, não havendo, pode-se falar em delegação de função legislativa50.

Vale fazer uma breve diferenciação de poder normativo e poder legislativo, em que a competência normativa corresponde ao poder de produzir normas de conduta que gerarão comandos com o intuito de

47 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 54.

48 Idem, ibidem.49 Vale ressaltar o ensinamento de Sundfeld quanto ao poder normativo das agências reguladoras ao afirmar:

“Quando reconheço ser constitucionalmente viável que elas desfrutem de um tal poder, de modo algum estou sugerindo que elas produzam ‘regulamentos autônomos’ ou coisa parecida, pois todas as suas competências devem ter base legal – mesmo porque só a lei pode criá-las, conferindo-lhes (ou não) poderes normativos” (SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 27).

50 SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Op. cit., p. 28.

24 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

regular a conduta intersubjetiva, e a competência legislativa é o poder de normas jurídicas de cunho legislativo51.

Pode-se caracterizar a lei como ato jurídico estatal por meio do qual são produzidas normas jurídicas, o que pressupõe atividade pró-pria do Estado, constituindo-se regras escritas de cunho vinculante, e a norma jurídica como comando acerca da conduta das pessoas, determi-nando que diante da verificação de certas conjecturas possa seguir uma conduta especifica ou genérica52.

Logo, fala-se em competência legislativa ao se referir a ato típico do Estado ao produzir a lei em si e em competência normativa a produ-ção de normas jurídicas que servem de norte para disciplinar a conduta humana e que, em última análise, geram normas jurídicas53.

Assim, pode-se compreender competência normativa como pro-dução de normas de caráter geral e abstrato, de cunho infralegal, po-dendo ser veiculada por meio de regulamentos, exercendo poder regu-lamentar, resoluções, portarias e outros, e que interfiram diretamente na esfera de direitos dos particulares54.

Portanto, as agências reguladoras são dotadas de competência normativa, e a natureza do poder de editar normas das agências regula-doras é regulamentar, sendo efeito da delegação de competência legis-lativa pela via da delegificação ou deslegalização.

A única manifestação permissiva expressa da delegação da ativi-dade legislativa pela Constituição concerne às leis delegadas, sendo, em regra, vedada a delegação da ação normativa de competência do Con-gresso Nacional ao Executivo, conforme art. 25 do ADCT55.

Entretanto, no caso da ação normativa pelas agências reguladoras, não se aplica a vedação, isto porque veda-se a Administração Pública, em regra, que exerça competência que é atribuída aos órgãos legislati-

51 JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002. p. 485.

52 No livro Ensaio sobre a Lei, Moncada refere-se ao objetivo do livro como “a caracterização da lei como norma jurídica” (MONCADA, Luis S. Cabral. Ensaio sobre a lei. Coimbra, 2002. p. 5).

53 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 487.54 MENDES, Conrado Hubner. Op. cit., p. 129.55 “Art. 25. Ficam revogados, a partir de cento e oitenta dias da promulgação da Constituição, sujeito este prazo

a prorrogação por lei, todos os dispositivos legais que atribuam ou deleguem a órgão do Poder Executivo competência assinalada pela Constituição ao Congresso Nacional, especialmente no que tange a: I – ação normativa; [...].”

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������25

vos, o que não se sobrepõe ao poder normativo inerente ao exercício da função administrativa, sem o qual não poderia aplicar às leis e especifi-car matérias como por elas exigido56.

2.3.2 A descentralização normativa no Estado brasileiro

A recusa do poder normativo ao Executivo não evita uma crise democrática; se o fato de outorgar esse poder ao Executivo pode originar arbítrio, ameaçando a democracia, recusar poderá destruí-la. Quando se recusa a atribuir poder normativo a quem possui condições de exercitá--lo, com maior eficiência, pode-se tonar o governo impotente e ocasio-nar um verdadeiro desastre à democracia57.

Diante do pensamento harmônico dos princípios democráticos que se fundam na ideia do bem comum, se faz necessária releitura dos princípios da legalidade e da tripartição de poderes para a consecução do Estado Constitucional Democrático de Direito, abandonando os for-malismos arraigados no princípio da legalidade e da tripartição de po-deres.

As competências destinadas às agências reguladoras indepen-dentes fortalecem o Estado Democrático de Direito, de forma que, ate-nuando a concentração de poderes na Administração Pública, obtêm com melhor proveito a consecução do objetivo da separação de pode-res, garantindo de forma mais eficaz a segurança jurídica e a proteção da sociedade e dos particulares, mantendo-se a possibilidade de interferên-cia do Legislador para alterar o regime jurídico da agência reguladora, ou mesmo para extingui-la58.

Óbvio é a necessidade da atividade legislativa, porém, ao assumir a concepção de Estado Democrático de Direito, tal função legislativa deve ser repartida com o Executivo, entretanto, o Legislativo não deve deixar de reforçar o seu poder de controle sobre os atos, inclusive nor-mativos, efetuados pelo Executivo59.

56 ANDRADE, Letícia Queiroz de. Poder normativo das agências reguladoras (legitimação, extensão e contro-le). Revista eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador: Instituto de Direito Público, n. 15, ago./set./out. 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 25 dez. 2011.

57 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 16.58 ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 275-276.59 CLÈVE, Clèmerson Merlin. Op. cit., p. 57.

26 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

No Brasil, a Reforma Administrativa de 1995 trouxe consigo a necessidade de flexibilidade da gestão pública no exercício da função administrativa, e o então Presidente Fernando Henrique Cardoso criou uma estrutura organizacional objetivando efetivar uma ampla mudança administrativa, sob a orientação de um modelo gerencial voltado para eficiência60.

Nesse contexto, insere-se a mudança da Secretaria de Administra-ção Federal da Presidência da República – SAF para um novo ministério chamado Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE, e ainda foram instalados a Câmara da Reforma do Estado e o Conselho de Reforma do Estado, buscando a deliberação sobre planos e projetos visando a implementar a reforma administrativa61.

Logo, foram estabelecidos objetivos no Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, e entre esses objetivos uma linha de ação institu-cional-legal com a remoção de barreiras legais e normativas para a ins-tituição da descentralização administrativa, com a criação de agências autônomas. Diante da preocupação em efetivar tais mudanças, surgem a proposta de emenda à Constituição e de uma legislação infraconstitu-cional, como forma de incorporar à Administração Pública novas insti-tuições, e uma reorganização da prestação dos serviços públicos62.

Com o advento da Emenda Constitucional (EC) nº 19/1998, institu-cionalizou-se o princípio da eficiência e formalizou-se a importância da autonomia como conditio sine qua non do processo de descentralização administrativa, buscando-se, assim, a qualidade da atividade estatal.

O princípio da eficiência, presente no art. 37 da Constituição Fe-deral, representa o mais importante objetivo da Reforma Administrati-va, levando à remodelação das funções da Administrativa Pública, não competindo apenas executar as leis, mas, sobretudo, satisfazer os inte-resses coletivos63.

A instituição das agências reguladoras dotadas de poder normativo no cenário político-administrativo brasileiro fortaleceu o Executivo, que

60 LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008. p. 204.61 Idem, ibidem.62 Idem, ibidem.63 idem, p. 84.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������27

passou a obter maior destaque na mediação política com o setor econô-mico e, por conseguinte, com o setor privado.

Entretanto, se faz necessária a manifestação do princípio da accountability – controle parlamentar – para legitimar o modelo regula-tório implantado, e, assim, para garantir a eficácia dos marcos de regula-ção e, consequentemente, a eficiência do processo de desestatização, é imperiosa a prestação de contas e justificativa dos atos e decisões toma-das pelas agências ao Legislativo64.

Evidencia-se a necessidade de adaptação dos princípios da lega-lidade e da tripartição dos poderes à contemporaneidade dos clamores, não só políticos, como sociais e econômicos. Sucede que a clássica pro-dução normativa pelo Legislativo revela-se tecnicamente despreparada para regulamentar certas matérias e, ainda, não acompanha a dinamici-dade das relações sociais atuais.

2.3.3 A finalidade do poder normativo das agências reguladoras

A função reguladora inicia-se com o processo de deslegalização, por meio do qual o Congresso transfere a disciplina de certas tarefas ao ente regulador. Consiste em um híbrido das três funções clássicas do poder estatal, cumprindo a ela o exercício não apenas da função admi-nistrativa, incumbida da gestão da res publica, mas, também e funda-mentalmente, da função normativa e da função judicativa65.

A função normativa não se confunde com a tradicional função regulamentadora da Administração Pública, positivada no art. 84, inciso IV, da Constituição, em que a esta compete a fiel execução da lei e dela deriva a expedição dos atos normativos, isto porque não podem criar obrigações nem impor comportamentos aos administrados não previstos por lei e, assim, não inovam no ordenamento jurídico66.

Pode-se definir deslegalização como a forma do legislador retirar certas matérias do domínio da lei e atribuí-las às agências reguladoras para, assim, disciplina-las67.

64 Idem, p. 343.65 AMARAL, Alexandra da Silva. Op. cit., p. 45.66 Idem, ibidem.67 FIGUEIREDO, Diogo apud AMARAL, Alexandra da Silva. Op. cit., p. 45.

28 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Alguns doutrinadores rejeitam a ideia de que o poder normativo dos entes reguladores se justifica pela deslegalização, em razão da natu-reza precária, excepcional e imune a controle político, mas reconhecem que estes possuem prerrogativas para emitir normas sobre matérias de suas competências, a partir de uma teoria sobre os regulamentos autô-nomos brasileiros68.

Há, ainda, doutrinadores que reconhecem a existência da função reguladora tão somente das agências que têm previsão constitucional, à exemplo da Anatel e da ANP, conforme disposto nos arts. 21, inciso XI, e 177, § 2º, inciso III, ambos da Constituição. Sob esta perspectiva, defen-dem que a delegação realizada pela instituidora da agência reveste-se de inconstitucionalidade, não podendo regular matéria não anteriormente disciplinada em lei, tendo em vista a ausência de fundamento constitu-cional para os regulamentos autônomos no ordenamento jurídico69.

Mas logo afasta-se o argumento de inconstitucionalidade na des-legalização, pois não há evidentemente uma cessão de poderes legis-lativos às agências reguladoras, mas apenas a adoção, pelo próprio le-gislador, de uma política legislativa pela qual confere a uma outra sede normativa a regulação de certa matéria70.

Destarte, desde que a função normativa da agência reguladora seja entendida como restringida aos limites estabelecidos previamente em lei, para uma atuação meramente técnica e livre de inconstitucio-nalidade e, assim, não ocorrerá usurpação de função legislativa, logo, a atribuição de poder normativo às agências reguladoras não exclui o poder de legislar, constituindo-se o aprofundamento da atuação norma-tiva do Estado71.

Ressalta-se que o poder normativo conferido às agências regula-doras é meramente técnico e direcionado ao setor regulado por estas, portanto, requer que as normas sejam editadas por agentes especiali-zados. Mas a norma deve obedecer a um processo argumentativo para garantir que os interesses relevantes da sociedade sejam assegurados,

68 CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001. p. 142.69 DI PIETRO apud AMARAL, Alexandra da Silva. Op. cit. p. 4570 ARAGÃO apud AMARAL, Alexandra da Silva. Op. cit., p. 43.71 SUNDFIELD apud AMARAL, Alexandra da Silva. Op. cit., p. 43.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������29

revestindo-se da necessária legitimidade, pautando-se no princípio da participação72.

2.3.4 O exercício da função normativa com fundamento nos standards

Faz-se imprescindível a percepção de que a lei instituidora das agências reguladoras terá que estabelecer limites para ação normativa destas por meio de standards. Assim, os regulamentos editados por es-sas autarquias especiais devem ser entendidos como delegados e distin-guem-se, portanto, do regulamento autônomo e de execução.

Entretanto, a lei deslegalizadora determinará o teor material da futura normatização perpetrada pela Administração Pública, se limitan-do a estabelecer standards e princípios a serem respeitados na atividade administrativo-normativo73.

Explica-se que por standards entendem-se as normas gerais e abs-tratas, em que a competência para operacionalização prática competirá às agências reguladoras, por determinação das leis que as instituírem, cabendo ao Legislativo estabelecer no momento da criação do ente re-gulador, sob orientações do Executivo, tais normas que serão operacio-nalizadas pela autarquia em regime especial74.

Assim, as agências reguladoras possuem competências normativas embasadas nos standards, logo, seus poderes normativos são determina-dos legalmente75 pelo Legislativo quando da criação dessas Autarquias.

As leis que estabelecem essas autarquias em regime especial as-sociam-se, deste modo, à categoria das standartizadas, concernentes às matérias de maior complexidade técnica e dos setores suscetíveis a constantes mutações econômicas e tecnológicas76.

72 AMARAL, Alexandra da Silva. Op. cit., p. 45.73 OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Constitucionalização do direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro:

Lumen Juris, 2010. p. 71.74 LEHFELD, Lucas de Souza. Op. cit., p. 264.75 Ressalta-se o ensinamento de Aragão ao discorrer sobre a limitação do poder normativo pelos standards for-

necidos: “Podemos ver, com efeito, que, apesar da maior ou menor magnitude de poder normativo legalmente outorgado nas suas esferas de atuação, todas as agências reguladoras – umas mais e outras menos – pos-suem competências normativas calcadas em standards, ou seja, em palavras dotadas de baixa densidade normativa, às vezes meramente habilitadoras, devendo exercer estas competências na busca da realização das finalidades públicas – também genéricas – fixadas nas suas respectivas leis” (ARAGÃO, Alexandre Santos de. Op. cit., p. 408).

76 Idem, ibidem.

30 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Além disso, ressalta-se que a constitucionalidade da lei atributiva do poder normativo depende do legislador estabelecer standards sufi-cientes, caso contrário, existiria legítima delegação de função legisla-tiva77.

Todo esse repasse de poder normativo para as agências regulado-ras faz sentido no contexto da complexidade e tecnicidade das relações sociais e econômicas, já que o Estado se incumbiu de promover o bem comum de forma eficiente, atendendo aos princípios democráticos e aos preceitos da justiça social.

Por consequência, o poder normativo das agências reguladoras tem que encontrar harmonização com a vontade constitucional. A uti-lização do instituto das agências caminha para a concretização do bem comum, operando para assegurar direitos fundamentais e protegendo a sociedade por meio de normas, com a finalidade de atender ao equilí-brio econômico, à justiça social e à dignidade humana, compatível são elas, pois, com a Constituição e com o Estado Democrático. Até porque a sua forma de atuação produtiva de normas está limitada aos standards contidos na lei que as criou.

3 DAS CONSIDERAÇÕES fINAIS

As Agências Reguladoras, ao que se percebe, surgem no Brasil como um meio de apoio necessário para que o Estado possa atender às necessidades de uma sociedade cada vez mais técnica e complexa, no contexto da regulação de determinados setores, em virtude do processo desestatização que se desencadeou a partir de 1990.

Com as privatizações, o Estado passou à iniciativa privada a pres-tação de serviços antes prestados apenas por ele. Isso trazia consigo o risco de o Estado perder totalmente o poder de influir na prestação de tais serviços e de controlar a estrutura empresarial, razão pela qual as agências reguladoras seriam necessárias para regulação de setores em que houve a desestatização.

Essas autarquias apresentam características que as diferenciam das demais, entre as quais, já observadas anteriormente, está o objeto do

77 SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 27.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������31

presente trabalho, qual seja, o poder normativo, pelo que se avalia a sua constitucionalidade.

É certo que o complexo grau de abstração e generalidade nas leis editadas pelo Poder Legislativo não mais se mostra condizente nem sufi-ciente para atender a todas as demandas sociais, sendo imprescindível a edição de normas mais diretas e técnicas para tratar de especificidades, planejar os setores e viabilizar a intervenção estatal para assegurar que a vontade da Constituição seja alcançada.

Daí a necessidade de as agências reguladoras serem dotadas de poder normativo, sendo regulamentar a natureza do poder de editar normas dessas autarquias, o que se obtém pela via da delegificação ou deslegalização, o que não encontra impedimento constitucional, confor-me anotado anteriormente, pois se trata de poder normativo inerente ao exercício da função administrativa.

Constata-se que essas competências das quais as agências regula-doras são dotadas fortalecem o Estado e a própria Constituição, atenuan-do a concentração de poderes na Administração Pública e retirando-se das lutas políticas, e, assim, concretizam de forma mais satisfatória o ob-jetivo da separação de poderes, que é assegurar de forma mais eficaz a segurança jurídica, proteção da coletividade e dos particulares, e, ainda, mantendo a possibilidade da intromissão do legislador, para modificar o regime jurídico da agência reguladora ou mesmo para extingui-la.

É, pois, imprescindível repensar a forma de aplicação dos princí-pios da tripartição de poderes e da legalidade, devendo estes passar por uma nova leitura, de forma a reconhecer que o poder normativo das agências reguladoras não os contrariam. Isso porque essas autarquias atuam para suprir a falta de conhecimento técnico dos parlamentares, a inércia do Legislativo para a normatização de certas matérias e para evitar a superposição de interesses pessoais de integrantes da Casa Legis-lativa sobre os interesses da sociedade.

Além disso, as agências reguladoras atuam no sentido de proteger e fazer valer princípios e direitos fundamentais assegurados na Consti-tuição, atuando amparadas pelo manto desta, em busca de efetivação e realização de uma democracia material.

Logo, o poder normativo das agências reguladoras se mostra indis-pensável para a atividade reguladora do Estado, editando normas funda-

32 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

mentais para a proteção e concretização da democracia e do equilíbrio econômico, o que reflete, inevitavelmente, a vontade constitucional e caminha no sentido do bem-estar social.

Dessa forma, pretende-se firmar o entendimento de que o poder normativo das agências reguladoras é constitucional e condizente com o Estado Constitucional Democrático de Direito.

REfERÊNCIAS

AGRA, Wagner de Moura. Curso de direito constitucional. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

ANDRADE, Letícia Queiroz de. Poder normativo das agências reguladoras (legitimação, extensão e controle). Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, Salvador: Instituto de Direito Público, n. 15, ago./set./out. 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 25 dez. 2011.

AMARAL, Alexandra da Silva. Princípios estruturantes das agências reguladoras e os mecanismos de controle. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

ARAGÃO, Alexandre Santos de. Legalidade e regulamentos administrativos no direito contemporâneo. Uma análise doutrinária e jurisprudencial. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 41, out./dez. 2002.

BARROSO, Luís Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito (o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil). RERE – Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Salvador, n. 09, 2007.

BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do direito administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 13, mar.o/abr./maio 2008. Disponível em: <www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 11 abr. 2012.

______. Uma teoria do direito administrativo. 2. ed. São Paulo: Renovar, 2008.

BOBBIO, Norberto. Direito e Estado no pensamento de Emanuel Kant. 2. ed. Tradução Alfredo Fait. São Paulo: Mandarim, 2000.

______. Estado Governo Sociedade Para uma teoria geral da política. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2005.

BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������33

BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

CAL, Arianne Brito Rodrigues. As agências reguladoras no direito brasileiro. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

CARVALHO, Cristiano Martins. Agências reguladoras. Jus Navegandi, edição de outubro/2001. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/2654/agencias-reguladoras>. Acesso em: 19 jan. 2012.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Estado Mínimo x Estado Máximo: o dilema. Revista Eletrônica sobra a Reforma do Estado (RERE), Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 12, dez./jan./fev. 2008.Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em: 10 set. 2011.

CLÈVE, Clèmerson Merlin. Atividade legislativa do poder executivo. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder normativo. São Paulo: Dialética, 2001.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2007.

______. Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público privada e outras formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do processo legislativo. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

HESSE, Conrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1991.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

______. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.

KEYNES, John Maynard. Economia. Trad. Mirian Moreira Leite. São Paulo: Ática, 1978. (Grandes Cientistas Sociais).

LEHFELD, Lucas de Souza. Controles das agências reguladoras. São Paulo: Atlas, 2008.

LIMA, Michelle Fernandes. Liberalismo clássico: origens históricas e fundamentos básicos. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br>. Acesso em: 26 dez. 2011.

34 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

MENDES, Conrado Hubner. Reforma do Estado e agências reguladoras: estabelecendo os parâmetros de discussão. In: SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006.

MONCADA. Luís S. Cabral de. Ensaio sobre a lei. Editora Coimbra, 2002.

NUSDEO, Fábio. Curso de economia: introdução ao direito econômico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Constitucionalização do direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

______. O modelo norte-americano das agências reguladoras e sua recepção pelo direito brasileiro. Revista Eletrônica sobra a Reforma do Estado (RERE), Salvador: Instituto Brasileiro de Direito Público, n. 22, jun./jul./ago. 2010. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com/revista/RERE-22-JUNHO-2010-RAFAEL-OLIVEIRA.pdf>. Acesso em: 18 jan. 2012.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

SMITH, Adam. A riqueza das nações: investigação sobre sua natureza e suas causas. Tradução de Luiz João Baraúna. São Paulo: Abril Cultural, 1983.

SOUTO, Marcos Juruena Villela. Direito administrativo regulatório. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Serviços públicos e regulação estatal: introdução às agências reguladoras. Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2006.

Assunto Especial – Doutrina

O Poder Normativo das Agências Reguladoras

As Agências Reguladoras e o Controle Político sobre Sua Criação Normativa

CARLOS ATHAYDE VALADARES VIEGASMestre em Direito pela Universidade FUMEC‑BH, Professor de Direitos Humanos e Direito Tributário no Instituto J. Andrade – MG, Servidor Público do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

CLÁUDIA MARA DE ALMEIDA RABELO VIEGASDoutoranda em Direito Privado pela PUC‑Minas, Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Uni‑versidade Católica do Estado de Minas Gerais (2011), Graduada em Administração de Empre‑sas e em Direito, sendo ambos pela Universidade FUMEC, Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho, Especialista em Educação a distância pela PUC‑Minas, Especialista em Ciências Criminais pela Universidade Damásio de Jesus, Professora de Direito Civil nas Faculdades Del Rey Uniesp, Tutora em educação a distância do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Servidora do TRT da 3ª Região – Assistente do Desembargador Federal Sércio da Silva Peçanha.

SUMÁRIO: Considerações iniciais; 1 Antecedentes históricos da instituição das Independent Regulatory Agency; 2 O contexto sociopolítico brasileiro nos anos 1990: reforma do Estado e a insti‑tuição das agências reguladoras; 3 A juridicidade como fundamento da ação normativa das agências reguladoras; 4 Legitimidade democrática e protagonismo das agências reguladoras; Considerações finais; Referências.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Recentemente, o Senado da República, mediante a votação do Decreto Legislativo nº 273/2014, revogou a Resolução nº 52/2011 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, que proibia a venda de substâncias químicas utilizadas no tratamento da obesidade. A par-tir da promulgação do decreto legislativo, a proibição da venda de tais componentes deixará de viger, restabelecendo a sua comercialização.

Não foi sem surpresa que a comunidade jurídica recebeu a deci-são do Senado brasileiro, já que, via de regra, o Parlamento Brasileiro utiliza-se do decreto legislativo para limitar atos emanados diretamente

36 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

pelo Presidente da República, e não por instâncias que, em tese, situam--se em patamares inferiores a este. Surpreendeu, também, pelo simbolis-mo político da decisão, pois esta manifestação do Parlamento reconhe-ce, mesmo que de maneira transversa, a autonomia daquelas instituições em face do governo e, mais que isso, as equipara em matéria de poder político ao próprio Poder Executivo.

Este caso paradigmático servirá para ilustrar e balizar o objeto de estudo deste trabalho, qual seja, o alcance do poder normativo das Agências Reguladoras. O que se pretende aqui é verificar a fonte do po-der normativo das referidas instituições, a sua legitimidade para inovar no ordenamento jurídico pátrio, o sistema de controle jurídico a que se submete a sua produção normativa e, por fim, a eficácia dos sistemas de controle políticos estabelecidos na Constituição, especialmente a fiscali-zação exercida pelas instâncias parlamentares.

Entretanto, antes de se adentrar nas questões propostas, é necessá-rio apresentar, mesmo que de maneira sintética, um pequeno histórico sobre o desenvolvimento da ideia e da concepção teórica das agências independentes, bem como sobre a consolidação destas como institui-ções da Administração Pública contemporânea.

1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA INSTITUIÇÃO DAS INDEPENDENT REGULATORY AGENCY

O modelo tradicional de Administração Pública no Estado Mo-derno é chamado de piramidal. Neste, o governo assume a posição de principal responsável pelos negócios públicos, figurando no topo da pi-râmide, de onde emana suas ordens para os órgãos a ele subordinados, aos quais incumbe a plena execução dos planos e políticas decididas.

Este arquétipo administrativo funda-se na ideia da responsabilida-de política do governante eleito, detentor da legitimidade popular frente à sociedade. Em razão dessa correspondência entre legitimidade popular e responsabilização política, natural é a centralização do poder adminis-trativo no governo, que responde diretamente à sociedade por seus atos.

Assim, a centralização no governo das ações administrativas refe-rentes a ordenar os serviços, propor políticas públicas, restringir liberda-des mediante o Poder de Polícia, entre tantas outras situações de poder, corresponde ao próprio esteio do princípio democrático, pois permite o controle do povo sobre os atos dos governantes, seja de forma direta

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������37

pela via eleitoral e judiciária, ou, indiretamente, pela atuação de seus representantes eleitos nas instâncias de controle político, e, ainda, me-diante as instituições de fiscalização constitucionalmente legitimadas.

Note-se que o modelo administrativo anteriormente descrito é o mais comumente encontrado e está em pleno funcionamento na quase totalidade das organizações estatais do mundo ocidental. Contudo, há um movimento que caminha no sentido de mitigar a estrutura governa-mental atual com a implementação de uma proposta de Administração Pública menos centralizada, menos ligada à figura do eleito, livre de compromissos políticos eleitorais e, portanto, mais voltada para os as-pectos técnicos da Administração Pública. Este é o modelo representado pelas agências independentes de regulação.

A proposta de funcionamento das agências independentes passa, necessariamente, pela transferência a estas do poder regulamentar sobre matérias específicas. Além disso, caracteriza-se também pela instituição da autonomia administrativa e funcional destas instituições em face da estrutura governamental tradicional.

Importante destacar desde já o posicionamento jurídico que aqui se adotará sobre a referida autonomia das agências reguladoras. Enten-de-se não existir uma independência absoluta destas em face do go-verno, já que, no caso brasileiro, elas devem seguir as determinações legais1 que as subordinam às políticas públicas estabelecidas, limitando

1 É o que ocorre, por exemplo, com a Anvisa, que deve se submeter às políticas estabelecidas pelo Ministério da Saúde:

“Lei nº 9.782, de 26 de janeiro de 1999. Define o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, e dá outras providências.

[...]

Art. 2º Compete à União no âmbito do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária:

[...]

III – normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde;

[...]

§ 1º A competência da União será exercida:

I – pelo Ministério da Saúde, no que se refere à formulação, ao acompanhamento e à avaliação da política nacional de vigilância sanitária e das diretrizes gerais do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária; (grifo nosso)

II – pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVS, em conformidade com as atribuições que lhe são conferidas por esta Lei; e (grifo nosso)

III – pelos demais órgãos e entidades do Poder Executivo Federal, cujas áreas de atuação se relacionem com o sistema.

Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

38 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

seu espaço de ação. Reconhece-se, porém, que os governos não podem interferir diretamente nas agências e que precisam de justificativas fun-damentadas em acontecimentos de grande relevância para intervir nas decisões daquelas.

O modelo de Administração Pública fundado em instituições au-tônomas surge nos países de tradição do common law, notadamente na Inglaterra e nos Estados Unidos antes de se espraiar para os países de tradição romano-germânica. Foi na Inglaterra que surgiu o embrião des-te novo modelo, ainda no século XIX (Caringella, 2001, p. 619); isto se deve em muito ao modelo bastante peculiar de governo adotado o qual fazia constituir, para cada nova lei que definia um interesse ou serviço público, o respectivo órgão que tinha por finalidade materializar seu mandamento.

Surgiram, assim, as Quasi Autonomous non Governmental Organizations – Quangos (Filho, 2002, p. 223), que se referem a uma variedade enorme de organizações administrativas descentralizadas, abrangendo, inclusive, instituições privadas que atuam no interesse pú-blico, semelhantes às OSCIP e ONGs da atualidade.

Nos Estados Unidos, ainda no século XIX, mais precisamente em 1887, foi instituído o órgão responsável pela regulação e fiscaliza-ção dos serviços interestaduais de transportes por ferrovia, a chamada Interstate Commerce Comission. Desde então, demonstrou um novo potencial para a intervenção na economia, que tradicionalmente adota a doutrina econômica liberal, o que veio efetivamente aflorar com o advento do New Deal, propicionando que as agências reguladoras se tornassem um componente representativo da Administração Pública es-tadunidense. Assim ensina Gustavo Binenbojm:

Nesse sentido, a efetivação das propostas do Governo Roosevelt, vol-tadas à revisão do capitalismo liberal e dos standards jurídicos erigidos pelo sistema de common law, dependia da reformulação institucional do País. É nesse contexto que se dissemina a criação de agências regu-ladoras, enquanto entidades politicamente neutras e tecnicamente espe-cializadas, capazes de, pronta e eficientemente, responder às demandas

[...]

III – estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;

[...].”

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������39

econômicas e sociais de um país em rápida transformação. (Binenbojm, 2008, p. 247)

É importante destacar que a implantação das agências indepen-dentes nos Estados Unidos representou um duro golpe ao liberalismo e ao sistema administrativo de Estado mínimo até então adotado. A partir de então, o Estado, mediante as agências de regulação, mudou sua pos-tura de não intervenção para uma nova posição de potencial interven-ção em áreas como a política de preços, livre concorrência, defesa dos usuários dos serviços públicos e tudo o que se referia à boa ordem dos serviços prestados aos cidadãos, seja de forma direta pelos órgãos do Estado, seja indiretamente mediante as concessionárias.

Este abandono das teses liberais clássicas do Estado mínimo fez-se acompanhar de uma reestruturação política da Administração Pública norte-americana, a qual objetivava o reequilíbrio de forças entre os po-deres constitucionais, evitando uma hipertrofia do Poder Executivo em detrimento dos demais poderes.

Em sentido político oposto ocorreu à implantação das “autorida-des administrativas independentes” (Lombarte, 2002, p. 57) na Europa continental, que teve o condão de ser parte de uma ampla reforma do Estado social. Destinou-se a modernização do modelo administrativo, objetivando a redução do papel do Estado na economia e a adoção do modelo contratualista de Administração Pública com a assunção pelas entidades privadas de responsabilidades até então a cargo dos órgãos públicos.

Ainda referente ao modelo europeu continental, é importante des-tacar a questão do direito emanado das instâncias comunitárias ali esta-belecidas, nas palavras de Marçal Justen Filho:

Nesse contexto, o modelo das autoridades independentes se exterioriza como forma mais eficiente para impor a difusão do Direito e das políticas comunitárias. A neutralização das influências políticas equivale, nesse caso, à eliminação das rejeições de cunho nacionalístico ao prossegui-mento do projeto comunitário e à preponderância do interesse suprana-cional também no tocante à legislação derivada e no âmbito interno de cada Estado. (Filho, 2002, p. 271)

Destarte, para fazer face à normatização comunitária, houve a ne-cessidade, primeiramente, de adaptar o direito nacional ao comunal e

40 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

afastar a influência política pátria da implementação das decisões to-madas na instância supranacional. Daí o imperativo de se criarem ins-tituições singulares que fossem dotadas de verdadeira autonomia para promover os diversos objetivos comunitários no sentido do desenvol-vimento social e econômico, de maneira independente das instituições administrativas nacionais já estabelecidas.

Este modelo europeu continental inova na relação entre o governo e a soberania popular, pois a estrutura supranacional não poderia ser submetida a esta ou aquela manifestação de cunho nacionalista ou pa-triótica, o que subverteria os próprios fundamentos comunitários.

Além da criação das agências independentes para a implementa-ção de políticas públicas no âmbito social e econômico, houve a cria-ção de agências destinadas a promover a defesa dos direitos humanos e fundamentais, como é o caso da Agencia de Protección de Datos (Espa-nha), a Commission Nationale de L’Informatique et des Libertés (França), Autorità per le Garanzie nelle Cominicazioni (Itália), Alta Autoridade para a Comunicação Social (Portugal), todas elas voltadas para a defe-sa do sigilo das comunicações e dos dados pessoais (Lombarte, 2002, p. 139).

Existe ainda uma grande variedade de “autoridades independen-tes” criadas nos diversos países europeus pertencentes à Comunidade Europeia, que se destinam a cumprir as mais variadas funções sociais, econômicas e de promoção de direitos, porém, o que se pretendeu des-tacar, nessa passagem, é justamente a utilização das agências indepen-dentes para tratar de assuntos que se imiscuem com a política e o direito político, não ficando circunscritas em sua atuação aos aspectos econô-mico e social.

Na próxima seção, relatar-se-á, de maneira sucinta, o contexto que propiciou o surgimento das agências reguladoras no Brasil.

2 O CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO BRASILEIRO NOS ANOS 1990: REfORMA DO ESTADO E A INSTITUIÇÃO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Em meados dos anos 1980, o Estado – entendido aqui como sendo a instituição sociopolítica cuja função é a de possibilitar o desenvol-vimento econômico e social, a segurança e a vida harmônica entre as pessoas de uma determinada comunidade – vinha passando por um mo-

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������41

mento de verdadeira crise referencial. Aquele Estado que havia adotado o modelo social, desde o final da Segunda Guerra Mundial até o final dos anos 1970, mostrava sinais de fissuras em suas fundações, notadamente no que se referia aos custos assumidos pela sociedade para fazer face aos sistemas de segurança previdenciários e assistenciais implementados nos países do capitalismo central.

Havia um movimento de retomada da ideologia liberal o qual pre-tendia reorientar a atuação do Estado para fora das atividades que se considerava não serem pertinentes a ele, ou que poderiam ser executa-das pelo mercado ou por instituições privadas sem a interferência direta do Estado, mas, tão somente, sob sua supervisão.

Tal movimento iniciado na Inglaterra thatcherista e fortalecido com a entusiasmada adesão do Presidente Norte-Americano Ronald Reagan representou uma virada paradigmática para todo o mundo ocidental. O modelo adotado pugnava pela abstração governamental da regulação das instituições financeiras, não interferência estatal e flexibilização da legislação trabalhista, enfraquecimento das entidades sindicais e a deses-tatização da economia mediante a privatização de companhias estatais.

No Brasil, este novo paradigma veio a ser adotado a partir dos anos de 1990. Foi o advento da redemocratização do País que veio a le-gitimar o projeto neoliberal, capitaneado pelo primeiro Presidente eleito democraticamente após o fim da Ditadura Militar, Fernando Collor de Mello. Foi a mudança de paradigma de um Estado gerencial, empreen-dedor, instituidor de grandes obras e projetos de desenvolvimento para o Estado regulador ao qual cumpre apenas fiscalizar e orientar o mercado na busca pelo crescimento econômico e social.

Naquele momento, foram lançadas as bases para a abertura da economia, com o fim dos monopólios da indústria nacional e a permis-são para a importação de produtos que concorreriam com os similares nacionais. Contudo, para alcançar o sucesso deste novo paradigma, ha-via a necessidade de prover os investidores estrangeiros da estabilidade jurídica necessária para garantir o retorno financeiro aos seus investi-mentos. Afugentam, a qualquer investidor capitalista, a súbita alteração de regras pré-estabelecidas, o descumprimento de contratos, a relativi-zação do direito de propriedade, a anistia política a devedores e, princi-palmente, a interferência de políticos populistas nas decisões econômi-cas de qualquer país.

42 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Para tanto, a fim de garantir um ambiente seguro, necessário para a atração de investimentos estrangeiros, o governo brasileiro propõe vá-rias ações de cunho reformista com as quais pretende propiciar o am-biente ideal para a imersão de dólares no País. Entre as diversas ações destacam-se a reforma do Judiciário2, que pretendeu dar maior agilida-de às demandas judiciais, especialmente àquelas referentes aos direitos patrimoniais, e a reforma administrativa, esta capitaneada pelo então economista Luis Carlos Bresser Pereira.

Adotou-se, então, o modelo de agências reguladoras, Autarquias de natureza especial nasceram como “entidades com reforçado grau de autonomia, investidas de funções técnicas e, sobretudo, imunizadas das ingerências político-partidárias” (Binenbojm, 2008, p. 253). Estas encai-xavam-se perfeitamente no novo modelo administrativo, o qual com-binava uma diminuição do intervencionismo do Estado na economia, com a adoção de instâncias de regulação e fiscalização do desempenho das entidades privadas, ora incumbidas de prestação de serviços públi-cos, bem como a verificação da adequação da atividade econômica às normas, permitindo ao Estado atuar pontualmente para sanar quaisquer desequilíbrios de ordem capitalista em desfavor dos cidadãos.

Assim, para atingir o propósito pretendido e reformar as estrutu-ras estatais, os diversos governos da época enviaram para o Congres-so Nacional projetos de leis que criaram dez agências reguladoras cuja competência abrange uma gama enorme de assuntos e temas de interes-se público, a saber: Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, Lei nº 9.472/1997; Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, Lei nº 9.427/1996; Agência Nacional do petróleo – ANP, Lei nº 9.478/1997; Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Lei nº 9.782/1999; Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, Lei nº 9.961/2000; Agência Na-cional de Águas – ANA, Lei nº 9.984/2000; Agência Nacional de Trans-portes Terrestres – ANTT, Lei nº 10.233/2001; Agência Nacional de Transporte Aquaviários – Antaq, Lei nº 10.233/2001; Agência Nacional de Cinema – Ancine, MP 2.228-1/2001; Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC, Lei nº 11.182/2005.

2 O Banco Mundial, em sua cruzada em favor da doutrina neoliberal nos anos 1990, produziu o intitulado Documento Técnico nº 319, o qual continha propostas de reforma e funcionamento para o Poder Judiciário da América Latina. Muitas daquelas propostas foram colocadas em prática nos países latino-americanos, in-clusive o Brasil, que chegou a emendar a Constituição para tanto: EC 45/2004. O documento na íntegra pode ser consultado em: http://www.anamatra.org.br/documentos-historicos/documento-319-do-banco-mundial/documento-319-do-banco-mundial.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������43

Nesse sentido, é preciso perquirir qual é o fundamento de legi-timidade utilizado para dar às agências reguladoras o poder de inovar na ordem jurídica, ou seja, criar o Direito. Isto é o que se investigará na próxima seção.

3 A JURIDICIDADE COMO fUNDAMENTO DA AÇÃO NORMATIVA DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

A questão da legitimidade normativa das agências reguladoras passa, necessariamente, pela investigação das fontes de poder que dele-gam àquelas a competência para criar normas referentes ao seu mister.

O processo de criação e atribuição de competências às agências reguladoras tem fulcro na Constituição Federal. O art. 61, § 1º, II, alí-neas a e b3 reserva ao Presidente da República a iniciativa de lei sobre a “criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; criação e extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública”.

Portanto, as leis que criaram as agências reguladoras são fruto do exercício legítimo da competência constitucional do Presidente da Re-pública, combinado com a manifestação do Congresso Nacional cons-tante no art. 48, IX4, também da Constituição Federal.

3 CF/1988, art. 61: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º – São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

[...]

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

[...]

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

[...].”4 CF/1988, art. 48: “Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta

para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especial-mente sobre:

[...]

IX – organização administrativa, judiciária, do Ministério Público e da Defensoria Pública da União e dos Territórios e organização judiciária e do Ministério Público do Distrito Federal; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 69, de 2012)

[...].”

44 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Ocorre que, em um dado momento histórico, o chefe do Executivo Federal entendeu que havia necessidade de promover a descentraliza-ção de atribuições da Administração Pública e resolveu adotar o modelo agências reguladoras, conforme já foi explicitado neste trabalho. Contu-do, é preciso diferenciar a questão da constitucionalidade fundante da criação destas instituições e a verificação da juridicidade das normas por elas emanadas.

Em que pese a Constituição brasileira determinar que a Administra-ção Pública reger-se-á pelo princípio da legalidade, conforme preceitua o caput do art. 37, já, há muito tempo, está superada a visão positivista a qual restringe a atuação administrativa à subordinação à lei strictu sensu.

No passado, mais precisamente à época do Estado moderno libe-ral, a lei era tida como limite para a atuação da Administração Pública; o princípio da legalidade na sua configuração original, liberal, previa a atuação do Estado limitada pela lei, melhor dizendo, tratava a lei de impor um limite protetivo ao particular em face do Estado que não podia alcançar a esfera jurídica do cidadão sem que houvesse expressa per-missão legislativa. Lado outro, aquilo que a lei não vedava podia o Es-tado fazer, sem ser admoestado pelos administrados. É o que demonstra Maria João Estorninho:

No Estado de Direito Liberal, afirmava-se a sujeição da Administração Pública à lei, no sentido de esta aparecer como um limite da ação admi-nistrativa. Tratava-se, assim, do princípio da legalidade na sua primeira configuração, ou seja, na sua formulação negativa. Assim, neste período da monarquia limitada, a Administração Pública, que continuava a de-pender do Rei, era limitada pela lei de forma negativa. Ou seja, podia fazer tudo aquilo que o Rei entendesse, mas só podia ofender os direitos dos particulares com fundamento numa lei anterior. (Estorninho, 2009, p. 176)

Com a mudança do paradigma liberal para o do Estado Social, houve uma alteração no entendimento sobre o papel da lei na ativi-dade administrativa pública. Como bem apontado na lição de Diogo Freitas do Amaral, no tempo do liberalismo “considera-se permitido tudo o que não estiver proibido” na lei; já no período do Estado Social, vale a máxima “o que não for permitido considera-se proibido” (Princípio da Legalidade, 1985, p. 978).

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������45

Ocorre que, com as transformações do Estado e do Direito que vieram a suceder o período liberal, não havia mais espaço para ações administrativas à margem do Direito. Isto é, deixou de viger a liberdade de agir de maneira antijurídica, porquanto, no período do Estado Social, a Administração Pública só está legitimada para agir se e quando a lei autoriza.

Hoje em dia, pelo contrário, a regra geral não é esse princípio de liber-dade, mas sim o princípio da competência, o que significa que a Admi-nistração Pública só pode fazer aquilo que a lei lhe permitir que faça. Assim, o princípio da legalidade é agora não apenas um limite da ação administrativa, mas também o seu verdadeiro fundamento, só podendo a Administração Pública agir se e na medida em que a norma jurídica lho permitir. (Estorninho, 2009, p. 176)

A autora supracitada identifica, então, duas dimensões diferentes do princípio da legalidade, uma que faz referência à legalidade negativa, expressa no princípio da prevalência da lei, e a outra dimensão é revela-da mediante o princípio da legalidade positiva, que reporta ao princípio da precedência da lei (Estorninho, 2009, p. 177).

O princípio da prevalência de lei informa que nenhum ato de na-tureza inferior à lei pode contrariá-la, sob pena de ser declarado ilegal. Já o princípio da reserva de lei significa que nenhum ato de categoria inferior à lei (regulamentos) pode ser praticado sem fundamento na pró-pria lei.

Entretanto, na contemporaneidade, o princípio da legalidade pas-sa por mais uma transformação. Há uma nova hermenêutica que re-define o princípio da legalidade, eis que utiliza na busca da solução para o caso concreto outras espécies normativas diferentes da lei. No paradigma atual do Estado Democrático de Direito, o princípio da lega-lidade tem o condão de abranger todo o ordenamento jurídico, ou seja, seu alcance vai muito além daquele anteriormente possibilitado pela lei, mas alcança toda a juridicidade. Nas palavras de Gustavo Binenbojm:

[...] pelas razões já estudadas acima, atinentes à crise da lei formal, assim como em virtude da emergência do neoconstitucionalismo, não mais se pode pretender explicar as relações da Administração Pública com o or-denamento jurídico à base de uma estrita vinculação positiva à lei. Com efeito, a vinculação da atividade administrativa ao direito não obedece a um esquema único, nem reduz a um tipo específico de norma jurídica – a

46 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

lei formal. Essa vinculação, ao revés, dá-se em relação ao ordenamen-to jurídico como uma unidade (Constituição, leis, regulamentos gerais, regulamentos setoriais), expressando-se em diferentes graus e distintos tipos de normas, conforme a disciplina estabelecida na disciplina consti-tucional. (Binenbojm, 2008, p. 140-141)

Neste trabalho, o Direito é entendido como uma rede normativa constituída de múltiplas fontes, com diferentes níveis hierárquicos, cujas hipóteses de legitimação não são necessariamente as tradicionais. Pos-sui, além de todo o exposto, gradação de coercitividade que não se refe-re, necessariamente, à sua eficácia. Trata-se de uma rede formada, além da lei, pelos princípios gerais, normas constitucionais, tratados e acordos internacionais e mesmo de dispositivos de caráter regulamentar e outros atos constitutivos de direitos. É o que a doutrina francesa tem chamado de bloc légal (Princípio da Legalidade, 1985, p. 976).

Um Direito que, mesmo não sendo constituído mediante o proces-so legislativo tradicional, apesar de ultrapassar a barreira da lei, tem le-gitimidade, uma vez que ancorado na eficácia, na satisfação das neces-sidades sociais, no atendimento aos anseios populares. Um Direito cuja eficácia é conferida pelo povo, cuja legitimidade advém da manifesta-ção soberana do povo, não somente nos momentos eleitorais, mas na aceitação e utilização dos meios normativos que lhe são apresentados e materializados, mediante os regulamentos e práticas contratuais, con-siderados nas relações jurídicas cotidianas. Esta relação entre soberania popular e eficácia torna-se o novo paradigma de legitimação do Direito na era contemporânea5.

Esta nova face da legitimidade, ancorada na soberania popular, se afasta do Direito igualitário e abstracionista do modelo sociojurídico do Estado Moderno. Na contemporaneidade “o povo, como uma figura pensada coletivamente, é o novo agente da legitimidade, seja nas formas de deliberação direta ou representativa, o povo é o ‘detentor de toda a soberania’” (Bittar, 2009, p. 130).

Assim, são duas as fontes de legitimação do Direito criado a par-tir das agências reguladoras. A primeira fonte é o poder conferido pela Constituição aos governantes para criar estruturas administrativas e atri-

5 É importante esclarecer que não se pretende aqui defender o abandono do marco legislativo e, muito menos, do paradigma constitucional, mas este trabalho apenas reconhece que há um Direito vigente, simultâneo ao tradicional, que tem eficácia junto à sociedade.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������47

buir competências a estas mesmas instituições. A outra fonte, e esta a mais polêmica, pois foge do quadro tradicional positivista, é a crença do povo soberano na eficácia das agências reguladoras, na sua impor-tância para a regulação das relações entre concessionários de serviços e usuários, consumidores e empresas. Funda-se mais na performance das agências em favor do que o povo considera uma atuação justa do que, friamente, na competência legalmente atribuída. As agências vêm ocu-pando um espaço jurídico deixado pelo legislador e vêm fazendo isto com grande competência política.

Há de se concluir, então, que todo o Direito, todas as regras e princípios da ordem jurídica são fontes legítimas e inspiradoras da ação administrativa, devendo ser consideradas para permitir a tomada de de-cisões de cunho administrativo e social. Além disso, em que pese a su-bordinação hierárquica entre a lei e as normas criadas pelas agências reguladoras (considerando o modelo tradicional positivista da validade normativa), estas têm conseguido uma adesão espontânea do povo à produção normativa infralegal, em razão da percepção popular sobre o seu desempenho que ocorre, majoritariamente, em favor dos interesses populares. Há, na realidade, uma verdadeira ocupação de espaço nor-mativo que se dá, em parte, pela omissão do legislador, mas, também, pela eficácia social das normas criadas pelas agências reguladoras.

Na próxima seção, abordar-se-á com maior especialidade a ques-tão da legitimação performática das instâncias administrativas não eleitas.

4 LEGITIMIDADE DEMOCRÁTICA E PROTAGONISMO DAS AGÊNCIAS REGULADORAS

Como se viu, a combinação entre as transformações por que passa o Direito contemporâneo, especialmente a nova configuração do prin-cípio da legalidade, e o reconhecimento popular da eficácia normativa das agências reguladoras demonstram um reforço da legitimidade políti-ca das instâncias administrativas e a elevação do patamar das estruturas burocráticas quanto à tomada de decisões na Administração Pública.

O Estado contemporâneo vive uma dicotomia, quase esquizofrê-nica, entre a promoção direta do bem-estar social, mediante o planeja-mento e a execução de políticas públicas, e a promoção do bem-estar social indiretamente mediante o financiamento e a regulação dos agen-tes privados contratados para a implantação de políticas públicas.

48 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Seja qual for a ideologia que guie o governo provisório do Estado Democrático, não há como prescindir de um aparelho administrativo composto por servidores cada vez mais qualificados e dedicados exclu-sivamente à complexidade administrativa. A administração do Estado contemporâneo exige, cada vez mais, a especialização de seus compo-nentes para fazer face aos inúmeros desafios de origem técnica e cientí-fica que se apresentam cotidianamente na busca pelo bem-estar social.

Essa especialização administrativa, que se contrapõe à dominação da estrutura governamental pelos partidos políticos, afasta, indubitavel-mente, o centro decisório da política partidária e o aproxima das ins-tâncias técnicas e burocráticas. Assim, sempre que a realidade técnica e científica demanda a manifestação dos servidores públicos sobre o objeto da decisão administrativa, a legitimidade política da decisão fica relativizada, uma vez que a manifestação técnico-administrativa pode referendar, modificar ou inviabilizar a implementação de decisões po-líticas em razão do emprego de argumentação técnico-racional, dimi-nuindo a participação do eleito e ampliando a participação do técnico na decisão. Nas palavras de Paulo Otero:

A tradicional ideia oitocentista de que a Administração Pública é um simples instrumento ao serviço da política, destituída de uma lógica de atuação autônoma, mostra-se hoje desmentida pelo simples fato de que a concretização do processo decisório ou implementador de diversas polí-ticas se encontra nas mãos de quem, agindo a priori, aconselha o decisor ou, atuando a posteriori, executa a decisão. (Otero, 2011, p. 294)

A notória especialização dos servidores públicos, a sua experiên-cia, o seu conhecimento técnico, dão-lhes incomensurável vantagem sobre os políticos, eventuais ocupantes de cargos eletivos, pois daque-les dependem para viabilizar as suas escolhas. Dos servidores técnicos surgem as diversas hipóteses de ação, pois são eles que desenham os quadros conjunturais e é a partir de sua opinião que são tomadas deci-sões no sentido da efetivação ou supressão da política pretendida. Este relacionamento entre o político e o burocrata funciona com a seguinte lógica: “O que deve ser feito depende do que pode ser feito e dos seus efeitos” (Beetham, 1988, p. 73-74).

Isto se dá como já foi referido em razão das exigências técnicas da Administração Pública contemporânea que limitam ou condicionam o espaço político-democrático (o que se pretende fazer) às possibilidades

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������49

racionalmente colocadas. Além disso, a demanda por soluções técnicas passa a configurar a própria normatividade habilitante da atuação admi-nistrativa, que deve ser adequada à necessidade de prover a sociedade de respostas cada vez mais rápidas, complexas, especializadas e indivi-dualizadas, diferentes da já citada generalidade e abstração legalista da modernidade positivista.

Mirando na lição de Otero:

Na realidade, a crescente complexidade técnica dos problemas que são colocados no âmbito da atividade legislativa e da atividade administra-tiva mostra-se particularmente propensa para que a respectiva decisão seja condicionada por obstáculos de índole técnica que, escapando na sua generalidade ao político-legislador ou ao político-administrador, re-metem a verdadeira decisão final para estruturas compostas por técnicos sem qualquer legitimidade político-democrática: são essas estruturas que controlam a informação, possuem elenco de soluções possíveis e têm a percepção sobre o sucesso das diferentes opções, razões pelas quais são elas que ditam materialmente a decisão, ou, em alternativa, demonstram a inviabilidade da opção política. (Otero, 2011, p. 296)

É, pois, evidente que o procedimento de decisão política está condicionado, na prática, ao aval dos servidores e técnicos burocratas profissionais da Administração Pública e que a questão da legitimidade política e democrática da decisão está relativizada e se mantém apenas por ficção jurídica.

A implantação das agências reguladoras segue, portanto, a lógica de afastar da esfera político-partidária o núcleo de decisões sobre deter-minadas matérias, privilegiando as decisões técnicas sobre as políticas.

Contudo, não foi apenas em razão da maior complexidade das tratativas administrativas que as agências reguladoras assumiram o atual protagonismo na administração política brasileira. Além da questão da especialização técnica das agências, há outra que remete à crise por que vem passando todo o sistema político contemporâneo.

O Estado Democrático traz em sua matriz a marca da pluralidade partidária, é da essência mesmo da democracia a multiplicidade de opi-niões, a divergência, o debate, as manifestações contraditórias, o confli-to de valores, a discordância entre as diversas formas de viver e pensar. É sobre o resultado destes conflitos permanentes que se constroem as po-líticas públicas, os planos e metas governamentais, ou deveria ser assim.

50 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

Há uma crescente contestação ao sistema político adotado cons-titucionalmente, que pode ser percebido, sem maiores esforços cientí-ficos, com a verificação empírica da reação da população em face dos acontecimentos institucionais. Veja-se que as recentíssimas eleições ge-rais, em especial para os cargos legislativos, não desperta no eleitor, nem mesmo no candidato, qualquer sentimento recíproco de compromisso ou lealdade de uns para com os outros, uma vez que os candidatos são, majoritariamente, escolhidos na antevéspera do pleito e os eleitos aban-donam imediatamente suas palavras empenhadas durante o processo eleitoral (com raras e honrosas exceções).

Ainda repercute o episódio das manifestações populares, em me-ados do ano de 2013, que agitaram as ruas das metrópoles brasileiras. Naquela oportunidade, restou demonstrada a intolerância de parte da população com o descaso dos políticos para com a necessidade de me-lhoramentos nos serviços públicos, tendo havido, inclusive, a emergên-cia de grupos dispostos a utilizar de práticas violentas que colocam em risco a própria democracia.

Esse fenômeno é descrito por Rodolfo Viana Pereira como sendo um isolamento das classes políticas. Nas palavras do autor:

O isolamento, a clausura e a crescente burocratização das instâncias de decisão, a perda da capacidade de mobilização e de conquista da “capi-tal social” por parte dos partidos políticos, a impressão generalizada de queda no desempenho dos poderes e das agências estatais, o enfraque-cimento da legitimidade governamental e parlamentar em face dos altos níveis de abstencionismo e desinteresse popular pela política oficial são alguns dos fatores que colocaram em questão a capacidade global das estruturas e atores políticos tradicionais em cumprir de modo razoável as funções deles esperadas. (Pereira, 2010, p. 136)

Em razão do exposto, o poder decisório tem sido cada vez mais atribuído a estruturas administrativas, tais como as agências reguladoras, em uma aposta que estas pautem sua ação de maneira imparcial e obje-tiva, uma vez que não se encontram subordinadas à hierarquia governa-mental, mas, ao contrário disto, localizam-se fora de qualquer “indirizzo politico o amministrativo”6 (Caseta, 1999, p. 216), sendo esta a razão de sua designação como agência reguladora independente.

6 “Endereço político ou administrativo” (tradução livre do autor).

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������51

Entende-se que, na mesma medida em que as agências regulado-ras crescem em confiança popular, aumentando o seu protagonismo, na mesma proporção, a estrutura de Administração Pública comandada pelos partidos políticos, pelas razões já expostas, não corresponde mais aos anseios de legitimidade da população.

Há um risco inerente à desconsideração da autoridade eleita em favor da autoridade técnica, é o risco de “fazer emergir um setor da Administração sem cabeça e politicamente irresponsável” (Otero, 2011, p. 320), segundo o administrativista lusitano:

Os efeitos decorrentes do surgimento das autoridades administrativas independentes em sistema de organização administrativa inseridos no contexto de modelos políticos de matriz parlamentar são, todavia, re-volucionários: subtraídas estas estruturas a quaisquer poderes intra-ad-ministrativos por parte do governo, encontrando-se este isento de res-ponsabilidade política por tais setores da atividade administrativa que, deste modo, representam espaço a descoberto de um efetivo controle político-parlamentar, há aqui um corte abrupto nas ideias de legitima-ção democrática e responsabilidade política da Administração Pública, fazendo-se ressuscitar a velha teoria da impermeabilidade de certos se-tores da Administração Pública ao parlamento e substituindo-se hoje [...] a então legitimidade monárquica por uma moderna legitimidade tecno-crática ou de prestígio das autoridades administrativas independentes. (Otero, 2011, p. 320)

É, portanto, com cautela que se compreende a informação sobre a legitimidade fulcrada no prestígio popular das agências reguladoras e sobre a sua independência em face da instância política. Na próxima e derradeira seção, tratar-se-á da questão com maior detença.

CONSIDERAÇÕES fINAIS

As agências reguladoras surgiram para ser uma instituição pura-mente técnica e politicamente neutra. Contudo, tornaram-se uma instân-cia administrativa que rivaliza e, em muitos casos, protagoniza a cena decisória quanto à execução de políticas públicas. Isto se dá, como já foi dito, em razão da eficácia normativa fundada na aceitação popular.

Resta, portanto, em sede de conclusão, um desafio a ser enfren-tado que se materializa na forma de duas questões ainda a serem res-pondidas. A primeira delas é como conciliar e encontrar fundamentos

52 ������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

para garantir uma base de legitimidade democrática a esta interposição normativa entre a instância política e a técnico-administrativa.

A outra questão demanda refletir sobre a autonomia das agências reguladoras e a sua suposta independência em face dos órgãos de con-trole político. Estariam mesmo as agências reguladoras fora do alcance do controle político-democrático?

Considerando toda a argumentação apresentada nas seções ante-cedentes, tem-se que a criação normativa das agências reguladoras está fundada em uma composição de dois fatores: primeiramente, na delega-ção de competências do Poder Executivo para aquelas instituições, o que é constitucionalmente permitido. Esta delegação garante a legitimidade positivista do Direito criado pelas agências nos moldes kelsenianos.

Somando-se à legitimação pelo direito positivo, há também aquela advinda do reconhecimento social do desempenho das agências regula-doras. Este reconhecimento garante a estas instituições o espaço político necessário para continuar sua produção normativa e torná-la eficaz.

