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Direito Público ANO XII – Nº 65 – SET-OUT 2015 I NDEXADA POR Index Copernicus Internacional Sumário de Revistas Brasileiras Latindex REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009 DIRETORES Elton José Donato Dalide Correa EDITOR-CHEFE Paulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF) EDITORA-ADJUNTA Ana Carolina Figueiró Longo (IDP/DF) CONSELHO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT), Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Gustavo José Mendes Tepedino (UFRJ) Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP) CORPO ADMINISTRATIVO EDITORIAL Afonso Códolo Belice, Alessandra Damian Cavalcanti, Amir Barroso Khodr, Anna Carolina Carneiro, Evandro da Silva Soares, Fernando Oliveira Samuel, Ghuido Cerqueira Café Mendes, José dos Santos Carvalho Filho, José Pedro Brito da Costa, Karinne Fontenele Sampaio, Mikaela Minaré Braúna, Rodrigo Chaves de Freitas COMITÊ TÉCNICO Nathalia Passos COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Alvaro Luis de A. S. Ciarlini, Carolina Schroeder Alexandrino, Eberhard Schmidt‑Aßmann, Fabriccio Quixadá Steindorfer Proença, Gustavo de Faria Moreira Teixeira, Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab, Marciano Buffon, Márcio Luís de Oliveira, Nestor Eduardo Araruna Santiago, Regina Linden Ruaro, Valerio de Oliveira Mazzuoli, Vinicius Diniz e Almeida Ramos ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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Direito PúblicoAno XII – nº 65 – Set-out 2015

IndeXAdA porIndex Copernicus InternacionalSumário de Revistas Brasileiras

Latindex

repoSItórIo AutorIzAdo de JurISprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoreSElton José Donato

Dalide Correa

edItor-chefePaulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF)

edItorA-AdJuntAAna Carolina Figueiró Longo (IDP/DF)

conSelho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha),

Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES),Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT),

Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid),Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Gustavo José Mendes Tepedino (UFRJ) Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS),Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP),

Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB),Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT),

Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP)

corpo AdmInIStrAtIvo edItorIAlAfonso Códolo Belice, Alessandra Damian Cavalcanti, Amir Barroso Khodr, Anna Carolina Carneiro, Evandro da Silva Soares,

Fernando Oliveira Samuel, Ghuido Cerqueira Café Mendes, José dos Santos Carvalho Filho, José Pedro Brito da Costa, Karinne Fontenele Sampaio, Mikaela Minaré Braúna, Rodrigo Chaves de Freitas

comItê técnIcoNathalia Passos

colAborAdoreS deStA edIçãoAlvaro Luis de A. S. Ciarlini, Carolina Schroeder Alexandrino, Eberhard Schmidt‑Aßmann,

Fabriccio Quixadá Steindorfer Proença, Gustavo de Faria Moreira Teixeira, Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab, Marciano Buffon, Márcio Luís de Oliveira,

Nestor Eduardo Araruna Santiago, Regina Linden Ruaro, Valerio de Oliveira Mazzuoli, Vinicius Diniz e Almeida Ramos

ISSN impresso 1806‑8200ISSN digital 2236‑1766

Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 12, n. 65; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

www.idp.edu.br

SGAS 607 – Módulo 49 – Av. L2 Sul – Asa Sul70200‑670 – Brasília – DFFone/Fax: (61) 3535.6565

E‑mail: [email protected]

Solicita‑se permuta.Pídese canje.

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Wir bitten um austausch.

Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

Escola Superior da Magistratura. Ajuris. Biblioteca.Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem. Biblioteca.

Senado Federal. Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.Universidade de Brasília. Biblioteca Central.

Universidade de Lisboa. Biblioteca.Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Central.

Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Biblioteca.Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

Uma coedição de:

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Neste número, damos como tema principal o meio ambiente em algumas das suas repercussões no direito. Ao ser erigido à condição de direito funda-mental, a proteção do meio ambiente se torna um dever básico do Estado e um parâmetro para a organização do Estado e da sociedade. Esperamos que os estudos desse volume contribuam para a reflexão sobre os desdobramentos que o assunto suscita. Não deixe, amigo leitor, de também conferir o instigante texto clássico que somamos à edição e o atual e relevante estudo sobre juízes e advogados no novo Código de Processo Civil.

Boa leitura!

Paulo G. Gonet Branco

Editor

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Por Um meio Ambiente eqUilibrAdo

doUtrinAs

1. Protección Jurídica del Medio Ambiente en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos HumanosValerio de Oliveira Mazzuoli e Gustavo de Faria Moreira Teixeira ............9

2. A Extrafiscalidade como Instrumento de Proteção do Meio Ambiente Ecologicamente EquilibradoCarolina Schroeder Alexandrino e Marciano Buffon .................................32

textos ClássiCos

1. A Jurisdição Administrativa na Alemanha: entre Tarefas Clássicas e Desafios AtuaisEberhard Schmidt-Aßmann.......................................................................45

JUrisPrUdênCiA

1. Acórdão na Íntegra (STF) ..........................................................................59

2. Ementário .................................................................................................71

Parte GeraldoUtrinAs

1. A Discrição Judicial e a Prerrogativa dos Advogados ao Pronto Atendimento pelos Juízes: Análise a Partir da Ótica da Nova Ordem Processual CivilAlvaro Luis de A. S. Ciarlini......................................................................80

2. Planejamento como Imperativo do Desenvolvimento Sustentável: A Ineficácia da Licitação Ecológica em Face da Lei Nacional de LicitaçõesVinicius Diniz e Almeida Ramos e Márcio Luís de Oliveira .....................92

JUrisPrUdênCiA

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................110

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................118

3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................122

4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................132

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5. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................144

ementário

1. Administrativo ........................................................................................1482. Ambiental ..............................................................................................1523. Constitucional ........................................................................................1574. Penal/Processo Penal..............................................................................1615. Processo Civil e Civil ..............................................................................1656. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................1707. Tributário ...............................................................................................176

Seção EspecialteoriAs e estUdos CientífiCos

1. Análise Econômica do Direito do Petróleo: Desafios do Novo Sistema ExploratórioRegina Linden Ruaro e Fabriccio Quixadá Steindorfer Proença ..............184

doUtrinA estrAngeirA

1. Considerations About the (Abuse) Right to Defense of AGu in Lawsuits Proposed by Former Political Prisioners and/or by Relatives of Dead and Disappeared During Civil-Military Dictatorship: Is There Effectiveness in its Dimension of Justice?Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab e Nestor Eduardo Araruna Santiago ....................................................................................205

Clipping Jurídico ..............................................................................................221

Resenha Legislativa ..........................................................................................227

Bibliografia Complementar .................................................................................229

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................230

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mestrado do IDP e a linha edi-torial da revista contemplam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Constitucionais; e b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadê-mica, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, consignando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva respon-sabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunida-de da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reservado o direito de publicar os arti-gos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus autores, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Por-tal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no endereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especificações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

– O autor deverá cadastrar-se no Portal da Revista Direito Público do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), indicando o resumo de sua biografia e seu endereço de correspondência;

– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS – BLIND PEER REVIEWTodos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Corpo

Administrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qua-litativa de sua forma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os con-vites serão formulados exclusivamente pelo Editor Chefe da revista Direito Pú-blico.

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 65, 2015, 9-31, set-out 2015

Por Um Meio Ambiente Equilibrado

Protección Jurídica del Medio Ambiente en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos

The Environmental Protection in the Jurisprudence of the Inter-American Court of Human RightsSubmissão: 06.08.2015Decisão Editorial: 27.08.2015Comunicação ao autor 27.08.2015

VALERIO DE OLIVEIRA MAzzuOLIPost‑Doctor en Ciencias Jurídico‑Políticas por la Universidad Clásica de Lisboa (Portugal), Doctor summa cum laude en Derecho Internacional por la Universidad Federal de Rio Grande del Sur (Brasil), Máster en Derecho por la Universidad Estadual de San Pablo (Brasil), Profesor Adjunto (Licenciatura y Máster) en la Facultad de Derecho de la Universidad Federal de Mato Grosso (Brasil), Miembro de la Sociedad Brasileña de Derecho Internacional (SBDI) y de la Asociación Brasileña de Constitucionalistas Demócratas (ABCD), Abogado y Consultor Jurídico.

GuSTAVO DE FARIA MOREIRA TEIxEIRAMáster en Derecho Agroambiental por la Universidad Federal de Mato Grosso (Brasil), Profesor de Derecho Internacional en la Universidad de Cuiabá (Brasil), Abogado en el Estado de Mato Grosso (Brasil), Miembro del Grupo de Investigación de Derecho Internacional Público – GEDIP/UFMT.

RESUMEN: Este trabajo tiene como objetivo comprender las interrelaciones entre la protección internacional del medio ambiente y los sistemas regionales de protección de los derechos humanos, así como las aportaciones de la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos para fortalecer la protección de los derechos civiles y políticos en los casos relativos a cuestiones ambientales.

PALABRAS CLAVE: Derechos Humanos; Medio Ambiente; Sistema interamericano; Defensa por la vía refleja; Ecologización; Greening; Reverdecimiento; Convención Americana sobre Derechos Humanos.

ABSTRACT: This paper aims to understand the interrelationships between the international environmental protection and the human rights protection systems, as well as the contributions of the jurisprudence of the Inter‑American Court of Human Rights to the strengthening of the civil and political rights protection in cases involving environmental issues.

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10 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 65, 2015, 9-31, set-out 2015

KEYWORDS: Human rights; Environment; Inter‑American System; environmental protection through the reflex pathway; Ecologización; American Convention on Human Rights.

SUMARIO: 1 Introducción; 2 El sistema interamericano de derechos humanos y las cuestiones ambientales: 2.1 La protección internacional del medio ambiente y de los derechos humanos; 2.2 La ecologización de la Comisión y de la Corte Interamericanas; 3 El “escribir recto en renglones torcidos” del sistema interamericano de derechos humanos; 3.1 La defensa del medio ambiente por la vía refleja; 3.2 Efectos de la ecologización de la Corte; 4 Conclusiones; 5 Bibliografía.

SUMMARY: 1 Introduction; 2 The Inter‑American human rights system and the environmental issues; 2.1 The environment and the human rights international protection; 2.2 Greening the Inter‑American Commission and the Inter‑American Court; 3 “Writing straight with crooked lines” in the Inter‑American human rights system; 3.1 The environmental protection through the reflex pathway technique; 3.2 Effects of the Inter‑American Court greening; 4 Conclusions; 5 Bibliography.

1 INTRODuCCIóNA pesar de la falta de disposición expresa en los textos de la Declaración

Americana de los Derechos y Deberes del Hombre (1948) y de la Convención Americana sobre Derechos Humanos (1969) – así también como en el Convenio Europeo de Derechos Humanos (1950) –, lo cierto es que la práctica de la Comisión y de la Corte Interamericanas de Derechos Humanos ha demostrado que en el contexto regional interamericano es posible apoyar (y, por lo tanto, proteger) las cuestiones relacionadas con el medio ambiente de manera eficaz, cuya influencia se ejemplifica por el fenómeno llamado de ecologización (greening o “reverdecimiento”) del derecho internacional de los derechos humanos1.

Por tanto, el greeninges la técnica para proteger el medio ambiente en los sistemas regionales de protección que, a priori, no tienen protección específica sobre este tema. En este sentido, es necesario entender los efectos de este “reverdecimiento” de la jurisprudencia de la Corte Interamericana de Derechos Humanos y sus implicaciones para la mejora de nuestro sistema regional de protección de los derechos humanos.

2 EL SISTEMA INTERAMERICANO DE DEREChOS huMANOS y LAS CuESTIONES AMBIENTALESEstructurado por la Carta de la Organización de los Estados Americanos,

por la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre y por la

1 Por lo tanto, es necesario desarrollar estrategias y técnicas para vincular los temas ambientales a los dispositivos de la Convención Americana, como los relacionados con el juicio justo, la libertad de expresión, los derechos de propiedad, entre otros. Sobre el tema, v. SANDS, Philippe (ed.). Greening international law. London: Earthscan Publications Limited, 1993; TEIXEIRA, Gustavo de Faria Moreira. O greening no sistema interamericano de direitos humanos. Curitiba: Juruá, 2011; y MAZZUOLI, Valerio de Oliveira & TEIXEIRA, Gustavo de Faria Moreira. Greening the Inter-American human rights system. L’Observateur des Nations Unies, v. 33 (2013), p. 299-313.

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RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 65, 2015, 9-31, set-out 2015

Convención Americana sobre Derechos Humanos, el sistema interamericano de derechos humanos, desde su creación, ha participado en los debates sobre los grandes temas del derecho internacional público.

Cabe destacar que la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre es ocho meses más joven que la Declaración universal de los Derechos Humanos de la ONu, del 10 de diciembre 1948; y que cuando la Carta de la OEA de 1948, en su art. 106, ha previsto un futuro Convenio orientado al establecimiento de las normas de funcionamiento de la Comisión Interamericana de Derechos Humanos, se ha también anticipado a la propia ONu en las discusiones sobre la creación de un sistema de protección de los derechos humanos2.

El dicho Convenio, la Convención Americana sobre Derechos Humanos – también conocido como Pacto de San José –, además de regular el funcionamiento de la Comisión Interamericana también creó la Corte Interamericana de Derechos Humanos, un órgano consultivo y contencioso del sistema regional interamericano.

Para los Estados Partes de la Convención que reconocen su competencia contenciosa, la Corte Interamericana actúa como el organismo responsable por el análisis de las acciones de responsabilidad internacional presentadas por los Estados Partes o por la Comisión Interamericana (con base en denuncias individuales) contra los Estados que tengan, en tesis, violado los dispositivos de la Convención Americana3. Mientras que nunca (hasta ahora) un Estado Parte ha demandado contra otro Estado Parte ante la Corte, el envío de casos a la Corte ha sido señalado por la actuación de la Comisión Interamericana, tras el análisis de las peticiones individuales que les sean presentados de conformidad con los artículos 44, 46 y 47 de la Convención. Mientras la construcción del sistema de protección de los derechos humanos de la OEA, en los años del 60 y del 70 el tema ambiental se destacó como un problema mundial importante, sobre todo después del período de la descolonización de África. Dados los dramas acerca de la degradación del medio ambiente, tanto en la Conferencia Internacional sobre el Medio Ambiente Humano (Estocolmo, 1972) como en la Conferencia de las Naciones unidas sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo (Río de Janeiro,

2 De los 34 miembros activos de la OEA, sólo Antigua y Barbuda, Bahamas, Belice, Canadá, Estados Unidos, Guyana, San Cristóbal y Nevis, Santa Lucía y San Vicente y las Granadinas nunca han ratificado la Convención. Para estos Estados, así como para aquellos que no reconocen la competencia de la Corte, la Comisión actúa como un órgano general que debe publicar informes anuales a la Asamblea General de la OEA sobre el desempeño de los mismos Estados en el establecimiento de políticas de los derechos humanos. V. General Information of the American Convention on Human Rights. Disponible en: http://www.oas.org/juridico/english/Sigs/b-32.html (Último acceso el 18.04.2015). Cf. también: GOMES, Luiz Flávio & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica. 3. ed. rev., atual e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010 p. 360-363; y FIX-ZAMUDIO, Hector. Protección jurídica de los derechos humanos. México: Comisión Nacional de Derechos Humanos, 1991, p.164.

3 De los 24 Estados Partes en la Convención, sólo tres – Dominica, Granada y Jamaica – aún no se someten a la jurisdicción de la Corte.

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1992), el derecho de acceso al medio ambiente sano fue insertado en la lista de las garantías fundamentales de la persona humana que deben ser protegidas4.

En 1993, la Conferencia Mundial de Derechos Humanos, celebrada en Viena, confirmó que la lógica de decir que todos los derechos humanos son universales, indivisibles e interdependientes y están relacionados entre sí5. Por lo tanto, Estocolmo, Río y Viena contribuyeron a la “globalización”6 del derecho ambiental, fenómeno consistente en una mayor comprensión de la interconexión entre los mecanismos de protección de los derechos humanos y las cuestiones ambientales.

2.1 lA proteccIón InternAcIonAl del medIo AmbIente y de loS derechoS humAnoS

La protección jurídica del medio ambiente, desde la Conferencia de Río-92, está estructurada por una “nueva ingeniería”, consistente en acelerar la aplicación de las normas internacionales relativas al medio ambiente a través de la adopción, en los tratados “más emblemáticos”, de anexos, apéndices y términos generales, que tienen el propósito de formar un amplio espacio normativo que se complementará con futuras decisiones derivadas de cumbres regulares de los Estados Partes: las llamadas Conferencias de las Partes o COPs7.

Estas estrategias desarrolladas por el derecho internacional del medio ambiente contemporáneo, sin embargo, no están libres de inconvenientes. Si, por un lado, las reglas ambientales son aplicadas en un ritmo más rápido, por otro, hay que señalar que esa “ingeniería” trae graves preguntas sobre la eficacia de sus decisiones, ya que los compromisos asumidos por los Estados en cuestiones ambientales constituyen reglas de soft law, o sea, son normas que, en principio, no tienen fuerza vinculante y que, por lo tanto, si no son cumplidas, no establecen sanciones directamente aplicables a los Estados8.

4 SOARES, Guido. Direito internacional do meio ambiente: emergências, obrigações e responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001, p. 45-49.

5 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos: desafios e perspectivas contemporâneas. Revista do Instituto de Direito Constitucional e Cidadania, ano I, v. 1, abril 2005, p. 56. Cf. ainda: SOUSA SANTOS, Boaventura de. Uma concepção multicultural de direitos humanos. Revista Lua Nova, São Paulo, v. 39 (1997), p. 105-201; y HUMAN RIGHTS WATCH. World Report 1994: Events of 1993. New York, 1994, p. 17.

6 V. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direitos humanos e meio-ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editora, 1993. p. 41-45.

7 SOARES, Guido. Dez anos após Rio-92: o cenário internacional, ao tempo da cúpula mundial sobre desenvolvimento sustentável (Joanesburgo, 2002). In: MAZZUOLI, Valerio de Oliveira & IRIGARAY, Carlos Teodoro Hugueney (Orgs). Novas perspectivas do direito ambiental brasileiro: visões interdisciplinares. Cuiabá: Cathedral, 2009. p. 12.

8 SOARES, Guido. A proteção internacional do meio ambiente. Barueri: Manole, 2003, p. 101. V. también: MITCHELL, Ronald B. Problem structure, institutional design, and the relative effectiveness of international environmental agreements. Global Environmental Politics, v. 6, n. 3, Cambridge, August 2006, p. 72-89.

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La fragilidad o “eficacia relativa de los tratados internacionales sobre el medio ambiente”9 demuestran que las cuestiones ambientales aún no alcanzaron su madurez en las relaciones internacionales contemporáneas. Dinah Shelton y Alexander Kiss, sin embargo, creen que esta madurez radica en el creciente establecimiento de interrelaciones entre las cuestiones ambientales y la protección de los derechos humanos10. Esto nos permite afirmar que los sistemas de protección de derechos humanos, en el final del siglo XX, pasaron por un proceso de reverdecimiento: a) la Carta Africana de Derechos Humanos y de los Pueblos (1981) y el Protocolo Adicional a la Convención Americana sobre Derechos Económicos, Sociales y Culturales (1988) insertaron dispositivos que expresamente reconocieron el derecho de vivir en un medio ambiente sano y equilibrado11; y b) el Convenio Europeo de Derechos Humanos (1950) – a pesar de la ausencia de disposiciones relativas a la protección del medio ambiente – ha sido utilizado en la jurisprudencia del Tribunal Europeo de Derechos Humanos en cuestiones ambientales12.

Aunque incipiente, el Tribunal Europeo de Derechos Humanos ha desarrollado un proceso de reverdecimiento marcado por el establecimiento de interrelaciones entre temas ambientales y los dispositivos del Convenio Europeo relacionados con los derechos a la vida, la privacidad, la propiedad y otros. Dos casos relativos a la interconexión entre la contaminación acústica causada por el aeropuerto de Heathrow, en las afueras de Londres, y la violación de disposiciones del Convenio Europeo relativos a los derechos de propiedad, la privacidad y la protección judicial efectiva, son emblemáticos: Powell y Rayner vs. Reino unido y Hatton y otros vs. Reino unido13.

9 MITCHELL, Ronald B. Problem structure, institutional design, and the relative effectiveness of international environmental agreements, cit., p. 72-89; y BOYLE, Alan. Human rights and the environment: a reassessment. UNEP Human Rights and Environment, 2010, p. 2-3.

10 V. KISS, Alexandre & SHELTON, Dinah. Guide to international environmental law. Koninlijke Brill, NV, Leiden: Martinus Nijhoff, 2007; KISS, Alexandre & SHELTON, Dinah. Judicial handbook on environmental law. Nairobi: United Nations Environment Programme, 2005; y SHELTON, Dinah. Environmental rights and Brazil’s obligations in the Inter-American human rights system. George Washington International Law Review, v. 40 (2008), p. 733-777.

11 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 1001-1003.

12 V. Tribunal Europeo, Caso Powell y Rayner vs. Reino Unido. Sentencia de 21 de febrero de 1990, Aplicación 9310/81; Caso López Ostra vs. España. Sentencia de 9 de diciembre de 1994, Aplicación 16798/90; Caso Ana Maria Guerra y otros vs. Italia. Sentencia de 19 de febrero de 1998, Aplicaciones 116/1996/735/932; Caso Hatton y otros vs. Reino Unido. Sentencia del 2 de octubre 2001, Aplicación 36022/97; Caso Moreno Gómez vs. España. Sentencia del 16 de noviembre 2004, Aplicación 4143/02; Caso Giacomelli vs. Italia. Sentencia del 2 de noviembre 2006, Aplicación 59909/00; Caso Fadeïeva vs. Rusiaa. Sentencia del 9 de junio 2005, Aplicación 55723/00; Caso Öneryildiz vs. Turquía. Sentencia del 18 de junio 2002, Aplicación 48939/99; Caso Taskin y otros vs. Turquía. Sentencia del 10 de noviembre 2004, Aplicación 46117/99; y Caso Tatar vs. Rumanía. Sentencia del 27 de enero 2009, Aplicación 67021/01. Disponible em: http://www.echr.coe.int (Último acceso el 18.04.2015).

13 Tribunal Europeo, Caso Powell y Rayner vs. Reino Unido. Sentencia de 21 de febrero de 1990, Aplicación 9310/81; y Caso Hatton y otros vs. Reino Unido. Sentencia del 2 de octubre 2001, Aplicación 36022/97.

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En 1990, el Tribunal Europeo, al analizar el caso Powell y Rayner vs. Reino unido, a pesar de tener reconocido que el Estado británico tendría el deber de tomar medidas razonables y apropiadas para garantizar a los peticionarios la protección conferida por el art. 8.1 del Convenio Europeo (derecho a la vida privada y familiar), consideró que “la operación de un gran aeropuerto internacional es un objetivo legítimo [del Estado] y el consiguiente impacto negativo sobre el medio ambiente no puede ser totalmente eliminado”14. Sin embargo, once años después, en 2001, en el caso Hatton y otros vs. Reino unido, también relativo al aeropuerto de Heathrow, el Tribunal Europeo concluyó que, en clara violación del art. 8.1 del Convenio Europeo, el Estado “no logró un justo equilibrio entre el bienestar económico del Reino unido y el efectivo derecho de los peticionarios gozaren de sus hogares y de sus vidas privadas y familiares”15.

Es de destacar que el período de once años entre los dos casos Heathrow16 contribuyó al fortalecimiento de la comprensión de las interrelaciones entre los dispositivos del Convenio Europeo de Derechos Humanos y de las cuestiones ambientales en Europa. Después de todo, a lo largo de los años 90, sobre todo después de la Conferencia de Río-92, las cuestiones ambientales habían surgido como un tema de claro interés global.

En este contexto, otro caso decidido por el Tribunal Europeo de Derechos Humanos – Caso López Ostra vs. España, de 1994 – se ha convertido en uno de los más emblemáticos para las futuras decisiones del Tribunal. Al constatar la molestia de la familia López Ostra con las emisiones de azufre de una planta de tratamiento de agua en la ciudad española de Lorca, el Tribunal Europeo entendió que la contaminación del medio ambiente implica daños al derecho a la vida privada y familiar, y por lo tanto, el Estado tiene el deber de proporcionar un equilibrio justo entre sus medidas y el bienestar del medio ambiente y de las personas. Por entender que, en el caso analizado, el Estado no ha cumplido

14 “The operation of a major international airport pursued a legitimate aim and that the consequential negative impact on the environment could not be entirely eliminated” (Tribunal Europeo, Caso Powell y Rayner vs. Reino Unido, cit., pars. 40-42).

15 “The State failed to strike a fair balance between the United Kingdom’s economic well-being and the applicants’ effective enjoyment of their right to respect for their homes and their private and family lives” (Tribunal Europeo, Caso Hatton y otros vs. Reino Unido. Sentencia del 2 de octubre 2001, Aplicación 36022/97, par. 107).

16 Hay que señalar, sin embargo, que los resultados de los dos casos relacionados con el ruido del aeropuerto de Heathrow fueron similares. En Hatton y otros, frente a la decisión desfavorable para el Reino Unido, el gobierno británico apeló al Tribunal en Pleno y la Gran Sala decidió que los intentos de las autoridades locales para reducir el ruido en el aeropuerto fueron suficientes para no haber violación del derecho a la intimidad de los demandantes. El Tribunal Europeo es formado por: a) los Comités, formados por tres jueces responsables por el análisis de admisibilidad de las peticiones presentadas a la Corte; b) las Secciones (las Salas), integradas por siete jueces encargados por el examen de la admisibilidad y del fondo de una petición; y c) el Pleno del Tribunal (la Gran Sala), integrado por diecisiete jueces responsables por el examen de las remisiónes de un asunto pendiente ante una Sala sobre una cuestión grave relativa a la interpretación del Convenio o de sus Protocolos (arts. 30 y 43, § 3º Del Covenio Europeo). V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público, cit., p. 913-915; y GOMES, Carla Amado. Textos dispersos de direito do ambiente. Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito, v. III, 2010. p. 183.

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con su deber de conciliar los intereses colectivos con los intereses particulares de los vecinos de la planta de tratamiento de residuos, el Tribunal condenó a España a pagar 40.000 pesetas por los daños a la salud y la calidad de vida de la familia López Ostra17.

López Ostra vs. España también dio lugar a una segunda fase del reverdecimiento del Tribunal Europeo: el aumento de las interrelaciones entre los casos que involucran cuestiones ambientales y la protección de los dispositivos del Convenio Europeo de Derechos Humanos. En Anna Maria Guerra y otros vs. Italia (1998) el Tribunal Europeo concluyó que al no proporcionar la información necesaria sobre una fuga de productos químicos de la fábrica en Manfredonia, las autoridades locales habían cometido una violación al art. 10 del Convenio Europeo sobre el derecho a la libertad de expresión y el acceso a la información. En 2004, el derecho a la vida privada y familiar, garantizado por el art. 8.1 de la Convenion Europeo, fue una vez más interrelacionado con un tema ambiental, esta vez en el caso Moreno Gómez vs. España, sobre la contaminación acústica causada por un club nocturno construido sobre la licencia ilegal a las afueras de Valencia18.

A lo largo de la primera década de este siglo, otros dos casos han sido emblemáticos a la ecologización del Convenio Europeo: a) Öneryildiz vs. Turquía (2002), sobre violaciones de los arts. 2, 8 y 13 del Convenio Europeo, relativos respectivamente a los derechos a la vida, a la vida privada y familiar y a la protección judicial efectiva de las víctimas de una explosión de gas metano en el relleno sanitario de umraniye (Estambul)19; y b) Tatar vs. Rumanía (2009), sobre un desastre ecológico resultante de las instalaciones de descarga de una mina de oro en Río Sasar, donde el Tribunal Europeo concluyó que el Estado rumano había violado el Convenio al no proporcionar un deber de prevención e información sobre los riesgos de instalaciones de mina de oro20.

Las diversas situaciones en que la defensa del medio ambiente por la vía refleja se hizo presente en el Tribunal Europeo de Derechos Humanos – del interior de Rumanía al aeropuerto de Heathrow, de la molestia de discotecas en el centro de Valencia a tragedias de un vertedero de basura en las afueras

17 Tribunal Europeo, Caso López Ostra vs. España. Sentencia de 9 de diciembre de 1994, Aplicación 16798/90, pars. 51 y 58.

18 V. Caso Ana Maria Guerra y otros vs. Italia. Sentencia de 19 de febrero de 1998, Aplicaciones 116/1996/735/932; y Caso Moreno Gómez vs. España. Sentencia del 16 de noviembre 2004, Aplicación 4143/02.

19 V. Caso Öneryildiz vs. Turquía. Sentencia del 18 de junio 2002, Aplicación 48939/99.20 “La Cour rappelle qu’en droit roumain le droit à un environnement sain est un principe ayant valeur

constitutionnelle. Ce principe a été repris par la loi no 137/1995 sur la protection de l’environnement, qui était en vigueur à l’époque des faits (voir pp. 16-17, a et b). Par ailleurs, le principe de précaution recommande aux États de ne pas retarder l’adoption de mesures effectives et proportionnées visant à prévenir un risque de dommages graves et irréversibles à l’environnement en l’absence de certitude scientifique où technique (voir p. 27, h)” (Tribunal Europeo, Caso Tatar vs. Rumanía. Sentencia del 27 de enero 2009, Aplicación 67021/01, par. 109).

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de Estambul – muestran que el tema del medio ambiente tiene la potencial vocación de servir como parámetro para otros sistemas regionales de protección de los derechos humanos21.

En este sentido, merece ser estudiado como la Comisión Interamericana y la Corte Interamericana de Derechos Humanos han estado lidiando con cuestiones ambientales, así como el papel de sus posiciones en lo reverdecimiento o ecologización cada vez más eficaz de la Convención Americana sobre Derechos Humanos.

2.2 lA ecologIzAcIón de lA comISIón y de lA corte InterAmerIcAnAS

En comparación con el sistema europeo, la ecologización del sistema interamericano ha pasado lejos de cuestiones tales como la contaminación acústica causada por un club nocturno o un aeropuerto. De hecho, la gran mayoría de los casos ambientales del sistema interamericano surgen del uso constante de las zonas forestales y de las zonas rurales en la búsqueda por materias primas, alimentos, agua, combustible y hacia el uso zonas de disposición de basura. En este contexto, los más vulnerables a la desregulada explotación económica de los recursos naturales han sido los indígenas, los pueblos cimarrones y las comunidades campesinas de las Américas22.

Este hallazgo es confirmado por el informe de la Secretaría General de la OEA sobre Derechos Humanos y Medio Ambiente, de 4 de abril de 200223, que destaca dos ejemplos de protección del medio ambiente en el sistema interamericano: a) La Resolución nº 12/85 del pueblo Yanomami vs. Brasil24, que se ocupa de las interrelaciones entre la construcción de una carretera en una zona del territorio amazónico habitada por la etnia Yanomami y el rápido proceso de violación de los derechos a la vida, la salud, la libertad, la seguridad y el derecho de residencia del grupo indígena afectado; b) y el caso de la Comunidad Indígena Awas Tingni Mayagna (Sumo) vs. Nicaragua25, sobre la concesión irregular de madera en tierras indígenas. Estos son los primeros casos de cuestiones ambientales examinados por la Comisión y por la Corte Interamericana de Derechos Humanos, respectivamente.

21 V. GOMES, Carla Amado. Textos dispersos de direito do ambiente, cit., p. 163-205.22 Sobre el progreso del poder económico en las áreas de los pueblos indígenas y tradicionales, v. GARFIELD,

Seth. A nationalist environment: indians, nature and the construction of the Xingu National Park in Brazil. Luso-Brazilian Review, v. 41, n. 1 (2004), p. 139-167; SHIVA, Vandana. Biopirataria: a pilhagem do conhecimento. Trad. Laura Cardellini Barbosa de Oliveira. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 23-29; y VARVARIGOS, Dimitrios. Environmental degradation, longevity and the dynamics of economic development. Environmental and Resource Economics, v. 46, issue 1 (2010), p. 59-73.

23 En el cumplimiento de AG/Res. 1819 (XXXI-O/01), aprobada en la tercera sesión plenaria de la OEA, celebrada el 5 de junio 2001. V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público, p. 1001.

24 Resolución 12/85, Caso no. 7615 (Brasil), 5 de marzo de 1985, en Informe Anual de la CIDH 1984-85, OEA/Ser.L/V/II.66, Doc. 10 rev.1, 1 de octubre de 1985, 24, 31 (Caso Yanomami).

25 Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua. Sentencia de 31 de agosto de 2001. Serie C, nº 79. Disponible en: http://www.corteidh.or.cr/casos.cfm (Último acceso el 18.04.2015).

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Después de la Resolución nº 12/85, la Comisión tuvo que hacer frente, en particular, con otros ocho casos relacionados con temas ambientales. Tres de ellos – en eventos similares en Chile, Panamá y Brasil – involucran la construcción de represas hidroeléctricas en zonas indígenas y/o tradicionales sin el consentimiento de las comunidades afectadas y las consecuentes violaciones de disposiciones de la Convención Americana en relación con la garantía a la vida, la dignidad humana y la protección judicial efectiva26.

En este sentido, en el caso de Las comunidades indígenas Mayas de Toledo vs. Belice, la Comisión Interamericana estableció interrelaciones entre la concesión por el Estado de las tierras indígenas a la tala sin el consentimiento previo de los grupos étnicos afectados, con violaciones de los derechos de propiedad de los pueblos tradicionales27. A su vez, en el caso San Mateo de Huanchor vs. Perú, donde se utilizó un minero en las afueras de las comunidades rurales como un vertedero de residuos tóxicos, y en el análisis de la Solicitud Inicial nº 1413/05 del Pueblo Inuit contra los Estados unidos sobre las responsabilidades del gobierno de E.E.u.u en relación con los impactos del calentamiento global en el modo de vida de los esquimales, la Comisión se enfrentó a situaciones relacionadas con la degradación del medio ambiente y sus consecuencias sobre los medios de vida de los pueblos tradicionales, en particular en el acceso de estos pueblos a los derechos a la vida, la libertad, la seguridad, la residencia y el acceso a la cultura28.

De nueve casos importantes sobre cuestiones ambientales discutidos o en análisis por la Comisión, sólo dos – Informe nº 84/03 del Parque Natural Metropolitano de Panamá, sobre el supuesto daño ambiental causado por la construcción de una carretera en una reserva ambiental, y Comunidad de La Oroya vs. Perú, en relación con hechos perjudiciales de la contaminación del aire de un complejo metalúrgico en la población de 30.000 habitantes de La Oroya, ubicada a 175 km de Lima – no han tratado sobre temas relacionados con los pueblos indígenas o con comunidades tradicionales29.

26 Sobre casos de cuestiones ambientales analizados por la Comisión Interamericana, v. TEIXEIRA, Gustavo de Faria Moreira, O greening no sistema interamericano de direitos humanos, cit., p. 163-227. Cf. CIDH. Informe nº 30/2004, Solución Amistosa Mercedes Julia Huentes Beroiza, 11 de marzo de 2004; CIDH. Informe nº 40/2004, Caso de Las comunidades indígenas Mayas de Toledo vs. Belice, 12 de octubre de 2004; y Medida Cautelar MC-382/10, en favor de las comunidades tradicionales de la cuenca del río Xingu, Pará, Brasil, el 11 de noviembre, 2009.

27 CIDH. Informe nº 40/2004, Caso de Las comunidades indígenas Mayas de Toledo vs. Belice, 12 de octubre de 2004.

28 V. CIDH. CIDH. Informe nº 69/2004, Caso San Mateo Huanchorvs. Peru, OEA/Ser.L/V/II.122, Doc. 5, rev.1, octubre de 2004; y Inuit People Petition 1413/2005 vs. theUnitedStates, December 7, 2005. Cf. OSOFSKY, Hari M. Inuit petition as a bridge? Beyon dialectics of climate change and indigenous people’s rights. American Indian Law Review. v. 31 (2007), p. 675-698.

29 V. CIDH. Informe nº 84/2003, Parque Natural Metropolitano de Panamá, 22 de octubre 2003; y Informe nº 76/25009, CasoComunidad de La Oroya vs. Perú, 5 de agosto 2009. Cf. SPILLER, Paula. The La Oroya case: the relationship between environmental degradation and human rights violation. Human rights brief. V. 18, issue 1, Washington D.C: Washington College of Law, fall 2010, p. 19 y 22; y CEDERSTAV, Anna K; BARANDIARÁN G., Alberto. La Oroya cannot wait. Lima: Sociedad Peruana de Derecho Ambiental, 2002.

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La Corte Interamericana, a su vez, después del análisis del caso Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, se enfrentó con otros seis casos sobre temas ambientales, y de éstos, cinco están relacionados con violaciones de derechos de los pueblos tradicionales de las Américas; un caso – caso Pueblo Indígena Kichwa de Sarayacu vs. Equador – es vinculado a la concesión estatal de tierras indígenas para la exploración petrolera sin el consentimiento de los Kichwas30; y los otros cuatro son relativos a los impactos adversos de la falta de demarcación de las tierras de los pueblos indígenas y cimarrones en Paraguay y en Surinam en los siguientes episodios: a) caso Moiwana vs. Surinam; b) caso Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay; c) caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai; y d) caso Pueblo de Saramaka vs. Surinam31. Estos casos revelan posiciones que, inevitablemente, se desarrollaron a partir del análisis de casos que difícilmente se pueden abordar de manera rutinaria en un sistema de protección que no se inserta en las especificidades regionales de las Américas.

A modo de ejemplo, los casos de violaciones de derechos de los pueblos indígenas y tradicionales llaman la atención. En éstos, tanto la Comisión como la Corte Interamericana han consolidado el entendimiento de que el concepto del derecho a la propiedad privada previsto en el art. 21 de la Convención Americana no se limita al concepto occidental – que es en particular marcado por el ejercicio de derechos mercadológicos, como los derechos a la alienación, la división, la exclusión, la hipoteca y el uso y el disfrute de un bien –, pero también cubre los elementos que componen la propiedad comunal de los pueblos tradicionales.32 Reconociendo el concepto indígena de la propiedad, la Corte fortalece una óptica en la que el derecho de propiedad garantizado por la Convención Americana también se ejerce por asegurar a los pueblos tradicionales el uso de los recursos naturales en sus tierras como una forma de mantener sus hábitos culturales, como la religión, las prácticas agrícolas, la caza, la pesca y el modo de vida de su comunidad.33

30 Caso Pueblo Indígena Kichwa de Sarayaku vs. Ecuador, Sentencia de 27 de junio de 2013. Série C, nº 245.31 Sobre casos de cuestiones ambientales analizados por la Corte Interamericana de Derechos Humanos, v.

TEIXEIRA, Gustavo de Faria Moreira, O greeningno sistema interamericano de direitos humanos, cit., p. 229-286. Cf. Caso Moiwana vs. Surinam. Sentencia del 15 de junio 2005. Serie C, nº 124; CasoComunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay. Sentencia 17 de junio 2005. Serie C, nº 125; Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa. Paraguay. Sentencia de 29 de marzo, 2006. Serie C, nº 146; y Caso Pueblo de Saramaka vs. Surinam. Sentencia del 28 de noviembre 2007. Serie C, nº 172.

32 V. ANKERSEN, Thomas T. & RUPPERT, Thomas K. Defending the polygon: the emerging human right to communal property. Oklahoma Law Review, v. 59, n. 4 (2006), p. 716-719; MAGRAW, Daniel Barstow & BAKER, Lauren. Globalization and communities: community-based property rights and prior informed consent. Denver Journal of International Law and Policy, v. 35, nºs 3 y 4, 2007/2008, p. 416-418; KISS, Alexandre & SHELTON, Dinah. Judicial handbook on environmental law., cit., p. 105; SHELTON, Dinah. Environmental Rights and Brazil’s Obligations in the Inter-American Human Rights System, cit., p. 759-760; y SHELTON, Dinah. Human rights, health and environmental protection: in Law and practice. Health and human rights working paper series nº 1. Ginebra: World Health Organization, 2002, p. 16.

33 “Para las comunidades indígenas la relación con la tierra no es meramente una cuestión de posesión y producción sino un elemento material y espiritual del que deben gozar plenamente, inclusive para preservar su

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Desde la perspectiva indígena de propiedad – inherente al fuerte enlace de los pueblos indígenas con la naturaleza – las decisiones de la Corte han demostrado que los dispositivos de la Convención Americana tienen un amplio alcance. De hecho, en el caso Moiwana vs. Surinam, después de señalar que los miembros de una comunidad cimarrona (expulsados de sus tierras tradicionales después de una masacre organizada por el ejército surinamés) vivían bajo un intenso sufrimiento psicológico debido a la lejanía de sus hábitos culturales y religiosos, intensamente relacionados con el contacto con la naturaleza y sus tierras tradicionales, la Corte consideró que las disposiciones de la Convención Americana sobre derechos de propiedad, de circulación y residencia, y libertad de conciencia y de religión estaban siendo violados34.

A su vez, en el caso Yakye Axa vs. Paraguay la Corte fortalece el entendimiento de que el derecho a la vida no se limita al derecho a la supervivencia en sí, sino que se extiende a la promoción de una vida con dignidad, ejercida de forma completa con el acceso a los beneficios de la cultura, la salud, la alimentación, educación y un medio ambiente sano. En Sawhoyamaxa vs. Paraguay y en Saramaka vs. Surinam, la ineficacia o la ausencia de mecanismos judiciales capaces de asegurar a los pueblos tradicionales el derecho de propiedad sobre sus tierras ancestrales hicieron la Corte considerar que los Estados demandados estaban violando el art. 3 de la Convención Americana, relativo a la protección del derecho al reconocimiento de la personalidad jurídica35.

En la Corte Interamericana, la única decisión (aún) en torno a cuestiones ambientales no relacionadas con los grupos indígenas o tradicionales es el caso Claude Reyes y otros vs. Chile, sobre la negativa del Estado de Chile para proporcionar datos sobre un proyecto de deforestación a tres ciudadanos chilenos. En este caso el derecho a la libertad de expresión prevista en el art. 13 de la Convención tuvo su alcance ampliado a afirmar la necesidad de garantizar el acceso a la información, en particular sobre temas ambientales36.

3 EL “ESCRIBIR RECTO EN RENGLONES TORCIDOS” DEL SISTEMA INTERAMERICANO DE DEREChOS huMANOS

Hay que señalar que la incipiente (aunque creciente) presentación de cuestiones ambientales en el sistema interamericano sólo es posible a través de

legado cultural y transmitirlo a las generaciones futuras” (Corte IDH. Caso de la Comunidad Mayagna (Sumo) Awas Tingni vs. Nicaragua, cit., par. 149).

34 V. Caso Moiwana vs. Surinam, cit., par. 87.35 V. ANKERSEN, Thomas T. & RUPPERT, Thomas K. Defending the polygon: the emerging human right to

communal property, cit., p. 726-732; y SHELTON, Dinah. Environmental Rights and Brazil’s Obligations in the Inter-American Human Rights System, cit., p. 764-770; Cf. Comunidad IndígenaYakyeAxa vs. Paraguay, cit., pars. 161-162; y 242; y Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay, cit., par. 248; y Caso Pueblo de Saramakavs. Surinam, cit., pars. 167 y 175.

36 V.Caso Claude Reyes y otros vs. Chile.Sentencia del 19 de septiembre 2006. Serie C, nº 151.

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la estricta observancia de la Convención Americana sobre Derechos Humanos. El Informe nº 84/03 del Parque Metropolitano de Panamá es un gran ejemplo de que el incumplimiento de las disposiciones de la Convención Americana implica fatalmente la inadmisibilidad de la petición.

El 11 de agosto de 1995 el Sr. Rodrigo Noriega envió la petición nº 11.533 a la Comisión Interamericana, sobre presuntas violaciones de interés de “grupos ecológicos, cívicos y científicos” y de los derechos de propiedad de los “ciudadanos de la República de Panamá” como consecuencia de la autorización del gobierno de construir una carretera a través del Parque Metropolitano, un área de reserva ecológica, científica y cultural de Panamá�. Mediante el análisis de la petición, la Comisión señaló que el art. 44 de la Convención establece que “cualquier persona o grupo de personas” tiene la autoridad para presentar una petición ante la Comisión. A pesar, sin embargo, de la expresión “cualquier persona o grupo de personas” ser amplia, la jurisprudencia interamericana establece que una petición es admisible cuando hay víctimas concretas, individualizadas y determinadas, no siendo admitido peticiones “en abstracto”37. De hecho, la naturaleza de la víctima se requiere que esta sea un individuo, ya que la Comisión no tiene jurisdicción sobre los derechos de las personas jurídicas de derecho privado o público38.

Teniendo en cuenta estas consideraciones, la Comisión señaló que la Petición nº 11.533, representando “a todos los ciudadanos de Panamá”, no cumplió con el requisito de elegibilidad para la determinación de los individuos o grupos. Al afirmar que las obras afectan a “grupos ecológicos, cívicos y científicos”, la Petición nº 11.533 introdujo personas jurídicas – y no individuos – en la lista de víctimas, en consecuente violación a la Convención Americana. Por lo tanto, la Comisión señaló su ausencia de competencia ratione personae para analizar el caso del Parque Natural Metropolitano39.

El resultado del caso Parque Metropolitano, según Dinah Shelton, deja la lección de que cuánto más amplio o abstracto es la indicación de las víctimas de violaciones de derecho garantizados por la Convención Americana – y esto ocurre comúnmente en cuestiones de daños ambientales –, menores son las posibilidades de admisibilidad de un caso ante la Comisión Interamericana40.

En otras palabras, la protección del medio ambiente en el sistema interamericano ocurre por una vía refleja, indirecta, ejercida por la estricta observancia de los dispositivos de la Convención Americana; surge del

37 CIDH. Informe nº 84/03, cit., pars. 28-32.38 CIDH. Informe nº 84/03, cit., par. 33.39 CIDH. Informe nº 84/03, cit., pars. 34-37.40 “Unfortunately, the Commission’s analysis suggests that the more widespread the violations – which can occur

in many contexts where environmental harm is the origin of the complaint – the less likely the Commission will find the complaint admissible” (SHELTON, Dinah. Environmental rights and Brazil’s obligations in the Inter-American human rights system, cit., p. 775).

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ejercicio de “escribir recto en renglones torcidos”41, es decir, no surge de la preocupación ambiental en sí mismo, pero de la necesidad pragmática de proteger las disposiciones de la Convención Americana, como, por ejemplo, las relacionadas con las garantías judiciales (art. 8.1), la libertad de religión (art. 12) y de expresión (art. 13), o incluso el derecho a la propiedad (art. 21), sino también a las disposiciones relativas a los requisitos de admisibilidad de un caso en el sistema interamericano (arts. 46 y 47).

3.1 lA defenSA del medIo AmbIente por lA víA refleJA

La técnica de la protección del medio ambiente por la vía refleja se desarrolla a partir de la idea de que en el marco del actual derecho internacional del medio ambiente la protección de la biosfera es eficaz a través de la indirecta y necesaria protección de los seres humanos42.

La protección del medio ambiente por la vía refleja se deriva del análisis de tres concepciones sobre el medio ambiente observadas por Alan Boyle:

a) la primera utiliza los mecanismos de protección de los derechos civiles y políticos existentes como herramienta en apoyo a las causas ambientales, especialmente cuando se trata de los derechos a la información, a la participación y al desarrollo de medidas legales de protección jurídica;

b) el segundo enfoque vincula el derecho de acceso a un ambiente “saludable”, “equilibrado” y “decente” a la lista de los derechos económicos, sociales y culturales, como los derechos al desarrollo o el acceso a la salud; y

c) la tercera percepción considera “la calidad ambiental”, por si mismo, un derecho colectivo, de solidaridad, capaz de garantizar más a la comunidad que a los individuos el derecho de determinar cómo los bienes ambientales deben ser protegidos y manejados43.

Según Alan Boyle, a pesar de que las tres percepciones siguen siendo válidas, la idea de que el medio ambiente en sí mismo ya se establece como un derecho a ser protegido se demuestra ineficaz a nivel internacional, porque los llamados derechos de solidaridad están envueltos en un sistema de control muy

41 Según Carla Amado Gomes la protección ambiental en los sistema regionales de derechos humanos es un ejercício de “escrever verde por linhas tortas” (Textos dispersos de direito do ambiente, v. III, cit., p. 163-205).

42 V. KISS, Alexandre & SHELTON, Dinah. Judicial handbook on environmental law, cit., p. 30-31.43 “First, existing civil and political rights can be used to give individuals, groups and NGOs access to

environmental information, judicial remedies and political processes. […] A second possibility is to treat a decent, healthy or sound environment as an economic or social right, comparable to those whose progressive attainment is promoted by the 1966 UN Covenant on Economic Social and Cultural Rights. […] The third option would treat environmental quality as a collective or solidarity right, giving communities (‘peoples’) rather than individuals a right to determine how their environment and natural resources should be protected and managed” (BOYLE, Alan. Human rights and the environment: a reassessment, cit., p. 1).

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débil. Este diseño hace que se compruebe que “hay derechos que simplemente no pueden ser reclamados ante un tribunal por sus sujetos activos (titulares)”44. Por lo tanto, para que una situación de este tipo no venga a causar daño la protección al medio ambiente, el enfoque más adecuado es lo que busca un reverdecimiento (o un greening) de los ya existentes mecanismos de protección de los derechos civiles, políticos, económicos, sociales y culturales45.

Así, el derecho al medio ambiente adquiere dos dimensiones: una individual y una colectiva. A nivel individual, lo que garantiza un ambiente sano está presente en las relaciones verticales y horizontales. Por garantías ambientales obligatorias en las relaciones verticales debemos entender las que implican las relaciones jurídicas entre el Estado y los individuos. Por lo tanto, la relación vertical implica la interacción de un individuo o grupos de individuos con instrumentos jurídicos estatales que se ocupan de la protección de los recursos naturales y de garantizar los derechos civiles y políticos, como el acceso a la información y participación en la gestión de los bienes ambientales46.

En el plano horizontal, la protección del medio ambiente surge de la aplicación del “Drittwirkung” o “thirdpartyeffect”. El Drittwirkung implica la efectividad de los derechos fundamentales, no sólo en la relación entre los individuos y el Estado, sino también en las relaciones jurídicas que involucran sólo a los individuos. El reverdecimiento o la “ecologización” de los derechos civiles y políticos, por lo tanto, implica en un Drittwirkung del medio ambiente, es decir, en lo que Cançado Trindade explica cómo el “Drittwirkung de la doctrina alemana, aplicada a la protección de los derechos humanos y la protección del medio ambiente”, capaz de imponer, en las relaciones entre los individuos de naturaleza contractual, laboral o de derecho civil, la observancia de normas que garanticen a las partes implicadas el derecho fundamental de contacto con un medio ambiente sano47.

En la dimensión colectiva de la protección del medio ambiente se convierte en bien común, resultado de la ecologización de los derechos económicos, sociales y culturales. Esta dimensión se ha implicado en la tendencia de proteger

44 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Os direitos humanos e o meio ambiente. In: SYMONIDES, Janusz (Org). Direitos humanos: novas dimensões e desafios. Brasília: UNESCO Brasil/Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2003, p. 187.

45 “The first approach is essentially anthropocentric […] it amounts to a ‘greening’ of human rights law, rather than a law of environmental rights. The second comes closer to seeing the environment as a good in its own right, but nevertheless one that will always be vulnerable to tradeoffs against other similarly privileged but competing objectives, including the right to economic development. The third approach is the most contested. Not all human rights lawyers favour the recognition of third generation rights, arguing that they devalue the concept of human rights, and divert attention from the need to implement existing civil, political, economic and social rights fully” (BOYLE, Alan. Human Rights and the environment: a reassessment, cit., p. 1-2).

46 V. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Os direitos humanos e o meio ambiente, cit., p. 187-188.47 V. CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Idem, p. 187-188. Cf. también: ENGLE, Eric. Third party effect of

fundamental rights (Drittwirkung). Hanse Law Review, v. 5, n. 2, Bremen: Hanse Law School, p. 165-173.

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a los grupos y comunidades que se encuentran en vulnerabilidad debido a la degradación del medio ambiente48.

En el sistema interamericano, la defensa por la via refleja está garantizada por el art. 19(6) del Protocolo Adicional a la Convención Americana sobre Derechos Económicos, Sociales y Culturales – el Protocolo de San Salvador, de 17 de noviembre de 1988 –, que establece que la presentación de casos relativos a violaciones de sus dispositivos49 al sistema interamericano sólo es posible por la demostración de sus interconexiones con las disposiciones de la Convención Americana50.

Así, para que cuestiones relativas al derecho de acceso a un ambiente sano, protegido por el art. 11 del Protocolo de San Salvador, sean analizadas por la Comisión y por la Corte Interamericanas, es necesario demostrar que el presunto caso de degradación del medio ambiente implica en violaciones de los dispositivos de la Convención Americana.

Las disposiciones de la Convención que más se relacionan estrechamente a las cuestiones ambientales, son: a) el derecho al reconocimiento de la personalidad jurídica (art. 3º); b) el derecho a la vida (art. 4º); c) las garantías judiciales (art. 8.1); d) la tutela judicial efectiva (art. 25); y e) el principio de igualdad ante la ley y la prohibición de cualquier índole de discriminación (art. 1.1)51.

3.2 efectoS de lA ecologIzAcIón de lA corte

La estricta observancia de los dispositivos de la Convención Americana para que un problema ambiental sea amparado por el sistema interamericano es de hecho un obstáculo a la protección internacional del medio ambiente. Sin embargo, es necesario destacar que dentro del actual marco normativo internacional, marcado por la fragilidad o por normas de “eficacia relativa” que protegen el medio ambiente por sí mismo, la técnica de la protección ambiental por la vía refleja o indirecta parece ser una vía importante de maduración y mejora de los mecanismos destinados a defender no sólo el medio ambiente sino también los derechos humanos52, que son, sin duda, dos de los temas más importantes de la posmodernidad jurídica.

48 V.CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Direitos humanos e meio-ambiente..., cit., p. 89-112.49 Excepto en casos de violaciones a el párrafo “a” del art. 8 y del art. 13 del Protocolo (relativos, respectivamente,

a los derechos sindicales y al derecho a la educación).50 “Se um peticionário simplesmente sustenta que uma decisão por um tribunal nacional foi errada em termos

da legislação interna, sem alegar violação da Convenção, a petição será rechaçada” (RODRÍGUEZ-PINZÓN, Diego & MARTÍN, Claudia. A proibição de tortura e maus-tratos pelo sistema interamericano: um manual para vítimas e seus defensores. Trad: Regina Vargas. Ginebra: World Organization Against Torture, 2006, p. 68-69).

51 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira &TEIXEIRA, Gustavo de Faria Moreira. Greening the Inter-American human rights system, cit., p. 309.

52 CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. Os direitos humanos e o meio ambiente, cit., p. 191.

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En el sistema interamericano, el hecho de que la mayoría de los casos ambientales se ocupan de violaciones de los derechos de las comunidades indígenas y tradicionales, llevó a la adopción por la Comisión y por la Corte Interamericana de posiciones que difícilmente se pueden abordar de manera rutinaria en un sistema de protección de los derechos humanos que no es insertada en las especificidades regionales de las Américas. Por cierto que percibimos en estas posiciones la presencia cada vez más frecuente de los elementos del “derecho posmoderno”, como el reconocimiento del pluralismo, de la comunicación intercultural, de la valoración de los sentimientos humanos y de las normas narrativas53.

El reconocimiento del pluralismo se verifica desde el entendimiento de que el alcance de los dispositivos Convención Americana no se limita a los valores culturales occidentales. A modo de ejemplo, la Corte Interamericana, en el caso Awas Tingni vs. Nicaragua, al concluir que los derechos de propiedad de comunidades indígenas fueron violados por los daños ambientales causados por la explotación forestal irregular de sus tierras tradicionales, se ha demostrado que la protección de los derechos de propiedad garantizada por el art. 21 de la Convención Americana se extiende (a) a la percepción occidental de los derechos de propiedad, de forma similar a una especie de “commodity de mercado”54 relacionada con el derecho de un individuo “usar, gozar y disponer de sus bienes”, y también (b) al concepto de propiedad comunal de los pueblos indígenas, ejercido para garantizar a estos pueblos el uso de los recursos naturales de sus tierras tradicionales como una forma de mantener sus hábitos culturales, como la religión, las prácticas agrícolas, la caza, la pesca y las formas la vida de sus comunidades55.

53 JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration: le droit international privé post-moderne. Recueil des Cours, v. 251 (1995), p. 9-267; y MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direito internacional privado: curso elementar. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 199-212.

54 ANKERSEN, Thomas T. & RUPPERT, Thomas K. Defending the polygon: the emerging human right to communal property, cit., p. 684.

55 “Entre los indígenas existe una tradición comunitaria sobre una forma comunal de la propiedad colectiva de la tierra, en el sentido de que la pertenencia de ésta no se centra en un individuo sino en el grupo y su comunidad. Los indígenas por el hecho de su propia existencia tienen derecho a vivir libremente en sus propios territorios; la estrecha relación que los indígenas mantienen con la tierra debe de ser reconocida y comprendida como la base fundamental de sus culturas, su vida espiritual, su integridad y su supervivencia económica. Para las comunidades indígenas la relación con la tierra no es meramente una cuestión de posesión y producción sino un elemento material y espiritual del que deben gozar plenamente, inclusive para preservar su legado cultural y transmitirlo a las generaciones futuras” (Caso ComunidadeMayagna (Sumo) Awas Tingnivs. Nicaragua, cit., par. 149). Cf. MAGRAW, Daniel Barstow & BAKER, Lauren. Globalization and communities: community-based property rights and prior informed consent, cit., p. 416-418. Cf. también: GARFIELD, Seth. A nationalist environment: indians, nature and the construction of the Xingu National Park in Brazil, cit., p. 146-147; MAYZOLER, Marcel & ROUDART, Laurence. História das agriculturas no mundo: do neolítico à cise contemporânea. Trad. Cláudia F. Fallhuh Balduino Ferreira. São Paulo: Editora Unesp; Brasília: NEAD, 2010,p. 245-250; SHIVA, Vandana. Biopirataria: a pilhagem do conhecimento, cit., p. 18-21; y SHELTON, Dinah. Environmental Rights and Brazil’s Obligations in the Inter-American Human Rights System. George Washington International Law Review, v. 40 (2008), p. 756-768.

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La Corte Interamericana también ha expresado su preocupación por el llamado “retorno del sentimiento humano”, porque en el caso Moiwana vs. Surinam, la constatación de que el sufrimiento psicológico de los cimarrones que estaban lejos de sus tierras tradicionales – porque se sentían perturbados por la “ira de los espíritus de los muertos” de una masacre promovida por las fuerzas armadas de Surinam contra la comunidad N’djuka – hizo a la Corte desarrollar el concepto de daño “espiritual”, debido a las violaciones de dispositivos de la Convención Americana relacionados con el derecho a la integridad personal, garantías judiciales y la protección, los derechos de propiedad y el derecho de circulación y residencia. Más que una expresión, la preocupación por el “daño espiritual” causado a los demás indica que el entendimiento o comprensión de los sentimientos humanos es un elemento importante en la búsqueda de la mejor solución a un conflicto judicial56.

Al analizar el caso Claude Reyes y otros vs. Chile, sobre la negativa del gobierno de Chile para proporcionar información sobre un proyecto de deforestación a cuatro ciudadanos, la Corte reforzó el entendimiento de que el término “libertad de pensamiento y de expresión”, contenido en el art. 13 de la Convención Americana, también incluye el “derecho y la libertad de buscar, recibir y difundir informaciones e ideas de toda índole”57. Este punto de vista se basa en particular en la conclusión de que el Estado chileno debe observar el principio 10 de la Declaración de Río sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo, que asegura a “todo individuo” el “acceso adecuado a la información sobre el medio ambiente de que dispongan autoridades públicas”58.

En otras palabras, la Corte Interamericana, en el caso Claude Reyes y otros vs. Chile, se utilizó de la valoración de las normas narrativas, es decir, la idea de que los valores contenidos en las normas de soft law (Principio 10

56 “Se ha demostrado claramente que los miembros de la comunidad tienen la convicción de que no podrán regresar a su territorio ancestral mientras no obtengan justicia por los hechos de 1986. Andre Ajintoena declaró que después del ataque visitó el área junto con otras personas sólo para recolectar información y sacar fotos del lugar. Una vez que el grupo hubo terminado, algunos de sus integrantes se sintieron enfermos; según el señor Ajintoena, se dieron cuenta de que ‘las cosas no estaban bien, no era apropiado, porque de acuerdo con nuestra cultura uno no puede regresar al lugar sin haber hecho arreglos’. Al haber regresado sin ‘aplicar las reglas religiosas [y] culturales’ – es decir, realizar los rituales mortuorios necesarios y alcanzar reconciliación con los espíritus de quienes fallecieron en el ataque de 1986 (supra párrs. 86.7 a 86.9) – el señor Ajintoena y quienes le acompañaban creían haber ofendido seriamente a esos espíritus y, como consecuencia, empezaron a sufrir enfermedades físicas y psicológicas. Todos los miembros de la comunidad que testificaron ante la Corte expresaron temores similares con respecto a espíritus vengadores, y afirmaron que sólo podrían vivir en la aldea de Moiwana nuevamente si se purificaran primero sus tierras tradicionales” (Caso Moiwana vs. Surinam, cit., par. 113.

57 Caso Claude Reyes y otros vs. Chile, cit., par. 76).58 “[…] En la última Resolución de 3 de junio de 2006 la Asamblea General de la OEA ‘instó a los Estados a que

respeten y hagan respetar el acceso a la información pública a todas las personas y a promover la adopción de disposiciones legislativas o de otro carácter que fueran necesarias para asegurar su reconocimiento y aplicación efectiva. […] En igual sentido se debe destacar lo establecido en materia de acceso a la información en la Convención de Naciones Unidas contra la Corrupción y en la Declaración de Río sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo’ (Caso Claude Reyes y otros vs. Chile, cit., pars. 78-81)”. Cf. Principio 10 de la Declaración de Río sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo, aprobada en la Conferencia de las Naciones Unidas sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo, celebrada del 3 a 14 junio 1992.

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de la Declaración de Río) pueden ayudar a entender el alcance de las normas del hard law (art. 13 de la Convención Americana). Este es el fenómeno de la “emergencia de las normas narrativas”, explicada por Erik Jayme como la necesidad de la búsqueda de la comprensión de la ley no sólo desde la comprensión de la función de una norma, sino también desde los valores insertados en ella59. En este sentido, las normas de soft law pueden cumplir esta función como la composición de los códigos de conducta, principalmente estructurados por principios como la buena fe, que guían las relaciones jurídicas estructuradas por las normas tradicionales del hard law.

La comunicación intercultural – otro elemento de la posmodernidad – se muestra en decisiones marcadas por el “diálogo de las fuentes”, es decir, la búsqueda de la solución de un caso no sólo por la aplicación de una única fuente del derecho, sino por la aplicación de la fuente más favorable a la protección los derechos humanos, independientemente de que dicha norma esta presente en un tratado internacional o en la legislación nacional60.

En el caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay, el diálogo de las fuentes fue utilizado cuando la Corte Interamericana, para decidir sobre la demarcación de las tierras indígenas, analizó las disposiciones de la Convención Americana, de la Convención 169 de la OIT sobre los Pueblos Indígenas y Tribales y las normas constitucionales e infra-constitucionales del derecho interno paraguayo61. La misma técnica se utilizó en el caso Saramaka vs. Surinam, cuando la Corte consideró que a pesar de la ausencia en las leyes nacionales surinamesas de cualquier protección de los derechos de propiedad comunal de los pueblos tribales, el Estado demandado había incorporado a su ordenamiento jurídico los Pactos Internacionales de Derechos Civiles y Políticos y de Derechos Económicos, Sociales y Culturales de las Naciones unidas de 1966, que garantizan los derechos fundamentales (como los derechos de propiedad) a “todos los pueblos”62, sin ningún tipo de discriminación. Por lo tanto, la Corte concluyó que la falta de reconocimiento del derecho a la propiedad comunitaria de los cimarrones de Saramaka implicaba violación del art. 21 de la Convención Americana, relacionado al derecho de propiedad63.

El diálogo entre los artículos de la Convención Americana y las normas de otros tratados internacionales y de la legislación nacional, con miras a la aplicación de la más beneficiosa al ser humano, está garantizado en el art. 29, b, de la Convención Americana, que no permite ninguna interpretación

59 JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., 87.60 V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Tratados internacionais de direitos humanos e o direito interno. São

Paulo: Saraiva, 2010. p. 129-177; y GOMES, Luiz Flávio & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos Humanos: Pacto de San José da Costa Rica, cit., p. 206-207.

61 V. Caso Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguay, cit., par. 140.62 V. art. 1º del Pacto Internacional de Derechos Civiles y Políticos; y art. 1º del Pacto Internacional de Derechos

Económicos, Sociales y Culturales (1966).63 V.Caso del Pueblo Saramaka vs. Surinam, cit., par. 93.

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con el objetivo de limitar el alcance de los dispositivos no sólo de la propia Convención, así como de otros tratados internacionales ratificados por Estado-parte.

La técnica de la interpretación pro homine garantizado por cláusulas dialógicas como el art. 29, b, de la Convención, es una alternativa al “monismo clásico”, incapaz de diferenciar “normas internacionales por su contenido”, una vez que cuando entra en juego la temática de los derechos humanos, hay que ceder el paso al “diálogo” entre las fuentes de protección internacional y nacional con el fin de elegir “la mejor” o “la más beneficiosa norma” que se aplicará al caso que se analiza.64

La adopción de un monismo más dialógico65 es una gran contribución del sistema interamericano al fortalecimiento del derecho posmoderno, ya que el diálogo entre las fuentes más heterogéneas, de los convenios internacionales a los sistemas nacionales, permite a los “jueces coordinar estas fuentes y escuchar lo que dicen”66.

Otro efecto del “diálogo de las fuentes del derecho” es reforzar la percepción de que el trabajo de los sistemas internacionales de protección de los derechos humanos es complementario y de apoyo al derecho interno. Es decir, el sistema interamericano asume que la primacía de la defensa de los derechos humanos pertenece a los Estados; por lo que los sistemas internacionales y regionales de protección de los derechos humanos en ningún momento son rivales de la jurisdicción de los Estados, pero les ayudan indicando principios que deberán adoptarse a nivel nacional, con miras a la promoción de un propósito común a los Estados de la comunidad internacional: la protección más rápida y efectiva de estos derechos67.

Por lo tanto, en la misma forma que el art. 29, b, de la Convención Americana, establece que sus disposiciones deben ceder el paso a la legislación nacional o de otros tratados ratificados por un Estado cuando estos dispositivos resultan más beneficiosos para los seres humanos, también deben aplicar los Estados, en su contexto nacional, las disposiciones de la Convención Americana cuando estas se prueban más efectivas a la protección de los derechos humanos que las normas de la legislación interna68. En otras palabras, la utilización por la Comisión y por la Corte Interamericanas del “diálogo de las fuentes del derecho” en temas ambientales es una importante contribución del sistema

64 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Curso de direito internacional público, cit., p. 90.65 V. MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Monismo internacionalista dialógico. Revista Jurídica Consulex, Brasília,

v. 14, n. 324, p. 50-51.66 JAYME, Erik. Identité culturelle et intégration…, cit., p. 259.67 V. AYALA CORAO, Carlos M. Recepción de la jurisprudencia internacional sobre derechos humanos por la

jurisprudencia constitucional. Revista del Tribunal Constitucional, n. 6, Sucre, nov. 2004, p. 27.68 GOMES, Luiz Flávio & MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, cit., p. 209.

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interamericano, no sólo a la solución de casos a nivel internacional, pero sobre todo a las relaciones jurídicas internas ya que el estudio y el análisis de dichas técnicas interpretativas debería proporcionar un incentivo a los Estados Partes de la Convención sobre la adopción en sus respectivos sistemas jurídicos de actitudes más eficaces para la solución de conflictos y la protección del medio ambiente y de los derechos humanos.

4 CONCLuSIONESLa protección jurídica del medio ambiente a nivel internacional,

garantizado por los principios de la Declaración de Estocolmo sobre el Medio Ambiente Humano (1972) y la Declaración sobre el Medio Ambiente y el Desarrollo en Río de Janeiro (1992), está estructurada por un sistema de conferencias que, si por una parte, permite la aceleración de la entrada en vigor de sus decisiones a través de la adopción de normas de soft law, por otra, no tiene el poder de imponer sanciones a los Estados incumplidores de tales normas. Sin embargo, desde otro ángulo, las Declaraciones de Estocolmo y Río permiten interrelaciones entre las cuestiones ambientales y cuestiones de derechos humanos que ya son amparadas por sistemas de protección más desarrollados.

Así, la percepción de que el acceso a un ambiente “saludable”, “equilibrado” y “decente” es una forma de protección de los derechos civiles y políticos (como el derecho a la información, la participación política y el desarrollo de medidas legales de protección), o, por otra parte, de garantía de los derechos económicos, sociales y culturales (como los derechos al desarrollo y el acceso a la atención médica), ha hecho con que cuestiones ambientales sean incorporadas a los asuntos relacionados con la protección de los derechos humanos de la primera dimensión. Por lo tanto, la inclusión de las cuestiones ambientales en el sistema interamericano sólo es posible mediante la vinculación de estos a los dispositivos de la Declaración Americana de los Derechos y Deberes del Hombre y de la Convención Americana sobre Derechos Humanos.

Hay que se reconocer que la estricta observancia de las disposiciones de la Convención Americana para que una cuestión ambiental sea introducida a la sistemática de la Comisión y de la Corte Interamericanas es un obstáculo a la celeridad de la protección internacional del medio ambiente. Sin embargo, también hay que señalar que en la actual estructura normativa internacional, marcada por la debilidad o por normas de “eficacia relativa” de protección del medio ambiente por si mismo, la protección ambiental por la vía refleja o indirecta se demuestra como importante ruta de maduración y de mejora de los mecanismos de protección no solo del medio ambiente, sino también de los derechos humanos.

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Sin embargo, el sistema interamericano no puede ser visto como una tabla de salvación a la protección del medio ambiente y de los derechos humanos, en sustitución del papel de los Estados Partes de la OEA. Por el contrario, su papel es complementario a los Estados, que tienen, estos sí, la primacía de la defensa de los derechos humanos. Por lo tanto, el propósito del sistema interamericano es inducir o fomentar conductas internas compatibles con el objetivo común de la comunidad internacional: la mejora de las políticas destinadas a garantizar los derechos fundamentales.

En este sentido, el estudio de la jurisprudencia del sistema interamericano sobre el acceso a un medio ambiente sano y sus interconexiones con la garantía de los derechos fundamentales no sólo permite una mejor comprensión del alcance de las cuestiones ambientales, pero especialmente indica que las técnicas interpretativas de la Comisión y de la Corte Interamericanas contribuyen a la mejora de la protección del medio ambiente y de los derechos humanos en el ámbito interno de los Estados Partes.

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 65, 2015, 32-44, set-out 2015

Por Um Meio Ambiente Equilibrado

A Extrafiscalidade como Instrumento de Proteção do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado

Extraficality as a Means to Protection of an Ecologically Balanced Enviroment

CAROLInA SChROEDER ALExAnDRInOAdvogada, Bacharel em Direito – Ciências Jurídicas e Sociais pela Unisinos, Bacharel Laureada, premiada pelo primeiro lugar no Curso de Direito da Unisinos e como aluna destaque entre os formandos. Possui especialização em Advocacia Tributária pela ESA/RS, curso de extensão certificado pela Instituição Faculdade IDC: Extensão em Direito Previdenciário, curso de exten‑são certificado pelo escritório especializado em Consultoria, Empresarial Scalzilli.fmv: Gestão de Crise, Falências e Recuperação Judicial.

MARCIAnO BuFFOnDoutor em Direito com ênfase em Direito do Estado pela Unisinos, com período de pesquisa na Universidade de Coimbra, Mestre em Direito Público, Advogado Tributarista, com especializa‑ção em Direito Empresarial, Professor de Direito Tributário na Unisinos (São Leopoldo/RS) e em cursos de especialização em Direito Tributário em outras instituições, Professor no Programa de Pós‑Graduação em Direito da Unisinos, Sócio/Consultor jurídico‑fiscal do escritório Buffon & Furlan Advogados Associados, Membro do Conselho Técnico de Assuntos Tributários, Legais e Financeiros da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul – Fiergs.

Submissão: 11.05.2015Decisão Editorial: 21.07.2015Comunicação ao autor: 21.07.2015

RESUMO: O presente estudo busca demonstrar como a tributação, com finalidade não fiscal, pode consubstanciar‑se em um meio eficaz de proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Nesse escopo, analisa‑se a extrafiscalidade, que objetiva a realização de valores que ultrapassam a mera arrecadação de tributos; como instrumento de preservação ambiental dentro de uma socie‑dade reflexiva, de risco. Para tanto, a extrafiscalidade é demonstrada em dois principais segmentos: a) pelos impostos e b) por meio dos benefícios fiscais. Assim, traça‑se um elo entre o Direito Tribu‑tário e o Direito Ambiental a partir do estudo da extrafiscalidade como ferramenta de proteção do meio ambiente.

PALAVRAS‑CHAVE: Extrafiscalidade; tributação; direito ambiental; gerenciamento dos riscos; políti‑cas públicas.

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ABSTRACT: The present study aims to demonstrate how the taxation, with non fiscal ends, can turn into an effective way to protect the enviroment, ecologically balanced. At this point, the extrafisca‑lity, witch tenses to produce values that are more than the simple collection os taxes, is analised as the means to an enviroment preservation, in a risk reflective society. There for, the extrafiscality is demonstrated in two main segments: a) through taxes and b) through taxes benefits. As such, this study builds a link through the Tax Law and the Enviroment Law, by the study of the extrafiscality as a tool for the enviroment protection.

KEYWORDS: Extrafiscality; taxation; enviroment law; management of risks; public policy

SUMÁRIO: Introdução; 1 O elo entre o direito ambiental e o direito tributário, sendo este para manter a subsistência do bem juridicamente tutelado por aquele; 1.1 A extrafiscalidade em harmonia com a Constituição brasileira na busca por um meio ambiente ecologicamente equilibrado; 2 Manifestação da extrafiscalidade mediante os benefícios fiscais; 3 Tributação ambiental: onerações oriundas dos impostos extrafiscais na busca de um meio ambiente ecologicamente equilibrado; Considerações finais; Referências.

INTRODuÇÃO

A necessidade de mecanismos que contribuam para com a proteção do meio ambiente e gerenciamento dos riscos ambientais são de suma importân-cia, haja vista a atual sociedade ser considerada reflexiva, na qual os riscos e os perigos são globais, e suas consequências, impossíveis de prever e descrever aos sentidos humanos. A Constituição Brasileira de 1988 tem capítulo próprio para tratar sobre o meio ambiente, no entanto, acaba sendo complementada por outros dispositivos esparsos que, de forma direta ou indireta, têm como intuito a preservação ambiental.

Nessa ótica, a busca por um meio ecologicamente equilibrado pode ser perseguida por outros ramos do direito, como o Direito Tributário, que tem de estar em sintonia com o Direito Econômico, Social e Ambiental, para o alcance do desenvolvimento sustentável. Dentro desse contexto, dar-se-á maior atenção à proteção ambiental mediante a utilização da denominada extrafiscalidade, a fim de demonstrar que a tributação assume papel importante, quando utilizada para efetivar direitos e garantias fundamentais, como o meio ambiente ecologi-camente equilibrado que, contemporaneamente, passa a ser de extrema neces-sidade para mantença de qualquer espécie de vida.

