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Revista SÍNTESE Direito Empresarial ANO X – Nº 55 – MAR/ABR 2017 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Milena Sanches Tayano dos Santos COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Herica Eduarda Geromel Vasques CONSELHO EDITORIAL Alberto Flores Rosa Alexandre Priess Anderson Vichinkeski Teixeira Antônio Janyr Dall’Agnol Junior Arnoldo Wald Cristiano Heineck Schmitt Daniel Ustárroz (Coordenador) Danilo de Araujo Éderson Garin Porto Eliane Maria Octaviano Martins Euclides Rosa Filho Fábio Ulhoa Coelho Francisco Xavier Amaral Giuseppe Vettori Gustavo Filipe Barbosa Garcia Ives Gandra Martins João Glicério de Oliveira Filho José Augusto Delgado José Tadeu Neves Xavier Marcos Catalan Raúl Cervini Ricardo Lobo Torres Ruy Rosado de Aguiar Júnior Sergio Gilberto Porto Vera Maria Jacob de Fradera COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Anderson Schreiber, Bruna Caroline Santos, Bruno Theodoro da Silva, Daniel Soares Gomes, Fernanda Galera Soler, Fernando Gentil Gizzi de Almeida Pedroso, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Jaqueline Lourenço Rodrigues Lopes de Carvalho, Luís Rodolfo Cruz e Creuz, Marcos Faustino, Maristela Aparecida Dutra, Raul Cervini, Tauã Lima Verdan Rangel, Thais Helena Veneri ISSN 2236-5346 COMITÊ TÉCNICO Anderson Heineck Schmitt André Estevez José Paulo Dorneles Japur Nikolai Sosa Rebelo Rosilene Gomes da Silva Giacomin

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Revista SÍNTESEDireito Empresarial

Ano X – nº 55 – MAr/Abr 2017

repositório AutorizAdo de JurisprudênciATribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

diretor eXecutivo

Elton José Donato

Gerente editoriAl

Milena Sanches Tayano dos Santos

coordenAdor editoriAl

Cristiano Basaglia

editorA

Herica Eduarda Geromel Vasques

conselho editoriAlAlberto Flores Rosa

Alexandre PriessAnderson Vichinkeski Teixeira

Antônio Janyr Dall’Agnol JuniorArnoldo Wald

Cristiano Heineck SchmittDaniel Ustárroz (Coordenador)

Danilo de AraujoÉderson Garin Porto

Eliane Maria Octaviano MartinsEuclides Rosa FilhoFábio Ulhoa Coelho

Francisco Xavier Amaral

Giuseppe VettoriGustavo Filipe Barbosa GarciaIves Gandra MartinsJoão Glicério de Oliveira FilhoJosé Augusto DelgadoJosé Tadeu Neves XavierMarcos CatalanRaúl CerviniRicardo Lobo TorresRuy Rosado de Aguiar JúniorSergio Gilberto PortoVera Maria Jacob de Fradera

colAborAdores destA ediçãoAnderson Schreiber, Bruna Caroline Santos, Bruno Theodoro da Silva, Daniel Soares Gomes,

Fernanda Galera Soler, Fernando Gentil Gizzi de Almeida Pedroso, Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Jaqueline Lourenço Rodrigues Lopes de Carvalho, Luís Rodolfo Cruz e Creuz, Marcos Faustino,

Maristela Aparecida Dutra, Raul Cervini, Tauã Lima Verdan Rangel, Thais Helena Veneri

ISSN 2236-5346

coMitê técnicoAnderson Heineck Schmitt

André EstevezJosé Paulo Dorneles Japur

Nikolai Sosa RebeloRosilene Gomes da Silva Giacomin

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos jurídicos e empresariais.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 4.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista SÍNTESE Direito Empresarial: Ano 10, nº 55, Mar./Abr. 2017. Nota: Continuação da Revista Jurídica Empresarial da Editora Notadez. Diretor: Elton José Donato

Bimestral: 1953-1962; trimestral: 1963-1965; irregular: 1966-1967; anual: 1968; trimestral: 1977; bimestral: 1982; mensal: 1988

ISSN 2236-5346

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

A edição de nº 55 da Revista SÍNTESE Direito Empresarial tratou de abordar o tema “Contratos Eletrônicos”, no qual se verifica a dificuldade que se tem, no Brasil, de fazer a contratação virtual no campo jurídico.

O e-commerce movimenta bilhões de reais por ano no Brasil, o que gera a cada ano maior crescimento do faturamento. Cada vez mais, maior número de consumidores brasileiros adquire produtos e serviços por meio da internet. O Brasil representa o maior e mais promissor mer-cado de e-commerce da América Latina, seguido pelo México e Chile.

Para tratar de assunto tão interessante, contamos com a colabo-ração de brilhantes juristas Dr. Anderson Schreiber e Dr. Tauã Lima Verdan Rangel.

Na Parte Geral selecionamos um vasto conteúdo para manter-mos a qualidade desta Edição, com relevantes temas e doutrinas de grandes nomes do Direito, tais como: Gustavo Filipe Barbosa Garcia, Maristela Aparecida Dutra, Daniel Soares Gomes, Marcos Faustino, Bruna Caroline Santos e Thais Helena Veneri.

Na Seção Especial denominada “Estudos Jurídicos”, publicamos um artigo intitulado “Direito Penal Econômico: a Releitura do Direito Penal Clássico para o Combate à Macrocriminalidade”, de autoria dos Drs. Fernando Gentil Gizzi de Almeida Pedroso, Jaqueline Lourenço Rodrigues Lopes de Carvalho e Raul Cervini.

Na Seção Especial “Em Poucas Palavras”, publicamos um artigo intitulado “Planejamento Sucessório: o Que Lhe Impede”, de autoria do Dr. Bruno Theodoro da Silva.

E, por fim, publicamos ainda uma “Jurisprudência Comentada” sobre o julgamento de prescrição de exclusividade marcária em ação de abstenção de uso de marca, de autoria dos Drs. Luís Rodolfo Cruz e Creuz e Fernanda Galera Soler.

Aproveite esse rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Milena Sanches Tayano dos SantosGerente Editorial

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ......................................................................7

Assunto Especial

Contratos ElEtrôniCos

Doutrinas

1. Contratos Eletrônicos no Direito Brasileiro – Formação dos Contratos Eletrônicos e Direito de ArrependimentoAnderson Schreiber ....................................................................................9

2. Comércio Eletrônico, Relações de Consumo e Proteção do Consumidor: Algumas ReflexõesTauã Lima Verdan Rangel ........................................................................32

JurispruDênCia

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ............................................................................56

2. Ementário ..................................................................................................72

aContECE

1. Notícias ....................................................................................................76

Parte Geral

Doutrinas

1. Direitos Sociais Como Exigência para a Dignidade da Pessoa Humana no Estado DemocráticoGustavo Filipe Barbosa Garcia .................................................................78

2. Eficácia do Silêncio no Negócio Jurídico e Análise Jurisprudencial sobre o TemaMaristela Aparecida Dutra........................................................................80

3. Esclarecimentos sobre Qual o País de Destino no Transporte Internacional Deve Ser Registrado no Siscoserv – Módulo AquisiçãoDaniel Soares Gomes ...............................................................................97

4. Da Participação de Empresas em Recuperação Judicial nas Lici- tações PúblicasMarcos Faustino, Bruna Caroline Santos e Thais Helena Veneri .............101

JurispruDênCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................108

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2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................115

ementário

1. Ementário de Jurisprudência ....................................................................131

Seção Especial

EstuDos JuríDiCos

1. Direito Penal Econômico: a Releitura do Direito Penal Clássico para o Combate à MacrocriminalidadeFernando Gentil Gizzi de Almeida Pedroso, Jaqueline Lourenço Rodrigues Lopes de Carvalho e Raul Cervini ..........................................161

Em pouCas palavras

1. Planejamento Sucessório: o Que Lhe ImpedeBruno Theodoro da Silva ........................................................................192

JurispruDênCia ComEntaDa

1. O Julgamento de Prescrição de Exclusividade Marcária em Ação de Abstenção de Uso de MarcaLuís Rodolfo Cruz e Creuz e Fernanda Galera Soler ...............................197

Clipping Jurídico ..............................................................................................222

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................225

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Re-vista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-

bico”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastrodeauto-res e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected]

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Assunto Especial – Doutrina

Contratos Eletrônicos

Contratos Eletrônicos no Direito Brasileiro – Formação dos Contratos Eletrônicos e Direito de Arrependimento

ANDERSON SCHREIBERProfessor de Direito Civil da UERJ, Procurador do Estado do Rio de Janeiro, Doutor em Direito Privado Comparado pela Università Degli Studi del Molise (Itália), Mestre em Direito Civil pela UERJ. Autor dos livros Direito Civil e Constituição e Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil, entre outros.

SUMÁRIO: 1 Nota prévia; 2 O comércio eletrônico no Brasil; 3 Os chamados contratos eletrônicos e os desafios trazidos pela contratação via Internet; 3.1 Quem contrata. Semianonimato virtual e o dever de identificação do fornecedor eletrônico; 3.2 Onde contrata. A transnacionalidade do con-trato eletrônico e o problema da lei aplicável. Stream of commerce e as normas de ordem pública; 3.3 Quando contrata. Momento de formação do contrato eletrônico e o dever de confirmação de recebimento da aceitação à oferta; 3.4 Como contrata. A informalidade do contrato eletrônico e sua prova; 3.5 O que contrata. A paradoxal insuficiência da informação no ambiente eletrônico. Publicida-de na Internet e outras técnicas de incentivo ao consumo; 4 Direito de arrependimento. Tratamento da matéria no Direito brasileiro: Lei nº 8.078/1990 e Decreto nº 7.962/2013. Experiência estrangeira: Diretiva nº 2011/83/CE. Análise comparativa; Conclusão.

There is no spoon.

(Matrix, 1999)

1 NOTA PRÉVIA

Aceitei, com honra e alegria, o convite para participar da obra em homenagem a Ruy Rosado de Aguiar Júnior. Sua influência sobre o Di-reito Civil brasileiro é imensa. Ruy Rosado capitaneou uma genuína re-volução na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, incorporando ao cotidiano da Corte conceitos que ainda eram vistos com estranheza pela maioria de seus pares. Foi um precursor do direito do consumidor e da aplicação da boa-fé objetiva às relações privadas, em suas múltiplas manifestações. Quando escrevi, treze anos atrás, um livro sobre a proi-bição de comportamento contraditório (venire contra factum proprium), não havia praticamente nada no Brasil a citar, a não ser os acórdãos do

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então Ministro Ruy Rosado. Sob a sua batuta, o Superior Tribunal de Justiça doutrinava.

Não por acaso, Ruy Rosado foi o idealizador e coordenador cien-tífico das primeiras Jornadas de Direito Civil, que seguem, até os dias atuais, aprovando enunciados interpretativos do Código Civil de 2002. A sua permanente disposição para debater, com transparência e elegância, os temas mais polêmicos é um exemplo para toda a magistratura, para a sua própria geração e para as gerações seguintes. Pareceu-me, portanto, necessário escolher para esta homenagem um tema que fosse, a um só tempo, atual e controvertido. Optei pela temática dos contratos eletrô-nicos, para cuja “fragilidade jurídica” Ruy Rosado já alertava na virada do século, em entrevista ainda hoje disponível no arquivo do Superior Tribunal de Justiça1.

2 O COMÉRCIO ELETRÔNICO NO BRASIL2

O comércio eletrônico ou e-commerce movimenta bilhões de reais por ano no Brasil. Embora sua parcela mais significativa, sob o pris-ma econômico, ainda seja representada por operações comerciais rea-lizadas entre os próprios fornecedores, também chamadas relações B2B (sigla em inglês para a expressão business to business), o faturamento do varejo eletrônico ou B2C (business to consumer) tem crescido expo-nencialmente entre nós3. Um número cada vez maior de consumidores brasileiros adquire produtos e serviços por meio da Internet. O Brasil re-presenta, segundo diversas pesquisas, o maior e mais promissor mercado de e-commerce da América Latina, seguido por México e Chile4.

Teoricamente, o consumidor brasileiro deveria ter mais facilida-de de exercer seus direitos no ambiente eletrônico. A sua comunicação com o fornecedor deveria ser mais ágil e célere, por força das tecnolo-

1 Ministro do STJ alerta para a fragilidade jurídica dos contratos eletrônicos, 26.09.2000. Disponível em: <www.stj.gov.br>.

2 O autor registra seu agradecimento ao acadêmico de direito Robson Guimarães Filho, pelo imprescindível auxílio nas pesquisas relativas ao comércio eletrônico e ao tratamento atualmente dispensado à matéria pelos Tribunais brasileiros.

3 Segundo dados da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico, o setor B2C foi responsável por um faturamento de 22,5 bilhões de reais no ano de 2012, alcançando um total de 66,7 milhões de pedidos (Disponível em: <www.camara-e.net>, 20 mar. 2013).

4 Além disso, o Brasil possui, segundo estudo realizado em 2010, o melhor índice de e-readiness da América Latina. Tal índice procura refletir, por meio da combinação de uma série de variáveis (potencial de demanda, infraestrutura tecnológica, penetração dos diferentes meios de pagamento, etc.), a capacidade de cada país para a conversão da Internet em um meio efetivo de comércio (Relatório da América Economia Intelligence. Disponível em: <www.ecommerceday.mx>).

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gias de comunicação a distância (e-mail) e interativa (chat). As informa-ções sobre o produto ou serviço contratado deveriam ser, em tese, mais amplas e mais acessíveis, já que, ao contrário do que ocorre no comér-cio tradicional, não há limite físico-espacial para a exposição de dados sobre o objeto da compra. O mesmo vale para os termos contratuais, que podem ser disponibilizados na Internet sem a necessidade de um suporte físico em papel e com o auxílio de realces visuais ou de simples mecanismos de busca que facilitem a identificação da informação es-pecífica buscada pelo consumidor. Em teoria, portanto, o consumidor deveria enfrentar menos percalços no comércio eletrônico do que no comércio tradicional.

Na prática, todavia, o que se verifica é que os direitos do consumi-dor brasileiro têm sido frequentemente desrespeitados no e-commerce, cujos índices de reclamação chegam a superar, proporcionalmente, aqueles do comércio tradicional em algumas regiões do Brasil. Notícias recentes têm revelado um quadro de violações sistemáticas à legislação brasileira por parte de grandes fornecedores eletrônicos de produtos ou serviços. Tome-se como exemplo pesquisa recente realizada pelo Pro-con do Rio de Janeiro5, que, analisando os sites de 25 fornecedores de produtos e serviços, em diferentes setores da economia, concluiu que nenhum deles respeitava integralmente a legislação brasileira em maté-ria de direitos do consumidor eletrônico6.

Fazer valer a legislação brasileira no e-commerce não é tarefa sim-ples. A contratação virtual traz uma série de dificuldades e desafios no campo jurídico.

3 OS CHAMADOS CONTRATOS ELETRÔNICOS E OS DESAFIOS TRAZIDOS PELA CONTRATAÇÃO VIA INTERNET

Nos manuais de direito civil e empresarial publicados no Brasil nos últimos anos, tornou-se comum encontrar referências aos “contratos eletrônicos”, como um “novo” gênero de contratos que se afastaria das regras do direito contratual pátrio, constituindo uma espécie de setor de exceção ou de capítulo à parte dentro do direito privado, a exigir uma

5 No sistema brasileiro, os Procons são órgãos ou entidades estaduais ou municipais responsáveis pela proteção dos direitos e interesses do consumidor.

6 “Procon carioca notifica 25 sites de comércio eletrônico”, reportagem de Luiza Xavier, publicada no O Globo Online, em 07.08.2013. O relatório do Procon revela, por exemplo, que nenhuma das 25 empresas notificada exibia de forma clara o instrumento contratual.

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legislação própria7. Em oposição a essa abordagem, há quem sustente que os chamados contratos eletrônicos podem e devem ser tratados exa-tamente como qualquer outro contrato, afirmando que toda a celeuma criada em torno do tema reduz-se ao problema da validade do docu-mento eletrônico como meio de prova perante o Poder Judiciário8.

A razão, contudo, não se situa em nenhum dos dois extremos. Por um lado, o que se tem chamado de “contratos eletrônicos” nada mais são do que contratos formados por meios eletrônicos de comunicação a distância, especialmente a Internet, de tal modo que o mais correto talvez fosse se referir à contratação eletrônica ou contratação via Inter-net, sem sugerir o surgimento de um novo gênero contratual. Por outro lado, parece hoje evidente que os desafios da matéria não se restringem à validade da prova da contratação por meio eletrônico – que, de resto, consiste em ponto superado no Direito brasileiro –, mas envolvem di-versos aspectos da teoria geral dos contratos que vêm sendo colocados em xeque por essa significativa transformação no modo de celebração dos contratos e no próprio desenvolvimento da relação jurídica entre os contratantes.

Com efeito, a contratação eletrônica veio abalar, de um só gol-pe, cinco referências fundamentais utilizadas pela disciplina jurídica do contrato: quem contrata, onde contrata, quando contrata, como contrata e o que contrata. Essas cinco questões eram respondidas de maneira relativamente segura nas contratações tradicionais e, por isso mesmo, eram tomadas como parâmetros pelo legislador e pelos Tribunais para a determinação da solução jurídica aplicável. No campo dos contratos eletrônicos, responder essas cinco perguntas básicas tornou-se um ver-dadeiro calvário, como se passa a demonstrar.

7 Cite-se, como exemplo desse entendimento, a passagem de Gustavo Testa Corrêa: “A economia está mudando. As transações de bens materiais continuam importantes, mas as transações de bens intangíveis, em um meio dessa mesma natureza, são os elementos centrais da dinâmica comercial contemporânea, do comércio eletrônico. A legislação deverá abraçar um novo entendimento: o de que as mudanças fundamentais resultantes de um novo tipo de transação requererão regras comerciais compatíveis com o comércio de bens via computadores e similares” (Aspectos jurídicos da internet. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 38).

8 É a posição de Carlos Gustavo Vianna Direito, para quem “muitas vezes o contrato que está sendo feito por intermédio de uma nova forma de comunicação não traz nenhuma novidade, sendo, pois, um contrato já regulado. A verdadeira questão dos contratos eletrônicos será a forma de prova destes perante o Poder Judiciário” (Do contrato – Teoria geral. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. p. 119-120). Ver, em sentido semelhante, Erica Aoki, para quem “contrato cibernético nada mais é do que aquele contrato firmado no espaço cibernético, e não difere de qualquer outro contrato. Ele apenas é firmado em um meio que não foi previsto quando a legislação contratual tradicional se desenvolveu” (Comércio eletrônico – Modalidades contratuais. Anais do 10º Seminário Internacional de Direito de Informática e Telecomunicações, Associação Brasileira de Direito de Informática e Telecomunicações, 1996, p. 4).

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3.1 Quem contrata. Semianonimato virtual e o dever de identificação do fornecedor eletrônico

Na contratação presencial entre pessoas naturais, há uma pron-ta identificação dos sujeitos contratantes. Essa identificação não é tão imediata quando a celebração do contrato envolve pessoa jurídica, já que, nessa hipótese, entram em jogo questões atinentes à legitimidade da representação (rectius: presentação). Ainda assim, há mecanismos ju-rídicos para a verificação da identidade dos contratantes e, mesmo na ausência de sua utilização, o direito prestigia, por meio da teoria da apa-rência e de outras construções doutrinárias e jurisprudenciais, a confian-ça depositada na identidade do contratante a partir dos dados físicos que compõem a situação aparente9. No comércio eletrônico, o problema da identificação do contratante é mais complexo.

São numerosos os sites de fornecedores de produtos ou serviços que sequer exibem o nome empresarial da pessoa jurídica responsável pelo fornecimento, limitando-se a exibir um nome fantasia. Muitos sites não trazem informações acerca de endereço físico ou mesmo de número telefônico para contato. O próprio domínio utilizado para hospedar o site (endereço do site) pouco revela, na medida em que seu registro pode ser feito sem a plena identificação do requerente e a consulta pública ao sistema brasileiro de domínios não exibe o nome do titular, mas apenas o servidor DNS10.

O problema se torna ainda mais dramático quando o domínio não é brasileiro (.br), já que cada país possui regras distintas para o proce-dimento de registro de domínios e a imensa maioria deles não revela publicamente quem são seus titulares. A figura do sujeito de direito se dissipa por completo na Internet. O consumidor, confiando na “marca” exibida ou mesmo na “boa aparência” do site, realiza a contratação ele-trônica e, somente diante do surgimento de defeitos posteriores, passa a buscar a identidade jurídica do fornecedor, que acaba, em muitos casos, por permanecer oculta. Tal circunstância compromete a efetividade das normas protetivas, na medida em que a ausência de um sujeito passivo plenamente identificado dificulta as comunicações formais entre as par-

9 Seja consentido remeter a SCHREIBER, Anderson. A representação no novo Código Civil. In: Direito civil e Constituição. São Paulo: Atlas, 2013. p. 61-78.

10 O sistema de nome de domínio (DNS – Domain Name System) é um sistema que nomeia computadores e serviços de rede e é organizado de acordo com uma hierarquia de domínios. Para maiores detalhes, ver Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.BR (Disponível em: <https://registro.br>).

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14 ��������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

tes e impede a adoção de medidas judiciais ou extrajudiciais (notifica-ções, etc.) por parte do consumidor lesado.

Com o propósito de combater essa e outras dificuldades inerentes ao comércio eletrônico, a Presidente Dilma Rousseff fez publicar, em 15 de março de 2013, o Decreto nº 7.962, cujo art. 2º determina:

Art. 2º Os sítios eletrônicos ou demais meios eletrônicos utilizados para oferta ou conclusão de contrato de consumo devem disponibilizar, em local de destaque e de fácil visualização, as seguintes informações:

I – nome empresarial e número de inscrição do fornecedor, quando hou-ver, no Cadastro Nacional de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas do Ministério da Fazenda;

II – endereço físico e eletrônico, e demais informações necessárias para sua localização e contato;

[...].11

Como revelou, todavia, a já citada pesquisa do Procon do Rio de Janeiro, numerosos fornecedores continuam descumprindo tais deveres, mantendo-se um cenário de semianonimato eletrônico no Brasil. Tal omissão está a exigir ulterior esforço de controle por parte dos órgão brasileiros, com a aplicação de sanções mais severas, uma vez que a identificação do fornecedor é imprescindível para a tutela adequada do consumidor no ambiente eletrônico e para a efetiva aplicação das nor-mas de direito contratual.

Referido esforço não pode prescindir, contudo, de acordos e con-vênios internacionais que permitam e imponham a identificação fácil e precisa das sociedades empresárias por trás dos sites de vendas. Mesmo nos países que não contam com normas cogentes nesse sentido, é pre-ciso que se desenvolvam “selos” de qualidade para os sites que cum-pram padrões mínimos internacionalmente aceitos, facilitando o acesso do consumidor à pessoa jurídica estrangeira com quem contrata. Nesse passo, assume relevância um segundo aspecto da atividade contratual fortemente atingido pelo comércio eletrônico: o lugar da contratação.

11 O texto do Decreto foi fortemente influenciado pelo Projeto de Lei nº 439, de 2011 (Senado Federal), dedicado à atualização do Código de Defesa do Consumidor em matéria de comércio eletrônico.

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3.2 onde contrata. a tranSnacionalidade do contrato eletrônico e o problema da lei aplicável. Stream of commerce e aS normaS de ordem pública

A Internet suprimiu a referência física, geográfica, ao lugar da con-tratação, noção que era tão cara ao raciocínio do direito civil e do direito internacional privado. Um consumidor brasileiro, em viagem pela Euro-pa, pode visitar o site de uma livraria de Nova Iorque, hospedado em um provedor da Califórnia, para adquirir um livro escrito por um autor francês, produzido por uma editora do Canadá, que lhe será expedido por um distribuidor situado no México ou na Argentina. Tais contratos, como se vê, não são meramente internacionais, no sentido tradicional do termo, mas são verdadeiramente transnacionais, já que transcendem qualquer nacionalidade. A nacionalidade perde, em larga medida, sua importância. O “lugar da contratação” passa, com o comércio eletrôni-co, a ser uma espécie de abstração12, uma ficção que os juristas lutam com unhas e dentes para preservar, mas que se revela cada vez mais artificiosa e irreal.

Tamanha transformação – talvez a mais significativa entre todas aquelas trazidas pelo advento da Internet – causa profundas consequ-ências no modo de aplicação do Direito, vinculado, desde a formação dos Estados nacionais, ao território (locus) de exercício da soberania es-tatal. A comunidade jurídica brasileira parece não ter ainda despertado para a amplitude dessas consequências, que prometem afetar, em última análise, a própria metodologia de produção das normas jurídicas e suas formas tradicionais de aplicação. Em um plano mais específico e mais imediato, porém, a jurisprudência brasileira tem revelado sensibilidade ao examinar ao menos um subproduto dessa mudança: a discussão so-bre a lei aplicável ao contrato.

A Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942) determina, em seu art. 9º, que as obrigações são regidas pela “lei do país em que se constituírem”13. A regra é de fácil aplicação nos contratos celebrados entre presentes, em que a própria situação física dos contratantes já revela o país em que o contrato é celebrado e, portanto, a lei que se destina a regê-lo. Em relação aos contratos celebrados entre ausentes, tal critério afigura-se,

12 Pense-se, por exemplo, na possibilidade, hoje cada vez mais frequente, de que o contrato eletrônico seja celebrado por meio de um dispositivo móvel, como telefone celular, tablet ou leitor digital, por um usuário em trânsito.

13 “Art. 9º Para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a lei do país em que se constituírem.”

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porém, inaplicável, tendo o legislador brasileiro recorrido aí a um arti-fício legal, segundo o qual, na contratação entre ausentes, “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”14.

A aplicação literal destas regras ao comércio eletrônico resultaria em constante reenvio à lei do país do fornecedor, na medida em que os sites de varejo exibem propostas permanentes ao público que o consu-midor simplesmente “aceita” mediante o pressionar de um botão do seu teclado ou mouse15. Dois problemas relevantes surgiriam. Primeiro, em um cenário em que, conforme já destacado, os sites muitas vezes omi-tem a própria identidade do fornecedor e também o seu endereço físico, o consumidor brasileiro acabaria por se sujeitar à legislação de um país que, no ato da contratação, sequer sabe precisamente qual é, gerando uma situação de inequívoco desequilíbrio em seu desfavor. Segundo, haveria forte estímulo para que fornecedores de produtos ou serviços on-line transferissem suas sedes para países com baixo grau de proteção normativa ao consumidor, replicando uma espécie de “manipulação” já adotada pelo mercado global em relação à legislação trabalhista, o que geraria prejuízos evidentes à economia brasileira16.

Por essas e outras razões, a jurisprudência brasileira tem cami-nhado no sentido de afirmar que o Código de Defesa do Consumidor se aplica às relações de consumo estabelecidas entre os fornecedores ele-trônicos estrangeiros e o consumidor brasileiro. Diferentes fundamentos têm sido utilizados para tanto. Invoca-se, de modo geral, a imperativi-dade do respeito às normas de ordem pública, ao lado de argumentos ligados à transnacionalidade das marcas comerciais em uma economia globalizada ou a uma importação algo abrangente da teoria do stream of commerce, segundo a qual quem direciona seu comércio aos consu-midores de certos países assume o ônus de ter sua atividade disciplinada pelas respectivas leis nacionais17.

14 Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro, art. 9º, § 2º.15 Essa é a conclusão praticamente unânime da doutrina brasileira: “Assim, devemos ter em mente que a oferta

feita via Web site é, em regra, ad incertas personas, não havendo como prever em que localidade poderá ser acessada. Portanto, o usuário que acessa o site deve ter em mente que está negociando sob as regras do local onde está o proponente, como esse estivesse negociando em viagem ao exterior” (BARBAGALO, Erica Brandini. Contratos eletrônicos. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 72).

16 O Brasil, convém lembrar, é considerado um país de forte legislação consumerista.17 Superior Tribunal de Justiça, Ação Rescisória nº 2.931/SP, 04.09.2003. Sobre a teoria do stream of

commerce, ver DAYTON, A. Kimberley. Personal Jurisdiction and the Stream of Commerce, 7 Review of Litigation 239 (1987-88), William Mitchell College of Law.

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Tais soluções não exprimem, como se pode notar, um retorno ou um renovado compromisso com o “lugar da contratação”. Muito ao con-trário: exprimem novas formas de identificação da lei aplicável às rela-ções contratuais, que deixam de estar atreladas à geografia da celebração para passarem a exprimir critérios ratione personae, fundados na pessoa do contratante (no caso, o consumidor brasileiro), ou critérios teleoló-gicos, como aqueles fundados na finalidade de proteção do consumi-dor frente às práticas de mercado, sejam elas nacionais, internacionais ou transnacionais. Parece inegável que o celebrado “fim das fronteiras” promovido pela globalização econômica tem, no comércio eletrônico, servido preponderantemente ao interesse dos fornecedores, que parecem pretender escapar no mundo virtual dos custos e ônus inerentes não ape-nas ao processo econômico de disponibilização dos produtos e serviços, mas também às normas jurídicas que regulamentam sua relação com os consumidores. Impõe-se aqui a resistência do direito às conveniências do mercado, resistência que não deve repousar sobre conceitos como o “lugar da contratação”, mas que deve recorrer abertamente à sua ratio fundamental neste campo: a proteção mais efetiva ao consumidor.

Sob o prisma estritamente jurídico, faz-se importante registrar que um dos pilares mais tradicionais do direito dos contratos – aquele que estabelecia uma relação quase “matemática” entre o local da contra-tação e a lei aplicável ao contrato – foi definitivamente rompido pelo comércio eletrônico, com uma série de consequências ainda não total-mente exploradas, quer no âmbito da teoria geral dos contratos, quer no âmbito do direito internacional privado.

3.3 Quando contrata. momento de formação do contrato eletrônico e o dever de confirmação de recebimento da aceitação à oferta

A terceira referência basilar da disciplina contratual afetada pela contratação eletrônica diz respeito ao momento da contratação. Quan-do se reputa firmado o contrato? Exatamente como ocorre em relação ao lugar da contratação, inexiste, no Direito brasileiro, uma regra específica que trate do tempo de formação dos contratos celebrados eletronica-mente. Aplica-se, a rigor, a norma geral estabelecida no art. 434 do Có-digo Civil, segundo a qual o contrato entre ausentes se forma, em regra, no momento em que a aceitação é expedida18.

18 “Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: I – no caso do artigo antecedente (art. 432); II – se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III – se

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Trata-se da chamada teoria da expedição mitigada, de longa tradi-ção no direito civil brasileiro. Em um cenário de contratação física, a te-oria da expedição traz certa segurança ao aceitante, o qual, no momento em que envia a aceitação, sabe já formado o vínculo contratual, sem que se faça necessária nova manifestação do proponente, o que, em um con-texto epistolar, exigiria maior dispêndio de tempo e custo. O envio da aceitação deixa, ademais, vestígios físicos (registro do encaminhamento por correio) que, em uma eventual dúvida quanto à formação ou não do contrato, favorecem o aceitante. No ambiente eletrônico, todavia, essas vantagens desaparecem. O envio da aceitação ocorre, muitas vezes, por um mero “clique” do usuário e não deixa qualquer prova ou indício de que a operação foi concluída.

Para evitar insegurança quanto à realização ou não do negócio virtual, deixando o consumidor ao sabor da conveniência do fornecedor em cumprir ou não a ordem expedida, muitos autores têm defendido o afastamento da teoria da expedição mitigada no campo dos contratos eletrônicos. Nessa direção, o Enunciado nº 173 da Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal, chega a afirmar: “A formação dos contratos realizados entre pessoas ausentes, por meio ele-trônico, completa-se com a recepção da aceitação pelo proponente”.

Tal enunciado, a nosso ver, merece reforma. A uma, porque con-traria frontalmente a letra do art. 434, transcendendo o escopo inter-pretativo dos enunciados para instituir uma orientação antagônica ao texto legal. A duas, porque a adoção da teoria da recepção não resolve o problema da formação dos contratos eletrônicos, na medida em que o consumidor eletrônico continua sem saber se o seu pedido de compra foi recebido, questão que permanece inteiramente na esfera de poder do fornecedor. Em outras palavras, condicionar a formação do contrato ao recebimento da aceitação não diminui em nada a insegurança negocial no ambiente eletrônico.

Melhor rumo seguiu o Decreto nº 7.962, de 15 de março de 2013, que, em seu art. 4º, inciso III, instituiu o dever de confirmação para ga-rantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico. Não se trata, a rigor, de uma mudança no momento de formação do contrato, já que o contrato continua se formando independentemente da confirmação, mas sim de um dever legal: passa a incorrer em infração

ela não chegar no prazo convencionado”. O art. 433, por sua vez, considera “inexistente a aceitação, se antes dela ou com ela chegar ao proponente a retratação do aceitante”.

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o fornecedor que deixa, nos termos do Decreto, de confirmar “imedia-tamente o recebimento da aceitação da oferta”19. Com isso, a legislação brasileira passa a se alinhar, nesse particular, ao Direito europeu, que, desde a Diretiva Europeia nº 2000/31/CE, já instituía o dever de confir-mação no comércio eletrônico (art. 11)20.

Embora não se trate de uma alteração da teoria aplicável à forma-ção dos contratos, a verdade é que a instituição do dever de confirmar o recebimento da aceitação sujeita o fornecedor, ao menos em teoria, a sanções bem mais severas (multa, suspensão da atividade, etc.)21 do que a simples indiferença jurídica ao vínculo formado – o que, de resto, po-deria acabar prejudicando o próprio consumidor. Ainda, portanto, que não se tenha ressalvado a aplicação do art. 434 no caso das contratações eletrônicas, a instituição do dever de confirmação modifica a própria abordagem jurídica do tempo de formação do contrato, transcendendo ao clássico binômio proposta-aceitação e revelando a passagem de uma lógica puramente estrutural a uma lógica mais funcional e decididamen-te protetiva.

3.4 como contrata. a informalidade do contrato eletrônico e Sua prova

A forma do contrato desempenha historicamente uma dupla fun-ção: por um lado, alerta os contratantes para a seriedade do vínculo contratual, fazendo-os refletir sobre a contratação antes de concluí-la em definitivo22. Por outro lado, serve, perante os próprios contratantes e a sociedade, como meio de prova da formação do contrato e do seu conteúdo. Ambas as funções se dissipam na Internet, onde a contratação é absolutamente informal, desprovida mesmo de qualquer suporte físico.

Em contraposição aos instrumentos escritos e assinados da con-tratação tradicional, a forma da contratação eletrônica resume-se fre-

19 “Art. 4º Para garantir o atendimento facilitado ao consumidor no comércio eletrônico, o fornecedor deverá: [...] III – confirmar imediatamente o recebimento da aceitação da oferta [...]”.

20 O mesmo caminho é seguido no Projeto de Lei nº 439, de 2011, que se propõe a atualizar o Código de Defesa do Consumidor com vistas à proteção do consumidor no âmbito do comércio eletrônico (art. 45-D, I).

21 O art. 7º do mesmo Decreto determina que “a inobservância das condutas” nele descritas enseja a aplicação das sanções previstas no art. 56 do Código de Defesa do Consumidor, que traz o rol genérico de sanções administrativas aplicáveis às infrações da legislação consumerista, como multa, proibição de fabricação do produto, suspensão temporária da atividade, etc.

22 Daí as complexas solenidades (fórmulas verbais, atos simbólicos, etc.) exigidas no âmbito do direito antigo para a celebração de contratos, algumas das quais deixaram vestígios no hábito dos povos europeus, como a entrega de uma moeda de baixo valor (denier à Dieu) ou a aplicação de uma palmada na face do vendedor, costume ainda utilizado em alguns mercados de gado na Europa central (emptio non valet sine palmata). Ver, sobre o tema, GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 3. ed. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 2001. p. 734.

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quentemente à exibição de uma tela ou página virtual que o consumidor pode, se cuidadoso, se dar ao trabalho de imprimir ou copiar para o seu próprio computador ou dispositivo móvel. Pode ainda dispor de um e-mail ou outra forma de aviso eletrônico, como uma breve mensa-gem ao seu aparelho de telefonia celular (SMS, sigla de Short Message Service)23. Em um passado recente, os juristas brasileiros (como, de resto, os juristas de todo o mundo) discutiam se tais impressões, cópias ou documentos digitais tinham ou não validade como meio de prova, cons-tituíam ou não meros indícios e outras questões que o avanço maciço da cultura digital parece ter tornado um tanto folclóricas. Em que pese as dificuldades do sistema judiciário em lidar com documentos puramente eletrônicos e a suspeita quase instintiva que recaía, até pouco tempo, so-bre cópias impressas de páginas virtuais e e-mails, não parece haver dú-vida, atualmente, de que todos esses instrumentos devem ser admitidos como meios probatórios dos direitos discutidos em juízo. O Código Civil brasileiro, de 2002, posicionou-se claramente nesse sentido: “Art. 225. As reproduções fotográficas, cinematográficas, os registros fonográficos e, em geral, quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem exibidos, não lhes impugnar a exatidão”.

O Enunciado nº 398 da IV Jornada de Direito Civil, realizada em outubro de 2006, assegurou ainda maior clareza ao texto legal, ao con-cluir que “os arquivos eletrônicos incluem-se no conceito de ‘reprodu-ções eletrônicas de fatos ou de coisas’, do art. 225 do Código Civil, aos quais deve ser aplicado o regime jurídico da prova documental”. Em consonância com essa orientação, os Tribunais brasileiros têm acolhido como meio válido de prova os arquivos digitais24. Em caso de impugna-ção da sua veracidade, exige-se perícia, o que, de resto, pode ocorrer

23 Embora seja possível a utilização de assinaturas eletrônicas e certificações digitais, seu emprego para fins de aquisição de produtos ou serviços pelo consumidor é muito raro. Sobre o tema das assinaturas eletrônicas e certificações digitais, ver LAWAND, Jorge José. Teoria geral dos contratos eletrônicos. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003. p. 141-146.

24 Ver, por exemplo, acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em que se concluiu que, “a despeito de o contrato de prestação de serviços não conter a assinatura da requerida, tal fato não é apto a invalidar o referido ajuste, tendo em vista que o contrato de prestação de serviços educacionais é informal e não exige forma prescrita em lei, podendo até ser firmado verbalmente. O contrato de prestação de serviços, juntado aos autos, ainda que desprovido de assinatura da ré, é suficiente para provar a realização do ajuste, visto que os documentos eletrônicos gozam de valor probante e o documento de fls. 06-09 demonstra que a requerida efetivamente aderiu ao aludido contrato, via Internet” (TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.06.986334-8/001, 17ª Câmara Cível, Rel. Des. Lucas Pereira, DJ 12.07.2007). No mesmo sentido, ver TJSP, Apelação Cível nº 0018518-77.2010.8.26.0005, 20ª Câmara de Direito Privado, Relª Desª Maria Lucia Pizzotti, J. 27.08.2012; e TJMG, Apelação Cível nº 1.0024.07.691106-4/001, 17ª Câmara Cível, Relª Desª Marcia de Paoli Balbino, J. 19.02.2009, entre outros.

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também com documentos físicos. A questão meramente probatória pare-ce, portanto, equacionada25.

O mesmo não se pode dizer em relação àquela outra função da forma contratual: a de alertar as partes para a importância e seriedade do vínculo. A contratação via Internet realiza-se de modo cada vez mais veloz, sem a adequada pesquisa sobre as características do produto ou serviço contratado, sobre a qualidade do fornecedor ou sobre as próprias condições do contrato firmado por meio eletrônico. Por mais alarmante que possa parecer essa constatação, o fato é que o consumidor eletrôni-co não sabe muitas vezes o que está contratando.

3.5 o Que contrata. a paradoxal inSuficiência da informação no ambiente eletrônico. publicidade na internet e outraS técnicaS de incentivo ao conSumo

Na contratação tradicional, o consumidor tem frequentemente a chance de manusear o produto, de verificar a sua embalagem, de testar seu funcionamento ou, ainda, de esclarecer dúvidas com um preposto do fabricante ou do comerciante no próprio estabelecimento comercial. Nos sites da Internet, ao contrário, as informações são pré-dispostas; o produto é descrito por meio de imagens ou descrições técnicas padroni-zadas, aplicáveis muitas vezes ao gênero do produto, e não àquela es-pécie que está sendo efetivamente adquirida. O consumidor eletrônico não tem acesso físico ao bem26. É certo que poderia buscar, em outros sites da Internet, informações, avaliações e depoimentos sobre a quali-dade do produto e do fornecedor – alguns sites de compras, inclusive, já fornecem avaliações como parte da sua estratégia comercial –, mas tal conduta é, na prática, rara, seja porque tais informações, potencialmente infinitas, não se encontram ordenadas de modo a facilitar a pesquisa do consumidor, seja porque não são tidas como inteiramente confiáveis, diante das suspeitas de que se prolifera na Internet a manipulação das fer-ramentas de avaliação por meio da contratação remunerada de usuários para que se manifestem sobre certos produtos e serviços (em uma forma

25 O mesmo vale para o cenário internacional, em que um número cada vez maior de acordos, convenções e modelos normativos reconhecem expressamente a validade jurídica dos documentos eletrônicos. Cite-se, a título ilustrativo, o art. 5º da Lei Modelo da Uncitral sobre Comércio Eletrônico: “Não se negarão efeitos jurídicos, validade ou eficácia à informação apenas porque esteja na forma de mensagem eletrônica” (Organização das Nações Unidas, Nova Iorque, 1997).

26 Alguns autores especulam que, no futuro, essa “perda de aspectos do conhecimento da coisa ou serviço contratado” poderá vir a ser suprida em alguma medida pelo próprio “desenvolvimento tecnológico (vide 3D)” (JORGE JÚNIOR, Alberto Gosson. Aspectos da formação e interpretação dos contratos eletrônicos. Revista do Advogado, ano 32, n. 115, p. 17, 2012).

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oculta e deturpada de marketing, típica do ambiente virtual). O con-sumidor eletrônico acaba, assim, dispondo paradoxalmente de pouca informação sobre o objeto da sua contratação.

Quase sempre o consumidor eletrônico desconhece, também, os termos do contrato, ou seja, as condições contratuais, que são usual-mente apresentados pelos fornecedores em um formato que desestimula a leitura, por meio de páginas inteiras de letras miúdas, que contrastam flagrantemente com os elevados investimentos em programação visual realizados nas páginas dedicadas à oferta de produtos. Na maioria dos sites, a passagem da página de ofertas à página que exibe os termos contratuais configura uma mudança abrupta de formatação, que salta aos olhos do usuário da Internet, cada vez mais acostumado com gráfi-cos e imagens de alta resolução. Muitos fornecedores sequer se dão ao trabalho de dividir os termos contratuais em tópicos, o que dificulta a localização pelo consumidor das informações consideradas relevantes para a celebração do contrato.

Por todas essas razões, embora, em tese, o consumidor pudesse dispor no ambiente eletrônico de maior tempo de reflexão e de mais ins-trumentos de busca para obter informações sobre o objeto e os termos da contratação, o certo é que, atualmente, a contratação via Internet se faz de modo muito mais desinformado do que a contratação física. Tentado pela facilidade de um clique, o consumidor eletrônico compra muitas vezes por mero impulso, sem a necessária reflexão. Técnicas de oferta de produtos impelem o usuário à aquisição, como no exemplo corriquei-ro em que, tendo realizado a inserção em seu “carrinho de compras” virtual de um produto do qual realmente necessita, o consumidor se vê prontamente provocado pelo site a adquirir produtos acessórios àquele que foi selecionado, ou outros produtos daquele mesmo fabricante, ou, ainda, produtos adquiridos por outras pessoas que adquiriram aquele mesmo produto27, em um ciclo interminável de estímulos ao consumo imediato.

A publicidade também desempenha aí um papel relevante. Ao contrário do que ocorre no mundo físico – em que a publicidade se restringe a espaços e momentos relativamente delimitados –, no mundo virtual, a publicidade ocorre em uma espécie de fluxo permanente, que

27 Técnica que explora nitidamente os sentimentos humanos de identificação com o próximo e de pertencimento a grupos sociais, em estratégia que, embora não seja inédita no mundo comercial, assume no ambiente eletrônico dimensões nunca antes imaginadas.

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acompanha o usuário em qualquer momento da navegação. Banners surgem nos rodapés e cabeçalhos de páginas que aparentemente não tinham conteúdo comercial; pop-ups pipocam diante do usuário, impe-dindo-o de prosseguir navegando; spams abarrotam caixas de entrada de e-mails. Em sites de busca, links patrocinados se misturam a resultados relevantes, quando muito com uma sutil diferenciação em relação à cor das letras ou do pano de fundo. Vídeos aparentemente reais são posta-dos em redes sociais, sem nenhum alerta acerca de seu cunho comercial, para servirem de teasers de futuras campanhas publicitárias28. Diversa-mente do espectador televisivo, que ainda tem a alternativa de mudar de canal durante o intervalo comercial, o usuário da Internet sujeita-se todo o tempo ao bombardeamento publicitário, em um continuado e perma-nente incentivo ao consumo.

Resistir a tal incentivo torna-se tarefa ainda mais árdua na medida em que a publicidade eletrônica vai ganhando, a cada dia, um perfil mais e mais personalizado. A coleta de dados do usuário – por meio de cookies e outras técnicas de transparência reduzida e legalidade duvi-dosa – tem permitido o desenvolvimento de perfis de usuários que são utilizados pelos fornecedores para direcionar o conteúdo da mensagem publicitária e da oferta de produtos na Internet. Se a personalização da oferta, por um lado, poupa tempo ao consumidor eletrônico (livrando--o do oferecimento de produtos que seriam, provavelmente, “indesejá-veis”), torna, por outro lado, muito mais dificultosa a tarefa de refletir sobre a contratação, na medida em que dados pessoais obtidos sem au-torização do usuário são usados para estimular de modo praticamente irresistível a aquisição dos produtos ou serviços de que supostamente necessitaria. A manobra associa-se não raro a ofertas de financiamentos, com disponibilidade imediata dos recursos econômicos exigidos para a aquisição, completando-se o ciclo do consumo compulsivo, resumido no bordão “compre o que você não precisa com o dinheiro que você não tem”.

Todo esse novo arsenal de técnicas de marketing eletrônico exige posturas mais definidas por parte do sistema jurídico brasileiro, pouco preparado para lidar com essas questões. Em primeiro lugar, impõe-se

28 Exemplo recente foi o vídeo “Perdi meu amor na balada”, postado por um rapaz que pedia ajuda para encontrar o número de telefone de uma moça que conhecera na noite paulistana. Revelou-se mais tarde que o vídeo havia sido produzido por certa fabricante de celulares e integrava uma campanha publicitária que somente veio a público semanas depois. O caso rendeu procedimentos no Procon de São Paulo e no Conar (Conselho de Autorregulamentação Publicitária).

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a aprovação imediata de uma legislação que proteja efetivamente os dados pessoais. O Brasil não conta com um marco normativo claro nes-sa matéria, encontrando-se, já há alguns anos, no Ministério da Justiça um projeto de lei de proteção de dados pessoais, que, após um período de debate público, parece aprisionado em um processo excessivamente lento de produção e aperfeiçoamento dentro do próprio Ministério – prisão da qual não foi capaz de se libertar nem mesmo na esteira do recente furor provocado pela descoberta de monitoramento da agência de segurança dos Estados Unidos sobre as comunicações da Presidente Dilma Rousseff29.

Além de uma política pública de proteção de dados pessoais, im-põe-se uma regulamentação mais efetiva da atividade publicitária no Brasil, ainda disciplinada de modo bastante lacônico pelo Código de Defesa do Consumidor, por meio de conceitos excessivamente gené-ricos (como a “publicidade abusiva” do art. 37, § 2º)30, cuja aplicação acaba sendo controlada quase que exclusivamente pelo Conselho de Autorregulamentação Publicitária. Em que pese o esforço do referi-do Conselho, suas decisões acabam sendo guiadas pelo subjetivismo inerente à aplicação daqueles conceitos abertos, sem a formulação de standards de comportamento, resultando em um conjunto de preceden-tes que não dão maior segurança nem ao consumidor, nem ao mercado publicitário.

Por fim, cumpre amparar e desenvolver, no campo das contrata-ções eletrônicas, mecanismos de “saída” ou reversão, voltados a tutelar o direito de reflexão do consumidor no ambiente virtual. Esse é o ponto que tem maior relação com a temática geral desse estudo e aqui o orde-namento brasileiro já tem dado alguns passos, especialmente no tocante ao chamado “direito de arrependimento”. Convém examinar o tema em separado.

29 Uma das muitas repercussões do chamado caso Edward Snowden, a revelação do monitoramento gerou a exigência de explicações por parte do Governo brasileiro, respondidas pela administração Barack Obama com o argumento de que a legislação interna brasileira não veda as condutas adotadas. Ver, entre outras notícias, reportagem de Glenn Greenwald, Roberto Kaz e José Casado, “EUA espionaram milhões de e-mails e ligações de brasileiros”, publicada no jornal O Globo Online em 06.07.2013.

30 O Código de Defesa do Consumidor, a rigor, não define a publicidade abusiva, mas apenas a exemplifica, deixando ampla margem à interpretação do conceito: “Art. 37. [...] § 2º É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança”.

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4 DIREITO DE ARREPENDIMENTO. TRATAMENTO DA MATÉRIA NO DIREITO BRASILEIRO: LEI Nº 8.078/1990 E DECRETO Nº 7.962/2013. EXPERIÊNCIA ESTRANGEIRA: DIRETIVA Nº 2011/83/CE. ANÁLISE COMPARATIVA

O direito de arrependimento, também chamado direito de refle-xão, foi instituído pelo art. 49 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990), em que se lê:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou servi-ço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetaria-mente atualizados.

A norma já se aplicava, a toda evidência, às contratações eletrô-nicas, realizadas inegavelmente “fora do estabelecimento comercial”31. Para afastar, porém, qualquer dúvida quanto ao ponto, o Decreto nº 7.962/2013 tratou expressamente do direito de arrependimento ao cuidar do comércio eletrônico:

Art. 5º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.

§ 1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.

§ 2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.

31 Como registrava, aliás, Ruy Rosado de Aguiar Júnior, ao afirmar, em 2000, que o direito de arrependimento (art. 49 do CDC) “é perfeitamente aplicável aos negócios realizados através da rede mundial de computadores” (Ministro do STJ alerta para a fragilidade jurídica dos contratos eletrônicos, 26.09.2000. Disponível em: <www.stj.gov.br>). Em sentido contrário, doutrina minoritária invoca o conceito de estabelecimento comercial virtual para sustentar que a compra realizada via Internet não se dá fora do estabelecimento comercial. Acrescenta que o consumidor eletrônico é quem tem a iniciativa da compra, razão pela qual teria tempo de sobra para reflexão. Sobre o tema, com detalhes sobre os dois posicionamentos, ver BRANDÃO, Caio Rogério da Costa. O direito de arrependimento nos contratos eletrônicos. Juris Plenum, ano III, n. 13, p. 16-17, 2007.

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§ 3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imedia-tamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que:

– a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou

– seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.

§ 4º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.

O decreto presidencial vai, como se vê, além do que já dispunha o art. 49 do Código Consumerista, contemplando alguns aspectos adicio-nais do tema, como a facilitação da comunicação do exercício do direito de arrependimento pelo consumidor eletrônico e o dever do fornecedor de confirmar imediatamente o recebimento da manifestação de arrepen-dimento, além dos efeitos do arrependimento sobre contratos acessórios. O Projeto de Lei nº 439/2011, que trata do comércio eletrônico e se en-contra atualmente em tramitação no Congresso Nacional, dispõe sobre o tema no mesmo sentido. A sua aprovação continua a se fazer necessária para evitar qualquer discussão jurídica quanto à possibilidade de regula-mentação do tema por meio de decreto.

O art. 5º do Decreto nº 7.962 representa, sem dúvida, um avan-ço, na medida em que, para além de reiterar a aplicabilidade do direito de arrependimento ao comércio eletrônico, aborda mais dois ou três aspectos do tema. Nada obstante, é certo que a legislação brasileira po-deria ter ido muito além. Uma incursão pelo cenário europeu revela não apenas níveis de proteção mais elevados nessa matéria, mas também uma abordagem de natureza distinta, que contribui para a efetividade do direito de arrependimento no comércio eletrônico daquele continente.

Com efeito, a Diretiva nº 2011/83/CE ocupa-se, de modo bastante detalhado, do direito de arrependimento, a que denomina “direito de retractação” (na versão oficial em língua portuguesa)32. O art. 9º da re-ferida Diretiva institui o prazo de 14 dias para a retratação do contrato celebrado a distância ou fora do estabelecimento comercial – o dobro, portanto, do prazo previsto na legislação brasileira. Registra, ainda, ex-pressamente a desnecessidade de indicação de qualquer motivo para o exercício da retratação. O art. 10 determina que, se o fornecedor deixar

32 Em inglês, right of withdrawal e, em espanhol, derecho de desistimiento.

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de informar ao consumidor sobre a possibilidade, as condições, o prazo e o procedimento de retratação33, o prazo se estende adicionalmente por 12 meses após o término do prazo original de 14 dias. Ao contrário, portanto, da legislação brasileira, que impõe o dever de informação so-bre o direito de arrependimento sem uma sanção específica34, a Diretiva europeia estabelece uma significativa extensão do prazo aplicável em caso de descumprimento.

A Diretiva nº 2011/83/CE regula, ainda, minuciosamente nos inú-meros subitens dos seus arts. 13 e 14, os custos envolvidos no procedi-mento de retratação – diferentemente da legislação brasileira, que não traz quaisquer considerações específicas sobre o assunto. De acordo com a Diretiva, o consumidor europeu está, em regra, isento de custos e tem direito ao reembolso de suas despesas, mas o art. 13 prevê algu-mas situações de imunidade do fornecedor, como na hipótese em que o consumidor opta livremente por uma modalidade mais onerosa de envio que a modalidade padrão (art. 13, item 2). A Diretiva assegura, ainda, ao consumidor o direito de receber o reembolso das suas despesas pelo “mesmo meio de pagamento que o consumidor usou na transação ini-cial”, aspecto não regulado no Direito brasileiro e que tem gerado, entre nós, numerosos abusos no momento de exercício do direito de arrepen-dimento, como a famigerada prática de substituir o reembolso efetivo do consumidor por um “crédito” junto ao fornecedor.

A Diretiva europeia enfrenta, ainda, os dois principais aspectos que têm sido invocados pelos fornecedores brasileiros em oposição ao direito de arrependimento. São eles: (i) a questão da depreciação do produto já entregue ao consumidor; e (ii) a inaplicabilidade do direito de arrependimento em casos envolvendo o fornecimento de produtos e serviços de fruição imediata, especialmente conteúdo digital oferecido via Internet. Quanto ao primeiro aspecto, a Diretiva nº 2011/83/CE atri-bui ao consumidor responsabilidade pela depreciação “que decorra de uma manipulação dos bens que exceda o necessário para verificar a na-

33 Conforme impõe o art. 6º, item 1, alínea h, da mesma Diretiva, que prevê ainda a disponibilização de um modelo de formulário para o exercício do direito de retratação, sem prejuízo da possibilidade de outros meios de comunicação do referido exercício (art. 11, item 1, alínea b).

34 O art. 5º do Decreto nº 7.962 impõe o dever de informar “de forma clara e ostensiva” os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento, mas não contém qualquer sanção específica para o descumprimento desse dever. O art. 7º do mesmo Decreto determina que “a inobservância das condutas” nele descritas enseja a aplicação das sanções previstas no art. 56 do Código de Defesa do Consumidor, que traz o rol genérico de sanções administrativas aplicáveis às infrações da legislação consumerista, como multa, suspensão da atividade, etc. Não há, todavia, menção à extensão de prazo, o que afasta tal possibilidade no ordenamento brasileiro, diante do princípio da prévia estipulação legal da pena.

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tureza, as características e o funcionamento dos bens” (art. 14, item 2)35. O consumidor europeu não é, como se vê, isento de responsabilidade, devendo ter cautela no recebimento do produto adquirido a distância. A instituição de norma semelhante é possível e recomendável no Direi-to brasileiro, pois, além do desestímulo a eventuais abusos episódicos, ajudaria a afastar em definitivo argumentos ligados a uma certa “infanti-lização” do consumidor brasileiro e à instituição de ônus insuportáveis sobre os fornecedores no cenário nacional.

Em relação ao segundo aspecto, que diz respeito aos casos de ina-plicabilidade do direito de arrependimento, a Diretiva europeia trata do tema no seu art. 16. Em treze alíneas prevê exceções à incidência do direito de arrependimento, como, por exemplo, os “contratos celebrados em hasta pública”, o “fornecimento de bens susceptíveis de se deteriora-rem ou de ficarem rapidamente fora do prazo”, o fornecimento de bens ou serviços “cujo preço depende de flutuações do mercado financeiro que o profissional não possa controlar e que possam ocorrer durante o prazo de retractação”, o fornecimento de “gravações de áudio ou vídeo seladas ou de programas informáticos selados a que tenha sido retirado o selo após a entrega” e o fornecimento de “conteúdos digitais que não sejam fornecidos num suporte material, se a execução tiver início com o consentimento prévio e expresso do consumidor e o seu reconhecimen-to de que deste modo perde o direito de retractação”, entre outros.

Ao contrário do que poderia parecer em uma primeira leitura, tais exceções não representam um decréscimo no nível de proteção ao con-sumidor europeu. A incidência do direito de arrependimento já não se-ria reconhecida pelos Tribunais dos países europeus na imensa maioria dessas situações, muitas delas de clareza intuitiva. A previsão explícita de tais situações traz, contudo, a necessária segurança ao mercado e contribui para a instituição de cuidados recíprocos, como a obtenção do expresso reconhecimento pelo consumidor da perda do direito de arrependimento como etapa prévia do início da fruição de conteúdos digitais. Previne, ademais, o prolongamento de discussões tautológicas – às vezes, puramente acadêmicas – que têm servido de entrave, entre nós, para uma tutela mais efetiva do direito de arrependimento.

35 Também aqui a falta de informação sobre o direito de arrependimento sujeita o fornecedor a um ônus agravado, dispondo a parte final do referido item 2 que “o consumidor não é, em caso algum, responsável pela depreciação dos bens quando o profissional não o tiver informado do seu direito de retractação”.

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De modo geral, pode-se dizer que o movimento consumerista bra-sileiro, após um momento inaugural altamente profícuo e feliz – repre-sentado pela edição da Lei nº 8.078, em 1990, e pela sua consolidação na jurisprudência nacional ao longo da década seguinte –, tornou-se cauteloso, talvez excessivamente cauteloso. Os projetos de lei apresen-tados no âmbito da chamada atualização do Código de Defesa do Con-sumidor trazem inovações importantes (cujos efeitos transcendem, aliás, a própria esfera do direito do consumidor), mas se restringem, essencial-mente, a consagrar cláusulas gerais ou normas abertas. Receosos talvez de retrocessos na proteção do consumidor e cuidadosamente elaborados com vistas à facilitação da chancela do Congresso Nacional, tais proje-tos evitaram o detalhamento e a especificação procedimental que pode-riam afastar perigos imaginários e contribuir para a elevação do nível do debate desses temas no espaço público brasileiro.

Se a postura adotada afigura-se adequada ou não só o tempo dirá. O que parece insólito é que uma norma infralegal, como o Decreto nº 7.962, tenha se limitado ao mesmo formato, disciplinando em termos vagos e genéricos aquilo que poderia ter disciplinado em termos mais específicos, como é o caso do direito de arrependimento. Ao lado da Di-retiva europeia – que já é bem mais genérica do que as leis nacionais dos países europeus –, o Decreto nº 7.962 soa como norma programática, sem embargo das melhorias gerais que trouxe ao campo da contratação eletrônica.

O que mais assusta, neste exemplo recente, é a olímpica indi-ferença à experiência estrangeira, especialmente a experiência euro-peia que, nesse campo, guarda íntima proximidade com as bases do consumerismo brasileiro36. Não se trata apenas de observar a Diretiva nº 2011/83/CE; o comércio eletrônico europeu não é, obviamente, re-gulado por uma norma única, mas por um complexo tecido normativo, composto de diferentes diretivas (Diretivas nºs 2000/31/CE, 2002/65/CE, 2008/48/CE, entre outras), às quais se somam diferentes leis nacionais que procuram incorporar as orientações contidas nas diretivas, mas não raro vão além, instituindo normas tipicamente locais. Há nesse rico ar-cabouço uma série de normas que poderiam ter servido de inspiração ao

36 Para muitos autores, a abordagem norte-americana, especialmente em relação ao consumo via Internet, é considerada mais próxima de uma ótica de laissez faire ou de autorregulação, refletindo talvez um maior entusiasmo norte-americano pelas novas tecnologias, em oposição a uma postura mais ambivalente e cautelosa da União Europeia (WINN, Jane Kaufman; HAUBOLD, Jens. Electronic Promises: Contract Law Reform and E-Commerce in a Comparative Perspective. Disponível em: <www.law.washington.edu>, p. 3).

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legislador brasileiro, mas que acabaram não refletidas nem no Decreto nº 7.962, nem no Projeto de Lei nº 439/2011, como o chamado “con-teúdo mínimo” dos contratos eletrônicos e a transparência na informa-ção dos preços envolvidos na contratação a distância (sendo certo que, no Brasil, tais preços são mal informados ao consumidor eletrônico, sur-preendido, não raro, com o acréscimo de fretes, comissões, taxas priva-das e tributos para cuja existência não é alertado no momento oportuno).

Essas e outras questões vêm sendo deixadas para o futuro pelo Po-der Legislativo brasileiro, prolongando um desnecessário desnível entre o tratamento dispensado pelos mesmos conglomerados transnacionais aos consumidores brasileiros e europeus, em flagrante desfavor dos pri-meiros e em assimetria injustificável em um mercado que se pretende global.

CONCLUSÃOOs chamados contratos eletrônicos não representam um mundo

à parte, estranho ao direito dos contratos ou governado por regras pró-prias. Não se trata de uma dimensão paralela que somente aparenta si-milaridade com a realidade tradicional, como uma espécie de Matrix, lembrada na epígrafe a este artigo37. A contratação eletrônica traz inú-meras questões novas, mas se insere no tratamento sistemático dos con-tratos no Direito brasileiro. Os seus pontos de dissonância com a teoria geral tradicional representam, frequentemente, oportunidades para rever dogmas rígidos que já não se justificam mais, nem mesmo fora do am-biente eletrônico (como se viu na discussão pertinente à prova do con-trato). Em outros casos, trata-se de instituir novos mecanismos jurídicos de proteção contra novos riscos que surgem especialmente – mas nem sempre de modo exclusivo – no ambiente eletrônico.

Foi o que se viu no tocante ao direito de arrependimento. A impor-tância da sua efetividade cresce exponencialmente com a ampliação do comércio eletrônico e da contratação de produtos e serviços via Internet. Nem por isso se trata de um instituto exclusivamente eletrônico. A sua aplicação estende-se a toda contratação celebrada a distância ou fora do estabelecimento comercial. A sua inspiração radica na ideia da falta de reflexão adequada do consumidor sobre a contratação do produto

37 Matrix foi uma produção cinematográfica de 1999, dirigida pelos irmãos Wachowski. Relata a história de um mundo simulado criado por máquinas inteligentes para manter os seres humanos conectados a uma rede de geração de bioenergia. Foi considerada, ainda em 1999, uma típica produção de estética pós-moderna, por promover uma espécie de bricolagem de elementos de ficção científica, histórias em quadrinho, animes, religião messiânica, ecologia e filosofia.

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ou serviço. Se é certo, por um lado, que essa falta de reflexão se torna especialmente perceptível no ambiente eletrônico, devido às notáveis técnicas de impulsão ao consumo virtual, situação muito semelhante ve-rifica-se com quem contrata por telefone ou por correspondência. Nem se deve excluir sua aplicabilidade a contratações realizadas em determi-nadas circunstâncias dentro do próprio estabelecimento comercial.

Embora essa última hipótese não seja reconhecida pela legislação brasileira (nem pelas diretivas europeias, registre-se), pode-se defender a aplicação do direito de arrependimento por analogia àquelas situações em que o contratante, embora dentro do estabelecimento, é conduzido à contratação por circunstâncias que o impedem de refletir. É o que ocorre diante de algumas estratégias agressivas de marketing, voltadas a produzir artificialmente um cenário de contratação inevitável, como nos casos de fornecedores que, para obter a venda de unidades imobiliárias em grandes complexos residenciais, oferecem passeios a toda família do consumidor para, logo em seguida, conduzir todo o grupo ao esta-belecimento para fins de assinatura do instrumento contratual. Veja-se ainda o caso dos estabelecimentos comerciais multifuncionais, em que não raro se misturam ofertas de serviços de lazer com a possibilidade de contratações imediatas, calcadas justamente na impossibilidade de reflexão prolongada pelo consumidor (como no exemplo do restaurante que contém loja de vinhos ou no clube noturno que, próximo ao balcão de bebidas e coquetéis, oferece a venda de passagens aéreas last minute para destinos exóticos).

Como se vê, o tema do direito de arrependimento – como tantos outros aspectos que são discutidos sob a rubrica geral da contratação eletrônica – não consiste em exclusividade do ambiente virtual. A con-tratação eletrônica representa, antes, uma oportunidade para identificar o problema bem mais profundo da contratação irrefletida e do estímulo ao consumo compulsivo. Um tratamento jurídico adequado não pode, portanto, estar restrito ao locus onde a questão se coloca com maior fre-quência, mas deve se inserir no sistema jurídico como um todo. Regras específicas pode m e devem ser editadas para o comércio eletrônico (como, por exemplo, as que dizem respeito à identificação clara e pre-cisa do fornecedor nos sites de ofertas), mas isso não faz da contratação virtual um mundo apartado do sistema jurídico, sujeito a conclusões de ocasião.

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Assunto Especial – Doutrina

Contratos Eletrônicos

Comércio Eletrônico, Relações de Consumo e Proteção do Consumidor: Algumas Reflexões

TAuã LImA VERDAN RANgEL1

Bolsista Capes, Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e So-cioambientais, Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Especialista em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho – pelo Centro Universitário São Camilo/ES, Bacharel em Direito pelo Centro Univer-sitário São Camilo/ES. Produziu diversos artigos, voltados principalmente para o Direito Penal, Direito Constitucional, Direito Civil, Direito do Consumidor, Direito Administrativo e Direito Ambiental.

