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Revista SÍNTESE Direito Desportivo ANO IV – Nº 22 – DEZ-JAN 2015 DIRETOR EXECUTIVO Elton José Donato GERENTE EDITORIAL E DE CONSULTORIA Eliane Beltramini COORDENADOR EDITORIAL Cristiano Basaglia EDITORA Valdinéia de Cássia Tessaro de Souza CONSELHO EDITORIAL Alberto dos Santos Puga Barbosa Carlos Miguel C. Aidar Cristiano Augusto Rodrigues Possídio Domingos Sávio Zainaghi Fábio Lira da Silva Fernando Tasso de Souza Neto Gustavo Lopes Pires de Souza Marcelo Jucá Barros Martinho Neves Miranda Milton Jordão Paulo Bracks Rafael Teixeira Ramos Roberto Soares de Vasconcellos Paes Sandro Mauricio de Abreu Trindade COMITÊ TÉCNICO Alexandre Ramalho Miranda Caroline Nogueira Accioly Leonardo Schmitt De Bem COLABORADORES DESTA EDIÇÃO Bernardo Linhares Marchesini, Cassio M. C. Penteado Jr., Emilio Cortés Bechiarelli, Gustavo Lopes, Konrad Saraiva Mota, Leonardo Schmitt De Bem, Louis Augusto Dolabela Irrthum, Luciano de Campos Prado Motta, Paulo Celso Berardo, Rosario de Vicente Martínez ISSN 2236-9414

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Revista SÍNTESEDireito Desportivo

Ano IV – nº 22 – Dez-JAn 2015

DIretor executIVoElton José Donato

Gerente eDItorIAl e De consultorIAEliane Beltramini

coorDenADor eDItorIAlCristiano Basaglia

eDItorAValdinéia de Cássia Tessaro de Souza

conselho eDItorIAlAlberto dos Santos Puga Barbosa

Carlos Miguel C. AidarCristiano Augusto Rodrigues Possídio

Domingos Sávio ZainaghiFábio Lira da Silva

Fernando Tasso de Souza NetoGustavo Lopes Pires de Souza

Marcelo Jucá BarrosMartinho Neves Miranda

Milton JordãoPaulo Bracks

Rafael Teixeira RamosRoberto Soares de Vasconcellos PaesSandro Mauricio de Abreu Trindade

comItê técnIcoAlexandre Ramalho Miranda

Caroline Nogueira AcciolyLeonardo Schmitt De Bem

colAborADores DestA eDIçãoBernardo Linhares Marchesini, Cassio M. C. Penteado Jr., Emilio Cortés Bechiarelli,

Gustavo Lopes, Konrad Saraiva Mota, Leonardo Schmitt De Bem, Louis Augusto Dolabela Irrthum, Luciano de Campos Prado Motta, Paulo Celso Berardo, Rosario de Vicente Martínez

ISSN 2236-9414

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2011 © SÍNTESE

Uma publicação da SÍNTESE, uma linha de produtos jurídicos do Grupo SAGE.

Publicação de doutrina, jurisprudência, legislação e outros assuntos.

Todos os direitos reservados. Proibida a reprodução parcial ou total, sem consentimento expresso dos editores.

As opiniões emitidas nos artigos assinados são de total responsabilidade de seus autores.

Os acórdãos selecionados para esta Revista correspondem, na íntegra, às cópias obtidas nas secretarias dos respec-tivos tribunais.

A solicitação de cópias de acórdãos na íntegra, cujas ementas estejam aqui transcritas, e de textos legais pode ser feita pelo e-mail: [email protected] (serviço gratuito até o limite de 50 páginas mensais).

Distribuída em todo o território nacional.

Tiragem: 2.000

Revisão e Diagramação: Dois Pontos Editoração

Artigos para possível publicação poderão ser enviados para o endereço [email protected]

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Síntese Direito Desportivo. – Ano 4, n. 22 (dez./jan. 2015)- . – São Paulo: IOB, 2011- .

v. ; 23 cm.

Bimestral. ISSN 2236-9414

1. Ciências sociais aplicadas – Periódico. 2. Esportes – Legislação – Periódico. 3. Justiça desportiva – Periódico.

CDU: 34:796 CDD: 344.81099

Bibliotecária responsável Jucelei Rodrigues Domingues – CRB 10/1569

IOB Informações Objetivas Publicações Jurídicas Ltda.R. Antonio Nagib Ibrahim, 350 – Água Branca 05036‑060 – São Paulo – SPwww.iobfolhamatic.com.br

Telefones para ContatosCobrança: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900

SAC e Suporte Técnico: São Paulo e Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7247900E-mail: [email protected]

Renovação: Grande São Paulo (11) 2188.7900Demais localidades 0800.7283888

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Carta do Editor

Nesta edição da Revista SÍNTESE Direito Desportivo escolhemos como Assunto Especial o tema “Fraude no Desporto”, com a participa-ção dos Mestres Leonardo Schmitt De Bem, Rosário de Vicente Martínez e Emilio Cortés Bechiarelli.

Entre os textos publicados, destacamos trecho que o Professor Leonardo Schmitt De Bem analisará:

Não obstante, enquanto que no âmbito da violência desportiva não há dúvi-das sobre a idoneidade dos interesses protegidos penalmente, porque desde o ponto de vista constitucional está garantida a proteção da vida e da integri-dade pessoal dos desportistas, nos novos contextos de corrupção e fraudes há dúvidas a respeito.

A intenção maior deste ensaio será definir o verdadeiro bem jurídico tute-lado no contexto da corrupção e fraude desportiva e desde já adianto que vou desconsiderar a possibilidade de que a tutela penal se refira unicamente a valores de natureza desportiva. Analisarei a incidência penal em face de ações que exponham a perigo a concorrência justa no âmbito dos bens pa-trimoniais e econômicos relacionados com os esportes. Após estabelecer o bem jurídico protegido, cumprirá, finalmente, examinar como se realiza essa proteção penal. Ocuparei as linhas iniciais, no entanto, discorrendo sobre o possível fator que favoreceu a promulgação da nova legislação, bem como destacando as principais considerações sobre os respectivos delitos.

Já na Parte Geral desta edição levamos a você, leitor, um vasto conteú do com a publicação de diversos Acórdãos na Íntegra, Ementário de Jurisprudência, Doutrinas e Seções Especiais.

Na Seção de Doutrinas temos: os “Princípios Basilares, Gestão Eficaz e Diretrizes para uma Gestão Profissional Esportiva”, por Paulo Celso Berardo; a “A Cláusula Indenizatória e a Cláusula Compensatória no Contrato de Atleta Profissional: o Que Pensar?”, por Cassio M. C. Penteado Jr.; a “Aprendizagem no Desporto e Cumprimento do Artigo 429 da CLT pelas Entidades Desporti-vas”, por Konrad Saraiva Mota; e “A Propriedade Intelectual – Explorar Mais, Cuidar Mais para Ganhar Mais”, por Bernardo Linhares Marchesini.

Por fim, destacamos as Seções Especiais “De Frente para o Gol”, com um texto dos Drs. Louis Augusto Dolabela Irrthum e Luciano de Campos Prado Motta, intitulado “Breve Análise do Artigo 243-G, § 2º do CBJD”; e “Prática Processual”, com uma peça de autoria do Dr. Gustavo Lopes Pires de Souza.

Desejamos a você, leitor, uma excelente leitura!

Eliane BeltraminiGerente Editorial e de Consultoria

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Sumário

Normas Editoriais para Envio de Artigos .......................................................................... 7

Assunto EspecialFraude no desporto

doutrinas

1. A Corrupção e as Fraudes no Cenário Esportivo BrasileiroLeonardo Schmitt De Bem .............................................................................. 9

2. Fraude e Corrupção no Esporte ProfissionalRosario de Vicente Martínez ........................................................................ 38

3. O Delito de Corrupção Desportiva no Código Penal EspanholEmilio Cortés Bechiarelli ............................................................................... 71

Parte Geraldoutrinas

1. Princípios Basilares, Gestão Eficaz e Diretrizes para uma Gestão Profissional EsportivaPaulo Celso Berardo ..................................................................................... 94

2. A Cláusula Indenizatória e a Cláusula Compensatória no Contrato de Atleta Profissional: o Que Pensar?Cassio M. C. Penteado Jr. ........................................................................... 104

3. Aprendizagem no Desporto e Cumprimento do Artigo 429 da CLT pelas Entidades DesportivasKonrad Saraiva Mota ................................................................................... 109

4. A Propriedade Intelectual – Explorar Mais, Cuidar Mais para Ganhar MaisBernardo Linhares Marchesini ..................................................................... 115

Jurisprudência

Acórdãos nA ÍntegrA

1. Superior Tribunal de Justiça Desportiva ...................................................... 1192. Tribunal Superior do Trabalho .................................................................... 1283. Tribunal Superior do Trabalho .................................................................... 1364. Tribunal Regional Federal da 3ª Região ...................................................... 1495. Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região ............................................... 1576. Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região ............................................... 166

ementário

1. Administrativo e Constitucional .................................................................. 173

2. Civil ............................................................................................................ 175

3. Penal .......................................................................................................... 186

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4. Trabalhista .................................................................................................. 186

5. Tributário .................................................................................................... 199

Seção Especialde Frente para o Gol

1. Breve Análise do Artigo 243-G, § 2º, do CBJDLouis Augusto Dolabela Irrthum e Luciano de Campos Prado Motta ........... 203

prática processual

1. DoppingGustavo Lopes ............................................................................................ 211

Clipping Jurídico ................................................................................................... 223

Bibliografia Complementar ....................................................................................... 232

Índice Alfabético e Remissivo ................................................................................... 233

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Normas Editoriais para Envio de Artigos

1. Os artigos para publicação na Revista SÍNTESE Direito Desportivo deverão ser técni-co-científicos e focados em sua área temática.

2. Será dada preferência para artigos inéditos, os quais serão submetidos à apreciação do Conselho Editorial responsável pela Revista, que recomendará ou não as suas publicações.

3. A priorização da publicação dos artigos enviados decorrerá de juízo de oportunidade da Revista, sendo reservado a ela o direito de aceitar ou vetar qualquer trabalho rece-bido e, também, o de propor eventuais alterações, desde que aprovadas pelo autor.

4. O autor, ao submeter o seu artigo, concorda, desde já, com a sua publicação na Revista para a qual foi enviado ou em outros produtos editoriais da SÍNTESE, desde que com o devido crédito de autoria, fazendo jus o autor a um exemplar da edição da Revista em que o artigo foi publicado, a título de direitos autorais patrimoniais, sem outra remuneração ou contraprestação em dinheiro ou produtos.

5. As opiniões emitidas pelo autor em seu artigo são de sua exclusiva responsabilidade.6. À Editora reserva-se o direito de publicar os artigos enviados em outros produtos

jurídicos da Síntese.7. À Editora reserva-se o direito de proceder às revisões gramaticais e à adequação dos

artigos às normas disciplinadas pela ABNT, caso seja necessário.8. O artigo deverá conter, além de TÍTULO, NOME DO AUTOR e TITULAÇÃO DO

AUTOR, um “RESUMO” informativo de até 250 palavras, que apresente concisa-mente os pontos relevantes do texto, as finalidades, os aspectos abordados e as conclusões.

9. Após o “RESUMO”, deverá constar uma relação de “PALAVRAS-CHAVE” (palavras ou expressões que retratem as ideias centrais do texto), que facilitem a posterior pesquisa ao conteúdo. As palavras-chave são separadas entre si por ponto e vírgula, e finalizadas por ponto.

10. Terão preferência de publicação os artigos acrescidos de “ABSTRACT” e “KEYWORDS”.

11. Todos os artigos deverão ser enviados com “SUMÁRIO” numerado no formato “ará-bico”. À Editora reserva-se o direito de inserir SUMÁRIO nos artigos enviados sem este item.

12. Os artigos encaminhados à Revista deverão ser produzidos na versão do aplicativo Word, utilizando-se a fonte Arial, corpo 12, com títulos e subtítulos em caixa alta e alinhados à esquerda, em negrito. Os artigos deverão ter entre 7 e 20 laudas. A primeira lauda deve conter o título do artigo, o nome completo do autor e os respectivos créditos.

13. As citações bibliográficas deverão ser indicadas com a numeração ao final de cada citação, em ordem de notas de rodapé. Essas citações bibliográficas deverão seguir as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

14. As referências bibliográficas deverão ser apresentadas no final do texto, organizadas em ordem alfabética e alinhadas à esquerda, obedecendo às normas da ABNT.

15. Observadas as regras anteriores, havendo interesse no envio de textos com comen-tários à jurisprudência, o número de páginas será de, no máximo, 8 (oito).

16. Os trabalhos devem ser encaminhados preferencialmente para os endereços ele-trônicos [email protected]. Juntamente com o artigo, o autor deverá preencher os formulários constantes dos seguintes endereços: www.sintese.com/ca-dastrodeautores e www.sintese.com/cadastrodeautores/autorizacao.

17. Quaisquer dúvidas a respeito das normas para publicação deverão ser dirimidas pelo e-mail [email protected].

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Assunto Especial – Doutrina

Fraude no Desporto

A Corrupção e as Fraudes no Cenário Esportivo Brasileiro

LEONARDO SCHMITT DE BEMProfessor Adjunto de Direito Penal na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, Doutor em Direito Penal pela Università degli Studi di Milano, Doutor em Direito e Liberdades Fun-damentais pela Universidad de Castilla-La Mancha, Espanha, Mestre em Ciências Jurídico--Criminais pela Universidade de Coimbra.

SUMÁRIO: I – Planificação prévia; II – A Lei nº 12.299/2010; III – A construção teórica do conceito de esporte; 1 O esporte como uma convenção humana; 2 A dicotomia entre as regras esportivas; 3 A presença do sujeito julgador; 4 As consequências do conceito de esporte no direito penal; IV – A exigência da justiça penal para a corrupção e a fraude esportiva; V – O objeto de proteção penal de-finido pelo legislador brasileiro; VI – A tutela penal dos interesses patrimoniais e econômicos; VII – O juízo de idoneidade das ofensas ao bem jurídico penal.

I – PlaNIfIcação PrévIa

Conjuntamente aos exemplos de doping e violência no âmbito es-portivo, as notícias de casos de corrupção e fraude esportiva no Brasil ra-pidamente despertam o interesse do público e adquirem status de escân-dalo. Provavelmente os leitores recordarão alguns fatos nesses contextos. Entendo que essas duas novas variáveis de criminalidade constituem parte do que se poderia denominar âmbito moderno do direito penal esportivo1.

Ainda que os fenômenos da corrupção e das fraudes não sejam tão numerosos no Brasil como o são em países europeus2, durante anos

1 Aqui claramente seguimos a proposta de Rosario de Vicente Martínez.2 A intervenção penal em matéria de corrupção e fraudes no esporte europeu se iniciou na Itália por meio

da Lei nº 401/1989, de 13 de dezembro. Houve a previsão de dois delitos alternativos que constituem a fraude em um sentido amplo: a corrupção esportiva e a fraude esportiva em sentido estrito. A propósito, Vide: ERRERE, Pietro. Frode Sportiva e Doping. Bari, 2011. p. 19-55. Portugal também recorreu a uma lei própria para regular a prática da corrupção esportiva. O diploma vigente é a Lei nº 50/2007, de 31 de agosto. Prevê a responsabilização penal das condutas de corrupção, tráfico de influência e associação ilícita. A Lei nº 5/2010, de 23 de novembro, atual Código Penal espanhol, conforme vimos, incluiu o delito de corrupção nos esportes entre as infrações contra o patrimônio e contra a ordem econômica. Além dos dois textos anteriores, Vide: DE VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho Penal del Deporte. Barcelona, 2010. p. 543 e ss. Na Alemanha, algumas vozes requerem tratamento específico para esse contexto, pois não haveria possibilidade de enquadrar todas as ações no delito de estelionato.

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apenas despertaram o interesse do ordenamento esportivo e de seus Tri-bunais, não havendo leis na ordem estatal que também os qualificassem como ilícitos penais. Era como se a proteção penal de alguns interesses ju-rídicos ficasse interrompida a porta dos eventos esportivos. Essa situação, no entanto, começou a mudar com a promulgação da Lei nº 12.299/2010, que incluiu alguns tipos penais no Estatuto de Defesa do Torcedor. O esporte, portanto, se converteu em um contexto de ofensas ou ameaças a bens jurídicos diversos.

Todavia, enquanto que no âmbito da violência esportiva não há dúvidas sobre a idoneidade dos interesses protegidos penalmente, pois desde o ponto de vista constitucional está garantida a proteção da vida e da integridade pessoal dos esportistas, nos novos contextos de corrupção e fraudes há dúvidas a esse respeito. A primeira finalidade deste ensaio, portanto, será definir o verdadeiro bem jurídico tutelado no contexto da corrupção e fraude esportiva, e desde já adianto que vou desconsiderar a possibilidade de que a tutela penal se refira unicamente a valores de na-tureza esportiva. Analisarei a incidência penal em face de condutas que exponham a perigo a concorrência justa no âmbito dos bens patrimoniais e econômicos relacionados ao esporte. Definido o bem jurídico protegi-do, cumprirá, como segunda meta deste ensaio, examinar como deve ser realizada essa proteção penal. Antes, porém, ocuparei as linhas inicias discorrendo sobre a Lei nº 12.299/2010, de 27 de julho.

II – a leI Nº 12.299/2010

A intervenção penal no esporte brasileiro ocorreu com a promul-gação da Lei nº 12.299/2010, que incluiu o Capítulo XI-A no Estatuto de Defesa do Torcedor vigendo há exatos dez anos. Entre os delitos contemplados, mais além das ações relacionadas à violência esportiva, o legislador tipificou a corrupção e as fraude nos eventos esportivos. Aparentemente, os fatos que preencheram o vazio normativo nesses contextos não foram os jogos manipulados do Campeonato Brasileiro de 2005 – que favoreceram apostadores clandestinos e resultaram na exclusão definitiva de dois árbitros e na anulação de onze resultados –, pois nosso legislador não costuma tardar no seu labor, senão a aproxi-

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mação do Mundial de Futebol de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 que se celebraram no nosso País3.

Antes da promulgação da respectiva lei, o ordenamento brasileiro regulava um esquema de sanções penais no âmbito de corrupção entre particulares por meio da Lei nº 9.279/1996, de 15 de maio, relativa aos direitos e obrigações em temas de propriedade industrial, em especial no que se relaciona ao direito de concorrência. Textualmente expressam os incisos IX e X do art. 195:

Comete crime de concorrência desleal quem: dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, fal-tando ao deber do emprego, lhe proporcione vantagem; recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, fal-tando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador.

Ainda que represente norma de escassa relevância prática, confor-me setor da doutrina penal4, igualmente ao que ocorre em outros paí-ses nos quais o legislador privilegiou um modelo privado de sanção de corrupção particular, entendo que as atuais modalidades de corrupção esportiva seguem o enfoque concorrencial da legislação antes referida, porque, ao tutelar um bem jurídico da coletividade, considera-se que o espectador não é apenas um simples apaixonado pelos eventos esporti-vos, senão que ele assume a posição de consumidor.

O legislador nacional se orientou segundo a estrutura prevista no Código Penal brasileiro para o delito de corrupção no setor público, ou seja, dois preceitos penais com idêntico castigo (prisão de dois a seis anos e multa cumulativa) às infrações de corrupção entre particulares no espor-te. Influenciado especialmente pelo legislador português, sanciona quem outorga o suborno e aquele que é subornado, como exceção ao princípio monista do concurso de agentes (art. 29 do CP). Textualmente:

3 Na Europa, por exemplo, valendo-me do direito comparado, a intervenção penal foi marcada por diferentes casos, mas geralmente relacionados com o futebol. Na Itália, promulgou-se a Lei nº 401/1989, de 13 de dezembro, como consequência do escândalo conhecido como calcio-scommesse. Em Portugal, primeiro com a detenção de alguns árbitros suspeitos de manipularem partidas no conhecido caso apito-dourado, mas principalmente com o descenso de série da equipe Boavista devido a atos de suborno devidamente comprovados no dossiê apito-final, foi aprovada a Lei nº 50/2007, de 31 de agosto. Na Espanha, como destacado, a suposta insuficiência da disciplina esportiva ou do procedimento administrativo, especialmente em face da dificuldade de obtenção de elementos de prova para erradicar estas ações do esporte, influenciou a decisão do legislador.

4 GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio Berdugo; CERINA, Giorgio. Sobre la corrupción entre los particulares. Convenios internacionales y derecho comparado. Revista do IBCCrim, a. 19, v. 89, 2001.

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Art. 41-C. Solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou pro-messa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado da competição esportiva.

Art. 41-D. Dar ou prometer vantagem patrimonial ou não patrimonial com o fim de alterar ou falsear o resultado de uma competição esportiva.

Curiosamente não existe referência expressa aos agentes esportivos como os sujeitos ativos da corrupção passiva (art. 41-C). Contudo, ainda que a lei não exija, deve tratar-se de pessoa capaz de influenciar o resulta-do da competição esportiva, isto é, “para a existência do delito, deve ha-ver um nexo entre a vantagem solicitada ou aceita e a atividade exercida pelo subornado, pois, nos casos de agente incompetente para a realização do ato comercializado, não há que falar do delito em estudo em razão da ausência de um dos pressupostos legais constitutivos do tipo penal”5. Ademais, entendo que deve sobressair a tese que privilegie como agente do delito de corrupção passiva não somente os árbitros e os jogadores, senão que abarque aqueles que colaboram na atividade esportiva. Assim, todos que estão em seu interior, porquanto é possível que um técnico solicite dinheiro ao dirigente da equipe adversária para que não escale na partida decisiva seu melhor jogador. Por sua vez, quanto ao delito de cor-rupção ativa (art. 41-D), qualquer pessoa pode ser o agente, inclusive os esportistas, ainda que o preceito pareça tutelar penalmente os interesses correlatos de condutas que proveem concreta e unicamente do exterior da competição. Portanto, ambos os preceitos configuram delitos comuns.

Um número indeterminado de pessoas pode ser vítima no marco das condutas incriminadas. Trata-se de um crime vago. São tutelados os demais competidores (todos os que não estão envolvidos), os organizado-res do torneio, seus patrocinadores e todas as pessoas que comparecem pessoalmente aos eventos e aquelas que procedem com apostas em siste-mas devidamente autorizados.

Em determinados contextos, a corrupção caracteriza-se como delito de natureza unilateral, pois o simples oferecimento ou a mera promessa de alguma dádiva de uma pessoa ao participante na competição, como, por exemplo, a oferta ao árbitro de uma viagem de férias ao litoral brasileiro, já concretiza a infração (art. 41-D), ainda que não aceita pela autoridade.

5 GOMES, Luiz Flavio; CUNHA, Rogério Sánchez. Estatuto do Torcedor comentado. São Paulo, 2011. p. 125-126.

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Impossível sustentar que se trata de conduta adequada socialmente. E o mesmo quanto à corrupção passiva, pois não é necessário que o dirigente outorgue a vantagem solicitada pelo esportista para a existência do delito.

A finalidade do legislador é obstar que a correta realização da com-petição esportiva não se desvirtue devido a casos de manipulação de re-sultados nos jogos de futebol. A maior parte dos casos ocorre por meio de condutas de corrupção. Porém, outro tipo penal foi desenhado para punir com penas de reclusão, de dois a seis anos, e multa o autor ou partícipe de qualquer ação fraudulenta com o fim de lograr a alteração do resultado da competição esportiva. Textualmente: “Art. 41-E. Fraudar, por qualquer meio, ou contribuir para que se fraude, de qualquer forma, o resultado de competição esportiva”.

Trata-se de uma infração comum em relação ao agente delitivo. As-sim, não há dúvidas de que um esportista pode enganar seus adversários – ou inclusive um companheiro de equipe – com o objetivo de cometer uma fraude e alterar o resultado do jogo por meio da violação dos deveres esportivos. Assim pode suceder, por exemplo, se um jogador de beisebol não utiliza um taco de madeira maciça, mas de cortiça. Seria completa-mente impossível rebater a bola o mais distante possível considerando não se tratar de um bastão adequado ao jogo. Ainda se pode imaginar um caso de esportista paralímpico que não apresenta qualquer incapacidade e compete com quem possua algum tipo de limitação. Igualmente esta-mos diante de um crime vago, isto é, com um número indeterminado de vítimas.

A doutrina penal assinala que existe uma probabilidade de dano ao objeto de proteção penal suficientemente idônea para legitimar as re-feridas infrações já com a intenção do agente delitivo de lograr uma van-tagem concorrencial injusta. Equivale a dizer que o legislador tipificou alguns delitos de perigo. Porém, entre os delitos de perigo é usual uma distinção entre delitos de perigo abstrato e delitos de perigo concreto. Naqueles é a importância do perigo o motivo que auxilia a criação dos respectivos tipos, ao passo que nos últimos o perigo compõe a descrição típica como um elemento normativo6. Desta dicotomia se retira que a lei penal brasileira relacionada à corrupção e às fraudes esportivas não

6 Sobre a tradicional bipartição: PAGLIARO, Antonio. Principi di Diritto Penale. Parte Generale. 5. ed. Milano, 1996. p. 243-246; PADOVANI, Tullio. Diritto Penale. 4. ed. Milano, 1988. p. 173; MAURACH, Reinhart; ZIPF, Heinz. Tratado de Derecho Penal, p. 359 e ss.; STRATENWERTH, Günter. Derecho Penal. Parte General. El Hecho Punible. Trad. Gladys Romero. Madrid, 1982. p. 79.

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descreve o perigo como elemento integrante das condutas respectivas. Assim, como em outros setores sociais, também nos esportes o legislador seguiu o instinto de antecipação da tutela penal com a difusão de delitos de perigo abstrato7.

Penso que esta adequação é absolutamente “perigosa”. Tomemos por exemplo o caso de oferta patrimonial – com o propósito de predeter-minar o resultado de uma partida – destinada a um jogador de futebol que não é escalado pelo treinador ou que se lesiona minutos antes de começar o jogo. Nessa situação, para quem presume o perigo da conduta, have-rá delito. Tratar-se-ia de crime de perigo puro. Porém, esta interpretação deve ser refutada, pois nem sequer seria possível avaliar um potencial pe-rigo ao bem jurídico inerente à ação praticada. Nesse caso, pelo menos, o “futebolista comprado” deveria ter participado ou ser uma alternativa para o treinador. Para obstar uma eventual punição pela mera desobediência ao preceito penal, ou seja, ofensiva ao princípio da lesividade, é necessá-rio que os juízes realizem uma interpretação restritiva da ratio da tutela do bem jurídico, que não será necessariamente fiel à vontade do legislador8. É o mesmo caminho já percorrido para o doping, ou seja, o Magistrado deve interpretar evolutivamente o delito, ou seja, deve realizar ou proce-der a uma interpretação constitucionalmente orientada para legitimar o direito de punir, pois do contrário poderá ilustrar uma decisão incorreta. É inadmissível punir uma conduta que sequer gerou um potencial perigo para o bem jurídico tutelado penalmente. E qual a vantagem dessa inter-pretação? O togado deixa de valorar com mais intensidade o significado da ação delitiva, como uma negação das condições de vida em socie-dade, em benefício do real conteúdo do tipo penal. Para não punir pela simples desobediência, deve-se seguir Domenico Pulitanò: “Na interpre-tação da lei penal estão excluídas as soluções exegéticas que incluam na espécie delitiva fatos não lesivos aos interesses penalmente protegidos”9.

É extremamente relevante frisar que todas as infrações requerem uma finalidade ulterior na conduta do agente e que consiste em alterar o resultado da competição esportiva em decorrência do abandono de sua correta e justa realização. Elas exigem o dolo específico. Esse elemento é essencial especialmente para o crime de fraude esportiva (art. 41-E), pois sua presença revela consequência notada por poucos penalistas: o

7 GOMES, Luiz Flavio; CUNHA, Rogério Sánchez. Op., cit., p. 126. 8 ESER, Albin. Deporte y Justicia penal, p. 64. Ver, nessa coletânea, a tradução para o português. 9 PULITANÒ, Domenico. Sull’interpretazione e gli interpreti della legge penale. Milano, p. 683.

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legislador brasileiro tipificou a punição dos agentes delitivos para evitar a punição penal apenas pela tentativa de estelionato (art. 171 c/c art. 14, II). Explico.

O momento consumativo do delito de fraude nos esportes ocorre com o desenvolvimento de qualquer conduta fraudulenta e não com o efetivo prejuízo causado ao patrimônio econômico de um número in-determinado de pessoas derivado da alteração do resultado da partida. Equivale a dizer que o legislador castigou penalmente o potencial perigo ao bem jurídico. Por sua vez, a consumação do estelionato ocorre quando o agente efetivamente causa o prejuízo patrimonial econômico, pois se trata de delito de lesão. Com efeito, não sendo exigido o dolo específico para o delito especial (art. 41-E), resultaria somente a punição pela tenta-tiva do delito geral (art. 171 do CP) nos casos em que o agente não obtém o proveito patrimonial.

Todavia, considerando a enorme margem de atuação delitiva nas fraudes, especialmente pela deficiente técnica do dispositivo – trata-se de crime de forma livre que equipara o autor da conduta com o mero partícipe –, há necessidade de buscar fundamento plausível para excluir a responsabilidade penal dos atletas que praticam condutas fraudulentas, como marcar um gol com a mão, pois seria chocante declará-los como criminosos. É decisivo, assim, frear a preocupação de Mathias Jahn, apre-sentada por Luís Greco, de que a atenção à concorrência desleal gera uma “tendência de criminalização difusa”10. Nesse sentido, valendo-me do conceito de esporte que é construído com base na filosofia do esporte, originalmente apresentado entre nós pelo penalista referido, será possível apresentar um mecanismo bastante interessante para limitar a incidência do direito penal no contexto esportivo.

III – a coNStrução teórIca do coNceIto de eSPorte

O primeiro passo que merece destaque é que o esporte constitui uma competição física corporal entre duas ou mais pessoas, ainda que em certos casos com o auxílio de máquinas ou de animais. Portanto, os jogos eletrônicos e os jogos algorítmicos ficarão excluídos do futuro conceito. No entanto, não é suficiente a competição humana, como, por exemplo, que dois amigos comecem a correr a toda velocidade até

10 JAHN, Matthias apud GRECO, Luís. Sobre a legitimidade da punição do autodoping, p. 69.

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o ponto de caírem exaustos ao chão. Todo esporte, como um jogo, tem uma finalidade representada pela vitória. É interesse destacar, inclusive, que o termo grego athletos designa o vencedor de uma competição. Regressando ao exemplo, seria diferente se ambos decidissem correr até uma árvore e que aquele que a alcançasse primeiramente fosse consa-grado vencedor11.

Se ambos começam a correr, porém, durante a corrida, um deles empurrasse o outro ao chão para ganhar, ainda não se poderia considerar um esporte. O segundo passo, portanto, é fixar as regras que devem ser seguidas para lograr a vitória. Aqui não há um consenso entre os autores, porém se podem vislumbrar duas categorias: as regras constitutivas e as regras regulativas.

Após a definição do objetivo e o estabelecimento das regras da cor-rida, os amigos iniciam a prova e novamente um deles empurra o outro com a alegação de que não havia sido definido que não seria possível declarar-se vencedor quem casualmente transgredisse uma regra. Neste ponto, além de definir as sanções pelo descumprimento, é necessário que o controle das regras seja realizado por terceiro estranho aos atletas e que possa castigá-los em caso de violação. Surge, então, o árbitro12.

Esses três elementos – homens, regras e árbitro – compõem o se-guinte conceito delineado por Martin Bertman:

O esporte é uma espécie de jogo entre dois ou mais seres humanos que implica diretamente habilidades físicas e/ou potencialidade em uma dis-puta cujo fim representa a vitória. Cada esporte, da mesma maneira, é uma estrutura criada por regras constitutivas, com uma determinação quanti-tativa em função da vitória; o jogo poderá ser facilitado por regras regu-lativas controladas pela autoridade absoluta de um árbitro que analisa a relação das ações no jogo com as regras que descrevem aquele particular esporte.13

11 Para alcançar o objetivo de apresentar um conceito essencial do esporte e sua consequente construção teórica, recorrerei à filosofia do esporte, ainda pouco conhecida dos operadores do direito penal: BERTMAN, Martin A. Filosofia dello Sport: Norme e Azione Competitive. Trad. Francesca D’Alfonso. Rimini, 2008. p. 25-43. Para outras referências, por exemplo: GRECO, Luís. Sobre a legitimidade da punição do autodoping, p. 70-76. O exemplo destacado foi retirado de: GASBARRO, Luca. La dimensione sociale del lavoro sportivo. Ripensare lo Sport. Per una Filosofia del Fenómeno Sportivo. Rimini, 2010. p. 79-80.

12 Sobre a figura do árbitro, veja-se: BERTMAN, Martin A. Filosofia dello Sport, p. 39. 13 BERTMAN, Martin A. Op. cit., p. 40.

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1 O espOrte cOmO uma cOnvençãO humana

É possível que o leitor mais curioso se questione o motivo de eu seguir no contexto da filosofia do esporte. Explico. Um dos primeiros a desenvolver considerações filosóficas sobre a natureza dos jogos foi Ludwig Wittgenstein, ao final dos anos vinte do século passado. Alguns estudiosos, como Giovanni Franchi, mencionam que nos textos do filó-sofo austríaco a referência aos jogos era constante, a uma, porque os en-tendia como forma de comunicação entre as pessoas e, a duas, porque representavam um grande modelo para tratar de compreender o significa-do da própria linguagem14.

O legado de Ludwig Wittgenstein é usado atualmente pela filosofia do esporte e ainda pode ser trabalhado no Direito (penal). Para justificar, regresso ao exemplo anterior. Os dois amigos decidiram estabelecer algu-mas regras e elegeram um árbitro para que fosse possível a corrida entre eles. Um conjunto de decisões ou sua sucessão conduz a uma conven-ção concluída, isto é, neste contexto, ao conceito de esporte. A trilogia destacada compõe o conceito de esporte e este não é nada mais que um produto estabelecido por convenções determinadas pelos homens (no caso, os participantes), mediante a linguagem, pelo que, o esporte é uma convenção humana.

O fato de que o conceito de esporte seja resultado de uma ordem de decisões humanas, porém, não impede que outras decisões sejam es-tabelecidas já com o conceito definido. Dito de outra forma e por meio de uma interpretação do filósofo Gregorio Robles, acaso seja considera-do o esporte como um sistema, pode dizer-se que as decisões prévias a sua criação apresentam uma natureza extrassistemática e que as decisões tomadas no interior de seu contexto têm um corte intrassistemático. Esta análise facilitará a compreensão da estrutura formal do esporte15.

2 a dicOtOmia entre as regras espOrtivas

A estruturação formal do esporte em regras constitutivas e regras regulativas é resultado da filosofia da linguagem, ainda que as expressões

14 FRANCHI, Giovanni. Wittgenstein e le filosofie novecentesche del gioco e dello sport. Ripensare lo Sport. Per una Filosofia del Fenómeno Sportivo. Rimini, 2010. p. 33-36.

15 ROBLES MORCHÓN, Gregorio. Las Reglas del Derecho y las Reglas de los Juegos. México, 1988. p. 119-198.

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tenham adquirido maior força em razão de um estudo de Jonh Searle nos anos sessenta do século passado16.

Contudo, é mais relevante definir a diferença entre regras consti-tutivas e regulativas no esporte do que discutir sobre sua contingente pa-ternidade. Para isso, entendo oportuno valer-se do exemplo de Martin Bertman: “Em um quadro, uma pincelada a mais resulta regulativa, no entanto, a troca das cores resulta constitutiva de um novo objeto”17.

Do contexto do esporte, interpretando o exemplo do professor da Universidade de Helsinque, infere-se que as regras constitutivas são pré-vias ao que se referem. Isso significa que o esporte, como o quadro, nasce apenas devido às regras constitutivas. Com isso, é fácil saber o que é uma partida de futebol, porque previamente se estabeleceu que somente uma bola deve ser usada pelos jogadores. Estas regras fazem com que o futebol seja possível e, quando não cumpridas, distorcem a natureza do objeto (isto é, deforma-se o quadro com a mudança das cores). Por oposição, as regras regulativas dizem respeito a questões posteriores e, quando não são cumpridas, não alteram a natureza do objeto (isto é, como com uma pin-celada a mais no quadro). É o que acontece quando duas bolas de futebol estão no gramado durante alguns segundos.

Para visualizar outro exemplo, ainda no âmbito do futebol, pode-se dizer que a proibição de agredir o jogador adversário constitui uma regra constitutiva, porque do contrário um jogo de futebol se converteria em uma luta de boxe. Por sua vez, cometer uma falta representa a violação de uma regra regulativa do futebol. Porém, esta violação não pode ocorrer constantemente, porque a transgressão habitual também pode modificar a natureza da atividade esportiva, no caso, o futebol18.

Martin Bertman e Amadeo Conte podem ser considerados forma-listas na moderna filosofia do esporte, pois interpretam os jogos como a soma de suas regras. Para o filósofo italiano, ainda, as regras constituti-

16 CONTE, Amedeo Giovanni. Paradigmi d’analisi della regola in Wittgenstein. Wittgenstein. Momenti di una Critica del Sapere. Napoli, 1983. p. 40 destaca que, no ano da morte do austríaco o filósofo Antonio Pagliaro, havia utilizado a expressão regras constitutivas em Le Regole del Gioco (1951). Ademais, contrariamente a Bertman na filosofia [Op. cit., p. 35] e a Greco no Direito [Op. cit., p. 71], entre os autores que apresentam alguma preocupação sobre a gênese da terminologia, menciona que já em 1964 Searle utilizou a expressão regras constitutivas em How to Derive ‘Ought’ from ‘Is’ e não apenas em 1969 em Speech Acts, como os dois outros assinalam.

17 BERTMAN, Martin A. Op. cit., p. 28. 18 CONTE, Amedeo Giovanni. Filosofia del Linguaggio Normativo. Torino, v. II, 1995. p. 322 remarca que “as

regras constitutivas são condições necessárias do jogo”. Nesse sentido, destacando que os jogos têm uma epistemologia essencial: BERTMAN, Martin A. Op. cit., p. 25.

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vas são dicotômicas, classificando-as em ônticas e deônticas. O filósofo, porém, não apresenta uma conceituação exata destas regras. Gregorio Robles, por sua vez, o faz e acrescenta uma terceira categoria: a das regras constitutivas técnicas19.

Valendo-se do xadrez, como fazia Ludwig Wittgenstein, o autor es-panhol assinala que as regras ônticas apenas indicam os elementos pré-vios e necessários para a atividade. Com efeito, por exemplo, os tabulei-ros de xadrez têm trinta e duas peças. As regras técnicas, derivadas das regras ônticas, referem-se ao procedimento das condutas que têm lugar durante o jogo. Por exemplo, o bispo somente pode ser movimentado em diagonal. De fato, normalmente há regras deônticas, ou seja, aquelas que estabelecem deveres, como, por exemplo, o movimento das peças no tabuleiro não se pode desfazer, a menos que seja um movimento ilegal20.

No contexto do sistema esportivo, adaptando a análise dessa doutri-na, as regras constitutivas têm natureza extrassistemática, e as regulativas apresentam um corte intrassistemático. Porém, apenas as primeiras não deverão ser infringidas de nenhuma maneira pelos esportistas, pois criam os elementos necessários para que possa haver uma ação dentro do âmbi-to esportivo e a ação propriamente dita21.

3 a presença dO sujeitO julgadOr

Martin Bertman acrescenta que “o caráter indeterminado das ações no interior das regras requer a presença de uma autoridade para garantir o jogo no interesse da finalidade da vitória”. Continua destacando que “a autoridade do árbitro é uma condição importantíssima do esporte, pois constitui uma barreira contra a inseguridade em ocasiões do jogo”22. Re-gressando ao exemplo dos amigos, o desejo de ganhar a qualquer custo fez com que um deles desobedecesse às regras da corrida. Portanto, para manter a regularidade com o cumprimento das regras, é fundamental a presença de um sujeito julgador. O árbitro, livremente eleito e investido de poder, é especialmente relevante para o controle do modus agendi dos atletas na competição, oferecendo legitimidade ao resultado final.

19 CONTE, Amedeo Giovanni. Op. cit., v. I, p. 243. 20 ROBLES MORCHÓN, Gregorio. Op. cit., p. 119-198. 21 BERTMAN, Martin A. Op. cit., p. 28 faz referência à construção de uma ciência como um sistema funcional

com regras elaboradas em seu interesse e naturalmente passíveis de mudanças. 22 Idem, p. 39.

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4 as cOnsequências dO cOnceitO de espOrte nO direitO penal

Em um interessante trabalho sobre esportes e direito penal, aqui tra-duzido, Albin Eser distingue a existência de dois mundos que, à primeira vista, não são facilmente associados. É inegável, porém, embora haja uma possível dificuldade de associação, que o esporte assume uma importân-cia singular para o direito penal. É impossível defender a distância entre ambos. Cumprirá aos Magistrados realizar a valoração penal de relevantes condutas lesivas ou arriscadas aos bens jurídicos tutelados, até porque um setor da doutrina penal discorre sobre o direito penal do esporte23.

Paralelamente à extraordinária difusão dos acontecimentos es-portivos, há certas espécies de criminalidade no esporte que põem em perigo sua própria existência: os homicídios, as lesões, as fraudes, a corrupção, o doping, etc. Condutas que, em síntese, afastam-se da for-ma rigidamente estruturada do esporte, pois há abandono das regras esportivas. Com efeito, além de garantir fundamentalmente a igualdade de concorrência entre os atletas, tanto as regras constitutivas como as regras regulativas representam importante meio de auxílio na proteção penal de bens jurídicos.

Isso significa que o descumprimento das regras esportivas é um fa-tor que pode facilitar a união entre o esporte e a justiça penal. A violação das regras poderá ocorrer antes ou durante o torneio ou competição. O que se realizar fora do sistema de disputa, como a corrupção e as fraudes esportivas, afetará especialmente as regras constitutivas do esporte. O que acontecer dentro do sistema de disputa, como a maior parte das lesões es-portivas, mormente afetará as regras regulativas. O objetivo do ensaio, na sequência, é investigar quando o direito penal poderá incidir em caso de violação de uma regra do esporte, especialmente de uma regra constituti-va. Assim, será possível proporcionar ao Poder Judiciário, especialmente remisso nesse contexto, um mecanismo qualificado e adequado para a resolução de tais problemas. É uma proposição teórica que poderá ganhar terreno prático.

23 ANDRADE, Manuel da Costa. As lesões corporais (e a morte) no esporte, p. 681; TRAVERSI, Alessandro. Diritto Penale dello Sport, p. 37; DE VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Op. cit., p. 97; KUHN, André. Aspects Pénaux du Droit du Sport. Berna, 2002.

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Iv – a exIgêNcIa da juStIça PeNal Para a corruPção e a fraude eSPortIva

Imaginemos o seguinte grupo de exemplos: existência de uma am-pla rede de organização de jogos manipulados com a participação de futebolistas; compra e venda de partidas de futebol pelos dirigentes de uma equipe; e corrupção dos árbitros. Agora recordemos da “mão de Deus”, que é o nome com o qual se conhece o primeiro gol anotado por Maradona na partida Argentina e Inglaterra pelas quartas de final no Mun-dial do México de 1986.

Todos os exemplos constituem casos de fraude esportiva em sentido amplo, porém, entender que a ação do ex-jogador argentino deveria ser castigada penalmente soa absurdo. Não se pode pensar que revela um valor penal como o das demais ações, apesar das possíveis consequências em razão da irregularidade do gol. Neste contexto, de que maneira se distinguem as condutas fraudulentas delitivas da mera violação de marcar um gol com a mão?

Gentile enfatiza que é a “natureza obscura” o que distingue as con-dutas24. Isso significa que a reprovação de culpabilidade nas fraudes deli-tivas é maior porque é invisível, o que me parece impreciso. Analisando friamente o exemplo baseado na lição do penalista italiano, a mão do ex--jogador constituiria um delito, pois não foi vista pelo árbitro. Por conse-guinte, como frisa Luís Greco, isso seria superficial, porquanto a natureza da conduta do futebolista não muda com a presença dos espectadores no estádio ou com a transmissão da partida pela televisão ou Internet25.

Na realidade, entendo que a figura da autoridade (árbitro) é um fator importante para começar a delinear uma análise mais correta. Não tanto por um fator cronológico, é dizer, com a possível realização de um controle imediato da violação pelo jogador, o que tampouco ocorreu no caso de Maradona, senão porque o árbitro pode controlar apenas o que acontece no interior do torneio ou da competição e nada além dela, ou seja, seu controle é realizado entre as regras regulativas e o caráter inde-terminado dos comportamentos que se verificam ao interior das mesmas para garantir a vitória correta e leal como interesse máximo do esporte.

Nesse sentido, todos os demais exemplos devem ser analisados no contexto das chamadas regras constitutivas, porque é fácil perceber que

24 GENTILE, Gianluca. Frode in competizione sportive e doping, p. 99.25 GRECO, Luís. Op. cit., p. 70.

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eles retratam condutas praticadas fora do sistema esportivo, ou, inclusive, anteriores à realização da competição. Não apenas no futebol, por certo, senão em qualquer esporte, não há nenhuma convenção estipulada com o propósito de realização de compra e venda da competição. Existindo tal convenção, penso que não se trata de esporte.

A violação de uma regra regulativa é sempre previsível nos esportes e foi um risco que tanto os belgas como os alemães assumiram na sequên-cia do campeonato ao enfrentar o jogador da seleção argentina. O mesmo pode correr em qualquer contexto esportivo. Por conseguinte, para obstar uma vantagem desleal para o atleta violador da regra e proteger todos os que estão implicados no âmbito esportivo das consequências mais diver-sas, como o organizador da competição, os seus patrocinadores, torcedo-res e os demais jogadores, por exemplo, cumpre ao árbitro o controle das regras regulativas por meio da punição, mas, como diz o ditado popular, errar é humano.

Por sua vez, no contexto das regras constitutivas, o elemento im-prescindível para a correta e leal realização da competição esportiva é a precisão. Não há como aceitar sua violação nos sistemas esportivos. Não há como compensar a exploração da boa-fé, da ingenuidade ou, ainda, da ignorância das muitas pessoas afetadas. O agente que distorce com ações fraudulentas a concorrência justa no esporte deve ser castigado, porque viola interesses jurídicos subjacentes a direitos fundamentais.

Realizada esta breve referência às regras esportivas como um fator adicional na análise da corrupção e fraude no âmbito esportivo, cum-pre voltar a atenção para outros dois contextos especiais. Primeiramente, será necessário definir o interesse juridicamente protegido neste âmbi-to, pois algumas proposições, sendo respostas à imprensa, podem estar impregnadas de oportunismo político. Depois da definição do objeto de tutela idôneo neste âmbito pernicioso, cumprirá examinar como se deve realizar essa proteção. Para isso, será preciso realizar uma interpretação evolutiva dos delitos de perigo abstrato para alcançar a legitimação da punição penal.

v – o objeto de Proteção PeNal defINIdo Pelo legISlador braSIleIro

O legislador, e apenas ele, valendo-se de algumas diretrizes de política-criminal disciplinadas em certos princípios, estabelece os bens jurídicos que podem ser convertidos em bens jurídicos penais. Para fazê-

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-lo, deve proceder em dois tempos. Em primeiro lugar, deverá extrair os bens jurídicos carentes de proteção penal com fundamento nos direitos fundamentais reconhecidos constitucionalmente e com independência de concepções de ordem ética-moral. Depois dessa seleção, em segundo lugar, deverá predispô-los em normais penais, ameaçando as mais rele-vantes ações ofensivas frente aos mesmos com sanções em um tipo legal. Em síntese, “o tipo advém da norma e esta se faz pelo bem jurídico”26.

A partir dessa sequência, portanto, o legislador não pode definir um tipo penal e apenas depois identificar o bem jurídico que deverá ser tutelado. Já na exposição de motivos da lei deverá descrever, mais além da razão da incriminação, o que pretende proteger penalmente. Não o fa-zendo, o projeto de lei substitui a exposição de motivos. Estes são os dois parâmetros que os juízes deverão analisar em primeiro lugar: se o objeto de tutela é idôneo; e, constatada a idoneidade, em segundo lugar, deve-rão verificar se a ação realizada é suficientemente grave para legitimar o castigo penal.

Posto isto, há de se investigar se possível proteção penal pode referir-se unicamente a valores de natureza esportiva, porque se infere que o legislador brasileiro elegeu um conjunto de valores, baixo as mais distintas nomenclaturas, como objeto de proteção penal27. Os interesses essenciais que ele busca proteger da corrupção e da fraude esportiva são a lealdade e a verdade da competição e do resultado, pois eles se relacio-nam ao legítimo exercício do esporte, ao respeito pela ética na atividade esportiva. Um setor da doutrina penal segue orientação similar entenden-

26 MARTINELLI, João Paulo Orsini. Paternalismo jurídico-penal. São Paulo, 2010. p. 23 e ss.; DI AMATO, Astolfo. Diritto Penale dell’Impresa. 6. ed. Milano, 2006. p. 84. Destacando a necessidade de um bem jurídico de acordo com um modelo de sociedade personalista constitucionalmente construída: GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio Berdugo; CERINA, Giorgio. Op. cit., p. 203.

27 Projeto de Lei da Câmara nº 82/2009, autor: Deputado Arlindo Chinaglia. Assemelha-se a legislação brasileira ao conjunto normativo português. Este, para erradicar as condutas fraudulentas e combater a prática de subornos nos esportes, especialmente no futebol, estabeleceu um regime de responsabilidade penal defendendo a verdade, a lealdade e a correção como bens jurídicos tutelados frente à corrupção, ao tráfico de influência e à associação ilícita, comportamentos suscetíveis de alterar fraudulentamente os resultados dos torneios. Nesse sentido: GARCÍA CABA, Miguel María. Comentarios a la Ley Portuguesa 50/2007, del 31 de agosto. Revista Derecho de Deporte y Entretenimiento, Pamplona, n. 22, p. 319 e ss., 2008-1. A doutrina penal italiana, em sua maioria, também se filiou a esta previsão, assinalando, com ligeiras variações, que os objetos jurídicos protegidos pelos respectivos tipos penais são os valores da lealdade, integridade e correção no esporte. A propósito, veja-se: GIUNTA, Fausto. Deporte y Derecho penal: a respecto de la Calciopoli. Estudios sobre Derecho y Deporte. Trad. Ignacio Francisco Benítez Ortúzar. Madrid: Dykinson, 2008. p. 359; TRAVERSI, Alessandro. Op. cit., p. 68; CAMERA, Guido. Diritto penale sportivo, p. 393; IANNIELO, Tiziana. Frode sportiva, p. 60.

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do que os objetos protegidos penalmente são a clareza e a moralidade no âmbito das competições esportivas28.

Em uma ordem jurídica vinculada ao princípio constitucional da ofensividade, como a do Brasil, a finalidade político-criminal pretendida pelo legislador não deve ser confundida com o objeto de tutela penal, pois, do contrário, abandonar-se-ia, por completo, a função crítica do bem jurídico.

Seguirei na investigação invocando outras negativas sobre a possi-bilidade de interesses jurídicos baseados em uma ética esportiva funda-mentarem a punição penal. Penso que o leitor atento já se deu conta de que minha intenção é esboçar os limites da intervenção penal. Em efeito, o único que se pode admitir é obstar que objetos sem idoneidade possam ser tutelados penalmente. O legislador, e também uma doutrina penal acrítica, deve verificar que valores fundamentalmente conectados com a prática esportiva, como a verdade ou a transparência, contrariamente a conhecida expressão cheating, não se ajustam à ideia de um direito penal próprio de um Estado Democrático de Direito29.

Não se ajustam, em outros termos, pois contradizem certas diretri-zes de política-criminal, como, novamente, o princípio da lesividade. O legislador, ao estruturar um tipo com o objetivo de proteger penalmente esses valores, está punindo os agentes em razão de mera desobediência. Não obstante, como o legislador brasileiro prefere pensar a punição penal simbolicamente, ou seja, pensar de um modo não racional, cumpre-me destacar um segundo argumento negativo.

Os referidos valores são abstratos ou vagos para orientar uma refle-xão dos esportistas sobre o querer, o dever e o poder fazer no esporte, ou seja, para compor uma ética esportiva. No entanto, supondo que se possa compor uma ética esportiva por meio desses valores, a referência à cre-dibilidade do esporte, incluindo todas as expressões, não fundamenta o bem jurídico em uma base realista, senão que indica apenas o que queria o legislador, e esse é um exemplo de idealização da proteção penal que constantemente muitos doutrinadores penais repudiam30.