1 O ELO ENTRE O DIREITO AMBIENTAL E O DIREITO TRIBuTáRIO, SENDO ESTE PARA MANTER A SuBSISTêNCIA DO BEM juRIDICAMENTE TuTELADO POR AquELE

O Direito Ambiental tem como objetivo estudar a relação entre o homem e o mundo, analisando os problemas existentes nesta relação. Por tal motivo, transmite uma mensagem de antecipação, gerenciando riscos mediante a pre-

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venção, a precaução e a equidade intergeracional, haja vista a impossibilidade de recuperação de alguns ecossistemas, quando afetados.

uma das características da disciplina é ser um direito sistematizador, pois, ainda que haja tutela de bens juridicamente considerados (água, solo, ar etc.), eles se relacionam1, o que faz do Direito Ambiental um grande sistema. Há uma interligação de seus temas e, por tal motivo, ele busca elementos em outras disciplinas do Direito2. Outra característica de tal direito é a ideia de ser ele presente e futuro3, ou seja, passa uma mensagem de antecipação, que surge com maior clareza quando se trata dos princípios gerais da matéria jurídico ambiental, principalmente no tocante ao princípio da precaução e seu viés so-lidário, quando da preservação ambiental para futuras gerações4. Não obstante, cumpre destacar que o Direito a um meio ambiente sadio, apesar de não estar expressamente previsto no art. 5º da Constituição Federal, é reconhecido como direito fundamental do cidadão5.

A previsão de proteção constitucional do meio ambiente está disposta no art. 225 da Constituição, assegurando a todos o direito a um meio ambiente eco-logicamente equilibrado6, tendo estes (todos) o dever de proteger o meio am-biente para as atuais e futuras gerações. São direitos de todos7, pois ultrapassam as individualidades, são heterogêneos e, portanto, possuem natureza de direito difuso, de terceira geração/dimensão8-9.

Assim, a proteção ambiental não compete apenas ao Poder Público, mas também a toda sociedade. Devido ao fato do meio ambiente ecologicamente equilibrado ser um direito fundamental de terceira dimensão, outros ramos do direito podem conter instrumentos aptos à proteção, entre eles o Direito Tribu-tário10.

1 MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 54-55.2 Idem, p. 55.3 CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilização civil pelo risco ambiental.

Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p. 44.4 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

p. 75.5 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituição Federal e a efetividade das normas ambientais. 2. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 23.6 Cumpre salientar o conceito de meio ambiente ecologicamente equilibrado para Affonso Leme Machado,

in verbis: “O equilíbrio ecológico não significa uma permanente inalterabilidade das condições naturais. Contudo, a harmonia ou a proporção e a sanidade entre vários elementos que compõem a ecologia – população, comunidades, ecossistemas e bioesfera – hão de ser buscadas intensamente pelo Poder Público, pela coletividade e por todas as pessoas” (MACHADO, Paulo Affonso Leme. Op. cit., p. 132).

7 Idem, p. 131.8 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 6.9 GARCIA, Wander. Direito ambiental. São Paulo: Premier, 2009. p. 17.10 BUFFON, Marciano. Tributação e dignidade humana: entre os direitos e deveres fundamentais. Porto Alegre:

Livraria do Advogado, 2009. p. 218.

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Sabe-se que expressivo percentual da parcela econômica estatal só é possível por meio da arrecadação tributária e11, portanto, a tributação pode intervir na economia com estímulo ou desestímulo de determinadas atividades ou condutas, de forma direta ou indireta, a fim de buscar concretizar objetivos constitucionais12. Por tal motivo, também compete ao Direito Tributário orien-tar a atividade econômica para que ela possa trazer benefícios à sociedade, o que ocorre quando a tributação deixa de estar voltada exclusivamente para a obtenção de recursos ao Estado, servindo também como “[...] instrumento de repartição de riquezas e desenvolvimento econômico”13, ou seja, por meio de políticas tributárias é possível que os direitos fundamentais econômicos, sociais e culturais se tornem mais eficazes14.

Entre as possibilidades do Direito Tributário contribuir para com a preser-vação ambiental, a mais adequada é aquela que tem como objetivo intervir no domínio econômico, estimulando ou desestimulando determinados comporta-mentos na busca de resultados diversos da simples arrecadação15, tal mecanis-mo é chamado de extrafiscalidade.

1.1 A eXtrAfIScAlIdAde nA buScA por um meIo AmbIente ecologIcAmente equIlIbrAdo

O objetivo do Estado, em um prisma constitucional, é a busca pelo bem comum, e para que seja possível concretizar tal objetivo, a arrecadação de tri-butos se faz necessária. Os recursos que o Estado necessita para atingir seus fins são comumente provenientes da tributação fiscal, entretanto a tributação pode apresentar outro contorno que não aquele com finalidade puramente arreca-datória. Trata-se de arrecadar intervindo na área econômica e social, o que se denominada extrafiscalidade.

Mesmo que a atividade econômica não seja exercida pelo ente estatal, é possível que, mediante a tributação, nela intervenha, buscando com isso fins diversos daqueles puramente arrecadatórios16. Destarte, fugindo da ideia pura e simples de arrecadação estatal, tem-se a tributação extrafiscal, voltada a um viés social e, porque não, solidário.

11 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Teoria da imposição tributária. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 1998. p. 48.

12 CARDOSO, Tatiana de Almeida Freitas Rodrigues. Por uma tutela efetiva ao meio ambiente: a aplicação da law & economics para combater a tragédia dos bens comuns. 2012. f. 113. Dissertação de Mestrado pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, São Leopoldo/RS, 2012. Disponível em: <http://biblioteca.asav.org.br/vinculos/000000/000000A1.pdf>. Acesso em: 7 maio 2015.

13 BOTELHO, Werther. Da tributação e sua destinação. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. p. 34-35.14 BUFFON, Marciano. Op. cit., p. 229.15 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 31. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros,

2010. p. 56.16 Idem, p. 74.

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Os mecanismos existentes para que haja um sistema tributário com cunho social persistem e vêm ganhando força, principalmente quando da tu-tela de direitos fundamentais de terceira dimensão17, que se apresenta como um sistema oriundo do ente estatal a fim de incentivar benéficas atividades, como, por exemplo, aquelas que possam reduzir a degradação ambiental18. A partir do sistema jurídico-tributário, é possível vislumbrar que a tributação tem dupla finalidade e dupla razão de existir, são elas: a) auferir recursos para que o Estado subsista, o que significa falar de “fiscalidade”; e b) garantir a realização dos direitos fundamentais dos cidadãos, os verdadeiros fins do Estado, o que significa falar de extrafiscalidade, considerando-a como os objetivos valorativos da tributação19.

Independente das críticas acerca do sistema tributário brasileiro, é inegá-vel que a tributação pode ser empregada para reduzir desigualdades sociais e concretizar os objetivos fundamentais dispostos na Constituição20, uma vez que “[...] não pode ser vista como uma mera ‘declaração de boas intenções’ ou um texto programático”21.

Quando se transfere àqueles com maior capacidade contributiva o cus-teio dos serviços públicos, mediante progressiva incidência de tributos sobre a renda, fato gerador do Imposto de Renda Pessoa Física ou Jurídica (IRPF/IRPJ), é possível identificar efeitos extrafiscais indiretos, pois o objetivo não é induzir ou reprimir comportamentos, mas sim distribuir renda, conforme preceitos cons-titucionais. Assim, a progressividade pode ser vista como fiscal, consequência do princípio da capacidade contributiva, e extrafiscal, objetivando fomentar princípios da ordem econômica, como a função social da propriedade22.

Ademais, também é importante a opinião retirada da doutrina de Carrazza, de que é possível extrair sentidos extrafiscais de impostos que even- tualmente não possam ser progressivos, pois a Constituição brasileira não per-mite que tenham caráter pessoal, pois, de certa forma, podem influenciar no comportamento da sociedade23. Trata-se dos impostos indiretos, como o Impos-

17 “Há de se concordar, porém, que essa classificação serve mais como instrumento pedagógico do que como elemento apto a fazer uma distinção estanque das ditas dimensões ou gerações de direitos fundamentais, assim denominadas para que seja possível compreender o processo histórico e como os direitos fundamentais adquiriram o grau de sofisticação que ora se contesta.” (BUFFON, Marciano. Op. cit., p. 135)

18 MATTHES, Rafael Antonietti. Extrafiscalidade como instrumento de proteção ambiental no Brasil. Veredas do Direito, Belo Horizonte, v. 8, n. 16, p. 47-48, jul./dez. 2011.

19 GOUVÊA, Marcus de Freitas. Questões relevantes acerca da extrafiscalidade no direito tributário. Interesse Público, Sapucaia do Sul, n. 34, p. 180, 2005.

20 BUFFON, Marciano. Op. cit., p. 116.21 Idem, p. 110.22 CARRAZZA, Roque Antônio. A progressividade na ordem tributária. Revista de Direito Tributário, São Paulo,

v. 64, p. 47-48, 1994.23 Idem, p. 53.

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to sobre Produto Industrializado (IPI), que pode ter sua carga tributária alterada conforme a essencialidade do produto industrializado24.

O Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários (IOF) também é um bom exemplo de imposto com caráter extrafiscal, pois tem como objetivo regular o mercado financeiro, desestimulando determinados negócios ou desonerando determinadas ativida-des, com a finalidade de prestigiá-las25.

Assim, ainda que a Constituição determine direitos fundamentais a se-rem efetivados, nem sempre serão concretizados em função da transferência de importâncias financeiras do contribuinte ao Estado, podendo ser almejados, também, por estímulos ou desestímulos tributários concedidos à sociedade, ou a intervenção estatal por meio da tributação26. Com a implementação das me-didas extrafiscais, vislumbra-se a atuação reguladora do Estado na área econô-mica, política e cultural, fazendo com que o dever de pagar tributos auxilie no desenvolvimento social27.

Para a doutrina portuguesa, lastreada pelos ensinamentos de Cassalta Nabais, a extrafiscalidade se expande por dois grandes domínios: impostos e benefícios fiscais, sendo que cada um deles se utiliza da tributação de forma distinta para intervir ou conformar o meio social. Os impostos extrafiscais têm como objetivo dissuadir ou evitar determinados comportamentos; já os benefí-cios fiscais buscam fomentar, incentivar ou estimular determinados comporta-mentos. Contudo, tanto a mudança comportamental como sua mantença bus-cam a proteção de interesses comuns, típicos do Estado de Bem-Estar Social28 característico da atual Constituição da República.

2 MANIFESTAÇÃO DA ExTRAFISCALIDADE MEDIANTE OS BENEFÍCIOS FISCAIS

A efetividade da extrafiscalidade é vislumbrada com maior precisão no domínio dos benefícios fiscais, isso porque os impostos, mesmo que revestidos de caráter extrafiscal, acabam por se conformar com as normas e princípios específicos e atinentes à sua existência, caracterizando-se como medidas de po-

24 Idem, ibidem.25 MARAFON, Plínio José. IOF. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de Direito Tributário. 8. ed.

São Paulo: Saraiva, v. 2, 2001.p. 466.26 GOUVÊA, Marcus de Freitas. Op. cit., p. 190-191.27 DEUD, Maria Luiza Bello. Extrafiscalidade e políticas públicas de desenvolvimento. Revista Jurídica

Empresarial, Porto Alegre, v. 3, n. 18, p. 27, jan./fev. 2011.28 “Com a Constituição de Weimar e o fim do Estado Liberal do século XVIII, deu-se início ao Estado

Contemporâneo, também nominado de Estado do Bem-Estar Social que originou os direitos de segunda dimensão, são eles direitos sociais, culturais e econômicos. No íntimo do Estado de Bem-Estar Social há uma visão macro da sociedade, ou seja, o cidadão é visto de forma global e não de modo individualizado, por tal motivo os interesses são comuns, competindo ao Estado atendê-los.” (Idem, p. 29)

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lítica fiscal29. Contrariamente, os benefícios fiscais possuem nítida configuração de medidas de política econômica e social, pois são atos de caráter excepcional que têm como objetivo amparar interesses públicos de significativa relevância, superiores àqueles caracterizados pela tributação30.

Os benefícios fiscais podem ser compreendidos como isenções, redu-ção de alíquotas, redução de base de cálculo e, até mesmo, diferimento. A Lei nº 4.320/1964, nominada como Lei de Responsabilidade Financeira, positiva normas gerais sobre o controle dos efeitos dos benefícios, no entanto, não traz o conceito do que são os referidos benefícios31. A Constituição Federal brasileira não apresentou um conceito rico em detalhes sobre os benefícios fiscais32, sen-do possível compreendê-los por meio daqueles institutos tradicionais do Direito Tributário.

No tocante à preservação do meio ambiente para as atuais e futuras gera-ções, esta pode se efetivar mediante os benefícios fiscais de caráter extrafiscal, sendo que tal renúncia de receitas possui, dentro da lógica de direito ambiental, caráter preventivo, pois beneficia àqueles que se preocupam com a proteção ambiental e não causam lesões ao meio ambiente33. Ademais, a referida renún-cia, total ou parcial, não causa prejuízos ao Poder Público, pois ele acaba sendo compensado no futuro, quando deixa de “[...] praticar despesas para manter ou recuperar danos de várias ordens ocorridos no meio ambiente por falta de um devido tratamento que nosso ordenamento acaba nos oferecendo”34.

Por tal motivo, não restam dúvidas que determinados benefícios fiscais brasileiros são dotados de finalidade extrafiscal, pois têm como objetivo alcançar o desenvolvimento do País35, viabilizando a proteção de direitos constitucional-mente previstos. Para tanto, quando da aplicação dos benefícios fiscais para fins econômicos e sociais, leva-se em consideração a proibição de excessos e a pri-mazia pela aplicabilidade do princípio da igualdade, sob a análise da necessida-de e adequação na busca pelo objetivo econômico social pretendido36.

29 NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos: contributo para a compreensão constitucional do estado fiscal contemporâneo. Coimbra: Almedina, 2009. p. 632-633.

30 Idem, p. 633.31 HENRIQUES, Elcio Fiori. Os benefícios fiscais no direito financeiro e orçamentário: o gasto tributário no

direito brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 125.32 Idem, p. 120.33 BERNARDI, Renato. Tributação ecológica: o uso ambiental da extrafiscalidade e da seletividade tributárias.

Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanístico, Porto Alegre, v. 3, n. 15, p. 74, dez. 2007.34 SALIBA, Ricardo Berzosa. Fundamentos do direito tributário ambiental. São Paulo: Quarter Latin, 2005.

p. 324.35 DEUD, Maria Luiza Bello. Op. cit., p. 27.36 NABAIS, José Casalta. Op. cit., p. 696.

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3 TRIBuTAÇÃO AMBIENTAL: ONERAÇõES ORIuNDAS DOS IMPOSTOS ExTRAFISCAIS NA BuSCA DE uM MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EquILIBRADO

Entre os impostos, taxas e contribuições, a melhor espécie tributária que pode ser utilizada como instrumento extrafiscal é a primeira, o imposto. Cum-pre salientar que, as onerações tributárias empregadas para fins de proteção ambiental, não têm o intuito de punir os poluidores pelo ato ilícito cometido, pois, caso fosse, estar-se-ia transformando o tributo em uma forma de penali-dade37, o que é vedado pelo art. 3º do CTN. Outrossim, a tributação ambiental, bem como ocorre com o princípio poluidor-pagador, também não tem como objetivo trazer a ideia de que aquele que paga pode poluir, mas sim servir como medida promissora na busca do desenvolvimento sustentável38, ou seja, buscar o desenvolvimento econômico aliado à preservação do meio ambiente39.

O imposto acaba sendo a melhor espécie tributária a ser utilizada com finalidade extrafiscal, por ser tributo que melhor estimula ou desestimula condutas. A gradação de alíquotas, alterações da base de cálculo, isenções e diferimento podem impulsionar a produção e a circulação de produtos am-bientalmente corretos, bem como a prestação de serviços ecologicamente sus-tentáveis, além de desestimular condutas lesivas ou potencialmente lesivas ao meio ambiente40.

As onerações com fins extrafiscais podem ser verificadas comumente nos impostos. A potencialidade poluidora de cada produto importado, por exemplo, serve como parâmetro para majoração do Imposto de Importação (II), servin-do como forma de coibir a entrada de mercadorias potencialmente nocivas ao meio ambiente, em consonância com o Princípio da Prevenção e Precaução. Corroborando com o ora aludido, nesse sentido, Oliveira Souza41 afirma que a majoração do II com fins ambientais não pode apenas se ater à potencialidade poluidora do produto importado, mas também às condições em que estes pro-dutos são produzidos, haja vista não ser possível dimensionar, geograficamente, os impactos ambientais.

Nesse mesmo sentido, onerar o IPI dos produtos industrializados que cau-sam impactos ambientais também se desvela como medida extrafiscal em prol do meio ambiente. Todavia, tal possibilidade não é aceita de forma unânime pela doutrina, havendo aqueles que discordam, como Gonçalves, ao afirmar

37 MACHADO, Hugo de Brito. Op. cit., p. 56.38 FAZOLLI, Silvio Alexandre. Princípios ambientais tributários e extrafiscalidade. Revista de Direito Ambiental,

São Paulo, n. 34, p. 78-83, 2004.39 SOUZA, James José Marins de; TEODOROVICZ, Jeferson. Extrafiscalidade socioambiental. Revista Tributária

e de Finanças Públicas, São Paulo, v. 18, n. 90, p. 103, jan./fev. 2010.40 SOUZA, Jorge Henrique de Oliveira. Tributação e meio ambiente: as espécies tributárias e sua utilização para

alcance de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 143.41 Idem, p. 149.

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que a majoração de alíquotas com fins ambientais fere previsão constitucional, pois a diferenciação de alíquota do IPI obedece apenas ao Princípio da Seleti-vidade, que se pauta exclusivamente na essencialidade do produto. Aplicar tal diferenciação para além da seletividade do produto acabaria violando a capa-cidade contributiva42.

Entretanto, seguindo os ensinamentos de Souza e Bottallo, acredita-se que a distinção de alíquotas do IPI não pode ser analisada de forma restrita, con-siderando essencial apenas aquilo que o salário-mínimo deveria garantir, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e Previdência Social43-44, conforme o art. 7º da Constituição. Necessita-se fazer uma interpretação aberta do texto Constitucional, de modo que a proteção do meio ambiente, prevista no art. 225, seja compreendida ao lado das garantias mencionadas no art. 7º, justificando, contudo, a gradação da alíquota de IPI aos produtos industrializados que causam negativos impactos ambientais, bem como a desoneração da alíquota àqueles que contribuem para um meio am-biente ecologicamente equilibrado.

Dessa forma, é possível afirmar que a finalidade extrafiscal do IPI pode ser utilizada para proteção ambiental, no tocante a onerações e desonerações, sem qualquer tipo de ofensa aos preceitos constitucionais.

Ainda sobre as onerações de impostos com finalidade extrafiscal que contribuem para a proteção do meio ambiente, importante ressaltar a progres-sividade do ITR. Conforme o art. 153, § 4º, da Constituição45, o ITR será pro-gressivo com a finalidade de desestimular a manutenção de propriedades im-produtivas, fomentando que a propriedade desempenhe sua função social, que é cumprida quando respeitados os critérios estipulados pelo art. 186 da Carta Política, entre eles, a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente46. Em igual norte, a possibilidade de progressão de alíquota do IPTu, que pode ocorrer por uma série de formas, entre elas a progressividade no tempo, que se dá quando o imóvel não está sendo aprovei-tado de forma adequada: sob uma ótica ambiental, significa que o imóvel não

42 GONÇALVES, Fernando Dantas Casillo. IPI: inconstitucionalidade da tributação diferenciada para os produtos fabricados com plástico. In: PEIXOTO, Marcelo Magalhães (coord.). IPI: aspectos jurídicos relevantes. São Paulo: Quartier Latin, 2003. p. 91.

43 SOUZA, Jorge Henrique de Oliveira. Op. cit., p. 158.44 BOTTALLO, Eduardo Domingos. Fundamentos do IPI: imposto sobre produtos industrializados. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2002. p. 63-64.45 “Art. 153. [...] § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: I – será progressivo e terá suas alíquotas

fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas.” (BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 7 maio 2015)

46 “Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: [...] II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.” (Idem)

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se encontra em harmonia com princípios do Direito Ambiental e, em uma ótica extrafiscal, tal progressividade contribui para que seja concretizada a função social da propriedade47, que inclui a busca por um meio ambiente urbano eco-logicamente equilibrado48.

Desta feita, é possível perceber que a extrafiscalidade pode ser verificada nas renúncias de receitas, bem como nas onerações dos tributos, principalmen-te dos impostos, servindo como uma função tributária apta a preservar o meio ambiente, demonstrando que a aplicação de mecanismos econômicos em ma-téria ambiental resulta no consenso de que o Direito Tributário e as regras da extrafiscalidade são totalmente compatíveis com as finalidades do art. 225 da Constituição.

CONSIDERAÇõES FINAIS

Os direitos transindividuais estão amplamente respaldados na Constitui-ção brasileira de 1988. Com o Direito Ambiental não seria diferente, haja vista ser considerado direito transindividual, sendo de todos e competindo a todos sua proteção. Verificou-se que o Direito Ambiental e sua utilidade para com a proteção do meio ambiente são de suma importância para a satisfação da vida em todas as suas formas.

Com o advento de uma Constituição considerada a primeira “Constitui-ção verde”, a proteção ambiental passou a ser obrigação de todos e não ficou limitada em dispositivo próprio, ou seja, no art. 225 da Carta. Também está prevista em demais dispositivos constitucionais, por exemplo, no art. 170, que versa sobre a ordem econômica. Do art. 225 é possível extrair típicos princípios do Direito Ambiental, como o princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado, da Equidade Intergeracional, da Sadia Qualidade de Vida e do Desenvolvimento Sustentável.

No entanto, não são apenas tais princípios que fundamentam a prote-ção ambiental e limitam a ação humana, pois existem outros mecanismos que auxiliam o intérprete, principalmente quando se está lidando com uma socie-dade de risco, na qual as consequências da degradação do meio ambiente são imprevisíveis e imperceptíveis aos sentidos do homem. Com isso, foi possível perceber que o diploma constitucional, no tocante à matéria ambiental, carrega uma lógica de gestão do risco ambiental.

A interação de conjuntos que compõem o meio ambiente e regem a vida em todas as suas formas, demonstram a importância de sua tutela, que não pode

47 BUFFON, Marciano. Op. cit., p. 205.48 SOUZA, Jorge Henrique de Oliveira. Op. cit., p. 313.

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se limitar nas diretrizes e princípios do Direito Ambiental, cabendo, também, a influência do Direito Tributário, Econômico e Social, compreendendo o Direito Ambiental como disciplina de característica sistêmica.

A partir da ideia de que a proteção do meio ambiente não é restrita à ma-téria ambiental, bem como a existência do compromisso ético entre o homem e o meio ambiente, operando aquele como agente transformador, foi demons-trado que outros ramos do direito, como o Tributário, possuem mecanismos voltados para a proteção ambiental.

O Direito Tributário expressa o exercício do direito impositivo por meio do Poder Público, retirando compulsoriamente do contribuinte parcela de seu patrimônio, com o objetivo de que o Estado possa alcançar seus fins. No en-tanto, a referida finalidade fiscal, a partir da instituição do Estado Democrático de Direito, deixa de ser o único fundamento da tributação, pois esta acaba se desvelando não apenas como um mecanismo arrecadatório para suprir os co-fres públicos, mas também como instrumento que contribui para construção e efetivação de direitos fundamentais previstos na Constituição Brasileira.

Em um Estado Democrático de Direito, a tributação deixa de estar volta-da apenas para suprir as demandas do Estado, passando a ter objetivos indutores de efetivação dos direitos fundamentais, por meio da denominada extrafisca-lidade. Ainda que não exista significativo embasamento legal que conceitue a extrafiscalidade, pode-se perceber que é cabível sua utilização para fins de proteção de direitos de terceira dimensão, como é o caso do meio ambiente.

A utilização da tributação sem fins fiscais pode contribuir para preserva-ção ambiental em dois domínios: os benefícios fiscais e as onerações dos im-postos. Benefício fiscal é medida de caráter político, econômico e social, com o objetivo de amparar interesses públicos.

As onerações concretizam a extrafiscalidade em prol do meio ambien-te quando majoram os impostos incidentes em mercadorias ou produtos que possam vir a prejudicar o meio ambiente. Notou-se que o benefício fiscal se mostra como medida extrafiscal mais eficaz em comparação com as onerações dos impostos extrafiscais, isso porque é mais provável que haja uma mudança comportamental por meio de um benefício do que por meio de uma imposição tributária – oneração.

Independente da forma extrafiscal a ser utilizada, pode-se concluir que não compete ao Direito Tributário se manter inerte frente à necessidade da pre-servação ambiental, por possuir mecanismos que contribuem para esta, sendo um deles a extrafiscalidade, sem a necessidade de instituir novos tributos. Por fim, a partir da arrecadação com fins protetivos, haverá maior lucratividade do Estado e da sociedade em comparação com a arrecadação às custas da degra-

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dação ambiental, possibilitando que todos os cidadãos tenham efetivamente garantidos seus direitos fundamentais, entre eles o meio ambiente ecologica-mente equilibrado.

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Assunto Especial – Textos Clássicos

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Por Um Meio Ambiente Equilibrado

A Jurisdição Administrativa na Alemanha: entre Tarefas Clássicas e Desafios Atuais

EBERhARD SChMIDT-AßMAnnProfessor Emérito de Direito Público na Universidade de Heidelberg.

Submissão: 18.12.2014Decisão editorial: 29.04.2015Comunicação ao autor: 29.04.2015Tradução: Geraldo de Carvalho

SUMÁRIO: I – Introdução: Tribunais administrativos em uma “cultura administrativa legalista”; II – As principais características da jurisdição administrativa alemã (panorama); Modelo dualista; Tribunais administrativos como um dos pilares de apoio do Terceiro Poder; Somente tarefas da jurisprudência; Entrelaçamento de tribunais dos Estados e da União (“sistema misto”); III – Experiências com a constitucionalização do direito processual administrativo: o papel das garantias de tutela jurisdicional, especificamente, do artigo 19, alínea 4, da Lei Fundamental de 1949; III.1 “O direito administrativo como direito constitucional concretizado”: uma fórmula antiga para a constitucionalização do direito administrativo; III.2 Especial sobre o preceito constitucional da efetividade da tutela jurisdicional no direito processual e na prática dos tribunais administrativos; IV – A exatidão das revisões judiciais: “controle de intensidade” como tema clássico e atual; IV.1 O princípio do controle total baseado na norma do Direito; IV.2 Exceções conforme “autorização normativa”; IV.3 Critérios para um controle judicial reduzido; V – O desafio dos “conflitos baseados em informação”; V.1 O que são conflitos baseados em informação?; Proteção de dados, freedom of information, política de informação ad‑ministrativa ativa (p. ex., informações ao consumidor), acesso a informações sigilosas por meio de equipamentos técnicos (p. ex., monitoramento eletrônico da esfera privada); V.2 O problema de uma tu‑tela jurisdicional imediata; a) “A Administração Pública não deve simplesmente partir para o ato”; b) Le‑vantamento secreto de informação: “reserva de jurisdição”; V.3 O tratamento de informações sigilosas no processo administrativo: processo a portas fechadas; VI – Conclusão: A relação complementar entre a jurisdição administrativa e as ciências jurídicas administrativas: dogmática do direito administrativo.

teXto dA pAleStrA

I – INTRODuÇÃO: TRIBuNAIS ADMINISTRATIVOS EM uMA “CuLTuRA ADMINISTRATIVA LEGALISTA”

Se compararmos as culturas administrativas, podemos dizer que a Alemanha é um representante da “cultura administrativa legalista”1. Culturas administrativas desse tipo têm três aspectos característicos:

1 König (Org.), Grundmuster der Verwaltungskultur, 2014.

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– elas têm um pessoal administrativo de formação essencialmente ju-rídica;

– elas partem da força de controle da lei parlamentar em relação à Administração Pública (o que pressupõe uma precisão suficiente das leis);

– elas confiam na capacidade dos tribunais para a solução dos con-flitos entre cidadãos e Administrações Públicas de acordo com os critérios legais.

Os tribunais administrativos têm uma posição central em culturas admi-nistrativas legalistas. Eles concedem ao cidadão tutela jurisdicional individual e são ao mesmo tempo uma importante instância de controle (se não a mais importante) em relação ao Executivo. Tal posição central não se conquista re-pentinamente (“de ontem para hoje”). Muito pelo contrário. Ela tem que ser construída aos poucos pela percepção cuidadosa das competências delegadas. E, constantemente, ela se vê perante novos desafios. Novas possibilidades de ação da Administração Pública também alteram as atribuições dos tribunais ad-ministrativos. Identificar tais mudanças não é uma tarefa fácil para os tribunais. Isso requer manter uma certa distância de observação, o que o dia a dia dos tribunais não pode oferecer. Aqui, as ciências jurídicas administrativas têm uma função complementar importante. Retomarei esse tema no final da palestra.

As próximas apresentações tratarão de quatro temas: primeiramente, apresentarei um panorama da jurisdição administrativa alemã com base em suas principais características (II). Em seguida, falarei sobre a constitucionali-zação do direito processual dos tribunais administrativos (III). Na primeira par-te, serão comentadas algumas questões clássicas, especialmente a questão do controle jurisdicional do poder discricionário da Administração Pública (IV). A quarta parte se ocupará com os novos desafios, incluindo os chamados conflitos baseados em informação (V).

II – AS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DA juRISDIÇÃO ADMINISTRATIVA ALEMÃ (PANORAMA)

Esta primeira e breve parte traz à tona alguns pontos2 que são importantes para o entendimento da palestra3:

(1) A Alemanha, como a maioria dos Estados europeus continentais, se-gue um modelo dualista que distingue entre os tribunais ordinários

2 Uma apresentação precisa em língua portuguesa se encontra na extensa obra de direito comparado de Sérvulo Correia, Direito do contencioso administrativo I, 2005, 77-121.

3 Em respeito à visão brasileira (também direito comparado), Perlingeiro, Aspekte der Verwaltungsgerichtsbarkeit in Brasilien, em: Jahrbuch des Öffentlichen Rechts, v. 62 (2014), 713 ss.

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para o direito civil e o direito penal e os tribunais competentes para contenciosos administrativos.

(2) Os tribunais administrativos são do ponto de vista organizacional e pessoal rigorosamente separados do Executivo. Não há formas in-termediárias como aquelas apresentadas em alguns dos “tribunals” ingleses. A jurisdição administrativa é, ao lado dos tribunais ordiná-rios, o segundo maior “pilar de apoio do Terceiro Poder”.

(3) Os tribunais administrativos somente exercem atribuições da juris-prudência. Diferente, p. ex., do Conseil d‘État francês, eles não têm a função de aconselhar o Governo.

(4) Existem três segmentos da jurisdição administrativa: tribunais so-ciais, tribunais financeiros e os tribunais administrativos gerais (em cuja apresentação eu focarei a seguir).

(5) No plano organizacional, a jurisdição administrativa é constituída por três instâncias. Basicamente, todos os processos se iniciam nos tribunais administrativos da primeira instância e podem então che-gar aos tribunais administrativos superiores por meio do recurso da apelação e ao Supremo Tribunal Federal por meio da revisão.

(6) Os tribunais da primeira e segunda instância são tribunais dos “Es-tados”; somente a instância superior é um tribunal superior de jus-tiça. As causas contra autoridades federais devem ser resolvidas na primeira e segunda instância perante os tribunais dos Estados; já as causas contra autoridades estaduais são decididas na instância de revisão pelo Supremo Tribunal Federal alemão. Essa mistura se explica pelo fato de que, no sistema federal alemão (diferente do Brasil e dos Estados unidos), a maioria das leis federais também é executada por autoridades estaduais.4

(7) O direito processual dos tribunais administrativos está contido em uma codificação própria, no “Código do Procedimento Administra-tivo” (1960). O Código é rigorosamente separado do direito proces-sual, o qual a Administração Pública tem que observar ao decretar as suas decisões, estando este codificado na “Lei do Procedimento Administrativo” (1976). É verdade que ambos os processos têm do ponto de vista histórico legal as mesmas raízes. Hoje, no entanto, eles devem ser separados: o direito processual da Administração Pública é multifuncional. Em contraste a isso, o direito processual

4 O cumprimento de leis federais por órgãos da União é a exceção e deve ser expressamente permitido na Constituição.

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dos tribunais administrativos tem apenas uma função central, a sa-ber, possibilitar ao demandante uma tutela jurisdicional efetiva. Eu sei que isso em parte é visto de outra forma no Brasil.

III – ExPERIêNCIAS COM A CONSTITuCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PROCESSuAL ADMINISTRATIVO: O PAPEL DAS GARANTIAS DE TuTELA juRISDICIONAL, ESPECIFICAMENTE, DO ARTIGO 19, ALÍNEA 4, DA LEI FuNDAMENTAL DE 1949

Passaremos agora à segunda parte da palestra. Essa parte se ocupará em especial com a constitucionalização do processo administrativo para a qual a fórmula fixada “efetividade da tutela jurisdicional” desempenha um papel central. O desenvolvimento da jurisdição administrativa é em todos os países um ponto de cristalização da evolução constitucional, pois trata-se da relação elementar man versus state. Na Alemanha, as discussões acerca dessa questão fundamental remontam à Idade Média. No século XIX, a introdução de uma jurisdição independente em ações administrativas foi uma exigência da burgue-sia liberal a qual já tinha sido atendida antes da Primeira Guerra Mundial na maioria dos Estados do império5. A Constituição de Weimar de 1919 pôde se reportar a esses resultados. Após os acontecimentos desastrosos sob o regime do Nacional Socialismo (1933-1945), a esperança da nova constituição, da Lei Fundamental (GG) de 1949, passou a repousar sobre um catálogo de direitos fundamentais os quais não são normas de programa, mas sim normas legais obrigatórias para o Legislativo, o Executivo e o Judiciário (art. 1º, § 3º, da GG); mais tarde, foi implementada uma poderosa jurisdição constitucional (art. 3º da GG) e criada uma garantia abrangente de tutela jurisdicional contra atos do Poder Público (art. 19, § 4º, da GG).

III.1 “o dIreIto AdmInIStrAtIvo como dIreIto conStItucIonAl concretIzAdo”: umA fórmulA recente pArA A conStItucIonAlIzAção do dIreIto AdmInIStrAtIvo

A garantia de tutela jurisdicional tornou-se, em pouco tempo, a âncora mais importante dos tribunais administrativos e de seu direito processual. A evo-lução jurídica se une à fórmula “direito administrativo é direito constitucional concretizado”. Ela provém de Fritz Werner, de um dos primeiros presidentes do Supremo Tribunal Federal alemão. Formulada em 1955, ela se tornou logo um paradigma marcante do direito administrativo alemão do período pós-guerra6.

5 Sobre o desenvolvimento Stolleis, Geschichte des Öffentlichen Rechts v. II, 1992, 240 ss.; Hufen, Verwaltungsprozessrecht, 7ª edição 2008, § 2; Sérvulo Correia, Direito (FN 3), 77-91.

6 Cf. Schmidt-Aßmann, Das Allgemeine Verwaltungsrecht als Ordnungsidee, 2. edição, 2004, capítulo 1, nota 17 ss. Na tradução em língua espanhola da 1ª edição (Marcial Pons, Madrid 2003), encontram-se as considerações correspondentes nas páginas 15 ss.

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Por conseguinte, todas as áreas do direito administrativo (especial) (direito do solo e das construções, direito das profissões industriais e comerciais, direito de polícia, direito atinente aos funcionários públicos) foram examinadas quanto à sua conformidade com a nova constituição, especificamente, com os direitos fundamentais. Todas as instituições do direito administrativo (geral) (ato admi-nistrativo, decreto, instrução) tinham que se justificar se elas correspondiam à imagem humana da Lei Fundamental, ou se eram uma expressão ultrapassada de “tradições estatais autoritárias” (p. ex., como a “relação de poder especial”) que não podiam ser mais aceitas. O paradigma do direito constitucional con-cretizado deu vazão a uma enorme energia inovadora nas ciências jurídicas administrativas. Os tribunais administrativos, por sua vez, também seguiram esta ideia7. O direito administrativo alemão antecipou com esse paradigma uma evolução a qual é denominada reiteradas vezes como “constitucionalização” e que abrange hoje muitas outras áreas jurídicas, como o direito civil e outros Estados.

No entanto, em todos os aspectos, essa constitucionalização não é um avanço descomplicado. A indefinição dos critérios e a incerteza dos métodos são sobretudo criticados na concretização dos direitos fundamentais e huma-nos. Além disso, teme-se que o legislador parlamentar perca a sua influência quando os resultados são deduzidos diretamente da constituição e quando estes reivindicam a posição de direito constitucional8. No Brasil, também encontra-mos tal crítica da constitucionalização que se iniciou com a nova Constituição de 19889.

III.2 eSpecIAl Sobre o preceIto conStItucIonAl dA efetIvIdAde dA tutelA JurISdIcIonAl no dIreIto proceSSuAl e nA prátIcA doS trIbunAIS AdmInIStrAtIvoS

Quanto à jurisdição administrativa e ao direito processual administrativo, a constitucionalização dá pouca margem para crítica. A maioria dos resultados é hoje em geral aceita. Há duas razões decisivas para isso:

– De um lado, a constitucionalização pode se amparar em uma de-finição bem concreta da constituição. A saber (art. 19, alínea 4, da GG): “Toda a pessoa, cujos direitos forem violados pelo Poder Pú-blico, poderá recorrer à via judicial”. Essa determinação representa um direito diretamente aplicável. Ela é claramente formulada e cita

7 Famosa é a decisão do Supremo Tribunal Federal alemão de 24. 6. 1954 (coletânea de jurisprudência BVerwGE 1, 159, 161: “O indivíduo está sujeito ao poder público, não como súdito, mas sim como cidadão”): Direito legal a assistência social.

8 Möllers, em: Hoffmann-Riem/Schmidt-Aßmann/Voßkuhle (Org.), Grundlagen des Verwaltungsrechts, 2. 2012 Vol. I, § 3, número de margem 13 f.

9 Krell, Die normative Ausgestaltung des brasilianischen Umweltrechts und die Hauptprobleme seiner methodisch abgesicherten Anwendung, em: Jahrbuch des öffentlichen Rechts, v. 62 (2014), 693 (706 ss.).

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os pontos mais importantes: tutela jurisdicional individual como proteção judiciária que deve ser abrangente e atuante (“efetivo”).

– A segunda razão pela qual a constitucionalização da tutela do di-reito administrativo teve êxito reside na boa interação entre os tri-bunais administrativos e as ciências jurídicas administrativas. um sempre deu estímulo ao outro. Da mesma forma, um controla o outro de modo que a constitucionalização se dá de forma conscien-te com base em um método. O Supremo Tribunal Federal alemão, cuja metade dos juízes vem da justiça e a outra, de universidades, desempenha neste processo um papel especialmente importante. O legislador confirmou este desenvolvimento: ele concebeu conscien-temente o Código do Procedimento Administrativo de 1960 como uma lei para a concretização da garantia de tutela jurisdicional constitucional.

Os resultados mais importantes da constitucionalização da tutela jurisdi-cional constitucional são os seguintes:

– Os tribunais são competentes de acordo com uma cláusula geral. Atos de soberania que não podem ser controlados por causa de seu conteúdo político (“atos de soberania isentos de tribunais”) não existem mais.

– Os tribunais não têm apenas o poder de anular atos administrativos; eles também podem obrigar a Administração Pública a agir de for-ma positiva.

– Devem existir também tipos de ações apropriadas para casos nos quais alguém queira se defender contra normas administrativas e contra atos reais da Administração Pública.

– Os tribunais têm a tarefa de controlar inteiramente as decisões ad-ministrativas. (Isso eu explicarei mais detalhadamente na terceira parte).

– Diferente do processo civil, no processo administrativo vale o prin-cípio de instrução.

– A implementação das sentenças judiciais deve ser efetiva. Para isso, há regras de como essas sentenças podem ser cumpridas contra a Administração Pública. (Felizmente, essas regras praticamente não têm um papel importante, pois os tribunais administrativos gozam de grande respeito no meio público, e uma Administração Pública condenada raramente ousa não cumprir a sentença).

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– Por fim, deve haver instrumentos da tutela jurisdicional provisória: ao menos, a possibilidade de obter tutela jurisdicional urgente nos tribunais. De acordo com a opinião predominante, a constituição até ordena que ações de impugnação tenham um efeito suspensivo (“efeito suspensivo”) o qual somente pode ser superado pela Admi-nistração Pública em circunstâncias especiais e por meio de ordem especial.

IV – A ExATIDÃO DAS REVISõES juDICIAIS: “CONTROLE DE INTENSIDADE” COMO TEMA CLáSSICO E ATuAL

A questão da intensidade do controle judicial é um dos grandes temas clássicos da tutela do direito administrativo. Antigamente, ela era tratada sob a figura dogmática do “poder discricionário da Administração Pública”. Na maio-ria dos outros países, esse é também o termo usado. Na Alemanha, desenvol-veu-se sob a influência da constitucionalização uma dogmática própria10. Ela usa outras definições e levou a um aumento da densidade de controle. Pode-se falar de uma “divisão de poderes influenciada pelo tribunal”. Ela é também um símbolo da cultura administrativa legalista alemã. Outros países europeus e o Tribunal da união Europeia não vão tão longe. Na Alemanha, há visões críti-cas nas quais eu me incluo11. No entanto, o Supremo Tribunal Federal alemão recentemente voltou a confirmar este desenvolvimento12. As suas declarações principais são as seguintes:

Iv.1 o prIncípIo do controle totAl bASeAdo nA normA do dIreIto

Em geral, é aceito o seguinte ponto de partida: o controle judicial se dá com base na norma do Direito correspondente, sobretudo com base na norma das leis parlamentares que devem controlar a Administração Pública. Onde não há normas legais, não pode haver um controle judicial. Os tribunais não são designados para exercer um “controle total”.

Porém, as regulamentações legais para a Administração Pública na Alemanha são relativamente estanques. Isso, de um lado, se deve ao fato de que o princípio da legalidade da Administração Pública, ou seja, a pergunta quando a Administração Pública precisa de uma autorização legal para uma ação é definida de modo muito abrangente. Por outro lado, isso é uma consequência do preceito constitucional da determinação das leis. O legislador não precisa aspirar a uma medida máxima de determinação; o que se pede, no entanto,

10 Cf. a seguir Sérvulo Correia, Direito (FN 3), 104-109.11 Schmidt-Aßmann, Das Allgemeine Verwaltungsrecht als Ordnungsidee (FN 7) capítulo 4, notas 73 ff.12 BVerfGE 129, 1 (20 ss.).

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é uma determinação que seja suficiente. Cláusulas gerais vagas que delegam todo o resto ao Executivo não são permitidas. O legislador deve regulamentar as questões essenciais para os cidadãos.

É claro que isso não é possível sem usar termos legais indefinidos (qual termo legal é de fato definido?). A questão toda é que a indefinição de um termo legal não restringe o mandato de controle dos tribunais administrativos. Na uti-lização de termos legais indefinidos, os tribunais também têm a obrigação – de acordo com as três etapas da metodologia jurídica – de eles próprios definirem o termo, investigar os fatos existentes e realizar a subsunção. Vale o princípio do controle completo da aplicação do Direito13.

Se existia um “perigo” para a “segurança pública” e se por isso a polícia tinha o direito de proceder contra o causador do perigo, isso é decidido – quan-do se dá uma briga entre a polícia e a pessoa envolvida – pelos tribunais com base nesse princípio. O mesmo se aplica para a questão se o dono de um esta-belecimento é “confiável”, uma emissão é “aceitável” ou uma fábrica é “apta a receber incentivos”. Se os tribunais não têm os conhecimentos necessários, estes devem então consultar peritos externos.

Iv.2 eXceçõeS conforme “AutorIzAção normAtIvA”

O princípio do controle judicial completo apresenta exceções14. No en-tanto, tais exceções não derivam da circunstância de que a aplicação de um ter-mo legal indefinido requer conhecimentos técnicos, econômicos ou ecológicos. Antes, sim, essas exceções deveriam estar previstas na própria lei. O legislador parlamentar tem, pois, o poder de autorizar a Administração Pública a tomar decisões vinculativas para constelações especiais e de reduzir respectivamente o controle dos tribunais.

– Isso ocorreu claramente naquelas situações em que as leis não obrigam a Administração Pública a agir, mas prescrevem que ela “pode” agir. Nesses casos da chamada “discricionariedade das con-sequências jurídicas”, o controle dos tribunais é limitado.

– O controle também é limitado ali onde a Administração Pública é incumbida a contrapor de forma abrangente os interesses públicos e os interesses privados (“discricionariedade de planificação”) na elaboração de planos, principalmente em obras de urbanização.

13 Nesta linha Schoch, em: Hoffmann-Riem/Schmidt-Aßmann/Voßkuhle (Org.), Grundlagen des Verwaltungsrechts, 2. edição, 2012, v. I, § 50, número de margem 252 ss.

14 Schmidt-Aßmann, em: Maunz/Dürig, Grundgesetz, Kommentar, art. 19, alínea 4, número de margem 188 ff.

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– Ademais, deve ser possível localizar as correspondentes autoriza-ções por meio de interpretação das determinações legais corres-pondentes. Exemplos atuais podem ser encontrados ali onde a Ad-ministração Pública regula amplamente o mercado para serviços de telecomunicação ou para energia elétrica: a chamada “discriciona-riedade de regulação”.

Iv.3 crItérIoS pArA um controle JudIcIAl reduzIdo

Diante do exposto, não se trata de excluir por completo o controle judi-cial, mas sim de reduzi-lo. Com base em que critérios os tribunais devem exer-cer esse controle reduzido? Há vários modelos que apresentam similaridades.

– Em todo o caso, deve-se verificar minuciosamente se a Administra-ção Pública observou o respectivo Código do Procedimento Admi-nistrativo. O Código do Procedimento Administrativo tem aqui uma função compensatória para o controle substancial admissível com restrições.

– Além disso, a Administração Pública deve ter apurado os fatos com-pleta e corretamente.

– Em terceiro lugar, a Administração Pública deve ter se orientado no propósito da respectiva autorização.

– Por último, ela não deve ter excedido os limites legais da autori-zação. Entre esses limites figura também o princípio da proporcio-nalidade: as medidas tomadas pela Administração Pública devem ser apropriadas e necessárias e não devem gerar desvantagens que sejam visivelmente desproporcionais em relação ao resultado alme-jado.

Se a decisão da Administração Pública se mantiver dentro desses limites, esta deve ser aceita pelos tribunais. Os tribunais se limitam aqui a reconstruir mentalmente as considerações da Administração Pública. Eles não substituem a subsunção da Administração Pública (o que não ocorre no princípio do controle completo) pela sua própria subsunção. Apesar disso, o controle judicial, nesse caso no qual ele é excepcionalmente reduzido, ainda é bastante intenso. Ele vai consideravelmente além de um controle discricionário segundo o antigo mode-lo de “détournement de pouvoir” ou de um mero “controle de evidência”. De fato, observa-se uma intensificação lenta dos controles judiciais em outras or-dens jurídicas europeias. No entanto, a intensidade do controle alemão (ainda) é o “número um”. Apesar disso, com base em nossas experiências, a situação não chegou ao ponto de deixar a Administração Pública “paralisada”. O con-trole judicial, na verdade, fortaleceu a legitimidade da Administração Pública.

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V – O DESAFIO DOS “CONFLITOS BASEADOS EM INFORMAÇÃO”

Na última parte de minha palestra, quero abordar o tema como os tri-bunais administrativos são desafiados por um tipo especial de litígio entre a Administração Pública e os cidadãos o qual eu chamo de “conflito baseado em informação”.

v.1 o que São conflItoS bASeAdoS em InformAção?Em conflitos dessa natureza, não está em jogo (ou pelo menos não em

primeira linha) a decisão sobre o mérito da causa da Administração Pública, mas sim como a Administração Pública lida com informações. Portanto, a questão não é se um alvará de construção deve ser emitido, uma subvenção concedida ou uma proibição policial suspendida. As questões que de fato importam é se, por exemplo, a Administração Pública pode apurar determinadas informações, se ela pode encaminhar informações a terceiros ou se ela deve permitir o acesso às suas informações. A proteção de dados pessoais, a proteção de segredos em-presariais e de Estado, freedom of information, naming and shaming são tópicos que caracterizam esse tipo de conflito.

Do ponto de vista sistemático, conflitos baseados em informação são ob-jeto de um “direito administrativo da informação”, cuja crescente relevância para todo o direito administrativo constitucionalizado foi corretamente definida há pouco tempo15. Trata-se de uma reação ao especial potencial de controle e ao especial potencial de risco que informações têm. Assim que as informa-ções são levantadas pela Administração Pública e, sobretudo, quando estas são encaminhadas a terceiros pela Administração Pública, é praticamente impos-sível recuperar essas informações. Os conflitos baseados em informação são, além disso, frequentemente conflitos “multipolares”, nos quais estão perante a Administração Pública duas pessoas físicas que reivindicam posições jurídicas contrárias.

Em respeito a isso tudo, comentaremos, a seguir, somente um pequeno recorte. A pergunta a ser levantada é se o direito processual administrativo e os seus instrumentos são adequados para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva em conflitos baseados em informação.

v.2 o problemA de umA tutelA JurISdIcIonAl ImedIAtA

A primeira pergunta é: a tutela jurisdicional pode ser obtida a tempo? Isso parece ser duvidoso em duas constelações:

15 Agora resumidamente Ino Augsberg, Informationsverwaltungsrecht, 2014; assim como Vesting, em: Hoffmann- -Riem/Schmidt-Aßmann/Voßkuhle (Org.), Grundlagen des Verwaltungsrechts, v. II, § 20; antigamente já Schmidt-Aßmann, Das Allgemeine Verwaltungsrecht als Ordnungsidee (FN 7), capítulo 6, notas 3 ss. com outras exposições.

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a) “A Administração Pública não deve simplesmente partir para o ato”

Chamarei o primeiro destes grupos de “A Administração Pública parte simplesmente para o ato”. Essa formulação remete a Otto Mayer, chamado fre-quentemente de o “pai” do direito administrativo alemão. Quando Mayer ela-borou o seu direito administrativo de Estado de Direito16, ele mostrou o quanto é importante que a Administração Pública, antes de intervir em direitos dos ci-dadãos, decrete primeiramente uma decisão que tenha uma forma jurídica fixa e que deva ser comunicada à pessoa envolvida (destinatário). O resultado desta construção é o “ato administrativo” que somente pode ser imposto compulso-riamente contra a pessoa em questão em uma segunda etapa.

O ato administrativo ainda hoje é parte central da prática administrativa. A maneira como a tutela jurisdicional efetiva pode ser obtida contra ele está detalhadamente regulada no direito administrativo: por meio de recurso e de ação de impugnação, os quais, via de regra, têm um efeito suspensivo, impedin-do dessa forma a execução compulsória17. Deve-se exigir que a Administração Pública basicamente também ali onde ela não quer ordenar ou proibir nada à pessoa em questão, mas sim se valer de seus direitos por meio de coleta de informações, emita antes uma decisão formal, isto é, um ato administrativo para que a pessoa em questão tenha a chance de se posicionar contra ele. O mesmo se aplica a casos em que a Administração Pública quer repassar dados pessoais ou empresariais ou quer, por exemplo, publicar “informações de consumido-res” na internet.

Nos casos em que essa via não pode ser eleita, ou seja, quando uma ação de impugnação não é admissível, é necessário que o direito processual preveja outros tipos de ações. O Direito alemão dispõe de ação de cessação e de ação declaratória. Ambas as ações também são admissíveis como ações cautelares. Porém, diferente da ação de impugnação, elas não têm efeito suspensivo. O demandante precisa solicitar ao tribunal uma medida provisória. Os tribunais têm a obrigação de conceder generosamente essa forma da tutela jurisdicional provisória. Os danos que podem ocorrer devido à atividade de informação da Administração Pública são grandes, pois, uma vez que informações se tornaram públicas, estas normalmente não podem ser mais removidas.

16 Mayer, Deutsches Verwaltungsrecht, 2 v., 1. edição, 1895. Sobre Mayer em detalhe Stolleis, Geschichte des Öffentlichen Rechts, v. II, 403 ss.

17 Muitas vezes, a Administração Pública tem até a obrigação de juntar ao ato administrativo uma instrução de como se pode obter tutela jurisdicional contra ele, como, por exemplo, para atos administrativos de autoridades federais no § 37, alínea 6, Lei do Procedimento Administrativo.

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b) Levantamentos secretos de informação: “reserva de jurisdição”

Mais difícil ainda é uma tutela jurisdicional efetiva perante informações as quais a Administração Pública apura secretamente, utilizando, para isso, meios eletrônicos. Mesmo em um Estado de Direito, não há como renunciar totalmente a esse tipo de ação estatal secreta, por exemplo, como no combate a crimes graves. Especialmente, em virtude do combate ao terrorismo internacio-nal, o legislador parlamentar proveu a Administração Pública de competências de, em casos extremos, decretar o monitoramento eletrônico de residências, o que representa uma grave infração contra o direito fundamental da não violação da esfera privada18. Estabeleceu-se que a Administração Pública, antes de co-meter tais infrações, precisa da autorização do juiz19. Sem uma decisão judicial, a Administração Pública somente pode agir por “perigo da demora”.

Esta chamada “reserva de jurisdição” representa uma forma de tutela ju-risdicional preventiva. A prática mostra, porém, que os juízes competentes não examinam suficientemente o caso e que estes talvez até se identifiquem muito rapidamente com os interesses da Administração Pública. Tais competências especiais são sempre um problema. As práticas com tribunais secretos na con-traespionagem dos EuA reiteram isso com mais veemência ainda. Por isso, hoje em dia, reconhece-se que a reserva de jurisdição é apenas uma primeira etapa de uma tutela jurisdicional efetiva. Assim que não houver mais uma razão para manter o levantamento de informação sigiloso, a Administração Pública tem o dever de informar a pessoa em questão. Ela deve lhe dar a possibilidade de in-terpor ação perante os tribunais administrativos de que o levantamento sigiloso da informação foi ilegal. Essa ação pode ser seguida de ações de indenização e de extinção ou de retificação das informações apuradas.

v.3 o trAtAmento de InformAçõeS SIgIloSAS no proceSSo AdmInIStrAtIvo: proceSSo A portAS fechAdAS

Gostaria de discutir brevemente um segundo problema insistente em re-lação aos conflitos baseados em informação: como o tribunal deve proceder quando a Administração Pública em um processo apresenta como fundamenta-ção que determinadas informações representam um segredo de Estado? Antiga-mente, bastava que a autoridade provasse ao tribunal as suas motivações para essa afirmação; ela não precisava apresentar os respectivos autos ao tribunal. O Supremo Tribunal Federal alemão decidiu, no entanto, que isso negava aos demandantes uma tutela jurisdicional efetiva. Por meio de uma alteração no

18 A Lei Fundamental foi complementada com uma emenda constitucional, art. 13, alínea 3-6, com a maioria requerida.

19 Neste caso, a competência não recai sobre os tribunais administrativos, mas sim sobre os tribunais ordinários, que também são competentes, por exemplo, para as decisões sobre a decretação de prisão (art. 104, GG).

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direito processual, teve que ser introduzido um processo especial a portas fe-chadas: nesse processo, a Administração Pública tem que apresentar todos os seus autos a um senado especial do tribunal que deve manter sigilo absoluto. Este decide se realmente há um sigilo a ser protegido sem que outras partes consultem os autos.

– Se a proteção de sigilo for negada, a Administração Pública terá que comunicar ao tribunal do processo as informações, e todas as partes poderão consultar os autos.

– Se a proteção de sigilo for reconhecida como de direito, o tribunal do processo não terá conhecimento das informações em questão. O tribunal do processo deve então, de acordo com as regras gerais, decidir sobre a distribuição do ônus da prova no processo adminis-trativo.

Hoje em dia é discutível se essa regulamentação garante uma tutela juris-dicional efetiva ou se infringe a Constituição. Essa disputa é travada no âmbito da jurisdição e das ciências jurídicas administrativas20. Soluções adequadas so-mente serão encontradas quando ambos os lados contribuírem para isso. Isso vale para o tema dos conflitos baseados em informação; sim, isso se aplica a todos os desafios modernos com os quais os tribunais administrativos se veem confrontados.

VI – CONCLuSÃO: A RELAÇÃO COMPLEMENTAR ENTRE A juRISDIÇÃO ADMINISTRATIVA E AS CIêNCIAS juRÍDICAS ADMINISTRATIVAS: DOGMáTICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Volto a retomar agora no fim o tema que comentei introdutoriamente o qual tem especial importância para mim: a relação entre a jurisdição adminis-trativa e as ciências jurídicas administrativas. A relação deve ser de boa coope-ração a qual foi elaborada complementarmente21. A ciência não deve se mo-vimentar sozinha em divagações teóricas abstratas. Contudo, ela também não deve apenas apresentar e comentar o Judiciário por escrito. Antes de mais nada, ela deve de fato analisá-lo e classificá-lo em linhas de evolução, assim como transmitir a orientação. Incluídos estão também os conhecimentos da história do direito e do direito comparado. Da mesma forma, fazem parte a intuição, a inovação e a força para a formação de um sistema.

20 Exposições sobre o assunto em Schoch, em: Hoffmann-Riem/Schmidt-Aßmann/Voßkuhle (Org.), Grundlagen des Verwaltungsrechts, v. III, § 50, número de margem 245 ss.

21 Nesse contexto, do ponto de vista prático, parece ser importante uma interação de funcionários: juízes são muitas vezes docentes contratados ou professores honorários em Faculdades de Direito e têm dessa forma participação na doutrina acadêmica. Não raras vezes, professores de Faculdades de Direito são juízes em tribunais superiores; o exercício da advocacia não lhes é permitido.

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O fórum de discussão ideal entre ambos, entre as ciências jurídicas ad-ministrativas e a jurisdição administrativa, é por isso uma boa dogmática do di-reito administrativo22. uma boa dogmática une estabilidade e flexibilidade. Ela é uma tarefa comunitária da qual a legislação e a prática administrativa partici-pam. Mas os agentes principais são e permanecem sendo as ciências jurídicas administrativas e a jurisdição administrativa.

22 Schmidt-Aßmann, Verwaltungsrechtliche Dogmatik, 2013.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Por Um Meio Ambiente Equilibrado

3091

Supremo Tribunal Federal08.05.2003 Tribunal PlenoAção Direta de Inconstitucionalidade nº 2.656‑9 São PauloRelator: Min. Maurício CorrêaRequerente: Governador do Estado de GoiásAdvogados: PGE/GO – Bruno Bizerra de Oliveira e outroRequerido: Governador do Estado de São PauloRequerida: Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo

ementA

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITuCIONALIDADE – LEI PAuLISTA – PROIBIÇÃO DE IMPORTAÇÃO, ExTRAÇÃO, BENEFICIAMENTO, COMERCIALIZAÇÃO, FABRICAÇÃO E INSTALAÇÃO DE PRODuTOS CONTENDO quALquER TIPO DE AMIANTO – GOVERNADOR DO ESTADO DE GOIáS – LEGITIMIDADE ATIVA – INVASÃO DE COMPETêNCIA DA uNIÃO

1. Lei editada pelo Governo do Estado de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Governador do Estado de Goiás. Amianto crisotila. Restrições à sua comercialização impos-ta pela legislação paulista, com evidentes reflexos na economia de Goiás, Estado onde está localizada a maior reserva natural do minério. Legitimidade ativa do Governador de Goiás para iniciar o processo de controle concentrado de constitucionalidade e pertinência temática.

2. Comercialização e extração de amianto. Vedação prevista na le-gislação do Estado de São Paulo. Comércio exterior, minas e recursos minerais. Legislação. Matéria de competência da união (CF, art. 22, VIII e XIII). Invasão de competência legislativa pelo Estado-membro. Inconstitucionalidade.

3. Produção e consumo de produtos que utilizam amianto crisotila. Competência concorrente dos entes federados. Existência de norma federal em vigor a regulamentar o tema (Lei nº 9.055/1995). Con-sequência. Vício formal da lei paulista, por ser apenas de natureza

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60 �������������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

supletiva (CF, art. 24, §§ 1º e 4º) a competência estadual para editar normas gerais sobre a matéria.

4. Proteção e defesa da saúde pública e meio ambiente. Questão de interesse nacional. Legitimidade da regulamentação geral fixada no âmbito federal. Ausência de justificativa para tratamento particular e diferenciado pelo Estado de São Paulo.

5. Rotulagem com informações preventivas a respeito dos produtos que contenham amianto. Competência da união para legislar sobre comércio interestadual (CF, art. 22, VIII). Extrapolação da competên-cia concorrente prevista no inciso V do art. 24 da Carta da República, por haver norma federal regulando a questão.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros do Su-premo Tribunal Federal, em Sessão Plenária, na conformidade da ata do julga-mento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, julgar parcialmente procedente o pedido formulado na inicial da ação para declarar a inconstitucio-nalidade dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 7º da Lei nº 10.813, de 24 de maio de 2001, do Estado de São Paulo, assentando a harmonia, com a Carta da República, do art. 8º.

Brasília, 08 de maio de 2003.

Marco Aurélio – Presidente

Maurício Corrêa – Relator

relAtórIo

O Senhor Ministro Maurício Corrêa: O Governador do Estado de Goiás, nos termos do art. 103, inciso V, da Carta Federal, propõe ação direta de in-constitucionalidade dos arts. 1º a 8º da Lei nº 10.813, de 24 de maio de 2001, do Estado de São Paulo, cujo teor é o seguinte:

“Art. 1º Ficam proibidos, a partir de 12 de janeiro de 2005, a importação, a extra-ção, o beneficiamento, a comercialização, a fabricação e a instalação, no Estado de São Paulo, de produtos ou materiais contendo qualquer tipo de amianto, sob qualquer forma.

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Art. 2º Após 12 (doze) meses da data de publicação desta lei, ficam proibidas a fa-bricação, a comercialização e a instalação, no Estado de São Paulo, de materiais de fricção e outros materiais automotivos contendo amianto.

Art. 3º A partir da data da publicação desta lei, ficam proibidas a fabricação, a comercialização e a instalação, no Estado de São Paulo, de equipamentos de proteção individual e artefatos de uso infantil, tais como brinquedos, equipamen-tos destinados a parques infanto-juvenis, materiais escolares e giz de cera, que contenham amianto ou materiais que possam estar contaminados por amianto.

Art. 4º Os órgãos da administração direta e indireta do Estado de São Paulo fi-cam proibidos de instalar, a partir da publicação desta lei, em suas edificações e dependências, assim como adquirir, materiais produzidos com qualquer tipo de amianto e produtos que contenham este mineral.

Parágrafo único. Os serviços conveniados, contratados ou terceirizados ficam enquadrados na proibição estabelecida no caput deste artigo, bem como os equi-pamentos privados de uso público, como estádios esportivos, teatros, cinemas, escolas, creches e hospitais.

Art. 5º Até que se elimine definitivamente o uso do amianto, nos ambientes de trabalho onde ocorra extração ou produção de materiais que contenham o mi-neral, não deverá·ser ultrapassada a concentração de 0,1 (um décimo) de fibras de amianto por centímetro cúbico, devendo ocorrer, no mínimo a cada 6 (seis) meses, avaliação ambiental, de acordo com o Código Sanitário do Estado de São Paulo, Lei nº 10.083, de 23 de setembro de 1998, e demais dispositivos legais em vigor.

Art. 6º As empresas ou instituições, públicas e privadas, responsáveis pela exe-cução de obras de demolição ou remoção de material que contenha amianto deverão respeitar as normas técnicas previstas no Código Sanitário do Estado de São Paulo, Lei nº 10.083, de 23 de setembro de 1998, e a Lei nº 9.505, de 11 de março de 1997, no que diz respeito às medidas de proteção da comunidade e dos trabalhadores envolvidos na obra, contra a exposição à poeira que contenha amianto.

§ 1º A remoção de amianto do tipo anfibólio, que tenha sido aplicado por jate-amento, spray ou qualquer outro processo em que o material esteja exposto e seja friável, deverá ocorrer no menor prazo possível, após a análise do impacto dos riscos do amianto e do plano de demolição previsto no caput deste artigo, observando-se os limites de concentração estabelecidos no art. 5º desta lei.

§ 2º Os uniformes utilizados pelos trabalhadores na execução de atividades com amianto deverão ser adequadamente lavados pelo empregador.

Art. 7º No período compreendido entre a data da publicação desta lei e 1º de janeiro de 2005, as empresas que comercializam ou fabricam produtos que con-tenham amianto ficam obrigadas a informar nas embalagens dos seus produtos, com destaque, a existência do mineral em seu produto e que a sua inalação pode

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causar câncer, sem prejuízo das disposições constantes·das legislações federal, estadual e municipal no que diz respeito à rotulagem preventiva.

Art. 8º Tanto a desobediência ao disposto nesta lei como sua inobservância são consideradas infrações sanitárias e estarão sujeitas às penalidades estabeleci-das no Título IV, do Livro II, do Código Sanitário do Estado de São Paulo, Lei nº 10.083, de 23 de setembro de 1998.

Art. 9º Fica o Poder Executivo autorizado a criar, por intermédio do Sistema Úni-co de Saúde (SuS), nos Centros de Referência em Saúde do Trabalhador e demais unidades de saúde, programa para desenvolver ações de vigilância em saúde e assistência especializada, que vise à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento das doenças decorrentes do trabalho com o amianto.

Parágrafo único. O programa compreenderá habilitação técnica dos profissionais e equipamentos necessários para o desenvolvimento das ações referidas no caput deste artigo.

Art. 10. Fica instituída a notificação obrigatória à autoridade local do SuS, pela rede pública e privada de assistência à saúde, de todos os casos de doenças de-correntes da exposição ao amianto.

Art. 11. As despesas decorrentes da aplicação desta lei correrão à conta das do-tações orçamentárias próprias.

Art. 12. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as dis-posições em contrário.”

2. Esclarece o requerente que no Município de Minaçu, Estado de Goiás, está localizada uma das maiores minas de amianto crisotila do mundo, única em operação no Brasil, “cuja produção, em grande parte, é destinada a abaste-cer estabelecimentos industriais localizados no Estado de São Paulo”, sendo res-ponsável por importante parcela de arrecadação tributária, aumento de divisas e geração de empregos na região. Daí o legítimo interesse que tem na questão, justificando-se a pertinência temática para a ação.

3. Tece considerações acerca das espécies de amianto existentes, asseve-rando que o grupo desse mineral denominado “crisotila” oferece menos riscos à saúde humana em relação aos demais, chamados anfibólios. Por essa razão, ao contrário do que se deu com estes últimos, a exploração do primeiro não foi obstada pela·Lei Federal nº 9.055/19951.

1 Art. 1º É vedada em todo o território nacional:

I – a extração, produção, industrialização, utilização e comercialização da actinolita, amosita (asbesto marrom), antofilita, crocidolita (amianto azul) e da tremolita, variedades minerais pertencentes ao grupo dos anfibólios, bem como dos produtos que contenham estas substâncias minerais;

[...]

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4. Aduz que o ato legislativo estadual afronta as regras constitucionais de competência legislativa, invadindo esfera de atuação privativa da união, já que, na forma dos incisos I e XII do art. 22 da Carta de 1988, compete apenas à união legislar sobre direito, segurança e medicina do trabalho, jazidas, minas e outros recursos minerais, bem como disciplinar normas gerais sobre produção e consumo, proteção do meio ambiente e defesa da saúde (CF, art. 24, V, VI e XII).

5. Por isso mesmo, a lei paulista, ao proibir a “importação, extração, beneficiamento, comercialização, fabricação e a instalação, no Estado de São Paulo, de produtos ou materiais contendo qualquer tipo de amianto” teria extra-polado sua competência constitucional, em dissonância com o pacto federativo de que cuidam os arts. 1º e 18 da Constituição Federal.

6. Alega, ainda, que a referida norma ofende o princípio da proporcio-nalidade, dado que as imposições ditadas são exageradas e desprovidas de ra-zoabilidade, porquanto obstam a utilização do mineral que, conforme estudos científicos, não oferece maiores riscos de contaminação, limitando, assim, o exercício da livre iniciativa no Estado de São Paulo.

7. Requer a suspensão cautelar dos dispositivos legais impugnados, com a declaração, ao final, de sua inconstitucionalidade.

8. A Assembleia Legislativa prestou informações nas quais salienta que a lei em exame teve por móvel a preservação da saúde pública, de tal sorte que a população do Estado não mais fique sujeita aos riscos de contaminação pro-venientes do uso do produto, estando, pois, alicerçada na competência concor-rente a que alude o inciso XII do art. 24 da Constituição Federal (fls. 115/127).

9. Instado a manifestar-se, o Governador do Estado de São Paulo con-clui pela efetiva inconstitucionalidade das disposições, visto que não observado o princípio da repartição de competências entre os entes federados, além da ausência de fundamento científico suficiente para justificar as graves medidas adotadas (fls. 273/277) .

10. Em face da relevância da questão, determinei, na forma do art. 12 da Lei nº 9.868/1999, a oitiva sucessiva dos agentes públicos ali referidos (fl. 279).

Art. 2º O asbesto/amianto da variedade crisotila (asbesto branco), do grupo dos minerais das serpentinas, e as demais fibras, naturais e artificiais de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim, serão extraídas, industrializadas, utilizadas e comercializadas em consonância com as disposições desta Lei.

Parágrafo único. Para os efeitos desta Lei, consideram-se fibras naturais e artificiais as comprovadamente nocivas à saúde humana.

Art. 3º Ficam mantidas as atuais normas relativas ao asbesto/amianto da variedade crisotila e às fibras naturais e artificiais referidas no artigo anterior, contidas na legislação de segurança, higiene e medicina do trabalho, nos acordos internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil e nos acordos assinados entre os sindicatos de trabalhadores e os seus empregadores, atualizadas sempre que necessário.

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11. O Advogado-Geral da união José Bonifácio Borges de Andrada faz menção ao decidido por esta Corte em caso semelhante, especificamente na ADIMC 2396, Relatora Ministra Ellen Gracie, quando foram suspensos disposi-tivos de lei do Estado do Mato Grosso do Sul que versava sobre o mesmo tema (fls. 281/288).

12. O Procurador-Geral da República Professor Geraldo Brindeiro opina pela procedência da ação, visto que o legislador estadual, “ao dispor sobre normas gerais de comercialização de produtos à base de amianto, matéria dis-ciplinada por meio de lei federal” extrapolou “a competência legislativa com-plementar que lhe fora atribuída por meio do § 2º do art. 24 da Carta Magna, incorrendo, por via de consequência, em flagrante inconstitucionalidade for-mal” (fls. 294/300)

É o relatório, do qual deverão ser extraídas cópias para distribuição aos Senhores Ministros.

voto

O Senhor Ministro Maurício Corrêa (Relator): Reconheço a legitimidade ativa ad causam do requerente. Conforme demonstrado na inicial, a lei paulista produz evidentes reflexos na economia goiana, evidenciando a existência de pertinência temática. Nesse sentido é o entendimento do Tribunal manifesta-do na ADIMC 2157, Moreira Alves, DJ 07.12.2000, e na ADIMC 2396, Ellen Gracie, DJ 14.12.2001.

2. Como visto, a norma impugnada tem por objeto obstar todas as formas de utilização de amianto, de qualquer espécie, no âmbito do Estado de São Paulo. Proíbe a importação, a extração, o beneficiamento, a comercialização, a fabricação e a instalação de material ou produtos que contenham o referido mineral.

3. Nesses termos, legislou o ente federado sobre a obtenção de recursos minerais, sua produção e consumo, fundado na alegação de proteção à saúde pública. Considerando-se a existência de lei federal dispondo sobre o tema, merece prosperar a alegação de vício formal decorrente da invasão de compe-tência legislativa da união.

4. Com efeito, ao vedar a importação e extração de qualquer espécie de amianto no Estado, o art. 1º da lei paulista invadiu competência federal para le-gislar sobre comércio exterior, bem como acerca de minas e recursos minerais, que são bens da união (CF, arts. 20, IX, e 22, VIII e XII). Com relação às demais proibições, há clara disciplina quanto à produção e consumo de produtos que utilizam o referido mineral como matéria-prima, questões inseridas no âmbi-

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to da competência legislativa concorrente dos entes federados. Como existe norma de abrangência nacional em vigor dispondo sobre a matéria, torna-se supletiva a competência do Estado-membro para legislar a respeito do assunto.

5. Segundo o sistema concebido pelos §§ 1º a 4º do art. 24 da Constitui-ção, em tema de competência concorrente, à união incumbe o estabelecimento de normas gerais, restando aos Estados a atribuição de complementar as lacu-nas da normatização federal, consideradas as situações regionais específicas. Assim, salvo em caso de ausência de lei editada pela união, não podem os Estados disciplinar matérias revestidas de generalidade tal que importe invasão das atribuições reservadas apenas à união (CF, art. 24, § 1º). Conforme assevera Alexandre de Moraes, “uma vez editadas as normas gerais pela união, as nor-mas estaduais deverão ser particularizantes, no sentido de adaptação de princí-pios, bases, diretrizes e peculiaridades regionais (competência suplementar)”2.

6. No âmbito federal vigora a Lei nº 9.055, de. 01.06.1995, que “disci-plina a extração, industrialização, utilização, comercialização e transporte do asbesto/amianto e dos produtos que o contenham, bem como das fibras naturais e artificiais, de qualquer origem, utilizadas para o mesmo fim”, o que significa dizer que a união fixou as normas gerais relativas à produção e ao consumo de amianto, já consideradas, por óbvio, suas repercussões nas questões ligadas ao meio ambiente e à defesa da saúde pública, observando-se o interesse geral e nacional que decorre do tema.

7. A partir, pois, da interpretação sistemática dos §§ 3º e 4º do art. 24 da Carta da República, as normas estaduais porventura existentes e contrárias à legislação federal são consideradas ineficazes, assim como aquelas que dizem respeito a regras gerais.

8. No caso, é evidente que a lei paulista contraria a lei federal, pois esta última, longe de vedar o emprego do amianto “crisotila”, regula a forma ade-quada para sua legítima extração, industrialização, utilização e comercializa-ção. A situação implica, desde logo, a ilegalidade dos dispositivos em análise. Para fins de controle concentrado, no entanto, a questão de relevo é que a legislação local cuida de normas gerais sobre produção e consumo de amianto, o que afronta as regras de repartição da competência concorrente previstas no art. 24 da Constituição Federal.

9. Conforme asseverou o ilustre titular do Parquet, na hipótese “não se faz necessário o confronto de leis federal e estadual para se constatar a invasão da competência legislativa da união”, uma vez que, a despeito da existência da mencionada lei federal sobre o tema, o Estado-membro, “em descompasso com

2 Direito Constitucional. 10. ed., Atlas, p. 293.

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o texto constitucional, também estabelece normas gerais sobre comercialização de amianto” (fl. 299).

10. O Tribunal, em sede cautelar, examinou situação semelhante à pre-sente quando do julgamento da ADIMC 2396, Ellen, DJ 14.12.20013, relativa-mente à norma originária do Estado do Mato Grosso que dispõe sobre “fabrica-ção, ingresso, comercialização e estocagem de amianto ou produtos à base de amianto”.

11. Não há dúvida de que o art. 1º do ato em exame legislou sobre maté-ria reservada à união. Invadiu, pois, competência que não era sua.

12. Por outro lado, em tema de proteção e defesa da saúde pública e meio ambiente, a questão do uso de amianto não revela qualquer particulari-dade que justifique a exceção pretendida pelo Estado de São Paulo. Como se evidencia, trata-se de questão de interesse nacional, sendo legítima e cogente a regulamentação geral ditada pela união Federal.

3 EMENTA: 1. ADIn. Legitimidade ativa de Governador de Estado e pertinência temática.

Presente a necessidade de defesa de interesses do Estado, ante a perspectiva de que a lei impugnada venha a importar em fechamento de um mercado consumidor de produtos fabricados em seu território, com prejuízo à geração de empregos, ao desenvolvimento da economia local e à arrecadação tributária estadual, reconhece- -se a legitimidade ativa do Governador do Estado para a propositura de ADIn.

Posição mais abrangente manifestada pelo Min. Sepúlveda Pertence.