RESUMO: É cediço que a legislação consumerista inaugurou uma nova realidade, conjugando, por meio das flâmulas desfraldadas pela Constituição Federal, um sistema normativo pautado na pro-teção e defesa do consumidor. Ao lado disso, gize-se, por carecido, que o Direito do Consumidor passou a gozar de irrecusável e sólida importância que influencia as órbitas jurídica, econômica e política, detendo aspecto robusto de inovação. No mais, insta sublinhar, com grossos traços, que a legislação consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito fundamental, sendo--lhe conferido o status de axioma estruturador e conformador da própria ordem econômica, sendo, inclusive, um dos pilares estruturante da ordem econômica, conforme se infere da redação do inciso V do art. 170 da Carta de Outubro. Em razão do exposto, o presente se debruça na análise dos atores envolvidos na relação de consumo, quais sejam: o consumidor, cuja proteção legal decorre do estatuto supramencionado, e o fornecedor. Nesta esteira, impende analisar ambas as figuras, com o escopo de apresentar um exame sistemático de seus aspectos característicos, tal como a pluralidade de situações em que as acepções das aludidas figuras reclamam um elastecimento in-terpretativo, utilizando, para tanto, uma ótica proveniente da interpretação conferida pelos Tribunais Pátrios aos vocábulos consumidor, tanto em sentido estrito (art. 2º, caput, do Código de Defesa do Consumidor) quanto por equiparação (arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29, todos do Código de Defesa do Consumidor), e fornecedor.

PALAVRAS-CHAVE: Consumidor; fornecedor; relação de consumo; comércio eletrônico.

SUMÁRIO: 1 A proteção do consumidor como direito fundamental: lições inaugurais; 2 Aspectos conceituais do consumidor; 3 A figura do consumidor por equiparação; 4 Conceito de fornecedor; 5 Anotações acerca da acepção de produtos; 6 Comentários à natureza jurídica do serviço; 7 Co-mércio eletrônico, relações de consumo e proteção do consumidor: algumas reflexões; Referências.

1 E-mail: [email protected].

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1 A PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR COMO DIREITO FUNDAMENTAL: LIÇõES INAUGURAIS

In primo loco, releva-se imperioso salientar que, em decorrência dos feixes albergados na Constituição da República Federativa do Brasil de 19882, verifica-se que o consumidor passou a ser revestido de grande relevo no ordenamento pátrio, culminando, ulteriormente, na elabora-ção e promulgação do Código de Defesa do Consumidor3, compêndio de dispositivos que sagram em suas linhas, como fito maior: a proteção daquele. Ao lado disso, gize-se, por carecido, que o Direito do Consu-midor passou a gozar de irrecusável e sólida importância que influencia as órbitas jurídica, econômica e política, detendo aspecto robusto de inovação. No mais, insta sublinhar, com grossos traços, que a legisla-ção consumerista elevou a defesa do consumidor ao degrau de direito fundamental, sendo-lhe conferida o status de axioma estruturados e con-formador da própria ordem econômica, sendo, inclusive, um dos pilares estruturante da ordem econômica, conforme se infere do inciso V do art. 170 da Constituição da República de 19884.

Denota-se, desta sorte, que, em razão do manancial de inovações trazido à baila pela Constituição Cidadã, os consumidores foram erigi-dos à condição de detentores de direitos constitucionais enumerados como fundamentais, conjugando, de sobremaneira, com o maciço fito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal carecidas, a fim de salvaguardar tal escopo. À luz do expendido, em um contato primitivo com o tema, salta aos olhos que o Código de Defesa do Consumidor, enquanto diploma legislativo impregnado de essência constitucional, clama por uma interpretação sustentada pela tábua principiológica con-sagrada, de modo expresso, na Carta da República. Nessa senda de ra-ciocínio, impõe ao arquiteto do Direito, de maneira cogente, atentar-se para os corolários, desfraldados como flâmula orientadora, para conferir amoldagem às normas que versam acerca das relações de consumo a situações concretas, revestidas de nuances e particularidades singulares que oscilam de maneira saliente.

2 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 4 mar. 2017.

3 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 4 mar. 2017.

4 BRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 4 mar. 2017: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [omissis] V – defesa do consumidor”.

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Além disso, com destaque, a proteção conferida pelo ente estatal ao consumidor, quer seja enquanto figura dotada de direito fundamental que foi positivada no próprio texto da Lei Maior, quer seja como mola propulsora da formulação e execução de políticas públicas, como tam-bém do exercício das atividades econômicas em geral. Plus ultra, acres-cer se faz mister que, ao se conferir tratamento robusto ao consumidor, ambicionou o constituinte atribuir essência de meio instrumental, com vista a neutralizar o abuso do poder econômico praticado em detrimen-to de pessoas e de seu direito ao desenvolvimento, sem olvidar de uma existência considerada como digna e justa. Nesse sentido, há que se trazer a lume o entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça:

Processo civil e consumidor. Agravo de instrumento. Concessão de efei-to suspensivo. Mandado de segurança. [...] Relação de consumo. Ca-racterização. Destinação final fática e econômica do produto ou ser-viço. Atividade empresarial. Mitigação da regra. Vulnerabilidade da pessoa jurídica. Presunção relativa. [...] Uma interpretação sistemática e teleológica do CDC aponta para a existência de uma vulnerabilidade presumida do consumidor, inclusive pessoas jurídicas, visto que a im-posição de limites à presunção de vulnerabilidade implicaria restrição excessiva, incompatível com o próprio espírito de facilitação da defesa do consumidor e do reconhecimento de sua hipossuficiência, circuns-tância que não se coaduna com o princípio constitucional de defesa do consumidor, previsto nos arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF. [...]. (Superior Tribunal de Justiça,RMS 27512/BA, 3ª Turma, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 20.08.2009, DJe 23.09.2009)

Saliente-se, com ênfase, que a proteção do consumidor e o desen-volvimento de instrumentos rotundos aptos a fomentar tal fito se reve-lam como característicos de assegurar a concretude e o significado das proclamações contidas na Carta de 1988. Nessa esteira, evidencia-se, ainda, que a Lex Fundamentallis estabeleceu um estado de comunhão solidária entre as diversas órbitas políticas, que constituem a estrutura institucional da Federação brasileira, agrupando-as ao redor de um esco-po comum, detendo o mais elevado sentido social. Afora isso, os direitos do consumidor, conquanto despidos de caráter absoluto, qualificam-se, porém, como valores essenciais e condicionantes de qualquer processo decisório.

Além disso, os corolários de proteção ao consumidor, hasteados como flâmulas orientadoras, buscam neutralizar situações de antagonis-

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mos oriundos das relações de consumo que se processam, na esfera da vida social, de modo tão desigual, caracterizado corriqueiramente pela conflituosidade, opondo, por extensão, fornecedores e produtores, de um lado, a consumidores, do outro. No mais, o reconhecimento da pro-teção constitucional da figura como consumidor traduz em verdadeira prerrogativa fundamental do cidadão, estando inerente à própria acep-ção do Estado Democrático e Social de Direito, motivo pelo qual cabe a toda coletividade extrair, dos direitos assegurados ao consumidor, a sua máxima eficácia.

2 ASPECTOS CONCEITUAIS DO CONSUMIDOR

Em uma acepção ampla, tem-se que o consumidor é aquele que adquire mercadorias, independente da natureza que possuam, como particular, e para uso doméstico ou mesmo profissional, sem intuito de revenda. Segundo Gama, consumidor é “aquele que consome alguma coisa”5. A partir de um viés jurídico, consumidor é qualquer pessoa física ou jurídica que, isolada ou coletivamente, contrate para consumo final, em benefício próprio ou de outrem, a aquisição ou locação de bens, tal como a prestação de serviço. “Vislumbrando-se o seu enquadramento inicial, o consumidor pode ser, pelo texto expresso, uma pessoa natural ou jurídica, sem qualquer distinção”6. Nessa esteira, para que a pessoa jurídica seja considerada como consumidor, mister se faz a demons-tração de sua vulnerabilidade e a utilização do produto ou do serviço como destinatário final. A compreensão do vocábulo consumidor, para fins de definição do âmbito de incidência da legislação consumerista, deve partir da expressão destinatário final, entendido como aquele des-tinatário fático e econômico do bem ou do serviço, sem que objetive o incremento ou fomento de outra atividade negocial.

Nesse passo, rememorar se faz imprescindível: o emolduramento da pessoa jurídica como consumidora advém da aquisição ou mesmo utilização de produtos ou serviços em benefício próprio. Id est, trata-se de situação em que se objetiva a satisfação das necessidades pessoais, sem que subsista o interesse de transferi-los a terceiros, nem empregá--los na produção de outros bens ou serviços. Nessa trilha de raciocínio, pode-se assinalar que, “se a pessoa jurídica contrata o seguro visando a

5 GAMA, Ricardo Rodrigues. Dicionário básico jurídico. Campinas: Russel, 2006. p. 107.6 TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assunpção. Manual de direito do consumidor: direito material e

processual. São Paulo: Método, volume único, 2012. p. 65.

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proteção contra roubo e furto do patrimônio próprio dela e não o dos clientes que se utilizam dos seus serviços, ela é considerada consumi-dora nos termos do art. 2º do CDC”7. Logo, tão somente a utilização do serviço ou do produto como insumo, integrando a cadeia produtiva, pela pessoa jurídica tem o condão de desnaturar a relação de consumo existente. Colhe-se o paradigmático entendimento:

Direito do consumidor. Pessoa jurídica. Não ocorrência de violação ao art. 535 do CPC. Utilização dos produtos e serviços adquiridos como insumos. Ausência de vulnerabilidade. Não incidência das normas con-sumeristas. [...] 2. O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor abarca expressamente a possibilidade de as pessoas jurídicas figurarem como consumidores, sendo relevante saber se a pessoa – física ou jurídica – é “destinatária final” do produto ou serviço. Nesse passo, somente se desnatura a relação consumerista se o bem ou serviço passa a integrar a cadeia produtiva do adquirente, ou seja, torna-se objeto de revenda ou de transformação por meio de beneficiamento ou montagem, ou, ainda, quando demonstrada sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômi-ca frente à outra parte. 3. No caso em julgamento, trata-se de sociedade empresária do ramo de indústria, comércio, importação e exportação de cordas para instrumentos musicais e afins, acessórios para veículos, fer-ragens e ferramentas, serralheria em geral e trefilação de arames, sendo certo que não utiliza os produtos e serviços prestados pela recorrente como destinatária final, mas como insumos dos produtos que manufatu-ra, não se verificando, outrossim, situação de vulnerabilidade a ensejar a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 4. Recurso especial provido. (Superior Tribunal de Justiça, REsp 932.557/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, J. 07.02.2012) (grifou-se)

Depreende-se, pois, que a acepção conceitual que reveste a figura do consumidor foi construída a partir de um visão essencialmente objeti-va, porquanto volvida para o ato de retirar o produto ou serviço do mer-cado, na condição de seu destinatário final. Nessa linha, afastando-se do critério pessoal de definição de consumidor, o legislador infraconstitu-cional possibilita às pessoas jurídicas a assunção dessa qualidade, desde que adquiram ou utilizem o produto ou serviço como destinatário final. Dessarte, consoante doutrina abalizada sobre o tema, o destinatário final é aquele que retira o produto da cadeia produtiva – destinatário fático

7 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Acórdão proferido em Recurso Especial nº 733.560/RJ, 3ª Turma, Relª Min. Nancy Andrighi. J. 11.04.2006, DJe 02.05.2006, p. 315: “Consumidor. Recurso especial. Pessoa jurídica. Seguro contra roubo e furto de patrimônio próprio. Aplicação do CDC. Recurso especial conhecido parcialmente, mas improvido” (Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

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–, mas não para revendê-lo ou utilizá-lo como insumo na sua atividade profissional – destinatário econômico.

Ao lado disso, com o escopo de robustecer as ponderações aven-tadas, quadra anotar o entendimento do Ministro Fernando Gonçalves, ao relatoriar o Conflito de Competência nº 92.519/SP, quando firmou entendimento robusto que, “para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou serviço adquirido ou utiliza-do não pode guardar qualquer conexão, direta ou indireta, com a ativi-dade econômica por ele desenvolvida”8; logo, o serviço ou produto deve ser empregado com o fio de atender uma necessidade própria, pessoal do consumidor. “Na linha da jurisprudência predominante no STJ, apli-ca-se o Código de Defesa do Consumidor, ainda que se trate de pessoa jurídica a dita consumidora, desde que se sirva dos bens ou serviços prestados pelo fornecedor como destinatária final”9. Dessa feita, para que se opere a caracterização do consumidor, basta que o indivíduo adquira ou utilize o produto ou serviço como destinatário final. Esse o entendimento de Cláudia Lima Marques:

Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. Logo, segundo esta interpreta-ção teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do pro-fissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida “destinação final” do produto ou serviço, ou, como afirma o STJ, haveria consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e distribuição.10

De outro modo, o Código de Defesa do Consumidor não possui incidência em situações nas quais, embora seja possível a identificação de um destinatário final, o produto ou serviço é entregue com o fito

8 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Acórdão proferido em Conflito de Competência nº 92.519/SP, 2ª Seção, Rel. Min. Fernando Gonçalves, J. 16.02.2009, DJe 04.03.2009: “Conflito de competência. Sociedade empresária. Consumidor. Destinatário final econômico. Não ocorrência. Foro de eleição. Validade. Relação de consumo e hipossuficiência. Não caracterização. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo Federal da 12ª Vara da Seção Judiciária do Estado de São Paulo” (Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

9 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Acórdão proferido em Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.085.080/PR, 4ª Turma, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, J. 13.09.2011, DJe 20.09.2011: “Agravo regimental. Civil e processual. Dívidas. Renegociação. Novação. Livre manifestação das partes. Súmula nº 286/STJ. Inaplicabilidade. Não provimento. Agravo regimental a que se nega provimento” (Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

10 MARQUES, Cláudia Lima. Manual de direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 71.

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específico de servir de bem de produção para outro produto ou serviço e, comumente, não está disponibilizado no mercado de consumo como bem passível de aquisição, mas como de produção. Verifica-se, nessa situação, que o consumidor comum não o adquire11. Nesse diapasão, “é preciso considerar a excepcionalidade da aplicação das medidas pro-tetivas do CDC em favor de quem utiliza o produto ou serviço em sua atividade comercial”12. Ora, a rigor, a aquisição de bens ou a utilização de serviços para implementar ou incrementar a atividade tem o condão de descaracterizar os aspectos incidentes e contextualizadores da rela-ção de consumo.

3 A FIGURA DO CONSUMIDOR POR EqUIPARAÇÃO

A legislação consumerista, além da figura do consumidor em sen-tido estrito, consoante definição apresentada pelo art. 2º do mencionado diploma, identifica o terceiro que não participa diretamente da relação de consumo, isto é, todo aquele que se encontre na condição de consu-midor equiparado. Dessa feita, a Lei nº 8.078/1990 passa a ostentar múl-tiplos conceitos do consumidor: um geral e três outros por equiparação. Afiguram-se como consumidores a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo, conso-ante dicção do parágrafo único do art. 2º; todas as vítimas do evento, segundo disposição contida no art. 17; e todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas previstas no Capítulo V do Código de Defe-sa do Consumidor, conforme estatui o art. 29.

Imperioso se faz frisar que “o Código, ao tratar do consumidor por equiparação não o coloca em desvantagem ou em nível inferior aos de-mais consumidores”13. Consequentemente, além do consumidor stricto sensu, podem ser também alcançadas pelas atividades desenvolvidas no mercado de consumo pelos fornecedores de produtos e serviços outras

11 Neste sentido: NUNES, Luís Antonio. Curso de direito do consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 8312 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Acórdão proferido em Recurso Especial nº 1.038.645/RS, 3ª Turma,

Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 19.10.2010, DJe 24.11.2010: “Direito do Consumidor. Definição de consumidor e de fornecedor. Não caracterização. Empresa de transporte. Relevância, para a configuração da relação de consumo, da disparidade de porte econômico existente entre partes do contrato de fornecimento de peças para caminhão empregado na atividade de transporte. Importância, também, do porte da atividade praticada pelo destinatário final. situação, entretanto, em que, independentemente ademais, de relação de consumo, há elementos de prova a embasar a convicção do julgador de que peças automotivas fornecidas e a correspondente prestação de serviço não têm defeitos. Recurso especial improvido” (Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

13 CARVALHO, José Carlos de Maldonado de. Direito do consumidor: fundamentos doutrinários e visão jurisprudencial. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 29.

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que, conquanto não integrem uma relação de consumo, passam a gozar da mesma posição de consumidor legalmente abrigado nas normas da legislação consumerista, independente de ter usado ou consumido, de maneira direta, qualquer produto ou serviço na condição de consumidor final. Nesse contexto, destaca-se a figura do consumidor por equipara-ção, inserida pelo legislador no art. 17 do Código de Defesa do Con-sumidor, sujeitando a proteção daquele diploma também às vítimas de acidentes derivados do fato do produto ou do serviço.

Em outras palavras, o sujeito da relação de consumo não precisa necessariamente ser parte contratante, podendo também ser um tercei-ro vitimado por essa relação, que o Direito norte-americano – onde o instituto teve origem – chama de bystander. Dessa maneira, em aciden-te de trânsito envolvendo fornecedor de serviço de transporte, tercei-ro vitimado em decorrência dessa relação de consumo existente, deve ser considerado consumidor por equiparação. “A vítima de acidente de consumo que de qualquer forma sofre os efeitos do evento é consumi-dor por equiparação ou bystanders (art. 17 do CDC)”14. Colaciona-se o paradigmático aresto do Superior Tribunal de Justiça, que, com bastante pertinência, aponta o seguinte:

Civil, processo civil e consumidor. Reparação civil. Prescrição. Prazo. Conflito intertemporal. CC/1916 e CC/2002. Acidente de trânsito envol-vendo fornecedor de serviço de transporte de pessoas. Terceiro, alheio à relação de consumo, envolvido no acidente. Consumidor por equi-paração. Embargos de declaração. Decisão omissa. Intuito protelatório. Inexistência. [...] 3. O art. 17 do CDC prevê a figura do consumidor por equiparação (bystander), sujeitando à proteção do CDC aqueles que, em-bora não tenham participado diretamente da relação de consumo, sejam vítimas de evento danoso decorrente dessa relação. 4. Em acidente de trânsito envolvendo fornecedor de serviço de transporte, o terceiro viti-mado em decorrência dessa relação de consumo deve ser considerado consumidor por equiparação. Excepciona-se essa regra se, no momento do acidente, o fornecedor não estiver prestando o serviço, inexistindo, pois, qualquer relação de consumo de onde se possa extrair, por equi-paração, a condição de consumidor do terceiro. [...] 6. Recurso especial parcialmente provido. (Superior Tribunal de Justiça, REsp 1125276/RJ,

14 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Acórdão proferido em Apelação Cível nº 70038164372, 10ª Câmara Cível, Rel. Des. Jorge Alberto Schreiner Pestana, J. 03.05.2012: “Responsabilidade civil. Filho de vítima de acidente de consumo. Pretensão de reconhecimento de dano moral pela ausência do pai. Consumidor por equiparação. Art. 17 do CDC. Prazo prescricional. Cinco anos. Art. 27 do CDC. Prescrição afastada. Proveram o apelo. Unânime” (Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

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3ª Turma, Relª Min. Nancy Andrighi, J. 28.02.2012, DJe 07.03.2012) (grifou-se)

Responsabilidade civil. Acidente aéreo. Pessoa em superfície que alega abalo moral em razão do cenário trágico. Queda de avião nas cercanias de sua residência. Consumidor por equiparação. Art. 17 do CDC. Pra-zo prescricional. Código Civil de 1916. Inaplicabilidade. Conflito entre prazo previsto no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) e no CDC. Prevalência deste. Prescrição, todavia, reconhecida. [...] 2. As vítimas de acidentes aéreos localizadas em superfície são consumidores por equi-paração (bystanders), devendo ser a elas estendidas as normas do Códi-go de Defesa do Consumidor relativas a danos por fato do serviço (art. 17, CDC). 3. O conflito entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Brasileiro de Aeronáutica – que é anterior à CF/1988 e, por isso mesmo, não se harmoniza em diversos aspectos com a diretriz constitu-cional protetiva do consumidor –, deve ser solucionado com prevalência daquele (CDC), porquanto é a norma que melhor materializa as pers-pectivas do constituinte no seu desígnio de conferir especial proteção ao polo hipossuficiente da relação consumerista. Precedente do STF. 4. Re-curso especial provido. (Superior Tribunal de Justiça,REsp 1281090/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Luís Felipe Salomão, J. 07.02.2012, DJe 15.03.2012) (destacou-se)

O art. 29 do Código de Defesa do Consumidor, por sua vez, su-pera, portanto, os estritos limites da definição jurídica de consumidor para imprimir uma definição de política legislativa. Com o escopo de harmonizar os interesses presentes no mercado de consumo, com o es-copo de reprimir eficazmente os abusos de poder econômico, com o fito de proteger os interesses econômicos dos consumidores finais, o le-gislador cunhou um poderoso instrumento nas mãos das pessoas expos-tas às práticas abusivas. Estas, mesmo não sendo “consumidores stricto sensu”, poderão utilizar as normas especiais do Estatuto Consumerista, seus princípios, sua ética de responsabilidade social no mercado, sua nova ordem pública, para combater as práticas comerciais abusivas. Ao lado disso, “a pessoa jurídica exposta à prática comercial abusiva equi-para-se ao consumidor (art. 29 do CDC), o que atrai a incidência das normas consumeristas e a competência do Procon para a imposição da penalidade”15.

15 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Acórdão proferido em Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 27.541/TO, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 18.08.2009, DJe 27.04.2011: “Administrativo e consumidor. Multa imposta pelo Procon. Legitimidade. Relação de consumo caracterizada. Art. 29 do CDC. Recurso ordinário não provido” (Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

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Ao lado disso, a situação prevista, em que a coletividade se encon-tra, de maneira potencial, na iminência de sofrer dano não provocado, traz, com clareza solar, a incidência das normas protetivas entalhadas no Código de Defesa do Consumidor. Dessa maneira, os diversos desas-tres tecnológicos decorrentes da atuação antrópica, a exemplo da con-taminação das águas, do ar e a ameaça à camada de ozônio, tal como os problemas advindos do âmbito da saúde e segurança alimentar, têm reclamado a atenção de todos acerca da necessidade de ser adotada uma atitude maior de prudência no uso das tecnologias disponibiliza-das. “Observa-se a relevância do bem jurídico tutelado, no interesse da coletividade, visando a anulação de cláusulas abusivas contidas em cé-dulas de crédito rural, firmadas pelos sindicalizados perante instituição financeira, em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor”16.

4 CONCEITO DE FORNECEDOR

Em linhas introdutórias, fornecedor é toda pessoa física ou jurídi-ca, pública ou privada, nacional ou estrangeira, tal como os entes des-personalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribui-ção ou comercialização de produtos ou prestação de serviços, conso-ante definição insculpida no caput do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor17. “É, em síntese, todo aquele que oferta, a título singular e com caráter profissionalidade – exercício habitual do comércio – pro-dutos e serviços ao mercado de consumo, atendendo, assim, às suas necessidades”18. Pela dicção apresentada, é denotável que não importa a tarefa assumida pelo fornecedor no universo das relações consumeris-tas, sendo irrelevante o papel que ele desempenha, quando se trata da afirmação dos direitos do consumidor.

Nessa esteira, a remuneração é a nota essencial à caracteriza-ção do fornecedor, sendo que a remuneração dá o tom do exercício profissional, não se aplicando apenas aos serviços. Igualmente, o for-necedor de produtos, para ser caracterizado como tal, deve atuar no

16 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça, Acórdão proferido em Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.163.703/MT, 3ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, J. 27.09.2011, DJe 05.10.2011: “Agravo regimental no recurso especial. Ação civil pública. Sindicato. Legitimidade ativa. Violação ao art. 81, III, do Código de Defesa do Consumidor. Configuração. Improvimento. Agravo regimental improvido” (Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

17 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 4 mar. 2017.

18 Carvalho, 2008, p. 30.

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curso de sua atividade-fim. “As rés, na condição de prestadoras de ser-viços, enquadram-se no conceito de fornecedor do art. 3º, do Diploma Consumerista”19. Ao traçar os aspectos característicos da figura do forne-cedor, alude o legislador ao vocábulo atividade, sendo esta considerada como a prática reiterada de atos de cunho negocial, de maneira orga-nizada e unificada, por um mesmo indivíduo, objetivando um escopo econômico unitário e permanente. Consoante o magistério de Carvalho:

Essas atividades, assim indicadas no Código, são: produção (atividade que conduz ao produto qualquer bem móvel ou imóvel, material ou ima-terial); montagem (a combinação de peças que, no conjunto, vão formar o produto); criação (desenvolvimento da atividade espiritual ou física do homem que constitui novidade); construção (com ou sem criatividade); transformação (mudança ou alteração de estrutura ou forma de produto já existente em outro); importação e exportação (aquisição de produtos do exterior e venda de produtos para o exterior); distribuição (ato de concretizar a traditio da res); comercialização (prática habitual de atos de comercial); prestação de serviços (aquele que presta serviços a outras entidades)20.

Nessa trilha de exposição, revela-se imprescindível distinguir o fornecedor imediato do fornecedor mediato, ambicionando, por con-seguinte, fixar a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço. Ao lado disso, mister se faz sublinhar que o fornecedor mediato é todo aquele que não celebrou o contrato, tendo, contudo, integrado a cadeia econômica como fornecedor do produto ou do serviço. Já o fornecedor imediato, também denominado fornecedor direto, é aquele que comer-cializa o produto ou, ainda, presta diretamente o serviço, mesmo que venha a se utilizar de mandatário, preposto ou empregado. Com espe-que no art. 13 do Estatuto de Defesa e Proteção do Consumidor21, a res-ponsabilidade do fornecedor direta será sucessiva e subsidiária, quando

19 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Acórdão proferido em Apelação Cível nº 1.0106.11.003953-9/001, 17ª Câmara Cível, Rel. Des. Evandro Lopes da Costa Teixeira, J. 23.08.2012: “Ação de indenização. Venda de mercadoria com defeito. Demora no conserto. Falha na prestação de serviços. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade objetiva e solidária das empresas vendedora e de assistência técnica. Mesma cadeia de fornecimento. Dano moral. Configurado. Valor da indenização. Manter” (Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

20 Carvalho, 2008, p. 31.21 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 4 mar. 2017: “Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando: I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis”.

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desconhecida ou insuficiente à identificação do fornecedor indireto ou mediato.

Em havendo dano puramente patrimonial, a responsabilidade será de todos os fornecedores que integram a cadeia econômica, a título de solidariedade, excetuada exceção em sentido contrário. No sistema inau-gurado pela legislação consumerista, em especial nas hipóteses contidas nos arts. 18 e 20, respondem pelo vício do produto todos aqueles que ajudaram a colocá-lo no mercado, desde o fabricante (que elaborou o produto e o rótulo de identificação), o distribuidor, ao comerciante (que contratou com o consumidor). A cada um deles é imputada a respon-sabilidade pela garantia de qualidade-adequação do produto. Salta aos olhos que a cada um deles a legislação consumerista de regência impôs, de maneira expressa, um dever específico, respectivamente, de fabri-cação adequada, de distribuição somente de produtos adequados, de comercialização somente de produtos adequados e com as informações devidas.

O Código de Defesa do Consumidor adota, assim, uma imputa-ção, ou atribuição objetiva, pois todos são responsáveis solidários, res-ponsáveis; porém, em última análise, por seu descumprimento do dever de qualidade, ao ajudar na introdução do bem viciado no mercado. A legitimação passiva se amplia com a responsabilidade solidária e com um dever de qualidade que ultrapassa os limites do vínculo contratual consumidor/fornecedor direto. Considerando que a responsabilidade é solidária tanto do fabricante, distribuidor e comerciante, é facultada ao consumidor a escolha de contra quem irá demandar, podendo ser con-tra um dos integrantes da cadeia de consumo como todos. Colhe-se o entendimento jurisprudencial que tem o condão de abalizar o acimado:

Apelação cível. Direito privado não especificado. Pretensão de indeniza-ção por dano material. Vício do produto (notebook). Agravo retido. Le-gitimidade passiva da loja onde o bem foi adquirido. Fornecedor – para fins de imputar a responsabilidade solidária pelos vícios de qualidade ou quantidade que tornem os produtos impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam (art. 18 do CDC), na linha do que dispõe o art. 3º do CDC – é todo aquele que participa da cadeia de fornecimento de produtos e/ou serviços, pouco importa sua relação direta ou indire-ta, contratual ou extracontratual com o consumidor. Do aparecimento plural dos sujeitos-fornecedores resulta a solidariedade dentre os parti-cipantes da cadeia mencionada nos arts. 18 e 20 do CDC e indicada na expressão genérica “fornecedor de serviços” do art. 14, caput, do CDC, restando, assim, afastada a alegação de ilegitimidade passiva. [...] Nega-

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ram provimento ao agravo retido e a apelação. Unânime. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70041693920, 20ª Câmara Cível, Rel. Des. Rubem Duarte, J. 26.09.2012) (destacou-se)

Consumidor. Aparelho celular. Vício de qualidade do produto. Comer-ciante. Legitimidade Passiva. Em se tratando de responsabilidade por vício de qualidade do produto, todos os fornecedores respondem pelo ressarcimento dos vícios, como coobrigados e solidariamente. Tanto o fabricante como o comerciante possuem deveres perante o consumidor quanto à garantia de qualidade dos produtos, e ambos podem ser acio-nados judicialmente. [...] Apelação desprovida. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70047064365, 10ª Câ-mara Cível, Rel. Des. Túlio de Oliveira Martins, J. 29.03.2012) (grifou-se)

Ademais, são também considerados fornecedores as pessoas ju-rídicas de direito público interno, compreendendo-se a administração direta e indireta, bem como os denominados entes despersonalizados. Nesse sentido, cuida salientar que “a empresa concessionária de servi-ço público afigura-se responsável pelos danos causados em razão da suspensão do fornecimento de energia elétrica e pela demora no seu restabelecimento”22. Verifica-se, assim, que as concessionárias de servi-ço público, para incidência das disposições protecionistas em relação ao consumidor contidas no Diploma Consumerista, são consideradas como fornecedores. A responsabilidade civil, por consequência, é obje-tiva e igualmente tem previsão no art. 14, caput, do Código de Defesa do Consumidor, somente podendo ser afastada quando comprovado que o defeito inexiste ou que o dano decorreu de culpa exclusiva do consumi-dor ou de terceiro.

5 ANOTAÇõES ACERCA DA ACEPÇÃO DE PRODUTOS

Em uma acepção inaugural, a legislação consumerista, em ex-pressa dicção, apresenta produto como sendo “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”23. Nesta esteira, o vocábulo “produto”, a partir de um viés jurídico, assume o sentido econômico, como resulta-

22 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Acórdão proferido em Recurso Cível nº 71003506755, 1ª Turma Recursal Cível, Relª Marta Borges Ortiz, J. 10.10.2012: “Consumidor. Falha no fornecimento de energia elétrica. Reparação de danos relativos à demora no restabelecimento. Responsabilidade objetiva da concessionária do serviço público de fornecimento de energia elétrica. Dano moral configurado. Dano material comprovado. Sentença mantida. Recurso improvido” (Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

23 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 4 mar. 2017.

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do proveniente de uma produção, isto é, o resultado de algo elaborado por alguém, com o escopo primordial de ser comercializado, satisfazen-do, via de consequência, uma necessidade humana. Como bem anota Carvalho, “ao definir produto de forma bem ampla tem-se, para as fina-lidades do Código do Consumidor, que podem ser objeto de relação de consumo quaisquer bens – corpóreos ou incorpóreos – como também os que venham a ser integrados a outros produtos ou a um imóvel”24. Trata-se de definição demasiadamente abrangente, não sendo possível a interpretação restritiva de seu conteúdo, ressalvada a hipótese de se pro-mover a diferenciação da pessoa e do produto. “Constata-se que a Lei nº 8.078/1990 utilizou o termo bem, no sentido de ser uma coisa – algo que não é humano –, com interesse econômico e/ou jurídico, constru-ção que é seguida por este autor”25.

Hodiernamente, os produtos são classificados, segundo o ordena-mento consumerista, quanto à segurança, à nocividade, à adequação, à propriedade, à durabilidade, à natureza e à essencialidade. É conside-rado inseguro o produto quando não oferece a segurança que se espera legitimamente, consoante disposição apresentada no § 1º do art. 12 do Código de Defesa do Consumidor26. Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul firmou entendimento que, “caso em que a parte autora, tendo adquirido veículo ‘zero quilômetro’, veio a ser submetida a uma verdadeira via crucis pela concessionária e fabricante do produto, porque o bem exibia defeitos que o tornavam inseguro para o trânsito, repercutindo em sua indisponibilidade”27.

De outra banda, diz-se que o produto é nocivo quando a seguran-ça que dele se espera não pode ser alcançada de maneira imediata. Salta aos olhos que o consumidor tem o direito de não ser exposto a produtos e serviços que ocasionem perigo à sua incolumidade física. Oportuno,

24 Carvalho, 2008, p. 32.25 Tartuce; Neves, 2012, p. 83.26 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras

providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 4 mar. 2017: “Art. 12. O fabri- cante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1º O pro- duto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes [omissis]”.

27 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Acórdão proferido em Embargos Infringentes nº 70050373505, 6º Grupo de Câmaras Cíveis, Rel. Des. José Aquino Flôres de Camargo, J. 24.08.2012: “Ação cominatória cumulada com indenização por danos morais. Defeitos em veículo retirado novo da concessionária. Valor da indenização. Embargos infringentes desacolhidos, por maioria” (Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

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em verdade, é salientar que desse direito básico decorrem normas como aquelas previstas nos arts. 8º, 9º e 10 do Código de Defesa do Con-sumidor, que tratam das medidas de proteção à saúde e segurança do consumidor, e que preveem, por exemplo, a exigência de ostensiva e adequada informação sobre os riscos que os produtos ou serviços pos-sam apresentar. Ainda nesse mesmo rol de artigos, encontra-se disposi-ção que veda ao fornecedor colocar no mercado de consumo produto ou serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou periculosidade à saúde ou segurança. Colaciona-se, com o objetivo de subsidiar as ponderações apresentadas até o momento, colacionar o aresto paradigmático:

Apelação cível. Direito privado não especificado. Rescisão de contrato. Direito do consumidor. Produto nocivo à saúde e segurança. Informação insuficiente. Conduta contratual abusiva e enganosa. [...] Conduta aten-tatória a diversos direitos do consumidor. Art. 6º, CDC. Direito à prote-ção da vida, saúde e segurança (inciso I). Direito à informação adequada e clara (inciso III). Direito à proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços (inciso IV). Caso concreto. Prova suficiente a demonstrar que o produto vendido ao consumidor causou problemas à sua saúde. Impor-tante notar, ainda, que a hipótese dos autos apresenta notável agravante, pois o produto em tela foi vendido sob a promessa de melhora à saúde do consumidor. E se o fornecedor se utiliza justamente de promessas de contribuição e melhora à saúde do consumidor para vender o seu produ-to e, posteriormente, esse mesmo produto se mostra, ao contrário, nocivo à sua saúde, fica configurada com evidência a sua conduta enganosa e abusiva. Nesse contexto, o consumidor é claramente induzido em erro pelo fornecedor, que desvirtua informações sobre o produto para conse-guir a sua venda. Mantido o deferimento do pedido do consumidor de rescisão do contrato. [...] Apelo improvido. (Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Apelação Cível nº 70020637252, 12ª Câmara Cí-vel, Rel. Des. Dálvio Leite Dias Teixeira, J. 06.12.2007) (grifou-se)

Nessa esteira, ainda, o produto é tido como inadequado se não corresponde ordinariamente às expectativas do consumidor quanto à finalidade da aquisição ou à utilização do produto. Ao lado disso, o produto é denominado impróprio quando se mostra inadequado econo-micamente por vício de qualidade, quantidade ou informação28. É fato

28 Neste sentido: Carvalho, 2008, p. 32.

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que, constatado o vício de qualidade ou quantidade no produto, que o tornou inadequado para o consumo, concede o § 1º do art. 18 da Legis-lação Consumerista29, no lapso temporal de trinta dias, ao fornecedor a oportunidade de saná-lo, sendo facultado ao consumidor, em caso de não reparação do efeito, optar por uma das três alternativas admitidas no diploma legal supramencionado, a saber: a substituição do produto por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso; a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou, ainda, o abatimento proporcional do pre-ço. “O objetivo do dispositivo legal em comento é dar conhecimento ao fornecedor do vício detectado no produto, oportunizando-lhe a inicia-tiva de saná-lo”30, fato que prescinde da notificação formal do respon-sável, quando esse, por outros meios, venha a ter ciência da existência do defeito.

6 COMENTÁRIOS à NATUREZA JURíDICA DO SERVIÇO

Em relação ao serviço, o ordenamento pátrio adota, em referência às relações consumeristas, que o serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, compreendendo-se, inclusive, as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, excluindo-se as provenientes das relações de moldura trabalhista. “Tra-ta-se, pois, de atividade laborativa, ofertada no mercado de consumo, mediante remuneração. A regra em comento excepciona, dentre as ativi-dades remuneradas, apenas a de natureza trabalhista”31. Dessa feita, po-de-se ponderar que as relações existentes entre concessionárias de servi-ço público, tais como rodovias, telefonia e energia elétrica, e o usuário do serviço são típicas de consumo, estando, portanto, alcançadas pelos

29 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 4 mar. 2017: “Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. § 1º Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I – a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; II – a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III – o abatimento proporcional do preço”.

30 BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Acórdão proferido em Recurso Especial nº 435.852/MG, 3ª Turma, Rel. Min. Castro Filho, J. 23.08.2007, DJ 10.09.2007, p. 224: “Ação de indenização. Aquisição de veículo com defeito de fábrica. Reparação do vício. Art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor. Notificação formal dos responsáveis. Desnecessidade. Recurso especial a que se nega provimento” (Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

31 Carvalho, 2008, p. 33.

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feixes inspiradores que orientam a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Nessa trilha, cuida trazer à colação o seguinte entendimen-to jurisprudencial:

Concessionária de rodovia. Acidente com veículo em razão de animal morto na pista. Relação de consumo. 1. As concessionárias de serviços rodoviários, nas suas relações com os usuários da estrada, estão subor-dinadas ao Código de Defesa do Consumidor, pela própria natureza do serviço. No caso, a concessão é, exatamente, para que seja a conces-sionária responsável pela manutenção da rodovia, assim, por exemplo, manter a pista sem a presença de animais mortos na estrada, zelando, portanto, para que os usuários trafeguem em tranquilidade e segurança. Entre o usuário da rodovia e a concessionária, há mesmo uma relação de consumo, com o que é de ser aplicado o art. 101, do Código de Defesa do Consumidor. 2. Recurso especial não conhecido. (Superior Tribunal de Justiça,REsp 467883/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, J. 17.06.2003, DJ 01.09.2003, p. 281) (grifou-se)

Ao lado disso, cuida salientar que, “apesar da lei mencionar ex-pressamente a remuneração, dando um caráter oneroso ao negócio, ad-mite-se que o prestador tenha vantagens indiretas, sem que isso prejudi-que a qualificação da relação consumerista”32. Com o escopo de ilustrar o expendido, pode-se citar como exemplos o caso de estacionamento gratuito em shopping center, supermercados, lojas e afins, sendo que a empresa que o oferta é responsável, eis que os atrativos objetivam exclu-sivamente angariar clientela. “O empreendimento comercial que ofere-ce estacionamento aos seus clientes responde objetivamente pelos even-tuais danos e prejuízos a eles causados, em razão do dever de guarda e vigilância assumidos”33. Aliás, cuida salientar que a responsabilidade em comento encontra-se sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça, conso-ante Verbete nº 130, que dicciona no sentido que “a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo, ocorrido em seu estabelecimento”34.

Nessa toada, os fornecedores possuem a obrigação de dispensar todos os esforços carecidos “para repelir a ocorrência de falha na presta-

32 Tartuce; Neves, 2012, p. 88.33 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, Acórdão proferido em Apelação

Cível nº 70050708304, 5ª Câmara Cível, Relª Desª Isabel Dias Almeida, J. 31.10.2012: “Apelações cíveis. Agravo retido. Responsabilidade civil. Roubo em estacionamento de shopping center. Dever de guarda e vigilância. Ação regressiva da seguradora. Indenização devida. Agravo retido e apelos desprovidos” (Disponível em: <www.tjrs.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

34 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017.

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ção de seus serviços, devendo responder pelos danos morais causados a seus clientes, decorrentes da prestação de serviço defeituoso, consisten-te na inscrição indevida do nome do consumidor”35. O robusto questio-namento que incide é relacionado à incidência do regime jurídico con-templado na legislação consumerista nas relações de cunho bancário. A dicotomia existente em relação ao tema orbita no aparente confronto entre as disposições contidas no CDC e as leis que regem o Sistema Fi-nanceiro Nacional, com as resoluções e as portarias emitidas pelo Con-selho Monetário Nacional e pelo Banco Central.

Pois bem, conquanto o dinheiro, em si, não seja objeto de consu-mo, ao se afigurar como elemento de troca, a moeda adquire a natureza de bem de consumo. As operações de crédito são negócios de consu-mo por conexão, encontrando-se abrangida nessa classificação todos os meios de pagamento em que ocorre diferimento de prestação monetária, a exemplo de cartões de crédito, cheques-presentes e outros. “Como a prestação de serviço de natureza bancária encerra relação de consumo, aplicável é o Código de Defesa do Consumidor”36. A relação de consu-mo é o vínculo jurídico por meio do qual uma pessoa física ou jurídica denominada consumidora adquire ou utiliza produto ou serviço de outra pessoa denominada fornecedora. É patente que a relação entre banco e cliente é uma relação tipicamente de consumo, recebendo, por via de consequência, o respaldo ofertado pela Carta da República.

Destarte, tem-se que, para os efeitos da incidência do Código de Defesa do Consumidor, é considerado como consumidor, inquestiona-velmente, toda pessoa física ou jurídica que utiliza, como destinatário final, atividade bancária, financeira e de crédito. É cediço que as institui-ções estão sujeitas ao cumprimento dos corolários e ditames emanados pela legislação consumerista. Ao lado disso, no que concerne à apli-cação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos bancários, a

35 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Acórdão proferido em Apelação Cível nº 1.0027.09.206902-3/001, 17ª Câmara Cível, Rel. Des. Luciano Pinto, J. 11.10.2012: “Apelação cível. Indenização por dano moral. Manutenção irregular do nome em cadastro de negativação ao crédito. Dívida paga. Falha na prestação do serviço. Dano moral. Configurado. Desnecessidade de sua comprovação. Notificação prévia. Prova da sua remessa. Endereço fornecido pelo credor. Pedido improcedente. Manutenção da sentença. Medida que se impõe” (Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

36 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Acórdão proferido em Apelação Cível nº 1.0024.06.976232-6/001, 17ª Câmara Cível, Relª Desª Márcia de Paoli Balbino, J. 11.10.2012: “Civil e processual civil. Apelação. Ação declaratória de inexistência de débito c/c indenização por danos morais. Ausência de contratação. Falha do serviço e fraude de terceiro. Prova pericial. Aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Responsabilidade objetiva da instituição financeira. Dano moral. Configuração. Dever de indenizar. Recurso conhecido e não provido” (Disponível em: <www.tjmg.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017).

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matéria já está pacificada pelo excelso Superior Tribunal de Justiça pela Súmula nº 297, que dispõe: “O Código de Defesa do Consumidor é apli-cável às instituições financeiras”37, estendendo-se, frise-se, tão somente aos serviços atinentes à atividade bancária.

7 COMÉRCIO ELETRÔNICO, RELAÇõES DE CONSUMO E PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR: ALGUMAS REFLEXõES

De acordo com Cláudia Lima Marques38, o comércio eletrônico é conceituado como os atos negociais entre empresários e clientes com o escopo de vender produtos e serviços, sendo que as contratações se operam a distância, conduzidas por meios eletrônicos (e-mail, mensa-gem de textos, etc.), por Internet (on-line) ou por meios de telecomu-nicação de massa (telefones fixos, televisão a cabo, telefones celulares, etc.). Os negócios jurídicos são finalizados por meios eletrônicos, sem a presença física simultânea dos dois contratantes no mesmo lugar, mo-tivo pelo qual são nominados, comumente, de contratos a distância no comércio eletrônico e abarcarem trocas de dados digitais, textos, sons e imagens. Logo, é possível afirmar que o comércio eletrônico passa a ganhar contornos de principal atividade econômica da nova economia, já que materializa mecanismo amparado em informação, conhecimento e tecnológica, tal como pelas perspectivas de lucro que suas transações supõem.

Em complemento ao afirmado, é possível definir o comércio ele-trônico, em sentido amplo, como qualquer forma de transação ou inter-câmbio de informação comercial alicerçada na transmissão de dados sobre as redes de comunicação, a exemplo da Internet. Estão incluídas todas as atividades prévias e posteriores à venda, compreendendo todas as fases do negócio empresarial. Igualmente, são abarcadas a publicida-de, a busca de informação sobre os produtos, os provedores, a atenção ao cliente antes e depois da venda, a distribuição dos bens e serviços ad-quiridos e pagos eletronicamente. Marques39, ainda, vai lecionar que o comércio eletrônico não toca apenas às transações realizadas por meio da Internet, sendo de amplitude muito maior, tangendo a toda negocia-ção firmada por meio de redes eletrônicas em geral.

37 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <www.stj.jus.br>. Acesso em: 4 mar. 2017.38 MARQUES, Cláudia Lima. Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumidor: um estudo dos

negócios jurídicos de consumo no comércio eletrônico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 35-36.39 Marques, 2004.

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Dessa feita, o comércio eletrônico compartilha as mesmas bases que o comércio tradicional, incluindo-se as finalidades, diferenciando--se, contudo, no ambiente em que o negócio é lançado, discutido e ma-terializado, a saber: a Internet ou qualquer outro meio eletrônico. Logo, em decorrência de tal cenário, alguns autores apontam que o contrato eletrônico não constitui uma nova modalidade de contrato distinto dos já conhecidos, pois o que é novo é o meio através do qual aquele se efetiva ou se representa, qual seja: o meio eletrônico, podendo aludir a um contrato de compra e venda, de transferência de valores, de franquia ou, ainda, qualquer outro.

O acordo de vontades advindo desse tipo de relação jurídica pas-sou a ser denominado por parte robusta da doutrina brasileira de contra-to eletrônico. Assim, cumpre destacar que as transações realizadas pela Internet não tem o condão de aplicar o regime jurídico a que estariam subordinadas, caso a negociação se concretizasse no ambiente físico e presencial, atraindo para os envolvidos as disposições do Código de De-fesa do Consumidor, na condição de lei específica a nortear os conflitos oriundos das relações jurídicas. De acordo com Pereira40, os contratos eletrônicos são compreendidos em duas modalidades, levando em con-sideração a forma como o negócio é finalizado, com a entrega do pro-duto ou serviço pactuado.

Na modalidade indireta, o objeto do contrato, sejam bens ou ser-viços, será entregue pelos meios tradicionais, físicos, a exemplo do re-cebimento em estabelecimento com sede real ou, ainda, pelos correios. De outra linha, o comércio eletrônico será descrito como direito, quan-do todas as fases da contratação, inclusive no momento da entrega do produto ou serviço, a transação ocorre de maneira on-line, por meio da rede de computadores. Nessa perspectiva, os contratos são classifi-cados, ainda, como contratos informáticos, contratos eletrônicos strictu sensu, negociações e marketing eletrônico. Os contratos informáticos são considerados aqueles cujo objeto final é um bem ou um serviço vir-tual, logo, imaterial. Já os contratos eletrônicos propriamente ditos são aqueles finalizados on-line, por meio da Internet; todavia, o objeto é um bem ou um serviço físico, material, sendo o contrato de consumo do tipo tradicional, a exemplo da compra e venda ou da locação de um imóvel. As negociações e o marketing eletrônico, por seu turno, materializam

40 PEREIRA, Alexandre Libório Dias. Comércio electrónico na sociedade da informação: da segurança técnica à confiança jurídica. Coimbra: Almedina, 1999.

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práticas comerciais empregadas por meio da rede de computadores, re-ferindo-se à publicidade de produtos ou serviços ou, ainda, à execução virtual de contratos celebrados presencialmente. A rigor, as negociações conduzem para a realização e formalização do contrato eletrônico.

Em uma acepção jurídica, as relações de consumo eletrônicas possuem princípios e características similares às relações de consumo tradicionais, bem como apresenta aspectos diferenciados. Assim, no que atine às regras diferenciadoras do comércio físico, faz-se imprescindível o seu reconhecimento devido às dificuldades de aplicação dos meca-nismos de tutela dos consumidores, eis que facilitam a perpetuação de constantes fraudes e abusos na modalidade contratual eletrônica. Em tal cenário, é possível afirmar que três princípios básicos norteiam as rela-ções de consumo eletrônicas. O primeiro alude ao princípio da obriga-toriedade do cumprimento das cláusulas estipuladas no contrato, o que implica dizer que o seu cumprimento é passível de exigência, inclusive judicialmente, pela parte que o infringiu, exceto se configurar uma das causas em que a lei civil ou consumerista admita a revisão ou rescisão do contrato. O corolário em comento é passível de sofrer robustas restri-ções ao seu cumprimento em decorrência de configurar-se o contrato de consumo eletrônico como típico contrato de adesão.

Ora, como é cediço, nos contratos de adesão não há espaço para uma ampla discussão das cláusulas no momento da contratação, res-tando ao contratado somente a possibilidade de aderir ao conteúdo que está previamente posto pelo poder econômico instituído. Assim, são estipuladas regras-padrão a serem incorporadas a uma pluralidade de contratos, devendo, se retratarem as disposições contidas no art. 51 e seus respectivos incisos do CDC41, nulas de pleno direito, bem como as

41 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 4 mar. 2017: “Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III – transfiram responsabilidades a terceiros; IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V – (Vetado); VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor; X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de

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cláusulas que vão de encontro a normas de direito público, de caráter imperativo. Outro princípio comum às relações de consumo tanto vir-tuais quanto físicas é o respeito à liberdade de contratar. Cumpre escla-recer que, em tal cenário, a liberdade de contratar não se confunde com a possibilidade de discussão e ajuste do contrato, porquanto, como dito anteriormente, a maioria é contrato de adesão. O princípio em apreço ganha substância na premissa que inexiste forma específica de contratar, podendo ser até mesmo verbal, apurada a aceitação do consumidor por meio de tecnologia de emissão de som e imagem, ressalvada a hipótese de exigência de forma solene e resguardados os requisitos de validade do negócio jurídico.

Além disso, a liberdade de contratar, como dogma do princípio da autonomia da vontade, importa dizer que o consumidor possui ampla e facilitada possibilidade de escolha do prestador ou do fornecedor do produto ou serviço que melhor se adeque aos seus interesses. Ora, no comércio virtual muitas são as empresas no mercado, estando disponí-veis a partir de um clique em um computador conectado à Internet. O princípio da boa-fé contratual é também pilar sustentador das relações de consumo eletrônicas, propugnando aos contratantes a missão de bus-carem a verdadeira intenção das partes na oportunidade da contratação, e não o sentido literal da linguagem. Destarte, na relação contratual a boa-fé é presumida, indicando a harmonia, a transparência e o equilí-brio na relação jurídica formalizada.

Como questões problematizadas típicas dos contratos eletrônicos e as relações de consumo, pode-se mencionar a velocidade das tran-sações, que se mostra incompatível com o direito à informação de que o consumidor necessita e, em conjunto com a linguagem técnica do meio, além do desconhecimento mais profundo a respeito do uso de Internet e do próprio computador, colocam o consumidor em situação de maior vulnerabilidade. Tal fato decorre da premissa que, em razão da dificuldade de acessar informações e documentos esclarecedores da oferta contratada, das características do produto ou do serviço e do pró-prio contrato, o qual será o instrumento abalizador da negociação em uma futura discussão sobre as regras da avença.

Igualmente, o meio de contratação é imaterial. Assim, a dificulda-de repousa em ver, tocar e experimentar o produto ou ver o resultado da

normas ambientais; XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias”.

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execução do serviço do contrato. A desmaterialização, por vezes, impõe a ausência de contato com o produtor, ao passo que o consumidor sente dificuldade em identificá-lo, até mesmo ao se considerar que o serviço é prestado por intermediadores, e não pelo seu fabricante direto. Assim, diante do problema da identificação do fornecedor, é possível vivenciar a dificuldade de acioná-lo nas vias judiciais, obstando a efetivação da citação inicial, inexistindo participação no processo de forma exitosa, para imputar a responsabilidade objetiva e solidária. Incumbe lembrar que não apenas o meio de contratação é imaterial, mas sua linguagem também o é, sendo representada por multimídias, é específica do meio digital, podendo desencadear desentendimentos além de erro na contra-tação. A linguagem é a própria publicidade ou o marketing do negócio. A desmaterialização do meio comporta a possibilidade de a publicidade ser acessada a qualquer momento pela parte interessada.

REFERÊNCIAS

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Contratos Eletrônicos

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Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.444.008 – RS (2014/0064646‑0)Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: Universo On Line – UOLAdvogados: Rodrigo Dorneles – RS046421

Charlene Miwa Nagae e outro(s) – SP257328Recorrido: José Leandro GourguesAdvogados: Rodrigo da Silva e outro(s) – RS055288

Adriano Davis Tidra – RS060153Interes.: Paula Daniela de Souza Pereira – Microempresa

ementa

CIVIL E CONSUMIDOR – INTERNET – RELAÇÃO DE CONSUMO – INCIDÊNCIA DO CDC – GRATUIDADE DO SERVIÇO – INDIFERENÇA – PROVEDOR DE PESqUISA VOLTADA AO COMÉRCIO ELETRÔNICO – INTERMEDIAÇÃO – AUSÊNCIA – FORNECEDOR – NÃO CONFIGURADO

1. Ação ajuizada em 17.09.2007. Recurso especial interposto em 28.10.2013 e distribuído a este Gabinete em 26.08.2016.

2. A exploração comercial da Internet sujeita as relações de con-sumo daí advindas à Lei nº 8.078/1990.

3. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de Inter-net ser gratuito não desvirtua a relação de consumo.

4. Existência de múltiplas formas de atuação no comércio eletrô-nico.

5. O provedor de buscas de produtos que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser respon-sabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual.

6. Recurso especial provido.

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acÓrdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora. Dr(a). Tais Borja Gasparian, pela parte Recorrente: Universo On Line – UOL.

Brasília (DF), 25 de outubro de 2016 (data do Julgamento).

Ministra Nancy Andrighi Relatora

relatÓrio

Ministra Nancy Andrighi (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por Universo Online S/A, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/RS.

Ação: ajuizada em face de Paula Daniela de Souza Pereira – ME e da recorrente, em que a recorrida pleiteia a rescisão contratual e a devolução de valores pagos decorrente de compra de um aparelho palm top, realizada no site www.vntshop.com, cujo produto adquirido não foi entregue, cumulada com a condenação em indenização por danos morais. Na inicial, a recorrida esclarece que o site foi a ela indicado no buscador chamado Shopping UOL, mantido pela recorrente.

Sentença: após afastar a preliminar de ilegitimidade passiva sus-citada pela recorrente, julgou parcialmente procedente o pedido, para condenar a recorrente e a corré ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 522,57 (quinhentos e vinte e dois reais e cin-quenta e sete reais), corrigidos monetariamente, e ônus sucumbenciais.

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente, em julgamento assim ementado:

APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – COMPRA DE PRODUTO PELA INTERNET – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA APELANTE

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AFASTADA – RESPONSABILIDADE PELA NÃO ENTREGA DA MERCA-DORIA PELA EMPRESA VENDEDORA – A apelante possui legitimidade para responder à demanda, porquanto a mesma fornece serviço – ferra-menta de busca – a qual propicia aos usuários de internet a localização de lojas virtuais e seus respectivos produtos, integrando assim a cadeia de fornecedores de serviços. Pelo fato de a apelante realizar a aproxima-ção dos consumidores para a compra e venda de mercadorias, por meio da internet, torna-se responsável, solidariamente, para responder pelos danos experimentados pelo consumidor que, em negociação com ven-dedor, se vê vitimado por fraude, diante da não entrega de mercadoria adquirida, caso dos autos. Apelação desprovida.

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, não foram aco-lhidos pelo TJ/RS.

Recurso especial: alega violação aos arts. 3º, 7º, parágrafo único, e 14 do CDC, e ao art. 267, VI, do CPC/1973, pois, disponibilizar ferra-menta de busca voltada ao comércio eletrônico, o recorrente não passa a integrar a cadeia de fornecimento e não responde, objetiva e solidaria-mente, com as lojas virtuais com quem os consumidores firmam negócio jurídico. Sustenta, ainda, a existência de dissídio jurisprudencial.

Relatados os fatos, decide-se.

voto

Ministra Nancy Andrighi (Relator):

Cinge-se a controvérsia a determinar se, no comércio eletrônico – isto é, nas compras realizadas na Internet –, há responsabilidade solidá-ria, nos termos do art. 7º do CDC, entre o vendedor do produto e o pro-vedor de serviços de buscas de mercadorias à venda on-line. Em outras palavras, busca-se decidir se o recorrente, em razão de disponibilizar serviço de busca, passa a integrar a cadeia de fornecimento e, assim, ser um fornecedor, nos termos do art. 3º do CDC.

I – DA APLICABILIDADE DO CDC

1. Conforme julgado por este Tribunal no REsp 1.316.921/RJ (3ª T., Julgado em 26.06.2012, DJe 29.06.2012), é inegável que a explo-ração comercial da Internet sujeita as relações jurídicas de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/1990. Newton De Lucca aponta o surgimento de “uma nova espécie de consumidor [...] – a do consumidor internauta – e,

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com ela, a necessidade de proteção normativa, já tão evidente no plano da economia tradicional” (Direito e Internet: aspectos jurídicos relevan-tes. São Paulo: Quartier Latin, v. II, 2008, p. 27).

2. Com efeito, as peculiaridades inerentes a essa relação virtual não afastam as bases caracterizadoras de um negócio jurídico clássico: (i) legítima manifestação de vontade das partes; (ii) objeto lícito, possível e determinado ou determinável; (iii) e forma prescrita ou não defesa em lei.

3. Nesse sentido, Fernando Antônio de Vasconcelos observa que “o serviço preconizado na Lei nº 8.078/1990 é o mesmo prestado pelas várias empresas que operam no setor [rede virtual]. Fica, pois, difícil dissociar o prestador [provedor] de serviços da Internet do fornecedor de serviços definido no Código de Defesa do Consumidor” (Internet. Responsabilidade do provedor pelos danos praticados. Curitiba: Juruá, 2004, p. 116).

4. Ressalte-se que o fato de o serviço prestado pelo provedor ser gratuito não desvirtua a relação de consumo, pois o termo “mediante remuneração”, contido no art. 3º, § 2º, do CDC, deve ser interpreta-do de forma ampla, de modo a incluir o ganho indireto do fornecedor. Na lição de Cláudia Lima Marques, “a expressão ‘remuneração’ permite incluir todos aqueles contratos em que for possível identificar, no sina-lagma escondido (contraprestação escondida), uma remuneração indire-ta do serviço” (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2003, p. 94).

5. No serviço ofertado pela recorrente, chamado Shopping UOL, da mesma forma que outros serviços de busca, há o chamado marketing cruzado – ação promocional entre produtos ou serviços em que um deles, embora não rentável em si, proporciona ganhos decor-rentes da venda de outros. Apesar das pesquisas realizadas via Shopping UOL serem gratuitas, a empresa vende espaços publicitários no site bem como preferências na ordem de listagem dos resultados das buscas.

6. Ainda na lição de Cláudia Lima Marques, veja-se que “estas atividades dos fornecedores visam lucro, são parte de seu marketing e de seu preço total, pois são remunerados na manutenção do negócio principal”, concluindo que “no mercado de consumo, em quase todos os casos, há remuneração do fornecedor, direta ou indireta, como um exemplo do ‘enriquecimento’ dos fornecedores pelos serviços ditos ‘gra-

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60 ������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

tuitos’ pode comprovar” (op. cit., p. 95). Há, portanto, inegável relação de consumo nos serviços de Internet, ainda que prestados gratuitamente.

II – DO COMÉRCIO E DOS CONTRATOS ELETRÔNICOS

7. Considerando que o presente recurso versa sobre uma contro-vérsia relacionada a comércio eletrônico, algumas considerações devem ser feitas para a melhor compreensão do tema.

8. A título de definição, utiliza-se a expressão comércio eletrô-nico para se referir a “toda e qualquer forma de transação comercial em que as partes interagem eletronicamente, em vez de estabelecer um contato físico direto e simultâneo”, sendo sua principal característica a realização de operações comerciais por meio de contratação eletrônica, entendida como “a celebração ou a conclusão de contratos por meio de ambientes ou instrumentos eletrônicos” (KLEE, Antonia Espindola Longoni. Comércio eletrônico. São Paulo: RT, 2014, p. 71).

9. Sobre as peculiaridades dos contratos eletrônicos, Cláudia Lima Marques (Confiança no comércio eletrônico e a proteção do consumi-dor. São Paulo: RT, 2001) narra as dificuldades da formação dos contra-tos em ambiente virtual, com a consequente desmaterialização da rela-ção e ausência de contato físico, bem como os desafios suscitados na defesa dos consumidores, in verbis:

O contrato eletrônico é concluído sem forma física, desmaterializado, são bits e códigos binários. A linguagem do contrato também é diferente, é virtual em um primeiro momento e semi-escrita, num segundo. Como vimos, quando o consumidor aperta o botão, direciona o mouse ou seu lápis eletrônico para o click de aceitação, o écran está cheio de imagens, cores, sons, lembretes escritos, figuras etc. nesse primeiro momento, to-das estas impressões criam a confiança do consumidor. Em um segundo momento (ou no momento zero, pois pode o consumidor mais atento ter olhado as condições gerais contratuais de forma prévia!), as condições gerais do contrato impostas pelo fornecedor aparecem em uma janela sob a forma escrita e – normalmente – poderão ser baixadas (downloaded). Este iter virtual de contratação traz dois problemas para o direito do con-sumidor: como assegurar a compreensão e a reflexão do consumidor sobre o negócio que está concluindo, cuja importância não podemos diminuir, pois hoje o comércio eletrônico não é só de “bagatela” e inclui já muitos serviços financeiros on-line!

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10. A doutrina afirma existir três classes de contratos eletrônicos: (i) os contratos intersistêmicos, os quais se formam com o computador como ponto convergente de vontades preexistentes. Nesses contratos, “as partes apenas transpõem para o computador as vontades resultantes de negociação prévia, sem que o computador, interligado em rede, interfira na formação dessas vontades”; (ii) os contratos eletrônicos interpessoais são aqueles por meio da utilização de computadores. São caracterizados pela atuação humana nas duas pontas da relação comercial, servindo o computador como “meio de comunicação entre as partes, interagindo na formação da vontade destas e na instrumentalização do contrato”; e, por fim, (iii) os contratos eletrônicos interativos, que são celebrados via Internet, mediante acesso aos recursos disponíveis em sites dos fornece-dores, em que “uma pessoa interage com um sistema destinado ao pro-cessamento eletrônico de informações, colocado à disposição por outra pessoa, sem que esta esteja, ao mesmo tempo, conectada e sem que tenha ciência imediata de que o contato foi efetuado”. Conforme afirma Klee (Op. cit., p. 142-143), nesses contratos, em que os meios eletrôni-cos influenciam a formação da vontade do consumidor, são contratos de adesão, automatizados, instantâneos, sem contato pessoal.

11. Não bastassem as dificuldades e desafios apresentados pelas novas formas de formação contratual que, conforme exposto acima, pos-suem características muito peculiares ao ambiente virtual, ainda há uma plêiade de formas de organização dos fornecedores no ambiente virtual do comércio eletrônico. Em outras palavras, a Internet não apresenta uma única forma de contratação eletrônica. Novos modelos de negócio surgem todos os dias e, por isso, o Direito não pode tratá-los de maneira igual.

12. A fim de corroborar o afirmado, novamente a acertada lição de Cláudia Lima Marques (Confiança no comércio eletrônico e a prote-ção do consumidor. São Paulo: RT, 2001, p. 80) descreve algumas das formas de organização comercial e as dificuldades com a desmateriali-zação dos contratos e a ausência de contato entre os contratantes:

O on-line-shop ou e-shop poder único ou “em carrinho”; isto é, o consu-midor recebe oferta e compra apenas uma coisa, ou tem acesso a todos os produtos e serviços daquele fornecedor e, como se tivesse um carri-nho de supermercado, vai colocando neste “carrinho” suas “compras”. Esse seria o modelo mais comum, como se o consumidor entrasse na loja virtual (shop) do fornecedor. O consumidor pode também ter acesso a um cybermall, quando os fornecedores reunidos oferecem todos seus

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produtos em uma espécie de shopping center eletrônico. Como vimos, o consumidor pode ter acesso direto ao fabricante, aos comerciantes inter-mediários (concessionárias, distribuidores, franqueados etc.), aos comer-ciantes tradicionais e por meio de leilões on-line, sejam eles organizados pelos próprios fornecedores de produtos seus ou “semi-voluntários”, rea-lizados em plataformas de leiloeiros, nas quais quem pode estar venden-do é outro consumidor.

13. Em resumo, em ambiente virtual, o consumidor pode travar contato – mesmo que eletrônico – de várias formas com o fornecedor, seja diretamente ou por meio de distribuidores, em ambientes que se assemelham a shopping centers ou em leilões eletrônicos.

III – DOS SERVIÇOS DE BUSCA NA INTERNET

14. O serviço prestado pela recorrente é um mecanismo busca orientado ao comércio eletrônico, em que é possível encontrar os produ-tos e serviços vendidos em ambiente virtual, bem como realizar compa-rações de preços entre eles, sem realizar qualquer intermediação entre consumidor e vendedor. Dessa forma, é necessário fazer uma rápida delimitação da natureza e alcance desses serviços, baseando-se no que foi analisado no REsp 1.316.921/RJ (3ª T., Julgado em 26.06.2012, DJe 29.06.2012).

