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Revista SÍNTESE Direito Ambiental ANO VI – Nº 35 – JAN-FEV 2017 REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Portaria CONJUD nº 610-001/2013 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Portaria nº 02, de 31.05.2012 – Registro nº 25 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Portaria nº 942, de 13.08.2013 – Ofício – 1528443 – GPRES/EMAGIS Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Informação nº 001/2013-GAB/DR DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL Milena Sanches Tayano dos Santos COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Patrícia Rosa da Costa Ruiz CONSELHO EDITORIAL André Luis Saraiva, Antomar Viegas, Daniel Roberto Fink, Gina Copola, João Roberto Rodrigues, Luis Fernando Galli, Marcelo Beserra, Maria Luiza Machado Granziera, Patrícia Faga Iglecias Lemos, Paulo de Bessa Antunes, Ronald Victor Romero Magri, Toshio Mukai COMITÊ TÉCNICO Elisson Pereira da Costa, Francisco Salles Almeida Mafra Filho, Renata Jardim da Cunha Rieger, Sylvio Toshiro Mukai, Veridiana Pinheiro Lima COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Carlos Sérgio Gurgel da Silva, Debora Cristina de Castro da Rocha, Gina Copola, Lorena Grangeiro de Lucena Tôrres, Márcio Luís de Oliveira, Tauã Lima Verdan Rangel, Vinicius Diniz e Almeida Ramos ISSN 2236-9406

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Revista SÍNTESEDireito Ambiental

Ano VI – nº 35 – JAn-FeV 2017

ReposItóRIo AutoRIzAdo de JuRIspRudêncIA

Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Portaria CONJUD nº 610-001/2013Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Despacho nº TRF2-DES-2013/08087

Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Portaria nº 02, de 31.05.2012 – Registro nº 25Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Portaria nº 942, de 13.08.2013 – Ofício – 1528443 – GPRES/EMAGIS

Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Informação nº 001/2013-GAB/DR

dIRetoR executIVo

Elton José Donato

GeRente edItoRIAl

Milena Sanches Tayano dos Santos

cooRdenAdoR edItoRIAl

Cristiano Basaglia

edItoRA

Patrícia Rosa da Costa Ruiz

conselho edItoRIAl

André Luis Saraiva, Antomar Viegas, Daniel Roberto Fink, Gina Copola, João Roberto Rodrigues, Luis Fernando Galli, Marcelo Beserra, Maria Luiza Machado Granziera, Patrícia Faga Iglecias Lemos,

Paulo de Bessa Antunes, Ronald Victor Romero Magri, Toshio Mukai

comItê técnIco

Elisson Pereira da Costa, Francisco Salles Almeida Mafra Filho, Renata Jardim da Cunha Rieger, Sylvio Toshiro Mukai, Veridiana Pinheiro Lima

colAboRAdoRes destA edIção

Carlos Sérgio Gurgel da Silva, Debora Cristina de Castro da Rocha, Gina Copola, Lorena Grangeiro de Lucena Tôrres,

Márcio Luís de Oliveira, Tauã Lima Verdan Rangel, Vinicius Diniz e Almeida Ramos

ISSN 2236-9406

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos de Meio Ambiente.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Ambiental. – v. 6, n. 35 (Fev. 2017)- . – São Paulo: IOB, 2011- . v. ; 23 cm.

Bimestral. ISSN 2236-9406

1. Direito ambiental. 2. Meio ambiente.

CDU 351.777.6 CDD 341.347

Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Na trigésima quinta edição da Revista SÍNTESE Direito Ambiental, publi-camos, na Seção Assunto Especial, o tema “Licitação Sustentável”.

Sobre o tema, publicamos três artigos. O primeiro, intitulado “Licitações Sustentáveis”, de autoria da Dra. Gina Copola, o segundo, intitulado “Comen-tários ao Princípio da Licitação Sustentável: o Reconhecimento dos Influxos do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado no Procedimento Licitatório”, de autoria do Dr. Tauã Lima Verdan Rangel, e o terceiro, intitulado “Planejamen-to como Imperativo do Desenvolvimento Sustentável: a Ineficácia da Licitação Ecológica em Face da Lei Nacional de Licitações”, de autoria do Dr. Vinicius Diniz e Almeida Ramos e do Dr. Márcio Luís de Oliveira.

Na Parte Geral, publicamos dois artigos, quais sejam: “A Utilização de Remédios Constitucionais: Mandado de Segurança para Proteção de Direito Lí-quido e Certo – Apreensão (I)Legal de Bens ou Mercadorias x Infrações Ambien-tais”, de autoria da Dra. Lorena Grangeiro de Lucena Tôrres, Administradora de Empresas, Advogada inscrita na OAB/CE, Especialista em Perícia e Auditoria Ambiental pela Universidade de Fortaleza – Unifor, Membro da Comissão de Direito Ambiental e Direito Marítimo, Portuário, Aeroportuário e Aduaneiro, e “Comentários à ADIn 5547: Fim do Licenciamento Ambiental em Assenta-mentos de Reforma Agrária?”, de autoria do Dr. Carlos Sérgio Gurgel da Silva, Doutorando em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Di-reito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Pro-fessor Adjunto I do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Sócio-Fundador do Escritório de Advocacia Sérgio Gurgel Advocacia Ambiental.

Selecionamos, outrossim, sete relevantes acórdãos na íntegra: um do STF, um do STJ, um do TRF da 1ª R., um do TRF da 2ª R., um do TRF da 3ª R., um do TRF da 4ª R. e um do TRF da 5ª R., além de vasto ementário com valor agregado.

Na Seção Especial, contamos com um Estudo Jurídico intitulado “Reser-va Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado Aliada a uma Discussão sobre a Soberania do Prin-cípio do Interesse Público sobre o Particular”, de autoria da Vice-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PR, Subseção SJP, e Membro da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/PR, Subseção SJP, Es-pecializanda em Direito Imobiliário Aplicado, Especialista em Direito do Tra-balho, Especialista em Direito Constitucional, Dra. Debora Cristina de Castro da Rocha.

Não deixe de ver nossa Seção Clipping Jurídico, na qual oferecemos textos concisos que destacam, de forma resumida, os principais acontecimen-

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tos do período, tais como notícias, projetos de lei, normas relevantes, entre outros.

Aproveite este rico conteúdo e tenha uma ótima leitura!

Milena Sanches Tayano dos Santos Gerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Licitação SuStentáveL

DoutrinaS

1. Licitações SustentáveisGina Copola ...............................................................................................9

2. Comentários ao Princípio da Licitação Sustentável: o Reconhe- cimento dos Influxos do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado no Procedimento LicitatórioTauã Lima Verdan Rangel ........................................................................33

3. Planejamento como Imperativo do Desenvolvimento Sustentável: a Ineficácia da Licitação Ecológica em Face da Lei Nacional de LicitaçõesVinicius Diniz e Almeida Ramos e Márcio Luís de Oliveira .....................50

Parte Geral

DoutrinaS

1. A Utilização de Remédios Constitucionais: Mandado de Segurança para Proteção de Direito Líquido e Certo – Apreensão (I)Legal de Bens ou Mercadorias x Infrações AmbientaisLorena Grangeiro de Lucena Tôrres .........................................................68

2. Comentários à ADIn 5547: Fim do Licenciamento Ambiental em Assentamentos de Reforma Agrária?Carlos Sérgio Gurgel da Silva ...................................................................73

JuriSpruDência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Supremo Tribunal Federal ........................................................................85

2. Superior Tribunal de Justiça......................................................................90

3. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ....................................................97

4. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................101

5. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................108

6. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................113

7. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................121

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ementário

1. Ementário de Jurisprudência de Direito Ambiental .................................125

Seção EspecialeStuDoS JuríDicoS

1. Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado Aliada a uma Discussão sobre a Soberania do Princípio do Interesse Público sobre o ParticularDebora Cristina de Castro da Rocha .......................................................168

Clipping Jurídico ..............................................................................................232

Resenha Legislativa ..........................................................................................242

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................244

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Normas Editoriais para Envio de Artigos1. Os artigos para publicação nas Revistas SÍNTESE deverão ser técnico-científicos e fo-

cados em sua área temática.2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação

do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remune-ração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos jurí-

dicos da SÍNTESE.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO AU-

TOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisamente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finaliza-das por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “arábi-

co”. A Editora reserva-se ao direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A pri-meira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comentá-rios à jurisprudência, o número de páginas será no máximo de 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços eletrôni-cos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preen-cher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/cadastro-deautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Licitação Sustentável

Licitações Sustentáveis

GInA COPOLAAdvogada militante em Direito Administrativo, Pós-Graduada em Direito Administrativo pela FMU, Ex-Professora de Direito Administrativo na FMU. Autora dos livros Elementos de Direito Ambiental (Rio de Janeiro, 2003), Desestatização e Terceirização (São Paulo, 2006), A Lei dos Crimes Ambientais, Comentada Artigo por Artigo (Minas Gerais, 2008, 2. ed. em 2012) e A Improbidade Administrativa no Direito Brasileiro (Minas Gerais, 2011). Coautora do livro Comentários ao Sistema Legal Brasileiro de Licitações e Contratos Administrativos (São Paulo, 2016). Autora de mais de uma centena de artigos sobre o tema de direito administrativo e ambiental, todos publicados em periódicos especializados.

RESUMO: Tema atualíssimo é o relativo às licitações sustentáveis. É cediço em Direito que, para o Poder Público contratar bens, obras ou serviços, busca a proposta mais vantajosa e, para isso, realiza licitação que deve observar os princípios constitucionais previstos no art. 37, caput, da Constituição e também os princípios contidos na Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e, entre eles, está o relevante princípio do desenvolvimento sustentável. A sustentabilidade, a seu turno, consiste em garantir um desenvolvimento social e econômico sem agredir o meio ambiente, nos termos preconizados pelo assaz de vezes suscitado art. 225 da Constituição Federal. Diante dos termos da legislação aplicável, é possível afirmar desde já que todas as licitações realizadas hoje pelo Poder Público devem respeitar o desenvolvimento sustentável.

PALAVRAS-CHAVE: Licitação; meio ambiente sustentável.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Das licitações e dos princípios a elas concernentes; 1.1 Do conceito de licitações; 1.2 Das licitações regidas pela Lei Federal nº 8.666/1993; 1.2.1 Concorrência; 1.2.2 To-mada de preços; 1.2.3 Convite; 1.2.4 Concurso; 1.2.5 Leilão; 1.3 O pregão instituído pela Lei Federal nº 10.520/2002; 1.4 Das fases das licitações; 1.5 Da dispensa e da inexigibilidade de licitação; 1.6 Da relevância dos princípios; 1.7 Os princípios concernentes às licitações; 1.8 O princípio do desenvolvi-mento sustentável; 2 As licitações sustentáveis; 2.1 A jurisprudência do egrégio Tribunal de Contas da União; Breve conclusão; Referências.

INtrodução

O tema concernente às licitações sustentáveis é atual e de relevante pre-ocupação.

É cediço em Direito que, para o Poder Público contratar bens, obras ou serviços, busca a proposta mais vantajosa e, para isso, realiza licitação que deve

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observar os princípios constitucionais previstos no art. 37, caput, da Constitui-ção Federal – legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência – e também os princípios contidos na Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Entre os princípios mais relevantes contidos na Lei Federal nº 8.666/1993 está o princípio do desenvolvimento sustentável, introduzido expressamente no art. 3º da lei, com a redação que lhe foi dada pela Lei Federal nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010.

A sustentabilidade consiste em garantir um desenvolvimento social e econômico sem agredir o meio ambiente, nos termos preconizados pelo assaz de vezes suscitado art. 225 da Constituição Federal, que reza:

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Tem-se, portanto, que é dever do Poder Público defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, sendo forçoso concluir que toda a atuação do Poder Público deve sempre buscar a preservação do meio ambiente, inclusive quando realiza licitações, situação em que o Poder Público precisa buscar o desenvolvimento social e econômico sem, contudo, agredir o meio ambiente.

Com todo efeito, o desenvolvimento sustentável é aquela espécie de pro-gresso, experimentado pela coletividade, que permite o crescimento econômi-co sem afetar o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida das gerações presentes e futuras, e tal princípio deve ser observado pelo Poder Público em suas licitações.

O meio ambiente, conforme é cediço em Direito, constitui tema corrente e muito em voga na atualidade, com enorme destaque, sobretudo, para normas legais que visam ao desenvolvimento e ao consumo sustentável, assim como ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, nos termos do supratranscrito art. 225, caput, da Constituição Federal.

Sim, porque o tema ambiental tem conquistado espaço de enorme rele-vância nos dias de hoje, e a razão de tal destaque repousa, sobretudo, na neces-sidade de se difundir a consciência de preservação do meio ambiente.

Com efeito, a preocupação excessiva com o meio ambiente que atual-mente se denota não é despropositada, porque, quanto maior o desenvolvimen-to científico, tecnológico e industrial experimentado, maior é a degradação e a

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poluição ambiental provocadas e, via de consequência, maior se torna também a necessidade de preservação do meio ambiente.

Existe, conforme é cediço em Direito, um enorme feixe de princípios que protegem o meio ambiente, assim como inúmeros dispositivos legais e consti-tucionais amplamente protetivos. Não obstante todos os princípios e ditames legais existentes, porém, verificam-se, lamentavelmente, ainda hoje, inúmeros danos causados ao meio ambiente que, dessa forma, oferecem grande risco à toda humanidade e à coletividade, que, conforme é sabido, é a titular do bem ambiental, que constitui direito difuso.

Observe-se, porém, que, diante desse tenebroso quadro, algumas indús-trias potencialmente poluidoras revelaram-se muito preocupadas com a própria imagem perante os consumidores e a sociedade e, dessa forma, passaram a adotar medidas e políticas tendentes a diminuir seu potencial poluidor.

São as chamadas indústrias verdes, que possuem e desenvolvem pro-gramas e estudos no sentido de evitar a poluição, ou ao menos mitigá-la. Essas indústrias reciclam os resíduos sólidos, possuem catalisadores e filtros que dimi-nuem a poluição, entre outras medidas chamadas “verdes”. Tem-se, portanto, que, em decorrência de tais práticas, as indústrias verdes contaminam menos o meio ambiente do que as tradicionais indústrias.

Trata-se do desenvolvimento sustentável colocado em prática, uma vez que as indústrias verdes objetivam a produção industrial, com a finalidade de manter o equilíbrio ecológico e a sadia qualidade de vida.

Em nosso País, as indústrias que atuam sem agredir o meio ambiente, ou, em outras palavras, praticam o desenvolvimento sustentado, ganham um selo verde, que comprova a grande preocupação de tais indústrias com a questão ambiental.

Em compasso com todo esse quadro de necessidade de preservação am-biental, a Lei de Licitações promoveu alteração em seu art. 3º para dispor, tam-bém, sobre o princípio do desenvolvimento sustentável, que deve ser observado pelo Poder Público nos certames que realiza.

Diante dos termos da legislação aplicável, é possível afirmar desde já que todas as licitações realizadas hoje pelo Poder Público devem respeitar o desenvolvimento sustentável, sob pena de ilegalidade.

É o que passamos a demonstrar.

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1 daS lIcItaçõeS e doS prINcípIoS a elaS coNcerNeNteS

1.1 Do conceito De licitações

Ensina Ivan Barbosa Rigolin1 que

licitação não é apenas um ato, mas todo um complexo procedimento adminis-trativo através do qual a Administração elege, entre várias possíveis, a proposta mais vantajosa a seu interesse – que é sempre o interesse público –, com vista a algum contrato, em geral de aquisição de material ou de serviço, que pretenda celebrar. (grifo nosso)

Celso Antônio Bandeira de Mello2 preleciona:

Licitação – em suma síntese – é um certame que as entidades governamentais devem promover e no qual abrem disputa entre os interessados em com elas travar determinadas relações de conteúdo patrimonial, para escolher a propos-ta mais vantajosa às conveniências públicas. Estriba-se na idéia de competição, a ser travada isonomicamente entre os que preencham os atributos e aptidões necessários ao bom cumprimento das obrigações que se propõem assumir. (grifos nossos e do autor)

Professara o saudoso Diógenes Gasparini3 que

[...] a licitação pode ser conceituada como o procedimento administrativo através do qual a pessoa a isso juridicamente obrigada seleciona, em razão de critérios objetivos previamente estabelecidos, de interessados que tenham atendido à sua convocação, a proposta mais vantajosa para o contrato ou ato de seu interesse. (com grifos originais)

Diante dos ensinamentos transcritos, podemos concluir que licitação, portanto, é o procedimento administrativo formal para realização de obras, ser-viços, compras, alienações e locações, nos termos regidos, sobretudo, pela Lei Federal nº 8.666/1993, cujo objetivo é a escolha da proposta mais vantajosa que atenda ao interesse público, e, ainda, que é eleita por critérios previamente previstos em instrumento convocatório.

1.2 Das licitações regiDas pela lei FeDeral nº 8.666/1993

O art. 22 da Lei nº 8.666/1993, que é a Lei de Licitações, prevê cinco modalidades de licitação. São elas: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão.

1 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Manual prático das licitações. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 24.2 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

p. 492.3 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 471.

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1.2.1 concorrência

A concorrência é a modalidade de licitação definida pelo art. 22, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 e utilizada para contratos que envolvam grandes obras e que, por isso, exige a mais ampla divulgação para maior participação de inte-ressados. No dizer de Marçal Justen Filho4, “o que diferencia a concorrência é a amplitude de participação de interessados”.

José dos Santos Carvalho Filho5 preleciona:

Exatamente porque os recursos financeiros a serem empregados pela Adminis-tração são mais elevados, essa modalidade é a que apresenta, em seu procedi-mento, maior rigor formal e exige mais ampla divulgação. Por isso, dela podem participar quaisquer interessados que demonstrem possuir os requisitos mínimos de qualificação fixados no edital.

1.2.2 tomada de preços

A tomada de preços é a modalidade de licitação definida pelo art. 22, § 2º, da Lei nº 8.666/1993, devendo obedecer aos limites de valores pre-vistos pelo art. 23 da mesma lei; envolve apenas licitantes previamente cadas-trados ou que atendam a todas as exigências para cadastramento até o terceiro dia anterior à data de recebimento das propostas.

Carlos Pinto Coelho Motta6 ensinava sobre a tomada de preços que:

Trata-se de procedimento menos complexo que a concorrência, mas depende basicamente de um cadastramento bem processado e atual (arts. 34 a 37). O cadastramento até o 3º dia anterior à data do recebimento das propostas obrigará a Comissão à agilidade no exame da documentação, para evitar possível partici-pação de licitante “sob condição”.

Marçal Justen Filho7 preleciona que:

A finalidade da tomada de preços é tornar a licitação mais sumária e rápida. O prévio cadastramento corresponde à fase de habilitação. No cadastramento, a habilitação é antecipada para um momento anterior ao início da licitação.

4 JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 5. ed. São Paulo: Dialética, 1998. p. 179.

5 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 215.

6 MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas licitações & contratos. 10. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. p. 195.

7 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 179.

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1.2.3 convite

O convite é a modalidade licitatória definida pelo art. 22, § 3º, da Lei nº 8.666/1993, destinada a licitantes cadastrados ou não, convidados em nú-mero mínimo de três, estendida a interessados que manifestem a sua vontade de participar do procedimento licitatório, com antecedência de vinte e quatro horas da apresentação das propostas, observados os limites de valores contidos no art. 23 da mesma lei.

Ivan Barbosa Rigolin8 ensina de forma elucidativa que:

O convite é a terceira modalidade de licitação, que leva em conta o valor esti-mado da operação. Dispensa edital, bastando nesse novo direito que a Admi-nistração apenas convide ao menos três interessados do ramo a que pertence o objeto respectivo, os quais discricionariamente escolherá, observadas as ordens constantes do art. 22, sobretudo seus §§ 3º a 7º.

1.2.4 concurso

O concurso, também denominado concurso de projetos, é a modalidade de licitação prevista pelo art. 22, inciso IV e § 4º, da Lei nº 8.666/1993, sendo destinada a qualquer interessado; é utilizada exclusivamente para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, com contraprestação econômica, que é o prêmio ou remuneração paga ao vencedor, e cujos critérios devem ser publi-cados em edital, com antecedência mínima de quarenta e cinco dias.

O concurso é a modalidade de licitação que, em geral, é utilizada para objetos ilicitáveis, como projetos que poderiam perfeitamente ser adquiridos de forma direta, por inexigibilidade de licitação, nos termos do art. 13, inciso I, c/c o art. 25, inciso II, ambos da Lei nº 8.666/1993, conforme ensina, de forma percuciente, Ivan Barbosa Rigolin9.

O concurso deve ser precedido de regulamento próprio, a ser retirado pelos interessados em local indicado no edital, conforme reza o art. 52 da Lei de Licitações. Tal regulamento constitui verdadeiro edital completo do concurso, conforme professa Ivan Barbosa Rigolin10.

A documentação exigida pelos arts. 28 a 31 da Lei de Licitações (habilita-ção jurídica, regularidade fiscal, qualificações técnica e econômico-financeira) pode ser dispensada no todo ou em parte no caso de concurso, conforme se lê do § 1º do art. 32 da Lei de Licitações.

8 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Op. cit., p. 201.9 Idem, p. 202.10 Idem, ibidem.

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1.2.5 leilão

O leilão é a modalidade de licitação definida pelo § 5º do art. 22 da Lei nº 8.666/1993, destinada a quaisquer interessados, para a venda de bens mó-veis inservíveis para a Administração ou de produtos apreendidos ou penhora-dos na forma da lei, a quem oferecer o maior lance, igual ou superior ao valor da avaliação do bem.

Sobre o leilão, preleciona Marçal Justen Filho11 que a lei cometeu erro jurídico, porque, em vez de bens “penhorados”, deveria dizer bens “empenha-dos”, uma vez que alienar bens penhorados é atividade privativa do Poder Judi-ciário. Afora o equívoco legal, tal modalidade de licitação resta necessária para a venda de bens que não apresentam mais serventia à Administração.

1.3 o pregão instituíDo pela lei FeDeral nº 10.520/2002

O pregão, conforme é cediço em direito, difere-se das cinco outras mo-dalidades licitatórias instituídas pela Lei federal nº 8.666/1993 – concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão – e deve ser adotado exclusiva-mente para aquisição de bens e serviços comuns.

As aquisições de bens e serviços comuns são, no dizer da lei, aquelas “cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos no edital, por meio de especificações usuais no mercado”.

Em outras palavras, são aqueles bens e serviços de fácil definição no edital e que não exigem maiores detalhamentos ou estudos detidos pela entida-de licitante ao elaborar o ato convocatório; por isso, podem ser adquiridos de forma muito mais rápida e simples.

A definição de todos os detalhes – que não são muitos, pois se trata de um procedimento muito menos detalhado e menos complicado – será realizada toda no edital, não dependendo de anexos com estudos prévios ou de pesquisas aprofundadas, pois são utilizadas as especificações rotineiras do mercado – e, se não puder ser assim, o objeto estará sendo impróprio para o pregão, apesar de que na prática tal modalidade tem sido utilizada amplamente e até mesmo para objetos mais complicados e serviços especializados.

A fase externa do pregão se difere muito da fase externa das outras mo-dalidades de licitação, uma vez que, no pregão, primeiro se procede ao julga-mento das propostas e somente depois é que se analisa a documentação de ha-bilitação dos proponentes, o que torna o procedimento mais simples e racional.

O pregão pode ser eletrônico ou presencial.

11 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 190.

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O pregão eletrônico tem expresso fundamento no § 1º do art. 2º da Lei Federal nº 10.520/2002 ao rezar que “poderá ser realizado [...] por meio da utilização de recursos de tecnologia da informação, nos termos de regulamen-tação específica”, e a regulamentação da lei ocorreu por meio do Decreto nº 3.617, de 21.12.2000.

O pregão presencial é aquele realizado com a presença dos licitantes e fora definido pelo art. 2º do Anexo I do Decreto federal nº 3.555, de 08.08.2000, nos seguintes termos: “É a modalidade de licitação em que a disputa pelo for-necimento de bens ou serviços comuns é feita em sessão pública, por meio de propostas de preços escritas e lances verbais”.

Sobre o pregão, merece ser compulsada a obra de Jair Eduardo Santana intitulada Pregão Presencial e Eletrônico (2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2008).

1.4 Das Fases Das licitações

As licitações têm uma fase interna e outra externa.

A fase interna é constituída da abertura de procedimento administrativo formal específico, devidamente autuado, protocolado e numerado, nos termos do art. 38 da Lei nº 8.666, de 1993. Em seguida, define-se o objeto da licitação, com a determinação das respectivas especificações técnicas e quantitativos, e é elaborado o projeto básico, também denominado de memorial descritivo. Após, ocorrem a estimativa do valor da contratação, com pesquisa de preços, e a ela-boração da planilha orçamentária estimativa; e, ainda, elabora-se a justificativa da necessidade da contratação, nos termos do art. 16 da LC 101, de 4 de maio de 2000, que é a Lei de Responsabilidade Fiscal.

É definida a modalidade de licitação – concorrência, tomada de preços, convite, concurso, leilão ou pregão –, que é escolhida conforme o objeto a ser contratado e nos limites impostos pelo art. 23 da Lei nº 8.666/1993, e se proce-de à escolha do tipo de licitação – menor preço, melhor técnica, técnica e preço e maior lance ou oferta na modalidade de licitação do leilão –, conforme o art. 45, § 1º, da Lei de Licitações12. Em seguida, ocorre a elaboração do edital. Por fim, ocorrem a reserva orçamentária, a elaboração do parecer da área jurí-dica e a autorização para abertura da licitação.

A fase externa, por sua vez, começa com a publicação do edital e englo-ba a fase de habilitação, o julgamento das propostas, a homologação do pro-cedimento, a adjudicação ao vencedor e, por fim, a convocação do vencedor para a assinatura do contrato. No pregão, conforme é sabido, as etapas contidas na fase externa são invertidas, uma vez que primeiramente se procede ao jul-

12 O pregão, porém, é realizado somente pelo tipo menor preço, conforme se lê do art. 4º, inciso VIII, da Lei federal nº 10.520/2002.

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gamento das propostas, e somente após a escolha da proposta mais vantajosa é que se analisa a documentação dos proponentes, iniciando-se, assim, a fase de habilitação.

Na habilitação, são analisados os documentos relativos à habilitação ju-rídica, qualificações técnica e econômico-financeira, regularidade fiscal e cum-primento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, tudo isso conforme se lê do art. 27 da Lei nº 8.666/1993, com a redação que lhe foi dada pela Lei Federal nº 9.854, de 27.10.1999.

São declarados habilitados os licitantes que apresentam os documentos nos termos regidos pela Lei nº 8.666/1993 e, ainda, conforme todas as exigên-cias contidas no instrumento convocatório; da decisão que habilita ou inabilita licitante cabe recurso administrativo, nos termos do art. 109, inciso I, alínea a, da Lei nº 8.666/1993.

Após transcorrido o prazo sem interposição de recurso, ou após desistên-cia expressa do direito de recorrer, ou, ainda, após o julgamento dos recursos interpostos, é realizada a abertura dos envelopes contendo as propostas dos licitantes, para julgamento e classificação destas, de acordo com os critérios de avaliação constantes do edital e nos termos do art. 43 da Lei de Licitações.

O julgamento das propostas é sempre realizado conforme critérios obje-tivos e previamente previstos no instrumento convocatório do certame, caben-do do julgamento das propostas recurso administrativo, com fundamento no art. 109, I, b, da Lei de Licitações.

Transcorrido o prazo recursal, ou, de outra forma, após o julgamento dos recursos interpostos, o certame é homologado, e, por fim, adjudica-se o objeto ao vencedor, com o qual poderá ser celebrado o respectivo contrato adminis-trativo, nos termos dos arts. 54 e seguintes da Lei de Licitações.

Esse é um breve resumo das principais fases contidas nas licitações pú-blicas.

1.5 Da Dispensa e Da inexigibiliDaDe De licitação

A dispensa e a inexigibilidade de licitação constituem duas exceções, previstas expressamente em lei, à regra de licitar.

A dispensa de licitação ocorre quando ao menos em tese haveria compe-tição; porém, diante do disposto em lei, a Administração é dispensada de licitar. Difere-se a licitação dispensável da licitação dispensada; na primeira hipótese, existe discricionariedade da Administração, que, diante da situação concreta, decide se licita ou não, sempre com fundamento no art. 24, incisos I usque XXXIV, da Lei de Licitações, cujo rol é exaustivo, numerus clausus, enquanto

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na licitação dispensada não há nenhuma discricionariedade da Administração, e a licitação é efetivamente dispensada em decorrência do contido no art. 17, inciso II, da Lei de Licitações, cujo elenco também é taxativo.

A inexigibilidade de licitação ocorre quando não há a menor possibilida-de de disputa entre os interessados, ou seja, por razões fáticas, não há compe-tição entre os interessados, e o fundamento legal está no art. 25 da Lei de Lici-tações, cujo rol é meramente exemplificativo, podendo ocorrer outras situações de inexigibilidade que não estão expressamente previstas na lei.

1.6 Da relevância Dos princípios

A absoluta relevância dos princípios jurídicos, como fonte de Direito, resta incontestável. Isso porque não são só as normas regras que precisam ser observadas e respeitadas, mas, também, todos os princípios jurídicos.

Com efeito, é mais grave violar princípio do que norma regra. Nesse sen-tido é o célebre ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello, citado por Diógenes Gasparini13. Vejamos:

Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicer-ce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo--lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (RDP, 15:284). Sendo assim, é certo que “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao prin-cípio ofende não a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o siste-ma de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”, afirma esse notável administrativista (RDP, 15:284).

Os princípios, portanto, são a base do sistema jurídico, e em relação às licitações não é diverso, porque um plexo de princípios jurídicos fundamenta os procedimentos de licitação, conforme se verá a seguir.

1.7 os princípios concernentes às licitações

Reza o art. 3º da Lei Federal nº 8.666/1993 que:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a pro-moção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade,

13 GASPARINI, Diógenes. Op. cit., p. 7.

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da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

O princípio da legalidade é o mais relevante princípio a nortear e orien-tar todos os atos praticados pela Administração, e qualquer ato administrativo só será legítimo e somente produzirá efeitos jurídicos se seguir fielmente todas as prévias determinações contidas na lei, em sentido lato. Isso porque o ad-ministrador e o agente público podem agir e realizar somente aquilo que a lei previamente autoriza ou determina. Nesse sentido, e conforme ensina o grego Michel Stassinopoulos, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello, a Adminis-tração não atua contra legem ou praeter legem, mas, sim, secundum legem14. E, quanto às licitações públicas, não poderia ser diverso, já que “a licitação é um procedimento vinculado, e o significado da afirmação é precisamente o de que a vontade da lei vincula a vontade do licitador”, conforme ensina, com habitual propriedade, Ivan Barbosa Rigolin15 (grifo do autor).

O princípio da moralidade é aquele segundo o qual todos os agentes devem agir, atuar e pautar-se dentro da lealdade e da boa-fé, da ética, dos bons costumes e, assim, dentro da moral administrativa, que constitui requisito de validade para todo ato emanado pela Administração Pública. Difere-se da moralidade da probidade administrativa, uma vez que a primeira é gênero da qual a segunda é espécie, conforme preleciona Weida Zancaner16. Isso porque “a probidade, no contexto constitucional, é forma qualificada da moralidade administrativa”, conforme ensina o professor Marcelo Figueiredo (grifo nosso)17. Em outras palavras, a improbidade é a imoralidade praticada com dolo, má-fé, intenção e que tenha como resultado danos ao Erário. Com todo efeito, tanto a moralidade administrativa não é, nem poderia ser, sinônimo de probidade que existem vias e meios processuais diversos, autônomos e adequados para tutelar cada qual desses dois princípios constitucionais. No sentido de que moralidade e probidade não são expressões sinônimas, cite-se Marcello Caetano, mencio-nado pelo Ex-Procurador-Geral da República Aristides Junqueira Alvarenga18 e por renomados mestres, como José Afonso da Silva,19 Marcelo Figueiredo20 e Mauro Roberto Gomes de Mattos21, entre outros.

14 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Op. cit., p. 90.15 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Op. cit., p. 111.16 ZANCANER, Weida. Direito administrativo e constitucional – Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba vº 2.

São Paulo: Malheiros, 1997. p. 630.17 FIGUEIREDO, Marcelo. O controle da moralidade na constituição. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 51.18 CAETANO, Marcello. Improbidade administrativa – Questões polêmicas e atuais. São Paulo: Malheiros, 2001.

p. 87.19 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 649.20 FIGUEIREDO, Marcelo. Op. cit., p. 51.21 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa. Rio de Janeiro: América

Jurídica, 2005. p. 395.

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O princípio da publicidade obriga a publicação de todos os atos oficiais, uma vez que na Administração Pública não deve haver segredo, sigilo ou ocul-tação, e, em matéria de licitação, o princípio determina a publicidade de todo o procedimento para conhecimento de todos os interessados, mesmo porque qualquer cidadão é parte legítima para impugnar edital de licitação, nos termos do art. 41, § 1º, da Lei de Licitações. A licitação deve ser “escancarada aos olhos de qualquer cidadão, nela interessado diretamente ou não”, no dizer de Ivan Barbosa Rigolin22. A publicidade deve, via de regra, ser realizada em órgão oficial, e o edital da licitação deve ser publicado conforme as regras previstas no art. 21 da Lei nº 8.666/1993 (grifo do autor).

O princípio da impessoalidade determina que todos os administrados devem ser tratados sem distinções, discriminações, preferências ou privilégios. A Administração deve agir sempre com vista ao interesse público, à finalidade pública, e não para beneficiar ou prejudicar quem quer que seja. Isso porque não pode existir nenhum subjetivismo no julgamento das propostas, uma vez que a Administração não pode levar em conta, no decorrer da licitação, nenhu-ma condição pessoal do licitante, salvo aquelas expressamente previstas em lei. O princípio da impessoalidade decorre do princípio da igualdade, previsto no art. 5º, caput, da Constituição Federal – segundo o qual “todos são iguais peran-te a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” –, e também do princípio da isonomia, que será ainda visto no presente trabalho.

O princípio da vinculação do instrumento convocatório constitui regra de segurança jurídica, expressamente previsto pelo art. 41 da Lei nº 8.666/1993. Com todo efeito, a partir do momento em que o instrumento convocatório é publicado, ele recebe força de lei, e, por isso, suas regras e disposições preci-sam ser fielmente cumpridas pela Administração; qualquer alteração pode ferir de morte a legalidade, a moralidade e outros princípios atinentes e aplicáveis. Trata-se, portanto, de uma garantia que deve ser concedida a todos os interessa-dos e licitantes. O eg. Superior Tribunal de Justiça, em Mandado de Segurança nº 5.755/DF, Relator Ministro Demócrito Reinaldo, já decidiu que,

desde que iniciado o procedimento do certame, a alteração do edital, com re-flexo nas propostas já apresentadas, exige a divulgação pela mesma forma que se deu ao texto original, determinando-se a publicação (do edital) pelo mesmo prazo inicialmente estabelecido. (grifo nosso)

O princípio do julgamento objetivo decorre e constitui vertente do prin-cípio da vinculação ao instrumento convocatório, o qual, a seu turno, deverá

22 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Op. cit., p. 115.

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sempre definir, de forma objetiva e clara, os tipos de licitação e, também, os critérios de julgamento das propostas. É cediço que os critérios de julgamento variam de acordo com o tipo de licitação escolhida, mas eles devem sempre estar previamente previstos no instrumento.

Outros princípios não estão insertos no indigitado art. 3º da Lei nº 8.666/1993, porém são absolutamente aplicáveis e necessários a todos os procedimentos de licitação. Citemos, entre eles, o princípio da eficiência, que está contido no art. 37, caput, da Constituição Federal, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 04.06.1998. O princípio da eficiência revela a absoluta imperiosidade na otimização de todos os serviços públicos, atos, processos e procedimentos administrativos, que devem ser, na medida do possível, eficientes, de boa qualidade, econômicos e céleres.

Outro relevante princípio que merece ser citado é o da adjudicação com-pulsória, ou seja, se a Administração quiser celebrar o contrato, tem de fazer a adjudicação do objeto ao vencedor da licitação, não podendo ser a nenhum outro, a não ser, obviamente, que o vencedor, nos termos permitidos pela lei, desista de celebrar contrato com a Administração. É sabido que o vencedor não tem direito adquirido à contratação, mas tem, por outro lado, expectativa de direito que precisa ser respeitada.

O princípio do formalismo ou do procedimento formal, previsto no art. 4º, parágrafo único, da Lei de Licitações, decorre do princípio da legalidade e determina que a Administração, ao realizar licitação, deve obedecer a todas as exigências da lei. Ocorre, porém, que o formalismo não pode ser excessivo, conforme já decidiu o eg. Superior Tribunal de Justiça, em Mandado de Segu-rança nº 5.602/DF (Rel. Min. Adhemar Maciel, Julgado em 09.09.1998).

É forçoso concluir, portanto, que o citado princípio do formalismo deve ser aplicado em conjunto com o princípio da razoabilidade, ao determinar que todo certame deve ser justo, racional e atenda à equidade e, com isso, não elabore exigências desmedidas, sem justificação, incoerentes, desproporcionais, exces-sivas, inadequadas ou desnecessárias. O atendimento ao princípio da razoabili-dade tem como finalidade evitar o excesso de formalismo em licitações públicas ou, em outras palavras, evitar o rigor formal que viole o interesse público, que, por sua vez, deve nortear todos os certames de licitação. Tal princípio, confor-me é cediço, está expressamente previsto no art. 111 da Constituição do Estado de São Paulo. A jurisprudência superior tem repudiado o excesso de formalismo em licitações públicas, conforme se lê do v. acórdão do eg. Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.190.793/SC (2ª T., Rel. Min. Castro Meira, Julgado em 24.08.2010); no Recurso Especial nº 797.179/MT (1ª T., Relª Min. Denise Arruda, Julgado em 19.10.2006); e no Recurso Especial nº 657.906/CE

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(1ª T., Rel. Min. José Delgado, Julgado em 04.11.2004). E no mesmo diapasão é o entendimento do eg. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, confor-me se lê do v. acórdão prolatado na Apelação nº 0039246-92.2010.8.26.0053 (11ª CDPriv., Rel. Des. Pires de Araújo, Julgado em 05.02.2013); e também na Apelação nº 0006630-93.2012.8.26.0053 (2ª CDPriv., Rel. Des. Cláudio Augusto Pedrassi, Julgado em 04.12.2012).

O princípio da isonomia confere tratamento igual aos licitantes em igual situação. Com todo efeito, cabe à Administração conceder tratamento isonômi-co a todos os possíveis interessados em participar de licitação; sendo frustrada a isonomia entre os licitantes, resta frustrado o próprio procedimento de licitação. É vedado aos agentes públicos admitir, prever, incluir ou tolerar cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o caráter competitivo das licitações (art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei nº 8.666/1993), ou estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qual-quer outra (art. 3º, § 1º, inciso II, da Lei nº 8.666/1993).

Ensina Marçal Justen Filho23 que:

Seria equívoco supor que a isonomia veda diferenciação entre os participantes para contratação com a Administração. [...] A isonomia significa o tratamento uniforme para situações uniformes, distinguindo-se-as na medida em que exista diferença. Essa fórmula acarreta inúmeras conseqüências.

Celso Antônio Bandeira de Mello24, por sua vez, professa que:

[...] o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais. Donde não há como desequiparar pessoas e situações quando nelas não se encontram fatores desiguais. (grifo do autor)

E a Juíza Lúcia Valle Figueiredo25 ensina que:

O princípio da isonomia, além de ser princípio constitucional, é também princí-pio do próprio direito administrativo. Esse princípio, todavia, deve ser entendido com cautela. A isonomia, com efeito, há de ser compreendida dentro do princí-pio de igualdade entre os iguais; não podendo ostentar a abrangência que chegue ao absurdo de promover nivelamento de desiguais.

23 JUSTEN FILHO, Marçal. Op. cit., p. 57.24 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 2. ed. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1984. p. 44-45.25 FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994. p. 35.

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Ainda na mesma esteira são os ensinamento do saudoso Diógenes Gasparini26, de Ivan Barbosa Rigolin27, de Maria Sylvia Zanella Di Pietro28, de Ricardo de Mattos Piccoli29 e de Leonardo Motta Espírito Santo30.

Citem-se, por fim, os ensinamentos do argentino Roberto Dromi31:

La Administración no puede conceder prerrogativas o privilegios a unos y negar arbitrariamente derechos a otros. Cundo existen intereses contrapuestos de los administrados en un procedimiento (p.ej., concursos, licitaciones públicas, fran-quicias, exenciones, etc.), éste adquiere caráter contradictorio y la Administraci-ón está obligada a dar una participación igualitaria a los interesados, sob pena de ilegitimidad de la decisión por afectar la imparcialidad que debe guardar en el trámite. [...]

El principio de la igualdad supone un tratamiento igual para situaciones iguales.

A isonomia não é absoluta, conforme o célebre ensinamento de Aristóte-les, assaz de vezes suscitado, e que desde já merece ser relembrado, ao ensinar que isonomia não é senão a igualdade entre os iguais e a desigualdade entre os desiguais na exata medida de suas desigualdades.

De acordo com as lições anteriormente transcritas, conclui-se que todo procedimento de licitação deve conceder tratamento igualitário, isonômico e justo a todos os possíveis interessados, observando-se, porém, e na mesma medida, as diferenciações e distinções naturalmente existentes entre possíveis licitantes.

O que não se admite, porém, e conforme se lê da mais autorizada doutri-na transcrita, é que possíveis interessados sejam alijados, de forma propositada, arbitrária, infundada e intencional, de participar de licitação.

O princípio da escolha da proposta mais vantajosa significa que a es-colha da proposta mais vantajosa à Administração é, sem dúvida, o objetivo primordial de qualquer certame público. Isso não quer dizer, porém, que a Ad-ministração tem de escolher a proposta de menor preço entre as apresentadas, mas, sim, a proposta que melhor atenda ao interesse público, porque a proposta mais vantajosa para a Administração Pública é sempre aquela que melhor aten-de ao interesse público.

26 GASPARINI, Diógenes. Op. cit., p. 20.27 RIGOLIN, Ivan Barbosa. Op. cit., p. 114.28 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 295. 29 PICCOLI, Ricardo de Mattos. Licitações & sociedades cooperativas. Curitiba: Juruá, 2005. p. 65.30 ESPÍRITO SANTO, Leonardo Motta. Curso prático de direito administrativo (coautor). Coordenação de Carlos

Pinto Coelho Motta. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004. p. 28.31 DROMI, Roberto. Licitación pública. 2. ed. Buenos Aires: Ediciones Ciudad Argentina, 1995. p. 83.

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A escolha da proposta mais vantajosa – que atende ao interesse público, e não ao interesse de terceiros – está intimamente ligada ao princípio da isono-mia, conforme se depreende da mais abalizada doutrina.

Nesse diapasão, citemos as lições de Antônio Roque Citadini32, que, por sua vez, transcreve ensinamentos dos célebres juristas Eros Roberto Grau e Raul Armando Mendes. Vejamos:

Em sua obra Licitação e Contrato Administrativo (Estudos sobre a Interpretação da Lei), o jurista Eros Roberto Grau afirma que: “A Licitação está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso – o melhor negócio – e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem em igualdade de condições à contratação pre-tendida pela Administração”.

Diz Raul Armando Mendes: “Para que o princípio da igualdade ou da isono-mia prevaleça no procedimento licitatório, é necessário que a Administração se mantenha imparcial, neutra, alheia aos interesses dos proponentes, para obje-tivar apenas o mais idôneo e com a proposta mais vantajosa para o contrato”. (grifos do autor)

No mesmo sentido professa Airton Rocha Nóbrega33, para quem:

A licitação, como procedimento administrativo, visa a atingir uma dupla finalida-de, conforme proclama a Lei de Licitações e Contratos em seu art. 3º. Volta-se, como nessa norma se estabelece, a selecionar a proposta que se apresente como a mais vantajosa para a futura contratação, buscando, no entanto, preservar, no curso do certame, a isonomia entre os diversos participantes, respeitando, para esse efeito, condições previamente fixadas e que não se constituam em infunda-do e desnecessário impedimento à livre competição.

Conclui-se, portanto, que todo procedimento de licitação deve ter, como fulcro, cerne e objetivo, a escolha da proposta mais vantajosa, sem, contudo, discriminações, distinções injustificadas ou imparcialidades.

É imperiosa, portanto, a conjugação dos dois princípios: a escolha da proposta mais vantajosa e a isonomia.

1.8 o princípio Do Desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável consiste em retirar matéria-prima do meio ambiente para a produção de bens e produtos, causando, com isso, o

32 CITADINI, Antônio Roque. Comentários e jurisprudência sobre a Lei de Licitações Públicas. São Paulo: Max Limonad, 1996. p. 26-27.

33 NÓBREGA, Airton Rocha. Sociedades cooperativas nas licitações públicas. BLC – Boletim de Licitações e Contratos, São Paulo: NDJ, n. 6, p. 429, jun. 2002.

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mínimo de impacto, para que, assim, o meio ambiente possa ser devidamente reconstruído.

Com todo efeito, o desenvolvimento sustentável é aquela espécie de pro-gresso, experimentado pela coletividade, que permite o crescimento econômi-co sem afetar o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida das gerações presentes e futuras.

Nada mais é, portanto, do que a conciliação entre três importantes ver-tentes, que são: o desenvolvimento científico, tecnológico e industrial; a preser-vação ambiental; e a sadia qualidade de vida de toda a coletividade.

Com efeito, o desenvolvimento sustentável constitui célebre princípio encontrado em várias declarações internacionais, como o art. 1º da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento da Organização das Nações Unidas de 1986. Nesse mesmo sentido já previam anteriormente o Princípio 8 da Decla-ração de Estocolmo de 1972 e também o Princípio 18 da mesma Declaração de Estocolmo.

O princípio do desenvolvimento sustentado é encontrado também em nossos diplomas federais, como, por exemplo, no art. 1º da Lei Federal nº 6.803, de 3 de julho de 1980, ao rezar que as indústrias devem ser instaladas mediante zoneamento urbano “que compatibilize as atividades industriais com a proteção ambiental”. Ou seja, o desenvolvimento industrial é perfeitamente permitido, desde que o meio ambiente seja preservado.

Sobretudo, o princípio do desenvolvimento sustentável consta do art. 225, caput, da Constituição Federal. Vejamos:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as pre-sentes e futuras gerações.

Como já decidiu o eg. Supremo Tribunal Federal, desenvolvimento sus-tentável é o justo equilíbrio entre as exigências da economia e a ecologia. É o que se lê do v. acórdão proferido na ADIn-MC 3540/DF (Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, publicado no DJ de 03.02.2006), com o seguinte excerto:

[...] A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA – O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e

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representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preser-vação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

O consumo sustentável, por sua vez, consiste na utilização dos recursos do meio ambiente com a preocupação de preservá-los e conservá-los. Com efeito, os recursos do meio ambiente devem ser utilizados com critério, e esta é a grande preocupação atual, uma vez que o consumo sustentável tornou-se vital para toda a humanidade.

2 aS lIcItaçõeS SuSteNtáveIS

Reza o art. 3º, caput, da Lei federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei Federal nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a pro-moção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifamos)

Lê-se, portanto, que o princípio do desenvolvimento sustentável consta de forma expressa do art. 3º da Lei nº 8.666/1993, e, portanto, o desenvolvi-mento sustentável deve ser o objetivo da Administração nas contratações que realiza.

O art. 3º da Lei nº 8.666/1993 foi regulamentado pelo Decreto Federal nº 7.746, de 5 de junho de 2012, que regulamenta o art. 3º da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, para estabelecer critérios, práticas e diretrizes para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável nas contratações realiza-das pela Administração Pública federal e institui a Comissão Interministerial de Sustentabilidade na Administração Pública – Cisap.

A adoção de critérios de sustentabilidade deverá ser justificada nos autos do processo de licitação e observar sempre o caráter competitivo do certame, conforme reza o parágrafo único do art. 2º do referido decreto.

Os critérios e práticas de sustentabilidade de que trata o art. 2º serão veiculados como especificação técnica do objeto ou como obrigação da con-tratada, conforme se lê do art. 3º do decreto.

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O art. 4º do decreto estabelece as seguintes diretrizes de sustentabilida-de: I – menor impacto sobre recursos naturais como flora, fauna, ar, solo e água; II – preferência para materiais, tecnologias e matérias-primas de origem local; III – maior eficiência na utilização de recursos naturais como água e energia; IV – maior geração de empregos, preferencialmente com mão de obra local; V – maior vida útil e menor custo de manutenção do bem e da obra; VI – uso de inovações que reduzam a pressão sobre recursos naturais; e VII – origem am-bientalmente regular dos recursos naturais utilizados nos bens, serviços e obras.

E também “a Administração Pública federal direta, autárquica e funda-cional e as empresas estatais dependentes poderão exigir no instrumento con-vocatório para a aquisição de bens que estes sejam constituídos por material reciclado, atóxico ou biodegradável, entre outros critérios de sustentabilidade”, nos termos do art. 5º do decreto.

Conforme reza o art. 7º do decreto, “o instrumento convocatório poderá prever que o contratado adote práticas de sustentabilidade na execução dos serviços contratados e critérios de sustentabilidade no fornecimento dos bens”.

É de relevo destacar, contudo, que as exigências de consciência ambien-tal e sustentabilidade, em regra, não podem ser inseridas na fase de habilitação do certame, sob pena de violação ao art. 27 da Lei Federal nº 8.666, de 1993, mas, sim, na especificação do objeto e na execução dos serviços.

Tem-se, portanto e resumidamente, que licitação sustentável está rela-cionada às contratações realizadas no âmbito da Administração Pública que se pautam pelo consumo sustentável e pelo respeito ao meio ambiente, com a observância dos princípios concernentes.

Ou, em outras palavras, é a licitação que visa a uma contratação que permita o crescimento e o desenvolvimento econômico e social, sem, contudo, afetar o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida das gerações presentes e futuras, tudo isso em conjunto com a busca da propos-ta mais vantajosa à Administração.

Assim sendo, os editais de licitação podem conter exigências que visem à proteção do meio ambiente ou o fornecimento de bens e serviços que não causem relevante impacto ou agressão ambiental.

2.1 a jurispruDência Do egrégio tribunal De contas Da união

O eg. Tribunal de Contas da União tem se posicionado a favor da in-clusão de exigências em instrumentos convocatórios que obedeçam à pro-moção do desenvolvimento sustentável, nos termos do art. 3º da Lei Federal nº 8.666/1993.

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É o que se lê do v. Acórdão nº 6047/2015, proferido no TC 037.311/2011-5 (Pedido de Reexame, 2ª C., Rel. Min. Raimundo Carreiro, Julgado em 25 de agosto de 2015), com o seguinte excerto:

4. Nos últimos tempos têm sido frequentes os debates envolvendo sustentabilida-de e licenciamento ambiental. Os governos estão sendo cada vez mais demanda-dos para que realizem contratações sustentáveis, ao mesmo tempo em que obras públicas estão sendo paralisadas por falha ou falta do licenciamento ambiental. Vale lembrar que a responsabilização, no caso em tela, resultou da exigência de que os licitantes apresentassem termo de fornecimento de CBUQ, por usina legalmente licenciada, na falta de usina própria. [...]

217. Como é notório, cada vez mais a sociedade participa (e exige a participa-ção) de movimentos em prol da sustentabilidade ambiental. E a Administração Pública não pode, nem deve, deixar de inserir esse tipo de critério para escolha das aquisições a serem realizadas ou dos serviços a serem contratados. Nesse sentido, as chamadas licitações sustentáveis constituem importante instrumento a ser adotado pelas entidades públicas para, utilizando seu significativo poder de compra, induzir o setor produtivo a adotar processos de produção ambiental-mente mais sustentáveis. [...]

32. Com a perspectiva dada pelo TCU (Portaria TCU nº 107/2008), o Estado dei-xaria de ser o simples adquirente de material produzido de maneira sustentável e passaria a assumir a função de fomentador no desenvolvimento sustentável. Assim, o momento em que se deve exigir a comprovação do licenciamento am-biental é importante para a definição da postura do contratante. Se por um lado ao se exigir a certificação após a homologação do certame e antes da assinatura do contrato amplia o rol de possíveis participantes, pois que uma eventual des-classificação só ocorrerá ao término do julgamento das propostas, por outro a aferição da regularidade ambiental das jazidas que irão fornecer o material já na fase da habilitação obriga que todos os interessados em contratar com a adminis-tração assumam previamente uma postura ambiental correta.

33. Ademais, eleger as fases finais da licitação como o momento adequado para se exigir o licenciamento ambiental pode frustrar o certame, porquanto há a pos-sibilidade de que nenhum participante disponha do mencionado licenciamento.

34. Vale observar que não se está defendendo que outras exigências técnicas sejam previamente comprovadas pelos interessados, mas que as certificações ambientais sejam destacadas das demais e se passe a prever a sua apresentação já na fase de qualificação técnica. Dessa forma, a solução encaminhada não pos-sui o condão de alterar a jurisprudência da Corte de Contas acerca da inclusão de exigências indevidas na fase de qualificação técnica, prestando-se apenas ao tratamento diferenciado das questões ambientais. [...]

CONCLUSÃO

38. O TCU, por considerar indevida a inclusão de exigência para que as empre-sas na fase de qualificação apresentem comprovação do licenciamento ambien-

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tal das jazidas que irão fornecer matéria-prima para o CBUQ, aplicou multa a diversos servidores envolvidos na condução das Concorrências nºs 7/2008 (peça 17, p. 4) e 4/2009 (peça 13, p. 4). A decisão foi amplamente fundamentada em jurisprudência do Tribunal.

39. Por considerar que a legislação afeta às licitações e contratações tem modifi-cado com vistas a contemplar questões ambientais, prestigiando as licitações sus-tentáveis, a conclusão é favorável aos responsáveis, visto que a mudança de para-digma está a requerer ajustes na jurisprudência do Tribunal. (com grifos originais)

Observa-se, portanto, que o eg. TCU tem admitido como regulares e le-gais as exigências no edital de licitação que visem à promoção do desenvol-vimento sustentável, e tais exigências, segundo o eg. Tribunal de Contas da União, podem constar até mesmo da documentação de qualificação técnica do licitante (fase de habilitação).

Decidiu em outra oportunidade o eg. TCU, proferindo o Acórdão nº 8482/2013, no TC 028.865/2013-8 (1ª C., Rel. Min. Benjamin Zymler, Julgado em 26 de novembro de 2013), com os seguintes trechos:

8. Assim, quanto aos itens 3, 4 e 5 do edital, em relação aos quais foram exigidos, em atenção ao art. 5º e seus incisos da IN 1/2010 da SLTI/MPOG, critérios de sustentabilidade ambiental, o pregoeiro deveria, conforme item 24.2 do edital e 3.2 do termo de referência, ter exigido a apresentação de certificação emitida por instituição pública oficial ou instituição credenciada, ou qualquer outro meio de prova que atestasse que o bem fornecido cumpria as exigências descritas na especificação do objeto. No entanto, consoante explicitado na instrução inicial (peça 5), não foi possível identificar, na proposta da empresa vencedora, nenhum documento que indicasse o atendimento aos critérios de sustentabilidade am-biental estabelecidos para os itens.

9. Além disso, conforme análise do recurso interposto pela representante no pregão, verifica-se que o pregoeiro e a autoridade competente não enfrentaram objetivamente a questão que fora levantada pelo licitante, não apresentando ele-mentos para comprovar que os objetos ofertados pela empresa que se sagrara vencedora na disputa atendiam aos critérios de sustentabilidade ambiental defi-nidos no edital (peça 2, p. 52/57). [...]

CONCLUSÃO

11. Ante o exposto, confirmada a irregularidade levantada pelo representante, qual seja, a aceitação de propostas em desacordo com as especificações do ter-mo de referência, propõe-se a anulação dos atos praticados após a fase de lan-ces, retornando-se à aceitação de propostas para os itens questionados, ou, a depender da conveniência administrativa, que seja iniciado novo processo para aquisição dos itens 3, 4, 5, 12, 14, 15, 16 e 17. [...]

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9. De se destacar que, nos termos do item 24.2 do edital, a seguir transcrito, cabia ao pregoeiro exigir a comprovação desses requisitos de sustentabilidade ambiental, o que não ocorreu:

A comprovação do disposto no item 24.1 e seus incisos poderá ser feita mediante apresentação de certificação emitida por instituição pública oficial ou instituição credenciada, ou por qualquer outro meio de prova que ateste que o bem forneci-do cumpre com as exigências editalícias. (peça 2, p. 21)

10. Quanto ao fornecimentos de pincéis, a proposta aceita apresentou catálogo indicativo de produtos com ponta redonda e não sextavada, como exigido no edital. Assim, até porque a matéria foi objeto de questionamentos por parte de outros licitantes, caberia realização de diligência antes de se aceitar a oferta da proponente, o que também não ocorreu.

11. Nessa linha, acato a proposta da unidade técnica no sentido de que cabe ao órgão providenciar a anulação dos atos de aceitação das propostas, bem como os deles decorrentes, referentes aos itens do certame aqui tratados.

Lê-se do v. acórdão que o eg. TCU determinou a anulação da aceitação das propostas que não atendiam ao item do edital que, a seu turno, exigia a comprovação de requisitos de sustentabilidade ambiental.

No sentido de que exigência de que a licitante adota medidas para evitar o desperdício de água tratada pode ser formulada apenas na fase de execução dos serviços e não na fase de habilitação é o v. acórdão proferido no Acórdão nº 122/2012 do TC 019.377/2011-8 (Rel. Min. Weder de Oliveira, Plenário, Julgado em 25 de janeiro de 2012), com o seguinte excerto:

26. A exigência de que a empresa deve comprovar que adota medidas para evitar o desperdício de água tratada (item 10.7.1.4 do edital) está prevista no art. 6º, II, da IN MPOG/SLTI 1/2010. No entanto, essa prática de sustentabilidade deve ser exigida durante a execução dos serviços. Logo, não pode ser usada como condi-ção para habilitação técnica da licitante: [...]. (grifamos)

Tem-se, de tal sorte, que é salutar que as exigências de sustentabilidade sejam formuladas nas licitações realizadas, porém tais exigências devem obser-var o momento oportuno e legal.

Breve coNcluSão

A licitação é realizada pela Administração Pública em busca da pro-posta mais vantajosa, com observância dos ditames contidos na Lei Federal nº 8.666/1993, bem como nos princípios regedores da matéria, escritos expres-samente no art. 3º da lei.

Entre os princípios mais relevantes contidos na Lei Federal nº 8.666/1993 está o princípio do desenvolvimento sustentável, introduzido de forma expressa

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no art. 3º da lei, com a redação que lhe foi dada pela Lei Federal nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010.

A sustentabilidade consiste em garantir um desenvolvimento social e econômico sem agredir o meio ambiente.

O desenvolvimento sustentável é aquela espécie de progresso experi-mentado pela coletividade que permite o crescimento econômico sem afetar o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a sadia qualidade de vida das gerações presentes e futuras, e tal princípio deve ser observado pelo Poder Pú-blico em suas licitações.

A licitação sustentável está relacionada às contratações realizadas no âm-bito da Administração Pública que se pautam pelo consumo sustentável e pelo respeito ao meio ambiente, com a observância dos princípios concernentes.

Portanto, os editais de licitação podem conter exigências que visem à proteção do meio ambiente ou ao fornecimento de bens e serviços que não causem relevante impacto ou agressão ambiental.

A jurisprudência do eg. Tribunal de Contas da União tem seguido tais premissas.

Nosso entendimento é no sentido de que a Administração deve buscar sempre a proteção ambiental e o consumo sustentável, motivo pelo qual é de império que adote medidas eficazes nesse sentido, inclusive em seus processos de licitação que devem obedecer ao princípio da sustentabilidade.

É nosso entendimento.

referêNcIaSBANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

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Assunto Especial – Doutrina

Licitação Sustentável

Comentários ao Princípio da Licitação Sustentável: o Reconhecimento dos Influxos do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado no Procedimento Licitatório

TAuã LImA VERDAn RAnGELBolsista CAPES, Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e So-cioambientais, Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (2013-2015), Especialista em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo/ES (2014-2015). Autor de diversos artigos, com ênfase especial para temáticas de Direito Constitucional, Direitos Humanos, Direito Ambiental, Direito Administrativo e Direito do Patrimônio Cultural.

RESUMO: Contemporaneamente, há que se reconhecer o relevo assumido pelos debates envolven-do a necessidade de proteção do meio ambiente, sobretudo com o escopo, no território nacional, de imprimir substância ao princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, expressamente entalhado no art. 225 da Carta de 1988. Logo, fez-se urgente a estruturação de de-cisões das autoridades governamentais com o objetivo de obstar a degradação do ambiente. Além disso, a busca pela sustentabilidade não abarca apenas uma preocupação ambiental em seu sentido mais estrito, compreendendo, também, diversas outras acepções sociais e econômicas. O desenvol-vimento sustentável partilha a ideia de uma sociedade mais justa com a redistribuição de recursos como incentivo ao crescimento econômico. Denota-se, nesta linha de exposição, que a integração entre o meio ambiente e o desenvolvimento deve ocorrer em todos os níveis de tomada de decisão, sendo que o Estado desempenha papel fundamental, pois se revela detentor de fortes instrumentos de fomento do mercado na produção e consumo de bens mais sustentáveis como a implementação de políticas e o uso consciente de seu poder de compra. Neste aspecto, o presente trabalho visa a estabelecer uma análise da licitação sustentável, tendo como filtros de exame o corolário constitu-cional do meio ambiente ecologicamente equilibrado e o princípio do desenvolvimento sustentável.

PALAVRAS-CHAVE: Licitação sustentável; mínimo existencial socioambiental; meio ambiente ecolo-gicamente equilibrado.

SUMÁRIO: 1 Comentário introdutório: a ciência jurídica à luz do pós-positivismo; 2 A classificação dos princípios no direito administrativo; 3 Breves ponderações ao princípio da licitação enquanto baldrame sustentador da Administração Pública; 4 Fundamentos constitucionais do direito ao mínimo existencial socioambiental; 5 Comentários ao princípio da licitação sustentável: o reconhecimento dos influxos do meio ambiente ecologicamente equilibrado no procedimento licitatório; 6 Comentá-

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rios finais: desenvolvimento sustentável e meio ambiente ecologicamente equilibrado como corolá-rios da licitação sustentável; Referências.

1 comeNtárIo INtrodutórIo: a cIêNcIa JurídIca à luz do póS-poSItIvISmo

Em sede de comentários inaugurais, ao se dispensar uma análise robusta sobre o tema colocado em debate, mister se faz evidenciar que a ciência ju-rídica, enquanto conjunto plural e multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as pujantes ramificações que a integra, reclama uma inter-pretação alicerçada nos múltiplos peculiares característicos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste diapasão, trazendo a lume os as-pectos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os ordenamentos jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera a ótica de imutabilidade que outrora sedimen-tava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática. É verificável, desta sorte, que os valores adotados pela coletividade, tal como os proeminentes cenários apresentados com a evolução da sociedade, passam a figurar como elementos que influen-ciam a confecção e a aplicação das normas.

Com escora em tais premissas, cuida hastear como pavilhão de interpre-tação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico ‘ubi societas, ibi jus’, ou seja, ‘onde está a sociedade, está o Direito’, tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém”1. Deste modo, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus diplomas legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vi-gente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras con-solidadas pelo ordenamento pátrio, cujo escopo fundamental está assentado em assegurar que inexista a difusão da prática da vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras, nas quais o homem valorizava os aspectos estruturantes da Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Afora isso, volvendo a análise do tema para o cenário pátrio, é possível evidenciar que, com a promulgação da Constituição da República Federati-

1 VERDAN, Tauã Lima. Princípio da legalidade: corolário do direito penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br>. Acesso em: 23 jul. 2016.

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va do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do ordenamento brasileiro, primacialmente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múlti-plas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apre-ciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46/DF: “O Direito é um organismo vivo, peculiar, porém, porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O Direito é um dinamismo. Essa a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”2. Como bem pontuado, o fascínio da ciência jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos diplomas legais.

Ainda nesta senda de exame, pode-se evidenciar que a concepção pós--positivista que passou a permear o Direito ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da ciência jurídi-ca. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan: “Esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos prin-cípios em face da legislação”3. Destarte, a partir de uma análise profunda de sustentáculos, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que o Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.

Nesta tela, retratam-se os princípios jurídicos como elementos que tra-zem o condão de oferecer uma abrangência rotunda, albergando, de modo singular, as distintas espécies de normas que constituem o ordenamento pá-trio – normas e leis. Os princípios passam a constituir verdadeiros estandartes pelos quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar4. Como consequência do expendido, tais cânones passam a desempenhar papel de supernormas, ou seja, “preceitos que expri-

2 “Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de junho de 1978. Ato normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao serviço postal. Previsão de sanções nas hipóteses de violação do privilégio postal. Compatibilidade com o sistema constitucional vigente. Alegação de afronta ao disposto nos arts. 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII; 170, caput, inciso IV e parágrafo único; e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos princípios da livre concorrência e livre iniciativa. Não caracterização. Arguição julgada improcedente. Interpretação conforme a Constituição conferida ao art. 42 da Lei nº 6.538, que estabelece sanção se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no art. 9º da lei.” (STF, Acórdão em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marcos Aurélio, Julgado em 5 ago. 2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 23 jul. 2016)

3 VERDAN, Tauã Lima. Op. cit.4 TOVAR, Leonardo Zehuri. O papel dos princípios no ordenamento jurídico. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n.

696, 1º jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>. Acesso em: 23 jul. 2016.

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mem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo”5. Por óbvio, essa concepção deve ser estendida à interpretação das normas que dão substrato de edificação à ramificação admi-nistrativa do direito.

2 a claSSIfIcação doS prINcípIoS No dIreIto admINIStratIvo

Escorando-se no espancado alhures, faz-se mister ter em conta que o princípio jurídico é um enunciado de aspecto lógico, de característico explícito ou implícito, que, em decorrência de sua generalidade, goza de posição proe-minente nos amplos segmentos do Direito, e, por tal motivo, de modo impla-cável, atrela o entendimento e a aplicação das normas jurídicas à sua essência. Com realce, é uma flâmula desfraldada que reclamada a observância das di-versas ramificações da ciência jurídica, vinculando, comumente, aplicação das normas abstratas, diante de situações concretas, o que permite uma amoldagem das múltiplas normas que constituem o ordenamento aos anseios apresentados pela sociedade. Gasparini, nesta toada, afirma que “constituem os princípios um conjunto de proposições que alicerçam ou embasam um sistema e lhe ga-rantem a validade”6.

Nesta senda, é possível analisar a prodigiosa tábua principiológica a partir de três órbitas distintas, a saber: onivalentes ou universais, plurivalentes ou regionais e monovalentes. Os preceitos acampados sob a rubrica princípios onivalentes, também denominados universais, têm como traço peculiar o fato de ser comungado por todos os ramos do saber, como, por exemplo, é o caso da identidade e da razão suficiente. É identificável uma aplicação irrestrita dos cânones às diversificadas área do saber. Já os princípios plurivalentes (ou regio-nais) são comuns a um determinado grupo de ciências, no qual atuam como agentes de informação, na medida em que permeiam os aportes teórico-dou-trinários dos integrantes do grupo, podendo-se citar o princípio da causalidade (incidente nas ciências naturais) e o princípio do alterum non laedere (assente tanto nas ciências naturais quanto nas ciências jurídicas).

Os princípios classificados como monovalentes estão atrelados a tão so-mente uma específica seara do conhecimento, como é o caso dos princípios gerais da ciência jurídica, que não possuem aplicação em outras ciências. Com destaque, os corolários em comento são apresentados como axiomas cujo sedi-mento de edificação encontra estruturado tão somente a um segmento do saber. Aqui, cabe pontuar a importante observação apresentada por Di Pietro, que, com bastante ênfase, pondera: “Há tantos princípios monovalentes quantas se-

5 VERDAN, Tauã Lima. Op. cit.6 GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 60.

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jam as ciências cogitadas pelo espírito humano”7. Ao lado disso, insta destacar, consoante entendimento apresentado por parte da doutrina, que subsiste uma quarta esfera de princípios, os quais são intitulados como “setoriais”. Prima evidenciar, com bastante destaque, que os mandamentos abarcados pela con-cepção de dogmas setoriais teriam como singular aspecto o fato de informarem os múltiplos setores que integram/constituem uma determinada ciência. Como robusto exemplo desse grupo, é possível citar os princípios que informam ape-nas o direito civil, o direito penal, o direito administrativo, entre outros.

Tecidas estas ponderações, bem como tendo em conta as peculiaridades que integram a ramificação administrativa da ciência jurídica, de bom alvitre se revela ponderar que os “os princípios administrativos são postulados funda-mentais que inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Represen-tam cânones pré-normativos, norteando a conduta do Estado quando no exer-cício das atividades administrativas”8. Assim, na vigente ordem inaugurada pela Carta da República de 19889, revela-se imperiosa a observação dos corolários na construção dos institutos administrativos, pois olvidar-se de tal configura--se verdadeira aberração jurídica, sobremaneira, quando restam configurados o aviltamento e o desrespeito ao sucedâneo de baldrames consagrados no Texto Constitucional e os reconhecidos pela doutrina e pela jurisprudência pátrias.

Urge salientar que a Constituição Cidadã, ao contrário das Cartas que a antecederam, trouxe, de forma expressa e clara, os princípios informadores da Administração Pública, assinalando a incidência de tais preceitos a todos os entes da Federação, bem como os elementos estruturantes da Administra-ção Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes constituídos. Para tanto, como fértil sedimento de estruturação, é possível transcrever o caput do art. 37, que, em altos alaridos, dicciona que “a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Mu-nicípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”10. Nesta toada, ainda, quadra, também, ter em mente os seguintes apontamentos:

Trata-se, portanto, de princípios incidentes não apenas sobre os órgãos que in-tegram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), mas também de preceitos genéricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso País integram a

7 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas S/A, 2010. p. 62-63.8 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2011. p. 20.9 Brasil. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 jul. 2016.10 Ibid.

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denominada Administração indireta, ou seja, autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações governamentais ou estatais.11

É verificável, desta sorte, que os preceitos em comento, dada a proemi-nência alçada pelo Texto Constitucional, passam a atuar como elementos que norteiam e, corriqueiramente, conformam a atuação dos entes federativos, bem como as estruturas, tais como autarquias, sociedades de economia mista, em-presas públicas e fundações, que constituem a Administração indireta. Em razão de estarem entalhados nas linhas que dão corpo à Lex Fundamentalis do Estado Brasileiro, a doutrina convencionou chamá-los de “princípios constitucionais explícitos” ou “princípios expressos”. São considerados como verdadeiras dire-trizes que norteiam a Administração Pública, na medida em que qualquer ato por ela emanado só será considerado válido se estiver em consonância com tais dogmas12.

De outra banda, tem-se por princípios reconhecidos aqueles que, con-quanto não estejam taxativamente contemplados no Texto Constitucional, de modo explícito, permeiam, por conseguinte, toda a ramificação do direito ad-ministrativo. Isto é, são corolários que encontram descanso, mais evidente e palpável, na atividade doutrinária e jurisprudencial, que, por meio dos seus instrumentos, colaboram de forma determinante na consolidação e conscienti-zação de determinados valores, tidos como fundamentais, para o conhecimento e a interpretação das peculiaridades e nuances dos fenômenos jurídicos, ad-vindos dessa ramificação da ciência jurídica. “Os princípios são mandamen-tos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas”13. Em que pese o reconhecimento de uma tábua de preceitos e cânones pela doutrina, tal fato não tem o condão de desnaturar o importante papel desempenado na orientação e conformação da interpretação dos diplomas normativos.

No mais, ao se ter em visão a dinamicidade que influencia a contínua construção do Direito, conferindo, via de consequência, mutabilidade diante das contemporâneas situações apresentadas pela sociedade, é possível salientar que a construção da tábua principiológica não está adstrita apenas aos precei-tos dispostos nos diplomas normativos e no Texto Constitucional. Ao reverso, é uma construção que também encontra escora no âmbito doutrinário, tal como no enfrentamento, pelos Tribunais Pátrios, das situações concretas colocadas sob o alvitre. Afora isso,

11 SERESUELA, Nívea Carolina de Holanda. Princípios constitucionais da Administração Pública. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 60, 1º nov. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3489>. Acesso em: 23 jul. 2016.

12 Neste sentido: CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 21.13 GASPARINI, Diógenes. Op. cit., p. 61.

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doutrina e jurisprudência usualmente a elas se referem, o que revela sua aceita-ção geral como regras de proceder da Administração. É por esse motivo que os denominamos de princípios reconhecidos, para acentuar exatamente essa acei-tação.14

3 BreveS poNderaçõeS ao prINcípIo da lIcItação eNquaNto Baldrame SuSteNtador da admINIStração púBlIca

Em sede de comentários introdutórios acerca do corolário em comen-to, impende sustar que a Administração Pública é norteada por uma gama de princípios gerais, cujo escopo está assentado na orientação da ação do admi-nistrador na prática dos atos administrativos. De outro passo, aludidos dogmas asseguram uma boa administração, que se materializa na correta gestão dos negócios públicos e do manejo dos recursos públicos, entendidos como di-nheiro, bens e serviços, visando ao interesse coletivo, com o qual se assegura administrado o seu direito a práticas administrativas consideradas honestas e probas. É cediço, arrimando-se nas ponderações vertidas anteriormente, que os princípios explicitados no caput do art. 37 são os da legalidade, da impes-soalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência. Entrementes, outros defluem dos incisos e parágrafos do mesmo dispositivo, como a da licitação, da prescritibilidade dos ilícitos administrativos e o da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público.

Cuida destacar que a Carta Política do Estado Brasileiro de 1988, ao dis-por acerca dos corolários gerais da atividade econômica, de maneira expressa, faz alusão à imprescindibilidade da realização de licitação pública no tocante à concessão ou permissão do serviço público. Neste sentido, inclusive, é pos-sível colacionar a redação do dispositivo 175, que assim menciona: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”15. Em mesmo sedimento, é possível coligir os regramentos emanados do inciso XXI do art. 37 da Constituição Cidadã:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos prin-cípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [omissis] XXI – ressalvados os casos especificados na le-gislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, manti-das as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá

14 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 34.15 Brasil. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 jul. 2016.

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as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.16

Assim, pelo que se extrai do exame dos dispositivos constitucionais cita-dos alhures, a partir da vigência da Constituição de 1988, “a licitação passou a ser indispensável à Administração Pública, consoante art. 37 da mesma Carta, por garantir a igualdade de condições e oportunidades para aqueles que preten-dem contratar obras e serviços com a Administração”17. Trata-se, com efeito, de preceito que assegura a materialização do princípio constitucional da impesso-alidade, em sede de contratações de serviços e aquisição de bens, estruturada pela Administração Pública, a fim de assegurar que não ocorra o favorecimento de determinada pessoa, natural ou jurídica, em detrimento de outrem. Ora, os influxos emanados pelo corolário da licitação vedam o favorecimento indevido, estando, pois, pautados em critérios dotados de objetividade e formalismo, bem como propostas que se apresentam revestidas de vantagens para a Adminis-tração.

Em mesmo pano de fundo, o constitucionalista José Afonso da Silva, ao abordar o tema, qualifica a licitação como princípio constitucional da Adminis-tração Pública, sustenta que “o princípio da licitação significa que essas con-tratações ficam sujeitas, como regra, ao procedimento de seleção de propostas mais vantajosas para a Administração Pública”18. Ao lado disso, quadra anotar que o dogma em comento constitui um princípio instrumental de realização dos cânones da moralidade administrativa e do tratamento isonômico dos eventuais contratantes da Administração Pública. Ora, não se pode olvidar que o procedi-mento licitatório ambiciona alcançar dois objetivos, quais sejam: proporcionar às entidades governamentais possibilidade de realizarem o negócio mais van-tajoso, porquanto a instauração de competição entre os ofertantes tem como argumento justificador isto.

