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Direito Público ANO XII – Nº 67 – JAN-FEV 2016 I NDEXADA POR Index Copernicus Internacional Sumário de Revistas Brasileiras Latindex REPOSITÓRIO AUTORIZADO DE JURISPRUDÊNCIA Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009 Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0 Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010 Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008 Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009 DIRETORES Elton José Donato Dalide Correa EDITOR-CHEFE Paulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF) EDITORA-ADJUNTA Ana Carolina Figueiró Longo (IDP/DF) CONSELHO EDITORIAL Aline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha), Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES), Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT), Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid), Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Gustavo José Mendes Tepedino (UFRJ) Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS), Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP), Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB), Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT), Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP) CORPO ADMINISTRATIVO EDITORIAL Afonso Códolo Belice, Alessandra Damian Cavalcanti, Amir Barroso Khodr, Anna Carolina Carneiro, Evandro da Silva Soares, Fernando Oliveira Samuel, Ghuido Cerqueira Café Mendes, José dos Santos Carvalho Filho, José Pedro Brito da Costa, Karinne Fontenele Sampaio, Mikaela Minaré Braúna, Rodrigo Chaves de Freitas COMITÊ TÉCNICO Nathalia Passos COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Adriano Fernandes dos Santos, Alcineia Rodrigues Santos, Aurelia Carla Queiroga da Silva, Clara Masiero, Fernando Amaral, José Ricardo Caetano Costa, Ramiro Nóbrega Sant’Ana, Roberto Freitas Filho, Stefan Grundmann ISSN impresso 1806‑8200 ISSN digital 2236‑1766 Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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Direito PúblicoAno XII – nº 67 – JAn-Fev 2016

IndeXAdA porIndex Copernicus InternacionalSumário de Revistas Brasileiras

Latindex

reposItórIo AutorIzAdo de JurIsprudêncIATribunal Regional Federal da 1ª Região – Nº 610/2009

Tribunal Regional Federal da 2ª Região – Nº 1999.02.01.057040‑0Tribunal Regional Federal da 3ª Região – Nº 17/2010Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Nº 35/2008Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Nº 10/2009

dIretoresElton José Donato

Dalide Correa

edItor-cheFePaulo Gustavo Gonet Branco (IDP/DF)

edItorA-AdJuntAAna Carolina Figueiró Longo (IDP/DF)

conselho edItorIAlAline Sueli de Salles Santos (UFTO), Alvaro Ricardo de Souza Cruz (PUC‑MG), Alvaro Sanchez Bravo (Univ. de Sevilha),

Ana Paula Barcelos (UERJ), Augusto Aguilar Calohrro (Univ. de Granada‑ES),Daniel Antonio de Moraes Sarmento (UERJ), Fernando Araújo (Univ. de Lisboa‑PT),

Francisco Balaguer Callejón (Univ. de Granada‑ES), Francisco Fernandez Segado (Universidad Complutense de Madrid),Gilmar Ferreira Mendes (IDP), Gustavo José Mendes Tepedino (UFRJ) Ingo Wolfgang Sarlet (PUCRS),Joaquim Brage Camazano (Universidade Européia de Madrid), Jorge Octávio Lavocat Galvão (USP),

Julia Maurmann Ximenes (IDP‑DF), Lauro Gama Jr. (PUC‑RJ), Luciano Mariz Maia (UFPB),Marinella Araujo (PUC‑MG), Pierdomenico Logroscino (Università degli Studi di Bari), Valerio de Oliveira Mazzuoli (UFMT),

Vladmir Oliveira da Silveira (PUC‑SP)

corpo AdmInIstrAtIvo edItorIAlAfonso Códolo Belice, Alessandra Damian Cavalcanti, Amir Barroso Khodr, Anna Carolina Carneiro, Evandro da Silva Soares,

Fernando Oliveira Samuel, Ghuido Cerqueira Café Mendes, José dos Santos Carvalho Filho, José Pedro Brito da Costa, Karinne Fontenele Sampaio, Mikaela Minaré Braúna, Rodrigo Chaves de Freitas

comItê técnIcoNathalia Passos

colAborAdores destA edIçãoAdriano Fernandes dos Santos, Alcineia Rodrigues Santos, Aurelia Carla Queiroga da Silva, Clara Masiero, Fernando Amaral, José Ricardo Caetano Costa, Ramiro Nóbrega Sant’Ana,

Roberto Freitas Filho, Stefan Grundmann

ISSN impresso 1806‑8200ISSN digital 2236‑1766

Revista Oficial do Programa de Mestrado em Direito Constitucional da Escola de Direito de Brasília – Instituto Brasiliense de Direito Público

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2003 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE e do IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público.Publicação bimestral de doutrina, jurisprudência e outros assuntos de Direito Público.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respectivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e‑mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 3.000 exemplares

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Portal de Periódicos do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), com o prévio cadastramento do Autor.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

D598 Direito Público. – v. 1, n. 1 (jul./set. 2003)‑

Porto Alegre: Síntese; Brasília: Instituto Brasiliense de Direito Público, 2005‑v. 12, n. 67; 15,5 x 22,5 cmBimestral

ISSN: 1806‑82001. Direito público

CDU 342CDD 341

(Bibliotecária responsável: Nádia Tanaka – CRB 10/855)

IDP – Instituto Brasiliense de Direito Público

www.idp.edu.br

SGAS 607 – Módulo 49 – Av. L2 Sul – Asa Sul70200‑670 – Brasília – DFFone/Fax: (61) 3535.6565

E‑mail: [email protected]

Solicita‑se permuta.Pídese canje.

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Permuta com as Instituições:Escola Nacional de Administração Pública. Biblioteca Graciliano Ramos.

Escola Superior da Magistratura. Ajuris. Biblioteca.Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contagem. Biblioteca.

Senado Federal. Biblioteca Acadêmico Luiz Viana Filho.Universidade de Brasília. Biblioteca Central.

Universidade de Lisboa. Biblioteca.Universidade de Santa Cruz do Sul. Biblioteca Central.

Universidade Federal de Santa Catarina. Biblioteca Universitária.Universidade do Vale do Itajaí. Biblioteca Central Comunitária.

Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Biblioteca.Universidade Federal do Paraná. Biblioteca Central.

Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Biblioteca.

Uma coedição de:

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.sage.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Estão anunciados como inspiração da Carta de 1988 no seu preâmbulo, estão referidos nos mais atuais estudos acadêmicos, estão citados ao nível pró-ximo de um mantra nos discursos políticos – os direitos sociais da cidadania são centrais como meta e como desafio em todo o espaço público nacional. É sempre relevante retornar ao seu estudo e descobrir novas vertentes de análise e de aplicação que os direitos sociais, entendidos como dimensão essencial da cidadania, ensejam. Neste número, é este o motivo básico dos artigos e de pes-quisas de jurisprudência que apresentamos para o nosso fiel leitor.

Bom 2016 e boa leitura!

Paulo G. Gonet Branco

Editor-Chefe

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos ....................................................................7

Assunto Especial

Cidadania SoCial

doutrinaS

1. A Cidadania Social Existencial e a Evolução da Concessão do Benefício Assistencial da LOAS na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Através de uma Hermenêutica ReflexivaFernando Amaral e José Ricardo Caetano Costa .........................................9

2. Paradigma Procedimentalista do Direito e Justiça Social: os Exemplos do Gênero e da SexualidadeClara Masiero ...........................................................................................31

JuriSprudênCia

1. Acórdão na Íntegra (STJ) ...........................................................................56

2. Ementário .................................................................................................63

Parte GeraldoutrinaS

1. Direito Fundamental à Saúde no SUS e a Demora no Atendimento em Cirurgias EletivasRoberto Freitas Filho e Ramiro Nóbrega Sant’Ana ...................................70

2. Proteção Funcional ao Consumidor – Sobre Novos Modelos de Consumidor à Luz da Recente TeoriaStefan Grundmann .................................................................................103

JuriSprudênCia

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Tribunal Regional Federal da 1ª Região ..................................................125

2. Tribunal Regional Federal da 2ª Região ..................................................146

3. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ..................................................153

4. Tribunal Regional Federal da 4ª Região ..................................................160

5. Tribunal Regional Federal da 5ª Região ..................................................164

ementário

1. Administrativo ........................................................................................169

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2. Ambiental ..............................................................................................1753. Constitucional ........................................................................................1844. Penal/Processo Penal..............................................................................1875. Processo Civil e Civil ..............................................................................1946. Trabalhista/Previdenciário ......................................................................2007. Tributário ...............................................................................................205

Seção EspecialteoriaS e eStudoS CientífiCoS

1. A Maioridade Penal no Contexto da Sociedade NatalenseAlcineia Rodrigues Santos, Adriano Fernandes dos Santos e Aurelia Carla Queiroga da Silva .............................................................211

Clipping Jurídico ..............................................................................................229

Resenha Legislativa ..........................................................................................237

Bibliografia Complementar .................................................................................238

Índice Alfabético e Remissivo .............................................................................239

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

A Direito Público é uma publicação conjunta da Escola de Direito do IDP e a IOB, e é a revista oficial do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu da EDB/IDP e objetiva ser um espaço de atualização bibliográfica constante para a comunidade acadêmica, bem como de divulgação dos trabalhos publicados pelo corpo discente do Instituto. O programa de Mestrado do IDP e a linha edi-torial da revista contemplam as seguintes linhas de pesquisa: a) Constituição: Articulações e Relações Constitucionais; e b) Direitos Fundamentais e Processos Constitucionais.

A revista publica artigos originais e inéditos de pesquisa e reflexão acadê-mica, estudos analíticos e resenhas na área do Direito Público, consignando-se que as opiniões emitidas pelo autor em seus artigos são de sua exclusiva respon-sabilidade. A publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunida-de da Revista, sendo reservado à mesma o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho recebido, e, também, o direito de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor. À editora fica reservado o direito de publicar os arti-gos enviados em outros produtos jurídicos da IOB.

A publicação dos artigos enviados não implicará remuneração a seus autores, tendo como contraprestação o envio de um exemplar da edição da Revista onde o artigo foi publicado.

Os trabalhos devem ser encaminhados exclusivamente por meio do Por-tal de Periódicos do IDP, com o prévio cadastramento do Autor, no endereço eletrônico www.direitopublico.idp.edu.br, com as seguintes especificações:

– Arquivo formato Word, ou em formato compatível com o pacote Office;

– Fonte Times New Roman, tamanho 12;

– Espaçamento entre linhas de 1,5;

– Títulos e subtítulos em caixa alta, alinhados à esquerda e em negrito em português e inglês;

– Resumo informativo no idioma do texto e em língua estrangeira;

– Palavras-chave/descritores em português e inglês;

– Referências à bibliografia consultada;

– O autor deverá cadastrar-se no Portal da Revista Direito Público do IDP (www.direitopublico.idp.edu.br), indicando o resumo de sua biografia e seu endereço de correspondência;

– O arquivo contendo o texto não deverá conter nenhuma referência à qualificação do autor, sob pena de rejeição.

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PROCEDIMENTO DE AVALIAÇÃO DE ARTIGOS – BLIND PEER REVIEWTodos os artigos passam por uma avaliação prévia realizada pelo Corpo

Administrativo Editorial, verificando sua adequação à linha editorial da Revista. Após essa avaliação, os artigos são remetidos a dois pareceristas anônimos – Professores Doutores membros do Conselho Editorial – para a avaliação qua-litativa de sua forma e conteúdo, de acordo com o processo conhecido como duplo blind review. Excepcionalmente, haverá convites para publicação, não excedendo tais casos 25% dos artigos publicados em determinado ano. Os con-vites serão formulados exclusivamente pelo Editor Chefe da revista Direito Pú-blico.

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Assunto Especial – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 67, 2016, 9-30, jan-fev 2016

Cidadania Social

A Cidadania Social Existencial e a Evolução da Concessão do Benefício Assistencial da LOAS na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Através de uma Hermenêutica Reflexiva

Social Existencial Citizenship and the Evolution on the Granting of LOAS Benefit Support in the Federal Supreme Court Case Law Through a Reflective Hermeneutics

FERnAnDO AmARALGraduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande (2005), Mestrando em Direito e Justiça Social na Universidade Federal do Rio Grande, Professor Colaborador na Universidade Federal do Rio Grande. Tem experiência na Área de Direito, com ênfase em Direito Processual e Justiça Social, Pesquisador do CNPQ, Advogado.

JOSÉ RICARDO CAETAnO COSTAMestre em Direito Público (Unisinos), Doutor em Serviço Social (PUCRS), Pós‑Doutor em Educação Ambiental (FURG), Advogado Previdenciarista e Coordenador, Pesquisador do CEPESS – Centro de Estudos e Pesquisas em Seguridade Social, Professor de Direito Previden‑ciário da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Rio Grande (FURG).

Submissão: 05.05.2015Decisão Editorial: 12.08.2015Comunicação aos autores: 12.08.2015

RESUMO: Trata o presente artigo em dimensionar teoricamente a postura reflexiva do órgão jurisdi‑cional e a evolução dentro de determinadas tradições jurídicas teóricas e a consequente efetivação da cidadania social existencial. Assim, mister enfrentar a cidadania social existencial como dimensão da dignidade da pessoa humana e realização da justiça social, bem como a posição das principais correntes e teorias do Direito que se ocuparam em delimitar a posição do juiz diante do direito e sua conduta correta dentro da sua dogmática. Utilizamos os aportes de Hans George Gadamer, dentro da hermenêutica filosófica descritiva, e sua importância para a interpretação, bem como eventual polêmica com a dialética prescritiva de Junger Habermas, e a relação de complementariedade de ambas e formar, assim, uma hermenêutica reflexiva. Para contextualizar as tradições jurídicas apre‑sentadas e a necessidade de reflexão sobre o contexto posto em julgamento, foi apresentada a evolução jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal na concessão do benéfico da Lei Orgânica da

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10 .........................................................................................................DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 67, 2016, 9-30, jan-fev 2016

Assistência Social (Lei nº 8.742/1993), sua influência na fundamentação e na compreensão reflexiva do julgador, bem como identificar no discurso a tradição teórica e a influência destes fatores no julgamento. Utilizando‑se da pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, pode‑se perceber uma postura hermenêutica reflexiva do STF, trazendo uma compreensão livre da literalidade savigniana, pugnando pela efetivação da justiça social e da realização da cidadania social existencial.

PALAVRAS‑CHAVE: Hermenêutica; teoria do Direito; benefício assistencial.

ABSTRACT: This article aims to achieve a theoretically dimension of the reflective attitude of the Supreme Court and the evolution within certain theoretical legal traditions and the consequent realization of social existencial citizenship. In this way, it is necessary to face the social existencial citizenship as a dimension of human dignity and accomplishment of social justice, as well as the positions of the main Law theories concerning a boundary of judge’s position in front of the Law and the correct conduct inside his own dogmatic. In this regard, we used the contributions of Hans George Gadamer, within descriptive philosophical hermeneutics and its importance for interpretation, just as well as eventual controversy with the prescriptive dialectic of Junger Habermas and the complementary relationship of both ideals in order to form a reflective hermeneutics. To contextualize the legal traditions and the need of reflecting about the context putted on trial, was presented the evolution on the granting of the benefit from the Organic Law of Social Assistence (Law nº 8.472/1993) inside Federal Supreme Court case law, its influence on the reasoning and reflective understanding of the judge as well as identifying the theoretical traditions on the speech and the impact of these factors in the trial. Using bibliographic and case law researches it was possible to notice a reflexive hermeneutics positioning of the Supreme Court, bringing a free comprehension of literalness based on Savigny’s ideals, striving for the achievement of social justice and the realization of social existencial citizenship.

KEYWORDS: Hermeneutics; legal theory; welfare benefit.

SUMÁRIO: Introdução; 1 A evolução dos direitos do homem. Da cidadania civil à cidadania social existencial; 2 A (polêmica entre a) hermenêutica de Gadamer e a dialética de Habermas; 3 O papel do juiz na tradição de algumas correntes do Direito; 3.1 A escola histórica do Direito e a jurisprudência dos conceitos; 3.2 O movimento para o Direito livre, a jurisprudência dos interesses e a jurisprudência dos valores; 3.3 A teoria pura do Direito de Hans Kelsen; 4 A evolução hermenêutica (reflexiva) na jurisprudência do STF na concessão do benefício de assistência social da LOAS; Conclusão; Refe‑rências.

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por escopo investigar a descrição ontológica gada-meriana do círculo da compreensão, a influência da prescrição dialética haber-masiana neste processo e a necessidade deste procedimento na realização da justiça social e efetivação da cidadania social existencial.

O desenvolvimento do artigo está estruturado em quatro partes.

A primeira parte ocupou-se de demonstrar a evolução geracional dos direitos do homem, iniciando na cidadania civil e fechando na cidadania social

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existencial, bem como a necessária conexão com a perspectiva normativa dig-nidade da pessoa humana.

A segunda parte ocupou-se por demonstrar a posição de Hans George Gadamer na descrição do círculo hermenêutico em sua hermenêutica filosófica e sua importância para a interpretação, bem como eventual polêmica com a prescrição dialética de Junger Habermas.

Na terceira parte, deu-se atenção em descrever as principais teorias do Direito que tratam do poder de atuação do juiz diante de um texto normativo. Foram abordadas as tradições da Escola Histórica do Direito, da Jurisprudência dos Conceitos, do Movimento para o Direito Livre, da Jurisprudência dos Inte-resses, da Jurisprudência dos Valores e da Teoria Pura do Direito.

Uma estudo de caso, na quarta parte, foi utilizado para ilustrar casuisti-camente os aportes teóricos desenvolvidos para demonstrar a diferença de con-cessão do benefício assistencial da Lei Orgânica da Assistência Social. Portanto, partindo dessa necessidade, utilizou-se de um caso, o critério de miserabilidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para demonstrar se uma her-menêutica filosófica reflexiva favorece a cidadania social existencial através da uma justiça social e assim, esperemos, contribuir com este estudo na doutrina brasileira.

1 A EVOLUÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM. DA CIDADANIA CIVIL À CIDADANIA SOCIAL EXISTENCIAL

A evolução dos direitos é uma necessidade constante da vivencia social. Cada fato social novo poderá ter um olhar axiológico do Direito para se verificar a necessidade de juridicização e transformar os elementos deste fato social num suporte fático para incidência da norma, qualificando, assim, esse fato em fato jurídico.

Alguns direitos, no entanto, possuem uma qualificação especial. Sendo o direito à assistência social um dos “direitos do homem”, eles merecem especial atenção do Estado devido a sua fundamentalidade existencial do indivíduo e por estarem estritamente ligados com outros temas fundamentais. Nesses ter-mos, Bobbio (2004, p. 1) destaca que há uma relação de existência entre direi-tos do homem, democracia e paz. Para este autor italiano, só há democracia numa sociedade de cidadãos, e estes só existem no sentido jurídico da palavra, quando lhe são reconhecidos alguns direitos fundamentais.

Com base nessa historicidade, Norberto Bobbio revelou uma classifica-ção geracional1 de direitos do

1 Em que pese a validade dos fundamentos geracionais (ou dimensões, como alguns preferem) no constitucionalismo latino-americano, a teoria geracional de Norberto Bobbio deve ser ressalvada. É íntima a

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12 .........................................................................................................DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – DOUTRINA

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de direitos do homem2. Os de primeira geração (civis e políticos), os de segunda geração (direitos sociais), os de terceira geração, que, dentre eles o mais impor-tante, segundo este autor italiano, é o de viver num ambiente não poluído3.

Sob a perspectiva dos poderes e deveres do Estado em relação a esses direitos, para Norberto Bobbio (ibidem, p. 6), embora as exigências de direitos possam estar dispostas cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies são sempre duas com relação aos poderes constituídos: ou impedir os malefícios de tais poderes ou obter seus benefícios. Os de primeira geração cor-respondem aos direitos de liberdade, ou um não-agir do Estado; os de segunda, aos direitos sociais, uma ação positiva do Estado; nos direitos de terceira e de quarta geração, podem existir direitos tanto de uma quanto de outra espécie.

Portanto, temos que direitos do homem são dimensões que surgem atra-vés da história dos povos que vão aumentando o nível de cidadania do homem e que é dever do Estado, através dos seus Poderes, que emanam do povo (pois não!), não incidir na proibição da proteção deficiente, bem como no retrocesso social. Assim, os direitos do homem são, em última análise, a realização da cidadania social4.

relação entre direitos do homem e Estado. Neste sentido, segundo Anderson Orestes Cavalcante Lobato (O reconhecimento e as garantias constitucionais dos direitos fundamentais. Cadernos de Direito Constitucional e Ciência Política, São Paulo: RT, n. 22, p. 141-159, 1998, p. 2), a constitucionalização dos direitos do homem acompanhou a mudança de concepção de Estado de direito. A passagem do Estado liberal individualista, com base na visão de mundo do homem, para um Estado Social de bem-estar faz surgir o reconhecimento de direitos fundamentais não mais apenas de liberdade, mas também sociais para corrigir a desigualdade econômica e social gerado pela visão liberal-individualista. São fenômenos paralelos: o modelo de Estado e o catálogo de direitos do homem nas constituições. Portanto, devido às síncopes democráticas no Brasil, observação que serve para as ditaduras da América Latina, se teve uma solução de continuidade nos direitos políticos. Um olhar histórico para os textos constitucionais brasileiros, os que nos interessa, temos que os direitos civis (primeira geração de direitos, cidadania civil) surgiram em parte com a Constituição Imperial de 1824; os direitos sociais (segunda geração de direitos, cidadania social), com a Constituição de 1934; os direitos políticos (primeira geração de direitos, cidadania política), com a Constituição de 1934, suprimido com a Carta de 1937, restabelecido com a Constituição de 1946, suprimido com a Carta de 1967 e restabelecido na Constituição de 1988 junto com os direitos difusos (terceira geração de direitos). Como se percebe, a nossa peculiaridade histórica na evolução dos direitos fundamentais, e seu reflexo no Estado e na cidadania, está em que, adotando dicotomia geração/dimensão, os nossos direitos políticos, além da inversão histórica proposta por Bobbio, tiveram uma geração em 1934, finda em 1937, uma geração em 1946, finda em 1967, e se tornou uma dimensão, junto com os demais horizontes de direitos, com a Constituição de 1988. Devido às ditaduras, e valorizando a força normativa e a historicidade dos direitos fundamentais, temos no Brasil temos a seguinte cronologia cidadã: 1) direitos civis (primeira dimensão, cidadania civil, desde 1824); 2) direitos sociais (segunda dimensão, cidadania social, desde 1934); e 3) direitos políticos e difusos (terceira dimensão, desde 1988).

2 Este surgimento de novos direitos se dá através da historicidade social, que, segundo Norberto Bobbio (A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 63), ocorreu de três modos: a) porque aumentou a quantidade de bens considerados merecedores de tutela; b) porque foi estendida a titularidade de alguns direitos típicos a sujeitos diversos do homem; c) porque o próprio homem não é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato, mas é visto na especificidade ou na concreticidade de suas diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente etc.

3 Norberto Bobbio destaca que se está ainda em constante evolução e cita os direitos de quarta geração advindos das reivindicações dos direitos do homem em relação à pesquisa biológica (2004, p. 5).

4 Com base nesta perspectiva cidadã – direito de ter direitos –, Marshal, já em um texto de 1949 (MARSHAL, T. H. Cidadania, classe social e status. Trad. Meton Porto Gadelha. Rio de Janeiro: Zahar, 1963. p. 63),

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Porém, é comum nos dias de hoje se falar em direitos humanos – ou direitos do homem – e ficar na vagueza de um discurso postulante sem elencar o conteúdo de estado social5 que realmente se quer. Fica-se na banalização do senso comum reivindicante sem exatamente pontuar que prestações materiais realmente realiza uma cidadania social digna.

Existir juridicamente é ter uma cidadania que dignifique o homem. A dig-nidade da pessoa humana comparece textualmente na Constituição de 1988, no art. 1º, III, como fundamento da Republica Federativa do Brasil, e no caput do art. 170 como finalidade da ordem econômica. Alexy (2014, p. 91), partindo de Dworkin, na sua teoria dos direitos fundamentais, destaca que toda norma que se interpreta a partir de um texto é uma regra ou um princípio, e a distinção

propôs uma tipologia: a) cidadania civil – que englobaria os direitos necessários a liberdade individual – ir e vir, imprensa, pensamento e fé, propriedade e conclusão de contratos válidos, justiça igual etc.; b) cidadania política – que englobaria o direito de participar no exercício do poder político; c) cidadania social – que englobaria tudo o que vai desde o direito a um mínimo de bem-estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo na herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade. Consolidando as gerações de direito de Bobbio e as cidadanias Marshal, temos que os direitos de primeiro geração contêm a cidadania civil e política e os de segunda geração, a cidadania social. Os direitos de terceira, segundo o autor italiano, por ter uma heterogeneidade e vagueza muito grande, carecem de um lócus cidadão mais definido.

5 Conforme já destacamos, a CF de 1988, como toda constituição democrática, representa um embate político que resulta numa conquista, seja a conformação do Estado Liberal (direitos de liberdade), seja a do Estado Social de Bem-Estar (direitos de igualdade). A conformação deste Estado, portanto, se dá com a evolução dos direitos do homem, obrigando o Estado ora a se abster, ora a prover através da previsão de direitos fundamentais nas Constituições. O Estado liberal surge como resultado da luta contra o Estado Absolutista, e, para garantir a liberdade (não intervenção estatal) dos cidadãos, insere dois princípios nas constituições: a separação dos poderes – como meio assecuratório de controle entre eles – e o reconhecimento dos direitos civis. A Declaração dos Direitos do Homem (1791) foi muita clara ao rezar que “toda sociedade que não assegura a garantia dos direitos nem a separação de poderes não possui constituição”. Dentro desses direitos individuais está a ampla liberdade de contratar e, como desdobramento, a não intervenção do Estado no mercado. O Estado só interviria para garantir as regras naturais do mercado. Após a Primeira Guerra Mundial, verificou-se a insuficiência da ampla liberdade econômica, pois a livre atuação dos agentes econômicos no mercado acabou gerando graves problemas sociais. O Estado social surge como reação a esta não intervenção estatal perniciosa, pois a liberdade irrestrita acabou gerando desigualdades sociais e necessitava-se buscar um bem-estar humanitário. Assim, num primeiro momento, amplia-se o catálogo de direitos fundamentais incluindo direitos de ordem social, econômica e culturais para após oferecer os meios necessários para tanto. Paulo Bonavides (BONAVIDES, Paulo. Do Estado liberal ao Estado social. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 186) faz uma diferenciação entre Estado Social e Estado Socialista. Num primeiro momento, como reação ao liberalismo nocivo, surge o Estado social, que seria a garantia de direitos sociais mínimos e a intervenção indireta na economia não mais para garantir o mercado, mas para regulá-lo. No Estado socialista, total ou parcial, para eliminar o capitalismo, ele começa a monopolizar certas atividades econômicas ou concorrer nelas com a iniciativa privada, intervindo diretamente na economia. Eros Grau (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica da Constituição de 1988. 12. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 148) chama essas intervenções do Estado na economia, respectivamente, de absorção ou participação, onde o Estado é um agente econômico que detém os meios de produção. Falar de Estado é falar de Constituição (pois não existe Estado fora de uma ordem constitucional), e falar de constituição é falar do seu conteúdo material principal: direitos fundamentais. Portanto, é intima a relação entre direitos do homem e Estado. Interessante observação quanto ao Estado Social brasileiro é trazida por José Ricardo Caetano Costa, ao dizer que, “se é correto afirmar que o Brasil não chegou a integrar os países que experimentaram o que se denominou de Estado do Bem-Estar Social, parece-me correto o entendimento de que a Constituição Federal promulgada em 05.10.1988, batizada carinhosamente de Constituição Cidadã, trouxe, no seu bojo, inúmeros direitos conhecidos como Welfare State. Este raciocínio é valido e justifica-se notadamente quando do trato, pelos constituintes de 1988, das questões relacionadas com a seguridade e a assistência social” (COSTA, José Ricardo Caetano. Previdência e neoliberalismo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 59).

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entre eles é de qualidade, e não de grau hierárquico. Humberto Ávila, dentro da sua teoria dos princípios (2005, p. 60), nos traz, por meio da inovação de uma tipologia tricotômica, em que inclui o postulado, que um ou vários textos jurídicos ou dispositivos, ponto de partida para a construção normativa, podem experimentar uma dimensão imediatamente comportamental (regra) ou finalís-tica (princípio) e/ou metódica (postulado). Ou seja, para esse autor, o que vai definir a norma como princípio, regra ou postulado não é a sua análise abstrata, como trata a maioria da doutrina, mas o modo que será aplicado o texto pelo intérprete. Portanto, tratar com o mínimo de cidadania existencial social é en-carar a dignidade da pessoa humana como uma regra de conduta que impõe ao estado a providência de prestações mínimas. Ou seja, o texto constitucional não pode ser uma excludente discursiva para um não tratamento da dignidade da pessoa humana como regra e escapar de buscar, assim, de um parâmetro de prestações sociais que possam identificar se o Estado realiza a um mínimo de cidadania, a cidadania social existencial.

Sem esgotar o tema, mas a doutrina já elencou algumas prestações que, sem elas, não há uma vida digna, não se realiza a dignidade da pessoa humana, não há um estado de direito cidadão. Ou seja, sem determinadas prestações, não há cidadania social existencial no seu sentido jurídico.

Luis Roberto Barroso (2004, p. 335) destaca a associação da dignidade da pessoa humana com os direitos fundamentais, apregoando que existe um núcleo material elementar composto do mínimo existencial, locução que iden-tifica o “conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indis-pensável ao desfrute da própria liberdade”. Este constitucionalista não descarta, o que compartilhamos, uma variação subjetiva das prestações que compõem o mínimo existencial, mas aponta um certo consenso de que nele se inclui: renda mínima, saúde básica, educação fundamental e, como instrumento de efetivi-dade destes direitos, o acesso à justiça. Esse autor frisa, ainda, que, aquém deste patamar, ainda quando haja sobrevivência, não há dignidade.

Sobre o tema, Ana Paula Barcelos (2002, p. 305) nos traz uma pequena variação dizendo que:

O conteúdo básico, o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa hu-mana, é composto pelo mínimo existencial, que consiste em um conjunto de prestações materiais mínimas sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade. [...] Uma proposta de concretização do mínimo existencial, tendo em conta a ordem constitucional brasileira, deverá incluir os direitos (1) à educação fundamental, (2) à saúde básica, (3) à assistência no caso de necessidade e (4) ao acesso à justiça. (grifos nossos)

Portanto, em que pese uma variação de conteúdo da realização de um mínimo existencial ou cidadania social existencial, percebe-se que os autores

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supra tratam a dignidade da pessoa humana no esquema normativo típico das regras. Nesta acepção, tem aplicação do esquema tudo ou nada, possuindo, destarte, natureza de norma imediatamente descritiva (mandado de definição). Ou seja, não descartamos a dimensão deontológica da dignidade da pessoa humana, mas, para sair da zona de conforto discursiva dos princípios e suas possíveis ponderações com outros interesses – mormente com a reserva do pos-sível –, mister tratar o mínimo de bem-estar social dentro de um esquema de tudo ou nada. Com esse tratamento normativo da cidadania é possível verificar se o Estado cumpre a cidadania social existencial ou ainda está em débito com a evolução social e histórica dos direitos do homem.

Portanto, diante do perfil cidadão ontologicamente existencial e social da assistência social é que o juiz e o cientista do Direito necessitam de uma herme-nêutica jurídica e de uma teoria do direito que tutele eficientemente este bem jurídico evitando o retrocesso social, bem como a realização da justiça social.

2 A (POLÊMICA ENTRE A) HERMENÊUTICA DE GADAMER E A DIALÉTICA DE HABERMAS

Diante da necessidade de um horizonte adequado do intérprete sobre o meio ambiente, cumpre destacar o modo como se opera a compreensão, interpretação e aplicação dos textos jurídicos e eventual conflito entre a herme-nêutica e a dialética.

Quanto à estrutura da interpretação, coube a filosofia-hermenêutica tra-zer fundamentos que até hoje não tiveram uma oposição seria. Consolidada pelo alemão Martin Heidegger, este tratou da pré-compreensão do intérprete como fator primordial para uma correta compreensão dos fatos. Hans-George Gadamer, como base em Heidegger, trouxe esta estrutura interpretativa em sua clássica obra Verdade e método, lançada em 1960 para a hermenêutica jurídi-ca, tornando-se o principal teórico da hermenêutica-filosófica.

Gadamer adverte que a compreensão dos textos torna-se legítima quan-do a pré-compreensão do intérprete não é arbitrária, o intérprete não pode ma-nipular os preconceitos para extrair da norma o sentido que lhe aprouver, neste termos:

A compreensão somente alcança sua verdadeira possibilidade, quando as opi-niões prévias, com as quais ela inicia, não são arbitrárias. Por isso faz sentido que o intérprete não se dirija aos textos diretamente, a partir da opinião prévia que lhe subjaz, mas que examine tais opiniões quanto à sua legitimação, isto é, quanto à sua origem e validez. (Gadamer, 2014, p. 356)

Ou seja, a compreensão somente é válida quando o intérprete não se utiliza de subterfúgios argumentativos para forjar a interpretação. Logo, deve

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o hermeneuta estar aberto aos (pre)conceitos cabíveis para extrair o sentido do texto.

Outro destaque que se deve fazer é que, para Gadamer, não há possibi-lidade de cindir interpretação da compreensão. Esses atos são ontologicamente únicos, eis que “a interpretação não é um ato posterior e ocasionalmente com-plementar a compreensão. Antes compreender é sempre interpretar, e, por con-seguinte, a interpretação é forma explícita da compreensão” (Ibidem, p. 406).

Gadamer avança e afirma que quem interpreta também aplica a norma: “Ora, nossas reflexões nos levaram a admitir que, na compreensão, sempre ocorre algo com uma aplicação do texto a situação atual do intérprete” (Ibidem, p. 406).

Outros pontos fundamentais da teoria hermenêutica de Gadamer na es-trutura da interpretação está quanto à tradição, fusão de horizontes e precon-ceitos do intérprete (que não necessariamente são nocivos, é no sentido de conceitos prévios). Nas palavras de Gadamer, “horizonte é o âmbito de visão que abarca e encerra tudo o que é visível a partir de um determinado ponto” (idem, p. 399). O autor complementa:

[...] o horizonte do passado, do qual vive toda vida humana e que se apresenta sob a forma de tradição, que já está sempre em movimento. [...] O nosso próprio passado a qual se volta consciência histórica faz parte do horizonte móvel a par-tir do qual vive a vida humana, esse horizonte que a determina como origem e tradição. Compreender uma tradição, sem dúvida, requer uma tradição histórica. (Ibidem, p. 402-403 – grifos nossos)

Ainda:

[...] uma situação hermenêutica está determinada pelos preconceitos que traze-mos conosco. Estes formam o horizonte de um presente, pois representam aquilo além do que não conseguimos ver. [...] O horizonte do presente, pois, não se forma à margem do passado que trazemos conosco. Não existe um horizonte do presente por si mesmo, assim como não existem horizontes à margem do passado. Antes, compreender é sempre o processo de fusão destes horizontes presumivelmente dados por si mesmos. (Ibidem, p. 404 – grifamos do original)

Estruturando esses conceitos, Gadamer narra que a interpretação dos tex-tos é um movimento circular de compreensão, um vai-e-vem pelos textos, e, quando a compreensão se realiza, essa circularidade é suspensa.

Neste espectro de conceitos ontológicos que Gadamer nos traz a posição de como este círculo hermenêutico da compreensão se relaciona com os ele-mentos hermenêuticos, nestes termos (grifamos):

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[...] A teoria tradicional do círculo hermenêutico, em particular, se apresenta sob novo aspecto e adquire importância fundamental. Não se trata somente da rela-ção formal entre a antecipação do todo e a construção das partes, correspondente à regra de “decompor e recompor” que nos era ensinada nos cursos de latim – re-lação que de fato constitui a estrutura circular da compreensão de textos. Ora, o círculo hermenêutico é um círculo rico em conteúdo (inhaltlich erfüllt) que reúne o intérprete e seu texto numa unidade interior a uma totalidade em movimento (processual whole). A compreensão implica sempre uma pré-compreensão que, por sua vez, é prefigurada por uma tradição determinada em que vive o intérprete e que modela os seus preconceitos. (Gadamer, 2006, p. 13)

Gadamer defende que esse mecanismo não é meramente formal (2014, p. 388); ele é ontológico e existencial no intérprete. Ele refuta qualquer método mecânico de interpretação como algo idôneo para a interpretação, tanto que para ele onde há verdade não há método (Ibidem, p. 385). Aliás, o título da sua obra maior seria melhor, conforme destaca Ernildo Stein (1987, p. 113), como Verdade ou método.

Portanto, a teoria hermenêutica-filosófica gadameriana nos traz um pa-radigma de análise: compreender, interpretar e aplicar é uma ato único, este ir e vir no texto e contexto é denominado por Gadamer de círculo hermenêutico.

No entanto, não se pode colocar em Gadamer o fardo para a solução de toda hermenêutica jurídica. Ele mesmo revelou a Friedrich Muller que a sua hermenêutica até poderia reconhecer o trabalho modelar da operação jurídica; no entanto, não estaria ela em condições de desenvolver nortes metodológi-cos para o Direito e para a ciência jurídica (Miozzo, 2014, p. 13, prefácio de Friedrich Muller). Müller defende que a sua teoria estruturante começou onde Gadamer parou com a sua obra Estrutura da norma e normatividade, transcen-dendo a hermenêutica a uma concepção abrangente que inclui a dogmática jurídica metódica, a teoria do direito, a teoria da constituição e teoria jurídica (Ibidem, p. 13).

Quanto a essa insuficiência na hermenêutica-filosófica de Gadamer, desenvolveu-se uma antiga polemica entre a hermenêutica de Gadamer e a dialética de Jürgen Habermas.

Logo que Gadamer lançou Verdade e método em 1960, Habermas pu-blica, em 1967, A lógica das ciências sociais, em que examina a hermenêutica gadameriana e lança a sua crítica. Gadamer respondeu a Habermas em outras obras, que, por sua vez, também replicou em outros escritos, inaugurando umas das polemicas mais produtivas e conhecidas no ramo da interpretação jurídica.

Habermas defende que a reflexão, captada pelo pensamento crítico dia-lético, tem força para quebrar a extensão ontológica gadameriana do preconcei-

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to legitimado na tradição. Ele não nega a verdade existencial destes elementos hermenêuticos; muito pelo contrário, ele as confirma, no entanto defende que a pretensão de universalidade da hermenêutica não se confirmou. Assim refletiu Habermas:

O preconceito gadameriano em favor do direito dos preconceitos legitimados pela tradição contesta a força da reflexão, que se confirma no fato também de po-der recusar a pretensão das tradições. A substancialidade desaparece na reflexão, porque esta reflexão não apenas confirma, mas também quebra forças dogmáti-cas. Autoridade e conhecimento não convergem. Com certeza, conhecimento está enraizado numa tradição fática; ele permanece ligado a condições contin-gentes. Todavia, não é sem deixar rastros que reflexão trabalha a facticidade das normas transmitidas. Ela está condenada à ulterioridade. No entanto, retrospecti-vamente, ela desenvolve uma força retroativa. Nós só podemos nos curvar sobre normas interiorizadas, depois de termos aprendido a segui-las de início de ma-neira cega sob a força exteriormente imposta. Uma vez que a reflexão se lembra do caminho da autoridade, no qual as gramáticas dos jogos de linguagem foram dogmaticamente postas em funcionamento como regras da concepção de mundo e do agir, pode ser eliminado da autoridade aquilo que nela era mero domínio e dissolvido na compulsão desprovida de violência da intelecção e da decisão racional. (Habermas, 2009, p. 261)

Como destaca Ernildo Stein (Ibidem, p. 114), para Habermas o que falta à hermenêutica filosófica é esta reflexão. A crítica que Habermas faz a Gadamer incide particularmente ali, onde este identifica autoridade (tradição) com co-nhecimento e tenta reabilitar o preconceito a partir da estrutura pré-conceitual do compreender.

Apesar de simbolicamente ser uma polêmica, compartilhamos com Stein (ibidem, p. 102) que a teoria hermenêutica e o método crítico-dialético se com-plementam. Trata-se de um confronto que está no plano da complementarida-de, apesar da pretensão de universalidade apresentada tanto pela crítica como pela hermenêutica.

A teoria de Gadamer não quer apresentar um método hermenêutico com base numa tecnologia da compreensão, não quer construir um método da com-preensão (Stein, 1987, p. 113). Gadamer nunca teve pretensões de construir uma prescrição, mas sim uma teoria descritiva, e em sua obra isso é muito claro: “Minha verdadeira intenção, porém, foi e continua sendo uma intenção filosó-fica: o que está em questão não é o que fazemos, o que deveríamos fazer, mas o que nos acontece além do querer e fazer” (Gadamer, 2014, p. 14). Diferente de Habermas, que, numa teoria prescritiva, defende que, através do processo reflexivo da dialética comunicativa entre os interlocutores, pode-se afastar a autoridade da tradição e se chegar ao conhecimento.

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Entendemos, portanto, que a incompletude para a ciência jurídica na teoria (descritiva) hermenêutica de Gadamer está no fato da ausência de uma (prescrição) dialética reflexiva. Gadamer, ao afirmar que quando a compreen-são se completa e assim o círculo hermenêutico encerra, descarta o diálogo externo que se deve ter com os demais interlocutores que compartilham o texto e o contexto. Entendemos que isso é essencial quando se trata de texto jurídi-cos, em que o destinatário da norma não é o único intérprete6, pois, ao fim e ao cabo, prevalecerá a interpretação do órgão jurisdicional. Se o órgão jurisdicio-nal interpreta determinado texto, logo já está aplicando, sem ouvir os demais sujeitos do processo e suas respectivas interpretações, ele perde o oportunidade – e o dever – de se chegar numa hermenêutica mais adequada e democrática ao caso concreto e, assim, diminuir a potencialidade do justo. Talvez esta seja a carência em sua teoria que Gadamer narrou a Muller, e que coube a Habermas complementar.

Portanto, defendemos uma hermenêutica reflexiva que é exatamente a descrição ontológica gadameriana do intérprete complementada pela prescri-ção dialética habermasiana, mormente para prestações que garantem a cidada-nia social existencial onde há grande peso multidisciplinar.

3 O PAPEL DO JUIZ NA TRADIÇÃO DE ALGUMAS CORRENTES DO DIREITO

Após contextualizar a descrição gadameriana dentro da ontologia da in-terpretação e a necessidade prescritiva de uma reflexão nos termos de Jünger Habermas, mister trazer um panorama dentro da tradição jurídica da justifica-ção teórica das decisões judiciais do direito para após analisarmos o caso con-creto sobre a concessão do benefício assistencial social no Supremo Tribunal Federal.

É uma preocupação constante na teoria do direito a necessidade de per-ceber na interpretação/aplicação a possibilidade de se fazer justiça, quando o intérprete está realmente extraindo um sentido possível do texto ou está criando norma nova a partir do texto posto pelo legislador e a legitimidade desta deci-são. A questão está em saber se decisões judiciais a depender das correntes aqui

6 Dentro de uma tópica constitucional subjetiva, segundo Peter Haberle, a teoria da interpretação constitucional tem concentrado seus esforços em dois pontos principais: (1) a questão acerca das tarefas e objetivos da interpretação e (2) a questão acerca dos métodos, que envolve o processo da interpretação e suas regras. No entanto, há um aspecto fundamental para o qual não se tem dado a devida importância: a questão relativa aos participantes da interpretação. Isto ocorre em razão do forte vínculo que a teoria da interpretação constitucional tem mantido com um modelo de sociedade fechada, conferindo especial destaque aos procedimentos formalizados e à interpretação constitucional realizada pelos Magistrados. Contudo, por mais importante que seja a interpretação constitucional dos juízes, ela não é a única possível. (HABERLE. Peter. Conf. A sociedade aberta dos intérpretes da Constituição: contribuição para a interpretação pluralista e “procedimental” da Constituição. Trad. Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1997, passim)

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enfrentadas podem ser consideradas justas e efetivadoras de direito e verificar, inclusive, o nível democrático do intérprete.

Esta atenção da teoria do direito é dada desde o início do século passado, e surgiram, assim, várias correntes doutrinárias em diversos países para delimi-tar esta fronteira, bem como outras que consideram esta separação supérflua.

Alguns autores tentaram enfrentar o problema se utilizando, inclusive, de outros ramos da ciência para justificar as suas teses. Analisaremos algumas tradições jurídicas que foram profícuas nesta análise e que contribuíram para tanto.

3.1 A escolA hIstórIcA do dIreIto e A JurIsprudêncIA dos conceItos

Dentro da Escola Histórica do Direito de Savigny (1779-1881), o juiz tinha um papel meramente passivo no direito; a tarefa de realizar justiça era afeta funcionalmente ao legislador e não ao juiz, sendo, inclusive, proibido ao tribunal o uso de uma interpretação teleológica. Segundo Karl Larenz:

[...] condena Savigny uma interpretação “teleológica”: o juiz deve atender não ao que o legislador busca atingir, mas só ao que na realidade preceituou; ou mais precisamente: ao que nas palavras da lei, segundo o seu sentido lógico, gramatical e a extrair da articulação do sistema, verdadeiramente encontrou uma expressão como conteúdo do seu dispositivo. O juiz não tem, como um criador, que aperfeiçoar a lei – tem apenas que executá-la: “Um acabamento da lei é, decerto, possível, mas deve ser obra unicamente do legislador, em nenhum caso do julgador”. (Larenz, 1969, p. 3)

Houve um avanço com a Jurisprudência dos Conceitos de Puchta, um dos representantes desta corrente no século XIX. Surge a possibilidade de o juiz suprir as lacunas dos textos legais através de conceitos dispostos numa pirâmide conceitual dentro de um sistema lógico-formal. No ápice dessa pirâmide, esta-ria um conceito supremo que procederia da filosofia. Karl Larenz destaca que:

Como exemplo desta “escalada conceitual”, apresenta ele o conceito de servidão de passagem, que, num primeiro plano, será um direito subjetivo, e, “por conse-guinte, um poder sobre um objeto”; num segundo plano, um direito “sobre uma coisa”, ou como diríamos, um direito real; depois “um direito sobre coisa alheia”, e, por conseguinte, uma sujeição parcial desta última; noutro plano ainda, como a particular espécie desta sujeição é a fruição, dir-se-á que a servidão de passa-gem pertence ao gênero dos direitos sobre as coisas para fruição. [...] “genealogia dos conceitos” ensina, portanto, que o conceito supremo, de que deduzem todos os outros determina pelo seu conteúdo. Porém, de onde procede o conteúdo desse conceito supremo? Segundo Puchta, esse conceito procede da filosofia do direito: assim se consegue um ponto de partida seguro com que construir dedu-tivamente todo o sistema e extrair novas proposições jurídicas. (Ibidem, p. 15)

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Pela análise da posição teórica de Puchta verifica-se um maior poder do juiz no manuseio do conteúdo do texto; no entanto, este conteúdo lhe é dado previamente pela ciência jurídica e ultimado pela filosofia do Direito. Ou seja, o conceito autorizado na jurisprudência dos conceitos é o conceito doutrinário, não judicial. Portanto, o que vai realizar justiça direito propriamente dita, além da lei no pensamento de Puchta, é a doutrina jurídica.

3.2 o movImento pArA o dIreIto lIvre, A JurIsprudêncIA dos Interesses e A JurIsprudêncIA dos vAlores

Em reposta à completude do sistema jurídico proposto pela Escola His-tórica do Direito e pela Jurisprudência dos Conceitos e o papel passivo do juiz nestas tradições, surge a tradição Movimento para o Direito Livre, que teve em Eugen Ehrlich seu principal fundador. Esse movimento trouxe um voluntarismo para a decisão judicial até hoje sem precedentes. Traz esse movimento descriti-vamente que, inexoravelmente, toda decisão judicial é uma atividade criativa e pessoal que escapa, inclusive, ao método de investigação dos fatos legislativos proposta pela Jurisprudência dos Interesses, como veremos infra. A expressão “Movimento para o Direito Livre” remonta a uma antiga conferência de Ehrlich de 1903, que traduz a importância da livre investigação do Direito pela juris-prudência, não através da discricionariedade judicial e emocional, mas a busca da justiça com base na tradição jurídica (Ibidem, p. 69). Essa dimensão prescri-tiva dada por este movimento traz um limite a esta atividade criativa: não pode o juiz, nesta atividade, fugir à tradição jurídica traduzida pela decisão jurídica dos cidadãos, pela jurisprudência e ciência do direito. Logo, pode-se dizer que o juiz, ao aplicar o texto, tem poder de criar o direito e realizar a justiça, mas esta liberdade possui como limite material a tradição da sua comunidade, que pode ser no sentido gadameriano anteriormente já descrito.

Através da Jurisprudência dos Interesses, surgida no início do século XX, que teve em Philip Heck seu principal nome – um dissidente do movimen-to para o direito livre, pois se opunha à possibilidade de interpretação contra legem defendida por alguns teóricos nesta corrente (Miozzo, 2014, p. 159) –, houve mais uma reação ao formalismo e ao dogma da completude do direito proposto pela Jurisprudência dos Conceitos. Surge um juiz que deve se atentar aos interesses sopesados pelo legislador ao elaborar a lei, pois, afinal, o legisla-dor não tinha a capacidade de solucionar textualmente as necessidades da vida na sua inteiridade. Assim, o juiz, através do método da ponderação dos inte-resses (Ibidem, p. 171), assume um papel mais ativo, buscando, no elemento histórico do texto, através dos trabalhos preparatórios legislativos, a solução e justiça para o caso, conforme destaca Larenz:

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[...] O objectivo final da jurisdição e da resolução pelo juiz dos casos concretos é, por seu turno, “a satisfação das necessidades da vida, a satisfação das apetências e das tendências apetivas, quer materiais, quer ideais, presentes na comunidade jurídicas”. São estas apetências e tendências apetivas que designamos – elucida Heck – por interesses, e a particularidade da jurisprudência dos interesses con-siste em “tentar não perder de vista esse objetivo último em toda a operação, em toda a formação de conceitos”. (Larenz, 1969, p. 55)

A jurisprudência dos interesses de Heck conseguiu um inusitado êxito pelo menos no âmbito do âmbito do direito privado (Larenz, 1997, p. 163). No entanto, seus próprios partidários a criticavam, pois pecava em limitar o “interesse” no critério definido pelo legislador, e era necessário buscar o que o interesse representava ou deveria representar para as partes do litígio. Surge, assim, com a Jurisprudência dos Valores, uma variação da jurisprudência dos interesses, através de uma aproximação do direito com a sociologia. O elemen-to histórico da interpretação perde importância com esta variante teórica, sepa-rando “interesse” e valoração que seria, em última análise, corolário de justiça (Ibidem, p. 163). A jurisprudência dos valores, que teve como expoente Harry Westermann, tinha no critério de justiça e na sua respectiva fundamentação jurídica para seus críticos o seu “calcanhar de Aquiles”. Ao se relacionar com o conceito de valor que deveria ser o esperado pelas partes, desloca o foco da fundamentação jurídica para uma motivação que prima o problema em detri-mento da norma como metodologicamente trabalhou Theodor Viegh em sua obra Topik und Jurisprudenz7. Neste sentido, Karl Larenz destaca:

Colocada a questão de como seria susceptível de fundamentação a afirmação de que precisamente tal decisão seria no caso vertente a decisão “justa”, deparamos de novo com a questão de se os valores e o que é valioso são, em termos gerais, susceptível de reconhecimento em sentido racional. Igualmente, quando se sus-tente que é possível produzir algumas asserções fundamentadas sobre aquilo que são os ditames da “justiça”, se bem que dessas asserções se não induza qualquer caminho directo para o seu reconhecimento, aquilo que requer a justiça face a determinado caso consubstancia um juízo “justo”. Aqui surge a “tópica”, cuja pretensão de aplicabilidade à jurisprudência foi levada a cabo por Viehweg ou, de um modo mais amplo, o procedimento de um discurso vinculado ao caso, o tratamento englobante dos problemas emergentes no caso com o objectivo de um consenso dos interlocutores, ou, em termos gerais mais abstractos, a “aptidão de consenso” da solução proposta em conclusão. Em tal discurso são considera-dos relevantes os diversos pontos de vista (“topoi”) que se mostrem aptos a servir de argumentos pró ou contra a solução ponderada. De entre eles, o argumento

7 Tradução brasileira: VIEHWEG, Theodor. Tópica e jurisprudência. Uma contribuição à investigação dos fundamentos jurídico-científicos. Trad. da 5. ed. alemã, rev. e ampl. Kelly Susane Alflen da Silva. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008.

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sobre as consequências (“o que é que ocorreria se fosse adoptada esta ou aquela solução”) desempenha um papel de particular importância. (Ibidem, p. 170)

3.3 A teorIA purA do dIreIto de hAns Kelsen

Com as concepções de que a ciência do Direito estava mais voltada para a sociologia jurídica, a tradição reagiu na busca de um direito puro. Foi Hans Kelsen quem se cuidou desta tarefa; Karl Larenz (1969, p. 81) comenta:

A sua “Teoria Pura do Direito“ constitui a mais grandiosa tentativa de fundamen-tação da ciência do Direito como ciência – mantendo-se embora sob o império do conceito positivista desta última e sofrendo das respectivas limitações – que o nosso século veio até hoje conhecer. O que não obsta acrescentar: assim como a jurisprudência dos interesses é deficiente como teoria, mas foi de grande utilida-de pratica, assim a Teoria Pura do Direito atinge um alto nível como teoria, mas, do ponto de vista prático, os seus resultados são pobres. [...]

Ao perquirir o papel criativo do juiz nesta teoria, verifica-se que, para Hans Kelsen, há um escalonamento normativo hierarquicamente disposto numa pirâmide que dará regularidade jurídica ao ordenamento (Kelsen, 2007, p. 123). No vértice dessa pirâmide está a Constituição e, descendo até a base, terão as leis, decretos (ambos atos gerais) e depois a sentença e o ato administrativo (atos individuais) (Ibidem, p. 126). Todo ato cria e aplica o direito, sendo que o maior grau de criação advém ato mais próximo do vértice e o maior grau de aplicação do mais próximo da base sempre, obedecendo à moldura do alto que está acima. Assim explica Hans Kelsen (Ibidem, p. 126):

A liberdade do legislador, que só está subordinado à Constituição, submete-se a limitações relativamente fracas; seu poder de criação permanente relativamente grande. A cada grau que desce, a relação entre liberdade e limitação se modi-fica em favor do segundo termo: a parte da criação aumenta e da livre criação diminui.

Para Hans Kelsen, dentro da execução da norma superior e criando na norma inferior, há um espaço de decisão do intérprete dentro da moldura supe-rior. Por ter essa liberdade de criar o direito dentro da moldura, este agir não é meramente cognitivo, mas volitivo. Há uma discricionariedade política dentro da moldura. A constituição opera-se da aplicação da norma fundamental, que é a única “não produzida através de um acto de vontade, mas apenas mental-mente pressuposta” (Larenz, 1969, p. 93). Todas as possibilidades de produção do direito dentro das molduras superiores estão corretas na teoria pura de Hans Kelsen; não há injustiças dentro das interpretações possíveis (Ibidem, p. 94), e Hans Kelsen deixa isso muito claro quando afirma que:

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A indagação sobre qual das várias possibilidades na moldura de uma norma é a “justa” é – conforme a exposição – não uma indagação dirigida ao conhecimento do direito positivo, não problema jurídico-teórico, mas político-jurídico. A tarefa: obter da lei a sentença judicial justa ou ato administrativo justo é essencialmente o mesmo que criar, na moldura da constituição, as leis justas. Assim como da constituição não se pode obter leis justas, através da interpretação, da lei, tam-bém não se pode obter sentenças justas através da interpretação. (Kelsen, 2013, p. 153 – grifos nossos)

Foge do presente estudo explorar as críticas e virtudes da “Teoria Pura do Direito” de Hans Kelsen pormenorizadamente; no entanto, é preciso frisar qual o objeto de Hans Kelsen na sua teoria: uma metodologia para conceituar o di-reito. A maioria das críticas infundadas feitas à teoria pura do Direito são dentro de uma filtragem interpretativa, o que não foi o seu foco. O ato de vontade para Kelsen é uma idealidade e, como simples ato humano, é alheio ao direito, ou seja, não é objeto da ciência jurídica. Isso significa dizer que o Direito não está fundamentado na moral ou em qualquer outra dimensão que não no próprio Direito. O Direito, portanto, regula sua própria produção através da conhecida pirâmide. O que “produz” esse direito – ato legislativo, ato jurisdicional, ato administrativo – é o ato (ideal) de vontade, mas ele é alheio à ciência jurídica. Embora Kelsen seja um relativista moral e não acredite em resposta correta, ele não apresentou uma teoria da interpretação; é só uma teoria positivista pra conceituar o Direito e aí ela e seu intento se esgotam.

Portanto, além do legislador, o juiz, assim como o administrador, na teo-ria Pura do direito de Hans Kelsen, tem o poder de criar o Direito dentro da moldura normativa superior sendo, dentro desta tradição, livre na conformação.

4 A EVOLUÇÃO HERMENÊUTICA (REFLEXIVA) NA JURISPRUDÊNCIA DO STF NA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL DA LOAS

A jurisprudência é uma das formas de expressão do direito. Diferente da filosofia do direito e da teoria do direito, que são livres de interesses práticos, e sem desconsiderar as interpendências sistêmicas, a jurisprudência tem sempre em vista um ordenamento jurídico determinado e uma atividade jurídica prática (Larenz, 1997, p. 267). Perceber se a decisão judicial do caso ultrapassou os limites do ordenamento cabe às teorias do Direito, das quais algumas tradições exemplificamos nos itens anteriores, e a hermenêutica jurídica, cada qual com o seu olhar. O jurista que decide o caso concreto é um ser histórico e, como tal, é condicionado pela tradição jurídica da comunidade que está inserido. Todas as suas precompreensões que serão usadas no contexto do caso para extrair a norma do texto estarão na sua fusão de horizontes; isso é inexorável dentro da hermenêutica filosófica de Gadamer, que, aqui, adotamos sem afastar uma

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reflexão através de uma dialética habermasiana como fator legitimador (herme-nêutica reflexiva). A fundamentação dessa decisão judicial resolutiva do caso concreto, quando idônea, irá compor a tradição e servirá de horizonte passado para futuras decisões, formando um círculo virtuoso na tradição da comuni-dade jurídica. Portanto, mister um olhar para a jurisprudência dentro de uma perspectiva da teoria do direito para filtrar através da ciência o estágio científico que o precedente se encontra e, assim, orientar os casos futuros dentro de uma expectativa legítima mormente, na temática aqui apresentada, para fins de efe-tivação da cidadania social existencial e a social.

Em que pese a densidade teórica da questão, essa abordagem possui grande interesse prático nos termos de uma justiça social, como veremos no caso analisado a seguir.

Conforme se verificou, ao tratarmos a dignidade da pessoa humana den-tro do esquema de regra (norma de conduta), é possível desenvolver um mínimo de prestações existenciais que orientam o Estado a realizar a cidadania social existencial. Dentro dessas prestações, pode-se verificar que a ajuda aos neces-sitados, e seu instrumento de acesso a justiça, é uma prestação que compõe um mínimo de cidadania social.

A CF/1988 assegurou, em seu art. 203, V, o benefício de assistencial de um salário-mínimo às pessoas portadoras de deficiências e aos idosos (atual-mente com 65 anos ou mais). Trata-se de um benefício da assistência social que compõe, junto com a saúde e previdência social, a Seguridade Social. O legislador, dentro da sua liberdade de conformação, editou a Lei nº 8.742/1993, a qual regulamentou este benefício assistencial no art. 208.

O legislador, ao regulamentar o benefício mínimo aos necessitados pre-visto na CF, elegeu um critério objetivo de miserabilidade: a renda mensal per capita familiar não pode ser igual ou superior a 1/4 (um quarto) do salário-míni-mo para que o idoso, com 65 anos ou mais, ou deficiente farão jus ao benefício de um salário-mínimo. Ou seja, caso o idoso ou deficiente componha uma

8 “Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011). § 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011). § 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011). § 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)”. Para maior compreensão da LOAS e do seu único benefício de prestação pecuniária e continuado, ver SERAU JR., Marco Aurélio; COSTA, José Ricardo Caetano. Benefício assistencial: temas polêmicos. São Paulo: LTr, 2014.

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família de 4 pessoas em que um membro ganhe um salário-mínimo (ou soma de remuneração de todos), ele já não possui direito ao benefício assistencial.

Esse critério de miserabilidade descrito pelo legislador foi questionado no STF. Num primeiro momento, o STF decidiu, na ADIn 1232, pela constitu-cionalidade do critério legal de miserabilidade ponderado pelo legislador em decisão assim ementada:

Constitucional. Impugna dispositivo de lei federal que estabelece o critério para receber o benefício do inciso V do art. 203 da CF. Inexiste a restrição alegada em face ao próprio dispositivo constitucional que reporta à lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário-mínimo à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso. Esta lei traz hipótese objetiva de prestação assistencial do Esta-do. Ação julgada improcedente. (ADIn 1232/DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, Rel. p/o Ac. Min. Nelson Jobim, J. 27.08.1998)

A simples análise da ementa já nos dá o horizonte teórico e compreen-sivo da Corte Suprema neste julgado. Diante da passividade gramatical na con-cretização da assistência social, é manifesto, no nosso entender, o universo da decisão nesta ADIn numa pré-compreensão que culmina na vetusta tradição da Escola Histórica do Direito de Savigny, onde sequer motivou o uso de uma interpretação teleológica da norma constitucional, o que também era proibido por esta tradição, como demonstramos. Poder-se-ia argumentar que a posição do STF nesta ADIn tenha um horizonte passado na tradição da teoria pura do direito de Hans Kelsen; no entanto, a Corte não explorou sequer se a lei legislou dentro da moldura constitucional. Essa decisão também não está enquadrada na Jurisprudência dos Conceitos, pois não se investigou doutrinariamente con-ceito de miserabilidade na tradição doutrinaria ou filosófica (o que, pelo mesmo motivo, já afasta a Jurisprudência dos Valores). Também não se coaduna com a Jurisprudência dos Interesses, pois não se utilizou do elemento histórico do texto através dos trabalhos preparatórios da constituinte. Por razões manifestas aqui demonstradas, a decisão está longe de estar inserida na tradição do Movi-mento para o Direito Livre.

Depois de muitos acessos à justiça, o STF evoluiu nas tradições teóricas na sua jurisprudência e declarou a inconstitucionalidade do critério legal na concessão do benefício da LOAS, nestes termos (grifamos):

Ao apreciar reclamação ajuizada pelo INSS para garantir a autoridade de de-cisão da Corte proferida na ADIn 1232/DF (DJU 09.09.1998), que declarara a constitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 (Lei Orgânica da As-sistência Social – LOAS), o Plenário, por maioria, julgou improcedente o pedido por considerar possível revisão do que decidido naquela ação direta, em razão da defasagem do critério caracterizador da miserabilidade contido na mencio-nada norma. Assim, ao exercer novo juízo sobre a matéria e, em face do que

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decidido no julgamento do RE 567985/MT e do RE 580963/PR, confirmou a in-constitucionalidade do: a) § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993, que estabelece a renda familiar mensal per capita inferior a 1/4 do salário-mínimo para a conces-são de benefício a idosos ou deficientes; e b) parágrafo único do art. 34 da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) [“Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário--mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS. Parágrafo único. O benefício já concedido a qualquer membro da família nos termos do caput não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS”]. [...] Asseverou-se que o critério legal de “renda familiar per capita inferior a um quarto do salário-mínimo” estaria defasado para carac-terizar a situação de miserabilidade. Destacou-se que, a partir de 1998, data de julgamento da mencionada ADIn, outras normas assistenciais foram editadas, com critérios mais elásticos, a sugerir que o legislador estaria a reinterpretar o art. 203, V, da CF [...]. Aduziu-se ser possível que o STF, via julgamento da presente reclamação, pudesse revisar o que decidido na ADIn 1232/DF e exer-cer nova compreensão sobre a constitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993. Obtemperou-se que, hodiernamente, o STF disporia de técnicas diversificadas de decisão para enfrentar problemas de omissão inconstitucional. Se fosse julgada hoje, a norma questionada na ADIn 1232/DF poderia ter inter-pretação diversa, sem necessidade de se adotar posturas de autocontenção por parte da Corte, como ocorrera naquele caso. Frisou-se que, no atual contexto de significativas mudanças econômico-sociais, as legislações em matéria de benefí-cios previdenciários e assistenciais teriam trazido critérios econômicos mais ge-nerosos, com consequente aumento do valor padrão da renda familiar per capita. Consignou-se a inconstitucionalidade superveniente do próprio critério definido pelo § 3º do art. 20 da LOAS. Tratar-se-ia de inconstitucionalidade resultante de processo de inconstitucionalização em face de notórias mudanças fáticas (polí-ticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefí-cios assistenciais por parte do Estado). Pontuou-se a necessidade de se legislar a matéria de forma a compor um sistema consistente e coerente, a fim de se evitar incongruências na concessão de benefícios, cuja consequência mais óbvia seria o tratamento anti-isonômico entre os diversos beneficiários das políticas gover-namentais de assistência social. [...]. (RCL 4374/PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, 18.04.2013 – grifos nossos)

Como se percebe, o STF, na nova decisão, além de não se utilizar do ele-mento gramatical da interpretação, postura esta que pode ser classificada como uma “parcialidade positiva”9, afastou-se das opiniões prévias sobre o contexto

9 A “parcialidade positiva do juiz” (SOUZA, Artur Cézar. A parcialidade positiva do juiz (justiça parcial) como critério de realização – no processo jurisdicional – das promessas do constitucionalismo social. In: VAZ, Paulo Afonso Brum; SAVARIS, José Antonio (Org.). Direito da previdência e assistência social: elementos para uma compreensão interdisciplinar. Florianópolis: Conselho Editorial, p. 329-361) “tem por finalidade a efetivação

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econômico e social que fundamentaram a decisão anterior através de uma her-menêutica reflexiva na matéria considerando, para uma nova pré-compreensão, fusão de horizontes, as notórias mudanças fáticas e jurídicas que influenciam o contexto do julgado, exercendo, assim, uma nova compreensão sobre o concei-to constitucional de miserabilidade.

É possível enquadrar a decisão na RCL 4374/PE dentro da Jurisprudência dos Interesses, pois destacou que, a partir do julgamento da ADIn 1232 em 1998, outras normas assistenciais foram editadas, com critérios mais abrangen-tes, a sugerir que o legislador estaria a reinterpretar o art. 203, V, da CF de forma mais elástica que outrora. O trecho final que declara que é necessário legislar a matéria de forma a compor um sistema consistente e coerente, a fim de se evitar incongruências na concessão de benefícios, sob pena de violar a isonomia en-tre os diversos beneficiários das políticas governamentais de assistência social, demonstra que o STF considerou que o legislador ultrapassou a moldura consti-tucional afastando-se do seu espaço de criação, o que nos autoriza a enquadrar a decisão dentro da teoria pura do direito de Hans Kelsen.

Como se pode perceber, com a inconstitucionalidade do conceito de mi-serabilidade dado pela LOAS, foi manifesta a evolução jurisprudencial do STF na realização da justiça social e concretização da cidadania social existencial. A adoção de uma reflexão para abrir os horizontes da interpretação contribuiu para a incidência de uma postura teórica mais evolutiva da dignidade da pessoa humana.

CONCLUSÃO

Diante do atual estágio da evolução dos direitos do homem, verificou-se que há uma cidadania social existencial que, se tratarmos a dignidade da pessoa humana como regra jurídica, é possível encontrar, dentro de uma das presta-ções da dignidade da pessoa humana, a assistência social aos desamparados.

Em que pese a ontologia da interpretação descrita por Gadamer, na sua hermenêutica filosófica é essencial, para se afastar de opiniões prévias dadas pela autoridade da tradição, uma dialética reflexiva conforme advoga Habermas para consumar, assim, uma hermenêutica reflexiva. Assim, essa pers-pectiva inclusiva da hermenêutica gadameriana e da dialética habermasiana são fatores para uma teoria jurídica emancipadora.

material dos princípios fundamentais previstos na Constituição Federal” (p. 352). Afinal, “[...] se é dever da República a construção de uma sociedade mais justa, solidária, erradicando-se a pobreza e as desigualdades sociais, e sendo a atividade jurisdicional uma atividade proveniente da República Federativa do Brasil, não há dúvida de que a realização desses fins e a execução dessas tarefas também hão de ser desenvolvidas no âmbito do processo civil ou penal. [...]” (p. 353).

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Verificou-e que a postura do juiz diante de um caso concreto para se fazer justiça variou através das tradições jurídica desde a Escola Histórica do Di-reito de Savigny, passando pela Jurisprudência dos Conceitos, pelo Movimento para o Direito Livre pela Jurisprudência dos Interesses, pela Jurisprudência dos Valores e pela teoria pura do direito.

Analisando a evolução da jurisprudência do STF na concessão do bene-fício assistencial da LOAS, pode-se perceber o quanto que uma hermenêutica reflexiva sobre o fato social miserabilidade trouxe para uma compreensão livre da literalidade savigniana, bem como conduziu a Corte para a efetivação da justiça social e da realização da cidadania social existencial.

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Assunto Especial – Doutrina

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Cidadania Social

Paradigma Procedimentalista do Direito e Justiça Social: os Exemplos do Gênero e da Sexualidade

Proceduralist Paradigm of Law and Social Justice: the Gender and Sexuality Examples

CLARA mASIERO1

Doutoranda em Direito pela Unisinos/RS, Bolsista Capes/Proex, Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS, Professora do Curso de Direito da Estácio/FARGS.

Submissão: 07.07.2015Decisão Editorial: 27.08.2015Comunicação ao Autor: 27.08.2015

RESUMO: Este artigo trata do paradigma procedimentalista do direito de Jürgen Habermas e sua contribuição para a realização da justiça social, tomando como exemplos os casos de injustiças decorrentes do gênero e da sexualidade. Ao apresentar uma alternativa aos modelos liberal e de bem‑estar do direito, o procedimentalismo oferece uma saída para o dilema da injustiça social tri‑dimensional (tal como desenvolvida por Nancy Fraser), isto é, que pode ser causada tanto pela má‑distribuição (econômica), quanto pela ausência de reconhecimento (cultural ou simbólico) e/ou pela falha na representação (política). A questão que se coloca é como legitimar o direito e a jurisdição (sobretudo a constitucional) diante da falibilidade das normas jurídicas e do avanço dos conteúdos constitucionais no sentido da materialização de direitos e, portanto, de diminuição das injustiças. Tanto Habermas quanto Nancy Fraser verão a solução no fortalecimento da esfera pública. É dizer, na necessidade de participação democrática, via discurso e representação política, de todos os cidadãos nas discussões de seus direitos. O processo deliberativo sobre a interpretação de inte‑resses conflitantes operaria uma grande mudança na natureza das instituições jurídicas, no sentido de tornarem‑se veículos de promoção dos interesses democráticos.

PALAVRAS‑CHAVE: Paradigma procedimentalista do direito; teoria da justiça tridimensional; gênero; sexualidade.

ABSTRACT: This paper deals with the Jürgen Habermas’s proceduralist paradigm of law and its con‑tribution to the achievement of social justice, taking as examples the cases of gender and sexuality

1 Disponível em: <http://lattes.cnpq.br/6572411788188981>.

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injustices. By presenting an alternative to both liberal and welfare models of law, the proceduralism offers a way out of the dilemma of social injustice, no matter what dimension(tridimensional theory): caused by bad distribution (economic), by lack of recognition (cultural or symbolic) or by failure repre‑sentation (politics). Both Habermas, as Nancy Fraser, see the solution on strengthening democratic participation, via speech and political representation of all citizens in discussions of their rights.

KEYWORDS: Proceduralist paradigm of law; tridimensional theory of justice; gender; sexuality.

SUMÁRIO: Introdução; 1 O paradigma procedimentalista e a teoria discursiva do direito de Habermas; 2 O paradigma procedimentalista e a realização da justiça social democrática: os exem‑plos de gênero e da sexualidade; 3 O exemplo das políticas de equiparação em razão do gênero; 4 A sexualidade e o novo marco de busca pela justiça social; Conclusões; Referências.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como tema o paradigma procedimentalista do direito de Jürgen Habermas e sua contribuição para a realização da justiça social, en-tendida em sua conotação tridimensional, tal como desenvolvida por Nancy Fraser. Adota-se a teoria tridimensional da justiça de Nancy Fraser porque, para além de entender essa teoria como adequada para lidar com a complexidade das sociedades atuais, ela vai ao encontro da compreensão procedimentalista. Assim, procura-se estabelecer um diálogo entre Habermas e Fraser. Além desse viés teórico, o artigo busca, ainda, visualizar, na prática, a pertinência de ambas as teorias, por meio da análise de duas formas de injustiça social presentes na sociedade: a relativa à questão do gênero e a relativa à questão das sexualidades (é dizer, orientação sexual e identidade de gênero).

A escolha desses dois grupos em especial deu-se porque representam duas formas de desigualdades em estágios diferentes de “evolução”, até mesmo antagônicos: enquanto as mulheres passaram por diversas fases de reconheci-mento de direitos (desde o reconhecimento da igualdade formal até a necessi-dade de políticas de equiparação material e, ainda, mais recentemente, a busca pelo fortalecimento do reconhecimento político, por meio de quotas nas elei-ções, por exemplo), os homossexuais e transexuais, por sua vez, representam o novo paradigma de reconhecimento de direitos civis das sociedades atuais. No Brasil, por exemplo, não lograram o reconhecimento legal de nenhum direito civil específico (tais como possibilidade de casamento igualitário, adoção, mu-dança de nome, de gênero), tendo encontrado, por outro lado, no Judiciário, um espaço proveitoso para a conquista de direitos (fruto do crescente ativismo judicial, sobretudo constitucional).

Aí advém o problema científico que este artigo procura enfrentar: como a teoria procedimentalista de Habermas dialoga com a teoria tridimensional da

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justiça de Fraser e de que forma essas teorias atendem, na prática, às necessida-des que emergem das injustiças decorrentes do gênero e da sexualidade?

Habermas dedicou-se explicitamente ao estudo do direito em sua obra Faktizität und Geltung2, momento em que desenvolve uma compreensão pro-cedimentalista do direito e debruça-se sobre debates centrais do direito, con-cernentes especialmente às questões de fundamentação dos sistemas jurídicos, à aplicação de normas pelos tribunais (racionalidade da jurisdição) e à legiti-midade de tribunais para exercer o controle de constitucionalidade (jurisdição constitucional), inclusive dos poderes Legislativo e Executivo.

Essa teoria é apoiada no princípio do discurso, segundo o qual as normas jurídicas são válidas na medida em que todos os possíveis afetados por ela pu-deram participar no discurso racional de sua criação. Vê-se, desde já, a ligação que se estabelece entre o direito e a democracia, estampada no título da obra. Com efeito, o compreensão procedimentalista de Habermas concebe a legiti-mação do direito no procedimento democrático de sua criação.

Dessa forma, assim como o direito retira sua legitimação do procedimen-to democrático, ele também deve garantir esse mesmo procedimento, por meio de um sistema de direitos que assegure a igualdade de participação no processo de formulação da lei. Trata-se do que Habermas chama de autonomia pública, a qual, por sua vez, só é plenamente garantida na medida em que se assegure a autonomia privada, que nada mais é do que os direitos fundamentais das pes-soas. É que, tão somente, com a satisfação de ambas as esferas pode-se falar em verdadeira autodeterminação dos cidadãos.

Daí que se percebe a convergência das compreensões de Habermas e Fraser. É que Fraser também entrelaça as esferas pública e privada e, ainda, da mesma forma que Habermas, destaca a relevância da representação política dos cidadãos como forma de alcançar a realização da justiça social.

O artigo está dividido em duas partes: primeiro, dedica-se ao paradigma procedimentalista e à teoria discursiva do direito de Habermas; segundo, ao diálogo entre esse paradigma e a teoria tridimensional da justiça de Fraser, por meio de análise teórica e prática, a partir do estudo de dois exemplos práticos: das políticas voltadas à equiparação da mulher e ao reconhecimento de direitos que são obstaculizados em decorrência da sexualidade.

Percebe-se, nessa medida, que as teorias estudadas no decorrer do traba-lho apresentam-se como caminho para a superação tanto da dominação mas-

2 Edição brasileira: HABERMAS, Jurgen. Direito e democracia: entre facticidade e validade. Trad. Flávio Beno Siebneicheler. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2 v.

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culina quanto da heteronormatividade, por meio da promoção da democracia deliberativa.

1 O PARADIGMA PROCEDIMENTALISTA E A TEORIA DISCURSIVA DO DIREITO DE HABERMAS

De acordo com Habermas (2011), paradigmas do direito abrem perspec-tivas para a compreensão do modo como uma dada sociedade realiza sua in-terpretação do sistema dos direitos e dos princípios do Estado de direito. Nesse sentido, o paradigma procedimentalista representa o atual paradigma jurídico das sociedades nas quais vigoram Estados Democráticos de Direito, diz o au-tor: “Eu parto da ideia de que os sistemas jurídicos surgidos no final do século XX, nas democracias de massas dos Estados sociais, denotam uma compreen-são procedimentalista do direito” (Habermas, 2012, p. 242). Trata-se, segundo Habermas, de um novo paradigma que resulta da controvérsia ou insuficiência dos paradigmas do direito liberal (identificado pelo autor com o direito formal burguês) e social (identificado pelo autor com o direito materializado do Estado social).

O direito formal burguês e o direito materializado do Estado social constituem os dois paradigmas jurídicos mais bem-sucedidos na moderna história do direito, continuando a ser fortes concorrentes. Interpretando a política e o direito à luz da teoria do discurso, eu pretendo reforçar os contornos de um terceiro paradigma do direito, capaz de absorver os outros dois. (Habermas, 2012, p. 242)

A disputa pela compreensão paradigmática correta de um sistema jurídi-co ou, em outras palavras, a disputa pela melhor interpretação de um sistema de direitos é, no fundo, uma disputa política. Logo, não se trata de preocupação isolada aos especialistas, mas deve envolver, no Estado Democrático de Direito, toda a arena política. Afinal, os especialistas (e sua doutrina jurídica) “não têm autoridade científica para impor uma compreensão da Constituição, a ser assi-milada pelo público dos cidadãos” (Habermas, 2011, p. 132).

A compreensão da Constituição é questão central na disputa paradigmá-tica do direito, pois é o documento político que determina a organização e o funcionamento do Estado. O paradigma jurídico liberal representa a concepção sobre a realização do sistema de direitos da sociedade do capitalismo liberal de fins do século XIX e sofre, segundo Habermas (2011), de uma “cegueira social”, dado que é incapaz de perceber que as desigualdades existentes em uma so-ciedade de mercado podem fazer com que os direitos subjetivos formalmente iguais apenas sirvam para encobrir e preservar um estado de desigualdades fatu-almente existente, e até mesmo para bloquear possíveis iniciativas no sentido de reverter tais desigualdades (Oliveira, 2006). É dizer, a Constituição deveria fazer uma separação entre a esfera de uma sociedade econômica, livre do Estado, na qual os indivíduos buscam sua felicidade e seus próprios interesses de forma

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autônoma e privada, e a esfera estatal da persecução do bem comum. A isso corresponde a compreensão negativa dos direitos fundamentais, como meros direitos de defesa referidos ao Estado.

Com isso, o direito privado estruturou-se como um domínio jurídico sis-tematicamente fechado e autônomo, a salvo da força impregnadora de uma ordem constitucional democrática e tinha tão somente que garantir o status negativo da liberdade de sujeitos de direito, ao passo que o direito público estaria subordinado à esfera do Estado autoritário. No entanto, a partir da ins-tauração da República de Weimar (1919-1933), não era mais possível opor o direito privado ao direito público, falando-se em submissão do direito privado a princípios do direito público e destruição do edifício autônomo de um sistema jurídico unitário.