15. Com a publicação da Lei nº 12.965/2014, que institui o Marco Civil da Internet, muitos dos elementos que compõem a rede mundial de computadores foram definidos normativamente. Assim, temos que a In-ternet foi definida como “o sistema constituído do conjunto de protoco-los lógicos, estruturado em escala mundial para uso público e irrestrito, com a finalidade de possibilitar a comunicação de dados entre terminais por meio de diferentes redes” (art. 5º, I).

16. Na Internet, há uma multiplicidade de atores oferecendo dife-rentes tipos de serviços e utilidades para os usuários, conforme se afir-mou no REsp 1.316.921/RJ:

Os provedores de serviços de Internet são aqueles que fornecem serviços ligados ao funcionamento dessa rede mundial de computadores, ou por meio dela. Trata-se de gênero do qual são espécies as demais categorias, como: (i) provedores de backbone (espinha dorsal), que detêm estrutura de rede capaz de processar grandes volumes de informação. São os res-ponsáveis pela conectividade da Internet, oferecendo sua infraestrutura a terceiros, que repassam aos usuários finais acesso à rede; (ii) provedo-

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res de acesso, que adquirem a infraestrutura dos provedores backbone e revendem aos usuários finais, possibilitando a estes conexão com a Internet; (iii) provedores de hospedagem, que armazenam dados de ter-ceiros, conferindo-lhes acesso remoto; (iv) provedores de informação, que produzem as informações divulgadas na Internet; e (v) provedores de conteúdo, que disponibilizam na rede os dados criados ou desenvolvidos pelos provedores de informação ou pelos próprios usuários da web.

É frequente que provedores ofereçam mais de uma modalidade de servi-ço de Internet; daí a confusão entre essas diversas modalidades. Entretan-to, a diferença conceitual subsiste e é indispensável à correta imputação da responsabilidade inerente a cada serviço prestado.

17. Na hipótese de provedores de aplicações de busca na Internet, há a disponibilização de ferramentas que, por meio de algoritmos e de indenização, auxiliam o usuário a encontrar websites ou outros recursos, de acordo com os argumentos de pesquisa inseridos no serviço de bus-ca. Novamente, como julgou esta Corte:

Essa provedoria de pesquisa constitui uma espécie do gênero provedor de conteúdo, pois esses sites não incluem, hospedam, organizam ou de qualquer outra forma gerenciam as páginas virtuais indicadas nos re-sultados disponibilizados, se limitando a indicar links onde podem ser encontrados os termos ou expressões de busca fornecidos pelo próprio usuário. [...]

Como bem descreve a recorrente na inicial do agravo de instrumento, o mecanismo de busca dos provedores de pesquisa trabalha em 03 etapas: (i) uma espécie de robô navega pela web identificando páginas; (ii) uma vez identificada, a página passa por uma indexação, que cataloga e ma-peia cada palavra existente, compondo a base de dados para as pesqui-sas; e (iii) realizada uma busca pelo usuário, um processador compara os critérios da pesquisa com as informações indexadas e inseridas na base de dados do provedor, determinando quais páginas são relevantes e apre-sentando o resultado. Evidentemente, esse mecanismo funciona ininter-ruptamente, tendo em vista que, além de inúmeras páginas serem criadas a cada dia, a maioria das milhões de páginas existentes na web sofrem atualização regularmente, por vezes em intervalos inferiores a uma hora, sendo que em qualquer desses momentos pode haver a inserção de in-formação com conteúdo ilícito. (REsp 1.316.921/RJ, 3ª T., Julgado em 26.06.2012, DJe 29.06.2012)

18. Além disso, os resultados apresentado pelos buscadores nada mais são que outros sites ou recursos da Internet, que ali se encontram

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de forma pública, isto é, independentemente do provedor de busca. Es-ses sites ou recursos sofrem atualizações de forma constante e ininter-rupta. Mesmo com a existência de diversos mecanismos de filtragem do conteúdo da Internet, na maioria das vezes é inviável ao provedor da busca exercer alguma forma controle sobre os resultados da busca.

19. Nesse sentido, vale mencionar a lição de Newton De Lucca, segundo a qual “a implementação de medidas drásticas de controle de conteúdos na Internet deve ser reservada para casos extremos, quando estiver presente manifesto interesse público e desde que ponderado o potencial prejuízo causado a terceiros, não havendo de ser adotada nas demais hipóteses, principalmente quando se tratar de interesse individu-al, salvo em situações absolutamente excepcionais, que representarão exceções raríssimas” (op. cit., p. 400).

20. Em razão das características dos provedores de aplicações de busca na Internet, acima resumidas, este Superior Tribunal de Justiça en-tendeu que os provedores de pesquisa: (i) não respondem pelo conteúdo do resultado das buscas realizadas por seus usuários; (ii) não podem ser obrigados a exercer um controle prévio do conteúdo dos resultados das buscas feitas por cada usuário; e (iii) não podem ser obrigados a eliminar do seu sistema os resultados derivados da busca de determinado termo ou expressão (REsp 1.316.921/RJ, 3ª T., Julgado em 26.06.2012, DJe 29.06.2012).

IV – DOS LIMITES DE RESPONSABILIDADE DO RECORRENTE

21. Da mesma forma que os provedores de busca na Internet, ape-sar da evidente relação de consumo que se estabelece entre a recorrente e aqueles que utilizam seu serviço, a responsabilidade pelas compras de produtos e mercadorias expostos nos resultados deve ser limitada à natureza da atividade por ela desenvolvida.

22. Essa análise do modo como o serviço é prestado na Internet é de importância fundamental para se identificar as hipóteses de respon-sabilidade em cada situação, pois, como afirmado acima, são muitos os modelos de negócios que existem em ambiente virtual, o que é corrobo-rado pela doutrina:

Analisando as variadas formas de disponibilização de produtos na Inter-net, dentre os quais, os sites de leilão virtual, de compras coletivas etc., outras possibilidades são destacadas, como a loja virtual ser desenvol-vida e mantida por um fornecedor, que possui o seu próprio provedor,

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sendo, portanto, o único responsável pelos danos que causar ao consu-midor no comércio eletrônico. Em outra situação, o fornecedor desenvol-ve o software da loja virtual e todo o sistema de segurança e política de privacidade, mas terceiriza o serviço de hospedagem em um provedor. Por fim, o fornecedor pode, ainda, contratar com uma desenvolvedora de software especializada em comércio eletrônico, a qual desenvolve a loja virtual, oferece toda a infraestrutura e sistemas para a negociação eletrônica, podendo hospedar a loja virtual ou contratar esse serviço com um terceiro-provedor. (LIMBERGER, Têmis. A vulnerabilidade do consu-midor pela (des)informação e a responsabilidade civil dos provedores na Internet. In: RDC 97/261)

23. Similarmente ao acórdão recorrido, Têmis Limberger noticia que alguns Tribunais de Justiça entendem que “o serviço de apresentar o produto ao consumidor, intermediando a realização de negócio por meio de site e recebendo comissão quando perfectibilizado, enquadra--se nas normas do art. 3º, § 2º, do CDC” (A vulnerabilidade do consu-midor pela (des)informação e a responsabilidade civil dos provedores na Internet. In: RDC 97/259).

24. Neste ponto, portanto, há de ser feita uma distinção fundamen-tal para este julgamento. De um lado, existem provedores de serviço na Internet que, além de oferecessem a busca de mercadorias ao consumi-dor, fornecem toda a estrutura virtual para que a venda seja realizada. Nesses casos, e o acórdão recorrido traz alguns exemplos, a operação é realizada inteiramente no site desse prestador. Sendo um contrato in-terativo, conforme exposto acima, a interação do consumidor se perfaz somente com os recursos virtuais fornecidos pelo prestador de serviço e, dessa forma, também passa a fazer parte da cadeia de fornecimento, nos termos do art. 7º do CDC, junto com o vendedor do produto ou mercadoria.

Nestas situações, é comum a cobrança de comissões sobre as ope-rações realizadas.

25. Há, contudo, uma situação muito distinta quando o prestador de buscas de produtos se limita a apresentar ao consumidor o resultado da busca, de acordo com os argumentos de pesquisa fornecidos por ele próprio, sem participar da interação virtual que aperfeiçoará o contrato eletrônico.

26. Nestas hipóteses, após a busca, o consumidor é direcionado ao site ou recurso do vendedor do produto, interagindo somente com

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o sistema eletrônico fornecido por este, e não pelo prestador de busca de produtos. Também se diferencia da situação anterior, pela ausência da cobrança de comissões sobre as operações realizadas, pois nestas circunstâncias os rendimentos dos prestadores de busca se originam da venda de espaço publicitário.

V – DO CONCEITO DE FORNECEDOR NO CDC

27. Neste momento, cumpre ainda compreender o conceito de fornecedor, segundo a legislação em vigor, bem como a doutrina consu-merista, a fim de analisar se os serviços prestados pela recorrente pode-riam inseri-la na cadeia de fornecedores.

28. Segundo o art. 3º, caput, do CDC, fornecedor é:

toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangei-ra, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

29. Tem-se, assim, que o elemento caracterizador do fornecedor é o desenvolvimento de atividades tipicamente profissionais, de maneira habitual, tais como a comercialização, a produção, a transformação, a importação e a distribuição de produtos.

30. Com fundamento no mencionado dispositivo legal, o CDC considera como fornecedores todos os que participam da cadeia de for-necimento de produtos ou serviços, independentemente da forma como se relacionam com o consumidor (direta ou indireta, contratual ou extra-contratual). A esse respeito, a doutrina afirma que:

[...] o CDC menciona fornecedores, pensando em todos os profissionais da cadeia de fornecimento (de fabricação, produção, transporte e distri-buição de produtos e da criação execução de serviços) da sociedade de consumo. O parágrafo único do art. 7º do CDC bem especifica que há mesmo solidariedade nesta cadeia [...] (BENJAMIN, A. H.; MARQUES, C. L.; BESSA, L. R. Manual de direito do consumidor. 5. ed. São Paulo: RT, 2013. p. 114)

31. Não bastasse a amplitude da definição de fornecedor na le-gislação consumerista, a doutrina contemporânea alega a existência do chamado “fornecedor equiparado”, que seria:

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[...] aquele terceiro na relação de consumo, um terceiro apenas interme-diário ou ajudante da relação de consumo principal, mas que atua frente a um consumidor (aquele que tem seus dados cadastrados como mau pa-gador e não efetuou sequer uma compra ou a um grupo de consumidores (por exemplo, um grupo formado por uma relação de consumo principal, como a de seguro de vida em grupo organizado pelo empregador e pago por este), como se fornecedor fosse (comunica o registro no banco de dados, comunica que é estipulante nos seguros de vida de grupo etc.). (BENJAMIN, A. H.; MARQUES, C. L.; BESSA, L. R. Op. cit., p. 118-119)

32. Ainda segundo essa mesma doutrina, a figura do fornecedor equiparado, mesmo sem ser o fornecedor do contrato principal, detém uma posição de poder em relação ao consumidor.

VI – CONSIDERAÇõES SOBRE A HIPóTESE DOS AUTOS

33. Na hipótese dos autos, é possível verificar que não é feita dis-tinção existente entre os buscadores de produtos voltados ao comércio eletrônico. Na sentença (e-STJ fl. 146), lê-se que:

Está pacificado o entendimento de que as empresas que realizam a in-termediação objetivando a compra e venda de mercadorias, através de ofertas publicadas na rede mundial de computadores. São responsáveis solidariamente, apresentando legitimidade para responde pelos danos experimentados pelo consumidor que, em negociação com vendedor, que se vê vitimado por fraude.

34. No mesmo sentido, o acórdão recorrido (e-STJ fls. 229-230) afirma que a recorrente integra a cadeia de fornecedores e, assim, é res-ponsável pelo inadimplemento contratual, bastando para isso o simples fato de ela realizar a aproximação entre consumidores e fornecedores, como é possível perceber no trecho abaixo:

A apelante possui legitimidade para responder à demanda, porquanto a mesma fornece serviço – ferramenta de busca – a qual propicia aos usuá-rios de internet a localização de lojas virtuais e seus respectivos produtos, integrando assim a cadeia de fornecedores de serviços.

Sendo assim, pelo fato de a apelante realizar a aproximação dos consu-midores para a compra e venda de mercadorias, por meio da internet, é responsável, solidariamente, para responder pelos danos experimentados pelo consumidor que, em negociação com o vendedor, se vê vitima-do por fraude, diante da não entrega de mercadoria adquirida, caso dos autos.

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Em que pese a recorrente não interfira na relação de consumo entre os que se utilizam da ferramenta de busca disponibilizada, ou mesmo possa ser caracterizada como hospedeira do site em que efetuada a compra, a empresa demanda aufere lucro com os serviços que presta, integrando a relação de consumo por viabilizar a aproximação entre o consumidor e o vendedor do produto.

35. Ao desconsiderar as diferentes formas de buscas voltadas ao comércio eletrônico e levando ao extremo o argumento contido na parte final do trecho acima transcrito, seria como responsabilizar um jornal ou uma revista pelo produto anunciado, considerando que também eles auferiram rendimentos pela venda de espaço publicitário. No entanto, tal tese não merece guarida em nosso direito.

36. Responsabilizar a recorrente por todas as vendas propiciadas pelas buscas por ela realizadas, seria como impor-lhe a obrigação de filtrar e verificar a ausência de fraude de cada uma das lojas virtuais exis-tentes na Internet. Sobre essa obrigação, rememora-se o que decidiu esta Corte no precedente mencionado acima, sobre buscadores de conteúdo na Internet:

37. No que tange à filtragem do conteúdo das pesquisas feitas por cada usuário, não se trata de atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não exerce esse controle sobre os resultados das buscas.

Conforme anota Rui Stocco, quando o provedor de Internet age “como mero fornecedor de meios físicos, que serve apenas de intermediário, repassando mensagens e imagens transmitidas por outras pessoas e, por-tanto, não as produziu nem sobre elas exerceu fiscalização ou juízo de valor, não pode ser responsabilizado por eventuais excessos e ofensas à moral, à intimidade e à honra de outros” (Tratado de responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: RT, 2004, p. 901). [...]

As adversidades indissociáveis da tutela das inovações criadas pela era digital dão origem a situações cuja solução pode causar certa perplexi-dade. Há de se ter em mente, no entanto, que a Internet é reflexo da so-ciedade e de seus constantes avanços. Se, ainda hoje, não conseguimos tutelar com total equidade direitos seculares e consagrados, seria tolice contar com resultados mais eficientes nos conflitos relativos à rede mun-dial de computadores.

(REsp 1.316.921/RJ, 3ª T., Julgado em 26.06.2012, DJe 29.06.2012)

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38. É inegável, assim, que a recorrente, na prestação de serviços de busca de produtos, deve garantir o sigilo e a segurança de seus usuários e de suas buscas, bem como o bom funcionamento do sistema. Tam-bém, por consequência, será responsável por fatos advindos dessas obri-gações.

39. Contudo, ao se abster de participar da interação que levará à formação do contrato eletrônico entre consumidor e o vendedor do pro-duto propriamente dito, não há como lhe imputar responsabilidade por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual.

40. Diante de todo o exposto acima, conclui-se que o provedor do serviço de busca de produtos – que não realiza qualquer intermedia-ção entre consumidor e vendedor – não pode ser responsabilizado pela existência de lojas virtuais que não cumprem os contratos eletrônicos ou que cometem fraudes contra os consumidores, da mesma forma que os buscadores de conteúdo na Internet não podem ser responsabilizados por todo e qualquer conteúdo ilegal disponível na rede.

41. Em consequência, pela natureza do serviço prestado pela re-corrente, não incide na hipótese dos autos os arts. 3º e 7º do CDC, de-vido à impossibilidade de considerá-la participante na cadeira do forne-cimento do produto à recorrida, sequer como fornecedor equipado, por não deter qualquer posição de poder ou influência sobre o consumidor no momento do aperfeiçoamento do contrato eletrônico.

42. Forte nessas razões, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento, com fundamento no art. 255, § 4º, III, do RISTJ, para afastar a condenação imposta à recorrente.

43. Reconhecida a sucumbência da recorrida, fixo honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). Considerando que a recorrida faz jus à gratuidade da justiça, na forma da lei, determino a suspensão da exigibilidade dos ônus sucumbenciais, nos termos do § 3º do art. 98 do CPC/2015.

certidão de JulGamento terceira turma

Número Registro: 2014/0064646-0

Processo Eletrônico REsp 1.444.008/RS

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Números Origem: 008/1.07.0016162-5 00810700161625 01687819220118217000 03592571920138217000 04895516220138217000 10700161625 1687819220118217000 3592571920138217000 4895516220138217000 70042359877 70056346307 70057649246 810700161625

Pauta: 25.10.2016 Julgado: 25.10.2016

Relatora: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Carlos Alberto Carvalho Vilhena

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuação

Recorrente: Universo On Line – UOL

Advogados: Rodrigo Dorneles – RS046421 Charlene Miwa Nagae e outro(s) – SP257328

Recorrido: José Leandro Gourgues

Advogados: Rodrigo da Silva e outro(s) – RS055288 Adriano Davis Tidra – RS060153

Interes.: Paula Daniela de Souza Pereira – Mic roempresa

Assunto: Direito do consumidor – Responsabilidade do fornecedor – Rescisão do contrato e devolução do dinheiro

SuStentação oral

Dr(a). Tais Borja Gasparian, pela parte Recorrente: Universo On Line – UOL

certidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

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Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Assunto Especial – Ementário

Contratos Eletrônicos

3027 – Contrato – comércio eletrônico – objeto não entregue – código do consumidor

“Direito do consumidor. Comércio eletrônico. Objeto não entregue. Ajuizamento de ação de indenização por danos morais e restituição em dobro da quantia paga. Acolhi-mento de um dos dois pedidos deduzidos: condenação ao desfazimento do negócio. Sucumbência recíproca, inocorrência. Em verdade, o autor decaiu na metade da cau-sa, ou seja, dos dois pedidos formulados, apenas um foi acolhido, o concernente ao re-torno ao status quo. Assim, cada parte deverá arcar com a verba honorária dos respec-tivos patronos, e as despesas processuais deverão ser fixadas rateadas.” (TJDFT – APC 20040110656843 – 2ª T.Cív. – Rel. Des. Waldir Leôncio Júnior – DJU 31.10.2006)

3028 – Contrato – comércio eletrônico – site de anúncios – fraude – código do consu-midor – responsabilidade

“Reparação de danos materiais. Fraude através de comércio eletrônico. Internet. Site de anúncios. Legitimidade passiva da empresa. Procedimento inseguro do próprio consu-midor. Consumidor que demanda contra empresa de comércio eletrônico em razão de negócio malsucedido com outro particular. Vendedor que recebe parte do preço pedi-do por notebook oferecido em site de anúncios classificados (mercadolivre.com), mas não entrega a mercadoria, desaparecendo com o dinheiro. Legitimidade passiva da empresa, em tese. Ausência de responsabilidade da empresa, no caso concreto, devido ao procedimento do consumidor que foi desatento às recomendações de segurança da negociação. Recurso provido. Unânime.” (TJRS – Proc. 71000723437 – 1ª T.R.Cív. – Rel. Des. João Pedro Cavalli Junior – J. 29.09.2005)

3029 – Contrato eletrônico – comércio – site de compras – esgotamento de marca – contrafação – inexistência

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Comércio eletrônico. Site de com-pras. Esgotamento de marca. Contrafação. Inexistência. 1. O Tribunal de origem indi-cou adequadamente os motivos que lhe formaram o convencimento, analisando de forma clara, precisa e completa as questões relevantes do processo e solucionando a controvérsia com a aplicação do direito que entendeu cabível à hipótese. Não há falar, portanto, em prestação jurisdicional lacunosa ou deficitária apenas pelo fato de o aresto recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão do recorrente. 2. O aresto combatido encontra-se alinhado à jurisprudência do STJ, segundo a qual não se pode impor aos sites de intermediação de venda e compra a prévia fiscalização sobre a origem de todos os produtos anunciados, pois não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 232.849 (2012/0193602-0) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 30.09.2014)

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3030 – Contrato eletrônico – relação de consumo – CDC – incidência

“Civil e consumidor. Internet. Relação de consumo. Incidência do CDC. Gratuidade do serviço. Indiferença. Provedor de pesquisa voltada ao comércio eletrônico. Interme-diação. Ausência. Fornecedor. Não configurado. 1. Ação ajuizada em 17.09.2007. Re-curso especial interposto em 28.10.2013 e distribuído a este Gabinete em 26.08.2016. 2. A exploração comercial da internet sujeita as relações de consumo daí advindas à Lei nº 8.078/1990. 3. O fato de o serviço prestado pelo provedor de serviço de internet ser gratuito não desvirtua a relação de consumo. 4. Existência de múltiplas formas de atuação no comércio eletrônico. 5. O provedor de buscas de produtos que não realiza qualquer intermediação entre consumidor e vendedor não pode ser responsabilizado por qualquer vício da mercadoria ou inadimplemento contratual. 6. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1444.008 – RS – (2014/0064646-0) – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 09.11.2016)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de recurso especial interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJRS, em acórdão assim ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO – AÇÃO DE INDENIZA-ÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – COMPRA DE PRODUTO PELA INTERNET – ILEGITIMIDADE PASSIVA DA APELANTE AFASTADA – RESPONSABILIDADE PELA NÃO ENTREGA DA MERCADORIA PELA EMPRESA VENDEDORA – A apelante possui legitimidade para responder à demanda, porquanto a mesma fornece serviço – ferra-menta de busca – a qual propicia aos usuários de internet a localização de lojas virtuais e seus respectivos produtos, integrando assim a cadeia de fornecedores de serviços. Pelo fato de a apelante realizar a aproximação dos consumidores para a compra e venda de mercadorias, por meio da internet, torna-se responsável, solidariamente, para responder pelos danos experimentados pelo consumidor que, em negociação com ven-dedor, se vê vitimado por fraude, diante da não entrega de mercadoria adquirida, caso dos autos. Apelação desprovida. Embargos de declaração: opostos pela recorrente, não foram acolhidos pelo TJ/RS. Recurso especial: alega violação aos arts. 3º, 7º, parágrafo único, e 14 do CDC, e ao art. 267, VI, do CPC/1973, pois, disponibilizar ferramenta de busca voltada ao comércio eletrônico, o recorrente não passa a integrar a cadeia de fornecimento e não responde, objetiva e solidariamente, com as lojas virtuais com quem os consumidores firmam negócio jurídico. Sustenta, ainda, a existência de dissídio juris-prudencial. Relatados os fatos, decide-se.”

Foi ajuizada ação em face da recorrente, em que a recorrida pleiteia a rescisão contratual e a devolução de valores pagos decorrente de compra de um aparelho palm top, realiza-da no site www.vntshop.com, cujo produto adquirido não foi entregue, cumulada com a condenação em indenização por danos morais. Na inicial, a recorrida esclarece que o site foi a ela indicado no buscador chamado Shopping UOL, mantido pela recorrente.

Após afastar a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela recorrente, julgou par-cialmente procedente o pedido, para condenar a recorrente e a corré ao pagamento de indenização por danos materiais, no valor de R$ 522,57 (quinhentos e vinte e dois reais e cinquenta e sete reais), corrigidos monetariamente, e ônus sucumbenciais.

O acórdão negou provimento à apelação interposta pela recorrente.

Vale citar doutrina de Cristiane Bassi Jacob conceituando o comércio eletrônico, como veremos:

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“O grande motor da Revolução Tecnológica atual é a internet, que propicia uma nova forma de fazer negócio e abre oportunidades de compra e venda de qualquer produto em todos os seguimentos econômicos da sociedade.

O comércio eletrônico permite a realização de negócios pela internet, sendo crescente o número das transações comerciais nacionais e internacionais.

Esse meio de intercâmbio eletrônico de dados utiliza-se de métodos de comunicação e armazenamento de informações que têm substituído o papel.

O chamado e-commerce representa parcela considerável do total das transações co-merciais, que faz parte do dia a dia de muitos brasileiros e cresce em ritmo acelerado.

Não há dúvida de que o comércio eletrônico já desponta como um aspecto tangível no mundo contemporâneo, notadamente nos países ricos.

A racionalização das operações é uma das maiores possibilidades do comércio eletrôni-co; podemos também afirmar que há uma redução de custos obtida com tal sistemática.

É necessário que os usuários desse novo modo de fazer comércio encontrem segurança nas suas transações.

Aqui a palavra segurança significa que a tecnologia deve tornar as mensagens enviadas e recebidas seguras, no sentido da preservação da sua autenticidade, integridade e conservação e também que ela seja válida e eficaz no plano jurídico.

Analisando a questão dos documentos digitais podemos afirmar que falta segurança jurídica para que o comércio eletrônico no Brasil se torne uma prática constante, assim, faz-se necessário que medidas sejam tomadas a fim de que seus usuários possam se sentir mais seguros na prática de atos comerciais.

Para que as empresas acreditem no comercio eletrônico, é necessário que existam ade-quados níveis de seguridade, na geração, autenticação e encriptação da informação a transmitir. A compra, a venda e a aceitação de pagamentos por bens ou serviços ad-quiridos pela internet têm que ser fácil, segura e eficaz, para isso, requer a presença de uma infraestrutura de telecomunicações que suporte o uso de adequados instrumentos financeiros para fazer os pagamentos eletrônicos.

O mercado na internet se desenvolverá na medida em que a infraestrutura de rede seja altamente confiável, o qual exige uma adequada administração da rede para que o serviço seja garantido.

Além disso, medidas de segurança devem ser desenvolvidas a fim de proporcionar maior eficácia no serviço de e-mail.

Vislumbra-se, pois, em decorrência da nova realidade mundial, uma era de novidades também para o Direito.

Essas novas tecnologias não podem passar despercebidas e carecem de legislação capaz de regular complexas situações que em tal contexto vão, cada vez mais rapidamente, se apresentando e se consolidando.” (Contexto Histórico da Sociedade da Informação: Internet, Comércio Eletrônico e Documento Digital, publicado no Repertório IOB de Jurisprudência nº 06/2004, sob nº 3/21283, 2ª quinzena de março/2004)

3031 – Propriedade industrial – marca e nome comercial – comércio eletrônico – campo – internet

“Propriedade industrial. Marca e nome comercial. Utilização no campo do comércio eletrônico para uso na internet. O mero registro do endereço eletrônico levado a efeito junto à Fapesp não confere à agravante prioridade na utilização do nome e da marca de titularidade da agravada, que tem o direito exclusivo de uso e é preponderante.

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO ����������������������������������������������������������������������������������������������������������75

Presentes os requisitos para manutenção do provimento antecipatório da tutela con-cedida. Inteligência dos arts. 5º, XXIX e 87, parágrafo único da Constituição Federal, e dos arts. 124 e 129 da Lei nº 9.279/1996 e dos preceitos ínsitos nos Decretos nºs 1.263 e 1.335/1994. Recurso não provido.” (TJSP – AI 144.041-4 – São Paulo – 7ª CDPriv. – Rel. Des. Leite Cintra – J. 23.02.2000)

3032 – Responsabilidade civil – contrato bancário – comércio eletrônico – fraude – culpa da vítima – indenização indevida

“Responsabilidade civil. Contrato bancário. Cadastramento de senha. Fraude via on line. Não comprovação. Excludente do dever de indenizar. Culpa da vítima. Inteligên-cia do art. 14, § 3º do CDC. Meio eletrônico. Boa-fé. Princípio da confiança. Recurso conhecido e provido. 1. A responsabilidade civil no Código de Defesa do Consumidor não é absoluta, sofrendo mitigação, pois o legislador exime o fornecedor de quaisquer obrigações, caso comprove que, tendo prestado o serviço, o defeito inexistiu ou existiu a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiros (art. 14, § 3º, CDC). 2. Uma vez que o Diretor da empresa autorizou sua empregada a cadastrar a senha eletrônica, delegou--lhe poderes para movimentar a conta corrente, fugindo do controle da instituição financeira os lançamentos efetuados, uma vez que a senha é a ‘chave’ eletrônica que dá acesso a todas as transações bancárias do meio virtual. 3. O comércio eletrônico da sociedade de massa e de consumo não pode prescindir do princípio da confiança, consectário do princípio da boa-fé, sendo que o Código de Defesa do Consumidor consagrou a Fides, significando o hábito de firmeza e de coerência de quem sabe honrar os compromissos assumidos, atitude de lealdade e de fidelidade, que reina nas relações travadas entre pessoas honradas, no respeitoso cumprimento das expectativas reciprocamente confiadas, não somente no momento da celebração do negócio jurídi-co mas, principalmente, na fase de execução do contrato, como sói acontecer no caso de crédito rotativo em conta corrente.” (TJPR – AC 0324698-8 – 10ª C.Cív. – Rel. Des. Wilde de Lima Pugliese – J. 23.02.2006)

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Assunto Especial – Acontece

Contratos Eletrônicos

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Empresa de comércio pela internet indeniza consumidora

A empresa NS2 Com. Internet S.A. terá de indenizar uma consumidora, por danos morais, em R$ 5 mil, por se negar a trocar um produto danificado adquirido on--line. A decisão é da 13ª Câmara Cível do TJMG (Tribunal de Justiça de Minas Gerais), que modificou decisão do juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Barba-cena. A compradora afirma que adquiriu por R$ 171,40 uma camiseta personali-zada do clube norte-americano de basquete Philadelphia 76ers, no início de de-zembro de 2014. O objetivo era presentear o namorado dela no Natal, no entanto o produto foi entregue só no início de janeiro. Além disso, no momento em que o presenteado vestiu a camiseta, reparou que o produto era de péssima qualidade, pois o número que identificava o atleta havia se soltado. A consumidora requereu o cancelamento da compra e a devolução do dinheiro, mas teve seu pedido ne-gado. A empresa, em sua defesa, argumentou que não teve culpa pelo fato de o decalque se despregar, e alegou que isso ocorreu devido ao manuseio do consu-midor. Além disso, sustentou que o incidente ocasionava apenas meros dissabo-res. A tese foi acolhida em primeira instância, quando os pedidos de indenização por danos morais e materiais foram indeferidos. A consumidora ajuizou recurso no Tribunal. Segundo o relator, Desembargador Luiz Carlos Gomes da Mata, a empresa não comprovou que a cliente danificou a camiseta. O magistrado enten-deu que o fato, “por si só, era suficiente para justificar a indenização pleiteada, porque a consumidora confiou na qualidade do produto, principalmente por tê--lo adquirido em loja de renome, tendo sido frustrada sua expectativa de uso”, destacou. Quanto aos danos materiais, equivalentes à devolução do valor pago, ele rejeitou a solicitação, pois a cliente não provou que tenha devolvido a cami-seta à loja. Os Desembargadores José de Carvalho Barbosa e Newton Teixeira de Carvalho votaram de acordo com relator. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais)

Plataforma de comércio eletrônico terá de indenizar cliente que pagou por celular não entregue

O 4º Juizado Especial Cível de Brasília condenou o Mercado Livre a pagar R$ 3.100,00, a título de indenização por danos materiais, a um usuário de seu site de comércio eletrônico. O quadro delineado nos autos revelou que o autor, por meio do sítio eletrônico da ré, celebrou contrato com terceiros para aquisição de um iPhone, pagando por meio de boleto emitido no site a quantia de R$ 3,1 mil. A parte autora revelou, ainda, que não recebeu o produto, a compra não consta

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – ASSUNTO ESPECIAL – ACONTECE ������������������������������������������������������������������������������������������������������������77

no seu perfil junto ao réu e o vendedor não atende mais as suas ligações. Em sua contestação, a empresa ré alegou responsabilidade de terceiro, que praticou a fraude, trazendo ao processo as telas com o bloqueio dos perfis do autor e do terceiro que vendeu o aparelho. A juíza que analisou o caso ressaltou, primeira-mente, que todos os intervenientes na cadeia de fornecimento são solidariamente responsáveis pelos resultados danosos ao consumidor advindos do contrato, nos termos do art. 7º, parágrafo único, art. 18 e art. 25, § 1º do Código de Defesa do Consumidor. Assim, entendeu que o pedido do autor merecia prosperar. É certo que a empresa ré responde objetivamente pelos danos que causar ao consumidor no desenvolvimento de suas atividades, levadas a efeito sem a segurança espera-da, sendo indiferente o exame de eventual dolo ou culpa. A magistrada ensinou que a responsabilidade, no caso, desloca-se para o terreno do risco do empreen-dimento, cabendo à empresa suportar as consequências advindas de ato fraudu-lento praticado contra ela e que causem dano a terceiro. A ocorrência de fraudes é um risco que deve ser assumido apenas por aqueles que exercem atividade lucrativa, cujo ônus não pode ser transferido ao prejudicado. Por conseguinte, deve a ré restituir ao autor a quantia de R$ 3,1 mil, referente ao prejuízo experi-mentado, concluiu o 4º Juizado Especial Cível de Brasília. Cabe recurso da sen-tença. Processo Judicial eletrônico (PJe): 0736933-52.2016.8.07.0016 (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Distrito Federal)

Fechamento da Edição: 20�03�2017

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Parte Geral – Doutrina

Direitos Sociais Como Exigência para a Dignidade da Pessoa Humana no Estado Democrático

guSTAVO FILIPE BARBOSA gARCIALivre-Docente e Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Especialista e Pós-Doutor em Direito pela Universidad de Sevilla, Professor Titular – UDF, Membro da Aca-demia Brasileira de Direito do Trabalho, Advogado, Ex-Juiz do Trabalho e Procurador do MPU.

A evolução histórica, econômica e cultural da humanidade revela um longo caminho já percorrido, passando por diversos sistemas e re-gimes de organização social e política, como a antiguidade e o feuda-lismo, marcados, respectivamente, pelo escravismo e pela servidão, o absolutismo, evoluindo ao Estado Liberal, típico da Revolução Francesa, e ao Estado Social, posterior à Revolução Industrial.

O próprio sistema capitalista passou por diversas fases, como a mercantilista, a industrial, a financeira e a pós-industrial, típica da socie-dade da informação e do conhecimento.

A dialética das relações humanas caracteriza-se pela superação progressiva dos diferentes modos de produção, com a presença de cons-tantes lutas sociais, em que as classes desfavorecidas, por meio da união de seus integrantes, finalmente conseguem fazer nascer uma nova or-dem política, social e econômica.

Mesmo em termos recentes, o Estado Social passou a sofrer críticas mais severas do chamado neoliberalismo, que defende a inviabilidade de sua manutenção, enfatizando os seus elevados custos econômicos, por superar a capacidade financeira da população ativa e das empresas.

Observa-se, assim, a conhecida disputa ideológica a respeito de qual deve ser a intensidade e a abrangência da atuação estatal nas rela-ções sociais e econômicas e o nível de regulação do mercado.

Em verdade, o progresso da civilização resultou na instituição do que conhecemos por Estado Democrático de Direito, cujo fundamento nuclear, assegurado nos planos constitucional e internacional, é a digni-dade da pessoa humana.

Como conquista histórica da maior relevância, firmou-se a con-cepção de que o ser humano, para que tenha a vida digna assegurada,

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necessariamente deve ter garantidos não apenas os direitos individuais, civis e políticos, mas também aqueles voltados às esferas social, econô-mica, cultural e de solidariedade.

O Estado Democrático de Direito, desse modo, não mais se con-tenta com a democracia no plano estritamente político e governamental, exigindo a sua ampliação e consolidação em todas as demais esferas da sociedade civil.

Os objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, assim, incluem a construção de uma sociedade não apenas livre, mas também justa e solidária, com a erradicação da pobreza, a redução das desigualdades sociais e a promoção do bem de todos, como se observa no art. 3º da Constituição da República Federativa do Brasil.

Superam-se, portanto, as antigas disputas entre vertentes neolibe-rais e assistenciais, uma vez que, para se alcançar o bem comum, é imprescindível garantir a efetividade também dos direitos sociais, com destaque aos de natureza trabalhista e de seguridade social.

Nesse enfoque, os referidos direitos, ainda que tenham origem na chamada questão social, a qual se fez presente na Revolução Industrial, incorporaram-se ao patrimônio jurídico da humanidade, como essen-ciais à dignidade da pessoa, tendo o papel fundamental de estabelecer limites ao sistema capitalista, no sentido de mantê-lo em consonância e harmonia com o respeito ao valor social do trabalho.

Como se pode notar, a evolução das instituições resultou em ser inquestionável que, para a preservação da dignidade da pessoa humana, não são suficientes apenas os direitos voltados à livre-iniciativa, à atua-ção política e à igualdade perante a lei, exigindo-se também a garantia dos direitos sociais, visando à isonomia substancial, com ênfase naque-les que disciplinam as relações de trabalho, em especial o vínculo de emprego, a previdência, a assistência e a saúde.

Cabe reconhecer, em síntese, não só a relevância, mas a impres-cindibilidade do direito social, até mesmo para se evitar o colapso do atual sistema econômico, em sua busca incessante por maiores lucros, resultando em menores salários e na consequente redução da capacida-de de consumo global.

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Parte Geral – Doutrina

Eficácia do Silêncio no Negócio Jurídico e Análise Jurisprudencial sobre o Tema

mARISTELA APARECIDA DuTRAMestre em Direito das Relações Econômico-Empresarias pela Universidade de Franca (Unifran), Pós-Graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade de Franca (Unifran), Professora de Direito Civil, Processo Civil e Direito do Consumidor, Membro Colaboradora da Comissão de Educação Jurídica da OAB/MG, Araxá/MG, Advogada militante na Comarca de Araxá/MG.

RESUMO: O presente artigo cumpre demonstrar os aspectos inerentes ao silêncio no negócio jurí-dico, perquirindo sobre as regras legais relativas, bem como os casos de aplicabilidade do silêncio como demonstração de vontade apta ou não a produzir efeitos, por meio da demonstração do apa-rato jurisprudencial acerca do tema.

PALAVRAS-CHAVE: Negócio jurídico; eficácia; silêncio.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O silêncio nos negócios jurídicos; 2 O direito ao silêncio no Código Civil de 2002; 3 Alguns dispositivos legais quanto ao silêncio no Código Civil de 2002 e jurisprudência corre-lata; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

O breve estudo tem por objetivo investigar o silêncio e seus efeitos jurídicos. Parte-se da ideia de que o silêncio puro é o nada, não traduz ação, não traduz ato jurídico, não é manifestação de vontade. O silên-cio, para produzir efeito jurídico, para ser valorado juridicamente, deve encontrar previsão legal ou contratual.

Há quem pense que o dito popular “quem cala, consente” é apli-cável em quaisquer situações pessoais do dia a dia, de forma a ser o silêncio de alguém tão comprometedor quanto um consentimento ex-presso.

Segundo Regina Beatriz Tavares da Silva1:

O puro silêncio apenas terá valor jurídico se a lei o determinar ou se acompanhado de certas circunstâncias ou de usos e costumes do lugar,

1 SILVA, Regina Beatriz Tavares da (Coord.). Código Civil comentado. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 11o.

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indicativos da possibilidade de manifestação da vontade, e desde que não seja imprescindível a forma expressa para a efetivação negocial.

Assim, para o direito privado, notadamente na seara dos negó-cios jurídicos, tanto o “sim” quanto a assinatura são considerados como manifestações expressas de anuência aos termos de um pacto, seja este definitivo ou não, fortificando os vínculos da relação jurídica entre as partes.

Segundo a doutrina portuguesa, v.g., Domingues de Andrade e Oliveira Ascensão2, para o silêncio ter valor jurídico, para traduzir efeito jurídico, somente mediante previsão legal ou contratual: só se a lei atri-buir valor ao silêncio ou se as partes assim estabeleceram em contrato é que se pode atribuir consequência jurídica ao silêncio.

Na mesma linha, a doutrina italiana: Guido Alpa destaca que, para o silêncio ter valor jurídico ou significado jurídico, somente quando a lei assim permitir3.

No direito positivo brasileiro, o tema encontra respaldo legal, mais especificamente no art. 111 do Código Civil de 2002: “O silêncio impor-ta anuência, quando as circunstâncias ou os usos o autorizarem, e não for necessária a declaração de vontade expressa”.

A atribuição de valor jurídico ao silêncio em toda e qualquer hi-pótese geraria uma instabilidade no tocante à segurança jurídica na re-alização de um determinado negócio, de forma que “uma parte poderia aproveitar-se de outra, se tal fosse válido, pelo fato de o declaratório ser tímido”4.

Ou seja, a admissão sem freios do silêncio como manifestação de vontade pode abrir margem a manobras maliciosas por uma das partes de um negócio jurídico.

Assim, seja por questões impostas pelo costume local ou por pres-crição da lei, o silêncio pode assumir papel de essencial relevância ao nascimento de um negócio jurídico, sendo de grande importância tal estudo para o desenvolvimento das relações jurídicas e eficácia dos ne-gócios jurídicos.

2 Cf. ANDRADE, Manuel Domingues de. Teoria geral da relação jurídica, v. II, p. 136; e ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil – Teoria geral, v. II, p. 40/41.

3 ALPA, Guido. Manuale di Diritto Privato, p. 581.4 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: parte geral. São Paulo: Atlas, 2000. p. 418.

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1 O SILÊNCIO NOS NEGóCIOS JURíDICOS

Inicialmente, cabe destacar qual é o conceito do silêncio nas re-lações jurídicas e, posteriormente, quais seus desdobramentos na esfera do ordenamento jurídico.

Para Caio Mário da Silva Pereira5: “O silêncio é nada, e significa a abstenção de pronunciamento da pessoa em face de uma solicitação do ambiente. Via de regra, o silêncio é a ausência de manifestação de vontade, e, como tal, não produz efeitos”.

Quanto à validade do negócio jurídico por meio da declaração de vontade, deve esta ser tida uma como manifestação de vontade vista socialmente e destinada à produção de efeitos jurídicos, como ensina e adverte Antônio Junqueira de Azevedo6:

Entende-se perfeitamente que o ordenamento jurídico, uma vez que au-toriza a parte, ou as partes, a emitir declaração de vontade, à qual serão atribuídos efeitos jurídicos de acordo com o que foi manifestado como querido, procure cercar a formação desse especialíssimo fato jurídico de certas garantias, tanto no interesse das próprias partes quanto no de terceiros e no de toda a ordem jurídica.

Fábio Ulhoa Coelho7 preleciona que a interpretação da declaração deve nortear-se também por outras regras:

Quando a declaração de vontade expressa não é necessária, o silêncio (também chamado de “reticência”) importa anuência do sujeito de di-reito, se as circunstâncias ou os usos autorizam essa interpretação. Se, sem dizer uma só palavra, colho na banca de jornais um exemplar do periódico de minha preferência, estendo ao jornaleiro uma cédula e dele, também silenciosamente, recebo o troco, não poderei ser acusado de ter subtraído indevidamente um bem. Embora ninguém tenha emitido um som que fosse, declarações gestuais suficientes à formação do negócio jurídico foram feitas.

Também neste sentido, Maria Helena Diniz8 ensina que “até mes-mo o silêncio é fato gerador de negócio jurídico, quando em certas cir-

5 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 308.6 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 4. ed. atualizada de acordo

com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 41.7 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: parte geral. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2009. p. 294.8 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral do direito civil. São Paulo: Saraiva, v. 1,

2010. p. 465.

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cunstâncias e usos indicar um comportamento hábil a produzir efeitos jurídicos e não for necessária a declaração de vontade expressa de von-tade”.

Ainda sobre o silêncio e notadamente a segurança jurídica das relações, Pontes de Miranda9 assevera:

A aceitação pelo silêncio só se admite onde se cria o dever de responder; não seria possível postular-se “Responda, ou terei por aceita a minha oferta”. Se não há dever de responder, o silêncio tanto pode ser sim como não. Se há prazo para se aceitar, de regra o silêncio é recusa, não houve aceitação. Se a lei ou os usos do tráfico estabelecem dever de responder, ainda que o oferente não marque prazo, o silêncio pode ser aceitação.

Serpa Lopes10 entende

que o silêncio produz efeitos jurídicos quando isso é o fruto de uma manifestação da vontade mediante um comportamento negativo; que as circunstâncias sejam concludentes; que a parte tenha o dever ou a obri-gação, bem como a possibilidade de falar; a convicção da outra parte de haver no comportamento negativo uma direção inequívoca e incompatí-vel com a expressão de vontade oposta.

O silêncio não se confunde com uma declaração tácita, que cor-responde à prática de atos outros que tenham o condão de confirmar a vontade do agente; o silêncio em si é uma situação de inércia de alguém, que pode ou não gerar efeitos, de acordo com as determinações da lei ou usos e costumes.

2 O DIREITO AO SILÊNCIO NO CóDIGO CIVIL DE 2002

É possível afirmar que o Código de 2002 atribui relevância jurídi-ca ao silêncio, não unicamente em casos característicos, mas também constituindo presunções legais ou representações funcionais supletivas. Desde que a lei preveja explicitamente, a vontade pode ser declarada por meio da forma que o declarante quiser, incluindo o silêncio.

Segundo os preceitos constitucionais de presunção de inocência, devido processo legal e contraditório, vimos que o direito ao silêncio trata-se de uma omissão, ou seja, o agente opta pelo silêncio com o

9 PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. Campinas: Bookseller, 2011. p. 180.10 LOPES, Serpa. O silêncio como manifestação da vontade nas obrigações. 2. ed. Rio de Janeiro: Livraria Suíça,

Walter Rolter Editora, 1961 apud PELUZO, Cezar (Coord). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole., 2013. p. 100.

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intuito de preservar sua integridade jurídica, posto que não pretende produzir prova contra si próprio.

De outro lado, temos o silêncio-ação, que denota uma postura do indivíduo frente a um ato ou negócio jurídico pretendendo ele sua concretização ou não, comportando-se de modo a que este ato ou negó-cio obtenha validade e eficácia para as partes. Neste sentido, o silêncio compõe-se de uma manifestação de vontade, uma atitude frente ao ato ou negócio jurídico, cujos efeitos tornarão concreta sua eficácia e vali-dade.

O art. 111 do Código Civil designa quanto ao silêncio que, nos negócios jurídicos realizados entre indivíduos em certas circunstâncias, poderão ser tornados válidos, desde que uma das partes, permanecen-do silente, com ele concorde, ou seja, para que um indivíduo almeje a concretização de certo ato ou negócio jurídico, basta que ele permaneça em silêncio, deixando que a ausência de manifestação opere de per si na concretização deste.

Segundo a jurisprudência pátria, em relação ao art. 111 do CC, a interpretação do silêncio se deu contra o enunciado legal ora em co-mento:

APELAÇÃO CÍVEL – SEGURO DE VIDA – AUSÊNCIA DE CONTRATA-ÇÃO – APÓLICE – ESTIPULANTE – AGAFFAM – RESTITUIÇÃO DOS VALORES – CABIMENTO – Mérito do recurso em exame 1. As partes devem observar os requisitos a que aludem os arts. 421 e 422, ambos do CC, quando da efetivação do pacto, ou seja, atentar aos princípios da função social do contrato e da boa-fé. 2. Dessa forma, havendo de-sequilíbrio na relação contratual ou ofensa aos princípios informadores deste, cabe a propositura de demanda para a averiguação de tais circuns-tâncias, a fim de que seja cumprido o disposto nas normas precitadas. 3. Ademais, na formação do contrato, não basta apenas a vontade de contratar. É preciso que ocorra a declaração de vontade de efetivar o pacto. Assim, o silêncio não serve como manifestação de vontade, exceto no caso daquele ser circunstanciado, nos termos do art. 111 do Código Civil. Das apólices 7160 e 7433. 4. No que diz respeito às apólices 7160 e 7433, cumpre destacar que as mesmas foram contratadas pelo MFMPA, na condição de estipulante, junto à União de Seguros Gerais, atual Bra-desco Auto/Re Cia. de Seguros Gerais, tendo como grupo segurado todos os associados do Montepio precitado e seus respectivos dependentes. 5. A parte estipulante do contrato de seguro define, juntamente com a seguradora, as cláusulas que irão reger o pacto, sendo responsável pela administração e integral cumprimento do contrato. 6. Através de vários

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endossos, a estipulante original transferiu as apólices 7160 e 7433 a ou-tras estipulantes, conforme previsão contratual. Assim, descabe qualquer pretensão da parte postulante no sentido de responsabilizar a demandada pelos termos da contratação e transferências realizadas pelas sucessivas estipulantes. Da apólice 7630. 7. A apólice 7630 não foi firmada pelo Montepio da qual participavam os segurados, mas sim pela AGAFFAM, que não possuía poderes para suprimir a declaração de vontade dos se-gurados. Assim, inocorreu a manifestação de vontade dos possíveis con-tratantes, requisito necessário à formação de qualquer negócio jurídico, em especial o pacto objeto do presente litígio, que se caracteriza pela solenidade. 8. Assim, ante a ausência de interesse dos consumidores em contratar o seguro sub judice, a seguradora deverá devolver, em dobro, os valores indevidamente cobrados, nos termos do art. 42, parágrafo úni-co, do Código de Defesa do Consumidor. Dado parcial provimento ao apelo. (TJRS, Apelação Cível nº 70030500193, 5ª C.Cív., Rel. Jorge Luiz Lopes do Canto, Julgado em 29.07.2009)

Assim, em casos excepcionais11, o silêncio pode concretizar uma declaração de vontade. Portanto, cumpre esclarecer e individualizar no presente estudo, a seguir, quais são os casos excepcionais em que o si-lêncio12 pode ser considerado produtivo de efeitos jurídicos.

3 ALGUNS DISPOSITIVOS LEGAIS qUANTO AO SILÊNCIO NO CóDIGO CIVIL DE 2002 E JURISPRUDÊNCIA CORRELATA

A seguir, alguns dispositivos legais que cuidam do silêncio como manifestação de vontade e sua jurisprudência correlata:

a) Art. 147: “Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio inten-cional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provan-do-se que sem ela o negócio não se teria celebrado”.

Aqui, constitui dolo da parte o silêncio intencional sobre as es-pecificações do objeto do negócio jurídico, cuja ocultação opere em seu favor. Trata-se da omissão dolosa, ou seja, o ato cometido de forma proposital com o intuito de prejudicar a outrem.

11 MARIGHETTO, Andrea; MACEI, Demetrius Nichele. O significado do silêncio nas relações obrigacionais. Disponível em: <http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=b9c7f3a9c40b2d92>. Acesso em: 30 mar. 2014.

12 Cf. TROVÃO, Antônio de Jesus. O silêncio e suas implicações no direito. Disponível em: <http://www.artigonal.com/doutrina-artigos/o-silencio-e-suas-implicacoes-no-direito-3346640.html>. Acesso em: 30 mar. 2014.

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Nesse sentido, a seguinte jurisprudência:

CONTRATO DE COMPRA E VENDA – RECURSO ESPECIAL – ALEGA-ÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTS. 265, I, DO CPC E 178, § 5º, DO CÓ-DIGO CIVIL DE 1916 – NÃO CONFIGURAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA DO NEGÓCIO JURÍDICO COM FUNDAMENTO NOS ARTS. 92, 147 E 1.059 DO CÓDIGO CIVIL – PRESCRIÇÃO DE QUATRO ANOS PREVIS-TA NO ART. 178, § 9º, V, B, DO MESMO DIPLOMA LEGAL – RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO – 1. A suspensão do proces-so, nos termos previstos no art. 265, I, do CPC, objetiva evitar prejuí-zo às partes, o que, na hipótese vertente, não se verificou. Precedentes. 2. O pedido é de anulação de compra e venda de imóvel, com base em alegação de dolo e fraude, consistente em existência de gravame não re-velado ao comprador, por isso que há de se aplicar o prazo prescricional previsto no art. 178, § 9º, V, b, do Código Civil. 3. Recurso especial a que se nega provimento. (EREsp 1.267.631/RJ, 4ª T., Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Julgado em 07.12.2010, DJe 13.12.2010)

Para Pablo Stolze Gagliano e Pamplona Filho13: “Também no pla-no da validade do negócio jurídico o silêncio tem relevância, caracte-rizando omissão dolosa (causa de anulabilidade do negócio jurídico, quando nos negócios bilaterais, for intencionalmente empregado para prejudicar a outra parte, que se soubesse da real intenção do agente, não haveria celerado a avença”.

Conforme Silva14:

O dolo positivo é o artifício astucioso decorrente de ato comissivo em que outra parte é levada a contratar por força de afirmações falsas sobre a qualidade da coisa. O dolo negativo, previsto no art. 147, vem a ser a manobra astuciosa que constitui uma omissão dolosa ou reticente para induzir um dos contratantes a realizar o negócio. Ocorrerá quando uma das partes vem a ocultar algo que a outra deveria saber se se sabedora não teria efetivado o ato negocial.

Nesses casos, o dolo negativo acarretará a anulação do ato se for o dolo principal.

13 GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contém análise comparativa dos Códigos de 1916 e 2002. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 350.

14 SILVA, Regina Beatriz Tavares da (Coord.). Op. cit., p. 135.

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b) O art. 299, parágrafo único15, nos traz outra situação relevan-te quanto ao silêncio no que diz respeito à assunção de dívida por terceiro, concedendo-se prazo para que o credor venha a manifestar-se sobre a propositura do terceiro em assumir dívi-da, sendo certo que o decurso de prazo sem a manifestação do credor interpreta-se em prejuízo da concretização do ato jurídico; ou seja, havendo preferência do credor em face do devedor originário, seu silêncio será interpretado de forma restritiva e em benefício do credor, deixando-se de operar a substituição do polo passivo da relação jurídica.

Nesse sentido, segue jurisprudência do TJMS:

[...] tem-se que, nos termos do art. 299 do Código Civil, a assunção de dívida depende de anuência expressa do credor, o que não ocorreu no presente caso, razão pela qual deixo de homologar o acordo entabulado entre as partes às fls. 16. Intime-se a parte exequente para que requerida o que de direito, no prazo de 5 (cinco) dias. Publique-se. (TJMS, Processo nº 0003761-45.2013.8.12.0011, Execução de Título Extrajudicial – Cheque)

c) De outro lado, os arts. 300 e 30116 deixam claro que se trata de presunção juris tantum – relativa –, já que admissível o co-nhecimento de favorecimento ao terceiro, inclusive em relação às garantias oferecidas que podem ser garantias estas de pleno interesse e domínio do terceiro que, assim, age de má-fé.

Conforme jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL – RECEBIMENTO COMO AGRAVO INOMINA-DO – ART. 557, § 1º, DO CPC – HIPÓTESE DE NEGATIVA DE SEGUI-MENTO A AGRAVO DE INSTRUMENTO – MANIFESTA IMPROCEDÊN-CIA – ALEGADA ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM – QUESTÃO APRECIADA E DECIDIDA ANTERIORMENTE – PRECLUSÃO CONSUMA-TIVA E COISA JULGADA – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPRO-VIDO – Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo Regimental

15 “Art. 299. É facultado a terceiro assumir a obrigação do devedor, com o consentimento expresso do credor, ficando exonerado o devedor primitivo, salvo se aquele, ao tempo da assunção, era insolvente e o credor o ignorava. Parágrafo único. Qualquer das partes pode assinar prazo ao credor para que consinta na assunção da dívida, interpretando-se o seu silêncio como recusa.”

16 “Art. 300. Salvo assentimento expresso do devedor primitivo, consideram-se extintas, a partir da assunção da dívida, as garantias especiais por ele originariamente dadas ao credor.

Art. 301. Se a substituição do devedor vier a ser anulada, restaura-se o débito, com todas as suas garantias, salvo as garantias prestadas por terceiros, exceto se este conhecia o vício que inquinava a obrigação.”

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nº 1.140.455-0/01, da 1ª Vara Cível da Comarca de Foz do Iguaçu, em que são agravantes Nevio Morelo Rafagnin e outro e agravada Esso Bra-sileira De Petróleo Ltda. Volta-se o agravo (art. 557, § 1º, do CPC) contra a decisão de fls. 598/601 deste Relator, que negou seguimento ao recurso de agravo de instrumento interposto pela ora recorrente, por ser manifes-tamente improcedente e em conflito com jurisprudência dominante deste Tribunal e dos Tribunais Superiores. Alegam os recorrentes, em suma, que: ao contrário do que decidiu o Relator, de que a questão suscitada no re-curso – ilegitimidade passiva ad causam em face da invocada nulidade da Agravo de Instrumento nº 1.140.455-0/01 garantia por eles oferecida – já foi decidida e está acobertada pela coisa julgada e pela eficácia preclusiva, não corresponde a realidade dos fatos e deve ser corrigida pela Câmara; a decisão se mostra equivocada porque a defesa alegada em sede de ex-ceção de pré-executividade foi a novação da dívida, quando os patronos da causa alegaram ilegitimidade dos fiadores, ou seja, assunto diverso do ora invocado, qual seja, a ilegitimidade em razão da assunção da dívida; o cerne da defesa na exceção oposta foi a nulidade da fiança prestada pelos fiadores, o que levaria a exclusão destes do processo originário; ademais, mesmo que a defesa recaísse sobre a ilegitimidade dos fiadores, a origem foi com base em institutos diferentes, ou seja, uma oriunda da novação e outra da assunção da dívida, não havendo, assim, que se falar em preclu-são consumativa, pois não houve apreciação de mérito desta última ale-gação; com a assunção da dívida por terceiros, salvo assentimento expres-so do devedor primitivo – fato não ocorrido –, extinguem-se as garantias especiais prestadas por este, no caso, a fiança prestada pelos agravantes, que devem, portanto, ser excluídos do polo passivo da ação, consoante estabelecem os arts. 299 e 300 do novo código civil; a garantia prestada pelos fiadores – carta de fiança – foram extintas diante do advento da as-sunção de dívida com a expressa anuência do credor, uma vez que nunca houve manifestação expressa do devedor originário em manter as garantias prestadas; a carta de fiança é nula, pois extinta pela assunção da dívida por delegação, devendo ser excluídos do polo passivo os fiadores primitivos, ora agravantes. Pede o provimento do recurso para que seja reformada a decisão impugnada, dando-se regular prosseguimento ao agravo de instru-mento [...] Acordam os Senhores Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por unanimida-de de votos, em negar provimento ao agravo, nos termos do voto. (TJPR, PET 1140455001/PR, 1140455-0/01, 6ª C.Cív., Rel. Sérgio Arenhart, Data de Julgamento: 28.01.2014 )

d) Art. 52917: na venda sobre documentos, a tradição expressa uma das formas de concretização do negócio jurídico e que

17 “Art. 529. Na venda sobre documentos, a tradição da coisa é substituída pela entrega do seu título representativo e dos outros documentos exigidos pelo contrato ou, no silêncio deste, pelos usos. Parágrafo

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em negócios envolvendo documentos sua substituição dar--se-á pelo título representativo, mas, se estes não forem sufi-cientes ou necessários à concretização, bastará a aplicação dos usos para o caso, desde que haja silêncio sobre o tema. O silêncio aqui se trata de uma efeito sobre a ausência de mani-festação das partes sobre como operar-se-á tal realização do negócio jurídico.

Segue a jurisprudência:

DESEMBARAÇO ADUANEIRO – COMPRA E VENDA DE MERCADO-RIA IMPORTADA CELEBRADA NO MERCADO INTERNO – A proprie-dade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradi-ção, que, no caso do desembaraço aduaneiro, traduz-se na entrega dos bens importados ao comprador (art. 1.267 do Código Civil). Os dispo-sitivos que regulam a modalidade especial da venda sobre documentos (arts. 529 e seguintes do Código Civil), usual nas operações de comércio exterior, em que a tradição é substituída pela entrega de títulos, não se aplica ao contrato de compra e venda celebrado entre a importadora e a compradora no mercado interno, sendo que a mera entrega de notas fiscais não é capaz de substituir a tradição real e conferir legitimidade para a compradora intervir no procedimento de desembaraço aduanei-ro. Agravo de instrumento desprovido. (TRF4, 2ª T., Rel. João Surreaux Chagas, Data de Julgamento: 26.10.2004)

e) O art. 53918 do Código Civil, que trata da doação, estipula que o silêncio é juridicamente válido, dispensando os subsí-dios oferecidos pelo direito costumeiro.

Neste caso, verifica-se também, além do mandamento legal ex-presso, a influência do tempo na questão, uma vez que, se o donatário não se manifestar dentro do prazo estipulado pelo doador, ainda que no fundo não aceite o bem doado, concluir-se-á pela sua anuência.

Neste sentido:APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER – DOAÇÃO DE IMÓVEL COM USUFRUTO – ILEGITIMIDADE PASSIVA DO USUFRUTUÁRIO – INOCORRÊNCIA – SENTENÇA HOMOLOGA-TÓRIA DE ACORDO – TÍTULO EXECUTIVO JUDICIAL – ART. 475-N,

único. Achando-se a documentação em ordem, não pode o comprador recusar o pagamento, a pretexto de defeito de qualidade ou do estado da coisa vendida, salvo se o defeito já houver sido comprovado.”

18 “Art. 539. O doador pode fixar prazo ao donatário, para declarar se aceita ou não a liberalidade. Desde que o donatário, ciente do prazo, não faça, dentro dele, a declaração, entender-se-á que aceitou, se a doação não for sujeita a encargo.”

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INCISO III, DO CPC – DECLARAÇÃO DE VONTADE DO DEVEDOR – SUBSTITUIÇÃO PELA SENTENÇA – ART. 466-A DO CPC – É parte legí-tima para figurar no polo ativo da demanda aquele que celebrou acordo judicialmente homologado, visando à doação de imóvel aos filhos, com cláusula de usufruto em seu favor, sem a necessidade dos donatários integrarem a lide, uma vez que não são obrigados, sequer, a aceitar a do-ação, consoante art. 539 do CC/2002. A sentença homologatória de con-ciliação, nos termos do art. 475-N, inciso III, do CPC, com nova redação dada pela Lei nº 11.232/2005, é título executivo judicial. A declaração de vontade do devedor pode ser substituída pela sentença se, após seu trânsito em julgado, este não cumpre sua determinação, de acordo com o art. 466-A. (TJMG, Processo: Apelação Cível nº 1.0596.05.028349-5/001, Data de Julgamento: 18.04.2007)

f) Segundo o art. 65919, no caso do mandato, o silêncio implica-rá aceitação, quando o negócio é daqueles que diz respeito à profissão do mandatário, resultando do começo de execução.

Assim a jurisprudência:AGRAVO DE INSTRUMENTO – PRELIMINAR REJEITADA – ADVOGA-DO FALECIDO – AUSÊNCIA DE INTIMAÇÃO DAS PARTES PARA SUBS-TITUIÇÃO – NULIDADE DO PROCESSO – Sendo de fácil constatação nos autos o objeto do recurso e verificado o cumprimento das disposi-ções do art. 525, inexiste razão para o acolhimento da preliminar de não conhecimento do recurso. Julgada a habilitação e nomeado procurador em audiência, por instrumento de mandato tácito, não há se falar em nulidade por falta de representação. A decisão já proferida nos autos impede sua rediscussão, tendo em vista a formação de coisa julgada, consoante arts. 467 e 471 do mesmo Diploma Legal. Falecido o úni-co procurador da parte no processo, deve haver a sua suspensão, com a intimação para constituição de um novo procurador, sendo nulos os atos praticados sem a observância dessa norma. (Agravo de Instrumento nº 1.0155.02.003018-7/002, 16ª C.Cív., Rel. Des. Otávio Portes, Julga-mento em 27.02.2008, publicação da súmula em 14.03.2008)

g) O art. 1.01520 traz à tona o direito dos administradores em praticar atos de gestão, desde que o contrato nada diga sobre

19 “Art. 659. A aceitação do mandato pode ser tácita, e resulta do começo de execução.”20 “Art. 1.015. No silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da

sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir. Parágrafo único. O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses: I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade; II – provando-se que era conhecida do terceiro; III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.”

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este tema, permitindo a estes a prática de atos de desonera-ção de bens e capital, limitados aos bens que não constituam patrimônio estrutural da empresa (bens imóveis e onerações que se reflitam no patrimônio empresarial).

O parágrafo único21 deste artigo traz as limitações dos atos de ges-tão e suas repercussões aos terceiros envolvidos – mais uma vez, ressal-te-se, terceiros de má-fé.

Senão vejamos:

APELAÇÃO – NULIDADE DE ATOS JURÍDICOS – ADMINISTRADOR DE SOCIEDADE EMPRESÁRIA – ATUAÇÃO EM EXCESSO DE PODER – CONTRAIR OBRIGAÇÕES ESTRANHAS AO INTERESSE SOCIAL – VEN-DA DE BENS IMÓVEIS – ART. 1.015 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – TERCEIROS COMPRADORES DE BOA-FÉ – HOMEM MEDIUM – ATOS ULTRA VIRES – DÍVIDA CONFESSADA – TRANSFERÊNCIA DE PARTE DE IMÓVEL – EVIDENCIADA QUALQUER DAS HIPÓTESES DESCRITAS NOS INCISOS DO ART. 1.015 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002 – RETOR-NO AO STATU QUO ANTE – RECURSO PROVIDO – Não causa qual-quer perplexidade o condicionamento do deferimento do pedido de ur-gência mediante à apresentação de uma contracautela (caução adequada e idônea). Impõe-se a invalidação de atos jurídicos ante a demonstração de alguma nulidade ou existência de vícios de consentimento a macular a vontade e autonomia da parte que o praticou. Todos os atos pratica-dos pelo administrador de uma sociedade empresária gravitam inexo-ravelmente em torno dos objetivos consignados no seu contrato social. Segundo o disposto no art. 1.015 do Código Civil de 2002, “no silêncio do contrato, os administradores podem praticar todos os atos pertinentes à gestão da sociedade; não constituindo objeto social, a oneração ou a venda de bens imóveis depende do que a maioria dos sócios decidir”. Os atos ultra vires são aqueles realizados além do objeto da delegação ou transferência de poderes, ou seja, são aqueles realizados com excesso de poder ou com poderes insuficientes pelos administradores de uma sociedade. Não se deve proteger o terceiro que tenha conhecimento, ou devesse ter, do objeto social e dos limites da atuação dos administradores da sociedade empresária contratante, em razão da profissionalidade de seus atos. (Apelação Cível nº 1.0701.07.196048-1/005, 11ª C.Cív., Rel.