Verifica-se, assim, que o procedimento licitatório busca assegurar aos administrados possibilidade de disputar a participação dos negócios que as pessoas governamentais objetivam realizar com os particulares. Desse modo, ambiciona-se alcançar um trinômio de aspectos imprescindíveis, a saber: I – proteção aos interesses públicos e recursos governamentais, na medida em que

16 Ibid.17 “Administrativo. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento. Contratação de serviço de transporte coletivo.

Necessidade de licitação. Artigo 37 da Constituição. Precedentes. Agravo improvido. I - O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência desta Corte no sentido de que a partir da vigência da Constituição de 1988, a licitação passou a ser indispensável à Administração Pública, consoante art. 37, da mesma Carta, por garantir a igualdade de condições e oportunidades para aqueles que pretendem contratar obras e serviços com a Administração. II – Agravo regimental improvido.” (Supremo Tribunal Federal, Acórdão proferido em Agravo Regimental no Agravo de Instrumento nº 792.149/MG, 1ª T., Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Julgado em 19 out. 2010. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso 23: jul. 2016)

18 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 672.

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busca a oferta que se revela mais satisfatória; II – atenção e obediência aos mandamentos da isonomia e impessoalidade, acinzelados, respectivamente, nos arts. 5º e 37 da Carta da República de 1988, o que se dá pela abertura do procedimento licitatório; e, por derradeiro, III – obediência aos reclamos cons-tantes da probidade administrativa, estabelecidos expressamente pelo caput do art. 35 e pelo inciso V do art. 85, ambos da Carta Magna de 1988.

No que concerne ao primeiro aspecto do trinômio supramencionado, é possível evidenciar que o Supremo Tribunal Federal, ao se manifestar acer-ca do tema, já consolidou entendimento no qual, com clareza solar, explicita que “a licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltado a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso – o melhor negócio”19. Com realce, quadra anotar que o procedimen-to licitatório objetiva, ressalvadas as excepcionalidades previstas nos diplomas normativos, realizar contratações que se apresentem dotadas de vantagem para a Administração Pública, por vezes ancorada no menor preço ou mesmo na melhor técnica do serviço ou bem a que se busca. Afora isso, a competição estruturada pela licitação almeja a seleção da proposta descrita como mais van-tajosa para a Administração Pública, de maneira tal que o seu desenvolvimen-to deva garantir a igualdade (isonomia) daqueles que pretendam ter acesso às contratações da Administração20-21. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal já

19 “Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Transporte coletivo interestadual. Transformação de serviços complementares em linhas definitivas: necessidade de licitação prévia. Legislação aplicável no momento da permissão: ausência de prequestionamento da matéria constitucional (Súmulas nº 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal). Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento.” (Supremo Tribunal Federal, Acórdão proferido em Agravo Regimental no Recurso Especial nº 607.126/RJ, 1ª T., Relª Min. Carmem Lúcia, Julgado em 2 dez. 2010. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso 23: jul. 2016)

20 Neste sentido: “Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 16 e 19 da Lei nº 260, do Estado de Rondônia. Serviço público. Transporte coletivo de passageiros. Possibilidade de conversão automática de linhas municipais de transporte coletivo em permissão intermunicipal. Discriminação arbitrária entre licitantes. Licitação. Isonomia, princípio da igualdade. Afronta ao disposto nos arts. 5º, caput, 175 e 37, inciso XXI, da Constituição do Brasil. [...] 3. A licitação é um procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia. Está voltada a um duplo objetivo: o de proporcionar à Administração a possibilidade de realizar o negócio mais vantajoso – o melhor negócio – e o de assegurar aos administrados a oportunidade de concorrerem, em igualdade de condições, à contratação pretendida pela Administração. Imposição do interesse público, seu pressuposto é a competição. Procedimento que visa à satisfação do interesse público, pautando-se pelo princípio da isonomia, a função da licitação é a de viabilizar, através da mais ampla disputa, envolvendo o maior número possível de agentes econômicos capacitados, a satisfação do interesse público. A competição visada pela licitação, a instrumentar a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração, impõe-se seja desenrolada de modo que reste assegurada a igualdade (isonomia) de todos quantos pretendam acesso às contratações da Administração. [...] 8. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucionais os arts. 16 e 19, e seu parágrafo, da Lei nº 260/1990 do Estado de Rondônia.” (Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.716/RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, Julgado em 29 nov. 2007. Publicado no DJe em 7 mar. 2008, p. 226. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 23 jul. 2016)

21 Neste sentido: “Direito constitucional e administrativo. Licitação e contratação pela Administração Pública municipal. Lei Orgânica do Município de Brumadinho/MG. Vedação de contratação com o Município de parentes do prefeito, vice-prefeito, vereadores e ocupantes de cargos em comissão. Constitucionalidade. Competência suplementar dos Municípios. Recurso extraordinário provido. [...] Dentro da permissão constitucional para legislar sobre normas específicas em matéria de licitação, é de se louvar a iniciativa do

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explicitou entendimento de ser possível a lei estabelecer distinções sem que subsista qualquer violação ao corolário da isonomia, estabelecendo tratamento diverso do qual é dispensado a outro. Para tanto, com o escopo de ilustrar o aventado, cuida colacionar o aresto:

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 11, § 4º, da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Licitação. Análise de proposta mais vantajosa. Consideração dos valores relativos aos impostos pagos à Fazenda Pública daque-le Estado. Discriminação arbitrária. Licitação. Isonomia, princípio da igualdade. Distinção entre brasileiros. Afronta ao disposto nos arts. 5º, caput; 19, inciso III; 37, inciso XXI; e 175 da Constituição do Brasil. [...] 4. A lei pode, sem violação do princípio da igualdade, distinguir situações, a fim de conferir a um tratamento diverso do que atribui a outra. Para que possa fazê-lo, contudo, sem que tal viola-ção se manifeste, é necessário que a discriminação guarde compatibilidade com o conteúdo do princípio. 5. A Constituição do Brasil exclui quaisquer exigências de qualificação técnica e econômica que não sejam indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações. A discriminação, no julgamento da concorrência, que exceda essa limitação é inadmissível. 6. Ação direta julgada procedente para declarar inconstitucional o § 4º do art. 111 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. (Supremo Tribunal Federal, Tribunal Pleno, ADIn 3.070/RN, Rel. Min. Eros Grau, Julgado em 29.11.2007, Publicado no DJe em 18.12.2007)

Nesta toada, não é possível perder de vista que a licitação há de ser con-cebida como uma imposição decorrente do interesse público, sendo seu pressu-posto a competição. Ora, é fato que a competição assume, neste cenário, duas significações. Enquanto pressuposto da licitação, a competição se apresenta como possibilidade de acesso de todos e quaisquer agentes econômicos capa-citados à licitação. Desta feita, consiste na concreção da garantia de igualdade, enquanto norte dotado de proeminência substancial no ordenamento pátrio. De outro prisma, a competição também consiste em disputa, isto é, no caso, a possibilidade de uns licitantes apresentarem melhores propostas do que outros, um a proposta melhor de todas. Nessa perspectiva, o festejado doutrinador José dos Santos Carvalho Filho afirma que o legislador pátrio, ao instituir o procedi-mento licitatório, inspirou-se, fundamentalmente, na moralidade administrativa e na igualdade de oportunidades àqueles interessados em contratar:

Município de Brumadinho/MG de tratar, em sua Lei Orgânica, de tema dos mais relevantes em nossa pólis, que é a moralidade administrativa, princípio-guia de toda a atividade estatal, nos termos do art. 37, caput, da Constituição Federal. A proibição de contratação com o Município dos parentes, afins ou consanguíneos, do prefeito, do vice-prefeito, dos vereadores e dos ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança, bem como dos servidores e empregados públicos municipais, até seis meses após o fim do exercício das respectivas funções, é norma que evidentemente homenageia os princípios da impessoalidade e da moralidade administrativa, prevenindo eventuais lesões ao interesse público e ao patrimônio do Município, sem restringir a competição entre os licitantes. Inexistência de ofensa ao princípio da legalidade ou de invasão da competência da União para legislar sobre normas gerais de licitação. Recurso extraordinário provido” (Acórdão proferido em Recurso Extraordinário nº 423.560/MG, 2ª T., Rel. Min. Joaquim Barbosa, Julgado em 29 maio 2012, Publicado no DJe em 19 jun. 2012, p. 678. Disponível em: www.stf.jus.br. Acesso em: 23 jul. 2016).

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Erigida atualmente à categoria de princípio constitucional pelo art. 37, caput, da CF, a moralidade administrativa deve guiar toda a conduta dos administradores. A estes incumbe agir com lealdade e boa-fé no trato com os particulares, proce-dendo com sinceridade e descartando qualquer conduta astuciosa ou eivada de malícia. A licitação veio prevenir inúmeras condutas de improbidade por parte do administrador, algumas vezes curvados a acenos ilegítimos por parte dos par-ticulares, outras levadas por sua própria deslealdade para com a Administração e a coletividade que representa. Daí a vedação que se lhe impõe, de optar por determinado particular. Seu dever é o de realizar o procedimento para que o con-trato seja firmado com aquele que apresentar a melhor proposta. Nesse ponto, a moralidade administrativa se toca com o próprio princípio da impessoalidade, também insculpido no art. 37, caput, da Constituição, porque, quando o admi-nistrador não favorece este ou aquele interessado, está, ipso facto, dispensando tratamento impessoal a todos. [...] Outro fundamento da licitação foi a necessi-dade de proporcionar igualdade de oportunidades a todos quantos se interessam em contratar com a Administração, fornecendo seus serviços e bens (o que é mais comum), ou àqueles que desejam apresentar projetos de natureza técnica, cientí-fica ou artística. A se permitir a livre escolha de determinados fornecedores pelo administrador, estariam alijados todos os demais, o que seria de lamentar, tendo em vista que, em numerosas ocasiões, poderiam eles apresentar à Administração melhores condições de contratação. Cumpre, assim, permitir a competitividade entre os interessados, essencial ao próprio instituto da licitação.22

Destarte, sem uma escorreita licitação, não há como agasalhar-se o ato administrativo, que, além de ilegal, mostra-se em verdadeira afronta ao Texto Maior, que exige que a concessão ou permissão de serviço público seja prece-dida, sempre, de licitação pública. Ao lado disso, deve-se, com bastante alarde, destacar que o art. 43 da Lei nº 8.987, de 13 de janeiro de 1995, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal e dá outras providências, assevera e determina que “ficam extintas todas as concessões de serviços públicos ou-torgadas sem licitação na vigência da Constituição de 1988”23. Há que se reme-morar que, desde 1993, o excelso Supremo Tribunal Federal, por meio da lavra do voto do Ministro Octávio Galotti, acompanhado pelos demais integrantes do excelso Pretório, ao relatoriar o Recurso Especial nº 140.989, pôs termo no assunto e se manifestou sobre a matéria no sentido:

Ementa: Transporte urbano – Concessão e permissão – Licitação. Exploração de transporte urbano, por meio de linha de ônibus. Necessidade de prévia licitação para autorizá-la, quer sob a forma de permissão ou concessão. Recurso extraor-

22 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Op. cit., p. 223.23 Brasil. Lei nº 8.987, de 13 de janeiro de 1995. Dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação

de serviços públicos previsto no art. 175 da Constituição Federal e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 jul. 2016.

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dinário provido por contrariedade do art. 175 da Constituição Federal. (Supremo Tribunal Federal, RE 140.989, 1ª T., Rel. Min. Octávio Galotti, Publicado em 16.03.1993)

Com efeito, a realização de compras e serviços na Administração Pública Federal, Estadual, do Distrito Federal e dos Municípios deve, imperiosamente, ser precedida do competente procedimento licitatório, obedecendo aos ditames arvorados no inciso XXI do art. 37 da Constituição da República Federativa do Brasil, cujos procedimentos e ritos foram devidamente disciplinados pelo Estatuto das Licitações. Trata-se, com efeito, de observância dos corolários des-fraldados como flâmulas, os quais reclamam atendimento por parte da Adminis-tração Pública, porquanto conformam e condicionam sua atuação.

4 fuNdameNtoS coNStItucIoNaIS do dIreIto ao míNImo exISteNcIal SocIoamBIeNtal

Em ressonância com o preceito de necessidades humanas básicas, na perspectiva das presentes e futuras gerações, é colocada, como ponto robusto, para reflexão a exigência de um patamar mínimo de qualidade e segurança ambiental, sem o qual o preceito de dignidade humana restaria violentado em seu núcleo essencial. A seara de proteção do direito à vida, quando confrontado com o quadro de riscos ambientais contemporâneos, para atender ao padrão de dignidade alçado constitucionalmente, reclama ampliação a fim de abarcar a dimensão no seu quadrante normativo. Insta salientar, ainda, que a vida se apre-senta como condição elementar para o pleno e irrestrito exercício da dignidade humana, conquanto esta não se limite àquela, porquanto a dignidade não se resume a questões existenciais de natureza essencialmente biológica ou física, todavia carece a proteção da existência humana de forma mais ampla. Desta maneira, é imprescindível que subsista a conjugação dos direitos sociais e dos direitos ambientais para identificação dos patamares necessários de tutela da dignidade humana, a fim de promover o reconhecimento de um direito-garantia do mínimo existencial socioambiental,

precisamente pelo fato de tal direito abarcar o desenvolvimento de todo o poten-cial da vida humana até a sua própria sobrevivência como espécie, no sentido de uma proteção do homem contra a sua própria ação predatória.24

A exemplo do que ocorre com o conteúdo do superprincípio da digni-dade humana, o qual não encontra pontos limítrofes ao direito à vida, em uma acepção restritiva, o conceito de mínimo existencial não pode ser limitado ao direito à simples sobrevivência na sua dimensão estritamente natural ou bio-lógica, ao reverso, exige concepção mais ampla, eis que almeja justamente a

24 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: Constituição, direitos fundamentais e proteção do ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 116.

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realização da vida em patamares dignos, considerando, nesse viés, a incorpo-ração da qualidade ambiental como novo conteúdo alcançado por seu âmbito de proteção. Arrimado em tais corolários, o conteúdo do mínimo existencial não pode ser confundido com o denominado “mínimo vital” ou mesmo com o “mínimo de sobrevivência”, na proporção em que este último tem seu sentido atrelado à garantia da vida humana, sem necessariamente compreender as con-dições para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto, de uma vida dotada de certa qualidade.

O conteúdo normativo ventilado pelo direito ao mínimo existencial deve receber modulação à luz das circunstâncias históricas e culturais concretas da comunidade estatal, inclusive em uma perspectiva evolutiva e cumulativa. Des-tarte, é natural que novos elementos, decorrentes das relações sociais contem-porâneas e das novas necessidades existenciais apresentadas, sejam, de maneira paulatina, incorporados ao seu conteúdo, eis que o escopo primordial está as-sentado em salvaguardar a dignidade da pessoa humana, sendo indispensáveis o equilíbrio e a segurança ambiental. Nesta esteira, com o escopo de promover a conformação do conteúdo do superprincípio da dignidade da pessoa humana, é imperioso o alargamento do rol dos direitos fundamentais, os quais guardam ressonância com a concepção histórica dos direitos humanos, porquanto a ten-dência é sempre a ampliação do universo dos direitos fundamentais, de maneira a garantir um nível cada vez maior de tutela e promoção da pessoa, tanto em uma órbita individual como em aspectos coletivos.

Ademais, o processo histórico-constitucional de afirmação de direitos fundamentais e da proteção da pessoa viabilizou a inserção da proteção am-biental no rol dos direitos fundamentais, de maneira que o conteúdo do mínimo existencial, até então restrito à dimensão social, deve necessariamente compre-ender também um mínimo de qualidade ambiental, no sentido de encampar o mínimo existencial ecológico, que assume verdadeira feição socioambiental. Ao se adotarem os paradigmas ventilados pelo art. 225 da Constituição Fede-ral25, é verificável que a promoção da sadia qualidade de vida só é possível, en-quanto desdobramento da vida e saúde humanas, dentro dos padrões mínimos estabelecidos constitucionalmente para o desenvolvimento pleno da personali-dade humana, em um ambiente natural com qualidade ambiental.

O ambiente está presente nas questões mais vitais e elementares para o desenvolvimento das potencialidades humanas, além de ser imprescindível à sobrevivência do ser humano como espécie natural. Desta feita, com o intento

25 Brasil. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 jul. 2016: “Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

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que se contribuir para a construção de uma fundamentação do mínimo existen-cial ecológico e, em uma perspectiva mais ampla, socioambiental, é adotada, portanto, uma compreensão alargada do conceito de mínimo existencial, com o escopo de alcançar a ideia de uma vida com qualidade ambiental. “A dignidade da pessoa humana, por sua vez, somente estará assegurada – em termos de con-dições básicas a serem garantidas pelo Estado e pela sociedade – onde a todos e a qualquer um estiver assegurada nem mais nem menos do que uma vida saudável”26, o que, com efeito, passa, por imperioso, pela qualidade, equilíbrio e segurança do ambiente em que a vida humana se encontra sediada.

5 comeNtárIoS ao prINcípIo da lIcItação SuSteNtável: o recoNhecImeNto doS INfluxoS do meIo amBIeNte ecologIcameNte equIlIBrado No procedImeNto lIcItatórIo

Ao voltar um olhar para a questão discutida no presente trabalho, cuida apontar, inicialmente, que o princípio da sustentabilidade da licitação ou da licitação sustentável está atrelado ao ideário de que é possível, por meio do pro-cedimento licitatório, fomentar a preservação do meio ambiente. Nesta linha, o marco legislativo rememora à Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 198127, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação e dá outras providências, que afixou a compatibiliza-ção do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio econômico-social, difusão de tecnologias nacio-nais orientadas para o uso racional de recursos ambientais. Em igual modo, é possível identificar, ainda, a difusão de tecnologias de manejo do meio ambien-te, divulgação de dados e informações ambientais e formação de uma consci-ência pública acerca da necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico, preservação e restauração dos recursos ambientais com o escopo de assegurar a utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida e ao alcance da dignidade da pessoa humana.

De outro norte, o Texto Constitucional, de maneira expressa, incluiu a defesa do meio ambiente entre os objetivos da ordem econômica, tal como es-tabeleceu que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Quadra ponderar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 menciona que, para assegurar o direito em co-mento, é carecido exigir, na forma da lei, para a instalação de obra ou atividade

26 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Op. cit., p. 120.27 Brasil. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins

e mecanismos de formulação e aplicação e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 jul. 2016.

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potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estu-do prévio de impacto ambiental, ao qual se dará a imprescindível publicidade. Em mesma toada, incumbe ao Poder Público, com o escopo de promover a concreção do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Mister se faz frisar que o inciso VI do art. 170 da Constituição Federal, ao incluir como princípio da ordem econômica a defesa do meio ambiente, inclusive por meio de tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e dos serviços e dos seus processos de elaboração e prestação, as-sentou a pedra de toque sobre a qual se edificaram as licitações sustentáveis ou licitações verdes. Infere-se, nesta nova ótica, a combinação entre os objetivos tradicionais visados pelo procedimento licitatório, consistentes na busca pela melhor proposta para a Administração garantir isonomia aos licitantes, com o cânone do desenvolvimento sustentável, que ambiciona preservar o meio har-monia, em consonância com fatores sociais e econômicos. Trata-se de coro-lário cunhado pelo ideário de solidariedade e fraternidade, o qual impregna o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrando, passando a dispensar uma visão contemporânea do procedimento licitatório em prol do alinhamento da busca pela preservação do meio ambiente e pela promoção do desenvolvi-mento.

6 comeNtárIoS fINaIS: deSeNvolvImeNto SuSteNtável e meIo amBIeNte ecologIcameNte equIlIBrado como corolárIoS da lIcItação SuSteNtável

Contemporaneamente, há que se reconhecer o relevo assumido pelos debates envolvendo a necessidade de proteção do meio ambiente, sobretu-do com o escopo, no território nacional, de imprimir substância ao princípio constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado, expressamente entalhado no art. 225 da Carta de 1988. Logo, fez-se urgente a estruturação de decisões das autoridades governamentais com o escopo de obstar a degradação do ambiente. Além disso, a busca pela sustentabilidade não abarca apenas uma preocupação ambiental em seu sentido mais estrito, compreendendo, também, diversas outras acepções sociais e econômicas. O desenvolvimento sustentável partilha a ideia de uma sociedade mais justa com a redistribuição de recursos como incentivo ao crescimento econômico. Denota-se, nesta linha de exposi-ção, que a integração entre o meio ambiente e o desenvolvimento deve ocorrer em todos os níveis de tomada de decisão, sendo que o Estado desempenha papel fundamental, pois se revela detentor de fortes instrumentos de fomento do mercado na produção e consumo de bens mais sustentáveis como a imple-mentação de políticas e o uso consciente de seu poder de compra.

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Ora, a Administração Pública deve orientar suas atividades pelos princí-pios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da pu-blicidade e da eficiência. Assim, ao realizar os processos licitatórios, obedecerá a estes e, ainda, aos princípios específicos arrolados na lei de licitações, quais sejam, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vincula-ção ao instrumento convocatório e do julgamento objetivo, além de observar o princípio constitucional da isonomia e garantir a seleção da proposta mais vantajosa. Para a materialização da licitação sustentável, a busca pela proposta mais vantajosa deve ser entendida e analisada em um contexto mais amplo, re-alçando que a escolha deve considerar o interesse público em todas suas acep-ções. O critério apenas econômico, assentado no menor preço, poderia levar o próprio Estado a não analisar os critérios ambientais e sociais, inobservando, pois, os ditames estabelecidos.

A proteção ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito fun-damental, conforme arts. 225 e 170 da Constituição, e deve, portanto, ser ga-rantido por todo o ordenamento jurídico. A Política Nacional do Meio Ambien-te também promove o desenvolvimento sustentável como dever do Estado e não mera faculdade. A interpretação sistemática do ordenamento permite constatar a necessidade do Estado em adotar a licitação de modo sustentável, o que, inclusive, torna o processo mais eficiente. Produtos e serviços sustentáveis mi-nimizam os custos estatais com seus ciclos de vida, em razão da menor impacto de externalidades negativas. Consequentemente, promove uma eficiente gestão dos recursos públicos, vez que se consideram todas as possibilidades de dispên-dios, atendendo aos preceitos da Administração Pública e, em especial, à legis-lação ambiental. A exigência desses critérios como pressuposto de validade no processo licitatório permite que o interesse público atenda concomitantemente à economicidade e outros interesses igualmente legítimos como a proteção am-biental. Sendo assim, não caberá juízo de conveniência e de oportunidade à adoção desses critérios.

referêNcIaSBRASIL. Constituição (1988). Constituição (da) República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 23 jul. 2016.

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Assunto Especial – Doutrina

Licitação Sustentável

Planejamento como Imperativo do Desenvolvimento Sustentável: a Ineficácia da Licitação Ecológica em Face da Lei Nacional de Licitações

Planning as Imperative Instrument of the Sustainable Development: The Inefficiency of the Ecological Bidding in Light of the National Law for Bidding

VInICIuS DInIZ E ALmEIDA RAmOSMestrando em Direito pela Escola Superior Dom Helder Câmara (ESDHC), Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-Minas), Graduado em Direito pela Faculdade de Direito Padre Arnaldo Janssen, Graduado em Admi-nistração pela Faculdade Internacional de Ciências Empresariais (Fice), Advogado inscrito na OAB/MG sob o nº 130106.

mÁRCIO LuÍS DE OLIVEIRADoutorado e Mestrado em Direito pela UFMG, Aperfeiçoamento em Direito Internacional Pú-blico e Privado na Holanda, Graduação em Direito pela UFMG, Professor Adjunto de Graduação e do Mestrado em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável da Escola Superior Dom Helder Câmara, Professor Adjunto de Direito Constitucional do Departamento de Direito Públi-co da Faculdade de Direito da UFMG, Consultor Jurídico e Advogado Especializado e Atuante em Controle de Constitucionalidade nos Tribunais.

Submissão: 27.06.2015Decisão Editorial 27.08.2015Comunicação ao autor: 27.08.2015

RESUMO: Este trabalho aborda a imprescindibilidade do planejamento na elaboração de políticas públicas voltadas ao desenvolvimento sustentável, adotando-se como tema específico de investi-gação a ineficácia das compras estatais ecológicas. Verifica-se a insuficiência do novo art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, alterado pela Lei nº 12.349, de 2010, para efetivamente viabilizar a licitação sustentável no Brasil, eis que a mudança legislativa foi conduzida sob a égide do imediatismo, sem o necessário planejamento e sem a participação coordenada dos atores principais, quais sejam, o Poder Público, a iniciativa privada e a sociedade. Visando atingir ao objetivo proposto, realiza-se uma abordagem acerca do imperativo do planejamento na implementação de uma nova política de desenvolvimento lastreada na sustentabilidade que, a rigor, representa a ruptura com o status quo

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e a adoção de uma nova lógica de produção e consumo. Em seguida, promove-se o estudo da Lei nº 8.666, de 1993, com a finalidade de avaliar – com fundamento no princípio da legalidade – se seus dispositivos autorizam a adoção das compras ecológicas pela Administração, a partir do esta-belecimento de critérios ambientais nas licitações. Por fim, conclui-se que a falta de planejamento e de articulação no processo de alteração da Lei Nacional de Licitações, são os motivos principais da ineficácia da compra pública sustentável, que não pode ser efetivamente implementada com a atual legislação pátria.

PALAVRAS-CHAVE: Planejamento; desenvolvimento sustentável; licitação sustentável.

ABSTRACT: This paper addresses the indispensability of planning in the development of public po-licies aimed at sustainable development, adopting the specific research topic, the ineffectiveness of ecological state companies procurements. There is a deficiency in the new Clause 3 of Law No. 8666, 1993, amended by Law No. 12,349, 2010, to effectively facilitate the sustainable bidding in Brazil, since the legislative change was conducted under the aegis of the immediacy, without the necessary planning and without coordinated participation of the main actors, namely, the Govern-ment, the private sector and society. In order to achieve the proposed purpose, it makes an approach about the imperative of planning the implementation of a new policy for development backed in the sustainability that, strictly speaking, is the rupture with the status quo and the adoption of a new logic of production and consumption. Then, it is promoted the study of Law No. 8666, 1993, in order to assess - on the basis of the principle of legality - if its provisions authorize the adoption of ecological procurements by the Government, from the establishment of the environmental criteria in bidding. Finally, it is concluded that the lack of planning and coordination in the process of amending the Na-tional Law for Bidding are the main reasons for the ineffectiveness of sustainable public procurement, which cannot be effectively implemented with the current Brazilian legislation.

KEYWORDS: Planning; sustainable development; sustainable bidding.

INtrodução

Em 15 de dezembro de 2010, foi sancionada a Lei nº 12.349, que al-terou dispositivos da Lei nº 8.666, de 1993. Entre as modificações realizadas, incluiu-se no art. 3º da Lei Nacional de Licitações como mais um dos objetivos da contratação pública, a promoção do desenvolvimento nacional sustentável.

Constata-se que a falta de planejamento da mencionada alteração legis-lativa, a circunstancialidade da medida e o acanhamento do legislador – que deixou de regulamentar adequadamente a matéria – opuseram ao certame eco-lógico óbices dos mais variados gêneros. Sob esse prisma, almeja-se responder à seguinte questão: considerando o atual sistema normativo, é legal a adoção das licitações sustentáveis pelo Estado brasileiro?

Nesse contexto, o presente trabalho tem como objetivo geral abordar o papel essencial do planejamento no processo de desenvolvimento nacional sus-tentável, haja vista que, para a conquista de tamanho desafio, é imprescindível romper-se com a tradicional lógica de produção e de consumo (inclusive esta-

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tal), o que exige o sequenciamento de ações e medidas coordenadas, alinhadas e compartilhadas entre o Estado, a iniciativa privada e a sociedade.

Buscar-se-á, de modo específico, analisar a tentativa de implementação, no Brasil, da denominada licitação pública ecológica, a qual adota como sus-tentação jurídica a nova redação do art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, alterada pela Lei nº 12.349, de 2010.

Inicialmente, adotam-se duas hipóteses contrapostas. A primeira, de que a compra pública sustentável é inviável, em face da insuficiência de regulamen-tação sobre o tema. Nesse caso, parte-se da presunção de que o princípio da legalidade impõe incontornáveis limites ao Estado, impedindo-o de fixar, nos editais de licitação, requisitos ambientais que, efetivamente, não estejam pre-vistos na Lei Nacional de Licitações. A segunda hipótese baseia-se na premissa de que o art. 225 da Constituição da República Federativa do Brasil, combina-do com o novo art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, é suficiente para respaldar a inserção de critérios ecológicos nas compras e contratações promovidas pelos entes estatais.

Como marco teórico, salienta-se o princípio constitucional da legalidade, que se encontra previsto no caput do art. 37 da Constituição, caracterizando o Estado de Direito. Dessa forma, a Administração encontra-se inelutavelmente subsumida à norma jurídica, que deve indicar não só o quê fazer, mas também quando e como deve atuar o administrador.

Uma ampla pesquisa bibliográfica procurará confrontar a doutrina ad-ministrativista e a doutrina ambientalista. A primeira, fiel aos princípios da Ad-ministração Pública, especialmente ao princípio da legalidade; a segunda, bus-cando encontrar alternativas práticas para a implementação da compra estatal ecológica. A investigação lastrear-se-á no método hipotético-dedutivo, adotan-do-se a premissa de que a observância do princípio da legalidade é basilar no estado de direito.

Este tema é particularmente importante, tendo em vista que a Consti-tuição e os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil impõem-lhe a adoção de compras públicas alinhadas aos preceitos do desenvolvimento sus-tentável, e, para tanto, cumpre papel relevante o planejamento, bem como uma produção legislativa suficiente para regulamentar a matéria.

Inicia-se o trabalho com a discussão acerca da imprescindibilidade de se planejar o processo de construção de uma nova lógica de desenvolvimento, quando se procurará demonstrar que uma política pública nesse sentido requer o envolvimento não somente dos entes estatais, mas também dos agentes priva-dos e da sociedade, que devem atuar de forma articulada e planejada.

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Em seguida, abordar-se-á a questão da licitação sustentável, seus funda-mentos e os obstáculos – legais, principiológicos e práticos – para sua efetiva implementação. Far-se-á uma incursão pelo princípio da legalidade em contra-posição à doutrina de que o novo art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, é suficiente para legitimar a compra ecológica. Nesse bojo, apontar-se-á também a desco-nexão entre este tipo de contratação pública e a realidade da iniciativa privada no Brasil.

Ao final, procurar-se-á demonstrar a relação conflituosa entre o princípio constitucional da legalidade e a eco-aquisição pública, bem como a impres-cindibilidade de se planejar a regulamentação da licitação sustentável, o que requer a participação articulada do Poder Público, da iniciativa privada e da sociedade.

1 plaNeJameNto como preSSupoSto do deSeNvolvImeNto SuSteNtável

Planejamento define-se como o processo estruturado por meio do qual se busca elaborar, traçar ou projetar um plano, visando atingir, de forma eficiente e eficaz, determinados objetivos futuros, fixando-se metas de curto e/ou médio e/ou longo prazos. Nesse mister, define-se onde se quer chegar, o que deve ser feito, quando, como e em que sequência. O plano, geralmente, importa na adoção de medidas coordenadas, cujo encadeamento promove o alcance das finalidades (Chiavenato, 2000, p. 126).

Souza (2005, p. 372) aduz que planejamento é o ato de planejar, signifi-cando a racionalização do emprego dos meios e recursos disponíveis, a fim de deles extrair os efeitos mais favoráveis possíveis. Segundo o autor, o conceito tem sentido econômico, na medida em que se busca obter a maior vantagem do emprego de meios escassos. O plano é a peça técnica, a corporificação do ato de planejar.

Por sua vez, desenvolvimento conceitua-se como o processo de aprimo-ramento de um conjunto de valores desejáveis pela sociedade, o que exige a consideração de diversos fatores, tais como o crescimento do bem-estar econô-mico, medido por meio de indicadores de natureza econômica, a redução dos níveis de pobreza, desemprego e desigualdade, a melhoria das condições de saúde, nutrição, educação, moradia e transporte (Milone, 2001, p. 514). Desen-volvimento é, tradicionalmente, o processo de aperfeiçoamento das condições econômicas e sociais e, modernamente, a conjugação destas com a proteção e preservação do meio ambiente.

Interessa, neste trabalho, especialmente o planejamento econômico e social conduzido pelo Estado, haja vista que este, direta ou indiretamente, cria obrigações para si próprio e promove o incentivo para que os agentes produti-

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vos adotem determinadas posturas. Trata-se de uma opção política que, entre-tanto, deve estar alinhada com a sociedade e com a iniciativa privada.

O ato de planejar deve se fundamentar em dois elementos basilares: o diagnóstico – no sentido de identificar e interpretar a realidade atual a ser modi-ficada – e o prognóstico, quando se fixa o ponto futuro onde se deseja chegar. Não obstante caracterizar-se como um rompimento com o presente, esse trans-curso é composto por ações e medidas racionalmente arquitetadas.

É nesse contexto que Fonseca (2007, p. 339-340) afirma que o plane-jamento econômico, surgido no século XX, tem como objetivo “imprimir ao mercado um direcionamento diferente daquele que o regeria se deixado às suas ‘leis naturais’”. E continua, lecionando que “o planejamento tem como finalida-de fazer com que a tomada de decisões e a informação de ações sejam impreg-nadas de racionalidade”.

Dessa forma, para se romper com uma realidade indesejada e aventar um processo de desenvolvimento, as ações e medidas hão que ser planejadas, condicionando-se seu sucesso à participação dos atores (entes públicos, agentes privados e sociedade) que, direta ou indiretamente, suportarão seus efeitos e consequências.

Ao se pensar em sustentabilidade, o imperativo do planejamento passa a ser essencial, haja vista que o rompimento com o estado atual, nesse caso, exige uma profunda mudança nos modos de produção e de consumo que se encon-tram arraigados na sociedade e nas organizações. Somente a partir de um novo cenário produtivo e consumerista é que se poderá, efetivamente, vislumbrar um desenvolvimento nacional sustentável.

Cabe lembrar que a ideia do desenvolvimento sustentável tem origem na Conferência de Estocolmo, em 1972. Os Princípios 11 e 52 emanados dessa Conferência, apesar de não trazerem, explicitamente, o termo “desenvolvimen-to sustentável”, tiveram o condão de promover uma reflexão mundial sobre o tema, cuja premissa se assenta no atendimento das necessidades das gerações do presente sem comprometer o das gerações vindouras.

Os Princípios 23 e 134, por sua vez, indicam que “deve ser realizado um planejamento adequado e integrado, com ordenamento mais racional, para a preservação do ar, do solo, da fauna, da flora e dos ecossistemas naturais”

1 “O homem é portador solene da obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente, para as gerações presentes e futuras.”

2 “Os recursos não renováveis da Terra devem ser utilizados de forma a evitar o seu esgotamento futuro.”3 “Os recursos naturais da Terra, incluídos o ar, a água, o solo, a flora e a fauna, e, especialmente, parcelas

representativas dos ecossistemas naturais, devem ser preservados em benefício das gerações atuais e futuras, mediante um cuidadoso planejamento ou administração adequada.”

4 “A fim de lograr um ordenamento mais racional dos recursos e, assim, melhorar as condições ambientais, os Estados deveriam adotar um enfoque integrado e coordenado da planificação de seu desenvolvimento,

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(Machado, 2014, p. 72). Nota-se, já aqui, uma orientação para que as mudan-ças no processo de desenvolvimento sejam objeto de planejamento.

Quinze anos mais tarde, em 1987, o Relatório Brundtland5 destacou, pela primeira vez, a expressão “desenvolvimento sustentável”, consagrando a ideia da necessária integração entre a economia e o meio ambiente, a partir de uma nova concepção de progresso, por meio do qual as presentes gerações satisfaçam suas necessidades sem, entretanto, comprometerem a satisfação das necessidades das futuras gerações.

Por sua vez, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento destacou, em seu Princípio 8: “Para alcançar o desenvolvi-mento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas”. A citada convenção, realizada na cidade do Rio de Janeiro e também conhecida como Rio-92 ou Eco-92:

[...] estabeleceu os princípios fundamentais e o programa de ação para se alcan-çar o desenvolvimento sustentável. Entre esses princípios destacam-se: o papel central do ser humano com relação ao desenvolvimento sustentável e seu direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza, bem como a necessidade de se considerar a proteção do meio ambiente como parte integrante do processo de desenvolvimento, e a erradicação da pobreza como tarefa es-sencial e indispensável ao desenvolvimento sustentável. Por fim, cabe destacar, igualmente, o princípio segundo o qual os Estados deverão reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo. (Yaker et al, 2014, p. 30)

Vale também destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 225, ratifica o ideário do desenvolvimento sustentável ao dispor que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

É importante ainda observar que o texto constitucional, em vários outros dispositivos6, demonstra a preocupação do legislador constituinte com a prote-ção e preservação ambiental, que deve conjugar-se com os preceitos do desen-volvimento econômico e social.

de modo a que fique assegurada a compatibilidade do desenvolvimento, com a necessidade de proteger e melhorar o meio ambiente humano, em benefício de sua população.”

5 Relatório elaborado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Organização das Nações Unidas – ONU, em 1983, e presidida por Gro Harlem Brundtlandaté 1987.

6 Art. 5º, inciso LXXIII; art. 23, inciso VI; art. 24, incisos VI e VIII; art. 129, inciso III; art. 170, inciso VI; art. 174, § 3º; art. 186, inciso II; art. 200, inciso VIII; e art. 220, § 3º, inciso II.

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Esse processo de transmutação dos fundamentos do desenvolvimento econômico brasileiro, que passa de uma ótica focada no crescimento a qual-quer custo para uma diretriz lastreada na sustentabilidade, configura-se como uma ruptura entre um passado indesejado e um futuro ansiado pela sociedade. Exige, dessa forma, a implantação de ações e medidas de amplo espectro, o efetivo envolvimento dos entes públicos, dos agentes privados e dos atores da sociedade civil e, para que seja exitosa, requer racionalidade e planejamento.

O ideal do progresso sustentável impõe a produção concatenada e har-mônica de legislação infraconstitucional (conciliando o sistema jurídico a esta nova concepção de desenvolvimento), a conscientização, orientação, progra-mação e, em muitos casos, o financiamento da iniciativa privada, para que promova as alterações necessárias em seu sistema produtivo, o estímulo à so-ciedade para que modifique sua lógica de consumo, dando primazia a produtos e serviços sustentáveis, a fixação de condições e requisitos para a importação de produtos do mercado externo e, por fim, exige o aperfeiçoamento das regras de compras e contratações públicas, para que o Estado – propulsor e principal ator desse processo – possa, legalmente, condicionar as contratações estatais ao cumprimento de critérios e requisitos ambientais por aqueles que com ele desejem transacionar.

É impensável realizar-se todo esse conjunto de ações sem um planeja-mento de longo prazo, que independa de ideologia política e de partidos polí-ticos, mas que seja um projeto nacional de implementação efetiva, eficiente e eficaz do desenvolvimento sustentável aventado no âmbito internacional ainda em 1972 e incorporado na Constituição brasileira em 1988.

Lamentavelmente, porém, no Brasil, prevalecem as medidas imediatistas, a maioria desconectadas, que surgem e desaparecem ao sabor das circunstân-cias (muitas delas decorrentes de apelos sociais episódicos, não menos imedia-tistas e circunstanciais). É por isso que normas são estabelecidas e, em seguida, modificadas ou revogadas; que programas de governo são abandonados com a mudança de poder; que leis são sancionadas, mas não atingem seu objetivo, ora porque são efetivamente impraticáveis, ora porque conflitam com outras normas, ora porque ferem interesses políticos ou econômicos.

Sem planejamento, o desenvolvimento sustentável fica condenado a tra-fegar nos discursos vazios, assumindo conotação nítida e exclusivamente simbó-lica, lançando no abismo do descrédito e da desconfiança toda e qualquer boa iniciativa que se pretenda implantar, ainda que de forma voluntária e altruísta.

2 lIcItação SuSteNtável: INefIcácIa pela falta de plaNeJameNto e de amparo legal

Licitação é o procedimento administrativo, formal e vinculado, por meio do qual a Administração realiza suas compras, contratações, locações e aliena-

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ções, em busca da proposta mais vantajosa e com observância dos princípios da legalidade, isonomia, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

A doutrina administrativista nos apresenta outras definições de licitação pública, não havendo, todavia, nenhuma que escape significativamente do que anteriormente foi disposto. Vale apontar, de toda forma, o conceito apresentado por Meirelles (2007, p. 27), para quem:

Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pú-blica seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse. Visa a proporcionar iguais oportunidades aos que desejam contratar com o Poder Pú-blico, dentro dos padrões previamente estabelecidos pela Administração, e atua como fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos. É o meio técnico-legal de verificação das melhores condições para a execução de obras e serviços, compra de materiais e alienação de bens públicos. Realiza-se através de uma sucessão ordenada de atos vinculados para a Administração e para os licitantes, sem a observância dos quais é nulo o procedimento licitatório, e o contrato subsequente.

Deu-se a denominação de “licitação sustentável”, por sua vez, ao proce-dimento licitatório que, no edital, estabelece critérios e requisitos ambientais a serem comprovados pelas empresas interessadas em contratarem com a Admi-nistração, como condição para sua participação no certame.

Licitações sustentáveis – também denominadas licitações ecológicas, compras públicas sustentáveis, eco-aquisição, compras verdes, compra am-bientalmente amigável e licitação positiva – são aquelas que levam em conta, na seleção dos fornecedores, a sustentabilidade ambiental dos produtos, servi-ços e processos produtivos (Meneguzzi, 2011, p. 21-22).

Como instituto jurídico, a licitação sustentável está em perfeito alinha-mento com o Princípio 87 da Rio-92, uma vez que a assunção do compromisso de reduzir os padrões insustentáveis de consumo, pelos signatários, não implica apenas na mudança dos padrões consumeristas da sociedade, mas também nos padrões de consumo do próprio Estado.

O respaldo teórico para a licitação sustentável é encontrado também no art. 225 da Constituição, que, ao atribuir ao Poder Público o dever de proteger e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações, impõe-lhe, ainda que implicitamente, o dever de privilegiar a compra de bens ou a contra-tação de serviços sustentáveis.

7 “Para alcançar o desenvolvimento sustentável e uma qualidade de vida mais elevada para todos, os Estados devem reduzir e eliminar os padrões insustentáveis de produção e consumo, e promover políticas demográficas adequadas.” (grifos nossos)

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A principal questão, entretanto, é que, apesar de já terem se passado 27 anos desde a promulgação da Constituição, e 23 anos desde a Conferência Rio-92, o Estado brasileiro não se planejou para a implantação eficiente e eficaz do certame ecológico. Nem o Poder Executivo nem o Poder Legislativo envidaram esforços no sentido de elaborarem um planejamento consistente, coadunado com os interesses da sociedade e dos agentes privados, com metas de curto, médio e longo prazos, que tornassem a licitação sustentável uma prática coti-diana da Administração.

Permitiu o Estado – comportando-se de forma omissa e negligente – que o tema viesse sendo desenvolvido ao longo do tempo pela doutrina, pelos ór-gãos fiscalizatórios8 e pelo Poder Judiciário, ao sabor das circunstâncias e com uma nítida desconexão legal, acarretando não só controvérsias doutrinárias, mas a sensação de desobrigatoriedade da adoção do certame público sustentá-vel, pelos diversos órgãos e entidades públicas.

2.1 princípio Da legaliDaDe versus licitação sustentável

A legalidade é um dos princípios mais importantes a serem observados na condução da licitação, conforme prescrito no art. 37 da Constituição9 e no art. 3º da Lei Nacional de Licitações Públicas10 (Lei nº 8.666, de 1993). Sua essencialidade é enfatizada por Mendes (2011, p. 860) que, ao cuidar do tema, aduz que:

Embora possa parecer uma tautologia, nunca é demais afirmar que a Administra-ção Pública está jungida pela legalidade, que é princípio essencial ao Estado de Direito. Por esta razão a quase totalidade das constituições modernas explicita o princípio da legalidade como postulado fundamental do Estado.

Pode-se dizer, do princípio da legalidade em relação ao Estado de Direito, que é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá identidade própria, pois ele representa a submissão do Estado à lei.

Desse modo, o procedimento da licitação deve observar estritamente o que prevê e autoriza a lei. Não há, em regra, liberdade para interpretações que a tangenciem, sendo restrita a discricionariedade administrativa. Para a Adminis-

8 Especialmente a Controladoria-Geral da União – CGU e o Tribunal de Contas da União – TCU.9 “Art. 37. A Administração Pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: [...]”

10 “Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.”

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tração Pública, o que não está expressamente autorizado por lei, stricto sensu, é proibido e não pode ser executado, cabendo ainda destacar que:

O princípio da legalidade significa estar a Administração Pública, em toda a sua atividade, presa aos mandamentos da lei, deles não se podendo afastar, sob pena de invalidade do ato e responsabilidade de seu autor. Qualquer ação estatal sem o correspondente calço legal, ou que exceda ao âmbito demarcado pela lei, é injurídica e expõe-se à anulação. Seu campo de ação, como se vê, é bem menor que o do particular. De fato, este pode fazer tudo que a lei permite e tudo que a lei não proíbe; aquela só pode fazer o que a lei autoriza e, ainda assim, quando e como autoriza. (Gasparini, 2012, p. 61)

Foi assim, em uma demonstração de absoluto despreparo e imediatismo – característicos do Estado brasileiro –, que o Congresso Nacional elaborou e aprovou a Lei nº 12.349, de 15 de dezembro de 2010, alterando o art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993 e incluindo, entre os objetivos colimados pela licitação pública, a “promoção do desenvolvimento nacional sustentável”.

Interessante anotar, nesse ponto, que a citada lei decorreu da conversão da Medida Provisória nº 495/2010 que, na origem, incluía no art. 3º da Lei Nacional de Licitações apenas e tão somente a expressão “desenvolvimento nacional”, com viés essencialmente econômico. Almejava o Poder Executivo criar mecanismos para privilegiar a indústria brasileira nas compras públicas: nada relacionado à sustentabilidade ou critérios ecológicos de seleção de for-necedores e prestadores de serviços.

Pois bem. Ao Congresso Nacional coube, de forma negligente, modificar o texto da medida provisória e da Lei nº 8.666, criando um conflito doutri-nário de difícil solução. Se, por um lado, a Lei de Licitações passou a indicar como um dos objetivos da compra pública a “promoção do desenvolvimento nacional sustentável”, por outro lado não indicou a lei como e quando realizar esse desiderato (requisito imprescindível para o cumprimento do princípio da legalidade).

Há quem entenda, contudo, que o só fato do “desenvolvimento nacional sustentável” estar agora sutilmente mencionado na Lei nº 8.666, de 1993, já seria suficiente para que a Administração incluísse nas licitações a exigência de cumprimento de critérios e requisitos ambientais por parte dos agentes privados que desejam contratar com o Estado. Para esta corrente de pensamento, não há dúvida de que:

[...] a contratação pública exibe, atualmente, importante potencial de minoração dos danos ambientais, desde que o governo, em suas contratações, escolha bens e serviços comprovadamente sustentáveis.

Conforme o disposto na Lei nº 8.666, de 1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição da República, e normatiza as licitações e contratos públi-

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cos, é permitido o estabelecimento de requisitos ambientais para a aquisição de produtos e serviços pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios. (Coelho, 2014, p. 32-33)

Entretanto, adotamos posição divergente. A uma, porque a conclusão no sentido de que a Lei nº 8.666, com a redação dada ao art. 3º pela Lei nº 12.349, permite o estabelecimento de requisitos ambientais nos certames públicos, é obra de uma interpretação que vai muito além do razoável, com ofensa ao princípio da legalidade. A duas, porque, ainda que a nova redação do art. 3º da Lei de Licitações fosse suficiente para fundamentar a compra estatal sustentável, faltou-lhe indicar “quando” e “como” implementar essa espécie de licitação: pontos essenciais, conforme bem observa Gasparini (2012, p. 61).

Há, também, quem reconheça (adequadamente) a força do art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, mas condicionando sua efetiva aplicação a uma legislação ulterior que lhe dê os contornos necessários. Essa corrente doutrinária parte da premissa de que:

O norte dado pelo conceito de desenvolvimento nacional sustentável (Lei nº 8.666/93, art. 3º, caput) não pode ser ignorado, uma vez que se trata de con-ceito jurídico indeterminado, mas sua força não seria tanta que autorizaria qual-quer adoção sustentável sem a intervenção do legislador. (Bim, 2011, p. 144)

Dessa forma, a simples, acanhada, circunstancial, imediatista e mal pla-nejada alteração do art. 3º da Lei Nacional de Licitações não pode servir de sal-vo conduto para que a Administração estabeleça, de acordo com seus interesses (não menos circunstanciais), os critérios e requisitos ambientais que melhor lhe aprouver, para fazê-los constar dos editais de compras e contratações públicas.

2.2 a Desconexão entre a licitação sustentável e a realiDaDe Da iniciativa privaDa

Não bastassem os argumentos legais acerca da impropriedade da licita-ção pública sustentável, há ainda que se considerar a desconexão dessa espécie de compra estatal com a realidade observada nos agentes privados que transa-cionam ou pretendem transacionar com o Estado.

O atendimento de critérios e requisitos ambientais fixados nos editais das licitações exige, por parte da iniciativa privada, uma série de ações e me-didas que permitam fazer com que seus produtos e serviços adequem-se a essa prática, podendo-se mencionar, apenas exemplificadamente, a modificação de seu processo produtivo, envolvendo a aquisição de máquinas e equipamentos tecnologicamente mais avançados, a alteração ou desenvolvimento de seus fornecedores de matéria prima, o treinamento dos empregados, entre várias outras.

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É impensável imaginar que a iniciativa privada – já sufocada por uma carga tributária exorbitante – disponha de recursos financeiros a curto prazo para, pretendendo adequar-se aos requisitos ecológicos das licitações públicas, promover todas as medidas a fim de transformar seu processo produtivo. Im-prescindível, para tanto, um criterioso planejamento de médio ou longo prazo.

A impropriedade da licitação sustentável, nos moldes em que foi lançada no sistema jurídico, fica ainda mais evidente quando se constata que a legis-lação (constitucional e infraconstitucional) tem uma inclinação no sentido de fomentar as atividades das micro e pequenas empresas. Não sem razão, eis que, conforme levantamento do Sebrae (2014, p. 6), existem cerca de nove milhões de micro e pequenas empresas no Brasil, as quais são responsáveis por pouco mais da metade dos empregos formais e por aproximadamente 27% do Produto Interno Bruto – PIB do ano de 2011.

Notam-se essas estratégias de fomento – todas insertas na Constituição – no art. 146, inciso III, alínea d (prevendo o tratamento tributário diferenciado e favorecido às micro e pequenas empresas, por meio de lei complementar), art. 170, inciso IX (introduzindo o tratamento favorecido para as micro e pequenas empresas sediadas no Brasil) e art. 179 (determinando que os entes federados dispensem às micro e pequenas empresas tratamento jurídico diferenciado, ob-jetivando simplificar suas obrigações).

No que concerne às licitações públicas, destaque-se os arts. 42 a 49 da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte. Citados artigos estabelecem uma série de facilitadores às micro e pequenas empresas quando de sua participação em certames públicos, incluindo a criação do cognominado “empate ficto”11, a possibilidade de emissão de cédula de crédito microem-presarial12 e a possibilidade da Administração desenvolver licitações exclusiva-mente destinadas às micro e pequenas empresas13.

11 “Art. 44. Nas licitações será assegurada, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.

§ 1º Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam iguais ou até 10% (dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.

§ 2º Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1º deste artigo será de até 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.”

12 “Art. 46. A microempresa e a empresa de pequeno porte titular de direitos creditórios decorrentes de empenhos liquidados por órgãos e entidades da União, Estados, Distrito Federal e Município não pagos em até 30 (trinta) dias contados da data de liquidação poderão emitir cédula de crédito microempresarial.”

13 “Art. 48. Para o cumprimento do disposto no art. 47 desta lei complementar, a Administração Pública:

I – deverá realizar processo licitatório destinado exclusivamente à participação de microempresas e empresas de pequeno porte nos itens de contratação cujo valor seja de até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais);

[...]”

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Ora, ocorre que são exatamente as micro e pequenas empresas as que dispõem de condições (financeiras) mais precárias para realizar os investimen-tos necessários à modificação de sistemas produtivos. Aliás, somente partindo da premissa da vulnerabilidade e da precariedade financeira conseguir-se-ia justificar a série de benefícios oferecidos a esse porte de empresa pelo ordena-mento pátrio.

O eventual reconhecimento da legalidade da licitação sustentável põe à mostra a contradição. Por um lado, oferecem-se benefícios e fomenta-se a atividade das micro e pequenas empresas – em razão de sua estrutura financei-ra mais frágil e objetivando seu desenvolvimento – para que participem com sucesso das licitações públicas. Por outro lado, hipoteticamente, exigem-se critérios e requisitos ambientais nos certames, os quais, a rigor, só podem ser atendidos com a modificação do processo produtivo e, consequentemente, com substanciais investimentos em tecnologia, desenvolvimento de fornecedores e treinamento de pessoal.

A falta de planejamento e de uma política pública de Estado acaba acar-retando situações como as anteriormente expostas, nas quais se têm, de um lado, uma diretriz econômica e, de outro lado, outra diretriz colidente com a primeira e ofensiva aos princípios da Administração Pública, especialmente ao princípio da legalidade.

2.3 licitação sustentável: obrigatorieDaDe ou inaplicabiliDaDe?

A ineficiência da licitação sustentável se denota nas discussões doutri-nárias e nas inúmeras fórmulas desenvolvidas para justificarem e orientarem a prática da compra pública ecológica. Caso tivesse sido bem planejada e con-tando com a participação da sociedade e da iniciativa privada, boa parte dessas controvérsias não teria razão de ser.

Afora o incontestável embate entre o princípio da legalidade e a suposta aplicabilidade da licitação sustentável – já tratado na seção 2.1 deste artigo –, há entendimentos diversos sobre a forma como esse tipo de certame poderia ser implementado. Há quem admita que a inclusão dos critérios e requisitos ambientais far-se-ia na fase de habilitação. É nesse sentido que Souza (2014, p. 107), ao tratar da fase habilitatória nas compras estatais sustentáveis, aduz que “os requisitos de habilitação nas licitações públicas encontram previsão nos arts. 28, V, e 30, IV, da Lei nº 8.666/1993, que respaldam as exigências de ca-ráter socioambiental na licitação como requisitos específicos ou de obrigações contratuais próprias”.

Contudo, a doutrina administrativista é praticamente unânime no sentido de que, na fase de habilitação, não é possível a inclusão de qualquer outro do-

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cumento além daqueles taxativamente arrolados na Lei nº 8.666, de 1993. Tal posicionamento fundamenta-se no fato de que

O art. 27 efetivou a classificação dos requisitos de habilitação. As espécies cons-tituem numerus clausus e são: habilitação jurídica, regularidade fiscal e trabalhis-ta, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira e a comprovação da utilização regular do trabalho de menores. [...]

O elenco dos arts. 28 a 31 deve ser reputado como máximo e não como mínimo. Ou seja, não há imposição legislativa a que a Administração, em cada licitação, exija comprovação integral quanto a cada um dos itens contemplados nos referi-dos dispositivos. O edital não poderá exigir mais do que ali previsto, mas poderá demandar menos. (Justen Filho, 2014, p. 540-541)

O Tribunal de Contas da União tem se balizado por este entendimento, já tendo decidido que:

26. A exigência de que a empresa deve comprovar que adota medidas para evitar o desperdício de água tratada (item 10.7.1.4 do edital) está prevista no art. 6º, II, da IN MPOG/SLTI 1/2010. No entanto, essa prática de sustentabilidade deve ser exigida durante a execução dos serviços. Logo, não pode ser usada como condi-ção para habilitação técnica da licitante (Acórdão nº 122/2012-Plenário).

De modo alternativo, parte da doutrina defende a posição de que os critérios e requisitos ambientais devem, na verdade, compor o rol de quesitos técnicos pontuáveis nas licitações do tipo técnica e preço. Sob esse viés, a uti-lização de certificações como critério de pontuação técnica é admitida pelo Tribunal de Contas da União, ao indicar que:

Preliminarmente, deve ser esclarecido que a jurisprudência deste Tribunal tem considerado ilegal a exigência de certificação da série ISO 9000 como requisi-to de habilitação em procedimentos licitatórios, mas tem aceito a possibilidade da sua previsão no edital como critério de pontuação (Decisões Plenárias nºs 408/96, 20/98 e 140/99; Acórdãos nºs 124/2002, 1937/2003 e 330/2005, todos do Plenário) [Acórdão nº 304/2006-Plenário].

Porém, como é cediço, a inclusão de quesitos ambientais como critério de pontuação técnica nas licitações do tipo técnica e preço não asseguram que a empresa vencedora seja uma daquelas que pontuaram naqueles quesitos, uma vez que o julgamento desse tipo de licitação se perfaz da conjugação de “técni-ca” e “preço”, sendo este último fator relevante na avaliação. Em outros termos: pode uma empresa não atender aos quesitos técnicos ambientais e, em razão de praticar preços inferiores aos demais licitantes, sagrar-se vencedora do certame.

No afã de encontrar uma alternativa para a compra pública sustentável – eis que silente a lei – boa parte da doutrina segue a vertente – ao nosso sentir, de forma equivocada – de que os critérios e requisitos ambientais devem integrar

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o objeto da licitação (a especificação constante do termo de referência). Um exemplo dessa prática é que:

Nos certames paulistas, havendo necessidade de inserção de critérios socioam-bientais num determinado produto, eles fariam parte da especificação técnica. Isto ocorreria na fase interna de preparação da licitação. Somente após esta caracterização seria elaborado o preço de referência do produto. (Meneguzzi, 2011, p. 29)

Nessa concepção, Coelho (2014, p. 82) é ainda mais enfático, lecionan-do que:

Licitação pública sustentável é o procedimento pelo qual a autoridade adminis-trativa busca adquirir bens e serviços que, ao longo de sua vida útil, causam o menor impacto ambiental possível, inserindo, assim, no ato convocatório, cri-térios e especificações ambientais, em total conformidade com a legislação de regência, isto é, o gestor formula especificações técnicas mínimas que todos os licitantes devem obedecer e cumprir por ocasião do fornecimento de bens ou da execução de serviços.

Essas posições destoantes – fomentadas pela falta de legislação adequada acerca da compra pública sustentável – coloca em xeque a própria licitação ecológica. Ora, se à Administração só é permitido fazer o que a lei expressa-mente autoriza, na forma (como) e no tempo (quando) legalmente indicados; e se, para a licitação sustentável, a lei sequer apontou em que fase do procedi-mento estaria autorizada a inserção de critérios e requisitos ambientais, então não se pode chegar a outra conclusão a não ser a de que a desejada eco-aqui-sição pública é ilegal e, dessa forma, não pode ser adotada pelos entes estatais.

Portanto, inelutável reconhecer-se que a expressão “promoção do desen-volvimento nacional sustentável” incluída no art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, tem valor estritamente simbólico, haja vista que, inexistente adequada previsão legal, o mencionado dispositivo não tem força suficiente para viabilizar a com-pra ecológica.

Até mesmo Coelho (2014, p. 159), defensor da implementação da licita-ção sustentável, reconhece que não há política pública no Brasil, desenvolvida de forma articulada e inteligente, que permita colocar-se em prática o primado da “promoção do desenvolvimento sustentável”, o que vem corroborar o que dissemos alhures: a adoção de critérios de sustentabilidade nos editais das lici-tações públicas é ilegal, em face da atual legislação.

Essa desarticulação nacional decorre da falta de planejamento de Estado, da falta de políticas governamentais, que efetivamente preparem o País para uma nova lógica de produção e de consumo (inclusive estatal) e a partir da

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qual a licitação sustentável encontre campo fértil para ser legalmente prevista e efetivamente implantada.

coNcluSão

O processo de desenvolvimento, e com muito mais razão de desenvol-vimento sustentável, representa a ruptura do status quo e o abandono de pa-radigmas indesejados, como, por exemplo, a lógica atual de produção e de consumo, inclusive estatal. Para o alcance desse postulado de sustentabilidade, é imprescindível um planejamento coordenado e participativo, com o envolvi-mento dos entes públicos, da iniciativa privada e da sociedade civil.

Lamentavelmente, porém, o Brasil tem se guiado ao longo do tempo por medidas imediatistas e circunstanciais, sem qualquer articulação ou predispo-sição para planejar as ações, o que acaba por torná-las ineficazes e, não raro, colidentes entre si.

Caso típico é a tentativa de implantar-se a licitação ecológica no País, por meio da qual o ente promotor do certame estabelece critérios e requisitos ambientais como condição para que as empresas interessadas em transacionar com o Estado possam participar do procedimento.

Pretendeu-se instituir essa espécie de compra estatal com a sanção da Lei nº 12.349, de 2010, que alterou o art. 3º da Lei nº 8.666, de 1993, para fazer constar, entre os objetivos da licitação, a promoção do desenvolvimento nacio-nal sustentável. Porém, nem a Lei de 2010 nem legislação ulterior cuidaram de minudenciar o assunto, o que fez proliferar o debate acerca da controvérsia so-bre a forma e o momento em que os critérios e requisitos ambientais poderiam ser exigidos dos licitantes.

Já de imediato, observa-se uma relação conflituosa entre a eco-aquisição pública e o princípio da legalidade – ao qual o Estado sujeita-se, nos termos do art. 37 da Constituição e do art. 3º da Lei nº 8.666 –, haja vista que à Adminis-tração só é permitido executar aquilo que a lei expressamente autoriza, e mais, na forma e no tempo permitidos. Uma vez que não há legislação que discipline como e quando a licitação ecológica pode implementar-se, conclui-se que a eco-aquisição pública, pautada apenas em critérios ambientais fixados discri-cionariamente nos instrumentos convocatórios, é ilegal.

Além disso, a episódica alteração da Lei Nacional de Licitações pela Lei nº 12.349, de 2010, desconsiderou os impactos que o instituto da sustentabili-dade nas contratações públicas acarretaria aos agentes privados. Só há compra sustentável se houver, de outro lado, uma produção sustentável que, para se efetivar, requer modificações (às vezes profundas) no processo produtivo, com investimentos em tecnologia, máquinas, equipamentos e treinamento de pes-soal. Ocorre que, para a realização desses investimentos, é imprescindível um

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planejamento por parte das empresas, não se podendo, repentinamente, alterar o sistema de compras governamentais, impondo-o aos particulares.

A licitação sustentável é louvável e, acreditamos, deve ser implantada em respeito aos dispositivos ambientais da Constituição (particularmente o art. 225, que atribui ao Poder Público o dever de proteger e preservar o meio ambiente) e dos compromissos internacionais firmados pelo Brasil (especial-mente na Rio-92). Entretanto, essa implantação deve ser precedida de um cri-terioso planejamento, do qual devem participar os entes públicos (de todos os níveis), a sociedade e, especialmente, a iniciativa privada.

É preciso que esse planejamento transcenda governos e simbolize a con-fluência de ideais e que, evitando surpresas, estabeleça ações, metas e medi-das, de curto, médio e longo prazos, de modo que todos os atores envolvidos preparem-se para a ruptura com o atual modelo produtivo e consumerista.

A conscientização social sobre a importância da proteção e preservação ambiental, a preparação dos agentes produtivos para que adotem um sistema de produção sustentável e a elaboração de leis que viabilizem e minudenciem a compra pública ecológica, tornando-a eficaz, são medidas impostergáveis e que, em conjunto, traduzem-se no primado do desenvolvimento sustentável, ao qual o Brasil comprometeu-se a perseguir.

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Parte Geral – Doutrina

A Utilização de Remédios Constitucionais: Mandado de Segurança para Proteção de Direito Líquido e Certo – Apreensão (I)Legal de Bens ou Mercadorias x Infrações Ambientais

LOREnA GRAnGEIRO DE LuCEnA TÔRRES1

Administradora de Empresas, Advogada inscrita na OAB/CE, Especialista em Perícia e Au-ditoria Ambiental pela Universidade de Fortaleza – Unifor, Membro da Comissão de Direito Ambiental e Direito Marítimo, Portuário, Aeroportuário e Aduaneiro.

Importante observar a função dos direitos e garantias; assim, temos que os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto que as garantias são os instrumentos por meio dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados.

Dessa forma, necessário entender a função dos remédios constitucio-nais2, mais precisamente do mandando de segurança3, que nada mais é do que um remédio constitucional, regulamentado pela Lei nº 12.016/2009, previsto para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou ha-beas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça, sendo que o direito pleiteado deve ser demonstrado por meio de prova pré-constituída, não sendo cabível a dilação probatória.

Nesse azo, ao ter um bem ou mercadoria autuado ou mesmo apreendido, o possuidor destes deverá atentar para algumas peculiaridades, principalmente se tal infração for cometida na esfera dos crimes ambientais.

Dessa feita, importante frisar que o possuidor, ou mesmo responsável pelo bem ou produto transportados, sejam eles por via terrestre – transporte

1 Artigo científico apresentado na Faculdade de Direito de Lisboa – Portugal/2015. Artigo “A sustentabilidade da atividade de mineração: uma análise da compatibilização entre o desenvolvimento econômico e o equilíbrio ambiental”. Autora do capítulo do livro Diálogo ambiental, constitucional e internacional – Mineração, desenvolvimento econômico e sustentabilidade ambiental: a tragédia de Mariana como parâmetro da incerteza. Diálogo ambiental, constitucional e internacional. Rio de Janeiro, v. 6, 2016.

2 Constituem espécies do gênero garantia. Isso porque, uma vez consagrado o direito, a sua garantia nem sempre estará nas regras definidas constitucionalmente como remédios constitucionais (ex.: habeas corpus, habeas data etc.).

3 Na CF/1988, o mandado de segurança foi previsto pelo art. 5º, LXIX, que dispõe: “Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”.

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rodoviário, via marítima –, transporte hidroviário – cabotagem (navegação entre portos de um mesmo país ou a distâncias pequenas, dentro das águas costeiras), ou qualquer outro tipo de modal, devem atentar para seus direitos, caso sejam autuados ou tenham suas mercadorias apreendidas por fiscalizações.

É que, durante o transporte de cargas e/ou produtos, alguns órgãos fis-calizadores podem realizar apreensões – lembrando que tais condutas devem pautar a razoabilidade e proporcionalidade –, sendo alguns destes órgãos a Secretaria da Receita Federal do Brasil, a Polícia Rodoviária Federal – PRF, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, entre outros.

Todavia, caso haja apreensão ou autuação da empresa por meio dos ór-gãos responsáveis e seja constatado que tal apreensão foi realizada de forma ile-gal, o representante da sociedade empresária pode e deve impetrar o mandado de segurança para proteger seu direito líquido e certo.

Noutro giro, necessária uma análise da legislação pertinente, com efeito, relacionada à apreensão de veículos utilizados no possível cometimento das in-frações ambientais, onde encontra amparo na Lei nº 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais), nos seguintes artigos:

Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos.

Art. 72. As infrações administrativas são punidas com as seguintes sanções, ob-servado o disposto no art. 6º:

I – advertência;

II – multa simples;

III – multa diária;

IV – apreensão dos animais, produtos e subprodutos da fauna e flora, instru-mentos, petrechos, equipamentos ou veículos de qualquer natureza utilizados na infração;

[...]

Assim, impõe-se a apreensão dos produtos e instrumentos utilizados para a prática de ilícitos ambientais desde o momento em que verificada, em tese, a infração. Ocorre, todavia, que os artigos acima transcritos (arts. 25 e 72, IV, da lei) referem-se a momentos distintos da análise da infração ambiental.

O primeiro diz respeito à apreensão-preventiva do bem, logo no instante da autuação; já o segundo corresponde à apreensão-sancionatória, após o re-gular andamento do processo administrativo, ainda que tal sanção tenha sido indicada desde o auto de infração.

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De fato, dizem respeito a apreensões distintas, tanto que o § 6º do aludido art. 72 dispõe que a apreensão referida no inciso IV (apreensão-sancionatória) obedecerá ao disposto no art. 25. Assim prescreve o dispositivo legal:

Art. 72. [...]

§ 6º A apreensão e destruição referidas nos incisos IV e V do caput obedecerão ao disposto no art. 25 desta lei.

Ora, caso os dois artigos da Lei dos Crimes Ambientais (arts. 25 e 72, IV) se referissem à mesma medida, a norma do § 6º do art. 72 seria ilógica e inútil. Além disso, nota-se que o art. 25 impõe que o agente autuante lavre os autos respectivos.

Dessa forma, a lavratura do auto de apreensão ocorre no momento em que é verificada a infração, bem como o auto de infração, que é justamente o ato formal que inicia o devido procedimento administrativo e que também é lavrado neste instante.

Ademais, como requisito para a apreensão-preventiva dos produtos e instrumentos da infração (prevista no art. 25), a lei exige apenas a verificação da conduta transgressora. Assim, verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos.

Já a apreensão-sanção (prevista no art. 72, IV) reclama a observância de algumas circunstâncias previstas no art. 6º da lei (por exemplo, gravidade dos fatos, motivação e antecedentes do infrator), para cuja análise melhor se faz necessário o regular trâmite administrativo.

Portanto, havendo algum tipo de constatação de ilícito, necessário ob-servar, por partes dos agentes especializados, se o autuado é reincidente em cometimento de crimes ambientais, ou que este tenha agido de má-fé.

Outrossim, sobre a temática, a atual jurisprudência entende não ser pos-sível a apreensão de veículo quando não for constatada, de forma cabal, que sua utilização possuía o desiderato exclusivo de cometimento de ilícitos am-bientais, conforme a ementa a seguir do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

Apelação cível. Reexame necessário. Administrativo. Ambiental. Mandado de segurança. Ibama. Infração administrativa. Transporte irregular. Apreensão de ve-ículo automotor. Liberação. Possibilidade. Sentença mantida. 1. A jurisprudência deste Tribunal firmou entendimento de que a apreensão de veículo só é devida quando sua utilização é destinada para uso específico e exclusivo de delito am-biental, na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998. Precedentes. 2. Na espé-cie, correta a sentença monocrática que julgou procedente o pedido para anular a decisão administrativa e quaisquer outros atos referentes ao bloqueio e perdi-mento do veículo apreendido em razão de infração ambiental, uma vez que não

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ficou comprovada a sua utilização o exclusivamente para cometimento de ilícito ambiental. 3. Apelação do Ibama e remessa oficial a que se nega provimento.1

Portanto, evidente que os órgãos especializados em fiscalizar transporte de cargas e mercadorias devem atentar para os princípios da razoabilidade e proporcionalidade no momento de suas fiscalizações, para que não cometam irregularidades.

Por fim, importante que se reconheça a legitimidade para impetrar um mandado de segurança, qual seja:

1. Legitimidade ativa para impetrar MS:

a) as pessoas físicas ou jurídicas, nacionais ou estrangeiras, domicilia-das ou não no Brasil;

b) as universalidades reconhecidas por lei, que, embora sem perso-nalidade jurídica, possuem capacidade processual para a defesa de seus direitos (ex.: o espólio, a massa falida, o condomínio de apartamentos, a herança, a sociedade de fato, a massa do devedor insolvente etc.);

c) os órgãos públicos de grau superior, na defesa de suas prerrogativas e atribuições;

d) os agentes políticos (governador de estado, prefeito municipal, Magistrados, deputados, senadores, vereadores, membros do MP, membros dos Tribunais de Contas, Ministros de Estado, Secretários de Estado etc.), na defesa de suas atribuições e prerrogativas;

e) o Ministério Público, competindo a impetração, perante os Tribu-nais locais, ao promotor de Justiça, quando o ato atacado emanar de juiz de primeiro grau;

2. Legitimidade passiva (autoridade coatora4):

a) autoridade pública de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do DF e dos Municípios, bem como de suas autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista;

b) agente de pessoa jurídica privada, desde que no exercício de atri-buições do Poder Público (só responderão se estiverem, por delega-ção, no exercício de atribuições do Poder Público). Atenção: a au-toridade coatora será o agente delegado (que recebeu a atribuição)

4 Considera-se autoridade coatora a pessoa que ordena ou omite a prática do ato impugnado, e não o superior que o recomenda ou baixa normas para sua execução.

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e não a autoridade delegante (que efetivou a delegação) – Esse é o teor da Súmula nº 510/STF.

referêNcIaSBRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasil/DF, Senado, 1988.

______. Lei nº 12.016, de 7 de agosto de 2009. Disciplina o mandado de segurança individual e coletivo e dá outras providências. DOU de 10.08.2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12016.htm>. Acesso em: 13 dez. 2016.

LFG. Quem é a autoridade coatora no mandado de segurança? Disponível em: <http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2540037/quem-e-a-autoridade-coatora-no-mandado-de--seguranca>. Acesso em: 13 dez. 2016.

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Parte Geral – Doutrina

Comentários à ADIn 5547: Fim do Licenciamento Ambiental em Assentamentos de Reforma Agrária?

CARLOS SÉRGIO GuRGEL DA SILVADoutorando em Direito pela Universidade de Lisboa (Portugal), Mestre em Direito Constitucio-nal pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Professor Adjunto I do Curso de Direito da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Sócio-Fundador do Escritório de Advocacia Sérgio Gurgel Advocacia Ambiental.

RESUMO: Trata-se de breve artigo a comentar os argumentos trazidos na ADIn 5547, que objetiva a declaração da inconstitucionalidade da Resolução Conama nº 458/2013, que prevê a dispensa do licenciamento ambiental para assentamentos rurais de reforma agrária.

PALAVRAS-CHAVE: Licenciamento ambiental; reforma agrária; assentamentos; ação direta de in-constitucionalidade; resolução Conama.

ABSTRACT: It is a brief article to comment on the arguments brought in ADIn 5547, which aims to declare the unconstitutionality of Conama Resolution 458/2013 that provides for the extinction of environmental licensing for rural settlements of agrarian reform.

KEYWORDS: Environmental licensing; land reform; settlements; direct action of unconstitutionality; Conama resolution.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Apresentação da Resolução Conama nº 458/2013; 2 Considerações ju-sambientais sobre a ADIn 5547; 3 Princípios do direito ambiental violados pela Resolução Conama nº 458/2013; 3.1 Princípio do desenvolvimento sustentável; 3.2 Princípio da precaução e da pre-venção; 3.3 Princípio da vedação ao retrocesso ambiental; 3.4 Princípio da proibição da proteção insuficiente; Conclusões; Referências.

INtrodução

O licenciamento ambiental é dos instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente e está previsto no art. 9º, IV, da Lei nº 6.938/1981.

Trata-se, sem sobra de dúvidas, do principal instrumento administrativo à disposição do Poder Público para que se promova a defesa de princípios do direito ambiental, como os seguintes: a) princípio da prevenção; b) princípio da precaução; c) princípio do desenvolvimento sustentável; d) vedação ao retro-cesso ambiental; e) proibição de proteção insuficiente. Esses princípios serão tratados de forma específica neste artigo.

À luz do ordenamento jurídico brasileiro, especialmente pelo tratamento dispensado à tutela ambiental pela Constituição de 1988, nada justifica a su-

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pressão de um instrumento tão importante quanto o licenciamento ambiental. O que se pode admitir, a depender do caso e da necessidade específica, é a possibilidade de se alterar o seu procedimento, de modo a se estabelecer pra-zos razoáveis para a conclusão de suas etapas ou para a realização da análise ambiental como um todo.

Veja-se, nas linhas que se seguem, nossa compreensão, críticas e elogios em relação a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5547, promovida pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, com a finalidade de atacar a Resolução Conama nº 458, de 16 de julho de 2013.

1 apreSeNtação da reSolução coNama Nº 458/2013

A referida Resolução Conama nº 458, de 16 de julho de 2013, tem por finalidade estabelecer procedimentos para o licenciamento ambiental de ativi-dades agrossilvipastoris e de empreendimentos de infraestrutura, passíveis de licenciamento, realizados em assentamentos de reforma agrária (art. 1º).

O art. 2º da referida resolução traz definições de termos frequentes em suas disposições, como: a) assentamentos de reforma agrária; b) termo de com-promisso ambiental – TCA; c) interesse social; d) atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental; e) uso alternativo do solo; f) empreendimentos de infraestrutura.