Assim, considerada legítima a atuação das agências na seara da criação normativa, há de se considerar, de maneira simultânea, que esta legitimidade tem caráter político e foi conquistada mediante a ocupação de espaço social. Portanto, as agências reguladoras devem prestar contas e se submetem ao controle político exercido pelos poderes republica-nos, como foi o caso do Decreto Legislativo nº 273/2014.

No Estado Democrático de Direito, e isso é um fato, não há espaço para a incompetência administrativa, nem para a improvisação e muito menos para decisões populistas. No Estado Democrático de Direito, du-rante o processo para a tomada de decisões públicas, devem prevalecer a técnica e a razão, sempre em busca do melhor interesse da sociedade.

Por outro lado, neste mesmo Estado Democrático de Direito, não há espaço para a arbitrariedade administrativa, ou para a imunidade po-lítica em nome da autoproclamada melhor decisão. No Estado Demo-crático de Direito, todos os órgãos públicos submetem-se aos controles jurídicos e políticos conforme determina a melhor hermenêutica cons-titucional.

Portanto, mesmo que o Texto Constitucional não trate explicita-mente das agências reguladoras, estas, como órgãos públicos de decisão

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������53

e gestão, submetem-se aos controles constitucionais, mormente aquele exercido pelo Parlamento brasileiro no uso de suas competências cons-titucionais.

REfERÊNCIAS

AMARAL, Diogo Freitas do. Princípio da legalidade. Lisboa/São Saulo: Verbo, 1985, Polis, v. 3.

BEETHAM, David. A burocracia. Lisboa: s.n., 1988.

BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

BITTAR, Eduardo C. B. O direito na pós-modernidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

CARINGELLA, Francesco. Corso di diritto amministrativo. Milano: Giuffrè, v. 1, 2001.

CASETA, Elio. Manuale di diritto amministrativo. Milano: s.n., 1999.

ESTORNINHO, Maria João. A fuga para o direito privado. Coimbra: Almedina, 2009.

JUSTEN Filho, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.

LOMBARTE, Artemi Rallo. La constitucionalidad de la administraciones independientes. Madrid: Tecnos, 2002.

OTERO, Paulo. Legalidade e Administração Pública – O sentido da vinculação administrativa à juridicidade. 2ª reimpressão da edição de maio de 2003. Coimbra: Almedina, 2011.

PEREIRA, Rodolfo Viana. Direito constitucional democrático. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.

Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

O Poder Normativo das Agências Reguladoras

6823

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.386.994 – SC (2013/0152898‑6)Relatora: Ministra Eliana CalmonRecorrente: Superintendência do Porto de ItajaíAdvogados: Henry Rossdeutscher

Alex Francisco Nolli e outro(s)Recorrido: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – AntaqRepr. por: Procuradoria‑Geral Federal

emeNtaADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – ADMINISTRAÇÃO PORTUÁRIA – MULTA ADMINIS-TRATIVA – INfRAÇÃO À RESOLUÇÃO ANTAQ Nº 858/2007 – EXERCÍCIO DO PODER NORMATI-VO CONfERIDO ÀS AGÊNCIAS REGULADORAS

1. Aplicação de multa por infração a obrigação imposta por reso-lução editada pela Antaq, no exercício de competência normativa assegurada pela Lei nº 10.233/2001 – “submeter à prévia aprova-ção da Antaq a celebração de aditivos contratuais que impliquem prorrogação de prazo, ou qualquer espécie de alteração da área do arrendamento, encaminhando justificativa e demais documen-tos inerentes a essa alteração”.

2. Ausência de violação ao princípio da legalidade, pois a Lei nº 10.233/2001 é precisa ao definir as condutas puníveis, as pe-nalidades cabíveis e a forma de gradação da pena, estando os de-mais procedimentos para processamento e julgamento das infra-ções disciplinados em regulamento próprio, conforme autoriza a própria lei.

3. Recurso especial não provido.

acÓrdÃo

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA �����������������������������������������������������������������������������������55

de Justiça “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).” Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Dr(a). André Gustavo Bezerra e Mota (advogado público), pela parte Recorrida: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq.

Brasília/DF, 05 de novembro de 2013 (data do Julgamento).

Ministra Eliana Calmon Relatora

relatÓrio

A Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon: Trata-se de recurso especial interposto pela Superintendência do Porto DE Itajaí contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim ementado:

MANDADO DE SEGURANÇA – ARRENDAMENTO DE INSTALAÇÕES PORTUÁRIAS – TERMOS ADITIVOS AO CONTRATO DE ARRENDA-MENTO – MULTA APLICADA PELA AGÊNCIA REGULADORA EM RA-ZÃO DA AUSÊNCIA DE SUA ANUÊNCIA PRÉVIA EM RELAÇÃO AOS TERMOS ADITIVOS

1. A exigência de submissão da celebração de aditivos contratuais à prévia aprovação da Antaq encontra respaldo no art. 27 da Lei nº 10.233/2001 e no art. 10, inciso XII da Resolução nº 858 da Antaq.

2. Ao deixar de cumprir norma estabelecida pela Antaq, cuja atribuição foi conferida pelo art. 27 da Lei, a autora infringiu não só as disposições regulamentares, mas também as legais, fazendo incidir, no caso, o inciso II do art. 78-A.

3. Improvimento da apelação.

No recurso especial, interposto com fundamento na alínea a do per-missivo constitucional, a recorrente aponta violação dos arts. 27 e 78-A da Lei nº 10.233/2001.

Afirma, em síntese, que: a) “a Lei nº 10.233/2001 jamais outorgou à Antaq a prerrogativa de editar penalidades e sanções complementares” (fl. 2.087); b) “para que a multa em comento pudesse ter validade, teria que haver previsão legal (lei formal) estipulando a obrigatoriedade de

56 �������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

submissão prévia de aditivos à Antaq e, ainda, deveria haver a expressa previsão (também em lei formal) de que a desobediência a tal ato impli-caria em multa, com seu devido valor já estipulado em lei” (fl. 2.087); c) “ainda que a Antaq possa editar normas e regulamentos, não lhe é dado prever sanções por meio de simples Resolução, que é uma ato infralegal” (fl. 2.087); d) “igualmente, deve a penalidade guardar har-monia entre o fato e o castigo, ou seja, deve obedecer ao princípio da proporcionalidade” (fl. 2.088); e) “ao se analisar a Lei nº 10.233/2001, verifica-se que não houve a especificação dos casos sujeitos à aplicação de penalidades. Além disso, não há qualquer menção aos limites míni-mos e máximos passíveis de aplicação, o que caracteriza a ilegalidade da penalidade aplicada à recorrente” (fl. 2.088).

Requer a recorrente o provimento do recurso, para o fim de ser declarada a nulidade da pena que lhe foi aplicada.

Apresentadas contrarrazões (fls. 2.121-2.125) e admitido o recurso na origem, subiram os autos.

É o relatório.

voto

A Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon (Relatora): Tem-se, na ori-gem, ação anulatória de multa administrativa imposta à Superintendên-cia do Porto de Itajaí por ato da Agência Nacional de Transportes Aqua-viários – Antaq.

Afirma a parte autora que, na condição de responsável pela admi-nistração e exploração do Porto de Itajaí, celebrou com terceira empresa (Teconvi) contrato de arrendamento sobre área e instalações portuárias destinadas à movimentação (embarque/desembarque) e armazenagem de contêineres, cargas unitizadas e veículos.

Prossegue afirmando que em virtude de dificuldades enfrentadas na implantação do Terminal Teconvi e da necessidade de adaptação do cronograma de implantação da obra, celebrou com referida empresa termos aditivos ao contrato de arrendamento, a ensejar a abertura de processos administrativos no âmbito da Antaq destinados à apuração de possíveis irregularidades.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA �����������������������������������������������������������������������������������57

Aduz que ao final dos processos administrativos foi-lhe aplicada multa de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) por desrespeito aos di-tames da Resolução nº 858- Antaq/2007, a resultar no ajuizamento da presente ação, na qual alega inexistir previsão legal, contratual ou no edital licitatório para que os termos aditivos ao contrato de arrendamen-to fossem submetidos à anuência da agência reguladora.

Passo ao exame da irresignação.

Consoante o disposto no art. 27, IV e XIV, da Lei nº 10.233/2001, compete à Antaq, em sua esfera de atuação: IV) “elaborar e editar normas e regulamentos relativos à prestação de serviços de transporte e à explo-ração da infra-estrutura aquaviária e portuária , garantindo isonomia no seu acesso e uso, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores”; XIV) “estabelecer normas e padrões a serem observados pelas administrações portuárias, concessionários, ar-rendatários, autorizatários e operadores portuários, nos termos da Lei na qual foi convertida a Medida Provisória nº 595, de 6 de dezembro de 2012”.

Prevê a Constituição Federal que somente a lei pode estabelecer obrigação de fazer ou não fazer. No caso, entretanto, o próprio legisla-dor ordinário delegou à agência reguladora competência para a edição de normas e regulamentos sobre pontos específicos.

No tocante ao poder normativo conferido às agências regulado-ras, José dos Santos Carvalho Filho (in O Poder Normativo das Agências Reguladoras/Alexandre Santos de Aragão, coordenador – Rio de Janeiro: Editora Forense, 2006, p. 81-85) leciona o seguinte:

A grande discussão em torno do denominado “poder normativo” das agências reguladoras teve origem nas atribuições conferidas a essas no-vas autarquias de controle, entre as quais despontava a de editar normas gerais sobre o setor sob seu controle.

[...]

Sobre a atividade regulatória é justo reconhecer que o sistema, nos mol-des como foi introduzido, em decorrência da reforma administrativa do Estado, não se situa dentro dos padrões clássicos de atuação de órgãos administrativos no exercício de poder normativo. Mas – também é opor-tuno realçar – não traduz, em nosso entender, nenhuma revolução no sistema tradicional, mas, ao contrário, estampa mero resultado de uma

58 �������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

evolução natural no processo cometido ao Estado de gestão dos interes-ses coletivos.

[...]

Não se pode negar que os fenômenos que se instalaram no mundo con-temporâneo – como, por exemplo, a globalização, as novas tecnologias, os avanços da informática, a complexidade dos novos serviços públicos – não poderiam mesmo ser enfrentados com as velhas e anacrônicas mu-nições estatais. O Estado, como bem salientava Jèze, tem que andar lado a lado com a dinâmica da evolução social, de modo que, criadas novas realidades, deve o Estado adequar-se a elas, aparelhando-se de forma eficiente e completa para satisfazer o interesse da coletividade. Aqui o conservadorismo deve ceder lugar à inovação, dentro, é claro, dos para-digmas traçados na lei constitucional.

Por conseguinte, não nos parece ocorrer qualquer desvio de constitu-cionalidade no que toca ao poder normativo conferido às agências. Ao contrário do que alguns advogam, trata-se do exercício de função admi-nistrativa, e não legislativa, ainda que seja genérica sua carga de apli-cabilidade. Não há total inovação na ordem jurídica com a edição dos atos regulatórios das agências. Na verdade, foram as próprias leis disci-plinadoras da regulação que, como visto, transferiram alguns vetores, de ordem técnica, para normatização pelas entidades especiais – fato que os especialistas têm denominado de “delegalização”, com fundamento no direito francês (“domaine de l’ordonnance”, diverso do clássico “domai-ne de la loi”). Resulta, pois, que tal atividade não retrata qualquer vestígio de usurpação da função legislativa pela Administração, pois que poder normativo – já o acentuamos – não é poder de legislar: tanto pode existir este sem aquele, como aquele sem este.

[...]

A nosso ver, portanto, as agências reguladoras exercem mesmo função regulamentadora, ou seja, estabelecem disciplina, de caráter comple-mentar, com observância dos parâmetros existentes na lei que lhes trans-feriu aquela função. Para mostrar essa indissociável relação entre a lei e os atos oriundos das agências, consignamos: ‘O poder normativo técni-co indica que essas autarquias recebem das respectivas leis delegação para editar normas técnicas (não as normas básicas de política legislati-va) complementares de caráter geral, retratando poder regulamentar mais amplo, porquanto tais normas se introduzem no ordenamento jurídico como direito novo (ius novum).

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA �����������������������������������������������������������������������������������59

No exercício dessa prerrogativa, a Antaq editou a Resolução nº 858, de 23 de agosto 2007, impondo à Administração Portuária a obrigação de “submeter à prévia aprovação da Antaq a celebração de aditivos contratuais que impliquem prorrogação de prazo, ou qualquer espécie de alteração da área do arrendamento, encaminhando justifica-tiva e demais documentos inerentes a essa alteração”.

Observo que referida obrigação guarda absoluta pertinência com a matéria cuja normatização foi delegada à agência reguladora, de modo a garantir isonomia no acesso à exploração e uso da infra-estrutura aqua-viária e portuária, assegurando os direitos dos usuários e fomentando a competição entre os operadores.

Por seu turno, assim dispõe o art. 78-A da Lei nº 10.233/2001:

Art. 78-A. A infração a esta Lei e o descumprimento dos deveres estabele-cidos no contrato de concessão, no termo de permissão e na autorização sujeitará o responsável às seguintes sanções, aplicáveis pela ANTT e pela Antaq, sem prejuízo das de natureza civil e penal:

[...]

II – multa;

As condutas puníveis, portanto, são todas aquelas capazes de con-figurar, à juízo da autoridade administrativa, infração à lei e aos atos normativos editados pela Antaq, salvo se exorbitarem esses últimos da competência normativa a ela delegada.

Da mesma forma, limitou-se o legislador ordinário a fixar o limite da multa aplicável, delegando a cada agência reguladora competência para estabelecer, em regulamento próprio, o procedimento para apli-cação de sanções e a forma de gradação das penalidades, conforme o disposto no art. 78-F do mesmo diploma legal, in verbis:

Art. 78-F. A multa poderá ser imposta isoladamente ou em conjunto com outra sanção e não deve ser superior a R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais).

§ 1º O valor das multas será fixado em regulamento aprovado pela Di-retoria de cada Agência, e em sua aplicação será considerado o princí-pio da proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção.

60 �������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

§ 2º A imposição, ao prestador de serviço de transporte, de multa decor-rente de infração à ordem econômica observará os limites previstos na legislação específica.

Inexiste, pois, ofensa ao princípio da legalidade, pois a Lei nº 10.233/2001 é precisa ao definir as condutas puníveis, as penalidades cabíveis e a forma de gradação da pena, estando os demais procedi-mentos para processamento e julgamento das infrações disciplinados em regulamento próprio, conforme autoriza a própria lei.

Com estas considerações, nego provimento ao recurso especial.

É o voto.

certidÃo de julgameNto seguNda turma

Número Registro: 2013/0152898-6

Processo Eletrônico REsp 1.386.994/SC

Números Origem: 15289 50000646020124047208 SC-50000646020124047208

Pauta: 05.11.2013 Julgado: 05.11.2013

Relatora: Exma. Sra. Ministra Eliana Calmon

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Guilherme Henrique Magaldi Neto

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

autuaÇÃo

Recorrente: Superintendência do Porto de Itajaí

Advogados: Henry Rossdeutscher Alex Francisco Nolli e Outro(s)

Recorrido: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq

Repr. por: Procuradoria-Geral Federal

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA �����������������������������������������������������������������������������������61

Assunto: Direito administrativo e outras matérias de direito público – Atos administrativos – Infração administrativa

susteNtaÇÃo oral

Dr(a). André Gustavo Bezerra e Mota (Advogado Público), pela parte Recorrida: Agência Nacional de Transportes Aquaviários – Antaq.

certidÃo

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques (Presidente) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Assunto Especial – Ementário

O Poder Normativo das Agências Reguladoras

6824 – Agência reguladora – Anac – poder normativo – resolução – segurança aeropor­tuária – Infraero – descumprimento – auto de infração – legalidade

“Administrativo. Agências reguladoras. Anac. Poder normativo. Resolução. Segurança aero-portuária. Descumprimento. Infraero. Auto de infração. Legalidade. Multa. Poder de polícia. 1. Os atos normativos editados pelas agências não são regulamentos autônomos, uma vez que não defluem da Constituição, mas sim da lei instituidora da agência, razão pela qual tais leis, ao instituírem as agências reguladoras, conferem-lhes também o exercício de um abrangente poder normativo no que diz respeito às suas áreas de atuação. 2. A Lei nº 11.182/2005, que criou a Anac, estabeleceu, expressamente, entre as suas atribuições, a expedição de normas técnicas para fins de segurança das operações aeroportuárias em geral. 3. Não há violação ao princípio constitucional da legalidade, uma vez que a resolução editada pela Autarquia especial trata de campo próprio de regulamentação infralegal por se tratar de matéria téc-nica que exige constantes atualizações normativas. Precedente do eg. TRF da 3ª Região: AC 1999.03.99.013358-2/SP, Relª Desª Fed. Salette Nascimento, DJe 25.04.2011, p. 521. 6. Precedentes do STJ, desta Corte Federal e do TRF da 4ª Região. 7 (AC 200781000209109, Des. Federal Francisco Barros Dias, TRF5, Segunda Turma, DJe Data: 26.05.2011, p. 260). 4. Ao descumprir a resolução da Anac, é ‘perfeitamente cabível a multa aplicada, por advir do Poder de Polícia, da referida agência reguladora’ (AC 200983080015831, Des. Federal Francisco Barros Dias, TRF5, Segunda Turma, DJe Data: 22.06.2010, p. 237). 5. O proces-so administrativo cumpriu os princípios da ampla defesa e do contraditório sendo o meio adequado à definição da punição a ser imposta. Observa-se que a apelante ofertou defesa e recurso administrativo, os quais foram devidamente apreciados pela autoridade competente. 6. O valor da multa (R$ 70.000,00) foi arbitrado dentro dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, nos termos da Resolução nº 25, de 25.04.2008. 7. A Resolução nº 58 da Anac, que estabeleceu a penalidade de multa à violação presente, foi publicada no Diário Oficial da União em 27 de outubro de 2008, de modo que a recorrente não pode exonerar-se de cumprir tal preceito, visto que lhe foi dada ciência com a publicação no Diário Oficial, sendo desnecessária comunicação específica e pessoal à Infraero. 8. Apelação improvida.” (TRF 5ª R. – AC 0002180-47.2011.4.05.8400 – (535416/RN) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Francisco Barros Dias – DJe 01.03.2012)

6825 – Agência reguladora – Aneel – resolução – condomínios fechados – medidores – ins­talação – dispensa

“Processo civil e consumidor. Ação monitória. Serviço de energia elétrica. Condomínio fecha-do. Ausência de medidor. Áreas comuns. Contribuição de iluminação pública. Ausência de cumulatividade. Ônus da prova. A instalação de medidores de energia elétrica é dispensada quando a unidade consumidora for um condomínio residencial e a cobrança se referir ao for-necimento de energia às áreas comuns do logradouro, como semáforos, postes de luz e etc. A Aneel, Autarquia em regime especial, agência reguladora do setor elétrico, com base em

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO����������������������������������������������������������������������������������������������������63

seu poder normativo, emitiu resolução que dispensa a instalação de medidores para cobrança de energia elétrica em condomínios fechados (art. 72 da REN Aneel 418, de 23.11.2010). A CEB possui a prerrogativa legal de cobrar de condomínios a energia elétrica fornecida a essas unidades consumidoras destinadas à iluminação de suas áreas coletivas. A iluminação de tais áreas não são custeadas pela contribuição de iluminação pública, pois não se trata de áreas públicas, ao contrário, tais áreas são de propriedade do próprio condomínio. A cobrança da concessionária de serviço público possui presunção de veracidade e legitimidade, sendo ônus do consumidor comprovar a abusividade da cobrança. Recurso conhecido e impro-vido.” (TJDFT – AC 20120110518820 – (793632) – 6ª T.Cív. – Relª Desª Ana Cantarino – DJe 03.06.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEA apelação é oriunda de sentença proferida nos autos de ação monitória ajuizada pela Companhia Energética de Brasília (CEB) contra o Condomínio Residencial Santos Dumont, em que este foi condenado ao pagamento de R$ 89.633,94.

Segundo a autora, o réu está inadimplente em relação à obrigação de pagar decorrente da prestação ser serviços de fornecimento de energia elétrica em área interna de con-domínio residencial.

Inconformada com a decisão, a parte ré interpôs o recurso em questão afirmando que a cobrança é indevida, já que a área interna do condomínio é área pública, logo, sua ilumi-nação é custeada pela Contribuição de Iluminação Pública, já cobrada dos condôminos.

Ressalta que a cobrança do montante monitório implica duplicidade, gerando enrique-cimento ilícito da parte autora. Finalmente, sustenta que não existem medidores para aferir o consumo de energia elétrica, o que implica abusividade da cobrança.

A Relatora, na análise da apelação, afirmou que a Aneel, como agência reguladora do setor elétrico, com base no seu poder normativo, elaborou resolução que dispensa a instalação de medidores para cobrança de energia elétrica em condomínios fechados.

Diante desta resolução, a CEB, ora apelada, possui prerrogativa legal de cobrar de con-domínios a energia elétrica fornecida a essas unidades consumidoras destinadas à ilu-minação de suas áreas coletivas.

Assim, enfatizou que a iluminação de tais áreas, ao contrário do que pretende a ape-lante, não é custeada pela Contribuição de Iluminação Pública, já que não se trata de áreas públicas.

Por fim, a 6ª Turma Cível do TJDFT entendeu que não há ilegalidade na cobrança da contraprestação pecuniária referente à prestação de serviço de energia elétrica em área coletiva de condomínio fechado em razão da dispensa, por resolução da Aneel, da obri-gatoriedade de instalação de medidor de consumo.

Do voto da Relatora colacionamos o trecho que segue:

“[....] As áreas internas do condomínio são de propriedade do próprio condomínio. É dizer, aquelas áreas são coletivas a todos os condôminos, mas de propriedade desses. Assim, na relação interna entre os condôminos, essas áreas são coletivas, porque de propriedade de todos, mas em relação à coletividade são áreas privadas, de propriedade daquele condomínio.

A Contribuição de Iluminação Pública, de responsabilidade de todas as unidades consu-midoras, inclusive os condomínios, destina-se ao custeio da iluminação de áreas comuns ao povo, áreas públicas, consistentes em bens públicos de uso comum da população.

Nesse sentido:

64 ����������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO

‘PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO MONITÓRIA – FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRI-CA – ÁREA COMUM DE CONDOMÍNIO – RELAÇÃO DE CONSUMO – CONTRIBUIÇÃO DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA – RELAÇÃO TRIBUTÁRIA – SUJEITO PASSIVO – ENTE PÚBLICO – 1. A área interna de condomínio é área particular, de acesso limitado aos condôminos e às pessoas por estes autorizadas a ali transitar. Por isso, não se pode considerar como área pública. A iluminação ali consumida é de responsabilidade do condomínio. 2. Com a nova redação dada ao § 2º do art. 4º da Lei Complementar nº 673/2002, pela Lei Complementar nº 699/2004, os condomínios passaram, a partir de 01.01.2005, a ser sujeitos passivos da Contribuição de Iluminação Pública – CIP. Antes disso não respondem por tal tributo. 3. Recurso parcialmente provido.’ (Acórdão nº 644565, 20060111143880-APC, 4ª T.Cív., Rel. Antoninho Lopes, Revisor Cruz Macedo, Data de Julgamento: 21.11.2012, Publicado no DJe 11.01.2013, p. 87)

Além disso, a cobrança da concessionária de serviço público possui presunção de ve-racidade e legitimidade. Assim, os valores inseridos nas faturas juntadas às fls. 15/21 gozam de presunção juris tantum de conformidade com a realidade. Confira-se:

‘MONITÓRIA – FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – CONDOMÍNIO – ILUMI-NAÇÃO DE ÁREA PARTICULAR – ILEGITIMIDADE – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – FATURAS – PRESUNÇÃO DE VERACIDADE – I – O condomínio réu é responsável pela iluminação consumida nos espaços internos comuns, pois se trata de área particular e não pública. Rejeitada a ilegitimidade passiva. II – A ação monitória está devidamente instruída com as faturas de consumo de energia elétrica, bem como com o demonstra-tivo atualizado do débito. Rejeitada a inadequação da via eleita. III – O condomínio réu não apresentou elementos para desconstituir a presunção de veracidade que milita em favor dos dados lançados nas faturas pela concessionária. IV – Apelação desprovida.’ (Acórdão nº 677008, 20120110121977-APC, 6ª T.Cív., Relª Vera Andrighi, Revisor Ana Maria Duarte Amarante Brito, Data de Julgamento: 08.05.2013, Publicado no DJe 21.05.2013, p. 199) [...].”

6826 – Agência reguladora – ANP – poder normativo – Portaria nº 202/1999 – legalidade e constitucionalidade

“Administrativo. Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. ANP. Poder normativo. Portaria nº 202/1999. Legalidade e constitucionalidade. Exigências para registro e funcionamento de distribuidoras de combustíveis líquidos derivados de petróleo. Recurso desprovido. 1. A livre concorrência constitui um dos princípios constitucionais basilares da ordem econômica nacional relacionados no art. 170 da Constitucional Federal, assegurada, ademais, a liberdade de iniciativa econômica, independentemente de autorização estatal, sal-vo nos casos previstos em Lei (parágrafo único). 2. Considerando o monopólio de exploração do petróleo detido pela União, o Texto Constitucional, com destaque para os arts. 177 e 238, reserva tratamento próprio e diferenciado às atividades relacionadas com a produção, impor-tação, exportação, fornecimento, distribuição e comercialização de petróleo, gás natural e seus derivados, caracterizando, dessa forma, a intervenção regulatória do ente público sobre tais atividades econômicas, todas elas decisivas no processo de abastecimento de combus-tíveis. 3. A ANP é órgão com poder regulatório da indústria de petróleo, do gás natural seus derivados e biocombustíveis, conforme a qualificam os arts. 7º e 8º da Lei nº 9.478/1997, com base no preceituado art. 174 da Constituição Federal. À ANP (Autarquia Reguladora) foi atribuída a função principal de controlar, em toda sua extensão, a prestação de serviços públicos e o exercício de atividades econômicas, bem como a própria atuação das pessoas privadas que se enquadram nas atividades no âmbito de sua fiscalização. 4. As resoluções e

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO����������������������������������������������������������������������������������������������������65

portarias emitidas pela Agência Nacional do Petróleo derivam do poder regulamentar que é inerente à discricionariedade da atividade administrativa desta agência, visando a realizar o objetivo legal de regular as atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo (Lei nº 9.478/1997, art. 8º, inciso XV). 5. Na hipótese, pretende a apelante a autorização para o exercício da atividade de distribuição de combustível. Entretanto, a conveniência e opor-tunidade de sua concessão há de ser avaliada pela Agência Nacional de Petróleo – ANP, conforme o disposto no inciso XV do art. 8º da Lei nº 9.478/1997. 6. Exercendo o seu poder normativo conferido pela lei, a ANP editou a Portaria nº 202/1999, estabelecendo, em seu art. 5º, condição para a expedição de autorização ao exercício da atividade de distribuidor de combustível, no sentido de que a empresa requerente não tenha em seu quadro de adminis-tradores, acionistas ou sócios (pessoa física ou jurídica) que, nos últimos cinco anos, tenham participado de empresa, cujos débitos ou obrigações decorrentes do exercício de atividade re-gulamentada pela ANP, ainda não tenham sido liquidados. 7. A Portaria nº 202/1999 da ANP estabelece uma condição para a concessão da autorização, enquanto a Lei nº 9.847/1999, por sua vez, elenca as hipóteses que ensejam a penalidade de revogação da autorização. Forçoso concluir que a Lei nº 9.847/1999 prevê uma sanção e a portaria, apenas uma condição para a concessão de autorização que, saliente-se, é ato unilateral e discricionário do administrador. 8. A referida portaria é instrumento normativo legítimo para disciplinar o acesso à atividade de distribuição de combustíveis, em face do poder regulamentar conferido àquela agência reguladora pela Lei nº 9.478/1997 (art. 8º). 9. Não há ilegalidade ou inconstitucionalidade na Portaria ANP nº 202/1999, sendo legítimas as exigências contidas naquele instrumento normativo para a concessão de autorização para o exercício de atividade de distribuição de combustíveis derivados do petróleo. 10. Precedentes: STJ, REsp 1.048.317/PR, 2ª T., Rel. Min. Herman Benjamin, DJe 3009-2010; STJ, REsp 640.460/RJ, 1ª T., Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ 27.09.2007; TRF 1ª R., AC 2001.34.00.001426-5, 5ª T., Rel. Des. Fed. Fagundes de Deus, E-DJF1 20.01.2010; TRF 1ª R., AMS 2006.34.00.011609-3/DF, 6ª T., Rel. Juiz Fed. Conv. Carlos Augusto Pires Brandão, E-DJF1 24.08.2009, TRF 2ª R., AMS 2004.51.01.022185-5, Oitava Turma Especializada, Rel. Des. Fed. Raldênio Bonifácio Costa, DJU 21.03.2006. 11. ‘O exercício de qualquer atividade econômica pressupõe o atendimen-to aos requisitos legais e às limitações impostas pela Administração no regular exercício de seu poder de polícia, principalmente quando se trata de distribuição de combustíveis, setor essencial para a economia moderna’ (STF, RE 349.686/PE, Min. Ellen Gracie). O princípio da livre iniciativa não pode ser invocado com o intuito de afastar as regras de regulamen-tação do mercado e de defesa do consumidor, nos termos do art. 170, caput, e parágrafo único da Constituição Federal. 12. Recurso desprovido. Sentença confirmada.” (TRF 2ª R. – AMS 2006.51.01.014829-2 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Marcus Abraham – DJe 15.04.2014)

6827 – Agência reguladora – ANP – portaria – auto de infração – multa – mera irregulari­dade formal – sanção – manutenção

“Direito administrativo. Auto de infração. Fundamentação. Portaria ANP nº 116/2000. Poder de polícia. Legalidade. Cuida-se de apelação interposta contra sentença que julgou impro-cedente pedido de nulidade de auto de infração exarado pela Agência Nacional do Petróleo – ANP. A apelante, empresa revendedora de combustível no varejo, sustenta que o auto de infração estava fundamentada em mera norma infralegal (Portaria ANP nº 110/2000), que não

66 ����������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO

possui força coercitiva para impor obrigação ou conduta. Aduz que o auto de infração lavrado não menciona o art. 3º, IX, da Lei nº 9.847/1999, no qual a ANP se baseou, posteriormente, para exigir o pagamento de multa, o que, segundo alega, é nulo. O auto foi exarado por ter a apelante comprado combustível de outro posto revendedor, o que se consubstancia em infração, nos termos do art. 8º da Portaria ANP nº 116/2000. ‘Os atos normativos editados pelas agências não são regulamentos autônomos, uma vez que não defluem da Constituição, mas sim da lei instituidora da agência. Dessa forma, tais leis, ao instituírem as agências regu-ladoras, conferem-lhes também o exercício de um abrangente poder normativo no que diz respeito às suas áreas de atuação’ (TRF 5ª R., AC 462171, Segunda Turma, Rel. Des. Federal Francisco Barros Dias, Pub. DJe 30.03.2010). Ademais, ‘este eg. TRF da 5ª Região já decidiu que o fato do auto de infração ter sido lavrado pela Agência Nacional do Petróleo, com base em portaria administrativa constitui mera irregularidade formal que não desconstitui o ato ad-ministrativo que imputou sanção prevista em lei, e não na portaria (TRF 5ª Região, Apelação Cível nº 448613, Quarta Turma, Relª Desª Federal Nilcéa Maria Barbosa Maggi, DEJ Data: 15.09.2009)’ (TRF 5ª Região, AC 430170/CE, Des. Federal Francisco Barros Dias, Segunda Turma, Julgamento: 10.11.2009, Publicação: DJe 26.11.2009)’ (TRF5, AC 469080, Terceira Turma, Rel. Des. Federal Marcelo Navarro, Pub. DJe 26.06.2012). Dessarte, a Portaria ANP nº 116/2000, que prevê como infração a compra de combustível de pessoa jurídica que não tenha o registro de distribuidor, foi exarada dentro do poder de polícia conferido pela lei que instituiu a ANP como agência reguladora. O auto de infração está devidamente funda-mentado e nele não se verifica nenhuma nulidade. Apelação não provida.” (TRF 5ª R. – AC 2008.81.00.011351-2 – (471292/CE) – 2ª T., Rel. Des. Fed. Paulo Gadelha – DJe 14.02.2013)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.847/1999:

“Art. 3º A pena de multa será aplicada na ocorrência das infrações e nos limites se-guintes:

[...]

IX – construir ou operar instalações e equipamentos necessários ao exercício das ativida-des abrangidas por esta Lei em desacordo com a legislação aplicável:

Multa - de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais);

[...].”

6828 – Agência reguladora – ANS – resolução – edição – possibilidade

“Administrativo. ANS. Poder fiscalizatório. Operadora de planos de saúde. Dever de prestar informações. Art. 20 da Lei nº 9.656/1998. Validade do DIOPS. Lei nº 9.961/2000. Resolu-ção nº 01/2001. 1. Sentença que julgou improcedente o pedido que objetivava o reconheci-mento da inexistência do débito cobrado pela ré (ANS) em decorrência de multa por atraso na apresentação da DIOPS referente ao 1º trimestre de 2001. 2. A edição da Resolução RE nº 01/2001 determina o envio de informações referentes à situação econômico-financeira (DIOPS – Documento de Informações Periódicas das Operadoras dos Planos de Saúde), dados cadastrais e informações operacionais, através de preenchimento de ‘quadros demonstrati-vos’ preparados para tal fim. A resolução em comento foi editada com fundamento legal no art. 4º da Lei nº 9.961/2000. 3. A ANS nada mais fez além de se utilizar de seu poder norma-

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO����������������������������������������������������������������������������������������������������67

tivo por lei conferido, inerente à atuação das agências reguladoras, não havendo que se falar em ilegalidade na atuação administrativa. 4. É fato incontroverso que a autora enviou a Diope fora do prazo, pois somente remeteu o referido documento em 05.12.2001, quando deveria enviar em 30.10.2001. 5. No que se refere à alegação da autora de que o atraso foi justificado, pelas cópias dos autos constata-se que a apelante foi notificada em julho de 2001, para regu-larizar sua situação junto a ANS e em novembro para apresentar defesa. A apresentação do documento somente ocorreu em dezembro de 2001, portanto, somente após a ANS requisitar informações, o que afasta as alegações autorais. 6. Conforme se verifica da cópia do processo administrativo acostado aos autos, o processo não ficou paralisado durante por um período igual ou superior a 3 (três) anos, não havendo que se falar em prescrição intercorrente. 7. Prece-dente: TRF 2ª R., AC 200651010200071/RJ, Rel. Des. Federal José Antonio Neiva, Sétima Tur-ma Especializada, DJe 12.01.2011. 8. Apelação desprovida. Sentença confirmada.” (TRF 2ª R. – AC 2009.51.01.003345-3 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Marcus Abraham – DJe 26.05.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.656/1998:

“Art. 20. As operadoras de produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei são obrigadas a fornecer, periodicamente, à ANS todas as informações e estatísticas relativas a suas atividades, incluídas as de natureza cadastral, especialmente aquelas que permitam a identificação dos consumidores e de seus dependentes, incluindo seus nomes, inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas dos titulares e Municípios onde resi-dem, para fins do disposto no art. 32.

§ 1º Os agentes, especialmente designados pela ANS, para o exercício das atividades de fiscalização e nos limites por ela estabelecidos, têm livre acesso às operadoras, podendo requisitar e apreender processos, contratos, manuais de rotina operacional e demais documentos, relativos aos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei.

§ 2º Caracteriza-se como embaraço à fiscalização, sujeito às penas previstas na lei, a imposição de qualquer dificuldade à consecução dos objetivos da fiscalização, de que trata o § 1º deste artigo.”

6829 – Agência reguladora – Anvisa – farmácia de manipulação – preparações magistrais – estoque – pretensão – impossibilidade

“Apelação cível. Mandado de segurança preventivo. Farmácia de manipulação. Pretensão de estoque de preparações magistrais. Impossibilidade. Vedação contida na RDC 67/2007 da Anvisa. Não ocorrência de violação aos princípios da isonomia e da livre empresa. Alegação de inovação do ordenamento jurídico por meio de resolução. Previsão legal de exercício do poder normativo da agência reguladora. As agências reguladoras possuem amplo poder normativo para desempenho de sua competência na matéria de sua expertise, sendo criadas para fins de regulação exercício de atividades econômicas. A Anvisa, na condição de agência reguladora, possui competência para estabelecimento de normas relativas a regulação sani-tária, conforme expressa autorização contida na Lei nº 9.782/1999. O Poder Judiciário não detém conhecimentos técnicos acerca das boas práticas de manipulação em farmácia para imiscuir-se no mérito administrativo acerca da regulação sanitária e econômica do mercado. É constitucional e não viola a isonomia o tratamento diferenciado conferido a farmácia de aten-

68 ����������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO

dimento privativo de unidade hospitalar que possui função social distinta das farmácias de manipulação voltadas ao comércio externo. Apelação cível conhecida e desprovida.” (TJPR – AC 1081744-6 – 4ª C.Cív. – Rel. Des. Guido Döbeli – DJe 29.05.2014 – p. 225)

Destaque Editorial SÍNTESEDo voto do Relator destacamos:

“[...] Importa também transcrever a lição do Professor Carlos Ari Sundfeld acerca das atividades desempenhadas pelas agências reguladoras ‘edição de normas, fiscalização, aplicação de sanções, solução de conflitos privados, solução de reclamações dos con-sumidores’.

Como visto, o poder normativo das agências reguladoras correspondente à atuação téc-nica é amplo, sendo que tais Autarquias foram criadas justamente com o intuito de regular o exercício de atividades econômicas.

No que se refere especificamente à Anvisa, seu objeto consiste na regulação sanitária e regulação econômica do mercado, sendo que a Lei nº 9.782/1999 que a criou dispõe expressamente que:

‘Art. 7º Compete à Agência proceder à implementação e à execução do disposto nos incisos II a VII do art. 2º desta Lei, devendo:

I – coordenar o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária;

II – fomentar e realizar estudos e pesquisas no âmbito de suas atribuições;

III – estabelecer normas, propor, acompanhar e executar as políticas, as diretrizes e as ações de vigilância sanitária;

[...].’

Ainda mais especificamente sobre questão trabalhada nos autos, qual seja, a possibi-lidade de a Anvisa regular estoque mínimos de medicamentos, esta encontra autoriza-ção na Lei nº 5.991/1973. A referida lei atribuiu ao Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia (o qual foi substituído pela Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária – SNVS 4 e depois extinta pela criação da Anvisa, conforme art. 30 da Lei nº 9.782/1999) competência para baixar normas sobre estoques mínimos de medica-mentos:

‘Art. 54. O Serviço Nacional de Fiscalização da Medicina e Farmácia baixará normas sobre:

a) a padronização do registro do estoque e da venda ou dispensação dos medicamentos sob controle sanitário especial, atendida a legislação pertinente;

b) os estoques mínimos de determinados medicamentos nos estabelecimentos de dis-pensação, observado o quadro nosológico local;

c) os medicamentos e materiais destinados a atendimento de emergência, incluídos os soros profiláticos.’

Com efeito, é de se ver que a vedação à farmácia de manter estoque mínimo de prepa-rações magistrais, estabelecida pela Resolução da Diretoria Colegiada nº 67/2007, ora impugnada, está devidamente autorizada pela legislação que dispõe sobre a competên-cia normativa da Anvisa. [...].”

6830 – Agência reguladora – poder normativo – exercício – legitimidade

“Apelações cíveis. Ação de cobrança. Sentença que reconheceu a ilegitimidade ativa da requerente em relação à cobrança de valores devidos a associados, julgando parcialmente

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO����������������������������������������������������������������������������������������������������69

procedente o pedido inicial. 1. Recurso de apelação da requerente. Ilegitimidade ativa em relação aos valores devidos aos associados. Representação prevista no estatuto da requerente e na Resolução Normativa nº 109/2004. Necessidade de autorização expressa. Mera autori-zação tácita dos associados que não basta. Precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Valor das penalidades. Recuperação judicial que visa, em primeiro lugar, ao reequilíbirio financeiro e econômico do devedor. Função social da empresa. Princípio da manutenção da empresa. Princípio da razoabilidade. Valor das penalidades que não deve ser maior que o valor da obrigação principal. Recurso de apelação desprovido. 2. Recurso de apelação da requerida. Exercício do poder normativo da agência reguladora. Legitimidade. Penalidades que encon-tram previsão normativa expressa. Requerida que, em sua resposta à notificação, confessou a dívida, realizando, inclusive, proposta de liquidação financeira. Recurso de apelação despro-vido.” (TJPR – AC 1023419-8 – Relª Desª Denise Kruger Pereira – DJe 21.10.2013 – p. 213)

Parte Geral – Doutrina

A Arbitragem nos Contratos Administrativos

GINA COPOLAAdvogada militante em Direito Administrativo, Pós‑Graduada em Direito Administrativo pela FMU, Professora de Direito Administrativo na FMU. Autora dos livros Elementos de Direito Am‑biental (2003), Desestatização e terceirização (2006), A lei dos crimes ambientais comentada artigo por artigo (2008 e 2. ed. em 2012) e A improbidade administrativa no Direito Brasileiro (2011). Autora de diversos artigos sobre temas de direito administrativo e ambiental, todos publicados em periódicos especializados.

SUMÁRIO: 1 Breve introdução ao tema; 2 A arbitragem nos termos da Lei Federal nº 9.307/1996; 3 O que são direitos patrimoniais disponíveis?; 4 Princípio da indisponibilidade do interesse público; 4.1 Interesse público primário e interesse público secundário; 5 Os contratos administrativos; 6 O que reza a legislação?; 7 A jurisprudência pátria; 8 A doutrina brasileira; 9 Breve conclusão.

1 BREVE INTRODUÇÃO AO TEMA

O tema concernente à arbitragem nos contratos administrativos tem sido discutido entre os estudiosos e aplicadores do Direito com fre-quência e afinco, e, assim, o presente trabalho é apenas uma singela contribuição ao relevante debate.

A arbitragem foi disciplinada pela Lei Federal nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, sendo que as pessoas capazes de contratar podem valer-se do instituto da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis, conforme consta do art. 1º da citada lei.

O que se indaga, portanto, é o seguinte: o instituto da arbitragem pode ser aplicado aos contratos administrativos, já que a Lei Federal nº 9.307/1996, art. 1º, reza em direitos patrimoniais disponíveis, e, con-forme é cediço em direito, o interesse público é indisponível?

É essa indagação a que se pretende responder aqui.

2 A ARBITRAGEM NOS TERMOS DA LEI fEDERAL Nº 9.307/1996

A arbitragem é um instituto que serve como eficiente forma de solução de conflitos, realizada por meio de Tribunal Arbitral, que é for-mado por um ou mais árbitros – pode ser árbitro qualquer pessoa ca-

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������71

paz e que tenha a confiança das partes, conforme reza o art. 13 da Lei nº 9.307/1996.

O Professor Elisson Pereira da Costa1 professa de forma elucidativa que

A arbitragem é meio extrajudicial de solução de conflitos, por meio do qual os árbitros resolvem divergências relativas a direitos patrimoniais disponíveis, com base na convenção da arbitragem pactuada entre as partes.

As regras que serão aplicadas à arbitragem podem ser livremente escolhidas pelas partes, sendo que a única ressalva é de que as regras não violem os bons costumes e a ordem pública, cf. reza o art. 2º da Lei nº 9.307/1996.

As partes de um contrato que pretendam submeter os litígios que possam surgir relativamente ao contrato celebrado à técnica da arbi-tragem devem comprometer-se por meio de convenção de arbitragem, sendo que tal cláusula deve sempre ser na forma escrita, nos termos do art. 4º, caput e § 1º, da Lei da Arbitragem.

O art. 10 da Lei da Arbitragem elenca os itens que devem constar obrigatoriamente do compromisso arbitral.

O árbitro pode ser qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes e deverá ele proceder com imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição, nos termos do art. 13, caput e § 6º, da Lei.

Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que te-nham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e respon-sabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil, nos termos do art. 14 da Lei da Arbitragem.

O procedimento arbitral inicia-se com a aceitação da nomeação do árbitro, conforme reza o art. 19 da Lei nº 9.307/1996.

1 COSTA, Elisson Pereira da. O alcance da arbitragem nos contratos administrativos de concessão de serviço público. Revista Síntese de Direito Administrativo, n. 94, p. 28, out. 2013.

72 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

E, ainda, o procedimento obedecerá ao que foi estabelecido pelas partes na Convenção de Arbitragem, nos termos do art. 21 da Lei, e se-rão sempre observados os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade do árbitro e de seu livre convencimento, nos termos do § 2º do mesmo art. 21 da Lei.

O árbitro deve sempre tentar a conciliação entre as partes no iní-cio do procedimento, nos termos do § 4º do art. 21 da LA.

A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes, e, no caso de nada ter sido convencionado nesse sentido, o prazo para a apresentação da sentença é de 6 (seis) meses, nos termos do art. 23 da LA.

São requisitos obrigatórios da sentença arbitral: a) o relatório; b) os fundamentos da decisão, com a análise das questões de fato e de direito; c) o dispositivo em que os árbitros resolverão as questões; d) a data e o lugar em que foi proferida a sentença, conforme o art. 26 da Lei nº 9.307/1998.

A sentença arbitral produz os mesmos efeitos da sentença profe-rida pelos órgãos do Poder Judiciário e, se for condenatória, constitui título executivo, nos termos do art. 31 da Lei da Arbitragem.

O art. 32 da Lei da Arbitragem elenca as hipóteses nas quais a sentença arbitral é nula. São elas: a) for nulo o compromisso; b) emanou de quem não poderia ser árbitro; c) não contiver os requisitos do art. 26; d) proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; e) não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; f) comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; g) proferida fora do prazo, respeitado o art. 12, III, da Lei; e h) forem desrespeitados os prin-cípios de que trata o art. 21, § 2º, da Lei.

E, ainda, a parte interessada poderá pleitear ao órgão do Poder Judiciário competente a decretação da nulidade da sentença arbitral, nos casos previstos na lei, conforme se lê do art. 33 da Lei da Arbitragem.

3 O QUE SÃO DIREITOS PATRIMONIAIS DISPONÍVEIS?

Conforme anteriormente iterado, o art. 1º da Lei da Arbitragem reza que as pessoas capazes de contratar podem valer-se do instituto da

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������73

arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais dispo-níveis.

O que são, então, direitos patrimoniais disponíveis?

Os autores Elói Martins Senhoras e Ariane Raquel Almeida de Souza Cruz2 citam lição de S. J. Roque nos seguintes termos:

Direitos patrimoniais disponíveis são aqueles que envolvem valores fi-nanceiros, ou seja, que representem dinheiro. São, por exemplo, valores que alterem o patrimônio de empresa e vão alterar o balanço dela. Em termos mais completos, são valores que envolvem dinheiro. Valores não patrimoniais não podem ser discutidos em arbitragem, como os valores morais, do tipo honra, privacidade, bom conceito. É também o caso de valores culturais, a não ser que eles sejam objeto de exploração econô-mica, envolvendo dinheiro, como os direitos autorais ou de propriedade industrial.

Com efeito, direitos patrimoniais disponíveis são valores que re-presentam valores financeiros, ou seja, representam dinheiro, e que, conforme a lei, podem ser objeto de arbitragem.

4 PRINCÍPIO DA INDISPONIBILIDADE DO INTERESSE PÚBLICO

O festejado Celso Antônio Bandeira de Mello3 ensina em célebre passagem de sua obra que:

55. A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo in-teresses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem disponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também dever – na estrita conformidade do que pre-dispuser a intentio legis. [...]

Em suma, o necessário – parece-nos – é encarecer que na administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da von-tade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela.

2 SENHORAS, Elói Martins; CRUZ, Ariane Raquel Almeida Souza. A arbitragem nos contratos administrativos. Revista Síntese de Direito Administrativo, n. 94, p. 38, out. 2013.

3 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 62/63.

74 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

No mesmo diapasão, ainda sobre o princípio da indisponibilidade do interesse público, professara o saudoso Diógenes Gasparini4:

Não se acham, segundo esse princípio, os bens, direitos, interesses e ser-viços públicos à livre disposição dos órgãos públicos, a quem apenas cabe curá-los, ou do agente público, mero gestor da coisa pública. Aque-les e este não são seus senhores ou seus donos, cabendo-lhes por isso tão só o dever de guardá-los e aprimorá-los para a finalidade a que estão vinculados. O detentor dessa disponibilidade é o Estado.

Cite-se, por fim, Maria Sylvia Zanella Di Pietro5, que transcreve lição de Celso Antônio Bandeira de Mello nos seguintes termos:

Mais além, diz que “as pessoas administrativas não têm, portanto, dis-ponibilidade sobre os interesses públicos confiados à sua guarda e rea-lização. Esta disponibilidade está permanentemente retida nas mãos do Estado (e de outras pessoas políticas, cada qual na própria esfera) em sua manifestação legislativa. Por isso, a Administração e a pessoa administra-tiva, Autarquia, têm caráter instrumental.

A Administração, portanto, não pode dispor, abrir mão ou transigir com o interesse público. É o que determina o princípio da indisponibili-dade do interesse público.

4.1 iNteresse público primário e iNteresse público secuNdário

Sobre a sensível distinção entre interesse público primário e in-teresse público secundário, trazemos à colação elucidativa lição de Elisson Pereira da Costa6:

Dessa forma, o interesse público propriamente dito é denominado de pri-mário, ao passo que os interesses particulares do Estado são chamados de secundários. Exemplificando, quando o Estado desapropria determinada área para construção de uma escola, atende ao interesse primário, ao passo que a elevação desmensurada da carga tributária para enriqueci-mento do Erário atenderia ao interesse público secundário.

Assim, ao se falar em interesse público e princípio da indisponibilidade, a referência é ao interesse público primário e não secundário. A indispo-

4 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 18.5 DI PETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 67.6 COSTA, Elisson Pereira da. Op. cit., p. 26/27.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������75

nibilidade se traduz na expressão de que o órgão administrativo que re-presenta o Estado não pode abrir mão do interesse de que dispõe, já que este não se encontra à livre disposição de quem quer que seja (Bandeira de Mello, 2009, p. 74).

Ou seja, o interesse público primário refere-se a direito indispo-nível do Estado, enquanto o interesse público secundário (cite-se, por exemplo, o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato) refere-se a direito disponível e que, portanto, não está sujeito ao princípio da indis-ponibilidade do interesse público.

Tal distinção é fulcral ao presente trabalho.

5 OS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Segundo lição do saudoso Diógenes Gasparini7:

Em face disso tudo, o contrato administrativo pode ser conceituado como o ato plurilateral ajustado pela Administração Pública ou por quem lhe faça as vezes com certo particular, cuja vigência e condições de execu-ção a cargo do particular podem ser instabilizadas pela Administração Pública, ressalvados os interesses patrimoniais do contratante particular.

O contrato administrativo é aquele realizado sob o regime jurí-dico de direito público8 e é caracterizado pela existência de cláusulas exorbitantes, que, conforme é cediço em Direito, constituem verdadei-ras prerrogativas ou privilégios a favor da Administração, ou, em outras palavras, as cláusulas exorbitantes garantem o desnivelamento do con-trato a favor da Administração, objetivando sempre o atendimento ao interesse público.

São exemplos de cláusulas exorbitantes: a) alteração unilateral do contrato pela Administração; b) rescisão unilateral do contrato pela Ad-ministração; c) fiscalização do contrato pela Administração; d) exigência de garantia realizada pela Administração; e, ainda, e) a possibilidade de aplicação de penalidade pela Administração.

7 GASPARINI, Diógenes. Op. cit., p. 694.8 Regime Jurídico de Direito Público ou Regime Jurídico Administrativo é carcterizado pelo conjunto de prerro-

gativas e sujeições a que está sujeita a Administração, no dizer de DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Op. cit., p. 63.

76 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

A questão que aqui se levanta, portanto, é a seguinte: pode o con-trato administrativo, no qual são conferidas prerrogativas à Administra-ção – as cláusulas exorbitantes –, ser objeto do instituto da arbitragem, tendo-se, ainda e sobretudo, em vista o indigitado princípio da indispo-nibilidade do interesse público?

6 O QUE REZA A LEGISLAÇÃO?

Rezam as Leis Federais nºs 11.079/2004, art. 11, inciso III, e 8.987/1995, art. 23-A:

Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indica-rá expressamente a submissão da licitação às normas desta Lei e obser-vará, no que couber, os §§ 3º e 4º do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever:

[...]

III – o emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclu-sive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato. (grifamos)

Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de meca-nismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996. (grifamos)

Observa-se, portanto, que a Lei Federal nº 11.079/2004, que insti-tui normas gerais de licitação e contratação de parceria público-privada, e a Lei Federal nº 8.987/1995, que regula a concessão e permissão de serviços públicos, rezam expressamente que o contrato celebrado sob a égide de tais diplomas pode socorrer-se do instituto da arbitragem.

Ou seja, a lei prevê expressamente a utilização da arbitragem em contratos administrativos – de concessão e permissão de serviços pú-blicos, e de parcerias público-privadas – desde que a utilização de tal instituto esteja previamente prevista no instrumento contratual.

7 A JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA

A jurisprudência pátria majoritária já proferida tem admitido a ar-bitragem em contratos administrativos.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������77

Cite-se, nesse diapasão, o r. acórdão proferido pelo eg. Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial nº 904.813/PR, Relª Min. Nancy Andrighi, Julgado em 20.10.2011, com a seguinte ementa:

PROCESSO CIVIL – RECURSO ESPECIAL – LICITAÇÃO – ARBITRAGEM – VINCULAÇÃO AO EDITAL – CLÁUSULA DE FORO – COMPROMIS-SO ARBITRAL – EQUILÍBRIO ECONÔMICO FINANCEIRO DO CON-TRATO – POSSIBILIDADE

1. A fundamentação deficiente quanto à alegada violação de disposi-tivo legal impede o conhecimento do recurso. Incidência da Súmula nº 284/STF. 2. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inad-missível. 3. A ausência de decisão sobre os dispositivos legais suposta-mente violados, não obstante a interposição de embargos de declara-ção, impede o conhecimento do recurso especial. Incidência da Súmula nº 211/STJ. 4. Não merece ser conhecido o recurso especial que deixa de impugnar fundamento suficiente, por si só, para manter a conclusão do julgado. Inteligência da Súmula nº 283 do STF. 5. Tanto a doutrina como a jurisprudência já sinalizaram no sentido de que não existe óbice legal na estipulação da arbitragem pelo poder público, notadamente pelas so-ciedades de economia mista, admitindo como válidas as cláusulas com-promissórias previstas em editais convocatórios de licitação e contratos. 6. O fato de não haver previsão da arbitragem no edital de licitação ou no contrato celebrado entre as partes não invalida o compromisso arbitral firmado posteriormente. 7. A previsão do Juízo Arbitral, em vez do foro da sede da Administração (jurisdição estatal), para a solução de deter-minada controvérsia, não vulnera o conteúdo ou as regras do certame. 8. A cláusula de eleição de foro não é incompatível com o Juízo Arbitral, pois o âmbito de abrangência pode ser distinto, havendo necessidade de atuação do Poder Judiciário, por exemplo, para a concessão de medi-das de urgência; execução da sentença arbitral instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita de forma amigável. 9. A controvér-sia estabelecida entre as partes – manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato – é de caráter eminentemente patrimonial e dispo-nível, tanto assim que as partes poderiam tê-la solucionado diretamente, sem intervenção tanto da jurisdição estatal, como do Juízo Arbitral. 10. A submissão da controvérsia ao Juízo Arbitral foi um ato voluntário da concessionária. Nesse contexto, sua atitude posterior, visando à impug-nação desse ato, beira às raias da má-fé, além de ser prejudicial ao pró-prio interesse público de ver resolvido o litígio de maneira mais célere. 11. Firmado o compromisso, é o Tribunal arbitral que deve solucionar a controvérsia. 12. Recurso especial não provido. (grifamos)

78 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Lê-se, portanto, do venerando acórdão que a manutenção do equi-líbrio econômico-financeiro do contrato é cláusula de caráter patrimo-nial e disponível e, portanto, pode perfeitamente ser objeto de resolução por meio da arbitragem.

Ou seja, o instituto da arbitragem é admitido em contratos admi-nistrativos, desde que a discussão se refira a cláusula de direito patri-monial disponível, sendo de relevo destacar que o r. acórdão afasta a necessidade de previsão no edital de que os conflitos serão decididos por meio da arbitragem.

Em outro r. acórdão, o eg. Superior Tribunal de Justiça admite a arbitragem em contratos administrativos celebrados por sociedade de economia mista, devidamente precedido de licitação na modalidade concorrência internacional. Trata-se do r. acórdão proferido no Recurso Especial nº 612.439/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, Julgado em 25.10.2005, com a seguinte ementa:

PROCESSO CIVIL – JUÍZO ARBITRAL – CLÁUSULA COMPROMISSÓ-RIA – EXTINÇÃO DO PROCESSO – ART. 267, VII, DO CPC – SOCIEDA-DE DE ECONOMIA MISTA – DIREITOS DISPONÍVEIS – EXTINÇÃO DA AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA POR INOBSERVÂNCIA DO PRAZO LEGAL PARA A PROPOSIÇÃO DA AÇÃO PRINCIPAL

1. Cláusula compromissória é o ato por meio do qual as partes contra-tantes formalizam seu desejo de submeter à arbitragem eventuais diver-gências ou litígios passíveis de ocorrer ao longo da execução da avença. Efetuado o ajuste, que só pode ocorrer em hipóteses envolvendo direitos disponíveis, ficam os contratantes vinculados à solução extrajudicial da pendência.

2. A eleição da cláusula compromissória é causa de extinção do processo sem julgamento do mérito, nos termos do art. 267, inciso VII, do Código de Processo Civil.

3. São válidos e eficazes os contratos firmados pelas sociedades de eco-nomia mista exploradoras de atividade econômica de produção ou co-mercialização de bens ou de prestação de serviços (CF, art. 173, § 1º) que estipulem cláusula compromissória submetendo à arbitragem eventuais litígios decorrentes do ajuste.