Trata-se do advento do primado da constituição democrática sobre o di-reito privado, acelerado após a Segunda Guerra Mundial pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão. O objetivo do direito privado não podia mais limitar-se à garantia da autodeterminação individual, devendo colo-car-se também a serviço da realização da justiça social. Isso porque a liberdade jurídica só pode ser implantada através da materialização de direitos existentes ou da criação de novos tipos de direito (capazes de incrementar pretensões a uma distribuição mais justa da riqueza produzida socialmente). Com isso, afir-ma Habermas (2011, p. 137):

Não houve nenhuma mudança no pensamento acerca da autonomia privada, a qual se expressa através do direito a um máximo de liberdades de ação subjetivas iguais para todos. No entanto, modificaram-se os contextos sociais nos quais se deve realizar harmoniosamente a autonomia privada de cada um.

A materialização decorre do fato de que “a liberdade de direito não pos-sui valor sem a liberdade de fato, ou seja, sem a possibilidade concreta de escolher entre aquilo que é permitido” (Alexy, 2012, p. 450). A partir de então, não se confia mais na ficção da igualdade dos sujeitos, admitindo-se a necessi-dade de o direito intervir para compensar as assimetrias nas posições do poder econômico.

A substituição do modelo liberal pelo direito materializado representa a superação do paradigma liberal pelo paradigma social, o qual vem a repre-sentar, por sua vez, a concepção sobre a realização do sistema de direitos do Estado de bem-estar social. Esse paradigma também carece de uma “insensi-bilidade”, na medida em que a máquina burocrática não é capaz de perceber as “limitações impostas à autodeterminação” dos clientes dos Estados de bem--estar social.

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Em fins do século XX, passou-se a perceber, então, que o paradigma jurídico social (e seu Estado de bem-estar social) traziam consequências indese-jadas, a que Habermas denominou de paternalismo. Isso porque as regulações do Estado de bem-estar social acabaram por fragilizar a autonomia pública dos cidadãos. A partir de então, na medida em que não constitui razão retornar ao paradigma liberal, surge a necessidade de se pensar um novo paradigma:

Com o esgotamento do paradigma do Estado social, vieram à tona problemas relevantes para os especialistas em Direito, levando-os a pesquisar os modelos sociais inseridos no Direito. As tentativas da doutrina jurídica visando a superar a oposição entre Estado social e direito formal burguês, criando relações mais ou menos híbridas entre os dois modelos, promoveram/desencadearam uma com-preensão reflexiva da Constituição: e tão logo a Constituição passou a ser enten-dida como um processo pretensioso de realização do direito, coloca-se a tarefa de situar historicamente esse projeto. (Habermas, 2011, p. 131)

Com efeito, as causas que levaram às regulamentações do Estado social não se eliminam simplesmente por meio de desregulamentações, mais que isso: a ideia do novo paradigma é continuar com o modelo social, porém em um nível de reflexão superior. Nesse sentido, C. R. Sunstein “extrai das consequên-cias, até certo ponto contraprodutivas dos programas do Estado social, a lição de que é preciso instaurar um novo consenso para saber como os princípios da Constituição americana podem ser realizados sob condições de um Estado ‘regulatório’”3.

Há de se pensar como o conteúdo normativo do Estado Democrático de Direito pode ser explorado efetivamente. Aí que Habermas (2011, p. 126) desenvolve o paradigma procedimentalista do Direito: de modo a contribuir com um “projeto constitucional talhado segundo o formato de sociedades com-plexas”.

O paradigma procedimentalista do Direito, que visa a fornecer elementos para sair do impasse criado pelo modelo do Estado social, apoia-se nas seguin-tes premissas: (a) não é mais possível/recomendável voltar ao modelo neoliberal da sociedade burguesa e seu direito liberal; (b) há uma juridificação no interior do Estado social que impede reconstruir a autonomia privada (paternalismo); e (c) o projeto do Estado social não pode ser simplesmente congelado ou inter-rompido: é preciso continuá-lo em um nível de reflexão superior.

O que Habermas (2011, p. 148) visualiza, a partir desse paradigma, é a possibilidade de “domesticar o sistema econômico capitalista, ‘transformando--o’, social e ecologicamente, por um caminho que permita ‘refrear’ o uso do

3 SUNSTEIN, C. R. After the rights revolution. Cambridge: Mass, 1990, p. 170 apud HABERMAS, 2012, p. 312.

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poder administrativo, sob dois pontos de vista”: o da eficácia e o da legitimida-de, que lhe permita retroligar-se ao poder comunicativo e imunizar-se contra o poder ilegítimo. Para tanto, há de se superar o paternalismo do Estado social, afinal, como insiste Habermas, os direitos só se tornam socialmente eficazes quando os atingidos são suficientemente informados e, inclusive, capazes de atualizar a proteção do direito. Isto é, os cidadãos devem ter competência para mobilizar o direito. Daí a necessidade de uma política compensatória, inclusi-ve, de proteção jurídica, capaz de fortalecer o conhecimento do direito, a esco-laridade, a representatividade política. Enfim, há a necessidade de estabelecer igualdade jurídica face às desigualdades de fato.

Afinal, como já foi desvendado desde o paradigma jurídico social, nem sempre a igualdade de direito reflete a igualdade de fato; deve-se, portanto, decidir caso a caso quando o tratamento de determinada questão exigirá uma equiparação fática. O paradigma procedimentalista coloca em relevo este du-plo aspecto: de um lado a relação normativa entre igualdade de direito e de fato; de outro, a autonomia privada e pública.

Um programa jurídico é discriminador quando não leva em conta as limitações da liberdade derivadas de desigualdades fáticas; ou paternalista, quando não leva em conta as limitações da liberdade que acompanham as compensações ofere-cidas pelo Estado, tendo em vista essas desigualdades. (Habermas, 2011, p. 157)

É o que ocorre com os paradigmas liberal e social do Direito, na medida em que interpretam a realização do Direito de modo demasiado concretista, ocultando a relação interna que existe entre autonomia privada e pública e, com isso, perdem de vista o sentido democrático da auto-organização de uma comunidade jurídica. Cometem, portanto, o mesmo erro: reduzem a justiça a uma distribuição igual de direitos, ou seja, “entendem a constituição jurídica da liberdade como ‘distribuição’ e a equiparam ao modelo da repartição igual de bens adquiridos ou recebidos” (Habermas, 2011, p. 159).

Ocorre que os direitos não podem ser distribuídos; são relações, e não coisas. Habermas utiliza-se de Iris Marion Young – destacada filósofa política estadunidense que se dedicou ao estudo de teorias de justiça e feminismo – para afirmar que os direitos têm a ver com o fazer, mais do que com o ter: “A justiça não deveria referir-se somente à distribuição, mas também às condições institucionais necessárias ao desenvolvimento e ao exercício das capacidades individuais, da comunicação e da cooperação coletiva”4. Da mesma forma, como será abordado adiante, Nancy Fraser também destaca a necessidade de

4 YOUNG, Iris Marion. Justice and the politics of difference. Princeton, 1990, p. 39 apud Habermas, 2011, p. 160.

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atendimento de três dimensões para a realização da justiça: a econômica (dis-tribuição), a cultural (reconhecimento) e a política (representação).

Segundo a compreensão procedimentalista, “a concretização de direi-tos fundamentais constitui um processo que garante a autonomia privada de sujeitos privados iguais em direitos, porém em harmonia com a ativação de sua autonomia enquanto cidadãos” (Habermas, 2011, p. 169). Trata-se de as-segurar tanto a autonomia pública quanto a privada, na medida em que elas se pressupõem mutuamente5. Com efeito, “as liberdades de ação individuais do sujeito privado e a autonomia pública do cidadão ligado ao Estado possibilitam--se reciprocamente” (Habermas, 2002, p. 290). É que as pessoas só podem ser autônomas à medida que lhes seja permitido, no exercício de seus direitos civis, compreender-se como autores dos direitos aos quais devem prestar obediência.

Nesse sentido, a função dos direitos fundamentais não pode mais apoiar--se nas concepções sociais embutidas no paradigma liberal de direito; portanto, não pode limitar-se a proteger os cidadãos autônomos contra os excessos do aparelho estatal. A autonomia privada requer mais do que isso, na medida em que ela depende “do modo e da medida em que os cidadãos podem efetiva-mente assumir os direitos de participação e de comunicação de cidadãos do Es-tado” (Habermas, 2012, p. 326), que nada mais é do que sua autonomia públi-ca, a qual é determinada (ou proporcionada) pelo procedimento democrático.

Vê-se, portanto, que o objetivo central do paradigma procedimentalis-ta do direito é o de “proteger, antes de tudo, as condições do procedimento democrático” (Habermas, 2011, p. 183). Aí que Cláudio Ladeira de Oliveira (2006, p. 311) afirma que a exigência que mais distingue esse paradigma dos demais é a da participação de todos os concernidos na formulação pública de seus interesses e soluções de problemas, isto é, uma demanda por “democra-tização progressiva”. Nesse sentido, segundo essa compreensão democrática, Habermas (2011, p. 149-150) destaca que é preciso que

a proteção jurídica coletiva não se resumisse a aliviar o indivíduo através de uma representação competente, mas o engajasse na percepção organizada, na articu-lação e na imposição de seus próprios interesses. Se se quiser impedir que a tutela por parte do Estado social se alastre ainda mais por este caminho, é necessário que a pessoa envolvida experimente a organização da proteção do direito como um processo político e que ela mesma participe na construção do contrapoder articulando os interesses sociais.

O procedimento democrático apresenta-se, hoje, no entender de Habermas, como a única fonte pós-metafísica da legitimidade; afinal, como

5 “O direito moderno legitima-se a partir da autonomia garantida de maneira uniforme a todo cidadão, sendo que a autonomia privada e pública pressupõem-se mutuamente.” (Habermas, 2002, p. 286)

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o autor afirma no prefácio de Direito e democracia, “numa época de política inteiramente secularizada, não se pode ter nem manter um Estado de direito sem democracia radical” (Habermas, 2012, p. 13). Tem-se, aqui, mais um nexo conceitual amarrado por Habermas – ao lado dos nexos da igualdade de fato/igualdade de direito e da autonomia pública/autonomia privada – que é o do Estado de direito com a democracia.

A relação entre Estado de Direito e democracia resulta do fato de que em sociedades pluralistas, nas quais as próprias éticas coletivamente impositivas e as cosmovisões se desintegram, não se pode mais fundar a legitimidade em um direito natural, antes fundado na religião ou na metafísica; nem em uma “ideia platônica, segundo a qual o direito positivo pode extrair sua legitimidade de um direito superior6” (Habermas, 2011, p. 310); e, tampouco, em uma posição empirista “que nega qualquer tipo de legitimidade que ultrapasse a contingên-cia das decisões legisladoras” (Habermas, 2011, p. 310). Ainda, nas condições do pensamento pós-metafísico, o próprio Estado perdeu sua substância sagrada; com isso, para que o Estado de direito não corra perigo, Habermas defende sua democratização progressiva.

2 O PARADIGMA PROCEDIMENTALISTA E A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA SOCIAL DEMOCRÁTICA: OS EXEMPLOS DE GÊNERO E DA SEXUALIDADE

A cada um dos paradigmas de modelo Estatal (liberal, bem-estar e demo-crático de direito) corresponde um período específico da luta pelos direitos hu-manos e, consequentemente, pela realização da justiça social. Assim, pode-se falar nos direitos de primeira geração (liberdade x dominação), segunda geração (igualdade x exploração) e de terceira geração (autonomia e subjetividade x alienação). Veja-se que essa divisão só é clara no que tange aos países centrais. Nos países periféricos, não é possível pensar a luta pelos direitos humanos de modo sequencial, nem faz muito sentido falar em gerações de direitos huma-nos, pois eles foram “forçados a um curto circuito histórico, uma luta simultâ-nea contra a dominação, a exploração e a alienação” (Santos, 1989, p. 10).

No modelo liberal, em que se dá a expansão e consolidação normativa dos direitos civis e políticos, as lutas sociais eram conduzidas pelos trabalhado-res e visavam a confrontar e democratizar a forma política das relações sociais capitalistas de dominação. Nesse sentido, tinham a liberdade como valor demo-crático dominante. No modelo de bem-estar, tem-se a normatização dos direi-tos sociais e econômicos. As lutas sociais tinham como alvo, portanto, a forma social e econômica dessas relações, isto é, a exploração da classe operária.

6 O direito superior a que o autor se refere é o do preceituado pelo positivismo normativista de Hans Kelsen (1999), para quem o direito legitima-se a partir de sua concordância com a norma fundamental, que é uma ficção jurídica que serve justamente para servir como legitimação abstrata do direito.

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Logo, o valor dominante era a igualdade econômica. Já no modelo do Estado Democrático de Direito, a realização da justiça social torna-se mais complexa e exige, ainda, os direitos de terceira geração: culturais, pós-materialistas. As lutas sociais incidem, preferencialmente, na dimensão simbólico-cultural das desi-gualdades, isto é, na alienação. Os valores dominantes são, então, a autonomia e a subjetividade (Santos, 1989).

É que, a partir dos anos 70 e 80 nos países centrais e a partir do final dos anos 80 nos periféricos, surgem os chamados “novos movimentos sociais”, que não lutam mais tanto pela sobrevivência econômica ou distribuição de bens materiais, mas, principalmente, lutam por reconhecimento7 ou distribuição de bens imateriais.

De acordo com a tipologia desenvolvida por Axel Honneth, a negativa de reconhecimento gera uma violência física, consistente no impedimento de alguém estar fisicamente seguro no mundo, e uma violência não física, consis-tente na exclusão de alguém de uma esfera de direitos e na negativa de valor a uma forma de ser ou de viver, a qual, segundo José Reinaldo de Lima Lopes (2006, p. 34), é a que “está por trás das formas de tratamento degradante e insultuoso a certas pessoas e grupos, pois promove o desrespeito por formas individuais ou coletivas de viver”.

Assim, surgem os chamados novos movimentos sociais, os quais muda-ram o conteúdo da reivindicação: ecologismo, feminismo, pacifismo, nacio-nalismo, antirracismo – questões essas ignoradas pelos clássicos de corte mais econômico paradigmático da esquerda marxista. Dá-se um giro ideológico, pois os novos movimentos sociais questionam, em última análise, certos pilares so-cioculturais emblemáticos da modernidade. Assim: o ecologismo questiona o industrialismo; o pacifismo, a necessidade de exércitos; os nacionalismos, a naturalidade de Estados nacionais modernos; o Queer, a cultura sexofóbica e heteronormativa.

Ocorre que, como diz Fraser (1995), a história não acaba aqui:

Evidentemente, ahí no acaba la historia. Las luchas por el reconocimiento tienen lugar en un mundo de desigualdades materiales exacerbadas. La desigualdad material va en aumento en la mayoría de los países del mundo, en los Estados Unidos y en Haití, en Suecia y en la India, en Rusia y en Brasil. También está

7 “[...] a integridade do ser humano se deve de maneira subterrânea a padrões de assentimento ou reconhecimento [...]; pois, na autodescrição dos que se veem maltratados por outros, desempenham até hoje um papel dominante categorias morais que, como as de ‘ofensa’ ou de ‘rebaixamento’, se referem a formas de desrespeito, ou seja, às formas do reconhecimento recusado. Conceitos negativos dessa espécie designam um comportamento que não representa uma injustiça só porque ele estorva os sujeitos em sua liberdade de ação ou lhes inflige danos; pelo contrário, visa-se àquele aspecto de um comportamento lesivo pelo qual as pessoas são feridas numa compreensão positiva de si mesmas, que elas adquiriram de maneira intersubjetiva.” (Honneth, 2003, p. 213)

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aumentando globalmente, y de forma más acentuada de acuerdo con la línea que divide el norte del sur.

O que a autora quer dizer com isso é que há problemas nessa simples (ou reducionista) perspectiva de substituir o foco da reivindicação político-social da distribuição para o reconhecimento. Segundo a autora, está-se diante “uma nova constelação na gramática de criação política de reivindicações, que é preocupante por dois motivos” (Fraser, 2010): (1) o problema de deslocamento e (2) o problema de reificação.

O problema de deslocamento (1) dá-se porque este movimento de subs-tituir a luta por redistribuição pela luta por reconhecimento está ocorrendo em uma época de aceleração da globalização econômica, que tem acarretado um capitalismo agressivamente expansivo e que está exacerbando radicalmente a desigualdade econômica. Nesse sentido, a injustiça socioeconômica persiste nas sociedades contemporâneas, agora ao lado da injustiça cultural ou simbóli-ca e “ambas están arraigadas en procesos y prácticas que perjudican a algunos grupos de personas frente a otros” (Fraser, 1995). Logo, ambas devem ser solu-cionadas para a realização da justiça social, até porque elas se encontram, em muitos casos, imbricadas, até o ponto de reforçaram-se mutuamente.

O segundo problema que a luta por reconhecimento pode trazer, de acordo com Fraser, é o da reificação (2). O que a autora diz é que, apesar dos conflitos de reconhecimento de hoje em dia estarem “acontecendo em um mo-mento de imenso aumento de interação e comunicação transcultural, quando a migração acelerada e os fluxos da mídia global estão miscigenando e plura-lizando as formas culturais” (Fraser, 2010), os rumos que eles tomam, muitas vezes, “é útil não para promover a interação respeitosa dentro de contextos progressivamente multiculturais, mas para simplificar e reificar drasticamente identidades de grupo” (Fraser, 2010).

Ou seja, deve-se cuidar para que a luta pelo reconhecimento da iden-tidade ou da diferença não se converta no separatismo, na intolerância e no chauvinismo, no patriarcalismo e no autoritarismo. Segundo Fraser (2010), um modelo identitário de reconhecimento que valoriza o monologismo, supondo que as pessoas não reconhecidas podem e devem construir suas identidades por iniciativa própria, tende a negar suas próprias premissas hegelianas, as quais tomam a identidade como dialógica, construída por meio de interação com outros sujeitos.

O modelo identitário de reconhecimento, então, está profundamente defeituo-so. Teoricamente deficiente, bem como politicamente problemático, equipara a política de reconhecimento com a política identitária e, ao fazer isso, encoraja tanto a reificação de identidades de grupo, como o deslocamento de políticas de redistribuição. (Fraser, 2010)

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Claro que nem todas as formas de política de reconhecimento são igual-mente perniciosas. Fraser (2010) reconhece que algumas representam respostas genuinamente emancipatórias a sérias injustiças que não podem ser corrigidas somente pela redistribuição. É por isso que ela não irá simplesmente rechaçar de modo incondicional todas as políticas de identidade; pelo contrário, ela irá desenvolver uma teoria crítica do reconhecimento que “identifique y propugne únicamente aquellas versiones de la política cultural de la diferencia que pue-dan combinarse de manera coherente con una política social de la igualdad” (Fraser, 1995). Afinal, quando adequadamente concebida, “a luta por reconhe-cimento pode auxiliar a redistribuição de poder e riqueza, bem como promover interação e cooperação entre diferenças incomensuráveis” (Fraser, 2010).

Nesse sentido, Frase propõe pensar o reconhecimento como subordina-ção de status e não de identidade. De acordo com a autora (1995), considerar o reconhecimento como uma questão de status significa

averiguar os padrões institucionalizados de valor cultural com respeito a seus efeitos sobre a posição relativa dos atores sociais. Se e quando tais modelos ins-tituem atores como pares, capazes de participar no mesmo nível um com o outro na vida social, então podemos falar de reconhecimento recíproco e de igualdade de status. Quando, ao contrário, eles instituem alguns atores como inferiores, ex-cluídos, inteiramente outros, ou simplesmente invisíveis – ou seja, como menos do que parceiros integrais em interação social –, então podemos falar de não--reconhecimento e subordinação de status.

Com isso, no modelo de status, o não-reconhecimento é praticado por meio de modelos institucionalizados, isto é, por meio de instituições sociais que regulam a interação conforme normas culturais que impedem a paridade. As-sim, o não-reconhecimento é uma relação institucionalizada de subordinação social. Exemplos de não-reconhecimento incluem leis relativas ao casamen-to que excluem uniões homossexuais, assim como políticas que estigmatizem mães solteiras.

Como esses exemplos sugerem, o não-reconhecimento pode assumir vá-rias formas. Considere-se, novamente, o caso das leis matrimoniais que negam a paridade de participação a gays e lésbicas: a raiz da injustiça é a institucio-nalização na lei de um padrão heterossexista de valor cultural que constitui os heterossexuais como normais, e os homossexuais como perversos. Reparar essa injustiça requer, portanto, a desinstitucionalização daquele padrão de valor e a substituição dele por uma alternativa que promova a paridade.

O que se busca, então, não é uma valorização da identidade de grupo, mas antes a superação da subordinação. Assim, “as reivindicações por reconhe-cimento procuram estabelecer a parte subordinada como um parceiro integral na vida social, capaz de interagir com outros como pares” (Fraser, 2010). Elas

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objetivam, em outras palavras, desinstitucionalizar padrões de valor cultural que impedem a paridade de participação, bem como repô-los com padrões que a favorecem.

Trata-se, em última análise, de procurar garantir a capacidade de todas as pessoas de participarem como pares na vida social. Para se alcançar tal intento, não há um modelo a priori; irá depender de cada caso de não-reconhecimento. Em alguns casos, os grupos subordinados a algum tipo de não-reconhecimento precisarão ser isentados da distinção excessivamente atribuída ou construída; em outros, ter a distinção até aqui pouco reconhecida levada em consideração.

O ponto crucial é que, no modelo de status, a política de reconhecimen-to não se detém na identidade, mas procura reparações institucionais para da-nos institucionalizados, de modo a manter/gerar a paridade de participação na vida social. Ora, esse modelo vai ao encontro do paradigma procedimentalista de Habermas, na medida em que, da mesma forma que ele, preocupa-se com a autodeterminação dos cidadãos e a garantia do princípio democrático.

Veja-se, então, que, para a realização da justiça social, não se pode falar somente em distribuição, ou somente reconhecimento; os dois modelos devem ser combinados e, ainda, deve-se incorporar outra dimensão nessa combina-ção: a política, configurada na representação. Tem-se, com isso, a teoria da justiça tridimensional ou da justiça democrática, desenvolvida por Fraser.

3 O EXEMPLO DAS POLÍTICAS DE EQUIPARAÇÃO EM RAZÃO DO GÊNERO

Os paradigmas do direito liberal e social cometeram o mesmo erro: en-tenderam a constituição jurídica da liberdade como “distribuição” e a equipa-raram ao modelo da repartição de bens adquiridos ou recebidos. Iris Marion Young, citada por Habermas, também se manifestou nesse sentido: “A justiça não deveria referir-se somente à distribuição, mas também às condições insti-tucionais necessárias ao desenvolvimento e ao exercício das capacidades in-dividuais, da comunicação e da cooperação coletiva”8. Ou seja, mostra-se ne-cessária a satisfação das três dimensões destacadas por Fraser: a econômica, a cultural e a política. Afinal, elas são codependentes e determinam a capacidade de participação dos cidadãos nos debates públicos e, consequentemente, na sua emancipação.

O exemplo das políticas feministas de equiparação ilustra bem essa si-tuação. É que as mulheres vivenciaram/vivenciam os dilemas da injustiça social

8 YOUNG, Iris Marion. Justice and the politics of difference. Princeton, 1990, p. 39 apud Habermas, 2011, p. 160.

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nos três aspectos: econômico9, cultural10 e político11. Essa situação se expressa mediante uma ampla gama de ofensas que tornam as mulheres um grupo des-valorizado socialmente: como agressões sexuais; violência doméstica; repre-sentações estereotipadas que as trivializam, coisificam e as denigrem nos meios de comunicação; desprezo nas esferas da vida cotidiana; a sujeição a normas androcêntricas, segundo as quais as mulheres são consideradas inferiores e per-vertidas; a discriminação, a exclusão e a marginalização nas esferas públicas e nos organismos deliberativos; a negação de plenos direitos, entre outras formas de opressão.

Inicialmente, a política liberal de igualdade teve por objetivo suprimir o acoplamento existente entre a conquista de status e a identidade de gênero, para então garantir à mulher igualdade de chances na concorrência por postos de trabalho, prestígio social, diploma, poder político etc. Assim que se logrou impor, ao menos em parte, a equiparação formal, apenas se evidenciou o trata-mento desigual que de fato se destina às mulheres. Isto é, não atingiu o objetivo de promover a igualdade de oportunidade de fato.

Em face disso, a política de Estado social reconheceu as diferenças con-cretas existentes entre homens e mulheres e desenvolveu regulamentações pro-tetivas no sentido de promover a equiparação da mulher por meio de com-pensação de prejuízos de natureza social ou biológica – sobretudo no direito trabalhista, social e da família – referentes, por exemplo, à gravidez e materni-dade, ou ainda a ônus sociais em casos de divórcio.

Ocorre que, assim como ocorreu com o modelo liberal, o modelo social também apresentou consequências ambivalentes para as mulheres. De fato, a partir do final dos anos 60, as mulheres começaram a se dar conta de que a ma-

9 “El genero estructura la división fundamental entre trabajo ‘productivo’ asalariado y trabajo ‘reproductivo’ y domestico no pagado, asignando a las mujeres la responsabilidad principal sobre este ultimo”. Ademais, o gênero estrutura “la división en el seno del trabajo pagado entre las ocupaciónes industriales y profesionales mejor pagadas y ocupadas predominantemente por hombres y las ocupaciones de ‘cuello rosa’ y de servicio domestico, mal pagadas y ocupadas predominantemente por mujeres. El resultado es una estructura económico-política que genera modos de explotación, marginación y privación segun el genero. Cuando la consideramos bajo esta perspectiva, la injusticia de genero se presenta como un tipo de injusticia distributiva que esta pidiendo a gritos un remedio redistributivo” (Fraser, 1995).

10 “El genero no es sólamente una diferenciación económico-política, sino tambien una diferenciación de valoración cultural [...] una de las características fundamentales de la injusticia de genero es el androcentrismo: la construcción legitimada de normas que privilegian aspectos asociados a la masculinidad. Junto a ella va el sexismo cultural: la desvaloración y el desprecio generalizado por todo aquello que ha sido codificado como ‘femenino’, de manera paradigmatica, aunque no sólo, las mujeres.” (Fraser, 1995)

11 “A diferença não é só uma diferença, mas o problema central é que a diferença se traduz em formas de vantagem e desvantagem nas esferas política e profissional. Daí o fato de que a posição das mulheres na esfera privada inibiria ambições, restringiria oportunidades em outras esferas, enquanto a posição dos homens na esfera pública define mecanismos de distinção e de valorização que tornam suas habilidades e o seu valor algo destacado também na esfera privada. Então, o exercício de poder a partir de habilidades constituídas na esfera privada para a mulher não se transforma em vantagem na esfera pública, mas o contrario acontece no caso dos homens.” (Biroli, 2011, p. 158)

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terialização do direito que visava a eliminar a discriminação das mulheres pro-duziu efeitos contrários: agravou o desemprego, gerou segregação no mercado de trabalho e a destinação de salários mais baixos às mulheres, enfim, produziu uma crescente “feminização da pobreza”12. Desde então, não apenas as exi-gências não atendidas tornaram-se objeto da crítica feminista, mas também as consequências ambivalentes dos programas socioestatais implementados com êxito.

Do ponto de vista jurídico, Habermas salienta que essa discriminação mantém-se devido a classificações que pecam por excesso de generalização: “Geralmente, a equiparação favorece apenas uma categoria de mulheres (privi-legiadas) às custas de outras, porque as desigualdades inerentes ao sexo estão correlacionadas com outros tipos de desfavorecimento (origem social, idade, raça, orientação sexual etc.)” (Habermas, 2012, p. 164). Isto é, a compensação torna-se nova discriminação.

Não é só: as discriminações são, ainda, muitas vezes, reforçadas pela legislação protetiva porque sua interpretação e aplicação se dá dentro de um contexto cultural que discrimina a mulher. É dizer, a discriminação em relação à mulher (por meio da divisão sexual do trabalho e de outros papéis sociais) repousa sobre camadas elementares da autocompreensão cultural de uma so-ciedade. E, “na medida em que a legislação e a justiça se orientam por padrões tradicionais de interpretação, o direito regulativo consolida os estereótipos exis-tentes acerca da identidade dos sexos” (Habermas, 2012, p. 164-165).

Ou seja, ambos os modelos do direito colocam o ônus sobre as mulheres para assimilar as instituições existentes que tradicionalmente servem aos inte-resses dos homens e fazem pouco para desafiar a natureza das próprias insti-tuições. Ao tratar homens e mulheres da mesma forma, o modelo liberal ignora as diferenças concretas existentes entre eles de forma a colocar a mulher em desvantagem. Por outro lado, ao tratar a mulher de forma diferente, o modelo social pode acabar perpetuando o estereótipo da mulher como biologicamente destinada ao meio doméstico e dependente dos homens.

Porém, como coloca Sorial (2011), o que é relevante não é a discussão a respeito de serem as mulheres iguais ou diferentes; o que importa saber é se a ocupação pode ser redefinida e reestruturada para fazer as diferenças menos relevantes.

Nesse contexto, de acordo com Habermas, nenhuma regulamentação, por mais sensível que seja à realidade, poderá concretizar adequadamente o direito igual a uma configuração autônoma da vida privada (ou emancipação ou igualdade de fato), se ela não fortalecer, ao mesmo tempo, “a posição das

12 ROHDE, Deborah L. Justice and gender. Cambridge: Mass, 1989 apud Habermas, 2011.

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mulheres na esfera pública política, promovendo a sua participação em comu-nicações políticas, nas quais é possível esclarecer os aspectos relevantes para uma posição de igualdade” (Habermas, 2011, p. 168-169). Isto nada mais é do que procurar atender, também, às três dimensões da teoria democrática de justiça: distribuição, reconhecimento e representação, de maneira combinada.

Logo, o caminho para superar o paternalismo do Estado social pode ser encontrado tanto no paradigma procedimentalista de Habermas, quanto na teo-ria da justiça democrática de Fraser. Afinal, ambas partem da compreensão de que os direitos só se tornam socialmente eficazes, quando os atingidos são sufi-cientemente informados e capazes de atualizar a proteção do direito.

Para a concepção jurídica procedimentalista, “o processo democrático precisa assegurar ao mesmo tempo a autonomia privada e a pública: os direi-tos subjetivos, cujo tarefa é garantir às mulheres um delineamente autônomo e privado para suas próprias vidas” (Habermas, 2002, p. 297). Assim, garante participação das mulheres no processo de formação do direito. Afinal, esses direitos não podem ser formulados de modo adequado sem que os próprios envolvidos articulem e fundamentem os aspectos considerados relevantes para o tratamento igual ou desigual em casos típicos. Isto é, “só se pode assegurar a autonomia privada de cidadãos em igualdade de direito quando isso se dá em conjunto com a intensificação de sua autonomia civil no âmbito do Estado” (Habermas, 2011, p. 297). Aí que Fraser (2013) afirma que as feministas devem exigir acesso, e não proteção, se seu objetivo é superar a dominação.

O verdadeiro modelo deliberativo tem uma dupla função sistêmica: pri-meiro, é necessária por razões heurísticas, segundo as quais somente a pessoa envolvida e afetada por um problema particular tem a experiência daquele pro-blema em particular; segundo, porque só o discurso real tem uma função trans-formadora: “actual deliberation requires that citizens ‘adopt the perspective of all others’, and in doing so, subject their own preferences, interests and interpre-tations to critical examination and assessment” (Sorial, 2011, p. 31).

Uma terceira função, ainda, pode ser destacada: é a de restabelecer a conexão perdida entre a autonomia pública e privada. Isso é possível porque nesse modelo o direito legítimo só pode emergir das comunicações de uma es-fera pública não-subvertida, que está, em última análise, enraizada em esferas fundamentais privadas. Isto significa que a realização de sua autonomia privada depende da articulação das próprias necessidades na esfera pública, a qual ga-rante, por sua vez, o reconhecimento público dessas necessidades e a promover a autonomia privada.

Por exemplo, até recentemente, as mulheres não tinham participação na definição da lesão de estupro. Os homens que a definiram o fizeram com base em suas próprias interpretações (considere, por exemplo, a existência da ex-

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ceção de estupro marital). Até recentemente, o estupro era considerado como um ataque aleatório, realizado por um estranho, mediante o uso de força sig-nificativa, de forma que a mulher não pudesse contra-atacar. Estupro não era algo que poderia acontecer em suas próprias casas, uma violação perpetrada pelos maridos ou parceiros. Veja-se que a ausência do discurso da mulher na esfera pública gerou a incapacidade de lidar com essa experiência de opressão “privada” na lei, o que acarreta no não-reconhecimento desse tipo de opressão e das mulheres que a sofrem (Sorial, 2011).

Essa realidade prejudica a autonomia privada da mulher porque legal, social e culturalmente as mulheres não são considerados como merecedoras de proteção legal ou integridade física. Daí a necessidade, tal como operado pelo paradigma procedimentalista, de ativação da autonomia política ou pública da mulher para a garantia também da sua autonomia privada e vice-versa. Da mes-ma forma, é estruturada a teoria tridimensional da justiça de Fraser, para quem se deve assegurar, concomitantemente visto que codependentes, a distribuição, o reconhecimento e a representação política. Com efeito, para a autora essas dimensões

se entrelazan para reforzarse mutuamente de manera dialéctica, en la medida en que las normas culturales sexistas y androcéntricas están institucionalizadas en el Estado y en la economía, del mismo modo que las desventajas económicas que sufren las mujeres restringen su “voz”, impidiendo su participación en pie de igualdad en la creación de la cultura, en las esferas públicas y en la vida cotidia-na. El resultado es un círculo vicioso de subordinación cultural y económica. Por tanto, para combatir la injusticia de género hace falta cambiar tanto la economía política como la cultura. (Fraser, 1995)

Pode-se destacar, então, três implicações dessas teorias para a garantia da justiça social das mulheres: em primeiro lugar, na medida em que as mu-lheres possuem privilégio epistêmico no que tange aos seus problemas, elas devem participar do processo deliberativo; em segundo lugar, ao participar do processo deliberativo, elas produzem uma mudança fundamental na natureza das instituições; e, em terceiro lugar, na medida em que as mulheres nomeiam e articulam seus problemas, permite-se um reconhecimento público deles. Esse reconhecimento tem consequências políticas e privadas: coloca os problemas das mulheres na agenda política e, ainda, permite a elas que realizem sua auto-nomia privada (Sorial, 2011).

Da mesma forma, Iris Marion Young (1987) destaca a necessidade de uma comunicação política mais inclusiva. Sua concepção ampliada de comu-nicação – que não abranja tão somente o discurso argumentativo, mas outras formas comunicativas – é importante para pensar dinâmicas deliberativas em

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espaços institucionalizados e em outros âmbitos, como os meios de comuni-cação.

Assim, se o propósito do feminismo é lutar contra a desigualdade, faz-se necessário que o enfrentamento se dê não apenas no plano institucional (po-lítico), mas também em outras esferas discursivas (como a econômica e cultu-ral). Nessa senda, não precisa ser contrário à teoria deliberacionista, podendo servir-se dela para buscar seus ideais, na medida em que essa teoria confere às mulheres a possibilidade de contribuir com os processos discursivos e elaborar demandas generalizáveis e aceitáveis pela sociedade e, assim, servir para o exercício de desconstrução das desigualdades de gênero.

4 A SEXUALIDADE E O NOVO MARCO DE BUSCA PELA JUSTIÇA SOCIAL

Além de androcêntrica, a sociedade é heteronormativa e não aceita a diversidade sexual. Dessa forma, enquanto as mulheres se situam, ainda que “desigualmente”, no interior do contrato social, os outros sujeitos potenciais dos direitos sexuais estão posicionados na sua margem e excluídos (Corrêa, 2006). Travestis e transexuais, por exemplo, ao assumirem sua condição e vivenciarem uma identidade distinta de sua constituição anatômica, afrontam certas conven-ções sociais acerca de gênero; e, como tal, subvertem a lógica referenciada pelo machismo e ancorada no desiderato de preservação do poder pelos homens.

A heteronormatividade está presente por meio da existência de um va-riado e dinâmico arsenal de normas, injunções disciplinadoras e disposições de controle voltadas a estabelecer e a impor uma única sequência sexo-gênero--sexualidade, centrada na heterossexualidade e rigorosamente regulada pelas normas de gênero. Com efeito, há um modelo político de gestão de corpos e desejos que tem por objetivo formar todos para serem heterossexuais: a sexua-lidade supostamente coerente, superior e natural. Cuida-se, a mais disso, de ex-pressão de “heterossexismo”, que nada mais é do que a “promoção incessante, pelas instituições e/ou indivíduos, da superioridade da heterossexualidade e da subordinação simulada da homossexualidade” (Welzer-Lang, 2001, p. 467-8).

Essa concepção toma como dado que todos são heterossexuais, salvo opinião em contrário; isto é, preconiza a heterossexualidade compulsória. Con-sequentemente, gera uma forte discriminação contra as pessoas que querem viver sexualidades não-heterocentradas, fruto do estigma de que não seriam pessoas normais.

Vê-se, portanto, que a sexualidade também se apresenta como um modo de diferenciação social, cuja origem não está propriamente na economia polí-tica, dado que os/as homossexuais, por exemplo, distribuem-se por toda a es-trutura de classes da sociedade capitalista, não ocupam uma posição específica

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na divisão do trabalho e não constituem uma classe necessariamente explorada. Essa realidade já não será tão verdadeira no que tange aos/às transexuais, por exemplo, cuja inclusão econômica apresenta-se bastante obstaculizada devido a sua condição sexual. As injustiças econômicas, entretanto, não são originadas diretamente pela estrutura econômica; provêm da injusta estrutura de valora-ção cultural. Afinal, as injustiças (econômica, cultural e política) são bastante imbricadas.

A verdade é que em ambos os casos há a depreciação da pessoa em razão de sua sexualidade, seja devido à sua orientação sexual13 ou à sua iden-tidade de gênero14. Depreciação essa que se constitui em atos segregacionais e de violência, além de que lhes são negados plenos direitos civis e uma proteção igualitária. Como resultado, a própria articulação política de suas demandas é prejudicada e, inclusive, obstaculizada. De fato, no Brasil não há nenhuma legislação, em âmbito federal, que atenda aos direitos de homossexuais ou tran-sexuais.

As soluções para esse tipo de injustiça passam, portanto, por transforma-ções de valorações culturais, em que se incluem transformações legais e das práticas que as acompanham, de modo a revalorizar e outorgar reconhecimento positivo aos/às homossexuais e transexuais. Com efeito, as formulações legis-lativas com objetivos de construir mecanismos jurídicos e práticas políticas de garantias dos direitos civis da comunidade LGBT têm o condão de representar verdadeiros avanços “na luta pela igualdade e pela diminuição do preconceito, com importantes impactos não apenas nas esferas jurídicas, mas, sobretudo, no plano cultural” (Carvalho, 2012, p. 193). O Direito pode promover mudanças e remover injustiças historicamente consolidadas, a saber, “a mudança no direito não apenas se segue às mudanças culturais, mas ajuda a promovê-las” (Lopes, 2006, p. 32). É o que o Pierre Bourdieu (2002) chama de “efeito de normali-zação” da norma jurídica. Segundo o autor, “a instituição jurídica contribui, sem dúvida, universalmente, para impor uma representação da normalidade em relação à qual todas as práticas diferentes tendem a aparecer como desvian-tes, anómicas, e até mesmo anormais, patológicas” (Bourdieu, 2006, p. 247). O sociólogo destaca, ainda, entre os efeitos propriamente simbólicos do direi-to, o “efeito de oficialização”, que se dá com o “reconhecimento público de

13 Orientação sexual é, nas palavras de Roger Raupp Rios (2001, p. 49), “a identidade atribuída a alguém em função da direção de seu desejo e/ou condutas sexuais, seja para outra pessoa do mesmo sexo (homossexualidade), do sexo oposto (heterossexualidade) ou de ambos os sexos (bissexualidade)”.

14 Identidade de gênero “diz respeito à percepção subjetiva de ser um determinado gênero. A despeito das normas sociais que procuram dividir o mundo entre homens e mulheres, há uma ampla gama de sujeitos que não estão incluídos em tais normas. São múltiplas e variadas as identidades de gênero, inclusive, a própria nomenclatura utilizada na definição de gêneros não normativos é múltipla e variada, podendo depender até do contexto cultural. Pode-se citar, a título de exemplo, as seguintes categorias: trans, transexual, transgênero, multigênero, cisgênero, não-gênero, transeuntes de gênero, travesti, genderoutlaw, gênero queer, transformistas, crossdressers, intersexuais” (Masiero, 2014, p. 26).

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normalidade que torna dizível, pensável, confessável, uma conduta até então considerada tabu (é o caso, por exemplo, das medidas que dizem respeito à homossexualidade)” (Bourdieu, 2006, p. 247).

Nesse sentido, pode-se afirmar que o movimento LGBT está intensamen-te engajado com os discursos e as plataformas institucionais da lei e dos direitos humanos; trata-se de uma aproximação inédita e muito estimulante. Quanto a isso, Julieta Lemaitre Ripoll (2009, p. 91) apresenta uma visão bastante interes-sante, segundo a qual se cuida de uma relação ambivalente com o direito: os ativistas, por mais que saibam das limitações do direito como instrumento de transformação social, “talvez melhor do que aqueles que teorizam a respeito”, já que sentem no corpo, ao mesmo tempo, “celebram e gozam com a lei”, que os nomeia como iguais e sua vida como parte da normalidade da nação.

Nas últimas décadas do século XX, a gramática pela justiça social foi pautada pela reivindicação de reconhecimento das diferenças e promoção da diversidade. Em relação ao movimento LGBT não foi diferente: passou a reivin-dicar, sob o nome do direito, o respeito a sua identidade e a sua liberdade e tra-tamento não discriminatório (Lopes, 2006). Trata-se da luta por reconhecimento da legitimidade da sua existência e, como tal, do gozo pleno dos direitos civis (igualdade formal) que deve assistir toda pessoa humana.

A igualdade formal, contudo, está ligada a uma concepção absenteísta de Estado, o que, conforme critica Roger Raupp Rios, pode criar e reforçar antigas e novas desigualdades de discriminações, na medida em que se “corrompe ao eleger como parâmetro pressuposto um sujeito social nada abstrato: masculino, branco, europeu, cristão, heterossexual, burguês e proprietário” (Rios, 2012, p. 173). Requer-se, hoje em dia, que a igualdade formal seja articulada com o reconhecimento de circunstâncias especiais que estão presentes em deter-minados grupos diferenciados, porque, em certas ocasiões, justamente essas circunstâncias especiais impedem-nos de exercer seus direitos de forma igual a como exercem os demais indivíduos que não possuem essas especificidades (López Penedo, 2008).

Essa é a mesma preocupação de Habermas e Fraser, de forma que suas teorias servem de caminho também para a realização da justiça social deste segmento social. O paradigma procedimentalista do direito busca romper jus-tamente com esses problemas que os modelos liberal e social acarretam: um a inefetividade e outro a estigmatização da diferença. Nesse sentido, irá defender uma atuação positiva (materializante) da igualdade, de modo a efetivar-lhe (al-cançando a igualdade material), para inserir politicamente esse grupo e ativar o círculo virtuoso das autonomias pública e privada. Defendem, dessa forma, que, quando há violação de direito de uma parcela da sociedade, cabe, sim,

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ao Estado que se pretende democrático intervir em favor desse segmento espe-cífico.

Daí se depreende a inconstitucionalidade explícita de qualquer discri-minação propagada nas decisões que versem sobre diferenciação entre ho-mossexuais e heterossexuais. Nesse sentido, em 5 de maio de 2011, o Supre-mo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 132, reconheceu, em decisão inédita, a união estável para casais do mesmo sexo. Procedeu-se à interpretação do art. 1.723, do Código Civil, conforme a Constituição, a qual, em seu art. 3º, IV, veda qualquer discriminação em virtude de sexo. Com isso, tem-se a união homoafetiva como família e, consequente-mente, qualquer depreciação dela é inconstitucional.

É de se observar, portanto, que, na ausência de um marco legal regula-tório de direitos civis em relação à sexualidade, “o movimento LGBTs aportou suas demandas ao Poder Judiciário, encontrando um acolhedor espaço de re-conhecimento de direitos” (Carvalho, 2012, p. 192). Afinal, como afirma Lopes (2006, p. 29), “as práticas sociais podem ser autoritárias, mas o direito é – ou deve ser – um antídoto contra tais práticas”. Trata-se de um – cada vez mais presente – ativismo judicial, na medida em que o Judiciário reconhece direitos que não estão previstos em lei. De fato, o Judiciário brasileiro, sobretudo após 1988, passou a interagir com o sistema político, o que tem causado impacto sobre o Legislativo e sobre o governo. No campo da realização da justiça social, essa interação tem se dado de maneira positiva.

Ao contrário do que pode aparentar à primeira vista, o paradigma pro-cedimentalista do direito de Habermas não é contra o ativismo constitucional. Pelo contrário, “ele é a favor de um ativismo constitucional, porque a jurispru-dência constitucional deve compensar o desnível existente entre o ideal repu-blicano e a realidade constitucional” (Habermas, 2012, p. 343). É que, quando se entende a Constituição como interpretação e configuração de um sistema de direitos que faz valer o nexo interno entre autonomia privada e pública, tal como a compreensão procedimentalista concebe, é, inclusive, bem-vinda uma jurisprudência constitucional ofensiva em casos nos quais se trata da imposição do procedimento democrático e da forma deliberativa da formação política da opinião e da vontade. Segundo Habermas (2012, p. 346), “tal jurisprudência é até exigida normativamente”.

Deve-se cuidar, entretanto, com os limites dessa interferência. Habermas (2012, p. 346) utiliza-se de uma metáfora para colocar seu entendimento: “O tribunal só não pode assumir o papel de um regente que entra no lugar de um sucessor menor, mas pode assumir o papel de tutor”.

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CONCLUSÕES

Nas condições do pensamento pós-metafísico, o Estado e o Direito per-deram sua substância sagrada. Com isso, para que o Estado Democrático de Direito persista e se fortaleça, não há outro caminho que não seja sua defesa progressiva. É dizer, há que se trabalhar para sua democratização progressiva. E o Direito exerce papel primordial nessa tarefa de defesa da democracia. Há uma coesão interna entre Direito e democracia que se manteve encoberta pela concorrência dos paradigmas jurídicos liberal e social e é descortinada pelo paradigma procedimental desenvolvido por Jürgen Habermas.

O paradigma procedimental do direito procura proteger, antes de tudo, as condições do procedimento democrático. Para tanto, conforme Habermas logrou demonstrar, é necessário que se articule a autonomia privada do cidadão com sua autonomia pública. Esse é o diferencial do paradigma procedimenta-lista em relação aos outros.

O paradigma liberal entendia que bastava a garantia da autonomia priva-da por meio de um direito puramente formal (status jurídico negativo), o que se revelou insuficiente, pois não logrou concretizá-la para a maioria da sociedade. Por seu turno, o paradigma social, visando a sanar esse problema, procurou materializar a autonomia privada (status jurídico positivo), sobretudo via dis-tribuição de riqueza. Ocorre que, assim procedendo, ao invés de reconstituir a autonomia privada, transformou-se numa ameaça para ela, pois o excessivo paternalismo socioestatal acaba por limitar o espaço de atuação de seus pro-váveis beneficiários, no que se refere à concepção autônoma dos projetos de vida de cada um deles. Não é só isso; como Nancy Fraser destacou, esse tipo de medida tende a acarretar, ainda, a perpetuação e/ou até o fortalecimento do motivo pelo qual se necessita de benefício. É dizer, dificilmente se torna uma medida de transformação do status quo, servindo mais como uma medida de afirmação dele.

As limitações dos paradigmas liberal e social ficam mais claras na análise dos exemplos práticos realizada neste trabalho. Eles demonstram a necessidade de se pensar um paradigma para além desses dois, e, ao que se percebeu neste trabalho, a alternativa parece estar no paradigma procedimentalista.

O que o paradigma procedimentalista procura fazer é tematizar o nexo existente entre as formas de comunicação que, ao emergirem, garantem a auto-nomia pública e privada e, portanto, a autodeterminação dos cidadãos. A partir daí, os cidadãos capacitam-se para participar das discussões públicas e, conse-quentemente, passam a ditar a agenda política, que, seguindo o procedimento democrático, será capaz de produzir direito legítimo. Veja-se que o procedi-mento democrático é que fundamenta a legitimidade do direito. Esse procedi-

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mento, por sua vez, está apoiado no princípio do discurso, que é justamente o princípio que determina que os destinatários das normas jurídicas devem ter participado do processo de sua criação.

Veja-se, então, que, ao mesmo tempo em que o Estado Democrático de Direito deve institucionalizar as estruturas comunicacionais para que seja pos-sível o procedimento democrático de formação do direito legítimo; o Direito, por sua vez, deve assegurar a existência desse processo democrático. Trata-se de um complexo circular de fundamentação.

Da mesma forma, a aplicação do direito deve ter em vista, em última análise, a preservação da democracia. Por exemplo, Habermas diz que quan-do há uma grande diferenciação social, de modo que haja uma ruptura entre o nível de conhecimento e a consciência de grupos virtualmente ameaçados, impõem-se medidas que possam capacitar e introduzir os indivíduos desse gru-po no processo de decisão do Estado. Isto é, a fragilidade do direito regulador exige, sim, compensações quando estão em jogo as qualidades deliberativas do procedimento democrático.

Não se trata de uma preocupação meramente procedimentalista (formal), isto é, que não se atenta para o conteúdo (substância) do direito. Pelo contrário, para poder garantir o procedimento democrático, é necessário atentar-se para o conteúdo das normas, de forma a verificar se elas estão contribuindo para a realização do sistema de direitos ou não.

Assim, uma teoria da justiça adequada ao nosso tempo deve ser tridi-mensional, tal como preconizada por Fraser: abarcando não só a redistribuição (dimensão econômica) e o reconhecimento (dimensão cultural), mas também a representação (dimensão política). Caso contrário, não se terá uma verdadeira transformação das injustiças sociais, mas tão somente sua afirmação.

Os casos das injustiças em razão do gênero e da sexualidade são exem-plificativos. A primeira porque perpassou por todos os paradigmas e demons-trou suas fragilidades, enquanto que a segunda representa o novo marco de reconhecimento de direitos com que a sociedade tem que se deparar.

Primeiro as mulheres não tinham igualdade formal de direitos em relação aos homens. Aí o modelo liberal tratou de igualá-las formalmente. Entretanto, a igualdade não bastava, pois as mulheres eram diferentes (subordinadas) aos homens, necessitavam de outros reconhecimentos para poder fazer valer uma igualdade de fato. Aí o modelo social tratou de conferir esses direitos. Porém, desencadeou um paternalismo socioestatal, que contribuiu com o fortalecimen-to dos estereótipos de identidade de gênero já vigentes. O que se vê são abor-dagens que não transformam a situação, mas tão somente afirmam-na. Diante dessas insuficiências, torna-se necessário pensar em outro modelo.

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O modelo deliberativo de Habermas, ao lado da teoria tridimensional de Fraser, inova ao exigir, via princípio do discurso, que todos aqueles afetados por uma norma especial participem do debate sobre essa norma, isto é, visualizam que a transformação da situação passa pela participação (representação) políti-ca das mulheres.

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Assunto Especial – Acórdão na Íntegra

Cidadania Social

3195

Superior Tribunal de JustiçaRecurso Especial nº 1.496.695 – SP (2014/0275979‑8)Relator: Ministro Mauro Campbell MarquesRecorrente: Ministério Público FederalRecorrido: Instituto Nacional do Seguro Social – INSSAdvogado: Procuradoria‑Geral Federal – PGFInteres.: Joana D’Arc Fantin PacanhelaAdvogado: Marinalda Luiza Rodrigues Carvalho Figueiredo e outro(s)

ementA

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – BENEFÍCIO ASSISTENCIAL – INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – NULIDADE DA SENTENÇA – DESCABIMENTO – VIOLAÇÃO DOS ARTS. 83, I, 84, 246, § 2º, DO CPC E ART. 70 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 75/1993 – PREJUÍZO DA PARTE AUTORA NÃO EVIDENCIADO NO PRESENTE CASO – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – SÚMULA Nº 83/STJ – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO

1. A questão do recurso especial gira em torno da participação obri-gatória do Ministério Público, nos moldes dos arts. 83, 84, 246 do CPC e 70 da Lei Complementar nº 75, no processo em que se pleiteia benefício assistencial.

2. De acordo com a teoria das nulidades processuais, o ato somente será tornado sem efeito se houver real prejuízo para a parte que o ale-ga. Portanto, deve ser perquirido no caso concreto se houve prejuízo efetivo.

3. No presente caso, a incapacidade para a vida diária e a hipossufi-ciência econômica, requisitos para o benefício requerido, não foram evidenciados, mostrando-se adequada a prestação jurisdicional. O fato de o pedido ter sido julgado improcedente não evidencia prejuí-zo que justifique anular os atos do processo desde a fase postulatória.

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Houve adequada instrução probatória e não consta do acórdão recor-rido que alguma prova tenha sido indeferida.

4. A despeito de o Ministério Público ser essencial à Justiça, e no pre-sente caso, cuida-se de justiça social, tarefa máxima da democracia e do estado de cidadania concernente aos benefícios previdenciários e assistencial, o conjunto probatório se mostrou satisfatório na percep-ção do Tribunal a quo.

5. Relativamente ao dissídio jurisprudencial, recai a Súmula nº 83/STJ.

6. Recurso especial conhecido e não provido.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos esses autos em que são partes as acima indi-cadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, o seguinte resultado de julgamento: “A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

A Sra. Ministra Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Og Fernandes.

Brasília (DF), 23 de junho de 2015.

Ministro Mauro Campbell Marques, Relator

relAtórIo

O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, assim ementado:

AGRAVO – BENEFÍCIO ASSISTENCIAL – ART. 20, § 3º, DA LEI Nº 8.742/1993 – NÃO HÁ NULIDADE DE SENTENÇA – AGRAVO IMPROVIDO

1. A decisão agravada foi proferida em consonância com o entendimento ju-risprudencial do C. STJ e deste Tribunal, com supedâneo no art. 557, do CPC, inexistindo qualquer ilegalidade ou abuso de poder.

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2. Não há nulidade a declarar por falta da não manifestação do Ministério Pú-blico, em primeiro grau, porquanto, não há incapaz, a justificar a manifestação ministerial.

3. Agravo improvido.

Em suas razões de recurso especial, sustenta o Ministério Público Federal que o Tribunal a quo violou e deu interpretação divergente de outros Tribunais ao art. 31 da Lei nº 8.742/1993 e arts. 83, I, 84 e 246 do CPC e também ao art. 70 da Lei Complementar nº 75/1993, na medida em que não reconheceu a nulidade dos atos do processo a partir da citação, em razão de sua não par-ticipação no primeiro grau de jurisdição, considerando que o pedido envolve benefício assistencial e a sentença julgou improcedente o pedido da autora.

Acrescenta que sua manifestação em segundo grau de jurisdição não su-pre a falta perante o primeiro grau.

Não houve apresentação de contrarrazões ao recurso especial.

Noticiam os autos que Joana D’Arc Fantin Pacanhela ajuizou ação em face do INSS, objetivando benefício assistencial.

A sentença julgou o pedido improcedente.

Interposta apelação por Joana D’Arc Fantin Pacanhela, o Tribunal a quo, por intermédio do Desembargador Federal Relator, em preliminar, esclareceu que não há nulidade a declarar por falta da não participação do Ministério Pú-blico perante o primeiro grau de jurisdição, e, no mérito, negou provimento ao recurso.

Contra essa decisão, o Ministério Público Federal interpôs agravo regi-mental, em que alegou necessidade de sua intervenção obrigatório no processo. O Tribunal a quo negou provimento ao recurso, nos termos da ementa supra-transcrita.

Interposto recurso especial, que foi admitido pelo Presidente do Tribunal a quo, ascenderam os autos ao STJ.

Em seu parecer como custus legis, o Ministério Público Federal opina pelo conhecimento parcial do recurso especial e nessa parte pelo não provi-mento.

É o relatório.

ementA

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO – RECURSO ESPECIAL – BENEFÍCIO ASSISTENCIAL – INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – NULIDADE DA SENTENÇA – DESCABIMENTO

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– VIOLAÇÃO DOS ARTS. 83, I, 84, 246, § 2º, DO CPC E ART. 70 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 75/1993 – PREJUÍZO DA PARTE AUTORA NÃO EVIDENCIADO NO PRESENTE CASO – DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL – SÚMULA Nº 83/STJ – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO

1. A questão do recurso especial gira em torno da participação obri-gatória do Ministério Público, nos moldes dos arts. 83, 84, 246 do CPC e 70 da Lei Complementar nº 75, no processo em que se pleiteia benefício assistencial.

2. De acordo com a teoria das nulidades processuais, o ato somente será tornado sem efeito se houver real prejuízo para a parte que o ale-ga. Portanto, deve ser perquirido no caso concreto se houve prejuízo efetivo.

3. No presente caso, a incapacidade para a vida diária e a hipossufi-ciência econômica, requisitos para o benefício requerido, não foram evidenciados, mostrando-se adequada a prestação jurisdicional. O fato de o pedido ter sido julgado improcedente não evidencia prejuí-zo que justifique anular os atos do processo desde a fase postulatória. Houve adequada instrução probatória e não consta do acórdão recor-rido que alguma prova tenha sido indeferida.

4. A despeito de o Ministério Público ser essencial à Justiça, e no pre-sente caso, cuida-se de justiça social, tarefa máxima da democracia e do estado de cidadania concernente aos benefícios previdenciários e assistencial, o conjunto probatório se mostrou satisfatório na percep-ção do Tribunal a quo.

5. Relativamente ao dissídio jurisprudencial, recai a Súmula nº 83/STJ.

6. Recurso especial conhecido e não provido.

voto

O Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques (Relator):

A questão recursal consiste em identificar a necessidade de intervenção do Ministério Público nas ações previdenciárias em que se postula benefício as-sistencial e se a não intimação do Parquet implica nulidade dos atos do processo desde a citação, sob a interpretação do art. 31 da Lei de Amparo nº 8.742/1992 combinado com os arts. 83, 84, 246 do CPC.

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O recurso especial merece ser conhecido, é tempestivo, a parte recor-rente detém legitimidade de recorrer, houve o prequestionamento dos arts. 83, 84, 246 do CPC e 70 da Lei Complementar nº 75 e os demais pressupostos e requisitos de conhecimento estão presentes.

Com efeito, acerca da nulidade dos atos processuais em razão da não participação do Parquet perante o primeiro grau de jurisdição, considerando que a parte autora requereu benefício assistencial e o pedido foi julgado im-procedente em ambas os graus de jurisdição, o Tribunal a quo esclareceu que a parte não detém incapacidade e não preenche o requisito hipossuficiência.

De acordo com a teoria das nulidades processuais, o ato somente será tornado sem efeito se houver real prejuízo para a parte que o alega. Portanto, deve ser perquirido no caso concreto se houve prejuízo efetivo. Vejamos.

O fato de a parte autora ter requerido benefício assistencial por incapaci-dade sob alegação de comprometimento funcional dos membros de seu corpo, pedido que foi julgado improcedente, não enseja decretação de nulidade dos atos processuais.

Em verdade, houve adequada instrução probatória e não consta do acór-dão recorrido que alguma prova tenha sido indeferida.

Indaga-se: o que poderia o Parquet requisitar perante o primeiro grau de jurisdição que já não tenha sido diligenciado?

A despeito de o Ministério Público ser essencial à Justiça, e no presente caso, cuida-se de justiça social, tarefa máxima da democracia e do estado de cidadania concernente aos benefícios previdenciários e assistencial, o conjunto probatório se mostrou satisfatório na percepção do Tribunal a quo.

A incapacidade para a vida diária e a hipossuficiência econômica, requi-sitos para o benefício requerido, não foram evidenciados, mostrando-se ade-quada a prestação jurisdicional. O fato de o pedido ter sido julgado improce-dente não evidencia prejuízo.

Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça sinalizam essa convicção:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO – AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO – RECURSO ESPECIAL – PARTE INCAPAZ – AUSÊNCIA DE INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO – PREJUÍZO – OCORRÊNCIA

1. Ainda que a intervenção do Ministério Público seja obrigatória em face de interesse de menor, é necessária a demonstração de prejuízo a este para que se reconheça a referida nulidade (AgRg-AREsp 138.551/SP, Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe 23.10.2012).

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2. Agravo regimental improvido.

(AgRg-AREsp 74.186/MG, 6ª T., Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, DJe 22.02.2013)

PREVIDENCIÁRIO – BENEFÍCIO – IDOSO – INTERVENÇÃO OBRIGATÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO – NULIDADE – INEXISTÊNCIA – COMPROVAÇÃO DE SITUAÇÃO DE RISCO – NECESSIDADE – ART. 43 DA LEI Nº 10.741/2003

1. A intervenção do Ministério Público nas ações em que envolva o interesse do idoso não é obrigatória, devendo ficar comprovada a situação de risco de que trata o art. 43 da Lei nº 10.741/2003. Precedente.

2. Agravo regimental improvido.

(AgRg-REsp 1.182.212/PR, 5ª T., Rel. Min. Jorge Mussi, DJe 23.08.2011)

PREVIDENCIÁRIO – BENEFÍCIO – DIREITO DISPONÍVEL – RENÚNCIA – POS-SIBILIDADE – MINISTÉRIO PÚBLICO – INTERVENÇÃO OBRIGATÓRIA – PES-SOA IDOSA – COMPROVAÇÃO DE SITUAÇÃO DE RISCO – NECESSIDADE – ART. 43 DA LEI Nº 10.741/2003 – REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓ-RIA – INVIABILIDADE – SÚMULA Nº 7/STJ – RECURSO DESPROVIDO

I – Conforme entendimento desta Corte Superior, o direito à Previdência Social envolve direitos disponíveis dos segurados. Por tal motivo, é possível que o se-gurado renuncie à aposentadoria, com o objetivo de aproveitamento do tempo de contribuição e posterior concessão de novo benefício, muitas vezes mais van-tajoso.

II – O só fato de ser pessoa idosa não denota parâmetro suficiente para carac-terizar a relevância social a exigir a intervenção do Ministério Público. Deve haver comprovação da situação de risco, conforme os termos do art. 43 da Lei nº 10.741/2003, sob pena de obrigatória intervenção do Ministério Público, de forma indiscriminada, como custos legis em toda em qualquer demanda judicial que envolva idoso.

III – É inviável, em sede de recurso especial o reexame de matéria fático-probató-ria, tendo em vista o óbice contido no verbete Sumular nº 7/STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.”

IV – Recurso conhecido, mas desprovido.

(REsp 1.235.375/PR, 5ª T., Rel. Min. Gilson Dipp, DJe 11.05.2011)

Com efeito, o Ministério Público Federal não demonstrou prejuízo que legitimasse a anulação dos atos do processo, em razão da sua não participação perante o primeiro grau de jurisdição.

Conclui-se que o prejuízo não foi evidenciado no presente caso, não merecendo acolhida a tese recursal.

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62 ......................................................................................DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Relativamente ao dissídio jurisprudencial entre o acórdão recorrido e jul-gados do TRF 5ª Região e do TRF 4ª Região, acerca da intervenção obrigatória do Ministério Público em processos de assistência social, recai ao recurso espe-cial a Súmula nº 83/STJ.

Ante o exposto, conheço do recurso especial mas nego-lhe provimento.

certIdão de JulGAmento seGundA turmA

Número Registro: 2014/0275979-8

Processo Eletrônico REsp 1.496.695/SP

Números Origem: 00033437220114039999 0700000871 1290120070027751 1590910 201103990033437 33437220114039999 87107

Pauta: 23.06.2015 Julgado: 23.06.2015

Relator: Exmo. Sr. Ministro Mauro Campbell Marques

Presidente da Sessão: Exmo. Sr. Ministro Og Fernandes

Subprocuradora-Geral da República: Exma. Sra. Dra. Denise Vinci Tulio

Secretária: Belª Valéria Alvim Dusi

AutuAção

Recorrente: Ministério Público Federal

Recorrido: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Advogado: Procuradoria-Geral Federal – PGF

Interes.: Joana D’Arc Fantin Pacanhela

Advogado: Marinalda Luiza Rodrigues Carvalho Figueiredo e outro(s)

Assunto: Direito previdenciário – Benefícios em espécie – Benefício as-sistencial (art. 203, V, CF/1988)

certIdão

Certifico que a egrégia Segunda Turma, ao apreciar o processo em epí-grafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

“A Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a).”

A Sra. Ministra Assusete Magalhães, os Srs. Ministros Humberto Martins, Herman Benjamin e Og Fernandes votaram com o Sr. Ministro Relator.

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Assunto Especial – Ementário

Cidadania Social

3196 – Ação civil pública – legitimidade da seccional da OAB para o ajuizamento da ação – entidade responsável pela observância da justiça social

“Processual civil. Administrativo. Ação civil pública. Ordem dos Advogados do Brasil. Con-selho seccional. Proteção do patrimônio urbanístico, cultural e histórico. Limitação por per-tinência temática. Incabível. Leitura sistemática do art. 54, XIV, com o art. 44, I, da Lei nº 8.906/1994. Defesa da Constituição Federal, do estado de direito e da justiça social. 1. Cuida-se de recurso especial interposto contra acórdão que manteve a sentença que ex-tinguiu, sem apreciação do mérito, uma ação civil pública ajuizada pelo conselho seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em prol da proteção do patrimônio urbanístico, cultural e histórico local; a recorrente alega violação dos arts. 44, 45, § 2º, 54, XIV, e 59, todos da Lei nº 8.906/1994. 2. Os conselhos seccionais da Ordem dos Advogados do Brasil podem ajuizar as ações previstas – inclusive as ações civis públicas – no art. 54, XIV, em relação aos temas que afetem a sua esfera local, restringidos territorialmente pelo art. 45, § 2º, da Lei nº 8.906/1984. 3. A legitimidade ativa – fixada no art. 54, XIV, da Lei nº 8.906/1994 – para propositura de ações civis públicas por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, seja pelo Conselho Federal, seja pelos conselhos seccionais, deve ser lida de forma abrangente, em razão das finalidades outorgadas pelo legislador à entidade – que possui caráter peculiar no mundo jurídico – por meio do art. 44, I, da mesma norma; não é possível limitar a atuação da OAB em razão de pertinência temática, uma vez que a ela corresponde a defesa, inclusive judicial, da Constituição Federal, do Estado de Direito e da justiça social, o que, inexoravel-mente, inclui todos os direitos coletivos e difusos. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 1351760/PE – Rel. Min. Humberto Martins – 2ª T. – J. 26.11.2013 – DJe 09.12.2013)

3197 – Alteração da composição das câmaras municipais – norma de efeitos retroativos que viola a liberdade e a cidadania

“Ação direta de inconstitucionalidade. Emenda Constitucional nº 58/2009. Alteração na composição dos limites máximos das câmaras municipais. Inc. IV do art. 29 da Constituição da República. Retroação de efeitos à eleição de 2008 (art. 3º, inc. I). Posse de novos vereado-res: impossibilidade. Alteração do resultado de processo eleitoral encerrado: inconstitucio-nalidade. Contrariedade ao art. 16 da Constituição da República. Ação julgada procedente. 1. Cabimento de ação direta de inconstitucionalidade para questionar norma de Emenda Constitucional. Precedentes. 2. Norma que determina a retroação dos efeitos de regras cons-titucionais de composição das Câmaras Municipais em pleito ocorrido e encerrado: afronta à garantia do exercício da cidadania popular (arts. 1º, parágrafo único e 14 da Constituição) e a segurança jurídica. 3. Os eleitos foram diplomados pela Justiça Eleitoral até 18.12.2009 e tomaram posse em 2009. Posse de suplentes para legislatura em curso, em relação à eleição finda e acabada, descumpre o princípio democrático da soberania popular. 4. Impossibilida-de de compatibilizar a posse do suplente: não eleito pelo sufrágio secreto e universal. Voto: instrumento da democracia construída pelo cidadão; impossibilidade de afronta a essa liber-dade de manifestação. 5. A aplicação da regra questionada significaria vereadores com man-datos diferentes: afronta ao processo político juridicamente perfeito. 6. Na Constituição da República não há referência a suplente de vereador. Suplente de Deputado ou de Senador:

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convocação apenas para substituição definitiva; inviável criação de mandato por aumento da representação. 7. Ação direita de inconstitucionalidade julgada procedente.” (STF – ADI 4307 – Relª Min. Cármen Lúcia – TP – J. 11.04.2013 – Acórdão Eletrônico DJe-192, Divulg. 30.09.2013, Public. 01.10.2013)

3198 – Aposentadoria especial – mandado de injunção – necessidade de garantir os re-cursos necessários à garantia da cidadania social

“Agravo regimental no agravo regimental no mandado de injunção. Aposentadoria especial de servidores portadores de deficiência. Art. 40, § 4º, inciso I, da Constituição Federal. Par-cial procedência para declarar a mora legislativa e possibilitar que o pedido de aposentadoria especial seja analisado pela autoridade administrativa mediante a aplicação, no que couber, da Lei Complementar nº 142/2013. Recurso não provido. 1. O mandado de injunção possui natureza mandamental e volta-se à colmatagem de lacuna legislativa capaz de inviabilizar o gozo de direitos e liberdades constitucionalmente assegurados, bem como de prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania (art. 5º, inciso LXXI, da Constituição Fe-deral). 2. Impossibilidade da aplicação analógica do art. 57 da Lei nº 8.213/1991 nos perío-dos de prestação de serviço anteriores à vigência da Lei Complementar nº 142/2013. 3. Or-dem concedida para viabilizar ao servidor que tenha seu pedido de aposentadoria apreciado pela autoridade administrativa competente, nos termos da Lei Complementar nº 142/2013. 4. Compete à autoridade administrativa analisar questões referentes aos requisitos de (i) ida-de, (ii) tempo de carência, (iii) integralidade do pagamento, e (iv) paridade entre ativos e inativos nos futuros reajustes mediante a aplicação, por analogia, no que couber, da Lei Complementar nº 142/2013, ‘em conjunto com as regras que regem a aposentadoria do servidor público’ (MI 1.286/DF-ED, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe de 19.02.2010). 5. Agravo regimental não provido.” (STF – MI 1658-AgR-AgR – Rel. Min. Dias Toffoli – TP – J. 06.11.2014 – Acórdão Eletrônico DJe-021, Divulg. 30.01.2015, Public. 02.02.2015)

3199 – Atraso injustificado na prestação jurisdicional é contrário à estrutura do estado democrático de direito, especialmente se o réu se encontra preso

“Constitucional e processual penal. Homicídio qualificado. Prisão preventiva. Requisitos. Pronúncia. Nulidade. Consequências. Supressão de instância. Excesso de prazo. Prisão. Cons-trangimento ilegal caracterizado. Necessidade de apuração administrativa na Corregedoria--Geral de Justiça. Ordem concedida. 1. A anulação da pronúncia pela instância estadual, posteriormente ao julgamento de habeas corpus impetrado no Superior Tribunal de Justiça, que o proclamou prejudicado em razão da prolação daquela decisão e não examinou os demais aspectos da impetração, em princípio, altera o quadro fático-jurídico e repercute na solução de habeas corpus em tramitação no Supremo Tribunal, porque o enfrentamento dos temas de mérito implicaria a supressão de instância. Precedentes. 2. A fuga do Paciente do distrito da culpa e a periculosidade do réu constituem, em princípio, motivos idôneos à decretação ou à manutenção da prisão preventiva. Precedentes. 3. A indefinição da situa-ção jurídica do Paciente, preso há mais de quatro anos, caracteriza constrangimento ilegal. 4. A constatação de atraso injustificável na tramitação da ação penal representa intolerável agressão aos princípios elementares da cidadania, o que é inconciliável com um Estado De-mocrático de Direito, pelo que deve a Corregedoria-Geral de Justiça diligenciar providências que permitam apurar os motivos da demora, quer para agilizar mecanismos que equacio-

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO ...........................................................................................................65

nem a situação, quer, eventualmente, para apurar responsabilidades. 6. Ordem concedida.” (STF – HC 107483 – Relª Min. Cármen Lúcia – 1ª T. – J. 27.09.2011 – Processo Eletrônico DJe-038, Divulg. 23.02.2012, Public. 24.02.2012)

3200 – Benefícios previdenciários – distribuição justa – ausência do preenchimento dos requisitos legais

“Processual civil e previdenciário. Recurso especial. Benefício assistencial. Intervenção do Ministério Público. Nulidade da sentença. Descabimento. Violação dos arts. 83, I, 84, 246, § 2º, do CPC e arts. 70 da Lei Complementar nº 75/1993. Prejuízo da parte autora não evi-denciado no presente caso. Dissídio jurisprudencial. Súmula nº 83/STJ. Recurso especial conhecido e não provido. 1. A questão do recurso especial gira em torno da participação obrigatória do Ministério Público, nos moldes dos arts. 83, 84, 246 do CPC e 70 da Lei Complementar nº 75, no processo em que se pleiteia benefício assistencial. 2. De acordo com a teoria das nulidades processuais, o ato somente será tornado sem efeito se houver real prejuízo para a parte que o alega. Portanto, deve ser perquirido no caso concreto se houve prejuízo efetivo. 3. No presente caso, a incapacidade para a vida diária e a hipossuficiência econômica, requisitos para o benefício requerido, não foram evidenciados, mostrando-se adequada a prestação jurisdicional. O fato de o pedido ter sido julgado improcedente não evidencia prejuízo que justifique anular os atos do processo desde a fase postulatória. Houve adequada instrução probatória e não consta do acórdão recorrido que alguma prova tenha sido indeferida. 4. A despeito de o Ministério Público ser essencial à Justiça, e no presente caso, cuida-se de justiça social, tarefa máxima da democracia e do estado de cidadania con-cernente aos benefícios previdenciários e assistencial, o conjunto probatório se mostrou sa-tisfatório na percepção do Tribunal a quo. 5. Relativamente ao dissídio jurisprudencial, recai a Súmula nº 83/STJ. 6. Recurso especial conhecido e não provido.” (STJ – REsp 1496695/SP – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – 2ª T. – J. 23.06.2015 – DJe 30.06.2015)

3201 – Direito de creche a crianças de 0-6 anos – necessidade de fornecimento de cida-dania social

“Administrativo. Constitucional. Mandado de segurança. Legitimatio ad causam do parquet. Art. 127 da CF/1988. Arts. 7º, 200, e 201 do da Lei nº 8.069/1990. Direito à creche extensivo aos menores de zero a seis anos. Norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Norma definidora de direitos não programática. Exigibilidade em juízo. Interesse transindividual atinente às crianças situadas nessa faixa etária. Cabimento e procedência. 1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transindivi-duais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos. 2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37, da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um mi-crossistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas. 3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concur- so de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos. 4. Legitimatio ad causam do Mi-nistério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a deman-

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dar em prol de interesses indisponíveis. 5. Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinação ideológica e analógica com o que se concluiu no RE 248.889/SP para externar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: ‘É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão’. Consequentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promo-ver a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129). 6. O direito à educação, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a prote-ger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria. 7. Outrossim, a Lei nº 8.069/1990 no art. 7º, 200 e 201, consubstanciam a autoriza-ção legal a que se refere o art. 6º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraor-dinária cognominada por Chiovenda como ‘substituição processual’. 8. Impõe-se, contudo, ressalvar que a jurisprudência predominante do E. STJ entende incabível a ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp 706.652/SP, 2ª T., Relª Min. Eliana Calmon, DJ de 18.04.2005; REsp 664.139/RS, 2ª T., Rel. Min. Castro Meira, DJ de 20.06.2005; e REsp 240.033/CE, 1ª T., Rel. Min. José Delgado, DJ de 18.09.2000). 9. O direito constitucional à creche extensivo aos menores de zero a seis anos é consagrado em norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/1990): ‘Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino; IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a 6 (seis) anos de idade’. 10. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circula-res, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli--lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o país. O direito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se de-fine pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado. 11. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectaria-mente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucional-mente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crian-ças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública. 12. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra su-posta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionarieda-de do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse cam-po a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea. 13. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualda-

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des e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daque-le que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais. 14. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embo-ra a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normativi-dade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional. 15. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação. 16. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária. 17. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmo-nia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional. 18. O direito do menor à frequência em cre-che, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violen-ta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláusula de defesa da dignidade humana. 19. O Es-tado não tem o dever de inserir a criança numa escola particular, porquanto as relações pri-vadas subsumem-se a burocracias sequer previstas na Constituição. O que o Estado soberano promete por si ou por seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante o ofereci-mento de creche para crianças de zero a seis anos. Visando ao cumprimento de seus desíg-nios, o Estado tem domínio iminente sobre bens, podendo valer-se da propriedade privada, etc. O que não ressoa lícito é repassar o seu encargo para o particular, quer incluindo o menor numa ‘fila de espera’, quer sugerindo uma medida que tangencia a legalidade, por-quanto a inserção numa creche particular somente poderia ser realizada sob o pálio da lici-tação ou delegação legalizada, acaso a entidade fosse uma longa manu do Estado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe às vezes. Precedente jurisprudencial do STJ: REsp 575.280/SP, desta relatoria p/ acórdão, publicado no DJ de 25.10.2004. 20. O Supremo Tribunal Federal, no exame de hipótese análoga, nos autos do RE 436.996-6/SP, Rel. Min. Celso de Mello, publicado no DJ de 07.11.2005, decidiu verbis: ‘Criança de até seis anos de idade. Atendi-mento em creche e em pré-escola. Educação infantil. Direito assegurado pelo próprio Texto Constitucional (CF, art. 208, IV). Compreensão global do direito constitucional à educação. Dever jurídico cuja execução se impõe ao poder público, notadamente ao município (CF, art. 211, § 2º). Recurso extraordinário conhecido e provido. A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em consequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que pos-sibilitem, de maneira concreta, em favor das ‘crianças de zero a seis anos de idade’ (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inér-

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68 ...................................................................................................... DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – ASSUNTO ESPECIAL – EMENTÁRIO

cia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o pró-prio texto da Constituição Federal. A educação infantil, por qualificar-se como direito funda-mental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fun-damental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade políti-co-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crian-ças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Le-gislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se pos-sível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, espe-cialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível’. Doutrina. 21. Recurso especial provido.” (STJ – REsp 736.524/SP – Rel. Min. Luiz Fux – 1ª T. – J. 21.03.2006 – DJ 03.04.2006 – p. 256)

3202 – Processo como instrumento de promoção da cidadania social – prescindibilidade da liquidação de sentença que determina o pagamento de pensão a filho de preso, falecido dentro da penitenciária

“Administrativo. Embargos à execução. Pensionamento devido a filho cujo pai foi morto em incêndio em penitenciária. Alegação de sentença ilíquida. Liquidação. Desnecessidade. Base de cálculo definida. Salário mínimo. 1. Injustificável remeter-se novamente os autos à fase de liquidação, quando o próprio Estado afirma que o finado não exercia atividade remunerada, já que se encontrava encarcerado desde 1986 e sua morte se deu no ano de 1991. 2. De outro turno, há que se dar cumprimento à decisão judicial passada em julgado, que deter-mina o pensionamento mensal com base no equivalente ao salário percebido pelo finado. Se não há como demonstrar esse salário, é de se presumir que o cálculo realizado com base no salário mínimo, vigente à época dos fatos, se encontra correto. Ao juízo cabe viabilizar o cumprimento das decisões judiciais transitada em julgado, com observância do princípio da razoabilidade e buscando a realização da justiça social. 3. Recurso especial não provi-do.” (STJ – REsp 782.311/RJ – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – 2ª T. – J. 24.08.2010 – DJe 30.09.2010)

3203 – Tabelamento de preço – responsabilidade do estado – garantia da liberdade de comércio

“Agravo regimental no recurso extraordinário. Administrativo. Intervenção do Estado no do-mínio econômico. Responsabilidade objetiva do Estado. Fixação pelo Poder Executivo dos preços dos produtos derivados da cana-de-açúcar abaixo do preço de custo. Dano material. Indenização cabível. 1. A intervenção estatal na economia como instrumento de regulação dos setores econômicos é consagrada pela Carta Magna de 1988. 2. Deveras, a interven-ção deve ser exercida com respeito aos princípios e fundamentos da ordem econômica,

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cuja previsão resta plasmada no art. 170 da Constituição Federal, de modo a não malferir o princípio da livre iniciativa, um dos pilares da república (art. 1º da CF/1988). Nesse sentido, confira-se abalizada doutrina: As atividades econômicas surgem e se desenvolvem por força de suas próprias leis, decorrentes da livre empresa, da livre concorrência e do livre jogo dos mercados. Essa ordem, no entanto, pode ser quebrada ou distorcida em razão de monopó-lios, oligopólios, cartéis, trustes e outras deformações que caracterizam a concentração do poder econômico nas mãos de um ou de poucos. Essas deformações da ordem econômi-ca acabam, de um lado, por aniquilar qualquer iniciativa, sufocar toda a concorrência e por dominar, em consequência, os mercados e, de outro, por desestimular a produção, a pesquisa e o aperfeiçoamento. Em suma, desafiam o próprio Estado, que se vê obrigado a intervir para proteger aqueles valores, consubstanciados nos regimes da livre empresa, da livre concorrência e do livre embate dos mercados, e para manter constante a compatibi-lização, característica da economia atual, da liberdade de iniciativa e do ganho ou lucro com o interesse social. A intervenção está, substancialmente, consagrada na Constituição Federal nos arts. 173 e 174. Nesse sentido, ensina Duciran Van Marsen Farena (RPGE, 32:71) que ‘O instituto da intervenção, em todas suas modalidades encontra previsão abstrata nos arts. 173 e 174, da Lei Maior. O primeiro desses dispositivos permite ao Estado explorar di-retamente a atividade econômica quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. O segundo outorga ao Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica. o poder para exercer, na forma da lei as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo esse determinante para o setor público e indicativo para o privado’. Pela intervenção o Estado, com o fito de assegurar a todos uma existência digna, de acordo com os ditames da justiça social (art. 170 da CF), pode restringir, condicionar ou mesmo suprimir a iniciativa privada em certa área da ativida-de econômica. Não obstante, os atos e medidas que consubstanciam a intervenção hão de respeitar os princípios constitucionais que a conformam com o Estado Democrático de Di-reito, consignado expressamente em nossa Lei Maior, como é o princípio da livre iniciativa. Lúcia Valle Figueiredo, sempre precisa, alerta a esse respeito que ‘As balizas da intervenção serão, sempre e sempre, ditadas pela principiologia constitucional, pela declaração expressa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, dentre eles a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa’ (GASPARINI, Diógenes in Curso de Direito Administrativo. 8. ed. Saraiva, p. 629/630, cit., p. 64). 3. O Supremo Tribunal Federal firmou a orientação no sentido de que ‘a desobediência aos próprios ter-mos da política econômica estadual desenvolvida, gerando danos patrimoniais aos agentes econômicos envolvidos, são fatores que acarretam insegurança e instabilidade, desfavoráveis à coletividade e, em última análise, ao próprio consumidor’ (RE 422.941, Rel. Min. Carlos Velloso, 2ª T., DJ de 24.03.2006). 4. In casu, o acórdão recorrido assentou: ‘Administrativo. Lei nº 4.870/1965. Setor sucroalcooleiro. Fixação de preços pelo Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA. Levantamento de custos, considerando-se a produtividade mínima. Parecer da Fundação Getúlio Vargas – FGV. Diferença entre preços e custos. 1. Ressalvado o enten-dimento deste Relator sobre a matéria, a jurisprudência do STJ se firmou no sentido de ser devida a indenização, pelo Estado, decorrente de intervenção nos preços praticados pelas empresas do setor sucroalcooleiro. 2. Recurso Especial provido.’ 5. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STF – RE 648622-AgR – Rel. Min. Luiz Fux – 1ª T. – J. 20.11.2012 – Processo Eletrônico DJe-035. Divulg. 21.02.2013, Public. 22.02.2013)

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Parte Geral – Doutrina

Direito Fundamental à Saúde no SUS e a Demora no Atendimento em Cirurgias Eletivas

ROBERTO FREITAS FILHO1

Mestre e Doutor em Direito pela Universidade de São Paulo, Professor do Programa de Mes‑trado do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP, Professor e Coordenador do Curso de Direito do Centro Universitário de Brasília – UniCEUB.