O art. 3º da referida resolução revela o cerne da presente discussão e o principal “foco de combate” promovido pela ADIn 5547. Veja-se, a seguir, o seu teor:

Art. 3º O licenciamento ambiental das atividades agrossilvipastoris e dos empre-endimentos de infraestrutura, passíveis de licenciamento, em assentamentos de reforma agrária, será realizado pelo órgão ambiental competente.

§ 1º Os empreendimentos de infraestrutura e as atividades agrossilvipastoris se-rão licenciados mediante procedimentos simplificados constituídos pelos órgãos ambientais considerando como referência o contido no Anexo.

§ 2º O procedimento de licenciamento simplificado deverá ser requerido:

I – pelos beneficiários do programa de reforma agrária responsáveis pelas ativida-des agrossilvipastoris, individual ou coletivamente, com apoio do poder público; e

II – pelo responsável pelo empreendimento de infraestrutura.

§ 3º As atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental, conforme definido no art. 2º desta Resolução, independem das licenças a que se refere este artigo.

§ 4º Caso o órgão ambiental competente identifique potencial impacto ambiental significativo deverá exigir o procedimento ordinário de licenciamento.

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Se alguma crítica cabe ao § 1º do referido art. 3º da Resolução Cona-ma nº 458/2013, ela reside na hipótese (na probabilidade) de esvaziamento da avaliação de impactos ambientais (outro instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente, previsto no art. 9º, III, da Lei nº 6.938/1981) em decorrência da simplificação do licenciamento ambiental. No entanto, desde que haja a ma-nutenção de aspectos essenciais à análise ambiental, alterando-se, tão somente, a forma como se exige e como se apresentam documentos da atividade licen-ciada, não se vê gravidade (na referida simplificação) capaz de comprometer a avaliação dos possíveis impactos ambientais do empreendimento.

O problema que se coloca na presente análise jusambiental e como prin-cipal argumento da ADIn em questão é o teor do § 3º do citado art. 3º da Reso-lução Conama nº 458/2013: “§ 3º As atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental, conforme definido no art. 2º desta Resolução, independem das li-cenças a que se refere este artigo”. Isto porque dispensar-se o licenciamento ambiental é algo grave e deve ser visto com muita cautela. Nenhuma atividade de baixo impacto pode ser considerada igual às demais (mesmo que classifica-das como de baixo impacto). Cada caso é um caso e não se pode, através de disposição normativa infralegal, dispensar-se aquilo que é exigido pela lei, e mais, pelo próprio Texto Constitucional.

Neste sentido, veja-se o que dispõe o art. 225 da Constituição Federal de 1988:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as pre-sentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[...]

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de im-pacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

[...]

O inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição de 1988 exige para ativi-dade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente estudo prévio de impacto ambiental. Frise-se, em primeiro lugar, que este citado Estudo Prévio de Impacto Ambiental é apresentado no âmbito do licenciamento ambiental. Em segundo lugar, uma Resolução do Conama não poderá suprimir

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o direito à discricionariedade técnica que o órgão ambiental competente tem de exigir ou não estudo de impacto ambiental.

Note-se que o que a Constituição de 1988 permite é que haja a dispensa do estudo prévio de impacto ambiental, caso a Administração Ambiental enten-da que não há risco de significativa degradação ambiental. Em síntese, a Cons-tituição não sinaliza a possibilidade de dispensa do licenciamento ambiental, mas do Estudo Prévio de Impacto Ambiental.

Ademais, o inciso V do mesmo artigo dispõe ser obrigatório ao Poder Público (através do órgão ambiental competente) controlar a produção, a co-mercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente, o que é feito, diga-se de passagem, com muita frequência, no âmbito do licenciamento ambiental. Melhor argumento não assiste ao Conama para prever a dispensa do licencia-mento ambiental, mesmo na hipótese de baixo impacto ambiental prevista no art. 2º da citada Resolução Conama nº 458/2013, abaixo transcrito:

Art. 2º Para efeito desta Resolução, são adotadas as seguintes definições:

[...]

IV – atividades eventuais ou de baixo impacto ambiental:

a) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões, quan-do necessárias à travessia de um curso d’água, ao acesso de pessoas e animais para a obtenção de água ou à retirada de produtos oriundos das atividades de manejo agroflorestal sustentável;

b) implantação de instalações necessárias à captação e condução de água e efluentes tratados, desde que comprovada a outorga do direito de uso da água, quando couber;

c) implantação de trilhas para o desenvolvimento do ecoturismo;

d) construção de rampa de lançamento de barcos e pequeno ancoradouro;

e) construção de moradia em assentamentos de reforma agrária;

f) construção e manutenção de cercas na propriedade;

g) pesquisa científica relativa a recursos ambientais, respeitados outros requisitos previstos na legislação aplicável;

h) coleta de produtos não madeireiros para fins de subsistência e produção de mudas, como sementes, castanhas e frutos, respeitada a legislação específica de acesso a recursos genéticos;

i) plantio de espécies nativas produtoras de frutos, sementes, castanhas e outros produtos vegetais, desde que não implique supressão da vegetação existente nem prejudique a função ambiental da área;

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j) exploração agroflorestal e manejo florestal sustentável, comunitário e fami-liar, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros, desde que não descaracterizem a cobertura vegetal nativa existente nem prejudiquem a função ambiental da área;

k) outras ações ou atividades similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em ato do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama ou dos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente.

Como se observa diante da citação acima referida, são 11 hipóteses que dispensam o licenciamento ambiental. Nota-se ainda que algumas atividades, apontadas pela Resolução como de baixo impacto ambiental, não são, de fato, de baixo impacto ambiental, como, por exemplo: a) exploração agroflorestal, incluindo a extração de produtos florestais não madeireiros; b) ações ou ativida-des similares, reconhecidas como eventuais e de baixo impacto ambiental em ato do Conama (previsão que pode esvaziar, em outras hipótese não definidas, o sentido do licenciamento ambiental); c) pesquisa científica relativa a recursos ambientais; d) construção de moradias em assentamentos de reforma agrária; e) implantação de trilhas para ecoturismo; e) implantação de instalações necessá-rias à captação e condução de água e efluentes tratados; f) abertura de pequenas vias de acesso interno e suas pontes e pontilhões. Entende-se que nenhuma dessas atividades e/ou obras devem dispensar o licenciamento ambiental, já que possuem o potencial de alterar significativamente o ambiente, causando dano ambiental. Esse dano ambiental em potencial deve ser mensurado através da análise de impactos ambientais, próprios em uma das fases do licenciamento ambiental.

A resolução em comento dispõe ainda, em seu art. 4º, sobre o licencia-mento ambiental simplificado:

Art. 4º Serão passíveis de regularização, mediante procedimento de licenciamen-to ambiental simplificado, os empreendimentos de infraestrutura já existentes e as atividades agrossilvipastoris já desenvolvidas passíveis de licenciamento.

Art. 5º O procedimento a que se refere o art. 4º dar-se-á com a assinatura do TCA, pelo órgão fundiário e pelo assentado responsável pela atividade agrossilvipasto-ril ou empreendimento de infraestrutura, junto ao órgão ambiental competente e posterior requerimento de licenciamento ambiental simplificado.

Parágrafo único. A partir da apresentação do TCA e dentro do seu período de vigência, fica autorizada a continuidade das atividades agrossilvipastoris e a ma-nutenção da infraestrutura existente.

Não somos contra o licenciamento ambiental simplificado, a menos que ele suprima parte essencial da avaliação de impactos ambientais, em prejuízo de princípios como os já citados princípios da prevenção, da precaução, do desenvolvimento sustentável, da vedação ao retrocesso ambiental, entre outros.

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Estas são, em breve síntese, os aspectos mais controvertidos da citada resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente.

2 coNSIderaçõeS JuSamBIeNtaIS SoBre a adIN 5547

Na ADIn argumenta-se que, ao fragmentar o licenciamento ambiental, desconstrói-se a concepção do projeto de assentamento de reforma agrária como empreendimento único, composto de atos ajustados ao mesmo fim, ou seja, desconsidera-se até o que o próprio Incra entende por projeto de assenta-mento.

Consta ainda na referida ação que, ao se diminuir a visão global do im-pacto, não está a se considerar os efeitos cumulativos e sinérgicos do empre-endimento. Na exposição dos argumentos, há ainda a reflexão de que, com a revogação da Resolução Conama nº 387/2006, este Conselho (através da Re-solução nº 458/2013) promove a flexibilização excessiva (e por isso inconsti-tucional) nas exigências até então vigentes para o licenciamento ambiental de projetos de assentamento de reforma agrária, pois deixa de exigir as licenças prévias (LP), licenças de instalação (LI) e as licenças de operação (LO), além dos estudos ambiental correspondentes.

Sabe-se que as Resoluções do Conama são classificadas como regula-mentos de execução, dotadas de discricionária técnica, capazes de, em aspec-tos relativos, inovar na ordem jurídica, ao determinar a exigência de padrões que fogem ao conhecimento técnica do Legislativo. No entanto, tal fato não quer dizer que as referidas resoluções possam criar livremente disposições com o poder de esvaziar exigências legais e até mesmo constitucionais. Frise-se, no entanto, que o limite da referida discricionária técnica deverá ser sempre o interesse público, o que significa dizer que a definição de padrões e as exigên-cias técnicas devem servir a propósitos maiores, como: a) aumentar a eficiência administrativa; b) reduzir os riscos de danos ambientais; c) elevar o grau de efetivação de princípios como os da precaução, prevenção, função social da propriedade, desenvolvimento sustentável, vedação ao retrocesso ambiental, entre outros.

Como bem destacado na ADIn referida, é inegável a essencialidade dos estudos de impactos ambientais para que haja a observância dos princípios constitucionais e para que se possa entender a dinâmica que pode ser estabele-cida no local do assentamento, apontando-se eventuais impactos na área de en-torno (influência direta e indireta) do empreendimento. Destacou-se, também, que no licenciamento ambiental se tem a oportunidade de se avaliar a compati-bilização do projeto de assentamento com unidades de conservação e suas zo-nas de amortecimento, áreas de preservação permanente, reservas legais, terras indígenas, áreas de patrimônio histórico, polígonos minerários registrados pelo

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Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e que, com o fim dele, tais análises prévias de compatibilização de políticas e projetos seriam descar-tadas, em prejuízo do desenvolvimento local ou regional sustentável.

A ADIn frisa também que fracionar o licenciamento ambiental prejudi-cará o exame de alternativas locacionais para a adequada gestão ambiental dos espaços territoriais e a avaliação de impactos cumulativos e sinérgicos das atividades ali desenvolvidas.

Como ensina Granziera (2009, p. 291), o licenciamento ambiental é um dos instrumentos da gestão do meio ambiente. Possui natureza técnica, na me-dida em que analisa os impactos que um empreendimento poderá causar em determinado território, de acordo com o seu porte e características, utilizando, para tanto, parâmetros definidos pelas várias ciências que dão suporte técnico ao direito ambiental. Explica que o licenciamento ambiental é o instrumento de análise dos empreendimentos e atividades potencial ou efetivamente degrada-dores ou poluidores, à luz da necessidade da proteção do ambiente, de acordo com a lei.

Ainda sobre a relevância do licenciamento ambiental para a segurança das relações entre ambiente e empreendedor, Carneiro (2003, p. 115) recor-da que o dimensionamento do sistema autorizativo induz à compreensão do licenciamento ambiental, tanto quando o EIA/Rima, como um procedimento administrativo no qual a licença desempenha o papel de ato administrativo que permite, nos termos da Resolução Conama nº 237/1997, ao órgão ambiental competente estabelecer as condições, restrições e medidas de controle ambien-tal que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utili-zadoras dos recursos ambientais.

Diante do que apontou os autores acima referidos, percebe-se que qual-quer proposta tendente a fragmentar o licenciamento ambiental, de modo a permitir a dispensa desse procedimento administrativo essencial, caminha na contramão do estabelecimento de um Estado de Direito Ambiental, como mui-tos doutrinadores entendem ser o Brasil, pela importância e pela força jurídica que a Constituição fornece à defesa ambiental.

Como ainda recorda o Procurador-Geral da República, no texto da ADIn em questão, embora alguns impactos, quando fracionados, possam ser irrele-vantes, eles, quando considerados em conjunto, podem revelar um quadro de graves danos ambientais, afetando-se, por exemplo, a capacidade de suporte dos ecossistemas atingidos.

Esse quadro é ainda mais lesivo, segundo aponta o texto da ADIn, quan-do se levam em consideração os números e a dimensão dos assentamentos rurais para reforma agrária no Brasil. Segundo dados do Incra, somente os as-

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sentamentos sob sua responsabilidade somam 88.819.724 hectares (dados de 18 de abril de 2016); o número de famílias assentadas aponta para um total de 1.346.798 famílias. Esse cenário revela o quão grande é ou pode ser a pressão exercida por tais assentamentos sobre os recursos naturais.

Por fim, o Procurador-Geral da República recorda que promover o afrou-xamento das regras do licenciamento ambiental para projetos de reforma agrária certamente levará ao agravamento do quadro, com consequências desastrosas para o ambiente e danos irreversíveis, principalmente para a região Amazônica, onde poderá haver crescimento da taxa de desmatamento.

Complementando o raciocínio desenvolvido na ADIn em comento, pode-se afirmar que a flexibilização da legislação ambiental para fracionar o licenciamento ambiental e dispensá-lo em casos de baixo impacto ambiental pode gerar efeitos devastadores em todas as regiões do País, com riscos mais acentuados nas regiões do cerrado e do semiárido, ecossistemas de reconhe-cida fragilidade em termos de regeneração e recomposição de seu equilíbrio ecossistêmico.

Cremos até na relevância e na necessidade de se adotar medidas que simplifiquem o licenciamento ambiental, criando-se formas e critérios de aná-lise mais céleres e/ou, até mesmo, formas de acompanhamento da atuação dos órgãos ambientais pela população e pelos interessados, de modo que tais pro-cessos sejam “despachados” em prazos razoáveis.

Segundo aponta ainda o texto da ADIn em análise, a sistemática antiju-rídica da resolução atacada desconsidera também as exigências de exame de alternativas locacionais e de avaliação de impactos cumulativos e sinérgicos, conforme os arts. 5º, I, e 6º, II, da Resolução nº 1, de 23 de janeiro de 1986, do Conama.

Consta ainda no texto da ADIn que o STF, no julgamento de outra ADIn, de nº 1.086/SC, declarou inconstitucional norma que afastou a regra do art. 225, § 1º, IV, da CR, no caso de áreas de florestamento ou reflorestamento para fins empresariais:

Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 182, § 3º, da Constituição do estado de Santa Catarina. Estudo de Impacto Ambiental. Contrariedade ao art. 225, § 1º, IV, da Carta da República. A norma impugnada, ao dispensar a elaboração de estudo prévio de impacto ambiental no caso de áreas de florestamento ou reflo-restamento para fins empresariais, cria exceção incompatível com o disposto no mencionado inciso IV do § 1º do art. 225 da Constituição Federal. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade do dispositivo constitucional catarinense sob enfoque.

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3 prINcípIoS do dIreIto amBIeNtal vIoladoS pela reSolução coNama Nº 458/2013

Como já se apontou nas linhas acima, a referida Resolução Conama nº 458/2013, na tentativa de suprimir o licenciamento ambiental de baixo impac-to nos assentamentos de reforma agrária e de tornar, como regra, nos demais casos, o licenciamento simplificado, afronta princípios como os do desenvolvi-mento sustentável, da vedação ao retrocesso ambiental, da precaução, preven-ção e proibição de proteção insuficiente.

3.1 princípio Do Desenvolvimento sustentável

Através deste princípio, presente na parte final do art. 225 da Constitui-ção Federal de 1988, as presentes gerações têm o dever de defender e preservar o meio ambiente, de modo que as gerações futuras tenham condições para promover o seu próprio desenvolvimento.

Veja-se o teor do art. 225 da Constituição Federal de 1988:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as pre-sentes e futuras gerações.

Neste sentido, o licenciamento ambiental, ao acompanhar todos os “pas-sos” na definição da localização do empreendimento, na instalação e na ope-ração do mesmo, realiza função essencial de polícia administrativa, indispen-sável para a salvaguarda do direito difuso a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

3.2 princípio Da precaução e Da prevenção

Apesar das semelhanças terminológicas, os princípios da precaução e da prevenção não devem ser confundidos. Pelo princípio da prevenção, impõe--se ao Estado e aos cidadãos em geral o dever de evitar a ocorrência de dano ambiental, uma vez que o risco de sua ocorrência e a extensão de seus efeitos são perfeitamente conhecidos pela comunidade científica. O princípio da pre-venção atua diante de um risco concreto, plenamente conhecido, como, por exemplo, o vazamento de combustíveis em tanques de postos de revenda de combustíveis. Não se tem a menor dúvida de que o vazamento de combustível representa a ocorrência de danos irreversíveis ou de difícil reparação sobre os recursos hídricos afetados.

Já o princípio da precaução impõe ao Estado e ao particular o dever de não praticar atos que possam resultar em danos ao meio ambiente. Neste caso, a dúvida é suficiente para servir de argumento para se afastar, no tempo e no

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espaço, o perigo de dano ao meio ambiente. Nesses casos, aplica-se a máxima in dubio pro ambiente, ou seja, na dúvida (ou seja, sem que haja segurança para o meio ambiente), deve-se proibir o desenvolvimento de quaisquer atividades. O princípio da precaução opera na ausência de certeza científica sobre deter-minado dano ambiental.

Os princípios da precaução e da prevenção, com suas peculiaridades, representam os principais fundamentos jurídicos do licenciamento ambiental, uma vez que, através dos estudos, plantas, projetos e documentos apresentados no âmbito do licenciamento ambiental pelo empreendedor responsável, o Po-der Público terá condições de avaliar os impactos possíveis nas fases prévia, de instalação e de operação.

3.3 princípio Da veDação ao retrocesso ambiental

Este princípio constitui uma variação do princípio da vedação ao retro-cesso social e impõe a lógica de que não se pode recuar diante de avanços legislativos e administrativos em matéria ambiental, os quais foram adquiridos à custa de muita reivindicação e de muitas lutas.

Ademais, atualmente inúmeras propostas de flexibilização da legislação ambiental surgem, oriundas de vários setores, principalmente setores econômi-cos, os quais costumam enxergar as regulações ambientais como entraves ao desenvolvimento econômico.

Nesse contexto de reivindicações, de desconstitucionalização e de desle-galização de direitos, o Estado (e também a sua população) deve se posicionar, mostrando a relevância dos instrumentos das políticas ambientais, nacionais, estaduais e municipais, aptos a defender um padrão de vida e de desenvolvi-mento em que a dignidade e a sustentabilidade sejam os principais objetivos a serem alcançados. Como principal fundamento jurídico desta luta, apresenta-se o princípio da vedação ao retrocesso ambiental.

Neste contexto, convém lembrar as lições de Prieur (2012, p. 11-52):

No atual momento, são várias as ameaças que podem ensejar o recuo do direito ambiental: a) ameaças políticas: a vontade demagógica de simplificar o direito leva à desregulamentação e, mesmo, à “deslegislação” em matéria ambiental, visto o número crescente de normas jurídicas ambientais, tanto no plano inter-nacional quanto no plano nacional; b) ameaças econômicas: a crise econômi-ca mundial favorece os discursos que reclamam menos obrigações jurídicas no âmbito do meio ambiente, sendo que, entre eles, alguns consideram que essas obrigações seriam um freio ao desenvolvimento e à luta contra a pobreza; c) ameaças psicológicas: a amplitude das normas em matéria ambiental constitui um conjunto complexo, dificilmente acessível aos não especialistas, o que favo-rece o discurso em favor de uma redução das obrigações do direito ambiental.

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3.4 princípio Da proibição Da proteção insuFiciente

Através deste princípio, como defendido no texto da ADIn em comento, o Estado é responsável por garantir um nível mínimo de proteção do ambiente. A tutela estatal na preservação e proteção de bens jurídicos ambientais – vitais para a própria sobrevivência da espécie humana e dos milhões de outras que habitam o planeta – deve ser efetiva e suficiente para garantir o mínimo existen-cial socioambiental.

Como se percebe, a ideia central do referido princípio é a de que deve haver um mínimo existencial em matéria ambiental. Neste sentido, uma vez atingido um nível satisfatório de tutela ambiental, este (nível de tutela) torna-se indisponível ao Poder Público, funcionando como verdadeiro “direito adquiri-do em matéria ambiental”, de modo a vedar-se quaisquer retroações (por mais relevantes que sejam os “novos” argumentos) que sejam prejudiciais aos inte-resses públicos ambientais.

coNcluSõeS

Ao final do breve artigo, concorda-se com o teor da ADIn 5547 por acre-ditar-se que a supressão total ou parcial do licenciamento ambiental, seja pelo motivo que for, não é a melhor opção a ser seguida em busca de celeridade na tramitação dos processos em curso.

Concorda-se com o fato de que empreendimentos de assentamento rural para fins de reforma agrária – que em geral possuem grande extensão territorial e uma dinâmica plural de atividades e de formas de uso e de ocupação do terri-tório – apresentam-se como atividades com elevado potencial para a ocorrência de danos ambientais graves, irreversíveis ou de difícil reparação, pelo que se falar em dispensa de licenciamento ambiental significa o mesmo que se falar em dispensa dos princípios da precaução, prevenção, desenvolvimento sustentável, vedação ao retrocesso ambiental e da proibição da proteção insuficiente.

Não se é contra a realização de licenciamentos ambientais simplificados, desde que tal simplificação não represente a supressão de aspectos e etapas importantes do licenciamento ambiental, como, por exemplo, a supressão da avaliação de impactos ambientais a ser realizada em setor especializado do órgão licenciador competente.

Entende-se ainda que não se pode dispensar a exigência de estudos pré-vios de impactos ambientais para instalação de assentamentos rurais e/ou para a operação de atividades que lhes sejam correlatas. Muito menos pode-se dis-pensar o licenciamento ambiental, mesmo que a atividade seja considerada de baixo impacto.

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Outrossim, não compete ao Conama definir o que é ou não é baixo impacto ambiental. Esta é uma prerrogativa da Administração Pública, atra-vés do órgão responsável pelo licenciamento ambiental. Ao Conama compete estabelecer diretrizes técnicas e padrões que complementem (no sentido de dar exequibilidade) a legislação ambiental, assim como resta previsto na Lei nº 6.938/1981.

Espera-se que a presente ADIn 5547, a qual se encontra hoje (25 de outubro de 2016) pendente para julgamento no Supremo Tribunal Federal, seja julgada procedente, de modo que a referida Resolução Conama nº 458/2013 seja declarada inconstitucional, pelos perigos e pelos demais argumentos expli-citados no presente artigo e na ADIn em questão.

referêNcIaS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 25 out. 2016.

______. Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938compilada.htm>. Acesso em: 25 out. 2016.

______. Resolução Conama nº 458, de 16 de julho de 2013. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=696>. Acesso em: 25 out. 2016.

______. Resolução Conama nº 237, de 19 de dezembro de 1997. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res97/res23797.html>. Acesso em: 25 out. 2016.

______. Resolução Conama nº 387, de 27 de dezembro de 2006. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res06/res38706.pdf>. Acesso em: 25 out. 2016.

______. STF. ADIn 5547. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/geral/verPdfPagi-nado.asp?id=11173700&tipo=TP&descricao=ADI%2F5547>. Acesso em: 25 out. 2016.

CARNEIRO, Ricardo. Direito ambiental: uma abordagem econômica. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

GRANZIERA, Maria Luiza Machado. Direito ambiental. São Paulo: Atlas, 2009.

PRIEUR, Michel. Princípio da proibição do retrocesso ambiental. Trad. José Antônio Tietzmann e Silva. In: Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscali-zação e Controle do Senado Federal: princípio da proibição do retrocesso ambiental. Brasília: Senado Federal, 2012.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2204

Supremo Tribunal Federal09.12.2016 Primeira TurmaEDcl‑AgRg no Recurso Extraordinário com Agravo nº 939.869 Distrito FederalRelator: Min. Luiz FuxEmbte.(s): Jamir CabralAdv.(a/s): Marcelo Buzaglo DantasEmbdo.(a/s): UniãoProc.(a/s)(es): Advogado‑Geral da UniãoEmbdo.(a/s): Ministério Público FederalProc.(a/s)(es): Procurador‑Geral da RepúblicaEmbdo.(a/s): Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IbamaProc.(a/s)(es): Procurador‑Geral Federal

ementa

emBargoS de declaração No agravo regImeNtal No recurSo extraordINárIo com agravo – admINIStratIvo – ação cIvIl púBlIca – daNo amBIeNtal – área de preServação permaNeNte – terreNo de marINha – reStINga – recurSo coNtra acórdão do StJ – coNtrovÉrSIa coNStItucIoNal SurgIda Na INStÂNcIa ordINárIa – INvIaBIlIdade do apelo extremo – omISSão, coNtradIção ou oBScurIdade – INexIStêNcIa – erro materIal – INocorrêNcIa – efeItoS INfrINgeNteS – ImpoSSIBIlIdade – recurSo INterpoSto SoB a ÉgIde do Novo códIgo de proceSSo cIvIl – auSêNcIa de coNdeNação em hoNorárIoS advocatícIoS No Juízo recorrIdo – ImpoSSIBIlIdade de maJoração NeSta Sede recurSal – art. 85, § 11, do cpc/2015 – emBargoS de declaração deSprovIdoS – determINado o trÂNSIto em Julgado e a BaIxa ImedIata doS autoS ao Juízo de orIgem, INdepeNdeNtemeNte da puBlIcação do acórdão.

acÓrDão

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, na conformidade da ata de julgamento virtual de 2 a 08.12.2016, por unanimidade, com ressalva do Ministro Marco Aurélio, negou provimento aos embargos de declaração e, por maioria, determinou o trânsito em julgado e a baixa imediata dos autos à ori-gem, nos termos do voto do Relator, vencido, nesse ponto, o Ministro Marco Aurélio.

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Brasília, 9 de dezembro de 2016.

Luiz Fux Relator Documento assinado digitalmente

relatÓrio

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator): Trata-se de embargos de declara-ção opostos por Jamir Cabral, contra acórdão que restou assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – TERRENO DE MARINHA – RESTINGA – RE-CURSO CONTRA ACÓRDÃO DO STJ – CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL SURGIDA NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA – INVIABILIDADE DO APELO EXTRE-MO – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.”

Inconformado com a decisão supra, o embargante interpõe o presente recurso, alegando, em síntese:

“Não se olvida, Excelência, que a questão da área de preservação permanente já tinha sido ventilada no eg. Tribunal de origem. Não obstante, este tema não foi o único mencionado no agravo regimental interposto.

Consoante se observa, além do espaço ambientalmente protegido (assunto que, em tese, abrangeria as áreas de preservação permanente), existiam no recurso outras alegações de vulneração a artigos da Constituição Federal, como o direito de propriedade e sua função social (arts. 5º, XXII e XXIII, 170, II e III, 182, caput, § 2º), direito à moradia (art. 6º) e ordem econômica e livre iniciativa (art. 170).” (fl. 2 do doc. 21)

É o relatório.

voto

O Senhor Ministro Luiz Fux (Relator):

Não merecem acolhida as pretensões da parte embargante.

O acórdão hostilizado, ao contrário do alegado pela parte ora embar-gante, enfrentou os argumentos trazidos nas razões do agravo regimental, ao demonstrar que o recurso extraordinário contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça proferido em recurso especial só é cabível quando a questão consti-tucional objeto da controvérsia for diversa da decidida pela instância ordinária. Caso contrário, caberia à parte recorrente a interposição simultânea do recurso

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especial e do recurso extraordinário contra o acórdão proferido pelo Tribunal de origem, sob pena de preclusão do conteúdo constitucional.

Destaco, por oportuno, que não era exigível que no julgamento do agra-vo regimental fossem examinadas as questões de mérito suscitadas, uma vez que não foram preenchidos os requisitos de admissibilidade do recurso extra-ordinário.

Ressalto que os embargos de declaração somente são cabíveis quando houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade, contradição ou omissão e para corrigir erro material, consoante dispõe o art. 1.022 do NCPC. No caso concreto, não se constata nenhuma das hipóteses ensejadoras dos embargos de declaração, eis que a decisão embargada apreciou as questões suscitadas no recurso extraordinário, em perfeita consonância com jurisprudência pertinente, por isso não há se cogitar do cabimento da oposição destes embargos declara-tórios.

Assevere-se que os restritos limites dos embargos de declaração não per-mitem rejulgamento da causa. Ademais, o efeito modificativo pretendido so-mente é possível em casos excepcionais e uma vez comprovada a obscuridade, contradição ou omissão do julgado, o que não se aplica ao caso sub examine pelas razões acima delineadas.

Nesse sentido, confiram-se, à guisa de exemplo, os seguintes julgados da Suprema Corte, verbis:

“EMBARGOS DECLARATÓRIOS – INEXISTÊNCIA DE VÍCIO – DESPROVIMEN-TO – Uma vez voltados os embargos declaratórios ao simples rejulgamento de certa matéria e inexistente no acórdão proferido qualquer dos vícios que os res-paldam – omissão, contradição e obscuridade –, impõe-se o desprovimento.” (AI 799.509-AgR-ED, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, DJe de 08.09.2011)

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBS-CURIDADE OU OMISSÃO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS

Os embargos de declaração destinam-se, precipuamente, a desfazer obscurida-des, a afastar contradições e a suprir omissões que eventualmente se registrem no acórdão proferido pelo Tribunal. A Inocorrência dos pressupostos de embarga-bilidade, a que se refere o art. 535 do CPC, autoriza a rejeição dos embargos de declaração, por incabíveis.”

(RE 591.260-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª T., DJe de 09.09.2011)

Impende consignar que o presente recurso foi interposto sob a égide da nova lei processual, o que conduziria à aplicação de nova sucumbência. Con-tudo, por não ter havido condenação ao pagamento de honorários advocatícios no Tribunal a quo, fica impossibilitada a sua majoração, nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, neste grau recursal.

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Ex positis, desprovejo os embargos de declaração.

Por fim, determino seja certificado o trânsito em julgado nesta data e pro-movida a baixa imediata dos autos à origem, independentemente da publicação do acórdão.

É como voto.

voto

O Senhor Ministro Marco Aurélio: Divirjo parcialmente do Relator. Fa-ço-o no tocante à determinação de ser certificado o trânsito em julgado do acórdão atacado e de baixa imediata do processo à origem. Está-se diante dos primeiros embargos declaratórios. Esse recurso tem a finalidade de integrar ou esclarecer a decisão proferida, situando-se no âmbito do direito de defesa. O uso do instrumental não pode implicar as providências extremadas veiculadas pelo Relator. Frise-se, por oportuno, que não se tem processo-crime, quando seria possível cogitar da prescrição.

A par deste aspecto, destaco não dependerem os honorários advocatí-cios recursais da fixação na origem. Importa saber se a situação jurídica os contempla. A referência no art. 85, § 11, do Código de Processo Civil de 2015 à majoração não é excludente quando, em ato omissivo, se tenha deixado de estipulá-los no Juízo. Divirjo do Relator para desprover os embargos declarató-rios sem as medidas relativas ao trânsito em julgado e à baixa imediata do pro-cesso, acompanhando, com ressalvas, quanto ao fundamento da não fixação de honorários recursais, uma vez que no caso concreto trata-se de rito que não os comporta.

primeira turma extrato De ata

EDcl-AgRg no Recurso Extraordinário com Agravo nº 939.869

Proced.: Distrito Federal

Relator: Min. Luiz Fux

Embte.(s): Jamir Cabral

Adv.(a/s): Marcelo Buzaglo Dantas (11151/SC)

Embdo.(a/s): União

Proc.(a/s)(es): Advogado-Geral da União

Embdo.(a/s): Ministério Público Federal

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral da República

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Embdo.(a/s): Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Natu-rais Renováveis – Ibama

Proc.(a/s)(es): Procurador-Geral Federal

Decisão: A Turma, por unanimidade, com ressalva do Ministro Marco Aurélio, negou provimento aos embargos de declaração e, por maioria, deter-minou o trânsito em julgado e a baixa imediata dos autos à origem, nos termos do voto do Relator, vencido, nesse ponto, o Ministro Marco Aurélio. 1ª Turma, Sessão Virtual de 2 a 08.12.2016.

Composição: Ministros Luís Roberto Barroso (Presidente), Marco Aurélio, Luiz Fux, Rosa Weber e Edson Fachin.

Carmen Lilian Oliveira de Souza Secretária da Primeira Turma

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2205

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.560.916 – Al (2015/0258907‑0)

Relator: Ministro Francisco Falcão

Recorrente: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama

Recorrido: Alexandre Gondim da Rosa Oiticica

Advogados: Denisson Germano Pimentel de Lyra – Al010982 Diego Antonio de Barros Acioli e outro(s) – Al009632

ementa

amBIeNtal e admINIStratIvo – deSmatameNto – mata atlÂNtIca – área prIvada – procedImeNto admINIStratIvo apuratórIo – ImpoSIção de multa – legItImIdade do IBama – legISlação federal vIolada – precedeNteS – recurSo eSpecIal provIdo

I – Ação originária visando a anulação de procedimento administrativo apuratório que culminou na aplicação de multa em decorrência de des-matamento de mata atlântica em área privada, próxima à reserva bioló-gica de Murici. O Tribunal a quo afastou a legitimidade do Ibama para aplicar a referida penalidade.

II – “A atividade fiscalizat6ria das atividades nocivas ao meio ambien-te concede ao Ibama interesse jurídico suficiente para exercer seu po-der de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado em área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado” (AgRg-AREsp 739.253/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., J. 03.09.2015, DJe 14.09.2015). Precedentes: REsp 1479316/SE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 20.08.2015, DJe 01.09.2015, AgRg-REsp 1417023/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 18.08.2015, DJe 25.08.2015.

III – Nos termos da legislação federal de regência, a competência concor-rente não inibe a ação do Ibama, ainda mais não tendo havido a interfe-rência de órgão ambiental local.

IV – Recurso especial provido.

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acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Jus-tiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a). Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 06 de outubro de 2016 (data do Julgamento).

Ministro Francisco Falcão Relator

relatÓrio

O Exmo. Sr. Ministro Francisco Falcão:

Trata-se de recurso especial interposto pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, visando a reforma do acórdão do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, assim ementado (fls. 466-467):

CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚ-BLICA DE TERRENO – DECRETO FEDERAL S/Nº DE 28.05.2001 PARA CRIAÇÃO DE ESTAÇÃO ECOLÓGICA – CADUCIDADE PARA POSSÍVEL EXPROPRIAÇÃO – ART. 10 DO DECRETO Nº 3.365/1941 – DESMATAMENTO – MATA ATLÂN-TICA – PROPRIEDADE PRIVADA – ILEGITIMIDADE DO IBAMA

I – Trata-se de apelação de sentença que extinguiu a ação, sem julgamento do mérito, considerando o Ibama parte ilegítima para autuar o demandado por dano ambiental em Mata Atlântica de área privada.

II – Foi lavrado auto de infração nº 553026/D, contra o réu, sob o fundamento de desmatamento de área de Mata Atlântica junto à reserva biológica de Murici, que fica dentro dos limites de sua propriedade particular, denominada Fazenda Munguba, sem autorização do órgão ambiental responsável, com a aplicação de multa no importe de R$ 66.420,00 (sessenta e seis mil, quatrocentos e vinte reais) em virtude de danificação de área de Mata Atlântica em estágio inicial de regene-ração, localizada em Zona de Amortecimento da Esec de Murici/AL.

III – A desapropriação fundada no Decreto s/nº de 28.05.2001 que criou a Esta-ção Ecológica de Murici, área de preservação, somente poderia ser efetuada até 28.05.2006 ou até o dia seguinte, se a contagem foi feita a partir da publicação no Diário Oficial da União. Contudo, não houve qualquer movimento no sentido de apossamento, desapropriação ou demarcação da área. Assim, há de ser apli-

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cado o prazo de caducidade da declaração de utilidade pública previsto no art. 10 do Decreto-Lei nº 3.365/1941.

IV – Não prevalece o argumento do Instituto recorrente de que os decretos expropriatórios de áreas inseridas em unidades de conservação não se sub-meteriam ao prazo de caducidade de 5 (cinco) anos, porquanto é evidente a obediência devida por qualquer decreto à previsão normativa do Decreto-Lei nº 3.365/41, em seu art. 10: “A desapropriação deverá efetivar-se mediante acor-do ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da ex-pedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará”. Precedente: TRF 5ª R., PJe 08005229520124050000, Rel. Des. Fed. Paulo Machado Cordeiro, J. 24.09.2013.

V – O Plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região no INQ 2343/AL (Rel. Des. Fed. Vladimir Souza Carvalho, julgado em 21.08.2011), envolvendo supos-to crime ambiental cometido na Esec de Murici, não acatou a denúncia, funda-mentando que “[...] levando em conta a inexistência de qualquer iniciativa ad-ministrativa por parte do Ibama com relação à implantação da Estação Ecológica de Murici, depois de ter votado pelo recebimento da denúncia, baseado no fato de que o simples decreto, que cria a Estação referida, sem o acompanhamento de qualquer medida administrativa, não transforma a área em verdadeira estação ecológica”.

VI – O fato de a Estação Ecológica de Murici pertencer à Mata Atlântica não ga-rante a competência direta do Ibama para atuar em casos dessa natureza, tendo em vista que, apesar da Constituição Federal atribuir o caráter de patrimônio nacional à Mata Atlântica (art. 225, § 4º), não a considerou como bem de proprie-dade da União, já que não contemplado no art. 20, não sendo, portanto, legítima a autuação promovida pela autarquia federal.

VII – O Ibama teria que demonstrar que o órgão ambiental estadual foi acionado e não se manifestou ou que sua manifestação não obteve êxito em reprimir o dano, para só então, ser legitimado a figurar no polo ativo da ação judicial.

VIII – Apelação improvida.

Os embargos declaratórios opostos pelo Instituto foram rejeitados (fls. 520-523).

O recorrente alega, em síntese, que o aresto recorrido teria violado o art. 6º, IV, da Lei nº 6.938/1981; art. 70, § 1º, da Lei nº 9.605/1998; art. 17, § 3º, da Lei Complementar nº 140/2011, sustentando sua competência para atuar repressivamente, não importando se o dano ambiental é de natureza re-gional, nacional ou local, como in casu.

Afirma que, ainda que a competência para licenciar um empreendimento não seja do Ibama, detém ele o poder fiscalizador, na qualidade de órgão inte-grante do Sisnama, conforme precedentes do STJ e do STF que cita.

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Contrarrazões ofertadas (fls. 545-558).

É o relatório.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Francisco Falcão (Relator):

O acórdão recorrido manteve a decisão monocrática que acolheu o pe-dido do autor, decretando a anulação do procedimento administrativo por meio do qual lhe foi atribuída multa relativa a danificação de hectares de Mata Atlân-tica em propriedade rural por ele arrendada.

O entendimento prestigiado pela instância a quo foi o de que a área em questão permaneceria no domínio privado, configurando dano ambiental de natureza local, “com reflexos insuficientes à legitimação do Ibama”, devendo o ente público estadual ou municipal, propor o respectivo procedimento repres-sor.

Os dispositivos invocados pelo recorrente como violados pelo decisum são do seguinte teor:

Lei nº 6.938/1981:

Art. 6º Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Ter-ritórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente – Sisnama, assim estruturado:

[...]

IV – órgãos executores: o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade – Instituto Chico Mendes, com a finalidade de executar e fazer executar a política e as diretrizes governamentais fixadas para o meio ambiente, de acordo com as respectivas competências;

Lei nº 9.605/1998:

Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.

§ 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e ins-taurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente – Sisnama, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha;

Lei Complementar nº 140/2011:

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Art. 17. Compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada.

[...]

§ 3º O disposto no caput deste artigo não impede o exercício pelos entes federa-tivos da atribuição comum de fiscalização da conformidade de empreendimentos e atividades efetiva ou potencialmente poluidores ou utilizadores de recursos naturais com a legislação ambiental em vigor, prevalecendo o auto de infração ambiental lavrado por órgão que detenha a atribuição de licenciamento ou auto-rização a que se refere o caput.

Da leitura dos referidos dispositivos, vê-se que a pretensão merece aco-lhida, pois eles conferem legitimidade ao Ibama para atuar na fiscalização de atividades nocivas ao meio ambiente, independentemente de tratar-se de área privada, ou do exercício de órgão de competência local.

A propósito, a competência concorrente não inibe a atuação do Ibama, a não ser que o órgão local tivesse atuado e aplicado alguma penalidade, sob pena de bis in idem.

Tal não ocorreu na hipótese.

Essa Segunda Turma já teve oportunidade de analisar casos análogos ao presente, nos quais foi consignado que “A atividade fiscalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao Ibama interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia administrativa, ainda que o bem esteja situado em área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do esta-do” (AgRg-AREsp 739.253/SC, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 03.09.2015, DJe 14.09.2015).

No mesmo sentido:

PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – ÁREA PRIVADA – MATA ATLÂNTICA – DESMATAMENTO – IBAMA – PODER FISCALIZATÓRIO – POSSIBILIDADE – MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – EXISTÊNCIA – PRECEDENTES

1. Não há falar em competência exclusiva de um ente da federação para promo-ver medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, independentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo, bem como da competência para o licenciamento.

2. A dominialidade da área em que o dano ou o risco de dano se manifesta é apenas um dos critérios definidores da legitimidade para agir do Parquet Federal.

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3. A atividade fiscalizatória das atividades nocivas ao meio ambiente concede ao Ibama interesse jurídico suficiente para exercer seu poder de polícia adminis-trativa, ainda que o bem esteja situado dentro de área cuja competência para o licenciamento seja do município ou do estado, o que, juntamente com a legitimi-dade ad causam do Ministério Público Federal, define a competência da Justiça Federal para o processamento e julgamento do feito.

Recurso especial provido (REsp 1479316/SE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 20.08.2015, DJe 01.09.2015).

ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIEN-TAL – LEGITIMIDADE PASSIVA – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – IBAMA – DEVER DE FISCALIZAÇÃO – OMISSÃO CARACTERIZADA

1. Tratando-se de proteção ao meio ambiente, não há falar em competência ex-clusiva de um ente da federação para promover medidas protetivas. Impõe-se amplo aparato de fiscalização a ser exercido pelos quatro entes federados, inde-pendentemente do local onde a ameaça ou o dano estejam ocorrendo.

2. O Poder de Polícia Ambiental pode – e deve – ser exercido por todos os entes da Federação, pois se trata de competência comum, prevista constitucio-nalmente. Portanto, a competência material para o trato das questões ambiental é comum a todos os entes. Diante de uma infração ambiental, os agentes de fiscalização ambiental federal, estadual ou municipal terão o dever de agir ime-diatamente, obstando a perpetuação da infração.

3. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, a responsabilidade por dano am-biental é objetiva, logo responderá pelos danos ambientais causados aquele que tenha contribuído apenas que indiretamente para a ocorrência da lesão.

Agravo regimental improvido (AgRg-REsp 1417023/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 18.08.2015, DJe 25.08.2015).

Ante o exposto, dou provimento ao presente recurso especial, determi-nando o retorno dos autos ao Tribunal a quo para que, reconhecida a legitimi-dade do Ibama para aplicação da referida multa, analise os demais pedidos no que diz respeito à dosimetria da penalidade e análise de possíveis atenuantes.

É o voto.

certiDão De julgamento segunDa turma

Numero Registro: 201510258907-0

Processo Eletrônico REsp 1.560.916/AL

Números Origem: 08015459820134058000 8015459820134058000

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Pauta: 06.10.2016 Julgado: 06.10.2016

Relator: Exmo. Sr. Ministro Francisco Falcão

Presidente da Sessão: Exma. Sra. Ministra Assusete Magalhães

Subprocurador-Geral da República: Exmo. Sr. Dr. Mario Lutz Bonsaglia

Secretaria: Belª Valeria Alvim Dusi

autuação

Recorrente: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Natu-rais Renováveis – Ibama

Recorrido: Alexandre Gondim Darosa Oiticica

Advogados: Denisson Germano Pimentel de Lyra – AL010982 Diego Antônio de Barros Acioli e outro(s) – AL009632

Assunto: Direito Administrativo e outras matérias de Direito Público – Atos administrativos – Infração administrativa – Multas e demais sanções

certiDão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epi-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Assusete Magalhães (Presidente) votaram como Sr. Ministro Relator.

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2206

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoPoder JudiciárioNumeração Única: 0003451‑06.2008.4.01.4101Apelação/Reexame Necessário nº 2008.41.01.003452‑3/RORelator: Desembargador Federal Jirair Aram MeguerianApelante: Ministério Público FederalProcurador: Rhayssa Castro Sanches RodriguesApelante: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IbamaProcurador: DF00025372 – Adriana Maia VenturiniApelado: Transpacífico Transportes Rodoviários Ltda.Advogado: RO00002617 – Sonia Castilho RochaRemetente: Juízo Federal da 1ª Vara da Subseção Judiciária de Ji‑Paraná/RO

ementa

amBIeNtal – maNdado de SeguraNça – INfração amBIeNtal – traNSporte de madeIra em deScoNformIdade com a legISlação amBIeNtal – apreeNSão de veIculo automotor – lIBeração – poSSIBIlIdade – SeNteNça maNtIda

I – Assente neste Tribunal a orientação de que, em se tratando de matéria ambiental, a apreensão e destinação de veículo transportador, na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, somente se justifica quando restar caracterizada a hipótese de sua utilização exclusiva e reiterada em ativi-dade ilícita.

II – Sentença confirmada. Recursos de apelação do Ibama e do Ministério Público Federal e remessa oficial aos quais se nega provimento.

acÓrDão

Decide a Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento à apelação do Ibama e do Ministério Público Federal e à remessa oficial.

Sexta Turma do TRF da 1ª Região – 12.12.2016.

Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian Relator

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relatÓrio

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian (Relator):

Trata-se de remessa oficial e recursos de apelação interpostos pelo Ibama e pelo Ministério Público Federal em face de sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da Subseção Judiciária de Ji-Paraná/RO, que concedeu parcialmente a segurança pleiteada por Transpacífico Transportes Rodoviários Ltda. e lhe asse-gurou a restituição dos veículos apreendidos constantes do Termo de Apreensão nº 468431-C (fls. 91-96).

2. Consignou o Ilustre Magistrado de primeiro grau que, no caso concre-to, não se identifica situação de uso específico e exclusivo dos veículos apreen-didos para a prática de atividade ilícita, voltada à agressão ao meio ambiente, até porque possui valor muito superior ao da multa cominada pela infração, resultando em desproporcionalidade da medida.

3. Nas razões de seu recurso, o Ministério Público Federal (fls. 101/118) defendeu que não cabe a dilação probatória, uma vez que foi requerida reali-zação de prova pericial. Afirmou que o caso é de responsabilidade objetiva do transportador, com fundamento na Lei nº 9.605/1998. Seguiu afirmando que não restou demonstrada a ilegalidade do ato e a existência de direito líquido e certo à liberação do veículo. Concluiu requerendo a reforma do julgado, com a extinção do processo, sem resolução do mérito, pela ausência de prova pré--constituída, ou a denegação da segurança, diante da ausência de demonstra-ção do direito líquido e certo.

4. O Ibama (fls. 119/135), por sua vez, defendeu a existência de ilícito ambiental praticado pela impetrante e a legalidade da apreensão do veículo, pois transportava produto florestal em desacordo com a licença obtida. Reque-reu a reforma da sentença, para manter a apreensão do bem, que ocorreu em conformidade com a legislação ambiental.

6. Muito embora devidamente intimada, a impetrante não apresentou contrarrazões (fl. 136-v).

3. Em parecer (fls. 139/142), manifestou-se o Ministério Público Federal pelo provimento dos recursos e da remessa oficial.

É o relatório.

Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian Relator

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voto

amBIeNtal – maNdado de SeguraNça – INfração amBIeNtal – traNSporte de madeIra em deScoNformIdade com a legISlação amBIeNtal – apreeNSão de veIculo automotor – lIBeração – poSSIBIlIdade – SeNteNça maNtIda

I – Assente neste Tribunal a orientação de que, em se tratando de matéria ambiental, a apreensão e destinação de veículo transportador, na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, somente se justifica quando restar caracterizada a hipótese de sua utilização exclusiva e reiterada em ativi-dade ilícita.

II – Sentença confirmada. Recursos de apelação do Ibama e do Ministério Público Federal e remessa oficial aos quais se nega provimento.

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian (Relator):

Sem reparos a sentença recorrida.

2. Isso porque assente na jurisprudência deste Tribunal a orientação de que, em se tratando de matéria ambiental, a apreensão e destinação de veícu-lo transportador, na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, somente se justifica quando restar caracterizada a hipótese de sua utilização específica e reiterada em atividade ilícita.

3. A propósito, confiram-se:

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – INFRAÇÃO AMBIENTAL – TRANSPORTE DE CARVÃO VEGETAL, SEM LICENÇA OUTORGADA PELA AUTORIDADE COMPETENTE – LIBERAÇÃO – 1. Orientação jurisprudencial assente nesta Corte a de que, em se tratando de matéria ambiental, só se justifi-ca a apreensão e destinação de veículo transportador, na forma do disposto no art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, quando caracterizada a hipótese de sua utili-zação específica e exclusiva em atividade ilícita. 2. Remessa oficial não provida. (REOMS 0025800-71.2010.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Carlos Moreira Alves, 6ª T., e-DJF1 p. 431 de 10.01.2013)

ADMINISTRATIVO – MANDADO DE SEGURANÇA – INFRAÇÃO AMBIENTAL – TRANSPORTE IRREGULAR DE MADEIRA – APREENSÃO DO VEÍCULO – LIBE-RAÇÃO – POSSIBILIDADE – PRELIMINARES REJEITADAS – I – Segundo o enten-dimento consolidado desta egrégia Corte Regional, bem assim do colendo Supe-rior Tribunal de Justiça, “o reconhecimento de firma em procuração utilizada nos autos do processo não é mais exigência legal, ainda que outorgue poderes espe-ciais, nos termos do art. 38, do CPC, com a redação dada pela Lei nº 8.952/1994” (AC 0004391-95.2011.4.01.9199/TO, Rel. Des. Fed. Kassio Nunes Marques, 1ª T., e-DJF1 p. 120 de 25.05.2012). II – Por força do princípio da inafastabili-dade da tutela jurisdicional (CF, art. 5º, XXXV), não se constitui em ausência de

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interesse de agir o não exaurimento das vias administrativas, não subsistindo, por conseguinte, a extinção do processo, sob esse fundamento, como no caso. Neste sentido, rejeitam-se ambas as preliminares suscitadas na espécie. III – Afigura-se possível a liberação de veículos apreendidos em razão do transporte irregular de madeiras, quando a situação fática não indica o uso específico e exclusivo do veículo para a prática de atividades ilícitas, voltadas para a agressão do meio am-biente. Precedentes deste Tribunal. IV – Apelação e remessa oficial desprovidas. (AMS 0002220-09.2010.4.01.3701/MA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 p. 117 de 23.09.2014)

AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA QUE NEGOU SEGUIMENTO À APELAÇÃO – INFRAÇÃO AMBIENTAL – TRANSPORTE IRRE-GULAR DE MADEIRA – RESTITUIÇÃO DO VEÍCULO – POSSIBILIDADE – 1. A jurisprudência desta Corte assentou entendimento de que o veículo transpor-tador de madeira de origem supostamente ilegal não é passível de apreensão na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, senão quando caracterizado como instrumento de uso específico e exclusivo para a referida finalidade ilícita (REOMS 0007469-75.2009.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Carlos Moreira Alves, 6ª T., e-DJF1 de 16.04.2013, p. 166). 2. Ainda que o art. 25 da Lei nº 9.605/1998 autorize a apreensão de instrumentos utilizados na prática de infração ambien-tal, para adotar a medida contra bens de terceiros, faz-se necessário demonstrar que os proprietários ou prepostos dos referidos bens realizavam os transportes e tinham conhecimento da prática de algum ilícito, não sendo cabível a adoção de uma responsabilização objetiva como pretende a autarquia ambiental. 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AGRAC 0005643-84.2009.4.01.4000/PI, Rel. Des. Fed. Néviton Guedes, 5ª T., e-DJF1 p. 388 de 22.08.2014)

4. Dessa forma, não demonstrada pelo Ibama a eventual utilização do ve-ículo individualizado nos autos para a prática exclusiva e reiterada de infração ambiental, não há que se falar em legalidade de sua apreensão.

5. Em outras palavras, quando não comprovada a sua utilização exclusi-va e reiterada na prática de ilícitos ambientais nos moldes do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, não se revela razoável a apreensão do veículo.

Pelo exposto, nego provimento aos recursos de apelação do Ibama e do Ministério Público Federal e à remessa oficial.

É como voto.

Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2207

Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoApelação Criminal nº 2005.51.10.000662‑7Nº CNJ: 0000662‑89.2005.4.02.5110Relator: Desembargador Federal Antonio Ivan AthiéApelante: Ministério Público FederalApelado: Pedro Antonio JonssonAdvogada: Claudia Maria Ferrari Barbosa e outrosApelado: Ricardo Salles de Oliveira BarraAdvogada: Claudia Maria Ferrari Barbosa e outrosApelada: Márcia Fragoso SoaresAdvogada: Claudia Maria Ferrari Barbosa e outrosApelada: Cia. de Concessão Rodoviária Juiz de Fora‑Rio – (Concer)Advogada: Claudia Maria Ferrari Barbosa e outrosOrigem: 5ª Vara Federal de São João de Meriti/RJ

ementa

peNal – crIme amBIeNtal – atropelameNto de aNImaIS SIlveStreS àS margeNS de rodovIa federal – empreSa coNceSSIoNárIa – deScumprImeNto de oBrIgação de relevaNte INtereSSe amBIeNtal – preScrIção pela peNa em aBStrato – daNo dIreto à uNIdadeS de coNServação – Não comprovação – ImpoSSIBIlIdade de ImpedIr a mortaNdade de aNImaIS pelo tráfego de veículoS automotoreS – proBlema complexo e de dIfícIl Solução – INexIStêNcIa de parÂmetroS cIeNtífIcoS que delImItem Número aceItável de morteS de aNImaIS SIlveStreS por trecho rodovIárIo – apelação mINISterIal deSprovIda

1. Quanto ao delito do art. 68 da Lei nº 9.605/1998, cabe reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal, pela pena máxima em abstrato cominada a este delito, que é de 03 (três) anos, à qual corresponde o prazo prescricional de 08 (oito) anos, nos termos do art. 109, inciso IV, do Código Penal, intervalo temporal ultrapassado com largueza, entre o recebimento da denúncia e a data deste julgamento.

2. Quanto ao delito do art. 40 da Lei nº 9.605/1998, a julgar pelos es-tudos acostados aos autos, referentes a outras rodovias, localizadas em outros estados, é impossível evitar completamente as mortes de animais silvestres por atropelamento. As medidas mitigatórias são de difícil im-

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plementação e, em sua maioria, de eficácia duvidosa. Estudo acostado aos autos exemplifica que medidas bem sucedidas em salvar espécimes de uma espécie aumentaram por outro lado, a mortandade de outros animais.

3. Inexistem parâmetros para definir o limite aceitável de animais mortos em um determinado trecho rodoviário, em um dado período de tempo, além do qual fique caracterizada a prática do delito do art. 48 da Lei nº 9.605/1998, entrando em ação o Direito Penal, ultima ratio que é, para sancionar a conduta.

4. Declaração de ofício da prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena em abstrato, quanto ao delito do art. 68 da Lei nº 9.605/1998, com base nos arts. 109, IV e 115, ambos do Código Penal. No mais, recurso denegado.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, acordam os Membros da Primeira Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao re-curso, nos termos do Voto do Relator.

Rio de Janeiro, 30.11.2016 (data do Julgamento).

Antonio Ivan Athié Desembargador Federal Relator

relatÓrio

Trata-se de apelação criminal do Ministério Público Federal, em face de sentença proferida pelo Juízo da 5ª Vara Federal de São João de Meriti/RJ, que absolveu os apelados Pedro Antônio Jonsson, Ricardo Salles de Oliveira Barra, Márcia Fragoso Soares e a Companhia de Concessão Rodoviária Juiz de Fora--Rio – Concer, nos termos do art. 386, VII, do Código de Processo Penal (folhas 739/745).

Segundo a denúncia, folhas 56/64, em 09.11.2004 foi instaurado o In-quérito Policial nº 630, a fim de apurar o atropelamento de animais silvestres às margens da Rodovia BR-040, próximo à Reserva Biológica do Tinguá e à Área de Proteção Ambiental de Petrópolis.

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A Polícia Federal realizou laudo pericial em setembro de 2004, folhas 07/18, de modo a aferir a ocorrência de atropelamento de animais no trecho da Rodovia que vai de Xerém/RJ a Petrópolis/RJ.

A inicial acusatória imputou aos apelados – respectivamente Diretor Presidente, Diretor de Engenharia e Operações e Coordenadora Ambiental da Concer – as condutas previstas nos arts. 40 e 68, c/c o art. 21, todos da Lei nº 9.605/1998 na forma do art. 69, do Código Penal.

A sentença de folhas 739/745 absolveu os apelados, por falta de provas de culpabilidade individual, e por não ter sido demonstrada a certeza da pos-sibilidade de agir de maneira diversa, e a previsibilidade do resultado pelos apelados.

Em seu recurso de apelação, folhas 747/767, o Ministério Público Fe-deral sustenta que, com relação à materialidade do delito do art. 40 da Lei nº 9.605/1998, foram comprovados atropelamentos de animais no trecho da Rodovia BR-040, tanto através de laudo pericial, quanto pelo depoimento de diversas testemunhas, e também pelo interrogatório dos acusados. E, com rela-ção ao crime do art. 68 da Lei nº 9.605/1998, a materialidade estaria demons-trada pelo descumprimento de cláusulas do contrato de concessão da Rodovia. Sobre a autoria delitiva, afirma que os apelados detinham o domínio do fato, em razão dos cargos que ocupam na Concer, o que os colocou na posição de garantidores, nos termos do art. 2º da Lei nº 9.605/1998 e art. 13, § 2º, alíneas a e b, do Código Penal.

Contrarrazões de Pedro Antônio Jonsson, Ricardo Salles de Oliveira Barra, Márcia Fragoso Soares e da Companhia de Concessão Rodoviária Juiz de Fora-Rio – Concer, às folhas 773/782, pedindo o desprovimento do recurso.

A Procuradoria Regional da República, em seu parecer, folhas 791/805, opinou pelo provimento do recurso ministerial.

É o Relatório. À Douta Revisão.

Rio de Janeiro, de de 2016.

Antonio Ivan Athié Desembargador Federal – Relator

voto

Conheço do recurso, eis que presentes seus pressupostos.

Ele não merece provimento.

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Quanto ao delito do art. 68 da Lei nº 9.605/1998, verifica-se que os do-cumentos acostados às folhas 111/912 dos apensos demonstram que a empresa Concer, concessionária de um trecho da Rodovia BR-040, apresentou os relató-rios ambientais semestrais referentes aos períodos de: março a agosto de 1996 (folhas 111/143); janeiro de 1997 a dezembro de 2000 (folhas 145/336); julho a dezembro de 2001 (folhas 339/511); janeiro a junho de 2002 (folhas 513/616); julho a dezembro de 2002 (folhas 619/689); janeiro a junho de 2003 (folhas 691/741); julho a dezembro de 2003 (folhas 743/791); janeiro a junho de 2004 (folhas 793/849); e julho a dezembro de 2004 (folhas 850/911).

Todos estes relatórios atendem ao disposto no item 176 do Contrato de Concessão da Rodovia, inexistindo neles repetição de itens ou de conteúdo de tal monta que justifique sua invalidação para tal fim.

Ausentes, deste modo, os relatórios ambientais dos períodos de setembro a dezembro de 1996 e de janeiro a junho de 2001, cabe reconhecer a prescri-ção da pretensão punitiva estatal, quanto às condutas relativas ao art. 68 da Lei nº 9.605/1998, pela pena máxima em abstrato cominada a este delito, que é de 03 (três) anos, à qual corresponde o prazo prescricional de 08 (oito) anos, nos termos do art. 109, inciso IV, do Código Penal, intervalo temporal ultrapassado com largueza, entre o recebimento da denúncia, em 05.12.2006 (folha 70) e a presente data.

Quanto ao delito do art. 40 da Lei nº 9.605/1998, verifica-se que o trecho em questão da Rodovia BR-040 atravessa um local densamente povoado pela fauna silvestre, situado entre a Área de Proteção Ambiental de Petrópolis e a Reserva Biológica do Tinguá. Em suas proximidades, está o Parque Nacional da Serra dos Órgãos. As mortes de animais atribuíveis à ação humana no local ocorrem, desse modo, devido a colisões e atropelamentos causados pelo tráfe-go de veículos automotores. E, a julgar pelos estudos sobre o tema, acostados aos autos, é impossível evitá-las por completo. Segundo matéria constante no Portal do ICMBio, 15 (quinze) animais silvestres são mortos a cada segundo, em média, atropelados em nossas rodovias (www.icmbio.gov.br/portal/ultimas--noticias/4-destaques/4944-a-cada-segundo-15-animais-silvestres-morrem--atropelados-no-brasil), o que faz com que o problema, pouco divulgado pela Mídia, adquira em nosso país contornos endêmicos.

O Brasil optou pelo transporte rodoviário, em detrimento dos demais mo-dais, a partir do Governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), e as administrações seguintes ampliaram os investimentos no setor, o que nos leva a ter, hoje, a quarta maior malha rodoviária do mundo. Isso aumentou o número de aci-dentes e de feridos e mortos por eles causados, em nossas estradas, bem como ampliou a mortandade da fauna silvestre.

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Analisando-se o capítulo de medidas compensatórias, preventivas e mi-tigatórias do estudo sobre “atropelamento de vertebrados terrestres em uma re-gião fragmentada do nordeste do Estado de São Paulo: quantificação do impac-to e análise de fatores envolvidos” (folhas 358/366), é possível verificar que para reduzir a mortandade de animais é necessário: evitar a construção de estradas próximas a áreas ecologicamente sensíveis ou protegidas, inclusive rios e ria-chos; diminuir o número de veículos e sua velocidade; impedir que os animais se aproximem da pista, seja através da redução da oferta de alimento e água, ou mediante a construção de cercas, telas aéreas ou túneis para transposição segura da rodovia.

Nenhuma dessas soluções é capaz de resolver completamente o proble-ma: a concessão do trecho Rio-Juiz de Fora à Concer data de 1995. A conces-sionária não escolheu, portanto, o traçado atual da rodovia, que data de 1980. Além disso, não há como reduzir o número de veículos automotores, em um país dominado pelo lobby das grandes montadoras e que dá tímidos passos no desenvolvimento dos modais ferroviário e aquaviário.

A redução drástica da velocidade, em um trecho de diversos quilômetros de rodovia, enfrentaria grande resistência por parte dos motoristas. E a redução da oferta de alimento e água no acostamento da rodovia se revela missão pra-ticamente impossível, dada a quantidade de encostas das quais despenca água das chuvas, em razão do relevo e clima característicos da região, e, no caso da oferta de alimento, porque o controle demandaria contínua poda de capim às margens da rodovia, não podendo a concessionária fiscalizar individualmente os veículos graneleiros que transitem pelo trecho (felizmente poucos), que por-ventura deixem cair sementes pelo caminho.

Já a contenção dos animais, por meio de cercas, cria novos problemas. Em primeiro lugar, não há meio economicamente viável para evitar que aves venham a se chocar com veículos automotores trafegando em rodovias. Certa-mente o problema seria mitigado com a redução da velocidade máxima atual vigente em nossas estradas. Porém, estaríamos dispostos a aceitar tal preço, circulando em nossos automóveis, em baixa velocidade, com vistas a salvar a vida desses animais?

O sistema de telas aéreas possui certa eficácia, porém só serve aos ma-míferos e répteis que tem por hábito se locomover pelas árvores (tais como ma-cacos, quatis e lagartos), sendo imprestável aos demais. E, quanto à construção de túneis sob a rodovia e cercas, de modo a direcionar a passagem da fauna silvestre para determinados pontos, assim se manifestou o estudo supramencio-nado (folhas 361/362):

“Há algumas restrições a esta medida, pois tanto os túneis como as cercas colo-cadas próximas a eles para conduzir a passagem dos animais podem interferir nas

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relações entre presas e predadores, favorecendo estes últimos por restringir rotas de fuga dos primeiros (Tsunokawa, 1997).

[...]

No Brasil há poucas experiências de monitoramento da efetividade de passagens de fauna sob rodovias. Na Estação Ecológica do Taim/RS (EET) foi implantado em 1998 um sistema de proteção à fauna na Rodovia BR-471 que margeia e atraves-sa transversalmente a UC em diferentes pontos. O sistema incluiu fechamento com tela em ambos os lados de dois seguimentos descontínuos de rodovia, de 3,4km e 6,75km de extensão cada um; instalação de mata-burros para impedir o acesso da fauna aos trechos telados de rodovia; a construção de 19 túneis, e di-minuição da velocidade permitida – mas com a instalação de apenas um medidor de velocidade. Bager (2003) avaliou o sistema e concluiu que ele foi eficaz para a diminuição do atropelamento das espécies mais registradas, capivaras e ratões do banhado, mas que este trouxe mortalidade e agravamento da fragmentação para diversas outras espécies. O sistema propiciou, variando para cada espécie, comportamentos agonísticos, impedimento de acesso de quelônios à área de pos-tura e morte de ‘inúmeros animais de pequeno porte’ que ficavam presos às telas ao tentar atravessá-las. Além disso, a cerca foi eficaz para impedir a passagem de apenas três espécies, pois as demais foram capazes de transpor o sistema es-cavando, escalando ou saltando. Os mata-burros foram efetivos para impedir o acesso de capivaras, mas se constituíram em armadilhas onde caem e perecem espécies de quelônios mais estreitos que o intervalo entre as barras. Os túneis são utilizados, mas dependem de manutenção regular pois vários se alagam e ficam obliterados por camadas de areia. O autor conclui que as barreiras bloqueadoras de movimento e os dispositivos facilitadores de travessia produzem respostas que são espécie-específicas. Este é o conceito apresentado também no Workshop Minutes do encontro Managing Roads for Wildlife, realizado em Alberta-Canadá (Managing Roads for Wildlife, 2001). Bager (2003) também conclui que o sistema funcionou para diminuir a mortandade das espécies mais atropeladas, mas não das espécies mais raras ou em risco na área.”

Desse modo, verifica-se que o estudo supracitado, feito em rodovias do Estado de São Paulo e citando dados de experiências conduzidas no Estado do Rio Grande do Sul, deixa claro que o problema ambiental abordado nos presentes autos é complexo e de difícil solução, e que uma solução válida para a preservação de uma espécie pode ser fatal para outras. Também é possível concluir que são inevitáveis as mortes de animais por atropelamento, ao longo de trechos rodoviários, inexistindo parâmetros para definir o limite aceitável de animais mortos em cada trecho, em um dado período de tempo, além do qual fique plenamente caracterizada a prática do delito do art. 48 da Lei nº 9.605/1998, entrando em ação o Direito Penal, ultima ratio que é, para sancio-nar a conduta.

Não foi realizado estudo específico para o trecho rodoviário em questão, mas tão somente um laudo pericial, folhas 07/19, no qual a Polícia Federal

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informou que “as fotografias de animais mortos à beira da rodovia induzem os peritos à possibilidade de se concluir por atropelamento”. Dois dos dez ani-mais mortos não puderam ser identificados, dois outros sendo um cão e uma ave. Houve também uma diligência de constatação, determinada pelo Juízo de Primeiro Grau e levada a cabo por solitário Agente de Polícia Federal, que durante três meses (dezembro de 2010 a fevereiro de 2011), percorreu o trecho em questão, fotografando cadáveres de animais atropelados e registrando sua posição com o auxílio de GPS. Sequer foi confeccionado laudo nessa ocasião, o que leva à imprestabilidade desta diligência para fins de estabelecimento de parâmetros ou comparações estatísticas.

Desse modo, embora seja patente que a Concer não dava a devida aten-ção às mortes de animais na rodovia, antes do ajuizamento desta ação penal e do inquérito civil público mencionado às folha 601, conduzido pela Procura-doria da República de Petrópolis, é possível perceber uma mudança de postura da empresa, a partir do ano de 2005, com o início da parceria com o Instituto Terra Nova e a instauração do Projeto Caminhos da Fauna.

Ante o exposto, declaro, de ofício, a prescrição da pretensão punitiva estatal pela pena em abstrato, quanto ao delito do art. 68 da Lei nº 9.605/1998, com base nos arts. 109, IV e 115, ambos do Código Penal. No mais, nego pro-vimento ao recurso do MPF.

É como voto.

Rio de Janeiro, 30 de novembro de 2016.

Antonio Ivan Athié Desembargador Federal Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2208

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 12.01.2017Agravo de Instrumento nº 0032811‑71.2012.4.03.0000/SP2012.03.00.032811‑0/SPRelatora: Desembargadora Federal Consuelo YoshidaAgravante: AES Tietê S/AAdvogado: SP131351 Bruno Henrique GonçalvesAgravado(a): Ministério Público FederalAdvogado: Jefferson Aparecido Dias e outro(a)Parte Ré: G ilberto Augusto de Oliveira e outros(as)

João da Brahma de Oliveira da Silva Prefeitura Municipal de Cardoso/SP Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama

Origem: Juízo Federal da 4ª Vara de S. J. Rio Preto/SPNº Orig.: 00019875220094036106 4ª Vr. São José do Rio Preto/SP

ementa

agravo de INStrumeNto – proceSSual cIvIl – ação cIvIl púBlIca – daNo amBIeNtal – SeNteNça parcIalmeNte procedeNte – recurSo de apelação – efeIto SuSpeNSIvo – medIda excepcIoNal – demolIção de edIfIcaçõeS – daNo coNfIgurado – IrreverSIBIlIdade da medIda – peculIarIdadeS do caSo coNcreto

1. A atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto em ação civil pública é medida extraordinária, pois a regra é o recebimento do apelo apenas no efeito devolutivo, conforme dispõe o art. 14, da Lei nº 7.347/1985.

2. O recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo possibilita o prosseguimento da execução provisória da sentença, de forma a cessar a intervenção humana em área de preservação permanente e evitar a con-tinuidade do dano. Entretanto, pode o juiz, excepcionalmente, conferir também o efeito suspensivo, para evitar dano irreparável à parte, situação que merece análise das especificidades que envolvem o caso concreto.

3. In casu, a demolição imediata e integral das edificações localizadas no âmbito da faixa de 30 metros de extensão ao redor do reservatório da UHE Água Vermelha caracteriza-se como ato capaz de causar dano de difícil reparação à agravante. Tal obrigação se traduz em medida irrever-

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sível, impondo-se, portanto, a adoção de cautela, até que seja julgado o mérito da ação, com o reconhecimento ou não da ocorrência do dano ambiental e possível reparação/indenização.

4. Agravo de instrumento provido e agravo regimental prejudicado.

acÓrDão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento, restando prejudicado o agravo regimental, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 15 de dezembro de 2016.

Consuelo Yoshida Desembargadora Federal

relatÓrio

A Excelentíssima Senhora Desembargadora Federal Consuelo Yoshida (Relatora):

Trata-se de agravo de instrumento, contra a r. decisão que, em sede de ação civil pública, que versa sobre dano ambiental, recebeu o recurso de ape-lação apenas no efeito devolutivo.

Pretende a agravante a reforma da r. decisão agravada, alegando, em síntese, que caso não seja atribuído o efeito suspensivo ao recurso de apela-ção, o agravado poderá promover, imediatamente, a execução provisória da r. sentença, nos termos do art. 475-O do CPC/1973, com o início imediato da contagem do exíguo prazo para demolição das benfeitorias construídas pelos ocupantes, sob pena de aplicação de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais); que a demolição integral das edificações localizadas no âmbito da faixa de 30 (trinta) metros de extensão ao redor do reservatório da UHE Água Ver-melha é ato irreversível, cuja execução deve ser sobrestada até o julgamento final da lide; que cumpriu, integralmente, a medida antecipatória deferida e confirmada pela r. sentença, tendo demarcado a faixa de segurança no imóvel em litígio e apresentado plano de demarcação da faixa de segurança em todo o reservatório; que, nos termos do art. 14 da Lei nº 7.347/1985, o juiz poderá conferir efeito suspensivo aos recursos, para evitar dano irreparável à parte; que não tem qualquer ingerência ou responsabilidade por eventual intervenção existente em APP situada além da faixa de titularidade; que não há nos autos

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qualquer indício de que as benfeitorias em questão tenham causado substan-ciais prejuízos à APP, razão pela qual é descabida a condenação da agravante à recuperação do meio ambiente afetado; que logo após a prolação da r. senten-ça, foi publicada a Lei Federal nº 12.651/2012, que traz, em seu art. 3º, II, uma definição precisa de APP, bem como possibilita a manutenção das atividades agrossilvipastoris, de ecoturismo e de turismo rural em APPs, desenvolvidas em áreas rurais consolidadas até 22 de julho de 2008 e observados os critérios e procedimentos de regularização, por força do art. 61-A, caput; que os ocupan-tes promovem, nas áreas por eles ocupadas, atividades de turismo rural; que, se a área rural consolidada teve sua ocupação antrópica estabelecida previamente a 22 de julho de 2008, nos moldes do art. 3º, IV, da Lei nº12.651/2012, e se os ranchos e fazendas objetos dessa lide se adequam a essa previsão legal, tendo sido concluídas antes de 2008, quando do ajuizamento da ação civil pública, é forçoso reconhecer a aplicação do art. 61-A, caput, do novo Código Florestal às edificações, benfeitorias e atividades agrossilvipastoris em questão.

O efeito suspensivo foi indeferido.

Interposto agravo regimental e apresentada a contraminuta.

O Ministério Público Federal, na qualidade de custos legis, opinou pelo desprovimento do recurso.

Após, vieram-me os autos conclusos.

É o relatório.

Consuelo Yoshida Desembargadora Federal

voto

A excelentíssima Senhora Desembargadora Federal Consuelo Yoshida (Relatora):

No caso vertente, o Ministério Público Federal propôs ação civil pública, com o objetivo de obter a condenação dos réus, dentre eles, a ora agravante, à reparação do dano ambiental causado em área de preservação permanente, com a fiscalização e acompanhamento do Ibama.

O r. Juízo a quo julgou parcialmente procedente o pedido e determinou ao réu Gilberto Augusto de Oliveira bem como à ré AES Tietê, ora agravante, que procedam à demolição integral das edificações que se encontrem dentro da faixa de proteção ambiental de 30 metros, bem como removam os entulhos dali decorrentes no prazo de noventa dias, sendo que o não cumprimento integral

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desta determinação acarretará multa no valor de R$ 500,00 por dia até o limite de 1000 dias.

O recurso de apelação interposto pela ora agravante foi recebido somen-te no efeito devolutivo (fl. 39).

Como é sabido, a atribuição de efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto em ação civil pública é medida extraordinária, pois a regra é o rece-bimento do apelo apenas no efeito devolutivo, conforme dispõe o art. 14, da Lei nº 7.347/1985.

O recebimento do recurso apenas no efeito devolutivo possibilita o pros-seguimento da execução provisória da sentença, de forma a cessar a interven-ção humana em área de preservação permanente e evitar a continuidade do dano, medida necessária e eficaz à proteção do meio ambiente.

Entretanto, pode o juiz, excepcionalmente, conferir também o efeito sus-pensivo, para evitar dano irreparável à parte, situação que merece análise das especificidades que envolvem o caso concreto.

Ora, in casu, a demolição imediata e integral das edificações localizadas no âmbito da faixa de 30 metros de extensão ao redor do reservatório da UHE Água Vermelha caracteriza-se como ato capaz de causar dano de difícil repa-ração à agravante.

A obrigação imposta com a demolição e remoção de todas as edificações existentes no local se traduz em medida irreversível, impondo-se, portanto, a adoção de cautela, até que seja julgado o mérito da ação, com o reconhecimen-to ou não da ocorrência do dano ambiental e possível reparação/indenização.