2. Caráter interventivo da ação não reconhecido.

3. Justificação de urgência na consideração de prejuízo iminente à atividade produtiva que ocupa todo um município goiano e representa ponderável fonte de arrecadação tributária estadual.

4. ADIn. Cognição aberta. O Tribunal não está adstrito aos fundamentos invocados pelo autor, podendo declarar a inconstitucionalidade por fundamentos diversos dos expendidos na inicial.

5. Repartição das competências legislativas. CF, arts. 22 e 24. Competência concorrente dos Estados- -membros. Produção e consumo (CF, art. 24, V); proteção de meio ambiente (CF, art. 24, VI); e proteção e defesa da saúde (CF, art. 24, XII).

No sistema da CF/1988, como no das anteriores, a competência legislativa geral pertence à União Federal. A residual ou implícita cabe aos Estados que “podem legislar sobre as matérias que não estão reservadas à União e que não digam respeito à administração própria dos Municípios, no que concerne ao seu peculiar interesse” (Representação nº 1.153-4/RS, voto do Min. Moreira Alves).

O espaço de possibilidade de regramento pela legislação estadual, em casos de competência concorrente abre-se: (1) toda vez que não haja legislação federal, quando então, mesmo sobre princípios gerais, poderá a legislação estadual dispor; e (2) quando, existente legislação federal que fixe os princípios gerais, caiba complementação ou suplementação para o preenchimento de lacunas, para aquilo que não corresponda à generalidade; ou ainda, para a definição de peculiaridades regionais. Precedentes.

6. Da legislação estadual, por seu caráter suplementar, se espera que preencha vazios ou lacunas deixados pela legislação federal, e não que venha dispor em diametral objeção a esta.

Norma estadual que proíbe a fabricação, ingresso, comercialização e estocagem de amianto ou produtos à base de amianto está em flagrante contraste com as disposições da Lei Federal nº 9.055/1995 que expressamente autoriza, nos seus termos, a extração, industrialização, utilização e comercialização da crisotila.

7. Inconstitucionalidade aparente que autoriza o deferimento da medida cautelar.

8. Medida liminar parcialmente deferida para suspender a eficácia do art. 1º, §§ 1º, 2º e 3º, do art. 2º, do art. 3º, §§ 1º e 2º e do parágrafo único do art. 5º todos da Lei nº 2.210/2001, do Estado do Mato Grosso do Sul, até julgamento final da presente ação declaratória de inconstitucionalidade.

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13. Os arts. 2º e 3º, ao vedarem a fabricação, a comercialização e a instalação, no Estado de São Paulo, “de materiais de fricção e outros materiais automotivos contendo amianto” bem como de “equipamentos de proteção indi-vidual e artefatos de uso infantil, tais como brinquedos, equipamentos destina-dos a parques infanto-juvenis, materiais escolares e giz de cera, que contenham amianto ou materiais que possam estar contaminados por amianto”, traduzem, por igual, normas gerais sobre o tema, não ultrapassando a aferição formal de constitucionalidade.

14. Igual é a disposição do art. 4º4, que visa obstar que os órgãos públicos estaduais utilizem e adquiram produtos ou materiais que contenham qualquer tipo de amianto, estendendo essa proibição a toda atividade privada que tenha convênio com o governo ou que desenvolva atividades de uso público. Além da generalidade do conteúdo normativo, noto, ainda, que a lei estadual é de iniciativa parlamentar, incidindo, no ponto, também em afronta ao princípio da separação dos Poderes.

15. A norma legal, ao impor condição de procedibilidade aos órgãos da administração pública direta e indireta do Estado, invade área de atuação do Chefe do Poder Executivo, a quem cabe a direção e organização e funcio-namento da administração estadual (CF, art. 84, II e VI, a). Nesse mesmo sen-tido o assentado nas ADIMCs 1448, de que sou Relator, DJ 02.08.1996, e 821, Gallotti, DJ 07.05.1993.

16. O art. 5º5, além de ratificar a intenção legislativa de eliminar a utili-zação do amianto, impõe condições para extração do mineral e a produção de material dele derivado, o que, pelas razões antes referidas, implicam a incons-titucionalidade do dispositivo.

17. Com relação ao art. 6º e seus dois parágrafos, no entanto, não vislum-bro qualquer inconstitucionalidade. Relembro seu teor:

Art. 6º As empresas ou instituições, públicas e privadas, responsáveis pela exe-cução de obras de demolição ou remoção de material que contenha amianto deverão respeitar as normas técnicas previstas no Código Sanitário do Estado de São Paulo, Lei nº 10.083, de 23 de setembro de 1998, e a Lei nº 9.505, de 11 de

4 Art. 4º Os órgãos da administração direta e indireta do Estado de São Paulo ficam proibidos de instalar, a partir da publicação desta lei, em suas edificações e dependências, assim como adquirir, materiais produzidos com qualquer tipo de amianto e produtos que contenham este mineral.

Parágrafo único. Os serviços conveniados, contratados ou terceirizados ficam enquadrados na proibição estabelecida no caput deste artigo, bem como os equipamentos privados de uso público, como estádios esportivos, teatros, cinemas, escolas, creches e hospitais.

5 Art. 5º Até que se elimine definitivamente o uso do amianto, nos ambientes de trabalho onde ocorra extração ou produção de materiais que contenham o mineral, não deverá ser ultrapassada a concentração de 0,1 (um décimo) de fibras de amianto por centímetro cúbico, devendo ocorrer, no mínimo a cada 6 (seis) meses, avaliação ambiental, de acordo com o Código Sanitário do Estado de São Paulo, Lei nº 10.083, de 23 de setembro de 1998, e demais dispositivos legais em vigor.

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março de 1997, no que diz respeito às medidas de proteção da comunidade e dos trabalhadores envolvidos na obra contra a exposição à poeira que contenha amianto.

§ 1º A remoção de amianto do tipo anfibólio, que tenha sido aplicado por jate-amento, spray ou qualquer outro processo em que o material esteja exposto e seja friável, deverá ocorrer no menor prazo possível, após a análise do impacto dos riscos do amianto e do plano de demolição previsto no caput deste artigo, observando-se os limites de concentração estabelecidos no art. 5º desta lei.

§ 2º Os uniformes utilizados pelos trabalhadores na execução de atividades com amianto deverão ser adequadamente lavados pelo empregador.

18. Esse dispositivo apenas reforça a necessidade de observância de ou-tras normas legais, tais como o Código Sanitário do Estado de São Paulo e a já mencionada lei federal que estabelece as regras gerais sobre o uso do amianto – Lei nº 9.505/1997 (rectius 9.055/1995). O § 1º fixa critério para remoção da espécie de amianto proibida pela lei federal, sendo que eventual violação dessa última escapa aos limites do controle concentrado de inconstitucionalidade.

Inexiste, por outro lado, qualquer vício no § 2º, na medida em que ape-nas obriga a lavagem dos uniformes dos trabalhadores que manipulam o amian-to, sendo correta a cautela de ordem sanitária. Improcedente, nesse particular, a ação.

19. Diz o art. 7º da Lei:

“Art. 7º No período compreendido entre a data da publicação desta lei e 1º de janeiro de 2005, as empresas que comercializam ou fabricam produtos que con-tenham amianto ficam obrigadas a informar nas embalagens dos seus produtos, com destaque, a existência do mineral em seu produto e que a sua inalação pode causar câncer, sem prejuízo das disposições constantes das legislações federal, estadual e municipal no que diz respeito à rotulagem preventiva.”

É notória a existência, no comércio interestadual, de produtos que con-tenham amianto, circunstância, aliás, que ensejou a proposição da presente medida por outro ente federado. Nesse cenário, ao impor aos comerciantes, inclusive de outros Estados, a aposição de rotulagem dita preventiva, o Estado de São Paulo cuidou de tema da competência da união (CF, art. 22, VIII). A propósito, em situação análoga, o Tribunal entendeu relevantes os argumentos para suspensão de norma da mesma espécie. Eis o teor da ementa, verbis:

“EMENTA: OBRIGATORIEDADE DE INFORMAÇÕES, NAS EMBALAGENS DE PRODuTOS ALIMENTÍCIOS, COMERCIALIZADOS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (LEI FLuMINENSE Nº 1.939, DE 1991, ART. 2º, ITENS II, III E IV) –·CAuTELAR DEFERIDA EM FACE DA uRGÊNCIA DA MEDIDA E DA RELEVÂN-CIA DA FuNDAMENTAÇÃO JuRÍDICA DO PEDIDO (ARTS. 24, V E 22, VIII, DA CONSTITuIÇÃO FEDERAL).” (ADIMC 750, Gallotti, DJ 11.09.1992)

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20. Sob outro prisma, conforme bem frisou o Governador paulista (fl. 277), há norma federal em vigor que estabelece os dados e informações que devem constar dos rótulos de produtos contendo amianto fabricados ou comercializados no território nacional (Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho nº 15, anexo 12, item 9 – MTb/NR 156), o que afasta a possibilidade de atuação residual do Estado-membro quanto ao tema específi-co, havendo inequívoca extrapolação da competência concorrente a que alude o inciso V do art. 24 da Constituição Federal.

21. Finalmente, com relação ao art. 8º, não vislumbro qualquer razão para declarar a sua inconstitucionalidade, uma vez julgados procedentes, nesta assentada, os preceitos anteriores. Diz a disposição:

“Art. 8º Tanto a desobediência ao disposto nesta lei como sua inobservância são consideradas infrações sanitárias e estarão sujeitas às penalidades estabele-cidas no Título IV, do Livro II, do Código Sanitário do Estado de São Paulo, Lei nº 10.083, de 23 de setembro de 1998.”

Como se vê, o dispositivo apenas remete ao Código Sanitário paulista a inobservância dos ditames da lei, cujos arts. 6º e 9º, 10 e 11, esses últimos aqui não impugnados, remanescem incólumes.

Ante essas circunstâncias, julgo procedente em parte a ação, para decla-rar a inconstitucionalidade dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 7º da Lei nº 10.813, de 24.05.2001, do Estado de São Paulo.

voto

O Senhor Ministro Marco Aurélio (Presidente) – Na espécie, acompanho também o nobre relator, tendo em conta a ausência de ataque ao art. 6º da lei em análise.

***

plenárIo eXtrAto de AtA

Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.656-9

6 9. Será de responsabilidade dos fornecedores de asbesto, assim como dos fabricantes e fornecedores de produtos contendo asbesto, a rotulagem adequada e suficiente, de maneira facilmente compreensível pelos trabalhadores e usuários interessados. (115.025-1/13)

9.1 A rotulagem deverá conter, conforme modelo Anexo II: (115.026-0/13) – a letra minúscula “a” ocupando 40% (quarenta por cento) da área total da etiqueta;

– caracteres: “Atenção: contém amianto”, “Respirar poeira de amianto é prejudicial à saúde” e “Evite risco: siga as instruções de uso”.

9.2 A rotulagem deverá, sempre que possível, ser impressa no produto, em cor contrastante, de forma visível e legível. (115.027-8/13).

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70 �������������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Proced.: São Paulo

Relator: Min. Maurício Corrêa

Reqte.: Governador do Estado de Goiás

Advdos.: PGE/GO – Bruno Bizerra de Oliveira e outro

Reqdo.: Governador do Estado de São Paulo

Reqda.: Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo

Decisão: O Tribunal, por unanimidade, julgou parcialmente procedente o pedido formulado na inicial da ação para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 7º da Lei nº 10.813, de 24 de maio de 2001, do Estado de São Paulo, assentando a harmonia, com a Carta da República, do art. 8º. Votou o Presidente, o Senhor Ministro Marco Aurélio. Plenário, 08.05.2003.

Presidência do Senhor Ministro Marco Aurélio. Presentes à sessão os Se-nhores Ministros Sepúlveda Pertence, Celso de Mello, Carlos Velloso, Maurício Corrêa, Nelson Jobim, Ellen Gracie e Gilmar Mendes.

Procurador-Geral da República, Dr. Geraldo Brindeiro.

Luiz Tomimatsu Coordenador

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Assunto Especial – Ementário

Por Um Meio Ambiente Equilibrado

3092 – Constitucionalidade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol

“[...] Há perfeita compatibilidade entre meio ambiente e terras indígenas, ainda que estas envol-vam áreas de ‘conservação’ e ‘preservação’ ambiental. Essa compatibilidade é que autoriza a dupla afetação, sob a administração do competente órgão de defesa ambiental.” (STF – Pet 3.388 – Rel. Min. Ayres Britto – Julgamento em 19.03.2009 – Plenário – DJe de 01.07.2010)

3093 – Constitucionalidade do art. 36 da Lei Federal nº 9.985/2000 (SNUC)

“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 36 e seus §§ 1º, 2º e 3º da Lei nº 9.985, de 18.07.2000. Constitucionalidade da compensação devida pela implantação de empreendimentos de signifi-cativo impacto ambiental. Inconstitucionalidade parcial do § 1º do art. 36. O compartilhamento--compensação ambiental de que trata o art. 36 da Lei nº 9.985/2000 não ofende o princípio da legalidade, dado haver sido a própria lei que previu o modo de financiamento dos gastos com as unidades de conservação da natureza (Argumento referia-se ao princípio da reserva legal, no sentido de que somente lei em sentido estrito poderia impor a obrigação de compensação e não mero ato do poder executivo). De igual forma, não há violação ao princípio da separação dos poderes, por não se tratar de delegação do Poder Legislativo para o Executivo impor deveres aos administrados. Compete ao órgão licenciador fixar o quantum da compensação, de acordo com a compostura do impacto ambiental a ser dimensionado no relatório – EIA/Rima. O art. 36 da Lei nº 9.985/2000 densifica o princípio usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção partilhada da responsabilidade social pelos custos ambientais derivados da atividade econômi-ca. Inexistente desrespeito ao postulado da razoabilidade. Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida am-plamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamen-te garantido em sua higidez. Inconstitucionalidade da expressão ‘não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento’, no § 1º do art. 36 da Lei nº 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindi-bilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento.” (STF – ADI 3.378 – Plená-rio – Rel. Min. Ayres Britto – Julgamento em 14.06.2008 – DJe de 20.06.2008)

3094 – Decisões que afastam princípio fortemente defendido pela doutrina (in dubio pro natura), que diz que no conflito entre normas de diferentes entes federativos prevalece a que garante a maior proteção ao meio ambiente

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.210/2001, do Estado de Mato Grosso do Sul. Ofen-sa aos arts. 22, I e XII; 25, § 1º; 170, caput, II e IV; 1º; 18 e 5º, caput, II e LIV. Inexistência. Afronta à competência legislativa concorrente da união para editar normas gerais referentes à produção e consumo, à proteção do meio ambiente e controle da poluição e à proteção e defesa da saúde. Art. 24, V, VI e XII e §§ 1º e 2º da Constituição Federal. Não cabe a esta Corte dar a última palavra a respeito das propriedades técnico-científicas do elemento em questão e dos riscos de sua utili-zação para a saúde da população. Os estudos nesta seara prosseguem e suas conclusões deverão nortear as ações das autoridades sanitárias. Competência do Supremo Tribunal Federal circuns-crita à verificação da ocorrência de contraste inadmissível entre a lei em exame e o parâmetro constitucional. Sendo possível a este Supremo Tribunal, pelos fatos narrados na inicial, verificar a ocorrência de agressão a outros dispositivos constitucionais que não os indicados na inicial, verifica-se que ao determinar a proibição de fabricação, ingresso, comercialização e estocagem de

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72 �������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO

amianto ou de produtos à base de amianto, destinados à construção civil, o Estado do Mato Grosso do Sul excedeu a margem de competência concorrente que lhe é assegurada para legislar sobre produção e consumo (art. 24, V); proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI); e proteção e defesa da saúde (art. 24, XII). A Lei nº 9.055/1995 dispôs extensamente sobre todos os aspectos que dizem respeito à produção e aproveitamento industrial, transporte e comercialização do amianto crisotila. A legislação impugnada foge, e muito, do que corresponde à legislação su-plementar, da qual se espera que preencha vazios ou lacunas deixados pela legislação federal, não que venha a dispor em diametral objeção a esta. Compreensão que o Supremo Tribunal tem ma-nifestado quando se defronta com hipóteses de competência legislativa concorrente. Precedentes: ADI 903/MG-MC e ADI 1.980/PR-MC, ambas de relatoria do eminente Ministro Celso de Mello. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga parcialmente procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º e de seus §§ 1º, 2º e 3º, do art. 2º, do art. 3º e §§ 1º e 2º e do parágrafo único do art. 5º, todos da Lei nº 2.210/2001, do Estado do Mato Grosso do Sul.” (STF – ADI 2396 – Relª Min. Ellen Gracie – Tribunal Pleno – Julgado em 08.05.2003 – DJ 01.08.2003, p. 00100, Ement. v. 02117-34, p. 07204)

3095 – Declaração de inconstitucionalidade do art. 4º, caput e §§ 1º a 7º do Código Florestal (Lei Federal nº 4.771/1965)

“Meio ambiente. Direito à preservação de sua integridade (CF, art. 225). Prerrogativa qualificada por seu caráter de metaindividualidade. Direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) que consagra o postulado da solidariedade. Necessidade de impedir que a transgressão a esse direito faça irromper, no seio da coletividade, conflitos intergeneracionais. Espaços territoriais es-pecialmente protegidos (CF, art. 225, § 1º, III). Alteração e supressão do regime jurídico a eles pertinente. Medidas sujeitas ao princípio constitucional da reserva de lei. Supressão de vegetação em área de preservação permanente. Possibilidade de a administração pública, cumpridas as exi-gências legais, autorizar, licenciar ou permitir obras e/ou atividades nos espaços territoriais pro-tegidos, desde que respeitada, quanto a estes, a integridade dos atributos justificadores do regime de proteção especial. Relações entre economia (CF, art. 3º, II, c/c o art. 170, VI) e ecologia (CF, art. 225). Colisão de direitos fundamentais. Critérios de superação desse estado de tensão entre valores constitucionais relevantes. os direitos básicos da pessoa humana e as sucessivas gerações (fases ou dimensões) de direitos (RTJ 164/158, 160-161). A questão da precedência do direito à preservação do meio ambiente: uma limitação constitucional explícita à atividade econômica (CF, art. 170, VI). Decisão não referendada. Consequente indeferimento do pedido de medida cautelar. A preservação da integridade do meio ambiente: expressão constitucional de um direito funda-mental que assiste à generalidade das pessoas. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamen-te equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão, no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solida-riedade, que a todos se impõe, na proteção desse bem essencial de uso comum das pessoas em geral. Doutrina. A atividade econômica não pode ser exercida em desarmonia com os princípios destinados a tornar efetiva a proteção ao meio ambiente. A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������73

não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de cau-sar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A questão do desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II) e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF, art. 225): o princípio do desenvolvimento sustentável como fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia. O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, à invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não com-prometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações. O art. 4º do Código Florestal e a Medida Provisória nº 2.166-67/2001: um avanço expressivo na tutela das áreas de preservação permanente. A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24.08.2001, na parte em que introduziu signifi-cativas alterações no art. 4º do Código Florestal, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situa-ção de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequa-do e compatível com o Texto Constitucional, pelo diploma normativo em questão. Somente a alte-ração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva legal. É lícito ao Poder Público – qualquer que seja a dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (união, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF, art. 225, § 1º, III).” (STF – ADI 3540-1/DF-MC – Rel. Min. Celso de Melo – DJ de 03.02.2006)

3096 – Negou liminar em ADI contra lei de SP que proíbe qualquer forma de utilização de todo tipo de amianto (um tipo de mineral), inclusive o crisotila, que é expressamente autorizado por lei federal). Esse caso é paradigmático, pois noutros casos idênticos o STF concedeu liminar para suspender as leis estaduais. Ademais, é possível que o julga-mento do mérito declare a inconstitucionalidade da lei federal (sendo que o pedido é contra a lei estadual

“Competência normativa. Comércio. Na dicção da ilustrada maioria, em relação à qual guardo reservas, não há relevância em pedido de concessão de liminar, formulado em ação direta de inconstitucionalidade, visando à suspensão de lei local vedadora do comércio de certo produto, em que pese à existência de legislação federal viabilizando-o.” (STF – ADI 3937-MC – Tribunal Pleno – Rel. Min. Marco Aurélio – Julgado em 04.06.2008 – DJe-192 Divulg. 09.10.2008, Public. 10.10.2008 Ement. v. 02336-01, p. 00059)

3097 – Meio ambiente – produção com amianto – proibição

“Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei paulista. Proibição de importação, extração, beneficiamento, comercialização, fabricação e instalação de produtos contendo qualquer tipo de amianto. Governador do Estado de Goiás. Legitimidade ativa. Invasão de competência da união. 1. Lei editada pelo Governo do Estado de São Paulo. Ação direta de inconstitucionalidade pro-

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posta pelo Governador do Estado de Goiás. Amianto crisotila. Restrições à sua comercialização imposta pela legislação paulista, com evidentes reflexos na economia de Goiás, Estado onde está localizada a maior reserva natural do minério. Legitimidade ativa do Governador de Goiás para iniciar o processo de controle concentrado de constitucionalidade e pertinência temática. 2. Co-mercialização e extração de amianto. Vedação prevista na legislação do Estado de São Paulo. Comércio exterior, minas e recursos minerais. Legislação. Matéria de competência da união (CF, art. 22, VIII e XIII). Invasão de competência legislativa pelo Estado-membro. Inconstitucionalidade. 3. Produção e consumo de produtos que utilizam amianto crisotila. Competência concorrente dos entes federados. Existência de norma federal em vigor a regulamentar o tema (Lei nº 9.055/1995). Consequência. Vício formal da lei paulista, por ser apenas de natureza supletiva (CF, art. 24, §§ 1º e 4º) a competência estadual para editar normas gerais sobre a matéria. 4. Proteção e de-fesa da saúde pública e meio ambiente. Questão de interesse nacional. Legitimidade da regu-lamentação geral fixada no âmbito federal. Ausência de justificativa para tratamento particular e diferenciado pelo Estado de São Paulo. 5. Rotulagem com informações preventivas a respeito dos produtos que contenham amianto. Competência da união para legislar sobre comércio in-terestadual (CF, art. 22, VIII). Extrapolação da competência concorrente prevista no inciso V do art. 24 da Carta da República, por haver norma federal regulando a questão.” (STF – ADI 2656 – Tribunal Pleno – Rel. Min. Maurício Corrêa – Julgado em 08.05.2003 – DJ 01.08.2003, p. 00117, Ement. v. 02117-35, p. 07412)

Comentário IDPJus-ambiental: o in dubio pro natura, segundo o qual, no conflito entre normas ambientais, prevalece aquela que confere a maior proteção para o meio ambiente.

Pouco importa que uma norma seja considerada mais eficiente que outra norma se a primeira foi elaborada por autoridade sem competência constitucional. Nos casos concretos, os Estados e os Municípios não poderiam contrariar a norma geral expedida pela União no âmbito da com-petência legislativa concorrente.

No caso específico do RE, com repercussão geral, também restou reconhecido que o aspecto ambiental não pode sobrepor-se aos demais aspectos inerentes às normas ambientais, como o social e o econômico. Todos devem harmonizar-se, em prol do desenvolvimento sustentável.

Marcos Abreu Torres

3098 – Meio ambiente – produção com amianto – proibição

“Competência normativa. Comércio. Na dicção da ilustrada maioria, em relação à qual guardo reservas, não há relevância em pedido de concessão de liminar, formulado em ação direta de inconstitucionalidade, visando à suspensão de lei local vedadora do comércio de certo produto, em que pese à existência de legislação federal viabilizando-o.” (STF – ADI 3937-MC – Tribu-nal Pleno – Rel. Min. Marco Aurélio – Julgado em 04.06.2008 – DJe-192 Divulg. 09.10.2008, Public.10.10.2008, Ement. v. 02336-01, p. 00059)

Comentário IDPNesta decisão o STF diverge de entendimentos anteriores, negando liminar que pedia a sus-pensão de lei estadual que contraria lei federal sobre uso do minério amianto. Em outros casos idênticos o Tribunal concedeu liminar suspendendo as normas estaduais. O mérito ainda não foi apreciado.

Mais do que a discussão sobre a prevalência da norma estadual ou federal, a importância deste caso reside na possibilidade de o STF vir a discutir a constitucionalidade de uma norma que não é o objeto da ação direta.

Na análise da liminar a maioria dos ministros entendeu que a norma questionada não era inconstitucional. Contrariando o princípio do pedido, típico do direito processual tradicional, alguns ministros chegaram inclusive a arguir aparente inconstitucionalidade material da norma da União que regula o tema, surgindo um debate entre os ministros Eros Grau e Marco Aurélio sobre a possibilidade de o Tribunal vir a declarar a inconstitucionalidade desta norma.

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������75

Na apreciação do pedido liminar não houve declaração expressa da inconstitucionalidade da norma da União, mas a norma estadual foi mantida válida, produzindo um resultado inédito no Direito Ambiental: em todo o país aplica-se a norma da União, salvo no Estado de São Paulo, onde vale a norma estadual objeto da ADI.

Além do ineditismo do caso para o Direito Processual Constitucional, se mantida a validade das duas normas o STF inaugurará uma forma de direito difuso divisível, podendo um Estado da Federação ter regras diferenciadas da norma geral da União.

3099 – Proíbe a importação de pneus usados, sob o argumento de que tal atividade representa risco ao meio ambiente sadio

“Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Adequação. Observância do princípio da subsidiariedade. Arts. 170, 196 e 225 da Constituição da República. Constitucionalidade de atos normativos proibitivos da importação de pneus usados. Reciclagem de pneus usados. Ausência de eliminação total de seus efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente equilibrado. Afronta aos princípios constitucionais da saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Coisa julga-da com conteúdo executado ou exaurido. Impossibilidade de alteração. Decisões judiciais com conteúdo indeterminado no tempo. Proibição de novos efeitos a partir do julgamento. Arguição julgada parcialmente procedente. 1. Adequação da arguição pela correta indicação de preceitos fundamentais atingidos, a saber, o direito à saúde, direito ao meio ambiente ecologicamente equi-librado (arts. 196 e 225 da Constituição Brasileira) e a busca de desenvolvimento econômico sus-tentável: princípios constitucionais da livre iniciativa e da liberdade de comércio interpretados e aplicados em harmonia com o do desenvolvimento social saudável. Multiplicidade de ações judi-ciais, nos diversos graus de jurisdição, nas quais se têm interpretações e decisões divergentes sobre a matéria: situação de insegurança jurídica acrescida da ausência de outro meio processual hábil para solucionar a polêmica pendente: observância do princípio da subsidiariedade. Cabimento da presente ação. 2. Arguição de descumprimento dos preceitos fundamentais constitucionalmente estabelecidos: decisões judiciais nacionais permitindo a importação de pneus usados de países que não compõem o Mercosul: objeto de contencioso na Organização Mundial do Comércio – OMC, a partir de 20.06.2005, pela Solicitação de Consulta da união Europeia ao Brasil. 3. Crescente aumento da frota de veículos no mundo a acarretar também aumento de pneus novos e, conse-quentemente, necessidade de sua substituição em decorrência do seu desgaste. Necessidade de destinação ecologicamente correta dos pneus usados para submissão dos procedimentos às nor-mas constitucionais e legais vigentes. Ausência de eliminação total dos efeitos nocivos da destina-ção dos pneus usados, com malefícios ao meio ambiente: demonstração pelos dados. 4. Princípios constitucionais (art. 225): a) do desenvolvimento sustentável e b) da equidade e responsabilidade intergeracional. Meio ambiente ecologicamente equilibrado: preservação para a geração atual e para as gerações futuras. Desenvolvimento sustentável: crescimento econômico com garantia pa-ralela e superiormente respeitada da saúde da população, cujos direitos devem ser observados em face das necessidades atuais e daquelas previsíveis e a serem prevenidas para garantia e respeito às gerações futuras. Atendimento ao princípio da precaução, acolhido constitucionalmente, har-monizado com os demais princípios da ordem social e econômica. 5. Direito à saúde: o depósito de pneus ao ar livre, inexorável com a falta de utilização dos pneus inservíveis, fomentado pela importação é fator de disseminação de doenças tropicais. Legitimidade e razoabilidade da atuação estatal preventiva, prudente e precavida, na adoção de políticas públicas que evitem causas do aumento de doenças graves ou contagiosas. Direito à saúde: bem não patrimonial, cuja tutela se impõe de forma inibitória, preventiva, impedindo-se atos de importação de pneus usados, idêntico procedimento adotado pelos Estados desenvolvidos, que deles se livram. 6. Recurso Extraordinário nº 202.313, Relator o Ministro Carlos Velloso, Plenário, DJ 19.12.1996, e Recurso Extraordinário nº 203.954, Relator o Ministro Ilmar Galvão, Plenário, DJ 07.02.1997: Portarias emitidas pelo Departamento de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Ex-terior – Decex harmonizadas com o princípio da legalidade; fundamento direto no art. 237 da Constituição da República. 7. Autorização para importação de remoldados provenientes de Esta-

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dos integrantes do Mercosul limitados ao produto final, pneu, e não às carcaças: determinação do Tribunal ad hoc, à qual teve de se submeter o Brasil em decorrência dos acordos firmados pelo bloco econômico: ausência de tratamento discriminatório nas relações comerciais firmadas pelo Brasil. 8. Demonstração de que: a) os elementos que compõem os pneus, dando-lhe durabilidade, é responsável pela demora na sua decomposição quando descartado em aterros; b) a dificuldade de seu armazenamento impele a sua queima, o que libera substâncias tóxicas e cancerígenas no ar; c) quando compactados inteiros, os pneus tendem a voltar à sua forma original e retornam à superfície, ocupando espaços que são escassos e de grande valia, em especial nas grandes cidades; d) pneus inservíveis e descartados a céu aberto são criadouros de insetos e outros transmissores de doenças; e) o alto índice calorífico dos pneus, interessante para as indústrias cimenteiras, quando queimados a céu aberto se tornam focos de incêndio difíceis de extinguir, podendo durar dias, meses e até anos; f) o Brasil produz pneus usados em quantitativo suficiente para abastecer as fábricas de remoldagem de pneus, do que decorre não faltar matéria-prima a impedir a atividade econômica. Ponderação dos princípios constitucionais: demonstração de que a importação de pneus usados ou remoldados afronta os preceitos constitucionais de saúde e do meio ambiente ecologicamente equilibrado (arts. 170, incs. I e VI e seu parágrafo único, 196 e 225 da Constituição do Brasil). 9. Decisões judiciais com trânsito em julgado, cujo conteúdo já tenha sido executado e exaurido o seu objeto não são desfeitas: efeitos acabados. Efeitos cessados de decisões judi-ciais pretéritas, com indeterminação temporal quanto à autorização concedida para importação de pneus: proibição a partir deste julgamento por submissão ao que decidido nesta arguição. 10. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental julgada parcialmente procedente.” (STF – ADPF 101 – Tribunal Pleno – Relª Min. Cármen Lúcia – Julgado em 24.06.2009 – DJe-108 Divulg. 01.06.2012, Public. 04.06.2012, Ement. v. 02654-01, p. 00001, RTJ v. 00224-01, p. 00011)

3100 – Reconhece que a propriedade deve cumprir sua função social, incluindo a utilização não nociva ao meio ambiente

“Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. A questão do abuso presidencial na edição de medidas provisórias. Possibilidade de controle jurisdicional dos pressupostos constitucionais da urgência e da relevância (CF, art. 62, caput). Reforma agrária. Necessidade de sua implementação. Invasão de imóveis rurais privados e de prédios públicos. Inadmissibilidade. Ilicitude do esbulho possessório. Legitimidade da reação estatal aos atos de violação possessória. Reconhecimento, em juízo de delibação, da validade constitucional da MP 2.027-38/2000, reeditada, pela última vez, como MP 2.183-56/2001. Inocorrência de nova hipótese de inexpropriabilidade de imóveis rurais. Medida provisória que se destina, tão somente, a inibir práticas de transgressão à autoridade das leis e à integridade da Constituição da República. Arguição de inconstitucionalidade insuficiente-mente fundamentada quanto a uma das normas em exame. Inviabilidade da impugnação genérica. Consequente incognoscibilidade parcial da ação direta. Pedido de medida cautelar conhecido em parte e, nessa parte, indeferido. Possibilidade de controle jurisdicional dos pressupostos constitu-cionais (urgência e relevância) que condicionam a edição de medidas provisórias. A edição de medidas provisórias, pelo Presidente da República, para legitimar-se juridicamente, depende, den-tre outros requisitos, da estrita observância dos pressupostos constitucionais da urgência e da rele-vância (CF, art. 62, caput). Os pressupostos da urgência e da relevância, embora conceitos jurídi-cos relativamente indeterminados e fluidos, mesmo expondo-se, inicialmente, à avaliação discricionária do Presidente da República, estão sujeitos, ainda que excepcionalmente, ao contro-le do Poder Judiciário, porque compõem a própria estrutura constitucional que disciplina as medi-das provisórias, qualificando-se como requisitos legitimadores e juridicamente condicionantes do exercício, pelo Chefe do Poder Executivo, da competência normativa primária que lhe foi outorga-da, extraordinariamente, pela Constituição da República. Doutrina. Precedentes. A possibilidade de controle jurisdicional, mesmo sendo excepcional, apóia-se na necessidade de impedir que o Presidente da República, ao editar medidas provisórias, incida em excesso de poder ou em situa-ção de manifesto abuso institucional, pois o sistema de limitação de poderes não permite que

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������77

práticas governamentais abusivas venham a prevalecer sobre os postulados constitucionais que informam a concepção democrática de Poder e de Estado, especialmente naquelas hipóteses em que se registrar o exercício anômalo e arbitrário das funções estatais. utilização abusiva de medi-das provisórias. Inadmissibilidade. Princípio da separação dos poderes. Competência extraordiná-ria do Presidente da República. A crescente apropriação institucional do poder de legislar, por parte dos sucessivos Presidentes da República, tem despertado graves preocupações de ordem ju-rídica, em razão do fato de a utilização excessiva das medidas provisórias causar profundas distor-ções que se projetam no plano das relações políticas entre os Poderes Executivo e Legislativo. Nada pode justificar a utilização abusiva de medidas provisórias, sob pena de o Executivo – quan-do ausentes razões constitucionais de urgência, necessidade e relevância material –, investir-se, ilegitimamente, na mais relevante função institucional que pertence ao Congresso Nacional, vindo a converter-se, no âmbito da comunidade estatal, em instância hegemônica de poder, afetando, desse modo, com grave prejuízo para o regime das liberdades públicas e sérios reflexos sobre o sistema de checks and balances, a relação de equilíbrio que necessariamente deve existir entre os Poderes da República. Cabe, ao Poder Judiciário, no desempenho das funções que lhe são ineren-tes, impedir que o exercício compulsivo da competência extraordinária de editar medida provisó-ria culmine por introduzir, no processo institucional brasileiro, em matéria legislativa, verdadeiro cesarismo governamental, provocando, assim, graves distorções no modelo político e gerando sé-rias disfunções comprometedoras da integridade do princípio constitucional da separação de po-deres. Configuração, na espécie, dos pressupostos constitucionais legitimadores das medidas pro-visórias ora impugnadas. Consequente reconhecimento da constitucionalidade formal dos atos presidenciais em questão. Relevância da questão fundiária. O caráter relativo do direito de proprie-dade. A função social da propriedade. Importância do processo de reforma agrária. Necessidade de neutralizar o esbulho possessório praticado contra bens públicos e contra a propriedade priva-da. A primazia das leis e da Constituição da República no estado democrático de direito. O direito de propriedade não se reveste de caráter absoluto, eis que, sobre ele, pesa grave hipoteca social, a significar que, descumprida a função social que lhe é inerente (CF, art. 5º, XXIII), legitimar-se-á a intervenção estatal na esfera dominial privada, observados, contudo, para esse efeito, os limites, as formas e os procedimentos fixados na própria Constituição da República. O acesso à terra, a solu-ção dos conflitos sociais, o aproveitamento racional e adequado do imóvel rural, a utilização apropriada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente constituem ele-mentos de realização da função social da propriedade. A desapropriação, nesse contexto – en-quanto sanção constitucional imponível ao descumprimento da função social da propriedade – reflete importante instrumento destinado a dar consequência aos compromissos assumidos pelo Estado na ordem econômica e social. Incumbe, ao proprietário da terra, o dever jurídico-social de cultivá-la e de explorá-la adequadamente, sob pena de incidir nas disposições constitucionais e legais que sancionam os senhores de imóveis ociosos, não cultivados e/ou improdutivos, pois só se tem por atendida a função social que condiciona o exercício do direito de propriedade, quando o titular do domínio cumprir a obrigação (1) de favorecer o bem-estar dos que na terra labutam; (2) de manter níveis satisfatórios de produtividade; (3) de assegurar a conservação dos recursos naturais; e (4) de observar as disposições legais que regulam as justas relações de trabalho entre os que possuem o domínio e aqueles que cultivam a propriedade. O esbulho possessório – mesmo tratando-se de propriedades alegadamente improdutivas – constitui ato revestido de ilicitude jurí-dica. Revela-se contrária ao Direito, porque constitui atividade à margem da lei, sem qualquer vinculação ao sistema jurídico, a conduta daqueles que – particulares, movimentos ou organiza-ções sociais – visam, pelo emprego arbitrário da força e pela ocupação ilícita de prédios públicos e de imóveis rurais, a constranger, de modo autoritário, o Poder Público a promover ações expro-priatórias, para efeito de execução do programa de reforma agrária. O processo de reforma agrária, em uma sociedade estruturada em bases democráticas, não pode ser implementado pelo uso arbi-trário da força e pela prática de atos ilícitos de violação possessória, ainda que se cuide de imóveis alegadamente improdutivos, notadamente porque a Constituição da República – ao amparar o proprietário com a cláusula de garantia do direito de propriedade (CF, art. 5º, XXII) – proclama que

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‘ninguém será privado [...] de seus bens, sem o devido processo legal’ (art. 5º, LIV). O respeito à lei e à autoridade da Constituição da República representa condição indispensável e necessária ao exercício da liberdade e à prática responsável da cidadania, nada podendo legitimar a ruptura da ordem jurídica, quer por atuação de movimentos sociais (qualquer que seja o perfil ideológico que ostentem), quer por iniciativa do Estado, ainda que se trate da efetivação da reforma agrária, pois, mesmo esta, depende, para viabilizar-se constitucionalmente, da necessária observância dos prin-cípios e diretrizes que estruturam o ordenamento positivo nacional. O esbulho possessório, além de qualificar-se como ilícito civil, também pode configurar situação revestida de tipicidade penal, caracterizando-se, desse modo, como ato criminoso (CP, art. 161, § 1º, II; Lei nº 4.947/1966, art. 20). Os atos configuradores de violação possessória, além de instaurarem situações impregna-das de inegável ilicitude civil e penal, traduzem hipóteses caracterizadoras de força maior, aptas, quando concretamente ocorrentes, a infirmar a própria eficácia da declaração expropriatória. Pre-cedentes. O respeito à lei e a possibilidade de acesso à jurisdição do estado (até mesmo para contestar a validade jurídica da própria lei) constituem valores essenciais e necessários à preserva-ção da ordem democrática. A necessidade de respeito ao império da lei e a possibilidade de invo-cação da tutela jurisdicional do Estado – que constituem valores essenciais em uma sociedade democrática, estruturada sob a égide do princípio da liberdade – devem representar o sopro inspi-rador da harmonia social, além de significar um veto permanente a qualquer tipo de comporta-mento cuja motivação derive do intuito deliberado de praticar gestos inaceitáveis de violência e de ilicitude, como os atos de invasão da propriedade alheia e de desrespeito à autoridade das leis da República. Reconhecimento, em juízo de delibação, da legitimidade constitucional da MP 2.027-38/2000, reeditada, pela última vez, como MP 2.183-56/2001. Não é lícito ao Estado aceitar, passivamente, a imposição, por qualquer entidade ou movimento social organizado, de uma agen-da político-social, quando caracterizada por práticas ilegítimas de invasão de propriedades rurais, em desafio inaceitável à integridade e à autoridade da ordem jurídica. O Supremo Tribunal Federal não pode validar comportamentos ilícitos. Não deve chancelar, jurisdicionalmente, agressões in-constitucionais ao direito de propriedade e à posse de terceiros. Não pode considerar, nem deve reconhecer, por isso mesmo, invasões ilegais da propriedade alheia ou atos de esbulho possessório como instrumentos de legitimação da expropriação estatal de bens particulares, cuja submissão, a qualquer programa de reforma agrária, supõe, para regularmente efetivar-se, o estrito cumprimento das formas e dos requisitos previstos nas leis e na Constituição da República. As prescrições cons-tantes da MP 2.027-38/2000, reeditada, pela última vez, como MP 2.183-56/2001, precisamente porque têm por finalidade neutralizar abusos e atos de violação possessória, praticados contra proprietários de imóveis rurais, não se mostram eivadas de inconstitucionalidade (ao menos em juízo de estrita delibação), pois visam, em última análise, a resguardar a integridade de valores protegidos pela própria Constituição da República. O sistema constitucional não tolera a prática de atos, que, concretizadores de invasões fundiárias, culminam por gerar – considerada a própria ili-citude dessa conduta – grave situação de insegurança jurídica, de intranquilidade social e de ins-tabilidade da ordem pública. Ação direta de inconstitucionalidade e dever processual de funda-mentar a impugnação. O Supremo Tribunal Federal, no desempenho de sua atividade jurisdicional, não está condicionado às razões de ordem jurídica invocadas como suporte da pretensão de in-constitucionalidade deduzida pelo autor da ação direta. Tal circunstância, no entanto, não supri-me, à parte, o dever processual de motivar o pedido e de identificar, na Constituição, em obséquio ao princípio da especificação das normas, os dispositivos alegadamente violados pelo ato norma-tivo que pretende impugnar. Impõe-se, ao autor, no processo de controle concentrado de constitu-cionalidade, sob pena de não conhecimento (total ou parcial) da ação direta, indicar as normas de referência – que, inscritas na Constituição da República, revestem-se, por isso mesmo, de parame-tricidade –, em ordem a viabilizar a aferição da conformidade vertical dos atos normativos infra-constitucionais. Precedentes (RTJ 179/35-37, v.g.).” (STF – ADI 2213 MC – Tribunal Pleno – Rel. Min. Celso de Mello – Julgado em 04.04.2002 – DJ 23.04.2004, p. 00007 Ement. v. 02148-02, p. 00296)

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3101 – Recurso contra decisões do TJSC em ação civil pública ajuizada pela recorrente obje-tivando condenar o Estado de Santa Catarina a proceder à proibição da Farra do Boi

“A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do art. 225 da CF, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do boi’.” (STF – RE 153.531 – 2ª T. – Rel. p/ o Ac. Min. Marco Aurélio – Julgamento em 03.06.1997 – DJ de 13.03.1998)

3102 – TJSP condenou o Estado de São Paulo a indenizar proprietários de áreas particulares para criação da Reserva Ecológica Juréia-Itatins

“O preceito consubstanciado no art. 225, § 4º, da Carta da República, além de não haver con-vertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas florestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira), também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias a preservação ambiental. A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/1988, art. 5º, XXII). Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental da República estende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao reconhecimento, em favor do dominus, da garantia de compensação financeira, sempre que o Estado, mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável, atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel particular afetado pela ação do Poder Público esteja localizado em qualquer das áreas referidas no art. 225, § 4º, da Constituição. Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um típico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput).” (STF – RE 134.297 – 1ª T. – Rel. Min. Celso de Mello – Julgamento em 13.06.1995 – DJ de 22.09.1995)

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Parte Geral – Doutrina

A Discrição Judicial e a Prerrogativa dos Advogados ao Pronto Atendimento pelos Juízes: Análise a Partir da Ótica da Nova Ordem Processual Civil

ALVARO LuIS DE A. S. CIARLInIJuiz de Direito Titular da Segunda Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, Professor do Programa de Mestrado Acadêmico em Constituição e Sociedade do Instituto Brasilien‑se de Direito Público – IDP, Mestre em Filosofia e Doutor em Direito pela Universidade de Brasília – UnB.

Submissão: 21.07.2015Decisão Editorial: 27.08.2015Comunicação ao Autor: 27.08.2015

RESUMO: A nova conformação sistemática da Lei nº 13.105/2015 (NCPC), em face de sua orien‑tação principiológica, levará ao crescimento das atividades tipicamente discricionárias atribuídas ao juiz, o que pede detida reflexão a respeito da aplicação das regras da Loman e do EOAB sobre o atendimento direto do advogado pelo juiz.

PALAVRAS‑CHAVE: NCPC; Loman; EOAB; advogado; juiz.

ABSTRACT: The new system conformation of Law nº 13.105/2015 (NCPC), given its principled gui‑dance will lead to the growth of typically discretionary activities assigned to the judge, what asks held discussion about the enforcement of Loman and EOAB on the direct care of the lawyer by the judge.

KEYWORDS: NCPC; Loman; EOAB; lawyer; judge.

O Novo Código de Processo Civil, Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, ao seguir o preceito contido no art. 133 da Constituição da República1, destinou aos procuradores das partes, portanto, aos advogados, o Capítulo III, Título I, do Livro III (NCPC), basicamente repetindo a fórmula contida no Capí-tulo III, do Título II e Livro II, da Lei nº 5869, de 11 de janeiro de 1973 (CPC). O art. 103 do NCPC, aliás, não esconde seu caráter idêntico ao texto do art. 36 do CPC/19732.

Inobstante a similaridade entre as regras processuais constantes nos dois comandos legais indicados, não se pode negar que a recente conformação sis-

1 Art. 133 da CF: “O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei”.

2 Art. 103, caput, do NCPC: “A parte será representada em juízo por advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil”.

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temática do Texto Processual Civil levará ao crescimento das atividades tipica-mente discricionárias atribuídas ao juiz, que estará submetido a uma ordem de valores revelados por diversificados princípios normativos.

Para a adequada visualização da premissa que sustenta o presente artigo, convém descrever, mesmo en passant, algumas hipóteses prescritas topicamen-te na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015, como aquela dimensionada no art. 139, IV, com a determinação de “todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial”. Essa liberdade de escolha é visível também na hipótese do inciso VI do mesmo preceito, no sentido de “dilatar os prazos processuais” ou mesmo “alterar a ordem de produção dos meios de prova”, para adequá-las “às necessidades do conflito”, a fim de “conferir maior efetividade à tutela do direito”.

Assim, entre tantas outras situações que conferem considerável margem de liberdade ao juiz, convém pontuar as que parecem mais relevantes, como, por exemplo, na hipótese do art. 300, caput, o caso em que o Magistrado exa-minará a “probabilidade do direito”, ou, no § 1º do mesmo artigo, a possibilida-de de exigir-se caução ou de dispensá-la.

A disposição do art. 372 chama igualmente atenção ao conceder ao juiz o poder de dimensionar “o valor que considerar adequado” à prova produzida em outro processo, ou, no art. 297, o poder de determinar “as medidas que julgar adequadas para efetivação da tutela provisória”.

Há ainda a previsão do art. 373, § 1º, que dá ao juiz a possibilidade de aplicar conceitos normativos com acentuada carga valorativa, como a “excessi-va dificuldade” ou a “maior facilidade” de obtenção da prova do fato contrário, pela parte, concedendo ao julgador ainda a prerrogativa de “atribuir o ônus da prova de modo diverso”, em que pese ter de fazê-lo “por decisão fundamenta-da”, desde que isso não gere “situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja ‘[...] excessivamente difícil’” (§ 2º).

A regra o art. 427 do CPC/1973, cujo modelo normativo foi recepciona-do pelo art. 472 do novo texto, é também um notável exemplo dessa liberdade, ao prescrever que “o juiz poderá dispensar prova pericial” naquelas hipóteses em que as partes, na inicial e na contestação, tenham trazido aos autos “pare-ceres técnicos ou documentos elucidativos”, considerados “suficientes” pelo julgador.

A possibilidade de aplicação, pelo juiz, de “regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece” (art. 375) é também um exemplo dos mais instigantes dessa peculiar liberdade decisória.

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Apenas para concluir, vale citar o modelo normativo do art. 461, caput, do CPC/1973, caso clássico de discrição judicial, reproduzido no art. 497 do novo texto, ao estabelecer que o juiz, nas ações que têm por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, deferirá certa tutela ou “determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente”. Essa hipótese é também importante por desafiar o princípio da adstrição previsto no art. 492.

Algumas variáveis dessa liberdade poderão ser vistas ainda nas hipóteses de decisão judicial a respeito da 1) deliberação, pelas partes, sobre os critérios de constituição do “ato negocial processual” (art. 190), pois o juiz poderá re-cusar a aplicação desse comando normativo consensual quando verificar “in-serção abusiva em contrato de adesão” naquelas situações em que o sujeito da relação jurídica encontrar-se “em manifesta situação de vulnerabilidade” (art. 190, parágrafo único); ou mesmo nos casos em que o juiz decidirá 2) os critérios da escolha do perito pelas partes (art. 471); ainda assim, 3) nas situa- ções de consenso entre as partes acerca da distribuição do ônus da prova (art. 373, § 3º) e 4) de situações em que os litigantes, juntamente com o juiz, tiverem o ensejo de fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso (art. 191).

Em face dessa intrigante liberdade de escolhas, pelo juiz, deixada pelo novo CPC, convém perguntar: em que consiste a discrição judicial?

Para Mauro Cappelletti, a atividade discricionária, no âmbito judicial, é explicada pela responsabilidade que tem o julgador de eleger suas escolhas, sendo inegável que a conduta do Magistrado é matizada por elementos de apre-ciação relativos a valores e balanceamentos, que serão sempre orientados por critérios práticos, com a devida atenção às implicações morais dessa escolha3.

Com efeito, a discrição consiste no poder de decisão dentro de uma de-terminada ordem normativa e será procedido diante das margens impostas pelas normas jurídicas.

É corrente na doutrina administrativista a percepção de que a discrição ocorre “na hipótese ou no mandamento da norma”4, pois a análise do motivo e do objeto do ato administrativo “pode conter juízos discricionários”5.

Essa liberdade de escolha mostra-se ainda presente na densificação de conceitos jurídicos indeterminados, em virtude da textura aberta da linguagem

3 CAPPELLETTI, Mauro. Juízes legisladores? Trad. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1999. p. 33.

4 KRELL, Andreas. Discricionariedade administrativa e proteção ambiental – O controle dos conceitos jurídicos indeterminados e a competência dos órgãos ambientais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 34.

5 KRELL, Andreas. Op. cit., p. 34.

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jurídica, mesmo porque a atividade jurisdicional carrega consigo uma acen- tuada carga de criatividade, indispensável para a produção de um ato jurídico “dentro da moldura da norma jurídica aplicanda”6.

No intuito de compreender esse conceito, convém ainda observar a dou-trina de Herbert Hart7, ao preconizar que os casos de ocorrência de indeter-minação ou incompletude das regras de direito devem ser solucionados jus-tamente pela discrição judicial8. Por isso mesmo, nessa vertente doutrinária, o juiz cria direito para o caso concreto, “em vez de aplicar meramente o direito estabelecido preexistente”9. Aliás, é conhecida a afirmação de Hart no sentido de que o juiz, ao apreciar casos não previamente regulados, cria direito e, ao mesmo tempo, aplica o direito posto, na medida de seu ajuste às restrições ao seu poder de criação10.

Para Ronald Dworkin11, no entanto, além do problema da ilegitimidade da atividade de criação do direito sem o sufrágio dos cidadãos, não há como se defender uma discrição judicial no sentido forte, ou seja, em uma feição clara-mente legiferante para casos não atingidos pela legislação precedente.

Para o saudoso jusfilósofo norte-americano, a partir do que considera uma feição normativa dos princípios, poderia haver a discrição judicial somente no caso de sua modalidade fraca, ou seja, naquelas situações em que a decisão versar sobre aspectos juridicamente intrincados, a demandar um raciocínio ju-rídico complexo, com o objetivo de buscar uma resposta jurisdicional correta12.

A discrição forte, vista na doutrina de Hart13, nutre-se da possibilidade de escolha entre diversas alternativas decisórias, no caso de inexistência, nas nor-mas pressupostas, de uma decisão correta para um caso dado. Nessa situação em particular, o julgador deve proceder como um “legislador consciencioso” e decidir consoante suas próprias “crenças e valores”14.

Feitas essas anotações de cunho conceitual, é inegável que as peculia-ridades da textura da novel lei processual demandarão também uma atitude mais assertiva da advocacia nos tribunais e juízos singulares, inclusive em razão

6 KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 4. ed. Coimbra, 1976. p. 470.7 HART. Herbert. O conceito de direito. 2. ed. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

2002. p. 335.8 CHUEIRI, Vera Karam. Filosofia do direito e modernidade: Dworkin e a possibilidade de um discurso

instituinte de direitos. Curitiba: JM, 1995. p. 93. 9 CHUEIRI, Vera Karam. Op. cit., p. 93.10 CHUEIRI, Vera Karam. Op. cit., p. 93.11 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

p. 50-51.12 DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 53.13 DWORKIN, Ronald. Op. cit., p. 53.14 HART, Herbert. O conceito de direito. 2. ed. Trad. A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,

2002. p. 336.

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dos efeitos pragmáticos que serão sentidos por todos em face da aplicação do princípio constitucional da razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República), tema objetivado no art. 4º do NCPC15, cuja conse-quência visível mais notável é a que diz respeito ao controle cronológico do julgamento dos litígios a ser feito também pelos advogados (art. 12, § 1º, do NCPC)16. Diante dessas questões, convém ainda não olvidar dos princípios da cooperação e da efetividade previstos no art. 6º do NCPC17.

Isso fica reforçado, igualmente, pela previsão explícita do princípio da isonomia, traduzido como “paridade de tratamento”, em reforço aos princípios do contraditório (arts. 7º18, 9º19 e 1020 do NCPC) e da proporcionalidade, razoa-bilidade, legalidade, publicidade e eficiência (art. 8º do NCPC)21.

Por isso mesmo, em virtude do aumento da liberdade de escolha con-ferida aos Magistrados, em situações para as quais devem exercer discrição judicial, a advocacia terá o mérito de atuar, com mais ênfase, como o alter do diálogo a ser travado22, funcionando como elemento de controle e crí-tica da linguagem e da racionalidade do juízo decisório empreendido pelo julgador.

Logo, por ser indiscutível, nesse cenário, o acentuado aumento de impor-tância da atuação da advocacia, inclusive como elemento propulsor da obser-vância dos princípios normativos inscritos no novo Código, o momento pede re-flexão a respeito da aplicação do art. 35, VI, da Lei Complementar nº 35/1979, ou seja, da obrigação atribuída aos Magistrados de atender pessoalmente os advogados das partes do processo judicial.

15 Art. 4º do NCPC: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”.

16 Art. 12 do NCPC: “Os juízes e os tribunais deverão obedecer à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. § 1º A lista de processos aptos a julgamento deverá estar permanentemente à disposição para consulta pública em cartório e na rede mundial de computadores”.

17 Art. 6º do NCPC: “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”.

18 Art. 7º do NCPC: “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”.

19 Art. 9º do NCPC: “Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I – à tutela provisória de urgência; II – às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III – à decisão prevista no art. 701”.

20 Art. 10 do NCPC: “O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.

21 Art. 8º do NCPC: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

22 HABERMAS, Jürgen. Direito e democracia – Entre facticidade e validade I. Trad. Flávio Beno Siebeneichler. Rio de Janeiro, 1997. p. 291-295.

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Ressalte-se que, nos casos de urgência, o Magistrado não está somente obrigado a atender advogados, mas a qualquer das pessoas indicadas no men-cionado art. 35 da Lei Complementar nº 35/197923.

Ora, diante dessa regra clara disposta em lei complementar, bem como dos princípios constitucionais do processo, na forma dos dispositivos acima enumerados do NCPC, entre os quais, repise-se, figura a isonomia entre as par-tes, convém indagar qual é, efetivamente, a validade dessa norma preceptiva prevista no art. 35, IV, da Loman, ou seja, em que consiste a aptidão desse pre-ceito para a produção de efeitos jurídicos? Finalmente, quais são esses efeitos?

Para responder a essas indagações, é importante ainda saber se, inobstan-te a inexistência de situação jurídica a merecer atendimento emergencial pelo juiz, poderia ser dado atendimento exclusivo a um determinado advogado, a despeito dos interesses e prerrogativas dos demais procuradores e das respecti-vas partes envolvidas nas demandas judiciais.

Com efeito, se é dever do Magistrado atender diretamente o advogado24, sendo prerrogativa deste ser recebido pelo juiz25, o que dizer dos direitos das partes e prerrogativas dos demais advogados, consubstanciadas nos princípios normativos prefigurados no novel CPC, acima já descritos?

Diante da leitura atenta da Lei nº 8.906/1994 e da Lei Complementar nº 35/1979, em somatório com os princípios já mencionados, pode-se perceber que, em dadas circunstâncias, se for prestado o atendimento no exato momento pretendido por um específico advogado, isso se dará em notório detrimento do interesse das partes e das prerrogativas dos demais advogados que precedente-mente já estejam a aguardar a consecução da ordem cronológica indispensável para a prática de determinado ato processual, ou mesmo daqueles que estejam a aguardar a adoção de atos urgentes pelo Magistrado, a fim de garantir um di-reito subjetivo, em face de eventual ilicitude que paira sobre sua esfera jurídica.

Diante dessa diretriz reflexiva, poderiam alguns objetar que o atendimen-to imediato e direto do advogado é prerrogativa conferida por lei.

Ora, essa afirmação é verdadeira e não se pode ter nenhuma dúvida a respeito da literalidade da regra estatuída no art. 7º da Lei nº 8906/199426.

23 “Art. 35. São deveres do Magistrado: [...] IV – tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça, e atender aos que o procurarem, a qualquer momento, quanto se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência.” (ressalvam-se os grifos)

24 Bem o disse o Conselho Nacional de Justiça na paradigmática decisão proferida no Pedido de Providências nº 1465 – Rel. Cons. Marcus Faver. A respeito desse tema também já se pronunciou o colendo STJ, valendo citar: STJ, RMS 13262/SC, 1ª T., Rel. Desig. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 30.09.2002, p. 157, e STJ, RMS 1275/RJ, 1ª T., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 23.03.1992, p. 3429).

25 Art. 7º da Lei nº 8.906/1994.26 “Art. 7º São direitos do advogado: [...] VIII – dirigir-se diretamente aos Magistrados nas salas e gabinetes de

trabalho, independentemente de horário previamente marcado ou outra condição, observando-se a ordem de chegada; [...]”

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Como se infere dessa norma, é prerrogativa do advogado dirigir-se di-retamente ao Magistrado. Essa diretriz, no entanto, deve ser vista com cautela, pois, se examinada coerentemente, não pode determinar a obrigatoriedade de atendimento imediato, sem a observância de outros critérios que permitam ao juiz bem organizar sua atuação em relação a outros interesses igualmente em curso, bem como zelar pelas prerrogativas de outros advogados e de mem-bros do Ministério Público, ou mesmo da eventual situação jurídica a reclamar urgência em relação às partes de processos judiciais; ainda assim, de outras situações contingentes passíveis de exame judicial após a análise prudente da questão posta a exame.

A prerrogativa especial conferida aos advogados pelo art. 7º da Lei nº 8.986/1994, em tese, não pode, portanto, ocasionar a interrupção abrupta de um específico ato processual, como a audiência, o despacho, a decisão e a sen-tença, tampouco ocasionar a suspensão abrupta de trabalhos de intelecção do Magistrado, notadamente nas hipóteses que tratam de situações jurídicas mais urgentes do que a questão a ser tratada pelos advogados que pedem ditas entre-vistas. Ou seja, por óbvio, a regra geral estatuída em lei ordinária deve ser ex-cepcionada, inclusive quando se trate de providência que reclame e possibilite solução de urgência, nos termos do art. 35 da Lei Complementar nº 35/197927.

É claro também que existem outras situações que podem impor o devido cuidado em relação aos interesses difusos da coletividade e ao interesse primá-rio da Administração Pública em jogo, que têm foro constitucional.

Por isso, diante dos critérios principiológicos enumerados no NCPC, já exaustivamente descritos, poder-se-ia cogitar, inclusive, que, em certas circuns-tâncias, a entrevista entre o juiz e o advogado se dê na presença do representan-te da parte contrária ou do órgão do Ministério Público, em conjunto, a portas abertas, sem que isso represente qualquer supressão de direitos ou liberdades, tampouco signifique afronta à classe da advocacia, como equivocadamente pode-se supor. Ao contrário, a atuação diligente e criteriosa dos órgãos da Justi-ça, diante das complexas situações que reclamam, a tempo e a hora, a atuação assertiva do juiz e de sua equipe de trabalho, é cuidado indispensável ao escor-reito cumprimento da atividade judicante, em solene obediência aos princípios constitucionais do processo28.

Assim sendo, espera-se que os advogados, além da compreensão que devem ter ordinariamente a respeito das atividades judiciais, não se descurem

27 A respeito da coerência do ordenamento jurídico e da aplicação dos princípios hierárquico e da especialidade, para a eventual solução de conflito aparentes de normas, vide: BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. 6. ed. Trad. Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília: UnB, 1995. p. 81-96, nomeadamente quanto aos critérios lex superior derogat inferiori e lex specialis derogat generalis.

28 NERY JR., Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 19-172.

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ainda das regras de boa educação e polidez, aguardando o momento de seu atendimento pelo juiz.

Entendimento em sentido diverso teria apenas o condão de causar desor-dem e subversão de valores, pois a atenção pessoal a um específico advogado, sem a observância de qualquer critério, sob a desculpa irrefletida de cumpri-mento de prerrogativa sua, teria o injustificável efeito de desprestigiar as prer-rogativas de outros advogados, bem como outros direitos subjetivos, inclusive os fundamentais, das partes envolvidas. Assim, seria no mínimo incongruente que um advogado pudesse exercer uma liberdade positiva, sem nenhum critério ou ordem, a título de prerrogativa funcional, em detrimento das liberdades, ou das prerrogativas dos demais advogados, ou ainda dos direitos subjetivos (que também são prerrogativas) das partes.

Para bem entender esse conceito elementar ordenador da convivência humana, é importante avaliar o seguinte excerto da obra de Emmanuel Kant29:

Não basta que atribuamos liberdade à nossa vontade, seja por que razão for, se não tivermos também razão suficiente para a atribuirmos a todos os seres racio-nais. Pois como a moralidade nos serve de lei somente enquanto somos seres racionais, tem ela [a liberdade] que valer também para todos os seres racionais; e como não pode derivar-se senão da propriedade da liberdade, tem que ser de-monstrada a liberdade como propriedade da vontade de todos os seres racionais, e não basta verificá-la por certas supostas experiências da natureza humana (se bem que isto seja absolutamente impossível e só possa ser demonstrado a priori), mas sim temos que demonstrá-la como pertencente à atividade de seres racionais em geral e dotados de uma vontade. Digo, pois: todo o ser que não pode agir senão sob a ideia da liberdade, é por isso mesmo, em sentido prático, verdadeira-mente livre, quer dizer, para ele valem todas as leis que estão inseparavelmente ligadas à liberdade, exactamente como se a sua vontade fosse definida como livre em si mesma.

Isso deve levar à conclusão inexorável para nós, seres pensantes, portan-to, racionais e que, por isso mesmo, a quem foi atribuída a obrigação de pensar a respeito deste tema: a liberdade dos advogados, aqui traduzida como prerro-gativa funcional, só pode ser efetivamente exercida se respeitosa à liberdade, ora traduzida também como prerrogativa dos demais advogados e aos direitos subjetivos (igualmente liberdades positivas e negativas; portanto, prerrogativas) das partes e da sociedade como um todo. Assim, qualquer proposição no sen-tido do exercício das liberdades positivas dos advogados em detrimento dos di-reitos e outras prerrogativas dos demais interessados não pode ser considerada viável, efetiva ou legítima.

29 KANT, Emmanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Trad. Paulo Quintela. Lisboa: Edições 70, 2008. p. 95.

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Se um Magistrado estiver a decidir uma questão urgente a respeito de antecipação de tutela para concessão de leito de uTI em favor de alguém em situação gravíssima de saúde, sob risco de morte, ou mesmo a deliberar a res-peito de uma liminar em mandado de segurança, diante do iminente perigo de perecimento de um direito líquido e certo (arts. 196 e 5º, LXIX, ambos da Constituição Federal), ou ainda a avaliar a concessão de tutelas de urgência nas esferas cível e penal, o exercício da prerrogativa de um determinado advogado deverá ser temperado com a observância desses outros interesses legítimos de outras pessoas.

Se um advogado for eventualmente atendido no exato momento de seu desejo, em um dado caso concreto, poderá haver a indesejável transgressão das prerrogativas de outros advogados e até mesmo, eventualmente, das partes e do Ministério Público. Assim, sob a desculpa irrefletida de atendimento às prer-rogativas de uns, outros seriam prejudicados no exercício de suas liberdades positivas.

Continuemos a refletir por mais um instante: quem deve ser o árbitro para estipular o tempo e o modo do atendimento dos interesses de dezenas de partes e advogados que diariamente são atendidos por um Magistrado? A autoridade judiciária, evidentemente. É possível atender a todos a um só tempo? Certamen-te que não. É preciso ter critérios, portanto, a devida ordem no atendimento das partes e seus advogados, para evitar a sobreposição do interesse e das prerroga-tivas de uns em detrimento de todos os demais.

Além disso, é necessário ao juiz ter prudência, não se expondo a situa-ções indesejáveis ao atender advogados a portas fechadas em certas circunstân-cias. Reflitamos mais: que assunto poderia ser legitimamente tratado com um juiz, a portas fechadas, que não pudesse ser do conhecimento da outra parte, ou do público, em uma audiência a portas abertas? Nenhum, por óbvio, salvo nas situações que envolvam segredo de Justiça.

Além dessa questão em particular, temos também que examinar o modo pelo qual se costuma proceder à leitura do art. 7º, VIII, da Lei nº 8.906/1994.

Como é de comum conhecimento, a interpretação de uma norma jurídi-ca é uma atividade de mediação feita pelo intérprete ao trazer a compreensão de um texto da norma que se lhe torna problemático30.

É necessário perceber que muitos conceitos jurídicos estão definidos no texto da norma, podendo ser utilizados em diferentes leis e, ao mesmo tempo, em diferentes sentidos. A interpretação mostra-se necessária e indispensável na

30 LARENZ, Karl. Metodologia da ciência do Direito. 3. ed. Trad. José Lamego. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, cap. IV da Parte II.

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mesma medida em que as proposições jurídicas prescrevem comandos deon-tológicos diversificados para certas situações. Nesse contexto, a intermediação do hermeneuta tem o propósito de evitar a ocorrência de contradição entre os possíveis sentidos da norma, e, principalmente, de garantir a consistência jurí-dica desta.

Assim, deve-se tratar esse tema com redobrada seriedade e circunspec-ção, sendo imprópria e insipiente, na hipótese, a interpretação meramente li-teral do art. 7º, VIII, da Lei nº 8.906/1994, como se tem visto ordinariamente. É óbvio que a atividade hermenêutica alusiva à interpretação do texto de uma norma deve ser iniciada a partir da compreensão de seu sentido textual, de acordo com a análise expressa da extensão semântica de seus termos. Isso não obstante, para levar adiante a interpretação31, é preciso que o jurista observe:

1) o contexto significativo da lei, que determina a compreensão de cada uma das palavras e frases do texto da norma de modo contextualizado. Com efeito, o contexto significativo da lei desempenha a função de determinar um conjunto coerente de proposições normativas a respeito de uma dada realidade norma-da. Logo, entre as diversas possibilidades de interpretações segundo o sentido literal, deve prevalecer aquela que possibilita a garantia de concordância ma-terial com outras disposições normativas correntes;

2) a intenção reguladora, os fins e ideias normativas do legislador histórico. Nessa seara, a busca da interpretação que melhor corresponda à intenção reguladora do legislador permite chegar-se ao elemento histórico da interpretação. Com efeito, uma regulação bem-sucedida do texto pode até ter um fim não alcan-çável pelo seu sentido literal, sendo assim necessárias as devidas correções quanto ao seu teor literal em conformidade com a respectiva finalidade. A in-terpretação teleológica consiste em estar de acordo com os fins cognoscíveis, bem como com as ideias fundamentais de uma dada regulação;

3) os critérios teleológico-objetivos, que têm por escopo proceder à valoração da previsão normativa, no sentido de superar as contradições ou aporias do texto. Com efeito, as contradições de valoração não devem ser confundidas com os conflitos aparentes entre normas, que existem quando as normas ordenam, para a mesma situação de fato, consequências jurídicas entre si excludentes. Para evitar contradições de valoração, é importante que a interpretação deixe--se guiar por princípios ético-jurídicos, examinando-se até que ponto a regula-ção legal permite a determinação de espaço para um ou outro princípio;

4) finalmente, há de se ponderar a “interpretação conforme a Constituição”, pois os princípios ético-jurídicos de escalão constitucional perfazem o sentido nor-mativo diretamente vigente, por mais que não estejam expressamente formula-dos na literalidade do texto interpretado.

31 Portanto, para além das questões elementares concernentes à coerência do ordenamento jurídico (vide nota de rodapé 1).

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É notório que o sentido literal deriva-se da linguagem geral, servindo apenas como ponto de partida para a interpretação; ao mesmo tempo, delimita as possibilidades de sua aplicação. Por isso, não pode o hermeneuta pretender que sua atividade cognitiva fique limitada ao mero sentido literal do texto32.

O contexto significativo da lei mostra-se imprescindível para a compre-ensão do significado especifico de um termo ou de uma frase. Isso vale também para verificar certo uso linguístico especial por parte da lei, para garantir que este não tenha fugido daquela. Esse contexto permite ainda esperar que diferen-tes normas concordem materialmente entre si, e, se houver dúvida, o texto da norma deverá ser interpretado a favor da concordância.

Sempre que o sentido literal possível e o contexto significativo do texto da lei deixarem margens a diferentes perspectivas, a interpretação a ser escolhi-da não pode ser feita de modo arbitrário, sendo necessária a busca pelo sentido que se ajuste à intenção reguladora do legislador, inclusive a partir do contexto histórico em que a norma foi criada, a partir da análise das regras e princípios aplicáveis ao tema. Ao mesmo tempo, há de ser considerado o escopo da norma em causa, que pode ser alcançado pela via da interpretação teleológica.

Finalmente, registre-se que os princípios ético-jurídicos de calibração constitucional naturalmente suscitam maior grau de importância, ao delimitar e vincular as regulações infraconstitucionais na medida em que estas são criadas pelo legislador ou interpretadas por seu aplicador.

Assim sendo, não se pode extrair da mera literalidade do dispositivo le-gal do art. 7º, VIII, da Lei nº 8.906/1994, convém insistir, um efeito limitado e desconexo em relação à complexidade que cerca a atividade jurisdicional e os interesses legítimos dos demais. Deve-se evitar, portanto, sob pena de injusti-ficável teratologia, a mera e exclusiva promoção da interpretação literal desse dispositivo.

Cumpre aos Magistrados, quanto ao mais, observar, com a devida di-ligência, as prerrogativas dos advogados, notadamente em virtude da indis-pensabilidade dos respectivos ofícios da classe para o oferecimento da melhor prestação jurisdicional, bem como para contribuir com o fiel cumprimento da missão institucional de cada uma das unidades da Justiça, em pleno atendimen-to às normas da Constituição Federal, da Loman, do Estatuto da Advocacia e das normas processuais aplicáveis, tudo dentro da devida ordem e com a respeitosa homenagem aos direitos e prerrogativas dos demais.

32 GADAMER, Hans-Georg. A razão na época da ciência. Trad. Ângela Dias. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1975. p. 57-77.

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Parte Geral – Doutrina

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Planejamento como Imperativo do Desenvolvimento Sustentável: A Ineficácia da Licitação Ecológica em Face da Lei Nacional de Licitações

Planning as Imperative Instrument of the Sustainable Development: The Inefficiency of the Ecological Bidding in Light of the National Law for Bidding

VInICIuS DInIz E ALMEIDA RAMOSMestrando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC), Pós‑Graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC‑Minas), Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen, Graduado em Admi‑nistração pela Faculdade Internacional de Ciências Empresariais (Fice), Advogado inscrito na OAB/MG sob o nº 130106.

MÁRCIO LuÍS DE OLIVEIRADoutorado e Mestrado em Direito pela UFMG, Aperfeiçoamento em Direito Internacional Pú‑blico e Privado na Holanda, Graduação em Direito pela UFMG, Professor Adjunto de Graduação e do Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara, Professor Adjunto de Direito Constitucional do Departamento de Direito Públi‑co da Faculdade de Direito da UFMG, Consultor Jurídico e Advogado Especializado e Atuante em Controle de Constitucionalidade nos Tribunais.

Submissão: 27.06.2015Decisão Editorial 27.08.2015Comunicação ao autor: 27.08.2015

RESUMO: Este trabalho aborda a imprescindibilidade do planejamento na elaboração de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável, adotando‑se como tema específico de investi‑gação a ineficácia das compras estatais ecológicas. Verifica‑se a insuficiência do novo art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, alterado pela Lei nº 12.349, de 2010, para efetivamente viabilizar a licitação sustentável no Brasil, eis que a mudança legislativa foi conduzida sob a égide do imediatismo, sem o necessário planejamento e sem a participação coordenada dos atores principais, quais sejam, o Poder Público, a iniciativa privada e a sociedade. Visando atingir ao objetivo proposto, realiza‑se uma abordagem acerca do imperativo do planejamento na implementação de uma nova política de desenvolvimento lastreada na sustentabilidade que, a rigor, representa a ruptura com o status quo e a adoção de uma nova lógica de produção e consumo. Em seguida, promove‑se o estudo da Lei nº 8.666, de 1993, com a finalidade de avaliar – com fundamento no princípio da legalidade – se seus dispositivos autorizam a adoção das compras ecológicas pela Administração, a partir do esta‑belecimento de critérios ambientais nas licitações. Por fim, conclui‑se que a falta de planejamento e

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de articulação no processo de alteração da Lei Nacional de Licitações, são os motivos principais da ineficácia da compra pública sustentável, que não pode ser efetivamente implementada com a atual legislação pátria.

PALAVRAS‑CHAVE: Planejamento; desenvolvimento sustentável; licitação sustentável.

ABSTRACT: This paper addresses the indispensability of planning in the development of public po‑licies aimed at sustainable development, adopting the specific research topic, the ineffectiveness of ecological state companies procurements. There is a deficiency in the new Clause 3 of Law No. 8666, 1993, amended by Law No. 12,349, 2010, to effectively facilitate the sustainable bidding in Brazil, since the legislative change was conducted under the aegis of the immediacy, without the necessary planning and without coordinated participation of the main actors, namely, the Govern‑ment, the private sector and society. In order to achieve the proposed purpose, it makes an approach about the imperative of planning the implementation of a new policy for development backed in the sustainability that, strictly speaking, is the rupture with the status quo and the adoption of a new logic of production and consumption. Then, it is promoted the study of Law No. 8666, 1993, in order to assess ‑ on the basis of the principle of legality ‑ if its provisions authorize the adoption of ecological procurements by the Government, from the establishment of the environmental criteria in bidding. Finally, it is concluded that the lack of planning and coordination in the process of amending the Na‑tional Law for Bidding are the main reasons for the ineffectiveness of sustainable public procurement, which cannot be effectively implemented with the current Brazilian legislation.

KEYWORDS: Planning; sustainable development; sustainable bidding.

INTRODuÇÃO

Em 15 de dezembro de 2010, foi sancionada a Lei nº 12.349, que al-terou dispositivos da Lei nº 8.666, de 1993. Entre as modificações realizadas, incluiu-se no art. 3º da Lei Nacional de Licitações como mais um dos objetivos da contratação pública, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

Constata-se que a falta de planejamento da mencionada alteração legis-lativa, a circunstancialidade da medida e o acanhamento do legislador – que deixou de regulamentar adequadamente a matéria – opuseram ao certame eco-lógico óbices dos mais variados gêneros. Sob esse prisma, almeja-se responder à seguinte questão: considerando o atual sistema normativo, é legal a adoção das licitações sustentáveis pelo Estado brasileiro?