RAmIRO nÓBREGA SAnT’AnA2

Doutorando em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB), Graduado e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), Professor do UniCEUB, Defensor Público do Distrito Federal, Coordenador da Comissão de Saúde da Associação Nacional de Defensores Públicos (Anadep).

Submissão: 16.12.2015Decisão Editorial: 13.01.2016Comunicação aos Autores: 13.01.2016Origem do texto: Brasília/DF

RESUMO: O artigo assume que a demora no acesso aos serviços públicos de saúde é grave problema de saúde pública pouco investigado por estudos acadêmicos. Realiza‑se pesquisa jurisprudencial a partir de demandas por cirurgias ortopédicas consideradas não urgentes, com especial foco nas ações propostas pela Defensoria Pública do Distrito Federal, conformando um espaço amostral de 77 demandas. O estudo dá ênfase ao tempo de espera dos pacientes, as consequências da demora e a fundamentação utilizada pelos Magistrados que não concederam o pedido liminar. Conclui que o Judiciário acaba por catalisar a prestação adequada de um serviço público que deveria, ordina‑riamente, funcionar de forma organizada e célere. Questiona a qualidade dos dois argumentos que fundamentaram, de forma recorrente, os indeferimentos: a ausência de dano decorrente da demora e a existência de uma fila a ser frustrada. A pesquisa permitiu identificar problemas quanto à coerência desses argumentos e também possível contradição performativa dos decisores. Por fim, o artigo aponta a importância de a academia direcionar seus estudos para os problemas de saúde pública que mais afligem a população brasileira, especialmente os segmentos menos favorecidos da sociedade, e reforça a ideia de que o acesso à justiça é alternativa importante para que os brasileiros tenham efetivo acesso aos serviços de saúde pública.

PALAVRAS‑CHAVE: Saúde pública; judicialização da saúde; direito à saúde; cirurgias eletivas; filas.

ABSTRACT: The article assumes that the delay in the public access to health services is a serious problem hardly investigated by academic studies. It also conducts research on lawsuits demanding

1 E-mail: [email protected] E-mail: [email protected].

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for orthopedic surgeries that are not considered urgent procedures, with particular focus on actions proposed by State Lawyers of the Federal District, conforming a sample space of 77 cases. The study emphasizes the harmful consequences of the delay for patients, and the reasoning of judges who did not grant the request. It concludes that the Judiciary ends up fostering the proper provision of a public service that should ordinarily operate in an organized and swiftly way. It also accesses two important arguments that often justified the denial of health services: no fault or damage as a result of the health service delay; and the virtual disregard of a waiting line rule that organizes the procedures. Pro‑blems of language consistency and also possible performative contradictions on the decision making process are noticed. Finally, he article highlights the importance to direct academic attention to the dramatic health problems that harm vulnerable poor people, and reinforces the idea that access to justice is an important alternative for Brazilians to have effective access to public health services.

KEYWORDS: Public health; health litigation; health rights; elective surgeries.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Problematização: o que realmente prejudica o paciente do SUS?; 2 Meto‑dologia e escopo: o foco nas cirurgias eletivas; 3 Descrição dos resultados; 3.1 Condição do paciente autor da ação; 3.2 Pesquisa jurisprudencial na 1ª instância; 3.3 Pesquisa jurisprudencial na 2ª instân‑cia; 4 Discussão dos resultados; 4.1 A demora no atendimento do SUS: falta de critérios de eficiên‑cia; 4.2 A dor e o esquecimento: a má‑fé com a saúde; 4.3 Avaliação da pesquisa jurisprudencial: qual o valor da dor da espera tem para os juízes?; 4.4 Dois argumentos em defesa dos juízes x dois argumentos em defesa dos pacientes; Conclusão; Referências.

INTRODUÇÃO

Alguns dos estudos acadêmicos recentes sobre o que se convencionou chamar judicialização da saúde estão fora de foco e não refletem a realidade dos maiores problemas enfrentados pelos pacientes que buscam o Sistema Úni-co de Saúde (SUS). Começa a se formar preocupante senso comum que con-dena o acesso à justiça para obter acesso à saúde pública sob dois conjuntos de argumentos. De um lado, aponta-se a desestruturação e desorganização da gestão do SUS; de outro, afirma-se que a judicialização compromete a equidade no acesso.

O presente estudo parte da percepção de que esse senso comum tem origem, entre outras causas, na falta de pesquisas empíricas sobre a realida-de que enfrentam os pacientes do SUS, sobretudo aqueles que buscam acesso pelo sistema de justiça – conceituado, nos limites do presente artigo, como o conjunto articulado pelo Judiciário, Defensoria Pública, Advocacia e Ministério Público. Conforme será abordado adiante, alguns dos estudos acadêmicos, po-demos inferir pela nossa experiência de pesquisadores que representam regra geral, limitam-se à pesquisa bibliográfica e documental. Quando há pesquisa empírica, ela se volta apenas para a pesquisa jurisprudencial das demandas por assistência farmacêutica, ou seja, foca no que o Magistrado decidiu sobre forne-cimento de medicamentos, e, de forma geral, o faz com especial atenção para

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os casos de decisões que obrigam ao fornecimento de fármacos não incluídos nas listas oficiais do SUS.

A forma limitada de estudar o fenômeno da judicialização merece ser re-pensada. A pesquisa empírica sobre a judicialização da saúde deve ser amplia-da para jogar luzes em outros aspectos. O presente estudo pretende contribuir nesse sentido ao ampliar o escopo de pesquisa e substituir o foco nos medica-mentos não previstos nas políticas de assistência farmacêutica por demandas de acesso a cirurgias incluídas nas políticas públicas de saúde, ou seja, servi-ços que o SUS deveria ofertar3, mas não oferta. Nesse contexto ampliado de pesquisa, é possível afirmar que a busca pelo sistema de justiça é instrumento importante para que a população, especialmente a parcela mais pobre, obtenha efetivo acesso aos serviços que o Sistema único de Saúde (SUS) se compromete a fornecer, mas não fornece.

1 PROBLEMATIZAÇÃO: O QUE REALMENTE PREJUDICA O PACIENTE DO SUS?

Segundo pesquisa de avaliação pré-eleitoral da CNI-Ibope, realizada em fevereiro de 2014, 58% da população brasileira vê a saúde como principal problema nacional e 49% dos brasileiros espera do Governo Federal políticas públicas de melhoria dos serviços de saúde. A situação mais peculiar é a do Distrito Federal, onde 72% dos cidadãos entrevistados apontaram a saúde como um dos principais problemas brasileiros4. A percepção sobre saúde5 é, contudo, diferente entre aqueles que utilizam e os que não utilizam os serviços de saúde pública6.

Segundo aponta o Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, entre os cidadãos que utili-zam exclusivamente o SUS, a satisfação com a qualidade do serviço prestado7 e

3 A Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde (Renases) compreende todas as ações e serviços que o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece ao usuário, para atendimento da integralidade da assistência à saúde. Essa relação nasce da previsão dos arts. 21 e seguintes do Decreto Federal nº 7.508/2011 e foi instituída pela Portaria nº 841/2012 do Ministro da Saúde, conforme pactuação da Comissão Intergestores Tripartite. O mencionado decreto prevê que os demais entes da Federação podem adotar relações específicas e complementares de ações e serviços de saúde, em consonância com a Renases, respeitadas as responsabilidades pelo seu financiamento. A Renases, de acordo com o art. 4º da referida portaria, deve ser atualizada de forma contínua e, a cada 2 anos, ser consolidada e publicada pelo Ministério da Saúde.

4 Pesquisa CNI-Ibope. Retratos da sociedade brasileira: Problemas e prioridades do Brasil para 2014. Fevereiro de 2014. Confederação Nacional da Indústria – Brasília. CNI, 2014.

5 Todos os dados doravante expostos sobre percepção da qualidade dos serviços de saúde pública são retirados do Sistema de Indicadores de Percepção Social (SIPS) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA, produzido em fevereiro de 2011.

6 Consideramos aqui o acesso aos serviços curativos do SUS, pois, nos aspectos de prevenção e vigilância sanitária, todos os brasileiros são direta ou indiretamente beneficiados pelo sistema público.

7 Em relação à qualidade do atendimento dos médicos especialistas, 60,6% dos entrevistados avaliaram positivamente, enquanto 18,8%, negativamente.

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com a cobertura de assistência farmacêutica8 é maior se comparada com aque-les que não utilizam os serviços do SUS. Daqueles, 30,4% qualificam como bons ou muito bons os serviços do SUS, enquanto entre os que não utilizam o SUS, apenas 19,2% têm o mesmo grau de aprovação.

Então, o que tanto incomoda o usuário do SUS e o que tanto teme o ci-dadão que acessa a saúde suplementar?

Estudo do IPEA aponta que a principal preocupação dos usuários do SUS é a falta de médicos. Esse temor foi apontado por 57,9% dos seus usuários. Em seguida, vem a preocupação com a demora no atendimento nas unidades de saúde (hospitais e centros), que foi apontada por 35,9% dos entrevistados. Em terceiro lugar está a preocupação com o tempo de espera para obter acesso a consultas, opção apontada por 34,9% dos usuários. É plausível se argumentar que a preocupação com a falta de médicos revela exatamente o desejo dos pacientes com a redução do tempo de espera. Logo, se somadas as demandas acima expostas, o estudo do IPEA revela que a grande insatisfação do usuário do SUS não é a falta de prestação de serviços ou sua qualidade, mas sim a demora no atendimento. Isso sugere que o problema é a falta mesma do serviço previsto nas políticas públicas de saúde. Demora, espera e falta de médicos impedem o atendimento. A qualificação do serviço de saúde, se é bom o ruim, é condicio-nada pela sua própria existência, o que, em grande medida, não ocorre no SUS.

A apreensão do brasileiro com a demora no atendimento no SUS é um dos principais vetores que impulsionam a busca pela saúde suplementar, os conhecidos planos de saúde. De acordo com mesma pesquisa do IPEA, os usu-ários de plano de saúde apontam a busca por maior rapidez na realização de consultas e exames como principal razão de sua adesão à saúde suplementar. Essa foi a resposta de 40% dos entrevistados.

Enfim, a percepção trazida pela pesquisa do IPEA detalha em dados per-cepção compartilhada em nossa sociedade: a espera de atendimento no SUS incomoda, e muito, o brasileiro. Os recorrentes fatos noticiados sobre a situação da saúde no Brasil, bem como a importância da discussão, na esfera pública, sobre as carências e deficiências graves da prestação desse serviço à população, permite supor que situação não mudou desde 2011, quando a referida pesqui-sa do IPEA foi realizada. No mesmo sentido, o problema da excessiva espera nas filas do SUS foi um dos principais assuntos abordados na 15ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília entre 1º e 4 de dezembro de 20159. A

8 Dentre os entrevistados, 69,6% qualificaram como boa ou muito boa a distribuição gratuita de medicamentos, enquanto apenas 11% qualificou como ruim ou muito ruim.

9 Vale notar que a Conferência Nacional de Saúde representa o ponto alto da mobilização política e reflexão institucional do SUS. Nesse espaço privilegiado, os gestores, trabalhadores e usuários do SUS avaliam as realizações do último período e definem as diretrizes e metas para os quatros anos que se seguem. Sua 15ª

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edição especial da Revista Radis10, destinada a fomentar os debates da referida conferência, traz como tema principal o problema das filas. O editorial da revis-ta mostra a gravidade da questão: “Há filas que asseguram, outras que limitam o acesso. E a falta de acesso é uma situação desesperadora para as pessoas, por-que interfere em seu cotidiano e pode levar ao agravamento de enfermidades e risco de morte”11.

A frustração e o desespero, consequências do não acesso, são especial-mente presentes na parcela mais pobre da população que, muitas vezes, depen-de exclusivamente do SUS para tratamento de qualquer agravo de saúde, dos mais simples aos mais complexos.

Os conflitos decorrentes da insatisfação do usuário do SUS com o tempo de espera por atendimento há anos encontra eco no sistema de justiça. São inú-meras e comuns as ações para obter acesso a serviços de saúde disponíveis12, mas com extenso tempo de espera por atendimento.

Infelizmente, essa clara falha de nosso sistema público de saúde não é abordada pela academia brasileira, que há anos se debruça sobre o tema da judicialização sem se ocupar desse aspecto importante da temática.

Na produção acadêmica, há clara preocupação em entender o fenôme-no da judicialização da saúde com o objetivo de, concomitantemente, evitar a desestruturação do SUS e permitir aos usuários do SUS efetivo acesso aos bens e serviços de saúde. Nesse sentido, são exemplos os trabalhos de Octávio Ferraz13, Jairo Bisol14, Silvia Marques e Maria Célia Delduque15, Sueli Dallari16, entre diversas outras pesquisas. Já nas pesquisas com decisões ditas empíricas, ou mesmo nas pesquisas de cunho bibliográfico, o objeto é, invariavelmente e

edição, portanto, é momento de meditação sobre os problemas mais graves enfrentados no período de 2012-2015 e lança as estratégias para 2016-2019.

10 Publicação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (ENSP).

11 ROCHA, Rogério Lannes. Filas da saúde: os obstáculos ao acesso de qualidade e os caminhos que garantem o cuidado. [Editorial] Radis, Rio de Janeiro, n. 159, p. 3, dez. 2015.

12 BATALHA, Elisa. Filas da saúde: os obstáculos ao acesso de qualidade e os caminhos que garantem o cuidado. Radis, Rio de Janeiro, n. 159, dez. 2015, p. 19-20.

13 FERRAZ, Octávio L. Motta. Brazil: health inequalities, rights, and courts: the social impact of the judicialization of health. In: GLOPPEN, Siri. Litigating health rights: can courts bring more justice to health. Cambridge: Harvar University Press, 2011.

14 BISOL, Jairo. Judicialização desestruturante: revezes de uma cultura jurídica obsoleta. In: COSTA, Alexandre Bernardino et al. (Org.). O direito achado na rua: introdução crítica ao direito à saúde. Brasília: CEAD/UnB, v. 4, p. 327-331, 2008.

15 MARQUES, Sílvia Badim; DELDUQUE, Maria Célia. A judicialização da política de assistência farmacêutica no Distrito Federal: diálogos entre a política e o direito. Revista Tempus Actas de Saude Coletiva, p. 98-100, 2009.

16 DALLARI, Sueli Gandolfi. O judiciário e o direito à saúde. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA, Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os desafios da efetivação do direito à saude. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 481.

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de forma mais restrita, a judicialização da saúde e o fornecimento de medica-mentos, com especial atenção àqueles não previstos nas políticas públicas.

De fato, é expressivo o número de trabalhos de análise jurisprudencial que tem como foco tão somente as demandas judiciais por medicamentos. São exemplos as pesquisas de Germano Schwartz et al.17, Rodrigo Diniz18, Filomena Araújo19, Marina Machado20; Miriam Ventura et al.21, Ramiro Sant’Ana22, Silvia Marques e Maria Célia Delduque23, e Luiz Romero24. Chama atenção que os exemplos dados em muitas pesquisas se restringem às demandas judiciais por fármacos mesmo quando o objeto do estudo não é a assistência farmacêutica em si, mas a judicialização da saúde de forma mais ampla. Exemplos disso são os estudos de Felipe Assensi25, Gustavo Amaral26, Alvaro Ciarlini27, Sueli Dallari28, Octávio Ferraz29 e Fabrício Medeiros30. Como exposto acima, é tam-bém recorrente que o foco da exemplificação se volte para aqueles medica-mentos não previstos nas políticas de assistência farmacêutica. Dentre outras

17 SCHWARTZ, Germano; SOUZA, Alex Caldas; MONTANARI, Lais. O direito à saúde e a sua interpretação na Justiça Estadual na Comarca de Caxias do Sul. In: ASENSI, Felipe et al. (Coord.). Direito e saude: enfoques interdisciplinares. Curitiba: Juruá, 2013.

18 DINIZ, Rodrigo Vaslin. Controle judicial de políticas públicas de medicamentos no Superior Tribunal de Justiça: necessidade de critérios objetivos. In: ASENSI, Felipe et al. (Coord.). Direito e saude: enfoques interdisciplinares. Curitiba: Juruá, 2013.

19 ARAÚJO, Filomena Santos de et al. Análise da demanda por direito à saúde e as possibilidades de mediação no Tribunal de Justiça de Mato Grosso. In: PINHEIRO, Roseni; MARTINS, Paulo Henrique (Coord.). Usuarios, redes sociais, mediações e integralidade em saude. Rio de Janeiro: UERJ/IMS/Lappis, p. 185-192, 2011.

20 MACHADO, Marina Amaral de Ávila et al. Judicialização do acesso a medicamentos no Estado de Minas Gerais, Brasil. Rev. Saude Publica, São Paulo, v. 45, n. 3, p. 590-598, jun. 2011.

21 VENTURA, Miriam; SIMAS, Luciana; PEPE, Vera Lúcia Edais; SCHRAMM, Fermin Roland. Judicialização da saúde, acesso à justiça e a efetividade do direito à saúde. Physis [online], v. 20, n. 1 [cited 2015-12-03], p. 77-100, 2010.

22 SANT’ANA, Ramiro Nóbrega. A saúde aos cuidados do Judiciário: a judicialização das políticas públicas de assistência farmacêutica no Distrito Federal a partir da jurisprudência do TJDFT. Brasília, 2009. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Direito, UnB.

23 Marques e Delduque, op. cit.24 ROMERO, Luiz Carlos. Judicialização das políticas de assistência farmacêutica: o caso do Distrito Federal.

Consultoria Legislativa do Senado Federal. Brasília, 2008.25 ASENSI, Felipe Dutra. Judicialização da saúde e Conselho Nacional de Justiça: perspectivas e desafios. In:

NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA, Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os desafios da efetivação do direito à saude. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 91-95.

26 AMARAL, Gustavo. Saúde direito de todos, saúde direito de cada um: reflexões para a transição da práxis judiciária. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA, Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os desafios da efetivação do direito à saude. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 122-126.

27 CIARLINI, Alvaro Luis de A. S. Direito à saude: paradigmas procedimentais e substanciais da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 39-52.

28 Dallari, op. cit., p. 482-483.29 Ferraz, op. cit., p. 82.30 MEDEIROS, Fabrício Juliano M. O ativismo judicial e o direito à saude. Belo Horizonte: Fórum, 2011.

p. 79-84.

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pesquisas, destacam-se as de Maria Inez Gadelha31, Débora Diniz et al.32, Luis Felipe Franco33, Higor Pessoa34, Sílvia Marques35 e Ana Chieffi e Rita Barata36.

São raros estudos, como os de Janaína Penalva37 e de Fernanda Gomes38, que realizam pesquisas empíricas sobre o fenômeno da judicialização para além da assistência farmacêutica. Ainda assim, não abordam o grave problema da demora no atendimento, conforme pretende esse estudo.

Os usuários do SUS que buscam o sistema de justiça para questionar a demora em acessar determinado serviço têm um elemento muito importante seu favor: postulam o cumprimento de uma política pública de saúde. Isso porque, se há fila de espera para determinado serviço, é porque ele existe e faz parte do rol de prestações que o SUS se comprometeu a fornecer. Ou seja, a demanda está inserida na Relação Nacional de Ações e Serviços de Saúde – Renases ou em política pública estadual, distrital ou municipal.

Quando tais demandas são levadas ao Poder Judiciário, são quase sem-pre acolhidas quando há urgência no tratamento do qual depende a vida ou integridade física do cidadão. A pesquisa de Janaína Penalva aponta que, nes-ses casos, apenas 8,05% das decisões são desfavoráveis aos requerentes39. Já o estudo de Fernanda Gomes aponta para índice de 6,2% de indeferimentos40. A resposta do sistema de justiça – especialmente do Poder Judiciário – é diferente quando o elemento da urgência ou emergência está ausente. Trata-se do perfil

31 GADELHA, Maria Inez Pordeus. Escolhas públicas e protocolos clínicos: o orçamento, as renúncias necessárias e os novos projetos de lei. In: NOBRE, Milton Augusto de Brito; SILVA, Ricardo Augusto Dias da (Coord.). O CNJ e os desafios da efetivação do direito à saude. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013. p. 367-374.

32 DINIZ, Debora; MEDEIROS, Marcelo; SCHWARTZ, Ida Vanessa D. Consequências da judicialização das políticas de saúde: custos de medicamentos para as mucopolissacaridoses. Cad. Saude Publica, Rio de Janeiro, v. 28, n. 3, p. 489/489, mar. 2012.

33 FRANCO, Luis Felipe Galeazzi. Judicialização da saúde e a importância do conhecimento da medicina baseada em evidências como ferramenta de constatação dos requisitos para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela em ações judiciais em que se pleiteiam medicamentos e tratamentos. In: NETO, Elias Higino dos Santos; CASTRO, Gabriela Moreira (Coord.). Direito sanitario: manifestações atuais e visão crítica de advogados de Estado. Brasília: Kiron, 2012. p. 47/60.

34 PESSOA, Higor Rezende. Considerações sobre as decisões judiciais que concedem o fornecimento de medicamento sem o devido registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. In: SANTOS NETO, Elias Higino dos; CASTRO, Gabriela Moreira (Coord.). Direito sanitario: manifestações atuais e visão crítica de advogados de Estado. Brasília: Kiron, 2012. p. 61/77.

35 MARQUES, Sílvia Badim. A judicialização da saúde e a proposta de regulamentação da integralidade de assistência farmacêutica e terapêutica no Brasil. In: ROMERO, Luiz Carlos; DELDUQUE, Maria Célia (Org.). Estudos de direito sanitario: a produção normativa em saúde. Brasília: Senado Federal, 2011. p. 143-153.

36 CHIEFFI, Ana Luiza; BARATA, Rita Barradas. Judicialização da política pública de assistência farmacêutica e equidade. Cad. Saude Publica, Rio de Janeiro, v. 25, n. 8, p. 1839-1849, ago. 2009.

37 PENALVA, Janaína et al. Judicialização do direito à saude: o caso do Distrito Federal. Belo Horizonte: Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, 2010/2011.

38 GOMES, Fernanda de Freitas Castro et al. Acesso aos procedimentos de média e alta complexidade no Sistema Único de Saúde: uma questão de judicialização. Cad. Saude Publica, Rio de Janeiro, v. 30, n. 1, p. 31-42, jan. 2014.

39 Penalva, op. cit., p. 19.40 Gomes, op. cit., p. 35.

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de demandas decorrentes das longas filas para atendimento eletivo41 que im-põem inaceitável demora. Essas demandas são muito comuns, pois, para serem atendidos de forma mais eficiente, os usuários do SUS têm, cada vez mais, bus-cado o acesso à justiça. O perfil dessas demandas e a resposta do Judiciário aos usuários do SUS são o objeto da pesquisa empírica realizada.

Essa abordagem é especialmente relevante, pois, além de ir ao encontro da maior preocupação dos usuários do SUS, é espécie de demanda que, como visto, é pouco abordada pelos estudos acadêmicos acerca da judicialização da saúde.

Os problemas nos atendimentos eletivos estão relacionados à excessiva demora e às consequências dela para a vida do paciente. Nessas situações em que o serviço é ofertado pelo SUS, mas em quantidade muito inferior à deman-da, essa deficiência conduz a “filas” longas e muitas vezes o usuário não recebe qualquer perspectiva de atendimento. Isso notadamente ocorre com consultas, exames e cirurgias. Essa demora no atendimento muitas vezes impõe aos pa-cientes graves consequências, como meses ou anos de sofrimento, dor, dúvidas, incapacidade laboral, dificuldades de locomoção, uso excessivo de analgési-cos, entre outras decorrentes da excessiva espera por atendimento.

Assim, investigamos esse perfil peculiar e cada vez mais relevante de demandas por serviços de saúde e a forma como o sistema de justiça as tem acolhido.

2 METODOLOGIA E ESCOPO: O FOCO NAS CIRURGIAS ELETIVAS

Adotou-se como caso de estudo o exemplo da saúde pública do Distrito Federal (DF), em especial a participação da Defensoria Pública do DF – princi-pal porta de entrada das demandas – e do Tribunal de Justiça do DF, destinatário delas. Nesse contexto, o foco central do estudo são as demandas da população pobre, assistida pela Defensoria, por procedimentos eletivos (não urgentes) e as respostas dadas pelos Magistrados.

A escolha do Distrito Federal tem duas justificativas centrais. Em primeiro lugar, os autores do artigo são pesquisadores residentes nessa unidade da Fe-deração, o que permite melhor acesso e maior experiência com os problemas desse local. Em segundo lugar, o Distrito Federal, segundo dados da CNI-Ibope de 2014, é a unidade da Federação brasileira com maior índice de preocupação com a qualidade do serviço público de saúde (72% dos cidadãos).

41 Atendimentos eletivos são aqueles em que não apresentam critério médico de emergência ou urgência e, logo, podem ser agendados para momento futuro conforme critérios de priorização.

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O espaço amostral inicial da pesquisa foi o atendimento realizado pelo Núcleo de Saúde da Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) à população hipossuficiente do DF e entorno, pois o trabalho do referido órgão representa quase a totalidade das demandas por serviços de saúde. Segundo pesquisas realizadas no Judiciário Distrital, a Defensoria patrocina em média 95% das causas42.

A partir dessa premissa, o primeiro recorte metodológico foi de aspecto temporal. Para viabilizar a realização da pesquisa e ao mesmo tempo obter in-formações atualizadas, foi eleito o ano de 2013 para avaliação43.

O segundo enfoque a ser eleito foi o temático. O Núcleo de Saúde da DPDF, em 2013, realizou 13.400 atendimentos à população do Distrito Fede-ral e que resultaram em 1.396 ações judiciais, além de mais de 6.000 ofícios. Nesse contexto, são muito numerosas as demandas por acesso a atendimentos eletivos, tais quais cirurgias, exames e consultas, cada qual com milhares de atendimentos. A demanda por cirurgias, contudo, apresenta diferencial em re-lação às solicitações de exames e consultas: a resolução do problema pela via administrativa é mais reduzida. Ou seja, exatamente por ser tratamento mais complexo, é mais difícil obter extrajudicialmente seu fornecimento pelo SUS. Assim, as demandas por cirurgias levadas ao Judiciário são mais numerosas do que as relativas a consultas e exames.

Segundo as estatísticas do Núcleo de Saúde da DPDF, em 2013 foram ajuizadas 269 ações para solicitar cirurgias, 123 para solicitar exames e 33 para postular consultas médicas. Assim, pra permitir melhor avaliação do argumento judicial, a pesquisa prosseguiu na análise das demandas por cirurgias.

O universo de demandas exigiu, contudo, maior depuração, pois o nú-mero de 269 ações se mostrou muito elevado para viabilizar a pesquisa. Além do mais, há muitos procedimentos cirúrgicos emergenciais ou urgentes dentre estes, especialmente aqueles referentes a cirurgias oncológicas e neurocirurgias. Vale registrar que o estudo busca avaliar a resposta do Judiciário quando o ele-mento urgência não está presente.

Diante desse contexto, conjugadas a necessidade de afastar as demandas urgentes e a consideração da ampla gama de demandas eletivas, foi eleita para avaliação a demanda mais comum no DF: cirurgias ortopédicas. Além disso, os pacientes que aguardam por cirurgias ortopédicas, apesar de não apresentarem risco de morte, muitas das vezes convivem com diversas consequências graves

42 Marques e Delduque, op. cit., p. 101 e 103, e Penalva, op. cit., p. 14.43 O período de um ano é bem representativo. Além disso, os arquivos do Núcleo de Saúde referentes ao ano de

2013 estavam devidamente organizados de modo a facilitar o acesso aos dados.

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e adversas da espera. É, portanto, enfoque muito rico e representativo do com-plexo de aspectos que envolve o tratamento da saúde humana.

Por fim, o último recorte da pesquisa jurisprudencial empreendida se deu na avaliação apenas das decisões liminares44 que julgam pedidos de ante-cipação de tutela, pois o elemento temporal, conforme registrado, é de extrema relevância nestas demandas; afinal, é exatamente a espera excessiva que aflige os usuários do SUS.

Assim, resumidamente, os critérios da pesquisa jurisprudencial são: i) decisões liminares em ações ajuizadas na Justiça do Distrito Federal (TJDFT); ii) patrocinadas pela DPDF; iii) que demandam cirurgias ortopédicas eletivas; e iv) no decorrer do ano de 2013.

Dados os critérios postos, é possível se avaliar qual é a resposta que o sistema de justiça dá às demandas que têm três aspectos peculiares: i) não há risco de morte ou dano permanente à integridade física do autor da ação; ii) os serviços de saúde estão de acordo com as políticas públicas do SUS; iii) a parte que demanda judicialmente é pobre ou vulnerável e, portanto, depende exclu-sivamente do atendimento no SUS.

A partir da definição desses critérios, iniciou-se a investigação pelos ar-quivos do Núcleo de Saúde da DPDF que contêm cópias de todas as petições iniciais ajuizadas pelo referido órgão. A partir dos critérios eleitos, chegou-se ao total de 77 ações ajuizadas em todo ano de 2013 para postular cirurgias ortopédicas. Esse universo de ações foi submetida então a uma matriz de ava-liação comum para obtenção de dados quantitativos e qualitativos, mediante preenchimento dos dados em planilha padrão.

A abordagem quantitativa avaliou tanto a condição do paciente quanto o resultado das demandas judiciais. O enfoque qualitativo se deu nos fundamen-tos das decisões dos juízes.

A condição do paciente foi avaliada nos seguintes aspectos: i) o tempo de espera pela cirurgia; ii) os sintomas e as limitações apresentados pelos pacien-tes decorrentes da demora; iii) quanto tempo demorou a realização da cirurgia após concedida a ordem judicial.

No que tange à resposta dos Magistrados, a pesquisa jurisprudencial bus-cou avaliar: i) se a decisão liminar foi favorável ou desfavorável ao autor da ação; ii) se foi desfavorável, qual o fundamento utilizado e quais argumentos foram expostos; iii) se houve recurso nas decisões desfavoráveis aos pacientes;

44 A decisão liminar é aquele proferida no início do processo, quando o juiz avalia rapidamente se o autor do direito alegado é plausível e se há perspectiva de dano se o caso demorar a ser julgado. Nas ações com rito ordinário, mais comuns, essa decisão é chamada antecipação de tutela, pois antecipa a decisão do juiz que, de outro modo, viria apenas meses ou anos depois na sentença.

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iv) se o recurso foi provido ou improvido; v) qual o argumento utilizado pelo desembargador relator nos casos de improvimento do recurso; vi) se havia nas ações informações sobre lista de espera ou sobre a previsão de atendimento do paciente autor da ação.

Os 77 casos foram avaliados e foi preenchida ficha – que segue em anexo – com os dados acima elencados. Para tanto, foram levados em conta as infor-mações e os documentos que instruíam a petição inicial do processo, comple-mentadas com a informações obtidas no sítio eletrônico do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e, quando necessário, nos arquivos de peças processuais do Núcleo de Saúde da DPDF.

3 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS

3.1 condIção do pAcIente Autor dA Ação

O perfil predominante dos usuários do SUS que buscaram a assistência da Defensoria Pública é de pessoas que aguardam há muito tempo – meses ou anos – por cirurgias ortopédicas.

Após avaliação do quadro clínico de cada paciente descrito na petição inicial e documentos que a instruem, verificou-se que todos pacientes já aguar-davam há mais de um mês e, no outro extremo, alguns aguardaram até 7 anos para buscar assistência jurídica. Foi possível obter significativa amostra desse dado, pois em 74 das 77 ações analisadas a informação sobre tempo de espera estava disponível. No quadro abaixo, é possível observar, com detalhes, o tem-po de espera dos autores até a data de ajuizamento da ação.

tAbelA 1 – tempo de esperA dos pAcIentes Antes de AJuIzAr A Ação (esquerdA)

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tAbelA 2 – tempo de esperA Após decIsão JudIcIAl FAvorável (dIreItA)

0 10 20 30 40

1 a 3 meses4 a 8 meses

10 meses a 1 …entre 1 e 2 …

2 anos3 anos4 anos5 anos6 anos7 anos

TEMPO DE ESPERA APÓS DECISÃO FAVORÁVEL

QUANTIDADE DE

Conforme se observa, a maior parte dos pacientes aguardou até 1 ano antes de acessar o Judiciário: 46 pacientes. Ainda assim, é muito relevante o número de pacientes que aguardou mais de 1 ano e até 7 anos por atendimen-to: 29 pacientes. A constatação aponta para um problema de ineficiência do atendimento do SUS, especialmente se aos resultados encontrados forem com-parados os prazos previstos na regulação da saúde suplementar, conforme será adiante abordado na discussão dos resultados (item 4.4.1).

Para os pacientes que acessaram o Judiciário e tiveram sua demanda acolhida pelos Magistrados, a decisão judicial significou acentuado incremento de eficiência no atendimento. Aproximadamente 2/3 (dois terços) dos pacientes beneficiados com liminares foram atendidos em até três meses após proferida a ordem. Os demais foram atendidos entre 4 e 8 meses. Em um caso excepcional, a demora na realização a cirurgia chegou a 9 meses após proferida decisão judicial.

Não bastasse o exacerbado tempo, a espera é permeada por diversos sin-tomas adversos e limitações físicas. Enquanto aguardam a cirurgia ortopédica, os pacientes padecem de dores, dificuldades ou incapacidade de locomoção, incapacidade laboral, depressão, entre outros. É possível observar, inclusive, peculiar sintoma decorrente da longa espera: o uso prolongado e contínuo de analgésicos para aliviar as fortes dores acarreta sérios problemas gástricos.

Além dos problemas físicos e psicológicos, vários outros problemas so-ciais têm origem nessa demora do atendimento. O mais notável é a incapaci-dade para o trabalho. Dentre os casos analisados, em 42 os pacientes infor-

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mam que estão incapazes para trabalhar e, destes, 6 acrescentam que estão sem qualquer renda45. Destes 6 casos, 2 são mais notáveis: um senhor que estava há 4 anos aguardando atendimento sem capacidade para locomover-se, e outro senhor estava há 7 anos aguardando com dores e problemas estomacais decor-rentes do excesso de analgésicos.

tAbelA 3 – sIntomAs e problemAs socIAIs dos pAcIentes enquAnto AGuArdAvAm cIrurGIA

ARTROSE OU LUXAÇÕES

DEPRESSÃO

INCAPACIDADE DE SE LOCOMOVER

PERDA DE FORÇA EM ALGUM DOS MEMBROS

PROBLEMAS ESTOMACAIS DECORRENTES DO

DORES

INCAPACIDADE/DIFICULDADE PARA O TRABALHO

SEM RENDA

NÃO HÁ INFORMAÇÕES SOBRE DIFICULDADES

0 10 20 30 40 50 60 70 80

29

6

42

72

15

20

45

8

11

ESTADO DOS PACIENTES ENQUANTO AGUARDAVAM PELA CIRURGIA

SINTOMAS ENQUANTO AGUARDAVAM PELA CIRURGIADADOS SOCIAIS DE RENDA E TRABALHO

OBS: Muitas vezes o paciente apresenta mais de um sintoma.

USO DE MEDICAMENTOS PARA DORES

LABORAIS

3.2 pesquIsA JurIsprudencIAl nA 1ª InstâncIA

A decisão liminar proferida pelos juízes é aspecto importante da pre-sente análise. Isso porque os elementos tempo e eficiência são os principais obstáculos à obtenção da cirurgia pretendida pelos pacientes. Apenas decisão célere responde de forma adequada às necessidades dos usuários do SUS que aguardam cirurgias. Nesse contexto, o gráfico abaixo expõe qual os resultados obtidos das análises dos pedidos liminares46 formulados aos Magistrados de 1ª

45 Vale destacar que o número de trabalhadores sem renda pode ser maior do que aponta o estudo. Isto porque, na elaboração das petições iniciais das ações, o foco é a saúde do indivíduo, e não os aspectos psicossociais envolvidos. Além do problema da falta de renda, existe o problema da diminuição da renda, pois os inaptos ao trabalho sob proteção previdenciária passam a receber auxílio-doença; contudo, esse benefício comumente tem valor inferior ao que o paciente recebia quando efetivamente trabalhava, especialmente quando o trabalhador combinava um emprego formal e atividade autônoma informal. Esses são aspectos importantes da vida desses pacientes que, pelas limitações dessa pesquisa, não puderam ser avaliados.

46 A palavra “liminar” é usada nesse contexto como toda decisão judicial tomada no início do processo que aprecie o que foi pedido. Todos os casos avaliados são ações de conhecimento sob o rito ordinário; logo, o estudo avalia as decisões tomadas face aos pedidos de antecipação de tutela sob os fundamentos do art. 273 do Código de Processo Civil. A palavra liminar é mantida para facilitar a compreensão do artigo por leitores sem formação em Direito.

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instância atuantes nas 8 (oito) Varas de Fazenda Pública do Distrito Federal, juízos competentes, na época, para julgar as ações que tem o DF como parte.

Nesse sentido, no total de 77 ações ajuizadas, 52 obtiveram o deferimen-to da liminar. Ou seja, significativa maioria obteve ordem judicial favorável. Por outro lado, relevante número de ações recebeu ordem judicial desfavorável ao paciente autor da ação: 13 casos. Além disto, em outros 8 casos, os Magistrados simplesmente não analisaram o pedido liminar. Em geral, nesses casos a demo-ra para avaliar o pedido foi tal que o paciente obteve a realização da cirurgia independentemente do comando judicial. A soma dos resultados conduz a 21 casos em que não foi obtida decisão liminar favorável. Por fim, em 4 casos a liminar ainda não havia sido avaliada quando do encerramento da coleta de dados.

tAbelA 4 – resultAdo dAs decIsões lImInAres em 1ª InstâncIA

DEFERIDOS

INDEFERIDOS

JUIZ NÃO APRECIOU, HOUVE EXTINÇÃO

JUIZ NÃO APRECIOU ATÉ A PRESENTE DATA

0 10 20 30 40 50 60

4

8

13

52

DECISÕES LIMINARES 1ª INSTÂNCIA

PEDIDOS DE CIRURGIA ELETIVA ORTOPÉDICA

A concessão da liminar que antecipa a tutela pedida tem, segundo o art. 273 do Código de Processo Civil, dois requisitos: a) a prova inequívoca da verossimilhança da alegação e b) o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação. A investigação dos argumentos de que os juízes de 1º grau utilizaram para rejeitar o pedido de realização da cirurgia nos 13 (treze) casos encontrados conduziu à conclusão de que os juízes reconhecem que o autor da ação realmente necessita da cirurgia; contudo, não há dano irreparável ou de difícil reparação. Em suma, os juízes reconhecem que o tratamento deve ser ofertado pelo SUS, mas não veem razão para determinar que seja feito logo. Essa situação ocorreu em todas as liminares indeferidas47. Vale registrar que o tempo de espera dos pacientes que não obtiveram decisão favorável é semelhante ao dos demais pacientes do conjunto amostral. Eis o tempo de espera, organizado

47 Estão incluídos nesta análise como liminar indeferida dois casos em que o decisor “deferiu” a antecipação de tutela, mas vinculou sua execução às listas de prioridades da Administração e não fixou prazo algum, o que em nada altera a situação fática do paciente (Autos nºs 2013.01.1.102887-0 e 2013.01.1.018613-3).

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em forma crescente, em cada um dos 13 processos em que a liminar não foi concedida: 3 meses, 4 meses, 6 meses, 7 meses, 10 meses, 1 ano e 1 mês, 1 ano e 3 meses, 2 anos, 3 anos, 4 anos, 5 anos, 6 anos, e um caso sem o dado.

Entre os principais argumentos contidos nas decisões de indeferimento, são recorrentes aqueles que indicam que: a) a cirurgia pleiteada “não é urgen-te”, e que assim devem ser priorizados os casos urgentes, ou que apresentem real “risco de morte”; b) existe uma “fila”, que deve ser respeitada, a fim de que se concretizem as políticas públicas de saúde, e respeite-se o princípio da isonomia. O gráfico abaixo busca avaliar esse aspecto qualitativo das decisões pesquisadas.

tAbelA 5 – ArGumentos utIlIzAdos pelos Juízes de 1ª InstâncIA pArA reJeItAr o pedIdo dos pAcIentes

NÃO É URGENTE

RESPEITO À FILA DE PACIENTES (ISONOMIA)

AMBOS ARGUMENTOS ACIMA

0 10

5

4

4

ARGUMENTOS UTILIZADOS 1ª INSTÂNCIA

DECISÕES

E RESPEITO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS

Fato interessante é que nesses casos em que os juízes negaram o pedido de realização da cirurgia em respeito à fila de pacientes, não foi encontrado ne-nhum documento juntado pelo réu da ação (o Distrito Federal) ou pelo próprio juiz da causa que comprove a existência de “lista de espera” ou que indique qual a colocação do autor na referida lista ou, ainda, que aponte previsão de atendimento pelo andamento normal da fila. A alegação da existência da lista serve como um argumento que legitima a não concessão liminar do pedido, na qual há um paradoxo. Se há uma lista, seu sentido de isonomia somente seria dado por meio da sua publicidade, na medida em que assim cada pessoa interessada poderia verificar a ordem cronológica nos casos em que não há urgência no procedimento. O argumento seria, então, válido, se houvesse a comprovação da existência da lista, bem como dos critérios de formulação da fila de pacientes. Ocorre que, mesmo sendo um argumento baseado em dados da empiria, não são os mesmos comprovados, o que leva a crer que essa seja uma estratégia retórica com objetivo de legitimar a decisão, sem base factual.

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3.3 pesquIsA JurIsprudencIAl nA 2ª InstâncIA

Naturalmente, ao ter seu pedido liminar negado pelo juiz, o autor busca a reforma da decisão através de recurso. Nos casos avaliados, o recurso utili-zado foi o agravo de instrumento, que leva ao conhecimento do Tribunal de Justiça a decisão de indeferimento proferida na 1a instância e pede que uma decisão favorável seja tomada em seu lugar.

O recurso de agravo foi interposto em 11 dos 13 casos de indeferimento, e, assim, foi levada ao TJDFT a irresignação dos usuários do SUS. Destes 11 recursos, 4 foram julgados favoráveis aos autores da ação (recursos providos) e 7 foram julgados em desfavor dos autores (recursos improvidos).

O principal argumento utilizado pelos desembargadores (Magistrados de 2ª instância) foi a ausência de urgência. Tal fundamento está presente em todas as decisões desfavoráveis aos usuários do SUS. Outros argumentos comuns fo-ram: respeito às políticas públicas (2 casos), isonomia (2 casos), prioridade aos urgentes (2 casos), respeito à lista (3 casos). Enfim, todos os fundamentos dos desembargadores apontam para a preocupação de não intervir nos critérios de priorização de atendimento do SUS. O quadro abaixo sintetiza a pesquisa.

tAbelA 6 – decIsões lImInAres em recursos (2ª InstâncIA) e ArGumento dos desembArGAdores

PROVIDOS

IMPROVIDOS

0 10

7

4

DECISÕES LIMINARES 2ª INSTÂNCIA (RECURSOS)

PEDIDOS DE CIRURGIA ELETIVA ORTOPÉDICA

DECISÕES

NÃO É URGENTE

RESPEITO À FILA DE PACIENTES (ISONOMIA)

PRIORIDADES DOS URGENTES

0 10

2

7

7

ARGUMENTOS UTILIZADOS 2ª INSTÂNCIA

E RESPEITO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS

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Por fim, vale ressaltar que na pesquisa de 2ª instância repete-se a situa-ção em que o respeito aos critérios de priorização do SUS é fundamento para negar o pedido dos pacientes; contudo, nenhum documento juntado esclarece quais seriam esses critérios, quais pacientes estão na lista ou qual a previsão de atendimento dos demandantes.

4 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 A demorA no AtendImento do sus: FAltA de crItérIos de eFIcIêncIA

Os usuários do SUS cujas demandas por cirurgia foram avaliadas eram todos, presumidamente, cidadãos de baixa renda ou vulneráveis, pois estavam assistidos pela Defensoria Pública do DF. Assim, os resultados revelam alguns aspectos do tratamento que o SUS dispensa à parcela pobre da população.

A primeira conclusão que registramos é a exacerbada e inexplicável de-mora para realizar procedimentos cirúrgicos eletivos. Os dados encontrados mostram que o usuário do SUS realmente tem motivos para estar insatisfeito com a demora para acessar os serviços públicos de saúde. Como observado, em 29 dos 74, ou seja, em 39,2% dos casos expostos na Tabela 1, os pacientes aguardaram mais de 1 ano pela cirurgia antes de buscar o Judiciário. Em 6 ca-sos, a espera alcançou entre 5 e 7 anos.

No ordenamento jurídico brasileiro, a demora na prestação de serviço remete à conhecida ideia da eficiência ou da ineficiência. O atendimento efi-ciente nos serviços públicos é direito do cidadão brasileiro; não à toa a eficiên-cia é um dos princípios basilares da Administração Pública (art. 37, caput, da Constituição) e, embora não seja lei aplicável ao SUS, também está previsto no art. 22 do Código de Defesa do Consumidor48.

Para definir em cada caso se determinado serviço público está ou não sendo ofertado com eficiência, é essencial a adoção de critérios para objeti-vamente avaliar se algo é eficiente ou ineficiente. Descumprido o critério, a situação é ilícita e pode, portanto, ser objeto da ação de órgãos de controle ou da revisão judicial.

Neste ponto, encontra-se séria dificuldade. A legislação federal em saúde pouco trata da eficiência na prestação dos serviços à população. A própria lei orgânica da saúde (Lei Federal nº 8.080) é silente nesse aspecto. Basta observar que o art. 7º da referida norma, o qual enumera os princípios e as diretrizes do SUS, não há a mais vaga menção à prestação de serviços de forma eficiente.

48 “Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.”

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Nem mesmo em atos infralegais do Ministério da Saúde há registro de prazos adequados para oferta de cirurgias eletivas (ou de qualquer outro serviço). Um dos poucos critérios de eficiência existentes na saúde pública está estabelecido na recente Lei Federal nº 12.732/2012, que, em seu art. 2º, garante ao paciente com câncer o primeiro tratamento em até 60 dias após firmado o diagnóstico49. O SUS, simplesmente, não possui critérios de eficiência temporal para atendi-mentos eletivos.

Muito diferente é a situação da saúde suplementar, ou seja, dos planos de saúde privados. A saúde suplementar conta com regulação específica dos pra-zos para atendimento exposta na Resolução no 259, de 17.06.2011, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). A referida norma prevê prazos máxi-mos para consultas, exames, cirurgias e todos os procedimentos sob cobertura contratual. O prazo máximo existente, que é estabelecido para realização de atendimento em regime de internação eletiva, é de apenas 21 dias úteis50.

A disparidade de tratamento do paciente no setor público e no setor pri-vado salta aos olhos. Enquanto o usuários do SUS pode passar meses ou até anos no aguardo por um procedimento eletivo, o usuário de plano de saúde tem garantido atendimento no prazo de 21 dias úteis. Esse é o aspecto mais grave dessa iniquidade: o titular de plano privado tem uma expectativa de atendimen-to; o usuário do SUS, não.

4.2 A dor e o esquecImento: A má-Fé com A sAúde

Como visto, a espera por tratamento pode demorar de alguns meses a vá-rios anos e o paciente segue aguardando atendimento sem qualquer perspectiva de ter seu procedimento efetivamente realizado. O seu nome é colocado em uma “fila”, mas o paciente não sabe se e quando chegará sua vez. Como sabido e amplamente noticiado nos veículos de mídia de massa, há sério problema de falta de transparência e desorganização. Quanto maior a desorganização, mais casos surgem de acesso personalizado ou privilegiado – entendido como uma “maneira tradicional e antiética de burlar a fila de espera por intermédio de uma pessoa influente”51.

49 “Art. 2º O paciente com neoplasia maligna tem direito de se submeter ao primeiro tratamento [cirurgia, radioterapia ou quimioterapia] no Sistema Único de Saúde (SUS), no prazo de até 60 (sessenta) dias contados a partir do dia em que for firmado o diagnóstico em laudo patológico ou em prazo menor, conforme a necessidade terapêutica do caso registrada em prontuário único.”

50 “Art. 3º A operadora deverá garantir o atendimento integral das coberturas referidas no art. 2º nos seguintes prazos: [...] XI – procedimentos de alta complexidade – PAC: em até 21 (vinte e um) dias úteis; [...] III – atendimento em regime de internação eletiva: em ate 21 (vinte e um) dias uteis; e XIV – urgência e emergência: imediato.”

51 Batalha, op. cit., p. 19.

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A espera, para muitos, não é uma opção simples. Os resultados expos-tos na Tabela 3 apontam que as lesões ortopédicas não tratadas impõem aos pacientes sintomas adversos: luxações, depressão, dificuldades de locomoção, perda de força, problemas gástricos e, principalmente, dores. A dor é queixa de 93,5% dos pacientes que buscaram o Judiciário. Essa dor impõe o uso contínuo e prolongado de analgésicos, que, por sua vez, acarretam em problemas gástri-cos (situação narrada por 20% dos pacientes). Além da dor, outra consequência óbvia são as limitações funcionais: 58% dos pacientes sofrem de dificuldades de locomoção e outros 26% de perda de força nos membros afetados. Em al-guns casos, a perpetuação desse estado vai além do sofrimento físico: 10% fo-ram diagnosticados com depressão.

Nesse contexto, a judicialização é caminho quase inevitável, pois, para muitos, parece ser a única forma de escapar dessa situação indigna. A impres-são dos pacientes é confirmada pela pesquisa, pois, conforme observado na Tabela 2, o incremento de eficiência temporal no atendimento é notável após intervenção judicial. Daqueles pacientes que obtiveram liminares favoráveis, 2/3 (dois terços) obtiveram tratamento em até 4 meses e o restante em até 8 meses, com uma exceção apenas, que chegou a 9 meses.

A situação é curiosa, pois, se a intervenção judicial conseguiu tirar aque-les pacientes do esquecimento, por que o SUS não consegue se organizar e prestar atendimento minimamente eficiente antes? Por que tantos pacientes fi-cam esquecidos em “filas” por anos sem qualquer previsão de atendimento? Por que a legislação trata de forma tão diferente os pacientes do SUS e aqueles dos planos de saúde?

Nesse ponto, pode-se adotar uma hipótese sociológica canônica sobre a realidade brasileira; a de que a situação de atendimento de saúde reflete uma outra, mais ampla, na qual a distinção e a hierarquia sociais antirrepublicanas estão presentes e são perversamente naturalizadas entre nós52. Nessa perspec-tiva, o serviço é pior e as garantias de acesso são menores para as pessoas da classe pobre.

De fato, desde a década de 90, com a regulamentação dos planos de saú-de, ficou exposta a divisão qualitativa entre os serviços acessados pelas classes mais abastadas, portadoras de planos de saúde privados, e a população pobre, que depende exclusivamente do SUS para serviços curativos53. Mesmo a inte-ração ente os sistemas publico e privado é desfavorável ao pobre, pois quem

52 DAMATTA, Roberto. Carnavais, malandros e heróis – para uma sociologia do dilema brasileiro. Rio de Janeiro: Rocco, 1997, passim.

53 SOUZA, Jessé. A rale brasileira: quem é e como vive. Belo Horizonte: UFMG, 2009. p. 306.

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possui o rápido diagnóstico ofertado pelo setor privado tem melhor acesso aos serviços públicos quando necessita54.

Dentro do próprio SUS a invisibilidade social dos pobres é presente. O baixo investimento no combate às doenças que afetam a população pobre, co-nhecidas como “doenças da pobreza” ou “doenças negligenciadas”55, contras-ta com os bons resultados de políticas públicas voltadas para atendimento de agravos de saúde que afetam horizontalmente a população (AIDS, diabetes, coagulopatias). Além disso, o serviço prestado em locais de periferia apresenta qualidade inferior aos hospitais de referência das áreas centrais. Em suma, cla-ramente,

as debilidades no funcionamento das instituições públicas de saúde se afinam com a desigualdade social, reproduzindo-a, o que significa que, na prática, elas contradizem os preceitos constitucionais pelos quais o Sistema Único de Saúde, o SUS, foi criado, não favorecendo a proposta idealizada em seu bojo de propi-ciar cidadania inclusiva e igualitária.56

A demora no atendimento de cirurgias eletivas parece ser mais uma es-pécie de “doença da pobreza”, ou seja, outra consequência do tratamento de-sigual que a população pobre tem dentro do próprio SUS. A demora é simples-mente mais um aspecto da baixa qualidade dos serviços prestados aos pobres57.

O sociólogo Jessé Souza chama de má-fé institucional esse sistemático tratamento negligente dado pelos serviços públicos, qualificativo confirmado pelos dados coletados na presente pesquisa, que nos leva a concluir claramente pela existência de “má-fé da saúde pública brasileira”58.

4.3 AvAlIAção dA pesquIsA JurIsprudencIAl: quAl o vAlor dA dor dA esperA tem pArA os Juízes?

A pesquisa jurisprudencial exposta na Tabela 4 revelou que em 17% das ações o pedido liminar do paciente foi rejeitado. Além disso, em outros 10% o pedido sequer foi analisado. Por outro lado, em 67% das ações as decisões foram favoráveis.

Apesar de a maior parte dos julgamentos ser favorável aos pacientes que ingressaram com ações, é significativo o índice de julgamentos desfavoráveis.

54 NISHIJIMA, Marislei; CYRILLO, Denise Cavallini; BIASOTO JUNIOR, Geraldo. Análise econômica da interação entre a infraestrutura da saúde pública e privada no Brasil. Econ. Soc. [online], v. 19, n. 3, p. 610, 2010.

55 Os estudiosos destacam com frequência a tuberculose, a hanseníase, a malária, as verminoses, o mal de Chagas, dentre outras. Sobre a questão, conferir Souza, op. cit., p. 313-14.

56 Idem, p. 306.57 Idem, p. 327.58 Idem.

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Basta avaliar o resultado de outras pesquisas. O estudo de Fernanda Gomes59 em Minas Gerais aponta para índice de apenas 6,2% de indeferimentos dos pedidos liminares60. A pesquisa de Janaína Penalva61 no Distrito Federal aponta que apenas 8,05% das decisões foram desfavoráveis aos requerentes. Em pes-quisa realizada por Silvia Marques e Maria Célia Delduque62, também na Justiça do Distrito Federal, nenhuma solicitação de fornecimento de medicamentos foi rejeitada em 87 casos analisados.

Assim, comparativamente com diversos outros estudos sobre a judicia-lização da saúde, o índice de 17% dos pedidos liminares demonstra que a 1ª instância da Justiça do DF demonstra incomum postura face às demandas da população por cirurgias no SUS. Se observarmos as decisões de 2ª instâncias, expostas na Tabela 6, o resultado se torna ainda mais destoante. Dos 11 recur-sos interpostos, 7 foram improvidos, ou seja, rejeitados pelos desembargadores. Nesse caso, o índice de decisões desfavoráveis é de 63%63.

Para entender essa situação, é necessário investigar mais detalhadamente os fundamentos das decisões que rejeitaram os pedidos liminares para realiza-ção de cirurgias ortopédicas, conforme exposto nas Tabelas 5 e 6.

Entre os Magistrados de 1ª instância, foram utilizados dois principais argumentos para rejeitar o pedido liminar para realização da cirurgia eletiva: i) a necessidade de respeitar as políticas públicas do SUS e a isonomia entre os pacientes de modo a “evitar interferências na fila de espera”; ii) a cirurgia, por ser eletiva, não é urgente; logo, o autor da ação pode aguardar mais. Os dois ar-gumentos são apresentados com a mesma recorrência e, em 5 casos analisados, ambos foram lançados como fundamento do indeferimento da liminar.

Resultado semelhante encontra-se na avaliação dos fundamentos dos de-sembargadores que julgaram os 7 casos em que o recurso do usuário do SUS foi improvido. Para rejeitar o apelo dos pacientes, em todos os casos analisados foram lançados os dois argumentos acima expostos e, em dois julgamentos, também foi apontada a necessidade de se priorizar casos urgentes.

59 Gomes, op. cit., p. 35.60 Há aspecto relevante a se destacar, qual seja, a referida pesquisa não restringe o seu espaço amostral apenas

às ações ajuizadas pela Defensoria Pública. O índice de demandas patrocinadas pela Defensoria Pública é, nessa pesquisa, de 33,1% (Gomes, op. cit., p. 35).

61 Penalva, op. cit., p. 19. A referida pesquisa é um bom paradigma para comparação, uma vez que, de todas os processos pesquisados, 95,06% foram patrocinados pela Defensoria Pública do DF. Ou seja, adota parâmetro muito próximo ao do presente estudo, que parte de uma base na qual 100% das ações tem seus autores representados pela Defensoria Pública do DF (Idem, p. 14).

62 Marques e Delduque, op. cit., p. 101. Essa pesquisa também perfaz paradigma adequado para comparação, uma vez que, de todas os processos pesquisados, 95,4% foram patrocinados pela Defensoria Pública do DF. Ou seja, também adota parâmetro muito próximo ao do presente estudo (Idem, p. 101).

63 O índice de negativas encontrado na pesquisa de 2ª instância de fato é muito elevado; contudo, é importante notar que há uma tendência costumeira de o Magistrado de 2ª instância manter a decisão do Magistrado de 1ª instância. Esse aspecto da prática judicial não pode ser descartado na interpretação dos dados.

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O conjunto destes argumentos conduziu os julgadores à conclusão de que, nos casos analisados, está ausente requisito essencial previsto no art. 27364 do Código de Processo Civil para a concessão da ordem liminar: o receio de o autor sofrer dano irreparável ou de difícil reparação65.

Em nenhum caso os juízes consideraram ausente o outro requisito, qual seja, o da verossimilhança das alegações do autor da ação. Ou seja, em todos os casos, os Magistrados reconhecem que a pessoa tem, sim, direito ao atendimen-to médico que postula. Eles entendem, por outro lado, que o seu tempo de es-pera não configura um dano ao paciente ou, se configura dano, é ele reparável.

Eis exemplo que bem descreve o argumento judicial encontrado nos ca-sos em análise:

A antecipação dos efeitos da tutela exige a convergência da verossimilhança da alegação com o fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação (CPC, art. 273).

No caso estritamente examinado nestes autos, percebe-se que se trata de pedido de realização de cirurgia ortopédica em um dos joelhos do autor.

O serviço de saúde pretendido foi prescrito por médico do Sistema Único de Saúde – SUS, em atendimento à exigência da Portaria nº 14/01 da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

Ocorre que, apesar da constatada necessidade da realização do procedimento ci-rúrgico em referência, inexiste, no momento, demonstração de fundado receio de dano irreparável que justifique a determinação de realização da referida cirurgia em sede de antecipação de tutela.

Reitere-se que o relatório médico apresentado não evidencia situação fática re-levante ou situação excepcional que autorize o deferimento do pedido emer-gencial.

Logo, a tutela emergencial requerida pelo autor, no momento, não deve ser aco-lhida.

Pelo exposto, indefiro o pedido de antecipação dos efeitos da tutela. (Autos nºs 2013.01.1.026384-6 – grifos nossos)

O caso acima é exemplar, pois o autor, no momento em que ajuizou a ação em março de 2013, já esperava há 4 anos por cirurgia no joelho e alegava

64 “Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e: I – haja fundado receio de dano irreparavel ou de difícil reparação; ou II – fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.” (grifos nossos)

65 Não avaliamos aqui a pertinência do requisito previsto no inciso II do art. 273, pois o estudo se atém às decisões liminares; logo, não há possibilidade de verificação de abuso de direito de defesa ou de ato protelatório.

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que nesse período estava com sérias dificuldades para trabalhar e para se loco-mover. Diante da negativa, foi interposto recurso, também rejeitado. Ou seja, a espera, que já era de 4 anos, será maior. Essa pessoa, que está inválida há mais de 4 anos sem tratamento, sofreu algum dano decorrente da espera? Se dano houve, é reparável?

Como considerar que não sofre dano paciente submetido à espera de meses ou anos por procedimento cirúrgico? O que dizer da dor sentida, dos movimentos perdidos, da incapacidade para o trabalho, da falta de renda, da depressão? Esse tempo de sofrimento e privação pode ser reparado?

Do ponto de vista da coerência sistêmica há graves problemas com es-sas decisões. Especialmente se observarmos que, em situações aparentemente menos indignas, já que envolvem bens jurídicos de menor relevância do que a saúde, o Judiciário entende pacificamente que há dano: negativas de cobertura em planos de saúde, inscrições equivocadas em cadastro de inadimplentes, pre-terições em concursos públicos. Em situação análoga à dos autores das ações pesquisadas, há interessante precedente jurisprudencial do Tribunal de Justiça do DF que reconhece dano moral a um usuário de plano de saúde que esperou 14 dias úteis além do prazo conferido pela ANS de 21 dias úteis para realização de cirurgia eletiva por seu plano de saúde66, tendo sido o plano de saúde con-denado a pagar R$ 4.000,00 em danos morais ao paciente.

Como se observa, o Judiciário trata de forma distinta casos bem menos graves do que esses de espera por cirurgias eletivas. A dor dos usuários do SUS, muitas vezes pessoas pobres e sem alternativas para tratamento, não é conside-rada relevante67 em expressivo número de julgamentos.

Os argumentos ora lançados podem ser desafiados por duas importantes objeções. Em primeiro lugar, eles podem ser apontados como argumentos mo-rais, e não jurídicos, motivo pelo qual a crítica feita aos Magistrados pode ser considerada apenas moralmente relevante, mas não juridicamente relevante.

Em segundo lugar, pode-se afirmar que os Magistrados, ao decidirem, devem ter em vista as consequências de suas decisões, e seria razoável que eles evitassem comandos voltados ao atendimento de um indivíduo em detrimento

66 Autos nºs 2013 01 1 066022-3-ACJ.67 Não se pretende afirmar que os juízes agem com preconceito de classe social ou são completamente

insensíveis aos pleitos da população pobre; contudo, o fato de os Magistrados não pertencerem à mesma classe social desses litigantes é fato relevante para a formação de sua convicção. Nesse sentido, já alertava Benjamin Cardozo ainda na primeira metade do século XX: “O espírito da época, tal como se revela a cada um de nós, muitas vezes nada mais é que o espírito do grupo no qual os acasos do nascimento, da educação, da profissão ou da comunhão de interesses deram lugar. Nenhum esforço ou revolução da mente destronará, completa e definitivamente, o império dessas lealdades subconscientes” (CARDOZO, Benjamin N. A natureza do processo judicial: palestras proferidas na Universidade de Yale. Trad. Silvana Moreira. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 129).

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da coletividade. Ou seja, seria inadequado “passar o autor à frente da lista de espera” apenas porque ele bateu às portas do Judiciário.

A seguir tratamos dessas objeções.

4.4 doIs ArGumentos em deFesA dos Juízes X doIs ArGumentos em deFesA dos pAcIentes

Levamos ao debate a primeira objeção ao aprofundar a questão da ur-gência da cirurgia. Conforme narrado acima, muitos juízes fundamentaram o indeferimento das liminares com o argumento de que a cirurgia não é urgente; logo, não há dano ou ele não é irreparável ou de difícil reparação. Assim, se não há grave ameaça à vida ou risco permanente à integridade física do paciente, o requisito legal para a concessão da liminar não está presente.

Esse argumento, embora pareça válido, é incoerente, pois a conclusão não decorre das premissas adotadas. Vejamos melhor em quadro comparativo:

Premissa maior (art. 273, caput e inciso I):

O Juiz poderá conceder a antecipação de tutela (limi-nar) se convencido de: verossimilhança das alegações + re-

ceio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Premissa menor (caso concreto):

A cirurgia pleiteada pelo paciente não é urgente.

Conclusão (decisão liminar):

Se não há comprovação de urgência, o pedido liminar é indeferido.

Como se observa, a premissa maior desse silogismo – a norma – exige a presença dano, irreparável ou de difícil reparação, para a concessão da ordem liminar. O juiz rejeita a presença desse requisito sob o argumento de que não há urgência. A premissa menor, contudo, não afastou a incidência da premissa maior. O argumento válido para o Magistrado seria: não há dano. Em suma, o juiz deveria ter fundamentado sua decisão com argumentos que demonstrem a inexistência de dano, não a inexistência de urgência. Isto porque em determina-do caso concreto pode existir dano irreparável mesmo que a medida pleiteada não seja urgente.

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É o caso das cirurgias eletivas. O procedimento, em sua essência, não é urgente do ponto de vista médico; contudo, a demora no atendimento impõe graves danos irreparáveis aos pacientes em razão do sofrimento experimentado: dor, incapacidade, dificuldade de locomoção, depressão etc.

A incoerência argumentativa verificada decorre da interpretação da ex-pressão “dano irreparável ou de difícil reparação” com a qual não é possível concordar, na medida em que os fatos mostram algo distinto do que se afirma. A expressão “dano irreparável ou de difícil reparação é composta de palavras de valor, consoante a teoria da linguagem de Richard Hare. Segundo o referido filósofo, palavras de valor são aquelas que exigem avaliação lógica e fática do contexto para definição de seu conteúdo68. Ou seja, o seu significado semân-tico não é autoevidente. Isso implica que em uma decisão judicial “aspectos relevantes relacionados a fatos considerados importantes para o julgamento não podem ser desconsiderados ou distorcidos”69 (grifos nossos).

Dizer que um dano é irreparável não é descrição, mas sim exercício de avaliação. E toda vez que o juiz avaliar que um dano é irreparável deverá seriamente se inclinar para a concessão de uma medida liminar, pois este é o imperativo legal do art. 273 do CPC. Isso porque o significado avaliatório dessa expressão “dano irreparável” é invariável70. Em toda situação em que haja re-ceio de que ocorra dano irreparável, o juiz estará enfrentando situação em que o direito do autor da ação está em risco.

Mas a questão central é: como saber avaliar se um dano é ou não irre-parável?

Necessitamos da exposição dos critérios utilizados para avaliação dos fa-tos. Mais especificamente, necessitamos que seja descrito em que sentido cada critério adotado é utilizado pelo Magistrado. Como destaca Neil MacCormick, é necessário empenho para entender os valores que perfazem uma base acei-tável para interpretação das normas71, bem como o Magistrado deve apresentar alguma boa argumentação avaliatória para a decisão proferida que, ao menos, preserve o valor da coerência72.

68 HARE, Richard Mervyn. A linguagem da moral. Trad. Eduardo Pereira e Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1996. p. 45.

69 FREITAS FILHO, Roberto. Intervenção judicial nos contratos e aplicação dos princípios e das clausulas gerais: o caso do leasing. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 2009. p. 147.

70 FREITAS FILHO, Roberto. Decisões jurídicas e teoria linguística: o prescritivismo universal de Richard Hare. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 45, n. 178, p. 26, abr./jun. 2008.

71 MACCORMICK, Neil. Argumentação jurídica e teoria do direito. Trad. Waldéa Barcellos. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p. 198.

72 Idem, p. 242.

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No exemplo das cirurgias eletivas, o juiz deve descrever o que ele en-tende73 por dano, de modo a esclarecer se a dor é um dano, se a incapacidade laboral é um dano, e assim por diante. A partir daí tem início outro processo para definir se o dano identificado é irreparável ou de difícil reparação. Somen-te então teremos uma boa argumentação, a partir de uma norma constituída de palavras ou expressões avaliatórias, que exprima os critérios descritivos utiliza-dos por quem decide.

A partir daí, o Magistrado tem critério adequado para avaliar os dados do caso concreto e definir se há ou não dano irreparável. Apenas com esse procedimento podemos ao mesmo tempo garantir: i) o controle adequado da coerência do argumento judicial e ii) a formulação de um juízo que pode ser universalizado, ou seja, que pode ser aplicado a casos semelhantes74.

É importante garantir isso para que a decisão judicial seja coerente em dois níveis: no caso concreto (coerência com os fatos e provas) e em casos semelhantes (coerência com outros julgamentos e precedentes). A imprecisão cometida nos casos analisados – confundir dano e urgência – conduziu à inco-erência das decisões analisadas nos dois níveis indicados.

Em primeiro lugar, as decisões tomadas são incoerentes com as provas dos autos, pois rejeitaram a pretensão de pacientes do SUS em obter atendi-mento médico, apesar do evidente dano que a espera prolongada impõe a eles. Em segundo lugar, as decisões analisadas são incoerentes com a jurisprudência reiterada do Tribunal de Justiça em casos semelhantes, sejam relativos a deman-das da saúde pública ou da saúde privada. Exemplo foi o caso citado no tópico anterior em que se reconheceu existir dano para paciente da rede privada que esperou 14 dias a mais que o prazo de 21 dias de espera previsto em resolução da ANS.

Postulamos que o Judiciário não poderia ter julgado de forma tão diver-sa situações semelhantes. A coerência é requisito para que o discurso judicial seja legítimo75 e lógico76. A falta de coerência conduz, inclusive, à ausência de isonomia de tratamento que o Judiciário deve assegurar77 aos usuários do SUS

73 Nesse processo de exposição dos critérios valorativos que serão utilizados, o Magistrado não pode ter em vista apenas os seus próprios critérios, mas é plausível que busque valores compartilhados na coletividade, embora, com frequência, irá se deparar com juízos de valor divergentes (ALEXY, Robert. Teoria da argumentação jurídica: a teoria do discurso racional como teoria da fundamentação jurídica. Trad. Zilda Hutchinson Shild Silva. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 26).

74 Freitas Filho, op. cit., 2009, p. 181.75 A defesa da coerência na argumentação jurídica é amplamente defendida e estudada. Nesse sentido,

MacCormick, op. cit., p. 197 et seq.; e Cardozo, op. cit., p. 20 et seq. Também merece destaque o estudo de Ronald Dworkin (DWORKIN, Ronald. O imperio do Direito. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 263 et seq.).

76 Freitas Filho, 2009, op. cit., p. 141 et seq.; e Hare, op. cit.77 Nesse sentido, importante consideração de Freitas Filho: “O significado das palavras de valor é, em uma

importante medida, prescritivo, e, de acordo com esse significado, não é aceitável do ponto de vista lógico

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entre si e em relação, por exemplo, aos usuários de planos de saúde. Abai-xo indicamos o esquema dos argumentos que podem ser considerados válidos conforme as peculiaridades dos casos concretos.

Premissa maior (art. 273, caput e inciso I):

O juiz poderá conceder a antecipação de tutela (limi-nar) se convencido de: verossimilhança das alegações + re-

ceio de dano irreparável ou de difícil reparação.

Premissa menor 1 (caso concreto):

A espera pela cirurgia implica dano irreparável ou de difícil reparação.

Premissa menor 2 (caso concreto):

A espera pela cirurgia não implica em dano irrepará-vel ou de difícil reparação

Conclusão 1 (decisão liminar):

Se há dano irreparável ou de difícil reparação a limi-

nar deve ser deferida.

Conclusão 2 (decisão liminar):

Se não há dano irreparável ou de difícil reparação, a li-minar deve ser indeferida.

A crítica voltada às decisões analisadas é, portanto, de caráter jurídico e lógico, embora qualquer decisão judicial esteja sempre aberta às críticas de caráter moral.

Passamos à segunda objeção anteriormente indicada, qual seja, a de que os juízes devem estar atentos às consequências de sua decisão de modo a evi-tar que os pacientes que buscam o Judiciário passem à frente dos outros que aguardam na fila.

Como visto, é recorrente a preocupação dos Magistrados com as conse-quências de suas decisões para o sistema de saúde. Foram diversos os julgados em que se pregou o respeito às políticas públicas de forma a garantir tratamento isonômico aos paciente e evitar preterições na fila.

A inquietação dos juízes com eventuais consequências indesejáveis de suas decisões é algo muito relevante. Aliás, faz parte do processo decisório justificar uma decisão a partir de uma avaliação ponderada da conveniência ou inconveniência que ela acarretará78. Neste caso, contudo, a preocupação dos Magistrados, embora louvável, prejudica os pacientes e não contribui em nada

que um mesmo sujeito profira juízos diferentes para situações idênticas sem que se perca a ideia de isonomia e, portanto, a coerência moral e jurídica do juízo” (Op. cit., 2009, p. 185).

78 MacCormick, op. cit., p. 225.

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para a melhoria do atendimento do SUS. Destacamos três argumentos princi-pais que corroboram essa afirmação.

Em primeiro lugar, como visto anteriormente, não existem normas jurídi-cas e políticas públicas que definam claramente os programas governamentais para tratamentos eletivos. Sequer existem critérios normativos de eficiência es-tabelecidos, com a exceção do primeiro atendimento para doentes com câncer, conforme previsto no art. 2º da Lei nº 12.732/2012.

A pesquisa realizada reforça essa impressão, pois em nenhum dos casos analisados o réu da ação apresentou qual seria a política pública a ser seguida no caso. Da mesma forma, em nenhuma situação foi juntada no processo a “lista de pacientes” que aguardavam a cirurgia eletiva. Logo, o argumento do tratamento isonômico é vazio, pois, em verdade, a “fila” é um ente abstrato. Ou seja, como já referido no presente trabalho, o fundamento com base no fato da existência da fila não é confirmado pela comprovação da sua existência.

Em segundo lugar, vale lembrar que a determinação judicial para que cirurgia seja realizada abrange tanto a possibilidade de o paciente ser atendido na rede própria do SUS como na rede de saúde complementar. Assim, se o ges-tor da saúde entender que, no caso concreto, o atendimento à ordem judicial irá promover injustiça com outro paciente, pode determinar a realização do procedimento na rede de saúde complementar, mediante a contratação de seus serviços. Logo, independente do cenário, é facilmente evitável que a ordem judicial crie consequências negativas para terceiros, ou seja, para pacientes que não recorreram ao sistema de justiça.

Por fim, vale lembrar que os direitos devem ser interpretados em favor daqueles que são seus titulares. Ou seja, o direito à saúde de um usuário do SUS deve ser garantido em seu favor, e não em favor de terceiros desconhecidos e, talvez, inexistentes. Como destaca Dworkin, “o objetivo da decisão judicial constitucional não é meramente nomear os direitos, mas assegurá-los, e fazer isso no interesse daqueles que têm tais direitos”79. Os Magistrados não podem simplesmente ignorar que existem normas constitucionais que asseguram aos cidadãos brasileiros o direito à saúde de forma universal, integral e eficiente80.

CONCLUSÃO

A judicialização da saúde tem sido objeto de intensa reflexão acadêmica nos últimos anos. Um dos aspectos ainda pouco investigados, entretanto, é a

79 Op. cit., p. 465.80 Nesse sentido, merece destaque interessante consideração de MacCormick acerca das balizas decisórias

impostas aos Magistrados: “Os juízes devem fazer justiça, mas ‘justiça de acordo com a lei’. Isso não significa, na verdade não pode significar, que os juízes devam decidir casos exclusivamente de um modo justificável por simples dedução a partir de normas jurídicas de caráter compulsório. Por outro lado, porém, não pode significar que eles sejam deixados à vontade para seguir suas próprias intuições do senso comum e da utilidade da justiça, livres de todas as limitações” (Op. cit., p. 215).

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questão da efetividade do direito à saúde no tocante à demora na prestação, no caso de procedimentos cirúrgicos ortopédicos não reconhecidos como ur-gentes. O presente artigo aborda essa questão, com especial foco nas ações propostas pela Defensoria Pública do Distrito Federal, conformando um espaço amostral de 77 demandas.

Um primeiro objetivo foi apontar a aparente necessidade de recurso ao que chamamos de “sistema de justiça” como remédio à falta de atenção em tempo razoável de pacientes em situação de grande vulnerabilidade que não vinham sendo atendidos condignamente. Nesses casos, o Judiciário acaba por fazer o papel de catalisador da prestação adequada de um serviço público que deveria, ordinariamente, funcionar de forma organizada e célere.

Outro ponto trabalhado foi a qualidade dos argumentos utilizados pelos decisores que indeferiram a prestação jurisdicional em sede de liminar, o que praticamente inviabiliza a correção do problema, justamente por conta de que o que se pede é o atendimento célere de pacientes que ficam, por assim dizer, “esquecidos” pelo sistema público de saúde.

Refletimos, ainda, sobre a qualidade dos dois argumentos que fundamen-taram, de forma recorrente, os indeferimentos dos pedidos liminares: a ausência de dano decorrente da demora e a existência de uma fila a ser frustrada. Quanto aos dois, procuramos identificar problemas quanto à coerência81 e quanto a uma possível contradição performativa, no caso das filas, já que o argumento se baseia em um dado de realidade sobre o qual não se fez prova.

Pensamos que a pesquisa ora realizada revela a importância de a aca-demia direcionar seus estudos para os problemas do SUS que mais afligem a população brasileira, especialmente os segmentos menos favorecidos da socie-dade que tem no SUS sua única forma de acesso à saúde, em especial o caso da frustração da prestação adequada decorrente do não atendimento a tempo razoável.