28 GOMES, Luiz Flavio; CUNHA, Rogério Sanches. Op. cit., p. 125. 29 Nesse sentido, igualmente: GENTILE, Gianluca. Op. cit., p. 70. Em sentido contrário, na Espanha: NIETO

MARTÍN, Adán. Protección penal de la competencia, los mercados financieros y los consumidores. Nociones fundamentales de Derecho penal. Parte especial. Madrid, 2010. p. 480.

30 Entre outros, por exemplo: BONINI, Sergio. Doping e Diritto Penale. Padova, 2006. p. 160 e ss.

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Ademais, apesar de algumas vozes favoráveis à defesa de uma ética do esporte desenvolvida com dependência da ética da sociedade31, enten-do incorreto transladar ao esporte os valores de outros setores sociais com a finalidade de fundamentar a proteção penal de interesses esportivos, pois opiniões externas ao esporte podem espelhar interesses secundários.

Por outro lado, Winfried Bottke perguntou – antes de comentar uma interessante decisão sobre a constitucionalidade do incesto analisada pela Corte Máxima Alemã e na qual a maioria dos julgadores entendeu pela possível proteção penal da moral – se a dogmática penal deveria corrigir--se a si mesma por meio das sentenças pronunciadas por um Tribunal Constitucional. A pergunta do penalista alemão estava relacionada ao contexto da desnecessidade de exigência de que um tipo penal só seja legítimo para a proteção de bens jurídicos ou, contrario sensu, com a pos-sibilidade de se legitimar uma infração penal para evitar imoralidades32. Analisando a questão no contexto esportivo, entendo que o recurso a uma manifestação moral é inaceitável para justificar um delito proposto à defe-sa da fairness esportiva. Não é possível considerar um conjunto de valores como um bem jurídico penal por si mesmo e isso não muda nem mesmo com o apoio da moralidade, pois, salvo melhor análise, a realização da competição esportiva contrária à verdade não afeta as condições mínimas de convivência social.

Não se deve permitir deduzir proibições penais da ética ou da moral vigente na sociedade, pois, como Dworkin ilustra, não se pode assegurar que elas sejam verdadeiras. Por isso, ainda interpretando o filósofo inglês, o Estado não deve desempenhar um papel de tutor da ética ou da moral e tampouco deve utilizar o direito penal como técnica pedagógica33.

É possível concluir que

não existe nenhum bem jurídico de lealdade esportiva nem de pureza da competição esportiva que possa ser merecedor de proteção penal. Não se pode defender que a pureza da competição seja um bem jurídico que deva ser tutelado por meio do direito penal. Para esta defesa é suficiente a disci-

31 BENTO, Jorge Olímpio. O outro lado do esporte. Porto: Campo das Letras, 1995. p. 250.32 BOTTKE, Winfried. ¿Adiós a la exigencia de protección de los bienes jurídicos? Derecho Penal del Estado

Social y Democrático de Derecho. Libro en homenaje a Santiago Mir Puig. Madrid, 2010. p. 102.33 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. Nelson Boeira. São Paulo, 2002. p. 374; DIAS, Jorge

de Figueiredo. Questões fundamentais de direito penal revisitadas. São Paulo, 1999. p. 60 destaca que “ao Estado falece, em sua totalidade, legitimidade para impor, oficial e coativamente, quaisquer concepções morais ou para tutelar a moral, pois não é missão do direito penal nem primária e nem secundária tutelar a virtude ou a moral”.

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plina administrativa e, se esta não se mostra eficaz, seguramente haverá de modificar esta disciplina e a introdução de medidas mais eficazes, porém não se socorrer ao sempre e fácil recurso do direito penal.34

vI – a tutela PeNal doS INtereSSeS PatrImoNIaIS e ecoNômIcoS

A pergunta de se os valores esportivos podem ser considerados como objetos de tutela idôneos no sentido do direito penal intervir deve ser respondida negativamente. É necessário mencionar que em sua de-fesa são suficientes os Tribunais disciplinares esportivos. Porém, agora corresponde investigar se é possível ameaçar penalmente as ações que distorcem a chamada concorrência justa ou leal no âmbito dos interesses patrimoniais e econômicos relacionados ao esporte.

É evidente que existe uma forte aproximação dos esportes com os aspectos patrimoniais e econômicos. Realmente o esporte alcançou um status especial nesse contexto e se converteu em um negócio com vá-rios serviços ou produtos. Um dos exemplos mais eloquentes é a edição anual do Super Bowl americano, com elevadas somas de dinheiro postas em circulação com a venda do espetáculo esportivo. Entendo que este espetáculo se converte em expressão econômica já com a oportunidade de compra de ingressos por parte de poucos afortunados, porém tam-bém – para aqueles que não têm sorte ou dinheiro – com a aquisição por alguma rede de televisão dos direitos de transmissão exclusiva ou com a visualização criada via Internet, ademais, com a difusão no contexto pu-blicitário, sobretudo com relação aos patrocinadores e, ainda mais, com a possibilidade de compra pessoal de produtos e artigos relacionados com o evento esportivo e seus grandes astros.

Por certo, como em qualquer outro mercado, efetivamente nesse contexto houve mais de uma possibilidade de oferta, e, sem exceção, tratando-se de um negócio competitivo, todos os concorrentes preten-diam que a livre e leal concorrência estivesse protegida do emprego de vantagens injustificadas, ou seja, frente à quebra dos deveres de lealdade vigentes no tráfico mercantil em geral e que servem à justa concorrência. Veja-se, portanto, que a eleição do futebol americano não foi aleatória e o mesmo raciocínio poder-se-ia realizar para todos os esportes.

34 DE VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Op. cit., p. 559-560 (ver sua tradução nessa coletânea).

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Nesse contexto, por exemplo, parte da doutrina espanhola entende que o legislador de seu país construiu o delito de corrupção esportiva independentemente de um bem jurídico que se identifique mediante um conceito genérico, como o funcionamento ordenado do mercado ou a economia pública. Ainda que não traçado ao esporte, o legislador do país ibérico tratou de proteger a concorrência justa no âmbito dos interesses patrimoniais e econômicos ligados aos esportes.

Com uma decisão particular, destacada nos dois textos anteriores dessa coletânea, portanto, introduziu entre os delitos contra o patrimônio e contra a ordem socioeconômica o delito de corrupção esportiva como um modo de corrupção entre particulares, igualmente tipificada, sancio-nando algumas condutas criminosas sempre que os agentes procedam com o objetivo específico de predeterminar ou alterar de modo delibera-do e fraudulento o resultado de uma competição esportiva.

Vicente Martínez deixou claro sua resistência a esta construção de-monstrando a incongruência do legislador baixo dois vértices. No pri-meiro, menciona que a expressão “corrupção no setor privado” serviria unicamente para “descrever distintas fraudes cometidas no âmbito das empresas por seus diretores, por meio de artifícios contábeis, más práticas operacionais, etc.”, ao passo que, no segundo, atinente à delimitação do interesse vulnerado com a corrupção esportiva, assinala que a “conduta de fraude esportiva não afeta propriamente as regras da concorrência e que não são propriamente atos de concorrência desleal, senão só uma prática indecente e imoral e, como tal, não são ainda merecedoras de pena”35. Exponho minhas considerações a sua construção.

Quanto ao primeiro vértice, a limitação do castigo penal aos dire-tores das empresas privadas corresponderia, agora no âmbito público, à possibilidade de sancionar apenas aqueles que exercem funções como superiores hierárquicos. E isso não pode ser assim. Atualmente, o esporte tem uma estrutura empresarial que se assemelha aos órgãos públicos. Em efeito, se a qualquer funcionário público subordinado e corrupto é possí-vel impor uma punição penal, também deve ser possível incidir o castigo sobre aqueles que no âmbito privado não cumprem funções diretivas.

No que se refere ao interesse protegido penalmente, entendo que seu posicionamento deve ser recebido com cautela, pois no âmbito da

35 Idem, p. 549-557 (ver sua tradução nessa coletânea).

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corrupção e das fraudes esportivas não falta um bem jurídico que enseje a regulação típica. Para ilustrar, formulo um exemplo: poucos dias antes de uma partida decisiva do torneio nacional, o árbitro se dirige até a casa do dirigente de uma das equipes e recebe um envelope com grande quanti-dade de dinheiro para o objetivo de expulsar dois jogadores adversários. Os fatos ocorrem já no começo da partida, depois que o árbitro assinala dois pênaltis inexistentes.

Com base no exemplo, é possível considerar que a corrupção do ár-bitro ao receber a vantagem patrimonial não justificada desfigurou a con-corrência justa no âmbito de um esporte de competição comercial como é o futebol, da mesma forma que sucederia no campo da economia (caso Super Bowl). Por conseguinte, um número indeterminado de pes soas re-sultou vítima, como os jogadores da equipe contrária, seus dirigentes e respectivos patrocinadores, além das pessoas que estiveram no evento ou que realizam apostas em concursos regulares.

Com o favorecimento da equipe do dirigente que outorgou o di-nheiro, este adquiriu a vantagem concorrencial com relação à equipe contrária que foi duplamente prejudicada já durante o jogo, porque este-ve em inferioridade numérica e em desvantagem no placar e, consolidada a derrota, ficou fora de um importante torneio continental. O patrocina-dor da equipe derrotada poderia ganhar mais benefícios com a exposição de sua marca em outros países, enquanto o patrocinador do vencedor tem sua imagem associada a uma vitória arranjada, o que também poderia acarretar prejuízos. Por sua vez, a carreira dos adversários é colocada em perigo, primeiro com as perdas dos prêmios ou “bichos”, depois com a não repercussão midiática de sua vitória e, por fim, com as eventuais difi-culdades de contratação pelas equipes mais tradicionais. Ainda é possível recordar a quantidade de pessoas que gastou dinheiro para assistir à par-tida manipulada ou investiram seu dinheiro em apostas em sites especia-lizados. Inclusive os organizadores da competição se veem prejudicados pela falta de confiança dos espectadores.

Assim, não há dúvida de que a corrupção do árbitro acarretou per-das patrimoniais, porém não no sentido dos tradicionais delitos contra o patrimônio, mas como delito contra a ordem socioeconômica, em razão da concorrência injusta verificada no esporte. Isso equivale a dizer que a concorrência justa assume uma função de representação ou é instrumen-tal, porque sua tutela está dirigida à realização dos interesses econômicos de inúmeras pessoas. Gómez de la Torre y Giorgio Cerina assinalam que

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a maior parte dos autores identifica o bem jurídico da norma como o inte-resse geral na lealdade da competição, entendido como bem jurídico su-praindividual referido a toda a coletividade. A proteção do mesmo supõe, de maneira mediata, a proteção penal dos potenciais interesses patrimo-niais dos competidores excluídos da lista ou colocados em uma posição de desvantagem.36

Nesse sentido, entendo que a obtenção da vantagem concorren-cial por uma das equipes em detrimento de diversas pessoas, intrínsecas e extrinsecamente relacionadas com a competição esportiva, não pode ser caracterizada apenas como uma conduta contrária à ética ou imoral como nessa coletânea sustentou Vicente Martínez. Todavia, ela não é voz isolada em seu país. Cortés Bechiarelli, igualmente com seu texto aqui traduzido, afirma que “se utilizou a ideia da concorrência justa somente como uma desculpa, pois no calor do mandato comunitário o propósito legislativo era o de impor códigos de boa conduta nas empresas, socieda-des mercantis e também, de passagem, nos usos esportivos”37.

Sem embargo, o professor da Universidade de Extramadura não se afastou totalmente de uma orientação econômica com relação ao res-pectivo delito do Código Penal espanhol, porque considerou a prática de apostas e os prejuízos tangíveis para os particulares. Porém, depois de propor uma revisão da redação do preceito, sustentou que, “caso o delito de estelionato não albergue os casos de alteração de modo deliberado e fraudulento do resultado esportivo, a orientação econômica deve aproxi-mar-se do âmbito dos delitos relativos ao mercado e aos consumidores”38.

Neste panorama – e agora no que se refere à legislação brasileira –, como o torcedor também é reconhecido como consumidor sob uma con-dição jurídica, esta vertente econômica poderia ser tutelada penalmente. Gustavo Oliveira acrescenta que,

ao expandir o conceito de torcedor para além do sujeito que paga o in-gresso e comparece à arena, o legislador entendeu por bem reconhecer a importância e proteger todo aquele que, mesmo a distância, acompanha determinada modalidade ou equipe por meio dos veículos de mídia hoje

36 GÓMEZ DE LA TORRE, Ignacio; CERINA, Giorgio. Op. cit., p. 207. 37 CORTÉS BECHIARELLI, Emilio. O delito de corrupção no Código Penal espanhol, p. X.38 Para o penalista, uma condição que poderia enfatizar ainda mais o caráter patrimonial do presente delito seria

a prevista para o art. 287 do Código Penal, isto é, a exigência de representação por parte da vítima como condição de procedibilidade para a persecução penal pelo Ministério Público.

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disponíveis, gerando receitas para o esporte e, até por isso, merecendo ser tratado como consumidor.39

Igualmente na Itália há vozes dissidentes quanto à concepção de um delito econômico e, assim, de proteção de interesse supraindividual relacionada à concorrência justa. Gentile aduz que “o esporte assume características tanto profissionais como de diversão, e nesse último caso o perfil econômico é insignificante, senão totalmente ausente”40. Passo às minhas considerações na sequência.

Por certo não se deve olvidar do caráter multidimensional dos es-portes, pois, além dos aspectos econômicos, há uma vontade de conside-rar seus demais valores. Não obstante, minha análise se realiza evidente-mente no contexto de esportes de concorrência comercial. Assim mesmo, inclusive nestes há um caráter lúdico que não tem o poder de revogar a proteção dos bens patrimoniais e econômicos, mas, do contrário, deve incentivar uma tutela penal, especialmente quando mais de cem milhões de pessoas acompanham uma única partida de futebol americano (caso Super Bowl).

A concorrência justa no âmbito econômico apresenta um elemento adicional constituído pela ideia da confiança41, mas não é o sentimento de confiar nos serviços ou produtos que se deve proteger penalmente, como, por exemplo, a frustração dos fãs ao ver seu artista preferido dublando em lugar de cantar durante um show, senão a confiança na própria qualidade dos serviços ou produtos ofertados por aquele. É melhor ver o artista pre-ferido desafinar na canção que não ouvi-lo cantar.

Broudeur, nesse contexto, falava de “falta de confiança pública so-bre a legalidade dos torneios ou competições”42. Sem embargo, enfatizo que não defendo a tutela da confiança dos torcedores na integridade da competição. Em primeiro lugar, porque não vejo como seria a confiança consagrada em nosso Texto Constitucional caso fosse um objeto jurídico autônomo. Quiçá por essa razão haja penalistas que se referem de modo

39 OLIVEIRA, Gustavo Vieira. Estatuto do Torcedor comentado, p. 17.40 GENTILE, Gianluca. Frode in competizione sportiva e doping. I termine di una relazione problematica. Archivio

Penale, 2008-2, p. 74.41 HEFENDEHL, Roland. De largo aliento: El concepto de bien jurídico. O qué ha sucedido desde la aparición del

volumen colectivo sobre la teoría del bien jurídico. In: HEFENDEHL, Roland (Ed.). La Teoría del Bien Jurídico. ¿Fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Madrid, 2007. p. 471.

42 BROUDEUR, Carlos. La Delincuencia en el Deporte. Estudio para una Ley sobre Delitos Deportivos. Buenos Aires, 1956. p. 25-26.

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crítico a sua falta de capacidade limitadora43. Em segundo lugar, entendo que seria camuflar uma proteção penal da moralidade e isso é inadmis-sível. Por fim, pois outras situações de jogo limpo são transgredidas nos esportes e nesse âmbito os Tribunais esportivos têm responsabilidade em seu próprio interesse, segundo destacou Albin Eser nessa coletânea44.

A qualidade nos esportes está representada pela incerteza do re-sultado final45. A preocupação legislativa de evitar a realização incorreta e desleal do esporte também reside no intento de garantir a confiança – como uma componente do interesse jurídico anteriormente delimitado – por parte daqueles torcedores que agem com boa-fé e, inclusive, quando não percebem a fraude no esporte, pois gastaram dinheiro para assistir à partida e, talvez, em alguns casos, deslocaram-se a outras cidades.

Como o esporte de competição é um negócio, quando em seu am-biente a falta de confiança dos torcedores substitui a confiança, é porque algo não está bem. Equivale a dizer que, quando os torneios, competições ou exibições esportivas resultam torpemente forjadas, as pessoas se afas-tam para evitar as perdas patrimoniais. Seria inacreditável pensar que não há corrupção ou fraudes nos esportes depois de analisar o livro resultado de anos de investigação de Declan Hill46.

43 Sobre o caráter abstrato da confiança como bem jurídico ou da ausência de uma função liberal: GAEDE, Karsten; MÜHLBAUER, Tilo. Protección de bienes jurídicos y problemas de imputación. In: HEFENDEHL, Roland (Ed.). La Teoría del Bien Jurídico. ¿Fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático? Trad. Rafael Alcácer Guirao. Madrid, 2007. p. 430. Entendendo a confiança como um bem jurídico aparente, veja-se AMELUNG, Knut. El concepto bien jurídico en la teoría de la protección de bienes jurídicos. In: HEFENDEHL, Roland (Ed.). La Teoría del Bien Jurídico. ¿Fundamento de legitimación del Derecho penal o juego de abalorios dogmático?, Trad. Íñigo Ortiz de Urbina. Madrid, 2007. p. 250-251.

44 ESER, Albin. Op. cit., p. 64 (ver tradução do texto nessa coletânea).45 VALLS PRIETO, Javier. La protección de bienes jurídicos en el deporte. Estudios sobre Derecho y Deporte.

Madrid, 2008. p. 32; BELTRANI, Sergio. La Disciplina Penale del Giochi e delle Scommesse. Milano, 1999. p. 302.

46 HILL, Declan. Máfia no futebol. Trad. Casimiro da Piedade. Estoril, 2011. p. 96 apresenta no prólogo da segunda parte do livro uma troca de e-mails entre um jogador de futebol e Marc Carinci da Soccercapper.com, que o ajudou nas investigações: “Jogador: Quero oferecer-lhe um jogo arranjado que está breve e é 1000% arranjado. Como é que sei isto? Porque vou jogar nesse jogo e sei que temos de perder este jogo. o primeiro jogo que fizemos em casa ganhamos e agora temos que perder. 3 pontos para cada, era isso o combinado. Se estiver interessado, escreva. O jogo é seu por 200 euros porque vendi esta informação por muito dinheiro. Data do jogo é XX.03.2008”. O jornalista canadense comenta outros casos de corrupção em razão da “invasão de gafanhotos”, termo utilizado para descrever os arranjadores asiáticos que coordenam organizações mafiosas responsáveis pela manipulação de resultados em jogos de futebol, e outros casos famosos como a prisão do presidente do Olympique de Marsella, em 1993, e do italiano Luciano Moggi, qualificado como um maestro na arte de manter um jogo de favores no futebol italiano. Ademais, a título de exemplo, apresenta o fato histórico de que uma partida entre Grécia e Itália, na qualificação do Mundial de 1934, foi arranjada pelos homens de Mussolini. A respeito da intervenção do Duce no esporte, veja-se BACCI, Andrea. Lo Sport nella Propaganda Fascista. Torino, 2002.

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Em conclusão, no âmbito da corrupção e das fraudes nos esportes, é evidente a existência de um bem jurídico idôneo e que deve ser prote-gido. Para a tutela penal do patrimônio e da ordem econômica, portanto, o legislador antecipa a punição penal dos agentes delitivos recorrendo a um delito de perigo abstrato e, deste modo, primeiro castiga o perigo potencial ao bem jurídico e, depois, evita a punição dos agentes infrato-res apenas pela tentativa do delito de estelionato nos casos em que não ocorra de modo efetivo um prejuízo patrimonial às pessoas envolvidas.

vII – o juízo de IdoNeIdade daS coNdutaS ofeNSIvaS ao bem jurídIco PeNal

No marco da corrupção e da fraude no esporte, como já destacado, embora ausente na previsão expressa dos tipos penais, o objeto de tutela idôneo é a concorrência justa no âmbito dos interesses de ordem patrimo-nial e econômicos relacionados ao esporte. Depois de eleito o bem jurí-dico, com efeito, cabe definir como deve ser realizada a proteção penal. Nesse sentido, fundamentados pelo princípio da lesividade, os Magistra-dos exercerão uma função seletiva das condutas para, por conseguinte, reduzir a incidência penal somente sobre aquelas realmente ofensivas ao bem jurídico penal. Em termos diretos, significa que nem todas as con-dutas que violam regras esportivas deverão ser castigadas penalmente. Agora, portanto, não se deve mais trabalhar com o bem jurídico penal, senão determinar o potencial das condutas ofensivas a esse bem jurídico tutelado47.

No juízo de idoneidade das condutas ofensivas ao bem jurídico, o Magistrado deve considerar a possibilidade de verificação de um resul-tado diferente do que resulta da conduta esportiva adequada e justa no interior do evento, sendo que a concretização do resultado manipulado é irrelevante para fins de configuração do delito. Por conseguinte, em es-pecial no futebol, é um caso de concorrência desleal quando o dirigente de uma equipe oferece incentivos financeiros aos jogadores de outra os estimulando a perder a partida decisiva do campeonato.

O seguinte exemplo é distinto da conduta anterior. É comum, quan-do se aproxima o término de um campeonato de futebol e dois ou mais

47 SILVA, Ângelo Roberto. Dos crimes de perigo abstrato em face da Constituição. São Paulo, 2006. p. 95 destaca que, “se o direito penal deve ser chamado a preservar bens valiosos e essenciais de certas condutas que a eles sejam ofensivas, deve-se examinar de qual maneira e em que medida elas se apresentam, aferindo- -se, assim, a potencialidade lesiva”.

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times disputam o título, que o dirigente de determinado time incentive de forma financeira a outra equipe, que não a sua, para que ganhe uma partida contra outra equipe para que o resultado do jogo se reverta em benefício da equipe desse dirigente. Em um contexto similar, ou seja, de realização de conduta que não constitui uma inadequação ao propósito esportivo, Declan Hill frisa que no futebol russo algumas equipes pagam aos oponentes de seus adversários diretos para que joguem honestamente e não aceitem qualquer suborno para arranjar uma partida48.

A pergunta sobre se o bem jurídico penal é ofendido nesse contexto deve ser respondida de forma negativa, ou seja, não há corrupção ou frau-de esportiva. O estímulo ao atleta, por meio de gratificações, seria uma prática lícita do jogo, porque vencer a partida é a finalidade normal do futebol. Além disso, “não é possível estabelecer, baseado em regras de ex-periência, se um incentivo financeiro seria capaz de influenciar o resulta-do final e determinar que a prestação dos esportistas tivesse sido notavel-mente acima daquela que seria realizada sem um incentivo financeiro”49.

Cortés Bechiarelli, nessa coletânea, também alude às gratificações a terceiros no âmbito do final de temporada, especialmente nos casos de permanência ou queda para a segunda divisão. Conforme o penalista, é necessário distinguir a venalidade, seja para buscar a derrota ou a vitória do subornado ou de sua equipe. Assim, por exemplo, se o fim é o primei-ro, sempre haverá delito ao provar-se o específico elemento subjetivo. Por sua vez, quanto ao incentivo econômico para lograr a vitória, destaca algumas considerações que julgo importante apresentar.

O autor entende que a via administrativa ou a sanções disciplinar seria suficiente, contudo até o momento, apesar do conhecimento de alguns casos, observou-se uma grande tolerância com referidas práticas concretas de estímulo. É possível estender o mesmo raciocínio ao Brasil. Consequentemente, sustenta que seria absurdo pretender no presente mo-mento que o primeiro castigo seja imposto pelo ordenamento penal quan-do sequer há intervenção do poder sancionador esportivo50.

São vários os exemplos e não se restringem apenas ao âmbito das fraudes no futebol. Em todos eles, uma vez mais, o Magistrado deverá realizar uma interpretação evolutiva ou progressiva, porque em princípio

48 HILL, Declan. Op. cit., p. 119. 49 GENTILE, Gianluca. Op. cit., p. 103. 50 CORTÉS BECHIARELLI, Emilio. Op. cit., p. X.

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parece perfeitamente possível castigar o esportista que subministra a um atleta adversário um sonífero que o impeça de competir, porém, se este não participar da competição, não haveria a mínima possibilidade de um potencial perigo ao objeto de proteção penal51.

No caso italiano da bicicleta dopada, é evidente a violação de uma regra constitutiva do ciclismo. A bicicleta tinha instalado um pequeno motor elétrico no pedal que era acionado por meio de um botão fixo no guidão nos momentos decisivos da volta. A bateria não tinha uma lar-ga duração, já que oferecia uma forte potência: entre sessenta e noventa minutos. A energia que era liberada elevava em até vinte por cento a potência do “ciclista”52. Neste caso, é claro que o patrimônio econômico de outras equipes esportivas e das entidades dedicadas à organização da corrida foi abalado, bem como foi despertada a desconfiança pública dos fãs e também dos futuros patrocinadores, “o que provoca uma extraordi-nária redução no montante das arrecadações dos organizadores”53.

A utilização de combustível manipulado em corridas automobilísti-cas é outro exemplo no qual a conduta fraudulenta se apresenta, ao me-nos em termos potenciais, capaz de lesionar o objeto jurídico protegido penalmente na disposição legal54. No automobilismo, talvez a questão mais interessante seja a de analisar se os conhecidos jogos de equipe na Fórmula 1 devem ou não ser punidos mais além das regras administrativas e dos Tribunais disciplinares55.

A prática mais comum consiste em uma mudança de posições en-tre os pilotos da mesma equipe para beneficiar diretamente um deles. O Conselho Mundial da Federação Internacional permitiu a pouco mais de dois anos esta espécie de “negociação” do resultado, inclusive depois de uma série de casos de corridas arranjadas que colocam em dúvida a credibilidade da categoria. Sendo assim, o jogo de equipe não pode ser considerado violação de uma regra externa dessa atividade esportiva. Essa construção é relevante porque é necessário reduzir a irracionalidade, como vou expor na sequência.

51 LAMBERTI, Alfonso. La Frode Sportiva. Napoli, 1990. p. 237. 52 La Gazzetta dello Sport, 3 de junho 2010, p. 33. 53 BROUDEUR, Carlos. Op. cit., p. 25-26.54 GRECO, Luís. Op. cit., p. 78.55 O Promotor Paulo Castilho, do Juizado Especial Criminal, na última corrida da temporada de 2010 realizada

no circuito de Interlagos, São Paulo, afirmou que o piloto brasileiro Felipe Massa poderia sair algemado do circuito no caso de favorecimento de seu companheiro de equipe Fernando Alonso.

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O ordenamento jurídico deve ser concebido como um conjunto de normas harmônicas. Equivale a dizer que não se considera que possa apresentar discrepâncias em seu interior. Portanto, é inaceitável pretender fazer uso do recurso penal para punir o que está permitido no esporte. Não há que se referir ao direito penal não havendo punição esportiva.

Não obstante, supondo hipoteticamente a limitação do jogo de equipe nas regras desse esporte, por exemplo, como um processo frau-dulento ou como uma manobra desleal que prejudica os interesses do es-porte, cabe investigar seriamente se esta espécie de “negociação” poderia ser caracterizada como ilícito criminal nos sistemas penais que preveem o delito de fraude esportiva?

Apesar desta previsão, por exemplo, parte da doutrina penal bra-sileira entende que a permissão de que um piloto ultrapasse seu compa-nheiro de escuderia para adjudicar-se a vitória não constitui o delito de fraude esportiva, pois “em toda competição em equipe é a soma dos es-forços individuais que leva ao resultado pretendido”56. Entendo que essa análise teria eficácia em esportes coletivos, como o futebol, por exemplo. No entanto, no contexto da Fórmula 1, muitos e importantes interesses pessoais também estão em jogo. Recordo de alguns casos publicados massivamente nos jornais.

Rubens Barrichello, em 2001, estava na primeira posição do Gran-de Prêmio da Áustria, contudo foi obrigado pela escuderia Ferrari a deixar passar Michael Schumacher a escassos metros da chegada para que este pudesse adjudicar-se uma melhor posição. Um ano depois, no mesmo Grande Prêmio, outro desagradável desfecho, pois o brasileiro, a ponde de obter a vitória, foi obrigado, sob ameaça dos poderosos de Cavallino Rampante, a ceder o primeiro lugar.

Além dos possíveis prejuízos econômicos do piloto brasileiro, como perdas contratuais ou dificuldades de captação de novos recursos, todos os patrocinadores tiveram suas marcas associadas à imagem negativa do jogo de equipe devido aos impactos midiáticos. Público e apostadores se sentiram enganados. Cada um, a seu modo, investiu dinheiro. Ainda, a relação comercial entre a própria entidade internacional que organiza as corridas e outros ou novos investidores foi afetada. Novas associações nascem em contextos positivos. Finalmente, o fato gerou um fundado te-

56 GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sánchez. Op. cit., p. 129.

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mor de que outras corridas não teriam credibilidade, e, consequentemen-te, as arrecadações diminuiriam.

Penso que no contexto da velocidade não é possível dizer que os perigos de ofensa ao objeto de proteção já são conhecidos por todos os que competem no esporte, ou seja, que os perigos de corridas arranjadas são mensuráveis, sendo apenas desconhecidas as formas de realização da “negociação”57. Hipoteticamente, portanto, considerando o jogo de equipe como violação de uma regra constitutiva do esporte, entendo que além das penas esportivas impostas pelos órgãos administrativos, também poderia ocorrer a incidência do direito penal.

Está claro que a finalidade máxima do legislador foi a de controlar de maneira repressiva todas as fraudes no setor esportivo. Porém, não todos os casos se inclinam a favor da intervenção penal, como já comen-tado. Naqueles nos quais se produz, nasce o problema de saber como comprovar a prática dos atos fraudulentos? Dificilmente o objetivo pre-tendido se logra por meio de uma conduta perpetrada de modo indivi-dual. Produzindo-se, é suficiente a declaração dos envolvidos, quando é uma pessoa isenta de responsabilidade58.

Igualmente, não há de confiar na ajuda dos esportistas na investi-gação, porque sua declaração pode representar uma punição penal, pos-to que pode estar implicado na fraude. Neste sentido, Vicente Martínez assinala que “há que se mostrar asséptico ante a possibilidade de que se possam encontrar indícios de culpabilidade nesses casos de partidas arranjadas, porque é difícil encontrar provas para uma incriminação, a não ser que os envolvidos a reconheçam publicamente e se exponham às sanções”59.

A confissão também pode representar o final de sua carreira es-portiva, considerando as severas sanções previstas nos regramentos de algumas federações esportivas. Por certo há algumas exceções, como, por exemplo, na Fórmula 1, porque as regras da categoria isentam de responsabilidade disciplinar o piloto que colaborar nas investigações da

57 Segundo informaram os meios de comunicação italianos, o piloto brasileiro Nelson Piquet Jr. reconheceu que o chefe da equipe Renault, Flavio Briatore, e o diretor técnico Pat Symons lhe pediram que provocasse um acidente na curva 17, na qual não havia gruas que permitissem a retirada do carro de forma rápida, no Grande Prêmio da Singapura, em 2008, como parte de uma estratégia para favorecer o espanhol Fernando Alonso.

58 HILL, Declan. Op. cit., p. 99 cita o caso de Ye Zheyun, que foi denunciado por uma belga porque, após havê- -la convidado a assistir uma partida, para impressioná-la, pois tinha intenções sexuais, explicou como havia arranjado o resultado da partida, quais os jogadores envolvidos e o resultado final.

59 DE VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Op. cit., p. 559.

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Federação Internacional de Automobilismo. Assim sucedeu com o piloto brasileiro Piquet – que teve fechadas as portas da maior categoria – e com o piloto espanhol Fernando Alonso por haver ajudado à FIA no caso de espionagem entre McLaren e Ferrari em 200960.

Implementar um sistema de comprovação da realização típica é complicado porque, como aduz Urbano Castillo, “estas operações ge-ralmente contêm um nível de elaboração e detalhes consideráveis, com distribuição de funções ou papéis entre várias pessoas, elaboração de um plano, dotação financeira e diversos mecanismos para assegurar o resul-tado. Estas pessoas podem constituir uma associação de malhechores, como são denominados na França”61. Agora, seguramente, deve-se evitar, para finalizar, “a substituição da imagem do esporte como espaço saudá-vel por uma imagem policialesca”62.

60 VALLS PRIETO, Javier. Op. cit., p. 42. 61 URBANO CASTILLO, Eduardo. ¿Están tipificados actualmente los fraudes deportivos? Compra de partidos,

primas a terceros y sobornos arbitrales ante el Código Penal vigente. In: MARTÍNEZ, Rafael (Coord.).¿Es necesaria la represión penal para evitar los fraudes en el deporte profesional? Madrid, 2009. p. 29.

62 LEITE, Alaor. O doping como suposto problema jurídico-penal: um estudo introdutório. Doping e direito penal. São Paulo, 2011. p. 27.

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Assunto Especial – Doutrina

Fraude no Desporto

Fraude e Corrupção no Esporte Profissional1

ROSARIO DE VICENTE MARTÍNEZ Catedrática de Direito Penal da Universidade de Castilla-La Mancha, Campus Albacete, Espanha.

SUMÁRIO: Introdução; I – O tratamento penal da corrupção no esporte; II – Persecução da fraude esportiva na atual legislação espanhola; II.1 A Lei do Esporte; II.2 O Código Penal; II.2.a) O novo delito de fraude e corrupção no esporte; II.2.b) A legitimidade do delito de fraude e corrupção no esporte; III – Alternativas à intervenção penal.

INtrodução

O esporte desempenha um relevante papel na sociedade – contri-bui à integração social, promove a educação, é benéfico para a saúde, fomenta valores como o respeito mútuo, a tolerância, a esportividade etc. –, porém, na atualidade, apresenta uma intensa polêmica social derivada, em muitos casos, da forte presença de interesses econômicos e comerciais que têm desvalorizado alguns de seus relevantes princípios e o convertido em um fator de criminalidade2.

Em face das novas e graves ameaças que pairam sobre o esporte, como pressão comercial, exploração de jovens esportistas, doping, ra-cismo, violência, manipulação de partidas, entre outras, o legislador não considerou preciso, em um primeiro momento, valer-se do direito penal para a proteção da normalidade das competições esportivas, seguindo uma concepção do ordenamento penal como forma subsidiária de tutela que se inspira diretamente no texto constitucional. Com efeito, o esporte

1 Tradução ao português por Leonardo Schmitt de Bem autorizada por Rosario de Vicente Martínez e que é próxima, com pequenas reduções e alterações, ao sétimo capítulo de sua tese de cátedra (Derecho penal del deporte. Barcelona: Bosch, 2010. p. 485-560), anteriormente publicada.

2 O Presidente da Liga de Futebol Profissional, em fevereiro de 2010, em uma conferência realizada no Clube Século XXI, afirmou que a Liga faz circular na Espanha mais de 10 milhões de euros anualmente, correspondentes a 1,7% do produto interno bruto espanhol. Ademais, mencionou que o futebol espanhol gera em torno de 85 mil postos de trabalho diretos e indiretos.

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estava à margem da ocorrência de delitos, isto é, era considerado um es-paço que escapava à incidência penal, o que permitia que determinadas condutas ou comportamentos verificados no âmbito desportivo, cuja exe-cução em outros contextos daria lugar ao início de procedimentos penais e a imposição de sanções, gozassem da mais absoluta impunidade. Como assinala Albin Eser, “esporte e justiça, bola e balança, parecem ser insti-tuições e símbolos que à primeira vista não se associam com facilidade”3.

Não obstante, com o passar do tempo, as consequências dos even-tos desportivos ocasionaram algumas mudanças concretas no Código penal espanhol, exemplo de que também o direito penal adaptou-se ao esporte. Do alarme social gerado como resultado de diversos aconteci-mentos produzidos nos eventos desportivos espanhóis – descrição abai-xo – resultou a aprovação da Lei Orgânica nº 15, de 25 de novembro de 2003, pela qual se modificou o Código Penal espanhol.

a) Em março de 1992, um menino de 13 anos faleceu depois de ser atingido por uma bomba caseira lançada das arquibanca-das do estádio de Sarriá, em Barcelona, pouco antes de iniciar--se um jogo de futebol entre Espanyol e Cádiz;

b) Em 2006, horas antes de uma partida entre Talavera e Rayo Vallecano válida pela segunda divisão do campeonato de fu-tebol espanhol, considerada de alto risco pela polícia local, aproximadamente trinta seguidores do Rayo, armados com paus, pedras, escudos caseiros com pregos, foguetes e inclusi-ve um machado, adentraram e destruíram o bar “A Amizade” no qual estavam os rivais do Talavera e agrediram violenta-mente vários clientes, o dono do estabelecimento e o filho deste;

c) Em 2008, durante um encontro entre Espanyol e Barcelona, fanáticos radicais do Barcelona, conhecidos como “Boixos Nois”, lançaram vários morteiros em direção aos seguidores do Espanyol que se encontravam nas arquibancadas do estádio Montjuic provocando o rompimento das grades de segurança do gramado e o ingresso de torcedores no terreno de jogo. O saldo da agressão foi de trinta feridos;

3 ESER, Albin. Deporte y justicia penal. Revista Penal, n. 6, p. 53, 2000.

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d) No mesmo ano, a péssima relação entre os torcedores do Sevilla e do Atlético de Madrid marcou um novo capítulo ina-ceitável e vergonhoso. Já próximo ao meio dia, policiais deti-veram dezoito sevillistas nas imediações do estádio na capital espanhola, quando alertados que aproximadamente sessenta adeptos estavam provocando desordens próximas ao Calde-rón. O confronto com os agentes estatais não deixou feridos, porém resultou na apreensão de bombas caseiras, tacos com pregos e outras armas brancas;

e) Igualmente o início de 2009 foi marcado de violência. Em ja-neiro, o encontro amador entre o Bada Bing, equipe com joga-dores supostamente integrantes dos “Boixos Nois” e o Atlético Rosario Central de Cataluña, composto por jogadores sul--americanos, teve consequências nefastas: costelas quebradas, orelhas desprendidas etc. A partida foi marcada por agressões recíprocas e pela invasão dos torcedores que acompanhavam a primeira equipe quando os estrangeiros ganhavam por três gols a um. Faltando quinze minutos, uma segunda invasão provocou a suspensão da partida, porquanto jogadores e se-guidores do Bada Bing, em razão da expulsão de um futebolis-ta, armados de objetos contundentes, agrediram aos jogadores e dirigentes rivais.

A Lei nº 15/2003 incorporou ao art. 557 do Código Penal um novo § 2º para agravar a pena do delito de desordens públicas quando estas ocorrerem em ocasião da celebração de eventos ou espetáculos que con-greguem um grande número de pessoas ou quando no interior dos recin-tos nos quais se celebrem esses eventos se altere a ordem pública median-te ações que provoquem ou que sejam suscetíveis de provocar tumulto ou outras reações do público que coloquem em situação de risco alguns ou todos os seus participantes. Acrescente-se a estas modalidades agravadas o delito previsto no art. 558 do Código Penal, que pune a conduta de quem perturba gravemente a ordem pública com motivo da celebração de espetáculos desportivos.

Três anos depois, em 2006, a Lei Orgânica nº 7, de 21 de novem-bro, de proteção da saúde e de luta contra o doping no esporte, mais co-

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nhecida como “Lei Antidoping”, incorporava ao texto punitivo um novo art. 361 bis cuja finalidade é punir aqueles que assessoram ao esportista e proteger penalmente a saúde pública, gravemente ameaçada pela co-mercialização e pela distribuição descontrolada de produtos carentes de garantia e danosos para a saúde em atividades relacionadas com o doping no esporte. A legislação corresponde a uma resposta ao conhecido caso “Operação Porto”4.

E novamente três anos depois, em 2009, o Conselho de Ministros encaminhava às Cortes Gerais o Projeto de reforma do Código Penal, aprovado pela Lei Orgânica nº 5, de 22 de junho de 2010, com a qual se alterou a Lei Orgânica nº 10, de 23 de novembro de 1995, do Código Penal (Boletim Oficial nº 152, de 23 de junho de 2010), que, entre outras novidades, introduziu um delito de fraude desportivo que tipifica penal-mente as condutas mais graves de corrupção ocorridas no esporte, como os subornos realizados pelos esportistas ou árbitros com o propósito de predeterminar ou alterar, de maneira deliberada e fraudulenta, o resultado de uma competição esportiva.

Distantes ficaram, pois, os tempos em que “o direito penal se deti-nha às portas do estádio desportivo”5, ou que “as linhas que demarcam os campos dos estádios ou as cordas de um quadrilátero eram a mais completa e total excludente de responsabilidade criminal de que se tinha notícia”6. Pelo contrário, agora se pode falar de um direito penal do es-porte ou de um direito penal desportivo e, consequentemente, de delitos desportivos, já que, na atualidade, o esporte guarda certa relação com o direito penal ao ser, em algumas ocasiões, apenas a manifestação de um delito comum no qual o motivo desencadeante do delinquente, com trajes de competição, é apenas cometer uma conduta ilícita: agredir, in-sultar, defraudar etc.

Não obstante, na legislação espanhola, como no direito penal com-parado, não há proteção específica, como um bem jurídico autônomo, do esporte como tal, ao menos até o momento. Tal situação não impede,

4 VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho penal del deporte. Barcelona, 2010, p. 374. A “Operação Porto” consistiu em uma investigação sobre a prática de doping no ciclismo realizada pela Guarda Civil Espanhola que desmascarou uma rede pan-europeia com centro em Madrid e que levou à prisão de alguns envolvidos e à posterior suspensão, pelo Tribunal Arbitral do Esporte, de alguns famosos ciclistas.

5 Conforme Tomás Ramón Fernández no prólogo do livro de GRIMALDO, González. El ordenamiento jurídico del deporte. Madrid, 1974.

6 SEPÚLVEDA, Salim-Hanna. El fútbol y la violencia. Revista Electrónica del Colegio de Abogados. Disponível em: <www.colegioabogados.cl/revista/25articulo6,html>.

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obviamente, que o direito penal, atuando na proteção de outros bens ju-rídicos, intervenha em relevantes atividades delitivas ocorridas no seio do esporte, podendo-se distinguir dois casos7: primeiro, condutas relaciona-das com o esporte sancionadas por meio de tipos penais de novo perfil como a violência em espetáculos desportivos, o doping e a fraude espor-tiva; segundo, comportamentos relacionados com o esporte sancionados por meio de tipos penais clássicos como as lesões ou outras condutas incluídas em tipos penais que conformam um núcleo rígido do direito penal correspondente, geralmente, com delitos contra a vida, contra a integridade física, ameaças, coações etc., de maneira que, pela realização de delitos durante o evento desportivo, o autor responde sobre a base de normas compreendidas no Código Penal8.

I – o tratameNto PeNal da corruPção No eSPorte

Ao lado da violência no esporte, como a sucedida no estádio de Heysel9 ou a ocorrida no clássico siciliano disputado entre Catania e Palermo10, ou da utilização de produtos ou substâncias proibidas com a finalidade de melhorar o rendimento do atleta, atualmente o maior pro-blema que as instâncias esportivas enfrentam relaciona-se com as fraudes e corrupção, como, por exemplo, o caso ocorrido em dezembro de 2006 e que levou à prisão o árbitro alemão Robert Hoyzer11 por manipular vinte e três partidas da Liga Alemã e de categorias menores. Hoyzer, de 26 anos, foi proibido de atuar por toda a sua vida pela Federação Alemã (DFB) depois de admitir haver recebido 67 mil euros para manipular o resultado de jogos do campeonato alemão.

Manipulações e casos de corrupção em partidas de competição, em particular de tênis e de futebol, embora não só nesses dois esportes, co-meçaram a ser notícia habitual. Em Portugal, o episódio “Apito Dourado”

7 MORILLAS CUEVA, Lorenzo. ¿Es necesaria la represión penal para evitar los fraudes en el deporte profesional? In: MARTÍNEZ, Alonso (Coord.). Cuadernos, n. 2, p. 48, 2009. Disponível em: www.derechodeportivo.es.

8 Um estudo minucioso dos dois grupos pode ser realizado em: VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho penal del deporte. Barcelona, 2010, p. 101 e ss.

9 A final da Copa da Europa de futebol entre o inglês Liverpool e a italiana Juventus resultou na triste tragédia do estádio de Heysel, em Bruxelas, em 1985, com saldo de 39 mortes (34 italianos seguidores da equipe de Turim, dois belgas, dois franceses e um britânico) e aproximadamente 600 feridos.

10 No dia 2 de fevereiro de 2007, no transcurso da partida entre Catania e Palermo, os violentos choques com torcedores resultaram na morte de um policial de 38 anos como consequência da explosão de uma bomba caseira de grande potencia (que entre os torcedores italianos recebe o nome de carta-bomba). A batalha terminou com mais de cem feridos e acarretou a paralisação do campeonato pelas autoridades.

11 Robert Hoyzer foi condenado a dois anos e cinco meses de detenção.

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correu pelo noticiário luso em março de 2004; na Itália, foi o chamado “Calciopoli” com o suborno a árbitros para alteração de placares dos jo-gos; na Polônia, a corrupção fez com que a liga de futebol postergasse o começo de seus jogos por escândalos que alcançaram a cúpula diretiva da Federação de Futebol; na Espanha, as suspeitas de manipulação recaí-ram sobre o jogo Atlético Clube de Bilbao e Levante em junho de 2007 e o jogo Málaga e Tenerife, em junho de 2008.

Inclusive, acaso não existissem as apostas on line, ninguém teria notado os dois casos espanhóis mais recentes objetos de suspeitas, nos quais uma vez mais a ética e o futebol confrontaram-se. Ambos se produ-ziram na mesma data: 13 de junho de 2009. Jogava-se a penúltima rodada da segunda divisão espanhola: partida entre Las Palmas e Rayo Vallecano e outra entre Alavés e Alicante. Duas das equipes, Alavés e Las Palmas, jo-gavam o descenso. Ao último bastava um mero empate para permanecer na divisão, ao passo que ao primeiro era necessário algo a mais: ganhar do Alicante e que Las Palmas perdesse contra o Rayo para continuar com possibilidades na última rodada.

O Alavés ganhou ao Alicante (1-0), sendo que esta equipe já estava rebaixada e não tinha qualquer interesse, e o Rayo e Las Palmas empa-taram sem gols, salvando-se a equipe das Ilhas Canárias. O empate sem gols era um resultado aceitável para ambos os clubes: para o Las Palmas, pois se livrava do descenso e para o Rayo porque seu goleiro, Cobeña, converter-se-ia, não levando gols, no menos vazado da competição, um prêmio para uma equipe que não tinha outro interesse no campeonato.

A situação propiciou que a UEFA começasse a investigar a possível manipulação com a pior nuance possível: as apostas, pois no referido confronto se registraram valores anormais tanto no número de apostado-res como na soma envolvida, tanto que a casa de apostas miapuesta.com, com domicílio em Londres, suspendeu-as em determinado momento e comunicou o ocorrido à entidade internacional de futebol. Da denúncia pela UEFA resultou a abertura de um expediente disciplinar pelo Comitê de Competição da Real Federação Espanhola de Futebol no qual estão inicialmente envolvidos os clubes citados e sete jogadores que realiza-ram apostas. De igual modo, a Procuradoria-Geral do Estado recebeu a comunicação da abertura do expediente em relação à manipulação do resultado final entre Las Palmas e Rayo Vallecano.

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Em relação com esse caso, o secretário de Estado-presidente para o Esporte, Lissavetzky Díez, compareceu em 24 de março de 2010 pe-rante a comissão de Educação e Esporte no Congresso dos Deputados, e a petição do Grupo Parlamentar de Esquerda Republicana – Esquerda Unida Iniciativa por uma Catalunha Verde12 – informava as notícias vin-culadas em vários meios de comunicação e relacionadas com o acordo de abertura de expedientes disciplinares por parte do Comitê de Competi-ção da Federação Espanhola de Futebol a diversos jogadores por suposto envolvimento em apostas ilegais. Informou Díez que “no escrito da UEFA se destaca que o placar final da partida poderia ter sido acordado antes mesmo do início do jogo”. Além disso, comentou que

mantém-se uma constante relação e conversação contínua com a Advoca-cia do Estado de Las Palmas de Grande Canária e, inclusive, foram solici-taram cópias das atuações praticadas pela Procuradoria, assim como das informações resultantes dessa investigação [...] em todo caso, havendo ins-trução em processo criminal, o Conselho Superior de Desportes, já anun-cio aqui, será representado pelo responsável da Advocacia do Estado.13

As manipulações também se verificaram nos Mundiais de futebol, em concreto no torneio celebrado na Espanha em 1982, onde, em Gijón, a Alemanha tinha que ganhar de 1-0 da Áustria, sendo o resultado válido também para essa seleção, mas em prejuízo à Argélia. O famoso escân-dalo do “Pacto do Molinón”14 foi reconhecido anos depois pelo atleta alemão Hans Peter Briegel, ao declarar a um diário dos Emirados Ára-bes Unidos: “Desculpo-me por isso, Alemanha trapaceou para eliminar a Argélia”.

A Federação Internacional de Futebol encerrou o caso sem sanções, igual ao fato que se passou quatro anos antes no Mundial de Argentina. Depois de a seleção brasileira vencer a Polônia, os anfitriões necessita-vam ganhar do Peru por quatro gols para passar a fase final. Não foram quatro, senão seis (6-0). Muitos viram uma evidente passividade da defesa andina, enquanto outros recordam um chute na trave dos peruanos na

12 NT. Corresponderia, no Brasil, ao Partido Verde (PV).13 Cortes Gerais. Diário de Sessões do Congresso dos Deputados. Comissão de Educação e Esporte. IX

Legislatura, n. 506, de 24 de março de 2010, p. 2. Ao contrário, pouco o nada se investigou sobre a partida entre Alavés e Alicante, não obstante o registro de um número de apostas anormal.

14 NT. El Molinón é o nome do estádio municipal da cidade espanhola de Gijón na comunidade autônoma de Astúrias. Curiosamente, depois dessa manipulação, a Federação Internacional de Futebol, a partir do Mundial seguinte que se realizou no México, determinou que as partidas da última rodada de classificação da fase inicial de grupos se realizassem simultaneamente.

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primeira etapa. A Argentina ganhou seu primeiro torneio depois de ven-cer na final, também com polêmica, a Holanda, sempre com a presença atenta do general Videla15.

O jornalista canadense Declan Hill, autor do livro The fix: soccer and organized crime16, depois de estudar centenas de partidas suspeitas ao largo dos últimos quarenta anos, advertiu que os manipuladores de jogos e o crime organizado chegaram à Europa e destruíram o esporte da mesma maneira que o destruíram na Ásia.

Em face deste desolador panorama, voltaram-se os olhos ao direito penal com o fim de extirpar este câncer maligno que ameaça, a passos gigantes, o deporto profissional. As opções passam por três iniciativas. Destaco detalhadamente.

Em primeiro lugar, com a aprovação de uma lei especial. A essa opção recorrem países como a Itália e Portugal. O legislador italiano, em face da fraude e da corrupção no esporte, reagiu com a Lei nº 401, de 13 de dezembro de 1989, de intervenção no setor de jogo e de apostas clandestinas e de proteção do correto desenvolvimento das competições esportivas17, sendo a novidade mais importante a introdução de um novo delito de fraude esportiva. Esta lei representa o cumprimento de um pro-cesso de reforma que transcorreu por trinta anos. As razões da larga dura-ção desse processo legislativo atribuem-se à forte hostilidade procedente do mundo do esporte contra as intervenções do ordenamento jurídico estatal por limitar sua autonomia18.

Em Portugal, foi o conhecido caso “Apito Dourado”, que propiciou a aprovação da Lei nº 50, de 31 de agosto de 2007, conforme a qual se es-tabeleceu um novo regime de responsabilidade penal por comportamen-tos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição e de seus resultados na atividade esportiva. A lei tem como objetivo er-radicar as condutas fraudulentas do setor desportivo, reforçar e combater

15 NT. O ex-militar argentino chegou ao poder e ocupou a presidência da Argentina entre os anos de 1976 a 1981 depois de um golpe de estado que depôs a então presidente María Estela de Perón.