4. Recurso especial parcialmente provido.

No mesmo sentido é o r. acórdão proferido no REsp 606345/RS, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª Turma, Julgado em 17.05.2007.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������79

Com todo efeito, o eg. STJ admite perfeitamente o instituto da arbi-tragem em contratos administrativos para resolução de conflitos que se refiram a direitos disponíveis.

Cite-se, ainda na mesma esteira, o r. acórdão do eg. STJ, em Man-dado de Segurança nº 11.308/DF, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª Seção, Julgado em 09.04.2008, com a seguinte ementa:

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – PERMISSÃO DE ÁREA PORTUÁRIA – CELEBRAÇÃO DE CLÁUSULA COMPROMISSÓ-RIA – JUÍZO ARBITRAL – SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA – POSSI-BILIDADE – ATENTADO [...]

[...]

5. Questão gravitante sobre ser possível o Juízo Arbitral em contrato ad-ministrativo, posto relacionar-se a direitos indisponíveis.

6. A doutrina do tema sustenta a legalidade da submissão do Poder Públi-co ao Juízo Arbitral, calcado em precedente do eg. STF, in litteris: “Esse fenômeno, até certo ponto paradoxal, pode encontrar inúmeras explica-ções, e uma delas pode ser o erro, muito comum de relacionar a indis-ponibilidade de direitos a tudo quanto se puder associar, ainda que li-geiramente, à Administração”. Um pesquisador atento e diligente poderá facilmente verificar que não existe qualquer razão que inviabilize o uso dos Tribunais Arbitrais por agentes do Estado. Aliás, os anais do STF dão conta de precedente muito expressivo, conhecido como “caso Lage”, no qual a própria União submeteu-se a um Juízo Arbitral para resolver ques-tão pendente com a Organização Lage, constituída de empresas privadas que se dedicassem a navegação, estaleiros e portos. A decisão nesse caso unanimemente proferida pelo Plenário do STF é de extrema importância porque reconheceu especificamente “a legalidade do Juízo Arbitral, que o nosso Direito sempre admitiu e consagrou, até mesmo nas causas con-tra a Fazenda”. Esse acórdão encampou a tese defendida em parecer da lavra do eminente Castro Nunes e fez honra a acórdão anterior, relatado pela autorizada pena do Ministro Amaral Santos. Não só o uso da arbi-tragem não é defeso aos agentes da administração, como, antes, é reco-mendável, posto que privilegia o interesse público” (Da arbitrabilidade de litígios envolvendo sociedades de economia mista e da interpretação de cláusula compromissória. Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, Revista dos Tribunais, a. 5, out./dez. 2002, coordenada por Arnold Wald, esclarece às p. 398/399)

80 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

7. Deveras, não é qualquer direito público sindicável na via arbitral, mas somente aqueles cognominados como “disponíveis”, porquanto de natu-reza contratual ou privada.

8. A escorreita exegese da dicção legal impõe a distinção jus-filosófica entre o interesse público primário e o interesse da Administração, cog-nominado “interesse público secundário”. Lições de Carnelutti, Renato Alessi, Celso Antônio Bandeira de Mello e Ministro Eros Roberto Grau.

9. O Estado, quando atestada a sua responsabilidade, revela-se tendente ao adimplemento da correspectiva indenização, coloca-se na posição de atendimento ao “interesse público”. Ao revés, quando visa a evadir-se de sua responsabilidade no afã de minimizar os seus prejuízos patrimoniais, persegue nítido interesse secundário, subjetivamente pertinente ao apa-relho estatal em subtrair-se de despesas, engendrando locupletamento à custa do dano alheio.

10. Destarte, é assente na doutrina e na jurisprudência que indisponível é o interesse público, e não o interesse da Administração.

11. Sob esse enfoque, saliente-se que dentre os diversos atos pratica-dos pela Administração, para a realização do interesse público primário, destacam-se aqueles em que se dispõe de determinados direitos patri-moniais, pragmáticos, cuja disponibilidade, em nome do bem coletivo, justifica a convenção da cláusula de arbitragem em sede de contrato ad-ministrativo.

12. As sociedades de economia mista encontram-se em situação paritária em relação às empresas privadas nas suas atividades comerciais, conso-ante leitura do art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, eviden-ciando-se a inocorrência de quaisquer restrições quanto à possibilidade de celebrarem convenções de arbitragem para solução de conflitos de interesses, uma vez legitimadas para tal as suas congêneres.

13. Outrossim, a ausência de óbice na estipulação da arbitragem pelo Poder Público encontra supedâneo na doutrina clássica do tema, verbis: [...] Ao optar pela arbitragem, o contratante público não está transigindo com o interesse público, nem abrindo mão de instrumentos de defesa de interesses públicos, Está, sim, escolhendo uma forma mais expedita, ou um meio mais hábil, para a defesa do interesse público. Assim como o juiz, no procedimento judicial deve ser imparcial, também o árbitro deve decidir com imparcialidade. O interesse público não se confunde com o mero interesse da Administração ou da Fazenda Pública; o interesse público está na correta aplicação da lei e se confunde com a realiza-ção correta da Justiça” (No sentido da conclusão, Dalmo Dallari apud WALD, Arnold; CARNEIRO, Atlhos Gusmão; ALENCAR, Miguel Tostes

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������81

de; DOUTRADO, Ruy Janoni. Da validade de convenção de arbitragem pactuada por sociedade de economia mista. Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem, n. 18, a. 5, p. 418, out./dez. 2002).

14. A aplicabilidade do Juízo Arbitral em litígios administrativos, quando presentes direitos patrimoniais disponíveis do Estado, é fomentada pela lei específica, porquanto mais célere, consoante se colhe do art. 23 da Lei nº 8.987/1995, que dispõe acerca de concessões e permissões de serviços e obras públicas, e prevê em seu inciso XV, dentre as cláusu-las essenciais do contrato de concessão de serviço público, as relativas ao “foro e ao modo amigável de solução de divergências contratuais” (Precedentes do Supremo Tribunal Federal: SE 5206-AgRg/EP, de Rela-toria do Min. Sepúlveda Pertence, publicado no DJ de 30.04.2004; e AI 52.191, Pleno, Rel. Min. Bilac Pinto; RTJ 68/382 – “Caso Lage”. Cite-se ainda TJDF, MS 199800200366-9, Conselho Especial, Relª Desª Nancy Andrighi, J. 18.05.1999, DJ 18.08.1999).

15. A aplicação da Lei nº 9.307/1996 e do art. 267, inciso VII, do CPC à matéria sub judice afasta a jurisdição estatal, in casu em obediência ao princípio do juiz natural (art. 5º, LII, da Constituição Federal de 1988).

16. É cediço que o Juízo Arbitral não subtrai a garantia constitucional do juiz natural, ao contrário, implica realizá-la, porquanto somente cabível por mútua concessão entre as partes, inaplicável, por isso, de forma co-ercitiva, tendo em vista que ambas as partes assumem o “risco” de serem derrotadas na arbitragem (Precedente: REsp 450881, de relatoria do Min. Castro Filho, publicado no DJ 26.05.2003).

17. Destarte, uma vez convencionado pelas partes cláusula arbitral, o ár-bitro vira juiz de fato e de direito da causa, e a decisão que então proferir não ficará sujeita a recurso ou à homologação judicial, segundo dispõe o art. 18 da Lei nº 9.307/1996, o que significa categorizá-lo como equi-valente jurisdicional, porquanto terá os mesmos poderes do juiz togado, não sofrendo restrições na sua competência.

18. Outrossim, vige na jurisdição privada, tal como sucede naquela pú-blica, o princípio do kompetenz-kompetenz, que estabelece ser o próprio juiz quem decide a respeito de sua competência.

19. Consequentemente, o fumus boni iuris assenta-se não apenas na cláusula compromissória, como também em decisão judicial que não pode ser infirmada por Portaria ulterior, porquanto a isso corresponderia verdadeiro “atentado” (arts. 879 e ss. do CPC) em face da sentença profe-rida pelo Juízo da 42ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro.

82 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

20. A título de argumento obiter dictum pretendesse a parte afastar a cláusula compromissória, cumprir-lhe-ia anular o contrato ao invés de sobrejulgá-lo por portaria ilegal.

21. Por fim, conclui com acerto Ministério Público, verbis: “In casu, por se tratar tão somente de contrato administrativo versando cláusulas pelas quais a Administração, está submetida a uma contraprestação financei-ra, indubitável o cabimento da arbitragem. Não faria sentido ampliar o conceito de indisponibilidade à obrigação de pagar vinculada a obra ou serviço executado a benefício auferido pela Administração em virtude da prestação regular do outro contratante. A arbitragem se revela, portanto, como o mecanismo adequado para a solução da presente controvérsia, haja vista tratar-se de relação contratual de natureza disponível, confor-me dispõe o art. 1º da Lei nº 9.307/1996: ‘As pessoas capazes de contra-tar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis’” (fls. 472/473).

22. Ex positis, concedo a segurança, para confirmar o teor da liminar dantes deferida, em que se determinava a conservação do statu quo ante, face a sentença proferida pelo Juízo da 42ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, porquanto o presente litígio deverá ser conhecido e solucio-nado por juízo arbitral competente, eleito pelas partes. (grifamos)

O eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do Agravo de Instrumento nº 990.10.539082-0, 5ª CDPúbl., Rel. Des. Nogueira Diefenthaler, publicado em 10.05.2011, decidiu que:

Agravo de instrumento. Contrato administrativo. Arbitragem. 1. Embora admissível a utilização de cláusula compromissória em contrato admi-nistrativo, seu alcance limita-se pelo interesse público primário. 2. Inter-pretação restritiva da cláusula compromissória. Impossibilidade de es-tender seu alcance a fato da Administração que implicou o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Manutenção da decisão impugnada. Recurso desprovido.

O interesse público secundário (o limite é o interesse público pri-mário, conforme decidiu o venerando acórdão), conforme anteriormen-te dito, refere-se a direito disponível e, portanto, pode ser objeto de cláu-sula compromissória.

Ou seja, o eg. TJSP já decidiu, também, pela admissibilidade da arbitragem em contratos administrativos, desde que se refira a direito disponível.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������83

Ou seja, e repita-se, o interesse público indisponível é o primário e não pode ser objeto de arbitragem, diversamente do que ocorre com o interesse público secundário, e pode, sem qualquer óbice, ser objeto de cláusula compromissória.

8 A DOUTRINA BRASILEIRA

A doutrina brasileira admite a utilização da arbitragem em con-tratos administrativos para solução de conflitos que envolvam direitos disponíveis.

É o que se lê da lição de Luciano Benetti Timm e Thiago Tavares da Silva9:

A arbitragem, dessa forma, vigora na atualidade como uma alternativa adequada e eficaz para os contratos administrativos. A uma, porque é mais célere, reduzindo os custos de transação das partes. A duas, porque pressupõe maior expertise do árbitro, reduzindo a assimetria de informa-ções entre os agentes de mercado e os julgadores. A três, porque se pode esperar maior neutralidade do árbitro, se comparado a um Magistrado togado, sendo o emprego da arbitragem uma boa “sinalização” ao mer-cado (no jargão econômico).

E, ainda, o Poder Judiciário sempre poderá controlar o conteúdo da deci-são via ação anulatória do art. 29 da LA, não se tratando de uma renúncia total e completa do Poder Judiciário.

São lições, ainda, de Elisson Pereira da Costa10:

É evidente que as discussões que envolvam interesses primários do Es-tado devem ser excluídas do âmbito da arbitragem, todavia os interes-ses secundários, aqueles que dizem respeito à pessoa jurídica de direito público, podem sim ser objeto de resolução, por meio da arbitragem. Por exemplo, as questões relativas ao poder tarifário da Administração Pública são irrenunciáveis porque representam o interesse público (pri-mário), mais abrangente, por certo, que o interesse da Administração (se-cundário).

Portanto, o que se deve coibir é o uso da arbitragem de forma indiscrimi-nada em contratos de concessão de serviço público. Essa é a tendência

9 TIMM, Luciano Benetti; SILVA, Thiago Tavares. Os contratos administrativos e a arbitragem. Revista SíNTESE de Direito Administrativo, n. 94, out. 2013, p. 23.

10 COSTA, Elisson Pereira da. Op. cit., p. 30.

84 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

da jurisprudência, já que o objetivo é resguardar o interesse público, indisponível por natureza.

Cite-se, ainda, Elói Martins Senhoras e Ariane Raquel Almeida de Souza Cruz11:

Conclui-se que, embora as vias da arbitragem tenham sido utilizadas ao longo do século XX no Brasil, os novos marcos legais e as próprias trans-formações pelas quais o Estado Nacional passou com a redemocratiza-ção trazem uma inflexão quanto ao uso da arbitragem na resolução de conflitos no País, a qual foi considerada um instituto morto desde a Cons-tituição de 1824, mas que promete ser amplamente utilizada, inclusive pela Administração Pública, em razão do seu tamanho e interesses como agente econômico.

Denota-se, portanto, que a doutrina pátria tem admitido a arbitra-gem em contratos administrativos para solução de conflitos que envol-vam direitos disponíveis.

9 BREVE CONCLUSÃO

O instituto jurídico da arbitragem é admitido em contratos admi-nistrativos, desde que o conflito se refira a direitos disponíveis (interes-se público secundário), como é o caso, por exemplo, do reequilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo.

É de relevo destacar que o instituto da arbitragem está previsto expressamente na Lei Federal nº 11.079/2004, art. 11, III, e também na Lei Federal nº 8.987/1995, art. 23-A, ou seja, existe previsão legal para a utilização do instituto em contratos administrativos.

É forçoso concluir, portanto, que o instituto da arbitragem é admi-tido em contratos administrativos, e não representa ofensa ao princípio da indisponibilidade do interesse público.

É nosso entendimento.

11 SENHORAS, Elói Martins; CRUZ, Ariane Raquel Almeida Souza. Op. cit., p. 39.

Parte Geral – Doutrina

Indenização pela Teoria da Perda de uma Chance: a Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça

FELIPE CUNHA DE ALMEIDAProfessor Assistente de Direito Civil e Processual Civil na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), Professor Convidado em diversos cursos de Pós‑Graduação, Mestrando em Direito Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Advogado.

RESUMO: O presente estudou analisou, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e de outros tribunais, a aplicação prática da teoria da perda de uma chance, com o objetivo de analisar as suas consequências e seus desdobramentos, bem como fazer um paralelo de acordo com os ensinamentos da doutrina acerca do tema.

PALAVRAS‑CHAVE: Teoria; perda de uma chance; danos; probabilidade; responsabilidade civil; juris‑prudência do STJ; doutrina.

ABSTRACT: The present studied analyzed, according to the jurisprudence of the Supreme Court and other courts, the practical application of the theory of loss of chance, with the aim of analyzing the implications and consequences, as well as make a comparison of according to the teachings of the doctrine, on the subject.

KEYWORDS: Theory; loss of a chance; damage; likely; liability case law from the Supreme Court; doctrine.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A teoria da perda de uma chance; 2 Indenização pela perda de uma chan‑ce: a que título?; 3 O papel da jurisprudência; 4 O posicionamento do Superior Tribunal de Justi‑ça; 4.1 Desapropriação; 4.2 Curso superior não reconhecido pelo Ministério da Educação e Cultura; 4.3 Programa de televisão – Perguntas e respostas; 4.4 Não acumulabilidade de cargos públicos; 4.5 Responsabilidade civil do advogado; 4.6 Hospital particular e recusa de atendimento; 4.7 Par‑ticipação em processo licitatório; 5 O posicionamento dos tribunais estaduais; 6 Breve análise das decisões e seus desdobramentos; Considerações finais; Referências.

INTRODUÇÃO

O estudo da responsabilidade civil é tema que há muito nos toca, bem como é objeto de estudo. Os rumos acerca da responsabilidade, as teorias e a sua aplicação nos corredores forenses, entendemos assim, merecem estudos aprofundados, haja vista a importância que o tema merece, bem como pela relevância de suas consequências na socieda-de. E a teoria da perda de uma chance, aqui abordada, é de suma impor-tância, e não só para os operadores do Direito, sejam quaisquer os níveis

86 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

e esferas que atuem, mas igualmente, também, para as partes envolvidas em um processo judicial, os advogados, profissionais que eventualmente venham a sofrer determinada condenação, os representantes do Minis-tério Público e os Magistrados, estes que irão ter de decidir a demanda.

Como veremos, a indenização concedida, nos casos de respon-sabilidade civil com base na teoria da perda de uma chance, revela-se diversa das demais. Observamos que, por já ter sido objeto de nosso estudo quanto aos casos de indenização por erro médico, não abordare-mos essa questão específica1.

O assunto pode ser resumido a partir dos acórdãos em comento, inicialmente, com o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, passando pelo entendimento de Cortes estaduais a respeito da matéria, sempre em relação com o entendimento da doutrina.

O objeto desde artigo é analisar a teoria da perda de uma chan-ce frente a diversos casos, como nas atuações de advogados, licitação, concursos públicos, instituição de ensino, entre os demais que também serão abordados, para fins de responsabilidade civil e consequente inde-nização. O esclarecimento da natureza da indenização frente a tal teoria também terá lugar.

1 A TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

Como um dos objetivos deste artigo é a demonstração do enten-dimento do Superior Tribunal de Justiça acerca da teoria da perda de uma chance, iniciamos os estudos noticiando matéria veiculada no site do Superior Tribunal de Justiça. Tal instituto, como podemos observar pelo o que foi tratado pela Corte em notícia aqui retratada, tem origem na França, sendo comum também em países como Estados Unidos e Itália. Esta teoria da perda da chance (perte d’une chance), adotada em matéria de responsabilidade civil, vem despertando interesse no Direito brasileiro – embora não seja aplicada com frequência nos tribunais do País. A teoria enuncia que o autor do dano é responsabilizado quando priva alguém de obter uma vantagem ou impede a pessoa de evitar pre-juízo. Nesse caso, há uma peculiaridade em relação às outras hipóteses de perdas e danos, pois não se trata de prejuízo direto à vítima, mas de

1 Para tanto, remetemos o leitor para o seguinte artigo: ALMEIDA, Felipe Cunha de. A teoria da perda se uma chance e a responsabilidade civil do profissional da saúde sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça: que tipo de indenização? Revista Jurídica, Porto Alegre, 1953, v. 427, 2013, p. 73-88.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������87

uma probabilidade. Não é rara a dificuldade de se distinguir o dano meramente hipotético da chance real de dano. Quanto a esse ponto, a Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), avalia que “a adoção da teoria da perda da chance exige que o Poder Judiciá-rio bem saiba diferenciar o ‘improvável’ do ‘quase certo’, bem como a ‘probabilidade de perda’ da ‘chance de lucro’, para atribuir a tais fatos as consequências adequadas”. O Juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo Sílvio de Salvo Venosa, autor de vários livros sobre direito civil, aponta que “há forte corrente doutrinária que coloca a perda da chance como um terceiro gênero de indenização, ao lado dos lucros cessantes e dos danos emergentes, pois o fenômeno não se amolda nem a um nem a outro segmento” (Disponível em: <http://www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=99879>. Acesso em: 15 jan. 2013).

Sérgio Cavalieri Filho, abordando o instituto em questão, ensina que a teoria da perda de uma chance guarda certa relação com os lucros cessantes, uma vez que a doutrina francesa utiliza-a nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade dela de obter uma situação futura melhor. Ressalta, ainda, que não se deve entender para a chance como a perda de resultado certo, porque não há a certeza da realização do evento. Portanto, a chance deve ser analisada como a perda da pos-sibilidade de se alcançar resultado ou de se evitar um dano. Importante, desta forma, é valorar as possibilidades que o sujeito tinha de conse-guir determinado resultado, para aferir a sua importância, ou não, para o ordenamento jurídico. Continuando as lições do mestre, este segue dizendo que tal tarefa cabe ao juiz, que deverá fazer, em cada caso, um prognóstico sobre as possibilidades concretas que a pessoa tinha de conseguir resultado favorável, de tal sorte que a perda de uma chance só será indenizável quando houver a probabilidade de sucesso superior a cinquenta por cento, de onde se conclui que nem todos os casos de perda de uma chance serão indenizáveis. Finaliza, com maestria ímpar, dizendo que a indenização deve se dar pela perda de uma oportunidade de se obter uma vantagem, e não pela própria perda da vantagem2.

O autor suprarreferido, dissertando sobre a questão em conjunto com Carlos Alberto Menezes Direito, também ensina que a teoria da perda de uma chance guarda relação com os lucros cessantes. O funda-

2 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 74-75.

88 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

mento é o de que determinado ato ilícito praticado retira da vítima de obter uma situação futura melhor3.

2 INDENIZAÇÃO PELA PERDA DE UMA CHANCE: A QUE TÍTULO?

Sérgio Cavalieri Filho levanta a seguinte e relevante problemáti-ca: a que título deve se dar a indenização em razão da perda de uma chance? Dano moral, material ou, neste último caso, a título de dano emergente ou lucro cessante? Pondera o autor referido que tal discussão mostra-se controvertida, seja na jurisprudência, seja na doutrina, e se-gue dizendo que, em muitas oportunidades, os tribunais que indenizam a perda de uma chance ainda não se refiram à expressão, ou seja, se a título de lucros cessantes, se a título de dano moral4.

Prosseguindo a lição, o professor aponta que existe uma forte cor-rente doutrinária que insere a perda de uma chance como um terceiro gênero de indenização, ou seja, coloca-a meio caminho entre o dano emergente e o lucro cessante, de modo que, entre um extremo e outro, caberia uma graduação, e que deve ser feita em cada caso, com critério equitativo e distinguindo a mera possibilidade da probabilidade. Como já referido, a indenização deve corresponder à própria chance, que o juiz apreciará considerando o caso concreto, e não ao lucro ou à perda que dela era objeto, haja vista que a falha foi em relação à chance5.

Finalizando a questão sobre a qual título se daria a indenização em decorrência da perda de uma chance, Sérgio Cavalieri cita a monografia de Sérgio Savi, cujo trabalho, neste tópico e com base nos pensamentos de Adriano DeCupis, forma a conclusão de que a perda de uma chance deve ser considerada no ordenamento jurídico pátrio como uma subes-pécie de dano emergente. A base, para tanto, é que deve ser considerada uma espécie de propriedade anterior do lesado e, inserindo-se a teoria da perda de uma chance no conceito de lucro emergente, está elimina-da a problemática da certeza do dano, tendo em vista que, ao contrário da pretensão de indenização sobre o prejuízo decorrente da perda do resultado útil esperado (como exemplo uma vitória em ação judicial), a indenização é concedida em razão da perda da chance de obtenção do

3 DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsa-bilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord). 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, v, XIII, 2011. p. 96.

4 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 77.5 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 77.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������89

resultado útil que se esperava. Por último, alerta Sérgio Cavalieri que a jurisprudência ainda não firmou entendimento sobre essa questão. Aduz que ora as indenizações em decorrência da perda de uma chance são concedidas a título de danos morais, ora a título de lucros cessantes, destacando, também, um ponto negativo: ora a indenização dá-se pela perda própria vantagem, e não pela perda da oportunidade de obtenção da vantagem, transformando, assim, a chance na própria realidade6.

3 O PAPEL DA JURISPRUDÊNCIA

Estamos tratando da aplicação, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, da teoria da perda de uma chance, bem como do conceito que a doutrina dá ao instituto. Portanto, consideramos impor-tante uma breve análise do conceito de jurisprudência, bem como dos seus reflexos e consequências, que incidem na teoria aqui estudada.

Arnoldo Wald, ao discorrer sobre o papel da jurisprudência, con-ceitua-a como o conjunto de decisões uniformes dos tribunais, ou seja, afirma que é a autoridade de casos julgados de forma sucessiva, e do mesmo modo. Continua o mestre ensinando que, em havendo alguma lacuna na lei, ou seja, alguma matéria não regulamentada devidamente pela lei escrita, faz-se necessário recorrer-se à jurisprudência para supri--la. Pondera o autor, todavia, que, em princípio, no sistema jurídico or-ganizado, não existem lacunas no Direito. A explicação dá-se no sentido de que toda a situação, quando não puder ser resolvida de forma dire-ta através das normas existentes, poderá sê-lo deduzindo-se do sistema uma solução para o caso concreto. Refere, ainda, que o julgado nunca é uma norma jurídica, senão para o caso concreto para qual fora proferida determinada decisão. Por outro lado, a norma jurídica é comando pré-vio e geral, universal e obrigatório. De tal forma que o julgado só pode ser aplicado ao caso em discussão e, embora constitua precedente, não se torna obrigatório para o futuro, vinculando, desta forma, somente às partes no processo7.

Importante referir também que tem a função de estabelecer uma interpretação construtiva da lei, podendo, até, revogá-la, quando nela existirem princípios contraditórios. Em relação a esse aspecto, Arnoldo Wald exemplifica problema de conflito e interpretação existente no an-

6 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 77-78.7 WALD, Arnoldo. Direito civil: introdução e parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 73-74.

90 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

tigo Código Civil, mais especificamente quanto aos arts. 1.521 e 1.523. Esclarece o autor que o primeiro dispositivo tratava da responsabilida-de do preponente por ato do preposto, que é presumida; já o segundo, para a responsabilidade do preponente, a prova da culpa do preposto e do empregador. A jurisprudência tratou de resolver o problema, con-ciliando aqueles dois dispositivos, chegando a considerar revogado o art. 1.523, com o entendimento de que a prova da simples culpa do preposto acarreta, de forma automática, a responsabilidade do empre-gador8.

Portanto, entende e reconhece o mestre supracitado a função da jurisprudência como verdadeira fonte do direito. Resstalta, porém, que, em tese, a vinculação restringe-se às partes no processo, não tendo o caráter de generalidade da norma jurídica9.

4 O POSICIONAMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Observamos, no tópico acima, o relevante papel, a importan-tíssima função da jurisprudência. O fato é que ela é determinante na interpretação e aplicação da lei. Portanto, nos termos da Constituição Federal, iniciamos a verificação da aplicação da teoria da perda de uma chance, em nosso ordenamento jurídico, por meio da Corte que tem a função, entre outras, de interpretar a legislação federal em nosso país.

Portanto, o próximo tópico passa a analisar julgamentos envol-vendo questões como a desapropriação; curso superior e o Ministério da Educação; programa de televisão envolvendo perguntas e respostas; inacumulabilidade de cargos públicos; responsabilidade civil do advo-gado; recusa de atendimento hospitalar; por último, caso envolvendo licitação.

4.1 desapropriaÇÃo

Iniciamos a verificação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, acerca da teoria da perda de uma chance, em discussão sobre desapropriação, caso em que a Corte rechaçou a aplicação da teoria.

Pelas razões de decidir, constata-se que o demandante contratou a elaboração de um projeto denominado River Side Hotel Ecoturismo, ha-

8 WALD, Arnoldo. Op. cit., p. 74.9 WALD, Arnoldo. Op. cit., p. 74.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������91

vendo a desapropriação. O acórdão consignou que, no tocante à teoria da perda de uma chance, é exigido, para fins de reparação, que se com-prove uma chance ou uma oportunidade de se alcançar um determinado beneficio, um determinado resultado, além de revelar a qualidade séria e real. Requer-se, também, que, a partir de um juízo de probabilidade, a chance de se obter resultados favoráveis se mostre concreta, e não mera-mente hipotética ou imaginária. Ou seja, a probabilidade da chance de se alcançar o benefício deve se mostrar significativa.

Resumindo, houve entendimento de que a desapropriação não in-viabilizou a execução de qualquer projeto pretendido, não havendo, deste modo, em se falar na perda de oportunidade, como a frustração de objetivos, como a instalação de energia elétrica rural e construção de es-cola rural. Portanto, e de acordo com o voto, a desapropriação em nada atrapalhou qualquer intenção ou objetivo do autor, frisando, ainda, que os objetivos podem ser alcançados, dependendo apenas do empenho da parte autora10.

4.2 curso superior NÃo recoNhecido pelo miNistério da educaÇÃo e cultura

A discussão travada nos autos resume-se à ação objetivando inde-nização por perdas e danos materiais e morais em face de Universidade, referindo o autor a conclusão do curso de Ciências Jurídicas, além de se-guida aprovação no exame da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB. Todavia, a sua inscrição no quadro de advogados da Ordem foi negada, haja vista o não reconhecimento do curso pelo Ministério de Educação

10 “Processual civil. Recurso especial. Honorários advocatícios. Revisão. Premissas fáticas não delineadas na instância de origem. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Em princípio, descabe ao STJ revisar valores de sucumbência fixados nas instâncias ordinárias, pois eles são arbitrados em consideração àquilo que se de-senvolveu no processo e por intermédio de juízos de equidade, circunstâncias que não podem ser reavaliadas nesta Corte, nos termos da Súmula nº 7/STJ. 2. Em situações excepcionalíssimas, o STJ afasta o rigor da Súmula nº 7 para exercer juízo de valor sobre o quantum fixado a título de honorários advocatícios, com vistas a decidir se são eles irrisórios ou exorbitantes. 3. Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça não pode, em recurso especial, refazer o juízo de equidade de que trata o art. 20, § 4º, do CPC, levando em conta as alíneas a, b e c do § 3º do mesmo dispositivo legal, sem que o acórdão recorrido deixe delineada a especificidade de cada caso, porque isso, necessariamente, demanda o reexame do contexto fático-probatório, o que é vedado a esta Corte, nos termos da Súmula nº 7/STJ. 4. Recurso especial não conhecido.”

“Processual civil e administrativo. Agravo em recurso especial. Ação de indenização. Prejuízos decorrentes de desapropriação. Teoria da perda de uma chance. Revisão do contexto fático-probatório dos autos. Impossi-bilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. A jurisprudência desta Corte admite a responsabilidade civil e o consequente dever de reparação de possíveis prejuízos com fundamento na denominada teoria da perda de uma chance, ‘desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples es-perança subjetiva ou mera expectativa aleatória’ (REsp 614.266/MG, DJe 02.08.2013). 2. Impossível rever a premissa fática fixada pelas instâncias ordinárias por demandar o reexame do acervo fático-probatório dos autos, a atrair o óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Agravo em recurso especial não provido.” (STJ, REsp 1354100/TO, 2ª T., Relª Eliana Calmon, J. 17.10.2013) (Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201202432776&dt_publicacao=24/10/2013>. Acesso em: 12 dez. 2013)

92 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

e Cultura. Em razão de tal fato, o demandante estimou que, por restar impedido de exercer seu ofício, deixou de auferir o equivalente a trinta salários-mínimos mensais. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré ao pagamento, a título de danos extrapatrimo-niais, no valor de trinta vezes sobre o que foi pago pelo autor nos cinco anos de curso, bem como danos materiais correspondentes ao que po-deria conseguir no mercado de trabalho, desde a aprovação na OAB até 27.01.2000, data em que houve o reconhecimento do curso pelo MEC (fls. 429-437). A apelação da Instituição foi parcialmente provida apenas para ver reduzido o valor por danos imateriais.

A indenização, a título de danos materiais, foi afastada, pela razão de que não se concede indenização em decorrência de dano hipotéti-co, haja vista que, segundo o relator, não houve demonstração de dano efetivo. E, quanto à teoria da perda de uma chance, restou consignado no voto que

[...] a teoria da perda de uma chance visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário, precisamente a perda da possibilidade de se bus-car posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. De todo modo, verifico não ser possível o re-conhecimento da teoria da perda de uma chance no caso, tendo em vista que o autor deduziu indenização por danos materiais, com fundamento em lucros cessantes. Não poderia esta Corte reconhecer a teoria da perda de uma chance, sob pena de julgamento extra petita [...].11

11 “Legislação de ensino. Recurso especial. Curso superior não reconhecido pelo MEC. Impossibilidade de exer-cer a profissão. Responsabilidade objetiva da instituição de ensino. Dano material não reconhecido. Dano moral. Valor. Revisão pelo STJ. Montante exorbitante ou irrisório. Cabimento. 1. O art. 535 do Código de Processo Civil permanece incólume quando o Tribunal de origem manifesta-se suficientemente sobre a ques-tão controvertida, apenas adotando fundamento diverso daquele perquirido pela parte. 2. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB (Lei nº 9.394/1996) exige sejam os cursos reconhecidos por prazo limitado de validade, sendo renovado o reconhecimento, periodicamente, após processo regular de avaliação (art. 46). Regulamentando tal disposição, foi emitida a Portaria nº 877, de 1997, então vigente, que dispunha que o reconhecimento de cursos superiores deveriam ser requeridos a partir do terceiro ano, quando se tratar de curso com duração superior a cinco. 3. A instituição de ensino que oferece curso de bacharelado em Direito sem providenciar o reconhecimento deste no Ministério da Educação e Cultura (MEC), antes de sua conclusão – resultando na impossibilidade de aluno, aprovado no exame da OAB, obter inscrição definitiva de advogado –, responde objetivamente pelo serviço defeituoso. 4. O requerente à inscrição no quadro de advogados da OAB, na falta de diploma regularmente registrado, apresenta certidão de graduação em Direito, acompanhada de cópia autenticada do respectivo histórico escolar, por licença do art. 23 do Regulamento da Advocacia. De todo modo, o diploma ou certidão devem ser emitidos por instituição de ensino que es-teja reconhecida pelo Ministério da Educação. A ausência do reconhecimento do curso impede a inscrição. Precedentes. 5. No caso concreto, não foi demonstrado dano material efetivo. Depreende-se de sua exor-dial que o autor somente pretendeu indenização por danos materiais com fundamento em lucros cessantes, tendo sido o pleito acatado pelas instâncias ordinárias, motivo pelo qual esta Corte não pode reconhecer a teoria da perda de uma chance, sob pena de julgamento extra petita. 6. O montante arbitrado a título de danos morais comporta revisão pelo Superior Tribunal de Justiça nas hipóteses em que for claramente irrisório ou exorbitante. Precedentes. 7. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ, REsp 1244685/SP,

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������93

4.3 programa de televisÃo – perguNtas e respostas

O debate, neste caso, trata de desclassificação da parte autora, em programa de televisão, com base em perguntas e respostas que davam vantagens econômicas a cada fase vencida. A ação foi julgada improce-dente. Em sede de recurso de apelação, foi dado provimento, por maio-ria, ao recurso, para reformar a sentença e condenar a ré ao pagamento de indenização no valor de R$ 59.000,00 (cinquenta e nove mil reais), a título de danos emergentes.

Foi negado seguimento ao recurso especial interposto pela ré, sen-do mantida a condenação do Tribunal Estadual, sob o fundamento de que,

[...] se não bastasse, para infirmar a conclusão a que chegou o Tribunal de origem acerca da existência de responsabilidade da recorrente pela perda da chance para que o Recorrido pudesse conseguir o prêmio de R$ 120.000,00, oferecido pelo programa, e seria, necessário, como já dito, o reexame do conjunto probatório e a interpretação das cláusulas do contrato, soberanamente examinadas pelas instâncias ordinárias, o que é defeso nesta fase recursal a teor das Súmulas nºs 5 e 7 do STJ. É o que se extrai das conclusões do voto-condutor lançado nestes termos (e-STJ fls. 450 e 453): “O que está implícito na cláusula contratual, a ser interpretada segundo o princípio da boa-fé objetiva e a causa do negócio jurídico, é que os dados reais, contidos na parte preta do livro, é que seriam levados em conta para aferição da correção das respostas [...]. Ab-solutamente sensato que, pela própria causa do contrato celebrado entre as partes, qual seja, participação em programa televisivo de perguntas e respostas sobre o Corinthians, que a bibliografia base fosse a parte dos dados reais (parte preta), e não a parte ficcional (parte branca) do livro, esta última descolada da própria razão de ser da gincana e sem interesse do público [...]”.12

4ª T., Rel. Luis Felipe Salomão, J. 03.10.2013) (Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201001625090&dt_publicacao=17/10/2013>. Acesso em: 25 dez. 2013)

12 “Recurso especial. Ação indenizatória. Programa televisivo de perguntas e respostas. Boa-fé objetiva do parti-cipante. Contrato que estabelecia obra-base composta de duas partes, uma real e outra fictícia. Contrato que não obrigava a responder errado de acordo com parte fictícia da obra-base. Perda de uma chance. Peculiarida-des do caso. Prequestionamento inexistente. Aplicação das Súmulas nºs 5, 7, 282 e 356 do STF. 1. Programa ‘Vinte e Um’, de que participante candidato cujo contrato de participação com a emissora televisiva, como firmado pelo acórdão, ‘continha cláusula expressa no sentido de que a bibliografia básica para a formulação da perguntas seria uma determinada obra – Corinthians é preto no branco, a qual continha uma parte verda-deira, de cor preta, e uma parte fictícia, de cor branca, tendo o candidato sido desclassificado por responder o resultado correto de uma partida, que não se encontrava na parte correta, de cor preta, mas que constava, com resultado errado diverso, na parte fictícia de cor branca. 2. Acórdão que reconhece direito a indenização por perda de uma chance de passagem a etapa seguinte, sob o fundamento de que ‘o que está implícito na cláusula contratual, a ser interpretada segundo o princípio da boa-fé objetiva e a causa do negócio jurídico, é

94 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

4.4 NÃo acumulabilidade de cargos públicos

O debate gira em torno da possibilidade de acumulação de cargos públicos e que, segundo o entendimento da autora, seria plenamente possível. O acórdão local recorrida aplicou a teoria da perda de uma chance. Todavia, as razões da recorrente fundam-se na responsabilidade objetiva do Estado, e não na referida teoria.

Em sede de recurso especial, este foi parcialmente conhecido e, no ponto, provido. A Turma entendeu que

[...] o dano sofrido pela parte ora recorrente de ordem material não ad-vém da perda de uma chance. Isso porque, no caso dos autos, os recor-rentes já exerciam ambos os cargos de profissionais de saúde de forma regular, sendo este um evento certo sobre o qual não restam dúvidas. Não se trata de perda de uma chance de exercício de ambos os cargos públicos porque isso já ocorria, sendo que o ato ilícito imputado ao ente estatal implicou efetivamente prejuízo de ordem certa e determinada. A questão assim deve continuar sendo analisada sob a perspectiva da responsabilidade objetiva do Estado, devendo, portanto, ser redimensio-nado o dano causado, e, por conseguinte, a extensão da sua reparação. 6. Assim, afastado o fundamento adotado pelo Tribunal a quo para servir de base à conclusão alcançada, e, considerando que a mensuração da extensão do dano é matéria que demanda eminentemente a análise do conjunto fático e probatório constante, devem os autos retornarem ao

que os dados reais, contidos na parte preta do livro, é que seriam levados em conta para a aferição da correção das respostas’, de modo que, não constando, a resposta correta, da parte verdadeira, ‘eventual dubiedade, imprecisão ou contradição da cláusula deve ser interpretada contra quem a redigiu, no caso o réu STB’, sendo que o julgamento ‘somente admitiria a improcedência da ação caso constasse da cláusula contratual o se-guinte: I – a bibliografia que serviria como base das perguntas e respostas abrangerá a parte branca e a parte preta do livro; II – o programa de televisão versasse sobre o livro, e não sobre a história real do Corinthians’. 3. Acórdão que, por fim, funda-se também em ‘direito difuso à informação exata, desinteressada e trans-parente’, ao passo que, ‘no caso concreto, o que foi vendido ao público telespectador é que um candidato responderia questões variadas sobre o Corintians, e não sobre uma obra de ficção sobre o Corinthians’, de modo que, não constando regência contratual do caso pela parte ficcional do livro-base, ‘é evidente que se na parte ficcional do livro (parte branca) constasse que o Corinthias venceu por dez vezes a Taça Libertadores da América, e por dez vezes foi campeão do mundo’ e se se ‘formulasse questão a respeito, a resposta do autor não poderia ser irreal, sob pena de comprometer o formato do programa e frustrar o próprio interesse do público’. 4. Inocorrência de violação do disposto no art. 859 e parágrafos do CC/2002 pela procedência da ação. 5. Interpretação do contrato dada pelo Tribunal de origem, após julgamento em embargos infringentes, a qual não pode ser alterada por esta Corte, sob pena de infringência da Súmula nº 5/STJ; fatos ocorridos, que igualmente não podem ser reexaminados, por vedado pela Súmula nº 7/STJ; ausência, ademais, de pre-questionamento, sem interposição de embargos de declaração, o que leva à incidência das Súmulas nºs 282 e 356/STF. 6. Recurso especial improvido.” (STJ, REsp 1383437/SP, 3ª T., Rel. Sidnei Beneti, J. 27.08.2013) (Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201200793917&dt_publica-cao=06/09/2013>. Acesso em: 25 dez. 2013)

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������95

Tribunal de Justiça a quo a fim de que possa ser arbitrado o valor da in-denização nos termos do art. 944 do Código Civil.13

4.5 respoNsabilidade civil do advogado

O demandante ajuizou ação buscando reparação em decorrência de eventual desídia do seu advogado. O acórdão, a seu turno, embora tenha invocado a Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, fez men-ção à obrigação de meio do procurador da parte autora, bem como re-gistrou que não houve a demonstração inequívoca de qualquer dano em face do demandante, bem como do nexo de causalidade, circunstância esta que acarretou o desprovimento do recurso14.

13 “Administrativo. Processual civil. Recurso especial. Responsabilidade civil do Estado. Ato da Administração Pública que equivocadamente concluiu pela inacumulabilidade dos cargos já exercidos. Não aplicação da teoria da perda de uma chance. Hipótese em que os cargos públicos já estavam ocupados pelos recorrentes. Evento certo sobre o qual não resta dúvidas. Nova mensuração do dano. Necessidade de revolvimento do conjunto fático e probatório. Retorno dos autos ao Tribunal a quo. 1. A teoria da perda de uma chance tem sido admitida no ordenamento jurídico brasileiro como sendo uma das modalidades possíveis de mensuração do dano em sede de responsabilidade civil. Esta modalidade de reparação do dano tem como fundamento a probabilidade e uma certeza, que a chance seria realizada e que a vantagem perdida resultaria em prejuízo. Precedente do STJ. 2. Essencialmente, esta construção teórica implica um novo critério de mensuração do dano causado. Isso porque o objeto da reparação é a perda da possibilidade de obter um ganho como pro-vável, sendo que ‘há que se fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo. A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização’. 3. Essa teoria tem sido admitida não só no âmbito das relações privadas stricto sensu, mas também em sede de responsabilidade civil do Estado. Isso porque, embora haja delineamentos específicos no que tange à interpretação do art. 37, § 6º, da Constituição Federal, é certo que o ente público também está obrigado à reparação quando, por sua conduta ou omissão, provoca a perda de uma chance do cidadão de gozar de de-terminado benefício. 4. No caso em tela, conforme excerto retirado do acórdão, o Tribunal a quo entendeu pela aplicação deste fundamento sob o argumento de que a parte ora recorrente perdeu a chance de continuarem exercendo um cargo público tendo em vista a interpretação equivocada por parte da Administração Pública quanto à impossibilidade de acumulação de ambos. 5. Ocorre que o dano sofrido pela parte ora recorrente de ordem material não advém da perda de uma chance. Isso porque, no caso dos autos, os recorrentes já exerciam ambos os cargos de profissionais de saúde de forma regular, sendo este um evento certo sobre o qual não resta dúvidas. Não se trata de perda de uma chance de exercício de ambos os cargos públicos porque isso já ocorria, sendo que o ato ilícito imputado ao ente estatal implicou efetivamente prejuízo de ordem certa e determinada. A questão assim deve continuar sendo analisada sob a perspectiva da respon-sabilidade objetiva do Estado, devendo, portanto, ser redimensionado o dano causado, e, por conseguinte, a extensão da sua reparação. 6. Assim, afastado o fundamento adotado pelo Tribunal a quo para servir de base à conclusão alcançada, e, considerando que a mensuração da extensão do dano é matéria que demanda eminentemente a análise do conjunto fático e probatório constante, devem os autos retornarem ao Tribunal de Justiça a quo a fim de que possa ser arbitrado o valor da indenização nos termos do art. 944 do Código Civil. 7. Recurso especial parcialmente conhecido, e, nesta extensão, provido.” (REsp 1308719/MG, 2ª T., Rel. Mauro Campbell Marques, J. 25.06.2013) (Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201102405322&dt_publicacao=01/07/2013>. Acesso em: 25 dez. 2013)

14 “Agravo regimental em agravo de instrumento. Responsabilidade civil do advogado. Perda de uma chance. Revisão do acervo probatório. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Rever as conclusões do tribunal de origem, que entendeu pela ausência de responsabilidade civil do advogado, encontra óbice insuperá-vel na Súmula nº 7/STJ. 2. Agravo regimental não provido.” (AgRg-Ag 1106066/RS, 3ª T., Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 07.05.2013) (Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro= 200802279755&dt_publicacao=13/05/2013>. Acesso em: 25 dez. 2013)

96 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Neste outro julgamento, a Corte entendeu pela responsabilização do advogado, aplicando a teoria da perda de uma chance, haja vista que, como se percebe do voto, diante da conduta omissiva e culposa ve-rificada, em decorrência da impetração de mandado de segurança fora do prazo e sem a devida instrução com os documentos necessários, res-tou frustrada a possibilidade da cliente, que foi aprovada em concurso público, de ser nomeada ao cargo pretendido15. Já neste outro julgamen-to, a aplicação da teoria foi mantida, mas sob o fundamento da impossi-bilidade do reexame de provas, nos termos da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça. O caso tratou de condenação por danos morais, também em desfavor de advogado, que, segundo o relato nos autos, não teria ajuizado ação principal, no prazo legal, circunstância essa que ensejou a perda do imóvel da recorrida, alienado em leilão judicial16.

4.6 hospital particular e recusa de ateNdimeNto

Neste caso, a reparação civil deu-se, segundo a fundamentação verificada no voto, ante a recusa de atendimento médico, que privile-giou trâmites burocráticos em detrimento da saúde da menor e que, se-gundo o entendimento do Tribunal, não tem qualquer respaldo legal ou moral. Portanto, a omissão adquire relevância jurídica e torna o omi-tente responsável quando este tem o dever jurídico de agir, de praticar um ato para impedir o resultado, como na hipótese, criando, assim, sua omissão, risco da ocorrência do resultado.

15 “Civil e processual civil. Embargos de declaração no recurso especial. Recebimento com agravo regimental. Responsabilidade civil. Danos morais. Conduta omissiva e culposa do advogado. Teoria da perda de uma chance. Razoabilidade do valor arbitrado. Decisão mantida. 1. Responsabilidade civil do advogado, diante de conduta omissiva e culposa, pela impetração de mandado de segurança fora do prazo e sem instruí-lo com os documentos necessários, frustrando a possibilidade da cliente, aprovada em concurso público, de ser no-meada ao cargo pretendido. Aplicação da teoria da ‘perda de uma chance’. 2. Valor da indenização por danos morais decorrentes da perda de uma chance que atende aos princípios da razoabilidade e da proporcionali-dade, tendo em vista os objetivos da reparação civil. Inviável o reexame em recurso especial. 3. Embargos de declaração recebidos como agravo regimental, a que se nega provimento.” (EDcl-REsp 1321606/MS, 4ª T., Rel. Antonio Carlos Ferreira, J. 23.04.2013) (Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=201102373280&dt_publicacao=08/05/2013>. Acesso em: 25 dez. 2013)

16 “Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Responsabilidade civil. Teoria da perda de uma chan-ce. Advogado. Ausência de propositura da ação principal. Dano moral. Configurado. Precedente. 1. O recurso especial não comporta o exame de questões que impliquem revolvimento do contexto fático-probatório dos autos, a teor do que dispõe a Súmula nº 7/STJ. 2. No caso concreto, o Tribunal de origem, analisando a prova dos autos, concluiu que o dano moral experimentado pelo autor decorreu de conduta culposa do advogado. Al-terar esse entendimento é inviável na via especial a teor do que dispõe a referida súmula. 3. Agravo regimental desprovido.” (AgRg-REsp 1149718/MT, 4ª T., Rel. Antonio Carlos Ferreira, J. 21.02.2013) (Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200901384198&dt_publicacao=04/03/2013>. Acesso em: 25 dez. 2013)

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������97

4.7 participaÇÃo em processo licitatÓrio

É este último o caso que trazemos julgado pelo Superior Tribunal de Justiça. O caso em discussão trata de ação de danos morais e mate-riais em decorrência da impossibilidade, pelo atraso injustificável dos correios, na entrega de correspondência, cujo objetivo era a participa-ção em processo de licitação. Aplicada no caso a teoria da perda de uma chance, ficou registrado no voto o prejuízo da demandante, eis que fora considerada a “potencialidade concreta de êxito na licitação relativa a alguns dos produtos objeto do certame17”.

5 O POSICIONAMENTO DOS TRIBUNAIS ESTADUAIS

Pois bem. Muito importante para a continuidade da elucidação da questão aqui trabalhada é também trazermos o entendimento dos tribu-nais estaduais a respeito da teoria da perda de uma chance, assim como já procedemos apontando a posição do Superior Tribunal de Justiça.

De início, valemo-nos de um julgado da Corte gaúcha, envolven-do promessa de compra e venda de bem imóvel, caso cuja teoria em estudo foi aplicada18. Por sua vez, o Tribunal de Justiça do Estado de São

17 “Recurso especial. Processual civil. Civil. Teoria da perda de uma chance. Participação em processo licitatório. Impossibilidade. Envio da proposta pelo correio a estado diverso da federação. Possibilidade concreta de êxito. Prejuízo real. Art. 159 do Código Civil de 1916. Súmula nº 7/STJ. Custas processuais. Isenção. 1. A teoria da perda de uma chance incide em situações de responsabilidade contratual e extracontratual, desde que séria e real a possibilidade de êxito, o que afasta qualquer reparação no caso de uma simples esperança subjetiva ou mera expectativa aleatória. 2. O êxito em licitação, possibilidade frustrada em virtude da conduta ilícita da empresa responsável pela entrega, em tempo hábil, da documentação devidamente enviada, enseja dano concreto, aferível à luz do art. 159 do Código Civil de 1916. 3. O exame relativo à mensuração do valor econô-mico da efetiva possibilidade da recorrida em obter o resultado útil esperado, caso a correspondência houves-se sido adequadamente enviada ao destino correto, resta insindicável, nesta instância processual, pelo óbice formal da Súmula nº 7/STJ. 4. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é isenta do recolhimento das custas processuais em decorrência do art. 12 do Decreto-Lei nº 509/1969. 5. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ, REsp 614266/MG, 3ª T., Rel. Ricardo Villas Bôas Cueva, J. 18.12.2012) (Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200302223827&dt_publicacao=02/08/2013>. Acesso em: 25 dz. 2013)

18 “Apelações cíveis e agravo retido. Promessa de compra e venda do imóvel. Questão preliminar de deficiência da representação. Exceção de prescrição. Mérito. Perdimento do valor pago de entrada pela construtora promi-tente-compradora que não pagou nem realizou o empreendimento, dando causa ao inadimplemento. Compen-sação pela posse indevida por dez anos e perda da chance durante o período, até a transmissão da posse a ou-tro adquirente. A representação processual da parte demandante é feita pelo diretor da empresa demandante, conforme o Estatuo Social. Diante dos documentos juntados pela parte demandante, deveria a parte deman-dada e agravante fazer prova da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo, de modo a demonstrar as suas alegações, prova esta que não produziu. O prazo prescricional aplicável à presente demanda é vintená-rio, conforme a lei civil vigente à época da celebração do contrato e ajuizamento. Interrompendo-se a fluência do prazo pela citação de um dos demandados no litisconsórcio passivo, interrompem-se para os demais deve-dores solidários demandados. A promessa de compra e venda de terreno celebrada entre as partes previa o pa-gamento de valor de entrada em dinheiro, correspondente a menos de um por cento do preço, mais dação de apartamentos aos proprietários, correspondendo à maioria absoluta do preço. A venda não se perfectibilizou porque a construtora promitente-compradora não entregou os apartamentos no prazo do contrato, alienando-

98 �����������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

Paulo decidiu na mesma linha de raciocínio, mas em caso que houve condenação de advogado que não recorreu de sentença parcialmente procedente19. Essa mesma Corte aplicou a teoria em discussão em caso de negativação indevida, em cadastros restritivos de crédito20. O Tribu-nal do Estado do Rio de Janeiro, como podemos observar das razões de decidir, também aplica a teoria, quando possível, em caso que também tratou da responsabilidade de advogado21. No mesmo sentido, aquele

-os a terceiros e, com isso, impedindo a conclusão do negócio, porém ficando na posse do imóvel por mais de dez anos, opondo-se à resolução do negócio jurídico. Nesse contexto, a postura da construtora, em postular desfazimento do contrato, com devolução da entrada, caracteriza venire contra factum proprium, vedado pelo direito. Se a construtora demandante deixou de pagar a maioria absoluta do preço e inviabilizou a conclusão do contrato, alienando os apartamentos prometidos a terceiros, por descumprir o que se obrigara, no prazo assinado em contrato, incidiu em mora e deu causa à não conclusão do negócio, devendo responder pelos prejuízos acarretados e pela impossibilidade da prestação. O valor de entrada pago na promessa de compra e venda do imóvel deve ser pedido a título de perdas e danos, durante dez anos que se ficou na posse do imóvel, utilizando-o indevidamente durante a posse. A empresa usufruiu o imóvel por 10 anos, porém jamais comple-mentou o pagamento do preço. O mesmo ocorre com o decréscimo patrimonial, quando da alienação da posse à outra construtora, depois do tempo que a demandante detinha o imóvel de forma indevida, diante da ins-tabilidade decorrente da titulação, decorrente da permanência da promessa de compra que não foi resolvida, indenizado pelo perdimento do valor pago a título de entrada em favor dos promitentes vendedores.” (TJRS, AC 70053352258, 20ª C.Cív., Rel. Carlos Cini Marchionatti, J. 10.04.2013) (Disponível em: <http://goo-gle8.tjrs.jus.br/search?q=cache:www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php%3Fnome_comarca%3DTribunal%2Bde%2BJusti%25E7a%26versao%3D%26versao_fonetica%3D1%26tipo%3D1%26id_comarca%3D700%26num_processo_mask%3D70053352258%26num_processo%3D70053352258%26codEmenta%3D5268427+empresa+e+perda+de+uma+chance&site=ementario&client=buscaTJ&access=p&ie=UTF-8&proxystylesheet=buscaTJ&output=xml_no_dtd&oe=UTF-8&numProc=70053352258&comarca=Comarca+de+Porto+Alegre&dtJulg=10-04-2013&relator=Carlos+Cini+Marchionatti>. Acesso em: 27 dez. 2013)

19 “Mandato. Ação de indenização por danos materiais e morais. Ação julgada parcialmente procedente. Au-sência de interposição de apelação por parte dos autores para majoração da condenação. Impossibilidade de piora na condenação imposta. Princípio reformatio in pejus. Danos configurados. Sentença reformada. Ação julgada parcialmente procedente. Advogado que deixa de recorrer de sentença parcialmente favorável aos pa-trocinados, sem consultá-los, comete desídia no patrocínio da causa, gerando indenização por danos morais. A simples perda de uma chance de obtenção de um provimento judicial mais favorável caracteriza danos mo-rais. Sem suporte se mostra a alegação do profissional que deixa de recorrer de sentença parcialmente favorá-vel aos clientes com receio de piorar a situação, tendo em vista a vedação imposta pelo princípio reformatio in pejus. Recurso parcialmente provido.” (AC 0006081-65.2009.8.26.0481, 27ª CDPriv., Rel. Des. Gilberto Leme, J. 10.12.2013) (Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=7254528>. Acesso em: 27 dez. 2013)

20 “Declaratória e indenizatória. Dano moral. Negativação indevida. Responsabilidade civil configurada Manu-tenção do quantum indenizatório. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP, Apelação nº 0058240-20.2011.8.26.0576, 6ª CDPriv., Des. Fortes Barbosa, J. 17.01.2013) (Disponível em: <http://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do?dados.buscaInteiroTeor=perdadeumachance&tipoDecisaoSelecionados=A&tipoDecisaoSelecionados=R&tipoDecisaoSelecionados=H&tipoDecisaoSelecionados=D>. Acesso em: 21 jan. 2013)

21 “Embargos de declaração. Apelação cível. Responsabilidade civil subjetiva. Profissional liberal. Obrigação de meio. Dano material proporcional. Aplicação da teoria da perda de uma chance. Juros de mora. Correção mo-netária. Termo de incidência. Contradição. Obscuridade. Efeitos infringentes. 1. Assiste razão ao embargante, devendo o julgado ser aclarado no tocante ao termo de incidência da correção monetária e dos juros mora-tórios, vez que configurada hipótese do art. 535 do CPC. 2. Tem natureza material a indenização decorrente do direito à reparação em virtude de dano, que se traduz na perda da oportunidade séria e real de alcançar determinado resultado ou evitar determinado prejuízo, e que, portanto, deve observar a correção monetária desde o efetivo prejuízo, nos termos da Súmula nº 43 do STJ. 3 Fixação dos juros moratórios atinentes ao dano material que deverá ter termo inicial diverso daquele pleiteado pela embargante, pois, em se tratando de relação contratual aquela firmada entre as partes, deverão os juros correr a partir da citação, nos moldes da Súmula nº 54 do STJ, a contrário senso. 4. Não configura violação ao princípio da reformatio in pejus

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������������99

Tribunal aplicou a teoria em demanda envolvendo concessionária de automóveis22.

6 BREVE ANÁLISE DAS DECISÕES E SEUS DESDOBRAMENTOS

Percebemos, pelas decisões aqui trazidas, que espelham a aplica-ção da teoria da perda de uma chance, que as indenizações devem bus-car, quando arbitradas, uma reparação que busque compensar a perda da chance, e não o bem em si, como já colocamos, pensamento esse baseado no entendimento do Superior Tribunal de Justiça, bem como da doutrina. Assim, o advogado que estiver fazendo a defesa ou ajuizando ação de indenização desta natureza deve ter profunda atenção quanto aos pedidos da demanda, eis que a perda de uma chance, como refere a teoria, não deve servir para indenizações, como, por exemplo, a título de danos emergentes.

Transcrevemos parte dos ensinamentos de Sérgio Cavalieri, já co-locados, que põem uma pá de cal na questão: “Importante, desta forma, é valorar as possibilidades que o sujeito tinha de conseguir determinado resultado, para aferir a sua importância, ou não, para o ordenamento jurídico”.