O estudo avança com argumentos e dados que reforçam a ideia de que o acesso à justiça é alternativa importante para que os brasileiros tenham efeti-vo acesso aos serviços de saúde pública, especialmente aqueles atendimentos considerados eletivos.

A reflexão ora proposta teve exatamente o objetivo de jogar luz nesse problema de forma a contribuir para que as portas da Justiça mantenham-se

81 Compreensão semelhante alcançaram Roberto Freitas e Camilla Brum em pesquisa que avalia o discurso e a coerências das decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o direito à saúde. Eis parte relevante da conclusão do estudo: “A constatação mais relevante dessa pesquisa foi perceber que as palavras avaliatórias integridade, universalidade e igualdade, as quais compõem o núcleo doador de sentido do art. 196 da Constituição Federal, são utilizadas na maioria dos acórdãos proferidos pelo STF, em matéria de saúde, acompanhadas de alta carga de imprecisão quanto ao seu significado, o que acentua a dificuldade de se averiguar a coerência dessas decisões” (FREITAS FILHO, Roberto; BRUM, Camilla Japiassu Dores. A retórica do direito à saúde no Supremo Tribunal Federal. Universitas Jus, v. 25, n. 1, p. 62, 2014).

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abertas às demandas dos usuários do SUS, especialmente aqueles oriundos das classes sociais marginalizadas.

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AneXo – FIchA de pesquIsA – lImInAr em cIrurGIA eletIvA ortopédIcA

Data de distribuição:

Número do processo:

Nome do autor ou autora:

Cirurgia:

Quanto tempo aguarda? __ anos e __ meses.

Sintomas do(a) paciente e consequências da demora na realização da cirurgia:

□ Incapacidade ou dificuldade para o trabalho

□ Sem renda

□ Depressão

□ Dores

□ Perda de força em alguns dos membros

□ Luxações

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□ Toma medicamento para as dores

□ Paraplegia

□ Incapacidade para se locomover

□ Outro

PROCESSO

Quanto tempo para apreciar a liminar?

Houve deferimento da liminar?

Faltou: ( ) verossimilhança ( ) dano irreparável

Argumentos utilizados:

□ Respeito à lista

□ Não é urgente

□ Não há risco de morte

□ Isonomia

□ Respeito às políticas públicas

□ Prioridade dos urgentes

□ Necessidade de aguardar a instrução probatória

□ Outro:

Houve recurso? ( ) Sim ( ) Não

Recurso provido? ( ) Sim ( ) Não

Argumentos utilizados pelo Desembargador Relator:

□ Respeito à lista

□ Não é urgente

□ Não há risco de morte

□ Isonomia

□ Respeito às políticas públicas

□ Prioridade dos urgentes

□ Outro:

Quanto tempo para fazer a cirurgia após liminar?

O réu juntou informações sobre a fila de pacientes?

O réu deu previsão de atendimento?

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Parte Geral – Doutrina

RDU, Porto Alegre, Volume 12, n. 67, 2016, 103-124, jan-fev 2016

Proteção Funcional ao Consumidor – Sobre Novos Modelos de Consumidor à Luz da Recente Teoria

STEFAn GRUnDmAnnProfessor of Transnational Private Law at the European University Institute, and Professor of Private and Business Law at Humboldt University, Berlin.

SUMÁRIO: Introdução; I – A pessoa: consumidor ou parte mais fraca?; I.1 Modelos de consumidor: reflexões introdutórias sobre funcionalidades; I.2 Consumidores – Um grupo heterogêneo; I.3 Con‑sumidores – Um grupo por demais restrito; II – Conteúdo da proteção ao consumidor – Um modelo simples; II.1 Proteção ao consumidor como um fim em si mesmo ou como instrumento de proteção no caso de falha de mercado?; II.2 Perdas econômicas versus perda existencial; II.3 Proteção através de informação e proteção através de conteúdos injuntivos; II.4 Proteção por causa de racionalidade limitada?; II.5 Ressalva: aplicação do Direito; III – Perspectiva: proteção ao consumidor no mercado interno.

INTRODUÇÃO

O direito do consumidor é um fenômeno mundial, marcado sempre por questões relativas à proteção e liberdade tanto no direito material, ou seja, ques-tões relacionadas à autonomia privada e seus limites, quanto por questões re-lativas à proteção e liberdade no trânsito transfronteiriço, ou seja, relacionadas à autonomia das partes e seus limites. Assim o é especialmente no desenvol-vimento da União Europeia, que será aqui tomada de forma paradigmática1. Simultaneamente, contudo, o direito do consumidor é atualmente o caso de teste para uma teoria social mais geral da autonomia privada e seus limites. Como tal, esta será examinada a seguir – independentemente de ordenamentos jurídicos concretos.

Este caráter diretamente paradigmático do direito do consumidor é in-confundível tanto no Brasil – com sua proteção ao consumidor como máxima

1 Fundamental sobre as questões do trânsito transfronteiriço na Europa: W.-H. Roth. Der Einfluß des Europäischen Gemeinschaftsrechts auf das Internationale Privatrecht. RabelsZ 55 (1991) 623; no seguimento deste, p. ex., Basedow. Der kollisionsrechtliche Gehalt der Produktfreiheiten im europäischen Binnenmarkt: favor offerentis. RabelsZ 59 (1995) 1; bem como Drasch. Das Herkunftslandprinzip im internationalen Privatrecht – Auswirkungen des europäischen Binnenmarktes auf Vertrags – und Wettbewerbsstatut. 1997; especialmente apoiando amplamente uma transformação do direito relativo ao conflito de leis através de liberdades fundamentais: Grundmann. EG-Richtlinie und nationales Privatrecht – Umsetzung und Bedeutung der umgesetzten Richtlinie im nationalen Privatrecht. JZ 1996, 274, 277-281; id. Binnenmarktkollisionsrecht – vom klassischen IPR zur Integrationsordnung. RabelsZ 69 (2000) 457; id. Das Internationale Privatrecht der E-Commerce-Richtlinie – was ist kategorial anders im Kollisionsrecht des Binnenmarkts und warum? RabelsZ 71 (2003) 246.

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constitucional – quanto na União Europeia. Na União Europeia, o direito do consumidor cunhou não apenas a formação de todo o Direito “Europeu” dos Contratos e das Transações em sua formação – por mais que no início se falas-se mais de um direito do consumidor europeu do que de um direito europeu dos contratos2. Destarte, no centro das considerações seguintes, encontra-se a questão se o direito do consumidor (na Europa) deve ser entendido – ou o deveria ser – primariamente como direito de proteção individual ou como di-reito da organização do mercado e quais consequências podem ser tiradas a partir do respectivo ponto de vista – também para a questão atualmente muito rediscutida a respeito dos modelos de consumidores3. Em sua essência, a ar-gumentação consiste em que a proteção ao consumidor deva ser concebida a partir de um continuum de partes mais fracas (v. abaixo em II) e que, portanto, uma proteção rígida para todos os consumidores e apenas para estes só pode ser justificada em consonância com reflexões sobre a função contratual. Em outras palavras: os consumidores gozam em função de seu status – ou seja, em função da natureza de sua pessoa – primariamente apenas daquela proteção que deve lhes possibilitar uma decisão informada com autonomia privada, enquanto in-tervenções paternalísticas em benefício de consumidores são restritas a casos especiais com aumentada necessidade de proteção objetiva (v. abaixo em III). Igualmente, outros gozam, como consumidores (empresas), de proteção nos casos em que, positivamente, esta se faz necessária também a eles, a fim de lhes possibilitar uma decisão informada com autonomia privada. Este artigo pleiteia, assim, por uma abordagem segundo a qual, na proteção ao consumidor, não se deva continuar primariamente a se diferenciar por tipos de consumidores, e sim funcionalmente por situações especiais de risco. A este cerne do artigo ainda se junta, à guisa de conclusão, um olhar sobre questões do “sistema de vários níveis” – ou seja, sobre a questão da proteção também em circunstâncias trans-fronteiriças (v. abaixo em IV). Esta dimensão não deve faltar, pois, afinal, quem

2 Cf. principalmente Reich. Europäisches Verbraucherrecht – eine problemorientierte Einführung in das europäische Wirtschaftsrecht. 3. ed., 1996; depois, Reich/Micklitz. Europäisches Verbraucherrecht – eine problemorientierte Einführung in das europäische Wirtschaftsrecht. 4. ed., 2003; Reich/Micklitz/Rott. European Consumer Law. 2. ed., 2013; Howells/Wilhelmsson. EC Consumer Law, 1997; bem como Weatherill. EU Consumer Law and Policy. 2. ed., 2013; Howells/Weatherill. Consumer Protection Law. 2. ed., 2005. Para a concepção fundamentalmente modificada como Direito Europeu dos Contratos (até mesmo como Direito Europeu dos Negócios Empresariais): Kirchner, in: Weyers (Ed.). Europäisches Vertragsrecht. 1997, p. 106; depois, amplamente, Grundmann. Europäisches Schuldvertragsrecht – das Europäische Recht der Unternehmensgeschäfte (com textos e materiais sobre adaptação do direito). 1999; id. Europäisches Handelsrecht – vom Handelsrecht des laissez faire im Kodex des 19. Jahrhunderts zum Handelsrecht der sozialen Verantwortung. ZHR 163 (1999), 635; hoje de forma especialmente plástica, Riesenhuber. EU-Vertragsrecht, 2013. Esta é desde 2001/03 também a denominação oficialmente empregada: por exemplo, comunicado da Comissão ao Conselho e ao Parlamento Europeu de 11 de julho de 2001 sobre o Direito Europeu dos Contratos, KOM(2001) 398 def., ABl.EG 2001 L 255/1; Plano de ação a respeito de um Direito Europeu dos Contratos mais coerente – Comunicado da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho de 12.02.2003, KOM (2003) 68 def.; Livro Verde da Comissão Europeia de 1º de julho de 2010 – Opções para a introdução de um Direito Europeu dos Contratos para consumidores e empresas, KOM (2010) 348 def.

3 Cf. ambas as compilações de Leszykiewicz/Weatherill (Ed.) e Riesenhuber (Ed.) sobre Consumer Images e modelos de consumidores (no prelo).

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decide sobre o alcance do sistema de proteção é (também) sua aplicabilidade espacial.

I – A PESSOA: CONSUMIDOR OU PARTE MAIS FRACA?

I.1 modelos de consumIdor: reFleXões IntrodutórIAs sobre FuncIonAlIdAdes

O primeiro modelo de consumidor foi cunhado pelo Tribunal Europeu – primeiramente para as liberdades fundamentais, para as quais ele reconheceu simultaneamente a proteção ao consumidor primeiro como categoria normativa para a liberdade fundamental4. Pouco tempo mais tarde, ele transferiu o mes-mo modelo de consumidor para o direito derivado5. Postulou, respectivamente, pelo modelo de consumidor sensato e devidamente informado. No primeiro caso citado, o Tribunal Europeu qualificou primeiramente normas nacionais injuntivas também de obstruções, por exemplo, à liberdade de trânsito de mer-cadorias quando, embora abrangendo de forma igual a mercadoria nacional e a estrangeira, atingiam de fato mais fortemente esta última, e.g., em termos de custos. Em um segundo passo (que aqui nos interessa), o Tribunal qualifi-cou a proteção ao consumidor de “motivo imperioso”, em cuja intervenção tal obstrução poderia, no entanto, ser justificada. Porém, isto deveria ficar sob a reserva de que a proteção fosse configurada proporcionalmente; concretamente falando: que, para um consumidor sensato e devidamente atento, pudesse ser garantida uma proteção suficiente não com uma medida interventiva menos in-tensa. Com isto estava marcado o (primeiro) modelo de consumidor citado. Na causa Cassis de Dijon, a regra nacional proibira designar e etiquetar uma bebida como “licor” quando não atingisse um determinado teor alcoólico (percenta-gem) e, como fundamentação, constava que os consumidores não deveriam ser induzidos a erro. Contudo, o Tribunal Europeu viu aí um meio mais brando de simplesmente exigir a indicação do teor alcoólico (percentagem) no rótulo (um dado que as garrafas de Cassis de Dijon já apresentavam). Com isso, o consu-midor sensato e devidamente informado teria a informação suficiente e poderia, com base nisto, decidir por si mesmo. De forma comparável decidiu o Tribunal Europeu então no segundo caso citado na interpretação de direito derivado para questões de propaganda enganosa. Uma propaganda só seria enganosa quando o consumidor medianamente informado, sensato e devidamente atento tirasse dela informações incorretas.

É, nomeadamente, esta jurisdição que levou à crítica no direito privado europeu, sobretudo no direito dos contratos, de que o direito privado europeu

4 Tribunal Europeu, sentença de 20.02.1979 – Causa 210/78 Cassis de Dijon, coletânea 1979, 649.5 Tribunal Europeu, sentença de 16.07.1998 – Causa 210/96 Gut Springheide, coletânea 1998 I-4657:

Critério é, segundo a súmula, o consumidor médio “medianamente informado, atento e sensato”.

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estaria configurado de forma unilateral, i.e., por demais instrumental. Isto por-que, para a formação das regras de direito privado europeu, estaria em primeiro plano unilateralmente (apenas) um objetivo: sua aptidão em promover a criação e conclusão do mercado interno6. No direito do consumidor, a postulada “di-ferenciação” por necessidades de proteção pode ser entendida (também) como resposta a essa crítica, à concepção puramente “instrumental” e pretensamente focada em demasiado no mercado livre. Na realidade, foi postulado que grupos de consumidores totalmente diversos deveriam ser separados uns dos outros e vistos separadamente – de acordo com a necessidade de proteção: o consumi-dor especialmente vulnerável7, o consumidor descuidado8, o consumidor com poder de negociação inferior9 e o consumidor insipiente: de forma mais geral, apresentou-se a ampla gama de desvios cognitivos (erros e vieses cognitivos) como sendo normativamente de cunho jurídico-político e jurídico-dogmático10.

O art. 5º, §§ 2º e 3º, da diretriz para práticas comerciais da Comunidade Europeia11, que, na realidade, concede proteção adicional especialmente a con-sumidores vulneráveis para todo o âmbito da propaganda e práticas comerciais, confirma, por um lado, que tais diferenciações devem ser consideradas no direi-to europeu dos contratos. Contudo, por outro lado, também suscita dúvidas com respeito à citada constatação de que o direito privado europeu – principalmente o direito derivado – seria concebido sozinho ou também apenas primariamente

6 Reich/Micklitz/Rott (supra nota 2) 70-72; Howells/Weatherill (supra nota 2) 27-32; cedo, Joerges. Verbraucherrecht und Marktökonomik – eine Kritik ordnungstheoretischer Eingrenzungen der Verbraucherpolitik. In: Joerges/Assmann/Bruggemeier/Hart. Wirtschaftsrecht als Kritik des Privatrechts – Beiträge zur Privat – und Wirtschaftstheorie. 1980, p. 83.

7 Cf. (em parte, criticamente) Micklitz. The Expulsion of the Concept of Protection from the Consumer Law and the Return of Social Elements in Civil Law: A Bittersweet Polemic. (2012) 35 J. Consum. Policy 283; Stuyck. The Notion of the Empowered and Informed Consumer in Consumer Policy and How to Protect the Vulnerable Under Such a Regime. The Yearbook of Consumer Law 2007, 167; Waddington. Vulnerable and Confused: The Protection of “Vulnerable” Consumer under EU Law, (2013), ELR 757; Wilhelmsson. The Informed Consumer v. the Vulnerable Consumer in European Unfair Commercial Practices Law – A Comment. The Yearbook of Consumer Law, 2007, 218.

8 Referências na nota anterior.9 Stuyck. Consumer Concepts in EC Secondary Law. In Riesenhuber (supra nota 3), (no prelo); também

Unberath/Johnston. The Double-Headed Approach of the ECJ Concerning Consumer Protection. (2007) CMLR 1281; alusões diferentemente fortes também nos casos (todos sobre a diretriz das condições gerais comerciais): Tribunal Europeu, sentença de 27.06.2000 unindo as causas C-240/98 e C-244/98, Océano Grupo, coletânea 2000, I-4941 (nº 25); sentença de 16.10.2006 causa C-168/05 Mostaza Claro, coletânea 2006, I-10421 (nº 25); sentença de 04.06.2009, causa C-243/08, Pannon GSM, coletânea 2009, I-4713 (nº 22); sentença de 06.10.2009, causa C-40/08, Asturcom Telecommunications, coletânea 2009, I-9579 (nº 29); sentença de 06.07.2010, causa C-137/08 VB Pénzugyi Lizing/Ferenc Schneider, coletânea 2010, I-10847 (nº 46).

10 Por exemplo, Incardona/Poncibó. The Average Consumer, the unfair commercial practices directive and the cognitive revolution. (2007) J. Consum Policy, 21, com referência à diretriz das práticas comerciais desleais (próxima nota), em parte, contudo, de forma generalizada.

11 Diretriz 2005/29/EG do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de maio de 2005 sobre práticas comerciais desleais no trânsito comercial entre empresas e consumidores no mercado interno e sobre a mudança da diretriz 84/450/EWG do Conselho, das diretrizes 97/7/EG, 98/27/EG e 2002/65/EG do Parlamento Europeu e do Conselho, bem como do decreto (Comunidade Europeia) nº 2006/2004 do Parlamento Europeu e do Conselho (diretriz sobre práticas comerciais desleais), ABl.EG 2005 L 149/22.

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como sendo instrumental para o mercado interno. Porém, precisamente este exemplo legislativo de uma diferenciação por grupos de consumidores, exem-plo este o mais proeminente, levanta simultaneamente a questão se a intensida-de de proteção escalonada não pode ser justificada respectivamente a partir da função contratual, ou seja, especialmente a partir da questão objetiva tratada pela norma. A resposta a essa questão constitui o cerne do presente artigo.

I.2 consumIdores – um Grupo heteroGêneo

Se no centro da recente discussão – sobre a reconhecida necessidade em se diferenciar mais fortemente modelos de consumidor – se encontra, so-bretudo, a já mencionada forma de heterogeneidade – informado, descuidado, especialmente vulnerável etc. –, não poderia deixar de ser vista eventualmente uma forma ainda mais importante de heterogeneidade. Trata-se aqui, no fundo, de um continuum que se estende sobre toda a população (“somos todos consu-midores”). Para uma clareza maior da reflexão central, serão aqui focados, no entanto, apenas os dois extremos: de um lado, o consumidor tipicamente bem instruído e informado, via de regra também financeiramente bem provido, co-nhecedor de seus direitos de consumidor ou, em todo caso, capaz de se deixar assessorar por um profissional (tipo: diretor ministerial); e, de outro, o consumi-dor tipicamente mal informado e também mal provido financeiramente (tipo: trabalhadores sem qualificação). Importante nessa diferenciação, que, à primei-ra vista, pode se igualar àquela entre consumidores sensatos, devidamente ou até mesmo bem informados, e consumidores especialmente vulneráveis, não é primariamente o fato de que ambos os grupos pareçam diferentemente “fortes” e, portanto, diferentemente dignos de proteção. Pelo contrário, central é o fato de que eles podem ter também interesses muito heterogêneos. Enquanto, por exemplo, no Direito relativo às ações a discussão é dominada pela heterogenei-dade dos acionistas – pequenos acionistas com free float, acionistas minoritários fortes e acionistas de controle – e as regras de proteção são concebidas prima-riamente sob o prisma de seus interesses diferenciados, o ponto de vista dos interesses diferenciados no direito do consumidor foi até então praticamente descuidado por completo. Contudo, esse aspecto é central.

Para a dimensão do direito do consumidor, a citada forma de heteroge-neidade é tão importante e absolutamente central devido às seguintes reflexões: em regra, uma proteção forte ao consumidor não é capaz de proteger consumi-dores fracos, pelo menos não primariamente. Isto porque o efeito redistributivo em muitos âmbitos do Direito e, sobretudo, naqueles normativos – “como no direito dos contratos, direito das sociedades e direito comercial geral”12 – pode

12 Kaplow/Shavell. Should Legal Rules Favor the Poor? Clarifying the Role of Legal Rules and the Income Tax in Redistributing Income. 29 Journal of Legal Studies 821, 823 (2000).

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ser novamente eliminado, via de regra, pelo outro lado contratual, quando este inclui (“embute”) nos preços a carga adicional resultante de forte proteção ao consumidor – especialmente em contratos do tipo B2C (business-to-consumer). Em mercados de concorrência isto chega a ser a regra13. Outros artigos combi-nam essas reflexões (sobre arcar com os custos da proteção ao consumidor) com uma reflexão sobre a respectiva utilidade da proteção ao consumidor. Tais arti-gos advertem quanto ao risco de que direitos de proteção fortes e sistemáticos para a parte contratual concebida como a “mais fraca” podem especialmente beneficiar no grupo dos consumidores em questão (mas não homogêneo) logo aqueles que têm mais recursos financeiros: este é o grupo que, no caso de fortes regras de indenização, presumivelmente possui as mais altas pretensões de reparo, haja vista que em uma responsabilidade objetiva seu patrimônio (vulnerável) e sua capacidade aquisitiva (prejudicada) são, em geral, maiores. Além disso, em função de melhores conhecimentos e melhor aconselhamento jurídico, fazem uso sistematicamente mais abrangente de seus direitos do que consumidores patrimonialmente mais fracos. Regras de responsabilidade redis-tributivas seriam então não apenas embutidas; os consumidores mais pobres teriam que arcar com os aumentos de preço na mesma proporção (as desvanta-gens seriam socializadas), mas eles iriam aproveitar sistematicamente menos (as vantagens seriam “privatizadas” nos abastados). Chegaríamos, até mesmo, ao caso de uma redistribuição para cima!14

I.3 consumIdores – um Grupo por demAIs restrIto

Evidentemente não é nenhum novo postulado o fato de que, mesmo no direito geral dos contratos, outros grupos que não consumidores, ou seja, em-presários, também possam carecer – sistematicamente – de proteção15. Nesses termos, proeminentemente legislativa é a proposta de um direito comum euro-peu de compra e venda16 que, primariamente, é concebido como instrumento para oferecer proteção em situações de desequilíbrio; por essa razão, no campo

13 De forma inovadora, Craswell. Passing on the Costs of Legal Rules – Efficiency and Distribution in Buyer-Seller Relationships. 43 Stanford L. Rev. 361 (1991). Neste sentido, para o Quadro Comum de Referência (proposta), também Wagner. Zwingendes Vertragsrecht. In: Eidenmuller/Faust/Grigoleit/Jansen/Zimmermann. Revision des Verbraucher-Acquis. 2011, 1, 44-46. Kaplow/Shavell desenvolvem a partir daí no artigo citado em 29 Journal of Legal Studies 821 (2000) (e já antes repetidas vezes) seu famoso argumento chamado de double distortion, segundo o qual a redistribuição não teria efeito apenas inibidor de prestações (nesse aspecto, eles também veem progressão no direito tributário como desfiguradora de prestações), mas também que, na prática, não se pode proceder a uma redistribuição de forma dirigida ou, em todo caso, via de regra, desigualmente menos acertada do que pelo direito tributário.

14 Ben Shahar/Bar-Gill. Regulatory Techniques in the Consumer Protection: A Critique of European Consumer Contract Law. 50 Common Market L. Rev. 109 (2013); Schäfer/Ott. Lehrbuch der ökonomischen Analyse des Rechts. 4. ed., 2005, p. 138 s.: Wagner (nota anterior) 45 s.

15 Cedo e de forma especialmente demonstrativa: Roppo. From consumer contracts to asymmetric contracts – A trend in European Contract Law? (2009) 5 ERCL 304.

16 Proposta de um decreto sobre um direito comum europeu de compra e venda de 11.10.2011, KOM (2011) 635 def.

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de aplicação pessoal, ele é restrito na medida em que exige (pelo menos a nível europeu) que uma das partes contratuais seja um consumidor ou, então, uma empresa de pequeno e médio porte (art. 7º da proposta).

Porém, para um tratado sobre proteção ao consumidor, este âmbito é im-portante apenas como contraste: para deixar surgir mais nitidamente a dimen-são funcional da proteção ao consumidor e demonstrar ao mesmo tempo como a lógica de tal proteção funcional ao consumidor continua além de um negócio do tipo B2C. Por razões de segurança jurídica, indica-se escolher um critério de delimitação simples – por exemplo, a delimitação entre consumidor e empresá-rio, como subjacente de forma muito central ao direito europeu dos contratos (com implementação nomeadamente nos art. 12 s. do Código Civil alemão). Inversamente, se calculamos, no entanto, a necessidade de fundamentação em intervenções reguladoras como interesse, seria natural conceder a esta delimi-tação – simples – significado normativo apenas para aquelas intervenções que atuem possibilitando o mercado; ou seja, melhor possibilitar também aos con-sumidores uma decisão informada com autonomia privada e, com isso, intervir desigualmente menos na autonomia privada17. Diferentemente é o caso em que intervenções reguladoras substituem paternalisticamente a decisão do consumi-dor por uma regulamentação de conteúdo (injuntiva) e, com isso, inversamente, também restringem a oferta de empresas. Para tanto – e assim será argumen-tado na sequência –, deve-se exigir uma aumentada necessidade de proteção objetiva, não simplesmente a qualidade de consumidor como um elemento de delimitação de cunho por demais formal e geral. No presente contexto, contu-do, há de se abordar primeiramente a direção oposta: é claro que também para empresários – nem mesmo para pequenos e médios – uma intervenção regula-dora é passível de uma fundamentação desigualmente mais fácil onde ela deva agir primariamente possibilitando e apoiando o mercado, ou seja, intervindo menos na autonomia privada. Destarte, embora as regras de informação, em especial, não estejam previstas de forma sistematicamente ampla para todos os negócios do tipo B2C, elas o estão em grandes âmbitos. É precisamente a regu-lação nas maiores partes do direito de mercado de capital e direito comercial de títulos (MIFID) que é prova eloquente disto: no investimento de capital, muitos empresários, em comparação com intermediários e participantes no mercado, são igualmente “leigos”. É aqui que o modelo de informação protege inteira-mente, portanto, também os empresários, melhor possibilitando também a estes

17 Para esta característica de regras de informação – de um lado injuntivas, de outro, no entanto, mantendo em seu conteúdo a autonomia privada, e mesmo possibilitando potencialmente seu exercício apropriado: Grundmann. Parteiautonomie im Binnenmarkt – Informationsregeln als Instrument. JZ 2000, 1133 (= [2002] 39 CMLR 269); Schön. Zwingendes Recht oder informierte Entscheidung – zu einer (neuen) Grundlage unserer Zivilrechtsordnung. FS Canaris 2007, 1191; amplamente, p. ex., através de todo o direito das sociedades: Grohmann. Das Informationsmodell im Europäischen Gesellschaftsrecht, 2006; estendendo: Grundmann/Kerber/Weatherill (Ed.). Party Autonomy and the Role of Information in the Internal Market, 2001.

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uma decisão informada com autonomia privada. Por questões de espaço, não é possível expor aqui mais detalhadamente esse modelo, mas, para o contexto, pode-se salientar o seguinte: este é um âmbito que, perante a frequente utili-zação do investimento de capital para seguro e previdência privada, já recai, a meu ver (parcialmente), no âmbito dos “riscos de perdas existenciais” (vide abaixo em III.2) e, na realidade, está correspondentemente configurado com institutos como a regra do “know your customer”. Isto é válido, em todo caso, parcialmente; por exemplo, institutos de crédito não podem, sem verificação própria, partir do modelo de um cliente suficientemente informado e experiente (no entanto, talvez do suficientemente atento).

II – CONTEÚDO DA PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR – UM MODELO SIMPLES

II.1 proteção Ao consumIdor como um FIm em sI mesmo ou como Instrumento de proteção no cAso de FAlhA de mercAdo?

O fato de a proteção ao consumidor não dever constituir um fim em si mesmo, e sim ter sempre que ser justificada em seu conteúdo com “motivos imperativos”, parece tão natural que uma discussão desta posição parece su-pérflua. Evidentemente, a proteção ao consumidor – do ponto de vista econô-mico, por exemplo, com os estímulos que dela partem – pode ir longe demais e, da mesma forma, não ir longe. Duas importantes modalidades na prática dos subprime loans, o ponto de partida para a crise financeira mundial em 2008, ilustram tanto um caso quanto o outro. Naqueles (numerosos) mutuários que, com sua renda e patrimônio próprios, não tinham previsivelmente condições de arcar nem com os encargos de juros, em alguns estados norte-americanos uma regra dirigida imperiosamente à proteção do consumidor teve talvez um efeito adicional “desinibidor”: a chamada “walk-away clause”, segundo a qual o mutuário podia se desobrigar de quaisquer obrigações de restituição e paga-mento de juros decorrentes do contrato de empréstimo quando ele renunciava à propriedade da coisa em garantia (imóvel) em benefício do mutuante (o res-pectivo banco). Inversamente, pode ter sido concedida uma escassa proteção ao consumidor, especialmente proteção contra exploração sistemática de um comportamento estritamente racional, quando bancos fixavam as taxas de juros no ano inicial (e às vezes também no primeiro ano seguinte) em valores muito baixos ou os suspendia totalmente (até que a cobrança fosse concluída), mas ao mesmo tempo sabiam que os juros e as taxas de juros devidos a partir do se-gundo ou terceiro ano não poderiam ser pagos por este devedor a partir de sua

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renda ou patrimônio atuais (potencialmente nenhuma “concessão responsável de crédito”)18.

No entanto, os dois atos jurídicos ou grandes projetos recentes do Direito Europeu dos Contratos alimentam dúvidas se a afirmação, segundo a qual a proteção ao consumidor não constitui um fim em si mesmo, pode ser conside-rada, na prática, como “evidente”. A recente evolução no Direito Europeu dos Contratos está, antes, cunhada por uma tendência em se conceder proteção ao consumidor e aos mais fracos o mais que possível em um nível “aumentado” (com relação ao estado atual) ou mesmo no “mais alto” nível: para o Direito Co-mum Opcional Europeu de Compra e Venda foi deliberadamente escolhido um nível na proposta que, na soma, não deveria ficar atrás de nenhum único nível nacional de proteção ao consumidor, mas que deveria superar quase todos os níveis nacionais de proteção ao consumidor19 – assim, em nível mais elevado e bem acima do padrão de harmonização mínimo que todos os direitos nacionais tinham de implementar. E para a diretriz europeia dos direitos do consumidor foi acentuado que, na transição para uma abordagem de harmonização plena, o padrão de proteção para uma matéria já regulamentada anteriormente teria que estar, em todo caso, mais elevado a fim de não incorrer, quando de um cálculo total na Europa, em perdas na proteção ao consumidor, pois também já entraram nesta média geral regras mais rigorosas (até então permitidas) nos direitos nacionais. Em todo caso, esta média (acima do nível de harmonização mínima) teria que ser conservada. Como resultado, no caso de uma harmoni-zação plena, o nível de proteção ao consumidor teria que estar estruturalmente em posição mais elevada do que a harmonização mínima atual, e não apenas quando pudesse ser fundamentada em seu conteúdo a necessidade de um ní-vel de proteção mais elevado20. O respectivo mecanismo de harmonização ou

18 Sobre este conceito e sobre a disputa se um dever de concessão responsável de crédito existe segundo o direito europeu: Atamer. Duty of Responsible Lending. In: Grundmann/Atamer (Ed.). Financial Services, Financial Crisis, and General European Contract Law – Failure and Challenges of Contracting. 2011, p. 179; Hofmann. Die Pflicht zur Bewertung der Kreditwürdigkeit. NJW 2010, 1782, 1785 s. Para os créditos garantidos por encargo sobre imóvel (imóveis residenciais), tal dever foi indubitavelmente introduzido (após a crise) com o art. 19, § 5, item 5, da diretriz 2014/17/EU do Parlamento Europeu e do Conselho de 04.02.2014 sobre contratos de crédito imobiliário residencial para consumidores e para alteração das diretrizes 2008/48/EG e 2013/36/EU e do Decreto (União Europeia) nº 1093/2010, ABl.EU 2014 L 60/34; cf. ademais o art. 7º.

19 KOM(2011) 635 def., considerando 11 (“nível de proteção [realmente existente em todos os Estados-Membros] deveria ser conservado ou aumentado”); de forma ainda mais nítida: Staudenmayer. Der Kommissionsvorschlag für eine Verordnung zum Gemeinsamen Europäischen Kaufrecht. NJW 2011, 3491, 3496 s.

20 Howells/Schulze. Overview of the Proposed Consumer Rights Directive. In: Howells/Schulze (Ed.). Modernising and harmonising and consumer contract law. 2009, p. 3 ss., 25; Tamm. Verbraucherschutzrecht – Europäisierung und Materialisierung des deutschen Zivilrechts und die Herausbildung eines Verbraucherschutzprinzips. 2011, p. 301 ss., 312; Tonner/Fangerow. Directive 2011/83/EU on consumer rights: a new approach to European consumer law? euvr 2012, 67, 76; sobre a discussão em estágio de projeto, cf. Tonner/Tamm. Der Vorschlag einer Richtlinie über Rechte der Verbraucher und seine Auswirkungen auf das nationale Verbraucherrecht. JZ 2009, 277, 282 s.; Micklitz/Reich. Crónica de una muerte annunciada: the commission proposal for a ‘directive on consumer rights’. (2009) 46 CMLR 471, 516.

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uniformização faz com que não mais o padrão de proteção ao consumidor es-tabelecido outrora no consenso europeu – e tomado como irrenunciável – deva ser mantido, e sim que as cúpulas nacionais devam determinar o nível ou, pelo menos, uma tendência nessa direção. Importante, aqui, é que isto acontece de forma puramente mecânica, e não porque uma necessidade de proteção adicio-nal seria reconhecida e formulada, mas sim porque, de forma uniforme, sempre é considerada pensável apenas uma direção – “mais proteção ao consumidor”. Por essa lógica, em nenhuma evolução pode ser considerado imparcialmente o fato de um nível de proteção ao consumidor existente atualmente dever tam-bém ser diminuído por ter se apresentado por demais elevado (por exemplo: oneroso demais).

Mesmo quando este automatismo na direção de “mais proteção ao con-sumidor” é rejeitado, levanta-se a questão fundamental se, como “motivo impe-rioso” para a promulgação de uma regra de proteção ao consumidor, deve ser exigida a constatação de uma falha estrutural de mercado ou se, pelo contrá-rio, também pontos fracos individuais, especialmente os cognitivos, em alguns (grupos de) consumidores devem justificar uma intervenção ampla. Esta é a verdadeira questão crucial do direito do consumidor hodierno. Na resposta a ela, não se deve perder de vista as reflexões atuais sobre a heterogeneidade dos interesses de diversos grupos de consumidores. Toda resposta a essa questão é mais clara se considerarmos circunstâncias e grupos de normas concretos. Fulcrais parecem as seguintes.

II.2 perdAs econômIcAs versus perdA eXIstencIAl

Nem todo dano que atinge o consumidor tem o mesmo peso. Mesmo se a delimitação nem sempre é fácil, parece plausível como ponto de partida diferenciar, conforme seu valor, entre perdas correntes meramente econômi-cas e “perdas existenciais”. Destarte, não é de causar surpresa que o Tribunal Europeu não aplique o critério do consumidor atento e razoavelmente infor-mado medianamente quando estão em questão a saúde e a integridade física. Aqui o Tribunal exige um comportamento por parte dos ofertantes, o qual, em princípio, protege suficientemente todo consumidor, mesmo o desatento ou intelectual mente abaixo da média, ou que o adverte de forma especial21. Aqui todos são protegidos, não apenas os atentos. O significado “existencial” – desta-cado – de saúde e vida, eventualmente também de bens comparáveis, pode ser facilmente fundamentado nos catálogos de direitos humanos e fundamentais,

21 Tribunal Europeu sentença de 13.01.2000 – Causa C-220-98 Estée Lauder, coletânea 2000, I-117, esp. 146; Tribunal Europeu sentença de 24.10.2002 – Causa C-99/01 Linhart und Biffl, coletânea 2002, I-9375, esp. 9404.

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ou seja, na respectiva “ordem fundamental”, aludindo-se à valência precisa-mente desses bens.

Contudo, além de intervenções nesses valores e direitos personalíssimos, perdas econômicas também podem ser existenciais neste sentido, mas só quan-do atingem a própria existência do consumidor, nomeadamente quando podem fundamentar o risco de sua ruína financeira. Nesse aspecto, pode-se ver uma evolução central na introdução do instituto da insolvência do consumidor (com isenção do saldo de dívida após o decurso de um período de alguns anos de boa conduta), tanto mais que, simultaneamente, esta tem que ser mutuamente reconhecida dentro da União Europeia de acordo com o decreto europeu sobre insolvência.

Do ponto de vista do direito dos contratos, é de importância primordial o âmbito ou o instrumento, com o qual pode ser primariamente fundamentado um risco existencial financeiro ou no qual este deva ser amortecido: para tanto, o crédito ao consumidor e o regime europeu. Isto porque são qualificados de crédito ao consumidor, de forma muito ampla, todos os fatos nos quais podem ser contraídas obrigações que também são cumpridas não diretamente em arti-culação com a gestão do contrato. Sem um cumprimento imediato por parte do consumidor, é real o risco de que, em virtude de circunstâncias subsequentes (divórcio, desemprego etc.), uma obrigação considerada originalmente reali-zável se torne irrealizável e, com isso, o risco de uma ruína econômica. Nesta situação, há de se exigir que seja minimizado o risco de que, já ao contrair o crédito, a capacidade de restituição ser sobrestimada, que, ademais, o risco seja demonstrado ao menos de forma clara o suficiente, risco esse baseado em des-dobramentos ulteriores – imprevisíveis ou não previstos. Para os riscos citados por último, só se pode exigir, obviamente, que sejam demonstrados de forma suficiente, caso não se queira, frente à imprevisibilidade do futuro, proibir ou restringir substancialmente o crédito ao consumidor. Esses riscos atingiram (um após o outro, depois lado a lado) a diretriz de 1986 do crédito ao consumidor – não por acaso o primeiro ato de harmonização não meramente situacional da Comunidade Europeia no Direito dos Contratos, a diretriz de 2008 do crédito ao consumidor e a diretriz de 2014 do crédito de imóveis residenciais22. Em sua essência, pode ser feito o seguinte resumo: quanto ao risco de um crédito ser avaliado erroneamente já ao ser contraído, reagiu a diretriz de 1986 sobre o crédito ao consumidor apenas com regras de informação (conhecimento da car-ga anual agregada, além de comparabilidade das ofertas de mercado por meio

22 Diretriz 87/102/EWG do Conselho de 22.12.1986 sobre a equiparação dos preceitos jurídicos e administrativos dos Estados-Membros sobre o crédito ao consumidor, ABl.EG 1987 L 42/48; diretriz 2008/48/EG do Parlamento Europeu e do Conselho de 23/04/2008 sobre contratos de créditos ao consumidor e sobre a suspensão da diretriz 87/102/EWG do Conselho, ABl.EG 2008 L 133/66. Sobre a diretriz do crédito para imóveis residenciais cf. referência supra nota 18.

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da chamada taxa anual de encargos efetiva). A diretriz de 2008 sobre o crédito ao consumidor refinou esse modelo de informação, mas o legislador europeu não conseguiu se decidir por introduzir o dever (proposto) de uma concessão de crédito responsável. Com isto, teria sido fundamentado um dever (também de proteção ao cliente) dos institutos de crédito em benefício de todos os con-sumidores, mesmo dos mais incautos, em examinar, por si, a suficiente capa-cidade de restituição; e, caso contrário, os institutos de crédito teriam que ter prestado indenização ou perdido a pretensão ao pagamento de juros ou mesmo à restituição (quando muito, compensação por enriquecimento). Tal dever que exigia uma prova de conteúdo e ultrapassava a mera informação e advertência foi introduzido para seu âmbito só pela diretriz de 2014 relativa ao crédito de imóveis residenciais, mesmo ressentindo a subprime loan e a crise financeira23. Para os riscos de uma posterior piora do crédito, que a diretriz de 1986 relativa ao crédito ao consumidor deixou ainda quase totalmente sem regulamentação, aquela do ano de 2008 (e também a de 2014) introduziu regras de informação: elas obrigam a demonstrar os riscos típicos (tais como desemprego, divórcio etc.) e o risco abstrato de piora do crédito. Todavia, não obrigam, para tanto, a escolher exemplos especialmente claros ou a destacar, de modo especial, estes riscos e, dado o caso, também esclarecê-los oralmente.

Uma proteção mais intensa no âmbito dos danos existenciais – como uma “rede de segurança” – e que deve ser vista separadamente e, em parte, parece ainda suscetível de expansão, torna, inversamente, desigualmente mais fácil aceitar que, no âmbito das demais perdas meramente econômicas, possa haver, no círculo de consumidores heterogêneo (diferentes), ganhadores e perdedo-res, dependendo de quão intensa é a configuração da proteção ao consumi-dor. Assim, a publicidade comparativa – já que a publicidade é frequentemente uma fonte central de informação – pode facilitar para consumidores atentos a escolha mais útil para eles, ao passo que pode levar consumidores descui-dados à loucura. Também oportunidades de vida, desde que não o Direito as atinja, são distribuídas desigualmente e também aqui um agir suficientemente atento, informado e sensato com frequência as influenciará positivamente. A fundamentação para corrigir esta “ordem” (apenas) no âmbito do Direito, mes-mo incorrendo no risco de que a correção onere aqueles que agem de forma informada, atenta e sensata, é uma intervenção que, em minha opinião, ain-da não foi justificada convincentemente. Para a questão assim levantada sobre a distribuição das possibilidades de ganho, mas também dos riscos de perda, entre grupos de consumidores heterogêneos, resultam, no âmbito central, as seguintes linhas diretrizes.

23 Cf. ref. nota 18; bem como, de forma mais ampla, Domurat. The Case of Vulnerability as the Normative Standard in European Credit and Mortgage Law. euvr (Journal of Europ. Consumer & Market Law) 2013, xx; GroßkommHGB/Renner, v. 10/2, 2016, parte 4, n. marginal 650-655.

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II.3 proteção AtrAvés de InFormAção e proteção AtrAvés de conteúdos InJuntIvos

O Direito Europeu do Consumidor encontrou-se desde seu início, e até hoje ainda se encontra, prioritariamente sob o paradigma das regras de infor-mação. Assim, objetiva-se prioritariamente compensar para os consumidores as mais importantes desvantagens informacionais que tenham frente aos ofertan-tes. Deve-lhes ser possibilitada uma decisão com autonomia privada segundo suas preferências à luz de uma correta avaliação dos fatos. Isto é válido tanto para deveres de esclarecimento quanto para direitos de revogação, que possibi-litarão ao consumidor, por um curto prazo, buscar posteriormente uma informa-ção que, no momento do fechamento do contrato, não estava disponível devido à técnica de venda instituída, mas, por fim, também para regras de responsabi-lidade por informação incorreta. Isto foi descrito várias vezes e não precisa aqui ser novamente repetido a fundo24.

Contudo, importante no presente contexto é que precisamente estas re-gras de informação – em todo caso, a grande maioria delas – estão orientadas para o consumidor medianamente sensato e atento. Como já na publicidade comparativa, com a escolha desse critério de referência beneficia-se – ao me-nos potencialmente – o consumidor sensato e atento; isto, claro, às expensas do descuidado, desatento, daquele que desconsidera a informação. Para escolher dois outros exemplos das diretrizes da Comunidade Europeia sobre tipos con-tratuais importantes ou até mesmo centrais: quando a diretriz europeia relativa aos serviços de pagamento prevê que os bancos só podem fazer lançamentos de acordo com o código (de uso uniforme internacional) de identificação de conta (Iban) do recebedor, provoca-se com isso, para o grande círculo de consumi-dores sensatos e atentos, uma redução pela metade do tempo de transferência (com ganhos em segurança jurídica, ganhos de juros, potenciais crescimentos de descontos ou oportunidades etc.). Mas clientes descuidados são furtados da possibilidade de os bancos, em função do nome do recebedor, corrigirem um dado errado de número de conta25. Essa diretriz europeia introduziu, em geral, com a responsabilidade objetiva global do cliente por € 150,00 no caso de perda e subsequente mau uso do cartão de conta (com simultânea limitação das demais responsabilidades do cliente a casos em que o mau uso foi possibilitado por grave negligência), um modelo que parece muito orientado para o pensa-mento em estímulos (inteligentes) e para o modelo do cliente que racionalmente

24 Cf. apenas as referências na nota 17; com uma revisão de todos os atos da Comunidade Europeia (na época) sobre o direito (do consumidor) dos contratos em relação ao fato de como eles regulamentam (sobretudo) a divulgação da informação e onde realmente dão prescrições injuntivas no conteúdo: Grundmann. The structure of European Contract Law. EBLR 2001, 505.

25 A respeito (também com relação ao fato de que isto, devido à instituição do procedimento chamado de MOD97-10, não implica de modo algum, em geral, perda monetária, mas só em atraso): GroßKommHGB/Grundmann, v. 10/2, 2016, parte 3, n. marginal 329-331.

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maximiza os proveitos. De forma semelhante, pode ser compreendido o critério da determinação da qualidade na venda ao consumidor: para a diretriz europeia relativa à venda ao consumidor, foi primeiramente sugerido estabelecer a quali-dade de modo objetivo (e injuntivo) de acordo com o padrão de mercado (e sem defeitos). Na versão aprovada, foi introduzida como critério, em contrapartida, a expectativa de mercado (de um cliente medianamente sensato); isto, contudo, apenas subsidiariamente, quando das negociações e acordos concretos entre as partes não resultar (mesmo que só de forma concludente) outro padrão, por exemplo, um mais baixo26. Ambos podem levar a suposições falsas por parte de um cliente descuidado. Porém, inversamente, a regra originalmente proposta teria exaurido para todos os clientes determinadas linhas de produção ou, em todo caso, onerado sua comercialização com riscos consideráveis e, em geral, a encarecido analogamente (mercadoria defeituosa, mercadoria barata com pa-drão de qualidade inferior etc.).

Contudo, é inteiramente visível uma tendência em se exigir mais pro-teção ao consumidor, em todo caso, pontualmente, certamente e por razões óbvias, no âmbito dos serviços financeiros (cf. já as notas 19 s.). Para o modelo de informação aqui discutido, essa tendência se expressa em uma crítica acen-tuada ao mesmo na última década: a crítica possui duas vertentes principais27. Por um lado, alude-se ao fato de que os consumidores não poderiam processar a informação, sobretudo porque são muito expostos a informação por demais abrangente, porque a informação não seria compreensível para eles (ou para parcelas dentre eles), em parte de modo sugestivamente enganoso porque a in-formação exige demais do consumidor, em parte também porque a informação verdadeiramente relevante não seria dada (falta de idoneidade da informação). Mas, por outro lado, alude-se também ao fato de que, ademais, a informação até mesmo prejudicaria o consumidor, pois, ao informar o consumidor, este é frequentemente privado também de suas pretensões advindas da circunstância trazida a lume (nocividade da informação quanto à pretensão).

Essa crítica me parece “jogar o bebê fora com a água do banho”, mas, inversamente, ela reivindica (com razão) reformas fundamentais no modelo de informação e, enquanto estas não ocorrem, ainda vai provavelmente aumentar. Para esclarecer isto, é importante partir de uma diferenciação que hoje é incon-teste na chamada economia comportamental, mas que não foi tornada igual-mente clara pelos autores que primeiro descreveram a chamada racionalidade

26 Cf. apenas Grundmann. In: Grundmann/Bianca (Ed.). EU Kaufrechts-Richtlinie – Kommentar. 2002, art. 2, n. marginal 1-8.

27 Cf., por exemplo, de forma especialmente decidida: Ben-Shahar. The Myth of ‘Opportunity to Read’ in Contract Law, (2009), 5 European Review of Contract Law 1; bem como Kieninger e Micklitz, 69. DJT, 2013, Gutachten G und Referat R; Weatherill na coletânea citada supra na nota 3.

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limitada (bounded rationality)28: por um lado, o consumidor pode estar em con-dições de não poder providenciar a informação ou só poder fazê-lo a custos/en-cargos exorbitantemente mais altos do que seu parceiro contratual, qual seja, o ofertante profissional. Isto diz respeito, por exemplo, a propriedades ocultas do produto ou do serviço disponibilizado pelo ofertante, mas também condições gerais comerciais, porque estas são desenvolvidas pelo utilizador, via de regra, para milhares de aplicações, de modo que os custos de consultoria jurídica se repartem entre analogamente muitos casos, enquanto que, para o consumidor, são determinantes apenas para um contrato. Essas situações são chamadas de informações assimétricas (estruturais), de maneira mais geral: casos de falha de mercado (geral). Também esses casos foram inicialmente chamados assim quando o consumidor não pode agir de forma racionalmente informada. Con-tudo, por outro lado, devem ser diferenciados destes os casos de racionalidade limitada em sentido estrito (os chamados “erros cognitivos”). Afetados por estes são os consumidores de acordo com seu estado individual de instrução, atenção ou mesmo de temperamento. Eles podem ser excessivamente otimistas, podem “cair” mais simplesmente em determinadas formas de apresentação e, com isso, deixar de ver outros aspectos importantes para suas preferências (framing) etc. Enquanto os casos de verdadeira falha de mercado foram pesquisados por um tempo relativamente longo e estratégias de regulamentação são também, essen-cialmente, naturais, este não é caso nos erros cognitivos. Em especial, eles, em parte, podem também ser bons para acelerar decisões, ao ocultar, por exemplo, outros aspectos; em outros casos, em contrapartida, podem levar a desvanta-gens29. Mas, sobretudo, os erros cognitivos não atingem todos os consumidores como grupo, e sim alguns de maneira mais forte, outros nem são atingidos. Portanto, a estratégia de proteção nesta situação deve ser brevemente abordada em separado (v. abaixo em 4).

Em casos de falha de mercado devido a informações assimétricas (estru-turais), uma sequência de dois níveis parece ainda hoje plenamente convincen-te. No primeiro nível, é necessário tentar diminuir a informação assimétrica a tal ponto que os consumidores possam, por si mesmos, decidir de forma sensata e suficientemente informada. Se o fluxo de informação é grande demais, a pri-meira estratégia não parece ser a de rejeitar o modelo de informação como tal, e sim a de procurar regras de informação que prescrevam uma apresentação da

28 Simon. A Behavioural Model of Rational Choice. 69 The Quarterly Journal of Economics 99 (1955); id. Theories of Decision-Making in Economics and Behavioral Science. 49 The American Economic Review 253 (1959); depois, a respeito da “bounded rationality” (da rica literatura) nomeadamente Kahneman/Tversky. Judgment under Uncertainty – Heuristics and Biases. 185 Science 1124 (1974); id. Prospect theory: an analysis of decision under risk. 47 Econometrica 263 und 313 (1979); Tversky/Kahneman. Extensional versus Intuitive Reasoning – The Conjunction Fallacy in Probability Judgment. 90 Psychological Review 293 (1983); id. Rational Choice and the Framing of Decisions. 59 The Journal of Business 251 (1986); Jolls. Behavioral Economics and the Law. 2011.

29 Cf. apenas Kahnemann. Thinking, Fast and Slow, 2011.

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informação de forma concisa e passível de processamento como, por exemplo, destacando as três ou quatro informações centrais. O legislador europeu terá que trabalhar hoje, na realidade, mais em focalização do que em aperfeiçoa-mento da dimensão da informação. Somente quando uma regra de informação não puder ser formada de modo a que a informação possa ser processada pelo consumidor medianamente atento e sensato, e isto com um esforço proporcio-nal ao negócio, se faz mister outra forma de regulamentação em um segundo nível. Há de se pensar aqui em proteção injuntiva do conteúdo. Exemplo funda-mental para tanto são as condições gerais comerciais pelos motivos já citados anteriormente: nenhuma regra de informação pode configurar o processamento da informação pelo consumidor a custos tão mínimos quanto para um utiliza-dor que aplica essas condições gerais comerciais milhares de vezes. Sob esse ângulo também não é, então, de causar admiração que bem mais da metade de todas as recentes sentenças do Tribunal Europeu relativas ao Direito Europeu dos Contratos foram publicadas com relação à diretriz das condições gerais comerciais30: o paradigma da informação é simples (se ocultarmos o âmbito dos danos existenciais e de determinados formalismos como a correta instrução sobre revogação); a fixação do limite injuntivo em matéria de conteúdo, limite este marcado pelo Direito (Europeu) das Condições Gerais Comerciais, é impor-tante, mas também é especialmente problemática.

II.4 proteção por cAusA de rAcIonAlIdAde lImItAdA?

Sobre o âmbito temático “racionalidade limitada”, o ponto de partida já foi nomeado: há de se diferenciar entre rejeições que resultam em todo o mer-cado porque os clientes não podem agir de forma suficientemente informada (ou apenas a custos proibitivamente altos, “falha de mercado geral”), e aqueles casos nos quais heurismas individuais – plenamente também em um número não insignificante e, em alguns casos, até mesmo grande número de consumi-dores – conduzem a decisões erradas, i.e., decisões que não refletem as prefe-rências (os chamados “erros cognitivos”).

A abundância da literatura recente é imponente (cf. notas 28 s.). Portanto (e por questões de espaço), há de se designar aqui a linha diretriz que, a meu ver, determina a direção: também aqui, a separação entre perdas econômicas correntes e “vítimas existenciais” deveria constituir o ponto de partida. Em casos de falha de mercado geral pode-se justificar uma intervenção regulatória por motivos de combate à seleção adversa (teoria econômica) e para promover a

30 Cf. o panorama jurisdicional em Micklitz/Kas. Rechtsprechungsübersicht zum Europäischen Vertrags – und Deliktsrecht (2008-2013) – Teil I und Teil II. EWS 2013, 314-334 e 353-380.

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autodeterminação (teoria constitucional)31. Em casos de heurismas indivi duais viciosos, este não é o caso e esta negação resulta igualmente da aplicação des-sas mesmas abordagens teóricas (seleção adversa não se torna estrutura de mer-cado e heurismas individuais também se tornam expressão da autodetermina-ção). Este também é o cerne da diferenciação entre o art. 5º, § 2º, e art. 5º, § 3º, da diretriz contra práticas comerciais desleais (nota 11), mas a qual, de acordo com o que está dito, não deve ser generalizada32.

Exceções ao princípio de que heurismas individuais viciosos não justifi-cam nenhuma intervenção geral reguladora; necessitam, em minha opinião, de uma justificação especial. Uma situação assim pode ser vista, a meu entender, no fato de que vieses cognitivos não só entraram em ação, mas também em-presas exploram deliberadamente vieses cognitivos (conhecidos) e isto com o objetivo de agir contra as prováveis preferências dos consumidores (não apenas de utilizá-las e estimulá-las). Exploração sistemática do viés cognitivo e ação em contradição com o (presumido) interesse do consumidor têm que concorrer, a meu ver, como dois elementos que justificam uma intervenção reguladora. Ob-viamente, tanto o risco de seleção adversa quanto a intervenção na autodeter-minação do consumidor são tão consideráveis que uma intervenção reguladora pode ser justificada.

II.5 ressAlvA: AplIcAção do dIreIto

As exposições de até aqui se encontram sob uma ressalva: não se tratou da aplicação do Direito; esta seria objeto de tratados próprios. Mas, ao mesmo tempo, é precisamente a aplicação do Direito que constitui aquele âmbito no qual o direito do consumidor é o mais autônomo ou deveria sê-lo, i.e., onde a necessidade de preceitos de proteção especiais é a mais alta. Isto é válido não apenas para a facilitação do acesso à proteção jurídica (por exemplo, através de ações coletivas, resolução alternativa de litígios e assistência judiciária), uma necessidade que se baseia, sobretudo, em três motivos: (i) o montante frequen-temente pequeno dos danos, que pode levar a uma apatia na aplicação do Di-reito, sobretudo também a um dispêndio desproporcionalmente alto em compa-ração ao sucesso esperado da aplicação (atomização dos danos); (ii) os recursos financeiros, em parte, pequenos demais de fato, de determinados grupos de consumidores a fim de impor “seu” direito; (iii) em parte também a informação e instrução insuficientes de consumidores para avaliar oportunidades da apli-

31 Cf. sobre o postulado da autodeterminação e autorresponsabilidade em uma fundamentação jurídico-teórica e na aplicação: Riesenhuber (Ed.). Das Prinzip der Selbstverantwortung, 2011.

32 Tribunal Europeu sentença de 18.11.2010, causa C-159/09, Lidl./SNC Vierzon, coletânea 2010, I-11761 (n. 56); antes já Tribunal Europeu sentença de 29.09.1998, causa C-39/97 Canon, coletânea 1998, I-5507 (n. 29); sentença de 22.06.1999, causa C-342/97 Lloyd Schuhfabrik Meyer, coletânea 1999, I-3819 (n. 17).

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cação do Direito e dar início aos passos promissores de sucesso. Nisso, a me-lhoria das possibilidades de aplicação não tem apenas o objetivo de beneficiar o consumidor afetado na realização de seu direito, mas também – igualmente importante, mas de cunho preventivo geral – de aumentar a probabilidade de que a violação do direito seja perseguida.

Contudo, esta probabilidade (de que os consumidores se esforcem em impor seu direito), pelo menos na configuração atual dos direitos processuais, é evidentemente tão baixa que empresas, mesmo diante de uma manifesta funda-mentação de pretensões reivindicadas perante elas, muitas vezes preferem não cumpri-las sistematicamente e aceitar uma condenação (com a consequência de arcar com os custos). De seu ponto de vista, parece ser “rentável” em mer-cados de massas, mesmo diante de uma evidente fundamentação, arcar com os custos dos litígios interpostos, mas, inversamente, não cumprir pretensões (em número suficiente). Ramos ou âmbitos, nos quais o autor destas linhas teve várias vezes esta experiência, são, por exemplo, direitos de passageiros de com-panhias aéreas ou empresas de telefonia móvel. Isto denota que os estímulos de efeito geral preventivo (possivelmente apenas em determinados ramos) devem constituir um ponto de discussão central, ou seja, que na proteção ao consu-midor quando da aplicação do Direito também a indenização punitiva (treble damages) deva ser, sobretudo, tomada mais fortemente em consideração. Isto se aplica, ao menos, àqueles casos nos quais empresas, mesmo depois de exorta-ção (“segunda chance”), se recusam perante os consumidores ao cumprimento de pretensões que, do ponto de vista juridicamente informado, são “manifes-tamente” fundamentadas33, pois, neste caso, é de se supor, na realidade, que a citada estratégia seja aplicada. Em nome da correta calibragem dos estímulos – mas também para evitar que associações e empresas que não instituem tais estratégias também pratiquem amplamente lobby contra – a indenização puni-tiva deveria ser delineada claramente: ela deveria ser restrita a casos “evidentes” de abuso, reforçando-se, de preferência, com exemplos de regras, e a jurisdição teria que colocar em foco o efeito geral preventivo. A ressalva que se deve fa-zer na aplicação do Direito diz respeito, assim, além do direito processual, em sentido amplo também aos meios do direito material, talhados especificamente para melhorar a aplicação do Direito.

III – PERSPECTIVA: PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR NO MERCADO INTERNO

Três teses centrais resultam das reflexões até aqui: contra perdas econô-micas usuais o direito europeu do consumidor (só) protege principalmente com regras de informação, instituídas para o consumidor suficientemente sensato e

33 Ponto de partida de lege lata poderia ser o art. 13, p. 2, da diretriz relativa às práticas comerciais (supra nota 11), que estabelece: “Estas sanções [contra práticas comerciais desleais] têm que ser dissuasivas”.

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atento, ou seja, que devem garantir, sobretudo, o funcionamento do mercado no todo; e esta dimensão também convence porque regras mais rigorosas de proteção ao consumidor também podem trazer consigo perdas para os atentos, talvez até mesmo para os menos abastados. No caso de riscos existenciais, a proteção europeia ao consumidor aspira, em contrapartida, a uma proteção de todos os consumidores individualmente, precisamente também daqueles menos atentos. Em ambos os pontos, são ponderáveis reformas plenamente substanciais (por exemplo, para o “information overkill” ou para a suficiente advertência de riscos decorrentes de desenvolvimentos futuros no caso de crédito ao consumi-dor). Racionalidade restrita de consumidores não deveria ser empregada como motivo geral de regulação, e sim apenas em casos de exceção concretamente fundamentados como, e.g., em práticas comerciais deliberadamente abusivas.

Sobre o alcance do sistema de proteção decide, por fim, (também) sua aplicabilidade espacial. Destarte, a pergunta por uma proteção funcional ao consumidor deve ser analisada não só sob o prisma do direito das coisas (v. supra II e III), como também do Direito relativo ao conflito de leis. Em todo caso, essa dimensão deve ser brevemente incorporada aqui na conclusão. Já se chamou a atenção cedo (nota 1) para a ligação e a interdependência de ambos os âmbitos/dimensões – precisamente em um direito privado europeu. Os au-tores envolvidos na época (nota 1) discutiam principalmente como a respectiva atividade judicativa do Tribunal Europeu poderia ser entendida34, enquanto que a presente perspectiva deverá tratar primeiramente de política jurídica. Uns en-tenderam a jurisdição do Tribunal Europeu daquela época (entrando nos anos 2000) no sentido de que a observação do padrão harmonizado de proteção ao consumidor, de um “padrão mínimo de proteção”, por um legislador nacional para as empresas desse país ainda não tinha como consequência que estas po-deriam dever oferecer seus produtos e serviços em toda a Europa (com base apenas em seu Direito), de acordo com o princípio do país de origem. Em outras palavras: no mercado-alvo o legislador nacional local podia, com esta leitura da jurisdição do Tribunal Europeu, continuar a impor seu Direito mais rigoroso de proteção ao consumidor também em âmbitos harmonizados para a Europa mesmo perante ofertas de países estrangeiros da União Europeia. Isto, natural-mente, sob a condição de que os chamados “motivos imperiosos do interesse geral” justificassem esse Direito nacional mais rigoroso do mercado-alvo. Eu mesmo preferi, em contrapartida, o ponto de vista (com relação à jurisdição do Tribunal Europeu) de que com a harmonização seja fixado uniformemente para

34 Grundmann JZ 1996, 276, 277-281; id. Rabels Z 69 (2000) 457, 471-476 (com outras referências); id. Rabels Z 71 (2003) 246; Roth. Die Freiheiten des EG-Vertrages und das nationale Privatrecht – zur Entwicklung internationaler Sachnormen für europäische Sachverhalte. ZEuP 1994, 5-33 (31 s.); id. Der nationale Transformationsakt – vom Punktuellen zum Systematischen. In: Grundmann/Medicus/Rolland (Ed.). Europäisches Kaufgewährleistungsrecht – Reform und Internationalisierung des deutschen Schuldrechts. (2000) 113, 123-126.

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a Europa o nível obrigatoriamente necessário (como padrão mínimo) para que, obviamente, também os “motivos imperiosos do interesse geral” se esgotassem. Portanto, uma regulamentação nacional mais rigorosa não deveria ser justifica-da mais com – outros – “motivos imperiosos”. No trânsito transfronteiriço, i.e., no âmbito de aplicação das liberdades fundamentais, isto teria como conse-quência que regras nacionais mais rigorosas em efeito impeditivo estavam sem justificação (uma ordem que se impôs como sendo de direito primário também perante o Decreto “Rom I”; cf. também seu art. 23 e antes o art. 20 do Acordo sobre o Direito Contratual Europeu). Assim, o Direito nacional mais rigoroso seria normativo apenas para o puro trânsito nacional; o nível de harmonização uniforme europeu, ao contrário, para o trânsito no mercado comum.

Pelo menos sob o aspecto da política jurídica, a citada bipartição em trânsito nacional e trânsito no mercado comum me parece nitidamente preferí-vel. Duas linhas de fundamentação me parecem, político-juridicamente, espe-cialmente importantes. Pela opinião de que um Direito nacional mais rigoroso não pode ser imposto perante ofertas estrangeiras, fala a favor, em meu enten-der, por um lado, a circunstância de que, com isso, a ordem do legislador da União Europeia é mais amplamente “respeitada”. Isto porque, assim, a seu ato jurídico é atribuída plenamente aquela dimensão a qual, segundo o art. 114 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, é a que primeiro funda-menta a competência do mercado comum: através desta visão sobre a harmo-nização mínima fomenta-se (mais amplamente) o mercado comum; isto por o ato jurídico europeu criar, dessa maneira (em seu âmbito de harmonização), na realidade, um mercado para o ofertante (em toda a Europa), o qual se iguala em seu efeito a um mercado juridicamente constituído de modo uniforme (“merca-do comum”). De acordo com essa concepção, eles podem fazer ofertas em toda a Europa consoante o mesmo Direito: consoante seu Direito nacional, desde que este alcance o padrão mínimo europeu. Assim, concede-se simultanea-mente ao ato jurídico europeu também um efeito de alcance mais amplo – não apenas como padrão mínimo de proteção, e sim (só no caso transfronteiriço) como padrão máximo de proteção35, ou seja, para casos transfronteiriços em geral como o padrão de proteção normativo. Isto significa, ao mesmo tempo,

35 Este é um desejo central, cuja perseguição leva o legislador europeu até mesmo a experimentar ou começar a refletir fundamentalmente novas abordagens legislativas, nomeadamente a plena harmonização ou a introdução de um instrumento opcional. Para a perseguição desse objetivo como, p. ex., na promulgação da diretriz (plenamente harmonizadora) da Comunidade Europeia relativa aos direitos do consumidor (diretriz 2011/83/EU, ABl.EU 2011 L 304/64) e do Direito Comum (Opcional) Europeu de Compra e Venda (KOM[2011] 635 def.): cf. por um lado os considerandos 2-5 da diretriz dos direitos do consumidor, o considerando 5 cita explicitamente “diferentes preceitos de proteção ao consumidor” como único obstáculo (mesmo se “entre outros”); e, por outro lado, KOM(2011) 635 def., considerandos 13-15; detalhadamente, por exemplo, Grundmann. Kosten und Nutzen eines optionalen Europäischen Kaufrechts. AcP 212 (2012), 502, 511. Para uma comparação das vantagens e desvantagens das três abordagens de harmonização mínima, harmonização plena e instrumento opcional, cf. Grundmann. Die EU Verbraucherrechte-Richtlinie – Optimierung, Alternative oder Sackgasse? JZ 2013, 53, xx-xx (= Uniform Law Review 2013, 98).

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que é tomada a sério a declaração do legislador europeu de que ele assegurou, regulamentando suficientemente pela legislação, também de fato, as necessi-dades fundamentais de proteção (no âmbito da harmonização), e que somente por razões de subsidiariedade é concedido ao legislador nacional o direito de eleição – para seu âmbito interno, i.e., não para transações no mercado comum – e também para introduzir ou conservar proteção ao consumidor que não é exigida por “motivos imperiosos do interesse geral”.

Por outro lado, no entanto – e do meu ponto de vista quase ainda mais importante – falam a favor dessa opinião também aspectos relacionados ao que pode ser descrito em sentido amplo como regulamentação da concorrência na Europa. Esta visão permite, de forma mais ampla, uma concorrência dos legisla-dores (nacionais). No caso de plena harmonização, esta está totalmente excluí-da, no até então único instrumento opcional, o (projeto para um) Direito Euro-peu Comum de Compra e Venda, talvez também claramente menos do que seus apoiadores em geral propagam e do que isto seria teoricamente possível36. Isto se aplica, em todo caso, à atual forma proposta deste instrumento. E também entre as duas variantes de uma harmonização mínima – com ou sem o efeito de excluir um Direito nacional mais rigoroso no trânsito transfronteiriço – só a pri-meira citada conduz a uma concorrência dos legisladores: no mercado visado, o padrão de proteção ao consumidor desse Estado-Membro encontra padrões de proteção ao consumidor de ofertantes estrangeiros europeus e o consumidor local poderá escolher. Ofertantes estrangeiros europeus poderiam, com certeza, também oferecer, por meio de contrato, o padrão de proteção ao consumidor do país visado, ou seja, dois padrões. Certamente tal abordagem teria que se tornar operacional através da revelação facilmente identificável do padrão apli-cável de proteção ao consumidor. Independentemente de tais reflexões sobre a concorrência dos legisladores – uma abordagem que, em parte, é também vista criticamente –, é importante o seguinte aspecto que caracteriza, igualmente, a regulamentação da concorrência em sentido amplo na Europa: com razão, é precisamente a comissão que alude fundamentalmente em sua proposta de um Direito Comum Europeu de Compra e Venda ao fato de que este vai produzir especial efeito em pequenos Estados-membros. Neles a estrutura de mercado estaria constituída frequentemente como monopólio ou oligopólio. Inversa-mente, empresas dos outros Estados-membros renunciariam a uma oferta nesses Estados-membros em função de seu tamanho. O pouco volume não justificaria para eles os custos adicionais provenientes do fato de, antes do lançamento no mercado, ter que se avaliarem os riscos que resultam do padrão local de prote-ção ao consumidor. Se a abordagem da harmonização mínima fosse compreen-dida de modo que toda empresa, observando o nível de proteção harmonizado,

36 Cf. mais detalhadamente Grundmann. AcP 212 (2012) 502 = (2013) 50 CMLR 225.

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possa fazer ofertas no mercado comum transfronteiriço de acordo com seu pró-prio Direito, ter-se-ia criado para todos esses Estados-membros – especialmente os consumidores neles – uma situação totalmente nova: de forma poderosa, a concorrência (real concorrência de empresas estrangeiras, não apenas uma concorrência dos legisladores) poderia entrar amplamente em seus mercados (até então oligopolistas ou monopolistas).

Essa oportunidade de romper mercados de constituição monopolista ou oligopolista em uma série de Estados-membros menores é, a meu ver, o ar-gumento jurídico-político mais poderoso para minha alegação final em uma situação, na qual instrumentos opcionais ou harmonização plena por parte da União Europeia surgem aparentemente como não ou dificilmente realizáveis: uma alegação por uma regulamentação da concorrência que faz confiança ao legislador europeu pelo fato de ele já ter criado um nível suficientemente bom de proteção ao consumidor, o qual justifica impor de fato a liberdade no mer-cado comum com base nesse mesmo nível. Nos grandes mercados, em parte de fato com forte proteção ao consumidor, há bastante oferta de origem interna que ainda sempre pode ser escolhida quando se apresentar efetivamente (a lon-go prazo) mais atraente para os consumidores. Com referência ao sistema de vários níveis, também isto seria “proteção funcional ao consumidor”.

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Parte Geral – Jurisprudência

3204

Tribunal Regional Federal da 1ª RegiãoPoder JudiciárioApelação Cível nº 0044111‑40.2010.4.01.3400/DF Relator: Desembargador Federal Jirair Aram MeguerianApelante: João da Silva RiosAdvogado: Irene Gomes e outro(a)Apelado: União FederalProcurador: José Roberto Machado Farias

ementA

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – ANISTIADO POLÍTICO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E CUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA CONCEDIDA PELA COMISSÃO DE ANISTIA – IMPOSSIBILIDADE – REVISÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO MENSAL – CRITÉRIOS PREVISTOS EM LEI: OBSERVÂNCIA – RECURSO DO AUTOR IMPROVIDO

I – É imprescritível a pretensão de reparação por danos materiais ou morais decorrentes de perseguição, tortura ou prisão durante o regi-me militar, mesmo porque a edição da Lei nº 10.559/2002 importou em renúncia tácita à prescrição. Precedentes.

II – Afastada a prejudicial meritória de prescrição reconhecida na sen-tença recorrida, em relação à pretensão de danos morais, deve ser privilegiada a teoria da causa madura de que trata o art. 515, § 3º, do CPC, e examinado o mérito pelo Tribunal nas hipóteses em que o processo encontra-se em condições para seu imediato julgamento. Precedente da Corte Especial do STJ: EREsp 299246/PE.

III – A reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002 possui ca-ráter indenizatório, sem qualquer espécie de ressalva quanto à natu-reza dessa indenização – se exclusivamente quanto aos danos mate-riais, ou se abrangeria, também, os danos morais. A natureza dúplice da indenização concedida aos anistiados políticos fica evidenciada nos arts. 4º a 6º da Lei de Anistia. Impossibilidade de acumulação de danos morais com prestação mensal, permanente e continuada já fixada pela Comissão de Anistia.

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IV – Quanto à revisão da prestação mensal fixada, nos termos do art. 6º da Lei nº 10.559/2002, “o valor da prestação mensal, perma-nente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficia-lato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas”.

V – Os documentos juntados aos presentes autos não são hábeis a demonstrar a função que o autor eventualmente estaria exercendo caso não tivesse sofrido as perseguições políticas que ensejaram o pagamento da prestação mensal cujo valor pretende seja revisto, ra-zão pela qual deve ser mantido o montante fixado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

VI – Recurso de apelação interposto pelo autor ao qual se nega pro-vimento.

Acórdão

Decide a Sexta Turma, por unanimidade, negar provimento ao recurso de apelação do autor.

Sexta Turma do TRF da 1ª Região – 19.10.2015.

Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian Relator

relAtórIo

O Exmo. Sr. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian (Relator):

Trata-se de apelação interposta por João da Silva Rios, contra sen-tença prolatada pelo MM. Juiz Federal Substituto da 7ª Vara da Seção Judi-ciária do Distrito Federal, de fls. 433/438 que julgou improcedente o pedido de revisão de prestação mensal, permanente e continuada, com base na Lei nº 10.559/2002 e julgou prejudicado o pedido de indenização por danos mo-rais em razão da prescrição.

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2. Irresignado, o autor apelou às fls. 440/465, sustentando, em síntese: a) que as indenizações em prestações mensais concedidas pela Comissão de Anistia têm desconsiderado a progressão funcional dos requerentes como se estivessem na ativa, caso do autor; b) que há nos autos provas da progressão funcional a que faria jus, se não tivesse sido demitido por razões políticas; c) ressalta a desnecessidade de apresentar paradigma, já que se trata de apenas uma das modalidades possíveis de apuração de progressão funcional; d) pleiteia indenização por dano moral, que segundo ele não teria sido alcançada pela prescrição; e) que os honorários advocatícios devem ser arbitrados sobre o valor da condenação e não sobre o valor da causa. Requer, por fim, integral reforma da decisão recorrida, para ver acolhidos todos os seus pleitos.

3. Regularmente intimada, a União apresentou contrarrazões às fls. 469/478.

É o relatório.

Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian Relator

voto

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – ANISTIADO POLÍTICO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – APLICAÇÃO DA TEORIA DA CAUSA MADURA – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E CUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA CONCEDIDA PELA COMISSÃO DE ANISTIA – IMPOSSIBILIDADE – REVISÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO MENSAL – CRITÉRIOS PREVISTOS EM LEI: OBSERVÂNCIA – RECURSO DO AUTOR IMPROVIDO

I – É imprescritível a pretensão de reparação por danos materiais ou morais decorrentes de perseguição, tortura ou prisão durante o regi-me militar, mesmo porque a edição da Lei nº 10.559/2002 importou em renúncia tácita à prescrição. Precedentes.

II – Afastada a prejudicial meritória de prescrição reconhecida na sen-tença recorrida, em relação à pretensão de danos morais, deve ser privilegiada a teoria da causa madura de que trata o art. 515, § 3º, do CPC, e examinado o mérito pelo Tribunal nas hipóteses em que o processo encontra-se em condições para seu imediato julgamento. Precedente da Corte Especial do STJ: EREsp 299246/PE.

III – A reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002 possui ca-ráter indenizatório, sem qualquer espécie de ressalva quanto à natu-

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reza dessa indenização – se exclusivamente quanto aos danos mate-riais, ou se abrangeria, também, os danos morais. A natureza dúplice da indenização concedida aos anistiados políticos fica evidenciada nos arts. 4º a 6º da Lei de Anistia. Impossibilidade de acumulação de danos morais com prestação mensal, permanente e continuada já fixada pela Comissão de Anistia.

IV – Quanto à revisão da prestação mensal fixada, nos termos do art. 6º da Lei nº 10.559/2002, “o valor da prestação mensal, perma-nente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficia-lato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas”.

V – Os documentos juntados aos presentes autos não são hábeis a demonstrar a função que o autor eventualmente estaria exercendo caso não tivesse sofrido as perseguições políticas que ensejaram o pagamento da prestação mensal cujo valor pretende seja revisto, ra-zão pela qual deve ser mantido o montante fixado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

VI – Recurso de apelação interposto pelo autor ao qual se nega pro-vimento.O Exmo. Sr. Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian (Relator):

O magistrado de primeira instância entendeu pela prescrição da pre-tensão indenizatória a título de danos morais apresentada pelo autor, uma vez que configurada a prescrição quinquenal prevista no art. 1º, do Decreto nº 20.910/1932.

2. Contudo, entendo ser imprescritível a pretensão de reparação por da-nos morais decorrentes de perseguição, tortura ou prisão durante o regime mili-tar, mesmo porque a edição da Lei nº 10.559/2002 importou em renúncia tácita à prescrição. A propósito, vejam-se os seguintes precedentes:

“PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC – DEFICIÊNCIA NA FUNDAMENTAÇÃO – SÚMULA Nº 284/STF – IN-DENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR – IMPRESCRITIBILIDADE – INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO Nº 20.910/1932 – PRECEDENTES – ACUMULAÇÃO

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DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – POSSIBILIDADE – PRECEDENTES

[...]

2. A jurisprudência do STJ é pacificada no sentido de que a prescrição quin-quenal, disposta no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932, é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, que são imprescritíveis, princi-palmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdi-cionados não podiam deduzir a contento suas pretensões.

3. Ressalte-se que a afronta aos direitos básicos da pessoa humana, como a pro-teção da sua dignidade lesada pela tortura e prisão por delito de opinião durante o Regime Militar de exceção, enseja ação de reparação ex delicto imprescritível e ostenta amparo constitucional no art. 8º, § 3º, do Ato das Disposições Consti-tucionais Transitórias.

4. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu, em hipótese similar à dos autos, a inexistência de violação ao art. 97 da CF/1988 quando o acórdão recorrido entendeu inaplicável o prazo prescricional estabelecido no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932.

[...]

8. Agravo Regimental não provido.” (AgRg-REsp 1467148/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., J. 05.02.2015, DJe 11.02.2015)

“PROCESSUAL CIVIL – ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR – INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRE-TO Nº 20.910/1932 – VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS – IMPRES-CRITIBILIDADE – PRECEDENTES

1. Conforme entendimento desta Corte, ‘a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto nº 20.910/1932, não se aplica aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, os quais são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época em que os jurisdicionados não po-diam deduzir a contento suas pretensões’. (AgRg-AREsp 302.979/PR, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., DJe 05.06.2013)

[...]

4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AgRg-AREsp 611.952/SC, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., J. 02.12.2014, DJe 10.12.2014)

“CONSTITUCIONAL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS DECORRENTES DE PERSEGUIÇÃO POLÍTICA – AUTORA BENEFICIADA PELA LEI DE ANISTIA DE 1979 COM APOSENTARIA CONVERTIDA EM BENEFÍCIO COM PROVENTOS INTEGRAIS NA ÚLTIMA FAIXA DA CARREIRA EM 1986 –

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PRETENSÃO DE OBTENÇÃO DE DIFERENÇAS SALARIAIS ENTRE 1964 E 1986 – IMPOSSIBILIDADE – VEDAÇÃO PREVISTA NO ART. 8º DA ADCT – DANOS MORAIS REJEITADOS PELA SENTENÇA – FALTA DE IMPUGNAÇÃO NA APE-LAÇÃO – MANUTENÇÃO DO INDEFERIMENTO – PROVIMENTO DA REMES-SA OFICIAL PARA JULGAR IMPROCEDENTE O PEDIDO DE PAGAMENTO DAS PARCELAS ANTERIORES – PRECEDENTES DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTI-ÇA E DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – 1. Não há prescrição em relação ao pedido de reparação de danos experimentados em razão do regime de exceção que governou o Brasil entre 1964 e 1986, conforme reiterados entendimentos desta Corte e dos Tribunais Superiores. 2. A propositura da ação, como cediço, independe da procedência ou improcedência do pedido, não havendo falta de interesse de agir decorrente do indeferimento administrativo do pedido.

[...]

10. Apelação da autora prejudicada.” (AC 0028561-39.2009.4.01.3400/DF, Relª Desª Fed. Selene Maria de Almeida, 5ª T., e-DJF1 p. 987 de 28.03.2014)

“CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – REGIME MILI-TAR – DEMISSÃO DE SERVIDOR PÚBLICO – MOTIVAÇÃO EXCLUSIVAMENTE POLÍTICA – ANISTIA – RECONHECIMENTO – READMISSÃO NO CARGO – RE-PARAÇÃO ECONÔMICA MENSAL, PERMANENTE E CONTINUADA – DEFE-RIMENTO – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS EM CUMULAÇÃO – CA-BIMENTO – QUANTO INDENIZATÓRIO – MANUTENÇÃO – 1. A edição da Lei nº 10.559/2002, com base no art. 8º do ADCT, constitui renúncia tácita da Administração Pública à prescrição. Precedentes do STJ e desta Corte.