21 Art. 1.015, parágrafo único: “O excesso por parte dos administradores somente pode ser oposto a terceiros se ocorrer pelo menos uma das seguintes hipóteses:

I – se a limitação de poderes estiver inscrita ou averbada no registro próprio da sociedade;

II – provando-se que era conhecida do terceiro;

III – tratando-se de operação evidentemente estranha aos negócios da sociedade.”

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Des. Marcelo Rodrigues, Julgamento em 25.03.2009, publicação da sú-mula em 08.05.2009)

h) Quanto ao que tange ao parágrafo único do art. 1.12622, faz--se referência à emissão de títulos por sociedade de capital aberto, operando-se limitação de referida emissão concreti-zar-se apenas na forma nominativa quando não houver mani-festação legal em outro sentido.

Conforme jurisprudência:

PROCESSUAL PENAL – MANDADO DE SEGURANÇA – ATO JUDICIAL CONSISTENTE NA QUEBRA DOS SIGILOS TELEFÔNICO E TELEMÁTI-CO – DETERMINAÇÃO DE CRIAÇÃO DE “CONTA-ESPELHO” – RECU-SA PARCIAL AO CUMPRIMENTO DA ORDEM, SOB A ALEGAÇÃO DA NECESSIDADE DE FORMULAÇÃO DE PEDIDO DE ASSISTÊNCIA JU-DICIÁRIA, NOS TERMOS DO PROCEDIMENTO PREVISTO NO MLAT – DESNECESSIDADE – APLICAÇÃO DE MULTA DIÁRIA – CABIMENTO – OBSERVAÇÃO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – ILEGI-TIMIDADE DA IMPETRANTE PARA QUESTIONAR O CABIMENTO DA INTERCEPTAÇÃO – MANUTENÇÃO DO VALOR DA MULTA – SEGU-RANÇA DENEGADA – I – Ato judicial impugnado proferido nos autos de pedido de quebra de sigilo de dados telefônicos e telemáticos, em que se apura a realização de transações bancárias fraudulentas, pratica-das por meio do canal Internet Banking da Caixa Econômica Federal – CEF. II – A cominação de multa diária encontra amparo no disposto nos arts. 14, inciso V e parágrafo único, e 461 do Código de Processo Civil c/c art. 3º do Código de Processo Penal, sendo dever de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provi-mentos judiciais. III – Não há que se falar em violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da Constituição Fede-ral), uma vez que a autoridade impetrada determinou que a destinatária da ordem apresentasse justificativa para o seu descumprimento, apre-ciando o pedido de afastamento da multa aplicada, oportunidade em que os argumentos foram refutados. IV – Ato judicial devidamente fundamen-to, não prosperando os argumentos no sentido de que não foi especifica-do o termo final. V – O cumprimento da ordem judicial é perfeitamente possível. Estamos diante de apuração de fraudes realizadas por meio da Internet, sendo que os investigados, usuários do endereço eletrônico, es-

22 “Art. 1.126. É nacional a sociedade organizada de conformidade com a lei brasileira e que tenha no País a sede de sua administração. Parágrafo único. Quando a lei exigir que todos ou alguns sócios sejam brasileiros, as ações da sociedade anônima revestirão, no silêncio da lei, a forma nominativa. Qualquer que seja o tipo da sociedade, na sua sede ficará arquivada cópia autêntica do documento comprobatório da nacionalidade dos sócios.”

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tão domiciliados ou, ao menos, localizados no Brasil, utilizando-se de serviço contratado no Brasil de uma sociedade nacional (art. 1.126 do Código Civil) ou, ao menos, sociedade estrangeira autorizada legalmen-te a funcionar no Brasil (art. 1.134 do Código Civil), empresa que tem filial ou sucursal no País, instituída sob as leis brasileiras, com CNPJ e registro na Junta Comercial, inclusive. O funcionamento de uma empre-sa ou conglomerado transnacional deve sujeitar-se à soberania nacional do Brasil e, assim, pautar sua instituição e funcionamento nas normas legais que regem a ordem econômica, as relações de consumo, a ordem tributária e demais normas locais. Portanto, a sociedade empresária que deve prestar a informação sigilosa requisitada judicialmente é a pessoa jurídica de direito privado interno, sujeita às leis nacionais e às decisões do Poder Judiciário Brasileiro, sobretudo porque, nos termos do disposto nos arts. 5º e 6º do Código Penal, a lei brasileira aplica-se aos crimes cometidos no território nacional. VI – No tocante à aduzida desnecessi-dade de criação da “conta-espelho” e de que a autoridade impetrada não observou os requisitos previstos na Lei nº 9.296/1996, a impetrante não é parte no procedimento investigatório, de modo que não cabe ao des-tinatário da ordem judicial questionar a legalidade de ato judicial com fundamento em aduzida violação a direito de terceiro. VII – O valor da multa deve ser mantido nos termos arbitrados pela autoridade impetrada (R$ 850.000,00), uma vez que: (a) trata-se de processo criminal em que a inércia contribui para a inefetividade da tutela jurisdicional, pois põe em risco a pretensão punitiva (prescrição) e a efetiva aplicação da lei penal (colheita de provas); (b) a impetrante possui elevado poder econômico e se recusa, de forma sistemática, ao cumprimento da ordem judicial, de modo que a eventual redução em nada contribuiria para o alcance da medida adotada, podendo até contrariar a finalidade da medida coerci-tiva e premiar a recusa. VIII – Segurança denegada. (TRF3, MS 3627/SP, 0003627-36.2013.4.03.0000, 1ª S., Rel. Des. Federal Cotrim Guimarães, Data de Julgamento: 05.12.2013)

Verifica-se aqui tratar-se de um silêncio materialmente concretiza-do por existência ou não de texto legal que se refira ao tema – no caso, a Lei nº 6.404/1976, ou Lei das Sociedades Anônimas –, indicando que a proposta de emissão de títulos encontra-se subordinada à lei e, na sua ausência, deverá ser efetuada apenas na forma nominativa.

i) Art. 1.93423: no silêncio do testamento, o cumprimento dos legados incumbe aos herdeiros e, não os havendo, aos lega-tários, na proporção do que herdaram.

23 “Art. 1.934. No silêncio do testamento, o cumprimento dos legados incumbe aos herdeiros e, não os havendo, aos legatários, na proporção do que herdaram. Parágrafo único. O encargo estabelecido neste artigo, não

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Conforme a jurisprudência:

TESTAMENTO – LEGADO – FRUTOS PRODUZIDOS PELO OBJETO DO LEGADO – Pretensão do legatário ao ressarcimento dos frutos produzi-dos pelo legado durante o período no qual não teve a posse dos bens. 1. LEGITIMIDADE – ESPÓLIO – Qualquer herdeiro poderia ter tomado as providências necessárias no sentido de cumprir o legado estabelecido no testamento, o que, entretanto, não ocorreu (art. 1.934 do CC). O in-ventariante somente cumpriu o legado após pedido expresso do legatário nos autos do inventário. Além destes fatos, ao que tudo indica, não foi feita a partilha dos bens. Assim, com maior razão, tem o espólio legitimi-dade para responder à pretensão do legatário ao recebimento dos frutos do objeto do legado. 2. Desde a abertura da sucessão, o legatário tem o domínio do objeto do legado. Entretanto, por não ter sido concedida a posse efetiva do bem logo após o falecimento do testador, tem direito ao pagamento dos frutos percebidos pelo espólio. Princípio da saisine. 3. O disposto no art. 1.924 do Código Civil deve ser interpretado de acordo com as circunstâncias dos autos e sua aplicação não impede, no caso em exame, o recebimento dos frutos. Como dito, o objeto de legado já foi entregue ao autor. Assim, não se justifica aguardar o fim da demanda relacionada à anulação do testamento, sob pena de impedir, sem justificativa, o direito de ressarcimento do autor, direito igualmente garantido pelo art. 1.923, § 2º, do Código Civil. Recurso do legatário provido para anular a sentença a fim de que sejam produzidas as pro-vas a respeito dos frutos produzidos pelo legado durante o período de posse dos bens pelo espólio. Recurso adesivo do réu não provido. (TJSP, APL 61843220108260483/SP, 0006184-32.2010.8.26.0483, 10ª CDPriv., Rel. Carlos Alberto Garbi, Data de Julgamento: 14.08.2012, Data de Publi-cação: 18.08.2012)

O artigo em comento faz menção à ausência de manifestação ex-pressa no testamento quanto a cumprimento dos legados, devendo tal incumbência recair sobre herdeiros e, se não houver estes, aos lega-tários. Observa-se tratar-se, mais uma vez, de silêncio-omissão, posto que é a omissão do testamento que faz operar a força do texto legal, impondo-se àqueles que por ele são atingidos.

havendo disposição testamentária em contrário, caberá ao herdeiro ou legatário incumbido pelo testador da execução do legado; quando indicados mais de um, os onerados dividirão entre si o ônus, na proporção do que recebam da herança.”

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CONCLUSÃO

A importância do real significado do silêncio no ordenamento ju-rídico e suas implicações para os indivíduos são de grande utilidade na sua interpretação, sendo fundamental para análise de uma lide em que as resultantes desta interpretação terão efeitos conclusivos para as partes envolvidas.

A vontade, por si, não produz efeitos jurídicos, precisa seja mani-festada por meio de uma declaração, que pode ser expressa ou tácita, direta ou indireta. O silêncio difere profundamente da ausência de ma-nifestação, posto que o primeiro refere-se a uma ação cujo sentido e al-cance denotam o desinteresse da parte em concluir um ato cujos efeitos serão produzidos contra ele próprio, enquanto o segundo decorre de uma postura do indivíduo em agir ou deixar de agir produzindo efeitos contra si ou, ainda, a seu favor, permitindo-nos concluir que a essência entre estes fenômenos do direito encontra-se não nos resultados, mas sim em sua origem.

O silêncio, por fim, deve ser entendido como uma postura, um comportamento da parte com sentido e alcance de assegurar o seu bem--estar ou segurança em situações de ameaça de qualquer ordem, e sua análise pelo estudioso do direito deve ser realizada com a maior conci-são possível, já que sua interpretação poderá resultar em benefícios ou prejuízos a quem dele se vale.

O silêncio nas relações obrigacionais desenvolve, portanto, uma função supletiva ou integrativa, quando interpretado como forma de exte-riorização da vontade, mesmo nos casos em que se precisa ser identifica-do como tal pela lei ou pelas circunstâncias que o cercam, atuando como fator preponderante para a validade e eficácia dos negócios jurídicos.

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COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil: parte geral. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, v. 1, 2009.

GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: contém análise comparativa dos Códigos de 1916 e 2002. 6. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

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PELUZO, Cezar (Coord). Código Civil comentado: doutrina e jurisprudência. 7. ed. rev. e atual. Barueri, SP: Manole, 2013.

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Parte Geral – Doutrina

Esclarecimentos sobre Qual o País de Destino no Transporte Internacional Deve Ser Registrado no Siscoserv – Módulo Aquisição

DANIEL SOARES gOmES1

Advogado da Área Tributária e Aduaneiro, David & Athayde Advogados.

Uma dúvida que surge para as empresas que atuam no Comércio Exterior é qual o país de destino nas operações de transporte internacio-nal que deve ser registrado no Módulo de Aquisição do Sistema Integra-do de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio – Siscoserv.

Antes de adentramos no mérito, é importante posicionar o leitor sobre o Siscoserv. A Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011, em seu art. 25, trouxe a obrigação de prestar ao Ministério de Desenvolvimento Indústria e Comércio (MDIC) informações “relativas às transações entre residentes ou domiciliados no País e residentes ou domiciliados no exte-rior que compreendam serviços, intangíveis e outras operações que pro-duzam variações no patrimônio das pessoas físicas, das pessoas jurídicas ou dos entes despersonalizados”.

Nesse cenário, a Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e a Secretaria de Comércio e Serviços do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (SCS), com base na Instrução Normativa RFB nº 1.277, de 28 de junho de 2012, e na Portaria MDIC nº 113, de 17 de maio de 2012, instituíram o Sistema Integrado de Comércio Exterior de Serviços, Intangíveis e Outras Operações que Produzam Variações no Patrimônio (Siscoserv), para registro das informações a que se refere o art. 25 da Lei nº 12.546, de 2011 – o que se deu mediante a edição da Portaria Conjunta RFB/SCS nº 1.908, de 19 de julho de 2012.

O Siscoserv conta com dois módulos: Venda e Aquisição. No Mó-dulo Aquisição, que interessa ao nosso estudo, são registrados os servi-ços, intangíveis e outras operações que produzam variações no patrimô-nio, adquiridos por residentes ou domiciliados no Brasil de residentes

1 E-mail: [email protected].

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ou domiciliados no exterior. Nesse módulo estão previstos o Registro de Aquisição de Serviços (RAS) e o Registro de Pagamento (RP).

As orientações relativas a esse Sistema constam dos Manuais In-formatizados dos Módulos Venda e Aquisição do Siscoserv, cuja 10ª edição foi aprovada pela Portaria Conjunta RFB/SCS nº 219, de 19 de fevereiro de 2016.

Retornando ao tema proposto no início referente ao registro do país de destino, cumpre esclarecer que o próprio Manual do Siscoserv fornece subsídios para definir qual o “país de destino” que deve ser re-gistrado no Módulo de Aquisição.

Conforme disposto no Item 8, os serviços de transporte internacio-nal de cargas prestados por empresa domiciliada no exterior à empresa domiciliada no Brasil se enquadra no Modo 1 de Prestações de Serviços.

O Modo 1, por sua vez, diz respeito ao serviço adquirido do terri-tório de um país ao território de outro país, por residente ou domiciliado no Brasil e prestado por residente ou domiciliado no exterior. Portanto, o adquirente (ou consumidor) é a pessoa residente ou domiciliada no Brasil.

É importante ter em mente que o Modo 1 difere-se dos demais pela característica do serviço ser consumido no Brasil. Isso, pois, os Modos

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2 e 3 tratam, respectivamente, do Consumo do Serviço no Exterior e do Movimento temporário de pessoas físicas do exterior para o Brasil.

Por si só, tais documentos justificam que o “País de Destino” que deve ser registrado no Módulo Aquisição é do tomador/adquirente dos serviços, nas hipóteses de transporte internacional destinados ao Brasil.

Veja-se que tal definição do “país de destino” não encontra ne-nhuma controvérsia quando se analisa a hipótese do estabelecimento adquirente e o destinatário do serviço de transporte sejam ambos situa-dos no Brasil.

Contudo, quando o registro importar em destinatário e tomador situados em países distintos, estaremos diante de outra situação.

Para tanto, deve-se buscar fundamentos na Lei Complementar nº 87/1996, que trata do ICMS, uma vez que, em se tratando de serviços, é válido pressupor, em consonância com as disposições do art. 199 do Código Tributário Nacional – CTN, que essa definição deverá guardar coerência, sempre que possível, com a legislação do ISS (LC 116/2003) e do ICMS.

Nesse sentido, a LC 87/1996 estabelece, em seu art. 11, inciso IV, que, em se tratando de serviços prestados ou iniciados no exterior, o local da operação ou da prestação é o estabelecimento ou do domicílio do destinatário.

Portanto, na hipótese de o local do estabelecimento adquirente ser diferente do domicílio do destinatário, entende-se que deverá ser infor-mado o “país de destino” do serviço de transporte.

O Manual do Siscoserv aponta o registro dessa forma no Exemplo 1 do item “Código do País/País de Destino:”, no qual descreve a presta-ção de serviço adquirida por pessoa domiciliada no Brasil, cujo destina-tário é pessoa localizado em outro país.

O mesmo entendimento pode ser extraído da Solução de Consulta Cosit nº 226/2015, no qual a Receita Federal do Brasil firmou a premissa segundo a qual nos serviços de transporte o registro deve ser feito pelo estabelecimento destinatário da mercadoria, mesmo na hipótese de a contratação ter sido feita pelo estabelecimento matriz, veja-se:

ASSUNTO: OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS

EMENTA: SISCOSERV. AQUISIÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE IN-TERNACIONAL DE CARGA

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A pessoa jurídica domiciliada no Brasil obrigada a registrar no Siscoserv as informações relativas à aquisição de serviços de transporte internacio-nal de carga deve fazê-lo em nome do estabelecimento onde se iniciou a prestação de serviço de transporte, ou em nome do estabelecimento destinatário, no caso de serviços iniciados no exterior; na eventual im-possibilidade de identificar o estabelecimento segundo esses critérios, a operação será registrada em nome do estabelecimento matriz.

Em resumo, temos as seguintes conclusões sobre o registro do “país de destino” dos Serviços de Transporte Internacional no Módulo Aquisição do Siscoserv:

(i) Adquirente e destinatário localizados no Brasil: país de desti-no Brasil;

(ii) Adquirente localizado no Brasil e destinatário no exterior: país do destinatário;

(iii) No caso de estabelecimentos da mesma pessoa jurídica: esta-belecimento do destinatário.

Portanto, cada empresa deve definir os critérios para que o regis-tro no sistema da maneira adequada, em função de suas características específicas.

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Parte Geral – Doutrina

Da Participação de Empresas em Recuperação Judicial nas Licitações Públicas

mARCOS FAuSTINOAdvogado, Consultor, Expositor em cursos e treinamentos na área de Licitações e Contratos Administrativos, Especialista em Licitações e Contratos.

BRuNA CAROLINE SANTOSAdvogada, Consultora, Pós-Graduanda em Direito Municipal pela Escola Paulista de Direito .

THAIS HELENA VENERIAdvogada, MBA em Gestão Pública e Políticas Administrativas pela Escola Paulista de Direito, Pós-Graduada em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-SP, Chefe da Divisão de Licitações e Diretora de Administração da Prefeitura Municipal de Mairinque, Professora do Curso de Direito da Faculdade UNIESP – Campus São Roque, Expositora em cur-sos e treinamento na área de Licitações e Contratos Administrativos, Coordenadora da Área de Licitações e Contratos do Grupo Confiatta. Atuou na Prefeitura como Pregoeira, Leiloeira Administrativa e Membro da Comissão de Licitações.

No ano de 2005, com o advento da Lei nº 11.101, que regula a recuperação judicial e a extrajudicial e a falência do empresário e a da sociedade empresária, aduz, em seus arts. 47 e seguintes, as disposições gerais acerca da recuperação judicial. Trataremos, neste artigo, da parti-cipação de empresas, durante o processo de recuperação, em licitações públicas.

A Lei de Licitações e Contratos Administrativos, nº 8.666/1993, consigna as

normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

A Administração Pública, necessitando da contratação de forneci-mentos e prestação de serviços ou obras, deve realizar o respectivo pro-cedimento licitatório para selecionar, entre os interessados, os futuros contratados após preenchidos os requisitos necessários.

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Os requisitos a serem demonstrados pelas licitantes, concer-nentes à habilitação, estão previstos nos arts. 29 a 31 da Lei Federal nº 8.666/1993. Entre as disposições nela contidas, o art. 31 estabelece os requisitos de qualificação econômico-financeira:

Art. 31. A documentação relativa à qualificação econômico-financeira limitar-se-á a:

[...]

II – certidão negativa de falência ou concordata expedida pelo distribui-dor da sede da pessoa jurídica, ou de execução patrimonial, expedida no domicílio da pessoa física;

[...].

(grifo nosso)

Portanto, quaisquer interessados em contratar com a Administra-ção Pública devem apresentar, para comprovar sua qualificação econô-mico-financeira, entre outros documentos, a certidão negativa de falên-cia e concordata.

Cumpre-nos salientar que a Lei de Licitações e Contratos Admi-nistrativos foi erigida à luz do Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945.

Passados mais de sessenta anos da Lei de Falências, instituída pelo Decreto-Lei nº 7.661/1945, foi editada a Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, que regula a recuperação judicial e a extrajudicial e a falência do empresário e sociedade empresária.

Consta no art. 47 que:

A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situa-ção de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manu-tenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

Verifica-se que a recuperação judicial, diferente do instituto da falência, almeja a manutenção da empresa por meio de um plano de recuperação judicial. Portanto, o que se pretende é viabilizar a recupe-ração da empresa em crise.

A recuperação judicial distancia-se do antigo conceito de concor-data, previsto no Decreto-Lei nº 7.661/1945, instituto este que fora extin-

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to. Enquanto a concordata limitava-se à remissão de dívidas e dilação de prazos para pagamento dos credores, a recuperação judicial prevê um plano de reestruturação com intensa participação dos credores.

Marçal Justen Filho (2014, p. 638) assim afirmou sobre os dois institutos:

A recuperação judicial (e extrajudicial), mecanismo introduzido em subs-tituição à antiga concordata, desperta a atenção. Deve-se ter em vista que a recuperação judicial não é um novo nome para o mesmo instituto. Suas finalidades e seu regime jurídico são distintos dos da antiga concordata. No entanto, afigura-se o entendimento dos efeitos da concordata sobre a contratação administrativa deverá ser aplicada à recuperação judicial.

Ao que nos parece, em um primeiro momento, o doutrinador equi-parou os dois institutos, de modo que, na licitação, o documento que demonstraria a regularidade em um instituto aplica-se, também, ao se-gundo.

Marçal Justen Filho (2014, p. 638) prossegue em suas alegações afirmando:

Em primeiro lugar, mantém-se a presunção de insolvência relativamente ao sujeito que pleiteia a recuperação judicial. Esse é o aspecto fundamen-tal, que conduz à inviabilização da contratação administrativa. Esse é o fundamento pelo qual se reputa que também a recuperação extrajudicial se traduz em impedimento à habilitação para participação em licitação.

Diferentemente do que ocorre na falência, em que o credor é re-correntemente o sujeito ativo da ação, na recuperação judicial, quem possui legitimidade para requerer a recuperação é o próprio empresário ou a sociedade empresária, o que afasta a alegação de desconhecimento da ação.

Há que se ressaltar que, nos procedimentos licitatórios e em cum-primento ao art. 31 da Lei de Licitações, mais precisamente em seu inciso II, a empresa interessada deverá juntar aos seus documentos de habilitação, para comprovação da regularidade, a certidão negativa de falência ou concordata.

Conforme já abordado, e uma vez que inexiste atualmente o ins-tituto da concordata, as certidões passaram a ser solicitadas para de-monstrar que a empresa não é parte em ação de falência ou recuperação judicial.

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Antes de adentrarmos ao tema deste artigo, necessário se faz desta-car que, nas licitações públicas, é vedado à Administração requerer cer-tidões negativas de débitos, passando a solicitar certidões que demons-trem a regularidade da empresa. Isso porque, além da certidão negativa, as interessadas podem, ainda, apresentar certidões positivas com efeito negativo, o que possui o mesmo efeito prático.

O Tribunal de Contas da União sumulou tal entendimento por meio da Súmula nº 283, que colacionamos: “Para fim de habilitação, a Administração Pública não deve exigir dos licitantes a apresentação de certidão de quitação de obrigações fiscais, e sim prova de sua regulari-dade”.

Desse modo, o que se permite nas licitações é que os documentos se restrinjam a comprovar a regularidade da empresa, não a quitação de suas obrigações.

Vencidas tais considerações acerca dos documentos pertinentes à comprovação de regularidade fiscal, temos que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo modificou seu entendimento sobre a participação de empresas em recuperação judicial.

Inicialmente, o posicionamento do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo sempre sinalizou no sentido de que a recuperação judicial teria sucedido o instituto da concordata, como decidiu nos Processos TC nºs 925.989.14-7 e 3811.989.13-6, entre outros.

Atualmente, esse entendimento modificou-se, alterando o posicio-namento até então consolidado. Entende o órgão fiscalizador que, se a empresa possui um plano para recuperação e o submete ao crivo de seus credores, demonstra que a empresa possui capacidade em contratar com a Administração Pública e reerguer seus negócios, por meio de um plano homologado e em vigor. É o que aduz a decisão proferida nos TCs 3987.989.15-9 e 4033.989.15-3, que mencionamos a seguir:

[...] Destaco que este eg. Plenário, nos autos do TC 002224.989.13-716, acolhendo voto do Eminente Conselheiro Dimas Eduardo Ramalho, re-conheceu que os termos do art. 52, II, da Lei de Recuperação Judicial impõe que a “a exigência de apresentação de certidão negativa de fa-lência ou concordata, nos termos insculpidos no art. 31, inciso II, da Lei nº 8.666/1993, deve abarcar inevitavelmente os conceitos atinentes às normas de recuperação judicial, estabelecidas pela Lei nº 11.101, de 09.02.2005”.

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Ressalto, ainda, que o posicionamento desta Corte caminhava no sen-tido de que a recuperação judicial teria sucedido a antiga concorda-ta, a exemplo do decidido nos autos dos TC 000925.989.14-717, TC 003811.989.13-618, TC 001086.989.15-919, TC 002592.989.15-620 e outros. [...]

[...] Ainda que a concordata e a recuperação judicial sejam institutos com características e funções distintas, ambas se referem a uma situação de reestabelecimento da situação financeira da empresa, a merecer cau-tela do administrador em eventual contratação.

Desta maneira, não haveria como dissentir da possibilidade de requisi-ção, na fase habilitatória, de certidão negativa de recuperação judicial, com base no art. 31, II, da Lei nº 8.666/1993. [...]

[...] O debate, entretanto, reside em se sobrepor a recuperação judicial à concordata, extinta no ordenamento civil vigente.

Nesse aspecto, impende consignar, em apertada síntese, que, pelo proce-dimento da Lei nº 11.101/2005, a empresa que se encontrar em situação de crise financeira pode requerer a recuperação judicial ao juízo compe-tente (art. 51), que, caso considere pertinente seu acolhimento, determi-nará o prosseguimento do feito (art. 52), para posterior análise do Plano de Recuperação (arts. 53 e 54), seguida de apreciação e aprovação pela Assembleia Geral de Credores (arts. 55 a 57). Após esse trâmite, o juiz poderá conceder a recuperação judicial (art. 58), que “implica novação dos créditos anteriores ao pedido, e obriga o devedor e todos os credores a ele sujeitos”.

Deste modo, a empresa que obteve a concessão da Recuperação Judicial não está, de antemão, inapta para ser contratada, podendo assumir riscos e compromissos nos limites previstos no seu Plano de Recuperação, que, diferentemente da concordata, possui maior flexibilidade na sua negocia-ção junto aos credores.

Todavia, a mera existência de plano de recuperação judicial, por si só, não garante a capacidade da empresa em executar as obrigações contra-tuais, até porque o descumprimento de qualquer obrigação estabelecida no plano acarretará a convolação da recuperação em falência (art. 61, § 1º). [...]

[...] Importante frisar que a apresentação da certidão de concessão de re-cuperação judicial não suprime a obrigação de a empresa comprovar to-dos os quesitos requeridos no certame, inclusive econômico-financeiros, pois necessário conferir igual tratamento a todas as licitantes, perante o princípio da isonomia.

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Nestes termos, o que pude observar é que a não apresentação da certi-dão negativa de recuperação judicial não pode resultar na inabilitação imediata da licitante, mas deve ser sucedida de avaliação dos demais requisitos de habilitação econômico-financeira que, no caso de empresas naquela situação, deve abarcar a verificação de que o Plano de Recupe-ração encontra-se vigente e atende às exigências “indispensáveis à garan-tia do cumprimento das obrigações” (art. 37, XXI, da CF). [...]

[...] Feitas essas ponderações, considero, de plano, ilegal a previsão de vedação de participação no certame de empresas que estejam em situa-ção de recuperação judicial, podendo, todavia, ser requisitada a certidão negativa durante a fase de habilitação. [...].

A modificação do posicionamento do Tribunal de Contas do Es-tado de São Paulo acerca da matéria em muito deveu-se ao julgamen-to pela 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça da Medida Cautelar nº 23.499/RS, que afastou a exigibilidade de apresentação de certidão negativa de recuperação judicial em licitação, permitindo a participação no certame de empresa em recuperação.

Após a decisão transcrita anteriormente, consolidou-se o enten-dimento de que empresas em recuperação judicial poderiam partici-par das licitações, sendo condenada cláusula editalícia com qualquer tipo de restrição a elas, conforme depreende-se das decisões nos pro-cessos de representação contra editais de licitação: TC 5725.898.15, TC 5607.989.15, TC 7205.989.15, TC 7205.989.15, TC 7607.989.15, TC 7077.989.15, TC 7878.989.15, TC 9796.989.15, TC 362.989.16, TC 430.989.16, TC 676.989.16, TC 735.989.16, entre outras.

Portanto, assegura-se, ao menos nos Municípios sujeitos à fisca-lização do TCESP, que, no caso da empresa em recuperação judicial, esta poderá participar dos certames, desde que preenchidos os requisitos constantes na decisão TC 3987.989.15-9 e 4033.989.15-3.

Deste modo, faz-se imperiosa a adequação dos instrumentos con-vocatórios lançados pelos órgãos jurisdicionados do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, evitando, com isso, a paralisação e, consequen-te, retificação dos editais de licitações, não comprometendo o planeja-mento das ações governamentais.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da

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Administração Pública e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8666cons.htm>. Acesso em 4 jul. 2016.

______. Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm>. Acesso em: 4 jul. 2016.

______. Tribunal de Contas da União. Súmula nº 283. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/juris/Web/Juris/ConsultarTextual2/Sumulas.faces?textoPesquisa=*%3A*&>. Acesso em: 4 jul. 2016.

______. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Responsável: Mara Ferrari, Secretária Municipal de Promoção e Desenvolvimento Social, TC 7077.989.15-0 e 7079.989.15-8. Disponível em: <http://www4.tce.sp.gov.br/sites/tcesp/files/downloads/14_-_epe-m-08-sm-006-00007077-989-15-0_-_paulinia.pdf>. Acesso em: 4 jul. 2016.

FILHO, M. J. A questão da recuperação judicial e extrajudicial prevista na Lei nº 11.101/2005. In: ______. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Admi-nistrativos. 16. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

GONÇALVES, M. G. V. P. R.; GONÇALVES, V. E. R. Direito falimentar. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoAgravo de Instrumento – Turma Espec. III – Administrativo e CívelNº CNJ: 0010492‑97.2016.4.02.0000 (2016.00.00.010492‑8)Relator: Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da GamaAgravante: OI S/AAdvogado: Ana Tereza Basilio e outrosAgravado: Agência Nacional de Telecomunicações – AnatelProcurador: Procurador FederalOrigem: 04ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro(01287976820134025101)

ementa

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – MULTA ADMINISTRATIVA – EMPRESA EXECUTADA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL – POSSIBILIDADE DE PROSSEGUIMENTO DO FEITO EXECUTIVO – PODER DE CAUTELA DO JUIZ – AUSÊNCIA DE DISTINÇÃO LEGAL ENTRE EXECUÇõES FISCAIS DE DÉBITOS TRIBUTÁRIOS E ADMINISTRATIVOS – IMPROVIMENTO

1. A controvérsia cinge-se em saber se é possível a aplicação da suspensão determinada nos autos da recuperação judicial, pelo Juízo Empresarial, de todas as ações e execuções ajuizadas em face da recorrente, à execução fiscal cujo crédito decorre de multa administrativa.

2. Esta Corte tem deliberado que apenas em casos de decisão teratológica, com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a Constituição, a lei ou com a orientação consolidada de Tribunal Superior ou deste Tribunal justificaria a reforma pelo ór-gão ad quem, em agravo de instrumento, sendo certo que o pro-nunciamento judicial impugnado não se encontra inserido nessas exceções.

3. Conforme legislação pátria, não há diferença entre ações exe-cutivas fiscais de débitos tributários e ações executivas fiscais de débitos administrativos, pois ambas são objeto de execução fiscal e, por isso, não se suspendem.

4. A circunstância de a executada encontrar-se em recuperação judicial não se afigura, por si só, como impedimento ao prossegui-mento da execução fiscal em que se exige multa administrativa.

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – PARTE GERAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA – JURISPRUDÊNCIA ���������������������������������������������������������������109

5. A agravante não irá sofrer prejuízo decorrente da decisão objur-gada, pois o feito já se encontra suspenso uma vez que garantiu o juízo através da apresentação de carta de fiança.

6. Agravo de instrumento conhecido e improvido.

acÓrdão

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indica-das, decide a Sexta Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, conhecer do agravo de instrumento e negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 22.02.2017 (data do Julgamento).

Guilherme Calmon Nogueira da Gama Relator

relatÓrio

1. Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela OI S/A, ob-jetivando a reforma da decisão exarada pelo Juiz da 4ª Vara Federal de Execução Fiscal do Rio de Janeiro, que entendeu por não suspender a execução fiscal ajuizada pela Anatel – Agência Nacional de Teleco-municações, conforme havia determinado a liminar deferida nos autos da recuperação judicial tombada sob o nº 0203711-65.2016.8.19.0001, em trâmite junto ao Juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital. Acrescenta que a execução já se encontra suspensa tendo em vista a garantia apresentada através de carta de fiança.

1.1 Dessa decisão foram opostos embargos de declaração os quais restaram improvidos.

2. A Oi narra que a Anatel ajuizara, em face da agravante, execu-ção fiscal cujo objetivo seria a satisfação de crédito oriundo de multa ad-ministrativa por suposto descumprimento de normas regulatórias. Conta que, após ter sido citada para pagar o débito, trouxe aos autos a infor-mação de que fora deferida medida liminar na recuperação judicial que tramita junto ao Juízo da 7ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, Processo nº 0203711-65.2016.8.19.0001, na qual foi determinada a suspensão de todas as ações e execuções em curso, propostas em face das empre-sas do Grupo Oi, pelo prazo de até 180 (cento e oitenta) dias. Relata que

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a decisão engloba as ações judiciais nas quais estejam sendo executadas penalidades administrativas aplicadas pela Anatel, o que seria o caso. Informa que o Juiz a quo, entretanto, indeferiu o requerimento de sus-pensão do feito executivo por força do decidido pelo Juízo universal da recuperação judicial, consignando que, “diante da oposição de embar-gos à execução, o feito deve ser suspenso até o julgamento final dos em-bargos em apenso”. Sustenta ainda que, ao não acolher a determinação do juízo empresarial, “o referido órgão jurisdicional deliberou, na verda-de, acerca da submissão ou não do crédito ali perseguido ao processo de recuperação judicial, o que compete, s.m.j., exclusivamente ao juízo es-pecializado”. Argumenta que o crédito não tributário, embora sujeito à inscrição em dívida ativa, não pode ser equiparado ao crédito tributário. Invoca a seu favor o art. 4º, § 4º, e o art. 29, ambos da Lei nº 6.830/1980 e ainda o art. 187 do CTN, afirmando que “são exatamente esses artigos que determinam a exclusão do crédito tributário (e não fiscal) do âmbito da recuperação judicial”. Ao final, requer o provimento do recurso para reformar a decisão e “determinar o imediato sobrestamento da execução fiscal até a aprovação do plano de recuperação judicial, tendo em vista a determinação expressa do Juízo da 7ª Vara Empresarial, uma vez que os créditos oriundos de multas administrativas se submetem à recuperação judicial”.

3. Apresentadas as contrarrazões, a Anatel alega que “o crédito público não pode ser incluído na recuperação judicial, pois tem meios próprios para o seu adimplemento. E assim deve ser, porque a Fazenda titular dos créditos relativos às dívidas não tributárias não é credora na ação de recuperação judicial e não se sujeita a qualquer outro juízo”. Sustenta ainda que o Juízo Estadual só tem competência para decidir so-bre a classificação dos créditos públicos federais no processo de falência e, ao final, requer o improvimento do recurso para haja o prosseguimen-to do feito.

4. Não houve necessidade de se intimar o Ministério Público Fe-deral na qualidade de fiscal da ordem jurídica.

É o relatório. Peço dia.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama Relator

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voto

1. Conheço do agravo de instrumento porque presentes seus pres-supostos de admissibilidade.

2. A controvérsia cinge-se em saber se é possível a aplicação da suspensão determinada nos autos da recuperação judicial, pelo Juízo da 7ª Vara Empresarial da Comarca da Capital, de todas as ações e execu-ções ajuizadas em face da recorrente, à execução fiscal originária pro-movida pela Anatel em face da agravante, cujo crédito decorre de multa administrativa.

3. A decisão agravada foi assim proferida:

“[...]

Relatados, decido.

Ao contrário do que defende a Executada, as execuções fiscais da dívida ativa de qualquer natureza, tributária ou não tributária, não se sujeitam a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquida-ção, inventário ou arrolamento, como expressamente dispõe o art. 29 da LEF, pelo que dispensável qualquer referência do art. 4º, § 4º, da mesma Lei à aplicabilidade do art. 187 do CTN a créditos de natureza não tri-butária.

Ademais, a correta interpretação ao art. 6º, § 7º, da Lei nº 11.101/2005 é aquela que excepciona a suspensão determinada no caput do mesmo artigo das execuções fiscais de crédito de qualquer natureza, tributária ou não tributária.

Além disso, este Juízo Federal especializado em execuções fiscais não está sujeito a decisão do Juízo de Direito da 7ª Vara Empresarial da Co-marca da Capital, a qual, no ponto em que determina a suspensão de execuções fiscais promovidas pela Anatel contra o Grupo Oi, encontra--se eivada de nulidade absoluta por afrontar regra de competência fun-cional e material prevista no art. 109, I, da CRFB.

O presente feito já se encontra suspenso por força das decisões das fls. 40-45, 283-284 e 319, as quais, considerando que o crédito exe-quendo foi garantido por carta de fiança aqui apresentada, determinaram permanecesse suspenso até o julgamento final dos embargos à execução opostos.

Saliento que os embargos encontram-se suspensos até o julgamento da Ação Ordinária nº 0132643-93.2013.4.02.5101, a qual já está com con-clusão aberta para sentença.

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Assim sendo, retornem à suspensão anteriormente determinada.

[...].”

3.1 Por sua vez, a decisão que negou provimento aos embargos de declaração foi exarada assim:

“Recebo os Embargos de Declaração, pois tempestivos.

Entretanto, não há qualquer omissão a ser sanada, nem mesmo esclare-cimento a ser feito acerca da correta extensão da determinação de sus-pensão do feito.

Insurge-se a Executada, ora Embargante, com o entendimento deste Juízo acerca da não suspensão dos executivos fiscais federais pela concessão da recuperação judicial da primeira.

A conduta da Anatel na esfera estadual não tem a menor relevância no presente feito, logo não tem o condão de por ‘por terra qualquer funda-mento que imponha eventual restrição ao reconhecimento da validade e eficácia da r. decisão proferida pelo juízo da recuperação judicial’.

Assim sendo, deverá a Embargante, querendo, buscar a via recursal ade-quada para deduzir a sua pretensão recursal, com o que nego provimento aos embargos de declaração opostos.

[...]”

4. Esta Corte tem deliberado que apenas em casos de decisão tera-tológica, com abuso de poder ou em flagrante descompasso com a Cons-tituição, a lei ou com a orientação consolidada de Tribunal Superior ou deste Tribunal justificaria a reforma pelo órgão ad quem, em agravo de instrumento, sendo certo que o pronunciamento judicial impugnado não se encontra inserido nessas exceções. Sobre o tema, confira-se:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CI-VIL – CONTRATO DE CONCESSÃO – SUSPENSÃO DE PROCEDIMEN-TO ARBITRAL DEFERIDA – PODER GERAL DO JUIZ – INEXISTÊNCIA DE ILEGALIDADE OU ABUSO DE PODER – DESPROVIMENTO DO RECURSO – 1. Trata-se de Agravo de Instrumento, com pedido de efei-to suspensivo, a fim de reformar decisão que deferiu o pedido de ante-cipação de tutela, determinando a suspensão do procedimento arbitral instaurado pela parte Ré. 2. Esta Corte tem deliberado que apenas em casos de decisão teratológica, fora da razoabilidade jurídica, ou quando o ato se apresenta flagrantemente ilegal, ilegítimo e abusivo, justificaria a reforma pelo órgão ad quem, em sede de Agravo de Instrumento. Nesse contexto, a ilegalidade da decisão deve ficar clara e inequívoca, pois, do

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contrário, tudo deve ser resolvido ao final, no bojo da sentença, poden-do ser examinado pelo Tribunal competente em grau de recurso. 3. O decisum guerreado está fundamentado na presença da verossimilhança das alegações autorais, bem como no receio de dano de difícil reparação, requisitos exigidos para o deferimento da tutela antecipada (art. 273 e inciso I, CPC), tendo, ainda, reconhecido a plena reversibilidade da me-dida, havendo, portanto, razoabilidade suficiente, que não pode ser ca-racterizada como teratológica, ilegal ou abusiva, pelo que não resta ca-bível sua substituição por outra decisão, ainda que prolatada por Órgão Colegiado. 4. Recurso desprovido. (TRF 2ª R., Ag 201400001011767, 8ª T.Esp, Des. Fed. Guilherme Diefenthaeler, e-DJF2R – Data: 18.12.2014) Grifei.

5. A decisão merece ser mantida. Versa o art. 6º e seu § 7º, da Lei nº 11.101/2005:

Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particu-lares do sócio solidário.

[...]

§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária especí-fica. Grifei.

6. Como se pode ver, a lei, que prevê que a execução fiscal não se suspende em razão de deferimento de recuperação judicial, não faz di-ferença entre ações executivas fiscais de débitos tributários e ações exe-cutivas fiscais de débitos administrativos. Ambas são objeto de execução fiscal, nos termos dos arts. 1º e 2º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.830/1980, e, por isso, não se suspendem. Confira-se também:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – PROCESSUAL CIVIL – EXECUÇÃO FIS-CAL – EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL – CRÉDITO NÃO TRI-BUTÁRIO – MULTA ADMINISTRATIVA DA AGÊNCIA NACIONAL DE AVIAÇÃO CIVIL (ANAC) – CONTINUIDADE DO FEITO EXECUTIVO, INCLUSIVE COM A PRÁTICA DE ATOS CONSTRITIVOS – OPOSIÇÃO DE EMBARGOS APÓS SEGURO O JUÍZO –- A execução fiscal não se suspende em razão de deferimento de recuperação judicial, nos termos do art. 6º, § 7º, da Lei nº 11.101/2005. Tal dispositivo conduz ao prosse-guimento regular da ação executiva. Ademais, o próprio art. 6º estabelece que, com exceção das execuções de natureza fiscal (§ 7º), as demais são

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suspensas com o deferimento do processamento da recuperação judicial (caput). Entretanto, o período da suspensão não é ilimitado. Nos termos do § 4º, não pode exceder em hipótese alguma o prazo improrrogável de 180 dias, cujo decurso restabelece o direito dos credores de dar con-tinuidade aos feitos, independentemente de pronunciamento judicial. Destarte, mesmo para esses casos de ações não fiscais, os credores da agravada poderiam dar andamento às suas eventuais ações após o citado prazo, contado a partir do deferimento da recuperação. O dispositivo em referência (§ 7º do art. 6º da Lei nº 11.101/2005) prevê que as exe-cuções de natureza fiscal não são suspensas, sem estabelecer qualquer diferenciação entre as ações executivas fiscais de débitos tributários ou administrativos. Ambas são objeto de execução fiscal, como a do caso dos autos, nos termos dos arts. 1º e 2º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.830/1980, e não devem ser suspensas. Não há impedimento para a realização dos atos constritivos. O STJ analisou a questão da garantia em sede de recurso representativo, em regime do art. 543-C do CPC, no julgamento do REsp 1.272.827/PE, no qual assentou que a apresentação de embargos depen-de da penhora de bens do devedor, dado que a nova redação do 736 do CPC, que dispensa tal constrição, não se aplica às execuções fiscais ante a dispositivo específico acerca de sua exigência. Agravo de instrumento provido, a fim de determinar que a execução fiscal tenha regular pros-seguimento, inclusive com a prática de atos constritivos em desfavor da executada e apresentação de embargos após eventual penhora de bens. (TRF 3ª R., AI 00090686120144030000, 4ª T., Des. Fed. André Nabarre-te, e-DJF3 Judicial 1 Data: 24.10.2014 .FONTE_REPUBLICACAO) Grifei.

7. Assim, a circunstância de a executada encontrar-se em recupe-ração judicial não se afigura, por si só, como impedimento ao prossegui-mento da execução fiscal em que se exige multa administrativa.

8. Além do mais, a princípio, a agravante não irá sofrer prejuízo decorrente da decisão objurgada. Como a própria magistrada de primei-ro grau registrou, o feito já se encontra suspenso uma vez que a executa-da garantiu o juízo através da apresentação de carta de fiança.

9. Dito isso, conheço do agravo de instrumento, porém nego-lhe provimento.

É o voto.

Guilherme Calmon Nogueira da Gama Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Cível – Turma Especialidade I – Penal, Previdenciário e Propriedade IndustrialNº CNJ: 0010436‑29.2012.4.02.5101 (2012.51.01.010436‑7)Relator: Desembargador Federal Antonio Ivan AthiéApelante: Linbras Linhas Brasileiras Ltda.Advogado: Lucas Gebaili de AndradeApelado: Inpi – Instituto Nacional de Propriedade Industrial e outroProcurador: Procurador Federal e outrosOrigem: 09ª Vara Federal do Rio de Janeiro (00104362920124025101)

ementa

APELAÇÃO CíVEL – PROPRIEDADE INDUSTRIAL – NULIDADE DE REGISTRO MARCÁRIO – MARCAS EVOCATIVAS – EXPRESSõES DE USO COMUM – POSSIBILIDADE DE CONVíVIO – RECURSO DESPROVIDO

I – Marcas fracas ou evocativas, e que são expressões de uso co-mum, sem originalidade e forma distintiva suficiente, não gozam da proteção de exclusividade conferida por registro, e podem con-viver com semelhantes. Precedentes do STJ.

II – Apelação improvida.

acÓrdão

Vistos, relatados e discutidos os autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso, na forma do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2017 (data do Julgamento).

Antonio Ivan Athié Desembargador Federal Relator

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relatÓrio

Cuida-se de recurso de apelação interposto por Linbras Linhas Bra-sileiras Ltda. – ME, em face de sentença que julgou improcedente pedido contido em ação ordinária que propôs em face de Linhabras Aviamentos de São Paulo Ltda. – ME e do Instituto Nacional da Propriedade Indus-trial – Inpi.

A apelante propôs a ação pretendendo declaração de nulidade do registro da marca Linhabras nº 826.683.770, de titularidade da apelada, bem como a determinação de “a cessação do uso da mesma, cessando a exploração e divulgação de seus produtos, sob pena de pagamento de multa diária”.

Sustentou a apelante, em resumo, que foi constituída em 05 de abril de 1993, dedicando-se ao ramo de fabricação de linhas em geral para o uso na costura, e que ao longo dos anos conquistou a confiança do público e a solidificação de seu nome em seu ramo de atividade, gozando de reconhecimento e prestígio e obtendo a consagração do nome Linbras no ramo de aviamento, e para garantir a exclusividade do uso da expressão Linbras, efetuou o primeiro depósito da marca junto ao Inpi, em 19.04.1993, sob o nº 817.177.620, sendo o registro con-cedido na classe NCL 23:10; que, após, efetuou novo depósito sob o nº 904.005.550, na classe NCL (9) 35, aguardando deferimento.

E que, apesar da anterioridade, a apelada depositou a marca Li-nhabras, em 17.09.2004, no Inpi, na mesma classe NCL (8) 23 e, pouco tempo depois, em 04.03.2005, na classe NCL (8) 35, ambas dedicando--se ao mesmo ramo de negócios.

Que existe forte semelhança entre a marca da apelante e a da ape-lada, tanto gráfica quanto foneticamente, e por isso, com base no item XIX do art. 124 da Lei nº 9.279/1996 o registro da marca da apelada na classe 35 foi indeferido, e sob o fundamento de registro anterior da marca Linbras da Autora, na classe 23, mas foi deferido o registro nessa mesma classe 23, foi deferido pelo Inpi, e depois de recurso administra-tivo da apelante, fato que violou o mesmo dispositivo legal apontado.

O Inpi contestou o pedido, defendo seu ato porque, conforme concluiu sua Coordenação-Geral de Recursos e Processos Administrati-vos de Nulidade, os sinais Linbras e Linhabras são sugestivos e suficien-temente distintos, cabendo a seus titulares o ônus de convivência no mercado; que não é Réu propriamente dito na presente ação, devendo

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figurar como assistente litisconsorcial da parte ré; que a Diretoria de Marcas do Inpi reexaminou a matéria em questão, com base nos ele-mentos trazidos aos autos pela parte autora, e concluiu que os conjuntos marcários em cotejo são compostos de elementos sugestivos (“LIN” e “Linha”) e de elemento desgastado “Bras”, formando conjuntos gráfica e foneticamente distintos, cabendo o ônus da convivência, não proceden-do, assim, as alegações da apelante.

A apelada também contestou o pedido, afirmando que utiliza o nome fantasia e a marca Linhabras desde 2001, quando passou a ven-der os produtos da apelante, e era do seu conhecimento, eis que foram a ela expedidos vários documentos fiscais, além de existir um contrato de vendas entre ambas, e a apelante nunca se opôs a isso, ao contrário, concordou com a criação e a utilização da marca e negociaram durante anos, até 2004, quando começou a fabricar seu próprio produto para venda em sua loja com a marca Linhabras; que cada empresa possuía seu próprio público consumidor, inexistindo qualquer tipo de confusão, dúvida ou erro por parte dos consumidores, sendo que a apelante du-rante longo período não se opôs ao fato. Que os termos que compõem o conjunto marcário estão desgastados, compondo vários outros registra-dos no Inpi, e no caso ambas as marcas são gramática e foneticamente distintas, sem possibilidade de confusão ao público consumidor, caben-do aos seus titulares o ônus da convivência. Teceu várias outras consi-derações, e postulou a improcedência do pedido.

A sentença rejeitou a alegação do Inpi de que deveria ser con-siderado assistente litisconsorcial da apelada, mantendo-o na posição de correu, citando precedentes judiciais, e depois dos devidos trâmites julgou o pedido improcedente, entendendo serem as marcas, alvos da ação, evocativas formadas por termos comuns e desgastados.

Apelou a autora, sustentando, em síntese, que é sociedade empre-sária legalmente constituída em 05.04.1993, e que ao longo dos anos conquistou a confiança do público e a solidificação de seu nome em seu ramo de atividade, gozando assim de reconhecimento, prestígio, com a consagração do nome Linbras no ramo de aviamento, e visando garantir a exclusividade de uso da expressão Linbras, efetuou o primeiro depó-sito da marca junto ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 19.04.1993 sob o nº 817.177.620, concedido o registro na classe NCL 23:10. E que em 2005 efetuou um novo depósito sob o nº 904.005.550 na classe 35.

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E que apesar da anterioridade depositada pela Apelante, no ano de 2004 a apelada depositou a marca “Linhabras” junto ao Inpi na mesma classe 23, e pouco tempo depois, também depositou a mesma marca, mas na classe 35, sem embargo de existir imensa semelhança entre as marcas, que identificam produtos iguais, não só quanto à semelhança gráfica, mas possuindo ambas a mesma pronúncia, fato que a lei não permite. E face o inciso XIX do art. 124 da Lei nº 9.279/1996 o Inpi inde-feriu o registro da marca da Apelada na classe 35, considerando registro anterior da apelante, na classe 23, mas, para surpresa, deferiu o registro da marca da apelada na própria classe 23, mesmo após impugnação administrativa.

Que esse registro representa contradição do Inpi, eis que indeferiu o pedido de registro da marca semelhante da apelada na classe 35, mas concedeu na classe 23, específica para o ramo de atividade em que as partes atuam.

Teceu várias considerações e insistiu na procedência do pedido, “para determinar nulidade do registro da marca Linhabras, concedida mediante o Registro nº 826.683.770, bem como a cessação do uso da mesma, cessando a exploração e divulgação de seus produtos, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), atualizados”. Citou doutrina e precedentes judiciais.

As apeladas ofereceram contrarrazões prestigiando a sentença, e a Douta Procuradoria Regional da República afirmou não haver motivos para sua intervenção no feito.

É o relatório.

Peço dia.

Rio de Janeiro, 09 de dezembro de 2016.

Antonio Ivan Athié Desembargador Federal Relator

voto

Conheço da apelação, eis que presentes os requisitos legais.

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A sentença, citando precedentes deste Tribunal, e do Colendo Su-perior Tribunal de Justiça, bem equacionou a questão, valendo dela re-produzir o seguinte lance:

“[...]

No mérito, ao analisar os documentos juntados aos autos, observa-se que o Inpi, em 18.09.2007, concedeu à empresa ré o registro da marca mista com elemento nominativo Linhabras, sob o nº 826683770, requerido em 17.09.2004, para assinalar produtos da classe NCL(8):23, especificados como ‘linhas para costura e fios têxteis’.

Nota-se, ainda, conforme documentos de fls. 30/32, que a Autora depo-sitou junto ao Inpi, em 19.04.1993, o pedido de registro nº 817177620, referente à marca nominativa Linbras, para designar produtos da classe 23:10, especificados como ‘fios e materiais têxteis fibrosos em geral’, com respectiva concessão em 14.02.1995 e prorrogação de vigência até 14.02.2015.

Por sua vez, ressalte-se que a matéria em discussão não merece maiores desdobramentos, assistindo razão, ao Inpi, quanto ao exposto, de forma clara e elucidativa, no parecer técnico da sua Diretoria de Marcas de fl. 77, nos seguintes termos:

‘[...] os conjuntos marcários em cotejo são compostos de elementos sugestivos (“LIN”, “Linha”) e de elemento desgastado (“Bras”), for-mando conjuntos gráfica e foneticamente distintos, cabendo o ônus da convivência. Não procedem, portanto, as alegações quanto ao in-ciso XIX do art. 124 da LPI. Pela mesma razão, entendemos não haver infringência do inciso V do art. 124, dada a suficiente distintividade entre os sinais “Linbras” e “Linhabras”, que pertencem tanto aos re-gistros de marca quanto aos nomes comerciais da Autora e da 1ª Ré.

A título de exemplo, podemos citar outros conjuntos marcários se-melhantes, convivendo no mesmo segmento de mercado: reg 825609259, “Filobrás”, para assinalar “serviços de representação de fios de algodão, fios de poliéster, fios elastano, fios de bambu (visco-se) e fios de poliamida”, reg. 821390961, “Fiobras”, para assinalar “fios para tecelagem e malharia, fios de lã, fios de linho, fios de raiom e seda, fios de fibra ou filamentos sintéticos (as) artificiais e naturais”, reg. 814421962, “Brasfio”, para assinalar “fiados de lã, fiados de al-godão, fios de algodão, fio de cânhamo, fios de juta, fios de lã, fios de linho, fios de seda, fios para bordado e lã fiada”’.

Cumpre adotar, ainda, como razões de decidir, o contido nos precisos precedentes judiciais a seguir transcritos, perfeitamente ajustáveis ao caso em tela:

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‘Propriedade Industrial. Apelação Cível. Preliminar. Acolhimento. Inpi. Réu. Registro de Marca Possibilidade. Confusão ao Público Con-sumidor. Não Ocorrência. Marca Contendo Expressão Efetivamente Desgastada. Marca Dotada de Suficiente Distintividade. Inexistência de Violação à Legislação Marcária

[...]

2. Colidência entre os registros das marcas da apelante, num total 27 (vinte e sete), todos compostos com a expressão “chips”, dentre os quais destaca-se a marca mista “bigchips, com o registro da marca nominativa ‘gran chip’s’”, de titularidade da empresa-apelada;

3. A expressão “chips” sofreu efetivamente um desgaste, podendo-se encontrar diversas marcas e nomes comerciais com a dita expressão, principalmente no ramo de alimentação, razão pela qual o fato das marcas possuírem um elemento nominativo semelhante não é sufi-ciente para caracterizar a possibilidade de confusão entre as marcas de titularidade das empresas em litígio;

4. Os termos “big” e “gran” tornam-se indicadores de qualidade quan-do acompanhada de outro termo, como no caso concreto em que tan-to a empresa-apelante como a empresa-apelada utilizaram a referida palavra a fim de compor a denominação de suas marcas: “bigchips” (da apelante) e “gran chip’s” (da apelada);

5. Marcas deste gênero, se por um lado são evocativas e atraem o pú-blico consumidor de forma a identificar o tipo ou a qualidade do pro-duto, por outro lado, também trazem a possibilidade de arcar com a convivência com outras marcas assemelhadas, como no caso em tela;

6. Recurso conhecido e parcialmente provido.’ (TRF 2ª R., AC 200251015118557, Apelação Cível nº 391155, Rel. Des. Fed. Abel Gomes, DJU – Data: 30.06.2008, p. 318)

‘Direito da Propriedade Industrial. Agravo. Antecipação dos Efeitos da Tutela com o Objetivo de Suspender os Efeitos de Registro de Marca Obtido junto ao Instituto Nacional de Propriedade Industrial – Inpi

I – O anterior registro da marca “rip curl” pelas agravantes Rip Curl International Pty Ltd. e RC Brazil Ltda., não configura empecilho ao registro da marca “Rip Coast, requerido administrativamente pela agravada lojas Renner S.A.”.

[...]

III – O vocábulo anglófono “rip” é expressão comumente utilizada na classe em que se encontram registradas as marcas em questão (classe 25 – vestuário, calçados, chapelaria), razão porque inexiste funda-

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mento para que uma determinada empresa obtenha a exclusividade do uso daquele termo, com a vedação do seu uso combinado com outros termos a fim gerar signos registrados por terceiros, ainda que seja na mesma classe de produtos.

IV – Não há óbices à coexistência pacífica de marcas evocativas ou fracas que guardem certa similaridade, pois essas últimas, ao con-trário das marcas criadas a partir de palavras inéditas, carecem de originalidade, por resultar da combinação de termos comuns ao vo-cabulário, e travam uma relação meramente indireta com os produtos que pretendem distinguir.

V – Agravo desprovido.’ (TRF 2ª R., AGV 200502010107696, Agravo nº 141419, Rel. Des. Fed. André Fontes, DJU – Data: 12.01.2007, p. 124)

‘Propriedade Industrial. Ação de Nulidade de Registro de Marca Co-mercial. Marca Fraca ou Evocativa. Possibilidade de Convivência com Outras Marcas. Impossibilidade de Conferir Exclusividade à Utiliza-ção de Expressão de Pouca Originalidade ou Fraco Potencial Criativo

1. Marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso co-mum, de pouca originalidade ou forte atividade criativa, podem coe-xistir harmonicamente. É descabida, portanto, qualquer alegação de notoriedade ou anterioridade de registro, com o intuito de assegurar o uso exclusivo da expressão de menor vigor inventivo.

2. Marcas de convivência possível não podem se tornar oligopoliza-das, patrimônios exclusivos de um restrito grupo empresarial, devendo o judiciário reprimir a utilização indevida da exclusividade conferida ao registro quando esse privilégio implicar na intimidação da concor-rência, de modo a impedi-la de exercer suas atividades industriais e explorar o mesmo segmento mercadológico. Aplicação da doutrina do patent misuse. Recurso especial a que se nega provimento.’ (STJ, REsp 200902243190, Recurso Especial nº 1166498, Relª Min. Nancy Andrighi, DJe Data: 30.03.2011)

‘Apelação Cível. Propriedade Industrial. Registro de Marcas. Possibili-dade. Marca de Natureza Evocativa Que Tem Relação com o Produto a Distinguir e Registrada Acompanhada de Termo Diverso. Registros Marcários Dotados de Suficiente Distintividade. Concessão dos Re-gistros Dentro dos Parâmetros do Artigo 124, VI da LPI. Violação à Legislação Marcária. Não Ocorrência

1. Recurso no qual se discute se a anterioridade do registro nº 818.490.039, referente à marca nominativa “shop line”, de titulari-dade da primeira apelada, e a existência do domínio shopline.com.br,

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de titularidade da segunda apelada, têm o condão de impedir os re-gistros os nºs 821.450.590 e 823.707.725, relativos às marcas nomi-nativas “Itaú Shop Line” e “Itaú Shopline Center”, respectivamente, ambos de titularidade do Banco Itaú S.A.

2. Os registros marcários das empresas em litígio são formados pelos termos “shop + line” – que possuem o seguinte significado: “shop = fazer compras” e “line = linha”. O termo “shop line” ou “shopline” tem natureza evocativa, na medida em que é utilizado para indicar um tipo de – loja virtual – à disposição do consumidor. Expressões desse gênero, tais como “shoptime”, “shop online”, etc., são muito utilizadas por empresas que, como no caso concreto, oferecem seus produtos e/ou serviços por meio da internet.

3. As marcas do apelado foram concedidas dentro dos parâmetros legais do art. 124, inciso VI da LPI, uma vez que se revestiram de suficiente distintividade, na medida em que foram compostas com a expressão “Itaú” (“Itaú Shop Line” e “Itaú Shopline Center”), conten-do, ainda, os devidos apostilamentos feitos pelo Inpi: – sem direito ao uso exclusivo da expressão “shop line” e sem direito ao uso exclusivo dos termos “shop line” e “center”.

4. Empresas que utilizam sinais que têm relação com o produto ou serviço a distinguir, acarretam para si a possibilidade de arcar com a convivência com outros sinais assemelhados.

5. Recurso conhecido e improvido.’

(TRF 2ª R., AC 528206, Rel. Des. Federal Abel Gomes, e-DJF2R – Data: 16.04.2012, p. 207)

‘Propriedade Industrial. Apelação Cível. Concessão de Registro de Marcas delo Inpi com Apostilamento. Legalidade. Marcas Evocativas Formadas por Termos Comuns que Sofreram Efetivo Desgaste. Pos-sibilidade de Utilização por Todos que Comercializam Produtos do Gênero. Finalidade de Impedir que se Perpetue um Monopólio de um Sinal que Deve ser Franqueado a Todos. Prosseguimento dos Pro-cessos Administrativos Relativos aos Pedidos de Registros Ainda não Deferidos pelo Inpi. Cabimento

1. Recurso que consiste em decidir se é cabível a restrição determi-nada pelo Inpi no sentido de constar a ressalva da não exclusividade do uso da expressão “Diet Shake” nos registros nºs 818.842.628 e 817.856.048 e se é cabível o prosseguimento e deferimento dos dois pedidos de registro nºs 818.827.831 e 818.827.840, ambos referentes à marca nominativa “Dietshake Original”, também sem constar qual-quer restrição quanto ao uso do elemento nominativo.

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2. O termo “Diet” é muito utilizado em diversos produtos alimentí-cios com o objetivo de que o consumidor identifique de pronto que o mesmo é um produto dietético, ou seja, de baixa caloria. O termo “Shake” também é muito usual em produtos alimentícios, em geral em bebidas, com o intuito de que o consumidor identifique que aque-la bebida é “batida”, “agitada”. Já o termo “Diet Shake” tornou-se uma expressão utilizada para identificar especialmente um tipo pó para ser batido e que se transforma em bebida dietética.

3. As marcas da apelante, “Diet Shake”, são formadas por termos co-muns e constituem expressões evocativas e desgastadas. O fato da marca “Dietshake” estar grafada com os termos “Diet” e “Shake” jun-tos, ainda assim constitui uma marca evocativa, pois o impacto na mente do consumidor é o mesmo, ou seja, identificará de imediato que é uma bebida dietética e que é batida;

4. Os pedidos de registros nºs 818.827.831 e 818.827.840, relativos à marca nominativa “Dietshake Original”, nem sequer haviam sido de-feridos pelo Inpi, uma vez que foram sobrestados quando da interpo-sição da revisão administrativa pela apelada, razão pela qual devem prosseguir os respectivos processos administrativos, devendo o Inpi, em caso de concessão, observar a natureza evocativa e desgastada das expressões “Diet Shake”/“Dietshake”,nos termos já expostos no voto.

5. Recurso conhecido e parcialmente provido.’

(TRF 2ª R., AC 274433, Relª Desª Fed. Márcia Helena Nunes, DJU Data: 10.07.2009, p. 149/150)

‘Propriedade Industrial. Ação de Anulação de Registro de Marca. Marcas Evocativas. Não Incidência do Disposto no art. 124, XIX, da Lei nº 9.279/1996

I – Alegação de colidência entre as marcas “Impercril” e “Impercit”, face à anterioridade dos registros das marcas “Imper”, “Vedacit” e “Vedacril”.

II – O prefixo “imper”, predominante nas marcas ora anulandas re-mete à ação impermeabilizante dos produtos identificados, o que evi-dencia a sua natureza evocativa e, nessa medida, não há que se falar em exclusividade sobre tal termo, especialmente no ramo de mate-riais de construção, pois se trata de expressão comumente usada na composição de marcas destinadas a esse segmento, bastando acessar o sistema de buscas do Inpi, para confirmar tal fato.

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III – Por outro lado, a semelhança entre as marcas “Impercit”/“Impercril” e “Vedacit”/“Vedacril”, consubstancia-se apenas na presença dos pre-fixos “cit”e “cril”, que não são predominantes nas marcas em questão.

IV – Recurso a que se nega provimento.’

(TRF 2ª R., AC 374938, Rel. Des. Fed. Messod Azulay Neto, DJU Data: 04.10.2006, p. 110)

Ademais, vale lembrar que se está diante de marcas nominativa e mista (fls. 31 e 36) e, segundo a lição do Mestre João da Gama Cerqueira, na sua obra Tratado da Propriedade Industrial, Editora Forense, ‘a pos-sibilidade de confusão deve ser apreciada pela impressão de conjunto deixada pelas marcas’, ‘deve-se decidir pela impressão de conjunto das marcas e não pelos seus detalhes’.

Isto posto, julgo improcedente o pedido, condenando a parte autora no pagamento das custas e dos honorários advocatícios, estes no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, pro rata, nos moldes do art. 20, caput e § 4º do Código de Processo Civil.

[...]”

As razões de apelação, que na verdade repetem as da petição ini-cial, não conseguiram abalar a sólida sentença.

A alegada incongruência do Inpi, pelo fato de indeferir a marca da apelada na classe 35, mais abrangente, e deferir na classe 23, que é mais restrita, não é motivo para reforma da sentença, vez que não há qualquer ilegalidade em tal registro, face à condição de marcas fracas e desgastadas as utilizadas pelas partes, além de evocativas, sendo impos-sível conferir exclusividade a qualquer delas.