Nesse sentido, vale citar os seguintes precedentes:

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – APELAÇÃO – EFEITO DE-VOLUTIVO – ART. 14 DA LEI Nº 7.347/1985 – EXECUÇÃO PROVISÓRIA – POS-SIBILIDADE – ATRIBUIÇÃO DE EFICÁCIA SUSPENSIVA – NÃO CABIMENTO

I – É excepcional a atribuição de eficácia suspensiva a recurso interposto em ação civil pública, cuja regra é o efeito devolutivo (art. 14, Lei nº 7.347/1985).

II – O recebimento da apelação somente no efeito devolutivo, possibilitando o prosseguimento da execução provisória da sentença, visa prestigiar a decisão de primeiro grau e desestimular a interposição de recurso meramente protelatório (art. 520, inciso VII, do Código de Processo Civil).

III – In casu, vislumbro possibilidade de dano de difícil reparação diante da não atribuição de eficácia suspensiva ao recurso, em especial levando-se em conside-ração a irreversibilidade da situação, tendo em vista a determinação de demoli-ção integral das construções existentes na área de preservação permanente, razão pela qual a decisão agravada deve ser reformada.

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IV – Agravo de instrumento provido.

(TRF 3ª R., 6ª T., Ag 2012.03.00.035220-2, Relª Desª Fed. Regina Costa, J. 04.04.2013, DE 12.04.2013)

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LEI Nº 7.347/1985, ART. 14 – EXCEÇÃO – ART. 520, II, CPC – TUTELA ANTECIPADA MANTIDA – RECEBIMENTO DA APELAÇÃO – EFEITO SUSPENSIVO E DEVOLUTIVO – AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO

1. Prejudicado o pedido de reconsideração deduzido pela agravada, tendo em vista o julgamento do agravo de instrumento nesse momento.

2. Aplica-se à hipótese o disposto no art. 14, Lei nº 7.347/1985, que estabeleceu a ação civil pública.

3. A regra, em se tratando de ação civil pública, é que o recurso de apelação só será recebido no efeito devolutivo.

4. A lei em comento prevê a exceção, que exige a possibilidade de dano irrepa-rável à parte. Da mesma forma, dispõe o art. 520 , CPC.

5. A regra é o recebimento da apelação em ambos efeitos.

6. A hipótese dos autos se submete à execução prevista no art. 520, VII, CPC, ou seja, será recebida a apelação somente no efeito devolutivo, quando interposta de sentença que confirmar a antecipação dos efeitos da tutela, porém, a questão dos autos implica a aplicação do art. 14, Lei nº 7.347/1985, uma vez que a de-molição integral das benfeitorias realizadas e a remoção de entulhos, ainda que não irremediavelmente irreversível, pois eventualmente poderiam ser refeitas, tem potencial de causar à parte – aqui incluído também o ocupante do imóvel – prejuízos, para levar a efeito a decisão, havendo, consoante as razões recursais expostas, verossimilhança em suas alegações.

7. Deve ser mantida a antecipação da tutela anteriormente outorgada.

8. Pedido de reconsideração prejudicado e agravo de instrumento provido.

(TRF 3ª R., 3ª T., Ag 2012.03.00.032810-8, Rel. Des. Fed. Nery Junior, J. 15.01.2015, DE 26.01.2015)

Em face de todo o exposto, dou provimento ao agravo de instrumento, restando prejudicado o agravo regimental.

É como voto.

Consuelo Yoshida Desembargadora Federal

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2209

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoApelação Criminal nº 5001022‑36.2013.4.04.7103/RSRelator: Leandro PaulsenApelante: Maico Alves RochaAdvogado: Moggar Beheregaray SilvaApelado: Ministério Público Federal

ementa

dIreIto peNal e proceSSual peNal – crIme amBIeNtal – peSca de eSpÉcIeS em extINção – art. 34, I, da leI Nº 9.605/41998 – decreto eStadual Nº 41.672/2002/rS – materIalIdade – autorIa – INaplIcaBIlIdade do prINcípIo da INSIgNIfIcÂNcIa

1. A pesca de espécie em extinção configura o crime previsto no art. 34, caput, inciso I, da Lei nº 9.605/1998.

2. Em situações excepcionalíssimas, pode ser reconhecida a insignificân-cia de delito ambiental.

3. O delito relacionado a espécies em extinção, por definição, é significa-tivo, independentemente do volume de animais envolvido.

acÓrDão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unani-midade, negar provimento à apelação da defesa, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de novembro de 2016.

Desembargador Federal Leandro Paulsen Relator

relatÓrio

O Senhor Desembargador Leandro Paulsen:

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1. Denúncia. O Ministério Público Federal ofereceu denúncia em face de Maico Alves Rocha, nascido aos 28.09.1984, e Nildo Correa Fagundes, nascido aos 29.09.1961, dando-os como incursos nas sanções do art. 34, pa-rágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.605/1998, assim narrando os fatos (Autos nº 50010223620134047103, evento 1 – INIC1):

“No dia 16 de setembro de 2011, no Rio Uruguai, em Itaqui/RS, em fiscalização no Rio Uruguai, manancial pertencente à União, policiais militares abordaram os denunciados, constatando que na embarcação e próximo ao local do desembar-que dos denunciados havia caixas de isopor contendo, ao todo, 04 (quatro) espé-cimes do peixe da espécie dourado, nome científico Salminus brasiliensis, e 02 (dois) espécimes do peixe da espécie surubim, nome científico Pseudoplatystoma corruscans e Pseudoplatystoma fasciatum, ambos de pesca proibida.

De fato, policiais militares, na data referida, avistaram uma embarcação, com dois tripulantes, aproximando-se de um acampamento às margens do Rio Uru-guai, na localidade conhecida como Salso, próximo à Ilha da Cruz, em Itaqui. Que estes tripulantes, ao descerem da embarcação, foram em direção ao acam-pamento, sendo abordados pelos agentes de fiscalização. No interior do barco havia dois peixes (um surubi e um dourado), enquanto no acampamento próximo ao local em que os tripulantes aportaram havia mais duas caixas de isopor com gelo contendo outros quatro peixes (um surubi e três dourados). Os tripulantes foram identificados como sendo Maico Alves Rocha e Nildo Correa Fagundes.

Deveras, a pesca das espécimes dourado (Salminus brasiliensis) e surubim (Pseu-doplatystoma corruscans e Pseudoplatystoma fasciatum) foram proibidas no es-tado do Rio Grande do Sul através do Decreto Estadual nº 41.672/2002, diploma que complementa a norma penal em branco em tela.”

A denúncia foi recebida em 09.05.2013 (evento 5 da ação penal).

Foi homologada a suspensão condicional do processo em relação ao réu Nildo Correa Fagundes e cindido o feito (evento 43 – TERMOAUDI1).

2. Sentença. Processado o feito, sobreveio sentença, publicada em 11.04.2016, que julgou procedente a pretensão punitiva estatal para condenar o réu Maico Alves Rocha à pena de 1 (um) ano e 3 (três) meses de detenção, em regime aberto, pela prática do delito previsto no art. 34, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.605/1998. Não houve a substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos, por ser o réu reincidente, nos termos do art. 44, inciso II, do CP (evento 134).

3. Apelação. Inconformado, apela o réu. Em suas razões, alega a aplica-ção do princípio da insignificância ao caso concreto, ao argumento de não ter ocorrido a apreensão de material de pesca de uso não permitido, nem notícia do número da rede de emalhar utilizada na captura das espécies ou do tipo de iscas usados, caracterizando ínfimo grau de lesividade da conduta, consi-

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derada, inclusive, a pequena quantidade de exemplares capturados. Sustenta, ainda, não ter praticado o delito, pois estava na água com o outro denunciado apenas para contribuir na navegação. Requer a reforma da sentença, com a sua absolvição ou o reconhecimento do princípio da insignificância (evento 153).

Foram apresentadas as contrarrazões (evento 156).

4. Parecer. Nesta Corte, a Procuradoria Regional da República ofereceu parecer pelo desprovimento do recurso (evento 5 – PARECER1).

É o relatório.

Peço dia.

Desembargador Federal Leandro Paulsen Relator

voto

O Senhor Desembargador Leandro Paulsen:

1. Pesca de espécie que deve ser preservada. Materialidade e autoria. Ao apelante foi imputada a prática do delito do art. 34, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.605/1998, que assim dispõe:

Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interdita-dos por órgão competente:

Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulati-vamente.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:

I – pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos infe-riores aos permitidos;

[...]

Consta dos autos que policiais militares estavam em patrulhamento em-barcado nas margens do Rio Uruguai, na localidade conhecida como salso, quando observaram um barco que se aproximava de um acampamento. Assim que realizaram a abordagem ao barco, identificaram os tripulantes e encontra-ram no seu interior dois peixes, um surubim e um dourado. Declararam, ainda, que próximo de onde o barco aportou foram encontradas mais espécimes, sen-do um surubim e três dourados, razão pela qual foram apreendidos o barco e os peixes.

A materialidade foi comprovada pelo Auto de Apreensão (evento 1, INQ3, p. 7), pelos Termos de Declarações (evento 1, INQ3, p. 6, 10-12, 24-26),

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pelo Laudo expedido pelo setor de Vigilância Sanitária vinculado à Prefeitura Municipal de Itaqui (evento 1, INQ3, p. 22), pelo Auto de Apreensão e/ou Inu-tilização (evento 1, INQ3, p. 23).

O inciso I do art. 34 prevê a expressão “espécies que devam ser preserva-das”, tratando-se de norma penal em branco. Evidentemente, no conceito de es-pécies que devem ser preservadas enquadram-se aquelas ameaçadas de extin-ção, sendo que o Decreto Estadual nº 41.672/2002, do Estado do Rio Grande do Sul, estabeleceu o que se entende por espécie ameaçada de extinção, in verbis:

Art. 1º Ficam declaradas como espécies da fauna silvestre ameaçadas de extin-ção, no território gaúcho, as constantes do Anexo deste Decreto.

Art. 2º Para os efeitos deste Decreto considera-se:

[...]

V – criticamente em perigo: categoria de ameaça que inclui as espécies sujeitas a risco extremamente alto de extinção em um futuro imediato; situação essa decor-rente de profundas alterações ambientais ou acentuado declínio populacional, ou ainda de intensa diminuição da área de distribuição geográfica do táxon;

VI – em perigo: categoria de ameaça que inclui as espécies que não se encontram criticamente em perigo mas correm um risco muito alto de extinção em um futuro próximo;

VII – vulnerável: categoria de ameaça que inclui as espécies que não se encon-tram criticamente em perigo nem em risco, mas correm um alto risco de extinção a médio prazo.

No anexo do referido Decreto, constam as duas espécies capturadas pelo réu, Salminus brasiliensis (Dourado), Pseudoplatystoma corruscans e Pseudo-platystoma fasciatum (ambos Surubim), como espécies vulneráveis e, sendo assim, ameaçadas de extinção a médio prazo. Importante mencionar que a de-cisão de inclusão dessas espécies na lista foi tomada por um grupo de cientistas e renomados especialistas na área, objetivando assegurar a sustentabilidade das citadas espécies.

O objeto jurídico tutelado pelo tipo legal é a fauna aquática, como des-dobramento da proteção do próprio ecossistema constitucionalmente protegido pelo art. 225 da CF. A pesca deve ser executada sempre em locais, épocas e de modo que não afete o equilíbrio ambiental, havendo restrição imposta pelos órgãos ambientais quando a proteção se faça necessária à preservação da fauna aquática.

De outro lado, não merece prosperar a tese brandida pela defesa de que o réu não teria participado da pesca das referidas espécies, considerado o fato de terem sido encontrados pertences do acusado no acampamento.

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A propósito, a sentença bem deslindou a controvérsia, em fundamenta-ção a que adiro, para evitar indesejada tautologia, verbis:

“A negativa de cometimento do delito por parte do réu, sustentando que estava apenas auxiliando o denunciado Nildo com a navegação, resta fragilizada ante o acervo probatório produzido nos autos. Não emergem dúvidas de que o réu prati-cou a conduta descrita na peça exordial acusatória, amoldando-se perfeitamente ao tipo penal imputado na denúncia.

O policial militar Roberio Moreira Leiria declarou na delegacia de polícia o se-guinte (EVENTO 1, INQ3, p. 6):

‘QUE EM PATRULHAMENTO EMBARCADO A GUARNIÇÃO CHEGOU EM UM ACAMPAMENTO À MARGEM DO RIO URUGUAI, LOCALIDADE CONHECIDA COMO SALSO, PRÓXIMO A ILHA DA CRUZ, FICANDO NO LOCAL A ESPERA DE UM BARCO QUE VINHA NA DIREÇÃO DO ACAMPA-MENTO. QUE O BARCO CHEGOU COM DOIS TRIPULANTES, OS QUAIS LOGO QUE DESCERAM DO BARCO EM DIREÇÃO AO ACAMPAMENTO, FORAM ABORDADOS E IDENTIFICADOS COMO SENDO, MAICO ALVES ROCHA E NILDO CORREA FAGUNDES. QUE NO INTERIOR DO BARCO TINHAM DOIS PEIXES, SENDO UM SURUBI E UM DOURADO. QUE PRÓ-XIMO AO LOCAL ONDE OS INDIVÍDUOS APORTARAM O BARCO, HAVIA DUAS CAIXAS DE ISOPOR COM GELO, ONDE HAVIAM MAIS PEIXES, UM SURUBI E TRÊS DOURADOS, QUE O BARCO E PEIXE FORAM APREENDI-DOS, QUE O FAZIAM PATRULHAMENTO EM VIRTUDE DE DENUNCIAS E REGISTRO DE FURTOS ABIGEATO, CRIMES DE CAÇA E PESCA DE FOR-MA PREDATÓRIA NO RIO URUGUAI, LOCAL CONHECIDO COMO ALA-GADOS DO SALSO, PRÓXIMO A ILHA DA CRUZ, QUE ALGUMAS DA DENUNCIAS, DESCREVIAM QUE OS AUTORES UTILIZAVAM UM BARCO COM CARACTERÍSTICAS SEMELHANTES AO BARCO APREENDIDO. QUE AMBOS INDIVÍDUOS SÃO CONHECIDOS DA GUARNIÇÃO PELA PRATI-CA DE DELITOS RELACIONADOS ÀS DENÚNCIAS.’

Em sede judicial, referida testemunha corroborou aquilo declarado em sede de investigação policial, acrescentando que no acampamento haviam petrechos de pesca do réu, conforme se verifica no Evento 120 – VIDEO2.

No mesmo sentido foi o depoimento do policial militar Jose Boaventura Fan Fagundes em sede pré-processual, pois referiu o seguinte (EVENTO 1, INQ3, p. 24):

‘Diz que estava em patrulhamento embarcado nas margens do Rio Uruguai, na localidade conhecida como Salso, próximo a ilha da cruz, que ficaram no local a espera de um barco que se aproximava de um acampamento. Diz que assim que o barco chegou realizaram abordagem, onde identificaram os tripulantes como sendo Maico Alves Rocha e Nildo Correa Fagundes, sendo encontrado no interior do barco dois peixes, um surubi e um dourado. Diz ainda que próximo ao local de onde aportou o barco, haviam duas caixas de isopor com gelo, sendo encontrado em seu interior mais peixes, um surubi e

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três dourados. Diante desse fatos foram o barco e os peixes apreendidos e os acusados trazidos a DP para registro.’

O policial militar Ricardo Barbosa Ribeiro narrou o seguinte na delegacia de polícia (EVENTO 1, INQ3, p. 25):

‘Diz que fazia parte da guarnição que estava em patrulhamento embarca-do nas margens do rio Uruguai, mais precisamente na localidade conheci-da como Salso, nas proximidades da ilha da cruz. Declara que avistaram um barco se aproximando de um acampamento, ocasião em que ficaram a sua espera, onde assim que o barco chegou no local realizaram abordagem, sendo os tripulantes identificados como Maico Alves Rocha e Nildo Correa Fagundes. Diz que no interior do barco foram entrados dois peixes, um surubi e um dourado. Declara que próximo ao local de onde aportou o barco, ha-viam duas caixas de isopor com gelo, e em seu interior mais peixes, um surubi e três dourados. Diante desses fatos foram o barco e os peixes apreendidos e os acusados conduzidos a DP para registro.’

O policial militar Valdemarino Viana do Amaral Junior, em seu depoimento na delegacia de polícia, narrou o seguinte (EVENTO 1, INQ3, p. 26):

‘Fazia parte da guarnição que estava em patrulhamento embarcado nas mar-gens do rio Uruguai, na localidade conhecida como Salso, proximidades da ilha da cruz. Declara que ao avistarem um barco se aproximando de um acampamento aguardaram se aproximar e realizaram abordagem, após os tri-pulantes foram identificados como sendo Maico Alves Rocha e Nildo Correa Fagundes. No interior do barco foram encontrados dois peixes, um surubi e um dourado, próximo ao local de onde o barco aporto haviam duas caixa de isopor com gelo, e em seu interior mais peixes, um surubi e três dourados. Diante desses fatos foram o barco e os peixes apreendidos e os acusados con-duzidos a DP para registro.’

[...]

Quanto à alegada tese do réu de que não teria participado da pesca de referidas espécies, destaco que, conforme depoimento da testemunha Roberio Moreira Leiria, havia petrechos de pesca do réu no acampamento, o que faz cair por terra a tese de que ele estaria apenas de passagem no acampamento, pois se dirigia para a cidade. Ainda, mesmo que, por ventura, fosse acolhida a tese de que Mai-co Alves Rocha estaria apenas auxiliando no contapeso e navegação do barco, sua conduta estaria enquadrada no inciso III do art. 34 da Lei nº 9.605/1998, c.

Dessa forma, em se tratando da prática do fato típico, antijurídico e culpável, estando devidamente comprovadas a materialidade e a autoria do delito, bem como ausentes qualquer causa excludente de ilicitude e culpabilidade, torna-se mister a condenação do réu Maico Alves Rocha, como incurso nas sanções do art. 34, parágrafo único, inciso I, da Lei nº 9.605/1998, incorrendo nas mesmas penas do caput.”

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No caso em tela, a defesa não se desincumbiu do ônus de comprovar a tese defensiva – o que era seu dever, nos termos do art. 156 do CPP –, e mera alegação não tem o condão de afastar as demais evidências que apontam para a efetiva responsabilização.

2. Princípio da insignificância. Embora a quantidade de espécies apreen-didas com o réu tenha sido relativamente pequena (6 espécimes), não há como aplicar o princípio da insignificância ao caso. Isso porque o crime em questão independe da quantidade pescada, configurando-se com a ação de pescar espé-cies ameaçadas de extinção, dado o caráter danoso ao meio ambiente.

Não se desconhece da possibilidade de aplicação do princípio da insig-nificância aos delitos ambientais. Todavia, nos casos em que for destinada uma maior proteção ao bem tutelado pela legislação, como no caso de pesca de es-pécies em extinção, não há como incidir tal princípio, destinado somente, frise--se, a casos excepcionais em que a ofensa ao bem jurídico mostrar-se ínfima.

Impende dizer que a Lei nº 9.605/1998 já prevê, como regra, penas le-ves que possibilitam a aplicação de institutos como a suspensão condicional do processo, o que corrobora o entendimento de que o princípio em tela deve incidir somente em hipóteses excepcionais.

A posição desta Corte, aliás, é mesmo restritiva quanto à aplicação do princípio da insignificância a crimes ambientais, como exemplifico pelos se-guintes julgados:

DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL – CRIME AMBIENTAL (ART. 34 DA LEI Nº 9.605) – INSIGNIFICÂNCIA – APLICAÇÃO EXCEPCIONAL – Admite-se, em casos excepcionais, a aplicação da excludente da insignificância penal para delitos ambientais, quando provada a absoluta ausência de lesividade na conduta dos agentes. (TRF 4ª R., 5002249-15.2014.404.7204, 8ª T., Rel. p/ Ac. Leandro Paulsen, juntado aos autos em 27.10.2014)

PENAL – CRIME AMBIENTAL – PESCA – PERÍODO PROIBIDO – ART. 34 DA LEI Nº 9.605/1998 – INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDADE – 1. Não se aplica o princípio da insignificância em delitos ambientais quando é destinada especial proteção legal ao bem jurídico tutelado pelo tipo penal, cuja violação reveste-se de maior gravidade, como a pesca em local proibido (v.g., Reservas Ecológicas) ou em período proibido, ou a captura de espécimes ameaçados de extinção. 2. A pesca em período proibido, com a ciência da ilicitude da conduta, configura o crime previsto no art. 34, caput, da Lei nº 9.605/1998. (TRF 4ª R., HC 5026469-58.2014.404.0000, 7ª T., Rel. p/ Ac. Márcio Antônio Rocha, juntado aos autos em 15.01.2015)

Assim, não há falar na aplicação do princípio da insignificância.

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3. Dosimetria. Ao magistrado, valendo-se das balizas normativas estabe-lecidas de forma bastante detalhada pelo Código Penal, cabe a tarefa de indivi-dualizar a pena de forma proporcional à conduta praticada pelo réu. A meu ver, somente cabe a intervenção deste Tribunal quando houver nítido descompasso entre os critérios utilizados na dosimetria e os fatos em julgamento. É sob tal perspectiva que passo a analisar a dosimetria das penas impostas ao acusado.

A pena-base foi fixada no mínimo legal, 1 (um) ano de detenção.

Na segunda fase, o juiz de origem considerou a existência da agravan-te de reincidência, pois conforme se extrai da consulta realizada perante os bancos de dados relativos à Justiça Comum (evento 124, CERTANTCRIM2), o réu possui condenação com trânsito em julgado em 30.11.2010 – referente ao Processo nº 030/2.09.0000619-7, pela prática de porte ilegal de arma de fogo, tendo sido extinto o cumprimento da pena em 11.06.2013 – motivo pela qual a pena foi agravada em 3 (três) meses.

Na terceira fase, ante a inexistência de causas de aumento ou de dimi-nuição de pena, tornou a pena definitiva em 1 (um) ano e 3 (três) meses de detenção.

O regime fixado foi o aberto, nos termos do art. 33, § 2º, do CP.

A pena privativa de liberdade não foi substituída pela restritiva de direi-tos, em face da reincidência do réu, nos termos do art. 44, inciso II, do CP.

Assim, não merece reforma a r. sentença, tendo em vista a proporciona-lidade da pena fixada.

4. Execução provisória da pena. O Plenário do STF, nos autos do HC 126.292/SP, entendeu que a possibilidade de início da execução da pena con-denatória após a confirmação da sentença em segundo grau não ofende o prin-cípio constitucional da presunção de inocência. A recente decisão da Corte Constitucional representa mudança de paradigma, passando-se a admitir a exe-cução provisória quando esgotada a jurisdição ordinária, à qual compete ree-xame de provas, reconhecendo o caráter meramente devolutivo dos Recursos Especial e Extraordinário.

No mesmo sentido já vinham se pronunciando esta Turma e a 4ª Seção, restando consolidado o entendimento de que o exaurimento do julgamento pe-rante este Tribunal, e do competente prazo para interposição do recurso de embargos de declaração, permite a imediata execução da pena. Portanto, assim que implementadas tais condições, o juízo de origem deverá ser comunicado para dar início à execução da pena.

Dispositivo. Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.

Desembargador Federal Leandro Paulsen Relator

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Parte Geral – Acórdão na Íntegra

2210

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira LimaPoder JudiciárioApelação Cível nº 576412 – SE (0003373‑20.2013.4.05.8500)Apte.: Jorge dos SantosRepte.: Defensoria Pública da União Apdo.: Ministério Público FederalOrigem: 3ª Vara Federal de Sergipe (Competente p/Execuções Penais)Relator: Des. Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima

ementa

admINIStratIvo e amBIeNtal – ação cIvIl púBlIca – depóSIto de reSíduoS SólIdoS e de materIaIS de coNStrução em ecoSSIStema maNguezal – degradação de área de preServação permaNeNte – reSpoNSaBIlIdade oBJetIva em Sede de daNo amBIeNtal – art. 14, § 1º, da leI Nº 6.938/1981 – SeNteNça maNtIda

1. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva e solidária de todos os transgressores, como deflui da norma do § 1º, do art. 14, da Lei nº 6.938/1981, que definiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Por-tanto, aos agentes poluidores compete demonstrar a presença de causas de exclusão da responsabilidade objetiva, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito, a força maior ou a ausência de nexo causal entre o dano ambiental e a conduta poluidora que o provocou.

2. Ocorre que na hipótese, resta demonstrada, inequivocamente, a irre-gular utilização de área de preservação permanente (depósito de material de construção e descarte de resíduos sólidos em ecossistema manguezal), pelo réu. Daí que não há como lhe conferir o benefício da excludente de responsabilidade, dado que a única dúvida fática suscitada – de que outros moradores da localidade também se utilizam da malsinada con-duta – não lhe aproveita, eis que fora justamente a indevida utilização da área pelo recorrente que findou por criar as condições para que o local fosse considerado área de recebimento de entulho ou lixo

3. Presentes todos os requisitos para a configuração da responsabilidade objetiva – prática do ato ilícito, configuração do dano ambiental e nexo de causalidade, a manutenção da sentença é medida que se impõe.

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4. Apelação não provida.

acÓrDão

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas.

Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado.

Recife, 29 de novembro de 2016.

Paulo Roberto de Oliveira Lima Desembargador Federal Relator

relatÓrio

O Sr. Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima (Relator):

Apelação interposta por Jorge dos Santos em face de sentença (fls. 86/91), que nos autos da ação civil pública, proposta pelo Ministério Público Federal, julgou procedente o pedido para determinar ao réu: a) apresentação à Admi-nistração Estadual do Meio Ambiente do Estado de Sergipe (Adema), no prazo de trinta dias, projeto de recuperação de área degradada (PRAD), lavrado por profissional habilitado; b) correção do PRAD, caso necessário, de acordo com análise da Adema; c) execução do PRAD, após sua aprovação definitiva pela Adema, com o cumprimento integral das medidas de recuperação do dano am-biental e do cronograma de execução definitivos.

Em suas razões de apelo, aduz, em síntese, que o nexo de causalidade entre a sua conduta e o dano ambiental não ficou demonstrado. Argui que a área é paisagem antropizada (área cujas características originais foram altera-das pela atividade humana) e urbanizada, bem assim que já havia supressão da vegetação antes do réu utilizá-la. Sustenta que o MPF apenas comprovou o dano ambiental, mas não o seu autor. Alfim, afirma que o depósito de entulho foi feito pela população do local e, portanto, a recuperação da área não poderia ser imposta apenas ao apelante.

Contrarrazões apresentadas pelo MPF (fls. 113/116-v), bem assim parecer pelo não provimento do apelo (122/127).

É, no essencial, o relatório.

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voto

O Sr. Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima (Relator):

Cinge-se a questão em saber se houve ou não nexo de causalidade entre a conduta do apelante e o dano ambiental.

Sabe-se que a responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva e solidária de todos os transgressores, como deflui da norma do § 1º, do art. 14, da Lei nº 6.938/1981, que definiu a Política Nacional do Meio Ambiente, verbis (sem grifo no original):

Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadu-al e municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:

I – à multa simples ou diária, nos valores correspondentes, no mínimo, a 10 (dez) e, no máximo, a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional – ORTNs, agravada em casos de reincidência específica, conforme dispuser o regulamento, vedada a sua cobrança pela União se já tiver sido aplicada pelo Estado, Distrito Federal, Territórios ou pelos Municípios.

II – à perda ou restrição de incentivos e benefícios fiscais concedidos pelo Poder Público;

III – à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em esta-belecimentos oficiais de crédito;

IV – à suspensão de sua atividade.

§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

[...]

Portanto, a partir de simples leitura do aludido dispositivo, conclui-se que aos agentes poluidores compete demonstrar a presença de causas de ex-clusão da responsabilidade objetiva, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito, a força maior ou a ausência de nexo causal entre o dano ambiental e a conduta poluidora que o provocou.

Ocorre que na hipótese, resta demonstrada, inequivocamente, a irregular utilização de área de preservação permanente (depósito de material de constru-ção e descarte de resíduos sólidos em ecossistema manguezal), pelo réu. É farta a comprovação de que o ora apelante utiliza de área de preservação permanen-te para depósito de material de construção, bem assim que parte desse material

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é descartado no próprio sistema manguezal. Em rigor, o Sr. Jorge dos Santos, admitiu que de fato utiliza ou utilizou dessa área para depositar seus materiais. De todo modo, também as Peças de Informação – PI 1.35.000.001052/2012-74, ajuntadas aos autos pelo Ministério Público Federal (fls. 01/40, Apenso 1 e fls. 63/66).

Daí que não há como lhe conferir o benefício da excludente de respon-sabilidade, dado que a única dúvida fática suscitada – de que outros moradores da localidade também se utilizam da malsinada conduta – não lhe aproveita, eis que fora justamente a indevida utilização da área pelo recorrente que findou por criar as condições para que o local fosse considerado área de recebimento de entulho ou lixo

Presentes todos os requisitos para a configuração da responsabilidade objetiva – prática do ato ilícito, configuração do dano ambiental e nexo de cau-salidade, a manutenção da sentença é medida que se impõe.

Com essas breves considerações, nego provimento à apelação.

É como voto.

Paulo Roberto de Oliveira Lima Desembargador Federal

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência 2211 – Ação civil pública – Angra dos Reis – construção de deck e píer – costão rochoso e

espelho d’água – acordo de compensação ambiental – prova pericial – necessidade“Administrativo. Ação civil pública. Angra dos Reis. Construção de deck e píer sobre costão rochoso e espelho d’água. Acordo de compensação ambiental. Insuficiência probatória. Con-flito ente dois laudos técnicos produzidos. Prova pericial. Necessidade. 1. Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Município de Angra dos Reis em razão da construção de um deck e um píer sobre costão rochoso e espelho d’água, tendo a sentença acolhido apenas em parte a pretensão autoral, determinando a demolição das construções, mas afastando a necessidade de pagamento de valores a título de recuperação da área e de reparação do dano ambiental coletivo. 2. Tratando-se de tutela dirigida à reparação/recuperação do meio ambiente supos-tamente lesado, direito indisponível por natureza, deve ser privilegiada a busca da verdade real, dando-se a máxima efetividade ao disposto no art. 130 do Código de Processo Civil, em vigor na época da prolação da sentença. 3. Embora o laudo técnico que embasou ‘acordo de compensação ambiental’ tenha concluído que o ecossistema já estaria equilibrado e que ‘novas intervenções poderão alterar significativamente este ecossistema’, há nos autos outro laudo, também elaborado pelo Município, em sentido oposto (fls. 202 e seguintes). Segundo o primeiro laudo anexado nos autos (fls. 202 e seguintes), além do dano ambiental, orçado em R$ 70.000,00, apenas R$ 9.800,00 a menos que o elaborado para fundamentar o acordo mais de quatro anos depois, haveria necessidade de remoção do deck e do píer. 4. Existindo dois laudos técnicos nos autos, ambos produzidos pelo Município Autor, mas com conclusões diferentes acerca da necessidade de remoção da construção e sobre a valoração do dano, deve ser realizada prova pericial para dirimir tal controvérsia, sendo certo que, somente após a colheita de tal evidência, será possível aferir se o acordo de compensação ambiental trazido aos autos importou realmente na integral reparação do prejuízo ambiental. 5. Com vistas a viabilizar a integral reparação do dano eventualmente constatado, é necessário que o Ibama e o Inea, além da União Federal que já interveio no feito, sejam instados a acompanhar a prova pericial a ser realizada. 6. Sentença anulada de ofício. Prejudicados os recursos de apelação.” (TRF 2ª R. – AC 0000444-53.2008.4.02.5111 – 8ª T.Esp. – Rel. Marcelo Pereira da Silva – DJe 13.01.2017)

2212 – Ação civil pública – extração de aréola sem licença – dever de reparar o meio am-biente – configuração

“Direito ambiental e processo civil. Ação civil pública. Apelação. Extração de aréola sem licença. Dever de reparar o meio ambiente. Responsabilidade objetiva. Nexo causal. Existên-cia. Absolvição na ação penal. Independência das esferas cível e criminal. Hipossuficiência financeira. Bloqueio cautelar de bens e astreintes. Manutenção. Garantia da efetividade da prestação jurisdicional. 1. A sentença em Ação Civil Pública condenou solidariamente so-ciedade empresária, seu sócio administrador e outras três pessoas físicas, inclusive em tutela antecipada, a iniciarem, em 30 (trinta) dias, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, a ime-diata recuperação de área degradada por extração de aréola sem licença ambiental, no Sítio Nossa Senhora da Conceição, na Estrada de Perobas, Km 27, Perobas, Itaboraí/RJ, de acordo com Projeto de Recuperação a ser elaborado pela própria parte ré e aprovado pelo MPF ou por órgão por ele indicado, além do bloqueio de bens dos réus no valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Também foram condenados solidariamente a não fazer exploração mi-neral da área sem autorização dos órgãos competentes, pena da mesma multa, e a reparar os danos causados ao ambiente, em valor a ser apurado em liquidação da sentença. 2. O direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, protegido pelo Poder Público e preservado pela coletividade, conforme a Constituição, art. 225, impõe ao infrator da legislação ambiental

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o dever de reparar os danos causados. A principiologia que norteia o Direito Ambiental, aí incluídos os princípios do ambiente ecologicamente equilibrado, o do direito fundamental da pessoa humana, da proibição de retrocesso ambiental e da reparação integral, reforça a rele-vância da tutela ambiental, que imprescinde da rigorosa observância do dever de reparação. 3. A lesão ao ambiente, pela extração de minério sem licença ambiental foi sobejamente com-provada pelo auto de prisão em flagrante, oitiva de testemunhas e comprovação documental de que a sociedade empresária não tinha licença de qualquer órgão ambiental para a extração mineral. 4. A absolvição do sócio-administrador, do caseiro do sítio onde ocorria a extração e do funcionário que emitia as notas fiscais de venda da aréola, na ação penal em que lhes foram imputados os crimes do art. 55 da Lei nº 9.605/1998 e art. 2º da Lei nº 8.176/1991, não lhes aproveita na Ação Civil Pública. Na seara ambiental, o nexo causal que liga a atividade empresarial ao dano estende-se aos administradores ou gerentes que, nessa condição, sejam beneficiários dos lucros auferidos na atividade lesiva. Responde objetivamente o diretor, ad-ministrador, auditor, gerente, preposto ou mandatário da pessoa jurídica poluidora. Preceden-tes do STJ e TRF2. 5. O réu dono de 90% das cotas da sociedade e seu único administrador, de acordo com o contrato social, tem cristalina responsabilidade, inclusive porque sequer alegou, na ACP, estar afastado das funções de gestão na época do flagrante. Somente no apelo alegou, vagamente, que ‘sequer tinha conhecimento dos fatos’ e não estava ‘naquele local’, muito pouco para afastar a sua responsabilidade como gestor e principal destinatário dos lu-cros da empresa infratora. 6. O caseiro, que guardava uma espingarda calibre 36 apreendida na operação de busca e apreensão, era responsável pela segurança e operava diretamente a extração do mineral no momento do flagrante; o outro funcionário ajudava na organização da atividade ilícita, na contagem e controle dos caminhões, emissão das notas fiscais e o re-cebimento dos valores pagos pela aréola, funções estratégicas dentro de atividade que, tudo indicava, só poderia ser clandestina, pois realizada entre quatro e oito horas da manhã; não é crível que desconhecessem o caráter ilícito da conduta, agindo portanto, com dolo, ao me-nos eventual. 7. Inexiste incoerência em relação às conclusões do Juízo Criminal. As esferas são independentes e não houve, naquele julgamento, absolvição por negativa de autoria do fato ou inocorrência material do próprio evento, art. 386, I e IV, do CPP, sendo suficientes as provas produzidas no Juízo Cível para concluir pela corresponsabilidade de todos os réus pelo dano ambiental. 8. A pessoa jurídica e o preposto flagrado na coordenação da extração mineral clandestina respondem pelos danos ambientais, inclusive em razão do trânsito em julgado do acórdão da 2ª Turma Especializada que os condenou pelo crime do art. 55 da Lei nº 9.605/1998. 9. A alegada hipossuficiência financeira, inclusive da pessoa jurídica, não afasta a pena de multa diária em caso de descumprimento das determinações do juízo, nem o bloqueio de bens até o valor de R$ 1 milhão, necessário para garantir a elaboração, apro-vação e execução do plano de recuperação ambiental e a indenização pelos danos ao meio ambiente, garantindo a efetividade da prestação jurisdicional. Não alcançando o patrimônio dos apelantes tal quantia, o bloqueio há de ser efetuado dentro das possibilidades financeiras de cada um, sem atingir valores destinados a garantir-lhes o mínimo existencial. 10. Apelação desprovida.” (TRF 2ª R. – AC 0000105-33.2013.4.02.5107 – 6ª T.Esp. – Relª Nizete Antônia Lobato Rodrigues Carmo – DJe 29.11.2016)

2213 – Ação civil pública – extração irregular de areia – leito de rio – não comprovação“Apelação cível. Ação civil pública. Direito ambiental. Extração irregular de areia do leito do rio. Não comprovação. Ausência de elementos mínimos. Danos não evidenciados. Impro-cedência. Manutenção. 1. Não obstante recaia sobre a empresa Apelada a responsabilidade objetiva pelos atos praticados, bem como ser viável a inversão do ônus da prova, com base

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no princípio da precaução e de acordo com as disposições do CDC e jurisprudência já con-solidada, entende-se que esta não se afigura possível na hipótese, uma vez que as alegações descritas pelo Parquet não restaram minimamente comprovadas. 2. Ausente qualquer prova, ainda que indiciária, do suposto dano ambiental decorrente da suposta extração de areia do leito do rio, cabe manter a improcedência da presente Ação Civil Pública, pela inexistência de um dos pressupostos para o nascedouro da responsabilidade civil. 3. Apelação Cível conhe-cida e improvida. 4. Unanimidade.” (TJMA – AC 3704-93.2014.8.10.0029 – (194545/2016) – Rel. Des. Ricardo Duailibe – DJe 13.12.2016)

2214 – Ação civil pública – lançamento de efluentes brutos – corpos hídricos – dano am-biental e à saúde da população local – concessão da medida urgente – aplicação de multa diária – possibilidade

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Direito ambiental. Lançamento de efluentes bru-tos (esgoto) oriundos do presídio de Caratinga em corpos hídricos do município. Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) com funcionamento precário. Relatórios técnicos com a consta-tação da irregularidade. Contaminação e perda de qualidade da água. Dano ambiental e à saúde da população local. Concessão da medida urgente. Aplicação de multa diária. Possibili-dade. 1. Verificadas a precariedade do sistema de esgotamento sanitário da unidade prisional do Município de Caratinga e a omissão do Estado de Minas Gerais em relação ao lançamento de efluentes brutos diretamente nos corpos hídricos da região, deve ser concedida a medida liminar para que a situação seja regularizada no prazo de 1 (um) ano, sob pena de se propor-cionar a potencialização do dano ambiental já provocado, bem como de prejudicar ainda mais a saúde da população local. 2. A teor do § 1º do art. 536 do CPC/2015 e do art. 11 da Lei nº 7.347/1985, cabível a fixação de multa pecuniária contra a Fazenda Pública em sede de Ação Civil Pública com preceito cominatório.” (TJMG – AI-Cv 1.0134.15.003684-3/001 – 1ª C.Cív. – Rel. Edgard Penna Amorim – DJe 19.12.2016)

2215 – Ação civil pública – loteamento – regularização – limitação às obras essenciais – Estatuto da Cidade – dever municipal – observância

“Administrativo. Loteamento. Regularização. Art. 40 da Lei nº 6.766/1979. Estatuto da Ci-dade. Dever municipal. Limitação às obras essenciais. 1. Trata-se, na origem, de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul contra o Município de Soledade visando à regularização de loteamento urbano a fim de adequá-lo à legislação nacional, estadual e municipal, com a realização de obras de infraestrutura e a reparação do dano ambiental existente. 2. Em primeiro grau, o pedido foi julgada improcedente. 3. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul deu provimento ao apelo para reconhe-cer a responsabilidade do Município de Soledade pela regularização do loteamento com as seguintes restrições: ‘regularização quanto a (1) vias de circulação; (2) escoamento de águas pluviais; (3) rede de abastecimento de água potável; (4) rede de energia elétrica, inclusive domiciliar; e (5) esgoto sanitário’. 4. Não é possível afastar peremptoriamente a responsa-bilidade do Município, devendo esse ser condenado a realizar somente as obras essenciais a serem implantadas, em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei Lehmann). 5. Existe o poder-dever do Município, mas a sua atuação deve se restringir às obras essenciais a serem implantadas, em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei nº 6.799/1979), em especial à infraestrutura necessária para inserção na malha urbana, como ruas, esgoto, energia e iluminação pública, de modo a atender aos mo-radores já instalados, não havendo esse dever em relação a parcelas do loteamento irregular ainda não ocupadas, sem prejuízo do também dever-poder da Administração de cobrar dos

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responsáveis os custos em que incorrer na sua atuação saneadora. 6. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.594.361 – (2015/0292160-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016 – p. 3981)

Comentário Editorial SÍnTESEExiste o poder – dever do Município em restringir as obras essenciais na implantação de loteamento?

Essa foi a discussão levantada no Recurso Especial, interposto contra acórdão assim ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – LOTEAMENTO IRREGULAR – OCUPAÇÃO DE ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – PROVA CARREADA AOS AUTOS – RES-PONSABILIDADE DO MUNICÍPIO

Conforme revela a prova carreada aos autos, o instituidor do parcelamento urbano não realizou as obras de infraestrutura, nem o levou a registro no Oficio imobiliário.

Compete ao Município promover o adequado ordenamento territorial, mediante o controle do uso e parcelamento do solo urbano, por isso, tem o dever de regularizar o loteamento irregular (art. 40 da Lei nº 6.766/1979).

Como parte do local, ocupado irregularmente, se constitui em área de preservação per-manente, impossível a sua regularização, deve o Município ser obrigado a remover os ocupantes.

Dever que se extrai do art. 225 da CF e da Lei nº 6.938/1981.

Limitações e explicitações, estabelecidas pela maioria, quanto ao alcance do comando decisório.

Apelação parcialmente provida.”

O Município de Soledade recorreu da decisão acima relacionada, sob alegação de violação do art. 40 da Lei nº 6.766/1979 argumentando que a responsabilidade pela regularização do loteamento é exclusiva do loteador não podendo o Município ser obrigado a realizá-lo, ainda que exista o dever de fiscalizar tal regularização.

Ao negar provimento ao Recurso Especial, assim manifestou-se o nobre Ministro:

“[...] Prossegui no voto-vista examinando questões mais específicas daquele processo, mas registro que destaquei o entendimento de que o correto seria as instâncias ordinárias apontarem quais as obras a serem realizadas.

Disse, então, ‘pode tratar-se de melhorias necessárias, como ruas e iluminação pública para servir aos loteamentos já ocupados por moradores, hipótese em que caberia ao Muni-cípio implementá-las. Mas também pode-se estar a referir a vias que atendam lotes ainda não comercializados ou outras obras não essenciais previstas no loteamento aprovado, mas inexistentes no restante da malha urbana, cuja implantação não pode ser imputada ao Poder Público’.

Conclui, dizendo que não é possível afastar peremptoriamente a responsabilidade do Município, devendo esse ser condenado a realizar somente as obras essenciais a serem implantadas, em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei Lehmann).

Essa a solução que entendo cabível para o caso concreto. Existe o poder-dever do Muni-cípio, mas a sua atuação deve se restringir às obras essenciais a serem implantadas, em conformidade com a legislação urbanística local (art. 40, § 5º, da Lei nº 6.799/1979), em especial à infraestrutura necessária para a inserção na malha urbana, como ruas, esgoto, energia e iluminação pública, de modo a atender aos moradores já instalados, não ha-vendo esse dever em relação a parcelas do loteamento irregular ainda não ocupadas, sem

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prejuízo do também dever-poder da Administração de cobrar dos responsáveis os custos em que incorrer na sua atuação saneadora.

Cumpre ressaltar, nesse ponto, que referido o entendimento foi adotado pela Primeira Seção no julgamento do REsp 1.164.893/SE, ainda não publicado.

In casu, como se verifica no excerto acima transcrito do acórdão recorrido, o Tribunal a quo adotou o posicionamento supramencionado, pois condenou o ora recorrente a provi-denciar o que ‘estabelece o § 6º e do art. 2º Lei nº 6.766/1979 a regularização quanto a (1) vias de circulação; (2) escoamento de águas pluviais; (3) rede de abastecimento de água potável; (4) rede de energia elétrica, inclusive domiciliar; e (5) esgoto sanitário’. [...]”

2216 – Ação civil pública – Parque Nacional da Tijuca – ocupação irregular – omissão dos órgãos públicos identificada – obrigação de reparar os danos ambientais – configu-ração

“Apelação cível. Ação civil pública. Parque Nacional da Tijuca. Ocupação irregular. Omis-são dos órgãos públicos identificada. Obrigação de reparar os danos ambientais. Honorários advocatícios. Descabimento. Ausência de má-fé. 1. Trata-se de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal contra ocupantes de imóvel localizado na Floresta da Tijuca e contra a União Federal, Município do Rio de Janeiro e o ICMBio. A sentença acolheu em parte o pedido para condenar os ocupantes a deixarem o local, a União Federal a se imitir na posse do bem e a transferir a sua administração ao ICMBio, que foi condenado a apresentar e a executar Projeto de Recuperação da Área Degradada. 2. Tratando-se de imóvel funcional ocupado ao longo de vários anos por inúmeras pessoas e não havendo prova acerca da data do início da ocupação realizada por cada um deles e das condições da área em tais épocas, não é possível impor aos ocupantes remanescentes a obrigação de reparar o dano ambiental eventualmente causado, cabendo ICMBio, sucessor do Ibama, efetuar a recuperação do local em virtude de sua omissão em desocupar a área. 3. Ausente prova efetiva acerca do estado de necessidade dos réus, descabe impor ao Município a obrigação de beneficiá-los em eventual programa de concessão de moradias populares. 4. Consoante o disposto no art. 18 da Lei nº 7.347/1985, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em Ação Civil Públi-ca é restrita às hipóteses nas quais há comprovada má-fé do condenado. 5-Remessa necessária provida em parte. Apelo da União provido.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0033337-54.2013.4.02.5101 – 8ª T.Esp. – Rel. Marcelo Pereira da Silva – DJe 09.12.2016)

2217 – Área de preservação permanente – construção – demolição da edificação – inviabi-lidade

“Ação civil pública. Processo julgado nos termos do art. 942 do CPC. Meio ambiente. Cons-trução em área de preservação permanente. Demolição da edificação. Inviabilidade. Área urbana de ocupação histórica. Zona urbana consolidada. Princípio da proporcionalidade. Hipótese na qual a edificação sub judice está localizada em área de preservação permanente (Unidade de Conservação), mais precisamente em Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná, área de proteção ambiental criada por Decreto do Vice-Presidente da República de 20.09.1997, tratando-se, entrementes, de área urbana de ocupação histórica que remonta, pelo menos, à década de 1960, não havendo vegetação no local desde longa data e estando presente toda uma infraestrutura no Distrito, com rede de esgoto, pavimenta-ção de ruas, energia elétrica e água potável. A revisão do Zoneamento Ecológico Econômico (Decreto nº 070/2007) da Área de Preservação Ambiental do Município de Alto Paraíso (cujo nome anterior, logo depois da emancipação política de Umuarama, era Vila Alta), permitiu, expressamente, a construção de residências fixas/de veraneio em terrenos/loteamentos já par-

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celados e legalizados, obedecendo aos padrões e a taxa de ocupação do lote, estabelecido pelo Plano Diretor ou Zoneamento Urbano específico. Conforme o novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), art. 65, na regularização fundiária de interesse específico dos assentamen-tos inseridos em área urbana consolidada e que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização ambiental será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009. Cumpre à Administração Pública local, com o auxílio dos órgãos ambientais, dar início ao processo de regularização fundiária dessa área urbana consolidada, inclusive, com a exigência de eventuais condicionantes ambientais, como o recuo das edificações à distância compatível com a legislação ambiental, respeitadas as características da localidade, a fim de garantir a preservação do meio ambiente para as futuras gerações. Não se exime a parte ré, em ulterior processo de regularização fundiária daquela área urbana consolidada, de se submeter às eventuais condicionantes impostas pelos órgãos ambientais ao exercício de seu direito de moradia e lazer no imóvel, inexistindo direito adquirido à degradação ambiental.” (TRF 4ª R. – AC 5001665-97.2013.4.04.7004 – Rel. p/o Ac. Des. Fed. Ricardo Teixeira do Valle Pereira – J. 01.12.2016)

2218 – Área de preservação permanente – depósito de resíduos sólidos e materiais de construção – manguezal – degradação – configuração

“Administrativo e ambiental. Ação civil pública. Depósito de resíduos sólidos e de materiais de construção em ecossistema manguezal. Degradação de área de preservação permanente. Responsabilidade objetiva em sede de dano ambiental. Art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981. Sentença mantida. 1. A responsabilidade civil por dano ambiental é objetiva e solidária de todos os transgressores, como deflui da norma do § 1º do art. 14 da Lei nº 6.938/1981, que definiu a Política Nacional do Meio Ambiente. Portanto, aos agentes poluidores compete demonstrar a presença de causas de exclusão da responsabilidade objetiva, como a culpa exclusiva da vítima, o caso fortuito, a força maior ou a ausência de nexo causal entre o dano ambiental e a conduta poluidora que o provocou. 2. Ocorre que na hipótese, resta demonstra-da, inequivocamente, a irregular utilização de área de preservação permanente (depósito de material de construção e descarte de resíduos sólidos em ecossistema manguezal), pelo réu. Daí que não há como lhe conferir o benefício da excludente de responsabilidade, dado que a única dúvida fática suscitada – de que outros moradores da localidade também se utilizam da malsinada conduta – não lhe aproveita, eis que fora justamente a indevida utilização da área pelo recorrente que findou por criar as condições para que o local fosse considerado área de recebimento de entulho ou lixo. 3. Presentes todos os requisitos para a configuração da responsabilidade objetiva – prática do ato ilícito, configuração do dano ambiental e nexo de causalidade, a manutenção da sentença é medida que se impõe. 4. Apelação não provida.” (TRF 5ª R. – AC 0003373-20.2013.4.05.8500 – (576412/SE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima – DJe 05.12.2016)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de apelação interposta em face da sentença que nos autos da ação civil pública, proposta pelo Ministério Público Federal, julgou procedente o pedido para determinar ao réu: “[...] a) apresentação à Administração Estadual do Meio Ambiente do Estado de Ser-gipe (Adema), no prazo de trinta dias, projeto de recuperação de área degradada (Prad), lavrado por profissional habilitado; b) correção do Prad, caso necessário, de acordo com análise da Adema; c) execução do Prad, após sua aprovação definitiva pela Adema, com

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o cumprimento integral das medidas de recuperação do dano ambiental e do cronograma de execução definitivos”.

O Réu, em suas razões de apelo, aduziu que o dano ambiental e o nexo de causalidade da conduta não ficaram demonstrados.

Arguiu que “[...] a área é paisagem antropizada (área cujas características originais foram alteradas pela atividade humana) e urbanizada, bem assim que já havia supressão da ve-getação antes do réu utilizá-la. Sustenta que o MPF apenas comprovou o dano ambiental, mas não o seu autor. Alfim, afirma que o depósito de entulho foi feito pela população do local e, portanto, a recuperação da área não poderia ser imposta apenas ao apelante”.

Diante do exposto, entendeu o d. Relator:

“[...]

Ocorre que, na hipótese, resta demonstrada, inequivocamente, a irregular utilização de área de preservação permanente (depósito de material de construção e descarte de re-síduos sólidos em ecossistema manguezal), pelo réu. É farta a comprovação de que o ora apelante utiliza de área de preservação permanente para depósito de material de construção, bem assim que parte desse material é descartado no próprio sistema man-guezal. Em rigor, o Sr. Jorge dos Santos admitiu que de fato utiliza ou utilizou dessa área para depositar seus materiais. De todo modo, também as Peças de Informação – PI 1.35.000.001052/2012-74, ajuntadas aos autos pelo Ministério Público Federal (fls. 01/40, Apenso 1 e fls. 63/66).

Daí que não há como lhe conferir o benefício da excludente de responsabilidade, dado que a única dúvida fática suscitada – de que outros moradores da localidade também se utilizam da malsinada conduta – não lhe aproveita, eis que fora justamente a indevida utilização da área pelo recorrente que findou por criar as condições para que o local fosse considerado área de recebimento de entulho ou lixo.

Presentes todos os requisitos para a configuração da responsabilidade objetiva – prática do ato ilícito, configuração do dano ambiental e nexo de causalidade, a manutenção da sentença é medida que se impõe. Com essas breves considerações, nego provimento à apelação.

É como voto.”

Assim, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região negou provimento à apelação.

2219 – Área de preservação permanente – desocupação – retirada de embarcação – possi-bilidade

“Agravo de instrumento. Processo civil. Ação civil pública ambiental. Desocupação de área de preservação permanente. Retirada de embarcação. Afixação de placas no local pelo réu informando a existência do litígio. Recurso parcialmente provido. 1. O Ministério Público Fe-deral ajuizou Ação Civil Pública postulando a desocupação e remoção da embarcação ‘Tali-joma’ da área de preservação permanente da Estrada Codrasa, a reparação do dano ambiental causado, bem como a condenação dos réus ao pagamento de danos morais coletivos. Medida liminar deferida para determinar ao réu a retirada da embarcação da APP e a afixação de pla-cas na área informando a existência do litígio. 2. Em sede de apreciação do pedido de efeito suspensivo, foi afastada a determinação de colocação de placas informativas pelo agravante na área, bem como determinada, após prévia manifestação do réu, a fixação de novo prazo para desocupação da indigitada área. 3. As determinações proferidas por esta E. Corte foram cumpridas pelo MM. Juízo a quo, sobrevindo notícia nos autos principais acerca da retirada pela réu da embarcação da área de preservação permanente. 4. Prejudicado o pedido de manutenção da embarcação na área diante da notícia nos autos principais de que a decisão

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liminar foi devidamente cumprida pelo réu. 5. No que concerne ao pedido alternativo, para que o agravante seja desobrigado a cumprir o Projeto de Recuperação de Área Degradada – Prade, a questão não pode ser apreciada por esta E. Corte porquanto não levada à apreciação pelo D. Juízo de Origem, o que implicaria supressão de instância. 6. Afastada a obrigação de fazer consistente na afixação pelo réu de duas placas na área informando a existência do lití-gio, por falta de embasamento legal. 7. Agravo de instrumento parcialmente provido. Pedido de reconsideração do Parquet prejudicado.” (TRF 3ª R. – AI 0034401-20.2011.4.03.0000/MS – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Marcelo Saraiva – DJe 19.01.2017)

2220 – Área de preservação permanente – edificação – demolição – recuperação ambien-tal – cumulação com indenização – desnecessidade

“Administrativo. Ambiental. Processual civil. Edificação. APA da Baleia Franca. Laguna/SC. Demolição. Prad. Recuperação ambiental. Cumulação com indenização. Desnecessidade. 1. Mantida a sentença de procedência parcial com determinação de demolição de edificação em área de preservação permanente. 2. Em se tratando de Áreas de proteção, a rigor não se admite ou é restrita a ação humana interventora, devendo se destinar exclusiva ou majoritaria-mente à manutenção do meio ambiente intocado. O objetivo dessas áreas de proteção, como se sabe, é a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora e do solo, bem como assegurar o bem-estar das populações humanas. 3. Em que pese a Constituição Federal imponha a toda a coletivida-de o dever de preservar e proteger o meio ambiente, devem ser considerados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para a aplicação da responsabilidade civil ambiental. 4. O objetivo da reparação ambiental não implica tão somente a indenização pecuniária, mas, na medida do possível, recuperação das condições ambientais anteriores, ou seja, o status quo ante. A reparação do dano deverá ser a mais completa possível, buscando recompor a área degradada ao estado em que se encontrava antes da ocorrência do dano ambiental.” (TRF 4ª R. – AC 5001382-20.2013.4.04.7216 – 4ª T. – Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – J. 14.12.2016)

2221 – Área de preservação permanente – edificação – supressão de vegetação – infração ambiental – pretensão de demolição – não configuração

“Processual civil. Agravo interno no agravo interno no agravo em recurso especial. Enunciado Administrativo nº 3/STJ. Ação civil pública. Edificação em área de preservação permanente. Supressão de vegetação. Infração ambiental. Pretensão de demolição. Indeferimento. Nova codificação florestal. Violação a normativos constitucionais. Tempus regit actum. Irretroativi-dade da nova codificação florestal. Jurisprudência do STJ. Súmula nº 568/STJ. Inaplicabilida-de. Súmula nº 7/STJ. Questão meramente jurídica. 1. O juízo de admissibilidade do agravo em recurso especial circunscreve-se ao cabimento, ao interesse (adequação e sucumbência), à legitimidade, à tempestividade e à impugnação de todos os fundamentos adotados na deci-são recorrida (regularidade formal), de modo que uma vez atendidos passa-se propriamente ao exame da admissibilidade do recurso especial. 2. A questão do processamento do apelo raro se houver a necessidade de revolvimento fático-probatório tem relação intrínseca com o seu cabimento para julgar ‘causa decidida’ em única ou última instância, o que induz à com-preensão de que o âmbito de cognição do recurso especial limita-se ao exame de acórdão e do seu conteúdo julgado, vale dizer, das questões debatidas, enfrentadas e solucionadas no Tribunal a quo. 3. Em vista disso, as premissas fáticas e as valorações probatórias que são consideradas no recurso especial são apenas aquelas que constam do teor do acórdão, de modo que se afirmada a ocorrência de determinado fato, a reversão disso em recurso especial

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é, a princípio, impossível porque necessária a revisão dos autos para saber se efetivamente o fato não ocorreu. 4. Assim, a Súmula nº 07/STJ tem incidência quando a desconstituição das premissas fático-probatórias adotadas no acórdão impugnado por recurso especial demandar a compulsação do acervo probatório. 5. ‘O novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampou-co para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da “incumbência” do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)’ (AgRg-REsp 1.434.797/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 17.05.2016, DJe 07.06.2016). 6. Agravo interno não provido.” (STJ – AgInt-AgInt-Ag-REsp 850.994 – (2016/0017364-1) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 19.12.2016)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de agravo interno contra decisão assim ementada:

“PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – ENUNCIADO ADMINISTRATIVO Nº 3/STJ – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PROTEÇÃO – SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO – AUSÊNCIA DE LICENCIAMENTO – INFRAÇÃO AMBIENTAL – PRETENSÃO DE DEMOLIÇÃO – INDEFERIMENTO – NOVA CODIFICAÇÃO FLORESTAL – VIOLAÇÃO A NORMATIVOS CONSTITUCIONAIS – INADE-QUAÇÃO RECURSAL – SÚMULA Nº 284/STF – VIOLAÇÃO A ATO INFRALEGAL – INA-DEQUAÇÃO RECURSAL – SÚMULA Nº 284/STF – TEMPUS REGIT ACTUM – IRRETROA-TIVIDADE DA NOVA CODIFICAÇÃO FLORESTAL – JURISPRUDÊNCIA DO STJ – SÚMULA Nº 568/STJ – AGRAVO INTERNO CONHECIDO PARA, NO EXERCÍCIO DO JUÍZO DE RETRATAÇÃO, RECONSIDERAR A DECISÃO DO SENHOR MINISTRO PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, A FIM DE CONHECER DO AGRAVO DO ART. 544 DO CPC/1973 E CONHECER PARCIALMENTE DO RECURSO ESPECIAL, NESSA EXTEN-SÃO DANDO-LHE PROVIMENTO – PREJUDICADO O AGRAVO INTERNO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.”

Foi alegado discordância por: “[...] a) na falta de impugnação pelo Ministério Público do Estado de São Paulo do juízo de admissibilidade feito no Tribunal da origem, (b) na inci-dência da Súmula nº 7/STJ, porque a tese da ocorrência da supressão de vegetação sem licenciamento ambiental foi ventilada apenas no agravo em recurso especial mas não foi enfrentada no acórdão, apesar de constar da ementa, e (c) na não ocorrência de supressão de vegetação e na evolução da legislação florestal, culminando no novo Código Florestal de 2012, que autoriza a manutenção de residência em imóvel rural”.

Assim, entendeu o d. Relator:

“[...]

No presente caso, o Tribunal a quo afirma expressamente que os agravantes edificaram em área de preservação permanente, que ergueram um ‘rancho’, e que o fizeram, segundo relatório técnico de vistoria elaborado pela Coordenadoria de Biodiversidade e Recursos Naturais – CBRN, com uma margem que não distanciava catorze metros entre a edifica-ção (o rancho) e a represa.

Essa é a premissa fática adotada no acórdão: desfazer-se dela, é dizer, negá-la demanda examinar o relatório aludido, reinterpretá-lo e, cotejando-o com as demais provas produ-zidas, aferir se realmente houve ou não a supressão de vegetação.

A questão trazida no recurso especial não era essa, mas sim a circunstância de que apesar de ocorrida a supressão em área de preservação permanente, os proprietários da edifica-ção não foram responsabilizados porque houve a aplicação de legislação mais benéfica

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do que aquela vigente ao tempo do ato infracional, vale dizer, os fatos ocorreram sob a égide do Código Florestal de 1965 mas foram as disposições do Código Florestal de 2012 que prevaleceram, entre ambas havendo diferença na definição dos limites da área de preservação permanente.

O que se discutiu no recurso especial foi apenas isso, a possibilidade de aplicar-se uma legislação superveniente a esses fatos, tratando-se de matéria de direito ambiental.

Não era obviamente hipótese de Súmula nº 7/STJ.

Por outro lado, a questão meramente de direito, cognoscível pela via do recurso especial, impunha que se observasse o princípio do tempus regit actum, como apontado em pre-cedente que aqui reproduzo:

PROCESSO CIVIL E AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS – MATA CILIAR AO REDOR DO RESERVATÓRIO HIDRELÉTRICO DE SALTO SANTIAGO – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE – DANOS AMBIEN-TAIS – REFLORESTAMENTO – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – NÃO OCORRÊNCIA – JULGAMENTO EXTRA PETITA – INEXISTÊNCIA – ART. 6º, §§ 2º E 3º, DA LEI DE IN-TRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO – NÃO VIOLAÇÃO – NOVO CÓDIGO FLORESTAL – IRRETROATIVIDADE – PRECEDENTES

1. Não se verifica a alegada violação do art. 535 do CPC/1973, pois a prestação juris-dicional foi dada na medida da pretensão deduzida, conforme se depreende da análise do acórdão recorrido, que se debruçou na análise da legislação de regência. Tampouco resiste o argumento que o pronunciamento da Corte de origem acerca da exceção disposta no parágrafo único do art. 5º da Resolução Conama nº 302/2002 ensejaria a alteração do julgado, porquanto o acórdão regional fundamentou suas razões de decidir no Código Florestal de 1965.

2. Não foi pleiteado, por ocasião dos embargos de declaração opostos na origem, pronun-ciamento acerca da referida exceção, de modo que a alegação de omissão nesta instância recursal configura inovação recursal impossível de conhecimento, até mesmo porque não foi cumprido o necessário e indispensável prequestionamento da matéria. Incidência das Súmulas nºs 282 e 356 do STF.

3. Consoante jurisprudência pacificada nesta Corte, o pedido inicial deve ser interpretado em consonância com a pretensão deduzida na exordial como um todo, levando em conta todos os fatos e fundamentos jurídicos presentes, de modo que o acolhimento da preten-são extraída da interpretação lógico-sistemática da peça inicial não implica julgamento extra petita.

4. No caso dos autos, relevante destacar que se trata de provimento liminar para a efetiva-ção do pedido principal contido na Ação Civil Pública, qual seja, reflorestamento da mata ciliar, de modo que a determinação de que se promovam ações reflexas à sua efetivação não pode ser classificada como julgamento extra petita, mormente quando se infere da cautela do magistrado singular que a medida seja efetivada da maneira menos onerosa ao réu, consoante destacado nas razões do acórdão.

5. O novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, os direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o patamar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da ‘incumbência’ do Estado de garantir a preservação e a restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I). Precedentes. Agravo regimental improvido. (AgRg-REsp 1434797/PR, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 17.05.2016, DJe 07.06.2016)

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Não há razão, com base na nossa jurisprudência, em invocar-se a proteção da legislação superveniente.

Assim, nego provimento ao agravo interno.

É o voto.”

Dessa forma, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao agravo interno.

2222 – Área de preservação permanente – invasão – princípio da precaução – inversão do ônus da prova – possibilidade

“Processual civil. Ambiental. Custeio de perícia para avaliar se houve invasão de área de pre-servação permanente. Princípio da precaução. Inversão do ônus da prova. Possibilidade. Ree-xame do contexto fático-probatório. Incidência da Súmula nº 7/STJ. Recurso que não abrange todos os fundamentos do acórdão vergastado. Súmula nº 538/STF. Multa processual. Interpo-sição de agravo interno contra decisão monocrática. Necessidade de julgamento colegiado para esgotamento da instância. Imposição de multa inadequada. Sanção processual afastada. Precedentes do STJ. 1. Na hipótese dos autos, o Juízo originário consignou que a inversão do ônus da prova decorreu da aplicação do princípio da precaução, como noticiado pelo próprio recorrente à fl. 579/STJ. Nesse sentido, a decisão está em consonância com a orientação desta Corte Superior de que o princípio da precaução pressupõe a inversão do ônus probatório (AgRg-AREsp 183.202/SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª T., Julgado em 10.11.2015, DJe 13.11.2015). 2. O Tribunal de origem acrescentou que o ônus da prova recaiu sobre a parte recorrente, em razão de ter sido ela quem requerera a produção da prova pericial (fl. 563/e-STJ). 3. O acolhimento da pretensão recursal demanda o reexame do contexto fático--probatório, especialmente das circunstâncias fáticas que levaram o Juízo originário a adotar o princípio ambiental da precaução, o que faz incidir o óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. A parte recorrente também não atacou, em Recurso Especial, o fundamento de que o ônus da perícia foi imputado a ela por ter sido a requerente da produção da prova, o que atrai o disposto na Súmula nº 283/STF. 5. Por outro lado, A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça já estabeleceu que agravo interposto contra decisão monocrática do Tribunal de origem com o objetivo de exaurir a instância recursal ordinária, a fim de permitir a interposição de recurso especial e do extraordinário, não é manifestamente inadmissível ou infundado, o que torna inaplicável a multa prevista no art. 557, § 2º, do Código de Processo Civil. 6. Agravo Interno parcialmente provido apenas para afastar a multa processual.” (STJ – AgInt-Ag-REsp 779.250 – (2015/0228871-9) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016)

2223 – Área de preservação permanente – licenciamento indevido – recuperação de área degradada – configuração

“Processual civil e administrativo. Ofensa ao art. 535 do CPC/1973 não configurada. Ambien-tal. Ação civil pública. Área de preservação permanente. Licenciamento indevido. Conde-nação à recuperação de área degradada. Reexame do contexto fático-probatório. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. 1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC/1973. 2. O Tribunal a quo comprovou se tratar de Área de Preservação Permanente e consignou que ‘não há falar em falta de provas quan-to à irregularidade do empreendimento ou mesmo de falta de qualificação do profissional habilitado nos autos, razão pela qual não merecem ser acolhidas as insurgências’. 3. Rever o entendimento da Corte de origem esbarra no óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. Recurso Espe-cial não provido.” (STJ – REsp 1.637.830 – (2016/0263240-8) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016)

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2224 – Área de preservação permanente – reservatório artificial de usina hidrelétrica – art. 62 do novo Código Florestal – aplicabilidade

“Processual civil e ambiental. Ação civil pública. Reservatório artificial de usina hidrelétrica. Área de preservação permanente. Art. 62 do novo Código Florestal. Aplicabilidade. Resolu-ção Conama nº 302/2002. Incidência aos fatos posteriores. Resolução Conama nº 04/1985. Formações florísticas e áreas de florestas como de preservação permanente, e não qualquer área ao redor de reservatórios artificiais. Inaplicabilidade. Natureza do empreendimento. Área urbana. Início de prova. I – ‘O art. 62 do novo código Florestal é aplicável aos reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou ao abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à MP 2.166/1967, de 24.08.2001, tão somente para evitar demolições, sem, no entanto, ter o condão de possibilitar novas edificações, ainda que seja além da cota máxima maximorum’ (Enunciado nº 56 da Súmula deste Tribunal). II – ‘A Resolução Conama nº 302/2002, que dispõe sobre os parâmetros, definições e limites de Áreas de Preservação Permanente de reser-vatórios artificiais, somente se aplica aos fatos a ela posteriores’ (Enunciado nº 57 da Súmula deste Tribunal). III – Caso concreto em que o loteamento do condomínio em que localizado o imóvel do réu/apelado fora aprovado antes da Resolução Conama nº 302/2002. Aplicabili-dade da Resolução Conama nº 04/1985. IV – ‘A Resolução Conama nº 04/1985, editada em razão do art. 18 da Lei nº 6.938/1981, apenas contempla as formações florísticas e áreas de florestas como reserva ecológica, em nada se relacionando às áreas de preservação perma-nente incluídas no antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/1965) por ocasião da Medida Provi-sória nº 2.166-67/2001’ (Enunciado nº 58 da Súmula deste Tribunal). V – ‘A existência de lei municipal indicando a natureza urbana de determinada área é início de prova para se afastar a alegação de que o imóvel nela construído possui natureza rural, devendo ser cotejada com os demais elementos de prova acostados aos autos para fins de fixação da área de preservação permanente respectiva’ (Enunciado nº 59 da Súmula deste Tribunal). VI – Recurso de apelação interposto pelo MPF a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – AC 2008.38.02.004069-6 – Rel. Des. Jirair Aram Meguerian – J. 12.12.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 12.651/2012 (Novo Código Florestal):

“Art. 62. Para os reservatórios artificiais de água destinados a geração de energia ou abastecimento público que foram registrados ou tiveram seus contratos de concessão ou autorização assinados anteriormente à Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001, a faixa da Área de Preservação Permanente será a distância entre o nível máxi-mo operativo normal e a cota máxima maximorum.”