[...]

7. Desprovimento da apelação do Incra, da remessa oficial e do recuso adesi-vo do autor.” (AC 0010633-32.2010.4.01.3500/GO, Rel. Des. Fed. João Batista Moreira, 5ª T., e-DJF1 p. 39 de 27.11.2013)

“CONSTITUCIONAL – REGIME MILITAR – PERSEGUIÇÃO POLÍTICA – EN-CARCERAMENTO E APOSENTADORIA COMPULSÓRIA – DANOS MORAIS – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO – RELAÇÃO DE CAU-SALIDADE – PRESCRIÇÃO – INOCORRÊNCIA – INDENIZAÇÃO – CORREÇÃO MONETÁRIA – JUROS MORATÓRIOS – HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – 1. As violações a direitos fundamentais que culminaram nos danos morais sofri-dos pelo autor, tais como seu encarceramento, posterior aposentadoria compul-sória e exoneração dos quadros de autarquia federal por motivação política, se deram segundo o suporte jurídico-institucional dos atos de exceção emanados pela ré. Prejudicial de ilegitimidade rejeitada. 2. É assente o entendimento ju-risprudencial nesta Corte, no sentido de que, em tema de reparação patrimonial decorrente de atos de exceção, institucionais ou complementares, são imprescri-tíveis os direitos a que se referem, seja porque a edição da Lei nº 10.559, de 13 de novembro de 2002, ao regular as disposições contidas no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988, repre-sentou renúncia à prescrição do fundo de direito quando estabeleceu um regime

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próprio à reparação econômica dos anistiados, seja por se tratar de violação a direito fundamental da pessoa humana.

[...]

8. Nega-se provimento aos recursos de apelação e à remessa oficial.” (AC 0023343-40.2003.4.01.3400/DF, Rel. Des. Fed. Carlos Moreira Alves, Rel. Conv. Juiz Federal Rodrigo Navarro de Oliveira (Conv.), 6ª T., e-DJF1 p. 207 de 22.10.2013)

3. Por essas razões, tenho que o fenômeno da prescrição não alcançou a pretensão indenizatória do autor, razão pela qual a sentença deve ser reformada e o mérito examinado, conforme permissivo legal inscrito no art. 515, § 3º, do Código de Processo Civil e orientação jurisprudencial extraída da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, nesses termos:

“APELAÇÃO – Prescrição. Mérito da causa. Âmbito do julgamento do segundo grau.

Afastada a prescrição aceita no primeiro grau, o Tribunal deve julgar o mérito da causa, se em condições de ser apreciado. Art. 515 do CPC.

Embargos acolhidos e providos.

(grifei). (EREsp 299246/PE, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, Corte Especial, J. 06.03.2002, DJ 20.05.2002, p. 96).”

4. No tocante ao mérito, impende analisar, primeiramente, a pretensão autoral relativa à indenização por danos morais.

5. Sobre esse tema, em dezembro de 2012 o e. STJ firmou entendimento no sentido de que a reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002 pos-sui caráter indenizatório dúplice, abrangendo danos materiais e morais sofridos pelos anistiados políticos em razão dos atos de exceção praticados por agentes estatais.

6. Para melhor compreensão e considerando o caráter esclarecedor para o exame da controvérsia debatida nestes autos, transcrevo excerto do voto con-dutor do acórdão proferido pelo e. Ministro Arnaldo Esteves de Lima, relator do acórdão do Recurso Especial nº 1.323.405/DF:

“A questão sub judice não diz respeito a eventuais questionamentos ou juízo de valor quanto aos fatos alegados pelo autor em sua inicial como causa de pe-dir, mormente porque se trata de matéria incontroversa, já admitida pela própria União no momento em que, por intermédio da Comissão de Anistia, reconheceu a condição de anistiado político do demandante, concedendo-lhe uma reparação econômica.

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Como já afirmado em mais de uma ocasião por este Superior Tribunal, os atos de perseguição política perpetrados por agentes do Estado durante o Regime Militar de exceção revelam-se como inquestionáveis atentados aos mais elementares direitos humanos, devendo ser por isso repudiados.

Nas palavras do eminente Min. Luiz Fux, proferidas por ocasião do julgamento do REsp 1.085.358/PR (Primeira Turma, DJe 09.10.2009):

A exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade huma-na é fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declara-ção Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1º que ‘todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos’.

A questão a ser decidida, dessa forma, é a seguinte: a reparação econômica con-cedida ao autor com base na Lei nº 10.559/2002 esgotaria a reparação econô-mica a que se refere o art. 8º, § 3º, do ADCT, ou seria possível, ainda, nos autos da presente ação, impor à União outra penalidade a título de indenização por danos morais?

3.1. INAPLICABILIDADE DA LEGISLAÇÃO COMUM APÓS O ADVENTO DA LEI Nº 10.559/2002 (LEI DA ANISTIA)

Inicialmente, cumpre registrar o teor do Enunciado da Súmula nº 37/STJ, que diz:

São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

Na espécie, embora o fato seja o mesmo, não se aplica, a nosso ver, tal orienta-ção ante a especificidade da espécie, conforme procuraremos demonstrar.

O regime das anistias políticas é assim disciplinado pela Constituição Federal:

ADCT

Art. 8º É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos.

§ 1º O disposto neste artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo.

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................133

§ 2º Ficam assegurados os benefícios estabelecidos neste artigo aos trabalha-dores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos.

§ 3º Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministé-rio da Aeronáutica nº S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5 será concedida reparação de natureza econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição.

§ 4º Aos que, por força de atos institucionais, tenham exercido gratuitamente mandato eletivo de vereador serão computados, para efeito de aposentadoria no serviço público e previdência social, os respectivos períodos.

§ 5º A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores pú-blicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por ativida-des profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º. (Grifo nosso)

Como se observa, a Constituição Federal, no § 3º do art. 8º do ADCT, ao assegurar aos anistiados políticos o direito a uma ‘reparação econômica’, determinou que esta fosse paga ‘na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional’.

Em face da mora do Congresso Nacional em editar a lei especial prevista no citado dispositivo constitucional, foram ajuizados no Supremo Tribunal diversos mandados de injunção, objetivando que aquela Corte formulasse uma ‘norma regulamentadora’, aplicável aos casos concretos então sub judice.

Por ocasião do julgamento do MI 283/DF (Rel. Min. Sepúlveda Pertence, Tribu-nal Pleno, DJ 14.11.1991), firmou a Suprema Corte que, malgrado não pudes-se formular para o caso concreto a ‘norma regulamentadora’ pleiteada, acaso o Congresso Nacional permanecesse em mora após o transcurso do prazo ali esti-pulado, poderia o então impetrante, utilizando-se da legislação comum, ‘obter, contra a União, pela via processual adequada, sentença líquida de condenação a reparação constitucional devida, pelas perdas e danos que se arbitrem’. Confira--se, a propósito, a respectiva ementa:

MANDADO DE INJUNÇÃO: MORA LEGISLATIVA NA EDIÇÃO DA LEI NE-CESSÁRIA AO GOZO DO DIREITO A REPARAÇÃO ECONÔMICA CON-TRA A UNIÃO, OUTORGADO PELO ART. 8º, § 3º, ADCT: DEFERIMENTO PARCIAL, COM ESTABELECIMENTO DE PRAZO PARA A PURGAÇÃO DA

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MORA E, CASO SUBSISTA A LACUNA, FACULTANDO O TITULAR DO DI-REITO OBSTADO A OBTER, EM JUÍZO, CONTRA A UNIÃO, SENTENÇA LIQUIDA DE INDENIZAÇÃO POR PERDAS E DANOS

1. O STF admite – não obstante a natureza mandamental do mandado de in-junção (MI 107 – QO) – que, no pedido constitutivo ou condenatório, formu-lado pelo impetrante, mas, de atendimento impossível, se contem o pedido, de atendimento possível, de declaração de inconstitucionalidade da omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que a supra (cf. Mandados de Injunção 168, 107 e 232).

2. A norma constitucional invocada (ADCT, art. 8º, § 3º – ‘Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional especifi-ca, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica nº S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5 será concedida repa-ração econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Na-cional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição’ – vencido o prazo nela previsto, legitima o beneficiário da reparação mandada conceder a impetrar mandado de injunção, dada a exis-tência, no caso, de um direito subjetivo constitucional de exercício obstado pela omissão legislativa denunciada.

3. Se o sujeito passivo do direito constitucional obstado e a entidade estatal a qual igualmente se deva imputar a mora legislativa que obsta ao seu exercí-cio, e dado ao Judiciário, ao deferir a injunção, somar, aos seus efeitos man-damentais típicos, o provimento necessário a acautelar o interessado contra a eventualidade de não se ultimar o processo legislativo, no prazo razoável que fixar, de modo a facultar-lhe, quanto possível, a satisfação provisória do seu direito.

4. Premissas, de que resultam, na espécie, o deferimento do mandado de in-junção para: a) declarar em mora o legislador com relação a ordem de legislar contida no art. 8º, § 3º, ADCT, comunicando-o ao Congresso Nacional e a Presidência da Republica; b) assinar o prazo de 45 dias, mais 15 dias para a sanção presidencial, a fim de que se ultime o processo legislativo da lei re-clamada; c) se ultrapassado o prazo acima, sem que esteja promulgada a lei, reconhecer ao impetrante a faculdade de obter, contra a União, pela via pro-cessual adequada, sentença líquida de condenação a reparação constitucio-nal devida, pelas perdas e danos que se arbitrem; d) declarar que, prolatada a condenação, a superveniência de lei não prejudicara a coisa julgada, que, entretanto, não impedira o impetrante de obter os benefícios da lei posterior, nos pontos em que lhe for mais favorável.

Esse entendimento foi reiterado pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar diversos outros mandados de injunção, cujas causas de pedir eram semelhantes ao do MI 283/DF. Nesse sentido:

MANDADO DE INJUNÇÃO – OMISSÃO DO CONGRESSO NACIONAL NO TOCANTE A REGULAMENTAÇÃO DO § 3º, DO ART. 8º, DO ADCT

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................135

– Alcance do mandado de injunção segundo o julgamento do Mandado de Injunção nº 107 com possibilidade de aplicação de providencias adicionais nele genericamente admitidas, e concretizadas no julgamento do Mandado de Injunção nº 283. – O prazo fixado, no julgamento do Mandado de In-junção nº 283, para o cumprimento do dever constitucional de editar essa regulamentação de há muito se escoou sem que a omissão tenha sido suprida. Não há, pois, razão para se conceder novo prazo ao Congresso Nacional para o adimplemento desse seu dever constitucional, impondo-se, desde logo, que se assegure aos impetrantes a possibilidade de ajuizarem, com base no direito comum, ação de perdas e danos para se ressarcirem do prejuízo que tenha so-frido. Mandado de injunção conhecido em parte, e nela deferido. (MI 447/DF, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, DJ 01.07.1994)

CONSTITUCIONAL ART. 8º, § 3º DO ADCT ANISTIA – REPARAÇÃO ECO-NÔMICA ÀQUELES QUE FORAM IMPEDIDOS DE EXERCEREM, NA VIDA CIVIL, ATIVIDADE PROFISSIONAL – PORTARIAS RESERVADAS DO MI-NISTÉRIO DA AERONÁUTICA – MORA DO CONGRESSO NACIONAL – PROJETOS DE LEI VETADOS PELO CHEFE DO PODER EXECUTIVO – WRIT PRETENDE A MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO DESTE TRIBUNAL, PARA QUE ESTE FIXE OS LIMITES DA REPARAÇÃO E ACOMPANHE A EXECUÇÃO DO ACÓRDÃO – O TRIBUNAL DECIDIU ASSEGURAR, DE PLANO, O DIREITO À INDENIZAÇÃO, SEM CONSTITUIR EM MORA O CONGRESSO NACIO-NAL, PARA, MEDIANTE AÇÃO DE LIQUIDAÇÃO, INDEPENDENTEMENTE DE SENTENÇA DE CONDENAÇÃO, A FIXAR O VALOR DA INDENIZAÇÃO – MANDADO DE INJUNÇÃO DEFERIDO EM PARTE. (MI 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, Tribunal Pleno, DJ 24.05.2002)

Extrai-se desses acórdãos que o STF reconheceu que a legislação comum seria aplicável por analogia, na forma do art. 4º da LINDB, aos casos de pedidos de reparação econômica formulados com base no art. 8º, § 3º, do ADCT, em virtude da mora legislativa em editar a lei especial prevista no citado dispositivo consti-tucional. Em outros termos, diante da ausência do ‘microssistema’ que tutelasse os interesses dos anistiados políticos, cuja criação havia sido determinada pelo Constituinte Originário, seria possível a utilização do sistema comum, qual seja, do Código Civil.

Tal conclusão, ainda que implícita, também foi alcançada por esta Corte, no julgamento do REsp 1.040.686/DF (de minha relatoria, 5ª T., DJe 19.10.2009), ocasião em que assentei o seguinte:

Com efeito, observa-se que a indenização por dano material pleiteada pelos recorrentes tem como causa de pedir sua expulsão da Força Aérea e pela proi-bição de exercerem suas profissões âmbito civil durante a Ditadura Militar, por razões exclusivamente políticas.

Por sua vez, o direito subjetivo ao ajuizamento da presente ação adveio do Mandado de Injunção nº 447-1/DF (decisão do Pleno do STF de 05.05.1994 – fls.157/184), que, declarando ausente qualquer lei regulamentadora do

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art. 8º, § 3º, do ADCT, assegurou aos recorrentes, ‘independentemente de nova comunicação ao Congresso Nacional do estado de mora em que se encontra, a possibilidade de ajuizarem, com base no direito comum, ação de perdas e danos para se ressarcirem do prejuízo que hajam sofrido’ (fls. 161/162).

De fato, ao tempo de seu ajuizamento da ação, em 21.08.1995 (fl. 3), não havia ainda sido editada a MP 65, de 28.08.2002, posteriormente convertida na Lei nº 10.559, de 13.11.2002 (que regulamente o art. 8º do ADCT).

Por conseguinte, o exercício desse direito não está sujeito à Lei nº 10.559/2002, tendo em vista ser ela posterior ao referido mandado de injunção e à própria sentença proferida na presente ação (28.04.2000 – fls. 258/266). Poderia a Turma Julgadora, no máximo, utilizar essa lei como parâmetro a ser adotado para a fixação da reparação pleiteada pelos recorrentes, caso a entendesse devida. (grifos nossos)

A respectiva ementa foi assim concebida:

DIREITO ADMINISTRATIVO – PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – EX-MILITARES DA FORÇA AÉREA – EXPULSÃO E PROIBIÇÃO DE EXER-CÍCIO DA PROFISSÃO NO ÂMBITO DA AVIAÇÃO CIVIL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – OMISSÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM – EXISTÊN-CIA – VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC – OCORRÊNCIA – INDENIZA-ÇÃO POR DANOS MATERIAIS – PERDA SUPERVENIENTE DO INTERESSE PROCESSUAL EM FACE DO ADVENTO DA LEI Nº 10.559/2002 – NÃO--OCORRÊNCIA – RETORNO DOS AUTOS À ORIGEM PARA JULGAMENTO DE MÉRITO, EM FACE DA REMESSA NECESSÁRIA E DO RECURSO VOLUN-TÁRIO DA UNIÃO – RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO

1. Nos termos do art. 535 do CPC, os embargos de declaração têm como objetivo sanear eventual obscuridade, contradição ou omissão existentes na decisão recorrida.

2. A rejeição dos embargos declaratórios sem o saneamento de omissão opor-tunamente apontada pela parte embargante, capaz de influenciar o resultado do julgamento, implica violação ao art. 535 do CPC.

3. O direito subjetivo dos recorrentes ao ajuizamento da presente ação de perdas e danos para se ressarcirem do prejuízo que hajam sofrido em decor-rência de sua expulsão da Força Aérea e da proibição imposta de exercerem suas profissões no âmbito da aviação civil, independentemente de nova co-municação ao Congresso Nacional do estado de mora em que se encontrava, adveio da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Injunção nº 447-1/DF, que declarou ausente qualquer lei regulamentadora do art. 8º, § 3º, do ADCT.

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................137

4. A superveniência da Lei nº 10.559/2002, quando já proferida a sentença de mérito que julgou procedente o pedido de indenização material formula-do pelos recorrentes, não implica perda do interesse processual. Poderia o Tribunal de origem, no máximo, no julgamento da remessa necessária e do recurso voluntário da União, utilizar referido diploma legal como parâmetro a ser adotado para a fixação da reparação pleiteada, caso a entendesse devida.

5. A adoção de entendimento diverso implicaria solução contrária à mens legis da Lei nº 10.559/2002, regulamentadora do art. 8º, § 3º, do ADCT, cuja finalidade é favorecer àqueles que, como os recorrentes, tiveram direitos in-devidamente cassados pelo Estado por motivos exclusivamente políticos. Isso porque os obrigaria a reprisar todos os argumentos e provas produzidas nos presentes autos em processo administrativo a ser aberto perante a Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

6. A rediscussão da matéria sub judice na esfera administrativa não se com-patibiliza com os princípios da economia, celeridade, efetividade e justiça na prestação jurisdicional, porquanto importaria em protrair no tempo a defini-ção do litígio.

7. Tendo o Tribunal de origem, em face do reconhecimento da perda su-perveniente do interesse processual dos recorrentes, deixado de apreciar o recurso voluntário da União e a remessa necessária, quanto ao pedido de indenização por danos materiais, devem os autos retornarem à Instância a quo para o prosseguimento do feito.

8. Recurso especial conhecido e parcialmente provido para anular o acórdão de fls. 336/358, na parte que extinguiu o processo sem a resolução do mérito, a fim de determinar o retorno dos autos à origem para que sejam julgados a remessa necessária e o recurso voluntário da União quanto ao mérito da condenação por danos materiais imposta pela sentença; assim como para anular o acórdão de fls. 373/375, que rejeitou os embargos declaratórios dos recorrentes, para que outro seja proferido em seu lugar, com o saneamento do ponto omisso arguido, acerca do apontado erro na apreciação da causa de pedir que embasa o pleito de indenização por danos morais.

No caso concreto, busca o autor a condenação da União ao pagamento de inde-nização por danos morais à luz do disposto no Código Civil, em virtude dos fatos anteriormente apurados pela Comissão de Anistia. Confira-se o seguinte trecho da petição inicial (fl. 8e):

b) Do dever de reparação

A existência do dever de reparação na hipótese em tela é inequívoca, pois os atos praticados pelos agentes estatais enquadram-se nos termos do art. 186 do Código Civil (correspondência legislativa no artigo 159 do Código Civil de 1916). Ademais, o Estado possui responsabilidade objetiva pelos atos pra-ticados por seus agentes, conforme preceitua o art. 37, § 6º, da Constituição

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Federal, bem como o art. 43 do Código Civil (correspondência legislativa no art. 15 do Código Civil de 1916).

Destarte, considerando-se que a pretensão do autor foi deduzida já na vigência da Lei nº 10.559/2002 (Lei da Anistia), e, ainda, que sua condição de anistiado político foi reconhecida pela Comissão de Anistia à luz daquele microssistema jurídico, não há falar mais em aplicação do Código Civil ao caso concreto.

3.2. DA NATUREZA DÚPLICE DA REPARAÇÃO ECONÔMICA PREVISTA NA LEI Nº 10.559/2002

Dispõe a Lei nº 10.559/2002, in verbis:

Art. 1º O Regime do Anistiado Político compreende os seguintes direitos:

I – declaração da condição de anistiado político;

II – reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única ou em prestação mensal, permanente e continuada, asseguradas a readmissão ou a promoção na inatividade, nas condições estabelecidas no caput e nos §§ 1º e 5º do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias; (Grifo nosso)

Art. 3º. A reparação econômica de que trata o inciso II do art. 1º desta Lei, nas condições estabelecidas no caput do art. 8º do Ato das Disposições Constitu-cionais Transitórias, correrá à conta do Tesouro Nacional.

[...]

§ 2º A reparação econômica, nas condições estabelecidas no caput do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será concedida mediante portaria do Ministro de Estado da Justiça, após parecer favorável da Comissão de Anistia de que trata o art. 12 desta Lei.

Infere-se dos citados dispositivos que a anistia política prevista no art. 8º do ADCT é extensível não apenas àqueles que comprovadamente mantinham ati-vidade laboral na esfera pública ou privada, mas, também, àqueles outros que, embora não trabalhassem, foram perseguidos por agentes estatais em decorrência de motivação política.

Há de se considerar, todavia, em virtude da expressa dicção legal, que a repara-ção econômica prevista na Lei nº 10.559/2002 possui caráter indenizatório, sem qualquer espécie de ressalva quanto à natureza dessa indenização – se exclusi-vamente quanto aos danos materiais, ou se abrangeria, também, os danos morais.

A natureza dúplice da indenização concedida aos anistiados políticos fica evi-denciada nos arts. 4º a 6º da Lei de Anistia, que a estendeu mesmo àqueles que não comprovaram vínculo com atividade laboral. In verbis:

Art. 4º A reparação econômica em prestação única consistirá no pagamento de trinta salários mínimos por ano de punição e será devida aos anistiados políticos que não puderem comprovar vínculos com a atividade laboral.

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§ 1º Para o cálculo do pagamento mencionado no caput deste artigo, consi-dera-se como um ano o período inferior a doze meses.

§ 2º Em nenhuma hipótese o valor da reparação econômica em prestação única será superior a R$ 100.000,00 (cem mil reais).

Art. 5º A reparação econômica em prestação mensal, permanente e continua-da, nos termos do art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será assegurada aos anistiados políticos que comprovarem vínculos com a ati-vidade laboral, à exceção dos que optarem por receber em prestação única.

Art. 6º O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, con-siderada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promo-ção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas.

§ 1º O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será estabeleci-do conforme os elementos de prova oferecidos pelo requerente, informações de órgãos oficiais, bem como de fundações, empresas públicas ou privadas, ou empresas mistas sob controle estatal, ordens, sindicatos ou conselhos pro-fissionais a que o anistiado político estava vinculado ao sofrer a punição, podendo ser arbitrado até mesmo com base em pesquisa de mercado.

§ 2º Para o cálculo do valor da prestação de que trata este artigo serão consi-derados os direitos e vantagens incorporados à situação jurídica da categoria profissional a que pertencia o anistiado político, observado o disposto no § 4º deste artigo.

§ 3º As promoções asseguradas ao anistiado político independerão de seu tempo de admissão ou incorporação de seu posto ou graduação, sendo obe-decidos os prazos de permanência em atividades previstos nas leis e regula-mentos vigentes, vedada a exigência de satisfação das condições incompatí-veis com a situação pessoal do beneficiário.

§ 4º Para os efeitos desta Lei, considera-se paradigma a situação funcional de maior freqüência constatada entre os pares ou colegas contemporâneos do anistiado que apresentavam o mesmo posicionamento no cargo, emprego ou posto quando da punição.

§ 5º Desde que haja manifestação do beneficiário, no prazo de até dois anos a contar da entrada em vigor desta Lei, será revisto, pelo órgão competente, no prazo de até seis meses a contar da data do requerimento, o valor da aposentadoria e da pensão excepcional, relativa ao anistiado político, que tenha sido reduzido ou cancelado em virtude de critérios previdenciários ou estabelecido por ordens normativas ou de serviço do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, respeitado o disposto no art. 7º desta Lei.

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§ 6º Os valores apurados nos termos deste artigo poderão gerar efeitos fi-nanceiros a partir de 5 de outubro de 1988, considerando-se para início da retroatividade e da prescrição quinquenal a data do protocolo da petição ou requerimento inicial de anistia, de acordo com os arts. 1º e 4º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932.

Estivesse a Lei de Anistia disciplinando apenas indenizações de danos materiais, não haveria falar em fixação de reparação econômica em favor daqueles que não comprovaram trabalhar. Por sua vez, se o legislador, em relação àqueles que trabalhavam, optou por determinar que as indenizações fossem calculadas com base na remuneração que, em tese, o anistiado político auferiria, tal fato se deu por razões pragmáticas, a fim de se estabelecer um parâmetro jurídico por meio do qual a Comissão de Anistia pudesse trabalhar.

Tal entendimento é corroborado, ainda, pela regra contida no art. 16 da Lei de Anistia, que expressamente vedou a cumulação da reparação econômica com outras indenizações, quando o fundamento for o mesmo. Confira-se:

Art. 16. Os direitos expressos nesta Lei não excluem os conferidos por outras normas legais ou constitucionais, vedada a acumulação de quaisquer paga-mentos ou benefícios ou indenização com o mesmo fundamento, facultando--se a opção mais favorável.

É esse o caso dos autos.

Com efeito, consoante expressamente reconhecido pelo Tribunal de origem no acórdão recorrido, o fundamento ensejador da condenação imposta à União, a título de danos morais, foi o mesmo anteriormente acolhido pela Comis-são de Anistia para conceder ao autor a reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002. In verbis (fl. 183e):

Os fatos e elementos encontrados nos autos por si só são capazes de afirmar que o autor sofreu danos morais. E quem não o sofreria tendo os seus direitos políticos cassados por 10 anos, tendo prisão decretada frequentemente em um período em que se sabiam exatamente os maus tratos destinados aos pre-sos na mesma situação do autor?

Importante ressaltar que o Ministério da Justiça, através da Primei-ra Câmara da Comissão de Anistia, ao apreciar o requerimento de anistia nº 2002.02.06546, formulado pelo autor, confirmou os fatos por ele narra-dos, inclusive quanto ao seu desligamento da Universidade de Brasília, nos termos do Decreto-Lei nº 477/1969 e quanto a ter-se asilado na Embaixada do Uruguai em junho de 1968 (cf. fls. 135/142, especificamente a fl. 135).

Como evidenciado pelo excerto acima colacionado, não busca o autor a eventu-al revisão do valor de sua reparação econômica, fixada pela Comissão de Anistia, mas a obtenção de uma segunda indenização, cuja causa de pedir, repita-se, é a mesma anteriormente reconhecida pela aludida comissão. Em outros termos, busca o autor, por meio do Poder Judiciário, com base na legislação comum, aplicável tão somente quando o Congresso Nacional ainda se encontrava em

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mora quanto à edição da lei especial prevista no art. 8º, § 3º, do ADCT, receber indenização que já lhe foi reconhecida na esfera administrativa à luz da referida lei especial aplicável ao caso, qual seja, a Lei nº 10.559/2002.

Por todos os fundamentos acima, é de rigor reconhecer a improcedência do pe-dido formulado pelo autor na petição inicial.”

7. Cotejando-se o teor do voto acima transcrito com os documentos constantes nos presentes autos, é forçosa a conclusão de que se trata de caso análogo, onde o autor, beneficiário de reparação econômica em parcelas men-sais, permanentes e continuadas, fixadas na quantia de R$ 941,00 (novecentos e quarenta e um reais), com efeitos retroativos à 28.11.1998, em função do reco-nhecimento de sua condição de anistiado político por meio da Portaria nº 1329, de 17.07.2008 (fls. 409) pleiteia judicialmente a cumulação de indenização por danos morais em decorrência da perseguição política sofrida.

8. Por tal razão, nova condenação da União caracterizaria bis in idem, na medida em que o autor já teve seu caso analisado por comissão especifica-mente constituída para esse fim, que concluiu pelo pagamento de reparação econômica em caráter indenizatório fixada em conformidade com a lei.

9. Como já exaustivamente explanado, a reparação concedida com base na Lei nº 10.559/2002 possui caráter dúplice e não admite cumulação com outras vantagens concedidas pelo mesmo fundamento.

10. Desse modo, acompanho a orientação jurisprudencial do egrégio Su-perior Tribunal de Justiça a fim de não reconhecer ao anistiado político o direito de cumulação de indenização por danos morais com a reparação econômica concedida pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.

11. Quanto à revisão da prestação mensal, permanente e continuada que fora fixada pela Comissão de Anistia, impende observar o quanto segue.

12. A Lei nº 10.559/2002, em seu art. 6º, disciplina os critérios a serem observados para se arbitrar o valor da prestação mensal devida aos anistiados políticos, assim dispondo:

“Art. 6º O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, inde-pendentemente de requisitos e condições, respeitadas as características e pecu-liaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas.

§ 1º O valor da prestação mensal, permanente e continuada, será estabelecido conforme os elementos de prova oferecidos pelo requerente, informações de ór-

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gãos oficiais, bem como de fundações, empresas públicas ou privadas, ou em-presas mistas sob controle estatal, ordens, sindicatos ou conselhos profissionais a que o anistiado político estava vinculado ao sofrer a punição, podendo ser arbitrado até mesmo com base em pesquisa de mercado.

§ 2º Para o cálculo do valor da prestação de que trata este artigo serão consi-derados os direitos e vantagens incorporados à situação jurídica da categoria profissional a que pertencia o anistiado político, observado o disposto no § 4º deste artigo.

§ 3º As promoções asseguradas ao anistiado político independerão de seu tempo de admissão ou incorporação de seu posto ou graduação, sendo obedecidos os prazos de permanência em atividades previstos nas leis e regulamentos vigentes, vedada a exigência de satisfação das condições incompatíveis com a situação pessoal do beneficiário.

§ 4º Para os efeitos desta Lei, considera-se paradigma a situação funcional de maior frequência constatada entre os pares ou colegas contemporâneos do anis-tiado que apresentavam o mesmo posicionamento no cargo, emprego ou posto quando da punição.

§ 5º Desde que haja manifestação do beneficiário, no prazo de até dois anos a contar da entrada em vigor desta Lei, será revisto, pelo órgão competente, no pra-zo de até seis meses a contar da data do requerimento, o valor da aposentadoria e da pensão excepcional, relativa ao anistiado político, que tenha sido reduzido ou cancelado em virtude de critérios previdenciários ou estabelecido por ordens normativas ou de serviço do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, respeita-do o disposto no art. 7º desta Lei.

§ 6º Os valores apurados nos termos deste artigo poderão gerar efeitos financeiros a partir de 5 de outubro de 1988, considerando-se para início da retroatividade e da prescrição qüinqüenal a data do protocolo da petição ou requerimento inicial de anistia, de acordo com os arts. 1º e 4º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932.”

13. Objetiva o autor/apelante a revisão da prestação mensal, permanente e continuada fixada pela Comissão de Anistia, no valor de R$ 941,00 (novecen-tos e quarenta e um reais).

14. Entretanto, ao se analisar às fls. 254/271 dos autos, vê-se que o valor fixado pela Comissão de Anistia mostra-se condizente com aqueles informados pela fábrica sucessora da FNM em 1997, com uma projeção de quanto ganha-riam os funcionários que haviam sido demitidos se continuassem a trabalhar, considerada a evolução profissional. A Fiat Diesel Brasil informou que os sa-lários de tais ex-empregados variariam entre R$ 500,00 (quinhentos reais) e R$ 900,00 (novecentos reais).

15. Logo, o valor fixado pela Comissão de Anistia não destoa de tal in-formação. Há que se consignar, ainda, que a Comissão ao estabelecer tal valor

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utilizou-se dos dados fornecidos na Bolsa de Salários do Datafolha, obedecen-do ao critério de pesquisa de mercado estabelecido na parte final do § 1º do art. 6º da Lei nº 10.559/2002.

16. Por outro lado, os documentos trazidos aos autos pelo autor não lo-gram demonstrar que faria jus à revisão por ele pretendida.

17. Os documentos de fls. 112/114, baseiam-se em suposições, de um suposto plano de cargos e funções existente à época em que o autor/apelante era funcionário da extinta Fábrica Nacional de Motores – FNM, mas tal docu-mento é muito frágil, não se sustenta em dados fáticos, nem possibilita com-parações com o mercado atual. O mesmo pode ser dito dos documentos de fls. 115/132.

18. Às fls. 182/184, há informação sindical com comparações de funções que seriam supostamente equivalentes às da FNM, entre elas, aquela alegada-mente ocupada pelo autor, de “Modelador de Madeira”.

19. Entretanto, tal equivalência não se fez demonstrar nos autos.

20. Por conseguinte, descumpriu o autor o ônus que lhe fora imposto pelo art. 333, inciso I do CPC, adiante transcrito, não sendo possível, por tal razão, deferir-lhe a revisão pleiteada:

“Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;”

21. Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência pacífica desta E. Corte, con-forme decisões adiante colacionadas:

“ADMINISTRATIVO – ANISTIADO POLÍTICO – REVISÃO DO VALOR DA PRES-TAÇÃO MENSAL – CRITÉRIOS PREVISTOS EM LEI: OBSERVÂNCIA – SENTEN-ÇA MANTIDA – I – Nos termos do art. 6º da Lei nº 10.559/2002, “o valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promoção previstos nas leis e regu-lamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemen-te de requisitos e condições, respeitadas as características e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas”. II – Não se desincumbindo o autor do ônus de comprovar que os valores constantes de planilha elaborada pela empresa da qual era empregado à época dos atos de perseguição política não correspondem à realidade ou não contemplam as promoções do cargo que ocupava, planilha essa que traz em colunas separadas os valores do salário sem e com os reajustes a que o empregado faria jus se na ativa estivesse, não há que se falar em revisão da prestação mensal fixada pela comissão de anistia do Ministério da Justiça – R$ 1.446,57. Ademais, eventual inconformismo quanto à forma de atualização

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dos valores dela constantes deveria ter sido objeto de prova pericial, cuja pro-dução não foi requerida na instância inferior. III – A só alegação de que os atos de perseguição política ocorreram há mais de quarenta anos, pelo que inviável seria trazer aos autos notícias e provas de colegas em situações paradigmas, não autoriza a procedência do pedido inicial, já que ao autor incumbe o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito (art. 333, I, do Código de Pro-cesso Civil). IV – A ausência de documentos que demonstrem a função que o autor eventualmente estaria exercendo caso não tivesse sofrido as perseguições políticas que ensejaram o pagamento da prestação mensal cujo valor pretende seja revisto, deve ser mantido o montante fixado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. V – Recurso de apelação interposto pelo autor ao qual se nega provimento.”

(AC 0029138-17.2009.4.01.3400/DF, Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, 6ª T., e-DJF1 p. 183 de 22.07.2014)

“ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – ANISTIADO POLÍTICO – INDE-NIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – IMPRESCRITIBILIDADE – CUMULAÇÃO COM PRESTAÇÃO MENSAL: IMPOSSIBILIDADE – REVISÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO MENSAL – CRITÉRIOS PREVISTOS EM LEI: OBSERVÂNCIA – I – A Lei nº 10.559/2002, ao instituir o Regime do Anistiado Político, promoveu renún-cia tácita à prescrição, porquanto reconhecido o direito à reparação econômi-ca àqueles que foram atingidos por atos de exceção, decorrentes de motivação exclusivamente política. Precedente do Superior Tribunal de Justiça. Preliminar de prescrição suscitada pela União afastada. II – O Colendo Superior Tribunal de Justiça firmou orientação no sentido de que a reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002 possui dúplice caráter indenizatório, abrangendo os da-nos materiais e morais sofridos pelos anistiados em razão dos atos de exceção praticados pelos agentes do Estado, de natureza política. Reforma da sentença no ponto em que condenou a União ao pagamento, cumulativamente à pres-tação mensal já percebida pelo autor, de indenização por danos morais pelos prejuízos sofridos por atos de perseguição política. Prejudicialidade das questões relativas a juros de mora e correção monetária. III – Nos termos do art. 6º da Lei nº 10.559/2002, “o valor da prestação mensal, permanente e continuada, será igual ao da remuneração que o anistiado político receberia se na ativa estivesse, considerada a graduação a que teria direito, obedecidos os prazos para promo-ção previstos nas leis e regulamentos vigentes, e asseguradas as promoções ao oficialato, independentemente de requisitos e condições, respeitadas as carac-terísticas e peculiaridades dos regimes jurídicos dos servidores públicos civis e dos militares, e, se necessário, considerando-se os seus paradigmas”. IV – Não se desincumbindo o autor do ônus de comprovar situação paradigma a ensejar a revisão do valor da prestação mensal que percebe a título de anistiado políti-co, deve ser mantido o valor fixado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça – R$ 3.281,90. V – Insuficientes para a configuração de caso paradigma, este considerado como a situação funcional de maior frequência entre os pares ou colegas contemporâneos do anistiado que apresentavam o mesmo posicio-

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namento no cargo quando da punição (§ 4º do art. 6º da Lei nº 10.559/2002), declarações unilaterais que retratam a condição de apenas dois jornalistas, e não a ‘situação funcional de maior freqüência entre os colegas contemporâneos do anistiado’. VI – Inexistindo nos autos documentos que demonstrem a função que o autor eventualmente estaria exercendo caso não tivesse sofrido as perseguições políticas que ensejaram o pagamento da prestação mensal cujo valor pretende seja revisto, deve ser mantido o montante fixado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. VII – Remessa oficial e recurso de apelação interposto pela União aos quais se dá provimento (item II); e recurso de apelação interposto pelo autor ao qual se nega provimento.”

(AC 0040492-73.2008.4.01.3400/DF, Rel. Des. Fed. Jirair Aram Meguerian, 6ª T., e-DJF1 p. 365 de 10.12.2013)

Ante o exposto, nego provimento ao apelo do autor.

É como voto.

Desembargador Federal Jirair Aram Meguerian Relator

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Parte Geral – Jurisprudência

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Tribunal Regional Federal da 2ª RegiãoV – Apelação Criminal nº 2009.51.01.807679‑9Nº CNJ: 0807679‑34.2009.4.02.5101Relator: Desembargador Federal Messod Azulay NetoApelante: Roberto Vidigal LimeiraAdvogado: Fabrício Monteiro Porto e outroApelado: Ministério Público FederalOrigem: Segunda Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro (200951018076799)

ementA

PENAL – PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO DO RÉU – CRIME DO ART. 318, CAPUT, DO CP – FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS NÃO COMPROVADAS – AUSÊNCIA DE PROVAS CONCRETAS DA PRÁTICA DO CRIME – CONDENAÇÃO BASEADA NUMA VERSÃO DE UMA TESTEMUNHA – VERSÃO DO APELANTE PLAUSÍVEL – IN DUBIO PRO REO – ALEGAÇÕES FINAIS E CONTRARRAZÕES DO PARQUET PEDEM ABSOLVIÇÃO DO RÉU – APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA PARA ABSOLVER A TEOR DO ART. 386, VII, DO CPP

I – Procedem as alegações do réu: ausência de provas suficientes para comprovar a materialidade e a autoria do crime; os fatos objetivos ocorreram, ou seja, William, beneficiado pela suspensão condicional do processo, ao desembarcar no Galeão, se evadiu da área de fiscali-zação, tendo sido reconduzido pelo funcionário Jerônimo; duas ma-las foram inspecionadas contendo mercadorias para comercialização e outras duas malas foram deixadas na esteira de bagagens e trazidas ao local da Alfândega.

II – No entanto, para embasar a condenação do réu, auditor fiscal, a sentença entendeu ser verdadeira a versão da testemunha Marco Aurélio, chefe do réu que, partindo da premissa de que o apelante era corrupto, elaborou uma versão plausível, na qual Roberto seria cúm-plice de William. Contudo, não vislumbro provas mais concretas des-ta versão. O apelante apresenta uma outra versão, também plausível, de que William teria fugido da fiscalização e foi reconduzido a seu pedido para que fosse efetivada a fiscalização; inclusive, inicialmen-te, Roberto encontrava-se no aparelho de Raio-x e determinou que William levasse as bagagens para a bancada para efetuar a vistoria.

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III – Sendo assim, entendo que existem ilações e interpretações subje-tivas dos fatos que podem estar equivocadas ou não; de qualquer for-ma, não vislumbro um lastro probatório mínimo para a condenação do réu pelo crime do art. 318, caput, do CP.

IV – Apelação do réu provida para reformar a sentença no sentido de sua absolvição, a teor do art. 386, VII, do CPP, por ausência de provas suficientes para embasar uma condenação penal.

Acórdão

Vistos e relatados os presentes autos, em que são partes as acima indica-das, acordam os membros da Segunda Turma Especializada do Tribunal Regio-nal Federal da 2ª Região, por unanimidade, em dar provimento ao recurso do réu, nos termos do voto do Relator.

Rio de Janeiro, 10 de novembro de 2015 (data do Julgamento).

Des. Fed. Messod Azulay Neto Relator 2ª Turma Especializada

relAtórIo

Trata-se de apelação criminal, interposta pelo réu Roberto Vidigal Li-meira, em face da sentença proferida pelo MM. Juízo da 2ª Vara Federal Criminal/RJ que condenou o réu em 3 anos de reclusão, além de 10 dias-multa, no valor unitário de 1 salário mínimo, pela prática do crime previsto no art. 318, caput, do CP, pena esta substituída por 2 restritivas de direitos.

Narra a denúncia, recebida em 13.02.2014 (fls. 501/502), que, no dia 26.05.2008, Roberto, auditor fiscal, teria facilitado o descaminho praticado por William, perpetrando o crime do art. 318, caput, do CP. Os fatos foram os seguintes: William, beneficiado com a suspensão condicional do processo, ao desembarcar no Galeão, apesar de solicitado, não se deteve na Alfândega para que suas malas fossem verificadas, tendo saído da área de vistoria; foi recondu-zido pelo funcionário Jerônimo, a pedido do apelante, o auditor-fiscal Roberto. Em seguida, William retornou àquela área e conversou com Roberto, apresen-tando uma carteira que, imediatamente, teria sido guardada quando percebeu que era observado pelo fiscal Marco Aurélio que suspeitou das intenções de Roberto; Marco Aurélio determinou a vistoria das malas, detectando uma gran-de quantidade de meias de nylon femininas com destinação comercial. Além disso, pelo bilhete aéreo, verificou que William possuía mais 2 malas, nas quais

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havia o mesmo material, que não haviam sido retiradas da esteira de bagagem – o que teria motivado o seu retorno à área de vistoria – bem como que tais malas teriam sido trazidas por Roberto.

A sentença, publicada em 31.10.2014 (fl. 700), condenou Roberto pela prática do crime do art. 318, caput, do CP, fixando a pena de 3 anos de re-clusão, substituída por 2 penas restritivas de direitos: prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária no valor de 60 salários mínimos. O juiz a quo absolveu Jerônimo.

Apelação do réu, às fls. 733/750, pugna pela absolvição, afirmando que os fatos narrados tais como, a saída de William da área de fiscalização, o seu retorno, acompanhado de Jerônimo, e as malas deixadas na esteira e trazidas pelo segurança são verdadeiros, mas ocorreram por motivos totalmente diversos da versão apresentada pela testemunha Marco Aurélio. Assevera o apelante que William tentou se evadir da fiscalização, tendo sido reconduzido, a seu pedido, por Jerônimo para que as malas fossem fiscalizadas; que as duas malas deixadas na esteira foram encontradas por um segurança que percebeu que tinham sido abandonadas. Afirma que William, aparentemente, teria um plano de fuga da fiscalização que foi interrompido por Jerônimo e que a versão de que todos os atos de William foram combinados com Roberto para, como cúmplice, evitar a fiscalização, foi uma interpretação errônea do fiscal Marco Aurélio, partindo da premissa de que o acusado era corrupto e sem quaisquer provas concretas deste suposto crime. Aduz que no processo administrativo instaurado pela Correge-doria da Receita Federal concluiu pela inexistência de qualquer falta funcional do ora acusado.

Alegações finais do Ministério Público Federal, às fls. 669/672 e contrar-razões do Parquet, às fls.759/763, requerem a absolvição do réu.

Parecer ministerial às fls. 215/220 pelo desprovimento do recurso inter-posto pelo réu.

É o Relatório.

À douta revisão.

Des. Fed. Messod Azulay Neto Relator 2ª Turma Especializada

voto

PENAL – PROCESSUAL PENAL – APELAÇÃO DO RÉU – CRIME DO ART. 318, CAPUT, DO CP – FACILITAÇÃO DE DESCAMINHO – MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS

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NÃO COMPROVADAS – AUSÊNCIA DE PROVAS CONCRETAS DA PRÁTICA DO CRIME – CONDENAÇÃO BASEADA NUMA VERSÃO DE UMA TESTEMUNHA – VERSÃO DO APELANTE PLAUSÍVEL – IN DUBIO PRO REO – ALEGAÇÕES FINAIS E CONTRARRAZÕES DO PARQUET PEDEM ABSOLVIÇÃO DO RÉU – APELAÇÃO DO RÉU PROVIDA PARA ABSOLVER A TEOR DO ART. 386, VII, DO CPP

I – Procedem as alegações do réu: ausência de provas suficientes para comprovar a materialidade e a autoria do crime; os fatos objetivos ocorreram, ou seja, William, beneficiado pela suspensão condicional do processo, ao desembarcar no Galeão, se evadiu da área de fiscali-zação, tendo sido reconduzido pelo funcionário Jerônimo; duas ma-las foram inspecionadas contendo mercadorias para comercialização e outras duas malas foram deixadas na esteira de bagagens e trazidas ao local da Alfândega.

II – No entanto, para embasar a condenação do réu, auditor fiscal, a sentença entendeu ser verdadeira a versão da testemunha Marco Aurélio, chefe do réu que, partindo da premissa de que o apelante era corrupto, elaborou uma versão plausível, na qual Roberto seria cúm-plice de William. Contudo, não vislumbro provas mais concretas des-ta versão. O apelante apresenta uma outra versão, também plausível, de que William teria fugido da fiscalização e foi reconduzido a seu pedido para que fosse efetivada a fiscalização; inclusive, inicialmen-te, Roberto encontrava-se no aparelho de Raio-x e determinou que William levasse as bagagens para a bancada para efetuar a vistoria.

III – Sendo assim, entendo que existem ilações e interpretações subje-tivas dos fatos que podem estar equivocadas ou não; de qualquer for-ma, não vislumbro um lastro probatório mínimo para a condenação do réu pelo crime do art. 318, caput, do CP.

IV – Apelação do réu provida para reformar a sentença no sentido de sua absolvição, a teor do art. 386, VII, do CPP, por ausência de provas suficientes para embasar uma condenação penal.

Como relatado, trata-se de apelação criminal, interposta pelo réu Roberto Vidigal Limeira, em face da sentença que o condenou pela prática do crime previsto no art. 318, caput, do CP, fixando a pena de 3 (três) anos de reclusão, pena esta substituída por 2 (duas) restritivas de direitos.

Narra a denúncia, recebida em 13.02.2014, que, no dia 26.05.2008, Roberto, auditor fiscal, teria facilitado o descaminho praticado por William, perpetrando o crime do art. 318, caput, do CP. Os fatos foram os seguintes:

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William, beneficiado com a suspensão condicional do processo, ao desembar-car no Galeão, apesar de solicitado, não se deteve na Alfândega para que suas malas fossem verificadas, tendo saído da área de vistoria; foi reconduzido pelo funcionário Jerônimo, a pedido do apelante, auditor-fiscal Roberto. Em seguida, William retornou àquela área e conversou com Roberto, apresentando uma car-teira que, imediatamente, teria sido guardada quando percebeu que era obser-vado pelo fiscal Marco Aurélio que suspeitou das intenções de Roberto; Marco Aurélio determinou a vistoria das malas, detectando uma grande quantidade de meias de nylon femininas com destinação comercial. Além disso, pelo bilhete aéreo, verificou que William possuía mais 2 malas, nas quais havia o mesmo material, que não haviam sido retiradas da esteira de bagagem – o que teria motivado o seu retorno à área de vistoria – bem como que tais malas teriam sido trazidas por Roberto.

A sentença, publicada em 31.10.2014, condenou Roberto pela prática do crime do art. 318, caput, do CP, fixando a pena de 3 anos de reclusão que foi substituída por duas restritivas de direito. O juiz a quo absolveu Jerônimo.

Apelação do réu, às fls. 733/750, pugna pela absolvição, afirmando que os fatos narrados são verdadeiros, mas ocorreram por motivos totalmente diver-sos da versão apresentada pela testemunha Marco Aurélio. Assevera o apelante que William tentou se evadir da fiscalização, tendo sido reconduzido, a seu pedido, por Jerônimo para que as malas fossem fiscalizadas; que as duas malas deixadas na esteira foram encontradas por um segurança que percebeu que tinham sido abandonadas. Afirma que William, aparentemente, teria um plano de fuga da fiscalização que foi interrompido por Jerônimo e que a versão de que todos os atos de William foram combinados com Roberto para, como cúmplice, evitar a fiscalização, foi uma interpretação errônea do fiscal Marco Aurélio, partindo da premissa de que o acusado era corrupto e sem quaisquer provas concretas deste suposto crime.

Alegações finais do Ministério Público Federal, às fls.669/672 e contrar-razões do Parquet, às fls. 759/763, requerem a absolvição do réu.

Merece reforma a sentença.

Em primeiro lugar, alguns detalhes dos fatos narrados na denúncia não foram confirmados em juízo. Marco Aurélio, em seu depoimento, afirma não ter certeza de que a carteira que viu William apresentar ao réu Roberto, seria uma carteira de dinheiro, conforme descrito na exordial. As testemunhas asse-veram que Jerônimo “não estava com William”, apenas foi buscá-lo quando ele se evadiu da área de fiscalização. Jerônimo relatou que Marco Aurélio lhe pediu, apenas, que confirmasse que viu Roberto apertando a mão de um amigo (e não que tivesse lhe pressionado para depor contra Roberto), mas ele não deu este depoimento, simplesmente, porque não viu esta ocorrência. Marco Aurélio

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................151

teria afirmado que foi ameaçado por Jerônimo, o que pareceu ao Procurador, um exagero, na medida em que Jerônimo era um simples funcionário, franzino, com mais de 50 anos.

Compulsando os autos, verifico que os fatos principais, de fato, ocorre-ram e foram confirmados por todos os envolvidos e pelas testemunhas: William saiu da área de fiscalização, e retornou acompanhado por Jerônimo, quando foi ao encontro de Roberto; as duas malas levadas por William ficaram em área semi-restrita, ao lado do vigilante Fábio; outras duas malas teriam sido deixadas na esteira de bagagem; as malas tinham mercadorias com destinação comercial, acima do limite e não declaradas no formulário. Havia outras pessoas na sala junto com Roberto e assim que Marco Aurélio entrou, suspeitou que Roberto iria facilitar o descaminho das mercadorias e determinou, imediatamente, a vis-toria das malas, tendo visto, no bilhete aéreo que William trouxera mais outras duas malas que também foram vistoriadas.

A partir destes fatos, a testemunha de acusação, o fiscal Marco Aurélio, chefe de Roberto, sobre quem o réu afirma ter tido rusga e ser um colega que ninguém gosta porque tem a mania de perseguir, apresentou a seguinte estória: Roberto teria deixado William sair com as duas malas para, depois, pedir a Jerônimo que fosse buscá-lo para que entrasse na sala, já sem as malas, e pu-desse pegar as demais malas que estavam na esteira, de forma que não fossem vistoriadas, talvez, em troca de uma recompensa, já que teria visto William mostrar uma carteira (apesar de não saber se era carteira de dinheiro) e, tam-bém, porque Roberto teria lhe dito que estaria “atendendo a um pedido de um amigo”.

O magistrado entendeu que esta versão de Marco Aurélio era a verda-deira por achar que: não teria como William fugir já que a área seria equipada com câmeras e seguranças; não teria como Roberto não perceber a fuga de William; Roberto deveria ter ido junto ou chamado os policiais e seguranças para perseguirem William; William deveria ter trazido as malas de volta para a área de fiscalização.

Já o réu Roberto apresentou outra explicação para os fatos, explicação esta aceita como plausível por dois Procuradores que pediram a absolvição do réu, o que subscreveu as alegações finais e aquele que elaborou as contrar-razões à apelação do réu. O apelante afirma que William tentou se evadir da fiscalização, tendo sido reconduzido, a seu pedido, por Jerônimo para que as malas fossem fiscalizadas; que as duas malas deixadas na esteira foram encon-tradas por um segurança que percebeu que tinham sido abandonadas; que as malas que estavam com William ficaram ao lado do vigilante Fábio; que não tinha como ver a fuga de William, já que estava operando o aparelho de Raio--X e, portanto, estava de costas para a bancada onde se colocam as malas para

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vistoria; que quando olhou para trás para mostrar William, foi que notou que ele não estava mais na sala e pediu a Jerônimo que fosse atrás dele.

No parecer favorável à absolvição do réu, é enfatizado que as testemu-nhas informam que o tráfego de passageiros é muito grande para um pequeno número de fiscais e que é possível sim que alguém saia sem ser visto; que a segurança não é tão perfeita assim.

É plausível que William tivesse um plano de fuga da fiscalização, que foi interrompido por Jerônimo, e que a versão de que todos os atos de William foram combinados com Roberto para, como cúmplice, evitar a fiscalização, po-deria ter sido uma interpretação equivocada do fiscal Marco Aurélio, partindo da premissa de que o acusado era corrupto e sem quaisquer provas concretas deste suposto crime.

Enfim, o que vislumbro na apreciação deste processo e suas nuances é que as conclusões estão muito fundamentadas em interpretações subjetivas, em criação de versões plausíveis sim, mas sem uma base concreta, fática, sem provas mais contundentes que incriminem o réu.

Ora, não se pode afirmar, com toda a certeza , que o réu é inocente, mas, certamente, não se pode concluir que praticou uma conduta criminosa pois não há um lastro probatório mínimo para embasar uma condenação penal. Impõe--se a aplicação do princípio in dubio pro reo.

Pelo exposto, dou provimento à apelação do réu para reformar a sen-tença no sentido da absolvição do réu Roberto, a teor do art. 386, VII, do CPP, em razão da inexistência de provas suficientes para embasar uma condenação penal, nos termos da fundamentação supra.

É como Voto.

Des. Fed. Messod Azulay Neto Relator 2ª Turma Especializada

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Parte Geral – Jurisprudência

3206

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 21.12.2015

Conflito de Competência nº 0024448‑90.2015.4.03.0000/SP

2015.03.00.024448‑0/SP

Relator: Desembargador Federal Baptista Pereira

Parte Autora: Discovídeo Fonográfica Ltda.

Advogado: SP067417 Ilvana Albino e outro(a)

Parte Ré: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT

Advogado: SP028835 Raimunda Monica Magno Araujo Bonagura

Suscitante: Desembargadora Federal Marli Ferreira – Quarta Turma

Suscitado(a): Desembargador Federal Nelton dos Santos – Segunda Turma

Nº Orig.: 00045063819974036100 Vr. São Paulo/SP

ementA

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – DIREITO CIVIL – DIREITO ADMINISTRATIVO – CORREIOS – CONTRATO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – SERVIÇO DE TELEMARKETING – REGIME DE DIREITO PRIVADO – COMPETÊNCIA DA 1ª SEÇÃO

1. As ações que têm por objeto contrato da Administração Pública em regime de direito privado são de competência das turmas da Primeira Seção ao passo que na hipótese de contratos administrativos, regime de direito público, a competência é das turmas da Segunda Seção.

2. A Suprema Corte, na ADPF 46, firmou entendimento sobre a na-tureza jurídica de serviço público do serviço postal prestado pelos Correios, assim entendido como envio de correspondência ou objeto postal do remetente ao destinatário.

3. O caso concreto versa sobre serviço de telemarketing prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos e, portanto, não se enqua-dra no conceito de serviço postal. Contrato da Administração Pública em regime de direito privado.

4. Conflito julgado procedente para reconhecer a competência do órgão fracionário da Primeira Seção.

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Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide o Egrégio Órgão Especial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, julgar procedente o conflito de competência, nos termos do rela-tório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 09 de dezembro de 2015.

Baptista Pereira Desembargador Federal

relAtórIo

Trata-se de conflito negativo de competência que tem como suscitan-te a Excelentíssima Desembargadora Federal Marli Ferreira, integrante da 4ª Turma desta Corte, e suscitado o Excelentíssimo Desembargador Federal Nelton dos Santos, o qual integrava a 2ª Turma, nos autos da Apelação Cível nº 2007.03.99.019494-6.

O objeto do presente é a fixação da competência para o julgamento de recurso de ação proposta pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT contra Discovídeo Fonografia Ltda. em que se discute a cobrança pela pres-tação de serviço de atendimento de telemarketing prestado pela ECT.

O Magistrado suscitado declinou da competência para julgamento do feito com fundamento de que se trata de serviço público pela ECT e que, portan-to, sendo caso de contrato administrativo, deve ser reconhecida a competência da c. 2ª Seção.

Por outro lado, a Magistrada suscitante aduz que se trata de contrato sob regime de Direito Privado, razão pela qual a competência para julgamento do feito é das turmas da Primeira Seção, nos termos do art. 10, § 1º, III do RI desta Corte.

A Eminente Desembargadora Federal suscitante foi designada, em caráter provisório, para resolver as medidas urgentes (fl. 222).

O Ministério Público Federal, em seu parecer, opinou pela improcedên-cia do conflito, manifestando-se no sentido da competência da 2ª Seção deste Tribunal Regional Federal (fls. 233/237).

É o relatório.

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................155

voto

Cuida-se de controvérsia na definição da competência interna deste Tri-bunal entre membros de turmas pertencentes a Seções distintas, 1ª e 2ª, com re-lação ao processamento e julgamento de apelação em ação ordinária versando a cobrança de serviço prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.

As razões dos magistrados suscitante e suscitado estão fundadas em pre-cedentes deste e. Órgão Especial, a saber:

PROCESSUAL CIVIL – CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE DE-SEMBARGADORES FEDERAIS INTEGRANTES DA PRIMEIRA E TERCEIRA TUR-MAS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO – EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS (ECT) – EXTRAVIO DE CORRESPONDÊNCIA (SEDEX) – RESPON-SABILIDADE CIVIL DO ESTADO – DIREITO PÚBLICO – COMPETÊNCIA DAS TURMAS DA SEGUNDA SEÇÃO

A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT é empresa pública federal que presta serviço público, cuja manutenção é da competência da União, nos termos do art. 21, X, da Constituição Federal, de sorte que, dada essa condição especial, a jurisprudência e-STF lhe reconheceu natureza distinta das empresas públicas comuns – constituídas para o exercício de atividade econômica e sujei-tas a regime jurídico de direito privado, conforme previsão do art. 173, § 1º, II, e § 2º da CF/1988 –, atribuindo-lhe caráter autárquico e equiparando-a à Fazenda Pública.

Quaisquer dúvidas acerca da natureza jurídica da atividade da ECT e do serviço por ela explorado foram definitivamente dirimidas pela Corte Suprema no julga-mento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 46/DF.

O fato de a autora da ação ter fundado a sua pretensão à reparação na culpa da ECT, atribuindo-lhe a prática de ilícito civil, e não na teoria do risco administrati-vo, ou seja, de ter sido invocada na inicial a responsabilidade subjetiva do Estado e não a objetiva (art. 37, § 6º, da CF), não implica na restrição da matéria aos lindes do direito privado, pois trata-se da responsabilidade civil do Estado, que tanto pode ser objetiva como subjetiva.

Versando a demanda sobre o ressarcimento de danos supostamente causados pela ECT, que integra o conceito de Estado e de Fazenda Pública, a relação jurídi-ca litigiosa refere-se à responsabilidade civil do Estado, matéria de competência das Turmas da Segunda Seção desta Corte.

Conflito de Competência julgado improcedente, reconhecendo-se a competên-cia da Segunda Seção deste Tribunal para o exame da matéria. Competência do Desembargador Federal suscitante declarada.

(CC 2010.03.00.029627-5, Órgão Especial, Relª Desª Fed. Diva Malerbi, Julgado em 29.06.2011, eDJF3 05.07.2011); e

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PROCESSUAL CIVIL – CONFLITO DE COMPETÊNCIA – DECISÃO MONOCRÁ-TICA – DESCABIMENTO – INEXISTÊNCIA DE POSICIONAMENTO FIRMADO PELO ÓRGÃO COLEGIADO – EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉ-GRAFOS – NEGÓCIO JURÍDICO – DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL – MA-TÉRIA DE DIREITO PRIVADO – COMPETÊNCIA DA 1ª SEÇÃO DESTE TRIBU-NAL REGIONAL FEDERAL

Nas hipóteses em que o Órgão Especial deste Egrégio Tribunal ainda não te-nha firmado jurisprudência, inexistindo, portanto, parâmetro para decidir-se de plano o Conflito de Competência, conforme permitido pelo parágrafo único do art. 120, do Código de Processo Civil, deve ser o mesmo processado e julgado pelo colegiado.

A discussão a respeito de descumprimento de cláusula contratual praticada por empresa que efetuou negócio jurídico com a Empresa Brasileira de correios e Telégrafos – EBCT consiste em questão de índole contratual regida pelas regras de Direito Privado.

Não se trata, ademais, de hipótese de contrato administrativo, o que corrobora a tese de que se trata de questão disciplinada pelo Direito Privado.

Portanto, o feito encontra-se dentro da competência da Egrégia 1ª Seção desta Corte Regional, dado configurar, inequivocamente, matéria de Direito Privado, conforme o que dispõe o art. 10, § 1º, inciso III, do Regimento Interno.

Conflito de competência julgado procedente.

(CC 2010.03.00.030065-5, Órgão Especial, Relª Desª Fed. Suzana Camargo, J. 08.062011, eDJF3 15.06.2001).

Como se vê os julgados destes conflitos de competência são contemporâ-neos, mas resultam em conclusões diferentes. Contudo, a contradição é apenas aparente.

Isto porque a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT oferta ao mercado a prestação de uma série de serviços de natureza distinta, tais como: serviço postal, serviço financeiro como correspondente bancário, intermedia-ção de emissão de documentos como CPF e certificação digital, etc.

Cumpre esclarecer que, na ADPF 46, a Suprema Corte tratou especifica-mente do serviço postal, assim entendido como o conjunto de atividades que torna possível o envio de uma correspondência ou objeto postal do remetente para o destinatário, firmando entendimento sobre a sua natureza de jurídica de serviço público:

EMENTA: ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMEN-TAL – EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS – PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS – SERVIÇO POSTAL – CONTROVÉR-SIA REFERENTE À LEI FEDERAL Nº 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978 – ATO

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................157

NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL – PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL – COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONS-TITUCIONAL VIGENTE – ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTS. 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL – VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA – NÃO CARACTERIZAÇÃO – ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE – INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ART. 42 DA LEI Nº 6.538, QUE ESTABELE-CE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO – APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ART. 9º, DA LEI – 1. O serviço postal – conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e de-terminado – não consubstancia atividade econômica em sentido estrito. Serviço postal é serviço público. 2. A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies, o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito. Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito, empre-endida por agentes econômicos privados. A exclusividade da prestação dos ser-viços públicos é expressão de uma situação de privilégio. Monopólio e privilégio são distintos entre si; não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no vocabulário vulgar. 3. A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo, a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [art. 20, inciso X]. 4. O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de Cor-reios e Telégrafos – ECT, empresa pública, entidade da Administração Indireta da União, criada pelo Decreto-Lei nº 509, de 10 de março de 1.969. 5. É imprescin-dível distinguirmos o regime de privilégio, que diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado. 6. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar em regime de exclusividade na prestação dos serviços que lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal. 7. Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados os serviços públicos importam em que essa atividade seja desenvolvida sob privilégio, inclu-sive, em regra, o da exclusividade. 8. Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à Constituição ao art. 42 da Lei nº 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais descritas no art. 9º desse ato normativo.

(ADPF 46, Rel. Min. Marco Aurélio, Rel. p/Ac. Min. Eros Grau, TP, J. 05.08.2009, DJe-035 Divulg. 25.02.2010, Public. 26.02.2010, Ement. v. 02391-01, p. 00020, RTJ v. 00223-01, p. 00011)

Nestes termos, a solução do presente conflito restringe-se ao enquadra-mento ou não do serviço prestado pelos Correios, que é objeto de cobrança na ação em tela, ao conceito de serviço postal, ou seja, é preciso distinguir entre contrato da Administração Pública e contrato administrativo.

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Isto por que em se tratando de contrato da Administração Pública em regime de direito privado a competência é das turmas da Primeira Seção ao passo que na hipótese de contratos administrativos, regime de direito público, a competência é das turmas da Segunda Seção.

O Contrato de fls. 08/13, celebrado entre as partes, assim dispõe quanto ao seu objeto:

“O presente contrato tem por objeto a prestação, pela ECT, à contratante, dos seguintes serviços:

1.1. A recepção, na cidade de São Paulo, através da Central de Atendimento ao Telemarketing, da ECT, de pedidos de compra de produtos comercializados pela contratante e fornecimento de dados relativos aos pedidos armazenados em dis-quete e/ou relatório impresso.”

As obrigações da ECT estão descritas da seguinte forma:

“A ECT se compromete a:

3.1. Receber, por meio de sua Central de Atendimento ao Telemarketing, os pe-didos de compra dos produtos comercializados pela contratante, diariamente em qualquer horário;

3.2. Armazenar, em arquivo, as informações correspondentes aos pedidos de compra;

3.3. Registrar na Central de Atendimento ao Telemarketing os produtos que serão comercializados pela contratante, assim como as alterações de preços e condi-ções, de acordo com as condições previstas nos subitens 2.1 e 2.2;

3.5. Apresentar à contratante, para fins de pagamento, as faturas correspondentes à prestação dos serviços, de acordo com os preços e condições definidas nas cláusulas Quarta e Quinta.”

Da leitura do contrato não se verifica a realização de atividade típica de serviço postal, isto é, envio de correspondência ou objeto postal do remetente ao destinatário.

Ao contrário, o serviço de atendimento telefônico aos clientes da parte ré tem nítido caráter de Direito Privado. Trata-se de atividade econômica em que a qualidade de ente público de um dos contratantes é irrelevante quanto à natureza jurídica da prestação do serviço.

Ocorre que as operações de central de telemarketing são realizadas co-tidianamente entre particulares ou entre entes públicos e particulares sem que haja alteração de sua substância num caso ou noutro.

Desta forma, deve ser reconhecido o regime de Direito Privado do con-trato de fls. 08/13 e, consequentemente, a competência das turmas da Primeira Seção desta Corte.

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................159

Ante o exposto, julgo procedente o presente conflito de competência, declarando a competência para o processamento e julgamento da apelação do magistrado suscitado, integrante da Segunda Turma, da Primeira Seção deste Tribunal.

É como voto.

Baptista Pereira Desembargador Federal

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Parte Geral – Jurisprudência

3207

Tribunal Regional Federal da 4ª RegiãoConflito de Competência (Corte Especial) nº 5020605‑39.2014.4.04.0000/PRRelator: Celso KipperSuscitante: Juízo Substituto da 17ª VF de CuritibaSuscitado: Juízo Substituto da 4ª VF de CuritibaInteressado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS

Maria de Lourdes da SilvaMPF: Ministério Público Federal

ementA

CONFLITO DE COMPETÊNCIA – RESSARCIMENTO DE BENEFÍCIO PAGO INDEVIDAMENTE – NATUREZA PREVIDENCIÁRIA

É de natureza previdenciária a matéria relativa a ressarcimento de benefícios previdenciários pagos indevidamente.

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, de-cide a Egrégia Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, conhecer do presente conflito e declarar a competência do juízo suscitante (Juízo Substituto da 17ª VF de Curitiba/PR), nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 22 de outubro de 2015.

Desembargador Federal Celso Kipper Relator

relAtórIo

Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Substituto da 17ª VF de Curitiba/PR em face do Juízo Substituto da 4ª VF de Curitiba/PR, nos autos da Ação nº 5055818-58.2014.4.04.7000, na qual o INSS busca o ressarcimento de valores pagos à requerida a título de aposentadoria.

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – JURISPRUDÊNCIA ........................................................................................................161

O feito foi, originalmente, distribuído ao Juízo Substituto da 4ª VF de Curitiba/PR, que declinou da competência em favor de uma das varas previden-ciárias daquela Subseção, sob o fundamento de que o feito trata de questões atinentes a benefício previdenciário.

O Juízo Substituto da 17ª VF de Curitiba/PR, por sua vez, com base em precedentes desta Corte (no sentido de que “tratando-se de execução fiscal a competência é tributária”), suscitou o presente conflito negativo de compe-tência.

O Ministério Público Federal opinou pela declaração da competência do juízo suscitante.

É o relatório.

Apresento o feito em mesa.

voto

Cuida-se de ação de ressarcimento movida pelo INSS contra Maria de Lourdes da Silva, sob o fundamento de que teria restado comprovada, em pro-cesso administrativo, a inserção falsa de trabalho rural de boia-fria no período de 01.01.1990 a 13.03.2002, o que teria acarretado o pagamento indevido do benefício nº 41/122.808.466-9 no período de março de 2002 a junho de 2008, cujos valores, atualizados até 30.04.2009, totalizavam R$ 28.789,85 (vinte e oito mil setecentos e oitenta e nove reais e oitenta e cinco centavos).

Ora, a matéria relativa a ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente possui natureza previdenciária, como já decidiu a Corte Espe-cial deste Tribunal (Conflito de Competência nº 0015807-28.2011.404.0000, Relª Des. Federal Maria Lúcia Luz Leiria, unânime, DE 28.03.2012).

Na mesma linha, colaciono os seguintes julgados deste Tribunal:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO – COMPETÊNCIA – RESSARCIMENTO AO ERÁRIO – NATUREZA PREVIDENCIÁRIA – COMPETÊNCIA DA VARA PRE-VIDENCIÁRIA MANTIDA

É de natureza previdenciária a matéria relativa a ressarcimento de benefício pre-videnciário pago indevidamente.

(TRF 4ª R., Ag-AI 5014125-45.2014.404.0000/SC, 3ª T., Desª Fed. Salise Monteiro Sanchotene, sessão de 14.01.2015)

PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO LEGAL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – INSS – RESTITUIÇÃO DE PARCELAS DE BENEFÍCIO PAGAS INDEVIDAMENTE – NA-

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TUREZA PREVIDENCIÁRIA – COMPETÊNCIA – MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA

É pacífica a orientação jurisprudencial no sentido de que é de natureza previ-denciária a matéria relativa a ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente. Precedente da Corte Especial Judicial.

(TRF 4ª R., Ag-AI 5010508-77.2014.404.0000/SC, 4ª T., Des. Fed. Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle, sessão de 01.07.2014)

No mesmo sentido, acórdão de minha relatoria:

AGRAVO – RESSARCIMENTO DE BENEFÍCIO PAGO INDEVIDAMENTE – NA-TUREZA PREVIDENCIÁRIA – COMPETÊNCIA

Consoante recentemente decidiu a Corte Especial Judicial deste Regional, a ma-téria relativa a ressarcimento de benefício previdenciário pago indevidamente possui natureza previdenciária, razão pela qual, tendo em vista o disposto no art. 109, § 3º, da Constituição Federal, é facultado à parte autora ajuizar ação objetivando a declaração de inexistência de dever de devolução de valores re-cebidos a título de benefício previdenciário perante a Justiça Estadual, já que a Comarca de Santo Cristo/RS não é sede de Vara do Juízo Federal.

(TRF 4ª R., Ag 0004248-40.2012.404.0000/RS, 6ª T., por unanimidade, DE 15.10.2012)

Disso decorre que a competência para a ação ordinária não é do Juí-zo Substituto da 4ª VF de Curitiba/PR, e sim do Juízo Substituto da 17ª VF de Curitiba/PR, cuja atribuição jurisdicional diz respeito a causas previdenciárias.

Ante o exposto, voto por conhecer do presente conflito e declarar a com-petência do juízo suscitante (Juízo Substituto da 17ª VF de Curitiba/PR).

Desembargador Federal Celso Kipper Relator

eXtrAto de AtA dA sessão de 22.10.2015

Conflito de Competência (Corte Especial) nº 5020605-39.2014. 4.04.0000/PR

Origem: PR 50558185820144047000

Relator: Des. Federal Celso Kipper

Presidente: Luiz Fernando Wowk Penteado

Procurador: Dr. Fábio Bento Alves

Suscitante: Juízo Substituto da 17ª VF de Curitiba

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Suscitado: Juízo Substituto da 4ª VF de Curitiba

Interessado: Instituto Nacional do Seguro Social – INSS Maria de Lourdes da Silva

MPF: Ministério Público Federal

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 22.10.2015, na sequência 13, disponibilizada no DE de 13.10.2015, da qual foi intimado(a) Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, o Ministério Público Federal e as demais Procuradorias Federais.

Certifico que o(a) Corte Especial, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Corte Especial, por unanimidade, decidiu conhecer do presente confli-to e declarar a competência do juízo suscitante (Juízo Substituto da 17ª VF de Curitiba/PR).

Relator Acórdão: Des. Federal Celso Kipper

Votante(s): Des. Federal Celso Kipper Des. Federal Otávio Roberto Pamplona Des. Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle Des. Federal Fernando Quadros da Silva Des. Federal Rogerio Favreto Des. Federal Jorge Antonio Maurique Des. Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior Des. Federal João Pedro Gebran Neto Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado Desª Federal Marga Inge Barth Tessler Desª Federal Maria de Fátima Freitas Labarrère

Ausente(s): Des. Federal Joel Ilan Paciornik

Jaqueline Paiva Nunes Goron Secretária

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Parte Geral – Jurisprudência

3208

Tribunal Regional Federal da 5ª RegiãoGabinete do Desembargador Federal Manuel MaiaApelação Cível (AC) nº 584121/PB (0010120‑47.2012.4.05.8200)Apte.: Coren/PB – Conselho Regional de Enfermagem da ParaíbaAdv./Proc.: Alanna Gomes Oliveira GonçalvesApdo.: Kátia Virginia Brasileiro de MacêdoOrigem: 5ª Vara Federal da Paraíba (Privativa de Execuções Fiscais) – PBRelator: Desembargador Federal Manuel Maia (Convocado)

ementA

CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO – EXECUÇÃO FISCAL – CONSELHO PROFISSIONAL – ANUIDADE – NATUREZA TRIBUTÁRIA – FIXAÇÃO, COBRANÇA, MAJORAÇÃO – CORREÇÃO MONETÁRIA – INSTITUÍDA POR RESOLUÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – NÃO APLICAÇÃO DA LEI Nº 12.514/2011 – PRECEDENTES

1. A sentença reconheceu a nulidade do título executivo e extinguiu a execução fiscal referente à fixação dos valores das anuidades do Conselho recorrente.

2. As anuidades estatuídas pelos Conselhos Profissionais, por sua na-tureza de contribuição social, dependem de lei para sua fixação e suas majorações (arts. 150, caput e inciso I, da CF/1988 e 97 do CTN).

3. O § 4º do art. 58 da Lei nº 9.649/1998, que autorizava os conselhos profissionais a estabelecer suas próprias contribuições, foi declarado inconstitucional no julgamento proferido na ADIn 1.717-6/DF.

4. O art. 2º da Lei nº 11.000/2004 foi declarado inconstitucional pelo Pleno desta Corte Regional por violar o princípio da legalidade (AI--AC 410826/PE, Rel. Des. Fed. Francisco Cavalcanti, DJ 11.10.2007).

5. É possível a correção monetária das anuidades mediante a utiliza-ção de índices legais: o MVR, o BTN e a UFIR, das Leis nºs 6.994/1982, 7.799/1989 e 8.383/1991, respectivamente. Os autos demonstram, claramente, que não foi aplicado um critério legal de correção mone-tária, mas, apenas, índices instituídos por resoluções.

6. A Lei nº 12.514/2011 não fixa valores de anuidades, apenas tra-ça alguns parâmetros em seu art. 6º. Tais valores constam em ato

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normativo do Conselho Federal, estando em desacordo com a ADIn 1.717-6/DF.

7. Apelação não provida.

Acórdão

Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Recife, 03 de novembro de 2015.

relAtórIo

O Senhor Desembargador Federal Manuel Maia (Convocado): Cuida-se de apelação interposta contra sentença que reconheceu a nulidade do título executivo e extinguiu a execução fiscal referente à fixação dos valores das anui-dades do Conselho recorrente.

Nas razões recursais, alega-se, em apertada síntese, a legalidade da co-brança, sendo aplicável a Lei nº 11.000/2004. Por fim, postula o provimento do apelo, a de fim de que seja julgado procedente o pleito formulado na exordial.

É o relatório.

voto

O Senhor Desembargador Federal Manuel Maia (Convocado): Em exame apelação interposta contra sentença que reconheceu a nulidade do título execu-tivo e extinguiu a execução fiscal referente à fixação dos valores das anuidades do Conselho recorrente.

Nas razões recursais, alega-se, em apertada síntese, a legalidade da co-brança, sendo aplicável a Lei nº 11.000/2004. Não lhe assiste razão.

Os Conselhos Profissionais são titulares de competência tributária dele-gada e por isso as anuidades cobradas por essas entidades constituem tributos sujeitos aos princípios constitucionais que norteiam o direito tributário, com destaque para o art. 150, caput, e inciso I, da CF/1988, in verbis:

“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

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I – exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

Significa dizer que, em face da exigência da norma constitucional tri-butária, os Conselhos dependem da edição de norma legal para legitimar a estipulação dos valores de suas anuidades, dentro de certos limites, bem assim as respectivas cobranças e reajustes.

Em homenagem ao princípio da legalidade, dispõe o art. 97 do CTN que:

“Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

I – a majoração de tributos ou sua redução, ressalvado o disposto nos arts. 21, 26, 39, e 65;

II – a definição do fato gerador da obrigação tributária principal, ressalvado o disposto no inciso I do § 3º do art. 52, e do seu sujeito passivo;

III – a fixação da alíquota do tributo e da sua base de cálculo, ressalvado o dis-posto nos arts. 21, 26, 39 e 65;”

Note-se que tais parâmetros foram fixados pela Lei nº 6.994/1982, que continua em vigor, pois a norma revogadora do art. 58 da Lei nº 9.649/1998 foi suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal na ADIn 1.717.

Assim, as anuidades cobradas com a observância ao disposto na Lei nº 6.994/1982, que foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, não ofendem o Princípio da Legalidade; são legais, portanto, as Resoluções que apenas promovem atualização monetária das anuidades, nos limites fixados na citada lei.

Este Tribunal já consagrou tal tese em julgamentos anteriores, como se vê nos precedentes que ora transcrevo:

“ADMINISTRATIVO – TRIBUTÁRIO – COBRANÇA DE ANUIDADE PELO CON-SELHO REGIONAL DE FARMÁCIA – ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA – LEGALI-DADE

As anuidades cobradas pelos Conselhos Regionais de Fiscalização, desde que observada a Lei nº 6.994/1982, não ofendem o princípio da legalidade.

Na há que se falar em revogação da Lei nº 6.994/1982, com a edição da Lei nº 9.649, de 25.05.1998, especialmente em seu art. 58, uma vez que, tal dispo-sitivo foi invalidado por manifestação do Supremo Tribunal Federal, nos autos da ADIn 1.717.

Legalidade das Resoluções que apenas promovem atualização monetária das anuidades, nos limites fixados na Lei nº 6.994/1982.

Apelação e remessa oficial providas.”

(AC 388182/PB, 4ª T., DJ 16.08.2006, Rel. Des. Fed. Frederico Pinto de Azevedo)

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“TRIBUTÁRIO – CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA – COBRANÇA – ANUI-DADE – NATUREZA TRIBUTÁRIA – IMPOSSIBILIDADE DE MAJORAÇÃO – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE – ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA NECESSÁRIA

A jurisprudência dominante é no sentido de considerar a natureza das anuida-des dos Conselhos Profissionais como tributária, portanto sujeitas, entre outros, ao princípio da legalidade, não podendo a fixação da mencionada contribuição anual ser por meio de resolução.

Todavia é possível se utilizar dos critérios estatuídos nas Leis nºs 6.994/1982, 7.799/89 e 8.383/1991 que prevêem respectivamente o MVR, o BTN e a UFIR para atualização monetária da exação cobrada.

Apelação improvida.”

(AC 329079/PB, Rel. Des. Fed. Marcelo Navarro, DJ 09.12.2005).

Cumpre destacar que o art. 2º da Lei nº 11.000/2004, ao autorizar, de forma mais recente, a fixação das anuidades pelos Conselhos, incorreu em evi-dente afronta à garantia da legalidade tributária, reincidindo no vício que já tis-nara de inconstitucionalidade o disposto no art. 58, § 4º, da Lei nº 9.649/1998, que findou por ser declarado írrito pela Corte Magna, ao instante do julgamento da ADIn 1717-6.