Acresço, aos precedentes judiciais transcritos na sentença e re-produzidos acima, o REsp 1.295.793/RJ (2011/0272363-4), DJe de 22.11.2016, e mais o seguinte, ambos do Colendo Superior Tribunal de Justiça, e que como uma luva se encaixam na hipótese dos autos:

Recurso Especial nº 1.338.834 – SP (2012/0105616-5)

Relator Min. Luis Felipe Salomão

DJe: 19.10.2016

“RECURSO ESPECIAL – DIREITO MARCÁRIO – UTILIZAÇÃO DE MARCA FRACA – IMPOSSIBILIDADE DE RESTRIÇÃO – SÚMULA Nº 7 DO STJ

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1. Marcas fracas ou evocativas que constituem expressão de uso co-mum, de pouca originalidade e sem suficiente forma distintiva atraem a mitigação da regra de exclusividade do registro e podem conviver com outras semelhantes.

Precedentes do STJ.

2. Na hipótese vertente, consoante a dicção do Tribunal a quo, o vocábulo insalata, em que pese o fato de não ser comum no vernácu-lo, é expressão corriqueira no idioma italiano, significando, simples-mente, ‘salada’. Dessa forma, não é possível a apropriação exclusiva da marca, máxime ante o caráter corrente e habitual que permeia a expressão nupercitada.

3. Ademais, consoante se observa na transcrição do acórdão profe-rido pela Corte de origem, a possibilidade de utilizar-se a expressão designativa da marca Insalata ocorreu com fulcro no contexto fático--probatório acostado aos autos, razão pela qual incide o óbice previs-to na Súmula nº 7/STJ.

4. Recurso especial não provido.”

Destaco, da decisão proferida no feito acima, as seguintes pas-sagens:

“[...]

Observa-se, inicialmente, que as marcas evocativas, que constituem ex-pressão de uso comum, atraem a mitigação do princípio da exclusividade do registro.

Confira-se:

PROCESSO CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPE-CIAL – PROPRIEDADE INDUSTRIAL – MARCA – DISPOSITIVOS LE-GAIS – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULAS NºS 282 E 356 DO STF – CONCORRÊNCIA DESLEAL – EXPRESSÕES ‘GUIA’ E ‘FÁCIL’ – RELAÇÃO DIRETA COM PRODUTOS E SERVIÇOS DE EMPRESAS CONCORRENTES – AFERIÇÃO – SÚMULA Nº 7 DO STJ – REGRA DE EXCLUSIVIDADE – MITIGAÇÃO – DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL – NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS – ARTS. 541, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC E 255, § 2º, DO RISTJ – AGRAVO DESPROVIDO

1. Ausente o indispensável requisito de prequestionamento de artigos supostamente violados, impõe-se a incidência das Súmulas nºs 282 e 356 do STF.

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2. A aferição da existência ou não de concorrência desleal e da re-lação direta entre as expressões ‘Guia’ e ‘Fácil’ com os produtos e serviços oferecidos por empresas concorrentes implica o reexame de provas dos autos, medida vedada na instância especial, em face do óbice da Súmula nº 7/STJ.

3. Marcas fracas ou evocativas que constituem expressão de uso co-mum, de pouca originalidade e sem suficiente forma distintiva atraem a mitigação da regra de exclusividade do registro. Precedentes do STJ.

4. A interposição de recurso com base na alínea c do permissivo cons-titucional requer o atendimento dos requisitos essenciais para a com-provação da divergência jurisprudencial, conforme prescrições dos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255 do RISTJ.

5. Agravo regimental desprovido. (AgRg-REsp 1236353/SC, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3ª T., Julgado em 03.12.2015, DJe 11.12.2015) [g.n.]

Nessa esteira, quando determinada marca cristaliza características de uso comum, não é possível limitar a utilização.

[...]

Outrossim, o fato de a recorrente ter registrado a referida marca em mo-mento anterior, bem como a ausência de impugnação, pelo recorrido, por meio de processo administrativo ou ação de nulidade, não socorrem eventual direito engendrado em sede de recurso especial, notadamente porque o princípio da anterioridade, na hipótese vertente, deve ser apre-ciado em conjunto com a especialidade.

A propósito:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE NU-LIDADE – ATO ADMINISTRATIVO – REGISTRO DE MARCA – VIO-LAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – INEXISTÊNCIA – ANÁLISE DE VIO-LAÇÃO DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL – IMPOSSIBILIDADE – COLIDÊNCIA ENTRE NOME EMPRESARIAL E MARCA – PRINCÍ-PIO DA ANTERIORIDADE DO REGISTRO NO INPI – MITIGAÇÃO PELOS PRINCÍPIOS DA TERRITORIALIDADE E DA ESPECIALIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – [...] 3. Peculiaridade da colidência estabelecida entre a marca registrado no Inpi e o nome empresarial registrado ante-riormente na Junta Comercial competente. 4. A aferição da colidência não apenas com base no critério da anterioridade do registro no Inpi, mas também pelos princípios da territorialidade e da especialidade. Precedentes específicos desta Corte. [...] 6. Agravo regimental despro-

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vido. (AgRg-REsp 1347692/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª T., Julgado em 11.03.2014, DJe 18.03.2014) [g.n.]

RECURSO ESPECIAL – PROPRIEDADE INDUSTRIAL – NOME COMER-CIAL – MARCAS MISTAS – PRINCÍPIOS DA TERRITORIALIDADE E ES-PECIFICIDADE/ESPECIALIDADE – CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS (CUP) – [...] 3. A tutela ao nome comercial se circunscreve à unidade federativa de competência da junta comercial em que registrados os atos constitutivos da empresa, podendo ser estendida a todo o território na-cional desde que seja feito pedido complementar de arquivamento nas demais juntas comerciais. Por sua vez, a proteção à marca obedece ao sistema atributivo, sendo adquirida pelo registro validamente expedido pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial – Inpi, que assegura ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, nos termos do art. 129, caput, e § 1º da Lei nº 9.279/1996. (REsp 1190341/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 05.12.2013, DJe 28.02.2014 e REsp 899.839/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ª T., Julgado em 17.08.2010, DJe 01.10.2010). 4. O entendimento desta Corte é no sentido de que eventual colidência entre nome empresarial e marca não é resolvido tão somente sob a ótica do princípio da anterioridade do registro, devendo ser levado em conta ainda os princípios da territorialidade, no que con-cerne ao âmbito geográfico de proteção, bem como o da especificidade, quanto ao tipo de produto e serviço. (REsp 1359666/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 28.05.2013, DJe 10.06.2013). [...] 11. Recur-so especial provido. (REsp 1184867/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., Julgado em 15.05.2014, DJe 06.06.2014)

Não se pode olvidar, ainda, que, em consonância com precedentes des-ta Corte Superior, as marcas consideradas fracas podem conviver com outras, justamente em virtude da impossibilidade de restringir-se o uso.

Confira-se:

DIREITO DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL – AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – CONFLITO ENTRE MARCAS – DORITOS E DOURADITOS – MARCAS FRACAS – POSSIBILIDADE DE CON-VIVÊNCIA – REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – INADMISSIBILIDADE – ENUNCIADO Nº 7 DA SÚMULA DO STJ – [...] 3. Marcas fracas, meramente sugestivas e/ou evocativas, podem conviver com marcas semelhantes. Precedente: REsp 1.166.498/RJ, Relª Min. Nancy Andrighi, 3ª T., Julgado em 15.03.2011, DJe 30.03.2011. 4. Agravo regimental desprovido. (AgRg-REsp 1046529/RJ, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 4ª T., Julgado em 24.06.2014, DJe 04.08.2014)

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RECURSO ESPECIAL – PROPRIEDADE INTELECTUAL – AÇÃO OR-DINÁRIA DE ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO EMANADO DO INPI – PEDIDO JULGADO IMPROCEDENTE, MANTENDO O INDEFERIMENTO E ARQUIVAMENTO DO REQUERIMENTO DE RE-GISTRO DE MARCA – SENTENÇA REFORMADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM, A FIM DE RESTABELECER O CURSO REGULAR DO PROCEDIMENTO DE REGISTRO DO SINAL DISTINTIVO – IMPOS-SIBILIDADE DE APROPRIAÇÃO DE ELEMENTO COMUM – PROTE-ÇÃO À LIVRE INICIATIVA E COMBATE À CONCORRÊNCIA DES-LEAL – MARCA FRACA, SEM ORIGINALIDADE MARCANTE OU CRIATIVIDADE EXUBERANTE – IMPOSIÇÃO DE CONVIVÊNCIA COM OUTRAS SEMELHANTES – PRECEDENTES – RECURSO ESPE-CIAL DESPROVIDO – Ação ordinária de anulação de ato administra-tivo proferido pelo Inpi que indeferiu e arquivou o requerimento de registro de sinal distintivo: ‘Classificadas Amarelas’. Pedido julgado improcedente, a fim de manter a exclusão registral determinada pelo órgão administrativo. Sentença reformada pelo Tribunal de origem, determinando o restabelecimento do curso regular do procedimento instaurado perante o Inpi para o registro da marca ‘Classificadas Ama-relas’, ao fundamento de ser signo distintivo formado por elemento comum inapropriável. 1. Conflito entre marcas: ‘Páginas Amarelas’ e ‘Listas Amarelas’ versus ’Classificadas Amarelas’. Os sinais distintivos em análise são constituídos por elemento comum inapropriável que expressa característica essencial do objeto comercializado, razão pela qual dar exclusividade ao seu uso a bem da recorrente atenta contra a livre iniciativa, tendo em vista a inexorável dificuldade de inserção de novos bens de consumo congêneres no mercado, mormente, pela impossibilidade de denominá-los por aquilo que eles realmente são em sua essência. 1.1 Registre-se que o uso de elemento comum des-critivo do serviço prestado ‘Amarelas’ traz à mente do consumidor a imediata associação de característica do objeto comercializado. Con-tudo a vantagem comercial advinda deste expediente atrai, em contra partida, o ônus de se criar um sinal distintivo fraco, sem originalidade marcante ou criatividade exuberante, o que, em última análise, impõe a sua convivência com outros símbolos comerciais formados pela ex-pressão comum ‘Amarelas’. 2. Importa assinalar ser possível o registro perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – Inpi de marca formada pela combinação de dois ou mais termos genéricos, desde que esta junção se revista de caráter original e distintivo. Embora este tipo de signo comercial seja passível de proteção jurídica, a tutela destinada a ele tem abrangência menor, por ter a nova marca em sua

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gênese elementos comuns inapropriáveis. Isto é, mesmo sendo defeso a reprodução e a utilização integral de marca composta por elemen-tos comuns, este sinal comercial terá que conviver no mercado com outros signos comerciais semelhantes a ele, pois a vantagem de in-corporar à marca característica descritiva do objeto comercializado atrai, em contra partida, o ônus de se criar um sinal distintivo fraco, sem originalidade marcante ou criatividade exuberante. 3. É notório que o contraste estabelecido pela superposição da cor preta sobre a amarela tem o efeito de destacar as informações inseridas em texto assim formatado. Não é de hoje que esta técnica é usada por revistas, jornais e demais periódicos, sobretudo quando se destina a anúncios comerciais, pois dá maior legibilidade à publicação, favorecendo a concentração do leitor. 3.1 Embora a recorrente alegue ser pioneira na utilização deste tipo de recurso gráfico para vinculação de no-tícias, não é possível obstar a criação e o registro de outras marcas semelhantes, pois os signos marcários em análise são compostos por elementos comuns, cujo uso é impossível vedar ou dar exclusivida-de, daí que não há como conceder tutela à pretensão que objetiva a apropriação de coisa inexoravelmente comum. 4. Proibir o registro e a utilização da marca ‘Classificadas Amarelas’, segundo a preten-são da recorrente, prejudicaria a livre concorrência, pois a recorrida e, de maneira reflexa, todos os demais empresários que comerciali-zam anúncios em folhas de cor amarela teriam grandes dificuldades para inserirem seus produtos no mercado, uma vez que a expressão ‘Amarelas’ designa característica essencial do objeto comercializado. 5. Aponte-se, ainda, a suficiência da distintividade das marcas em análise. Os elementos ‘Páginas’ e ‘Listas’ possuem conteúdo fonéti-co e gráfico aptos a se distinguir da expressão ‘Classificadas’, razão pela qual os sinais distintivos ‘Páginas Amarelas’ e ‘Listas Amarelas’ podem conviver com a marca ‘Classificadas Amarelas’. 6. Ademais, não se vislumbra confusão apta a conduzir o consumidor a erro, pois os símbolos marcários em questão têm distinguibilidade própria, uma vez que a utilização das expressões ‘Páginas’, ‘Listas’ e ‘Classificadas’ mostra-se satisfatória para discriminar os empresários fornecedores de serviços congêneres, bem como possuem habilidade suficiente a particularizar cada produto posto no mercado. 7. Recurso especial desprovido. (REsp 1107558/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª T., Julgado em 01.10.2013, DJe 06.11.2013) [g.n.]

[...]”

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Pelo exposto, nada mais sendo preciso acrescentar, nego provi-mento à apelação.

É como voto.

Rio de Janeiro, 16 de fevereiro de 2017

Antonio Ivan Athié Desembargador Federal Relator

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

3035 – Ação civil pública – litisconsórcio passivo necessário – demais instituições fi-nanceiras – não cabimento – legitimidade ativa

“Recurso especial. Processual civil e bancário. Ação civil pública. Litisconsórcio pas-sivo necessário. Demais instituições financeiras. Não cabimento. Legitimidade ativa do Ministério Público. Configuração. Tarifa de liquidação antecipada de operações de crédito. Legalidade limitada. Contratos celebrados antes de 10.12.2007. Resolução CMN nº 3.516/2007. 1. Ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo com a finalidade de ver reconhecida a nulidade de cláusulas contra-tuais que contenham a obrigação de pagamento de tarifa pela quitação antecipada de dívida. 2. A existência de obrigação contratual semelhante à exigida pela recorrente não é capaz de gerar o litisconsórcio passivo necessário com as demais instituições financeiras existentes no país. Para tanto, é indispensável, salvo nos casos em que a lei o imponha, que os litisconsortes sejam partes de uma peculiar relação de direito material, única e incindível, que determina, como imperativo lógico necessário, um julgamento uniforme para todos (art. 47 do CPC/1973). Precedente. 3. O Ministé-rio Público detém legitimidade para propor ação civil pública a fim de debater a cobrança de tarifas/taxas bancárias supostamente abusivas, por se cuidar de tutela de interesses individuais homogêneos de consumidores/usuários do serviço bancário (art. 81, III, da Lei nº 8.078/1990). Precedentes. 4. A análise acerca da legalidade da cobrança de tarifas bancárias deve ser analisada à luz da Lei nº 4.595/1964, que re-gula o sistema financeiro nacional e determina que compete ao Conselho Monetário Nacional limitar, sempre que necessário, as taxas de juros, descontos, comissões e qualquer outra forma de remuneração de operações e serviços bancários ou financei-ros e ao Banco Central do Brasil cumprir e fazer cumprir as disposições que lhe são atribuídas pela legislação em vigor e as normas expedidas pelo Conselho Monetário Nacional (arts. 4º, IX, e 9º). 5. Durante a vigência da Resolução CMN nº 2.303/1996 era lícita a cobrança pela prestação de quaisquer tipos de serviços pelas instituições financeiras, entre eles o de liquidação antecipada de operação de crédito, desde que efetivamente contratados e prestados, salvo àqueles considerados básicos. Em 8 de setembro de 2006 entrou em vigor a Resolução CMN nº 3.401/2006, que dispôs es-pecificamente a respeito da possibilidade de cobrança de tarifas sobre a quitação antecipada de operações de crédito e arrendamento mercantil, matéria que até então vinha sendo disciplinada de maneira genérica pela Resolução CMN nº 2.303/1996. Somente com o advento da Resolução CMN nº 3.516, de 10 de dezembro de 2007, é que foi expressamente vedada a cobrança de tarifa em decorrência de liquidação antecipada de contratos de concessão de crédito e de arrendamento mercantil finan-ceiro. 6. Para as operações de crédito e arrendamento mercantil contratadas antes de 10.12.2007 podem ser cobradas tarifas pela liquidação antecipada no momento em que for efetivada a liquidação, desde que a cobrança dessa tarifa esteja claramente identificada no extrato de conferência. 7. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.370.144 – (2013/0051730-5) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 14.02.2017)

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3036 – Ação coletiva – direitos individuais homogêneos – direito de informação – produto – glúten – doença celíaca – advertência – proteção – informações complementares – desnecessidade – ônus de sucumbência – compensação

“Recurso especial. Direito do consumidor. Ação coletiva. Associação de defesa do consumidor. Direitos individuais homogêneos. Direito de informação. Produto. Glú-ten. Doença celíaca. Advertência. Proteção suficientemente adequada. Informações complementares. Desnecessidade. Ônus de sucumbência. Compensação. Má-fé. Au-sência. Impossibilidade. Ação ajuizada em 12.08.2010. Recurso especial interposto em 01.06.2014 e distribuído a este gabinete em 25.08.0216. Cuida-se de ação coletiva com a finalidade de obrigar empresa a veicular no rótulo dos alimentos industrializa-dos que produz a informação acerca da presença ou não da proteína denominada glú-ten e que essa substância é prejudicial aos portadores da doença celíaca. É fundamen-tal assegurar os direitos de informação e segurança ao consumidor celíaco, que está adstrito à dieta isenta de glúten, sob pena de graves riscos à saúde, o que, em última análise, tangencia a garantia a uma vida digna. A expressão ‘contém glúten’ ou ‘não contém glúten’ constitui uma clara advertência aos consumidores, sendo uma proteção suficientemente adequada àqueles que são adversamente afetados pela mencionada substância. É desnecessária a inserção de informações adicionais nos rótulos e embala-gens. A associação civil que ajuíza ação coletiva para a defesa dos interesses e direitos de seus associados consumidores é isenta do pagamento dos ônus de sucumbência, salvo na hipótese de comprovada má-fé. Ante a isenção dos ônus sucumbenciais de uma das partes, não se pode determinar sua compensação. Recurso especial parcial-mente provido.” (STJ – REsp 1.515.895 – MS – (2015/0035424-0) – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 14.02.2016)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de Recurso Especial interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJMS, em acórdão assim ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO COLETIVA CDC – DEVER DE INFORMAR A EXISTÊNCIA OU NÃO DE GLÚTEN NA EMBALAGEM DO PRODUTO – DANOS MORAIS COLETIVOS NÃO CONFIGURADOS – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – ART. 21, CAPUT, CPC – RECURSO IMPROVIDO – Se a lei não obriga os fabricantes de alimentos a constar na embalagem ou rótulo de produtos que possuem glúten a expressão de que ‘o glúten é prejudicial à saúde dos portadores de doença celíaca’, não cabe ao julgador e determinar. Afasta-se a insurgência de indenização por dano moral coletivo, quando rido restar comprovado que algum celíaco tenha sofrido dano em razão da ausência de informação ou da ingestão de produtos fabricados pela recorrida. Sendo ambas as partes vencida e vencedora, deve ser considerada a sucumbência recíproca, nos termos do art. 21, caput, do CPC.”

Foi interposta ação coletiva ajuizada em face da recorrida, que pleiteia seja inserida nos produtos da recorrida, além da informação da presença de glúten, a advertência dos malefícios causados pela ingestão de tal proteína aos doentes celíacos.

Requer, ainda, a condenação da recorrida em indenização por danos morais coletivos.

A sentença foi julgada parcialmente procedente para determinar a inclusão da expressão “(não) contém glúten”, sem a necessidade dos dizeres “o glúten é prejudicial à saúde dos portadores de doença celíaca”.

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Também julgou improcedente o pedido de condenação ao pagamento de indenização por danos morais.

Contra a decisão do tribunal a quo, a associação apresentou recurso especial ao STJ com base no art. 6º, III, e no art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, que preveem como direitos básicos do consumidor o acesso a informação sobre eventuais riscos pela utilização de produtos ou serviços.

A associação também buscou a modificação do acórdão do TJMS para retirar a compen-sação da sucumbência, por entender que, de acordo com a Lei nº 7.347/1985, estaria isenta do pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.

A relatora explicou que as questões que envolvem o alerta ao consumo de glúten estão submetidas a duas categorias de obrigatoriedade de informação, uma geral, regulada pelo CDC e outra específica, estipulada pela Lei nº 10.674/2003.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“A doença celíaca é uma enfermidade crônica e autoimune que afeta o aparelho diges-tivo, interferindo na absorção de nutrientes, vitaminas e sais minerais dos alimentos, bem como de água. Essa enfermidade causa uma série de complicações, como perda de peso, paralisação do crescimento de crianças, osteoporose e dor nos ossos, anemia, defeito no esmalte dos dentes, doenças do sistema nervoso periférico, problemas de coagulação, etc.

As pessoas acometidas pela doença celíaca são particularmente sensíveis à ingestão do glúten e seus derivados. Por sua vez, o glúten nada mais é que um grupo de proteínas encontradas em vários tipos de grãos, entre eles o trigo, a cevada, o centeio, a aveia e o malte.

Até o momento, a única forma eficaz de minimizar os efeitos da doença celíaca é uma dieta isenta de glúten, ante a ausência de medicamentos capazes de impedir as lesões que a substância causa ao corpo dos celíacos.

Considerando que os grãos em que o glúten se encontra são largamente utilizados em produtos industrializados, exsurge como essencial a informação sobre a presença ou ausência dessa proteína nos alimentos comercializados para o público em geral.

I.b – Do direito à informação

Na lição de Cláudia Lima Marques, o dever de informação ‘é comunicar, é compartilhar o que se sabe de boa-fé, é cooperar com o outro, é tornar “comum” o que era sabido apenas por um’ (Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 5. ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2006. p. 772).

Nesse sentido, o CDC tratou de positivar o direito à informação como um direito básico do consumidor, conforme a redação do art. 6º, III, do CDC abaixo:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor: [...] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, ca-racterísticas, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

Ainda, com a finalidade de conferir integral proteção a esse direito básico do consumidor, o CDC ainda contém disposições específicas relativas ao direito à informação, in verbis:

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, en-tre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

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Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados ofe-recidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével.”

O Superior Tribunal de Justiça conheceu do recurso e deu parcial provimento.

3037 – Ação declaratória e desconstitutiva – cédula rural pignoratícia e hipotecária – prescrição trienal para a execução – ocorrência

“Ação declaratória e desconstitutiva. Cédula rural pignoratícia e hipotecária. Prescrição trienal para a execução. Ocorrência. Inteligência do art. 70 do Decreto nº 57.663/1966 c/c art. 60 do Decreto-Lei nº 167/1967. Alegação de nulidade da garantia real ofertada por pessoa física terceira. Inadmissibilidade. Novo entendimento do STJ que admite a garantia pessoal ou real dada por terceiro pessoa física na cédula de crédito rural emitida por pessoa física. Inaplicabilidade da vedação contida no art. 60, §§ 2º e 3º, do Decreto-Lei nº 167/1967 às cédulas de crédito rural. Verba honorária. Majoração necessária para remunerar dignamente profissional. Sentença parcialmente reformada. Recurso do réu desprovido. Recurso adesivo da autora provido em parte.” (TJSP – Ap 3000133-61.2013.8.26.0187 – Fartura – 29ª C.Ext.DPriv. – Rel. Maurício Pessoa – DJe 27.01.2017)

3038 – Ação de cobrança – contrato bancário – cumprimento de sentença

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de cobrança. Contrato bancário. Cumprimento de sentença. Alegada violação ao art. 535 do CPC/1973. Não ocorrên-cia. Depósito judicial. Cobrança de juros moratórios sobre o valor depositado. Impos-sibilidade. Responsabilidade da instituição financeira depositária. Precedentes. Agravo desprovido. 1. Não se constata a alegada violação ao art. 535 do CPC/1973, na medida em que a eg. Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, as questões que lhe foram submetidas. De fato, inexiste omissão no aresto recorrido, porquanto o Tribunal local, malgrado não ter acolhido os argumentos suscitados pela parte recorrente, manifestou--se expressamente acerca dos temas necessários à integral solução da lide. 2. A juris-prudência desta col. Corte de Justiça firmou-se no sentido de que, tendo o executado realizado o depósito judicial, para garantia do juízo e oferecimento de impugnação do cumprimento de sentença ou de embargos à execução, não há falar em incidência de novos juros moratórios. Com efeito, o depósito judicial já conta com remuneração específica prevista em lei e a cargo da instituição financeira depositária, de maneira que a exigência do devedor de juros moratórios e correção monetária incidentes sobre os valores depositados acarretaria bis in idem. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 33.603 – (2011/0127132-2) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 10.02.2017)

3039 – Ação de consignação em pagamento – negativa de prestação jurisdicional – inocorrência

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de consignação em pagamen-to. Negativa de prestação jurisdicional. Inocorrência. Artigos violados. Ausência de prequestionamento. Inépcia da petição inicial. Dívida vencida por inteiro e depósi-

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tos já efetuados na ação revisional. Fundamentos inatacados. Aplicação da Súmula nº 283/STF. Manutenção das razões da decisão agravada. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 540.647 – (2014/0159977-5) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 10.02.2017)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de agravo interno interposto contra decisão assim ementada

“AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO –

NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL – INOCORRÊNCIA – ARTIGOS VIOLADOS

– AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – INÉPCIA DA PETIÇÃO INICIAL – DÍVIDA

VENCIDA POR INTEIRO E DEPÓSITOS JÁ EFETUADOS NA AÇÃO REVISIONAL – FUN-

DAMENTOS INATACADOS – APLICAÇÃO DA SÚMULA N° 283/STF – AGRAVO EM RE-

CURSO ESPECIAL DESPROVIDO.”

Em suas razões, a agravante alega que não incide o óbice da Súmula nº 283/STF à

pretensão recursal.

No mais, repisa as teses exaradas no apelo nobre no sentido de que ‘o que se pretende

com a ação de consignação é o pagamento de suas prestações, quanto aos valores

apurados pelos Embargantes. O depósito judicial é direito subjetivo do requerente, é da

natureza do próprio instrumento processual articulado o oferecimento dos valores que

considera corretos para fins de adimplemento da dívida’.

No mais, aduz que ‘não pode a parte Autora ser alijada de seus direitos, uma vez que

com a realização do leilão, provocará prejuízos irreparáveis, ocasionando desequilíbrio,

no mínimo, razoável, até ao trâmite final do processo principal, no qual se discute a

adequação do contrato de financiamento’.”

O STJ negou provimento ao agravo interno.

Sobre a propositura da ação de consignação em pagamento, Renata Soares Leal nos

ensina:

“Se ocorrer a recusa do credor, o devedor ou terceiro interessado poderá propor ação

de consignação em pagamento, no prazo de 30 (trinta) dias, instruindo a petição inicial

com a prova do depósito bem como da sua recusa, observando-se que esse prazo de

trinta dias somente poderá ser contado a partir do momento em que a instituição finan-

ceira comunicar a recusa ao depositante e não do momento em que essa recusa ocorreu.

Caso a ação não seja proposta no prazo de trinta dias, o depósito extrajudicial ficará sem

efeito, podendo o devedor levantá-lo.

Nesse caso, há que se observar que o devedor poderá propor posteriormente ação de

consignação em pagamento, eis que não ocorreu decadência do direito de consignar,

mas apenas a perda da eficácia do depósito extrajudicial.

Cessada a eficácia do depósito extrajudicial, os juros da dívida continuarão a vencer até

que seja ajuizada ação de consignação em pagamento e efetivado o depósito judicial

pertinente.

Vale observar que, embora a lei não mencione, há entendimento de que a consignação

extrajudicial não poderá ser repetida se houver ocorrido recusa do credor ou se o deve-

dor houver perdido o prazo de trinta dias para a propositura da ação de consignação.

Ocorrendo qualquer dessas hipóteses, restará ao credor apenas a propositura da ação

judicial.” (Consignação em pagamento extrajudicial. Repertório de Jurisprudência IOB,

São Paulo, v. III, n. 12/01, p. 243, artigo nº 3/18100, 2ª quinz. jun. 2001)

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3040 – Ação de prestação de contas – arrendamento mercantil – apuração de saldo credor em favor do arrendatário

“Apelação cível. Processual civil. Ação de prestação de contas em arrendamento mer-cantil. Apuração de saldo credor em favor do arrendatário. Honorários de sucumbên-cia fixados com base no proveito econômico obtido. Deu-se provimento. 1. O trabalho do advogado, o tempo exigido para o seu serviço (3 anos e 5 meses entre o ajuizamen-to da ação e a sentença) e, principalmente, a importância da causa (R$ 37.944,59), justificam a majoração dos honorários de sucumbência de R$ 40,91 para 10,54% do proveito econômico obtido pelo autor, o que equivale, no caso, a R$ 4.000,00. 2. Deu--se provimento ao apelo do autor.” (TJDFT – Proc. 20120111264719APC – (986675) – 4ª T.Cív. – Rel. Sérgio Rocha – J. 16.12.2016)

3041 – Ação de revisão de cláusulas contratuais – capitalização mensal dos juros

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação de revisão de cláusulas contra-tuais. Capitalização mensal dos juros. Fundamentos da decisão agravada não impug-nados. Agravo não conhecido. 1. É inviável o agravo interno que deixa de impugnar especificamente os fundamentos da decisão agravada (CPC/2015, art. 1.021, § 1º). 2. Agravo interno não conhecido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 985.062 – (2016/0246196-4) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 10.02.2017 – p. 2083)

3042 – Ação monitória – prescrição – termo inicial

“Agravo interno no agravo (art. 544 do CPC/1973). Ação monitória. Prescrição. Termo inicial. Entrada em vigor do novo Código Civil. Decisão monocrática negando provi-mento ao reclamo. Irresignação da ré. 1. ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC/1973 que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’ (Súmula nº 182/STJ). Inteligência, outrossim, do disposto no art. 1.021, § 1º, do NCPC. 2. ‘Quan-do o inconformismo excepcional não é admitido com fundamento no Enunciado nº 83 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, a impugnação deve indicar precedentes contemporâneos ou supervenientes aos mencionados na decisão combatida, demons-trando-se que outro é o entendimento jurisprudencial desta Corte (cf. AgRg-EDcl-REsp 1494189/DF, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª T., J. 23.02.2016, DJe 03.03.2016). 3. Agravo interno não conhecido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 816.995 – (2015/0296052-3) – 4ª T. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 20.02.2017)

Comentário Editorial SÍNTESECuida-se de agravo interno interposto em face de decisão monocrática da lavra deste signatário, que negou provimento ao agravo (art. 544 do CPC/1973).

O apelo extremo, fundado nas alíneas a e c do permissivo constitucional, desafiou acór-dão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado, na parte que interessa ao presente recurso:

“AGRAVO RETIDO – Ausência de reiteração expressa nas razões de apelo (CPC, art. 523, § 1º). Não conhecimento.

AÇÃO MONITORIA – Nota promissória emitida em janeiro de 1999. Prazo prescricional de cinco anos, com início de contagem em 11 de janeiro de 2003. Inteligência do

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art. 206, § 5º, inciso I, do Código Civil de 2002, combinado com o art. 2.028 do mes-mo diploma legal – Inocorrência de prescrição. Recurso provido neste tópico.”

Nas razões do especial a recorrente apontou violação aos arts. 206, § 5º, I, e 2.028 do Código Civil de 2002, além de dissídio jurisprudencial, sob o argumento, em síntese, que: “utilizando-se como base a data em que o apelado alega em sua exordial como de emissão do título de crédito, qual seja, 11 de janeiro de 1999, contados os 5 (cinco) anos à partir da aludida data, chega-se à inarredável ilação de que o prazo prescricional para requerer a pretensão em juízo, expiraria em 10 de janeiro de 2004, estando, por-tanto, a ação que somente foi distribuída em agosto de 2006”.

Diante da negativa de seguimento ao apelo extremo, em juízo provisório de admissibili-dade, interpôs a parte recorrente o respectivo agravo (art. 544 do CPC/1973), em cujas razões pugnou pelo processamento de seu recurso especial.

Em decisão monocrática (fls. 320/323, e-STJ), este signatário negou provimento ao agravo, sob o fundamento da incidência do óbice recursal da Súmula nº 83 do STJ, isto é, da consonância entre o entendimento adotado pela Corte local e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.

No presente agravo interno a insurgente reitera as alegações expedidas no recurso es-pecial quanto à ocorrência da prescrição da ação monitória. Pleiteia, por fim, a reforma da decisão atacada.

O STJ não conheceu do agravo interno.

A Dra. Mariângela Guerreiro Milhoranza, discorrendo sobre a ação monitória, assim disciplina:

“A Lei nº 9.079/1995 trouxe a ação monitória para o nosso sistema de direito proces-sual ao inserir os arts. 1.102-A, 1.102-B e 1.102-C ao CPC. ‘O adjetivo monitório, que qualifica a ação, significa aquilo que avisa, admoesta, exorta. Procede do latim monere, advertir, lembrar, exortar.’

A ação monitória é uma forma de procedimento especial que tem por fito proporcio-nar ao autor um título executivo em que será balizado o cumprimento da obrigação. Theodoro Júnior diz que, ‘abreviando o caminho para alcançar o título executivo, funcio-na, enfim, o procedimento monitório como um inteligente meio de definir, na abertura do processo, a natureza da lide, evidenciando se é caso de pretensão contestada ou simplesmente de pretensão insatisfeita’. Mas, para conseguir o título executivo, o autor deve possuir prova escrita, sem eficácia de título executivo, que comprove a existência de obrigação de pagamento de soma em dinheiro, entrega de coisa fungível ou de deter-minado bem imóvel. Quanto à natureza jurídica da ação monitória, o processo monitório tem cognição sumária, somente nos embargos monitórios versará cognição plena. Pois bem, ingressada em juízo determinada ação monitória, haverá o prazo de quinze dias para que o réu ou faça o pagamento, ou ofereça embargos ou quede silente. Sendo oferecidos os embargos monitórios, seria suspensa a eficácia do mandado como título executivo. Mas, mesmo que suspensa a ação monitória até julgamento dos embargos, caberia execução provisória? Sustenta Dinamarco que sim, afirmando: ‘Embora a Lei nada disponha sobre uma possível execução provisória, a sua admissibilidade é uma imposição do sistema, que quer ser ágil e valorizar probabilidades’. Elaine Harzheim Macedo, já em 1997, defendia que a possibilidade da execução provisória ‘[...] reclama uma efetividade procedimental adequada, que certamente não é alcançada pelo sistema convencional das apelações recebidas em ambos os efeitos’. Hermes Zaneti Júnior e Rodrigo Mazzei entendem que ‘[...] não parece possível a execução provisória em título decorrente de procedimento monitório, caso a decisão que rejeitar os embargos seja impugnada via recurso de apelação’. Ora, o inciso V do art. 520 do Código de Processo

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Civil, por analogia, antes do advento da Lei nº 11.232/2005, era aplicável aos em-bargos em mandado monitório. Entrementes, após a vigência da Lei nº 11.232/2005, a decisão que afasta os embargos monitórios passou a ter caráter incidental. Sendo decisão de caráter incidental, não há como ser atacada via apelação. Portanto, não cabe execução provisória, eis que restou impossível aplicar o inciso V do art. 520 porque não se trata de decisão judicial atacável via apelação.

Nesse sentido, o art. 1.102-C, caput, e seu respectivo § 3º apenas sofreram um pro-cesso de adaptação do procedimento da ação monitória ao novo rito estabelecido pela Lei nº 11.232/2005 no que toca ao cumprimento da sentença condenatória. Assim, a conversão do mandado inicial de citação gera, inevitavelmente, um título executivo judicial, mesmo que não esteja arrolado entre as hipóteses do art. 475-N.” (Algumas observações sobre a ação monitória. Disponível em: online.sintese.com)

3043 – Ação revisional de contrato – litígio sobre obrigações decorrentes de contrato de financiamento – antecipação de tutela

“Direito civil e processual civil. Agravo de instrumento. Ação revisional de contrato. Litígio sobre obrigações decorrentes de contrato de financiamento. Antecipação de tutela. Pleitos de vedação de apontamentos restritivos de crédito e manutenção do autor na posse do bem financiado. Oferta de depósito judicial do valor incontroverso ou da integralidade das parcelas mensais avençadas. Impossibilidade. Inteligência do art. 330, §§ 2º e 3º do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015). Suspensão dos efeitos da mora. Requisitos. Pagamento, no tempo e no modo avençados, da parte dita incontroversa das obrigações previstas no contrato, e de oferta de depósito judicial da parte controvertida. Conforme disposto no art. 330, §§ 2º e 3º do vigente Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), nos litígios que tenham por objeto obrigações de-correntes de empréstimo, financiamento ou arrendamento mercantil, o devedor haverá de efetuar o pagamento, no tempo e no modo avençados, da parte dita incontroversa das obrigações previstas no contrato. Pretendendo o devedor obter medida anteci-patória de tutela com alcance de suspender os efeitos da mora, haverá de efetuar o pagamento, no tempo e no modo avençados, da parte que repute incontroversa das obrigações previstas no contrato, requerendo, ao mesmo tempo, autorização de de-pósito judicial da parte controvertida.” (TJMG – AI-Cv 1.0702.15.100353-1/001 – 9ª C.Cív. – Rel. Márcio Idalmo Santos Miranda – DJe 26.01.2017)

3044 – Ação revisional de contrato bancário – arrendamento mercantil – alegação de abusividade – encargos contratuais – excesso

“Apelação cível. Ação revisional de contrato bancário. Arrendamento mercantil. Ale-gação de abusividade e excesso de encargos contratuais. Ausência de prova pericial contábil necessária. Preliminar suscitada de ofício acolhida. Sentença cassada. Se o Contrato de Arrendamento Mercantil não esclarece o ‘Custo Efetivo Total’ e/ou o per-centual utilizado como base para o cálculo dos lucros obtidos com a Avença, mensal e anual, o julgamento da Ação Revisional, em que se questiona a abusividade da taxa remuneratória e a incidência de capitalização somente é possível após a produção de prova pericial contábil que as demonstre. Verificada a ausência de perícia capaz de elucidar os fatos discutidos no processo, é necessário a cassação da Sentença e

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o retorno dos autos à Primeira Instância para a realização da prova.” (TJMG – AC 1.0079.11.026751-9/002 – 17ª C.Cív. – Rel. Roberto Vasconcellos – DJe 24.01.2017)

3045 – Ação revisional de contrato bancário – comissão de permanência – cumulação com encargos da mora – impossibilidade

“Direito civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Ação revisional de con-trato bancário. Comissão de permanência. Cumulação com encargos da mora. Impos-sibilidade. Decisão mantida. 1. Havendo previsão contratual, é válida a cobrança da comissão de permanência no período de inadimplemento, desde que não cumulada com correção monetária nem com outros encargos remuneratórios ou moratórios. Afo-ra isso, o valor exigido a esse título não pode ultrapassar a soma da taxa de juros de remuneração pactuada para a vigência do contrato, dos juros de mora e da multa con-tratual, nos termos das Súmulas nº 30, 294, 296 e 472 do STJ. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 881.231 – (2016/0063600-6) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 19.12.2016 – p. 4628)

3046 – Ação revisional de contrato bancário – juros remuneratórios – limitação – taxa – revisão

“Processual civil. Agravo interno no recurso especial. Ação revisional de contrato ban-cário. Juros remuneratórios. Limitação. Taxa média de mercado. Revisão de fatos e interpretação de cláusulas contratuais. Inadmissibilidade. 1. Os juros remuneratórios incidem à taxa média de mercado em operações da espécie, apurados pelo Banco Cen-tral do Brasil, quando verificada pelo Tribunal de origem a abusividade do percentual contratado ou a ausência de contratação expressa. 2. A revisão de fatos e a interpreta-ção de cláusulas contratuais em recurso especial são inadmissíveis. 3. Agravo interno no recurso especial não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.392.141 – (2013/0211712-2) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 03.02.2017)

3047 – Ação revisional de contratos bancários – cobrança de encargos – abusividade – procedência

“Recurso especial representativo de controvérsia. Arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015. Ação revisional de contratos bancários. Procedência da demanda ante a abusividade de cobrança de encargos. Insurgência da casa bancária voltada à pretensão de co-brança da capitalização de juros. 1. Para fins dos arts. 1.036 e seguintes do CPC/2015: 1.1 A cobrança de juros capitalizados nos contratos de mútuo é permitida quando houver expressa pactuação. 2. Caso concreto: 2.1 Quanto aos contratos exibidos, a inversão da premissa firmada no acórdão atacado acerca da ausência de pactuação do encargo capitalização de juros em qualquer periodicidade demandaria a reanálise de matéria fática e dos termos dos contratos, providências vedadas nesta esfera recursal extraordinária, em virtude dos óbices contidos nos Enunciados nºs 5 e 7 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. 2.2 Relativamente aos pactos não exibidos, verifica-se ter o Tribunal a quo determinado a sua apresentação, tendo o banco-réu, ora insurgente, deixado de colacionar aos autos os contratos, motivo pelo qual lhe foi aplicada a pe-

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nalidade constante do art. 359 do CPC/1973 (atual 400 do NCPC), sendo tido como verdadeiros os fatos que a autora pretendia provar com a referida documentação, qual seja, não pactuação dos encargos cobrados. 2.3 Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, é possível tanto a compensação de créditos quanto a devolução da quantia paga indevidamente, independentemente de comprovação de erro no paga-mento, em obediência ao princípio que veda o enriquecimento ilícito. Inteligência da Súmula nº 322/STJ. 2.4 Embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório. Inteligência da Súmula nº 98/STJ. 2.5 Recurso especial parcialmente provido apenas ara afastar a multa imposta pelo Tribunal a quo.” (STJ – REsp 1.388.972 – (2013/0176026-2) – 2ª S. – Rel. Min. Marco Buzzi – DJe 13.03.2017)

3048 – Arrendamento mercantil – leasing financeiro para aquisição de veículo auto-motor

“Arrendamento mercantil. Leasing financeiro para aquisição de veículo automotor. De-manda de arrendatário. Abordagem revisional, com arguição de nulidade de cláusulas da avença e pedido de repetição de indébito. Juízo de parcial procedência. Apelo do autor. Desprovimento.” (TJSP – Ap 4005295-33.2013.8.26.0506 – Ribeirão Preto – 30ª CDPriv. – Rel. Carlos Russo – DJe 21.02.2017)

3049 – Cédula de crédito rural – FCO – prequestionamento – ausência – juros – capi-talização mensal

“Agravo interno. Cédula de crédito industrial. Fundo constitucional de Financiamento do Centro-Oeste – FCO. Prequestionamento de parte das matérias. Ausência. Embar-gos de declaração. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência. Concessão de efeitos infringentes. Possibilidade. Correção monetária. TJLP. TR. Admissibilidade. Ca-pitalização mensal. Cabimento. Multa moratória. Redução. Inviabilidade. Motivação parcial da decisão agravada. Fundamentos não atacados. Aplicação dos Enunciados nºs 282 e 356 e 93, 182, 285, 288 e 295 da Súmula do STF e do STJ, respectivamente. 1. Recurso de agravo nos próprios autos interposto na vigência do Código de Pro-cesso Civil anterior, estando o recurso sujeito aos requisitos de admissibilidade nele previstos, conforme Enunciado Administrativo nº 2/2016 desta Corte. 2. A ausência de enfrentamento da parte das questões objeto da controvérsia pela Corte regional impede o integral acesso à instância especial, porquanto não preenchido o requisito constitucional do prequestionamento. 3. Não há ofensa ao art. 535 do Código de Pro-cesso Civil revogado quando o Tribunal de origem se manifesta, de modo suficiente, sobre todas as questões levadas a julgamento, não sendo possível atribuir vício algum ao acórdão somente porque decidiu em sentido contrário à pretensão do recorrente. 4. De outro lado, constatado vício na apreciação da matéria devolvida, possível a atri-buição de efeitos infringentes ao recurso oposto pela parte adversa em consequência do suprimento da deficiência. 5. ‘A Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) pode ser utili-zada como indexador da correção monetária nos contratos bancários’ (Súmula nº 288/

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STJ). 6. A Taxa Referencial (TR) pode ser aplicada como indexador da correção mone-tária nos contratos posteriores à Lei nº 8.177/1991, desde que pactuada, conforme a Súmula nº 295/STJ. 7. Nos termos do Enunciado nº 93 da Súmula do STJ, nos contratos de crédito industrial, admite-se a pactuação de cláusula que preveja a capitalização mensal dos juros. 8. Segundo o Verbete Sumular nº 285 desta Corte, a redução da mul-ta moratória para 2%, tal como definida na Lei nº 9.298/1996, que modificou o Código de Defesa do Consumidor, somente é possível para os contratos celebrados após a sua vigência, hipótese diversa da dos autos. 9. ‘É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada’ (Enunciado nº 182 da Súmula do STJ). 10. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt--Ag-REsp 193.121 – (2012/0128689-1) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.02.2017)

3050 – Cédula rural hipotecária – fundamentos não impugnados – aplicação das Sú-mulas nºs 283 e 284, do STF

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Revisional. Cédula rural hipotecária. Fundamentos não impugnados. Aplicação das Súmulas nºs 283 e 284 do Supremo Tribunal Federal. Ofensa ao art. 514, I e II, do CPC/1973. Ausência de prequestiona-mento. Recurso não provido. 1. A ausência de impugnação dos fundamentos do aresto recorrido enseja o não conhecimento do recurso, incidindo, por analogia, as Súmulas nºs 283 e 284 do Supremo Tribunal Federal. 2. No caso dos autos, a Corte de origem não se manifestou sobre a alegada ofensa ao art. 514, I e II, do CPC/1973, tampouco foram opostos embargos de declaração para sanar eventual omissão quanto ao ponto, o que impede a análise de tal matéria por esta Corte Superior. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 979.500 – (2016/0236531-6) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 16.02.2017)

3051 – Compromisso de compra e venda – rescisão contratual – litigância de má-fé – inocorrência

“Compromisso de compra e venda. Rescisão contratual. Improcedência. Litigância de má-fé. Inocorrência. Pretensão à aplicação do art. 940 do CC/2002. Impossibilidade. Necessidade de comprovação de conduta maliciosa do credor, ausente na espécie. Eventual descumprimento de obrigação a reclamar adequada execução. Recurso im-provido.” (TJSP – Ap 0124592-93.2012.8.26.0100 – São Paulo – 1ª CDPriv. – Rel. Augusto Rezende – DJe 21.02.2017)

Transcrição Editorial SÍNTESECódigo Civil:

“Art. 940. Aquele que demandar por dívida já paga, no todo ou em parte, sem ressalvar as quantias recebidas ou pedir mais do que for devido, ficará obrigado a pagar ao deve-dor, no primeiro caso, o dobro do que houver cobrado e, no segundo, o equivalente do que dele exigir, salvo se houver prescrição.”

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3052 – Contrato – cartão de crédito – ação de prestação de contas – possibilidade

“Agravo interno nos embargos de declaração no recurso especial. Contrato de cartão de crédito. Ação de prestação de contas. Possibilidade. Súmula nº 83/STJ. Agravo não provido. 1. Esta Corte Superior tem admitido a ação de prestação de contas em relação ao contrato de cartão de crédito, para aferir a higidez dos encargos cobrados. Incidên-cia da Súmula nº 83/STJ. 2. A 4ª T., no julgamento do AgRg-REsp 1.203.021/PR, sob a relatoria da eminente Ministra Maria Isabel Gallotti, assentou entendimento quanto às especificidades que compõem o pedido em ação de prestação de contas, dispondo acerca da necessidade de que se demonstre o vínculo jurídico entre autor e réu, a delimitação temporal do objeto da pretensão e os suficientes motivos pelos quais se busca a prestação de contas, para que esteja demonstrado o interesse de agir do autor da ação. 3. Na espécie, constata-se que a parte autora delimita no tempo o período que seria objeto da prestação de contas e os encargos que reputa indevidos, não havendo que se falar, na hipótese, de pedido genérico. 4. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-EDcl-REsp 1.613.576 – (2016/0183990-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 10.02.2017 – p. 2118)

Transcrição Editorial SÍNTESESúmula nº 83 do STJ:

“Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida.”

3053 – Contrato bancário – ação monitória – prazo prescricional – precedentes

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Contrato bancário. Ação monitória. Prazo prescricional para cobrança de dívida oriunda de abertura de crédito em conta--corrente. Cinco anos. Art. 206, § 5º, I, do CC/2002. Precedentes. Provimento negado. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que o prazo prescricional para cobrança de dívida oriunda de contrato de abertura de crédito em conta-corrente é de cinco anos, nos termos do art. 206, § 5º, I, do Código Civil de 2002. Precedentes. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 859.987 – (2016/0029460-3) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 16.02.2017)

3054 – Contrato de empréstimo consignado – preliminar – inépcia – CDC – capitaliza-ção de juros – possibilidade

“Apelação cível. Ação revisional. Contrato de empréstimo consignado. Preliminar. Inépcia. Pressupostos do art. 285-B do CPC/1973. Preenchimento. Prefacial afastada. Mérito. Código de Defesa do Consumidor. Instituição financeira. Determinação judi-cial de juntada do contrato. Não apresentação. Aplicação do disposto no art. 359, I, do CPC. Capitalização de juros. Possibilidade, desde que haja pactuação expressa. Ausência de juntada da avença. Presunção de veracidade. Necessidade de aplicação de juros simples. Comissão de permanência. Ausência de vedação legal. Impossibili-dade de cumulação com outros encargos. Provimento parcial do apelo. Nos termos do art. 285-B do CPC/1973, incumbe ao autor discriminar as cláusulas a serem revistas,

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quantificando o montante incontroverso. Verificando-se que a inicial atende aos requi-sitos previstos na legislação processual, não há que se falar no indeferimento da inicial. Revela-se irrefutável a aplicação do Código de Defesa do Consumidor às instituições fi-nanceiras, segundo entendimento jurisprudencial já consolidado. Considerando que a instituição financeira, mesmo dotado de ciência inequívoca para instruir os autos com cópia do contrato firmado, quedou-se inerte, deu ensejo à aplicação da penalidade dis-posta no art. 359, inciso I, do Código de Processo Civil. A Medida Provisória nº 1.963-17/2000, atualmente reeditada sob o nº 2.170-36/2001, passou a admitir a incidência da capitalização de juros nos contratos firmados posteriormente à sua vigência, desde que haja previsão contratual. No caso de que se cuida, ausente cópia do contrato enta-bulado entre as partes e, consequentemente, não comprovada a capitalização expres-sa, deve ser afastado tal encargo, em virtude da aplicação da veracidade insculpida no art. 359 do CPC. É permitida a cobrança da comissão de permanência, na hipótese de inadimplemento, vedando-se, contudo, sua cumulação com multa, juros moratórios e correção monetária. recurso adesivo. Vício citra petita. Ato de julgamento realizado na vigência do Novo Código de Processo Civil. Necessidade de observância pelo tribunal dos novos procedimentos de julgamento. Enunciado Administrativo nº 4 do Superior Tribunal de Justiça. Aplicação do art. 1.013, § 3º do Código de Processo Civil de 2015. Causa madura. Empréstimo consignado. Descontos que ultrapassam o limite permitido em lei. Necessidade de adequação ao patamar de 30%. Lei nº 10.820/2003. Violação do Princípio da dignidade da pessoa humana. Dever da entidade bancária de avaliar os riscos dos empréstimos concedidos. Tutela do mínimo existencial. Procedência des-te pedido. O legislador processual civil inovou na ordem jurídica, estabelecendo um novo modo de proceder para os Tribunais de Justiça, objetivando maior celeridade processual. Assim, para as hipóteses de omissão quanto à apreciação de um dos pedi-dos autorais, o Código de Processo Civil de 2015, ao disciplinar o efeito devolutivo do recurso de apelação, no § 3º do art. 1.013, atribui o dever de o Tribunal decidir desde logo o mérito da demanda, quando esta estiver em condições de imediato julgamento. A despeito de a sentença ter sido publicada quando da vigência do Código de Processo Civil de 1973, circunstância que conduz à análise dos requisitos de admissibilidade recursal pelas antigas normas processuais (Enunciado Administrativo nº 2 do Superior Tribunal de Justiça), os atos praticados por julgadores deverão observar os novos pro-cedimentos trazidos pelo CPC de 2015, conforme o teor do Enunciado Administrativo nº 4 do Superior Tribunal de Justiça. Nos termos da Lei nº 10.820/2003, é possível o desconto em folha de pagamento dos valores referentes a empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil concedidos por instituições financeiras e so-ciedades de arrendamento mercantil, até o limite de 30% (trinta por cento) do salário do contratante. Em que pese a conduta inconsequente e irresponsável do devedor, não pode o Judiciário permitir que transações bancárias provoquem a miserabilidade do contraente ao ponto de privar-lhe do direito à vida e alimentação, por exemplo. Com-pete à instituição bancária avaliar os riscos dos empréstimos que concede, em face da capacidade de endividamento do mutuário, o qual não pode se ver privado da quase totalidade de sua remuneração em função das amortizações dos débitos, realizadas de forma automática em sua conta. Verificando-se que, in casu, os descontos ultrapassam

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o limite permitido em lei, atingindo quase toda a totalidade dos rendimentos do recor-rente, devida a sua limitação a 30% (trinta por cento) dos vencimentos do trabalhador.” (TJPB – Ap 0000959-21.2016.815.0000 – 2ª C.Cív. – Rel. Subst. Carlos Eduardo Leite Lisboa – DJe 16.02.2017)

3055 – Contrato de intermediação de patrocínio de clube futebolístico – simulação inexistente – dívida comprovada – evidente litigância de má-fé – efeitos

“Apelação cível. Ação de cobrança. Contrato de intermediação de patrocínio de clube futebolístico. Simulação inexistente. Dívida comprovada. Evidente litigância de má fé. Improvimento do recurso. 1. Desnecessária a oitiva da testemunha arrolada diante do conjunto probatório produzido. 2. Juntada tardia de documento que teve justa causa. 3. Contratos que comprovam a existência de intermediação em pacto de patrocínio de clube futebolístico, onde restou acertado que o patrocinador pagaria o preço di-retamente ao intermediário. 4. Ampla divulgação das marcas pertencentes à ré nos uniformes dos jogadores do Clube de Regatas Vasco da Gama. 5. Simulação não com-provada. 6. Demonstrada a dívida lastreada em contrato, impõe-se a condenação do apelante ao pagamento dos valores ali previstos. 7. Alteração da verdade dos fatos que configura litigância de má-fé e leva à aplicação de multa. 8. Recurso conhecido e improvido.” (TJRJ – Ap 0035915-53.2015.8.19.0205 – 4ª C.Cív. – Rel. Antônio Iloízio Barros Bastos – DJe 07.10.2016)

3056 – Dano moral coletivo – exploração da atividade de bingos – ilicitude – prece-dentes – possibilidade

“Consumidor e processual civil. Recurso especial. Exploração da atividade de bingos. Ilicitude. Precedentes. Dano moral coletivo. Possibilidade. Não ocorrência. Fixação de honorários advocatícios em favor do Ministério Público. Impossibilidade. Ação ajui-zada em 19.06.2008. Recurso especial interposto em 13.03.2013 e distribuído a este gabinete em 26.08.2016. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é assente em afirmar que a exploração e funcionamento das máquinas de jogos eletrônicos, caça--níqueis, bingos e similares é de natureza ilícita, revelando prática contravencional descrita no art. 50 da Lei de Contravenções Penais (RMS 21.422/PR, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª T., Julgado em 16.12.2008, DJe 18.02.2009). Precedentes. O dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindivi-dual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa. Precedentes. Não é qualquer atentado aos interesses dos consumidores que pode acarretar dano moral difuso. É preciso que o fato transgres-sor seja de razoável significância e desborde os limites da tolerabilidade. Ele deve ser grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alte-rações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Não ocorrência de dano moral coletivo na hipótese dos autos: associação civil sem fins lucrativos que realizou a con-duta em questão (bingos e sorteio prêmios) com a finalidade de angariar fundos para o

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fomento do desporto local. A jurisprudência deste Superior Tribunal é firme no sentido de que, por critério de absoluta simetria, no bojo de ação civil pública não cabe a condenação da parte vencida ao pagamento de honorários advocatícios em favor do Ministério Público. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.438.815 – RN – (2014/0042812-0) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 01.12.2016)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de recurso especial interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região.

Foi interposta ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal em face da recorrente e da Associação Cultural Esporte e Clube Baraúnas (ora interessada), em que se pleiteia a condenação na obrigação de se abster de realizar sorteios e outros jogos de azar, cumulado com a condenação em danos morais coletivos.

A sentença julgou procedente o pedido formulado pelo MPF, condenando a recorrente e a interessada a: (i) absterem-se de realizar qualquer espécie de jogo de azar, sob pena de multa diária de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais); (ii) pagamento de dano moral coletivo no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) cada uma, recolhidos ao Fundo Especial de Despesa de Reparação de Interesses Difusos Lesados (art. 13, da Lei nº 7.347/1985); e (iii) pagamento de honorários advocatícios no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais).

O acórdão foi proferido e a apelação interposta pela recorrente.

O TRF 5ª Região negou provimento ao recurso, em julgamento assim ementado:

PROCESSO CIVIL – CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – SENTENÇA ULTRA PETITA – INEXISTÊNCIA – EXPLORAÇÃO LOTERIA – LEI ESTADUAL – CRIAÇÃO POSTERIOR AO DECRETO-LEI Nº 204/1967 – SÚMULA VINCULANTE Nº 2 DO STF – APLICABILIDADE – IMPOSSIBILIDADE DE EXPLORAÇÃO – MONO-PÓLIO DA UNIÃO – DANOS MORAIS COLETIVOS – EXISTÊNCIA – RECURSO IMPRO-VIDO – 1. Rejeita-se a preliminar de julgamento ultra petita, pois a condenação nas verbas de sucumbência decorre do fato objetivo da derrota no processo, cabendo ao juiz condenar, de ofício, a parte vencida, independentemente de provocação expressa do autor, porquanto se trata de pedido implícito, cujo exame decorre da lei proces-sual civil. Precedentes: TRF 5ª R., Ap-Reex 200781000209470, Des. Fed. Francisco Barros Dias, 2ª T., DJe – Data: 04.02.2010, p. 54; STJ, REsp 200601988756, Luiz Fux, Corte Especial, DJe Data: 25.02.2010. 2. Hipótese em que se discute acerca da ilegalidade da prática de jogos de azar ou sorteios, incluídos os bingos e loterias por parte da recorrente, registrando-se a competência legislativa da União sobre sorteios, conforme preceitua a CF/1988, no art. 22, XX, já reconhecendo a Suprema Corte na ADI 2847 que essa competência abrange loterias e bingos, sendo inválida qualquer norma estadual ou municipal que verse sobre esse tema. 3. Não assiste ao Estado-membro, bem assim ao Distrito Federal, competência para legislar, por autoridade própria, sobre qualquer modalidade de loteria ou de serviços lotéricos. Precedente: (STF, ADI 3189/AL, Rel. Min. Celso de Mello, Julgamento: 13.12.2006, Pleno). 4. O Supremo Tribunal Federal, após reiteradas decisões relativas à competência para edição de ato normativo tratando de consórcios, sorteios e loterias, editou a Súmula Vinculante nº 2, cujo teor é o seguinte: ‘É inconstitucional a lei ou ato normativo estadual ou distrital que disponha sobre sistemas de consórcios e sorteios, inclusive bingos e loterias.’ 5. O Supremo Tribu-nal Federal ao proferir os julgamentos que levaram à edição da Súmula Vinculante, fez

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ressalva expressa apenas no que diz respeito a loterias criadas pelos estados antes da

entrada em vigor do Decreto-Lei nº 204/1967, hipótese distinta dos autos. 6. O Decre-

to-Lei nº 204/1967, dessa forma, criou o monopólio da União sobre o serviço público

de loteria, destituindo os Estados-membros do poder de explorar esse tipo de atividade,

sendo certo que desde o advento do mencionado diploma legal as concessões passaram

a ser proibidas, sendo inadmissível que os Estados-membros atribuíssem a terceiros tal

atividade. Precedente: TRF 5ª R., AC 200481000199255, Des. Fed. Francisco Barros

Dias, 2ª T., DJe – Data: 02.06.2010, p. 481. 7. No presente caso, a cartela de jogo

acostado aos autos mostra que a apelante realizaria o sorteio de 16 (dezesseis) motos,

e que cobrava R$ 15,00 (quinze reais) pela cartela principal, sendo classificado pelo

próprio recorrente o ‘2º Festival de Prêmio do Potiba’ como uma loteria, denominando

os compradores das cartelas de apostadores. 8. A clareza das informações contidas na

cartela juntada aos autos, não deixa dúvida, que se trava sim de exploração ilegal de jo-

gos de azar, sem autorização da União, mantendo-se a sentença na parte que condenou

a parte ré a se abster de promover toda e qualquer espécie de jogos de azar ou sorteios,

incluídos os bingos e loterias. 9. Manutenção da condenação por danos morais coleti-

vos, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). 10. Apelação improvida.”

Vale trazer trecho do voto da relatora:

“Apesar da ilicitude verificada na conduta da recorrente, percebe-se que se trata de uma

associação civil sem fins lucrativos que realizou a conduta em questão (bingos e sorteio

de prêmios) com a finalidade de angariar fundos para o fomento do desporto. Dessa

forma, em razão do contexto social da prática da recorrente, impossível a afirmação de

que sua conduta provocou um profundo abalo negativo na moral da comunidade em

que está inserida e, portanto, não está configurada a existência de dano moral coletivo.”

No STJ, o dano moral coletivo foi afastado. A relatora mencionou que o tribunal em mais

de uma oportunidade, se pronunciou em relação à ilegalidade da prática de jogos de

azar e outras condutas do mesmo gênero, mas ressalvou que apenas o cometimento de

ato ilícito não é capaz de ensejar dano moral coletivo.

Em decisão unânime, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reformou acórdão

do Tribunal Regional Federal da 5ª Região para afastar condenação por dano moral cole-

tivo em ação civil pública movida contra associação desportiva do Rio Grande do Norte que promoveu jogos de azar.

3057 – Dano moral e material – marcas e patentes – uso indevido de símbolos distin-tivos de clube de futebol – violação de direito marcário – não comprovação – indenização indevida

“Marcas e patentes. Uso indevido de símbolos distintivos de clube de futebol. Viola-ção de direito marcário. Reparação. Danos materiais. Inadmissibilidade. Autor que não conseguiu demonstrar a existência dos prejuízos materiais, como deveria. Ônus probatório não observado. Art. 333, I, do Código de Processo Civil de 1973 (art. 373, I, do Estatuto Processual de 2015). Danos morais. Descabimento. Prejuízo à imagem do demandante que não se verifica. Dano moral não caracterizado. Sentença mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 0030391-07.2010.8.26.0577 – São José dos Campos – 6ª CDPriv. – Rel. Vito Guglielmi – DJe 28.11.2016)

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA��������������������������������������������������������������������������������147

3058 – Direito bancário – ação revisional de contrato de arrendamento mercantil – parcial procedência – não conhecimento

“Direito bancário e processual civil. Apelação cível. Ação revisional de contrato de arrendamento mercantil. Sentença de parcial procedência. Ilegalidade das tarifas TAC, TEC e serviços de terceiros. Inovação recursal. Não conhecimento. Comissão de per-manência cumulada com demais encargos moratórios. Não conhecimento. Afronta ao princípio da dialeticidade. Razões recursais que não atacam os fundamentos da sentença quanto à ausência de pactuação. Art. 514, II, do CPC/1973. Inversão do ônus da prova. Tese afastada. Matéria unicamente de direito. Desnecessidade de dilação probatória. Hipossuficiência técnica não evidenciada. Capitalização de juros. Possibi-lidade. Pactuação expressa ante a previsão de taxa anual superior ao duodécuplo da taxa mensal de juros. REsp 973.827/RS. Limitação dos juros remuneratórios.impossibi-lidade. Valor contratado condizente com a taxa média de mercado. Taxa Selic que não serve como parâmetro para a limitação de juros. Mora contratual não descaracterizada. Inteligência da Orientação nº 2 do STJ. Repetição do indébito prejudicada. Sucumbên-cia mantida. Recurso parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.” (TJPR – AC 1509912-2 – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Espedito Reis do Amaral – DJe 03.03.2017)

3059 – Duplicata – ação monitória – ausência de omissão e de erro material – impos-sibilidade

“Embargos de declaração no agravo interno no recurso especial. Duplicatas. Ação monitória. Ausência de omissão e de erro material. Impossibilidade de rediscussão da matéria. Embargos de declaração rejeitados.” (STJ – EDcl-AgInt-REsp 1.391.724 – (2013/0202727-3) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 20.02.2017 – p. 1670)

3060 – Exceção de pré-executividade – arrendamento mercantil (leasing) – vigência da Lei Complementar nº 116/2003 – dilação probatória – desnecessidade

“Agravo de instrumento. Tributário. Execução fiscal. 1. Ilegitimidade do ente municipal para exigência do ISS alegada em exceção de pré-executividade. Cabimento. Desne-cessidade de dilação probatória. 2. ISS sobre operações de arrendamento mercantil (leasing). Vigência da Lei Complementar nº 116/2003. Sujeito ativo. Local onde o serviço é efetivamente prestado, assim considerado o estabelecimento com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento. Entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de recurso repetitivo (REsp 1060210/SC). Ilegitimidade ativa do município exequente reconhecida. Processo extinto. Condena-ção em custas e honorários. Recurso provido. 1. A exceção de pré-executividade é criação doutrinária e meio de defesa excepcional, que permite analisar as matérias que poderiam ser conhecidas de ofício pelo magistrado, sem a necessidade de dilação probatória. Tal orientação restou sedimentada pela Súmula nº 393 do STJ, assim emen-tada: ‘A exceção de pré-executividade é admissível na execução fiscal relativamente às matérias conhecíveis de ofício que não demandem dilação probatória.’ 2. A questão relativa à incidência de ISS sobre as operações de leasing já foi pacificada pelo julga-

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mento, em sede de Recurso Repetitivo do REsp nº 1.060.210/SC. No caso do leasing, o local da efetiva prestação é ‘o local onde se comprove haver unidade econômica ou profissional da instituição financeira, com poderes decisórios suficientes à concessão e aprovação do financiamento núcleo da operação de leasing financeiro e fato gerador do tributo’. 1 Conforme acentuado pelos Ministros por ocasião do julgamento do REsp 1.060.210/SC, é na sede que as empresas de crédito decidem, estipulam cláusulas con-tratuais, aprovam financiamentos e liberam valores.” (TJPR – AI 1580784-6 – 2ª C.Cív. – Rel. Juiz Subst. Luciano Campos de Albuquerque – DJe 08.03.2017)

3061 – Execução de título extrajudicial – confissão de dívida – decisão interlocutória

“Processual civil. Agravo interno no agravo em recurso especial. Execução de título extrajudicial. Confissão de dívida. Decisão interlocutória. Agravo de instrumento. Dis-sídio jurisprudencial. Cotejo analítico e similitude fática. Ausência. Harmonia entre o acórdão recorrido e a jurisprudência do STJ. 1. O dissídio jurisprudencial deve ser comprovado mediante o cotejo analítico entre acórdãos que versem sobre situações fáticas idênticas. 2. O acórdão recorrido que adota a orientação firmada pela jurispru-dência do STJ não merece reforma. 3. Agravo interno no agravo em recurso especial não provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 634.074 – (2014/0321768-3) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 16.02.2017 – p. 2301)

3062 – Execução de título judicial – fraude à execução – demanda executiva – con-trato de compromisso de compra e venda – celebração anterior – má-fé inexistente

“Recurso especial. Processual civil. Execução de título judicial. Fraude à execução. Art. 593, II, do CPC/1973. Inexistência. Demanda executiva. Contrato de compromis-so de compra e venda. Celebração anterior. Má-fé inexistente. Ausência de registro. Irrelevância. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão que, em execução de título judicial, reconheceu a existência de fraude à execução na alienação de unidades autônomas de complexo hoteleiro, considerando que, a despeito de serem os respec-tivos compromissos de compra e venda anteriores ao ajuizamento da demanda, seu averbamento no competente registro de imóveis somente foi efetuado após a citação da parte executada. 2. A celebração de compromisso de compra e venda de imóvel anterior à citação, ainda que desprovido de registro, impede a caracterização de fraude à execução nos moldes do art. 593, II, do Código de Processo Civil/1973. 3. Hipótese em que a celebração dos contratos de promessa de compra e venda (realizada entre 1999 e 2003), conquanto não levados a registro, ocorreu antes do ajuizamento da ação (2004), a afastar a presença de fraude à execução, ressalvada a prova da má-fé, ine-xistente na espécie. 4. O reconhecimento da fraude à execução, consoante o disposto na Súmula nº 375/STJ, depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. 5. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1.636.689 – (2015/0151167-4) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 19.12.2016 – p. 4569)

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Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de recurso especial interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás assim ementado:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ANULATÓRIA DE NEGÓCIO JURÍDICO EM FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – RECONHECIMENTO DE FRAUDE À EXECUÇÃO – DEVOLUÇÃO DE MANDADO EXECUTIVO – NÃO LOCALIZAÇÃO DE BENS PENHO-RÁVEIS – PRESUNÇÃO DE INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR – COMPROMISSOS DE COM-PRA E VENDA NÃO REGISTRADOS – REGISTROS OCORRIDOS APÓS A CITAÇÃO DO DEVEDOR – LITISPENDÊNCIA CARACTERIZADA – AVERBAÇÃO DE PROTESTO NA MATRÍCULA DOS IMÓVEIS – INDICAÇÃO DA EXISTÊNCIA DE DEMANDA CAPAZ DE RESULTAR NA INSOLVÊNClA DO DEVEDOR – EMBARGOS DE TERCEIRO – MEIO DE DEFESA DOS ADQUIRENTES – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NÃO CARACTERIZADA

I – De acordo com o STJ, é suficiente à demonstração da insolvência do devedor a de-volução do mandado executivo acompanhado de certidão do oficial de justiça atestando não ter encontrado bens passíveis de penhora.