Por tais razões, entendemos como didático o voto do Superior Tri-bunal de Justiça já trazido e, no ponto específico, transcrevemos parte das razões de decidir, que demonstram a aplicação prática a que pre-tendemos demonstrar: “[...] Nessas situações, há certeza quanto ao cau-sador do dano e incerteza quanto à respectiva extensão, o que torna

a revisão ex officio do termo de incidência dos juros moratórios, haja vista tratar-se de matéria de ordem pública, conforme ampla jurisprudência da Corte Superior. Acolhimento dos embargos.” (TJRJ, AC 0000372-33.2006.8.19.0066, 6ª C.Cív., Relª Desª Teresa Castro Neves, J. 04.12.2013) (Disponível em: <http://www1.tjrj.jus.br/gedcacheweb/default.aspx?UZIP=1&GEDID=0004F607F845C96F3405E93D56E96BDFA61BC5021C493503>. Acesso em: 27 dez. 2013)

22 “Apelação cível. Consumidor. Concessionária de veículos. Oferta de venda com isenção de ICMS, baseada em Lei Estadual de Incentivo Fiscal (Lei nº 4.819/2006). Publicidade lacunosa. Ausência de informação clara e precisa quanto ao tempo do incentivo. Aceitação da proposta. Revogação do benefício pela montadora. Não concretização do negócio. Frustração das justas expectativas. Boa-fé objetiva. Violação ao dever de informa-ção. Vinculação à publicidade. Teoria da perda da chance. Súmulas nºs 94 e 75, a contrario sensu, TJRJ. Se a prova dos autos (fls. 70/71) é segura no sentido de que o negócio jurídico ofertado ao consumidor/recorrente não se concretizara pela falha da proponente com seu dever de prestar informações claras e precisas quanto aos termos da isenção fiscal que o motivara a contratar, então, inviabilizado o negócio, deve o aceitante ser indenizado pela frustração de suas justas expectativas causadas pela perda da chance. Inteligência conjunta dos arts. 31, 34, 35, III, e 37, §§ 3º e 4º, do CDC. Dano moral configurado. Procedência parcial do pedido. Reforma da sentença. Provimento parcial ao recurso. (TJRJ, AC 0018599-75.2007.8.19.0021, 8ª C.Cív., Des. Orlando Secco, J. 28.04.2009) (Disponível em: <http://www.tjrj.jus.br/documents/10136/31308/teoria-perda-chance.pdf>. Acesso em: 21 jan. 2013)

100 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

aplicável o critério de ponderação característico da referida teoria para a fixação do montante da indenização a ser fixada. Precedentes [...]”.

A própria Corte já manifestou em voto que a teoria da perda de uma chance responsabiliza o causador não por um dano emergente ou a título de lucros cessantes, mas sim em uma instância intermediária.

Em que pese termos demonstrado o entendimento de Arnoldo Wald acerca do estudo e da importância da jurisprudência, bem como tenha afirmado o mestre que a obrigatoriedade de determinada deci-são vincula apenas as partes do processo, entendemos que, havendo a real demonstração de que a perda de uma vantagem venha a ocorrer, independentemente do caso, parece que a jurisprudência é pacífica ao aplicar a teoria da perda de uma chance.

Todavia, alertamos para os casos de incidência da Súmula nº 7 do Superior Tribunal de Justiça, que, como vimos, deixou de analisar o cabimento, ou não, da teoria da perda de uma chance, em razão da impossibilidade do reexame de provas. Esta é outra circunstância que, ao nosso modesto entendimento, pode vir a causar injustiça no caso concreto, pois este pode não ser devidamente analisado e, como conse-quência, deixa a vítima lesada sem a devida indenização.

CONSIDERAÇÕES fINAIS

Como pudemos observar, a teoria da perda de uma chance, utili-zada tanto pelo Superior Tribunal de Justiça23 como pelos demais Tribu-nais estaduais, bem como admitida pela doutrina, autoriza a aplicação em diversas relações jurídicas (hospitais, profissionais liberais, licitação,

23 “Processual civil e direito civil. Responsabilidade de advogado pela perda do prazo de apelação. Teoria da perda da chance. Aplicação. Recurso especial. Admissibilidade. Deficiência na fundamentação. Necessidade de revisão do contexto fático-probatório. Súmula nº 7 do STJ. Aplicação. A responsabilidade do advogado na condução da defesa processual de seu cliente é de ordem contratual. Embora não responda pelo resultado, o advogado é obrigado a aplicar toda a sua diligência habitual no exercício do mandato. Ao perder, de forma negligente, o prazo para a interposição de apelação, recurso cabível na hipótese e desejado pelo mandante, o advogado frusta as chances de êxito de seu cliente. Responde, portanto, pela perda da probabilidade de sucesso no recurso, desde que tal chance seja séria e real. Não se trata, portanto, de reparar a perda de ‘uma simples esperança subjetiva’, nem tampouco de conferir ao lesado a integralidade do que esperava ter caso obtivesse êxito ao usufruir plenamente de sua chance. A perda da chance se aplica tanto aos danos materiais quanto aos danos morais. A hipótese revela, no entanto, que os danos materiais ora pleiteados já tinham sido objeto de ações autônomas e que o dano moral não pode ser majorado por deficiência na fundamentação do recurso especial. A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial. Aplicação da Súmula nº 7 do STJ. Não se conhece do especial quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles. Súmula nº 283 do STF. Recurso especial não conhecido.” (STJ, REsp 1.079.185/MG, (2008/0168439-5), 3ª T., Relª Min. Nancy Andrighi, J. 11.11.2008) (Dispo-nível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revistaeletronica/inteiroteor?num_registro=200801684395&data=4/8/2009>. Acesso em: 21 jan. 2013)

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������������101

concurso público, por exemplo). Ainda, pode ser utilizada tanto nos ca-sos de responsabilidade contratual, como extracontratual, para danos materiais e imateriais.

Após este estudo, observamos que doutrina e jurisprudência são unânimes em afirmar que, para o sucesso da aplicação dessa teoria, deve ser feita uma análise sobre as reais chances de êxito, caso determinada conduta fosse executada. No caso de mesmo assim procedida a ação e o resultado restasse inexitoso, a teoria não tem aplicação.

Flávio Tartuce, ao comentar o tema em questão, vê com ressalvas o enquadramento da teoria da perda de uma chance como nova cate-goria de dano. A justificativa do autor, para tanto, é no sentido de que esses danos são, em sua maioria, hipotéticos ou eventuais. Assevera, ainda, que os arts. 18624 e 40325 do Código Civil exigem que o dano seja presente, efetivo. Pondera, também, que essa teoria, na verdade, vem a trabalhar com suposições, com a expressão se. Portanto, muitas das si-tuações colocadas pelos adeptos da teoria podem ser, segundo o autor, resolvidas em sede de danos morais ou materiais, sem a necessidade de a vítima ter de provar a séria e real chance. Pondera o mestre, todavia, que vem acompanhando a evolução jurisprudencial e doutrinária acerca do tema e, futuramente, pode vir a alterar o seu posicionamento26.

O assunto, como se observa dos entendimentos aqui detalhados, é instigante. Nossa intenção jamais é a de esgotá-lo. Um dos objetivos foi o de aprofundar mais o debate, no sentido do seu esclarecimento e também como contribuição aos estudiosos, para que possam utilizar este trabalho em seu cotidiano e dar continuidade aos estudos.

REfERÊNCIAS

ALMEIDA, Felipe Cunha de. A teoria da perda se uma chance e a responsabilidade civil do profissional da saúde sob a ótica do Superior Tribunal de Justiça: que tipo de indenização? Revista Jurídica, Porto Alegre, 1953, v. 427, 2013.

24 “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”

25 “Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.”

26 TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 3. ed. São Paulo: Método, 2013. p. 482.

102 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

BRASIL. Código Civil. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília/DF, 10 jan. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 24 dez. 2013.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2009.

DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo Código Civil: da responsabilidade civil, das preferências e privilégios creditórios. In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord). 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. XIII, 2011.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil: volume único. 3. ed. São Paulo: Método, 2013.

WALD, Arnoldo. Direito civil: introdução e parte geral. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

Parte Geral – Doutrina

O Controle Social da Administração Pública e o Programa “Olho Vivo no Dinheiro Público”

FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHODoutor em Direito Administrativo (UFMG).

INTRODUÇÃO: A CGU

A Controladoria-Geral da União (CGU) é o órgão da Administra-ção Pública Federal (Governo Federal) que auxilia direta e imediata-mente o Presidente da República na defesa do patrimônio público e no aumento da transparência da gestão, por meio das atividades de controle interno, auditoria pública, correição, prevenção, combate à corrupção e ouvidoria.

CONCEITOS

O controle interno é aquele realizado pelos próprios entes ou agentes da Administração sobre seus órgãos e suas entidades da Admi-nistração indireta1.

Auditoria pública é o conjunto de procedimentos e técnicas de controle sobre o processo orçamentário e financeiro que é realizado me-diante acompanhamentos, avaliações de desempenhos e demais con-troles específicos, além da proposição comum de correção, com fins de verificação se houve realização das mesmas em conformidade, funda-mentalmente, com os objetivos, diretrizes e metas do Plano Plurianual, com metas e prioridades da Lei de Diretrizes Orçamentárias e com as normas e regras da lei orçamentária e legislação correlata2.

Correição é o ato, o processo ou o efeito de corrigir, o conserto de erros, de defeitos. Correição também pode ser considerada a visita e a

1 MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 13. ed. São Paulo: RT, 2009. p. 387.2 Disponível em: <http://74.125.113.132/search?q=cache:KmDTzvwAKdcJ:www.ucb.br/prg/professores/

andre/AUDITORIA/setor%2520p%25FAblico/auditoria.ppt+”auditoria+pública”&cd=2&hl=pt--BR&ct=clnk&gl=br>. Acesso em: 7 nov. 2009, às 08:23 horas.

104 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

fiscalização feitas por autoridade competente aos estabelecimentos sub-metidos à sua jurisdição, ou seja, dentro do seu campo de fiscalização3.

Quando se refere à ouvidoria, a lei estabelece um canal de comu-nicação entre o cidadão e a Administração Pública. Os ouvidores são competentes para receber reclamações e denúncias de qualquer interes-sado contra membros ou órgãos das Administrações.

Um exemplo de ouvidoria é o da Imprensa Nacional, que funcio-na como mediadora entre o governo e o cidadão que utiliza aqueles ser-viços, para que se aprimorem as ações e os serviços de responsabilidade daquela imprensa.

São deveres da ouvidoria da Imprensa Nacional apresentar solu-ção às reclamações, denúncias, sugestões e dúvidas, além de receber e dar andamento aos elogios recebidos, por meio da apuração da proce-dência e da veracidade das mesmas4.

HISTÓRICO

O “Olho Vivo no Dinheiro Público” é um programa de incremento e estímulo ao controle social, além da capacitação daqueles que traba-lham para as prefeituras, que nasceu em novembro de 2003. Sua origem está nas descobertas detectadas a partir dos relatórios do “Programa de Fiscalização por Sorteios Públicos da Controladoria-Geral da União”, que detectou que muitas das irregularidades constatadas não estão rela-cionadas com a intenção de desviar recursos ou descumprir a lei, mas, ao contrário, relacionam-se, sobretudo, com a falta de informação e de orientações técnicas apropriadas.

A partir das descobertas relatadas anteriormente, estudos realiza-dos resultaram no desenvolvimento de atividades de educação presen-cial, produção de material didático e do vídeo “O olho do cidadão: conselhos e controle social”.

Números oficiais da CGU demonstram que até dezembro de 2005 foram realizadas atividades de educação presencial que atingiram 1625 pessoas em 85 Municípios, sendo 560 agentes públicos (servidores e funcionários públicos em geral), 671 conselheiros e 394 lideranças. Na

3 HOUAISS. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, verbete: correição.

4 Disponível em: <http://ouvidoria.in.gov.br/ouvidoria/>. Acesso em: 7 nov. 2009, às 09:30 (UTC -3).

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������������105

primeira metade de 2006, estavam previstas atividades que atingiriam 2370 pessoas em 135 Municípios, sendo 855 agentes públicos, 855 con-selheiros e 660 lideranças.

TENDÊNCIAS

A CGU vem aumentando as parcerias com os Municípios, órgãos públicos e organizações da sociedade em todos os Estados e criando estruturas para as ações complementares à educação presencial.

LEGISLAÇÃO

O art. 17 da Lei nº 10.683, de 28.05.2003 – lei que organizou a Presidência da República e os Ministérios, resultante da MP 103, de 1º de janeiro daquele mesmo ano –, com a redação dada pela Lei nº 11.204, de 5 de dezembro de 2005, também resultante da conversão de uma Medida Provisória – a de número 259, de 21 de julho de 2005 –, tem a seguinte redação:

Art. 17. À Controladoria-Geral da União compete assistir direta e imedia-tamente ao Presidente da República no desempenho de suas atribuições quanto aos assuntos e providências que, no âmbito do Poder Executivo, sejam atinentes à defesa do patrimônio público, ao controle interno, à auditoria pública, à correição, à prevenção e ao combate à corrupção, às atividades de ouvidoria e ao incremento da transparência da gestão no âmbito da administração pública federal.

A CGU também é órgão central para exercer a supervisão técnica dos órgãos que compõem o Sistema de Controle Interno e o Sistema de Correição e das unidades de ouvidoria do Poder Executivo Federal, pres-tando a orientação normativa necessária.

O titular da CGU é o Ministro de Estado do Controle e da Transpa-rência. O § 1º do mesmo art. 17 dispõe que:

§ 1º A Controladoria-Geral da União tem como titular o Ministro de Es-tado do Controle e da Transparência, e sua estrutura básica é constituída por: Gabinete, Assessoria Jurídica, Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, Comissão de Coordenação de Controle Interno, Secretaria-Executiva, Corregedoria-Geral da União, Ouvidoria-Geral da União e 2 (duas) Secretarias, sendo 1 (uma) a Secretaria Federal de Con-trole Interno.

106 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

MISSÃO

A missão da CGU é defender o patrimônio público, ou seja, as riquezas públicas, ou, ainda, de acordo com o art. 1º da Lei de Ação Po-pular (Lei nº 4.717, de 1965), defender o conjunto de bens e direitos de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico, pertencentes aos entes da Administração Pública direta e indireta. Tudo isto além de combater os desvios e desperdícios de recursos públicos federais.

OBJETIVOS GLOBAIS

A CGU tem como objetivo cumprir seus desafios por meio de pro-gramas que envolvem ações como auditorias, fiscalizações, ações de correição, análise e apuração de denúncias e reclamações, além de re-alizar, de por em prática políticas para evitar a corrupção, promover e estimular a administração transparente, a administração sem segredos, a administração que possa ser aprovada pelos exames e pelas fiscaliza-ções até mesmo do controle social.

OBJETIVO LOCAL

O Programa “Olho Vivo no Dinheiro Público” é uma das formas da CGU de estimular e trabalhar pela correta aplicação dos recursos federais transferidos aos Municípios, além de ser contribuição relevante para a prevenção da corrupção e para a promoção da transparência na Administração Pública em geral.

OBSERVAÇÃO

Quem presenciou a criação da CGU no início do primeiro manda-to do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva se recorda com tranquilidade que a CGU era, então, o órgão criado para combater a corrupção no País.

OBJETIVOS E LINHAS DE ATUAÇÃO

O Programa “Olho Vivo no Dinheiro Público”, desenvolvido pela CGU – Controladoria-Geral da União –, tem dois objetivos:

1) Orientação daqueles que trabalham nas prefeituras munici-pais a respeito da transparência, da responsabilidade legal de

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������������107

suas ações e à necessidade de que suas ações sejam por isto mesmo adequadas ao que mandam os textos das leis;

2) Contribuir para o crescimento e o fomento, o auxílio, o apoio, impulso, o desenvolvimento, o estímulo do controle social.

As linhas de atuação do Programa “Olho Vivo no Dinheiro Públi-co” são basicamente duas, ou seja, fomento ao controle social e fomento à capacitação de agentes públicos municipais.

Como já dito anteriormente, fomentar é estimular, promover, de-senvolver alguma coisa. Em direito administrativo, mais ainda, o sig-nificado de “fomentar” envolve o dispêndio de recursos e esforços na promoção de certas atividades.

O fomento ao controle social é direcionado aos conselheiros mu-nicipais que fazem o acompanhamento e a fiscalização da execução das políticas públicas e aos líderes da sociedade civil. Seus efeitos se esten-dem também, entretanto, às lideranças locais e aos cidadãos em geral.

O fomento ou a contribuição ao exercício do controle social tam-bém é realizado por meio da capacitação dos agentes públicos munici-pais, ou seja, por meio da formação, da capacitação, da promoção de cursos, encontros, debates, discussões e palestras, da motivação e do estímulo daqueles que trabalham nas prefeituras e que cujas ações vão gerar resultados diretos e indiretos sobre toda a população.

É este último fomento direcionado à capacitação de servidores públicos, secretários municipais, membros de comissões de licitação, responsáveis por prestações de contas, além de outras pessoas que tra-balhem para os municípios e estejam envolvidos com o planejamento e a execução financeira e orçamentária.

AÇÕES

As ações do Programa “Olho Vivo no Dinheiro Público” são apre-sentadas por meio de cinco elementos : educação presencial e educação a distância, fomento à formação de acervos, apoio ao desenvolvimento dos controles internos municipais, além de, finalmente, cooperação nas atividades de orientação e capacitação promovidas pelos Ministérios gestores de programas de execução descentralizada.

108 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA

EDUCAÇÃO PRESENCIAL

A educação presencial é aquela promovida por meio de encontros realizados em Municípios escolhidos como sedes para tantos outros Mu-nicípios vizinhos que aceitem participar do programa nesta condição de Municípios polos.

Podem ser os seguintes assuntos abordados nos encontros de edu-cação presencial:

a) papel do Estado;

b) importância do controle social;

c) funcionamento dos controles municipais;

d) licitações;

e) contratos;

f) convênios;

g) gestão e controle de material;

h) outros que contribuam para a diminuição das irregularidades frequentemente constatadas pela CGU nas auditorias e fisca-lizações.

EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

A educação à distância está ainda sendo estruturada. Quando esti-ver em operação, será direcionada a todas as pessoas, que trabalhem ou não nos órgãos públicos, conselhos, etc.

A educação à distância prevê desde a disponibilização de mate-riais didáticos via rede mundial de computadores (Internet) até a estrutu-ração de “cursos a distância”.

ESTÍMULO À fORMAÇÃO DE ACERVOS

Nesta etapa do programa, ainda em planejamento, serão tratados o estímulo e a colaboração para a formação de acervos legais e técnicos, ou seja, conjunto de leis e de informações técnicas úteis aos agentes públicos municipais no exercício de seus afazeres, aos conselheiros, às lideranças e à população em geral, na realização do controle social.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – DOUTRINA ������������������������������������������������������������������������������������������������������������109

Apoio ao desenvolvimento dos controles internos municipais – Aqui será buscada a realização de apoio técnico ao desenvolvimento de controles administrativos internos existentes e à criação de sistemas de controle interno nos Municípios.

Cooperação nas atividades de orientação e capacitação promovi-das pelos Ministérios gestores de programas de execução descentraliza-da – É a cooperação mútua entre a CGU e os Ministérios responsáveis por atividades voltadas para o estímulo do controle social e/ou o fomen-to à capacitação de agentes públicos municipais.

OBSERVAÇÕES

Ao se estudar a estrutura da CGU até os Municípios onde o Pro-grama “Olho Vivo no Dinheiro Público” vem sendo implementado, é possível se detectar a realidade pela qual esforços são realizados no sen-tido de efetivamente criar e colocar em prática mecanismos efetivos e eficientes de controle sobre a Administração e sobre os gastos públicos.

REfERÊNCIAS

BRASIL. http://www.cgu.gov.br.

______. Lei nº 10.683, de 28.05.2003. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.683.htm>.

______. Lei nº 11.204, de 05.12.2005. . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11204.htm>.

______. Constituição Federal de 05.10.1988. . Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituiçao.htm>.

MAFRA FILHO, Francisco de Salles Almeida. O servidor público e a reforma administrativa. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

6831

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoReexame Necessário nº 0002792‑40.2011.4.01.3600/MT

Relator: Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian

Autor: Adão Catarino de Campos

Advogado: Braz Paulo Pagotto

Réu: Instituição Educacional Matogrossense – Iemat/Univag

Advogado: Ana Carolina Rondon Pessoa dos Santos e outros(as)

Remetente: Juízo Federal da 3ª Vara – MT

emeNta

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – ENSINO SUPERIOR – INADIMPLÊNCIA RE-LATIVA A CURSO ANTERIOR – ABANDONO – RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA EM CURSO DIVERSO – POSSIBILIDADE – SENTENÇA MANTIDA

I – Nos termos do art. 5º da Lei nº 9.870/1999, “os alunos já ma-triculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual”.

II – A possibilidade de recusa de renovação de matrícula a aluno inadimplente não prevalece na hipótese em que a inadimplência se verifica em relação a curso anterior cursado na mesma instituição de ensino e não mais frequentado pelo impetrante.

III – Sentença mantida. Remessa oficial a que se nega provimento.

acÓrdÃo

Decide a Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento à re-messa oficial.

Sexta Turma do TRF da 1ª Região – 25.08.2014.

Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian Relator

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������111

relatÓrio

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian (Relator):

Trata-se de reexame necessário de sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 3ª Vara Federal da Seção Judiciária de Mato Grosso, que concedeu a segurança vindicada por Adão Catarino de Campos e lhe assegurou a realização de matrícula no 2º semestre do curso de Técnico em Gestão Pública, obstada pela Instituição Educacional Matogrossense – Iemat/Univag pela existência de débitos relativos a curso anteriormen-te frequentado na instituição de ensino (fls. 96/97-v.).

2. Remetidos os autos para parecer, afirmou o Ministério Públi-co Federal inexistir interesse a justificar sua intervenção na demanda (fls. 104/106).

É o relatório.

Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian Relator

votoADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – ENSINO SUPERIOR – INADIMPLÊNCIA RE-LATIVA A CURSO ANTERIOR – ABANDONO – RENOVAÇÃO DE MATRÍCULA EM CURSO DIVERSO – POSSIBILIDADE – SENTENÇA MANTIDA

I – Nos termos do art. 5º da Lei nº 9.870/1999, “os alunos já matriculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual”.

II – A possibilidade de recusa de renovação de matrícula a aluno inadimplente não prevalece na hipótese em que a inadimplência se verifica em relação a curso anterior cursado na mesma instituição de ensino e não mais frequentado pelo impetrante.

III – Sentença mantida. Remessa oficial a que se nega provimento.

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian (Re-lator):

112 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Sem reparos a sentença.

2. Nos termos do art. 5º da Lei nº 9.870/1999, os alunos já ma-triculados, salvo quando inadimplentes, terão direito à renovação das matrículas, observado o calendário escolar da instituição, o regimento da escola ou cláusula contratual.

3. A hipótese dos autos, contudo, não se enquadra no dispositivo acima citado, pelo que ilegítima a conduta da autoridade impetrada de obstar a renovação de matrícula do impetrante no 2º semestre do curso de Técnico em Gestão Pública.

4. É que os débitos a ele imputados se referem ao curso de História ministrado naquela instituição de ensino, diverso, pois, daquele no qual objetiva seja renovada sua matrícula, dispondo o credor da via judicial para a cobrança do respectivo valor.

5. No mesmo sentido, precedentes deste Tribunal:

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – ENSINO SUPE-RIOR – ALUNO INADIMPLENTE COM RELAÇÃO A CURSO QUE DEI-XOU DE FREQUENTAR – MATRÍCULA EM GRADUAÇÃO DIVERSA NA MESMA INSTITUIÇÃO – 1. Orientação jurisprudencial assente a de que não pode constituir óbice a renovação de matrícula a situação de inadim-plência do estudante em outro curso por ele frequentado na mesma ins-tituição de ensino. 2. Remessa oficial não provida.

(REOMS 0000453-94.2010.4.01.3810/MG, Rel. Des. Fed. Carlos Moreira Alves, Sexta Turma, e-DJF1 p. 361 de 10.01.2014)

ENSINO SUPERIOR – MENSALIDADES – INADIMPLÊNCIA – ABAN-DONO DO CURSO DE DIREITO – DÉBITO – VIA JUDICIAL – APRO-VAÇÃO EM NOVO VESTIBULAR – CURSO DE NUTRIÇÃO – DIREITO DE FREQUENTAR AS AULAS, REALIZAR PROVAS E OBTER BOLETOS PARA PAGAMENTO DO CURSO DE NUTRIÇÃO – 1. A existência de débito relativo a curso frequentado anteriormente na mesma instituição de ensino superior, não é de constituir óbice à frequência às aulas em outro curso, quando o aluno, regularmente aprovado em concurso ves-tibular, obteve o deferimento de matrícula. 2. Na hipótese, a Impetrante abandonou o curso de Direito e aprovada em novo vestibular para o curso de Nutrição, uma vez matriculada, foi impedida de frequentar as aulas, realizar provas e obter os boletos para o pagamento do mesmo. 3. A instituição de ensino dispõe da via judicial para a cobrança de dé-

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������113

bito observado em relação ao curso que a Impetrante abandonou. 4. Re-messa oficial improvida.

(REOMS 0001477-82.2008.4.01.3502/GO, Relª Desª Fed. Selene Maria de Almeida, Quinta Turma, e-DJF1 p. 507 de 17.04.2009)

Pelo exposto, nego provimento à remessa oficial.

É como voto.

Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian Relator

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

6832

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIV – Apelação / Reexame Necessário

2008.51.01.006556‑5

Nº CNJ: 0006556‑68.2008.4.02.5101

Relator: Desembargador Federal Marcus Abraham

Apelante: Centro Fed. Ed. Tec. Celso Suckow da Fonseca/Cefet

Procurador: Alexander Ali Shah

Apelado: Pericles Aguiar de Souza

Advogado: Renato Bagno Toledo e Outros

Remetente: Juízo Federal da 28ª Vara/RJ

Origem: Vigésima Oitava Vara Federal do Rio de Janeiro (200851010065565)

emeNtaADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – DESCONTOS – REGIME DOCENTE DE DEDICAÇÃO EXCLUSIVA – CUMULAÇÃO COM OUTRO CARGO – RESSARCIMENTO AO ERÁRIO – POSSIBI-LIDADE

I – Conforme o julgamento do REsp 1244182/PB, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, é indevida a devolução ao erário dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de inter-pretação equivocada de lei.

II – Contudo, essa, definitivamente, não é a situação da Impetrante, ora apelada. O professor do Magistério Superior submetido ao regime de dedicação exclusiva encontra-se impedido de exercer outra atividade remunerada pública ou privada, por expressa vedação normativa, a teor da norma engendrada no art. 14 do Anexo ao Decreto nº 94.664/1987, o que afasta a possibilidade de acumulação de cargos, com a manutenção da gratificação por dedicação exclusiva.

III – Assim, apresenta-se possível a reposição ao erário da gratificação por dedicação exclusiva, pelo período da acumulação indevida, posto que evidenciada a má-fé do Impetrante, que tinha plena ciência da limitação a que estava sujeito.

IV – Apelo e remessa oficial providos.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������115

acÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indi-cadas:

Decide a Quinta Turma Especializada do Tribunal Regional Fede-ral da 2ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Rio de Janeiro, de de 2014 (data de Julgamento).

Theophilo Miguel Juiz Federal Convocado – Relator

relatÓrio

Trata-se de remessa oficial e de recurso de apelação interposto pelo Cefet – Centro Federal Educacional de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca contra a sentença proferida nos autos do Manda-do de Segurança impetrado por Pericles Aguiar de Souza objetivando a suspensão dos descontos a serem implementados nos vencimentos, a título de restituição ao erário, em quantia equivalente a 197 parcelas de R$ 436,46, pugnando, ao fim, pelo cancelamento definitivo dos des- contos.

Como causa de pedir, o Impetrante alega que foi admitido como professor do Cefet em 13.09.1995, oportunidade em que se encontrava em gozo de licença sem remuneração do cargo do professor da Fun-dação Educacional Severino Sombra, a tê-la iniciado em 04.10.1994. Alega que a vedação legal se aplica aos casos em que há o acúmulo de atividades remuneradas, o que não é o caso, já que a licença de que gozava era sem vencimentos.

A sentença recorrida julgou procedente o pedido, sob o funda-mento de que, para haver ressarcimento ao erário, seria necessário com-provar o efetivo prejuízo. Conforme o julgado, ficou comprovado que o Impetrante já se encontrava em licença sem vencimentos na Fundação Educacional antes mesmo de sua posse no Cefet.

O Cefet interpôs recurso de apelação, requerendo a reforma do julgado. Como razões recursais, aduz que, desde a data de sua posse no

116 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Cefet (13.11.1995) até 04.03.2004, o Impetrante persistiu vinculado à Fundação Educacional Severino Sombra, omitindo, tal fato, da Adminis-tração, que só veio a tomar conhecimento da cumulação indevida em razão de instauração de procedimento de apuração de acumulação de cargos com mais de 60 horas ou exercício irregular de Dedicação Ex-clusiva (fls. 25/26). Desta feita, diante da inequívoca ilicitude cometida e tendo o Impetrante concorrido para a percepção indevida de venci-mentos majorados por verba reservada para professores com dedicação exclusiva, impõe-se a reposição ao erário.

Em contrarrazões, o Impetrante pugna pelo desprovimento do re-curso de apelação.

O MPF, em seu parecer, opina pela confirmação da sentença im-pugnada.

É o relatório.

Theophilo Miguel Juiz Federal Convocado – Relator

voto

Conheço da remessa oficial, vez que incide na espécie o disposto no revogado art. 12, parágrafo único, da Lei nº 1.533/1951, correspon-dente ao art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009.

Presentes os requisitos de admissibilidade intrínsecos e extrínsecos do recurso de apelação, passo a apreciá-lo.

Um dos principais atributos dos atos administrativos é a presunção juris tantum de legitimidade e veracidade. Ou seja, como se presume que os atos praticados pela Administração encontram-se em conformi-dade com a lei, aos destinatários dos atos administrativos gera-se uma legítima expectativa de que podem confiar na conduta dos agentes pú-blicos, sobretudo quando a ilegalidade não se revela manifesta.

Insta salientar, sob tal perspectiva que, conforme orientação firma-da no julgamento do REsp 1244182/PB, submetido ao rito do art. 543-C do CPC, é indevida a devolução ao erário dos valores recebidos de boa--fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administra-ção Pública, em função de interpretação equivocada de lei.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������117

Veja-se a ementa do julgado:

ADMINISTRATIVO – RECURSO ESPECIAL – SERVIDOR PÚBLICO – ART. 46, CAPUT, DA LEI Nº 8.112/1990 VALORES RECEBIDOS INDE-VIDAMENTE POR INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA DE LEI – IMPOSSIBILI-DADE DE RESTITUIÇÃO – BOA-FÉ DO ADMINISTRADO – RECURSO SUBMETIDO AO REGIME PREVISTO NO ART. 543-C DO CPC

1. A discussão dos autos visa definir a possibilidade de devolução ao erá-rio dos valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, quando pagos indevidamente pela Administração Pública, em função de interpretação equivocada de lei.

2. O art. 46, caput, da Lei nº 8.112/1990 deve ser interpretado com al-guns temperamentos, mormente em decorrência de princípios gerais do direito, como a boa-fé.

3. Com base nisso, quando a Administração Pública interpreta erronea-mente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.

4. Recurso afetado à Seção, por ser representativo de controvérsia, sub-metido a regime do art. 543-C do CPC e da Resolução nº 8/STJ.

5. Recurso especial não provido.

Infere-se, pois, do entendimento consagrado na jurisprudência pá-tria, que há óbice para a reposição dos valores pagos indevidamente pelo Erário, quando tal conduta decorre da própria Administração, ao interpretar erroneamente a lei, havendo, de fato, em tal circunstância, a boa fé do servidor, devendo-se reverenciar o princípio da confiança.

Contudo, essa, definitivamente, não é a situação da Impetrante, ora apelada.

O professor do Magistério Superior submetido ao regime de dedi-cação exclusiva encontra-se impedido de exercer outra atividade remu-nerada pública ou privada, por expressa vedação normativa, a teor da norma engendrada no art. 14 do Anexo ao Decreto nº 94.664/1987, o que afasta a possibilidade de acumulação de cargos, com a manutenção da gratificação por dedicação exclusiva.

Assim, apresenta-se possível a reposição ao erário da gratificação por dedicação exclusiva, pelo período da acumulação indevida, posto

118 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

que evidenciada a má-fé do Impetrante, que tinha plena ciência da limi-tação a que estava sujeito.

Como bem destacado pela recorrente, desde a data de sua posse no Cefet (13.11.1995) até 04.03.2004, o Impetrante persistiu vinculado à Fundação Educacional Severino Sombra, omitindo, tal fato, da Admi-nistração, que só veio a tomar conhecimento da cumulação indevida em razão de instauração de procedimento de apuração de acumulação de cargos com mais de 60 horas ou exercício irregular de Dedicação Ex-clusiva (fls. 25/26). Desta feita, diante da inequívoca ilicitude cometida e tendo o Impetrante concorrido para a percepção indevida de venci-mentos majorados por verba reservada para professores com dedicação exclusiva, impõe-se a reposição erário, não havendo como perquirir em boa-fé em tal circunstância.

Ante o exposto, dou provimento ao apelo e à remessa oficial. Sem condenação em verba honorária, a teor do disposto no art. 25 da Lei nº 12.016/2009.

É como voto.

Theophilo Miguel Juiz Federal Convocado – Relator

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

6833

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 26.09.2014

Poder Judiciário

Apelação/Reexame Necessário nº 0012594‑21.2004.4.03.6100/SP

2004.61.00.012594‑0/SP

Relatora: Desembargadora Federal Marli Ferreira

Apelante: União Federal

Advogado: SP000019 Tércio Issami Tokano

Apelado(a): Espaçonave Transporte Turístico Ltda.

Advogado: SP205714 Roberto Jorge Alexandre e outro

Remetente: Juízo Federal da 26ª Vara São Paulo Sec. Jud. SP

emeNta

ADMINISTRATIVO – TRANSPORTE IRREGULAR DE PASSAGEIROS – RETENÇÃO DO VEÍCULO – LIBERAÇÃO CONDICIONADA A PAGAMENTO DE MULTA – IMPOSSIBILIDADE

1. Nos termos de entendimento consolidado pelo Superior Tri-bunal de Justiça, sob regime disposto no art. 543-C, do CPC, e aplicável à espécie, a liberação do veículo retido por transporte irregular de passageiros, ainda que com esteio no Código Nacio-nal de Trânsito, não está condicionada ao pagamento de multas e despesas. (REsp 1.144.810/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª S., Julgado em 10.03.2010, DJe 18.03.2010)

2. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento.

acÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 11 de setembro de 2014.

120 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Marli Ferreira Desembargadora Federal

relatÓrio

Trata-se de mandado de segurança objetivando a liberação de ve-ículo apreendido, independentemente do pagamento da multa prevista nos arts. 83, inciso VI, alínea a, do Decreto nº 2.521/1998.

O MM. Juízo a quo, confirmando a liminar anteriormente conferi-da, julgou parcialmente procedente o pedido, concedendo a segurança com fito à imediata liberação do veículo em questão. Submeteu ao ree-xame necessário.

Irresignada, apelou a União Federal pugnando pelo reconheci-mento da legalidade do procedimento administrativo adotado.

Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Dispensada a revisão, na forma regimental.

voto

A análise dos autos revela que, em 04.05.2004, o veículo ônibus, Marca/Modelo Skania, 1995, placa EVC 6969, foi flagrado por agentes da Polícia Rodoviária Federal conduzindo passageiros sem a competente delegação para executar serviços desta natureza, apresentado defeito em equipamento obrigatório, não ter fornecido comprovante de despacho de bagagem de passageiro e, finalmente, por estar utilizando motorista sem vínculo empregatício na direção do veículo, tendo sido lavrado os competentes Autos de Infração e Termo de Apreensão – cópias às folhas 30 e ss., do presente writ –, tudo nos termos do disposto no Decreto nº 2.521, de 20.03.1998, o qual regula a exploração, mediante permis-são e autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, entre outras providências

A sentença deve ser mantida.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������121

A questão atinente à retenção de veículo, condicionada ao pa-gamento de multas, já se encontra largamente pacificada junto ao E. Superior Tribunal de Justiça, inclusive em sede repetitiva, nos termos do disposto no art. 543-C, do Código de Processo Civil conforme arestos que colho, verbis:

“ADMINISTRATIVO – TRANSPORTE IRREGULAR DE PASSAGEIROS – RETENÇÃO DO VEÍCULO – LIBERAÇÃO

1. A liberação do veículo retido por transporte irregular de passageiros, com base no art. 231, VIII, do Código de Trânsito Brasileiro, não está condicionada ao pagamento de multas e despesas.

2. Recurso especial improvido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC.”

(REsp 1.144.810/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, Julgado em 10.03.2010, DJe 18.03.2010)

“AGRAVO REGIMENTAL – TRANSPORTE IRREGULAR DE PASSAGEI-ROS – ART. 231, VIII, DO CTB – RETENÇÃO DO VEÍCULO – LIBERA-ÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DE MULTAS – IMPOSSIBI-LIDADE

1. ‘A liberação do veículo retido por transporte irregular de passageiros, com base no art. 231, VIII, do Código de Trânsito Brasileiro, não está condicionada ao pagamento de multas e despesas. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC’ (REsp 1144810/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJe de 18.03.2010).

2. É inviável investigar a existência de legislação local que possibilita a apreensão do veículo que realize transporte irregular bem como sua constitucionalidade, ainda mais quando o aresto nem sequer emitiu juízo de valor sobre o tema.

3. Agravo regimental não provido.”

(AgRg-REsp 1.303.711/RJ, Rel. Min. Castro Meira, Segunda Turma, J. 21.08.2012, DJe 29.08.2012)

“ADMINISTRATIVO – TRANSPORTE IRREGULAR DE PASSAGEIROS – APREENSÃO DO VEÍCULO E CONDICIONAMENTO DA LIBERAÇÃO AO PAGAMENTO DE MULTAS – IMPOSSIBILIDADE – ENTENDIMENTO FIRMADO PELA PRIMEIRA SEÇÃO AO JULGAR O RESP 1.144.810/MG, MEDIANTE A LEI DOS RECURSOS REPETITIVOS

122 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

1. Segundo disposto no art. 231, VIII, da Lei nº 9.503/1997, o transporte irregular de passageiros é apenado com multa e retenção do veículo. As-sim, é ilegal e arbitrária a apreensão do veículo, e o condicionamento da respectiva liberação ao pagamento de multas e de despesas com remo-ção e estadia, por falta de amparo legal, uma vez que a lei apenas prevê a medida administrativa de retenção.

2. Entendimento ratificado pela Primeira Seção desta Corte, ao julgar o REsp 1.144.810/MG, mediante a sistemática prevista na Lei dos Recursos Repetitivos.

3. Recurso especial não provido.”

(REsp 1.124.687/GO, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Tur-ma, J. 14.12.2010, DJe 08.02.2011)

No mesmo sentido, esta E. Turma julgadora, verbis:

“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURAN-ÇA – TRANSPORTE RODOVIÁRIO INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS – EXECUÇÃO DO SERVIÇO SEM AUTORIZAÇÃO – AUTUAÇÃO – APREENSÃO DO VEÍCULO (ÔNIBUS) E LIBERAÇÃO CONDICIONADA AO PAGAMENTO DA MULTA (DECRETO nº 2.521/1998, ARTS. 79 E 85) – ILEGALIDADE – LEIS NºS 8.987/1995 E 10.233/2001 – PODER REGULAMENTAR – LIMITES – DESPROVIMENTO

A Lei nº 8.987/1995 disciplinou o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Dentre outras providências, em seu art. 29, incumbiu o poder concedente do dever de regulamentar as ativi-dades prestadas à coletividade. Contudo, não tipificou, em abstrato, atos ilícitos dos concessionários, permissionários e autorizatários, tampouco cominou sanções administrativas. A fim de disciplinar o cumprimento à lei anteriormente mencionada, quanto à exploração do serviço de trans-porte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, foi editado o Decreto nº 2.521/1998, que estabeleceu penalidades em seus arts. 79 e 85, § 3º.

Em de 5 de junho de 2001, no entanto, sobreveio a Lei nº 10.233, que dispôs sobre a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, criou o Conselho Nacional de Integração de Políticas de Transporte (Conit), a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), a Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e o Departamento Nacional de Infra--Estrutura de Transportes (Denit). Esse diploma normativo estabeleceu as sanções por infração de lei ou descumprimento dos deveres nos serviços

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������123

de transportes, quais sejam: advertência, multa, suspensão, cassação e declaração de inidoneidade (art. 78-A).

Note-se, portanto, que da análise das Leis nºs 8.987/1995 (art. 29, incisos I e II) e 10.233/2001 (art. 78-A, inciso II) e do Decreto nº 2.521/1998 (arts. 83), conclui-se que a aplicação da multa, em razão da prática de transporte rodoviário interestadual de passageiros sem autorização, pos-sui respaldo jurídico. No entanto, a penalidade de apreensão do veículo (art. 79) e sua restituição condicionada ao pagamento da multa e demais encargos (art. 85), conforme previsto no decreto, não têm previsão legal, ou seja, foram instituídas, de maneira autônoma, exclusivamente no ato regulamentar, que excedeu os limites impostos pela Constituição Fede-ral, arts. 2º, 5º, II, e 37, caput.

O Superior Tribunal de Justiça assentou entendimento de que as penali-dades previstas no Decreto nº 2.521/1998 são ilegítimas, de modo que deve ser afastada a medida de apreensão de veículo (art. 79), mediante a exigência do pagamento prévio de multa, como condição para liberá-lo, quando autuado pela prática de transporte rodoviário interestadual de passageiros, sem autorização (art. 85). Isso porque as sanções administra-tivas, tais como as penais, dependem de lei prévia para sua imposição, conforme disposto no art. 78-A da Lei nº 10.233/2001.

Verifica-se, portanto, que condicionar a liberação do veículo à quitação da multa imposta, revela-se meio coercitivo indireto de cobrança de va-lores, o que é incabível, já que a administração pública possui os meios adequados e legais para o recebimento de seus créditos. Ademais, a pro-prietária do veículo, empresa da área de transporte, não deve ser privada de seu instrumento de trabalho, consoante os comandos constitucionais do art. 5º, incisos LIV e LV.

No que concerne ao cancelamento ou suspensão do auto de infração, constata-se tratar-se de questão que demanda dilação probatória, por-quanto não houve de plano a comprovação de sua ilicitude, razão pela qual deve ser mantida a denegação da ordem.

Relativamente à admissão de recurso administrativo, independentemente do recolhimento de multa, irreparável a sentença que extinguiu o pleito, sem resolução do mérito, uma vez que sequer houve a demonstração de sua interposição. Sem condenação aos honorários advocatícios, a teor das Súmulas nºs 105 do STJ e 512 do STF.

Remessa oficial desprovida.”

(AC 2002.61.06.007976-7/SP, Rel. Des. Fed. André Nabarrete, J. 25.04.2013, DE 09.05.2013; destacou-se)

124 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

No mesmo andar, AC 2003.61.00.028268-8/SP, Relª Desª Fed. Alda Basto, Decisão 13.05.2013, Public. 23.05.2013 e AC-Reex 2002.61.00.015399-9/SP, Relª Desª Fed. Marli Ferreira, J. 03.07.2014, DE 22.07.2014.

Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial, mantendo a r. sentença em seus exatos termos.

É como voto.

Marli Ferreira Desembargadora Federal

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

6834

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 22.09.2014Poder JudiciárioApelação Cível nº 0000582‑38.2005.4.03.6100/SP2005.61.00.000582‑3/SP Relator: Desembargador Federal Johonsom Di SalvoApelante: Marcelo Augusto Xavier da SilvaAdvogado: SP206567 Antoine Abdul Massih Abd e outroApelado(a): Fundação Universidade de BrasíliaAdvogado: Rie Kawasaki e outroApelado(a): União FederalAdvogado: SP000019 Tércio Issami TokanoExcluído: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IbamaAdvogado: Rie KawasakiNº Orig.: 00005823820054036100 14ª Vr. São Paulo/SP

emeNta

ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO (NACIONAL E REGIONAL) – PARA A CARREIRA DE DELEGADO DE POLÍCIA fEDERAL – CANDIDATO APROVADO (“RECOMENDADO”) NO EXAME PSICOTÉCNICO REALIZADO NO CONCURSO DE ÂMBITO NACIONAL, E MENOS DE UM MÊS DE-POIS CONSIDERADO “INAPTO” NO CERTAME DE ÂMBITO REGIONAL – “PERfIL PROfISSIO-GRÁfICO” PARA UMA PESSOA TORNAR-SE DELEGADO fEDERAL QUE, PARA SER VALIDAMENTE PERSCRUTADO, DEVERIA SER OBJETIVO E PÚBLICO, PRESERVANDO A IMPESSOALIDADE DO CERTAME E A POSSIBILIDADE DE RECURSO – POSTERIOR CANCELAMENTO DA EXIGÊNCIA DE “PERfIS PROfISSIOGRÁfICOS” (DECRETO Nº 6.944/2009) – INAPTIDÃO DO CANDIDATO/APELANTE AfASTADA, DANDO-SE PROVIMENTO AO SEU APELO – APÓS REJEIÇÃO DE MATÉRIA PRELIMINAR – COM INVERSÃO DE SUCUMBÊNCIA

1. A sentença apelada se encontra devidamente fundamentada de modo a desvelar com suficiência a convicção da digna Juíza a qua. O pedido formulado pelo autor foi apreciado dentro dos limites da causa petendi, mas sempre recordando que do órgão julgador se exige apenas que apresente fundamentação apta para justificar a decisão apresentada; o Juiz não está submetido a responder “questionários” das partes, não é órgão consultivo, e tampouco se obrigado a apreciar cada um dos múltiplos argumentos deduzidos

126 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

pela parte, bastando que bem esclareça os motivos pelos quais desaprovou o petitum deduzido na inicial.

2. Quanto a falta de juntada aos autos da documentação encaminhada pela Cespe/UNB, acata-se as razões lançadas pela Fundação Universidade de Brasília FUB/UNB à fl. 1070, no sentido de que foram exibidas apenas ao Juízo com amparo na excepcionalidade tolerada no art. 363, IV, do CPC.

3. Os exames psicotécnicos não afrontam a Constituição Federal, desde que previstos em lei para a investidura em cargos públicos (salvo os comissionados) conforme revela o discurso do art. 37, I e II, e do art. 39, § 3º, da CF. Porém, é indiscutível que os parâmetros para realização do exame psicotécnico – como de regra para todas as provas do certame – devem ser dotados de objetividade necessária a que o candidato conheça as razões de sua eventual reprovação e possa questionar a conclusão da banca, seja em recurso administrativo, seja na via judicial. Nesse sentido é o entendimento tranquilo e atualizadíssimo do STF: AI 750.077/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, Data de Julgamento: 27.05.2014, Primeira Turma, Data de Publicação: Acórdão Eletrônico DJe-120 Divulg. 20.06.2014 Public. 23.06.2014 – ARE 798.754 AgR, Relª Min. Rosa Weber, Primeira Turma, Julgado em 25.06.2014, Processo Eletrônico DJe-159 Divulg. 18.08.2014 Public. 19.08.2014 – ARE 736416 AgR, Relator(a): Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Julgado em 12.11.2013, Processo Eletrônico DJe-232 Divulg. 25.11.2013, Public. 26.11.2013 – MS 30.822, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, J. 05.06.2012, Processo Eletrônico DJe-124 Divulg. 25.06.2012, Public. 26.06.2012 – AI 504987 ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, Julgado em 17.05.2011, DJe-125 Divulg. 30.06.2011, Public. 01.07.2011, Ement. Vol. 02555-02, p. 00268.

4. Quanto a previsão legal de avaliação psicológica o certame a que aderiu o autor foi irretocável, já que nesse âmbito atendeu o comando do Decreto-Lei nº 2.320/1987. Mas o certame pecou contra o princípio da legalidade na medida em que não houve respeito a necessária objetividade na avaliação psicológica, já que embora os Editais nº 24/2004 (Concurso Nacional) e nº 25/2004 (Concurso Regional) previssem no item 6 a avaliação psicológica para o concurso de Delegado de Polícia Federal, deles não cons-

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������127

tou um perfil profissiográfico a que o candidato deveria correspon-der para lograr aprovação no exame psicotécnico. Essa falta de publicização prévia de um perfil profissiográfico acabou tornando o exame psicológico subjetivo e discricionário, inclusive compro-metendo a defesa do candidato reprovado que ficou sem meios de “contrariar” a conclusão final dos psicólogos que o examinaram.

5. Além de se reconhecer a invalidade de exame psicológico que reprovou o apelante (Concurso Regional) feito sobre critérios sub-jetivos e secretos – só mesmo os psicólogos que aplicaram os testes conheciam o perfil exigido do candidato, e o mantiveram guarda-do com eles – é forçoso convir que o caso ostenta uma peculia-ridade: a aprovação em exame psicotécnico (Concurso Nacional) já escancara a falibilidade do exame, pois demonstra que o candi-dato tinha comprovado possuir um perfil psicológico considerado adequado para o desempenho das funções de Delegado da Polícia Federal; impossível que em curto espaço de tempo sua personali-dade tenha se modificado tanto a ponto de torna-lo inservível para o mesmo cargo, enquanto avaliado em disputa Regional. Prece-dente do STJ (REsp 956.688/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 24.11.2008).

6. A situação em que o Poder Público voluntariamente se enredou – confusão causada pela sua incúria em conduzir um concurso com a imprescindível objetividade e transparência na parte da avaliação psicológica prevista em lei – torna irrelevante para a defesa do ato impugnado a perícia judicial realizada, bem como mostra a desnecessidade do fazimento de outra qualquer perícia.

7. Na forma do art. 462 do CPC convém aduzir que a aferição de perfil profissiográfico passou a ser desprezada pelo Poder Público, conforme determina o art. 14, do Decreto nº 6.944/2009.

8. O caso é de dar-se guarida ao apelo do autor para a procedência do pedido como formulado no item 2 de fls. 27, assegurando-lhe a continuidade de participação no Concurso Regional, a matrícula na Academia Nacional de Polícia/DF e sua posse no cargo almejado desde que seja frutífero seu curso de formação como Delegado da Polícia Federal.

9. Inverte-se a sucumbência para condenar as requeridas ao pa-gamento das custas em reembolso e despesas, bem como dos ho-

128 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

norários advocatícios que são fixados em dez mil reais (a serem corrigidos na forma da Res. 134/CJF); para isso considera-se o bom trabalho e o permanente zelo do advogado na condução de uma causa que tramita desde janeiro de 2005.

acÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indi-cadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, rejeitar a matéria preliminar e, no mérito, dar provimento à apelação, com inversão da sucumbência, e ratificar a antecipação de tutela, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 11 de setembro de 2014.

Johonsom di Salvo Desembargador Federal

relatÓrio

O Excelentíssimo Senhor Desembargador Federal Johonsom di Salvo, Relator:

Trata-se de ação interposta por Marcelo Augusto Xavier da Silva em que objetiva a declaração de invalidade da avaliação psicológica negativa considerada em seu desfavor no Concurso Público para Provi-mento Regional de Cargo de Delegado da Polícia Federal, regido pelo Edital nº 25/2004, tornando definitiva a continuidade de sua participa-ção no Concurso Regional para Delegado de Policia Federal.

Narra o autor ter se inscrito no Concurso Público para Provimento Regional de Vagas nos Cargos de Delegado de Polícia Federal, a fim de concorrer para localidade escolhida. Houve sua aprovação na fase teórica, enquanto que na fase psicológica concluiu-se pela sua não re-comendação.

Afirma que no Concurso Público para Provimento Nacional de Cargos de Delegado de Polícia Federal, a conclusão da avaliação psico-lógica (anterior) deu-se no sentido de sua aptidão.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������129

Alega ser absurda essa contradição, ocorrente em dois concursos para a mesma carreira, um deles para concorrer a cargos de uma deter-minada Região, outro para o idêntico cargo em âmbito Nacional. Adu-ziu a inexistência da publicidade de eventuais parâmetros condutores da avaliação psicológica dos candidatos, a ensejar intensa carga de sub-jetivismo no certame, com quebra da igualdade entre os concorrentes. Insiste em que nem o edital do concurso nem outra qualquer disposição orientadora descreveram os requisitos que os candidatos deveriam os-tentar para serem considerados aptos na avaliação psicológica.

A tutela antecipada foi deferida (fls. 322/330). Em face desta de-cisão a União Federal interpôs o Agravo de Instrumento nº 2005.03.00. 006072-7, para o qual foi negado provimento em 12.09.2007, encon-trando-se os autos na Vice Presidência para decisão de admissibilidade de recursos.

O laudo pericial psicológico foi acostado às fls. 798/811, con-cluindo pelo acerto da conclusão da comissão examinadora do concur-so que deu pela inaptidão do candidato Marcelo Augusto Xavier da Silva sob o aspecto psicológico.

Na sentença de fls. 881/890 o d. Juízo a quo julgou improceden-te a demanda, condenando a parte autora em custas processuais, bem como em honorários advocatícios que fixou em 10% sobre o valor atri-buído à causa. Relembrou que no decorrer do processo a anterior Justiça Gratuita deferida foi revogada, sem interposição de recurso no momento adequado.

Inconformado o requerente interpôs embargos de declaração sen-do que a decisão proferida às fls. 924/926 negou provimento aos em-bargos.

Apelou o autor requerendo a anulação da r. sentença por ofen-sa aos arts. 435, 458, II e 460, todos do CPC, bem como do art. 5º, LV, da CF, eis que evidenciado o cerceamento de defesa, mormente pela impossibilidade de acesso da documentação encaminhada pela Cespe/UNB através do assistente técnico, bem como ausência de mani-festação judicial acerca das razões veiculadas na impugnação ao laudo pericial psicológico apresentado pelo apelante; em caso de não anula-ção da sentença, pugna pela sua reforma, devendo para tanto ser de-terminada nova avaliação psicológica, justamente e tão somente para detecção de características de personalidade prejudiciais e restritivas do

130 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

cargo, bem como identificação de perturbações mentais que inviabili-zem o desempenho da função pública, ou, ainda, o aproveitamento da avaliação psicológica realizada no certame de âmbito Nacional, eis que já comprovado que o apelante possui temperamento adequado e boa saúde física e psíquica, para o mesmo cargo, em período inferior a 30 dias, conforme já decidido pelo STF no MS 20.972/DF, com prolação de nova sentença e integral acatamento do pedido formulado pelo apelante e sua manutenção no cargo de Delegado de Polícia Federal, vedada a re-alização de exame psicotécnico para aferição de perfil profissiográfico, conforme determina o art. 14, do Decreto nº 6.944/2009 (fls. 930/1064). Recurso respondido.

Às fls. 1091/1110 o apelante juntou Parecer Técnico e documen-tação anexa às fls. 1111/1212 e 1253/1324.

Sem revisão (matéria de direito).

É o relatório.

voto

No que tange a matéria preliminar, verifico que a sentença ape-lada se encontra devidamente fundamentada de modo a desvelar com suficiência a convicção da digna Juíza a qua. O pedido formulado pelo autor foi apreciado dentro dos limites da causa petendi, mas sempre recordando que do órgão julgador se exige apenas que apresente funda-mentação apta para justificar a decisão apresentada; o Juiz não está sub-metido a responder “questionários” das partes, não é órgão consultivo, e tampouco se obrigado a apreciar cada um dos múltiplos argumentos de-duzidos pela parte, bastando que bem esclareça os motivos pelos quais desaprovou o petitum deduzido na inicial.

Quanto a falta de juntada aos autos da documentação encaminha-da pela Cespe/UNB, acato as razões lançadas pela Fundação Universi-dade de Brasília FUB/UNB à fl. 1070, no sentido de que foram exibidas apenas ao Juízo com amparo na excepcionalidade tolerada no art. 363, IV, do CPC.

Rejeito a matéria preliminar.

O pedido do apelante de nova perícia tem a ver com o mérito, na especificidade do caso.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������131

Quanto ao mérito, assiste razão ao apelante.

O apelante foi reprovado em exame para a carreira de Delegado de Polícia Federal em concurso Regional a que se submeteu além do concurso Nacional regrado pelo Edital nº 25/2004 que se encontra nos autos. Foi considerado “não recomendado”, ou inapto, em conclusão de exame psicotécnico já que não atendia ao perfil profissiográfico eleito pelos examinadores.

Verifica-se que os exames psicotécnicos não afrontam a Consti-tuição Federal, desde que previstos em lei para a investidura em cargos públicos (salvo os comissionados) conforme revela o discurso do art. 37, I e II, e do art. 39, § 3º, da CF.

Sucede que mesmo os exames de avaliação psicológica devem obedecer a critérios objetivos – pois se assim não for estará violada a im-pessoalidade do certame – e precisam ser aplicados de tal modo que seja possível a revisão do resultado obtido pelo candidato, seja pela banca examinadora, seja pelo Poder Judiciário.

Em resumo, “[...] a exigência de exame psicotécnico, como re-quisito ou condição necessária ao acesso a determinados cargos públi-cos, somente é possível, nos termos da Constituição Federal, se houver lei em sentido material que expressamente o autorize, além de previ-são no edital do certame [...]” (STF – MS 30.822/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Data de Julgamento: 05.06.2012, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-124 Divulg. 25.06.2012, Public. 26.06.2012). No mesmo sentido: RE 537.795 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, Julgado em 28.02.2012, Acórdão Eletrônico DJe-070 Divulg. 10.04.2012, Public. 11.04.2012.

Esta Corte Regional já teve ensejar de verbalizar que “[...] o exame psicotécnico que indica reprovação e que não tenha prévia previsão em lei, não é instrumento idôneo para impedir o acesso a cargo público, conforme Súmula nº 686 do Colendo Supremo Tribunal Federal [...]” (MS 20.270/SP – 2005.61.00.020270-7, Relª Desª Federal Alda Basto, Data de Julgamento: 28.02.2008, Quarta Turma).