Demais disso, insta salientar que o Pleno desta Corte Regional, nos jul-gamento do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 410826/PE, também reconheceu a inconstitucionalidade do referido art. 2º da Lei nº 11.000/2004, deixando assentado que “a norma legal que delega aos con-selhos de fiscalização profissional, destituídos de poder político, a atribuição de instituir e majorar as contribuições devidas pelos profissionais vinculados à instituição, ou seja, que repassa competência tributária, viola os arts. 149 e 151, I, da CF/1988”.

Sendo assim, até que seja editada outra norma legal dispondo de forma diversa a respeito das anuidades, devem ser aplicados os valores constantes das tabelas da Lei nº 6.994/1982.

No caso dos autos, as anuidades exigidas pelo Conselho apelante não têm amparo na legislação em vigor, mas sim em resoluções.

É ressabido que, quanto à correção monetária do débito, os Conselhos só poderão valer-se de índices legais, os quais correspondem ao MVR, ao BTN e à UFIR, das Leis nºs 6.994/1982, 7.799/1989 e 8.383/1991, respectivamente. Os autos demonstram, claramente, que não foi aplicado um critério legal de corre-ção monetária, mas, tão somente, índices instituídos por resoluções.

Por fim, registro que na mesma esteira do raciocínio supra, a Lei nº 12.514/2011 também não fixa os valores das anuidades, mas apenas traça

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alguns parâmetros em seu art. 6º. Tais valores constam em ato normativo do Conselho Federal, restando em desacordo com a ADIn 1.717-6/DF.

Desta feita, verifico que a r. sentença recorrida em nada afrontou ou ne-gou vigência aos dispositivos legais aos quais se reporta a apelante.

Mantenho, pois, a sentença recorrida.

Diante disso, nego provimento à apelação.

É como voto.

Recife, 03 de novembro de 2015.

Desembargador Federal Manuel Maia Relator Convocado

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Parte Geral – Jurisprudência

Administrativo

3209 – Ação civil pública – posto de gasolina – combustível adulterado – comercializa-ção – dano moral coletivo – configuração

“Ação civil pública. Posto de gasolina. Comercialização de combustível adulterado. Dano moral coletivo. Configuração. Indenização. Condenação mantida. 1. Ação civil pública ins-truída com a Representação nº 1.24.018.000092/2005-18 do Ministério Público Federal, ori-ginada de inquérito policial instaurado para apuração da prática do crime previsto no art. 1º, I, da Lei nº 8.176/1991, pretendendo-se no presente feito a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais difusos, em razão da comercialização de combustível adul-terado na cidade de Queluz/SP. 2. Legitimidade do Ministério Público Federal para promover a ação civil pública visando à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, bem como no zelo pelo efetivo respeito dos Po-deres Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constitui-ção Federal, promovendo as medidas necessárias a sua garantia, decorre expressamente do art. 129, incisos II e III, da Constituição Federal e do art. 6º, inciso VII, alínea c, da Lei Com-plementar nº 75/1993, além da legislação específica que lhe assegura, de maneira categóri-ca, legitimidade para manejá-la (Lei nº 7.347/1985, art. 5º, I). A Lei nº 8.078/1990 (Código de Consumidor – arts. 81 e ss.) trouxe a lume disposições expressas acerca da legitimidade do Ministério Público para a defesa dos interesses e direitos dos consumidores, de forma coleti-va, garantindo a utilização de todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos aludidos direitos. 3. A indenização por danos morais se assenta na ideia de defesa dos princípios e valores da pessoa, de natureza essencialmente axiológicas, valores esses que interessam a toda a sociedade, tendo a indenização o objetivo de proporcionar à vítima uma sanção, ainda que de caráter indenizatório, para que atos da mesma natureza não se repitam. A defesa de tais princípios encontra fundamento na Constituição Federal de 1988 (CF, art. 5º, V e X), na qual se verifica a preocupação dos Constituintes, na época, em asse-gurar os direitos fundamentais da pessoa, após um longo período de ditadura militar, no qual tais direitos foram preteridos. A lei fundamental, ao se utilizar da expressão ‘indenização’ pelos danos morais, atém-se à noção de compensação, própria do instituto da responsabili-dade civil. 4. Para que o dano moral possa ser configurado e, consequentemente, ressarcido, necessária a demonstração de três requisitos: dano, culpa e nexo causal. 5. O dano dessa ordem tem por pressuposto a lesão de natureza subjetiva ou extrapatrimonial, vale dizer, o ato danoso que gera para a vítima um mal interior, na forma de dor, humilhação, angústia, entre outros. 6. O dano moral coletivo, além de encontrar previsão constitucional – já que o mencionado art. 5º, em seus incisos V e X, da Constituição Federal, não faz distinção acerca do direito à indenização, se por violação na esfera individual ou coletiva – possui supedâneo legal no art. 6º, inciso VI, do Código de Defesa do Consumidor, o qual dispõe acerca do di-reito à ‘efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos’. Portanto, configurada a hipótese de lesão aos valores e interesses fundamentais de um determinado grupo, resta assegurada a defesa de seu patrimônio moral e imaterial, porquanto ‘o dano moral coletivo é a lesão na esfera moral de uma comunidade, isto é, a violação de direito transindividual de ordem coletiva, valores de uma sociedade atingidos do ponto de vista jurídico, de forma a envolver não apenas a dor psíquica, mas qualquer abalo negativo à moral da coletividade, pois o dano é, na verdade, apenas a consequência da lesão à esfera extrapatrimonial de uma pessoa’ (in REsp 1397870/MG, Rel. Min. Mauro Campbell

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Marques, DJe 10.12.2014). 7. Desnecessária, na hipótese de dano moral coletivo, a compro-vação por parte do autor da ação civil pública, da configuração de dor, de sofrimento e de abalo psicológico pelo ato praticado pelo réu, a exemplo do que ocorre na esfera individual, pois em se tratando de interesses difusos e coletivos, avalia-se a lesão à esfera moral da cole-tividade, aquela que ocasiona intranquilidade social, ao iludir uma gama de consumidores, ou seja, ‘por violação a direitos transindividuais, é cabível, em tese, a condenação por dano moral coletivo como categoria autônoma de dano, a qual não se relaciona necessariamente com aqueles tradicionais atributos da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico)’ (in REsp 1293606/MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., J. 02.09.2014, DJe 26.09.2014). 8. Consoante disposição expressa do art. 12 da Lei nº 8.078/1990, o réu responde, indepen-dentemente de culpa – assim considerada a ação ou omissão voluntária, negligência ou im-prudência – pela reparação dos danos causados ao consumidor. Trata-se de responsabilidade objetiva e dano in re ipsa. 9. O nexo causal se faz presente, pois da análise da argumentação esposada pelo MPF e pela documentação acostada aos autos, constatou-se, em diligência fiscalizatória realizada em 20.05.2002, possuir a gasolina comercializada pelo réu – posto revendedor de combustível – um percentual de 40% de álcool, superior aos 24% permitidos, superando em 66% o limite máximo permitido por lei. Apurou-se, ainda, comercializar o réu álcool etílico anidro combustível, ao invés de álcool etílico hidratado combustível, violando a legislação correlata, conforme aferido nos laudos elaborados e afirmado em depoimento em sede policial pelo responsável pela lavratura do auto de infração. 10. A conduta do réu encontra-se devidamente individualizada no auto de infração de fls. 21/23, lavrado em 20.05.2002, não havendo dúvidas quanto à adulteração procedida nos combustíveis por ele comercializados. De se ressaltar que a menção ao ‘Posto São José’ não tem o condão de invalidar a imputação ora versada, pois se refere a outra pessoa jurídica autuada concomi-tantemente. 11. Não prospera a alegação de falta de provas da adulteração do combustível, pois consta do auto de infração terem sido realizados vários testes no tanque de armaze-namento do réu, cabendo-lhe produzir provas do atendimento às normas da ANP, porém, instado a especificá-las, quedou-se inerte. Consta, de outra parte, da Representação acostada aos autos a existência de processo administrativo junto à ANP (fls. 19 e ss.), não logrando o réu demonstrar o alegado cerceamento de defesa. 12. Em ação civil pública de matéria consumerista, prevalece a inversão do ônus da prova em favor do Ministério Público. Prece-dentes do STJ. 13. O montante da condenação é adequado a reprimir a conduta descrita nos autos e indenizar o dano moral coletivo causado pelo réu, consubstanciado na comercia-lização do combustível adulterado, prática abusiva, causando prejuízos aos consumidores, iludindo a boa-fé da coletividade da região, especialmente considerando os documentos de fls. 160/168, os quais demonstram que no período fiscalizado as operações de saída do réu totalizaram R$ 206.629,48 (duzentos e seis mil, seiscentos e vinte e nove reais e quarenta e oito centavos), bem como a receita dos 1º e 2º trimestres do ano de 2002, alcançaram o montante de R$ 220.463,53 (duzentos e vinte mil, quatrocentos e sessenta e três reais e cinquenta e três centavos) e R$ 80.894,03 (oitenta mil, oitocentos e noventa e quatro reais e três centavos), respectivamente. 14. Apelação improvida.” (TRF 3ª R. – AC 0000673-74.2005.4.03.6118/SP – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Carlos Muta – DJe 27.11.2015)

Remissão Editorial SÍnTESEVide DPU nº 53 Set-Out/2013, ementa nº 2376.

Destaque Editorial SÍnTESEEm seu voto, o Relator citou os seguintes precedentes:

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO .................................................................................................................171

“[...] A questão ora em discussão já foi objeto de reiteradas decisões nas Cortes Regionais, in verbis:

‘DIREITO ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEL – INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS – SÓCIOS-ADMINIS-TRADORES – LEGITIMIDADE PASSIVA – FATOS INCONTROVERSOS E RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO FORNECEDOR – PRODUÇÃO DE PROVAS – DESNECESSIDADE – VALOR DA RE-PARAÇÃO – HONORÁRIOS – 1. A sentença, em ação civil pública, acolheu pedido do MPF e da ANP em face de sociedade empresária de posto de combustíveis, declarada revel, e dois sócios, para condená-los solidariamente a publicar editais, no mínimo em três jornais de grande circula-ção do Município, um resumo da demanda e convocação dos consumidores lesados a comprovar os prejuízos pela aquisição de combustível adulterado com solvente, em liquidação de sentença, bem como a pagar R$ 80 mil ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, por danos morais cole-tivos, mais honorários advocatícios de 10% sobre o valor da condenação. 2. Os fornecedores, no caso, os administradores do posto revendedor de combustíveis na data da fiscalização, são partes passivas legítimas na ação de ressarcimento de danos, constatada a adulteração do produto, a teor dos arts. 12 a 18 do CDC. 3. A solidariedade entre os sócios cedentes e cessio-nários do fundo de comércio não obriga o credor a demandar contra todos. Não fosse o bastante, trata-se de matéria preclusa, decidida por acórdão desta Turma no AI 2011.02.01.005547-7, com trânsito em julgado em 30.11.2011. 4. Não há cerceamento de defesa quando o juízo indefere a produção de provas em razão de matéria fática incontroversa e da responsabilidade objetiva dos fornecedores, na forma dos arts. 12, 18 e 23 do CDC. 5. A exposição à venda de combustível adulterado é prática abusiva que viola a boa-fé do consumidor, e a destruição do combustível interditado, antes da autorização pela ANP, infringe o art. 1º da Portaria DNC nº 7, de 25.03.1993 e a Lei nº 9.847/1999, art. 3º, XIV. 6. A mera alegação de serem os apelantes aposentados e sem mais desempenhar atividades empresariais não justifica, por si só, a dimi-nuição do quantum dos danos morais coletivos e a verba honorária, mas sopesando todas as circunstâncias do caso concreto, à luz do princípio da proporcionalidade, reduzo a indenização pelos danos morais coletivos em favor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, fixada em R$ 80 mil, para R$ 50 mil. 7. A isenção das custas e honorários na ação civil pública é benefício da parte autora, exceto o Ministério Público, que não exerce advocacia, sendo curial também a redução dos honorários, na hipótese, para R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), exclu-sivamente a favor da ANP. Inteligência dos arts. 17 a 19 da Lei nº 7.347/1985. 8. Apelação parcialmente provida.’ (AC 201051010033443, Desª Fed. Nizete Lobato Carmo, TRF 2ª R., 6ª T.Esp., e-DJF2R Data: 29.04.2013)

‘APELAÇÃO CÍVEL – DIREITO ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DANO MORAL CO-LETIVO – ADULTERAÇÃO DE COMBUSTÍVEL – HONORÁRIOS – PARCIAL PROVIMENTO – 1. Cuida-se de apelação interposta pelo réu em face de sentença proferida em sede de ação civil pública movida pelo MPF, objetivando a condenação da empresa ré a ressarcir os consumidores que tenham abastecido veículos em seu estabelecimento durante determinado período, em razão de prejuízos causados pela comercialização de combustível em desconformidade com as impo-sições da ANP, bem como ao pagamento, a título de dano moral coletivo, ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. 2. O réu não pode se eximir da responsabilidade que lhe foi imputada, uma vez que comercializou o combustível em desconformidade com as exigências técnicas e legais. Tendo agido desta forma, incorreu em responsabilidade objetiva, consagrada para as relações regidas pelo Código de Defesa do Consumidor. In casu, pelo dano causado aos consumidores, houve configuração de responsabilidade pelo vício do produto e pelo fato do produto, conforme os arts. 12 e 18 do referido diploma legal. 3. A responsabilidade, conforme dispõe o CDC e o art. 18 da Lei nº 9.847/1999, é solidária, o que não impede o autor de acionar apenas um dos obrigados para fins de satisfação da integralidade da dívida. 4. A medida que viabiliza o ressarcimento de tais danos materiais (publicação em jornais de grande circulação), por sua vez, é necessária, devendo ser mantida também a sentença neste ponto. É que caberá aos lesados a liquidação e execução do presente acórdão, devendo, para isso, serem convocados. 5. Os danos morais coletivos são cabíveis, uma vez que houve violação do dever de confiança no mer-cado, e no dever de boa-fé objetiva, o que afetou diretamente os consumidores, causando-lhes dano efetivo, e não mero aborrecimento. A comprovação do dano moral coletivo se dá apenas pela demonstração de sua efetiva ocorrência, uma vez que este tipo de dano existe in re ipsa. 6. Considero excessivo o valor arbitrado pelo juízo de primeiro grau a título de honorários advoca-tícios (R$ 10.000,00 – dez mil reais), a ser revertido em favor do Fundo de Defesa dos Direitos

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Difusos. Apesar da menção ao art. 20, § 4º, do CPC, a sentença não fez qualquer justificativa para arbitrar honorários em 50% (cinquenta por cento) sobre o valor da condenação. Sendo assim, condeno o réu em honorários de 20% (vinte por cento) sobre o valor da condenação, nos termos do art. 20, § 3º e alíneas, do CPC. 7. Também é razoável o valor fixado a título de honorários advocatícios, a serem revertidos em prol do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos. Os honorários são perfeitamente cabíveis em razão da aplicação subsidiária do art. 20, § 4º, do Có-digo de Processo Civil. 8. Apelação parcialmente provida.’ (AC 200751010283862, Des. Fed. Guilherme Calmon Nogueira da Gama, TRF 2ª R., 6ª T.Esp., e-DJF2R Data: 03.04.2013.) [...]”

3210 – Concurso público – vigência – contratação temporária – provisioriedade – desca-racterização

“Constitucional e administrativo. Mandado de segurança. Certame vigente. Necessidade temporária de excepcional interesse público. Provisoriedade descaracterizada. Contratação precária configurada. Candidato aprovado dentro do número de vagas. Mera expectativa de direito que se convola em direito subjetivo à nomeação. 1. Durante a vigência do respectivo certame, é defeso ao Poder Público contratar, à revelia do previsto no inc. IX do art. 37 da CF/1988, para cargo de provimento efetivo. 2. Descaracterizada, porém, a provisoriedade do vínculo firmado pela Administração, o candidato aprovado dentro do número de vagas e que logrou provar contratação precária, convola o que seria mera expectativa em direito subje-tivo à nomeação. Precedentes do STJ. 2. Segurança concedida à unanimidade.” (TJPI – MS 2013.0001.006736-8 – TP – Rel. Des. Raimundo Nonato da Costa Alencar – DJe 18.12.2015)

3211 – Ensino – Enem – aprovação – idade inferior a 18 anos – diretrizes básicas da edu-cação – observância

“Apelação cível. Constitucional e administrativo. Educação. Aprovação no Exame Nacional de Ensino – Enem. Ingresso no ensino superior. Idade inferior a 18 anos. Diretrizes básicas da educação. Observância. Princípios da legalidade, proporcionalidade e razoabilidade. Fases do ensino médio. Mitigação. Excepcionalidade máxima. Teoria do fato consumado. Inapli-cabilidade. 1. A aprovação de alunos em idade inferior a 18 (dezoito) anos, sem conclusão do ensino médio, no Exame Nacional de Ensino (Enem) deve ser analisado em consonância com os regramentos que permeiam a Educação no Estado Brasileiro, sem contudo malferir os princípios da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade. 2. O direito à educação descrito na Constituição Federal de 1988, vem ratificado nas diretrizes básicas de educação nacional, fixadas na Lei Federal nº 9.394, de 1996, e cuja premissa maior é o pleno desenvolvimento do educando, ou seja, o processo educacional deve propiciar ao aluno condições de ensino que desenvolvam sua formação intelectual e o preparo para o ensino superior. 3. O Estado possibilita que alunos de 04 a 17 anos realizem o ciclo afeito à vida escolar – compreenden-do a fase pré-escolar, o ensino fundamental e a conclusão do ensino médio, este último com duração de três anos, e a partir de então, o aluno está apto à realização do exame nacional do ensino médio (Enem), e à disputa pelo ingresso no ensino superior através do Sisu. 4. A excepcionalidade cinge-se na possibilidade de alunos em idade superior a 18 anos, e que porventura não tenha na idade escorreita finalizado as fases do ensino médio, a chance de realização do Enem, para obtenção do certificado do ensino médio, e que não pode ser usa-do como subterfúgio a burlar a regra geral. 5. A aplicabilidade da Teoria do Fato Consuma-do, à luz do entendimento perfilhado, no âmbito dos Tribunais Superiores, somente cabível quando consolidada a situação fática com base em decisão judicial, a fim de resguardar o princípio da segurança e estabilidade nas relações sociais. 6. No caso, o aluno, ora apelado, encontra-se matriculado no 2º ano do ensino médio e tem idade inferior a 18 anos, portanto,

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não preenche os requisitos legais nem se enquadra nas situações excepcionais que viabili-zariam a matrícula em curso de nível superior (matrícula no 3º ano do ensino médio e/ou teoria do fato consumado). 7. Recursos providos.” (TJAC – Ap 0600019-79.2015.8.01.0081 – (2.653) – 2ª C.Cív. – Rel. Des. Roberto Barros – DJe 15.12.2015)

3212 – Militar – curso de habilitação – seleção interna – número de cargos – aumento – legislação superveniente – impossibilidade

“Administrativo. Processo civil. Apelação. Seleção interna para a admissão ao curso de habi-litação de oficiais policiais militares de administração (Edital nº 02/2009 – PMDF/CHOAEM). Lei nº 12.086/2009. Aumento. Número de cargos. Legislação superveniente. Impossibili-dade. Recurso desprovido. 1. As condições e disposições editalícias constituem lei entre as partes (princípios da legalidade e da vinculação ao edital), uma vez que regulam o concurso seletivo, sendo de obediência obrigatória tanto por parte da Administração Pública quanto dos candidatos. Em sendo assim, emoldurado o edital e iniciado o processo seletivo, as al-terações legislativas que ocorrerem posteriormente a sua publicação não poderão atingi-lo, sob pena de ofensa ao ato jurídico perfeito. 2. No caso dos autos, indicando o instrumento convocatório (Edital nº 02/2009 – PMDF/CHOAEM) o quantitativo de vagas na Seleção Inter-na para a Admissão ao Curso de Habilitação de Oficiais Policiais Militares de Administração, ulterior regulamentação legislativa (Lei nº 12.086, de 6 de novembro de 2009) não tem o condão de alterá-lo automaticamente. 3. Somente em caso de nova publicação do edital do certame seria possível falar em modificação dos ditames inicialmente estabelecidos, para fins de adaptação ao preceito normativo superveniente, particularidade esta que não alcançou o número máximo de vagas criadas, o que é plenamente possível dada a necessidade de organização administrativa para tanto. 4. O policial militar que postula promoção à gra-duação superior, deve ingressar no quadro de acesso preenchendo todos requisitos legais, inclusive, participação em curso de formação, cuja aprovação não garante a promoção, pois deve classificar-se no limite de vagas existentes. 5. Recurso não provido.” (TJDFT – PADM 20130111681395 – (911779) – 2ª T.Cív. – Relª Desª Leila Arlanch – DJe 16.12.2015)

3213 – Poder de polícia – auto de infração – esposa do infrator – penalidade – impossibi-lidade

“Administrativo. Anulação de auto de infração. Ibama. Apreensão de lagosta na época do defeso. Penalidade imposta à esposa do infrator. Impossibilidade. 1. Caso em que se pretende a anulação de auto de infração decorrente de apreensão pelo Ibama de 68 Kg de lagosta du-rante à época do defeso, encontrada na residência da autora, sob alegação de que o produto não pertenceria à mesma, mas a seu esposo, pois ela seria apenas estudante e ele o pescador. 2. Sendo certo que a autoria da infração não recai sobre a postulante, mas sobre terceiro, ainda que cônjuge, não pode a primeira ser responsabilizada pelo o ato ilícito, sofrer a autua-ção e a imputação da respectiva penalidade, concernente ao pagamento de multa, devendo, neste caso, ser reconhecida a ilegitimidade passiva da postulante na Execução Fiscal relativa à cobrança daquela última, com a consequente desconstituição do título executivo. 3. Não há se falar em condenação ao pagamento de honorários advocatícios, por força do enuncia-do da Súmula nº 421, do STJ, segundo a qual ‘os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual perten-ça’ (STJ, Súmula nº 421, 03.03.2010, DJe 11.03.2010). 4. Apelação parcialmente provida.” (TRF 5ª R. – AC 0005619-32.2012.4.05.8400 – (557762/RN) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima – DJe 07.12.2015)

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Comentário Editorial SÍnTESEA apelação em tela foi interposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente – Ibama contra sen-tença que julgou procedente o pedido da autora reconhecendo a ilegitimidade da mesma para figurar no pólo passivo da Execução Fiscal, já que a apreensão de 68 Kg de lagosta durante à época do defeso não pertencia a ela, mas a seu esposo.

Em suas razões, a apelante afirmou que a autora, ora apelada, além de seu marido, também teria responsabilidade na infração ambiental já que teria obrigação de saber da origem ilegal do produto que se encontrava na sua residência, principalmente porque o seu cônjuge já havia sido autuado decorrente de pesca ilegal anterior.

Ressaltou, ainda, que o sistema de proteção ambiental possibilitou a ampla responsabilização de todos aqueles que concorrem para a prática dos danos ambientais, podendo ser, portanto, qualquer um dos coautores responder solidariamente pelo ilícito.

Finalmente, caso seja mantida a sentença, requer a exclusão da condenação em honorários advocatícios, considerando que a apelada está representada pela Defensoria Pública, conforme preceitua a Súmula nº 421 do STJ, in verbis, e precedentes da mesma Corte.

“421 – Os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença.”

A 2ª Turma do TRF 5ª Região, ao analisar o recurso, entendeu que deve ser reconhecida a ilegi-timidade passiva da apelada e o título executivo deve ser desconstituído. Quanto aos honorários, acolheu o pedido do apelante.

Selecionamos os seguintes julgados sobre a nulidade do auto de infração quando recebido por terceiro, que não o autor da infração:

‘ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – IBAMA – VEÍCULO UTILIZADO NA INFRAÇÃO – PROPRIE-DADE DE TERCEIRO QUE O CONDUZIA – AUTO DE INFRAÇÃO INSUBSISTENTE – 1. Demons-trado que o autor não cometeu a infração ambiental descrita no Auto de Infração nº 214581/D – Visto que alienara o veículo utilizado na prática do ato infracional a terceiro, que o conduzia quando da imposição da penalidade –, correta a sentença que declarou a nulidade da autuação. 2. Remessa oficial improvida.’ (TRF 1ª R. – RN 2000.40.00.000858-9/PI – Rel. Juiz Fed. David Wilson de Abreu Pardo – DJe 18.05.2011 – p. 315) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 107000093065. Acesso em: 09.12.2015)

“ADMINISTRATIVO – AUTO DE INFRAÇÃO – AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE VISTORIA – NOTIFICAÇÃO RECEBIDA POR TERCEIRO – 1. APELAÇÃO EM FACE DE SENTENÇA QUE JULGOU PROCEDENTE O PEDIDO PARA DECLARAR A NULIDADE DO AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO PELO CREA/RJ – 2. O Apelante não logrou comprovar tenha efetivamente levado a efeito a referida vistoria destinada a apurar a suposta reincidência. Não obstante, convém observar que o saneamento da irregularidade apontada pelo CREA-RJ, no auto de Infração nº 94301894, somente ocorrera em 10.12.1997, data em que o recorrido encaminhou à au-tarquia Anotação de Responsabilidade Técnica subscrita por arquiteto. 3. A imposição de nova penalidade não poderia dispensar a observância das garantias constitucionais do devido pro-cesso legal, do contraditório e da ampla defesa. E, nesse particular, impende observar que a notificação do recorrido, conquanto encaminhada ao endereço constante da inicial, foi recebida por terceiro, o que torna imperfeita a oportunização de sua defesa. 4. Apelação a que se nega provimento.” (TRF 2ª R. – AC 2003.51.01.023851-6 – 8ª T. Esp. – Rel. Des. Fed. Raldênio Bonifacio Costa – DJe 14.09.2010 – p. 317) (Disponível em online.sintese.com, sob o nº 108000034027. Acesso em: 09.12.2015)

3214 – Políticas públicas – Programa ‘Morar Bem’ – renda familiar inferior a 12 salários mínimos – exigência

“Administrativo. Programa ‘Morar Bem’. Exigência de renda familiar inferior a doze (12) salários mínimos. Renda bruta. Exclusão do recorrente. Critério objetivo. 1. A convocação para habilitação para recebimento de moradia no Programa ‘Morar Bem’ configura mera expectativa de direito e não direito adquirido, haja vista se tratar de uma das fases do proce-dimento, o qual visa à aquisição do imóvel. 2. A legislação de regência estabelece critérios

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tanto para habilitação quanto de classificação, que serão analisados pelo ente público, con-forme as normas regulamentares do programa. 3. Para participar de programa habitacional de interesse social, o interessado deve comprovar que não tem renda bruta superior a 12 (doze) salários mínimos (Lei Distrital nº 3.877/2006, art. 4º, caput, inc. V). 4. Não satisfeitos os requisitos, não é assegurado ao candidato participar do Programa ‘Morar Bem’. 5. Não cabe ao Poder Judiciário revisar os atos administrativos ou políticas públicas já existentes, exceto diante de ilegalidade, ou abuso, sob pena de ferir o princípio da separação dos pode-res, constitucionalmente estabelecido. 6. Recurso conhecido e desprovido.” (TJDFT – PADM 20120110940567 – (909403) – 6ª T.Cív. – Rel. Des. Carlos Rodrigues – DJe 07.12.2015)

3215 – Servidor público – licença remunerada – mestrado – conveniência e oportunidade – negativa – ilegalidade – ausência

“Mandado de segurança. Direito administrativo. Concessão de licença remunerada para fre-quência em mestrado. Ato discricionário. Conveniência e oportunidade. Ausência de ilega-lidade. Segurança denegada. I – A concessão de licença remunerada para os fins frequência em Mestrado encontra previsão em mais de um instrumento normativo Estadual, cabendo o destaque para o que preveem a Lei Complementar nº 46/1994, que institui o Estatuto dos Servidores Públicos Estaduais e também a Lei Complementar nº 115/1998, que institui o Estatuto do Magistério Público Estadual. II – ‘A concessão de licença para capacitação de servidores públicos, ato discricionário, sujeita-se ao juízo do Administrador acerca da conve- niência e oportunidade, tendo em vista o interesse público’ (AgRg-REsp 1258688/SC, Rel. Min. Benedito Gonçalves, 1ª T., J. 03.03.2015, DJe 11.03.2015). III – A negativa da Administração Pública encontra-se baseada no Decreto Estadual nº 3755-R, de 02.01.2015, que estabelece diretrizes e providências para a contenção de gastos do Poder Público no exercício de 2015, fundamento que tenho como absolutamente razoável e que certamente não está a ensejar qualquer espécie de abuso, desproporcionalidade ou desvio de finalidade, enfim, qualquer ilegalidade manifesta por parte do Administrador, passível de ser retificada no presente writ. IV – Segurança denegada.” (TJES – MS 0007940-95.2015.8.08.0000 – Rel. Jorge Henrique Valle dos Santos – DJe 09.12.2015)

Remissão Editorial SÍnTESEVide, DPU nº 54 Nov-Dez/2013, ementa nº 2418 no mesmo sentido.

Ambiental

3216 – Ação civil pública – fauna – formalização de acordo – DNIT e DER/SP – respon-sabilidade – possibilidade

“Processual civil. Direito ambiental. Fauna. Ação civil pública. Audiência de conciliação. Formalização de acordo. Possibilidade. Assunção de obrigações pelos DNIT e DER/SP no sentido de evitar atropelamento de animais silvestres entre os quilômetros 72 e 75 da Ro-dovia Fernão Dias. Homologado posterior com resolução do mérito. Ilegitimidade passiva dos réus. Não configurada. Não cumprimento do acordo por parte do DER/SP. Alegação de inexequibilidade das obrigações. Não subsistente. Perda de objeto da ação. Inocorrência. Transmutação de liminar em sentença homologatória. Cabimento. Ofensa ao pacto fede-rativo. Não ocorrência. 1. Válido e eficaz o acordo ajustado na audiência de conciliação, porque agiliza a tomada de providências nessa área sensível que é a ambiental, notadamente

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no caso em que animais silvestres são atropelados ao cruzar a Rodovia Fernão Dias nos quilômetros 72 a 75, por ausência de alambrados e passarelas para a fauna. 2. O DNIT e o DER/SP são partes legítimas e solidárias para figurar no polo passivo da ação, mormente quando o primeiro concedeu a execução da duplicação da rodovia à autarquia estadual e ficou, por imposição legal, com a responsabilidade fiscalizatória. 3. O fato de a autoestrada ter sido concedida, em maio de 2008, à empresa privada não exime o DER/SP e o DNIT do cumprimento do ajustado em 2003, porque ambos têm o dever constitucional e legal de proteger o meio ambiente e preservar as florestas, fauna e flora, que é uma tarefa comum a todos os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). 4. As obrigações assumidas pelo DER/SP resumem-se a estudos ambientais, os quais não sofreram qualquer limitação com a concessão da rodovia. Quanto ao acréscimo do alambrado de dois para três metros, as providências devem ser tomadas pelos réus junto à concessionária, se é que já não tenha sido objeto da concessão, dado que o problema já era evidente em 2003 e a assunção da rodovia pela empresa privada deu-se em 2008. 5. Não há que se falar em invali-dade do processo, na medida em que a autarquia estadual esteve devidamente representada na audiência e o acordo foi firmado pela Procuradora estadual, pelo Superintendente do DER/SP e demais participantes, com a concordância do autor da ação. A Emenda Constitu-cional Estadual nº 19/2004, que determina a submissão do teor do acordo à avaliação do Procurador-Geral do Estado, é inaplicável ao caso, porquanto promulgada após a data da audiência de conciliação. 6. A suposição do recorrente de que a expedição da licença pos-terior (de operação) revalida a anterior (de instalação), mesmo que houvesse vícios ou irregu-laridades, não encontra suporte na legislação ambiental, de modo que não há esvaziamento da ação. 7. A homologação do acordo, ainda que tempo depois de firmado, nada mais fez do que por fim a uma ação que, com a inquestionável concordância das partes, nenhum outro conflito de interesse restava nos autos. Se as partes deliberaram livremente sobre o acordo, inexiste transgressão aos princípios do contraditório e da ampla defesa. 8. Se todo o objeto da pretensão do autor foi obtido com a assunção unilateral de obrigações pelos réus, não há que se falar em renúncia ou indisponibilidade do objeto pelo Parquet. 9. Também não incor-reu o Magistrado em violação à preclusão pro judicato, na medida em que, constatado que o acordo firmado havia exaurido a pretensão resistida, reconheceu, por sentença, os termos ajustados entre as partes, já que desnecessária qualquer nova manifestação judicial. 10. A Carta Magna e a legislação ambiental atribuem aos quatro entes da federação competência comum para que possam exercer sem qualquer relação de hierarquia, mediante uma relação de cooperação, a proteção do meio ambiente e a preservação das florestas, fauna e flora, de modo que não há respaldo para a alegação de afronta ao pacto federativo. 11. Matéria preliminar rejeitada e agravos retidos e apelações não providos. 12. Deve ser retificada a au-tuação para excluir os indicados como réus e sucedido, à vista do desmembramento da ação de improbidade administrativa, determinado pelo juízo a quo.” (TRF 3ª R. – AC 0029546-46.2002.4.03.6100 – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Andre Nabarrete – DJe 09.09.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEPassamos a comentar o acórdão que trata da proteção à fauna na Rodovia Fernão Dias.Consta dos autos, que o Ministério Público Federal interveio e requereu providências relacio-nadas ao cercamento de trechos da Fernão Dias entre os quilômetros 72 e 75 para proteger a fauna local.O objetivo da ação era de condenar os órgãos a desenvolver estudos ambientais necessários e a pagar um programa de monitoramento da onça-parda, espécie ameaçada de extinção, pelo período de cinco anos. Com base nas alegações, os dirigentes do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes) e do DER/SP (Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo) foram acusados também de improbidade administrativa.Foi realizada audiência de conciliação em 27 de fevereiro de 2003 e firmado acordo entre as partes. A ação de improbidade administrativa em razão do acordado entre as partes.

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O DER/SP havia assumido as obrigações de complementar o alambrado entre os quilômetros 72 e 75 da rodovia para três metros, com dispensa judicial de licitação, já que o cercamento de dois metros de altura, previsto anteriormente, já estava em fase adiantada de construção. Consta que o órgão havia se comprometido a apresentar orçamento do custo de passarelas para a travessia segura de animais na pista, um plano de proteção à fauna com estrutura de resgate de animais feridos e uma proposta de estudo de impacto em relação aos ecossistemas naturais.Com base no acordo, o DNIT deveria fazer quatro placas de sinalização, duas na ida e duas na volta, com os dizeres: “Cuidado, travessia de animais”.Já o MPF havia se comprometido a apresentar as especificações técnicas para que o DER pro-videnciasse o orçamento do custo da obra. Após isso, o Juízo decidiria e providenciaria meios e mecanismos jurídicos para implantar a obra.Entendendo que teria ocorrido consenso entre as partes, o juiz de primeiro grau homologou o acordo e extinguiu o feito com resolução do mérito, mesmo assim, o DNIT e o DER/SP recor-reram da sentença, alegando que atualmente a Rodovia Fernão Dias é explorada por empresa privada concessionária de serviço público, a quem cabe arcar com o passivo ambiental, e que não seriam mais partes legítimas do processo.Ao analisar os recursos, o relator do processo, não acolheu as alegações dos réus. Explicou em sua decisão, que há dois impactos principais na relação entre a rodovia e a fauna silvestre: a perda de espécies por atropelamento e a real possibilidade de risco à segurança do usuário.Vale trazer trecho do voto do relator:“Por qualquer ângulo que se examine a questão, sobressai a responsabilidade solidária entre os réus. O DER/SP como executor das obras e o DNIT por ineficiência na fiscalização no cumpri-mento do acordado são causadores direta e indiretamente pelos danos ambientais. A omissão do órgão federal foi flagrante, mormente quando deixou de tomar providências protetivas aos animais silvestres, ainda que soubesse que não havia passagem segura para eles nas áreas em que a rodovia cruza seu habitat natural.”[...]“A Constituição Federal estatui que a proteção do meio ambiente e a preservação das florestas, fauna e flora são uma tarefa que compete a todos os entes da Federação, que é de natureza comum. Essa competência é distribuída à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para que possam exercê-la sem qualquer relação de hierarquia entre eles mediante uma relação de cooperação.”O relator também discordou da alegação do DER/SP de que a realização de obras na rodovia federal às custas do erário estadual afrontaria o pacto federativo. Ele explicou que a execução do convênio com o governo federal previa contrapartida financeira. Além disso, ressaltou que o DER/SP teve cinco anos para cumprir as obrigações assumidas na audiência de conciliação, em fevereiro de 2003, e somente após a entrega da rodovia à iniciativa privada, em maio de 2008, em desrespeito ao que ele próprio se comprometera, pediu a sua dispensa da incumbência.Ao contrário do que afirma a autarquia, não se pode falar em afronta ao pacto federativo quan-do é o próprio que atribui competência aos quatro entes da federação para proteger o meio ambiente.O Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou provimento aos recursos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT, anteriormente denominado DNER) e Departa-mento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo (DER/SP) e confirmou que os órgãos devem cumprir providências de proteção à fauna na Rodovia Fernão Dias.

3217 – Acidente ambiental – contaminação – solo e águas subterrâneas – Súmula nº 83/STJ – aplicabilidade

“Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Ação de indenização. Dano pessoal. Ofensa aos arts. 165, 458, II, e 535, I e II, do CPC. Improcedência da arguição. Acidente am-biental. Contaminação do solo e das águas subterrâneas. Doença grave. Prazo prescricional. Termo a quo. Ciência inequívoca dos efeitos danosos à saúde. Súmula nº 83/STJ. Agravo desprovido. 1. Improcede a arguição de ofensa aos arts. 165, 458, II, e 535, I e II, do CPC quando o Tribunal de origem se pronuncia, de forma motivada e suficiente, sobre as ques-

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tões relevantes e necessárias ao deslinde do litígio. 2. O termo a quo do prazo prescricional para a propositura da ação de indenização por dano pessoal em razão do desenvolvimento de doença grave decorrente de contaminação do solo e das águas subterrâneas é a data da ciência inequívoca dos efeitos danosos à saúde, e não a do acidente ambiental. 3. ‘Não se conhece do recurso especial pela divergência, quando a orientação do Tribunal se firmou no mesmo sentido da decisão recorrida’ – Súmula nº 83/STJ. 4. Decisão agravada mantida por seus próprios fundamentos. 5. Agravo regimental desprovido.” (STJ – AgRg-REsp 1.461.305 – (2011/0224950-0) – 3ª T. – Rel. Min. João Otávio de Noronha – DJe 13.10.2015)

Remissão Editorial SÍnTESE Vide DPU nº 66 Nov-Dez/2015, ementa nº 3170 no mesmo sentido.

3218 – Área de preservação permanente – atividades agressoras – edificações – demoli-ção – possibilidade

“Ambiental e processual civil. Ação civil pública. Área de preservação permanente (Rio Grande). Suspensão de atividades agressoras ao meio ambiente. Princípios da reparação in-tegral e do poluidor-pagador. Cumulação de obrigação de fazer (reparação da área degrada-da e demolição de edificações), de não fazer (inibição de qualquer ação antrópica sem o regular licenciamento ambiental). Possibilidade. I – ‘Na ótica vigilante da Suprema Corte, “a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambien-te’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral [...] O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos inter-nacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevan-tes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguar-dado em favor das presentes e futuras gerações” (ADI-MC 3540/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJU de 03.02.2006). Nesta visão de uma sociedade sustentável e global, baseada no respei-to pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura de paz, com responsabilidades pela grande comunidade da vida, numa perspectiva intergera-cional, promulgou-se a Carta Ambiental da França (02.03.2005), estabelecendo que ‘o futuro e a própria existência da humanidade são indissociáveis de seu meio natural e, por isso, o meio ambiente é considerado um patrimônio comum dos seres humanos, devendo sua pre-servação ser buscada, sob o mesmo título que os demais interesses fundamentais da nação, pois a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das socie-dades estão sendo afetados por certas modalidades de produção e consumo e pela explora-ção excessiva dos recursos naturais, a se exigir das autoridades públicas a aplicação do princípio da precaução nos limites de suas atribuições, em busca de um desenvolvimento durável. A tutela constitucional, que impõe ao Poder Público e a toda coletividade o dever de defender e preservar, para as presentes e futuras gerações, o meio ambiente ecologica-

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mente equilibrado, essencial à sadia qualidade de vida, como direito difuso e fundamental, feito bem de uso comum do povo (CF, art. 225, caput), já instrumentaliza, em seus comandos normativos, o princípio da precaução (quando houver dúvida sobre o potencial deletério de uma determinada ação sobre o ambiente, toma-se a decisão mais conservadora, evitando-se a ação) e a consequente prevenção (pois uma vez que se possa prever que uma certa ativida-de possa ser danosa, ela deve ser evitada), exigindo-se, assim, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambien-te, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (CF, art. 225, § 1º, IV)’ (AC 0002667-39.2006.4.01.3700/MA, Rel. Des. Fed. Souza Prudente, 5ª T., e-DJF1 p. 172 de 12.06.2012). II – Na visão holística da Carta Encíclica Social-Ecológica Laudato Si, do Santo Padre Francisco, datada de 24.05.2015, ‘Toda a intervenção na paisagem urbana ou rural deveria considerar que os diferentes elementos do lugar formam um todo, sentido pelos ha-bitantes como um contexto coerente com a sua riqueza de significados. Assim, os outros deixam de ser estranhos e podemos senti-los como parte de um «nós» que construímos jun-tos. Pela mesma razão, tanto no meio urbano como no rural, convém preservar alguns espa-ços onde se evitem intervenções humanas que os alterem constantemente [...] Neste contex-to, sempre se deve recordar que «a proteção ambiental não pode ser assegurada somente com base no cálculo financeiro de custos e benefícios. O ambiente é um dos bens que os mecanismos de mercado não estão aptos a defender ou a promover adequadamente». Mais uma vez repito que convém evitar uma concepção mágica do mercado, que tende a pensar que os problemas se resolvem apenas com o crescimento dos lucros das empresas ou dos indivíduos. Será realista esperar que quem está obcecado com a maximização dos lucros se detenha a considerar os efeitos ambientais que deixará às próximas gerações? Dentro do es-quema do ganho não há lugar para pensar nos ritmos da natureza, nos seus tempos de degra-dação e regeneração, e na complexidade dos ecossistemas que podem ser gravemente alte-rados pela intervenção humana’. III – Na inteligência jurisprudencial do colendo Superior Tribunal de Justiça, o princípio da proibição do retrocesso ecológico, em defesa do meio ambiente equilibrado autoriza o entendimento de que ‘o novo Código Florestal não pode retroagir para atingir o ato jurídico perfeito, direitos ambientais adquiridos e a coisa julgada, tampouco para reduzir de tal modo e sem as necessárias compensações ambientais o pata-mar de proteção de ecossistemas frágeis ou espécies ameaçadas de extinção, a ponto de transgredir o limite constitucional intocável e intransponível da “incumbência” do Estado de garantir a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais (art. 225, § 1º, I)’ (AgRg-AREsp 327.687/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., Julgado em 15.08.2013, DJe 26.08.2013). IV – Na hipótese dos autos, as edificações descritas nos autos foram erguidas, sem o prévio, regular e competente licenciamento ambiental e a rigorosa observância dos marcos regulatórios da legislação ambiental, no interior de Área de Preservação Permanente (APP Rio Grande), assim definida na legislação e atos normativos de regência, a caracterizar a ocorrência de dano ambiental, impondo-se, assim, além da sua demolição, a adoção de medidas restauradoras da área degradada, bem assim, a inibição da prática de ações antró-picas outras, desprovidas de regular autorização do órgão ambiental competente, apurando--se o quantum indenizatório do dano material ao meio ambiente agredido através de compe-tente prova pericial, na fase de liquidação do julgado, por arbitramento (CPC, arts. 475-C e 475-D). V – Nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação simultânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei nº 7.347/1985, a con-junção ‘ou’ opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ. ‘A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz,

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dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e so-cialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta adminis-trativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável “risco ou custo normal do negócio”. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério’ (REsp 1145083/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 27.09.2011, DJe 04.09.2012). VI – Ordenou--se, ainda, o cumprimento das obrigações de fazer e de não fazer, no prazo de 30 (trinta) dias, sob pena de multa coercitiva, no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), por dia de atra-so, a contar da intimação deste Acórdão mandamental, sem prejuízo das sanções penais previstas no art. 14, inciso V, e respectivo parágrafo único, do CPC vigente. VII – Provimento da apelação do Ministério Público Federal. Sentença reformada.” (TRF 1ª R. – AC-ACPúb 2006.38.05.000160-6/MG – Rel. Des. Fed. Souza Prudente – DJe 20.10.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO acórdão em tela trata de apelação interposta contra sentença nos autos da Ação Civil Pública.

Consta dos autos que a referida ação busca a concessão de tutela jurisdicional, visando à pro-teção ambiental da área de preservação permanente, localizada às margens da represa da Hi-drelétrica de Mascarenhas de Morais, em virtude de edificação de construções e de supressão de vegetação nativa dentro dos limites da referida área. Impôs aos promovidos as seguintes obrigações:

“1. desocupação e recuperação da área de preservação permanente em referência, adotando-se as medidas necessárias a serem indicadas por técnico habilitado do órgão ambiental compe-tente;

2. demolição de qualquer edificação ali existente;

3. apresentação, ao órgão ambiental competente, de projeto de adequação ambiental, iniciando--o em até 180 dias;

4. abstenção de realização de novas construções ou qualquer outra ação antrópica na aludida área;

5. adoção de medidas compensatórias e mitigatórias correspondentes aos danos ambientais que a perícia indicar como irrecuperáveis;

6. pagamento de indenização, correspondente aos danos ambientais causados pela ocupação irregular da APP até o início do projeto de adequação ambiental e de indenização correspon-dente aos danos ambientais que, no curso do processo, mostrarem-se técnica e absolutamente irrecuperáveis na referida área.”

Nas razões recursais o Ministério Público Federal insiste na concessão da tutela jurisdicional postulada, reiterando os fundamentos da inicial:

“a) independentemente de culpa, as pessoas físicas ou jurídicas que, de qualquer modo, degra-darem as florestas e demais formas de vegetação natural de preservação permanente, são res-ponsáveis por recuperar ou reparar os danos causados; b) as áreas no entorno dos reservatórios d’água artificiais constituem áreas de preservação permanente; c) à época de sua implantação, o loteamento Lago Azul foi implantado em zona rural, vez que não dispunha dos requisitos de infraestrutura e densidade demográfica exigidos pela Resolução Conama nº 302/2002 para que a área pudesse ser considerada como urbana consolidada, segundo comprova o Laudo Técnico; d) a Usina Hidrelétrica de Marechal Mascarenhas de Moraes até a presente data não teve seu licenciamento ambiental concluído, motivo pelo qual deve ser considerada como área de pro-teção permanente o máximo previsto em lei; e) as intervenções efetuadas no local não são de interesse social, de utilidade pública ou de baixo impacto ambiental, devendo as construções serem removidas e a área recuperada. Requer, assim, o provimento do recurso de apelação, para que seja reformada a sentença recorrida, a fim de que sejam integralmente acolhidos os pedidos ventilados na petição inicial (fls. 761/775).”

Dessa forma, o nobre Relator em seu voto entendeu:

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“[...]

A referida Resolução Conama nº 04/1985, definiu como ‘Reservas Ecológicas as florestas e demais formas de vegetação natural situadas ao redor das lagoas, lagos ou reservatórios d’água naturais ou artificiais, desde o seu nível mais alto medido horizontalmente, em faixa marginal cuja largura mínima será de 100 (cem) metros para as represas hidrelétricas’ (art. 3º, alínea b, inciso II), afinando-se, assim, com as disposições do art. 2º, alínea b, da Lei nº 4.771/1965 (Código Florestal vigente na época).

Assim posta a questão, em se tratando de represas hidrelétricas, como no caso, a largura mínima da faixa marginal, independentemente da sua localização, será de 100 (cem) metros, e não de 30 (trinta) metros, que deverá ser observada, apenas, em relação às lagoas, lagos ou reservató-rios d’água naturais ou artificiais situados em áreas urbanas.

[...]

Nessa mesma linha de entendimento, confiram-se, dentre outros, o seguinte julgado:

‘ADMINISTRATIVO – AMBIENTAL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – DESMATAMENTO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE (MATA CILIAR) – DANOS CAUSADOS AO MEIO AMBIENTE – BIOMA DO CERRADO – ARTS. 4º, VII, E 14, § 1º, DA LEI Nº 6.938/1981, E ART. 3º DA LEI Nº 7.347/1985 – PRINCÍPIOS DO POLUIDOR-PAGADOR E DA REPARAÇÃO INTEGRAL – RE-DUCTIO AD PRISTINUM STATUM – FUNÇÃO DE PREVENÇÃO ESPECIAL E GERAL DA RES-PONSABILIDADE CIVIL – CUMULAÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER (RESTAURAÇÃO DA ÁREA DEGRADADA) E DE PAGAR QUANTIA CERTA (INDENIZAÇÃO) – POSSIBILIDADE – DANO AM-BIENTAL REMANESCENTE OU REFLEXO – ART. 5º DA LEI DE INTRODUÇÃO ÀS NORMAS DO DIREITO BRASILEIRO – INTERPRETAÇÃO IN DUBIO PRO NATURA

1. Cuidam os autos de Ação Civil Pública proposta com o fito de obter responsabilização por danos ambientais causados por desmatamento de vegetação nativa (Bioma do Cerrado) em Área de Preservação Permanente. O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais considerou provado o dano ambiental e condenou o réu a repará-lo, porém julgou improcedente o pedido indenizatório cumulativo.

2. A legislação de amparo dos sujeitos vulneráveis e dos interesses difusos e coletivos deve ser interpretada da maneira que lhes seja mais favorável e melhor possa viabilizar, no plano da eficá-cia, a prestação jurisdicional e a ratio essendi da norma de fundo e processual. A hermenêutica jurídico-ambiental rege-se pelo princípio in dubio pro natura.

3. A jurisprudência do STJ está firmada no sentido de que, nas demandas ambientais, por força dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum, admite-se a condenação, simul-tânea e cumulativa, em obrigação de fazer, não fazer e indenizar. Assim, na interpretação do art. 3º da Lei nº 7.347/1985, a conjunção “ou” opera com valor aditivo, não introduz alternativa excludente. Precedentes da Primeira e Segunda Turmas do STJ.

4. A recusa de aplicação, ou aplicação truncada, pelo juiz, dos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum arrisca projetar, moral e socialmente, a nociva impressão de que o ilícito ambiental compensa, daí a resposta administrativa e judicial não passar de aceitável e gerenciável “risco ou custo normal do negócio”. Saem debilitados, assim, o caráter dissuasório, a força pedagógica e o objetivo profilático da responsabilidade civil ambiental (= prevenção geral e especial), verdadeiro estímulo para que outros, inspirados no exemplo de impunidade de fato, mesmo que não de direito, do degradador premiado, imitem ou repitam seu comportamento deletério.

5. Se o meio ambiente lesado for imediata e completamente restaurado ao seu estado original (reductio ad pristinum statum), não há falar, como regra, em indenização. Contudo, a possibili-dade técnica e futura de restabelecimento in natura (= juízo prospectivo) nem sempre se mostra suficiente para, no terreno da responsabilidade civil, reverter ou recompor por inteiro as várias dimensões da degradação ambiental causada, mormente quanto ao chamado dano ecológico puro, caracterizado por afligir a Natureza em si mesma, como bem inapropriado ou inapropriá-vel. Por isso, a simples restauração futura – mais ainda se a perder de vista – do recurso ou ele-mento natural prejudicado não exaure os deveres associados aos princípios do poluidor-pagador e da reparação in integrum.

6. A responsabilidade civil, se realmente aspira a adequadamente confrontar o caráter expansivo e difuso do dano ambiental, deve ser compreendida o mais amplamente possível, de modo que a condenação a recuperar a área prejudicada não exclua o dever de indenizar – juízos

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retrospectivo e prospectivo. A cumulação de obrigação de fazer, não fazer e pagar não configura bis in idem, tanto por serem distintos os fundamentos das prestações, como pelo fato de que eventual indenização não advém de lesão em si já restaurada, mas relaciona-se à degradação remanescente ou reflexa.

7. Na vasta e complexa categoria da degradação remanescente ou reflexa, incluem-se tanto a que temporalmente medeia a conduta infesta e o pleno restabelecimento ou recomposição da biota, vale dizer, a privação temporária da fruição do bem de uso comum do povo (= dano interino, intermediário, momentâneo, transitório ou de interregno), quanto o dano residual (= deterioração ambiental irreversível, que subsiste ou perdura, não obstante todos os esforços de restauração) e o dano moral coletivo. Também deve ser restituído ao patrimônio público o proveito econômico do agente com a atividade ou empreendimento degradador, a mais-valia ecológica que indevidamente auferiu (p. ex., madeira ou minério retirados ao arrepio da lei do imóvel degradado ou, ainda, o benefício com o uso ilícito da área para fim agrossilvopastoril, turístico, comercial).

8. Recurso Especial parcialmente provido para reconhecer a possibilidade, em tese, de cumula-ção da indenização pecuniária com as obrigações de fazer voltadas à recomposição in natura do bem lesado, devolvendo-se os autos ao Tribunal de origem para que verifique se, na hipótese, há dano indenizável e fixe eventual quantum debeatur.’

(REsp 1145083/MG, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., Julgado em 27.09.2011, DJe 04.09.2012)

Na hipótese dos autos, o laudo técnico de fls. 196/210, assim como o laudo pericial de fls. 594/610, não deixam dúvidas quanto ao dano ambiental ali existente, devendo, assim, tais danos serem devidamente apurados na fase de liquidação de sentença, por arbitramento judicial (CPC, arts. 475-C e 475-D) e o quantum indenizatório ser cobrado de acordo com a disciplina dos arts. 475-J, §§ 1º, 2º, 3º, 4º e 5º, do aludido diploma processual.

Com estas considerações, dou provimento à apelação para, reformando a sentença monocrática, julgar procedentes os pedidos formulados na inicial, impondo-se aos promovidos as obrigações de fazer a demolição das edificações descritas nos autos, sob a supervisão técnica do Ibama; de apresentar, ao referido órgão ambiental, projeto de recuperação da área degradada, com cro-nograma de recuperação a ser por ele definido, a fim de revitalizar o ecossistema ao seu estado natural; de se abster de realizar novas ocupações, edificações, corte, exploração ou supressão de qualquer tipo de vegetação, de realizar ou permitir que realizem qualquer outra ação antrópica na aludida área de preservação permanente, sem o prévio e competente licenciamento ambien-tal. Condeno, ainda, os promovidos, no pagamento de indenização correspondente aos referidos danos ambientais, na forma acima explicitada.”

Diante do exposto, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento à apelação.

3219 – Área de proteção permanente – edificação – proximidade de leito de rio – prece-dentes

“Direito administrativo. Ambiental. Processual civil. Recurso especial. Ação civil pública. Edificação. Área de proteção permanente. Proximidade do leito do rio. Verificação. Ativida-de. Impacto. Casas de veraneio. Impossibilidade. Alegação. Fato consumado. Matéria am-biental. Inexistência. Aquisição. Direito de poluir. Jurisprudência. STJ. Casos idênticos. Não verificada exceção legal do art. 61-A da Lei nº 12.651/2012. 1. De início, sem êxito a alegada violação do disposto no art. 557 do CPC, pois, inicialmente, a inovação por ele trazida ins-tituiu a possibilidade de, por decisão monocrática, o relator deixar de admitir recurso, entre outras hipóteses, quando manifestamente improcedente ou contrário a Súmula ou a entendi-mento dominante pela jurisprudência do Tribunal de origem. Ademais, a eventual nulidade da decisão monocrática fica superada com a reapreciação do recurso pelo órgão colegiado na via de agravo regimental, conforme precedentes desta Corte. 2. Cuida-se de Ação Civil Pública promovida pelo Ministério Público com o objetivo de condenar o recorrido: (a) a desocupar, demolir e remover as edificações erguidas em área de preservação permanente

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localizada a menos de cem metros do Rio Ivinhema; (b) a abster-se de promover qualquer intervenção ou atividade na área de preservação permanente; (c) a reflorestar toda a área degradada situada nos limites do lote descrito na petição inicial; (d) a pagar indenização por danos ambientais em valor a ser arbitrado pelo juízo. 3. Constatou-se nos autos que houve a realização de edificações (casas de veraneio), inclusive com estradas de acesso, dentro de uma Área de Preservação Permanente, assim como a supressão quase total da vegetação local. Constatado tal fato, deve-se proceder, nos termos da sentença, às medidas necessárias para restabelecer à referida área. 4. As exceções legais a esse entendimento encontram-se previstas nos arts. 61-A a 65 do Código Florestal, nas quais decerto não se insere a preten-são de manutenção de casas de veraneio. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.497.322 – (2014/0300174-8) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 09.10.2015)

3220 – Crime ambiental – art. 40 da Lei nº 9.605/1998 – concessão sursis – configuração

“Penal. Processual penal. Crime ambiental. Art. 40 da Lei nº 9.605/1998. Concessão sursis processual. Posterior constatação da existência de outro processo penal. Não alteração do quadro fático-processual no período de suspensão. Revogação. Impossibilidade. 1. Dispõe o art. 89, caput, da Lei nº 9.099/1995, que somente será deferida a suspensão condicional do processo nos crimes cuja pena mínima cominada for igual ou inferior a 01 (um) ano e desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime. O § 3º do referido dispositivo estatui, ainda, que deverá ser revogado o benefício se, no curso do período de suspensão, o beneficiário vier a ser processado por outro crime. 2. Não obstante a decisão de homologação da proposta de sursis processual não estar abran-gida pelos efeitos da coisa julgada material, fato é que houve o seu deferimento e cumpri-mento parcial das condições impostas, de modo que a existência de processo penal anterior à concessão do benefício, e somente descoberto no curso da medida, não permite a sua revogação, porquanto não houve mudança do quadro fático-processual durante o período de suspensão. Precedente do STJ. 3. Recurso parcialmente provido.” (TRF 1ª R. – RSE 0002345-77.2015.4.01.3902/PA – Rel. Des. Fed. Mário César Ribeiro – DJe 13.11.2015)

Transcrição Editorial SÍnTESELei nº 9.605/1998:

“Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto nº 99.274, de 06 de junho de 1990, independentemente de sua localização:

Pena: reclusão, de um a cinco anos”.

3221 – Dano ambiental – acidente no transporte de óleo diesel – imposição de multa ao proprietário – impossibilidade

“Administrativo e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Vio-lação ao art. 535 do CPC. Inocorrência. Dano ambiental. Acidente no transporte de óleo diesel. Imposição de multa ao proprietário da carga. Impossibilidade. Terceiro. Responsabi-lidade subjetiva. I – A Corte de origem apreciou todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia de modo integral e adequado, apenas não adotando a tese vertida pela parte ora Agravante. Inexistência de omissão. II – A responsabilidade civil ambiental é objetiva; porém, tratando-se de responsabilidade administrativa ambiental, o terceiro, proprietário da carga, por não ser o efetivo causador do dano ambiental, responde subjetivamente pela degradação ambiental causada pelo transportador. III – Agravo regimental provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 62.584 – (2011/0240437-3) – 1ª T. – Rel. Min. Sérgio Kukina – DJe 07.10.2015)

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3222 – Dano ambiental – construção de hidrelétricas – pescador profissional – perícia – necessidade

“Agravo regimental no recurso especial. Ação de indenização. Usina hidrelétrica. Constru-ção. Pescador. Sentença. Ilegitimidade ativa. Apelação. Provimento. Perícia. Deferimento. Embargos de declaração. Acórdão recorrido. Art. 535, II, do CPC. Negativa de prestação jurisdicional. Ocorrência. Omissão constatada. Questão prejudicial. Legitimidade ativa dos autores. Agravo regimental provido. 1. A agravante sustentou, nos aclaratórios opostos ao acórdão recorrido, que a questão da legitimidade ativa dos autores (condição de pescador profissional) deveria ser analisada previamente ao exame da necessidade de perícia do dano ambiental, decorrente da construção de usinas hidrelétricas, em razão de sua prejudicialida-de. No entanto, essa questão não foi apreciada pelo Tribunal a quo, que manteve a neces-sidade de perícia sem se pronunciar sobre a legitimidade ativa dos autores, ficando caracte-rizada ofensa ao art. 535, II, do CPC. 2. Agravo regimental provido para dar provimento ao recurso especial.” (STJ – AgRg-REsp 1.375.914 – (2013/0110214-2) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 08.10.2015)

Constitucional

3223 – Direito fundamental – dignidade da pessoa humana e moradia – programa “lar solidário” – “bolsa-aluguel” – necessidade

“Apelação. Obrigação de fazer. Alojamento em ginásio de esporte. Ofensa à dignidade da pessoa humana e direito fundamental à moradia. Programa ‘lar solidário’. Aplicação por ana-logia. Bolsa-aluguel. Não atende à dignidade da pessoa humana ou ao direito fundamental à moradia, o alojamento, por tempo indeterminado, do agravado, junto com demais pessoas, em ginásio de esporte, em razão da desocupação da área, até então por eles habitada. 2. À guisa do cumprimento da Constituição Federal, deve o ente municipal contribuir com ‘bolsa--aluguel’ àqueles que encontram-se em situação de vulnerabilidade e risco social, em razão de necessidade de adaptações de moradia, aplicando, ainda que por analogia, a Lei Munici-pal nº 5.990/2011, naquilo que não confrontar com a Carta Constitucional. 3. Não se mitiga um direito fundamental por simples exigência administrativa, qual seja, o cadastro prévio no programa, como prevê o art. 4º, VII, da citada Lei. Recurso conhecido, mas desprovido.” (TJGO – AC 201393799264 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Norival Santome – DJe 19.10.2015)

3224 – Direito fundamental – direitos sociais – lei estadual – supressão indevida – incons-titucionalidade

“Constitucional e administrativo. Serviço auxiliar voluntário da polícia militar. Inconstitucio-nalidade da Lei nº 11.064/2002. Reconhecimento. Direitos sociais previstos na Constituição Federal. 1. Inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 11.064/2002 reconhecida, entre outros motivos, por supressão indevida de direitos sociais. 2. Pretensão ao reconhecimento do di-reito a férias acrescidas do terço constitucional, décimo terceiro salário e adicional de insa-lubridade no período em que prestou serviço auxiliar voluntário na Polícia Militar do Estado. Regime jurídico sui generis. Garantia apenas dos direitos assegurados no art. 39, § 3º, da CF. Pretensão julgada improcedente. Sentença reformada. Recurso provido, em parte.” (TJSP – Ap 0003236-10.2014.8.26.0344 – 9ª CDPúb. – Rel. Décio Notarangeli – DJe 26.10.2015)

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3225 – Educação – criança e adolescente – creche pública – matrícula – reserva do pos-sível – inaplicabilidade

“Direito constitucional. Criança e adolescente. Obrigação de fazer. Matrícula em creche pública próxima à residência. Educação infantil. Direito social fundamental. Prevalência. Re-serva do possível. Inaplicabilidade. Mínimo existencial. Princípio da dignidade da pessoa hu-mana. Ausência de violação do princípio da isonomia. Decisão reformada. 1. Reexaminando a matéria em discussão, considerando o dever do Estado em garantir o acesso de todos à edu-cação, infantil e básica, e a notória desídia do Distrito Federal na efetivação desse encargo, considerando ainda o entendimento que vem prevalecendo no âmbito das Cortes Superiores, revendo meu posicionamento acerca do tema, impõe-se sobrelevar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana em ponderação das demais prerrogativas constitucionais envolvidas, a fim de determinar a matrícula, no ensino infantil, de todos os infantes que deles necessitarem, mormente, quando sequer há demonstração da existência de um planejamento satisfatório para fins de atendimento das correspondentes demandas, de modo em tempo razoável, tam-pouco se apresenta justificativa apta a mitigar a omissão do ente estatal a respeito. 2. É cediço que o Estado tem o dever de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso de crianças a creches e a unidades pré-escolares, por imposição contida nos arts. 205, 206 e 208, IV, da Constituição Federal; no art. 54, IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente e no art. 11, V, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação. 3. Consoante precedentes do STJ e do STF, não cabe ao Poder Judiciário se escusar de determinar a matrícula de criança em creche ou em unidade pré-escolar, fazendo preponderar pois o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, preceito basilar da Carta Magna. 4. Segundo a excelsa Corte Constitucional, a efe-tivação do direito ao aprendizado não se insere em avaliação de caráter discricionário feita pela Administração Pública. A força vinculante da norma constitucional mostra-se limitadora à discricionariedade político-administrativa, por meio de juízo de conveniência e oportuni-dade. 5. Também pelo que extrai dos posicionamentos das Cortes Superiores, não há de se falar em violação ao Princípio da Isonomia, em suposto detrimento da coletividade, uma vez que em casos dessa extirpe, considerando a natureza prestacional do direito à educação, ponderando as normas em confronto, deve imperar a garantia constitucional de acesso da criança à educação, a qual não pode ser obstada, nem mesmo por razões orçamentárias, em ordem ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. 6. Dessa forma, justifica-se a determi-nação judicial liminar para que o Distrito Federal proceda à imediata matrícula da criança em questão, em creche pública ou conveniada próxima a residência dele, a fim de evitar-lhe ainda mais prejuízo, devendo ser garantido a ele o pleno acesso à educação infantil segundo a faixa etária que ostenta, situação a informar que a irresignação do agravante merece guari-da. 7. Agravo de instrumento conhecido e provido. Decisão reformada.” (TJDFT – DirConst. 20150020207979 – (906540) – 1ª T.Cív. – Rel. Des. Alfeu Machado – DJe 27.11.2015)

3226 – Mandado de segurança – concessão – rodovias – lei municipal – isenção do pedá-gio – inconstitucionalidade

“Administrativo. Mandado de segurança. Lei de efeitos concretos. Contrato de concessão. Art. 175 da Constituição Federal. Rodovias. Lei municipal. Isenção do pedágio. Incompetên-cia legislativa. Princípio da separação dos poderes. Inconstitucionalidade incidenter tantum. Arts. 480 e 481 do CPC. Reserva de plenário. Remessa ao órgão especial. 1. Trata-se de Mandado de Segurança que visa à declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.057/2013, do Município da Paraíba do Sul/RJ, que concedeu a isenção da tarifa de pedágio a todos os seus moradores sem, contudo, prever a fonte de custeio correspondente.

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2. O diploma legal guerreado produz efeitos concretos em relação ao suposto direito lí-quido e certo da Impetrante de exercer plenamente a exploração da atividade econômica concedida pelo Poder Público, tendo, inclusive, reflexos diretos no contrato de concessão firmado com a União. 3. A Lei de efeitos concretos já nasce ferindo direito subjetivo, assim o Mandado de Segurança é via adequada para a recomposição deste direito. 4. Os contratos de permissão ou concessão são firmados sob a égide das Leis nºs 8.987/1995 e 9.074/1995 e têm sua fundamentação legal no art. 175 da Constituição Federal, norma de eficácia limita-da. Trata-se de diplomas legais que visam dar cumprimento a regra constitucional, possuindo caráter geral e vinculando todos os Entes Federativos, razão pela qual não podem ter suas disposições contrariadas por Leis Estaduais ou Municipais. 5. A Constituição Federal, ao tratar da competência legislativa concorrente, em seu art. 24, § 4º, é clara que os Estados e Municípios só podem legislar em conformidade com os parâmetros traçados pela Lei Federal. Assim, é estremes de dúvidas que o Município de Paraíba do Sul extrapolou a sua compe-tência legislativa, uma vez que, ao isentar a cobrança de pedágio, interferiu diretamente a Impetrante e a União. 6. O Poder Municipal não dispõe de competência para criar situações que atinjam o contrato de concessão de serviço público federal, pois se assim agisse estaria adentrando na esfera do Poder Executivo, ferindo, dessa forma, o Princípio da Separação dos Poderes. 7. Reconhecida, incidenter tantum, em primeiro exame, a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.057/2013, do Município da Paraíba do Sul/RJ, por violar o disposto nos arts. 175 e 24, § 4º da Constituição Federal, ficando, assim, a Remessa Necessária sobrestada de apreciação, eis que a tese de inconstitucionalidade será submetida ao Órgão Especial deste Tribunal, nos termos dos arts. 480 e 481 do CPC e art. 97 da CF, assim como à luz da Súmula Vinculante nº 10 do STF.” (TRF 2ª R. – REO 0124292-61.2014.4.02.5113 – 8ª T.Esp. – Rel. Guilherme Diefenthaeler – DJe 17.11.2015)

3227 – Servidor público – auxílio-reclusão – período de graça – extensão – exegese

“Apelação cível. Direito constitucional. Direito administrativo. Auxílio-reclusão. Inconstitu-cionalidade. Parte final do art. 229, inciso II, da Lei nº 8.112/1990. Não verificada. Adven-to da Emenda Constitucional nº 20/1998. Restrição do benefício. Seletividade. Família de servidor de baixa renda. Parâmetro. Remuneração do servidor. Entendimento sufragado em sede de repercussão geral. Extensão do período segurado (período da graça). Incidência do art. 13, §§ 1º e 2º, do Decreto nº 3.048/1999. Não cabimento. Manutenção da sentença. 1. O auxílio-reclusão é um benefício que consiste na obrigação de o Estado pagar determi-nada quantia aos familiares de servidor preso, tendo por escopo a manutenção dos fami-liares durante o período em que o servidor se encontra impedido de trabalhar, em virtude da constrição de sua liberdade. 2. Consoante disposto no art. 229, II, da Lei nº 8.112/1990, o direito ao auxílio-reclusão fica afastado no caso de perda do cargo público derivada de condenação criminal, motivo pelo qual o fundamento da suposta inconstitucionalidade da dita regra não merece sequer análise quando a perda do cargo não decorreu de condenação criminal, e sim em razão de processo administrativo disciplinar. 3. A Emenda Constitucional nº 20/1998 envidou caminhos de restrição do benefício do auxílio-reclusão com base no critério da seletividade, conforme autoriza o art. 194, III, da CF, para identificar aqueles que efetivamente necessitam do auxílio. Com efeito, a referida Emenda impôs limitação expressa, em seu art. 13, em relação aos beneficiários do auxílio-reclusão, o qual passou a se destinar apenas à família do servidor de baixa renda. 4. A jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça, bem como do Supremo Tribunal Federal, em repercussão geral, sedimentou-se no sentido de que o auxílio-reclusão é devido apenas à família do servidor de baixa renda,

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considerando-se como parâmetro a remuneração do servidor, e não a dos seus dependentes (STJ: AgRg-REsp 831.251/RS, 6ª T., DJe 23.05.2011; STF: RE 587365, Tribunal Pleno, Reper-cussão Geral; Mérito. DJe-084 Divulg. 07.05.2009). 5. O pleito de extensão do período da graça, previsto no art. 13, §§ 1º e 2º, do Decreto nº 3.048/1999, aos servidores civis regidos por regime próprio de previdência social imprescinde da observância do disposto no art. 13 da Emenda Constitucional nº 20/1998. Verificado que o segurado não pode ser enquadrado como servidor de baixa renda, é imperativa a conclusão de que não há direito à extensão do período segurado na hipótese de perda do cargo (período da graça). 6. Apelação cível conhecida e não provida.” (TJDFT – AC 20130111677136 – (902834) – 1ª T.Cív. – Relª Desª Simone Lucindo – DJe 11.11.2015)

Transcrição Editorial SÍnTESE• Lei nº 8.112/1990:

“Art. 229. À família do servidor ativo é devido o auxílio-reclusão, nos seguintes valores:

[...]

II – metade da remuneração, durante o afastamento, em virtude de condenação, por sentença definitiva, a pena que não determine a perda de cargo. [...]”

• Decreto nº 3.048/1999:

“Art. 13. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II – até doze meses após a cessação de benefício por incapacidade ou após a cessação das con-tribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela previdência social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

III – até doze meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;

IV – até doze meses após o livramento, o segurado detido ou recluso;

V – até três meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar; e

VI – até seis meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.

§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até vinte e quatro meses, se o segurado já tiver pago mais de cento e vinte contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

§ 2º O prazo do inciso II ou do § 1º será acrescido de doze meses para o segurado desemprega-do, desde que comprovada essa situação por registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e Emprego. [...]”

Penal/Processo Penal

3228 – Ação penal – quadrilha – venda de “raspadinha da sorte” – exploração de jogos de azar – justiça federal – incompetência

“Conflito negativo de competência. Ação penal. Quadrilha dedicada à venda de supostos títulos de capitalização denominados ‘raspadinha da sorte’. Conduta que se amolda mais à exploração de jogos de azar do que a de crime contra o sistema financeiro. Incompetência da Justiça Federal. Súmula nº 38/STJ. 1. A colocação à venda de títulos de capitalização denomi-nados ‘raspadinha da sorte’ pela importância de R$ 1,00 (um real) a unidade, com a possibi-lidade de o comprador ser sorteado com vários prêmios (como casa, geladeiras, caminhões e outros) mais se assemelha a uma espécie de loteria do que a um título de capitalização. Isso

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porque, embora o título de capitalização também ofereça a possibilidade de o comprador concorrer a sorteios ao longo do tempo em que o capital por ele investido fica imobilizado, ao final de determinado prazo, mesmo não tendo sido contemplado em nenhum sorteio, o investidor recebe de volta o valor do título, no mínimo, com correção monetária. Já nas diversas espécies de loteria, está-se diante de um título de crédito (geralmente ao portador) que habilita alguém a concorrer a um prêmio mediante jogo ou aposta. Não há promessa de repetição do valor inicialmente investido e o resultado é sabidamente incerto (aleatório). 2. Assim sendo, a despeito da denominação dada à ‘raspadinha da sorte’, ela não correspon-de a um título de capitalização e, por consequência, não haveria delito enquadrável na Lei nº 7.492/1986 (crimes contra o sistema financeiro) a justificar a competência da Justiça Fede-ral para o julgamento da ação penal. 3. Muito embora haja um interesse nítido da União na persecução penal dos que exploram jogos de azar sem a devida autorização e fiscalização dos órgãos federais competentes, a própria Constituição Federal, em seu art. 109, IV, ex-cluiu da competência da Justiça Federal o julgamento das contravenções penais, ainda que praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesse da União, o que foi reforçado pelo Enunciado nº 38 da Súmula desta Corte. 4. A possibilidade de surgimento de evidências, ao longo da instrução probatória, que apontem na direção de outros delitos, demonstra não ser possível firmar peremptoriamente a competência definitiva para julgamento da presente ação penal. Isso não obstante, deve-se ter em conta que a definição do Juízo competente em tais hipóteses se dá em razão dos indícios coletados até então, o que revela a competência da Justiça Estadual. 5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 5ª Vara Penal da Comarca de Marabá/PA, o suscitado.” (STJ – CC 137.509 – (2014/0328575-3) – 3ª S. – Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca – DJe 16.09.2015 – p. 618)

3229 – Crime contra o sistema financeiro – gestão fraudulenta – evasão de divisas – ale-gação

“Penal e processo penal. Recurso especial. Crimes contra o sistema financeiro nacional. Gestão fraudulenta e evasão de divisas. Ofensa aos arts. 1º do CP, e 8º, § 2º, f, da convenção americana de direitos humanos. Dispositivos não analisados. Afronta ao art. 157, caput, e § 1º, do CPP. Alegação de provas colhidas em desconformidade com o acordo de assistência judiciária em matéria penal entre Brasil e Estados Unidos (MLAT). Tese jurídica não aprecia-da. Ausência de prequestionamento. Súmulas nºs 211/STJ, 282/STF e 356/STF. Negativa de vigência aos arts. 400, § 1º, e 402, ambos do CPP. Pedido de diligências complementares. Indeferimento devidamente fundamentado pelo magistrado. Vilipêndio ao art. 383, caput, do CPP. Emendatio libelli. Exercício do prévio contraditório. Desnecessidade. Acórdão em con-formidade com a jurisprudência desta corte. Súmula nº 83/STJ. Malferimento aos arts. 41 e 564, caput, e IV, ambos do CPP. Inépcia da denúncia. Sentença condenatória. Preclusão. Descrição suficiente dos fatos. Pecha não existente. Contrariedade aos arts. 564, I, 567 e 573, § 1º, todos do CPP. Incompetência territorial do juízo. Nulidade relativa. Atos ratificados pelo juízo competente. Prejuízo não comprovado. Violação aos arts. 10, IX, g, e 38, caput, e II, ambos da Lei nº 8.625/1993, e 395, I, do CPP. Dispositivos de lei que não amparam a preten-são recursal. Violência ao art. 17 da LINDB. Ausência de razões jurídicas da vulneração. Violação ao art. 4º, caput, da Lei nº 7.492/1986. Bis in idem. Tese jurídica. Razões dissociadas do acórdão recorrido. Apelo especial com fundamentação deficiente. Súmula nº 284/STF. Inobservância aos arts. 157, caput, e § 1º, 222, § 3º, e 792, todos do CPP. Ofensa reflexa. Inadmissibilidade. Atos normativos secundários. Via eleita inadequada. Oitiva de testemu-nha. Videoconferência. Nulidade. Não ocorrência. Negativa de vigência aos arts. 4º, caput,

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e 22, caput, ambos da Lei nº 7.492/1986. Tipicidade. Reexame fático e probatório. Impossi-bilidade. Súmula nº 7/STJ. Ferimento ao art. 59 do CP. Dosimetria da pena. Primeira fase. Valoração negativa das consequências do crime. Altas cifras movimentadas. Fundamentação idônea. Mentira das rés na delegacia. Direito de não auto-incriminação. Fundamentação inidônea. Pena-base reduzida. Infringência ao art. 71 do CP. Ocorrência. Crime de gestão fraudulenta. Crime habitual impróprio. Impossibilidade de reconhecimento da continuidade delitiva. Delito de evasão de divisas. Fração de aumento. Número de infrações praticadas. Continuidade delitiva afastada. Recurso especial a que se dá parcial provimento. 1. Para que se configure o prequestionamento, há que se extrair do acórdão recorrido pronunciamento sobre as teses jurídicas em torno dos dispositivos legais tidos como violados, a fim de que se possa, na instância especial, abrir discussão sobre determinada questão de direito, definindo--se, por conseguinte, a correta interpretação da legislação federal (AgRg-AREsp 454.427/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4ª T., DJe 19.02.2015). 2. Nos termos da jurisprudência deste Sodalício Superior, ‘o deferimento de diligências é ato que se inclui na esfera de discriciona-riedade regrada do juiz natural do processo, com opção de indeferi-las, motivadamente, quando julgar que são protelatórias ou desnecessárias e sem pertinência com a sua instrução’ (RMS 31.577/SP, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu (Des. Conv. do TJ/RJ), 5ª T., DJe 18.05.2011). 3. Nos moldes do entendimento sufragado no âmbito deste STJ, cuidando-se de hipótese de emendatio libelli, e não de mutatio libelli, mostra-se despicienda a abertura de vista à defesa para prévio contraditório, tendo em conta que o réu se defende dos fatos, e não da capitulação jurídica descrita na inicial acusatória. 4. ‘O pleito de reconhecimento da inépcia da denúncia, quando já há, como no caso concreto, sentença condenatória, confir-mada por acórdão de apelação, abrigado pelo pálio da coisa julgada, é descabido, pois im-possível analisar mera higidez formal da acusação se o próprio intento condenatório já foi acolhido e confirmado em grau de recurso’ (HC 206.519/RJ, Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª T., DJe 18.11.2013). 5. Não é inepta a denúncia que narra a ocorrência de crimes em tese, bem como descreve as suas circunstâncias e indica os respectivos tipos pe-nais, viabilizando, assim, o exercício do contraditório e da ampla defesa, nos moldes do previsto no art. 41 do Código de Processo Penal. 6. Esta Corte tem afirmado que ‘a compe-tência territorial é, segundo entendimento jurisprudencial consagrado, relativa e prorrogável, podendo os atos cometidos por juiz relativamente incompetente, em razão de território, se-rem ratificados pelo juízo competente sem prejuízo para as partes’ (RHC 1.971/RJ, Rel. Min. Pedro Acioli, 6ª T., DJ 13.10.1992). 7. Incide a Súmula nº 284 do STF nos pontos em que a deficiência da fundamentação recursal inviabiliza a exata compreensão da controvérsia. 8. É inviável o recurso especial quando a verificação da ofensa à lei federal demandar prévio exame de normas locais, tendo em vista que a ofensa à legislação federal deve ocorrer de forma direta, e não reflexa. 9. A jurisprudência desta Corte entende que os atos normativos secundários e outras disposições administrativas não estão inseridos no conceito de lei fede-ral, que enseja o aviamento de recurso especial pela alínea a do art. 105 da Constituição Federal. 10. Ainda que este Tribunal Superior tenha entendimento pacífico quanto a ser nulo o interrogatório do réu realizado por videoconferência, antes da regulamentação conferida pela Lei nº 11.900/2009, não é menos certo que referido raciocínio não se aplica à oitiva de testemunha, desde que na audiência tenha comparecido o defensor do acusado, e ao réu não tenha sobrevindo qualquer prejuízo. 11. ‘As conclusões da Corte de origem no que pertine à tipificação das condutas delituosas imputadas aos acusados, quando escoradas no conjunto probatório carreado aos autos, não são passíveis de revisão em sede de recurso especial, por ser, consoante Orientação Jurisprudencial sumulada desta Corte, inadmissível o apelo nobre manejado com propósito de simples reexame das provas e fatos’ (REsp 1183134/SP, Rel. Min.