II – O registro da promessa de compra e venda no foro competente não é requisito para que o contratante possa exigir a celebração do contrato principal, mas é pressuposto de oponibilidade a terceiros de boa-fé.

III – O registro dos compromissos de compra e venda realizados após a citação da deve-dora na ação anulatória proposta em seu favor, não gera direito real, sendo a obrigação deles decorrentes, via de regra, inoponíveis contra terceiros.

IV – Satisfaz o pressuposto subjetivo da fraude à execução a existência de protesto contra alienação de bem na matrícula dos imóveis transferidos, uma vez que, mesmo não tendo esse apontamento o condão de obstar ou anular negócio jurídico, indica que contra o alienante foi proposta ação, a qual, por sua vez, é facilmente identificável por meio de consulta no distribuidor, procedimento padrão na verificação financeira de pes-soas físicas e jurídicas.

V – Por meio dos embargos de terceiro poderão os adquirentes revolver os fatos e provas considerados para a caracterização da fraude à execução, com o intuito de obterem a desconstituição da constrição judicial sobre seus bens imóveis.

VI – Não se reconhece a litigância de má-fé, que não pode ser presumida, se não existem nos autos prova contundente acerca da litigância temerária da parte, bem assim do dano processual advindo dessa conduta. Agravo de instrumento conhecido e improvido.”

Em suas razões recursais, a recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 1.245, § 1º, do Código Civil e 591 e 593, II, do Código de Processo Civil de 1973.

Afirma, em síntese, que: a) a interpretação isolada do art. 1.245, § 1º do CC é desin-fluente, por si só, para a caracterização de fraude à execução, e b) no caso, não está caracterizada a fraude à execução, haja vista que, na data das alienações das unidades autônomas, não havia nenhum processo judicial pendente contra a ora recorrente.

O STJ deu provimento ao recurso especial para reformar a decisão que reconheceu a existência de fraude a execução e determinar a desconstituição de eventuais penhoras que recaiam sobre os imóveis, devendo a execução prosseguir por outros meios.

Oportuno trazer trecho do voto do relator:

“Percebe-se, desse modo, que a celebração dos contratos de promessa de compra e ven-da (entre 1999 e 2003), conquanto não levados a registro, ocorreu muito tempo antes do ajuizamento da ação (2004), a afastar a presença de fraude à execução, ressalvada a prova da má-fé, inexistente na espécie, em nada influenciando a averbação de protesto às margens das matrículas dos imóveis efetuada em 2007.

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Aliás, o fato de ter ocorrido uma segunda negociação de um terceiro (Shelton Inn – Hotel São Paulo Ltda.) diretamente com aqueles que figuraram como promitentes-comprado-res na primeira alienação apenas evidencia que a promessa de compra e venda produziu todos os efeitos que dela se esperavam, não retirando a validade do contrato a simples falta do registro.

Ressalta-se, por fim, que a legitimidade concorrente do terceiro para opor embargos fundados em alegação de posse advinda do compromisso de compra e venda de imóvel, ainda que desprovido de registro, nos termos da Súmula nº 84/STJ, não retira da ora recorrente o interesse recursal para, mediante agravo de instrumento, impugnar decisão que, em execução contra ela proposta, reconhece a existência de fraude e determina a realização dos demais atos de constrição.

O eminente Jurista Humberto Theodoro Júnior, ao retratar o instituto da fraude à execu-ção, assim nos ensina:

“A repressão à fraude de execução, prevista no CPC, não cuida de fenômeno diferente do que é objeto da ação pauliana, que repele a fraude contra credores. Em ambas, o fato fundamental é um só: o desfalque indevido dos bens que deveriam assegurar a satisfação do direito dos credores.

Assim, o tratamento que o CPC dispensa não representa senão ‘uma especialização da ação pauliana’.

Explica a boa doutrina a filiação da fraude contra credores e fraude de execução aos mesmos princípios, da seguinte maneira: ‘Mais propriamente, o instituto da fraude à execução constitui uma ‘especialização’ da fraude contra credores. Informados segundo os mesmos princípios – repulsa à fraude que frustra a garantia patrimonial do credor –, o que se revela na profunda afinidade que remanesce entre os dois institutos, a espe-cialização da fraude à execução representa o produto natural da evolução histórica do direito. E, especializando-se como instituto autônomo, a fraude à execução não renega evidentemente as suas origens; mas, assumindo certas características próprias conse-qüentes dessa especialização, acaba se distinguindo, como é curial, da chamada fraude contra credores’. Assim, e na lição de Lafayette, a fraude de execução ‘não é senão a própria ação pauliana exercida diretamente, por via de penhora, independentemente do processo ordinário’; lembrando Clóvis, este ‘outro aspecto da fraude nas alienações que aparece no processo’; e se afirmando, na jurisprudência, que ‘a fraude à execução, para os efeitos visados na lei adjetiva, nada mais representa do que uma indireta aplicação da ação pauliana’; pois, ‘conforme escreve Liebman, a fraude de execução é um dos casos de fraude contra credores, com aspectos mais graves’.

Esta constatação de identidade substancial entre as duas figuras repressivas da fraude contra credores conduz à necessidade de aproveitar a evolução técnico-jurídica de cada um dos setores normativos do direito positivo a benefício de todo o sistema, e não ape-nas daquele em que a regra nova ou a visão atualizada se consolidou. Destarte:

a) se a legislação posterior ao CC esposou ostensivamente a tese da ineficácia relativa para combater a fraude – como se vê do CPC (art. 592), não há razão para se insistir em que a ação pauliana seja tratada como ação de anulação do ato do devedor insolvente prejudicial à garantia patrimonial de seus credores. A hipótese, tal qual ocorre na fraude à execução, é de ineficácia do ato fraudulento;

b) se nítida é a preocupação ética, no âmbito do direito civil, de proteção à boa-fé dos que adquirem bens do insolvente, a título oneroso, razão não há para desprezar tal elemento no tratamento da fraude de execução, que nada mais é – repita-se – do que uma modalidade de fraude contra credores autorizadora da ação pauliana.” (Fraude à execução. Alienação de bem pelo devedor quando em curso ação de conhecimento. Boa-

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA��������������������������������������������������������������������������������151

-fé do terceiro adquirente. Relevância do elemento subjetivo. Inconfiguração de fraude. Disponível em: www.iobonlinejuridico.com.br)

3063 – Execução de título judicial – recuperação judicial – fundamentos da decisão agravada não impugnados

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Execução de título judicial. Recupera-ção judicial. Fundamentos da decisão agravada não impugnados. Agravo não conhe-cido. 1. Na hipótese em exame, aplica-se o Enunciado nº 3 do Plenário do STJ: ‘Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/2015 (relativos a decisões publicadas a partir de 18 de março de 2016) serão exigidos os requisitos de admissibilidade recursal na forma do novo CPC.’ 2. É inviável o agravo interno que deixa de impugnar especi-ficamente os fundamentos da decisão agravada (CPC/2015, art. 1.021, § 1º). 3. Agravo interno não conhecido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 979.631 – (2016/0235231-4) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 19.12.2016 – p. 4662)

3064 – Execução do julgado – expedição de ofício precatório – alteração da sentença pelo acórdão – cálculos elaborados pela contadoria judicial – reformatio in pejus

“Processual civil. Execução do julgado. Expedição de ofício precatório. Alteração da sentença pelo acórdão. Cálculos elaborados pela contadoria judicial. Reformatio in pejus. Questão relevante para a solução da lide. Ausência de valoração. Omissão configurada. 1. A ausência de valoração de tema relevante para a solução da lide configura omissão, nos termos do art. 535 do CPC/1973. 2. Na leitura do acórdão recorrido conclui-se que houve omissão quanto à análise de pontos relevantes para o deslinde da controvérsia, em especial a tese levantada pela recorrente de que houve reformatio in pejus. 3. Recurso Especial provido para determinar o retorno dos autos à origem para novo julgamento dos Embargos de Declaração.” (STJ – REsp 1.583.542 – (2016/0027745-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016)

3065 – Falência – depósito bancário – restituição – impossibilidade

“Agravo interno no recurso especial. Falência. Depósito bancário. Restituição. Impos-sibilidade. Art. 76 da Lei de Falências. Inaplicabilidade. Incabível análise de afronta a dispositivo constitucional. Não incidência da Súmula nº 126/STJ. Decisão mantida. 1. É inviável a análise de matéria constitucional nesta via recursal, de modo que tal pro-vidência implicaria usurpação da competência atribuída ao Supremo Tribunal Federal (CF, art. 102). 2. Não incide a Súmula nº 126/STJ quando o Tribunal local analisou a controvérsia à luz de dispositivos infraconstitucionais, não tendo decidido com fun-damento em matéria constitucional. 3. De acordo com a jurisprudência desta Corte, depósitos bancários não se enquadram na hipótese do art. 76 da Lei de Falências, que garante a restituição de coisa arrecadada em poder do falido quando seja devida em virtude de direito real ou de contrato, pois neles, em particular, ocorre a trans-ferência da disponibilidade dos valores à instituição bancária, ficando o correntista apenas com o direito ao crédito correspondente. Precedente (REsp 501.401/MG, Rel.

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Min. Carlos Alberto Menezes Direito, 2ª S., Julgado em 14.04.2004, DJ de 03.11.2004, p. 130). 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-REsp 1.073.591 – (2008/0150220-7) – 4ª T. – Rel. Min. Raul Araújo – DJe 01.02.2017)

3066 – Falência – habilitação retardatária – crédito trabalhista – participação nos ra-teios posteriores

“Agravo interno. Recurso especial. Direito falimentar e processual civil. Julgamento monocrático. Cabimento. Jurisprudência pacífica sobre o tema. Art. 255, § 4º, II, do RISTJ. Falência. Habilitação retardatária. Crédito trabalhista. Participação nos rateios posteriores. Inocorrência de perda do direito de preferência. 1. Polêmica em torno da situação do crédito trabalhista retardatário que se habilita no processo de falência após a homologação do quadro geral de credores e o pagamento de toda a classe dos credo-res trabalhistas, mas antes da quitação dos demais créditos constantes do quadro geral de credores. 2. Cabimento do julgamento monocrático do recurso especial na hipóte-se em que o decisum se fundamenta em entendimento pacífico desta Corte Superior (art. 255, § 4º, inciso II, do RISTJ). 3. A habilitação retardatária não exclui o credor tra-balhista dos rateios posteriores ao seu ingresso no quadro geral de credores, tampouco prejudica a preferência legal que lhe é inerente. Entendimento pacífico desta Corte Supe-rior. 4. Agravo interno desprovido.” (STJ – AgInt-REsp 1.513.799 – (2015/0025632-8) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 20.02.2017 – p. 1688)

3067 – Honorários de advogado – acordo extrajudicial – pagamento direto ao patro-cinado

“Processual civil. Art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/1994. Honorários advocatícios contra-tuais. Acordo extrajudicial. Pagamento direto ao patrocinado. Inexistência de depósito judicial e da consequente expedição de mandado de levantamento ou precatório. Im-possibilidade de determinar a retenção do valor contratado. 1. O art. 22, § 4º, da Lei nº 8.906/1994, ao condicionar a juntada do contrato de honorários ao momento ante-rior à expedição do mandado de levantamento ou precatório, estabeleceu como condi-ção para a reserva dos honorários contratuais que o pagamento do valor devido à parte patrocinada seja realizado em juízo. 2. In casu, consoante consignado no acórdão recorrido, as partes convencionaram a desistência da ação e o pagamento do preço acordado mediante transferência de valores para a conta bancária de titularidade do autor. Nesse contexto, não havendo depósito judicial, nem expedição de mandado de levantamento ou precatório, fica inviabilizada a retenção da verba honorária contra-tual. 3. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.544.234 – (2015/0174237-4) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016 – p. 3899)

Transcrição Editorial SÍNTESE

Lei nº 8.906/1994:

“Art. 22. A prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência.

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA��������������������������������������������������������������������������������153

[...]

§ 4º Se o advogado fizer juntar aos autos o seu contrato de honorários antes de expedir-

-se o mandado de levantamento ou precatório, o juiz deve determinar que lhe sejam

pagos diretamente, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte, salvo se

este provar que já os pagou.

[...]”

3068 – Juros – capital próprio – inclusão nos cálculos – revisão – inviabilidade

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Subscrição de ações. Juros sobre capital próprio. Inclusão nos cálculos. Revisão. Inviabilidade. Necessidade de reexame fático. Súmula nº 7/STJ. Fundamentos do acórdão. Não impugnação. Incidência do Verbete nº 283 da Súmula/STF. Não provimento. 1. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula nº 7/STJ). 2. As razões elencadas pelo Tribunal de origem não foram devidamente impugnadas. Incidência do Enunciado nº 283 da Sú-mula/STF. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 798.818 – (2015/0263629-1) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 02.02.2017)

3069 – Plano de saúde coletivo empresarial – ex-empregado aposentado – assistência

médica – manutenção

“Agravo interno no agravo interno no recurso especial. Civil. Plano de saúde coletivo empresarial. Ex-empregado aposentado. Assistência médica. Manutenção. Art. 31 da Lei nº 9.656/1998. Requisitos não preenchidos. Contrato de trabalho. Vigência. Con-tribuição exclusiva do empregador. 1. É assegurado ao trabalhador demitido sem justa causa ou ao aposentado que contribuiu para o plano de saúde em decorrência do vínculo empregatício o direito de manutenção como beneficiário nas mesmas condi-ções de cobertura assistencial que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral (arts. 30 e 31 da Lei nº 9.656/1998). 2. Nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa como be-neficiário, salvo disposição contrária expressa, prevista em contrato ou em convenção coletiva de trabalho, sendo irrelevante a tão só existência de coparticipação, pois esta não se confunde com contribuição. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-AgInt--REsp 1.620.265 – (2016/0214722-6) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 14.02.2017)

3070 – Recuperação extrajudicial – impugnação ao valor do crédito – ausência de

previsão legal

“Recuperação extrajudicial. Impugnação ao valor do crédito. Ausência de previsão le-gal. Ajuste pré-concursal. Recurso desprovido.” (TJSP – AI 2187432-75.2016.8.26.0000 – São Paulo – 1ª C.Res.DEmp. – Rel. Fortes Barbosa – DJe 27.01.2017)

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3071 – Recuperação judicial – conflito de competência – Juizado Especial Cível – exe-cução singular movida contra a recuperanda – prática de atos de constrição patrimonial – impossibilidade

“Recurso especial. Recuperação judicial. Conflito de competência. Juizado especial cível. Execução singular movida contra a recuperanda. Prática de atos de constrição patrimonial. Impossibilidade. Relação de consumo. Irrelevância. 1. Conflito de compe-tência suscitado em 09.11.2015. Recurso especial interposto em 28.03.2016 e conclu-so à relatora em 30.09.2016. 2. Controvérsia que se cinge em definir se o juízo onde se processa a recuperação judicial da recorrente é o competente para processamento e julgamento de ação indenizatória derivada de relação de consumo em fase de cumpri-mento de sentença. 3. A interpretação conjunta das normas contidas nos arts. 6º, 47 e 49 da LFRE, bem como o entendimento do STJ acerca da questão, permitem concluir que o juízo onde tramita o processo de recuperação judicial – por ter à sua disposição todos os elementos que traduzem com precisão as dificuldades enfrentadas pelas deve-doras, bem como todos os aspectos concernentes à elaboração e à execução do plano de soerguimento – é quem deve decidir sobre o destino dos bens e valores objeto de execuções singulares movidas contra a recuperanda, ainda que se trate de crédito de-corrente de relação de consumo. 4. Recurso Especial Provido.” (STJ – REsp 1.630.702 – (2016/0261879-1) – 3ª T. – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 10.02.2017 – p. 2012)

Transcrição Editorial SÍNTESE“Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.

§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.

§ 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza tra-balhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.

§ 3º O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1º e 2º deste artigo poderá deter-minar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falên-cia, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.

§ 4º Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, indepen-dentemente de pronunciamento judicial.

§ 5º Aplica-se o disposto no § 2º deste artigo à recuperação judicial durante o período de suspensão de que trata o § 4º deste artigo, mas, após o fim da suspensão, as execuções trabalhistas poderão ser normalmente concluídas, ainda que o crédito já esteja inscrito no quadro-geral de credores.

§ 6º Independentemente da verificação periódica perante os cartórios de distribuição, as ações que venham a ser propostas contra o devedor deverão ser comunicadas ao juízo da falência ou da recuperação judicial:

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I – pelo juiz competente, quando do recebimento da petição inicial;

II – pelo devedor, imediatamente após a citação.

§ 7º As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recupera-ção judicial, ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica.

§ 8º A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência, relativo ao mesmo devedor.

[...]

Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produ-tora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.

[...]

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilé-gios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.

§ 2º As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições original-mente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, obser-vada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.

§ 5º Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos credi-tórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renova-das as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4º do art. 6º desta Lei.”

3072 – Recuperação judicial – crédito garantido por cessão fiduciária – não submissão

“Direito empresarial. Agravo interno no recurso especial. Crédito garantido por cessão fiduciária. Recuperação judicial. Não submissão. Decisão mantida. 1. É assente, nas Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte, o entendimento segundo o qual o crédito garantido por cessão fiduciária não se submete ao processo de recuperação judicial. 2. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-REsp 1.508.155 – (2014/0323350-0) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 22.02.2017)

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3073 – Recuperação judicial – crédito oriundo de cédulas de crédito bancário – alie-nação fiduciária – ausência de registro

“Agravo interno no agravo em recurso especial. Recuperação judicial. Crédito oriundo de cédulas de crédito bancário garantidas por alienação fiduciária. Ausência de regis-tro à época do pedido de recuperação judicial. Não sujeição aos efeitos da recupera-ção judicial, nos termos do § 3º do art. 49 da Lei nº 11.101/2005. Matéria pacífica no âmbito das turmas de direito privado do STJ. Requerimento da parte agravada de apli-cação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015. Rejeição. Agravo interno desprovido. 1. Constatando-se que o acórdão estadual não está em consonância com a mencionada jurisprudência desta Corte, não há nenhum reparo a ser feito na decisão agravada que deu provimento ao recurso especial para excluir da relação de credores os créditos provenientes de contratos de alienação fiduciária do banco, ora agravado, por não se sujeitarem aos efeitos do plano de recuperação judicial. 2. A aplicação da multa prevista no § 4º do art. 1.021 do CPC/2015 não é automática, não se tratando de mera decorrência lógica do não provimento do agravo interno em votação unânime. A condenação do agravante ao pagamento da aludida multa, a ser analisada em cada caso concreto, em decisão fundamentada, pressupõe que o agravo interno mostre-se manifestamente inadmissível ou que sua improcedência seja de tal forma evidente que a simples interposição do recurso possa ser tida, de plano, como abusiva ou protelató-ria, o que, contudo, não se verifica na hipótese ora examinada. 3. Agravo interno des-provido.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 906.608 – (2016/0103167-0) – 3ª T. – Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze – DJe 03.02.2017)

3074 – Relação comercial – alteração unilateral de contrato – danos materiais – ne-cessidade

“Civil e processual civil. Recurso especial. Relação comercial. Alteração unilateral de contrato. Danos materiais. Necessidade de reexame de fatos e provas. Inadmissibilida-de. Danos morais. Pessoa jurídica. Ausentes. Ação ajuizada em 19.02.2010. Recurso especial interposto em 18.04.2013 e distribuído a este gabinete em 26.08.2016. O reexame de fatos e provas em recurso especial é inadmissível. Para a pessoa jurídica, o dano moral não se configura in re ipsa, por se tratar de fenômeno distinto daquele relacionado à pessoa natural. É, contudo, possível a utilização de presunções e regras de experiência no julgamento. Na hipótese dos autos, a alteração unilateral de contrato de fornecimento de baterias de automóveis pela recorrente impôs pesado ônus sobre as atividades comerciais da recorrida. Contudo, tal ato é incapaz de gerar danos morais (exclusivamente extrapatrimoniais) para além daqueles de natureza material. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido.” (STJ – REsp 1.637.629 – PE – (2014/0019878-8) – Relª Min. Nancy Andrighi – DJe 09.12.2016)

Comentário Editorial SÍNTESEO vertente acórdão trata de Recurso Especial interposto com fundamento na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ/PE.

O TJPE negou provimento ao recurso em julgamento assim ementado:

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO DE JURISPRUDÊNCIA��������������������������������������������������������������������������������157

“DIREITO CIVIL – PROCESSUAL CIVIL – AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MO-RAIS E MATERIAIS (LUCRO CESSANTES E DANOS EMERGENTES) – PARCIALMENTE PROCEDENTE – APELAÇÃO CÍVEL – CONTRATO VERBAL – RESCISÃO UNILATERAL INDEVIDA – COMPROVAÇÃO DE INVESTIMENTOS – DANO MORAL CARACTERIZADO – APELO NÃO PROVIDO – DECISÃO UNÂNIME – As alegações autorais foram emba-sadas com as provas devidas. Os argumentos recursais são frágeis e insuficientes para desconstituir o conjunto probatório em que se embasou o togado singular.”

Foi proposta ação de reparação por danos morais e materiais (lucros cessantes e danos emergentes), em razão de inadimplemento contratual originada da alteração unilateral das cláusulas relativas à forma de pagamentos dos produtos fornecidos pela recorrente (baterias automotivas), contidas em contrato firmado oralmente entre a recorrente e a recorrida.

Consta dos autos que a recorrente alterou a forma de pagamento, passando a recusar o pagamento a prazo das baterias vendidas ao distribuidor.

A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para condenar ao pagamento de indenização por danos emergentes, no valor de R$ 31.850,00 (trinta e um mil, oitocen-tos e cinquenta reais), e por danos morais, no valor de R$ 19.075,00 (dezenove mil e setenta e cinco reais), afastou o pedido de condenação em lucros cessantes, em razão da ausência de prova quanto aos valores que teriam deixado de ser percebidos.

A relatora explicou que nas situações que envolvem pessoa física, é possível a consta-tação implícita do dano, o que não se dá com a pessoa jurídica. Nesses casos, segundo a magistrada, não há o dano moral in re ipsa, ou seja, o dano moral presumido, que decorre naturalmente do próprio fato e não exige comprovação.

No acórdão que manteve a sentença, o Tribunal de Justiça de Pernambuco afirmou que os argumentos utilizados pelo recorrente eram frágeis e insuficientes para desconstituir as provas em que se baseou o juiz de primeira instância.

A relatora destacou que a decisão combatida está contrária à jurisprudência do STJ, já que não houve comprovação de como a alteração unilateral do contrato afetou a imagem da outra empresa a ponto de ensejar uma condenação por danos morais.

Vale trazer trecho do seu voto:

“É inegável que, ao exigir pagamento antecipado para a disponibilização de seus produ-tos, a recorrente impôs pesado ônus comercial sobre a recorrida, mas isso constitui um ato que – para além da esfera patrimonial – é incapaz de gerar dano moral, isto é, de natureza exclusivamente extrapatrimonial.”

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou o entendimento de que a condenação por danos morais sofridos por pessoa jurídica exige comprovação fática, ainda que seja possível a utilização de presunções e regras de experiência para confi-guração do dano.

3075 – Seguro saúde coletivo empresarial – ex-empregado aposentado – assistência médica – manutenção

“Agravo interno no recurso especial. Civil. Plano de saúde coletivo empresarial. Ex--empregado aposentado. Assistência médica. Manutenção. Arts. 30 e 31 da Lei nº 9.656/1998. Requisitos não preenchidos. Contrato de trabalho. Vigência. Contribui-ção exclusiva do empregador. 1. É assegurado ao trabalhador demitido sem justa causa ou ao aposentado que contribuiu para o plano de saúde em decorrência do vínculo empregatício o direito de manutenção como beneficiário nas mesmas condições de

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cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, des-de que assuma o seu pagamento integral (arts. 30 e 31 da Lei nº 9.656/1998). 2. Nos planos de saúde coletivos custeados exclusivamente pelo empregador não há direito de permanência do ex-empregado aposentado ou demitido sem justa causa como be-neficiário, salvo disposição contrária expressa, prevista em contrato ou em convenção coletiva de trabalho, sendo irrelevante a tão só existência de coparticipação, pois esta não se confunde com contribuição. 3. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-REsp 1.598.158 – (2016/0116735-1) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 10.02.2017 – p. 2009)

Transcrição Editorial SÍNTESELei nº 9.656/1998:

“Art. 30. Ao consumidor que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, no caso de rescisão ou exoneração do contrato de trabalho sem justa causa, é assegurado o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

§ 1º O período de manutenção da condição de beneficiário a que se refere o caput será de um terço do tempo de permanência nos produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º, ou sucessores, com um mínimo assegurado de seis meses e um máximo de vinte e quatro meses. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

§ 2º A manutenção de que trata este artigo é extensiva, obrigatoriamente, a todo o grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho.

§ 3º Em caso de morte do titular, o direito de permanência é assegurado aos dependen-tes cobertos pelo plano ou seguro privado coletivo de assistência à saúde, nos termos do disposto neste artigo.

§ 4º O direito assegurado neste artigo não exclui vantagens obtidas pelos empregados decorrentes de negociações coletivas de trabalho.

§ 5º A condição prevista no caput deste artigo deixará de existir quando da admissão do consumidor titular em novo emprego. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

§ 6º Nos planos coletivos custeados integralmente pela empresa, não é considerada con-tribuição a coparticipação do consumidor, única e exclusivamente, em procedimentos, como fator de moderação, na utilização dos serviços de assistência médica ou hospita-lar. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

Art. 31. Ao aposentado que contribuir para produtos de que tratam o inciso I e o § 1º do art. 1º desta Lei, em decorrência de vínculo empregatício, pelo prazo mínimo de dez anos, é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, nas mesmas condições de cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho, desde que assuma o seu pagamento integral. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

§ 1º Ao aposentado que contribuir para planos coletivos de assistência à saúde por período inferior ao estabelecido no caput é assegurado o direito de manutenção como beneficiário, à razão de um ano para cada ano de contribuição, desde que assuma o pagamento integral do mesmo. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

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§ 2º Para gozo do direito assegurado neste artigo, observar-se-ão as mesmas condições estabelecidas nos §§ 2º, 3º, 4º, 5º e 6º do art. 30. (Redação dada pela Medida Provi-sória nº 2.177-44, de 2001)

§ 3º Para gozo do direito assegurado neste artigo, observar-se-ão as mesmas condições estabelecidas nos §§ 2º e 4º do art. 30.”

3076 – Sociedade – sócio – citação – prescrição intercorrente – prazo

“Execução fiscal. Redirecionamento. Sócio. Citação. Prescrição intercorrente. Prazo. Transcurso prazo superior ao quinquídio legal pela inércia da parte, resta configura-da a prescrição intercorrente, haja vista que pelos princípios do sistema tributário a prescrição não deve ser indefinida, sendo a via adequada para compor conflitos e im-por segurança jurídica. Admitida a responsabilidade do sócio-gerente, nos termos do art. 135, III, do CTN, a citação da pessoa física deve ocorrer dentro do lustro, após a citação da empresa devedora, sob pena de prescrição do direito executivo.” (TJSC – AI 0032748-86.2016.8.24.0000 – Relª Desª Sônia Maria Schmitz – J. 14.02.2017)

3077 – Sociedade – valor patrimonial da ação – cotação – dividendos – preclusão

“Agravo interno. Agravo em recurso especial. Valor patrimonial da ação. Cotação das ações. Dividendos. Preclusão. Não prequestionamento. Verbete nº 282 da Súmula do STF. Fundamentos do acórdão. Não impugnação. Incidência do Verbete nº 283 da Súmula/STF. Dispositivos legais. Ofensa. Não demonstração. Enunciado nº 284 da sú-mula. Não provimento. 1. O alegado julgamento extra petita não foi objeto de debate pela Corte de origem. Ausente o necessário prequestionamento, incidente o óbice do Enunciado nº 282 da Súmula do STF. 2. As razões elencadas pelo Tribunal de origem não foram devidamente impugnadas. Incidência do Enunciado nº 283 da Súmula/STF. 3. Não havendo a devida demonstração de ofensa aos dispositivos legais apontados como violados incidente o Enunciado nº 284 da Súmula do STF. 4. Agravo interno a que se nega provimento.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 908.753 – (2016/0105907-5) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 20.02.2017 – p. 1736)

3078 – Títulos executivos extrajudiciais – cédulas de produto rural – entrega de coisa incerta – execução

“Recurso especial. Processual civil. Títulos executivos extrajudiciais. Cédulas de pro-duto rural. Entrega de coisa incerta. Execução. Art. 573 do Código de Processo Civil de 1973. Violação. Existência. Cumulação de pedidos executivos. Impossibilidade. Iden-tidade de partes. Ausência. Devedores distintos. Avalistas comuns. Prosseguimento da execução. Possibilidade. 1. O art. 573 do Código de Processo Civil de 1973 faculta a satisfação de diversas pretensões creditórias por intermédio de um único processo de execução, desde que cumpridos os seguintes requisitos: (i) a identidade do credor; (ii) a identidade do devedor; e (iii) a competência do mesmo juiz para todas as execuções. 2. A reunião de diferentes emitentes de cédulas de produto rural em uma única exe-cução exige a identidade de partes, circunstância que não se revela quando há auto-nomia das relações obrigacionais e da responsabilidade dos devedores. 3. A execução

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conjunta de obrigações autônomas contra devedores distintos é hipótese fática que não compreende a cumulação subjetiva autorizada pelo art. 573 do Código de Processo Civil de 1973, mas, configura, na verdade, a vedada coligação de devedores. 4. Os títulos possuem endossantes/avalistas comuns, estando caracterizada a identidade de partes em relação a eles, circunstância que autoriza a continuidade do processo exe-cutivo exclusivamente em seu desfavor. 5. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.635.613 – (2016/0286059-3) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 19.12.2016)

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

Direito Penal Econômico: a Releitura do Direito Penal Clássico para o Combate à Macrocriminalidade1

FERNANDO gENTIL gIzzI DE ALmEIDA PEDROSOAdvogado, Presidente da Comissão de Cultura da 18ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo (2013/2015; 2016/2018), Professor no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade de Taubaté, Mestrando em Direito Penal na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal (IBRASPP), do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos (IBDH), da Fundación Internacional de Ciencias Penales (FICP – Madrid) e investigador de grau 4 no International Center of Economic Penal Studies (ICEPS– New York), membro do Conselho Consultivo do ICEPS no Brasil e de projetos coordenados pela Secretaria Geral para América Latina (Montevidéo).

JAquELINE LOuRENçO RODRIguES LOPES DE CARVALHOAdvogada, Mestre em Direito, Especialista em Direito Processual Civil e em Direito Penal e Processual Penal, Assistente de Investigação do ICEPS (International Center of Economic Penal Studies – New York) – Grau 4 – e em projetos coordenados pela Secretaria Geral para América Latina (Montevidéo).

RAuL CERVINIDoctor en Derecho y Ciencias Sociales, Catedratico y Director del Departamento de Derecho Penal de Universidad Católica del Uruguay, Integrante del Colegio de Docentes del Doctorado de Pesquisa en las Universidades de Salerno y Urbino, Secretario General para America Latina y Vice Presidente del Consejo Consultivo Internacional del ICEPS.

RESUMO: Com a evolução das estruturas do mercado financeiro global e com a deterioração de outros institutos outrora abundantes, notou-se uma maior fragilidade do cenário de capitais. Tal fato, diga-se de passagem, vem a trazer para o epicentro do mundo uma realidade deletéria recente (a econômica) e que afeta, em um único ato, um bem jurídico capaz de atingir uma pluralidade de indivíduos. Nesse passo, não por outra razão, faz-se necessário um breve estudo deste novo campo do saber – com o fito de compreender as soluções encontradas para mitigar a problemática que ora se descortina.

PALAVRAS-CHAVE: Direito penal econômico; neoliberalismo; critérios mais apropriados à delin-quência financeira.

1 O presente artigo traduz um estudo realizado em atividade de investigação para o “International Center of Economic Penal Studies” (ICEPS – New York), no ano de 2015. Isso porque, com a evolução das estruturas do mercado financeiro global e com a deterioração de outros institutos outrora abundantes, notou-se uma maior fragilidade do cenário de capitais. Tal fato, diga-se de passagem, vem a trazer para o epicentro do mundo uma realidade deletéria recente (a econômica) e que afeta, em um único ato, um bem jurídico capaz de atingir uma pluralidade de indivíduos (justificativa da pesquisa). Nesse cipoal, sob o enfoque desta nova realidade deletéria, exsurge a indagação acerca de qual o melhor instrumento (ou mecanismo) para se combater denotado comportamento e, pari passu, mitigar a problemática que ora se descortina (problema de pesquisa). É este, diga-se de passagem, o propósito deste trabalho – realizado por intermédio de um método dedutivo, com procedimento histórico-comparativo e estudo de bibliografias acerca do tema (metodologia).

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RESUMEN: Con la evolución de las estructuras de los mercados financieros mundiales y el deterioro de otros institutos otrora abundante, se ha producido una mayor debilidad de la escena de la capital. Esto, dicen, por cierto, es llevar al epicentro del mundo una realidad nociva reciente (económica) y que afecta, en un solo acto, una legal y capaz de una pluralidad de individuos. En este paso, no por otra razón, es necesario un breve estudio de este nuevo campo de conocimiento – con el objetivo de entender las soluciones para mitigar los problemas que ahora se desarrolla.

PALABRAS CLAVE: Derecho económico penal; el neoliberalismo; criterios más apropiados para los delitos financieros.

ABSTRACT: With the evolution of the global financial market structures and the deterioration of other once- abundant institutes, there has been a major weakness of capital scene. This, by the way, bring to the epicenter of the world a recent deleterious reality (economic) that affects, in a single act, a plurality of individuals. In this step, for no other reason, it is necessary a brief study of this new field of knowledge – with the aim to understand the solutions to mitigate the problems that now unfolds.

KEYWORDS: Economic criminal law; neoliberalism; more appropriate criteria for financial crime.

SUMÁRIO: 1 Propedêutica: a especial relação do direito penal econômico com as características sociais, políticas e econômicas do início do século XXI; 2 O bem jurídico penalmente tutelado pelo direto penal econômico (Wirtschaftsstrafrecht), numa perspectiva brasileira; 3 Avaliação dos critérios mais apropriados à delinquência econômica contemporânea: análise crítica; 4 Considerações finais; Referências.

1 PROPEDÊUTICA: A ESPECIAL RELAÇÃO DO DIREITO PENAL ECONÔMICO COM AS CARACTERíSTICAS SOCIAIS, POLíTICAS E ECONÔMICAS DO INíCIO DO SÉCULO XXI

Por milênios, o homem permaneceu o que era para Aristóteles: um animal vivente e, além disso, capaz de existência política; o homem moderno é um animal em cuja política está em questão a sua vida de ser vivente2.

A História nos conta que, com o fim oficial da União das Repú-blicas Socialistas Soviéticas (URSS), em dezembro de 1991, encerrou-se o período Guerra Fria (situação na prática já efetivada com a queda do Muro de Berlim, em novembro de 1989).

Instaurou-se, a partir de então, um novo mundo, calcado em no-vas relações econômicas e geopolíticas, que não mais trazia a anterior marca da divisão leste-oeste nem mais o velho confronto entre o bloco capitalista e o socialista.

2 Cf. FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I. A vontade de saber. 17. ed. Trad. Maria Tereza C. Albuquerque; J. A. Albuquerque. Rio de Janeiro: Graal, 2006.

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No desdobramento do contexto dessa nova realidade, impulsio-nada pela derrubada do obstáculo socialista, a globalização3 estimulou a formação de blocos econômicos com força da dinâmica capitalista.

Nesse passo, exsurge o G7 (Estados Unidos, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Itália e Japão), grupo dos países ricos onde esta-vam fincadas as raízes e a base de apoio da maior parte dos grandes conglomerados empresariais do mundo, e que, posteriormente, dada sua grande aceitação, incluiu a ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéti-cas nesse seleto grupo, passando-se a chamar G84.

Nota-se, nesse passo, que, a partir das últimas três décadas do século XX, as interações transnacionais experimentaram uma magnitude antes não sonhada. Vale dizer: o mundo apresenta-se seccionado em comunidades várias, como a União Europeia, a Nafta, o Mercosul e a Alca5.

Nas palavras de Silva Sanchez e Faria Costa6, a globalização tra-ta-se de um fenômeno, em princípio, econômico, a que corresponde a eliminação de restrições e a ampliação de mercados, Todavia, além de econômica, ela é política, tecnológica e cultural, diz-nos Anthony Giddens7.

Esse fenômeno multifacetado, portanto, não ocorre apenas em ra-zão de transformações na economia, mas abrange perspectivas sociais,

3 A globalização é invocada exaustivamente em discursos políticos, econômicos, culturais, sociológicos e jurídicos. Nas palavras de Ulrich Beck, conceituá-la é algo inconstante, mas, apesar da inconsistência, o autor alemão apresenta um conceito de globalização nos seguintes termos: “Globalização significa a experiência cotidiana da ação sem fronteiras nas dimensões da economia, da informação, da ecologia, da técnica, dos conflitos transculturais e da sociedade civil, e também o acolhimento de algo a um só tempo familiar mas que não se traduz em um conceito, que é de difícil compreensão mas que transforma o cotidiano com uma violência inegável e obriga todos a se acomodarem à sua presença e a fornecer respostas. Dinheiro, tecnologia, mercadorias, informações e venenos ‘ultrapassam’ as fronteiras como se elas não existissem. Até mesmo objetos, pessoas e ideias que os governos gostariam de manter no exterior (drogas, imigrantes ilegais, críticas à violência dos direitos humanos) acabam por encontrar seu caminho. Entendida desta forma, a globalização significa o assassinato da distância, o estar lançado a formas de vida transnacionais, muitas vezes indesejadas e incompreensíveis” (BECK, Ulrich. O que é globalização. Equívocos do globalismo – Respostas à globalização. Trad. André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p. 46-47).

4 Cf. VICENTINO, Cláudio. História geral. 4. ed. atual. e ampl. São Paulo: Scipione, 1997. p. 462-472.5 Cf. SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Direito penal econômico como direito penal de perigo. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2006. p. 50.

6 SILVA SANCHEZ, J. M. A expansão do direito penal: aspectos da política criminal nas sociedades pós-industriais. Trad. Luiz Otavio de Oliveira Rocha. São Paulo: RT, 2006, p. 83; FARIA COSTA, José de. O fenômeno da globalização e o direito penal econômico. Estudos em homenagem ao prof. Doutor Rogério Soares. Boletim da Faculdade de Direto, 61, p. 531.

7 GIDDENS, Anthony. O mundo na era da globalização. Trad. Saul Barata. Lisboa: Presença, 1999, p. 22 et seq.

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culturais e políticas, ou seja, alcança diversos conjuntos de relações sociais8.

Vai-se além! A globalização não consiste numa homogeneização do mundo em torno de parâmetros comuns, mas na reconstituição de espaços assinalados como “centrais” e “cinzentos” (“marginais”). Daí a ideação desenhada por Maillard, em que a globalização trata-se de um “novo tribalismo”, embora a ela ainda não tenha criado um novo espaço social, haja vista que apenas tratou de “desconstruir os quadros sociais existentes”9.

Resultante desse contexto, a geopolítica atual apresenta socieda-des complexas, que são condicionadas pela economia de mercado que interliga os diferentes Estados.

Deparamo-nos, assim, com um quadro no qual o domínio tecno-lógico e dos meios de comunicação pelas grandes empresas transnacio-nais, aliado ao poder econômico exercido mundialmente pelo capital que migra (sem fronteiras) pelo mundo à procura de melhores rendimen-tos, caracterizam o desenvolvimento de uma nova fase do capitalismo: o capitalismo neoliberal, que concebe a globalização econômica e modi-fica gradativamente o conceito clássico de soberania10.

No bojo desse contexto do fenômeno da globalização neolibe-ral, verifica-se o enfraquecimento do conceito de Estado-Nação, como o centro único do poder político e regulador da vida econômica.

Por conseguinte, novas instâncias supranacionais de poder são estabelecidas no cenário mundial, arrasando toda a trama institucional tecida na modernidade, sob a justificativa de que certas reformas – como a estabilidade da moeda e o controle da inflação – devem ser feitas a qualquer custo e que, para tanto, deve-se reduzir a função pública do Estado e abrir espaço para a legalidade do mercado.

8 Cf. SILVA, Tadeu A. Dix. Globalização e direito penal brasileiro: acomodação ou indiferença? Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo: RT, n. 23, p. 82, 1998.

9 Cf. MAILLARD, Jean de. L’ avenirdu crime: vers une societe fractale. Paris: Flammarion, 1997. p. 55. 10 Cf. Fróes: “Ser soberano hoje – e, como já transparece, é indiferente falarmos aqui de um Estado ou uma

Comunidade – é abraçar como sua toda a gama de complexidades, nuances e caminhos sinuosos que marcam a sociedade global. Foi-se o tempo em que soberania correspondia a decidir por um ‘mundo’ e impor-se a um ‘mundo’, fosse este termo referente a um feudo ou a uma nação: hoje, a soberania assume o compromisso de refletir o mundo, desprovido de aspas que um dia garantiram a ela um cerco protetor” (FRÓES, Rodrigo Dias Rodrigues de Mendonça. Soberania: um conceito em evolução. Jus Navigandi, Teresina, a. 17, n. 3439, 30 nov. 2012. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/23121>. Acesso em: 8 set. 2014).

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Ademais, com a constituição da denominada sociedade global, com a financeirização da economia e o advento de novas tecnologias, passou-se a admitir também a abolição das fronteiras, a virtualização dos espaços e a desterritorialização de pessoas, mercadorias e informações.

Da mesma forma, o território nacional perde importância frente à política ditada pelas multinacionais e seus produtos ubíquos11. Passa a haver, portanto, a supressão da capacidade do Estado em gerar políticas públicas e ordenar o desenvolvimento da economia privada segundo o interesse público, dando lugar ao interesse comercial das grandes em-presas transnacionais12. Em consequência, desloca-se o poder nacional para arenas transnacionais ou supranacionais, num ideal darwinista “de que vençam os mais fortes e espertos”13.

No desdobramento desse movimento ideológico da globalização econômica, cujo discurso busca disfarçar a grande desigualdade que produz, revela-nos que o modo de produção capitalista atinge, no capi-talismo neoliberal global, o máximo de eficiência nas suas crueldades intrínsecas, porquanto aumenta a riqueza de poucos e a pobreza e mi-séria de milhares14.

E, no melhor de sua eloquência, essa mesma ideologia neoliberal, cujo sistema é não apenas econômico, mas também político e cultural, faz gerar certo consenso de que aos Estados não resta alternativa ante

11 RIBEIRO, Guilherme. Modernidade e espaço, pós-modernidade e mundo: a crise da geografia em tempos de globalização. Diez años de cambios en el mundo, en la Geografía y en las Ciencias Sociales, 1999-2008. Actas del X Coloquio Internacional de Geocrítica, Universidad de Barcelona, 26-30 de mayo de 2008. Disponível em: <http://www.ub.es/geocrit/-xcol/154.htm>. Acesso em: 26 set. 2014.

12 Como assinala Chomsky, os mercados quase nunca são competitivos. A maior parte da economia é dominada por empresas gigantescas que possuem um formidável controle sobre seus mercados e que, portanto, praticamente desconhecem aquele gênero descrito nos livros de economia e nos discursos dos políticos. E essas empresas são, elas próprias, organizações totalitárias que funcionam com critérios não democráticos. Ademais, o fato de a economia girar em torno dessas instituições compromete gravemente a nossa capacidade de construir uma sociedade democrática. (CHOMSKY, Noam. O lucro ou as pessoas: neoliberalismo e ordem global. Trad. Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 13)

13 Cf. SANTIN, Janaína Rigo. As novas fontes de poder no mundo globalizado e a crise de efetividade do direito. Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n. 25, p. 79-92, 2009. Disponível em: <http://www4.jfrj.jus.br/seer/index.php/revista_sjrj/article/viewFile/3/2>.

14 FREIRE, Paulo. Globalização ética e solidariedade. In: DOWBOR, Ladislau; IANNI, Octavio; RESENDE, Paulo-Edgar A. (Org.). Desafios da globalização. Petrópolis: Vozes, 1998. p. 248. Neste mesmo sentido, MCCHESNEY, Robert W. Introdução. In: CHOMSKY, Noam. O lucro ou as pessoas: neoliberalismo e ordem global. Trad. Pedro Jorgensen Jr. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002. p. 08. “As consequências econômicas dessas políticas têm sido as mesmas em todos os lugares e são exatamente as que se poderia esperar: um enorme crescimento da desigualdade econômica e social, um aumento marcante da pobreza absoluta entre as nações e povos mais atrasados do mundo, um meio ambiente global catastrófico, uma economia global instável e uma bonança sem precedente para os ricos. Diante desses fatos, os defensores da ordem neoliberal nos garantem que a prosperidade chegará inevitavelmente até as camadas mais amplas da população – desde que ninguém se interponha à política neoliberal que exacerba todos esses problemas!”.

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a globalização senão aplicar políticas econômicas baseadas na privati-zação, no controle da inflação e na desregulação dos mercados – num discurso que pretende convencer de que só assim é possível garantir a competitividade de suas economias!

Nessa nova ordem mundial, como nos esclarece Noam Chomsky (a mais importante figura intelectual da luta pela democracia participa-tiva), o poder concentra-se nas mãos dos representantes das empresas transnacionais privadas, instituições “totalitárias por natureza”, influindo de cima para baixo e excluindo das decisões o público externo.

Trata-se, deste modo, de um sistema ditatorial e antidemocrático, tendo em vista que o poder decisório sobre investimentos, produção e comércio é centralizado e alheio ao conhecimento e influência de tra-balhadores, consumidores e cidadãos.

Até porque é digno de nota que grande parte do comércio mundial já não é mais entre nações, mas “intraempresas” – que trazem em seu âmago a enorme capacidade de deslocarem suas etapas produtivas para outras localidades com o fito de enfrentar as barreiras protetivas ambien-tais, os direitos trabalhistas e demais conquistas dos “trabalhadores do Ocidente”15.

Calha esclarecer!

As empresas transnacionais desconhecem fronteiras e seu núcleo estratégico na maioria das vezes é uma fachada, atrás da qual circulam subgrupos descentralizados e difusos, espalhados por todo o mundo, a conferir caráter cosmopolita à produção e ao consumo no intuito de integrar a atividade econômica mundial, com a difusão dos valores oci-dentais a todas as coletividades, numa verdadeira ocidentalização do mundo16.

Colocam-se, portanto, acima das fronteiras nacionais e das diver-sidades nos regimes políticos, tradições, culturas e inclinações sociais de

15 CHOMSKY, Noam. Novas e velhas ordens mundiais. Trad. Paulo Roberto Coutinho. São Paulo: Scritta, 1996. p. 233-234.

16 IANNI, Octávio. A sociedade global. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996. p. 69-88. Cf. Charles Melman: “No Chile, no deserto de São Pedro de Atacama, há um oásis com três a quatro mil pessoas, a maioria de jovens originados do povo inca, que habitava a região. Pelo que se interessam esses jovens de origem indígena, no fundo do deserto? Pelos mesmos objetos de consumo oferecidos em Xangai, no Rio de Janeiro e em Paris. O que vale sua cultura de origem em relação a esse culto de objetos? Nada” (CORTÊS, Celina. Charles Melman. A era do prazer. Entrevista. Revista Isto É, n. 1824, 22 set. 2004. Disponível em: <http://www.istoe.com.br/assuntos/entrevista/detalhe/10556_A+ERA+DO+PRAZER?pathImagens&path&actualArea=internalPage#.VAW5_8htsCc.facebook>. Acesso em: 1º set. 2014).

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cada país, extrapolando fronteiras preestabelecidas e movimentando-se pelo globo terrestre, de modo a transformar o mundo numa verdadeira “fábrica global”17.

Diante dessa perspectiva que se descortina, é hialino que essas novas estruturas de poder vigentes em escala global, substitutivas do Estado-Nação e articuladas segundo os princípios de economia (de mer-cado, da apropriação privada, da reprodução ampliada do capital e da acumulação capitalista em escala global), podem, facilmente, provocar a concorrência entre dois ou mais Estados ou entre duas ou mais regiões dentro de um mesmo Estado.

É que a fonte de poder hodierna, que traz a movimentação de um mundo cada vez mais interdependente, ao analisar as condições pre-determinadas para localização de um investimento, numa negociação visivelmente desigual, transformam as sociedades nacionais em depen-dências da sociedade global, uma vez que impõem a estas sua política neoliberal18.

A esse panorama, esquadrinhado ao lado das corporações trans-nacionais, soma-se a atuação independente do FMI, do BIRD e da OMC – organizações multilaterais, com capacidade de atuação em concor-dância e em oposição a governos nacionais e que possuem recursos não só monetários, mas também jurídico-políticos suficientes para orientar, induzir ou impor políticas monetárias, fiscais e outras de cunho neolibe-ral – que se tornaram poderosas agências de privatização, desestatiza-ção, desregulamentação, modernização ou racionalização, sempre em conformidade com as exigências do mercado, das corporações transna-cionais ou do desenvolvimento extensivo e intensivo do capitalismo no mundo19.

Diga-se de passagem, tamanha a relevância de tais organizações nos dias atuais que o sistema monetário internacional vem substituindo o capital produtivo, no setor de circulação da economia, pelos capitais es-peculativos. Noutra palavra! Visível o “processo de valorização artificial

17 IANNI, Octávio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. p. 138; e, no mesmo sentido: IANNI, Octávio. Teorias da globalização. 4. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1997. p. 17-18.

18 GIDDENS, Anthony. As consequências da modernidade. Trad. Raul Fiker. São Paulo: Unesp, 1991. p. 75.19 IANNI, Octávio. A Era do globalismo. Ob. cit., p. 125.

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da riqueza”20 dentro de um mercado global de capitais desterritorializa-dos, onde se vislumbra um torneio de ganhos fáceis e inconsequentes.

Id est, passa a haver uma valorização do capital em detrimento do setor produtivo, tanto por parte das empresas transnacionais como pelos governos e especuladores: inaugura-se um quadro de “rentismo institucionalizado”21.

Diminui-se, portanto, a própria possibilidade de uma política eco-nômica nacional, visto que as políticas monetária e fiscal são frequen-temente dominadas por movimentos nos mercados financeiros interna-cionais.

E, neste hiato, não se pode olvidar que os governos havidos dão lastro a denotada situação, haja vista serem peças-chave nesse sistema, porquanto subsidiam prodigamente as grandes empresas e trabalham para promover os interesses empresariais em numerosas frentes. Dessa forma, para que se possibilite a entrada de capitais externos dentro dos Estados nacionais, é indispensável que as regras se reduzam ao mínimo possível22.

É neste ponto que Tarso Genro aponta os perigos que esse neoli-beralismo pode trazer ao aspecto social:

O neoliberalismo, em consequência, é “moderno” e benigno: ele quer tirar o “peso do Estado” das costas do cidadão, quer liberdade de mo-vimentos para todos, menos leis, mais espaço para a economia desen-volver-se livremente... Isso significa dizer que as políticas públicas do Estado, que se propõem a reduzir desigualdades e compensar as diferen-ças naturais e de origem social que existem entre os homens, devem ser desprezadas. (Genro, 1995, p. 5)

Desse modo, pode-se concluir que essas novas estruturas de po-der vigentes em escala global, substitutivas do Estado-Nação, em ver-dade recriam relações imperialistas de poder, os quais acentuam a con-centração do poder econômico e agravam a questão social em âmbito mundial. No dizer de Octávio Ianni, esses centros “recriam os nexos de cunho imperialista; mas em outros níveis, com outra dinâmica”23.

20 SILVA, César Augusto da. Reformas econômicas da América Latina no contexto da globalização. In: OLIVEIRA, Odete Maria de. Relações internacionais & globalização. Ijuí: Unijuí, 1998.

21 IANNI, Octávio. Globalização e neoliberalismo. São Paulo em Perspectiva, São Paulo, v. 12, n. 2, p. 27-32, p. 28, abr./jun. 1998.

22 Cf. MCCHESNEY, Robert W. Introdução. In: CHOMSKY, Noam. Op. cit., p. 14.23 IANNI, Octávio. A era do globalismo. Ob. cit., p. 233.

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Dito isso, imperioso observar que as modificações que ocorrem na esfera da configuração do modelo de Estado, do social para o neolibe-ral, repercutem, ademais, na elaboração da Política Criminal que visa a combater a criminalidade econômico-financeira – que assume especial relevância empós a globalização, dada a fluidez e a incessante continui-dade das relações financeiras globais.

Cumpre externar!

A tendência de se primar pela reduzida intervenção estatal na eco-nomia, uma vez que a perspectiva atual neoliberal é no sentido de a economia se conduzir por si24, dificulta a implementação de medidas que visem a evitar determinadas ações delituosas.

E é nesse cenário que Jean Ziegler profetiza uma “ruptura civiliza-cional”, em que o denominado crime organizado se instala como a fase última do capitalismo25.

24 “Uma das operações teóricas e políticas mais bem-sucedidas do neoliberalismo foi instaurar os debates em torno da oposição entre estatal e privado. Deslocar o debate para esse eixo impõe um campo duplamente favorável ao liberalismo, porque, por um lado, permite uma mais fácil desqualificação do estatal e, por outro, desloca um dos termos essenciais do debate: o público. Porém a oposição estatal/privado reduz o debate a dois termos que, na realidade, não são necessariamente contraditórios, porque o estatal não é um polo, mas um campo de disputa, que, nos nossos tempos, é hegemonizado pelos interesses privados. Já o privado não é a esfera dos indivíduos, mas dos interesses mercantis – como se vê nos processos de privatização, que não constituíram processos de desestatização em favor dos indivíduos, mas das grandes corporações privadas, aquelas que dominam o mercado – a verdadeira cara por trás da esfera privada no neoliberalismo. O polo oposto ao estatal, nesse esquema, é a negação da cidadania, é o reino do mercado, aquele que, negando os direitos, nega a cidadania e o indivíduo como sujeito de direitos. [...]. Dentro do próprio Estado se desenvolve o conflito e a luta entre os que defendem os interesses públicos e os mercantis, entre o que Pierre Bourdieu chamou de braços esquerdo e direito do Estado. O público se fundamenta nos cidadãos, nos indivíduos como sujeitos de direitos, enquanto o mercado congrega aos componentes do mercado os consumidores, os investidores. O primeiro tem na sua essência a universalização de direitos; o segundo, a mercantilização do acesso ao que deveriam ser direitos: educação, saúde, habitação, saneamento básico, lazer, cultura. O público se identifica com a democracia, seja pelo compromisso com a universalização dos direitos, seja pela possibilidade de controle pela cidadania, enquanto, ao se mercantilizarem esferas da sociedade, privatizando-as, retira-se da cidadania a capacidade de controle sobre elas”. Portanto, a conclusão mais óbvia e definitiva é que “a polarização essencial não se dá entre o estatal e o privado, mas entre o público e o mercantil” (Cf. SADER, Emir. Público versus mercantil. Folha de São Paulo, 19 jun. 2003. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz1906200310.htm>. Acesso em: 8 set. 2014). Do mesmo modo, Bourdieu & Wacquant chamam a atenção para a estranha nova língua “cujo vocabulário, aparentemente surgido em lugar nenhum, está em todas as bocas: mundialização e flexibilidade; governança e empregabilidade; underclass e exclusão; nova economia e tolerância zero; comunitarismo, multiculturalismo e seus primos pós-moderno, etnicidade, minoridade, identidade, fragmentação etc.”. Alertam, ademais, para a surpreendente ausência de termos como “capitalismo”, “classe”, “exploração”, “dominação”, “desigualdade” e que “tantos vocábulos peremptoriamente revogados sob o pretexto de obsolescência ou de impertinência presumidas – é o produto de um imperialismo propriamente simbólico”. Igualmente, chamam a atenção para seus efeitos poderosamente perniciosos, que o seriam ainda mais porque utilizados não somente pelos neoliberais convictos, que, sob a capa de modernização, fazem tábula rasa de cem anos de conquistas sociais, mas também pelos produtores culturais (pesquisadores, escritores, artistas) e por militantes de esquerda, que, em sua maioria, consideram-se progressistas (Cf. BOURDIEU, Pierre; WACQUANT, Loic. La nouvelle vulgateplanétaire. Le Monde Diplomatique, 6-7 maio 2000. Disponível em: <www.monde-diplomatique.fr/2000/05/BOURDIEU/13727>. Acesso em: 8 set. 2014).

25 ZIEGLER, Jean. Les seigneurs du crime: les nouvelles mafias contre la démocratie. Paris: Seuil, 1998. p. 48.

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Exsurge, nessa vereda, a multiplicação de uma criminalidade or-ganizada através de redes densificadas e a criação de sociedades com semelhante escopo criminal.

Nessa baila, a criminalidade recrudesce, cresce e se organiza. Em determinadas situações, chega a ter recursos próprios e estruturação si-milar ao de um governo instituído, como verdadeiros Estados paralelos.

Tamanha a verdade dessa nova onda organizada de ilícitos, que se pode vislumbrar a ocorrência de tal macrocriminalidade no mundo todo (que, se antes restrita a ideação de meras associações criminosas26, hoje denota um dos maiores mecanismos de criminalidade: a econômica).

Por essa razão, a atenção mundial hoje se dirige a tal modalidade deletéria.

Até porque é visível a fragilidade do mercado havido.

Aliado a isso, é digno de nota que o aparecimento de realidades outrora inexistentes (como a exteriorizada) e a deterioração de outros institutos antes abundantes auxiliaram a expansão do direito penal eco-nômico.

Exemplifica-se!

A globalização, por trazer em seu corpo a interligação entre todos os mercados mundiais, tornou o patrimônio de grande parcela da popu-lação mais exposto a fraudes a serem cometidas em todos os bancos do mundo, haja vista a ampliação de investimentos no mercado de capitais e da crescente captação de recursos pelas instituições financeiras.

Por essa razão, a recente crise de 2008 (a maior desde o crack da bolsa de Nova York em 1929), que, ocasionada pela ganância e irres-ponsabilidade de alguns operadores do mercado financeiro, provocou consideráveis perdas econômicas e desemprego em diversos países do globo.

De mais a mais, é possível ainda ilustrar (exemplificativamente) outras situações que trouxeram o direito penal econômico para o epi-centro do mundo globalizado: a) o uso de informações privilegiadas nos

26 Exempli gratia: o caso das máfias italianas, combatidas por intermédio do sistema de colaboração processual aliada às ostensivas políticas de combate àquela modalidade deletéria. Pari passu a essa realidade, o Brasil também tem sofrido com tal inteligência criminosa: verbi gratia, a existência de cada vez emergirem maiores e bem engendradas associações ilícitas, como o denominado Comando Vermelho (CV), no Rio de Janeiro, ou o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo.

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crimes contra o sistema financeiro; b) a sonegação previdenciária, que, pelo aumento da expectativa de vida das pessoas, tende a resultar em uma verdadeira crise num futuro próximo; c) a pirâmide financeira, que ganhou outra dimensão empós Bernard Madoff, uma vez que trouxe um prejuízo acumulado (estimado em 65 bilhões de dólares) a seus investi-dores; e, d) por fim, a industrialização, que, pelo avanço tecnológico e o domínio econômico instável, nos trouxe uma sociedade de riscos – que contribui para uma incerteza social e uma crescente insegurança.

Verbera-se, deste modo, consoante muitos autores atestam e de-monstram, que o crime do mundo global é, por excelência, o econômi-co27 – não obstante outras condutas, como os casos de tráfico de pesso-as, imigração ilegal e crimes contra a humanidade, também serem tidas como frutos da globalização28.

Nesse sentido, na expressão de Silva Sánchez:

La delincuencia de la globalización es económica, en sentido amplio (o, en todo caso, lucrativa, aunque se pongam en peligro otros bienes jurídicos). Ello significa que la reflexión jurídico-penal tiene, por prime-ra vez, como objeto esencial de estudio delitos claramente diversos del paradigma clásico (el homicidio o la delincuencia patrimonial tradicio-nal). Se trata de delitos calificados criminológicamente como crimes of the powerful; de delitos que tienen una relación legal insuficientemente asentada; y de delitos cuja dogmática se halla parcialmente pendiente de elaboración. Todo lo cual ha de redundar en una configuración de los mismos sobre bases significativamente diversas de las del Derecho penal clásico (de la delincuencia pasional o de los crimes of the powerless).29

Passado esse prolegômeno, é indiscutível que, para uma melhor compreensão e aplicação jurídica deste volátil campo do saber, faz-se imprescindível demarcar a área de abrangência do direito penal econô-mico.

Daí passemos ao estudo do bem jurídico penalmente tutelado, que é o responsável por delimitar as hipóteses de intervenção jurídico-penal.

27 SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. Op. cit., p. 82. 28 Segundo QUINTERO OLIVARES, Gonzalo. El derecho penal ante la globalización. Reflexiones sobre las leyes

penales y los penalistas españoles. Madrid: Civitas, 2004. p. 15 e ss.; TERRADILLOS BASOCO, Juan Maria. Marginalidad social, inmigración, criminalización. El derecho penal ante la globalización. Madrid: Colex, 2002. p. 135 e ss.

29 SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del derecho penal. Aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 1999. p. 85-86.

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2 O BEM JURíDICO PENALMENTE TUTELADO PELO DIREITO PENAL ECONÔMICO (WIRTSCHAFTSSTRAFRECHT), NUMA PERSPECTIVA BRASILEIRA

Desde o constitucionalismo contemporâneo, que une a força normativa (do constitucionalismo francês) e a garantia jurisdicional (do constitucionalismo americano), é hialina a supremacia da Magna Carta em relação a outras matérias jurídicas que dela são corolário. Dessa relação de verticalidade de poder exsurge o fenômeno da filtragem cons-titucional (contaminação virótica da constituição), que impõe a releitura de todas as searas sob à óptica da bíblia política30.

De tal arte, inexiste bem jurídico que não esteja, antes de assegu-rado no Código Penal, protegido no epicentro da Constituição. Daí o dizer de que compete ao Estado social e democrático de direito oferecer o ponto de partida para determinar a função do direito penal hodierno31.

Até porque tal conformação das diversas ramificações do Direito com o texto supremo de um Estado vem a fornecer o espeque legitima-tório da organização da ordem política32.

Nessa vereda, é do corpo da Magna Carta que extraímos os bens jurídicos protegidos (antes de condensados no Codex punitivo), que muitas vezes se encontram enraigados (a contrario sensu) em mandados constitucionais de criminalização. Antolha-se, assim, que bem jurídico é um valor ontológico que preexiste ao ordenamento posto.

Diga-se, en passant, que o direito penal econômico33 (que trans-cende o indivíduo) não fica estanque a esse fenômeno.

Vale dizer!

Do cerne de nossa Bíblia Política extrai-se a fonte do bem jurídico a ser tutelado por tal temática. É lá, em seu bojo, que podemos vislum-

30 PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi de Almeida. Constitucionalismo contemporâneo e suas consequências valorativas. Revista Brasileira de Direitos Humanos, Porto Alegre: Lex Magister, v. 6, p. 68, jul./set. 2013.