2225 – Área de preservação permanente – supressão de vegetação – obrigação propter rem – condenação indenizatória – possibilidade

“Administrativo. Ambiental. Processual civil. Supressão de vegetação em APP. Obrigação propter rem. Condenação indenizatória e realização de Prad. Manutenção. 1. Em se tratando de áreas de preservação, a rigor não se admite ou é restrita a ação humana interventora, de-vendo se destinar exclusiva ou majoritariamente à manutenção do meio ambiente intocado. O objetivo dessas áreas de preservação, como se sabe, é a preservação dos recursos hídricos, da paisagem, da estabilidade geológica, da biodiversidade, do fluxo gênico de fauna e flora e do solo, bem como assegurar o bem-estar das populações humanas. 2. O dano ambiental deve ser atacado de três maneiras: em primeiro lugar, com a recuperação do meio ambiente degradado; em segundo lugar, com medidas compensatórias quando não possível a recupe-

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ração no local; em terceiro lugar, não sendo possível nenhuma das duas hipóteses anteriores, com a condenação do poluidor ao pagamento de indenização. Em princípio, uma exclui a outra, mas não necessariamente. A possibilidade de cumulação é reconhecida pela jurispru-dência e depende das peculiaridades do caso concreto, sendo possível no presente caso, ten-do em vista a reincidência do réu.” (TRF 4ª R. – AC 5016257-09.2014.4.04.7200 – 4ª T. – Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – J. 14.12.2016)

2226 – Área de preservação permanente – terreno de Marinha – local de nidificação de tartarugas marinhas – construção ilegal – demolição – possibilidade

“Processual civil. Ação declaratória. Direito ambiental. Baía dos golfinhos. Praia. Bem de uso comum do povo. Arts. 6º, caput e § 1º, e 10, caput e § 3º, da Lei nº 7.661/1988. Falésia. Área de preservação permanente. Art. 4º, VIII, da Lei nº 12.651/2012. Terreno de marinha. Domí-nio da União. Local de nidificação de tartarugas marinhas. Propriedade do estado. Art. 1º, caput, da lei 5.197/1967. Construção ilegal. Demolição. Súmula nº 7/STJ. Histórico da de-manda. 1. Cuida-se de Ação Declaratória proposta por estabelecimento hoteleiro contra a União, buscando reconhecimento judicial de que o imóvel litigioso não se encontra em terre-no de domínio público; alternativamente, pede que se declare que a empresa detém posse legal da área, bem como que se afirme a ilicitude de pretensão demolitória da Administração. O Juiz de 1º grau e o Tribunal Regional Federal da 5ª Região julgaram improcedente a ação. 2. Construída e em funcionamento sem licenciamento ambiental, a edificação litigiosa é ‘bar-raca de apoio’ (lanchonete/bar) destinada aos hóspedes do Hotel Village Natureza, no Distrito de Pipa, Município de Tibau do Sul. O estabelecimento em questão se localiza na praia, no sopé de altíssima falésia, ponto de desova de tartarugas marinhas, em trecho de mar conside-rado habitat de golfinhos, cartão postal do paradisíaco litoral sul do Estado do Rio Grande do Norte. Quíntupla violação da legislação. 3. Ocorre, in casu, quíntupla violação da legislação vigente em virtude de construção a) em terreno de marinha (terraço costeiro), sem autorização da União; b) em Área de Preservação Permanente (falésias); c) em praia, bem de uso comum do povo; d) em superfície de nidificação de quelônios; e em razão de e) ausência de licencia-mento ambiental. Autoexecutoriedade dos atos administrativos e ordem de demolição. 4. Nas palavras do acórdão recorrido, há Relatório de Fiscalização do Ibama, órgão ambiental fede-ral, que atesta encontrar-se a obra em Área de Preservação Permanente e de domínio da União. À luz do princípio da autoexecutoriedade dos atos administrativos, que dispensa or-dem judicial para sua plena eficácia, a demolição de construção pode ser ordenada direta-mente pela Administração, desde que precedida de regular processo. 5. Retomar bem público subtraído contra legem nada sugere de despótico, ao contrário, arbítrio externa, sim, compor-tamento de particular que dele se apropria com exclusividade, prática ética, política e juridi-camente inaceitável, pois denuncia privilégio e benefício, comercial ou pessoal, do mais es-perto em desfavor de multidão de respeitadores cônscios das prescrições legais. Tal usurpação elimina, às claras, o augusto princípio da igualdade de todos perante a lei, epicentro do Estado de Direito. Por óbvio, tampouco tolhe o agir da Administração a existência de outras ocupa-ções irregulares no local, visto que multiplicidade de infratores não legitima, nem anistia ou enobrece, pela banalização, ilegalidade estatuída na constituição ou em lei. 6. Inatacável, portanto, o acórdão recorrido ao confirmar o julgamento antecipado da lide. Construção ou atividade irregular em bem de uso comum do povo revela dano in re ipsa, dispensada prova de prejuízo in concreto, impondo-se imediata restituição da área ao estado anterior. Demoli-ção e restauração às expensas do transgressor, ressalvada hipótese de o comportamento im-pugnado contar com inequívoca e proba autorização do órgão legalmente competente. Praia. 7. Segundo a Lei nº 7.661/1988 (Lei do Gerenciamento Costeiro), praia é ‘a área coberta e

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descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subsequente de material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o limite onde se inicie a vegetação natu-ral, ou, em sua ausência, onde comece um outro ecossistema’ (art. 10, § 3º). 8. A mesma norma, quanto à utilização, dispõe que ‘praias são bens públicos de uso comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e senti-do’ (art. 10, caput). Em adição, sobre o domínio, a Constituição de 1988 não deixa dúvida: ‘praias marítimas’ e ‘terrenos de marinha e seus acrescidos’ integram o conjunto dos ‘bens da União’ (art. 20, IV e VII). 9. A nenhuma pessoa se faculta, ao arrepio da lei e da Administração, ocupar ou aproveitar praia de modo a se assenhorear, com finalidade comercial ou não, de espaço, benefícios ou poderes inerentes ao uso comum do povo. Livre acesso significa inexis-tência de obstáculos, construções ou estruturas artificiais de qualquer tipo, de tal sorte que a circulação na praia – em todas as direções, assim como nas imprescindíveis vias, estradas, ruas e caminhos de ingresso e saída – esteja completamente desimpedida. Franco acesso equivale à plenitude do direito de ir e vir, isento de pagamento e de controle de trânsito, dire-tos ou indiretos. Admite-se retribuição pecuniária quando decorrente de cobrança, pelo Esta-do, por aproveitamento de bem de uso comum do povo e limitação de acesso apenas no âmbito do exercício de legítimo poder de polícia, sobretudo para salvaguardar elevados valo-res coletivos, como saúde pública, meio ambiente, paisagem, patrimônio histórico e seguran-ça nacional. Falésias. 10. Falésias marinhas, ativas (= vivas) ou inativas (= mortas), como borda escarpada de ‘tabuleiro’ costeiro, são Áreas de Preservação Permanente (art. 2º, g, da Lei nº 4.771/1965, revogada, e art. 4º, VIII, da Lei nº 12.651/2012), portanto compõem terreno non aedificandi, com presunção absoluta de dano ambiental caso ocorra desmatamento, ocu-pação ou exploração, observadas as ressalvas, em rol taxativo, expressa e legalmente previs-tas. Contra tal presunção juris et de jure, incabível prova de qualquer natureza, pericial ou não. Logo, igualmente por esse motivo, correta a confirmação, pelo Tribunal de origem, do julgamento antecipado da lide. 11. Dotados de grande beleza cênica e frágeis por constitui-ção e topografia inerentes – submetidos amiúde a solapamento da base pela ação do mar, risco de abrasão agravado pelas mudanças climáticas, sem falar de outros agentes erosivos exodinâmicos (vento, chuva) associados ao intemperismo –, esses paredões abruptos consti-tuem monumentos ancestrais e singulares da pandemônica história geológica da Terra e, por isso mesmo, conclamam máximo respeito e diligente atenção do legislador, do administrador e do juiz, mormente no que se refere à incessante pressão antrópica para ocupá-los e explorá--los, notadamente por atividades imobiliárias e turísticas depredativas, desordenadas e não sustentáveis. Falta ou descumprimento de licenciamento em obra ou atividade na zona cos-teira. 12. Nos termos da Lei nº 7.661/1988, ‘O licenciamento para parcelamento e remembra-mento do solo, construção, instalação, funcionamento e ampliação de atividades, com altera-ções das características naturais da Zona Costeira, deverá observar, além do disposto nesta Lei, as demais normas específicas federais, estaduais e municipais, respeitando as diretrizes dos Planos de Gerenciamento Costeiro’ (art. 6º, caput). 13. Ainda de acordo com o mesmo texto legal, ‘A falta ou o descumprimento, mesmo parcial, das condições do licenciamento previsto neste artigo serão sancionados com interdição, embargo ou demolição, sem prejuízo da cominação de outras penalidades previstas em lei’ (art. 6º, § 1º). Ninhos, abrigos e criadou-ros naturais da fauna silvestre. 14. Incontroverso que o local da obra impugnada é área de reprodução de tartarugas marinhas, o que o qualifica como ‘propriedade do Estado’, regime jurídico de todos os ‘ninhos, abrigos e criadouros naturais da fauna silvestre (art. 1º, caput, da Lei nº 5.197/1967). Inexistência de posse privada de bem público. 15. Pacífica a jurisprudên-cia do STJ no sentido de que ocupação privada de bem público não evidencia posse, mas, sim, mera detenção, descabendo, por isso, falar em posse nova, velha ou de boa-fé. Por outro

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lado, se ilícita a detenção, incumbe ao Poder Público, na forma de inafastável dever e sob pena de cometer improbidade administrativa, mandar que, de imediato, se restitua o imóvel ao integral benefício da coletividade, irrelevante o tempo da ocupação, se recente ou antiga, ou a presença de alvará urbanístico e licença do órgão ambiental. Tudo porque domínio pú-blico não se submete a usucapião, rejeita privatização a ferro e fogo e, consequência de sua indisponibilidade, não se transfere a terceiros, implicitamente, por simples licenciamento ou contribuição tributária. 16. Intolerável no Estado de Direito que o indivíduo tome para si o que, pela constituição e por lei, é de uso público. Eventual pagamento de laudêmio, de taxa de ocupação e de tributos não impede a Administração de buscar reaver aquilo que integra o patrimônio da sociedade. Leniência, inocente ou criminosa, do Poder Púbico não converte o bem público em bem privado, nem outorga ao ocupante ilídimo o direito de perpetuar esbu-lho ou procrastinar sua pronta correção. Súmula nº 7/STJ. 17. No mais, modificar a conclusão a que chegou a Corte de origem, de modo a acolher as teses da recorrente, demanda reexame do acervo fático-probatório dos autos, o que é inviável em Recurso Especial, sob pena de violação da Súmula nº 7 do STJ. 18. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.457.851 – (2014/0127073-0) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016)

2227 – Área de preservação permanente – terreno de Marinha – ocupação irregular – usu-capião – impossibilidade

“Administrativo. Civil. Processual civil. Usucapião de domínio útil. Terreno de marinha. Área de preservação permanente. Regime de aforamento e enfiteuse não registrado. Ocupação ir-regular. Impossibilidade de usucapir. I – Trata-se de Ação de Usucapião ajuizada por Avelino Alves Neto e Irene da Penha Alves, objetivando usucapir o domínio de uma gleba de terra denominada de ‘Ilha das Cobras’, no município de Galinhos/RN, com uma área de 32.21 hec-tares. II – O MM. Magistrado de primeiro grau julgou improcedentes os pedidos formulados à inicial. III – Argumenta o autor, em seu recurso de apelação, que ocupa o imóvel usucapiendo há mais de trinta anos, possuindo-o, ininterruptamente, de maneira mansa e pacífica, sem qualquer tipo de oposição. Afirma que os documentos colacionados aos autos comprovam o aforamento ou a permissão de ocupação da Salina Amarra Negra em relação ao bem, razão pela qual defende a possibilidade de usucapir o domínio útil do imóvel. Pugna pela reforma da sentença, para que seja julgado procedente o pedido da lide. IV – Parecer ministerial opi-nando pelo não provimento da apelação. V – Primeiramente, verificou-se que a parte autora não se desincumbiu de demonstrar a posse mansa, pacífica e ininterrupta no imóvel pelo tem-po alegado, sendo certo que em 2005 a ré Salina Amarra Negra requereu junto à SPU a ocu-pação regular do bem. VI – Conforme Nota Técnica nº 55/2011 DIDEC/SPU-RN/MPOG (fls. 151/153), trata-se a propriedade, objeto da ação, de Área de Preservação Permanente deno-minada de ‘Ilha das Cobras’, localizada em terreno de marinha. VII – Os terrenos de marinha e seus acrescidos pertencem à União, a teor do art. 20, VII, da CF/1988, e do art. 1º, do De-creto-Lei nº 9.760/1946. Outrossim, apenas poderão ser objeto de usucapião se a pretensão aquisitiva visar apenas o domínio útil e correr contra anterior titular desse direito (particular), sob regime de aforamento não alcançando o domínio direto do ente público. Inteligência da Súmula nº 17 deste Tribunal Regional da 5ª Região. VIII – Consta dos autos que foi instaurado processo de cadastramento de ocupação da área em 2005, por impulso da empresa Salina Amarra Negra. Contudo, em razão da condição de área de preservação de meio ambiente, não foi possível a autorização de ocupação do terreno. IX – O parecer técnico do Idema (fls. 157/158) é claro ao afirmar que ‘Esse ambiente é considerado um ecossistema chave para essa região devido a sua riqueza de recursos naturais funcionando como criadouro natural (ber-çário) de camarões, caranguejos, mariscos, ostras, e diversas espécies de peixes, mantendo

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um ciclo produtivo entre o estuário e o Mar’. Concluiu o parecer que ‘há óbices ambientais à ocupação da Ilha das Cobras’. X – Restou comprovado que não há regime de aforamento ou sequer de ocupação regular concedida pela SPU no imóvel denominado ‘Ilha das Cobras’, restando evidenciada a impossibilidade de usucapir o domínio útil do referido bem. XI – É inadmissível a aquisição por usucapião de área localizada em terreno de marinha, quando ausente regime de aforamento ou enfiteuse, que não possui natureza precária e pode dar ensejo a usucapião, já que se verifica a dualidade caracterizada pela conservação da nua pro-priedade em nome Administração Pública, ao passo em que o particular detém o domínio útil. XII – Apelação improvida. [14].” (TRF 5ª R. – AC 0000561-82.2011.4.05.8400 – (565735/RN) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 07.12.2016)

2228 – Área urbana – consolidada – invasão de área de preservação permanente – inexis-tência – comprovação

“Processual civil. Ambiental. Cidade Balneária Capri. Área urbana consolidada. Inexistência de invasão de área de preservação permanente comprovada por inspeção judicial realizada in loco e por outros documentos constantes dos autos. Reexame do contexto fático-probatório. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem consignou: ‘[...] Enfatizo que a documentação, inclusive oficial, juntada aos autos dá conta de que a área está distante bem mais de 300m da praia, não configurando Zona Costeira protegida nos mol-des da legislação, e tal situação é apreendida também de análise da localização pelo Google Maps. Conforme inspeção judicial in loco feita pelo magistrado estadual (fls. 128 ss. do Evento 2, Anexos PET4), que informa que ‘todos concordam que a área do loteamento esta além dos 300 metros do preamar máxima (entre estes incluído o Eng. Florestal da Fatma Jairo Serapião Claudino dos Santos) [...] A documentação acostada, em especial o mapa do parcelamento, confirmam a inexistência de recurso hídrico natural no local, não existindo também qualquer vestígio de mangue. Toda a área, inclusive, encontra-se a cerca de 3m acima do nível do mar, ou mais.’ 2. Todas as questões suscitadas pelo Ibama foram devidamente analisadas pelo Tribunal de origem com base nos diversos documentos e laudos periciais acostados aos autos. Aliás, a própria parte recorrente admite, às fls. 2.079 e 2.082/e-STJ, que para verificar suposta contradição na análise realizada pela Corte de origem seria necessário avaliar laudo produzido pelo próprio Ibama, ou seja, analisar matéria de fato. Dessarte, inexiste violação ao art. 535 do CPC/1973. 3. No que diz respeito à pretensão do Ibama de anulação do acórdão objurgado pelo fato de o Revisor não haver recebido o processo, vale destacar que o Tribunal a quo certificou a presença do citado Desembargador em todas as sessões de julgamento, inclusive se manifestando sobre o feito. 4. Nota-se, por conseguinte, que o acolhimento de todos os argumentos exarados pela parte recorrente demanda inexorável reexame do contex-to fático-probatório, o que não se admite ante o óbice da Súmula nº 7/STJ, como inclusive reconhecido pelo Ministério Público Federal (fls. 2.126-2.132/e-STJ). 5. Recurso Especial não conhecido.” (STJ – REsp 1.383.278 – (2013/0130345-8) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016)

Destaque Editorial SÍnTESEDo voto do Relator destacamos:

“[...]

Na hipótese dos autos, todas as questões suscitadas pelo Ibama foram devidamente ana-lisadas pelo Tribunal de origem com base nos diversos documentos e laudos periciais acostados aos autos.

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Aliás, a própria parte recorrente admite, às fls. 2.079 e 2.082/e-STJ, que para verificar suposta contradição na análise realizada pela Corte de origem seria necessário avaliar lau-do produzido pelo próprio Ibama, ou seja, analisar matéria de fato. Nesse sentido, leia-se:

O laudo oficial do Ibama existente no processo, juntado antes da prolatação da sentença, foi copiado, e anexado pela segunda vez, no evento 18, junto aos embargos de declaração para facilitar sua localização e leitura.

Não se trata de documento novo, senão de documento existente no processo, destacado separadamente dos demais, para facilitar a constatação das graves contradições existen-tes no acórdão embargado, ora recorrido.

[...]Acaso pudesse o regimento interno de um Tribunal restringir o alcance do art. 551 do CPC – o que se questiona, pois o regimento pode apenas regulamentar a lei, não podendo reduzir seu conteúdo –, ainda assim impositiva seria a necessidade de revisor, haja vista que os presentes autos tratam também de matéria de fato. Nesta hipótese, não basta o revisor ter vista do teor do voto e da minuta de acórdão proposta pelo relator, deve ele também ter vista dos autos. Senão, como poderá ele confirmar/analisar a matéria de fato?Outrossim, no que diz respeito à pretensão do Ibama à anulação do decisum pelo fato de o Revisor não haver recebido o processo, vale destacar que o Tribunal a quo certificou a presença do citado Desembargador em todas as sessões de julgamento, inclusive se manifestando sobre o feito.Nota-se, por conseguinte, que o acolhimento de todos os argumentos exarados pela parte recorrente demanda inexorável reexame do contexto fático-probatório, o que não se admi-te ante o óbice da Súmula nº 7/STJ.Por tudo isso, não conheço do Recurso Especial.É como voto.”

2229 – Crime ambiental – art. 56, da Lei nº 9.605/1998 – justa causa – ausência“Processo penal e penal. Habeas corpus substitutivo. Crime ambiental. Art. 56, da Lei nº 9.605/1998. Trancamento da ação penal. Inépcia da denúncia. Ausência de justa causa. Norma penal em branco. Denúncia oferecida sem a indicação da legislação complementar. Recurso provido. 1. Ressalvada pessoal compreensão diversa, uniformizou o Superior Tri-bunal de Justiça ser inadequado o writ quando utilizado em substituição a recursos especial e ordinário, ou de revisão criminal, admitindo-se, de ofício, a concessão da ordem ante a constatação de ilegalidade flagrante, abuso de poder ou teratologia. 2. A inicial acusatória enquadrou os fatos no art. 56, da Lei nº 9.605/1998, norma penal em branco, mas sem in-dicação da necessária legislação complementadora. 3. É entendimento consolidado desta Corte que o oferecimento da denúncia sem a norma complementadora constitui inépcia da denúncia, por impossibilitar a defesa adequada do denunciado. 4. Habeas corpus não co-nhecido, mas concedida a ordem, de ofício, para determinar o trancamento da Ação Penal nº 0001436-37.2013.8.12.0031, sem prejuízo de oferecimento de nova peça acusatória.” (STJ – HC 370.972 – (2016/0240660-8) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 07.12.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transpor-tar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabele-cidas em leis ou nos seus regulamentos:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.”

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2230 – Crime ambiental – atropelamento de animais silvestres – margens de rodovia fede-ral – dano direto às unidades de conservação – não comprovação

“Penal. Crime ambiental. Atropelamento de animais silvestres às margens de rodovia fede-ral. Empresa concessionária. Descumprimento de obrigação de relevante interesse ambiental. Prescrição pela pena em abstrato. Dano direto às unidades de conservação. Não compro-vação. Impossibilidade de impedir a mortandade de animais pelo tráfego de veículos auto-motores. Problema complexo e de difícil solução. Inexistência de parâmetros científicos que delimitem número aceitável de mortes de animais silvestres por trecho rodoviário. Apelação ministerial desprovida. 1. Quanto ao delito do art. 68 da Lei nº 9.605/1998, cabe reconhecer a prescrição da pretensão punitiva estatal, pela pena máxima em abstrato cominada a este delito, que é de 03 (três) anos, à qual corresponde o prazo prescricional de 08 (oito) anos, nos termos do art. 109, inciso IV, do Código Penal, intervalo temporal ultrapassado com lar-gueza, entre o recebimento da denúncia e a data deste julgamento. 2. Quanto ao delito do art. 40 da Lei nº 9.605/1998, a julgar pelos estudos acostados aos autos, referentes a outras rodovias, localizadas em outros estados, é impossível evitar completamente as mortes de animais silvestres por atropelamento. As medidas mitigatórias são de difícil implementação e, em sua maioria, de eficácia duvidosa. Estudo acostado aos autos exemplifica que medidas bem sucedidas em salvar espécimes de uma espécie aumentaram por outro lado, a mortan-dade de outros animais. 3. Inexistem parâmetros para definir o limite aceitável de animais mortos em um determinado trecho rodoviário, em um dado período de tempo, além do qual fique caracterizada a prática do delito do art. 48 da Lei nº 9.605/1998, entrando em ação o Direito Penal, ultima ratio que é, para sancionar a conduta. 4. Declaração de ofício da pres-crição da pretensão punitiva estatal pela pena em abstrato, quanto ao delito do art. 68 da Lei nº 9.605/1998, com base nos arts. 109, IV e 115, ambos do Código Penal. No mais, recurso denegado.” (TRF 2ª R. – ACr 2005.51.10.000662-7 – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Antonio Ivan Athié – DJe 13.01.2017)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 06 de junho de 1990, independentemente de sua localização:

Pena: reclusão, de um a cinco anos.

[...]

Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obriga-ção de relevante interesse ambiental:

Pena – detenção, de um a três anos, e multa.”

2231 – Crime ambiental – contra a fauna – materialidade e autoria – comprovação“Penal. Processual penal. Crime contra a fauna. Art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998. Ma-terialidade e autoria demonstradas. Dolo comprovado. Prestação pecuniária reduzida. Apelo defensivo parcialmente provido. 1. Crime contra a fauna. Anilhas adulteradas. 2. A materiali-dade delitiva restou devidamente demonstrada pelos seguintes documentos: Boletim de Ocor-rência (fls. 5, 9/10); Laudo de Constatação Referente a Mensurações de Diâmetros de Anéis de Identificação de Passeriformes (fls. 6/7); Auto de Infração Ambiental (fl. 12); Termo de Apreensão (fl. 13); Laudo Biológico (fl. 15); Auto de Apreensão (fl. 22); Laudo de Perícia Cri-minal Federal (fls. 40/46). 3. A autoria é inconteste. A apreensão dos pássaros com as anilhas adulteradas ocorreu na residência do acusado, tendo ele, inclusive, confirmado, em juízo, a

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apreensão das aves. 4. Dolo igualmente comprovado. O réu tinha pleno conhecimento da ilicitude da sua conduta. 5. Pleito de redução da prestação pecuniária acolhido. 6. Recurso da defesa parcialmente provido. 7. Reforma da sentença recorrida.” (TRF 3ª R. – ACr 0007160-52.2012.4.03.6106/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Fontes – DJe 15.12.2016)

Comentário Editorial SÍnTESEComeçamos nosso comentário trazendo trecho das lições da estudiosa, jurista, Dra. Gina

Copola, que vem nos ensinando sobre o art. 29 da Lei nº 9.605/1998 (crimes contra a

fauna):

“[...]

O art. 29 reza que é crime matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna

silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização

da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida.

Para a conduta, prevista no dispositivo, ser tida como crime ambiental, portanto, e con-

forme se lê nele próprio, devem ser praticadas ações contra animais da fauna silvestre,

e o problema, de tal sorte, reside em saber que animais fazem parte dela. Tal celeuma,

todavia, é resolvida pelo § 3º do mesmo art. 29, que especifica quais são as espécimes

existentes no Brasil.

O art. 29, caput, constitui norma penal em branco, porque uma portaria do Ibama deverá

dispor sobre a licença, permissão ou autorização da autoridade competente.

A ausência da devida licença, permissão ou autorização constitui elemento normativo

do tipo – pressuposto para a ocorrência do crime. Ou seja, para a configuração do crime

previsto no art. 29, deverá ele ocorrer nas seguintes hipóteses: a) não pode existir a devida

licença, permissão ou autorização da autoridade competente, ou, b) a conduta praticada

pelo agente estar em desacordo com a licença, permissão ou autorização, se existente.

Com todo efeito, é conditio sine qua non para a configuração do crime a ausência de licen-

ça, permissão ou autorização da autoridade competente, ou prática de ato em desacordo

com a obtida pelo infrator.

O delito previsto no art. 29 constitui crime de mera conduta, de perigo abstrato, no qual

o resultado naturalístico do fato não é necessário para a consumação do crime, bastando

para sua consumação o simples perigo abstrato do patrimônio ambiental, que é a fauna.

Tal crime resta tipificado, portanto, com a simples conduta do agente, uma vez que não

existe a necessidade do resultado dano.

Saliente-se, ainda, que, para a configuração do crime ambiental previsto no art. 29,

não importa a eventual pouca quantidade de animais caçados, porque o impacto am-

biental causado não está relacionado unicamente ao número de animais mortos, con-

forme já decidiu o eg. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em Apelação Cível

nº 70006900336, em 8ª C.Cív., Rel. Des. Roque Miguel Fanf, Julgado em 18.08.2004.

A pena para o delito previsto no caput do art. 29 é de seis meses a um ano e multa.

Incorre nas mesmas penas, conforme o § 1º do art. 29: a) quem impede a procriação

da fauna, sem licença, autorização ou em desacordo com a obtida (inciso I); b) quem

modifica, danifica ou destrói ninho, abrigo ou criadouro natural (inciso II); e c) quem

vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza

ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória,

bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados

ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente (inciso III).

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O § 2º do art. 29 constitui uma excludente, um perdão judicial, ao rezar que pode o juiz, considerando as circunstâncias, deixar de aplicar a pena no caso de guarda doméstica de animal silvestre pertencente à espécie não considerada ameaçada de extinção.

A disposição também constitui norma penal em branco, porque depende de norma com-plementadora que lista quais são os animais silvestres em extinção. A lista atualmente em vigor é a que foi publicada no dia 22 de maio de 2003, pelo Ministério do Meio Ambiente, e que relaciona 395 animais.

Resta necessário salientar, ainda, que na hipótese prevista no § 2º do art. 29 depreende--se que, se o animal não estiver ameaçado de extinção, em tese, não há crime.

O § 3º do mesmo art. 29 especifica, de forma elucidativa, quais são as espécimes existen-tes na fauna silvestre brasileira, que são todos aqueles pertencentes às espécies nativas, migratórias e quaisquer outras, aquáticas ou terrestres, que tenham todo ou parte de seu ciclo de vida ocorrendo dentro dos limites do território brasileiro, ou águas jurisdicionais brasileiras.

Sobre a fauna silvestre já tivéramos ensejo de dizer que:

‘[...] fauna silvestre é composta por animais que não guardam qualquer relação com o homem, e que também não podem viver no habitat humano. São, atualmente, os maio-res ameaçados de extinção. Tais animais são amplamente protegidos pela Lei Federal nº 5.197, de 3 de janeiro de 1967, que “dispõe sobre a proteção à fauna e dá outras providências”, e preceitua em seu art. 1º que os animais silvestres são de propriedade do Estado, sendo proibida sua utilização, perseguição, destruição, caça ou apanha;’

O § 4º prevê a espécie qualificada do crime, em que a pena é aumentada da metade, quando praticado contra espécie rara ou ameaçada de extinção (inciso I), em período em que a caça está proibida (inciso II), durante a noite (inciso III), com abuso de licença (inciso IV), em unidade de conservação (inciso V) e com a utilização de métodos capazes de provocar a destruição em massa (inciso VI).

A hipótese prevista no inciso II desse art. 4º necessita de norma complementadora que diga qual o período em que a caça está proibida.

O § 5º prevê outra forma de crime qualificado, que é aquele quando decorre de caça profissional, que é a praticada quando a atividade visa à obtenção de lucro financeiro, situação em que a pena prevista no caput do art. 29 é aumentada até o triplo.

Nesse sentido, já decidiu o eg. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Apelação Criminal nº 2003.04.01.030669-0/RS, 8ª T., Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, DJ de 12.11.2003.

A multa prevista para a caça profissional é aquela constante do art. 15 do Decreto Federal nº 3.179/1999.

O § 6º prevê que o disposto no art. 29 não se aplica aos atos de pesca, porque os crimes referentes à pesca estão disciplinados pelos art. 33 a art. 36 da Lei dos Crimes Ambien-tais.” (A Lei dos Crimes Ambientais, Comentada Artigo por Artigo (3ª Parte – Dos Crimes Contra a Fauna), disponível em: http://online.sintese.com/)

Após esse breve relato, passamos ao acórdão que trata de apelação criminal interposta contra sentença que condenou o acusado pela prática do delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998 à pena privativa de liberdade de 6 (seis) meses de detenção, em regime inicial aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo.

Narra a denúncia (fls. 68/70), em síntese, que:

“No dia 08 de novembro de 2011, a equipe de patrulhamento comunitário rural deslocou--se até o endereço [...], onde reside o denunciado, logrando encontrar 12 aves de diversas espécies (folha 11 v.) sendo mantidas irregularmente em cativeiro.

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No curso da fiscalização, verificou-se, utilizando-se material próprio, que as anilhas de identificação das aves haviam sido adulteradas. Tal fato fora constatado, em primeiro mo-mento, pelos fiscais e, posteriormente, por perícia técnica (fls. 40/46), restando compro-vada a utilização de sinal falsificado (anilhas de identificação marcadas com a inscrição ‘Ibama’).

Restou, portanto, demonstrado que, embora registrado como criador amador de pássaros, portanto, em tese, autorizado pela autoridade competente, ao utilizar as anilhas falsas, o denunciado procedeu à guarda de espécimes da fauna silvestre em desacordo com a licença obtida.”

A denúncia foi recebida.

Nas razões recursais a defesa do Réu pleiteou por sua absolvição.

As contrarrazões da acusação foram apresentadas.

O Ministério Público Federal, opinou pelo desprovimento do recurso da defesa, mantendo--se a sentença recorrida em sua integralidade.

Diante do exposto, o nobre Relator entendeu:

“[...]

Da análise realizada pelo magistrado a quo resta evidente que o próprio réu fez lançamen-tos referentes às anilhas no sistema do Ibama, sendo, assim, inverossímil a sua alegação de ausência de dolo.

Resta evidente, portanto, que o réu tinha pleno conhecimento da ilicitude da sua conduta. Não há como eximi-lo da prática do uso indevido das anilhas falsificadas, uma vez que ti-nha condições de aferir que as mesmas estavam adulteradas, bem como tinha a obrigação de notificar o órgão competente quanto a possíveis irregularidades encontradas.

Assim, refutadas todas as teses levantadas pela defesa do acusado, impõe-se a confirma-ção da condenação quanto ao delito do art. 29, § 1º, III, da Lei nº 9.605/1998.

Por fim, cumpre analisar o pleito defensivo quanto à redução da prestação pecuniária de 6 (seis) salários mínimos fixada na sentença.

Quanto ao valor da prestação pecuniária substitutiva (art. 43, inciso I, do Estatuto Re-pressivo), cumpre referir que, dentre os parâmetros estabelecidos pelo art. 45, § 1º, do mesmo diploma legal, deve considerar certos fatores, de modo a não tornar a prestação em pecúnia tão diminuta a ponto de mostrar-se inócua, nem tão excessiva de maneira a inviabilizar seu cumprimento.

Nessa linha, a prestação deve ser suficiente para a prevenção e reprovação do crime praticado, atentando-se ainda, para a extensão dos danos decorrentes do ilícito e para a situação econômica do condenado, a fim de que se possa viabilizar seu cumprimento.

Outrossim, considerando que o bem jurídico tutelado pelo crime em análise é o meio am-biente, a extensão do dano provocado é de difícil aferição, razão pela qual é inapropriada a fixação do valor mínimo.

Entretanto, in casu, verifica-se que o montante estabelecido é exorbitante, vez que não se coaduna com os ganhos mensais do réu.

Diante disso, acolho o pedido da defesa e reduzo a prestação pecuniária para o montante de 3 (três) salários mínimos.

Ante o exposto, dou parcial provimento ao recurso da defesa, apenas para reduzir a pres-tação pecuniária para 3 (três) salários mínimos.”

Assim, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região deu parcial provimento ao recurso.

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2232 – Crime ambiental – desmate de terras públicas – ausência de autorização – princípio da insignificância – possibilidade

“Penal. Processo penal. Absolvição sumária. Crime ambiental. Desmate de terras públicas sem autorização. Art. 50-A da Lei nº 9.605/1998. Princípio da insignificância. Possibilidade. 1. Segundo a jurisprudência deste Tribunal, apenas em caráter excepcional admite-se a apli-cação do Princípio da Insignificância aos crimes ambientais, considerando a indisponibilida-de do bem jurídico tutelado. 2. Verificada a ausência de periculosidade social da ação, míni-ma ofensividade da conduta do agente, inexpressividade da lesão jurídica causada e reduzido grau de reprovabilidade do comportamento, deve ser mantida a sentença que absolveu su-mariamente os réus, ainda mais levando-se em conta tratarem-se de lavradores e índios. 3. O dano ao bem jurídico tutelado – corte de três árvores – foi mínimo. A tutela penal, no caso, é desproporcional, podendo ser resolvida nas instâncias cível e administrativa. 4. Apelação não provida.” (TRF 1ª R. – Proc. 00112416820134014100 – Rel. Des. Ney Bello – J. 01.12.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 50-A. Desmatar, explorar economicamente ou degradar floresta, plantada ou nativa, em terras de domínio público ou devolutas, sem autorização do órgão competente:

Pena – reclusão de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e multa.”

2233 – Crime ambiental – extração ilegal de areia – ausência de materialidade – configu-ração

“Penal. Apelações criminais. Extração ilegal de areia. Crime ambiental. Prescrição pela pena em concreto. Crime contra o patrimônio da União. Autoria incerta. Ausência de materialida-de. Não quantificação do material extraído. Recursos providos. 1. Ocorrência de prescrição retroativa pela pena em concreto, quanto ao delito do art. 55 da Lei nº 9.605/1998, haja vista o tempo decorrido entre o recebimento da denúncia e de seu aditamento e a prolação da sentença. 2. O falecimento de dois dos três sócios da empresa, em um curto espaço de tempo anterior à operação policial que flagrou a extração de areia, tornou incerta a autoria dos fatos, eis que um dos falecidos era o único que, a teor dos atos constitutivos da empre-sa, detinha poderes de administração. 3. Existência de duas testemunhas, à época dos fatos empregados da empresa, os quais atestaram que nenhum dos acusados era responsável por geri-la. 4. Materialidade também incerta, eis que não foi confeccionado laudo pericial que aferisse o total de areia extraída, e quantificasse o suposto prejuízo ao patrimônio da União. 5. Recursos providos para declarar a extinção da punibilidade dos dois apelantes quanto ao delito do artigo 55 da Lei nº 9.605/1998, e absolvê-los quanto ao crime do art. 2º, caput, da Lei nº 8.176/1991, nos termos do artigo 386, VII, do Código de Processo Penal.” (TRF 2ª R. – ACr 2009.51.19.000966-5 – 1ª T.Esp. – Rel. Des. Fed. Antonio Ivan Athié – DJe 13.01.2017)

2234 – Crime ambiental – pesca em local e época proibida – princípio da insignificância – aplicação – impossibilidade

“Processo penal e penal. Recurso especial. Pesca em local e época proibida. Não apreensão de peixes. Apreensão de petrechos proibidos na atividade de pesca. Aplicação do princípio da insignificância. Impossibilidade. Recurso improvido. 1. A atipicidade material, no plano da insignificância, pressupõe a concomitância de mínima ofensividade da conduta, o redu-zidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica provocada. 2. É entendimento desta Corte que somente haverá lesão ambiental irrelevante no sentido penal quando a avaliação dos índices de desvalor da ação e de desvalor do resultado

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indicar que é ínfimo o grau da lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tute-lado, isto porque não deve-se considerar apenas questões jurídicas ou a dimensão econômica da conduta, mas deve-se levar em conta o equilíbrio ecológico que faz possíveis as condições de vida no planeta. Precedente. 3. O acórdão recorrido está de acordo com o entendimento desta Corte, no sentido de que não é insignificante a conduta de pescar em local e época proibida, e com petrechos proibidos para pesca, ainda que não tenha sido apreendido qual-quer peixe em poder do recorrente. 4. Recurso especial improvido.” (STJ – REsp 1.620.778 – SC – (2014/0280461-1) – 6ª T. – Rel. Min. Nefi Cordeiro – DJe 27.09.2016)

Comentário Editorial SÍnTESEPassamos a comentar o acórdão que trata de crime ambiental.

Um pescador não pode alegar insignificância de sua conduta, caso seja autuado pela polícia ambiental, pescando em local interditado e em época proibida, com apetrecho não autorizado, mesmo sem ter apanhado nenhum peixe. Esse é o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Consta dos autos, que o acusado pescava no meio do canal do Rio Araranguá, no encontro deste com o mar, no Município de Araranguá, utilizando duas tarrafas, quando foi autuado pela Polícia Militar Ambiental.

O acusado foi autuado com base no art. 34 da Lei nº 9.605/1998 por pescar em período proibido e local interditado, segundo portaria do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

O art. 34 da Lei nº 9.605/1998, in verbis:

“Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:

Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:

I – pesca de espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;

II – pesca em quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de apare-lhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;

III – transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas.”

O acusado era beneficiário de ajuda financeira disponibilizada pelo Ministério da Pesca aos pescadores profissionais, durante o período de defeso da espécie rosado (bagres).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região ressaltou que o seguro-desemprego para pes-cadores, mais conhecido como seguro-defeso, foi instituído justamente como garantia da subsistência dos que dependem exclusivamente da pesca, durante o período de defeso para permitir a reprodução das espécies.

Inconformada com a decisão, a defesa recorreu ao STJ, alegando que, ao ser autuado, o pescador não tinha nenhum peixe, razão pela qual sua conduta deveria ser considerada incapaz de lesar o meio ambiente, o que justificaria a aplicação do princípio da insigni-ficância.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“Nesse contexto, verifica-se que o acórdão recorrido está de acordo com o entendimento desta Corte, no sentido de que não é insignificante a conduta de pescar em local e época proibida, e com petrechos proibidos para pesca, ainda que não tenha sido apreendido qualquer peixe.

Nesse sentido:

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PENAL – PESCA EM ÉPOCA PROIBIDA – CRIME AMBIENTAL – MÍNIMA OFENSIVIDADE AO BEM JURÍDICO TUTELADO – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – NÃO APLICABI-LIDADE – ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA NÃO RECONHECIDA – 1. Consoante decidido pela Sexta Turma, entendimento em relação ao qual guardo reservas, não é in-significante a conduta de pescar em época proibida, ainda que não tenha sido apreendido qualquer tipo de peixe com o autor do delito. 2. Isso porque, segundo a maioria do cole-giado ‘A questão da relevância ou insignificância das condutas lesivas ao meio ambiente não deve considerar apenas questões jurídicas ou a dimensão econômica da conduta, mas levar em conta o equilíbrio ecológico que faz possíveis as condições de vida no planeta.’ 3. Recurso ordinário não provido. (RHC 41.172/SC, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., Julgado 17.03.2015, DJe 10.04.2015)

PENAL – AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL – ART. 34 DA LEI Nº 9.605/1988 – PESCA EM PERÍODO DE DEFESO – UTILIZAÇÃO DE PETRECHOS PROIBIDOS – REINCIDÊNCIA – PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – INAPLICABILIDA-DE – Inaplicável, no caso, o princípio bagatelar, uma vez que o agravante é reincidente. Ademais, o fato de a atividade ter sido praticada em período de defeso, e com petrechos proibidos para pesca, demonstram tanto a lesividade ao bem jurídico tutelado, quanto o elevado grau de reprovabilidade do comportamento do ora agravante. Agravo Regi-mental desprovido. (AgRg-REsp 1364926/RS, Rel. Min. Felix Fischer, 5ª T., Julgado em 28.04.2015, DJe 08.05.2015)

HABEAS CORPUS – PESCA EM PERÍODO DE DEFESO – ART. 34, CAPUT, I, DA LEI Nº 9.605/1998 – TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA – IMPOSSIBILIDADE – LESÃO POTENCIAL – HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO – 1. A questão da relevância ou insignificância das condutas lesivas ao meio ambiente não deve considerar apenas questões jurídicas ou a dimensão econômica da conduta, mas levar em conta o equilíbrio ecológico que faz possíveis as condições de vida no planeta. 2. A lesão ambiental também pode, cum grano salis, ser analisada em face do princípio da insignificância, para evitar que fatos penalmente insignificantes sejam alcan-çados pela lei ambiental. 3. Haverá lesão ambiental irrelevante no sentido penal quando a avaliação dos índices de desvalor da ação e de desvalor do resultado indicar que é ínfimo o grau da lesividade da conduta praticada contra o bem ambiental tutelado. 4. Neste caso resta afastada a ideia de insignificância, pois apesar de o acusado não ter sido flagrado na posse de qualquer quantidade de pescado, o material apreendido (70 metros de redes de emalhar nº 16 e iscas vivas) bem como a época do ano em que foi realizada a infração (defeso) representam risco para a reprodução das espécies da fauna do rio. 5. Habeas corpus não conhecido. (HC 242.132/PR, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, Rel. p/ Ac. Min. Rogerio Schietti Cruz, 6ª T., Julgado em 24.04.2014, DJe 04.08.2014)

Diante do exposto, o Superior Tribunal de Justiça votou por negar provimento ao recurso especial.

2235 – Crime ambiental – pesca predatória – princípio da insignificância – inaplicabilidade“Penal. Processo penal. Crime ambiental. Pesca predatória. Princípio da insignificância. Ina-plicabilidade. Apelação provida. 1. Em sentido estrito, o bem jurídico tutelado pela norma é a fauna aquática, pois a prática da pesca predatória prejudica a possibilidade de reprodução e crescimento das espécies, de modo a provocar a extinção de espécies e colocar em risco o ecossistema como um todo. 2. Caracterizada a pesca predatória, não se cogita de mínima ofensividade da conduta e consequente exclusão da tipicidade por aplicação do princípio da insignificância. 3. Apelação provida.” (TRF 3ª R. – ACr 0005343-28.2013.4.03.6102/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Mauricio Kato – DJe 15.12.2016)

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Comentário Editorial SÍnTESEO acórdão em comento é oriundo de apelação interposta contra sentença que absolveu o acusado da prática do delito previsto no art. 34, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.605/1998, nos termos do art. 397, inciso III, do Código Penal.

Consta dos autos que o acusado pescou um quilo de peixes das espécies schizodon nasu-tus (taguara), pimelodus maculatus (mandi) e astyanax sp. (lambari), mediante a utiliza-ção de petrechos não permitidos pela legislação ambiental.

Assim, em suas razões recursais, a acusação alegou que o princípio da insignificância não se aplica aos crimes ambientais, haja vista a natureza difusa do bem protegido pela norma penal e pediu a anulação da decisão, com afastamento da atipicidade da conduta e consequente prosseguimento da ação penal.

Assim, entendeu o nobre Relator:

“[...]

A jurisprudência é firme no sentido de que o princípio da insignificância é aplicável a determinadas espécies de crimes, desde que preenchidos os requisitos objetivos e cumu-lativos: a) mínima ofensividade da conduta do agente; b) nenhuma periculosidade social da ação; c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; e d) inexpressividade da lesão jurídica provocada.

Aqui, não é possível acolher a tese da irrelevância penal da conduta.

O art. 34, caput e seu parágrafo único da Lei nº 9.605/1998 enumeram diversas con-dutas típicas classificadas como pesca predatória, entre elas os crimes de pescar em período proibido, em local interditado pelo órgão competente e em quantidades superiores às permitidas ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos, que se trata de um subtipo de pesca predatória (inciso II do parágrafo único do art. 34).

Trata-se de condutas dotadas de alto grau de reprovabilidade, circunstância que por si só afastaria o reconhecimento de sua irrelevância penal. Isto porque a ação fere não só a icitiofauna, mas todo o ecossistema.

Em sentido amplo, o objeto jurídico tutelado pela Lei nº 9.605/1998 é o meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, que deve ser defendido e preservado para as presentes e futuras gerações pelo poder público e pela coletividade (art. 225, caput, da Constituição Federal).

Em sentido estrito, o bem jurídico tutelado pela norma é a fauna aquática, pois a prática da pesca predatória, em especial a pesca com petrecho proibido, prejudica a possibilidade de reprodução e crescimento das espécies, além de colocar em risco o ecossistema como um todo, haja vista a adoção de métodos de maior impacto ambiental.

Nestes termos, considerado o bem jurídico tutelado e caracterizada a pesca mediante uti-lização de petrecho proibido, é irrelevante a quantidade e o peso de espécies capturadas, pois o dano ambiental não pode ser quantificado. Por esta razão, não se cogita de mínima ofensividade da conduta e consequente exclusão da tipicidade por aplicação do princípio da insignificância.

Diante do exposto, dou provimento à apelação da acusação para reformar a sentença de absolvição sumária e determinar o retorno dos autos à vara de origem para o prossegui-mento da ação penal.

É como voto.”

Dessa forma, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região deu provimento à apelação.

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2236 – Dano ambiental – área de preservação permanente – terreno de Marinha – restinga – erro material – inocorrência

“Embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Ad-ministrativo. Ação civil pública. Dano ambiental. Área de preservação permanente. Terreno de Marinha. Restinga. Recurso contra acórdão do STJ. Controvérsia constitucional surgida na instância ordinária. Inviabilidade do apelo extremo. Omissão, contradição ou obscuridade. Inexistência. Erro material. Inocorrência. Efeitos infringentes. Impossibilidade. Recurso inter-posto sob a égide do novo Código de Processo Civil. Ausência de condenação em honorários advocatícios no juízo recorrido. Impossibilidade de majoração nesta sede recursal. Art. 85, § 11, do CPC/2015. Embargos de declaração desprovidos. Determinado o trânsito em julga-do e a baixa imediata dos autos ao juízo de origem, independentemente da publicação do acórdão.” (STF – EDcl-AgRg-Rec.Ag 939.869 – Distrito Federal – 1ª T. – Rel. Min. Luiz Fux – J. 09.12.2016)

Comentário Editorial SÍnTESEO acórdão em epígrafe trata de embargos de declaração opostos contra acórdão assim ementado:

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO – ADMINIS-TRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO AMBIENTAL – ÁREA DE PRESERVAÇÃO PER-MANENTE – TERRENO DE MARINHA – RESTINGA – RECURSO CONTRA ACÓRDÃO DO STJ – CONTROVÉRSIA CONSTITUCIONAL SURGIDA NA INSTÂNCIA ORDINÁRIA – IN-VIABILIDADE DO APELO EXTREMO – AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.”

O embargante, inconformado com a decisão, interpôs o presente recurso, alegando:

“Não se olvida, Excelência, que a questão da área de preservação permanente já tinha sido ventilada no eg. Tribunal de origem. Não obstante, este tema não foi o único mencio-nado no agravo regimental interposto.

Consoante se observa, além do espaço ambientalmente protegido (assunto que, em tese, abrangeria as áreas de preservação permanente), existiam no recurso outras alegações de vulneração a artigos da Constituição Federal, como o direito de propriedade e sua função social (arts. 5º, XXII e XXIII, 170, II e III, 182, caput, § 2º), direito à moradia (art. 6º) e ordem econômica e livre iniciativa (art.170).”

Dessa forma, o nobre Relator, em seu voto entendeu:

“[...]

Nesse sentido, confiram-se, à guisa de exemplo, os seguintes julgados da Suprema Corte, verbis:

‘EMBARGOS DECLARATÓRIOS – INEXISTÊNCIA DE VÍCIO – DESPROVIMENTO – Uma vez voltados os embargos declaratórios ao simples rejulgamento de certa matéria e inexis-tente no acórdão proferido qualquer dos vícios que os respaldam – omissão, contradição e obscuridade –, impõe-se o desprovimento.’ (AI 799.509- AgR-ED, Rel. Min. Marco Aurélio, 1ª T., DJe de 08.09.2011)

‘EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – INOCORRÊNCIA DE CONTRADIÇÃO, OBSCURIDADE OU OMISSÃO – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS

Os embargos de declaração destinam-se, precipuamente, a desfazer obscuridades, a afastar contradições e a suprir omissões que eventualmente se registrem no acórdão proferido pelo Tribunal. A inocorrência dos pressupostos de embargabilidade, a que se refere o art. 535 do CPC, autoriza a rejeição dos embargos de declaração, por incabíveis.’ (RE 591.260-AgR-ED, Rel. Min. Celso de Mello, 2ª T., DJe de 09.09.2011)

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Impende consignar que o presente recurso foi interposto sob a égide da nova lei proces-sual, o que conduziria à aplicação de nova sucumbência. Contudo, por não ter havido condenação ao pagamento de honorários advocatícios no Tribunal a quo, fica impossibi-litada a sua majoração, nos termos do art. 85, § 11, do CPC/2015, neste grau recursal.

Ex positis, desprovejo os embargos de declaração.

Por fim, determino seja certificado o trânsito em julgado nesta data e promovida a baixa imediata dos autos à origem, independentemente da publicação do acórdão.

É como voto.”

Por todo exposto, o Supremo Tribunal Federal negou provimento aos embargos de decla-ração.

2237 – Dano ambiental – aterro sanitário – lançamento no solo e no manancial hídrico chorume sem tratamento prévio – configuração

“Dupla apelação cível. Ação civil pública. Dano ambiental. Aterro sanitário. Lançamento no solo e no manancial hídrico chorume sem tratamento prévio. Julgamento antecipado da lide. Cerceamento do direito de defesa. Inocorrência. Súmula nº 28 desta Corte. Falta de interesse de agir em face de celebração de TAC. Afastada. Possibilidade de cumulação da obrigação de fazer (reparação da área degradada) e de pagar quantia certa (indenização). Multa aplicada pelo sentenciante mantida. Em face da grave extensão do dano ambiental praticado. 1. Ine-xiste cerceamento de defesa, derivado do julgamento antecipado da lide, quando os elemen-tos probatórios constantes dos autos bastam à perfeita elucidação dos fatos articulados pelas partes e à satisfatória solução do litígio. Súmula nº 28 desta Corte. 2. Cediço é que o termo de ajustamento de conduta é dotado de força executiva, nos termos do art. 5º, § 6º, da Lei nº 7.347/1985. Todavia, em se constatando que o TAC pactuado entre as partes possui objeto diverso daquele constante da Ação Civil Pública, incabível falar-se na ausência de interesse de agir. 3. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, porquanto a indenização, em vez de considerar lesão específica já ecologicamente restau-rada ou a ser restaurada, põe o foco em parcela do dano que, embora causada pelo mesmo comportamento pretérito do agente, apresenta efeitos deletérios de cunho futuro, irreparável ou intangível. 4. Deve ser mantida a indenização em face dos danos ambientais causados à coletividade, arbitrada de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) pelo sentenciante, porquanto tal quantia possui caráter compensatório para coletividade e punitiva para o ofensor. Apelos conhecidos e desprovidos.” (TJGO – AC 200792566416 – 6ª C.Cív. – Relª Desª Sandra Regina Teodoro Reis – DJe 13.12.2016)

2238 – Dano ambiental – desmatamento de floresta nativa – ausência de autorização – em-bargo/interdição da área – suspensão de parte da penalidade – possibilidade

“Agravo de instrumento. Constitucional e administrativo. Dano ambiental. Desmatamento de floresta nativa sem autorização. Embargo/interdição da área. Suspensão de parte da penalida-de. Possibilidade. Dignidade da pessoal humana e mínimo existencial. Agravo não provido. 1. Extrai-se da jurisprudência e da legislação aplicáveis à hipótese (Constituição Federal, Código Florestal – Lei nº 12.651/2012, Lei nº 9.605/1998, Decreto nº 6.514/2008) que, constata-da a degradação ambiental, sem a prévia e necessária autorização dos órgãos ambientais competentes, estão sujeitos os infratores às diversas penalidades previstas no ordenamento (multas, embargos, interdições, restrições das atividades etc.). 2. No entanto, considerando, na espécie, a condição do infrator de pequeno produtor e a comprovada impossibilidade de subsistência sua e de sua família, sem o exercício de suas atividades, circunstâncias que re-clamam a incidência dos institutos do mínimo existencial e da dignidade da pessoa humana,

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a suspensão de parte da restrição imposta (20% da área) – suficiente à estrita sobrevivência familiar – é medida que se apresenta proporcional e razoável, o que enseja a manutenção da decisão. 3. Agravo de instrumento do Ibama a que se nega provimento.” (TRF 1ª R. – Proc. 00693646920154010000 – Rel. Des. Kassio Nunes Marques – J. 05.12.2016)

2239 – Dano ambiental – edificação de casa de veraneio – área de preservação permanen-te – ausência de autorização ou licença – prescrição – inocorrência

“Penal e processual penal. Crime de dano ambiental. Edificação de casa de veraneio em área de preservação permanente sem autorização ou licença formal do município ou de órgão ambiental competente. Art. 40 da Lei nº 9.605/1998. Prescrição. Inocorrência. Crime material de efeitos permanentes. Persistência do dano. Não demonstração nos autos de dano efetivo ou de dano ambiental. Conjunto probatório apto a comprovar materialidade e autoria delitivas. Alteração da faixa de preservação permanente com a impossibilidade do equilíbrio ambiental. Notório discernimento da necessidade de autorização ou licenciamento prévio de órgão com-petente. Princípio da insignificância. Inaplicabilidade. Acentuado descaso da ré com as impo-sições definidas pela autoridade ambiental. Apelação improvida. I – Narra a denúncia que em fiscalização empreendida pelo Ibama no dia 4 de junho de 2009, constatou-se que a acusada, Tereza Cristina Moura Vasconcelos Pacheco, na via de acesso ao povoado Ponta de Pedra, no Município de Jequiá da Praia/AL, próximo ao campo da lagoa, causou dano direto e indireto à Unidade de Conservação Federal (UCF), denominada Reserva Extrativista de Jequiá da Praia (Resex – Jequiá), por ter construído uma casa de veraneio em Área de Preservação Permanente (APA), sem qualquer licenciamento ambiental, a 16 (dezesseis) metros das margens da Lagoa do Jequié, cuja distância mínima deve ser de 30 (trinta) metros, concluindo, ainda, que o uso indevido do solo alterou a faixa de preservação permanente, além do que a continuidade da edificação no local impossibilita o equilíbrio ambiental, pelo que foi-lhe imputado o crime do art. 40 da Lei nº 9.605/1998 e, ao final, condenada às penas de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, substituída por duas restritivas de direitos. II – Em suas razões de apelo, aduz, em preliminar, a prescrição retroativa, entendendo que o delito em tela é instantâneo de efeitos permanentes e não permanente, pelo que o termo inicial do lapso prescricional é o momento em que foi construída a residência, distante mais de 4 (quatro) anos quando do recebimento da denúncia e, no mérito, a ausência de demonstração nos autos de dano efetivo ou de dano ambiental, pugnando, ainda, pela aplicação do princípio da insignificância. III – O delito do art. 40 da Lei nº 9.605/1998 é crime material, de efeitos permanentes, apenas cessando quando não mais presente o dano ambiental. No caso concreto, persistindo o dano ambiental, não há que se falar em início do lapso prescricional a ensejar o decurso de tempo superior ao indicado, para o caso concreto, pelo art. 109, V, do Código Penal, desde a consumação do fato até o recebimento da denúncia, ou mesmo desta em relação à sentença condenatória ou a presente data. IV – Consoante relatório técnico elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), acostado aos autos do IPL em apenso, restou cons-tatado, a partir da construção do imóvel de veraneio no interior da Reserva Extrativista Ma-rinha da Lagoa do Jequiá, dano ambiental, diante do uso indevido do solo, alterando a faixa de preservação permanente e, na sua persistência, a impossibilidade do equilíbrio ambiental, bem como, segundo a própria ora apelante asseverou em juízo, o imóvel foi construído, a partir do nível mais alto de inundação, a uma distância de 16 (dezesseis) metros da margem da lagoa, quando a mínima seria de 30 (trinta) metros, causando danos diretos e indiretos à área de preservação permanente e à área circundante da reserva extrativista. V – Mostra-se evidente que a materialidade do crime e a autoria delitiva restaram satisfatoriamente com-provadas nos autos, notadamente quando se observa que a acusada é uma pessoa instruída e

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tinha plenas condições de se portar de modo a não infringir a legislação ambiental, na medida em que, segundo seu próprio depoimento, já havia trabalhado, por 12 (doze) anos, no Setor de Análise de Projetos do Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas, chegou a ocupar o cargo de Secretária de Agricultura e do Meio Ambiente do Município de Jequiá da Praia e foi, inclusive, uma das idealizadoras da criação da Resex do Jequiá, contudo não procurou obter o licenciamento do órgão ambiental por haver sido informada, ‘de boca’, que o Ibama não tinha mais nada a ver, mas sim à Secretaria Municipal de Infraestrutura, porém não pos-suía qualquer autorização ou licença formal do próprio Município e, quando instada pelo órgão ambiental, com o embargo da obra, não o procurou e persistiu com as obras porque, repita-se, ‘de boca’ soube que não seria mais o Ibama o responsável, por se tratar de área de expansão urbana, mas também não procurou aquele órgão para contrapor-se ao auto de infra-ção lavrado a seu desfavor. VI – Mercê da delicadeza do bem ambiental, é difícil a aplicação, ao caso, do princípio da insignificância, mormente em razão da fragilidade do ecossistema. Além do que se apercebe um acentuado descaso por parte da ora apelante com as imposições definidas pela autoridade competente, no que ‘concluiu a obra mesmo estando desprovida de qualquer autorização ou licença formal do Município ou dos órgãos ambientais’. VII – Ape-lação improvida.” (TRF 5ª R. – ACr 0003601-40.2013.4.05.8000 – (12024/AL) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 16.12.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 06 de junho de 1990, independentemente de sua localização:

Pena: reclusão, de um a cinco anos.”

2240 – Dano ambiental – Praia da Ferradura – costão rochoso – construção – precedentes“Constitucional. Processo civil. Ação civil pública. Dano ambiental. Praia da ferradura. Cos-tão rochoso. Construção. Competência. Litisconsórcio passivo legitimidade passiva. Prova pe-ricial. I – A justiça Federal tem competência absoluta, determinada em razão da pessoa, para processar e julgar Ação Civil Pública proposta pelo MPF, ainda que relativa a dano ambiental – art. 109, I e § 3º da CF e art. 2º da Lei nº 7.347/1985. Jurisprudência do STJ. II – Possui competência funcional para julgar Ação Civil Pública o foro do local onde ocorrer o dano art. 2º da Lei nº 7.347/1985. III – A União Federal, o Ibama e a Feema não têm legitimidade para ocupar o polo passivo de Ação Civil Pública proposta pelo MPF, buscando a condenação de município e de empreendimento hoteleiro em obrigações de fazer, não fazer e dar relativas às suas condutas. IV – A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que a necessidade de reparação integral da lesão causada ao meio ambiente permite a cumulação de obriga-ções de fazer, de não fazer e de indenizar, que têm natureza propter rem. V – A pessoa física proprietária do imóvel e responsável pelo licenciamento da obra perante a municipalidade é parte legítima passiva em Ação Civil Pública em que o MPF busca impedir/reparar o dano e a respectiva indenização, em virtude da natureza propter rem dessas obrigações e conside-rando o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental – prevenção geral e especial. Inteligência do art. 47 do CPC/1973. VI – A natureza de matéria de ordem pública de que se reveste o litisconsórcio passivo necessário permite ao juiz apreciá-la inclusive de ofício. VII – O respeito ao devido processo legal con-duz à necessidade da produção de prova pericial, nos moldes do art. 464 e ss. do NCPC, em Ação Civil Pública proposta tendo como causa de pedir a edificação em área de preservação

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permanente – costão rochoso. VIII – Apelação de Ferradura e remessa necessária conhecidas e parcialmente providas; Apelação do Município de Armação dos Búzios prejudicada; Agra-vo retido não conhecido.” (TRF 2ª R. – AC 0001055-83.2006.4.02.5108 – 5ª T.Esp. – Rel. Marcello Granado – DJe 02.12.2016)

2241 – Degradação – Mata Atlântica – área de preservação permanente – assentamento de trabalhadores – inviabilidade – Súmula nº 284/STF – aplicabilidade

“Processual civil e ambiental. Recurso especial. Violação do art. 535 do CPC/1973. Alegações genéricas. Súmula nº 284/STF. Degradação de Mata Atlântica e de área de preservação per-manente. Assentamento de trabalhadores. Inviabilidade. Remanescente de Mata Atlântica em estágio avançado de regeneração. Revisão do julgado. Reexame do conjunto fático-probató-rio dos autos. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. A parte recorrente sustenta que o art. 535, II, do CPC/1973 foi violado, mas deixa de apontar, de forma clara, o vício em que teria incor-rido o acórdão impugnado. Assevera apenas ter oposto Embargos de Declaração no Tribunal a quo, sem indicar as matérias sobre as quais deveria pronunciar-se a instância ordinária, nem demonstrar a relevância delas para o julgamento do feito. Aplicação da Súmula nº 284/STF. 2. Hipótese em que o Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias fáticas e probatórias da causa, concluiu que houve prejuízos ao meio ambiente, motivo pelo qual determinou, entre outras coisas, que a recorrente se abstenha de promover outras supressões da vegetação no Sítio Santa Helena, situado no município de São Carlos. 3. Alterar o entendi-mento firmado pela Corte local quanto à inadequação do Sítio Santa Helena para a implemen-tação de assentamento destinado à reforma agrária, mormente para a cultura de cana-de-açú-car que estava sendo desenvolvida irregularmente no local, requer revolvimento do elementos fático-probatórios dos autos, o que é vedado em Recurso Especial, ante o óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. Recurso Especial não conhecido.” (STJ – REsp 1.637.836 – (2016/0213519-4) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESESúmula do Supremo Tribunal Federal:

“284 – É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamenta-ção não permitir a exata compreensão da controvérsia.”

2242 – Extração de argila – autorização – ausência – crime de usurpação de patrimônio público – ocorrência

“Penal. Processo penal. Apelações criminais. Extração de argila sem prévia autorização le-gal. Crime ambiental (art. 55 da Lei nº 9.605/1998) e de usurpação de patrimônio público (art. 2º da Lei nº 8.176/1991). Concurso formal (CP, art. 70). Conflito de normas. Inocor-rência. Proteção a bens jurídicos distintos. Dosimetria. Omissão quanto ao delito do art. 55 da Lei nº 9.605/1998. Nulidade. Inexistência. Efeito devolutivo da apelação. Pena fixada no mínimo legal. Mínima ofensividade ao bem jurídico tutelado quanto à conduta de um dos réus. Princípio da insignificância. Absolvição (CPP, art. 386, III). Abolitio criminis. Posterior autorização legal. Efeitos retroativos. Não cabimento. Não provimento às apelações, vencido em parte o relator. 1. Apelação criminal dos réus em face da sentença que os condenou a uma pena de 01 (um) ano e 02 (dois) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, substituídas por uma restritiva de direitos, pela prática dos crimes previstos no art. 2º, da Lei nº 8.176/1991 e no art. 55, da Lei nº 9.605/1998, em concurso formal (art. 70, do CP), a ser cumprida em regime aberto, em virtude de extração ilegal de argila na propriedade de um dos denunciados, conhecida como Fazenda Jurema. 2. Por tutelarem bens jurídicos distintos, inexiste conflito

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aparente de normas entre o art. 55 da Lei nº 9.605/1998, o qual objetiva a proteção do meio ambiente, e o art. 2º da Lei nº 8.176/1991, que tutela a ordem econômica. Precedentes do STJ. 3. Segundo o princípio do pás de nullité sans grief, a decretação de nulidade de um ato processual pressupõe a demonstração do prejuízo concreto a uma das partes. Caso em que, na prática, a omissão quanto à dosimetria do crime do art. 55 da Lei nº 9.605/1998, não im-pede seja fixada a pena neste Tribunal, ante o efeito devolutivo da apelação, pois mantida a condenação do réu Antonio João Rocha Messias pela prática do crime previsto no art. 55 da Lei nº 9.60/1998, a pena final aplicada não vai além da mínima prevista de 06 (seis) meses de detenção e 10 (dez) dias-multa, no regime aberto, pois as circunstâncias judiciais são todas favoráveis ao réu, e não há nenhuma agravante ou causa de aumento de pena que majoras-se a pena-base fixada no mínimo legal. 4. Materialidade e a autoria delitivas encontram-se demonstradas em vários elementos de prova, a exemplo do Termo de Ocorrência Circuns-tanciado nº 108082010-PPAmb (fls. 07/16), do Laudo de Perícia Criminal Federal (fls. 55/65 e 197), some-se a isso os depoimentos colhidos durante as investigações e em juízo, além das demais provas constantes nos autos. 5. A incidência do princípio da insignificância aos crimes ambientais reclama a presença, no caso concreto, dos seguintes requisitos: i) a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutelado; ii) reduzido grau de reprovabilidade; iii) inexpressividade da lesão; e iv) nenhuma periculosidade social. 6. Vencido o relator que aplicava o principio da insignificância apenas em relação ao réu José Wellington Moura, ao fundamento de que restaria evidenciada a mínima ofensividade, bem como a ínfima periculosidade social e inexpressiva lesão jurídica ocasionada, haja vista não ter sido comprovada a extração de grande quantidade de argila pelo acusado, bem como a reiteração da prática delituosa. O mesmo não se afirmando com relação ao correu Antonio João Rocha Messias, pois era o proprietário da Fazenda Jurema, ficando comprovada uma exploração constante e habitual através do Laudo Pericial nº 202/2011, a qual teve início em momento anterior ao delito, permanecendo até a data de realização da perícia. 6. Apelação não provida do corréu José Wellington Moura, vencido o relator que dava provimento ao re-curso para absolvê-lo (CP, art. 386, III), e não provimento à apelação de Antonio João Rocha Messias.” (TRF 5ª R. – ACr 0005171-21.2010.4.05.8500 – (13317/SE) – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Edilson Pereira Nobre Júnior – DJe 19.12.2016 – p. 158)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.

Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre quem deixa de recuperar a área pesquisada ou explorada, nos termos da autorização, permissão, licença, concessão ou determinação do órgão competente.”

2243 – Extração irregular de minério – argila – ausência de autorização – degradação am-biental – ocorrência

“Constitucional e administrativo. Ação civil pública. Extração irregular de minério (argila). Ausência de autorização do órgão responsável. Ocorrência de degradação ambiental. Sen-tença mantida. I – apelação interposta contra sentença prolatada nos autos de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Federal em face de José Aelson da Rocha, Osório Penaforte Vilela e Cerâmica Massayó Ltda. – ME. II – Aduz o MPF que foi instaurado o In-quérito Civil Público nº 1.35.000.001069/2005-01, a partir do ‘Ofício nº 333/18 DS/DNPM/

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SE/2005’ do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, após vistoria efetuada em 06.12.2005, quando foi verificada extração de argila, sem autorização legal, por parte de Leide Santos Gonzaga, no local denominado Povoado Lagoa Grande, onde funcionava a Ce-râmica Massayó, tendo aquela como responsável. III – A representante da Cerâmica recebeu o Auto de Paralisação nº 009/2005, assim como orientações para regularizar a atividade. Em 26.05.2006, foi instaurado o IP 99/2006 para apuração dos fatos e que resultou no Processo nº 0003398-77.2006.4.05.8500, que tramita na 1ª Vara Federal/SE. A Sra. Leide compareceu à PR/SE, no dia 12.07.2006, oportunidade em que informou ser esposa do Sr. José Aelson da Rocha, representante legal da empresa Cerâmica Massayó Ltda., e que a argila extraída era utilizada na fabricação de tijolos. IV – O julgador monocrático assim decidiu: ‘3.1 Ante todo o exposto, julgo procedentes os pedidos iniciais, para determinar aos requeridos que, após o trânsito em julgado desta sentença: 3.1.1 No prazo de até 30 (trinta) dias, providenciem o início da reparação da área degradada pela lavra irregular de areia; 3.1.2 Apresentem, no prazo de até 180 (cento e oitenta dias), após transcorrido o lapso consignado no item acima, o Prad (Plano de Recuperação da Área Degradada), elaborado por profissional devidamente habilitado, o qual deverá ser submetido à prévia aprovação da Adema, para fins de fiscaliza-ção das etapas de recuperação; 3.1.3 No prazo de até 15 (quinze) dias, depois de transcor-ridos os lapsos descritos nos itens anteriores, efetuem o pagamento da quantia estimada no Ofício do DNPM ao MPF de R$ 13.623,75 (treze mil, seiscentos e vinte e três reais e setenta e cinco centavos), correspondente ao valor do bem mineral, a título de ressarcimento à União, montante esse a ser devidamente atualizado, na forma do Manual de Cálculos desta Justiça Federal, bem como com a aplicação de juros moratórios, os quais devem fluir a partir da data do evento danoso, conforme assentado na inicial, fl. 03, tudo com base no Enunciado nº 54, da Súmula de Jurisprudência do STJ.’ V – José Aelson da Rocha apelou, alegando a ocorrência da prescrição quinquenal (art. 21 da Lei nº 4.717/1965) para a pretensão à reparação pelos danos causados; erro do tipo essencial, ao argumento de que não tinha conhecimento da ili-citude do ato praticado, ou seja, de autorização do DNPM e/ou da Adema para poder extrair o minério; inexistência de dolo, não ser responsável pela totalidade da extração relatada na denúncia, bem como o sobrestamento da presente ação, até o julgamento final da Apelação Criminal nº 10638/SE. VI – No tocante à alegada prescrição, cumpre referir que é imprescrití-vel o ressarcimento do dano provocado à União, nos termos do art. 37, § 5º, da Constituição Federal. As provas produzidas esclarecem a exploração irregular de substância mineral pelos demandados, conforme documento de fiscalização da DNPM (fls. 29/30), nos autos do Proce-dimento Administrativo nº 1.35.000.001011/2007-11. Tal procedimento consistiu na vistoria realizada na área informada na inicial, com fotografia do local, culminando com a lavratura de Auto de paralisação nº 04/2005, que constata a degradação ambiental ocorrida na área. VII – O apelante (declarações prestadas na PR/SE, fl. 53) afirmou ‘ter sido informado pelo Se-brae que a instituição intermediaria a obtenção da licença para extração de argila. [...] Disse que um dos funcionários do Sebrae-Itabaiana lhe informou que, tão-logo fosse expedida a licença do DNPM, a mesma lhe seria entregue, mas não foi o que aconteceu’. VIII – Foi a presente demanda interposta em defesa do meio ambiente, não se cuidando, portanto, de processo penal, sendo a responsabilidade pela reparação do dano ambiental objetiva, isto é independente de comprovação de dolo ou culpa. Desse modo, incabível o pedido de sobres-tamento do feito até o julgamento final da apelação criminal (ACr 10638/SE). IX – Também não prospera a suposta ignorância da lei, como alegado. No tocante ao montante do material extraído, decidiu o julgador monocrático com base no Relatório de Inspeção de Campo, pro-duzido pelo DNPM, dotado de certeza e liquidez, porquanto ato administrativo. X – Apelação improvida. [03].” (TRF 5ª R. – AC 0006826-57.2012.4.05.8500 – (576537/SE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Conv. Ivan Lira de Carvalho – DJe 07.12.2016)

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2244 – Extração de recurso mineral – argila – ausência de autorização – dolo – não com-provação

“Penal. Extração de recurso mineral sem autorização. Argila. Art. 2º da Lei nº 8.176/1991 e art. 55 da Lei nº 9.605/1998. Concurso formal de crimes. Dolo. Não comprovação. In dubio pro reo. Absolvição. Manutenção. 1. Há concurso formal de crimes entre os arts. 2º da Lei nº 8.176/1991 e 55 da Lei nº 9.605/1998. 2. Não ficou plenamente comprovada a orientação volitiva da acusada em promover dano patrimonial ou ambiental. A ré agiu de boa-fé ao extrair argila, acreditando deter a devida autorização da DNPM, tanto assim que recolheu as contribuições correspondentes desde o ano de 2009. A ausência de dolo específico, ele-mento subjetivo de ambos os tipos, exclui os delitos. 3. Ante a dúvida quanto à autoria, pre-valece o princípio in dubio pro reo. 4. Recurso de apelação não provido.” (TRF 1ª R. – Proc. 00146333420134013803 – Rel. Des. Ney Bello – J. 01.12.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 55. Executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida:

Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.”

Lei nº 8.176/1991:

“Art. 2º Constitui crime contra o patrimônio, na modalidade de usurpação, produzir bens ou explorar matéria-prima pertencentes à União, sem autorização legal ou em desacordo com as obrigações impostas pelo título autorizativo.

Pena – detenção, de um a cinco anos e multa.”

2245 – Extração mineral – autorização – ausência – indenização – cabimento“Processual civil. Direito ambiental e administrativo. Extração mineral. Quantidade. Lavra. Autorização. Ausência. Reexame do contexto fático-probatório. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. 1. Na hipótese dos autos, o Tribunal de origem entendeu ser devida a indenização, em razão de atividade de extração mineral sem autorização do Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM, estabelecendo, outrossim, que ‘a prova documental acostada pela União comprova a quantidade e o valor do minério usurpado. Com base em tais docu-mentos, a sentença fixou adequadamente o valor devido a título de indenização’. 2. O aco-lhimento da pretensão recursal demanda o reexame do contexto fático-probatório, mormente para aferição da existência, ou não, de licença minerária; do alcance de tais licenças, caso existentes; da quantidade de material extraído e das demais questões fáticas relativas à extra-ção realizada. Dessarte, incide no feito o óbice da Súmula nº 7/STJ. 3. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.635.460 – (2015/0325567-8) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016 – p. 4222)

2246 – Fauna silvestre – comércio de produtos – ausência de autorização – fornecimento por membros de tribo indígena – legislação ambiental – aplicabilidade

“Processual civil. Direito ambiental. Comércio de produtos da fauna silvestre sem autoriza-ção. Fornecimento por membros de tribo indígena. Aplicação da legislação ambiental. Ob-servância do devido processo legal. Multa mantida. Agravo de instrumento desprovido. I – O fornecimento de produtos da fauna silvestre por membros de tribo indígena não autoriza a suspensão da multa sob dois fundamentos. Em primeiro lugar, não há provas de que os 57 ar-tigos encontrados provenham de artesanato indígena. II – As informações de venda prestadas pela Funai, Conselho das Aldeias Waiapi e Comunidade Waimiri Atroari datam do ano de

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2002, ao passo que o Ibama detectou a infração em abril de 2007. O distanciamento assume grau suficiente para desconectar a origem das partes comercializadas. III – E, em segundo lugar, o usufruto das terras concedido exclusivamente aos índios não significa a inaplica-bilidade da legislação ambiental para quem figura como adquirente nas operações. IV – A exploração da fauna silvestre segue os requisitos de regulamento, que impõe ao comerciante, além do registro próprio, a manutenção de documentação específica – carimbo, etiqueta, nota fiscal – que indique a procedência, espécime, quantidade, data de abate, peso dos produtos ou subprodutos adquiridos (art. 19 da Portaria Ibama nº 117/1997). V – Iandé Presentes Ltda. Não demonstrou o atendimento dessas exigências. A omissão impossibilita o órgão ambiental de verificar a origem lícita do material apreendido. VI – Mesmo que os fornecedores sejam silvícolas, a conferência mantém a exigibilidade. O uso e o manejo dos animais selvagens não podem resultar na degradação do meio de sobrevivência das populações indígenas, o que seria potencializado pela ausência de controle e pelo envolvimento de grandes empresas. VII – O Decreto nº 1.141/1994, sucedido pelo Decreto nº 7.747/2012, prevê a regulamenta-ção da relação entre o meio ambiente e as tradições indígenas, sobretudo a caça, objetivando a sustentabilidade do usufruto das riquezas naturais, o bem-estar dos índios e o interesse nacional (art. 9º). VIII – A autorização do comércio de produtos da fauna silvestre, inclusive na forma de artesanato, se encaixa nesse ambiente multidisciplinar. IX – O Auto de Infração tampouco feriu o devido processo legal, especificamente a legalidade, a proporcionalidade e a necessidade de dolo ou culpa. X – A infração correspondente à negociação de partes de ani-mais selvagens sem licença do órgão ambiental competente e a multa por unidade apreendida estão previstas, respectivamente, nos arts. 29, § 1º, III, e 74 da Lei nº 9.605/1998. XI – O De-creto nº 3.179/1999 apenas reproduziu a transgressão em nível administrativo e conferiu apli-cabilidade à penalidade pecuniária (art. 11, caput, e § 1º, III), definindo o respectivo valor nos limites previstos no art. 75 da Lei nº 9.605/1998. Trata-se de matéria típica de regulamentos. XII – Já o montante de R$ 500,00 por produto encontrado reflete a importância dos espécimes da fauna silvestre, sob risco crescente de extinção, e serve para dissuadir novas ações desa-companhadas de autorização de uso e manejo. XIII – As circunstâncias indicam também que Iandé Presentes Ltda. não ignorava a exigência de licença ambiental. Se ela providenciou o re-gistro como comerciante de artigos, não poderia ter desprezado os requisitos complementares à comercialização. XIV – Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TRF 3ª R. – AI 0022252-21.2013.4.03.0000/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Antonio Cedenho – DJe 18.01.2017)

2247 – Ibama – apreensão de arara – convivência doméstica duradoura – princípio da razoabilidade – precedentes

“Apelação e remessa necessária. Ibama. Apreensão de arara. Convivência doméstica dura-doura. Princípio da razoabilidade. 1. Não se desconhece que a guarda em cativeiro de espé-cime da fauna silvestre depende de permissão, licença ou autorização da autoridade compe-tente (art. 29 da Lei nº 9.605/1998) e é evidente que a legislação ambiental deve ser cumprida. Todavia, as situações fáticas submetidas ao Poder Judiciário precisam ser analisadas à luz do princípio da razoabilidade. 2. In casu, da análise dos autos é possível constatar a convivência harmônica e integrada da arara ‘Lili’ com a demandante e seus familiares por mais de 20 anos, assim como o zelo no trato com o animal, inclusive por declaração de médicas vete-rinárias, sendo certo que uma reintrodução dela ao seu meio ambiente poderia resultar em dano irreversível para a própria ave, considerando que a ave em questão já está adaptada ao convívio com os seres humanos. É cediço que os animais que vivem em ambiente doméstico por bastante tempo desenvolvem novos hábitos e acabam se tornando vulneráveis se forem devolvidos ao seu habitat natural, pois não estão adestrados pela experiência da vida silves-

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tre, não sabem lutar pela própria sobrevivência e podem ser tornar alvo fácil de predadores. Assim, a retirada da arara do ambiente doméstico acabaria pondo em risco a sua integridade e o prejuízo seria maior do que a efetiva proteção, objetivo principal da Lei nº 9.605/1998. Pre-cedentes. 3. Apelação e remessa necessária conhecidas e desprovidas.” (TRF 2ª R. – AC-RN 0031757-86.2013.4.02.5101 – 7ª T.Esp. – Rel. José Antonio Lisbôa Neiva – DJe 01.12.2016)

2248 – Ibama – apreensão de veículo – envolvimento em ilícito ambiental – restituição – possibilidade

“Administrativo e ambiental. Agravo de instrumento. Ibama. Infração administrativa. Apreen-são do veículo envolvido em ilícito ambiental.restituição. Nomeação como depositário fiel. Possibilidade. Precedentes. Agravo desprovido. 1. O entendimento estabelecido neste Tribu-nal é de que o veículo utilizado no transporte irregular de madeira não é passível de apreen-são, na forma do art. 25, § 4º, da Lei nº 9.605/1998, se não for identificada situação de uso es-pecífico e exclusivo para aquela atividade ilícita. Precedentes. 2. Na hipótese em exame, não foram evidenciados elementos suficientes a indicar a potencialidade lesiva ao meio ambiente, por meio da ausência da constatação de que o veículo apreendido teria destinação exclusiva e específica ao cometimento de infrações ambientais. 3. Agravo conhecido e desprovido.” (TRF 1ª R. – Proc. 00636599020154010000 – Rel. Des. Kassio Nunes Marques – J. 05.12.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando--se os respectivos autos.

[...]

§ 4º Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados a instituições científicas, culturais ou educacionais.”