Ademais, é indiscutível que os parâmetros para realização do exa-me psicotécnico – como de regra para todas as provas do certame – de-vem ser dotados de objetividade necessária a que o candidato conheça as razões de sua eventual reprovação e possa questionar a conclusão da

132 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

banca, seja em recurso administrativo, seja na via judicial. Nesse sentido é o entendimento tranquilo e atualizadíssimo do STF: AI 750.077/DF, Rel. Min. Roberto Barroso, Data de Julgamento: 27.05.2014, Primeira Turma, Data de Publicação: Acórdão Eletrônico DJe-120 Divulg. 20.06.2014, Public. 23.06.2014 – ARE 798.754 AgR, Relª Min. Rosa Weber, Primei-ra Turma, Julgado em 25.06.2014, Processo Eletrônico DJe-159 Divulg. 18.08.2014, Public. 19.08.2014 – ARE 736416 AgR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Julgado em 12.11.2013, Processo Eletrônico DJe-232 Divulg. 25.11.2013, Public. 26.11.2013 – MS 30.822, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, Julgado em 05.06.2012, Processo Ele-trônico DJe-124 Divulg. 25.06.2012, Public. 26.06.2012 – AI 504987 ED, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, Julgado em 17.05.2011, DJe-125 Divulg. 30.06.2011, Public. 01.07.2011, Ement. Vol. 02555-02, p. 00268.

Consulte-se a elucidativa ementa abaixo transcrita:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – CONCURSO PÚBLICO – CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS BOM-BEIROS MILITARES – EXAME PSICOTÉCNICO – REQUISITOS A SEREM OBSERVADOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – PRECEDENTES – 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o exame psicotécnico é de: a) estar previsto em lei (RE 294.633-AgR, sob a relatoria do ministro Carlos Velloso; e AI 510.524, sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes); b) ser pautado em critérios objetivos (RE 243.926, sob a relatoria do Ministro Moreira Alves); c) viabilizar a recor-ribilidade de seus resultados (AI 265.933-AgR, sob a relatoria do ministro Sepúlveda Pertence; AI 467.616-AgR, sob a relatoria do Ministro Celso de Mello; e RE 326.349-AgR, sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes). 2. Agravo regimental desprovido.(AI 470.481 AgR, Rel. Min. Ayres Britto, Segunda Turma, Julgado em 12.04.2011, DJe-146 Divulg. 29.07.2011 Public. 01.08.2011 Ement. Vol. 02556-03, p. 00563 – destaquei)

É nesse sentido que se orienta, sem tergiversações, também a ju-risprudência do STJ.

O Decreto-Lei nº 2.320/1987 que dispõe sobre o ingresso nas ca-tegorias funcionais da Carreira Policial Federal, determina o seguinte:

“[...]

Art. 6º As instruções reguladoras dos processos seletivos serão publicadas por meio de Edital, que deverá conter:

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������133

a) o número de vagas a serem preenchidas, para a matrícula nos cursos de formação e de treinamento profissional;

b) os limites de idades dos candidatos;

c) as condições de sanidade física e psíquica;

d) as matérias sobre as quais versarão as provas e respectivos programas;

e) o desempenho mínimo exigido para aprovação nas provas, inclusive as de capacidade física;

f) as técnicas psicológicas aplicáveis;

g) os critérios de avaliação dos títulos.”

[...]

“Art. 8º São requisitos para a matrícula em curso de formação profissio-nal, apurados em processo seletivo, promovido pela Academia Nacional de Polícia:

I – ter procedimento irrepreensível e idoneidade moral inatacável, ava-liados segundo normas baixadas pela Direção-Geral do Departamento de Polícia Federal;

II – gozar de boa saúde física e psíquica, comprovada em inspeção mé-dica;

III – possuir temperamento adequado ao exercício das atividades ineren-tes à categoria funcional a que concorrer, apurado em exame psicotéc-nico;

IV – possuir aptidão física, verificada mediante prova de capacidade fí-sica;

V – ter sido habilitado previamente em concurso público de provas ou de provas e títulos.

[...]”

Assim, quanto a previsão legal de avaliação psicológica o certame a que aderiu o autor foi irretocável, já que nesse âmbito atendeu o co-mando do Decreto-Lei nº 2.320/1987.

Entretanto, o certame pecou contra o princípio da legalidade na medida em que não houve respeito a necessária objetividade na avalia-ção psicológica, já que embora os Editais nº 24/2004 (Concurso Nacio-nal) e nº 25/2004 (Concurso Regional) previssem no item 6 a avaliação

134 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

psicológica para o concurso de Delegado de Polícia Federal, deles não constou um perfil profissiográfico a que o candidato deveria correspon-der para lograr aprovação no exame psicotécnico. Essa falta de publi-cização prévia de um perfil profissiográfico acabou tornando o exame psicológico subjetivo e discricionário, inclusive comprometendo a defe-sa do candidato reprovado que ficou sem meios de “contrariar” a con-clusão final dos psicólogos que o examinaram.

In casu a situação se tornou até absurda: disputando a mesma Carreira de Delegado da Polícia Federal, no mesmo ano de 2004, em certame Regional e Nacional, no prazo de um mês o apelante foi apro-vado no concurso de nível Nacional (recomendado, no exame psicotéc-nico), mas foi reprovado para o mesmo cargo no exame Regional; e isso em provas psicológicas aplicadas pela mesma entidade organizadora (Cespe/UNB).

Vê-se com clareza que esse resultado absurdo adveio da ausência de um critério profissiográfico público e objetivo.

A propósito, idêntica questão já chegou ao STJ, que no REsp 956.688/RS, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 24.11.2008, decidiu da seguinte forma:

DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPE-CIAL – CONCURSO PÚBLICO – DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL – MATÉRIA CONSTITUCIONAL – EXAME – IMPOSSIBILIDADE – ART. 535, II, DO CPC – INDICAÇÃO DE OFENSA GENÉRICA – DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA Nº 284/STF – LITISCONSÓRCIO PAS-SIVO NECESSÁRIO – NÃO-OCORRÊNCIA – PRECEDENTES DO STJ – TESTE PSICOTÉCNICO – CARÁTER SIGILOSO E IRRECORRÍVEL – IM-POSSIBILIDADE – PRECEDENTES DO STJ – APROVEITAMENTO DO EXAME PSICOTÉCNICO REALIZADO NO CONCURSO DE DELEGADO FEDERAL DE ÂMBITO NACIONAL – POSSIBILIDADE – RECURSO ESPE-CIAL CONHECIDO E IMPROVIDO

1. [...]

2. [...]

3. [...]

4. Embora reconhecida a legalidade do exame psicotécnico para a car-reira de Policial Federal, é vedada sua realização de modo sigiloso e irrecorrível. Precedentes do STJ.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������135

5. Tendo a autora, em prazo inferior a um mês, sido submetida a dois testes psicotécnicos – o primeiro, no concurso de Delegado Federal em âmbito nacional, em que restou aprovada, e o segundo no concurso de Delegado Federal em âmbito regional, no qual foi considerada inapta –, é de rigor o reconhecimento da desnecessidade de realização de novo teste, porquanto resta demonstrada que a candidata comprovou possuir o perfil psicológico considerado adequado para o desempenho das fun-ções de Delegado da Polícia Federal.

6. Recurso especial conhecido e improvido.

Assim, além de se reconhecer a invalidade de exame psicológico que reprovou o apelante (Concurso Regional) feito sobre critérios subje-tivos e secretos – só mesmo os psicólogos que aplicaram os testes conhe-ciam o perfil exigido do candidato, e o mantiveram guardado com eles – é forçoso convir que o caso ostenta uma peculiaridade: a aprovação em exame psicotécnico (Concurso Nacional) já escancara a falibilidade do exame, pois demonstra que o candidato tinha comprovado possuir um perfil psicológico considerado adequado para o desempenho das fun-ções de Delegado da Polícia Federal; impossível que em curto espaço de tempo sua personalidade tenha se modificado tanto a ponto de torna-lo inservível para o mesmo cargo, enquanto avaliado em disputa Regional.

Essa situação em que o Poder Público voluntariamente se enredou – confusão causada pela sua incúria em conduzir um concurso com a imprescindível objetividade e transparência na parte da avaliação psico-lógica prevista em lei – torna irrelevante para a defesa do ato impugnado a perícia judicial realizada, bem como mostra a desnecessidade do fazi-mento de outra qualquer perícia.

Enfim, na forma do art. 462 do CPC convém aduzir que a aferição de perfil profissiográfico passou a ser desprezada pelo Poder Público, conforme determina o art. 14, do Decreto nº 6.944/2009.

Assim, o caso é de dar-se guarida ao apelo do autor para a pro-cedência do pedido como formulado no item 2 de fls. 27, assegurando--lhe a continuidade de participação no Concurso Regional, matrícula na Academia Nacional de Polícia/DF e sua posse no cargo almejado desde que seja frutífero seu curso de formação como Delegado da Polícia Fe-deral.

136 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Inverto a sucumbência e condeno as requeridas ao pagamento das custas em reembolso e despesas, bem como dos honorários advocatícios que fixo em dez mil reais (a serem corrigidos na forma da Res. 134/CJF); para isso considero o bom trabalho e o permanente zelo do advogado na condução de uma causa que tramita desde janeiro de 2005.

Ante o exposto, rejeito a matéria preliminar e, no mérito, dou pro-vimento à apelação, com inversão da sucumbência, ratificando-se a tu-tela antecipada.

É como voto.

Johonsom Di Salvo Desembargador Federal

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

6835

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 19.09.2014Apelação/Reexame Necessário nº 0002244‑56.2013.4.03.6100/SP2013.61.00.002244‑1/SP Relatora: Desembargadora Federal Alda BastoApelante: Conselho Regional de Educação Física do Estado de São Paulo – CREF4SPAdvogado: SP220653 Jonatas Francisco ChavesApelado(a): Fabio Shiro OkanoAdvogado: SP120174 Jose Ricardo Valio e outroRemetente: Juízo Federal da 9ª Vara São Paulo Sec. Jud. SPNº Orig.: 00022445620134036100 9ª Vr. São Paulo/SP

emeNtaADMINISTRATIVO – APELAÇÃO – MANDADO DE SEGURANÇA CONSELHO REGIONAL DE EDU-CAÇÃO fÍSICA DE SÃO PAULO – CREf/SP – EXERCÍCIO DA PROfISSÃO DE TÉCNICO DE TÊNIS DE MESA – EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO NO CREf – RESOLUÇÃO CONCEf Nº 45/2002 – ILE-GALIDADE

I – A Lei nº 9.696/1998 não alcança os técnicos/treinadores de modalidade esportiva específica, cuja orientação tem por base a transferência de conhecimento tático e técnico do esporte e não possui relação com a preparação física do atleta profissional ou amador – tampouco, exige que estes sejam inscritos no Conselho Regional de Educação Física para o exercício da profissão. Padece de ilegalidade qualquer ato infralegal que exija a inscrição de técnico/treinador nos quadros do CREF. (Precedentes do C. STJ e desta Corte).

II – Apelação desprovida.

acÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indica-das, decide a Egrégia Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e à apela-ção, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

138 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

São Paulo, 04 de setembro de 2014.

Alda Basto Desembargadora Federal

voto

A Exma. Desembargadora Federal Alda Basto:

Sem razão a impetrante.

A Lei nº 9.696/1998 não alcança os técnicos/treinadores de moda-lidade esportiva, cuja orientação tem por base a transferência de conhe-cimento tático e técnico do esporte e cuja atividade não possui relação com a preparação física do atleta profissional ou amador, como tampou-co exige que estes sejam inscritos no Conselho Regional de Educação Física.

Dessa forma, qualquer ato infralegal no sentido de exigir a inscri-ção no indigitado Conselho Profissional de técnico/treinador de modali-dade esportiva específica padece de ilegalidade.

Nesse sentido, colaciono os precedentes:

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CONSELHOS PROFISSIONAIS – EDUCAÇÃO FÍSICA – ATIVIDADES DIVERSAS (DANÇA, IOGA, ARTES MARCIAIS) INCLUÍDAS NA ATUAÇÃO DO CONSELHO REGIONAL PROFISSIO-NAL POR MEIO DE RESOLUÇÃO DO CONSELHO FEDERAL DE EDU-CAÇÃO FÍSICA – AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO COM A LEI – INEXIS-TÊNCIA DE JULGAMENTO EXTRA OU ULTRA PETITA – ADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA E LEGITIMIDADE DO PARQUET FEDERAL DECIDIDAS COM BASE EM FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 1º E 3º DA LEI Nº 9.696/1998

1. Recurso especial pelo qual o Conselho Regional de Educação Física do Estado do Rio Grande do Sul sustenta a obrigatoriedade de inscri-ção em seus quadros de profissionais diversos, por se considerar que os arts. 1º e 3º da Lei nº 9.696/1998 têm comando normativo suficiente para caracterizar as atividades por eles exercentes como próprias do pro-fissional de educação física. Defendem-se, ainda: (i) a legitimidade do Ministério Público e adequação da ação civil pública; e (ii) a ocorrência de julgamento extra e ultra petita.

2. No caso dos autos, em sede de apelação em ação civil pública mo-vida pelo parquet estadual, o TRF da 4ª Região, entendendo ser ilegal e

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������139

inconstitucional a Resolução nº 46/2002, do Conselho Federal de Educa-ção Física, decidiu não ser possível que o Conselho Regional fiscalizas-se e autuasse aqueles profissionais elencados na referida resolução, em especial os profissionais de dança, ioga, artes marciais e capoeira, sejam professores, ministrantes ou instrutores de tais atividades.

3. O recurso especial não merece ser conhecido, no que se refere à ale-gação de violação da Lei nº 7.347/1985, pois as questões da legitimidade do Ministério Público e da adequação da ação foram decididas, exclusi-vamente, com apoio no art. 129, III, da Constituição Federal.

4. No que pertine à alegação de ocorrência de julgamento extra e ultra petita, o recurso não merece provimento, pois, ante a reconhecida ilega-lidade e inconstitucionalidade da resolução acima mencionada, a Corte de origem estendeu o comando da sentença àqueles que praticassem as atividades nela descritas, de tal sorte que não houve qualquer julgamen-to fora dos limites do que fora pedido pelo Ministério Público, sendo desinfluente o fato de não se ter feito alguma diferenciação a respeito da capoeira ou dos professores, ministrantes ou instrutores das atividades descritas naquela resolução.

5. Quanto aos arts. 1º e 3º da Lei nº 9.696/1998, não se verificam as alegadas violações, porquanto não há neles comando normativo que obrigue a inscrição dos professores e mestres de danças, ioga e artes marciais (karatê, judô, tae-kwon-do, kickboxing, jiu-jitsu, capoeira etc.) nos Conselhos de Educação Física, porquanto, à luz do que dispõe o art. 3º da Lei nº 9.696/1998, essas atividades não são caracterizadas como próprias dos profissionais de educação física.

6. O art. 3º da Lei nº 9.696/1998 não diz quais os profissionais que se consideram exercentes de atividades de educação física, mas, simples-mente, elenca as atribuições dos profissionais de educação física.

7. Subsidiariamente, deve-se anotar que saber, em cada caso, a ativi-dade, principalmente, visada por aqueles profissionais que o recorrente quer ver inscritos em seu quadro, para o fim de verificar-se o exercício de atribuições do profissional de educação física, exige a incursão no acervo fático-probatório, o que é inviável ante o óbice da Súmula nº 7 do STJ.

8. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido.”

(REsp 1012692/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., Julgado em 26.04.2011, DJe 16.05.2011)

“APELAÇÃO – CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE SÃO PAULO – EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE TREINADOR PROFISSIONAL DE FUTEBOL – ART. 3º, I, DA LEI Nº 8.650/1993 – INEXISTÊNCIA DE PROIBIÇÃO OU RESTRITIÇÃO DO DESEMPENHO DA FUNÇÃO DE

140 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

TREINADOR A DETERMINADA CATEGORIA – MERA PREFERÊNCIA AOS GRADUADOS EM CURSO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA – ATIVIDADES TÍPICAS DE TREINADOR NÃO INCLUSAS NO ROL DE COMPETÊNCIAS DO ART. 3º DA LEI Nº 9.696/1998 – SUJEIÇÃO À FIS-CALIZAÇÃO DO CREF4/SP RESTRITA AOS TREINADORES DIPLOMA-DOS EM EDUCAÇÃO FÍSICA E INSCRITOS NA AUTARQUIA

1. Pretende o recorrente obter declaração da necessidade de os Treina-dores Profissionais de Futebol inscreverem-se no Conselho Regional de Educação Física, submetendo-se à fiscalização da autarquia.

2. O art. 3º da Lei nº 8.650/1993 estabelece tão somente preferência, no sentido de ser recomendável o exercício da profissão de treinador de futebol por diplomados em curso de educação física. Também não há na Lei nº 9.696/1998, reguladora da profissão de educação física, qualquer disposição estabelecendo a exclusividade do desempenho da função de treinador por profissionais de educação física.

3. Competindo à lei a regulação de ambas as profissões, verifica-se ine-xistir nos diplomas correspondentes regras que vinculem ou obriguem o técnico de times de futebol a possuir qualquer diploma de nível superior.

4. Pode ou não o Treinador Profissional de Futebol ser graduado em curso superior de Educação Física, e, apenas nesse último caso, deve inscrever-se no Conselho Regional de Educação Física correspondente, sujeitando-se assim à fiscalização da entidade, consoante dispõe o esta-tuto regulador da profissão.

5. Apelação e remessa oficial improvidas.”

(TRF 3ª R., AC 200861000210195, Des. Fed. Mairan Maia, 6ª T., DJF3 CJ1 Data: 16.03.2011, p. 541)

“TRIBUTÁRIO – CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA DO ESTADO DE SÃO PAULO – INSTRUTOR DE ESCALADA – CURSO LI-VRE – NÃO OBRIGATORIEDADE DE INSCRIÇÃO – APELAÇÃO PRO-VIDA

1. Os artigos iniciais da Lei nº 9.696/1998 prevêem quais são as ativida-des em que persiste a obrigatoriedade de inscrição junto ao Conselho. Equivocado o entendimento no sentido de que todas as atividades que envolvam exercícios práticos corporais devam ser fiscalizadas pelo CREF.

2. Os denominados cursos livres, ou seja, aqueles não submetidos às dizeres da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/1996), estão fora do âmbito de atuação privativa do profissional de educação física. É o caso da instrução de escalada.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������141

3. Apelação provida.”

(TRF 3ª R., AC 200961000150920, Juiz Fed. Conv. Ricardo China, 3ª T., DJF3 CJ1 Data: 02.09.2011)

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA – LEI Nº 9.696/1.998 – RESOLUÇÃO CONFEA Nº 46/2002 – EXIGÊNCIA DE INSCRIÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE AR-TES MARCIAIS – INVIABILIDADE

Remessa oficial tida por submetida, nos termos do art. 475, inciso I, do CPC.

O inciso XIII, do art. 5º, da CF/1988, que dispõe ser ‘livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profis-sionais que a lei estabelecer’. Tratando-se de norma de eficácia contida, apenas a lei, e não um ato normativo inferior a ela, poderia impor condi-ções ao livre exercício de qualquer profissão.

A Resolução Confef nº 46/2002 extrapolou o exercício do poder regula-mentar, descrevendo atividades às quais não estão identificadas com a formação do profissional de educação física. Precedentes.

A Lei Paulista nº 9.039/1994 trata especificamente das modalidades des-portivas de artes marciais.

O seu art. 3º permite que o estabelecimento seja supervisionado por um ‘técnico credenciado pela respectiva Federação Estadual’, não havendo necessidade de registro no CREF4/SP.

Apelação a que se nega provimento.”

(TRF 3ª R., AC 200361000166901, Des. Fed. Márcio Moraes, 3ª T., DJF3 CJ1 Data: 23.03.2010, p. 359)

“PROCESSO CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – CONSELHO RE-GIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA – AULA DE BALLET E JAZZ – DESO-BRIGATORIEDADE DO REGISTRO – LEIS NºS 9.696/1998 E 6.533/1978

I – Tem-se como havida a remessa oficial no caso de concessão da ordem de segurança, nos termos do parágrafo único do art. 12 da Lei nº 1.533/1951, vigente à época da impetração.

II – Nos termos do art. 2º da Lei nº 9.696/1998, que dispõe sobre a profis-são de Educação Física e cria o Conselho Federal e os Conselhos Regio-nais de Educação Física, apenas serão inscritos nos quadros da profissão: ‘I – os possuidores de diploma obtido em curso de Educação Física, ofi-cialmente autorizado ou reconhecido; II – os possuidores de diploma em Educação Física expedido por instituição de ensino superior estrangeira,

142 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

revalidado na forma da legislação em vigor; III – os que, até a data do início da vigência desta Lei, tenham comprovadamente exercido ativi-dades próprias dos Profissionais de Educação Física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Física’.

III – O art. 3º da lei sobredita, por seu turno, evidencia a área de atua-ção dos profissionais da Educação Física, in verbis: ‘Art. 3º – Compete ao Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, su-pervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar informes téc-nicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto’.

IV – Os documentos acostados pelas apeladas demonstram que elas são instrutoras de dança, com vários certificados nas modalidades de ballet clássico e jazz, atividades mais relacionadas à cultura do que ao condicionamento físico. Executam, portanto, atividades previstas na Lei nº 6.53319/73, regulamentada pelo Decreto nº 82.385/1978, que não estão sujeitas à fiscalização pelo Conselho Regional de Educação Física.

V – A atividade de dança não é exclusiva do profissional de Educação Física e nem lhe é inerente. Não se olvida que este profissional, desde que devidamente capacitado, possuidor de conhecimentos que não são adquiridos nos bancos acadêmicos, pode ministrar aula de ballet e jazz. Porém, não se cuida de um trabalho que lhe é peculiar, podendo essas atividades serem oferecidas por outros profissionais que não sejam gra-duados em Educação Física.

VI – Precedentes.

VII – Apelação e remessa oficial, havida por submetida, improvidas.”

(TRF 3ª R., AMS 200361140079971, Desª Fed. Cecilia Marcondes, 3ª T., DJF3 CJ1 Data: 01.12.2009, p. 90)

No tocante à alegação de que a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa exige inscrição dos técnicos no CREF, a questão extrapola o objeto do mandado de segurança, uma vez que esta não integra a lide.

Destarte, as razões recursais não infirmam a sentença recorrida.

Ante o exposto, nego provimento à remessa oficial e à apelação.

Alda Basto Desembargadora Federal

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������143

relatÓrio

A Exma. Desembargadora Federal Alda Basto:

Trata-se de remessa oficial e apelação interposta por Conselho Regional de Educação Física do Estado de São Paulo – CREF4SP, em face de sentença proferida em mandado de segurança que assegurou o impetrante o direito a exercer a atividade de técnico de tênis de mesa, independentemente de registro no CREF4SP.

Em suas razões de inconformismo, aduz o Conselho recorrente que o registro no sistema Confef/CREF constitui requisito essência para exercer a atividade de técnico de tênis de mesa, conforme determina a Confederação Brasileira de Tênis de Mesa.

Aduz que a o art. 3º da Lei nº 9.696/1998 estabelece que qualquer treinamento na área de desporto deve ser ministrado por profissional de educação física.

“Art. 3º Compete ao Profissional de Educação Física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e executar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar in-formes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto.”

Afirma a legalidade da Resolução Concef nº 45/2002.

Contrarrazões apresentadas.

O representante do Ministério Público Federal opina pelo despro-vimento do recurso.

É o relatório.

Dispensada a revisão.

Alda Basto Desembargadora Federal

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

6836

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoReexame Necessário Cível nº 5010142‑77.2011.404.7102/RSRelator: Fernando Quadros da SilvaParte Autora: Vanessa Domingues MorschbacherAdvogado: Camila Machado UmpierreParte ré: Universidade Federal de Santa Maria – UFSMMPF: Ministério Público Federal

emeNtaADMINISTRATIVO – REEXAME NECESSÁRIO – DOUTORADO – EXTRAPOLAÇÃO DO PRAZO PARA CONCLUSÃO – PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE

1. O desligamento da parte autora do curso de doutorado de quí-mica, no contexto fático apresentado, mostra-se desproporcional à finalidade pretendida, uma vez que representaria consequência excessivamente onerosa tanto para o aluno quanto para a Univer-sidade, implicando a perda do ensino ministrado.

2. Pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, fundamentados nos mesmos preceitos dos princípios da legalidade e finalidade (arts. 5º, II, LXIX, 37 e 84 da CF/1988), as exigências administrativas devem ser aptas a cumprir os fins a que se destinam.

acÓrdÃo

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indi-cadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial, nos ter-mos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 17 de setembro de 2014.

Des. Federal Fernando Quadros da Silva Relator

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������145

relatÓrio

Trata-se de reexame necessário a que se sujeita sentença que jul-gou procedente a pretensão para o efeito de assegurar à parte autora a apresentação da tese de doutorado “Bário em soluções de nutrição parental: origem, níveis de contaminação e avaliação da distribuição no organismo em modelo animal”, e condenou a UFSM ao pagamento da verba honorária no valor de R$ 1.000,00, a ser corrigido até o pagamen-to pelos índices utilizados na Justiça Federal.

Sem recurso, subiram os autos a esta E. Corte.

O Ministério Público Federal opina pelo desprovimento da remes-sa oficial.

É o relatório.

Des. Federal Fernando Quadros da Silva Relator

voto

A r. sentença, proferida pela Juíza Federal Sinome Barbisan Fortes, apreciou a lide nos seguintes termos, verbis (evento 26 – SENT1):

“Por ocasião da análise do pedido antecipatório de tutela, assim se mani-festou este juízo(Evento 3):

É sabido que, para o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela ju-risdicional pretendida pela demandante, é mister que o Juiz se convença da verossimilhança da alegação, com base na prova inequívoca do direi-to do autor, além de se fazer necessária a presença do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, conforme reza o art. 273, caput e inciso I, do estatuto processual civil brasileiro.

Postas tais premissas, passo a deliberar.

A questão narrada na inicial merece ser observada à luz do princípio da segurança jurídica.

É forte na doutrina o entendimento que a segurança jurídica está inti-mamente relacionada ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada, preconizados no art. 5º, inciso XXXVI, da CF, e no art. 6º da LICC. Nesse sentido, CANOTILHO, Direito Constitucional, 1995, p. 373, afirma que:

146 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Os princípios da protecção da confiança e da segurança jurídica po-dem formular-se assim: o cidadão deve poder confiar em que aos seus actos ou às decisões públicas incidentes sobre os seus direitos, posições jurídicas e relações, praticados ou tomadas de acordo com as normas jurídicas vigentes, se ligam os efeitos jurídicos duradouros, previstos ou calculados com base nessas mesmas normas. Estes prin-cípios apontam basicamente para: (1) a proibição de leis retroactivas; (2) a inalterabilidade do caso julgado; (3) a tendencial irrevogabilida-de de actos administrativos constitutivos de direitos.

Assevera ainda o referido autor que as ideias nucleares do princípio da segurança jurídica desenvolvem-se em torno de dois conceitos (idem, p. 380):

(1) estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica: uma vez adaptadas, na forma e procedimento legalmente exigidos, as deci-sões estaduais não devem poder ser arbitrariamente modificadas, sendo apenas razoável alteração das mesmas quando ocorram pressupostos materiais particularmente relevantes.

(2) previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurí-dica que, fundamentalmente, se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos, em relação aos efeitos jurídicos dos actos normativos.

Segundo Luís Roberto Barroso (Interpretação e aplicação da Constitui-ção: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora, 2004, p. 352):

O sistema jurídico ideal se consubstancia em uma distribuição equi-librada de regras e princípios, nos quais as regras desempenham o papel referente à segurança jurídica – previsibilidade e objetividade das condutas – e os princípios, com sua flexibilidade, dão margem à realização da justiça no caso concreto.

Por fim, com peculiar clareza, José dos Santos Carvalho Filho (Processo Administrativo Federal, 2005, p. 255) leciona que ‘A correção do ato ad-ministrativo através da anulação não fica sempre a critério da Administra-ção. Há certas situações fáticas que produzem obstáculos ou barreiras à anulação. Uma delas consiste na consolidação de determinada situação decorrente do ato viciado: se os efeitos desse ato já acarretaram muitas alterações no mundo jurídico, consolidando certa situação de fato, a sub-sistência do ato, mesmo inquinado de irregularidades, atende mais ao interesse público do que seu desfazimento pela anulação’.

Em síntese, conforme se observa do entendimento doutrinário acerca do tema, segurança jurídica tem o significado de previsibilidade das deci-

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������147

sões e atos estatais e confiança na estabilidade da situação jurídica con-solidada do cidadão/administrado, exigindo-se, por óbvio, boa-fé deste.

No caso concreto, a autora matriculou-se normalmente no doutorado em Química no segundo semestre de 2011 (COMP7, evento 1), na discipli-na elaboração defesa/doutorado, de modo que o ato administrativo que negou a defesa da tese com base no decurso do prazo limite certamente desestabilizou a situação jurídica da autora, gerando desconfiança em relação aos atos estatais, o que, por óbvio, vai de encontro ao princípio da segurança jurídica e, por isso, deve ser sanado judicialmente.

De outro lado, a boa-fé da demandante é perfeitamente aferível, ainda que preliminar e precariamente, uma vez que agiu esteada na aparente legalidade de sua posição perante a ré. Ora, se lhe foi permitida a matrí-cula no último semestre, embora já decorrido o prazo regimental para a conclusão do curso, é porque sua situação frente à UFSM parecia regular.

É importante lembrar, de outro lado, que a Administração não sofrerá prejuízo algum com a presente decisão, proferida antecipadamente, pois, em processo idêntico a este (Mandado de Segurança nº 5000045-81.2012.404.7102), a UFSM manifestou-se antes do julgamento do pedi-do liminar, afirmando que, em situações como aquela – similar a esta – é mais favorável à UFSM e ao Programa de Pós-Graduação em Química a conclusão do curso do que o desligamento prematuro da doutoranda.

O periculum in mora está presente, pois, embora já passada a data em que seria apresentado o trabalho final (21.12.2011), é certo que aguardar a sentença pode prejudicar a defesa da tese (algumas informações podem se perder com o decurso do tempo).

Desta feita, há plausibilidade nas alegações da autora, merecendo deferi-mento o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, porquanto presen-tes os requisitos legais para tanto.

Decisão.

Ante o exposto, defiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela para permitir à autora que defenda sua tese de doutorado tão-logo seja pos-sível constituir a banca examinadora. Em caso de aprovação, deverá a UFSM emitir o correspondente título acadêmico.

Não vejo razões para alterar o entendimento acima, o qual, em prestígio à síntese, adoto como razões de decidir.

Dos honorários contratuais

A parte autora requer o ressarcimento de honorários contratuais de sua procuradora, haja vista a prática de ato injustificado pela Autarquia-ré, ato este que gerou a necessidade do ajuizamento desta ação.

148 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Sobre a matéria, disciplina a Lei nº 8.906/1994, Estatuto da Advocacia e Ordem dos Advogados do Brasil (OAB):

Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbi-tramento judicial e aos de sucumbência.

§ 1º O advogado, quando indicado para patrocinar causa de juridica-mente necessitado, no caso de impossibilidade da Defensoria Pública no local da prestação de serviço, tem direito aos honorários fixados pelo juiz, segundo tabela organizada pelo Conselho Seccional da OAB, e pagos pelo Estado.

§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se este provar que já os pagou.

O que extrai-se do dispositivo retro é que os honorários contratuais são deduzidos da valor total da condenação, portanto, pagos indiretamente pelo autor. Há de se destacar que o contrato particular é de livre e restrita estipulação das partes, inclusive no tocante a valores, não cabendo ao réu, pessoa alheia ao pacto, o comprometimento por sua quitação, sob pena de violação do princípio da razoabilidade.

O dever de pagamento de despesas processuais pelo réu, em razão de ter ensejado o ajuizamento da ação, limita-se aos honorários de sucum-bência fixados pelo juiz e às custas de tramitação regular da demanda.

Desta forma, improcede o pedido.”

Assim, tenho que o desligamento da autora do curso de doutorado, no contexto fático apresentado, mostra-se desproporcional à finalidade pretendida, uma vez que representaria consequência excessivamente onerosa tanto para o aluno quanto para a Universidade, implicando a perda do ensino ministrado.

Pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, fundamen-tados nos mesmos preceitos dos princípios da legalidade e finalidade (arts. 5º, II, LXIX, 37 e 84 da CF/1988), as exigências administrativas devem ser aptas a cumprir os fins a que se destinam. Desta forma, a ma-nutenção da sentença de procedência é medida que se impõe.

Neste sentido destaco precedentes da Corte.

ADMINISTRATIVO – DOUTORADO EM AGRONOMIA – DESLIGA-MENTO DO CURSO – ANULAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO – DI-

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������149

REITO DA AUTORA DE CONCLUIR O CURSO NO PRAZO DE OITO MESES – RAZOABILIDADE – O desligamento da autora do curso de Pós--Graduação em Agronomia representaria uma consequência onerosa para ambos os litigantes, implicando perda total do conteúdo ministrado por instituição federal de ensino superior. A pretensão da UFSM de não permitir que a autora utilize o tempo faltante- oito meses-, previsto no re-gulamento do curso, para finalizar as etapas necessárias para a obtenção do grau de Doutora não é razoável, de modo que a sentença merece ser mantida por seus próprios fundamentos.

(TRF 4ª R. Apelação Cível nº 2007.71.02.007092-4, 3ª T., Desª Fed. Ma-ria Lúcia Luz Leiria, por unanimidade, DE 05.08.2010)

ADMINISTRATIVO – ENSINO SUPERIOR – REMATRÍCULA – PERDA DE PRAZO – MOTIVOS JUSTIFICADOS – RAZOABILIDADE E PRO-PORCIONALIDADE – ILEGALIDADE – Pelo princípio da razoabilidade, que se fundamenta nos mesmos preceitos dos princípios da legalidade e finalidade (arts. 5º, II, LXIX, 37 e 84 da CF/1988), as exigências adminis-trativas devem ser aptas a cumprir os fins a que se destinam. O ato da autoridade coatora mostra-se desproporcional à finalidade pretendida, já que o atraso de apenas alguns dias na formalização da matrícula e con-sequente pagamento não deve ensejar tão grave prejuízo ao impetrante. Comprovado pelo impetrante o fato impeditivo da efetivação da matrí-cula em tempo hábil, impõe-se seja a mesma realizada fora do prazo regulamentar.

(TRF 4ª R., Apelação/Reexame Necessário nº 2007.70.00.024730-0, 3ª T., Des. Fed. Fernando Quadros da Silva, por unanimidade, DE 29.04.2010)

Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa oficial.

Des. Fed. Fernando Quadros da Silva Relator

eXtrato de ata da sessÃo de 17.09.2014

Reexame Necessário Cível nº 5010142-77.2011.404.7102/RS

Origem: RS 50101427720114047102

Relator: Des. Fed. Fernando Quadros da Silva

Presidente: Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

150 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Procurador: Dr(a)Jorge Luiz Gasparini da Silva

Parte Autora: Vanessa Domingues Morschbacher

Advogado: Camila Machado Umpierre

Parte Ré: Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

MPF: Ministério Público Federal

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17.09.2014, na sequência 310, disponibilizada no DE de 04.09.2014, da qual foi intimado(a) o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Fe-derais.

Certifico que o(a) 3ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A turma, por unanimidade, decidiu negar provimento à remessa oficial.

Relator Acórdão: Des. Federal Fernando Quadros da SilvaVotante(s): Des. Fed. Fernando Quadros da Silva

Desª Fed. Vivian Josete Pantaleão Caminha Des. Fed. Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Ausente(s): Desª Fed. Marga Inge Barth Tessler

Letícia Pereira Carello Diretora de Secretaria

Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

6837

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoJustiça FederalGabinete do Desembargador Federal Vladimir Souza CarvalhoAC 566936/CE (0014406‑14.2011.4.05.8100)Apte.: UniãoApdo.: Espedita Morais dos Santos SouzaAdv./Proc.: Antonio Leite Tavares e outrosOrigem: 16ª Vara Federal do Ceará (Competente p/Execuções Penais)Relator: Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho

emeNta

Administrativo e processual civil. Apelação contra sentença que cancelou três autuações de trânsito, lavradas por agentes da Polí-cia Rodoviária Federal em desfavor da parte autora, proprietária de motocicleta. De acordo com a sentença recorrida, das sete autua- ções de trânsito aplicadas à apelada, proprietária da motocicleta de placa NQZ 1757, marca Honda, modelo Biz 125-ES, três delas 215115619, 215112539 e 215112709, ocorrem no mesmo dia, sendo, em verdade, dupla punição administrativa em decorrência do mesmo evento, aplicando o princípio do bis in idem, consentâ-neo ao Direito Penal à seara do Direito Administrativo.

Toda a alegação da parte autora, fulcrada, exclusivamente, no in-comprovado álibi de não poder estar presente no momento dos fatos, face a presunção de legitimidade e veracidade dos atos ad-ministrativos, é relegada a segundo plano diante da posição assu-mida pelo douto Juízo.

De acordo com o édito recorrido, em menos de uma hora, a parte autora foi multada três vezes por condução de motocicleta sem capacete. Ocorre que as aludidas infrações foram aplicadas por agentes em horas e sentidos de tráfego diferentes, sendo portanto, infrações distintas, não se podendo falar em singularidade, muito menos ocorrência de bis in idem, absolutamente inaplicável ao caso concreto.

152 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

A não ser por esse motivo, agora afastado, a parte autora não lo-grou demonstrar qualquer mácula aos atos da autoridade admi-nistrativa, tendo em vista que tais atos gozam de presunção de legitimidade e auto-executoriedade, não cumprindo o ônus im-posto de demonstrar qualquer ilegalidade ou irregularidade na sua lavratura.

Apelação provida.

acÓrdÃo

Vistos, etc.

Decide a Egrégia Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por maioria, dar provimento à apelação, nos termos do rela-tório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos.

Recife, 16 de setembro de 2014 (data do Julgamento).

Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho Relator

relatÓrio

O desembargador federal Vladimir Souza Carvalho: Apelação in-terposta pela União, a desafiar sentença do Juízo Federal da 16ª Vara, sediado em Limoeiro do Norte, que julgou parcialmente proceden-tes o pedido autoral, determinando que a ré, através da Polícia Rodo-viária Federal, proceda ao cancelamento das autuações de trânsito nºs 215115619, 215112539 e 215112709.

Segundo os autos, a apelada possui uma motocicleta de placa NQZ 1757, marca Honda, modelo Biz 125-ES, no entanto, por não sa-ber conduzi-la, tem um motorista que a transporta para o trabalho dia-riamente, entre 7h e 11h da manhã, e 13h e 17h da tarde. Assevera, então, que no dia 1º de abril de 2011 foram lavrados os autos de infração de nº 215115856, 215112539, 215115619, 2151155783, 215112709, 215116879 e 215116697 pela Polícia Rodoviária Federal – PRF por di-versas irregularidades administrativas na condução sua motocicleta. To-davia, segundo ela, o agente policial autuador agiu em nítido equívoco, já que sua motocicleta estava guardada enquanto trabalhava. Conclui

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA ���������������������������������������������������������153

afirmando que está evidenciado que a redação condita nos diversos au-tos de infração é um amontoado de alegações falsas e inexistentes, pois sequer foram identificados o motorista e o passageiro transportados pelo veículo de sua propriedade, fls. 147-148.

Entendeu a sentença recorrida, que autuada sete vezes por infrações de trânsito declinadas nos autos de infração 215115856, 215112539, 215115619, 2151155783, 215112709, 215116879 e 215116697, la-vrados pela Polícia Rodoviária Federal, não se lhe conseguindo demons-trar o ônus pela parte autuada, ora apelada, de em relação à maioria de-les, que padeçam de qualquer vício de forma, finalidade, ou praticados com abuso de poder ou desvio de finalidade.

E entretanto, em relação a três deles, em especial, aos de número 215115619, 215112539 e 215112709, entendeu que houve duplicida-de nas punições infligidas, não se podendo punir duas vezes a mesma pessoa pelo mesmo evento singular, numa aplicação do princípio de vedação ao bis in idem, do Direito Penal, perfeitamente inerente ao Di-reito Administrativo.

Em seu recurso, a União alega que autuações impostas, reputadas dúplices pelo douto Juízo, não foram singulares, porém decorrentes de fatos distintos, ocorridos no mesmo dia, em tempos diferentes e direções opostas, não logrando a parte autora demonstrar qualquer razão fática ou jurídica apta à infirmá-los, fls. 179-188.

Não foram apresentadas contrarrazões, f. 190v.

É o relatório.

voto

O desembargador federal Vladimir Souza Carvalho: Apelação in-terposta pela União, a desafiar sentença do Juízo Federal da 16ª Vara, sediado em Limoeiro do Norte, que julgou parcialmente procedentes o pedido autoral, determinando que a ré, através da Polícia Rodoviária Fe-deral, proceda ao cancelamento das autuações de trânsito 215115619, 215112539 e 215112709.

De acordo com a sentença recorrida, das sete autuações de transi-to aplicada à apelada, proprietária da motocicleta de placa NQZ 1757, marca Honda, modelo Biz 125-ES, três delas 215115619, 215112539 e

154 �����������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

215112709, ocorrem no mesmo dia sendo, em verdade, dupla punição administrativa em decorrência do mesmo evento, aplicando o princípio do bis in idem, consentâneo ao Direito Penal à seara do Direito Admi-nistrativo.

Toda a alegação da parte autora, fulcrada, exclusivamente, no in-comprovado álibi de não poder estar presente no momento dos fatos, face a presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrati-vos, é relegada a segundo plano diante da posição assumida pelo douto Juízo.

Com as devidas vênias votadas à decisão recorrida, entretanto, penso assistir razão à apelante.

De acordo com o édito recorrido, em menos de um hora, a parte autora foi multada três vezes por condução de motocicleta sem capace-te. Ocorre que as aludidas infrações foram aplicadas por agentes em ho-ras e sentidos de tráfego diferentes, sendo, portanto, infrações distintas, não se podendo falar em singularidade, muito menos ocorrência de bis in idem, absolutamente inaplicável ao caso concreto.

A não ser por esse motivo, agora afastado, a parte autora não lo-grou demonstrar qualquer mácula aos atos da autoridade administrati-va, tendo em vista que tais atos gozam de presunção de legitimidade e auto-executoriedade, não cumprindo o ônus imposto de demonstrar qualquer ilegalidade ou irregularidade na sua lavratura.

Por este entender, dou provimento à apelação.

É como voto.

Parte Geral – Ementário de Jurisprudência6838 – Agência reguladora – Anvisa – fiscalização de navios – servidores – greve – serviço

público essencial – manutenção

“Administrativo. Mandado de segurança. Fiscalização de navios. Greve dos servidores da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Serviço público essencial. Manutenção. 1. A jurisprudência desta Corte orienta-se no sentido de que o exercício do direito de greve dos servidores públicos, garantido constitucionalmente, deve resguardar os serviços públicos essenciais, como é o caso das atividades de fiscalização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) voltadas à expedição de Certificado de Livre Prática para navios. 2. Remessa oficial a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – RN 0008735-70.2008.4.01.3300 – Rel. Des. Fed. João Batista Moreira – DJe 23.09.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RSDA nº 100, abr./2014, ementa nº 6378, no mesmo sentido.

6839 – Ato administrativo – multas aplicadas pelo Procon – exigibilidade – suspensão – impossibilidade

“Agravo de instrumento. Ação anulatória de ato administrativo. Pleito de suspensão da exi-gibilidade de multas administrativas aplicadas pelo Procon. Impossibilidade de verificação, em sede de agravo, dos possíveis vícios existentes no processo administrativo. Presunção de veracidade e legalidade dos atos. Ausência do fumus boni iuris e do periculum in mora. Re-curso conhecido e desprovido. Ainda que a agravante aduza que a pretensão punitiva em que se baseia a decisão sancionatória da administração (Procon) no procedimento administrativo esteja cheia de vícios, não é possível aferir, em juízo de cognição sumária inerente ao agra-vo, as supostas ilegalidades havidas no procedimento administrativo. Razão pela qual, deve prevalecer, por ora, a legalidade e a veracidade dos atos administrativos que corroboraram na aplicação das multas administrativas impostas. Não há como entender pela existência de dano irreparável e de difícil reparação a justificar a concessão da tutela de urgência quando há a possibilidade de a agravante evitar uma possível inscrição em dívida ativa com o depósi-to judicial da multa até o término da demanda.” (TJPR – AI 1235878-2 – 5ª C.Cív. – Rel. Des. Luiz Mateus de Lima – DJe 23.10.2014)

6840 – Autorização – terreno de marinha – construção – bem de uso comum do povo – invasão – não caracterização

“Administrativo. Autorização para construir em terreno de marinha. Invasão em bem de uso comum do povo não caracterizada. Embargo de muro em construção. Impossibilidade. 1. A Lei nº 7.661/1988 estabelece, no § 3º do art. 10, a definição do conceito de praia como sendo ‘a área coberta e descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece outro ecossistema’. 2. Hipótese na qual o apelado adquiriu terreno localizado na beira mar da Praia de Búzios/RN e iniciou a rea-lização de obra de construção de um condomínio, erguendo na parte da frente um muro, cuja construção foi embargada pela Secretaria de Patrimônio da União. 3. A área ocupada pelo Condomínio já foi objeto de vistoria pela SPU, tendo sua regularidade atestada na década de

156 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

1980, quando já existia um muro construído, o qual se encontra mais à frente e próximo do mar que o novo muro em construção. 4. A SPU, entendeu ser a construção irregular, uma vez que impede a passagem das pessoas na faixa de praia, pois a água do mar, em certos momen-tos, bate no muro, o que resultou no embargo da construção, bem como na determinação de um recuo de aproximadamente 8 (oito) metros na área construída. 5. Observando que a área existe desde a década de 1980, quando sua construção foi regularizada pela SPU, obtendo todas as autorizações para construir em terreno de marinha, e que o apelado está realizando obras que não aumentam a área anteriormente construída, mas, do contrário, implicam um recuo de aproximadamente 1 (um) metro, não cabe considerar a obra como irregular. 6. Ape-lação desprovida.” (TRF 5ª R. – AC 0006740-95.2012.4.05.8400 – (560862/RN) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel – DJe 22.10.2014)

6841 – Concurso público – candidato – ordem de classificação – preterição – salários e vantagens de carreira – ressarcimento – descabimento

“Administrativo. Concurso público. Candidato preterido na ordem de classificação. Efeitos patrimoniais. Indenização fundada no ressarcimento de salários e vantagens da carreira. Des-cabimento. Ausência de efetivo exercício do cargo. Enriquecimento sem causa. 1. O enten-dimento do sodalício a quo não está em sintonia com a orientação do STJ de não ser devida a candidato aprovado em concurso público. Indenização pelo tempo em que se aguardou a solução judicial definitiva sobre sua nomeação, pois o retardamento não configura preterição ou ato ilegítimo da Administração Pública a justificar contrapartida indenizatória. 2. A deci-são do Tribunal de origem também não se harmoniza com o hodierno posicionamento do STJ de que o pagamento de remuneração a servidor público e o reconhecimento de efeitos funcionais pressupõem efetivo exercício do cargo, sob pena de enriquecimento sem causa. 3. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.455.427 – (2014/0120848-1) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 25.09.2014)

6842 – Concurso público – delegado da polícia civil – questão – assunto não previsto no edital – anulação

“Agravo. Decisão terminativa. Concurso delegado da polícia civil. Anulação de questão. As-sunto não previsto no edital. Recurso desprovido. Decisão unânime. 1. A ação ordinária foi proposta visando a anulação das questões de nºs 49 e 68 da Prova Objetiva Tipo 07 no con-curso realizado em 2006 para o cargo de Delegado de Polícia, alegando que a de nº 49 exigiu assunto que não consta no edital e a de nº 68 não tinha resposta correta. 2. A sentença mono-crática havia extinguido o feito, sem resolução do mérito, por entender ausente o interesse de agir. 3. A decisão combatida anulou a sentença monocrática e, como a causa encontrava-se madura para julgamento, foi aplicado o art. 515, § 3º, do CPC, o qual permite que o Tribunal julgue a lide se a causa versar unicamente de questão de direito, nos casos em que houver extinção do processo sem julgamento do mérito e que a causa estiver madura para julga-mento. 4. Determinou a anulação da questão nº 49 da Prova do Concurso de Delegado da Polícia Civil, pois o assunto cobrado não se encontrava previsto no edital, consubstanciada no entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que ‘o Poder Judiciário pode examinar se a questão objetiva em concurso público foi elaborada de acordo com o conteúdo programático previsto no edital do certame, pois tal proceder constitui aspecto relacionado ao princípio da

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������157

legalidade, e não ao mérito administrativo’. 5. A questão em análise já foi anulada, inclusive, por esta Corte de Justiça, em outras ações, através das 1ª e 2ª Câmaras de Direito Público, por ter exigido conhecimento não previsto no edital infringindo, pois, o princípio da vinculação ao instrumento convocatório. 6. Cabe à Comissão do concurso analisar se, com a anulação da questão, a autora subiria de colocação no concurso e seria nomeada em momento an-terior. 7. Importante frisar que a demandante, ora agravada, já exerce o cargo de Delegado de Polícia, conforme informação no site da ADEPPE – Associação dos Delegados de Polícia de Pernambuco. 8. Ademais, no presente caso, a autora pugnou, na inicial, pela anulação de duas questões da prova, sendo que só uma merecia ser anulada, de forma que cabível a sucumbência recíproca, devendo cada parte arcar com as custas despendidas. 9. Recurso desprovido.” (TJPE – Ag-Ap 0017422-59.2008.8.17.0001 – 1ª CDPúb. – Rel. Des. Conv. José Ivo de Paula Guimarães – DJe 22.09.2014)

6843 – Contrato administrativo – execução – atraso injustificado – multa – aplicação – pos­sibilidade – pagamentos devidos – retenção – descabimento

“Administrativo. Contrato administrativo. Atraso na execução contratual injustificada. Penali-dade de multa. Possibilidade. Retenção dos pagamentos devidos ao apelante. Descabimento. Remessa e apelação cível desprovidas. 1. A presente questão cinge-se sobre a legalidade da sanção de multa imposta ao apelante, devido ao descumprimento do prazo inicial da execu-ção do Contrato Administrativo nº 066/2012, celebrado com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, cujo objeto é a contratação de serviço de transporte urbano de cargas. 2. O apelante aduz que não iniciou a execução contratual no prazo acordado devido a fatos alheios à sua vontade. Argumenta que o grande aumento nas vendas dos automóveis que seriam usados para o serviço licitado, provocado pela redução do IPI e acentuada queda nas taxas de juros de financiamento, culminou no atraso nas entregas dos veículos pelos fornece-dores. Diante disso, o contratado não conseguiu iniciar a execução do serviço na data acor-dada, requerendo a dilação do prazo inicial da indigitada atividade de transporte de cargas. 3. A alegação de descumprimento de cláusula contratual, devido às dificuldades encontradas pelo contratado, não merece acolhida. O requerente tinha conhecimento das especificações contratuais, quando decidiu participar do certame licitatório. Eventuais dificuldades existentes deveriam ter sido devidamente mensuradas no momento da inscrição na licitação, o que de fato não ocorreu. 4. Com o atraso na execução contratual, a contratante impôs pena de multa a empresa contratada, sendo certo que, não ocorrendo nenhuma irregularidade e estando a pe-nalidade dentro dos limites da razoabilidade, não cabe o Poder Judiciário se imiscuir no mérito administrativo da punição imposta. Penalidade de multa, neste caso, possui previsão contratual e autorização legal, conforme arts. 86 e 87 da Lei nº 8.666/1993. 5. Cabe reconhecer a ilega-lidade da retenção dos pagamentos devidos ao recorrente, ante os termos do art. 86, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.666/1993, que somente admite tal medida quando a multa ultrapassar o valor da garantia prestada. 6. Remessa necessária e apelação cível desprovidas.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2013.51.01.110634-0 – (609365) – 8ª T.Esp. – Rel. Guilherme Diefenthaeler – DJe 23.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de apelação cível interposta pelo Grupo Winginesk Ltda. – EPP contra sentença que julgou parcialmente procedente o mandamus em face de ato do Diretor Regional da

158 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, afirmando ser legal a sanção imposta ao apelante, devendo a apelada se abster de reter os pagamentos dos serviços prestados no âmbito do Contrato Administrativo nº 066/2012. O objeto da contratação era o ser-viço de transporte urbano de cargas.

O apelante, em suas razões, sustenta que não conseguiu cumprir os prazos contratuais por razões alheias à sua vontade, eis que os veículos comprados foram entregues com atraso pelos fabricantes. Enfatiza que há amparo legal para o pedido de prorrogação do prazo de início da execução do objeto contrato. Ao final, afirma que há falta de propor-cionalidade e razoabilidade na aplicação de pena de multa.

Ao analisar o recurso, a 8ª Turma Especializada do TRF 2ª Região entendeu que os argumentos da apelante não merecem acolhimento, pois a mesma não apresentou justi-ficativas plausíveis para o descumprimento da cláusula contratual. Além disso, o próprio contrato trazia a previsão da aplicação de multa, em caso de atraso na execução.

Não bastasse isso, a própria Lei nº 8.666/1993 prevê, no seu art. 86, in verbis, a pena-lidade de multa em caso de demora no adimplemento do acordo celebrado:

“Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato.

§ 1º A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilate-ralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei.

§ 2º A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garan-tia do respectivo contratado.

§ 3º Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judi-cialmente.”

Em seu voto, o Relator assim se manifestou:

“[...] O aquecimento nas vendas de automóveis já era fato notório antes mesmo do procedimento licitatório, não sendo motivo que justifique a dilação do prazo dos serviços a serem prestados. Nesse ponto, bem destaca o Juiz a quo (fl. 204): ‘A justificativa adu-zida para a demora no início do serviço contratado não foi suficiente para caracterizar a imprevisibilidade do evento ou a sua ausência de culpa, eis que a redução da alíquota do IPI incidente sobre os veículos automotores e a acentuada queda nas taxas de juros dos financiamentos foi amplamente divulgada pela imprensa, em período anterior à licitação que resultou na contratação em pauta’.

Ademais, as duas propostas de orçamento foram feitas em 18.07.2012 e 02.08.2012 (fls. 135/140), ou seja, um mês após o início da vigência do contrato, o que seria um dos motivos da impossibilidade da entrega dos bens em tempo hábil.

O apelante tinha conhecimento das especificações contratuais, quando decidiu partici-par do certame licitatório. Eventuais dificuldades existentes deveriam ter sido devida-mente mensuradas no momento da inscrição na licitação, o que de fato não ocorreu. O que se vislumbra é um mau planejamento da empresa, pois não procurou conhecer, de antemão, possíveis problemas para o cumprimento contratual. Tal fato ainda gerou dano ao contratante, que teve que arcar com os custos dos transportes de suas cargas nesse período em que houve o indigitado inadimplemento contratual.

[...]

No presente caso, com o atraso na execução contratual, a contratante impôs pena de multa à recorrente, sendo certo que, não ocorrendo nenhuma irregularidade e estando a penalidade dentro dos limites da razoabilidade, não cabe ao Poder Judiciário se imiscuir no mérito administrativo da punição imposta de forma proporcional e razoável, tendo

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������159

como base a cláusula oitava, itens 8.1.2.1, ‘b’, e 8.1.2.2, ‘a’, do indigitado contrato (fl. 156/157):

‘8.1.2. Multa: Aplicada nos seguintes casos:

8.1.2.1. Multa de mora:

b) Atraso injustificado no início da execução dos serviços contratados em relação ao prazo fixado nas condições Específicas deste Instrumento: 0,1% (um décimo por cento) sobre o valor global atualizado deste Instrumento, por dia de atraso, até o limite de 30 (trinta) dias úteis;

[...].’

‘8.1.2.2. Demais Multas:

a) Por inexecução do serviço contratado, caracterizado após o limite de prazo constante na alínea b, do subitem 8.1.2.1 deste instrumento: 10% (dez por cento) sobre o valor global atualizado deste instrumento, quando poderá ensejar a rescisão contratual;

[...].’”

6844 – Convênio – evento literário – realização – licitação – inexigibilidade

“Remessa necessária. Ação civil por ato de improbidade administrativa. Convênio. Municí-pio. Associação. Fundeb. Procedimento licitatório. Inexigibilidade. Ausência de lesividade ao Erário. Remessa necessária conhecida. Sentença mantida. 1. De acordo com o art. 116 da Lei nº 8.666/1993 e ante a natureza do convênio firmado – realização de evento literário – que visa ao desenvolvimento da educação básica no Município, mostrou-se inexigível a realiza-ção de procedimento licitatório. 2. Os recursos oriundos do Fundo de Manutenção e Desen-volvimento da Educação – Fundeb podem, com amparo no art. 70 da Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), ser empregados em ações que visem ao desenvolvimento da educação básica, não havendo por parte dos agentes públicos réus má-fé na realização das despesas com o evento mencionado no processo. 3. Para a configuração dos atos de im-probidade administrativa previstos no art. 10 da Lei nº 8.429/1992, nada obstante a possibili-dade do agente praticar culposamente a conduta, deve estar presente a prova do prejuízo ao Erário. Precedentes do col. STJ. 4. Remessa ex officio conhecida. Sentença mantida.” (TJES – RN 0800148-29.2008.8.08.0024 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Dair José Bregunce de Oliveira – DJe 12.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO reexame necessário em epígrafe é oriundo de ação civil pública por ato de improbi-dade administrativa ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Espírito Santo contra a Câmara Capixaba do Livro, o seu então presidente, o ex-prefeito de Cariacica e ex--secretária de educação do mencionado Município, diante de notícia vinculada no Jornal A Tribuna, em que dizia que o Município de Cariacica teria realizado contrato milionário com a Câmara Capixaba do Livro, celebrando convênio, para efetivar o Projeto “Tenda Divertida da Leitura e da Escrita”, no qual poderia ter ocorrido algumas irregularidades.

Tais recursos eram oriundos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – Fundeb.