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo geral abordar o papel essencial do planejamento no processo de desenvolvimento nacional sus-tentável, haja vista que, para a conquista de tamanho desafio, é imprescindível romper-se com a tradicional lógica de produção e de consumo (inclusive esta-tal), o que exige o sequenciamento de ações e medidas coordenadas, alinhadas e compartilhadas entre o Estado, a iniciativa privada e a sociedade.

Buscar-se-á, de modo específico, analisar a tentativa de implementação, no Brasil, da denominada licitação pública ecológica, a qual adota como sus-

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tentação jurídica a nova redação do art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, alterada pela Lei nº 12.349, de 2010.

Inicialmente, adotam-se duas hipóteses contrapostas. A primeira, de que a compra pública sustentável é inviável, em face da insuficiência de regulamen-tação sobre o tema. Nesse caso, parte-se da presunção de que o princípio da legalidade impõe incontornáveis limites ao Estado, impedindo-o de fixar, nos editais de licitação, requisitos ambientais que, efetivamente, não estejam pre-vistos na Lei Nacional de Licitações. A segunda hipótese baseia-se na premissa de que o art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil, combina-do com o novo art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, é suficiente para respaldar a inserção de critérios ecológicos nas compras e contratações promovidas pelos entes estatais.

Como marco teórico, salienta-se o princípio constitucional da legalidade, que se encontra previsto no caput do art. 37 da Constituição, caracterizando o Estado de Direito. Dessa forma, a Administração encontra-se inelutavelmente subsumida à norma jurídica, que deve indicar não só o quê fazer, mas também quando e como deve atuar o administrador.

uma ampla pesquisa bibliográfica procurará confrontar a doutrina ad-ministrativista e a doutrina ambientalista. A primeira, fiel aos princípios da Ad-ministração Pública, especialmente ao princípio da legalidade; a segunda, bus-cando encontrar alternativas práticas para a implementação da compra estatal ecológica. A investigação lastrear-se-á no método hipotético-dedutivo, adotan-do-se a premissa de que a observância do princípio da legalidade é basilar no estado de direito.

Este tema é particularmente importante, tendo em vista que a Consti-tuição e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil impõem-lhe a adoção de compras públicas alinhadas aos preceitos do desenvolvimento sus-tentável, e, para tanto, cumpre papel relevante o planejamento, bem como uma produção legislativa suficiente para regulamentar a matéria.

Inicia-se o trabalho com a discussão acerca da imprescindibilidade de se planejar o processo de construção de uma nova lógica de desenvolvimento, quando se procurará demonstrar que uma política pública nesse sentido requer o envolvimento não somente dos entes estatais, mas também dos agentes priva-dos e da sociedade, que devem atuar de forma articulada e planejada.

Em seguida, abordar-se-á a questão da licitação sustentável, seus funda-mentos e os obstáculos – legais, principiológicos e práticos – para sua efetiva implementação. Far-se-á uma incursão pelo princípio da legalidade em contra-posição à doutrina de que o novo art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, é suficiente para legitimar a compra ecológica. Nesse bojo, apontar-se-á também a desco-

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nexão entre este tipo de contratação pública e a realidade da iniciativa privada no Brasil.

Ao final, procurar-se-á demonstrar a relação conflituosa entre o princípio constitucional da legalidade e a eco-aquisição pública, bem como a impres-cindibilidade de se planejar a regulamentação da licitação sustentável, o que requer a participação articulada do Poder Público, da iniciativa privada e da sociedade.

1 PLANEjAMENTO COMO PRESSuPOSTO DO DESENVOLVIMENTO SuSTENTáVEL

Planejamento define-se como o processo estruturado por meio do qual se busca elaborar, traçar ou projetar um plano, visando atingir, de forma eficiente e eficaz, determinados objetivos futuros, fixando-se metas de curto e/ou médio e/ou longo prazos. Nesse mister, define-se onde se quer chegar, o que deve ser feito, quando, como e em que sequência. O plano, geralmente, importa na adoção de medidas coordenadas, cujo encadeamento promove o alcance das finalidades (Chiavenato, 2000, p. 126).

Souza (2005, p. 372) aduz que planejamento é o ato de planejar, signifi-cando a racionalização do emprego dos meios e recursos disponíveis, a fim de deles extrair os efeitos mais favoráveis possíveis. Segundo o autor, o conceito tem sentido econômico, na medida em que se busca obter a maior vantagem do emprego de meios escassos. O plano é a peça técnica, a corporificação do ato de planejar.

Por sua vez, desenvolvimento conceitua-se como o processo de aprimo-ramento de um conjunto de valores desejáveis pela sociedade, o que exige a consideração de diversos fatores, tais como o crescimento do bem-estar econô-mico, medido por meio de indicadores de natureza econômica, a redução dos níveis de pobreza, desemprego e desigualdade, a melhoria das condições de saúde, nutrição, educação, moradia e transporte (Milone, 2001, p. 514). Desen-volvimento é, tradicionalmente, o processo de aperfeiçoamento das condições econômicas e sociais e, modernamente, a conjugação destas com a proteção e preservação do meio ambiente.

Interessa, neste trabalho, especialmente o planejamento econômico e social conduzido pelo Estado, haja vista que este, direta ou indiretamente, cria obrigações para si próprio e promove o incentivo para que os agentes produti-vos adotem determinadas posturas. Trata-se de uma opção política que, entre-tanto, deve estar alinhada com a sociedade e com a iniciativa privada.

O ato de planejar deve se fundamentar em dois elementos basilares: o diagnóstico – no sentido de identificar e interpretar a realidade atual a ser modi-ficada – e o prognóstico, quando se fixa o ponto futuro onde se deseja chegar.

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Não obstante caracterizar-se como um rompimento com o presente, esse trans-curso é composto por ações e medidas racionalmente arquitetadas.

É nesse contexto que Fonseca (2007, p. 339-340) afirma que o plane-jamento econômico, surgido no século XX, tem como objetivo “imprimir ao mercado um direcionamento diferente daquele que o regeria se deixado às suas ‘leis naturais’”. E continua, lecionando que “o planejamento tem como finalida-de fazer com que a tomada de decisões e a informação de ações sejam impreg-nadas de racionalidade”.

Dessa forma, para se romper com uma realidade indesejada e aventar um processo de desenvolvimento, as ações e medidas hão que ser planejadas, condicionando-se seu sucesso à participação dos atores (entes públicos, agentes privados e sociedade) que, direta ou indiretamente, suportarão seus efeitos e consequências.

Ao se pensar em sustentabilidade, o imperativo do planejamento passa a ser essencial, haja vista que o rompimento com o estado atual, nesse caso, exige uma profunda mudança nos modos de produção e de consumo que se encon-tram arraigados na sociedade e nas organizações. Somente a partir de um novo cenário produtivo e consumerista é que se poderá, efetivamente, vislumbrar um desenvolvimento nacional sustentável.

Cabe lembrar que a ideia do desenvolvimento sustentável tem origem na Conferência de Estocolmo, em 1972. Os Princípios 11 e 52 emanados dessa Conferência, apesar de não trazerem, explicitamente, o termo “desenvolvimen-to sustentável”, tiveram o condão de promover uma reflexão mundial sobre o tema, cuja premissa se assenta no atendimento das necessidades das gerações do presente sem comprometer o das gerações vindouras.

Os Princípios 23 e 134, por sua vez, indicam que “deve ser realizado um planejamento adequado e integrado, com ordenamento mais racional, para a preservação do ar, do solo, da fauna, da flora e dos ecossistemas naturais” (Machado, 2014, p. 72). Nota-se, já aqui, uma orientação para que as mudan-ças no processo de desenvolvimento sejam objeto de planejamento.

1 “O homem é portador solene da obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras.”

2 “Os recursos não renováveis da Terra devem ser utilizados de forma a evitar o seu esgotamento futuro.”3 “Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna, e, especialmente, parcelas

representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequada.”

4 “A fim de lograr um ordenamento mais racional dos recursos e, assim, melhorar as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado da planificação de seu desenvolvimento, de modo a que fique assegurada a compatibilidade do desenvolvimento, com a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano, em benefício de sua população.”

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Quinze anos mais tarde, em 1987, o Relatório Brundtland5 destacou, pela primeira vez, a expressão “desenvolvimento sustentável”, consagrando a ideia da necessária integração entre a economia e o meio ambiente, a partir de uma nova concepção de progresso, por meio do qual as presentes gerações satisfaçam suas necessidades sem, entretanto, comprometerem a satisfação das necessidades das futuras gerações.

Por sua vez, a Conferência das Nações unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento destacou, em seu Princípio 8: “Para alcançar o desenvolvi-mento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas”. A citada convenção, realizada na cidade do Rio de Janeiro e também conhecida como Rio-92 ou Eco-92:

[...] estabeleceu os princípios fundamentais e o programa de ação para se alcan-çar o desenvolvimento sustentável. Entre esses princípios destacam-se: o papel central do ser humano com relação ao desenvolvimento sustentável e seu direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza, bem como a necessidade de se considerar a proteção do meio ambiente como parte integrante do processo de desenvolvimento, e a erradicação da pobreza como tarefa es-sencial e indispensável ao desenvolvimento sustentável. Por fim, cabe destacar, igualmente, o princípio segundo o qual os Estados deverão reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo. (Yaker et al, 2014, p. 30)

Vale também destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 225, ratifica o ideário do desenvolvimento sustentável ao dispor que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

É importante ainda observar que o texto constitucional, em vários outros dispositivos6, demonstra a preocupação do legislador constituinte com a prote-ção e preservação ambiental, que deve conjugar-se com os preceitos do desen-volvimento econômico e social.

Esse processo de transmutação dos fundamentos do desenvolvimento econômico brasileiro, que passa de uma ótica focada no crescimento a qual-quer custo para uma diretriz lastreada na sustentabilidade, configura-se como uma ruptura entre um passado indesejado e um futuro ansiado pela sociedade. Exige, dessa forma, a implantação de ações e medidas de amplo espectro, o

5 Relatório elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 1983, e presidida por Gro Harlem Brundtlandaté 1987.

6 Art. 5º, inciso LXXIII; art. 23, inciso VI; art. 24, incisos VI e VIII; art. 129, inciso III; art. 170, inciso VI; art. 174, § 3º; art. 186, inciso II; art. 200, inciso VIII; e art. 220, § 3º, inciso II.

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efetivo envolvimento dos entes públicos, dos agentes privados e dos atores da sociedade civil e, para que seja exitosa, requer racionalidade e planejamento.

O ideal do progresso sustentável impõe a produção concatenada e har-mônica de legislação infraconstitucional (conciliando o sistema jurídico a esta nova concepção de desenvolvimento), a conscientização, orientação, progra-mação e, em muitos casos, o financiamento da iniciativa privada, para que promova as alterações necessárias em seu sistema produtivo, o estímulo à so-ciedade para que modifique sua lógica de consumo, dando primazia a produtos e serviços sustentáveis, a fixação de condições e requisitos para a importação de produtos do mercado externo e, por fim, exige o aperfeiçoamento das regras de compras e contratações públicas, para que o Estado – propulsor e principal ator desse processo – possa, legalmente, condicionar as contratações estatais ao cumprimento de critérios e requisitos ambientais por aqueles que com ele desejem transacionar.

É impensável realizar-se todo esse conjunto de ações sem um planeja-mento de longo prazo, que independa de ideologia política e de partidos polí-ticos, mas que seja um projeto nacional de implementação efetiva, eficiente e eficaz do desenvolvimento sustentável aventado no âmbito internacional ainda em 1972 e incorporado na Constituição brasileira em 1988.

Lamentavelmente, porém, no Brasil, prevalecem as medidas imediatistas, a maioria desconectadas, que surgem e desaparecem ao sabor das circunstân-cias (muitas delas decorrentes de apelos sociais episódicos, não menos imedia-tistas e circunstanciais). É por isso que normas são estabelecidas e, em seguida, modificadas ou revogadas; que programas de governo são abandonados com a mudança de poder; que leis são sancionadas, mas não atingem seu objetivo, ora porque são efetivamente impraticáveis, ora porque conflitam com outras normas, ora porque ferem interesses políticos ou econômicos.

Sem planejamento, o desenvolvimento sustentável fica condenado a tra-fegar nos discursos vazios, assumindo conotação nítida e exclusivamente sim-bólica, lançando no abismo do descrédito e da desconfiança toda e qualquer boa iniciativa que se pretenda implantar, ainda que de forma voluntária e al-truísta.

2 LICITAÇÃO SuSTENTáVEL: INEFICáCIA PELA FALTA DE PLANEjAMENTO E DE AMPARO LEGAL

Licitação é o procedimento administrativo, formal e vinculado, por meio do qual a Administração realiza suas compras, contratações, locações e aliena-ções, em busca da proposta mais vantajosa e com observância dos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

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A doutrina administrativista nos apresenta outras definições de licitação pública, não havendo, todavia, nenhuma que escape significativamente do que anteriormente foi disposto. Vale apontar, de toda forma, o conceito apresentado por Meirelles (2007, p. 27), para quem:

Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pú-blica seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Visa a proporcionar iguais oportunidades aos que desejam contratar com o Poder Pú-blico, dentro dos padrões previamente estabelecidos pela Administração, e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos. É o meio técnico-legal de verificação das melhores condições para a execução de obras e serviços, compra de materiais e alienação de bens públicos. Realiza-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculados para a Administração e para os licitantes, sem a observância dos quais é nulo o procedimento licitatório, e o contrato subsequente.

Deu-se a denominação de “licitação sustentável”, por sua vez, ao proce-dimento licitatório que, no edital, estabelece critérios e requisitos ambientais a serem comprovados pelas empresas interessadas em contratarem com a Admi-nistração, como condição para sua participação no certame.

Licitações sustentáveis – também denominadas licitações ecológicas, compras públicas sustentáveis, eco-aquisição, compras verdes, compra am-bientalmente amigável e licitação positiva – são aquelas que levam em conta, na seleção dos fornecedores, a sustentabilidade ambiental dos produtos, servi-ços e processos produtivos (Meneguzzi, 2011, p. 21-22).

Como instituto jurídico, a licitação sustentável está em perfeito alinha-mento com o Princípio 87 da Rio-92, uma vez que a assunção do compromisso de reduzir os padrões insustentáveis de consumo, pelos signatários, não implica apenas na mudança dos padrões consumeristas da sociedade, mas também nos padrões de consumo do próprio Estado.

O respaldo teórico para a licitação sustentável é encontrado também no art. 225 da Constituição, que, ao atribuir ao Poder Público o dever de proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, impõe-lhe, ainda que implicitamente, o dever de privilegiar a compra de bens ou a contra-tação de serviços sustentáveis.

A principal questão, entretanto, é que, apesar de já terem se passado 27 anos desde a promulgação da Constituição, e 23 anos desde a Conferência Rio-92, o Estado brasileiro não se planejou para a implantação eficiente e eficaz

7 “Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas.” (grifos nossos)

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do certame ecológico. Nem o Poder Executivo nem o Poder Legislativo envi-daram esforços no sentido de elaborarem um planejamento consistente, coa-dunado com os interesses da sociedade e dos agentes privados, com metas de curto, médio e longo prazos, que tornassem a licitação sustentável uma prática cotidiana da Administração.

Permitiu o Estado – comportando-se de forma omissa e negligente – que o tema viesse sendo desenvolvido ao longo do tempo pela doutrina, pelos ór-gãos fiscalizatórios8 e pelo Poder Judiciário, ao sabor das circunstâncias e com uma nítida desconexão legal, acarretando não só controvérsias doutrinárias, mas a sensação de desobrigatoriedade da adoção do certame público sustentá-vel, pelos diversos órgãos e entidades públicas.

2.1 prIncípIo dA legAlIdAde verSuS lIcItAção SuStentável

A legalidade é um dos princípios mais importantes a serem observados na condução da licitação, conforme prescrito no art. 37 da Constituição9 e no art. 3º da Lei Nacional de Licitações Públicas10 (Lei nº 8.666, de 1993). Sua essencialidade é enfatizada por Mendes (2011, p. 860) que, ao cuidar do tema, aduz que:

Embora possa parecer uma tautologia, nunca é demais afirmar que a Administra-ção Pública está jungida pela legalidade, que é princípio essencial ao Estado de Direito. Por esta razão a quase totalidade das constituições modernas explicita o princípio da legalidade como postulado fundamental do Estado.

Pode-se dizer, do princípio da legalidade em relação ao Estado de Direito, que é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria, pois ele representa a submissão do Estado à lei.

Desse modo, o procedimento da licitação deve observar estritamente o que prevê e autoriza a lei. Não há, em regra, liberdade para interpretações que a tangenciem, sendo restrita a discricionariedade administrativa. Para a Adminis-tração Pública, o que não está expressamente autorizado por lei, stricto sensu, é proibido e não pode ser executado, cabendo ainda destacar que:

8 Especialmente a Controladoria-Geral da União – CGU e o Tribunal de Contas da União – TCU.9 “Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]”

10 “Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”

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O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular. De fato, este pode fazer tudo que a lei permite e tudo que a lei não proíbe; aquela só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. (Gasparini, 2012, p. 61)

Foi assim, em uma demonstração de absoluto despreparo e imediatismo – característicos do Estado brasileiro –, que o Congresso Nacional elaborou e aprovou a Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010, alterando o art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993 e incluindo, entre os objetivos colimados pela licitação pública, a “promoção do desenvolvimento nacional sustentável”.

Interessante anotar, nesse ponto, que a citada lei decorreu da conversão da Medida Provisória nº 495/2010 que, na origem, incluía no art. 3º da Lei Nacional de Licitações apenas e tão somente a expressão “desenvolvimento nacional”, com viés essencialmente econômico. Almejava o Poder Executivo criar mecanismos para privilegiar a indústria brasileira nas compras públicas: nada relacionado à sustentabilidade ou critérios ecológicos de seleção de for-necedores e prestadores de serviços.

Pois bem. Ao Congresso Nacional coube, de forma negligente, modificar o texto da medida provisória e da Lei nº 8.666, criando um conflito doutri-nário de difícil solução. Se, por um lado, a Lei de Licitações passou a indicar como um dos objetivos da compra pública a “promoção do desenvolvimento nacional sustentável”, por outro lado não indicou a lei como e quando realizar esse desiderato (requisito imprescindível para o cumprimento do princípio da legalidade).

Há quem entenda, contudo, que o só fato do “desenvolvimento nacional sustentável” estar agora sutilmente mencionado na Lei nº 8.666, de 1993, já seria suficiente para que a Administração incluísse nas licitações a exigência de cumprimento de critérios e requisitos ambientais por parte dos agentes privados que desejam contratar com o Estado. Para esta corrente de pensamento, não há dúvida de que:

[...] a contratação pública exibe, atualmente, importante potencial de minoração dos danos ambientais, desde que o governo, em suas contratações, escolha bens e serviços comprovadamente sustentáveis.

Conforme o disposto na Lei nº 8.666, de 1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição da República, e normatiza as licitações e contratos públi-cos, é permitido o estabelecimento de requisitos ambientais para a aquisição de produtos e serviços pela união, Estados, Distrito Federal e Municípios. (Coelho, 2014, p. 32-33)

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Entretanto, adotamos posição divergente. A uma, porque a conclusão no sentido de que a Lei nº 8.666, com a redação dada ao art. 3º pela Lei nº 12.349, permite o estabelecimento de requisitos ambientais nos certames públicos, é obra de uma interpretação que vai muito além do razoável, com ofensa ao princípio da legalidade. A duas, porque, ainda que a nova redação do art. 3º da Lei de Licitações fosse suficiente para fundamentar a compra estatal sustentável, faltou-lhe indicar “quando” e “como” implementar essa espécie de licitação: pontos essenciais, conforme bem observa Gasparini (2012, p. 61).

Há, também, quem reconheça (adequadamente) a força do art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, mas condicionando sua efetiva aplicação a uma legislação ulterior que lhe dê os contornos necessários. Essa corrente doutrinária parte da premissa de que:

O norte dado pelo conceito de desenvolvimento nacional sustentável (Lei nº 8.666/93, art. 3º, caput) não pode ser ignorado, uma vez que se trata de con-ceito jurídico indeterminado, mas sua força não seria tanta que autorizaria qual-quer adoção sustentável sem a intervenção do legislador. (Bim, 2011, p. 144)

Dessa forma, a simples, acanhada, circunstancial, imediatista e mal pla-nejada alteração do art. 3º da Lei Nacional de Licitações não pode servir de sal-vo conduto para que a Administração estabeleça, de acordo com seus interesses (não menos circunstanciais), os critérios e requisitos ambientais que melhor lhe aprouver, para fazê-los constar dos editais de compras e contratações públicas.

2.2 A deSconeXão entre A lIcItAção SuStentável e A reAlIdAde dA InIcIAtIvA prIvAdA

Não bastassem os argumentos legais acerca da impropriedade da licita-ção pública sustentável, há ainda que se considerar a desconexão dessa espécie de compra estatal com a realidade observada nos agentes privados que transa-cionam ou pretendem transacionar com o Estado.

O atendimento de critérios e requisitos ambientais fixados nos editais das licitações exige, por parte da iniciativa privada, uma série de ações e me-didas que permitam fazer com que seus produtos e serviços adequem-se a essa prática, podendo-se mencionar, apenas exemplificadamente, a modificação de seu processo produtivo, envolvendo a aquisição de máquinas e equipamentos tecnologicamente mais avançados, a alteração ou desenvolvimento de seus for-necedores de matéria prima, o treinamento dos empregados, entre várias outras.

É impensável imaginar que a iniciativa privada – já sufocada por uma carga tributária exorbitante – disponha de recursos financeiros a curto prazo para, pretendendo adequar-se aos requisitos ecológicos das licitações públicas, promover todas as medidas a fim de transformar seu processo produtivo. Im-prescindível, para tanto, um criterioso planejamento de médio ou longo prazo.

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A impropriedade da licitação sustentável, nos moldes em que foi lançada no sistema jurídico, fica ainda mais evidente quando se constata que a legis-lação (constitucional e infraconstitucional) tem uma inclinação no sentido de fomentar as atividades das micro e pequenas empresas. Não sem razão, eis que, conforme levantamento do Sebrae (2014, p. 6), existem cerca de nove milhões de micro e pequenas empresas no Brasil, as quais são responsáveis por pouco mais da metade dos empregos formais e por aproximadamente 27% do Produto Interno Bruto – PIB do ano de 2011.

Notam-se essas estratégias de fomento – todas insertas na Constituição – no art. 146, inciso III, alínea d (prevendo o tratamento tributário diferenciado e favorecido às micro e pequenas empresas, por meio de lei complementar), art. 170, inciso IX (introduzindo o tratamento favorecido para as micro e peque-nas empresas sediadas no Brasil) e art. 179 (determinando que os entes federa-dos dispensem às micro e pequenas empresas tratamento jurídico diferenciado, objetivando simplificar suas obrigações).

No que concerne às licitações públicas, destaque-se os arts. 42 a 49 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Citados artigos estabelecem uma série de facilitadores às micro e pequenas empresas quando de sua participação em certames públicos, incluindo a criação do cognominado “empate ficto”11, a possibilidade de emissão de cédula de crédito microem-presarial12 e a possibilidade da Administração desenvolver licitações exclusiva-mente destinadas às micro e pequenas empresas13.

Ora, ocorre que são exatamente as micro e pequenas empresas as que dispõem de condições (financeiras) mais precárias para realizar os investimen-tos necessários à modificação de sistemas produtivos. Aliás, somente partindo da premissa da vulnerabilidade e da precariedade financeira conseguir-se-ia justificar a série de benefícios oferecidos a esse porte de empresa pelo ordena-mento pátrio.

11 “Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.

§ 1º Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.

§ 2º Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1º deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.”

12 “Art. 46. A microempresa e a empresa de pequeno porte titular de direitos creditórios decorrentes de empenhos liquidados por órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e Município não pagos em até 30 (trinta) dias contados da data de liquidação poderão emitir cédula de crédito microempresarial.”

13 “Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta lei complementar, a Administração Pública:

I – deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

[...]”

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O eventual reconhecimento da legalidade da licitação sustentável põe à mostra a contradição. Por um lado, oferecem-se benefícios e fomenta-se a atividade das micro e pequenas empresas – em razão de sua estrutura financei-ra mais frágil e objetivando seu desenvolvimento – para que participem com sucesso das licitações públicas. Por outro lado, hipoteticamente, exigem-se critérios e requisitos ambientais nos certames, os quais, a rigor, só podem ser atendidos com a modificação do processo produtivo e, consequentemente, com substanciais investimentos em tecnologia, desenvolvimento de fornecedores e treinamento de pessoal.

A falta de planejamento e de uma política pública de Estado acaba acar-retando situações como as anteriormente expostas, nas quais se têm, de um lado, uma diretriz econômica e, de outro lado, outra diretriz colidente com a primeira e ofensiva aos princípios da Administração Pública, especialmente ao princípio da legalidade.

2.3 lIcItAção SuStentável: obrIgAtorIedAde ou InAplIcAbIlIdAde?

A ineficiência da licitação sustentável se denota nas discussões doutri-nárias e nas inúmeras fórmulas desenvolvidas para justificarem e orientarem a prática da compra pública ecológica. Caso tivesse sido bem planejada e con-tando com a participação da sociedade e da iniciativa privada, boa parte dessas controvérsias não teria razão de ser.

Afora o incontestável embate entre o princípio da legalidade e a suposta aplicabilidade da licitação sustentável – já tratado na seção 2.1 deste artigo –, há entendimentos diversos sobre a forma como esse tipo de certame poderia ser implementado. Há quem admita que a inclusão dos critérios e requisitos ambientais far-se-ia na fase de habilitação. É nesse sentido que Souza (2014, p. 107), ao tratar da fase habilitatória nas compras estatais sustentáveis, aduz que “os requisitos de habilitação nas licitações públicas encontram previsão nos arts. 28, V, e 30, IV, da Lei nº 8.666/1993, que respaldam as exigências de ca-ráter socioambiental na licitação como requisitos específicos ou de obrigações contratuais próprias”.

Contudo, a doutrina administrativista é praticamente unânime no sentido de que, na fase de habilitação, não é possível a inclusão de qualquer outro do-cumento além daqueles taxativamente arrolados na Lei nº 8.666, de 1993. Tal posicionamento fundamenta-se no fato de que

O art. 27 efetivou a classificação dos requisitos de habilitação. As espécies cons-tituem numerus clausus e são: habilitação jurídica, regularidade fiscal e trabalhis-ta, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira e a comprovação da utilização regular do trabalho de menores. [...]

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O elenco dos arts. 28 a 31 deve ser reputado como máximo e não como mínimo. Ou seja, não há imposição legislativa a que a Administração, em cada licitação, exija comprovação integral quanto a cada um dos itens contemplados nos referi-dos dispositivos. O edital não poderá exigir mais do que ali previsto, mas poderá demandar menos. (Justen Filho, 2014, p. 540-541)

O Tribunal de Contas da união tem se balizado por este entendimento, já tendo decidido que:

26. A exigência de que a empresa deve comprovar que adota medidas para evitar o desperdício de água tratada (item 10.7.1.4 do edital) está prevista no art. 6º, II, da IN MPOG/SLTI 1/2010. No entanto, essa prática de sustentabilidade deve ser exigida durante a execução dos serviços. Logo, não pode ser usada como condi-ção para habilitação técnica da licitante (Acórdão nº 122/2012-Plenário).

De modo alternativo, parte da doutrina defende a posição de que os critérios e requisitos ambientais devem, na verdade, compor o rol de quesitos técnicos pontuáveis nas licitações do tipo técnica e preço. Sob esse viés, a uti-lização de certificações como critério de pontuação técnica é admitida pelo Tribunal de Contas da união, ao indicar que:

Preliminarmente, deve ser esclarecido que a jurisprudência deste Tribunal tem considerado ilegal a exigência de certificação da série ISO 9000 como requi-sito de habilitação em procedimentos licitatórios, mas tem aceito a possibilida-de da sua previsão no edital como critério de pontuação (Decisões Plenárias nºs 408/1996, 20/1998 e 140/1999; Acórdãos nºs 124/2002, 1937/2003 e 330/2005, todos do Plenário) [Acórdão nº 304/2006-Plenário].

Porém, como é cediço, a inclusão de quesitos ambientais como critério de pontuação técnica nas licitações do tipo técnica e preço não asseguram que a empresa vencedora seja uma daquelas que pontuaram naqueles quesitos, uma vez que o julgamento desse tipo de licitação se perfaz da conjugação de “técni-ca” e “preço”, sendo este último fator relevante na avaliação. Em outros termos: pode uma empresa não atender aos quesitos técnicos ambientais e, em razão de praticar preços inferiores aos demais licitantes, sagrar-se vencedora do certame.

No afã de encontrar uma alternativa para a compra pública sustentável – eis que silente a lei – boa parte da doutrina segue a vertente – ao nosso sentir, de forma equivocada – de que os critérios e requisitos ambientais devem integrar o objeto da licitação (a especificação constante do termo de referência). um exemplo dessa prática é que:

Nos certames paulistas, havendo necessidade de inserção de critérios socioam-bientais num determinado produto, eles fariam parte da especificação técnica. Isto ocorreria na fase interna de preparação da licitação. Somente após esta

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caracterização seria elaborado o preço de referência do produto. (Meneguzzi, 2011, p. 29)

Nessa concepção, Coelho (2014, p. 82) é ainda mais enfático, lecionan-do que:

Licitação pública sustentável é o procedimento pelo qual a autoridade adminis-trativa busca adquirir bens e serviços que, ao longo de sua vida útil, causam o menor impacto ambiental possível, inserindo, assim, no ato convocatório, cri-térios e especificações ambientais, em total conformidade com a legislação de regência, isto é, o gestor formula especificações técnicas mínimas que todos os licitantes devem obedecer e cumprir por ocasião do fornecimento de bens ou da execução de serviços.

Essas posições destoantes – fomentadas pela falta de legislação adequada acerca da compra pública sustentável – coloca em xeque a própria licitação ecológica. Ora, se à Administração só é permitido fazer o que a lei expressa-mente autoriza, na forma (como) e no tempo (quando) legalmente indicados; e se, para a licitação sustentável, a lei sequer apontou em que fase do procedi-mento estaria autorizada a inserção de critérios e requisitos ambientais, então não se pode chegar a outra conclusão a não ser a de que a desejada eco-aqui-sição pública é ilegal e, dessa forma, não pode ser adotada pelos entes estatais.

Portanto, inelutável reconhecer-se que a expressão “promoção do desen-volvimento nacional sustentável” incluída no art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, tem valor estritamente simbólico, haja vista que, inexistente adequada previsão legal, o mencionado dispositivo não tem força suficiente para viabilizar a com-pra ecológica.

Até mesmo Coelho (2014, p. 159), defensor da implementação da licita-ção sustentável, reconhece que não há política pública no Brasil, desenvolvida de forma articulada e inteligente, que permita colocar-se em prática o primado da “promoção do desenvolvimento sustentável”, o que vem corroborar o que dissemos alhures: a adoção de critérios de sustentabilidade nos editais das lici-tações públicas é ilegal, em face da atual legislação.

Essa desarticulação nacional decorre da falta de planejamento de Estado, da falta de políticas governamentais, que efetivamente preparem o País para uma nova lógica de produção e de consumo (inclusive estatal) e a partir da qual a licitação sustentável encontre campo fértil para ser legalmente prevista e efetivamente implantada.

CONCLuSÃO

O processo de desenvolvimento, e com muito mais razão de desenvol-vimento sustentável, representa a ruptura do status quo e o abandono de pa-

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radigmas indesejados, como, por exemplo, a lógica atual de produção e de consumo, inclusive estatal. Para o alcance desse postulado de sustentabilidade, é imprescindível um planejamento coordenado e participativo, com o envolvi-mento dos entes públicos, da iniciativa privada e da sociedade civil.

Lamentavelmente, porém, o Brasil tem se guiado ao longo do tempo por medidas imediatistas e circunstanciais, sem qualquer articulação ou predispo-sição para planejar as ações, o que acaba por torná-las ineficazes e, não raro, colidentes entre si.

Caso típico é a tentativa de implantar-se a licitação ecológica no País, por meio da qual o ente promotor do certame estabelece critérios e requisitos ambientais como condição para que as empresas interessadas em transacionar com o Estado possam participar do procedimento.

Pretendeu-se instituir essa espécie de compra estatal com a sanção da Lei nº 12.349, de 2010, que alterou o art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, para fazer constar, entre os objetivos da licitação, a promoção do desenvolvimento nacio-nal sustentável. Porém, nem a Lei de 2010 nem legislação ulterior cuidaram de minudenciar o assunto, o que fez proliferar o debate acerca da controvérsia so-bre a forma e o momento em que os critérios e requisitos ambientais poderiam ser exigidos dos licitantes.

Já de imediato, observa-se uma relação conflituosa entre a eco-aquisição pública e o princípio da legalidade – ao qual o Estado sujeita-se, nos termos do art. 37 da Constituição e do art. 3º da Lei nº 8.666 –, haja vista que à Adminis-tração só é permitido executar aquilo que a lei expressamente autoriza, e mais, na forma e no tempo permitidos. uma vez que não há legislação que discipline como e quando a licitação ecológica pode implementar-se, conclui-se que a eco-aquisição pública, pautada apenas em critérios ambientais fixados discri-cionariamente nos instrumentos convocatórios, é ilegal.

Além disso, a episódica alteração da Lei Nacional de Licitações pela Lei nº 12.349, de 2010, desconsiderou os impactos que o instituto da sustentabili-dade nas contratações públicas acarretaria aos agentes privados. Só há compra sustentável se houver, de outro lado, uma produção sustentável que, para se efetivar, requer modificações (às vezes profundas) no processo produtivo, com investimentos em tecnologia, máquinas, equipamentos e treinamento de pes-soal. Ocorre que, para a realização desses investimentos, é imprescindível um planejamento por parte das empresas, não se podendo, repentinamente, alterar o sistema de compras governamentais, impondo-o aos particulares.

A licitação sustentável é louvável e, acreditamos, deve ser implantada em respeito aos dispositivos ambientais da Constituição (particularmente o art. 225, que atribui ao Poder Público o dever de proteger e preservar o meio

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ambiente) e dos compromissos internacionais firmados pelo Brasil (especial-mente na Rio-92). Entretanto, essa implantação deve ser precedida de um cri-terioso planejamento, do qual devem participar os entes públicos (de todos os níveis), a sociedade e, especialmente, a iniciativa privada.

É preciso que esse planejamento transcenda governos e simbolize a con-fluência de ideais e que, evitando surpresas, estabeleça ações, metas e medi-das, de curto, médio e longo prazos, de modo que todos os atores envolvidos preparem-se para a ruptura com o atual modelo produtivo e consumerista.

A conscientização social sobre a importância da proteção e preservação ambiental, a preparação dos agentes produtivos para que adotem um sistema de produção sustentável e a elaboração de leis que viabilizem e minudenciem a compra pública ecológica, tornando-a eficaz, são medidas impostergáveis e que, em conjunto, traduzem-se no primado do desenvolvimento sustentável, ao qual o Brasil comprometeu-se a perseguir.

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Parte Geral – Jurisprudência

3103

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoNumeração Única: 0031032‑33.2006.4.01.3400Apelação Cível nº 2006.34.00.031803‑3/DFRelator: Desembargador Federal João Batista MoreiraApelante: Rodoviário União Ltda.Advogado: Andre Puppin Macedo e outros(as)Apelante: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECTAdvogado: Gustavo Esperança Vieira e outros(as)Apelado: os mesmos

ementA

LICITAÇÃO – REVOGAÇÃO – EMPRESA VENCEDORA – PRETENSÃO DE ANuLAÇÃO DO ATO – INDEFERIMENTO – PREjuDICIALIDADE, EM RAZÃO DO TEMPO DECORRIDO – PRETENSÃO SECuNDáRIA DE INDENIZAÇÃO – REEMBOLSO DAS DESPESAS COM A LICITAÇÃO – DEFERIMENTO NA SENTENÇA – RESSARCIMENTO DE OuTROS PREjuÍZOS COM ANTECIPAÇÃO DE PROVIDêNCIAS EM FACE DA ExPECTATIVA DE CONTRATAÇÃO – ACRÉSCIMO – PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AuTORA

1. Na sentença, foi julgado “parcialmente procedente o pedido para condenar a Ré a reembolsar à autora as despesas realizadas com a participação da Concorrência nº 09/2004, as quais deverão ser com-provadas na fase de execução da presente decisão ou em liquidação de sentença, conforme o caso”.

2. A esta altura, não seria faticamente possível atender à pretensão principal de anular a revogação da Licitação nº 009/2004, sucedida por uma pluralidade de contratos, resultantes de pregões, com o pra-zo de sessenta meses (já completamente executados, ao que se pre-sume), a fim de que o contrato seja celebrado com a autora-apelante.

3. Prejudicada a anulação da revogação, prejudicada está, em con-sequência, a alegação de desrespeito ao devido processo legal para esse ato. Resta, pois, examinar a consistência do interesse da autora apenas para avaliar a pretensão secundária de indenização.

4. O art. 49 da Lei nº 8.666/1993 estabelece que “a autoridade com-petente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato super-

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veniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para jus-tificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fun-damentado”.

5. Esse dispositivo deve ser interpretado, conforme a Constituição, de modo a não impedir a revogação de licitação para, motivadamente, atender, conforme demonstrado no caso, ao princípio da eficiência. Não se vai exigir que determinada licitação seja mantida a qualquer custo, mesmo em face da mudança, no meio do processo, da política administrativa, com o intuito de melhor atender ao interesse público. O que o dispositivo legal busca evitar é o desvio de finalidade ou, mesmo, a mera arbitrariedade do administrador público, caracteri-zados pela revogação de licitação para atender a interesse privado ou, mesmo sem desvio de finalidade, por motivos desproporcionais à gravidade desse ato.

6. Não é o que ficou demonstrado, ao contrário, restou evidenciado que a revogação aconteceu em período conturbado da administra-ção da ECT, ao ponto de ter-se tornado necessária a substituição dos componentes da direção da empresa e a consequente mudança de sua política administrativa.

7. Lícita a revogação da licitação, deve-se examinar se o ato teria, mesmo assim, gerado obrigação de indenizar, sabido que atos lícitos também podem empenhar a responsabilidade objetiva do Estado.

8. A mudança de orientação, que resultou na revogação da licitação, foi ato de planejamento, que, se não feriu direito subjetivo, pelo me-nos frustrou uma expectativa legítima da empresa.

9. A autora tem direito ao reembolso das “das despesas realizadas com a participação da Concorrência nº 009/2004”, assim como a indenização por eventuais prejuízos efetivos que tenha tido em ra-zão da antecipação de providências (ex.: investimentos) realizadas em função da classificação (em 1º lugar) na licitação em referência.

10. Parcial provimento à apelação da autora para aditar ao disposi-tivo da sentença indenização por esses supostos prejuízos (sujeitos a comprovação em liquidação). Em consequência, deixa de haver condenação em honorários de advogado.

11. Prejudicada a apelação da ECT.

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Acórdão

Decide a Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da autora e julgar prejudicada a apelação da ECT, nos termos do voto do Relator.

Brasília, 22 de julho de 2015.

Desembargador Federal João Batista Moreira

relAtórIo

Na sentença, de fls. 738-752, foi julgado “parcialmente procedente o pedido para condenar a Ré a reembolsar à autora as despesas realizadas com a participação da Concorrência nº 09/2004, as quais deverão ser comprovadas na fase de execução da presente decisão ou em liquidação de sentença, conforme o caso”.

Apela Rodoviário união Ltda. com os seguintes argumentos: a) “a Exce-lentíssima juíza da singela instância entendeu por julgar improcedente o pleito autoral sob os seguintes fundamentos: a) é possível que a administração revo-gue determinado processo licitatório, sem a prévia oitiva do licitante vencedor; b) apesar de não haver superveniência de fatos novos, restou configurado a prevalência do interesse público pelos seguintes motivos: b.1) respeito à morali-dade pública, tendo em vista os recentes escândalos envolvendo a ECT; b.2) au-mento e nova configuração da malha viária objeto da Concorrência nº 09/2004; c) não há falar em direito à indenização, visto que o objeto do certame ainda não havia sido adjudicado à ora requerente”; d) “apesar da decisão final do Tribunal de Contas da união ter sido favorável à ECT, a equipe técnica daque-le órgão vislumbrou inúmeras irregularidades na revogação da Concorrência nº 09/2004”; e) foi descumprido o princípio do contraditório, inexistiu interesse público que justificasse a revogação do Certame nº 09/2004 e havia direito subjetivo à contratação, logo, há direito à indenização.

Apela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, argumentando que: a) “a apelada apenas se classificou no certame, sendo que no momento da deliberação pela autoridade competente (art. 43, VI, do Estatuto), decidiu--se revogá-la por razões de interesse público decorrente de fato superveniente (art. 49, da Lei nº 8.666/1993)”; b) “antes da homologação da licitação, não ex-surge aos concorrentes nenhum direito subjetivo capaz de impedir a revogação da abertura do processo licitatório, inspirada por óbvia e declarada conveniên-cia pública, nem tampouco alguma lesão patrimonial de que se lhe irradiasse direito a indenização”; c) “com a revogação da licitação por motivo de mérito,

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não adveio repercussão alguma na esfera jurídica da apelada (em relação aos seus direitos e interesses privados), que só teria adquirido direito subjetivo com a aceitação definitiva da proposta e adjudicação do objeto da licitação”.

Também apresenta (a ECT) contrarrazões à apelação da autora, que po-dem ser assim resumidas: a) “a apelante apenas se classificou no certame, sendo que no momento da deliberação pela autoridade competente (art. 43, VI, do Es-tatuto), decidiu-se revogá-la, por razões de interesse público”; b) “após realizar um estudo detalhado do certame revogado, aprimorou o objeto em discussão, visando atender todas as suas demandas, de forma precisa, eficiente e econô-mica”; c) “no ano de 2006, iniciaram-se novos processos licitatórios” por meio de pregões eletrônicos; d) “o objeto daquela concorrência, [...], não é o mesmo dos certames atuais, pois todas as linhas que ali estavam foram remodeladas, adequadas e remanejadas, visando uma maior eficiência e economia para os Correios”; e) “a situação de um particular não se conformar com a revogação da Concorrência nº 009/2004, ocasionada por razões de interesse público, não pode, em nenhuma hipótese, prejudicar a sociedade brasileira dependente dos serviços prestados pela ré”; f) “a Administração Pública não tem o dever jurí-dico de contratar, pois a escolha insere-se na sua competência discricionária”; g) “não cabe indenização por lucros cessantes e danos emergentes, conforme pleiteia a autora, pois sequer houve homologação ou adjudicação, bem como não há nexo de causalidade entre a revogação e a suposta lesão do patrimônio do particular (que são as despesas para participar daquela licitação)”; h) “essa indenização somente abrangeria as despesas que o vencedor suportou para par-ticipar da licitação ou que tenha sofrido em decorrência dela, não abrangendo lucros emergentes ou cessantes”; i) “não seria razoável exigir que a Administra-ção fosse obrigada a contratar com a autora quando o objeto da licitação, da forma como se encontrava, tornou-se inoportuno e inconveniente ao serviço buscado pela requerida”; j) “a Concorrência nº 009/2004 restou inoportuna para a ECT, uma vez que, após a publicação do Edital, ocorreram mudanças na estrutura operacional da empresa que não foram devidamente contempladas pelo projeto básico inicial do Sitra”; l) o princípio da eficiência “ ‘exige que a atividade administrativa seja exercida com presteza, perfeição e rendimento funcional’”; m) “haveria aplicabilidade do § 3º do art. 49 do Estatuto, somente se o procedimento licitatório tivesse sido concluído”; n) “a autora protocolou re-curso administrativo”, que “não foi provido”; o) “na Concorrência nº 009/2004 era previsto um contrato de 30 meses (com a possibilidade de renovação por mais 30), no novo sistema foi previsto que a duração seria de 60 meses”; p) “não houve prejuízos (danos) ao licitante, pois sequer o objeto do certame lhe foi adjudicado, ou seja, não houve sequer formalização do contrato (adjudicação), com a sua consequente homologação”.

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A autora apresentou contrarrazões, aqui reproduzidas em resumo: a) “a revogação do certame trouxe prejuízos a esta empresa, os quais devem ser su-portados por quem os causou”; b) “a revogação da licitação ocorreu por mo-tivo de mérito, segundo a existência de suposto interesse público na referida revogação”; c) “os argumentos tecidos em favor da revogação não representam a verdade acerca dos fatos e, sobretudo, tentam ludibriar esse ilustre Tribunal distorcendo informações e suscitando conflitos inexistentes”; d) “não conceder a reparação material em que incorreu a ora apelada atenta contra o princípio da moralidade, que por sua vez deve permear toda atividade do administrador público, exigindo uma atividade responsável e coerente para a correta identifi-cação dos padrões de conduta que individualizam o bom administrador, vincu-lando-o à finalidade pública”.

É o relatório.

Desembargador Federal João Batista Moreira Relator

voto

A esta altura, depois de vários anos, não seria faticamente possível aten-der à pretensão principal de anular a revogação da Licitação nº 009/2004, su-cedida por uma pluralidade de contratos, resultantes de pregões, com o prazo de sessenta meses (já completamente executados, ao que se presume), a fim de que o contrato seja celebrado com a autora-apelante. Prejudicada a anulação da revogação, prejudicada está, em consequência, a alegação de desrespeito ao devido processo legal para esse ato. Resta, pois, examinar a consistência do interesse da autora apenas para avaliar a pretensão secundária de indenização.

O art. 49 da Lei nº 8.666/1993 estabelece que “a autoridade compe-tente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá--la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado”.

Esse dispositivo deve ser interpretado, conforme a Constituição, de modo a não impedir a revogação de licitação para, motivadamente, atender, conforme demonstrado no caso, ao princípio da eficiência. Não se vai exigir que determi-nada licitação seja mantida a qualquer custo, mesmo em face da mudança, no meio do processo, da política administrativa, com o intuito de melhor atender ao interesse público. O que o dispositivo legal busca evitar é o desvio de fina-lidade ou, mesmo, a mera arbitrariedade do administrador público, caracteri-

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zados pela revogação de licitação para atender a interesse privado ou, mesmo sem o desvio de finalidade, por motivos desproporcionais à gravidade do ato.

Não é o que ficou demonstrado, ao contrário, restou evidenciado que a revogação aconteceu em período conturbado da administração da ECT, ao ponto de ter-se tornado necessária a substituição dos componentes da direção da empresa e a consequente mudança de sua política administrativa.

Consoante registrou a ilustre magistrada, na sentença, “o dispositivo su-pracitado não deve ser interpretado de forma literal, mas sim teleológica, ou seja, o julgador, ao aplicar a norma ao caso concreto, deve buscar também sua finalidade e sua adequação aos princípios constitucionais que regem as ações da administração pública. Não se pode olvidar que a finalidade do dispositivo legal supracitado é evitar que os responsáveis pela tomada de decisões no âm-bito da administração pública possam, a qualquer tempo e de forma arbitrária, reavaliar a situação fática anterior, que conduziu à realização de um determi-nando procedimento licitatório, para o revogar. Tal finalidade se torna ainda mais evidente ao se verificar que, na maioria das vezes, os critérios para o preenchimento dos cargos de direção e chefia das repartições públicas são po-líticos e, portanto, bastante maleáveis a cada alternância de poder, o que pode gerar instabilidade nas relações jurídicas entabuladas entre a administração e particulares. Ademais, não se pode desconsiderar que, infelizmente, no Brasil, ainda há muitos casos de corrupção, sendo comum que administradores tomem decisões visando a atender a interesses pessoais e não aos da coletividade. Esta realidade, contudo, não pode engessar a administração de forma a se exigir, em toda e qualquer situação, que existam concomitantemente os dois requisitos elencados na norma, quais seja, fato superveniente e interesse público, para que se possa revogar a licitação. Na realidade, o que se deve perquirir é se, embora ausente um dos requisitos, o ato foi praticado com desvio de sua finalidade. Se esse ato objetivou atender ao interesse de toda coletividade ou apenas de deter-minadas pessoas e se os princípios da impessoalidade, eficiência, moralidade foram observados”.

Situação semelhante acontece com a teoria dos motivos determinantes, a qual requer comedimentos. A administração, assim como o juiz, não necessita declinar todos os motivos para sustentar o ato, logo, num segundo momento pode invocar motivos anteriormente não considerados. Não há uma tal espécie de “preclusão consumativa”. O que é inadmissível é o desvio de finalidade ou a simples arbitrariedade, caracterizados pela invocação de novos motivos que só na aparência servem para reforçar a estrutura do ato, evidenciando a pretensão de mantê-lo a qualquer custo.

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Lícita, nesses termos, a revogação da licitação, deve-se perguntar se o ato teria, mesmo assim, gerado obrigação de indenizar, sabido que atos lícitos também podem empenhar a responsabilidade objetiva do Estado.

A mudança de orientação, que resultou na revogação da licitação, foi ato de planejamento que, se não feriu direito subjetivo, pelo menos frustrou uma expectativa legítima da empresa.

A responsabilidade por danos decorrentes da confiança em promessas do Estado, manifestadas em planos e programas (no caso, um edital de licitação), é objeto de estudo de Almiro do Couto e Silva, concluindo que, “conquanto possa sempre o Estado alterar seus planos, há situações, contudo, em que a mo-dificação causa tal prejuízo aos particulares e desmente de forma tão acentuada as promessas firmemente feitas pelo Poder Público que importaria grave lesão à justiça material não reconhecer direito à indenização [...] Há situações em que o Estado incentiva de forma tão nítida e positiva os indivíduos a um determina-do comportamento, mediante promessas concretas de vantagens e benefícios, que a violação dessas promessas implica infringência ao princípio da boa-fé, cabendo ao Estado indenizar os danos decorrentes da confiança [...] Decisivo para concluir-se se os atos do Estado geram mera expectativa ou se deram causa a direito subjetivo é saber se as promessas foram realmente firmes, precisas e concretas [...] Cuidando-se de aplicação de princípio genérico, como é o da boa-fé, que não comporta incidência imediata, não é possível ultrapassar, como diretriz para sua realização concreta, os limites estabelecidos pelos requisitos ainda muito abstratos de que a responsabilidade do Estado só surge em razão de promessas firmes e feitas de forma clara e precisa pelo Estado [...].

Transportadas essas lições para o caso presente, conclui-se que a autora tem direito ao reembolso das “das despesas realizadas com a participação da Concorrência nº 009/2004”, assim como a indenização por eventuais prejuízos efetivos que tenha tido em razão da antecipação de providências (ex.: inves-timentos) que tenha sido levada a realizar em função da classificação (em 1º lugar) na licitação em referência.

Por isso, dou parcial provimento à apelação da autora para aditar ao dis-positivo da sentença indenização por prejuízos (que vierem a ser comprovados em liquidação) que a empresa tenha suportado em razão da antecipação de providências motivadas pela vitória na Licitação nº 009/2004-ECT.

Em consequência, deixa de haver condenação em honorários de advo-gado.

Prejudicada a apelação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

É como voto.

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Desembargador Federal João Batista Moreira Relator

trIbunAl regIonAl federAl dA 1ª regIão SecretArIA JudIcIárIA

26ª Sessão Ordinária do(a) Quinta TurmaPauta de: 22.07.2015 Julgado em: 22.07.2015Ap 0031032-33.2006.4.01.3400/DFRelator: Exmo. Sr. Desembargador Federal João Batista MoreiraRevisor: Exmo(a). Sr(a).Presidente da Sessão: Exmo(a). Sr(a). Desembargador Federal Néviton GuedesProc. Reg. da República: Exmo(a). Sr(a). Dr(a). Zilmar Antônio DrumondSecretário(a): Fábio Adriani CernevivaApte.: Rodoviário união Ltda.Adv.: Andre Puppin Macedo e outros(as)Apte.: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECTAdv.: Gustavo Esperança Vieira e outros(as)Apdo.: os mesmosNº de Origem: 2006.34.00.031803-3 Vara: 6ªJustiça de Origem: Justiça Federal Estado/Com.: DF

SuStentAção orAl certIdão

Certifico que a(o) egrégia(o) Quinta Turma, ao apreciar o processo em epígrafe, em Sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Turma, à unanimidade, deu parcial provimento à Apelação da Autora e julgou prejudicada a Apelação da ECT, nos termos do voto do Relator.

Participaram do Julgamento os Exmos. Srs. Desembargador Federal Néviton Guedes e Juiz Federal Márcio Barbosa Maia (Conv.). Ausente, por mo-tivo de férias, o Exmo. Sr. Desembargador Federal Souza Prudente.

Brasília, 22 de julho de 2015.

Fábio Adriani Cerneviva Secretário(a)

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoIII – Agravo de Instrumento nº 2013.02.01.017485‑2Nº CNJ: 0017485‑64.2013.4.02.0000Relator: Desembargador Federal Antonio Ivan AthiéAgravante: Yielding English School Ltda.Advogados: Rodrigo de Assis Torres e outroAgravado: Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPIProcurador: sem procuradorAgravada: Angela Kappel PaesAdvogados: Lia Torres de Almeida e outroOrigem: Nona Vara Federal do Rio de Janeiro (201351011163130)

ementA

AGRAVO DE INSTRuMENTO – DIREITO PROCESSuAL CIVIL – PROPRIEDADE INDuSTRIAL – ANuLAÇÃO DE REGISTRO DE MARCA – ANTECIPAÇÃO DA TuTELA – PRESENÇA DOS PRESSuPOSTOS PARA A CONCESSÃO DA MEDIDA – AGRAVO PROVIDO

I – A questão trazida aos autos não tem sabor de novidade, uma vez que a anterioridade do uso da renomada marca mista “YES” pela agravante, para distinguir cursos de idioma, já foi reconhecida pelo Judiciário, nos autos dos Processos nº 2002.51.01.511601-9 e nº 2005.51.01.522473-5;

II – Por outro lado, é patente a possibilidade de haver indução do pú-blico consumidor a erro, ou associação indevida quanto à origem dos serviços prestados, já que trata-se de marcas que possuem elemento idêntico na sua composição nominativa, e que se inserem dentro do mesmo segmento mercadológico;

III – Assim, nítida a relevância dos argumentos trazidos pela agravan-te, porquanto a manutenção da decisão agravada, ao permitir que a sua marca seja utilizada parasitariamente por terceiros, é suscetível de lhe acarretar sérios prejuízos;

IV – Agravo de instrumento provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indi-cadas, decide a Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da

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2ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, na for-ma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 11.12.2014 (data do Julgamento).

Antonio Ivan Athié Desembargador Federal – Relator

relAtórIo

O presente agravo de instrumento foi incluído na pauta de julgamento do dia 15.05.2014.

Proferido o voto deste Relator, pediu vista do processo o Exmo. Desem-bargador Federal Abel Gomes, aguardando-a o Exmo. Desembargador Federal em exercício Marcello Granado.

Conclusos os autos ao Gabinete do Desembargador Federal Abel Gomes, sobreveio informação da Secretaria da Primeira Turma Especializada dando conta de que a agravada não foi devidamente intimada para apresentar contrar-razões, sendo assim determinada a retirada do processo da pauta de julgamento do dia 18/09/2014 e o encaminhamento do mesmo a este Relator para provi-denciar o seu saneamento.

Determinada a devida intimação da agravada Angela Kappel Paes, esta apresentou contrarrazões, às fls. 238/244, sendo dada nova vista do processo ao Ministério Público Federal, que ratificou o parecer anteriormente proferido, voltando-me os autos a seguir conclusos.

Feito este breve relato adicional, reitero o relatório de fls. 223/224, que tem o seguinte teor:

Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de liminar, interposto por Yelding English School Ltda. contra decisão interlocutória proferida pelo Juízo da 9ª Vara Federal do Rio de Janeiro/RJ (fls. 43/45 – fls. 152/154 dos autos da ação cognitiva), que indeferiu o requerimento de antecipação de tutela, formulado nos autos da ação ordinária proposta em face de Angela Kappel Paes e do Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI, objetivando a nulidade do Registro nº 820.749.583, concedido à primeira ré para a marca mista “Yes”, a nulidade do ato que indeferiu o pedido de Registro nº 820.829.803 feito pela autora para a marca mista “Yes”, bem como compelir a primeira ré a cessar o uso da aludida marca para identificar o seu curso de inglês.

Em suas razões, a agravante sustenta, em resumo, que é detentora dos direitos sobre a marca mista “Yes”, a qual é utilizada há mais de 40 (quarenta) anos para distinguir cursos de idioma, bem como informa que a primeira ré depositou

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pedido de registro para a sua marca menos de dois meses antes do depósito efetuado pela autora, com o intuito de se aproveitar da fama e do prestígio do curso Yes de sua propriedade. Relata, ainda, que ingressou com ação judicial objetivando a nulidade do ato administrativo que determinou o sobrestamento do seu pedido de registro, tendo sido a pretensão julgada procedente e que, apesar de não ter sido dado provimento ao recurso do INPI, naquele processo, e de ter sido nele determinado de ofício a nulidade do registro da marca da primeira ré, a Autarquia ainda assim concedeu o referido registro, com base apenas na anterioridade do pedido, ignorando a anterioridade do uso da marca “Yes” pela autora, conforme reconhecido na demanda anterior. Alega, por fim, que a primeira ré pratica concorrência desleal, pois a concessão do seu registro inviabiliza a concessão do registro da agravante, angariando assim para si todo o prestígio do curso da recorrente. Requer, assim, o provimento do presente agravo, para que sejam suspensos os efeitos do registro anulando.

Às fls. 206/207, foi deferida liminar, determinando a imediata suspensão dos efeitos do Registro nº 820.749.583 para a marca mista “YES”, de titularidade da primeira ré.

Decorrido o prazo para resposta dos agravados, e com manifestação da Procuradoria Regional da República, opinando pelo provimento do agravo (fls. 220/221), vieram-me os autos conclusos.

É o relatório. Peço dia.

Rio de Janeiro, 25 de abril de 2014.

Nestes termos, peço dia para a retomada do julgamento do presente feito.

Rio de Janeiro, 1º de dezembro de 2014.

Antonio Ivan Athié Desembargador Federal – Relator

voto

A despeito das razões expostas nas contrarrazões da agravada, não vejo o que modificar no voto lançado à fl. 225, sobretudo porque não foram juntadas provas da alegada perda de objeto do presente agravo de instrumento.

O citado voto tem o seguinte teor:

“Conheço do agravo de instrumento, uma vez presentes seus pressupostos legais. E a ele dou provimento.

Com efeito, encontram-se presentes os pressupostos para o deferimento da antecipação da tutela requerida, ou seja, a verossimilhança das alegações da agravante, assim como o risco de dano irreparável ou de difícil reparação.

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Conforme já exposto na decisão de fls. 206/207, a questão trazida aos autos não tem sabor de novidade, uma vez que a anterioridade do uso da renomada marca mista “YES” pela agravante, para distinguir cursos de idioma, já foi reconhecida pelo Judiciário, nos autos dos Processos nº 2002.51.01.511601-9 e nº 2005.51.01.522473-5.

Por outro lado, é patente a possibilidade de haver indução do público consumidor a erro, ou associação indevida quanto à origem dos serviços prestados, já que trata- -se de marcas que possuem elemento idêntico na sua composição nominativa, e que se inserem dentro do mesmo segmento mercadológico.

Destarte, afigura-se nítida a relevância dos argumentos trazidos pela agravante, porquanto a manutenção da decisão agravada, ao permitir que a sua marca seja utilizada parasitariamente por terceiros, é suscetível de lhe acarretar sérios prejuízos.

Ante o exposto, dou provimento ao presente agravo de instrumento.

É como voto.”

Ante o exposto, reitero as razões expendidas no supracitado voto de fl. 225, dando provimento ao presente agravo de instrumento.

É como voto.

Antonio Ivan Athié Desembargador Federal – Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

3105

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 15.04.2015Apelação Criminal nº 0009279‑71.2007.4.03.6102/SP2007.61.02.009279‑5/SPRelator: Desembargador Federal Nino ToldoApelante: Justiça PúblicaApelante: Adriana Mendes BalatoreAdvogado: SP205013 Tiago Capatti Alves (Int. pessoal)Apelado(a): os mesmosNo. Orig.: 00092797120074036102 7ª Vr. Ribeirão Preto/SP

ementA

DIREITO PENAL – ESTELIONATO – ART. 171, § 3º, DO CóDIGO PENAL – MATERIALIDADE E AuTORIA COMPROVADAS – ESTADO DE NECESSIDADE – INOCORRêNCIA – DOSIMETRIA DA PENA – MAuS ANTECEDENTES – CuLPABILIDADE – CIRCuNSTÂNCIA AGRAVANTE DO ART. 61, II, h, DO CóDIGO PENAL – REDIMENSIONAMENTO DA PENA – CONDENAÇÃO, DE OFÍCIO, À REPARAÇÃO DOS CAuSADOS – IMPOSSIBILIDADE

1. A materialidade e a autoria, relativamente ao estelionato, foram de-vidamente comprovadas. A materialidade, pelos extratos bancários, e a autoria, pelo interrogatório da ré, pela prova oral produzida em contraditório judicial e pelos extratos bancários.

2. O prejuízo da Caixa Econômica Federal restou devidamente com-provado pelas provas presentes nos autos, sendo que o alegado blo-queio de valores na conta da acusada não foi demonstrado por quais-quer documentos.

3. A mera alegação de dificuldades financeiras não caracteriza o es-tado de necessidade, sendo necessária para tanto a comprovação da premência em salvar de perigo atual que não provocou por sua von-tade, nem poderia evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.

4. Os diversos apontamentos criminais em nome da ré, sem que haja condenação com trânsito em julgado, não podem ser considerados maus antecedentes para fixação da pena-base. Súmula nº 444 do Su-perior Tribunal de Justiça.

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5. O elevado grau de culpabilidade da acusada, por si só, justifica a majoração da pena-base em patamar acima do mínimo legal, vez que caracteriza o agravamento da reprovabilidade de sua conduta.

6. Impossibilidade de aplicação da circunstância agravante do art. 61, II, h, do Código Penal, vez que a vítima da conduta delituosa é a Caixa Econômica Federal.

7. A Caixa Econômica Federal é considerada instituto de economia popular, razão pela qual incide a causa de aumento de pena prevista no § 3º do art. 171 do Código Penal. Precedentes.

8. A pena privativa de liberdade fixada não supera 4 (quatro) anos, contudo o elevado grau de culpabilidade exige a fixação de regime semiaberto como regime inicial de cumprimento de pena.

9. Impossibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

10. Excluído da condenação, de ofício, o valor fixado a título de re-paração dos danos causados. Precedente.

11. Apelações da defesa do Ministério Público Federal improvidas.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Re-gião, por unanimidade, negar provimento às apelações da ré e do Ministério Público Federal e, de ofício, afastar os maus antecedentes e aplicar a elevada culpabilidade na fixação da pena-base; aplicar a atenuante da confissão, excluir a condenação à reparação dos danos causados e manter o regime semiaberto para início do cumprimento de pena, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 07 de abril de 2015.

Nino Toldo Desembargador Federal

relAtórIo

O Senhor Desembargador Federal Nino Toldo (Relator):

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Trata-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Fe-deral e pela ré Adriana Mendes Balatore em face da sentença proferida pela 7ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP que julgou procedente a denúncia e a con-denou à pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de reclusão, a ser cumprida em regime inicial semiaberto, e ao pagamento de 22 (vinte e dois) dias-multa, no valor mínimo legal, pela prática do crime tipificado no art. 171, § 3º, do Código Penal. A pena privativa de liberdade deixou de ser substituída por restritiva de direitos em razão dos antecedentes, da conduta social e da personalidade da ré. Foi garantido à ré o direito de apelar em liberdade. Por fim, foi fixado o valor mínimo de R$ 520,00 (quinhentos e vinte reais) para reparação dos danos cau-sados à Caixa Econômica Federal – CEF.

Narra a denúncia (recebida em 10.12.2007 – fl. 85), em síntese, que, no dia 02.05.2006, a ré, aproveitando-se da inexperiência da correntista Hilda Antônia da Silva Barbosa, que pediu seu auxílio para operar caixa eletrônico em agência da CEF da cidade de Ituverava/SP, teve acesso ao cartão e à senha de movimentação bancária da referida correntista, utilizando-os para obter van-tagem ilícita consistente na transferência do valor de R$ 520,00 (quinhentos e vinte reais) para sua própria conta bancária. Ressalta-se que a CEF ressarciu o prejuízo sofrido pela correntista em virtude do ato ilícito da ré.

A sentença foi publicada em 24.11.2009 (fl. 246).

O Ministério Público Federal apelou (fls. 283/285), pleiteando a reforma da sentença, a fim de aumentar-se a pena-base acima do fixado em razão de a ré possuir inúmeras condenações e processos criminais em andamento, bem como em consideração ao elevado grau de reprovabilidade da conduta crimi-nosa, cometida em face de pessoa analfabeta e simples. Requereu, ainda, a incidência da circunstância agravante prevista no art. 61, II, h, do Código Penal, vez que a correntista Hilda, pessoa maior de 60 anos, também seria vítima do crime praticado.

Adriana Mendes Balatore também apelou (fls. 308/317), requerendo sua absolvição, sob a alegação de (i) ausência de prejuízo à CEF, vez que foi blo-queado o valor de R$ 820,00 (oitocentos e vinte reais) de sua conta bancá-ria; (ii) caracterização da excludente de ilicitude do estado de necessidade e (iii) precariedade do conjunto probatório presente nos autos.

Subsidiariamente, pugnou pela inaplicabilidade da causa de aumento prevista no § 3º do art. 171 do Código Penal, vez que a CEF seria um banco comercial, bem como pleiteou a concessão do regime aberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

As contrarrazões aos recursos foram apresentadas pela ré (fls. 289/296) e pelo Ministério Público Federal (fls. 320/326).

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A Procuradoria Regional da República, em seu parecer (fls. 344/350), opinou pelo não provimento do recurso da defesa e pelo parcial provimento do recurso da acusação.

É o relatório.

À revisão.

Nino Toldo Desembargador Federal

voto

O Senhor Desembargador Federal Nino Toldo (Relator):

Adriana Mendes Balatore foi condenada por ter obtido vantagem ilícita, consistente na transferência do valor de R$ 520,00 (quinhentos e vinte reais) para a sua própria conta bancária, induzindo em erro, para tanto, Hilda Antônia da Silva Barbosa, correntista da Caixa Econômica Federal – CEF que lhe forne-cera seu cartão e senha de movimentação bancária ao solicitar seu auxílio no manuseio de caixa eletrônico.

A materialidade e a autoria, relativamente ao estelionato, foram devida-mente comprovadas. A materialidade, pelos extratos bancários a fls. 41 e 42, que comprovam a transferência do valor de R$ 520,00 da conta de Hilda para a conta da ré. A autoria deflui do interrogatório da ré, que admitiu a prática do ilícito narrado na denúncia, corroborando, assim, as declarações por ela prestadas na fase inquisitiva. Frise-se que as declarações da ré alinham-se com o depoimento de Hilda (fl. 194). Além disso, os extratos bancários supracitados demonstram que o valor retirado da conta de Hilda foi efetivamente transferido para a conta da ré, tendo o registro dessa transferência sido utilizado pela CEF para identificar a pessoa que teria ludibriado a correntista. Assim, tem-se um conjunto probatório seguro que confirma a autoria delitiva.

Ressaltem-se trechos do interrogatório de Adriana:

“São verdadeiros os fatos narrados na denúncia. Não conhecia a correntista Hilda; estava passando em frente à agência quando a Sra. Hilda saiu de um caixa-eletrônico e pediu ajuda para a interroganda. A interroganda, com o cartão e com a senha da correntista, fez uma transferência para a sua própria conta-corrente, no valor aproximado de R$ 300,00.” – fl. 168.

A narrativa da ré adequa-se com o depoimento de Hilda Antônia da Silva Barbosa, conforme segue:

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“Na data dos fatos eu tinha pegado um empréstimo de R$ 520,00 junto ao banco Caixa Econômica Federal. Eu recebia minha aposentadoria pela Caixa Econômica Federal. Nessa data, pedi ajuda a uma pessoa desconhecida, uma mulher. Essa mulher não trabalhava no referido banco. Eu pedi para ele (sic) verificar no caixa eletrônico se o dinheiro estava na minha conta. Dei o cartão e a senha para ela. Não sei se ela viu direito. Tal usou o cartão e a máquina e disse que o dinheiro não estava na minha conta. Voltei na terça ao banco e a gerente da agência, de nome Regina, me disse que o dinheiro não estava mais na minha conta. Foi sacado os 520,00 de minha conta. [...] O pessoal da CEF, depois, disse que haviam descoberto que o nome da pessoa para quem eu tinha pedido ajuda era Adriana Mendes.” – fl. 194.

Resta claro que a suposta fragilidade do conjunto probatório, sustentada pela defesa em suas alegações finais e na apelação, foi corretamente rejeitada pelo juízo de primeiro grau.

No que tange à suposta ausência de prejuízo à CEF, igualmente não pros-peram as alegações da defesa. Ainda que a ré afirme que o referido banco te-nha bloqueado o valor de R$ 820,00 de sua conta bancária, não há nos autos qualquer documento que corrobore o alegado. De outro lado, o prejuízo sofrido pela CEF restou comprovado pela sentença proferida em sede do Juizado Espe-cial Federal (fls. 08/10), que condenou o banco ao pagamento do prejuízo cau-sado à correntista Hilda Barbosa, e pelo depoimento desta última, que afirmou ter sido ressarcida pela CEF (fl. 194).

De outro lado, não há como dar guarida à pretensão de aplicação da excludente de antijuridicidade decorrente do estado de necessidade. Com efei-to, a acusada não comprovou a premência em salvar de perigo atual que não provocara por sua vontade, nem poderia evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, conforme determina o art. 24 do Código Penal. Frise-se: essa alegação não foi comprovada nos autos, sendo certo que competia à defesa prová-la, a teor do disposto no art. 156 do Código de Processo Penal.

Dificuldades financeiras, ademais, não justificam o cometimento de cri-mes como o previsto no art. 171, § 3º, do Código Penal. Nesse sentido o enten-dimento da Primeira Turma deste Tribunal Regional Federal:

PENAL E PROCESSO PENAL – APELAÇÕES CRIMINAIS – CRIME DE ESTE- LIONATO – MATERIALIDADE E AuTORIA DELITIVAS COMPROVADAS – ES- TADO DE NECESSIDADE – EXCLuDENTE DE ILICITuDE NÃO RECONHECIDA – CONDENAÇÃO MANTIDA – PENA-BASE REDuZIDA – ATENuANTE DE CONFISSÃO RECONHECIDA – CRIME PRATICADO CONTRA O INSS – PENA AuMENTADA EM 1/3 (uM TERÇO) – VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DE DANOS CAuSADOS PELA INFRAÇÃO AFASTADO – AuSENTE PEDIDO

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DA ACuSAÇÃO – RECuRSO DA ACuSAÇÃO IMPROVIDO – RECuRSO DA DEFESA PARCIALMENTE PROVIDO [...]

3. Meras alegações de penúria econômica, cuja gravidade e intensidade não são possíveis de aferir através de provas concretas, não são aptas a atrair a aplicação do estado de necessidade como causa excludente de ilicitude, não estando comprovado que a prática delitiva fosse o único meio ao alcance da ré para prover as necessidades financeiras, que podem ser contornadas por outros meios e atividades lícitas, ao invés do cometimento de delitos.

(TRF 3ª R., 2ª T., ACr 0004076-87.2010.4.03.6114, Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho, J. 07.10.2014, e-DJF3 Judicial 1 16.10.2014)

Portanto, correta a decisão do juízo a quo, não procedendo a pretensão recursal da ré quanto à caracterização da excludente de ilicitude do estado de necessidade.

Passo, assim, à análise da dosimetria da pena.

Na primeira fase, a pena-base foi fixada pelo juízo de primeiro grau em 2 (dois) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa, acima do mínimo legal, porque considerou como maus antecedentes os diversos processos penais e inquéritos policiais, tanto para apurar fatos anteriores como fatos posteriores a 02.05.2006, em nome da ré (fls. 270/272).

Em que pese a existência de ações penais em face da apelante, não há condenações com trânsito em julgado, de modo que os apontamentos em des-favor de Adriana não podem ser utilizados para a elevação da pena-base, con-forme preceitua a Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça (“[é] vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena base”).

Por outro lado, o elevado grau de culpabilidade da acusada, por si só, justifica a majoração da pena-base, na medida em que praticou o crime apro-veitando-se da simplicidade e confiança da correntista, pessoa analfabeta e in-gênua que pediu sua ajuda, o que agrava a reprovabilidade de sua conduta.

Assim, há de ser mantida a pena-base de 2 (dois) anos de reclusão e 20 (vinte) dias-multa fixada pela sentença, sendo a majoração fundamentada na culpabilidade da ré, e não em maus antecedentes.

Na segunda fase da dosimetria, a sentença condenatória aplicou acerta-damente a circunstância atenuante prevista no art. 65, I, do Código Penal, tendo em vista que a ré contava com menos de 21 (vinte e um) anos à época dos fatos (documentos à fl. 62).

Todavia, o juízo a quo deixou de reconhecer a atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, d, do Código Penal. A confissão deve ser

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avaliada conforme a força de convencimento que nela se contém e o seu cotejo com o conjunto probatório, de modo que, tendo servido ao juiz para funda-mentar a condenação, não pode ser desconsiderada para o efeito de atenuar a pena. Tendo em vista que, tanto em sede de inquérito policial como em juízo, a ré admitiu a prática do ato ilícito e que essa admissão foi considerada na fundamentação da sentença condenatória, incide a atenuante, ainda que tenha declarado a transferência de valor inferior ao que havia sido efetivamente reti-rado da conta de Hilda.

O Ministério Público Federal pugnou pela aplicação da agravante previs-ta no art. 61, II, h, do Código Penal. Para tanto, sustentou que a correntista Hilda Antônia da Silva Barbosa, pessoa maior de 60 (sessenta) anos (documento à fl. 24), também seria vítima da conduta criminosa da ré. Ocorre que a vítima do crime previsto pelo art. 171, § 3º do Código Penal é a CEF, e não a correntista que foi ludibriada pela ré. Tanto é assim que, no caso concreto, observa-se que coube à CEF indenizar Hilda Barbosa. Assim, não assiste razão à tese minis-terial.

Dessa forma, considerando a aplicação de duas atenuantes simples, a pena passa a 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 14 (quatorze) dias--multa.

Na terceira fase, incide a causa de aumento prevista no § 3º do art. 171 do Código Penal, pois a Caixa Econômica Federal é considerada instituto de economia popular.

Nesse sentido é a orientação do Superior Tribunal de Justiça:

“RECuRSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – 1. ESTELIONATO – PREJuÍZOS À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL – INSTITuTO DE ECONOMIA POPuLAR – 2. RECuRSO IMPROVIDO

1. Consoante entendimento consolidado nesta Corte, a Caixa Econômica Federal, conquanto seja empresa pública, vem sendo considerada instituto de economia popular, ensejando o tratamento diferenciado da qualificadora prevista no § 3º do art. 171 do Código Penal.

Outrossim, a despeito da ampliação de suas operações financeiras e bancárias, a CEF possui como finalidade legal precípua prestar serviços essenciais à sociedade, promovendo a cidadania e o desenvolvimento sustentável do País, servindo ‘a direto interesse econômico do povo ou indeterminado número de pessoas’ (HuNGRIA, N. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro, 1958. v. 7, p. 258-261), com suporte à poupança popular.

2. Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.”

(RHC 33.120/PR, 5ª T., v.u., Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, J. 12.11.2013, DJe 20.11.2013)

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Aplicando-se, pois, o aumento de um terço, a pena passa a 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 18 (dezoito) dias-multa, a qual, ante a inexistência de outras causas de aumento ou diminuição, torno definitiva.