2249 – Ibama – infração ambiental – comercialização de madeira – ausência de licença – violação ao princípio da legalidade – configuração

“Administrativo. Ibama. Infração ambiental. Comercialização de madeira sem licença do ór-gão competente. Emissão de DOF condicionada ao pagamento de multa. Forma indireta de cobrança. Violação ao princípio da legalidade. Apelação parcialmente provida. Agravo retido não conhecido. 1. A empresa autora foi autuada, em 18.10.2007, por comercializar 868,587 m³ de madeiras serradas nativas, de diversas espécies, sem a emissão de Documento de Ori-gem Florestal (DOF), durante o período de setembro de 2006 a outubro de 2007, sendo-lhe aplicada uma multa no valor de R$ 86.858,70. 2. Segundo o art. 46 da Lei nº 9.605/1998, configura crime e infração ambiental adquirir, vender ou transportar madeira, sem licença vá-lida outorgada pela autoridade competente. 3. A multa aplicada não viola os princípios da ra-zoabilidade e proporcionalidade, considerando a quantidade de mercadoria comercializada irregularmente (868,587 m³ de madeira) e o fato de que o valor fixado se encontra dentro dos parâmetros previstos no artigo 75 da Lei nº 9.605/1998 e no art. 32 do Decreto nº 3.179/1999. 4. Por outro lado, como a condição de adimplente no pagamento de multa não está relaciona-da com qualificações profissionais, ao condicionar a expedição da licença obrigatória (DOF) ao pagamento da multa imposta, o Ibama extrapolou o limite imposto pelo princípio da legali-dade, constituindo prática injustificada de meio coercitivo de cobrança. Precedentes. 5. Frise--se também que o Ibama dispõe de meios para exigir as multas dos comerciantes de madeira que tenham cometido infração ambiental, podendo promover processo de execução fiscal, observados o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal. 6. De rigor seja liberado

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à autora o acesso ao sistema e à emissão do Documento de Origem Florestal, independente-mente do pagamento da multa. 7. Sucumbência recíproca. 8. Apelação parcialmente provida. Agravo retido não conhecido.” (TRF 3ª R. – AC 0004818-30.2010.4.03.6109/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos – DJe 18.01.2017)

2250 – Ibama – posse de animais silvestres – ausência de licença da autoridade ambiental – legalidade da autuação – dano moral afastado – configuração

“Administrativo. Ação anulatória de auto de infração. Ibama. Ilegitimidade passiva ad causum da União. Posse de animais silvestres sem licença da autoridade ambiental. Legalidade da autuação. Dano moral afastado. 1. Comprovada a legalidade da autuação do Ibama quanto à apreensão das aves, afastado o dano moral advindo da prisão. 2. Havendo situação de flagrân-cia, é dever da autoridade policial agir e efetuar a prisão, fato pelo qual não decorre qualquer direito à indenização, senão comprovada a existência de ilicitude ou excesso. 2. Manutenção da sentença na íntegra.” (TRF 4ª R. – AC 5003874-18.2013.4.04.7205 – 4ª T. – Rel. Luís Alberto D’ Azevedo Aurvalle – J. 14.12.2016)

2251 – Ibama – veículo estacionado na areia da praia – apreensão e multa – dano – não comprovação

“Administrativo e ambiental. Mandado de segurança. Auto de infração. Ibama. Dano am-biental. Veiculo estacionado na areia da praia. Apreensão e multa. Dano. Não comprovação. I – Ainda que se entenda que a responsabilidade por danos ambientais é objetiva, não há como se manter a higidez do auto de infração quando não é possível mensurar pela descrição genérica, tendo em vista os elementos de prova juntados aos autos, que o apelante tenha sido responsável ou tenha contribuído para os danos ambientais constantes do Relatório de Fiscalização. II – Ausente a comprovação de que a conduta do impetrante, estacionamento do veículo em areia da praia tenha ensejado prejuízo ambiental ou tenha configurado ato ilícito, considera-se indevida a multa e nulo o auto de infração. III – Recursos de apelação interpostos pelo Ibama e pelo Ministério Público Federal e remessa oficial aos quais se nega provimento.” (TRF 1ª R. – Proc. 00006104820114013902 – Rel. Des. Jirair Aram Meguerian – J. 12.12.2016)

Comentário Editorial SÍnTESECuida-se de remessa oficial e apelações interpostas pelo Ibama e pelo Ministério Público Federal, contra sentença que concedeu a segurança na forma do seguinte dispositivo:

“Por tais fundamentos, julgo procedente o pedido (CPC, art. 269/I) para conceder a se-gurança e assim pronunciar a invalidade do auto de infração nº 529431-D e todas as sanções dele decorrentes, exonerando o Impetrante dos respectivos efeitos pertinentes, inclusive eventual inscrição da punição pecuniária em cadastros restritivos no registro de dívida ativa, sob implicação de multa no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por cada movimento de recalcitrância, nos termos do que dispõe o art. 46, § 4º, do CPC.”

Consta dos autos que a fiscalização do Ibama flagrou uma camionete parada na areia da praia da Ponta Tapari, em Santarém/PA. Afirmou que a conduta subsume-se à infração ambiental tipificada no art. 73 do Decreto nº 6.514/2008.

Em seu recurso, o Ministério Publico Federal invocou dispositivo constitucional e legisla-ção municipal, defendendo que a conduta do impetrante causou dano ao meio ambiente, aportando-se ao Relatório de Fiscalização do Ibama.

Diante do exposto, o d. Relator entendeu:

“[...]

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Em que pesem as alegações dos apelantes, quanto ao fundamento adotado pelo magis-trado de primeiro grau, que entendeu pela inexistência de dolo ou culpa, ainda que por outros argumentos, não merece reparo a decisão proferida na origem.

4. Reportando-se aos fatos, tem-se que o impetrante se encontrava estacionado na areia da praia de Ponta Tapari, próximo a uma residência, em Santarém/PA, quando foi autuado em procedimento de fiscalização, sob alegação de conduta ilícita tipificada na legislação ambiental.

5. Segundo o Relatório de Fiscalização, fl. 48, ‘Às 16:20 h do dia 23 de janeiro a Equipe de fiscalização flagrou o automóvel Hilux, [...], parado na areia da praia da Ponta do Tapari. Desta forma o condutor do veículo [...], foi autuado conforme o art. 73 do Decreto Federal 6.514/2008 por causar alteração a estrutura de local especialmente protegido (Lei Municipal nº 18.051/2006, art. 38, § IV).

6. Ainda que se entenda que a responsabilidade por danos ambientais é objetiva, na hipótese não há como manter a higidez do auto de infração. Não é possível mensurar pela descrição genérica, tendo em vista os elementos de prova juntados aos autos, que o apelante tenha sido responsável ou que tenha contribuído para os danos ambientais constantes do Relatório de Fiscalização, mas especificadamente no quesito 1.8 (fl. 49), o qual assim descreve o possível dano:

A maioria dos danos ao ambiente e sua biota está associada à ação erosiva dos pneus e a compactação provocada pelos mesmos. Os veículos compactam a areia de forma similar a um pavimento do tipo macadame, interferindo nas trocas de ar e água (condutividade hidráulica entre os interstícios dos sedimentos, criando condições anaeróbicas, interferin-do nos processos metabólicos de espécies presentes neste meio. Além deste fator, existe a própria barreira física representada pela areia compactada aos deslocamentos de raízes e de animais que tem seu local de moradia ou de alimentação nestas zonas.

7. Com efeito, há de se considerar que a fiscalização presumiu que o impetrante foi o responsável pela poluição noticiada e que alargou demasiadamente sua responsabilização pelos danos causados ao meio ambiente, se baseando em princípios constitucionais.

8. Portanto, tendo em vista a ausência de comprovação de que a conduta do impetrante tenha ensejado prejuízo ambiental ou tenha configurado ato ilícito, considera-se indevida a multa vergastada e nulo o auto de infração.

Pelo exposto, nego provimento aos recursos de apelação interpostos pelo Ibama e pelo Ministério Público Federal e à remessa oficial.

É como voto.”

Diante do exposto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento aos recur-sos de apelação.

2252 – Infração ambiental – reposição florestal – extração de grande quantidade de maté-ria-prima – configuração

“Apelação. Administrativo. Ibama. Infração ambiental. Reposição florestal. Competência do técnico ambiental para fiscalizar e aplicar penalidades. Redução da multa. Indevida. Gravida-de da conduta. Extração de grande quantidade de matéria-prima. 1. A autora foi autuada pelo Ibama, em 19.02.2009, pela prática de infração ambiental decorrente do não cumprimento da exigência de reposição florestal obrigatória, no montante equivalente a 5.344,200 estéreo de lenha comercializada. 2. O auto de infração foi lavrado com fundamento no art. 19 da Lei nº 4.771/1965 e nos arts. 2º, 3º, II, e 53, parágrafo único do Decreto nº 6.514/2008, ocasião em que foi aplicada uma multa no valor de R$ 1.603.500,00 (um milhão, seiscentos e três mil e quinhentos reais). 3. Conquanto o art. 15 do Decreto nº 5.975/2006 isente da obrigato-riedade de reposição florestal aquele que utilizar matéria-prima oriunda de floresta plantada,

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o parágrafo único do referido dispositivo legal não desobriga o interessado da comprovação junto à autoridade competente da origem do recurso florestal utilizado. 4. Deste modo, se a autora não comprovou que a madeira utilizada era, de fato, extraída de floresta plantada, e tampouco apresentou o projeto de vinculação das áreas com intuito de reposição florestal, válido é o auto de infração lavrado pelo agente administrativo. 5. O Superior Tribunal de Justiça reconheceu a competência do técnico ambiental para fiscalizar e aplicar penalida-des decorrentes de infração ambiental. 6. O agente administrativo procedeu ao cálculo da multa corretamente, considerando o disposto no art. 53 do Decreto nº 6.514/2008 quanto ao valor de R$ 300,00 (trezentos reais) aplicado por estéreo ou metro cúbico. 7. Em que pese não constar em nome da autora o cometimento de infração ambiental anterior transitada em julgado, a redução da multa, in casu, não é recomendada, tendo em vista a gravidade da con-duta e as consequências desastrosas para o meio ambiente, decorrente da extração de grande quantidade de matéria-prima, sem posterior reposição florestal. 8. Agravo retido prejudicado e apelação desprovida.” (TRF 3ª R. – AC 0001018-87.2011.4.03.6002/MS – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Nelton dos Santos – DJe 18.01.2017)

2253 – Pesca de arrasto – Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo – dano ambien-tal – reparação – precedentes

“Ação civil pública. Ambiental. Responsabilidade civil. Pesca de arrasto. Reserva extrativista marinha do Arraial do Cabo. Prescrição. Dano ambiental. Honorários advocatícios. 1. É im-prescritível a pretensão de reparação do dano ambiental, visto o caráter continuado de seus efeitos e a indisponibilidade do direito ao meio ambiente equilibrado [direito difuso]. Prece-dentes: STJ, Ag-REsp 200901423990, REsp 200900740337, TRF 2ª R., AC 200651110006690, AC 200451090004647. 2. A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, prescin-dindo da prova de dolo ou culpa do agente (art. 225, § 3º, da CF c/c arts. 4º, VII e 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981). 3. As reservas extrativistas constituem unidades de conservação de uso sustentável (art. 14, IV, da Lei nº 9.985/2000), que têm por objetivo básico ‘compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais’ (art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.985/2000). A Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo foi criada pelo Decreto Presidencial não numerado de 03.01.1997, com objetivo de ‘garantir a exploração auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis, tradicionalmente utilizados para pesca artesanal, por população extrativista do Município de Arraial do Cabo’ (art. 2º). 4. A apelante foi autuada pela prática de pesca industrial de arrasto, com o barco ‘Da Hora VI’, dentro dos limites geográficos da Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo. 5. A afirma-ção de que o barco estava fora dos limites da Reserva não se sustenta, pois além de contrárias ao conjunto probatório constante dos autos, o próprio mestre de embarcação afirmou que os dados do GPS da embarcação ficaram armazenados por 72 horas, de modo que facilmente poderia ter sido demonstrado que a localização ultrapassava os limites da Reserva. 6. Trata-se de quase uma tonelada de pescado retirado de forma indevida e predatória de reserva extrati-vista marinha, restando configurado o dano ambiental. 7. O pagamento pela empresa da mul-ta administrativa no montante não afasta o dever de indenizar o dano ambiental, em virtude da independência entre as instâncias. 8. Tendo em vista que a extensão do dano se reflete na quantidade de pescado apreendida (750 Kg), que tanto o representante legal da ré quanto o mestre da embarcação, no inquérito policial, afirmaram sabedores da vedação da pesca de arrasto no interior de reserva extrativista, sendo que o representante legal da apelante, na oca-sião, inclusive afirmou já ter sido a empresa autuada outras três vezes, tem-se por adequada e suficiente a fixação da indenização em R$ 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil reais). 9. Os juros de mora incidem desde a data do evento danoso, consoante o verbete nº 54 da

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Súmula de Jurisprudência do STJ, ratificado em sede de recurso repetitivo (REsp 1114398). 10. A condenação na obrigação de se abster de ingressar ou navegar na Resexmar/AC, sob pena de multa, encontra amparo no princípio da precaução, fazendo-se necessária a fim de diminuir o risco de que a ré/apelante efetue novamente a pesca predatória no interior da Reserva Marinha em questão. Precedentes deste TRF 2ª R.: Ag 201102010032325, Ag 201102010032349. 11. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento no sentido de que a parte autora, quando vencida em sede de Ação Civil Pública, somente é condenada ao pagamento da verba honorária no caso de comprovada má-fé, de modo que, quando for vencedora, em virtude do critério de absoluta simetria, não pode beneficiar-se de honorários. 12. Recurso parcialmente provido.” (TRF 2ª R. – AC 0001351-66.2010.4.02.5108 – 7ª T.Esp. – Rel. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho – DJe 11.01.2017)

Remissão Editorial SÍnTESEVide RSA nº 29, jan./fev. 2016, Ementa nº 1824 do TRF 2ª R.

2254 – Pesca – espécies em extinção – princípio da insignificância – inaplicabilidade“Direito penal e processual penal. Crime ambiental. Pesca de espécies em extinção. Art. 34, I, da Lei nº 9.605/1998. Decreto Estadual nº 41.672/2002/RS. Materialidade. Autoria. Inaplica-bilidade do princípio da insignificância. 1. A pesca de espécie em extinção configura o crime previsto no art. 34, caput, inciso I, da Lei nº 9.605/1998.2. Em situações excepcionalíssimas, pode ser reconhecida a insignificância de delito ambiental. 3. O delito relacionado a espé-cies em extinção, por definição, é significativo, independentemente do volume de animais envolvido.” (TRF 4ª R. – ACr 5001790-25.2014.4.04.7103 – 8ª T. – Rel. Leandro Paulsen – J. 30.11.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:

Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:

I – pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos.”

2255 – Pesca – petrecho proibido – princípio da insignificância – inaplicabilidade“Direito penal e processual penal. Crime ambiental. Pesca com petrecho proibido. Art. 34, II, da Lei nº 9.605/1998. Portaria Ibama nº 84/2002. Materialidade. Autoria. Inaplicabilidade do princípio da insignificância. Ausência. Atipicidade da conduta. Erro de proibição. Isenção. Custas. 1. A pesca com petrecho proibido configura o crime previsto no art. 34, caput, inciso II, da Lei nº 9.605/1998. 2. Em situações excepcionalíssimas, pode ser reconhecida a insigni-ficância de delito ambiental. 3. O delito previsto no art. 34 da Lei nº 9.605/1998 se perfecti-biliza com qualquer ato tendente à captura de peixes, sendo a apreensão mero exaurimento do tipo, pois trata-se de crime formal, cujo risco de lesão ao equilíbrio ambiental, em especial à fauna aquática, presume-se pela própria conduta descrita no tipo penal. 4. Considerado o potencial ofensivo da conduta de pescar com petrecho proibido, esta não pode ser admitida como socialmente adequada, não havendo falar em atipicidade. 5. Não resta caracterizado o erro de proibição quando o agente, pela atividade exercida, tinha condições de compreender a ilicitude da sua conduta, não tendo a defesa apresentado qualquer elemento probatório em

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sentido contrário. 6. A isenção do pagamento das custas processuais deve ser analisada pelo juízo da execução.” (TRF 4ª R. – ACr 5001401-66.2016.4.04.7201 – 8ª T. – Rel. Leandro Paulsen – J. 30.11.2016)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente:

Pena – detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas quem:

[...]

II – pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;”

2256 – Pesca industrial – cerco de sardinha – Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo – dano ambiental – configuração

“Ação civil pública. Ambiental. Responsabilidade civil. Pesca industrial de cerco de sardi-nha. Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo. Dano ambiental. 1. A responsabilidade civil por danos ambientais é objetiva, prescindindo da prova de dolo ou culpa do agente (art. 225, § 3º, da CF c/c arts. 4º, VII e 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981). 2. As reservas extrativis-tas constituem unidades de conservação de uso sustentável (art. 14, IV, da Lei nº 9.985/2000), que têm por objetivo básico ‘compatibilizar a conservação da natureza com o uso susten-tável de parcela dos seus recursos naturais’ (art. 7º, § 2º, da Lei nº 9.985/2000). A Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo foi criada pelo Decreto Presidencial não numerado de 03.01.1997, com objetivo de ‘garantir a exploração auto-sustentável e a conservação dos recursos naturais renováveis, tradicionalmente utilizados para pesca artesanal, por população extrativista do Município de Arraial do Cabo’ (art. 2º). 3. A apelante foi autuada pela prática de pesca industrial de cerco de sardinha-verdadeira, com o barco ‘Da Hora VIII’, dentro dos limites geográficos da Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo. 4. A afirmação de que a pesca não ocorreu no interior da referida Reserva Extrativista, mas tão somente nas suas pro-ximidades, não se sustenta, forte o conjunto probatório constante dos autos em sentido con-trário (autos de infração, relatório de fiscalização, Ofício da Resexmar/AC, e testemunhos dos agentes de fiscalização na Ação Penal nº 2010.51.08.000901-6). 5. Trata-se de quase uma tonelada de pescado retirado de forma indevida e predatória de reserva extrativista marinha, restando configurado o dano ambiental. 6. Tendo em vista que a extensão do dano se reflete na quantidade de pescado apreendida (800 Kg) e que a empresa é reincidente, tem-se por adequada e suficiente a fixação da indenização em R$ 396.000,00 (trezentos e noventa e seis mil reais). 7. A condenação na obrigação de se abster de ingressar ou navegar na Resexmar/AC, sob pena de multa, encontra amparo no princípio da precaução, fazendo-se necessária a fim de diminuir o risco de que a ré/apelante efetue novamente a pesca predatória no interior da Reserva Marinha em questão. Precedentes deste TRF 2ª R.: Ag 201102010032325, Ag 201102010032349. 8. Recurso desprovido.” (TRF 2ª R. – AC 0001352-51.2010.4.02.5108 – 7ª T.Esp. – Rel. Luiz Paulo da Silva Araújo Filho – DJe 11.01.2017)

2257 – Poluição sonora – dano ambiental e à saúde da população – princípio do poluidor--pagador e da reparação integral – precedentes

“Recurso de apelação cível. Ação civil pública. Poluição sonora. Dano ambiental e à saú-de da população. Preliminar de nulidade da sentença. Rejeitada. Mérito. Dever de reparar.

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Princípio do poluidor-pagador e da reparação integral que abrange a indenização por danos morais coletivos. Precedentes do STJ. Sentença retificada quanto ao valor fixado. Recurso parcialmente provido. O superior Tribunal de Justiça tem orientação firmada de que não há cerceamento de defesa quando o julgador considera dispensável a produção de prova (art. 330, I, do CPC), mediante a existência nos autos de elementos hábeis para a formação de seu convencimento. Também não há que se falar em defeito de fundamentação correlata às provas, quando evidenciado que o convencimento do magistrado se deu com base nes-tas. Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação integral do dano, admite-se a condenação simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, de não fazer e de indenizar. O dano moral coletivo, segundo entendimento do Superior Tri-bunal de Justiça, integra o conceito de reparação do dano, por isto, é perfeitamente admitido, quando necessário para compensar os efeitos da degradação e do mal causado, sobretudo à saúde pública. O valor fixado, no entanto, para atingir sua finalidade, não pode se distanciar do princípio da razoabilidade. Por isto, em grau de recurso, acaso verificado que a condena-ção foi exacerbada, merece ser reduzido.” (TJMT – Ap 107694/2015 – Rel. Des. José Zuquim Nogueira – DJe 16.12.2016)

2258 – Queima da palha da cana-de-açúcar – atividade que se perdura ao longo dos anos – degradação do meio ambiente – EIA/Rima – necessidade

“Agravo de instrumento. Ação civil pública. Dano ambiental. Constitucional. Queima da pa-lha da cana-de-açúcar. Atividade que se perdura ao longo dos anos. Reconhecida a prática de atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Necessi-dade de eia/rima. 1. A prática da queima controlada da palha da cana-de-açúcar se perdura ao longo dos anos e por tal motivo não há como afastar o reconhecimento de que, na verdade, é atividade causadora de significativa degradação do meio ambiente, cuja proteção tem guari-da no art. 225, IV, da CF. 2. Reconhecida a aplicação do art. 225, IV, da CF quanto à questão, impõe-se a realização de EIA/Rima, sob a competência do Ibama. 3. Decisão agravada correta quanto à determinação de paralisação, imediata das queimadas, devendo, no entanto, ser corrigida quanto à determinação de cancelamento das licenças e/ou autorizações. 4. Agravo de instrumento parcialmente provido para determinar a suspensão das licenças e autorizações concedidas pelo Estado de São Paulo e pela Cetesb, mantida a decisão quanto a paralisação, imediata, das atividades.” (TRF 3ª R. – AI 0011758-92.2016.4.03.0000/SP – 4ª T. – Relª Desª Fed. Marli Ferreira – DJe 19.01.2017)

Remissão Editorial SÍnTESEVide RSA nº 27, set./out. 2015, Ementa nº 1641 do STJ.

2259 – Queima de palha de cana-de-açúcar – auto de infração e imposição de multa – Lei Estadual nº 997/1976 – aplicabilidade

“Processual civil. Art. 142 do CTN. Inaplicável ao caso dos autos. Inexistência de relação tri-butária. Penalidade por infração à legislação ambiental. Embargos à ação de execução fiscal. Auto de infração e imposição de multa por queima de palha de cana-de-açúcar. Aplicação da Lei Estadual nº 997/1976, regulamentada pelo Decreto nº 8.468/1976, com a redação do De-creto nº 39.551/1994. Redução do valor da multa para o equivalente a 30 Ufesps por hectare, como previsto no art. 15 do Decreto Estadual nº 47.700/2003. Legislação local. Incidência da Súmula nº 280/STF. 1. O art. 142 do CTN, tido por supostamente violado, é inaplicável aos autos, pois não se cuida de relação tributária e sim de penalidade por infração à legislação ambiental. 2. Hipótese em que a Corte de origem decidiu que, ‘não afastada a presunção

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de veracidade e legitimidade do ato administrativo de autuação, eis que o auto de infração e imposição de multa foi lavrado de acordo com o prescrito na Lei Estadual nº 997/1976, regulamentada pelo Decreto nº 8.468/1976, com a redação do Decreto nº 39.551/94 e suas posteriores alterações, e está revestido dos requisitos legais, impondo-se, apenas, a redução do valor da multa para o equivalente a 30 (trinta) Ufesp, por hectare queimado, com fulcro no art. 15, do Decreto nº 47.700/2003’. 3. Nota-se que a demanda foi dirimida com base na Lei Estadual nº 997/1976, regulamentada pelo Decreto nº 8.468/1976, com a redação do Decreto nº 39.551/1994 e do Decreto Estadual nº 47.700/2003. Desse modo, o deslinde do caso passa necessariamente pela análise de legislação local, sendo tal medida vedada em Recurso Especial, conforme o Enunciado da Súmula nº 280 do STF: ‘Por ofensa a direito local não cabe recurso extraordinário’. 4. Recurso Especial não provido.” (STJ – REsp 1.635.382 – (2016/0210107-5) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 19.12.2016)

Destaque Editorial SÍnTESEDo voto do Relator destacamos:

“[...]

A propósito:

ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RE-CURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – MULTA AMBIENTAL – ART. 2º DA LINDB – FALTA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULA Nº 282/STF – DECRETO ESTADUAL Nº 8.468/1976 E LEI ESTADUAL Nº 997/1976 – QUEIMA DE RESÍDUOS SÓLIDOS – EXPRESSÃO ‘RESÍDUOS’ ABRANGE A PALHA DA CANA-DE-AÇÚCAR – ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 280/STF

1. O Tribunal de origem não se pronunciou sobre a matéria versada no art. 2º da Lei de Introdução a Normas de Direito Brasileiro, tampouco foram opostos embargos de de-claração, no ponto, para suprir eventual omissão, incidindo o óbice previsto na Súmula nº 282/STF.

2. O exame da controvérsia, tal como enfrentada pelas instâncias ordinárias, exigiria a análise de dispositivos de legislação local, pretensão insuscetível de ser apreciada em recurso especial, conforme a Súmula nº 280/STF. Precedentes: AgRg-AREsp 622.639/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJe 06.04.2015 e AgRg-REsp 1.298.919/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 18.03.2014).

3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-AREsp 707141/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., DJe 30.06.2015)

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – EXECUÇÃO FISCAL – MULTA – QUEIMA DA PALHA DE CANA-DE-AÇÚCAR – DISPOSITI-VOS TIDOS POR CONTRARIADOS – AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO – SÚMULAS NºS 282 E 356 DO STF – DEFICIÊNCIA DAS RAZÕES RECURSAIS – SÚMULA Nº 284/STF – ANÁLISE DE LEGISLAÇÃO LOCAL – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA Nº 280/STF

1. As matérias referentes aos dispositivos tidos por contrariados não foram objeto de análise pelo Tribunal de origem. Desse modo, carece o tema do indispensável prequestio-namento viabilizador do recurso especial, razão pela qual não merece ser apreciado, a teor do que preceituam as Súmulas nºs 282 e 356 do Supremo Tribunal Federal.

2. A tese recursal sobre a indevida aplicação da multa não pode ser conhecida, seja pela falta de indicação específica de dispositivo tido por violado, o que enseja a aplicação da Súmula nº 284/STF, seja pela impossibilidade de exame da legislação local na instância extraordinária, o que atrai a incidência da Súmula nº 280/STF.

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3. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg-AREsp 352193/SP, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe 13.03.2014)

Diante do exposto, nego provimento ao Recurso Especial.

É como voto.”

2260 – Resíduos sólidos – disposição – licença de instalação e funcionamento – ausência – degradação ambiental – comprovação

“Apelação cível. Direito ambiental. Embargos à execução. CDA. Multa. Disposição de resí-duos sólidos. Licença de instalação e funcionamento. Ausência. Degradação ambiental com-provada. Violação do prazo de instalação de aterros sanitários. Exigibilidade do título. Lei posterior mais benéfica. Irretroatividade. O auto de infração e sua consequente multa lavrados em desfavor do Município diante da ausência de licença junto a Feam – Fundação Estadual do Meio Ambiente para instalar e funcionar na atividade de recebimento dos resíduos sólidos, e da evidente degradação ambiental decorrente da atividade, bem como da violação dos prazos do Decreto Estadual nº 44.844/2008 e da Deliberação Normativa Copam nº 119/2008 apre-sentam-se válidos, de modo a imprimir exigibilidade à certidão de dívida ativa representativa do crédito oriundo da sanção aplicada. A despeito da posterior edição de lei ambiental mais benéfica ao Município, esta não lhe aproveita, vez que a retroatividade da lei mais benéfica é inaplicável na esfera ambiental, conforme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.” (TJMG – AC 1.0183.15.003257-5/001 – 5ª C.Cív. – Rel. Moacyr Lobato – DJe 19.12.2016)

2261 – Terreno de Marinha – construção – faixa de praia – princípios da proporcionalidade e da razoabilidade – cabimento

“Administrativo. Ambiental. Processual civil. Construção em terreno de Marinha. Faixa de praia. Legitimidade passiva da União. São Francisco do Sul/SC. 1. Em matéria ambiental, o cerne da tutela jurídica é a prevenção ou a mais completa reparação dos danos ocasionados, visto que estes afetam toda coletividade e comprometem a própria existência das futuras gera-ções. Trata-se de respeito ao princípio da precaução, norteador do Direito ambiental, segun-do o qual se deve evitar riscos potenciais e sempre tentar prevenir a degradação ambiental, objetivando-se manter o equilíbrio do ecossistema. 2. Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade norteiam a responsabilidade civil e determinam que a reparação da conduta lesiva causada ao meio ambiente deve ser proporcional ao dano gerado, atentando para um critério razoável que, de um lado, não deixe o degradador/poluidor com a sensação de impu-nidade, mas que também não seja causa de ruína do mesmo. 3. Além das Áreas de Preserva-ção Permanente, a Lei nº 763/1981 do Município de São Francisco do Sul/SC, considera como área non aedificandi também os terrenos de Marinha. A proibição de edificação em terrenos de marinha decorre imediatamente da lei que, considerando a importância e vulnerabilidade das áreas assim qualificadas, veda todo e qualquer tipo de intervenção, salvo nos casos de interesse social ou de utilidade pública.” (TRF 4ª R. – Ap-RN 5010221-79.2013.4.04.7201 – 4ª T. – Rel. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle – J. 14.12.2016)

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Seção Especial – Estudos Jurídicos

Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado Aliada a uma Discussão sobre a Soberania do Princípio do Interesse Público sobre o Particular

DEBORA CRISTInA DE CASTRO DA ROCHAVice-Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/PR, Subseção SJP e Membro da Comissão de Fiscalização, Ética e Prerrogativas da OAB/PR, Subseção SJP, Especializanda em Direito Imobiliário Aplicado, Especialista em Direito do Trabalho, Especialista em Direito Constitucional.

RESUMO: A finalidade da presente monografia é abordar a imprescindibilidade dos direitos funda-mentais em nosso ordenamento jurídico e, principalmente, apresentar soluções para o conflito, a partir do sopesamento entre os valores em colisão que se consubstanciam no direito adquirido da não averbação de reserva legal em imóvel que passou a ser urbano e o meio ambiente ecologica-mente equilibrado, e também à luz do princípio da soberania do interesse público sobre o particular. O trabalho baseou-se na pesquisa bibliográfica de livros, artigos e jurisprudência que forneceram os subsídios necessários à efetivação de um juízo de valor acerca de uma possível elucidação do problema da colisão entre os princípios do direito adquirido propugnado já no art. 5º, XXXVI, da Lex Suprema e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, insculpido no art. 225 da referida Carta Política.

PALAVRAS-CHAVE: reserva legal; imóvel urbano; direito adquirido; meio ambiente; interesse público; particular; colisão; ponderação.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A nova ordem constitucional sagrando os direitos fundamentais; 1.1 Os direitos fundamentais elevados a direitos subjetivos pétreos, especialmente o direito adquirido e o direito do meio ambiente ecologicamente equilibrado; 1.2 As gerações dos direitos fundamentais; 1.2.1 A primeira geração de direitos fundamentais; 1.2.2 A segunda geração dos direitos funda-mentais; 1.2.3 A terceira geração dos direitos fundamentais; 2 O direito ao meio ambiente ecologi-camente equilibrado erigido a categoria de direito fundamental – Histórico legislativo; 2.1 Reserva legal; 2.2 As legislações posteriores à Constituição da República – Disciplinamento da reserva legal; 2.3 A exigência de averbação de reserva legal mesmo quando o imóvel já for urbano; 2.4 O desenvol-vimento sustentável; 3 O direito adquirido – Direito fundamental consagrado no artigo 5º – Princípio concretizador da estabilidade e da segurança jurídica; 3.1 Atual entendimento e aplicação do direito adquirido no Brasil e sua origem histórica; 3.2 A inexistência de hierarquia entre leis de ordem pública e as demais; 3.3 O direito adquirido ante o regime ou estatuto jurídico; 3.4 A importância do direito adquirido como assegurador dos princípios da ordem econômica do artigo 170 da Constituição – Princípio da segurança jurídica; 4 A colisão e a ponderação entre direitos fundamentais; 4.1 A breve, porém necessária, diferenciação entre princípios e regras; 4.2 Âmbito de proteção dos direitos fun-

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damentais; 4.3 A ponderação como mecanismo hábil ao equilíbrio entre os direitos fundamentais; 4.4 A aplicação do princípio da proporcionalidade; 5 Relação entre o interesse público e o privado; 5.1 Princípio do interesse público x interesse privado – (Im)possibilidade de supremacia do interesse público como forma de ponderar os valores colidentes; 5.2 A (im)possibilidade de prevalência do prin-cípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado com base na aventada supremacia do interesse público sobre o privado; Conclusão; Referências.

agradecImeNtoSA Deus pela minha vida...

Aos meus pais Leandro e Marlise, por todo amor, carinho, força e dedicação em todos os momen-tos...

Ao meu filho Matheus, amigo inseparável e de todos os momentos, meu orgulho, razão das minhas lutas e das minhas vitórias...

A minha filha Ana Carolina, luz dos meus dias, verdadeiro presente de Deus...

Ao meu marido Edilson, amor, amigo, confidente e maior incentivador... a quem devo meus melhores e mais felizes dias...

Aos queridos mestres, Dalton Borba, Néviton Guedes e Paulo Ricardo Schier que marcaram sobrema-neira a minha trajetória nos bancos acadêmicos e pelo privilégio do aprendizado...

INtrodução

Diante de interesses tão divergentes esposados nas manifestações hodier-nas, constata-se a existência de inúmeros conflitos entre normas e, principal-mente, como no caso do presente estudo, entre direitos fundamentais, de tal sorte que se evidencia que a colisão entre direitos fundamentais tornou-se o centro de inúmeras celeumas jurídicas, não raro, espraiando-se na efetivação dos direitos constitucionais imprescindíveis para a consagração dos anseios dos jurisdicionados.

Nesse sentido, a ponderação entre os princípios constitucionais assume papel de relevância, notadamente quando se fala em valores constitucionais conflituosos, porém, de igual relevância para a concretude do ideário constitu-cional de unidade.

Nesse diapasão, encontra-se o princípio da proporcionalidade a subsi-diar a ponderação entre as normas constitucionais, propiciando o equilíbrio das relações jurídicas, de modo a oferecer a menor gravidade ao indivíduo, coadu-nada ao menor grau de sacrifício.

Ao aplicar o princípio da proporcionalidade em sentido estrito que se consubstancia propriamente na técnica da ponderação, tem-se que deverá ser realizado um juízo axiológico, com vistas à constatação do grau de sacrifício

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que será sentido por aquele direito que for efetivamente mitigado ante o caso concreto.

Não obstante, infere-se que, para a efetiva satisfação de alguns direitos fundamentais, seriam permitidas certas limitações que estariam legitimadas a ocorrer através de reserva legal instituída pelo próprio constituinte originário, ou ainda pelo legislador, através de normas infraconstitucionais que exercem papel relevante no ordenamento, o que invariavelmente acaba por diminuir a instauração de muitos conflitos.

Sabe-se que, de acordo com tal limitação, o Estado estaria legitimado, portanto, à adoção de medidas que possam resultar em possíveis afrontas a outros interesses, muitas vezes de igual importância apenas por entender que um direito exerça papel de maior relevância em face de outro, considerando que, em se tratando de colisão entre princípios constitucionais, não há solução alguma no campo da validade, mas, apenas e tão somente, na análise da carga axiológica que possuem.

Nessa esteira, pode-se passar a entender que não há direito fundamental que possa ser considerado absoluto, haja vista as restrições que eventualmente podem sofrer, quando demonstrarem confronto com outro direito aparentemen-te tido como de maior relevância, seja pelo maior grau de comprometimento que possa demonstrar com o ideário constitucional, seja pela maior eficácia que poderá refletir no plano fático.

Considerando-se que, no caso em comento, o objeto de estudo se con-substancia no sopesamento do direito de não averbação de reserva legal, com base no aludido direito adquirido que se contrapõe ao referido objeto de tutela do meio ambiente, não se pode olvidar que, em se aplicando o princípio da pro-porcionalidade em sentido estrito (técnica da ponderação), será indispensável a constatação do atendimento ao fim colimado, a fim de que a medida utilizada traga mais benefícios do que prejuízos.

A fim de justificar a existência do direito adquirido de não averbação de reserva legal, restará demonstrada a perspectiva da doutrina a acerca da sua existência.

De outro turno, imprescindível a demonstração de que o princípio ati-nente a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, erigido a categoria de bem essencial, por se constituir como norma de ordem pública, acaba por condicionar o exercício de certos direitos.

Dessa forma, no caso em comento, buscar-se-á, a partir da técnica da ponderação, a adoção de metodologias assecuratórias dos valores em confli-to, lançando-se mão de mecanismos de sopesamento de princípios, visando a

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preservá-los ao máximo possível, posto que, não obstante, constituem-se como sendo de alta relevância e concretude constitucional.

Não obstante, à luz do princípio da soberania do interesse público sobre o particular, buscar-se-á, de igual modo, verificar a (im)possibilidade de preva-lência de um dos princípios em colisão.

Nessa esteira, considerando o papel de relevância que o direito adquiri-do insculpido no bojo do art. 5º, XXXVI, da Lex Suprema exerce sobre o siste-ma, tanto jurídico como social, haja vista ter como escopo a estabilização das relações sociais, ao passo que propicia a segurança jurídica, mais do que na-tural que haja um mecanismo que forneça o subsídio necessário à convivência harmônica deste, com o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, insculpido no art. 225 da Carta Magna, principalmente porquanto se fala na concretização concomitante de dois princípios constitucionais de igual modo relevantes.

Com base em tais situações, explanar-se-á ainda sobre a aventada sobe-rania do interesse público sobre o privado, a justificar que, independentemente do ângulo pelo qual se observe a situação posta à discussão, em momento algum poderá falar-se na concretização do primeiro, com base na sua eventual soberania, eis que em se tratando de princípios, sequer há que se falar na exis-tência de hierarquia entre eles.

1 a Nova ordem coNStItucIoNal SagraNdo oS dIreItoS fuNdameNtaIS

A Carta da República de 1988 inaugurou, após vinte anos de “burocracia tecnocrático-militar”1, uma nova ordem constitucional que, procurando dissi-par toda insensatez amargada naquele longo período de imperfeições, buscou estatuir garantias de cunho fundamental que reabilitassem toda ordem normati-va, erigindo alguns valores com carga axiológica inquestionável à categoria de direitos fundamentais, a fim de que a Carta Magna pudesse, enfim, não apenas funcionar como o maior alicerce normativo do ordenamento jurídico, mas sim “criar um ambiente propício à superação de patologias e à difusão de um senti-mento constitucional apto a inspirar uma atitude de acatamento e afeição a Lei Maior”2.

A partir desse novo sentimento, instaurou-se, de igual modo, uma nova conjuntura política, social e econômica em nosso país, graças à ampla parti-cipação popular que possibilitou o resgate da cidadania do povo brasileiro, resguardando valores outrora marginalizados, que sequer poderiam ser ques-

1 ABREU, Alzira; BELOCH, Israel; LATTMAN-WELTMAN, Fernando. Dicionário histórico biográfico brasileiro. Rio de Janeiro: FGV, 2001. p. 1580.

2 Ibid., p. 1581.

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172 ������������������������������������������������������������������������������������������ RSA Nº 35 – Jan-Fev/2017 – SEÇÃO ESPECIAL – ESTUDOS JURÍDICOS

tionados sob a alegação de qualquer legitimidade no pleito das garantias fun-damentais3.

Muito embora a Carta Magna tenha como característica precípua o tex-to extremamente casuístico e prolixo, tratando desde direitos fundamentais até questões de cunho meramente econômico, fiscal ou ainda regras específicas de interesses de diversas categorias, há de se ressaltar que tal fato deve-se pura-mente à vontade de constituição, há tanto perseguida pelo povo brasileiro, que, recém-saído de um período ditatorial, que perdurou por mais de vinte anos, estava ávido por resguardar as frágeis estruturas que começavam a ensaiar os primeiros passos, após as infindáveis e temerárias políticas que, sem sombra de dúvida, deflagraram o caos social em nosso país, conforme leciona Barroso4:

[...] a Constituição de 1988 foi marco zero de um recomeço, da perspectiva de uma nova história. Sem as velhas utopias, sem certezas ambiciosas, com o cami-nho a ser feito a andar. Mas com uma carga de esperança e um lastro de legitimi-dade sem precedentes, desde que tudo começou. E uma novidade. Tardiamente, o povo ingressou na trajetória política brasileira, como protagonista do processo, ao lado da velha aristocracia e da burguesia emergente.

Nesta senda, buscou-se evidenciar os direitos fundamentais, de tal sorte que o padrão de descaso com tais garantias, principalmente no que concerne ao arbítrio das maiorias políticas, fosse suplantado, cedendo vez a uma nova concepção jurídica e social que inaugurou o neoconstitucionalismo brasileiro, inicialmente reverberado, a partir do segundo pós-guerra na Europa Ocidental5.

2.1 os Direitos FunDamentais elevaDos a Direitos subjetivos pétreos, especialmente o Direito aDquiriDo e o Direito Do meio ambiente ecologicamente equilibraDo

Tendo em vista a essencialidade dos direitos fundamentais, consideran-do a importância de sua efetividade para a consagração de um bem maior que se constitui na dignidade da pessoa humana, o constituinte originário tratou de assegurá-los como direitos subjetivos pétreos, tornando-os imunes ao poder constituinte reformador em virtude da insigne cláusula pétrea que lhes atribuiu o condão de inflexibilidade a que se sujeita a Carta Suprema, ante eventuais emendas.

Nesse sentido, os direitos fundamentais foram estruturados para atender aos inúmeros anseios sociais instituídos pela sociedade que projetou a Carta Política, através da Assembleia Constituinte concebida “como cenário de am-

3 BARROSO, Luis Roberto. Temas de direito constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 15.4 BARROSO, Luis Roberto. A nova interpretação constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 329.5 LEITE, George Salomão; SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais e estado constitucional. São Paulo:

Revista dos Tribunais; Coimbra: Coimbra, 2009. p. 12-13.

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pla participação da sociedade civil”6, formada, inicialmente, por 24 (vinte e quatro) subcomissões, 8 (oito) comissões temáticas, bem como pela Comissão de Sistematização, de tal sorte que as prerrogativas fundamentais foram consig-nadas em todo o texto constitucional graças ao processo de redemocratização que o país passou a contemplar7, conforme corroborado pelo ensinamento de Wolfgang8:

[...] no que concerne ao processo de elaboração da Constituição de 1988, há que fazer referência, por umbilical vinculação com a formatação do catálogo dos direitos fundamentais na nova ordem constitucional, à circunstância de que esta foi resultado de um amplo processo de discussão oportunizado pela redemocra-tização do País, após mais de vinte anos de ditadura militar.

Em que pese a dinâmica social demandar mudanças frequentes no texto constitucional, não há que se entender, ainda que a voracidade das emendas perpetradas seja capaz de alterar circunstancialmente a essência do texto nor-mativo, a possibilidade de que o rol das garantias fundamentais sofra qualquer mitigação, haja vista constituírem-se como cláusulas pétreas que têm por es-copo a segurança de todo ordenamento jurídico, conforme se depreende do escólio do Professor Sarlet9:

[...] um dos elementos caracterizadores da fundamentalidade em sentido formal, ao menos em nossa Constituição, é justamente a circunstância de terem os direi-tos fundamentais sido erigidos à condição de “cláusula pétrea”, integrando o rol do art. 60, § 4º, IV, da nossa Carta Magna; esta proteção jurídica reforçada, pe-culiar apenas aos direitos fundamentais e a alguns poucos princípios escolhidos pelo Constituinte, não deixa de poder ser considerada um dos efeitos jurídicos gerados pelos direitos fundamentais e, portanto, uma dimensão de sua eficácia.

Entre tais direitos fundamentais, podem-se encontrar aqueles consigna-dos logo no art. 5º, XXXVI, da Carta Maior, mais precisamente quando falamos de direito adquirido, que se consubstancia como um dos objetos de estudo do presente trabalho, caracterizando-se pelo resguardamento de garantias preexis-tentes em face das frequentes alterações legislativas, considerando a temeridade de se adotar a retroatividade como postulado absoluto, segundo o escólio de Tolomei10:

6 BARROSO, Luis Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo direito constitucional brasileiro. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=3208>. Acesso em: 26 ago. 2010.

7 Abreu; Beloch; Lattman-Weltman, 2009, p. 1580.8 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2006. p. 75.9 Ibid., p. 401.10 TOLOMEI, Carlos Young. A proteção do direito adquirido sob o prisma civil-constitucional: uma perspectiva

sistemático-axiológica. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 5.

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[...] a retroatividade tomada como princípio absoluto constituiria evidente perigo para a segurança jurídica e, neste diapasão, para a estabilidade social. As garan-tias individuais, a ordem social e o próprio interesse público estariam permanen-temente ameaçados.

E, na mesma esteira, pode-se encontrar outro direito fundamental de ex-trema relevância, que, mesmo albergado fora do capítulo II da Carta Magna, constitui-se de materialidade caracterizadora de norma fundamental, qual seja, o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado contemplado pelo art. 225, conforme ensina Sarlet citado por Fensterseifer11:

[...] a despeito de não estar previsto no Título II da Constituição, é, portanto, por intermédio do direito constitucional positivo (art. 5º, § 2º, da CF) que é atribuído ao direito ao ambiente fundamentalidade material o que se dá pela abertura ma-terial da Lei Fundamental a direitos fundamentais não constantes do seu rol fun-damental (situados fora do catálogo dos direitos fundamentais ou mesmo do texto constitucional). No caso do direito ao ambiente, o mesmo integra a Constituição formal (art. 225 e demais artigos dispersos sobre o tema) e, portanto, apresenta a característica de um direito formal e materialmente fundamental.

Não obstante restar salvaguardado o direito do ambiente, imperioso res-saltar que, no presente estudo, o direito adquirido apresenta-se em oposição a ele. No entanto, ainda que diametralmente opostos, não se pode olvidar que, em se tratando de direitos fundamentais, encontram a mesma guarida no texto constitucional, conquanto trazem, em seu bojo, o mesmo propósito de con-cretude do ideário constitucional que prenuncia a unidade de constituição, de acordo com o invocado por Avelar12:

[...] De acordo com esse princípio, as normas devem ser consideradas em seu conjunto, como que integrantes de um sistema unitário. Não é possível aceitar a tese de antinomias no texto constitucional, o que importaria na acolhida de normas constitucionais inconstitucionais.

Dentro dessa mesma ótica, qual seja, da manutenção da unidade consti-tucional, vale ainda frisar que, para Schier13,

[...] deveras, na perspectiva interna, qual seja, das suas funções ou do seu telos, tem-se afirmado que os principais objetivos das constituições modernas são os seguintes: (i) distinguir as diversas funções do Estado, atribuindo-as a órgão distin-tos – dimensão da repartição e distribuição de competências; (ii) criar mecanismo

11 FENSTERSEIFER, Tiago. Direitos fundamentais e proteção do ambiente: a dimensão ecológica da dignidade humana no marco jurídico constitucional do estado socioambiental de direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008. p. 168.

12 AVELAR, Matheus Rocha. Manual de direito constitucional. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2008. p. 47.13 SCHIER, Paulo Ricardo. Ensaio sobre a supremacia do interesse público sobre o privado e o regime jurídico

dos direitos fundamentais. 2005. Revista HISTEDBR [on-line]. Disponível em: <http://www.histedbr.fae.unicamp.br/revista/revis/revis18/art11_18.pdf>. Acesso em: 4 mar. 2014.

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planejado que estabeleça a cooperação entre os diversos detentores do poder (limitação do exercício do poder político e sistema de freios e contrapesos) – di-mensão da separação dos poderes; (iii) criar mecanismo de solução de impasses, na órbita social, política e jurídica, atrelado ao princípio democrático (“quem decide é o povo!”) – dimensão de controle e participação popular no poder; (iv) estabelecer um método racional para a reforma da constituição, impedindo mo-vimentos desestabilizadores; e (v) reconhecer, expressamente, certas esferas de autodeterminação individual – os direitos individuais e liberdades fundamentais –, e sua proteção frente à intervenção de um ou todos os detentores do poder. Portanto, cuida-se do estabelecimento de um núcleo de direitos inatingíveis pelo Estado, inalienáveis, garantidor do tráfico jurídico burguês (autonomia privada, igualdade, liberdade, transferência e garantia de patrimônio etc.)14. Ou seja, o núcleo central da constituição consiste em controlar, limitar, racionalizar, justi-ficar, distribuir etc., o poder, com o fim de salvaguardar certo núcleo de direitos fundamentais, como já se afirmou.

Imprescindível que se adote a devida parcimônia na ponderação dos dois princípios constitucionais em tela, a fim de que eventual mitigação de algum deles não venha a afetar a harmonia constitucional que, invariavelmente, pode culminar com a inviabilidade da existência digna, conforme leciona Derani15:

[...] Do mesmo modo, a razão de garantir a livre disposição das presentes e futuras gerações a um meio ambiente ecologicamente equilibrado tem em vis-ta, em última instância, a finalidade de uma existência digna a todos – deduzida do fato de que uma existência digna a todos – deduzida necessariamente do fato de que uma “sadia qualidade de vida” (art. 225) é elemento fundamental para a composição de uma existência digna. Portanto, não há de argumentar que, para realizar a livre iniciativa, devem-se olvidar as disposições que permitem o livre dispor de um meio ambiente ecologicamente equilibrado decorrente da Constituição Federal, no capítulo sobre meio ambiente. O Direito brasileiro não faculta essa alternativa, posto que os dois princípios (o da livre iniciativa e o do meio ambiente ecologicamente equilibrado) são igualmente necessários para a consecução de uma finalidade essencial do texto constitucional: o da realiza-ção de uma existência digna. (grifos nossos)

Desta feita, claro está que deverá haver um exercício que possibilite a exata compatibilização dos valores supramencionados, de modo que a conju-gação de ambos evite a inviabilidade de qualquer deles, considerando que se constituem como corolários do sistema jurídico por contribuírem com preen-chimento do princípio da dignidade humana, que, para Derani16, constitui-se como “princípio essência do sistema jurídico”, e também pela premência do

14 LOEWENSTEIN, Karl. Teoria de la constitución, p. 153-154.15 DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 221.16 Ibid., p. 221.

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atendimento ao princípio da unidade da constituição, conforme dispõe o mestre Canotilho17, quando invoca que

[...] o princípio da unidade da constituição ganha relevo autônomo como princí-pio interpretativo quando com ele se quer significar que a constituição deve ser interpretada de forma a evitar contradições (antinomias, antagonismos) entre as normas. Como ponto de orientação, guia de discussão e factor hermenêutico de decisão, o princípio da unidade obriga o intérprete a considerar a constituição na sua globalidade e a procurar harmonizar os espaços de tensão existentes entre as normas constitucionais a concretizar (ex.: princípio do Estado de Direito e prin-cípio democrático, princípio unitário e princípio da autonomia regional e local).

Nesta toada, faz-se premente uma pequena incursão às 3 (três) primeiras gerações de direitos fundamentais, a fim de que se possa evidenciar que o seu advento propiciou uma “nova concepção de universalidade dos direitos huma-nos fundamentais”18 que, na visão de Bonavides19, “não exclui os direitos da liberdade, mas primeiro os fortalece com as expectativas e os pressupostos de melhor concretizá-los mediante a efetiva adoção dos direitos da igualdade e da fraternidade”.

1.2 as gerações Dos Direitos FunDamentais

1.2.1 a primeira geração de direitos fundamentais

Inaugurada pela Revolução Francesa, a primeira geração de direitos fun-damentais teve por escopo constitutivo as máximas liberdade, igualdade e fra-ternidade. Também oportunizou a constituição de garantias fulcradas na inva-lidação do arbítrio dos poderes estatais, a partir de “um não-agir do Estado”20, fator essencial para a harmonização das liberdades individuais contra um Esta-do absoluto pautado nos poderes amplos e irrestritos do soberano que, segun-do Silva21, desenvolveu-se “à sombra dos direitos fundamentais do homem, de onde promana que tais direitos são inatos, absolutos, invioláveis (intransferíveis) e imprescritíveis”.

As primeiras manifestações escritas que proclamaram tais direitos foram a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América, de 1976, e, por conseguinte, a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que deram azo ao desenvolvimento das Constituições escritas que propugna-

17 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria de Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1223.

18 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 573.19 Bonavides, loc. cit.20 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 25.21 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

p. 180-181.

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ram a positivação das garantias fundamentais surgidas no mundo contemporâ-neo, não havendo hodiernamente, segundo Bonavides22, “Constituição digna desse nome que os não reconheça em toda a sua extensão”.

Insta ressaltar, primeiramente, que, por terem papel limitador da atua-ção do ente estatal, tais direitos proporcionaram a emancipação do povo ao outorgar-lhe, segundo Derani, “uma esfera de atuação livre do Estado onde não precisava movimentar-se de acordo com modelos objetivos de relacionamento, porém por decisões apreciadas subjetivamente”23, propiciando, assim, o flores-cimento dos direitos fundamentais24.

Vale trazer, nesse sentido, o ensinamento de Campos Júnior25, quando preceitua que o individualismo permeava os direitos fundamentais:

[...] as primeiras declarações se caracterizavam pela conotação individualista dos direitos fundamentais, porque o Estado então estruturado era Liberal de Direito, pelo que os interesses individuais e o individualismo predominavam sobre todas as formas de organização, e o direito não se ausentava desta natureza com que se geravam as ideias, as instituições e as suas práticas, daí os direitos fundamentais referentes à vida, à liberdade individual, à segurança, à igualdade e à proprieda-de terem sido considerados, no curso do século XX, e denominados de primeira geração.

Ainda que a liberdade, marco do século XIX, tenha sido imprescindível para a emancipação do povo, bem como para o florescimento de uma nova sociedade que não mais se submetia ao jugo do soberano, certo é que, em vir-tude da concentração de renda e da exclusão social fruto do individualismo e do absenteísmo estatal26, o Estado passou a ser chamado com vistas à proceder evitando o cometimento de abusos ou mesmo excessos, entre eles o do poder econômico, fato esse que invariavelmente desencadeou a denominada segunda geração de direitos fundamentais.

1.2.2 a segunda geração dos direitos fundamentais

Ultrapassado o período em que os direitos fundamentais não mais se resumiram apenas ao campo da não intervenção estatal versada nas liberdades dos indivíduos, tudo isto graças à dinâmica social e da não menos importante Revolução Industrial, houve a necessidade de que o Estado passasse a intervir diretamente na regulação das relações sociais que se estabeleciam na socie-

22 Bonavides, 2006, p. 563.23 Derani, 2008, p. 203.24 Derani, loc. cit.25 CAMPOS JÚNIOR, Raimundo Alves de. O conflito entre o direito de propriedade e o meio ambiente. Curitiba:

Juruá, 2004. p. 30-31.26 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 52.

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dade27, fazendo as vezes de artífice na “composição social”, ao estabelecer a pacificação quando da existência de conflitos.

Nesta seara, é imprescindível mencionar que, não menos importantes e de igual relevo, consagraram-se os direitos fundamentais de segunda geração que invocavam a igualdade jurídica como seu corolário, impondo a obrigação de agir ao Estado. Este não mais poderia abster-se do dever de regular o sistema, de tal sorte que o papel de coadjuvante que havia adotado em observância ao imperativo máximo do direito às liberdades individuais, marco do século XIX, teve de ser abandonado, posto que, a partir de então, o Estado deveria agir de forma comissiva no estabelecimento de diretrizes para a efetivação da compo-sição social, na ideal pacificação dos conflitos, conforme propugna Derani28:

[...] a liberdade individual é possível de ser alcançada somente por uma compo-sição social. Para tanto, o Estado recebe um aumento de tarefas destinadas a in-corporar conflitos e organizá-los dentro da esfera administrativa, seja por normas, seja por aumento dos seus serviços.

Desta feita, sendo promanada a referida evolução, esclarece Carl Sch-mitt, na lição de Bonavides29, que os direitos de segunda geração, “numa acep-ção estrita, são unicamente os direitos de liberdade, em princípio ilimitada diante de um poder estatal de intervenção, em princípio limitado, mensurável e controlável”, constituindo-se nos direitos civis e políticos que acabam sendo reconhecidos por se apresentarem como mecanismo de “resistência e oposição perante o Estado”30.

De outra banda, ainda se percebe que os direitos fundamentais de segun-da geração relacionam-se intrinsecamente ao princípio da igualdade, fator esse que desencadeou a exigência de prestações positivas do Estado, a partir de uma dimensão positiva na esteira do que leciona Campos Júnior31:

[...] os direitos fundamentais de segunda geração nasceram intrinsecamente liga-dos ao princípio da igualdade. Tais direitos fecundaram a justiça social, e o bem--estar social passou a ser buscado pelo próprio Estado (o Estado fez-se Social de Direito). É por esse motivo que a nota distintiva destes direitos é uma dimensão positiva, uma vez que se cuida não mais de evitar a intervenção de Estado na esfera da liberdade individual, mas sim, nas palavras de Lafer, de propiciar um “direito de participar do bem-estar social”.

27 Derani, 2008, p. 204.28 Ibid., p. 204.29 Bonavides, 2006, p. 561.30 Bonavides, 2006, p. 564.31 Campos Junior, 2004, p. 30-31.

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Assim, fecundou-se a possibilidade de o Estado intervir diretamente na manutenção do bem-estar social a partir da efetivação dos direitos prestacio-nais, entre os quais se incluíam a educação, a cultura, o trabalho, a assistência social e a saúde, tendo em vista que o exercício puro e simples das liberdades individuais não mais se coadunava aos anseios sociais que de per si já indica-vam a necessidade da intervenção estatal para um maior beneficiamento das populações.

1.2.3 a terceira geração dos direitos fundamentais

De outra banda surgem, calcados na fraternidade e na solidariedade, os direitos de terceira geração, que, acrescentados aos direitos de primeira e se-gunda geração, passaram a expandir o rol das tantas garantias já concretizadas no campo dos direitos fundamentais, que se tornaram mais concretas no final do século XX.

Entenda-se por solidariedade e fraternidade os exatos termos assevera-dos pela Constituição da República, quando, em seu art. 3º, consagra-os como preceitos relevantes para a estatuição de uma sociedade livre, justa e solidária, o que lhes permite desfrutar, portanto, de preeminência em todo ordenamento jurídico, visto que a erradicação da pobreza e da marginalização social, intrin-secamente relacionada à solidariedade, culmina, inquestionavelmente, com a redução das desigualdades, proporcionando, enfim, a efetividade das garantias fundamentais32.

Segundo Cherobim, citado por Carvalho33, a “solidariedade é conceitua-da como um conjunto de interesses e deveres mútuos de uma dada sociedade, sustentada em um conjunto de ideias e valores comuns”.

Nessa esteira, importante se esclarecer que, na visão de Carvalho34, o princípio da solidariedade representa um “novo paradigma, tanto no direito internacional, quanto no direito interno”:

[...] o princípio jurídico da solidariedade representa novo paradigma no direito internacional e doméstico, prenunciando o início de relevantes modificações nas estruturas jurídicas tradicionais. Embora essa concepção porte uma mensagem idealista e utópica, seus fundamentos têm raízes em conhecimentos científicos descortinados pela moderna ciência ecológica e espacial.

Concebem-se, por direitos de terceira geração, aqueles que não são des-tinados a um único indivíduo, grupo ou Estado, pois, com o advento dos direi-

32 PEIXINHO, Manoel Messias; GUERRA, Isabella Franco; NASCIMENTO FILHO, Firly. Os princípios da Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 168.

33 CARVALHO, Edson Ferreira de. Meio ambiente como patrimônio da humanidade: princípios fundamentais. Curitiba: Juruá, 2008. p. 53.

34 Carvalho, loc. cit.

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tos de terceira geração, passou-se a preconizar a satisfação dos interesses dos inúmeros grupos humanos, caracterizando-se, consequentemente, na visão de Campos Júnior, “como direitos de titularidade coletiva ou difusa”35.

Além de serem dotados de “altíssimo teor de humanismo e univer-salidade”36, de acordo com o entendimento de Bonavides:

[...] dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da ter-ceira geração tendem a cristalizar-se no fim do século XX enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supre-mo em termos de existencialidade concreta.

Nessa perspectiva, encontram-se abrangidos por tal geração de direitos, entre outros, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, insculpi-do tanto no art. 225 quanto no art. 170, VI, da Constituição Federal, consolidan-do-se não mais como direito de menor importância, mas de magnitude hábil ao fortalecimento do insofismável dever de zelar por um patrimônio que não gera apenas benefícios às gerações atuais, mas, principalmente, procura resguardar tal direito às gerações futuras, segundo lição ministrada por Canotilho e Leite37:

[...] assim posta, a proteção ambiental deixa, definitivamente, de ser um interesse menor ou acidental no ordenamento, afastando-se dos tempos em que, quando muito, era objeto de acaloradas, mas juridicamente estéreis, discussões no terre-no não jurígeno das ciências naturais ou da literatura. Pela via da norma constitu-cional, o meio ambiente é alçado ao ponto máximo do ordenamento, privilégio que outros valores sociais relevantes só depois de décadas, ou mesmo séculos, lograram conquistar.

Importante ainda frisar que, na visão de Bessa, citado por Furlan38, “o direito ambiental inclui-se dentre os novos direitos como um dos mais impor-tantes”.

Observa-se, assim, que a relevância da proteção do direito ao meio am-biente ecologicamente equilibrado em virtude do seu escopo constitutivo de garantia mínima de direitos fundamentais, não somente adstrito às gerações presentes, como também as futuras, não permite que individualismos culminem com a indiferença ambiental, uma vez que uma das suas finalidades, quando alçado à categoria de direito fundamental, é, justamente, a sua imunização em

35 Campos Júnior, 2004, p. 32.36 Bonavides, 2006, p. 569.37 CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato. Direito constitucional ambiental brasileiro.

2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 73.38 FURLAN, Anderson; FRACALOSSI, William. Direito ambiental. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 53.

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face de eventuais ingerências arbitrárias, visando à inibição do exercício do poder estatal em face da liberdade individual39.

Nesse diapasão, tem-se claramente o fato de que o direito ao meio am-biente ecologicamente equilibrado tem por alicerce o princípio da solidarieda-de, de modo que este garante à coletividade a fruição daquele, que será exerci-do como prerrogativa metaindividual, conforme apregoa Furlan40:

[...] a solidariedade, como valor subjacente aos direitos de terceira geração, é importante no plano ambiental na medida em que afasta o individualismo e o egocentrismo, concepções que totalizam e resumem a indiferença ambiental. O Estado, como garantidor desses direitos fundamentais de terceira geração, e a própria coletividade, como titular destes, devem almejar o bem-estar ambiental, perseguindo o desenvolvimento sustentável em detrimento do sistema indivi-dualista e predatório da sociedade industrial, que compromete a vida do planeta.

E, ainda, o princípio que vela o meio ambiente constitui-se como princí-pio da ordem econômica, cumprindo dupla função no ordenamento, além de revestir-se de caráter impositivo, bem como de diretriz do ordenamento jurídi-co, por destacar-se precipuamente como norma objetivo do sistema41.

No entanto, ainda que se entenda que o direito ao meio ambiente eco-logicamente equilibrado é “direito constitucional impositivo”42, bem como “di-reito das presentes e das futuras gerações”, não se pode olvidar da existência do alegado direito adquirido, de igual modo concebido como direito fundamental, conquanto segundo preceitua Derani43:

[...] a necessidade de assegurar a base natural da vida (natureza) coloca novos matizes na política econômica. É verdade, o grande desafio das políticas econô-micas. A obviedade da necessidade de uma relação sustentável entre desenvol-vimento industrial e meio ambiente é exatamente a mesma da irreversibilidade da dependência da sociedade moderna dos seus avanços técnicos e industriais. Assim, qualquer política econômica deve zelar por um desenvolvimento da ati-vidade econômica e de todo seu instrumental tecnológico ajustados com a con-servação dos recursos naturais e com uma melhoria efetiva da qualidade de vida da população.

E isso principalmente quando, sob a alegação de se proteger o meio am-biente, sejam criadas legislações cujo escopo constitutivo esteja eivado de in-constitucionalidade, conforme leciona Dutra, ao mencionar que a criação de

39 Leite; Sarlet, 2009, p. 119.40 Furlan; Fracalossi, 2010, p. 53.41 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

p. 251.42 Grau, loc. cit.43 Derani, 2008, p. 227.

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algumas legislações ambientais, como o Decreto nº 6.514/2008, ocorreram “à revelia da Carta Política”44:

[...] as alterações na legislação ambiental são a revelia da Carta Política, apresen-tando evidente inconstitucionalidade, em razão de ferir o direito de propriedade reconhecido na Carta Magna, porquanto eventual conflito entre direitos funda-mentais deve ser interpretado de forma harmoniosa, não podendo um direito constitucional ser excludente de outros direitos fundamentais e, sobretudo, cau-sar prejuízos ao cidadão.

À derradeira, resta claro que os princípios constitucionais, oriundos das gerações de direitos fundamentais, buscaram, sem “eliminar-se mutuamente”45, garantir a fruição de prerrogativas essenciais, que, concomitantemente, propi-ciarão a salvaguarda do princípio da dignidade da pessoa humana, que, segun-do visão de Canotilho e Vital Moreira, citados por Grau46,

[...] fundamenta e confere unidade não apenas aos direitos fundamentais – di-reitos individuais e direitos sociais e econômicos – mas também à organização econômica. Isso, sem nenhuma dúvida, torna-se plenamente evidente no sistema da Constituição de 1988, no seio do qual, como se vê, é ela – a dignidade da pessoa humana – não apenas fundamento da República Federativa do Brasil, mas também o fim ao qual se deve voltar a ordem econômica (mundo do ser).

2 o dIreIto ao meIo amBIeNte ecologIcameNte equIlIBrado erIgIdo a categorIa de dIreIto fuNdameNtal – hIStórIco legISlatIvo

Antes mesmo de o direito ao meio ambiente ter sido alçado à categoria de direito fundamental, no entender de Furlan e Fracalossi47, desde o descobri-mento do Brasil até meados do século XX, o meio ambiente teve “escassa pro-teção jurídica”, ainda que não se possa olvidar que muitas foram as legislações que buscaram destacar a importância de resguardá-lo.

De modo não exaustivo, vale trazer à baila algumas legislações que bus-caram assegurar a sua manutenção. Entre as precursoras, pode-se encontrar o Regimento do Pau-Brasil, datado de 1605, versando expressamente sobre a proteção das florestas. Por conseguinte, houve a instituição da Carta Régia de 1797, que trouxe, em seu bojo, a afirmação da necessidade de proteção dos rios, nascentes e encostas, que, por sua vez, passaram a ser declaradas como de propriedade da Coroa48.

44 DUTRA, Ozório Vieira. Reserva legal. São Borja: Conceito, 2009. p. 12.45 Fensterseifer, 2008, p. 144.46 Grau, 2008, p. 196-197.47 Furlan; Fracalossi, 2010, p. 43.48 Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.

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No ano de 1799, foi criado o Regimento de Cortes de Madeiras, de modo que o seu teor estabelecia regras rigorosas para a derrubada de árvores. Na sequência, surgiu a Lei nº 601/1850, dispondo sobre Lei de Terras do Brasil, ao estabelecer o disciplinamento e a ocupação do solo, além das sanções para atividades que se caracterizassem nocivas para o meio ambiente49.

No começo do século XX, mais precisamente no ano de 1911, com o advento do Decreto nº 8.843, instituiu-se a primeira reserva florestal do Brasil, localizada no antigo território do Acre. Posteriormente, no ano de 1916, com o advento do Código Civil brasileiro, foram promulgados dispositivos versando sobre o meio ambiente, ainda que refletindo o ranço patrimonialista daquela sociedade50.

Finalmente, no ano de 1934, foram sancionados tanto o Código Florestal quanto o Código das Águas, tendo, o primeiro, o escopo precípuo de limitar o direito de propriedade e, o segundo, “o aproveitamento e a conservação da qualidade dos recursos hídricos”51, e, ainda, o Decreto nº 24.645/1934, estabe-lecendo a proteção aos animais52.

Já no ano de 1940, foi sancionado o Decreto nº 2.848 (Código Penal), que, mais precisamente em seu art. 120, estabeleceu sanção para quem causas-se incêndios e, em seu art. 271, sanção para quem, de alguma forma, compro-metesse ou poluísse a água potável53.

Em 1948, por meio do Decreto Legislativo nº 3, aprovou-se a Convenção visando à proteção da Flora, da Fauna, bem como das Belezas Cênicas e Natu-rais dos países das Américas54.

Somente em 1950, a concepção “individualista ou da exploração des-regrada”, que esteve vigente desde a descoberta do Brasil, que foi concebida como a primeira fase do direito ambiental brasileiro, cedeu lugar à segunda fase, tratada pela doutrina como fragmentária55, em cuja qual foram promulga-dos tanto o Decreto nº 50.877, de 1961, proibindo o lançamento de resíduos nas águas sem que houvesse o tratamento adequado para elidir a poluição; o Decreto nº 4.466, de 1964, determinando a arborização e construção de ater-ros-barragem para represamento de águas; a Lei nº 4.504, de 1964, denomina-da de Estatuto da Terra, prevendo soluções para as acaloradas reivindicações

49 Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.50 Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.51 BARACHO JÚNIOR, José Alfredo de Oliveira. Proteção do meio ambiente na Constituição da República.

Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 14.52 Baracho Júnior, loc. cit.53 Baracho Júnior, loc. cit.54 Baracho Júnior, loc. cit.55 Furlan; Fracalossi, 2010, p. 43.

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oriundas dos movimentos sociais desencadeados for força da necessidade pre-mente de alterações relativas ao uso da terra56.

Ainda, sob a égide da segunda fase e, mais precisamente no ano de 1965, foi editada a Lei nº 4.778, tratando da obrigatoriedade na oitiva de “autoridades florestais na aprovação de planos de loteamento”57. Além disso, foi editada uma nova versão do Código Florestal, que possibilitou a ampliação das políticas que visavam a proteger e conservar a flora, além de contemplar a previsão de prote-ção das áreas de preservação permanente.

No ano seguinte, editou-se o Decreto nº 58.256, denominado de “Tra-tado de Prescrição das experiências com armas nucleares na atmosfera, no es-paço cósmico e sob a água”58. Dois anos depois, foram editados os Códigos de Caça, Pesca, Mineração, a Lei de Proteção à Fauna59 e, ainda, a Lei nº 5.357, que “estabeleceu penalidades para embarcações e terminais marítimos e plu-viais que lançassem dejetos poluentes em águas brasileiras”60. No ano de 1967, a Constituição dispôs sobre a atribuição de competência aos Estados para que legislassem sobre florestas61. Todavia, segundo Furlan e Fracalossi62, ainda que tais normas visassem a assegurar “uma proteção legal circunscrita, por exemplo, às florestas, animais, peixes e minérios, não garantiu a mesma proteção ao meio ambiente de modo uniforme”.

Em 1975, o Decreto-Lei nº 1.413 estatuiu a obrigação da prevenção e correção dos prejuízos eventualmente ocasionados pela contaminação do meio ambiente63.

Já no ano de 1977, foi promulgada a Lei nº 6.453, estabelecendo a res-ponsabilidade civil para danos oriundos da realização de atividades nucleares. Alguns anos depois, foi estabelecida a Política Nacional do Meio Ambiente, através da qual o meio ambiente passou a receber atenção especial, uma vez que foi concebido como objeto específico de proteção.

Em 1985, com a edição da Lei nº 7.347, já sob a égide da terceira fase do direito ambiental, denominada de holística64, houve o disciplinamento da ação civil pública para a tutela específica do meio ambiente, e dos demais interesses difusos ou coletivos65.

56 Baracho Júnior, 2008, p. 14.57 Baracho Júnior, loc. cit.58 Baracho Júnior, loc. cit.59 Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.60 Baracho Júnior, op. cit., 14.61 Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.62 Furlan; Fracalossi, 2010, p. 44.63 Baracho Júnior, 2008, p. 14.64 Furlan; Fracalossi, 2010, p. 43.65 Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.

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Finalmente, em 1988, com a promulgação da Constituição da República, surgiu uma nova era relativa à proteção ambiental, posto que o direito do meio ambiente foi alçado à categoria de direito fundamental em razão da materiali-dade constitucional do seu conteúdo, recebendo um capítulo exclusivamente voltado à obrigação da sua defesa e preservação, tanto para as gerações presen-tes como para as futuras, mais precisamente por meio do seu art. 22566.

Nesta senda, Fensterseifer67, citando Silva, apregoa o cunho “eminente-mente ambientalista” da Constituição de 1988:

[...] a Constituição de 1988 é eminentemente ambientalista, assumindo o trata-mento da matéria em termos amplos e modernos, uma vez que, além de destacar capítulo próprio para a temática ambiental, a questão permeia todo o seu texto, correlacionada com os temas fundamentais da ordem constitucional.

Vale ressaltar que a Constituição de 1988 proporcionou a união entre o meio ambiente e a infraestrutura econômica do País, pois, segundo Antunes Bessa68, “foi reconhecido pelo constituinte originário, que se faz necessária a proteção ambiental de forma que se possa assegurar uma adequada fruição dos recursos ambientais e um nível elevado da qualidade de vida das populações”.

Vê-se que, tendo a Constituição alçado o meio ambiente a condição nun-ca antes elevada, foi extremamente inovadora, quando, em total harmonia com os diplomas internacionais que versam sobre a matéria, extrapolou as meras dis-posições a que outrora visavam, de forma esparsa, proteger os recursos naturais, buscando o alcance da harmonia jurídica dos institutos que regiam a matéria, ainda que não se possa olvidar que, conforme visão de Antunes Bessa69, “a nor-ma constitucional ambiental é parte integrante de um complexo mais amplo e podemos dizer, sem risco de errar, que ela faz a interseção entre as normas de natureza econômica e aquelas destinadas à proteção dos direitos individuais”.

Ou seja, em que pese o meio ambiente ter sido caracterizado como im-prescindível, em virtude de ser concebido como “centro nevrálgico”70 da Carta Magna, sendo tanto formal quanto materialmente constitucional, imprescindí-vel será o esforço para que haja a necessária compatibilização de toda maté-ria contemplada pelo texto constitucional. Mesmo porque a proteção do meio ambiente tem o escopo precípuo de “elemento de interseção entre a ordem econômica e os direitos fundamentais”71. Assim, em havendo qualquer colisão entre valores constitucionais, como, por exemplo, o direito adquirido da não

66 Disponível em: <www.stj.gov.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp>. Acesso em: 10 jun. 2010.67 Fensterseifer, 2008, p. 144.68 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 61.69 Ibid., p. 61.70 Ibid., p. 62.71 Ibid., p. 62.

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averbação de reserva legal de imóvel que se tornou urbano, considerando que a exigência recai somente sobre imóvel rural, conforme se verá adiante, deverá haver uma análise escorreita dos valores em tela, bem como pluralizada do todo, a fim de que seja preservada a unidade da constituição, considerando que “não se interpreta a Constituição em tiras, aos pedaços”72.

2.1 reserva legal

Como um dos objetos específicos de tutela do meio ambiente, encontra--se a reserva legal concernente a uma espécie de restrição imposta ao proprie-tário de imóvel rural, que, segundo Freitas73, consiste em “uma área mínima de conservação obrigatória” que não poderá ser explorada irrestritamente, cuja fruição da propriedade estará condicionada a uma limitação em que o per-centual mínimo é de 20% (vinte por cento), podendo chegar, inclusive, a 80% (oitenta por cento) da área da propriedade de acordo com a região do país74, conforme bem leciona Silva75:

[...] Por reserva legal entende-se a área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, excetuada a de preservação permanente, necessária ao uso sus-tentável dos recursos naturais, á conservação e reabilitação dos processos ecoló-gicos, à conservação da biodiversidade (art. 1º, § 2, III). Quer dizer que as áreas de preservação permanente não entram no cômputo do percentual de reserva legal discriminado nos incisos do art. 16. A reserva legal que incide apenas sobre floresta de domínio privado é um espaço territorial especialmente protegido, nos termos do art. 225, § 1º, III, da Constituição Federal, que não se confunde com unidades de conservação. Trata-se apenas de reserva florestal, não de reserva de fauna, que é também um espaço (uma área), especialmente protegido não por si, mas em função das populações animais que nela existem, e é de domínio públi-co, que tem seu regime jurídico estabelecido no art. 19 da Lei nº 9.985, de 2000, ao contrário da reserva florestal legal, que é protegida por si e é de domínio pri-vado. A reserva legal de florestas não é servidão, mas simples restrição do direito de propriedade, pelo que não é indenizável.