Sobreveio sentença que rejeitou os pedidos da inicial, sob o argumento de que não res-tou provado que os preços praticados estavam em desconformidade com os de mercado, sendo descabida a afirmação de que os réus agiram pautados pelo elemento subjetivo

160 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

necessário à configuração do ato de improbidade alegado, bem como não restou prova-do o efetivo dano ao Erário.

Além disso, o Juízo a quo ressaltou que é dispensável a licitação na consecução de um convênio com o Poder Público, e os recursos do Fundeb poderão ser empregados em ações que visem ao desenvolvimento da educação básica, conforme art. 70 da Lei nº 9.394/1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), in verbis, inexistindo por parte dos agentes públicos dolo ou má-fé na realização de despesas com o evento.

“Art. 70. Considerar-se-ão como de manutenção e desenvolvimento do ensino as despe-sas realizadas com vistas à consecução dos objetivos básicos das instituições educacio-nais de todos os níveis, compreendendo as que se destinam a:

I – remuneração e aperfeiçoamento do pessoal docente e demais profissionais da edu-cação;

II – aquisição, manutenção, construção e conservação de instalações e equipamentos necessários ao ensino;

III – uso e manutenção de bens e serviços vinculados ao ensino;

IV – levantamentos estatísticos, estudos e pesquisas visando precipuamente ao aprimo-ramento da qualidade e à expansão do ensino;

V – realização de atividades-meio necessárias ao funcionamento dos sistemas de ensino;

VI – concessão de bolsas de estudo a alunos de escolas públicas e privadas;

VII – amortização e custeio de operações de crédito destinadas a atender ao disposto nos incisos deste artigo;

VIII – aquisição de material didático-escolar e manutenção de programas de transporte escolar.”

A 3ª Câmara Cível do TJES acolheu os argumentos da sentença enfatizando que não ficou comprovado que as condutas dos réus causaram prejuízo ao Erário, assim, man-teve a sentença.

Do voto do Relator destacamos:

“[...] Assim, como não identifiquei nas provas dos autos comprovação de que as condu-tas dos réus provocaram prejuízo ao Erário ou, em última análise, importaram violação da honestidade e da lealdade esperadas no trato da coisa pública, entendo ter inexis-tido ato ímprobo capaz de ensejar conclusão diversa daquela alcançada na respeitável sentença.

Por fim, quanto aos judiciosos argumentos do ilustre Procurador de Justiça, em especial, acerca da infringência dos arts. 71 da Lei nº 9.394/1996 e 23 da Lei nº 11.494/2007, entendo que também eles não merecem prosperar. Isso porque, quanto à suposta vio-lação do art. 71, inciso II, da Lei nº 9.394/1996, certo é que aos convênios firmados com o Poder Público não se pode estabelecer dinâmica tal qual aquela empreendida à concessão de subvenção às instituições públicas ou privadas de caráter assistencial, desportivo ou cultural.

O antes mencionado § 1º do art. 116 da Lei nº 8.666/1993 traz requisitos específicos para a realização de um convênio, dentre os quais destaco: (I) a fixação das metas a se-rem atingidas; (II) a descrição das etapas ou fases de execução do convênio; (III) o plano de aplicação dos recursos financeiros; e (IV) o cronograma de desembolso, não sendo suficiente igualá-la à concessão de subvenção, posto que, além do acima descrito, essa última modalidade se apresenta como espécie de incentivo, de patrocínio ou de ajuda de custo, possuindo regramentos próprios quanto ao seu desembolso e à prestação de contas, dentre aqueles previstos na Lei nº 1.493, de 13 de dezembro de 1951. Por corolário lógico, afastada a aplicação do art. 71 da Lei nº 9.394/1996 ao caso concreto,

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������161

incabível, também, a alegação de violação ao art. 23 da Lei nº 11.494/2007, posto que este em seu texto faz menção expressa àquele.

Posto isso, conheço da remessa necessária e mantenho a respeitável sentença.

É como voto.”

6845 – Desapropriação – imóvel – avaliação extrajudicial – consentimento – ausência – perícia judicial – realização

“Agravo de instrumento. Ação de desapropriação. Avaliação extrajudicial do imóvel desa-propriado. Ausência de consentimento dos expropriados.Realização de perícia judicial. Ob-servância ao art. 15 do Decreto-Lei nº 3.365/1941. Se do valor atribuído ao imóvel desa-propriado, por meio de avaliação unilateral, não restar a concordância expressa de todos os expropriados, torna-se necessária a realização de perícia judicial, a fim de se garantir a prévia e justa indenização em cumprimento a expresso preceito constitucional (art. 5º, XXIV, CF). Agravo de instrumento conhecido e desprovido.” (TJGO – AI 201491427442 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Gerson Santana Cintra – DJe 23.09.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo--se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXIV – a lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por necessidade ou utili-dade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituição; [...]”

6846 – Desapropriação – Ministério Público – intervenção – ausência – nulidade – prejuízo – não comprovação

“Processual civil e administrativo. Desapropriação. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Intervenção do Ministério Público. Ausência. Nulidade. Prejuízo. Não comprova-ção. Valor da indenização igual ao da oferta inicial. Incidência de juros. Possibilidade. Imóvel improdutivo e TDA. Juros compensatórios. Possibilidade. 1. A jurisprudência desta Corte já assentou entendimento no sentido de que a ausência de intimação do Ministério Público, por si só, não enseja a decretação de nulidade do julgado, a não ser que se demonstre o efetivo prejuízo para as partes, o que não ocorreu no caso dos autos. 2. A origem dissertou correta-mente acerca da jurisprudência deste Tribunal por anuir com a possibilidade dos juros ainda que o valor indenizatório seja idêntico ao da oferta inicial, restrita, no entanto, a base de cál-culo à diferença entre o montante depositado inicialmente e aquilo cujo levantamento ficara indisponível ao expropriado. 3. Por ocasião do julgamento do REsp 1.116.364/PI, sob o rito dos recursos repetitivos, sedimentou-se o entendimento de que eventual improdutividade do imóvel não afastaria o direito aos juros compensatórios, pois esses juros compensam não só o que o expropriado deixou de ganhar com a perda antecipada, mas também o óbice do uso e gozo econômico do bem. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 487.269 – (2014/0055582-0) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 22.09.2014)

162 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

6847 – Desapropriação indireta – apossamento administrativo – inocorrência – indeniza­ção indevida

“Administrativo. Desapropriação indireta. Apossamento administrativo. Inocorrência. 1. Comprovado por perícia técnica que o imóvel dos autores não foi afetado pela obra pública de duplicação da BR 040, é de confirmar-se a sentença que deu pela rejeição do pedido in-denizatório. 2. Apelação desprovida.” (TRF 1ª R. – AC 2000.38.00.018801-9/MG – Rel. Des. Fed. Olindo Menezes – DJe 23.09.2014)

6848 – Ensino – curso de graduação – aprovação em todas as disciplinas – exigência – co­lação de grau – participação simbólica – impossibilidade

“Administrativo. Mandado de segurança. Ensino superior. Exigência de aprovação em todas as disciplinas do curso de graduação. Participação simbólica na cerimônia de colação de grau. Impossibilidade. Remessa necessária provida. Denegada segurança. Liminar cassada. 1. Bus-ca a Impetrante com o presente mandamus a concessão de ordem no sentido de determinar a abstenção de impedir a sua participação na solenidade de formatura. A Impetrante é aluna do curso de Direito do Centro Universitário de Vila Velha – UVV, e foi impedida de colar grau e receber seu diploma em razão de não ter sido aprovada na Disciplina de Atividades Comple-mentares. Ora, dúvida não há de que a exigência de conclusão de todas as disciplinas do cur-rículo do curso de graduação para fins de colação de grau é medida razoável e imprescindível para a obtenção do grau. 2. É legítima a recusa da Instituição particular de ensino em proceder à colação de grau e entrega de diploma de aluno que não logrou aprovação em todas as disciplinas exigidas do curso. Inexiste em nosso ordenamento jurídico qualquer norma que possa amparar a pretensão da parte autora, ou até mesmo que autorize a colação ‘simbólica’. 3. Ao Poder Judiciário cabe apenas apreciar a legalidade e a constitucionalidade dos atos pra-ticados pela Universidade, sem, contudo, adentrar o juízo da oportunidade e conveniência, a fim de que seja preservada a autonomia acadêmica da Impetrada. Não cabe ao Judiciário manifestar-se sobre a eficiência ou justiça do ato administrativo, porque, ao assim agir, esta-ria deixando de emitir pronunciamento jurisdicional, para adentrar no mérito administrativo. 4. Remessa Necessária provida. Denegada segurança. Cassada liminar.” (TRF 2ª R. – REO-ACív. 2012.50.01.001784-5 – 8ª T.Esp. – Rel. Guilherme Diefenthaeler – DJe 28.10.2014)

6849 – Ensino – estudante de ensino médio – curso superior – matrícula – princípio da razoabilidade – possibilidade

“Agravo de instrumento. Matrícula em curso superior. Estudante de ensino médio. Princípio da razoabilidade. Possibilidade. A exigência inserta na Lei nº 9.394/1996 deve ser atenuada em homenagem ao princípio da razoabilidade, caso específico dos autos, em que o aluno está cursando a 3ª série do ensino médio, cuja conclusão será efetivada em prazo não superior a quatro meses, o que demonstra não só conhecimento e capacidade intelectual, como também maturidade, enquadrando-se na previsão legal para o avanço escolar pretendido. Recurso co-nhecido e provido.” (TJGO – AI 201492357820 – 6ª C.Cív. – Relª Desª Sandra Regina Teodoro Reis – DJe 23.09.2014)

Destaque Editorial SÍNTESESelecionamos o julgado a seguir no mesmo sentido:

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������163

“CONSTITUCIONAL – DIREITO À EDUCAÇÃO – APROVAÇÃO EM VESTIBULAR PARA CURSO SUPERIOR EM UNIVERSIDADE PÚBLICA – CANDIDATO QUE NÃO TERMI-NOU ENSINO MÉDIO REGULAR – OBTENÇÃO DE CERTIFICADO – NEGATIVA DO ESTADO – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – INDEFE-RIMENTO – AGRAVO – ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO – MANUTENÇÃO DA LIMINAR – PROVIMENTO – Fere o princípio da razoabilidade o fato de o agravante, mesmo havendo conquistado aprovação no vestibular e no Enem, vir a sofrer prejuízo em sua vida escolar, pelo simples fato de ainda não haver concluído o ensino médio regular, muito embora já tenha comprovado a capacidade intelectual e maturidade para ingressar no ensino superior.” (TJPB – AI 999.2013.003097-9/001 – Rel. Des. Marcos Cavalcanti de Albuquerque – DJe 27.02.2014 – p. 11) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 150000015059. Acesso em: 23.09.2014)

6850 – Ensino – inscrição Enem – boleto emitido com erro – participação – possibilidade

“Administrativo. Ensino. Mandado de segurança. Inscrição Enem/2010. Boleto emitido com erro. Não confirmação da inscrição. Princípios da razoabilidade. Possibilidade de participa-ção no certame. 1. Em que pese ter o impetrante ter realizado o pagamento e o mesmo ter sido estornado, convém considerar que se trata de erro perfeitamente escusável, que poderá ser relevado, a vista do cumprimento dos demais requisitos editalícios. De considerar-se, ainda, que a impetrante realizou o pagamento mediante boleto impresso do próprio site da universidade. 2. Restando comprovado nos autos que a impetrante deixou de efetuar o pa-gamento da taxa de inscrição por falha da instituição financeira, não existe razão para a não homologação da inscrição da autora no processo público de habilitação às vagas oferecidas pela Universidade. 3. Remessa oficial a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – RN 0036943-70.2013.4.01.3500 – Rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques – DJe 24.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEO reexame necessário em epígrafe é oriundo de mandado de segurança impetrado contra o Reitor da Universidade Federal de Goiás (UFG), no qual o impetrante almejava que sua inscrição no vestibular de 2013 da referida entidade fosse garantida.

Segundo o imperante, no dia 22.09.2013, se inscreveu para o vestibular da UFG e realizou o devido pagamento, mas constatou que a inscrição não foi efetivada em seu nome. Diante disso, foi pedir esclarecimentos e, neste momento, informaram-lhe que havia sido feito um estorno porque o código de barras do boleto bancário estava errado.

A sentença concedeu a segurança, confirmando a liminar, autorizando o impetrante a participar do processo seletivo da UFG, agendado para o dia 10.11.2013.

Na análise do reexame, a 6ª Turma do TRF 1ª Região negou provimento entendendo que a sentença deve ser mantida, já que o impetrante efetuou tudo conforme o previsto no edital de inscrição, imprimindo o boleto do próprio site da universidade, concluindo que o erro não foi por sua culpa.

Em seu voto, o Relator citou os seguintes precedentes:

“[...] ADMINISTRATIVO – CONCURSO PÚBLICO – PROFESSOR ADJUNTO E ASSIS-TENTE DO MAGISTÉRIO SUPERIOR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DE GOIÁS – EDITAL Nº 06/2008 – TAXA DE INSCRIÇÃO – RECOLHIMENTO DE ACORDO COM O EDITAL – HOMOLOGAÇÃO – 1. Emitida a guia de recolhimento pela instituição financeira responsável pelo recolhimento dos valores relativos à taxa de inscrição, e efetuado o respectivo pagamento, via Internet, dentro do prazo estabelecido pelo edital, ilegal e abusiva é a recusa do estabelecimento de ensino superior em homologar a inscri-

164 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

ção, ao fundamento de que não fora localizado ou confirmado o pagamento pelo Banco do Brasil, contratado para receber e verificar o pagamento de que se cuida. 2.Remessa oficial desprovida. Sentença concessiva da segurança confirmada. (REOMS 0000278-22.2008.4.01.3503/GO, Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, Rel. Conv. Juiz Fed. Carlos Augusto Pires Brandão (Conv.), 6ª T., e-DJF1 de 24.08.2009, p. 359)

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CONCURSO PÚBLICO – TAXA DE INSCRIÇÃO – PROBLEMA NA EMISSÃO DO BOLETO BANCÁRIO – FALHA DA AD-MINISTRAÇÃO – 1. O impetrante efetuou sua inscrição pela Internet dentro do prazo estabelecido. Ocorre que, encontrando problemas na emissão do boleto bancário, fi-cou impossibilitado de efetuar o pagamento até a data prevista no edital, qual seja, 11.10.2004. 2. Assim, ante a afirmação da autoridade no sentido de que o boleto só poderia ser emitido até o dia 10.10.2004, negando ao impetrante outro meio para realizar o pagamento da inscrição, o presente mandado de segurança visou a assegurar a efetivação da sua inscrição. 3. Irretocável, pois, o comando sentencial, ao dispor que ‘negar-se ao impetrante o direito de inscrição em concurso público ante a ineficiência do sistema operacional da ESAF é medida que se afasta’ (fls. 66/67), mormente em decor-rência de sua irrazoabilidade. 4. Ademais, ‘a satisfação de requisito editalício necessário à inscrição em concurso não pode ser elidida por falha da administração em processá-la’ (TRF 1ª R., 1ª T., REO 96.01.18097-4/MG, Relª Juíza Mônica Neves Aguiar Castro (Conv.), DJ 13.09.1999, p. 133). 5. Remessa oficial não provida. (REOMS 0031651-31.2004.4.01.3400/DF, Relª Desª Fed. Selene Maria de Almeida, Rel. Conv. Juiz Fede-ral Avio Mozar Jose Ferraz de Novaes, 5ª T., e-DJF1 de 07.11.2008, p. 141)

ADMINISTRATIVO – ENSINO – TRANSFERÊNCIA FACULTATIVA INTERNA CORPORIS – MATRÍCULA – PRAZO – PERDA – PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE – 1. Não havendo prejuízos à universidade e terceiros, deve ser assegurada a matrícula da discente no curso para o qual foi aprovada em processo interno de transferência facultativa de curso, independentemente da perda do prazo para a apresentação da documentação, uma vez que esta é de pleno conhecimento e posse da instituição, em razão de a impetrante ser aluna regularmente matriculada no curso de Engenharia Civil. Aplicação do princípio da razoabilidade. 2. Apelação e remessa oficial desprovidas. 3. Sentença confirmada. (AMS 0004232-20.2006.4.01.3803/MG, Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro, Rel. Conv. Juiz Federal Carlos Augusto Pires Brandão (Conv.), 6ª T., DJ de 02.04.2007, p. 136) [...]”

Selecionamos o julgado a seguir no mesmo sentido:

“ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – ENSINO SUPERIOR – VESTIBU-LAR – INSCRIÇÃO – PAGAMENTO – FALHA DE COMUNICAÇÃO ENTRE INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS – BOLETO PAGO DENTRO DO PRAZO DO EDITAL – PREJUÍZO QUE NÃO DEVE SER ARCADO PELA IMPETRANTE – PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E DA RAZOABI-LIDADE – PRECEDENTE – Trata-se de apelação e remessa obrigatória de sentença que, confirmando a liminar deferitória, concedeu a segurança para validar a inscrição da impetrante no vestibular de 2012 da UFRN. A questão posta a deslinde cinge-se à verificação do direito da impetrante de ter sua inscrição para o vestibular validada diante da falha de comunicação entre a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, para qual não deu causa a requerente. In casu, não é razoável que a demandante venha a sofrer qualquer prejuízo em sua inscrição para o vestibular de 2012 na ins-tituição de ensino ré visto que efetivou o pagamento da respectiva taxa de inscrição dentro do prazo do edital conforme demonstrou nos autos (boleto bancário de fls.15), apenas porque falha de comunicação entre instituições bancárias deixou de validá-la. Tal pagamento dentro do prazo do edital demonstra que a impetrante estava de boa fé. Não merecendo reforma a sentença que deve ser mantida por seus fundamentos. Precedente: REO 200982010038669, Des. Fed. Edílson Nobre, TRF 5ª R., 4ª T., DJe Data: 23.09.2010, p. 983. Apelação e remessa obrigatória improvidas.” (TRF 5ª R.,

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������165

Ap-Reex 0007534-53.2011.4.05.8400, (22253/RN), Rel. Des. Fed. Paulo Gadelha, DJe 30.10.2012, p. 180) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 111000154390. Acesso em: 24 set. 2014)

6851 – Ensino – sistema de cotas – programa de ação afirmativa – alunos egressos do ensi­no público – legalidade e isonomia – violação – inexistência

“Administrativo. Mandado de segurança. Sistema de cotas. Programa de ação afirmativa de ingresso no ensino superior. PAAES da Universidade Federal de Uberlândia. Reserva de vagas para alunos egressos do ensino público. Inexistência de violação aos princípios da isonomia e legalidade. 1. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento proferido na ADPF 186/DF, de 26 de abril de 2012, manifestou-se no sentido da constitucionalidade da institui-ção de cotas sociais e raciais pelas instituições de ensino superior. 2. Este Tribunal já pacifi-cou o entendimento de que o Programa de Ação Afirmativa de Ingresso no Ensino Superior (PAAES), criado pela Resolução nº 20/2008, da Universidade Federal de Uberlândia, ao reser-var 25% das vagas de cada curso de graduação para os alunos que tenham cursado os quatro últimos anos do ensino fundamental e estejam cursando o ensino médio em escola pública, não viola os princípios da legalidade e isonomia. 3. A política de cotas adotadas pelas Insti-tuições de Ensino Superior se justifica como meio de assegurar a igualdade substancial entre todos os candidatos, tendo em vista que normalmente os alunos de escolas privadas ostentam melhores condições financeiras e, em tese, têm acesso a ensino de melhor qualidade e a meios de otimização de seus conhecimentos. 4. Na hipótese, os impetrantes, ora apelantes, não têm direito à inscrição pelo programa, pois sua vida acadêmica foi cursada em escola da rede particular, portanto, a decisão impugnada não afronta os princípios da legalidade e isonomia, uma vez que a conduta da Administração foi pautada por mandamento legal e ancorada na autonomia didático-científica e administrativa. 5. Caso fosse acolhida a tese de inconstitucionalidade, sua consequência seria a extinção do referido programa, e não a continuidade dos estudantes, oriundos de escolas particulares, nas demais etapas do PAAES. 6. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AC 0002500-62.2010.4.01.3803 – Rel. Des. Fed. Néviton Guedes – DJe 30.09.2014)

Destaque Editorial SÍNTESEColacionamos os julgados no mesmo sentido:

“CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA COM PEDIDO DE LIMINAR – INGRESSO EM CURSO SUPERIOR – AÇÕES AFIRMATIVAS – SISTEMA DE COTAS – Vagas destinadas a alunos egressos de escola pública. Escola cenecista. Instituição equiparada à escola pública. Alunos que cursaram todo o ensino fundamental em escola cenecista e o ensino médio em escola pública. Preenchimento dos requi-sitos. Matrícula na Universidade Estadual de Alagoas. Possibilidade. Apelação cível. Preliminar de litisconsórcio passivo necessário. Rejeitada. Tese de afronta aos princípios constitucionais da legalidade e da igualdade. Não acolhida. Princípios da razoabilida-de e da proporcionalidade. Interpretação teleológica da Lei estadual nº 6.542/2004. Direito fundamental à educação. Sentença mantida. Recurso conhecido e não provido. Decisão unânime.” (TJAL – Ap 0001080-82.2009.8.02.0056 – Rel. Des. Fábio José Bittencourt Araújo – DJe 10.09.2014 – p. 209) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 137000029901. Acesso em: 01.10.2014)

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – VESTIBULAR – CURSO DE DIREITO – UNI-VERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS – RESOLUÇÃO Nº 09/2004-CEPE – SISTEMA

166 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

DE COTAS – RESERVA DE VAGAS PARA NEGROS EGRESSOS DE ESCOLA PÚBLICA – CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENO DESTE TRIBUNAL – ADPF 186 – JULGAMENTO PELO STF – APELAÇÃO PROVIDA – HONORÁRIOS – 1. Trata-se de apelação e remessa obrigatória de sentença que julgou procedente a ação, confirmando a decisão que concedeu a antecipação dos efeitos da tutela, para determinar que a ré promova a matrícula da autora no curso de Direito, no turno da noite, da Universidade Federal de Alagoas – UFAL. 2. A autora ajuizou a presente ação visando a compelir a Universidade Federal de Alagoas a realizar a sua matrícula no curso de Direito, para o qual teria logrado aprovação com nota superior a alguns dos alunos cotistas. Defende a autora a inconstitucionalidade desse sistema, por ofender os princípios da isonomia e da legalidade, ao reservar, por meio da Resolução nº 09/2004-CEPE/UFAL, 20% das vagas a estudantes negros egressos de escolas públicas de ensino médio. 3. Há que julgar im-procedente o pedido, dando provimento à apelação e reformando a sentença, a teor do julgamento proferido pelo Pleno deste e. Tribunal na Arguição de Inconstitucionalidade suscitada por esta c. Primeira Turma, que declarou a constitucionalidade do regime de cotas raciais estabelecido pela UFAL por meio da Resolução nº 09/2004CEPE/UFAL, ratificado pela decisão plenária do e. Supremo Tribunal Federal na ADPF 186. O c. STF julgou, à unanimidade, improcedente tal Arguição de Descumprimento de Preceito Fun-damental, entendendo que os programas de ação afirmativa que criam um sistema de reserva de vagas baseado em critério étnico-racial para acesso ao ensino superior está em consonância com a Constituição. 4. Deixa-se de inverter o ônus da sucumbência em face da condição de beneficiária da justiça gratuita da autora. Apelação e remessa obrigatória providas.” (TRF 5ª R. – AC 0001106-91.2011.4.05.8000 – (549080/AL) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. José Maria de Oliveira Lucena – DJe 07.02.2013 – p. 189) (Dis-ponível em online.sintese.com, sob o nº 111000165890. Acesso em: 01.10.2014)

6852 – Improbidade administrativa – cargo público – mandato eletivo de prefeito – remu­neração – acumulação – vedação

“Apelação cível. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Acumulação de remunera-ção de cargo público e mandato eletivo de prefeito. Vedação constitucional. I – Impõe-se o não conhecimento do agravo retido quando a parte agravante não reitera o pedido de apre-ciação no recurso de apelação. II – Identificados na inicial o ato ímprobo imputado ao réu, além dos requisitos exigidos pelo art. 282, do Código de Processo Civil, não se há que falar em inépcia da inicial, tampouco impossibilidade de exercício de defesa. III – Inexiste ofensa ao disposto no art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, eis que, embora sucinta, a sentença se encontra fundamentada. IV – A escolha pela remuneração do cargo público afasta a possibili-dade de recebimento de verbas de natureza salarial em razão do exercício do mandato eletivo de prefeito, em atenção ao contido no art. 38, II, da CF. V – É assente na jurisprudência do STJ e desta Corte a possibilidade de aplicação da modalidade culposa prevista no art. 10, da Lei nº 8.429/1992. VI – A conduta tipificada como lesão ao erário (art. 10), conduz ao ressarci-mento integral do dano, na forma do art. 5º, sem prejuízo da aplicação cumulativa de outras sanções previstas no inciso II, do art. 12. VII – O julgador deve se pautar pelos princípios da razoabilidade e proporcionalidade ao aplicar a sanção por ato de improbidade, de acordo com a extensão do dano causado e do proveito patrimonial obtido pelo agente. Evidenciada a desproporcionalidade da multa civil aplicada, impõe-se a sua redução, podendo inclusive ocorrer ex officio. VIII – A circunstância de haver aprovação do pagamento da remuneração decorrente do mandato eletivo de prefeito cumulada com o cargo Público Federal da Embrapa

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������167

pelo Tribunal de Contas, não vincula a aplicação das sanções previstas na Lei nº 8.429/1992, por expressa disposição do art. 21, II. Apelo conhecido e parcialmente provido.” (TJGO – AC 200492674990 – 1ª C.Cív. – Rel. Roberto Horacio de Rezende – DJe 02.10.2014)

6853 – Improbidade administrativa – médico da Santa Casa conveniada ao SUS – plano particular – paciente gestante – adesão – coação – comprovação – ausência

“Ação civil pública. Improbidade administrativa. Médico da Santa Casa de Itararé, conve-niada ao SUS, que teria coagido paciente gestante a aderir a plano particular (plano C) para realização de parto cesariana. Pagamento em duplicidade, uma vez que o médico réu teria recebido pagamento particular e pelo SUS para a realização do parto. Enriquecimento ilícito e lesão ao Erário. Descabimento. Elementos existentes nos autos que demonstram que o réu re-cebeu apenas o pagamento particular, não lhe sendo repassado ao valor relativo ao SUS, que foi repassado erroneamente para a Santa Casa. Ademais, conduta supostamente ilegal do réu que não restou efetivamente comprovada. Provas que indicam que a paciente gestante apenas aderiu ao plano particular porque desejava que a cirurgia fosse realizada pelo réu, que não estava em período como plantonista na Santa Casa. Sentença de improcedência confirmada. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0002805-79.2011.8.26.0279 – 11ª CDPúb. – Rel. Oscild de Lima Júnior – DJe 16.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEA apelação foi interposta contra sentença que julgou improcedente o pedido do Minis-tério Público do Estado de São Paulo, nos autos de ação civil pública, o qual pretendia a condenação do réu, médico da Santa Casa de Itararé, que teria cobrado e recebido pagamento particular pela realização de partos em pacientes atendidas e custeadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). O autor afirmou que configurou o ato de improbidade administrativa já que o réu recebeu em duplicidade, ocasionando enriquecimento ilícito em detrimento ao Erário.

Em suas razões, o apelante sustenta que o pedido deve ser julgado procedente, pois, mesmo havendo condições de realizar o parto, que normalmente seria coberto pelo SUS, o apelado fez a paciente esperar, com todos os riscos inerentes à situação, apenas para receber honorários médicos particulares por serviço que, ao mesmo tempo, também era e foi custeado pelo SUS.

O Relator afirmou que, de acordo com o conjunto probatório existente nos autos, o ape-lado não praticou ato de improbidade administrativa, pois o pagamento realizado pelo SUS à Santa Casa não foi repassado a ele.

Além disso, ressaltou que a paciente tinha opção de realizar o parto com o médico plantonista, mas optou pelo apelado, situação esta que exigiria mesmo a adesão ao plano particular.

Diante disso, a 11ª Câmara de Direito Público do TJSP negou provimento ao recurso, mantendo a sentença na íntegra.

Em seu voto, o Relator assim se manifestou:

“[...] Os elementos existentes nos autos permitem concluir, infensos de qualquer inquie-tação, que o réu não praticou ato de improbidade administrativa.

Ao contrário do que foi aventado na petição inicial, o réu não recebeu em duplicidade. Na verdade, o pagamento feito pelo Sistema Único de Saúde à Santa Casa local não foi repassado ao réu, e a própria Santa Casa reconheceu o equívoco, uma vez que a gestan-

168 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

te já havia aderido ao plano particular (vide, para tanto, a missiva elaborada pela Santa Casa, coligida a fls. 161/162 do inquérito civil autos em apenso).

Logo, não há que se falar em enriquecimento ilícito ou dano ao Erário.

Outrossim, não restou devidamente comprovada a existência de violação aos princípios norteadores da Administração Pública, porquanto ausente efetiva demonstração de que o réu coagiu a paciente custeada pelo Sistema Único de Saúde a aderir ao plano parti-cular da Santa Casa.

[...]

Desta feita, devido ao fato de que o plantão do réu havia se encerrado, parece crível e razoável entender que a paciente optou pela contratação do plano particular para que o réu realizasse o parto cesárea, em razão da relação de confiança que haviam estabele-cido (repita-se, a paciente já havia pago anteriormente uma consulta particular ao réu, vez que não queria passar pelo médico que estava de plantão).

Vale dizer, a paciente poderia ser submetida ao parto cesárea pelo SUS com o médico que estivesse de plantão no momento correto para o procedimento cirúrgico, mas como queria fazer a aludida cirurgia com o réu fora de seu horário de plantão, nada mais na-tural de que tivesse de arcar com os custos, aderindo ao plano particular da Santa Casa (Plano C). E assim foi feito pelos seus familiares, que procuraram a administração da Santa Casa para as providências cabíveis no tocante à realização do parto (vide, nesse sentido, o depoimento da testemunha Shirley fls. 142 e ss.). [...].”

6854 – Improbidade administrativa – princípios da administração pública – violação – dolo genérico – caracterização

“Apelação cível. Ação civil pública. Improbidade administrativa. Violação aos princípios da administração pública. Dolo genérico caracterizado. Condenação da apelante mantida. Evi-denciado o dolo genérico da apelante, então presidente da câmara municipal de Mozarlân-dia, no que tange à contratação dos serviços de empresa da família de um dos vereadores – fato que atenta contra o art. 75 da respectiva Lei orgânica e contra os princípios da moralidade e da impessoalidade –, deve ser mantida a sua condenação às sanções previstas no art. 12, III, da Lei Federal nº 8.249/1992, até porque o dano ao erário não é elementar à configuração do ato de improbidade. Apelação desprovida.” (TJGO – AC 201191873030 – 2ª C.Cív. – Rel. Jose Carlos de Oliveira – DJe 29.10.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 8.429/1992:

“Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

[...]

III – na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritá-rio, pelo prazo de três anos. [...]”

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������169

6855 – Improbidade administrativa – recursos federais do SUS – conta específica do fundo municipal – depósito – dano ao Erário

“Processual civil e administrativo. Improbidade administrativa. Dano ao Erário. Recursos fe-derais provenientes do SUS depositados em conta específica do fundo municipal de saúde de Tefé/AM. Ajustes na condenação. Critério de aplicação da multa civil. Honorários advocatí-cios. 1. Os fundos municipais de saúde são alimentados por recursos federais provenientes do SUS, e têm a sua aplicação sujeita a fiscalização do TCU (art. 71, VI, CF), não procedendo a alegação de ilegitimidade ativa ad causam da União, tampouco a de incompetência da Justiça Federal para processar e julgar a ação de improbidade administrativa. 2. O prazo pres-cricional para o caso é de 05 (cinco) anos, a contar do término do mandato eletivo, conforme estabelece o art. 23, inciso I, da Lei nº 8.429/1992. Tendo ocorrido a reeleição do demandado para o mandato de prefeito, no período entre 2000-2004, apenas se inicia a contagem do pra-zo após o término do segundo mandato. A ação de improbidade, proposta em 2006, o foi em tempo hábil. 3. A diretriz do STF, a respeito da inaplicabilidade da LIA aos agentes políticos, firmada nos autos da Reclamação nº 2.138-6/DF, aplica-se, tão somente, ao caso debatido naqueles autos em que Ministro de Estado figurava como réu, uma vez que a decisão não foi proferida em controle abstrato de constitucionalidade, não possuindo, assim, efeito vinculante ou eficácia erga omnes. 4. A configuração dos atos de improbidade administrativa do art. 10 da Lei nº 8.429/1992 exige, além da constância do efetivo dano ao Erário, o elemento sub-jetivo, consubstanciado no dolo/culpa, pressupondo a conduta dolosa, intencional, a má-fé do agente ímprobo. 5. Na hipótese, comprovou-se o cometimento de atos de improbidade causadores de dano ao erário: o ex-prefeito deixou assinados, em poder do Secretário de Fi-nanças, cheques que foram sacados pelos demais demandados, em espécie, da conta corrente do Fundo Municipal de Saúde, não tendo os réus trazido aos autos nenhum documento que comprove a utilização dos recursos na área da saúde. 6. A multa civil, na ação de improbida-de, com o sentido de um plus punitivo, deve ter valor compatível com a gravidade da falta, sistemática que, na hipótese, aconselha a sua redução, dadas as circunstâncias do caso, para 10% (dez por cento) do valor do dano. 7. Não é cabível a condenação em honorários na ação de improbidade administrativa, dada a simetria com o art. 18 da Lei da Ação Civil Pública. Se o Ministério Público Federal for vencido na ação, não são devidos os honorários, pois isso seria uma forma de não inibir os legitimados ativos na defesa dos interesses transindividuais. No inverso, também não cabe a condenação, seja por isonomia na peleja, seja porque o órgão não está legitimado a recebê-los, por expressa vedação constitucional (art. 128, § 5º, II, CF). 8. Provimento parcial da apelação.” (TRF 1ª R. – AC 2006.32.00.005062-7/AM – Rel. Des. Fed. Olindo Menezes – DJe 24.09.2014)

6856 – Improbidade administrativa – sociedade de economia mista – advogados – contra­tação – licitação – dispensa – ilegalidade

“Improbidade administrativa. Sociedade de economia mista. Município de São José do Rio Pardo. Contratação de advogados para prestação de serviços advocatícios. Ilegalidade da dis-pensa de licitação. Violação dos princípios que informam a administração pública. Condutas dolosas que se subsumem ao art. 11 da Lei nº 8.429/1992. Improbidade caracterizada. Sen-tença de procedência parcial que se pautou pela razoabilidade na fixação das penas. Recursos não providos.” (TJSP – Ap 0005637-70.2011.8.26.0575 – 10ª CDPúb. – Rel. Antonio Carlos Villen – DJe 29.09.2014)

170 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

6857 – Improbidade administrativa – sociedade empresária – ajuizamento – agente públi­co – não enquadramento – descabimento

“Processual civil e administrativo. Improbidade administrativa. Violação do art. 535 do CPC. Inexistência. Ação movida apenas contra agentes que não se enquadram no conceito de ‘agente público’. Ato de improbidade que pressupõe a participação de agente administrativo. Descabimento. 1. A ação de improbidade administrativa foi ajuizada contra sociedade empre-sária e integrantes de seu quadro diretivo, sob a acusação da prática de ‘diversas fraudes no sistema de pesagem do lixo residencial e hospitalar que era coletado, transportado e estocado, segundo as estipulações do contrato de serviços’ (e-STJ, fl. 46). 2. Não ocorre contrariedade ao art. 535, inciso II, do CPC, quando o Tribunal de origem decide fundamentadamente todas as questões postas ao seu exame, assim como não há que se confundir entre decisão contrária aos interesses da parte e inexistência de prestação jurisdicional. 3. De acordo com a juris-prudência do STJ, é inviável o manejo da ação civil de improbidade exclusivamente contra o particular, sem a concomitante presença de agente público no polo passivo da demanda. 4. O conceito de agente público, por equiparação, para responder à ação de improbidade, pressupõe aquele que exerça, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, man-dato, cargo, emprego ou função nas entidades descritas no art. 1º da Lei nº 8.429/1992. 5. No caso, é inviável a ação de improbidade ajuizada exclusivamente contra a sociedade empresá-ria contratada por meio de processo licitatório e seus diretores, seja porque não se enquadram no conceito de agente público previsto na LIA, seja porque a ilicitude da conduta narrada pressupõe a participação de pessoa integrante da estrutura administrativa. Fica ressalvada a possibilidade de se buscar a responsabilização dos envolvidos pelos meios admissíveis em direito, considerando-se a imprescritibilidade das ações de ressarcimento de danos ao Erário. 6. Recurso especial a que se dá provimento.” (STJ – REsp 1.409.940 – (2012/0029007-3) – 2ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 22.09.2014)

6858 – Licitação – pregão eletrônico – especificidade técnica – participantes – restrição – alegação – mandado de segurança – via inadequada

“Administrativo. Apelação cível. Mandado de segurança. Licitação. Pregão eletrônico. Espe-cificidade técnica. Restrição de participantes. Dilação probatória. Impossibilidade de aprecia-ção pela via eleita. Denegação da segurança. I – A análise quanto à pertinência de critérios técnicos constantes de Edital que rege procedimento licitatório no âmbito da Administração Pública, com vista a aferir eventual violação do princípio da impessoalidade, demanda dila-ção probatória, incabível na estreita via do mandado de segurança. II – Apelação cível despro-vida.” (TRF 2ª R. – AC 2010.51.01.490337-7 – (547682) – 8ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Marcelo Pereira da Silva – DJe 24.10.2014)

6859 – Militar – cargo de professor da rede pública – acumulação – impossibilidade

“Mandado de segurança administrativo. Policial militar. Acumulação do cargo de professor da rede pública com o cargo de policial militar. Impossibilidade. Liminar cassada. 1. O exer-cício do cargo de professor não se compatibiliza com o cargo de policial militar, a não ser que de suas funções de policial militar ele se afaste temporariamente. 2. O policial militar em

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������171

atividade não pode acumular cargos públicos, ex vi da vedação constante do art. 42, § 1º, c/c art. 142, § 3º, incisos II e VIII, da Constituição Federal, e do art. 58, § 3º, da Constituição do Estado do Piauí. 3. Recurso conhecido e provido.” (TJPI – MS-AgRg 2013.0001.001002-4 – Rel. p/o Ac. Des. Raimundo Nonato da Costa Alencar – DJe 12.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEÉ admissível a acumulação do cargo de policial militar com o cargo de professor da rede pública? Esse foi o debate da ementa em tela.

Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato administrativo expedido pela autoridade coatora, Secretário de Administração do Estado do Piauí, o qual determinou que o impetrante optasse por um dos cargos públicos, os quais acumula supostamente de forma ilegal, sob pena de suspensão dos vencimentos.

O impetrante afirma que após apresentar sua justificativa acerca da acumulação de car-gos públicos (1º Tenente do Corpo de Bombeiros Militar e Professor da rede municipal de ensino), foi notificado para responder processo administrativo disciplinar, oportunidade na qual prestou depoimento, ofereceu defesa prévia e alegações finais.

Ressalta que, muito embora o referido processo ainda se encontre na Procuradoria-Geral do Estado aguardando parecer, já recebera comunicado oficial para proceder à devida opção por um dos cargos públicos.

Assim, diante desses fatos apresentados, entende que o ato administrativo expedido pela autoridade coatora está eivado de ilegalidade, já que o processo administrativo disciplinar ainda não foi encerrado.

Por esses motivos, sustenta que possui direito líquido e certo à suspensão do ato ad-ministrativo.

Houve o deferimento da liminar, onde os efeitos do ato administrativo foram suspensos, até que sobreviesse decisão fundamentada no Processo Administrativo Disciplinar.

Irresignado com tal decisão, o Estado do Piauí interpôs agravo regimental na tentativa de afastar os efeitos, enfatizando que é impossível a acumulação de cargos pretendida pelo impetrante.

O Pleno do TJPI acolheu os argumentos do agravante, dando provimento ao agravo, para cassar a medida liminar deferida.

Colacionamos as ementas a seguir para ilustrar que a decisão em estudo é o entendi-mento dominante:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – CUMULA-ÇÃO DE CARGOS – Policial militar e professor da rede pública do Distrito Federal. Ile-galidade. 1. Considerando a vedação legal para acumulação de cargos públicos, sendo um deles de policial militar, nos termos preconizados no art. 142, § 3º, inciso II, da Constituição Federal, mostra-se vedada a cumulação do cargo público de professor com o de policial militar. 2. As hipóteses de excepcional cumulação remunerada de cargos públicos encontram-se expressamente descritas no art. 37, inciso XVI, da Lei Maior de 1988, e não contemplam a cumulação de professor com o de militar. 3. Denegou-se a segurança.” (TJDFT, Proc. 20130020096692, (731690), Rel. Des. Flavio Rostirola, DJe 12.11.2013, p. 55) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 142000269925. Acesso em: 18 set. 2014)

“MANDADO DE SEGURANÇA – ACUMULAÇÃO REMUNERADA DOS CARGOS PÚBLI-COS DE POLICIAL MILITAR COM O DE PROFESSOR – IMPOSSIBILIDADE – ORDEM DENEGADA – 1. A Constituição Federal veda a acumulação de dois cargos públicos ressalvadas as exceções, quais sejam a) de dois cargos de professor; b) de um cargo de professor com outro técnico ou científicos; c) de dois cargos ou empregos privativos de

172 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

professor. Policial militar não se enquadra como cargo técnico. 2. ‘A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça assentou o entendimento de que o cargo público de técnico, que permite a acumulação com o de professor nos termos do art. 37, XVI, b, da Consti-tuição Federal, é o que exige formação técnica ou científica específica. Não se enquadra como tal o cargo ocupado pelo impetrante, de policial militar’ (RO 2010/0067325-0, Rel. Min. Teori Albino Zavascki). 3. Segurança denegada.” (TJMT, MS 71268/2012, Relª Desª Maria Erotides Kneip Baranjak, DJe 06.06.2013, p. 39) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 148000089471. Acesso em: 18 set. 2014)

“MANDADO DE SEGURANÇA – Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de acu-mulação de cargos. Rejeitada. Preliminar de impossibilidade jurídica do pedido de não instauração de processo administrativo. Perda do objeto. Mérito acumulação de cargos públicos. Policial militar bombeiro e professor da rede pública. Inexistência de direito líquido e certo. Segurança denegada.” (TJPA, MS 20123011912-0, (119322), Belém, C.Cív.Reun., Relª Celia Regina de Lima Pinheiro, DJe 09.05.2013, p. 283) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 149000037903. Acesso em: 18 set. 2014)

6860 – Militar – processo­crime – tramitação – quadro de acesso à promoção – exclusão – presunção de inocência – ofensa – inocorrência

“Mandado de segurança. Militar que responde a processo-crime. Exclusão do quadro de aces-so à promoção. Inocorrência de ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocên-cia. Ausência de direito líquido e certo. 1. Não se verifica violação a direito líquido e certo do postulante que teve seu nome excluído do quadro de acesso a promoção por mereci-mento, em virtude de estar respondendo a processo instaurado para apuração da prática de ilícito penal. 2. Conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, estando o militar respondendo a processo penal, ainda que não tenha havido a condenação, resta impossibilitado de participar da lista de acesso a promoções, fato que não viola a garantia constitucional da presunção de inocência. Segurança negada.” (TJGO – MS 201492423980 – 1ª C.Cív. – Rel. Des. Orloff Neves Rocha – DJe 24.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESEÉ possível a exclusão de militar do quadro de acesso à promoção em virtude daquele estar respondendo processo-crime? Referida exclusão violaria o princípio da presunção de inocência? Esses foram os questionamentos da ementa em epígrafe.

Trata-se de mandado de segurança impetrado contra ato do Comandante Geral da Po-lícia Militar do Estado de Goiás que excluiu o impetrante do quadro de promoção por merecimento em virtude de este estar respondendo alguns processos criminais.

O impetrante alega que há um processo em que nem foi feita a denúncia, logo não figura como réu e em outro ainda não houve sentença, devendo prevalecer, assim, o princípio da presunção de inocência.

A 1ª Câmara Cível do TJGO, ao analisar o mandamus, enfatizou que há previsão legal, a qual embasa a atitude da autoridade impetrada, que não deixa dúvidas quanto à ne-cessidade de exclusão do quadro de acesso à promoção de qualquer policial que esteja respondendo processo criminal.

Diante disso, denegou a segurança pleiteada, afirmando que inexiste direito líquido e certo.

Do voto do Relator, destacamos:

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������173

“[...] Ressai dos autos que o impetrante responde aos Processos Criminais nº 200801479457 e nº 200701598713, bem como ao Inquérito Policial Militar nº 20130100310.

Mencionado fato, por si só, é o bastante para impedir a sua promoção, nos termos dos arts. 13 e 29, inciso VIII e 30, inciso IV, todos da Lei nº 8.000/1975 (Dispõe sobre os critérios e as condições de promoção dos oficiais da ativa da Polícia Militar do Estado de Goiás), in verbis:

‘Art. 13. Para ser promovido pelo critério de antiguidade ou de merecimento é indispen-sável que o Oficial PM esteja incluído no quadro de acesso.

[…]

Art. 29. O Oficial PM não poderá constar de qualquer quadro de acesso, quando:

[…]

VIII – tiver sido denunciado criminalmente, salvo se a Comissão de Promoção de Ofi-ciais, após analisar a documentação que compõe os autos, por unanimidade, julgar que o Oficial oferece condições de consta em quadro de acesso;

[…]

Art. 30. Será excluído do quadro de acesso por merecimento, já organizado, ou dele não poderá constar, o oficial que:

[…]

IV – estiver respondendo a inquérito por crime ou denunciado pelo mesmo motivo, a critério da CPO.’ (grifei)

Logo, a literalidade da norma não deixa dúvidas quanto à necessidade de exclusão do quadro de acesso à promoção de qualquer policial que esteja respondendo a processo criminal.

Sobre o assunto, já se manifestou este Tribunal de Justiça:

MANDADO DE SEGURANÇA – MILITAR QUE RESPONDE A PROCESSO-CRIME – EX-CLUSÃO DO QUADRO DE ACESSO À PROMOÇÃO – INOCORRÊNCIA DE OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA – INVOCAÇÃO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO À PROMOÇÃO COM BASE EM SUPOSTA AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO DO ATO ACOIMADO DE COATOR – 1. Muito embora a promoção seja um legítimo direito dos policiais militares, está ela condicionada ao preenchimento dos requisitos legais, um dos quais é o de que o militar não responda a qualquer processo criminal, o que, se ocorrente, como é o caso, autoriza a exclusão do seu nome dos respectivos quadros de acesso. 2. Conforme jurisprudência já pacificada do STF e do STJ, a exclusão do militar da lista de promoção e ascensão na carreira, por responder a processo-crime, não viola o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, até porque, comprovada a sua eventual inocência, fará ele jus à promoção em ressarci-mento de preterição. 3. Ainda que se partisse da premissa de ausência de motivação do ato coator para reconhecer a sua nulidade, essa circunstância, por si só, não asseguraria ao impetrante o direito à pretendida promoção, pois não consta nestes autos que os ilíci-tos penais a ele atribuídos foram praticados em consequência do serviço, que é uma das exigências legais para possibilitar a inclusão. Segurança denegada. (TJGO, Mandado de Segurança nº 86029-42.2014.8.09.0000, Rel. Des. Zacarias Neves Coelho, 2ª C.Cív., Julgado em 27.05.2014, DJe 1557 de 05.06.2014) (grifei)

MANDADO DE SEGURANÇA – PROMOÇÃO DE SARGENTO DA PMGO – EXCLUSÃO DO QUADRO DE ACESSO À PROMOÇÃO – PROCESSO CRIMINAL – AUSÊNCIA DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – SEGURANÇA DENEGADA – I – Não se verifica violação a direito líquido e certo do postulante a exclusão de seu nome do quadro de acesso a promoção por antiguidade em virtude de estar ele respondendo a processo instaurado

174 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

para apuração da prática de ilícito penal. II – A exclusão do militar da lista de promo-ção, nessa hipótese, mesmo que o processo esteja em trâmite, não viola o princípio da presunção de inocência, estatuído no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal, segun-do orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal. III – A Lei nº 15.704/2006, art. 12, assegura ao militar o ressarcimento da preterição no caso deste ser absolvido no processo criminal, resguardando a promoção ao posto militar a que tinha direito. Se-gurança denegada. (TJGO, Mandado de Segurança nº 263348- 31.2013.8.09.0000, Rel. Des. Alan S. de Sena Conceição, 5ª C.Cív., Julgado em 30.01.2014, DJe 1480 de 06.02.2014) (grifei) [...]”

6861 – Militar – transferência – motivação prévia – exigência

“Mandado de segurança. Transferência de militar. Exigência de motivação prévia ou contem-

porânea. Transferência anulada. Segurança concedida. 1. No presente caso, restou caracteri-

zado que a motivação foi posterior à realização do ato, sendo que tal prática é inadequada, eis

que abre ao Estado a possibilidade de conformação de motivação onde antes não existia. 2. A

motivação deve ser exarada previamente, ou, pelo menos, contemporaneamente ao ato prati-

cado. 3. A anulação do ato de transferência não significa intromissão indevida na atuação es-

tatal, representando legítimo exercício de controle dos atos administrativos, inerente à função

que compete ao Poder Judiciário. 5. Segurança concedida.” (TJPI – MS 2013.0001.002236-1

– TP – Rel. p/o Ac. Ricardo Gentil Eulálio Dantas – DJe 29.10.2014 – p. 38)

6862 – Políticas públicas – fornecimento de medicamentos – óbito do paciente – sobra – devolução ao ente – cabimento

“Administrativo. Sistema Único de Saúde. Fornecimento de medicamento. Óbito do paciente.

Devolução da sobra ao ente que adquiriu cabimento. 1. Trata-se de apelação de sentença da

lavra do MM. Juiz federal da 5ª Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, que extin-

guiu, sem resolução de mérito, o feito visando ao fornecimento de medicamento, em razão

do óbito do postulante. Restou consignado que a Liga Norte-Riograndense Contra o Câncer

devolva à União o restante do valor (fl.99) liberado e não empregado no tratamento do fale-

cido autor. 2. Na hipótese vertente, o autor ajuizou a presente ação em face da União e do

Estado do Rio Grande do Norte visando ao fornecimento de medicamento de alto custo, no

intuito de combater a patologia de que era portador. 3. Entretanto, a advogada do autor atra-

vessou petição, em 17.05.2013, informando o seu falecimento e requerendo que fosse dada

destinação ao medicamento adquirido pelos demandados e não utilizado pelo demandante.

4. No caso dos autos, o ilustre sentenciante autorizou a Liga Norte-Rio-Grandense contra o

Câncer a utilizar a sobra do medicamento adquirido para tratamento do paciente José Rufino

de Freitas, no tratamento de outros pacientes incluídos na Rede de Atendimento Oncológica.

5. Outrossim, restou consignado, em sede de embargos de declaração, que a Liga Norte-

-Riograndense Contra o Câncer devolva à União o restante do valor (fl.99) liberado e não

empregado no tratamento do falecido autor. 6. No tocante à devolução da sobra do medica-

mento, objeto do recurso interposto pela União, entendo que tais medicamentos devem ser,

de fato, devolvidos ao Sistema Único de Saúde, já que foram por este adquiridos, no intuito

de serem aproveitados da melhor forma possível. Apelação da União provida para garantir

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������175

a devolução das sobras do medicamento adquirido ao Ministério da Saúde.” (TRF 5ª R. – AC 0006575-48.2012.4.05.8400 – (572003/RN) – 1ª T. – Rel. Des. Fed. José Maria de Oliveira Lucena – DJe 23.10.2014)

6863 – Políticas públicas – fornecimento de medicamento não padronizado pelo SUS – Po­der Judiciário – interferência – vedação

“Administrativo. Fornecimento de medicamento não padronizado pelo SUS. Vedação da in-terferência do Judiciário na implementação de políticas públicas. Violação ao princípio da isonomia. 1. Cuidando primeiramente do agravo retido interposto pela União (fls. 97/109), conquanto sua apreciação não tenha sido requerida em apelação (art. 523, § 1º, do CPC ), o recurso pode ser conhecido por força da remessa necessária. Todavia, não se conhecerá do agravo, porquanto se insurge contra o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela, questão superada com a prolação de sentença, e porque a ilegitimidade passiva ad causam também é suscitada nas razões de apelação, em cujo julgamento a preliminar será apreciada. 2. Não estando o medicamento pleiteado – Ursacol ® 300 mg (ácido ursodesoxicólico) – listado na Portaria nº 1.554/2013 do Ministério da Saúde, não há como adotar a divisão de competências nela prevista para afastar a responsabilidade da União pelo seu fornecimento, razão pela qual deve ser rejeitada a sua ilegitimidade passiva ad causam. 3. A princípio, não deve haver interferência casuística do Judiciário na distribuição de medicamentos, tendo em vista que tal gestão deve observar o princípio constitucional do acesso universal e igualitário às ações e prestações de saúde, apresentando-se viável através de políticas públicas que ve-nham a repartir os recursos da forma mais eficiente possível, e não de forma individualizada. 4. De fato, vê-se o crescimento da parcela do orçamento dos Entes Públicos destinada ao cumprimento de decisões judiciais que determinam o fornecimento de medicamentos, sendo que tal situação acarretará, num futuro não muito distante, o colapso do próprio sistema de saúde, vez que a implementação das políticas públicas exige a alocação de recursos, que, por sua vez, são limitados. 5. Não há comprovação de que o tratamento fornecido pelo SUS seja contra-indicado ao paciente, levando em consideração sua situação clínica e laborato-rial individual, pois o próprio médico do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho não consignou em seu laudo que a medicação prescrita seria a única possibilidade para o com-bate à enfermidade que lamentavelmente acometeu o autor (colangite esclerosante primária). 6. Agravo retido não conhecido, remessa necessária e apelação da União providas. Prejudi-cadas as apelações do Estado do Rio de Janeiro e do Município do Rio de Janeiro.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2010.51.01.011057-7 – 7ª T.Esp. – Rel. Juiz Fed. Conv. José Arthur Diniz Borges – DJe 28.10.2014)

6864 – Processo administrativo – licitação – irregularidades – apuração – provas – indefe­rimento – penalidade – aplicação – contraditório e ampla defesa – violação

“Administrativo e processual civil. Processo administrativo para apuração de irregularidades em procedimento de licitação. Indeferimento de provas. Aplicação de penalidade de sus-pensão temporária de contratar com a Administração. Violação ao contraditório e à ampla defesa (Constituição Federal, art. 5º, inciso LV). Nulidade. Ocorrência. Apelação. Provimento. 1. O contraditório e a ampla defesa devem ser assegurados tanto no âmbito judicial quanto no administrativo, na forma do art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal. O indeferimento

176 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

de provas, no âmbito administrativo, deve observar o disposto no § 2º do art. 38 da Lei nº 9.784/1999, verbis: ‘Somente poderão ser recusadas, mediante decisão fundamentada, as provas propostas pelos interessados quando sejam ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias’. 2. Hipótese em que todas as provas requeridas na esfera administrativa foram indeferidas, à simples alegação de serem desnecessárias. 3. No processo judicial, a questão é disciplinada pelo art. 130 do Código de Processo Civil, segundo o qual ‘caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias à instrução do proces-so, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias’. Essa regra, todavia, não autoriza o Magistrado a indeferir, desmotivadamente, todas as provas requeridas pela parte. 4. Sentença reformada. 5. Apelação provida.” (TRF 1ª R. – AC 0042709-84.2011.4.01.3400/DF – 6ª T. – Rel. Des. Fed. Daniel Paes Ribeiro – DJe 22.09.2014 – p. 244)

Comentário Editorial SÍNTESEA apelação é oriunda de sentença que julgou improcedente o pedido de anulação de penalidade aplicada pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT à apelante, em virtude de supostas ilicitudes verificadas em procedimento licitatório.

Em suas razões, a apelante sustenta que o juiz indeferiu genericamente as provas por ela requeridas, cerceando o seu direito de defesa. Alega que as provas requeridas teriam o objetivo de demonstrar que não houve a prática de irregularidades que ensejaram a aplicação da sanção de suspensão temporária de contratar com a Administração, pelo prazo de cinco anos.

Enfatizou que o procedimento administrativo que culminou com a aplicação da penali-dade está eivado de nulidade, pois as provas que o embasaram foram unilateralmente produzidas em processos em que não houve a participação da apelante, tratando-se, assim, de provas emprestadas.

Concluiu, portanto, que houve duplo cerceamento de defesa. Primeiramente, no proces-so administrativo e, em seguida, no próprio processo judicial.

Assim, almeja a reforma da sentença, a fim de afastar a penalidade imposta ou, suces-sivamente, seja restringida a sanção ao âmbito da ECT, ou, finalmente, seja reduzida a penalidade ao prazo de dois anos, de acordo com o art. 87 da Lei nº 8.666/1993.

Na análise recursal, a 6ª Turma do TRF 1ª Região deu provimento à apelação, para a reforma da sentença e declaração de nulidade do processo administrativo e, consequen-temente, da penalidade aplicada, pois considerou que não houve observância do devido processo legal administrativo, afrontando, assim, o contraditório e a ampla defesa.

Do voto do Relator destacamos o trecho que segue:

“[...] No caso sob exame, é fácil concluir que essas garantias não foram asseguradas à ora apelante, que se viu punida com sanção gravíssima (suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração por cinco anos), sem que lhe fosse permitido produzir prova tendente a demonstrar a lisura de seu procedimento.

Desse modo, não posso concordar com o ilustre Magistrado sentenciante quando enten-de que as provas requeridas pela autora são impertinentes, pois serviriam apenas para fornecer elementos para que o juízo ‘adentrasse o mérito do ato administrativo combati-do, o que é vedado pelo ordenamento jurídico’ (fl. 1175).