31 PUIG, Santiago Mir. Revisión de la teoria del delito en um Estado social y democrático de derecho. Libro homenaje a José Rafael Mendoza Troconis. Caracas: Universidad Central de Venezuela Faculdad de Ciencias Jurídicas y Políticas, t. 2, 1998. p. 195-289 apud CARDOZO, Teodomiro Noronha. Lei penal econômica e objeto de proteção: o bem jurídico econômico. Revista Duc in Altum, Caderno de Direito, v. 2, n. 2, jan./dez. 2010. p. 160.

32 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 3. ed. Coimbra: Almedina, 1999. p. 232.

33 Matéria que só ganha corpo com o aparecimento de uma economia dirigida e centralizada, uma vez que o Estado carece de interesse para intervir na manutenção da ordem econômica enquanto existentes condições que outorguem aos operadores financeiros a liberdade para o desenvolvimento destas relações (MARTOS NUÑES, Juan Antonio. Derecho penal econômico. Madrid: Editorial Montecorvo, S.A., 1987. p. 113).

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brar diversos valores (axio) que dão lastro a uma visão holística do siste-ma econômico vigente e protegido.

À guisa de ilustração, logo na comezinha ideação acerca dos fun-damentos de nossa Constituição, encontram-se os valores sociais do tra-balho e da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CRFB). Esse vetor, pelo efeito prisma havido, influenciou a criação de diversos outros dispositivos (não só constitucionais), bem como trouxe a interpretação de inúmeros arti-gos com o pálio neste espírito (mens).

É nessa vertente, verbi gratia, que se faz presente, ainda no corpo constitucional, a presença da livre concorrência como um dos princípios fundamentais da ordem econômica e tributária (art. 170, IV, da CRFB), de modo que, por intermédio de lei, reprimir-se-á o abuso do poder econômico que vise à dominação de mercados, à eliminação da con-corrência e ao aumento arbitrário dos lucros (art. 173, § 4º, da CRFB).

De mais a mais, ainda com assento em nossa ordem maior, fun-damento de validade de todas as demais normas jurídicas34, é possível professar que a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa mística (ente de existência ideal), “estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-se às punições compatíveis com sua natureza nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular” (art. 173, § 5º, da CRFB).

Id est, tal qual se perfaz com a tutela do meio ambiente (art. 225, § 3º, da CRFB), viabilizou-se a adoção da teoria da dupla imputação (responsabilidade por ricochete/empréstimo) quanto aos atos deletérios perpetrados contra a ordem econômica. Deste modo, sem vilipêndio ao princípio da responsabilidade pessoal, franqueia-se a punição da pessoa jurídica beneficiada (que não possui um dos elementos necessários da conduta: a vontade) se houver a sanção concomitante da pessoa física (ente de existência visível) dirigente daquela.

34 NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 2. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Método, 2008. p. 58. Naquilo que se convencionou chamar de pirâmide jurídica, as normas inferiores buscam validade nas normas que lhes são superiores e, assim, sucessivamente, até as normas constitucionais, sob pena de deixarem de ter validade no ordenamento jurídico. Ensina-nos Roque Antonio Carrazza. A Constituição ocupa o patamar mais elevado, dando fundamento de validade às demais normas jurídicas, pois ela representa o escalão de direito positivo mais elevado. “Sobremais, ela dá validade a si própria, já que encarna a soberania do Estado que a editou” (CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 28). Por demais, ainda acrescenta que “a Constituição não é um mero repositório de recomendações, a serem ou não atendidas, mas um conjunto de normas supremas que devem ser incondicionalmente observadas [...]” (Idem, ibidem).

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Nessa toada, vislumbra-se que o direito penal contemporâneo pas-sa a se proteger, além de comportamentos lesivos a bens individuais e concretos (como vida, patrimônio etc.), de atuações deletérias voltadas a interesses transindividuais e abstratos (como meio ambiente e ordem econômica).

É nessa tônica, diga-se de passagem, que se encontra o bem jurí-dico penalmente tutelado pelo direito penal econômico, que tem como seu valor central a ordem econômica e financeira – essencial ao mode-lo de Bem-Estar Social (Welfare State) e a sua dinâmica, havida pós-1ª Guerra Mundial, de uma política estatal intervencionista em favor dos direitos e garantias fundamentais (em especial: a implementação de di-reitos sociais35).

Dada essa sua peculiaridade, de um bem jurídico que transcende ao indivíduo e que foge do direito penal clássico (adstrito a bens indivi-duais), faz-se necessário destacar que a seara econômica não fica estan-que ao ordenamento criminógeno, de modo que os princípios existentes ao direito penal comum a ele se estendem e se aplicam.

Daí, como todo direito penal, a acepção econômica (Wirtschaftss-trafrecht) também traduz um mecanismo de controle social que, pelo axioma da intervenção mínima, é a ultima ratio, a derradeira trincheira aos comportamentos humanos indesejados (subsidiariedade) e que guar-nece os bens jurídicos a ela mais relevantes, com punição as condutas mais intoleráveis e lesivas (fragmentariedade).

Desta sorte, partindo-se da premissa de que o bem jurídico a ser tutelado é a ordem econômica, é necessário professar que o Estado, prin-cipal responsável pelo direito de punir36 (direito penal subjetivo), só vem

35 É imperioso observar que as balizas sociais, onde o direito penal econômico se funda, se fazem presentes desde a antiguidade. Ora, se a preocupação primordial de tal instituto é a defesa da economia, como forma de se trazer a proteção do patrimônio da população em geral, é indiscutível que as bases do direito agora estudado remontam desde a civilização Helênica (Grécia), onde havia a punição de mercadores monopolistas que armazenavam seus produtos excedentes para forçar a alta de seus demais artefatos. Outrossim, é veraz que em Roma, de maneira similar, se punia àqueles que aumentavam os preços, por intermédio de monopólio, de qualquer utilidade destinada a uso essencial do povo.

36 É imperioso observar que o direito de punir não é monopólio estatal, apesar de constituir sua regra. A Lei nº 6.001 (Estatuto do Índio), de 19 de dezembro de 1973, exempli gratia, traz, em seu corpo, a possibilidade de grupos tribais, de acordo com suas próprias instituições, aplicar sanções penais ou disciplinares contra os seus membros, desde que não se revistam de caráter cruel ou infamante, sendo vedada, de igual modo, a pena de morte (art. 57). Pari passu, ainda é digno de nota observar o tempero existente a esta atuação estatal. Isso porque, com espeque no Tratado de Roma, berço do Tribunal Penal Internacional, há uma complementaridade entre a justiça interna e a comunidade internacional, no âmbito do direito penal internacional. Vale dizer! Com o passar da noção de soberania de Thomas Hobbes (centrada no absolutismo estatal) para a concepção de John Locke (pautada no Estado liberal e na limitação da soberania) e com a evolução do Direito das Gentes (droit des gens/Volkerrecht/law of Nations), observou-se que nenhum Estado é ilimitado em sua soberania.

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a se preocupar quanto ao abuso do poder econômico se presentes atos ilícitos capazes de ocasionar graves danos ao mercado e, consequente-mente, a sua livre concorrência (art. 170, IV, da CRFB), dado o apotégma da ofensividade (nullum crimen, nulla poena, sine iniuria) – mesmo que a criminalidade econômica, qualquer que seja ela, cause efeitos colate-rais econômicos e sociais (diretos ou indiretos) à coletividade potencial-mente mais lesivos que aqueles trazidos pelo direito penal clássico.

A problemática que aqui se instaura, entrementes, é a delimitação trazida, pelos operadores do Direito, quanto à ideação do que seria a ordem econômica a ser tutelada. Isso porque é dentro dela que se devem estabelecer as limitações e as possibilidades de intervenção jurídico- -penal.

Cumpre esquadrinhar!

Com estofo neste novo panorama global que se instaurou e, por demais, com lastro na ordem econômica a ser protegida, houve uma expansão37 do direito penal econômico acarretada pelo incremento e a criação de novas modalidades deletérias – como a) a existência de bens jurídicos universais, b) a tipificação de crimes vagos (sem vítima ou com vítimas indefinidas) e, derradeiramente, c) a utilização de delitos de pe-rigo38.

Ocorre que, como o movimento de um pêndulo, emerge uma cor-rente doutrinária reacionária a este pensar.

Capitaneada por Winfried Hassemer, a escola de Frankfurt exter-nava um modelo ultraliberal de intervenção jurídico-penal39, em que o

Como denota Jorge Miranda, até o poder constituinte originário apresenta limitações heterônomas, advindas de princípios, regras e atos do direito internacional (MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, t. II, 2000. p. 110). Decerto, não por outra razão, o Estatuto de Roma asseverou, ao disciplinar o Tribunal Penal Internacional, que, para a existência de uma maior proteção aos direitos humanos (haja vista que referido tribunal cuida, tão só, dos ilícitos de: a) crime contra humanidade; b) genocídio; c) crimes de guerra e d) agressão), haveria uma competência complementar às jurisdições penais nacionais (art. 1º). Ou seja, se presentes algumas das condições descritas no art. 17 do Estatuto de Roma (como a ausência de vontade e disposição, por parte do Estado, de punir um dos crimes atinentes ao Tribunal Penal Internacional), haverá o reconhecimento subsidiário da competência internacional, deslocando o direito penal subjetivo (interesse de punir) do Estado para o Tribunal Penal Internacional.

37 Ver: CEPEDA, Ana Isabel Pérez. La seguridad como fundamento de la deriva del derecho penal postmoderno. Madrid: Iustel, 2007. p. 313.

38 MARTÍNEZ-BUJÁN PÉREZ, Carlos. Delimitatión conceptual del derecho penal econômico; legitimidad de la intervención penal: especial referencia a la cuestion del bien jurídico protegido. In: Derecho penal econômico y de la empresa. Parte general. 2. ed. Valencia: Tirant do Blanch, 2007. p. 76.

39 “Winfried Hassemer aboga por la creación de un ‘derecho de intervención’, ‘ubicado entre el derecho penal y el derecho sancionatorio administrativo, entre el derecho civil y el derecho público, con un nivel de garantías y formalidades procesales inferior al del derecho penal, pero también con menos intensidad en las sanciones que pudieran imponerse a los individuos’. En ‘Viejo y nuevo derecho penal’, en ‘Persona,

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bem jurídico a ser protegido era meramente individualista (direito penal nuclear), haja vista que a expansão do direito penal econômico, como cunhada acima, seria utilizada para resolver problemas sociais de forma simbólica (tão só para tranquilizar a opinião pública), e não efetiva!

Nessa acepção, o sistema penal não poderia ser utilizado como instrumento de tutela de novos e grandes riscos das sociedades contem-porâneas e vindouras, uma vez que, se assim o fizesse, debelar-se-ia a concepção de o direito penal ser a ultima ratio, tornando-se ele o primei-ro ou, quiçá, o único meio de proteção de bens jurídicos.

Indo além! De acordo com essa ideação, a criação de bens jurí-dicos universais e abstratos (dada sua definição vaga) poderia sobejar numa excessiva antecipação de proteção, oriunda da constante utiliza-ção de crimes de perigo abstrato. Destarte, como efeito dominó (peda-lada), tal fato levaria à flexibilização de garantias penais clássicas e, por consequência, dificultaria a contenção do arbítrio estatal40.

Tal elucubrar – ainda que tenha dado azo para uma digladiação mais ampla quanto a) à legitimidade do direito penal, b) às razões de sua existência e c) ao aumento do poder punitivo em determinados campos sociais – não prosperou!

É que o Direito está em constante transformação para acompanhar a evolução da sociedade. Nesse passo, para que houvesse essa adapta-ção do Direito à comunidade contemporânea, é hialino que as balizas jurídicas não podem ser as mesmas trazidas na época do período Ilumi-nista (Aufklärung, Siècle des Lumières).

Aliado a isso, o direito penal traçado para tutelar exclusivamente ataques contra bens jurídicos estritamente individuais traz o risco de converter-se em uma matéria simplista, que nem sequer se atenta para as peculiaridades vigentes no contexto pós-globalização.

Até porque o aparecimento de novos conflitos sociais e de danos substancialmente diversos daqueles que preteritamente existiam deman-da uma readaptação do direito penal para fazer-se inserir, em seu bojo, esses setores antes não alcançados.

mundo y responsabilidad’.” (ADRIASOLA, Gabriel; CERVINI, Raúl. El derecho penal de la empresa desde una visión garantista: metodología, criterios de imputación y tutela del patrimonio social. Montevideo-Buenos Aires: B de F, 2005. p. 72)

40 HASSEMER, Winfried. Lineamientos de una teoría personal del bien jurídico. Doctrina penal – Teoria y prática en las Ciencias Penales. Buenos Aires: Depalma, a. 12, n. 45 a 48, 1989. p. 279.

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Id est, diversamente do que muitos cultores do direito vislumbram, essa tendência expansionista não traduz uma criminalização descontro-lada, mas, sim, uma legitimação de novos e precípuos valores havidos no âmago da sociedade, que, dada sua importância, merecem uma po-lítica intervencionista para sua proteção.

Noutra palavra! A definição material do bem jurídico penalmente relevante não pode ignorar a realidade social na qual o bem está inse-rido. Faz-se imperioso haver uma concepção aberta para que se possa adaptar determinado sistema às modificações sociais e aos progressos científicos, de modo a garantir que, com isso, “a escolha dos bens reflita as reais necessidades sociais”41.

De tal arte, com esse novo prisma, exsurgiu uma verdadeira (e legítima) revolução na estrutura deletéria.

Legitimou-se a criação, pautada em valores constitucionais, de no-vas modalidades ilícitas com bens jurídicos universais, com a tipificação de crimes vagos (sem vítima ou com vítimas indefinidas) e com a utili-zação de delitos de perigo, de modo a reduzir a prática de atos privados capazes de afetar o convívio pacífico entre os indivíduos.

Vislumbrou-se, nesse passo, que, diversamente do que compreen-diam os seguidores da Escola de Frankfurt, a tutela de bens jurídicos de ordem coletiva não é uma inovação trazida pelo direito penal econômi-co ou pela atual sociedade de risco havida (apesar de ter sido reforçada por ela), uma vez que sua existência já era externada de maneira prévia na proteção da fé pública e na administração da justiça.

Isso porque é hialino que o direito penal, para conter o arbítrio estatal em sua acepção punitiva, observa duas balizas imprescindíveis: a violência desenhada no corpo da sociedade e, por demais, a preocu-pação com os instrumentos necessários para reduzir a prática de atos privativos que afetam o convívio pacífico entre os indivíduos.

É no cerne deste binômio representativo do direito penal subjetivo que se exterioriza a legítima e admissível proteção dos bens jurídicos

41 RAPOSO, Guilherme Guedes. Bem jurídico tutelado e direito penal econômico. In: SOUZA, Artur de Brito Gueiros (Coord.). Inovações no direito penal econômico – Contribuições criminológicas, político-criminais e dogmáticas. Brasília: Ideal, 2011. p. 279. No mesmo sentido: ROXIN, Claus. Derecho penal – Parte general. La estructura de la teoria del delito. Traducción de la 2. ed. alemana y notas por Diego-Manuel Luzón Peña, Miguel Díaz y García Conlledo y Javier de Vicente Remesal. 1. ed. Madrid: Civitas, t. 1, 1997. p. 57-58; PRADO, Luis Regis. Bem-jurídico penal e Constituição. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 82.

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abstratos e coletivos – que, tão só, ganharam maior vigor com a nova realidade deletéria e com a expansão do direito penal econômico.

Equivocado, portanto, o descarte (realizado pelos seguidores do elucubrar Winfried Hassemer) genérico de ações humanas indesejadas pela coletividade e que vilipendiam objetos jurídicos coletivos e abstra-tos, tão só, por inexistir referibilidade com um indivíduo concreto.

Exempli gratia: tal pensar, de que somente bens concretos entra-nhados a pessoas individualizáveis fossem objeto de proteção pelo di-reito penal, nos levaria a errônea ideação de haver uma escala de pre-ponderância (em nível de importância) quanto à defesa de certos bens individuais (v.g., propriedade) em relação a outros bens, de cunho cole-tivo e abstrato, que traduzem elementos basilares à manutenção de uma vida digna para as presentes e futuras gerações (v.g., meio ambiente).

Olvidar-se-ia, de mais a mais, que as maiores lesões econômicas (patrimoniais) suportadas pelos seres humanos no contexto atual emer-gem de comportamentos que afetam certos bens difusos e abstratos.

Ilustra-se! A gestão fraudulenta de uma instituição financeira traz uma enorme potencialidade lesiva ao patrimônio de um número consi-derável de indivíduos. Mutatis mutandis, o estelionato não.

Nesse luminar, como assevera Guilherme Guedes Raposor:

O que é fundamental para a legitimidade destes bens não é sua ligação direta e imediata com um interesse individual determinado, mas sim sua essencialidade para a manutenção de uma vida livre e pacífica em socie-dade e sua vinculação com o texto constitucional.42

Não por outra razão, a Constituição Cidadã (1988) e os demais textos constitucionais hodiernos vigentes no mundo, atentos ao cenário que já se descortinava a sua frente empós 1ª Guerra Mundial, passaram a cunhar garantias fundamentais de 2ª dimensão, voltados à proteção e à concreção de direitos sociais, culturais e econômicos43.

Desta sorte, extraímos a guarida (retromencionada) dada à transin-dividual ordem econômica (art. 170 da CRFB): a) berço44 dos novos va-

42 RAPOSO, Guilherme Guedes. Ob. cit., p. 283.43 DIAS, Jorge Figueiredo. Direito penal – Parte geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, t.1, 2007. p. 149.44 Desmiúde! A ordem econômica não pode ser caracterizada como bem jurídico imediato, mas, tão somente,

como mediato. “Essa distinção é feita originariamente por autores alemães e foi aplicada pela doutrina espanhola aos crimes de perigo abstrato que tutelam bens imateriais. Como os delitos de perigo abstrato não são suficientes para lesionar os bens jurídicos imateriais, uma vez que uma simples conduta individual não

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lores a serem protegidos com a tipificação de novas modalidades ilícitas (protetivas de interesses coletivos e abstratos) e, b) ademais, alicerce do direito penal econômico.

Passada essa análise (acerca do objeto jurídico tutelado), a gran-de questão a ser enfrentada, a partir de agora, está relacionada à forma como a recepção destes novos bens influenciará a estrutura do delito.

É que, se de um dos lados da moeda é possível que os delitos eco-nômicos tenham a mesma estrutura dos delitos clássicos, do outro cunho dela, não se pode acomodar nos tradicionais princípios de imputação as características dos novos delitos, referentes a questões como responsabi-lidade penal das empresas45, causalidade, resultado etc.46.

Deste modo, verticalizemos!

3 AVALIAÇÃO DOS CRITÉRIOS MAIS APROPRIADOS à DELINqUÊNCIA ECONÔMICA CONTEMPORÂNEA: ANÁLISE CRíTICA

Como visto, a sociedade moderna trouxe inúmeras mudanças de paradigmas em diversos campos do conhecimento humano. Entre elas, é no direito penal que se encontram muitas destas inovações, traduzidas precipuamente pelo incremento do direito penal econômico – matéria expoente dos dias modernos que, com múltiplas derivações, guarda par-ticularidades que o tornam difícil (sob muitos prismas) de ser aplicado.

Somadas essas transformações habituais à humanidade, percebe--se que muitos impactos – como a globalização, multiculturalismo e di-versidade, além das sociedades de risco hodiernas – alteraram (e ainda estão a alterar) a realidade havida.

Desta sorte, com a constante mutação existente no mundo real (plano do ser), faz-se imperioso, de forma reflexa, que a doutrina busque mecanismos para adaptar o plano a ela intimamente ligado: o do dever--ser47.

basta para tal, sua técnica de tipificação se vale de um bem com função representativa” (BARBOSA, Renata da Silva Athayde. A tutela do direito penal econômico: uma perspectiva constitucional. In: SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna; COSTA, Rodrigo de Souza; PIRES, Wagner Ginotti. XXI Congresso Nacional do Conpedi/UFF, Florianópolis: Funjab, 2012. p. 63).

45 Esta já vislumbrada, quando do trato da responsabilidade por ricochete/por empréstimo. 46 BARBOSA, Renata da Silva Athayde. Ob. cit., p. 60.47 KANT, Immanuel. A fundamentação da metafísica dos costumes. Traduzida do alemão por Paulo Quintela.

Lisboa: Edições 70, 2007.

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Nesse passo, numa teoria circular, em que se vislumbra que as inovações existentes no direito penal são decorrentes das constantes alternâncias de valorações sociais, descortina-se uma ciência jurídica completamente nova, pautada ora em tendências nitidamente abolicio-nistas, ora por outras tantas de cunho mais antigarantista: como o direito penal do inimigo48.

O direito penal vê-se, assim, obrigado a lidar com novas condu-tas49 e definitivamente não poderá combatê-las com as mesmas “armas” do século XVIII50, que, se serviram ao enfrentamento dos delitos clássi-cos, lesivos diretamente ao ser humano e ao patrimônio, hoje demons-tram sua fragilidade.

Não por outro motivo, o contexto reclama uma reinterpretação da dogmática jurídico-penal clássica, a fim de determinar quais parâmetros permanecem válidos, quais estão irremediavelmente superados pelas práticas sociais e quais ainda valem a pena ser preservados – vindos, se for o caso, a ser defendidos com rigidez.

Afasta-se, deste modo, a postura de crítica integral ao moderno desenvolvimento do direito penal (realizado pela escola de Frankfurt), sem, contudo, perder a capacidade de análise isenta, no caso concreto, das reais causas que legitimam a disciplina: como a preocupação com os instrumentos necessários para reduzir a prática de atos privativos que afetam o convívio pacífico entre os indivíduos.

48 Ver: PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi de Almeida. Direito penal do inumano e a nova ordem constitucional. In: PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi de Almeida; RIBEIRO, Roberto Victor Pereira (Coord.). Questões relevantes do direito penal e processual penal. Porto Alegre: Lex/Magister, 2012. p. 159-167.

49 Outra ilustração, que se traduz de clareza solar, desponta da pluralidade e da complexidade das relações financeiras globais. Daí o pensar de que “tradicionalmente el control penal de una economía de mercado baseada en la oferta ya la demanda se ha concentrado de lado de la demanda y las formas de adquisición ilegales que aquí se hallan, particularmente la criminalidad contra la propiedad, de ahora en adelante debe controlarse penalmente el comportamiento socialmente lesivo del lado de la oferta con una intensidad adecuada a su importancia” (SCHÜNEMANN, Bernd. Ofrece la reforma del derecho penal económico aleman un modelo o un escarmiento? In: Obras. Colección de autores de derecho penal. Madrid: Rubinzal-Culzoni, t. II, 1992. p. 220).

50 Nesse sentido: “La modernización es necesario e imparable, los probllemas de nuestro tiempos son mui diferentes del siglo XVIII, [...] debe poder alcanzar también la criminalidad de los poderosos [...] es claro que el derecho penal moderno conlleva la tipificacion de delitos del peligro y protege bienes jurídicos colectivos, y que no tiene sentido negar legitimidad estos últimos pues solo en un unfundado escepticismo sobre la capacidad de rendimiento de una dogmática penal político-criminalmente fundamentada [...] la modernización debe llevarse a cabo con escrupuloso respeto a las garantias des Estado de Derecho” (CRESPO, Eduardo Demetrio. Del derecho penal liberal al derecho penal del enemigo. Revista de Derecho Penal y Criminologia, Toledo: Universidad de Castilla La Mancha, n. 14, p. 112, 2004).

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Nesse diapasão, como pontuado, legitimou-se a criação, pautada em valores constitucionais51, de novas modalidades ilícitas52 – com bens jurídicos universais, com a tipificação de crimes vagos (sem vítima ou com vítimas indefinidas) e com a utilização de delitos de perigo –, uma vez que os tipos penais tradicionais mostraram-se insuficientes para tu-tela da ordem econômica e, de igual modo, inaptos perante uma nova horda de condutas humanas indesejadas pela sociedade53.

Houve, por demais, uma reavaliação dos institutos do direito pe-nal, com o desiderato de adequá-los à sociedade contemporânea – ca-racterizada por ser de risco e dotada de novas formas de criminalidade: próprias das complexidades desta era54. Dentro desse contexto, perfez-se uma remodelação e um aperfeiçoamento de novos mecanismos de im-putação e de toda responsabilidade criminal.

51 MASI, Carlo Velho. O discurso político-criminal sobre o crime organizado no Brasil. Direito & Justiça, v. 40, n. 2, p. 171-180, jul./dez. 2014.

52 Antolha-se, neste ponto em particular, o denominado direito penal demagogo (ou, ainda, populismo penal), em que se pondera que, “quando a mídia dramatiza, espetaculariza, o parlamento imediatamente ecoa. O legislador, que perdeu completamente sua autoridade (em virtude do seu envolvimento com tantas falcatruas, nepotismos patrimonialismos etc.), já não consegue reagir de forma racional e independente. Seu discurso se apresenta, quase sempre, como apêndice da mídia”, de modo a se perfazer a criação de diversos tipos delitivos sem a existência de um estudo prévio ou, outrossim, de mecanismos sociais alternativos para o combate aos comportamentos humanos indesejados (PEDROSO, Fernando Gentil Gizzi de Almeida. Direito penal do inumano e a nova ordem constitucional. Ob. cit., p. 160). Exsurge, destarte, um rol interminável de leis extrapenais, que muitas vezes colidem com a sistemática do Código Penal, tornando pouco confiáveis seus dispositivos, ou seus efeitos apaziguadores. Uma legislação simbólica, que não conseguiu atingir seus objetivos, que se pautam, exclusivamente, no caráter intimidatório da sanção penal, totalmente afastado das novas teorias da pena (Cf. CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2002. p. 122). Isso porque os perigos que mais tememos são imediatos: compreensivelmente, também desejamos que os remédios o sejam – “doses rápidas”, oferecendo alívio imediato, como analgésicos prontos para o consumo (BAUMAN, Zygmunt. Medo líquido. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. p. 149). Ainda que, como consequência disto, crie-se uma imagem de solução fácil aos problemas sociais (SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La expansión del derecho penal: aspectos de la política criminal en las sociedades postindustriales. Buenos Aires-Montevideo: B de F, 2006. p. 23). Nesse mesma alheta: DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. La política criminal en la encrucijada. Buenos Aires: B de F, 2007. p. 76.

53 Adverte Raúl Zaffaroni: “Sin duda que todas las legislaciones nacionales responden a la tendencia penalizante a cualquier costo que rige en torno del nebuloso concepto de criminalidad organizada y que impulsan las burocracias internacionales y las exigencias de organismos financieros de igual naturaleza – a veces con tintes casi extorsivos – presionando a los gobiernos nacionales, aceptadas con superficial complacencia por agentes diplomáticos muy poco preocupados por el respeto a las garantías constitucionales y a los problemas que estas leyes generan en sede de los tribunales nacionales. [...] Lamentablemente, el formidable volumen dinerario que importa la renta de todos los tráfico prohibidos en el planeta – y que sin duda cumple una función macroeconómica que parece ser tutelada por la indiferencia frente a los refugios fiscales – resulta bastante ingenuo pensar que el poder punitivo pueda contenerlo. Con máximo podría lograrse que genere algunos riesgos mayores y, por ende, conforme a las leyes de mercado – que como naturaleza de las cosas la ley penal no puede ignorar – elimine del mercado ilícito los servicios de lavado menos sofisticados y de menores volúmenes, y provoque el encarecimiento de los servicios ilícitos y su concentración en las organizaciones más fuertes y sofisticadas” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. In: CERVINI, Raúl; CESANO, José Daniel; TERRADILLOS BASOCO, Juan María. El delito de blanqueo de capitales de origen delicitivo. 1. ed. Córdoba: Alveroni Ediciones, 2008. p. 10/11. Prólogo).

54 Cf. CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro. São Paulo: Cultural Paulista, 2002. p. 128.

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Até porque, dentro de um panorama completamente novo, mo-vido pela crescente flexibilização do investimento e da livre iniciativa privada55, faz-se imperiosa uma abordagem da matéria igualmente re-cente56.

En passant, há que se admitir que o direito penal econômico re-presenta muito mais do que uma mera especialização do direito penal clássico ou comum. O que se verifica, na verdade, é que em torno dele aglutinam-se importantes problemas dogmáticos, cuja solução se faz relevante para todo sistema normativo penal – verbi gratia, na famosa decisão de 1915 do Bundesrat sobre o erro, que permitiu, pela primeira vez, considerar penalmente relevante o erro de proibição e onde se vis-lumbrou, de igual modo, o direito penal econômico como precursor de novos desenvolvimentos penais57.

Por essa razão, é que o direito penal econômico merece um estu-do diferenciado.

Uma análise que busque, nas vísceras epistêmicas da ciência pe-nal, as respostas para as seguintes claudicantes indagações: a) como adaptar o direito penal da culpa e da culpabilidade à noção metajurídica de risco?; b) como construir, em suma, o direito penal do risco, na ex-pressão de Santana Vega, ou o direito penal do perigo, segundo o trilema de Herzog, que denuncia um processo de politização interna do direito penal?, entre tantas outras perguntas.

Claro, entrementes, que não é pelo fato de ser uma ciência dotada de particularidades que deixará de observar alguns vetores comuns ao direito penal como um todo, razão pela qual qualquer perspectiva de harmonização do direito penal econômico deve respeitar os princípios de legalidade, da culpabilidade e de proporcionalidade.

Id est, não se deve ir ao extremo de postular para o direito penal econômico uma completa desvinculação com o direito penal nuclear, na medida em que, para a maioria dos doutrinadores, ele se encontra atrelado aos mesmos princípios dogmáticos fundamentais, a começar:

55 Tais fatores, além da sua elevada utilidade para o desenvolvimento socioeconômico dos Estados, também propiciam o que Ulrich Beck qualifica de sociedade de risco e insegurança.

56 “Existem momentos na vida em que a questão de saber se se pode pensar diferentemente do que se pensa, e perceber diferentemente do que se vê, é indispensável para continuar a olhar ou a refletir.” (FOUCAULT, Michel. A história da sexualidade II: o uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1984. p. 13)

57 TIEDEMANN, Klaus. Derecho penal y nuevas formas de criminalidad. 2. ed. Lima: Grijley, 2007. p. 23.

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a) pelo princípio da reserva legal; b) pela sistemática de penas58; e c) pelas regras de imputação objetiva e subjetiva59 – ainda que parcela dos cultores do Direito (como Claus Roxin) verbere que a responsabili-dade do direito penal econômico, em sua clássica concepção (subjeti-va), estaria defasada por não trazer um eficaz mecanismo de combate a moderna criminalidade econômico-financeira60 e, ademais, por não responder adequadamente as perguntas acima postuladas.

Passada essa ideação, referente tanto aos pontos de convergência quanto aos de divergência entre os institutos do direito penal clássico e do direito penal econômico, passemos a compreender algumas das par-ticularidades do Wirtschaftsstrafrecht.

Para tanto, antes de qualquer coisa, vislumbra-se que a crimina-lidade hoje ganha contornos macroscópicos. Agiganta-se. Organiza-se. Chega, em determinados casos, a ter tantos recursos que, como verda-deiros Estados paralelos, passam a ter uma estruturação similar ao de um governo instituído.

Tal fenômeno, que se antes limitado a ideação de meras associa-ções criminosas, hoje se multiplica nos mais variados países do globo terrestre com uma nova roupagem e com mecanismos de uma criminali-dade com engrenagens mais complexas e gravosas: a econômica

É nessa perspectiva que se exterioriza cada vez mais a importân-cia do estudo do direito penal econômico, haja vista que criminalidade organizada, além de se perfazer em escala global, é deveras bem engen-drada.

Com estruturação muitas vezes similar à de uma empresa, disposta de maneira estruturada com divisão de tarefas e compartimentação de

58 Nesse sentido, Anabela Miranda Rodrigues: “Parece que o caminho foi de aproximação ao direito penal geral, a justificar que se fale aqui apenas de autonomia relativa. Pois que, sendo as mesmas as penas principais e os mesmos os fins que elas servem, as especificidades a existir corresponderão às especificidades da própria ordem legal de valores que se querem proteger” (RODRIGUES, Anabela Miranda. Contributo para a fundamentação de um discurso punitivo em matéria fiscal. In: Direito penal económico e europeu, Coimbra: Editora Coimbra, v. 2, 1999. p. 489).

59 Desmiúde! “Las tareas mais importantes por realizar por la actual Dogmática penal es adaptar las instituciones tradicionales de imputación objectiva y subjectiva sin afectar el marco de garantías que se desprenden de principios constitucionales de legalidad, culpabilidad, presunción de inocencia, o princípio de pessoalidad de la pena” (ZAPATERO, Luis Arroyo. Derecho penal económico y constitución. Revista Penal, Huelva, Práxis, a. 1, n. 1, p. 1, 1996).

60 A vantagem da imputação objetiva, instrumento capaz de possibilitar a responsabilidade pelo crime econômico, é a de que permite uma aproximação da norma à realidade social (Cf. CAMARGO, Antonio Luis Chaves. Crimes econômicos e imputação objetiva. In: COSTA, José de Faria; SILVA, Marco Antonio Marques da (Org.). Direito penal especial, processo penal e direitos fundamentais: visão luso-brasileira. São Paulo: Quartier Latin, 2006. p. 269).

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suas atividades, busca o auferimento de lucro a qualquer preço, mesmo se valendo de alguns meios espúrios, como infiltração em órgãos da Administração Pública, cooptação de agentes públicos – em regra de altos escalões da república (e.g., operação Lava Jato), tráficos de influên-cia, corrupções ativas, fraudes a licitações, lavagem de capitais (money laundering) etc.

Vai-se além! Representa um carcinoma que degenera as entranhas do Estado Democrático de Direito: usurpa funções do Estado e se apro-veita do caos urbano e políticos existentes (e muitas vezes construídos por ele) para se alimentar, crescer e se disseminar dentro do sistema imunológico estatal – vindo, nessa toada, a mitigar algumas das funções vitais da Administração Pública.

É no âmago deste esqueleto delitivo, composto por grupos de pes-soas organizadas hierarquicamente e com ideal divisão de funções, que recai uma série de tormentosas dificuldades quanto à ação e à autoria criminosa61.

Isso porque é hialino que, dentro desta escala hierárquica de supe-rior e subalterno, há um sofisticado mecanismo de ocultação.

Desmiúde! Para que se faça presente a conduta deletéria, é neces-sário que o fato humano indesejado esteja previsto em lei (tipicidade), seja contrário ao direito (antijuridicidade) e traduza uma ação censurá-vel, reprovável (culpabilidade). Ademais, para a presença da tipicidade, é inconfutável a necessidade da conduta, composta por dois elementos: um volitivo (vontade) e outro anímico (ação).

Decerto, é crível que, valendo-se desta estruturação bem engen-drada, muitas vezes o autor do crime (pela concepção objetivo formal) será o elo mais fraco da escala hierárquica, que perpetra determinada conduta em razão, tão só, de sua subordinação, enquanto, por outro lado, o real idealizador permanece teoricamente62 às margens da siste-mática de imputação63.

61 CEVALLOS, Elena B. Marín de Espinosa. Criminalidad de empresa. La responsabilidad penal en las estruturas jerárquicamente organizadas. Valencia: Tirant lo Blanch, 2002. p. 39.

62 Teoricamente, em virtude dos mecanismos que em breve serão estudados, como a teoria do domínio do fato, que estende a imputação deletéria a estes sujeitos, até então, ocultos.

63 Nesse diapasão, Raúl Cervini professa: “Se trata de casos en los que podría decirse que prácticamente se monta un sofisticado mecanismo de relojería, donde existen roles diferenciados, personas en puestos calves, transmisores de las decisiones y que una vez echado a andar, el mecanismo funciona casi automáticamente” (ADRIASOLA, Gabriel; CERVINI, Raúl. El derecho penal de la empresa desde una visión garantista. Ob. cit., p. 101).

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Desponta, assim, o direito penal econômico como um instrumen-to apto para a solução destes entraves, uma vez que traz em seu cerne mecanismos apropriados a este tipo de delinquência – comumente de-nominado de crimes do colarinho branco (white collars), por fugirem do estigma dos criminosos tidos como habituais.

É nesta vereda, por exemplo, que exsurge dentre as diversas elabo-rações doutrinárias a supracitada teoria da dupla imputação (responsabi-lidade por ricochete/empréstimo) quanto aos atos deletérios perpetrados contra a ordem econômica. Deste modo, sem vilipêndio ao princípio da responsabilidade pessoal, franqueia-se a punição da pessoa jurídica beneficiada (que não possui um dos elementos necessários da conduta: a vontade) se houver a sanção concomitante da pessoa física (ente de existência visível) dirigente daquela.

De igual modo, emerge a teoria do autor de escritório, espécie de autoria mediata, que traz a imputação deletéria ao “homem de trás” (hinterman64). Nessa situação, com lastro da teoria do domínio do fato65, aquele indivíduo que, muitas vezes, de dentro de seu gabinete coordena e estrutura o desenvolver da prática ilícita por intermédio de seus subor-dinados, responde como se autor do ilícito fosse.

Em contrapartida, no que concerne ao subordinado realizador do ato deletério propriamente dito, dever-se-á observar o seu âmbito de autodeterminação para que se extraia, em razão dela e de sua função, a sua culpabilidade66.

64 A grande dificuldade da ciência penal hodierna está na dificuldade de lidar preventivamente com essas novas condutas ilícitas, onde há uma indeterminação do sujeito ativo. Dentro dessa perspectiva, de crimes sem a possibilidade de identificação do autor mediato (“homem de trás”, hinterman), é imperioso observar que até mesmo Estados podem praticar violações criminosas de direitos fundamentais e de direitos de outras nações. Para simples ilustração, traz-se à baila o caso mais notório da atualidade, em que relatos perpetrados por Edward Snowden (analista de sistemas, ex-funcionário da CIA e ex-contratado da NSA) dão conta de que o sistema de vigilância estadunidense, criado pela NSA (National Security Agency), concretizava espionagens em diversas autoridades mundiais, vilipendiando, para tanto, diversas normas internacionais vigentes.

65 Tese criada por Hans Welzel (1939) e desenvolvida por Claus Roxin em sua obra Täterschaft und Tatherrschaft (1963).

66 Como exterioriza Raúl Cervini: “Si la empresa misma es una organización criminal bajo la fachada de una comercialidad aparente, caso muy común en las empresas de fachada que se utilizan para mezclar fondos lícitos con fondos ilícitos con fines de lavado, se asiste a un supuesto de macrocriminalidad organizada, y en ese caso la imputación de autoría mediata al hombre de atrás, aparece justificada mediante el dominio de un aparato organizado de poder. En estos casos la responsabilidad del ejecutor directo deberá evaluarse en función de su ámbito de autodeterminación, esto es, en sede de culpabilidad. Sin embargo, en estos casos el ejecutor es generalmente miembro adherente a la organización criminal, y como veremos a continuación, el dominio por organización se sustenta no en la ausencia de libertad del ejecutor, sino en su fungibilidad y en la razonable expectativa que el autor de escritorio tiene en que el subordinado cumplirá con el rol delictivo” (ADRIASOLA, Gabriel; CERVINI, Raúl. El derecho penal de la empresa desde una visión garantista. Ob. cit., p. 101).

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E, por fim, dentro das ideações próprias do direito penal econômi-co, surge a adoção (para a maioria dos estudiosos desta ciência67) da te-oria da imputação objetiva – construída justamente para ajustar a tutela penal clássica à sociedade de riscos: com o preservar da principiologia e dos valores éticos fundamentais do Estado Democrático de Direito, bem como com a eliminação, objetiva, de uma extensa gama de pretensões punitivas indevidas.

4 CONSIDERAÇõES FINAIS

Calha esboçar! É hialino que o mundo não se mantém estagnado. A vida é a arte do movimento e da evolução – como uma vez professou Heráclito de Éfeso: “Não cruzarás o mesmo rio duas vezes, porque ou-tras são as águas que correm nele”.

Não estanque a esse fenômeno, encontra-se o Direito – que traz em seu âmago a função de acompanhar as alterações da sociedade, com o fito de, ao se adequar as mudanças de seu tempo, trazer a colimada paz social e, por demais, preencher as hipostasiadas sensações de se concretizar o que é reto e justo.

Desta sorte, tal qual se perfaz no mundo das doenças, onde no exsurgir ou no modificar delas se fazem necessários novos estudos para combatê-las ou preveni-las, a resposta estatal também demanda um es-tudo prévio da realidade fática para, deste modo, esquadrinhar os me-lhores mecanismos da solução do eventual problema que assola a socie-dade (ciência política).

É nessa toada, diga-se en passant, que reside o estudo do direi-to penal econômico. Isso porque, com as permutações político-sociais ocorridas em todos polos globais (como o neoliberalismo), a criminali-dade mudou – trazendo, em seu bojo, efeitos colaterais econômicos e sociais à coletividade cada vez mais lesivos se comparados à criminali-dade desenhada pelo direito penal clássico.

De tal arte, a ilicitude econômica (o carcinoma do Estado Demo-crático de Direito) também vem a necessitar de alterações nos paradig-

67 Desmiúde! Tal teoria, diga-se de passagem, por ser edificada sobre pressupostos axiológicos e sociojurídicos pré-legislativos, tende a se adaptar aos quadros do direito positivo dos países de civil law (sem maiores traumas), e, ainda, aos da cultura da common law (esta com maior dificuldade, devido o maniqueísmo pragmático do mens reax actus reus, que lamentavelmente rechaça soluções mais sofisticadas). (FELICIANO, Guilherme Guimarães. Teoria da imputação objetiva no direito penal ambiental brasileiro. São Paulo: LTr, 2005. p. 31)

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mas basilares do direito penal, haja vista que o bem jurídico tutelado não pode ignorar o contexto real no qual se faz inserido.

Id est, exige-se uma postura crítica dos cultores do direito (infeliz-mente esquecido por muitos ou pouco perpetrado por outros) no sentido de reverberar e ajustar os axiomas penais clássicos para esta realidade hodierna havida – com o intuito de, com a tipificação de novas figuras deletérias (em especial: de crimes vagos) ou com a utilização de delitos de perigo, alcançar-se a solução deste problema que bate à porta da coletividade.

Daí, somente assim, com tais transformações realizadas ante ao direito penal clássico, que o sistema dogmático far-se-á paulatinamente mais forte, inspirando legítima segurança jurídica ao aproximar, com a imputação objetiva e outras alterações advindas, a dogmática penal da realidade.

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Seção Especial – Em Poucas Palavras

Planejamento Sucessório: o Que Lhe Impede

BRuNO THEODORO DA SILVAAdvogado, Pós-Graduado em Direito Público, Direito Imobiliário e Direito Civil e Processo Civil.

Desde a infância, aprendemos a sequência daqueles que ganham a dádiva da vida: nascer, crescer, reproduzir e morrer. Nessa trajetória, vivem-se experiências, sensações e descobertas. Um percurso com sa-bores e dissabores. E, até chegar à morte, todos os verbos soam muito bem. Ainda que os dissabores e as tristezas se sobrepujam, vale o brocar-do popular: Melhor a pior vida do que a melhor morte.

Isso porque a morte, como um futuro inexorável, é uma faceta natural difícil de enfrentar. É duro visualizar a própria inexistência, a eternidade na ausência, sem vida, sem viver. Foi assim que a morte tor-nou-se um enigma em quase todas as culturas. Ressurreição, reencarna-ção, evolução espiritual ou passagem. Quem está certo ou errado nessa salada místico/religiosa sobre o fim da vida? A resposta é: não importa. Independentemente do crédulo, um dia todos migram para o lado da escuridão. As suas memórias (o que você é) entrarão para o esquecimen-to e os seus bens (o que você tem), que pertencem a esse plano físico, passarão a outros. Não importa a natureza do bem: imóvel, móvel, auto-móvel, semovente, objetos pessoais de elevada estima ou obras intelec-tuais (e.g., músicas ou livros) terão sua propriedade transferida em uma transição bem conhecida no meio jurídico – sucessão.

Se o contexto da morte é certo e os bens do de cujus continuarão nesse plano físico, seria lógico afirmar que todos os elementos neces-sários para o planejamento sucessório estão dispostos e são persuasiva-mente imbatíveis. De modo que, com alguns poucos eufemismos, com fito único de não magoar o autor da herança, os operadores do Direito convenceriam seus clientes a planejar esse trágico momento facilmente, “só que não”.

Mesmo essas máximas, como “daqui nada se leva” ou “a única coisa que temos certeza é da morte”, quando de sua aplicação, ao en-volver temas como morte e/ou propriedade devem ser vistos com caute-la porque sofrem forte conotação valorativa. E convenhamos, a ideia de planejar a transferência de bens imaginando a própria morte é realmente

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“chata”. Mas aqui tropeçamos em questões culturais, como a síndrome de Richthofen, ou intrínsecas na natureza humana, como a síndrome da imortalidade.

A síndrome de Richthofen advém do famoso caso que envolve um duplo homicídio, triplamente qualificado, arquitetado por Suzane Richthofen contra seus pais, com ajuda e execução de seu namorado e cunhado, os irmãos Cravinhos. A morte do casal em outubro de 2002, por bastões de ferro e pau, tiveram como motivação a proibição do na-moro e a herança. A estudante de Direito, à época com 18 anos, foi condenada a 39 de prisão. Em 2011, Suzane foi considerada indigna. Deixou de receber metade dos bens do casal, avaliados em 11 milhões de reais.

Apesar de emblemático, o caso Richthofen é um claro exemplo de exceção. As pessoas não desejam a morte de outras pessoas, muito menos filhos a de seus pais. Claro que existem aqueles que não prestam a devida assistência aos pais na velhice, mas a distância até desejar algo ruim para quem quer que seja é demasiadamente grande. Acredita nisso quem assiste muito filme e não percebe a diferença com a vida real. A regra é que as pessoas amam seus familiares. A imensa maioria dos filhos gostaria da companhia dos seus pais pela eternidade. Essa síndro-me normalmente advém de pais neuróticos e/ou dramáticos, inseguros e carentes ou é tirada de jornais televisionados do tipo notícia urgente ou estado alerta. Aqui podem acontecer dois casos.

No primeiro, geralmente a transmissão ocorre relativamente bem quando um ou mais filhos assumem o negócio da família – fábrica, fa-zenda ou comércio. Isso quando os pais tem a sabedoria de passar aos filhos, de forma gradativa. Surgem problemas quando outros filhos, que seguiram profissões diferentes, não visualizam o esforço daqueles que se sacrificaram pelo negócio familiar. Querem igualdade em um contexto de não ter contribuído para o crescimento/fortalecimento da atividade iniciada pelos genitores. Graças à síndrome de Richthofen, os filhos que assumiram o negócio dos pais nunca conversaram sobre o tema, acredi-tando que os magoariam profundamente. Ademais, organizar a sucessão traria um olhar de julgamento dos irmãos alheios à atividade. Mas há cenário pior para a síndrome.

No segundo, em uma típica família brasileira temos quatro filhos: o normal, que age segundo os movimentos e as situações apresentados na vida. Porém, quer tudo do seu jeito por ser demasiadamente racional.

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Outro, temperamental, que é crítico por natureza. Opina pelo prazer, só para contrariar, vagueando entre o emotivo e o razoável, sempre no momento errado. Tem o calado, mergulhado em uma crise eterna, que não quer se indispor, mas, consequentemente, é omisso. Por último, o que se considera prejudicado. Nos genitores, a figura paterna é ausente porque trabalha muito. Influenciou pouco na criação, mas fez o melhor que pôde, visto do contexto que recebeu. É duro por natureza. A figura materna viu muitas novelas e cozinha bem. Sempre incentivou a imatu-ridade de um ou dois filhos, escolhidos para a sua proteção sem nenhum critério aparente. Um belo cenário comportamental retirado do eneagra-ma para uma futura sucessão sem planejamento.

Essa é a condição ideal da síndrome de Richthofen. Nesse lar, que chamaremos de “lar da confusão sucessória”, qualquer conversa sobre sucessão é precedida da seguinte frase: “Mas, se fosse para escolher, preferia meus pais vivos o resto da vida comigo”. A análise dessa pre-missa revela muito de nossa cultura. A frase exprime um medo real, do emissor, de um julgamento sumário, incongruente e estigmatizado. E a consequência, para a infelicidade de todos, é um futuro processo judicial tramitando facilmente por uma década. Isso se dá pela pobre-za espiritual (espiritualidade, e não religiosidade), somada à fragilidade emocional. Aqui, não tocar no assunto foi a solução mais confortável e menos viável.

A outra síndrome, a da imortalidade, é oriunda da própria natu-reza humana falha. São características que distorcem a realidade, geral-mente penosa – a morte. Assim, para suprir a fragilidade pessoal, cria-se uma ficção – não imaginá-la. Por isso, até o soldado rumo ao front de batalha, lugar muito provável para vir a óbito, não a imagina. Vejamos:

O papa Francisco, em dezembro de 2014, reunido com os maio-rais da igreja apostólica, criticou duramente a cúpula (cúria) romana. O seu discurso descreveu quinze doenças que contaminaram bispos, arcebispos e cardeais. No que nos interessa, acusou-os de possuir as sín-dromes do acúmulo de bens e da imortalidade. Neste, o pontífice reco-mendou uma visita ao cemitério, onde estão os nomes de muitos que se consideravam imunes ou indispensáveis. Disse também que essa doença é oriunda do mal do poder e do narcisismo, os que olham apenas para a própria imagem. A Bíblia cita algo a respeito deste assunto no Salmo 90:10. Ela diz que “a duração de nossa vida é de setenta anos, ou oiten-ta, para os mais fortes. Mas esses anos são repletos de dificuldade e tris-

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teza. Passam depressa e logo desaparecemos”. Bom, se o meio religioso/cristão precisa aprender, imagine os comandados/fiéis. A síndrome da imortalidade se materializa quando senhores com cinquenta ou sessenta anos trabalham e buscam o poder em uma ganância extraordinária, pa-recendo que viverão trezentos anos.

Claro que a síndrome da imortalidade tem ligação direta com a ausência de planejamento sucessório. Quem tem dificuldade em visu-alizar a própria morte teria que imaginá-la concomitantemente com a transferência dos bens frutos de toda uma vida devotada ao acúmulo de capital. Improvável.

E a consequência dessa síndrome é a mesma da primeira: atra-so, sucessores (descendentes ou ascendentes) se digladiando por bens, desorganização e segregação de laços. Os bens ficam abandonados ou mal gerenciados, e isso gera prejuízo. Há a sensação de desvantagem. Bens móveis desaparecem e bens imóveis aparecem. Surgem herdeiros concebidos pelo espírito santo. Credores duvidosos apresentam-se e de-vedores se evaporam. Pessoas públicas têm a vida exposta na mídia. O raciocínio é simples: até a divisão dos bens, o que vigora é um condomí-nio forçado, pois várias pessoas são donas do monte-mor. E condomínio é a mãe de todas as discórdias.

Mas pode ser pior de acordo com fatores arcaicos e modernos que funcionam como agentes complicadores. Institutos tentam se adaptar ou manter tendências do novo estilo de família que não existe (pode tomar qualquer forma). Daí vem pacto antenupcial, regimes patrimoniais, le-gado, comoriência, regime obrigatório para maiores de setenta anos, Sú-mula nº 377 do STF, legítima, herdeiros necessários, união estável, filhos comuns e exclusivos, etc. Ainda pode piorar. Formações doutrinárias recriam e destroem laços. Hoje, entre homem e mulher pode-se configu-rar namoro, namoro qualificado, amante, concubinato, união estável e casamento. É muito conteúdo e pouco tempo para estudar.

E como fazer uma sucessão sadia e fácil? Um bom advogado (me-diador) ou uma justiça “célere” resolve. Mas vencer o dogma da morte estagna tudo. As pessoas querem ser diferentes e especiais, mas a morte é democrática. Não importa quem seja ou o que tenha, no momento da morte todos são iguais, como salientou o brilhante Ariano Suassuna na peça “O auto da compadecida”: a morte (sentença) é “aquele fato sem explicação que iguala tudo que é vivo num só rebanho de condenados”. Assim, morrer senhor de um grande conglomerado industrial não é su-

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ficiente para tornar alguém especial no passamento. Isso vale o mesmo tanto daquele que foi apenas com um punhado de reais no bolso da cal-ça. Na derradeira hora é melhor deixar o tratamento diferenciado para os devotos, obedientes ao divino.

Mas as sábias palavras do escritor nordestino Suassuna poderiam refletir uma aparente discordância. Mas não o faz, porque a morte real-mente iguala a todos no plano fático. Entretanto, no plano jurídico, um bom planejamento sucessório dá sim superioridade aos futuros proprie-tários (herdeiros) dos bens, colocando-os em posição confortável. Basta que o autor da herança se prepare para o indesejável, poupando os her-deiros de uma série de complicações ad aeternum. Qualquer que seja o caminho escolhido na vida, ele tem um lugar de terminar, comum para todos. Esse é um dos pontos de reflexão tratado no ovacionado docu-mentário nacional – Nós que aqui estamos, por vós esperamos (Marcelo Masagão, 1999). E os bens que possuíam um proprietário agora terão outros inevitavelmente. E, para uma sucessão tranquila, só falta visão, é isso que lhe impede.

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Seção Especial – Jurisprudência Comentada

O Julgamento de Prescrição de Exclusividade Marcária em Ação de Abstenção de Uso de Marca

LuÍS RODOLFO CRuz E CREuz1

Advogado e Consultor em São Paulo, Sócio de Cruz e Creuz Advogados, Doutorando em Direi-to Comercial pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, Mestre em Re-lações Internacionais pelo Programa Santiago Dantas do convênio das Universidades Unesp/Unicamp/PUC-SP, Mestre em Direito e Integração da América Latina pelo Prolam – Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina da Universidade de São Paulo – USP, Pós-Graduado em Direito Societário – LLM do Insper (São Paulo), Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Autor do livro Acordo de Quotistas – Análise do Instituto do Acordo de Acionistas Previsto na Lei nº 6.404/1976 e Sua Aplicabilidade nas Sociedades Limitadas à Luz do Novo Código Civil Brasileiro, com Contribuições da Teoria dos Jogos (São Paulo: IOB-Thomson, 2007). Coautor do livro Organizações Internacionais e Questões da Atualidade (organizado por Jahyr-Philippe Bichara. Natal/RN, 2011 – ISBN 978-85-7273-722-7), sendo autor do Capítulo “Organizações Internacionais e a Integração Eco-nômica: Revisões de uma Teoria Geral” (páginas 67 a 101). Autor dos livros Commercial and Economic Law in Brazil (Holanda, 2012), e Defesa da Concorrência no Mercosul – Sob uma Perspectiva das Relações Internacionais e do Direito (São Paulo, 2013). Coautor do livro Direito dos Negócios Aplicado – Do Direito Empresarial (coordenado por Elias M. de Medeiros Neto e Adalberto Simão Filho, São Paulo, v. I, 2015), sendo autor do Capítulo “Acordo de Quotistas Aplicado aos Planejamentos Sucessórios”.

FERNANDA gALERA SOLER2

Advogada e Consultora em São Paulo, Mestranda em Direito Comercial pela Faculdade de Di-reito da Universidade de São Paulo (FDUSP), Especialista em Propriedade Imaterial pela Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil da Seccional de São Paulo (ESA OAB/SP), Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (FDSBC).

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ementa

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA – PREqUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – SÚMULA Nº 211/STJ – PRESCRIÇÃO – MARCO INICIAL – VIOLAÇÃO DO DIREITO DE EXCLUSIVIDADE DE USO

1. Ação ajuizada em 11.01.2007. Recurso especial interposto em 22.02.2013 e atribuído à Relatora em 25.08.2016.

1 E-mail: [email protected]. Twitter: @LuisCreuz.2 E-mail: [email protected]. Linkedin: www.linkedin.com/in/fernanda-galera-soler-15b8392b.

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2. Controvérsia que se cinge em definir o marco inicial do prazo prescricional da pretensão de abstenção de uso de marca.

3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.

4. A pretensão de abstenção de uso de marca nasce para seu titular com a violação do direito de utilização exclusiva, tutelado pelo art. 129, caput, da Lei nº 9.279/1996.

5. Diante do contexto dos autos, em que a autorização para utilização da marca foi conferida por ato de mera liberalidade da recorrida – titular do direito de uso exclusivo –, a pretensão inibitória nasceu a partir do momento em que foi desrespeitada pela recorrente a data assinalada como termo final de vigência da autorização.

6. Recurso especial não provido.

comentário

A escolha dos interesses merecedores de proteção e dos inte-resses destinados ao sacrifício não se confia a critérios objeti-vos ou a leis naturalísticas, mas ao querer humano.3

A questão em comento trata de acórdão do Superior Tribunal de Justiça envolvendo recente julgamento de 25 de outubro de 2016 de Re-curso Especial nº 1.631.874/SP (2014/0126765-3). Em apertada síntese, trata-se de recurso especial interposto por Pró Educação (recorrente), de-corrente de ação de rescisão contratual e de abstenção de uso de marca, ajuizada por Progresso Educacional (recorrida) em face da recorrente, tendo referida ação sido julgada parcialmente procedente em seu pe-dido, condenar a recorrente a se abster de utilizar a marca “Progresso”, sob pena de multa fixada em R$ 1.000,00 (mil reais) para cada viola-ção. O acórdão recorrido negou provimento à apelação interposta pela recorrente, tendo o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negado seguimento ao recurso especial. A recorrente agravou, tendo o mesmo sido autuado como recurso especial. Em sede de recurso especial, a re-

3 IRTI, Natalino. A ordem jurídica do mercado. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano II, n. 39, p. 99, jan./mar. 2008.

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corrente alega violação dos arts. 126, 178, § 10, IX, e 1.126 do CC/1916; 133, 482, 2.028 e 2.044 do CC/2002; e 129, § 1º, da Lei nº 9.279/1996, aduzindo que a regra de prescrição aplicável à espécie deve ser aquela do art. 178, § 10, IX, do CC/1916, segundo a qual prescreve em cinco anos “a ação por ofensa ou dano causados ao direito de propriedade, contado o prazo da data em que se deu a mesma ofensa ou dano”. Segundo relatório do acórdão do recurso especial, a recorrente alegou, ainda, que o uso da expressão “Progresso”, na composição de sua mar-ca, foi autorizado contratualmente pelos sócios da recorrida, afirmando que, dada a inexistência, no contrato entabulado, de termo final para utilização da marca, deve ser reconhecido que seu uso possui prazo indeterminado e, por último, refere que detém direito de precedência, pois ostenta condição de terceiro de boa-fé e usava a marca há mais de seis meses. Contudo, não obstante os bravos argumentos e pleitos da recorrente, a 3ª Turma do STJ, por unanimidade, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora, negou provimento ao recurso.

APONTAMENTOS INTRODUTóRIOS

O centro da discussão refere-se à data de início da contagem do prazo prescricional da infração à utilização indevida da marca “progres-so” de titularidade de Progresso Educacional pela sua licenciada Pró Educação, ao questionamento de qual deve ser o prazo prescricional aplicável à propriedade industrial e, ainda, a análise da situação fática quanto à possibilidade de encerramento contratual, considerando que no contrato firmado entende-se, prima facie, que a utilização da marca se dava por prazo indeterminado.

Inicialmente, há de se entender a tipificação da conduta realiza-da como infração marcária. A Lei de Propriedade Industrial (“LPI”), Lei nº 9.279, de 14 de maio de 19964, cria o instituto da marca como a for-ma de proteção do sinal distintivo de serviço ou produto, propriedade a qual é atributiva por meio da concessão de registro pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial)5.

4 Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9279.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016.

5 Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. Criado em 1970, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é uma autarquia federal vinculada ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, responsável pelo aperfeiçoamento, disseminação e gestão do sistema brasileiro de concessão e garantia de direitos de propriedade intelectual para a indústria (Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/>).

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O titular da marca poderá licenciar seu uso, nos termos do art. 1396 da LPI, visto que este tem o direito exclusivo sobre a proprie-dade industrial (art. 129 da LPI7), procedimento o qual foi realizado pela Progresso Educacional. Ocorre que a titular da marca decidiu rescindir imotivadamente a licença em vigor, fazendo jus a sua prerrogativa de titular exclusivo da marca em debate.

Ora, a propriedade dá ao seu titular os direitos de usar, gozar, dis-por e também o poder de reivindicá-la caso o bem esteja na posse de ou-trem (art. 1.228 do Código Civil – CC8), sabendo-se que a marca é uma propriedade atributiva que estava licenciada para terceiro, ainda que mediante acordo firmado, e que não há previsão na legislação pátria das hipóteses de rescisão do contratual, sendo essa matéria de livre negocia-ção das partes, a Pró Educação não aceitou a prerrogativa da instituição Progresso Educacional de requerer a abstenção do uso da marca e o en-cerramento contratual, fazendo com que as partes entrassem em litígio.

6 Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. “Seção IV – Da Licença de Uso – Art. 139. O titular de registro ou o depositante de pedido de registro poderá celebrar contrato de licença para uso da marca, sem prejuízo de seu direito de exercer controle efetivo sobre as especificações, natureza e qualidade dos respectivos produtos ou serviços. Parágrafo único. O licenciado poderá ser investido pelo titular de todos os poderes para agir em defesa da marca, sem prejuízo dos seus próprios direitos” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9279.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

7 Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. “Capítulo IV – Dos Direitos sobre a Marca – Seção I – Aquisição – Art. 129. A propriedade da marca adquire-se pelo registro validamente expedido, conforme as disposições desta Lei, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional, observado quanto às marcas coletivas e de certificação o disposto nos arts. 147 e 148. § 1º Toda pessoa que, de boa fé, na data da prioridade ou depósito, usava no País, há pelo menos 6 (seis) meses, marca idêntica ou semelhante, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, terá direito de precedência ao registro. § 2º O direito de precedência somente poderá ser cedido juntamente com o negócio da empresa, ou parte deste, que tenha direta relação com o uso da marca, por alienação ou arrendamento” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9279.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

8 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. “Título III – Da Propriedade – Capítulo I – Da Propriedade em Geral – Seção I – Disposições Preliminares – Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. § 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. § 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores” (Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

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DO PRAZO PRESCRICIONAL

Passamos agora a análise do motivo da escolha do Código Civil em detrimento da LPI, para a verificação do prazo prescricional e das demais questões levantadas, uma vez que a rescisão do contrato que criou a lide possui fundamento legal e é regulada tanto pela propriedade industrial quanto pelo direito civil e comercial.

No caso em tela, como se trata de infração ao direito do titular da marca, qual seja, a continuidade no uso da marca, mesmo após a notificação com o pedido da rescisão do licenciamento e abstenção de seu uso, uma vez que a sociedade era titular do direito exclusivo sobre a propriedade industrial, os eméritos julgadores fizeram por bem aplicar o Código Civil em detrimento da Lei de Propriedade Industrial, uma vez que esse normativo não traz a justa medida para o caso, qual seja, a previsão de um prazo prescricional para a abstenção de uso de marca e rescisão contratual.

Em leitura à LPI, é possível notar que o julgador agiu corretamente ao afastar a aplicação do art. 174 da LPI9, vez que essa previsão se desti-na exclusivamente a questões relacionadas ao processo de nulidade do registro/concessão do registro de determinadas marcas, efetuado pelo INPI.

Outrossim, ainda que seja levantada a hipótese de aplicação do art. 22510 do mesmo normativo, uma vez que esse se refere à ação de reparação de dano à propriedade industrial de forma genérica. Como o caso em tela se pretende a tutela inibitória do uso da marca e não a re-paratória a uma infração cometida, vez que não foi o objeto principal do pedido da lide, conforme é possível depreender da decisão ora analisa-da, cabe a aplicação subsidiária e complementar do Código Civil, visto que este irá regular a relação contratual firmada entre as partes.

É certo que, para a tutela de determinados direitos, existem le-gislações específicas, as quais devem nortear seus negócios jurídicos; porém, o jurista não pode se furtar da interdisciplinaridade de materiais e da clara natureza comercial e contratual existente na maior parte das

9 Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. “Art. 174. Prescreve em 5 (cinco) anos a ação para declarar a nulidade do registro, contados da data da sua concessão” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9279.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

10 Lei nº 9.279, de 14 de maio de 1996. “Art. 225. Prescreve em 5 (cinco) anos a ação para reparação de dano causado ao direito de propriedade industrial” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9279.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

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disciplinas jurídicas, de forma que na ausência de previsão própria e específica para a situação fática faz-se necessária aplicação do Código Civil, como norma norteadora e balizadora das relações empresariais.

Igualmente, devido à lacuna legal à época até 1999, estava vigente a Súmula nº 142 do STJ11, que determinava que a ação de abstenção de uso de marca somente prescreveria após o decurso de 20 (vinte) anos12.

Passando agora a análise do Código Civil novamente, não há a previsão de qualquer prazo legal para a cobertura da tutela inibitória marcária, de forma que soaria razoável a aplicação do art. 20513, uma vez que não existe previsão própria para a pretensão em comento.

Ocorre que essa hipótese, ainda que possível, é contrária ao en-tendimento uníssono da jurisprudência, vejamos. Em 1999, o STJ, ao analisar a Ação Rescisória nº 512/DF, não apenas cancelou a Súmula nº 142, mas também definiu a inaplicabilidade do prazo vintenário14 e do quinquenal15, determinando a aplicação do art. 177 do Código Civil de 191616, segunda parte, para as ações de abstenção de uso de marca.

Tal alteração do entendimento jurisprudencial foi baseado no en-tendimento da propriedade industrial como um direito real, conforme é possível depreender do recorte a seguir:

Tocante à pretendida revisão do Verbete Sumular nº 142/STJ, penso ser esta a oportunidade para fazê-lo, pois realmente o referido enunciado não corresponde aos julgados que lhe deram origem. Tratando-se de ação proposta para exigir a abstenção do uso de marca comercial, o prazo da prescrição, a rigor, não é o vintenário, como consta da súmula

11 Superior Tribunal de Justiça – STJ, Súmula nº 142: “Prescreve em vinte anos a ação para exigir a abstenção do uso de marca comercial” (Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/pesquisar.jsp?livre=%40docn&processo=142&b=SUMU&p=true&t=JURIDICO&l=10&i=1&tipo_visualizacao=null>. Acesso em; 30 dez. 2016).