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Vasco Della Giustina (Des. Conv. do TJ/RS), Rel. p/ Ac. Min. Gilson Dipp, 6ª T., DJe 29.06.2012). 12. Ainda que a movimentação financeira seja elementar do delito de evasão de divisas (art. 22 da Lei nº 7.492/1986), o grande vulto das cifras enviadas, que in casu ul-trapassa o montante de um bilhão de dólares, constitui elemento concreto que extrapola as consequências naturais do delito, e justifica validamente o aumento da pena em sua primei-ra fase, a título de consequências do injusto. 13. Da análise do art. 4º da Lei nº 7.492/1986, constata-se que o prejuízo decorrente da gestão fraudulenta não é elementar do tipo penal, além do que ‘tendo o réu sido condenado pela prática de crime formal, verificado o seu exaurimento pela ocorrência do resultado, tal fato pode ser utilizado como fundamento idô-neo para exasperar a pena-base na apreciação das consequências do delito’ (HC 41.466/MG, Rel. Min. Gilson Dipp, 5ª T., DJ 10.10.2005). 14. ‘O comportamento do réu durante o pro-cesso na tentativa de defender-se não pode ser levado em consideração para o efeito de au-mento da pena, sendo certo, também, que o réu não esta obrigado a dizer a verdade (art. 5º, LXIII, da Constituição)’ (STF, HC 72815, Relator(a): Min. Moreira Alves, 1ª T., DJ 06.10.1995). 15. É incabível o reconhecimento da ficção jurídica da continuidade delitiva no crime de gestão fraudulenta, sendo uniforme a jurisprudência desta Corte no sentido de que, tratando--se de crime habitual impróprio, uma só ação basta para configurar o delito de gestão frau-dulenta (AgRg-REsp 1398829/SC, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª T., DJe 25.03.2015). Assim, a sequência de atos de gestão fraudulenta praticados já integra o próprio tipo penal, de manei-ra que não se pode falar na ocorrência de crime continuado. 16. Esta Corte de Justiça sedi-mentou sua jurisprudência no entendimento de que na fixação do quantum de aumento de pena pela continuidade delitiva, o critério fundamental é o número de infrações praticadas. 17. Recurso especial parcialmente provido.” (STJ – REsp 1.520.203 – (2014/0146759-2) – 6ª T. – Relª Min. Maria Thereza de Assis Moura – DJe 01.10.2015)

3230 – Crime contra os serviços de telecomunicações – desenvolvimento clandestino de atividade – princípio da insignificância – não incidência

“Habeas corpus. Penal. Desenvolvimento clandestino de atividade de telecomunicação. Art. 183 da Lei nº 9.472/1997. Princípio da insignificância. Não incidência. Desclassificação para crime do art. 70 da Lei nº 4.117/1962. Inviabilidade. Conduta habitual. 1. Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, para se caracterizar hipótese de aplicação do denominado ‘princípio da insignificância’ e, assim, afastar a recriminação penal, é indispen-sável que a conduta do agente seja marcada por ofensividade mínima ao bem jurídico tutela-do, reduzido grau de reprovabilidade, inexpressividade da lesão e nenhuma periculosidade social. 2. Nesse sentido, a aferição da insignificância como requisito negativo da tipicidade envolve um juízo de tipicidade conglobante, muito mais abrangente que a simples expressão do resultado da conduta. Importa investigar o desvalor da ação criminosa em seu sentido amplo, de modo a impedir que, a pretexto da insignificância apenas do resultado material, acabe desvirtuado o objetivo a que visou o legislador quando formulou a tipificação legal. Assim, há de se considerar que ‘a insignificância só pode surgir à luz da finalidade geral que dá sentido à ordem normativa’ (Zaffaroni), levando em conta também que o próprio legislador já considerou hipóteses de irrelevância penal, por ele erigidas, não para excluir a tipicidade, mas para mitigar a pena ou a persecução penal. 3. O crime de exploração clan-destina de atividade de telecomunicação é formal (= não exige resultado naturalístico), cuja consumação se dá com o mero desenvolvimento clandestino da atividade. Havendo dano a terceiro, a parte final do preceito secundário do art. 183 da Lei nº 9.472/1997 estabelece um aumento de metade da pena. Justamente por não ser elementar do tipo penal, a configuração

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desse crime não tem como pressuposto a ocorrência de prejuízo econômico, objetivamente quantificável, mas a proteção de um bem difuso, que corresponde ao potencial risco de lesão ao regular funcionamento do sistema de telecomunicações. Doutrina. 4. Comprovado que o paciente colocou em funcionamento rádio comunitária, de forma irregular, (a) com equipamentos de potência superior ao permitido para entidades exploradoras do serviço de radiodifusão comunitária, (b) capaz de interferir em outras atividades de telecomunicações e (c) além de já haver sido anteriormente surpreendido por fiscais da Anatel praticando a mes-ma conduta, não há espaço para a incidência do denominado princípio da insignificância, pois ausente os requisitos da inexpressividade da lesão jurídica e da mínima ofensividade da conduta. Precedentes. 5. Ambas as Turmas desta já decidiram que ‘a conduta tipificada no art. 70 do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações diferencia-se daquela prevista no art. 183 da nova Lei de Telecomunicações por força do requisito da Lei nº 9.472/1997, HC 120602, 1ª T., DJe de 18.03.2014). Assim, ante a patente habitualidade descrita na denún-cia, improcede o pleito desclassificatório. 6. Ordem denegada.” (STF – HC 128.567 – Minas Gerais – 2ª T. – Rel. Min. Teori Zavascki – J. 08.09.2015)

3231 – Crime de peculato-furto – funcionário da CEF – materialidade e autoria – compro-vação

“Penal. Peculato furto. Funcionário da Caixa Econômica Federal. Recursos de clientes da instituição. Materialidade e autoria comprovadas. Recurso desprovido. Correções de ofício na sentença. 1. O réu se defende de fatos e não da definição ou capitulação jurídica que lhes é atribuída. Jurisprudência pacífica do C. STJ. Pode o Magistrado, sem alterar a descrição fá-tica contida na denúncia, dar definição jurídica diversa aos fatos ali narrados, inclusive para reconhecer a ocorrência de continuidade delitiva, como no caso concreto. Interpretação do art. 383 do Código de Processo Penal. Preliminar de nulidade rejeitada. 2. Constatada a ocorrência de erro material no dispositivo da sentença. A sentença se referiu em toda a fundamentação à prática, pelo réu, do crime previsto no art. 312, § 1º, do Código Penal. Da mesma forma, a dosimetria e a penal final foram balizadas pelas penas abstratamente previstas no art. 312, § 1º, do Código Penal. No entanto, o dispositivo faz menção isolada ao art. 312, ‘§ 2º’, do Código Penal, cuja incidência nunca se discutiu no feito. Evidente erro de redação. Erro material constatado e corrigido, sem prejuízo ao réu. 3. Autoria e materialidade comprovados. Conjunto probatório coeso. Farto acervo documental. Confissão extrajudicial e judicial do réu. Apuração administrativa da CEF. 4. Dosimetria. 4.1 Pena base mantida no mínimo legal. 4.2 Reconhecida a incidência da atenuante consistente na confissão espon-tânea do réu (Código Penal, art. 65, III, d). Incidência sem efeitos concretos na dosimetria da pena, visto que a redução da pena implicaria estabelecimento da pena provisória aquém do mínimo legal na segunda fase da dosimetria, o que não é permitido pelo ordenamento. Entendimento jurisprudencial cristalizado no Enunciado nº 231 da Súmula do STJ. 4.3 Inexis-tentes causas de aumento ou de diminuição. Reconhecida a continuidade delitiva. Sentença mantida também nesse ponto. Majoração em linha com a orientação do STJ. 5. Substituição da pena privativa de liberdade por penas restritivas de direitos mantida. Alteração exclusi-vamente quanto ao critério de estabelecimento da prestação pecuniária cominada ao réu. Sentença que fixou o valor em números absolutos, e não em salários mínimos, como coman-da o Código Penal (art. 45, § 1º). Prestação pecuniária alterada de ofício, para um salário mínimo vigente no ano de 2015. Sentença mantida em todos os demais pontos, inclusive quanto à pena restritiva de prestação de serviços à comunidade.” (TRF 3ª R. – ACr 0000104-41.2013.4.03.6135 (2013.61.35.000104 9) – Rel. Des. Fed. José Lunardelli – J. 22.09.2015)

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192 .............................................................................................................DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – PARTE GERAL – EMENTÁRIO

Comentário Editorial SÍnTESEPassamos a comentar o acórdão que trata da prática do crime previsto no art. 312, § 1º, do Código Penal.

A Décima Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região condenou um funcionário da Caixa Econômica Federal pelo crime de peculato-furto.

Consta dos autos que ele foi acusado de transferir valores da conta de clientes para a sua própria conta bancária. Os valores foram restituídos pelo banco, que se responsabilizou por reparar os prejuízos dos clientes lesados.

A defesa alegou que o réu teria agido em estado de necessidade, pressionado por um suposto agiota, de nome “Tubarão”, cuja existência não foi sequer provada.

Na decisão, os desembargadores destacaram que os relatórios de transações efetuadas na agên-cia da Caixa localizada em São Sebastião (SP), local onde o réu trabalhava, comprovam a exis-tência de cinco transações ocorridas entre contas de clientes e a do acusado.

Em todas essas transações, o acusado o funcionário responsável pelas transferências. Dois dos clientes que tiveram suas contas fraudadas exigiram o estorno assim que constataram a reali-zação das operações. Isso foi comprovado ao longo de apuração administrativa realizada pelo banco. A instituição ressarciu os clientes, arcando com o prejuízo.

O tribunal fixou a pena definitiva em dois anos e oito meses de reclusão e treze dias-multa.

Para cumprimento de pena o regime inicial fixado foi o aberto. A pena privativa de liberdade foi substituída por penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunida-de e prestação pecuniária no valor de um salário mínimo vigente no ano de 2015.

Vale trazer trecho do voto do relator:

“Na segunda fase da dosimetria, constato, assim como feito pelo e. Magistrado sentenciante, a incidência da atenuante consistente na confissão espontânea do réu (Código Penal, art. 65, III, d). No entanto, e pela mesma razão já exposta no decisum recorrido, deixo de aplicar a referida atenuante no estabelecimento da pena provisória, pois a pena já se encontra no mínimo legal. Na segunda fase da dosimetria penal, não permite o ordenamento que a existência de atenuantes enseje estabelecimento da pena aquém do mínimo abstratamente previsto para o tipo, conforme posição jurisprudencial cristalizada no Enunciado nº 231 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça. Adotando tal posicionamento, reconheço a incidência da atenuante consis-tente na confissão genérica do acusado, mas deixo de minorar a pena por esta já se encontrar no mínimo legal.

Não há causas de aumento ou de diminuição no caso concreto. Ocorrente no caso, porém, a figura do crime continuado (Código Penal, art. 71). O crime foi praticado por cinco vezes (uma vez a cada transação bancária feita ilicitamente para retirada de dinheiro de clientes e ingresso dos mesmos recursos na conta do réu), em circunstâncias semelhantes de modo, tempo e lugar, e com o mesmo intuito. As cinco condutas ocorreram, ademais, em lapso temporal total inferior a dois meses (de 26 de janeiro de 2010 a 02 de março de 2010), restando claramente preenchidos os requisitos subjetivos e objetivos para reconhecimento da continuidade delitiva, na forma do art. 71 do Código Penal. Nestes casos, deve a pena provisória ser majorada de um sexto a dois terços, como comanda o mencionado dispositivo.”

O Tribunal Regional Federal da 3ª Região conheceu do recurso de apelação e, no mérito, negou provimento.

3232 – Jogos – casa de bingos – pagamento em cheque – efeitos

“Recurso especial. Civil. Dívida de jogo. Casa de bingos. Funcionamento com amparo em liminares. Pagamento mediante cheque. Distinção entre jogo proibido, legalmente permitido e tolerado. Exigibilidade apenas no caso de jogo legalmente permitido, conforme previsto no art. 815, § 2º do Código Civil. 1. Controvérsia acerca da exigibilidade de vultosa dívida de jogo contraída em Casa de Bingo mediante a emissão de cheques por pessoa diagnosticada com estado patológico de jogadora compulsiva. 2. Incidência do óbice da Súmula nº 284/STF no que tange à alegação de abstração da causa do título de crédito, tendo em vista a ausência

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de indicação do dispositivo de lei federal violado ou objeto de divergência jurisprudencial. 3. ‘As dívidas de jogo ou de aposta não obrigam a pagamento’ (art. 814, caput), sendo que ‘o preceito contido neste artigo tem aplicação, ainda que se trate de jogo não proibido, só se excetuando os jogos e apostas legalmente permitidos’ (art. 814, § 2º, do Código Civil). 4. Distinção entre jogo proibido, tolerado e legalmente permitido, somente sendo exigíveis as dívidas de jogo nessa última hipótese. Doutrina sobre o tema. 5. Caráter precário da liminar que autorizou o funcionamento da casa de bingos, não se equiparando aos jogos legalmente autorizados. 6. Inexigibilidade da obrigação, na espécie, tratando-se de mera obrigação natu-ral. 7. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 1.406.487 – (2013/0318934-0) – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe 13.08.2015 – p. 1891)

3233 – Liberdade provisória – estelionato – condições impostas – descumprimento

“Habeas corpus. Estelionato e estelionato tentado. Liberdade provisória concedida. Descum-primento das condições impostas. Não comparecimento em juízo. Ré que permanece em local incerto e não sabido. Prisão preventiva decretada pelo tribunal. Revogação. Impossi-bilidade. Garantia de aplicação da lei penal. Conveniência da instrução criminal. Ausência de flagrante ilegalidade. Ordem denegada. Esta Corte Superior tem entendimento pacífico de que a custódia cautelar possui natureza excepcional, somente sendo possível sua imposição ou manutenção quando demonstrado, em decisão devidamente motivada, o preenchimento dos pressupostos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal – CPP. In casu, o Ma-gistrado de piso deferiu a liberdade provisória e impôs, sob pena de revogação do benefício, a condição de comparecimento a todos os atos processuais. Todavia, a paciente, ciente do compromisso assumido, ao que parece, evadiu-se do distrito da culpa, não tendo sido possí-vel sua citação pessoal, tampouco por edital. Assim, ante o descumprimento da condição im-posta, verifico estarem presentes elementos concretos a justificar a imposição da segregação antecipada, decretada pelo Tribunal de origem para conveniência a instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal. Ordem denegada.” (STJ – HC 325.545 – (2015/0129090-5) – 6ª T. – Rel. Min. Ericson Maranho – DJe 05.10.2015)

3234 – Peculato – defesa prévia – ex-servidor público – inaplicabilidade

“Processual penal. Recurso em sentido estrito. Peculato. Defesa prévia (art. 514, CPP). Ex--servidor público. Inaplicabilidade. 1. A notificação prévia para resposta escrita, prevista no art. 514 do Código de Processo Penal, não se aplica ao ex-servidor público, pois a sua ratio consiste em evitar que o servidor em atividade seja temerariamente processado, em detrimento do desempenho da sua atividade. 2. A etapa procedimental igualmente não se aplica, mesmo na constância do status funcional, quando a ação penal tem embasamento em inquérito policial, em que restam apurados o delito e sua autoria. 3. Provimento do recurso em sentido estrito.” (TRF 1ª R. – RSE 0003603-54.2012.4.01.3603 – 4ª T. – Rel. Des. Fed. Olindo Menezes – J. 28.07.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEMinistério Público Federal recorreu em sentido estrito de decisão da Vara Única da Subseção Judiciária de Sinop/MT, que decretou a nulidade dos atos processuais, a partir do recebimento da denúncia na Ação Penal nº 6778-27.2010.4.01.3603 ajuizada por suposta prática do crime tipificado no art. 312 do Código Penal, modalidade peculato-apropriação.

Ao decretar a nulidade dos atos processuais a partir do recebimento da denúncia, o Juízo enten-deu que, por se tratar de crime funcional típico e afiançável, impõe-se o procedimento previsto no art. 514 do Código de Processo Penal.

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O art. 514 do Código de Processo Penal, in verbis:

“Nos crimes afiançáveis, estando a denúncia ou queixa em devida forma, o juiz mandará autuá--la e ordenará a notificação do acusado, para responder por escrito, dentro do prazo de 15 (quinze) dias.”

No recurso apresentado ao juízo a quo, o Ministério Público Federal contesta o entendimento aplicado à questão.

O relator observou que o apelante tem razão em suas alegações.

O tribunal entendeu que a defesa preliminar, antes do recebimento da denúncia, atende ao interesse do Estado, sempre afetado quando o crime é praticado por funcionário público. Se o acusado perdeu o status de servidor público, dado o sentido finalístico da lei, desnecessária se faz a referida fase procedimental.

Por esse motivo, considerado que o réu, ora recorrido, foi demitido por justa causa do car-go de atendente comercial II no dia 23.07.2007, data anterior ao oferecimento da denúncia (30.07.2010), e levando em conta os termos do parecer da Procuradoria Regional da República, dou provimento ao recurso em sentido estrito para, desconstituindo a decisão ora atacada, deter-minar o regular processamento do feito.

Por unanimidade, a 4ª Turma do TRF da 1ª Região reformou sentença do Juízo da Vara Única da Subseção Judiciária de Sinop (MT) que decretou a nulidade dos atos processuais, a partir do recebimento da denúncia na ação penal.

Vale trazer julgados neste sentido:

“‘APELAÇÃO CRIMINAL – PECULATO – ART. 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL – CONDENA-ÇÃO – RECURSO – Pretensão de nulidade do processo por inobservância do art. 514 do CPP. Não acolhimento. Aplicação da Súmula nº 330 do STJ. Ausência de demonstração de prejuízo. Preliminar rejeitada. Mérito. Inaplicabilidade da teoria da imputação objetiva. Agente que uti-lizou de seu conhecimento, habilidade e a confiança que lhe foi depositada para promover dolosamente o desvio de dinheiro nos cofres da câmara de vereadores. Pena-base fixada acima do mínimo legal. Impossibilidade de se considerar como desfavorável a circunstância judicial referente a personalidade. Redução da reprimenda. Pedido de redução do percentual aplica-do em decorrência da atenuante da confissão espontânea. Inadmissibilidade. Pena elevada de acordo com a discricionariedade, razoabilidade e proporcionalidade. Ausência de previsão legal do montante a ser reduzido. Livre convencimento do magistrado. Fixação da regime semiaberto para o cumprimento da pena privativa de liberdade. Inaplicabilidade da delação premiada. Não preenchimento dos requisitos legais. Conduta praticada por apenas um agente. Recurso parcial-mente provido.’ (TJPR – ACr 1311863-1 – 2ª C.Crim. – Rel. Des. Laertes Ferreira Gomes – DJe 28.09.2015)

‘HABEAS CORPUS – ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO E CORRUPÇÃO PASSIVA – PACIENTE POLICIAL CIVIL – Nulidade por cerceamento de defesa, não observância dos ritos processuais da Lei de Drogas e do art. 514 do CPP e obtenção de provas por meios ilícitos. Não acolhimento. Adoção do rito ordinário, mais amplo, em homenagem aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório. Não demonstração de prejuízo para a defesa. Provas obti-das por meio de interceptações telefônicas e de busca e apreensão expressamente autorizadas pelo Poder Judiciário durante as investigações conduzidas pelo Gaeco – Grupo de Especial de Atuação no Combate ao Crime Organizado do Ministério Público de São Paulo. Observância dos direitos e garantias fundamentais dos acusados. Não comprovação de quebra ilegal ou indevi-da de sigilo de dados. Ordem denegada.’” (TJSP – HC 2120126-26.2015.8.26.0000 – São Sebastião – 10ª CDCrim. – Rel. Rachid Vaz de Almeida – DJe 31.08.2015)

Processo Civil e Civil

3235 – Ação de interdição – legitimidade ativa – ordem legal – taxativa – não prioritária

“Recurso especial. Civil. Processo civil. Ação de interdição. Legitimidade ativa. Ordem legal. Taxativa. Não prioritária. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência. Prequestiona-

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mento. Ausente. Súmula nº 282/STF. 1. Cinge-se a controvérsia, a saber, se a ordem prevista nos arts. 1.177 do Código de Processo Civil e 1.768 do Código Civil é exclusiva ou prefe-rencial na fixação da legitimidade ativa para a propositura da ação de interdição. 2. A enu-meração dos legitimados é taxativa, mas não preferencial, podendo a ação ser proposta por qualquer um dos indicados, haja vista tratar-se de legitimação concorrente. 3. A interdição pode ser requerida por quem a lei reconhece como parente: ascendentes e descendentes de qualquer grau (art. 1.591 do Código Civil) e parentes em linha colateral até o quarto grau (art. 1.592, CC). 4. A ação visa a curatela, que é imprescindível para a proteção e o amparo do interditando, resguardando a segurança social ameaçada ou perturbada pelos seus atos. 5. A existência de outras demandas judiciais entre as partes por si só não configura conflito de interesses. Tal circunstância certamente será considerada quando e se julgada procedente a interdição for nomeado curador. 6. Recurso especial não provido.” (STJ – REsp 1.346.013 – (2012/0201651-6) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 20.10.2015 – p. 2906)

3236 – Ação de obrigação de fazer – demolição de imóvel – alienação posterior à propo-situra da ação – efeitos subjetivos da coisa julgada inalterados

“Processual civil e ambiental. Matéria devidamente prequestionada. Obrigação de fazer. Demolição de imóvel. Alienação posterior à propositura da ação. Efeitos subjetivos da coisa julgada inalterados. Precedentes. Fato consumado. Matéria ambiental. Inexistência. 1. Cuida-se de ação civil pública na qual a parte ora recorrente foi condenada a demolir casa que edificou em área de preservação permanente correspondente a manguezal e a margem de curso d’água, a remover os escombros daí resultantes e a recuperar a vegetação nativa do local. 2. O imóvel em questão foi alienado. Entretanto, a alienação promovida em momento posterior à propositura da Ação Civil Pública pela empreendedora não tem o condão de al-terar os efeitos subjetivos da coisa julgada, conforme disposto no art. 42, § 3º, do CPC, pois é dever do adquirente revestir-se das cautelas necessárias quanto às demandas existentes sobre o bem litigioso. Em razão do exposto, o não cumprimento da determinação contida no art. 167, I, 21, da Lei nº 6.015/1973, o qual afirma a necessidade de averbação das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias relativas a imóveis não altera a conclusão do pre-sente julgado. 3. Cumpre asseverar que a possibilidade do terceiro ter adquirido o imóvel de boa-fé não é capaz, por si só, de afastar a aplicação do art. 42, § 3º, do CPC; para que fosse afastada, seria necessário que, quando da alienação do imóvel, não houvesse sido interposta a presente ação civil pública. O que não é o caso. 4. Por fim, cumpre esclarecer que, em tema de direito ambiental, não se admite a incidência da teoria do fato consumado. Prece-dentes. Agravo regimental improvido.” (STJ – AgRg-REsp 1.491.027 – (2014/0275509-9) – 2ª T. – Rel. Min. Humberto Martins – DJe 20.10.2015 – p. 2794)

3237 – Ação de prestação de contas – contrato de abertura de crédito em conta-corrente – carência de ação – ausência de interesse de agir

“Processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Ação de prestação de contas. Primeira fase. Contrato de abertura de crédito em conta-corrente. Carência de ação. Ausência de interesse de agir. Decisão mantida. 1. A ação de prestação de contas ‘não se des-tina à revisão de cláusulas contratuais e não prescinde da indicação, na inicial, ao menos de período determinado em relação ao qual busca esclarecimentos o correntista, com a exposi-ção de motivos consistentes, ocorrências duvidosas em sua conta-corrente, que justificam a

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provocação do Poder Judiciário’ (REsp 1.231.027/PR, Relª Min. Maria Isabel Gallotti, 2ª S., Julgado em 12.12.2012, DJe 18.12.2012). 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 694.764 – (2015/0088804-5) – 4ª T. – Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira – DJe 27.10.2015 – p. 901)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão desta relatoria que conheceu do agravo e deu provimento ao recurso especial da instituição financeira para restabelecer a sentença que havia declarado a ausência de interesse do autor no ajuizamento da ação de prestação de contas.

O agravante afirmou ter demonstrado todos os lançamentos questionados na ação, indicando datas e modalidades, de modo que o pedido formulado na inicial não poderia ser considerado genérico.

Sustentou, ainda, não haver interesse em revisar cláusulas contratuais.

No presente caso, o autor sustentou que réu promoveu “débitos de juros acima do permitido e capitalizados; correção monetária cumulada com comissão de permanência; débitos diversos à revelia do cliente, de forma voraz e incessante, desrespeitando normas e desobedecendo a limites, prevalecendo-se da falta de conhecimentos do seu cliente, dando azo à ação em mesa, especialmente para obter o acerto das contas”.

O STJ negou provimento ao recurso.

O relator sustentou que:

“O exame da petição inicial revela, pois, o caráter revisional da ação de prestação de contas.

Além disso, conforme detectado pelo Juízo de primeiro grau, embora o autor ‘aponte lançamen-tos que entende duvidosos, não especifica em que se fundamenta a dúvida’.

Assim, não prosperam as alegações constantes no regimental, devendo ser mantido o desfecho conferido ao processo.”

O ilustre Jurista Humberto Theodoro Júnior define a ação de prestação de contas como veremos:

“Consiste a prestação de contas no relacionamento e na documentação comprobatória de todas as receitas e todas as despesas referentes a uma administração de bens, valores ou interesses de outrem, realizada por força de relação jurídica emergente de lei ou do contrato.

Seu objetivo é liquidar dito relacionamento jurídico existente entre as partes no seu aspecto eco-nômico de tal modo que, afinal, se determine, com exatidão, a existência ou não de um saldo, fixando, no caso positivo, o seu montante com efeito de condenação judicial contra a parte que se qualifica como devedora.

Não se trata, assim, de um simples acertamento aritmético de débito e crédito, já que na forma-ção do balanço econômico discute-se e soluciona-se tudo o que possa determinar a existência do dever de prestar contas como tudo o que possa influir na formação das diversas parcelas e, consequentemente, no saldo final.” (Curso de direito processual civil. Rio de Janeiro: Forense, 2004. p. 85)

3238 – Alimentos – incidência sobre horas extras – acórdão que decidiu além do pedido – incidência sobre terço constitucional de férias

“Agravo regimental em agravo em recurso especial. Alimentos. Incidência sobre horas extras. Acórdão que decidiu além do pedido. Incidência sobre terço constitucional de férias. Juris-prudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça. 1. Se a petição do agravo interposto na origem versa apenas sobre o cálculo da pensão alimentícia sobre as férias e respectivo terço constitucional, a parte do acórdão que excluiu da verba alimentar as parcelas refe-rentes às horas extras decidiu além do pedido. 2. A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp 1.106.654/RJ, submetido ao rito do art. 543-C do Código de Processo Civil, em sessão realizada em 25.11.2009, firmou o entendimento de que incide

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pensão alimentícia sobre o terço constitucional de férias. 3. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 642.022 – (2014/0343089-7) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 20.10.2015 – p. 2879)

Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de agravo regimental interposto contra decisão que conheceu do agravo e deu provimen-to ao recurso especial para excluir da condenação a parte em que tratou da pensão alimentícia incidente sobre horas extras e para declarar que deve o respectivo cálculo incluir, também, as parcelas referentes às férias e respectivo terço constitucional.

Em suas razões, o agravante sustentou, em síntese, que “a base de cálculo deve se dar sobre as verbas habituais, ordinárias, da remuneração do trabalhador e não naquelas que representam indenização de certas rubricas que ficam atreladas a certa retribuição adicional e condicionada a efetiva prestação dos serviços, vale dizer: (a) férias com 1/3 constitucional pelo labor regular e efetivo de um ano de serviço que lhe gera o gozo de descanso; (b) horas extras para indenizar o trabalho além da jornada normal, extenuante às próprias forças físicas do trabalhador agra-vante”.

O STJ negou provimento ao agravo regimental.

Belmiro Pedro Welter, ao discorrer sobre alimentos no novo Código Civil, assevera:

“Dois entendimentos podem ser sustentados quanto à necessidade de alimentos: o primeiro, que se presume a necessidade de alimentos pelo simples ajuizamento da demanda; o segundo, que se deve comprovar, de plano, a necessidade de alimentos, sob pena de indeferimento da peça debutante.

Acolho a primeira ideia, já que a necessidade não pode ser vista sem exame do mérito, motivo pelo qual a presunção é relativa, podendo ser afastada diante da prova produzida na tessitura probatória. Não provada, initio litis, não será o caso de indeferimento da peça inicial, ou adoção de rito ordinário, porque: a uma, a prova da necessidade não é questão preliminar, e sim de mérito; a duas, a lei não exige a comprovação, na petição inicial, mas, sim, apenas a menção da necessidade; a três, esse requisito poderá ser contestado, pelo que a prova será dispensada; a quatro, diz o art. 4º da Lei nº 5.478/1968 que, ‘ao despachar o pedido, o juiz fixará, desde logo, alimentos provisórios a serem pagos pelo devedor, salvo se o credor expressamente declarar que deles não necessita’, pelo que há expressa menção da lei quanto à presunção da necessi-dade dos alimentos, o que somente poderá ser afastada com expressa declaração, em sentido contrário, do necessitado.

[...]

O cônjuge ou convivente culpado receberá apenas os alimentos naturais, ao passo que o ino-cente terá direito aos alimentos civis, que se destinam a suprir as necessidades de alimentação, vestuário, higiene, educação, transporte, habitação, saúde, lazer, enfim, para orquestrar a dig-nidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), mas não devem ser fonte de enriquecimento ou empobrecimento, visto que cada qual deve buscar, através do trabalho, sempre que possível, a complementação de suas necessidades [...].” (Alimentos no Código Civil. São Paulo: IOB--Thomson, 2004. p. 237-238)

A respeito dos alimentos no novo Código Civil, vejamos os ensinamentos de Luiz Felipe Brasil Santos:

“O Código Civil de 2002, entretanto, a partir do art. 1.694, trata dos alimentos devidos entre parentes, cônjuges e companheiros, ficando, com isso, ab-rogada toda a legislação anterior que contém regras de direito material acerca de alimentos (não, é certo, a Lei nº 5.478/1968, que sabidamente é uma lei processual). Logo, revogados estão, no ponto, não apenas o Código de 1916, como também a Lei nº 6.515/1977 (quanto aos alimentos entre cônjuges na separação e divórcio) e a Lei nº 9.278/1996 (quanto aos alimentos entre companheiros, sabido que, no particular, a Lei nº 8.971/1994 já fora revogada pela Lei nº 9.278/1996).

Decorrência disso é que todas as regras contidas agora no Subtítulo III (Dos Alimentos) do atual código inequivocamente incidem na obrigação alimentar qualquer que seja sua origem (paren-tesco, matrimônio ou união estável).”

No tocante à transmissibilidade da obrigação alimentar, o renomado autor dispõe:

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“Importante inovação é o que contém o art. 1.700, que trata da característica da transmissibi-lidade, afirmando que ‘a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do art. do art. 1.694’.

Bastante conhecida a controvérsia doutrinária e jurisprudencial que grassa em torno da interpre-tação dos arts. 402 do Código de 1916, e 23 da Lei nº 6.515/1977, afirmando o primeiro que a obrigação alimentar não se transmite, e o segundo dizendo o contrário. Doutrina e jurisprudência majoritárias firmaram-se no sentido de que intransmissível é a obrigação alimentar entre paren-tes (com fulcro no art. 402), enquanto transmissível é a obrigação entre cônjuges (art. 23 da Lei nº 6.515/1977). Isso porque o parente beneficiário dos alimentos seria também herdeiro do autor da herança e, de outro lado, de regra, poderia também postular alimentos diretamente aos próprios herdeiros, por possuir parentesco com estes (salvo no caso do irmão alimentado, que, possuindo o de cujus filhos, não seria herdeiro e nem poderia pedir alimentos aos sobrinhos). Agora, o art. 1.700 do novo Código estende a transmissibilidade a todas as obrigações alimen-tares, sejam decorrentes do parentesco ou do casamento.

Ademais, não faz qualquer referência a que a transmissibilidade deva ocorrer nos limites das forças da herança, o que, em princípio, pode conduzir à interpretação de que os herdeiros pas-sam a ser pessoalmente responsáveis pela continuidade do pagamento, independentemente de terem ou não herdado qualquer patrimônio, o que ofenderia, é certo, a característica que diz ser personalíssima a obrigação alimentar.

Outrossim, ao equivocadamente reportar-se ao art. 1.694 (para guardar simetria com o que dis-põe o art. 23 da Lei nº 6.515/1977, a remissão deveria ser feita agora ao art. 1.997 do Código, que trata da responsabilidade da herança pelas dívidas do falecido), o dispositivo parece indicar que os herdeiros do alimentante ficam igualmente obrigados a assegurar aos alimentados os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação, e isso, frise-se, independentemente de verificar se as forças da herança comportam ou não tal pensionamento.

O PL 6.960/2002, buscando adequar esse dispositivo, propõe que seja a ele dada nova redação, nos seguintes termos:

‘A obrigação de prestar alimentos decorrente do casamento e da união estável transmite-se aos herdeiros do devedor, nos limites das forças da herança, desde que o credor da pensão alimen-tícia não seja herdeiro do falecido’. Na justificativa, lê-se:

‘Pelo regime do novo Código, o cônjuge também passou a ser herdeiro necessário, como esta-belece o art. 1.845. Conforme o art. 1.829, o cônjuge tem direito à herança e concorre com os descendentes, salvo se casado com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.641, II), ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares. O art. 1.832 dispõe que, em concorrência com os descendentes (art. 1.829, I), caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. E o art. 1.837 dispõe que, concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau. Assim, o cônjuge é herdeiro necessário, a depen-der do regime de bens, tendo o falecido deixado descendentes, e, havendo ascendentes, com participação variável conforme o grau de parentesco do herdeiro com o falecido. Desse modo, o cônjuge tem direito assegurado à parte da herança. Por outro lado, o companheiro, na união estável, não é havido como herdeiro necessário. Assim, a transmissibilidade da obrigação de alimentos deve ser restrita ao companheiro e ao cônjuge, a depender, quanto a este último, de seu direito à herança. Além disso, o dispositivo estabelece que a transmissão da obrigação de alimentos ocorrerá nas condições do art. 1.694, cujo § 1º dispõe que “os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada”. Desse modo, segundo o art. em análise, a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor segundo as suas possibilidades, independentemente dos limites das forças da herança. A obrigação de prestar alimentos que se transmite aos herdeiros do devedor sempre deve ficar limitada aos frutos da herança, não fazendo sentido que os herdeiros do falecido passem a ter a obrigação de prestar alimentos ao credor do falecido segundo suas próprias possibilidades.’

A proposta de alteração explicita que a transmissão ocorre estritamente nos limites das forças da herança, e que somente são transmissíveis os alimentos decorrentes de casamento e união estável, e mesmo assim apenas quando o beneficiário não for herdeiro do alimentante falecido.

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Melhor seria, entretanto, que não ficasse a transmissibilidade restrita apenas à obrigação alimen-tar decorrente de casamento ou união estável, mas fosse mantida, inclusive, em favor do paren-te, desde que o beneficiado não seja herdeiro do alimentante. Basta pensar na situação do irmão que seja beneficiado pelos alimentos e que, tendo o alimentante descendentes, ascendentes ou cônjuge, nada receberá na herança e, ao mesmo tempo, deixará de ter direito aos alimentos, porque – de acordo com a redação proposta pelo PL 6.960/2002, sendo parente, não ocorrerá transmissão da obrigação!.” (SANTOS, Luiz Felipe Brasil. Os alimentos no novo Código Civil. Revista Brasileira de Direito de Família, n. 16, p. 12, jan./fev./mar. 2003)

3239 – Bem de família – uso indevido de imóvel – indenização

“Agravo regimental no agravo em recurso especial. Indenização. Uso indevido de imóvel. Bem de família. Omissão não configurada. 1. Tendo o Tribunal de origem indicado ade-quadamente os motivos que lhe formaram o convencimento, não há falar em prestação ju-risdicional lacunosa ou deficitária apenas pelo fato de o acórdão recorrido ter decidido em sentido contrário à pretensão da parte recorrente. 2. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 135.068 – (2012/0001152-6) – 3ª T. – Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva – DJe 27.10.2015 – p. 775)

3240 – Dano moral – inscrição em cadastro de inadimplência – notificação intempestiva

“Civil e processual. Agravo regimental no recurso especial. Inscrição em cadastro de inadim-plência. Notificação intempestiva. Danos morais. Valor. Pedido de elevação. Descabimento. 1. Admite a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, excepcionalmente, em recurso especial, reexaminar o valor fixado a título de indenização por danos morais, quando ínfimo ou exagerado. Hipótese, todavia, em que o valor foi estabelecido atendendo às circuns-tâncias de fato da causa, de forma condizente com os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg-REsp 1.282.096 – (2011/0225427-6) – 4ª T. – Relª Min. Maria Isabel Gallotti – DJe 01.10.2015 – p. 5039)

3241 – Direito autoral e concorrência desleal – criação intelectual – direito de uso sobre a obra

“Direito autoral e concorrência desleal. Recurso especial. Omissão, contradição ou obscuri-dade. Inexistência. Direitos autorais. Remontam à criação intelectual, independentemente de qualquer formalidade. O estranho não tem direito de uso sobre a obra autoral. Métodos de treinamento e técnicas de vendas. Inexistência de proteção, pelo enfoque de direito autoral. Todavia, a autora afirma que a ré pessoa física – sua ex-empregada – vem se valendo dos mesmos métodos e documentação que obteve durante o seu vínculo laboral para promover, em conluio com as corrés, concorrência desleal, em sua vertente parasitária. Constatação da concorrência desleal. Necessidade de exame em cada caso concreto. 1. O direito autoral é informado por três princípios basilares à sua disciplina, quais sejam: princípio do trata-mento nacional, princípio da proteção automática e o seu corolário princípio da proteção independente. É dizer, o registro de obra intelectual protegida pelo direito autoral não é o que faz exsurgir os direitos patrimoniais e morais do autor, que remontam, pois, à cria-ção intelectual, independentemente de qualquer formalidade (art. 18 da Lei nº 9.610/1998). 2. É bem de ver que o estranho não tem direito de uso sobre a obra intelectual autoral, e tanto lhe faz que seja um ou outro o titular. Ademais, o direito de autor não pode nem mesmo ser adquirido por usucapião, não havendo falar em uso legítimo, ou mesmo podendo servir a ausência de registro de fundamento para impugnação da cessão ou licença, pois isso é maté-

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ria que só interessaria ao cedente ou demais cessionários. 3. Como bem leciona a abalizada doutrina, é pacífico que ideias e métodos não são passíveis de proteção autoral. O fato de uma ideia ser materializada não a torna automaticamente passível de proteção autoral. Um plano, estratégia, método de negócio, ainda que posto em prática, não é o que o direito do autor visa proteger, pois ‘admitir que a Lei ponha métodos, estilos ou técnicas dentre os bens protegidos seria tolher, em absoluto, a criatividade’ (REsp 906.269/BA, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, 3ª T., Julgado em 16.10.2007, DJ 29.10.2007, p. 228). 4. No caso, embora a demanda e o litígio sejam mais amplos, em vista de que o acórdão reconheceu equivoca-damente serem os manuais de procedimentos obra intelectual protegida pelo direito autoral, a Corte local – assim como procedido pelo Juízo de primeira instância –, limita-se a analisar a causa pelo enfoque da utilização indevida de obra autoral, muito embora reconheça que, na exordial, é afirmado que a ré pessoa física vem se valendo de informações e documentação obtidas enquanto trabalhava para a autora, promovendo concorrência parasitária, inclusi-ve assentando que a demandada se utiliza, de modo caudatário, das mesmas técnicas de treinamento, mediante, até mesmo, simples utilização de fotocópia dos manuais e métodos adquiridos, pela autora, de empresa estrangeira, mediante pactuação onerosa. 5. Em linha de princípio, um ex-empregado pode exercer a mesma atividade profissional ou gerir sociedade empresária com a mesma atividade desenvolvida por sua ex-empregadora, todavia, no caso, a autora afirma que a ré faltou com os deveres inerentes à boa-fé objetiva, além do que aduz estar havendo concorrência desleal – matéria que deve ser avaliada diante de cada caso concreto. Dessarte, o julgamento imediato da demanda resultaria em prestação jurisdicional incompleta e cerceamento de defesa, sendo necessário anular a sentença e o acórdão recorri-do para que o feito tenha regular instrução, propiciando o adequado enfrentamento das teses expostas na exordial, assim como o exercício da ampla defesa e do contraditório pelas par-tes litigantes. 6. Recursos especiais providos.” (STJ – REsp 1.380.630 – (2011/0237656-4) – 4ª T. – Rel. Min. Luis Felipe Salomão – DJe 27.10.2015 – p. 941)

Trabalhista/Previdenciário

3242 – Acidente do trabalho – auxílio-acidente – jogador de futebol – lesão no ombro direito – incapacidade parcial e permanente – comprovação – pagamento devido

“Acidente do trabalho. Auxílio-acidente. Jogador de futebol. Lesão no ombro direito. Inca-pacidade parcial e permanente comprovada. Nexo causal com o labor demonstrado. Laudo pericial conclusivo. Benefício devido. Acidente do trabalho. Atualização dos atrasados. Índi-ces econômicos pertinentes. ADI 4357/STF e Repercussão Geral nº 810. Acidente do traba-lho. Questões relativas ao precatório. Discussão e definição apenas na fase adequada (exe-cução). Determinações contidas na sentença quanto a essa matéria julgadas prejudicadas. Remessa oficial parcialmente provida. Apelo autárquico desprovido.” (TJSP – Ap 1009902-44.2013.8.26.0053 – São Paulo – 16ª CDPúb. – Rel. João Negrini Filho – DJe 14.09.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEA ementa em destaque cuida da comprovação da incapacidade parcial e permanente do jogador futebol e o direito ao seu recebimento de auxílio-acidente.

Oportuno o destaque da seguinte ementa:

AUXÍLIO-ACIDENTE – REDUÇÃO DA CAPACIDADE – LAUDO PERICIAL – COMPROVAÇÃO – “Direito previdenciário e direito processual civil. Auxílio-acidente. Acórdãos paradigmas. Inexis-

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tência de similitude fático-jurídica. Questão de Ordem nº 22/TNU. Requisitos. Verificação. Laudo pericial. Reexame de provas. Súmula nº 42 da TNU. Pedido de uniformização não conhecido. 1. A sentença de 1ª instância julgou improcedente ação previdenciária ajuizada pela recorrente, através da qual requereu a concessão do benefício de auxílio-acidente, desde quando cessou a percepção do benefício de auxílio-doença. Entendeu o juiz federal que não é devido o benefício previdenciário almejado, pois inexiste nos autos prova da efetiva redução da capacidade laboral da autora para o desempenho de sua atividade habitual, como sequela de suas lesões, tendo, inclusive, voltado a manter vínculo empregatício (2006-2007) na mesma função que exercia an-tes do acidente (2004): ‘Não houve impugnação da autora à conclusão pericial. Nesse contexto, não se considera provada a redução da capacidade laborativa para o desempenho da atividade habitual da demandante, salientando-se que o perito afirmou ter havido mínima repercussão da sequela do acidente na capacidade laborativa em geral, não especificando qualquer impacto na capacidade para o exercício da atividade efetivamente exercida pela autora’. 2. A sentença foi confirmada por acórdão da 4ª Turma Recursal dos Juizados Especiais Federais/RS, lastreado nas conclusões do Recurso Especial nº 1.108.298/SC (Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 3ª S., DJ 06.08.2010). O Colegiado entendeu que a recorrente não demonstrou ter implementado o requisito relativo ao efetivo decréscimo de capacidade para o trabalho que exercia, a fim de per-ceber o auxílio-doença: ‘Com efeito, o benefício de auxílio-acidente é devido como indenização ao segurado que, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza ou causa, reste com sequelas que impliquem a redução de sua capacidade ao trabalho que habitualmente exercia. Destarte, é indispensável que, para além de mero dano à saúde do se-gurado, as sequelas decorrentes do acidente efetivamente causem uma redução da capacidade do segurado às funções que exercia. [...] Nesta senda, considerando as conclusões do perito que funcionou em Juízo, constata-se que, nada obstante exista uma redução genérica da capacidade do segurado, não há de se falar em limitação efetiva à sua atividade habitual’. 3. Não obstante as conclusões da sentença e do acórdão, a recorrente insiste no provimento do recurso, alegando que demonstrou ter preenchido os requisitos necessários à concessão do benefício auxílio-doen-ça. 4. O incidente sub judice não deve ser conhecido. Com efeito, a tese geral que a recorrente busca inferir dos julgados trazidos à colação aponta no sentido de que a lei previdenciária não faria distinção entre os graus de redução da capacidade laborativa (mínima, média ou máxima), sendo bastante que o laudo pericial conclua pela lesão e que existiu a citada diminuição como resultado do acidente. 4.1 Ao contrário, a moldura fática da demanda aponta para situação diversa: a autora sofreu um acidente de trânsito, do qual resultou fratura de vértebras cervicais; o laudo pericial constatou que, após a consolidação das lesões causadas pelo acidente, a autora apresentava redução mínima da capacidade labor ativa, sem enquadramento no Anexo III do Decreto nº 3.048/1999. Por fim, com base em informações da própria autora, o expert informou que a mesma, na época do exame pericial, trabalhava normalmente como metalúrgica, inclusive na data em que realizado o exame. De outro turno, não se aplica, ao caso, a Súmula nº 44/STJ, por referir-se a moléstia auditiva. 4.2 Presente essa quadra, não existe similitude fática e jurídica nos julgados cotejados, o que atrai a incidência e a aplicação da Questão de Ordem nº 22 desta TNU. 5. Além disso, tanto o Juiz Federal como a Turma Recursal reconheceram que não se en-contram presentes as condições necessárias para que venha a ser concedido o auxílio-acidente, a partir da análise dos fatos e das provas dos autos, máxime o laudo pericial. Modificar estas conclusões implicaria revolver o conjunto fático-probatório dos autos, o que é inadmissível em sede de incidente de uniformização de jurisprudência (TNU, Súmula nº 42). Nesse sentido, confira-se o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no AgRg-AREsp 405.418/SP, Rel. Min. Sérgio Kukina, 1ª T., Julgado em 20.02.2014, DJe 28.02.2014. 6. Pedido de Uniformização de jurisprudência não conhecido.” (TNU – Proc. 5008510-64.2012.4.04.7107/RS – Rel. Juiz Fed. Bruno Leonardo Câmara Carrá – DJe 02.05.2014)

3243 – Acidente do trabalho – traumatismo craniano – omissão de sinalização no local de trabalho – negligência da empresa – dano moral – indenização devida

“Acidente. Traumatismo craniano. Omissão de sinalização no local de trabalho. Negligência da empresa. Dano moral. Comprovada a negligência da empresa no doloroso acidente que resultou no traumatismo craniano do trabalhador com cicatriz de 8 cm na região fronto-pa-rietal direita, vez que não sinalizou adequadamente a via pública onde este laborava, resulta

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inequívoco o dever de indenizar os danos morais decorrentes. Há que se ressaltar, na hipó-tese, que se trata de risco criado. Os resultados do empreendimento negocial não justificam expor a integridade física dos empregados a constante perigo potencial. A hipótese sobrepõe o interesse econômico ao direito à integridade física, o que resulta em inadmissível inversão de valores. Havendo atividade que oferece risco, a responsabilidade é repassada àquele que, por ação ou omissão, criou o risco do resultado, impondo-se-lhe o dever de indenizar o dano decorrente.” (TRT 2ª R. – Proc. 00006584420105020082 – (20150714216) – Rel. Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DJe 28.08.2015)

3244 – Aposentadoria – renúncia – direito individual disponível – decadência – inocor-rência

“Previdenciário. Aposentadoria. Renúncia. Direito individual disponível. Decadência. Inocorrência. Desaposentação. Utilização do tempo de contribuição em outro benefí-cio. Possibilidade. 1. Sentença sujeita ao duplo grau, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 12.016/2009. 2. A suspensão do processo até o julgamento da matéria sob repercussão geral perante o Supremo Tribunal Federal é providência a ser avaliada quando do exame de eventual recurso extraordinário a ser interposto, nos termos previstos no art. 543-B do Código de Processo Civil, de acordo com o entendimento firmado pelo STJ. 3. No caso em exame é notória a posição do INSS, contrária à tese sustentada pelo apelante. Sendo, pois, patente a resistência à pretensão deduzida em Juízo, é inequívoco o interesse de agir. Entendimen-to do Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 631.240/MG. 4. Conforme decidido pelo STJ, sob o pálio do art. 543-C do CPC, cuidando os autos de pedido de renúncia e cancelamento de benefício concedido pela Previdência Social, com o objetivo de concessão de nova vantagem previdenciária e não de pedido de revisão do valor do benefício já deferido, não há decadência do direito. 5. A aposentadoria é direito patrimonial e disponível, sendo, portanto, passível de renúncia, podendo o titular contar o tempo de contribuição efetuada à previdência após a primeira aposentadoria para fins de obtenção de novo benefício da mesma espécie, sem que tenha que devolver o que auferiu a esse título. Precedentes desta Corte e do colendo STJ. 6. Eventuais valores pretéritos à data do ajuizamento deste mandado de segurança deverão ser requeridos utilizando-se da via processual própria. As parcelas vencidas devem ser compensadas com aquelas percebidas pelo impetrante com a aposentadoria anterior, desde a data de início do novo benefício, cor-rigidas monetariamente. 7. Correção monetária e juros moratórios apurados nos termos do Manual de Cálculos do Conselho da Justiça Federal. 8. Apelação do impetrante parcialmente provida, nos termos do item. 9. Apelação do INSS desprovida e remessa oficial, tida por interposta, parcialmente providas apenas para que sejam observados os consectários legais.” (TRF 1ª R. – AC 0006494-35.2014.4.01.3811/MG – Rel. Des. Fed. João Luiz de Sousa – DJe 16.07.2015 – p. 714)

3245 – Benefício previdenciário – natureza alimentar – devolução dos valores – descabi-mento

“Previdenciário. Agravo legal. Restituição dos valores recebidos de boa-fé. Impossibilidade. Natureza alimentar do benefício. Princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Agravo legal, interposto pelo INSS, em face da decisão monocrática que deu parcial provimento ao apelo da Autarquia, nos termos do art. 557 do CPC, para autorizar apenas a compensação entre o valor recebido a título de auxílio-doença e o devido a título de aposentadoria por tempo de contribuição, restando mantida a sentença no que diz respeito à impossibilidade de se

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efetuar o desconto do excedente na aposentadoria do autor, dada a boa-fé do segurado e à natureza eminentemente alimentar do benefício, bem como para fixar a sucumbência re-cíproca.Tendo a 15ª Junta de Recursos provido o recurso pela aposentadoria por tempo de contribuição e estando o autor em gozo de auxílio-doença, esse foi notificado a fazer opção por um dos benefícios, tendo optado pela Aposentadoria por Tempo de Contribuição. Com a concessão da aposentadoria, houve geração de crédito no valor de R$ 34.618,35. Realizado encontro de contas entre os benefícios, verificou-se que o valor pago a título de auxílio-doen-ça, no período concomitante (22.07.2006 a 31.08.2009) gerou um débito de R$ 42.874,14, resultando o complemento negativo de R$ 8.255,79 a ser descontado do benefício do autor, motivo da interposição da presente ação. O art. 124 da Lei nº 8.213/1991, veda o recebi-mento conjunto do auxílio-doença e qualquer aposentadoria. Assim, inequívoco que devem ser compensadas as parcelas pagas administrativamente em período concomitante, sob pena de efetuar-se pagamento em duplicidade ao exequente, que acarretaria seu enriquecimento ilícito. Também há de se levar em conta que à época da concessão do benefício de auxílio--doença, o autor era segurado da Previdência Social e encontrava-se incapacitado para o exercício de suas atividades laborativas, tendo sido o benefício regularmente concedido, res-tando preservada a boa-fé do segurado. Apesar de indevida a cumulação de benefícios, tam-bém deve ser considerado reputar-se indevida a devolução dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, notadamente em razão da natureza alimentar dos benefícios previdenciários. Indevida a cobrança do excedente à compensação efetuada, de forma que procede a deter-minação para que a Autarquia cancele a consignação efetuada no benefício de aposentado-ria por tempo de contribuição do autor. Decisão monocrática com fundamento no art. 557, caput e § 1º-A, do CPC, que confere poderes ao relator para decidir recurso manifestamente improcedente, prejudicado, deserto, intempestivo ou contrário a jurisprudência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, sem submetê--lo ao órgão colegiado, não importa em infringência ao CPC ou aos princípios do direito. Precedentes. É assente a orientação pretoriana no sentido de que o órgão colegiado não deve modificar a decisão do Relator, salvo na hipótese em que a decisão impugnada não estiver devidamente fundamentada, ou padecer dos vícios da ilegalidade e abuso de poder, e for passível de resultar lesão irreparável ou de difícil reparação à parte. In casu, a decisão está so-lidamente fundamentada e traduz de forma lógica o entendimento do Relator, juiz natural do processo, não estando eivada de qualquer vício formal, razão pela qual merece ser mantida. Agravo legal improvido.” (TRF 3ª R. – Ag-AC 0002124-04.2009.4.03.6116/SP – 8ª T. – Relª Desª Fed. Tania Marangoni – DJe 28.08.2015 – p. 1634)

3246 – Competência material – Justiça do Trabalho – contrato de trabalho celebrado entre atleta profissional e entidade de prática desportiva – alcance

“Justiça do Trabalho. Competência material. Contrato de trabalho celebrado entre atleta pro-fissional e entidade de prática desportiva. A Justiça do Trabalho é competente para apreciar e julgar ação em que o atleta profissional busca a satisfação de direitos decorrentes do vínculo de emprego estabelecido com a entidade de prática desportiva (CF, art. 114, I). A compe-tência da Justiça Desportiva é limitada à apreciação de questões disciplinares e referentes a competições desportivas (CF, art. 217, § 1º c/c art. 50 da Lei nº 9.615/1998), com que não se confunde o vínculo empregatício, portanto não há que se falar em incompetência material pelo não exaurimento da via desportiva. Recurso ordinário do reclamado a que se nega pro-vimento, no particular.” (TRT 9ª R. – RO 0000265-37.2014.5.09.0001 – Rel. Benedito Xavier da Silva – DJe 04.08.2015 – p. 156)

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Comentário Editorial SÍnTESETrata-se de recurso discutindo acerca da competência da Justiça do Trabalho para julgar ação entre atleta profissional e entidade de prática desportiva.

O Advogado Dr. Pablo Gimenez dos Santos faz os seguintes comentários:

“Há de se ressaltar ainda que o constituinte reconheceu a competência da Justiça Desportiva como prioritária para as matérias de disciplina e organização de competições, em relação à Justiça comum.

Certo é que há a possibilidade de submissão de matéria desportiva à apreciação na Justiça comum, salvaguardando, assim, o direito fundamental previsto pelo art. 5º, inciso XXXV, da CRFB/1988, desde que esgotadas as instâncias da Justiça Desportiva.

No entanto, o vínculo associativo que une entidades de prática desportiva (clubes) e as entidades de administração do desporto (nacionais e, sobretudo, internacionais) e as normas estatutárias destas fazem com que não seja frequente a prática de clubes rediscutirem decisões da Justiça Desportiva perante o Poder Judiciário, assim entendido como a Justiça comum.

Tal vínculo associativo está previsto no § 1º do art. 1º da Lei Pelé, que dispõe sobre o fato da prática formal ser regulada por normas nacionais e internacionais e por regras de cada modali-dade, aceitas pelas entidades nacionais de administração do desporto.

Assim sendo, os clubes não tem o hábito de levar questões ao judiciário, por temerem a apli-cação de sanções, já que, no caso do Futebol, a Fifa reprova tal conduta, em que pese haver previsão legal no ordenamento pátrio.

A Justiça Desportiva ganha importância ainda em razão das peculiaridades do mundo desporti-vo, que demanda decisões céleres e conhecimento específico sobre cada uma das modalidades.

Nesse sentido, a Lei Pelé prevê, em seu capítulo VI, que trata da ‘ordem desportiva’ a conferên-cia da prerrogativa de ditar normas de modalidades e aplicar sanções disciplinares às entidades nacionais de administração do desporto, o que acontece por meio dos Tribunais instituídos por elas.

A normatização dos procedimentos da Justiça Desportiva é feita pelo Conselho Nacional do Esporte (CNE) – Ministério do Esporte, conforme determina o art. 11, inciso VI, da Lei Pelé.

O Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), estão previstas, entre outras coisas, as atribui-ções da Justiça Desportiva, a organização, a forma composição dos seus tribunais, os processos, os prazos, as sanções, os recursos, etc.

Conforme apresentado, verifica-se que a Justiça Desportiva tem previsão e fixação de compe-tência em sede constitucional, sendo regulada, ainda, pela Lei nº 9.615/1998 e pela Resolução CNE nº 29, de 2009 (CBJD).

Vista a competência, atribuição e organização da Justiça Desportiva, para compreensão do caso objeto do presente estudo, urge a definição de quem são seus jurisdicionados.” (Competência da Justiça Desportiva x Competência da Justiça Comum: Análise a Partir do Caso Corinthians (Kevin Espada). Revista SÍNTESE Direito Desportivo, a. 3, n. 16, dez./jan. 2014, São Paulo: IOB, 2011)

3247 – Estabilidade provisória – dirigente sindical – dispensa anterior ao registro do sin-dicato perante o MTE – irrelevância – reconhecimento

“Dirigente sindical. Dispensa anterior ao registro do sindicato perante o Ministério do Tra-balho e Emprego. Estabilidade. Reconhecimento. Ratificação. A ausência de registro do sin-dicato no Ministério do Trabalho e Emprego quando da rescisão do contrato de trabalho não constitui óbice ao reconhecimento da estabilidade e garantia de emprego de seus di-rigentes. Ora, a garantia dos dirigentes sindicais retroage ao início do processo de criação do ente sindical representativo da classe obreira. Trata-se de conferir efetividade à norma constitucional que reconhece garantia provisória de emprego ao dirigente sindical. Nesse compasso, de se ratificar a bem lançada Sentença de 1º Grau que, reconhecendo a regular fundação do Sintrasece em 27.02.2014, e considerando o fato de o consignado/reclamante haver sido eleito dirigente sindical de tal entidade, com mandato até 26.02.2018, entendeu

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pela arbitrariedade da dispensa sem justa causa ocorrida em 01.03.2014, ao tempo em que determinou a imediata reintegração do trabalhador estável nos quadros da consignante/re-clamada.” (TRT 7ª R. – AIRO 0000340-91.2014.5.07.0014 – Rel. Emmanuel Teofilo Furtado – DJe 20.08.2015 – p. 1)

3248 – Justa causa – aviso-prévio – desconto – descabimento

“1. Pedido de demissão. Obtenção de novo emprego. Justo motivo para a rescisão contratual. Art. 487, § 2º, da CLT. Desconto do aviso-prévio indevido. O justo motivo de que trata o caput do art. 487 da CLT não significa necessariamente a ocorrência de justa causa. A ob-tenção de novo emprego, com melhores condições de trabalho, configura motivo justo para o trabalhador eximir-se da obrigação do cumprimento do aviso-prévio. Em tais condições, é necessário privilegiar o posto de trabalho propiciador da maior dignidade obreira, sem cau-sar prejuízo de qualquer ordem ao hipossuficiente, inclusive em nome do valor social do tra-balho alçado na constituição a princípio fundante da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). 2. Recurso ordinário da reclamada conhecido e desprovido.” (TRT 10ª R. – RO 0002821-80.2013.5.10.0013 – Rel. Des. Grijalbo Fernandes Coutinho – DJe 17.07.2015 – p. 64)

Tributário

3249 – Contribuição previdenciária – verbas indenizatórias – inexigibilidade – rediscus-são – descabimento

“Processual civil. Embargos de declaração. Contribuições previdenciárias. Verbas indeni-zatórias. Inexigibilidade. Rediscussão. Descabimento. Prequestionamento. Manifestação do órgão jurisdicional sobre a matéria controvertida. 1. Os embargos de declaração constituem recurso de rígidos contornos processuais, consoante disciplinamento inserto no art. 535 do Código de Processo Civil, exigindo-se, para seu acolhimento, estejam presentes os pressu-postos legais de cabimento. Pretensão de simples rediscussão da controvérsia contida nos au-tos não dá margem à oposição de declaratórios (STJ, EDEREsp 933.345, Rel. Min. Francisco Falcão, J. 16.10.2007; EDEREsp 500.448, Rel. Min. Herman Benjamin, J. 15.02.2007; EDA-GA 790.352, Relª Min. Laurita Vaz, J. 29.11.2007). 2. É desnecessária a manifestação explí-cita da Corte de origem acerca das normas que envolvem a matéria debatida, uma vez que, para a satisfação do prequestionamento, basta a implícita discussão da matéria impugnada no apelo excepcional (STJ, Ag-REsp 573.612, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, J. 12.06.2007; Ag-REsp 760.404, Rel. Min. Felix Fischer, J. 15.12.2005). 3. O acórdão tratou corretamente da matéria embargada (fl. 789): A parte autora ajuizou medida cautelar de protesto inter-ruptivo de prescrição (nº 0012493-71.2010.4.03.6100) em 08.06.2010 (fls. 418/426), tendo sido dela intimada a União. O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de admitir o protesto judicial do contribuinte como forma de interromper a prescrição para a cobrança do crédito tributário (REsp 82.553, Rel. Min. Demócrito Reinaldo, J. 29.04.1996, REsp 1.329.901, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 23.04.2013). O Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento vinculante (CPC, art. 543-C) para afastar a incidência da contri-buição previdenciária sobre os valores pagos aos empregados a título de adicional de férias (terço constitucional de férias) e nos quinze dias que antecedem a concessão do auxílio--doença ou acidente (REsp 1.230.957, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 26.02.2014). A jurisprudência deste Tribunal e do Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que integram

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o salário-de-contribuição os valores pagos a título de horas extras. Assim, tendo em vista que a jurisprudência dos Tribunais Superiores e desta Corte é no sentido da inexigibilidade das contribuições incidentes sobre os valores pagos a título de terço constitucional de fé-rias e nos 15 (quinze) primeiros dias de afastamento do auxílio-doença, estão presentes os requisitos que autorizam a concessão parcial do pedido de antecipação da tutela recursal. Os valores recolhidos indevidamente a título de contribuição previdenciária não podem ser compensados com quaisquer tributos e contribuições administrados pela Secretaria da Recei-ta Federal do Brasil, pois o disposto no art. 74 da Lei nº 9.430/1996 não se aplica às contri-buições previstas no art. 11, alíneas a, b e c, da Lei nº 8.212/1991, conforme ressalvado pelo art. 26, parágrafo único, da Lei nº 11.457/2007. Também não cabe compensação em relação às contribuições destinadas a terceiros, uma vez que as entidades paraestatais não integram o polo passivo desta demanda (fls. 784/78v.). 4. A não inclusão das verbas indenizatórias na base de cálculo da contribuição e seus reflexos nos benefícios não acarretam a exigibilidade da incidência sobre tais valores (CR, arts. 195, I, a, 201, § 11). Não houve o reconheci-mento incidental de inconstitucionalidade, concluiu-se que os valores pagos não estavam abrangidos pela hipótese legal de incidência (CR, art. 97; Lei nº 8.212/1991, arts. 22, I, 28, § 9º), conforme jurisprudência sobre a matéria, mesmo que desprovida de efeito vinculante (CR, art. 103-A). 5. Embargos de declaração não providos.” (TRF 3ª R. – EDcl-AC 0005586-12.2012.4.03.6100/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. André Nekatschalow – DJe 30.06.2015)

3250 – Empréstimo compulsório – energia elétrica – juros remuneratórios – impossibili-dade

“Processual civil e tributário. Agravo regimental. Empréstimo compulsório sobre energia elé-trica. Continuidade de incidência de juros remuneratórios após contabilizado o montante do crédito das diferenças devidas pela Eletrobras. Impossibilidade. Incidência de correção monetária e juros moratórios próprios dos débitos judiciais. Entendimento adotado em sede de recurso especial repetitivo, na forma do art. 543-C, do CPC. Súmula nº 83 do STJ. Re-volvimento do título judicial exequendo para aferição de coisa julgada. Impossibilidade na hipótese. Incidência da Súmula nº 7 do STJ. 1. Não prospera a irresignação da agravante no sentido de que os juros remuneratórios continuem a incidir sobre o valor das diferenças não convertidas em ações pela Eletrobras à época própria, eis que, nos termos do recurso representativo da controvérsia (REsp 1.003.955/RS), ‘sobre o valor assim apurado, incidem os encargos próprios dos débitos judiciais (correção monetária desde a data do vencimento – itens 6.1 e 6.2 e juros de mora desde a data da citação – item 6.3)’. Correta, portanto, a decisão agravada que aplicou o entendimento da Súmula nº 83 do STJ para negar seguimento ao recurso especial, eis que o acórdão recorrido aplicou o entendimento adotado no leading case. 2. Registro, outrossim, que a jurisprudência desta Corte é pacífica no sentido de que ‘na hipótese dos critérios de devolução do empréstimo compulsório sobre o consumo de energia elétrica instituído em favor da Eletrobras, os juros moratórios e remuneratórios não incidem simultaneamente’, pois ‘é inviável a cumulação dos juros remuneratórios de 6% ao ano com qualquer outro índice. Os remuneratórios incidem apenas até a data do resgate, e os mora-tórios, a partir da citação’ EREsp 826.809/RS, AgRg-EDcl-REsp 859.012/RS, EDcl-AgRg-Ag 1.305.805/DF. 3. Não é possível a esta Corte infirmar a orientação adotada na origem no que tange há não ser possível extrair do título executivo fundamento válido à continuidade da incidência dos juros remuneratórios posteriormente a 2005, eis que tal providência (revolver as conclusão da decisão transitada em julgado) demandaria reexame do contexto fático pro-batório dos autos, providência inviável em sede de recurso especial pelo óbice da Súmula

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nº 7 do STJ. 4. Agravo regimental não provido.” (STJ – AgRg-REsp 1.511.340 – (2015/0010272-6) – 2ª T. – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 30.06.2015)

3251 – Execução fiscal – FGTS – penhora sobre imóvel – suspensão do feito – cabimento

“Tributário e processual civil. Execução fiscal. FGTS. Penhora sobre imóvel. Oposição de embargos de terceiros. Suspensão até o julgamento dos referidos embargos. Feito conexo ao agravo de instrumento, AGTr141466. Pendente a discussão sobre a titularidade de imóvel sujeito à constrição, é prudente a suspensão do presente feito até o julgamento dos embar-gos de terceiros, nos termos da liminar referida no AGTR 141466, que controverte sobre o mesmo bem. Agravo de instrumento parcialmente provido.” (TRF 5ª R. – AGTR 0000705-94.2015.4.05.0000 – (141552/PE) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Vladimir Souza Carvalho – DJe 14.07.2015)

Comentário Editorial SÍnTESEO acórdão em comento é oriundo de remessa oficial e de recurso de apelação interposto pela União em face da r. sentença da ação mandamental.

A r. sentença concedeu parcialmente a segurança, reconhecendo a inexigibilidade da Contribui-ção para a Funrural, incidente sobre a comercialização da produção rural, pelo fato do Supremo Tribunal Federal ter declarado a inconstitucionalidade da contribuição sobre a receita bruta pro-veniente da comercialização da produção do empregador rural, pessoa física, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/1991, in verbis:

Lei nº 8.212/1991:

“Art. 25. A contribuição do empregador rural pessoa física, em substituição à contribuição de que tratam os incisos I e II do art. 22, e a do segurado especial, referidos, respectivamente, na alínea a do inciso V e no inciso VII do art. 12 desta Lei, destinada à Seguridade Social, é de:

I – 2% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção;

II – 0,1% da receita bruta proveniente da comercialização da sua produção para financiamento das prestações por acidente do trabalho.”

Sustenta a União a constitucionalidade da contribuição de empregador rural pessoa física sobre o produto de sua comercialização após a edição da Lei nº 10.256/2001, e se a inexigibilidade for mantida, que a contribuição seja regida pelo sistema anterior, em que a base de cálculo era a folha de salários.

Dessa forma, o nobre Relator em seu voto entendeu:

“[...]

Uma vez que a inconstitucionalidade declarada pelo STF no RE 363.852 não está fundamenta-da somente em vício formal – necessidade de lei complementar para a criação de nova exação – mas, também, em vícios materiais – ofensa ao princípio da isonomia e ocorrência da bitributa-ção –, não há como se afirmar que com a Lei nº 10.256/2001 a razão de inconstitucionalidade deixou de existir, pois a contribuição ainda está viciada no seu aspecto material.

Assim, embora a Lei nº 10.256/2001 não tenha sido objeto do referido recurso extraordinário, não tornou válida a cobrança da Contribuição para o Funrural porque, ainda que superveniente à Emenda Constitucional nº 20/1998, está fundada na mesma base de cálculo considerada inconstitucional.

Outro não é o entendimento desta Egrégia Turma:

PROCESSUAL CIVIL – TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA (FUNRURAL) – RE-CEITA BRUTA DA COMERCIALIZAÇÃO DA PRODUÇÃO RURAL – PRODUTOR RURAL – PROVA MATERIAL – PRESCRIÇÃO – DECLARAÇÃO PELO STF DA INEXIGIBILIDADE DA EXAÇÃO

1. O autor comprovou sua condição de produtor rural, por meio da juntada de notas fiscais de comercialização de considerável quantidade de gado, demonstrando, assim, a utilização de empregados no exercício de sua atividade rural. Precedente do Tribunal: AC 0002587-97.2010.4.01.3809/MG, 7ª T., Rel. Des. Fed. Reynaldo Fonseca, e-DJF1 06.09.2013, p. 439.

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2. O STF consolidou entendimento quanto à inconstitucionalidade da incidência tributária sobre a comercialização da produção rural do produtor pessoa física (Lei nº 8.212/1991 com a reda-ção dada pela Lei nº 9.527/1997), uma vez que a respectiva incidência sobre a comercialização de produtos agrícolas pelo produtor rural, pessoa natural, configura bitributação, ofensa ao prin-cípio da isonomia e criação de nova fonte de custeio sem lei complementar.

3. Esta Corte pela 7ª e 8ª Turmas tem estendido a interpretação à alteração feita pela Lei nº 10.256/2001, editada após a Emenda à Constituição nº 20/1998.

4. Reconhecida a inconstitucionalidade das Leis nºs 8.540/1992 e 9.528/1997, não se verifi-ca, evidentemente, a repristinação, de modo a legitimar a exigência da mencionada contribuição sobre a ‘folha de salários’ com base na Lei nº 8.212/1991 (Lei de Introdução ao Código Civil: ‘a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência’).

5. Tendo o pedido de restituição/compensação sido efetuado após a vigência da Lei nº 10.637, de 30.12.2002, que alterou a redação do art. 74 da Lei nº 9.430/1996, possível a com-pensação com débitos referentes a tributos e contribuições de quaisquer espécies, desde que administrados pela Secretaria da Receita Federal, mediante a apresentação de declaração pelo contribuinte, conforme entendimento firmado pelo STJ (REsp 908.091/SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, J. 13.02.2007, publicado no DJ de 01.03.2007, p. 248).

6. A compensação somente poderá ser efetivada após o trânsito em julgado da decisão, nos termos da disposição contida no art. 170-A do CTN (introduzida pela Lei Complementar nº 104/2001).

7. Correção do indébito exclusivamente pela taxa Selic, em conformidade com o Manual de Cálculos da Justiça Federal.

8. Os honorários advocatícios foram arbitrados com observância aos parâmetros do § 4º do art. 20 do CPC, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), montante este que está em consonância com a jurisprudência da Turma (AC 0005337-08.2010.4.01.3701/MA, Rel. Juiz Fed. Roberto Carvalho Veloso (Conv.), 02.05.2014 e-DJF1 p. 637).

9. Ante a circunstância de que a integração do INSS à lide não se deu em razão de determi-nação judicial, mas por requerimento do próprio autor na petição inicial, são devidos honorários advocatícios à autarquia previdenciária, mesmo porque, citada, ela compareceu nos autos re-querendo sua exclusão da lide.

10. Apelação adesiva da parte autora parcialmente provida para reformar a sentença na parte em que, reconhecida a inconstitucionalidade da Lei nº 10.256/2001, determina a aplicação do regime de tributação definido na legislação precedente, vale dizer, cobrança da contribuição incidente sobre a folha de salários.

11. Apelação da União e remessa oficial desprovidas (Ap 0006306-74.2011.4.01.3802/MG, Rel. Juiz Fed. Conv. Alexandre Buck Medrado Sampaio, TRF 1ª R., 8ª T., e-DJF1 20.06.2014, p. 271).

Inexistente a repristinação da Lei nº 8.212/1991 de modo a legitimar a cobrança da menciona-da contribuição sobre a folha de salários tendo em vista o disposto no art. 2º, § 3º, da LINDB.

Assim, não merece reforma a sentença que reconheceu o direito ao afastamento da incidência da Contribuição para o Funrural.

Ante o exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial.

É o voto.”

Assim, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região negou provimento ao recurso de apelação e à remessa oficial.

3252 – Execução fiscal – fraude – inscrição do crédito em dívida ativa – configuração

“Execução fiscal. Agravo de instrumento. Agravo legal. Fraude à execução. LC 118/2005. Alienação ocorrida após 09.06.2005. Inscrição do crédito em dívida ativa efetivada em 28.04.1999. Fraude caracterizada. 1. Conforme entendimento firmado pelo Colendo Supe-rior Tribunal de Justiça no julgamento do recurso especial representativo de controvérsia (REsp 1.141.990/PR), a partir da vigência da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005, que alterou o art. 185, do CTN, para análise de eventual fraude à execução, há que se

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observar a data da alienação do bem, estabelecendo o STJ que, se a alienação foi efetivada antes da entrada em vigor da referida lei complementar (09.06.2005), presume-se em fraude à execução o negócio jurídico feito após a citação válida do devedor; caso a alienação seja posterior à sobredita data considera-se fraudulenta se efetuada pelo devedor fiscal após a inscrição do crédito tributário na dívida ativa. 2. Na hipótese, o negócio jurídico ocorreu após da entrada em vigor da Lei Complementar nº 118/2005, 04.02.2010 (fls. 166-169), sendo certo que a inscrição do débito em Dívida Ativa se deu em 28.04.1999 (fls. 09-15). Logo, está caracterizada a fraude à execução. 3. Agravo legal não provido.” (TRF 3ª R. – Ag--AI 0000253-41.2015.4.03.0000/SP – 1ª T. – Rel. Des. Fed. Luiz Stefanini – DJe 10.07.2015)

3253 – ICMS – venda a prazo – encargos incidentes – base de cálculo – valor total – pos-sibilidade

“Tributário. ICMS. Venda a prazo. Encargos incidentes. Base de cálculo. Valor total. Legali-dade da inclusão. Coisa julgada. Súmula nº 7/STJ. 1. Cuida-se, na origem, de Embargos à Exe-cução Fiscal ajuizados com a finalidade de desconstituir a cobrança de ICMS incidente sobre encargos de parcelamento de vendas a prazo. 2. Não se verifica omissão no acórdão recor-rido, pois da análise de seu inteiro teor, revela-se que a questão foi integralmente decidida com fundamentação clara e suficiente. 3. A orientação do STJ é de que, em matéria tributária, se a conclusão da sentença transitada em julgado ‘for em razão de ilegalidade do imposto em si mesmo, ou de sua inconstitucionalidade, ou referir-se a tributabilidade, então, tratando-se de imposto continuativo e de obrigação periódica, o julgado proferido conservará sua eficá-cia, protegido sob o manto da coisa julgada’ (REsp 1.057.733/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 03.08.2011). 4. Contudo, no mesmo precedente, ficou assentado que, ‘Se, todavia, a decisão que afasta a cobrança do tributo se restringe a determinado exercí-cio (a exemplo dos casos onde houve a declaração de inconstitucionalidade somente do art. 8º, da Lei nº 7.689/1988), aplica-se o Enunciado nº 239 da Súmula do STF, por analogia, in verbis: ‘Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores’ (destaquei). 5. No caso concreto, o acórdão recorrido assentou: ‘[...] não há ofensa à coisa julgada na medida em que o que foi decidido no Processo nº 017/1.04.0004097-0 atinge tão somente os créditos e exercícios ali debati-dos, de forma que a sentença transitada em julgado não tem a extensão afirmada pela parte apelante’ (fl. 225, destaquei). Na ementa, ficou expressamente consignado que ‘o objeto das ações não é o mesmo, em que pese serem as mesmas partes, não havendo o que falar em ofensa à coisa julgada’ (fl. 223). 6. Diante da conclusão de que o dispositivo transitado em julgado somente alcançou os exercícios relativos às CDAs contestadas em processo anterior e de que são distintos os objetos das demandas, e ausentes informações adicionais sobre a causa de pedir e o pedido daquela ação, o acolhimento da pretensão recursal depende de re-volvimento fático-probatório, o que encontra óbice na Súmula nº 7/STJ. No mesmo sentido: AgRg-AREsp 357.985/CE, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe 18.09.2013; AgRg-AREsp 283.583/MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, 2ª T., DJe 07.05.2013. 7. O entendimento pacífico da Primeira Seção do STJ é de que a base de cálculo do ICMS alcança o valor total da venda a prazo, incluídos os encargos incidentes sobre o parcelamento celebrado entre o contribuinte e o comprador da mercadoria (REsp 1.106.462/SP, Rel. Min. Luiz Fux, 1ª S., DJe 13.10.2009, submetido ao regime do art. 543-C do CPC). 8. Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 501.291 – (2014/0084020-1) – 2ª T. – Rel. Min. Herman Benjamin – DJe 01.07.2015)

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3254 – ISS – operação de leasing – suspensão de exigibilidade do tributo – Súmula nº 7/STJ – precedentes

“Tributário e processual civil. Agravo regimental no agravo em recurso especial. Imposto sobre Serviços (ISS). Pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para a suspensão de exigibi-lidade do tributo. Operação de leasing. Art. 273 do CPC. Verificação dos requisitos autoriza-dores. Reexame do conteúdo fático-probatório dos autos. Impossibilidade. Súmula nº 7/STJ. Precedentes do STJ. I – Nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ‘não ocorre contrariedade ao art. 535, II, do CPC, quando o Tribunal de origem decide fundamen-tadamente todas as questões postas ao seu exame, assim como não há que se confundir entre decisão contrária aos interesses da parte e inexistência de prestação jurisdicional’ (STJ, AgRg--AREsp 467.094/RJ, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe de 02.05.2014). II – O Tribunal de origem proclamou o entendimento de que não estavam preenchidos os requisitos da medida antecipatória, prevista no art. 273 do CPC, com o objetivo de suspender a exigibilidade do ISS incidente sobre as operações de leasing. Assim, rever ou modificar a conclusão da Corte a quo, bem como verificar a existência dos requisitos autorizadores da antecipação dos efei-tos da tutela, demandaria o reexame do conteúdo fático-probatório dos autos, vedado, pela Súmula nº 7/STJ. Precedentes do STJ (AgRg-AREsp 406.477/MA, Rel. Min. Og Fernandes, 2ª T., DJe de 27.03.2014; AgRg-AREsp 414.347/ES, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 27.11.2013). III – Ademais, a jurisprudência desse Tribunal proclamou o entendimento no sentido de que ‘não é cabível recurso especial para reexaminar decisão que defere ou indefere liminar ou antecipação de tutela, em razão da natureza precária da decisão, sujeita à modificação a qualquer tempo, devendo ser confirmada ou revogada pela sentença de mé-rito’ (STJ, AgRg-AREsp 438.485/SP, Rel. Min. Humberto Martins, 2ª T., DJe de 17.02.2014). IV – Agravo Regimental não provido.” (STJ – AgRg-Ag-REsp 433.452 – (2013/0379747-6) – 2ª T. – Relª Min. Assusete Magalhães – DJe 01.07.2015)

3255 – Prescrição intercorrente – art. 518, § 1º, do CPC – precedentes

“Processual civil e tributário. Agravo regimental em agravo de instrumento. Execução fiscal. Prescrição intercorrente. Súmula nº 314 do STJ. Apelação não recebida. Art. 518, § 1º, do CPC. Precedentes do STJ e deste tribunal. Agravo regimental não provido. 1. Consoante art. 518, § 1º, do CPC, o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com Súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Fe-deral. Precedentes do TRF 1ª Região e do Superior Tribunal de Justiça. 2. Na espécie, o feito originário foi extinto com fundamento no Enunciado nº 314 da Súmula do STJ, que reza que, em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente. 3. Agravo regimental não provido.” (TRF 1ª R. – AgRg-AI 0043769-44.2010.4.01.0000 – Rel. Des. Fed. Marcos Augusto de Sousa – DJe 11.06.2015)

Transcrição Editorial SÍnTESE• Código de Processo Civil:

“Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

§ 1º O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.”