Confira-se a fundamentação da sentença, no ponto (fl. 1175):

Com efeito, a análise da questão objeto destes autos deve ser feita unicamente no que diz respeito aos aspectos formais do processo administrativo e não no que se refere à apreciação das provas em que se baseou a Administração para aplicar à autora a

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������177

penalidade de suspensão do direito de licitar, sendo suficientes os documentos que já encadernados.

O Judiciário não pode substituir o Administrador no seu exercício punitivo (na seara administrativa) e na prerrogativa do exercício da autotutela. Pode, sim, fazer o controle dos atos da Administração, a fim de verificar a sucessão de atos de acordo com os ditames do ordenamento jurídico.

No caso, a parte quer que este juízo produza provas que foram negadas na esfera ad-ministrativa. Trata-se de total impertinência. O que o Judiciário pode fazer é examinar se a negativa de prova implicou em violação à ampla defesa e, com base nisso, even-tualmente anular o procedimento administrativo. Ocorre que isso é bastante diferente do que a parte requer. A empresa deseja que aqui sejam colhidas as provas que foram negadas na esfera administrativa, a fim de que se possa verificar se havia respaldo à aplicação das penalidades. Não faz sentido!

Nesse diapasão, não constato a existência de vícios no processo administrativo que possam levar à sua anulação.

É preciso salientar, primeiramente, que a empresa autora não deseja que o juízo ‘produ-za as provas que foram negadas na esfera administrativa’. Pretende, isso sim, que seja declarada a nulidade do processo administrativo, em razão da não produção das provas que considera serem necessárias ao esclarecimento dos fatos que lhe foram imputados, sustentando que o indeferimento dessas provas configurou cerceamento de seu direito de defesa.

Entendo, por outro lado, que o Judiciário pode, sim, fazer a apreciação das provas em que se baseou a Administração para aplicar à autora a penalidade ora impugnada, não se tratando, nessa hipótese, de adentrar o mérito do ato administrativo, mas de fazer o controle dos atos administrativos, o que é legítimo, como o reconhece o próprio juiz sentenciante.

[...]

Ao que se observa, a autora foi apenada com base unicamente em indícios, visto que não foram produzidas provas no processo administrativo, concluindo o julgador que ‘a prova documental juntada ao procedimento administrativo era suficiente à formação do convencimento dos julgadores administrativos’.

Assim não entendo, todavia, pois considero que não foi observado o devido processo legal administrativo, com ofensa ao contraditório e à ampla defesa, pelo que não pode prevalecer a sanção imposta. [...].”

6865 – Recurso administrativo – devido processo legal – obrigatoriedade

“Reexame necessário. Mandado de segurança. Recurso administrativo. Direito ao contradi-tório e ao devido processo legal na esfera administrativa. Obrigatoriedade do duplo grau de jurisdição também na esfera administrativa. Existindo a possibilidade de recurso administrati-vo deve ser garantido o duplo grau de jurisdição. Art. 5º, incisos XXXIV e LV da Constituição Federal. Existência de outro débito tributário cuja exigibilidade não fora questionada. Impos-sibilidade de expedição da certidão positiva com efeitos negativos. Segurança parcialmente concedida. Sentença ratificada. 1. O direito de recurso, em procedimentos dessa espécie, reúne a qualidade de um princípio geral do direito e também de um direito fundamental, gozando de proteção constitucional tanto no direito de petição, como no contraditório, con-forme reza a inteligência do art. 5º, incisos XXXIV e LV, da Constituição Federal. 2. Declarada a inconstitucionalidade incidental do inciso I do § 1º do art. 570-E do Regulamento do ICMS,

178 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

inserido pelo art. 1º, VII, do Decreto Estadual nº 1.747, de 23.12.2008, para possibilitar, no caso concreto, que a impetrante, se assim desejar, interponha recurso administrativo de deci-sões administrativas de dívidas fiscais inferiores a 5000 UPFMT.” (TJMT – RN 135529/2012 – Relª Desª Maria Erotides Kneip Baranjak – DJe 27.10.2014)

6866 – Registro profissional – Conselho Regional de Contabilidade – reativação – exame de suficiência – exigência – ilegalidade

“Mandado de segurança. Administrativo. Reativação de registro profissional de contabilidade no CRC/RJ. Ilegalidade da exigência do exame de suficiência (Lei nº 12.249/2010). Direito adquirido da impetrante. Remessa necessária desprovida. 1. O cerne da controvérsia reside em verificar a legalidade do ato da autoridade coatora de exigir que a impetrante se submeta a ‘exame de suficiência’ como requisito para o seu registro definitivo junto ao Conselho Re-gional de Contabilidade do Estado do Rio de Janeiro, considerando-se que o aludido exame passou a ser exigido após o advento da Lei nº 12.249/2010, que alterou a redação do art. 12 do Decreto-Lei nº 9.295/1946, ou seja, após o registro definitivo da Impetrante, ocorrido em 2001. 2. A Impetrante, por sua condição de contadora inscrita em 2001, ou seja, antes das alterações promovidas pela Lei nº 12.249/2010, detém direito adquirido à reativação de seu registro no CRC/RJ sem submissão ao Exame de Suficiência, afinal, se na vigência da norma anterior o Impetrante mostrava-se habilitado ao exercício da profissão, é certo, então, que quaisquer novas exigências feitas pelo CRC/RJ, para restabelecimento do seu registro con-traria o princípio da segurança jurídica e afronta o art. 5º, XXXI, da Constituição Federal de 1988. 3. Remessa necessária desprovida. Sentença confirmada.” (TRF 2ª R. – REO 0009332-74.2013.4.02.5001 – 5ª T.Esp. – Rel. Des. Marcus Abraham – DJe 30.09.2014)

6867 – Responsabilidade civil do Estado – acidente de trânsito – ônibus municipal – trans­porte de estudantes – indenização devida

“Administrativo. Responsabilidade civil. Acidente de trânsito. Falecimento da passageira de ônibus fornecido pelo município para transporte de estudantes. Dano moral. Perda de familiar próximo. Genitora e esposa dos recorrentes. Indenização por dano moral. Valor irrisório. Vio-lação dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 1. Em regra, não cabe ao Superior Tribunal de Justiça, por meio de recurso especial, a análise fático-probatória, admitindo-se a modificação do valor arbitrado a título de indenização por danos morais apenas quando este se mostrar irrisório ou exorbitante, sob a ótica da proporcionalidade e razoabilidade. 2. No caso, trata-se de ação indenizatória ajuizada em razão da morte de familiar próximo – mãe e esposa – dos recorrentes, em acidente envolvendo ônibus fornecido pelo município para transporte de estudantes. 3. À luz da razoabilidade, mostra-se irrisória a indenização fixada pela instância ordinária (R$ 15.000,00 para cada postulante), especialmente quando observa-da a extensão do dano. 4. Esta Corte Superior, em julgado recente da Corte Especial, versando sobre dano moral decorrente de morte por acidente, fixou a indenização por dano moral em R$ 130.000,00, valor a ser pago individualmente a cada parente próximo (EREsp 1.127.913/RS Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Corte Especial, DJe 05.08.2014). 5. Recurso especial provido a fim de majorar a indenização por danos morais a R$ 130.000,00, para cada um dos recorrentes.” (STJ – REsp 1.160.261 – (2009/0188151-4) – 2ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJe 26.09.201)

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������179

6868 – Responsabilidade civil do Estado – CPF – cancelamento indevido – dano moral – configuração

“Responsabilidade civil do Estado. Cancelamento indevido do CPF. Dano moral configurado. Juros moratórios e correção monetária. 1. Conquanto a apreciação do agravo retido interpos-to pela União não tenha sido requerida em contrarrazões (art. 523, § 1º, do CPC), o recurso poderia ser conhecido por força da remessa necessária. Todavia, não o será por perda de seu objeto, porquanto se insurge contra o deferimento da antecipação dos efeitos da tutela. 2. Cuida-se de cancelamento do CPF da apelante, por ter apresentado declaração de isenção de imposto de renda em lugar da declaração de pessoa física, vez que figura como sócia de três sociedades empresárias. 3. Em lugar da improcedência, o processo deve ser extinto sem resolução do mérito quanto ao pedido de declaração de nulidade de quaisquer contratos sociais ou alterações contratuais em que a autora figure como sócia das sociedades empre-sárias a que estava vinculada na Secretaria da Receita Federal, vez que não constam do polo passivo da demanda, além de ter sido declarada pela Justiça Estadual a nulidade da alteração contratual que fraudulentamente a incluiu como sócia de uma das empresas (art. 267, V e VI, do CPC). 4. Após a comprovação da fraude na Justiça Estadual, o CPF da autora permaneceu cancelado, por ainda estar vinculado a outras duas empresas. Restou comprovado que a au-tora nunca compôs o quadro societário da primeira e, quanto à segunda, sequer consta junto à Jucerja o registro do respectivo ato constitutivo, o que evidencia falha da Receita Federal na administração do cadastro. 5. Caracterizada a responsabilização civil do Estado, já que a con-duta administrativa provocou o dano suportado pela apelante, que teve seu CPF indevidamen-te vinculado àquelas sociedades e permaneceu com sua inscrição cancelada desde 2003 até 2011, fato que excede os limites do mero dissabor resultante de aborrecimentos cotidianos. 6. Mostra-se razoável o valor arbitrado na sentença (R$ 5.000,00), bastante para compensar o dano suportado pela autora e conciliar efetivamente a pretensão compensatória com a ve-dação ao enriquecimento sem causa. 7. Em relação aos índices de correção monetária e juros moratórios, deve prevalecer o posicionamento do eg. STF, no sentido de ser aplicado o art. 5º da Lei nº 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997, para correção monetária e juros, até que a Corte Suprema se manifeste sobre o pedido de modulação dos efeitos da inconstitucionalidade declarada nas ADIns 4.357 e 4425, conforme decidido nas Reclamações nºs 17.251 (Rel. Min. Dias Toffoli), 16.745 e 17.281 (Rel. Min. Teori Zavascki). 8. Agravo retido não conhecido, remessa e apelação da autora parcialmente providas.” (TRF 2ª R. – AC 2008.51.01.017826-8 – 7ª T.Esp. – Rel. Des. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho – DJe 01.10.2014)

6869 – Responsabilidade civil do Estado – preso – suicídio – indenização – cabimento

“Processual civil. Administrativo. Agravo regimental no agravo de instrumento. Suicídio de preso custodiado em unidade prisional. Responsabilidade civil do Estado. Indenização por dano material. Presunção de contribuição no sustento da família de baixa renda. Reexame de provas. Impossibilidade. 1. O acórdão regional está em consonância com o entendimento registrado nesta Corte Superior, no sentido que responde o Estado pelo suicídio ocorrido no interior de estabelecimento prisional. Nesse sentido, dentre outros: AgRg-AREsp 474.233/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 22.04.2014, DJe 18.06.2014. 2. Esta Corte

180 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

também já se posicionou no sentido de que ‘é devida a indenização de dano material consis-tente em pensionamento mensal aos genitores de menor falecido, ainda que este não exerça atividade remunerada, posto que se presume ajuda mútua entre os integrantes de famílias de baixa renda’ (AgRg-REsp 1.228.184/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., Julgado em 28.08.2012, DJe 05.09.2012). 3. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimen-to.” (STJ – AgRg-AI 1.307.100 – (2010/0083398-5) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 24.10.2014)

6870 – Servidor público – abandono de cargo – faltas injustificadas – demissão – possibili­dade

“Administrativo. Servidor público. Processo administrativo disciplinar. Demissão. Abando-no de cargo. Inassiduidade. Faltas injustificadas. 1. Comprovada a ausência injustificada ao serviço por prazos superiores aos previstos nos arts. 138 e 139 da Lei nº 8.112/1990, correta está a pena de demissão aplicada. 2. Ainda que os atestados tivessem sido entregues ao setor competente, dentro do prazo legal – o que não ocorreu –, as faltas não estariam justificadas por inobservância do art. 203 da Lei nº 8.112/1990, o qual estabelece que a licença para tra-tamento de saúde será concedida com base em perícia médica, sendo aceito atestado passado por médico particular apenas excepcionalmente (§ 2º), somente produzindo efeitos depois de recepcionado pela unidade de recursos humanos do órgão ou entidade (§ 3º). 3. O fato de o apelado ter ingressado no serviço público em 01.03.1982 evidencia que ele sabia da necessi-dade de comunicar a enfermidade ao setor competente e apresentar os respectivos atestados médicos, submetendo-se a exames periódicos e perícia, nos termos da Lei nº 8.112/1990, demonstrando sua total omissão, inclusive após visita domiciliar e agendamento de exame, em descaso com o cargo público, a caracterizar o animus de abandono do cargo. 4. Recurso e reexame necessário providos.” (TRF 2ª R. – Ap-RN 2010.50.50.005701-2 – 7ª T.Esp. – Rel. Des. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho – DJe 01.10.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 8.112/1990:

“Art. 138. Configura abandono de cargo a ausência intencional do servidor ao serviço por mais de trinta dias consecutivos.

Art. 139. Entende-se por inassiduidade habitual a falta ao serviço, sem causa justifica-da, por sessenta dias, interpoladamente, durante o período de doze meses.”

6871 – Servidor público – abandono de cargo – mais de trinta dias – exoneração ex officio – impossibilidade

“Administrativo. Mandado de segurança. Servidor público. Abandono do cargo por mais de trinta dias. Prescrição da pretensão punitiva. Exoneração ex officio. Impossibilidade. 1. Re-conhecida pela própria administração a impossibilidade de aplicação da pena de demissão a servidor público que abandona o cargo por mais de 30 dias, tendo em vista a prescrição da pretensão punitiva, é vedada sua exoneração ex officio, reservada às hipóteses taxativamente

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������181

previstas no art. 34, parágrafo único, I e II, da Lei nº 8.112/1990. Precedentes. 2. Tratando-se de mandado de segurança, os efeitos financeiros somente retroagem à data da impetração, nos moldes das Súmulas nºs 269 e 271 do STF. 3. Segurança concedida.” (STJ – MS 10.588 – (2005/0065035-7) – 3ª S. – Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz – DJe 02.09.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de mandado de segurança impetrado por um servidor público contra ato pra-ticado pelo Ministro de Estado da Fazenda, que o exonerou, ex officio, do cargo de datilógrafo, do quadro de pessoal do extinto Território Federal do Amapá.

Segundo o impetrante, no dia 21 de novembro de 1996, aderiu a programa de desli-gamento voluntário instituído pelo Governo Federal e, diante da demora na tramitação do respectivo processo administrativo, se ausentou de suas atividades a partir do mês de janeiro do ano seguinte, assim permanecendo por dezessete meses consecutivos, até sua recondução às funções laborais a partir de novembro de 1999.

Relata que, em virtude da ausência injustificada por prazo superior a 30 dias, respondeu a processo administrativo disciplinar por abandono de emprego, o qual foi concluído somente após o transcurso do prazo prescricional quinquenal, conforme reconhecido pela própria Administração.

Diante disso, almeja a concessão da segurança para que seja reconhecida a nulidade da Portaria nº 437, de 28 de dezembro de 2004, que o exonerou do serviço público, determinando-se sua imediata reintegração ao cargo que ocupava, com efeitos financei-ros retroativos à data do seu desligamento.

A 3ª Seção do STJ, ao analisar o presente mandamus, reconheceu a ilegalidade da exo-neração ex officio, já que ficou constatada a prescrição da pretensão punitiva.

Sobre isso, o Relator, em seu voto, citou os seguintes precedentes:

“[...] Nesse sentido, os seguintes julgados:

MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL – ABANDONO DE CARGO – RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO POR PARTE DA AD-MINISTRAÇÃO – EXONERAÇÃO DE OFÍCIO – IMPOSSIBILIDADE – OFENSA AO PRIN-CÍPIO DA LEGALIDADE – [...] 5. Versa a controvérsia sobre a possibilidade de punir servidor estável com a exoneração de ofício, em caso de abandono de cargo, quando a própria Administração reconhece que o prazo prescricional já expirou. 6. A conduta da autoridade apontada como coatora, exonerando ex officio o impetrante, viola o princípio da legalidade, pois inocorrentes na espécie as hipóteses do art. 34, parágrafo único, I e II, da Lei nº 8.112/1990. 7. Mandado de segurança concedido. (MS 12674/DF, Rel. Min. Haroldo Rodrigues (Desembargador Convocado), 3ª Seção, DJe 24.11.2010)

MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – PROCESSO DISCIPLINAR – CER-CEAMENTO DE DEFESA OCORRÊNCIA – AUSÊNCIA DE ADVOGADO CONSTITUÍDO E DE DEFENSOR DATIVO – PRECEDENTES DESTA CORTE – EXONERAÇÃO EX OFFICIO – SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE DEMISSÃO RECONHECIDAMENTE PRESCRITA – DES-VIO DE FINALIDADE – ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA – [...] 3. A exoneração ex officio, de que trata o art. 34 da Lei nº 8.112/1990, não se destina a resolver os casos em que não se pode aplicar a demissão, em virtude de se ter reconhecida pela Admi-nistração a prescrição da pretensão punitiva estatal. Desse modo, eivado de nulidade o ato exoneratório, por evidente ofensa ao princípio da legalidade. Precedentes. 4. A teor das Súmulas nºs 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal, o mandado de segurança é distinto da ação de cobrança, não se prestando, portanto, para vindicar a concessão de efeitos patrimoniais pretéritos. 5. Writ parcialmente concedido. (MS 7239/DF, Relª Min. Laurita Vaz, 3ª Seção, DJ 13.12.2004)

182 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

MANDADO DE SEGURANÇA – ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – PROFES-SORA UNIVERSITÁRIA – ABANDONO DE CARGO – RECONHECIMENTO DA PRES-CRIÇÃO – EXTINÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA – IMPOSSIBILIDADE DA DEMISSÃO – ILEGALIDADE DA EXONERAÇÃO EX OFFICIO – OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGA-LIDADE – INTELIGÊNCIA DO ART. 34 DA LEI Nº 8.112/1990 – I – A exoneração ex officio (art. 34 da Lei nº 8.112/1990), não se destina a resolver os casos em que não se pode aplicar a demissão. II – Cometida a infração disciplinar, o direito abstrato de punir do ente administrativo convola-se em concreto. Todavia, o jus puniendi só pode ser exercido dentro do prazo prescrito em lei. Na hipótese dos autos, foi apurado que a servidora abandonou o Cargo de Professora Universitária na Universidade Federal do Ceará. Todavia, a Administração somente instaurou o processo administrativo disciplinar quando já havia expirado o prazo prescricional. Desta forma, inviável a declaração de sua exoneração ex officio, especialmente por se tratar de servidora efetiva e estável, não incidindo nenhuma das hipóteses do art. 34 da Lei nº 8.112/1990. III – O princípio da legalidade preconiza a completa submissão da Administração às leis. In casu, o ato atacado denotou postura ilegal por parte da própria Administração, já que a solução en-contrada objetivou, apenas, minorar os efeitos da sua própria inércia ao não exercer um poder-dever. Neste aspecto, a adoção da tese defendida implica em verdadeira violação ao ordenamento jurídico. IV – Reconhecida a prescrição, impõe-se declarar a extinção da punibilidade, tornando-se nula a Portaria exoneratória, a fim que a servidora seja reintegrada ao serviço público. V – Segurança concedida. (MS 7318/DF, Rel. Min. Gilson Dipp, 3ª Seção, DJ 07.10.2002)”

Além disso, enfatizou que o impetrante deverá ser ressarcido dos vencimentos a que faria jus desde o desligamento indevido, com o intuito de restabelecer a situação injus-tamente desconstituída.

Por fim, concedeu a segurança para que seja determinada a reintegração do impetrante e que retroajam os efeitos funcionais à data do ato que o excluiu do serviço público.

6872 – Servidor público – adicional noturno – remuneração paga em quantia maior – res­sarcimento – impossibilidade – verba alimentar – recebimento – boa­fé

“Direito administrativo. Adicional noturno. Remuneração paga em quantia maior que a de-vida. Pretensão da administração de ressarcimento. Impossibilidade. Recebimento de boa-fé. Verba alimentar. 1. Em sendo o erro de cálculo atribuído exclusivamente à administração, impossível determinar a restituição aos cofres públicos da remuneração percebida a maior a título de adicional noturno, tendo em vista que o servidor público não pode ser compelido a devolver ao erário verba de caráter alimentar percebida de boa-fé. 2. Recurso provido.” (TJDFT – Proc. 20120111876037 – (820473) – Relª Desª Leila Arlanch – DJe 25.09.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RSDA nº 45, set./2009, ementa nº 2835, no mesmo sentido.

6873 – Servidor público – agente penitenciário – adicional de insalubridade – cabimento

“Processual civil e administrativo. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Servidor público estadual. Agente penitenciário. Adicional de insalubridade. Acórdão a quo funda-do nos fatos da causa e na legislação local. Revisão. Impossibilidade. Súmulas nºs 7/STJ e 280/STF. 1. No caso concreto, o Tribunal de origem reconheceu o direito do agravado à percepção do adicional de insalubridade, amparando-se nas disposições da Lei Estadual

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������183

nº 2.165/2009 e no laudo pericial acostado ao mandamus, o qual reconheceu a presença de insalubridade na atividade dos agentes penitenciários, de modo que a desconstituição desse entendimento encontra óbice nas Súmulas nºs 280/STF e 7/STJ. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 512.903 – (2014/0106529-8) – 1ª T. – Rel. Min. Benedito Gonçalves – DJe 02.10.2014)

6874 – Servidor público – contratação – concurso público – ausência – improbidade admi­nistrativa – configuração

“Ação civil pública. Contratação de servidor sem prévio concurso público. Necessidade tem-porária de excepcional interesse público não demonstrada. Configurado o ato de improbida-de administrativa previsto no art. 11, caput e inciso V, da Lei nº 8.429/1992. Violação dos princípios da administração previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal. Aplicação das sanções correspondentes. O autor não comprovou, de forma inequívoca, o efetivo dano sofrido, pois, ainda que irregular a contratação, os serviços foram prestados, atendendo aos interesses da Municipalidade e dos munícipes. A Administração Pública não pode tirar provei-to da atividade do particular sem o correspondente pagamento. Ausência de dano ao erário, posto que era mesmo devida a remuneração do funcionário pelo serviço prestado. Prelimi-nares afastadas. Recursos parcialmente providos.” (TJSP – Ap 9191238-48.2006.8.26.0000 – 7ª CDPúb. – Rel. Moacir Peres – DJe 27.10.2014)

6875 – Servidor público – efeitos remuneratórios – Lei de Responsabilidade Fiscal – inapli­cabilidade

“Administrativo. Servidor público. Implantação dos efeitos remuneratórios da Lei Estadual nº 9.341/2010. Lei de Responsabilidade Fiscal. Inaplicabilidade. Precedentes. 1. Os limi-tes previstos nas normas da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), mormente os relaciona-dos às despesas com pessoal de ente público, não são aptos a justificar o descumprimento dos direitos subjetivos dos servidores (e.g.: AgRg-AgRg-AREsp 86.640/PI, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 09.03.2012; AgRg-RMS 30.359/RO, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, DJe 11.10.2012). 2. As restrições sobre as despesas com pessoal, previstas na Lei de Responsa-bilidade Fiscal, também não incidem quando decorrerem de decisões judiciais, nos termos do art. 19, § 1º, IV, da LC 101/2000 (v.g.: AgRg-REsp 1322968/AL, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 18.03.2013). 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 572.903 – (2014/0219248-7) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 28.10.2014)

6876 – Servidor público – empregado público – contratação temporária – leis trabalhistas – inaplicabilidade

“Direito administrativo e processual civil. Contratação temporária. Empregado público. Lega-lidade da contratação. Leis trabalhistas. Inaplicabilidade. A contratação de empregado públi-co sob a égide da lei que autoriza o contrato de natureza temporária, ainda que haja prorroga-ção do vínculo, não deve ser regido pelas normas de natureza trabalhista, senão pelas regras de direito administrativo. Não é cabível condenação ao pagamento de Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FGTS, por se tratar de direito de natureza eminentemente trabalhista. Recurso conhecido e provido.” (TJAM – AC 0261337-69.2010.8.04.0001 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Domingos Jorge Chalub Pereira – DJe 22.09.2014)

184 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

6877 – Servidor público – estágio probatório – dispensa – legalidade

“Apelação. Mandado de segurança. Administrativo. Servidor público. Estágio probatório. Dis-pensa. Legalidade. Ato da administração que assegurou ao impetrante as garantias de con-traditório e da ampla defesa. Segurança denegada. Sentença mantida. 1. A faculdade de a Administração exonerar os servidores em estágio probatório não pode ser exercitada sem respeito aos princípios e garantias constitucionais. 2. Desde que exista um procedimento no qual se assegurou ao servidor a ampla defesa, o contraditório, e nesta causa o apelante teve pleno conhecimento da avaliação, apresentou pedido de cópia de documentos, porém não ofertou sua defesa administrativa oportunamente, mesmo assim, consideram-se preenchidos os requisitos constitucionais. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0009238-32.2011.8.26.0269 – 3ª CDPúb. – Rel. Amorim Cantuária – DJe 22.09.2014)

Destaque Editorial SÍNTESESelecionamos os seguintes julgados no mesmo sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL – MANDADO DE SEGURANÇA – EXONERAÇÃO DE SERVI-DOR PÚBLICO – AUSÊNCIA DE PRÉVIO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO – IM-POSSIBILIDADE – VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – SEGURANÇA CONCEDIDA – RECURSO IMPROVIDO – 1. É descabida a mera exoneração do servidor sem que lhe seja garantido o devido processo legal, o que significa comprometer o próprio estado de direito (art. 1º, CF). Ademais, até mesmo em casos de nulidade de contratação os tribunais superiores já entenderam que, ainda assim, é necessário garantir um processo idôneo. 2. Deve-se concluir pela presunção de validade dos atos administrativos de provimento dos cargos, de modo que a exoneração ad nutum de servidor efetivo, ainda que em estágio probatório, sem prévio processo administrativo, vai de encontro aos princípios constitucionais. 3. Conquanto o art. 41, § 1º, da Constituição Federal refira-se somente a servidor estável, não está autorizada a dispensa ad nutum de servidor em estágio probatório, haja vista que o § 4º do mesmo dispositivo exige a obrigatoriedade de avaliação especial de desempenho, retirando-se, portanto, essa livre discricionariedade. Inteligência das Súmulas nºs 20 e 21 do STF. 4. Assim, não havendo prévio procedimento administrativo, o Decreto que anulou a exo-neração dos servidores está eivado de vício de nulidade, razão pela qual deve ser man-tida a sentença que concedeu a segurança à impetrante. 5. Agravo improvido.” (TJMA, AgRg 3869/2014, (141451/2014), Rel. Des. Kleber Costa Carvalho, DJe 12.02.2014, p. 90) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 145000102862. Acesso em: 23 set. 2014)

“APELAÇÃO CÍVEL EM MANDADO DE SEGURANÇA – SERVIDOR PÚBLICO MUNICI-PAL – CARGO DE PROFESSOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA – ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – EXONERAÇÃO DE OFÍCIO – ESTÁGIO PROBATÓRIO – AVALIAÇÕES QUE DEMONS-TRAM INSUFICIÊNCIA NO EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES – OBSERVÂNCIA DO CONTRA-DITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – ATO QUE NÃO SE REVESTE DE ILEGALIDADE – NE-GAR PROVIMENTO AO RECURSO – 1. Observado o contraditório, a ampla defesa e a motivação suficiente à exoneração por avaliação negativa do estágio probatório, não se justifica a anulação do ato. 2. Não se deve confundir a dispensa de servidor, no estágio probatório, por apuração de ineficiência, com a pena de demissão por infração decor-rente de processo administrativo disciplinar, pois seus requisitos materiais e formais são distintos.” (TJMG, AC 1.0461.12.001326-7/001, 2ª C.Cív., Rel. Marcelo Rodrigues, DJe 07.05.2014) (Disponível em: online.sintese.com, sob o nº 146000140756. Aces-so em: 23 set. 2014)

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������185

6878 – Servidor público – estudante – horário especial – conveniência e oportunidade – sujeição

“Constitucional. Administrativo. Mandado de segurança. Servidor público estudante. Horário especial. Faculdade da administração pública, sujeita a juízos de conveniência e oportuni-dade. Segurança conhecida e denegada. 1. O funcionamento dos serviços públicos constitui matéria que se insere em âmbito de autotutela da administração, de forma que o horário de trabalho a ser cumprido pelo servidor público – vinculado que está ao exercício da atividade funcional –, é tema que se submete aos juízos administrativos de conveniência e oportunida-de. 2. O legislador estadual infraconstitucional deixou assentada, no art. 116 da Lei Estadual nº 0066, de 03.05.1993, a possibilidade da instituição de horário especial para o servidor estudante, previsão legal que concedeu à administração a faculdade de conceder ou não, a seu servidor, essa excepcional regalia, situação em virtude da qual se não deferido horá-rio especial ao servidor, haverá este de subordinar-se ao horário genérica e abstratamente fixado pela administração pública para os servidores em geral. 4. Mandado de segurança unanimemente conhecido e, no mérito, denegado, vencido o relator.” (TJAP – MS 0001061-47.2014.8.03.0000 – TP – Rel. Des. Constantino Brahuna – DJe 27.10.2014)

6879 – Servidor público – exercício de atividades insalubres – aposentadoria especial – concessão

“Apelação cível. Constitucional e administrativo. Servidor público. Exercício de atividades insalubres. Aposentadoria especial. Aplicação da legislação previdenciária do RGPS (Lei nº 8.213/1991). Matéria decidida pelo STF a partir do julgamento do MI 721. Limites do jul-gado que não contemplam o direito à conversão do tempo de serviço prestado em condições insalubres para comum, nem sua consequente averbação para fins de aposentadoria por idade ou tempo de contribuição. Gratuidade de justiça. Condenação em honorários advocatícios. Cabimento. Exigibilidade suspensa. Art. 12 da Lei nº 1.060/1950. Recurso do autor impro-vido e apelo da ré provido. 1. Trata-se de apelações cíveis impugnando sentença que, nos autos de ação de conhecimento, sob o rito comum ordinário, julgou improcedente o pedido de cômputo, como atividade especial, do período em que o autor percebeu adicional de insalubridade, considerando-se o fator 1.4, para que fosse refeito o seu cálculo de tempo de serviço, com a retroação do abono de permanência para a data em que, computado esse período adicional, teria preenchido o direito à percepção do adicional de insalubridade, com a devolução dos valores recolhidos a título de contribuição previdenciária a partir dessa nova data. 2. O cerne da controvérsia ora posta a deslinde cinge-se em analisar a possibilidade de conversão em comum do tempo de serviço trabalhado pelo servidor público em locais ou condições insalubres. Isso porque os demais pedidos formulados pelo autor, tal como o de retroação do abono de permanência e de devolução dos valores pagos a título de contribuição previdenciária, têm como premissa a admissibilidade daquela conversão. 3. Enfrentando a questão relacionada ao direito à aposentadoria nas condições previstas no § 4º do art. 40 da CF/1988, carente, porém, de regulamentação legal, o STF, a partir do julgamento do Mandado de Injunção nº 721, passou a preceituar que a omissão legislativa na regulamentação do refe-rido dispositivo constitucional deve ser suprida mediante a aplicação das normas do Regime Geral de Previdência Social previstas na Lei nº 8.213/1991 e no Decreto nº 3.048/1999. Isso,

186 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

porém, quando o próprio direito à aposentadoria especial restar obstaculado por força da omissão legislativa. 4. O suprimento normativo da questão ali tratada limitou-se a assegurar, nas hipóteses previstas no Texto Constitucional, o direito à aposentadoria especial mediante a aplicação dos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213/1991, não indo além a ponto de também assegurar e normatizar o direito à conversão de tempo de serviço especial em comum. 5. Segundo a jurisprudência firmada no STF, não se admite a conversão de períodos especiais em comuns, mas apenas a concessão da aposentadoria especial, condicionada à prova do exercício de atividades exercidas em condições insalubres. Apesar de ser permitida no RGPS, no serviço público é expressamente vedada a contagem de tempo ficto, com fundamento no art. 40, § 10, da Constituição (‘A Lei não poderá estabelecer qualquer forma de contagem de tempo de contribuição fictício’). Nesse sentido: MI 3875 AgRg/RS, Pleno, Relª Min. Cármen Lúcia, J. 09.06.2011, DJe 03.08.2011 e AgRg-Mandado de Injunção nº 1.929/DF, Rel. Min. Teori Zavascki. 6. O direito ao recebimento dos adicionais de periculosidade ou insalubridade não enseja o direito à obtenção da denominada aposentadoria especial ou contagem especial. Isto porque os pressupostos para a concessão de um e outro instituto são diversos. Conforme decisões da Justiça do Trabalho sobre a matéria, o contato intermitente com o agente nocivo não é suficiente para afastar o direito à percepção do adicional. Entretanto, no que tange à aposentadoria, a lei previdenciária exige que a exposição ao agente nocivo se dê de forma habitual, permanente e não intermitente. Ou seja, os requisitos para a percepção do adicional se apresentam com um minus em relação àqueles fixados para a contagem de tempo especial. 7. A jurisprudência já se pacificou no sentido de que o simples recebimento dos adicionais de periculosidade ou insalubridade pelo servidor não é suficiente para conferir ao tempo de serviço a qualidade de ‘especial’ para fins de aposentadoria. 8. A condenação da parte demandante, muito embora beneficiária da gratuidade de justiça, em honorários advocatí-cios, com a ressalva da suspensão de exigibilidade estatuída no art. 12 da Lei nº 1.060/1950, está em sintonia com a jurisprudência desta Corte e do eg. Superior Tribunal de Justiça. 9. Quanto ao valor a ser fixado a tal título, há que se levar em conta o disposto no § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil, que estabelece os critérios a serem observados pelo juiz, nas causas em que não houver condenação, ou seja, o grau de zelo com que foram condu-zidos os interesses do cliente, o lugar da prestação do serviço, a complexidade da causa e o tempo exigido para o serviço. 10. Tendo em vista a simplicidade da causa e o tempo decor-rido desde o ajuizamento da ação, a condenação do autor em honorários advocatícios, no montante de R$ 1.000,00 (mil reais), atende bem aos princípios da razoabilidade e da propor-cionalidade, bem como está em consonância com os critérios constantes no § 3º do art. 20 do Código de Processo Civil. 11. Apelação do autor improvida e apelo da ré provido.” (TRF 2ª R. – AC 0117449-02.2013.4.02.5118 – 6ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Carmen Silvia Lima de Arruda – DJe 12.09.2014)

6880 – Servidor público – imóvel funcional – ocupação – motivos – cessação – esbulho possessório – caracterização

“Administrativo e processual civil. Reintegração de posse. Imóvel funcional. Ocupação. Servi-dor civil. Esbulho possessório caracterizado. Condenação ao pagamento de aluguel a título de indenização por perdas e danos. Possibilidade. Legitimidade passiva ad causam. Honorários advocatícios. I – Caracterizado o esbulho possessório, decorrente da não devolução de imóvel

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������187

funcional após a cessação dos motivos que legitimaram a sua ocupação, como no caso, afi-gura-se legítima a pretendida reintegração do proprietário na sua posse, inclusive, em relação a terceiros eventualmente também ocupantes do imóvel em referência. II – A relação jurídica decorrente da cessão de imóvel funcional, para fins de ocupação por servidor público, possui natureza eminentemente administrativa, não se equiparando a contrato de locação. A todo modo, uma vez encerrada essa relação jurídica, cristalizada, no caso, pela superveniente aposentadoria do titular da permissão de uso do aludido imóvel, não mais subsiste a essência daquela relação jurídica inicialmente instaurada entre as partes envolvidas (natureza adminis-trativa), submetendo-se, agora, ao crivo do direito privado, notadamente em face do seu pos-terior falecimento, como na hipótese, a desautorizar, também sob esse enfoque, a extensão dos seus personalíssimos efeitos a terceiros. III – Na hipótese em comento, a manutenção do esbulho possessório pela ex-esposa do titular da permissão de uso do bem imóvel, do qual já se encontrava divorciada por ocasião do seu falecimento, autoriza o pagamento de indeniza-ção, por perdas e danos, correspondente ao valor do seu aluguel, observada a sua variação de mercado, desde a data da ciência do provimento sentencial de fls. 203 (15.05.2007). IV – A parte vencida deve arcar, integralmente, com o pagamento das custas processuais devidas e dos honorários advocatícios, fixados, na espécie, em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação corrigida. V – Apelação provida. Sentença reformada, em parte.” (TRF 1ª R. – AC 2008.01.00.008769-6/DF – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 24.10.2014)

6881 – Servidor público – idade superior a 70 anos – inatividade obrigatória

“Administrativo. Servidor público. Implemento da idade de 70 (setenta) anos. Inatividade obri-gatória e automática independentemente de qualquer requerimento do servidor. 1. O servidor conta com 72 anos e permanece em atividade exercendo suas funções. 2. À luz do inciso II, § 1º do art. 40 CFRB, o servidor público ao completar 70 (setenta) anos de idade não pode mais continuar no exercício da atividade, sendo sua retirada para a inatividade obrigatória e automática, e realizada independentemente de qualquer requerimento. 3. A administração não aposentou de oficio o agravado quando do implemento da idade limite, tampouco o afas-tou do serviço público. Recurso conhecido, porém desprovido.” (TJPA – AI 20133018994-0 – (139459) – 2ª C.Cív.Isol. – Relª Celia Regina de Lima Pinheiro – DJe 29.10.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:

“Art. 40. Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§ 1º Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma dos §§ 3º e 17:

[...]

II – compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição; [...]”

188 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

6882 – Servidor público – magistério público estadual – pós­graduação – realização – afas­tamento – auxílio­alimentação – requerimento – admissibilidade

“Administrativo. Magistério público estadual. Requerimento de auxílio-alimentação para ser-vidores que se encontram afastados para realização de curso de pós-graduação. Admissibili-dade. Previsão legislativa. Art. 33, I e II, da Lei Estadual nº 8.352/2002, Estatuto do Magistério Público das Universidades do Estado da Bahia. 1. O STJ já firmou o entendimento de que o auxílio-alimentação possui caráter indenizatório, sendo inerente ao exercício do cargo, ou seja, é devido exclusivamente ao servidor que se encontra no exercício de suas funções. 2. No caso sub examine, tem-se que os docentes da Universidade Estadual da Bahia recebem, nor-malmente, o auxílio-alimentação instituído pela Lei nº 6.677/1994, vantagem essa suprimida nos períodos de afastamento para realização de cursos de pós-graduação. Diversamente do consignado pelo Tribunal a quo, há de reconhecer o efetivo exercício do cargo, porquanto a legislação estadual prevê o caso em comento. Nesse sentido, destaco o teor do art. 33, I e II, da Lei Estadual nº 8.352/2002, Estatuto do Magistério Público das Universidades do Estado da Bahia. 3. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-Rec.-MS 39.896 – (2012/0270047-4) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 24.09.2014)

6883 – Servidor público – tratamento de saúde – afastamento – tempo de serviço – aposen­tadoria especial – cômputo – possibilidade

“Direito administrativo. Apelação cível. Professor. Servidor público do Distrito Federal. Afas-tamento para tratamento da própria saúde. Tempo de serviço. Contagem para fins de aposen-tadoria especial. Precedentes deste tribunal de justiça. Sentença mantida. Deve ser incluído na contagem do tempo de serviço para aposentadoria especial os períodos de afastamento para tratamento de saúde do servidor em desempenho de funções de magistério, posto ser este considerado como de efetivo exercício, nos termos do art. 102, VII, alínea b e art. 103, VII, ambos da Lei nº 8.112/1990, aplicáveis aos servidores públicos do Distrito Federal, ao tempo dos fatos, por força do art. 5º da Lei nº 197/1991. Precedentes deste Tribunal de Justiça. Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – Proc. 20080110599769 – (822112) – Rel. Des. Alfeu Machado – DJe 02.10.2014)

6884 – Servidora pública – aposentada – licença­prêmio – conversão em pecúnia – possi­bilidade

“Mandado de segurança. Servidora pública estadual aposentada. Licença-prêmio. Conversão em pecúnia. Possibilidade. Prova pré-constituída. Suficiência. Preenchimento dos requisitos legais. Direito líquido e certo reconhecido. Imposto de Renda. Contribuição previdenciária. Não incidência. Condenação da Fazenda Pública. Juros e correção monetária. Art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997. Alterações introduzidas pela Lei nº 11.960/2009. Declaração parcial de inconstitucionalidade do art. 5º da Lei nº 11.960/2009. I – A jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que não configura substituto de ação de cobrança a impetração de mandamus cujo objetivo é desconstituir ato administrativo que nega conversão em pecúnia de licença--prêmio ou férias não gozadas por necessidade de serviço, pois o que se busca é a restaura-ção de situação jurídica em razão do suposto ato ilegal, cujos efeitos patrimoniais são mera consequência do reconhecimento da ilegalidade, não se aplicando as Súmulas nºs 269 e 271

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA �������������������������������������������������������������������������189

do STF (STJ, REsp 1363383/SP, DJe 13.03.2013). II – É devida a conversão em pecúnia da licença-prêmio não gozada e não contada em dobro, quando da aposentadoria do servidor, sob pena de indevido locupletamento por parte da Administração Pública, sendo ‘desneces-sária a comprovação de que as férias e a licença-prêmio não foram gozadas por necessidade do serviço já que o não afastamento do empregado, abrindo mão de um direito, estabelece uma presunção a seu favor’ (STJ, REsp 478.230/PB). III – As verbas recebidas pelas licenças--prêmios convertidas em pecúnia por opção do próprio servidor não constituem acréscimo patrimonial e possuem natureza indenizatória, razão pela qual sobre elas não pode incidir o imposto de renda ou contribuição previdenciária. IV – Nas condenações impostas à fazenda pública, os juros de mora devem ser calculados com base nos índices oficiais de remunera-ção básica aplicados à caderneta de poupança, nos termos da Lei nº 11.960, publicada em 30.06.2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei nº 11.960/2009, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período. Segurança concedida.” (TJGO – MS 201492548413 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Carlos Alberto Franca – DJe 24.09.2014)

6885 – Servidora pública – auxiliar de sala de aula – piso salarial nacional do magistério público – aplicação – impossibilidade

“Administrativo. Servidora pública municipal. Auxiliar de sala de aula. Aplicação do piso salarial nacional do magistério público da educação básica. Interpretação de direito local. Impossibilidade. Súmula nº 280/STF. 1. O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em exame das Leis Municipais nº 1.811/1981 e nº 2.897/1988 e da Lei Complementar Municipal nº 63/2003, concluiu que a carreira de Auxiliar de Sala de Aula não pertence ao quadro de profissionais de educação, motivo pela qual não fica abrangida pela Lei nº 11.738/2008. A qual instituiu o piso salarial nacional para o magistério público da educação básica. 2. A análise da pretensão da servidora pública municipal demanda a análise do direito local, pro-vidência vedada pela Súmula nº 280/STF: ‘Por ofensa a direito local não cabe recurso extraor-dinário’. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.471.110 – (2014/0184618-0) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 24.09.2014)

6886 – Sindicância – exercício de acupuntura – ato médico – definição por resolução – impossibilidade

“Administrativo e constitucional. Sindicância no âmbito do CRM. Exercício de acupuntura. Definição de ato médico. Vácuo legal. Lacuna suprida por resolução do CFM. Impossibili-dade. Princípio da legalidade. Respeito à herança cultural e sociológica da acupuntura, en-quanto não houver lei dispondo a respeito. 1. A profissão de médico – e, por consequência, a definição de ato médico – ainda carece de disciplina legal no Brasil, ressaltando-se que tramita no Senado Federal o Substitutivo da Câmara dos Deputados ao Projeto de Lei nº 268, de 2002, que trata da matéria. 2. A Resolução CFM nº 1.455/1995 busca suprir esta lacuna e inclui a acupuntura entre os atos que são privativos dos médicos. 3. No ordenamento jurídico brasileiro prevalece o princípio da liberdade das profissões, que devem ser exercidas na forma da lei (inciso XIII do art. 5º da Constituição Federal de 1988). 4. Não havendo a inclusão legal da acupuntura entre os atos médicos, qualquer regulamentação infra legal sobre o tema, como

190 �������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA

é o caso da Resolução CFM nº 1.455/1995, estará abusando do poder regulamentar e ferindo o princípio da legalidade, inscrito no inciso II do art. 5º da Carta Magna. 5. A ausência de lei regulamentando a profissão de médico não autoriza que pessoas sem reconhecida habilita-ção em medicina possam fazer diagnósticos, receitar medicamentos ou realizar cirurgias em seres humanos, pois o senso do razoável já é suficiente para discernir que somente profissio-nais com conhecimentos científicos podem se dedicar a estes de procedimentos. 6. No que diz respeito à acupuntura, não se pode ignorar que constitui uma atividade milenar no lado oriental do planeta, que pode ser aprendida mediante aquisição de conhecimentos práticos sobre músculos e pontos nevrálgicos do corpo humano. 7. Enquanto não houver previsão legal da acupuntura como ato privativo dos profissionais médicos, há que se respeitar a sua herança cultural e sociológica, até mesmo porque não se tem notícia de que tal prática cause danos às pessoas que se submetem a ela. 8. Apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0005333-24.2012.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 30.09.2014)

Transcrição Editorial SÍNTESEConstituição Federal:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo--se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; [...]”

Seção Especial – Parecer

Doação de Terreno Municipal ao Particular que Pagou sua Desapropriação

IVAN BARBOSA RIGOLINAdvogado em São Paulo.

Recebemos recentemente uma curiosa consulta de um pujante a agradável Município paulista, a seguinte:

Pode o Município receber de um particular doação de dinheiro para de-sapropriação de uma área, contígua ao distrito industrial, com o encargo de posterior doação desta área desapropriada ao doador do valor.

Trata-se de área necessária para a expansão da empresa doadora do di-nheiro, com a previsão de criação de aproximadamente 150 (cento e cin-quenta) postos de trabalho. Se não houver a desapropriação, a empresa irá criar estes novos postos de trabalho em outra cidade, de outro Estado.

Creio haver o interesse social e público, com a geração de empregos e consequente aumento de recolhimento tributário aos cofres públicos, com a expansão dos negócios.

É juridicamente viável para o Município operacionalizar essa pretensão? Em caso positivo, que medidas são necessárias para a sua implemen-tação?

Pelo seu todo original matiz, merece divulgação o encaminha-mento que propusemos àquela comunidade.

I – O caso é inédito, ou ao menos pouquíssimo usual nas munici-palidades com que há várias décadas lidamos, e, desse modo, oferece um bom motivo para reflexão sobre o tema da nunca suficientemente clara interseção entre o interesse público e o interesse da iniciativa pri-vada, que no caso é o mundo empresarial.

Serve também o mote para reforçar a convicção de que ninguém pode concluir açodadamente ou com qualquer precipitação – ou, o que é pior, preguiçosamente, já que pensar construtivamente demanda um insano trabalho – sobre questão alguma, muito menos a respeito de as-suntos tão delicados quanto o relativo aos bens e valores públicos na sua

192 �����������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER

complexa inter-relação com metas, projetos e empreendimentos parti-culares e empresariais, os quais sempre apresentam uma interface de interesse social, sob múltiplos aspectos. Se a pressa em concluir é de fato inimiga da perfeição, aqui o é mais que nunca...

Trata-se aqui de um particular que propôs à Prefeitura uma pouco comum tratativa:

a) desapropriar um terreno contíguo ao distrito industrial do Mu-nicípio, onde esse particular tem interesse em instalar uma indústria capaz de gerar cerca de 150 (cento e cinquenta) em-pregos no Município;

b) doar essa área desapropriada a ele, particular, para a instala-ção daquela indústria;

c) no mesmo passo e em operação cruzada, pagar à Prefeitura o exato valor da desapropriação efetuada, através de doação do dinheiro com esse encargo, ou seja uma doação de bem móvel e fungível (dinheiro) gravado com o específico encargo de a Prefeitura pagar a desapropriação que efetuou, sem mais nem menos para lado algum.

Com essa medida, se evitaria que o Município perdesse a nova indústria para outra cidade, acaso situada em outro Estado da Federação.

A dúvida é se sob o ponto de vista jurídico esse negócio pode ou não acontecer, e como, em caso afirmativo.

II – A resposta é inquestionavelmente positiva.

Sim, a negociação pode ser realizada pelo Município, porém cer-tas medidas preparatórias, funcionando tais quais os chamados atos--condição, fazem-se indispensáveis.

Não é apenas por ser inédita que uma ofensiva governo-empresa será irregular. Tudo no universo acontece, conforme todos bem sabem, pela primeira vez, e será bastante árduo conhecer alguma coisa... se ela não acontecer. Mas a curiosidade é a grande mola da evolução, e, se não houvessem sido antes de tudo grandes curiosos os maiores gênios da espécie humana, não se teriam alçado da medíocre rés do chão.

Neste caso, que de antemão já se revela plenamente viável e nem um pouco enigmático, é muito claro que as regras do direito aplicável

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER ���������������������������������������������������������������������������������������������������������193

precisarão ser observadas com rigor, e que todas as formalidades exigí-veis, tanto objetivamente na lei quanto mais subjetivamente nos princí-pios constitucionais de administração, serão as balizas incontornáveis da negociação, que lhe darão o norte e a sustentação toda inteira.

III – Iniciando pelo exame dos princípios de administração, o pri-meiro a ser contemplado é o do interesse público, comumente previsto nas Constituições estaduais, e que na Constituição do Estado de São Paulo figura no art. 111. Existe interesse público nesta pretendida nego-ciação?

Até uma criança de não muitas luzes enxerga com clareza solar que sim, e dos maiores, e duplo:

a) gerar uma centena e meia de empregos no Município, os quais, tudo faz crer, deverão ser preenchidos por cidadãos residentes no próprio Município, até porque ultimamente um dos mais nítidos interesses empresariais é que os emprega-dos residam perto do serviço, desejavelmente à dita walking distance1; e

b) gerar vultosos impostos em favor do Erário municipal como toda indústria gera, a iniciar pelo municipal IPTU e a seguir pela cota-parte do estadual ICMS. O interesse público é, por-tanto, óbvio e imenso.

São tributários, adventícios ou corolários do importantíssimo prin-cípio do interesse público ao menos dois outros, escritos nas Consti-tuição estaduais, que figuram também no art. 111 da Carta paulista: o princípio da finalidade e o da motivação.

Inteligentes sínteses do pensamento jurídico, ambos esses princí-pios são autoexplicativos, e neste pretendido negócio público-privado estarão evidenciados, porque a sua clara finalidade publicística é a de

1 Na capital paulistana, um cidadão deve chegar antes à capital da Argentina ou do Chile, de avião, que ao centro da cidade, saindo de madrugada de sua casa, se residir no extremo sul ou no extremo leste do Muni-cípio, e tiver de se deslocar de ônibus, trem, metrô, automóvel, carroça ou qualquer outro veículo terrestre, na hipótese de conseguir escapar de assaltos nos pontos de ônibus, ou do massacre nas estações de trem, ou do esmagamento nas de metrô, ou do incêndio dos ônibus provocados por animais hidrófobos sob forma humana, ou da explosão de artefatos bélicos caseiros ou industriais, ou das inundações, ou das paralisações coletivas dos meios de transporte, ou do desabamento de pontes por caminhões com caçamba levantada, ou de balas perdidas, ou de atropelamento simples ou em passagem de nível, ou de sequestro ordinário ou relâmpago, de manifestações populares ou rolezinhos, ou, ainda, de variadas outras formas de anulação do ser humano. Com efeito, é bastante preferível residir à beira do emprego.

194 �����������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER

incrementar a arrecadação do Município e também a de criar 150 novos empregos locais.

Tal finalidade se confunde com a excelente motivação do negócio – tudo isso, repita-se, de graça para o Erário –, de modo que ambas, boa finalidade e boa motivação, saltam à vista de qualquer observador.

Alguém questionará isso?

IV – O majestoso princípio da legalidade, conforme consagrado de forma expressa no art. 37 da Constituição, na sequência, precisará ser observado com todo cuidado, e neste momento ingressamos no mundo da objetividade segura, do direito positivo e não do programático, da regra posta e não da ideia abstrata, da norma escrita e não do propósito genérico.

Assunto como este, de contorno e interesse marcadamente local, deve se iniciar pelo atendimento às normas da Lei Orgânica do Municí-pio, seguindo-se, em existindo, a restante legislação aplicável. Sem essa estrita observância, o negócio jamais pode ser realizado, e adiante se esmiuçará o procedimento a adotar.

O princípio constitucional da economicidade, também figurante do art. 37 da Constituição, entra em cena. Parece ser absolutamente econômico e vantajoso a um Município pagar zero por 150 novos em-pregos no seu território, e muita nova arrecadação tributária, sobretudo de ICMS e IPTU. Negócio melhor que um assim resta difícil imaginar ou conceber em favor do poder público.

Nesse bojo, se observaria também – ainda que este autor não gos-te de invocá-lo, porque de moralistas de plantão e de gentis hipócritas espontâneos o mundo está absolutamente repleto – o princípio da mora-lidade (CF, art. 37, também), uma vez que se beneficia dupla ou tripla-mente o Município com este pretendido negócio com particular, o qual, repita-se, sai gratuito ao Erário público.

Com efeito, dar de graça ao Município uma indústria a e 150 no-vos empregos imoral não deve ser.

V – Outro princípio do art. 37 constitucional seria prestigiado a toda evidência neste caso: o da eficiência.

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER ���������������������������������������������������������������������������������������������������������195

Sim e claramente, porque uma administração que se embrenhe em uma ofensiva governamental tão trabalhosa e tão pouco trilhada ante-riormente quanto esta aqui anunciada e tão direcionada em prol de seu Município é, no mínimo dos mínimos, eficiente.

Se não for eficiente um governo que, graciosamente para o Muni-cípio, gerencie para obter a implantação de nova indústria na comunida-de, a qual gere uma centena e meia de novos postos de trabalho em prol da população, então não se imagina o que seja um governo eficiente.

Por fim, para este efeito, se invoca o princípio constitucional – art. 70 – da legitimidade. Ainda que de contorno amplamente subjetivo, imagina-se-o aqui também invocável, porque parece claramente legíti-ma a ideia de, de graça para o Município, dotar a comunidade de mais 150 empregos e de mais uma poderosa fonte de arrecadação de dois impostos.

VI – Visto como se enxergam presentes alguns princípios de ad-ministração na resposta afirmativa à consulta, agora para prover em es-pecífico e objetivamente o princípio da legalidade, passa-se à legislação positiva que esta negociação precisará observar.

O primeiro diploma a cumprir, nesta questão eminentemente lo-cal, é a Lei Orgânica do Município.

Quase todas as mais de 5.000 leis orgânicas municipais brasilei-ras, nesta questão como na maior parte de todas as demais instituições, estão firmemente baseadas no texto do antigo Decreto-Lei Estadual nº 9, de 1.969, que era a lei orgânica dos Municípios do Estado de São Paulo anteriormente à Constituição de 1988, a qual, já muito tarde na história, conferiu a cada Município o poder-dever de editar sua lei orgânica.

O antigo D-L 9/1969 fora redigido por Hely Lopes Meirelles, de quem, à ocasião, se dizia que era o homem que escrevia a lei, a doutrina e a jurisprudência brasileiras sobre direito administrativo – e que bons tempos foram aqueles, em que quem escrevia a lei sabia o que estava fazendo!...

Naquele exato diapasão, quase todas as leis orgânicas municipais preveem que a alienação de imóveis municipais depende de a) lei auto-rizativa da operação; b) prévia avaliação; c) demonstração do interesse público envolvido na operação; e d) concorrência, que apure quem por

196 �����������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER

eles paga mais, sendo dispensável essa concorrência, entre outros, em caso de doação.

Na hipótese de doação, deverão constar do contrato (ou da escri-tura, que entre as partes é o próprio contrato) os encargos do donatário e o prazo para o seu cumprimento, sob pena de, caso descumprido o encargo pelo donatário, o Município proceder à retrocessão do imóvel, que fora doado, ao patrimônio municipal.

No caso do Município consulente – que a respeito não diverge da grossa maioria das comunidades –, tudo isto isto está dito no art. 81 da sua LOM, que reza:

Art. 81. A alienação de bens municipais, subordinada à existência de interesse público devidamente justificada, será sempre precedida de ava-liação e autorização competente, e obedecerá às seguintes normas:

I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa e concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:

a) doação, devendo constar do contrato, obrigatoriamente, os encargos do donatário, o prazo do seu cumprimento e a cláusula de retrocessão, sob pena de nulidade do ato [...]. (grifamos)

VII – Se assim ocorre quanto à doação de imóveis, já quanto à recepção do dinheiro doado para o pagamento do imóvel que desapro-priar, os Municípios em geral consignam em suas LOMs que doações sem encargo podem ser recebidas pelo Executivo por ato, em geral de-creto que é o ato de efeitos externos, sem necessidade de lei autorizati-va, tudo isso lastreado no popular axioma de que de graça se aceita até injeção na testa, ônibus errado ou cafuné de macaco. Quase tudo na face da terra, se for gratuito, será bem-vindo.

Com efeito, as LOMs brasileiras costumam consignar que até mes-mo imóveis sem encargos podem ser recebidos pelo Executivo munici-pal sem lei que o autorize, e por simples ato do Executivo.

No caso da comunidade em tela, a sua LOM reza que

Art. 14. Compete à Câmara Municipal, com a sanção do Prefeito [...] dis-por sobre as matérias de competência do Município, em especial sobre:

[...]

IX – aquisição de bens imóveis, salvo quando se tratar de doação sem encargo;

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER ���������������������������������������������������������������������������������������������������������197

[...]. (grifamos)

Se é assim estabelecido na lei, então por forçado raciocínio recí-proco qualquer doação de imóvel com encargo precisará ter lei auto-rizativa para que o Executivo a receba – o que é de praxe nos direitos locais em nosso País.

Diante disso, não parece nem um pouco prudente que o Municí-pio receba doação, mesmo de bens móveis com encargo, sem ter uma lei que a tanto o autorize. Sim, porque o recebimento da doação daquele dinheiro implicará em uma obrigação que o Município assumirá: pagar a desapropriação.

Desse modo, se a regra jurídica é que para comprometer financei-ramente o Município o Prefeito precisa de lei que o autorize, então sem essa lei parecer-nos-á afrontado o princípio da legalidade da despesa pública se se concretizar toda a transação pretendida.