Em face do redimensionamento da pena, faz-se necessária nova avalia-ção do regime inicial de seu cumprimento.

O regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade deve considerar, além da quantidade da pena aplicada, as condições pessoais do réu e as circunstâncias concretas do fato (CP, art. 33, §§ 2º e 3º).

No caso em exame, a pena privativa de liberdade fixada não supera 4 (quatro) anos, de modo que a ré poderia cumpri-la em regime aberto. Contudo, ainda que tenha sido afastada a caracterização de maus antecedentes, ainda resta presente o elevado grau de culpabilidade da autora, de modo que se justi-fica fixação em regime mais gravoso, qual seja, o regime semiaberto.

Incabível a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, pois não se encontra preenchido o requisito subjetivo previsto no art. 44, III, do Código Penal (culpabilidade).

REPARAÇÃO DOS DANOS CAuSADOS PELA INFRAÇÃO

Por fim, a sentença fixou, de ofício, o valor de R$ 520,00 (quinhentos e vinte reais) a título de reparação dos danos causados.

Trata-se de novidade incluída no ordenamento jurídico pela Lei nº 11.719/2008, que deu nova redação ao inciso IV do art. 387 do Código de Processo Penal, in verbis:

Art. 387. O juiz, ao proferir sentença condenatória:

IV – fixará valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido;

A despeito de tratar-se de norma processual cuja aplicação é imediata (CPP, art. 2º), o fato é que depende de pedido expresso da parte autora, deven-do garantir-se ao acusado a oportunidade de se insurgir contra isso.

A propósito, veja-se a lição de Guilherme de Souza Nucci (Código de processo penal comentado. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 742):

56-A. Procedimento para fixação da indenização civil: admitindo-se que o magistrado possa fixar o valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração penal, é fundamental haver, durante a instrução, um pedido formal para que se apure o montante civilmente devido. Esse pedido deve partir do ofendido,

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por seu advogado (assistente de acusação), ou do Ministério Público. A parte que o fizer precisa indicar valores e provas suficientes a sustentá-los. A partir daí, deve-se proporcionar ao réu a possibilidade de se defender e produzir contraprova, de modo a indicar valor diverso ou mesmo a apontar que inexistiu prejuízo material ou moral a ser reparado. Se não houver formal pedido e instrução específica para apurar o valor mínimo para o dano, é defeso ao julgador optar por qualquer cifra, pois seria nítida infringência ao princípio da ampla defesa.

Nesse mesmo sentido já decidiu a Primeira Turma deste Tribunal, como se nota no aresto abaixo transcrito, a título exemplificativo:

PENAL – MOEDA FALSA – ART. 289, § 1º DO CP – AuTORIA, DOLO E MA-TERIALIDADE COMPROVADOS – CONDENAÇÃO MANTIDA – DOSIMETRIA ESCORREITA – AuSENTES CIRCuNSTÂNCIAS JuDICIAIS NEGATIVAS – FIXA-DO, DE OFÍCIO, O REGIME ABERTO – REPARAÇÃO DO DANO – ART. 387, IV DO CPP – NECESSIDADE DE PEDIDO EXPRESSO E DE CONTRADITÓRIO – APELOS NÃO PROVIDOS

I – Os apelantes foram abordados por policiais militares no veículo Peugeot/206, cor preta, sendo localizada no assoalho do banco de trás, onde estava o réu, uma mochila contendo uma caixa de papelão com R$ 15.000,00 (quinze mil reais) em notas de R$50,00 (cinquenta reais), divididos em 15 maços com 20 notas cada, das quais 16 cédulas armazenadas no primeiro maço eram falsas.

II – Materialidade delitiva restou inconteste, comprovada pelo auto de exibição e apreensão, fotocópias e laudo documentoscópico.

III – Autoria que restou demonstrada pela prova coligida aos autos, notadamente pelas versões apresentadas pelos réus e através dos depoimentos testemunhais.

IV – Dolo e ciência da contrafação configurados pelas circunstâncias da apreensão, prova testemunhal e ausência de comprovação das alegações defensivas.

V – Penas adequadamente fixadas, estando ausentes quaisquer circunstâncias judiciais desfavoráveis, não autorizando o acréscimo ações penais em curso, nos moldes da Súmula nº 444 do STJ

VI – Ante o quantum da pena, fixada em 03 (três) anos de reclusão, fica estipulado, de ofício, o regime aberto, conforme previsto no art. 33, § 2º, c do Código Penal, sobretudo porque ausentes a reincidência ou quaisquer circunstâncias judiciais desfavoráveis.

VII – O preceito trazido pelo art. 387, IV do Código de Processo Penal requer que haja pedido expresso formulado pela acusação, o que não se verifica no caso em tela, bem como que se confira à parte a oportunidade de manifestar-se, contestando, se o caso, a ocorrência de dano indenizável, bem como o valor a ser fixado, observando-se o contraditório e a ampla defesa, o que também não consta dos autos, sendo de rigor seu indeferimento.

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VIII – Apelações a que se nega provimento sendo, de ofício, fixado o regime aberto.

(ACr – Apelação Criminal nº 50.133/SP, Proc. 0003672-06.2009.4.03.6103, 1ª T., Rel. Des. Fed. José Lunardelli, J. 04.12.2012, v.u., DJe 14.12.2012; destaquei)

Essa situação, todavia, não foi observada neste caso, de modo que deve ser excluído da condenação o valor fixado a título de reparação dos danos causados.

Posto isso, nego provimento às apelações da ré Adriana Mendes Balatore e do Ministério Público Federal. De ofício, afasto os maus antecedentes e aplico a elevada culpabilidade na fixação da pena-base; aplico a atenuante da confis-são e, por fim, excluo a condenação à reparação dos danos causados. Mante-nho o regime semiaberto para início do cumprimento de pena, nos termos da fundamentação acima.

É o voto.

Nino Toldo Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Criminal nº 0006864‑43.2008.4.04.7108/RSRelator: Juiz Federal Marcelo MalucelliApelante: José Lauri Cardoso da SilvaAdvogado: Defensoria Pública da UniãoApelante: Enedir Anacleto CasaraAdv. (DT): Naira Silvia VettorazziApelado: Ministério Público Federal

ementA

PENAL – ART. 171, § 3º, DO CP – ESTELIONATO CONTRA O INSS – RECEBIMENTO INDEVIDO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBuIÇÃO – FRAuDE – VÍNCuLO EMPREGATÍCIO FALSO – INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS – INTERMEDIAÇÃO POR uM DOS RÉuS ENTRE REquERENTE A BENEFÍCIO E FuNCIONáRIO DA AuTARquIA PREVIDENCIáRIA – PREjuÍZO CAuSADO À PREVIDêNCIA – INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA TENDO EM VISTA O BEM juRÍDICO TuTELADO – AuTORIA, MATERIALIDADE E DOLO COMPROVADOS – CONDENAÇõES MANTIDAS

1. Incorre nas penas do art. 171, caput e § 3º, do Código Penal, quem obtém, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio (no caso, prejudicado o INSS), induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento, sendo a pena aumentada de um terço, por ser o crime cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de econo-mia popular, assistência social ou beneficência.

2. Afastada a tese da insignificância, eis que a lesão ao Erário, além da dimensão patrimonial (quantificável), possui uma dimensão extra-patrimonial impossível de mensurar, decorrente da agressão a bem público e à estrutura social que ele encerra. O bem tutelado não é apenas o patrimônio, mas também a sociedade. Precedentes.

3. Devidamente demonstradas a materialidade, a autoria e o dolo pelos acusados, no que diz respeito à intermediação feita por um dos réus entre o corréu e o funcionário da Autarquia, bem como o recebi-mento indevido dos valores relativos ao benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição, que sem a fraude (inserção

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de dados falsos relativos a vínculos empregatícios que nunca existi-ram) não teria ocorrido, em prejuízo ao INSS, e o elemento volitivo, é de rigor a manutenção da condenação.

4. Improvimento das apelações dos réus.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unani-midade, negar provimento aos recursos, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de julho de 2015.

Marcelo Malucelli Relator

relAtórIo

O Ministério Público Federal ofereceu denúncia contra Enedir Anacleto Casara, Fábio Rafael Alves e José Lauri Cardoso, como incursos nas sanções do art. 171, caput c/c § 3º e art. 29, todos do Código Penal. Os fatos assim foram narrados (fls. 297-299):

“No período compreendido entre 16.08.1999 e 31.10.2009, no município de Campo Bom/RS, José Lauri Cardoso, em comunhão de esforços e unidade de desígnios com Enedir Anacleto Casara e Fábio Rafael Alves, obteve, para si, vantagem ilícita, consistente no benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, em prejuízo do INSS, induzindo-o em erro mediante a inserção fraudulenta de vínculos empregatícios nos seus sistemas informatizados ou bancos de dados.

Por sua vez, em 16.08.1999, na APS de Campo Bom/RS, Enedir A. C. e Fábio R. A., previamente ajustados com Alvari Rodrigues do Nascimento, funcionário autorizado, com pleno conhecimento da qualidade de servidor público federal, obtiveram vantagem indevida para José Lauri Cardoso, consistente na concessão do benefício [...], em prejuízo do INSS, induzindo-o em erro mediante a inserção de vínculos empregatícios inverídicos em favor do beneficiário, nos seus sistemas informatizados ou bancos de dados.

O fato objeto desta denúncia veio à tona no decorrer da denominada ‘Operação Hominus’, que investigou a concessão de benefícios previdenciários irregulares pelo servidor público Alvari R. do Nascimento, em concurso com o particular

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Enedir A. C. (Veio), mediante a inserção de tempo de serviço inexistente dos pretensos beneficiários no programa informatizado Prisma.

A fraude operava-se da seguinte maneira. Primeiramente, Enedir, conhecendo a qualidade de servidor público de Alvari, bem como de sua autorização para inserir dados no citado programa de informática, cooptava pessoas interessadas em receber benefícios previdenciários, dentre elas o codenunciado José Lauri Cardoso, a fim de intermediar os respectivos requerimentos administrativos junto à Autarquia Previdenciária.

Realizado esse aliciamento, Enedir, em ato seguinte, enviava para Alvari os documentos dos segurados, o qual, após verificar o tempo de contribuição pen-dente, inseria, no programa Prisma, vínculos trabalhistas fictícios, possibilitando a concessão de benefícios previdenciários indevidos aos requerentes.

No presente caso, o codenunciado Fábio R. A., também com o fim de propiciar a concessão indevida da vantagem a José Lauri, agiu ao lado de Enedir e Alvari, fornecendo os dados da empresa da qual era sócio – Campocell Ltda. (Máquinas A. R. W. Ltda.) – para que figurasse dentre os falsos vínculos empregatícios do beneficiário [...].

Assim, foram inseridos fraudulentamente no sistema Prisma, por Alvari, os seguintes vínculos trabalhistas em nome do segurado José Lauri: a) Alceu Neves, no período de 15.09.1968 a 05.10.1974; b) Cléber Roberto de Oliveira, no período de 10.11.1974 a 01.10.1979; e, c) Campocell Ltda. (Máquinas A. R. W. Ltda.), no período de 01.12.1992 a 06.08.1999.

A aposentadoria concedida e recebida indevidamente foi revisada e suspensa na esfera administrativa em 01.11.2009, dada a irregularidade dos vínculos empregatícios que a subsidiaram, os quais não constam do CNIS, do extrato de tempo de contribuição e da primeira CTPS do segurado, gerando ao INSS o prejuízo de R$ 155.929,77 (cento e cinquenta e cinco mil, novecentos e vinte e nove reais e setenta e sete centavos). [...]”

A denúncia foi recebida em 19 de abril de 2011 (fls. 311-312).

Regularmente instruído o feito, sobreveio sentença publicada em 15 de outubro de 2013 (fls. 462-471), que julgou parcialmente procedente a ação penal proposta pelo Ministério Publico Federal para: 1) absolver Fábio Rafael Alves quanto à imputação da prática do delito previsto no art. 171, § 3º do Código Penal, com fundamento no art. 386, VII, do Código de Processo penal; 2) condenar José Laudir Cardoso como incurso nas sanções do art. 171, § 3º do CP, às penas de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e de multa de 25 (vinte e cinco) dias-multa, à razão unitária de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, atualizado desde então; 3) condenar Enedir Anacleto Casara como incurso nas sanções do art. 171, § 3º, do Código Penal, às penas de 1 (um) ano, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e de multa de

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29 dias-multa na razão unitária de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época do fato atualizado desde então. O regime inicial fixado foi o aberto, em relação a ambos os réus condenados. As penas privativas de liberdade foram substituídas por prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária nos seguintes valores: 3 (três) salários mínimos no caso do réu José Lauri Cardoso e 6 (seis) salários mínimos para o réu Enedir Anacleto Casara.

Irresignado, Enedir Anacleto Casara apela (fls. 503-508), por meio da defesa constituída, alegando que as provas dos autos não comprovam sua parti-cipação no delito; que é inocente e em momento algum falsificou documentos; que para acessar os sistemas informatizados do INSS é necessário ter senha de acesso; que não pode ser responsabilizado pelos atos praticados por funcioná-rio do INSS; que não houve dolo, pois, por “ser amigo do funcionário Alvari, achava que estava apenas ajudando pessoas a encaminhar aposentadorias”; que são frágeis as provas que embasam a condenação. Pede provimento.

Foram apresentadas contrarrazões (fls. 511-515).

Inconformado, José Lauri Cardoso apela, através da DPu (fls. 538-541), alegando atipicidade da conduta, pois o dano “não foi de grande monta” e o “denunciado não logrou enriquecer, apenas garantir a subsistência da entidade familiar”. Diz que o denunciado “não buscou causar grave dano ao Erário”; que não houve dolo e que a prova dos autos não é estreme de dúvidas. Pede provimento.

A Procuradoria Regional da República apresentou Parecer (fls. 544-554) opinando pelo desprovimento dos recursos de apelação dos réus.

É o Relatório. À Revisão.

Cláudia Cristina Cristofani Relatora

voto

Trata-se de apelações criminais interpostas por Enedir Anacleto Casara e por José Lauri Cardoso em face de sentença que os condenou às penas do art. 171, § 3º do Código Penal.

Em seu apelo Enedir Anacleto Casara alega que as provas dos autos não comprovam sua participação no delito; que é inocente e em momento algum falsificou documentos; que para acessar os sistemas informatizados do INSS é necessário ter senha de acesso; que não pode ser responsabilizado pelos atos praticados pelo funcionário do INSS; que não houve dolo, pois, por “ser amigo

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do funcionário Alvari, achava que estava apenas ajudando pessoas a encami-nhar aposentadorias”; que são frágeis as provas que embasam a condenação.

Na sua apelação José Lauri Cardoso diz que a conduta não é típica, pois o dano “não foi de grande monta” e “não logrou enriquecer, apenas garantir a subsistência da entidade familiar”. Afirma que “não buscou causar grave dano ao Erário”; não houve dolo e a prova dos autos não é estreme de dúvidas.

Não lhes assiste razão, entretanto, porquanto a prova que dos autos cons-ta enseja necessariamente a condenação.

DO ESTELIONATO PREVIDENCIáRIO: DA TIPICIDADE, DA ILICITuDE E DA CuLPABILIDADE

O tipo penal no qual os réus incorreram assim dispõe:

Estelionato

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena – reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

[...]

§ 3º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência so-cial ou beneficência.

Logo, para a subsunção de determinada conduta no tipo penal acima transcrito, é essencial a presença dos seguintes elementos objetivos: o emprego de algum artifício ou qualquer outro meio fraudulento; o induzimento em erro da vítima; a obtenção da vantagem ilícita pelo agente e, o prejuízo de terceiros. No caso, há o duplo resultado (vantagem ilícita e prejuízo alheio), decorrente da fraude e do erro que esta provocou. Como elemento subjetivo, exige-se o dolo específico para o estelionato, consistente no agir especial do agente para apoderar-se de vantagem ilícita, que se verifica no caso em exame, como se discorrerá.

Sendo crime material, se consuma no momento e no local em que o agente obtém a vantagem ilícita, em prejuízo de outrem.

No que concerne à ilicitude, é a contrariedade da conduta do agente frente ao ordenamento jurídico, ou seja, consiste na conduta contraditória em relação ao dever-ser estabelecido pelo ordenamento jurídico como um todo.

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No caso do estelionato, a ilicitude consiste na prática da conduta descrita no tipo penal, na forma dolosa, ou seja, com vontade de induzir ou manter al-guém em erro a fim de obter vantagem indevida e ilícita para si ou para outrem.

E para que a conduta seja considerada crime, como já sinalado, exige--se a ocorrência de resultado naturalístico, ou seja, o prejuízo alheio em razão da fraude empreendida para a obtenção da vantagem ilícita, que se verifica na hipótese em análise.

No que tange à culpabilidade, é o juízo de reprovabilidade de uma con-duta típica e ilícita praticada pelo agente. Constituem elementos da culpabili-dade a imputabilidade, o potencial de consciência sobre a ilicitude do fato e a exigibilidade de conduta diversa. Não havendo, no processo em apreço, causa de exclusão de culpabilidade, os agentes que praticaram a conduta prevista no tipo penal são culpáveis.

Por fim, tendo a conduta sido praticada contra entidade de direito pú-blico, incide a previsão do § 3º art. 171 do CP, com consequente aumento de pena.

DA NÃO INCIDêNCIA DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA

Descabe a aplicação do instituto da insignificância aos crimes em que o resultado é o prejuízo ao Erário e à fé pública, especialmente porque o prejuízo ao bem jurídico tutelado, pela relevância do papel desempenhado pela autar-quia previdenciária, é impossível de ser mensurado, a exemplo do que ocorreu na hipótese.

Nesse exato sentido:

PENAL – ART. 171, § 3º DO CÓDIGO PENAL – ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL – INSIGNIFICÂNCIA – DESCABIMENTO – É inaplicável, em regra, o princípio da insignificância aos crimes lesivos ao erário, como o es-telionato à Previdência Social. A percepção de benefício previdenciário que de-corre de fraude perpetrada contra a autarquia previdenciária (Instituto Nacional do Seguro Social – INSS) configura estelionato majorado pelo § 3º do art. 171 do Código Penal. Presentes os indícios de autoria e a materialidade, há justa causa para o recebimento da denúncia. (TRF 4ª R., Recurso Criminal em Sentido Estrito nº 5002034-40.2013.404.7118, 7ª T., Rel. Des. Fed. Sebastião Ogê Muniz, por unanimidade, J. 20.01.2015)

De fato, a lesão ao Erário, além da dimensão patrimonial (quantificá-vel), possui uma dimensão extrapatrimonial impossível de mensurar, decorrente da agressão a bem público e à estrutura social que ele encerra. O bem tute-lado não é apenas o patrimônio, mas também a sociedade. Nesse diapasão: STF, HC 98021, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª T., p. 13.08.2010; STJ,

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REsp 961.038/RN, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., DJ 12.11.2007; TRF 4ª R., EIACr 2003.71.00.042431-0, Rel. Des. Fed. Élcio Pinheiro de Castro, 4ª S., DJ 01.11.2006; TRF 4ª R., ACr 2004.71.08.008407-0, Rel. Des. Fed. Márcio Antônio Rocha, 7ª T., DE 21.01.2011.

DA AuTORIA, DA MATERIALIDADE E DO DOLO. SuFICIêNCIA DO CONjuNTO PROBATóRIO

No caso em apreço, a materialidade delitiva restou comprovada sobre-tudo pelo processo administrativo concessório e de revisão do benefício (IPL, fls. 05, 13 e ss., 63-64); pelo extrato do CNIS (IPL, fl. 26); pela Informação da fl. 89 do Inquérito e termo de declarações de José Mariano de Oliveira (fl. 100 do IPL); pela informação policial acostada às fls. 249-252 do Inquérito; pelo interrogatório judicial do réu José Lauri Cardoso (CD anexado à folha 368).

Quanto à autoria, conforme a inicial acusatória, Enedir, no dia 16.08.1999, na agência da Previdência Social de Campo Bom/RS, previamente ajustado com Alvari Rodrigues do Nascimento, obteve vantagem indevida para José Lauri Cardoso, consistente em benefício previdenciário – NB 42/111.995.759-9, em prejuízo do INSS, induzindo-o em erro mediante a inserção de vínculos empregatícios inexistentes nos sistemas informatizados ou bancos de dados, em favor do beneficiário José Lauri, quais sejam: a) Alceu Neves, no período de 15.09.1968 a 05.10.1974; b) Cléber Roberto de Oliveira, no período de 10.11.1974 a 01.10.1979; e, c) Campocell Ltda. (Máquinas A. R. W. Ltda.), no período de 01.12.1992 a 06.08.1999.

AutorIA e dolo por JoSé lAurI cArdoSo

O réu obteve a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição (superior a trinta anos), não tendo, no entanto, comprovado a regularidade dos períodos referidos.

Quando da aposentadoria, contava o réu com 49 anos de idade. Não é plausível que, contando com aproximadamente dezenove anos de contribuição como segurado do Regime Geral da Previdência Social, acreditasse que legi-timamente possuía direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contri-buição.

Consoante o processo administrativo, constatou-se “forte indício de frau-de nas CTPS apresentadas pelo próprio segurado: o beneficiário apresentou uma CTPS em ordem cronológica e sem rasuras, emitida em 03.11.1976, na qual não consta registro das carteiras anteriores, porém na outra CTPS apre-sentada pelo segurado, emitida em 11.05.1999, como 2ª via, constam vínculos divergentes da CTPS original nas empresas Alceu Neves, Cléber Roberto de Oliveira e Máquinas A. R. W. Ltda., os quais também não constam no CNIS”.

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Em seu depoimento, o réu reconheceu que nunca trabalhou nas referidas empresas. Disse que quando do requerimento de sua aposentadoria junto ao INSS foi orientado por “uma moça loira e um rapaz que tava sentado lá no can-to” a fazer uma nova carteira de trabalho. Aduziu que providenciou essa nova carteira de trabalho e a teria entregue, em branco, no INSS, bem como outros documentos do sindicato. Alegou não ter conhecimento sobre a fraude. Disse que no INSS lhe pediram para preencher os vínculos na Carteira de Trabalho. Contou que foi na sua casa Enedir Anacleto Casara (o Veio), cerca de um mês ou dois após “largar” a carteira nova no INSS e lhe disse “o senhor está aposen-tado”. Explicou que Enedir fora seu colega na “FCC”. Referiu que o filho, “que tem estudo, falou tem coisa errada aí”.

Ora, não é plausível que o réu acreditasse ser normal/lícito inserir vín-culos empregatícios referentes a empresas nas quais nunca trabalhou a fim de conseguir determinado benefício previdenciário, e tampouco não preenchendo os anos necessários para a modalidade de aposentadoria pleiteada.

Assim, configurada a autoria por parte do réu José Lauri, o qual foi o principal beneficiário da concessão fraudulenta da sua própria aposentadoria, recebendo benefício por mais de dez anos.

Exige-se no tipo do art. 171 do Código Penal, como elemento subjetivo, a presença do dolo específico para o estelionato, consistente no agir especial do agente para apoderar-se de vantagem ilícita.

Em muitos casos se afigura difícil a identificação do dolo, consubstancia-do na vontade livre e consciente do agente de atuar em contrariedade com o que autoriza a lei.

Contudo, é irrefutável, no caso, que o réu José Lauri incorreu com dolo na conduta delitiva.

O dolo, na presente hipótese, é identificável pelos sinais externos da con-duta do agente. A instrução se presta justamente para que se possa fazer o co-tejo entre as circunstâncias que permeiam o caso para delas concluir, no caso, pela deliberada prática criminosa.

Na definição adotada pelo Código Penal, há dolo “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.

Assim diante da sequência dos fatos documentados no Inquérito Policial, não é possível afastar o dolo da conduta do réu.

Com efeito, como já apontado quando da análise da autoria, por inter-médio de investigação policial (Operação Hominus), foi constatada a existên-cia de uma atuação criminosa envolvendo intermediários e servidores do INSS na concessão de benefícios previdenciários irregulares, mediante a inserção de

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vínculos empregatícios falsos para fins de aposentadoria por tempo de contri-buição. Dentre esses benefícios irregulares está o do réu José Lauri, que contou com a intermediação de Enedir, tendo sido inseridos os seguintes vínculos falsos de emprego para fins de concessão do benefício: a) Alceu Neves, no período de 15.09.1968 a 05.10.1974; b) Cléber Roberto de Oliveira, no período de 10.11.1974 a 01.10.1979; e, c) Campocell Ltda. (Máquinas A. R. W. Ltda.), no período de 01.12.1992 a 06.08.1999, embora não constassem no CNIS.

Restou também incontroverso nos autos, sendo admitido pelo réu Laudir, que os vínculos eram inexistentes e que nunca trabalhou em tais empresas.

Outrossim, o réu claramente não desconhecia que efetivamente lhe falta-va tempo para obter o benefício postulado, único motivo para que fossem feitas as inserções de tempo de trabalho falsas.

Ademais, causa espanto que o acusado José Lauri, com pleno discerni-mento do que não contava com tempo suficiente, não tivesse ao menos descon-fiado da existência da fraude contra o INSS, simplesmente providenciando nova carteira de trabalho, levando ela em branco no posto do INSS e preenchendo-a com vínculos com empresas para as quais nunca laborou. E seu próprio filho lhe dizendo que havia algo errado.

Destarte, pelos documentos constantes dos autos, e sendo extremamente frágeis e inverossímeis os argumentos do réu, bem como dada a ligação próxi-ma com um dos envolvidos na fraude, o corréu Enedir, aliada à ciência de que não tinha tempo suficiente, são elementos de prova consistentes o bastante para afastar a pretensa boa-fé do acusado.

Assim, considerando que o apelante José Lauri requereu e obteve, me-diante inserção de dados falsos, na via administrativa, a concessão de apo-sentadoria por “tempo de contribuição” que sabia indevida, sem preencher o requisito “tempo de contribuição” legalmente exigido por lei, auferindo a van-tagem correspondente, praticou dolosamente o tipo do art. 171, § 3º do Estatuto Repressivo.

Nessa linha de raciocínio:

DIREITO PENAL – ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL – ART. 171, § 3º, DO CÓDIGO PENAL – DECLARAÇÃO FALSA DE LABOR Ru-RAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR, PARA OBTENÇÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO DE APOSENTADORIA POR IDADE – DOLO ESPECÍFICO – MATERIALIDADE, AuTORIA E DOLO CONFIGuRADOS – IN DUBIO PRO REO – INAPLICABILIDADE – CONDENAÇÃO MANTIDA – 1. A percepção de benefício previdenciário decorrente de fraude perpetrada contra a Previdência Social configura estelionato majorado pelo § 3º do art. 171 do Código Penal. 2. O art. 171 do Código Penal exige, para a tipificação do delito de estelionato,

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������������������������������������������������141

a presença do dolo específico, isto é, a vontade livre e consciente de induzir ou manter a vítima em erro, com o fim de obter vantagem patrimonial ilícita em prejuízo alheio. 3. As provas constantes nos autos demonstram inequivocamente a ação intencional, livre e consciente da ré na prática delitiva do art. 171, § 3º, do CP, com o escopo de obter benefício previdenciário de aposentadoria por idade indevidamente,mediante declaração falsa junto ao INSS de que exercera labor rural em regime de economia familiar em período em que sequer residia no meio rural. 4. Para aplicar-se o princípio do in dubio pro reo, deve existir dúvida razoável acerca da materialidade, autoria ou dolo, o que não ocorre no caso. 5. Restando a materialidade, a autoria e o dolo demonstrados pela prova dos autos, deve ser mantida a condenação. Apelação desprovida. (TRF 4ª R., ACr 5001522-03.2012.404.7115, 7ª T., Relª p/ Ac. Cláudia Cristina Cristofani, juntado aos au-tos em 29.04.2015)

Logo, está demonstrado que o réu obteve para si (de 16.08.2009 a 31.10.2009) vantagem ilícita (benefício previdenciário), em prejuízo do erário, induzindo o INSS em erro, com plena consciência de que não tinha direito de se aposentar. Sem a fraude, não conseguiria obter a vantagem previdenciá-ria indevida. O prejuízo causado dolosamente à autarquia foi no montante de R$ 155.929,77.

AutorIA e dolo por enedIr AnAcleto cASArA

José Lauri providenciou nova carteira de trabalho para obter benefício junto à Previdência. A carteira foi devolvida na sua casa por Enedir, com quem já havia trabalhado na empresa ‘FCC’.

Em sede policial, o servidor Alvari R. do Nascimento reconheceu o seu envolvimento com o réu Enedir, quem teria conhecido por volta de 1997. Con-tou que Veio (Enedir) propôs a concessão de um benefício irregular; que não se recorda da pessoa que seria beneficiada, mas lembra que trabalhava na “FCC”. Disse que “alguns processos era Veio que entregava para o declarante”, “que outros iam diretamente no balcão” (fls. 272-275).

O servidor Alvari foi quem concedeu no âmbito do INSS o benefício para José Lauri (fls. 174-175).

Declarou também o servidor Alvari, perante a Polícia Federal (IPL 50017729120114047108 fls. 15/16), que de 1997 a 1999 procedeu a inúme-ras inserções de dados falsos no sistema informatizado do INSS (como apura-do na Operação Hominus), e que tudo começou mediante proposta de Enedir Anacleto Casara, e depois “virou uma bola de neve”, se sentindo “pressionado, pois poderia ser denunciado pelo que fez”, sendo pressionado por Enedir a con-tinuar com o esquema de inserções fraudulentas, o que no início ocorria espora-dicamente. Informou também que Veio (Enedir) às vezes cobrava pelo serviço.

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Das declarações prestadas por Alvari, aliadas ao depoimento de José Lauri, e às investigações na Operação Hominus, fica bastante nítido o grau de envolvimento de Enedir no esquema fraudulento, isto é, seu importante papel na prática delitiva, no sentido de fazer captações e intermediações, uma delas a do caso dos autos, em que auxiliou na concessão do benefício a José Lauri, se valendo de Alvari para que fossem efetuadas as inserções de dados falsos nos sistemas da Autarquia, porquanto Enedir, não sendo funcionário do INSS, não tinha acesso ao sistema.

Evidente também que não há como afastar o dolo de Enedir, ao frágil argumento de que por “ser amigo do funcionário Alvari, achava que estava ape-nas ajudando pessoas a encaminhar aposentadorias”. Ora, para o homem mé-dio é evidente que encaminhar pessoas que não contam com o tempo de contri-buição para obterem, junto ao INSS, benefício previdenciário de aposentadoria por tempo de contribuição não se reveste de licitude, ainda mais quando essas pessoas eram encaminhadas a um funcionário específico, que, se valendo da sua condição de servidor da Autarquia Previdenciária fazia a inserção de dados falsos no sistema, a fim de completar, com os vínculos de emprego falsos, o tempo de serviço que os candidatos a benefício previdenciário não possuíam.

Assim, pelo relevante papel para que os delitos ocorressem e continuas-sem ocorrendo, e tendo plena ciência e consciência da falsidade dos dados que eram inseridos, aliás, propositalmente, no sistema informatizado do INSS, deve ser responsabilizado criminalmente com fulcro no art. 171, § 3º do Diploma Penal.

Por oportuno menciono ainda o seguinte Precedente, referente a pro-cesso no qual o réu Enedir foi condenado, também no âmbito da operação Hominus, pela prática do delito do art. 313-A do Código Penal, porquanto, muito embora não tenha feito pessoalmente a inserção dos dados no sistema do INSS, fez toda a intermediação dos requerentes a benefício previdenciário com o funcionário do INSS que faria a inserção dos dados falsos, relativos a vínculos de emprego inexistentes, comunicando-se, por serem elementares do crime, as circunstâncias de caráter pessoal, o que ensejou, portanto a responsabilidade criminal do réu como coautor também do crime contra a administração públi-ca, que, a princípio, é praticado apenas por funcionários públicos:

DIREITO PENAL – CRIME CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – ART. 313-A DO CÓDIGO PENAL – BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO FRAUDULENTO – VÍN-CULO EMPREGATÍCIO FALSO – INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA INFORMATIZADO DO INSS – POSSIBILIDADE DE O PARTICULAR FIGURAR COMO AUTOR DO CRIME – AUTORIA COMPROVADA – SENTENÇA MAN-TIDA – 1. Dispõe o art. 30 do CP que as circunstâncias e condições de caráter pessoal se comunicam, quando elementares do crime, sendo possível, portanto, que particulares sejam coautores ou partícipes de crimes contra administração

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pública. [...] 3. Assim, comprovou-se que o esquema consistiu na intermediação do requerente a benefício previdenciário, função que coube ao réu, enquanto o servidor público da autarquia, de prévio acordo com o acusado, realizou a inserção dos dados inverídicos, a fim de habilitar a aposentadoria que, se fosse requisitada de maneira regular, não seria concedida. 4.Mantida integralmente a sentença que condenou o réu pela prática do delito inscrito no art. 313-A do Có-digo Penal, inclusive no que se refere à dosimetria. (TRF 4ª R., Apelação Criminal nº 5008741-25.2011.404.7108, 7ª T., Juíza Federal Salise Monteiro Sanchotene, por unanimidade, Juntado aos Autos em 12.11.2013)

Dessarte, comprovadas a autoria, a materialidade e o dolo, e sendo o fato típico, antijurídico e culpável, considerando a inexistência de causas excluden-tes de ilicitude e de culpabilidade, resta evidenciada a prática, pelos réus José Lauri e Enedir, do delito do art. 171, caput e § 3º, do Código Penal.

Ante o exposto, voto por negar provimento aos recursos de apelação.

Marcelo Malucelli Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

3107

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira LimaApelação Cível nº 580633 – PE (2009.83.00.000102‑0)Apte.: CEF – Caixa Econômica FederalAdv./Proc.: Antonio Henrique Freire Guerra e outrosApdo.: Município de Abreu e Lima – PEAdv./Proc.: Aguinaldo Tavares de MeloAdv./Proc.: Maria Carla Dias SilveiraRelatora: Desembargadora Federal Convocada Helena Delgado Fialho Moreira

ementA

TRIBuTáRIO – EMBARGOS À ExECuÇÃO FISCAL – ISS – PRETENSO CONTRATO DE ARRENDAMENTO (LEASING) – CASO CONCRETO quE TRATA DE TÍPICO CONTRATO DE FINANCIAMENTO – AFASTAMENTO DA ExAÇÃO

1. Embargos à execução fiscal opostos pela Caixa Econômica Federal com o desiderato precípuo de obstar a cobrança de Imposto Sobre Serviços pelo Município de Abreu e Lima – PE. Para tanto, argumenta que os fatos tributados não consistiam em operações com arrenda-mento mercantil de veículos automotores, mas, apenas, contratos de financiamento, os quais, por força do art. 2º, III, da LC 116/2003, não se encontram abarcados pela hipótese de incidência.

2. In casu, o fato gerador do crédito perseguido na execução fiscal foi a operação envolvendo a aquisição de veículo automotor, viabilizada por meio de contrato de financiamento garantido por alienação fidu-ciária, e não operações de arrendamento mercantil (leasing).

3. Assim, os fatos indicados são inservíveis para caracterizar a hipóte-se de incidência tributária.

4. Recurso de apelação a que se dá provimento.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas.

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Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto da Relatora e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado.

Recife, 26 de maio de 2015.

Helena Delgado Fialho Moreira Desembargadora Federal Convocada

relAtórIo

A Sra. Desembargadora Federal Convocada Helena Delgado Fialho Moreira (Relatora):

Trata-se de apelação cível em embargos à execução fiscal, interposta pela CEF contra sentença que julgou improcedente o pedido de desconstituição do crédito tributário.

Discute-se, no caso, dívida decorrente do não recolhimento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISS, em face de suposta operação de arrendamento mercantil (leasing) para aquisição de veículo.

Sustenta a CEF que a operação envolvendo o veículo em questão, de fato, diz respeito a contrato de financiamento, conforme faz prova o Instrumento Contratual de Financiamento com Recursos do Fundo de Amparo ao Trabalha-dor – FAT, e não operações de arrendamento mercantil (leasing).

Nesse sentido, entende que os fatos indicados são improfícuos para ca-racterizar a hipótese de incidência tributária.

É o relatório.

voto

A Sra. Desembargadora Federal Convocada Helena Delgado Fialho Moreira (Relatora):

A execução fiscal que deu origem aos presentes embargos foi proposta em face do não recolhimento do ISS sobre supostas operações de arrendamento mercantil (leasing) realizadas pela embargante.

O art. 1º, parágrafo único da Lei nº 6.099/1974, estabelece:

Art. 1º O tratamento tributário das operações de arrendamento mercantil reger-se-á pelas disposições desta Lei.

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Parágrafo único. Considera-se arrendamento mercantil, para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado entre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arrendadora, segundo especificações da arrendatária e para uso próprio desta. (Redação dada pela Lei nº 7.132, de 1983)

Assim, poderá o arrendador ao final renovar o contrato de arrendamento, ou ainda adquirir o bem por valor residual pré-fixado em contrato.

Releva destacar que o Supremo Tribunal Federal, acerca da incidência do ISS sobre operações de arrendamento mercantil, se posicionou pela consti-tucionalidade da referida incidência, in verbis:

RECuRSO EXTRAORDINÁRIO – DIREITO TRIBuTÁRIO – ISS – ARRENDA-MENTO MERCANTIL – OPERAÇÃO DE LEASING FINANCEIRO – ART. 156, III, DA CONSTITuIÇÃO DO BRASIL

O arrendamento mercantil compreende três modalidades, [i] o leasing opera-cional, [ii] o leasing financeiro e [iii] o chamado leaseback. No primeiro caso há locação, nos outros dois, serviço. A lei complementar não define o que é serviço, apenas o declara, para os fins do inciso III do art. 156 da Constituição. Não o inventa, simplesmente descobre o que é serviço para os efeitos do inciso III do art. 156 da Constituição. No arrendamento mercantil (leasing financeiro), contra-to autônomo que não é misto, o núcleo é o financiamento, não uma prestação de dar. E financiamento é serviço, sobre o qual o ISS pode incidir, resultando irrelevante a existência de uma compra nas hipóteses do leasing financeiro e do leaseback. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 592905, Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, Julgado em 02.12.2009, Repercussão Geral – Mérito DJe-040 Divulg. 04.03.2010, Public. 05.03.2010, Ement. v. 02392-05, p. 00996, LEXSTF v. 32, n. 375, 2010, p. 187-204, JC v. 36, n. 120, 2010, p. 161-179)

Contudo, a embargante aduz a não ocorrência de arrendamento mer-cantil a justificar a imputação do crédito tributário questionado, uma vez que a operação por ela realizada, e que gerou o lançamento, cuidou, em verdade, de contrato de financiamento.

A esse respeito, faz prova com a juntada do Instrumento Contratual de Financiamento com Recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT, fir-mado entre a embargante e Severino Cabral de Souza ME, cujo objeto referia à “aquisição de veículo para transporte das máquinas necessárias às atividades de prestação de serviços na área de mecânica de manutenção junto às indústrias” (fls. 45/50).

Do atento cotejo das cláusulas do contrato em questão, constata-se que o caso concreto trata de típico contrato de financiamento, garantido por aliena-ção fiduciária.

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Ademais, a CDA que embasa a execução não se apresentada clara vez que não se reporta a qualquer procedimento administrativo de fiscalização, fa-zendo referência, inclusive à incidência do ISS sobre “demais serviços rela-cionados ao arrendamento mercantil (leasing), crédito direto ao consumidor e financiamento de veículos automotores [...], envolvendo veículos automotores registrados e anotados com placas deste município” (fl. 61).

Verifica-se, portanto, que o credor faz confusão entre leasing e financia-mento bancário no corpo da CDA.

Por essas razões, além da invalidade da CDA, sequer pude vislumbrar a ocorrência do fato gerador do ISS, o que justifica a desconstituição do crédito cobrado.

Diante do exposto, dou provimento à apelação, invertendo o ônus da sucumbência.

É o meu voto.

Helena Delgado Fialho Moreira Desembargadora Federal Convocada

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Parte Geral – Jurisprudência

Administrativo

3108 – Anistia – perseguição política – pretensão indenizatória – dilação probatória – necessi-dade

“Administrativo e processual civil. Ditadura militar. Perseguição política. Dissolução de víncu-los empregatícios. Prisão. Tortura. Danos morais e patrimoniais. Pretensão indenizatória. Dilação probatória. Necessidade. Cerceamento de defesa. Nulidade da sentença. 1. A Anistia política, instituída no art. 8º do ADCT, gerou direitos aos atingidos pelos atos de exceção, praticados du-rante o regime militar da década de 60, tendo a Lei nº 10.559/2002 disposto sobre a reparação econômica no seu art. 3º. 2. Hipótese em que, apesar de a matéria tratada nos autos demandar dilação probatória, sendo insuficientes as provas documentais acostadas, o juízo a quo, ignorando o protesto do autor pela produção de provas complementares, como a oitiva de testemunhas e o depoimento pessoal do promovente, julgou antecipadamente a lide e indeferiu o pleito contido na exordial, fundamentando-se na insuficiência das provas coligidas nos autos. 3. uma vez ca-racterizado o cerceamento do direito do autor à produção de provas, não há que ser o mesmo prejudicado em razão da não comprovação da sua condição de perseguido, custodiado e tortu-rado, durante todo o período correspondente à Ditadura Militar no Brasil, impondo-se, in casu, a nulidade do julgado monocrático, com o consequente retorno dos autos ao juízo de origem para que seja sanado o vício apontado. 4. Acolhida a prefacial de nulidade por cerceamento de defe-sa, resta prejudicado o exame do mérito da demanda. 5. Sentença anulada. Apelação provida.” (TRF 5ª R. – AC 0002239-53.2011.4.05.8200 – (580724/PB) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Machado Cordeiro – DJe 14.08.2015)

3109 – Bem público – mera detenção – benfeitorias – indenização indevida

“Apelação cível. Ação reintegração de posse. Área de domínio público. Posse de bem público ocupado por particular sem permissão. Mera detenção. Benfeitorias. Indenização indevida. Juros e correção monetária. Pedidos prejudicados. Recurso provido. Em face do princípio da indisponi-bilidade do bem público, torna-se incogitável qualquer tese de posse do réu que possa inviabilizar a gestão da coisa pública, além do que a ocupação irregular do bem público não configura posse, mas mera detenção, pois a lei impede os efeitos possessórios em favor do ocupante ilícito, nos termos do art. 1.198, do Código Civil. Não há respaldo à pretensão indenizatória quanto às benfei-torias edificadas ou o direito de retenção, vez que, em se tratando de construção em área pública, devem ser observadas as normas típicas do Direito Administrativo. A simples detenção precária não confere direito ao recebimento de indenização por benfeitorias.” (TJMT – Ap 72036/2014 – Relª Vandymara G. R. P. Zanolo – DJe 20.08.2015)

3110 – Concurso público – agente de polícia – vida pregressa e investigação social – sindicân-cia – prática de ato infracional análogo ao crime de homicídio doloso – não recomen-dação

“Apelação. Mandado de segurança. Constitucional e administrativo. Concurso público. Cargo de agente de polícia da PCDF. Sindicância de vida pregressa e investigação social. Natureza peculiar da carreira policial. Prática de ato infracional análogo ao crime de homicídio doloso. Não reco-mendação. Ato legal. 1. O candidato que presta concurso público deve se submeter às condições editalícias que regem o certame. 2. Se o edital do concurso público para o provimento de vagas no cargo de agente de polícia da PCDF prevê a possibilidade de o candidato ser eliminado do certa-me por ter dado causa ou participado ‘de fato desabonador de sua conduta, incompatibilizando-o com o cargo de agente de polícia da carreira de polícia civil do Distrito Federal’, deve-se partir da presunção de que o candidato era sabedor de tal possibilidade, bem como de que a aceitou.

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3. A carreira policial tem natureza ‘peculiar’, adjetivo, aliás, utilizado na própria ementa da lei, que ‘dispõe sobre o regime jurídico peculiar dos funcionários policiais civis da união e do Distrito Federal’. A própria adjetivação legal, bem como os requisitos específicos para ingresso na polícia civil, autorizam a conclusão no sentido de que, aqui, a análise da vida pregressa do candidato é requisito editalício que se reveste de especial significado, na medida em que existe uma moral da instituição, pública e apreensível a partir das regras internas da administração peculiar da carreira policial, que deve ser preservada. 4. A não recomendação de candidato ao cargo de agente de polícia que praticou ato infracional análogo ao crime de homicídio doloso não pode ser tida como ilegal, assim como está devidamente autorizada, não só por lei, mas também pelo princípio da moralidade constitucional, cabendo destacar, ainda, que o ato de não recomendação, em si, se contém dentro dos limites da proporcionalidade e da razoabilidade, princípios que, igualmente, têm assento na constituição da república. 5. Recurso de apelação não provido.” (TJDFT – Ap 20140110646445 – (882980) – 4ª T.Cív. – Rel. Des. Arnoldo Camanho de Assis – DJe 05.08.2015)

3111 – Improbidade administrativa – Procurador Regional da República – perda do cargo – prerrogativa de função – inexistência

“Processual civil e administrativo. Ação de improbidade administrativa. Procurador Regional da República. Perda do cargo. Foro por prerrogativa de função. Inexistência. 1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público Federal contra o ora recorrente pela prática de ato ímprobo. 2. O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimen-to no sentido de que o foro por prerrogativa de função não se estende ao processamento das Ações de Improbidade Administrativa. 3. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-AgRg-REsp 1.389.490 – (2013/0185360-9) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 05.08.2015)

Destaque Editorial SÍnTESESelecionamos o seguinte julgado no mesmo sentido:

“IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – PRERROGATIVA DE FORO – INEXISTÊNCIA – SÚMULA Nº 83/STJ – RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO – 1. Cuida-se, na origem, de Ação de Improbidade Administrativa proposta pelo Ministério Público estadual contra o ora recorrente pela prática de ato ímprobo. 2. Esta Corte Especial pacificou entendi-mento no sentido de que o foro por prerrogativa de função não se estende ao processamento das Ações de Improbidade Administrativa. 3. Dessume-se que o acórdão recorrido está em sintonia com o atual entendimento do STJ, razão pela qual não merece prosperar a irresigna-ção. Incide, in casu, o princípio estabelecido na Súmula nº 83/STJ. 4. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.453.870 – (2011/0239712-6) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 10.08.2015 – p. 2413) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 101000543671. Acesso em: 10 ago. 2015)

3112 – Licitação – empresa vencedora – vícios meramente formais – inabilitação – ato abusivo

“Apelação cível. Administrativo. Mandado de segurança. Licitação. Inabilitação de empresa vencedora. Vícios meramente formais. Segurança concedida. Sentença mantida. unanimidade. I – No caso em exame, a empresa Maducare Alimentação Comércio e Serviços Ltda., impetrou o presente mandamus contra ato do Secretário de Estado de Desenvolvimento Social e Presidente da Comissão Central de Licitação – CCL do Estado do Maranhão, aduzindo que participou no Pregão 027/2011 – POE/MA, que visava a contratação de empresa especializada no fornecimento de alimentação/refeições para o funcionamento de restaurante popular do governo do Estado do Maranhão e após as formalidades legais foi escolhida vencedora, ofertando a melhor proposta. II – Compulsando detidamente os autos, constatei que restou devidamente comprovado que o ato que desabilitou a ora apelada do certame, foi abusivo, uma vez que esta preencheu de forma satisfatória todos os itens previstos no edital do certame. Ademais, os vícios levantados no recurso administrativo da empresa Serv Food Alimentos Ltda., foram devidamente sanados e esclarecidos,

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não tendo o condão de tirar a licitante do certame, como bem consignado pela magistrada de base. III – Apelo conhecido e improvido.” (TJMA – Proc. 0062403-66.2011.8.10.0001 – (169363/2015) – Rel. Raimundo José Barros de Sousa – DJe 20.08.2015)

3113 – Poder de polícia – ANTT – veículos locados pelo Ministério Público – pedágio – isenção

“Administrativo. Mandado de segurança. Isenção de tarifa de pedágio. Veículos locados pelo Mi-nistério Público Estadual do Rio de Janeiro. ANTT. Concessionária ponte Rio-Niterói S/A. Com-panhia de Concessão Rodoviária Juiz de Fora (Concer). Interpretação restritiva do conceito de veículos oficiais. Decadência. Não ocorrência. CNT. Locação. Carros oficiais afetados ao serviço público. 1. O objeto do presente mandado de segurança é o alegado direito líquido e certo à isen-ção de pedágio de veículos próprios ou locados pelo Ministério Público Estadual, em razão de sua equiparação a veículos oficiais nas rodovias administradas pelas concessionárias impetradas. A causa de pedir consubstancia na equiparação dos veículos locados aos de propriedade do Ministé-rio Público Estadual, em razão da relevância quanto à utilização, em prol do serviço público, e não da titularidade do bem. 2. Decadência não caracterizada. Transcurso de lapso temporal inferior a 120 dias entre a ciência do teor do Ofício de nº 070716/PR-01, de 16.07.2007, do Parecer da Companhia de Concessão Rodoviária Juiz de Fora-Rio constante do Ofício AJu-CA-031/2007, de 11.06.2007 (fls. 17/24) e do Parecer/ANTT/PRG/CCJ nº 0378-3.4.1.4/2007, de 09.07.2007 até o ajuizamento da ação. 3. O art. 120 do Código Nacional de Trânsito trata em seu § 1º apenas do registro dos veículos oficiais de propriedade da administração direta, da união, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Não se infere, a partir de sua leitura, que a classificação dos veículos oficiais seja apenas aqueles de propriedade dos entes citados. Já o art. 8º do Decreto nº 94.002, de 4 de fevereiro de 1987, assegura aos veículos oficiais e aos do Corpo Diplomático a isenção do pagamento de pedágio, desde que exibam o título de isenção. Não menciona tratar-se os veículos oficiais exclusivamente aqueles de propriedade do ente público. 4. O fundamento da isenção no pagamento das tarifas de pedágio pelos carros oficiais não é simplesmente o fato de pertencerem a órgãos da Administração Pública, mas sim de estarem afetados ao serviço público. 5. O art. 3º da Resolução nº 3.916/2012/ANTT trata especificamente dos veículos contratados de prestadores de serviço para os quais a fruição da isenção fica sujeita a prévio cadastro, mediante apresentação de cópia autenticada do Certificado de Licenciamento de Veículo e cópia autentica-da do contrato de locação (incisos I e II). 6. Agravo Retido e apelações conhecidos e improvidos. Sentença confirmada.” (TRF 2ª R. – AMS 2007.51.01.024737-7 – 5ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Geraldine Pinto Vital de Castro – DJe 16.07.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEA apelação em tela foi interposta pela Unimed Vale do Rio Doce Cooperativa de Trabalho Médico, contra sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, quais sejam, invali-dação da multa pecuniária que lhe foi cominada, diante da aplicação de reajustes de percentuais superiores ao índice do IGP-M e o cancelamento do auto de infração ou, alternativamente, a minoração da penalidade.

De acordo com a decisão a quo, a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS tem a in-cumbência de regular e fiscalizar o mercado relativo aos planos de saúde, conforme preceitua o art. 1º da Lei nº 9.961/2000, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantem a assistência suplementar à saúde; que a autora, ora apelante, ao aplicar os reajustes no contrato de um segurado específico adotou percentuais superiores ao IGP-M, violando expressamente o disposto no item 12.2 do contrato, pactuado antes do advento da Lei nº 9.656/1998.

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Nas razões recursais, a apelante sustenta que inexiste ilegalidade nos reajustes aplicados, e, ainda, que a majoração da multa inicialmente aplicada, após a interposição do recurso adminis-trativo, incorreria em reformatio in pejus, o que seria vedado pelo ordenamento jurídico.

A 5ª Turma Especializada do TRF 2ª Região, ao analisar o recurso, manteve a sentença na ínte-gra, negando provimento à apelação.

Do voto do Relator, destacamos:

“[...] Mesmo os contratos de seguro-saúde, celebrados anteriormente ao advento da Lei nº 9.656/1998, deverão reverenciar as regras consumeristas, porquanto estas são normas de ordem pública, de caráter imperativo. É o que se infere do § 2º do art. 3º do CDC, ao dispor que ‘serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista’.

Em se tratando de relação de consumo, extrai-se do art. 6º, inciso V, e do art. 51, incisos IV e X, que é defeso ao prestador de serviços estabelecer obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade, sendo vedado também o reajuste dos preços de maneira unilateral, o que deverá ser reverenciado pelas operadoras de plano de saúde, independente da data da celebração do contrato.

No presente caso, restou acordado entre as partes, no item 12.2 da Cláusula XII do contrato, que:

‘As mensalidades e inscrições fixadas em cruzeiros serão reajustadas na mesma proporção da variação do coeficiente do IGP-M divulgado pela Fundação Getúlio Vargas, ou, na falta deste, outro índice de correção aceito pelos contratantes.’

Nesse sentido, se o percentual superou o índice acordado, afrontando o pacta sunt servanda, está correta a atuação da agência reguladora, intervindo no reajuste celebrado.

Mutatis mutandis, o seguinte precedente jurisprudencial:

‘PLANO DE SAÚDE – CONTRATO CELEBRADO ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI Nº 9.656/1998 – REAJUSTE UNILATERAL E ABUSIVO DAS MENSALIDADES – NULIDADE (ART. 51, X, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR) – Conquanto o Supremo Tribunal Federal tenha conce-dido liminar suspendendo a aplicação dos arts. 35 e 35-E da Lei nº 9.656/1998 aos contratos de seguro de saúde anteriores à sua vigência, deixando a ANS de regular os reajustes das men-salidades dos referidos contratos, o ordenamento constitucional, cujos princípios se encontram estabelecidos nas normas da Lei nº 8.078/1990, assegura os direitos do consumidor, sendo nula a cláusula contratual que autoriza aumento unilateral e abusivo de mensalidade do Plano de Saúde, por violar os princípios da boa-fé e da confiança, consoante estabelece o art. 51, X, do Código de Defesa do Consumidor. Recurso improvido.’ (TJRJ, 12ª C.Cív., Des. José Antonio Geraldo, AC 2005.001.20583, DO de 15.09.2005, p. 52/54) [...]”

3114 – Servidão administrativa – passagem de eletroduto – constituição por escritura pública – reexame – impossibilidade

“Administrativo. Servidão de passagem de eletroduto. Constituição por escritura pública. Ale-gação de vício de consentimento afastada pela Corte local. Reexame. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Servidão efetuada sobre área superior à pactuada. Complementação devida. Precedentes. 1. A alteração das conclusões adotadas pela Corte de origem, quanto à existência de vício de consentimento a ensejar a nulidade do negócio jurídico, tal como colocada a questão nas razões recursais, demandaria, necessariamente, novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em recurso especial, conforme o óbice previsto na Súmula nº 7/STJ. 2. De outro lado, consignado pela instância de origem que as restrições ocasionadas pela insta-lação de eletrodutos abrangerem área superior à de servidão de passagem constante na escritura pública, deve haver o complemento do valor indenizatório. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 949.507 – (2007/0104490-3) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 19.08.2015)

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Ambiental

3115 – Acidente ambiental – explosão de navio – vazamento de óleo e outras substância quí-micas – responsabilização às empresas proprietárias – impossibilidade

“Apelação cível. Ação de indenização. Responsabilidade civil. Acidente ambiental. Explosão do navio Vicuña. Vazamento de óleo e outras substâncias químicas. Responsabilização das empre-sas proprietárias da carga. Impossibilidade. Requeridas que apenas adquiriram a mercadoria do navio. Ausência de tradição da coisa. Inexistência de nexo causal entre a compra da mercadoria e os danos causados. Prejuízos ambientais decorrentes da explosão do navio. Imputação de res-ponsabilidade às empresas pelas consequências causadas pelo derramamento da carga. Não ca-bimento. Não enquadramento como poluidoras, nem mesmo por equiparação. Responsabilidade da proprietária do navio e do terminal marítimo. Improcedência do pedido inicial. Precedentes. Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido.” (TJPR – AC 1336195-4 – 8ª C.Cív. – Rel. Des. Guilherme Freire de Barros Teixeira – DJe 27.05.2015)

3116 – Ação civil pública – degradação ambiental – corte com motosserra – falta de licença – configuração

“Ação civil pública. Meio ambiente. Degradação ambiental. Corte com motosserra sem licença. Incontrovérsia quanto à prática do ato pelo réu. Art. 225, § 3º, da Constituição Federal. A falta de trânsito em julgado ou de aplicação de sanção na esfera administrativa não desobriga o réu de sua responsabilidade civil com o meio ambiente. Sentença mantida. Recurso desprovido, com observação.” (TJSP – AC 0001323-24.2011.8.26.0691 – Itapeva – 1ª C.Res.MA – Rel. João Negrini Filho – DJe 21.05.2015)

Transcrição Editorial SÍnTESEConstituição Federal:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

[...]

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obriga-ção de reparar os danos causados.”

3117 – Crime ambiental – caça de jabutis – consumo próprio – princípio da insignificância – aplicabilidade

“Penal e processual penal. Habeas corpus. Crime ambiental. Caça de dois jabutis para consumo próprio. Princípio da insignificância. Atipicidade da conduta e ausência de justa causa. Tranca-mento da ação penal. 1. O trancamento de ação penal, na via estreita do habeas corpus, em face do exame da prova, somente pode ocorrer em casos excepcionais, quando a falta de justa causa – ‘conjunto de elementos probatórios razoáveis sobre a existência do crime e da autoria’ se mostra visível e induvidosa, em face da prova pré-constituída, hipótese presente no presente writ. 2. Conquanto seja tarefa do legislador selecionar e tipificar penalmente as condutas criminosas, a avaliação da tipicidade pelo juiz não se resume ao plano meramente formal, em face do modelo adotado pela lei, mas também ao plano substancial, no sentido de verificar se a conduta do agente, na persecução penal, ofende, de maneira significativa, o bem jurídico tutelado. Negativa a respos-ta, deixa de existir o crime; ou, pelo menos, o interesse de agir, como uma das condições da ação penal. 3. A caça e apreensão de 2 (dois) jabutis para consumo próprio não justifica a abertura de processo penal, por absoluta falta de adequação social. Incidência do princípio da insignificância,

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causa supralegal de exclusão de tipicidade. 4. Concessão da ordem de habeas corpus. Trancamen-to da ação penal.” (TRF 1ª R. – HC 0008232-11.2015.4.01.0000/RR – Rel. Juiz Fed. Conv. Marcus Vinícius Reis Bastos – DJe 13.07.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO acórdão em comento é oriundo de habeas corpus impetrado pela Defensoria Pública da União em favor do acusado, contra ato da 2ª Vara Federal de Roraima/RR que não proclamou pela absolvição sumária do mesmo.

Foi feita a denúncia pela prática do crime previsto no art. 34 c/c art. 15, II, e 36 da Lei nº 9.605/1998.

De acordo com a denúncia o acusado foi flagrado pelo ICMBio, dentro da floresta na posse de 02 (dois) jabutis, sem permissão ou autorização das autoridades competentes.

Sustenta o acusado que o fato narrado não constituiu crime, em razão da atipicidade material pela aplicação do princípio da insignificância, pois o acusado declarou que os animais eram para a subsistência de sua família.

Dessa forma, o nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

Entre os numerosos julgados sobre o tema, podem ser citados os seguintes, deste Tribunal:

PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – CRIME DE FURTO – ART. 155, § 4º, I E IV, DO CÓDIGO PENAL – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICAÇÃO

1. A intervenção do Direito Penal apenas se justifica quando o bem jurídico tutelado tenha sido exposto a um dano com relevante lesividade. Não há, outrossim, a tipicidade material, apenas a formal, quando a conduta não possui relevância jurídica, afastando-se, por consequência, a intervenção da tutela penal, em face do princípio da insignificância.

[...]

4. Recurso de apelação improvido. (ACr 2004.38.00.018694-0/MG, Rel. Des. Fed. Mário César Ribeiro, 4ª T., e-DJF1 de 16.05.2012, p. 75)

PENAL – TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – APLICA-ÇÃO – DIREITO PENAL – ULTIMA RATIO

1. O Supremo Tribunal Federal decidiu que a aplicação do princípio da insignificância deve decorrer da análise de critérios objetivos, a saber: ofensividade mínima da conduta do agente, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do agente e inexpressividade da lesão ao bem juridicamente tutelado.

2. Sendo possível o reconhecimento da insignificância penal em delitos consumados contra o patrimônio, com mais razão o deve ser nos casos de tentativa.

3. É infundado o temor de que haverá estímulo à prática delitiva, caso seja reconhecido o prin-cípio da insignificância, porquanto a ínfima lesão ao bem jurídico, por si só, é suficiente para tornar atípica a conduta. (TRF 1ª R., ACr 2006.34.00.017952-2/DF, Rel. Des. Fed. Tourinho Neto, 3ª T., unânime, e-DJF1 de 14.10.2011, p. 281)

PENAL – PROCESSO PENAL – CRIME CONTRA O MEIO AMBIENTE – DANO À UNIDADE DE CONSERVAÇÃO AMBIENTAL – ART. 38, CAPUT, E ART. 40, CAPUT, DA LEI Nº 9.605/1998 C/C ART. 69 DO CÓDIGO PENAL – ATIPICIDADE DA CONDUTA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFI-CÂNCIA – APLICABILIDADE

1. O princípio da insignificância, que está diretamente ligado aos postulados da fragmenta-riedade e intervenção mínima do Estado em matéria penal, tem sido acolhido pelo magistério doutrinário e jurisprudencial, tanto do TRF 1 como do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, como causa supralegal de tipicidade. Vale dizer, uma conduta que se subsuma perfeitamente ao modelo abstrato previsto na legislação penal pode vir a ser considerada atípica por força deste postulado.

2. É imprescindível que a aplicação do referido princípio se dê de forma prudente e criteriosa, ra-zão pela qual é necessária a presença de certos elementos, tais como (I) a mínima ofensividade da conduta do agente; (II) a ausência total de periculosidade social da ação; (III) o ínfimo grau de reprovabilidade do comportamento; e (IV) a inexpressividade da lesão jurídica provocada.

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3. Para incidir a norma penal incriminadora é indispensável que a conduta do denunciado possa, efetivamente, causar risco às espécies ou ao ecossistema. Nada disso, todavia, se verifica no caso concreto, em que houve completa reparação da área atingida, com a integral reversão do dano, conforme comprovado por laudo pericial.

4. Evidente a atipicidade material da conduta, pela desnecessidade de movimentar a máquina estatal, com todas as implicações conhecidas, para apurar conduta irrelevante para o Direito Penal, por não representar ofensa a qualquer bem jurídico tutelado pela Lei Ambiental.

5. Apelação não provida. (TRF 1ª R., ACr 0045316-68.2010.4.01.3800/MG, Rel. Des. Fed. Tourinho Neto, 3ª T., unânime, e-DJF1 de 16.11.2012, p. 708)

Em crimes ambientais, diante da importância e singularidade do bem tutelado (meio ambiente equilibrado), o princípio da insignificância deve ser aplicado com cautela.

A hipótese dos autos permite tal excepcionalidade. O acusado foi denunciado por ter caçado 2 (dois) jabutis no interior da flora e guardando-os em sua residência, para consumo próprio.

A conduta imputada (Lei nº 9.605/1998, art. 29, caput e § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998) ao denunciado nos autos da Ação Penal nº 6188-97.2013.4.01.4200/RR, não tem aptidão para lesionar o bem jurídico protegido. A acusação não tem adequação social, afigurando-se de todo insignificante para justificar a movimentação da máquina punitiva do Estado. Proteger as espé-cies animais da caça indiscriminada é uma meta importante para a sobrevivência do planeta, mas, como para tudo há uma medida, não se justifica a condenação penal de alguém por ter caçado 2 (dois) jabutis.

[...]

Em face do exposto – incidência do princípio da insignificância, causa supralegal de exclusão da tipicidade –, concedo o habeas corpus e determino o trancamento da ação penal (arts. 395, III, 397, III e 648, I, CPP) a que responde o paciente Reginaldo Ribeiro dos Santos.

É o voto.”

Diante do exposto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região concedeu o habeas corpus e deter-minou o trancamento da ação penal.

3118 – Dano ambiental – construção de usina – risco de desabamento – princípio da precau-ção – cabimento

“Agravo interno em agravo de instrumento. Civil e processual. Ação de obrigação de fazer c/c indenização por danos morais e materiais. Construção da usina de Santo Antônio. Eventual risco de desabamento das construções. Prova pericial. Inversão do ônus da prova. Dano ambiental. Possibilidade. Princípio da precaução. Agravo interno desprovido. Decisão mantida. Havendo a constatação do possível dano ao meio ambiente, é possível a inversão do ônus da prova para atri-buir ao demandado o ônus de provar que sua atividade não é a causadora do dano. Inteligência do art. 6º, VIII, da Lei nº 8.078/1990 c/c art. 21 da Lei nº 7.347/1985, conjugado ao Princípio da Precaução (Lei nº 6.938/1981).” (TJRO – Ag-AI 0002729-88.2015.8.22.0000 – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Isaias Fonseca Moraes – DJe 08.06.2015)

Transcrição Editorial SÍnTESE• Lei nº 8.078/1990:

“Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

VIII – a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.”

• Lei nº 7.347/1985:

“Art. 21. Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor.”

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������155

3119 – Exploração mineral – crime formal – dano ambiental – comprovação

“Penal. Apelação. Extração ilegal de recursos minerais. Autoria e materialidade comprovadas. Cri-me formal. Lei nº 9.605/1998. Lei nº 8.176/1991. A autoria e materialidade em desfavor dos acu-sados restaram sobejamente demonstradas nos autos. Não há que se falar em revogação tácita do art. 2º da Lei nº 8.176/1991 pelo art. 55 da Lei nº 9.605/1998, eis que o primeiro trata dos crimes contra a ordem econômica e a Lei nº 9.605/1998 cuida das condutas lesivas ao meio ambiente, tutelando, portanto, bens jurídicos distintos. Não merece prosperar a tese de atipicidade da con-duta prevista no art. 55 da Lei nº 9.605/1998, eis que o delito em voga se trata de crime formal, que prescinde de comprovação do dano e devidamente amoldado aos termos da Lei de Crimes Ambientais. Restou comprovado que a extração ocorrida no local extrapolou o período de pesqui-sa permitido, partindo para a execução da lavra, tendo em vista a quantidade de blocos extraídos e o maquinário próprio para extração mineral no local. Porquanto, não merece prosperar o argu-mento de que somente foi verificado que houve o carregamento de um bloco que não foi objeto de comercialização e somente houve a realização de pesquisa. Ante o conjunto fático-probatório do feito (laudo, maquinário, depoimento das testemunhas de acusação e os próprios interrogató-rios dos réus em Juízo), resta descartado o entendimento de que o mero protocolo do Relatório Final de Pesquisa não encerra a fase de pesquisa. Apelação conhecida e desprovida.” (TRF 2ª R. – ACr 2012.50.01.004297-9 – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Paulo Espirito Santo – DJe 08.06.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO acórdão em epígrafe trata de apelação interposta contra sentença que condenou os acusados.

Consta dos autos que os acusados cometeram crime ambiental previsto no art. 55 da Lei nº 9.605/1998, com a extração mineral, sem autorização e licença dos órgãos ambientais.

Os apelantes alegam que não restou comprovada a lavra ilegal e que somente foi verificado que houve carregamento de bloco, não sendo este objeto de comercialização.

Sobre a extração de recursos minerais, trazemos trecho das lições da estudiosa jurista Dra. Gina Copola:

“[...]

O art. 55 reza que é crime ‘executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida’.

A pena é de detenção de seis meses a um ano, e multa.

Conforme é cediço, a extração de substâncias minerais é também disciplinada pelo art. 44 da Lei dos Crimes Ambientais, que cuida de crime praticado contra a flora, e, conforme já dissé-ramos na quarta parte dos comentários à lei, tal extração de minerais já foi disciplinada pela Lei Federal nº 9.827, de 27 de agosto de 1999, que foi regulamentada pelo Decreto Federal nº 3.358, de 2000.

É elemento normativo do tipo a ausência de autorização, permissão, concessão ou licença, ou a prática em desacordo com a obtida.

O crime previsto é delito de mera conduta, porque a lei não exige qualquer resultado naturalís-tico para a configuração do crime, contentando-se com a ação do agente, e apenas isso. Sim, porque o legislador só descreve o comportamento do agente, sem elaborar qualquer menção a resultado, ou a evento.

O parágrafo único prevê o crime praticado por omissão, ao rezar que incorre nas mesmas penas quem deixa de recuperar a área explorada ou pesquisada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação da autoridade competente.” (A Lei dos Crimes Ambientais, Comentada Artigo por Artigo (5ª Parte – Da Poluição e Outros Crimes Ambientais), disponível em http://online.sintese.com)”

O nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

Consoante depoimento da testemunha de acusação, o Engenheiro Florestal do Iema, [...], ao analisar os fatos sob a ótica ambiental, estava clara a existência de extração mineral e de dano ao meio ambiente, e, mais, que a extração ocorrida no local extrapolou o período de pesquisa

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permitido, partindo para a execução da lavra, tendo em vista a quantidade de blocos extraídos e o maquinário próprio para extração mineral no local.

Porquanto não merece prosperar o argumento de que somente foi verificado que houve o carre-gamento de um bloco que não foi objeto de comercialização e somente houve a realização de pesquisa.

Por derradeiro, ante o conjunto fático-probatório do feito (laudo, maquinário, depoimento das testemunhas de acusação e os próprios interrogatórios dos réus em Juízo), resta descartado o entendimento de que o mero protocolo do Relatório Final de Pesquisa não encerra a fase de pesquisa.

Logo, dúvidas não pairam quanto à existência da lavra ilegal.

Quanto à matéria em testilha, cito a jurisprudência a seguir:

PENAL E PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO CRIMINAL – TEMPESTIVIDADE DO RECURSO DO RÉU – ART. 55 DA LEI Nº 9.605/1998 E ART. 2º DA LEI Nº 8.176/1991, C/C ART. 70, PARTE FINAL, DO CÓDIGO PENAL – DESOBEDIÊNCIA – ART. 330, DO CÓDIGO PENAL – EX-TRAÇÃO DE GRANITO – BEM DA UNIÃO – AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS – APELAÇÃO IMPROVIDA – 1. Apelação do Réu da sentença que o condenou à pena de 02 (dois) anos e oito meses de detenção e 100 (cem) dias-multa, cada um deles no valor de 01 (um) salá-rio mínimo vigente à época dos fatos, dividida em 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de detenção e 80 (oitenta) dias-multa pela prática do crime previsto no art. 2º, da Lei nº 8.176/1991 e no art. 55, caput, da Lei nº 9.605/199802, em concurso formal e em 02 (dois) meses de detenção e 20 (vinte) dias-multa para o delito do art. 330, do CP, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, por ter ele, realizado extração de mineral fora da área relativa à autorização que possuía, descumprindo, em seguida, as ordens administrativas que exigiam a interrupção da extração indevida. 2. O Réu, ora Apelante, foi intimado da sentença no dia 10.04.2013. No mesmo dia, ele apresentou manifestou desejo de Apelar da sentença. Apenas as razões da Apelação foram apresentadas de forma extemporânea, em 13.06.2013 – fls. 131/145. 3. Conquanto extenso lapso temporal, a jurisprudência das Cortes Supremas, tem sufragado entendimento, no sentido de que, ainda que tardia as razões de apelação apresentadas pela defesa, tal irregularidade não há de constituir vício a obstar o conhecimento do recurso por intempestividade. 4. Sentença que, em suas 13 (treze) laudas, apreciou todas as provas e teses apresentadas pelas partes, bem como o laudo técnico-ambiental a prova testemunhal para, então condenar o Apelante, com a devida fundamentação. Nulidade da sentença inexistente. 5. Materialidade e autoria devida-mente provadas. Apelante que, segundo vistoria da DNPM realizada em 30.11.2009, estava lavrando fora da área licenciada (área 840.020/2008) e dentro da área nº 840.099/2008, para a qual ele tinha licença apenas para pesquisa mineral e não para a extração. As duas áreas eram licenciadas pela empresa do Apelante, tendo ele sido alertado do fato já em 05.08.2009, com a ordem de paralisação das obras, ordem esta que não fora obedecida. 6. Alegação de erro de fato, porque não possuía os instrumentos adequados para a medição correta da área a ser lavrada. Apelante que, em atuação na lavra desde o ano de 2006 e com duas áreas para pesquisa e extração mineral, deveria ter providenciado os instrumentos adequados para a medi-ção do local, todavia, preferiu ele continuar com a atividade indevida por mais três meses após ter sido alertado da ilegalidade pela DNPM até a interrupção definitiva da extração indevida. 7. Apelação improvida.

(TRF 5ª R., ACr 00160437920114058300, Des. Fed. Geraldo Apoliano, 3ª T., DJe Data: 14.07.2014, p. 62) eis que ante o exposto, nego provimento à Apelação da defesa e mantenho a sentença por seus próprios fundamentos. É como voto.”

Diante do exposto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região negou provimento ao recurso.

3120 – Infração ambiental – transporte irregular de madeira – apreensão do veículo – libera-ção – possibilidade

“Administrativo. Mandado de segurança. Infração ambiental. Transporte irregular de madeira. Apreensão de veículo. Liberação. Possibilidade. Fiel depositário. Cabimento. I – Afigura-se possí-vel a liberação de veículos apreendidos em razão do transporte irregular de madeiras, quando a si-tuação fática não indica o uso específico e exclusivo do veículo para a prática de atividades ilícitas, voltadas para a agressão do meio ambiente. Precedentes deste Tribunal. II – O art. 105 do Decreto

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������157

nº 6.514/2008 dispõe que ‘os bens apreendidos deverão ficar sob a guarda do órgão ou entidade responsável pela fiscalização, podendo, excepcionalmente, ser confiados a fiel depositário, até o julgamento do processo administrativo’. Em sendo assim, afigura-se legítima a nomeação do im-petrante como fiel depositário do referido bem, na espécie. III – Apelações do Ministério Público Federal e do Ibama desprovidas. Remessa oficial parcialmente provida.” (TRF 1ª R. – Ap-RN-MS 2007.39.02.001371-4/PA – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 07.05.2015)

Constitucional

3121 – Ação direta de inconstitucionalidade – frota de táxis – aumento – autorização – lei de iniciativa parlamentar – vício e iniciativa – ocorrência

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei de iniciativa parlamentar que autoriza o Poder Executi-vo a aumentar a frota de táxis. Competência do Executivo para a organização e o planejamento dos serviços públicos. Vício de iniciativa. Ocorrência. Precedentes. Alegação de que não há invasão de competência por se tratar de ‘lei autorizativa’. Descabimento. Inconstitucionalidade reconhe-cida. Ação procedente.” (TJSP – ADIn 2058665-53.2015.8.26.0000 – O.Esp. – Rel. Tristão Ribeiro – DJe 25.06.2015)

Destaque Editorial SÍnTESEDo voto do Relator, destacamos:

“[...] É notório que o Legislativo municipal tem competência para criar normas que correspon-dam a temas de interesse local. Contudo, há matérias que são de iniciativa privativa do Chefe do Executivo.

Assim, no dizer de Hely Lopes Meirelles, são matérias de competência privativa do alcaide ‘[...] os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plu-rianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais’ (g.n.) (Direito municipal brasileiro. 12. ed. São Paulo: Malheiros, p. 578).

Sobre as permissões de serviços públicos, esclarece o administrativista: ‘Serviços permitidos são todos aqueles em que a Administração estabelece os requisitos para sua prestação ao público e, por ato unilateral (termo de permissão), comete a execução aos particulares que demonstrarem capacidade para seu desempenho [...]’ (Direito administrativo brasileiro. 39. ed. São Paulo: Malheiros, p. 459).

Assim, claro está que a concessão de permissões do serviço público de transporte, inclusive por meio de táxis, é atribuição da Administração Municipal, sendo de competência do Prefeito eventuais leis que tratem da matéria. [...]”