Ocorre que a expressão “reserva legal” demorou 55 (cinquenta e cinco) anos para ser cunhada, tendo em vista que, somente com a promulgação da Lei Federal nº 7.803/1989, a aventada necessidade de restrição no manejo das florestas foi assim designada.

72 Grau, 2008, p. 164.73 FREITAS, Wladimir Passos de. Direito ambiental em evolução. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010. p. 205.74 FIGUEIREDO, Guilherme José Pervim de. A propriedade no direito ambiental. 4. ed. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 2010. p. 234.75 SILVA. José Afonso. Direito ambiental constitucional. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 183.

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Verifica-se que o Decreto Federal nº 23.793/193476, antigo Código Flo-restal, ainda que tenha, segundo lição de Milaré77, “introduzido a ideia de Re-serva Florestal Legal em nosso ordenamento”, não teve por escopo proceder qualquer alusão à expressão denominada de reserva legal, conforme se depre-ende do texto legislativo, buscando única e tão somente assegurar, em seu art. 23, que “nenhum proprietário de terras cobertas de matas poderá abater mais de três partes da vegetação existente, salvo o disposto nos arts. 24 e 51 (25% – vinte e cinco por cento)” – omissão essa que propiciou o parcelamento do solo, sem que houvesse a averbação da dita reserva.

O referido Código permaneceu vigente até o advento do Código Florestal de 1965, com a edição da Lei nº 4.771/196578, que foi editada em decorrência do notável avanço da proteção estendida às reservas florestais. Contudo, não se pode afirmar que, neste momento, o termo reserva legal passou a constar do referido diploma legal, conquanto em tal texto apenas existiam previsões de restrições à exploração de florestas de domínio privado, conforme o asseverado pelo seu art. 16, a. Senão vejamos:

[...] as florestas de domínio privado, não sujeitas ao regime de utilização limitada e ressalvadas as de preservação permanente, previstas nos arts. 2º e 3º desta lei, são suscetíveis de exploração, obedecidas as seguintes restrições:

Nas regiões Leste Meridional, Sul e Centro-Oeste, esta na parte Sul, as derrubas de florestas nativas, primitivas ou regeneradas só serão permitidas desde que seja em qualquer caso, respeitado o limite mínimo de 20% da área de cada proprieda-de com cobertura arbórea localizada a critério da autoridade competente.

Ou seja, conforme o já esposado, somente no ano de 1989, com o ad-vento da Lei Federal nº 7.803/198979, foi cunhada a expressão reserva legal, cuja definição decorreu do advento da Medida Provisória nº 2.166-67/200180, mais precisamente de seu art. 1º, § 2º, III, que assim a definiu:

[...] Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural exce-tuada a de preservação permanente, necessária ao uso sustentável dos recursos naturais, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação e reabilitação dos processos ecológicos, à conservação e a biodiversidade e ao abrigo e proteção da fauna e flora nativas.

76 Disponível em: <http://www.ecosocialnet.com/legislacao/Codigo_Florestal_Come>. Acesso em: 15 jul. 2010.

77 MILARÉ, Édis. Direito do ambiente: a gestão ambiental em foco. 5. ed. São Paulo: RT, 2007. p. 700.78 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm-96k>. Acesso em: 18 jul. 2010.79 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7803.htm-12k>. Acesso em: 18 jul. 2010.80 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/mpv/2166-67.htm-38k>. Acesso em: 18 jul. 2010.

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Nesse passo, com a nova redação legal, buscou-se promover a preser-vação e a recuperação das matas existentes nas propriedades rurais81, de forma a evidenciar-se que o que antes deveria ser aleatoriamente “preservado” ou “recuperado”, passou a necessariamente incidir sobre determinada fração do imóvel que deveria obrigatoriamente ser preservado.

Tal medida provisória concedeu nova redação ao art. 16 do Código Flo-restal, ao asseverar que:

[...] As florestas e outras formas de vegetação nativas ressalvadas as situadas em áreas de preservação permanente, assim como aquelas não sujeitas ao regime de utilização limitada ou objeto de legislação específica, são suscetíveis de supres-são, desde que sejam mantidas, a título de reserva legal.

I – oitenta por cento, na propriedade rural situada em área de floresta localizada na Amazônia Legal;

II – trinta e cinco por cento, na propriedade rural situada em área de cerrado localizada na Amazônia Legal, sendo no mínimo vinte por cento na propriedade e quinze por cento na forma de compensação em outra área, desde que esteja localizada na mesma microbacia, e seja averbada nos termos do § 7º deste artigo;

III – vinte por cento, na propriedade rural situada em área de floresta ou outras formas de vegetação nativa localizada nas demais regiões do País; e

IV – vinte por cento, na propriedade rural em área de campos gerais localizada em qualquer região do País.

De acordo com o supramencionado, ainda que leis anteriores tenham tra-tado da matéria intentando disciplinar a questão da averbação da reserva legal, nenhuma foi impositiva o suficiente ao ponto de coibir, ou mesmo restringir, a utilização da propriedade. Como bem reconheceu Machado82, em virtude da tardia instituição da imposição legal, que somente ocorreu em 1989, a “reserva era esfacelada ou diminuída por ocasião da venda, do desmembramento e/ou sucessão da propriedade”. Ou seja, somente depois da instituição do referido disciplinamento, passou a existir a obrigatoriedade quanto ao seu cumprimento, culminando, notadamente, com a restrição parcial da sua modificabilidade.

Ainda que a intenção, tanto do legislador ordinário quanto do constituin-te, tenha sido assegurar o “direito ao meio ambiente ecologicamente equilibra-do, como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”,

81 ACETI JÚNIOR, Luis Carlos. Advocacia ambiental: segurança jurídica para empreender. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009. p. 119.

82 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 761-762.

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a reserva legal somente passou a ter proteção efetiva quando da introdução das modificações da Lei nº 7.803/1989.

Dessa ilação pode-se concluir que somente a partir da edição da Lei nº 7.803/198983 a averbação da reserva legal passou a constituir-se como exi-gência. Além disso, a sua inalterabilidade, bem como a proibição do corte raso, passaram a constituir-se como imposições, quando o art. 16, § 2º, dispôs que

[...] a reserva legal, assim entendida a área de, no mínimo 20% (vinte por cento) de cada propriedade, onde não é permitido o corte raso, deverá ser averbada à margem da inscrição da matrícula do imóvel, no Registro de Imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação nos casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento de área. (grifos nossos)

Analisando a lei, tem-se que a alteração da destinação da reserva legal não poderia ocorrer quando esta já tivesse sido averbada à margem da matrícu-la do imóvel. Tal entendimento tem a confirmação de Mantovani e Bechara84, que ponderam o seguinte: “Como já asseverado, o Código Florestal, em seu art. 16, § 2º, dispõe que a reserva legal, devidamente averbada, não pode sofrer al-teração em sua destinação, mesmo em casos de transmissão, a qualquer título, ou de desmembramento de área”, o que abriu a possibilidade para que todos aqueles proprietários de imóveis que eventualmente não tivessem procedido à averbação antes do advento da lei obrigando o seu registro na matrícula do imóvel a isentar-se da proibição de mutabilidade.

No entanto, ainda que sob o pálio da alegada inexistência de lei obri-gando a averbação antes de 1989, bem como sob a existência de originado direito adquirido daqueles que tiveram as suas propriedades incorporadas ao perímetro de expansão urbana de seus municípios, para alguns, o entendimento de que somente a Lei nº 7.803, de 1989, teria implementado a necessidade de averbação de reserva legal seria totalmente descabido, porquanto, mesmo a lei tendo sido instituída somente em 1989, a obrigação da averbação de reserva legal já existia desde o advento do Código Florestal de 1934. Assim, todos aque-les imóveis que, eventualmente, fossem incorporados ao território de expansão urbana de seus municípios antes do advento da Lei nº 7.803/1989 deveriam ter procedido previamente à averbação da reserva legal à margem da matrícula dos respectivos imóveis, com vistas à preservação do meio ambiente, considerando que, independentemente da localização do imóvel, ele deverá contribuir para

83 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7803.htm-12k>. Acesso em: 18 jul. 2010.84 MANTOVANI, Mário; BECHARA, Erika. Reserva leal à luz de Medida Provisória nº 1.736. Revista de Direito

Ambiental, v. 4, n. 16, p. 146, out./dez. 1999.

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a efetivação do direito à sadia qualidade de vida que, não obstante, também deverá ocorrer nas cidades85.

2.2 as legislações posteriores à constituição Da república – Disciplinamento Da reserva legal

Ainda que a Lex Suprema tenha sido o marco divisor da legislação am-biental, consistindo em conditio sine qua non para a elevação do direito do meio ambiente à categoria inquestionável de direito fundamental, há de se res-saltar que outras legislações importantes surgiram posteriormente, com vistas ao disciplinamento de questões ainda obscuras, ou mesmo lacunosas em nosso ordenamento jurídico, principalmente no que concerne à denominada reserva legal, que, desde a Constituição de 1934, tem sido motivo de dissenso na dou-trina.

Em que pese a existência do Código Florestal, que, desde 1934, busca disciplinar a questão da reserva legal, além de a Constituição de 1988 propug-nar que o meio ambiente sadio é bem de uso comum e imprescindível à sadia qualidade de vida, imperioso destacar que muitas legislações nasceram eivadas de vício, seja em decorrência da omissão do legislador, que as tornou confusas, lacunosas, tardias ou ainda ausentes de imperatividade necessária ao seu cum-primento, ou mesmo de sanções pelo seu descumprimento86.

Não obstante isso, há que destacar que outras tantas foram criadas in-compatíveis com a Carta Maior, ou seja, inconstitucionais, dando azo à colisão entre direitos fundamentais87.

Nesse sentido, mister ressaltar que um dos maiores exemplos de antago-nismo decorre da alegada imposição da averbação de reserva legal, pois, con-forme o ora invocado, ainda que alguns entendam que a obrigatoriedade advém da instituição do Código Florestal de 1934, outros entendem que somente com o advento da Lei nº 7.803/1989, momento em que foi criado o termo “reserva legal”, que alterou o art. 16 do Código Florestal, é que tal exigência passou a existir88. E, ainda, há quem diga que somente com a reforma da legislação, mais precisamente com o advento da Medida Provisória nº 2.166/67/2000, que in-seriu o § 8º no art. 16 do Código Florestal, é que se pode realmente conceber a existência de tal obrigação:

[...]

85 MONTILHA. Gabriel. A obrigação de se manter a averbação de reserva legal em imóvel urbano. 2004, p. 4. Disponível em: <www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/.../reserva_legal_urbana.pdf.>. Acesso em: 5 maio 2010.

86 Machado, 2008, p. 761-762.87 Dutra, 2009, p. 12.88 Aceti Júnior, 2009, p. 119.

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Art. 16. [...]

§ 8º A área de reserva legal deve ser averbada à margem da inscrição de matrí-cula do imóvel, no registro de imóveis competente, sendo vedada a alteração de sua destinação, nos casos de transmissão, a qualquer título, de desmembramento ou de retificação da área, com as exceções previstas neste Código. (Incluído pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 2001).

A determinação de imutabilidade da destinação quando da transmissão da propriedade passou a existir para Machado89 com a promulgação da Lei nº 7.803/1989:

[...] a lei visou dar um caráter de relativa permanência à área florestada do país. A lei federal determina a imutabilidade da destinação da Reserva Legal Florestal de domínio privado, por vontade do proprietário. Nos casos de transmissão por compra e venda como, também, por acessão, usucapião e pelo direito hereditá-rio, a área de reserva, a partir da promulgação da Lei nº 7.803/1989, continua com os novos proprietários, numa cadeia infinita. O proprietário pode mudar, mas não muda a destinação da área da Reserva Legal Florestal.

E ainda, em outra passagem, Machado90 revela que a instituição de tal legislação ocorreu a destempo, conquanto esclarece que

[...] a reforma da legislação florestal de 1989, ao lado de outras reformas de textos legais ambientais que se fizeram na mesma ocasião, veio tardiamente. A reserva era esfacelada ou diminuída por ocasião da venda, do desmembramento e/ou sucessão da propriedade.

Ou seja, conforme alhures referido, a lei, não sendo suficientemente cla-ra, ou mesmo não impondo o dever ao proprietário do imóvel, não evitou a ocorrência do parcelamento do solo que se dava por venda, ou mesmo suces-são das propriedades, o que somente ocorreu em virtude da ausência oportuna do disciplinamento da questão envolvendo a averbação de reserva legal, que, nos exatos termos do escólio de Freitas91, “é evidente que, se houvesse limi-tação à alienação ou a oneração de bens imóveis pelo proprietário que não tivesse averbado a reserva legal, ela estaria expressa na lei”.

Como se já não bastasse a extemporaneidade da lei, existem ainda as diversas interpretações acerca da exigência da averbação, posto que, em julga-mento de recurso administrativo, a egrégia Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo manifestou-se no seguinte sentido92:

89 Machado, 2008, p. 761-762.90 Ibid., p. 761-762.91 Freitas, 2010, p. 213.92 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de direito ambiental. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 456-457.

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[...] a averbação de reserva legal é exigida apenas para algumas formas de explo-ração dos imóveis rurais, mormente para a preservação da Mata Atlântica, não se podendo condicionar o registro de atos de transmissão da propriedade imobi-liária rural e de fracionamento do imóvel rural à efetivação daquela averbação (da área de reserva legal), prevista no art. 16, § 2º (atual 8º), do Código Florestal (Lei nº 4.771/1965), isto sob o fundamento de que não existe na lei proibição do ingresso no registro imobiliário dos atos translativos ou de fracionamento daque-las propriedades se não for observada a determinação relativa à averbação de reserva legal. (grifos nossos)

Desta feita, a efetividade deste objeto específico de tutela do meio am-biente pode, invariavelmente, restar frustrada, uma vez que, como se percebe, não se poderia sequer condicionar o registro de atos de transmissão da proprie-dade rural e de fracionamento de imóvel à averbação de reserva legal.

Assim, seja em decorrência da lacuna legislativa que permitiu o parcela-mento do solo sem a devida averbação, seja pelas inúmeras incorporações de imóveis ao território de expansão urbana, jungidas ao não condicionamento de tais registros à averbação da reserva legal, a tutela específica de proteção ao meio ambiente consistente na averbação de reserva legal restou frustrada.

Não obstante o fato, insta ressaltar que, mesmo havendo a alegação de que sobre os imóveis não recai mais qualquer ônus relacionado à averbação de reserva legal em razão da sua incorporação ao território de expansão urbana dos municípios, tal fato não os exime, de forma alguma, das demais responsa-bilidades atinentes à realização individual da proteção do meio ambiente eco-logicamente equilibrado, conforme bem dispõe o parágrafo único do art. 2º do Código Florestal93. Senão vejamos:

Art. 2º [...]

Parágrafo único. No caso de áreas urbanas, assim entendidas as compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, em todo o território abrangido, observar-se-á o disposto nos respectivos planos diretores e leis de uso do solo, respeitados os princípios e limites a que se refere este artigo.

Ou seja, independentemente da leitura que se faça da lei, ou ainda da alegação de que ela foi tardia, contribuindo para a deflagração de um direito adquirido de não averbar reserva legal, não se pode olvidar da necessária ado-ção de mecanismos voltados à gestão consciente do legado natural, conforme o disposto no Código Florestal, considerando que são imprescindíveis para a ma-

93 Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4771.htm>. Acesso em: 20 jul. 2010.

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nutenção do equilíbrio do planeta, bem como da consecução de um objetivo comum que se baseia no fim coletivo e social94.

2.3 a exigência De averbação De reserva legal mesmo quanDo o imÓvel já For urbano

Ainda que para uma parte da doutrina a exigência da averbação de re-serva legal incida somente sobre imóveis rurais, e ainda que tal exigência de-correu apenas do advento da Lei nº 7.803/1989, ou ainda da Medida Provisória nº 2.166/67/2000, momento em que muitos imóveis já eram urbanos, para Gabriel Montilha95, advogado do Instituto Ambiental do Paraná, a obrigatorie-dade de averbar reserva legal não se restringe somente aos imóveis rurais, mas também, a partir de 1989, a todos aqueles imóveis que foram incorporados ao perímetro urbano dos seus municípios, justamente porque, segundo ele, as propriedades que antes eram rurais, ao serem incorporadas ao perímetro urbano de seus municípios, já deveriam encontrar as reservas legais devidamente regis-tradas nas matrículas dos imóveis, não havendo que se falar que a incorporação do imóvel ao perímetro urbano isentou-os da obrigação96.

Sob tal pretexto, o Instituto Ambiental do Paraná, a partir de 1989, pas-sou a exigir o registro da averbação de reserva legal para aqueles imóveis que já haviam passado a incorporar o perímetro urbano de seus municípios antes mesmo da edição da lei, sob a alegação de que a obrigação de averbar a reserva legal junto à matrícula do imóvel advinha dos Códigos Florestais de 1934 e de 1965, ressaltando que, a partir da publicação da Lei nº 7.803/1989, tornou-se obrigatório para o proprietário de imóvel rural a averbação da reserva legal no percentual mínimo de 20%.

Tal entendimento, de igual modo, consubstanciou-se na Lei nº 10.257/2001, que, visando à concretização do direito ao meio ambiente, passou a instituir que o desenvolvimento da cidade deveria obedecer à prote-ção, à preservação e à recuperação do meio ambiente natural, cuja obrigação deveria refletir nos planos diretores das cidades, com vistas à efetividade da pre-servação do meio ambiente. Mesmo porque o direito ao meio ambiente ecolo-gicamente equilibrado constitui-se como um dos cernes do nosso ordenamento jurídico, posto que, somente com a sua preservação, é que poderá ocorrer a confirmação de que restará assegurada a todos a adequada fruição dos recursos naturais, tanto para as presentes, quanto para as futuras gerações97.

94 Derani, 2008, p. 247.95 Montilha, 2004, p. 3. Disponível em: <www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/.../reserva_legal_urbana.pdf>.

Acesso em: 5 maio 2010.96 Montilha, loc. cit. Disponível em: <www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/.../reserva_legal_urbana.pdf>.

Acesso em: 5 maio 2010.97 Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil/leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 5 ago. 2010.

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Assim, o Estatuto da Cidade, Lei nº 10.257/2001, mais precisamente em seu art. 2º, VI, estabelece que “a política urbana tem por objetivo ordenar o ple-no desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana”, o qual, corroborado pelo art. 2º, parágrafo único, do Código Florestal, retrata a necessidade de observância ao disposto nos planos diretores e leis de uso do solo, que, na visão de Figueiredo98, consiste na adoção de “diversas diretrizes gerais, dentre as quais a de ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar o parcelamento do solo, e a edificação ou o uso excessivos ou inade-quados em relação à infraestrutura urbana, bem como a evitar a degradação ambiental”.

Ressalta-se ainda que, mesmo havendo entendimentos acerca do fato de que somente a partir da Lei nº 7.803/1989 passou-se a exigir a averbação de reserva legal, segundo o referido advogado99, não se pode olvidar que a com-petência para legislar sobre florestas é concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, não tendo, portanto, o município a prerrogativa para legislar sobre florestas, tampouco sobre reserva legal, ainda que a tenha para legislar sobre assuntos de ordem local, como foi o caso do decreto que incorporou o imóvel à zona de expansão urbana do município.

Tal fator tem implicado a indigitada colisão entre direitos fundamentais, pois, enquanto existe a manifestação incisiva acerca da existência da obrigação decorrer do Código Florestal de 1934 e de 1965, há quem rebata a ideia, sob a alegação de que tal obrigação decorreu apenas da edição da Lei nº 7.803/1989, momento em que muitas propriedades já eram urbanas e, portanto, alheias à obrigação.

Ainda que a tardia promulgação da lei tenha dado azo ao descumpri-mento da obrigação por parte dos proprietários dos imóveis que se tornaram urbanos antes de 1989, momento em que, sob o ponto de vista destes, não in-cidia tal exigência em decorrência de o imóvel ter se tornado urbano, sob pena de prejudicar o direito adquirido de não averbação de reserva, imperioso desta-car que o princípio da defesa do meio ambiente, além de “conformar a ordem econômica”, segundo afirma Grau100, ainda é o responsável pela efetivação da existência digna, sem a qual não se pode viver, sendo certo que deverão existir políticas conformadoras que resguardem a efetivação da disposição expressa na Carta Magna no que diz respeito à conservação do meio ambiente que deverá se orientar pelo desenvolvimento sustentável, consoante leciona Derani101:

98 Figueiredo, 2010, p. 218. 99 Montilha, 2004, p. 3. Disponível em: <www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/.../reserva_legal_urbana.pdf>.

Acesso em: 5 maio 2010.100 Grau, 2008, p. 252.101 Derani, 2008, p. 156.

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[...] assim, políticas que reencontrem uma compatibilização da atividade eco-nômica com o aumento das potencialidades do homem e do meio natural, sem exauri-las; apoiadas por normas de incentivo à pesquisa científica de proteção dos recursos naturais e de garantia de uma qualidade ambiental são expressões do direito do desenvolvimento sustentável – uma outra forma de ver e compreen-der o direito ambiental. (grifos nossos)

Nesse passo, a partir de uma leitura teleológica do supramencionado entendimento, percebe-se que será necessário o devido condicionamento da atividade econômica, bem como do desenvolvimento da atividade humana, com vistas à manutenção da qualidade ambiental, que somente será possível com a utilização de técnicas de compatibilização que podem ser encontradas somente com a adoção do princípio do desenvolvimento sustentável.

2.4 o Desenvolvimento sustentável

O desenvolvimento sustentável tem como objetivo precípuo ordenar as políticas de desenvolvimento objetivando, especialmente, a erradicação da po-breza, que, invariavelmente, propiciará a melhoria das condições vitais em to-dos os aspectos, tanto no econômico, quanto no plano social, intrinsecamente relacionado à sadia qualidade de vida dos povos102.

O princípio do desenvolvimento sustentável tem como premissa “a regu-lação e o controle da atividade econômica”103, o que se dá a partir da instituição de leis, que surgem com o fito de salvaguardar o direito de todos ao acesso a esse bem, evidenciando que os processos de desenvolvimento deverão sempre estar pautados na condução de técnicas que permitam evitar a deteriorização ambiental104, a fim de que o meio ambiente seja mantido incólume.

Com isso, a educação ambiental se faz premente, uma vez que, somente a partir dela, será possível a potencialização dos inúmeros sistemas de conhe-cimento para a integração plena entre o homem e o meio ambiente, fazendo-o perceber, acima de tudo, que todos os recursos utilizados para o seu conforto advêm de fontes naturais, que, ao contrário do que se pensa, são esgotáveis105.

Tal constatação permite evidenciar que a reflexão sobre mecanismos tendentes à minimização dos riscos torna-se “um tema e um problema” para a

102 SHELTON, Dinah; KISS, Alexandre. Manual judicial de direito ambiental. Nairobi: Unep, 2004. p. 26-27.103 Shelton; Kiss, loc. cit.104 Shelton; Kiss, loc. cit.105 JACOBI, Pedro. Educação ambiental: cidadania e sustentabilidade. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/cp/

n118/16834.pdf>. Acesso em: 18 set. 2010.

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sociedade, que, ao produzir os riscos, deverá dar conta de rever as suas práticas sociais106.

Por fim, ainda que todos os seres humanos tenham o direito de desen-volver-se economicamente, há de se ressaltar que o alcance de tal meta deve ocorrer em observância aos princípios do desenvolvimento sustentável, que se consubstancia na harmonia entre o progresso e a natureza. Ou seja, ainda que eventual demanda judicial seja decidida em prejuízo do meio ambiente, deve-se assegurar que o prejuízo seja o menor possível, valendo, nesse sentido, transcrever o entendimento de Furlan e Fracalossi107:

[...] Deve ser feito o trabalho e Hércules de Dworkin, ou seja, dentre todas as soluções possíveis, a justa, a certa, será aquela que menor dano cause ao meio ambiente. Isso porque a bandeira do progresso não pode servir para justificar tudo, inclusive danos ambientais.

Com a adoção de tal prática, espera-se que, em momento algum, o di-reito ao meio ambiente tenha o seu conteúdo essencial esvaziado ou compro-metido ante a deflagração de conflito entre valores constitucionais relevantes, considerando-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um dos mais importantes direitos fundamentais do nosso ordenamento jurídico, uma vez que se traduz como legado a ser resguardado, tanto para as presentes como para as futuras gerações108.

3 o dIreIto adquIrIdo – dIreIto fuNdameNtal coNSagrado No artIgo 5º – prINcípIo coNcretIzador da eStaBIlIdade e da SeguraNça JurídIca

Precipuamente, cumpre esclarecer que o direito adquirido no Brasil vem sendo concebido como tradição do constitucionalismo brasileiro, uma vez que se pode encontrar a previsibilidade de tal garantia desde o texto constitucional de 1824, mais precisamente no art. 179, 3º, bem como a de 1891, art. 11, 3º. De igual modo, tem-se que a Constituição de 1934 buscou assegurar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, algo que, com o advento da Constituição de 1937, restringiu-se à aplicação da norma no âmbito penal. Ainda que a Constituição de 1946 tenha albergado tal previsibilidade, houve certa mitigação quanto ao seu âmbito de aplicação, considerando que muitas garantias jungidas à consagração de tal ideário padeceram ante a instauração do estado de exceção. Ressalte-se que, mesmo tendo a redação se mantido in-

106 JACOBI, Pedro. Educação ambiental: o desafio da construção de um pensamento crítico, complexo e reflexivo. Disponível em: <www.scielo.br/pdf/ep/v31n2/a07v31n2.pdf>. Acesso em: 18 set. 2010.

107 Furlan; Fracalossi, 2010, p. 99.108 Ibid., p. 99.

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cólume em todos os textos constitucionais posteriores, a saber, 1967 e 1969, tal prerrogativa não se realizou no plano fático em decorrência do AI-5109.

Com a promulgação da Carta Maior de 1988, a proteção ao direito adqui-rido foi de fato enfatizada visando à segurança jurídica da coletividade, ao con-dicionar o exercício arbitrário do poder estatal, bem como permear as relações sociais, que se estendeu, sobretudo, à proteção das liberdades individuais110.

Não obstante, o próprio Código Civil de 1916 contemplou a garantia da proibição da retroação legal111, e o Código Civil de 2002, através da Lei de Introdução ao Código Civil, buscou assegurar tal prerrogativa ao prelecionar, em seu art. 6º, que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”112.

De toda sorte, para a própria estabilização do sistema, faz-se imprescin-dível a existência da segurança jurídica, que, notadamente, é conferida pelo direito adquirido, haja vista que somente dela decorre a certeza de que o in-divíduo não será surpreendido negativamente por alguma norma que tenha o condão de esgotar todas as garantias até então alcançadas, ou mesmo tolhê-lo da prática das suas prerrogativas essenciais113.

Veja-se que, para Sarmento114, a segurança jurídica traduz-se na ideia de que não deverão ser gerados deveres que venham a surpreender o sujeito, senão vejamos:

[...] certeza do Direito aparece, assim, como um direito fundamental, na medida em que não se geram deveres que surpreendam ao sujeito, assim como não se lhe impõe penas que possam atingir a sua liberdade ou seus bens. Mais até do que isto: a falta de certeza do Direito pode levar a decisões divergentes entre os vários tribunais, o que, em última análise, faz com que casos idênticos sejam tratados de forma diferente em um mesmo ordenamento jurídico, o que contraria o princípio da igualdade, imanente à própria ideia de Direito.

Por fim, insta ressaltar que a segurança jurídica está intimamente rela-cionada ao Estado de Direito e, ainda, à certeza quanto à concretização deste direito através da submissão de todos à lei, como forma de prevenir-se o exercí-cio arbitrário de funções, principalmente quando se fala que o princípio da se-

109 ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Constituição e segurança jurídica. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2009. p. 308.

110 MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 144.111 SAMPAIO, José Adércio Leite. Direito adquirido e expectativa de direito. Belo Horizonte: Del Rey, 2005.

p. 169.112 Disponível em: <www.presidencia.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 20 ago. 2010.113 SARMENTO, Daniel; GALDINO, Flavio. Direitos fundamentais: estudos em homenagem ao professor Ricardo

Lobo Torres. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 354.114 Ibid., p. 355.

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gurança jurídica, que “ajuda a promover os valores supremos da sociedade”115, está intrinsecamente relacionado com o princípio da legalidade, do qual decor-re a legitimidade para a atuação do Estado-Administração116.

3.1 atual entenDimento e aplicação Do Direito aDquiriDo no brasil e sua origem histÓrica

Em todos esses anos, ainda que o arcabouço legislativo tenha contempla-do inúmeras alterações relativas ao entendimento sobre a garantia da existên-cia ou não do direito adquirido, conforme afirma Sampaio117, “a Constituição resguarda o que se consolidou no patrimônio privado”. Nesse diapasão, Sam-paio118, citando Raul Machado Horta, esclarece ainda que “o desfazimento dos direitos adquiridos é excepcional em nossa tradição, prevalecendo o princípio da continuidade”.

Inobstante, a doutrina italiana, mais especificamente na pessoa de Gabba, foi preponderante para a sedimentação do primado do direito adquiri-do, principalmente quando se vislumbra que as Constituições brasileiras sofre-ram forte influência de sua concepção sobre a impossibilidade de retroação da norma, objetivando, com isso, garantir a consagração do direito adquirido119.

Foi Gabba quem perfeitamente definiu o direito adquirido “como o que integra o patrimônio de uma pessoa, por força de lei, ou de fato voluntário, veri-ficado na vigência da lei derrogada, cujos efeitos produzem-se ainda no futuro, apesar de a lei que o rege estar revogada”120.

Hodiernamente, no Brasil o próprio Supremo Tribunal Federal pacificou a questão quando proferiu o julgado citado por Marmelstein121, enunciando que “o disposto no art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal se aplica a toda e qual-quer lei infraconstitucional, sem qualquer distinção entre lei de direito público e lei de direito privado, ou entre lei de ordem pública e lei dispositiva”.

Tal estatuição serve para demonstrar que existe a premência de se respei-tar as situações jurídicas já firmadas e consolidadas pelo tempo, de modo que, se eventualmente houver aplicação retroativa da lei ela, em hipótese alguma, poderá desrespeitar o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julga-da122.

115 Rocha, 2009, p. 227.116 GRAU, Eros Roberto. Direito posto e direito pressuposto. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 119.117 Sampaio, 2005, p. 172.118 Sampaio, loc. cit.119 Rocha, 2009, p. 145.120 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do Direito. 37. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

p. 247-248.121 Marmelstein, 2009, p. 144.122 Marmelstein, loc. cit.

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Por oportuno, vale ainda mencionar que, na visão de Sampaio123, os di-reitos adquiridos convertem-se em direito fundamental, cuja garantia apresen-tasse como direito “público subjetivo jusfundamental”, valendo transcrevê-lo ipsis literis:

[...] os direitos adquiridos podem ter a estatura de instituto previsto na Consti-tuição, convertendo-se em direito fundamental. Em sendo assim, a sua garantia se mostra como direito público subjetivo jusfundamental qualificado no tempo como barreira à irreversibilidade da regulação dos atos e consequências passa-dos. Um direito negativo, de maneira a possibilitar aos titulares exercê-lo contra as intervenções estatais, notadamente legislativas; mas também um direito posi-tivo de exigir-se do Estado um quadro de prestação fática e jurídica que permita, pelo menos, fazer-se respeitado por terceiros, advogando-se ir além; possibilitar material e juridicamente a realização do conteúdo protegido. Além do mais, ga-nham os traços peculiares da rigidez das barreiras agravadas a mudanças consti-tucionais sob a proteção do sistema de fiscalização da constitucionalidade.

De tal leitura, pode-se perceber que, mostrando-se o direito adquirido como norma fundamental, que, por conseguinte, consagra-se como um direi-to negativo, devidamente qualificado como limitação de irreversibilidade dos atos, acaba por propiciar aos jurisdicionados a segurança jurídica de um conte-údo que se pretende proteger, ante as inúmeras alterações legislativas que, não raro, poderão ser objeto de controle de constitucionalidade.

Importante ensinamento advém do escólio de Lacerda124, ao mencionar Pontes de Miranda, quando da afirmação de que “não se deve presumir o cará-ter retroativo da norma constitucional”, senão vejamos:

[...] as constituições têm incidência imediata, ou desde o momento em que elas mesmas fixaram como aquele em que começariam de incidir. Entretanto, não se deve presumir o caráter retroativo da norma constitucional originária. Insista-se em que o princípio geral de direito é a irretroatividade. Daí a presunção de que a norma não tem retroeficácia. Para fugir disto é necessário que a norma decorra inexoravelmente do texto.

Por fim, vale afirmar que o postulado da não retroatividade das leis, ainda que comporte exceções, vem sendo concebido como universal, o que inviabili-za que leis novas intentem disciplinar fatos e consequências ocorridas sob o im-pério de outras normas, ainda que estas últimas tenham ocorrido sob a égide da lei nova, justamente para que se alcance a segurança jurídica e a estabilidade do direito125, sendo imperioso que se verifique se a aquisição do direito violado

123 Rocha, 2009, p. 145.124 LACERDA, Belizário Antônio de. Direito adquirido. Belo Horizonte: Del Rey, 1999. p. 47.125 Barroso, 2006, p. 300.

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pela lei nova ocorreu na vigência da lei antiga, a fim de que se evite que venha a ser prejudicado pela nova estatuição legal126.

3.2 a inexistência De hierarquia entre leis De orDem pública e as Demais

A existência do direito adquirido como garantia constitucional está to-talmente pacificada na doutrina, de modo que as hipóteses de não retroativi-dade da lei encontram-se expressas na Carta Magna, a saber: (i) proteção da segurança jurídica no domínio das relações sociais; (ii) proteção da liberdade do indivíduo contra a aplicação retroativa da lei penal; (iii) proteção do con-tribuinte contra o Fisco. Ademais isso, verifica-se que a não retroação ainda se consubstancia em direito individual devidamente resguardado pelo art. 60, § 4º, IV, da Lex Suprema, o qual condiciona a atividade tanto legislador, quanto dos órgãos Judiciário e Legislativo127.

Vislumbra-se ainda que, justamente visando a salvaguardar tal princípio constitucional, o legislador constituinte estatuiu, no art. 60, § 4º, IV, que não será “objeto de deliberação a proposta tendente a abolir os direitos e garantias individuais”128, a qual é corroborada pela lição de Lacerda129, no seguinte sen-tido:

[...] daí se pode inferir, sem censura jurídica, que, por meio de reforma constitu-cional – Poder Constituinte Derivado –, o direito adquirido não pode sofrer modi-ficação, e muito menos abolição, pois se encontra no rol dos direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal, conforme salienta seu art. 5º, caput.

Quanto a eventual alegação de hierarquia entre leis de ordem pública e as demais, imperioso destacar que não há qualquer diferenciação entre elas, segundo escólio ministrado por Barroso130:

[...] a regra do art. 5º, XXXVI, dirige-se ao legislador de todos os níveis, só não se sobrepondo ao constituinte. Quanto ao conteúdo do ato normativo, não há qual-quer distinção entre as chamadas “leis de ordem pública” e as demais, como faz supor certo segmento doutrinário. A Constituição não prevê exceções. Qualquer lei, seja qual for o adjetivo que se lhe vier a agregar, está obrigada a respeitar essas garantias, mesmo porque nenhum sentido haveria em admitir-se que a lei, conferindo a si própria determinada qualificação, pudesse afastar a garantia cons-titucional. (grifos nossos)

126 MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 506.

127 Barroso, 2006, p. 302.128 Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/.../constituiçao.htm>. Acesso em: 3 set. 2010.129 Lacerda, 1999, p. 23.130 Rocha, 2009, p. 147.

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Nesse passo, importante asseverar que não há que se entender pela re-troação da lei, mesmo que esteja fulcrada na alegação de constituir-se como lei de ordem pública. Mesmo porque tal fato acarretaria em ofensa ao direito ad-quirido, que, segundo Gabba131, também consiste em “forte interesse de ordem pública” e, ainda, de acordo com o posicionamento de Caio Mário da Silva, citado por Tolomei132:

[...] costuma-se dizer que as leis de ordem pública são retroativas. Há uma dis-torção de princípio nesta afirmativa. Quando a regra da não retroatividade é de mera política legislativa, sem fundamento constitucional, o legislador, que tem o poder de votar leis retroativas, não encontra limites ultralegais à sua ação, e, portanto, tem a liberdade de estatuir o efeito retro-operante para a norma de or-dem pública, sob o fundamento de que esta se sobrepõe ao interesse individual. Mas, quando o princípio da não retroatividade é dirigido ao próprio legislador, marcando os confins da atividade legislativa, é atentatória contra a Constituição a lei que venha a ferir direitos adquiridos, ainda que sob a inspiração da ordem pública. (grifos nossos)

3.3 o Direito aDquiriDo ante o regime ou estatuto juríDico

Com o escopo de adentrar a questão mais profundamente, importante destacar que, mesmo restando assegurada a existência do direito adquirido ante a ocorrência das situações previstas em lei, segundo grande parte da doutrina, não há que se considerar a sua subsistência em “se tratando de direito público com referência a regime jurídico estatutário, uma vez que não há direito adqui-rido a esse regime jurídico”133.

Para Gabba, não se concebia a existência de direito adquirido quanto aos institutos jurídicos, que deveriam ser imediatamente aplicados, ainda que para ele devessem ser respeitadas todas as relações dele decorrentes134.

Nesse passo, vale mencionar que, para o referido teórico, existe ainda um rol de legislações que poderão ser imediatamente aplicadas, independente-mente de qualquer alegação de existência de direito adquirido, especialmente aquelas que estão voltadas ao interesse geral e, portanto, não sujeitas a limites, dentre elas as leis que versem sobre o direito de propriedade de florestas, por exemplo135.

Restou consagrado, ainda, o ponto de vista de que determinada lei po-deria ser suprimida ou modificada, assentando-se o primado de que a aplica-

131 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 502.132 Tolomei, 2005, p. 233.133 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 506.134 Ibid., p. 509.135 Ibid., p. 509.

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bilidade da nova lei pode ocorrer imediatamente à sua edição, como no caso da resgatabilidade das enfiteuses gravadas com cláusula de perpetuidade, cuja legitimidade da redução do prazo para o seu resgate foi consolidada, inclusive, pela Súmula nº 170 do Supremo Tribunal Federal136.

Desse modo, ainda que o direito adquirido seja sinônimo de segurança jurídica, não se presta ao atendimento, ou mesmo não tem por escopo a prote-ção de determinadas posições jurídicas ante a alteração de institutos, ou ainda determinados estatutos ou regimes jurídicos, o que acarretou na consolidação do entendimento de que não há que se invocar direito adquirido ante um regi-me jurídico.

Pode-se vislumbrar facilmente tal assertiva quando da análise detida dos julgados do Supremo Tribunal Federal, tendo como matéria a aposentadoria dos servidores públicos, momento em que, lançando mão de tal entendimento, é estabelecido que, “em se tratando de direito público com referência a regime jurídico estatutário, não há direito adquirido a esse regime jurídico”137, bem como no momento em que a referida Corte decide sobre a natureza institucio-nal do FGTS e se pronuncia acerca da inexistência de direito adquirido a tal regime jurídico138, valendo transcrever o referido julgado139:

[...] Fundo de garantia por tempo de serviço – FGTS. Natureza jurídica e direito adquirido. Correções monetárias decorrentes dos planos econômicos conhecidos pela denominação Bresser, Verão, Collor I (no que concerne aos meses de abril e de maio de 1990) e Collor II. O Fundo de Garantia por Tempo (FGTS), ao contrá-rio do que sucede com as cadernetas de poupança, não tem natureza contratual, mas, sim, estatutária, por decorrer da lei e por ela ser disciplinado. Assim é de aplicar-se a ele a firme jurisprudência desta Corte no sentido de que não direito adquirido a regime jurídico.

Vale mencionar que, para Barroso140, ainda que seja expressa a condição de que há uma relação institucional entre o servidor público e a União, que, por sua vez, é regida por lei que poderá ser alterada sem que se mantenham as condições iniciais, tal situação somente estará legitimada a ocorrer, por tratar-se de uma relação institucional, algo que, de forma alguma, seria concebido se a nova lei se destinasse ao disciplinamento de relações privadas, conquanto so-mente poderia ser aplicada às relações que, eventualmente, fossem estruturadas sob a égide do seu império.

136 Ibid., p. 511.137 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 506.138 Ibid., p. 512.139 Mendes; Coelho; Branco, loc. cit.140 Barroso, 2006, p. 307.

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No entanto, no que tange aos servidores públicos, é pacífica a orientação do Supremo Tribunal Federal no sentido de que não há que se falar na existên-cia de direito adquirido com vistas à continuidade de uma situação estabelecida com base em lei anterior, considerando que tal possibilidade restou peremp-toriamente rechaçada pela egrégia Corte. Assim, não se permite, portanto, a subsistência de posições pessoais em face de eventuais mudanças, revisões e, inclusive, supressões de institutos jurídicos, ou mesmo alterações estatutárias141.

3.4 a importância Do Direito aDquiriDo como asseguraDor Dos princípios Da orDem econômica Do artigo 170 Da constituição – princípio Da segurança juríDica

Ainda que tenha restado claro que não há que se invocar a existência de direito adquirido nas relações entre servidores públicos e a União, ou ainda a regimes ou estatutos jurídicos, é de crucial importância salientar que, em se constando a ocorrência da hipótese de incorporação do bem jurídico ao patri-mônio do seu titular, seja reconhecida a incidência do direito adquirido, sob pena de se violar a segurança jurídica, pois, ainda que este último princípio tenha uma abstração muito elevada142, reveste-se como postulado fundante do Estado de Direito, que visa, inclusive, à proteção da propriedade privada, cuja garantia é considerada como “essencial para o funcionamento do capitalismo, tal como preconizado pelo pensamento liberal e acolhido pelo sistema consti-tucional brasileiro”143.

Ademais, ainda que seja clara a possibilidade de supressão, revisão ou mudança de instituto jurídico, não se pode olvidar as situações jurídicas conso-lidadas ao longo do tempo, bem como a boa-fé perpetrada pelos contratantes, que, pressupondo a “confiança na estabilidade de uma situação legal atual”144, celebraram negócios jurídicos pautando a sua conduta, única e tão somente na segurança jurídica.

Percebe-se que, no que toca ao ferimento da segurança jurídica, de estre-me importância invocar que as situações jurídicas consolidadas deverão sempre ser consideradas, senão vejamos o que a doutrina destaca a respeito145:

[...] ainda que não se possa invocar a ideia de direito adquirido para a prote-ção das chamadas situações estatutárias ou que se não possa reivindicar direito adquirido a um instituto jurídico, não pode o legislador ou o Poder Público em geral, sem ferir o princípio da segurança jurídica, fazer tabula rasa das situações jurídicas consolidadas ao longo do tempo.

141 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 531.142 Mendes; Coelho; Branco, loc. cit.143 Marmelstein, 2009, p.137.144 Rocha, 2009, p. 125.145 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 532.

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Importante ainda perceber que, além de a celebração de negócios ju-rídicos encontrar a proteção da lei, ainda está alicerçada na prerrogativa ins-culpida no art. 5º, XXXVI, que caracteriza o direito adquirido, estando ainda consubstanciado na segurança conferida pelo ato jurídico perfeito, cuja deno-minação consiste em reputar-se consumado segundo a lei vigente ao tempo em que ocorreu, o que corrobora a todo infatigavelmente aludido, isto é, de que o evento realizado sob a égide de determinada lei, que, no caso em comento, se-ria o decreto incorporador do imóvel à zona de expansão urbana do município, além de revestir o ato com a perfeição jurídica necessária, ainda gera o direito adquirido146.

Com o fito de enriquecer o presente estudo, há que se destacar o magisté-rio de Romeu Felipe Bacellar Filho147, quando explicita que a desconsideração de tais direitos, em uma dada ordem constitucional, poderia deflagrar o caos social:

[...] o ato jurídico perfeito gera o direito adquirido, o direito adquirido, o direito concreto e subjetivo a exercê-lo ou desfrutá-lo, na medida em que a não consi-deração dos formados sob uma norma prejudicaria os interesses de seus titulares e implantaria o caos e a desordem social. Portanto, quando se fala em direito ad-quirido é porque decorre, na maior parte das vezes, de um ato jurídico perfeito, que é o que lhe dá embasamento em decorrência de ter sido realizado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou.

Sabe-se que, conforme disciplinou Gabba148, toda lei que trate de pro-priedade florestal tem incidência imediata. Nesse sentido, claro é que a Lei nº 7.803/1989 passou a incidir imediatamente sobre propriedades rurais, com vistas a disciplinar a obrigação da averbação da dita reserva legal que restava omissa. Com isso, todos aqueles proprietários de imóveis rurais que até então não tinham procedido à averbação teriam que, a partir da promulgação da lei, registrá-la à margem da matrícula de imóveis. Todavia, em momento algum a norma referiu-se à averbação de reserva legal em imóvel urbano, de forma que eventual desnaturação do instituto, ou seja, interpretação diversa daquela que realmente lhe deveria ser dada, comprometeria, inclusive, a segurança jurídica, valendo, nesse aspecto, transcrever o escólio de Recaséns Siches citado por Ferrari149, ao ponderar que

[...] o principal motivo do direito, que este surgiu para prestar culto à ideia de justiça e fornecer segurança e certeza à vida social, porque a segurança é um valor fundamental do jurídico, sem ela não pode haver direito. O direito a partir do ponto de vista formal não é um fim, mas um meio para assegurar a realização

146 Rocha, 2009, p. 227. 147 Ibid., 226.148 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 510.149 Rocha, 2009, p. 215.

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de certos fins que os homens reputam como de indispensável cumprimento. Por-tanto, não radica no que é, mas como é.

Portanto, quando se suscita a existência de um direito adquirido do pro-prietário de imóvel que se tornou urbano, embasa-se, precipuamente, na ce-lebração de um negócio jurídico que ocorreu sob a égide de determinada lei que disciplinou a incorporação do imóvel ao território de expansão urbana do município sobre o qual não se opõe à referida exigência, bem como na conces-são de licenças pela Administração Pública, posteriormente à constatação da inexistência de qualquer irregularidade referente à instalação do parque fabril que ocuparia todo o imóvel, algo que se deu por meio da realização de Estudo de Impacto Ambiental e da realização de Relatório de Impacto Ambiental.

Para corroborar a existência do alegado direito adquirido, Sampaio150 esclarece que não cabe a revogação de atos administrativos por inconvenien-tes, ou mesmo porque se mostrem contrários ao interesse público. Ademais, na situação em espeque, o ato de a Administração Pública ter concedido as licenças para a instalação e operação não ocorreu contra disposição expressa de lei, de modo que o direito delas oriundo não permite a revogação dos atos administrativos.

Nesta toada, Arnoldo Wald, citado por Sampaio151, entende que, nem mesmo sob o argumento de que se estará defendendo o meio ambiente, tais licenças poderão ser revogadas com fulcro em normas supervenientes:

[...] para quem a aprovação de loteamento pela autoridade competente equipara--se à licença de construção, por ambos integrarem um “direito novo” no patri-mônio do proprietário. Significa dizer que não pode ser revogada, mesmo que a pretexto da defesa do meio ambiente, valendo-se de normas supervenientes.

Veja-se, assim, que os atos administrativos de que resultam direitos não podem ser revogados, o que demonstra que a exigência de averbação de reser-va legal em propriedade já incorporada ao perímetro urbano que se submeteu ao Estudo de Impacto Ambiental e de Relatório de Impacto Ambiental prévio, antes da concessão de licenças para instalação do parque fabril e operação da atividade, não pode tê-las revogadas, uma vez que não foram expedidas contra disposição de qualquer lei.

Nesse sentido, conforme se percebe quando da análise de julgado do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro152, exarado no Agravo de Instrumento da Ação Civil Pública nº 1992.002.529, foi concedida proteção jurídica àquele

150 Sampaio, 2005, p. 85.151 Ibid., p. 86.152 Disponível em: <www.pinheiropedro.com.br/.../jurisprudencia/01_jurisprudencia_licenciamento_ ambiental.

php>. Acesso em: 28 ago. 2010.

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que, ostentado pela obtenção de licença, demonstrou possuir um direito subje-tivo, senão vejamos:

[...] construção. Obra licenciada. Embargo de obra. Proteção do meio ambiente. Cassação da liminar. Embargo de obra licenciada, por força da liminar em ação civil pública agitada pelo Ministério Público, no pregão de defesa do meio am-biente. A licença para edificar como ato administrativo publicizado ostenta-se como gerador de direito subjetivo, e enquanto não desconstituído legalmente, no procedimento em que se assegure ao licenciado o pleno da defesa, desfruta de ampla proteção jurídica. O direito de construir integra a confederação dos direitos irradiados da propriedade, jungido à disciplina das posturas municipais, não sendo de admitir, mesmo por epístrofe, a priori presumida ilegalidade da-quele atua sobre o pálio do bill administrativo. A suspensão de inopinado de uma obra de vulto, em pleno desenvolvimento, ante os fatores inflacionários que martirizam a nação e todos estão a suportar com estoico espírito de lealdade aos governantes, os quais se esforçam, mas nada acertam, isso, na liminar de uma ação civil pública à guisa de preservação ambiental urbana, em princípio não contemplada na reserva urbanística municipal, pelo menos explicita e, com certeza individuosa, torna-se medida agressiva e temerosa pelos danos imensos e irreparáveis para a parte atingida. Provimento do agravo para se cassar a liminar, ficando o risco à conta da construtora. Agravo provido. (TJRJ, AI 1992.002.529, Rel. Des. Hermydio Figueira, J. 09.02.1993, v.u.) (grifos nossos)

Percebe-se que, mesmo sendo o direito ao meio ambiente ecologica-mente equilibrado um dos fins da Ordem Constitucional, o fortalecimento e a expansão da economia acabou por preponderar no julgado supramencionado, justamente porque a medida perpetrada se mostrava extremamente agressiva em virtude dos danos que causaria, algo que, sem dúvida, não coadunaria com o desenvolvimento do país, ainda que, ressalte-se, o prevalecimento de um ou outro direito deva, necessariamente, ser sempre analisado à luz do caso concre-to, conforme se perceberá quando da análise do estudo feito acerca da colisão e da ponderação dos direitos fundamentais.

4 a colISão e a poNderação eNtre dIreItoS fuNdameNtaIS

Considerando o imenso rol de direitos fundamentais invocados pela Constituição da República Federativa do Brasil, não raro diametralmente opos-tos, importante que a solução perpetrada seja apresentada intentando a satisfa-ção daquele direito que maior grau de comprometimento exercer, tanto perante a sociedade como perante o indivíduo, que pode, inadvertidamente, acabar sendo tolhido de suas prerrogativas constitucionais.

Nesse sentido, alerta Marmelstein153 que “as normas constitucionais são potencialmente contraditórias, já que refletem uma diversidade ideológica tí-

153 Marmelstein, 2009, p. 367.

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pica de qualquer Estado Democrático de Direito”, o que somente corrobora o fato de que, em se tratando de uma carta política como a brasileira, em que se procurou resguardar direitos das mais diversas ordens, seria inevitável que, em dado momento, alguns direitos fundamentais, por mais caros que fossem à sociedade, acabassem entrando em “rota de colisão”.

Nesse sentido, a colisão de direitos fundamentais, para Canotilho154, se dá “quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular coli-de com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular”.

Diante disso, a doutrina mostra-se ávida pela busca de possíveis solu-ções para o referido entrave. No entanto, ainda não há um critério absoluto a referendar o saneamento das celeumas, ou mesmo a contemplar a solução dos inúmeros casos apresentados aos tribunais pátrios. Contudo, muitos doutrina-dores buscam, incansavelmente, soluções, senão por completo, pelo menos da grande maioria dos impasses instaurados.

Sabe-se que nenhum princípio é absoluto, principalmente porque todos os princípios constitucionais albergados pela Carta Magna são essencialmente importantes para a concretização do princípio da dignidade da pessoa humana, estando, portanto, intrinsecamente relacionados, o que oportuniza a imposição de restrições com o escopo de preservar um “sistema de normas harmonica-mente relacionadas”155, consoante preceitua Campos Júnior156:

[...] por certo que nenhum desses princípios é absoluto, vez que são princípios constitucionais e, como tais, podem ser objeto de restrições, visando à harmo-nização deles com outros princípios igualmente consubstanciadores de direitos fundamentais.

Nesse sentido, constata-se a invocação de um direito adquirido do em-presário de não averbar reserva legal sob a alegação de que a imposição de-correu de lei posterior, colidindo com a proteção despendida ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, considerando-se a relação de pre-cedência condicionada, ainda que todos os princípios constitucionais sejam igualmente relevantes. Segundo Alexy157, “um dos princípios terá que ceder”, e, nesse sentido, não haverá de ceder porquanto não seja passível de perma-nência no sistema jurídico, mas apenas porque, no caso concreto, ele se mostra contraditório158.

154 Canotilho, 2003, p. 1270.155 Barroso, 2006, p. 65. 156 Campos Júnior, 2009, p. 142.157 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 93.158 Ibid., p. 96.

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Considerando a diversidade de interesses esboçados pela sociedade, bem como que grande parte deles encontra albergue na Carta Magna, tendo em vista o enorme casuísmo que lhe é peculiar, natural que a colisão ocorra deflagrando, na grande maioria dos casos, o conflito entre direitos individuais do seu titular em contraposição ao exercício dos interesses e bens jurídicos da comunidade159, conforme se observa do entendimento de Tolomei160, ao invo-car a existência de “inconstitucional retroatividade” de lei que, “mudando os parâmetros edilícios, determinasse o desfazimento de tudo aquilo que viesse a contrariar os novos parâmetros introduzidos”, como no caso do empresário que invoca direito adquirido de não averbar a reserva legal em sua propriedade, e, por outro lado, a necessidade de preservação do meio ambiente que se faz premente, tanto no ambiente rural, quanto no ambiente urbano, conforme en-tendimento do advogado do Instituto Ambiental do Paraná161.

Nesta senda, evidencia-se o surgimento de conflitos entre liberdades in-dividuais daqueles que desenvolvem a atividade econômica e entre os direitos coletivos contemplados pelo direito do meio ambiente ecologicamente equi-librado, fator que deflagra uma colisão em sentido amplo envolvendo direitos fundamentais que têm por escopo a proteção essencial de interesses sociais.

Nesse sentido, a fim de que se possa oferecer uma solução para o caso concreto, as colisões deverão ser analisadas caso a caso, considerando o alto grau de complexidade que lhes imprimem essência162, senão vejamos:

[...] todas as situações envolvendo o fenômeno da colisão de direitos fundamen-tais são de complexa solução. Tudo vai depender das informações fornecidas pelo caso concreto e das argumentações apresentadas pelas partes do processo judicial. Daí por que é preciso partir para a ponderação para solucionar esse conflito.

Em se tratando de direitos fundamentais, considerando que serão apli-cados conforme o caso concreto, não sofrendo como a regra, a extirpação do sistema, em caso de invalidade, não se pode olvidar que, diferentemente desta, a sua análise não deverá ocorrer sob o âmbito da validade, mas sim pela racio-nalização amparada no peso que cada qual representa para o caso concreto. Mesmo porque o exercício de direitos e prerrogativas constitucionais são garan-tias individuais exercidas por diferentes titulares, sendo, portanto, indispensável a realização do sopesamento para a melhor adequação do direito fundamental que maior precedência demonstrar163.

159 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 375.160 Tolomei, 2005, p. 189.161 Montilha, 2004, p. 3. Disponível em: <www.meioambiente.pr.gov.br/arquivos/.../reserva_legal_urbana.

pdf>. Acesso em: 7 set. 2010.162 Marmelstein, 2009, p. 367.163 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 375.

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Impende esclarecer que haverá conflito efetivo entre direitos fundamen-tais, quando a esfera de um direito individual for diretamente afetada por outro direito igualmente relevante164.

Nessa perspectiva, claro está que, em havendo colisão entre princípios que estejam alicerçados pelo mesmo grau de comprometimento social, haverá a instauração da colisão, vez que, diametralmente contrapostos, apresentarão aspectos diferenciados de concretude, seja por visar à solidariedade (direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado), ou, então, visar à não averbação de reserva legal em propriedade urbana (direito adquirido do empresário).

Nesse diapasão, ensina Marmelstein165 que, “no final, o Judiciário sope-sará esses valores (ponderação) e solucionará o caso com base na proporciona-lidade”, de forma que haja a concretização do ideário constitucional, a partir da adoção de uma eventual hierarquia principiológica como mecanismo de solução de conflitos objetivando a unidade de Constituição166.

Quanto à unidade da Constituição, leciona Canotilho167 no sentido de que a Constituição se constitui como “unidade hierárquico-normativa”, e que, muito embora as normas constitucionais possam ser sopesadas diante de even-tual colisão, dada a adoção do critério hierárquico-normativo, importante que não haja deflagração de óbices à efetivação do ideário constitucional de uni-dade, evitando-se, assim, a existência de “espaços de tensão” que gerem con-tradições168.

Nesse mesmo sentido, há que se ter a devida parcimônia para que não se incorra no risco de prescindir da análise unitária da constituição a partir da tentativa de resolução do conflito entre os direitos fundamentais, que, inadver-tidamente, podem ser relegados à categoria diversa da qual foram alçados, em virtude de eventual desnaturação ocasionada pela colisão, justamente pela pos-sível fixação de rigorosa hierarquia entre eles, fator que, certamente, poderia, inclusive, desnaturá-los por completo, o que culminaria com a desconfiguração do “complexo normativo unitário que é a Constituição”169.

De outra banda, não há que se incluir qualquer cláusula de exceção, ou mesmo invalidar qualquer direito fundamental; o que poderia vir a ocorrer em alguns casos seria o estabelecimento de precedência condicionada, com base nas circunstâncias do caso concreto170.

164 Mendes; Coelho; Branco, loc. cit.165 Marmelstein, 2009, p. 369.166 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 377.167 Canotilho, 2003, p. 1183.168 Ibid., p. 1224.169 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 377.170 Alexy, 2008, p. 96.

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Em que pese restar aparente o conflito existente entre ambos direitos, impende ressaltar que cada qual visto em apartado guarda relevância peculiar no ordenamento jurídico, restando claro que, independentemente do conflito que restou deflagrado, cada direito fundamental seja isoladamente considerado, asseverando-se a sua amplitude singular, imprescindível para a composição dos interesses coletivos ou mesmo individuais estabelecidos na sociedade.

Como no caso em apreço, a proposta advém de um possível conflito quando, da coexistência entre os supramencionados direitos fundamentais, a indagação se consubstancia na possível ideia do prevalecimento de um dos direitos fundamentais em detrimento de outro, em razão do peso que, invaria-velmente, possam possuir diante do caso concreto.

Nesse diapasão, a leitura que se faz consiste na razão de que um deles poderia constituir-se como mais preponderante, podendo, assim, pretender ob-ter “precedência geral sobre o outro”, a partir do momento em que se vislum-brasse o seu prevalecimento, ou, ainda, que um deles cedesse para que o outro pudesse subsistir171. Nesse sentido:

[...] de fato, apesar de não existir, do ponto de vista estritamente normativo, hie-rarquia entre os direitos fundamentais, já que todos estão no mesmo plano jurídi-co-constitucional (princípio da unidade da constituição), parece inquestionável, sob o aspecto ético/valorativo, a existência de diferentes níveis de importância dos direitos previstos constitucionalmente. Certamente alguns direitos valem mais do que outros, sobretudo diante de conflitos que podem surgir em casos concretos, podendo, nesse aspecto, falar-se em hierarquia axiológica entre as normas constitucionais, incluindo-se aí, obviamente, os direitos fundamentais.172

Porém, considerando-se que ambos os direitos constituem-se como coro-lários do sistema jurídico, um constante do art. 5º, XXXVI, da CR, e o outro do art. 225 do mesmo diploma legal, difícil saber qual deles exerceria o primado de precedência em face do outro, mesmo porque, vistos isoladamente, con-forme o ora mencionado, não apresentam qualquer antagonismo, tampouco invalidade. Assim, buscar-se-á a harmonização entre os dois direitos fundamen-tais, de forma que seja possível que o direito adquirido do empresário, de não averbação da reserva legal, não inviabilize a preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, o qual deverá ser mantido incólume.

4.1 a breve, porém necessária, DiFerenciação entre princípios e regras

Considerando que se está a falar sobre a colisão e ponderação de princí-pios constitucionais, faz-se premente uma pequena incursão sobre a diferença

171 Alexy, 2008, p. 101.172 Marmelstein, 2009, p. 397.

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entre eles e as regras, mesmo para que se possa justificar a possibilidade de ponderação entre os princípios que se encontram em rota de colisão no pre-sente trabalho.

Inicialmente, cabe determinar o que vem a ser a regra. Ela consiste em relato objetivo, ou mesmo descritivo, acerca de determinada conduta que aca-ba sendo aplicada a inúmeras situações, sempre que se constate a ocorrên-cia da hipótese enunciada no texto, fato que se dará através do mecanismo da subsunção, sendo, contudo, “insustentável a validade simultânea de regras contraditórias”173. Não está abarcada pela regra a possibilidade de aplicá-la pela metade: ou ela é aplicada por inteiro, regulando totalmente a matéria, ou simplesmente é rechaçada, o que fatalmente ocasionará o seu descumprimento, ainda que a função primordial das regras seja a segurança jurídica174.

Quanto aos princípios, verifica-se que possuem maior grau de abstração, “permitem o balanceamento de valores e interesses”175, aplicando-se, irrestri-tamente, a um conjunto amplo e indeterminado de situações, além de suscitar problemas de validade e peso176 que serão solucionados por meio da utilização da técnica da ponderação, que sempre se dará à luz da especificidade do caso concreto, não se permitindo que sejam rechaçadas por antinomia, como no caso das regras. No caso dos princípios, será inevitável a ocorrência de conces-sões recíprocas, ainda que a intenção seja a preservação do máximo de cada princípio, com vistas à distribuição da justiça para o caso concreto177.

Por fim, a escolha de um determinado princípio decorrerá da análise que será realizada diante do caso concreto, fato que se dará através da utilização da técnica da ponderação, decorrente da valoração do conteúdo existente em cada princípio, de modo que um deverá recuar, ainda que tal situação não implique a sua nulidade, ou mesmo na inserção de cláusula de exceção178.

4.2 âmbito De proteção Dos Direitos FunDamentais

No intuito de que haja a convivência harmônica entre os direitos funda-mentais, imprescindível que o seu âmbito de proteção seja delimitado, permi-tindo dizer que deverão ser preservados de quaisquer ingerências, ou mesmo interferências indevidas.

173 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre interpretação/aplicação do Direito. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 181.

174 Leite, 2008, p. 68-69.175 Grau, 2005, p. 181.176 Grau, loc. cit.177 Leite, 2008, p. 68-69.178 Grau, 2005, p. 178.

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Desta forma, percebe-se que, conforme leciona Mendes179, “a identifica-ção precisa do âmbito de proteção de determinado direito fundamental exige um renovado e constante esforço hermenêutico, visando a resguardar o âmbito de proteção dos direitos fundamentais”. De igual modo, faz-se imprescindível a persecução quanto à amplitude da proteção de determinado direito, advinda de uma interpretação sistemática, sob a luz da norma constitucional, a fim de que se questione se determinada conduta, ou mesmo suposto comportamento se encontra contemplado sob o provável âmbito de proteção daquele direito180.

A fim de que se possa assegurar o âmbito de proteção dos direitos indi-viduais, importante que sejam estabelecidas algumas restrições como mecanis-mos de solução para que os direitos contemplados pela Constituição possam coexistir harmonicamente.

Nesse passo, o princípio geral da reserva legal, insculpido no art. 5º, II, da Lex Suprema, invoca explicitamente a ideia do estabelecimento de restri-ções, em que o constituinte originário se serve de expressões que identificam a limitação daquele direito. Não obstante, impende ressaltar que a Constituição de 1988, de igual modo, instituiu a possibilidade do estabelecimento de técnica direta ou técnica de restrição legal, restando assegurado “o exercício pacífico das faculdades eventualmente conflitantes”181.

Desta feita, considerando-se que tanto o invocado direito adquirido de não averbar reserva legal, como o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado apresentam importante conotação constitucional, será imprescin-dível que, diante de detida análise do caso concreto, verifique-se atentamente o âmbito de proteção de cada direito, com vistas à preservação dos princípios constitucionais para que se mantenha a unidade da constituição.

4.3 a ponDeração como mecanismo hábil ao equilíbrio entre os Direitos FunDamentais

Na tentativa de estabilização da controvérsia entre os direitos fundamen-tais, Carvalho182 preceitua que o princípio da proporcionalidade contribui para a ponderação entre os direitos conflitantes, ao consistir em importante “progra-ma de decisão quando se está diante de um conflito entre direitos fundamen-tais, sobretudo em contextos de incerteza, como ocorre nos casos de riscos ambientais”.

179 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 330.180 Mendes; Coelho; Branco, loc. cit.181 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 375.182 CARVALHO, Delton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilidade civil pelo risco ambiental.

Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 157-158.

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Considerando que, para Alexy183, os princípios estabelecem diversas obrigações que consistem em dever de respeito, proteção e promoção, além do que são “mandamentos de otimização”, ou seja, são “normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes”, será importante que a aplicação da técnica da pon-deração seja realizada em total observância à efetividade de cada direito, que deverá ser analisado à luz das situações fáticas, sempre atreladas às possibilida-des jurídicas que o constituem184. Para tanto, deverá ser aplicado o princípio da proporcionalidade185, “que tem por conteúdo os subprincípios da adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito”, de forma a obter-se a ideal consecução dos fins colimados.

Nesse sentido, caberá aos órgãos providos de jurisdição a realização da ponderação dos direitos fundamentais decorrentes dos princípios constitucio-nais ora invocados, a fim de que não haja violação das garantias previstas na Carta Magna, ainda que “a obrigação que o Estado possui de adotar medidas para proteger o meio ambiente possa resultar em uma possível afronta ao dever de respeitar o direito de propriedade”186.

Nesta senda, considerando o alto grau de concretização dos direitos fundamentais evidenciados, mesmo porque “não existe princípio que, invaria-velmente, prepondere sobre os demais, sem que devam ser levadas em conta as situações específicas do caso”187, far-se-á imprescindível a perscrutação no sentido de avaliar a relevância dos dois direitos fundamentais em colisão, para que se proceda eventual ponderação dos valores constitucionais no sentido de estabelecer se deverá haver a limitação de algum deles de acordo com a relação de precedência condicionada188.

Tal fato, além de ser indispensável pelas razões amplamente evidencia-das, é perfeitamente aceitável pela doutrina, considerando que, “no caso con-creto, em uma relação de precedência condicionada, determinado princípio terá maior relevância que outro, preponderando-se segundo as situações fáticas e jurídicas”189. Em tal situação, poderá se falar em ausência de caráter absoluto dos direitos fundamentais, mesmo porque, de acordo com o apregoado por Furlan e Fracalossi190, “os direitos e garantias individuais e coletivos devem ser relativizados, sob pena de afronta ao próprio Estado de Direito que os sustenta.

183 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 380.184 Alexy, 2008, p. 95.185 Campos Júnior, 2009, p. 204-205.186 Marmelstein, 2009, p. 370.187 CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva. Colisões entre princípios constitucionais. Curitiba: Juruá, 2006. p. 235.188 Ibid., p. 232.189 Ibid., p. 235.190 Furlan; Fracalossi, 2010, p. 58.

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Este traço de limitabilidade dos direitos fundamentais implica o fato de que estes não podem ser considerados direitos absolutos”.

Ainda que isso possa soar estranho, acaba por admitir restrições recí-procas, de tal sorte que a limitação do campo de extensão de um determinado direito fundamental decorrerá de razões de “relevante interesse público”, con-forme entendimento já sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal191.

Como se sabe, se não houvesse limite para atuação de alguns direitos, seria inevitável a instauração de um verdadeiro caos jurídico e social, o que justifica a adoção de técnicas de ponderação, a fim de limitar as liberdades individuais que venham a ameaçar a coexistência de valores constitucionais, uma vez que “não existem princípios constitucionais absolutos ou um princípio constitucional absoluto que, em colisão com outros princípios, preceda inde-pendentemente da situação posta”192.

Assim, para que a ponderação seja adequadamente realizada, deverá ha-ver a determinação abstrata de cada direito fundamental no caso concreto, de modo que seja estabelecida uma relação de precedência condicionada entre os direitos fundamentais, o que poderá ser alterado, uma vez que as condições es-tatuídas para a precedência momentânea de um sob o outro se modifiquem193.

Como é notório, inúmeras são as situações em que existem interesses conflitantes, além de que, ante a eventual escolha de um dos interesses ob-jeto da celeuma, haverá, inevitavelmente, a violação de outro bem jurídico, decorrendo de tal fato a premência no sopesamento que acarretará um des-cumprimento parcial, ou, de forma mais gravosa, até mesmo total da norma constitucional, oportunidade em que caberá ao Magistrado julgar de acordo com a maior carga axiológica que o princípio demonstrar possuir junto ao caso concreto194.

Considerando a técnica da ponderação, importante ressaltar que, para Alexy, citado por Mendes, a ponderação pode ser realizada em três planos, a saber:

[...] No primeiro, há de se definir a intensidade da intervenção. No segundo, trata-se de saber a importância dos fundamentos justificadores da intervenção. No terceiro plano, então se realiza a ponderação em sentido específico e estrito.

[...] O postulado da proporcionalidade, em sentido estrito, pode ser formulado como uma “lei de ponderação” segundo a qual, quanto mais intensa se revelar

191 Cristóvam, op. cit., 235.192 Cristóvam, 2006, p. 235.193 Ibid., p. 234.194 Marmelstein, 2009, p. 397.

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a intervenção em um dado direito fundamental, mais significativos ou relevantes hão de ser os fundamentos justificadores dessa intervenção. (grifos nossos)

De igual modo, bem expressou-se Alexy195, quando estatuiu a lei de co-lisão retratando quatro possibilidades de decisão com a solução de colisões a partir da análise do caso concreto, a saber: (1) P1 P P2; (2) P2 P P1; (3) (P1 P P2) C; (4) (P2 P P1), sendo que as duas primeiras consistem em relações incondicio-nadas de precedência e as duas últimas consistem em relações condicionadas de precedência concreta ou relativa.

Sabe-se que as duas primeiras concernem a precedência incondicionada que guarda relação com os princípios constitucionais, que, no mais das vezes, não apresentam precedência entre si196.

Já nas relações de precedência condicionada haverá a preponderância de um direito fundamental sobre o outro, o que, invariavelmente, conduzirá a uma violação, cabendo apenas vislumbrar, no caso concreto, qual direito fun-damental está efetivamente sendo violado, bem como qual deverá efetivamente prevalecer.

No caso em apreço, vislumbra-se aparente violação de dois direitos ex-tremamente relevantes, em aparente antagonismo, quais sejam: direito adqui-rido do empresário de não averbar a reserva legal, bem como do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado que visa a garantir a continuidade da vida no planeta, com a averbação da dita reserva, sob a alegação de que o Código Florestal de 1934 e de 1965 já havia instituído a referida obrigação.

Por tratar-se de dois princípios constitucionais tão caros à efetividade da Lex Suprema, importante seja aplicada a relação de precedência condicionada entre ambos, em que a “metáfora do peso” seria o mecanismo capaz de sanar o impasse.

Assim, diante de um caso em que dois valores efetivamente distintos apresentem-se com maior relevância entre si, diante do caso concreto, a pon-to de que restem inviabilizados de coexistirem por restringirem de plano “as possibilidades jurídicas da realização de outro”, deverá ser aplicada a aludida técnica, posto que se está diante de contradição197.

Assim, a ponderação deverá ocorrer de forma que a supressão, ou miti-gação de um deles, não acarrete maiores prejuízos do que benefícios, conforme reza o princípio da proporcionalidade, mesmo porque, sendo a Constituição um “sistema aberto de princípios, articulados não por uma lógica hierárquica

195 Alexy, 2008, p. 97.196 Alexy, 2008, p. 111.197 Ibid., p. 96.

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estática, mas sim por uma lógica de ponderação proporcional, necessariamente contextualizada”, não poderá permitir que os efeitos alcançados sejam incom-patíveis com o estado de coisas que se pretende promover198.

De acordo com a relação de precedência condicionada, haverá a proi-bição explícita da continuidade da ação lesiva, sob pena de violação da ordem constitucional, como no “caso Lebach”, relatado do por Alexy199, que retratou que, ainda que dois princípios constitucionais ocupassem a mesma posição hierárquica, ante o caso concreto, o direito à liberdade de informação não se-ria mais relevante que a proteção da personalidade, uma vez que esta estava intrinsecamente relacionada ao direito de ressocialização do soldado retratado no caso, direito que, certamente, restaria abalado, comprometendo, ainda, o direito constitucional da sua personalidade.

Nesse sentido, claro está que, diante do caso concreto, caberá ao jul-gador analisar todas as situações fáticas, e, uma vez restando configurada a existência de relação de preponderância entre valores constitucionais, ou me-lhor, que reste estabelecida a precedência condicionada, seja avaliado qual dos valores merece preponderar, a partir da valoração axiológica necessária à resolução do impasse.

4.4 a aplicação Do princípio Da proporcionaliDaDe

Em se constatando a existência de um direito adquirido de não averbação de reserva legal, em colisão com um direito do meio ambiente, cuja tutela es-pecífica consubstancia-se no entendimento pela averbação da referida reserva, que, segundo os defensores de tal tese, seria decorrente do Código Florestal de 1934 e de 1965, faz-se imprescindível lançar mão da técnica da ponderação/sopesamento, a fim de que o impasse possa restar solucionado.

Cabe ressaltar que, ainda que um dos direitos fundamentais não seja pre-ponderante para a decisão diante da análise do caso concreto, em virtude do es-tabelecimento de uma hierarquia entre os interesses conflitantes, indispensável que a aplicação da medida restritiva de direito fundamental resguarde, inclu-sive, o direito mitigado, pois, de igual modo, encontra-se plasmado na ordem constitucional, no que cabe dizer que será necessário que o núcleo essencial dos direitos fundamentais seja oportunamente protegido para que a aplicação da referida restrição ocorra proporcionalmente.

Nesse sentido, para Mendes200, no que toca ao “princípio da propor-cionalidade ou da proibição de excesso no direito constitucional, envolve,

198 BINENBOJM, Gustavo. Uma teoria do direito administrativo. Rio de Janeiro: Malheiros, 2006. p. 30.199 Alexy, op. cit., p. 100.200 Mendes; Coelho; Branco, 2009, p. 364.

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como observado, a apreciação da necessidade e adequação da providência legislativa”.

Acerca de tal concepção, cabe ressaltar que as medidas restritivas deve-rão ser aplicadas em observância à real adequação, necessidade e proporcio-nalidade em sentido estrito (ponderação/sopesamento), as quais de acordo com o caso concreto.

Assim, segundo preleciona Silva201:

[...] Nesse processo de controle de constitucionalidade da lei, se houver uma res-trição a direito fundamental, deve-se recorrer à regra da proporcionalidade, nos moldes analisados anteriormente: ou seja, deve-se indagar se a regra infracons-titucional que restringe um direito fundamental é adequada para fomentar seus objetivos (fomentar a realização de um outro direito fundamental, por exemplo, se não há medida tão eficiente quanto, mas menos restritiva, e, por fim, se há um equilíbrio entre a restrição de um direito e a realização de outro.

Tais critérios devem sempre ser analisados à luz da medida que se pre-tende adotar, de forma que seja perscrutada a adequabilidade do meio para a obtenção do resultado augurado (adequação), ou, ainda, se o meio foi, entre to-dos, o menos oneroso ao alcance da solução colimada (necessidade), e, por fim, se, com o alcance do benefício, os bens preteridos foram menos importantes do que os que foram efetivamente preservados em razão da limitação estatuída (ponderação)202.

Diante do conflito relacionado à situação fática, caberá ao Judiciário “so-lucionar esses conflitos de maneira menos traumática para o sistema como um todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver, sem a nega-ção de qualquer delas”203.