Pouco importa que dinheiro seja bem móvel e a LOM somente se ocupe de bens imóveis com encargo; o princípio da legalidade da despesa pública e do comprometimento do Município apenas se por lei continua em pé e mais vigente do que nunca. Jamais se recomenda ou avalia a ideia de que o Município pode receber doação de bens com encargo sem uma lei que o autorize, e apenas porque são bens móveis e não imóveis.

O dinheiro a ser doado pelo interessado para a Prefeitura pagar a desapropriação virá com esse exato encargo: pagar a desapropriação. Se não for para isso, o dinheiro simplesmente não será doado e não virá para o Município.

É de imaginar que somente será doado em uma chamada opera-ção cruzada, que o doador exigirá da Prefeitura por contrato: o dinheiro é doado e no mesmo momento paga a desapropriação que a Prefeitura efetuou – ou de outro modo não deverá ser doado, porque o doador não se está prestando a fazer caridade com o poder público, mas ape-nas travando um negócio como outro qualquer, em que entrevê futura lucratividade.

A garantia da Prefeitura, por lei e por contrato, é que o interessado lhe pagará o valor da desapropriação. A garantia do doador do dinheiro é que esse valor será usado para pagar a desapropriação, e ainda que, por lei, a Prefeitura estará comprometida a lhe doar o imóvel desapro-

198 �����������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER

priado, tudo isso devendo estar previsto para ser realizado no mesmo ato ou na sequência ininterrupta e vinculada de atos – porque com isso não se brinca.

VIII – A esta altura convém recapitular o que parece necessário à Prefeitura proceder para aperfeiçoar seu negócio com o interessado na área a ser desapropriada. Deve a Prefeitura:

a) avaliar o imóvel que pretende desapropriar, apurando um va-lor que passe a ser oficial;

b) redigir e remeter à Câmara Municipal um projeto de lei que:

1) autorize a Prefeitura a celebrar por instrumento pú-blico um contrato com o interessado, pelo qual a Pre-feitura se comprometa a desapropriar e pagar, amigá-vel ou judicialmente, o terreno em questão e doá-lo ao interessado, mediante a doação, pelo interessado à Prefeitura, no mesmo momento da transmissão do imóvel, da mesma importância, para que esta pague o desapropriado sem sobra ou troco; e

2) estabeleça que, em caso de o interessado não cum-prir a obrigação de pagar o valor da desapropriação, será responsável por toda e qualquer eventual inde-nização ao expropriado por desistência da desapro-priação, eximindo a Prefeitura de qualquer respon-sabilidade por dano material ou moral em face da desistência;

c) naquele projeto de lei deverá estar previsto o encargo do do-natário do terreno, que será o de construir a indústria e ini-ciar a sua operação dentro do prazo que for estabelecido no projeto, sob pena de retrocessão do terreno ao patrimônio do Município por procedimento administrativo, sem qualquer indenização;

d) na mensagem justificativa do projeto de lei, deverá constar a justificativa do interesse público inerente a todo o negócio, a qual poderá aproveitar os argumentos principiológicos an-teriormente expendidos e declinar os seus motivos de fato e as suas circunstâncias, sobretudo os relativos à geração de

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – SEÇÃO ESPECIAL – PARECER ���������������������������������������������������������������������������������������������������������199

empregos e de novas fontes de arrecadação de dois impostos em favor do Erário municipal;

e) aprovada e sancionada a lei, celebrar, registrar e publicar o contrato antes de iniciar os procedimentos desapropriatórios, e, após consumada a doação, naturalmente fiscalizar o aten-dimento ao que foi contratado.

IX – À guisa de despretensiosa conclusão, deve-se ter sempre presente que, por mais incomuns ou inéditos que sejam certos proce-dimentos administrativos e certos negócios que em dado momento se ofereçam ao poder público, apenas porque nunca foram anteriormente experimentados, não são inviáveis, nem desarrazoados, muito menos irresponsáveis ou arriscados.

Se existem princípios de direito e de administração em amparo e se existem trilhas legais que, ainda que árduas, podem ser exercitadas, então não se devem proscrever aquelas ideias, em nome de um lascivo conforto de dizer não a algo que apenas dá trabalho.

Não se exalça a ousadia nem se propõe a aventura, em geral aves-sas como são às melhores técnicas de trabalho jurídico, nada disso. Se um trabalho jurídico não for seguro, provavelmente não será bom nem recomendável. Apenas o que se precisa combater é a resistência ao novo apenas porque é novo, e somente porque ninguém antes deu sequência a grandes ideias que despontam a todo tempo.

Se é certo que o direito não pode implicar aventura, certo é tam-bém que muito menos deve ser apanágio da preguiça – não por acaso tida e havida como o pior dos pecados capitais – quando um alto inte-resse coletivo está em pauta.

Clipping Jurídico

Tribunal determina que União e DNIT consertem rodovias federais no RS

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) negou recurso da União e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e de-terminou que realizem as obras e serviços nas rodovias BR 153, no trecho Bagé--Aceguá, e BR 293, no trecho Bagé-Dom Pedrito, no Rio Grande do Sul, em 120 dias. O mau estado das estradas levou o Ministério Público Federal (MPF) a ajuizar ação civil pública na Justiça Federal de Bagé pedindo a intervenção do Judiciário. Segundo o MPF, os trechos estão esburacados, não têm drenagem adequada e a água invade a pista quando chove, sendo a sinalização também precária. A União e o Dnit recorreram ao Tribunal após a ação ser julgada procedente em primeira instância pedindo a reforma da decisão e o afastamento da multa diária de R$ 10 mil imposta pela sentença em caso de atraso. O Relator, Desembargador Federal Luiz Alberto d’Azevedo Aurvalle, ressaltou que cabe à União manter os bens de uso comum em bom estado, a exemplo das rodovias. Quanto ao Dnit, o desem-bargador afirmou que as medidas que alegou ter efetivado não alcançaram o que definido na sentença. “Justifica-se a permanência da necessidade da tutela juridi-cional, garantindo uma rodovia em condição de uso e que garanta a segurança de seus usuários”, declarou no voto. Quanto à multa, o desembargador observou que é um instituto coercitivo ao cumprimento de decisões judiciais, inexistindo razão para que não se aplique em detrimento do Estado, o qual também está submetido ao direito. Nº do Processo: 5000881-04.2010.404.7109. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

Cidadão com restrições eleitorais por estar com os direitos políticos suspensos pode obter passaporte

Cidadão que descumpriu obrigações eleitorais por estar com seus direitos políti-cos suspensos em razão de sentença penal condenatória tem direito à obtenção de passaporte. Com essa fundamentação, a 6ª Turma do TRF da 1ª Região con-firmou sentença de primeira instância, que determinou ao chefe da Delegacia de Imigração de Rondônia a expedição de passaporte à autora, mesmo com supostas restrições eleitorais. Consta dos autos que o chefe da Delegacia de Imigração de Rondônia negou à autora da ação a emissão do documento em razão de supos-tas restrições eleitorais. Ao analisar o caso, o juízo de primeiro grau determinou a emissão do passaporte ao fundamento de “não se pode exigir do cidadão que teve os direitos políticos suspensos a comprovação do cumprimento de obrigação eleitoral no período da suspensão, porque inexistente qualquer obrigação a ser quitada e atestada pela Justiça Eleitoral”. O processo chegou ao TRF1 por remessa oficial. Trata-se de um instituto previsto no Código de Processo Civil (art. 475) que exige que o juiz singular mande o processo para o Tribunal de segunda instância, havendo ou não apelação das partes, sempre que a sentença for contrária a algum

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������201

ente público. A sentença só produzirá efeitos depois de confirmada pelo Tribunal. Em seu voto, o Relator, Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian, explicou que o Código Eleitoral estabelece, no art. 7º, que o eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 dias após a realização da eleição incorrerá em multa de três a 10% sobre o salário-mínimo da região. Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que justificou a ausência, o eleitor não poderá obter passaporte ou carteira de identidade. Entre-tanto, o magistrado destacou que, no caso em análise, a demandante não incorreu em qualquer das situações previstas no Código Eleitoral. “Na hipótese em que a pendência que obstaculariza a emissão de passaporte cinge-se ao descumprimen-to da obrigação eleitoral em razão da suspensão dos direitos políticos decorrente de sentença penal condenatória, deve ser afastada a censura do art. 7º do Códi-go Eleitoral”, ponderou. Com tais fundamentos, a Turma, de forma unânime, ne-gou provimento à remessa oficial. Nº do Processo: 0008635-09.2009.4.01.4100. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Direito à nomeação de candidatos fora do número de vagas tem repercussão geral

O Supremo Tribunal Federal (STF) analisará o direito subjetivo à nomeação de candidatos aprovados fora do número de vagas previstas no edital de concur-so público no caso de surgimento de novas vagas durante o prazo de validade do certame. O Plenário Virtual da Corte reconheceu a existência de repercussão geral no Recurso Extraordinário (RE) nº 837311, interposto pelo Estado do Piauí contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça local (TJPI). Na origem, trata-se de mandado de segurança impetrado por candidato que concorreu à vaga para o cargo de Defensor Público do Estado do Piauí. Conforme o acórdão questionado, a discricionariedade do poder público de nomear candidatos classificados fora do número previsto no edital deixa de existir a partir do momento em que a Adminis-tração pratica atos no intuito de preencher as vagas surgidas e demonstra expres-samente a sua necessidade de pessoal. Em decisão unânime, o TJPI entendeu que, se a Administração anuncia a realização de novo concurso dentro do prazo de validade do anterior e nomeia candidatos aprovados fora da ordem classificatória e do limite de vagas do edital, o ato de nomeação dos aprovados, mesmo que além do número inicialmente previsto, deixa de ser discricionário para tornar--se vinculado, convertendo-se a mera expectativa em direito líquido e certo. No recurso extraordinário apresentado ao Supremo, o Estado do Piauí sustenta que o acórdão do TJ local violou os arts. 2º, 5º, inciso LV, e 37, incisos III e IV, da Cons-tituição Federal. Alega que a decisão atacada seria nula, pois teria determinado a nomeação e posse de candidatos aprovados fora do número de vagas oferecidos no edital do concurso público para provimento de cargos de Defensor Público

202 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO

Estadual, sem comprovação de ter havido preterição. • Manifestação: O Relator do processo, Ministro Luiz Fux, observou que a discussão tem sido decidida de forma divergente pelas duas Turmas do Supremo. Por isso, ele destacou a impor-tância do pronunciamento do Plenário sobre o tema, a fim de que seja fixada tese, “de modo a assegurar a segurança e a previsibilidade necessárias nos inúmeros certames públicos tanto para a Administração Pública quanto para os candidatos aprovados”. Para o Ministro Luiz Fux, as questões relativas aos concursos públicos são recorrentes “e indicam a relevância da controvérsia travada nos autos, que, de longe, supera os estreitos limites desta lide”. Assim, o Relator considerou a existência da repercussão geral da questão constitucional suscitada, manifestação que foi acompanhada, por unânime, em análise realizada por meio do Plenário Virtual. Processos relacionados: RE 837311. (Conteúdo extraído do site do Supre-mo Tribunal Federal)

Município deverá matricular menores em CEINF próximo à residência

Em decisão unânime, os desembargadores componentes da 5ª Câmara Cível de-ram provimento a um recurso de agravo de instrumento interposto por J. V. D. C. e P. G. D. G. C., menores representados por sua mãe, R. D. C., contra a decisão que indeferiu a concessão de liminar no mandado de segurança impetrado em face da Secretária Municipal de Educação de Campo Grande. Os agravantes impetraram o mandado de segurança, com pedido liminar, pedindo que fossem disponibiliza-das vagas no Centro de Educação Infantil (CEINF) mais próximo de sua residência, porém a liminar foi indeferida, sob o fundamento de que as instituições de ensino que se encontram nas proximidades da residência estão operando em capacida-de máxima. Os agravantes afirmam que a educação é um direito garantido pela Constituição Federal, cujo dever incube aos entes estatais. Apontam que o Estatuto da Criança e do Adolescente garante o acesso gratuito ao ensino infantil e ainda alegam que a Lei nº 9.394/1996 estabelece a responsabilidade do ente público pela oferta de vagas em creche, pré-escola e escola gratuitamente. O Desembar-gador Júlio Roberto Siqueira Cardoso, Relator do processo, explica que, diante das particularidades apresentadas no caso concreto, estas evidenciam a plausibilida-de do pedido da tutela emergencial. Quanto aos requisitos, o relator identifica a presença da fumaça do bom direito, diante da relevância dos motivos do pedido inicial, acompanhado do dever do poder público, constitucionalmente previsto de garantir igualdade no acesso e permanência na educação gratuita a todos que ne-cessitam, bem como é obrigação disponibilizar vaga em escola pública e gratuita próxima de sua residência a toda a criança. Aponta que outro requisito, o perigo de demora, está caracterizado pelo simples fato de que o ano letivo já iniciou e o prejuízo dos impetrantes aumenta dia a dia sem a possibilidade do acesso ao ensi-no em local próximo da residência, sem dizer que a negativa acabaria por restrin-

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������203

gir direito fundamental ao acesso à educação, o que é inadmissível. Ressalta ainda que a concessão da liminar não se caracteriza como uma simples faculdade do juiz que processa a ação mandamental, mas sim como um dever, quando advier da realidade fática visualizada, a constatação do preenchimento dos pressupostos legalmente exigidos. Por fim, o Desembargador Júlio Roberto Siqueira Cardoso concedeu a liminar, para determinar que a agravada promova, no prazo de cinco dias, a matrícula dos agravantes em CEINF próximo à sua residência. Processo nº 1411953-78.2014.8.12.0000. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul)

Detran deve indenizar por falha em vistoria de automóvel

A 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou, por unanimidade, o Detran/RS a pagar indenização por danos materiais e morais em razão de falha na prestação de seus serviços quando uma mulher tentou vender seu carro. O Relator da apelação é o Desembargador Paulo Roberto Lessa Franz. • Caso: Na época em que a autora do recurso comprou um veículo Verona usado, nenhuma irregularidade foi constatada em perícia realizada pelo Detran. Anos de-pois, ao tentar transferir o automóvel, foi constatada adulteração no chassi, o que resultou na apreensão e no recolhimento do veículo. Quatro anos depois, a au-tora requereu pagamento de indenização por parte do Detran. Porém, na Comar-ca de Uruguaiana, a ação foi extinta, com reconhecimento de prescrição trienal. • Recurso: A autora apelou da decisão, argumentando que, segundo o Decreto nº 20.910/320, o prazo para ações pessoais contra a Fazenda Pública é de cin-co anos. Ao analisar o prazo prescricional, o Desembargador Relator aplicou a prescrição quinquenal, pois a questão foi pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça, definindo-se pela aplicação do prazo de cinco anos para ajuizamento de ações de reparação civil contra a Fazenda Pública. Quanto aos danos sofridos pela proprietária do automóvel, afastou a alegação do Detran de que a adulte-ração tenha sido feita quando o bem se encontrava sob o domínio da autoria, diante da completa ausência de provas em tal sentido. Está patente a falha dos agentes públicos do Detran, considerando que, na primeira vistoria do veículo, não foi constatada qualquer irregularidade na marcação do chassis, o que veio a ser descoberto anos mais tarde, quando a autora pretendeu transferir o bem a terceiro, analisou o Desembargador Franz. Referiu ainda que pesa em desfavor da ré reportagem juntada aos autos, que confirma a ocorrência de adulterações em centenas de veículos similares, havendo informação da autoridade policial de que muitas vezes foram furtados há muitos anos, e até mesmo em outros Es-tados. Diante disso, o Detran/RS foi condenado ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de mercado do automóvel à época da apreensão

204 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO

(R$ 6 mil corrigidos a contar desde a data do incidente) e de danos morais fixa-dos em R$ 3 mil. Proc. nº 70057148348. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul)

Câncer: tratamento de alto custo deve ser garantido pelo Estado

O Desembargador João Rebouças deu provimento a um mandado de segurança movido por um usuário do Sistema Único de Saúde (SUS) com o objetivo de que o Secretário Estadual de Saúde forneça o medicamento necessário ao seu tratamen-to contra um mieloma de células plasmáticas (CID 10 C90.0), que é um tipo de câncer na medula óssea. A determinação foi concedida liminarmente e o gestor da pasta terá que fornecer o medicamento Velcade (Bortezomibe), na forma de como prescrito no laudo médico, sob pena de multa diária no valor de R$ 1 mil reais, a ser arcada de forma pessoal e exclusiva pelo secretário. O autor do mandado de segurança argumentou, entre outros pontos, que, no total, são necessários 36 frascos do medicamento, na forma como prescrito em receituário médico, acres-centando, ainda, que, além de ser a única opção de tratamento disponível com potencial de resposta clínica, ainda totaliza o valor estimado de mais de R$ 120 mil. Sustenta ainda que, embora solicitado o medicamento à Unicat, foi informado acerca da impossibilidade de fornecimento, em razão da ausência de disponibi-lidade do remédio. Segundo o Desembargador João Rebouças, o impetrante re-almente demonstrou ser portador da patologia indicada, necessitar da medicação requerida e não deter meios de adquiri-la sem comprometer seu próprio sustento, sendo certo, ainda, a plena aplicabilidade da previsão contida nos arts. 196, 220 e 230 da Constituição Federal, que fundamentam a pretensão desejada. “Sobre isso, sabe-se que é dever da Administração Pública garantir o direito à saúde, viabilizando e fomentando a aquisição de medicamentos a pessoas carentes porta-doras de doenças, não sendo crível a imposição de entraves burocráticos, máxime quando se trata de direito fundamental assegurado pela própria Carta Magna, qual seja, a vida, saúde e dignidade humanas”, enfatiza o magistrado na decisão mo-nocrática (Mandado de Segurança nº 2014.023119-6). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Norte)

Dispensa ilegal de licitação exige dano ao Erário e dolo específico

Para a configuração do crime de dispensa ilegal de licitação, é necessária a efetiva comprovação de dolo e de prejuízo ao Erário. A decisão foi da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de habeas corpus que determinou o trancamento de ação penal contra o Ex-Secretário de Saúde do Município de São Carlos (SP). Alberto Labadessa foi acusado de ter indevidamente dispensado licita-ções referentes à compra de materiais para exames laboratoriais e à prestação de serviços para exames oftalmológicos nos anos de 1999 e 2000. Ele foi condenado

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������205

à pena de seis anos e oito meses de detenção em regime inicial semiaberto, além do pagamento de 21 dias-multa. No pedido de habeas corpus, a defesa alegou que a condenação seria ilegal porque, para a caracterização do crime imputado, seria necessária a existência de dolo específico consistente no prejuízo ao Erário. • Corte Especial: O Relator, Ministro Jorge Mussi, reconheceu que, após o julga-mento da APN 480, a Corte Especial do STJ sedimentou o entendimento de que, para a configuração do crime de dispensa ou inexigibilidade de licitação fora das hipóteses previstas em lei, é imprescindível a comprovação do dolo específico do agente em causar dano ao Erário, exigindo-se a efetiva prova do prejuízo à Admi-nistração Pública. No caso apreciado, Mussi observou a inexistência de “qualquer atitude do paciente capaz de caracterizar o necessário dolo específico de causar prejuízo ao Erário, tendo apenas consignado que efetuava a contratação de servi-ços médicos de oftalmologia e adquiria materiais de laboratório sem a realização do necessário procedimento licitatório” “o que, segundo o relator, é “insuficiente para a caracterização do crime previsto no art. 89 da Lei nº 8.666/1993”. A Turma, por unanimidade, determinou o trancamento da ação penal deflagrada contra o Ex-Secretário, com a expedição de alvará de soltura. HC 299351. (Conteúdo ex-traído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Cliente retirado à força do metrô por ouvir música alta não tem direito a danos morais

A 2ª Turma Cível do TJDFT manteve sentença de 1ª instância que negou indeniza-ção a usuário do metrô retirado à força de um dos vagões por estar ouvindo músi-ca alta e se recusar a baixar o som. De acordo com o Colegiado, a culpa exclusiva pelo fato foi do próprio passageiro, que, mesmo advertido pelos seguranças, man-teve o comportamento inadequado. O autor narrou que, em julho de 2012, foi abordado por três agentes de segurança do metrô, quando se encontrava no inte-rior do trem, na estação de Taguatinga Centro. Segundo ele, os funcionários o ad-vertiram por conta do volume alto do seu rádio, que estaria incomodando outros passageiros. Contou que se negou a diminuir o volume, por discordar que causava incômodo a alguém. Depois da negativa, afirma ter sido retirado à força do vagão e que a truculência da abordagem lhe rendeu o rádio e os óculos quebrados. A Companhia do Metropolitano do DF, em contestação, alegou culpa exclusiva do usuário pelos fatos. Informou que os agentes de segurança foram acionados por reclamação dos demais passageiros, que estavam perturbados com o alto volume do seu rádio. Defendeu que a força utilizada na abordagem foi necessária diante da recusa do autor em retirar-se do vagão, mas que teria sido moderada. Ao de-cidir sobre o pedido indenizatório, o juiz da 8ª Vara da Fazenda Pública do DF concluiu: “Entendo que, diante do que foi comprovado, a responsabilidade civil do Estado, pelos danos supostamente sofridos pelo autor, foi excluída por culpa

206 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO

exclusiva dele próprio, que, com sua conduta inadequada, deu causa à legítima intervenção dos agentes de segurança do Metrô”. Inconformado, o autor recorreu da sentença, mas a Turma Cível manteve o mesmo entendimento do magistrado, à unanimidade. Não cabe mais recurso. Processo: 2013.01.1.035594-6. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Distrito Federal)

Funcionários municipais serão indenizados por discriminação de peso e opção sexual

A 9ª Câmara Cível do TJRS condenou o Município de Glorinha ao pagamento de indenização por danos morais a dois funcionários públicos da cidade que foram vítimas de assédio moral. • O caso: Dois auxiliares de enfermagem do posto de saúde da Cidade de Glorinha ingressaram com ação judicial contra o Município alegando que sofriam perseguição por parte dos colegas de trabalho. Eles afirma-ram que eram maltratados pelos seus superiores, como a Secretária Municipal da Saúde, a diretora do posto e a enfermeira-chefe. A autora apontou que foi acusada injustamente de furto pelos colegas e que os mesmos, em razão do seu peso, a chamavam de gorda, mamute e grossa. O autor narrou que era insultado diaria-mente por causa da sua orientação sexual. Além disso, sofreram segregação – ela em uma sala fechada e ele colocado em uma unidade móvel no interior da loca-lidade, para evitar contato com pacientes. Narraram que os pacientes eram inci-tados a registrar reclamações sobre o atendimento. Em função das situações a que eram expostos, um deles desenvolveu quadro depressivo e ficou afastado do tra-balho no período de 2002 a 2006. Os dois pediram a condenação do Município ao pagamento de dano moral no valor de R$ 100 mil a cada um. • Sentença: Em primeira instância, a Comarca de Gravataí condenou a Cidade de Glorinha ao pagamento de R$ 40 mil para cada um dos autores e também ao ressarcimento das custas processuais. Autores e réu recorreram da decisão. • Recurso: O Município frisou não ter responsabilidade civil pelos fatos alegados e que não havia provas de atos lesivos. Apontou ainda que um dos autores foi preso sob a denúncia de es-tupro. Os autores pediram o aumento do valor da indenização. A 9ª Câmara Cível do TJRS optou por reduzir o valor para R$ 15 mil a cada um dos autores. O Relator do acórdão, Desembargador Miguel Ângelo da Silva, destacou que incumbe ao julgador, na quantificação dos danos morais ou extrapatrimoniais, levar em conta as peculiaridades do caso concreto, estimando valor que não dê margem ao enri-quecimento sem causa do ofendido, porém seja suficiente para significar adequa-da reprimenda ao ofensor, evitando que reincida no comportamento lesivo. Sobre a suspeita de que um dos autores tenha praticado um estupro, o magistrado apon-tou que tal não justifica a suspensão deste processo civil no aguardo do deslinde da ação penal que diz respeito a fatos diversos. Para o desembargador, o assédio moral traduz prática repulsiva e altamente reprovável, sobretudo porque denota

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������207

profundo desprezo dos causadores do dano injusto pelo princípio da dignidade da pessoa humana. Registrou que houve reiteração do tratamento desrespeitoso e discriminatório dispensado aos autores por diversas enfermeiras e chefes do setor onde trabalhavam. Conquanto os fatos relatados na inicial tenham assumido con-tornos preocupantes e inadmissíveis, inclusive alcançando repercussão em sessão pública na Câmara de Vereadores do Município de Glorinha, pequena comunida-de interiorana, na qual houve gravosos comentários pejorativos e jocosos à pessoa dos autores, com referências que permitiam identificá-los no contexto da pequena comunidade local onde todos se conhecem, a autoridade máxima da localida-de, o Prefeito Municipal, nenhuma providência adotou para que a situação fosse esclarecida de forma cabal ou satisfatória e os constrangimentos em ambientes públicos cessassem ou tivessem algum freio. Segundo a decisão, trata-se de situa-ção concreta em que o assédio moral no ambiente de trabalho atingiu o direito à dignidade e a integridade psíquica dos lesados, resultando no dever do ente público em indenizar. O conjunto probatório revela que, à saciedade, foram os autores submetidos de forma sistemática e reiterada, por largo período de tempo, à situação humilhante, vexatória e profundamente constrangedora em seu ambiente laboral, vitimados por atos de perseguição e discriminação, inclusive em virtude de orientação sexual, encetados por superiores hierárquicos. Assim, posicionou-se pela condenação, fixando o valor da indenização em R$ 15 mil para cada um dos autores. Participaram do julgamento os Desembargadores Iris Helena Medeiros Nogueira e Eugênio Facchini Neto. Proc. nº 70056565740. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Sul)

Escoliose leve não impede posse de candidata em cargo público

Por unanimidade, os componentes da 1ª Seção Cível deram provimento ao man-dado de segurança impetrado por C. G. A. contra ato dos Secretários de Adminis-tração, de Justiça e Segurança Pública e do Diretor-Presidente da Agepen, que a considerou inapta na fase de inspeção médica do concurso público para o cargo de Técnico Penitenciário. A impetrante afirma que, na fase do exame de saúde, antropométrico e clínico, foi considerada inapta em razão de um desvio leve na coluna, denominado escoliose. Em mandado de segurança anterior, a 1ª Seção Cível concluiu que a patologia não afetava sua capacidade física e laborativa, o que permitiu a continuidade no concurso. Porém, ao ser convocada para inspeção médica, foi novamente considerada inapta pelo mesmo motivo. A apelante lembra que sem a declaração de aptidão da junta médica não poderia tomar posse do cargo e requereu a concessão de liminar para suspender os efeitos da sua inapti-dão, permitindo que tomasse posse. Ao final, pede a concessão da segurança em definitivo. A liminar foi deferida. O Estado alegou ausência do direito líquido e certo, pois o art. 10, inciso VI, da Lei nº 2.518/202 trata da exigência de saúde físi-

208 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO

ca comprovada por exame médico pericial oficial, pois os requisitos exigidos para ingresso no cargo de técnico penitenciário estão previstos em lei, não se tratando de critérios criados em edital nem em decreto. Afirma que não é aceitável nem razoável exigir que a lei estadual preveja todos os exames a serem exigidos, sendo que tal exigência cabe ao edital do certame. Alega não ser possível qualquer afir-mação contrária às conclusões da junta médica admissional por se referir a tema exclusivamente da medicina, que requer conhecimento científico, não podendo o Judiciário entrar no mérito administrativo. O Relator do processo, Desembargador Claudionor Miguel Abss Duarte, entende que não é necessária a elaboração de prova pericial, pois não restam dúvidas de que a impetrante possui desvio leve na coluna. O que se discute é se esse desvio justifica considerá-la inapta ao exercício das funções do cargo de Técnico Penitenciário de Segurança e Custódia, à luz dos princípios constitucionais da legalidade e da razoabilidade. Em seu voto, o desem-bargador lembrou que os requisitos para ingresso devem estar pautados em lei, em que os limites condizem com o exercício das funções: o que não se admite é estabelecer desigualdade entre os concorrentes ou estipular discriminação arbitrá-ria. Por isso a jurisprudência passou a entender que a lei pode estabelecer critérios para admissão no serviço público, desde que tenha relação lógico-razoável com o cargo ou função a ser exercida. Assim, o relator verificou que a lei regulamen-tadora do cargo de Técnico Penitenciário não estabelece impedimento quanto ao problema físico apresentado pela impetrante para o exercício das funções, pois o edital do concurso, no que diz respeito ao exame de saúde, antropométrico e clínico, ao especificar doenças aptas a desclassificar o candidato, com relação ao desvio de coluna, previu apenas curvaturas anormais e significativas, situação que não se aplica à C. G. A. Embora seja possível exigência quanto ao estado de saúde do candidato, o ato administrativo no caso demonstra clara ilegalidade, por não se respaldar nos limites fixados pelo edital, que previu apenas curvaturas anor-mais e significativas como suficientes à eliminação do candidato. Diante disso, concedo a segurança para tornar a decisão que considerou a impetrante inapta sem efeito e permitir que seja empossada. É como voto. Processo nº 1408867-02.2014.8.12.0000. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul)

Turma determina a devolução ao Incra de propriedade ocupada irregularmente

A 4ª Turma do TRF da 1ª Região cancelou o registro imobiliário em nome dos réus e determinou a devolução da posse do imóvel ao Instituto Nacional de Coloni-zação e Reforma Agrária (Incra). A decisão foi tomada após a análise de recurso apresentado pela Autarquia e pelo Ministério Público Federal (MPF) contra senten-ça que julgou extinto o processo sem resolução do mérito. Na apelação, o Incra alegou que o imóvel em questão não se encontra mais sob a posse do réu, hipótese

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������209

em que não é possível a regularização pura e simples em favor do apelado. Ade-mais, “para que a regularização seja possível, é preciso o preenchimento de certos requisitos constantes no título originário ou mesmo na própria lei, não bastando apenas invocá-la em seu favor para obter os benefícios ali previstos”, ponderou. A autarquia ainda salientou que, se o entendimento adotado pelo Juízo de primeiro grau prevalecer “ao Incra, será sempre vetado promover ações de retomada de ter-ras públicas no âmbito da Amazônia Legal e, o que é pior, de destiná-las àqueles que efetivamente dela necessitam para sobreviver, uma vez que sempre existirá a possibilidade de regularização fundiária na esfera administrativa”. O MPF, tam-bém em apelação, sustentou que o juízo de primeiro grau jamais poderia ter se valido do art. 19 da Lei nº 11.952/2009 para fundamentar seu entendimento. Isso porque a própria lei veda a aplicação de seus comandos até o trânsito em julgado das demandas judiciais ajuizadas pelos entes da Administração Pública indireta e que se tenham por ocupações irregulares, como ocorre no caso em análise. • Decisão: O Colegiado deu razão aos recorrentes (Incra e MPF). “É inaplicável à hipótese dos autos a Lei nº 11.952/2009. A presente demanda já estava em curso quando da publicação da Lei nº 11.952, de forma que incide na espécie o dispos-to no art. 6º, § 3º, do referido diploma, que veda a regularização de ocupações que incidam sobre áreas de objeto de demanda judicial que tenham como parte a União ou entes da Administração indireta”, diz a decisão. Além do mais, no caso, “não há que cogitar na regularização da ocupação da área em questão, mor-mente quando se verifica a incidência, na hipótese, das ressalvas contidas na Lei nº 11.952”, fundamentou a Corte. Por fim, “diante da peculiar característica do imóvel em comento – bem público –, merece provimento a apelação interpos-ta, pois se cuida de área insuscetível de usucapião”. A Relatora da demanda foi a Juíza Federal Convocada Rosimayre Gonçalves de Carvalho. Nº do Processo: 0002453-80.2004.4.01.4100. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Hemocentro atesta laudo errôneo de hepatite e mulher será indenizada

O Estado de Goiás foi condenado a indenizar em R$ 10 mil por danos morais mulher que recebeu dois laudos errados de um exame de sangue, atestando que ela teria hepatite C, expedidos pelo Hemocentro, unidade da Secretaria Estadual da Saúde. A decisão é da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, nos termos do voto do Relator do processo, o Desembargador Gilberto Marques Filho. A mulher recebeu o atestado após comparecer ao banco de san-gue estadual para fazer coleta voluntária. Para o relator, assim que soube da falsa doença, ela suportou sentimentos e consequência que, por certo, lesaram seus direitos de personalidade, como honra, a imagem, a dignidade, causando-lhe dor e sofrimento que não se resumem a meros aborrecimentos. A verdade quanto à

210 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO

sua saúde só foi descoberta quando se dirigiu a um laboratório particular para um novo exame, dois meses depois. A sentença fora arbitrada em primeiro grau e mantida sem reformas pelo Colegiado, apesar do recurso do Governo Estadual. O Poder Público alegou que não houve falha do serviço com o falso positivo, uma vez que o exame foi feito apenas para triagem sorológica para fins de compor o banco de sangue do Hemocentro. Contudo, o desembargador observou que, segundo provas colacionadas nos autos, a mulher passou por dois exames no Hemocentro e os dois atestaram a hepatite, tendo sido, inclusive, encaminhada para tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS). A circunstância indica ter ela passado por momentos difíceis, com abalo moral até que se fosse realizado novo exame, em que se teve um hiato de tempo suficiente para tornar a vida da autora como um verdadeiro martírio, permeada de dor psíquica (Agravo Regimental na Apelação Cível nº 201294039350). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás)

Demonstrado o interesse da Administração, professora temporária ganha direi­to à renovação de contrato

Por unanimidade, a 5ª Turma do TRF1 confirmou sentença da 16ª Vara do Distrito Federal que concedeu parcialmente segurança para determinar ao Superintenden-te de Pessoal e à reitoria da Universidade Federal da Bahia (UFBA) que renovas-sem o contrato temporário de uma professora, ora impetrante, por, no mínimo, prazo igual ao previsto no novo edital publicado para preenchimento do cargo por ela ocupado. A impetrante, professora universitária, submeteu-se a processo seletivo simplificado destinado à seleção de candidatos em caráter temporário. A demandante foi aprovada e contratada como educadora substituta do Departa-mento de Ciência da Nutrição da UFBA para trabalhar no período de 12.12.2012 a 30.04.2013, prorrogável por até 24 meses, de acordo com a Lei nº 8.745/1993. Entretanto, estando em vigor o contrato que não havia sido ainda prorrogado, em 26.04.2013, a instituição de ensino publicou o Edital nº 04/2013 para o preenchi-mento de duas vagas de Magistério Superior – Ciência da Nutrição. A professora, então, procurou a Justiça Federal com o intuito de preencher a vaga, que era a mesma por ela ocupada, e obteve ganho de causa. O processo veio ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região para revisão da sentença. O Desembargador Fe-deral Souza Prudente, Relator do processo, entendeu que, embora a prorrogação consista, teoricamente, em ato administrativo a ser analisado de acordo com a oportunidade e conveniência do serviço, a requerente tinha razão. Registrou o julgador em seu voto que: “Restou claro que persiste o interesse da Administração na renovação do contrato da impetrante, uma vez que ofereceu duas vagas para o mesmo cargo, quando publicou o Edital nº 04/2013, em 26.04.2013, [...] quando ainda em vigor o contrato da impetrante, que, nos termos da Lei nº 8.745/1993,

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������211

pode ser prorrogado por um período de até dois anos”. O Magistrado considerou, também, que não havia nenhum fato impeditivo à renovação do contrato, e finali-zou: “A comprovação de existência de interesse e de necessidade da Administra-ção Pública em contratar profissional para a função ocupada por aquela, em razão da publicação de novo edital para o preenchimento da mesma vaga, convola a mera expectativa de direito em direito líquido e certo de renovação do contrato ainda em vigor, afastando-se, na espécie dos autos, a discricionariedade adminis-trativa”. Nº do Processo: 0014510-90.2013.4.01.3300. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Candidato cassado deverá ressarcir Erário por ter obrigado TRE/PR a promover novas eleições

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) deu provimento a re-curso da União e condenou o Ex-Prefeito de Cândido Abreu (PR), Richard Golba, a ressarcir os cofres públicos dos valores gastos pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do PR na realização de eleição suplementar no Município. O fato ocorreu no pleito de 2008. Ao não conseguir registrar-se como candidato em função de ter tido as contas de sua antiga administração, nos anos de 1998 e 1999, rejeitadas pelo TRE, Golba recorreu contra a cassação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com a questão sub judice, concorreu à prefeitura e ganhou. Entretanto, posterior-mente, o TSE manteve a cassação, obrigando o TRE a fazer uma nova eleição. O custo com a realização do pleito foi, então, cobrado do ex-prefeito por meio de ação judicial pela União. A ação foi julgada improcedente pela 11ª Vara Fede-ral de Curitiba e a União recorreu ao Tribunal. A Relatora, Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene, convocada no TRF4, reformou, dia 22 de outubro, a sen-tença por entender que ficou configurada a responsabilidade civil no caso. “O posterior indeferimento do registro culminou com a necessidade de realização de eleição suplementar, custeada pelos cofres públicos. Embora tenha o direito de recorrer à Justiça Eleitoral, o que é inegável, não poderia o recorrente continuar no pleito por conta dos recursos da União, senão por sua conta e risco, pois sabedor da possibilidade de ser indeferido seu recurso”, escreveu a magistrada em seu voto. Segundo Salise, a União não pode arcar com um prejuízo causado pela conduta do réu. “Encontram-se preenchidos os três requisitos da responsabilidade civil, já que presentes o ato ilícito, o nexo causal entre esse ato (continuar concorrendo ao pleito eleitoral com o registro indeferido) e o dano que acarretou a necessidade de realização de eleições suplementares que importaram em despesa extraordinária”, salientou. Golba terá que pagar o custo da eleição, de R$ 29.695,83, acrescido de juros e correção monetária. Nº do Processo: 5046199-75.2012.404.7000. (Con-teúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

212 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO

Administração só pode efetivar descontos do servidor com sua anuência

A 2ª Turma do TRF da 1ª Região confirmou, por unanimidade, sentença proferida pelo juiz federal da 7ª Vara do Distrito Federal que concedeu a segurança pleite-ada por uma servidora que pretendia que a União fosse impedida de descontar--lhe valores referentes à função comissionada, uma vez que ela continuava exer-cendo suas tarefas. A servidora, pertencente ao quadro funcional do Ministério da Fazenda, exercia função comissionada no Ministério da Justiça. Quando foi suspenso o pagamento da função, ela impetrou mandado de segurança contra a União, na Justiça Federal. Após sentença que reconheceu o direito da impetrante, a União recorreu ao TRF1, alegando que as funções comissionadas dos servido-res da Secretaria de Controle Interno da Defesa (Ciset), no Ministério da Justiça, foram suprimidas por forma do Decreto nº 1.723/1995 e que, portanto, não é de-vido o pagamento. O Relator do processo, Juiz Federal Convocado Cleberson José Rocha, entendeu que, de acordo com o art. 46 da Lei nº 8.112/1990, “o desconto de quaisquer valores em folha de pagamento de servidores públicos pressupõe sua prévia anuência, não podendo ser feito unilateralmente pela Administração”, pois o artigo citado apenas regulamenta a forma de reposição ou indenização ao Erário após a concordância do servidor, não sendo meio de a Administração Pública recuperar valores eventualmente apurados em processo administrativo. O magistrado registrou que, embora o Decreto nº 1.745/1995 tenha extinguido a função comissionada exercida pela requerente, ela continuou exercendo suas funções até agosto/1996, em face da continuidade do serviço público, quando foi publicado o ato de dispensa. “Nesse contexto, viável a pretensão da parte impe-trante, por não ser razoável nem proporcional que a servidora que tenha permane-cido exercendo as suas atribuições deixe de receber a contraprestação correlata”, finalizou o relator, entendendo ser ilegal, por ofensa ao princípio da segurança das relações jurídicas, a conduta da Administração de exonerar de servidores de funções comissionadas com efeito retroativo e cobrança de valores que já haviam sido recebidos. Nº do Processo: 0022798-92.1997.4.01.0000. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 1ª Região)

Juíza determina bloqueio de verba da saúde para assegurar medicamento de paciente

A Juíza Francimar Dias Araújo, da 2ª Vara da Fazenda Pública de Natal, determinou o bloqueio do valor de R$ 9.652,98, equivalente ao fornecimento do medicamen-to para o tratamento de hipertensão arterial pulmonar severa, pelo período de três meses, diretamente na conta do Estado do Rio Grande do Norte, especificamente na rubrica destinada à saúde. Após o bloqueio do numerário, os valores deverão ser transferidos a uma conta judicial para fins de liberação por alvará. Na ação que a paciente moveu contra o Estado do Rio Grande do Norte, foi inicialmente

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – CLIPPING JURÍDICO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������213

concedida uma liminar determinando ao ente a garantia e viabilização imediata do fornecimento do medicamento Bosentana 125mg, na quantidade prescrita no laudo médico, enquanto durasse a prescrição, ou aquele que contivesse o mesmo princípio ativo e que pudesse ser substituído, no caso concreto, sob avaliação médica. Após o regular trâmite processual, uma sentença julgou procedente o pedido autoral, confirmando integralmente a liminar anteriormente concedida. O Banco do Brasil deve apresentar ao juízo o comprovante do bloqueio dos valores no prazo de cinco dias. Já o Estado tem três dias para apresentar comprovante de que cumpriu fielmente a decisão que deferiu o pedido liminar quanto ao forneci-mento do medicamento. Diante da negativa do Estado em não promover o direito à saúde, indissociável do direito à vida, sendo os mesmos constitucionalmente garantidos, tidos como indisponíveis e absolutos, e ainda considerando as provas anexadas aos autos, a magistrada determinou expedição de mandado ao Banco do Brasil, Agência Setor Público Natal/RN, diretamente ao gerente, para que o mesmo realize o bloqueio da importância de R$ 9.652,98, diretamente na conta do Estado do RN (Processo nº 0100100-45.2011.8.20.0001). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Rio Grande do Norte)

Fechamento da Edição: 27�11�2014

Resenha Legislativa

MEDIDAS PROVISÓRIAS

medida provisÓria Nº 660, de 24.11.2014 Altera a Lei nº 12.800, de 23 de abril de 2013, que dispõe sobre as ta-belas de salários, vencimentos, soldos e demais vantagens aplicáveis aos servidores civis, aos militares e aos empregados oriundos do ex-Território Federal de Rondônia integrantes do quadro em extinção de que trata o art. 85 da Lei nº 12.249, de 11 de junho de 2010, e dá outras provi-dências.

medida provisÓria Nº 658, de 29.10.2014Altera a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que estabelece o regime jurídico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colaboração com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento; e altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999.

DECRETOS

decreto Nº 8.365, de 24.11.2014Regulamenta a Medida Provisória nº 660, de 24 de novembro de 2014, dispõe sobre o exercício da opção para a inclusão em quadro em ex-tinção da União de que trata a Emenda Constitucional nº 79, de 27 de maio de 2014, institui a Comissão Especial dos ex-Territórios Federais de Rondônia, do Amapá e de Roraima – CEEXT, e dá outras providências.

decreto Nº 8.329, de 03.11.2014Dispõe sobre a integralização de cotas do Fundo Garantidor de Infraes-trutura – FGIE pela União.

Fechamento da Edição: 27�11�2014

Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• Agências Reguladoras: Algumas Perplexidades e Desmistifi-cações

Alexandre Santos de Aragão Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• Os Contratos Administrativos e a Arbitragem Luciano Benetti Timm e Thiago Tavares da Silva Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINA

Assunto

O POder NOrmativO das agêNcias reguladOras

• As Agências Reguladoras e o Controle Político sobre Sua Criação Normativa (Carlos Athayde Valadares Viegas e Cláudia Mara de AlmeidaRabelo Viegas) .....................................................35

• As Agências Reguladoras e o Seu Poder Norma- tivo (Cristina Alves da Silva e Rocco AntonioRangel Rosso Nelson) ............................................9

Autor

carlOs athayde valadares viegas

• As Agências Reguladoras e o Controle Político sobre Sua Criação Normativa .............................35

cláudia mara de almeida rabelO viegas

• As Agências Reguladoras e o Controle Político sobre Sua Criação Normativa .............................35

cristiNa alves da silva

• As Agências Reguladoras e o Seu Poder Nor-mativo ...................................................................9

rOccO aNtONiO raNgel rOssO NelsON

• As Agências Reguladoras e o Seu Poder Nor-mativo ...................................................................9

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

O POder NOrmativO das agêNcias reguladOras

• Administrativo – Recurso especial – Adminis-tração portuária – Multa administrativa – Infra-ção à Resolução Antaq nº 858/2007 – Exercí-cio do poder normativo conferido às agências reguladoras (STJ) ........................................6823, 54

EMENTÁRIO

O POder NOrmativO das agêNcias reguladOras

• Agência reguladora – Anac – poder normativo – resolução – segurança aeropor tuária – Infraero – descumprimento – auto de infração – legali-dade ..........................................................6824, 62

• Agência reguladora – Aneel – resolução – con-domínios fechados – medidores – instalação – dispensa ....................................................6825, 62

• Agência reguladora – ANP – poder normativo – Portaria nº 202/1999 – legalidade e constitu-cionalidade ...............................................6826, 64

• Agência reguladora – ANP – portaria – auto de infração – multa – mera irregularidade formal – sanção – manutenção ................................6827, 65

• Agência reguladora – ANS – resolução – edição– possibilidade ..........................................6828, 66

• Agência reguladora – Anvisa – farmácia de ma-nipulação – preparações magistrais – estoque – pretensão – impossibilidade ......................6829, 67

• Agência reguladora – poder normativo – exer-cício – legitimidade ..................................6830, 68

Índice GeralDOUTRINA

Assunto

cONtratO admiNistrativO

• A Arbitragem nos Contratos Administrativos(Gina Copola) ......................................................70

cONtrOle sOcial

• O Controle Social da Administração Pública e o Programa “Olho Vivo no Dinheiro Públi-co” (Francisco de Salles Almeida Mafra Filho) ..........................................................................103

desaPrOPriaçãO

• Indenização pela Teoria da Perda de uma Chan-ce: a Jurisprudência do Superior Tribunal deJustiça (Felipe Cunha de Almeida) .......................85

Assunto

FeliPe cuNha de almeida

• Indenização pela Teoria da Perda de uma Chan-ce: a Jurisprudência do Superior Tribunal deJustiça ..................................................................85

FraNciscO de salles almeida maFra FilhO

• O Controle Social da Administração Pública e o Programa “Olho Vivo no Dinheiro Público” ..........................................................................103

giNa cOPOla

• A Arbitragem nos Contratos Administrativos ........70

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

cONcursO PúblicO

• Administrativo – Concurso público (nacional e regional) – Para a carreira de delegado de po-lícia federal – Candidato aprovado (“recomen-

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �������������������������������������������������������������������������������������������������217 dado”) no exame psicotécnico realizado no concurso de âmbito nacional, e menos de um mês depois considerado “inapto” no certame de âmbito regional – “Perfil profissiográfico” para uma pessoa tornar-se delegado federal que, para ser validamente perscrutado, deveria ser objetivo e público, preservando a impessoali-dade do certame e a possibilidade de recurso – Posterior cancelamento da exigência de “per-fis profissiográficos” (Decreto nº 6.944/2009) – Inaptidão do candidato/apelante afastada, dando-se provimento ao seu apelo – após re-jeição de matéria preliminar – Com inversão de sucumbência (TRF 3ª R.) ..........................6834, 125

eNsiNO

• Administrativo – Mandado de segurança – En-sino superior – Inadimplência relativa a curso anterior – Abandono – Renovação de matrícu-la em curso diverso – Possibilidade – Senten-ça mantida (TRF 1ª R.) .............................6831, 110

• Administrativo – Reexame necessário – Dou-torado – Extrapolação do prazo para conclu-são – Princípios da razoabilidade e propor-cionalidade (TRF 4ª R.) ............................6836, 144

registrO PrOFissiONal

• Administrativo – Apelação – Mandado de segu-rança Conselho Regional de educação física de São Paulo – CREF/SP – exercício da profissão de técnico de tênis de mesa – Exigência de inscri-ção no CREF – Resolução Concef nº 45/2002– ilegalidade (TRF 3ª R.) ...........................6835, 137

servidOr PúblicO

• Administrativo – Servidor Público – Descontos – Regime docente de dedicação exclusiva – cumulação com outro cargo – ressarcimento ao erário – possibilidade (TRF 2ª R.) ............6832, 114

trâNsitO

• Administrativo e processual civil. Apelação contra sentença que cancelou três autuações de trânsito, lavradas por agentes da Polícia Rodoviária Federal em desfavor da parte au-tora, proprietária de motocicleta. De acordo com a sentença recorrida, das sete autuações de trânsito aplicadas à apelada, proprietária da motocicleta de placa NQZ 1757, marca Hon-da, modelo Biz 125-ES, três delas 215115619, 215112539 e 215112709, ocorrem no mesmo dia, sendo, em verdade, dupla punição admi-nistrativa em decorrência do mesmo evento, aplicando o princípio do bis in idem, con-sentâneo ao Direito Penal à seara do Direito Administrativo.(TRF 5ª R.) ........................6837, 151

traNsPOrte

• Administrativo – Transporte irregular de pas-sageiros – Retenção do veículo – Liberação

condicionada a pagamento de multa – Impos-sibilidade (TRF 3ª R.) ...............................6833, 119

EMENTÁRIO

Assunto

agêNcia reguladOra

• Agência reguladora – Anvisa – fiscalização de navios – servidores – greve – serviço público es-sencial – manutenção .............................6838, 155

atO admiNistrativO

• Ato administrativo – multas aplicadas pelo Procon – exigibilidade – suspensão – impossibi-lidade ......................................................6839, 155

autOrizaçãO

• Autorização – terreno de marinha – constru-ção – bem de uso comum do povo – invasão – não caracterização ................................6840, 155

cONcursO PúblicO

• Concurso público – candidato – ordem de clas-sificação – preterição – salários e vantagens decarreira – ressarcimento – descabimento .. 6841, 156

• Concurso público – delegado da polícia ci-vil – questão – assunto não previsto no edital – anulação ...............................................6842, 156

• Contrato administrativo – execução – atraso injustificado – multa – aplicação – possibilida-de – pagamentos devidos – retenção – desca-bimento ...................................................6843, 157

cONvêNiO

• Convênio – evento literário – realização – lici-tação – inexigibilidade ............................6844, 159

desaPrOPriaçãO

• Desapropriação – imóvel – avaliação extraju-dicial – consentimento – ausência – perícia ju-dicial – realização ..................................6845, 161

• Desapropriação – Ministério Público – inter-venção – ausência – nulidade – prejuízo – nãocomprovação ..........................................6846, 161

• Desapropriação indireta – apossamento admi-nistrativo – inocorrência – indenização inde-vida .........................................................6847, 162

eNsiNO

• Ensino – curso de graduação – aprovação em todas as disciplinas – exigência – colação de grau – participação simbólica – impossibilidade ................................................................6848, 162

• Ensino – estudante de ensino médio – curso su-perior – matrícula – princípio da razoabilidade – possibilidade ........................................6849, 162

218 �������������������������������������������������������������������������������������������������� RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

• Ensino – inscrição Enem – boleto emitido comerro – participação – possibilidade .........6850, 163

• Ensino – sistema de cotas – programa de ação afirmativa – alunos egressos do ensino público – legalidade e isonomia – violação – inexis-tência ......................................................6851, 165

imPrObidade admiNistrativa

• Improbidade administrativa – cargo público – mandato eletivo de prefeito – remuneração – acumulação – vedação ............................6852, 166

• Improbidade administrativa – médico da San-ta Casa conveniada ao SUS – plano particular – paciente gestante – adesão – coação – com-provação – ausência ................................6853, 167

• Improbidade administrativa – princípios da administração pública – violação – dolo gené-rico – caracterização ...............................6854, 168

• Improbidade administrativa – recursos federais do SUS – conta específica do fundo municipal– depósito – dano ao Erário ....................6855, 169

• Improbidade administrativa – sociedade de eco-nomia mista – advogados – contratação – lici-tação – dispensa – ilegalidade ................6856, 169

• Improbidade administrativa – sociedade em-presária – ajuizamento – agente público – não enquadramento – descabimento .............6857, 170

licitaçãO

• Licitação – pregão eletrônico – especificidade técnica – participantes – restrição – alegação –mandado de segurança – via inadequada . 6858, 170

militar

• Militar – cargo de professor da rede pública – acumulação – impossibilidade .................6859, 170

• Militar – processo-crime – tramitação – quadro de acesso à promoção – exclusão – presunçãode inocência – ofensa – incorrência ........6860, 172

• Militar – transferência – motivação prévia – exi-gência ......................................................6861, 174

POlíticas Públicas

• Políticas públicas – fornecimento de medica-mentos – óbito do paciente – sobra – devolu-ção ao ente – cabimento .........................6862, 174

• Políticas públicas – fornecimento de medica-mento não padronizado pelo SUS – Poder Judi-ciário – interferência – vedação ..............6863, 175

PrOcessO admiNistrativO

• Processo administrativo – licitação – irregula-ridades – apuração – provas – indeferimento – penalidade – aplicação – contraditório e ampladefesa – violação ....................................6864, 175

recursO admiNistrativO

• Recurso administrativo – devido processo legal – obrigatoriedade ....................................6865, 177

registrO PrOFissiONal

• Registro profissional – Conselho Regional de Contabilidade – reativação – exame de sufi-ciência – exigência – ilegalidade .............6866, 178

resPONsabilidade civil dO estadO

• Responsabilidade civil do Estado – acidente de trânsito – ônibus municipal – transporte deestudantes – indenização devida .............6867, 178

• Responsabilidade civil do Estado – CPF – can-celamento indevido – dano moral – configu-ração .......................................................6868, 179

• Responsabilidade civil do Estado – preso – sui-cídio – indenização – cabimento .............6869, 179

servidOr PúblicO

• Servidor público – abandono de cargo – faltasinjustificadas – demissão – possibilidade .. 6870, 180

• Servidor público – abandono de cargo – mais de trinta dias – exoneração ex officio – impos-sibilidade ................................................6871, 180

• Servidor público – adicional noturno – remu-neração paga em quantia maior – ressarcimen-to – impossibilidade – verba alimentar – rece-bimento – boa-fé .....................................6872, 182

• Servidor público – agente penitenciário – adi-cional de insalubridade – cabimento .......6873, 182

• Servidor público – contratação – concurso pú-blico – ausência – improbidade administrativa– configuração ........................................6874, 183

• Servidor público – efeitos remuneratórios – Lei de Responsabilidade Fiscal – inaplicabilidade ................................................................6875, 183

• Servidor público – empregado público – con-tratação temporária – leis trabalhistas – inapli-cabilidade ...............................................6876, 183

• Servidor público – estágio probatório – dispen-sa – legalidade ........................................6877, 184

• Servidor público – estudante – horário espe-cial – conveniência e oportunidade – sujeição ................................................................6878, 185

• Servidor público – exercício de atividades in-salubres – aposentadoria especial – concessão ................................................................6879, 185

• Servidor público – imóvel funcional – ocupação – motivos – cessação – esbulho possessório –caracterização ........................................6880, 186

• Servidor público – idade superior a 70 anos – inatividade obrigatória .............................6881, 187

• Servidor público – magistério público esta-dual – pós-graduação – realização – afasta-

RSDA Nº 108 – Dezembro/2014 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �������������������������������������������������������������������������������������������������219 mento – auxílio-alimentação – requerimento – admissibilidade .......................................6882, 188

• Servidor público – tratamento de saúde – afas-tamento – tempo de serviço – aposentadoria es-pecial – cômputo – possibilidade ............6883, 188

• Servidora pública – aposentada – licença-prêmio– conversão em pecúnia – possibilidade ... 6884, 188

• Servidora pública – auxiliar de sala de aula – piso salarial nacional do magistério público – aplicação – impossibilidade ....................6885, 189

siNdicâNcia

• Sindicância – exercício de acupuntura – ato médico – definição por resolução – impossibili-dade ........................................................6886, 189

JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

Assunto

desaPrOPriaçãO

• Doação de Terreno Municipal ao Particular que Pagou sua Desapropriação (Ivan BarbosaRigolin) ..............................................................191

ivaN barbOsa rigOliN

• Doação de Terreno Municipal ao Particular que Pagou sua Desapropriação ................................191

CLIPPING JURÍDICO

• Administração só pode efetivar descontos do servidor com sua anuência ................................212

• Câncer: tratamento de alto custo deve ser ga-rantido pelo Estado ............................................204

• Candidato cassado deverá ressarcir Erário por ter obrigado TRE/PR a promover novas eleições ..........................................................................211

• Cidadão com restrições eleitorais por estar com os direitos políticos suspensos pode obter pas-saporte ...............................................................200

• Cliente retirado à força do metrô por ouvirmúsica alta não tem direito a danos morais .......205

• Demonstrado o interesse da Administração, pro-fessora temporária ganha direito à renovaçãode contrato ........................................................210

• Detran deve indenizar por falha em vistoria deautomóvel .........................................................203

• Direito à nomeação de candidatos fora do nú-mero de vagas tem repercussão geral .................201

• Dispensa ilegal de licitação exige dano ao Erário e dolo específico ...............................................204

• Escoliose leve não impede posse de candidataem cargo público ...............................................207

• Funcionários municipais serão indenizados pordiscriminação de peso e opção sexual ...............206

• Hemocentro atesta laudo errôneo de hepatite e mulher será indenizada .....................................209

• Juíza determina bloqueio de verba da saúdepara assegurar medicamento de paciente ..........212

• Município deverá matricular menores em Ceinfpróximo à residência .........................................202

• Turma determina a devolução ao Incra de pro-priedade ocupada irregularmente ......................208

• Tribunal determina que União e DNIT conser-tem rodovias federais no RS ...............................200

RESENHA LEGISLATIVA

medidas PrOvisórias

• Medida Provisória nº 660, de 24.11.2014 ........214

• Medida Provisória nº 658, de 29.10.2014 .........214

decretOs

• Decreto nº 8.365, de 24.11.2014 ......................214

• Decreto nº 8.329, de 03.11.2014 ......................214