3122 – Ação direta de inconstitucionalidade – servidão de passagem – lei de iniciativa parla-mentar – vício – existência

“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 1.992/2014, do Município de Vista Alegre do Alto. Lei de iniciativa parlamentar que dispõe sobre servidão de passagem de rede pública de escoamen-to de águas pluviais em bem público. Não se trata de norma dotada de generalidade e abstração, senão de ato concreto visando à implantação de servidão com finalidade específica de atender em-preendimento imobiliário no Município de Vista Alegre do Alto. Indevida invasão da esfera da ges-tão administrativa. Cabe exclusivamente ao Poder Executivo, no exercício de sua atividade típica e discricionária, gerir bens públicos, inclusive no que tange à instituição de servidões ou outra espé-cie de restrição a recair sobre imóvel. Para o efetivo cumprimento da lei impugnada, são necessá-

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158 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

rias providências a cargo do Poder Executivo, visando à implantação da servidão de passagem. Ato de atribuição privativa do Poder Executivo. Lei autorizativa que cria legítima expectativa em seus destinatários, compelindo o prefeito a adotar providências que essencialmente se encontram no âmbito da discricionariedade administrativa. Vinculação decorrente do ato normativo que implica indevida interferência do Poder Legislativo no campo de atuação da administração. Lei que, ade-mais, implica evidente aumento de despesas públicas, sem, contudo, indicar especificamente os recursos disponíveis para atender aos novos encargos. Afronta aos arts. 5º, 25, caput, 47, II e XIV, e 144, da Constituição Estadual. Ação procedente.” (TJSP – ADIn 2044482-77.2015.8.26.0000 – São Paulo – O.Esp. – Rel. Luiz Antonio de Godoy – DJe 13.07.2015)

3123 – Ação popular – repasse de verbas – eventos culturais – custeio – ilegalidade – ausência

“Administrativo e constitucional. Ação popular para anulação de ato do poder público referente ao repasse de verbas destinadas ao custeio de eventos culturais (Festa do Divino Espírito Santo). Alegação de ilegalidade e lesividade do ato praticado ante a característica religiosa e eleitoreira do evento fomentado. Não comprovação. Dever constitucional do Estado de apoiar e incentivar a valorização e difusão das manifestações culturais. Exegese dos arts. 19, inciso I e 215, caput, §§ 1º e 2º da Constituição Federal de 1988. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSC – AC 2013.069769-0 – Rel. Des. Jaime Ramos – DJe 30.06.2015)

3124 – Direito eleitoral – suspensão de direitos públicos – certidão de quitação eleitoral – ex-pedição de passaporte – possibilidade

“Administrativo. Mandado de segurança. Expedição de passaporte. Suspensão de direitos políticos. Certidão de quitação eleitoral. 1. Em que pese a regulação da matéria, os Tribunais vêm mitigan-do o alcance dos efeitos da suspensão dos direitos políticos, limitando-os, neste viés, apenas ao exercício do direito do sufrágio, não alcançando, assim, a plenitude do exercício de locomoção previsto no art. 5º da Constituição Federal. 2. A certidão expedida pelo Cartório Eleitoral atestando a suspensão dos direitos políticos do impetrante em virtude de condenação criminal transitada em julgado é prova suficiente da inexistência de qualquer obrigação eleitoral pendente. 3. Prece-dentes: TRF 1ª R., REOMS 2009.41.00.007222-1/RO, Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, 6ª T., J. 22.09.2014, 03.10.2014 e-DJF1; TRF 5ª R., REOMS 531.172/SE, Rel. Des. Fed. José Maria Lucena, 1ª T., J. 16.05.2013, DJe 22.05.2013; TRF 4ª R., AC-Reex 2009.71.07.000195-5/RS, Relª Desª Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, 3ª T., J. 25.08.2009, DE 11.09.2009, e TRF 3ª R., AC--Reex 2010.61.08.0032571/SP, Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos, decisão de 06.05.2015, DE 13.05.2015; AC-Reex 2010.61.00.020546-7/SP, Rel. Des. Fed. Johonsom di Salvo, decisão de 14.05.2015, DE 19.05.2015, e REOMS 2012.61.24.000921-9/SP, Rel. Des. Fed. Carlos Muta, de-cisão de 19.12.2014, DE 09.01.2015. 4. Apelação, agravo retido e remessa oficial a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – Ap-RN 0013997-10.2013.4.03.6100/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 03.08.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEÉ admissível a emissão de passaporte para os condenados criminalmente a suspensão dos direitos políticos? Essa foi a celeuma da apelação em epígrafe.

Cuida-se de mandado de segurança impetrado com o intuito de obter provimento jurisdicional determinando, assim, que a autoridade impetrada proceda com a imediata emissão de pas-saporte no nome do impetrante, mediante certidão eleitoral com restrição, esta referente ao cumprimento de suspensão dos direitos políticos.

O juízo a quo julgou procedente o pedido, concedendo a segurança.

Diante disso, a União Federal apelou sustentando a legalidade do procedimento administrativo adotado face à legislação de regência, pois a expedição do passaporte está atrelada à certidão de quitação de débitos eleitorais, a qual o apelado não pode obter, já que está com seus direitos políticos suspensos.

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������159

A 4ª Turma do TRF 3ª Região afirmou que os tribunais vêm mitigando o alcance da suspensão dos direitos políticos, limitando-os apenas ao exercício do sufrágio, assim, não abrange a pleni-tude do exercício de locomoção previsto no art. 5º da Nossa Carta Magna.

Por fim, negou provimento ao recurso, mantendo a sentença na íntegra.

Em seu voto, a Relatora citou os seguintes precedentes:

“[...] Nesse exato diapasão, remansosa jurisprudência deste E. Tribunal e demais c. Cortes Regionais Federais, verbis:

‘ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – EMISSÃO DE PASSAPORTE – SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS EM RAZÃO DE SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA – ART. 7º, § 1º, V, DO CÓDIGO ELEITORAL – I – A teor do art. 7º do Código Eleitoral, o eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367. Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor, nos termos do inciso V do § 1º do citado dispositivo legal, obter passaporte ou carteira de identidade. II – Na hipótese em que a pendência que obstaculariza a emissão de passaporte cinge-se ao descumprimento da obrigação eleitoral em razão da suspensão dos direitos políticos decorrente de sentença penal condenatória, deve ser afastada a censura do art. 7º, § 1º, inciso V, do Código Eleitoral que impede a emissão de passaporte, porque “Afigura-se ilegítimo exigir do cidadão cujos direitos políticos foram suspensos, em razão de sentença penal condenatória, que com-prove o cumprimento das obrigações eleitorais durante o período de suspensão”.” (TRF 1ª R., REOMS 5654-70.2010.4.01.4100/RO, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., 15.06.2012). III – Remessa oficial a que se nega provimento.’ (TRF 1ª R., REOMS 2009.41.00.007222-1/RO, Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, 6ª T., J. 22.09.2014, 03.10.2014 e-DJF1)

‘CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – IMPEDIMENTO DE OBTENÇÃO DE PASSAPORTE – COMPROVANTE DE QUITAÇÃO ELEITORAL – CIDADÃO QUE TEVE SEUS DIREITOS POLÍTI-COS SUSPENSOS POR FORÇA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA TRANSITADA EM JULGADO – ADOÇÃO DA TÉCNICA DA MOTIVAÇÃO REFERENCIADA (PER RELATIONEM) – AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – ENTENDIMENTO DO STF – 1. Cuida-se de remessa obrigatória de sentença que concedeu a segurança para determinar que a Certidão de Quitação Eleitoral apresentada pelo impetrante seja aceita pelo impetrado para fins de expedição do passaporte pretendido. 2. A mais alta Corte de Justiça do país já firmou entendimento no sentido de que a motivação referenciada (per relationem) não constitui negativa de prestação jurisdicional, tendo-se por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões judiciais. Adota-se, portanto, os termos da sentença como razões de decidir. 3. [...] “A necessi-dade de comprovação de quitação com a esfera eleitoral, para fins de expedição de passaporte, resta perfeita ante a apresentação de certidão eleitoral que declara que o interessado não pôde votar ou ser votado na eleição anterior, por força de decisão judicial que suspendeu seus direitos políticos, fl. 42. Ou seja: Não se pode exigir do cidadão que teve os direitos políticos suspensos que comprove o cumprimento de obrigação eleitoral no período da suspensão, eis que inexisten-te qualquer obrigação a ser quitada e atestada pela Justiça Eleitoral, afastando-se a exigência contida no art. 7º, § 1º, inciso V, da Lei nº 4.737/1965 e no art. 20, inciso III, do Decreto nº 5.978/2006”. 4. [...] “Por fim, observa-se que o próprio impetrado reconhece o equívoco cometido pelo órgão, no tocante ao objeto em pauta, registrando já terem sido determinadas as providências para evitar que equívocos como este se repitam, como ainda indica estar já procurando resolver a celeuma especificamente relativa ao presente caso, fl. 84”. Remessa obrigatória improvida.’ (TRF 5ª R., REOMS 531.172/SE, Rel. Des. Fed. José Maria Lucena, 1ª T., J. 16.05.2013, DJe 22.05.2013)

‘MANDADO DE SEGURANÇA – EXPEDIÇÃO DE PASSAPORTE – SUSPENSÃO DE DIREITOS POLÍTICOS – CERTIDÃO DE QUITAÇÃO ELEITORAL – A certidão expedida pelo Cartório Eleitoral atestando a suspensão dos direitos políticos do impetrante em virtude de condenação criminal transitada em julgado é prova suficiente da inexistência de qualquer obrigação eleitoral penden-te. Uma vez apresentada à autoridade administrativa, constitui documento hábil para autorizar a confecção de passaporte.’ (TRF 4ª R., Ap-Reex 2009.71.07.000195-5/RS, Relª Desª Fed. Maria Lúcia Luz Leiria, 3ª T., J. 25.08.2009, DE 10.09.2009) [...]”

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3125 – Educação – creche pública – matrícula – decreto judicial – determinação – dever do Estado – independência dos poderes – violação – inocorrência

“Direito constitucional. Direito à educação. Matrícula em creche pública. Dever do Estado. Direito público subjetivo. Sentença mantida. I – O direito à educação é tutelado constitucionalmente e constitui direito fundamental que não pode ser postergado em face de contingências orçamentárias ou administrativas e, muito menos, da priorização das políticas públicas. II – Preenchido o critério etário, exsurge para a criança direito público subjetivo de matrícula em creche, independente-mente de questões orçamentárias ou da política estatal para o setor, sob pena de restar sonegado, em sua essência, o direito à educação. III – A existência de fila de espera não pode se sobrepor ao dever constitucional de prestação universal da educação. IV – O Estado não pode invocar o seu próprio descaso com o direito à educação, que acaba criando o déficit de vagas e estabelecendo o sistema de filas, para forjar uma fictícia ofensa ao princípio da isonomia. V – A deficiência estru-tural do ensino oriunda do descumprimento da Constituição Federal não pode ser utilizada para impedir a realização do direito fundamental à educação infantil. VI – Dada a latitude e o gabarito constitucional do direito à educação, decreto judicial que determina a disponibilização de vaga em creche, por se apoiar diretamente na Lei Maior, não traduz qualquer tipo de vulneração à inde-pendência dos Poderes ou aos primados da isonomia e impessoalidade. VII – Remessa obrigatória e recurso voluntário conhecidos e desprovidos.” (TJDFT – DirConst. 20130111482174 – (878931) – 4ª T.Cív. – Rel. Des. James Eduardo Oliveira – DJe 10.07.2015)

Observação Editorial SÍnTESEColacionamos os julgados abaixo no mesmo sentido:

“REEXAME NECESSÁRIO – APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – PRELIMINAR REJEITADA – MÉRITO – VAGA EM CRECHE DA REDE MUNICIPAL – DIREITO À EDUCAÇÃO – GARANTIA FUNDAMENTAL – DIREITO SOCIAL – ART. 208, INCISO IV, DA CR/1988 – SEN-TENÇA MANTIDA – I – A Vara da Infância e da Juventude é competente para processar e julgar mandado de segurança que envolve discussão acerca de possível violação do direito da criança à matrícula em creche pública próxima à residência. II – A educação, constitucionalmente am-parada como direito de todos e dever do Estado, é promovida e incentivada visando o pleno desenvolvimento pessoal, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. III – O art. 208, inciso IV, da CR/1988, garante às crianças até 06 anos de idade direito à educação, assegurando-lhe o atendimento em creches ou pré-escola. IV – Segundo a Lei de Diretrizes e Base da Educação, em seu art. 11, inciso V, o ente Municipal, no âmbito de sua competência, detém o poder/dever de garantir a educação infantil. Em não havendo a dis-ponibilidade de vaga em creche municipal, cabível a intervenção jurisdicional, a fim de garantir a efetividade de direito fundamental, sem caracterizar violação ao princípio da separação dos poderes.” (TJMG – AC-RN 1.0702.14.018999-5/001 – 7ª C.Cív. – Rel. Washington Ferreira – DJe 10.03.2015) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 146000278812. Acesso em: 13 jul. 2015)

“DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E RECURSO VOLUNTÁRIO – MANDADO DE SEGURANÇA – Matrícula de menor em creche pública (CMEI) próxima à sua residência. Direito líquido e certo. Inteligência dos arts. 6º, 7º, inciso XXV, e 208, inciso IV, e 227, todos da Constituição Federal. 1. A Constituição da República em seus arts. 6º, 7º, inciso XXV, 205, 208, inciso IV, e 227, bem como os arts. 53 e 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente, estabelecem que a educação é direito social e é dever do estado assegurá-lo prioritariamente às crianças, com a garantia de matrícula em creche e pré-escola para menores de 5 (cinco) anos. Portanto, é indiscutível a obrigação do município efetivar a inserção do infante no Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), próximo à sua residência, tendo em vista tratar-se de direito fundamental. 2. Concedida a segurança, liminarmente, para possibilitar a admissão do menor em uma das unidades do CMEI, a medida que se impõe é a confirmação da referida situação, já consolidada, mormente porque irreversível a esta altura, sob pena de afronta aos valores já obtidos. Remessa oficial e apelação cível conhecidas e desprovidas.” (TJGO – DGJ 201390662047 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Fausto Moreira Diniz – DJe 09.09.2014 – p. 200) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 144000185050. Acesso em: 13 jul. 2015)

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Penal/Processo Penal

3126 – Ação penal – ofensa racial – responsabilidade civil – configuração

“Apelação cível. Responsabilidade civil. Ofensa racial. Procedência da ação penal. Dano mo-ral configurado. Manutenção do valor estabelecido em sentença. Esclareça-se que a fixação do quantum indenizatório, no caso, deve atender aos fins a que se presta, considerando a condição econômica da vítima e do ofensor, o grau de culpa, a extensão do dano, a finalidade da sanção reparatória e o princípio da proporcionalidade. Tem-se como suficiente o arbitramento de danos morais estabelecido na sentença em montante equivalente a R$ 4.000,00. Para atingir tal pro-porcionalidade, pondera-se a extensão e repercussão do dano, proferida a injúria em ambiente público. No caso, em jogo de futebol. Estabelece-se a proporcionalidade em concreto, evitando-se inclusive qualquer situação de enriquecimento injustificado no feito à parte demandante. Recur-so desprovido.” (TJRS – AC 70061544318 – 5ª C.Cív. – Relª Maria Cláudia Mércio Cachapuz – J. 08.04.2015)

Comentário Editorial SÍnTESENa vertente configurou-se o crime de racismo no futebol.

O Advogado Dr. Cassio M. C. Penteado Jr. assim pondera:

“Fundamentando suas observações, o autor – em seguida – lança mão de substrato sociológico para concluir que remanesce no Brasil a discriminação racial, a partir das constatações de que a linguagem do próprio futebol, como foi exemplificado, vale-se de argumentos diferentes em se tratando de jogadores brancos ou jogadores negros ou mestiços:

A hipótese com a qual aqui se trabalha é que a discriminação racial no futebol brasileiro não está extinta. Antes, propomos que o estigma continua a existir de forma não consciente e pode ser constatado ao se comparar as opiniões de jornalistas quando se referem aos jogadores negros ou mestiços e aos jogadores brancos. As críticas dirigidas aos jogadores brancos, em sua maioria, atacam principalmente o jogador como atleta. No entanto, as críticas dirigidas aos jogadores negros e mestiços, em grande parte, carregam o estigma do racismo e atacam principalmente o jogador como pessoa e não como atleta, ou seja, são críticas étnicas. A linguagem utilizada nessas críticas é velada, mas traz elementos que apontam diferenças que podem sugerir um comportamento linguístico racista pela imprensa escrita.

Feitas essas anotações e citações, que – em síntese – buscaram mostrar que a igualdade racial ou ausência de atos e atitudes de discriminação, tão exaltada no Brasil, provavelmente não ultrapassa as fronteiras de simples história mítica, inventada, como bem referiu A. J. Soares, caberia concluir nossas considerações com remissão ao postulado de que certas manifestações, entendidas como especificamente racistas, poderiam ser vistas como ofensas comuns ao próprio jogo de futebol, como é compreendido no Brasil. Salientamos, contudo, que essa proposição, a nosso ver, não pode afastar ou eludir a necessidade de controle estatal e de punição, seja na esfera desportiva, seja na esfera penal, em torno de tais agravos que se repetem, tanto em nossos estádios, quanto na Europa.

A autora Gisele Mascarelli Salgado, em oportuna argumentação exposta em seu artigo ‘Uma outra lei sob as quatro linhas: casos de racismo no futebol’, comenta:

Há uma maneira diferente de encarar o racismo dentro do campo, que leva a pensar sobre as definições legais existentes no Brasil para os crimes de racismo. Esse tema levanta uma questão importante para os juristas, que é a absorção dos conceitos de crime pela população e a criação de normas de convivência que dão soluções diferentes das normas estatais para o mesmo pro-blema. Há uma apropriação do direito estatal que é modificado para a situação de jogo e com isso condutas não permitidas fora do contexto de jogo são permitidas entre os jogadores quando no decorrer da partida de futebol ou mesmo entre os torcedores que assistem à partida no está-dio. Linguajar chulo, gestos obscenos, injúrias, calúnias, difamações e violência física moderada são toleradas nos estádios de futebol.

Portanto, ainda que seja censurável, por todas as razões da ética, da moral e do bom-senso, parece-nos estar longe o dia em que as partidas de futebol deixem de ser campo fértil para ofen-

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sas, especialmente considerada as raciais, para ser – apenas – uma disputa desportiva.” (Breves Anotações sobre Atos e sobre Comportamentos das Torcidas Expressando Preconceito Racial no Futebol Brasileiro. Revista SÍNTESE Direito Desportivo, ano IV, n. 21, out.-nov. 2014, p. 13)

3127 – Ameaça – pena – isenção – excludente de imputabilidade – afastamento

“Juizado especial. Ação penal. Ameaça (art. 147, CP). Condenação. Apelação criminal. Isenção de pena. Dependência química ao tempo dos fatos (art. 45, Lei nº 11.343/2006). Ausência de perícia médica. Afastamento da excludente de imputabilidade penal. Recurso desprovido. Sentença man-tida. 1. Narrou a denúncia que em 10.07.2013, o acusado ameaçou causar mal injusto e grave a terceira pessoa, com o uso de um facão, conduta caracterizadora, em tese, do crime de ameaça, definido no art. 147 do Código Penal. A sentença julgou procedente a pretensão ministerial, para condenar o autor da infração à pena de 1 (um) mês de detenção, em regime aberto. 2. Compro-vada a autoria, a partir dos depoimentos convergentes e harmônicos prestados pelas testemunhas, corroborada pela confissão do réu perante a autoridade judicial. 3. ‘A simples alegação do réu de ser usuário e dependente de drogas não implica no reconhecimento de sua inimputabilidade, nos termos do art. 45 da Lei nº 11.343/2006, devendo a dependência química estar demonstrada por meio de perícia médica que ateste o comprometimento da capacidade de autodeterminação do agente ao tempo do fato.’ (Acórdão nº 457689, 20100510043457APR, Rel. Roberval Casemiro Belinati, Rev. Silvânio Barbosa dos Santos, 2ª T.Crim., Data de Julgamento: 21.10.2010, Publicado no DJe 05.11.2010, p. 372). 4. Além do mais, caberia à defesa do réu, no curso da instrução, plei-tear a realização de exame de dependência toxicológica, para que pudesse reconhecer a inimpu-tabilidade penal do acusado, já que a Lei nº 9.099/1995 não traz qualquer impeditivo legal nesse sentido. 5. Recurso conhecido e desprovido. 6 Decisão proferida nos termos do art. 82, § 5º, da Lei nº 9.099/1995, servindo a ementa de acórdão.” (TJDFT – JE 20130111006830 – (871565) – 1ª T.R.J.E. Distrito Federal – Rel. Juiz Luís Gustavo B. de Oliveira – DJe 10.06.2015)

3128 – Calúnia – violação expressa de lei não comprovada – sentença – absolvição

“Penal. Processual penal. Calúnia. Violação expressa de lei não comprovada. Sentença absolutória mantida por seus próprios fundamentos. Não se constata que o juiz ofendido teria agido contra dis-posição expressa de lei. Compreensível é a postura do advogado/réu de, ao redigir a peça recursal, utilizar expressões com certa carga negativa/ofensiva, eis que atuava, naquela circunstância, na defesa de seu neto, condenado à sete anos de reclusão, somado ao fato de possuir idade avançada – oitenta e cinco anos. Neste contexto, apesar de ofensivo o discurso proferido pelo acusado, sua conduta não se enquadra no tipo penal disposto no art. 138 do Código Penal. Precedentes juris-prudenciais. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R – ACr 2011.51.01.800557-0 – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Paulo Espirito Santo – DJe 11.06.2015)

3129 – Código de Trânsito Brasileiro – descriminalização da conduta – condenação

“Penal. Recurso especial. Art. 306 do CTB. Alteração promovida pela Lei nº 12.760/2012. Abolitio criminis. Não ocorrência. Continuidade normativo-típica. 1. A ação de conduzir veículo auto-motor, na via pública, estando [o motorista] com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas (art. 306 da Lei nº 9.503/1997, na redação dada pela Lei nº 11.705/2008) não foi descriminalizada pela alteração promovida pela Lei nº 12.760/2012. 2. A nova redação do tipo legal, ao se referir à condução de veículo automotor por pessoa com capaci-dade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, manteve a criminalização da conduta daquele que pratica o fato com concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue, nos termos do § 1º, I, do art. 306 da Lei nº 9.503/1997. Precedentes. 3. O crime de que ora se trata é de perigo abstrato, o que dispensa a demonstração de potencialidade lesiva da conduta, razão pela qual se amolda ao tipo a condução de veículo automotor por pessoa em esta-do de embriaguez, aferida na forma indicada pelo referido art. 306, § 1º, I, da Lei nº 9.503/1997. 4. Trata-se da aplicação do princípio da continuidade normativo-típica, o que afasta a abolitio

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������163

criminis reconhecida no acórdão recorrido. 5. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.492.642 – RS – (2014/0288065-4) – 6ª T. – Rel. Min. Sebastião Reis Junior – DJe 15.06.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO vertente acórdão trata de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão do Tribunal de Justiça local proferido na Apelação Crime nº 70058992363:

“APELAÇÃO-CRIME – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – ATIPICIDADE DA CONDUTA – ABSOLVI-ÇÃO – Atipicidade. O princípio da legalidade se constitui pedra angular do ordenamento jurídico pátrio e é basilar da democracia. Previsão constitucional no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal e legal no art. 1º do Código Penal. Referido princípio também é consagrado internacio-nalmente, a exemplo do art. XI, 2, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e art. 9º da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Decorrência do princípio da legalidade é a irretroatividade da lei penal, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL, da Constituição Federal e art. 2º, parágrafo único do Código Penal). A interpretação à luz dos princípios aludidos é pres-suposto para compreensão da matéria. Alteração no tipo penal. O delito pelo qual o réu foi denunciado possuía elementar típica consistente em ‘conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas [...]’, ao passo que, com a redação alterada, em 20 de dezembro de 2012, pela Lei nº 12.760, a conduta delituosa passou a ser: ‘conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou outra substância que determine dependência’. No caso concreto, a lei nova criminalizou uma conduta antes atípica (conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada) e tornou atípica uma conduta antes criminosa (conduzir veículo automotor com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigra-mas). Absolvição decretada por maioria.”

Consta dos autos que o recorrido sofreu um acidente em 2011. Ele estava sozinho no veículo, perdeu o controle numa curva e capotou. Socorrido por policiais, submeteu-se ao teste de alco-olemia, que constatou a presença de 8,2 decigramas de álcool por litro de sangue, superior aos seis decigramas mencionados no art. 306 do CTB.

Em 2013, o recorrido foi condenado em primeira instância a sete meses de detenção. A defesa apelou e o TJRS absolveu o réu.

Para a Corte estadual, o crime pelo qual ele foi denunciado consistia em conduzir veículo com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, mas, com a redação dada pela Lei nº 12.760/2012, a conduta delituosa passou a ser dirigir “com capaci-dade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou outra substância que determine dependência”.

Assim, teria havido descriminalização da conduta, a chamada abolitio criminis, pois, de acordo com o TJRS, a lei nova criminalizou uma conduta antes atípica (dirigir com capacidade alterada) e tornou atípica uma conduta antes criminosa (dirigir com seis decigramas ou mais de álcool no sangue).

No julgamento do recurso do Ministério Público, o entendimento do tribunal estadual foi repelido pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça.

O relator explicou que a conduta não foi descriminalizada. Para o ministro, a nova redação da lei, ao se referir à condução de veículo com capacidade alterada, “manteve a criminalização da conduta daquele que pratica o fato com concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue, nos termos do § 1º, inciso I, do mencionado artigo”.

O relator mencionou que o crime é de perigo abstrato, o que dispensa a demonstração de po-tencialidade lesiva da conduta, razão pela qual a condução de veículo em estado de embriaguez se amolda ao tipo penal.

A simples conduta de dirigir com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, segundo o relator, configura o delito previsto no art. 306 do CTB, o que torna desnecessária qualquer discussão acerca da alteração das funções psicomotoras do motorista.

Vale trazer trecho do voto do relator:

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“Em igual sentido, colhe-se o seguinte precedente desta Corte Superior:

‘HABEAS CORPUS – IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL – UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL – NÃO CONHECIMENTO – 1. A via eleita se revela inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. Precedentes. 2. O alegado constrangimento ilegal será analisado para a verificação da eventual possibilidade de atuação ex officio, nos termos do art. 654, § 2º, do Código de Processo Penal. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – DESCRIMINALIZAÇÃO DA CONDUTA DE CONDUZIR VEÍCULO COM A CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE SUPERIOR A SEIS DECIGRA-MAS PELA LEI Nº 12.720/2012 – NÃO OCORRÊNCIA – POSSIBILIDADE DE CONSTATAÇÃO DO DELITO PELO REFERIDO ÍNDICE – ABOLITIO CRIMINIS NÃO CARACTERIZADA – 1. Da lei-tura do art. 306 do Código de Trânsito Brasileiro, com a redação dada pela Lei nº 12.720/2012, verifica-se que a simples menção, no caput do dispositivo, à condução de veículo automotor com a capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool, não descriminalizou a conduta de dirigir automóvel com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a seis decigramas, já que esta circunstância é, inclusive, uma das formas de constatação do delito, conforme se infere do § 1º da norma em apreço. Doutrina. Precedentes. 2. Habeas corpus não conhecido.’ (HC 306.686/RS, Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 25.02.2015)

O Supremo Tribunal Federal também já se manifestou sobre o tema:

‘AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – PROCESSUAL PE-NAL – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA CONSTITUCIONAL – INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 282 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – O CUMPRIMENTO DO REQUISI-TO DO PREQUESTIONAMENTO DÁ-SE QUANDO OPORTUNAMENTE SUSCITADA A MATÉRIA CONSTITUCIONAL, O QUE OCORRE EM MOMENTO PROCESSUAL ADEQUADO, NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO VIGENTE – A INOVAÇÃO DA MATÉRIA EM EMBARGOS DE DECLARAÇÃO É JURIDICAMENTE INACEITÁVEL PARA OS FINS DE COMPROVAÇÃO DE PREQUESTIONAMEN-TO – PRECEDENTES – EMBRIAGUEZ AO VOLANTE – ART. 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO ALTERADO PELA LEI Nº 12.760/2012 – INOCORRÊNCIA DE ABOLITIO CRIMINIS – HABEAS CORPUS DE OFÍCIO – INVIABILIDADE – AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.’ (ARE 807.562-AgR, Min. Cármen Lúcia, 2ª T., DJe 13.06.2014)”

O Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso, restabelecendo a sentença conde-natória.

3130 – Contrabando – cigarros – pena – substituição

“Direito penal. Contrabando. Cigarros. Art. 334 do Código Penal. Mandado de busca e apreensão. Autoria. Substituição da pena. Prestação pecuniária. Restituição dos valores apreendidos. 1. O mandado de busca e apreensão é dispensável no caso de prisão em flagrante, hipótese dos autos. 2. As provas produzidas ao longo da instrução processual permitem concluir, de forma inequívoca, pela presença da materialidade e perfeita definição da autoria do delito imputado aos réus. 3. Na hipótese de a condenação ser superior a um ano, determina a segunda parte do § 2º do art. 44 do Código Penal, que a pena privativa de liberdade deve ser substituída por duas restritivas de direitos ou por uma restritiva de direitos e multa, de modo que a substituição por duas penas restritivas de direitos restou corretamente aplicada. 4. A pena substitutiva de prestação pecuniária mantém a finalidade de prevenção e reprovação do delito, devendo guardar proporção ao dano causado pelo agente e sua condição financeira. 5. Mantido o indeferimento do pedido de restituição dos valores apreendidos, porquanto ausentes os requisitos previstos nos arts. 118 e 119 do Código de Processo Penal e art. 91 do Código Penal.” (TRF 4ª R. – ACr 0002148-92.2007.4.04.7015/PR – 8ª T. – Rel. Des. Fed. Leandro Paulsen – DJe 09.07.2015)

3131 – Crime contra a honra – advogado no exercício da profissão – termos impróprios – dolo específico – ausência

“Penal. Processual penal. Crimes contra a honra. Advogado no exercício da profissão. Termos impróprios em petições. Ausência de dolo específico. Animus caluniandi e diffamandi. Provimento da apelação. Absolvição. 1. A subsunção dos fatos aos crimes penais da calúnia e da difamação

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exige a demonstração do dolo específico, da intenção deliberada e preponderante de ofender à honra da vítima, inocorrente na hipótese. O acusado, advogado no exercício da profissão, embora tenha exagerado nos termos utilizados em suas petições, sem o devido distanciamento emocional dos fatos, raiando (mesmo) pela grosseria em relação ao magistrado regente do processo, fê-lo essencialmente na defesa do seu cliente, sem o ânimo de ofender a sua honra (animus caluniandi e/ou animus diffamandi). 2. Provimento da apelação do acusado. Não provimento da apelação do Ministério Público Federal.” (TRF 1ª R. – ACr 2007.33.08.000994-1 – 4ª T – Rel. Des. Fed. Olindo Menezes – DJe 05.05.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO vertente acórdão trata de crime contra a honra.

Consta da denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal que o advogado difamou e caluniou o juiz federal da Subseção Judiciária de Jequié, imputando-lhe fatos ofensivos a sua dignidade e decoro funcionais, além de condutas definidas em lei como crime. Requereu, assim, o ente público, a condenação do advogado pelos crimes de calúnia e difamação.

Em primeira instância, o pedido foi julgado parcialmente, uma vez que o Juízo absolveu o denunciado da prática do crime de difamação, condenando-o, apenas, pelo crime de calúnia.

Ministério Público Federal e condenado recorreram ao TRF1 buscando a reforma da sentença. O primeiro sustentou não haver concussão entre os delitos de difamação e calúnia, requerendo a condenação do acusado no crime de difamação, por entender configuradas a materialidade e a autoria.

O advogado, por sua vez, destacou que a Lei nº 8.906/1994 confere imunidade ao advogado por manifestação no exercício de sua atividade, no interesse de seu patrocinado. Afirmou, ainda, a não configuração do dolo específico, pois apenas defendeu de forma exacerbada, seu consti-tuinte, a fim de promover a sua defesa técnica, não tendo, em momento algum, o propósito de ofender a honra do ilustre togado.

Requereu a substituição da pena por medidas restritivas de direito.

O relator entendeu que a prova foi suficiente para demonstrar a certeza da materialidade e da autoria do crime de calúnia, o qual teria absorvido o crime de difamação.

Ademais, de acordo com o magistrado, o acusado, advogado no exercício da profissão, embora tenha exagerado nos termos utilizados em suas petições, sem o devido distanciamento emocio-nal dos fatos, raiando (mesmo) pela grosseria em relação ao magistrado regente do processo, fê-lo essencialmente na defesa do seu cliente, sem o ânimo de ofender a sua honra.

A 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região absolveu um advogado da prática do crime de calúnia praticado contra um magistrado federal.

Processo Civil e Civil

3132 – Ação cautelar – exceção de incompetência – argumentos – prequestionamento

“Agravo regimental. Agravo em recurso especial. Ação cautelar. Exceção de incompetência. Ofen-sa aos arts. 100, V, a, parágrafo único e 111 do CPC. Argumentos. Prequestionamento. Ausência. Súmula nº 211/STJ. Agravo não provido. 1. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, apesar de opostos embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 631.407 – (2014/0304374-3) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 22.06.2015 – p. 2119)

3133 – Ação de cobrança – emolumentos – ato notarial de averbação – matrícula

“Recurso especial. Ação de cobrança. Emolumentos. Ato notarial de averbação relativo à quita-ção da aquisição de lotes (destinados à construção sob o regime de incorporação imobiliária), efetivado na matrícula de origem, bem como nas matrículas das unidades imobiliárias advindas

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do empreendimento. Art. 237-A da Lei de Registros Públicos. Observância. Ato de registro único, para fins de cobrança de custas e emolumentos. Recurso especial improvido. 1. O art. 237-A da LRP determina que, após o registro da incorporação imobiliária, até o ‘habite-se’, todos os subse-quentes registros e averbações relacionados à pessoa do incorporador ou aos negócios jurídicos alusivos ao empreendimento sejam realizados na matrícula de origem, assim como nas matrículas das unidades imobiliárias eventualmente abertas, consubstanciando, para efeito de cobrança de custas e emolumentos, ato de registro único. 2. Para a específica finalidade de cobrança de custas e emolumentos, tem-se que o ato notarial de averbação relativa à quitação dos três lotes em que se deu a construção sob o regime de incorporação imobiliária, efetuado na matrícula originária, assim como em todas as matrículas das unidades imobiliárias daí advindas, relaciona-se, inequivoca-mente, com o aludido empreendimento. 3. Nos termos da lei regência (Lei nº 4.591/1964), em seu art. 32, é condição sine qua non ao registro da incorporação imobiliária e, por via de consequên-cia, à negociação das futuras unidades imobiliárias, que o incorporador demonstre a qualidade de proprietário, de promitente comprador, de cessionário, ou de promitente cessionário do imóvel no qual se edificará a construção sob o regime de incorporação imobiliária. 3.1 Nas hipóteses em que o incorporador não detém título definitivo de propriedade, o negócio jurídico estabelecido entre ele e o então proprietário do terreno assume contornos de irrevogabilidade e de irretratabilidade, havendo, necessariamente, expressa vinculação do bem imóvel ao empreendimento sob o regime de incorporação imobiliária. 4. Levando-se em conta que o objeto da relação contratual ajustada entre o então proprietário do terreno e o incorporador (ou quem vier a sucedê-lo) encontra-se indissociavelmente ligado à incorporação imobiliária, a matrícula do imóvel no qual se erigirá o empreendimento conterá, necessariamente, o título pelo qual o incorporador adquiriu o imóvel, bem como toda e qualquer ocorrência que importe alteração desse específico registro, no que se insere, inarredavelmente, a averbação de quitação da promessa de compra do terreno. 5. Recurso especial improvido.” (STJ – REsp 1.522.874 – (2015/0066119-0) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 22.06.2015 – p. 2071)

3134 – Ação monitória – contratos bancários – instrumento particular de confissão de dívida – nota promissória

“Recurso especial. Ação monitória. Contratos bancários. Instrumento particular de confissão de dívida. Nota promissória que garante o contrato. Responsabilidade do avalista. Princípio da abs-tração. Necessidade de circulação do título de crédito. Súmula nº 280 do STF. 1. É entendimento desta Corte Superior que o credor possuidor de título executivo extrajudicial pode utilizar-se tanto da ação monitória como da ação executiva para a cobrança do crédito respectivo. 2. A literalidade, a autonomia e a abstração são princípios norteadores dos títulos de crédito que visam conferir a segurança jurídica ao tráfego comercial e tornar célere a circulação do crédito, transferindo-o a terceiros de boa-fé livre de todas as questões fundadas em direito pessoal. 3. Segundo o princípio da abstração, o título de crédito, quando posto em circulação, desvincula-se da relação funda-mental que lhe deu origem. A circulação do título de crédito é pressuposto da abstração. 4. Nas situações em que a circulação do título de crédito não acontece e sua emissão ocorre como forma de garantia de dívida, não há desvinculação do negócio de origem, mantendo-se intacta a obriga-ção daqueles que se responsabilizaram pela dívida garantida pelo título. 5. Incabível a via recursal extraordinária para a discussão de matéria, ante a incidência da Súmula nº 280 do STF, quando a solução da controvérsia pelo Tribunal a quo dá-se à luz da interpretação do direito local. 6. Recur-so especial a que se nega provimento.” (STJ – REsp 1.175.238 – (2010/0003963-1) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 23.06.2015 – p. 1520)

Comentário Editorial SÍnTESEO Estado do Rio Grande do Sul ajuizou ação monitória visando ao adimplemento de instrumen-to particular de confissão de dívida firmado entre o primeiro réu e a extinta Caixa Econômica

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������167

Estadual, então sucedida pelo autor, sendo que o segundo demandado assinou o contrato como devedor solidário.

O magistrado sentenciante julgou extinta a ação, por considerar ausente o interesse processual. Asseverou que o documento acostado aos autos não era hábil para alicerçar a ação monitória, por possuir força executiva, uma vez que ainda não alcançado pela prescrição.

Interposta apelação, o TJRS deu provimento ao recurso para julgar procedente o pedido e cons-tituir título executivo em favor do apelante. Confira-se ementa do julgado:

“Negócios jurídicos bancários. Ação monitória. Instrumento particular de confissão de dívida.

Em princípio, aquele que dispõe de título executivo carece de interesse processual de ajuiza-mento de ação monitória, conforme prescreve o art. 1.102-A do CPC. Todavia, existindo dúvida quanto à prescrição do título executivo e ausente o prejuízo para o devedor em sua ampla defesa, é possível a escolha do procedimento monitório. Ademais, em observância aos princípios da celeridade e economia processuais, não se justifica a anulação do processo, com a perda de todos os atos processuais já praticados. O avalista, como responsável solidário, é parte legítima passiva. Inaplicabilidade do art. 178, § 10, inciso III, do Código Civil de 1916 no caso concre-to, pois que os juros integram o valor principal do débito, deixando de ter natureza acessória. Juros remuneratórios não limitados. Correção monetária pela UPF – índice mais favorável. Apelo provido.”

Foram opostos embargos de declaração pelo apelante visando à declaração de inversão dos ônus processuais. Acolhidos os embargos, sanou-se a contradição reclamada quanto aos ônus.

Sobreveio recurso especial, interposto com fulcro nas alíneas a e c do permissivo constitucional, sob alegação de violação ao art. 267, VI do CPC e arts. 819 e 897 do CC.

Afirmaram os recorrentes que “não há motivo jurídico” para que o réu continue respondendo como devedor solidário, uma vez que a garantia por ele prestada foi a nota promissória e que, mesmo que se entenda o instrumento de “Confissão de Dívida” como título de crédito, relevante se considerar que há muito tal documento perdeu sua eficácia.

Acrescentaram que “não se tratando mais de obrigação cambial, mas de mera cobrança baseada em início de prova escrita (art. 1.102-A, do CPC), não há mais como se falar em garantia de aval, que persistiu tão somente até o vencimento do prazo de prescrição da eficácia executiva do título”.

Salientaram que “uma vez que o Estado deixou de ajuizar Ação Executiva da Nota Promissória garantida pelo aval do 2º Requerido, mas optou pelo procedimento monitório com fulcro em contrato de confissão de dívida, temos que perdeu a garantia do aval, seja pela impossibilidade jurídica da interpretação extensiva da garantia, seja pela extinção do aval pela prescrição exe-cutiva do título cambial ou, ainda, porque o contrato de confissão de dívida não comporta aval, mas fiança, violando também o art. 897, do nosso Código Civil”.

O STJ negou provimento ao recurso especial.

O Relator assim asseverou:

“A questão principal em discussão é determinar se quando o credor se utiliza de título executivo extrajudicial não prescrito e, portanto, exequível, como prova escrita em ação monitória, há liberação dos avalistas de nota promissória da garantia prestada.”

Sobre a ação monitória, assim disciplina José Rogério Cruz e Tucci:

“Dedicando-se ao estudo da ação monitória à luz da comparação jurídica, esclarece Perrot que a finalidade de tal instrumento processual é a de superar a inércia do devedor, incitando-o a abandonar a ‘conjura de silêncio’, o ‘coma jurídico’, ao possibilitar, mediante procedimento sim-ples e expedito, a obtenção, pelo credor, de título executivo. ‘Esta é a filosofia do procedimento injuntivo, que se inicia com um mandado do juiz dirigido ao devedor para que este efetue o pagamento ou impugne o débito, sob pena de ser formado um título executivo que ensejará futura execução. Numa palavra, a sua originalidade encontra-se na situação de vantagem inicial do credor, fazendo com que o devedor suporte as consequências de sua inércia’.

No procedimento monitório não se propicia, de plano, a participação do devedor-réu na constru-ção da decisão liminar que defere o mandado de pagamento. É por esse motivo que se diz que o procedimento em apreço aflora sem contraditório.

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Desse modo, a primordial razão de se impor ao demandante a exibição de prova escrita decorre da peculiar estrutura procedimental da ação monitória, dado o escopo de acelerar ao máximo o reconhecimento do direito do credor, visando à formação do título executivo.

A ausência de contraditório na fase inicial do procedimento monitório, e, portanto, a impossi-bilidade para o devedor apresentar imediata contestação ao material probatório produzido pelo demandante, consiste, por outro lado, em fator determinante da dilatação da prudência judicial.

Procurando estabelecer um nexo harmônico entre a finalidade do procedimento monitório e a exigência de prova escrita, observa Marinoni que o legislador parte da premissa de que, existindo documento capaz de revelar a probabilidade do direito alegado pelo autor, o devedor poderá se curvar ao mandado judicial para não experimentar o risco de sucumbir e ser obrigado a pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios.

Assim, o requisito da prova escrita ‘nada tem a ver com a instituição de um procedimento semelhante ao do mandado de segurança, em que se exige “direito líquido e certo”, ou prova documental suficiente para demonstrar a afirmação de um fato, exatamente para se construir um verdadeiro procedimento documental, no qual são proibidas as demais provas, ficando assim eliminado o tempo necessário para a sua produção. Quando se almeja dispensar as provas mais elaboradas, que dispendem mais tempo, requer-se prova que seja capaz de demonstrar o fato constitutivo do direito; contudo, quando se exige prova escrita como requisito da ação monitória, parte-se apenas da premissa de que o devedor poderá não apresentar embargos, permitindo ao credor um acesso mais rápido à execução forçada. A prova escrita, justamente porque pode ser associada a outros tipos de prova, não é a prova que deve fazer surgir “direito líquido e certo”, isto é, não é a prova que deve demonstrar, por si só, o fato constitutivo do direito afirmado pelo autor. A prova escrita relaciona-se apenas a um juízo de probabilidade’.

Para o ajuizamento e consequente admissibilidade da ação monitória, uma vez que a cognição delineia-se exauriente no procedimento dos embargos ao mandado, é suficiente que a prova produzida pelo autor possibilite ao órgão judicante estabelecer um grau elevado de probabilidade da procedência da pretensão deduzida.

Calamandrei, em clássico estudo, explica que aquilo que é provável está além da aparência, uma vez que se encontram reunidos elementos tendentes a acreditar que a alegação do fato corres-ponde à realidade. No entanto – adverte –, esse juízo provisório de probabilidade tem sempre função instrumental e seletiva: considera apenas a prova que, pela verossimilhança do thema probandum, apresenta-se prima facie com uma certa garantia de credibilidade e, portanto, com uma significativa probabilidade de êxito positivo.

Pondera Dinamarco que ‘para tornar admissível o processo monitório o documento há de ser tal que dele se possa razoavelmente inferir a existência do crédito’, devendo necessariamente tratar-se de ‘documento que, sem trazer em si todo o grau de probabilidade que autorizaria a execução forçada (os títulos executivos extrajudiciais expressam esse grau elevadíssimo de pro-babilidade), nem a “certeza” necessária para a sentença de procedência de uma demanda em processo ordinário de conhecimento, alguma probabilidade forneça ao espírito do juiz. Como a técnica da tutela monitória constitui um patamar intermediário entre a executiva e a cognitiva, também para valer-se dela o sujeito deve fornecer ao juiz uma situação na qual, embora não haja toda aquela probabilidade que autoriza executar, alguma probabilidade haja e seja demonstrada prima facie. É uma questão de grau, portanto, e só a experiência no trato do instituto poderá conduzir à definição de critérios mais objetivos’.” (Prova escrita na ação monitória. Disponível em: http://online.sintese.com.)

3135 – Defesa do consumidor – transporte aéreo – cancelamento de passagem – danos moral e material

“Transporte aéreo. Cancelamento de passagem. Clausula abusiva. Ressarcimento dos danos. Agra-vo inominado interposto contra decisão monocrática proferida em sede de apelação cível. Ação indenizatória. Relação de consumo. Transporte aéreo. Compra de passagens de ida e de volta. Cancelamento da passagem de volta, em face da não utilização do bilhete de ida. Cláusula abusi-va. Dano material comprovado. Transtornos suportados no embarque. Dano moral caracterizado. Reforma parcial da sentença. Recurso de apelação da parte autora parcialmente provido, nos ter-mos do art. 557, § 1º-A, do CPC. Agravo inominado interposto pela parte ré ao qual se nega pro-

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vimento.” (TJRJ – Ap 0019371-28.2014.8.19.0042 – 27ª C.Cív. – Relª Desª Tereza Cristina Sobral Bittencourt Sampaio – DJe 17.06.2015 – p. 18)

3136 – Divórcio – litispendência – cheque como garantia – ônus da prova

“Agravo de instrumento. Direito civil. Direito processual civil. Exceção de incompetência. Execu-ção por título certo. Cumprimento de sentença. Divórcio. Litispendência. Cheque como garantia. Ônus da prova. Recurso conhecido e não provido. Decisão mantida. 1. Litispendência ocorre quando se repete a ação, ou seja, necessária a identidade de partes, objeto e causa de pedir. O instituto objetiva a prevenção de decisões divergentes sobre o mesmo tema. 2. No caso em tela, o agravante requer o reconhecimento de litispendência em ação de execução por quantia certa que cobra o pagamento de cheques, sob a alegação de que tais títulos servem como garantia de cláusula do acordo judicial da ação de divórcio. 3. O art. 333, I do Código de Processo Civil es-tabelece que cabe ao autor comprovar os fatos constitutivos do seu direito. Apesar de verossímil a alegação de que as cártulas foram emitidas como garantia; O autor não colacionou nenhum documento capaz de comprovar suas alegações. 4. Assim, ausente o preenchimento dos requisitos para o reconhecimento da litispendência, correta a decisão que fixou a competência, conforme a distribuição. 5. Recurso conhecido e não provido.” (TJDFT – AI 20150020062595 – (874855) – 1ª T.Cív. – Rel. Des. Romulo de Araujo Mendes – DJe 24.06.2015 – p. 109)

3137 – Justiça gratuita – concessão – eficácia em todas as instâncias – renovação do pedido

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Processual civil. Justiça gratuita (Lei nº 1.060/1950, arts. 4º, 6º e 9º). Concessão. Eficácia em todas as instâncias e para todos os atos do processo. Renovação do pedido na interposição do recurso. Desnecessidade. Precedente da Corte especial. Agravo provido. 1. uma vez concedida, a assistência judiciária gratuita preva-lecerá em todas as instâncias e para todos os atos do processo, nos expressos termos do art. 9º da Lei nº 1.060/50. 2. Somente perderá eficácia a decisão deferitória do benefício em caso de expressa revogação pelo Juiz ou Tribunal. 3. Não se faz necessário para o processamento do recurso que o beneficiário refira e faça expressa remissão na petição recursal acerca do anterior deferimento da assistência judiciária gratuita, embora seja evidente a utilidade dessa providên-cia facilitadora. Basta que constem dos autos os comprovantes de que já litiga na condição de beneficiário da justiça gratuita, pois, desse modo, caso ocorra equívoco perceptivo por parte do julgador, poderá o interessado facilmente agravar fazendo a indicação corretiva, desde que tem-pestiva. 4. Precedente da Corte Especial (EAREsp 86.915/SP, Corte Especial, Rel. Min. Raul Araújo, DJe de 04.03.2015). 5. Agravo regimental provido, afastando-se a deserção.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 624.494 – (2014/0310848-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 22.06.2015 – p. 2117)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de agravo interno interposto contra decisão que negou seguimento ao recurso, por falta de renovação do pedido de assistência judiciária, embora já tivesse sido deferido nas instâncias ordinárias.

Em suas razões recursais, a parte agravante pugna pela reconsideração da respeitável decisão, tendo em vista a impossibilidade de reconhecimento de deserção do recurso especial. Para tanto, afirma que os efeitos do deferimento de concessão de assistência judiciária gratuita pelas instâncias ordinárias perduram do momento do seu deferimento até o final da demanda e em qualquer grau de jurisdição, sendo, portanto, despiciendo novo pedido de justiça gratuita perante esta egrégia Corte.

O STJ deu provimento ao agravo interno, para, em se reformando a decisão agravada, afastar a deserção. Determina-se, ainda, a conclusão dos autos ao Relator para análise do agravo em recurso especial.

O ilustre Jurista Nehemias Domingos de Melo assim disciplina sobre a Justiça gratuita:

“O acesso à justiça não pode ficar à mercê da possibilidade econômica da parte fazer frente às despesas processuais, visto que tal acesso consiste na proteção de qualquer direito, sem

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qualquer restrição econômica, social ou política. É importante destacar que não basta a simples garantia formal da defesa dos direitos e o acesso aos tribunais, mas a garantia da proteção material destes direitos, assegurando a todos os cidadãos, independentemente de classe social, a ordem jurídica justa.

De outro lado, o Estado tem o dever de conceder a todos o acesso ao Judiciário sem a neces-sidade de antecipação das despesas processuais. Seria absurdo, para dizer o mínimo, que o ingresso em juízo fosse possível apenas aos que detêm situação econômica abastada. A função do Estado-Juiz é decidir os litígios e trazer a paz social nas relações intersubjetivas, logo esta má-xima estaria prejudicada, se a maioria da população pobre não pudesse defender seus direitos.

A luta da população por saúde, educação, trabalho, segurança, dentre outras, deveria incluir outra reivindicação, qual seja, a de Justiça Gratuita para todos. A Justiça é monopólio do Estado, logo seu acesso deveria ser livre e gratuita para aqueles que pleiteassem tal benefício. Se a campanha por justiça gratuita prosperar, podemos até sugerir um slogan: ‘Justiça Gratuita para Todos!’.

O Professor Gabriel de Rezende Filho, já nos idos de 1954, preconizava que ‘a justiça deve estar ao alcance de todos, ricos e poderosos, pobre e desprotegidos, mesmo porque o Estado reservou--se o direito de administrá-la, não consentindo que ninguém faça justiça por suas próprias mãos. Comparecendo em juízo um litigante desprovido completamente de meios para arcar com as despesas processuais, inclusive honorários de advogado, é justo seja dispensado do pagamento de quaisquer custas...’.

Partilhando do mesmo pensamento, Vicente Grecco Filho, afirma de forma peremptória que ‘uma justiça ideal deveria ser gratuita. A distribuição da justiça é uma das atividades essenciais do Estado e, como tal, da mesma forma que a segurança e a paz pública, não deveria trazer ônus econômico aqueles que dela necessitam. Todavia, inclusive por tradição histórica, a admi-nistração da justiça tem sido acompanhada do dever de pagamento das despesas processuais, entre as quais se inclui o das custas que são taxas a serem pagas em virtude da movimentação do aparelho jurisdicional’.

José Renato Nalini, festejado pelo Juiz Eduardo Bezerra de Medeiros Pinheiros, vai mais longe ao afirmar que ‘do juiz se exige não apenas reequilibrar as situações díspares, mas ainda oferecer seu talento, desforço pessoal e inteligência para ampliação real do rol de atendidos pela Justiça. E para isso é necessário desenvolver uma concepção consentânea do princípio fundamental da isonomia. Não é uma opção preferencial pelos pobres, no sentido da teologia da libertação. Mas a constatação de que a pobreza extrema é inconciliável com o exercício da igualdade e liberdade’.

Na realidade social em que vivemos, entendemos que incumbe ao Poder Judiciário, abandonar o mundo da ficção jurídica, da abstração da norma, do ‘faz de conta’ e efetivar a concretização de direitos fundamentais consagrados pela Constituição do Brasil (direito à igualdade, devido processo legal material, direito à ampla defesa, proteção do consumidor, direito à assistência judiciária integral), assumindo, assim, uma postura ativa – e não neutra – na busca da justiça processual.

Assim, cabe ao juiz da causa analisar cada situação em particular e, na dúvida pro misero, até porque o beneficio da justiça gratuita não há de ser estendido apenas aos miseráveis, mas sim a todo aquele cuja situação econômica não lhe permite pagar custas processuais e honorários de advogado, que, em muitos casos, se torna extremamente oneroso, independentemente do salário ou dos bens que possua o postulante. Assim, é irrelevante que a parte seja proprietária de bens ou tenha colado grau superior, pois, não obstante isso, poderá, num dado momento de sua vida, não ter disponibilidade de numerários suficientes para fazer frente às despesas processuais.” (Da justiça gratuita como instrumento de democratização do acesso ao Judiciário. Disponível em: http://online.sintese.com)

Trabalhista/Previdenciário

3138 – Ação regressiva – pagamento de benefício decorrente de acidente do trabalho – nor-mas de segurança – negligência do empregador – ressarcimento devido

“Civil e previdenciário. Ação regressiva. Pagamento de benefício decorrente de acidente de tra-balho. Normas de segurança. Negligência do empregador. Ressarcimento devido. Constituição

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de capital. Não cabimento. 1. A teor do art. 120 da Lei nº 8.213/1991, ‘nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis’. 2. Hipótese em que o Laudo Técnico e o Relatório de Análise de Acidente de Trabalho, elaborados por Auditores Fiscais do Trabalho/PE, cuja presunção de veracidade e legitimidade não foi elidida pela empresa, demonstraram as circunstâncias fáticas do acidente que causou a perda de quatro dedos da mão direita. Do empregado, confirmando a negligência da demandada quanto às normas de seguran-ça do trabalhador. 3. Incabível a constituição de capital, nos termos do art. 475-Q do CPC, uma vez que os valores ressarcidos não configuram verba de caráter alimentar. 4. Apelação desprovi-da.” (TRF 5ª R. – AC 0006407-98.2011.4.05.8200 – (580352/PB) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Machado Cordeiro – DJe 03.06.2015 – p. 88)

Comentário Editorial SÍnTESECuida o acordo em estudo da hipótese de cabimento da ação regressiva por parte da autarquia previdenciária diante da negligência do empregador nas normas de segurança do trabalho.

O TRF da 4ª Região já se pronunciou:

“Administrativo. INSS. Benefício previdenciário. Ação regressiva. Cerceamento de defesa. Inexis-tente. Dano, conduta negligente da ré e nexo de causalidade comprovados. Culpa concorrente. Não verificada. Constituição de capital. 1. Após o indeferimento do pedido de produção de prova testemunhal, a parte ora recorrente foi devidamente intimada, deixando transcorrer in albis o prazo para interposição do recurso adequado, limitando-se a apresentar documentos comprobatórios da sua alegação, motivo por que inexiste nulidade processual por cerceamen-to de defesa. 2. Demonstrada a negligência da empregadora quanto à adoção e fiscalização das medidas de segurança do trabalhador, tem o INSS direito à ação regressiva prevista no art. 120 da Lei nº 8.213/1991. 3. O contrato de trabalho apresenta a alteridade com uma de suas características. Dessa forma, ao empregador competem os ônus da atividade empresarial, mostrando-se insuficiente a alegação abstrata de culpa concorrente do empregado acidentado para mitigação da responsabilidade. 4. Segundo o art. 475-Q do CPC, a constituição de capital somente ocorre quando a dívida for de natureza alimentar. A aplicação do dispositivo legal para qualquer obrigação desvirtuaria a finalidade do instituto. No caso, a condenação da ré não se refere a um pensionamento, e sim a uma restituição, e o segurado não corre risco de ficar sem a verba alimentar, cujo pagamento é de responsabilidade da autarquia. 5. Apelação e recurso ade-sivo improvidos.” (TRF 4ª R. – AC 2008.71.04.002937-5/RS – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva – DJe 04.10.2011)

No mesmo sentido, o procurador Federal, Dr. Manoel Hermes de Lima já se pronunciou:

A ação regressiva tem natureza indenizatória, visando reparar o dano causado pelo empregador ou por terceiro. A ação é de direito comum. Lembrando-nos que a Justiça Comum abrange tanto a Justiça Federal, quanto as Justiças Ordinárias dos Estados. O direito de regresso do INSS é direito próprio, independentemente do trabalhador ter ajuizado ação de indenização contra o empregador causador do acidente de trabalho. Não sendo possível compensar a verba recebida na ação acidentária com a devida na ação civil, pois as verbas têm natureza distintas. As inde-nizações são autônomas e cumuláveis.

A responsabilidade civil que fundamenta a ação regressiva surge em virtude do não cumprimento (omissivo ou comissivo) das normas de prevenção, caracterizando o ato ilícito (aquele praticado em desacordo com a norma jurídica destinada a proteger interesses alheios; é o que viola o direito subjetivo individual causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão). O ato ilícito caracteriza-se por ação ou omissão voluntária.

A responsabilidade no caso é subjetiva, ou seja, para sua caracterização é necessária a com-provação da culpa ou dolo do empregador. A responsabilidade civil subjetiva tem como seu fato gerador o ilícito. O ilícito pode ser definido como conduta omissiva ou comissiva que se afastou do conceito de bonus pater familias, gerando a obrigação da reparação.

O dever de ressarcir os danos gerados pela prática de atos ilícitos decorre da culpa em sentido amplo e estrito. A culpa, em sentido amplo, deve ser entendida como violação de um dever jurídico, imputável a alguém, em decorrência de fato intencional ou de omissão de diligência ou

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de cautela complementar e incluiu o dolo (intenção de causar a violação do dever jurídico). Já a culpa em sentido estrito compreende a imperícia, impudência e a negligência.

A proteção contra acidentes de trabalho ao ser transferida para a sociedade transformou-se em seguro social. Cabe ao INSS propor ação regressiva, reconhecendo que a autarquia previ-denciária, enquanto órgão da Administração Pública Indireta, age sempre visando o bem da coletividade, não podendo utilizar-se do princípio da disponibilidade do patrimônio público.” (Ação regressiva em ação acidentária. Revista de Direito Social, n. 7, 2002, doutrina, p. 37.)

3139 – Acidente do trabalho – vínculo empregatício do de cujus reconhecido por sentença trabalhista – contribuições previdenciárias recolhidas pelo empregador – efeitos

“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Argumentos insuficientes para desconstituir a decisão atacada. Acidente de trabalho. Vínculo empregatício do de cujus reconhe-cido por sentença trabalhista. Contribuições previdenciárias recolhida pelo empregador. Certidão de óbito. Ocorrência policial. Depoimento do preposto da empregadora. Provas do vínculo de trabalho. Revisão. Impossibilidade. Súmula nº 07/STJ. Incidência. I – In casu, rever a conclusão do Tribunal de origem quanto ao preenchimento dos requisitos legais para a concessão do benefício previdenciário postulado, demandaria necessário revolvimento de matéria fática e probatória, o que é inviável em sede de recurso especial, à luz do óbice contido na Súmula nº 07/STJ. II – A parte Agravante não apresenta argumentos capazes de desconstituir a decisão impugnada. III – Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 194.244 – (2012/0130205-2) – 1ª T. – Relª Min. Regina Helena Costa – DJe 17.06.2015 – p. 2088)

3140 – Aposentadoria por idade – rurícola – acórdão que aponta a fragilidade do conjunto fático-probatório – impossibilidade de reexame

“Previdenciário. Regimental no agravo em recurso especial. Aposentadoria por idade. Rural. Acór-dão que aponta a fragilidade do conjunto fático-probatório. Impossibilidade de reexame de pro-vas. Súmula nº 7/STJ. 1. O labor campesino deve ser demonstrado por início de prova material e ampliado por prova testemunhal, ainda que de maneira descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento, pelo número de meses idêntico à carência. 2. No caso, partindo das premissas acima aventadas e das provas carreadas aos autos, o Tribunal de origem concluiu pela ausência dos requisitos autorizadores para o reconhecimento da condição de segurado especial, por considerar a fragilidade da prova testemunhal produzida. 3. A alteração das conclusões retrata-das no acórdão recorrido apenas seria possível mediante novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, providência vedada em sede de recurso especial, a teor do óbice previsto na Súmula nº 7/STJ. 4. Agravo Regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 572.455 – (2014/0197313-4) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 17.06.2015 – p. 2127)

3141 – Auxílio-doença – perícia judicial concludente – incapacidade laboral temporária – be-nefício devido

“Auxílio-doença. Perícia judicial concludente. Incapacidade laboral temporária. Honorários ad-vocatícios. Sucumbência recíproca, mas não equivalente. Distribuição da verba honorária. 1. É devido o auxílio-doença quando a perícia judicial é concludente de que a parte autora se encontra temporariamente incapacitada para o trabalho. 2. Tendo sido requerida aposentadoria por invali-dez e concedido auxílio-doença, há sucumbência recíproca entre as partes, todavia não equiva-lente, o que implica condenação maior ao INSS, caso em que lhe são imputados honorários de 5% sobre o valor das parcelas devidas. 3. Honorários periciais, rateados na proporção de 75% para o INSS e 25% para a parte autora, restando suspensa a exigibilidade em relação à parte autora por ser beneficiária de assistência judiciária.” (TRF 4ª R. – AC 0018811-44.2014.404.9999/RS – 6ª T. – Rel. Juiz Fed. Paulo Paim da Silva – DJe 18.06.2015 – p. 132)

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������173

Comentário Editorial SÍnTESECuida o v. acórdão do reconhecimento do pagamento do auxílio-doença pela confirmação da incapacidade laboral pela perícia judicial.

Com a vigência da Lei nº 13.105/2015, o art. 2º traz a seguinte redação:

“Art. 2º O art. 2º da Lei nº 10.876, de 2 junho de 2004, passa a vigorar com as seguintes alterações:

‘Art. 2º Compete aos ocupantes do cargo de Perito-Médico da Previdência Social e, supletiva-mente, aos ocupantes do cargo de Supervisor Médico-Pericial da carreira de que trata a Lei nº 9.620, de 2 de abril de 1998, no âmbito do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e do Ministério da Previdência Social, o exercício das atividades médico-periciais inerentes ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) de que tratam as Leis nº 8.212, de 24 de julho de 1991, nº 8.213, de 24 de julho de 1991, nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993 (Lei Orgânica da Assistência Social), e nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, e, em especial:

[...]

III – caracterização de invalidez para benefícios previdenciários e assistenciais;

IV – execução das demais atividades definidas em regulamento; e

V – supervisão da perícia médica de que trata o § 5º do art. 60 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, na forma estabelecida pelo Ministério da Previdência Social.

[...]’ (NR)”

Nesse sentido, a Procuradora Federal Lais Fraga Kauss assim explica:

“A escolha dos peritos judiciais pelos Magistrados tem realidades diversas entre os grandes cen-tros e o interior do País. Nos grandes centros, os Magistrados têm maior gama de possibilidades na nomeação de um especialista, ao revés do que ocorre nas cidades do interior.

Nas grandes cidades, o maior obstáculo é a remuneração dos peritos. Os honorários periciais fixados pela Justiça Federal são baixos em relação ao que cobra um médico de renome por uma consulta e demoram muitos meses para serem pagos. Além disso, a perícia judicial implica maior trabalho para o médico, pois a tarefa inclui a elaboração de laudo, resposta aos quesitos e, eventualmente, novas participações no processo. Em função de tudo isso, a escolha dos peritos nas grandes cidades acaba por incidir sobre médicos recém formados ou aleatoriamente escolhidos em guias de planos de saúde.

No interior do País, por sua vez, o maior obstáculo é a falta de opção e de especialistas. O Ma-gistrado acaba sendo obrigado a submeter a sua pauta de perícias à disponibilidade da agenda do médico e às suas exigências de local e quantidade. Isso quando há a aceitação do médico em participar. No interior, é mais complicado tentar qualquer tipo de organização ou projeto que envolva perícias judiciais em razão da relação de dependência que se cria para com os poucos médicos disponíveis na localidade.

Soma-se ao problema da escolha a questão da especialização pericial. A perícia previdenciária tem características muito diferentes das atividades de consultório. O médico que atende um paciente no consultório tem por objetivo o diagnóstico e o tratamento de moléstias. Para isso, sua atividade se baseia no pressuposto de que tudo o que está sendo relatado pela parte é verda-deiro. O perito previdenciário, ao contrário, baseia-se em evidências e no conceito de capacidade laborativa, e não na existência da doença.

Diante do quadro existente para a escolha dos peritos judiciais, é evidente que exigir especiali-zação em perícia previdenciária seria uma verdadeira utopia. No entanto, as realidades práticas precisam ser superadas e a qualidade dos atos periciais precisa evoluir para a melhor defesa do interesse público primário.

O quadro de servidores atuantes no apoio da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS é formado por servidores da própria Autarquia. A PFE-INSS é órgão do INSS, previsto em seu regimento interno. Embora exista o projeto em prática de unificação da defesa judicial exercida pelas Procuradorias Federais Especializadas em Procuradorias sob a égide da Procuradoria-Geral Federal, com estrutura garantida pela Advocacia-Geral da União, a previsão normativa é para que o quadro de apoio seja cedido à AGU.

O fato é que, enquanto a defesa judicial do INSS estiver sob o comando da Procuradoria Federal Especializada, o seu apoio é formado por servidores da Autarquia, assim como toda a estrutura

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física e material para funcionamento. O apoio da PFE inclui os médicos peritos em funções judiciais.

O quadro de servidores do INSS está muito defasado em relação à necessidade. A Autarquia está crescendo, abrangendo maior número de cidades, sem que, com isso, haja o correspondente aumento de servidores, administrativos e médicos.

Além disso, a Autarquia, como todos os demais organismos da Administração Pública, precisa de números, produtividade que justifique o orçamento, os servidores e as suas necessidades em geral. O apoio à PFE não gera números produtivos para esse fim, pois não entra nos quesitos estatísticos analisados pela Autarquia.

A falta de visibilidade, a carência de médicos peritos para trabalho direto com a população nas Agências da Previdência Social e a falta de previsão regimental dificultam muito a lotação de médicos nas Procuradorias e, consequentemente, o desempenho da assistência técnica nos processos judiciais de benefícios por incapacidade.

Dessa forma, a defesa da Autarquia nos processos de benefício por incapacidade está a exigir cada vez mais dedicação e tempo das chefias das Procuradorias, pois, para tentar superar os obstáculos trazidos pela necessidade de produtividade nas Agências e pela falta generalizada de médicos peritos disponíveis, é necessário demonstrar em números a importância e o resultado trazidos pela presença do corpo técnico no trabalho judicial.” (Benefícios por incapacidade – a evolução do trato judicial na PFE/INSS. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 30 jul. 2015)

3142 – Doméstico – liberdade de horário – vínculo inexistente

“Empregada doméstica x diarista. O desenvolvimento de atividades apenas em alguns dias da semana ou do mês, ainda que por longo período, com liberdade no horário de trabalho, apon-tam para trabalho autônomo (diarista), sem vínculo de emprego.” (TRT 9ª R. – RO 0000339-16.2014.5.09.0026 – Rel. Sérgio Murilo Rodrigues Lemos – DJe 04.06.2015 – p. 179)

Comentário Editorial SÍnTESEA controvérsia girou em torno do não reconhecimento do vínculo empregatício do empregado doméstico.

No presente caso, o empregado não tinha o controle de horário e, prestava o serviço alguns dias do mês, apenas.

Diante disso, o Relator não reconheceu o vínculo de emprego.

Recentemente, foi sancionada a Lei Complementar nº 150/2015, que amplia os direitos dos empregados domésticos, com dois vetos parciais nos arts. 10 e 27, um sobre carga horária (12x36) e, o outro sobre demissão por justa causa.

Entre os diversos artigos estabelecendo garantias à categoria, há a previsão da redução da alí-quota de contribuição previdenciária patronal de 12 % para 8% e o direito ao depósito do FGTS.

Entretanto, a regulamentação do FGTS, ainda será feita pelo Conselho Curador do FGTS e pelo agente operador do fundo.

A Lei entrou em vigor no dia 02.06.2015.

Oportunamente, trazemos a baila o conceito de empregado doméstico na lição dos Mestres Jorge Cavalcanti Boucinhas Filho e Rúbia Zanotelli de Alvarenga:

“Empregado doméstico, nos termos do art. 1º da Lei nº 5.859/1972, é a pessoa física que presta serviços de natureza contínua e de finalidade não lucrativa à pessoa ou à família no âmbito residencial das mesmas. Os marcos distintivos entre essa e outras formas de emprego urbano são, nos termos da legislação vigente, o fato de a atividade desenvolvida pelo empregado doméstico não resultar em lucro para o empregador, de ser realizada ‘no âmbito residencial’ e com continuidade e não mera eventualidade.

A doutrina, entretanto, consagrou, de forma bastante acertada, que deverá ser considerado trabalho doméstico aquele prestado ‘para o âmbito residencial’, ainda que desempenhado par-cialmente ou totalmente fora da casa do patrão, como sói ocorrer com os motoristas. Para Vólia Bonfim Cassar há um equívoco na redação contida no art. 1º da lei supracitada, quando este se refere ao trabalho executado ‘no’ âmbito residencial do empregador doméstico. Em sua opinião,

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seria mais apropriada a expressão ‘para o’ âmbito residencial, pois há domésticos que executam serviços para a família ou para o âmbito residencial ou para o consumo da pessoa física, e não o faz para terceiros. Até porque, ‘para ser doméstico, basta trabalhar para empregador domés-tico, independentemente da atividade que o empregado doméstico exerça, isto é, tanto faz se o trabalho é intelectual, manual ou especializado’.

Assim, a função do doméstico pode ser a de acompanhante ou de cuidador(a) de idosos, enfermeiro(a) residencial, faxineiro(a), cozinheiro(a), jardineiro(a), professor(a) particular, moto-rista particular, segurança particular, babá, governanta, lavadeira, porteiro de casa, vigia, entre outras. O caseiro também poderá ser considerado empregado doméstico, desde que o local no qual a função laborativa é desenvolvida não explore atividade econômica.

Outra distinção feita pelo estatuto do trabalhador doméstico diz respeito à opção pelo epíteto continuidade em detrimento de não eventualidade. Há quem sustente que seriam sinônimos. A posição que vem prevalecendo, contudo, é no sentido de que as duas expressões não apresen-tam o mesmo alcance. Exige-se mais rigor na caracterização do elemento continuidade do que na caracterização do elemento não eventualidade. Um trabalho somente pode ser considerado contínuo quando inexistir uma interrupção, seja por qual razão for, no fluxo sequencial das atividades. Para que seja considerado não eventual é suficiente que ele não seja contratado para um evento específico, mas para uma sucessão de tarefas ou para uma atividade que se prolongue no tempo.

É por essa razão que o trabalho de um professor que leciona uma única disciplina, em um dia específico da semana, por exemplo, a segunda-feira, é considerado não eventual, mas segu-ramente não poderia ser considerado contínuo. É não eventual porque a contratação não foi para um único e específico evento, mas para a sucessão de tarefas relacionadas com aquela disciplina, como, por exemplo, a elaboração das aulas, a formulação e correção das avaliações, o lançamento das notas e das faltas, etc. Não é contínuo porque o longo lapso temporal entre uma aula e outra, usualmente preenchido pelo magistério em outras instituições, ou, quiçá, por outras atividades, quebra a sequência de tarefas para o mesmo empregador.

O trabalho da diarista que comparece duas vezes por semana ao trabalho, o dobro das vezes do professor citado no exemplo, até poderia ser considerado não eventual, dado que não é for-malizado para um único evento, mas para o cuidado com as tarefas domésticas, uma atividade de trato sucessivo. Mas certamente não poderia ser considerado contínuo. Os dias em que a doméstica não comparece ao trabalho, seja para prestar serviços a outrem, seja para repousar, quebram a continuidade de sua atividade.

Essa distinção no tocante ao rigor na verificação do elemento temporal da relação de emprego não restou alterada pela Emenda Constitucional nº 72, de 2013. Trata-se de uma distinção extraída do conceito legal de empregado doméstico e que, portanto, somente será alterado se a norma infraconstitucional que a consagrou for modificada. Reforma, aliás, que poderá represen-tar uma alternativa interessante caso a catastrófica previsão de que o encarecimento do trabalho doméstico gerado pelas novas regras efetivamente provocou a cessação de grande número de contratos de emprego doméstico e o aumento na procura pelo serviço de diaristas. Isso porque se efetivamente a procura por diaristas aumentar, como vem sendo alardeado, ao ponto de causar impacto substancial nesse mercado de trabalho, será preciso aumentar o rigor na análise da existência de vínculo empregatício entre empregado doméstico e empregador doméstico. E a exigência de não eventualidade como elemento do contrato de trabalho, ao invés de continuida-de, seguramente contribuirá para que se reduza o rigor hoje exigido para o reconhecimento do vínculo de emprego doméstico.

Em se tratando do elemento pessoalidade, Maurício Godinho Delgado assevera que esta ganha destacada intensidade ao colocar a função doméstica no rol das que têm elevada fidúcia com respeito à figura do trabalhador. Enfatiza o autor que não se trata de uma fidúcia que envolva poderes de gestão ou de representação. Compreende uma fidúcia mais acentuada do que o pa-drão empregatício normal, em função da natureza dos serviços prestados, que são estritamente pessoais, e do local específico de sua prestação, que corresponde ao âmbito familiar doméstico.

Nesse mesmo sentido, ensina Edilton Meireles:

[...] o trabalho doméstico, na maioria das vezes, constitui muito mais uma complexa relação humana do que uma simples relação jurídica. Por ser um serviço prestado no âmbito residencial, o doméstico acaba por gozar de uma íntima convivência com seu patrão e familiares; nesta re-

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176 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

lação, o elemento pessoalidade se ressalta na simpatia, confiança, na afinidade e, muitas vezes, na afetividade que se revela entre o prestador de serviço e os beneficiados deste.