16 HILL, Declan. The fix: Soccer and organized crime. McClelland & Stewart, 2008. 17 Lei publicada no Jornal Oficial n. 294, de 18 de dezembro de 1989. Essa lei foi objeto de posteriores

modificações por meio da Lei nº 537, de 24 de abril, pelo Decreto-Lei nº 557, de 30 de dezembro de 1993, pela Lei nº 45, de 24 de fevereiro de 1995, pela Lei nº 377, de 19 de outubro de 2001, que substituiu no título da lei a expressão competições agonísticas por competições esportivas, ou pelo Decreto-Lei nº 8, de 8 de fevereiro de 2007, de medidas urgentes para a prevenção e repressão de fenômenos de violência ligados a competições de futebol.

18 VICENTE MARTÍNEZ, Rosario. Derecho penal del deporte, p. 504-515.

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a corrupção esportiva, assim como introduzir um conjunto de novidades na matéria, tipificando as condutas relativas ao tráfico de influência e as associações ilícitas, e, ainda, acrescentando a responsabilidade penal das pessoas jurídicas19.

Em segundo lugar, com a inclusão no Código Penal de novas figuras delitivas. Essa solução foi acolhida pelo legislador espanhol com a Lei Or-gânica nº 5/2010, de 22 de junho, pela qual se modificou a Lei Orgânica nº 10/1995, de 23 de novembro, do Código Penal, e que conduz à ques-tão imediata de saber se representa solução necessária quando o Código Penal conta com o respectivo delito de estelionato, delito que pode ser aplicado à fraude esportiva, como já reconheceu o Secretário de Esta-do-Presidente para o Esporte, Lissavetzky Díez, quando presente na co-missão antes mencionada, e quem, referindo-se ao caso Rayo Vallecano e Unión Esportiva Las Palmas, destacou que:

Na hipótese de que os fatos se revestissem de características delitivas, em nossa opinião sua redução por via penal teria que ser feita por meio do tipo penal de estelionato, porque ainda está em tramitação a reforma do Códi-go Penal que tipifica expressamente a fraude esportiva. Há a possibilidade de recorrer evidentemente ao conceito de estelionato para, existindo as provas suficientes, sancionar penalmente aos responsáveis.20

A solução da Lei Orgânica nº 5/2010, de 22 de junho, conduz a uma perda de força e efetividade do direito penal ao utilizá-lo, novamen-te, de forma inflacionária.

Em terceiro lugar, combater a fraude esportiva ou a fraude nas com-petições esportivas com as ferramentas de que dispõe o Código Penal, como, por exemplo, os delitos de estelionato ou de suborno, solução ocorrida na Alemanha, onde os mecanismos reguladores centram-se es-sencialmente no delito de estelionato, não se prevendo tipos penais es-peciais contra a corrupção no âmbito desportivo, como, por exemplo, o suborno de árbitros no esporte, conduta castigada por meio de tipos pe-nais gerais. Não obstante, em 1999, neste país, Klaus Volk propôs, de lege ferenda, tipificar um delito de corrupção privada com maior amplitude

19 Uma análise da citada lei pode ver-se em: GARCÍA CABA. Breve comentario a la Ley portuguesa nº 50/2007, de 31 de agosto y su posible extrapolación al ordenamiento español. Revista Arazandi de Derecho de Deporte y Entretenimiento, n. 22, p. 319 e ss., 2008-1.

20 Verificar: Cortes Gerais. Diário de Sessões do Congresso de Deputados. Comissão de Educação e Esporte. IX Legislatura, n. 506, de 24 de março de 2010, p. 3.

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àquele previsto – que se limita à economia –, ao considerar que se deve lutar contra a corrupção em qualquer âmbito da vida social, incluindo o esporte. A proposta de um tipo penal específico era a seguinte: “Quem em uma decisão com consequências para outro não se atém às regras e por isso solicita, promete ou aceita uma vantagem para si ou para um terceiro será castigado”21. Com efeito, a proposta não teve acolhida por parte do legislador alemão.

II – PerSecução da fraude eSPortIva Na atual legISlação eSPaNHola

A persecução da fraude esportiva ocorre no país europeu por meio de duas vias: a Lei do Esporte de 1990 e o Código Penal.

ii.1 a lei dO espOrte

O art. 76.1.c da Lei nº 10/1990, de 15 de outubro, Lei do Esporte, configura como infração muito grave às regras de jogo ou competição ou às normas esportivas gerais, “as atuações dirigidas a predeterminar, me-diante pagamento, intimidação ou simples acordos, o resultado de uma prova ou competição”.

Adicionalmente, o art. 76.4.b da Lei do Esporte qualifica como in-fração grave “os atos notórios e públicos que atentem à dignidade ou decoro desportivos”, ao passo que o art. 14 do Real Decreto de Disciplina Esportiva qualifica como infração muito grave “os atos notórios e públicos que atentem à dignidade ou decoro desportivos quando revistam uma especial gravidade e ainda se considerará falta muito grave a reincidência em infrações graves por fatos desta natureza”.

No que corresponde às sanções previstas para estes fatos, o art. 79.1 delineia que

as sanções suscetíveis de aplicação pela comissão de infrações esporti-vas serão as seguintes: a) inabilitação, suspensão ou privação de licença federativa, com caráter temporal ou definitivo, em adequada proporção às infrações cometidas; b) a faculdade, para os correspondentes órgãos disciplinares, de alterar o resultado de encontros, provas ou competições em razão de predeterminação mediante pagamento, intimidação ou sim-ples acordos; c) as de caráter econômico nos casos em que os esportistas,

21 VOLK, Klaus. Gedáchtnisschrift für Heinz Zipf. In: Gössel; Triffterer (Ed.). Heidelberg, 1999. p. 424.

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técnicos, juízes ou árbitros recebam retribuição por seu trabalho, devendo figurar quantidades no regulamento desportivo e nos Estatutos da Federa-ção correspondente. Estas sanções poderão ser impostas a todos os que in-tervêm ou participam nas competições declaradas profissionais devendo--se, igualmente, proceder a sua quantificação nos regulamentos e estatutos correspondentes, assim como, em seu caso, nos da Liga Profissional; d) as de fechamento do recinto desportivo.

E o art. 79, § 3º, fixa que “pela prática de infrações previstas no art. 76.4 poderão ser impostas as sanções: a) admoestação; b) sanções de caráter econômico; c) descenso de categoria; d) expulsão, temporal ou definitiva, da competição profissional”. O órgão competente para sancio-nar são as federações uma vez que elas possuem os poderes disciplinares com suas resoluções recorríveis perante o Comitê Espanhol de Disciplina Esportiva22.

No âmbito futebolístico, no qual mais notícias de possíveis atua-ções fraudulentas são publicadas, o Código Disciplinar (Anexo aos Estatu-tos da Real Federação Espanhola de Futebol), aprovado por unanimidade pela Assembleia Geral da RFEF em sua sessão ordinária de 10 de julho de 2009 e depois ratificado pela Comissão Diretiva do Conselho Superior em sessão de 30 de julho do mesmo ano, no Capítulo Segundo do Título II, que é dedicado às infrações e sanções, prevê, entre as infrações muito graves, a determinação anterior dos resultados dos jogos esportivos.

O art. 75 do texto determina que

1) toda conduta dirigida à predeterminação de resultados será considerada como infração muito grave e será sancionada de acordo com o disposto no presente artigo: a) os que com dádivas, presentes, ofertas ou pro-messas aos árbitros obtiverem ou tentarem obter uma atuação parcial e quem as aceitar ou receber, serão sancionados, como autores de uma infração muito grave, com inabilitação por tempo de dois a cinco anos, além da perda de seis pontos na classificação aos clubes implicados, anulando-se a partida; b) os que intervêm em acordos que conduzem à obtenção de um placar irregular em um encontro, já seja pela anômala atuação de uma ou das duas equipes confrontantes ou de algum de seus jogadores, já utilizando como meio indireto a indevida alienação de qualquer destes, ao benefício de uma equipe notoriamente inferior ao habitual ou outro procedimento conducente ao mesmo propósito, serão

22 Consultar o art. 33.1.f e o art. 74.2.c da Lei do Esporte de 1990.

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sancionados, como autores de uma infração muito grave, com inabilita-ção por tempo de dois a cinco anos, e se deduzirá os pontos de classi-ficação aos clubes implicados, declarando-se nula a partida, sendo que sua repetição apenas ocorrerá no caso de que um dos oponentes não seja culpado e ainda se verifique prejuízo para este ou para terceiros tampouco responsáveis;

2) os que participem na comissão das infrações descritas nas alíneas a) e b) sem ter a responsabilidade material e direta, serão punidos com inabi-litação ou privação de licença por tempo de dois anos. Para a determi-nação do grau de responsabilidade de estos sujeitos, o órgão disciplinar levará em consideração as regras sobre responsabilidade que estabelece a legislação penal;

3) o clube diretamente beneficiado pelas condutas descritas no primeiro número do presente artigo poderá ser sancionado com o descenso no caso em que seja possível demonstrar algum vínculo com os autores da infração;

4) em todos casos se procederá com o confisco das quantidades se estas efetivamente se realizaram.

Enquanto no Capítulo III, dedicado à tipificação das infrações gra-ves, o art. 82 sanciona os incentivos extradesportivos. Informa o preceito que

1) a promessa ou entrega de quantidade em efetivo ou compensações ava-liáveis em dinheiro por parte de um terceiro clube como estímulo para lograr obter um resultado positivo, bem como sua aceitação ou recep-ção, serão sancionadas com suspensão de um a seis meses às pessoas que tiverem sido responsáveis, e será imposta aos clubes e aos recep-tores multa em quantia de 3.005,06 euros, procedendo-se, ademais, ao confisco dos montantes, quando efetivamente realizados;

2) os que intervenham nos fatos de esta classe como meros intermediários serão suspensos ou inabilitados por tempo de um a três meses.

Ademais, no Capítulo I deste mesmo Título II, o art. 51, ao enume-rar os tipos de sanções, estabelece, no § 2º, que,

tratando-se de casos consistentes na predeterminação do resultado da par-tida mediante pagamento, intimidação ou meros acordos, em alienações indevidas e, em geral, em todos aqueles em que a infração suponha uma grave alteração da ordem do encontro ou da competição, aos órgãos dis-

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ciplinares estará facultado, com independência das sanções que, em cada caso, correspondam, a modificar o resultado da partida de que se trate, na forma e nos limites que estabelece o presente Ordenamento.

Também a FIFA – Federação Internacional de Futebol Amador – previu, em seu Código Disciplinar aprovado por seu Comitê Executivo em 20 de dezembro de 2008, com entrada em vigor em 1º de janeiro de 2009, uma série de infrações nesta matéria. Assim, na 6ª Sessão, sobre a rubrica da “Corrupção”, do Capítulo II dedicado de modo expresso as “Disposições Especiais”, incluiu um único dispositivo, o art. 62, com o teor literal na sequência reproduzido:

1) aquele que oferecer, prometer ou outorgar a um órgão da FIFA, a um oficial de uma partida23, a um jogador ou a qualquer oficial24, benefí-cios ilegítimos para a sua pessoa ou para terceiros, com a finalidade de induzi-los a violar a regulamentação da FIFA será sancionado com: a) multa mínima de CHF 10.000; b) inabilitação para exercer qualquer atividade relacionada ao futebol; c) uma proibição de acesso a estádios;

2) a corrupção passiva (solicitar, fazer prometer ou aceitar aquela classe de dádivas ou benefícios), acarretará idênticas sanções às previstas no ponto anterior;

3) em casos especialmente graves, ou no caso de reincidência, a sanção contida no § 1, letra b) poderá ser imposta a perpetuidade;

4) em todo caso, o órgão competente decretará o confisco das quantidades ou valores patrimoniais que tenham sido instrumento para o cometi-mento da infração. Tais valores serão destinados aos programas de de-senvolvimento do futebol.

Enquanto a Seção 10ª, sob o título “Influir ilicitamente no resultado de uma partida”, contém um só preceito, o art. 69, que dispõe que:

1) aquele que tentar influenciar no resultado de uma partida infringindo os princípios da ética esportiva será sancionado com a suspensão por

23 O art. 5º, n. 7 do Código Disciplinar define o juiz da partida nestes termos: “O árbitro, os árbitros assistentes, o quarto árbitro, o comissário da partida, o inspetor de árbitros, o responsável da segurança além de outras pessoas delegadas pela FIFA para assumir responsabilidades em relação à partida”.

24 O art. 5º, § 6º, do Código Disciplinar contém a definição de juiz: “Aquele que exercer uma atividade futebolística no seio de uma associação ou de um clube, seja qual for o seu título, a natureza de sua função (administrativa, esportiva ou outra) e o período de duração desta, excluídos os jogadores; são considerados oficiais, principalmente, os dirigentes, os treinadores e as pessoas que, em geral, desempenham funções nas equipes”.

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partidas ou a proibição de exercer qualquer atividade relacionada ao futebol e uma multa em quantia não inferior a CHF 15,000. Nos casos graves, impor-se-á a proibição perpétua de exercer atividade relaciona-da ao futebol;

2) em caso de influir ilicitamente no resultado de uma partida através de um jogador ou de um oficial, tal e como está mencionado no § 1º, pode-rá ser imposta multa ao clube ou à associação à qual pertença o jogador ou o oficial. Nos casos graves, o infrator poderá ser sancionado com a exclusão de uma competição, o rebaixamento a uma categoria inferior, a subtração de pontos e a devolução de prêmios.

O leque de sanções abriu-se quando a Liga Nacional de Futebol Profissional, no dia 11 de junho de 2008, dirigiu-se ao Secretário de Esta-do e Presidente do Conselho Superior de Esportes expondo-lhe as razões fáticas e jurídicas que justificavam a especial conveniência de que o legis-lador espanhol cogitasse a possibilidade de aprovar um marco normativo específico em matéria de fraude no esporte. O manifesto sobre as condu-tas fraudulentas no esporte e a necessária adoção de medidas legislativas para a sua repressão foi ratificado pela Liga de Futebol Profissional e de Futebol de Salão, pelas Associações de Clubes de Basquete e de Hande-bol, além dos representantes das Associações profissionais de esportistas espanhóis de futebol, basquete e handebol. Ao Relatório foi anexado um esboço de projeto de lei sobre a fraude esportiva elaborada pelos serviços jurídicos da Liga de Futebol Profissional, que não é outra coisa senão a extrapolação ao Direito espanhol da Lei portuguesa nº 50/2007, de 31 de agosto, pela qual se estabelece um novo regime de responsabilidade penal por comportamentos suscetíveis de afetar a verdade, a lealdade e a correção da competição esportiva e seus resultados. Finalmente, no en-tanto, o legislador espanhol optou por incorporar um novo tipo delitivo no Código Penal, acolhendo-se, deste modo, a segunda opção apontada sobre o tratamento penal da corrupção esportiva.

ii.2 O códigO penal

O processo de intervenção penal em matéria de fraude e corrupção no esporte profissional teve início no mês de novembro de 2009, quando o Conselho de Ministros aprovou um novo projeto de lei de reforma do Código Penal e o remeteu às Cortes Gerais. O novo projeto segue as prin-cipais linhas de seu predecessor, o Projeto de reforma do Código Penal de 2007, mantendo muitas das novidades previstas nele, adicionadas a

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outras de novo cunho, fazendo Francisco Muñoz Conde afirmar que, se transformadas em lei, deixariam as reformas anteriores como tímidas ten-tativas de um autoritarismo suave se comparado com o que virá, culmi-nando, assim, numa evolução que deveria ser qualificada de involução, na qual, como dizia Groucho Marx, pouco a pouco saímos da pobreza para entrar na mais negra miséria25.

O projeto de lei de reforma do Código Penal de 2009 era, de fato, o sucessor do falido projeto de reforma do Código Penal aprovado pelo Conselho de Ministros em dezembro de 2006 e publicado no Boletim Oficial das Cortes Gerais no dia 15 de janeiro de 200726. A falta de calen-dário para levar a um bom termo a reforma global, ao estarmos naquela então reta final da legislatura, levou à limitação da abrangência da pro-jetada reforma única e exclusivamente aos delitos relativos à segurança viária27. Após as eleições gerais de março de 2008, vencidas novamente pelo Partido Socialista Operário Espanhol, o Projeto de 2007 voltava a ver a luz na forma de Anteprojeto de Lei Orgânica de reforma do Código Penal, publicado no dia 14 de novembro de 2008, que daria finalmente espaço ao projeto de reforma de Código Penal de 2009. Apesar das nu-merosas críticas doutrinárias28 ao citado projeto, no dia 11 de março de 2010 o Plenário do Congresso o aprovou e recusou, em sua totalidade, as três emendas apresentadas pelo Grupo Parlamentar Misto, o Grupo Parlamentar Basco (EAJ-PNV) e o Grupo Parlamentar de Esquerda Repu-blicana-Esquerda Unida-Iniciativa per Catalunha Verds29. Todo o trajeto parlamentar terminou com a aprovação da Lei Orgânica nº 5/2010, de 22 de junho, pela qual foi modificada a Lei Orgânica nº 10/1995, de 23 de novembro, do Código Penal, lei que entrou em vigor, conforme estabele-ceu a disposição final sétima, aos seis meses de sua completa publicação no Boletim Oficial do Estado.

25 MUÑOZ CONDE, Francisco. Análisis de algunos aspectos del Anteproyecto de Reforma del Código Penal español de 14 de noviembre de 2008. Revista Penal, n. 24, p. 110 e ss., 2009.

26 Vide Boletim Oficial das Cortes Gerais. Congresso dos Deputados, série A, n. 119-1, 15 jan. 2007.27 O Parlamento espanhol chegava a um acordo para tramitar em regime de urgência a reforma dos delitos de

tráfico. Poucos meses depois, o Boletim Oficial do Estado do dia 1º de dezembro de 2007 publicava a Lei Orgânica nº 15/2007, de 30 de novembro, modificando a Lei Orgânica nº 10/1995, de 23 de novembro, do Código Penal em matéria de segurança viária.

28 Vide, a título de exemplo, o Comunicado do Grupo de Estudos de Política Criminal aprovado em sua Assembleia Geral, onde manifestava a sua profunda preocupação tanto pelo conteúdo de algum dos preceitos do Projeto quanto pela fundamentação não só não ocultada, senão expressamente declarada pelas altas instâncias governamentais, que inspira a reforma: trata-se de uma resposta aos “mais recentes acontecimentos que têm deixado a nossa sociedade em estado de comoção”.

29 Vide Diário de Sessões do Congresso dos Deputados, IX Legislatura, n. 146, de 11 de março de 2010, p. 20 e ss.

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Sendo uma das cruzadas mais significativas nos últimos tempos dos organismos supranacionais a cruzada contra a corrupção, destacando no marco europeu diversas iniciativas da União Europeia, a Convenção Pe-nal sobre a Corrupção do Conselho da Europa de 27 de janeiro de 1999 (Convênio nº 173)30 e, particularmente, diversas iniciativas supranacionais com a finalidade de estimular os legisladores nacionais a criminalizarem o fenômeno da corrupção no setor privado, não é de se estranhar que o Relatório do Ministro de Justiça sobre o Anteprojeto de Lei Orgânica que modifica a Lei Orgânica do Código Penal de 1995 remitido ao Conselho de Ministros justifique o mesmo com a alegação de que com ele se pre-tendia também intensificar a luta contra a corrupção, procedendo-se à criação do delito de corrupção entre particulares e ao endurecimento do delito de suborno31.

A Lei Orgânica nº 5/2010, de 22 de junho, de modificação do Código Penal, incorpora ao Direito espanhol a Decisão Regulatória nº 2003/568/JAI, de 22 de julho de 2003, relativa à luta contra a corrup-ção no setor privado e inicia uma reforma global em matéria de corrupção entre particulares adaptando o Ordenamento Penal espanhol às diretivas da União Europeia. Tem-se afirmado que são múltiplas as razões que dão aval à introdução de sanções penais para a repressão da corrupção além do âmbito do público. Passo a descrevê-las para melhor compreensão.

Em primeiro lugar, o fato de que a corrupção no setor privado con-tribui para socavar valores como a confiança ou a lealdade, que são ne-cessárias para manter e desenvolver as relações sociais e econômicas. Inclusive não existindo um prejuízo pecuniário específico para a vítima,

30 O Convênio nº 173 é extremamente amplo, pois cobre a corrupção em suas vertentes ativa e passiva dos agentes públicos nacionais, de agentes públicos estrangeiros e funcionários internacionais, de membros de assembleias públicas nacionais e estrangeiras, de assembleias parlamentares internacionais, a corrupção ativa e passiva no setor privado, a corrupção de juízes e agentes de tribunais internacionais, e, também, o tráfico de influências, a regularização de produto ilegal dos delitos de corrupção, e os delitos contábeis.

31 Em relação ao suborno de agente público, como é um suborno que se limita legalmente aos funcionários públicos ou àqueles que prestam algum tipo de atividade relacionada com o serviço público, as Associações União Progressista de Fiscais (UPF) e Juízes para a Democracia (JPD) apresentaram a possibilidade de que o legislador inclua “expressamente” aqueles que exercem funções políticas ou cargos de responsabilidade em partidos políticos no delito de suborno de agente público regulamentada no Código Penal. A razão é que está sendo esquecido algo que tem surgido com força nos últimos tempos, o papel daqueles responsáveis por partidos políticos que, embora não tenham cargo público determinado, em virtude de sua posição no partido, têm uma posição de força muito importante para determinar a conduta daqueles cargos que pertencem ao partido. No documento elaborado por ambas as Associações, foi especificado que a luta contra a corrupção pública passa inevitavelmente pela melhoria dos procedimentos administrativos de gestão e controle, incrementando a sua transparência e os controles externos, em particular naqueles supostos em que as atuações se submetam a formas próprias do direito privado, e reduzindo ao máximo a discricionariedade administrativa, embora o direito penal, garantia última da convivência, tenha que cumprir também um papel de destaque na repressão das condutas mais graves.

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a corrupção privada prejudica o conjunto da sociedade. De maneira ge-ral, é possível afirmar que existe uma crescente tendência a limitar as diferenças entre as regras aplicáveis aos setores público e privado. Isto exige redefinir as regras que protegem os interesses do setor privado e que regulam as relações desse setor com seus funcionários e com a sociedade como um todo.

Em segundo lugar, a incriminação da corrupção existente no setor privado se faz necessária para garantir o respeito à concorrência equita-tiva e leal.

Em terceiro lugar, está também vinculada ao processo de privatiza-ção. No decorrer dos últimos anos, tem havido um processo massivo de privatização, que supôs a transferência ao setor privado de importantes recursos econômicos antes geridos pelo setor público. Por isso, resulta lógico proteger a sociedade dos efeitos nocivos da corrupção nas empre-sas privadas devido à grande importância social do poder econômico e financeiro que se concentra no setor privado32.

Essas razões têm sido contra-argumentadas por um setor da doutri-na33 que alega, primeiramente, que as condutas coletadas no art. 286 bis como sendo estratégias de captação de clientela ou negócio que, como complemento ou alternativa à qualidade e às condições das prestações oferecidas no mercado, recorrem, ativa ou passivamente, ao suborno dos funcionários das empresas com as quais se pretenda comercializar, são perfeitamente passíveis de inclusão nos tipos sancionadores – adminis-trativos ou civis –recolhidos nas normas de Defesa da Concorrência e no Direito contra a Concorrência Desleal. Em segundo lugar, nos países nos quais as condutas desta reforma têm sido objeto de uma precoce crimi-nalização – como na Alemanha, cujo tipo penal tem servido de modelo para a Decisão Marco –, não se produziu uma aplicação relevante de tais delitos que venha a determinar a maior eficácia preventiva das nor-mas penais frente às administrativas sancionadoras. Em terceiro, surge um novo marco na cada vez mais profusa tendência rumo ao direito penal simbólico distante dos princípios de lesividade e exclusiva proteção de bens jurídicos. Incrimina-se a corrupção, principalmente dos administra-

32 Vide VILLAMERIEL PRESENCIO, Luis. Derecho penal: algunas reformas necesarias en la actual legislatura. In: La Ley, n. 6.314, p. 3, 8 set. 2005.

33 Vide, entre outros, Ventura Püschel, em Álvarez García/González Cussac (Dir.). In: Manjón-Cabeça Olmeda; Ventura Püschel (Coord.). Consideraciones a propósito del Proyecto de Ley de 2009 de modificación del Código Penal. Valencia, 2010, p. 263 e ss.

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dores ou funcionários das empresas, pela mera ação do suborno, não pela lesividade dessas condutas relativas à livre concorrência. Em último lugar, o que é castigado com esta nova tipificação é essencialmente a falta de ética dos trabalhadores.

A Lei Orgânica nº 5/2010, de 22 de junho, de modificação do Có-digo Penal, coloca sistematicamente a corrupção entre particulares na Seção Quarta do Capítulo XI, “Dos delitos relativos à propriedade intelec-tual e industrial, ao mercado e aos consumidores”, do Título XIII, “Delitos contra o patrimônio e contra a ordem socioeconômica”, do Livro II do Código Penal. A atual Seção Quarta sobre “Disposições comuns às seções anteriores” passa a ser a Seção Quinta do mesmo Capítulo, Título e Livro. Integra-se como artigo único da Seção Quarta, “Da corrupção entre par-ticulares”, o art. 286 bis:

1. Aquele que por si ou por pessoa interposta prometer, oferecer ou con-ceder a dirigentes, administradores, funcionários ou colaboradores de uma empresa mercantil ou de uma sociedade, associação, fundação ou organização um benefício ou vantagem de qualquer natureza não justi-ficados para favorecer a si próprio ou a terceiro perante outros, descum-prindo as suas obrigações na aquisição ou venda de mercadorias ou na contratação de serviços profissionais, será castigado com pena de prisão de seis meses a quatro anos, inabilitação especial para o exercício de indústria ou comércio por tempo de um a seis anos e multa no mesmo valor ou até o triplo do valor do benefício ou vantagem.

2. Com as mesmas penas será castigado o dirigente, administrador, funcio-nário ou colaborador de uma empresa mercantil, ou de uma sociedade, associação, fundação ou organização que, por si ou por pessoa inter-posta, receba, solicite ou aceite um benefício ou vantagem de qualquer natureza não justificados com o fim de favorecer perante terceiros a quem lhe outorgar ou de quem esperar o benefício ou vantagem, des-cumprindo suas obrigações na aquisição ou venda de mercadorias ou na contratação de serviços profissionais.

3. Os juízes e Tribunais, em atenção à quantia do benefício ou ao valor da vantagem, e a transcendência das funções do culpável, poderão impor a pena inferior em grau e reduzir a multa a seu prudente arbítrio.

4. O disposto neste artigo será aplicável, em seus respectivos casos, aos dirigentes, administradores, funcionários ou colaboradores de uma en-tidade esportiva, qualquer que seja a forma jurídica desta, assim como aos esportistas, árbitros ou juízes, no relativo àquelas condutas que te-

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nham por finalidade predeterminar ou alterar de maneira deliberada e fraudulenta o resultado de uma prova, encontro ou competição espor-tiva profissional.

O projeto de reforma de 2009 encarregou-se de introduzir duas modificações importantes com respeito a seus predecessores: o Projeto de 2007 e o Anteprojeto de 2008. Em primeiro lugar, o preceito, em seu § 2º, incluía no círculo de sujeitos ativos, junto ao dirigente, funcionário ou colaborador, ao administrador tal e como havia solicitado o Conselho Geral do Poder Judiciário no seu Relatório de 26 de fevereiro de 2009 ao Anteprojeto de Lei Orgânica pela qual se modifica a Lei Orgânica nº 10/1995, de 23 de novembro, do Código Penal34. Em segundo lugar, foi acrescentado um quarto parágrafo ao art. 286 bis para tipificar a fraude esportiva. No comunicado emitido após o Conselho de Ministros, consta textualmente:

Tipificam-se penalmente as condutas mais graves de corrupção no esporte, como os subornos realizados, tanto pelos membros e colaboradores de en-tidades esportivas, como pelos esportistas, árbitros ou juízes, que tenham por objetivo predeterminar ou alterar de maneira deliberada e fraudulenta o resultado de uma competição esportiva.

Somente a partir de 2009 o legislador considera a intervenção penal em matéria de corrupção e fraude no esporte.

II.2.a) o novo delito de fraude e corrupção no esporte

Uma das novidades que a Lei Orgânica nº 5/2010, de 22 de ju-nho, introduz é a tipificação das condutas mais graves de corrupção no

34 O Conselho Geral do Poder Judicial tinha advertido, em seu Relatório ao Anteprojeto de Lei Orgânica pela qual fica modificada a Lei Orgânica nº 10/1995, de 23 de novembro, do Código Penal, que: “As referências aos dirigentes e aos empregados foram extraídas diretamente da Decisão Marco nº 2003/568/JAI do Conselho da Europa, de 22 de julho de 2003, relativo à luta contra a corrupção no setor privado, que se refere, primeiro, àqueles que desempenhem funções diretivas ou trabalhistas de qualquer tipo e, depois aos funcionários, e dela foi reproduzida praticamente a tipicidade completa do art. 286 bis. A própria Decisão Marco define os dirigentes como sendo aquelas pessoas que exercem o poder de representação da empresa, ou que têm a autoridade para adotar decisões sobre ela ou para exercer seu controle. Em nosso sistema jurídico mercantil e trabalhista, no entanto, o conceito de dirigente não inclui os administradores, motivo pelo qual a transposição da diretriz requer a do próprio conceito de dirigente, ou a inclusão expressa no tipo dos administradores – por certo, de fato ou de direito –, já que estes não são dirigentes, empregados, nem colaboradores em nosso direito. Em segundo lugar, a Decisão Marco não se refere aos colaboradores, porquanto semelhante indeterminação não respeita o padrão de legalidade espanhol nem europeu. O Anteprojeto não oferece nenhuma pista para concretizar este conceito, que é incompatível consequentemente com o princípio de determinação dos tipos penais e, portanto, com o princípio de legalidade. É necessário suprimir os colaboradores como possíveis sujeitos ativos. Provavelmente teria sido menos complicado referir-se, como a Decisão Marco o faz, a pessoas que realizem qualquer função trabalhista para a empresa, sociedade, associação, fundação ou organização”.

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esporte. O § 4º do art. 286 bis do Código Penal estende o tipo delitivo da corrupção entre particulares até incluir no círculo de sujeitos ativos o dirigente, administrador, funcionário ou colaborador de uma entidade es-portiva, esportistas, árbitros ou juízes. Trata-se, assim, de um delito espe-cial, já que só pode ser sujeito ativo aquela pessoa que, além de realizar a ação típica, reúna as qualidades exigidas no tipo: dirigente, administra-dor, funcionário ou colaborador de uma entidade esportiva, esportistas, árbitros ou juízes. Opinião reforçada pela própria Exposição de Motivos da Lei Orgânica nº 5/2010, de 22 de junho, que expressamente destaca: “Serão castigados todos aqueles subornos realizados tanto pelos membros e colaboradores de entidades esportivas como pelos esportistas, árbitros ou juízes”. Ficaria impune, portanto, a conduta da compra de partidas por particulares.

A ação típica consiste, no caso da corrupção ativa, em um ato in-tencional de prometer, oferecer ou conceder um benefício ou vantagem de qualquer natureza não justificados para a realização ou abstenção de um ato dirigido a predeterminar ou alterar de maneira deliberada e frau-dulenta o resultado de uma competição esportiva. Por sua vez, constitui corrupção passiva o ato intencional de receber, solicitar ou aceitar um benefício ou vantagem de qualquer natureza não justificados para a reali-zação ou abstenção de um ato dirigido a predeterminar ou alterar de ma-neira deliberada e fraudulenta o resultado de uma competição esportiva.

Conforme a redação do tipo penal, a conduta tem que vir moti-vada por uma concreta finalidade: predeterminar ou alterar, de maneira deliberada e fraudulenta, o resultado de uma competição esportiva. Os modos de predeterminar o resultado podem ser realizados por meio de uma dupla modalidade. Em primeiro lugar: partidas arranjadas ou com-pradas com os famosos “prêmios a terceiros”, isto é, terceiras equipes que oferecem quantidades econômicas a outro para conseguir um resultado positivo. Essa tática é expressamente proibida na regulamentação das Fe-derações, por exemplo, na Real Federação Espanhola de Futebol, o que não impede que sua presença cada final de temporada seja uma constante nos últimos anos. Este prêmio é denominado pelo Comitê Olímpico In-ternacional como “um aumento artificial e desonesto do rendimento na competição”. Em segundo lugar: subornos a um esportista, treinador ou árbitro para influenciar de modo direto no resultado. Trata-se de sancionar penalmente os esportistas que se “deixam vencer” ou os árbitros que “pre-varicam” para influir no resultado. No que diz respeito a estes últimos, os

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subornos aos árbitros da disputa não conhecem fronteiras. Acontece na Argentina, e também no Brasil, onde se investiga certa equipe por possível fraude fiscal e subornos a árbitros, na Colômbia, onde, da mesma forma, a Fiscalização investiga tentativas de suborno a árbitros de futebol, e até no Peru, país no qual foram denunciados diversos supostos casos de suborno a árbitros. Subornos que se estendem por toda Europa, ocorrendo também na China, país cujo árbitro internacional, Gong Jianping, foi condenado a dez anos de prisão por aceitar, durante a temporada 2000-2001, subor-nos de vários clubes da primeira divisão. “Gong aceitou subornos para fraudar resultados de partidas pelo montante de 44.700 dólares durante a última fase da temporada, adulterando, de maneira flagrante, a compe-tição”, conforme determina a sentença do Tribunal Popular de Xuanwu (Pequim). Segundo o tribunal, este julgamento – resultado de dez meses de árduas investigações – fixa um precedente para futuros processos ju-diciais no terreno da corrupção esportiva. Em outubro de 2001, Gong foi incluído pelo clube Lucheng de Zhejiang em uma lista de oito árbitros que aceitaram subornos durante a temporada 2000-2001, fenômeno que é conhecido na China como “Apitos Negros”.

Fica fora do tipo penal a manipulação de apostas esportivas pela in-ternet, conhecidas como apostas on-line, apostas permitidas, porém não regulamentadas nem controladas, que movem mais de 75 milhões de eu-ros na Espanha. No entanto, para as fraudes relacionadas com as apostas esportivas, Jaime Lissavetzky anunciou que serão reguladas na iminente nova lei do esporte profissional com a qual se pretende ter maior controle sobre as apostas esportivas e evitar a fraude35. Cabe lembrar que é possível apostar por tudo – algumas casas de apostas on-line admitem até quatro-centos conceitos diferentes em uma só partida.

35 As apostas esportivas por internet foram um dos temas tratados nos trabalhos da Subcomissão sobre o esporte profissional na Espanha. A questão não foi tratada em profundidade, porque, de alguma maneira, ia além da competência da Subcomissão, mas foi suficiente para considerar a importância das considerações iniciais: “Em primeiro lugar, constatou-se a existência de apostas esportivas por internet, desenvolvidas na mais absoluta carência de regulamentação, cujo volume econômico é cada vez maior, sendo organizadas e exploradas por operadores cujas licenças pertencem a outros países ou, simplesmente, são de difícil localização. Em segundo lugar, foram enumeradas as seguintes consequências jurídicas: não há proteção jurídica dos usuários e, por isso, entre outras ausências, não estão garantidos os pagamentos; não existe proteção jurídica dos menores e jovens; não se garante a proteção de dados; não existe tributação das operações econômicas realizadas; se está produzindo uma utilização e uma apropriação, para fins privados, do fenômeno esportivo desenvolvido por esportistas, clubes, sociedades e outros agentes, sem a participação destes. Por último, a partir do que foi exposto anteriormente, se deduz que há a necessidade de uma regulamentação que dê resposta aos problemas que o jogo pela internet tem apresentado”. Vide Diário de Sessões do Congresso dos Deputados. Comissões Educação e Esporte IX Legislatura, n. 386, 4 de maio de 2010, p. 35 e ss.

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O legislador recorreu ao delito de mera atividade, pois, embora o § 4º do art. 286 bis não especifique nada, sua relação com o § 1º leva a tal conclusão ao castigar aquele que “prometer, oferecer ou conceder”, de forma que a mera promessa ou oferecimento transformar-se-iam em atos constitutivos de delito.

O preceito é confuso, oportunista e deficiente, tanto por sua má redação, como pela sua relação com os três parágrafos anteriores do pró-prio art. 286 bis. Confiava-se que, em sua tramitação parlamentar, fosse objeto de alguns retoques que eliminassem as suas deficiências, porém, apesar das boas intenções de alguns autores36, a realidade não trilhou esse caminho: nossos parlamentares não consideraram este novo delito, e a prova disto foram as emendas apresentadas a ele.

As emendas ao artigo do projeto de reforma do Código Penal foram publicadas no dia 18 de março de 2010 no Boletim Oficial das Cortes Gerais37, e o art. 286 bis só foi objeto de três emendas, sendo somente uma delas referente ao § 4º. Trata-se da Emenda nº 451 apresentada pelo Grupo Parlamentar Socialista:

O disposto no artigo será aplicável, em seus respectivos casos, aos di-rigentes, administradores, funcionários ou colaboradores de uma entida-de esportiva, qualquer que seja a forma jurídica desta, assim como aos esportistas, árbitros ou juízes, relativo àquelas condutas que tenham por finalidade predeterminar ou alterar de maneira deliberada e fraudulenta o resultado de uma prova, encontro ou competição esportiva profissionais.

O objetivo da mudança é o desejo de “harmonizar o texto com o da Lei do Esporte e delimitar adequadamente o âmbito da tipicidade”38. A emenda não contribui muito com o preceito ao consistir, em primeiro lugar, na introdução de dois conceitos: “prova” e “encontro”, junto ao já existente de “competição”. Devemos lembrar que a Lei do Esporte, por exemplo, em seu art. 76.1.c, alude ao “resultado de uma prova ou com-petição”; ou o art. 79.1.b a: “Alterar o resultado de encontros, provas ou competições por causa de predeterminação mediante preço, intimidação

36 Vide, por exemplo, MILLÁN GARRIDO, Antonio. Fraude en el deporte y apuestas irregulares. In: Diario de Jerez, de 15 de dezembro de 2009.

37 Vide Boletim Oficial das Cortes Gerais. Congresso dos Deputados, IX Legislatura, Série A: Projetos de Lei, n. 52-9, de 18 de março de 2010.

38 Vide Boletim Oficial das Cortes Gerais. Congresso dos Deputados, IX Legislatura, Série A: Projetos de Lei, n. 52-9, de 18 de março de 2010, p. 195 e 196.

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ou simples acordos, do resultado da prova ou competição”. Contudo, o resultado da prova pode não alterar o da competição.

Em segundo lugar, no parágrafo o termo final “profissionais”, mo-tivo pelo qual fica descartada a alteração de provas, encontros ou com-petições esportivas não oficiais disputadas entre esportistas amadores. O Relatório da Subcomissão sobre o esporte profissional na Espanha consi-dera que:

a) Seria entendido como esporte profissional: 1º) as competições de ca-ráter profissional que fossem consideradas oportunas conforme o critério atual da enumeração. A este respeito, adverte-se que existe unanimidade, nos presentes que se referiram a esta questão, que esta previsão deveria ser ampliada, tanto nos esportes aos que se refere na atualidade, futebol e basquete, como a outros esportes coletivos (como handebol ou vôlei) e inclusive esportes individuais; 2º) competições que mesmo não fazen-do parte da enumeração correspondente sejam declaradas oficiais pelas respectivas federações, sempre que nelas participem esportistas profissio-nais; b) Entende-se como esportista profissional aquela pessoa que faça do esporte a sua profissão, seja em um esporte individual ou em um esporte em equipe: 1º) no caso de um esporte individual, seria um esportista pro-fissional aquele que, de forma voluntária, se dedicar à prática esportiva, de forma habitual, por conta própria ou alheia obtendo uma remunera-ção da entidade para a qual presta os seus serviços ou da competição na qual participar; 2º) aqueles que realizam a mesma prática esportiva, por conta própria ou alheia no seio de instituições públicas que subvencio-nam uma prática esportiva; 3º) no que diz respeito aos esportes de equi-pe, o esportista profissional estaria, inicialmente, definido no Real Decreto nº 1.006/1985; 4º) também podem ser incluídas na definição as pessoas que atuam como treinadores, preparadores físicos, árbitros ou outros sujei-tos envolvidos em cada uma das modalidades esportivas.39

As críticas ao art. 286 bis, § 4º, do CP, por sua má redação e defi-ciências, seguem, portanto, vigentes.

A Comissão encarregada de redigir o Relatório sobre o Projeto de Lei Orgânica propôs a aceitação da Emenda nº 451 e a eliminação das

39 Vide Diário de Sessões do Congresso dos Deputados. Comissões Educação e Esporte. IX Legislatura, n. 557, p. 30 e ss., 26 maio 2010.

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restantes40, motivo pelo qual o delito de fraude esportiva permaneceu de-finitivamente com a seguinte redação:

4. O disposto neste artigo será aplicável, em seus respectivos casos, aos dirigentes, administradores, funcionários ou colaboradores de uma en-tidade esportiva, qualquer que seja a forma jurídica desta, assim como aos esportistas, árbitros ou Juízes, relativo àquelas condutas que tenham por finalidade predeterminar ou alterar de maneira deliberada e frau-dulenta o resultado de uma prova, encontro ou competição esportiva profissionais.

As penas determinadas para tais comportamentos são: a pena de prisão de seis meses a quatro anos, a inabilitação especial para o exercí-cio de indústria ou comércio por tempo de um a seis anos e a multa no mesmo valor ou até o triplo do valor do benefício ou vantagem. Penalida-de considerada excessiva.

II.2.b) a legitimidade do delito de fraude e corrupção no esporte

Uma vez aprovada a reforma penal, o principal e fundamental pro-blema que surge com relação ao novo delito de fraude e corrupção no esporte é sua legitimidade, visto que não só a decisão de tipificar penal-mente os subornos e fraudes no esporte é uma novidade da Lei Orgânica nº 5/2010, de 22 de junho, que vai além das causas que a motivaram ori-ginariamente: a adaptação do Ordenamento Penal espanhol às Diretivas da Comunidade Europeia e nenhuma Diretiva, até a data, tem sido ditada em matéria de luta penal contra a corrupção no esporte, sendo que tam-bém o novo tipo penal contemplado no § 4º do art. 286 bis foi introduzi-do “à força” e isso aconteceu, fundamentalmente, por duas razões: uma derivada do conceito de “corrupção no setor privado” e a outra, derivada do interesse jurídico vulnerado com a corrupção.

No que tange ao conceito de “corrupção no setor privado”, setor onde se localiza o delito de fraude esportiva, certamente em sentido am-plo tal expressão pode equivaler a qualquer tipo de suborno produzido fora do setor público e compreenderia desde a corrupção em ativida-des esportivas até a corrupção de diferentes profissionais, passando pela concessão de vantagens indevidas a funcionários ou dirigentes de uma empresa no decorrer de suas atividades profissionais, com a finalidade

40 Vide Boletim Oficial das Cortes Gerais. Congresso dos Deputados, IX Legislatura, Série A: Projetos de lei, n. 52-10, 21 abr. 2010.

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do não cumprimento de suas obrigações. Porém, é somente a este último tipo de comportamento ao que se referem concretamente os diferentes instrumentos internacionais quando empregam a expressão “corrupção no setor privado”.

O termo “corrupção no setor privado”, em contraposição ao termo “corrupção no setor público”, serve para descrever diferentes fraudes co-metidas no âmbito das empresas por seus dirigentes, por meio de meca-nismos contábeis, e práticas irregulares no mercado de ações etc. As con-dutas de corrupção privada cuja punibilidade é requerida pela Decisão Marco de 2003 são, em suma, as que envolvem os supostos de subornos que acontecem durante a atividade comercial, entre os quais se destacam os relativos a pagamentos, benefícios ou vantagens indevidas oferecidas, prometidas, dadas ou exigidas como contraprestação para que se adjudi-que de maneira desleal um contrato de venda de bens ou de prestação de serviços a uma empresa predeterminada em um processo de licitação ou concurso público, já que estes supostos são os que mais despertam interesse.

Dessa maneira, parece que o delito de fraude nas competições es-portivas não se encaixa na Seção Quarta, “Da corrupção entre particula-res”, do Capítulo XI do Título XIII, onde o legislador o colocou. Conforme destaca Caruso Fontán, a conduta do § 4º não cumpre os elementos que o art. 286 bis do Projeto requer, já que ele demanda promessa, ofereci-mento ou concessão de um benefício ou vantagem não justificados para que, quem a receba, favoreça o outorgante ou um terceiro perante outros descumprindo suas obrigações na aquisição ou venda de mercadorias ou na contratação de serviços profissionais41. Isso justifica que a pena de inabilitação a ser imposta, a pena de inabilitação para o exercício da in-dústria ou comércio, esteja pensada para a salvaguarda da concorrência leal, mas não para o âmbito esportivo.

Nada impede que a corrupção possa se dar em todos os âmbitos da vida social. Dentro do setor privado, não há inconveniente semântico al-gum em falar de fatos de corrupção no mundo dos negócios, nos esportes, na educação, o que não significa que perante todos eles o direito penal deva intervir.

41 CARUSO FONTÁN, María Viviana. El concepto de corrupción. Su evolución hacia un nuevo delito de fraude en el deporte como forma de corrupción en el sector privado. Foro: Revista de Ciencias Sociales y Jurídicas, n. 9, p. 186, 2009.

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No concernente à delimitação do interesse jurídico vulnerado, os delitos de corrupção entre particulares podem ser dirigidos contra diver-sos bens jurídicos, mas o determinante para a legitimidade da pena estatal é a circunstância de que o autor tenha colocado em perigo ou lesionado pela via da corrupção um bem digno de proteção. Tanto a União Europeia como o Conselho de Europa tem refletido que a penalização da corrup-ção no setor privado foi motivada pelos recentes processos de privati-zação, processos que têm transferido ao setor privado grandes recursos econômicos antes geridos pelo setor público.

Os diferentes países de nosso entorno, onde a incriminação da cor-rupção entre particulares possui longa tradição, apresentam diferenças significativas no concernente à configuração do tipo delitivo. O modelo do direito do trabalho (França, Holanda etc.) aborda a corrupção entre privados como uma conduta que atenta contra o princípio da boa-fé nas relações trabalhistas. Na França, é tradicional o delito de corrupção de funcionários introduzido no Código Penal mediante uma lei de 16 de fevereiro de 1919, mas que, na atualidade, consta fundamentalmente no art. L.152-6 do Código do Trabalho. Uma segunda aproximação consis-te na extensão do regime penal dos funcionários públicos aos dirigentes de empresas privadas. O Código Penal sueco, onde, desde 1978, existe um único tipo de corrupção, envolve ambas as manifestações. A tercei-ra forma de entender a corrupção entre privados obedece a uma ótica patrimonial e tem sido a escolhida pelo legislador italiano mediante a criação do delito de infidelidade como consequência de dação ou pro-messa de vantagens (infidelità a seguito di dazione o promessa di utilità)42 (art. 2.635 do Código Civil), que constitui uma modalidade de adminis-tração desleal de patrimônios societários. A quarta forma de aproximação é a plasmada no Direito alemão, no qual o § 299 do Código Penal serve para a proteção da concorrência, entendendo, concretamente, que o su-borno de funcionários e dirigentes constitui uma prática de concorrência desleal. A Suíça, por sua vez, segue a tradição alemã de tipificar a corrup-ção entre particulares na normativa relativa à concorrência desleal.

42 O Decreto Legislativo nº 61, de 11 de abril de 2002, publicado no n. 88 da Gazzetta Ufficiale de 15 de abril de 2002, introduz uma figura delitiva de corrupção na gestão das sociedades mercantis que o legislador italiano define como “comportamento desleal por dádiva ou promessa de favor”. Essa figura castiga com a pena privativa de liberdade de até três anos, mediante disputa da pessoa ofendida, os administradores, os diretores gerais, os auditores internos e os responsáveis pela revisão, que após a dádiva ou promessa de favor realizem ou omitam atos contrários aos deveres inerentes ao seu cargo, causando um dano à sociedade. Prevê-se, também, a extensão da punibilidade à outra parte da relação ilícita, isto é, àquele que dá ou promete o favor.

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É admitido de maneira unânime, inclusive pelos partidários de con-figurar o delito sobre a base da infração de deveres, que a corrupção no setor privado afeta a concorrência leal. Também para a Decisão Marco de 2003, a corrupção, tanto no setor público como no setor privado, distorce as regras da concorrência no referente à aquisição de bens ou serviços comerciais e impede um desenvolvimento econômico sólido. Quando a Dinamarca, no dia 13 de junho de 2002, apresentou uma iniciativa de Decisão Marco referente à luta contra a corrupção no setor privado43, en-tre outras medidas, pretendia a tipificação como infração penal da corrup-ção, tanto ativa como passiva, no marco de uma atividade empresarial.

A União Europeia parece ter-se inclinado a favor do modelo ale-mão, sustentando a necessidade de proteger a concorrência leal44, e este é o modelo que a Lei Orgânica nº 5/2010 segue ao afirmar, em sua Ex-posição de Motivos, que o problema que origina esse tipo de conduta “não é só um conflito que não excede da esfera do privado senão que rompe as regras do bom funcionamento do mercado”. Consequentemen-te, Caruso Fontán defende que o art. 286 bis reivindica que o suborno seja concedido para que o agente favoreça o outorgante ou um terceiro “perante outros”, com o qual se exige a concorrência de uma situação de concorrência real em que o suborno é utilizado para afastar e, portanto, prejudicar os interesses de outro competidor45.

O novo art. 286 bis, em seus primeiros parágrafos, protege efetiva-mente a lealdade competitiva, isto é, o intercâmbio de serviços no tráfico comercial no qual há mais de um fornecedor de bens ou serviços comer-ciais. E disso não há dúvida alguma, principalmente por duas razões: a primeira, porque a introdução deste novo preceito se deve ao cumpri-mento de obrigações internacionais contraídas pela Espanha, tal e como a Exposição de Motivos da Lei Orgânica nº 5/2010 destaca, e a segunda, porquanto com a localização do preceito entre os delitos relativos ao mer-cado e aos consumidores, parece claro que houve a intenção de uma re-gulação protetora da livre e leal concorrência e, assim, do mercado, frente à falência, mediante o emprego de vantagens não justificadas, de deveres

43 Vide DOCE C n. 184, de 2 de agosto de 2002.44 Vide BAÑERES SANTOS, Francisco; NIETO MARTÍN, Adán. Corrupción entre privados. In: Boletín de

Información del Ministerio de Justicia, suplemento ao n. 2015, p. 220, 2006.45 CARUSO FONTÁN, María Viviana. El concepto de corrupción. Su evolución hacia un nuevo delito de fraude

en el deporte como forma de corrupción en el sector privado. Foro: Revista de Ciencias Sociales y Jurídicas, n. 9, p. 166, 2009.

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que, no tráfico mercantil ou de serviços profissionais, servem a essa livre concorrência.

No entanto, distancia-se desta dinâmica o § 4º do art. 286 bis do Código Penal ao tipificar uma conduta que não afeta propriamente as regras da concorrência e que não são propriamente atos de concorrência desleal, motivo pelo qual este parágrafo expõe graves problemas de legi-timidade no concernente à concreção do bem jurídico-penal e do risco jurídico-penalmente relevante, o que leva a pensar na vulneração do prin-cípio de proporcionalidade. A corrupção esportiva, os jogos arranjados, é uma prática indecente e imoral, mas, como tal, não é ainda merecedora de pena. Os paralelos da corrupção impune com a corrupção punível requerem uma análise detalhada do merecimento de proteção dos bens afetados e não devem ser invocados precipitadamente como argumentos para uma ampliação da punibilidade.

Mesmo tendo consciência de que a questão das qualidades ma-teriais que deve reunir uma conduta para ser submetida à pena estatal sempre é e será um problema fundamental46, no âmbito da corrupção esportiva falta um bem jurídico que dê cobertura à regulação proposta. Como já dito, trata-se de proteger a competição, particularmente, o seu aspecto econômico; o dever jurídico de lealdade esportiva; a salvaguarda da transparência e da retidão das competições esportivas; o princípio de integridade ou pureza esportiva das competições47; a integridade do es-porte48; a integridade, pureza, credibilidade das competições esportivas e a reputação do esporte profissional espanhol49; inclusive, Morillas Cueva considera a possibilidade da criação de um espaço de tutela penal, dentro do Código, sob a cobertura de um bem jurídico inovador, que abranja to-dos os valores sociais inerentes ao esporte, agora disseminados em vários Títulos, e que se apresente como um bem que deve ser protegido. O autor mencionado apresenta a possibilidade, como objeto de proteção penal, da “integridade esportiva”, bem de natureza coletiva que compreende

46 Conforme: ROXIN, Claus. La teoría del bien jurídico. ¿Fundamento de legitimación del derecho penal el juego de abalorios dogmático? In: HEFENDEHL, Roland (Ed.). Barcelona, 2007, p. 443.