A tomada da decisão dependerá, especificamente, de todas as informa-ções encontradiças nos autos e das provas devidamente carreadas pelas partes ao processo judicial204, que será solucionado com base no princípio da pro-porcionalidade, o que permite dizer que, ainda que o núcleo essencial de um dos direitos venha a ser atingido, a restrição poderá ser plenamente aceita. Um exemplo de ponderação poderia ser observado quando, diante do risco de mor-te experimentado por uma gestante grávida, a decisão que prevalecesse fosse a de resguardar a vida da mãe em detrimento da vida do feto205.

201 DA SILVA, Virgílio Afonso. Direitos fundamentais – Conteúdo essencial, restrições e eficácia. 1. ed. São Paulo: Malheiros, 2011. p. 179.

202 Marmelstein, 2009, p. 376.203 Barroso, 2008, p. 57.204 Marmelstein, 2009, p. 367.205 Ibid., p. 405.

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Em verdade, diante desse fato, está-se a afirmar, mais uma vez, que não há direitos absolutos, conforme assegura Marmelstein206, ao enunciar que “con-siderar direitos fundamentais como princípios significa, portanto, aceitar que não há direitos com caráter absoluto, já que eles são passíveis de restrições recíprocas”, mesmo porque limitações à sua extensão são indispensáveis em um sem-número de casos.

Ou seja, ainda que se esteja a falar sobre um princípio essencial que influencia diretamente na continuidade da vida do planeta, que se constitui no direito do meio ambiente, mais especificamente através de um dos seus meca-nismos de tutela, que consiste na obrigação de averbação de reserva legal de imóveis rurais, deve-se, inicialmente, perquirir se, no caso concreto, a exigência não seria desproporcional e desarrazoada, se comparada ao bem que se pre-tende proteger, conquanto, ainda que se esteja a falar na manutenção do meio ambiente, que sempre deverá ser resguardado, de extrema relevância ponderar que, além da existência de um direito adquirido por um terceiro de boa-fé, que obteve a propriedade quando sobre esta não mais recaia obrigação de averbar reserva legal, ainda existe a questão de que os benefícios gerados pela empresa ali implantada são muito maiores do que os eventuais danos que a ausência de averbação poderia ocasionar. Nesta esteira, importante salientar que a fi-nalidade da vida social é a obtenção de paz, de modo que as normas jurídicas devem ser interpretadas conforme os fins por ela visados207. É certo que o fim da norma 7.803/1989 destina-se ao disciplinamento da averbação de reserva legal em imóvel rural, e o fato de ela estar sendo imposta ao proprietário de imóvel urbano implica a quebra da “harmonia da vida em sociedade”208, que se tor-naria comprometida, uma vez que a exigência perpetrada está recaindo sobre imóvel que não está abarcado pela referida previsão legal, fator que inviabiliza, inclusive, a segurança jurídica.

Assim, toda a situação deverá ser analisada à luz da valoração e do peso dos bens em colisão, ou melhor, da carga axiológica que cada princípio possui, de modo que a aplicação da técnica da ponderação proporcione o alcance da composição mais adequada para o caso concreto.

Desta forma, quando da realização do cotejamento de valores, será per-mitido que, excepcionalmente, sejam aplicadas algumas medidas restritivas, ainda que a integridade do princípio mitigado deva ser preservada, principal-mente, quando em detrimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, haja o prevalecimento do direito adquirido. Sabe-se que o direito do meio ambiente visa a resguardar interesses de uma coletividade que, inva-

206 Ibid., p. 370.207 Rocha, 2009, p. 213.208 Rocha, loc. cit.

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riavelmente, depende do seu equilíbrio para a manutenção da sadia qualidade de vida, tanto das presentes quanto das futuras gerações, será possível que o jul-gador “harmonize os interesses em jogo através do princípio da concordância prática”209, de tal sorte que, ao uniformizar os interesses em questão, lance mão da utilização de outros princípios que estão abarcados pelo direito ambiental, entre os quais o da sustentabilidade, pois certamente propiciaria a restrição mínima do direito fundamental colidente, considerando que, nesse caso, será possível a “integração harmoniosa dos valores contraditórios”210.

Considerando que os dois direitos são de extrema relevância, porquanto o direito adquirido é sinônimo de segurança jurídica, e que, uma vez ameaça-do, colocaria em risco atos regularmente consolidados pela lei, comprometen-do as garantias individuais já incorporadas ao patrimônio do seu titular211, bem como que o direito ao meio ambiente equilibrado é imprescindível para a sadia qualidade de vida, considerando que os recursos naturais não são inesgotáveis e que se constituem “como prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletin-do, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos”212, importante que, diante do caso concreto, de acordo com o princípio da ponderação, ainda que se decida pelo direito adquirido da não averbação de reserva legal, seja possível que a atividade empresarial não se desenvolva alheia a esse fato, ou seja, que se observe a necessidade de preservação dos recursos naturais, a fim de que não se tornem escassos ou mesmo insuficientes213.

A partir dessa premissa, não de pode perder de vista o conteúdo essencial dos direitos fundamentais, já que, na visão de Silva214,

[...] conteúdo essencial dos direitos fundamentais não pode ser utilizado como mero lugar-comum, um topos argumentativo que apela para a simples intuição do aplicador do direito.

Desta feita, importante que o princípio da proporcionalidade, consoante o amplamente debatido, seja utilizado de forma que, por meio dele, seja per-petrada a equalização do sistema, atuando como mais um mecanismo hábil à ponderação e sopesamento de valores de estreme relevância, mesmo porque, uma vez insertos na Carta Política brasileira, constituem-se como normas de hierarquia superior, e, ainda que tenham que ceder perante o caso concreto, continuam tendo a mesma relevância para a estabilização das relações sociais, bem como para a harmonização do sistema.

209 Marmelstein, 2009, p. 389.210 Ibid., p. 389.211 Gusmão, 2006, p. 247.212 Fracalossi; Furlan, 2010, p. 65-66.213 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

p. 27.214 Silva, 2011, p. 184.

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5 relação eNtre o INtereSSe púBlIco e o prIvado

Como pilar do sistema jurídico administrativo, encontra-se como coro-lário a preponderância entre o princípio do interesse público sobre o privado, sob a justificativa de que, dessa forma, estar-se-ia resguardando interesses de maior relevância, já que, até onde se sabe, o princípio do interesse público está intimamente relacionado à necessária proteção dos interesses da coletividade. E não é só: daí partiria igualmente o ideário de preservação da dignidade da pes-soa humana, que, não obstante, norteia o ordenamento jurídico como um todo.

Dessa forma, sob tal ótica não menos certo afirmar que, em que pese o interesse público colocar-se como postulado de extrema relevância para a manutenção da ordem jurídica, mais certo ainda que deverá haver submissão do festejado princípio do interesse público ao da dignidade da pessoa humana, alicerce de todo o sistema jurídico.

Assim, quando se fala em supremacia do interesse público sobre o inte-resse privado, fala-se necessariamente de princípio geral de Direito que consiste em pressuposto lógico e essencial de convívio social.

Por essa perspectiva, importante lembrar que a atividade estatal está um-bilicalmente relacionada ao atingimento do interesse público, de modo que se paute necessariamente na finalidade pública, sob pena de desvirtuamento.

Contudo, nem sempre foi assim, eis que, como se sabe, a finalidade últi-ma do soberano estava normalmente alicerçada em atos arbitrários e totalmente incompatíveis com a função do interesse público, tão conclamada nos dias de hoje.

Somente com o advento do Estado Democrático de Direito foi possível perceber que o governante sempre deverá justificar seus atos com base no in-teresse público, ou seja, deverá sempre se submeter à legalidade, decorrência lógica da indisponibilidade do interesse público.

Nesta toada, Celso Antônio Bandeira de Mello215 preleciona que

a Administração não titulariza interesses públicos. O titular deles é o Estado, que, em certa esfera, os protege e exercita através da função administrativa. [...] Os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos.

Contudo, não se pode, em momento algum, perder de vista que não há qualquer relação entre o interesse público e o interesse estatal, pois o primeiro

215 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 65.

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justifica o fato de que o governante deverá estar adstrito aos interesses de uma coletividade, o que no segundo caso não ocorre, pois trata-se de direito voltado ao atendimento de interesses pessoais do Estado, o qual se mostra totalmente discernível do primeiro, especialmente pela finalidade máxima nele consubs-tanciada, qual seja, a de atender aos interesses de uma coletividade.

Por essa lógica, de bom alvitre lembrar que o interesse público, em mo-mento algum, poderá se confundir com os interesses da Administração Pública, já que, segundo a lição de Marçal Justen Filho216, “o exercício da função pública não pode ser afetado pelos interesses privados e egoísticos do agente público”.

Ultrapassada tal discussão, tem-se que plenamente distanciados tais in-teresses privados daqueles incansavelmente defendidos pela doutrina como sendo “um ponto de vista que faz parte do conteúdo de bem comum da Constituição”217.

Nesse esteira, da mesma forma que o interesse público está intrinse-camente relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana, de igual modo está o interesse privado, cuja tutela tem veementemente sido exercida pela Constituição da República, que visa justamente a assegurar os direitos sub-jetivos dos cidadãos.

Aliás, o próprio termo “Constituição Cidadã” não deixa margem à dúvida quanto ao escopo básico da Carta Magna, que, em suas minúcias, demonstra, de forma translúcida, que a sua finalidade precípua cinge-se à proteção da es-fera individual do cidadão.

Não é por acaso que, segundo disposto na própria Constituição, tudo que não é proibido é permitido, diversamente dos poderes de atuação concedidos à Administração Pública, que está estritamente vinculada a comandos legais de atuação.

Ou seja, o próprio princípio da legalidade deflagra a submissão do ad-ministrador público, em toda a sua atividade funcional, a mandamentos da lei e, especialmente, às exigências do bem comum, não podendo, em hipótese alguma, afastar-se, ou mesmo desviar-se, de tal finalidade, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal.

Assim, em que pese a importância da preservação do interesse público, em toda e qualquer análise que venha a ser feita, não se pode prescindir do que preconiza a Constituição, ou seja, de viabilizar o máximo possível a consecu-ção do fim individual, mesmo porque não se pode subestimar a sua importância dentro do sistema jurídico, não apenas porque se está invocando a dignidade

216 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 39.217 ÁVILA, Humberto. Repensando o princípio da soberania do interesse público sobre o particular. Revista

Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Bahia, n. 11, set./out./nov. 2007.

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da pessoa humana, mas também porque invariavelmente não se pode olvidar da máxima constitucional versada na unidade da Constituição, cuja sincronia não pode ser violada.

5.1 princípio Do interesse público x interesse privaDo – (im)possibiliDaDe De supremacia Do interesse público como Forma De ponDerar os valores coliDentes

Há muito a supremacia do interesse público vem sendo considerada como pilar do regime jurídico administrativo, já que, segundo Celso Antônio Bandeira de Melo218, “trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno direito público. Proclama a superioridade do direito da coletividade a preva-lência dele sobre o particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento desse último”.

Tal constatação, por obviedade, serviria de fundamento e especialmente de fator legitimador de inúmeras arbitrariedades e, inclusive, de um sem-núme-ro de benefícios que poderiam ser criados ao alvedrio da lei, não fosse o princí-pio da legalidade, que, uma vez por todas, condiciona o atuar da Administração Pública ao que dispõe a norma.

Tendo em vista a importância da discussão sobre a aventada supremacia do interesse público sobre o particular, que em muito contribui, inclusive, para a conclusão do presente trabalho, já que somente a técnica da ponderação poderá apresentar a resolução para o conflito de valores constitucionais obje-to do presente trabalho monográfico, premente se faz discorrer sobre algumas peculiaridades que fizeram com que a dita supremacia do interesse público sobrepujasse, durante muito tempo, o interesse privado.

Ora, como se sabe, e já destacado no presente, a finalidade primordial da Constituição é a de manter a sua unicidade e a sua harmonia.

Pois bem!

O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado é o mais relevante alicerce do direito administrativo, justamente pela importância da sua atuação no Estado Democrático de Direito.

A supremacia jurídica que a Administração Pública possui decorre dire-tamente do fato de o Estado ser o agente responsável pela satisfação de todos os anseios e necessidades da coletividade, de tal sorte que o interesse público se coloca como legitimador da atuação estatal.

Nesta linha, destaque-se ainda que as atividades administrativas devem ocorrer em prol da satisfação dos interesses da coletividade, o que, de per si,

218 MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 66.

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justificaria a diferenciação em nosso sistema jurídico do ente público em rela-ção ao particular e, por via de consequência, a aventada superioridade, preva-lência, ou mesmo superioridade do interesse público sobre o particular.

E, nesse caso, especificamente, já que se fala na necessidade de aplicação da técnica da ponderação para solucionar a colisão dos valores constitucionais colidentes, entender pela possibilidade de prevalência de um direito, qual seja, o do meio ambiente ecologicamente equilibrado sobre o interesse particular.

Contudo, para Osório219, existe uma inadequação terminológica quando aponta que supremacia não é o termo mais adequado para indicar o princípio.

E, nessa esteira, há de se concluir que, realmente visto dessa maneira, o dito “princípio” da soberania do interesse público acaba por estabelecer uma dicotomia dentro do sistema jurídico, eis que, até onde se sabe, não existe su-premacia entre princípios, já que se trata de normas de otimização concreti-záveis à medida das ocorrências fáticas e jurídicas, que não prescindem da técnica da ponderação, senão vejamos220:

[...] a teoria geral do direito define os princípios como normas de otimização concretizáveis em vários graus, sendo que a medida de sua concretização depen-de não somente das possibilidades fáticas, mas também daquelas jurídicas; eles permitem e necessitam de ponderação [...], porque não se constituem em regras prontas de comportamento, precisando, de concretização. Justamente porque consistem em normas jurídicas, ainda que carecedoras de concretização, não possuem fundamento de validade autoevidente ou meramente reconduzível ao comumente aceito, antes decorrem da ideia de direito positivamente constituí-da, dos textos normativos ou do seu conjunto, ou, ainda, dos fins positivamente instituídos pelo Direito. A solução de uma colisão de normas-princípios envol-vidos, a ser estabelecida de acordo com as circunstâncias do fato concreto e em função das quais será determinado o peso relativo de cada norma-princípio. A solução de uma colisão de princípios não é estável nem absoluta, mas móvel e contextual. A regra prevalência, segundo a qual determinada norma-princípio em determinadas condições tem preferência sobre outra norma-princípio, institui uma hierarquia móvel entre ambas as medidas, já que pode ser modificada caso alterado o contexto normativo e fático.

Dessa forma, ainda que a soberania do interesse público sobre o privado tenha sido erigida ao status de princípio fundamental de direito público, consi-derando que o seu conteúdo normativo, na visão de Ávila221, pressupõe a ideia de conflito, não resta dúvida de que “as teorias jurídicas passam a padecer de inadequação sintática, na medida em que utilizam termos iguais para explicar

219 OSÓRIO, Fábio Medina. Existe uma supremacia do interesse público sobre o privado no direito administrativo brasileiro. Revista do Direito Administrativo, São Paulo, p. 7, 2000.

220 Ávila, 2007, p. 7. 221 Ibid., p. 4.

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fenômenos desiguais, instalando na ciência do Direito o gérmen da ambigui-dade222”.

Como solução para tal impasse, com o advento da constitucionaliza-ção do direito administrativo, pautada especialmente nos direitos fundamentais e no sistema democrático, refletindo diretamente nos princípios e regras que passaram a pautar a atuação da Administração Pública, muitos avanços foram obtidos, de modo que a Constituição passou a adotar um papel de prevalência no ordenamento jurídico, atuando diretamente no desenvolvimento do liame entre a Administração Pública e a juridicidade223.

Nesse sentido, vale mencionar que Neto e Sarmento, citando Barroso224, bem destacam que, “no Brasil de hoje, a constitucionalização do direito é uma realidade”. Não obstante, ainda destacam que

[...] é difícil, nos dias atuais, encontrar um processo judicial em qualquer área em que dispositivos constitucionais não sejam invocados pelas partes e, depois empregados na fundamentação da respectiva decisão judicial. E isso ocorre não só nas grandes questões, mas também na resolução de grandes questões, mas também na resolução dos pequenos conflitos: em modestas reclamações traba-lhistas, em demandas nos juizados especiais, em singelas ações previdenciárias.

Dessa forma, pode-se falar concretamente na “desconstrução dos velhos paradigmas e na proposição de novos”, e que “a tessitura constitucional pos-sui papel determinante, funcionando como diretriz normativa legitimadora das novas categorias”225, fator que não permite que eventual entendimento de que o princípio do interesse público sobre o interesse particular indique a solução para a colisão dos valores em tela.

5.2 a (im)possibiliDaDe De prevalência Do princípio Do meio ambiente ecologicamente equilibraDo com base na aventaDa supremacia Do interesse público sobre o privaDo

Considerando que, no presente caso, estão em rota de colisão dois inte-resses que se circunscrevem perfeitamente à situação em espeque, qual seja, a de legitimar eventual prevalência do interesse público (direito ao meio ambien-te ecologicamente equilibrado) em razão da sua aparente supremacia sobre o interesse particular (direito adquirido do empresário), não há como se conceber a prevalência do primeiro sobre o segundo apenas com base no que preconiza-vam as concepções do direito administrativo.

222 Ávila, loc. cit.223 BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do direito administrativo no Brasil: um inventário de avanços e

retrocessos. Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado, Bahia, n. 13, mar./abr./maio 2008.224 SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Direito constitucional – Teoria, história e métodos de

trabalho. 1. reimp. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 39.225 Binenbojm, op. cit., p. 8.

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Pois, segundo afirmado pelos atuais publicistas, tal princípio do direito público sequer se coadunaria com a Carta Magna, e, além de tudo, afrontaria este núcleo central e justamente a promoção deste bem maior, cujo escopo se consubstancia na proteção de direitos fundamentais.

Atualmente, com a constitucionalização do direito administrativo, pro-manada de três grandes baluartes da dogmática jurídica, quais sejam, força nor-mativa da constituição, jurisdição constitucional e principalmente os direitos fundamentais, pode-se perceber notável diferenciação no cenário jurídico.

Explica-se.

Tais baluartes da dogmática representaram para o sistema jurídico um novo e necessário posicionamento e, até mesmo, um novo olhar, que não per-mitem mais sobrepujar os interesses particulares, sob a alegação de que se esta-riam resguardando interesses maiores fulcrados na coletividade.

Nesse sentido, manifesta-se Binenbojm226 suscitando que:

[...] Cuida-se, em suma, de uma constitucionalização do conceito de interesse público que fere de morte e ideia de supremacia como um princípio jurídico ou postulado normativo que afirme peremptoriamente a preponderância do coletivo sobre o individual ou do público sobre o particular. Qualquer juízo de prevalên-cia deve ser sempre reconduzido ao sistema constitucional, que passa a constituir o núcleo concreto e real da atividade administrativa.

Mesmo porque a proteção aos direitos individuais advém da própria mu-tação sofrida no seio social com o advento do Estado moderno. E, diante desse fato inquestionável, não há como se permitir o contrário, mesmo porque se estaria primando pelo retrocesso social, algo inimaginável quando se analisa es-pecificamente o transcurso da história que assinala a evolução do Estado Liberal para o Estado social de Direito.

E não apenas um retrocesso social, mas, especialmente, a verdadeira “emergência de uma política autoritária de realização constitucional” brilhan-temente destacada por Schier227, que assim pontua:

[...] a assunção prática da supremacia do interesse público sobre o privado como cláusula geral de restrição de direitos fundamentais tem possibilitado a emergên-cia de uma política autoritária de realização constitucional, em que os direitos, liberdades e garantias fundamentais devem, sempre e sempre, ceder aos reclames do Estado, que, qual Midas, transforma em interesse público tudo aquilo que toca.

226 Ibid., p. 12.227 Schier, 2005, p. 2.

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No Estado social de Direito, com a lei cedendo lugar à Constituição, esta passa a figurar não apenas no cerne do ordenamento jurídico, como também da vinculação administrativa à juridicidade, do que se infere que a tão conclamada definição de supremacia do interesse público sobre os interesses particulares passa a sofrer juízos de valoração versados na ponderação de direitos funda-mentais que a desvinculam da tendência anterior que a submetia inteiramente ao arbítrio do administrador228. Segundo Schier229:

[...] Nesta hipótese de análise, como já se afirmou anteriormente, não se vê auto-rizada a extração de um princípio geral de supremacia do interesse público sobre o privado. O critério de prevalência do interesse público, em tais situações, é ca-sual. A ponderação, in abstrato, realizada pelo constituinte originário, ora pende aos interesses públicos e ora aos privados. Logo, daí não se infere a supremacia de um ou de outro.

Assim, a premissa básica e finalística da atuação passou a estruturar-se sob a ótica constitucional que traz em seu bojo justamente o arcabouço de di-reitos fundamentais, do que se depreende a mais absoluta incompatibilidade da orientação de que os interesses da coletividade devam estar sobrepondo-se aos interesses individuais, conforme afirma Binenbojm230:

[...] Também a noção de um princípio jurídico que preconiza a prevalência a priori de interesses individuais revela-se absolutamente incompatível com a ideia da Constituição como sistema aberto de princípios, articulados não por uma ló-gica hierárquica estática, mas sim por uma lógica de ponderação proporcional necessariamente contextualizada.

E, nesse sentido, ainda complementa Binenbojm231, mencionando Celso Antônio Bandeira de Melo, que a lógica de ponderação “demanda uma avalia-ção da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decor-rentes da conduta havida como necessária à sua promoção”.

Dessa forma, o problema circunscrito ao princípio da supremacia do in-teresse público encontraria barreiras de efetivação em nosso sistema atual, eis que o próprio sistema de direitos fundamentais não possibilita dissociação entre interesses privados e coletivos, tampouco que haja qualquer supremacia dos últimos sobre os primeiros.

Ora, não é preciso ir longe para evidenciar que a própria preservação de direitos fundamentais impede que haja preterição da ordem individual, o que, de per si, impõe à Administração Pública o dever de ponderar os interesses di-

228 Binembojm, ibid., p. 9.229 Schier. 2005, p. 17.230 Binenbojm, loc. cit.231 Ibid., p. 9.

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vergentes e, na visão de Alexy232, de buscar concretizá-los no seu grau máximo de otimização.

Tempos atrás, tal discurso não teria o menor respaldo em nosso sistema jurídico, mesmo porque a dita supremacia do interesse público sobre o interesse privado sempre reverberou no direito administrativo brasileiro.

Todavia, em que pesem alguns doutrinadores ainda defenderem avida-mente a existência de supremacia do interesse público sobre o privado, o Pro-fessor Daniel Sarmento233 tem se mostrado uma das vozes que se contrapõe a dita supremacia do indigitado princípio, ao justificar que a sua sustentação afronta os direitos fundamentais do administrado e o estatuto axiológico do Estado Democrático de Direito, pois estaria alicerçado em uma compreensão equivocada entre o ser humano e o Estado, no sentido de que as pessoas não existiriam para servir ao Poder Público, mas que este último deve justificar-se como forma de proteção e promoção dos direitos humanos.

Nessa mesma perspectiva, Sarmento234 traz um questionamento muito importante sobre a possibilidade de restrição de direitos fundamentais quando esta ocorrer com vistas, única e tão somente, à tutela dos direitos coletivos, ao suscitar que o afastamento da possibilidade de ponderação de direitos funda-mentais e interesses da coletividade, sob o argumento de que o interesse pú-blico prevaleceria, não se concilia com Constituições sociais como a de 1988.

Dentro dessa mesma ótica, pode-se ainda perceber que o supramencio-nado autor ainda destaca que o caráter vago e indeterminado do princípio da soberania do interesse público sobre o privado pode, além de tudo, oferecer perigo para a proteção dos direitos individuais, justamente em virtude da subje-tividade inerente ao conceito de interesse público, ao abrir margem à arbitrarie-dade que põe em risco os direitos fundamentais.

Dessa forma, segundo o autor, estaria justificada a dificuldade de manu-tenção do princípio da soberania do interesse público sobre o privado dentro do nosso sistema jurídico, mesmo porque estaria em franca oposição ao princípio da proporcionalidade, que se apresenta como a principal ferramenta de aferição de constitucionalidade da malfada restrição de direitos fundamentais235.

Assim, muito ao contrário do que se apregoou no velho direito admi-nistrativo, diante de tal posicionamento, imperioso que se respeite o núcleo essencial dos direitos fundamentais, de modo que eventual colisão entre tais in-

232 Alexy, 2008, p. 89.233 SARMENTO, Daniel (Org.). Interesses públicos versus interesses privados: desconstruindo o princípio da

supremacia do interesse público. 3. tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 27.234 Ibid., p. 85-87.235 Ibid., p. 87-91.

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teresses deverá ser solucionada com base na Constituição, o que não raramente culminará com a possível prevalência do interesse privado sobre o público.

Pois, diante de situações de conflito, imprescindível que o interesse pú-blico apresente argumento muito mais relevante do que o interesse privado para que possa prevalecer sobre este.

coNcluSão

Com o presente trabalho, buscou-se demonstrar que dois princípios de extrema relevância para a harmonia do sistema jurídico apresentaram-se con-trapostos, sendo eles o direito adquirido de não averbação de reserva legal pelo proprietário de imóvel urbano e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, cuja tutela específica no caso em comento consubstancia-se na averbação de reserva legal em imóvel que passou a ser urbano.

Sob a ótica constitucional possibilitou-se concluir pela impossibilidade de efetivação de quaisquer dos dois valores colidentes sem que antes seja pro-cedido um juízo de valoração deles, sob a ótica constitucional, analisando--se especialmente o núcleo essencial dos direitos fundamentais, para que, ato contínuo, seja aplicada a técnica da ponderação e um deles seja preservado no caso concreto.

Com a aplicação da técnica da proporcionalidade, espera-se que seja combatida qualquer prática que se revele contra a harmonia e unidade consti-tucional, de modo que sejam encontrados mecanismos que oportunizem com-posição de uma medida exata e justa para ambos os lados.

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Clipping JurídicoPetrobras terá de pagar R$ 10 milhões em multa por derramar petróleo na Baía de Ilha GrandeUma sanção imposta pelos estados, municípios ou pelo Distrito Federal substitui a multa imposta pela União em relação ao mesmo fato, mas a multa estabelecida pela União não impossibilita a imposição de multa por município. Com base nesse entendimento, a Se-gunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a Petrobras terá de pagar R$ 10 milhões de multa ao município de Angra dos Reis/RJ, em razão do dano ambiental ocasionado pelo derramamento de óleo na Baía de Ilha Grande, em maio de 2002, mes-mo já havendo multa aplicada pela União, no valor de R$ 150 mil. O julgamento foi con-cluído em dezembro, mas o acórdão só será publicado depois do recesso do Judi ciário. O recurso foi apresentado no STJ pelo município de Angra dos Reis, inconformado com a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) favorável à Petrobras. A empresa havia alegado que o município não poderia ter aplicado a multa, pois a Capitania dos Portos, que seria o órgão federal competente para tanto, já havia tomado providências nesse sentido. Sustentou, ainda, que a multa da União substituiria a multa municipal. O TJRJ confirmou a sentença que desconstituiu a multa imposta pelo município, sob o fundamento de que a sanção aplicada em momento anterior pela Capitania dos Portos, e já recolhida pela empresa, substitui eventual penalidade pela mesma conduta por parte dos demais entes federativos. O relator do caso no STJ, Ministro Herman Benjamin, ex-plicou que o poder-dever de controle e fiscalização ambiental, comum a todos os entes federativos, emerge da própria Constituição Federal e da legislação infraconstitucional, sobretudo da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981) e da Lei dos Crime e Ilícitos Administrativos contra o Meio Ambiente (Lei nº 9.605/1998), “que fixam normas gerais sobre a matéria”. Para Benjamin, é “inafastável a competência municipal para aplicar multa em virtude dos danos ambientais provocados pelo incidente ocorrido na Baía da Ilha Grande, visto que a área é abrangida pelo município de Angra dos Reis”. Segundo ele, também é “impossível deixar de reconhecer a competência da União, exer-cida pela Marinha do Brasil/Capitania dos Portos, especialmente considerando que a atividade desenvolvida pela Petrobras implica alto risco de causar lesões a seus bens naturais”. Benjamin citou o art. 76 da Lei nº 9.605/1998, no qual afirma ter-se baseado o tribunal fluminense para anular a multa imposta pelo município. De acordo com o relator, “embora passível de questionamento, o fato é que, no âmbito infraconstitucio-nal, houve uniforme e expressa opção no sentido de que, em relação ao mesmo fato, a sanção imposta por estados, municípios, Distrito Federal e territórios predomina sobre a multa de natureza federal”. Para o ministro, “a situação inversa não foi contemplada de forma intencional”. Segundo ele, não há margem para interpretação de que a multa paga à União impossibilita a cobrança daquela aplicada pelo município, sob pena de bitribu-tação, “uma vez que a atuação conjunta dos poderes públicos, de forma cooperada, na tutela do meio ambiente, é dever imposto pela Constituição Federal”. Nº do Processo: 1132682. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Comissão aprova contrapartidas ecológicas a quem construir acima de limites mu-nicipaisA Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados aprovou propos-ta que fixa contrapartidas ecológicas para proprietários que construam acima do li-mite estabelecido pelas prefeituras. A medida, que altera o Estatuto das Cidades (Lei

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nº 10.257/2001), é de caráter facultativo. O texto aprovado é um substitutivo ao Pro-jeto de Lei nº 5.954/2016, do Deputado Givaldo Vieira. O relator, Deputado Toninho Wandscheer, optou por reduzir as contrapartidas a apenas duas opções: a financeira e a do uso de tecnologias para instalação de “telhados verdes”, de sistemas de reaproveita-mento de águas pluviais e de sistema de geração fotovoltaica de energia elétrica. “Dessa forma, elimino possibilidades de conflitos de ordem jurídica e torno a lei mais clara e objetiva, deixando a cargo dos municipais a escolha do tipo de contrapartida e solução tecnológica adequada para a sua região”, explicou o relator. Ele argumenta que a insta-lação de tecnologias verdes será “instrumento de reequilíbrio e justiça nas cidades”. A versão original previa também a adoção de tecnologia ou solução construtiva não con-vencional para atuar na preservação ambiental e no uso racional dos recursos naturais. Wandscheer também retirou do texto a possibilidade de que o parcelamento do solo urbano (loteamentos, desmembramentos e condomínios urbanísticos) fosse considerado forma de alteração de uso do solo. A proposta será analisada de forma conclusiva pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câma-ra dos Deputados Federais)

Meio ambiente aprova mudança de natureza jurídica dos animaisA Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou projeto que estabelece que animais não sejam considerados coisas, mas bens móveis e altera o Có-digo Civil (Lei nº 10.406/2002), ao prever uma nova natureza jurídica dos animais. A medida está prevista no Projeto de Lei nº 3.670/2015, do Senado. O relator, Deputado Ricardo Triopoli, apresentou parecer favorável ao texto. Ele destacou que inclui explici-tamente os animais no rol de bens móveis, para efeitos legais, medida considerada como um grande passo para uma mudança de paradigma jurídico e, consequentemente, na relação homem/animal e a distinção destes de objetos. “A proposição não acarreta, no entanto, qualquer risco à propriedade dos animais, visto que, para efeitos legais, conti-nuam sendo bens móveis. Mas são bens especiais, por considerar que se tratam de seres sencientes, que não podem ser tratados simplesmente como mesas e cadeiras”, afirmou Tripoli. No relatório, é citada doutrina do Direito, em que há a compreensão de que bem está ligado à ideia de direitos sem caráter econômico, e coisa está diretamente ligada à ideia de utilidade patrimonial. O projeto tramita conclusivamente e ainda será analisado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Meio Ambiente aprova incentivos para recuperação de áreas rurais degradadasA proposição prevê linhas de crédito, isenções tributárias e incentivos financeiros para quem adquirir, recuperar ou der uso produtivo a áreas degradadas. A título de segurança jurídica, o texto determina a impossibilidade de desapropriação dessas propriedades para reforma agrária por prazos definidos, válidos também para a duração dos incenti-vos: três anos para pecuária, cinco anos para culturas perenes e dez anos para silvicultu-ra. O relator na Comissão, Deputado Stefano Aguiar, recomendou a aprovação da maté-ria. Ele concordou com o argumento de Irajá Abreu de que a proposta reduzirá a pressão agrícola sobre áreas de mata nativa. “A iniciativa, embora traga custos ao Tesouro na forma de renúncia fiscal, redundará em ganhos ao estimular o manejo adequado do solo e o aumento da produtividade. Tem também potencial para reduzir o desmatamento”, afirmou Aguiar. O projeto altera a Lei do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural

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(ITR – Lei nº 9.393/1996), para transformar o conceito de grau de utilização em grau de produtividade, com critérios para aferição dele. Hoje, o grau de utilização indica a rela-ção percentual entre a área efetivamente utilizada e a aproveitável. Já o grau de produti-vidade definido pelo projeto indicará a relação percentual entre o valor da produtividade obtida na propriedade e o valor da produtividade média do estado onde ela se localiza. A proposta considera como degradadas as propriedades rurais que tiverem o grau de pro-dutividade usado na aferição do ITR inferior a 80%. Por outro lado, as propriedades que obtenham grau de produtividade igual ou superior a 80% não são passíveis de desapro-priação para reforma agrária. O projeto, que tramita em caráter conclusivo, será analisa-do ainda pelas comissões de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural, de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Desenvolvimento Urbano aprova multa para depósito irregular de lixoA Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados aprovou proposta do Senado Federal que proíbe o acúmulo e o descarte irregular de lixo em vias públi-cas ou no interior de imóveis urbanos ou rurais (PL 3.408/2015). O projeto altera a Lei nº 12.305/2010, que criou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS). O texto apro-vado autoriza os municípios e o Distrito Federal a instituírem multa para quem desres-peitar a proibição. As multas serão revertidas em serviços locais de limpeza, coleta e se-paração do lixo. O descarte de lixo será regulamentado conforme o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos previsto na PNRS. O texto aprovado é um substitu-tivo do relator, Deputado Toninho Wandscheer, com as mudanças feitas na Comissão de Meio Ambiente. A versão original do texto trata apenas da multa para o descarte irregular de lixo em vias públicas, como ruas e avenidas. Com a nova redação, passa a ser punido quem acumular lixo em depósitos ou no interior de imóveis. Segundo o relator, “o uso nocivo da propriedade concorre para sérios problemas sanitários, como proliferação de vetores de doenças, mau cheiro, poluição visual e risco de incêndios”. A proposta, que tramita em caráter conclusivo, será analisada ainda pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Meio Ambiente aprova incentivo a energias renováveis e implantação de pequenas hidrelétricasA Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Depu-tados aprovou o Projeto de Lei nº 1.962/2015, que prevê incentivos à implantação de pequenas centrais hidrelétricas e de geração de energia elétrica a partir da fonte solar e da biomassa. O objetivo, segundo o autor, Deputado Jorge Côrte Real (PTB-PE), é esti-mular a exploração dessas fontes energéticas em razão de seu menor impacto ambiental. São consideradas pequenas centrais de geração de energia elétrica aquelas com potência entre 100 e 1.000 quilowatts (kW). Para essas centrais, o projeto simplifica o processo de licenciamento e dispensa a exigência de Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e de Re-latório de Impacto Ambiental (Rima). De acordo com a proposta, será necessária apenas a elaboração de um relatório simplificado em que constem informações relativas ao diagnóstico ambiental da região. Relator da matéria, o Deputado Mauro Pereira elogiou o texto, mas retirou o artigo que permitia a aprovação de estudos sobre aproveitamento de potenciais hidráulicos antes do licenciamento ambiental. “Alocar a etapa de aprova-ção dos projetos antes do licenciamento ambiental é tratá-lo explicitamente como fase

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meramente cartorial, retirando sua função no planejamento e na gestão”, disse. “Restaria ao licenciamento tão somente homologar um projeto, o que deturpa a finalidade original desse instrumento”, concluiu o deputado. O relator também observou que a dispensa de EIA/Rima para empreendimentos de baixo impacto ambiental “não gera retrocesso, des-de que haja uma coerente delimitação do que se considera baixo impacto”. Pelo texto, esse assunto será tratado em uma futura regulamentação. Em relação à possibilidade de dispensa do licenciamento, o parlamentar ressalta que o projeto teve cautela ao contem-plar apenas empreendimentos com baixa potência instalada. “Acredita-se, assim, que o impacto ambiental também será insignificante, cabendo ao órgão ambiental a cautela de exigir rigor maior quando identificar que, no local pretendido para a instalação, existem atributos ambientais mais sensíveis que mereçam atenção especial”, disse Pereira. O projeto terá análise conclusiva das comissões de Minas e Energia; de Finanças e Tribu-tação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Comissão aprova incentivo à produção de energia a partir de resíduos sólidosA Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou a criação do Certificado de Energia Solar, Eólica e do Resíduo (Ceser), a ser concedido pelo Poder Público a empresas que produzirem energia eólica, solar ou energia elétrica por meio do tratamento térmico de resíduos urbano, industrial, hospitalar ou lodo de esgoto. A medida é prevista no substitutivo do Deputado Zé Silva ao Projeto de Lei nº 5.721/2013, do Deputado Ricardo Izar, que previa a criação do certificado de energia do resíduo, limitado à produção de energia elétrica. Segundo Zé Silva, a produção de energia solar e eólica, por resultar em energia limpa e renovável, contribui diretamente para o desenvol-vimento sustentável do País, além de constituir fator impulsionador ao desenvolvimento tecnológico do setor energético. O relator ressaltou a importância do projeto ao lembrar que, apesar de a Lei de Resíduos Sólidos (nº 12.305/2010) ter definido uma data limite para a correta destinação dos resíduos, tal determinação não foi cumprida. “Como esses empreendimentos demandam grande investimento, para que haja retorno suficiente que atraia os agentes privados a investirem nestes projetos, são necessárias ações governa-mentais para incentivar o desenvolvimento dessa atividade”, completou. De acordo com o projeto, plantas instaladas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste terão benefício maior. A certificação também será concedida em função da quantidade de rejeitos finais por massa de resíduo tratado e de energia gerada. Os resíduos sujeitos ao tratamento previsto na proposição serão aqueles que não puderem ser reciclados ou reaproveitados. Os rejeitos finais, após a geração de energia, deverão ser enviados a um aterro sanitário, segundo a proposta. Autor de voto em separado por discordar de parte da proposta, o Deputado Nilto Tatto argumentou que o âmago do PL 5.721/2013 “é um incentivo ao uso da incineração no Brasil, pensamento que é contra o que se propõe como modelo de gestão de resíduos sólidos apresentado na Lei nº 12.305/2010 e contra a boa técnica de gestão ambiental de resíduos sólidos urbanos”. Tatto ressaltou que “a energia gerada em um incinerador é mais suja que a de uma usina termoelétrica”. A proposta, que tramita em caráter conclusivo, será analisada pelas comissões de Minas e Energia, de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Projeto torna vaquejada atividade cultural e esportiva e proíbe crueldade com ani-

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maisTramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 6.505/2016, do ex-Deputado Maia Filho, que disciplina a prática de vaquejada como atividade cultural e esportiva em todo o País e estabelece mecanismos de proteção aos animais, de modo a impedir que sejam submetidos a tratamento cruel. O autor da proposta lembra que a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de declarar inconstitucional a lei cearense que regulamenta a vaquejada não proíbe a prática da atividade em todo o território nacional. Na verdade, o STF apreciou o texto de uma lei estadual que não previa mecanismos de proteção aos animais envolvidos na competição da vaquejada, submetendo-os a tratamento cruel. No entanto, é possível regulamentar por lei a prática desse esporte de tradição cultural, desde que sejam criadas as condições para evitar a crueldade aos bois, aos cavalos e mesmo aos humanos, avalia o deputado no projeto. O projeto prevê que os organiza-dores de vaquejadas deverão formalizar-se como pessoa jurídica e que todos os sócios dessa empresa serão responsabilizados civilmente e penalmente pelos danos causados aos animais, ao meio ambiente e ao público presente. O local da competição terá for-mato e dimensões que garantam a segurança aos vaqueiros, aos animais e ao público em geral, e cujos muros devem ser revestidos com espuma para evitar lesões físicas. Da mesma forma, os vaqueiros ficarão proibidos de usar esporas, chicotes ou qualquer instrumento que possa ferir os animais. Eles também deverão assinar termo de respon-sabilidade obrigando-se a não praticar crueldade contra os animais, sendo excluídos da prova se fizerem o contrário. O deputado defende, ainda, o uso obrigatório de protetor no rabo do boi para evitar danos físicos. Maia Filho até admite que, na vaquejada, danos físicos aos animais ocorrem eventualmente. Quem participa desse esporte sabe disso. Mas sustenta que a legislação brasileira precisa de normas para impedir que os animais sejam submetidos a tratamento cruel. O que pretende esse projeto de lei, com efeito, é preservar a tradicional prática da vaquejada como atividade cultural e desportiva, mas criando todas as condições para evitar que os animais sejam submetidos a qualquer tipo de crueldade e exige a presença de médicos, veterinários e ambulâncias no local do evento, entre outras medidas protetivas, acrescenta o parlamentar. O projeto tem caráter conclusivo e está apensado ao PL 6.298/2016, que, como foi distribuído para análise a mais de três comissões de mérito, será apreciado por comissão especial, criado por ato da Presidência da Câmara em novembro passado. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Proposta regulamenta caça de animal silvestreTramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 6.268/2016, do Deputado Val-dir Colatto, que prevê a regulamentação do manejo, controle e exercício de caça. A proposta institui a Política Nacional da Fauna para definir princípios e diretrizes para conservar a fauna silvestre brasileira. O texto também revoga a Lei de Proteção à Fauna (nº 5.197/1967), que proíbe o exercício da caça profissional. Pela legislação atual, a caça só pode ser permitida se houver regulamentação específica do Executivo federal. Segundo Colatto, há espécies exóticas invasoras que oferecem risco ao ecossistema e precisam ser contidas, como o javali europeu. O deputado lembrou que há uma norma de 2013 do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) que libera a caça desse animal para controlar sua população. Atualmente, esse é o único animal com caça liberada pelo órgão ambiental. “Os custos de prevenção,

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controle e erradicação de espécies exóticas invasoras indicam que os danos para o meio ambiente e para a economia são extremamente significativos”, afirmou Colatto. Levanta-mentos de 2011, citados por Colatto, nos Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, África do Sul, Índia e Brasil atestam que as perdas econômicas anuais decorrentes das invasões biológicas nas culturas, pastagens e nas áreas de florestas ultrapassam os 336 bilhões de dólares. A proposta estabelece princípios como a preservação da integridade genética e da diversidade biológica do País, a soberania nacional sobre diversidade biológica e o desenvolvimento de planos de manejo da fauna silvestre. Hoje essa prerrogativa é do governo federal, de acordo com a Lei de Proteção à Fauna. O texto determina que o manejo de animais silvestres, para garantir estabilidade de ecossistemas, só poderá ser feito com apresentação de plano aprovado por órgão ambiental competente. Esse plano deverá ser feito a partir de pesquisas. O texto também permite a comercialização desses animais. O comércio fica restrito a populações tradicionais no caso de espécies habi-tantes de reservas extrativistas ou de desenvolvimento sustentável. A proposta proíbe a introdução de espécies na natureza, sem plano de manejo aprovado por órgão ambien-tal. Espécies ameaçadas de extinção só podem ser manejadas para fins científicos ou conservacionistas. Já espécies exóticas devem ser controladas a partir de ação do Poder Público. O texto classifica as espécies ameaçadas de extinção em quatro categorias, que vão desde aquelas com dados insuficientes às que se encontram em estado de grande perigo. Empresas que encontrarem espécie ameaçada de extinção em área com empre-endimento sujeito a licenciamento ambiental, como uma hidrelétrica, ficam obrigadas a financiar ações para conservação desses animais. O planejamento deverá ser regula-mentado por órgão ambiental. O órgão ambiental poderá autorizar a criação de reserva própria para caça de animais em propriedades privadas. A propriedade deve comprovar atender à legislação sobre áreas de preservação permanente e reserva legal. Além disso, o texto proíbe a caça de animais na lista de ameaçados de extinção nessas reservas. Pela proposta, 30% do lucro líquido anual da reserva deverá ser aplicado em planos para recuperar e proteger espécies da fauna silvestre brasileira. O texto regulamenta a criação de animais em cativeiro em locais como zoológicos ou centros científicos de pesquisa ou de conservação. O zoológico poderá comercializar animais somente para criadouros, mantenedor de animal ou outro zoológico, desde que as espécies estejam na autorização de funcionamento do local. Segundo o projeto, a eutanásia e o abate de animais silvestres só serão admitidos em casos como ameaça à saúde pública ou quando o animal for considerado nocivo à agropecuária, com atestado de órgão competente. O método de eutanásia deve seguro e causar o mínimo de estresse para o animal e o ope-rador; com a comprovação da morte da espécie. Para transporte de animais dentro do País, é obrigatória a comprovação da origem. A importação e a exportação de espécies dependem de autorização de órgão ambiental federal. Troca, doação ou empréstimo de animais, suas partes e produtos (como um ovo de uma ave) entre coleções já registradas em cadastro nacional não precisam de autorização. A proposta também retira da Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/1998) o agravamento até o triplo da pena de detenção de seis meses a um ano, e multa, por matar, perseguir, caçar, apanhar ou utilizar animais sem licença se isso for feito durante caça profissional. A proposta será analisada pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de seguir para o Plenário. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

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Aprovado uso do Fundo da Marinha Mercante para unidades de saúde fluviaisA Comissão de Viação e Transportes aprovou o Projeto de Lei nº 1.490/2015, do Deputa-do Alfredo Nascimento, que permite a municípios utilizar recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) para construção e reparo em embarcações destinadas a servir de uni-dades básicas de saúde fluviais. Pela proposta, essas unidades deverão atender às dispo-sições das autoridades sanitárias competentes. As unidades básicas de saúde fluviais são embarcações que comportam uma ou mais equipes de saúde da família fluviais e que utilizam os materiais necessários para atender à população ribeirinha da Amazônia Legal (Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e parte do Maranhão) e do Pantanal Sul Mato-grossense. As UBSF integram a Política Nacional de Atenção Básica. O parecer do relator, Deputado João Paulo Papa, foi favorável ao texto. Para ele, “o projeto acerta ao criar uma nova forma de financiamento para a construção e reparos destas embarcações essenciais à promoção da saúde dos povos ribeirinhos”. Segundo o relator, por se tratar de uma política pública recente, de 2011, ainda há muito a ser feito. “Mas as unidades que já estão em funcionamento demonstram o alcance da iniciativa”, complementou. O projeto acrescenta dispositivo à Lei nº 10.893/2004, que trata do FMM. Hoje, os recursos do fundo são utilizados, por exemplo, para concessão de empréstimo a empresas brasileiras de navegação, para construção e reparo de embar-cações e para projetos de pesquisa e desenvolvimento científico ou tecnológico na área. Já aprovada pela Comissão de Seguridade Social e Família, a proposta será analisada, em caráter conclusivo, pelas comissões de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Tribunal determina que Ibama defina novo hábitat para capivaras de Bragança Pau-listaA Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) decidiu que o Insti-tuto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) terá que assegurar a remoção de capivaras que habitam os lagos urbanos de Bragança Paulista/SP, com a indicação de um local defini-tivo e adequado do novo hábitat desses animais. A decisão foi proferida em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela prefeitura do município contra o Ibama e a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen) da Secretaria da Saúde do Governo do Estado de São Paulo. Com a ação, o MPF e a prefeitura de Bra-gança Paulista buscam a participação do Ibama e da Sucen na solução dos problemas ambientais e de saúde pública causados pela população de capivaras em áreas urbanas do município. O principal deles é o risco de transmissão de febre maculosa brasileira, doença infecciosa provocada por bactéria transmitida por carrapatos. Há também relatos de que os animais invadem terrenos das casas, alimentam-se de plantas de jardins, ata-cam cachorros, causam acidentes de trânsito, contaminam os gramados com carrapatos e até mesmo atacam pessoas. Os autores afirmam que, embora cientes da gravidade da situação, o Ibama e a Sucen não autorizaram a prefeitura a dar uma solução para o caso, pois um condiciona sua atuação à do outro. Eles pediram que o Ibama licenciasse o con-finamento das capivaras e que a Sucen, utilizando método cientificamente comprovado, realizasse exames para identificar a presença ou não da bactéria causadora da febre maculosa nos animais. Apesar de ter constatado o risco que as capivaras causam aos seres humanos, a Sucen afirmou que o manejo de animais por razões de saúde pública necessita de parecer ou autorização do Ibama. Esse Instituto, por sua vez, alegou que a

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questão da saúde pública não está abrangida pelas suas atribuições legais e que a Sucen não teria firmado um termo de referência que viabilizaria o manejo das capivaras dos centros urbanos. Para o Ibama, compete aos órgãos de saúde propor essa medida. O juiz de primeira instância autorizou a prefeitura, com o acompanhamento do MPF, a realizar a captura, manejo e encaminhamento de capivaras a local adequado, sem necessidade de manifestação prévia do Ibama ou da Sucen. Determinou ainda a realização de obras para evitar o retorno dos animais para área urbana. A sentença também impôs ao Ibama a obrigação de indicar local adequado para o novo habitat das capivaras, sob pena de multa diária de R$ 20 mil. Em audiência de conciliação, os réus sugeriram que a única solução viável seria o abate de todos os animais. O Magistrado, contudo, entendeu que há meios menos drásticos para solucionar a situação. Ao julgar os recursos dos réus, o relator, Desembargador Federal Antonio Cedenho, explicou que o poder de polícia do Ibama “não está isento de intervenção judicial, ainda mais quando está em jogo direitos fundamentais, entre eles o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Segundo ele, por ser di-reito fundamental, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado possui como objetivo primordial a proteção e a promoção da dignidade da pessoa humana, de forma que o Poder Público, por meio de seus agentes e órgãos, entre eles o Ibama e a Sucen, in-dependentemente de suas atribuições legais, devem sempre observar e fomentá-las, não podendo simplesmente restringir suas atuações a formalismos totalmente desassociados da realidade social. O desembargador ainda destacou que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pode ser relativizado, “haja vista que nenhum direito, nem mesmo o fundamental, é absoluto, razão pela qual deve ser mitigado se colidir com ou-tro direito fundamental, desde que sejam incompatíveis entre si. Nesse caso, o juízo de ponderação apresenta-se como método de superação do aparente conflito entre direitos fundamentais, o qual se deve pautar na prevalência do valor fundamental da dignidade da pessoa humana, não podendo abolir nenhum dos direitos envolvidos, mas tão so-mente restringi-los”, completou o Magistrado. O relator afirmou ainda ser “inconcebível a manutenção de capivaras em áreas urbanas, tendo em vista que essa situação põe em risco a saúde e a segurança públicas, já que são vetores transmissores da febre maculosa, transmissível por meio de bactérias advindas de carrapatos, cujo índice de mortalidade é altíssimo, além de causar acidentes de trânsito em vias públicas e inviabilizar o trân-sito de pessoas em locais públicos”. Além disso, ele explicou que, como não existem normas legais que regulamentem a situação, aplica-se, analogicamente, leis reguladoras de caso semelhantes, como o Decreto nº 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente. “Não vislumbro nenhum óbice à aplicação dessa norma ao caso concreto, desde que respeitadas suas particularidades, pois, apesar de não se tratar de infração administrativa, os animais que migraram espontaneamente para áreas urbanas devem ter o mesmo fim que aqueles que são objetos de infrações ambientais, pois tal medida se coaduna com a defesa e preservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado através da proteção da fauna”, explicou o Magistrado. O relator concluiu: “Assim, a saúde e segurança públicas serão preservadas sem que os animais sejam abatidos, haja vista que serão apenas capturados e encaminhados para um local ambientalmente adequado”. Para evitar o surgimento de outras capivaras em locais públicos, o acórdão da Terceira Turma do TRF3 também impôs ao Município de Bragança Paulista a obrigação de realizar obras necessárias para evitar o deslocamento

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desses animais para áreas urbanas. Nº do Processo: 0002216-24.2010.403.6123. (Con-teúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 3ª Região)

Meio Ambiente aprova projeto que prevê aproveitamento de água de ar-condicio-nadoA Comissão Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável aprovou proposta que al-tera a Lei Federal do Saneamento Básico (nº 11.445/2007) para estabelecer que a água descartada por aparelhos de ar-condicionado seja considerada fonte alternativa para o abastecimento de casas e prédios, assim como as águas de reuso, de captação pluvial e outras fontes. O texto aprovado é um substitutivo da Comissão de Desenvolvimento Urbano (CDU) para o Projeto de Lei nº 4.060/2015, do Deputado Sarney Filho. Relator na CDU, o Deputado Silvio Torres decidiu propor um novo texto por entender que a captação e o uso da água gerada por aparelhos de ar-condicionado não pode ser uma obrigação. Acompanhando Torres, o relator na Comissão de Meio Ambiente, Deputado Luiz Lauro Filho, argumentou que o aproveitamento da água proveniente de fontes alter-nativas deve ser pensado de forma integrada, considerando ainda a eficiência energética das soluções. “Obrigar o aproveitamento da água do ar condicionado em todos os apa-relhos instalados e por instalar, não parece sensato e nem seria viável”, disse Lauro Filho. “Não se pode ignorar que uma medida que se mostra apropriada e vantajosa em uma situação específica pode não sê-lo em outras condições. O Brasil é um país continental e com condições ambientais, sociais e econômicas muito diversas”, completou. Segundo o autor do projeto original, além de evitar a formação de ambientes de proliferação do Aedes aegypti, mosquito transmissor da dengue e outras doenças, o objetivo é aproveitar algo entre 37 e 57 litros de água que são condensados pelos condicionadores de ar, por dia. A proposta ainda será analisada pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cida-dania. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Tribunal determina demolição de imóvel em praia de Laguna/SCO Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) determinou a demolição de um imóvel localizado na Área de Proteção Ambiental (APA) Baleia Franca, próximo à Praia da Ga-lheta, em Laguna/SC. O proprietário da residência também terá que promover a recupe-ração ambiental do local. A decisão foi proferida há duas semanas. A casa de alvenaria foi construída a menos de dez quilômetros do Farol de Santa Marta, ponto turístico da região. O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou ação solicitando a demolição do imóvel e a aplicação de multa de R$ 150 mil. De acordo com o órgão, a edificação é utilizada apenas para veraneio e não se enquadra nas hipóteses permitidas de interven-ção em área de proteção ambiental. O réu afirmou ser pescador e que a propriedade é a sua única moradia. No entanto, no decorrer do processo, não conseguiu comprovar as alegações e a ação foi julgada procedente pela Justiça Federal de Laguna. Ele recorreu contra a sentença, mas a decisão foi mantida pelo TRF4. O relator do processo, Desem-bargador Federal Luiz Alberto d’Azevedo Aurvalle, destacou que “existe, na legislação e jurisprudência, certa tolerância para ocupação de APA em situações excepcionais, quando se tratar de comunidades tradicionais radicadas no local, envolver o direito à moradia ou área urbana consolidada. Porém, não é o caso dos autos, que versa sobre casa de veraneio, construída em região de promontório e sobre dunas, não urbanizada”. A multa de R$ 150 mil foi substituída pela obrigação de recuperação ambiental da área.

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Nº do Processo: 5002116-05.2012.4.04.7216. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

Projeto torna crime adulterar redutor de poluiçãoA Câmara dos Deputados analisa proposta que insere na Lei dos Crimes Ambientais (nº 9.605/1998) o crime de adulteração de tecnologia ou substância destinada a reduzir poluição ambiental ou a efetuar a sua medição. O texto também pune quem fabricar, adquirir, fornecer, possuir ou guardar a tecnologia ou a substância destinada a adulterar e ainda quem utilizá-la, sabendo da adulteração. A pena prevista é reclusão de um a quatro anos e multa. O novo crime está previsto no Projeto de Lei nº 6.057/2016, do De-putado Jerônimo Goergen. Com a proposta, o parlamentar pretende inibir principalmen-te a adulteração de substâncias utilizadas em caminhões para reduzir a poluição causada pelo diesel. Goergen lembra que os caminhões utilizam um aditivo denominado Arla 32, obrigatório para os veículos a diesel fabricados a partir de 2012. O produto é injetado no sistema de escapamento com a função de diminuir a fumaça poluente, já que transforma os óxidos de nitrogênio, agressivos ao meio ambiente, em nitrogênio e água. A fim de garantir a utilização do Arla 32, um sistema eletrônico já instalado na fábrica promove a redução automática da potência do motor caso o veículo não seja abastecido com o aditivo, visando à diminuição da emissão de gases. Para reduzir custos com o Arla 32, há quem promova a sua adulteração por meio da adição de outras substâncias, como água, ou da instalação de dispositivo no sistema do veículo para que não seja acusada a falta do reagente. “É uma fraude praticada por motoristas, transportadoras e oficinas mecânicas, com o objetivo de economizar, mas que coloca em risco o meio ambiente e a saúde de milhões de brasileiros, o que demanda punição condizente com a gravidade do ato praticado”, observa Jerônimo Goergen. O projeto será analisado pelas comissões de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável e de Constituição e Justiça e de Ci-dadania, antes de ser votado pelo Plenário. (Conteúdo extraído do site da Câmara dos Deputados Federais)

Fechamento da Edição: 30�01�2017

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Resenha Legislativa

leIS ordINárIaS

lei nº 13.364, De 29.11.2016 – publicaDa no Dou De 30.11.2016Eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artísti-co-culturais, à condição de manifestação cultural nacional e de patrimô-nio cultural imaterial .

lei nº 13.389, De 20.12.2016 – publicaDa no Dou De 21.12.2016Abre ao Orçamento Fiscal da União, em favor do Ministério da Agri-cultura, Pecuária e Abastecimento, crédito suplementar no valor de R$ 39.781.328,00, para reforço de dotações constantes da Lei Orçamen-tária vigente.

decretoS

Decreto nº 8.967, De 23.01.2017 – publicaDo no Dou De 24.1.2017Altera o Decreto nº 8.425, de 31 de março de 2015, que dispõe sobre os critérios para inscrição no Registro Geral da Atividade Pesqueira, e o Decreto nº 8.424, de 31 de março de 2015, que dispõe sobre a conces-são do benefício de seguro-desemprego, durante o período de defeso, ao pescador profissional artesanal que exerce sua atividade exclusiva e ininterruptamente.

Decreto nº 8.972, De 23.01.2017 – publicaDo no Dou De 24.01.2017Institui a Política Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa.

Decreto nº 8.973, De 24.01.2017 – publicaDo no Dou De 25.01.2017Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, remaneja car-gos em comissão e substitui cargos em comissão do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE.

Decreto nº 8.974, De 24.01.2017 – publicaDo no Dou De 25.01.2017Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Instituto Chico Mendes

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RSA Nº 35 – Jan-Fev/2017 – RESENHA LEGISLATIVA ��������������������������������������������������������������������������������������������������������������������������243

de Conservação da Biodiversidade – Instituto Chico Mendes, remaneja cargos em comissão e função de confiança e substitui cargos em comis-são do Grupo-Direção e Assessoramento Superiores – DAS por Funções Comissionadas do Poder Executivo – FCPE.

Decreto nº 8.975, De 24.01.2017 – publicaDo no Dou De 25.01.2017Aprova a Estrutura Regimental e o Quadro Demonstrativo dos Cargos em Comissão e das Funções de Confiança do Ministério do Meio Ambiente, remaneja cargos em comissão e substitui cargos em comissão do Grupo--Direção e Assessoramento Superiores – DAS por Funções Comissiona-das do Poder Executivo – FCPE.

medIdaS provISórIaS

meDiDa provisÓria nº 756, De 19.12.2016 – publicaDa no Dou De 20.12.2016 – exposição De motivos

Altera os limites do Parque Nacional do Rio Novo, da Floresta Nacional do Jamanxim e cria a Área de Proteção Ambiental do Jamanxim.

meDiDa provisÓria nº 758, De 19.12.2016 – publicaDa no Dou De 20.12.2016 – exposição De motivos

Altera os limites do Parque Nacional do Jamanxim e da Área de Proteção Ambiental do Tapajós.

meDiDa provisÓria nº 759, De 22.12.2016 – publicaDa no Dou De 23.12.2016 – exposição De motivos

Dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a re-gularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal, institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União, e dá outras providências.

Fechamento da Edição: 31�01�2017

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Índice Alfabético e Remissivo

índice por assunto especial

DOUTRINAS

Assunto

Licitação SuStentáveL

•Comentários ao Princípio da Licitação Sus-tentável: o Reconhecimento dos Influxos do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado no Procedimento Licitatório (Tauã Lima Verdan Rangel) ................................................................33

•Licitações Sustentáveis (Gina Copola) ....................9

•Planejamento como Imperativo do Desenvol-vimento Sustentável: A Ineficácia da Licitação Ecológica em Face da Lei Nacional de Licita-ções (Vinicius Diniz e Almeida Ramos e Márcio Luís de Oliveira) ..................................................50

Autor

Gina copoLa

•Licitações Sustentáveis ...........................................9

Márcio LuíS De oLiveira e viniciuS Diniz e aLMeiDa raMoS

•Planejamento como Imperativo do Desen-volvimento Sustentável: A Ineficácia da Lici-tação Ecológica em Face da Lei Nacional de Licitações ............................................................50

tauã LiMa verDan ranGeL

•Comentários ao Princípio da Licitação Sus-tentável: o Reconhecimento dos Influxos do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado no Procedimento Licitatório ......................................33

viniciuS Diniz e aLMeiDa raMoS e Márcio LuíS De oLiveira

•Planejamento como Imperativo do Desen-volvimento Sustentável: A Ineficácia da Lici-tação Ecológica em Face da Lei Nacional deLicitações ............................................................50

índice geral

DOUTRINAS

Assunto

infração aMbientaL

•A Utilização de Remédios Constitucionais: Mandado de Segurança para Proteção de Direi-to Líquido e Certo – Apreensão (I)Legal de Bens ou Mercadorias x Infrações Ambientais (Lorena Grangeiro de Lucena Tôrres) ................................68

LicenciaMento aMbientaL

•Comentários à ADIn 5547: Fim do Licenciamen-to Ambiental em Assentamentos de ReformaAgrária? (Carlos Sérgio Gurgel da Silva) ...............73

Autor

carLoS SérGio GurGeL Da SiLva

•Comentários à ADIn 5547: Fim do Licenciamen-to Ambiental em Assentamentos de Reforma Agrária? ...............................................................73

Lorena GranGeiro De Lucena tôrreS

•A Utilização de Remédios Constitucionais: Man-dado de Segurança para Proteção de Direito Lí-quido e Certo – Apreensão (I)Legal de Bens ou Mercadorias x Infrações Ambientais ....................68

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

criMe aMbientaL

•Penal – Crime ambiental – Atropelamento de animais silvestres às margens de rodovia federal – Empresa concessionária – Descumprimento de obrigação de relevante interesse ambiental – Prescrição pela pena em abstrato – Dano direto à unidades de conservação – Não comprovação – Impossibilidade de impedir a mortandade de animais pelo tráfego de veículos automotores – Problema complexo e de difícil solução – Inexistência de parâmetros científicos que deli-mitem número aceitável de mortes de animais silvestres por trecho rodoviário – Apelação mi-nisterial desprovida (TRF 2ª R.) ................2207, 101

Dano aMbientaL

•Embargos de declaração no agravo regimental no recurso extraordinário com agravo – Admi-nistrativo – Ação civil pública – Dano ambiental – Área de preservação permanente – Terreno de marinha – Restinga – Recurso contra acórdão do STJ – Controvérsia constitucional surgida na instância ordinária – Inviabilidade do apelo ex-tremo – Omissão, contradição ou obscuridade – inexistência – Erro material – Inocorrência – Efeitos infringentes – impossibilidade – Recur-so interposto sob a égide do novo Código de Processo Civil – Ausência de condenação em honorários advocatícios no juízo recorrido – Im-possibilidade de majoração nesta sede recursal – Art. 85, § 11, do CPC/2015 – Embargos de declaração desprovidos – Determinado o trân-sito em julgado e a baixa imediata dos autos ao juízo de origem, independentemente da publi-cação do acórdão (STF) .............................2204, 85

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RSA Nº 35 – Jan-Fev/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������245 •Agravo de instrumento – Processual civil – ação

civil pública – Dano ambiental – Sentença par-cialmente procedente – Recurso de apelação – Efeito suspensivo – Medida excepcional – De-molição de edificações – Dano configurado – Irreversibilidade da medida – Peculiaridades do caso concreto (TRF 3ª R.) .........................2208, 108

DeSMataMento

•Ambiental e administrativo – Desmatamento – Mata atlântica – Área privada – Procedimento administrativo apuratório – imposição de mul-ta – Legitimidade do Ibama – Legislação fede-ral violada – precedentes – Recurso especial provido (STJ) ..............................................2205, 90

infração aMbientaL

•Ambiental – Mandado de segurança – Infração ambiental – Transporte de madeira em desconfor-midade com a legislação ambiental – Apreensão de veiculo automotor – Liberação – Possibilidade– Sentença mantida (TRF 1ª R.) ..................2206, 97

peSca

•Direito penal e processual penal – Crime am-biental – Pesca de espécies em extinção – Art. 34, I, da Lei nº 9.605/41998 – Decreto Estadual nº 41.672/2002/RS – Materialidade – Autoria – Inaplicabilidade do princípio da insignificância(TRF 4ª R.) ...............................................2209, 113

reSíDuoS SóLiDoS

•Administrativo e ambiental – Ação civil públi-ca – Depósito de resíduos sólidos e de materiais de construção em ecossistema manguezal – De-gradação de área de preservação permanente – Responsabilidade objetiva em sede de dano ambiental – Art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/1981 – Sentença mantida (TRF 5ª R.) ...................2210, 121

EMENTÁRIO

Assunto

ação civiL púbLica

•Ação civil pública – Angra dos Reis – constru-ção de deck e píer – costão rochoso e espelho d’água – acordo de compensação ambiental – prova pericial – necessidade ....................2211, 125

•Ação civil pública – extração de aréola sem licença – dever de reparar o meio ambiente – configuração ............................................2212, 125

•Ação civil pública – extração irregular de areia – leito de rio – não comprovação ............2213, 126

•Ação civil pública – lançamento de efluen-tes brutos – corpos hídricos – dano ambiental e à saúde da população local – concessão da medida urgente – aplicação de multa diária – possibilidade .........................................2214, 127

•Ação civil pública – loteamento – regularização – limitação às obras essenciais – Estatuto da Cidade – dever municipal – observância .............2215, 127

•Ação civil pública – Parque Nacional da Tijuca – ocupação irregular – omissão dos órgãos públi-cos identificada – obrigação de reparar os danos ambientais – configuração .......................2216, 129

área De preServação perManente

•Área de preservação permanente – constru-ção – demolição da edificação – inviabilidade ................................................................2217, 129

•Área de preservação permanente – depósito de resíduos sólidos e materiais de constru-ção – manguezal – degradação – configuração ................................................................2218, 130

•Área de preservação permanente – desocupa-ção – retirada de embarcação – possibilidade ................................................................2219, 131

•Área de preservação permanente – edifica-ção – demolição – recuperação ambiental – cumulação com indenização – desnecessidade ................................................................2220, 132

•Área de preservação permanente – edificação – supressão de vegetação – infração ambiental – pretensão de demolição – não configuração ................................................................2221, 132

•Área de preservação permanente – invasão – princípio da precaução – inversão do ônus da prova – possibilidade ...............................2222, 135

•Área de preservação permanente – licenciamen-to indevido – recuperação de área degradada– configuração .........................................2223, 135

•Área de preservação permanente – reservatório artificial de usina hidrelétrica – art. 62 do novo Código Florestal – aplicabilidade .............2224, 136

•Área de preservação permanente – supressão de vegetação – obrigação propter rem – condena-ção indenizatória – possibilidade .............2225, 136

•Área de preservação permanente – terreno de Marinha – local de nidificação de tartarugas marinhas – construção ilegal – demolição – possibilidade ...........................................2226, 137

•Área de preservação permanente – terreno de Marinha – ocupação irregular – usucapião – impossibilidade .......................................2227, 139

área urbana

•Área urbana – consolidada – invasão de área de preservação permanente – inexistência – com-provação .................................................2228, 140

criMe aMbientaL

•Crime ambiental – art. 56, da Lei nº 9.605/1998 – justa causa – ausência ...........................2229, 141

•Crime ambiental – atropelamento de animais sil-vestres – margens de rodovia federal – dano di-

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reto às unidades de conservação – não compro-vação .......................................................2230, 142

•Crime ambiental – contra a fauna – materialidade e autoria – comprovação .........................2231, 142

•Crime ambiental – desmate de terras públicas – ausência de autorização – princípio da insignifi-cância – possibilidade .............................2232, 146

•Crime ambiental – extração ilegal de areia – ausência de materialidade – configuração 2233, 146

•Crime ambiental – pesca em local e época proi-bida – princípio da insignificância – aplicação – impossibilidade .......................................2234, 146

•Crime ambiental – pesca predatória – princípio da insignificância – inaplicabilidade .............2235, 148

Dano aMbientaL

•Dano ambiental – área de preservação permanen-te – terreno de Marinha – restinga – erro material – inocorrência .........................................2236, 150

•Dano ambiental – aterro sanitário – lançamento no solo e no manancial hídrico chorume sem tratamento prévio – configuração ............2237, 151

•Dano ambiental – desmatamento de floresta nati-va – ausência de autorização – embargo/interdi-ção da área – suspensão de parte da penalidade – possibilidade .........................................2238, 151

•Dano ambiental – edificação de casa de vera-neio – área de preservação permanente – au-sência de autorização ou licença – prescrição – inocorrência .........................................2239, 152

•Dano ambiental – Praia da Ferradura – costão ro-choso – construção – precedentes ...........2240, 153

DeGraDação

•Degradação – Mata Atlântica – área de preser-vação permanente – assentamento de traba-lhadores – inviabilidade – Súmula nº 284/STF – aplicabilidade .......................................2241, 154

extração De arGiLa

•Extração de argila – autorização – ausência – crime de usurpação de patrimônio público – ocorrência ............................................2242, 154

extração irreGuLar De Minério

•Extração irregular de minério – argila – ausência de autorização – degradação ambiental – ocorrência ................................................................2243, 155

extração De recurSo MineraL

•Extração de recurso mineral – argila – ausên-cia de autorização – dolo – não comprovação ................................................................2244, 157

extração MineraL

•Extração mineral – autorização – ausência – indeni-zação – cabimento ..................................2245, 157

fauna SiLveStre

•Fauna silvestre – comércio de produtos – au-sência de autorização – fornecimento por mem-bros de tribo indígena – legislação ambiental – aplicabilidade ..........................................2246, 157

ibaMa

• Ibama – apreensão de arara – convivência do-méstica duradoura – princípio da razoabilidade– precedentes ..........................................2247, 158

• Ibama – apreensão de veículo – envolvimento em ilícito ambiental – restituição – possibilidade ................................................................2248, 159

• Ibama – infração ambiental – comercializa-ção de madeira – ausência de licença – viola-ção ao princípio da legalidade – configuração ................................................................2249, 159

• Ibama – posse de animais silvestres – ausên-cia de licença da autoridade ambiental – le-galidade da autuação – dano moral afastado – configuração .........................................2250, 160

• Ibama – veículo estacionado na areia da praia – apreensão e multa – dano – não comprovação ................................................................2251, 160

infração aMbientaL

• Infração ambiental – reposição florestal – extra-ção de grande quantidade de matéria-prima – configuração ............................................2252, 161

peSca

•Pesca de arrasto – Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo – dano ambiental – reparação – precedentes ..........................................2253, 163

•Pesca – espécies em extinção – princípio da in-significância – inaplicabilidade ................2254, 164

•Pesca – petrecho proibido – princípio da insigni-ficância – inaplicabilidade .......................2255, 164

•Pesca industrial – cerco de sardinha – Reserva Extrativista Marinha do Arraial do Cabo – dano ambiental – configuração ........................2256, 164

poLuição Sonora

•Poluição sonora – dano ambiental e à saúde da população – princípio do poluidor-pagador e da reparação integral – precedentes .............2257, 164

QueiMa De paLha De cana-De-açúcar

•Queima de palha de cana-de-açúcar – auto de infração e imposição de multa – Lei Estadual nº 997/1976 – aplicabilidade ...................2258, 165

•Queima da palha da cana-de-açúcar – ati-vidade que se perdura ao longo dos anos – degradação do meio ambiente – EIA/Rima – necessidade .............................................2259, 165

Page 247: ISSN 2236-9406 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 35_miolo.pdf · Ambiental (Rio de Janeiro, 2003), Desestatização e Terceirização (São Paulo, 2006), A Lei dos Crimes Ambientais,

RSA Nº 35 – Jan-Fev/2017 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ���������������������������������������������������������������������������������������������������������247 reSíDuoS SóLiDoS

•Resíduos sólidos – disposição – licença de insta-lação e funcionamento – ausência – degradação ambiental – comprovação .......................2260, 167

terreno De Marinha

•Terreno de Marinha – construção – faixa de praia – princípios da proporcionalidade e da razoabilidade – cabimento ......................2261, 167

Seção especial

ESTUDOS JURÍDICOS

Assunto

Meio aMbiente

•Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologi-camente Equilibrado Aliada a uma Discussão sobre a Soberania do Princípio do Interesse Público sobre o Particular (Debora Cristina de Castro da Rocha) ...........................................168

Autor

Debora criStina De caStro Da rocha

•Reserva Legal: Colisão e Ponderação entre o Direito Adquirido e o Meio Ambiente Ecologi-camente Equilibrado Aliada a uma Discussão sobre a Soberania do Princípio do Interesse Pú-blico sobre o Particular ......................................168

CLIPPING JURÍDICO

•Aprovado uso do Fundo da Marinha Mercante para unidades de saúde fluviais .........................238

•Comissão aprova contrapartidas ecológicas a quem construir acima de limites municipais ..........................................................................232

•Comissão aprova incentivo à produção de ener-gia a partir de resíduos sólidos ...........................235

•Desenvolvimento Urbano aprova multa para depósito irregular de lixo ...................................234

•Meio Ambiente aprova incentivo a energias reno-váveis e implantação de pequenas hidrelétricas ..........................................................................234

•Meio Ambiente aprova incentivos para recupe-ração de áreas rurais degradadas .......................233

•Meio ambiente aprova mudança de natureza jurídica dos animais ...........................................233

•Meio Ambiente aprova projeto que prevê aproveitamento de água de ar-condicionado ..........................................................................240

•Petrobras terá de pagar R$ 10 milhões em multa por derramar petróleo na Baía de Ilha Grande ..........................................................................232

•Projeto torna crime adulterar redutor de poluição ..........................................................................241

•Projeto torna vaquejada atividade cultural e esportiva e proíbe crueldade com animais .........236

•Proposta regulamenta caça de animal silvestre ..........................................................................236

•Tribunal determina demolição de imóvel em praia de Laguna/SC ............................................240

•Tribunal determina que Ibama defina novo hábitat para capivaras de Bragança Paulista ..........................................................................238

RESENHA LEGISLATIVA

LeiS orDináriaS

•Lei nº 13.364, de 29.11.2016 – Publicada no DOUde 30.11.2016 ...................................................242

•Lei nº 13.389, de 20.12.2016 – Publicada no DOUde 21.12.2016 ...................................................242

DecretoS

•Decreto nº 8.967, de 23.01.2017 – Publicado no DOU de 24.1.2017 ...........................................242

•Decreto nº 8.972, de 23.01.2017 – Publicado no DOU de 24.01.2017 .........................................242

•Decreto nº 8.973, de 24.01.2017 – Publicado no DOU de 25.01.2017 .........................................242

•Decreto nº 8.974, de 24.01.2017 – Publicado no DOU de 25.01.2017 .........................................242

•Decreto nº 8.975, de 24.01.2017 – Publicado no DOU de 25.01.2017 .........................................243

MeDiDaS proviSóriaS

•Medida Provisória nº 756, de 19.12.2016 – Pu-blicada no DOU de 20.12.2016 – Exposição de Motivos .........................................................243

•Medida Provisória nº 758, de 19.12.2016 – Pu-blicada no DOU de 20.12.2016 – Exposição de Motivos .........................................................243

•Medida Provisória nº 759, DE 22.12.2016 – Pu-blicada no DOU de 23.12.2016 – Exposição de Motivos .........................................................243