Outro elemento essencial da relação empregatícia doméstica é a subordinação jurídica. Ensina Maurício Godinho Delgado que esta deve ser vista sob um prisma objetivo, de forma a atuar sobre o modo de realização da prestação de serviços do empregado e não sobre a sua pessoa. Em razão disso, revela-se incorreta a visão subjetiva da subordinação, que faz com que a mesma recaia sobre a pessoa do trabalhador, colocando-o em estado de sujeição perante o empregador.” (A ampliação da proteção jurídica dos empregados domésticos. Revista SÍNTESE Trabalhista e Previdenciária, n. 287, maio/2013)

3143 – Empregador – fornecimento do PPP – ausência – atividade de risco – obrigatoriedade

“Trabalho em ambiente de risco com eletricidade. Ausência de entrega do PPP. Trabalhando o empregado em ambiente de risco, o empregador, independentemente da forma de dissolução do contrato, tem por obrigação fornecer o PPP, na forma disciplinada pelo art. 58, § 4º, da Lei nº 8.213/1991. No caso, não comprovado pela empresa que tenha fornecido o referido documento quando da saída do trabalhador, deve ser mantida a sentença que impôs à mesma as obrigações de fazer concernente na entrega do PPP e do Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho para comprovar o período e habitualidade na prestação de atividades em exposição ao agente Eletricidade acima de 250 volts. Sentença mantida no particular.” (TRT 13ª R. – RO 0130369-82.2014.5.13.0009 – Relª Margarida Alves de Araujo Silva – DJe 12.06.2015 – p. 18)

3144 – Estabilidade provisória – gravidez de risco – responsabilidade objetiva – alcance

“Estabilidade provisória. Gravidez de risco. Indeferimento da prova oral. Cerceio de defesa. Não caracterizado. O direito à estabilidade provisória da gestante impõe ao empregador a responsa-bilidade objetiva, apresentando-se como único requisito ao seu reconhecimento o fato do estado gravídico ao momento da dispensa, sendo irrelevante se se tratava de gravidez de risco a impedir o exercício da função pela obreira. Desta forma, a prova oral pretendida pela ré para a comprovação dos riscos à gestante e nascituro, a amparar a dispensa da autora, é absolutamente desnecessária e inútil ao deslinde da controvérsia, inexistindo cerceio de defesa em seu indeferimento pelo ma-gistrado.” (TRT 1ª R. – RO 0010892-59.2013.5.01.0001 – 10ª T. – Rel. Celio Juacaba Cavalcante – DOERJ 18.06.2015)

Tributário

3145 – Contribuição – incidente sobre comercialização – produção rural – empregador – pes-soa física – não comprovação

“Tributário. Juízo de retratação. Art. 543-B, § 3º, do CPC. Contribuição incidente sobre a comer-cialização da produção rural. Produtor rural. Pessoa física empregador. Intimação para a juntada de documentos. 1. Na fase de conhecimento este Regional considera suficiente a apresentação de documento hábil a comprovar a condição de contribuinte do autor, legitimando-o a estar em juí-zo. 2. Todavia, no caso concreto, não há comprovante de que um dos autores é empregador rural pessoa física. 3. Anulação da sentença e retorno dos autos à origem para oportunizar à parte autora (pessoa física) a juntada de documentos.” (TRF 4ª R. – AC 2003.71.00.045070-9/RS – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Jorge Antonio Maurique – DJe 09.03.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO acórdão em comento, cuidou de ação declaratória de inconstitucionalidade cumulada com pedido de restituição ajuizada por determinado contribuinte, objetivando o reconhecimento da inconstitucionalidade da contribuição incidente sobre a comercialização da produção rural.

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No que se refere à sentença, os pedidos foram julgados improcedentes, condenados os autores a pagar as custas e os honorários advocatícios de 10% sobre o valor da causa.

Esta Turma deu parcial provimento à apelação, nos termos da ementa assim redigida:

“TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL – PESSOA JURÍDICA – INEXIGIBILIDADE – PESSOA FÍSICA EMPREGADOR – EXIGIBI-LIDADE – PRESCRIÇÃO – LEI COMPLEMENTAR Nº 118/2005 – COMPENSAÇÃO – HONORÁ-RIOS ADVOCATÍCIOS – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA

1. No que se refere à contribuição incidente sobre a comercialização de produtos agrícolas devida pela pessoa jurídica, esta Corte já decidiu pela inconstitucionalidade da exigência con-tida no art. 25, caput, incisos I e II e § 1º, da Lei nº 8.870/1994, quando do julgamento do Inams 1999.71.00.021280-5. Ao enquadrar o empregador, pessoa jurídica, como contribuinte sobre a receita bruta proveniente da comercialização de sua produção rural, a Lei contrariou os arts. 195, §§ 4º e 8º, da Constituição Federal.

2. Com relação ao produtor rural pessoa física empregadora, é firme o entendimento no sentido de que a contribuição social do art. 25 da Lei nº 8.212/1991 pode ser instituída por lei ordi-nária, conquanto se insere na previsibilidade das hipóteses do art. 195, I, b, da Constituição Federal. Precedentes.

3. Em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o contribuinte tem o dever de antecipar o pagamento, sem prévio exame da autoridade administrativa. Não ocorrendo a homologação expressa, considera-se homologado tacitamente o lançamento e extinto definitiva-mente o crédito no prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN). Com efeito, a extinção do direito de pleitear a restituição/compensação só ocorrerá após o transcurso do prazo de cinco anos (art. 168, I, do CTN), contados da data em que se deu a homologação tácita. As alterações promovidas pela LC 118/2005 só tem aplicabilidade às ações ajuizadas após a sua vigência.

4. As quantias indevidamente recolhidas podem ser compensadas na forma da Lei nº 9.430/1996, observado o disposto no art. 170-A do CTN.

5. Configurada a sucumbência recíproca, impõe-se a compensação dos honorários na forma do art. 21 do CPC.”

Os embargos de declaração dos autores foram acolhidos para “adequar os fundamentos do acórdão aos limites do pedido, no tocante à compensação, e para suprir a omissão relativamente ao índice de correção monetária aplicável no período de agosto de 1993 a janeiro de 1996”, julgados prejudicados os embargos de declaração da União.

As partes interpuseram recursos extraordinários, os quais foram sobrestados.

Daí então veio a decisão da Vice-Presidência desta Corte determinando a manutenção do sobres-tamento do recurso extraordinário interposto pela União e novo julgamento do recurso extraordi-nário da parte autora, consoante previsto no art. 543-B, § 3º, do CPC.

Ao julgar, o Ilustre Desembargador Federal, Jorge Antonio Maurique, representando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, destacou que deve-se examinar a questão da exigência do Fun-rural relativamente à parte autora pessoa física.

E seguiu ressaltando que é predominante nesta Corte o entendimento de que, para fins de ins-trução da ação de repetição de indébito, basta a demonstração da condição de empregador rural por amostragem, ficando a juntada da integralidade da documentação respectiva ao período a ser repetido postergada para o momento da liquidação da sentença, inclusive no que tange à demonstração da condição de empregador rural ano a ano.

Nesse sentido, as decisões monocráticas proferidas nos seguintes processos:

a) Apelação/Reexame Necessário nº 5003580-74.2010.404.7009, Des. Fed. Álvaro Eduardo Junqueira, 12.09.2011;

b) Apelação/Reexame Necessário nº 500960-92.2010.404.7105, Juíza Federal Vânia Hack de Almeida, 19.08.2011;

c) AI 5001060-85.2011.404.0000, Rel. Des. Fed. Joel Ilan Paciornik, DE 17.03.2011.

Desta forma, no entendimento aplicado a este Colegiado, os valores eventualmente devidos em decorrência do presente julgamento deverão ser apurados em sede de liquidação de sentença,

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depois do trânsito em julgado e após a devida apresentação, pela parte autora, caso não tenha havido a juntada na fase de instrução do processo, de documentação comprobatória:

a) da qualidade de empregador rural, pessoa física, do demandante durante a integralidade do período objeto da ação, entendidos como documentos comprobatórios, entre outros, comprovan-tes de entrega da Rais e relatórios detalhados, folhas de pagamento emitidas de acordo com as informações apostas na Rais, carteira de trabalho dos empregados, declaração fornecida pelo sindicato rural patronal da localidade em que situa a propriedade rural e qualquer outro docu-mento idôneo que demonstre tal condição;

b) da totalidade dos valores recolhidos indevidamente.

O Douto Julgador ainda destacou que a comprovação não pode ser feita pelo CEI, porque o segurado especial também pode obter tal inscrição.

O caso dos autos, assim como julgado na Apelação nº 50010942220104047105, Relª Desª Luciane Amaral Corrêa Münch, sessão de 23.11.2010, tem por fundamento a decisão profe-rida pelo Supremo Tribunal Federal no RE 363.852. Este julgamento do Excelso Pretório é no sentido de desobrigar os produtores rurais que possuam empregados de efetuar o recolhimento da contribuição social incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da sua pro-dução rural, declarando a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 8.540/1992, que deu nova redação aos arts. 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/1991.

Frisou então que o entendimento firmado no RE 363.852 se refere exclusivamente aos casos de produtores rurais (pessoas físicas) que possuam empregados, portanto, tal exigência vale também para casos como o dos autos.

O Nobre Desembargador ainda salientou que nem mesmo a inclusão da alínea a do inciso V do art. 12 da Lei nº 8.212/1991 pela Lei nº 11.718/2008, a qual se refere ao produtor rural que, mesmo não tendo empregados, explore atividade agropecuária em área superior a quatro módulos fiscais, confere ao autor a condição de empregador rural.

Neste sentido, confira-se a Apelação nº 50003450520104047105, sessão de 26.10.2010.

Por fim, por considerar que não foi oportunizada à parte autora a juntada de documentos e que a legitimidade ad causam é condição da ação, podendo ser reconhecida a qualquer tempo e grau de jurisdição, entendeu o Ilustre Julgador que a sentença deve ser anulada para que outra seja proferida em seu lugar, após oportunizar ao autor a juntada dos documentos comprobatórios de sua condição de empregador rural pessoa física.

Assim, diante de todo o explanado, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 4ª Região votou por anular a sentença e determinar o retorno dos autos ao juízo a quo, julgando prejudicada a apelação.

3146 – Contribuição ao SAT – fixação da alíquota – parâmetros do Conselho Nacional de Previdência Social – possibilidade

“Processual civil e tributário. Agravo regimental no recurso especial. Inexistência de ofensa ao art. 535 do CPC. Fixação de alíquota da contribuição ao SAT, a partir de parâmetros estabeleci-dos por regulamentação do Conselho Nacional de Previdência Social. Controvérsia de natureza constitucional. Inviabilidade do recurso especial. Agravo regimental improvido. I – Não procede a alegação de ofensa ao art. 535 do CPC, pois os Embargos de Declaração têm como objetivo sanar eventual obscuridade, contradição ou omissão na decisão recorrida. Não há omissão no acórdão recorrido quando o Tribunal de origem pronuncia-se, de forma clara e precisa, sobre a questão posta nos autos, assentando-se em fundamentos suficientes para embasar a decisão. Ademais, o magistrado não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte. Nesse sentido: STJ, REsp 739.711/MG, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., DJu de 14.12.2006. Além disso, não se pode confundir decisão contrária ao interesse da parte com ausência de fundamentação ou negativa de prestação jurisdicional. Em tal sentido: STJ, REsp 801.101/MG, Relª Min. Denise Arruda, 1ª T., DJe de 23.04.2008. II – Tendo em vista o disposto nos arts. 102, III, e 105, III, da Constituição Federal, o Recurso Especial não serve à pretensão da recorrente, no ponto em que foi alegada contrariedade aos arts. 97 e 99 do CTN, pois ambas as Turmas da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmaram o entendimento de que a discussão sobre a alteração de alíquota da contribuição ao

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������179

SAT, em função do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), por norma constante de ato infralegal, é estritamente de natureza constitucional, entendimento esse reforçado pela circunstância de o Plenário do Supremo Tribunal Federal ter reconhecido a repercussão geral do tema, nos autos do Recurso Extraordinário nº 684.261/RS (Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 01.07.2013). Nesse sentido: AgRg-AREsp 507.664/RN, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe de 22.10.2014; AgRg-AREsp 417.936/MG, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., DJe de 03.11.2014; AgRg-REsp 1.367.863/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 19.12.2014. III – ‘Ademais, em reiterados julgados, as Turmas que integram a Primeira Seção/STJ têm entendido que “a interpretação do art. 97 do CTN, que reproduz norma encartada no art. 150, I, da CF/1988, implica apreciação de questão constitu-cional, inviável em recurso especial” (AgRg-REsp 1.289.233/RS, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJe de 23.04.2012)’ (STJ, AgRg-REsp 1.343.220/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe de 26.02.2013). IV – Agravo Regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.270.675 – (2011/0187276-0) – 2ª T. – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 10.03.2015)

Transcrição Editorial SÍnTESE• Constituição Federal:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

[...]

III – julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:

a) contrariar dispositivo desta Constituição;

b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;

c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição;

d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.

[...]

Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:

[...]

III – julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribu-nais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:

a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência;

b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;

c) der à lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.

[...]

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”

• Código Tributário Nacional:

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I – a instituição de tributos, ou a sua extinção;

II – a majoração de tributos, ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21. 26, 39, 57 e 65;

III – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do art. 52, e do seu sujeito passivo;

IV – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, 57 e 65;

V – a cominação de penalidades para as ações ou omissões contrárias a seus dispositivos, ou para outras infrações nela definidas;

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.

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Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.”

• Código de Processo Civil:

“Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:

I – houver na sentença ou no acórdão obscuridade ou contradição;

II – for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.”

3147 – Contribuição previdenciária – Lei nº 12.546/2011 – base de cálculo – pretensão de exclusão – ICMS/ISS/Cofins – via inadequada – impossibilidade

“Tributário e processual civil. Violação do art. 535 do CPC. Alegação genérica. Súmula nº 284/STF. Contribuição previdenciária. Lei nº 12.546/2011. Base de cálculo. Receita bruta da empresa. Pretensão de exclusão do ICMS, ISS, PIS e Cofins. Declaração de inconstitucionalidade de lei. Conceito constitucional de receita e faturamento. Via inadequada. Impossibilidade de apre-ciação. 1. A alegação genérica de violação do art. 535 do Código de Processo Civil, sem explicitar os pontos em que teria sido omisso o acórdão recorrido, atrai a aplicação do disposto na Súmula nº 284/STF. 2. Na espécie, o Tribunal de origem apreciou a controvérsia acerca da base de cálculo da contribuição previdenciária instituída pela Lei nº 12.546/2011 sob enfoque constitucional, à luz do princípio da presunção de constitucionalidade de que gozam as leis, de modo a afastar a competência desta Corte Superior de Justiça para o deslinde do desiderato contido no recurso especial. 3. Segundo a jurisprudência majoritária desta Corte, a discussão referente ao conceito de faturamento e receita bruta, notadamente no que se refere à definição da base de cálculo, implica análise de matéria constitucional, o que é vedado nesta Corte Superior, sob pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.505.664 – (2014/0322671-0) – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 09.03.2015)

Transcrição Editorial SÍnTESE• Código de Processo Civil:

“Art. 535. Cabem embargos de declaração quando:

I – houver na sentença ou no acórdão obscuridade ou contradição;

II – for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal.”

• Súmula do Supremo Tribunal Federal:

“284. É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia.”

3148 – Execução fiscal – penhora on line – Bacen-Jud – determinação ex officio – art. 655-A do CPC – aplicabilidade

“Tributário. Execução fiscal. Penhora on line. Determinação ex officio. Preclusão do direito de se insurgir. Bacen-Jud. Art. 655-A do CPC. Risco ao regular funcionamento da empresa. Aferição pelo juízo da execução. Agravo interno. Não provido. I – Importante ressaltar que o juiz não está vinculado a examinar todos os argumentos expendidos pelas partes, nem a se pronunciar sobre todos os artigos de lei, restando bastante que, no caso concreto, decline fundamentos suficientes e condizentes a lastrear sua decisão. II – Em que pese o magistrado a quo ter determinado a penhora on line, sem requerimento da exequente, a matéria está preclusa, uma vez que a executada foi intimada dessa decisão juntamente com a citação, o que ocorreu em 10 de agosto de 2012 (fl. 50). A ordem de bloqueio foi encaminhada em 20 de março deste ano de 2013 (fl. 53); a executada entrou com exceção de pré-executividade no dia 21 seguinte (fls. 57/73); contudo não se insurgiu contra a decisão que determinou o bloqueio dos valores; somente agora, em 04 de abril, que inter-pôs este recurso de agravo de instrumento e, destaco, em face da decisão que indeferiu o pedido de desbloqueio e substituição da penhora por bem imóvel. III – O argumento de que ‘o bloqueio de

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������181

sua conta bancária no montante integral da presente execução, incorre em imensurável prejuízo, eis que a parte recorrente tem que arcar com a folha de pagamento de empregados, fornecedores de equipamentos e materiais hospitalares, dentre outros’, também não merece guarida, pois, como muito bem notou o magistrado a quo, os documentos juntados pela recorrente não são suficientes para comprovar que todo o valor que permanece bloqueado seja destinado aos pagamentos men-cionados, e nem restou demonstrado que a executada não tem outros meios de honrar seus com-promissos, sem comprometer o desempenho de sua atividade principal. IV – Para a determinação da penhora on line não é necessário o exaurimento das diligências relativas à busca de outros bens, antes de utilizar o meio determinado, nos termos da atual jurisprudência de Tribunal Superior. V – Com o advento da Lei nº 11.382/2006, que alterou a redação do art. 655 do CPC, o dinheiro em depósito ou aplicado em instituição financeira passou a ocupar, juntamente com o dinheiro em espécie, o primeiro lugar na ordem de penhora, sendo certo que o art. 655-A, introduzido pelo mesmo dispositivo legal, autoriza expressamente o juiz mediante requerimento do exequente, a determinar a indisponibilidade de ativos financeiros através de meio eletrônico. VI – Dessa forma, diante da previsão legal específica quanto à penhora preferencial de ativos financeiros, deve ser admitida a possibilidade de imediata utilização do sistema ‘Bacen-Jud’, sem que haja necessidade de prévio exaurimento das demais tentativas de localização de bens do executado, eis que inserido no meio jurídico como instrumento de penhora de dinheiro. VII – Agravo Interno não provido.” (TRF 2ª R. – Ag 2013.02.01.004390-3 – (227444) – 4ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Sandra Chalu Barbosa – e-DJF2R 01.09.2014)

Transcrição Editorial SÍnTESE• Código de Processo Civil:

“Art. 655-A. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferen-cialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.”

3149 – Funrural – contribuição social – empregador rural – pessoa física – Lei nº 10.256/2001 c/c EC 20/1998 – repristinação – não ocorrência

“Processual civil. Tributário. Contribuição social (Funrural). Empregador rural pessoa física. Art. 1º da Lei nº 8.540/1992. Inconstitucional (STF). Lei nº 10.256/2001 (c/c EC 20/1998). Não ‘constitucionalização’. Exigibilidade suspensa. Repristinação. Não ocorrência. Ação ajuizada após a vigência da LC 118/2005 (09.06.2005). Prescrição quinquenal (STF; RE 566621/RS). 1. O produ-tor rural, independentemente da condição que ostente (produtor rural pessoa física, empregador rural pessoa física ou segurado especial), detém legitimidade também para reclamar a repetição da contribuição ao Funrural (AC 0005609-87.2010.4.01.3802/MG, Rel. Juiz Fed. Alexandre Buck Medrado Sampaio (Conv.), 8ª T. do TRF 1ª R., e-DJF1 de 30.05.2014, p. 845). 2. Quanto à com-provação do recolhimento do tributo, é assente na jurisprudência desta Corte que ‘para mera discussão judicial sobre possível repetição de tributos dispensa-se prova dos recolhimentos, que se fará, se o caso, quando das eventuais compensação (na esfera administrativa, sob o crivo da Administração) ou restituição (na liquidação da sentença)’ (AC 2002.34.00.000166-5/DF, Rel. Juiz Federal Rafael Paulo Soares Pinto (Conv.), 7ª T. do TRF 1ª R., e-DJF1 de 11.04.2008, p. 291). 3. O importante é que haja comprovação de estar o contribuinte na situação jurídica que lhe garanta o direito (AC 0036191-35.2012.4.01.3500/GO, Rel. Juiz Fed. Alexandre Buck Medrado Sampaio (Conv.), 8ª T. do TRF 1ª R., e-DJF1 de 23.05.2014, p. 836). Como no caso. 4. O Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional, sem modulação temporal dos efeitos, o art. 1º da Lei nº 8.540/1992, em sede de recurso repetitivo, nos moldes do art. 543-B do CPC (RE 596.177, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno do STF, DJe de 29.08.2011). 5. A autorização para instituição, por Lei ordinária, da contribuição social sobre a comercialização da produção rural do produtor rural pessoa física somente surgiu com a Emenda Constitucional nº 20/1998, que ampliou as fontes

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de financiamento da seguridade social, prevendo, como tal, a receita ou o faturamento (art. 195, I, b, CF/1988). 6. A 7ª T. do TRF 1ª R. entende que a Lei nº 10.256/2001 (c/c EC 20/1998) não ‘constitucionalizou’ a contribuição anteriormente prevista em lei. 7. Tendo sido reconhecida a inconstitucionalidade da contribuição prevista nos arts. 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/1991, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/1992 e 9.528/1997, não há que se falar em inaplicabilidade da decisão proferida RE 363.852, porquanto, ainda que em controle difuso, é legítima a suspensão da sua exigência (AGA 0002044-41.2011.4.01.0000-MA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 8ª T. do TRF 1ª R., e-DJF1 de 15.07.2011, p. 354). 8. A inconsti-tucionalidade da contribuição social ao Funrural, prevista nos arts. 12, incisos V e VII, 25, incisos I e II, e 30, inciso IV, da Lei nº 8.212/1991, com as redações decorrentes das Leis nº 8.540/1992 e 9.528/1997, declarada pelo Supremo Tribunal Federal (RE 363.852) não está fundamentada somente na necessidade de Lei Complementar para a criação de nova exação, o que seria um vício formal, mas também na ofensa aos princípios da isonomia e da vedação à bitributação, o que demonstra a ocorrência, além disso, de vício material na Lei nº 10.256/2001. 9. Não há que se falar em repristinação da exigibilidade da contribuição ao Funrural dos empregadores rurais pessoas físicas, em relação ao período em que foi considerada inconstitucional, porquanto a determinação que previa a incidência sobre a ‘folha de salários’, com base na receita bruta da comercialização (redação original da Lei nº 8.212/1991), restou nulificada. 10. Apelação da união Federal/Fazenda Nacional e remessa oficial não providas.” (TRF 1ª R. – Proc. 00033234920134013603 – Rel. Des. Fed. José Amilcar Machado – J. 10.02.2015)

3150 – Parcelamento – art. 174, parágrafo único, IV do CTN – débitos não incluídos – prescri-ção – ocorrência

“Direito processual civil. Tributário. Pedido de parcelamento tributário. Causa interruptiva do pra-zo prescricional. Art. 174, parágrafo único, IV, do CTN. Débitos não incluídos no parcelamento. Não suspensão de exigibilidade do crédito. Prescrição reconhecida. Recursos desprovidos. 1. A falta de juntada do processo administrativo não acarretou prejuízo à apuração contábil da situa-ção fiscal discutida, mesmo porque consideradas informações oficiais, constantes de consultas a dados disponibilizados documentalmente ou pelo sítio eletrônico da SRF, cuja inidoneidade não pode ser levantada pela PFN sem prova específica de falsidade ou inexatidão. 2. Caso em que se era imprescindível ao exame da causa, cabia à própria PFN igualmente proceder à juntada do processo administrativo, além de indicar assistente técnico para acompanhar a perícia e, sendo o caso, impugnar o laudo a tempo e modo, o que não foi feito, porque a PFN apenas formulou quesito acerca de suspensão da exigibilidade para efeito de prescrição e, no prazo para manifes-tação, apenas trouxe informação da DRF, tratando de tal questão que não tem pertinência com a matéria deduzida na apelação. 3. O próprio precedente do Superior Tribunal de Justiça, citado nas razões recursais, adota o entendimento, firme na jurisprudência e expresso na legislação, de que é causa interruptiva da prescrição a confissão do débito fiscal. 4. Ainda que a dívida do PA 10480-200.151/2003-15 não tenha sido incluída no parcelamento, por erro imputável à SRF, fato que impede a suspensão da exigibilidade fiscal, disto não deriva a conclusão exposta pela autora, pois o parcelamento e a confissão de dívida são fenômenos jurídicos com efeitos distintos. De fato, enquanto o parcelamento é previsto como causa de suspensão da exigibilidade fiscal (art. 151, VI, CTN), a confissão de dívida é tratada como causa interruptiva da prescrição (art. 174, parágrafo único, IV, CTN). 5. No caso dos autos, além de os débitos do PA 10480-200.151/2003-15 terem sido constituídos por DCTF do contribuinte, afastando, pois, a decadência, nos termos e para os fins da Súmula nº 436/STJ (‘A entrega de declaração pelo contribuinte, reconhecendo o débito fiscal, constitui o crédito tributário, dispensada qualquer outra providência por parte do Fisco’), a posterior confissão da dívida para fins de parcelamento, ainda que este não tenha sido formalizado naquele primeiro momento, interrompeu o curso da prescrição, iniciada a partir da data da cons-tituição definitiva. 6. O erro imputado ao Fisco, consistente em deixar de consolidar tais débitos, certamente prejudicou o parcelamento, mas não desconstituiu ou afetou a confissão da dívida,

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por se tratar de ato autônomo e antecedente que, ademais, se erige à condição de requisito para o deferimento do acordo fiscal. 7. Considerando que os débitos do PA 10480-200.151/2003-15, vencidos em 1997, foram objeto de DCTF entregue em 20.04.1998, de confissão de dívida em 2000, de execução fiscal ajuizada em 2003, e de inclusão no parcelamento em 2004, que, embora rescindindo em 01.12.2005, foi seguido de depósito judicial suspensivo da exigibilidade desde 15.12.2005, em mandado de segurança em que houve julgamento definitivo no âmbito da Corte, constando ainda o depósito judicial integral feito diretamente nestes autos, não cabe, portanto, evidentemente, cogitar de prescrição, tampouco de decadência. 8. Caso em que, verifica-se, nos termos do laudo pericial e demais provas dos autos, a nulidade da cobrança apenas dos débitos do PA 11040.001.284/96-26, com a confirmação da sucumbência recíproca e conversão em ren-da da união do depósito judicial declarado exigível (PA 10480-200.151/2003-15), após trânsito em julgado neste feito. 9. Agravos inominados desprovidos.” (TRF 3ª R. – Ag-Ap-RN 0015904-59.2009.4.03.6100/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 10.03.2015)

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RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 65, 2015, 184-204, set-out 2015

Seção Especial – Teorias e Estudos Científicos

Análise Econômica do Direito do Petróleo: Desafios do Novo Sistema Exploratório

Economic Oil Law Review: New Exploratory System Challenges

REGInA LInDEn RuARO1

Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (1981), Dou‑torado em Direito – Universidad Complutense de Madrid (1993), Pós‑Doutorado pelo Centro de Estudios Universitarios – San Pablo – CEU de Madri (2006‑2008), Membro do Grupo Inter‑nacional de Pesquisa Protección de Datos, Transparencia, Seguridad y Mercado, Professora Titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Membro da Comissão Coor‑denadora do Programa de Pós‑Graduação em Direito do Estado da Faculdade de Direito, Pro‑curadora Federal/AGU aposentada, Professora do Master Protecciòn de Datos, Transparencia y Acceso a la Información da Universidad San Pablo de Madrid – CEU, Membro Honorário do Instituto Internacional de Estudos de Direito do Estado – IIEDE.

FABRICCIO QuIxADÁ STEInDORFER PROEnÇA2

Doutorado em Direito em curso na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (iní‑cio 2013), com período sanduíche na Ludwig‑Maximilians Universität (München) (Bolsista da Capes), fez Pesquisa Doutoral no Max‑Planck‑Institut für Ausländisches und Internationales Privatrecht (Hamburg), Mestre em Direito (Direito e Desenvolvimento) pela Universidade Fe‑deral do Ceará (com louvor, 2001), Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará (1995), Advogado da União, lotado na Consultoria Jurídica do Ministério de Minas e Energia.

Submissão: 21.07.2015Decisão Editorial: 11.08.2015Comunicação ao Autor: 11.08.2015

RESUMO: A análise econômica voltada às questões do novo sistema exploratório brasileiro serão tratadas neste ensaio, com especial enfoque para o contrato de partilha da produção e os desdo‑bramentos regulatórios do novo conjunto de leis. Para tanto, foi realizado um estudo constitucional, legal e doutrinário referente ao assunto, com ênfase nas consequências da nova sistemática para a

1 Tem experiência na área de direito público, com ênfase em direito administrativo, atuando principalmente nos seguintes temas: contratos e licitações, concessões, permissões e autorizações de serviço público, direito da infraestrutura, proteção de dados pessoais e direito fundamental de acesso à informação, improbidade administrativa e responsabilidade civil da administração pública. Possui Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq, na área de direito público.

2 Tem ênfase em direito comercial e administrativo, atuando principalmente nos seguintes temas: direito falimentar, direito marítimo, direito societário, direito internacional privado, direito de energia elétrica, direito de petróleo e gás e direito minerário. Lecionou na Universidade Federal do Ceará – UFC, na Universidade de Fortaleza – Unifor, no Centro Universitário de Brasília – UniCEUB, entre outros. Atuou na construção dos marcos regulatórios do pré-sal e da mineração. Autor da obra A licitação na sociedade economia mista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. E-mail: [email protected].

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – SEÇÃO ESPECIAL – TEORIAS E ESTUDOS CIENTÍFICOS ����������������������������������������������������������������������������185

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 65, 2015, 184-204, set-out 2015

indústria petrolífera, de forma a oferecer ao leitor um panorama do novo instituto e sua conformação com o ordenamento vigente, com a introdução do modelo de apropriação do “óleo custo” e divisão do “óleo lucro”.

ABSTRACT: The economic analysis focuses on the new Brazilian exploratory system issues will be addressed in this essay, with special focus on the production sharing contract and regulatory develo‑pments of the new set of laws. Thus, a constitutional, legal and doctrinal study related to the subject, with emphasis on the consequences of the new system for the oil industry in order to provide the reader with an overview of the new institute and its conformation with the legal ruling was made, with the introduction of the appropriation model of “cost oil” and division of “profit oil”.

PALAVRAS‑CHAVE: Direito administrativo; petróleo; análise econômica; pré‑sal; partilha da produ‑ção; contrato; marco regulatório.

KEYWORDS: Administrative law; oil and gas; economic analysis; pre‑salt; production sharing; con‑tract; regulatory framework.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Desenvolvimento histórico da indústria do petróleo; 1.1 Panorama legal; 1.2 O petróleo do Brasil; 2 A Emenda nº 9 e o monopólio da União; 3 O contrato de partilha da produ‑ção no pré‑sal brasileiro; Conclusão; Referências.

INTRODuÇÃO

O estudo do sistema legal de exploração do petróleo no Brasil, com ên-fase em seus aspectos econômicos e jurídicos, será objeto de abordagem no presente estudo, seguindo a linha de outros trabalhos sobre o tema e é uma complementação de ensaios anteriores, em especial sobre o tema “óleo custo” e “óleo lucro”. O cerne da discussão encontra-se na aprovação do novo marco regulatório para as jazidas do pré-sal, o contrato e partilha e suas consequências para o sistema exploratório nacional.

São abordados aspectos históricos da indústria petrolífera, desde o seu início nos Estados unidos da América, passando pela ascensão e queda da Standard Oil, o surgimento das “Sete Irmãs”, a criação da OPEP e os choques do petróleo – fatos necessários à compreensão da instalação e desenvolvimento do setor petroleiro no Brasil, desde a criação do Conselho Nacional do Petró-leo, passando pela Petrobrás, até os dias atuais, com o retorno da exclusividade operacional daquela empresa para as áreas do pré-sal.

É feita a análise da “flexibilização do monopólio” com a Emenda nº 9 e a Lei do Petróleo, com a consequente adoção do sistema de concessão e o mo-delo regulatório capitaneado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), com suas consequências positivas para a produção de óleo e gás natural em território nacional e a expansão do parque industrial brasileiro.

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Em seguida, traz-se a lume o novo marco regulatório do pré-sal, bem como as dúvidas com ele carreadas quanto à sua real possibilidade de êxito, ante questões como instabilidade jurídica e regulatória e capacidade opera-cional da Petrobrás para a execução dos campos a serem licitados, em análise crítica dos caminhos escolhidos para essa nova fase institucional do setor, com grandes desafios para administradores públicos, industriais e juristas.

Como adendo a trabalhos anteriores sobre esse tema, são inseridos tópi-cos acerca do sistema de divisão do “óleo custo” no novo modelo de contrato do sistema de partilha da produção, bem como o sistema de divisão do “óleo lucro” entre o consórcio operador do campo e a união. O detalhamento desse tão interessante tema merece aprofundamento em trabalho próprio a ser desen-volvido no futuro; por ora, cabe a demonstração de aspectos gerais constantes do contrato da primeira rodada de licitações.

1 DESENVOLVIMENTO hISTóRICO DA INDÚSTRIA DO PETRóLEO

A descoberta de petróleo na camada geológica do pré-sal, em 2006, a pouco mais de cinco mil metros de profundidade, na bacia de Santos, trouxe uma nova perspectiva econômica à indústria petrolífera nacional. Não obstante o alto custo exploratório envolvido, mensurou-se que o baixo risco traria com-pensações capazes de equilibrar os investimentos necessários à produção em águas ultraprofundas3.

A avaliação dos setores envolvidos foi positiva e houve grande expectati-va dos investidores internacionais de como os trabalhos seriam conduzidos da-quele momento em diante. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES publicou estudo de autoria do economista André Albuquerque Sant’ana intitulado “Brasil é a principal fronteira de expansão do petróleo no mundo”4. Destaca o artigo:

As recentes descobertas de petróleo e gás no pré-sal colocam o país como um dos destinos para investimentos em exploração e produção de novos campos petrolíferos. Afinal, ainda que preliminares, as estimativas apontam para reservas da ordem de 8 bilhões de barris, apenas nos campos de Tupi (rebatizado de Lula pela Petrobras no final de 2010) e Iara. Isso representa um acréscimo de cerca de 60% nas reservas nacionais de petróleo.

O cenário foi propício à formação de expectativas positivas: a) baixo risco exploratório; b) alto preço internacional do petróleo, que justificaria os in-vestimentos necessários à exploração no pré-sal; e c) ausência de novas frontei-

3 Coluna de água igual ou superior a 1501m.4 Disponível em: <http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/export/sites/default/bndes_pt/Galerias/Arquivos/conheci -

mento/visao/Visao_87.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2014, às 17h02.

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ras exploratórias em âmbito mundial. Além disso, o ambiente interno era favo-rável, com a presença de inúmeras International Oil Companies (IOC) no país, que aqui se instalaram após a flexibilização do monopólio do petróleo, com a aprovação da Emenda Constitucional nº 9, de 9 de novembro de 1995, que al-terou o art. 177, § 1º, da Constituição Federal, possibilitando à união contratar empresas estatais ou privadas para o desempenho das atividades previstas nos incisos I a IV do mesmo artigo, como pesquisa e lavra de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos, refino e transporte marítimo.

1.1 pAnorAmA gerAl

A ideia de cavar um buraco no chão para achar água não é nova. Os chineses o fazem há milhares de anos5. Encontrar substâncias diferentes da água foi um fato relativamente corriqueiro. Essas substâncias eram testadas em suas funcionalidades e, eventualmente, encontrava-se uma utilidade para elas. As-sim, deu-se com o petróleo (oil rock), que serviu de remédio para reumatismo a óleo de iluminação para residências6.

Em 1859, o Coronel Edwin Laurentine Drake perfurou o primeiro poço com o específico propósito de encontrar petróleo. O feito deu-se em Titusville, Pensilvânia (EuA), a cerca de 23 metros (69 pés) de profundidade7. Em seu iní-cio, a história mundial do petróleo confundiu-se com a história norte-americana do petróleo, já que, nas primeiras décadas, os Estados unidos eram responsá-veis pela totalidade da produção mundial. O óleo extraído era armazenado em barris de 42 galões, equivalentes a aproximadamente 159 litros e eram perdidos mais de 20% do seu conteúdo no transporte.

Daí em diante o petróleo assumiu o status de riqueza universal, operando inúmeras transformações no cenário político e econômico mundial. Foi motivo de guerras, intervenções políticas, alianças, tumultos. Sua conturbada história passou a andar de mãos dadas com a história da civilização moderna, incorpo-rando o progresso com seus benefícios e mazelas. Hoje está presente em prati-camente tudo que ornamenta a vida do ser humano, desde o plástico utilizado para fabricar uma escova de cabelos ao querosene que faz sair do chão uma aeronave de mais de 500 toneladas.

uma onda de milionários surgiu em uma escala nunca antes presencia-da. O século do petróleo no Texas (EuA) apresentou ao mundo os nouveau riche. Imigrantes que chegavam aos Estados unidos da América sem qualquer perspectiva; pobres de nascimento e de formação intelectual tornaram-se deten-

5 ECONOMIDES, Michael; OLIGNEY, Ronald. Op. cit., p. 28.6 MENEZELLO, Maria D’Assunção Costa. Op. cit., p. 18.7 ECONOMIDES, Michael; OLIGNEY, Ronald. Op. cit., p. 28.

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tores das maiores fortunas do mundo ocidental8. Operou-se, assim, uma grande revolução social, posto que, até então, quem nascia pobre quase que sem dúvi-da morreria pobre. O petróleo trouxe um novo horizonte: homens simples, com sorte e disposição para o trabalho, tornaram-se milionários.

O fundador da Standard Oil Company (1870), John Davison Rockefeller, nasceu em Richford, Estado de Nova Iorque (EuA), em 8 de julho de 1839. Con-siderado o homem mais rico de todos os tempos, Rockefeller, que morreu aos 98 anos, foi uma figura controvertida no cenário estadunidense. Construiu sua fortuna graças a uma larga visão da cadeia produtiva do petróleo, desde o poço até a distribuição do produto refinado. Vislumbrou que o refino, o transporte e a distribuição (downstream) eram mais lucrativos que a exploração e produção (upstream). A briga, portanto, era travada em torno das refinarias e do transporte do óleo em trens, barcos e oleodutos.

Rockefeller iniciou sua vida profissional como guarda livros (contador) aos dezesseis anos em Cleveland (EuA), na empresa Hewitt and Tuttle. Em 1863, aos 25 anos, já controlava uma das maiores refinarias dos Estados unidos. Com grande perspicácia e capacidade de aglutinação, reformulou os conceitos produtivos e baseou seu sucesso no aproveitamento de todo o percurso do pe-tróleo, desde o poço até o consumidor final. Controlou o refino, o transporte e a distribuição, tornando-se o instituidor do maior monopólio da era moderna.

Em 1870, foi fundada a Standard Oil Company, em Ohio (EuA), prove-niente da transformação da Rockefeller, Andrews and Flager. Foi formada por Rockefeller, seu irmão William, Henry Flagler, o químico Samuel Andrews e Stephen V. Harkness. Por mais de quatro décadas, a Standard Oil controlou a indústria petrolífera nos Estados unidos em todas as suas ramificações.

A companhia chegou a dominar 90% do mercado petrolífero norte--americano e, na falta de produtores em outros países, mundial9. Passou por inúmeras mudanças e crises na economia e na forma de administrar negócios. Ramírez10 destaca em importante trabalho acerca do petróleo no mundo e na América Latina:

La Standard Oil, con el tiempo y transformaciones necesarias, tuvo en sus manos el monopólio de la industria en Estados Unidos, por lo que, en 1901, el presiden-te Teodoro Roosevelt le aplico una multa de 29.000.000 de dólares, y el 15 de mayo de 1911, la Corte Suprema de Missouri la obligó a disolverse en trienta e cuatro compañías independientes, aplicando la Sherman Antitrust Act (ley contra los trust) de 1890.

8 Idem, p. 5.9 Ibidem, p. 53.10 RAMÍREZ, Mariano. Op. cit., p. 20.

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Tudo findou após uma longa jornada de conflitos entre a Standard Oil e o governo norte-americano, com destaque para Theodore Roosevelt na ala go-vernista. Roosevelt é comumente mencionado pela cruzada que travou contra os trusts, e pessoalmente contra Rockefeller.

The long, twisted path included hundreds of witnesses and thousands of pages of testimony; scores of antitrust suits from individual states; one massive fine from a Chicago judge (quickly overturned) that amounted to 30 percent of Standard’s capitalized value; an initial judgment leveled by a St. Louis federal circuit court; and a subsequent appeal by Standard Oil. The final judgment was handed down on May 15, 1911, by Supreme Court Chief Justice Edward White.11

Decerto que todo o processo, que durou anos e consumiu vultosas quan-tias do tesouro, visava a conferir equilíbrio concorrencial à indústria petrolífera norte-americana – não obstante muitos críticos questionarem os reais propósitos de seus mentores.

Ironically, by the time the verdict was handed down, Roosevelt had left office, Rockefeller was 20 years into retirement, and the court’s decision was no longer needed. The monopoly was made possible only by virtue of the entire world’s oil production being conveniently, and for extended time, confined to one small part of Pennsylvania. With exploding production in Texas, Oklahoma, California, the Middle East, Southeast Asia and Russia, Standard Oil’s stranglehold on the industry was not sustainable.12

O fim da Standard Oil não foi o fim de Rockefeller nem da indústria do petróleo nos Estados unidos, mas serviu para diversificar o parque industrial naquele país ante o surgimento de dezenas novas empresas. Entretanto, o con-trole do negócio do petróleo no mundo continuou em mão de um pequeno grupo, passando a ser gerido por sete empresas: as majors, comumente conhe-cidas como as “Sete Irmãs”. São elas: i) Standard Oil of New Jersey (EXXON); ii) Gulf; iii) Texaco; iv) Standard Oil of California (Chevron); v) Mobil; vi) Shell; e vii) British Petroleum.

Em 1928, apenas 17 anos após a dissolução compulsória da Standard Oil pela Suprema Corte do Estado de Missouri, a Royal Dutch (Shell), a Standard Oilof New Jersey (EXXON) e a Anglo Persian (British Petroleum) firmaram, em Achnacarry (Escócia), um acordo cujas diretrizes continuam, ainda hoje, a ve-torizar as práticas comerciais na indústria do petróleo.

O acordo de Achnacarry, na prática, significou a institucionalização de um cartel internacional do petróleo, posto que os preços fossem meticulosa-

11 ECONOMIDES, Michael; OLIGNEY, Ronald. Op. cit., p. 55.12 Idem, p. 56.

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mente estabelecidos em mútuo consenso. Na década de 1950, a organização tomou mais força, incorporando o nome de Sete Irmãs. O cartel manipulava os preços e controlava a oferta mundial dos derivados do petróleo, o que passou a gerar um descompasso com os países produtores de petróleo, que pugnavam por uma maior valorização da commodity.

A insatisfação dos países produtores com a política de preços praticada pelas Sete Irmãs culminou na criação da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) em setembro de 1960 por cinco países: Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela. A OPEP contou com a entrada e saída de vários países ao longo de sua história, sendo que atualmente há mais sete países além dos fundadores (Argélia, Angola, Equador, Líbia, Nigéria, Qatar e Emirados Árabes unidos), totalizando doze nos dias atuais13.

A criação da OPEP influenciou fortemente a indústria do petróleo, tra-zendo a debate a política de fixação dos preços, até então ditada unilateralmen-te pelas majors, e a nacionalização dos campos exploratórios. A Organização não se envolveu diretamente na discussão sobre preços até o início da década de 1970, quando protagonizou os dois grandes choques do petróleo que cau-saram uma reviravolta nos preços e nas participações dos Estados produtores.

O primeiro choque tomou vulto quando a Esso (EXXON), unilateralmen-te, resolveu abaixar em 10 centavos de dólar o preço do barril de óleo equi-valente (BOE), levando as demais companhias norte-americanas a adotarem a mesma política em detrimento dos países produtores. Em retaliação, a Líbia impõe o primeiro aumento de preço no montante de 50 centavos de dólar por barril.

A tensão piora quando os árabes, liderados por Egito e Síria, em retalia-ção à tomada do Canal de Suez por Israel em 1967 (Guerra dos Seis Dias), re-tomam, de surpresa, a faixa de território perdido, deflagrando a Guerra de Yom Kippur (6 de outubro a 26 de outubro de 1973). O petróleo é usado como forma de pressão, especificamente através de embargo às majors e da suspensão de negociações com os países compradores.

A segunda crise do petróleo (1977-1978) ocorre em meio a uma crise política no Irã, que refletiu diretamente nos preços. Também comumente se aponta o aumento do consumo mundial dos derivados do petróleo como esto-pim para este segundo choque.

Na década de 1990, houve uma tendência à acomodação dos preços internacionais com ligeiro viés de queda, até a invasão do Kuwait pelo Iraque

13 Disponível em: <http://www.opec.org/opec_web/en/about_us/25.htm>. Acesso em: 12 jun. 2014, às 10h25.

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em 2 de agosto de 1990, culminando na Guerra do Golfo. Naquele momento houve nova alta de preços com a ameaça ao abastecimento e novos embargos pelos países produtores.

A atualidade é marcada por uma forte procura por fontes alternativas ao petróleo convencional, como o tightoil, o shalegas e as reservas descobertas na camada do pré-sal em diversos países, inclusive o Brasil. Tais iniciativas, conforme pontificado alhures, só se fazem possíveis em razão do alto preço internacional do petróleo e seriam inviáveis em patamares abaixo de cinquenta dólares.

Com o intuito de proporcionar maior clareza aos acontecimentos de maior relevância, transcreve-se, em tradução livre, o relato de Ramirez14, ci-tando o jornal “Ámbito Financiero”, que traz um resumo cronológico dos fatos importantes na indústria do petróleo:

1859: Edwin L. Drake perfura o primeiro poço de petróleo em Titusville, Estados unidos.

1870: John D. Rockefeller ingressa no negócio de refino de óleo. Funda a Standard Oil (Cleveland, Ohio) e produz querosene para iluminação residencial.

1882: Tomas Alva Edson inventa a lâmpada elétrica e põe em cheque a indústria do petróleo.

1885: Os Rotschild descobrem petróleo na Rússia e a Royal Dutch em Sumatra.

1885: Karl Benz inventa, na Alemanha, o motor de quatro tempos a gasolina com combustão interna.

1892: Marcus Samuel funda a Shell para transportar petróleo através do canal de Suez.

1901: Descobre-se petróleo na Pérsia (Irã).

1903: Ocorre um incremento da produção de petróleo na Califórnia, EuA.

1905: É descoberto petróleo em Oaklahoma.

1907: Ocorre a fusão da Shell e da Royal Dutch.

1908: Há um enorme crescimento da produção de petróleo no Oriente Médio com a British Petroleum.

1910: É descoberto petróleo no México.

1911: A Standard Oil é dissolvida compulsoriamente, nascendo companhias como Exxon, Mobil, Amoco, Chevron etc.

1922: É descoberto petróleo na Venezuela.

14 RAMÍREZ, Mariano. Op. cit., p. 30-1.

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1927: Descobre-se petróleo no Iraque.

1928: É firmado o acordo de Achanacarry.

1933: A Standard Oil of California (Chevron) começa a explorar petróleo na Arábia Saudita.

1956: Argélia e Nigéria descobrem petróleo.

1959: Há um incremento da produção de petróleo da Líbia.

1960: É fundada a Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEP.

1968: Descobre-se petróleo no Alaska, mas a exploração só tem início em 1977.

1969: É descoberto petróleo no Mar do Norte.

1973: Primeira crise do petróleo, em represália à ajuda dos Estados unidos a Israel na guerra contra os Árabes.

1979: Segunda crise do petróleo.

1980: A OPEP passa por dificuldades em razão da guerra Irã e Iraque.

1982: A OPEP adota a produção por quotas.

1990: Ocorre a chamada minicrise do petróleo em razão da invasão do Kuwait pelo Iraque.

1.2 o petróleo do brASIl

Do século XIX até início da segunda metade do século XX, a polí-tica petrolífera brasileira parecia seguir à risca o lema jocoso propalado por Monteiro Lobato: “Não tirar petróleo, nem deixar que o tirem”. Em fato, de lá para cá houve certa modificação de paradigmas; entretanto, questões como por que o petróleo não é recuperado das bacias sedimentares on shore continua sem reposta.

É ilustrativo o trecho da missiva de Monteiro Lobato15 dirigida ao então presidente da República Getúlio Vargas, que lhe rendeu condenação16 por injú-ria contra a pessoa do dirigente mor da nação. Veja-se:

15 MONTEIRO LOBATO, José Bento Renato. Op. cit., p. 172-3.16 Da prisão Monteiro Lobato escreveu carta, em 9 de abril de 1941, ao General Horta Barbosa (presidente do

CNP), apontado como responsável pelo processo que culminou em sua condenação a seis meses de prisão. É impossível não transcrever um pequeno trecho: “É profundamente reconhecido que venho agradecer a V. Excia. o grande presente que me fez, por intermédio do augusto Tribunal de Segurança, de uns tantos deliciosos e inesquecíveis dias passados na Casa de Detenção desta cidade. Sempre havia sonhado com uma reclusão desta ordem, durante a qual eu ficasse forçadamente a sós comigo mesmo e pudesse meditar sobre o livro de Walter Pitkin (A short introduction to the history of human stupidity). Lá fora, o tumulto humano e mil distrações sempre me iam protelando a realização desse sonho; e eu já não tinha esperança de nada, quando fui surpreendido pela denúncia ao Tribunal de Segurança e logo e logo em seguida preso preventivamente”.

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Nunca faltam pretextos às políticas de segundas intenções. Para que o Conselho17 pudesse executar o seu programa de massacre, promulgaram-se duas leis horro-rosas, que em meu livro denunciei como gestadas pela Standard18 e paridas pelo nosso nacionalismo ingênuo.

uma é a Lei de Minas, na qual se criam tantos embaraços à exploração do subso-lo que ninguém mais se atreve a pensar nisso. Outra é a Lei do Petróleo, que põe nas mãos do Conselho todas as armas para a completa aniquilação dos esforços do país na exploração do petróleo.

A ideia central dessas leis é a nacionalização do capital. Mas houve uma insidio-sa confusão. Evitar que o capital estrangeiro se aposse de nossas reservas mine-rais é coisa plenamente justificável; mas impedir que o estrangeiro que está no Brasil se torne acionista das empresas, é maldade pura. Esses estrangeiros – um português aí do Rio, que veio mamando e aqui enriqueceu; um italiano cá de São Paulo que veio há 50 anos e também aqui enriqueceu – são detentores de Ca-pital Nacional, impedir que sejam acionistas de petróleo é maquiavelismo puro, cujo único fim foi, sob capa de nacionalismo, fazer que a maior parte do capital nacional disponível (justamente a que está na posse desses homens) não pudesse contribuir para o desenvolvimento da indústria do petróleo, desse modo agravan-do as dificuldades de dinheiro das empresas nacionais. Matarazzo pôde dirigir uma gigantesca indústria de alimentos, coisa que diz diretamente com a nossa vida e saúde – mas não pôde tomar uma ação de 100 mil réis numa empresinha de petróleo! um nacionalismo que raciocina desse modo evidentemente não pensa com o cérebro – sim com qualquer outro membro menos nobre do corpo.

O quadro de apatia no que se refere aos investimentos e políticas para a indústria petrolífera manteve-se até o início da década de 1950 com a edição da Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953, que institui o monopólio da união sobre as atividades relacionadas em seu art. 1º e autorizou a criação da Petróleo Brasi-leiro S/A (Petrobrás), conferindo-lhe a exclusividade das atividades ali listadas19.

O panorama legal perdurou até 1988 quando a Constituição20 recém--promulgada tratou do monopólio em favor da união, sem, no entanto, discipli-

17 Conselho Nacional do Petróleo (CNP), criado pelo Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938.18 Standard Oil Company of New Jersey (EXXON), conhecida no Brasil como Esso.19 “Art. 1º Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e outros

hidrocarbonetos fluídos e gases raros, existentes no território nacional; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados de petróleo produzidos no País, e bem assim o transporte, por meio de condutos, de petróleo bruto e seus derivados, assim como de gases raros de qualquer origem. Art. 2º A União exercerá, o monopólio estabelecido no artigo anterior: I – por meio do Conselho Nacional do Petróleo, como órgão de orientação e fiscalização; II – por meio da sociedade por ações Petróleo Brasileiro S.A. e das suas subsidiárias, constituídas na forma da presente lei, como órgãos de execução.”

20 “Art. 177. Constituem monopólio da União: I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos; II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro; III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores; IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos

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nar como seria exercido, mantendo, dessa forma, o que dispunha a Lei nº 2.004, que determinava a exclusividade das atividades elencadas à Petrobrás.

Em 1995, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 9 (Emenda nº 9), alterando o texto do § 1º21 do art. 177, fato que passou a ser conhecido como flexibilização do monopólio da Petrobrás. Por ocasião da Emenda nº 9, a con-formação do setor petrolífero foi amplamente modificada com o advento da Lei nº 9.478 (Lei do Petróleo), de 6 de agosto de 1997, que criou a Agência Nacio-nal do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e instituiu o sistema de concessão para a exploração e óleo e gás através de processo licitatório.

O novo sistema abriu o mercado brasileiro, possibilitando o ingresso de empresas multinacionais, bem como a criação e expansão do setor para o capi-tal privado interno. Novos blocos exploratórios foram colocados aos mercados, ampliando consideravelmente as reservas provadas para mais de quinze bilhões de barris equivalentes, cerca de 1% (um por cento) das reservas mundiais.

A descoberta das reservas do pré-sal, em 2006, implicou opção política em mudar para um regime regulador misto que põe, de um lado, o sistema de concessão para as áreas do pós-sal e, de outro, o regime de partilha da produ-ção, introduzido pela Lei nº 12.351/2010 (Lei da Partilha), em áreas geológi-cas do pré-sal, bem como nas áreas declaradas estratégicas – assim entendidas como regiões de interesse para o desenvolvimento nacional, delimitadas em ato do Poder Executivo, caracterizadas pelo baixo risco exploratório e elevado potencial de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos22.

2 A EMENDA Nº 9 E O MONOPóLIO DA uNIÃO

Inobstante fosse possível avanços mais significativos, a reforma no siste-ma exploratório de petróleo e gás natural, promovida pela Emenda nº 9, ape-sar de manter o monopólio da união, possibilitou a contratação de empresas estatais e privadas para a execução das atividades previstas no art. 177, I a IV. Bercovici23 ressalta que foi extirpada “do texto constitucional a Petrobrás como executora única do monopólio”.

Com a vênia merecida à opinião do autor, cabe mencionar que a Pe-trobrás nunca teve exclusividade na execução do monopólio da união pela Constituição de 1988. O texto da Carta Magna erigiu o monopólio tão so-

no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem.”

21 “§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei.”

22 Art. 2º, V, da Lei nº 12.351/2010.23 BERCOVICI, Gilberto. Op. cit., p. 252.

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mente à união. A qualidade de executora foi concedida à Petrobrás por lei ordinária24, recepcionada pelo novo ordenamento e depois revogada pela Lei nº 9.478/1997.

Portanto, a exclusividade da Petrobrás como executora do monopólio era mera previsão legal e, como tal, por lei poderia ser alterada ou suprimida. A Emenda nº 9, em verdade, veio tão somente para conferir maior segurança ju-rídica ao novo sistema, segurança essa necessária à atração de investimentos e desenvolvimento de uma nova indústria responsável por considerável aumento na produção nacional.

As questões econômicas permeiam intrinsecamente a legislação petro-lífera brasileira, e não poderia ser diferente. Todavia, o “nacionalismo ingê-nuo”, tão poeticamente apregoado por Monteiro Lobato25, certas vezes aloca-se a favor do próprio capital que parece querer manter afastado. A Emenda nº 9 e a Lei nº 9.478/1997 foram responsáveis pelo grande salto do Brasil na indús-tria petrolífera: de rincão insignificante à décima quinta maior reserva mundial. Destacam Pires e Schechtman26 que:

O marco regulatório criado em 1997 determinou as regras necessárias à parti-cipação dos agentes privados nas atividades upstream da indústria do petróleo e do gás natural, antes exclusivamente desempenhadas pela Petrobras. Nesse sentido, seu objetivo era o de promover a entrada de novas empresas, fomentar a competição e atrair novos investimentos – isolados ou em parcerias com a própria Petrobras.

A nova lei, em sua redação original, dispunha que as atividades de ex-ploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural serão exer-cidas mediante contratos de concessão, precedidos de licitação27. O marco do pré-sal manteve a licitação acrescentando o sistema de partilha da produção, determinando a utilização das duas formas (concessão e partilha da produção) concomitantemente. Questões específicas sobre a partilha serão abordadas no item seguinte; todavia, cabe indagar até que ponto a utilização desses dois sis-temas contribui positivamente para o setor, ou representa mero ensaio político.

24 Art. 2º, II, da Lei nº 2004, de 3 de outubro de 1953.25 Cabe referir que Monteiro Lobato, mais conhecido por suas inúmeras obras em literatura infantil, era diplomata,

petroleiro e profundo conhecedor da economia e política nacionais. Dedicou grande parte de sua vida a provar que o Brasil tinha petróleo e que era viável explorá-lo nas bacias sedimentares em terra (onshore), coisa que até hoje, com raras exceções, não se faz – apesar dos estudos que comprovam que por aqui há petróleo on shore. Atribuía o “nacionalismo ingênuo” a um conluio entre membros do governo e a Standard Oilof New Jersey (ESSO), no intuito de manter as reservas brasileiras inexploradas.

26 PIRES e SCHECHTMAN. In: GIAMBIAGI, Fabio; LUCAS, Luiz Paulo Vellozo (Org.), 2013. p. 84.27 Art. 23 da Lei nº 9.478/1997, antes da alteração promovida pela Lei nº 12.351/2010, que atualmente

conta com a seguinte redação: “As atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e de gás natural serão exercidas mediante contratos de concessão, precedidos de licitação, na forma estabelecida nesta lei, ou sob o regime de partilha de produção nas áreas do pré-sal e nas áreas estratégicas, conforme legislação específica” (acréscimos em itálico).

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Diante do sucesso do modelo de concessão, cabe o questionamento em relação aos motivos para sua substituição pelo modelo de partilha nos próximos leilões dos blocos do pré-sal. Tal mudança foi feita sob a alegação de que a elevada rentabilidade projetada pelos campos do pré-sal exigia um novo marco regula-tório, que garantisse a apropriação dos recursos pelo “povo brasileiro”. O novo arranjo institucional estabeleceu o modelo de partilha e trouxe consigo vários retrocessos em relação ao modelo de concessão. O primeiro diz respeito à que-bra da estabilidade regulatória, devido à substituição do modelo. Em segundo lugar, o novo modelo de partilha retoma o monopólio da Petrobras na operação dos campos e dá um mínimo de 30% para a estatal nos futuros leilões do pré-sal, retirando a igualdade de condições de todas as empresas nas licitações. As mu-danças introduzidas no marco regulatório, após o anúncio do pré-sal, têm gerado inúmeras incertezas quanto à continuidade do círculo virtuoso que o setor de petróleo viveu no Brasil durante a vigência exclusiva do modelo de concessão.28

A Emenda nº 9 e a legislação que lhe sobreveio propiciou ambiente de estabilidade jurídica para que o setor pudesse investir de forma programada. A modificação trazida pelo assim chamado “marco do pré-sal” inegavelmente impôs duas novas questões que não se podem olvidar pela indústria do pe-tróleo: a) insegurança jurídica advinda especialmente de incertezas quanto ao posicionamento dos comitês operacionais para a áreas do pré-sal, bem como a estabilização das funções da Pré-Sal Petróleo S/A (PPSA), a qual compete a defe-sa dos interesses da união naqueles Comitês; e b) capacidade (ou incapacidade) da Petrobrás em operar o mínimo de 30% do blocos licitados.

A Lei do Petróleo propiciou a segurança jurídica e o florescimento da livre iniciativa em suas duas facetas: tanto na liberdade de comércio e indústria, quanto na liberdade de concorrência. Foi mantida a iniciativa estatal através de uma das maiores National Oil Companies (NOC) do mundo, a Petrobrás, que, todavia, passou a concorrer com as demais empresas em situação de igualdade nas rodadas de licitação promovidas pela ANP.

Foi alcançada a tão desejada estabilidade regulatória: com a autonomia de que gozava até então29 a agência reguladora, foi possível estabelecer um ritmo de licitações que alçou o país à efêmera condição de autossuficiência nos derivados do petróleo. Inobstante a regulação exista com o propósito de propi-ciar um ambiente favorável ao desempenho de uma determinada atividade eco-nômica – que equalize os interesses do Estado, da indústria e dos destinatários do serviço –, parece haver, mesmo entre estudiosos do tema, entendimentos no sentido de que a atividade é quase um mal necessário e a agência presta-se

28 PIRES e SCHECHTMAN. In: GIAMBIAGI, Fabio; LUCAS, Luiz Paulo Vellozo (Org.), 2013. p. 101.29 Aponta-se para uma crescente diminuição da autonomia técnica da ANP que, em diversos episódios, tem sido

objeto de interferência por parte do Poder Central, abrindo o flanco para a sobreposição de decisões políticas àquelas de ordem técnica.

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a defender a sociedade de possíveis infortúnios. A título de exemplo, Martins30 aduz que:

No Brasil, algumas previsões constitucionais atestam a importância dada às ativi-dades relativas ao petróleo e explicam a existência do monopólio, que é neces-sário para possibilitar um maior controle estatal de tais atividades: a) em primeiro lugar, o petróleo, como qualquer outro recurso mineral, teve sua propriedade atribuída à união Federal; b) sua exploração, tal como ocorre com os demais recursos minerais, depende de concessão ou autorização, dada de acordo com o interesse nacional; c) sua exploração é vista como desfalque patrimonial, já que implica a utilização das reservas petrolíferas que vão-se esgotando (característica de bem escasso) e, por isso, enseja indenização aos entes federativos e ao pro-prietário do solo (através de participação em seus resultados ou compensação financeiras); d) o abastecimento interno deve ser garantido, com fornecimento de derivados em todo o território nacional. (grifos nossos)

Veja-se, no trecho citado, a ideia que a exploração do óleo é “desfalque patrimonial” e que as participações governamentais e não governamentais têm natureza de indenização pelo esgotamento de um bem escasso. Essas noções referidas pela autora representam o grande entrave subjacente no inconscien-te coletivo brasileiro. Países como Inglaterra, Alemanha e Estados unidos da América desenvolveram-se através da exploração de seus recursos naturais. O coque31, utilizado como alavanca energética da revolução industrial, foi larga-mente explorado sem que isso trouxesse qualquer sentimento de perda ou dano ao povo inglês; muito pelo contrário, só trouxe progresso e desenvolvimento.

Em verdade, o que mesmo há é a utilização de um recurso disponível com vista ao desenvolvimento econômico de uma nação. A regulação é ins-trumento de otimização, prevenindo desvios e excessos, servindo como trilho à condução dos negócios e evitando os efeitos negativos que podem advir da exploração de recursos naturais como a doença holandesa, que teria gerado o declínio do setor industrial daquele país na década de 1970. Mesmo esses efei-tos negativos são passíveis de dúvida, como comenta Ross32:

There is a little doubt that the Dutch Disease is real. After the booms of the 1970s, the Dutch Disease hurt the agricultural and manufacturing of many oil-expor-ting countries, including Algeria, Colombia, Ecuador, Nigeria, Trinidad, and Venezuela. In Nigeria, the Dutch Disease caused the value of agricultural pro-duction to fall from the early 1970s to the mid-1980s, and it devastated industries built on the export of cocoa, palm oil, and rubber. In Algeria, booming oil exports led to a drop in manufactured exports twice – first in the late 1970s, and again in the late 1990s and early 2000s.

30 MARTINS, Daniela Couto. Op. cit., p. 149.31 Combustível derivado do carvão betuminoso (hulha).32 ROSS, Michael L. Op. cit., p. 48-9.

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From a purely economic perspective, the Dutch Disease is not grave as its name implies. According to the theory of comparative advantage, a rise in oil and gas exports should crowd out other types of exports, since it connotes a shift in a country’s comparative advantage. If the income generated by the oil sector is greater than the income lost in manufacturing and agriculture – which should be true, according to simple economic models – the country should still be better off.

Assim, a doença holandesa não é uma consequência inescapável aos países exportadores de recursos minerais, especialmente o petróleo – desde que haja um controle entre os diversos bens exportados com vistas a manter um equilíbrio entre os diversos produtos que compõem a pauta de exportação.

O monopólio da união e a regulação do setor projetam justamente con-fluir os fatores positivos da cadeia, ajustando, na medida em que possível for, o capital privado e o interesse público. O que não se pode olvidar é a ne-cessidade de constante acompanhamento do setor por intermédio de medidas interventivas no domínio econômico, de caráter regulatório ou concorrencial. Os aspectos positivos da Emenda nº 9 são justamente possibilitar o surgimento dessa indústria antes restrita à Petrobrás, mas que, como já demonstrado, tem uma face de maior dimensão que merece o cuidado atento do Estado, como administrador e legislador.

3 O CONTRATO DE PARTILhA DA PRODuÇÃO NO PRÉ-SAL BRASILEIRO

O “marco regulatório do pré-sal” é composto pelas seguintes leis: a) 12.276 (Lei da Cessão Onerosa), de 30 de junho de 2010, que autoriza a união a ceder onerosamente 5.000.000.000 (cinco bilhões) de barris de petróleo à Petrobrás com a finalidade de capitalizar a empresa; b) 12.304 (Lei da PPSA), de 2 de agosto de 2010, que autoriza a criação da empresa pública denominada Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. – Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), cujo objeto é a gestão dos contratos de partilha de pro-dução celebrados pelo Ministério de Minas e Energia e a gestão dos contratos para a comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da união; c) 12.351 (Lei da Partilha), de 22 de dezembro de 2010, que dispõe sobre a exploração e a produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos, sob o regime de partilha de produção, em áreas do pré--sal e em áreas estratégicas, cria o Fundo Social (FS) e dispõe sobre sua estrutura e fontes de recursos; e d) 12.734 (Lei dos Royalties), de 30 de novembro de 2012, que determina novas regras de distribuição entre os entes da Federação dos royalties e da participação especial devidos em função da exploração de petróleo, gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos nos regimes de concessão e de partilha da produção.

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O monopólio da união permaneceu inalterado. Todavia, foi instituído um sistema misto em que, conforme demonstrado acima, utiliza-se da conces-são ou da partilha de produção a depender da característica da área a ser licita-da. Na Lei do Petróleo, em que os blocos são concedidos, há livre concorrência entre os interessados. Nesse caso, a Petrobrás concorre em situação de igualda-de entre as demais operadoras, sejam elas de origem nacional ou estrangeira.

Nesse panorama institui-se estabilidade regulatória suficiente ao ingresso de diversas International Oil Companies (IOC), o que representou considerável incremento na produção de petróleo e gás natural desde 1997. A opção política de adoção do contrato de partilha da produção pelo novo marco legal ainda é objeto de avaliação pelo mercado, o que tornou a primeira rodada de licitações do pré-sal um evento de concorrente único.

O sistema de partilha da produção é velho conhecido na indústria do petróleo. Não é novidade introduzida pelo legislador brasileiro, sendo, com frequência, adotado por países em desenvolvimento, como o Brasil; Angola, Rússia e Trinidad e Tobago utilizam os dois sistemas concomitantemente. O modelo aqui perfilado guarda características singulares que merecem análise pormenorizada.

Conceitos legais, diversas vezes, são objeto de crítica; entretanto, no se-tor petrolífero, a necessidade de segurança para certas expressões comumente impõe ao legislador a utilização de definições legais. A Lei da Partilha dedicou um artigo com treze incisos para tentar rebater dúvidas hermenêuticas no que respeita a certas expressões. Assim, entendeu-se por partilha da produção o re-gime de exploração e produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocar-bonetos fluidos no qual o contratado (Petrobrás ou o consórcio formado por ela e outras operadoras) exerce, por sua conta e risco, as atividades de exploração, avaliação, desenvolvimento e produção e, em caso de descoberta comercial, adquire o direito à apropriação do custo em óleo, do volume da produção cor-respondente aos royalties devidos, bem como de parcela do excedente em óleo, na proporção, condições e prazos estabelecidos em contrato, aplicando-se a áreas do pré-sal33 e em áreas estratégicas34 – donde se conclui que permanece o regime de concessão para as demais áreas.

Percebe-se logo que a união, detentora do monopólio, não assume qual-quer risco nas atividades exploratórias, sendo este integralmente assumido pelo

33 Região do subsolo formada por um prisma vertical de profundidade indeterminada, com superfície poligonal definida pelas coordenadas geográficas de seus vértices estabelecidas no anexo da Lei da Partilha, bem como outras regiões que venham a ser delimitadas em ato do Poder Executivo, de acordo com a evolução do conhecimento geológico.

34 Região de interesse para o desenvolvimento nacional, delimitada em ato do Poder Executivo, caracterizada pelo baixo risco exploratório e elevado potencial de produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos.

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contratado. Essa característica é comum aos contratos de exploração do setor petrolífero, haja vista que os riscos são inerentes à atividade empresarial e o Estado não exerce tal atividade, figurando na cadeia produtiva como poder con-cedente do direito à exploração comercial do bem objeto do contrato.

Ocorrendo a descoberta comercial35, o contratado terá direito à apropria-ção das parcelas relativas ao óleo custo e ao óleo lucro36 como compensação pelos investimentos necessários à exploração do bloco, após o desconto das participações governamentais estipuladas em lei e no contrato.

A Petrobrás é operadora única, situação distinta do que ocorre no siste-ma de concessão. Isso significa que, nos contratos de partilha, em 100% (cem por cento) dos blocos licitados a estatal estará à frente da logística do processo exploratório, mesmo que tenha menor parcela no consórcio ou que, simples-mente, não tenha participado do leilão. O consórcio é instituído nos termos do art. 20 da Lei de Partilha, sendo compulsória a sua formação entre os vencedo-res e a Petrobrás, se esta já não fizer parte do grupo de arrematantes.

A participação mínima da Petrobrás no consórcio não poderá ser inferior a 30% (trinta por cento). Desse modo, o que houve, na prática, foi a ressusci-tação do monopólio de execução da empresa controlada pela união para o contrato de partilha, ou seja, mesmo que seja minoritária na arrematação dos blocos será operadora por determinação legal. A opção foi muito questionada, especialmente em razão de dúvidas sobre a capacidade operacional da petro-leira para fazer-se presente em todos os campos a serem licitados no futuro.

No Leilão de Libra, maior campo do pré-sal até então, o consórcio ven-cedor (único concorrente) foi formado pela Petrobrás (Brasil), Shell Royal-Dutch (Anglo-Holandesa), Total (França), China National Petroleum Corporation (CNPC) (China) e China National Offshore Oil Corporation (CNOOC) (China) e arrematou o campo com o lance de 41,65% (quarenta e um vírgula sessenta

35 A Lei do Petróleo define descoberta comercial como descoberta de petróleo ou gás natural em condições que, a preços de mercado, tornem possível o retorno dos investimentos no desenvolvimento e na produção.

36 A indústria do petróleo refere o óleo retirado dos blocos exploratórios em duas parcelas distintas: a) o óleo custo (cost oil), correspondente ao percentual da produção destinado a cobrir as despesas necessárias à descoberta comercial; e b) o óleo lucro (profit oil), correspondente ao retorno comercial pelo investimento. Para a primeira rodada de licitações do pré-sal, conhecida por Leilão de Libra, o Conselho Nacional e Política Energética (CNPE) editou a Resolução nº 7, de 9 de outubro de 2013, a qual estabeleceu que, no contrato a ser celebrado pela União, relativo à Primeira Rodada de Licitações sob o regime de partilha de produção na área do pré-sal, nos termos do art. 9º, IV, da Lei nº 12.351, de 2010, após o início da produção, caso os gastos registrados como custo em óleo não sejam recuperados no prazo de dois anos, a contar da data do seu reconhecimento como crédito para o contratado, o limite de que trata o § 5º do art. 1º da Resolução CNPE nº 5, de 25 de junho de 2013, será aumentado, no período seguinte, para até 50% até que os respectivos gastos sejam recuperados. Na prática, a resolução do CNPE tornou o campo de Libra mais atrativo ao mercado, possibilitando a recuperação mais célere do investimento destinado à produção. A edição do ato foi considerada um indício de que haveria rejeição dos grandes operadores em razão das incertezas geradas pelo novo marco regulatório e nos altos custos envolvidos na operação.

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e cinco por cento) do excedente em óleo37 a ser extraído, o que correspondeu ao lance mínimo.

Na hipótese, a Petrobrás participou do consórcio que arrematou o bloco, já estando satisfeita a exigência do art. 20 da Lei da Partilha. Todavia, caso a empresa não participe de consórcios arrematantes futuros, terá que ingressar ne-les após a divulgação do resultado com o percentual de 30% (trinta por cento) e operar o campo desde a pesquisa até a perfuração do poço.

A par de posicionar parâmetros específicos do sistema de partilha da produção no Direito brasileiro, cumpre não olvidar a criação da PPSA38 pelo Decreto nº 8.063, de 1º de agosto de 2013, que tem por objeto a gestão dos contratos de partilha de produção celebrados pelo Ministério de Minas e Ener-gia e a gestão dos contratos para a comercialização de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos da união.

A PPSA é empresa pública federal e se constituiu sob a forma de socie-dade anônima, não exercendo qualquer função de execução, direta ou indireta, de atividades de exploração, produção e comercialização. Trata-se de um ente cujo objeto é essencialmente gerencial, não guardando atividade regulatória (típica da ANP) ou de execução do monopólio (reservado à Petrobrás). Sua função precípua é gerir os contratos, garantindo a fiel execução dos mesmos, maximizando seus resultados econômicos.

A exemplo do marco regulatório como um todo, a PPSA foi objeto de in-tensos debates, inclusive quanto a sua real utilidade, haja vista que suas funções poderiam ser realizadas pela agência reguladora, com resultados satisfatórios e economia do dinheiro da criação de mais esse ente público39. Os partidários da ideia trouxeram a lume argumentos louváveis, com especial destaque para a defesa da especialização de tarefas como meio de atingir mais eficiência na gestão contratual. O correr da execução dos primeiros contratos será o principal termômetro da razão.

3.1 A recuperAção do cuSto em óleo

O regime de partilha da produção tem consigo como caractere a possibi-lidade de recuperação do custo efetivamente expendido na pesquisa, explora-

37 Parcela da produção de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos a ser repartida entre a União e o contratado, segundo critérios definidos em contrato, resultante da diferença entre o volume total da produção e as parcelas relativas ao custo em óleo, aos royalties devidos e, quando exigível, à participação especial.

38 A Lei nº 12.304 (Lei da PPSA), de 2 de agosto de 2010, autorizou a criação da empresa pública denominada Empresa Brasileira de Administração de Petróleo e Gás Natural S.A. – Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA).

39 O capital social inicial da PPSA é de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais), dividido em cinquenta mil ações ordinárias nominativas e sem valor nominal, com integralização de trinta por cento em pecúnia pela União.

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ção e produção em óleo, ou seja, a operadora poderá apropriar-se de parte da produção in natura, conforme estipulado no contrato.

Essa possibilidade torna atrativo o investimento especialmente para os grandes players40, que vislumbram a aquisição da commoditie para refino em unidades próprias, especialmente fora do território nacional, seja para abastecer o consumo interno no país de origem, seja para futuras exportações.

A recuperação do custo despendido, todavia, está adstrita a regras previs-tas no contrato a ser assinado em cada rodada de licitação entre a união41 e as empresas ou consórcios vencedores. Como, até este momento, só foi realizada a 1ª rodada de licitação para os campos do pré-sal, as regras encontram-se inse-ridas no contrato aprovado e assinado após o término do processo42.

Nesse parâmetro, é possível sistematizar as circunstâncias para que essa apropriação possa ocorrer. Em primeiro lugar, tem-se a hipótese em que o custo em óleo só será apropriável em caso de descoberta comercial assim reconhe-cida pela ANP. No caso de viabilidade exploratória não reconhecida ou não havendo descoberta, não haverá qualquer custo recuperável, sendo que o risco é integralmente suportado pelo consórcio operador.

Em segundo, havendo a declaração de comercialidade, deve-se delimitar quais custos são efetivamente recuperáveis. O contrato determina que esses dispêndios são unicamente aqueles aprovados pelo Comitê Operacional e re-conhecidos pela Gestora (PPSA), ou seja, a simples comprovação do custo não é suficiente para que o consórcio possa recuperá-lo. É necessária a submissão e aprovação ao Comitê e o reconhecimento da validade pela PPSA.