47 Neste sentido: GARCÍA CABA, Miguel María. Las conductas fraudulentas en el deporte y su hipotética represión penal. A propósito del proyecto de ley de la LFP. Revista Aranzadi de Derecho de Deporte y Entretenimiento, n. 25, p. 335, 2009.

48 Assim, DE URBANO CASTILLO, Francisco. ¿Es necesaria la represión penal para evitar los fraudes en el deporte profesional? In: MARTÍNEZ, Alonso (Coord.). Impressão digital, 2009. p. 29.

49 Assim está expresso o Manifesto da Liga Nacional de Futebol Profissional.

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fundamentalmente aquelas atividades que adulterem e violem os valores essenciais imanentes ao conceito de esporte50.

É realmente difícil encontrar, no âmbito esportivo, um interesse de tutela legítimo cuja lesão seja gravemente danosa para a sociedade. O interesse de proteger, tal e como está redigido o preceito, não pode ser outro que a autenticidade dos resultados e a organização normal dos acontecimentos esportivos, interesse que ganha aval pela exigência do propósito que leva à pessoa – dirigentes, administradores, funcionários ou colaboradores de uma entidade esportiva, esportistas, árbitros ou juízes – a realizar sua ação: a alterar o resultado do jogo. ––Com a sua ação a atividade esportiva vê alterada a sua finalidade social e a sua função insti-tucional, mas isso não pode levar à afirmação de que a autenticidade dos resultados entre dentro do catálogo de bens jurídicos a serem protegidos pelo direito penal e, portanto, possa ser merecedor de proteção penal. A incriminação da fraude esportiva, de duvidosa lesividade do ponto de vis-ta do direito penal, supõe a negação dos mais elementares princípios que devem inspirar esse direito. Para a defesa da autenticidade dos resultados, deveria ser suficiente a disciplina administrativa, e, se esta se mostrar ine-ficaz, certamente deverá ser cogitada a alteração de tal disciplina, além da introdução de sanções mais eficazes, sem apresentar o sempre fácil recurso do direito penal.

III – alterNatIvaS À INterveNção PeNal

Sob o prisma da legitimidade da intervenção penal, a fraude nas competições esportivas não precisa de uma resposta através do direito penal. Devemos nos apegar à ideia de que a proteção da integridade do esporte deve ser, antes de tudo, uma questão de controle preventivo a ser realizado por autoridades administrativas e instituições esportivas. No entanto, o delito de fraude e corrupção no esporte une-se ao fenômeno caracterizado por uma tendência política criminosa difundida nos orde-namentos jurídicos ocidentais, especialmente a partir das últimas décadas do século XX, que tem impulsionado a criação de novos tipos penais sem ter comprovado, com anterioridade, o alcance dos efeitos preventivos ge-rais das sanções administrativas vulnerando o princípio de ultima ratio, princípio tão frequentemente invocado e tão poucas vezes observado.

50 MORILLAS CUEVA, Lorenzo. ¿Es necesaria la represión penal para evitar los fraudes en el deporte profesional? In: MARTÍNEZ, Alonso (Coord.). Ob. cit., p. 66.

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A reforma do Código Penal, ao não fundamentar suficientemente a possível utilização de medidas mais leves de prevenção da corrupção esportiva, não tem cumprido devidamente o dever de justificação para a aplicação do direito penal como último meio do controle social. Não há dúvida alguma de que o novo tipo penal é, junto à sua deficiente técnica, oportunista. Tentou-se justificar a sua presença no texto punitivo alegando a insuficiência da disciplina esportiva ou do procedimento administrativo comum para erradicar este tipo de condutas. Astiazarán Iriondo aponta que, devido à dificuldade de serem obtidos, por meio de tais procedimen-tos elementos probatórios relevantes51, o fato de a disciplina esportiva ser insuficiente para pôr limite à corrupção esportiva não justifica, por si só, que o direito penal deva intervir. Em virtude de princípios como o de ultima ratio e intervenção penal mínima, o direito penal não está legiti-mado para tipificar e, consequentemente, castigar penalmente questões de corrupção em competições esportivas, o que também acabará, como na Itália, expondo problemas de delimitação com o âmbito administrati-vo sancionador. Também devemos ser céticos diante da possibilidade de que se possam encontrar indícios de culpabilidade nestes casos de jogos arranjados porque é difícil encontrar provas que incriminem os interes-sados, exceto que estes o reconheçam publicamente e se exponham à sanção.

Não é aceitável que as reformas de uma lei da transcendência do Código Penal se adotem em função “das manchetes dos telejornais” e da “imprensa marrom”: as grandes manchetes da imprensa espanhola sobre casos de manipulação de jogos de futebol52 têm precipitado o legislador espanhol a recorrer ao direito penal sem se deter em outras possíveis al-ternativas, certamente mais eficazes.

Os prêmios a terceiros, a compra e venda de jogos, os subornos a jogadores ou a árbitros com o fim de alterar o resultado de uma competi-ção são casos de corrupção no âmbito esportivo, porém não de corrupção delitiva, o que não significa que tais condutas sejam condutas aprovadas, lícitas, pelo ordenamento espanhol. Esse tipo de corrupção tem conse-quências no campo do direito administrativo sancionador e disciplinar.

51 Astiazarán Iriondo, em Alonso Martínez (Coord.). ¿Es necesaria la represión penal para evitar los fraudes en el deporte profesional? Impressão digital, 2009, p. 23. Disponível em: www.derechodeportivo.es.

52 Como, por exemplo: “As partidas arranjadas também denigrem o futebol espanhol” (Diário El País, de 2 de dezembro de 2009); “A Promotoria investiga as partidas arranjadas” (Diário Sur, de 4 de dezembro de 2009); “A UEFA confirma as sete partidas investigadas por possível arranjo” (Diário ABC, de 25 de novembro de 2009).

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Contra os comportamentos que influem ou alteram os resultados de uma competição esportiva mediante instrumentos ilícitos, contra a fraude es-portiva que invade o âmbito do esporte profissional, as sanções previstas pelos regulamentos esportivos teriam que ser bastantes e aplicadas severa-mente, evitando criminalizar conditas não dotadas de suficiente carga de periculosidade para um bem protegido que carece de entidade do ponto de vista do direito penal.

A crença generalizada de que acudir ao direito penal para combater os atos ilícitos danosos significa, sempre ou quase sempre, dar um passo à frente na luta contra eles é falsa. Há campos onde o uso adequado do direito administrativo sancionador pode substituir com vantagem a pena criminal, principalmente quando a corrupção no marco das competições esportivas recebe um completo tratamento neste âmbito. A solução não deve ser a reclusão em prisão dos membros de entidades esportivas, dos esportistas, árbitros ou juízes. O objetivo deve ser o de encontrar a sanção ou sanções mais adequadas para este tipo de fraudes e nessa busca uma sanção apropriada para a prevenção e repressão da fraude esportiva é a sanção de inabilitação ou a privação da licença federativa com caráter temporário ou definitivo para desempenhar as atividades esportivas cor-respondentes, medidas já previstas no âmbito administrativo sancionador e que podem resultar mais eficazes que a pena53 e mais intimidantes que a prisão já que é fácil intuir a sua eficácia de dissuasão. A privação tempo-rária ou definitiva da licença federativa é um excelente meio, melhor que a prisão, para prevenir o cometimento de fraudes esportivas. Nesta linha, Millán Garrido propõe a proibição das apostas esportivas aos esportistas e técnicos que participem na competição sobre a qual recaem as apostas e, em caso de descumprimento, sancionar tal conduta com privação tempo-rária da licença, que seria definitiva em caso de reincidência54.

Ninguém discute que atuações de compras de partidas, prêmios a terceiros, subornos a jogadores ou a árbitros e apostas clandestinas são práticas vergonhosas, mas isso não justifica a criação de um novo tipo pe-nal. O fácil recurso ao direito penal neste campo seria unicamente simbó-lico. Além disso, como aponta Díaz y García Conlledo, algumas reformas

53 No mesmo sentido: CARUSO FONTÁN, María Viviana. El concepto de corrupción. Su evolución hacia un nuevo delito de fraude en el deporte como forma de corrupción en el sector privado. Foro: Revista de Ciencias Sociales y Jurídicas, n. 9, p. 170, 2009.

54 MILLÁN GARRIDO, Antonio. Fraude en el deporte y apuestas irregulares. In: Diario de Jerez, de 15 de dezembro de 2009.

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em matéria de corrupção, em sentido amplo, anunciadas aos quatro ven-tos, têm-se aplicado pouco ou, ao menos, têm demorado bastante para o começo de sua aplicação, podendo gerar a frustração das expectativas dos cidadãos (e o conseguinte descrédito das normas) daqueles para os quais as medidas penais foram apresentadas como sendo a panaceia55.

É necessário, portanto, buscar estratégias diferentes da mera recri-minação penal sempre e quando as previstas no âmbito administrativo e disciplinar não tenham dado seus frutos e algumas medidas tenham tido êxito, por exemplo, a primeira decisão do Tribunal de Arbitragem Espor-tiva, com sede em Lausana, que, no caso entre a UEFA e o clube mace-dônio FK Pobeda, decidiu respeitar parcialmente a decisão do Comitê de Apelação da UEFA de 27 de maio de 2009: FK Pobeda ficava excluído de qualquer competição da UEFA nos oito anos seguintes a partir da tem-porada 2009/2010, e Aleksander Zabrcanec, o presidente do clube, foi sancionado e impedido pelo resto da sua vida de exercer qualquer ativi-dade relacionada com o futebol. O TAS admitiu, no entanto, a apelação do jogador Nikolce Zdraveski e anulou a decisão da UEFA, por falta de provas, de castigá-lo para sempre, sem que pudesse exercer nenhuma ati-vidade relacionada com o futebol devido à violação durante uma partida dos princípios de integridade e esportividade estabelecidos no art. 5º da regulação disciplinar da UEFA.

Os fatos remontam-se às partidas de futebol dos dias 13 e 21 de ju-lho de 2004 entre o FK Pobeda e o FC Pyunik na primeira rodada de clas-sificação da UEFA Champions League. Também resultou certa a sanção imposta pelo Comitê de Controle e Disciplina da UEFA ao árbitro ucrania-no Oleh Orekhov por manipular partidas. Oleh foi suspendido para sem-pre de qualquer atividade relacionada com o futebol por descumprir os princípios de lealdade e integridade em razão do art. 5º do Regulamento de Disciplina da UEFA. A mesma sanção, supressão perpétua de qualquer atividade relacionada com o futebol, foi-lhe imposta ao árbitro de Bósnia e Herzegovina, Novo Panic.

Em suma, devem ser esgotadas as possibilidades oferecidas no âm-bito administrativo e disciplinar antes de acudir a uma regulação penal que, em princípio, não garante uma maior eficácia na luta contra este preocupante fenômeno. O Presidente da UEFA, Michel Platini, tem ins-

55 DÍAZ Y GARCÍA CONLLEDO, Miguel. La reforma de la Justicia penal. Aspectos materiales y procesales. In: Arangüena Fanego; Sanz Morán (Coord.). Valladolid, 2008, p. 195.

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tado a união contra a corrupção e os jogos arranjados, após valorizar as recentes decisões do Comitê de Controle e Disciplina, mas sem se refugiar no âmbito penal. A solução proposta por Michel Platini resume-se em três frases: “qualquer jogador que seja surpreendido nunca voltará a jogar futebol”, “aqueles que corrompam o esporte no âmbito da arbitragem não voltarão a arbitrar uma partida” e “todo aquele que corromper valendo-se de seu cargo de presidente ou treinador nunca mais voltará a administrar ou a treinar”.

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Assunto Especial – Doutrina

Fraude no Desporto

O Delito de Corrupção Desportiva no Código Penal Espanhol1

EMILIO CORTÉS BECHIARELLIProfessor Titular de Direito Penal e Diretor da Cátedra de Direitos Humanos “Manuel de Lardi-zábal” na Universidade de Extremadura (Cáceres).

SUMÁRIO: I – Introdução, origens e tramitação legislativa; II – Excurso: o bem jurídico protegido (e algumas consequências interpretativas); III – Tipo objetivo; III.1 Sujeitos; III.2 Ações típicas e iter criminis; III.3 Objeto material; IV – Tipo subjetivo; V – Participação; VI – Aspectos concursais; VII – Pena; VIII – Ação penal; IX – Questões processuais.

I – INtrodução, orIgem e tramItação legISlatIva

A grande reforma do Código Penal operada em virtude da Lei Orgâ-nica nº 5/2010, de 22 de junho2, introduziu uma seção quarta (integrada apenas pelo art. 286 bis) no Capítulo XI (Dos delitos relativos à proprie-dade intelectual e industrial, ao mercado e aos consumidores), do Título XIII (Delitos contra o patrimônio e à ordem socioeconômica), do seu Livro II, sob a rubrica denominada de a corrupção entre particulares. Seu § 4º refere-se, de forma expressa, ao âmbito das competições desportivas de caráter profissional, que constitui o objeto deste estudo. Este novo art. 286 bis resta redigido definitivamente do seguinte modo:

1. Quem por si ou por interposta pessoa prometa, ofereça ou conceda a diretores, administradores, empregados ou colaboradores de uma empresa mercantil, sociedade, associação, fundação ou organização, um benefício ou vantagem de qualquer natureza não justificados, para que lhe favoreça ou favoreça um terceiro frente a outros, violando suas obrigações na aquisição, venda de mercadorias ou na contratação de serviços profissionais, será castigado com pena de prisão de seis meses a quatro anos, inabilitação especial para o exercício de indústria ou

1 Tradução ao português por Rodrigo Coelho autorizada por Emilio Cortés Bechiarelli.2 BOE nº 152, de 23 de junio de 2010, p. 54811 e ss.

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comércio por tempo de um a seis anos e multa de até o triplo do valor do benefício ou vantagem.

2. Com as mesmas penas será castigado o diretor, administrador, emprega-do ou colaborador de uma empresa mercantil, sociedade, associação, fundação ou organização que, por si ou por pessoa interposta, receba, solicite ou aceite um benefício ou vantagem de qualquer natureza não justificados, com o fim de favorecer, em prejuízo de terceiro, aquele que concede ou daquele que se espera o benefício ou vantagem, des-cumprindo suas obrigações na aquisição ou venda de mercadorias ou na contratação de serviços profissionais.

3. Os juízes e tribunais, em atenção à quantia do benefício ou ao valor da vantagem e à transcendência das funções do culpado, poderão impor pena em grau inferior e reduzir a multa a seu prudente arbítrio.

4. O disposto neste artigo será aplicável, em seus respectivos casos, aos diretores, administradores, empregados ou colaboradores de uma en-tidade desportiva, qualquer que seja a sua forma jurídica, bem como aos desportistas, árbitros ou juízes, a respeito daquelas condutas que tenham por finalidade predeterminar ou alterar de maneira deliberada e fraudulenta o resultado de uma prova, encontro ou competição des-portiva profissional.

A respeito especificamente da tipificação das formas de corrupção privada dos dois primeiros parágrafos, satisfaz-se o setor da doutrina cien-tífica espanhola que havia realçado a necessidade de sancionar esta clas-se de condutas, sobretudo em razão da Decisão Marco nº 2003/568/JAI, de 22 de julho, relativa à luta contra a corrupção no setor privado3. Neste sentido, pode-se dizer que a orientação geral da reforma de 2010 gira em torno da necessidade de harmonizar a lei penal espanhola com a comu-nitária, e, assim, o Preâmbulo da Lei Orgânica nº 5/2012 considera que uma das “coordenadas” do seu texto é o fato de a “Espanha ter contraí-do obrigações internacionais, especialmente no âmbito da harmonização jurídica europeia, que exigem adaptações – por vezes de considerável profundidade – das nossas normas penais”. Uma análise detalhada do ex-

3 Diário Oficial da União Europeia, n. L. 192, de 31 de julho de 2003. Previamente, no dia 10 de maio de 2005, o Plenipotenciário da Espanha assinou, em Estrasburgo, o Convênio Civil sobre Corrupção, elaborado nesta mesma cidade no dia 4 de novembro de 1999. Sobre as origens deste fenômeno na União Europeia: PALOMO DEL ARCO, Andres. El delito de corrupción en el sector privado como ejemplo de incidencia del derecho comunitario en el Derecho penal de los Estados miembros. Revista General de Derecho Penal, n. 1, p. 1 e ss., 2004.

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tenso conjunto de reformas que se contêm nesta norma permite concluir que, na realidade, este compromisso comunitário tem sido, em algumas ocasiões, uma mera desculpa para que o legislador penal espanhol satis-faça, de forma desmesurada, sua tendência expansionista de intervenção penal como forma primária de solução dos conflitos sociais – ideia que se há convertido já em um tópico do pensamento científico nacional de forma que beira à unanimidade. Naturalmente, o que se adverte, sem de-masiado esforço, é que em alguns aspectos a referida reforma do Código Penal supera as margens da criminalização imposta por esta normativa europeia, extrapolando, assim, suas pautas gerais no que diz respeito às condutas que se consideram proibidas ou os limites de penas impostas4.

Nesta linha, ajusta-se o fato de considerar o § 4º do art. 286 bis do Código Penal una forma de corrupção entre particulares, algo que, desde logo, não se pode dizer tenha sido sugerido na Decisão Marco nº 2003/568/JAI5 e que, de modo algum, nossa doutrina havia demanda-do de forma expressa. Assim, por exemplo, a referida norma comunitária declara, com caráter programático, que

os últimos anos foram acompanhados do aumento do comércio transfron-teiriço de bens e serviços, de modo que a corrupção no setor privado de um Estado-membro deixou de ser um problema meramente interno para se converter em um problema também transnacional, que é tratado de forma mais eficaz mediante uma atuação conjunta da União Europeia.

E traça mais adiante seu verdadeiro objeto:

Os Estados-membros concedem uma importância especial à luta contra a corrupção tanto no setor público como no privado, por estimar que ambos setores constituem uma ameaça para o Estado de Direito, posto que distor-cem a concorrência a respeito da aquisição de bens ou serviços comerciais e impedem um desenvolvimento econômico sólido.6

4 Um exemplo é este delito de corrupção privada: o art. 4º da Decisão Marco nº 2003/568/JAI exige que os Estados assegurem a sanção com penas privativas de liberdade “de uma duração máxima de pelo menos um a três anos”, e o art. 286 bis do nosso Código Penal estabelece um limiar máximo de quatro anos.

5 Em sentido contrário parece se posicionar Castro Moreno, que usa esta Decisão Marco como ferramenta interpretativa do novo delito, propondo, em algumas linhas do seu trabalho, uma exegese integrada da norma europeia e do art. 286 bis do nosso Código Penal, em Corrupción en el deporte. In: VV.AA. (dirigidos por Álvarez García e González Cussac): Comentarios a la reforma penal de 2010. Valência: Tirant lo Blanch, 2010. p. 331 e ss.

6 Destaques pessoais.

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Muito pouco tem a ver esses princípios gerais europeus de crimi-nalização da corrupção privada com a corrupção desportiva como fenô-meno, como também, consequentemente, com a redação definitiva que o legislador espanhol acabou dando ao art. 286 bis, § 4º, do Código Penal7.

Assim, a erradicação das corrupções desportivas parece ser a razão que justifica o tratamento penal dos casos mais graves de corrupção neste âmbito, à vista do art. 286 bis, § 4º, do CP, que não contém nenhuma regra típica relacionada com os interesses de particulares. Do estudo da origem do preceito comentado – e de seu próprio teor – desprende-se automaticamente um de seus principais defeitos: a insignificância do bem jurídico que se trata de proteger (a pureza desportiva, porque não cabe logicamente propor outro, salvo o que se dirá mais tarde em relação à dimensão patrimonial destas condutas). Talvez por isso sua aparição nos textos pré-legislativos foi imediata: não constava nos anteprojetos de 21 de novembro de 2006 e no de 14 de novembro de 20088, aparecendo no de 11 de julho de 2009, o que significa que, entre sua primeira redação e sua publicação, não se passou sequer um ano. Especificamente, a redação original do preceito legal dizia que

o disposto neste artigo será aplicável, em seus respectivos casos, aos di-retores, administradores, empregados ou colaboradores de uma entidade desportiva, qualquer que seja a forma jurídica desta, bem como aos des-portistas, árbitros ou juízes, em relação àquelas condutas que tenha por finalidade predeterminar ou alterar de maneira deliberada e fraudulenta o resultado de uma competição desportiva.9

7 Algo que parece saber o legislador espanhol que, depois de assumir os postulados desta Decisão Marco de forma expressa no Preâmbulo da Lei Orgânica nº 5/2010, em um parágrafo separado, acrescenta que “se entendeu conveniente tipificar penalmente as condutas mais graves de corrupção desportiva. Neste sentido, castigam-se todos aqueles subornos perpetrados tanto pelos membros e colaboradores de entidades desportivas como pelos desportistas, árbitros ou juízes voltados a predeterminar ou alterar de maneira deliberada e fraudulenta o resultado de uma prova, encontro ou competição desportiva, sempre que estas tenham caráter profissional”. A leitura destas passagens do Preâmbulo faz notar que a decisão pelo castigo penal da corrupção desportiva é privativa do legislador nacional, provavelmente como consequência da divulgação jornalística de alguns casos de compra de partidas de futebol de nossas divisões profissionais, coincidindo o último com a publicação da Lei Orgânica (O chamado Caso Brugal, descoberto no verão de 2010, com interessante dimensão processual que se analisará na epígrafe correspondente deste estudo). Antes, foram conhecidos outros escândalos de fraude desportiva, como a do Apito Dourado em Portugal (2004) e a Moggigate na Itália (2006), para citar alguns que aconteceram em países com legislações especiais em matéria de fraude desportiva.

8 Conforme Anteprojecto de Lei Orgânica de 14 de novembro de 2008, de reforma do Código Penal. Acompanhado dos relatórios do Conselho Superior do Poder Judiciário e do Conselho Fiscal. Salamanca: Ratio Legis Editorial, 2009.

9 Assim se alterou o projeto de lei publicado no Boletim Oficial do Parlamento. Congresso dos Deputados. IX Legislatura. Serie A: Projetos de Lei, n. 52-1, 27 de novembro de 2009.

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Não se notam grandes diferenças entre o texto do projeto e o defi-nitivamente aprovado, à exceção do âmbito em que a infração pode se produzir10. É que, enquanto o delito se refere às provas, encontros e com-petições desportivas – e antes apenas a essas últimas –, exige que sejam profissionais, o que significa que ficam fora do seu âmbito de aplicação aqueles casos em que a corrupção se dá nos desportes amadores. Percor-re-se, assim, o caminho inverso daquele transitado durante o processo legislativo do delito de doping (art. 361 bis do Código Penal): projetou-se sua aplicação somente ao desporto profissional, e finalmente pode afetar, com todo rigor, aqueles que o praticam por diversão11.

Resta agora abordar a análise detida dos diferentes elementos típi-cos que integram este tipo penal. O juízo negativo que merece sua inclu-são fará que, da minha parte, procure propor uma interpretação restritiva do delito a fim de evitar que o direito penal domine âmbitos em que a san-ção oriunda da disciplina desportiva não só se mostra mais proporcional, como também muito mais eficaz segundo todos os pontos de vista12. A sanção criminal da corrupção desportiva pertence à corrente deste novo direito penal ambicioso e invasor que tem tomado conta das últimas refor-mas legislativas relacionadas com este ramo do ordenamento na Espanha. A falta de consistência do bem jurídico protegido, seu desvio sistemático e outros defeitos de sua redação fazem com que esta forma de corrupção não mereça ser recebida com grande entusiasmo13. Em definitivo, parece que ao legislador pátrio se impôs a regra de que tudo para o direito penal, porém sem o direito penal. Com independência de todas essas conside-rações de caráter crítico, situamos-nos ante uma figura de direito positivo que, apesar de muito desmerecer o princípio da intervenção mínima, será aplicado por nossos juízes e Tribunais, sendo que alguns de seus aspectos interpretativos mostram-se verdadeiramente complicados.

10 Como propunha Castro Moreno, Corrupción entre particulares (Deporte): art. 286 Bis 4), em VV.AA. (dirigidos por Álvarez García e González Cussac). Consideraciones a propósito del Proyecto de Ley de 2009 de modificación del Código Penal (Conclusiones del Seminario Interuniversitario sobre la reforma del Código penal celebrado en la Universidad Carlos III de Madrid). Valência: Tirant lo Blanch, 2010. p. 273. De igual forma: El nuevo delito de corrupción en el deporte. Revista Jurídica del Deporte y Entretenimiento, n. 28, p. 33, 2010.

11 Sobre a transcendência desta modificação, Cortés Bechiarelli (El delito de dopaje. Valencia: Tirant lo Blanch, 2007. p. 42 e ss., e 64 e ss.). Muñoz Conde sustenta que a condição de profissional desportista afeta ao delito de corrupção explica-se pelo fato de que, diferente do que sucede com o doping, ventilam-se “interesses econômicos”, realçando, assim, a localização sistemática do preceito (Derecho penal. Parte especial. 18. ed. Valencia: Tirant lo Blanch, 2010. p. 531).

12 No item VII deste texto, dedicado à pena, a questão relativa à pena de inabilitação para compreender isto.13 Salienta os defeitos do tipo penal Queralt Jiménez (La corrupción privada en el Proyecto de Código Penal: tirar

con pólvora al rey. In: Iuris, n. 147, p. 18, 2010).

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II – excurSo: o bem jurídIco ProtegIdo (e algumaS coNSeQuêNcIaS INterPretatIvaS)

A primeira questão que se deve abordar diz respeito ao bem jurídi-co protegido pelo § 4º do art. 286 bis do Código Penal espanhol, exercício de concreção que resulta essencial para exegese básica de qualquer figu-ra penal, sobretudo nestes momentos históricos em que o legislador não tem contribuído com a claridade devida a respeito de qual seria o objeto de proteção dos novos delitos. O de corrupção desportiva sofre esta ten-dência, pois o Preâmbulo da Lei Orgânica que o institui limita-se a dizer, de maneira quase tautológica, que “se considerou conveniente tipificar penalmente as condutas mais graves de corrupção desportivas. Neste sen-tido, castigam-se todas as corrupções praticadas tanto pelos membros e colaboradores de entidades desportivas como pelos desportistas, árbitros ou juízes, destinados a predeterminar ou alterar de maneira deliberada e fraudulenta o resultado de uma prova, encontro ou competição desporti-va, sempre que estas tenham caráter profissional”. Sim, de fato é isso, mas o que se pretende tutelar com esta conduta?

Cabe ao intérprete, pois, examinar a intenção do legislador neste momento. Para isso, parece imprescindível verificar se o bem jurídico dos ilícitos agrupados no art. 286 bis são os mesmos ou se se tratam de dois distintos, partindo do fato de que todos eles se agrupam sob a rubrica co-mum da corrupção entre particulares e em um mesmo preceito. Entendo que é inadequado cotejar as duas infrações em relação a este ponto, in-dependente da enorme – e desconcertante – variedade de fundamentos14 que se tem tentado encontrar em distintas legislações ao nosso redor para o castigo da corrupção privada à qual especificamente se refere à Decisão Marco nº 2003/568/JAI, de 22 de julho, antes citada. Na doutrina espa-nhola, este debate tem girado em torno de duas alternativas fundamen-tais15, que são a proteção da concorrência16 ou dos particulares interesses

14 Sobre o particular, é muito esclarecedora a leitura do trabalho de Nieto Martín: La corrupción en el sector privado (reflexiones desde el ordenamiento español a la luz del derecho comparado). Revista Penal, n. 10, p. 55 e ss., 2002. Conforme, também, Foffani: La corrupción en el sector privado: la experiencia italiana y del derecho comparado. Revista Penal, n. 12, p. 61 e ss., 2003.

15 Faraldo Cabana parece subscrever uma tese mista distinguindo entre um bem jurídico mediato (a ordem econômica em sentido amplo) e outro imediato (os interesses econômicos dos particulares). Hacia un delito de corrupción en el sector privado. Revista de Estudios Penales y Criminológicos, n. XIII, p. 73, 2002. Em termos semelhantes, GILI PASCUAL. Bases para la delimitación del ámbito típico en el delito de corrupción privada. Contribución al análisis del art. 286 bis del Código penal según el Proyecto de reforma de 2007. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, n. 9-13, p. 13:35, 2007. Disponível em: <http://criminet.ugr.es/recpc/09/recpc09-13.pdf>.

16 Tese que assume De La Mata Barranco, em paralelo com o disposto no Anteprojeto de 2008 (Corrupción en el sector público y corrupción en el sector privado: novedades del Anteproyecto de Reforma del Código penal de

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econômicos17, inclinando-se o Preâmbulo da Lei Orgânica nº 5/2010 pela primeira hipótese, ao afirmar que esse delito nasce para repressão das ofensas à “concorrência justa e honesta”18. Deste modo, resta excluída a possibilidade de que seu objeto de proteção seja o patrimônio con-creto de terceiros (empresários, competidores ou consumidores), como evidenciado pelo fato de que o legislador espanhol não exige prejuízo de nenhuma ordem – particular ou público – para as modalidades do art. 286 bis, nem sequer, diga-se de passagem, exige a afetação da concorrência, o que não deixa de ser algo contraditório. Se olharmos para a confusa e extensa redação do tipo penal, descobriremos que se há utilizado a tutela penal da concorrência como desculpa, em especial no calor do compro-misso comunitário, para impor códigos de boa conduta às empresas, so-ciedades mercantis e também, de passagem, na prática dos desportos; po-rém, insisto, em relação ao elemento patrimonial nada se verifica, embora necessário. O viés de mera infração de dever apresentado por este artigo em toda sua extensão impede outras explicações a respeito19. Rompe-se, ademais, com a tendência consistente em castigar penalmente somente aqueles atos que afetam a concorrência, que lesionam os concorrentes do mercado ou os consumidores, como ocorre com os delitos de detração do mercado de matérias-primas ou de publicidade enganosa (arts. 281 e 282).

2008. In: VV.AA. El Anteproyecto de modificación del Código penal de 2008: algunos aspectos. Universidad de Deusto, 2009. p. 174). De igual modo a acolhe Rosas Oliva (Consideraciones para la tipificación de un delito contra la corrupción en el sector privado en España. In: Cuadernos de Política Criminal, n. 99, p. 99, 110 e 121, 2009), rejeitando, de forma expressa, a dimensão patrimonial das figuras delitivas estudadas.

17 Como sustenta De La Cuesta Arzamendi e Blanco Cordero (La criminalización de la corrupción en el sector privado: ¿asignatura pendiente del derecho penal español? In: VV.AA. (coordenados por Díez Ripollés). La ciencia del derecho penal ante el nuevo siglo: libro homenaje al Dr. D. José Cerezo Mir. Madrid: Tecnos, 2002. p. 257 e ss.

18 A dimensão constitucional da livre concorrência deriva do art. 38 da Constituição española, que proclama a liberdade de empresa no âmbito da economia de mercado e que nada tem a ver com o desenvolvimento das atividades desportivas profissionais, que atendem a um âmbito diferente. Neste sentido, resulta essencial a leitura da STC 88/1986, de 1º de julho. A Exposição de Motivos da Lei nº 3/1991, de 10 de janeiro, sobre concorrência desleal, explica a enorme transcendência de tais regras, às quais me refiro expressamente. Tudo isso não justifica, a meu juízo, a sanção penal dos ataques à concorrência, e de forma muito difusa pode encontrar sua importância para converter-se em bem jurídico. Sobre este particular, BECHIARELLI, Cortés. La llamada corrupción entre particulares. In: VV.AA. (dirigidos por Juanes Peces). Reforma del Código Penal. Perspectiva económica tras la entrada en vigor de la Ley Orgánica 5/2010 de 22 de junio. Situación jurídico- -penal del empresario. Madrid, El Derecho, p. 228 e ss., 2010.

19 Compartilho, portanto, da posição defendida por Ventura Püschel em seu trabalho Corrupción entre particulares (dirigidos por Álvarez García e González Cussac). Comentarios a la reforma penal de 2010, op. cit., p. 319 e ss., com viés crítico marcado, como já adiantava em “Sobre la tipificación de la mal llamada ‘corrupción entre particulares’ (ou de como a pretendida política criminal comum da União Europeia entende a concorrência de mercado”. In: VV.AA. (dirigidos por Álvarez García). La adecuación del derecho penal español al ordenamiento de la Unión Europea. Valencia: Tirant lo Blanch, 2009. p. 487 e ss.

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Somando isto à existência no § 4º do art. 286 bis de um elemento subjetivo especial do injusto (a finalidade de predeterminar ou alterar de maneira deliberada e fraudulenta o resultado de uma prova, encontro ou competição desportiva profissional), a conclusão não pode ser outra a não ser a da existência de dois objetos diversos de proteção no âmbito de pro-teção deste preceito, na medida em que, entre outras razões, as condutas típicas se desenvolvem em âmbitos muito diferentes em um caso (§§ 1º e 2º) e outro (§ 4º). Desta forma, é preciso insistir que o bem jurídico pro-tegido pelo novo delito de corrupção nos desportes não é outro senão o fair play ou a pureza na prática das competições desportivas profissionais, que é o valor que, à vista da redação do preceito comentado, viola-se em todo caso com a corrupção neste âmbito.

É óbvio que este bem jurídico, de per si, é por demais insuficiente para justificar a reprovação criminal, já tendo observado, à época que tipificaram o delito de doping, que o direito penal não deveria intervir nesta classe de ações20. Tampouco o fortalece como bem jurídico o “en-tusiasmo que desperta no corpo social a prática competitiva de alguns esportes profissionais”21, sentimento manifestamente estranho ao orde-namento penal. A disciplina desportiva tem instrumentos propícios para reprimir essa espécie de corrupção, ainda que seja certo que o combate a estes casos não possa contar com a restrição de direitos fundamentais e liberdades públicas até o momento22. Porém, a meu juízo, a conversão dessas infrações desportivas contra o jogo limpo – o de qualquer outra espécie – em delitos, para, por conseguinte, tornar possível comprová-las com maior facilidade, não é um argumento capaz de justificar a crimina-lização da conduta, tampouco uma razão político-criminal aceitável: se o bem jurídico protegido carece de importância suficiente para ser tutelado

20 BECHIARELLI, Cortés. El delito, op. cit., p. 56. Antes, Díaz e García Conlledo (Represión y prevención penal del dopaje en el deporte. In: Huarte de San Juan. Revista de la Facultad de Ciencias Humanas y Sociales. Universidad Pública de Navarra, n. 1, p. 126, 1994), onde estima que a “ética deportiva” não deveria alcançar a categoria de bem jurídico na ordem penal, o que também é defendido por AGAPITO, Roca. La política criminal ante el dopaje. In: La Ley, n. 1, p. 2743, 2007. Em sentido contrário, parece situar-se Nieto Martín, para quem o art. 286 bis, § 4º, protege o jogo limpo, que concebe como uma manifestação específica da concorrência justa (In: Lección XXVIII. Protección penal de la competencia, los mercados financieros y los consumidores (I). VV.AA. (dirigidos por Gómez Rivero), Nociones fundamentales de derecho penal. Parte especial. Madrid: Tecnos, 2010. p. 480.

21 BAÑERES SANTOS. La corrupción entre privados. In: VV.AA. (dirigidos por Quintero Olivares). La reforma penal de 2010: análisis y comentarios. Pamplona: Aranzadi, 2010. p. 250. Acrescenta, em seguida, como bem jurídico mediatamente protegido, o interesse dos apostadores.

22 Conforme o Título IX deste trabalho e BARRANCO, Gorjón. Apuntes sobre la investigación y la respuesta penal a la corrupción. In: VV.AA. (coordenados por Fabián Caparrós e Pérez Cepeda). Estudios sobre corrupción. Salamanca: Ratio Legis, 2010.

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pelo direito penal, as demais considerações devem ser, com mais razão, recusadas, incluída a de ordem estritamente processual.

Mantendo a linha argumentativa proposta anteriormente, acredito que a sanção penal da corrupção desportiva deveria exigir consequên-cias distintas que não a simples alteração dos resultados de competições, orientando-se para o elemento econômico que resulta da prática das apostas, que causam prejuízos tangíveis nos particulares23. Na hipótese de se entender que o delito de estelionato não abrange esses casos de alteração deliberada do resultado24, entendo que a localização adequada deste preceito (depois de uma revisão muito profunda sua redação atual) é assentá-lo ao lado dos delitos relativos ao mercado e aos consumidores25, salientando enfaticamente a necessidade de produção de um prejuízo a outros apostadores como consequência da atividade, tal como se faz no art. 282, que diz respeito ao delito de publicidade enganosa, que exige um prejuízo grave e manifestado aos consumidores26. Ou seja, deve dei-xar de ser um delito de perigo abstrato para ser de perigo concreto. Note--se, como no caso do delito de corrupção desportiva, que estas nuances não refletiram em sua configuração típica, razão pela qual – a menos que a jurisprudência elabore uma interpretação restritiva ou se agarre à sistemática, para o que não são bons os tempos na Espanha – a cobertura penal destes casos de corrupção abarca muito mais que os meros casos de fraudes em apostas, sem prejuízo dos problemas de concurso de delitos que derivam destas considerações e que serão resolvidas em momento posterior deste trabalho. E este é o erro estrutural, a meu sentir, da figura penal da corrupção desportiva na Espanha, porque a repressão de condu-tas desportivas irregulares e de escassa lesividade por esta via não confli-taria, em suma, com o princípio da legalidade.

Mas, em qualquer caso, está claro que o objeto de proteção atin-gido é sempre o referido fair play: com a vigente redação do delito, esse prejuízo econômico tangível e avaliável pode ou não ocorrer e, por isso,

23 É em geral para qualquer manifestação de corrupção entre particulares, como oportunamente propuseram De La Cuesta Arzamendi e Blanco Cordero, op. cit., p. 240, ainda considerando suas manifestações típicas delitos de perigo concreto. Para Bañeres Santos, como dito, é o bem jurídico “mediatamente” protegido, ibidem.

24 Sobre a possibilidade de aplicação deste delito conforme o Título VI – Aspectos concursais. 25 Que geralmente, em virtude do previsto no art. 287 do Código Penal, exigem a apresentação de manifestação

da pessoa lesionada como condição de perseguibilidade, o que realça ainda mais o caráter patrimonial deste delito de corrupção desportiva.

26 O art. 281 do Código Penal impõe taxativamente a intenção de desabastecer um mesmo setor, de forçar uma alteração dos preços ou prejudicar gravemente os consumidores.

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não é possível sustentar sua pluriofensividade. O interesse econômico li-gado à prática de determinados esportes profissionais é o substrato sobre o qual se assenta o delito ou sua ratio essendi (deixando fora do tipo, de forma expressa, a prática amadora), porém não seu bem jurídico27, sim-plesmente porque para sua consumação não se exige a prova desse pre-juízo econômico. Há corrupção nos desportos por causa da quantidade de dinheiro que se movimenta em distintos âmbitos de suas manifestações profissionais, todavia a redação do tipo abrange qualquer classe de con-dutas antidesportivas suscetíveis de alterar o resultado da competição, isto é, lesiva para pureza desportiva. Resta avaliar judicialmente se nos en-contramos diante de uma omissão legislativa ou diante de uma declarada intenção de converter em bem jurídico a ética desportiva.

Em suma, e sem ter ainda por bem clara a razão pela qual o legisla-dor espanhol – de lege lata – excedeu mais do que o limiar da intervenção penal nesta matéria, não só exacerbando os delitos de corrupção privada de forma uniforme à corrupção (§§ 1º e 2º do art. 286 bis do CP), como também introduzindo subitamente e sem prévio aviso a modalidade des-portiva. Esses excessos já foram vaticinados em momento adequado por Luigi Foffani, quando alertou que a “cruzada global” que se advertiu con-tra a corrupção “está inevitavelmente exposta ao risco de cair em excessos de fundamentalismo”28. A meu juízo, é o que tem ocorrido na Espanha.

III – tIPo objetIvo

iii.1 sujeitOs

O delito de corrupção desportiva acaba adotando o mesmo esque-ma sancionador que os de corrupção privada genérica (o disposto neste artigo será aplicável, em seus respectivos casos...): começa dizendo o § 4º do art. 286 bis do Código Penal que, por sua vez, e com algumas nuances importantes, tomam a arquitetura do delito de corrupção29 no que diz respeito fundamentalmente à tradicional distinção entre formas de cor-

27 Para Nieto Martín, como já dito antes, o bem jurídico protegido é o jogo limpo, porém “na realidade o castigo destes comportamentos tem um importante viés econômico, que justifica a equiparação destas condutas à corrupção privada” (In: Nociones, op. cit., p. 480). A única objeção a esta tese é que o mencionado autor assume este bem jurídico sem notar sua completa falta de consistência para justificar a antijuridicidade material das condutas protegidas, ao menos segundo a redação atual do art. 286 bis, § 4º, do Código Penal.

28 Op. cit., p. 61.29 Arts. 419 a 427 do Código Penal espanhol.

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rupção ativa (§ 1º) e passiva (§ 2º). Não obstante, nota-se uma alteração da ordem, pois, em primeiro lugar, descreve-se a modalidade ativa e depois a passiva, de acordo com o art. 2º da Decisão Marco nº 2003/568/JAI. Em qualquer caso – como sucede na relação com a citada corrupção –, e centrando-me agora nos autores da ação, resta resolvida a problemática que poderia gerar a participação de particulares na comissão do delito de corrupção privada a cargo dos sujeitos especiais que são citados no art. 286 bis do Código Penal, impondo-se a mesma pena a quem tenta subornar e a quem é subornado. A utilidade deste mecanismo é grande, porque evita recriações jurisprudenciais, se bem que seria passível de re-visão a equiparação de penas de todos os envolvidos na trama, incluindo a modalidade desportiva.

i) O § 1º contém um delito comum. Faz alusão a quem por si ou por interposta pessoa, figurando esta última cláusula como prescindível à luz da dicção do art. 28 do Código Penal espa-nhol30 (neste sentido, a STS de 28 de março de 2001 conside-rou que a participação de pessoa interposta é uma forma de cooperação necessária no delito de corrupção), que se repro-duz no § 2º. A existência de intermediários – frequente nestes pactos – pode justificar esta concreta menção, também uma herança da tipicidade do suborno31.

ii) A chamada corrupção passiva nos desportes herda os sujeitos ativos das formas genéricas da corrupção privada (gestores, ad-ministradores, empregados ou colaboradores), acrescentando outros singulares e privativos. Com efeito, e atendendo agora ao elemento especial do injusto da figura típica, são também capazes para a manipulação do resultado os desportistas, ár-bitros ou juízes, que são, em definitivo, aqueles que compare-cem fisicamente na prática das competições desportivas pro-fissionais32. Até aqui, o tipo parece adotar forma de um delito especial.

30 Art. 28 do Código Penal: “São autores aqueles que realizam o fato por si mesmos, conjuntamente ou por meio de um terceiro de que se servem como instrumento”.

31 O modus operandi da compra de partidas de futebol na Espanha, segundo parece, consiste em que um jogador da equipe ofertante que já jogou na outra equipe atue como mediador por conhecer seus antigos companheiros.

32 Menos abrangente foi o legislador na comparação com a corrupção privada genérica, que não sanciona, a meu sentir, os empresários e que, unicamente, castigará os sócios das entidades mercantis através da cláusula aberta dos “colaboradores”. Conforme: CORTÉS BECHIARELLI. La llamada, op. cit., p. 231.

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Porém, esta especialidade é fictícia ou, pelo menos, não reduz tan-to, como se poderia pensar, a expansão da figura penal. De fato, men-cionam-se, de forma expressa, as hipóteses do parágrafo anterior, porém é certo que, nesta lista, se incluem pessoas não vinculadas à entidade desportiva, tendo em vista a menção aos colaboradores33. Deste modo, ampliam-se os limites da Decisão Marco matriz – outra vez! –, que, em seu art. 2.1, aborda o círculo de sujeitos puníveis, mencionando a pes-soa que desempenha funções diretivas ou de laborais de qualquer tipo. Quem é um colaborador? O Informe do Conselho Geral do Poder Judicial espanhol sobre o Anteprojeto da Lei Orgânica nº 10/1995, aprovado na sessão de 18 de fevereiro de 2009, havia alertado sobre a improcedência desta menção para as formas genéricas de corrupção privada34 e agora, já de lege lata, tem de reproduzir o raciocínio também para corrupção desportiva. É preciso impedir uma possível interpretação extensiva deste elemento da figura típica, de forma que entendo, com Castro Moreno, que serão colaboradores da organização desportiva quem guarda com ela uma relação de prestação de serviços, inclusive esporádica, mas, em qualquer caso – acrescento de minha parte –, comprovada através de algum dos documentos válidos para o ordenamento trabalhista nacional, com este específico fim. Por isso, precisamente, não integram o conceito de colaborador nem os sócios, nem os aficcionados, que restam fora do círculo de ação deste delito35, a menos que sejam punidos na condição de pessoa interposta.

Nos casos de Comitês dependentes do Conselho Superior de Des-portos, as condutas corruptas deverão ser castigadas como suborno, pois o art. 7.1 da Lei nº 10/1990, de 15 de outubro, de Desportes, dispõe que “a atuação da Administração do Estado no âmbito desportivo corresponde e será exercida diretamente pelo Conselho Superior de Desportos, salvo as hipóteses de delegação previstas na presente lei”, declarando-se, ade-mais, a dependência deste órgão do Ministério da Educação e Ciência (art. 7.2).

33 Sua presença nesta classe de corrupção o distorce especialmente na medida em que o perfil do restante dos sujeitos ativos encontra-se desenhado de forma geralmente muito exata na legislação desportiva espanhola. A expansão do preceito por esta via é criticada por Queralt Jiménez, op. cit., p. 19.

34 Chegando a propor seu desaparecimento do texto no Anteprojeto de Ley Orgánica de 14 de noviembre de 2008, op. cit., p. 101.

35 Corrupção no desporto, op. cit., p. 322.

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iii) O art. 288 do Código Penal regula a responsabilidade penal das pessoas jurídicas em relação com este delito36.

É também tradicional nos estudos sobre as figuras delitivas contri-buir na determinação do sujeito passivo. Creio que, por coerência com o que se desenvolveu até aqui neste trabalho, devemos centrar na busca de um caráter coletivo, porque não são os interesses econômicos particula-res os diretamente protegidos pela norma. Entendo que, de acordo com o previsto no art. 1º da Lei do Desporte, é o Estado, porquanto detém a função de “ordenação do desporte”, encontrando na corrupção desporti-va um dos ataques mais lesivos para esta correta ordenação, nada virtuo- sa também para os praticantes das distintas especialidades. Poderá ha-ver outros prejudicados singulares que terão lesionados os seus interesses econômicos. Porém, de forma global, as condutas sancionáveis pelo tipo converte o Estado em sujeito passivo, pelas razões anteriormente mencio-nadas37. Essa conclusão é corroborada de lege lata, pois o razoável teria disso exigir um prejuízo particular para uma pessoa ou grupo de pessoas em concreto, a fim de castigar aquela faceta que unicamente justificaria a criminalização autônoma dessa classe de corrupção e que não é diferente da defraudação nas apostas. Nesta hipótese, o sujeito passivo seria deter-minável ou determinado, diferentemente do que sucede da atual redação do art. 286 bis, § 4º, do Código Penal, que contém um bem jurídico de natureza coletiva ou difusa. Tudo isso como consequência de uma revi-são que o converta em tipo de perigo concreto.

iii.2 ações típicas e iter criminis

Como mencionado acima, as semelhanças entre o delito de cor-rupção privada com os tipos de suborno são notórias também no que diz respeito às ações típicas, se bem que não se encontram no art. 286 bis manifestações do chamado suborno impróprio (art. 422), nem do de recompensa (art. 421). Essa razoável diferença é reflexo, sem dúvida, de que o grau de antijuridicidade das condutas realizadas com abuso de poder na esfera da Administração Pública é maior que a que se alcança nas relações privadas. As formas delitivas de suborno desportivo são as mesmas que às previstas nos primeiros parágrafos do art. 286 bis – cor-rupção privada genérica –, embora os contextos em que se produzem

36 Estabelecendo penas de multa para a pessoa jurídica. Conforme arts. 31 bis e 33.7 do Código Penal.37 Nas linhas sugeridas por Bañeres Santos. Conforme nota de rodapé n. 20 deste trabalho.

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sejam diversos por natureza e, consequentemente, por imperativo legal. Assim, enquanto seu § 4º refere-se à finalidade concreta de predeterminar ou alterar o resultado da competição, os §§ 1º e 2º reduzem seu âmbito ao descumprimento de obrigações na compra e venda de mercadorias ou contratação de serviços profissionais38. Esses elementos tendenciais serão de suma importância na hora de interpretar as diferentes ações típicas do ponto de vista teleológico. Seja como for, o certo é que a forma comissiva destes delitos exige a existência de duas partes – a que oferece ou paga e a que pede ou recebe –, de maneira que a alteração autônoma do resultado desportivo é atípica penalmente39.

Como o legislador almeja que as condutas típicas deste delito de corrupção privada coincidam no essencial com as condutas do delito de suborno, remeto-me expressamente à doutrina científica e jurisprudencial nesta matéria, porque entendo que é perfeitamente abrangida pelo art. 286 bis do Código Penal40.

i) Corrupção desportiva ativa. Assimilando o que dispõe o § 1º do art. 286 bis, o ilícito consiste em prometer, oferecer ou con-ceder um benefício ou vantagem não justificados de qualquer natureza a algum dos sujeitos especificamente citados em seu § 4º, favorecendo-se o ofertante ou um terceiro em detrimento de outros. Desta maneira, alcança-se certa equiparação com o art. 424 do Código Penal – em sua nova redação, derivada da Lei Orgânica nº 5/2010 –, que castiga como suborno a con-duta do particular que oferece, entrega ou promete dádiva ao funcionário, clarificando mais a genérica menção do anterior art. 423 (corromperem ou tentar corromper).

A primeira consequência desta concepção é que, ao ser suficiente a promessa de oferta, o tipo é de perigo abstrato ou de mera atividade, mesmo que a conduta seja a de conceder, pois o delito se consuma –

38 Sobre o que se pode denominar “o âmbito do delito” de corrupção privada genérica, Cortés Bechiarelli (La llamada, op. cit., p. 233 e 234), afirmando de que se trata de uma norma penal em branco, que há de integrar-se com o disposto na Lei de Concorrência Desleal (p. 232). Não é assim no específico caso da corrupção desportiva, redigido em termos muito mais amplos desde a perspectiva de seus modos de realização (condutas que tenham por finalidade predeterminar ou alterar de maneira deliberada o resultado de uma prova...).

39 Castro Moreno refere-se acertadamente ao caso em que são os árbitros ou os próprios jogadores que apostam através da rede, em Corrupción en el deporte, op. cit., p. 335.

40 Encontram-se excelentes trabalhos na doutrina española sobre o delito. Assim, VALEIJE ÁLVAREZ. El tratamiento penal de la corrupción del funcionario: el delito de cohecho. Madrid: Edersa, 1996; OLAIZOLA NOGALES. El delito de cohecho. Valencia: Tirant lo Blanch, 1999; ou RODRÍGUEZ PUERTA. El delito de cohecho: problemática jurídico-penal del soborno de funcionarios. Pamplona: Aranzadi, 2007.

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como veremos agora – sem que se exija que o subornado realize os atos fraudulentos.

A antecipação da tutela penal é, pois, evidente, e, neste aspecto, o esforço legislativo em buscar a simetria entre a corrupção privada e a pública é desacertada, por partir, a meu juízo de forma equivocada, do pressuposto de que, neste caso concreto, a pureza desportiva, a pro-bidade e a imparcialidade dos que exercem a função pública são bens jurídicos equivalentes ou análogos. Penso que, destinados a proteger o primeiro, seria melhor criar um crime de resultado, com o que se refor-çaria o conteúdo claramente patrimonial, de forma que o tipo deveria ser redigido como venho repetindo. Porém, enquanto seja mantida essa redação, conviria exigir, por via jurisprudencial, que a consumação des-ta figura não seja tão adiantada como no caso do suborno, devendo-se provar a existência de um risco ao menos hipotético para o bem jurídico que pretende proteger, com a intenção manifesta de diferenciá-lo do bom funcionamento da Administração Pública. Desta forma, haveria que se revisar a tese do nosso Supremo Tribunal segundo a qual o delito de su-borno “se aperfeiçoa quando o funcionário requer ou recebe uma dádiva ou a promessa de uma dádiva em troca de uma determinação ação de sua competência funcional” (STS de 11 de julho de 2002), recriação judicial que certamente não é avalizada pela redação do art. 286 bis em nenhuma de suas manifestações típicas.