• Súmula do Superior Tribunal de Justiça:

“314 – Em execução fiscal, não localizados bens penhoráveis, suspende-se o processo por um ano, findo o qual se inicia o prazo da prescrição quinquenal intercorrente.”

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Seção Especial – Teoria e Estudos Científicos

A Maioridade Penal no Contexto da Sociedade Natalense

Criminal Responsibility in the Context of Natal Society

ALCInEIA RODRIGUES SAnTOSDireito – UERN – Campus Central, Natal/RN.

ADRIAnO FERnAnDES DOS SAnTOSUERN/Escola do Governo RN.

AURELIA CARLA QUEIROGA DA SILvAUERN/Escola do Governo RN.

Submissão:Decisão Editorial: 24.06.2015Comunicação aos autores: 24.06.2015

RESUMO: O presente trabalho objetiva discorrer sobre a questão da redução da maioridade penal no Brasil, tendo como público de investigação a sociedade natalense. Busca‑se apresentar, na área jurídica, os posicionamentos entre juristas e doutrinadores, com referência à questão da maioridade penal no Brasil, que hoje vigora a partir de 18 anos de idade. No decorrer do trabalho, constata‑se que, na esfera constitucional, existem polêmicas em relação ao tema, por tratar‑se de matéria imutá‑vel, as chamadas “cláusulas pétreas”, não havendo concordância na questão da viabilidade jurídica. Esta análise foi elaborada através de revisão bibliográfica, em livros, códigos, periódicos on‑line, tendo sido realizada também uma pesquisa de campo.

ABSTRAC: This study aims to dicuss the issue of reducing the legal age in Brazil, and having Natal society as research public. It seeks to present, in the legal Field, the position among jurists and scho‑lars, with reference to the issue of criminal responsibility in Brazil, currently in force from 18 years old. During this work, it appears that there are, in the constitutional sphere, controversies in relation to the subject, because it is an immutable matter, so called “foundation Stones”, with no agreement on the issue of the legal feasibility. This analysis was prepared based on bibliographic review, on books, codes, online journals and it has been also carried out field research.

PALAVRAS‑CHAVE: Redução da maioridade penal; sociedade natalense; direito constitucional; Brasil.

KEYWORDS: Reducing the legal age; Natal society; constitutional right; Brazil.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Violência juvenil e aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente; 2 Sociedade Natalense e reflexão sobre a maioridade penal; Conclusão; Referências.

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INTRODUÇÃO

Para discutir o tema proposto, faz-se necessário um recorte temático, ten-do em vista a investigação de alguns aspectos que envolvem a discussão acerca da redução ou não da maioridade penal, que hoje incidem fortemente sobre a categoria juventude.

Inicialmente, percebe-se que esse tema tem suscitado muitos diálogos, inclusive engessados pela mídia, que, na maioria das vezes, inflama a popula-ção brasileira a conversas sem muita sustentabilidade teórica, com a finalidade de pressionar o governo a uma decisão sobre a temática. Entende-se, contudo, que essa é uma questão que deve ser estudada de forma racional e cautelosa. Nesse sentido, buscar-se-á, no transcurso deste trabalho, mediante o emprego do método hipotético-indutivo, amparado na fundamentação doutrinária e legal abalizada, alicerçar argumentos teóricos consistentes acerca do tema, objeti-vando caracterizar o instituto da maioridade penal no Brasil e, sobretudo, os impactos de sua redução em face à atual realidade social do País, neste mo-mento analisando dados levantados na pesquisa de campo, feita na cidade de Natal/RN.

1 VIOLÊNCIA JUVENIL E APLICAÇÃO DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Observa-se que o tema “criança e adolescente” tem abordagens próprias, não podendo, entretanto, ser pensado de modo universal. O significado de ser criança/adolescente está permeado por complexas concepções e que hoje se conectam aos mais variados contextos, nomeadamente de ordem cultural, so-cial, político e econômico, definidos fundamentalmente segundo percepções de cada sociedade.

Os casos envolvendo violência juvenil vistos nos últimos tempos têm provocado na sociedade atual uma comoção em torno da questão que envolve a redução da maioridade penal. No Brasil, desde os anos 1990, discute-se a questão em diversos setores sociais: no Congresso, nas escolas, nas ruas, em artigos jornalísticos e acadêmicos e nos mais variados pontos de aglomeração humana, inclusive nas redes sociais. São pessoas que se manifestam e expõem seu pensamento, seja contrário ou a favor. Todo esse cenário, mesmo que ainda tímido do ponto de vista das discussões jurídicas, revela um intenso desejo de punir que a sociedade atual manifesta. O certo é que o aumento da criminali-dade e violência em todo país, de maneira especial aquela relacionada à ado-lescência e juventude, vem provocando copiosas reações na sociedade, uma possível resposta a esta ação que vem gerando muitas discussões, na tentativa de se descobrir soluções para o problema.

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Partindo dessas premissas, tem-se como meta fazer um estudo sobre o tema da maioridade penal, levando em consideração a questão da redução especialmente pensada a partir do alto índice de criminalidade envolvendo me-nores infratores, o que traz à tona a discussão acerca da inexigibilidade e ino-perância do atual modelo brasileiro de imputabilidade penal, um problema que atinge a todos, fazendo a sociedade cobrar dos legisladores que se posicionem e deliberem sobre a questão, trazendo soluções que minimamente satisfaçam os anseios da população.

Tais mudanças são aqui pensadas a partir da ideia de uma legislação que aponte para a questão da aplicabilidade das penas ou mesmo do melhoramen-to das condições sociais em torno da efetividade das medidas socioeducativas aplicadas aos jovens infratores. Desse modo, compreende-se que esse é um pro-cesso pelo qual alguns setores sociais e culturais necessitam enfrentar e, como parte dessa mudança, a maioridade penal vai além de um processo socioestru-tural, já que ela perpassa e afeta a totalidade da vida sociocultural.

Assim, a maioridade penal como tema básico da investigação foi depura-da através de uma pesquisa documental, bibliográfica e de campo, esta última com entrevistas fechadas, em que se buscou obter a opinião de como pessoas relacionadas, de uma forma ou outra, se envolvem com o assunto. Do mesmo modo, como forma de precisar o objeto de estudo, buscou-se apresentar o con-ceito de criança e adolescente em termos jurídicos e sociológicos, além dos conceitos de crime, imputabilidade e responsabilidade penal.

De acordo com a denominação do art. 2º do Estatuto da Criança e Ado-lescente (Lei nº 8.069/1990), o termo criança é utilizado para designar a pessoa até 12 anos, ao passo que adolescente é termo que assinala a pessoa cuja idade encontra-se entre os 12 e os 18 anos. A decisão de incluir no campo de ação do ECA o menor de 18 encontra respaldo na Convenção sobre os Direitos da Criança, na qual “se entende por criança todo ser humano menor de 18 anos”. Importante ressaltar que este artigo apresenta uma exceção, que diz respeito ao disposto na lei, e que prevê que o Estatuto é aplicável aos que se encontram entre os 18 e os 21 anos, considerações essas dispostas nos arts. 121 e 142.

O Estatuto preconiza que a criança é ser em pleno desenvolvimento. As vivências da infância estariam então na base da estrutura para sua formação futura. Assim, o Estado, a Escola e a Família têm papel fundamental para o de-senvolvimento dessa criança que se transformará em um adulto saudável. Desse modo, o cuidado irrestrito à infância possibilita o seu crescimento com seguran-ça para que se torne um adulto constituído socialmente. Os direitos da criança estão assegurados na Constituição de 1988, que, no art. 227, prevê:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à saúde, à alimentação, à cultura,

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à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração e crueldade e opressão.1

Tais palavras ganham reforço precisamente com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente, em julho de 1990, documento no qual se esta-beleceram as diretrizes de como o Estado e a família, enquanto corpo social, devem se comportar perante a criança, inclusive respeitando suas fases de cres-cimento.

De acordo com Denise Boyd e Helen Bee (2011)2, pode-se definir a ado-lescência como sendo o período compreendido entre os 12 e 20 anos de idade, quando a criança avança pelas mudanças da puberdade, enfrentando um pro-cesso de transição entre a infância e a aceitação espontânea de um papel de pessoa adulta. Essa autora compreende que existem ainda duas adolescências: a primeira, em que a criança assimila um processo de mudanças e que se inicia entre 11 ou 12 anos de idade, e a adolescência final, começada aos 16 anos, período em que se consolida a identidade do jovem frente à sociedade, inclusi-ve em sua adoção de um papel de adulto na sociedade, não só na família, como também nas relações profissionais.

Em termos históricos, o conceito de criança foi observado de acordo com a organização de cada sociedade. A Idade Média, por exemplo, parecia des-conhecer esse conceito, colocando a criança à margem da vida social adulta. Somente quando a criança tivesse preparada, ela seria inserida socialmente. Ao longo dos tempos, contudo, a visão da sociedade frente às crianças começa a se transformar, pois foi se percebendo que elas necessitavam de cuidado e atenção para se preparar para vida3.

Numa vertente filosófica e educacional, obra de Jean-Jacques Rousseau, Emílio ou da educação, por exemplo, nos dará suporte para que se possa definir o conceito de infância através da ideia de que criança é um ser ingênuo, que nasce desprovido de sentimento e saber, um indivíduo sem noção de princípios morais, e que, assim sendo, não pode ser visto como um adulto em miniatura. Rousseau (1995) observa que “a infância tem maneiras de ver, de pensar e de sentir que lhes são próprias”4. Para esse autor, seria insensato querer substituir

1 BRASIL. Constituição (1988). Republica Federativa do Brasil. 35. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2012.

2 BOYD, Denise; BEE, Helen. A criança em crescimento. Porto Alegre: Artmed, 2011. p. 61-62.3 Em História social da criança e da família, Phillipe Ariès, historiador e medievalista francês, discute a

questão do sentimento em torno da criança. Para este autor, “o sentimento da infância não significa o mesmo que afeição pelas crianças: corresponde à consciência da particularidade infantil, essa particularidade que distingue essencialmente a criança do adulto, mesmo jovem. Essa consciência não existia” (ARIÈS, Phillipe. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. p. 156).

4 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emílio ou da educação. São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 86.

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a lógica das crianças pelas nossas, o que, para ele, “seria a mesma coisa exigir que uma criança tivesse cinco pés de altura e que tivesse juízo aos dez anos”5.

Ao olhar para a criança como um ser que necessita de cuidado, Rousseau pontua a importância das experiências vividas na infância e/ou adolescência na construção socioeducativa do indivíduo. É importante ressaltar ainda que Rousseau parte do pressuposto de que o homem é moldado pela educação; desse modo, cabe ao Estado o papel de oferecer elementos necessários e uma formação social, política e cultural que insira a criança em um contexto digno, capaz de fazê-lo crescer segundo os princípios morais vigentes.

Conforme se observa, e como forma de localizar ainda mais o objeto de estudo, necessário se faz tratar agora da noção de crime e suas implicações, pois entende-se que a reflexão sobre a questão da maioridade penal sugere, necessariamente, uma reflexão sobre as noções de crime e punição, o que nos leva fundamentalmente a conjeturar sobre tais nomenclaturas. O conceito de crime nos foi dado a partir das teorias jurídicas, a saber, crime material, formal e analítico. O pesquisador Cezar Roberto Bitencourt, em Teoria geral do delito, texto publicado pela Revista dos Tribunais em 1997, observa que crime mate-rial constitui-se em “ação ou omissão que contraria os valores ou interesses do corpo social, exigindo sua proibição com a ameaça de pena”6. Com efeito, esse conceito se integra em conjunto mais amplo, pois se relaciona a uma conduta ética e um comportamento social aceitável ao bom convívio.

Em se tratando do conceito formal, crime se refere especialmente a ações contrárias à lei. Nesse sentido, nada melhor do que o próprio Código Penal para nos auxiliar nesse julgamento. A Lei de introdução ao Código Penal, sob o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940, no seu art. 1º, observa que:

Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.7

Pesquisadores como Cezar Roberto Bitencourt, Damásio Evangelista de Jesus e Francisco Vani Bemfica (1990) observam ser o crime formal a conduta proibida por lei sob a ameaça de pena8. Parece-nos fundamental observar a compreensão desses autores em descrever crime como algo que é passível de pena e que agride o corpo social e é a partir dessa concepção que estamos buscando compreender a ideia da culpabilidade9 no sentido de refletir sobre

5 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Op. cit., p. 86.6 BITENCOURT, Cezar Roberto. Teoria geral do delito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 31.7 BRASIL. Decreto-Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941, art. 1º.8 JESUS, Damásio Evangelista de. Direito penal: parte geral. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. Cf. BEMFICA,

Francisco Vani. Da teoria do crime. São Paulo: Saraiva, 1990.9 Segundo apregoa Mirabete, a culpa corresponde a uma espécie de conduta espontânea com resultado

antijurídico não desejado, porém previsível e previsto, que podia, com a devida atenção, ser evitado (MIRABETE, Julio Fabbrini. Código Penal comentado. São Paulo: Atlas, 2000. p. 198).

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a maioridade penal. O crime, ainda, pode ser conceituado de forma analítica, em que necessariamente se ressalta a sua tipicidade, ou seja, a investigação dos elementos que configuram a legalidade dele, mas precisamente no que diz respeito ao fato típico – onde se observa dolo10 ou culpa, a ilicitude e a respon-sabilidade.

O estudo situa-se no limiar das pesquisas que tratam do tema, pois acre-dita-se que, para se compreender a questão da maioridade penal e suas impli-cações, necessária se faz uma abordagem que contemple assuntos correlatos, especialmente aqueles que tratam da questão com nomenclaturas jurídicas.

Nesse sentido, buscou-se Damásio Evangelista de Jesus (1999), o qual nos informa que “imputabilidade penal é o conjunto de condições pessoais que dão ao agente capacidade para lhe ser juridicamente imputada a prática de um fato punível”11. Refletindo com este autor, temos como certo então que imputabilidade é ideia de responsabilizar alguém por seus atos, preconizado no Código Penal brasileiro em seu art. 26, como a disposição individual em compreender a gravidade do fato cometido. Assim sendo, a inimputabilidade seria atribuída àqueles que, por um motivo ou outro, não possuam a capacida-de de compreensão da ilicitude de sua ação, conforme observa Julio Fabbrini Mirabete12.

Em se tratando da discussão sobre responsabilidade penal, no Brasil foi apresentado ao Congresso Nacional, no ano de 1993, a Proposta de Emenda Constitucional nº 171. Esta objetivava alterar o art. 228 da Constituição da Re-pública de 1988, reduzindo a maioridade penal para 16 anos. Desde então, foram apresentadas várias PECs13, documentos nos quais se mostrou o desejo da sociedade em deliberar sobre a redução da maioridade penal brasileira.

Mesmo contando com o apoio de grande parte da sociedade, a ideia da diminuição esbarra num ponto que tem sido crucial ao não avançar das discus-sões. Tal prerrogativa refere-se ao art. 228 da Constituição Federal como sendo cláusula pétrea, entretanto acreditamos que este é um ponto que envolve uma complexidade que vai além do âmbito jurídico, haja vista envolver questões que dizem respeito ao entendimento social e ao discernimento do menor sobre seus atos.

Percebe-se, no entanto, que esse é um debate polêmico. São opiniões de juristas, políticos, ONGs e da sociedade em geral. De maneira especial, discor-

10 O dolo, por sua vez, consiste na vontade direcionada a realização do tipo penal (MIRABETE, Julio Fabbrini. Op. cit., p. 194).

11 JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit., p. 467.12 JESUS, Damásio Evangelista de. Op. cit., p. 210.13 Após a apresentação da PEC 171/1993, surgiram outras com a mesma natureza de discussão: PEC 37/1995,

PEC 91/1995, PEC 301/1996, PEC 531/1997, PEC 386/1996, PEC 426/1996, PEC 633/1999, PEC 321/2001 e PEC 377/2001.

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dam sobre a redução principalmente pontuando as possibilidades de resultados a serem obtidos com essa ação. Essa realidade reflete, no entanto, os anseios so-ciais em torno do acentuado aumento da criminalidade e da sensação de impu-nidade, que promove uma comoção social no sentido de cobrar uma resposta.

2 SOCIEDADE NATALENSE E REFLEXÃO SOBRE A MAIORIDADE PENAL

Para se ter uma ideia das preocupações que envolvem a questão da maioridade penal, realizaram-se entrevistas com grupos de pessoas escolhidos previamente. Foram entrevistadas 125 indivíduos, sendo distribuídos em gru-pos de 25 adolescentes, estudantes do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia – IFRN, 25 professores de escolas públicas do estado, 25 alunos do curso de especialização em Educação de Jovens e Adultos com ênfase no Sistema Prisional do Instituto de Educação Superior Presidente Kennedy (IFESP) e, por fim, um grupo de 50 pessoas que foram escolhidas entre os “passantes” nas ruas da cidade do Natal. Essa escolha deu-se com a intenção de se colher opiniões de pessoas que compõem os mais variados grupos sociais. Do total de entrevistados, 68 pessoas são do sexo feminino e 57 são homens. As idades va-riaram de 13 a 60 anos e, por meio dos questionários com perguntas fechadas, foram levantadas as opiniões de cada um.

A análise das respostas nos permite avaliar a atitude social em torno do tema/problema. Em relação à informação da população acerca do tema, a pesquisa evidenciou que grande parte dos entrevistados sabe o que significa a maioridade penal, como também admitem conhecer a idade mínima com a qual, no Brasil, um indivíduo pode assumir a responsabilidade penal. Os núme-ros comprovam que mais de 80% dos entrevistados têm conhecimento sobre o tema, conforme mostram os gráficos 1, que contempla a questão de conheci-mento ou não das pessoas sobre o que seja maioridade penal, e 2, com respos-tas à pergunta sobre com qual idade esta se inicia no Brasil.

Gráfico 1 – Maioridade penal Gráfico 2 – Responsabilidade penal

Fonte: Entrevistas – Pesquisa realizada em agosto de 2013.

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Os dados obtidos neste estudo também indicam que a população já teve contato como tema em discussões travadas nos mais variados espaços, seja em ambientes socioeducativos como a escola, ou mesmo em rodas de conversa entre amigos e nas ruas. A mídia televisiva também contribui para que a popu-lação tome conhecimento de questões que versam sobre a maioridade penal, bem como encontramos pessoas que informaram que o conhecimento acerca do tema adveio da leitura de revistas e jornais ou mesmo nas redes sociais. Essas discussões, no entanto, não influenciaram substancialmente na opinião que esses indivíduos expressam hoje sobre a questão da maioridade penal, pois dos 125 entrevistados, resguardados os 8,8% que não responderam a pergunta (11 pessoas), 44% informaram que sua opinião atual não foi influenciada pelas discussões com as quais teve contato. Assim, foi verificado que as discussões em torno do tema produziram um leve efeito sobre a opinião desses indivíduos, sendo percebido em 47% dos entrevistados, o que corresponde a 59 pessoas, em contrário aos 55 que nos informaram terem sido influenciados pelas discus-sões antes vistas.

A questão maioridade penal tem sido veiculada pela mídia, muitas vezes, de forma a conduzir as pessoas a tomarem decisões ou mesmo instigar as autori-dades a se posicionarem sobre o assunto. Contudo, infelizmente, na maioria das vezes, a mídia não trabalha com dados estatísticos reais e dá a casos isolados uma repercussão extrema, o que promove um sentimento de comoção social em torno do tema.

O que alguns legisladores14 defendem, especialmente no sentido de uma reflexão sobre a redução da maioridade penal, é que os crimes perpetrados por jovens infratores têm a mesma gravidade daqueles cometidos por adultos e, consequentemente, deveriam ser tratados igualmente pelo sistema penal. Ade-mais, os políticos, advogados, jornalistas e parte da sociedade, que se manifesta em favor da redução da faixa etária de 18 para 16 anos, estão convencidos de que o comportamento dos adolescentes frente aos crimes assemelha-se à con-duta dos adultos no que diz respeito à gravidade dos delitos.

O sentimento revelado pelos entrevistados reflete o desejo de reduzir a idade penal. Essa opinião pode estar ligada a ideia de que os jovens que comen-tem crimes não são punidos; que o Estado não os julga segundo as exigências do dever legal. Preconizada pelo senso comum e veiculada pela mídia, a ideia de que o Estatuto da Criança e do Adolescente é condescendente com os menores infratores estaria fazendo-os não se intimidarem frente às transgressões da lei.

Mesmo tendo feito perguntas fechadas, surgem comentários a respeito da responsabilidade que o adolescente aos 16 anos tem para com a legislação eleitoral. Assim sendo, o sentimento é aquele que preconiza que, tendo o jo-

14 Neste sentido, citam-se os senadores Romero Jucá, José Roberto Arruda, Amir Lando, entre outros.

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vem, nessa idade, o discernimento para escolher seus representantes, ele tem também idade suficiente compreender a gravidade de seus atos, bem como para responder judicialmente por seus delitos.

Mais de 90% dos entrevistados explicitaram sua opinião a favor da redu-ção da maioridade penal. O conjunto de ideias partilhadas pelo grupo diverge quanto à idade em que o indivíduo deve ser responsabilizado por seus crimes. Nesse sentido, a pesquisa obteve respostas que sugerem que a maioridade penal deve se iniciar entre 12 e 16 anos ou ainda que não exista necessariamente uma idade para punição. Importante salientar que, para os entrevistados, existe uma sensível diferença entre a idade em que o indivíduo deve se responsabilizar por seus atos perante a sociedade e perante a justiça, o que pode aludir a que o desejo de redução da maioridade penal passe necessariamente pela vontade de organização social em torno da violência e da criminalidade.

Isso pode ser mais bem entendido observando-se os dados das tabelas 1 e 2 a seguir, que mostram que os entrevistados consideram percentagens distin-tas para as perguntas sobre responsabilidade social e responsabilidade judicial. Constatou-se que tais porcentagens apontam a diminuição da maioridade pe-nal como uma possibilidade pela qual se resolveria o problema da violência e da impunidade em nosso país, já que socialmente percebe-se que as medidas socioeducativas perfilhadas pelo ECA não estão sendo eficazes no combate à criminalidade juvenil, o que favorece a sensação de impunidade.

As tabelas a seguir mostram os dados referentes à opinião dos entrevista-dos quanto à idade para a responsabilidade social e judicial e que deveriam ser aplicadas aos jovens infratores.

Tabela 1 – Idade para responsabilidade social

Pergunta Passantes

Em sua opinião, com quantos anos uma pessoa é plenamente capaz de responder por todos os seus atos perante a sociedade?

18 anos 16 anos 14 anos 12 anos Desde sempre Total

13 16 06 09 06 50

Professores

05 09 06 02 03 25

Alunos do curso de Especialização em EJA-Prisional

12 09 03 01 00 25

Estudantes

07 12 02 02 02 25

Total 37 46 17 14 11 125

Fonte: Entrevistas – Pesquisa realizada em agosto de 2013.

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Tabela 2 – Idade para responsabilidade judicial

Pergunta Passantes

Em sua opinião, com quantos anos uma pessoa é plenamente capaz de responder por todos os seus atos perante a Justiça?

18 anos 16 anos 14 anos 12 anos Desde sempre Total

14 16 07 07 06 50

Professores

06 08 06 02 03 25

Alunos do curso de Especialização em EJA-Prisional

16 05 03 01 00 25

Estudantes

12 09 02 01 01 25

Total 48 38 18 11 10 125

Fonte: Entrevistas – Pesquisa realizada em agosto de 2013.

Os resultados deste estudo mostram que as opiniões apontam para a re-dução da maioridade penal. Observe-se que, se somando o número de pessoas que responderam a ambas as tabelas, o indivíduo deve se responsabilizar por seus delitos aos 16 anos é maior que a quantidade de pessoas que acreditam que se deva manter a maioridade penal aos 18 anos. Resguardadas as propor-ções que mostram que a idade para responsabilidade judicial continua sendo aos 18 anos, percebe-se que existe um anseio social que prima por medidas mais enérgicas para com os adolescentes infratores. De acordo com as respos-tas, viu-se ainda que permanece o consenso sobre a redução, existindo, inclu-sive, opiniões que a defendem que a idade para responsabilidade penal deveria ser reduzida abaixo dos 16 anos de idade.

Nesse sentido, compreende-se que a população defende seus esforços em prol de uma sociedade menos violenta e mais justa. Vale observar que, ain-da que a legislação esclareça sobre os procedimentos a serem seguidos pelas instituições que atendem menores infratores, ainda existem falhas na execução dessa legislação. Infelizmente governos estaduais e municipais descumprem as leis, promovendo uma completa desestruturação dos ambientes de privação de liberdade; e, de igual maneira, aqueles ligados ao cumprimento das medidas socioeducativas, o que causa resultados como os que se têm visto atualmente.

Para melhor entendimento e compreensão dessas informações, oportuno se faz destacar os dados das tabelas 1 e 2 agrupando-os em gráfico e especifi-cando cada uma das respostas, dispondo-as a partir do critério idade, seja para responsabilidade perante a sociedade (gráfico 3) e aquela relacionada à questão da responsabilidade judicial (gráfico 4). Logo, reunindo os números da tabela 1, pode-se perceber a seguinte porcentagem:

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Gráfico 3 – Idade para responsabilidade social

Fonte: Entrevistas – Pesquisa realizada em agosto de 2013.

Os dados confirmam o desejo da população em reduzir a maioridade penal, conforme já discutido. Dos 125 entrevistados, 46 responderam que, aos 16 anos, o indivíduo já tem condições de responder por seus atos socialmente, número correspondente a 36,8% dos entrevistados. Conforme se vê no gráfico 3 acima, 29,6% dos entrevistados conservam a maioridade penal vigente no país, do mesmo modo que outros refletem com a ideia de redução a uma idade ainda menor, ou mesmo que não existe idade para se punir.

Em se tratando da idade para responsabilidade penal, os números mos-tram que a sociedade ainda resiste à ideia da redução. Nesse caso, a pesquisa mostra uma cifra de 38,4%, equivalente a 48 dos 125 entrevistados, cuja infor-mação demonstra o desejo de que a maioridade penal permaneça aos 18 anos. Contrapondo-se à porcentagem de mais de 30% que defendem que as medidas socioeducativas devem ser mais bem aplicadas, uma vez que essa cifra pode demonstrar uma aspiração pela resolução de um problema apontado na pes-quisa como sendo de ordem sócio-organizacional, e não necessariamente de ordem jurídica.

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Gráfico 4 – Idade para responsabilidade judicial

Fonte: Entrevistas – Pesquisa realizada em agosto de 2013.

A partir desses dados, pode-se fazer uma leitura observando que a redu-ção da maioridade penal vai de encontro à doutrina da proteção à criança e ao adolescente, notadamente apontada nas entrelinhas de nossa investigação. Conforme já foi observado, a proteção e a garantia dos direitos essenciais à criança e ao adolescente encontram-se na Constituição Federal, além de es-tarem prescritos em documentos internacionais e no Estatuto. Assim, infere-se sobre a questão que diz respeito à observação das medidas socioeducativas, e não das penas punitivas aos menores infratores tendo em vista sua peculiar condição. De todo modo, parte-se da ideia de que os números nesta pesquisa mostram uma aspiração em torna da questão, desvendando o desejo em torno de uma resposta efetiva; no entanto, a população ainda prima pela proteção à criança e ao adolescente.

A temática da maioridade penal hoje tem despertado as preocupações dos órgãos oficiais, dos políticos, do corpo jurídico, da família e de vários seg-mentos da sociedade. Há tempos que discussões vêm sendo implantadas com o intuito de resolver o grave problema social causado em detrimento do envolvi-mento de menores em crimes.

De acordo com indicadores da pesquisa de campo, a responsabilidade do atual quadro de criminalidade e violência é atribuída ao governo e à falta de políticas públicas que promovam melhor aplicabilidade do sistema penal brasileiro. Contudo, entre aqueles que foram apontados como culpados pelo

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aumento da criminalidade nos dias atuais, estão, além do governo, a sociedade, a família e a escola.

Sozinhas ou em combinação, essas instituições foram largamente apon-tadas como responsáveis pelo atual quadro de violência, o que nos leva a acre-ditar, e necessário se faz, que medidas mais efetivas no cuidado com as crianças e os adolescentes sejam aplicadas, pois, conforme já foi observado, e de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente, a criança é um ser em desenvolvi-mento, sendo de responsabilidade do Estado, da família e da escola o cuidado para que ela se torne um adulto saudável, direito esse prescrito na CF/1988, no art. 27. Fazendo-se uma reflexão em torno dos dados apresentados na pesquisa de campo, observa-se que, diante da atual conjuntura, interessa-nos conjetu-rar sobre políticas públicas mais efetivas para a resolução desse problema tão complexo do que encontrar respostas superficiais. Retirando o vocábulo culpa, pode-se trabalhar com o termo responsabilidade – esta que compete a cada cidadão, respeitada sua singularidade enquanto pessoa social.

Sem dúvidas, há um desencontro entre a posição da sociedade e o direito vigente no País sobre o tema da maioridade penal. Considerando a importância do tema para a construção de uma sociedade democrática, cabe tecer algumas considerações sobre uma questão crucial e que se apresentou no decorrer da pesquisa; a punição para crimes graves, como os hediondos e equiparados, a saber; prisão perpétua e pena de morte. Nas palavras de Miguel Reale (2001), “no Brasil, temos o mau hábito de imaginar que se muda a realidade mudando--se a lei. A lei não muda a realidade. A realidade é que deve mudar para se adaptar a lei que aí está”15.

A hipótese inicial que surge para essa discussão é se tal reação decor-re do desconhecimento da sociedade acerca da legislação e sobre a temática dos Direitos Humanos; a segunda, se os mesmos discordam dos procedimentos práticos e legais de proteção desses direitos. Ademais, surge uma terceira, que infere sobre se ocorre uma interpretação conceitual errônea decorrente da falta de conhecimento teórico sobre as dimensões ideológicas dos Direitos Huma-nos, ou mesmo da legislação vigente, seja no campo ético-filosófico, religioso ou político.

15 REALE JÚNIOR, Miguel. A razão da idade: mitos e verdades. Brasília: MJ/SEDH/DCA, 2001. Coleção Garantia de Direitos, Série Subsídios, t. VII, p. 174.

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Gráfico 5 – Prisão perpétua para crimes graves

Fonte: Entrevistas – Pesquisa realizada em agosto de 2013.

O gráfico 5 mostra o percentual de entrevistados que nos informaram sobre a questão de uma aplicabilidade mais rigorosa das penas no Brasil. Nesse sentido, a pesquisa obteve um percentual de 64% dos entrevistados confirman-do a necessidade de penas mais severas para aqueles que comentem crimes graves, o que pode indicar o desespero social frente à criminalidade e à com-pleta inaplicabilidade das leis. Esses dados sugerem que o problema atual não se encontra na legislação, mas sim em sua efetividade, seja do Código Penal, seja mesmo do ECA, pois, conforme a pesquisa também ratificou, o grande pro-blema da criminalidade e da violência envolvendo menores infratores é social e estrutural, competindo ao governo encontrar formas de reintegração social e profissionalização desses adolescentes.

A prisão perpétua apresentou-se na pesquisa talvez como uma alternativa ao combate à violência e reincidência ao crime. De forma contrária, quando in-dagados os entrevistados sobre a pena de morte16, as respostas mostraram que a sociedade se sensibiliza diante da vida. Mesmo que a violência e a brutalidade de alguns crimes venham chocando a população do país, a ideia da não pena capital foi defendida por mais de 65% dos entrevistados. É possível que nossa sociedade reflita com a ideia de que a punição com a pena de morte não ne-

16 No Brasil, o tempo máximo para cumprimento de pena é de 30 (trinta) anos de reclusão, não importando o delito, conforme prevê a nossa legislação. O País não admite a pena de morte, exceto nos períodos de guerras. A Constituição Federal, art. 5º, XLVII, preconiza: “não haverá penas: a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX”.

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cessariamente resulte em diminuição da criminalidade, conforme observamos em países que adotam essa prática. Observem-se os dados consubstanciados no gráfico abaixo.

Gráfico 6 – Pena de morte para crimes graves

Fonte: Entrevistas – Pesquisa realizada em agosto de 2013.

Independentemente da ideia que se tem sobre determinada questão, é importante que se observe a complexidade de cada fenômeno. O gráfico 6 representa a ideia de uma pequena parte da população do Estado do Grande do Norte, um universo amostral de 125 pessoas entrevistadas. No entanto, a opinião expressa por esse pequeno número da população revela um alerta para uma questão que diz respeito à vida. Nesse caso, resguardando a fração de cerca de 3% daqueles que não quiseram se manifestar diante do problema, percebeu-se um percentual de 65,6% dos entrevistados informando ser contrá-rios à pena de morte, um número que corresponde a 82 pessoas das 125 que responderam ao questionário proposto pela pesquisa.

Isso pode revelar que a mera aplicação da pena de morte possivelmente não atenderá a questão da violência e da criminalidade crescente em nosso país. Analisando-se essa perspectiva tendo como foco as circunstâncias envol-vendo ilícito penal com a participação de adolescentes e jovens, temos que considerar que jovens e adolescentes não estão entre os principais autores de crimes violentos no Brasil. Estudos realizados, entre eles os dados do Índice de Homicídios de Adolescente (IHA), o Mapa da Violência da Unesco e o estudo Homicídios de Crianças e Jovens no Brasil (1980-2002), do Núcleo de Estudos da Violência da USP, publicado em 2006, mostram que:

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[...] a participação dos homicídios de crianças e adolescentes cresceu drastica-mente para ambos os gêneros, especialmente na faixa da população entre 0 e 19 anos, representando um incremento na taxa de mortes por causas externas dessa população de 254,4% no período. No ano de 2002, os homicídios passaram a representar quase 40% das mortes por causas externas de crianças e adolescentes no Brasil.17

Independentemente da compreensão que se possa adotar, é preciso que se tenha em mente a multicausalidade dos fenômenos violentos. Evidentemente que não se pode esquecer que problemas complexos exigem soluções igual-mente complexas. Nesse sentido, entende-se que a simples redução da maiori-dade penal nunca será suficiente para resolver a questão da violência e crimi-nalidade. Além disso, é preciso não esquecer que os jovens e adolescentes não são os principais autores de crimes violentos, em especial homicídios, no Brasil. Ao contrário, e conforme aponta o estudo acima citado, eles são as vítimas pre-ferenciais desse tipo de delito.

CONCLUSÃO

Com base nos dados coletados e tabulados na pesquisa, observou-se que, diante da problemática abordada, as crianças brasileiras têm sido vítimas de um contexto de desigualdade e opressão social, e que, diferentemente do que tem sido veiculado na mídia, que geralmente supervaloriza determinados acontecimentos, o quadro atual de violência não decorre de crimes praticados com a participação de menores infratores. O certo é que, ao contrário do que o senso comum propaga, os adolescentes infratores não ficam impunes. Estes são julgados e considerados responsáveis pelos atos tipificados como crime ou contravenção no Código Penal e na Lei de Contravenções Penais. O que muda, evidentemente, são os mecanismos legais a que crianças e adolescentes em conflito com a lei serão submetidos, os quais estão previstos nos arts. 100 a 125 do ECA.

Percebeu-se que o Brasil, desde os primórdios de sua história jurídica, jamais conseguiu atingir a meta da efetivação dos direitos e garantias funda-mentais das crianças e adolescentes, hoje consagrados no art. 4º do ECA e no art. 227 da Constituição de 1988. A reflexão que se faz corrobora a percepção, segundo a qual a mídia focaliza a questão da redução da maioridade penal como solução da problemática do crime, manipulando as mentes mais simpló-rias, sem, contudo, avaliar os efeitos da alteração legislativa em seus aspectos psicológicos, sociais e filosóficos. Notadamente, a ideia de encarceramento desses jovens contribuirá para agravar o problema do sistema penitenciário bra-

17 SENASP. Ministério da Justiça. Instituto de Integração Homem Trabalho. Concepção e Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Modulo III – Adolescentes em conflito com a lei, s./d., p. 17.

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sileiro, que enfrenta a superlotação dos presídios, além do que certamente pro-moveria um adensamento das condições de reintegração social desses jovens.

As pesquisas têm mostrado a ineficácia das políticas básicas e a falta de vontade política para a implantação destas. Em contrário, não se pode esperar outra respostas senão o aumento da criminalidade, seja infanto-juvenil, seja adulta. A má distribuição de renda e a crescente marginalização da massa da população resultam em um país com altos índices de miserabilidade, analfabe-tismos e desemprego. Estando a maioria dos jovens ociosos pela falta de acesso à educação, cultura e lazer, não é possível visualizar outra opção que não o crime.

Pari passu, conclui-se como bastante significativas as discussões traçadas por parlamentares, juristas, cientistas políticos, entidades e órgãos representa-tivos da sociedade civil em torno da maioridade penal, cujas reivindicações acerca da implementação de políticas públicas mais efetivas pelo Estado corro-boram para o enfretamento legítimo da criminalidade, sob a ótica dos Direitos Humanos, com vistas à sua concretização em termos práticos. Apesar de os dados da pesquisa sinalizarem uma dura realidade para a juventude brasileira, posto fatores de risco e violência elevados, verificou-se que o ECA oferece ins-trumentos capazes de reintegrar os menores infratores, desde que as medidas socioeducativas sejam bem aplicadas e associadas ao acompanhamento res-ponsável de pais, educadores e agentes públicos em ações conjuntas de cunho ressocializador e não somente punitivo.

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SENASP. Ministério da Justiça. Instituto de Integração Homem Trabalho. Concepção e Aplicação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Modulo III – Adolescentes em conflito com a lei, s./d., p. 17.

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Clipping Jurídico

Tribunal suspende liminar que autorizava haitianos a ingressarem no Brasil sem visto

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) deu provimento, em dezembro, a recurso da União e suspendeu uma liminar que havia autorizado a esposa e o filho menor de um refugiado haitiano a ingressarem no Brasil sem o visto. Conforme a decisão da 4ª Turma, a condição de refugiado só é extensiva à família quando esta já se encontra em território nacional. O estrangeiro, que vive em Canoas/RS, ajuizou ação na Justiça Federal do município em outubro de 2015 e obteve a li-minar. Ele mora no Brasil desde julho de 2013, tendo saído do Haiti em razão do agravamento da crise econômica e social que abate seu país. A Advocacia-Geral da União recorreu ao tribunal questionando a medida judicial. Segundo o relator do processo, Desembargador Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior, os efeitos da condição de refugiado só são extensivos aos cônjuges e descendentes quando estes se encontrarem no país. “No caso dos autos, somente o autor reside em território nacional, de modo que o mero pedido de refúgio desse autor não parece suficiente para autorizar a expedição de visto para reunião familiar”, concluiu o desembar-gador. Leal Júnior ressaltou que existe um procedimento administrativo específico para expedição de visto com objetivo de reunião familiar. Segundo o Magistrado, a não observância do trâmite na via administrativa representaria “grave interferên-cia na política migratória do país”. Nº do Processo: 5039038-57.2015.4.04.0000. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional Federal da 4ª Região)

Tribunal garante nomeação de mulher eliminada de concurso público por obe-sidade

A 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo garantiu a uma mulher a nomeação no cargo de professora de educação básica em escola esta-dual. Ela havia sido reprovada na fase de avaliação médica em razão de obesidade mórbida. De acordo com a decisão, a autora passou por exames clínicos que apon-taram bom estado geral de saúde, mas, ainda assim, foi considerada inapta para o cargo. Mesmo formulando pedido de reconsideração, a junta médica ratificou a inaptidão. Para o Desembargador Renato Delbianco, relator do recurso, não houve fundamentação para a reprovação, nem mesmo explicitação da incompatibilidade das condições de saúde da candidata com a função a ser exercida. Os documentos apenas apresentaram “a aferição da massa corpórea, não trazendo nenhuma outra informação a justificar a negativa declarada”. Além disso, o Magistrado destacou que a mulher já exercia, em caráter temporário, a função de docente. “Se a admi-nistração não se opunha, em momento anterior, ao exercício de mesma função, a inaptidão declarada revela-se desprestigiada”, afirmou em seu voto. E completou: “Deduz-se que a obesidade apresentada pela impetrante não constitui impedimen-to ao exercício da função de professora”. O julgamento, ocorrido em 15 de de-zembro, teve votação unânime, com a participação dos Desembargadores Luciana Bresciani e Carlos Violante. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)

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230 ..........................................................................................................................DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – CLIPPING JURÍDICO

Disputa sobre compensação de crédito tributário tem repercussão geral

O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a repercussão geral de disputa sobre a compensação, de ofício, de créditos de contribuintes da Receita Federal com débitos não parcelados ou parcelados sem garantia. No Recurso Extraordinário (RE) nº 917285, a União questiona acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) que considerou inconstitucional a previsão legal sobre esse tipo de compensação. No caso, a União questiona decisão do TRF-4 que deu ganho de causa a uma moveleira de Santa Catarina. O tribunal destacou que a jurispru-dência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou-se no sentido de que não cabe a compensação de ofício dos débitos que se encontram com exigibilidade suspensa, aplicando à hipótese entendimento firmado em incidente de arguição de inconstitucionalidade no qual a Corte especial [do TRF-4] declarou a invalidade do parágrafo único do art. 73 da Lei nº 9.430/1996, incluído pela Lei nº 12.844/2013. Segundo o entendimento do tribunal regional, o dispositivo questionado afronta o art. 146, III, b, da Constituição Federal, que prevê a reserva de lei complementar para estabelecer normas gerais sobre crédito tributário. Como o Código Tributário Nacional (CTN) não autoriza a compensação de créditos desprovidos de exigibili-dade, como ocorre no caso de parcelamentos sem garantia, para que isso ocorres-se, seria necessária a edição de lei complementar. O relator do recurso, Ministro Dias Toffoli, entendeu que o STF deve emitir pronunciamento final sobre a consti-tucionalidade do parágrafo único do art. 73 da Lei nº 9.430/1996, incluído pela Lei nº 12.844/2013, que previu a compensação de ofício. “Manifesto-me pela existên-cia de matéria constitucional e de repercussão geral, submeto o caso à apreciação dos demais ministros da Corte”. A manifestação do relator pelo reconhecimento da repercussão da matéria foi acompanhada, por maioria, em deliberação no Plenário Virtual da Corte. Processos relacionados: RE 917285. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Instituto questiona cobrança de Imposto de Renda sobre pensão alimentícia

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) ajuizou ação direta de in-constitucionalidade (ADIn 5422) no Supremo Tribunal Federal (STF) para questio-nar dispositivos da Lei nº 7.713/1988 que preveem a incidência de imposto de ren-da nas obrigações alimentares. O relator da ação é o Ministro Dias Toffoli. Para a entidade, a incidência do IR sobre pensão alimentícia é incompatível com a ordem constitucional. O legislador, segundo o instituto, tem limitações estabelecidas pela Constituição Federal para definir o conteúdo de “renda e proventos de qualquer natureza”, sobre os quais deve incidir o imposto. “Não é qualquer fato, a critério do legislador, que atribui a competência à União para instituir e cobrar o imposto. A norma questionada, ao facultar ao pagador a dedução integral no Imposto de Renda dos valores pagos como pensão alimentícia, privilegiando o mais forte e co-brando o imposto de renda do alimentando, subtrai dessa parcela destinada a aten-der suas necessidades vitais, o que não pode ser visto como renda ou proventos de qualquer natureza. Conforme a Constituição, o imposto de renda deve incidir

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sobre alterações positivas no patrimônio. A entidade defende, contudo, que não se pode atribuir caráter patrimonial ao direito alimentar. O imposto de renda, a rigor, deve ser cobrado somente de quem ganha mais que o suficiente para as despesas, seus gastos e de seus dependentes. Na definição do art. 43 do Código Tributário Nacional, renda é o ganho que permite, ao menos em tese, algum acréscimo patri-monial, diz a ADIn. A desoneração tributária da pensão alimentícia é medida que se impõe, pois a natureza jurídica e os fins a que se destinam os alimentos desau-torizam seu enquadramento como se fosse renda, proventos de qualquer natureza ou rendimentos. “Assim sendo, descabida a incidência do IR de pessoa física sobre alimentos”, concluiu a entidade ao pedir a suspensão da eficácia do art. 3º (§ 1º) da Lei nº 7.713/1988, combinado com os arts. 5º e 54 do Decreto nº 3000/1999. No mérito, requer a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos questio-nados. Processo relacionado: ADIn 422. (Conteúdo extraído do site do Supremo Tribunal Federal)

Suspensas decisões que absolveram acusados de entregar veículo a motorista não habilitado

O Ministro Ribeiro Dantas, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedeu liminar a pelo menos quatro reclamações do Ministério Público do Rio Grande do Sul, em que o órgão pede a suspensão de decisões do Juizado Especial Criminal gaúcho, que absolveu acusados de permitirem a motoristas sem habilitação a condução de seus veículos. O MP/RS alegou que, independentemente da ocorrência de aci-dentes, a conduta infringe o art. 310 do Código Brasileiro de Trânsito (CBT), que estabelece como crime “permitir, confiar ou entregar a direção de veículo automo-tor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com o direito de dirigir suspenso, ou, ainda, a quem, por seu estado de saúde, física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança”. Ao acionar o STJ, o Ministério Público citou o entendimento já firmado pelo tribunal ao julgar, em março de 2015, uma causa semelhante de Minas Gerais e que passou a valer para todo o Brasil (recurso repetitivo). À época, o STJ entendeu que para praticar o crime previsto no art. 310 do CTB “não é exigível, para o aperfeiçoamento do crime, a ocorrência de lesão ou de perigo de dano concreto na conduta de quem permite, confia ou entrega a direção de veículo automotor a pessoa não habilitada, com habilitação cassada ou com direito de dirigir suspenso, ou ainda a quem, por seu estado de saúde física ou mental, ou por embriaguez, não esteja em condições de conduzi-lo com segurança”. Conforme entendimento do tribunal, “não se pode, assim, esperar a concretização de danos, ou exigir a demonstração de riscos con-cretos, a terceiros, para a punição de condutas que, a priori, representam potencial produção de danos”. Casos: Em uma das reclamações do MP/RS, uma motorista do município de Flores da Cunha, no interior gaúcho, entregou seu automóvel a um condutor sem permissão para dirigir. A motorista foi condenada a seis meses de detenção, em regime semiaberto, e a pena foi substituída pelo pagamento de um salário-mínimo. Posteriormente, a defesa ingressou com recurso no Juizado

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Especial Criminal gaúcho e conseguiu a absolvição da ré, com base no art. 386, III, do Código de Processo Penal: “O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: não constituir o fato infração penal”. A defesa justificou, ainda, que a pessoa que dirigiu o veículo sequer foi processada. Em outro caso, também no interior do Rio Grande do Sul, o proprietário permitiu que uma pessoa sem carteira de habilitação conduzisse sua motocicleta. O réu foi condenado a seis meses de detenção, em regime semiaberto, pena que foi converti-da em multa. A defesa conseguiu a absolvição do acusado sob o argumento de que “não houve a descrição do perigo de dano. Sem ela, o comportamento não pode ser considerado crime”. Os advogados alegaram que “não há como caracterizar a materialidade da conduta disposta no art. 310 do CBT quando não há ocorrência de perigo de dano”. A decisão de Ribeiro Dantas, que é relator dos casos na Ter-ceira Seção do STJ, tem caráter provisório – o julgamento dos casos depende da análise dos demais ministros da seção. Assim como Ribeiro Dantas, o Ministro Nefi Cordeiro, da Sexta Turma do STJ, também havia concedido liminar em dezembro de 2015 a outras duas reclamações movidas pelo MP/RS envolvendo acusados da mesma prática de crime. RCL 28770, RCL 28890, RCL 29040, RCL 29062, RCL 29063, RCL 29025. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Pena de perdimento de bem usado em crime não pode ser revertida após trân-sito em julgado da decisão

A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) afastou pedido de diarista para que seu veículo Gol, apreendido juntamente com drogas, fosse restituído. A decisão que decretou o perdimento do bem para o estado de São Paulo já transitou em julgado. O trânsito em julgado acontece quando a sentença torna-se definitiva, não podendo mais ser modificada, seja por ter transcorrido o prazo para a interpo-sição de eventuais recursos, seja por não caber mais recurso sobre ela. No caso, o automóvel foi utilizado pelo filho da diarista, preso em flagrante por ter a posse, sem autorização legal, de 113,7g de crack e 2,5g de cocaína, supostamente para fins de tráfico. A defesa alegou que o veículo não teria relação com a atividade criminosa e, assim, não seria aplicável o art. 34 da Lei nº 6.368/1976, na reda-ção dada pela Lei nº 9.804/1999. Segundo esse artigo, “os veículos, embarcações, aeronaves e quaisquer outros meios de transporte, assim como os maquinismos, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos na lei, após a sua regular apreensão, ficarão sob custódia da autoridade de polícia judiciária, excetuadas as armas, que serão recolhidas na for-ma da legislação específica”. Em seu voto, o relator, Ministro Humberto Martins, destacou que, ao consultar o sistema eletrônico do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), notou que houve apelação no caso e que, após isso, a ação criminal transi-tou em julgado, de forma definitiva. Assim, a pena de perdimento do bem tornou--se impossível de ser revertida por meio de mandado de segurança. RMS 45713. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

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Gradiente indenizará advogado assediado por e-mails com “piadas de por-tuguês”

A Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho condenou a IGB Eletrônica S.A. (antiga Gradiente Eletrônica S/A) a indenizar um advogado que teve sua assinatura falsificada e sofreu assédio moral por e-mails enviados pelo presidente da empresa. Para o relator, Ministro Walmir Oliveira da Costa, o dano ficou comprovado pelas mensagens eletrônicas, que continham piadas alusivas à sua nacionalidade portu-guesa, inclusive com conotação pornográfica, e também a ilicitude do ato de terem falsificado sua assinatura. A decisão reforma entendimento do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP). Contratado como pessoa jurídica para a função de gerente jurídico corporativo e promovido ao cargo de diretor jurídico, o advogado prestava serviços a várias empresas do grupo econômico da IGB Eletrônica. Na reclamação trabalhista, em que requereu indenização por danos morais, ele alegou que a falsificação da assinatura, em documento apresentado na Junta Comercial do Estado de Amazonas, poderia ter lhe causado transtornos materiais. Afirmou, também, que, além de vexatórias, discriminatórias e pornográficas, as piadas de português eram enviadas com cópia para diversos executivos, diretores e emprega-dos. Disse, ainda, que era alvo de inúmeros comentários no mesmo sentido, como isso é coisa de português e só se for em Portugal, em tom irônico e ofensivo durante o expediente. A empresa admitiu a falsificação, mas atribuiu a culpa a um escritó-rio de contabilidade que prestava serviços à IGB. Assegurou que os comentários eram brincadeiras esporádicas, em ambiente de total cordialidade. Já em relação aos e-mails, sustentou que o próprio empregado afirmou, em depoimento, que os envios cessaram imediatamente a partir do momento em que ele reclamou e disse ao remetente que as mensagens lhe causavam constrangimento. Decisão: Diante do exposto, o Juízo da 62ª Vara do Trabalho de São Paulo e o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) julgaram improcedente o pedido de indenização. O TRT reconheceu a veiculação de e-mails e comentários alusivos à nacionalidade portuguesa do advogado e a falsificação, mas entendeu que o fato de os e-mails terem cessado a partir da manifestação do empregado, e de não ter sido demons-trado qualquer prejuízo em decorrência da assinatura adulterada, afastando a ne-cessidade de reparação. Para o TRT, também ficou demonstrado que o advogado respondia aos e-mails em tom irônico e jocoso, o que revelava que o ambiente de trabalho era permissivo quanto a determinadas brincadeiras. Em recurso contra a decisão, o trabalhador alegou que o limite aceitável das brincadeiras foi extrapola-do por atos ofensivos e desrespeitosos à sua nacionalidade. Afirmou que a suposta culpa de um escritório de contabilidade contratado não isenta a responsabilidade da empresa pela falsificação. E insistiu que o abalo decorrente do crime à honra é evidente, ensejando inúmeros transtornos materiais, e que não condenar a empresa implicaria impunidade. TST: No TST, o Ministro Walmir Oliveira da Costa, relator, entendeu desnecessária a prova do prejuízo imaterial exigida pelo TRT em relação à falsificação, uma vez que o dano moral independe da comprovação do abalo psicológico sofrido pela vítima. Também considerou insustentável a conclusão re-gional de que a cessação dos e-mails seria suficiente para afastar a lesividade e a

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ilicitude da conduta empresarial. A mudança de comportamento somente denota a assunção, pelo próprio ofensor, de que suas atitudes eram ofensivas ao reclamante, afirmou. E, embora possa ser avaliado positivamente, o encerramento futuro da ofensa não apaga os acontecimentos pretéritos e, nesses limites, não se confunde com a sua inexistência. Por violação dos arts. 186 e 927 do Código Civil, e 5º, V e X, da Constituição da República, a Primeira Turma do TST fixou a indenização por dano moral em R$ 157.600 pela falsificação da assinatura e em R$ 78.800 pelo as-sédio moral. A decisão foi por unanimidade. Processo: RR 547-86.2011.5.02.0062. (Conteúdo extraído do site do Tribunal Superior do Trabalho)

Justiça condena empregado a pagar danos materiais a empresa

A empresa Cipatex do Nordeste S/A entrou com uma ação de indenização por danos materiais contra um trabalhador acusado de fazer pagamentos irregulares e suspender descontos na folha de pagamento beneficiando outros empregados. A decisão em primeira instância diz que foi mantido um esquema de distribuição de verbas e de supressão de descontos, a priori legais, com divisão entre o requerido (empregado acusado) e colegas por ele previamente cooptados. Já o empregado, que é réu no processo, disse que a empresa armou uma cilada para ele, perse-guindo-o e valendo-se de funcionários para conseguir seu intento. No processo, a empresa pede que o valor por danos materiais decorrentes de prejuízos financeiros causados pelo réu seja de R$ 313.584,00. Na primeira instância, a condenação ao empregado foi de R$ 50.000,00. A empresa recorreu, alegando que no processo existem elementos suficientes para a comprovação de desvios no valor de mais de R$ 300 mil. Na segunda instância, os desembargadores da Primeira Turma de Jul-gamento determinaram que o valor da indenização por danos morais seja apurado com base na documentação que está no processo, observados os limites apontados pela empresa (R$ 313.584,00). Além disso, o empregado foi condenado a pagar as custas do processo, fixadas em R$ 2.000,00. A relatora do processo na Primei-ra Turma de Julgamento foi a Juíza Convocada Margarida Alves de Araújo Silva (Processo nº 0173400-412013.5.13.0025). (Conteúdo extraído do site do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região)

Pensão alimentícia é devida a partir da citação no processo, independente da maioridade civil

Reconhecida a paternidade, o genitor tem a obrigação de prestar alimentos ao menor desde a sua citação no processo, até que o filho complete a maioridade. Isso porque os alimentos são devidos por presunção legal, não sendo necessária a comprovação da necessidade desses. Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) garantiu a um rapaz o recebimento de pen-são alimentícia desde a citação no processo até a data em que ele completou a maioridade, no valor de meio salário-mínimo por mês. A ação de investigação de paternidade é proposta pela criança – representada por sua mãe – contra o suposto

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – CLIPPING JURÍDICO ..............................................................................................................................235

pai que se nega a reconhecer a criança de forma amigável. Uma vez provada a filiação, o pai será obrigado, por um juiz, a registrar e a cumprir todos os deveres relacionados à paternidade, como, por exemplo, pensão alimentícia e herança. Maioridade civil: A ação foi proposta quando o rapaz ainda era menor (13 anos). Entretanto, o suposto pai faleceu no decurso da ação, o que levou os avós paternos e os sucessores do falecido a participarem da demanda. Assim, o processo durou cerca de 12 anos, o que fez o menor alcançar a maioridade civil em 2005, cabendo a ele a prova da necessidade dos alimentos, que não foi feita. A justiça gaúcha re-conheceu a paternidade, por presunção, mas não fixou a obrigação alimentar devi-do à maioridade. Para o tribunal estadual, o rapaz é capaz e apto para desenvolver atividade laboral, sendo, inclusive, graduado em educação física, o que demonstra a desnecessidade do recebimento dos alimentos. Alimentos retroativos: No STJ, a defesa do rapaz pediu a fixação da pensão alimentícia, retroativa à data de citação até a conclusão do seu curso de graduação ou, alternativamente, que a extinção da obrigação de alimentar se dê com a maioridade civil. O relator do recurso, Ministro Villas Bôas Cueva, destacou que a jurisprudência do STJ é no sentido de não ser automática a exoneração em decorrência da maioridade do alimentando. Há de ser verificar, mediante produção de provas, a capacidade financeira do alimentante e a eventual desnecessidade do alimentado. No caso, os alimentos provisórios não foram fixados, a princípio, ante a insuficiência de prova quanto à alegada pater-nidade e, depois, porque o trâmite processual, aumentado ante o falecimento do pretenso pai e a negativa de realização do DNA pelos demais familiares, assim não o permitiu. Segundo o ministro, só o fato da maioridade do filho, quando da propo-situra de ação de investigação de paternidade não afasta a orientação consolidada pela Súmula nº 277 do STJ, no sentido de que, “julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação”. O processo tramita em segredo de justiça. (Conteúdo extraído do site do Superior Tribunal de Justiça)

Tribunal julga improcedente união estável post mortem

Os desembargadores da 1ª Seção Cível do TJMS julgaram improcedente, por unani-midade, a ação rescisória ajuizada por P. A. T., que objetiva a rescisão do acórdão proferido pelos membros da 5ª Câmara Cível do Tribunal, que, também por una-nimidade, negaram provimento ao recurso de apelação interposto pela requerente em face da sentença de improcedência proferida nos autos da ação declaratória de reconhecimento de união estável post mortem que propôs contra V. R. S. e M. I. de L. S., herdeiros e genitores do falecido F. L. S. A autora relata ter ajuizado a ação para obter pensão por morte do convivente falecido, e que o aludido feito é nulo desde a realização da audiência de instrução e julgamento, na qual o Magis-trado indeferiu o pedido de oitiva das testemunhas que compareceram à audiência independentemente de intimação, o que lhe causou prejuízo, em detrimento de suspender o processo, conforme determina o art. 13 do CPC, já que a autora, à época menor, não estava assistida por sua representante legal no ato, para o qual compareceu apenas a advogada contratada por sua genitora biológica e sustenta a

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possibilidade de ajuizamento da ação rescisória com fundamento na violação lite-ral ao art. 13 do CPC. Argumenta que a decisão que prescinde de fundamentação adequada ou apresenta motivação deficiente, sem dúvida, desafia ação rescisória mediante erro de fato consistente em considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido, nos termos do § 1º do inciso IX do art. 485, caput, do CPC. Aduzem que ainda que P. A. T. estivesse desassistida de sua representante legal na audiência de instrução e julgamento, tal ausência não teria poder de nulificar o ato, porquanto ausente prejuízo. Discorrem acerca do princípio da instrumentalidade das formas e colacionam jurisprudência, sustentando não prosperar também a pretensão da au-tora de repetição da audiência de instrução e julgamento em decorrência do inde-ferimento da oitiva das testemunhas levadas à audiência sem prévio arrolamento, sob pena de se negar vigência ao art. 407 do CPC. Mencionam que à autora deve ser aplicada pena por litigância de má-fé por alterar a verdade dos fatos, nos termos do art. 17 do CPC. Pugnam pelo julgamento de improcedência da demanda. O re-lator do processo, Desembargador Odemilson Roberto de Castro Fassa, afirma que, de fato, não é possível encontrar, na ata da audiência realizada, o nome da irmã e responsável legal da autora, P. R. da S. T. Entretanto, os interesses dela foram res-guardados, pois participaram do ato a então advogada de P. A. T. e o representante do Ministério Público, ao contrário do afirmado na inicial. Ademais, sequer verifico a ocorrência de prejuízo à autora passível de ensejar a anulação da audiência de instrução e julgamento realizada nos autos da ação de reconhecimento de união estável, na medida em que a advogada que a representava estava presente ao ato, tendo, inclusive, formulado perguntas às testemunhas da requerida e pleiteado que fossem inquiridas testemunhas que não foram tempestivamente arroladas, mas que compareceram independente de intimação, o que foi indeferido, ao argumento de que não houve requerimento prévio e tempestivo arrolando as testemunhas, nem mesmo protesto pelo comparecimento, afirma o relator em seu voto. Assim, de acordo com Fassa, o que se verifica das alegações da autora é que, ao argumento de violação de dispositivo de lei (art. 13 do CPC) e de erro de fato, pretende redis-cutir matérias cobertas pelo manto da coisa julgada, não só em relação à questão decidida na audiência de instrução e julgamento, mas também na sentença e no acórdão rescindendo, proferidos nos autos da ação de reconhecimento de união estável post mortem, o que não é admitido na via estreita da ação rescisória, prin-cipalmente quando não se verifica na sentença rescindenda violação ao disposi-tivo legal invocado pela autora e tampouco erro de fato. Quanto à litigância de má-fé, pleiteada pelos requeridos, é medida extrema, aplicada somente em casos excepcionais, quando demonstrada de forma inequívoca a conduta maliciosa e evidente intenção fraudulenta, o que não ocorreu neste caso específico. Processo nº 1414853-34.2014.8.12.0000. (Conteúdo extraído do site do Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul)

Fechamento da Edição: 12.01.2016

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Resenha Legislativa

LEIS

leI nº 13.234, de 29.12.2015 – publIcAdA no dou de 30.12.2015Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para dispor sobre a identificação, o cadastramento e o atendimento, na educação básica e na educação superior, de alunos com altas habilidades ou superdotação.

leI nº 13.204, de 14.12.2015 – publIcAdA no dou de 15.12.2015Altera a Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, “que estabelece o regime jurí-dico das parcerias voluntárias, envolvendo ou não transferências de recursos financeiros, entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público; define diretrizes para a política de fomento e de colabora-ção com organizações da sociedade civil; institui o termo de colaboração e o termo de fomento; e altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999”; altera as Leis nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, 9.790, de 23 de março de 1999, 9.249, de 26 de dezembro de 1995, 9.532, de 10 de dezembro de 1997, 12.101, de 27 de novembro de 2009, e 8.666, de 21 de junho de 1993; e revoga a Lei nº 91, de 28 de agosto de 1935.

leI nº 13.190, de 19.11.2015 – publIcAdA no dou de 20.11.2015 – edIção eXtrA

Altera as Leis nºs 12.462, de 4 de agosto de 2011, que institui o Regime Di-ferenciado de Contratações Públicas – RDC, 7.210, de 11 de julho de 1984, 6.015, de 31 de dezembro de 1973, 8.935, de 18 de novembro de 1994, 11.196, de 21 de novembro de 2005, e 12.305, de 2 de agosto de 2010; e dá outras providências

leI nº 13.189, de 19.11.2015 – publIcAdA no dou de 20.11.2015Institui o Programa de Proteção ao Emprego – PPE.

leI nº 13.186, de 11.11.2015 – publIcAdA no dou de 12.11.2015Institui a Política de Educação para o Consumo Sustentável.

leI nº 13.185, de 06.11.2015 – publIcAdA no dou de 09.11.2015Institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying).

Fechamento da Edição: 12.01.2016

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição o seguinte conteúdo:

ARTIGOS DOUTRINÁRIOS

• PrescriçãoeDecadêncianaAnálisedeAtosdeConcentração Daniel Christianini Nery Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET disponíveis em: online.sintese.com

• PrerrogativadeFunçãoeaEsquizofreniaLegísticanaAçãode Improbidade Administrativa

Elói Martins Senhoras e Ariane Raquel Almeida de Souza Cruz disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

Índice por Assunto Especial

DOUTRINAS

Assunto

Cidadania SoCial

•A Cidadania Social Existencial e a Evolução da Concessão do Benefício Assistencial da LOAS na Jurisprudência do Supremo Tribunal Fede-ral Através de uma Hermenêutica Reflexiva (Fernando Amaral e José Ricardo Caetano Costa)...9

•Paradigma Procedimentalista do Direito e Justi-ça Social: os Exemplos do Gênero e da Sexua-lidade (Clara Masiero) ..........................................31

Autor

Clara MaSiero

•Paradigma Procedimentalista do Direito e Justi-ça Social: os Exemplos do Gênero e da Sexua-lidade ..................................................................31

fernando aMaral e JoSé riCardo Caetano CoSta

•A Cidadania Social Existencial e a Evolução da Concessão do Benefício Assistencial da LOAS na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Através de uma Hermenêutica Reflexiva ................9

fernando aMaral e JoSé riCardo Caetano CoSta

•A Cidadania Social Existencial e a Evolução da Concessão do Benefício Assistencial da LOAS na Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Através de uma Hermenêutica Reflexiva ................9

ACÓRDÃO NA ÍNTEGRA

Assunto

Cidadania SoCial

•Processual civil e previdenciário – Recurso es-pecial – Benefício assistencial – Intervenção do Ministério Público – Nulidade da sentença – Descabimento – Violação dos arts. 83, I, 84, 246, § 2º, do CPC e art. 70 da Lei Complementar nº 75/1993 – Prejuízo da parte autora não evi-denciado no presente caso – Dissídio jurispru-dencial – Súmula nº 83/STJ – Recurso especial conhecido e não provido (STJ) ...................3195, 56

EMENTÁRIO

Assunto

Cidadania SoCial

•Ação civil pública – legitimidade da seccional da OAB para o ajuizamento da ação – enti-

dade responsável pela observância da justiçasocial .........................................................3196, 63

•Alteração da composição das câmaras munici-pais – norma de efeitos retroativos que viola a liberdade e a cidadania ............................3197, 63

•Aposentadoria especial – mandado de injunção – necessidade de garantir os recursos neces-sários à garantia da cidadania social ..........3198, 64

•Atraso injustificado na prestação jurisdicional é contrário à estrutura do estado democrático de direito, especialmente se o réu se encon-tra preso ....................................................3199, 64

•Benefícios previdenciários – distribuição jus-ta – ausência do preenchimento dos requisitoslegais .........................................................3200, 65

•Direito de creche a crianças de 0-6 anos – ne-cessidade de fornecimento de cidadania social ..................................................................3201, 65

•Processo como instrumento de promoção da cidadania social – prescindibilidade da liqui-dação de sentença que determina o pagamen-to de pensão a filho de preso, falecido dentroda penitenciária .........................................3202, 68

•Tabelamento de preço – responsabilidade do es-tado – garantia da liberdade de comércio ... 3203, 68

Índice Geral

DOUTRINAS

Assunto

ConSuMidor

•Proteção Funcional ao Consumidor – Sobre No-vos Modelos de Consumidor à Luz da Recen-te Teoria (Stefan Grundmann) ............................103

direito fundaMental

•Direito Fundamental à Saúde no SUS e a De-mora no Atendimento em Cirurgias Eleti-vas (Roberto Freitas Filho e Ramiro Nóbrega Sant’Ana ..............................................................70

Autor

raMiro nóbrega Sant’ana

•Direito Fundamental à Saúde no SUS e a De-mora no Atendimento em Cirurgias Eletivas.........70

roberto freitaS filho

•Direito Fundamental à Saúde no SUS e a De-mora no Atendimento em Cirurgias Eletivas ........70

Stefan grundMann

•Proteção Funcional ao Consumidor – So-bre Novos Modelos de Consumidor à Luz daRecente Teoria ...................................................103

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240 ..........................................................................................................DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

ACÓRDÃOS NA ÍNTEGRA

Assunto

aniStiado polítiCo

•Administrativo e processual civil – Anistiado político – Indenização por danos morais – Pres-crição – Inocorrência – Aplicação da teoria da causa madura – Indenização por danos morais e cumulação de reparação econômica concedida pela comissão de anistia – Impossibilidade – Re-visão do valor da prestação mensal – Critérios previstos em lei: observância – Recurso do autor improvido (TRF 1ª R.) ..............................3204, 125

benefiCio previdenCiário

•Conflito de competência – Ressarcimento de benefício pago indevidamente – Natureza pre-videnciária (TRF 4ª R.) .............................3207, 160

Contrato adMiniStrativo

•Conflito de competência – Direito civil – Direi-to administrativo – Correios – contrato da ad-ministração pública – Serviço de telemarketing – Regime de direito privado – Competência da1ª Seção (TRF 3ª R.) .................................3206, 153

deSCaMinho

•Penal – Processual penal – Apelação do réu – Crime do art. 318, caput, do CP – Facilitação de descaminho – Materialidade e autoria deli-tivas não comprovadas – Ausência de provas concretas da prática do crime – Condenação baseada numa versão de uma testemunha – Versão do apelante plausível – In dubio pro reo – Alegações finais e contrarrazões do parquet pedem absolvição do réu – Apelação do réu provida para absolver a teor do art. 386, VII, doCPP (TRF 2ª R.) ........................................3205, 146

exeCução fiSCal

•Constitucional e tributário – Execução fiscal – Conselho profissional – Anuidade – Natureza tributária – Fixação, cobrança, majoração – Cor- reção monetária – Instituída por resolução – Im-possibilidade – Violação do princípio da lega-lidade – Não aplicação da Lei nº 12.514/2011– Precedentes (TRF 5ª R.) .........................3208, 164

EMENTÁRIO

Administrativo

ação Civil públiCa

•Ação civil pública – posto de gasolina – com-bustível adulterado – comercialização – dano moral coletivo – configuração .................3209, 169

ConCurSo públiCo

•Concurso público – vigência – contratação tem-porária – provisioriedade – descaracterização ................................................................3210, 172

enSino

•Ensino – Enem – aprovação – idade inferior a 18 anos – diretrizes básicas da educação – observância .............................................3211, 172

Militar

•Militar – curso de habilitação – seleção interna – número de cargos – aumento – legislação su-perveniente – impossibilidade .................3212, 173

poder de políCia

•Poder de polícia – auto de infração – esposa doinfrator – penalidade – impossibilidade ...3213, 173

polítiCaS públiCaS

•Políticas públicas – Programa “Morar Bem” – renda familiar inferior a 12 salários mínimos– exigência ..............................................3214, 174

Servidor públiCo

•Servidor público – licença remunerada – mes-trado – conveniência e oportunidade – negativa – ilegalidade – ausência ...........................3215, 175

Ambiental

ação Civil públiCa

•Ação civil pública – fauna – formalização de acordo – DNIT e DER/SP – responsabilidade –possibilidade ...........................................3216, 175

aCidente aMbiental

•Acidente ambiental – contaminação – solo e águas subterrâneas – Súmula nº 83/STJ – apli-cabilidade ................................................3217, 177

área de preServação perManente

•Área de preservação permanente – atividades agressoras – edificações – demolição – pos-sibilidade .................................................3218, 178

•Área de proteção permanente – edificação – pro-ximidade de leito de rio – precedentes ..... 3219, 182

CriMe aMbiental

•Crime ambiental – art. 40 da Lei nº 9.605/1998 – concessão sursis – configuração ..............3220, 183

dano aMbiental

•Dano ambiental – acidente no transporte de óleo diesel – imposição de multa ao proprietário– impossibilidade .....................................3221, 183

•Dano ambiental – construção de hidrelétricas – pescador profissional – perícia – necessidade ................................................................3222, 184

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DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO .................................................................................................................241 Constitucional

direito fundaMental

•Direito fundamental – dignidade da pessoa humana e moradia – programa “lar solidário” – “bolsa-aluguel” – necessidade .................3223, 184

•Direito fundamental – direitos sociais – lei es-tadual – supressão indevida – inconstituciona-lidade ......................................................3224, 184

eduCação

•Educação – criança e adolescente – creche pública – matrícula – reserva do possível – ina-plicabilidade ............................................3225, 185

Mandado de Segurança

•Mandado de segurança – concessão – rodo-vias – lei municipal – isenção do pedágio – inconstitucionalidade ..............................3226, 185

Servidor públiCo

•Servidor público – auxílio-reclusão – períodode graça – extensão – exegese .................3227, 186

Penal/Processo Penal

ação penal

•Ação penal – quadrilha – venda de “raspadinha da sorte” – exploração de jogos de azar – justiça federal – incompetência ..........................3228, 187

CriMe Contra o SiSteMa finanCeiro

•Crime contra o sistema financeiro – gestão frau-dulenta – evasão de divisas – alegação ..... 3229, 188

CriMe Contra oS ServiçoS de teleCoMuniCaçõeS

•Crime contra os serviços de telecomunica-ções – desenvolvimento clandestino de ativi-dade – princípio da insignificância – não inci-dência .....................................................3230, 190

CriMe de peCulato

•Crime de peculato-furto – funcionário da CEF – materialidade e autoria – comprovação ................................................................3231, 191

JogoS

• Jogos – casa de bingos – pagamento em che-que – efeitos ............................................3232, 192

liberdade proviSória

•Liberdade provisória – estelionato – condições impostas – descumprimento ...................3233, 193

peCulato

•Peculato – defesa prévia – ex-servidor público– inaplicabilidade ....................................3234, 193

Processo Civil e Civil

ação de interdição

•Ação de interdição – legitimidade ativa – ordem legal – taxativa – não prioritária ...............3235, 194

ação de obrigação de fazer

•Ação de obrigação de fazer – demolição de imóvel – alienação posterior à propositura da ação – efeitos subjetivos da coisa julgada inal-terados .....................................................3236, 195

ação de preStação de ContaS

•Ação de prestação de contas – contrato de aber-tura de crédito em conta-corrente – carênciade ação – ausência de interesse de agir ...3237, 195

aliMentoS

•Alimentos – incidência sobre horas extras – acór-dão que decidiu além do pedido – incidênciasobre terço constitucional de férias ..........3238, 196

beM de faMília

•Bem de família – uso indevido de imóvel – in-denização ................................................3239, 199

dano Moral

•Dano moral – inscrição em cadastro de inadim-plência – notificação intempestiva ...........3240, 199

direito autoral

•Direito autoral e concorrência desleal – cria-ção intelectual – direito de uso sobre a obra ................................................................3241, 199

Trabalhista/Previdenciário

aCidente do trabalho

•Acidente do trabalho – auxílio-acidente – joga-dor de futebol – lesão no ombro direito – in-capacidade parcial e permanente – compro-vação – pagamento devido ......................3242, 200

•Acidente do trabalho – traumatismo crania-no – omissão de sinalização no local de tra-balho – negligência da empresa – dano moral– indenização devida ...............................3243, 201

apoSentadoria

•Aposentadoria – renúncia – direito indivi-dual disponível – decadência – inocorrência ................................................................3244, 202

benefíCio previdenCiário

•Benefício previdenciário – natureza alimentar– devolução dos valores – descabimento .. 3245, 202

CoMpetênCia Material

•Competência material – Justiça do Trabalho – contrato de trabalho celebrado entre atle-

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242 ..........................................................................................................DPU Nº 67 – Jan-Fev/2016 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

ta profissional e entidade de prática despor-tiva – alcance ..........................................3246, 203

eStabilidade proviSória

•Estabilidade provisória – dirigente sindical – dispensa anterior ao registro do sindicato pe-rante o MTE – irrelevância – reconhecimento ................................................................3247, 204

JuSta CauSa

• Justa causa – aviso-prévio – desconto – desca-bimento ...................................................3248, 205

Tributário

Contribuição previdenCiária

•Contribuição previdenciária – verbas indeni-zatórias – inexigibilidade – rediscussão – des-cabimento ...............................................3249, 205

eMpréStiMo CoMpulSório

•Empréstimo compulsório – energia elétrica –juros remuneratórios – impossibilidade ....3250, 206

exeCução fiSCal

•Execução fiscal – FGTS – penhora sobre imóvel – suspensão do feito – cabimento ............3251, 207

•Execução fiscal – fraude – inscrição do crédito em dívida ativa – configuração ................3252, 208

iCMS

• ICMS – venda a prazo – encargos incidentes – base de cálculo – valor total – possibilidade ................................................................3253, 209

iSS

• ISS – operação de leasing – suspensão de exigibilidade do tributo – Súmula nº 7/STJ –precedentes .............................................3254, 210

preSCrição interCorrente

•Prescrição intercorrente – art. 518, § 1º, do CPC– precedentes ..........................................3255, 210

Seção Especial

TEORIAS E ESTUDOS CIENTÍFICOS

Assunto

Maioridade penal

•A Maioridade Penal no Contexto da Socie-dade Natalense (Alcineia Rodrigues Santos, Adriano Fernandes dos Santos e Aurelia CarlaQueiroga da Silva) .............................................211

Autor

adriano fernandeS doS SantoS

•A Maioridade Penal no Contexto da Sociedade Natalense ..........................................................211

alCineia rodrigueS SantoS

•A Maioridade Penal no Contexto da Sociedade Natalense ..........................................................211

aurelia Carla Queiroga da Silva

•A Maioridade Penal no Contexto da Sociedade Natalense ..........................................................211

CLIPPING JURÍDICO

•Disputa sobre compensação de crédito tributá-rio tem repercussão geral ...................................230

•Gradiente indenizará advogado assediado pore-mails com “piadas de português” ....................233

• Instituto questiona cobrança de Imposto de Ren-da sobre pensão alimentícia ..............................230

• Justiça condena empregado a pagar danos ma-teriais a empresa ................................................234

•Pena de perdimento de bem usado em crime não pode ser revertida após trânsito em julgado da decisão .........................................................232

•Pensão alimentícia é devida a partir da cita-ção no processo, independente da maioridadecivil ...................................................................234

•Suspensas decisões que absolveram acusados de entregar veículo a motorista não habili-tado ...................................................................231

•Tribunal garante nomeação de mulher elimi-nada de concurso público por obesidade ..........229

•Tribunal julga improcedente união estável post mortem ..............................................................235

•Tribunal suspende liminar que autorizava hai-tianos a ingressarem no Brasil sem visto ............229

RESENHA LEGISLATIVA

leiS

•Lei nº 13.234, de 29.12.2015 – Publicada no DOU de 30.12.2015 ....................................237

•Lei nº 13.204, de 14.12.2015 – Publicada no DOU de 15.12.2015 ....................................237

•Lei nº 13.190, de 19.11.2015 – Publicada no DOU de 20.11.2015 – Edição extra...................237

•Lei nº 13.189, de 19.11.2015 – Publicada no DOU de 20.11.2015 .........................................237

•Lei nº 13.186, de 11.11.2015 – Publicada no DOU de 12.11.2015 .........................................237

•Lei nº 13.185, de 06.11.2015 – Publicada no DOU de 09.11.2015 .........................................237