Em sequência, o terceiro aspecto refere-se à forma como o custo em óleo é retornável. Seguindo regra rígida, a recuperação ocorrerá mês a mês, sendo que, nos dois primeiros anos, não poderá ultrapassar 50% do Valor Bruto da Produção (VBP) e nos anos seguintes o percentual fica adstrito a 30%, até o final do prazo estipulado para a vigência do ajuste.

É importante destacar que o momento da determinação do custo em óleo serve como marco para a conversão da pecúnia no produto. Disso decorre que não é admitida qualquer espécie de correção de valores e eventuais saldos po-sitivos apurados ao final do contrato não são indenizáveis. Portanto, mesmo que

40 O setor petrolífero mundial conta com empresas de grande porte que operam em blocos diversos em todos os continentes. Classificam-se em: a) International Oil Companies (IOCs), a exemplo da Shell, BP e Exxon; e b) National Oil Companies (NOCs), a exemplo da Petrobras (Brasil) e CNOOC (China).

41 A União celebra diretamente o contrato por intermédio do Ministério de Minas e Energia (MME). A Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) participa como gestora e fiscalizadora. A Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) intervém como gestora do contrato.

42 O contrato encontra-se disponível em: <http://www.brazilrounds.gov.br/portugues/contratos_e_editais.asp>. Acesso em: 13 ago. 2015, às 7h59.

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o consórcio não consiga recuperar todo o custo durante a vigência do contrato, não poderá reclamar quaisquer valores à união a título de indenização.

3.2 A pArtIlhA do eXcedente em óleo

Outro elemento contratual de basilar importância é a partilha do exce-dente em óleo, ou seja, a parcela remanescente após o desconto do custo em óleo, que é feita em periodicidade mensal e apurada conforme a média de pre-ço do petróleo tipo Brent43 e a média de produção diária dos poços produtores de cada campo. Nessa hipótese, o contrato estipula fórmula para a correção dos valores, considerando o preço atualizado e o preço base do óleo cru.

CONCLuSÃO

A análise presente tomou como ponto de partida questões de ordem his-tórica, econômica e jurídica para a indústria petrolífera no Brasil e no mundo, buscando a melhor compreensão dos fatores que levaram à escolha na altera-ção do sistema regulatório da indústria nacional, bem como a demonstração de aspectos jurídicos relevantes ao entendimento dos parâmetros basilares do setor.

A crítica é inevitável, porém há de ser interpretada sob a ótica da busca de resolução de problemas. Optou-se pelo abandono de um sistema testado, confiável e apontado como um dos responsáveis pelo incremento da produção há mais de dez anos, por outra forma, cujas vantagens não puderam ser com-preendidas em suas bases econômicas e jurídicas e cuja eficácia, ou falta dela, pode colocar em cheque o abastecimento interno.

Não bastasse isso, foi reinstituída a exclusividade de execução do mo-nopólio da união para a Petrobrás, gerando franco embate entre o governo e a indústria que aqui se instalou, especialmente se questionando a capacidade de uma única empresa operar todos os campos a serem licitados sob o regime de partilha da produção.

O sistema de partilha da produção, salvo a adição de um agente a mais no arranjo institucional (PPSA) e a ressuscitação da exclusividade operacional à Petrobrás, pouco alterou a relação negocial entre o poder concedente e o contratado. A construção do marco regulatório foi recheada de discussões polí-ticas, especialmente sobre a distribuição de royalties entre os entes federativos e a capitalização da Petrobrás, o que deixou ao largo questões maiores como a eficiência operacional e a segurança regulatória.

43 Petróleo retirado do Mar do Norte e comercializado na bolsa de Londres. Disponível em: <http://desafios.ipea.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2083:catid=28&Itemid=23>. Acesso em: 13 ago. 2015, às 8h47.

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Temas de praticidade latente como a recuperação do “óleo custo” e a di-visão do “óleo lucro” tomam relevo de dimensões ainda não mensuradas, posto que podem funcionar como atrativo a novos investimentos ou simples forma de apropriação o óleo cru, sem qualquer agregação de valor em território nacional.

Como o setor petrolífero irá reagir a essas facetas, só o tempo dirá. As questões jurídicas ainda serão pensadas e debatidas, na busca de um entendi-mento que possa conformar a nova legislação às necessidades da sociedade, de segurança no abastecimento e estabilidade de preços.

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Seção Especial – Doutrina Estrangeira

Considerations About the (Abuse) Right to Defense of AGU in Lawsuits Proposed by Former Political Prisioners and/or by Relatives of Dead and Disappeared During Civil-Military Dictatorship: Is There Effectiveness in its Dimension of Justice?

ISABELLE MARIA CAMPOS VASCOnCELOS ChEhABDoutoranda e Mestra em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (Unifor), Advogada.

nESTOR EDuARDO ARARunA SAnTIAGOAdvogado Criminalista, Doutor em Direito Professor (Titular) do Programa de Pós‑Graduação em Direito Constitucional da Universidade de Fortaleza, Brasil (PPGD‑Unifor).

Submissão: 17.08.2015Decisão Editorial: 27.08.2015Comunicação ao autor: 27.08.2015

ABSTRACT: This paper proposes to examine the possible abuse of the right to defense committed by the Attorney General’s Office (AGU) in lawsuits for damages brought by former political prisoners and / or family members of dead and missing civil‑military dictatorship against Federal Union. For this purpose, it was used bibliographic and documentary research. On the first topic, it was presented the origins and some of the notes characterizing the rights to defense of the Federal Government. Then, it was commented about the evidence of abuse of the right of defense practiced by the Federal Government. Later, it remarked up on the case of actions for damages brought by former political prisoners and / or family members of dead and missing as abuse paradigm of the right to defense by the Federal Government, given the difficulties presented for displaying documents necessary to the proceeding procedural; the repeated proposed resources and the failure to comply with enforceable court orders. By the end, it was concluded that, mostly, the AGU has taken a recalcitrant attitude towards indemnity lawsuits filed by former political prisoners and / or family members of dead and missing. Also, it was found that in many cases, with a view of cooperation, the Federal Government could use their own statements of administrative overviews to facilitate the processing of reparatory lawsuits. Finally, it was suggested that in cases of political amnesty – given the magnitude of the damage already caused by the State applicants – a preview screening was used on the actual need for defense presentation, including the possibility of automatic transaction indicated by the AGU.

KEYWORDS: Abuse of the right of defense. Brazilian Attorney General’s Office. Political Amnesty. Principle of Cooperation.

SUMMARY: Introduction; 1 Notes about the right to defense of the federal government; 2 Evidence of defense rights’ abuse by AGU in cases of judicial requirements proposed for ex‑political prisoners

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and / or dead family and missing for civil‑military dictatorship in face of federal union; 3 Considerations regarding the justiciability of judicial indemnities requested for ex‑political prisoners and / or family of dead and missing for civil‑military dictatorship and the (abuse of) right to defense of federal union; Conclusion; References.

INTRODuCTION

There is no doubt that one of the pillars of the Brazilian Democratic State of Law lies in the fulfillment of the Due Legal Process, that is, the audi alteram partem principle, the right to file an action and the right to be heard by the Justice System1. This assumption, however, despite its almost ancient origins, is still controversial. It is said because many of those rights end up being exercised inappropriately or abusively, resulting in losses, instead of benefits to the litigants and/or, in some cases, to whole collectives, hurting not only aforementioned rights, but human dignity itself, one of the pillars of The Federative Republic of Brazil (article 1º, III, of the Brazilian Federal Constitution of 1988).

Starting from this hypothesis, the goal of this paper is to discuss the possible abuse of the right of defense by the Federal Government through the Attorney General’s Office – in Portuguese, Advocacia-Geral da união (AGu) – an institution charged with advising, administratively and legally, the Executive Branch and representing the Federal Government in legal proceedings. This paper focuses mainly on those who are asking political amnesty, that is, those who, due to persecution, torture or kidnappings during the dictatorial military government established from March 31th of 1964 to 1985, suffered physical, psychological and/or monetary damage, either in their private or professional lives, and because of that deserve reparation from the Brazilian State. In numbers, such damages translate into about 50,000 people incarcerated during the first few months of 1964, 20,000 Brazilians subjected to torture and 434 citizens dead or gone missing2.

It must be remembered that by the formal end of the dictatorial regime in 1985 and with the indirect election of the President, the people who were incarcerated and/or tortured, and family members of those who were killed or went missing, started to demand, legally and administratively, reparation claims, and the opening and exhibition of records and files of the military repression, in order to make the State show, to the whole Brazilian population, the truth about the serious human rights violations committed during the dictatorial

1 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo, 2008, p. 11.2 BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República. Programa Nacional de

Direitos Humanos. Brasília, 2010, p. 173.

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government, and thus do justice to the individual and collective memory of the country, repairing symbolically and economically everyone hurt by the regime3.

After almost thirty years, such claims have never been entirely granted. Among other factors, this inefficiency is due to various legal obstacles presented in the procedures of amnesty, mainly those lodged by the defense though the Attorney General’s Office representatives, making difficult, if not impossible, the access to the reparations brought by the Federal Law nº 6.683/1979 (Amnesty Law), and later regulated by the Federal Law nº 10.559/2002, known as the Legal Regime of Politically Amnestied.

In that way, this text is organized in order to contemplate the general goal of the research, that is, to analyze the possible abuse of the right of defense perpetrated by the Attorney General’s Office in contrast to the dimension of justice that should be inherent in all political amnesty lawsuits, due to the damages already caused. Also, an analysis of the origins and characterizing notes of the right of defense in the pertinent lawsuits has been done, in addition to exposing evidence of the abuse of the right of defense in the aforementioned lawsuits.

On the first topic, the paper presented the origins and the characterizing notes of the right of defense of the Federal Government, including in this presentation its formal and material prerogatives. Then, it discussed, in general lines, about the evidence of the abuse of right of defense committed by the Attorney General’s Office when in charge of the representing the Federal Government in legal proceedings. On the third topic, specific cases of judicial requirements proposed by former political prisoners and / or family members of dead and missing political civil-military dictatorship to demonstrate the abuse of the right of defense, mainly due to the difficulty, if not impossibility, of obtaining documents essential to the proceedings and grating of reparation claims, in addition to the various appeals filed by the Attorney General’s Office and the noncompliance of indemnity claims that were granted.

In the end, we concluded that, historically, the Attorney General’s Office has taken a recalcitrant attitude both towards the administrative and legal reparation claims. Also, it was found that, in many cases, aiming to fulfill the principle of cooperation among the parties of a legal procedure, the Attorney General’s Office could avail itself of its own set of administrative directives to allow the regular flow of judicial requirements proposed by former political prisoners and / or family members of dead and missing political civil-military dictatorship. Last, we suggested that, in cases of political amnesty – given the magnitude of the damage already caused by the State to the claimants – a previous

3 BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório final da CNV. Brasília: CNV, 2014, p. 15-22.

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triage should be performed, examining the necessity and reasonableness of the right of defense, including the possibility of automatic settlement initiated by the Attorney General’s Office member.

1 NOTES ABOuT ThE RIGhT TO DEFENSE OF ThE FEDERAL GOVERNMENT

In general terms, the right of defense has its origins in the guarantee of Due Legal Process established in England by John, King of England, also known as John Lackland, through the Constitution of 12154.

In Brazil, the right of defense was instituted by nearly all Constitutions, with only a few limitations in the Federal Constitution of 1937 and again the one of 1967, because of the links with the dictatorial regime, active by then5.

For its part, the audi alteram partem principle, as it is currently envisioned by courts, tribunals and public administration, can be understood as one of the characterizing and bonding elements of the Democratic Regime, to the extent that ensures that the rights of both parties of the action are protected, their claims heard and their arguments assessed, in order to, in the end, be given a supposedly free decision from interferences, and with legal foundation as article 93, IX of the Federal Constitution of 1988 requires.

However, if not properly exercised, the audi alteram partem guarantee – whether by abuse or misuse – can cause harm to the litigating parties and the Judiciary Branch itself, perpetuating the demands and creating procrastinatory expedients. This problem becomes more serious when the Federal Government, through the Attorney General’s Office, avails itself of its legal prerogatives to postpone the proceedings and, often, their legal outcome.

It is important to remember that the Attorney General’s Office, when instituted by the Federal Constitution of 1988, was conceived to advise and represent the Executive Branch in legal matters and actions, protecting, ultimately, the public interests and patrimony.

Thus, the Attorney General’s Office – as envisioned by the constitutional legislator in the moment of its creation and, later, regulation by the Complementary Law nº 73 of February 10th of 1993 – has the mission of preventing legal actions, while guaranteeing the full defense of the Federal Government, taking into account the peculiarities of its function representing the Executive Branch, especially regarding the supremacy of public interest and patrimony over those of singular individuals.

4 FERREIRA FILHO, 2008, p. 11.5 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História constitucional do Brasil. Brasília, 2002, p. 434- 485.

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So as to, pursuant to article 4 of the Complementary Law nº 73/93, the follows attributions were entrusted to the Attorney General’s Office, among others: waive, settle, agree and sign commitments in actions interesting to the Federal Government, set the interpretation of the Constitution, laws, treaties and other normative acts to be, uniformly, followed by agencies and entities of the Federal Administration; and write administrative directives based on the repeated decisions of the courts.

In the same way, in accordance with the articles 28 and 43 of the same Complementary Law nº 73/93, the Attorney General’s Office was allowed to write legal directives that are mandatory to all agencies and entities listed in those articles, being forbidden to their members to disobey them, as well as their normative advice or technical guidance, in authentic display of administrative efficiency, based on the article 37, caput, of the Federal Constitution of 1988, that establishes the principle of efficiency as one of the corollaries of the Public Administration, which the Attorney General’s Office is part.

In the field of Procedural Civil Law, different timeframes to answer or appeal were granted to the Attorney General’s Office, as well as to the Public Prosecutors’ Office of the States, Municipalities and Federal District in general (article 188 of the Procedural Civil Code), also based in the consolidated decisions of the superior courts, as it is the case stated in the directive nº 116 of the Superior Court of Justice.

It is important to stress, however, that the various prerogatives listed here should be understood as instruments or tools to guard the public patrimony – object of the consulting and advising of the Attorney General’s Office. Thus, any other interpretation can be understood as abuse or misuse of power, and therefore, liable to punishment.

The analysis of this hypothesis, i.e., the possibility of punishment for abuse or misuse of the right, becomes more tangible when considering the specific case of the reparation claims proposed by former political prisoners and / or family members of dead and missing civil-military dictatorship against the Federal union, both because of the proceedings’ delays and the noncompliance with the decisions against the Federal Government.

2 EVIDENCE OF DEFENSE RIGhTS’ ABuSE By AGu IN CASES OF juDICIAL REquIREMENTS PROPOSED FOR Ex-POLITICAL PRISONERS AND / OR DEAD FAMILy AND MISSING FOR CIVIL- -MILITARy DICTATORShIP IN FACE OF FEDERAL uNION

Initially, we must clarify that the legal claims proposed by former political prisoners and / or family members of dead and missing civil-military dictatorship against the Federal union must be judged based on specific legal instruments

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developed over the past three decades, with the firm intention of promoting truth, memory, justice and redress to those affected in their personal and / or professional life, because of the serious human rights violations to which they were subjected during the exception period established in 1964.

The first of these instruments lies in the Amnesty Law, written during the dictatorial government, and created to answer the clamor and claims of various segments of civilian society, especially of political prisoners and exiles, as well as the families of dead and missing, representatives of ecclesial base movements, student and trade unions.

About the Amnesty Law, it must be said that, despite the great impact of the movement for a broad, general and unrestricted political amnesty, the bill sent to the National Congress in June of 1979, and later approved, was highly restrictive. First of all, because Brazilian amnesty was conducted and approved by the civil-military dictatorship itself, the efforts of social movements against the military government that hoped for political freedom were thwarted, which made it impossible that “more incisive processes of rescue of the political memory could happen, in a similar way to what we saw, for example, both in Chile and in Argentina”6. Worse, amnesty was extended to the agents of the military government, who, on its behalf, committed serious human rights violations, all in the name of a pseudo reciprocity and bilateralism.

The second reason for the very Law nº 6.683/79 (Amnesty Law) to be considered restrictive lies in limiting its application to only those who committed crimes that were not understood as “crimes of blood”7. Therefore, the people who were excluded from amnesty “remained in prison until the reformulation of the National Security Law attenuated their sentence. They were released on parole, living like that for many years”8.

In the same way, the law is understood as restrictive because it limited the beneficiaries, excluding from its roll the partners of the politically amnestied, a mistake only remedied with the advent of article 8 of the Temporary Constitutional Provisions Act of the Federal Constitution of 1988.

Therefore, note that the problems related to the effectiveness of the claims of political amnesty were originated during the legislative process, hampering the access of amnesty claims, reducing the number of beneficiaries and suppressing the rights of those who would claim it, acts that have impact to date, especially

6 MARTINS, Roberto Ribeiro. Anistia: ontem e hoje. São Paulo, 2010, p. 218. 7 BRASIL, Lei nº 6.683, de 28 de agosto de 1979. Concede anistia e dá outras providências, <http:// http://

www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm> (last accessed on 6 July 2015).8 LISBOA, Susana. Seria chover no molhado se o molhado não fosse sangue… in: Osvaldo Biz (ed.). Sessenta

e quatro: para não esquecer, Porto Alegre, 2004, p. 162.

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regarding the simple production of supporting documents necessary to start the procedure of political amnesty.

The mistake was resolved, in part, with the advent of the Law nº 9.140/1995, which created the Commission of the Dead and Missing Political Criminals and provided an opportunity for the search and recognition of dead and missing political criminals, fulfilling one of the most ancient rights of human beings, that is, the right to mourn and bury their dead9.

Later, it should be emphasized, came the publication of the Federal Law nº 10.559/2002 (Legal Regime of Politically Amnestied) that installed the Amnesty Commission under the Ministry of Justice, regulating the art. 8 of the Temporary Constitutional Provisions Act of the Federal Constitution of 1988, and thus, creating the legal framework of political amnesty10.

It must be point out that the establishment of this legal framework was indeed relevant to the former political prisoners and relatives of dead and missing civil-military dictatorship, because it brought in its wake the requirement for the actions and subsequent granting of amnesty, structured the processing of amnesty, gave more flexible timeframes and set its procedural limits.

Thus, it can be said that the greatest legacy brought by the Federal Law nº 10.559/2002 (Legal Regime of Politically Amnestied) was to set clearly the requirements for requesting and granting amnesty, but, above all, to formalize the political amnesty as a right embodied in the politics of the State, and not as a favor given by the Government or a particular political party.

In this regard, the publication of the Federal Law nº 12.527/2011 (Law of Access to Public Information), which regulated, set the limits and facilitated the access to information held by Public Administration, enabling the fundamental right to public information and, ultimately, the very construction of the collective memory in Brazil, should also be mentioned11.

It seems, therefore, that the cases of political amnesty are regulated in the national legal order. And even if that was not the case, the acceptance of

9 BRASIL, Lei nº 9.140, de 4 de dezembro de 1995, Reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, e dá outras providências, <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9140compilada.htm> (last accessed on 12 June 2013).

10 BRASIL, Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, Regulamenta o art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e dá outras providências, <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10559.htm> (last accessed on 12 June 2013).

11 BRASIL, Lei nº 12.527/2011, de 18 de novembro de 2011, Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências, <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm> (last accessed on 12 June 2013).

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the thesis of human rights violation perpetrated by the Brazilian State during the military government would be enough to recognize the responsibility of the State by the Attorney General’s Office.

Despite all that, the cases of political amnesty continue to be subjected to long procedures, which confirms the thesis of the offending State. Now, not only in a material way – which can be characterized by the number of victims and their repressive network – but also in a formal, procedural way, in the extent that the Brazilian State continues to create obstacles to the procedures to request and grant rights related to political amnesty through the Attorney General’s Office. The worst is that all the evidence of the abuse of the right of defense aforementioned comes from the very text of the law, which, in general terms, could grant legality, but never reasonableness12.

Therefore, the Attorney General’s Office avails itself of regular proceedings, however, endowed with highly dilatory purposes to prevent the processing and judgment of amnesty requests, for example, filing appeals to the Superior Court of Justice and the Federal Supreme Court against decisions given by the Federal Regional Courts that reject appeals against their decisions, but continue to be filed to delay, hinder or even prevent granting the claims of amnesty.

So, what can be observed is not something illegal, since the whole exercise of judicial and extrajudicial advocacy of the Attorney General’s Office is guided by the constitutional permissive of the right of defense regulated in the art. 5, LV of the Federal Constitution of 1988, but the abuse perpetrated while exercising this right, because, according to Taruffo, “a rule can be object of abuse not only when it is formally violated, but when it is used for improper purposes, so there may be an abuse under the label of exercising a fundamental procedural right”13.

Thus, we are not discussing the right of the Federal Government to challenge or appeal. Nor are we putting under the spotlight the procedural prerogatives regarding different timeframes, or even the possibility to pay its debits through court order requests or requests of small value, which would require its own research. This is undisputed. What we ponder is the reasonableness in the management of unnecessary responses and appeals that usually seek only to procrastinate and delay the legal outcome.

We reinforce that the problem reaches a greater magnitude in the reparatory requirements for purposes of political amnesty, given that here the State already caused problems to the psychical, mental and social well-

12 TARUFFO, Michele. Abuso de direitos processuais: padrões comparativos de lealdade processual, Revista de Processo, São Paulo, 34 (2009), p. 165.

13 Ibid. , p. 174

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being of the claimers and admited responsibility through Laws nº 9.140/95 and nº 10.559/2002, however continues to harm them, as it does not allow access to their rights through legal, but unreasonable, procedures.

For all that, we conclude that the ideal would be not trim down the right of defense of the Federal Government, but to do a triage, either by a court, or by the Attorney General’s Office itself, based on their set of administrative directives or normative regulations, of the need to file responses or appeals. Another possibility would be the request for a settlement based on the principle of cooperation and held so highly by the Attorney General’s Office, which would guarantee budgetary control and efficiency in the proceedings of the actions that effectively needed a longer procedure, granting the Attorney General’s Office equal opportunity to defend the interests of the Federal Government.

3 CONSIDERATIONS REGARDING ThE juSTICIABILITy OF juDICIAL INDEMNITIES REquESTED FOR Ex-POLITICAL PRISONERS AND / OR FAMILy OF DEAD AND MISSING FOR CIVIL-MILITARy DICTATORShIP AND ThE (ABuSE OF) RIGhT TO DEFENSE OF FEDERAL uNION

We establish from now on that the concept of justiciability to be used in this extract is similar to the idea of possibility/potential to request/file in court a plausible right, or even, promote, through the Justice System, a reaction fair and equivalent to the illegal act perpetrated against oneself.

So, the pursuit of justice is not similar to the concept of revenge and does not seek to instill hatred or passions. In fact, with a potential demand to the Justice System one aims solely, in a democratic ambience with all rights and guarantees guarded to the parties, to promote a regular process that, in the end, grants an appropriate and proportional response to the crimes against humanity perpetrated during the Brazilian Civil-Military Dictatorship14.

On the other hand, the sympathizers of the dictatorship regime persist in saying that there are no more issues to be accorded justice, since, formally, amnesty was already granted and the reparations are, as far as possible, being settled15. The question that arises, however, is that, according to the data presented by the Amnesty Commission, there is a much greater number of people who were imprisoned, tortured and killed by the Brazilian Civilian-Military Dictatorship Regime than the number of administrative and legal requests of amnesty. That alone shows the timidity of the claims – either through ignorance

14 RUDNICKI, Dani. Uma perspectiva sobre a justiça (restaurativa) e a memória das vítimas: do nazismo às ditaduras latino-americanas. In: Castor M. M. Bartolomé Ruiz (ed.). Justiça e memória: para uma crítica ética da violência, São Leopoldo, 2009, p. 179.

15 PAYNE, Leigh. A anistia na era da responsabilização: contexto global, comparativo e introdução ao caso brasileiro. In: Ministério da Justiça (ed.). A anistia na era da responsabilização: o Brasil em perspectiva internacional e comparada Brasília, 2011, p. 28-29.

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of its requirements, or the lack of documents required for admission, or even discouragement of litigating against the Federal Government16.

In a similar vein, it should be stressed that for the last two reasons mentioned above, the obstacle is caused by the Federal Government itself that, when it does not preclude the filing of administrative requests, it hinders its processing with delaying responses and unnecessary appeals and even unmotivated noncompliance with court decisions.

It should be noted that, when hindering the processing and/or the compliance with court orders related to political amnesty, the Federal Government hurts not just the individual victimized by the military regime, but humanity as a whole, extending the damage of the past and silencing the ones abused by the military regime17.

In the Brazilian case, Justice is more than late; it is ineffective, since, to date “the torturers, the people who gave the orders and those responsible for the torture and murders have not been convicted, or even brought to trial or cited in the criminal lawsuits, and most remain anonymous to this day. Why were they amnestied? Not by the ruling of the law, but through an interpretation of it that would allow going back on the political opening if there was a revenge motivated stance from the opposition18”.

According to Janaína Teles, the maximum of Justice that has been achieved was in the civil law branch, with a reparation action filed, in 1973, by Elizabeth Challup Soares, widow of Manoel Raimundo Soares, against the Federal Government, that was finally granted in 2005, that is, 32 years after being filed. In this case, the Federal Government, through AGu, filed at least five different appeals, all of them without any procedural reasonableness, aiming to postpone instead of seeking a possible reform and/or cancellation of the decision19.

In the same way, it must be highlighted the lawsuit filed in 1976 by Clarice Herzog and his sons to investigate the responsibility of the Federal Government on the torture and death of her husband Vladimir Herzog, who was imprisoned in DOI – CODI São Paulo, on the date 25 October 1975. The sentence was published on October 27th., 1978, by the magistrate José Márcio de Moraes,

16 MEZAROBBA, Glenda. O processo de acerto de contas e a lógica do arbítrio. In: Edson Teles; Vladimir Safatle (eds.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira. São Paulo, 2010, p. 116-117.

17 RUDNICKI, 2009, p. 179.18 LISBOA, 2010, p. 160.19 TELES, Janaína. Os familiares de mortos e desaparecidos políticos e a luta por “verdade e justiça” no Brasil.

In: Edson Teles; Vladimir Safatle (eds.). O que resta da ditadura: a exceção brasileira, São Paulo, 2010, p. 275-277.

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who granted the requirement of the Herzog’s family, by understanding the responsibility of the Federal Government.

Similarly, emblematic was the action proposed by relatives of dead and missing in the “Guerrilha do Araguaia”, in 1982, when it requested the location of the remains of their relatives and the shipment of their deaths seats. This process had been subjected to a series of elements and procedural resources committed by the union, as their applications for purposes of extinction without judgment on the merits, judicial secrecy in progress and unavailability of evidence, which engendered its sentence only on March 200920 and, following a condemnation on 24 November 2010 by the InterAmerican Court of Human Rights21.

Also, it should be mentioned the case of the Brazilian Air Force military men should be mentioned. In May of 1964, after be forcibly quartered for over 48 hours without a reason in Fortaleza’s Air Force base, they “decided to address the commander of the unit and request an explanation about what happened during that time. The request for clarification was answered with imprisonments, punishments and lawsuits”22.

The same military men were expelled from the Brazilian Air Force for insubordination in the same year and only returned to the Air Force ranks in the 1980s. With the advent of the Amnesty Law, they have been identified as potential beneficiaries of amnesty. Thus, they filed reparation claims against the Federal Government that, for the most part, were unsuccessful. In the late 1990s, their claims were gradually granted until, with the advent of the Federal Law nº 10.559/2002 (Legal Regime of Politically Amnestied), they became politically amnestied.

The fact is that, even after 50 years, these same military men are still waiting for the fulfillment of a reparation claim that was granted by the Justice System of the State of São Paulo in 2005 in the civil action nº 0057317-04.1999.4.03.6100 because of the irregular expulsion. The delay is due, especially, among other factors, to the different timeframes allowed to the Federal government and appeals filed by the Attorney General’s Office, as well as the difficulty of access to documents that support the claims of amnesty.

Yet another emblematic case was the action filed by the Almeida Teles family in 2006 against Carlos Alberto Brilhante ustra, also known as “Coronel Tibiriçá”, which sought, and was granted, to declare the defendant a torturer while in charge of the Center for Internal Defense Operations, a Brazilian intelligence and repression agency during the military government. The decision

20 BRASIL, 2014, p. 952.21 BRASIL, 2014, p. 715.22 ARQUIDIOCESE DE SÃO PAULO. Brasil: nunca mais. Petrópolis, 2009, p. 120.

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recognized his responsibility for the use of violence against the Almeida Teles family. The decision was unprecedented when it defined the Center for Internal Defense Operations as a “horror house”23.

Therefore, given the cited examples, the access of the victims of the military regime to the Justice System is unreasonably diminished. This can be easily confirmed by the obstacles forged by the Amnesty Law against any intent to bring to justice the military agents and those responsible for the tortures, disappearances, kidnappings and murders during the dictatorial period.

These arguments can be reiterated by the interpretation given to the Amnesty Law by the Brazilian Supreme Court in the trial of the Breach of Fundamental Precept Action nº 153, that gave preference to the formalities of the self-amnesty process at the expense of a more just and proper observance of human dignity24, based on its adequate control of conventionality.

undoubtedly, however, remains demonstrated that the greatest obstacle to the fulfillment of reparatory claims is at the very Brazilian State, which, by AGu, makes use of various resources, in most cases without any legal basis, just to procrastinate the process or the effectiveness of its decisions. It also should be stressed the obstacles caused by difficulties in access to evidence of illegal arrests or torture perpetrated during the civil-military dictatorship.

Therefore, it must be emphasized that the major obstacle is not in the filing of the legal actions, since documents and files of the military regime have gradually become more accessible to substantiate the claims, especially after the publishing of the Law nº 12.527/2011. The biggest problem is due to the delay of the process promoted by the Federal Government, through the Attorney General’s Office, that while availing itself of its right of defense, abuses timeframes, appeals and other legal remedies that are allowed to it, seeking nothing other than delaying the outcome, without any reasonableness and well below the standards required by the principle of collaboration and procedural cooperation.

Moreover, it should be said that the attitude of the Attorney General’s Office indirectly violates the current legal system, to the extent that it disregards article 2, sole paragraph of the Law nº 10.559/2002, which gives to those politically amnestied the right to settle during the legal procedure, and it also allows the Attorney General’s Office and the Prosecutor’s Office of some Federal Agencies and Foundations to settle in claims against the Federal Government

23 TELES, 2010, p. 295-296.24 MAZZUOLI, Valério Oliveira. O controle jurisdicional da convencionalidade das leis. São Paulo: RT, 2011,

p. 161.

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and its agencies, ultimately, hurting the reasonable duration of the procedures and its efficiency.

In this vein, political amnesty, in its dimension of justice, cannot be understood as endowed with effectiveness, since, despite of having the opportunity and the right to file amnesty claims, those victimized by the dictatorial military regime might get wild goose chase instead of a fair and equivalent answer to the crimes perpetrated against them by the Brazilian State.

First of all, the plaintiffs will struggle to exercise their right to amnesty due to the scarcity of evidence. Then, even if the victims have robust evidence of the damage perpetrated against them, they will have to endure almost a decade of procedures to maybe have their claim granted. Still, if they have their claim granted by a single judge, they will face several appeals and legal costs. In the end, if their claim is confirmed by the superior courts, ordering the a Federal Government to pay indemnity – the whole sum or in installments – they should be prepared to fight in court for several more years while the sentence is carried out, and that includes payments by court orders.

Overcoming all those stages, not to mention everything they endured since the 1960s, due to the atrocities promoted by the military government, the plaintiffs of those legal actions, even winning, will not feel that justice has been made. On the contrary, rather than pacified, they will feel outraged by all the procedural obstacles, the delays, and, most of all, the anguish caused by the State that should represent and protect its citizens.

On this matter, the following clarifications should not be forgotten: all this procedural entanglement could be quickly and effectively solved, if the Federal Government, through the Attorney General’s Office, opted for a settlement, in the terms established by the Law nº 10.559/2002, or even decided to issue an administrative directive that recognized the right to amnesty to those who could undoubtedly prove through documents or witnesses their status of prisoner, victim of torture or exile, or that they have been harmed in any way by the dictatorial regime.

This would result in the implementation of a reasonable duration to the process, as well as the procedural cooperation and the right to the Due Legal Process, and, above all, it would take into account the dimension of justice, essential to the effectiveness of a genuine transitional justice in Brazil.

CONCLuSION

Initially, it was described the historical context in which lies the almost ancient origins of the Due Process, as well as its main characterizing notes.

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Then, it was found that the right to defense was incorporated in almost all Brazilian Constitutions, with only a few limitations in those of 1937 and 1967 because of their links to the dictatorial regime of the time.

It was observed that, if not properly exercised, the right to defense (audi alteram partem principle) – whether by abuse or misuse – can cause harm to the parties, as it was seen in the cases of administrative and legal requests of political amnesty.

In this context, it was verified that the Attorney General’s Office should use its prerogatives listed by the article 73 of the Complementary Law nº 73, as tools to guard the National Patrimony, and also that any exercise of these prerogatives for different purpose can be understood as abuse or misuse of power, and therefore, liable of punishment.

Later, the set of legal remedies and procedures developed over the last three decades was presented – Law nº 6.683/1979, Law nº 9.140/1995, Law nº 10.559/2002 and Law nº 12.527/2011. This set has the goal to promote justice to those affected in their personal and/or professional lives due the persecution perpetrated by the civil-military dictatorship.

Despite the many existing legal instruments and all the changes brought by the Amnesty Law, there is still a significant difficulty as to its effectiveness, due to, among other reasons, the difficulty of access to documents attesting the tortures and losses during the dictatorship, and because of the persistency of the Attorney General’s Office in filing various appeals, which are, for the most part, dismissed, but continue being filed to delay, hinder or even prevent the deferral of the claims.

A triage to determine the need of formal defense in the cases of political amnesty, by the judge or by the Attorney General’s Office itself, was suggested. It is understood that this set of administrative directives and normative regulations of the Attorney General’s Office should substantiate that triage.

In the same way, it was recommended the use of a settlement, in the terms of the article 20, sole paragraph of the Law nº 10.559/2002, promoted by the Attorney General’s Office, which would ensure budget control in the payments of the reparation claims regarding political amnesty, and efficiency in the processing of those actions that actually needed a more complex procedure.

It was also found that the main obstacle is not in the filing of the legal actions, since documents and files of the civil-military dictatorship have gradually become more accessible to substantiate the claims, especially after the publishing of the Law nº 12.527/2011. The biggest problem is due to the delay of the process promoted by the Federal Government, through the Attorney General’s Office, that while availing itself of its right of defense, abuses

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timeframes, appeals and other legal remedies that are allowed to it, but are used to seek nothing other than delaying the outcome.

Finally, it was concluded that political amnesty, in its dimension of justice, cannot be understood as endowed with effectiveness, since, despite of having the opportunity and the right to file administrative and legal amnesty claims based in proper laws and processed through specific procedures, those victimized by the dictatorial military regime might not get a fair and equivalent response to the crimes perpetrated against them by the Brazilian State, because of procedural delay caused by the several appeals filed by the Attorney General’s Office, the difficulty of accessing documentary evidence of their status as persons who are politically amnestied and negligence in compliance with decisions that grant amnesty – factors which, combined to the damage already perpetrated during the dictatorship, demonstrate the full abuse of the right of defense by the Federal Government.

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Clipping Jurídico

Demissão administrativa por infração disciplinar independe de condenação penal

O Ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento ao Mandado de Segurança (MS) nº 25998 em que uma ex-servidora do Ministério Público Federal (MPF) questionava ato, expedido pelo procurador-geral da República, que a demitiu. A autora alegava que não podia ter sido demitida, com base na prática de ato equivalente a tipo penal, sem que houvesse prévia condenação judicial transitada em julgado. Por isso, pedia a concessão do MS para que fosse determinada sua reintegração ao cargo, declarando nulo processo administrativo disciplinar. Em novembro de 2005, a autora foi afastada de suas funções preventivamente por ter sido indiciada em inquérito policial. No mês de dezembro do mesmo ano, foi denunciada pelo crime de formação de quadrilha e, em janeiro de 2006, foi instaurado processo administrativo disciplinar [por revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo] que resultou em sua demissão no dia 21 de março de 2006. A autora sustentava que, quando a demissão estiver fundamentada em um tipo penal, é imprescindível que haja prévio provimento judicial condenatório transitado em julgado. • Decisão: Para o relator, o ato de de-missão da servidora também foi fundado no art. 132, inciso IX, da Lei nº 8.112/1990, atinente à revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo. “Ora, apesar de a conduta da impetrante, em tese, configurar crime contra a Administração Pública e ato de improbidade administrativa, também constitui infração disciplinar punível com demissão”, entendeu o Ministro Teori Zavascki. Em sua decisão, ele lembrou que na jurisprudência do Supremo há precedentes no sentido de que o Poder Público não pode aplicar ao servidor a pena de demissão em razão da prática de ato de improbidade ad-ministrativa ou de crime contra a Administração Pública sem que haja prévia sentença condenatória transitada em julgado, sob pena de ofensa ao princípio da presunção de inocência. Nesse sentido, citou o RMS 24699 e o MS 21310. No entanto, conforme o relator, tal discussão é totalmente dispensável para solucionar o caso concreto, em razão de o ato de demissão ter sido feito com base em dispositivo da Lei nº 8.112/1990. O relator salientou que, no presente caso, tendo em vista a independência entre as esferas cível, penal e administrativa, a Administração Pública pode aplicar a pena de demissão independentemente, “dispensando-se a existência de prévia sentença con-denatória transitada em julgado”. De acordo com o Ministro Teori Zavascki, “não há qualquer vício a ser sanado na via mandamental”, uma vez que a infração praticada pela impetrante configura conduta especificamente prevista no art. 132, inciso IX, da Lei nº 8.112/1990, dispositivo que também fundamentou o ato questionado “e impõe a pena de demissão aos servidores que nele incorram”. Processos relacionados: MS 25998. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Tribunal concede isenção de Imposto de Renda a aposentado portador de neoplasia maligna controlada

A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) reconheceu o direito de isenção de Imposto de Renda a um aposentado portador de neoplasia maligna con-trolada, porém não extinta. O autor da ação tem 87 anos e está em tratamento desde 1962, possuindo fatores predisponentes ao reaparecimento de doença e já realizou diversos procedimentos cirúrgicos para retirada de “carcinomas basocelulares” (câncer de pele). Após decisão em primeiro grau favorável à isenção, a união recorreu alegando não ter sido provada a doença. Ao analisar o caso, o tribunal observou que a perícia

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demonstrou novas lesões malignas na coxa, no dorso do pé e na região axilar direita e que a enfermidade sofrida, embora passível de controle, não possui cura. “Ele foi portador de neoplasia maligna de pele. É portador de neoplasia benigna de próstata, hipertensão arterial sistêmica, artrose de coluna vertebral e gota. O autor, ao longo da vida, apresentou várias lesões dermatológicas com diagnósticos anatomopatológicos variados. Em vários momentos durante o acompanhamento médico contínuo a que se submete, foi necessário o tratamento cirúrgico das lesões, sempre realizados com sucesso, sem sequelas estéticas ou funcionais. É fato que existe predisposição clínica, ligada à herança genética, característica da raça branca com pele clara e exposição solar que justificam o aparecimento de novas lesões ao longo dos anos”, destacou a de-cisão. Para os desembargadores, as provas apresentadas preenchem as exigências legais para a isenção, especialmente o art. 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/1988, art. 30 e seus parágrafos, Lei nº 9.250/1995, e o art. 39, inciso XXXIII, do Regulamento do Imposto de Renda, Decreto nº 3.000/1999. Nº do Processo: 2009.61.00.009251-8. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Condena brasileira por tentar entrar nos EUA com passaporte falso

A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou a con-denação pelo crime de uso de documento falso de uma brasileira acusada de tentar entrar nos Estados unidos com um passaporte falsificado. Ela embarcou no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) apresentando às autoridades brasileiras o documentado adulterado. Ao chegar em Orlando (EuA), as autoridades americanas constataram a falsidade do passaporte utilizado e ela foi deportada para o Brasil. A ré foi condenada em primeiro grau pelo crime do art. 304 (uso de documento falso) combinado com o do art. 297 (falsificação de documento público). Em seu recurso, ela pediu a absolvição alegando a inexigibilidade de conduta diversa e estado de necessidade, uma vez que passava por dificuldades financeiras. Requereu também a aplicação do princípio da insignificância. Ao analisar o caso, a Primeira Turma observou que o laudo de exame documentoscópico constatou que o passaporte foi adulterado. Foi utilizado um passa-porte verdadeiro de outra pessoa, porém com substituição da fotografia por uma foto da acusada. Os interrogatórios da ré na polícia e perante o juiz de primeiro grau também confirmaram a conclusão do laudo. À polícia, a acusada afirmou ter conseguido o do-cumento mediante o pagamento de uS$ 2.500 a uma pessoa na rodoviária de Niterói, cerca de quatro meses antes de viajar. Ela disse ter entregado fotos suas a um indivíduo que, no mesmo dia, retornou com o passaporte em nome de outra pessoa, mas com a foto da acusada. Em seu interrogatório judicial, contudo, mudou um pouco a versão dos fatos, alegando que não sabia da falsidade, declarando que contratou os serviços de um despachante no Rio de Janeiro para obter a documentação necessária para ir aos Estados unidos, uma vez que não conseguiu obter o visto anteriormente. Os desem-bargadores federais da Primeira Turma entenderam que não é crível que a acusada não soubesse da falsidade, já que o documento continha nome diverso do seu. Em relação ao princípio da insignificância, os julgadores afirmaram não cabe a sua aplicação nesse caso, porque o bem juridicamente protegido é a fé pública que, diante de todas as cir-cunstâncias, foi efetivamente lesionada. Além disso, como se trata de crime formal, não há necessidade de dano efetivo a terceiros. Fazer uso de documento falso, por si só já implica prejuízo para a fé pública, escreveu o Desembargador Federal Marcelo Saraiva,

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relator do caso. A ré também alegou que agiu em estado de necessidade, pois tinha a intenção de buscar prover o seu sustento e de seus filhos e melhorar sua qualidade de vida. Todavia, a decisão do TRF3 diz que a defesa não produziu nenhuma prova que comprove essas alegações. Essa excludente só pode ser aceita diante de provas concre-tas, em situações excepcionais, explica o relator. O alegado estado de miserabilidade poderia ter sido contornado mediante a prática de condutas lícitas, como diz a decisão: “Caso a alegação fosse acolhida, inúmeras pessoas que se encontram na mesma situa-ção do apelante poderiam praticar condutas ilícitas com a certeza da impunidade, em clara afronta às regras sociais, jurídicas e morais, indispensáveis à convivência humana, o que é inaceitável”. O desembargador federal também destacou que a tese de inexi-gibilidade de conduta diversa por dificuldade financeira também entra em contradição com o preço que a acusada pagou pela obtenção do documento (uS$ 2.500). Nº do Processo: 0002083-96.2007.4.03.6119. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regio-nal Federal da 3ª Região)

Assistente de acusação pode recorrer mesmo contra posição do MP

O assistente de acusação pode recorrer da decisão do júri popular mesmo que o Mi-nistério Público (MP) tenha se manifestado pela absolvição do réu. Esse foi o entendi-mento da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em julgamento de recurso especial interposto por um homem acusado de homicídio. Em primeira instância, o tribunal do júri acompanhou a posição do MP e decidiu pela absolvição do réu. O as-sistente de acusação, entretanto, apelou para o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que determinou a realização de novo julgamento. Contra essa decisão, foi interposto recurso especial. A defesa alegou que o assistente de acusação não tinha legitimidade para interpor a apelação, uma vez que o art. 598 do Código de Processo Penal (CPC) só o autoriza a recorrer se houver omissão do MP. A defesa argumentou também que a anulação do julgamento ofendeu a soberania do tribunal do júri, pois sua decisão, ain-da que em aparente conflito com as provas, não poderia ser cassada. • STF: O Relator, Ministro Sebastião Reis Júnior, expressou sua inclinação pessoal em favor das duas teses defensivas, mas, em relação à legitimidade do assistente de acusação, decidiu alinhar sua posição ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF). “O plenário do STF debateu tese idêntica a esta no julgamento do HC 102.085, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, firmando entendimento contrário, ou seja, de que o assistente da acusa-ção tem legitimidade para recorrer, ainda que o órgão ministerial tenha se manifestado, em alegações finais, pela absolvição do acusado”, disse o ministro. Em relação à tese de que um novo julgamento ofenderia a soberania do tribunal do júri, o relator ficou ven-cido. O colegiado, por maioria, acompanhou o entendimento do Ministro Nefi Cordeiro de que o tribunal pode submeter o réu a novo julgamento se considerar que a decisão é contrária à prova dos autos. REsp 1451720. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Empresa é condenada por conhecer metade da senha bancária do empregado e por exigir abertura de conta

um servente de obras procurou a Justiça do Trabalho alegando que sua empregadora o obrigou a cadastrar a senha da sua conta bancária utilizando os quatro últimos dígitos de seu CPF. Segundo relatos do trabalhador, a abertura da conta salário foi realizada

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224 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – CLIPPING JURÍDICO

em uma agência bancária localizada em Belo Horizonte, o que dificultava a sua rotina, já que ele trabalhava em Viçosa/MG. Por essas razões, ele pediu a condenação da em-presa prestadora de serviços ao pagamento de indenização por danos morais. Diante da comprovação desses fatos, a Turma Recursal de Juiz de Fora acompanhou o voto da Desembargadora Paula Oliveira Cantelli e manteve a condenação da empresa ao pagamento de indenização no valor de R$ 5 mil. Inconformada com a condenação, a empresa tentou convencer os julgadores de que as alegações do trabalhador não corres-pondiam à realidade. Sustentou que seria impossível uma instituição financeira de gran-de porte fornecer a uma empresa-cliente dados sigilosos da conta de seus empregados. Argumentou, ainda, que o valor fixado da indenização foi abusivo e injustificável, já que o trabalhador não demonstrou o prejuízo sofrido, tendo passado apenas por meros aborrecimentos. Por fim, a empresa ressaltou que a juíza sentenciante apresentou um entendimento equivocado e tendencioso, tentando fazer justiça ao estilo Robin Hood. Entretanto, a empregadora não obteve sucesso em seu recurso, porque o conjunto de provas analisado pela desembargadora foi favorável à tese do trabalhador. Ao exami-nar a prova oral emprestada, a julgadora constatou que, no momento da contratação do empregado, a preposta da empresa realizava os procedimentos para a abertura da conta salário e informava ao empregado novato que a senha era composta de 4 núme-ros e 3 letras, sendo que a parte numérica correspondia aos 4 últimos dígitos do CPF. Nesse contexto, a relatora reconheceu a violação do sigilo bancário e o desrespeito à privacidade do empregado, o que é suficiente para causar-lhe angústia e inquietação, ainda que não tenha desaparecido qualquer valor em sua conta: O que se nota, sem maiores dificuldades, é que a empregadora sabia que a senha numérica era composta pelos quatro últimos dígitos do CPF do empregado, o que fragiliza a segurança em torno do sigilo bancário e causa desassossego ao empregado, mesmo que a senha alfabética fosse desconhecida do empregador, completou. Além disso, conforme acentuou a jul-gadora, houve um desacerto administrativo em razão das primeiras contas abertas para os empregados estarem centralizadas em agência de Belo Horizonte, transtornando a vida dos empregados, o que foi confirmado pela testemunha patronal. Diante desse quadro, a desembargadora considerou evidentes os danos morais experimentados pelo trabalhador em virtude da conduta patronal ilícita, razão pela qual foi confirmado o valor da indenização deferida em 1º grau. A Turma julgadora acompanhou esse posi-cionamento. (0001029-44.2010.5.03.0158/RO) (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região)

Turma afasta eficácia de PDV de multinacional por descumprimento de legislação brasileira

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho afastou a eficácia liberatória geral e irrestrita da adesão de um ex-gerente geral para a América Latina da multinacional Life Tecnologies Brasil Comércio e Indústria de Produtos para Biotecnologia Ltda. ao Plano de Demissão Voluntária (PDV) da empresa, pelo fato de as parcelas e valores não esta-rem discriminados no termo de rescisão do contrato de trabalho. O trabalhador alegou que foi coagido moralmente a negociar sua dispensa e deixou de receber o benefício denominado complemento salarial mesmo sem abrir mão da vantagem. Por outro lado, a empresa negou a coação e afirmou ter liquidado todas as bonificações e créditos tra-

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – CLIPPING JURÍDICO �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������225

balhistas acordados. Sustentou também que o complemento não era pago aos colabora-dores no Brasil. O juízo da 50ª Vara do Trabalho do São Paulo (SP) considerou válida a transação extrajudicial, e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) manteve a sentença. Para o TRT, não houve coação, uma vez que o gerente, ocupante de alto cargo na empresa, sabia bem o que estava assinando, e tinha pleno conhecimento das opções de desligamento disponíveis, que poderiam seguir a legislação brasileira ou a política adotada nos Estados unidos, mais vantajosa financeiramente. Ao analisar o recurso de revista do trabalhador, o Relator, Ministro Alexandre Agra Belmonte, afastou a eficácia liberatória da rescisão, por entender que o acordo celebrado contrariou a Orientação Jurisprudencial nº 270 da Subseção 1 Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do TST, já que o PDV previa a quitação das garantias contidas no contrato de trabalho. Para o ministro, a transação também violou direito trabalhista irrenunciável diante da falta da discriminação dos valores e parcelas no recibo de rescisão (art. 840 da CLT). O relator afirmou que o pedido da verba de complementação salarial não chegou a ser analisado nas instâncias anteriores e determinou o retorno do processo ao Regional para que seja apreciado. A decisão foi unânime. Processo: RR-916-19.2011.5.02.0050. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Superior do Trabalho)

Reconhecida legitimidade do MP para propor ação contra acordo tributário

Em juízo de retratação, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhe-ceu a legitimidade do Ministério Público (MP) para propor ação civil pública com o objetivo de anular Termo de Acordo de Regime Especial (Tare) potencialmente lesivo ao patrimônio público, em razão de menor recolhimento do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Os ministros aplicaram o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, ao julgar recurso extraordinário sob o regime da repercussão geral (RE 576.155), definiu que o Tare não diz respeito apenas a interesses individuais, mas alcança interesses metaindividuais, pois o ajuste pode ser lesivo ao patrimônio público. A legislação do Distrito Federal instituiu um regime especial de apuração do ICMS para facilitar o cumprimento das obrigações fiscais pelos contribuintes. Para usu-fruir do regime, o contribuinte firma um Termo de Acordo de Regime Especial e passa a abater parte do imposto sobre o montante das operações de saída de mercadorias ou serviços. • Alinhamento: A ação foi ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal com o objetivo de ver declarado nulo o Tare firmado entre uma empresa de alimentos e o Fisco, para assim tornar ineficaz o crédito concedido à empresa e obrigá-la a recolher o ICMS que deixou de ser pago em virtude do benefício. Ao analisar o caso, a Primeira Turma do STJ extinguiu o processo por considerar que o MP não tinha legitimidade para ajuizar a ação. A decisão seguiu o entendimento pacificado pela Primeira Seção, quan-do ainda não havia a definição do STF. Com o julgamento do recurso extraordinário sobre o tema, o caso decidido pela Primeira Turma foi reapreciado, conforme previsto na disciplina da repercussão geral (ar. 543-B do Código de Processo Civil). Acompa-nhando o voto do Relator, Desembargador convocado Olindo Menezes, a Turma ali-nhou seu entendimento ao do STF e negou provimento aos recursos do Distrito Federal e da empresa, mantendo a decisão do Tribunal de Justiça do Distrito Federal que havia considerado o MP legítimo para propor a ação anulatória de Tare. REsp 760087. (Con-teúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

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226 �������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – CLIPPING JURÍDICO

Quadro de credores pode ser retificado após homologação do plano de recuperação judicial

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que é possível a retifica-ção do quadro geral de credores após a homologação do plano de recuperação judicial. A decisão se deu em recurso relatado pelo Ministro Villas Bôas Cueva e beneficia o Ban-co Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O banco e a Empresa Gestora de Ativos (Emgea) estão entre os credores da Veplan Hotéis e Turismo, adminis-tradora do hotel Sofitel, no Rio de Janeiro, objeto de leilão para o pagamento de débitos. No deferimento da recuperação judicial, o BNDES teve seu crédito declarado no valor de R$ 34,4 milhões. Por entender que a quantia representava somente 10% do valor real da dívida, o banco impugnou a relação de credores. A assembleia geral de credores aprovou o plano de recuperação, ocasião em que o BNDES ressalvou em ata que seu crédito estava sub judice. Posteriormente, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) fixou como incontroverso o crédito de R$ 382,7 milhões e determinou a retificação e publicação do quadro de credores. Sentindo-se prejudicada, a Emgea recorreu – primei-ro ao TJRJ, sem sucesso, e depois ao STJ. Alegou que não seria admissível a modificação do plano de recuperação aprovado pela assembleia sem anuência da Veplan e tampou-co dos credoes que estariam sofrendo prejuízos com a modificação. • Consequência lógica: O Ministro Villas Bôas Cueva explicou que há duas fases distintas e paralelas no âmbito da recuperação judicial: a fase de verificação e habilitação de créditos e a fase de apresentação e deliberação do plano. No caso analisado pela Terceira Turma, a aprovação do plano ocorreu quando ainda não havia sido julgada a impugnação do crédito e, consequentemente, encontrava-se pendente de consolidação o quadro geral de credores. Para o ministro, a retificação do quadro de credores após o julgamento da impugnação é consequência “lógica e previsível, própria da fase de verificação e habi-litação dos créditos”. Essa retificação é indispensável para a consolidação do quadro de credores, e o fato de eventualmente ocorrer após a homologação não prejudica o plano de recuperação, disse o relator. Villas Bôas Cueva concluiu que questões passíveis de impugnação na relação de credores – previstas no art. 8º da Lei nº 11.101/2005 (au-sência, legitimidade, importância ou classificação de crédito) – somente se consolidam após a decisão judicial a respeito (art. 18 da mesma lei). Assim, admite-se a retificação do quadro geral de credores em tais hipóteses, mesmo após a aprovação do plano. REsp 1371427. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 09�09�2015

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Resenha Legislativa

LEIS

leI nº 13.159, de 10.08.2015 – publIcAdA no dou de 11.08.2015 – edIção eXtrA

Altera a Lei nº 11.484, de 31 de maio de 2007, que dispõe sobre os incentivos às indústrias de equipamentos para TV Digital e de componentes eletrônicos semicondutores e sobre a proteção à propriedade intelectual das topografias de circuitos integrados, instituindo o Programa de Apoio ao Desenvolvimen-to Tecnológico da Indústria de Semicondutores – PADIS e o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Equipamentos para a TV Digital – PATVD.

leI nº 13.158, de 04.08.2015 – publIcAdA no dou de 05.08.2015 – edIção eXtrA

Altera os arts. 48 e 103 da Lei nº 8.171, de 17 de janeiro de 1991, com a finalidade de instituir, entre os objetivos do crédito rural, estímulos à substi-tuição do sistema de pecuária extensivo pelo sistema de pecuária intensivo e ao desenvolvimento do sistema orgânico de produção agropecuária.

leI nº 13.156, de 04.08.2015 – publIcAdA no dou de 05.08.2015 – edIção eXtrA

Altera a redação do § 2º do art. 5º da Lei nº 7.797, de 10 de julho de 1989, que cria o Fundo Nacional de Meio Ambiente e dá outras providências.

leI nº 13.155, de 04.08.2015 – publIcAdA no dou de 05.08.2015 – edIção eXtrA

Estabelece princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente e democrática para entidades desportivas profissionais de futebol; institui parcelamentos especiais para recuperação de dívidas pela união, cria a Autoridade Pública de Governança do Futebol – APFuT; dis-põe sobre a gestão temerária no âmbito das entidades desportivas profis-sionais; cria a Loteria Exclusiva – Lotex; altera as Leis nºs 9.615, de 24 de março de 1998, 8.212, de 24 de julho de 1991, 10.671, de 15 de maio de 2003, 10.891, de 9 de julho de 2004, 11.345, de 14 de setembro de 2006, e 11.438, de 29 de dezembro de 2006, e os Decretos-Leis nºs 3.688, de 3 de outubro de 1941, e 204, de 27 de fevereiro de 1967; revoga a Medida Provisória nº 669, de 26 de fevereiro de 2015; cria programa de iniciação esportiva escolar; e dá outras providências.

leI nº 13.154, de 30.07.2015 – publIcAdA no dou de 31.07.2015Altera a Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 – Código de Trânsito Brasi-leiro, a Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e a Lei nº 13.001, de 20 de junho de 2014; e dá outras providências.

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228 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – RESENHA LEGISLATIVA

DECRETOS

decreto nº 8.505, de 20.08.2015 – publIcAdo no dou de 21.08.2015Dispõe sobre o Programa Áreas Protegidas da Amazônia, instituído no âmbi-to do Ministério do Meio Ambiente.

decreto nº 8.501, de 18.08.2015 – publIcAdo no dou de 19.08.2015Promulga a Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia, firmada em Nova Iorque, em 30 de agosto de 1961.

decreto nº 8.499, de 12.08.2015 – publIcAdo no dou de 13.08.2015Altera o Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999, que aprova o Regulamento da Previdência Social.

decreto nº 8.498, de 10.08.2015 – publIcAdo no dou de 11.08.2015Altera o Decreto nº 7.790, de 15 de agosto de 2012, que dispõe sobre finan-ciamento do Fundo de Financiamento Estudantil – FIES.

MEDIDA PROVISóRIA

medIdA provISórIA nº 684, de 21.07.2015 Altera a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, que estabelece o regime jurí-dico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colabora-ção com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento; e altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999.

Fechamento da Edição: 09�09�2015

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ARTIGOS DOuTRINáRIOS

• O Nepotismo Cruzado e a Súmula Vinculante nº 13, do Egrégio Supremo Tribunal Federal. A Improbidade Administrativa. Jurispru-dência sobre o Tema

Gina Copola Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

• Alguns Aspectos Polêmicos das Cooperativas de Trabalho ou Serviço Mauricio Lentini Linhares da Silva Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOuTRINAS

Assunto

Por Um meio Ambiente eqUilibrAdo

• Protección Jurídica del Medio Ambiente en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana de De-rechos Humanos (Valerio de Oliveira Mazzuolie Gustavo de Faria Moreira Teixeira) .....................9

• A Extrafiscalidade como Instrumento de Proteção do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibra- do (Carolina Schroeder Alexandrino e MarcianoBuffon) .................................................................32

Autor

CArolinA sChroeder AlexAndrino e mArCiAno bUffon

• A Extrafiscalidade como Instrumento de Prote-ção do Meio Ambiente Ecologicamente Equili-brado ...................................................................32

gUstAvo de fAriA moreirA teixeirA e vAlerio de oliveirA mAzzUoli

• Protección Jurídica del Medio Ambiente en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana deDerechos Humanos ...............................................9

mArCiAno bUffon e CArolinA sChroeder AlexAndrino

• A Extrafiscalidade como Instrumento de Prote-ção do Meio Ambiente Ecologicamente Equili-brado ...................................................................32

vAlerio de oliveirA mAzzUoli e gUstAvo de fAriA moreirA teixeirA

• Protección Jurídica del Medio Ambiente en la Jurisprudencia de la Corte Interamericana deDerechos Humanos ...............................................9

TEXTOS CLÁSSICOS

Assunto

Por Um meio Ambiente eqUilibrAdo

• A Jurisdição Administrativa na Alemanha: entre Tarefas Clássicas e Desafios Atuais (Eberhard Schmidt-Aßmann) ................................................45

Autor

eberhArd sChmidt-AßmAnn

• A Jurisdição Administrativa na Alemanha: entre Tarefas Clássicas e Desafios Atuais ......................45

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

Por Um meio Ambiente eqUilibrAdo

• Ação direta de inconstitucionalidade – Lei pau- lista – Proibição de importação, extração, be-neficiamento, comercialização, fabricação e instalação de produtos contendo qualquer tipo de amianto – Governador do Estado de Goiás – Legitimidade ativa – Invasão de competência daunião (STF) ................................................3091, 59

EMENTÁRIO

Assunto

Por Um meio Ambiente eqUilibrAdo

• Constitucionalidade da demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol ....................3092, 71

• Constitucionalidade do art. 36 da Lei Federal nº 9.985/2000 (SNuC) ...............................3093, 71

• Decisões que afastam princípio fortemente de-fendido pela doutrina (in dubio pro natura), que diz que no conflito entre normas de diferentes entes federativos prevalece a que garante a maior proteção ao meio ambiente .......................3094, 71

• Declaração de inconstitucionalidade do art. 4º, caput e §§ 1º a 7º do Código Florestal (Lei Fe-deral nº 4.771/1965) ..................................3095, 72

• Negou liminar em ADI contra lei de SP que pro-íbe qualquer forma de utilização de todo tipo de amianto (um tipo de mineral), inclusive o cri-sotila, que é expressamente autorizado por lei federal). Esse caso é paradigmático, pois noutros casos idênticos o STF concedeu liminar para suspender as leis estaduais. Ademais, é possível que o julgamento do mérito declare a incons-titucionalidade da lei federal (sendo que o pe-dido é contra a lei estadual .......................3096, 73

• Meio ambiente – produção com amianto – proi-bição .........................................................3097, 73

• Meio ambiente – produção com amianto – proi-bição .........................................................3098, 74

• Proíbe a importação de pneus usados, sob o ar-gumento de que tal atividade representa risco ao meio ambiente sadio ................................3099, 75

• Reconhece que a propriedade deve cumprir sua função social, incluindo a utilização não noci-va ao meio ambiente .................................3100, 76

• Recurso contra decisões do TJSC em ação civil pública ajuizada pela recorrente objetivando condenar o Estado de Santa Catarina a proce-der à proibição da Farra do Boi .................3101, 79

• TJSP condenou o Estado de São Paulo a indenizar proprietários de áreas particulares para criaçãoda Reserva Ecológica Juréia-Itatins .............3102, 79

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������231

Índice Geral

DOuTRINAS

Assunto

liCitAção

• Planejamento como Imperativo do Desenvol-vimento Sustentável: A Ineficácia da Licitação Ecológica em Face da Lei Nacional de Licita-ções (Vinicius Diniz e Almeida Ramos e Márcio Luís de Oliveira) ..................................................92

novo Código de ProCesso Civil

• A Discrição Judicial e a Prerrogativa dos Ad-vogados ao Pronto Atendimento pelos Juízes: Análise a Partir da Ótica da Nova Ordem Pro-cessual Civil (Alvaro Luis de A. S. Ciarlini) ...........80

Autor

AlvAro lUis de A. s. CiArlini

• A Discrição Judicial e a Prerrogativa dos Ad-vogados ao Pronto Atendimento pelos Juízes: Análise a Partir da Ótica da Nova Ordem Pro-cessual Civil ........................................................80

márCio lUís de oliveirA e viniCiUs diniz e AlmeidA rAmos

• Planejamento como Imperativo do Desenvol-vimento Sustentável: A Ineficácia da Licitação Ecológica em Face da Lei Nacional de Licitações ............................................................................92

viniCiUs diniz e AlmeidA rAmos e márCio lUís de oliveirA

• Planejamento como Imperativo do Desenvol-vimento Sustentável: A Ineficácia da Licitação Ecológica em Face da Lei Nacional de Licitações ............................................................................92

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

estelionAto

• Direito penal – Estelionato – Art. 171, § 3º, do Código Penal – Materialidade e autoria com-provadas – Estado de necessidade – Inocorrên-cia – Dosimetria da pena – Maus antecedentes – Culpabilidade – Circunstância agravante do art. 61, II, h, do Código Penal – Redimensio-namento da pena – Condenação, de ofício, à reparação dos causados – Impossibilidade(TRF 3ª R.) ...............................................3105, 122

• Penal – Art. 171, § 3º, do CP – Estelionato con-tra o INSS – Recebimento indevido de aposen-tadoria por tempo de contribuição – Fraude –

Vínculo empregatício falso – Inserção de dados falsos em sistema informatizado do INSS – Inter-mediação por um dos réus entre requerente a benefício e funcionário da autarquia previden-ciária – prejuízo causado à previdência – Ina-plicabilidade do princípio da insignificância tendo em vista o bem jurídico tutelado – Auto-ria, materialidade e dolo comprovados – Con-denações mantidas (TRF 4ª R.) .................3106, 132

iss

• Tributário – Embargos à execução fiscal – ISS – Pretenso contrato de arrendamento (leasing) – Caso concreto que trata de típico contra-to de financiamento – Afastamento da exação(TRF 5ª R.) ...............................................3107, 144

liCitAção

• Licitação – Revogação – Empresa vencedora – Pretensão de anulação do ato – Indeferimento – Prejudicialidade, em razão do tempo decorri-do – Pretensão secundária de indenização – Re-embolso das despesas com a licitação – Deferi-mento na sentença – Ressarcimento de outros prejuízos com antecipação de providências em face da expectativa de contratação – Acrésci-mo – Parcial provimento à apelação da autora(TRF 1ª R.) ...............................................3103, 110

ProPriedAde indUstriAl

• Agravo de instrumento – Direito processual civil – Propriedade industrial – Anulação de registro de marca – Antecipação da tutela – Presença dos pressupostos para a concessão da medida – Agravo provido (TRF 2ª R.) ......................3104, 118

EMENTÁRIO

Administrativo

AnistiA

• Anistia – perseguição política – pretensão in-denizatória – dilação probatória – necessidade ................................................................3108, 148

bem PúbliCo

• Bem público – mera detenção – benfeitorias – indenização indevida ..............................3109, 148

ConCUrso PúbliCo

• Concurso público – agente de polícia – vida pregressa e investigação social – sindicância – prática de ato infracional análogo ao crime dehomicídio doloso – não recomendação ...3110, 148

imProbidAde AdministrAtivA

• Improbidade administrativa – Procurador Re-gional da República – perda do cargo – prerro-gativa de função – inexistência ................3111, 149

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232 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

liCitAção

• Licitação – empresa vencedora – vícios me-ramente formais – inabilitação – ato abusivo ................................................................3112, 149

Poder de PolíCiA

• Poder de polícia – ANTT – veículos locados pelo Ministério Público – pedágio – isenção ................................................................3113, 150

servidão AdministrAtivA

• Servidão administrativa – passagem de eletro-duto – constituição por escritura pública – ree-xame – impossibilidade ...........................3114, 151

Ambiental

Ação Civil PúbliCA

• Ação civil pública – degradação ambiental – corte com motosserra – falta de licença – confi-guração ...................................................3116, 152

ACidente AmbientAl

• Acidente ambiental – explosão de navio – va-zamento de óleo e outras substância químicas – responsabilização às empresas proprietárias –impossibilidade .......................................3115, 152

Crime AmbientAl

• Crime ambiental – caça de jabutis – consumo próprio – princípio da insignificância – aplica-bilidade ...................................................3117, 152

dAno AmbientAl

• Dano ambiental – construção de usina – risco de desabamento – princípio da precaução – ca-bimento ...................................................3118, 154

exPlorAção minerAl

• Exploração mineral – crime formal – dano am-biental – comprovação ............................3119, 155

infrAção AmbientAl

• Infração ambiental – transporte irregular de ma-deira – apreensão do veículo – liberação – pos-sibilidade .................................................3120, 156

Constitucional

Ação diretA de inConstitUCionAlidAde

• Ação direta de inconstitucionalidade – frota de táxis – aumento – autorização – lei de iniciati-va parlamentar – vício e iniciativa – ocorrência ................................................................3121, 157

• Ação direta de inconstitucionalidade – servi-dão de passagem – lei de iniciativa parlamentar– vício – existência ..................................3122, 157

Ação PoPUlAr

• Ação popular – repasse de verbas – eventos cul-turais – custeio – ilegalidade – ausência ... 3123, 158

direito eleitorAl

• Direito eleitoral – suspensão de direitos públi-cos – certidão de quitação eleitoral – expedi-ção de passaporte – possibilidade ............3124, 158

edUCAção

• Educação – creche pública – matrícula – decre-to judicial – determinação – dever do Estado – independência dos poderes – violação – ino-corrência .................................................3125, 160

Penal/Processo Penal

Ação PenAl

• Ação penal – ofensa racial – responsabilidade civil – configuração ................................3126, 161

AmeAçA

• Ameaça – pena – isenção – excludente de im-putabilidade – afastamento ......................3127, 162

CAlúniA

• Calúnia – violação expressa de lei não compro-vada – sentença – absolvição ...................3128, 162

Código de trânsito brAsileiro

• Código de Trânsito Brasileiro – descriminaliza-ção da conduta – condenação .................3129, 162

ContrAbAndo

• Contrabando – cigarros – pena – substituição ................................................................3130, 164

Crime ContrA A honrA

• Crime contra a honra – advogado no exercício da profissão – termos impróprios – dolo es-pecífico – ausência ..................................3131, 164

Processo Civil e Civil

Ação CAUtelAr

• Ação cautelar – exceção de incompetência – ar-gumentos – prequestionamento ...............3132, 165

Ação de CobrAnçA

• Ação de cobrança – emolumentos – ato notarial de averbação – matrícula .........................3133, 165

Ação monitóriA

• Ação monitória – contratos bancários – instru-mento particular de confissão de dívida – notapromissória ..............................................3134, 166

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DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO �����������������������������������������������������������������������������������������������������������������233 defesA do ConsUmidor

• Defesa do consumidor – transporte aéreo – can-celamento de passagem – danos moral e ma-terial ........................................................3135, 168

divórCio

• Divórcio – litispendência – cheque como ga-rantia – ônus da prova .............................3136, 169

JUstiçA grAtUitA

• Justiça gratuita – concessão – eficácia em to-das as instâncias – renovação do pedido .3137, 169

Trabalhista/Previdenciário

Ação regressivA

• Ação regressiva – pagamento de benefício de-corrente de acidente do trabalho – normas de segurança – negligência do empregador –ressarcimento devido ...............................3138, 170

ACidente do trAbAlho

• Acidente do trabalho – vínculo empregatício do de cujus reconhecido por sentença traba-lhista – contribuições previdenciárias recolhidaspelo empregador – efeitos ........................3139, 172

APosentAdoriA Por idAde

• Aposentadoria por idade – rurícola – acórdão que aponta a fragilidade do conjunto fático-probató-rio – impossibilidade de reexame ............3140, 172

AUxílio-doençA

• Auxílio-doença – perícia judicial conclu-dente – incapacidade laboral temporária – benefício devido ......................................3141, 172

doméstiCo

• Doméstico – liberdade de horário – vínculo ine-xistente ....................................................3142, 174

emPregAdor

• Empregador – fornecimento do PPP – ausência– atividade de risco – obrigatoriedade .....3143, 176

estAbilidAde ProvisóriA

• Estabilidade provisória – gravidez de risco – res-ponsabilidade objetiva – alcance .............3144, 176

Tributário

ContribUição

• Contribuição – incidente sobre comercializa-ção – produção rural – empregador – pessoafísica – não comprovação ........................3145, 176

ContribUição Ao sAt

• Contribuição ao SAT – fixação da alíquota – parâmetros do Conselho Nacional de Previ-dência Social – possibilidade ...................3146, 178

ContribUição PrevidenCiáriA

• Contribuição previdenciária – Lei nº 12.546/2011 – base de cálculo – pretensão de exclusão – ICMS/ISS/Cofins – via inadequada – impossibi-lidade ......................................................3147, 180

exeCUção fisCAl

• Execução fiscal – penhora on line – Bacen-Jud – determinação ex officio – art. 655-A do CPC – aplicabilidade .......................................3148, 180

fUnrUrAl

• Funrural – contribuição social – emprega-dor rural – pessoa física – Lei nº 10.256/2001 c/c EC 20/1998 – repristinação – não ocor-rência ......................................................3149, 181

PArCelAmento

• Parcelamento – art. 174, parágrafo único, IV do CTN – débitos não incluídos – prescrição –ocorrência ...............................................3150, 182

Seção Especial

TEORIAS E ESTuDOS CIENTÍFICOS

ContrAto AdministrAtivo

• Análise Econômica do Direito do Petróleo: De-safios do Novo Sistema Exploratório (Regina Linden Ruaro e Fabriccio Quixadá SteindorferProença) ............................................................184

Autor

fAbriCCio qUixAdá steindorfer ProençA e reginA linden rUAro

• Análise Econômica do Direito do Petróleo: De-safios do Novo Sistema Exploratório ..................184

reginA linden rUAro e fAbriCCio qUixAdá steindorfer ProençA

• Análise Econômica do Direito do Petróleo: De-safios do Novo Sistema Exploratório ..................184

DOuTRINA ESTRANGEIRA

Assunto

AbUso do direito de defesA

• Considerations About the (Abuse) Right to Defense of AGu in Lawsuits Proposed by For-mer Political Prisioners and/or by Relatives of

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234 ����������������������������������������������������������������������������������������������������������DPU Nº 65 – Set-Out/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Dead and Disappeared During Civil-Military Dictatorship: Is There Effectiveness in its Di-mension of Justice? (Isabelle Maria Campos Vasconcelos Chehab e Nestor Eduardo ArarunaSantiago) ............................................................205

Autor

isAbelle mAriA CAmPos vAsConCelos ChehAb e nestor edUArdo ArArUnA sAntiAgo

• Considerations About the (Abuse) Right to De-fense of AGu in Lawsuits Proposed by Former Political Prisioners and/or by Relatives of Dead and Disappeared During Civil-Military Dicta-torship: Is There Effectiveness in its Dimensionof Justice? ..........................................................205

nestor edUArdo ArArUnA sAntiAgo e isAbelle mAriA CAmPos vAsConCelos ChehAb

• Considerations About the (Abuse) Right to De-fense of AGu in Lawsuits Proposed by Former Political Prisioners and/or by Relatives of Dead and Disappeared During Civil-Military Dicta-torship: Is There Effectiveness in its Dimensionof Justice? ..........................................................205

CLIPPING JuRÍDICO

• Assistente de acusação pode recorrer mesmo contra posição do MP ........................................223

• Condena brasileira por tentar entrar nos EuAcom passaporte falso .........................................222

• Demissão administrativa por infração discipli-nar independe de condenação penal .................221

• Empresa é condenada por conhecer metade da senha bancária do empregado e por exigir aber-tura de conta .....................................................223

• Quadro de credores pode ser retificado após ho-mologação do plano de recuperação judicial ...... 226

• Reconhecida legitimidade do MP para propor ação contra acordo tributário .............................225

• Tribunal concede isenção de Imposto de Ren-da a aposentado portador de neoplasia malignacontrolada .........................................................221

• Turma afasta eficácia de PDV de multinacionalpor descumprimento de legislação brasileira .....224

RESENHA LEGISLATIVA

leis

• Lei nº 13.159, de 10.08.2015 – Publicada noDOu de 11.08.2015 – Edição extra...................227

• Lei nº 13.158, de 04.08.2015 – Publicada noDOu de 05.08.2015 – Edição extra...................227

• Lei nº 13.156, de 04.08.2015 – Publicada noDOu de 05.08.2015 – Edição extra...................227

• Lei nº 13.155, de 04.08.2015 – Publicada noDOu de 05.08.2015 – Edição extra...................227

• Lei nº 13.154, de 30.07.2015 – Publicada noDOu de 31.07.2015 .........................................227

deCretos

• Decreto nº 8.505, de 20.08.2015 – Publicadono DOu de 21.08.2015 ....................................228

• Decreto nº 8.501, de 18.08.2015 – Publicadono DOu de 19.08.2015 ....................................228

• Decreto nº 8.499, de 12.08.2015 – Publicadono DOu de 13.08.2015 ....................................228

• Decreto nº 8.498, de 10.08.2015 – Publicadono DOu de 11.08.2015 ....................................228

medidA ProvisóriA

• Medida Provisória nº 684, de 21.07.2015 ........228