Sobre o particular, levanta-se a seguinte questão: é preciso que o destinatário da promessa ou da dádiva realize alguma ação capaz de comprometer o bem jurídico e tendente ao favorecimento daquele que oferece? A resposta deve ser negativa, pois o legislador se contenta com o risco criado pela conduta do subornante que pretende corromper, de sorte que – como assinalou a STS de 19 de julho de 2001 em relação com o anterior art. 423 do CP41 – se define, com efeito, como um delito de mera atividade, que se consuma com a simples ação de tentar obter a adulteração da competição ou o resultado, sendo, por isso, muito difícil a verificação prática das formas imperfeitas de execução (interceptação de uma carta que proponha o suborno, sempre que seja lícita constitucio-nalmente esta intervenção, para citar um caso próximo do inverossímil), ou casos de intervenção de um intermediário em que a solicitação não é

41 A STS de 8 de maio de 2001 conclui que o suborno “não requer para sua consumação nem a aceitação da solicitação, nem o pagamento do dádiva, nem a realização do ato delitivo oferecido como contraprestação, que, caso se realize, será punido separadamente em concurso com o suborno”.

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conhecida por seu principal destinatário (a respeito do suborno, cf. STS de 22 de dezembro de 2002).

Consequentemente, a rentidão desportiva o de qualquer natureza de quem não aceita a dádiva não impede o castigo penal do fracassado subornador. No caso em que o pagamento é recebido com a intenção preconcebida de não realizar a corrupção – enganando-se, assim, o trans-mitente –, creio que não seja correto castigar a conduta como delito de estelionato por se tratar de uma atividade ilícita, como é a derivada do acordo para um suborno, e, nestes casos, o direito não deveria proteger os assim prejudicados.

Porém, voltando agora à consumação do delito, é necessário exigir algo mais. Primeiro: o tipo penal não sanciona penalmente qualquer caso de atentado à pureza desportiva, senão unicamente aqueles que favore-cem o corruptor (ou um terceiro, no caso da modalidade ativa), o que eli-mina a expansão do tipo penal a hipóteses em que o suborno exige moti-vação diferente42. De forma imediata, o autor busca sua vantagem à custa do exercício do desporte profissional, no que vem a constituir, em efeito, o clássico esquema operativo das atividades corruptas, justificando-se as-sim, de certa forma, as opiniões doutrinárias já coletadas neste estudo, que advertem um plano de proteção penal imediato a outro mediato nes-ta classe de delinquência. No atinente com a sua expressão desportiva, a exigência típica se cumprirá pela própria dinâmica dos fatos, já que o único sentido que tem a predeterminação ou alteração dos resultados é o favorecimento próprio ou de terceiros.

Segundo: o proceder do autor há de se reputar em todo caso eficaz para a mera colocação em perigo do bem jurídico protegido, por muito que se castigue penalmente a simples solicitação; porém, isto não deixa de ser uma proposta, porque a redação do tipo não exige essa interpreta-ção restritiva. Se o suborno é objetivamente ineficaz para o fim de tutela da norma, será possível reconduzir-se a uma hipótese de tentativa absolu-tamente inidônea do delito.

ii) Corrupção desportiva passiva. Nessa ocasião, qualquer dos su-jeitos citados no art. 286 bis, § 4º, com idênticas motivações que, no caso anterior, recebe, solicita ou aceita o benefício,

42 Nas palavras de Castro Moreno, não é possível a comissão de um tráfico de influências no âmbito da corrupção desportiva como consequência do estabelecimento desta exigência típica, como sustenta em Corrupción en el deporte, op. cit., p. 336.

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pelo que a maioria das considerações anteriores a este pará-grafo pode ser aplicada, bem como em razão da interpretação dos tipos de suborno, que descrevem condutas semelhantes.

A respeito da realização na forma comissiva por omissão, nossa jurisprudência considera possível sua realização nos casos de corrupção, mas, nos casos de corrupção desportiva, apresenta-se como improváveis por duas razões: não se visualizam nitidamente os deveres de garante na maioria das hipóteses e, neste âmbito, é impossível a aplicação do institu-to do silêncio administrativo, privativo da Administração Pública e muito eficaz para possível acolhida do art. 11 do Código Penal espanhol43.

iii.3 ObjetO material

A dádiva, o favor, a retribuição ou o presente dos delitos de corrup-ção denominam-se, no presente caso, benefício ou vantagem de qualquer natureza não justificados. Com independência da questão semântica, pa-rece claro que nos encontramos diante de termos cuja interpretação pelos órgãos da administração da justiça será idêntica à do delito de corrupção, herdando a doutrina jurisprudencial produzida em relação a essas infra-ções contra a Administração Pública. Até tal ponto é assim que a antiga STS de 6 de novembro de 1993 considerou que, a respeito dos efeitos do delito de corrupção, “não se deve entender como sinônimo de presen-te, mas como uma vantagem obtida pelo funcionário público em troca de um ato de serviço de sua competência ou contrário aos seus deveres funcionais”44. Consequentemente, estará configurado o benefício obtido ou prometido quanto o corrompido for um funcionário com grande mar-gem de atuação, e por isso considero a interpretação do novo tipo penal que contém a cláusula de qualquer natureza suficientemente eloquente a respeito. Em relação à quantia, por outra parte, não é preciso que se tenha determinado, como reconhece a STS de 18 de abril de 2002. Não só se trata da entrega de dinheiro – a modo das comissões ilegais por determi-nadas práticas proibidas, senão também as pagas em espécie.

A vantagem ou benefício deve se apresentar como possível; isto é, partindo sempre do caráter marcadamente circunstancial do novo delito, e apesar de no tipo constar a mera oferta para consumação da corrupção

43 (NT) O silêncio administrativo positivo significa que, em alguns casos, a Administração Pública não responde ao cidadão que demanda no prazo que a lei estabelece e interpreta-se que esse silêncio equivale à aceitação da pretensão do reclamante.

44 O destaque é pessoal.

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privada desportiva, a oferta deve ser causalmente eficaz para produzir, em abstrato, um compromisso do bem jurídico por meio da atuação do corrompido, sem necessidade, conforme sabido, de que a atuação se veri-fique verdadeiramente. Promessas radicalmente impossíveis, ilusórias ou fantasiosas não integram o tipo penal por sua insignificância, com inde-pendência de sua correção por outras vias.

Deve-se sublinhar, neste momento, a maior margem que se con-cede à adequação social nas relações privadas, de sorte que a aceitação de incentivos ou presentes incapazes de comprometer minimamente o jogo limpo no desporte não constitui infração penal alguma, o que con-tribui para não tipificação neste âmbito do benefício como recompen-sa pela atuação, nem mesmo como corrupção imprópria. A existência de um específico elemento subjetivo do injusto exclui do ordenamento penal condutas tais como entregar recados aos árbitros ou oferecer-lhes determinados serviços nos hotéis em que se alojam, inclusive antes de começar a partida.

Há um segundo benefício, que é o que obtém para si ou terceiro o subornador, tal como indicado nos §§ 1º e 2º do art. 286 bis do Código Penal. Essa vantagem deverá estar conectada com o exercício da com-petição desportiva, pois seu âmbito é mais limitado que o benefício do corrompido.

Iv – tIPo SubjetIvo

O novo delito de corrupção desportiva é doloso, sendo impossível sua realização culposa à luz do art. 12 do Código Penal. Se exige tipica-mente, ademais, um elemento subjetivo especial do injusto, como venho repetindo: que a ação tenha por finalidade predeterminar ou alterar de manera deliberada e fraudulenta o resultado de uma prova, encontro ou competição desportiva profissional. De maneira que tanto o oferecimento como o recebimento do suborno, em todo caso, têm de se dirigir causal-mente à alteração do exercício desportivo nos termos estabelecidos pelo legislador. Não há qualquer outro propósito.

Como o delito é de mera atividade, não é preciso para sua consu-mação que se acabe produzindo este efeito, bastando o oferecimento ou a promessa por parte de algum dos sujeitos envolvidos, como tenho re-petido. Neste aspecto, adverte-se uma absoluta identidade entre os §§ 1º e 4º do art. 286 bis do CP, que merecia ter sido corrigido pelo legislador:

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para o suborno desportivo, não deveria bastar a oferta ou oferecimento, senão que, como mínimo, acresceria a exigência de acordo perigoso para o bem jurídico. Porém, parece que, por razões de economia legislativa, remete-se, de forma integral, à letra do primeiro subtipo, sem perceber a diferente significação entre as formas de corrupção desde o prisma do grau da antijuridicidade material.

Um dos casos mais frequentes e recorrentes é o dos chamados prê-mios a terceiros, que com especial repercussão no futebol se entregam ao final da temporada, de forma cíclica, com a intenção de subir de divisão ou manter-se nela (nada que tenha relação com as apostas pela Internet). Logicamente, é preciso se distinguir segundo a finalidade, seja para pro-curar a derrota ou a vitória do subornado ou sua equipe; desde logo, se o fim é o primeiro, não há dúvida de que a conduta é típica penalmente, tendo em vista a presença do elemento subjetivo especifico do delito. A respeito do incentivo econômico para lograr a vitória, entendo que é competente a disciplina desportiva para sua sanção, o que, segundo se sabe, não aconteceu até o momento, apesar de se saber que esses prê-mios existem, chegando-se a sustentar, inclusive, que contribuem para a pureza da competição, porque, desse modo, a equipe compete com algum estímulo em ocasiões em que ela já não disputa nada. Dito de ou-tro modo: tendo em vista a grande tolerância observada até o momento com estas práticas concretas de incentivo, sem intervenção da autoridade sancionadora desportiva, não se pretenderá, agora, que o primeiro castigo seja imposto pelo ordenamento penal.

v – PartIcIPação

Como exposto anteriormente, o fato de que se castigue em dois preceitos autônomos aquele que suborna e o que é subornado elimina muitos problemas de participação derivados do envolvimento de particu-lares em delitos especiais. Essa decisão foi tomada a respeito do delito de corrupção e adota-se sem reservas ao presente caso, herdando, assim, do art. 286 bis do Código Penal, o esquema bilateral de referido delito contra a Administração Pública. Porém, é necessário considerar que é possível castigar apenas a solicitação do suborno quando não aceita pelo atleta ou assemelhados pelo art. 286 bis, § 4º, do Código Penal, da mesma forma que é punível a solicitação destes ao particular que tampouco é atendida. O declarado caráter bilateral dessa classe de infrações não significa que ambos os autores da trama devam ser em todo caso punidos.

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Cabem, em qualquer caso, as formas de participação de terceiro, como sucede no caso a que se refere a já mencionada STS de 28 de março de 2001, e considerando o que dispõe o art. 65.3 do Código Penal45. Por sua parte, a SAP de Cádiz de 17 de maio de 1999 admitiu a cumplicidade em um caso de corrupção, possibilidade que se pode exportar aos delitos de corrupção privada.

vI – aSPectoS coNcurSaIS

A singularidade do delito de corrupção desportiva – e a condição de particulares dos sujeitos ativos – faz com que as possibilidades de apli-cação acumulada da figura restrinjam-se praticamente a sua possibilidade de concorrência com a figura do estelionato, sobretudo no que diz res-peito às fraudes relacionadas com apostas desportivas. Ademais, serão pouco prováveis esses casos de concursos como consequência das pró-prias exigências típicas do delito de estelionato46. Esse tipo de operações telemáticas não pode integrar-se em nenhuma das figuras do estelionato previstas em nosso ordenamento – salvo na do art. 248.2, a –, porque re-querem que o erro recaia “em outro” (art. 248.1, que fornece a definição tradicional desta classe de defraudação), isto é, em uma pessoa. Precisa-mente, por isso, tomou-se a decisão legislativa de introduzir no Código Penal espanhol o citado art. 248.2, a, que

tem a função de cobrir um âmbito que não alcançava a definição do es-telionato introduzida na reforma de 1983. A nova figura tem a finalidade de proteger o patrimônio contra ações que não respondem ao esquema típico do art. 248 do Código Penal, pois não se dirigem contra um sujeito que possa ser induzido ao erro. Com efeito, os aparatos eletrônicos não têm erros como os exigidos pelo tipo tradicional do estelionato, isto é, no sentido de uma representação falsa da realidade. (STS de 17 de dezembro de 2008)

45 “Quando no indutor ou no cooperador necessário não concorram as condições, qualidade ou relações pessoais que fundamentam a culpabilidade do autor, os juízes ou tribunais poderão impor a pena em grau inferior ao previsto pela lei para infração de que se trate.” (Cf. STS de 20 de outubro de 2010)

46 Já advertiu no âmbito do doping Díaz e García Conlledo, op. cit., p. 115, assim como Valls Prieto, para o que denomina “máfias de apostas desportivas”, cuja existência motivaria, a seu juízo, uma modificação dos delitos de estelionato. Cf. seu trabalho “La intervención del derecho penal en la actividad deportiva”. Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminología, n. 11-14, p. 14:25, 2009. Disponível em: <http://criminet.ugr.es/recpc/11/recpc11-14.pdf>.

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Porém, apesar disto, entendo que este delito de fraude informática não é aplicável ao caso que me ocupa, em primeiro lugar, pois, sensivel-mente, não há “a manipulação informática ou artifício semelhante” aos quais se refere o art. 248.2, a, do Código Penal espanhol: a aposta realiza--se com toda normalidade, e a armação é estranha ao meio informático. Graficamente se pode dizer que a adulteração do resultado se processou pelas “costas do computador”. Sendo assim as coisas, este artigo resulta de impossível aplicação. Ademais, não é possível defender que a trans-ferência econômica que favorece ao apostador desonesto se realiza de forma não consentida; o transmissor consente o pagamento do prêmio a quem a ele se apresenta como seu legítimo ganhador.

Por consequência, as possíveis hipóteses de concurso de crimes se restringiriam geralmente aos casos em que o enganado é uma pessoa físi-ca, e desde que provados todos os elementos típicos do estelionato, hipó-tese que receio que a diversidade de bens jurídicos envolvidos nas duas figuras típicas aplicáveis decidirá a forma do concurso de delitos, como vem fazendo nossa jurisprudência nestes casos. Porém, não parece que essa dinâmica seja a que provocou os escândalos nos países do nosso en-torno, senão, como adiantei, a expansão do fenômeno das apostas pelas internet, que se mostram como uma nova realidade, com consequências jurídicas de toda ordem e frente a qual se pode dizer que nosso legisla-dor não ofereceu uma resposta específica, senão envolvido em outro tipo mais genérico, como no repetido art. 286 bis, 4º, do Código Penal.

vII – PeNa

O art. 4º da Decisão Marco nº 2003/568 impõe que os Estados asse-gurem a sanção da corrupção privada com penas privativas de liberdade “de duração máxima, ao menos, de um a três anos”. O limite máximo escolhido pelo Código Penal espanhol é de quatro anos para seu art. 286 bis, além da inabilitação especial para o exercício da indústria e do co-mércio e multa. Com independência das críticas já expostas neste traba-lho, relacionados com esses excessos de zelo legislativo, a verdade é que não se há levado em conta que esta pena de inabilitação – prevista para os casos do § 4º por remição expressa do primeiro – nada tem a ver com os assuntos mencionados neste subtipo de corrupção desportiva, diferen-temente do que se sucede no delito de doping do art. 361 bis do Código Penal, que impõe com mais critério a pena de inabilitação para emprego ou cargo público, profissão ou ofício. De forma curiosa e paradoxal, a

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legislação penal será aplicada com preferência em relação à legislação desportiva, impondo primeiro uma inabilitação estranha ao âmbito des-portivo, impossibilitando a aplicação das disposições desportivas, a fim de não lesionar o princípio do non bis in idem. Isto significa: se a pena privativa de liberdade não superar dois anos, esta poderá ser suspensa ou substituída se concorrerem as exigências dos arts. 80 e seguintes do Có-digo Penal e o desportista ou o dirigente poderão continuar competindo ou exercendo.

A responsabilidade penal das pessoas jurídicas se estabelece no art. 288 do CP, que, para o caso que nos ocupa, prevê as penas de multa de um a três anos47.

vIII – ação PeNal

O requisito da perseguibilidade exigido por alguns delitos contra o mercado e os consumidores não concorrem no presente caso, segundo o art. 287 do Código Penal. Portanto, trata-se de um delito de ação pe-nal pública, como corresponde à concepção legislativa de que o que se protege com sua criminalização são interesses coletivos relacionados ao funcionamento das competições desportivas, e não interesses econômi-cos de particulares.

Ix – QueStÕeS ProceSSuaIS

O limite máximo de pena previsto para essa infração (que coincide, insisto, com o do § 1º do art. 286 bis, alcançando os quatro anos) justifi-caria a limitação de direitos fundamentais durante a investigação criminal para todas as manifestações típicas da corrupção privada, sem se ressentir de modo algum a doutrina assentada pelo Tribunal Constitucional espa-nhol, ao exigir que a ingerência em direitos, como a intimidade ou o sigilo das comunicações, é lícita com autorização judicial para investigação de delitos graves. Isto significa que já a compra das partes para provocar uma derrota pode justificar a obtenção deste tipo de prova, ao contrário do que antes da entrada em vigor deste delito havia dito o AAP Alicante de 12 de agosto de 2010, que não autorizou que escutas telefônicas obtidas no cur-so de uma investigação criminal de suspeita de suborno fossem remetidas

47 Conforme nota de rodapé n. 35 deste trabalho.

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aos órgãos de disciplina desportiva para provar o suborno de um goleiro que deixou sofrer um gol, por entender que,

se a finalidade da interceptação das comunicações é a investigação de delitos graves, deve restar excluída da hipótese de restrição deste direito fundamental qualquer atuação tendente ao descobrimento de fatos que não ostentam esta condição, como é o caso de qualquer infração admi-nistrativa.

A solução judicial é inatacável.

Outra referência importante que apoia esta tese é o AJI 24 de Madrid, de 10 de maio de 2011, que, a respeito de um suposto caso de doping (a chamada operação Galgo), entende que as escutas telefônicas para este delito castigado com uma pena máxima de dois anos de prisão são válidas a partir deste ponto de vista constitucional, porquanto sua “gravidade vem determinada não só pela pena cominada, senão pela re-levância social de referido delito e pelas consequências que tem sobre a honra e prestígio de todos os atletas”. Desse raciocínio não se pode atribuir o mesmo juízo positivo: a gravidade da conduta deve ser extraí-da da pena imposta pelo legislador, e não das reflexões pessoais de seu intérprete.

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Parte Geral – Doutrina

Princípios Basilares, Gestão Eficaz e Diretrizes para uma Gestão Profissional Esportiva

PAULO CELSO BERARDOAdvogado Militante na área de Direito Internacional Contratual Desportivo, Projetos Sociais Esportivos, Leis de Incentivo e Gestão Profissional Esportiva em Entidades de Prática Des-portiva, Graduado pela Faculdade de Direito de Franca, Pós-Graduado em Direito Desportivo pela Universidade Paulista/IBDD (Instituto Brasileiro de Direito Desportivo), Consultor Jurídico--Esportivo do Franca Basquete em Litígios Internacionais Esportivos junto a Tribunais Interna-cionais do Esporte, Pós-Graduando em Direito Desportivo pela Universidade Estácio de Sá do Rio de Janeiro/RJ, Ex-Editor Chefe do Jornal Jurídico Desportivo em parceria com o Escritório Magadan e Arbano da Costa Advogados Associados no ano de 2006/07 (magadanearba-nodacosta.com.br), veiculado pelo antigo IDDRS (atual IGDD – Instituto Gaúcho de Direito Desportivo).

SUMÁRIO: Princípios basilares de gestão profissional; Gestão eficaz: resultado financeiro e resultado desportivo; Diretrizes para uma administração profissional.

Apresentam-se em questão alguns princípios basilares e diretrizes essenciais no tocante a uma gestão esportiva bem-sucedida nos tempos atuais do desporto business. Mas antes é preciso, acima de tudo, que os dirigentes das entidades de prática desportiva (clubes profissionais) que estejam aptos a mudanças, ou seja, tenham uma mente aberta, não uma visão arcaica, paternalista, conservadora, feudal, mumificada, do futebol, pois o desporto não é mais somente lazer, e sim business. Somente depois de cumprida essa condição é que se pode chegar aos requisitos primordiais fora do âmbito jurídico, ou seja, de suas obrigações legais, contratuais, e dos elementos extrínsecos de uma sociedade empresária desportiva.

PrINcíPIoS baSIlareS de geStão ProfISSIoNal

1. Fair play, jogo limpo, do respeito, cavalheirismo: deve preva-lecer a ética desportiva sobre o canibalismo desportivo. Acima de tudo a honestidade, idoneidade, nobreza de caráter, não preponderando certos interesses egoísticos sobre a falência de uma marca (do nome de uma EPD profissional). De se destacar que um clube de futebol, por sua natureza específica (sendo uma associação), não é passível de falência, mas de interven-

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ção judicial em caso de improbidade administrativa, e destitui-ção de seus dirigentes de má-fé, má-índole. Aliás, tal princípio é válido para todo ser humano que tenha um mínimo de bom--senso, de ética em suas relações, pois o bem mais precioso que carregamos conosco é nossa trajetória retilínea de vida, nosso nome, enfim, nossa marca.

2. Responsabilidade profissional: os administradores desportivos devem cumprir suas obrigações legais e contratuais.

3. Humildade: o administrador deve aceitar sugestões de tercei-ros, ouvir os órgãos colegiados, dentro dos limites legais, para o desabrochar de uma marca, pois nenhum homem vive iso-lado, nenhum homem é uma ilha, mas um ser social. Com humildade, deve aceitar a instabilidade desportiva como con-sequência peculiar da natureza intrínseca do jogo.

4. Tenacidade, determinação: o administrador deve se empenhar ao máximo para conseguir um resultado positivo para sua EPD, deve dar-se sempre por um insatisfeito, buscando cotidiana-mente a perfeição, apesar de o homem ser um ser imperfeito, sujeito a erros, pois por meio deles saberão aprender a não mais repeti-los, já que é a constante busca da perfeição que aproxima o homem de Deus.

5. Eficiência, capacitação profissional: deve ser objetivo e eficien-te em seu trabalho, com metas adequadas para não prejudicar a EPD, pois as pessoas, assim como as empresas, instituições de sucesso chegam onde estão seguindo um plano estratégico, bem elaborado.

6. Criatividade: requer inspiração genuína, e esta nasce quando algo nos instiga ou motiva. Um bom administrador, acima de tudo, necessita ter certa perspicácia para saber diferenciar e enxergar o momento certo de sua ação mais adequada, num pequeno espaço de tempo. E hoje, com a velocidade das coi-sas, com o avanço tecnológico, pequenas decisões podem ser primordiais para um rumo de um negócio.

7. Paciência: a maioria das coisas não surge do dia para a noite, por isso não se deve ser imediatista; um bom administrador tem que dosar o equilíbrio para não sofrer depois as consequên cias de um ato impulsivo, precipitado.

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8. Maleabilidade: um administrador desportivo moderno estará sempre aberto a mudanças, enfim, precisa ser um adolescente em suas ideias, porém não adolescente em seus atos (impulsi-vo, usando a paixão acima da razão), nem tampouco poderá ser um “velho autoritário” com “visão feudal, mumificada, fos-silizada”. É preciso, pois, estar sempre atento às mudanças de sua área, no caso específico, da mudança do desporto lazer para o business, mesmo porque os que insistirem em não mu-dar estarão fadados a não sobreviver no mercado de trabalho, ou seja, no mundo atual dos negócios jurídicos desportivos, do business. Tal administrador terá que estar sempre aberto a críticas.

9. Empreendedorismo, ousadia, iniciativa: a peculiaridade do resultado desportivo faz esse quesito ser redobrado em sua atenção, ou seja, não existe estabilidade do jogo; então cabe ao administrador desportivo ter consciência de que precisa ter atitude em certos momentos decisivos e não ficar à mercê de fatos alheios.

10. Solidariedade, função social: a preservação da marca de uma EPD, bem como de uma empresa moderna exsurge de sua função social, ou seja, a empresa atua não apenas para atender aos interesses dos sócios, mas de toda a coletividade e principalmente dos empregados. Na coges-tão entre o clube e a empresa, deve-se pautar na administração desportiva dos clubes pela “responsabilidade social de seus dirigentes”. Vivenciamos uma sociedade caótica no setor social, miserável, e o atributo de “em-presa cidadã” é de grande valia para a imagem, para a credibilidade seus negócios, e uma empresa, instituição que não está atrelada a este princí-pio, está defasada em seu conceito. É, sobretudo, uma obrigação moral daqueles que possuem certo poder econômico ajudar os que necessitam de um mínimo básico para sua sobrevivência.

11. Pensamento positivo e realismo: é impossível viver sem con-flitos, ainda mais numa sociedade competitiva, no mundo dos negócios desportivos em que vivemos. Mas tais negócios bem administrados, aci-ma de tudo com positivismo, refletindo sempre os caminhos para que se possa atingir uma melhor alternativa entre suas limitações. Nunca se deve ser um otimista excessivo, pois isso pode levar ao “administrador sonha-dor”, nem um pessimista renitente, o que seria extremamente prejudicial a uma EPD. O administrador deve ser um realista, com os pés no chão.

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Dando um exemplo prático, fazer contratações bombásticas, milionárias, que podem deixar rombos infindáveis nos cofres do clube e não alcançar o resultado desportivo almejado, que é a vitória, prêmios, títulos. Ter pen-samento positivo acima de tudo, pois, assim como afirma Buda, “somos o que pensamos”...

12. Racionalidade: jamais o administrador desportivo deve deixar a emoção sobrepor-se à razão, pois, se assim fosse, administraria o clube apenas por impulso ou por instinto, agindo de forma imatura, e não de um homem sensato, em sã consciência. Também não pode ficar inerte e passivo como um “senhor ranzinza” e fossilizado diante de ideias mumi-ficadas. A administração de uma EPD profissional nunca deve pautar-se apenas pela “paixão clubística”, mas sim pelo amor ao seu clube de co-ração, um amor maduro e verdadeiro, não uma paixão cega infantil, pois, na lição de Ghandi, “o amor é a força mais sutil do mundo” e, com amor, prevalecerá ética do desporto sobre o canibalismo desportivo, “pelo amor sempre abrir-se-ão portas para a iluminação das almas e aquecer corações como o mais lindo sol a brilhar nos dias mais invernosos a caminho do abraço da paz e felicidade...”.

geStão efIcaz: reSultado fINaNceIro e reSultado deSPortIvo

Para que se possa avaliar se uma administração foi competente, deve-se observar, ao final de uma temporada, se o time mostrou bom desempenho nos gramados e se as finanças mantiveram-se equilibradas, dentro de um nível factível com os interesses de cada clube.

O melhor exemplo mundial de gestão competente, entre os times de futebol, foi durante um tempo o Manchester United. Aidar Leoncini e Oliveira afirmam que o time inglês

destaca-se pela capacidade de gerar receita a partir de sua marca com uma taxa de rentabilidade superior à média de seus principais concorrentes, que [...] poderiam ser mais lucrativos se usassem uma gestão mais voltada para a exploração da marca.

Um dos erros do clube inglês foi, sem dúvida, a abertura do capi-tal e a colocação de suas ações na bolsa de valores. Em junho de 2005, teve 97% de seu controle acionário adquirido pelo magnata americano Malcon Glazer. Com isso, os minoritários investidores-torcedores-acio-nistas ficaram, na prática, obrigados a vender suas ações ao empresário

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magnata. Ao lançar bônus em nome do clube para financiar o negócio, Glazer levou o Manchester United à inédita condição de endividado, hi-pótese até então nunca imaginada. Com certeza, foi essa razão pela qual o Barcelona e o Real Madrid, clubes com crédito no seu caixa, rejeitaram o modelo de sociedade anônima desportiva da lei espanhola1.

Não será a transformação do clube empresa, ou a adoção compul-sória da forma jurídica empresarial, que vai eliminar os ilícitos fiscais, cambiais, tributários, previdenciários, civis, penais, garantindo a substitui-ção pelo torcedor-dirigente pelo dirigente profissional apto a realizar uma gestão mais racional. Ademais, vários clubes europeus estão endividados, daí por que, acima da racionalidade na gestão, há também o problema do “mercado inflacionário desportivo”, em que se paga salários astronô-micos fora da realidade jurídico-desportiva, somado à irresponsabilidade de vários atos influenciados por uma “mente imatura” e pelo espírito do “canibalismo desportivo”, em detrimento da “ética profissional”.

Ainda de acordo com Aidar, Leoncini e Oliveira,

a principal lição que fica dos números da indústria do futebol britânico é que a gestão profissional é fundamental nesse negócio. Em um mercado de estreita relação entre receitas e performance e entre gasto com salários e performance, a diferença está na eficácia da administração.

Ao se analisar a situação dos clubes brasileiros, o que se vê são dé-ficits acumulados, dívidas com bancos, inadimplência junto ao Fisco e à Previdência Social. A falta de transparência nos números de uma parcela significativa das agremiações brasileiras dificulta uma avaliação que me-lhor permita identificar as falhas. Todavia, os problemas que “explodem” na mídia fornecem uma noção muita clara daquilo que a paixão e a emo-ção provocam.

Com o leque diversificado de assuntos que cercam o futebol, tanto no exterior quanto no Brasil, os clubes precisam contar com administra-dores qualificados, com uma equipe de profissionais que se dedique em tempo integral e esteja compromissada com a geração de receita. E mais: que conheçam administração financeira, desenvolvimento de novos ne-gócios, gestão de carreira de atletas e que saibam controlar as receitas e os gastos com jogadores.

1 MELO FILHO, Álvaro de. Direito desportivo – Aspectos teóricos e práticos. São Paulo: Thomson, 2006. p. 82.

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dIretrIzeS Para uma admINIStração ProfISSIoNal

Para finalizar, apontam-se algumas linhas mestras, básicas para se ter uma boa administração junto à uma EPD profissional.

No tocante às obrigações para as EPDs, Marcílio Krieger as divide em legais e contratuais, a saber2:

I – Obrigações legais:

a) registrar o contrato na CTPS do atleta;

b) efetuar o pagamento do salário contratado no prazo legal;

c) realizar os descontos previdenciários e do FGTS e proceder aos respectivos recolhimentos;

d) quando for o caso, realizar os descontos devidos ao Imposto de Renda, procedendo ao seu recolhimento;

e) pagar o porcentual devido por conceito de “direito de arena”;

f) observar o período de trabalho de 44 horas semanais;

g) contratar seguro obrigatório;

h) fornecer conforto e segurança aos seus torcedores;

i) pleitear eventual indenização de promoção e de formação.

II – Obrigações contratuais, entre outras:

a) pagar para os jogadores as luvas e prêmios por vitórias ou em-pate;

b) fornecer infraestrutura e alimentação para seus atletas;

c) pagar o porcentual contratado para os casos de cessão temporá-ria ou definitiva do atleta, respeitado o mínimo legal.

III – Os administradores profissionais deverão negociar o direito de arena e repassar aos seus atletas, negociando com a mídia televisiva com equidade, ética profissional, respeitando os direitos de outros clubes, sem infringir normas de direito de concorrência, não criando um cartel para favorecimento de seu clube e demais protegidos por interesses lobísticos.

2 KRIEGER, Marcílio. Disposições relativas ao atleta no direito desportivo brasileiro. Revista IBDD, n. 3, p. 165.

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IV – Os administradores deverão pautar-se, sobretudo com ética profissional, responsabilidade: as EPDs independentemente de sua forma societária, quer uma associação, quer uma sociedade empresarial, seus administradores terão que estabelecer um equilíbrio entre seus lados emo-tivos, os anseios da torcida, e o animus lucrandi de fugazes investidores.

V – Os administradores não deverão “fazer média” com seus atle-tas, nem instigar sua torcida, muito menos estimular “facções organiza-das” que colaboram para o assolar da violência desportiva, não dando incentivos financeiros a nenhum torcedor, amigo, com atos de nepotismo e corrupção que ajudam no empobrecimento e descrédito de uma marca.

VI – Com relação ao departamento de saúde do clube, ou seja, médicos, fisioterapeutas nutricionistas, devem ser extremamente profis-sionais, éticos em seus pareceres e conduta, sobretudo avisando possíveis casos que ofereçam risco à saúde, como o caso do jogador Serginho, do São Caetano. Devem orientar seus atletas a ter uma alimentação sau-dável, não ingerir bebidas alcoólicas, bem como substancias dopantes, dando exemplo, acima de tudo, a toda a sociedade, dos malefícios do uso de drogas, até porque a filosofia do esporte é pregar uma vida saudável, seguindo a sapiência dos filósofos gregos que exaltavam a necessidade de haver o equilíbrio perfeito entre o corpo e a alma. Platão destacava “a arte de conduzir a criança pelos caminhos da razão”, o dever de for-talecer o corpo tanto quanto possível e elevar a alma ao seu mais alto grau de aperfeiçoamento (mens sana in corpore sano)3. Ademais, devem incutir a filosofia do fair play para seus atletas, do jogo limpo, da lisura dos resultados, sendo que o importante é competir e lutar sempre, enfim, sob o mandamento supremo do desporto, do espírito do cavalheirismo, no desporto assim como na vida o que vale é a luta, luta limpa, e não somente a vitória.

VII – Os administradores deverão pautar-se pelo princípio da trans-parência financeira e administrativa, o que resguarda sobretudo para os clubes a credibilidade da sua marca; devem manter auditores indepen-dentes para prevenção de fraudes na publicização dos seus balanços.

VIII – Fundamental criar mecanismos para a priorização nas cate-gorias de base (o coração do clube), com o fito de não onerar os cofres do clube, exercitando conjuntamente a função social da geração de novos

3 CRETELLA JÚNIOR, José. Natureza jurídica do contrato de esporte. Revista IBDD, n. 4, p. 13.

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valores, tirando as crianças carentes do mundo da criminalidade, das dro-gas, da miséria.

IX – No que tange ao departamento jurídico do clube, este precisa usar da tutela da lei em benefício de gerar receita, tais como: pleitear dos direitos de clube formador (preenchendo os requisitos legais) e me-canismo de solidariedade FIFA, criado pela entidade máxima do futebol mundial, após a extinção do passe na “sentença Bosman”. Igualmente, ter a garantia legal de indenização por formação conforme disposto no art. 21 do Regulamento de Transferências Internacionais de Jogadores da FIFA), elaborando, assim, um contrato de formação bem prostrado e tam-bém no sentido de amenizar a ação predatória de empresários de má-fé, má-índole, a “pedofilia desportiva”, o êxodo prematuro para o exterior e prejuízos financeiros irrecuperáveis4.

X – Os administradores, supostos investidores dos clubes, não de-vem se olvidar de que é preciso exercer uma ação social, assim como uma empresa moderna, que visa a sempre incutir em sua administração um trabalho na área social, fazendo jus ao nome “empresa cidadã”, eis que colabora ativamente com a desigualdade e injustiça social de nosso país. Destaque-se que tal ajuda será benéfica para sua marca.

XI – Os administradores deverão valer-se do resultado desportivo e promover um trabalho bem elaborado, com profissionais especializados em marketing desportivo para a expansão da marca de uma EPD profis-sional.

XII – Os administradores deverão pautar-se pelo instituto da go-vernança corporativa (equidade, prestação de contas e transparência) em suas ações dentro da administração junto a uma EPD profissional.

XIII – Os administradores deverão evitar contratações milionárias, com o fito de atendimento de interesses de torcida, ou de terceiros, mídia etc., sempre procurando equilibrar o caixa, sempre visando ao resultado desportivo e financeiro, binômio de uma sociedade empresária despor-tiva.

4 “É importante ressaltar que o ideal seria que todos os clubes preenchessem todos aqueles requisitos da Lei Pelé, mas não são todos os clubes que têm condições de fazer este alto investimento. A melhor opção seria no que tange à indenização por formação seria uma adaptação das normas da nossa lei desportiva de nosso país as normas da FIFA, obedecendo ao sistema de cálculos e requisitos de indenizações da instituição internacional.” (BEZERRA, Romel Cezar Romeiro. Indenização aos clubes formadores de jogadores de futebol face a Lei Pelé e as normas da FIFA. Revista IBDD, v. 18, p. 233/234, 2010. Disponível em: <http://www.carlezzo.com.br/pt/ler-publicacao.php?id=9>)

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XIV – Os administradores deverão captar meios de investimentos em suas praças, ginásios, com estádios modernos de 1º mundo, e não como os estádios para a recente Copa do Mundo FIFA realizada no Brasil em junho de 2014, em estádios “robotizados” “pelo padrão de cer-tas normas arcaicas FIFA”, assim como a entidade máxima do futebol não introduz a tecnologia usando, por exemplo, o replay como um recurso a benefício do mundo esportivo do futebol. Outrossim, realizados tais contratos às pressas, como a maioria do que se faz nesse país, sem um planejamento transparente a médio e longo prazo, em contratos sombrios “realizados sob as sombras da escuridão na calada da noite”, e não sob o auspício da luz além dos homens, e sim da luz da iluminação, ilu-minando, além das arenas multiúso, para outros eventos que irão ilumi-nar, assim, grandes fontes de luz de receitas (para os clubes), fornecendo segurança, acesso fácil e conforto para seus torcedores, transformando, se possível, num centro de entretenimento, num minishopping, captan-do receitas extras, negociando contratos, como naming rights, mas, para isso, é fundamental ter-se o caixa equilibrado – daí a importância de uma administração profissional que gere credibilidade aos olhos do mercado do business desportivo.

XV – Os administradores deverão impedir a prática do nepotismo nas EPD profissionais, que gera desconfiança, descrédito de uma marca, além de ser prática imoral.

XVI – As EPDs deverão ter profissionais especializados, remunera-dos, com vários gestores responsáveis por cada departamento (marketing, jurídico, finanças, médico etc.), com funções interligadas e hierárquicas, assim como numa empresa.

XVII – Os administradores deverão observar na elaboração do con-trato de imagem idôneo com o fito de não burlar legislação trabalhista.

XVIII – Separar o departamento profissional de futebol (com gestão profissional e responsabilização) do departamento do clube social (asso-ciação sem fins lucrativos).

XIX – Na atual conjuntura, o clube deve avaliar qual seria a melhor forma de parceria a ser adotada, de acordo com sua estrutura organizacio-nal e com a realidade socioeconômica.

XX – Realizar um planejamento tributário, contando com advoga-dos especializados, em um departamento jurídico competente, para be-

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neficiar-se das brechas da lei com o fito de amenizar as obrigações fiscais de uma EPD profissional, obviamente dentro dos limites da lei.

XXI – Efetuar um planejamento financeiro, observando a folha de pagamento (equilíbrio orçamentário), evitando o desgaste de uma marca e sua insolvência, afugentando, assim, o interesse de investidores. Para tanto, seguir as normas gerais de contabilidade (Resolução do Conselho Federal de Contabilidade nº 877/00), o único comando regulamentador das normas contábeis existente.

XXII – Por derradeiro, acima de tudo, cultivar um sentimento de amor ao clube, acima da paixão clubística (o interesse coletivo acima do interesse particular egoístico). Fazer com que impere o dever do fair play, do jogo limpo, do respeito, do cavalheirismo. Assim, deve-se zelar para que prevaleça a ética desportiva acima do canibalismo desportivo, a honestidade, a idoneidade, a nobreza de caráter, não deixando prevale-cer os interesses escusos e evitando a falência de uma marca e o pereci-mento da tradição e da história de uma EPD profissional. Enfim, usando a transparência de alma e coração nas relações humanas e pelos campos esportivos e além esportivos da vida, tão carecedoras na sociedade atual, usando “a justiça do amor como a ética a Nicômano” (régua de Lesbos, adaptação da lei ao fato concreto), a equidade, na justiça dos sábios pen-sadores, como Platão (na frase célebre: “A justiça é uma relação adequa-da e harmoniosa entre as partes beligerantes de uma mesma pessoa ou de uma comunidade”), assim pela justiça equânime da régua divina no conceito supremo de que “não faça aos outros o que você não gostaria de que fizessem o mesmo a você”, fazendo disso tudo, assim por analogia, maior o respeito ao próximo, usando o amor, o cerne da vida, acima da paixão clubística, que cega o ser e as “relações humanas e humanas do além do esporte e da vida”.

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Parte Geral – Doutrina

A Cláusula Indenizatória e a Cláusula Compensatória no Contrato de Atleta Profissional: o Que Pensar?

CASSIO M. C. PENTEADO JR. Advogado e Consultor em Recife/PE.

A questão que trazemos ao debate, nestas linhas, diz respeito à de-nominada cláusula de caráter indenizatório e àquela de natureza com-pensatória, relativamente aos contratos firmados entre os clubes e o atleta, com ênfase no âmbito do esporte profissional.

Tais cláusulas encontram fundamento das previsões da Lei nº 9.615/1998, cognominada “Lei Pelé”, com a redação que lhe empres-tou a Lei nº 12.935, de 2011, e nas normas específicas aplicáveis, in casu, as previsões originadas da Fifa.

As disposições ex vi legis assim estão conformadas:

Art. 28. A atividade do atleta profissional é caracterizada por remunera-ção pactuada em contrato especial de trabalho desportivo, firmado com entidade de prática desportiva, no qual deverá constar, obrigatoriamente:

I – cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática desportiva à qual está vinculado o atleta, nas seguintes hipóteses:1

a) transferência do atleta para outra entidade, nacional ou estrangeira, du-rante a vigência do contrato especial de trabalho desportivo; ou

b) por ocasião do retorno do atleta às atividades profissionais em outra entidade de prática desportiva, no prazo de até 30 (trinta) meses; e

II – cláusula compensatória desportiva, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º.2

1 O § 2º do art. 28 da lei em comento estabelece que “são solidariamente responsáveis pelo pagamento da cláusula indenizatória desportiva de que trata o inciso I do caput deste artigo o atleta e a nova entidade de prática desportiva empregadora”.

2 As hipóteses de cabimento da cláusula compensatória, indicadas a teor do § 5º do art. 28 da norma em causa (incisos III a V), são as seguintes: “III – com a rescisão decorrente do inadimplemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora, nos termos desta Lei; IV – com a rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legislação trabalhista; e V – com a dispensa imotivada do atleta”.

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As modificações implementadas à primeva Lei de 1998, sobretu-do em torno do art. 28, antes citado, substituem, por assim dizer, dando novo contorno, a cláusula penal, que se inseria nos contratos dos atletas profissionais, a qual deu margem à acesas polemicas doutrinárias e juris-prudenciais3.

A solução, alvitrada pela norma legal de 2011, nesse aspecto da re-paração de valores no relativo ao clube ao qual se filia, contratualmente, o atleta profissional, se acha na cláusula indenizatória (art. 28, inciso I), e no que toca ao próprio atleta profissional, quando se rompe o vinculo de trabalho, se encontra na cláusula compensatória (art. 28, inciso II). Desse modo, restou afastada a antiga cláusula penal e, também, a indenização trabalhista nos termos do art. 479 da CLT4. Desse modo, cumpre observar que não seria demasia qualificar a cláusula indenizatória como alterna-tiva à extinção do denominado “passe” do atleta, medida inserida a teor da “Lei Pelé”, pois seu fato gerador ou será a transferência para outra entidade esportiva nacional ou alienígena, durante a vigência do contrato de trabalho, ou o retorno do profissional às atividades esportivas em outro clube no prazo de até 30 (trinta) meses5.

De outra sorte, a cláusula compensatória teria o escopo de inde-nizar o atleta na ocorrência – como já antes referimos – de rescisão do

3 O ilustrado Guilherme de Camargo em, Cláusula indenizatória e compensatória desportiva x cláusula penal, comenta: “O Projeto de Lei – PL 5.186/2005, que resultou na Medida Provisória – MP 502/2010, acabou com a discussão a respeito da unilateralidade ou bilateralidade da cláusula penal do contrato especial de trabalho dos atletas profissionais, na medida que definiu os institutos da indenização e da compensação. É certo que, assim como ocorreu com o direito de arena, houve uma redução dos direitos trabalhistas e das discussões acerca das interpretações sobre ‘multa rescisória’ e ‘cláusula penal desportiva’. Com efeito, o entendimento majoritário da jurisprudência do TST, à época, abraçava a corrente da bilateralidade, em torno da cláusula penal, dando-a como incidente tanto em relação à entidade esportiva contratante, quanto ao atleta contratado”. Confira-se, nesse sentido: “Não havendo no art. 28 da Lei nº 9.615/1998 previsão expressa de que a cláusula penal ali definida seria direito exclusivo do empregador, atentaria contra princípios elementares do direito do trabalho a limitação de tal direito somente à parte mais forte na relação trabalhista por meio de meros argumentos interpretativos” (TST-RR 12.720/2004-013-09-00.7).

4 Essa disposição, encartada na CLT, determina que composição indenitária equivalente a 50 % do quantum caberia ao atleta até o término de seu contrato, em caso de rescisão imotivada do contrato de trabalho.

5 Na Revista Consultor Jurídico, de 05.07.2012, o considerado Paulo Almeida Prado Bauer observa no seu comentário que “TST põe fim à concepção de que a atleta é patrimônio”, versando o affair São Paulo Futebol Clube; Internacional do Rio Grande do Sul e o jogador Oscar que, “[...] muito embora tenha sido revogada a antiga lei do passe, pela qual o atleta era considerado um patrimônio do clube, o qual tinha o direito de vendê-lo a outrem sem mesmo consultá-lo ou contra sua vontade, a Lei Pelé também amarra o atleta à entidade empregadora, ainda que ele, jogador, queira dela se desligar, a não ser que alguma outra agremiação (ou o próprio atleta) deposite a tal multa contratual. Em outros termos, pela lei em vigor, se o atleta não mais deseja ser empregado de determinado clube, ainda a ele não é dada a liberdade conferida a qualquer outro trabalhador brasileiro, pois sua única forma de se desligar é ele próprio pagar a indenização, o que é incomum, ou aguardar que uma outra agremiação queira contratá-lo e, mais, que deposite antecipadamente a multa contratual. Somente depois do depósito é que haverá a desvinculação do atleta ao clube”.

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contrato laboral motivada por inadimplemento da quitação de remune-ração de cunho salarial; da rescisão indireta, observados os parâmetros da lei trabalhista; e da rescisão sem causa do ajuste de trabalho do atleta. Nesse caso, em termos gerais, a verba indenitária de compensação faria as vezes da reparação, já também mencionada, prevista no art. 479 do texto consolidado.

Versando essas cláusulas, trazidas pela Lei nº 12.935, o entendi-mento da jurisprudência é assente ao reconhecê-las como válidas e apli-cáveis, como se confere do seguinte julgado:

1. Na jurisprudência desta Corte Superior, adota-se o entendimen-to de que a cláusula penal prevista na redação anterior do art. 28 da Lei nº 9.615/1998 se aplica somente ao atleta profissional. Precedentes. 2. A nova redação dada pela Lei nº 12.395/2011 ao art. 28 da Lei Pelé se coaduna com o entendimento firmado nesta Corte Superior, de que a cláusula indenizatória desportiva (nova denominação da cláusula penal) é devida somente à entidade de prática desportiva. 3. Recurso de revista a que se dá provimento.6

Em outra assentada da Corte Superior, veja-se a conclusão sobre a cláusula compensatória desportiva:

[...] o atual teor do art. 28, I e II, da Lei nº 9.615/1998 contempla “cláusula indenizatória desportiva, devida exclusivamente à entidade de prática des-portiva à qual está vinculado o atleta” e “cláusula compensatória despor-tiva”, devida pela entidade de prática desportiva ao atleta, nas hipóteses dos incisos III a V do § 5º”, quais sejam, “rescisão decorrente do inadim-plemento salarial, de responsabilidade da entidade de prática desportiva empregadora”, “rescisão indireta, nas demais hipóteses previstas na legis-lação trabalhista” e “dispensa imotivada do atleta”, e o art. 31 comple-menta: “A entidade de prática desportiva empregadora que estiver com pagamento de salário de atleta profissional em atraso, no todo ou em parte, por período igual ou superior a 3 (três) meses, terá o contrato especial de trabalho desportivo daquele atleta rescindido, ficando o atleta livre para se transferir para qualquer outra entidade de prática desportiva de mesma modalidade, nacional ou internacional, e exigir a cláusula compensatória desportiva e os haveres devidos”. Depreende-se, pois, que a cláusula in-

6 TST-RR 132100-15.2008.5.06.0011.

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denizatória veio substituir a cláusula penal e a cláusula compensatória, a multa do art. 31 da lei, concernente à indenização do art. 479 da CLT.7

Contudo, as alterações relevantes que a norma de 2011 trouxe à legislação esportiva não são indenes de críticas da doutrina.

Nesse sentido, o ilustre Rafael Teixeira Ramos escreve:

A primeira grande novidade da Lei nº 12.395/2011 são algumas formas expressas de terminação do contrato de trabalho desportivo, subscritas no art. 28, § 5º e seus incisos, tais como: término da vigência contratual, distrato, pagamentos das cláusulas indenizatória e compensatória des-portivas, rescisão indireta por inadimplemento contratual do empregador desportivo ou demais hipóteses de rescisão indireta prevista na legislação trabalhista, dispensa imotivada do atleta. Crítica inicial se realiza à falta de previsão da justa causa ou despedida motivada do atleta, pois sabemos que, ao regular-se a dispensa imotivada do praticante, o legislador, por via transversa, resolveu o problema da justa causa atlética. Entretanto, e em que pese a rarefeita situação de justa causa do jogador na relação em-pregatícia desportiva, a nova lei poderia ter aproveitado a oportunidade da enumeração de modos de extinção contratual para prever também a dispensa motivada do atleta que, induvidosamente, teria a mesma solução dos contratos a prazo determinado do trabalho comum.8

A crítica – de fato – procede, pois, ainda que a dispensa motivada ou por justa causa do atleta profissional seja evento raríssimo, até para não desvalorizá-lo no mercado, perdeu-se a oportunidade de comple-tar o elenco de hipóteses de extinção contratual, como o autor observa, incluindo-se a dispensa motivada.

Por último, o autor citado nos apresenta à consideração o que de-nomina de teoria do terceiro cúmplice ou doutrina efetiva das obrigações externas, justificando – neste passo – eventual diferenciação valorativa das cláusulas de reparação, trazidas pelas modificações à “Lei Pelé”, para arguir a necessidade de maior proteção ao clube diante do assédio aos seus atletas, mormente em se tratando do futebol profissional9. Haven-

7 TST-RR 16600-65.2006.5.15.0092.8 Ver Cláusula indenizatória desportiva e cláusula compensatória desportiva: nova sistemática rescisória do

contrato de trabalho do atleta.9 Cita-se, por traduzir interessantes proposições doutrinárias, o trecho que segue, extraído do trabalho de Rafael

Teixeira Ramos, que colacionamos: “Limitar-nos-emos a reafirmar que a sustentação de tais desigualdades de valores supradescritas se estabelece exatamente na ‘teoria do terceiro cúmplice’ ou ‘doutrina efetiva das obrigações externas’. No campo da atividade trabalhista desportiva, há uma especificidade maior e

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do oportunidade, cuidaremos – nestas páginas – de refletir sobre as teses doutrinárias esposadas em torno da “Lei Pelé”, com as alterações da nor-ma legal de 2011.

mais aguçada do que na atividade laboral artística, em que, na realidade, o assédio do concorrente (clube empregador terceiro) é bem maior sobre o praticante empregado, ocasionando o fenômeno da junção entre terceiro (clube empregador) e jogador contra o atual empregador desportivo do atleta, transfigurando a hipossuficiência do praticante empregado para o empregador desportivo atual e restando a hipersuficiência aos outros dois (jogador empregado e entidade empregadora terceira). Essa é a teoria do terceiro cúmplice que justifica a proteção maior ao atual clube empregador, que, pela nova lei, poderá ser receptor dos valores maiores da cláusula indenizatória desportiva, mas, se, por outro lado, for o empregador atual o violador do pacto laboral ou o dispensador, arcará com a cláusula compensatória desportiva”.