Referido Enunciado foi julgando pela AR 512/DF, na sessão de 12.05.1999, sendo que a 2ª Seção deliberou pelo cancelamento da Súmula nº 142 na referida data.

12 Neste caso, faz-se necessário esclarecer que estava vigente o antigo Código Civil de 1916 que não regulava a matéria, assim como a antiga Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 5.722, de 1971), que ao modelo da atual não versa especificamente sobre este tema.

13 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. “Art. 205. A prescrição ocorre em dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor” (Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

14 Previsto no art. 179 do Código Civil de 1916, cumulado com a redação original do art. 177, segunda parte, do Código Civil de 1916, o qual repercutiu com a emissão da Súmula nº 142 do STJ.

15 Previsto no art. 178, § 10, IX, do Código Civil de 1916.16 Lei nº 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil dos Estados Unidos do Brasil (Revogado pelo Código

Civil de 2002 – Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). “Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinàriamente, em vinte anos, as reais em dez, entre presentes e entre ausentes, em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas” (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 7 de março de 1955).

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em foco, mas sim, nos termos do disposto no art. 177 do Código Civil, o de dez anos entre presentes e quinze entre ausentes, visto que, na forma do que assentou a c. Segunda Seção, o prazo prescricional será aí o das ações reais (REsp 19.355-0/MG, voto proferido pelo Sr. Ministro Eduardo Ribeiro; RSTJ, v. 80, p. 287).

Quando do julgamento do REsp 43.480-7/SP, de que fui Relator, em que se pretendia também a abstenção do uso de marca comercial, conside-rei que o lapso prescricional pertinente é o das ações reais e, sendo a controvérsia instaurada entre presentes, o prazo é de dez anos. Eis por que. Naquele precedente da Quarta Turma lançara uma reserva ao que enuncia a indigitada Súmula nº 142.

Proponho, destarte, que. na conformidade com o que reza o art. 125, § 1º, do RI desta Casa, se proceda à revisão da referida súmula, indepen-dentemente, porém, do sobrestamento do presente feito.17 (grifo nosso)

A construção desse entendimento é simples, uma vez que a marca integra o que entendemos e denominamos de propriedade industrial18, o direito originado ao seu titular será, por consequência, um direito real, logo, o prazo poderá ser de 15 (quinze) ou 10 (dez) anos dependendo da ausência ou não da outra parte19.

No presente caso, como os fatos ocorreram à época da vigência do antigo Código, quais sejam, a concessão do registro da marca e a elabo-ração do contrato de licença de uso, faz-se necessária a sua aplicação.

Nesse sentido, temos os acórdãos citados na decisão em comento, com destaque especial ao posicionamento do STJ no Recurso Especial

17 Voto do Ministro Revisor Dr. Barros Monteiro na Ação Rescisória nº 512/DF (96.0036725-6), julgada, em 12.05.1999, pela 2ª Seção do STJ, Relator Exmo. Sr. Ministro Waldemar Zveiter, DJ 19.02.2001.

18 Resumidamente e de forma simples, os direitos de propriedade industrial são direitos sobre as criações industriais, sendo um ramo da propriedade intelectual que trata das criações intelectuais voltadas para as atividades de indústria, comércio e prestação de serviços e engloba a proteção das invenções (patente de invenção e modelo de utilidade), desenhos industriais, marcas, indicações geográficas, bem como a repressão da concorrência desleal.

19 O conceito de “presente” ou “ausente” foi pacificado também pelo Tribunal Superior como sendo a presença ou ausência do domicílio e/ou residência da outra parte no mesmo Município do autor da ação. Neste sentido temos:

“AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – ABSTENÇÃO DO USO DE MARCA – PRESCRIÇÃO – PRAZO – CÓDIGO CIVIL DE 1916, ART. 177 – DOMICÍLIOS DIVERSOS – AÇÃO ENTRE AUSENTES – QUINZE ANOS – AGRAVO DESPROVIDO

[...]

2. A interpretação a ser dada ao art. 177 do Código Civil de 1916 é de que, tal como nas ações de usucapião (CC/1916, art. 551, caput e parágrafo único), a expressão ‘entre presentes’ refere-se aos interessados na relação jurídica que residem no mesmo Município, enquanto a expressão ‘entre ausentes’, aos interessados domiciliados em Municípios diversos.” (STJ, RCDESP-AgRg-REsp 691474/RS, 2004/0139382-2, 4ª Turma, Rel.: Min. Raul Araújo, J. 05.12.2013, DJe 13.12.2013)

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nº 418.580/SP, proferido pela 3ª Turma, relatado pelo Sr. Ministro Calos Alberto Menezes Direito e publicado no DJ em 10.03.2003, que é o acórdão paradigma da Corte.

Em leitura ao próprio acórdão, o recorrente, ao levantar a aplica-ção dos arts. 2.02820 e 2.04421 do CC, ratifica o entendimento adotado pelo STJ, sendo certo que, apesar do Emérito Tribunal não ter analisado esse pedido, uma vez que abarcado pela falta de pré-questionamento, ainda assim a aplicação do art. 177 do Código de 191622 se justifica e se mostra acertada, vez que tais previsões ratificam que o atual Código Civil não estava vigente à época dos fatos23.

Nesse sentido, temos, além da jurisprudência relacionada no pró-prio julgado, os a seguir destacados:

Processual civil e civil. Agravo no recurso especial. Prescrição. Nome co-mercial. É de dez anos entre presentes e quinze, entre ausentes, o prazo prescricional para ações que discutam a abstenção do uso do nome ou da marca comercial. Recurso não provido.24

A ação de abstenção de uso de nome, marca ou sinais distintivos tem prescrição decenal, com sustento no atual art. 205 do Código Civil. A matéria relativa à prescrição desta ação é de difícil definição, já que até mesmo a imprescritibilidade, considerando a tese de que o nome integra a “personalidade” da pessoa jurídica e assim não ficaria sujeita a prazo prescricional se aventa. Com o cancelamento da Súmula nº 142 do Su-perior Tribunal de Justiça há o reconhecimento de aplicação do prazo decenal previsto no art. art. 177 do Código Civil de 1916, art. 205 do Código Civil atual.

Nesse sentido entendimento deste eg. Tribunal e do Superior Tri-bunal de Justiça:

20 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. “Art. 2.028. Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada” (Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016.

21 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. “Art. 2.044. Este Código entrará em vigor 1 (um) ano após a sua publicação” (Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016.

22 Vide nota 14.23 Temos aqui mais um fundamento que ratifica o afastamento da aplicação do art. 205 do CC ao processo em

comento.24 STJ, Agravo Regimental no Recurso Especial nº 981.004/MG-SP (2007/0198495-9), 3ª Turma, Relª Exma.

Sra. Min. Nancy Andrighi, J. 14.11.2007, DJe 26.11.2007.

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RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE ABSTENÇÃO DO USO DE NOME COMERCIAL – PRESCRIÇÃO – MATÉRIA CONTROVERTIDA – CAN-CELAMENTO DA SÚMULA Nº 142/STJ – PRAZO DECENAL – TERMO INICIAL – ARQUIVAMENTO – CONTRATO – JUNTA COMERCIAL – 1. A prescrição incidente sobre as ações de abstenção do uso de nome empresarial é das mais controvertidas. Duas correntes preponderam, uma defendendo a incidência da prescrição quinquenal do art. 178, § 10, IX, do Código Civil de 1916 e outra, da prescrição decenal relativa aos direitos reais – art. 177 do Código Civil de 1916. 2. A incidência do prazo decenal parece a que melhor soluciona a questão ante a omissão legislativa quanto ao tema. 3. O termo inicial do prazo prescricional é a data em que arquivado o contrato social na junta comercial. Precedente. 4. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 826.818/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, J. 15.12.2009, DJe 08.03.2010)25

Por outro lado, ainda que possível o conhecimento desta via especial com base na violação dos artigos em comento, não se caracterizaria a prescrição da ação, vez que, in casu, incide o prazo prescricional de quinze anos, previsto no art.177, do CC/1916. Deveras, a 2ª Seção desta Corte, mesmo antes da revogação da Súmula nº 142 (cf. AR 512/DF, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU 19.02.2001; REsp 43.480-7/SP, Rel. Min. Barros Monteiro, DJU 29.06.1998), já consolidara o entendimento de que o prazo de cinco anos cinge-se às ações nas quais se pleiteia a reparação de danos decorrentes de ofensa à propriedade industrial. Em se tratando, ao revés, de ações cominatórias, que visam tão-somente à abstenção do uso de marca ou nome comercial alheio, em proteção ao direito real de propriedade industrial, o prazo prescricional é o previsto para as ações reais, é dizer, dez anos entre presentes e quinze anos entre ausentes. Afasta-se, pois, o lapso qüinqüenal previsto no art. 178, 10, IX, do CC/1916 e na Súmula nº 143/STJ, bem como de há muito superado o prazo vintenário previsto na revogada Súmula nº 142/STJ.26 (grifo nosso)

Discutiremos, também, o ponto nº 2 do acordão em comento, que trata da decisão sobre a ausência de prequestionamento e a Súmula nº 211/STJ. Segundo referido ponto, in verbis, “o acórdão recorrido não decidiu acerca das normas que constam dos arts. 126 e 1.126 do CC/1916; 133, 482, 2.028 e 2.044 do CC/2002; e 129, § 1º, da Lei

25 Voto da Desembargadora Dra. Marcia Dalla Déa Barone na Apelação nº 9065562-85.2009.8.26.0000/SP, julgado em 20.08.2013, pela 10ª Câmara de Direito Privado do TJSP, Relatora Exma. Sra. Marcia Dalla Déa Barone, DJe 23.08.2013

26 Voto do Ministro Jorge Scartezzini no Recurso Especial nº 555.086/RJ (2003/0114349-9), julgado em 14.12.2004, pela 4ª Turma do STJ, Relator Exmo. Sr. Jorge Scartezzini, DJe 28.02.2005.

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nº 9.279/1996, apesar da interposição de embargos de declaração”27. E exatamente por essa razão deveria o julgamento do recurso especial ser julgado inadmissível quanto às respectivas questões, recomendando a Ministra Nancy Andrighi a aplicação ao caso da Súmula nº 211/STJ.

Sendo esse o caso em análise, estudaremos os aspectos mais rele-vantes da decisão.

A AUSÊNCIA DE PREqUESTIONAMENTO E A SÚMULA Nº 211/STJ

Apesar de tema já bastante debatido pela doutrina e pela jurispru-dência, a ocorrência de ausência de prequestionamento é um problema recorrente dos julgados levados aos Tribunais Superiores brasileiros.

Neste sentido, a Sra. Ministra Relatora Nancy Andrighi destacou em seu voto28 expressamente a Súmula nº 211/STJ (vigente desde agosto de 1998), que contamina o recurso especial com elemento de inadmis-sibilidade quanto a questões não apreciadas por Tribunal a quo29. Neste sentido, entende-se em matéria processual civil que, para a admissão de recurso especial, é necessária a ofensa à lei federal e exsurge a impres-cindibilidade do prequestionamento da matéria.

De relatoria e lavra do Ministro Adhemar Maciel, o Recurso Es-pecial nº 6.720/PR (90.013060-3) foi cirúrgico na questão ao avaliar o problema do prequestionamento e da situação quando o Tribunal a quo se nega a emitir pronunciamento acerca dos pontos tidos como omissos, contraditórios ou obscuros em embargos de declaração. Vejamos o teor da ementa:

Processual civil. Recurso especial. Requisito de admissibilidade do pre-questionamento: conceito. Cumprimento do requisito do prequestiona-mento pela simples interposição de embargos de declaração: inocorrên-cia. Prequestionamento das questões federais novas: imprescindibilidade. Precedentes. Recurso não conhecido.

[...]

27 Voto da Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 1.631.874/SP (2014/0126765-3), julgado em 25.10.2016, pela 3ª Turma do STJ, Relatora Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi, DJe 09.11.2016 – Assunto: Direito Civil – Coisas – Propriedade – Propriedade Intelectual/Industrial – Marca.

28 Voto da Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 1.631.874/SP (2014/0126765-3), ibidem.29 Súmula nº 211 do Superior Tribunal de Justiça – STJ: “Inadmissível recurso especial quanto à questão que,

a despeito da oposição de embargos declaratórios, não foi apreciada pelo Tribunal a quo” (Referência: CPC, art. 535, II). Corte Especial, em 01.07.1998 – DJ 03.08.1998, p. 366 (Disponível em: <http://www.stj.jus.br/docs_internet/revista/eletronica/stj-revista-sumulas-2010_15_capSumula211.pdf>. Acesso em: 30 dez. 2016).

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II – O requisito de admissibilidade do prequestionamento consiste na exi-gência de que o Tribunal a quo tenha apreciado e solucionado a questão federal suscitada no recurso endereçado aos tribunais superiores. É pres-cindível, para que esteja satisfeito esse requisito de admissibilidade, que o tribunal inferior faça menção aos dispositivos legais apontados como violados, bastando que decida sobre as matérias jurídicas neles insertas.

III – Não basta, para que esteja cumprido o requisito do prequestiona-mento, a simples interposição de embargos de declaração, sendo neces-sário que o tribunal inferior emita juízo acerca da questão federal a ser suscitada no recurso excepcional.

IV – Se, apesar de provocado via embargos de declaração, o Tribunal a quo se nega a emitir pronunciamento acerca dos pontos tidos como omissos, contraditórios ou obscuros, deve o recorrente especial alegar contrariedade ao art. 535 do CPC, pleiteando a anulação do acórdão proferido quando do julgamento dos embargos, ao invés de insistir na tese da violação aos dispositivos legais, cujas matérias não foram apre-ciadas e solucionadas.

V – As questões federais – inclusive os errores in procedendo – surgidas no julgamento da apelação devem ser prequestionadas, sob pena de não--conhecimento do recurso especial.

VI – Precedentes do STJ: REsp 69.096/SP, REsp 99.796/SP, REsp 4.407/RJ, REsp 26.621/SP, REsp 65.977/SP, Ag 62.048/RJ-AgRg, Ag 71.795/SP--AgRg, Ag 72.162/RJ-AgRg e do REsp 36.996/SP.

VII – Recurso especial não conhecido, sem discordância.30

Outro pontual julgado, este de relatoria do Ministro José Delgado:

Processual civil. Recurso especial. Ausência de prequestionamento no acórdão recorrido dos dispositivos legais apontados como violados. Embargos de declaração rejeitados. Questões não apreciadas. Súmula nº 211/STJ. Dissídio jurisprudencial insuficientemente demonstrado. Não conhecimento. Agravo regimental improvido. 1. Não tendo o órgão jul-gador de segundo grau proferido decisão à luz dos preceitos legais apon-tados como violados no recurso especial, e persistindo a omissão em sede de embargos de declaração, deveria a recorrente veicular, necessa-riamente, no bojo do recurso especial, ofensa às regras processuais que regem aquele instituto (art. 535 e seguintes, do CPC). Há caminho, por conseguinte, para a perfeita aplicação da Súmula nº 211 do STJ. 2. A ad-missibilidade do recurso especial está vinculada aos ditames registrados

30 Voto do Ministro Adhemar Maciel no Recurso Especial nº 6.720/PR (90.013060-3), julgado em 10.10.1996, pela 2ª Turma do STJ, Relator Ministro Adhemar Maciel, DJ 04.11.1996.

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na Constituição Federal. A rigidez estabelecida para o seu conhecimento decorre de que só é cabível com fundamento na alínea “c” do permissivo constitucional quando efetivamente se demonstrar a divergência preto-riana nos moldes legais e regimentais exigidos para a sua comprovação. 3. Agravo regimental improvido.31

Verificamos, pontualmente, que o entendimento é claro e não é outro que não o de manter o elemento de inadmissibilidade quanto a questões não apreciadas por Tribunal a quo para o recurso especial.

O prequestionamento é, portanto, pressuposto essencial e elemen-tar do recurso especial para seu acesso à instância especial. Mas a ques-tão de fundo é mais complexa no acórdão em comento.

Mesmo com a oposição de embargos de declaração, a parte re-corrente teria que enfrentar a questão federal legal do caso no acórdão recorrido e, caso seja rejeitado o pedido, em função exatamente das diretrizes da Súmula nº 211 do STJ, deveria primeiramente interpor re-curso especial com fundamento na contrariedade ao art. 535, I e II, do CPC/197332. Apenas em caso de efetiva decisão favorável do STJ sobre a violação da norma processual civil (ou seja, o julgamento dos embar-gos declaratórios pela instância a quo), o recorrente teria disponível a possibilidade de interposição de efetivo recurso especial para tratar da real questão de fundo do caso, ou seja, da norma federal violada objeto da ação principal. Neste sentido, corrobora magistério de Nelson Luiz Pinto:

De acordo com essa súmula do STJ, não basta para exigência do pre-questionamento que da matéria objeto do recurso especial a cujo respei-to o acórdão recorrido foi omisso tenha a parte interposto embargos de declaração. Há necessidade de que os embargos sejam providos e que o tribunal a quo se manifeste precisamente sobre a questão federal que será objeto do apelo à instância especial. Assim, caso haja efetivamente a omissão a respeito da questão federal no acórdão recorrido e sejam rejei-tados os embargos de declaração, deve a parte, em seu recurso especial, argüir a nulidade do acórdão, em razão de ser ele infra petita ou omisso

31 Voto do Ministro José Delgado no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 190.632/RS, votação unânime 11.03.1999, DJU 10.05.1999, p. 112.

32 Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de Processo Civil. “Art. 535. Cabem embargos de declaração quando: I – houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição; II – for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou Tribunal (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)” (grifos nossos) (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869impressao.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

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e incompleto quanto à sua fundamentação, não podendo discutir no re-curso especial a questão a respeito da qual alega ter havido omissão.33

Não por outra razão, em seu voto a Sra. Ministra Relatora Nancy Andrighi apontou que o acórdão recorrido não decidiu acerca das nor-mas federais citadas, mesmo com a interposição de embargos de decla-ração, e, por isso, entendeu que o julgamento do recurso especial seria inadmissível quanto às respectivas questões, votando pela aplicação ao caso da Súmula nº 211/STJ.

Cumpre ressaltar que o debate em comento enfrentado pelo acór-dão tem sua razão de ser quando falamos de casos no quais ainda é apli-cável o antigo CPC (CPC/1973), tendo em vista que o art. 1.025 do novo CPC34 aparentemente regulou a questão, sanando as questões retrolevan-tadas, ao informar que existe o pré-questionamento, ainda que os em-bargos de declaração, que eventualmente o tenha suscitado, sejam inad-mitidos ou mesmo rejeitados pelos eméritos julgadores. Naturalmente, a questão merecerá maiores enfrentamentos de nossos Tribunais em futuro próximo, quando poderemos compreender como e de que maneira será o novo comando recepcionado pelos mesmos, em confronto com o an-terior entendimento jurisprudencial da Corte.

Superados os pontos iniciais da decisão em comento, passamos a análise da questão do marco inicial do prazo prescricional, última questão analisada pelos eméritos julgadores e que é abordada com mais minúcia, uma vez que não existia precedente semelhante na jurispru-dência, qual seja, a tutela inibitória do uso da marca, existindo apenas debates acerca do termo inicial nas hipóteses de indenização à infração à propriedade industrial.

DO MARCO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL

Em atenção ao marco inicial do prazo prescricional, o STJ inovou ao firmar o precedente que determina que a contagem iniciará na data que ocorrer o ilícito em si, logo, na data em que o terceiro efetivamente

33 PINTO, Nelson Luiz. Manual dos recursos cíveis. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 231.34 Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. “Art. 1.025. Consideram-se incluídos no

acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o Tribunal Superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade” (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

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usar a marca de outrem sem sua autorização, e não a data da notificação da abstenção do uso realizada.

Ao longo deste comentário muito foi falado sobre o pedido de abstenção de marca ser uma tutela inibitória. Pois bem, sendo este caso, agora é o momento de entender propriamente o que isto significa e quais são as consequências desta classificação para a contagem do prazo pres-cricional.

O Código de Processo Civil, em seu art. 49735-36, prevê a possi-bilidade da concessão pelo juiz com o intuito de impedir a prática de determinados atos, de modo que, em ações que tem como objeto a obri-gação de fazer ou não fazer, é possível ao magistrado preventivamente determinar a inibição de determinada prática com o intuito de impedir o iminente ilícito.

Como, nesse caso, falamos de uma medida preventiva, determi-nar o início do seu prazo prescricional pode parecer impossível. Por tal motivo, para o doutrinador Denis Borges Barbosa (Barbosa, 2009)37 as ações de abstenção de uso de marca são imprescritíveis enquanto durar

35 Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015. Código de Processo Civil. “Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente. Parágrafo único. Para a concessão da tutela específica destinada a inibir a prática, a reiteração ou a continuação de um ilícito, ou a sua remoção, é irrelevante a demonstração da ocorrência de dano ou da existência de culpa ou dolo” (grifos nossos) (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

36 Em igual sentido, o antigo Código de Processo Civil (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973) trazia a mesma previsão em seu art. 461, § 5º. “Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. § 1º A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente. § 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287). § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão fundamentada. § 4º O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito. § 5º Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial. § 5º Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial” (grifos nossos) (Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5869impressao.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

37 Neste sentido temos: “Um terceiro tipo de pretensão relativo aos signos distintivos – o da abstenção de uso – certamente não prescreve, no sentido em que persiste a tutela proibitória enquanto vigorar a exclusiva, desaparecendo quando e se esta expirar” (BARBOSA, Denis Borges. A questão dos prazos de prescrição relativos às marcas, 2009. Disponível em: <http://denisbarbosa.addr.com/prescrevemarcas.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2016; BARBOSA, Denis Borges. A prescrição da ação interditória de uso de marca no caso

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o direito de uso exclusivo da marca registrada por seu titular, conforme é possível extrair de suas publicações.

Entender essa questão é importante, vez que tal premissa se ba-seia na existência de um direito exclusivo de propriedade sobre a marca por seu titular, o qual pode ser usado a qualquer tempo, nos termos do art. 1.228 do CC38. Logo, se a qualquer tempo o titular pode reivindi-car sua propriedade, não seria distinto com as marca a possibilidade do seu proprietário a qualquer tempo requerer a abstenção do seu uso por terceiro.

Seguindo pela teoria levantada, a qualquer momento o titular po-deria se opor a qualquer atuação que entenda como ilícita ou contraria a sua propriedade por qualquer terceiro, não se extinguindo pela exis-tência prolongada da marca.

Ainda que falemos de um bem imaterial, temos que lembrar que o direito não socorre aos que dormem, por tal motivo, distintamente do quanto defendido pelo ilustre estudioso, a jurisprudência assim como aplica o instituto do usucapião e a prescrição à propriedade, também existe a aplicação da prescrição sobre a tutela inibitória de abstenção do uso de marca, conforme previamente exposto.

Não podemos olvidar, todavia, que o doutrinador está correto ao discorrer que a abstenção de direito de marca somente ocorrerá quando for realizado o ilícito por qualquer terceiro, ou seja, quando houver o uso não autorizado da marca, seja ele por similitude, por rescisão con-tratual ou mesmo por uso indevido.

de uso continuado. janeiro, 2012. Disponível em: <http://denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/prescricao_acao_interditoria.pdf>. Acesso em: 23 dez. 2016).

38 Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. “Título III – Da Propriedade – Capítulo I – Da Propriedade em Geral – Seção I – Disposições Preliminares – Art. 1.228. O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha. § 1º O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas. § 2º São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. § 3º O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. § 4º O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante. § 5º No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores” (Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 30 dez. 2016).

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De forma que se, para o doutrinador a tutela é imprescritível, so-mente poderíamos considerá-la assim se a restringirmos ao analisar que a qualquer momento pode surgir um novo ilícito que o titular poderá se insurgir; porém, se deixarmos um mesmo uso não autorizado de de-terminada marca se prolongar no tempo, ele será, sim, abarcado pela prescrição.

Entendido o que é a tutela inibitória e a própria questão da pos-sibilidade de existir ou não a prescrição sobre o direito de requerer a abstenção do direito de marca, já é possível presumir qual seria o marco inicial desse prazo prescricional.

Ora, se existe o direito preventivo de impedir que um terceiro rea-lize a utilização de sua marca, significa que faticamente está na iminên-cia da ocorrência do tido como ilícito pelo titular, ou, eventualmente, que o proprietário da marca tomou conhecimento da infração somente naquele momento; portanto, nada mais lógico que supor que neste mo-mento surge a pretensão de seu direito e, por consequência, também inicia a contagem do prazo prescricional para a proposição da ação de abstenção de uso de marca.

Pelo exposto, temos que o direito de requer a inibição do uso de determinada marca pelo terceiro surge no momento da realização do ato ilícito, entendimento o qual foi ratificado pelo acórdão, ao determinar que neste momento inicie a contagem do prazo prescricional de 10 (dez) anos.

Em igual sentido temos que, se o titular da marca somente tomou conhecimento do “ilícito” após determinado período, é possível que ele seja atingido pelo instituto da prescrição, uma vez que deixou de agir com zelo perante sua propriedade, desde a primeira utilização não auto-rizada de sua propriedade industrial.

Os entendimentos retroexpostos são corroborados pelos julgados a seguir levantados:

DIREITO EMPRESARIAL – AÇÃO PELO RITO ORDINÁRIO EM QUE SE PRETENDE A ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA, TROCA DE NOME EMPRESARIAL E PERDAS E DANOS – COLIDÊNCIA ENTRE NOME EM-PRESARIAL E MARCA – PRESCRIÇÃO – ANTERIORIDADE DO REGIS-TRO – PERDAS E DANOS – RECURSO ESPECIAL PROVIDO – 1. Con-forme recente jurisprudência da Terceira Turma deste Tribunal, havendo colidência entre marca e nome comercial, a questão não deve analisa-da apenas sob a ótica da anterioridade do registro, mas também pelos

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princípios da territorialidade e da especialidade. 2. Hipótese em que o acórdão recorrido reconhece, diante das peculiaridades fáticas do caso concreto, a anterioridade do registro da marca efetuado 11.09.1948, jun-to ao INPI, não obstante ter se efetivado em sub-classe diversa daquela referente ao produto efetivamente comercializado pelas partes do pro-cesso. 3. Prazo prescricional que não se conta da data da aquisição da marca, mas, dado o princípio da accessio temporis, desde a data em que o antecessor tinha conhecimento da alegada violação, que, no caso, deu-se pelo registro do nome na Junta Comercial. Caso contada a pres-crição a partir da aquisição da marca, o curso da prescrição restaria sob a discricionariedade unilateral, pois a só cessão da marca ensejaria rei-nício da contagem do prazo – abrindo-se risco à comercialização da marca à beira do prazo prescricional e, consequentemente, do próprio instituto da prescrição, que deixaria de ser instrumento de paz e estabi-lidade das relações jurídicas e sociais. 4. Nesse contexto, tem-se que a contagem do prazo prescricional se iniciou com a utilização indevida da marca registrada da autora pela ré, no momento do registro do nome empresarial desta última na Junta Comercial, em 04.04.1978, e não em 21.09.1999, como considerou o acórdão recorrido, momento em que a marca foi novamente registrada pela autora, dessa vez no produto efeti-vamente comercializado pelas partes, após, inclusive, a propositura da presente ação. 5. Reconhecida a prescrição do pedido de abstenção do uso da marca como parte do nome empresarial, afasta-se a condenação em danos materiais decorrentes do uso indevido da marca. 6. Recurso especial provido para reconhecer a prescrição do pedido de abstenção de uso da expressão “Guarani” como parte integrante de nome comercial e para afastar a condenação imposta a título de perdas e danos. Ônus da sucumbência redistribuídos.39 (grifo nosso)

Apelação. Direito Empresarial. Ação inibitória cumulada com pedido de indenização por danos morais e materiais. Prescrição. Marca (similar) utilizada pela ré por mais de 50 anos. Prazo prescricional de 15 anos que se inicia a partir do momento em que a ação poderia ser proposta, sob pena de desvirtuamento do instituto (art. 177 do CC/1916). Precedentes do STJ. Prescrição bem reconhecida. Sentença mantida por seus próprios fundamentos, reproduzidos na forma do art. 252 do RITJSP. Precedentes do STJ e STF. Apelo a que se nega provimento.

[...]

Portanto, o art. 225 da Lei nº 9.279/1996, que estabelece o prazo de cinco anos para a reparação, deve ser aplicado de forma conjunta ao

39 Voto do Ministro Sidnei Beneti no Recurso Especial nº 1357912/SP (2012/0258134-1), julgado em 18.03.2014, pela 2ª Turma do STJ, Relator Ministro Sidnei Beneti, DJ 10.04.2014.

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art. 177 do Código Civil de 1916, no que tange ao prazo para a proposi-tura da ação inibitória do uso de marca. Conforme já explicitado, o termo inicial para a contagem do prazo prescricional é a data em que se deu a ofensa ou do dano. Em momento algum a autora contestou a alegação de que a empresa requerida utiliza a marca Tubaína há cerca de cinquenta anos, o que é verossímil diante dos documentos de fls. 136/139 e 150. Não convence ao Juízo a argumentação da autora, na réplica, de que a ação se renova em seu prazo na continuidade da utilização da marca pela ré. Ora, esse entendimento é o mesmo que desconsiderar e descons-truir o instituto da prescrição. Não há falar em infração nova a cada vio-lação. A questão, in casu, não está afeta a esta ou aquela violação, mas ao uso da marca Tubaína pela ré, o que ocorre há décadas. Tendo em vista que a autora está sediada em Jundiaí e a ré em Presidente Prudente, o prazo prescricional é o de quinze anos. Portanto, considerando que os documentos juntados aos autos apontam que a ofensa se deu na década de 60 e este feito foi ajuizado apenas em 13.08.10, tanto a pretensão de inibição do uso de marca quanto a de reparação dos danos materiais e morais estão fulminadas pela prescrição.40 (destaque nosso)

DIREITO PROCESSUAL CIVIL, COMERCIAL E CIVIL – AÇÃO ORDINÁ-RIA DE INDENIZAÇÃO – APELAÇÃO CÍVEL – PRELIMINAR DE FAL-TA DE INTERESSE PROCESSUAL, SUSCITADA PELA DEMANDADA – REJEIÇÃO – MÉRITO – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – TERMO INICIAL – CONHECIMENTO DO SUPOSTO DANO – NOTIFICAÇÃO EXTRAJUDICIAL – USO DE MARCA COM REGISTRO JUNTO AO INPI – SEMELHANÇAS FONÉTICA E GRÁFICA QUE CONFUNDEM O CON-SUMIDOR – PRECEDENTES DOS TRIBUNAIS – DANOS MATERIAL E MORAL NÃO CONFIGURADOS – RECURSOS CONHECIDOS E IM-PROVIDOS.41 (grifo nosso)

“AÇÃO ORDINÁRIA DE PRECEITO COMINATÓRIO CUMULADA COM PERDAS E DANOS – AGRAVO RETIDO CONTRA DECISÃO QUE NÃO ACOLHEU PREJUDICIAL DE MÉRITO SUSCITADA PELA RÉ – PRAZO PRESCRICIONAL QUE SOMENTE TEM INÍCIO NO MOMENTO EM QUE A PARTE TOMA CONHECIMENTO DO SUPOSTO USO IN-DEVIDO DO NOME COMERCIAL E DA MARCA – PRESCRIÇÃO NÃO CONFIGURADA – AGRAVO RETIDO DESPROVIDO – EMPRESA QUE EFETUOU O ARQUIVAMENTO DE SEUS ATOS CONSTITUTIVOS NA JUNTA COMERCIAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA – PROTEÇÃO LEGAL QUE SE RESTRINGE AO ÂMBITO ESTADUAL DE ATUAÇÃO DA

40 Voto do Relator Desembargador Pereira Calças na Apelação nº 0019073-21.2010.8.26.0482/SP, julgado em 08.11.2011, pela Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP, DJ 09.11.2011.

41 Voto do Relator Desembargador Cláudio Santos na Apelação nº 20090144103/RN, julgado em 11.05.2010, pela 2ª Câmara do TJRN, DJ 18.05.2010.

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JUNTA – ART. 61, § 1º, DO DECRETO Nº 1.800/1996 – REQUEREN-TE QUE NÃO COMPROVOU O CUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS EXIGIDOS PARA AMPLIAÇÃO DA PROTEÇÃO AO ESTADO DO PARANÁ – INSTRUÇÃO NORMATIVA Nº 104/2007 DO DNRC – APLICAÇÃO SISTEMÁTICA DOS DISPOSITIVOS DA CONVENÇÃO DA UNIÃO DE PARIS – DEVER DE OBSERVÂNCIA DA LEGISLAÇÃO INTERNA – PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E LUCROS CESSANTES – PREJUÍZO NÃO COMPROVADO – RECURSO DESPROVIDO – A proteção ao nome empresarial circunscreve-se à uni-dade federativa de jurisdição da junta comercial onde foi realizado o arquivamento do ato constitutivo de sociedade.42

CONCLUSõES

De forma pontual, podemos apontar os seguintes elementos con-clusivos extraídos da análise que fizemos do acordão em comento, a saber:

(a) Apesar do silêncio legal da legislação de propriedade indus-trial sobre o prazo prescricional para a tutela inibitória do direito marcário, são totalmente aplicáveis as previsões exis-tentes no Código Civil;

(b) Em seu voto, a Sra. Ministra Relatora Nancy Andrighi apon-tou que o acórdão recorrido não decidiu acerca das normas federais citadas, mesmo com a interposição de embargos de declaração, e, por isso, entendeu que o julgamento do recur-so especial seria inadmissível quanto às respectivas questões, votando pela aplicação ao caso da Súmula nº 211/STJ;

(c) Como a abstenção de direito de uso de marca é uma tutela inibitória que não tem previsão legislativa atualmente quanto à sua prescrição, o entendimento uníssono da jurisprudência é que o seu prazo será o presente no art. 177 do Código Civil de 1916, com redação da Lei nº 2.437, de 1955;

(d) Em atenção ao marco inicial do prazo prescricional, o STJ inovou ao firmar o precedente que determina que a contagem iniciará na data que ocorrer o ilícito em si, logo, na data em que o terceiro efetivamente usar a marca de outrem sem sua

42 Voto do Relator Desembargador Carlos Mansur Arida na Apelação nº 0474448-5/PR, julgado em 25.06.2008, pela 18ª Câmara Cível do TJPR, DJ 08.08.2008.

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autorização, e não da data da notificação da abstenção do uso realizada;

(e) Ressalta-se, em última síntese, nos termos do voto da ilustre Sra. Ministra Relatora Nancy Andrighi, que, tratando-se de abstenção de uso de marca “a pretensão nasce para seu titular quando violado o direito subjacente”43, ou seja, “surge a partir do momento em que se constata que o direito de utilização exclusiva (tutelado pelo art. 129, caput, da Lei nº 9.279/1996) foi ofendido por ato de terceiro”44.

Recurso Especial nº 1.631.874/SP (2014/0126765‑3)Relatora: Ministra Nancy AndrighiRecorrente: Pró Educação Guarulhense Ltda.Advogado: Eduardo de Freitas Alvarenga – SP122941Advogada: Cristiane Angélica Longo e Alvarenga – SP172726Recorrido: Progresso Educacional Ltda.Advogados: Willi Rostin Junior e outro(s) – SP173829

ementa

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE ABSTENÇÃO DE USO DE MARCA – PREqUESTIONAMENTO – AUSÊNCIA – SÚMULA Nº 211/STJ – PRESCRIÇÃO – MARCO INICIAL – VIOLAÇÃO DO DIREITO DE EXCLUSIVIDADE DE USO

1. Ação ajuizada em 11.01.2007. Recurso especial interposto em 22.02.2013 e atribuído à Relatora em 25.08.2016.

2. Controvérsia que se cinge em definir o marco inicial do prazo prescricional da pretensão de abstenção de uso de marca.

3. A ausência de decisão acerca dos dispositivos legais indicados como violados, não obstante a interposição de embargos de declaração, impede o conhecimento do recurso especial.

4. A pretensão de abstenção de uso de marca nasce para seu titular com a violação do direito de utilização exclusiva, tutelado pelo art. 129, caput, da Lei nº 9.279/1996.

43 Voto da Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 1.631.874/SP (2014/0126765-3), julgado em 25.10.2016, pela 3ª Turma do STJ, Relatora Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi, DJe 09.11.2016 – Assunto: Direito Civil – Coisas – Propriedade – Propriedade Intelectual/Industrial – Marca.

44 Voto da Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial nº 1.631.874/SP (2014/0126765-3), ibidem.

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5. Diante do contexto dos autos, em que a autorização para utilização da marca foi conferida por ato de mera liberalidade da recorrida – titular do direito de uso exclusivo –, a pretensão inibitória nasceu a partir do momento em que foi desrespeitada pela recorrente a data assinalada como termo final de vigência da autorização.

6. Recurso especial não provido.

acÓrdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Minis-tra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília/DF, 25 de outubro de 2016 (data do Julgamento).

Ministra Nancy Andrighi Relatora

relatÓrio

Cuida-se de recurso especial interposto por Pró Educação Guaru-lhense Ltda., com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitu-cional.

Ação: de rescisão contratual e de abstenção de uso de marca, ajui-zada por Progresso Educacional Ltda. em face da recorrente.

Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido, para conde-nar a recorrente a se abster de utilizar a marca “Progresso”, sob pena de multa fixada em R$ 1.000,00 (mil reais) para cada violação.

Acórdão: negou provimento à apelação interposta pela recorrente.

Embargos de declaração: opostos pela recorrente, foram parcial-mente acolhidos, para fixar que a abstenção do uso da marca deve vigo-rar a partir do ano letivo seguinte ao do trânsito em julgado do acórdão.

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218 ��������������������������������������������������������������������������RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

Recurso especial: alega violação dos arts. 126, 178, § 10, IX, e 1.126 do CC/1916; 133, 482, 2.028 e 2.044 do CC/2002; e 129, § 1º, da Lei nº 9.279/1996. Aduz que a regra de prescrição aplicável à espécie deve ser aquela do art. 178, § 10, IX, do CC/1916, segundo a qual pres-creve em cinco anos “a ação por ofensa ou dano causados ao direito de propriedade, contado o prazo da data em que se deu a mesma ofensa ou dano”. Alega que o uso da expressão “Progresso”, na composição de sua marca, foi autorizado contratualmente pelos sócios da recorrida. Afirma que, dada a inexistência, no contrato entabulado, de termo final para utilização da marca, deve ser reconhecido que seu uso possui prazo indeterminado. Refere que detém direito de precedência, pois ostenta condição de terceiro de boa-fé e usava a marca há mais de seis meses.

Decisão de admissibilidade: o TJSP negou seguimento ao recurso especial.

Agravo: interposto pela recorrente, foi autuado como recurso es-pecial.

É o relatório.

voto

Cinge-se a controvérsia em definir o marco inicial do prazo pres-cricional da pretensão de abstenção de uso de marca.

1 SíNTESE FÁTICA

No que interessa à solução da controvérsia, vale destacar que os juízos de primeiro e segundo graus entenderam que o decurso do lapso prescricional teve início a partir da data da publicação do pedido de re-gistro da marca “Colégio Progresso Centro”, formulado pela recorrente perante o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI em dezem-bro de 2006.

Esta, por seu turno, sustenta que deve ser considerada como marco inicial da prescrição a data do primeiro uso que fez da expressão “Pro-gresso” (1984) ou, alternativamente, a data de assinatura, pelos sócios das empresas em litígio, do instrumento particular de compra e venda, cessão e transferência de direitos, o qual autorizou a utilização daquela expressão por prazo indeterminado (2001).

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – JURISPRUDÊNCIA COMENTADA ������������������������������������������������������������������������������219

Da análise dos autos, todavia, infere-se que o INPI concedeu à recorrida o registro da marca “Progresso” em 07.08.1990 (e-STJ Fl. 22), a qual foi devidamente utilizada pela recorrente até meados de agosto de 2006, quando seus sócios foram notificados extrajudicialmente de que a permissão de uso vigoraria somente até o último dia daquele ano (e-STJ Fls. 23/24).

Diante do não acatamento dos termos da notificação, foi ajuizada, após o escoamento do prazo mencionado, a presente ação inibitória. Os juízos de primeiro e segundo graus, ao examinarem a controvérsia, afas-taram a alegação de prescrição invocada na contestação e reconhece-ram a violação do direito de exclusividade, determinando à recorrente, como corolário, que se abstenha de utilizar a marca “Progresso” como título de seu estabelecimento.

2 DA AUSÊNCIA DE PREqUESTIONAMENTO (ARTIGOS 126 E 1.126 DO CC/1916; 133, 482, 2.028 E 2.044 DO CC/2002; E 129, § 1º, DA LEI Nº 9.279/1996)

O acórdão recorrido não decidiu acerca das normas que constam dos arts. 126 e 1.126 do CC/1916; 133, 482, 2.028 e 2.044 do CC/2002; e 129, § 1º, da Lei nº 9.279/1996, apesar da interposição de embargos de declaração. Por isso, o julgamento do recurso especial é inadmis-sível quanto às respectivas questões. Aplica-se, neste caso, a Súmula nº 211/STJ.

3 DO MARCO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL DA PRETENSÃO INIBITóRIA DE USO DE MARCA (ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGO 178, § 10, IX, DO CC/1916 E DISSíDIO JURISPRUDENCIAL)

No que se refere ao prazo prescricional incidente sobre a preten-são de abstenção de uso de marca, o STJ possui entendimento firmado no sentido de que devem ser aplicadas as regras constantes do art. 177, segunda parte, do CC/1916. É o que se depreende dos seguintes julgados: RCDESP-AgRg-REsp 691.474/RS, Quarta Turma, DJe 13.12.2013; AgRg--Ag 854.216/GO, Terceira Turma, DJe 05.08.2013; e REsp 418.580/SP, Terceira Turma, DJ 10.03.2003.

Quanto ao marco inicial de sua fluência, todavia, não há jurispru-dência consolidada no âmbito deste Tribunal.

A prescrição, em breves linhas, pode ser definida como a perda, pelo titular do direito violado, da pretensão à sua reparação.

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220 ��������������������������������������������������������������������������RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

Como a regra insculpida no art. 189 do CC estabelece que a pre-tensão nasce para seu titular quando violado o direito subjacente, infere--se que, tratando-se de abstenção de uso de marca, a pretensão surge a partir do momento em que se constata que o direito de utilização exclu-siva (tutelado pelo art. 129, caput, da Lei nº 9.279/1996) foi ofendido por ato de terceiro.

Na hipótese, portanto, o cerne da controvérsia reside em definir quando esse direito foi efetivamente violado pela recorrente.

O exame dos autos revela que a autorização para utilização da marca “Progresso” foi conferida por ato de mera liberalidade da titular do direito de uso exclusivo.

Nesse contexto, havendo expressa manifestação de interesse da recorrida em cessar os efeitos da autorização, a partir da data assinalada como termo final de vigência da liberalidade (31.12.2006, e-STJ Fl. 24) é que o uso da marca, pela recorrente, passou a representar violação ao direito de exclusividade, momento em que, via de consequência, nasceu a pretensão inibitória.

Portanto, independentemente do prazo que se entenda aplicável à hipótese, não há que se falar em prescrição, pois a presente ação foi distribuída em 11.01.2007 (e-STJ Fl. 2), menos de um mês após a viola-ção do direito.

Forte nessas razões, nego provimento ao recurso especial.

certidão de JulGamento terceira turma

Processo Eletrônico REsp 1.631.874/SP

Número Registro: 2014/0126765-3

Números Origem: 120328 15222007 2240120070015227 224012007001522700 6076164 692007 71473566520088260000 91473566520088260000

Em Mesa Julgado: 25.10.2016

Relatora: Exma. Sra. Ministra Nancy Andrighi

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Carlos Alberto Carvalho Vilhena

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – JURISPRUDÊNCIA COMENTADA ������������������������������������������������������������������������������221

Secretária: Belª Maria Auxiliadora Ramalho da Rocha

autuação

Recorrente: Pró Educação Guarulhense Ltda.

Advogado: Eduardo de Freitas Alvarenga – SP122941

Advogada: Cristiane Angélica Longo e Alvarenga – SP172726

Recorrido: Progresso Educacional Ltda.

Advogados: Willi Rostin Junior e outro(s) – SP173829

Assunto: Direito Civil – Coisas – Propriedade – Propriedade Intelec-tual/Industrial – Marca

certidão

Certifico que a egrégia Terceira Turma, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso espe-cial, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze (Presidente) e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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Clipping Jurídico

TJSP reconhece indenização por ruptura imotivada de contrato

A 14ª Câmara de Direito Privado reconheceu o direito de uma distribuidora far-macêutica de receber indenização por perdas e danos, além de lucros cessantes, por ruptura contratual, a serem calculados em liquidação de sentença. A decisão considerou os valores devidos não apenas pelos investimentos feitos durante todo o relacionamento empresarial, mas, substancialmente, pela quase exclusivida-de de suas operações ao longo de muitos anos da parceria desfeita. As partes mantiveram relação empresarial de distribuição atacadista por quase 40 anos. A autora mantinha 90% de sua distribuição concentrada nos produtos fornecidos pela empresa ré – reconhecida internacionalmente – e imaginou que, ao elabo-rar contrato escrito em 2005, pudesse ter a certeza e segurança da continuidade de seus negócios. Quatro meses depois, sem justa causa, a requerida rompeu o vínculo contratual, acarretando prejuízos. A sociedade pediu indenização pela perda da lucratividade, privação do capital, perda de clientela do projeto, encer-ramento abrupto de suas atividades, além de lucros cessantes pelos investimentos realizados. Para o relator do recurso, desembargador Carlos Henrique Abrão, não há dúvida de que a ré não agiu com a necessária boa-fé e transparência para o equilíbrio do contrato, sua preservação e duração. “A prova testemunhal é robus-ta, diagnosticando que a empresa ré, retomando a atividade de inúmeros distri-buidores, transformando o comércio atacadista em varejista, distanciou-se do seu escopo e, tendo acesso aos informes, tinha pleno discernimento de como alcan-çar eficiente distribuição dos produtos fabricados”, disse. O magistrado fixou a indenização referente à perda de lucratividade relativa aos dois anos anteriores à ruptura do contrato inesperada, multiplicada por 12 vezes (tempo de readequa-ção e reequilíbrio do distribuidor), em fase de liquidação de sentença. O valor das perdas e dos danos, fixado em R$ 2.521.912,90, sofrerá cálculo aritmético de atualização (Apelação nº 0101715-14.2007.8.26.0011). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)

Contratos de transferência de tecnologia podem ser modificados pelo INPI

O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) é competente para adotar medidas de aceleração e regulação de transferência tecnológica, bem como de fixação de melhores condições de negociação e utilização de patente. Esse foi o entendimento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao rejeitar recurso interposto pela Unilever e Unilever Bestfoods, que contestavam ato de averbação dos contratos de transferência tecnológica celebrados por elas, no qual o INPI teria transformado acordos de onerosos para gratuitos. As empresas alega-ram que, ao expedir os respectivos certificados sem o pagamento de royalties, o INPI inviabilizou a relação de transferência de tecnologia prevista nos acordos. Além disso, as recorrentes afirmaram que o INPI teria agido com flagrante abuso de poder e ultrapassado seus limites institucionais, já que, com a alteração da Lei nº 5.648/1970 (Lei de Criação da Autarquia), o instituto teria perdido o poder de alteração dos contratos de transferência de tecnologia. Instrumentos: Em seu

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – CLIPPING JURÍDICO ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������223

voto, o ministro relator, Francisco Falcão, deixou claro que, apesar da alteração promovida no texto da lei, “conferir uma interpretação restritiva ao mencionado preceito legal implicaria total desconsideração da existência implícita de pode-res”. Para ele, no referido dispositivo é possível identificar uma cláusula geral, de atendimento das funções social, econômica, jurídica e social, que permite interpretações que preservem permanentemente o conteúdo significativo da nor-ma. “Ao se outorgar competência a determinado órgão, devem-se assegurar os instrumentos necessários à perfeita realização do seu escopo, ainda mais quando de inegável relevância pública”, afirmou o magistrado. A Turma acompanhou o voto do relator (REsp 1200528). (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Empresa indenizará turista por cruzeiro “internacional” que só passeou pelo Brasil

A 3ª Câmara Civil do TJ manteve indenização por danos morais em favor de turis-ta que adquiriu um pacote para cruzeiro internacional e teve de se contentar em conhecer Búzios, Ilha Grande e Ilha Bela, destinos do litoral sudeste brasileiro. Ela receberá R$ 8.000,00 da empresa marítima responsável pelo descumprimento do contrato, que previa destinos como Montevidéu e Buenos Aires, em viagem prevista para acontecer entre 5 e 12 de janeiro de 2015. Ao revés, cumpriu roteiro nacional, ainda assim reduzido para apenas quatro dias de passeio. A empresa alegou caso fortuito para justificar as mudanças: uma greve de pescadores indus-triais bloqueou o Porto de Itajaí, atrasou o embarque e forçou a alteração da rota original. Ademais, disse ser indevida a indenização, visto que a turista usufruiu dos serviços oferecidos pelo navio em tempo integral. Os argumentos não foram acolhidos pela Justiça. Na data de 23 de dezembro de 2014, ou seja, pouco mais de dez dias antes da viagem, foi noticiado pela imprensa que os pescadores decidiram paralisar as atividades em 5 de janeiro e fechar o canal da Barra, re-gistrou o desembargador Fernando Carioni, relator da apelação. Isso demonstra, em sua concepção, que houve imprevisão e falha na prestação do serviço, com responsabilidade solidária entre agência de viagens e empresa marítima. A infor-mação prévia de que o porto estaria interditado na época do cruzeiro, demons-trada nos autos, impede admitir que as empresas foram tomadas de surpresa pela paralisação dos pescadores. Era dever da empresa marítima adotar providências necessárias para honrar com a viagem, nos termos em que foi adquirida pelos contratantes, concluiu o desembargador Fernando Carioni. A decisão foi unâni-me (Apelação Cível nº 0300048-78.2015.8.24.0077). (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina)

Cobrança por transporte multimodal de cargas prescreve em um ano

Nos contratos de transporte de cargas firmados para traslado multimodal – quan-do há utilização de dois ou mais tipos de transporte, como o marítimo e o ter-restre, sob responsabilidade de um único operador –, os pedidos de cobrança

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224 ������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������� RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – CLIPPING JURÍDICO

por descumprimento contratual prescrevem em um ano, conforme estabelece o art. 22 da Lei nº 9.611/1998. O entendimento foi fixado pela 4ª Turma do Supe-rior Tribunal de Justiça (STJ) ao rejeitar recurso de uma companhia de transporte marítimo que buscava comprovar que realizou transporte unimodal de carga e, dessa forma, teria direito ao prazo prescricional de cinco anos previsto pelo Có-digo Civil. Os argumentos foram rejeitados de forma unânime pelo colegiado. A discussão foi travada em ação de cobrança na qual a companhia estrangeira alegou que foi contratada por empresa brasileira para realizar o transporte de mercadorias importadas. O acordo previa a livre utilização dos contêineres utili-zados no transporte pelo prazo de sete dias, sob pena de pagamento de sobres-tadia, cláusula que foi acionada pela companhia após a demora na devolução dos equipamentos. Multimodalidade: Os julgamentos de primeira e de segunda instâncias do Tribunal de Justiça de São Paulo concluíram ter havido a prescrição do direito de cobrança devido à superação do prazo de um ano estabelecido pela Lei nº 9.611/1998. Todavia, a companhia defendeu que o transporte foi realizado de forma unimodal, ou seja, exclusivamente por via marítima, incidindo neste caso o prazo de cinco anos previsto no art. 206, § 5º, do Código Civil. O ministro relator do recurso especial da companhia, Raul Araújo, explicou que o Tribunal paulista concluiu que a operação realizada pela companhia estrangeira, que foi monitorada por um único operador nos trajetos marítimo e terrestre, seguiu a estrutura multimodal. Dessa forma, apontou o ministro Raul Araújo, sendo im-possível o reexame do conjunto probatório pela vedação da Súmula nº 7 do STJ, que o prazo prescricional aplicado ao caso é de um ano. “Na situação dos autos, como consta da sentença, o prazo iniciou-se entre 06.07.2007 e 12.09.2008, data da devolução dos contêineres. Assim, proposta a ação em 21.12.2010, deve ser reconhecida a prescrição da pretensão da insurgente”, concluiu o relator ao rejeitar o recurso da companhia (REsp 1523006). (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Fechamento da Edição: 10�03�2017

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Índice Alfabético e Remissivo

índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Contratos ElEtrôniCos

•Comércio Eletrônico, Relações de Consumo e Proteção do Consumidor: Algumas Reflexões (Tauã Lima Verdan Rangel) ..................................32

•Contratos Eletrônicos no Direito Brasileiro – For-mação dos Contratos Eletrônicos e Direito de Arrependimento (Anderson Schreiber) ...................9

Autor

anDErson sChrEibEr

•Contratos Eletrônicos no Direito Brasileiro – Formação dos Contratos Eletrônicos e Direitode Arrependimento ................................................9

tauã lima vErDan rangEl

•Comércio Eletrônico, Relações de Consumo e Proteção do Consumidor: Algumas Reflexões ......32

JURISPRUDÊNCIA

Assunto

Contratos ElEtrôniCos

•Civil e consumidor – Internet – Relação de con-sumo – Incidência do CDC – Gratuidade do serviço – Indiferença – Provedor de pesquisa voltada ao comércio eletrônico – Intermedia-ção – Ausência – Fornecedor – Não configurado(STJ) ...........................................................3026, 56

EMENTÁRIO

Assunto

Contratos ElEtrôniCos

•Contrato – comércio eletrônico – objeto nãoentregue – código do consumidor..............3027, 72

•Contrato – comércio eletrônico – site de anún-cios – fraude – código do consumidor – res-ponsabilidade ............................................3028, 72

•Contrato eletrônico – comércio – site de com-pras – esgotamento de marca – contrafação –inexistência ...............................................3029, 72

•Contrato eletrônico – relação de consumo – CDC – incidência ...............................................3030, 73

•Propriedade industrial – marca e nome comer-cial – comércio eletrônico – campo – Internet ..................................................................3031, 74

•Responsabilidade civil – contrato bancário – comércio eletrônico – fraude – culpa da vítima– indenização indevida ..............................3032, 75

ACONTECE

Assunto

Contratos ElEtrôniCos

•Notícias ...............................................................76

índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

ComérCio ExtErior

•Esclarecimentos sobre Qual o País de Destino no Transporte Internacional Deve Ser Registra-do no Siscoserv – Módulo Aquisição (DanielSoares Gomes) .....................................................97

nEgóCio JuríDiCo

•Eficácia do Silêncio no Negócio Jurídico e Aná-lise Jurisprudencial sobre o Tema (Maristela Aparecida Dutra) .................................................80

rECupEração JuDiCial

•Da Participação de Empresas em Recupera-ção Judicial nas Licitações Públicas (Marcos Faustino, Bruna Caroline Santos e Thais HelenaVeneri) ...............................................................101

sistEma Capitalista

•Direitos Sociais Como Exigência para a Dignida-de da Pessoa Humana no Estado Democrático (Gustavo Filipe Barbosa Garcia) ...........................78

Autor

bruna CarolinE santos, thais hElEna vEnEri E marCos Faustino

•Da Participação de Empresas em Recuperação Judicial nas Licitações Públicas ..........................101

DaniEl soarEs gomEs

•Esclarecimentos sobre Qual o País de Destino no Transporte Internacional Deve Ser Registrado no Siscoserv – Módulo Aquisição ........................97

gustavo FilipE barbosa garCia

•Direitos Sociais Como Exigência para a Dig-nidade da Pessoa Humana no Estado Demo-crático .................................................................78

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226 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

marCos Faustino, bruna CarolinE santos E thais hElEna vEnEri

•Da Participação de Empresas em Recuperação Judicial nas Licitações Públicas ..........................101

maristEla aparECiDa Dutra

•Eficácia do Silêncio no Negócio Jurídico e Aná-lise Jurisprudencial sobre o Tema ........................80

thais hElEna vEnEri, marCos Faustino E bruna CarolinE santos

•Da Participação de Empresas em Recuperação Judicial nas Licitações Públicas ..........................101

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

propriEDaDE inDustrial

•Apelação cível – Propriedade industrial – Nu-lidade de registro marcário – Marcas evo-cativas – Expressões de uso comum – Possi-bilidade de convívio – Recurso desprovido(TRF 2ª R.) ...............................................3034, 115

rECupEração JuDiCial

•Agravo de instrumento – Execução fiscal – Mul-ta administrativa – Empresa executada em recu-peração judicial – Possibilidade de prossegui-mento do feito executivo – Poder de cautela do juiz – Ausência de distinção legal entre execu-ções fiscais de débitos tributários e administra-tivos – Improvimento (TRF 2ª R.) ..............3033, 108

EMENTÁRIO

Assunto

ação Civil públiCa

•Ação civil pública – litisconsórcio passivo ne-cessário – demais instituições financeiras – não cabimento – legitimidade ativa ................3035, 131

ação ColEtiva

•Ação coletiva – direitos individuais homogêne-os – direito de informação – produto – glúten – doença celíaca – advertência – proteção – in-formações complementares – desnecessidade –ônus de sucumbência – compensação .....3036, 132

ação DEClaratória E DEsConstitutiva

•Ação declaratória e desconstitutiva – cédula ru-ral pignoratícia e hipotecária – prescrição trienal para a execução – ocorrência ..................3037, 134

ação DE Cobrança

•Ação de cobrança – contrato bancário – cum-primento de sentença ..............................3038, 134

ação DE Consignação Em pagamEnto

•Ação de consignação em pagamento – nega-tiva de prestação jurisdicional – inocorrência ................................................................3039, 134

ação DE prEstação DE Contas

•Ação de prestação de contas – arrendamento mercantil – apuração de saldo credor em favordo arrendatário ........................................3040, 136

ação DE rEvisão DE Cláusulas Contratuais

•Ação de revisão de cláusulas contratuais – ca-pitalização mensal dos juros ....................3041, 136

ação monitória

•Ação monitória – prescrição – termo inicial ................................................................3042, 136

ação rEvisional DE Contrato

•Ação revisional de contrato – litígio sobre obri-gações decorrentes de contrato de financiamen-to – antecipação de tutela ........................3043, 138

ação rEvisional DE Contrato banCário

•Ação revisional de contrato bancário – arren-damento mercantil – alegação de abusividade – encargos contratuais – excesso .............3044, 138

•Ação revisional de contrato bancário – co-missão de permanência – cumulação com en-cargos da mora – impossibilidade ............3045, 139

•Ação revisional de contrato bancário – juros remuneratórios – limitação – taxa – revisão ................................................................3046, 139

•Ação revisional de contratos bancários – co-brança de encargos – abusividade – proce-dência .....................................................3047, 139

arrEnDamEnto mErCantil

•Arrendamento mercantil – leasing financeiro para aquisição de veículo automotor .......3048, 140

CéDula DE CréDito rural

•Cédula de crédito rural – FCO – prequestio-namento – ausência – juros – capitalização mensal .....................................................3049, 140

CéDula rural hipotECária

•Cédula rural hipotecária – fundamentos não impugnados – aplicação das Súmulas nºs 283 e 284, do STF ..........................................3050, 141

Compromisso DE Compra E vEnDa

•Compromisso de compra e venda – rescisão contratual – litigância de má-fé – inocorrência ................................................................3051, 141

Contrato

•Contrato – cartão de crédito – ação de prestaçãode contas – possibilidade .........................3052, 142

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RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������227 Contrato banCário

•Contrato bancário – ação monitória – prazo prescricional – precedentes .....................3053, 142

Contrato DE Empréstimo ConsignaDo

•Contrato de empréstimo consignado – prelimi-nar – inépcia – CDC – capitalização de juros – possibilidade .........................................3054, 142

Contrato DE intErmEDiação DE patroCínio DE ClubE FutEbolístiCo

•Contrato de intermediação de patrocínio de clu-be futebolístico – simulação inexistente – dívi-da comprovada – evidente litigância de má-fé– efeitos ...................................................3055, 144

Dano moral ColEtivo

•Dano moral coletivo – exploração da ativida-de de bingos – ilicitude – precedentes – possi-bilidade ...................................................3056, 144

Dano moral E matErial

•Dano moral e material – marcas e patentes – uso indevido de símbolos distintivos de clube de futebol – violação de direito marcário – nãocomprovação – indenização indevida .....3057, 146

DirEito banCário

•Direito bancário – ação revisional de contrato de arrendamento mercantil – parcial procedên-cia – não conhecimento ..........................3058, 147

DupliCata

•Duplicata – ação monitória – ausência de omissão e de erro material – impossibilidade ................................................................3059, 147

ExCEção DE pré-ExECutiviDaDE

•Exceção de pré-executividade – arrendamento mercantil (leasing) – vigência da Lei Comple-mentar nº 116/2003 – dilação probatória –desnecessidade ........................................3060, 147

ExECução DE título ExtraJuDiCial

•Execução de título extrajudicial – confissão de dívida – decisão interlocutória .................3061, 148

ExECução DE título JuDiCial

•Execução de título judicial – fraude à execução – demanda executiva – contrato de compromis-so de compra e venda – celebração anterior –má-fé inexistente .....................................3062, 148

•Execução de título judicial – recuperação ju-dicial – fundamentos da decisão agravada não impugnados .............................................3063, 151

ExECução Do JulgaDo

•Execução do julgado – expedição de ofício precatório – alteração da sentença pelo acór-

dão – cálculos elaborados pela contadoria judi-cial – reformatio in pejus .........................3064, 151

FalênCia

•Falência – depósito bancário – restituição – im-possibilidade ...........................................3065, 151

•Falência – habilitação retardatária – crédito trabalhista – participação nos rateios poste-riores .......................................................3066, 152

honorários DE aDvogaDo

•Honorários de advogado – acordo extrajudicial – pagamento direto ao patrocinado ............3067, 152

Juros

• Juros – capital próprio – inclusão nos cálculos – revisão – inviabilidade .............................3068, 153

plano DE saúDE ColEtivo EmprEsarial

•Plano de saúde coletivo empresarial – ex-em-pregado aposentado – assistência médica – ma-nutenção .................................................3069, 153

rECupEração ExtraJuDiCial

•Recuperação extrajudicial – impugnação ao valor do crédito – ausência de previsão legal ................................................................3070, 153

rECupEração JuDiCial

•Recuperação judicial – conflito de competên-cia – Juizado Especial Cível – execução sin-gular movida contra a recuperanda – prática de atos de constrição patrimonial – impossibi-lidade ......................................................3071, 154

•Recuperação judicial – crédito garantido porcessão fiduciária – não submissão ...........3072, 155

•Recuperação judicial – crédito oriundo de cé-dulas de crédito bancário – alienação fiduciária – ausência de registro ..............................3073, 156

rElação ComErCial

•Relação comercial – alteração unilateral de con-trato – danos materiais – necessidade ......3074, 156

sEguro saúDE ColEtivo EmprEsarial

•Seguro saúde coletivo empresarial – ex-empre-gado aposentado – assistência médica – manu-tenção .....................................................3075, 157

soCiEDaDE

•Sociedade – sócio – citação – prescrição inter-corrente – prazo ......................................3076, 159

•Sociedade – valor patrimonial da ação – cota-ção – dividendos – preclusão ...................3077, 159

títulos ExECutivos ExtraJuDiCiais

•Títulos executivos extrajudiciais – cédulas de produto rural – entrega de coisa incerta – exe-cução ......................................................3078, 159

Page 228: ISSN 2236-5346 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 55_miolo.pdf · Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Revista SÍNTESE Direito Empresarial: Ano 10, nº 55,

228 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDE Nº 55 – Mar-Abr/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

Seção Especial

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

DirEito pEnal EConômiCo

•Direito Penal Econômico: a Releitura do Direito Penal Clássico para o Combate à Macrocrimi-nalidade (Fernando Gentil Gizzi de Almeida Pedroso, Jaqueline Lourenço Rodrigues Lopes de Carvalho e Raul Cervini) ...............................161

Autor

FErnanDo gEntil gizzi DE almEiDa pEDroso, JaquElinE lourEnço roDriguEs lopEs DE Carvalho E raul CErvini

•Direito Penal Econômico: a Releitura do Di-reito Penal Clássico para o Combate à Macro-criminalidade ....................................................161

JaquElinE lourEnço roDriguEs lopEs DE Carvalho, FErnanDo gEntil gizzi DE almEiDa pEDroso E raul CErvini

•Direito Penal Econômico: a Releitura do Di-reito Penal Clássico para o Combate à Macro-criminalidade ....................................................161

raul CErvini, FErnanDo gEntil gizzi DE almEiDa pEDroso E JaquElinE lourEnço roDriguEs lopEs DE Carvalho

•Direito Penal Econômico: a Releitura do Di-reito Penal Clássico para o Combate à Macro-criminalidade ....................................................161

EM POUCAS PALAVRAS

Assunto

planEJamEnto suCEssório

•Planejamento Sucessório: o Que Lhe Impede(Bruno Theodoro da Silva) .................................192

Autor

bruno thEoDoro Da silva

•Planejamento Sucessório: o Que Lhe Impede ....192

JURISPRUDÊNCIA COMENTADA

Assunto

ExClusiviDaDE DE marCa

•O Julgamento de Prescrição de Exclusividade Marcária em Ação de Abstenção de Uso de Marca (Luís Rodolfo Cruz e Creuz e FernandaGalera Soler) ............................................3079, 197

Autor

FErnanDa galEra solEr E luís roDolFo Cruz E CrEuz

•O Julgamento de Prescrição de Exclusividade Marcária em Ação de Abstenção de Uso deMarca ......................................................3079, 197

luís roDolFo Cruz E CrEuz E FErnanDa galEra solEr

•O Julgamento de Prescrição de Exclusividade Marcária em Ação de Abstenção de Uso deMarca ......................................................3079, 197

CLIPPING JURÍDICO

•Cobrança por transporte multimodal de cargas prescreve em um ano ........................................223

•Contratos de transferência de tecnologia podemser modificados pelo INPI ..................................222

•Empresa indenizará turista por cruzeiro “inter-nacional” que só passeou pelo Brasil .................223

•TJSP reconhece indenização por ruptura imo-tivada de contrato ..............................................222