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Parte Geral – Doutrina

Aprendizagem no Desporto e Cumprimento do Artigo 429 da CLT pelas Entidades Desportivas

KONRAD SARAIVA MOTAGraduado em Direito, Pós-Graduado, lato sensu, em Direito, Mestre em Direito, Doutorando em Direito do Trabalho pela PUC-Minas, Juiz do Trabalho junto ao TRT 7ª Região, Ex-Juiz do Trabalho junto ao TRT da 14ª Região (2004-2006), Juiz Coordenador dos Leilões Judiais junto ao TRT da 7ª Região, Agraciado pela Ordem Alencarina do Mérito Judiciário Trabalhista no grau de Oficial em 2009, Conselheiro da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região desde 2010, Professor de Direito do Trabalho e Direito Processual do Trabalho da Universidade de Fortaleza – UNIFOR desde 2007 (graduação e pós-graduação), Professor Colaborador da Escola da Magistratura do Trabalho da 7ª Região, Professor de Cursos Prepa-ratórios para Concursos Públicos e Exame da OAB.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Aprendizagem no desporto; 2 Atletas em formação; 3 Cumprimento do artigo 429 da CLT pelas entidades desportivas; Conclusão; Referências.

INtrodução

A problemática central do presente estudo reside em analisar a aprendizagem no desporto, bem como a aplicabilidade da previsão con-tida no art. 429 da CLT ao contrato especial do atleta profissional, sobre-tudo quando confrontada com as disposições da Lei Pelé relativas aos atletas em formação.

A análise se justifica em função da polêmica gerada pelas decisões da Justiça do Trabalho de Minas Gerais, que, em ações propostas pelo Ministério Público do Trabalho (Processos nºs 01656-2009-011-03-00-3 e 01651-2009-007-03-00-1), proibiram os principais clubes do Estado (Clube Atlético Mineiro e Cruzeiro Esporte Clube) de manter menores de 14 (quatorze) anos em suas categorias de base.

Embora o principal fundamento das decisões proibitivas tenha sido a violação dos arts. 7º, XXXIII, e 227, § 3º, I, da CF/1988, a distinção en-tre aprendizagem no desporto e a iniciativa de formação de atletas se faz relevante.

1 aPreNdIzagem No deSPorto

Sabe-se que o contrato especial do atleta profissional possui natu-reza híbrida, congregando em si características trabalhistas e desportivas.

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Enquanto desportista, o atleta profissional é regido pela Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) e demais regulamentos correlatos. Enquanto empregado, o atle-ta se submete aos comandos da CLT.

O contrato de aprendizagem é vínculo tipicamente trabalhista. Trata--se de contrato especial escrito, por prazo determinado, cujo empregado deve ter idade entre 14 (quatorze) e 24 (vinte e quatro) anos e se encontrar devidamente matriculado e com frequência em programa de aprendizagem voltado à formação técnico-profissional metódica (art. 428 do CLT).

Todos os requisitos legais anteriormente mencionados compreen-dem a gênese do contrato de aprendizagem, de modo que a ausência de qualquer deles provoca a desnaturação do vínculo especial, transforman-do-o em contrato de emprego comum.

Entre os pressupostos do contrato de aprendizagem, merece desta-que a exigência de que o aprendiz esteja devidamente matriculado e com frequência em curso de formação técnico-profissional metódica, compa-tível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico.

Entende-se por formação técnico-profissional metódica o conjun-to de atividades teóricas e práticas, metodicamente organizadas em tare-fas de complexidade progressiva desenvolvidas no ambiente de trabalho (art. 6º do Decreto nº 5.598/2005). A formação teórica deve ser ofertada por entidades qualificadas (art. 8º do Decreto nº 5.598/2005).

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), por meio da Portaria nº 615/2007, com as alterações trazidas pela Portaria nº 1.003/2008, criou o Cadastro Nacional de Aprendizagem, destinado à inscrição das entida-des qualificadas em formação técnico-profissional metódica, buscando promover a qualidade pedagógica e efetividade social dos programas.

Os anexos da Portaria nº 1.003/2008 organizam os chamados “ar-cos ocupacionais”, que nada mais são do que agrupamentos de ocupa-ções que possuem base técnica próxima e características complementares, abrangendo as esferas da produção nas quais serão inseridas as atividades técnico-profissionais metódicas.

Ao verificar o rol de arcos ocupacionais trazido pelos anexos da mencionada portaria ministerial, identificam-se as seguintes atividades ligadas ao esporte e lazer (Anexo I; item 7): a) recreador, b) monitor de esportes e lazer, e c) animador de eventos desportivos. Inexistem, porém, atividades diretamente desempenhadas por atletas profissionais.

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Resulta concluir, portanto, que as entidades desportivas, relativa-mente aos seus atletas, não podem celebrar contratos de aprendizagem, visto que o desporto não é considerado atividade técnico-profissional me-tódica, estando ausente requisito essencial ao vinculo especial celetista.

Por outro lado, no tocante às atividades de esporte e lazer ante-riormente mencionadas, bem como outras que venham a ser exploradas pela entidade desportiva (como é o caso dos serviços telemáticos, admi-nistrativos e de transporte), torna-se possível a celebração de contratos de aprendizagem, observadas as demais exigências legais.

2 atletaS em formação

Com a extinção do passe, buscou o legislador conceber mecanis-mos que estimulassem o investimento em novos atletas. A partir dessa motivação, o art. 29 da Lei Pelé concebeu a denominada “entidade des-portiva formadora”.

Tal entidade deverá dedicar-se à capacitação desportiva, social e educacional do atleta em formação, inclusive oferecendo assistência mé-dica e psicológica, manutenção de alojamentos, higiene, alimentação e corpo de profissionais especializados em formação técnico-desportiva.

Em contrapartida, a entidade formadora terá preferência na assina-tura do primeiro contrato especial desportivo do atleta que formou e na renovação deste mesmo contrato, bem como auferirá percentual finan-ceiro sobre as negociações de transferência do atleta (arts. 29, § 5º e 7º e 29-A da Lei nº 9.615/1998).

Ocorre que o atleta em formação não é desportista de rendimento, permanecendo imune às exigências de hipercompetitividade passíveis de lhe prejudicar o desenvolvimento psicológico e educacional. Acaso des-virtuado, o processo de formação acabará resultando em uma relação de emprego (por aplicação do art. 9º da CLT), submetida aos limites impostos pela Lei Trabalhista e pela Constituição Federal, especialmente no que tange à idade mínima para o trabalho.

É preciso esclarecer, contudo, que o atleta em formação não é e nem pode ser aprendiz. Conforme dito anteriormente, o contrato de aprendi-zagem exige que o aprendiz esteja matriculado em curso de formação técnico-profissional metódica, cujo rol de ocupações não compreende a atividade desportiva propriamente dita.

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Não sendo aprendiz, é possível sustentar que o atleta em formação cuja atuação esteja sendo desvirtuada será considerado empregado co-mum, com idade mínima para o trabalho fixada em 16 (dezesseis) anos (art. 7º, XXXIII, da CF).

3 cumPrImeNto do artIgo 429 da clt PelaS eNtIdadeS deSPortIvaS

Preleciona o art. 429 da CLT que os estabelecimentos de qualquer natureza são obrigados a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalente a cinco por cento, no mínimo, e quinze por cento, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.

Questiona-se se tal dispositivo é aplicável às entidades despor- tivas.

Tal como esclarecido, a aprendizagem no desporto não alcança os atletas profissionais, tampouco os atletas em formação. Isto porque a atividade desportiva propriamente dita – seja de rendimento ou de ca-pacitação – não tem amparo nos arcos ocupacionais de distribuição das atribuições técnico-profissionais metódicas.

Assim, impossível a existência de um atleta aprendiz, já que não es-tará matriculado em curso de formação técnico-profissional metódica com-patível como sua condição, desnaturando o contrato de aprendizagem.

Por outro lado, se a entidade explorar outras atividades esportivas (como de recreador, monitor ou animador de eventos), ou atividades in-diretamente ligadas ao seu funcionamento (como serviços telemáticos, administrativos ou de transporte), poderá sim sofrer a incidência dos per-centuais mínimo e máximo de contratação de aprendizes.

coNcluSão

A aprendizagem no desporto é, sem dúvida, temática que demanda maior aprofundamento reflexivo.

De todo modo, este pequeno ensaio permitiu demonstrar não ser possível a contratação de atletas aprendizes, dada a impossibilidade de

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preenchimento de um dos requisitos legais do contrato especial de apren-dizagem, qual seja: a matrícula do aprendiz em curso de capacitação técnico-profissional metódica.

Pelas mesmas razões, atletas em formação também não são consi-derados aprendizes. Destarte, desvirtuado o processo de formação des-portiva, o atleta passará a ser considerado empregado comum, sujeito aos limites e vedações da CLT e da Constituição Federal, inclusive no tocante à idade mínima para o trabalho.

Por outro lado, é possível que a entidade desportiva celebre con-tratos de aprendizagem, desde que envolva atividades inseridas nos arcos ocupacionais de atribuição técnico-profissional metódica do MTE, oca-sião em que os percentuais mínimo e máximo do art. 429 da CLT passarão a ser exigidos.

referêNcIaS

BARROS, Alice Monteiro. Contratos e regulamentações especiais de trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008.

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº 615, de 2007. Brasília: Diário Oficial da União de 14 dez. 2007. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BE914E6012BF46B002E4835/p_20071213_615.pdf>. Acesso em: 10 maio 2014.

______. Ministério do Trabalho e Emprego. Portaria nº 1.003, de 2008. Brasília: Diário Oficial da União de 4 dez. 2008. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BE914E6012BF7DDA8685AE4/p_20081204_1003.pdf>. Acesso em: 10 maio 2014.

______. Presidência da República. Constituição Federal. Brasília: Diário Oficial da União de 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/cons-tituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 10 maio 2014.

______. Presidência da República. Decreto nº 5.598, de 2005. Brasília: Diário Oficial da União de 2 dez. 2005. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5598.htm>. Acesso em: 10 maio 2014.

______. Presidência da República. Decreto-Lei nº 5.452, de 1943: Consolidação das Leis do Trabalho. Rio de Janeiro: Diário Oficial da União de 9 ago. 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm>. Acesso em: 10 maio 2014.

______. Presidência da República. Lei nº 9.615, de 1998. Brasília: Diário Oficial da União de 25 mar. 1998. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm>. Acesso em: 10 maio 2014.

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RAMOS, Rafael Teixeira. Direito desportivo trabalhista: a fluência do ordenamento do desporto na relação laboral desportiva e seus poderes disciplinares. São Paulo: Quartier Latin, 2010.

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Parte Geral – Doutrina

A Propriedade Intelectual – Explorar Mais, Cuidar Mais para Ganhar Mais

BERNARDO LINHARES MARCHESINIAdvogado, Pós-Graduado em Direito Empresarial pela PUC/SP, Auditor da Comissão Discipli-nar do Copão Kurt Meinert de Joinville/SC, Membro da Comissão de Direito Desportivo da OAB/SC.

RESUMO: O mercado mundial atual tem no direito imaterial fonte inesgotável de riquezas, motivo pelo qual é fundamental que o esporte brasileiro se debruce sobre o tema e atraía novas receitas para seu engrandecimento.

PALAVRAS-CHAVE: Futebol; propriedade industrial; contrafação; clubes; UEFA; CBF.

A cada dia é maior o debate sobre as novas e diferentes formas de se conseguir fazer e ganhar dinheiro com o esporte, mais especificamente o futebol. É quase um mantra hoje em dia que “o futebol é um negócio”, e, por este motivo, os clubes, além de serem melhor geridos, têm que ser “criativos” e buscar novas receitas.

Não se pretende com este artigo desdizer essas questões, no entan-to, a “criatividade” pode estar em apenas utilizar as receitas que já estão ali, que já existem, mas que não são exploradas.

O direito imaterial, entre eles aqueles advindos da propriedade in-telectual, ganha força a cada dia; grandes empresas mundiais têm hoje como seus maiores ativos sua marca, por exemplo.

O uso da propriedade intelectual no esporte não é novidade no mundo, muito menos no Brasil, mas o seu subaproveitamento da mesma forma impera até hoje. A Europa apresenta hoje um estágio mais avança-do nesta discussão, buscando mecanismos coletivos, protegendo não só um clube, mas também as Ligas.

Ocorre que, neste momento, se faz necessário dividir a análise em dois pontos de abordagem: o combate à contrafação e as novas possibili-dades de exploração da propriedade intelectual no âmbito esportivo.

Inicialmente, lembra-se o que é contrafação. Contrafação é, segun-do Pontes de Miranda, “a reprodução, no todo ou em parte, de marca

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registrada, ou imitação quando a imitação possa induzir confusão”. Logo, contrafação é gênero da qual se tem 3 espécies: a) a reprodução, que se verifica, como a expressão indica, quando a marca alheia é copiada ou reproduzida, no todo ou em parte; b) a imitação, que é, de modo geral, a reprodução disfarçada da marca, conservando-se o que ela tem de carac-terístico, malgrado diferenças mais ou menos sensíveis introduzidas pelo contrafator; c) a usurpação, que se caracteriza pela aplicação da marca legítima em produto ou artigo de procedência diversa.

Quando se pensa em quaisquer desses tipos de contrafação, é ine-vitável o cenário dos comerciantes ambulantes vendendo a preços imen-samente menores “cópias” dos uniformes dos clubes de futebol.

No entanto, em que pese esse tipo de pirataria ser prejudicial a todos, ao consumidor que adquire um produto de qualidade inferior e ao dono da marca, obviamente, a discussão há que ser alargada, observada por um espectro mais amplo.

Quais produtos são licenciados pelos clubes brasileiros de futebol hoje? Indo além, como se pretende na Europa, a marca “Campeonato Brasileiro” é devidamente explorada?

Veja-se que, se formos a fundo, o “camelô” é um problema apenas, e talvez um pequeno problema perto de tantas outras situações que em-perram o desenvolvimento deste tipo de receita.

Na Argentina, há algum tempo já se discute, por exemplo, o registro de marca os traços e cores dos uniformes das grandes equipes como Boca Juniors e River Plate, discussão ainda muito incipiente no Brasil. É claro que uma loja de roupas não precisará pagar royalties para o Palmeiras por fazer uma camiseta verde, mas não são poucos os modelos relacionados ao futebol que objetivam fazer a alusão a determinado clube e que não são cobrados por essa “confusão” causada ao consumidor. A Lei da Pro-priedade Industrial assim diz sobre os crimes contra marcas registradas:

Art. 189. Comete crime contra registro de marca quem:

I – reproduz, sem autorização do titular, no todo ou em parte, marca regis-trada, ou imita-a de modo que possa induzir confusão;

[...].

É fundamental que se fique claro que não se pretende esgotar o pre-sente tema, muito pelo contrário, entende-se que é hora de realmente se investir em debater novos caminhos e gerar novas receitas.

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É verdade também que alguns clubes de futebol têm avançado no presente tema, e, mesmo que timidamente, o assunto tem atraído interes-ses, mas ainda é muito pouco.

Ou seja, tem-se hoje um produto com infindáveis possibilidades, mas que cuja discussão é segmentada e pequena. Não se nega a venda cada vez maior de produtos dos clubes, só que, repete-se, é pouco.

E aí, voltando ao ponto inicial, a luta contra a contrafação ou a pira-taria tem que ser mais abrangente e eficaz. Isso começa com um trabalho junto ao INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), abrindo um diálogo com essa autarquia e tendo registrado junto a ela todas as marcas e desenhos industriais. Esse trabalho em conjunto preventivo seguramente facilitará lá na frente o combate às imitações e usurpações.

Posteriormente, tem que se ter em mente que uma ação conjunta encontrará mais impacto em uma concepção macro, nacional. Por fim, entender que a punição àquele que pratica a pirataria tem que ser o paga-mento aos donos das marcas, atingindo o alvo certo.

Um ponto nevrálgico da discussão também é a melhora do nosso produto; hoje o esporte no Brasil é um produto extremamente contraditó-rio, pode-se dizer. Se, por um lado, o mundo voltou seus olhos ao Brasil pela Copa do Mundo e Olimpíadas, entre outros eventos, por outro, nos-sos clubes e Federações nunca estiveram tão mal.

Se lá na frente eu quero negociar melhor minha marca, eu tenho que fazer com que ela valha bastante. A discussão na Europa foca, entre outros fatores, o marketing de emboscada e as apostas ilegais. No Brasil, ainda se discute sistema de campeonato.

Por fim, diante de todas essas informações, pode-se perceber que temos ao mesmo tempo um campo fértil, porém distante. A discussão é preemente e passa inexoravelmente por três fases:

– o fortalecimento do nosso esporte; credibilidade, respeitabili-dade e, com isso, um engrandecimento das marcas;

– uma exploração ordenada e ampla do universo da propriedade industrial no esporte; e

– um engajamento completo para a prevenção e inibição da contrafação em todas as escalas.

As questões estão na mesa, basta explorá-las, e o sucesso será certo.

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referêNcIaS

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. 4. ed. São Paulo: RT, 1983.

http://www.ebc.com.br/2012/09/ompi-esporte-pode-contribuir-para-desenvolvi-mento-socioeconomico-do-brasil. Acesso em: 17 nov. 2014.

http://desporto.sapo.pt/futebol/artigo/2013/03/14/ligas-europeias-de-futebol-que-rem-direitos-de-propriedade-intele. Acesso em: 17 nov. 2014.

http://www.denisbarbosa.addr.com/arquivos/200/propriedade/da_contrafacao_marcas.pdf. Acesso em: 18 nov. 2014.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Superior Tribunal de Justiça DesportivaProcesso nº 005/2014Denunciado: Elias Rodrigues BastosSessão de Julgamento: 02 de outubro de 2014

ementadoPINg – INfração ÀS NormaS da Iaaf

Arts. 32.2 (a), 40.2 (a), 40.5 (b) do Atletismo (Livro de Regras da IAAF), 2.1 do Código Mundial Antidoping – Substância proibida: Metabólitos de Metiltestosterona – Anabólico Esteróide Exógeno (todas as Classe Agentes Anabólicos –S1A) – Aplicação do princí-pio da Strict Liability – Infração Configurada – Redução da pena para 12 meses de inelegibilidade a contar da data de recolhimento da amostra, por maioria de votos, com a consequente devolução de todos os eventuais prêmios conquistados nesse período. Negli-gência não significante.

relatóriO

Aos 06 de abril de 2014, em competição denominada “Golden Four Asics do Rio de Janeiro”, o atleta denunciado foi submetido à coleta de urina e teve resultado analítico adverso, ou seja, resultado positivo acusando a presença das seguintes substâncias proibidas:

metabólItoS de metIlteStoSteroNa – aNabólIco eSteróIde exógeNo (todaS aS claSSe ageNteS aNabólIcoS –S1a)

Ato contínuo, em 30 de maio de 2014, o laboratório notificou a Confederação Brasileira de Atletismo sobre o Resultado Analítico Adverso (RAA) da amostra nº 2859588 para a presença da substância acima desta-cada, substância química de natureza exógena, sendo incompatível com a produção endógena em seres humanos.

Em 04 de junho de 2014 fora emitido o Comunicado Oficial Anti-dopagem da CBAt para o atleta informando o recebimento do resultado

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analítico adverso, ao mesmo tempo em que fora solicitado ao atleta suas explicações a respeito, facultando-lhe ainda o direito de solicitar a aber-tura da amostra “B”.

Aos 09 de junho de 2014, o atleta denunciado encaminhou suas Explicações, acostadas aos autos, e renunciou tacitamente ao direito de solicitar a abertura da Amostra B (contraprova), sem prejuízo dos exames médicos encaminhados pelo denunciado a posteriori.

Em 07 de julho de 2014 a CBAt emitiu Comunicado Oficial do qual depreende-se que não foi apresentada pelo atleta a competente isenção de uso terapêutico – IUT, na forma do art. 24.5 b da I.A.A.F., e infor-mando que as explicações apresentadas não foram aceitas, a ensejarem a necessária suspensão provisória do atleta de quaisquer competições até o julgamento definitivo do caso.

Assim, por meio da Nota Oficial nº 104/2014, datada de 08 de ju-lho de 2014 e da Portaria nº 09/2014, ambas emitidas pela CBAt, o atleta restou formalmente suspenso, de forma provisória e o processo fora reme-tido ao Presidente do STJD do Atletismo, Dr. Gustavo Normanton Delbin, para os trâmites processuais em decorrência da infração às normas da IAAF. Por consequência, a Procuradoria de Justiça Desportiva, denunciou o atleta por infração ao art. 2.1 do CMAD, sobretudo diante das obriga-ções contidas no art. 2.1.1, norma reproduzida e positivada na Regra 32 do Livro de Regras do Atletismo.

Em 08 de julho de 2014 a CBAt encaminhou ao atleta cópia da Portaria nº 09/2014, que o suspendeu provisoriamente. Na mesma data, a CBAt encaminhou para a Autoridade Brasileira de Controle de Dopa-gem – ABCD, mensagem, comunicando o resultado positivo, bem como documentos.

Em 14 de julho de 2014 o atleta encaminhou solicitação à CBAt, para que se realizasse audiência perante o STJD do Atletismo.

Em 25 de julho de 2014 a Procuradoria do STJD ofereceu a denún-cia requerendo a designação da data e hora pra julgamento do caso, e ainda a condenação do atleta por infração à regra 32 da IAAF por utiliza-ção de substância constante na Lista de Substâncias Proibidas da WADA, devendo ser aplicada a pena de inelegibilidade, como previsto na regra 40.2. Foi designado o dia 14 de agosto de 2014, às 15:00h para a Sessão de Julgamento, tendo sido o atleta regularmente citado.

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Em 08 de agosto de 2014 o atleta encaminhou sua defesa escrita à CBAt, anexando documentos, os quais encontram-se encartados nos Autos.

Em 12 de agosto de 2014 a Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem – ABCD encaminhou à CBAt sua Manifestação externando sua total concordância com o pedido da Procuradoria.

Em 15 de agosto de 2014 foi realizado julgamento pela comissão disciplinar que acolheu os termos da denúncia para condenar o atleta por infração ao art. 32.2 do Livro de Regras do Atletismo e aplico a pena de 24 (vinte e quatro) meses de inelegibilidade, nos termos do art. 40.2 – Pri-meira Infração – do mesmo Livro de Regras, contatos a partir do dia 08 de julho de 2014, data da suspensão provisória do atleta, e com término em 07 de julho de 2016.

Irresignado, o atleta apresentou recurso e a Procuradoria apresen-tou suas contrarrazões.

É o relatório.

vOtO

A aplicação do CMAD é incontroversa. Reitere-se, apenas, que após a publicação do Decreto nº 6.653, de 18 de novembro de 2008, o qual promulgou sem nenhuma ressalva a Convenção Internacional contra o Doping nos Esportes (Unesco), celebrada em Paris, em 19 de outubro de 2005, apresentada ao Congresso Nacional por meio do Decreto Legislati-vo nº 306, de 26 de outubro de 2007, e ratificada pelo governo Brasileiro em 18 de dezembro de 2007, as normas antidopagem passaram a ser consideradas como leis internas.

Como bem destacaram Frederico Souza da Costa, Marcos A. Balbinotti, Carlos A. Balbinotti, Luciano Santos, Marcos Barbosa e Luciana Juchem na Rev. Bras. Cienc. Esporte, Campinas, v. 27, nº 1, p. 113-122, set. 2005:

Os conflitos argumentativos sobre doping revelam a necessidade de uma reflexão ética maior, que abranja as diversas partes constituintes das comu-nidades esportivas. Doping é um ingrediente no interior de uma complexa estrutura de interesses interdisciplinares. Não é apenas um fenômeno que diga respeito à atletas, modalidades esportivas, agências e laboratórios.

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Nesse sentido, trata-se de formular uma agenda racional mais complexa para a questão do doping no esporte contemporâneo.

Com relação à Lista de Substâncias e Métodos proibidos, também não há duvida de que a substância é proibida, pois além da previsão con-tida na Convenção da Unesco, norma vigente no país, a norma expressa contida no art. 1º, § 1º, da Lei Geral sobre o Desporto (Lei nº 9.615/1998), por si só já permitiria a utilização da lista publicada pela Agência Mundial Antidopagem.

Portanto, dúvida não há que a substância utilizada é proibida, o que não foi impugnado em momento algum pelo atleta denunciado.

A defesa do atleta confirma o uso da substância, o que foi ratificado pelo depoimento pessoal do atleta em sessão de julgamento.

Houve, portanto infração confirmada e consumada ao art. 2.1 do CMAD, sobretudo diante da obrigações contidas no art. 2.1.1.

A questão da dopagem ou doping recebeu um novo conceito jurí-dico a partir da criação do Código Mundial Anti-Doping, elaborado em uma convenção internacional, o qual consagrou o princípio da “strict liability”, ou responsabilidade estrita, norma que determina que a simples presença de substâncias proibidas nos fluidos do atleta configuram a in-fração.

Não se trata de responsabilidade objetiva, como a existente no di-reito civil, mas sim uma responsabilidade desportiva estrita e extrema, na qual o atleta deve ter responsabilidade por tudo que entra em seu corpo, incluindo suplementos estranhos.

Não se tem notícia de qualquer decisão que a considerasse ilegal ou inconstitucional a “strict liability”, sendo, pois, norma válida e vigen-te no ordenamento pátrio. Devemos lembrar que a norma desportiva é de direito cogente, interesse público, não podendo ser dispensada a sua aplicação, pois se tem a defesa da ordem desportiva e da saúde do atleta.

Tradução livre

Artigo 2: Violações das Normas Antidopagem

São consideradas como violações das normas antidopagem:

2.1 A presença de uma Substância Proibida, dos seus Metabolitos ou Mar-cadores, numa amostra recolhida a partir de um praticante desportivo.

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2.1.1 É um dever pessoal de cada praticante desportivo assegurar que não introduz no seu organismo nenhuma Substância Proibida. Os praticantes desportivos são responsáveis por qualquer Substância Proibida, ou os seus Metabolitos ou Marcadores que sejam encontrados nas suas Amostras or-gânicas. Deste modo, não é necessário fazer prova da intenção, culpa, negligência ou do Uso consciente por parte do Praticante desportivo de forma a determinar a existência de uma violação das normas antidopagem nos termos do art. 2.1.

No caso dos presentes autos, deflagra-se o uso de substância proibi-da, o que torna impossível se afastar a responsabilidade do atleta, eis que a substância indicada como dopante é considerada pela WADA como substância química de natureza exógena, sendo incompatível com a pro-dução endógena em seres humanos. Logo, a sua constatação no organis-mo do atleta condiciona, inequivocamente, ao uso externo de medica-mento que contenha tal substância exógena, como é caso dos autos.

Neste esteio, imprescindível citar o ilustre jurista e Auditor Luiz Roberto Martins Castro1:

“Tal postura, ao meu entender, não é correta, pois a grande maioria dos casos são distintos e por consequência, possuem, repercussões individuais distintas. Desta forma, a punição padronizada, ao meu ver, nem sempre acaba por refletir a realidade do caso e na grande maioria das vezes acaba por desprezar a devida análise jurídica da situação fática, o que acaba resultando na ausência da devida aplicação da Justiça, o que deveria ser o objetivo final do processo”. (Processo nº 01/2104 – Atleta: José Roberto Pereira de Jesus – Auditor Relator: Luiz Roberto Martins Castro.)

RELATIVIDADE (RECURSO)xxxxx

Inconteste a necessidade deste Superior Tribunal de Justiça Des-portiva atuar no combate ao doping a fim de se buscar o esporte livre do doping e das drogas.

Não obstante isso, as circunstâncias concretas e subjetivas devem ser levadas em consideração, sob pena deste Tribunal se transformar em um produtor automatizado de decisões pré elaboradas.

No caso em tela, houve culpa do atleta denunciado decorre da má--informação no uso de medicamentos, configurando-se a negligência e a

1 Processo nº 01/2104 – Atleta: José Roberto Pereira de Jesus – Auditor Relator: Luiz Roberto Martins Castro.

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imprudência de um atleta que, embora tenha 39 anos, nunca fora orienta-do corretamente. Ademais, o atleta ao longo de sua carreira nunca sofreu qualquer sanção por doping e, nestes autos, houve a necessidade da utili-zação do medicamento para tratamento médico. Além disso, analisando--se os resultados do atleta, o uso do medicamento não melhorou seus resultados.

Aplica-se, portanto, o art. 178, do Código Brasileiro de Justiça Des-portiva que estabelece critérios específicos a serem considerados pelos Auditores, dentre eles: os motivos determinantes; os antecedentes despor-tivos do infrator e; as circunstâncias atenuantes.

Conforme alegado em defesa e depoimento pessoal, o atleta não sabia da proibição e utilizou o medicamento de forma terapêutica e não para se beneficiar desportivamente.

De fato, atentando-se ao princípio da “Strict Liability” ou Responsa-bilidade Estrita, em que a simples presença de substâncias proibidas nos fluídos do atleta configura infração, o atleta há de ser punido. Destarte, o atleta tem responsabilidade por toda substância que entrar em seu corpo.

O princípio da “Strict Liability” ou Responsabilidade Estrita, está contido no Código Mundial Antidoping, em seu art. 2, 2.1 e 2.1.1, con-forme segue em tradução livre:

“Artigo 2: Violação das Normas Antidopagem

São consideradas como violações das normas antidopagem:

2.1 A presença de uma Substância Proibida, dos seus Metabólitos ou Mar-cadores, numa amostra recolhida a partir de um praticante Desportivo.

2.1.1 É um dever pessoal de cada praticante desportivo assegurar que não introduz no seu organismo nenhuma Substância Proibida. Os praticantes desportivos são responsáveis por qualquer Substância Proibida, ou os seus Metabólitos ou Marcadores que sejam encontrados nas suas Amostras Or-gânicas. Deste modo, não é necessário fazer prova da intenção, culpa, negligência ou do uso consciente por parte do praticante desportivo de forma a determinar a existência de uma violação das normas antidopagem nos termos do Artigo 2.1.”

A violação aos ditames da Regra 32.2-a do Livro de Regras da IAAF, implica em sanção de inelegibilidade por 02(dois) anos segundo a Regra 40.2 do mesmo livro.

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Regra 32.2-a

Infrações à Regra Antidoping

2. Atletas ou outras Pessoas serão responsáveis por conhecer o que cons-titui uma infração à regra antidoping e a substâncias e métodos que fazem parte da Lista Proibida. O seguinte constitui violações à regra antidoping:

a) presença de uma substância proibida ou seus metabólitos ou marcado-res na amostra de um Atleta.

Regra 40.2

Sansões sobre Indivíduos

Inelegibilidade pela Presença, uso ou Tentativa de Uso ou Posse de Subs-tâncias Proibidas e Métodos Proibidos

2. O Período de Inelegibilidade imposto por uma infração às Regras 32.2(a) (Presença de uma Substância Proibida ou seus Metabólitos ou Marcado-res), 32.2(b) ( Uso ou Tentativa de Uso de uma Substância proibida ou Método Proibido) ou 32.2(f) (Posse de Substância Proibida e Métodos Proibidos), amenos que as condições de eliminar ou reduzir o período de Inelegibilidade conforme previsto na Regra 40.4 e 40.5, ou as condi-ções de aumentar o período de Inelegibilidade como previsto na Regra 40.6 sejam estabelecidas, será o seguinte;

Primeira infração: Inelegibilidade de 2(dois) anos.

Não obstante os dispositivos supra expostos, no caso em comento, deve-se atentar à da Regra 40.5-b do Livro de Regras da IAAF, imputando--se à inelegibilidade do atleta por 12(doze) meses.

Regra 40.5-b

Eliminação ou redução do período de Inelegibilidade com base em cir-cunstâncias excepcionais

b) Nenhuma Falta ou Negligência Significantes: se um Atleta ou outra pes-soa declarar em um caso individual que ele não cometeu nenhuma falta ou negligência significantes, então o período diferente aplicável de Ine-legibilidade pode ser reduzido, mas o período de inelegibilidade redu-zido não pode ser menos que a metade do período de inelegibilidade de outro modo aplicável.

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Ora, no caso em comento, o atleta estava em tratamento terapêu-tico e ingeriu as substâncias de forma voluntária, porém foi negligente ao não preencher o formulário informando do tratamento. Não houve a intenção de se beneficiar da substância, razão pela qual não restou confi-gurada negligência significante.

Atente-se, também, ao disposto na Regra 40.10.a também do Livro de Regras da IAAF que reza quanto ao início do período de Inelegibili-dade.

Regra 40.10.a

Início do Período de Inelegibilidade

a) Admissão a tempo: quando o atleta prontamente admite a infração à Regra Antidoping, por escrito, após ter sido confrontado (o que significa não mais tardar antes da data concedida para apresentar uma explica-ção escrita de acordo com a Regra 37.4(c) e, em todos os eventos, antes do Atleta competir novamente, o período de Inelegibilidade pode come-çar já na data da coleta da amostra ou a data em que ocorreu a última infração à Regra Antidoping.

Dessa forma, não há impedimento legal para que o início do perío-do de Inelegibilidade se dê na data da coleta da amostra, ou seja, em 06 de abril de 2014.

dISPoSItIvo

Sendo assim, julgo parcialmente procedente o Recurso Voluntário apresentado para reformar a decisão da d. Comissão Disciplinar e con-denar o atleta Elias Rodrigues Bastos por violação à Regra 32.2 do Livro de Regras do Atletismo, aplicando-se 12 (doze) meses de Inelegibilidade e nos termos da Regra 40.5.b também do Livro de Regras do Atletismo, a contar da data da coleta, iniciando-se, portanto, aos 06 de abril de 2014 e encerrando-se em 05 de abril de 2015.

Ainda assim, que sejam anulados todos os resultados desportivos obtidos pelo atleta a partir do dia 06 de abril de 2014 (data da realização do exame antidoping), devendo o atleta denunciado, se for o caso, devol-ver às entidades competentes, quaisquer medalhas, troféus e premiações que tenha recebido.

É como voto.

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São Paulo, 07 de outubro de 2014.

Gustavo Lopes Pires de Souza Auditor Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1262

Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑RR‑2447‑92.2010.5.02.0045Acórdão(3ª Turma)

agravo de INStrumeNto – recurSo de revISta – HoraS extraS – aPreSeNtação de regIStro de PoNto – SÚmula Nº 338/I/tSt

Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, quanto ao tema em epígrafe, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de contrariedade à Súmula nº 338/TST, susci-tada no recurso de revista. Agravo de instrumento provido.

recurSo de revISta – 1. PrelImINar de NulIdade Por NegatIva de PreStação jurISdIcIoNal – 2. comISSÕeS – INtermedIção de jogadoreS de futebol – SÚmulaS NºS 126 e 297/tSt

Inviável a análise do recurso de revista, se não preenchidos os re-quisitos do art. 896 da CLT. Recurso de revista não conhecido nos temas. 3. Horas extras. Apresentação de registro de ponto. Súmula nº 338, I, TST. É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não apresentação injustificada dos contro-les de frequência gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário (Súmu-la nº 338, I/TST). Assim, a não apresentação dos cartões de ponto implica o reconhecimento das horas extras alegadas na exordial. Recurso de revista conhecido e provido no aspecto.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Recurso de Revista nº TST-RR-2447-92.2010.5.02.0045, em que é Recorrente Robson Alves dos Santos Ferreira e Recorridos Kirin Soccer S/S Ltda. e outro.

O Tribunal Regional do Trabalho de origem denegou seguimento ao recurso de revista da parte Recorrente.

Inconformada, a Parte interpõe o presente agravo de instrumento, sustentando que o seu apelo reunia condições de admissibilidade.

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Foram apresentadas contrarrazões. Dispensada a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho, nos termos do art. 83, § 2º, do RITST.

Processo eletrônico.

É o relatório.

vOtO

a) agravo de INStrumeNto

i – cOnhecimentO

Atendidos todos os pressupostos recursais, conheço do apelo.

ii – méritO

Horas extras. apresentação de registro de ponto. Súmula nº 338, I, tSt

O Tribunal Regional excluiu da condenação o pagamento de horas extras e reflexos. Para tanto, consignou ser inaplicável à hipótese a Sú-mula nº 338/TST ante a negativa da Reclamada de existência de vínculo empregatício.

Nas razões do recurso de revista, a Parte sustenta, em síntese, ser da Reclamada o ônus de apresentar os cartões de ponto ainda que ne-gue a existência de vínculo empregatício. Aponta contrariedade à Súmula nº 338/TST, bem como transcreve arestos para o confronto de teses.

Por ocasião do primeiro juízo de admissibilidade, o Tribunal Regio-nal denegou seguimento ao recurso de revista. No agravo de instrumento, a Parte reitera as alegações trazidas no recurso de revista, ao argumento de que foram preenchidos os requisitos de admissibilidade do art. 896 da CLT.

Demonstrado no agravo de instrumento que o recurso de revista preenchia os requisitos do art. 896 da CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento, para melhor análise da arguição de contrariedade à Súmula nº 338/TST.

Pelo exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para deter-minar o processamento do recurso de revista.

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b) recurSo de revISta

i – cOnhecimentO

Atendidos todos os pressupostos comuns de admissibilidade, exa-mino os específicos do recurso de revista.

1 Preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional. 2. comissões relativas à intermediação de jogadores de futebol. Súmulas nºs 126 e 297/tSt

O Tribunal Regional, quanto aos temas, assim decidiu:

Da inexistência de valor devido a título de comissão pela apresentação do atleta Hernanes – O julgado de origem condenou a reclamada no pa-gamento da comissão relativa à intermediação do jogador ‘Hernanes’, com base no depoimento de Gildo, segunda testemunha do reclamante (fls. 112). Gildo foi ouvido como informante, diante da amizade íntima com o autor. Por ser amigo íntimo do reclamante, seu depoimento não poderia ter sido aceito para a condenação da reclamada no pagamento da comissão. A retificação que a testemunha fez à fls. 114 não tem o condão de afastar o que contém o depoimento de fls. 112. A retificação de fls. 114 serve apenas para evitar processo criminal contra a testemunha por falso testemunho. Assim, dou provimento ao recurso, para excluir da condena-ção a comissão deferida.

[...]

Do Recurso do Reclamante

[...]

Das comissões relativas aos jogadores Ney, Marcelo dos Santos, Carlos Alberto, Alex dos Santos e Everton Ferreira – Era ônus do reclamante, a teor do disposto no art. 818 da CLT, a prova de que tenha feito a interme-diação para o recebimento das comissões relativas aos jogadores mencio-nados. Da obrigação processual o autor não se desincumbiu. A primeira testemunha da reclamada, José Orlando, informou que foi ela quem fez a negociação do jogador Marcelo para o Flamengo. O autor não conseguiu fazer prova em sentido contrário. Quem fez a negociação do jogador Ney com o Internacional não foi o reclamante e sim Adair, segunda testemu-nha da ré. Quanto à intermediação dos jogadores Carlos Alberto, Alex dos Santos e Everton Ferreira não há nos autos nenhum elemento de convic-ção favorável ao reclamante (prova testemunhal ou documental). Assim, ante a realidade que emerge dos autos, o reclamante não demonstrou (art.

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818 da CLT) que tenha negociado os jogadores Ney, Marcelo dos Santos, Carlos Alberto, Alex dos Santos e Everton Ferreira, não havendo que se fa-lar em pagamento de comissões. Consequentemente, mantenho o julgado de origem. (destacamos)

Assim está fundamentado o acórdão que julgou os embargos de declaração:

Conheço dos Embargos Declaratórios do reclamante apresentados a tem-po e modo.

A irresignação do ora embargante, se refere ao posicionamento adotado pelo órgão reformador, contrário à tese do autor. Evidente que a pretensão do ora embargante se refere à reapreciação da prova, o que é inviável pelo caminho processual em epígrafe.

Ante o exposto, Acordam os Magistrados da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região em Conhecer dos Embargos Declaratórios da reclamante. No mérito, negar provimento aos embargos declaratórios, mantendo, na íntegra, a decisão embargada.

A Parte, em suas razões recursais, pugna pela reforma do v. acórdão regional, quanto aos temas em epígrafe.

Sem razão.

Em relação à suscitada preliminar de nulidade por negativa de pres-tação jurisdicional, o Reclamante alega que o Tribunal Regional foi omis-so na prestação jurisdicional quanto à existência de prova robusta acerca da existência de labor extraordinário e do teor da prova oral produzida por Júlio Octavio Pieroni Filho – que atestou a sua intermediação na cap-tação dos jogadores Ney, Alex Cazumba e Marcelo dos Santos e na con-tratação do atleta Hernanes. Aduz que, apesar de interpostos embargos declaratórios, o Tribunal Regional não sanou tais vícios, incorrendo em negativa de prestação jurisdicional.

Afasta-se de imediato a alegação de nulidade por negativa de pres-tação jurisdicional formulada pelo Reclamante sem a devida indicação de violação dos arts. 832 da CLT, 458 do CPC ou 93, IX, da CF, nos termos da OJ 115/SBDI-1/TST.

No tocante às comissões relativas aos jogadores Ney, Alex (dos Santos) Cazumba e Marcelo dos Santos, a controvérsia foi solucionada pelo ônus da prova, e o TRT, corroborando a decisão do juízo de 1º Grau,

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registrou que o Obreiro não se desincumbiu do ônus de provar que tivesse intermediado a captação dos respectivos jogadores. Indevido, portanto, o pagamento de comissões no aspecto. Incólume, o art. 333, I, do CPC.

Ademais, o TRT não emitiu tese sobre o alegado testemunho de Júlio Octavio, e nada foi dito, no aspecto, em embargos de declaração.

No que tange à comissão relativa ao atleta Hernanes, O Reclamante sustenta que “a prova da apresentação do jogador Hernanes à Reclamada não se limitou ao depoimento do informante, pois embasa-se também em prova testemunhal não contraditada”, qual seja, Júlio Pieroni. Aduz, ainda, que a Reclamada não se desincumbiu do ônus de provar fato im-peditivo, modificativo ou extintivo do direito pleiteado.

Consta na decisão recorrida que a condenação proferida pelo Ma-gistrado de 1º Grau de jurisdição teve como suporte o depoimento do informante Gildo. O TRT considerou que o depoimento do referido infor-mante não poderia ter sido considerado como prova para a condenação ao pagamento de comissão, razão pela qual deu provimento ao apelo da Reclamada excluir da condenação o pagamento da comissão.

Ademais, o TRT não emitiu tese sobre o alegado testemunho de Júlio Octavio, e nada foi dito, no aspecto, em embargos de declaração.

No tocante ao depoimento da testemunha Júlio Octavio Pieroni Filho, o Reclamante sustenta que a intermediação na captação dos joga-dores Ney, Alex Cazumba e Marcelo dos Santos e a contratação do atleta Hernanes foram comprovadas pela referida testemunha.

A partir da leitura dos acórdãos acima colacionados, verifica-se que, de fato, inexistiu pronunciamento explícito acerca do teor da prova oral produzida por Júlio Pieroni, matéria objeto de insurgência no mérito do recurso de revista.

No entanto, em que pese tal constatação, esclareça-se que eventual nulidade da decisão por omissão somente é possível por provocação da parte via arguição de nulidade por negativa de prestação jurisdicional, a qual, no presente recurso, encontra-se desfundamentada, conforme anali-sado no item 1 deste acórdão.

Assim, as razões recursais não viabilizam a admissibilidade da re-vista, ante a desfundamentação da preliminar de nulidade por negativa de prestação jurisdicional e, por se tratar o mérito do recurso de matérias de

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conteúdo fático-probatório, incidem, na hipótese, as Súmulas nºs 126 e 297/TST como obstáculos à admissibilidade da revista.

Ante esse contexto, para que se pudesse chegar, se fosse o caso, a conclusão fática diversa, de fato, seria necessário o revolvimento do con-teúdo fático-probatório, o que fica inviabilizado nesta instância recursal (Súmula nºs 126/TST).

Não há como alterar o acórdão recorrido, ao qual me reporto e utilizo como fundamentação, tendo em vista que, de seu detido cotejo com as razões de recurso, conclui-se não haver a demonstração de juris-prudência dissonante específica sobre o tema, de interpretação divergente de normas regulamentares ou de violação direta de dispositivo de lei fe-deral ou da Constituição da República, nos moldes das alíneas a, b e c do art. 896 da CLT.

Ressalte-se que as vias recursais extraordinárias para os tribunais superiores (STF, STJ, TST) não traduzem terceiro grau de jurisdição; exis-tem para assegurar a imperatividade da ordem jurídica constitucional e federal, visando à uniformização jurisprudencial na Federação. Por isso seu acesso é notoriamente restrito, não permitindo cognição ampla.

Registre-se, por fim, que a motivação do acórdão, por adoção dos fundamentos da decisão recorrida, não se traduz em omissão no julgado ou na negativa de prestação jurisdicional – até mesmo porque transcritos integralmente.

A propósito, o STF entende que se tem por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões mesmo na hipótese de o Poder Judiciário lançar mão da motivação referenciada per relationem, isto é, mesmo quando apenas se reporta às razões de decidir ataca-das, sequer as reproduzindo. Nessa linha, o precedente STF-MS 27350 MC/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 04.06.2008.

Ante o exposto, não conheço do recurso de revista, nos temas.

3 HoraS extraS. aPreSeNtação de regIStro de PoNto. SÚmula Nº 338, I, tSt

O Tribunal Regional, no tema, assim decidiu:

Das horas extras e reflexos – A respeito do tema, consigna a sentença de primeiro grau, à fls. 203, verso, e 204: “Nos termos do art. 74, § 1º da CL, competia à reclamada anotar a jornada de seus empregados e trazer aos

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autos os controles de freqüência, ou mesmo demonstrar nos autos que não estava obrigada a proceder ao registro da jornada do autor por meio de cartão de ponto. Dessa forma, seguindo entendimento consubstancia-do na Súmula nº 338 do C. TST, é da ré o ônus da prova. Ocorre que a reclamada não produziu nos autos qualquer prova acerca da jornada de trabalho efetivamente cumprida pelo obreiro e, tampouco, de que ele não estava submetido ao controle de jornada.” Reformo. A reclamada negou o vínculo de emprego. Logo, não havia razão para anotar a jornada de tra-balho do autor. A Súmula nº 338 do TST seria aplicável se não se estivesse discutindo o vínculo de emprego e o ex-empregador deixasse de juntar os controles de ponto aos autos. Não é o caso em tela. Excluo do julgado horas extras e reflexos. (destacamos)

A Parte sustenta, em síntese, ser da Reclamada o ônus de apresentar os cartões de ponto, ainda que negue a existência de vínculo empregatí-cio. Aponta contrariedade à Súmula nº 338/TST. Transcreve arestos para cotejo de teses. Requer o reconhecimento das horas-extras trabalhadas, nos termos da inicial.

Com razão.

Nos termos da atual redação do item I da Súmula nº 338/TST, é ônus do empregador que conta com mais de dez empregados o registro da jornada de trabalho, na forma do art. 74, § 2º, da CLT, de maneira que a não apresentação injustificada dos controles de ponto gera presunção relativa de veracidade da jornada de trabalho apontada na inicial, a qual pode ser elidida por prova em contrário.

Na hipótese, o Tribunal Regional excluiu da condenação o paga-mento de as horas extras e reflexos. Para tanto, consignou ser inaplicável à hipótese a Súmula nº 338/TST ante a negativa da Reclamada de existên-cia de vínculo empregatício.

Com efeito, uma vez não apresentados os cartões de ponto em re-lação aos períodos controvertidos, e não elidida a alegação por prova em contrário, gerou-se presunção de veracidade da jornada pleiteada na exordial, nos termos do entendimento emanado da Súmula nº 338, I/TST.

A conduta irregular da Reclamada de não promover a anotação da CTPS do obreiro e cumprir as obrigações decorrentes do vínculo em-pregatício não tem o condão de afastar a aplicação das regras jurídicas incidentes sobre o contrato de emprego. Por isso, aplicável à espécie a Súmula nº 338/TST.

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Pelo exposto, conheço do recurso de revista por contrariedade à Súmula nº 338/TST.

II – mérIto

hOras extras. períOdO em que nãO vieram aOs autOs registrOs de pOntO. súmula nº 338, i, tst

Como consequência do conhecimento do recurso de revista por contrariedade à Súmula nº 338/TST, dou-lhe provimento, para restabele-cer a sentença que determinou o “Pagamento das horas extras laboradas, assim consideradas aquelas acima da 8ª hora diária e 44ª hora semanal, considerando-se a jornada de trabalho declinada pelo Autor na petição inicial”.

istO pOstO

Acordam os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade: I – dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista; II – conhecer do recurso de revista, quanto às horas extras, por contrariedade à Súmula nº 338/TST, e, no mérito, dar-lhe provimento, no aspecto, para restabele-cer a sentença que determinou o “Pagamento das horas extras laboradas, assim consideradas aquelas acima da 8ª hora diária e 44ª hora semanal, considerando-se a jornada de trabalho declinada pelo Autor na petição inicial.

Brasília, 05 de novembro de 2014.

Firmado por assinatura digital (Lei nº 11.419/2006) Mauricio Godinho Delgado Ministro Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Superior do TrabalhoProcesso nº TST‑AIRR‑49200‑82.2009.5.01.0009Acórdão3ª Turma

agravo de INStrumeNto – recurSo de revISta – atleta ProfISSIoNal de futebol – dIreIto de Imagem – Natureza jurídIca SalarIal – Período aNterIor À leI Nº 12.395/2011

Inicialmente, cumpre ressaltar que, por força do princípio tempus regit actum, a questão ora em apreço será analisada pela Lei nº 9.615/1998, sem as alterações introduzidas pela Lei nº 12.395/2011, em virtude de o contrato de trabalho objeto da presente lide ser anterior à lei modificadora (processo autuado em 2009). A licença ou cessão de imagem é o direito de exploração da imagem pessoal do atleta para efeito de publicidade, através de um contrato civil paralelo ao de emprego. O jogador tem a faculdade de negociar com terceiros o recebimento de parcelas de propaganda (nome, retrato em bonés, tênis e roupas) ou de uso da imagem (figurinhas), ou mesmo o de impedir que ele ocorra. A percepção dos valores correspondentes através de gerenciamento feito pelo próprio empregador gera, por analogia à norma legal pertinente à integração das gorjetas (art. 457 da CLT e Súmula nº 354 do TST), a sua projeção nas parcelas de natureza remu-neratória, uma vez que o próprio tomador propicia e administra o ganho extra para o atleta. Precedentes. Agravo de instrumento conhecido e não provido.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-49200-82.2009.5.01.0009, em que é Agravante Botafogo de Futebol e Regatas e Agravado Gilberto Ribeiro Gonçalves.

Trata-se de agravo de instrumento interposto por Botafogo de Fute-bol e Regatas contra o r. despacho às fls. 377-378 (processo eletrônico).

Em minuta, a agremiação desportiva agravante sustenta merecer re-forma o r. despacho para possibilitar o trânsito respectivo (fls. 381-388).

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O atleta agravado apresentou contraminuta (fls. 394-397) e contrar-razões (fls. 399-407).

Dispensada, na forma regimental, a remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho.

É o relatório.

vOtO

1 coNHecImeNto

O agravo de instrumento é tempestivo (fls. 379 e 381), possui re-presentação regular (fl. 97), encontra-se satisfeito o preparo (fls. 207, 251, 253, 373, 374 e 389) e foi processado nos autos do recurso denegado, nos termos da Resolução Administrativa nº 1418/2010 do TST. Conheço.

2 mérIto

2.1 atleta prOfissiOnal de futebOl – direitO de imagem – natureza jurídica salarial – períOdO anteriOr à lei nº 12.395/2011

O Tribunal Regional da 1ª Região negou provimento ao recurso or-dinário da entidade desportiva recorrente, ratificando o entendimento de que o direito de imagem tem natureza jurídica salarial, sob os seguintes fundamentos:

Direito de imagem.

Neste ponto, com a devida vênia, estou divergindo da eminente Relatora, Desª Glória Regina Ferreira de Mello, pois não considero como parcela indenizatória a verba recebida mensalmente pelo atleta a título de direito de imagem.

A prática de pagamento de salários por fora é uma característica negativa desse ramo profissional. As agremiações desportivas que difundem a maior paixão nacional remuneram seus atletas com altos salários e, com raras exceções, esquecem-se de aprovisionar recursos para honrar seus compro-missos sociais e tributários, isto sem levar em consideração os constantes atrasos no pagamento dos próprios salários dos jogadores. Criou-se, então, esse sofisma de direito de imagem, entabulado em instrumento normal-

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mente firmado por empresa constituída pelos respectivos atletas, indiscu-tível pacto adjeto do contrato de trabalho, que, em resumo, era proveitoso para as duas partes. O clube entende que fica imune aos encargos sociais, mormente em relação ao FGTS que deixa de incidir sobre a cessão do direito de imagem, enquanto que o jogador, sob o abrigo de uma pessoa jurídica, recebe significativa vantagem no que tange ao imposto de renda, com alíquota mais baixa comparada ao percentual atribuído a qualquer pessoa física que aufere rendimentos por seu trabalho.

Em primeiro lugar deve ficar registrado que, nos termos do § 1º do art. 28 da Lei nº 9.615/1998 (conhecida como “Lei Pelé”):

“Aplicam-se ao atleta profissional as normas gerais da legislação trabalhis-ta e da seguridade social, ressalvadas as peculiaridades expressas nesta Lei ou integrantes do respectivo contrato de trabalho.”

O § 1º do art. 31 do mencionado diploma legal, por sua vez, estabelece que:

“São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abo-no de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.”

Ora, se a legislação trabalhista deve ser aplicada aos contratos de trabalho dos atletas profissionais de futebol e se a própria lei especial nada mais fez do que reforçar, mutatis mutandis o rol do art. 457 e seus parágrafos da CLT, que contempla os itens integrantes do salário do trabalhador, fica impossível imaginar que esteja de fora desse conceito a contraprestação pelo uso da imagem do jogador se tal atributo interfere nos ganhos dos clubes. Sim, porque seu prestígio como profissional da bola, suas atuações em campo, seu comportamento fora das “quatro linhas” e seu próprio físi-co, tudo produz influência nas arrecadações nos estádios ou decorrentes de televisionamentos dos jogos. A propósito, ocorre-me uma comparação: haveria alguma dúvida que um modelo fotográfico empregado de uma agência de publicidade, vendendo apenas sua imagem, recebesse alguma coisa que não fosse salário por seu desempenho profissional?

Prevalecendo a tese de simples repasse pelo clube de direitos de arena pela transmissão ou retransmissão da imagem de espetáculos ou eventos de que participe o atleta, poder-se-ia, então, fazer uma analogia às gorjetas que também são pagas por terceiros e nem por isso se afastam do conceito salarial.

Essa questão, a bem da verdade, já conta com jurisprudência pacificada no âmbito do C. TST:

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“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA JU-RÍDICA – INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO – A renda auferida pelo atleta profissional de futebol pelo uso de sua imagem por parte do clu-be que o emprega possui natureza salarial e deve ser integrada à sua remuneração para todos os fins. Isso porque constitui uma das formas de remunerar o jogador pela participação nos eventos desportivos dis-putados pela referida entidade, decorrendo, pois, do trabalho desen-volvido, pelo empregado. Precedentes deste Tribunal. Recurso de re-vista conhecido e provido.” (Processo: RR 60800-81.2007.5.04.0011, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª T., DEJT 13.05.2011)

“RECURSO DE REVISTA – ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – DI-REITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA SALARIAL – Encontrando--se a decisão regional em perfeita consonância com a jurisprudência dominante neste TST, emergem como óbices ao processamento do Apelo o art. 896, § 4º, da CLT e a Súmula nº 333/TST. Recurso de Revis-ta não conhecido.” (RR 283700-08.2008.5.09.0009, Relª Min. Maria de Assis Calsing, 4ª T., DEJT 13.05.2011)

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – À luz do art. 42, § 10, da Lei nº 6.915/1998, a parcela –direito de arena – é decorrente da participação do profissional de futebol em jogos e eventos esportivos, estando diretamente relacionada à própria prestação laboral do atleta e não apenas ao uso de sua imagem. Com efeito, referido direito é vincu-lado ao trabalho prestado pelo autor, ao longo dos 90 minutos do jogo, momento em que desempenha a sua atividade específica de profissio-nal jogador de futebol. Observe-se, por relevante, que o mencionado art. 42 é flexível somente no que se refere à percentagem a ser ajustada – e ainda assim, garantindo ao trabalhador atleta um limite de 20 por cento. Entende-se, portanto, devida a contraprestação, a qual deverá ser previamente ajustada, respeitando-se aquele percentual mínimo, o que não significa retirar-se sua natureza salarial, como entendeu o eg. TRT. Recurso de revista conhecido e provido. PARCELA – BICHOS – Conforme asseverado pelo eg. TRT, soberano na análise da prova, à luz da Súmula nº 126 do TST, na hipótese dos autos, conquanto paga por liberalidade do reclamado, não foi comprovada a habitualidade no pagamento da parcela – bichos. Logo, ao afastar sua natureza salarial, o eg. TRT logrou atribuir a correta subsunção da descrição dos fatos às normas pertinentes, estando ileso o art. 457 da CLT. Com efeito, ao contrário do que alega o recorrente, não se trata de gratificação ajus-tada, mas sim, de parcela condicionada a evento incerto. Os arestos trazidos a dissenso são inservíveis. O segundo modelo de fl. 527 é

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oriundo de Turma do TST, ao passo que os demais, não guardam per-tinência fática com a premissa observada pelo eg. TRT, ao apreciar a prova documental, de que a verba era paga aleatoriamente, sem habi-tualidade. Incide o óbice da Súmula nº 296 do TST. Recurso de revista não conhecido.” (RR 130400-49.2003.5.04.0006, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 2ª T., DEJT 01.10.2010)

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – INTEGRAÇÃO – A doutrina tem atribuído natureza remuneratória à verba denominada ‘direito de arena’. A referida verba é considerada como sendo compo-nente da remuneração – art. 457 da CLT. O valor referente ao que o clube recebe como direito de arena e repassa ao jogador, entretanto, irá compor apenas o cálculo do 130 salário e férias + 1/3, visto que a Súmula nº 354 do TST, aplicada por analogia ao caso, exclui a in-cidência, no caso das gorjetas, do cálculo do aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal. Recurso de revista conheci-do e desprovido.” (RR 61700-70.2002.5.04.0001, Rel. Min. Renato de Lacerda Paiva, 2ª T., DEJT 01.10.2010)

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA E IMAGEM – TRANS-MISSÃO EM EVENTOS DESPORTIVOS – ART. 42 DA LEI Nº 9.615/1998 (LEI PELÉ) – NATUREZA SALARIAL DA PARCELA – PROVIMENTO – Regulamentando o art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) o direito de as entidades desportivas autorizarem a transmissão de espetáculo ou evento desportivo, com a determinação de que estas distribuam um percentual de 20% sobre o preço total da autorização aos atletas profissionais que participarem do evento, percebe-se que a parcela é devida em decorrência da relação de emprego, pois está diretamente vinculada à atividade profissional. Deve ser reconhecida, portanto, a natureza salarial da parcela. Precedentes da Corte. SEGURO DE ACI-DENTE DE TRABALHO PREVISTO NA LEI PELÉ – ATLETAS PROFIS-SIONAIS – INDENIZAÇÃO PELA NÃO CONTRATAÇÃO DO SEGU-RO – DESPROVIMENTO – De acordo com o caput do art. 45 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), é obrigatória a contratação de seguro de aci-dentes de trabalho, por parte das entidades de prática desportiva, em favor dos atletas profissionais que lhe prestam serviço, não havendo, no entanto, previsão de pagamento de indenização pela não contratação do referido seguro. Inexistindo cláusula penal que disponha sobre o descumprimento da obrigação de contratar o seguro em questão, e ten-do em vista a constatação, por parte do Regional, de que o Autor não sofreu prejuízos, pois recebeu todos os salários, teve as despesas mé-dicas quitadas, e se recuperou das lesões sofridas, havendo notícia de

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que continuou trabalhando normalmente, devem ser mantidas as deci-sões anteriores que rejeitaram o pedido de pagamento de indenização ora discutido. Recurso de Revista conhecido e parcialmente provido.” (RR 38100-70.2005.5.04.0015, Relª Min. Maria de Assis Calsing, 4ª T., DEJT 03.09.2010)

ATLETA PROFISSIONAL – FUTEBOL – LEI PELÉ – DIREITO DE ARENA – DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDICA – A jurisprudência desta Corte tem se inclinado no sentido de atribuir natureza de remu-neração às parcelas em discussão qual seja direito de imagem e direito de arena, de forma semelhante às gorjetas, que também são pagas por terceiros. Nos termos do art. 42, § 10, da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), pertence à entidade desportiva empregadora, o direito de autorizar a transmissão de imagem de eventos desportivos, de cuja arrecadação é destinado 20% a ser distribuído entre os atletas que participarem dos eventos. Por essas razões a parcela recebida pelo atleta e esse título tem natureza salarial. Todavia, adotando-se por analogia a diretriz da Súmula nº 354 deste Tribunal, os valores correspondentes aos direitos de imagem e de arena compõem o salário apenas para fins de cálculo do FGTS, do 130 salário e das férias. BICHOS – NATUREZA JURÍDICA – Não demonstrada divergência jurisprudencial. Recurso de Revista de que não se conhece.” (RR 16300-65.2004.5.03.0106, Rel. Min. João Batista Brito Pereira, 5ª T., DEJT 25.09.2009)

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDI-CA – Aplicável, por analogia, ao direito de arena, o entendimento ju-risprudencial consagrado na Súmula nº 354/TST (‘as gorjetas cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional notur-no, horas extras e repouso semanal remunerado’, merece ser manti-do o acórdão regional que, reconhecendo a verba como integrante da remuneração do atleta profissional, deferiu-lhe os reflexos em férias, natalinas e FGTS. Recurso de revista conhecido e não provido”. (RR 104900-39.2002.5.15.0093, Relª Min. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa, 3ª T., DEJT 22.05.2009)

“RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE ARENA – IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DAS REGRAS DESTINADAS AO DIREITO DE IMA-GEM – NATUREZA SALARIAL – ART. 42 DA LEI Nº 9.615/1998 – Se-gundo o e. TRT da 9ª Região, as partes celebraram um ‘Contrato de Cessão de Uso de Imagem, Voz, Nome e Apelido Desportivo, de na-

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tureza civil’, que seria relativo ao chamado ‘direito de imagem’, que ainda segundo aquele c. Tribunal, seria o mesmo que ‘direito de arena’. Primeiramente, faz-se mister diferenciar-se o direito de imagem do di-reito de arena, nos termos da Súmula nº 457 do excelso STF: o primeiro decorre da relação de emprego do atleta profissional, ao passo que o segundo diz respeito a um dos elementos essenciais da personalida-de. Considerando-se, portanto, que o ‘Contrato de Cessão de Uso de Imagem, Voz, Nome e Apelido Desportivo’ celebrado entre as partes no presente feito diz respeito à fixação, à transmissão ou retransmissão de imagem de eventos desportivos de que participava o Reclamante, como previsto pelo art. 42 da Lei nº 9.615/1998, então não há como se negar a natureza salarial do pagamento decorrente daquele contrato. Com efeito, seria inadmissível, sob pena de estímulo a fraudes de toda espécie, que as partes envolvidas em um contrato de trabalho pudes-sem celebrar um contrato supostamente civil cujo objeto fosse idênti-co ao do contrato de trabalho, ou que estivesse nesse último contido. Precedentes.

“CLÁUSULA PENAL – ART. 28 DA LEI Nº 9.615/1998 – DIREITO EX-CLUSIVO DO EMPREGADOR – IMPOSSIBILIDADE – Não havendo no art. 28 da Lei nº 9.615/1998 previsão expressa de que a cláusula penal ali definida seria direito exclusivo do empregador, atentaria con-tra princípios elementares do Direito do Trabalho a limitação de tal direito somente à parte mais forte na relação trabalhista por meio de meros argumentos interpretativos. Acrescente-se que o art. 33 da Lei nº 9.615/1998, ao dispor que ‘cabe à entidade nacional de adminis-tração do desporto que registrar o contrato de trabalho profissional fornecer a condição de jogo para as entidades de prática desportiva, mediante a prova de notificação do pedido de rescisão unilateral fir-mado pelo atleta ou documento do empregador no mesmo sentido, desde que acompanhado da prova de pagamento da cláusula penal nos termos do art. 28 desta Lei’, também sinaliza no sentido de que aquela cláusula penal é devida tanto por atleta quanto pelo clube, in-distintamente. Recurso de revista conhecido e provido.” (AR 1272000-45.2004.5.09.0013, Rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, 6ª T., DJ 12.09.2008)

Em síntese, os direitos de imagem, os de arena e outras gratificações (co-nhecidas no meio esportivo como “bichos”) incluem-se, sem qualquer dú-vida, no salário do jogador profissional de futebol. A tentativa de descarac-terizar essa natureza esbarra no que preceitua o art. 9º da CLT.

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Nego provimento. (fls. 293-305 – sic)

A associação desportiva interpôs recurso de revista sustentando que os contratos de licença de imagem firmados entre os atletas e os clubes de futebol têm natureza jurídica civil. Denuncia violação dos arts. 87 e 87-A da Lei nº 9.615/1998 e 5º, V, X e XXVIII, da Constituição Federal e divergência jurisprudencial.

A Vice-Presidência do TRT da 1ª Região denegou seguimento ao recurso de revista com base nas Súmulas nºs 221 e 296 do TST.

Irresignada, a entidade desportiva manifesta o presente agravo de instrumento, em que repete, em síntese, os mesmos argumentos expendi-dos no recurso principal.

Vejamos.

Inicialmente, cumpre ressaltar que, por força do princípio tempus re-git actum, a questão ora em apreço será analisada pela Lei nº 9.615/1998, sem as alterações introduzidas pela Lei nº 12.395/2011, em virtude de o contrato de trabalho objeto da presente lide ser anterior à lei modificadora (processo autuado em 2009).

A licença ou cessão de imagem é o direito de exploração da ima-gem pessoal do atleta para efeito de publicidade, através de um contrato civil paralelo ao de emprego. O jogador tem a faculdade de negociar com terceiros o recebimento de parcelas de propaganda (nome, retrato em bonés, tênis e roupas) ou de uso da imagem (figurinhas), ou mesmo o de impedir que ele ocorra.

Podem ocorrer duas situações diferentes: a) o aproveitamento eco-nômico, pelo próprio empregador, de publicidade feita com utilização da imagem profissional do empregado, nos eventos desportivos de que participe a associação desportiva; b) o aproveitamento, unicamente pelo empregado, de contrato feito com terceiros, para a utilização de sua ima-gem pessoal.

A primeira garante ao jogador a percentagem de 20% do preço total da autorização, com partilha do valor correspondente, em partes iguais, aos esportistas profissionais participantes (direito de arena).

A segunda possibilita a negociação da representação pessoal do jogador por sua agremiação para agregá-la a produtos e serviços dos pa-

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trocinadores desta através de contrato de licença de uso de imagem, com a devida concordância daquele.

O direito à exploração do uso de imagem pessoal por meio de con-tratos de cessão feitos diretamente pelo atleta com terceiros não tem natu-reza remuneratória, não se integrando, assim, ao salário. Mas a percepção dos valores correspondentes através de gerenciamento feito pelo próprio empregador gera, por analogia à norma legal pertinente à integração das gorjetas (art. 457 da CLT e Súmula nº 354 do TST), a sua projeção nas parcelas de natureza remuneratória, uma vez que o próprio tomador pro-picia e administra o ganho extra para o atleta. Tal projeção não há de ser afastada nas hipóteses em que a arrecadação, nos moldes acima referidos, ocorrer por meio de empresa criada pelo atleta para a contratação com a entidade desportiva empregadora com o intuito de descaracterizar a natu-reza da parcela (art. 9º da CLT).

Nesse sentido cito os seguintes precedentes:

[...] B) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO – RECURSO DE REVISTA – 1 DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – PERÍ-ODO CONTRATUAL ANTERIOR À LEI Nº 12.395/2011 – 2 DIREITO DE ARENA – COMPETIÇÃO INTERNACIONAL – PRÊMIOS – PERÍODO CONTRA TUAL ANTERIOR À LEI Nº 12.395/2011 – DECISÃO DENEGA-TÓRIA – MANUTENÇÃO – No tocante à natureza jurídica da cota-parte de participação do trabalhador atleta profissional no direito de arena, a jurisprudência dominante tem-na considerado como remuneratória, por analogia com as gorjetas e outras verbas pagas por terceiros ao empregado em decorrência do contrato de trabalho. O enquadramento dessa verba no tipo jurídico da remuneração resultaria da circunstância de o texto original do art. 42, § 1º da Lei nº 9.615/1998 não ter explicitado a natureza jurídica da vantagem repassada parcialmente aos atletas a partir do preço acertado com as redes de transmissão dos espetáculos desportivos. A omissão da lei desportiva específica faria incidir, por corolário, a regra geral celetista re-lativa aos pagamentos habituais feitos por terceiros ao empregado em vista do trabalho por este prestado no contexto da relação de emprego – regra geral concernente à parcela remuneração, inferida pela jurisprudência do art. 457, caput, da CLT, conforme Súmula nº 354 do TST. Entretanto – tal como ocorrido com a cessão do direito de imagem –, a inserção, na Lei Pelé, de novo dispositivo (§ 1º do art. 42), por meio da Lei nº 12.395, de 2011, pode introduzir alteração na linha interpretativa até então dominan-te. É que o novo preceito legal enquadra, explicitamente, como parcela de natureza civil, a participação do atleta trabalhador na cota-parte do direito

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de arena explorado pelo empregador, cujo montante é pago pelas entida-des mas media envolvidas. Determina ainda o novo texto legal que será repassado aos sindicatos de atletas profissionais, sendo por estes distribuí- dos aos atletas participantes do espetáculo (art. 42, § 1º, Lei Pelé, em sua nova redação). Na hipótese, os fatos que deram origem à lide ocorreram na vigência do texto original do art. 42, § 1º, da Lei Pelé, o que confere natureza jurídica salarial à cota-parte de participação do trabalhador atleta profissional no direito de arena. Assim, não há como assegurar o proces-samento do recurso de revista quando o agravo de instrumento interposto não desconstitui os termos da decisão denegatória, que subsiste por seus próprios fundamentos. Agravo de instrumento desprovido.

(ARR 233900-12.2008.5.02.0007, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, J. 08.10.2014, 3ª T., DEJT 10.10.2014)

DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDICA – O Tribunal Regional de-clarou que o direito de imagem detém evidente natureza trabalhista, que lhe é inerente, em se tratando de pagamento oriundo da relação empre-gatícia. Sob tal premissa, a Corte de origem decidiu negar provimento ao recurso ordinário interposto pelo Reclamado e manter a sentença na parte em que se reconheceu a natureza remuneratória do direito de imagem e se impôs condenação ao pagamento de diferenças a esse título. No recurso de revista, o Reclamado afirma que o Direito de imagem possui caráter indenizatório, porque foi pactuado em contrato civil, totalmente alheio ao contrato de trabalho. Esta Corte Superior tem decidido que a verba paga pela entidade desportiva ao atleta a título de cessão do uso do direito de imagem possui natureza remuneratória, porque a imagem do atleta decor-re diretamente do desempenho de suas atividades profissionais. Portanto, a decisão recorrida está de acordo com a jurisprudência desta Corte Supe-rior e não merece reforma. Recurso de revista de que se conhece, ante a demonstração de divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento, no mérito.

(RR 716100-50.2008.5.09.0028, Rel. Min. Fernando Eizo Ono, 4ª T., DEJT 15.03.2013)

DIREITO DE IMAGEM – TRANSMISSÃO EM EVENTOS DESPORTIVOS – ART. 42 DA LEI Nº 9.615/1998 (LEI PELÉ) – NATUREZA SALARIAL DA PARCELA – NÃO PROVIMENTO – Regulamentando o art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) o direito de as entidades desportivas autorizarem a transmissão de espetáculo ou evento desportivo, com a determinação de que estas distribuam um percentual de 20%, sobre o preço total da

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autorização, aos atletas profissionais que participarem do evento, percebe--se que a parcela é devida, em decorrência da relação de emprego, pois está diretamente vinculada à atividade profissional. Deve ser reconhecida, portanto, a natureza salarial da parcela. Precedentes da Corte. Recurso de Revista parcialmente conhecido e não provido.

(RR 3305-74.2010.5.12.0036, Relª Min. Maria de Assis Calsing, 4ª T., DEJT 14.09.2012)

RECURSO DE REVISTA – 1 DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA SALA-RIAL – Essa Corte vem firmando entendimento de que, da mesma forma que o direito de arena (que envolve a transmissão e retransmissão dos eventos esportivos), os valores pagos pelo reclamado a título de retribuição pela cessão do uso do direito de imagem do autor, constitui-se em contra-prestação pela participação nos eventos desportivos disputados pela referi-da entidade, decorrendo, pois, do trabalho desenvolvido pelo empregado e, por isso, à semelhança do que ocorre com as gorjetas, possui natureza salarial, não obstante pago por terceiros, devendo, por isso, integrar a re-muneração do Reclamante, nos moldes previstos no art. 457, § 3º, da CLT, e Súmula nº 354 desta Corte. Recurso conhecido e provido.

(RR 76-25.2010.5.06.0020, Relª Juíza Conv. Maria Laura Franco Lima de Faria, 8ª T., DEJT 29.06.2012)

RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO – NATUREZA JURÍDICA SALA-RIAL DO CONTRATO DE IMAGEM – A jurisprudência não tem acatado o pagamento de remuneração ao atleta profissional sob a denominação de exploração o direito à imagem, quando evidenciado que o pagamento tem como Objetivo, na realidade, desvirtuar a aplicação da legislação traba-lhista. Isso porque ocorria como praxe o pagamento do valor por meio de constituição de pessoa jurídica. A parcela tem natureza jurídica idêntica à gorjeta, na medida em que retrata pagamento dos serviços por terceiros que exploram a imagem do jogador. Recurso de revista não conhecido.

(ARR 76700-19.2007.5.01.0034, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, 6ª T., DEJT 18.11.2011)

ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL – CONTRATO DE CESSÃO DO DIREITO DE USO DA IMAGEM – FRAUDE À LEGISLAÇÃO TRABALHIS-TA – Cumpre distinguir o direito de arena da cessão do direito de uso da imagem, que, apesar da proximidade conceitual, têm fatos geradores diferentes. No direito de arena, arrimado no art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), o atleta profissional faz jus ao rateio do percentual de, no mí-

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nimo, 20% dos valores pagos pela difusão da sua imagem, ligada ao es-petáculo desportivo. Parte da doutrina e da jurisprudência vem firmando entendimento de que esta parcela, embora paga por terceiros, há de ser integrada ao salário do atleta, de forma semelhante ao que acontece com as gorjetas, inclusive com a aplicação, por analogia, da Súmula nº 354/TST. Já na cessão do direito do uso da imagem, que tem sido efetivado mediante a celebração do denominado contrato de cessão do direito de imagem, estar-se-ia a priori num negócio jurídico em que o atleta profis-sional de futebol consegue uma contrapartida financeira pela utilização de sua imagem – que teria caráter personalíssimo – pelo clube de futebol que o contrata. Parte da doutrina entende que tal modalidade de contrato detém natureza eminentemente civil, não devendo ser objeto de discussão em eventuais reclamações trabalhistas. Entretanto, ocorre desvirtuamento da referida modalidade contratual, à medida que tem sido utilizada para promover fraude à legislação do trabalho, consistente em flagrante paga-mento – por fora – ao atleta profissional de futebol, com o fito de mitigar os encargos trabalhistas, o que atrai a aplicação do art. 9º da CLT à hipótese. Recurso de revista não conhecido quanto ao tema.

(RR 1973200-75.2006.5.09.0013, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, 6ª T., DEJT 04.11.2011)

RECURSO DE REVISTA – DIREITO DE IMAGEM – NATUREZA JURÍDI-CA – INTEGRAÇÃO À REMUNERAÇÃO – A renda auferida pelo atleta profissional de futebol pelo uso de sua imagem por parte do clube que o emprega possui natureza salarial e deve ser integrada à sua remuneração para todos os fins. Isso porque constitui uma das formas de remunerar o jogador pela participação nos eventos desportivos disputados pela referi-da entidade, decorrendo, pois, do trabalho desenvolvido pelo empregado. Precedentes deste Tribunal. Recurso de revista conhecido e provido.

(RR 60800-81.2007.5.04.0011, Rel. Min. Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 1ª T., DEJT 13.05.2011)

Assim, não há que se falar em violação dos arts. 87 e 87-A da Lei nº 9.615/1998 e 5º, V, X e XXVIII, da Constituição Federal.

Desse modo, estando o acórdão regional em consonância com a jurisprudência desta Corte, incide o óbice da Súmula nº 333 do TST e do art. 896, § 4º, da CLT.

Com esses fundamentos, nego provimento ao agravo de instru-mento.

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istO pOstO

Acordam os Ministros da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer e negar provimento ao agravo de instrumento.

Brasília, 29 de outubro de 2014.

Firmado por assinatura eletrônica (Lei nº 11.419/2006) Alexandre Agra Belmonte Ministro Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1264

Tribunal Regional Federal da 3ª RegiãoDE publicado em 06.10.2014

Agravo Legal em Apelação/Reexame Necessário nº 0001324‑02.2012.4.03.6138/SP

2012.61.38.001324‑4/SP

Relator: Desembargador Federal Nelton dos Santos

Apelante: Conselho Regional de Educação Física do Estado de São Paulo – CREF4SP

Advogado: SP220653 Jonatas Francisco Chaves

Apelado(a): Sindicato dos Treinadores Profissionais de Futebol do Estado de São Paulo

Advogado: SP178423 João Guilherme Brocchi Mafia e outro

Remetente: Juízo Federal da 1ª Vara de Barretos > 38ª SSJ > SP

Agravada: Decisão de folhas

Nº Orig.: 00013240220124036138 1ª Vr. Barretos/SP

ementa

admINIStratIvo – treINador de futebol – leIS NºS 8.650/1993 e 9.696/1998 – INScrIção No coNSelHo regIoNal de educação fíSIca – Não obrIgatorIedade – agravo deSProvIdo

1. Sobre a aplicação do art. 557 do CPC, observa-se que a decisão recorrida negou seguimento ao reexame necessário e ao recur-so de apelação do agravante com fundamento em entendimento escorado em precedentes do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte, o que satisfaz a aplicação do referido dispositivo legal.

2. Conjugando os dispositivos das Leis nºs 8.650/1993 e 9.696/1998, nota-se que a expressão “preferencialmente” contida no caput do art. 3º da Lei nº 8.650/1993 não obriga os treinadores e monitores de futebol a se inscrevem nos Conselhos de Educação Física, mas apenas prioriza aqueles que possuem diploma em edu-cação física para o exercício da profissão.

3. Ademais, também não se extrai da Lei nº 9.696/1998 regra que determine a inscrição de treinadores de futebol nos Conselhos de Educação Física ou a obrigatoriedade de possuírem diploma de nível superior.

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4. Os fundamentos deduzidos pela agravante não infirmam as conclusões adotadas na decisão recorrida, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos.

5. Agravo desprovido.

acórdãO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

São Paulo, 25 de setembro de 2014.

Nelton dos Santos Desembargador Federal Relator

relatóriO

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): Trata-se de agravo previsto no art. 557, § 1º, do Código de Processo Ci-vil, interposto por Conselho Regional de Educação Física do Estado de São Paulo – CREF4/SP, inconformado com a r. decisão monocrática de fls. 413-415, que negou seguimento ao reexame necessário e ao recurso de apelação por ele interposto.

Sustenta o agravante, em síntese, que:

a) deve ser afastado o art. 557 do Código de Processo Civil, pois a matéria é de alta indagação e deve ser apreciada pelo Cole-giado;

b) é inaplicável a Lei nº 8.650/1993 e inexiste confronto com a Lei nº 9.696/1998;

c) “O alcance da lei é limitado aos profissionais empregados por associações desportivas ou clubes de futebol”;

d) o treinador profissional de futebol deve ser enquadrar em uma das hipóteses previstas nos incisos I e II do art. 3º da Lei nº 8.650/1993.

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É o relatório.

vOtO

O Senhor Desembargador Federal Nelton dos Santos (Relator): O agravo em exame não merece acolhimento.

Sobre a aplicação do art. 557 do CPC, observa-se que a decisão recorrida negou seguimento ao reexame necessário e ao recurso de ape-lação do agravante com base no caput do referido artigo, cuja redação é a seguinte:

“Art. 557. O relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmis-sível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Fe-deral, ou de Tribunal Superior.

§ 1º-A Se a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.”

Como se vê, para negar seguimento ao recurso, basta que ele seja manifestamente inadmissível ou improcedente ou prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior.

Na hipótese vertente, o entendimento esposado veio escorado em entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte a respeito do tema.

No mérito, as questões debatidas pelo agravante foram devidamente solucionadas na decisão recorrida, que veio vazada nos seguintes termos:

“Cinge-se a controvérsia à possibilidade de o Conselho Regional de Educa-ção Física fiscalizar a profissão de treinador de futebol profissional.

A Lei nº 8.650/1993 disciplinou especificamente as relações de trabalho do treinador Profissional de futebol da seguinte forma:

‘Art. 3º O exercício da profissão de treinador profissional de futebol ficará assegurado preferencialmente:

I – aos portadores de diploma expedido por Escolas de educação física ou entidades análogas, reconhecidas na forma da Lei;

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II – aos profissionais que, até a data do início da vigência desta Lei, hajam, comprovadamente, exercido cargos ou funções de treinador de futebol por prazo não inferior a seis meses, como empregado ou autô-nomo, em clubes ou associações filiadas às Ligas ou Federações, em todo o território nacional.’”

Já a Lei nº 9.696/1998, que disciplina as atividades relacionadas à educação física, assim dispõe sobre o tema:

“Art. 1º O exercício das atividades de educação física e a designação de Profissional de educação física é prerrogativa dos profissionais regular-mente registrados nos conselhos Regionais de educação física.

Art. 2º Apenas serão inscritos nos quadros dos conselhos Regionais de educação física os seguintes profissionais:

I – os possuidores de diploma obtido em curso de educação física, oficial-mente autorizado ou reconhecido;

II – os possuidores de diploma em educação física expedido por instituição de ensino superior estrangeira, revalidado na forma da legislação em vigor;

III – os que, até a data do início da vigência desta Lei, tenham comprova-damente exercido atividades próprias dos Profissionais de educação física, nos termos a serem estabelecidos pelo Conselho Federal de Educação Fí-sica.

Art. 3º Compete ao Profissional de educação física coordenar, planejar, programar, supervisionar, dinamizar, dirigir, organizar, avaliar e execu-tar trabalhos, programas, planos e projetos, bem como prestar serviços de auditoria, consultoria e assessoria, realizar treinamentos especializados, participar de equipes multidisciplinares e interdisciplinares e elaborar in-formes técnicos, científicos e pedagógicos, todos nas áreas de atividades físicas e do desporto.”

Conjugando os dispositivos mencionados, nota-se que a expressão “preferencialmente” contida no caput do art. 3º da Lei nº 8.650/1993 não obriga os treinadores e monitores de futebol a se inscrevem nos Conselhos de Educação Física, mas apenas prioriza aqueles que possuem diploma em educação física para o exercício da profissão.

Ademais, também não se extrai da Lei nº 9.696/1998 regra que de-termine a inscrição de treinadores de futebol nos Conselhos de Educação Física ou a obrigatoriedade de possuírem diploma de nível superior.

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Esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e desta Corte, confira-se:

“ADMINISTRATIVO E DESPORTIVO – MONITOR E TREINADOR DE FUTEBOL – EX-ATLETAS – INSCRIÇÃO NO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA – DESCABIMENTO – EXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFI-CA QUE DISPÕE SOBRE A ATIVIDADE (LEI Nº 8.650/1983) – AUSÊNCIA DE CORRELAÇÃO COM AS ATIVIDADES DESCRITAS NA LEI GERAL (LEI Nº 9.696/1998)

1. O expressão ‘preferencialmente’ constante do caput do art. 3º da Lei nº 8.650/1993 (lei específica que dispõe sobre as relações de trabalho do Treinador Profissional de Futebol) tão somente dá prioridade aos diplo-mados em Educação Física, bem como aos profissionais que, até 22 de abril de 1993 (data de início da vigência da lei), comprovem o exercício de cargos ou funções de treinador de futebol, por no mínimo 6 meses, em clubes ou associações filiadas às Ligas ou Federações, em todo o território nacional. Assim, quanto ao exercício da profissão de treinador profissional de futebol, a Lei nº 8.650/1993 em nenhum momento coloca restrição aos não diplomados ou aos que não comprovarem o exercício do cargo ou função por prazo não inferior a seis meses.

3. A Lei nº 9.696/1998 (lei geral que dispõe sobre a regulamentação da Profissão de Educação Física e cria o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Educação Física) define que apenas profissionais com regis-tro regular no respectivo Conselho Regional poderão atuar na atividade de Educação Física e receber a designação de ‘Profissional de Educação Física’, mas não traz, explícita ou implicitamente, nenhum comando nor-mativo que determine a inscrição de treinadores e monitores de futebol nos Conselhos de Educação Física.

4. A competência que o art. 3º da Lei nº 9.696/1998 atribui ao ‘Profissional de Educação Física’ não se confunde com as atividades técnicas e táticas precipuamente desempenhadas por treinadores e monitores de futebol.

5. A Lei nº 9.696/1998 (lei geral) não tem o condão de revogar a Lei nº 8.650/1993 (lei específica), porquanto não se fazem presentes os requi-sitos exigidos pelo art. 2º, §§ 1º e 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

6. No tocante às Resoluções nºs 45 e 46, de 2002, do Conselho Federal de Educação Física, não cabe ao STJ interpretar seus termos para con-cluir se tal ato normativo subalterno se amoldaria ou extrapolaria a Lei nº 9.696/1998, uma vez que não compete a esta Corte interpretar atos

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normativos destituídos de natureza de lei federal. Todavia, leis não se re-vogam nem se limitam por resoluções. Se tais resoluções obrigam treina-dores e monitores de futebol não graduados a se registrarem em Conse-lho Regional de Educação Física, estarão extrapolando os limites da Lei nº 9.696/1998.

7. Não se permite ao Confef e ao CREF4/SP realizar interpretação extensi-va da Lei nº 8.650/1993 ou da Lei nº 9.696/1998, nem exercer atividade administrativa de ordenação (poder de polícia) contra treinadores e moni-tores de futebol, ex-atletas não diplomados em Educação Física, sob pena de ofensa ao direito fundamental assecuratório da liberdade de exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações pro-fissionais estabelecidas em lei, nos termos do art. 5º, XIII, da Constituição Federal. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, improvido.”

(REsp 1383795/SP, 2ª T., Rel. Min. Humberto Martins, Julgado em 26.11.2013, DJe 09.12.2013)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – TREINADOR PROFISSIONAL DE FUTE-BOL – O inciso III do art. 2º da Lei nº 9.696/1998 prevê a possibilidade do exercício da profissão de técnico de futebol por aqueles que, até a data do início da vigência da lei, tenham comprovado o exercício desta atividade por período não inferior a seis meses antes da vigência da Lei nº 8.650/1993, além dos que possuem o diploma de educação física. O exercício da profissão de treinador profissional não se restringe aos profis-sionais formados em Educação Física. Igualmente não há obrigatoriedade legal de inscrição de profissionais não formados no Conselho agravante. Agravo a que se nega provimento.”

(TRF 3ª R., AI 00265708120124030000, 4ª T., Desª Fed. Marli Ferreira, e-DJF3 Judicial 1 Data: 01.07.2013)

“AGRAVO LEGAL – CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA – TREINADORES E TÉCNICOS DE FUTEBOL – REGISTRO – INEXIGIBILI-DADE – 1. A exigência de registro junto ao Conselho Regional de Educa-ção Física ocorre apenas para os treinadores graduados. Não se estende a necessidade de inscrição para técnicos e treinadores de futebol em geral, cuja atividade não é privativa de profissionais com formação em educação física. Precedente desta C. Turma. 2. Não há elementos novos capazes de alterar o entendimento externado na decisão monocrática. 3. Agravo legal improvido.”

(TRF 3ª R., Ap-Reex 00005698120114036115, 6ª T., Desª Fed. Consuelo Yoshida, e-DJF3 Judicial 1 Data: 22.11.2012)

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“APELAÇÃO – CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA DE SÃO PAULO – EXERCÍCIO DA PROFISSÃO DE TREINADOR PROFISSIONAL DE FUTEBOL – ART. 3º, I, DA LEI Nº 8.650/1993 – INEXISTÊNCIA DE PROIBIÇÃO OU RESTRIÇÃO DO DESEMPENHO DA FUNÇÃO DE TREI-NADOR A DETERMINADA CATEGORIA – MERA PREFERÊNCIA AOS GRADUADOS EM CURSO SUPERIOR DE EDUCAÇÃO FÍSICA – ATIVI-DADES TÍPICAS DE TREINADOR NÃO INCLUSAS NO ROL DE COM-PETÊNCIAS DO ART. 3º DA LEI Nº 9.696/1998 – SUJEIÇÃO À FISCA-LIZAÇÃO DO CREF4/SP RESTRITA AOS TREINADORES DIPLOMADOS EM EDUCAÇÃO FÍSICA E INSCRITOS NA AUTARQUIA – 1. Pretende o recorrente obter declaração da necessidade de os Treinadores Profissionais de Futebol inscreverem-se no Conselho Regional de Educação Física, sub-metendo-se à fiscalização da autarquia. 2. O art. 3º da Lei nº 8.650/1993 estabelece tão somente preferência, no sentido de ser recomendável o exercício da profissão de treinador de futebol por diplomados em cur-so de educação física. Também não há na Lei nº 9.696/1998, reguladora da profissão de educação física, qualquer disposição estabelecendo a ex-clusividade do desempenho da função de treinador por profissionais de educação física. 3. Competindo à lei a regulação de ambas as profissões, verifica-se inexistir nos diplomas correspondentes regras que vinculem ou obriguem o técnico de times de futebol a possuir qualquer diploma de nível superior. 4. Pode ou não o Treinador Profissional de Futebol ser gra-duado em curso superior de Educação Física, e, apenas nesse último caso, deve inscrever-se no Conselho Regional de Educação Física correspon-dente, sujeitando-se assim à fiscalização da entidade, consoante dispõe o estatuto regulador da profissão. 5. Apelação e remessa oficial improvidas.”

(TRF 3ª R., AC 00210199520084036100, 6ª T., Des. Fed. Mairan Maia, e-DJF3 Judicial 1 Data: 16.03.2011, p. 541)

Assim, os técnicos de futebol profissional não graduados em educação física não se submetem à fiscalização do Conselho Regional de Educação Física.

Ressalte-se, por fim, que a eventual prática de crime contra criança ou adolescente não justifica a fiscalização da atividade profissional de trei-nador de futebol pelo Conselho recorrente, uma vez que não se insere na sua competência a atuação preventiva, repressiva ou de apuração desses crimes.

Ante o exposto, com fulcro no art. 557 do Código de Processo Civil, nego seguimento ao reexame necessário e ao recurso de apelação, nos termos da fundamentação supra.”

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Os fundamentos deduzidos pela agravante não infirmam as con-clusões adotadas na decisão recorrida, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos.

Pelo exposto, nego provimento ao agravo.

É como voto.

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

1265

Tribunal Regional do Trabalho da 1ª RegiãoProcesso nº 0000545‑61.2012.5.01.0078 – RTOrdAcórdão – 5ª Turma

dIreIto de areNa – PorceNtagem de 5% ajuStada em Norma coletIva – valIdade – PrINcíPIo da lIberdade e da autodetermINação da voNtade coletIvaI – eStabelecIa o § 1º do art. 42 da leI Nº 9.615/1998 (“leI Pelé”), No Período de vIgêNcIa do coNtrato de trabalHo, e aNteS da alteração PromovIda Pela leI Nº 12.395/2011, Que: “Salvo coNveNção em coNtrárIo, vINte Por ceNto do Preço total da autorIzação, como míNImo, Será dIStrIbuído, em ParteS IguaIS, aoS atletaS ProfISSIoNaIS PartIcIPaNteS do eSPetáculo ou eveNto” – NeSSe coNtexto, o PerceNtual de 20% Só Se coNcretIza QuaNdo Não Há coNveNção Que dISPoNHa de modo coNtrárIo – é Que a leI PrIvIlegIa a caPacIdade de traNSacIoNar daS ParteS em coNdIçÕeS de Igualdade e coNHecedoraS da realIdade Que HabItam, autorIzaNdo aS eNtIdadeS de claSSe a NegocIarem coletIvameNte Sob o PreSSuPoSto de, como atoreS PrIvIlegIadoS, eStabelecerem dIreItoS e devereS maIS PróxImoS da realIdade SocIal e ecoNômIca de determINado SeguImeNto ProdutIvo

II – Conforme nos ensina Mario de La Cueva, “a convenção é um princípio de liberdade e de autodeterminação das profissões, que lhes permite elaborar normas concretas que haverão de reger sua vida interna, já que o princípio de autodeterminação é um ele-mento de integração social e uma sólida base da liberdade”.

III – In casu, embora haja acordo judicial firmado pelas entidades representantes de cada uma das partes litigantes, não se pode pre-tender que suas disposições se estendam ad aeternum, em afronta ao que preceitua o art. 614, § 3º, da CLT.

Vistos estes autos de Recurso Ordinário em que figuram como re-correntes e, ao mesmo tempo, como recorridos, Clube de Regatas Vasco da Gama e José Fernando Fumagalli.

relatóriO

O MM. Juízo da 78ª Vara do Trabalho do Rio de Janeiro, por meio da r. sentença de fls. 741/742, da lavra da Exma. Juíza Kíria Simões Garcia, integrada pela r. decisão de fls. 747, da lavra da Exma. Juíza

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Claudia Samy, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por José Fernando Fumagalli em face de Clube de Regatas Vasco da Gama, para condenar a parte ré ao pagamento das seguintes parcelas: depósitos de FGTS, multa estabelecida no art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho, além de pagamento de direito de arena, no percentual de 20%.

Inconformadas, ambas as partes interpõem recurso ordinário.

Recurso do Clube de Regatas Vasco da Gama (fls. 749/752).

Sustenta, em síntese, que as verbas relativas ao direito de arena a serem repassadas aos atletas devem incidir a somente 5% do total arreca-dado, e não 20%, como deferido na sentença.

Pretende, ainda, a modificação da decisão que lhe condenou ao pagamento da multa estabelecida no art. 477 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Recurso adesivo do autor (fls. 771/775).

Insurge-se contra a r. decisão que entendeu que o direito de arena possui natureza indenizatória.

Requer “a integração dos valores pagos a título de Direito de Arena na remuneração do reclamante para todas as finalidades legais, conde-nando o reclamado ao pagamento dos reflexos desta verba sobre todas as verbas trabalhistas, tais como repouso semanal remunerado, 13º salário, férias acrescidas do terço constitucional, verbas rescisórias, FGTS, INSS e outras pleiteadas na presente”.

Entende fazer jus ao pagamento de honorários advocatícios.

Contrarrazões da parte ré às fls. 779/786, sem arguições prelimi-nares.

A parte autora não apresentou contrarrazões.

Deixei de remeter os autos ao douto Ministério Público do Traba-lho, por não ser hipótese de intervenção legal (art. 83, II da Lei Comple-mentar nº 75/1993) ou regimental (art. 85 do Regimento Interno deste e. Tribunal) e/ou das situações arroladas no Ofício PRT/1ª Região nº 214/13-GAB, de 11.03.2013.

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vOtO

admISSIbIlIdade

Conheço do recurso ordinário interposto pela parte ré, por tempes-tivo (v. fls. 748 e 749) e subscrito por advogado regularmente constituído nos autos (v. fls. 195 e 753v.).

Comprovado o recolhimento das custas processuais e do depósito recursal (v. fls. 752v. e 753).

Conheço do recurso adesivo interposto pela parte autora por tem-pestivo (fls. 769 e 771) e subscrito por advogado regularmente constituído nos autos (fls. 52 e 776).

recurSo da Parte ré

questões meritórias

Percentual da verba relativa ao direito de arena

A r. decisão de origem, assim se pronunciou sobre a matéria:

“Do Direito de Arena

O autor requereu o pagamento da diferença e a integração dos valores pagos a título de direito de arena à sua remuneração.

Dispõe o art. 42 da Lei nº 9.615/1998:

‘Art. 42. Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa de negociar, autorizar ou proibir a capta-ção, a fixação, a emissão, a transmissão ou reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo desportivo de que partici-pem. (Redação dada pela Lei nº 12.395, de 2011).

§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos au-diovisuais serão repassados aos sindicatos de atletas profissionais parti-cipantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.’

Conclui-se, ante o teor da referida lei, que os valores pagos a título de di-reito de arena não integram a remuneração do autor.

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Indeferem-se os pedidos de declaração de que o autor deveria receber o direito de arena integralmente (20%), pagamento do valor total do direito de arena e integrações dessas parcelas.”

Impõe-se o registro de que a referida decisão foi complementada pela decisão proferida em sede de embargos declaratórios, que assim en-tendeu:

“Na peça apresentada pelo embargante há sustentação de vícios na deci-são relativamente ao pedido de Direito de Arena.

Assiste-lhe razão, motivo pelo qual passo a incluir no julgamento:

‘Dispõe o art.42 da Lei nº 9.615/1998 com a alteração dada pela Lei nº 12.395/2011 que os atletas profissionais deveriam receber o direito de arena no percentual de 5%. Ocorre que a redação anterior do refe-rido artigo estabelecia esse percentual em no mínimo 20%, sendo este percentual em vigor durante o período contratual do autor. Desta ma-neira, em face do princípio da irretroatividade das leis, defiro o pedido de pagamento do direito de arena no percentual de 20%, deduzindo-se os valores comprovadamente pagos.’

Relativamente à natureza da parcela, a redação do art.42 vigente à épo-ca do contrato foi omissa. Já a nova redação do art.42 dada pela Lei nº 12.395/2011 atribui à referida parcela natureza indenizatória. Embora omissa a redação anterior do art. 42, este Juízo entende que o direito de arena possui natureza indenizatória, não devendo integrar a remune- ração.

Posto isto, conheço dos Embargos de Declaração e, no mérito, dou provi-mento aos mesmos para condenar a reclamada ao pagamento de 20% a título de Direito de Arena, descontando-se os valores já repassados com-provadamente ao reclamante, nos termos da fundamentação supra, que passa a fazer parte integrante deste decisum.”

A parte ré pretende a reforma da decisão.

Sustenta, em síntese, que as verbas relativas ao direito de arena a serem repassadas aos atletas devem incidir a somente 5% do total arreca-dado, e não 20%, como deferido na sentença.

Alega a existência de um acordo entre ela e a entidade de classe do autor (fls. 248/255), homologado pela 23ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, para que as verbas referentes ao direito de arena devidas aos atletas incidissem a somente 5% do total arrecadado pelo clube, e não

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20%, como dispunha o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, em sua antiga redação, vigente à época do contrato de trabalho do autor.

Assim preceituava este dispositivo (nota: a redação abaixo transcrita é a do tempo de vigência do contrato de trabalho objeto desta lide; pos-teriormente, esses dispositivos foram alterados pela Lei nº 12.395/2011):

“Art. 42. Às entidades de prática desportiva pertence o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desportivos de que participem.

§ 1º Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da auto-rização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas pro-fissionais participantes do espetáculo ou evento” (grifei).

Vê-se que a possibilidade de modificação do percentual disposto na lei é expressa, desde que feita através de convenção. E, com efeito, o Sindicato dos Atletas de Futebol do Estado do Rio de Janeiro celebrou uma transação judicial com o “Clube dos Treze” (dentre os quais se inclui o clube recorrente), a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro e a Confederação Brasileira de Futebol, devidamente homologada pelo MM. Juiz da 23ª Vara Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, na qual ficou estabelecido na letra “a” da cláusula quarta que: “a) ao valor total do contrato firmado, envolvidas todas as rubricas esta-belecidas, será aplicado um percentual de 5% (cinco por cento), referente ao valor que caberá a todos os atletas envolvidos nos jogos de futebol objeto do contrato.”

Todavia, como exsurge de maneira patente pela análise do docu-mento de fl. 252, a data de subscrição do acordo judicial foi 18.09.2000. Não há, ao longo de todo o termo de avença, prazo estabelecido para sua vigência. É evidente, no entanto, que tal pacto não pode produzir efeitos por mais de dois anos, sob pena de inescusável afronta ao art. 614, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho. A se pugnar pela vigência por tempo indeterminado do acordo judicial, de forma reflexa, estar-se-ia subscrevendo a perene ineficácia do art. 42 supracitado.

Por conseguinte, ex vi do parágrafo terceiro do art. 614 da CLT, o limite temporal à vigência do acordo foi 18.09.2002. Do que se infere que seus termos não se aplicam ao contrato de trabalho mantido entre as partes desta ação, que vigorou de 11.11.2009 a 31.12.2009.

Durante esse período, plenamente eficaz era, ainda, o § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, com sua redação original. Dessarte, por não

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ser possível pretender a extensão temporal do acordo judicial até o perío-do em que se deu o contrato de trabalho mantido entre as partes, aplica-se à hipótese o que preceitua o dispositivo legal indigitado.

Registre-se, outrossim, que a tese de defesa brandida pela ré, no que concerne à matéria ora debatida, cinge-se à invocação da autoridade do acordo judicial. Por tal motivo, é devido o percentual lá instituído, qual seja, de 20%, nada havendo o que alterar, neste tópico, na sentença atacada.

Nego provimento.

multa dO art. 477, § 8º, da cOnsOlidaçãO das leis dO trabalhO

A parte ré pugna pela exclusão da multa do art. 477, § 8º, da Con-solidação das Leis do Trabalho, da condenação a ela imposta.

Afirma que a multa do art. 477, § 8º, não é aplicável aos contratos a termo, como no caso vertente.

Deve-se atentar ao fato de que o § 8º do art. 477 se refere aos prazos constantes do § 6º do mesmo artigo, e não ao seu caput. Assim, os prazos para a quitação das verbas devidas ao empregado quando da rescisão contratual são aqueles do § 6º, que, é bem de ver, dispõe sobre hipótese distinta da que faz o caput.

E a alínea a do § 6º regula justamente o prazo para o pagamento das verbas devidas nos casos em que o empregador já conhecia o termo final do contrato, como no presente caso. Assim, por descumprido o prazo no referido dispositivo estipulado, é cabível a imposição da multa do § 8º, não merecendo reforma a sentença recorrida neste ponto.

Nego provimento.

recurSo da Parte autora

questões meritórias

Natureza jurídica da verba relativa ao direito de arena

Insurge-se a parte autora contra a r. decisão que entendeu que o direito de arena possui natureza indenizatória.

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Requer “a integração dos valores pagos a título de Direito de Arena na remuneração do reclamante para todas as finalidades legais, conde-nando o reclamado ao pagamento dos reflexos desta verba sobre todas as verbas trabalhistas, tais como repouso semanal remunerado, 13º salário, férias acrescidas do terço constitucional, verbas rescisórias, FGTS, INSS e outras pleiteadas na presente”.

Quanto à natureza jurídica da parcela em debate, doutrina e a ju-risprudência têm se inclinado no sentido de atribuir-lhe a natureza de remuneração, de forma semelhante às gorjetas, que também são pagas por terceiros, aplicando-se por analogia o entendimento consagrado na Súmula nº 354 do Tribunal Superior do Trabalho, que assim reza: “as gorjetas cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas es-pontaneamente pelos clientes integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso prévio, adicio-nal noturno, horas extras e repouso semanal remunerado”. Nesse sentido, vem se posicionando o Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:

“DIREITO DE ARENA – JOGADOR DE FUTEBOL PROFISSIONAL – NA-TUREZA SALARIAL – REFLEXOS LIMITADOS A FÉRIAS, 13º SALÁRIO E FGTS

Conforme estabelece o art. 5º, XXVIII, a, da CF, é assegurada, nos termos da lei, a proteção às participações individuais em obras coletivas e à re-produção da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas. Já o art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998 dispõe que pertence às entidades de prática desportiva o direito de negociar, autorizar e proibir a fixação, a transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos des-portivos de que participem, sendo que vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. Quanto à natureza jurídica dessa parcela, a doutrina e a jurisprudência têm se inclinado no sentido de atribuir-lhe a natureza de remuneração, de forma semelhante às gorjetas, que também são pagas por terceiros. Todavia, aplicando-se por analogia o assentado na Súmula nº 354 do TST, os valores correspondentes ao direito de arena apenas compõem a base de cálculo do FGTS, do 13º salário e das férias. Recurso de revista conhecido e não provido.” (TST, RR-557/2003-023-04-00.3, 4ª T., Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJ 06.10.2006)

Outrossim, o direito de arena é vinculado ao trabalho prestado pela parte autora, ao longo dos 90 minutos do jogo, momento em que de-

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sempenha a sua atividade específica de profissional jogador de futebol, cabendo à entidade desportiva empregadora a obrigação pelo seu paga-mento. Desta forma, merece reparo a r. decisão, para deferir ao autor os reflexos do direito de arena tão somente sobre as férias, 13º proporcional e FGTS.

Dou parcial provimento.

HoNorárIoS advocatícIoS

Entende fazer jus ao pagamento de honorários advocatícios.

O artigo 133 da Constituição da República de 1988, ao prescrever que “o advogado é indispensável à administração da Justiça...”, adotou a teoria publicística, dando ao advogado o papel de servidor da justiça, sem a intenção de que essa indispensabilidade importasse no impedimento de que a legislação ordinária viesse a prever exceções tradicionalmente aceitas e aconselháveis.

Se esta não fosse a conclusão, ter-se-ia que declarar incompatíveis com a Constituição não apenas os arts. 791 e 893 da Consolidação das Leis do Trabalho, mas muitos outros dispositivos legais que também tor-naram prescindível o patrocínio do advogado em outras ações, como a de alimentos, do seguro acidente, do trabalho, dos juizados especiais, do habeas corpus. Dispositivo idêntico já existia com a Lei nº 4.215/1963.

A Constituição da República/1988, repita-se, apenas transferiu para o seu texto a expressão de uma teoria já consagrada pela legislação ordi-nária, encerrando como de direito público a natureza da advocacia.

O princípio do jus postulandi persiste e está atuante, porquanto pe-culiar ao direito processual do trabalho, e por via transversa, ao direito do trabalho, sempre atento à hipossuficiência do trabalhador, sua menor capacidade econômica frente ao empresariado, principalmente quando se busca solução rápida, eficaz e menos onerosa possível para os litígios.

O art. 14, caput e parágrafo primeiro da Lei nº 5.584/1970, esta-belece que a assistência judiciária gratuita será prestada pelo Sindicato profissional, “a todo aquele que perceber salário igual ou inferior ao do-bro do mínimo legal, ficando assegurado igual benefício ao trabalhador de maior salário, uma vez provado que sua situação econômica não lhe permite demandar, sem prejuízo do sustento próprio ou da família”, ainda que o trabalhador “não seja associado do respectivo Sindicato”.

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In casu, a parte autora não preenche os requisitos necessários à concessão da verba honorária, pois não está assistida pelo sindicato re-presentativo de sua categoria profissional.

Indevida, assim, a concessão da verba honorária, conforme enten-dimento jurisprudencial pacificado pelo colendo Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Orientação Jurisprudencial 305 da Seção de Dissí-dios Individuais – I, e da Súmula nº 219, que assim dispõem:

“305. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – REQUISITOS – JUSTIÇA DO TRABALHO – Na Justiça do Trabalho, o deferimento de honorários ad-vocatícios sujeita-se à constatação da ocorrência concomitante de dois requisitos: o benefício da justiça gratuita e a assistência por sindicato.”

“219. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – HIPÓTESE DE CABIMENTO – Na Justiça do Trabalho, a condenação em honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do mí-nimo legal, ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.”

Nego provimento.

Pelo exposto, conheço dos recursos ordinários interpostos pelas partes autora e ré, e, no mérito, nego provimento ao recurso da ré e dou parcial provimento ao apelo do demandante, para deferir-lhe o pagamen-to dos reflexos do direito de arena sobre as férias, 13º salário e FGTS, nos termos da fundamentação.

Relatados e discutidos.

Acordam os Desembargadores da 7ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região, por unanimidade, conhecer dos recursos ordinários interpostos pelas partes autora e ré, e, no mérito, negar provi-mento ao recurso da ré e dar parcial provimento ao apelo do demandante, para deferir-lhe o pagamento dos reflexos do direito de arena sobre as férias, 13º salário e FGTS, nos termos da fundamentação.

Rio de Janeiro, 21 de outubro de 2014.

Juiz Evandro Pereira Valadão Lopes Relator

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Parte Geral – Jurisprudência – Acórdão na Íntegra

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Tribunal Regional do Trabalho da 4ª RegiãoPoder Judiciário FederalAcórdão nº 0001607‑62.2012.5.04.0011 RODesembargadora Maria da Graça Ribeiro CentenoÓrgão Julgador: 9ª TurmaRecorrente: José Laureano de Souza Fernandes – Adv. João Vicente Silva AraújoRecorrido: Trevisan e Filhos Ltda. – Adv. Carolina Mayer SpinaRecorrido: Sport Clube Internacional – Adv. Fabiana Magalhães dos ReisRecorrido: Grêmio Foot‑Ball Portoalegrense – Adv. Jorge Sant’ Anna BoppOrigem: 11ª Vara do Trabalho de Porto AlegreProlator da Sentença: Juiz Diogo Souza

ementarecurSo ordINárIo do reclamaNte – relação jurídIca HavIda eNtre aS ParteS – veNdedor em eStádIo de futebol

Não configurados os pressupostos necessários ao reconhecimen-to da relação de emprego, nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT. Atividade desempenhada pelo autor de forma autônoma. Apelo negado.

acórdãO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da 9ª Turma do Tribunal Re-gional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, negar provimento ao recurso ordinário do reclamante.

Intime-se.

Porto Alegre, 30 de outubro de 2014 (quinta-feira).

relatóriO

Inconformado com a sentença das fls. 210-5, que julgou improce-dente a ação, recorre o reclamante, às fls. 222-4. Busca a alteração da decisão quanto ao vínculo de emprego.

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Com contrarrazões da primeira reclamada (Trevisan e Filhos Ltda.) às fls. 236-9, pelo segundo reclamado (Grêmio Foot-Ball Portoalegrense) às fls. 230-3v e pelo terceiro reclamado (Sport Clube Internacional) às fls. 241-3v, sobem os autos para exame.

É o relatório.

vOtO

Desembargadora Maria da Graça Ribeiro Centeno (Relatora):

Recurso ordinário do reclamante.

1 víNculo de emPrego

O Juízo de origem indeferiu a postulação de reconhecimento de vínculo de emprego ao vendedor em estádio de futebol, consignando que (fl. 214):

Portanto, o conjunto probatório dos autos evidencia que o recla-mante retirava as bebidas diretamente na copa ao qual estava vinculado, auferindo pagamento pelo seu trabalho do resultado da diferença entre o preço cobrado do cliente e o pago pelo autor na copa. Da mesma forma, o reclamante afirma que essa negociação (retirada de bebidas, pagamento e acerto de contar) era feita diretamente com os copeiros, os quais não tinham relação de emprego com a primeira reclamada, conforme afirma-do pela testemunha (que era copeiro), ou seja, a reclamante não tinha qualquer relação com a primeira reclamada. Igualmente, o autor confessa que não era punido pela ausência aos eventos nos estádios, comparecen-do para trabalhar se quisesse, tomando conhecimento dos eventos pelos meios de divulgação, não sendo, em momento algum, recrutado para tra-balhar. Por fim, registro que a testemunha declara que os ambulantes, caso do reclamante, poderiam ir embora a qualquer momento, mesmo antes do encerramento do evento, sem necessidade de comunicação a alguém.

Assim, entendo que o autor detinha autonomia no desempenho de suas atividades, estando ausentes os requisitos do art. 3º da CLT, razão pela qual indefiro o pedido de reconhecimento de relação de emprego, restando prejudicados os demais pedidos da petição inicial, por serem decorrentes e acessórios do reconhecimento da relação de emprego.

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Inconformado, o reclamante argumenta que a primeira reclamada (Trevisan e Filhos Ltda.) reconhece a prestação de serviços em seu favor, no mínimo a partir de 2004, devendo ela, portanto, realizar prova no sentido de que não se trata de relação de emprego, ônus do qual não se desincumbiu. Sustenta inexistirem elementos nos autos no sentido de ine-xistência de vínculo de emprego entre as partes, devendo prevalecer as assertivas consignadas na petição inicial.

Analiso.

No aspecto, devem ser examinados, sobremaneira, os vetores re-presentados pelos princípios da primazia da realidade e da continuidade da relação empregatícia. Vale dizer, na essência, que se busca a verda-de real dos fatos e suas repercussões jurídicas, independentemente do tratamento dado pelas partes. Isso porque, o contrato de trabalho, por sua natureza, é tido como contrato-realidade (art. 442 da CLT), deven-do ser priorizada pelo intérprete a verdadeira intenção dos protagonistas (animus contrahendi), de acordo com o desenvolvimento das relações, e não a sua forma.

Nesse sentido, para o reconhecimento judicial do vínculo empre-gatício, é necessária a existência de prova dos requisitos dos arts. 2º e 3º da CLT, quais sejam, a pessoalidade, a onerosidade, a não eventualidade e a subordinação. Este último destaca-se como elemento tipificador do contrato de trabalho e distintivo entre a relação de emprego e o serviço prestado de forma autônoma, consistente, basicamente, na prerrogativa do empregador em comandar, acompanhar o cumprimento e, eventual-mente, punir o empregado pelo descumprimento das ordens.

No caso dos autos, na inicial (fls. 02-4), o reclamante narra que foi contratado pela primeira reclamada (Trevisan e Filhos Ltda.) para pres-tar as funções de vendedor em favor dos segundo e terceiro reclamados (Grêmio Foot-Ball Portoalegrense e Sport Clube Internacional, respecti-vamente), tendo trabalhado em todos os jogos e eventos ocorridos nas dependências destes.

Na defesa (fls. 42-3), a primeira reclamada impugna a existência de vínculo empregatício, referindo que a venda de bebida nos estádios de fu-tebol em que atua é realizada por vendedores autônomos, como no caso do autor. Refere que a única relação havida entre as partes era de compra e venda de bebidas, relatando que, quando o reclamante manifestava in-teresse em participar dos jogos, comparecia no local e adquiria os seus

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produtos, a fim de revender por um preço superior. Sustenta não estarem presentes os requisitos caracterizadores de uma relação de emprego.

Com efeito, uma vez admitida a prestação de serviços pela primeira reclamada, há presunção da existência de vínculo de emprego, cabendo, portanto, à ré demonstrar que não se encontram preenchidos os requisitos legais supramencionados, consoante previsão dos arts. 333, II, do CPC e 818 da CLT.

A prova coligida não socorre a pretensão obreira, restando compro-vado o trabalho autônomo por parte do reclamante, senão vejamos.

Ressalto que, do exame do seu próprio depoimento pessoal, verifi-co que o reclamante possuía liberdade no exercício das suas atividades de vendedor de bebidas nos estádios de futebol. Cabe frisar, inclusive, que os fatos descritos pelo obreiro indicam a total ausência de subordinação, uma vez que, como autônomo, podia comparecer ou não nos dias de jo-gos e eventos para vender bebidas, conforme a sua vontade. Além disso, o próprio autor relata que não havia punição por parte da primeira reclama-da em caso de não comparecimento em algum dos jogos, o que configura ausência de pessoalidade, na prestação de serviço, ante a possibilidade de substituição por outro vendedor. Ademais, considerando os termos do depoimento pessoal do obreiro que declara que tomava conhecimento dos eventos por meio de jornal ou televisão, não sendo recrutado para trabalhar, é nítido que o labor se dava de forma autônoma, eventual e sem subordinação, o que descaracteriza uma relação de emprego, sendo que extraio do seguinte trecho do depoimento (fl. 201):

que o depoente trabalhava para primeira reclamada em jogos e shows nos estádios dos demais reclamados; que o depoente vendia bebidas ao público; que essas bebidas eram retiradas pelo depoente diretamente na copa e o seu lucro era de R$ 0,50, por unidade vendida, nos últimos anos; que o depoente trabalhava em área fixa em cada estádio; que o acerto de contas era feito no final do dia, com os copeiros; que os copeiros eram empregados da primeira reclamada; que as vendas rendiam de R$ 20,00 a R$ 200,00, por evento; que normalmente participava de dois eventos por semana; [...] que o depoente deveria estar no evento uma hora antes da abertura dos portões para retirar o jaleco e crachá, os quais ficavam no depósito com funcionários da primeira reclamada; que nas oportunidades em que não foi trabalhar, comunicava à empresa, mas sem qualquer puni-ção; [...] que o depoente ficava sabendo dos eventos por meio de jornal ou televisão; que o depoente iniciou nessa atividade quando um amigo seu,

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que já trabalhava nos estádios, o convidou para trabalhar; que atualmente o depoente não realiza mais esse tipo de trabalho; que o preço de venda ao cliente era tabelado e o depoente não poderia cobrar acima; que o nú-mero de ambulantes não depende do tamanho do evento; que o depoente cumpria horário nos seus empregos formais, mas não havia coincidência com os eventos; que embora pudesse optar por não trabalhar nos eventos de pouco movimento, sempre compareceu, pois sempre rendia algum di-nheiro.

A testemunha ouvida a convite do autor, Cláudio Marino Lima Pereira, relata que (fl. 202):

trabalhava com vendas de bebidas no estádio Beira Rio, como copeiro, por mais de 30 anos, saindo dessa atividade em meados de 2006; que a rotina de trabalho sempre foi a mesma, independente de quem detinha o economato dos estádios; que inicialmente não era feito credenciamento dos ambulantes, pois estes compravam a bebida diretamente na copa e vendiam ao público em geral; que mesmo após o credenciamento o sistema de vendas continuou o mesmo, o ambulante pagava preço igual ao cliente e revendia com alguma margem de lucro, destinado ao pa-gamento de seu trabalho; [...] que os ambulantes poderiam ir embora a qualquer momento, mesmo antes do encerramento do evento; que não havia acerto de contas, pois o pagamento era feito na hora pelo ambu-lante para retirar a bebida.

Como se vê, a prova oral produzida consigna que os trabalhadores que atuam em dias de jogos não atuam com pessoalidade, pois não pos-suem o dever de comparecimento, trabalhando apenas aqueles que têm interesse em auferir uma renda extra, mesmo porque não existem muitos jogos em cada mês. Ressalto, inclusive, que, consoante ofício expedido pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), acostado à fl. 193, o autor laborava com vínculo de emprego em favor de outras empresas ao mesmo tempo em que laborava, conforme a sua vontade, nos eventos ocorridos nos estádios de futebol dos segundo e terceiro reclamados.

Sinalo que o reclamante informa que o procedimento de retirada de bebidas, pagamento e acerto era feito diretamente com os copeiros. Ocorre que estes não têm qualquer relação de emprego com a primeira reclamada, tal como relatado pela testemunha supramencionada, que era copeira. O reclamante, portanto, não possui qualquer relação com a pri-

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meira reclamada, estando ausentes os requisitos caracterizados de uma relação de emprego.

Nesse sentido, este Tribunal já se manifestou em casos análogos, conforme as seguintes ementas:

VÍNCULO DE EMPREGO – REQUISITOS LEGAIS – Afastada a possibilida-de de configuração do vínculo de natureza empregatícia, tendo em vista que não restaram preenchidos os pressupostos fático-jurídicos previstos nos arts. 2º e 3º da CLT. (TRT da 4ª R., 3ª T., 0000066-78.2013.5.04.0004 RO, em 10.06.2014, Juiz Conv. Marcos Fagundes Salomão – Rel. Partici-param do julgamento: Des. Ricardo Carvalho Fraga, Desª Maria Madalena Telesca)

RELAÇÃO DE EMPREGO – VENDEDORA EM ESTÁDIO DE FUTEBOL – A vendedora que atende na lancheria dos estádios de futebol em dias de jogos para auferir uma renda extra, sem o dever de comparecimento, não é empregada, pois ausente o elemento da subordinação jurídica. Recurso ordinário da reclamante desprovido. (TRT da 4ª R., 7ª Turma, 0000212-74.2013.5.04.0019 RO, em 04.06.2014, Des. Wilson Carvalho Dias – Rel. participaram do julgamento: Des. Emílio Papaléo Zin, Juiz Convocado Manuel Cid Jardon)

VÍNCULO DE EMPREGO – A tutela jurídica que dá a nota característica do Direito do Trabalho é devida ao empregado, não ao aspirante a essa con-dição. Não comprovada a prestação de serviço nos moldes estabelecidos nos arts. 2º e 3º da CLT, não há falar em relação jurídica de emprego. (TRT 4ª R., 5ª Turma, 0000831-31.2013.5.04.0010 RO, em 08.05.2014, Desª Brígida Joaquina Charão Barcelos Toschi – Relatora. Participaram do julga-mento: Des. Clóvis Fernando Schuch Santos, Juíza Conv. Angela Rosi Almeida Chapper)

Desse modo, não verificada a comprovação da prestação de servi-ços na forma dos arts. 2º e 3º da CLT, merece ser mantida a decisão de improcedência proferida em primeiro grau.

Nego provimento.

2 PreQueStIoNameNto

Os dispositivos legais referidos pelas partes, ainda que aqui não ex-pressamente mencionados, restaram enfrentados e prequestionados para

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os fins da Súmula nº 297 do TST, conforme entendimento da Orientação Jurisprudencial nº 118 da SDI-I do TST.

Participaram do Julgamento:

Desembargadora Maria da Graça Ribeiro Centeno (Relatora)

Desembargador João Alfredo Borges Antunes de Miranda

Desembargadora Ana Rosa Pereira Zago Sagrilo

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Parte Geral – Ementário de Jurisprudência

Administrativo e Constitucional

1267 – Ação civil pública – títulos de capitalização – sorteio de dinheiro e prêmios – exploração de jogos de azar – ilegalidade – efeitos

“Administrativo. Ação civil pública. Títulos de capitalização. Sorteio de dinheiro e prê-mios. Exploração de jogos de azar. Ilegalidade. Indenização por danos morais coletivos. Litisconsórcio ativo da União. Direito à percepção de honorários. 1. Sentença que sus-pendeu a venda de bilhetes e realização de sorteios de prêmios pela empresa Ré, mesmo que vinculadas a títulos de capitalização, e a condenou ao pagamento de indenização por dano moral coletivo no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). 2. A autorização para a emissão e a venda de títulos de capitalização reclama a observância das normas legais que disciplinam a matéria, não devendo servir de instrumento para a exploração de jogos de azar. 3. A Empresa Ré se apresenta como ‘empresa promotora’ dos sorteios dos títulos de capitalização emitidos pela Aplub, sociedade de capitalização autorizada pela Susep para esse fim. Os sorteios, por sua vez, seriam voltados para arrecadar recursos para Ecoaplub, entidade voltada para a proteção ambiental. 4. A Ecoaplub, beneficiária do direito de resgate do título, é integrante do mesmo grupo econômico da sociedade de capitalização Aplub. Além do mais, o presidente da Ecoaplub e da Aplub é o mesmo. Tais situações são expressamente vedadas pela própria Susep – Circular nº 365/2008. 5. Existência de dano moral coletivo. Lesão aos interesses metaindividuais. Interesse ge-ral de respeito à Lei e de proteção aos consumidores que se sobrepõe ao interesse indivi- dual. 6. O Ministério Público não pode beneficiar-se de honorários quando for vencedor na Ação Civil Pública. No entanto, havendo a União ingressado como litisconsorte, faz jus à percepção de honorários advocatícios. 7. Verba honorária fixada em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Art. 20, § 4º, do CPC. 8. Apelação da União provida, em parte. Apelação da Empresa Ré improvida.” (TRF 5ª R. – AC 0003532-92.2010.4.05.8103 – (564503/CE) – 3ª T. – Rel. Des. Fed. Geraldo Apoliano – DJe 31.10.2014 – p. 218)

Comentário Editorial SÍNTESECuida a ementa em destaque da propositura de ação civil pública contra a exploração de jogos de azar.

A ação civil pública, proposta pelo Ministério Público (art. 129 da CF/1988), é uma ação que tem por objetivo impedir prejuízos ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico do patrimônio público e social e a outros interesses difusos.

O Ministério Público realiza a tutela sobre direitos e interesses, não no exercício da jurisdi-ção, mas sim sob forma administrativa, fiscalizando, opinando ou combatendo, de acordo com o disposto no art. 82 do CPC:

“Art. 82. Compete ao Ministério Público intervir:

I – nas causas em que há interesses de incapazes;

II – nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdi-ção, casamento, declaração de ausência e disposições de última vontade;

III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais cau-sas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.”

Diante do dispositivo processual mencionado, a melhor doutrina discorre que o Ministério Público atua em nome próprio, para defesa de interesse que o Estado deve tutelar nos

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conflitos litigiosos, ou na administração judicial de direitos subjetivos, a fim de que não fiquem à mercê da vontade privada.

Oportuno, com isso, destacarmos o seguinte trecho doutrinário:

“A Lei Complementar nº 75/1993 explicita melhor a competência dos órgãos integrantes da instituição, inclusive para promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Tra-balho, afastando, pois, divergências sobre a questão. Assim, declara o art. 83 da mencio-nada lei que compete ao Ministério Público do Trabalho ‘promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos’.

[...]

O Ministério Público do Estado de São Paulo é parte legítima para propor ação civil pública perante a justiça comum em matéria atinente à competência desta. É totalmente dispen-sável, por não existir nenhuma dúvida, examinar esse aspecto da questão. [...]. Estes são os indicados pelo art. 1º da Lei nº 7.347/1985 e abrangem a defesa do meio ambiente, do consumidor, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisa-gístico e de qualquer outro interesse difuso ou coletivo.” (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito processual do trabalho. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 173-174)

1268 – Contas públicas – convênio administrativo entre associação sem fins lucrativos e fundação estadual – participação em campeonato brasileiro de basquete pa-raolímpico – homologação

“Agravo em apelação cível. Recurso adesivo. Convênio administrativo entre associação sem fins lucrativos e fundação estadual. Participação em campeonato brasileiro de bas-quete paraolímpico. Prestação de contas. Homologação. Razoabilidade. Inscrição no Cadin. Danos morais. Honorários advocatícios sucumbenciais. Prestação de contas. Em circunstâncias excepcionais que não representem prejuízo aos princípios insuperáveis aos quais está submetido o patrimônio público é possível a aprovação das contas sem a observância formal do contrato administrativo. Caso concreto em que, a despeito do descumprimento formal da cláusula que previa a contrapartida do convenente, mostrou--se incontroversa a ida ao evento e o atendimento das providências materiais exigidas do convenente, revelando o adimplemento substancial do convênio. Razoabilidade da homologação judicial das contas apresentadas, sobrepondo-se o cumprimento material da finalidade do pacto, com exclusão do Cadin. Danos morais. Licitude do ato revelada pelo descumprimento formal do pacto, o que impõe ao administrador público o dever legal de adotar as medidas necessárias à defesa do patrimônio público, notadamente a inclusão no Cadin. Além disso, no obstante já esteja superada a questão relativa à possi-bilidade de a pessoa jurídica sofrer dano moral, mormente após a edição Súmula nº 227 do STJ, é assente o entendimento que deve haver comprovação de violação a sua honra objetiva para que faça jus à indenização por danos morais. Modo igual, não é qualquer situação que abre margem à indenização por danos morais quando a autora é pessoa jurídica, já que a afronta à honra objetiva, para se caracterizar, exige que a reputação, o nome, a imagem da empresa restem abalados em face de terceiros. E, no caso, ausente prova concreta e específica de que foi abalada a confiança e imagem da empresa autora. Indenização por danos morais afastada. Honorários advocatícios sucumbenciais. Majo-ração da quantia favorável à demandante em atenção aos critérios legais positivados no art. 20, §§ 3º e 4º do CPC. Agravo desprovido.” (TJRS – Ag 70062113618 – 22ª C.Cív. – Relª Desª Marilene Bonzanini – J. 30.10.2014)

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Civil

1269 – Ação cominatória e indenizatória – arguição de óbice ao uso das cadeiras cati-vas por perda da titularidade – cabimento

“Pessoa jurídica. Clube esportivo. Titularidade de cadeiras cativas em estádio de futebol. Ação cominatória e indenizatória. Arguição de óbice ao uso das cadeiras por perda da titularidade. Cerceamento de provas. Ocorrência. Julgamento antecipado da lide sem oportunidade para especificação de provas. Caso, ademais, de alteração do fundamen-to de um dos pedidos iniciais em réplica com acolhimento em sentença. Violação do art. 264 do CPC. Sentença extra petita. Julgamento de causa diferente da que foi posta em juízo. Nulidades insanáveis nesta instância. Sentença cassada. Apelação provida.” (TJSP – Ap 4000654-02.2013.8.26.0506 – Ribeirão Preto – 2ª CDPriv. – Rel. Guilherme Santini Teodoro – DJe 27.10.2014 – p. 1498)

1270 – Ação de cobrança – contrato de licença de uso de imagem, voz, nome e apelido desportivo de atleta – cabimento

“Apelação cível. Ação de cobrança. Contrato de licença de uso de imagem, voz, nome e apelido desportivo de atleta. Interesse de agir configurado extinção de anterior pleito de execução decorrente da mera inexistência de título executivo. Possibilidade de pro-positura de regular ação de conhecimento. Alegação de que os depósitos decorreriam de prestações diversas e impugnação das notas fiscais trazidas com a inicial. Inova-ção recursal. Não conhecimento. Inexistência de contrato definitivo cumprimento pelo apelante do contrato prévio. Súbita mudança de atitude. Vedação ao comportamento contraditório. Decisão acertada. Recurso não provido. Se o próprio apelante, por quase dois anos, deu cumprimento às condições existentes na cláusula quarta do contrato, a súbita mudança de atitude, deixando de adimplir com as prestações estipuladas, frustra as justas expectativas criadas. Entendimento contrário, ofenderia o princípio da boa-fé e romperia com a confiança inerente às relações jurídicas.” (TJPR – AC 1209246-7 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Prestes Mattar – DJe 16.10.2014 – p. 301)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RST nº 18, abr.-mai/2014, Acórdão na Íntegra nº 1016 do TJMG.

1271 – Ação de cobrança – saque da duplicata para cobrança de royalties – contrato de fornecimento de produtos têxteis – utilização de marcas de times de futebol – cabimento

“Ação declaratória de inexigibilidade de título. Duplicata mercantil. Alegação de au-sência de causa subjacente. Réu apelante sustenta o saque da duplicata para cobrança de royalties devidos em razão de contrato de fornecimento de produtos têxteis com utilização de marcas de times de futebol licenciadas pela ré. Incabível a cobrança de royalties por meio de duplicata mercantil dada a natureza causal do título, sendo possí-vel o saque resultante de compra e venda mercantil ou prestação de serviço inteligência da Lei nº 5.474/1968. Inexigibilidade da duplicata. Danos morais evidenciados em razão

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do protesto. Ilícito da duplicata mercantil. Sentença mantida. Recurso negado.” (TJSP – Ap 0021023-57.2011.8.26.0344 – Marília – 13ª CDPriv. – Rel. Francisco Giaquinto – DJe 08.09.2014 – p. 1485)

1272 – Ação de cobrança – serviços de arbitragem esportiva prestados e não pagos – jogos de inverno de Mallet – cabimento

“Apelação cível. Contrato administrativo. Ação de cobrança. Serviços de arbitragem es-portiva prestados e não pagos, durante e após a vigência do contrato. Jogos de inverno de Mallet. Fato notório. Serviços prestados sem avença regular. Prova suficiente. Sentença de procedência da demanda mantida. Recurso não provido. 1. Fato notório, sujeito à previsão do art. 334 do CPC, não depende de prova. 2. A nulidade ou inexistência de contrato administrativo, seja por ser verbal, não prorrogado, ou por outro vício, não pode fundamentar enriquecimento sem causa da Administração que se beneficiou de bem ou de serviço efetivamente prestado pelo particular. 3. Se o Poder Público, embora obrigado a contratar formalmente, opta por não fazê-lo, não pode depois valer. Se de disposição legal que prestigia a nulidade do contrato verbal, porque isso configuraria uma tentativa de se beneficiar da própria torpeza, comportamento vedado pelo ordenamento jurídico por conta do prestígio da boa-fé objetiva (orientadora também da Administração Públi-ca) (nesse sentido: STJ, REsp 1148463/MG, DJe 06.12.2013).” (TJPR – AC 1190074-0 – 5ª C.Cív. – Rel. Juiz Subst. Rogério Ribas – DJe 10.10.2014 – p. 61)

1273 – Ação de indenização – compra de ingressos para os jogos da Copa do Mundo de 2006 – prescrição – observação

“Ação indenizatória. Compra de ingressos para os jogos da Copa do Mundo de 2006. Alegado inadimplemento. Sentença proclamando a prescrição. irresignação do autor. Procedente. Hipótese se submetendo ao prazo prescricional do art. 27 do CDC. Prazo esse devendo ser contado não da data do contrato, mas da data em que verificado o inadimplemento. Quinquênio não transcorrido entre aquela data e a da propositura da demanda. Sentença afastada, para que se retome o processamento do feito em primeiro grau. Solução trazendo prejuízo ao recurso adesivo. Apelação a que se dá provimento, prejudicado o adesivo.” (TJSP – Ap 0003009-21.2011.8.26.0022 – Amparo – 19ª CDPriv. – Rel. Ricardo Pessoa de Mello Belli – DJe 21.08.2014 – p. 1660)

1274 – Ação de indenização – contrato de empréstimo de atleta profissional – cabi-mento

“Apelações cíveis. Ação de indenização. Contrato de empréstimo de atleta profissional. Apelo 2. Pretensão de indenização pela rescisão indireta do contrato de trabalho firmado entre o clube cedente e o atleta profissional. Alegação de culpa do clube cessionário. Ocorrência. Indenização devida, porém calculada com base no valor da cláusula pe-nal do contrato entre o clube cedente e o atleta. Clube cedente que tinha o dever de assistir o atleta durante o período de empréstimo para o clube cessionário. Necessidade de valorização do atleta. Culpa concorrente (negligência) do clube cedente. Indeniza-ção proporcional. Verbas trabalhistas. Reembolso. Não comprovação de pagamento. Rejeição desta parte do pedido. Apelo. 1. Honorários advocatícios novo arbitramento. Recurso prejudicado. Apelo 2 conhecido e parcialmente provido. Apelo 1 prejudicado.” (TJPR – AC 1065497-2 – 11ª C.Cív. – Relª Juíza Substª Fabiana Silveira Karam – DJe 01.10.2014 – p. 627)

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1275 – Ação de indenização – prestação de serviços – aquisição de pacote turístico – compra de ingressos para assistir a jogos da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1998 – não entrega – dano moral e material – cabimento

“Prestação de serviços. Ação indenizatória. Ambas as requeridas são legitimadas ad causam e responsáveis pelos fatos narrados na inicial, na medida em que participaram da prestação de serviços. Exegese do art. 7º, parágrafo único, do CDC. Aquisição de pa-cote turístico para viagem à França e ingressos para assistir a jogos da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1998. Serviço que não foi integral e satisfatoriamente prestado, haja vista os inúmeros incidentes e contratempos ocorridos, dos quais o mais grave foi a não entrega dos ingressos para o jogo de abertura da competição. Danos ma-teriais e morais caracterizados. Verbas indenizatórias corretamente arbitradas pelo MM. Juiz a quo. Recurso improvido.” (TJSP – Ap 0027572-08.1999.8.26.0602 – Sorocaba – 34ª CDPriv. – Rel. Gomes Varjão – DJe 21.08.2014 – p. 1825)

1276 – Ação monitória – agenciamento de jogador de futebol – contrato válido – inci-dência da cláusula penal pactuada – cabimento

“Apelação cível. Monitória. Agenciamento de jogador de futebol. Apelo. 1. Contrato vá-lido. Presença dos requisitos do art. 104, c/c predominância da verdadeira intenção das partes. Inteligência do art. 112 do Código Civil. Inadimplência configurada. Incidência da cláusula penal pactuada. Redução do montante com espeque no art. 413, do Código Civil apelo. 2. Prejudicado. Apelo 1 parcialmente provido Apelo 2 prejudicado.” (TJPR – AC 0966683-9 – 7ª C.Cív. – Rel. Juiz Subst. Roberto Antônio Massaro – DJe 24.10.2014 – p. 70)

Comentário Editorial SÍNTESEA vertente cuida da interposição de ação monitória.

“A ação monitória foi instituída no âmbito do processo civil pela Lei nº 9.079, de 14.07.1995, que acrescentou ao Código de Processo Civil os arts. 1.102a a 1.102c, caracterizando-se pela exigência de prova escrita do crédito e pela cognição sumária.

Nesse passo, considerando-se a compatibilidade do procedimento monitório com o pro-cesso do trabalho e que o termo de rescisão do contrato de trabalho representa, de forma inequívoca, prova escrita da existência da dívida, sem eficácia de título judicial, correta a propositura da presente ação monitória.”

Todavia, o doutrinador Orlando de Assis Corrêa discorre de forma diversa:

“A ação monitória é, especificamente, uma ação a ser proposta e decidida em juízo comum.

A competência será, sempre, do juiz de direito; por raríssima exceção poderia haver uma ação deste tipo tramitando na justiça federal; não lembramos, aqui, nenhuma hipótese de tal acontecer.

Não é, tampouco, ação para tramitar na Justiça do Trabalho, eis que os litígios relativos a emprego e trabalho são dirimidos pela Justiça especializada.

[...]

Ainda com relação a estes juízos, podemos lembrar que, pelo procedimento dado à moni-tória, talvez na Justiça comum haja uma solução mais rápida que naquelas cortes, favo-recendo, assim, o autor, sem prejuízo do réu, que, vindo cumprir a obrigação, fica isento de custas e honorários advocatícios.” (Ação monitória. Comentários e prática forense. Rio de Janeiro: Aide, 1995. p. 15)

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1277 – Atleta amador – menor de quatorze anos – pretensão de liberação de clube – efeitos

“Ação cautelar inominada. Atleta amador. Menor de quatorze anos. Pretensão de libe-ração de clube, negada pelo clube e pela federação respectiva, esta ao argumento de que a permite se o clube assentir ausência de contrato entre as partes, verbal ou escrito atleta amador que pode rescindir livremente seu vínculo com a associação formação do atleta que deve ser gratuita e a expensas da entidade de prática desportiva, tendo o clube direito a firmar pacto, mediante contrato formal, apenas com o atleta não pro-fissional em formação, maior de 14 anos de idade inteligência e aplicação dos arts. 2º, IV, 29, § 2º, II, alínea g, e 44 da Lei nº 9.615 de 1998 (Lei Pelé) presença dos elementos que permitem aferir a presença dos requisitos próprios das medidas cautelares (fuma-ça de bom direito e perigo da demora). Decisão reformada. Agravo provido.” (TJSP – AI 2048733-75.2014.8.26.0000 – São Paulo – 10ª CDPriv. – Rel. João Carlos Saletti – DJe 06.11.2014 – p. 1938)

1278 – Atleta – bicicross – antidoping – pena de suspensão – cerceamento de defesa – inocorrência

“Processo administrativo. Atleta da modalidade bicicross, submetido a exame antidoping, cujo resultado foi positivo, que renuncia à contraprova cerceamento de defesa, porque aplicada pena de suspensão, sem que instaurado o procedimento formal não caracteri-zação comprovação da dopagem, a qual restou incontroversa recurso improvido.” (TJSP – Ap 9060909-40.2009.8.26.0000 – Sorocaba – 2ª CDPriv. – Rel. Alvaro Passos – DJe 14.10.2014 – p. 1439)

Comentário Editorial SÍNTESENo presente caso o atleta foi punido com pena de suspensão, alegando cerceamento de defesa.

O Mestre Rafael Teixeira Ramos comenta:

“Na relação jurídica entre a entidade empregadora e o atleta empregado, há uma dicoto-mia do Poder Disciplinar: uma provém da subordinação trabalhista (art. 365º do Código do Trabalho português), a outra é de natureza estritamente jus desportiva, originária de outro Poder Disciplinar, esse proveniente das regras, dos regulamentos, dos códigos de justiças desportivas e da arbitragem do movimento associativo-desportivo.

O regulamento de controle antidoping da FIFA retrata bem em seu preâmbulo uma norma material, na qual atua a Court of Arbitratio for Sport, que, por meio de seu processo disci-plinar, condena rigorosamente os atletas manuseadores de dopagem.

Subescreve o preâmbulo do sobredito regulamento:

‘Doping has become a preoocupation of international sports organisatios and national governments. The fundamental aims of doping control are threefold:

• to uphold and preserve the ethics of sport.

• to safeguard the physical health and mental integrity of players.

• to ensure that all competitions have an equal chance.’

Os subdivisores do Poder Disciplinar, sendo um de estirpe laboral promovida pelo empre-gador, e o outro desportivo e regulado pelo poder supra-estatal das entidades esportivas, são desígnios autônomos, portanto, cada um com o seu processo administrativo e com as suas sanções.

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Exemplos: um processo administrativo para apuração de falta laboral realizada pelo jo-gador dentro das instalações de seu clube. Instauração de um processo desportivo para julgar-se uma infração às regras do esporte ou da sua organização.

No entanto, essa cisão do Poder Disciplinar não incita subespécies hermeticamente iso-ladas entre si; por vezes, uma depende da outra para sancionar o atleta profissional. Conforme João Leal Amado:

“[...] o legislador incorpora o respeito da disciplina e da ética desportivas no acervo de obrigações decorrentes do contrato de trabalho do praticante, laborizando estas matérias, e, por conseguinte, rejeita a visão da relação desportivas e da relação laboral como dois compartimentos estanques, sem quaisquer pontos de contacto. Esta norma torna claro que a falta de disciplina desportiva podendo perfeitamente somar-se a sanção disciplinar laboral, sem violação do non bis in idem. Deparamos aqui, no fundo, com mais uma eloquente manifestação da ênfase colocada pelo legislador na tutela da ética desportiva, na exata medida em que, em determinadas circunstâncias, o próprio poder disciplinar da entidade empregadora poderá ser utilizado para reprimir comportamentos contrários à disciplina e a ética desportivas.”

Nesses termos, quando a indisciplina atlética é passível de uma sanção desportiva se-vera, enseja o ponto de interseção entre os poderes disciplinares do empregador e da Justiça Desportiva, podendo fundir-se em apenas uma falta grave no contrato de trabalho desportivo, proporcionando não raramente a extinção do pacto laboral. Sustenta o nosso pensamento, Tupinambá Miguel Castro do Nascimento:

“Sem dúvida, entretanto, que as infrações disciplinares punidas por órgãos estranhos à direção da associação desportiva empregadora têm reflexo, direto ou indireto, no contrato laboral. A expulsão de um atleta, em partida importante, pode sustentar uma apenação disciplinar pela própria empregadora. É o efeito reflexo. E não se trata de um bis in idem.”

Deflui-se, então, que um atleta dopado poderá submeter-se a sanções rigorosas cumula-das dos dois poderes disciplinares, pois a dopagem atinge o sentido mais sagrado da ética desportiva, ocasionando até uma extinção do contrato de trabalho.

Quando um atleta profissional é comprovadamente flagrado, de forma exclusivamente culposa, no exame antidoping, a rescisão do seu contrato laboral desportivo é clarividente, iniciando pelo modo como a própria FIFA trata a situação do doping em seu código disci-plinar (FDC),, subscrevendo penalidades de seis meses a dois anos em caso de primarie-dade e, na reincidência, estabelecendo apenação de eliminação do futebol.

No âmbito das ordens jurídicas de cada país, devem-se apreciar as acuidades da sanção desportiva para avaliar se é caso de ruptura do contrato de trabalho por justa causa ou não.

Nesse sentido, devemos tecer três comentários sobre o possível despedimento do em-pregado esportista por dopagem em Portugal: observando a ratio legis do dispositivo 13º da Lei nº 28/1998 conjuntamente com art. 396º, nºs 1 e 2, do Código Trabalhista, se o jogador profissional voluntariamente, sem conhecimento do empregador, manipula substâncias dopantes, sendo flagrado no exame antidoping e condenado pela Justiça Des-portiva (fundamentação expressa nos arts. 46 a 49 da LBD), poderá ele ser dispensado por justa causa.

Conquanto, se o atleta utiliza o doping estimulado pela própria política da entidade des-portiva, esta não poderá, com fundamento na sanção esportiva, aproveitar-se da própria torpeza para despedir o seu empregado por justa causa.

Prosseguindo a nossa análise no tema em questão, se o clube manuseia em seu em-pregado desportista dopagem sem o consentimento e sabedoria deste, em nossa visão, surpreendido o atleta no exame de dopagem, este poderá rescindir o contrato por justa causa da equipe empregadora, com fulcro no art. 441, nºs 1 e 2, f) do Código Laboral.

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O ordenamento jurídico desportivo brasileiro refuta a dopagem atlética, quando, em caso de reincidência no doping, impõe pena de eliminação das atividades esportivas ao atleta, art. 244 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva.

Se o atleta usar dolosamente a dopagem sem a concorrência do time empregador e for julgado culpado pela Justiça Desportiva nacional ou internacional, poderá ter o contrato suspenso ou rompido com justa causa, dependendo da pena in concretum.

Quando o jogador é infrator primário, apenado por tempo determinado pelas cortes des-portivas, o contrato é suspenso enquanto perdurar o período sancionador, assim suben-tende-se o art. 18 da Lei nº 6.354/1976.

Já no caso da reincidência, o contrato de trabalho é extinto com justa causa, pois a pena a ser aplicada pela Justiça do Desporto é de eliminação, é o que se depreende da Lei nº 6.354/1976, art. 20, caput e inciso IV. Nesse diapasão, Domingos Sávio Zainaghi exprime essa disposição legal e acrescenta:

“Quanto ao atleta, a Lei nº 6.354/1976 dispõe que este cometerá justa causa quando praticar ato de improbidade grave incontinência de conduta; for condenado à pena de reclusão, superior a 2 (dois) anos, transitada em julgado; se for eliminado por penalidade imposta pela entidade de direção máxima do futebol nacional e internacional. A estas somam-se as previstas na CLT (art. 482), já que a relação da lei especial não é exaustiva, pode-se dizer até que ela é redundante, pois todas as hipóteses previstas ali constam do artigo consolidado.”

Nas outras questões, uma sobre a responsabilidade concorrente do empregador na dopa-gem do jogador, a outra quando a entidade empregadora ludibria o atleta, dopando-o sem ele saber, a resposta da legislação brasileira é similar à descrita pelas normas portuguesas. Ressalta-se apenas nessa segunda situação o seguinte: o ditame da justa causa cometida pelo empregador encontra-se no art. 483 da CLT.”

Em síntese, o doping utilizado pelos atletas, seja para elevar, seja para prejudicar a per-formance, não se coaduna com o manancial desportivo promovente da isonomia atlética, da saúde, da honestidade (fair play), do bem-estar e da relação entre as camadas sociais.

Contudo, um atleta profissional condenado pela Justiça Desportiva por uso de dopagem não poderá ser dispensado do labor imediatamente; cada caso é complexo e peculiar, exigindo-se a averiguação da sua culpa no pacto laboral para proceder ou não a rescisão contratual, evitando a prática de injustiça no contrato de trabalho desportivo.” (Doping e o contrato laboral desportivo no direito comparado, Brasil-Portugal. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 02 dez. 2014)

1279 – Atleta – contrato de assessoramento – prestação de serviços – indenização por perdas e danos – cabimento

“Prestação de serviços. Indenização por perdas e danos. Contrato de assessoramento de atleta. Assistência judiciária. Pedido indeferido na sentença. Apelação. Ausência de pedido específico contido nas razões do apelo. Decisão que ordenou o recolhimento das custas irrecorrida. Preparo. Necessidade. Deserção. Reconhecimento. Recurso não provido. Tendo sido indeferida a concessão da gratuidade processual na sentença, deve-ria o autor, apelante, proceder ao pedido específico acerca da concessão do benefício, mas não o fez. Ademais, restando irrecorrido o despacho que ordenou que procedesse ao recolhimento das custas de preparo e do porte de remessa, incabível sua concessão por meio do presente recurso, sendo de rigor seu não provimento.” (TJSP – AI 2170130-04.2014.8.26.0000 – São Paulo – 31ª CDPriv. – Rel. Paulo Ayrosa – DJe 05.11.2014 – p. 3120)

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1280 – Competência – Justiça comum – clube de futebol – campeonato brasileiro – ta-bela de classificação – observação

“Clube de futebol. Campeonato brasileiro. Tabela de classificação. Irresignação. Ma-nutenção de resultados fixados pela CBF. Competência da justiça comum. Direito es-portivo. Insurgência contra a classificação fixada pela agravante. Decisão interlocutória determinando a inclusão do clube autor na Série A do Campeonato Brasileiro. Alegação de competência da Justiça Desportiva e, ainda, sucintamente, que a decisão impugna-da seria irreversível e atingiria o interesse de terceiros. Decisão proferida pelo Plantão Judiciário extinguindo o processo. Reforma. Competência mantida. Quanto ao mérito, a decisão a quo impugnada merece reforma. O fato de o campeonato se encontrar em pleno andamento e, ainda, considerando que os jogos e resultados vêm ocorrendo de maneira peremptória, o risco de irreversibilidade da medida antecipatória se mostra bas-tante possível, o que, desta feita, exige um maior cuidado com sua concessão ou, até mesmo, sua denegação. Provimento do recurso, reformando a decisão antecipatória e mantendo os resultados e a classificação fixados pela agravante, e, ex officio, julgando extinta a ação pelo art. 267, inc. IV, do Código de Processo Civil, porque não exaurida a instância a que se refere o art. 217, § 1º da Constituição Despesas pelo autor, arbitrados honorários em cinco mil reais.” (TJRJ – AI 0020323-36.2014.8.19.0000 – 6ª C.Cív. – Rel. Des. Nagib Slaibi Filho – DJe 12.11.2014 – p. 23)

1281 – Competência recursal – ação de prestação de contas – fundada em contrato de contrato de assessoria e marketing – reconhecimento

“Competência recursal. Ação de prestação de contas. Demanda fundada em contrato de assessoria e marketing de atleta profissional (jogador de futebol). Competência preferen-cial das 1ª a 10ª Câmaras da Sessão de Direito Privado deste E. Tribunal. Hipótese de aplicação da Resolução nº 194/2004, do Provimento nº 07/2007 e da Instrução de Tra-balho IT SEJ0001, todos deste Tribunal de Justiça Precedentes. Recurso não conhecido, com redistribuição.” (TJSP – Ap 0159268-09.2008.8.26.0100 – São Paulo – 19ª CDPriv. – Rel. Mario de Oliveira – DJe 30.10.2014 – p. 1947)

1282 – Competência recursal – cobrança de agenciamento de atividades laborais e esportivas – não reconhecimento

“Competência recursal cobrança agenciamento de atividades laborais e esportivas de atleta de futebol profissional competência duma das 10 (dez) Primeiras Câmaras de Di-reito Privado. Recurso não conhecido, com redistribuição (Provimento nº 623/2013, art. 5º, I, I.37).” (TJSP – Ap 0004976-76.2012.8.26.0019 – Americana – 15ª CDPriv. – Rel. Vicentini Barroso – DJe 14.10.2014 – p. 1584)

1283 – Contrato – parceria para disputa de campeonato de futebol – efeitos

“Contrato. Parceria para disputa de campeonato de futebol. Legitimidade passiva deste, que celebrou o negócio, reconhecida agravo retido desprovido. Contrato. Parceria para disputa de campeonato de futebol Clube. Autor que se obrigou a participar do evento com atletas cedidos pelo sindicato réu, que se obrigou a custear todas as despesas ne-cessárias para garantir a participação da equipe e responder por todas as condenações judiciais movidas contra o clube autor e infrações a este impostas em função do referido

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campeonato, bem como ao pagamento ao clube parceiro, durante a vigência do con-trato, de quantia em dinheiro Clube autor que não provou ter cumprido com as suas obrigações contratuais, inscrevendo os atletas do sindicato réu nas competições, ou ter disputado o campeonato objeto do contrato Fatos alegados pelo réu e não infirmados Autor que, deste modo, deu causa à rescisão do contrato Impossibilidade de exigir da outra parte a obrigação por esta assumida art. 476 do Código Civil. Situação que tornou inevitável a rescisão contratual, previamente noticiada pelo réu em notificação enviada ao autor Cobrança de parcelas, cláusula penal e indenização indevidas. Devolução de documentos do autor em poder do sindicato réu. Procedente. Pedido sequer contestado. Apelação parcialmente provida.” (TJSP – Ap 0010923-85.2010.8.26.0309 – Jundiaí – 1ª CDPriv. – Rel. Rui Cascaldi – DJe 12.08.2014 – p. 1237)

1284 – Contrato de cogestão – infrações – rescisão – cláusula penal – efeitos

“Rescisão contratual. Cláusula penal. Contrato de cogestão de atividade desportiva. In-frações contratuais. Processual impedimento de degravação. Ônus da prova. 1. Não se confunde a impossibilidade de degravação da mídia ou produção de provas, porque requeridas tempestivamente e deferidas em decorrência do direito ao contraditório, com a formação da convicção do Juiz. Ambas as partes entenderam pelo julgamento sem repetição das oitivas e há suficiência de elementos de prova para a resposta jurisdicio-nal, sendo a regra do ônus da prova para o estado de dúvida. 2. Legítima expectativa da cogestora que agia corretamente na consecução de sua atividade e comprovados os investimentos para atender aos fins contratuais. Houve infrações contratuais relevantes e comprovadas, destacando-se a falta de repasse de numerário, contratação de atletas sem anuência expressa, falha na cessão dos espaços, além de outras enumeradas com influên-cia na cogestão. A aquiescência abrange todos os elementos contratuais, não se apre-endendo causa eficiente para justificar o comportamento da contratante. Cláusula penal que estabelece o reembolso do investimento, cujos termos e valores não foram impug-nados especificamente. Recurso não provido.” (TJSP – Ap 0077591-98.2001.8.26.0100 – São Paulo – 35ª CDPriv. – Rel. José Malerbi – DJe 03.11.2014 – p. 2146)

1285 – Dano moral – atleta que alega traição do técnico – omissão de resultado de exame clínico – responsabilidade civil – alcance

“Responsabilidade civil. Dano moral. Biografia da ré, atleta profissional, na qual consta que teria sido traída por seu técnico, ao omitir-lhe o resultado de exame clínico, com informação relevante sobre sua saúde e que o autor não concordava em lhe dar. Des-canso dos treinamentos. Julgamento ultra petita. Inexistência. Legitimidade ad causam da editora responsável pela edição da obra. A Editora não pode alterar o conteúdo da obra, mas tem o controle da publicação, em razão do que, responde se dela advier dano. A autobiografia é gênero literário em que o autor, narrador, e personagem principal se identificam. Há verdadeiro pacto de veracidade entre o escritor e o leitor, pelos fatos retratados emanarem do próprio protagonista. Por outro lado, na biografia não há o pacto de veracidade com o leitor, e normalmente ocorrem relatos ficcionais, sem nítida advertência entre o que é real e imaginário, e o leitor deve saber disso. Destarte, o bio-grafado, ainda que se trate de biografia autorizada, não responde pelos fatos nela con-tidos, porque outro os disse, cabendo ao escritor a responsabilidade por eventual dano. Obra biográfica. Ilegitimidade passiva da biografada. Inexistência de dano moral injusto.

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Improcedência da ação. Agravo retido desprovido. Extinção do processo sem resolução do mérito em relação à corré Maria Zeferina e provida a apelação da Editora.” (TJSP – Ap 0348740-67.2010.8.26.0000 – Ribeirão Preto – 1ª CDPriv. – Rel. Alcides Leopoldo e Silva Júnior – DJe 01.09.2014 – p. 1284)

1286 – Dano moral – cerceamento de defesa – desnecessidade de oitiva de testemu-nhas – controvérsia nos autos – ausência

“Cerceamento de defesa. Desnecessidade de oitiva de testemunhas se não há controvér-sia sobre os fatos. Danos, ademais, da espécie in re ipsa. Dano moral. Conjunto proba-tório que enseja a conclusão de que o réu técnico de futebol dirigiu ofensas verbais ao autor. Jogador e entrevistador em programa televisivo de veiculação nacional. Sofrimen-to instantaneamente perpetrado. Indenização. Arbitramento que deve ser equilibrado e observar o binômio reparação/sanção. Quantia fixada em primeiro grau R$ 76.000,00 que merece mantida. Recurso desprovido.” (TJSP – Ap 9134185-07.2009.8.26.0000 – São Paulo – 10ª CDPriv. – Rel. Araldo Telles – DJe 14.08.2014 – p. 1450)

1287 – Dano moral – jogo da copa das confederações de 2014 – compra de bilhete com a indicação da cadeira – assento inexistente – indenização – cabimento

“Juizados especiais cíveis. Consumidor. Jogo da Copa das Confederações de 2014 (Brasil x Japão). Compra de bilhete com a indicação da cadeira. Assento inexistente. Grave falha na prestação do serviço. Devolução do valor pago. Danos morais existentes. Em um evento de jogo de copa das confederações, espera-se e paga-se por um conforto razoável (padrão Fifa). O autor, diante da inexistência do assento indicado em seu bi-lhete, teve que participar do evento de forma totalmente inconveniente e desconfortável por horas. Restou caracterizado tratamento indigno ao autor, violando, inclusive, a sua real e legítima expectativa de esperar da Fifa um tratamento minimamente respeitoso. Danos morais existentes. O valor de R$ 5.000,00 atende os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Recurso conhecido e não provido. Sentença mantida pelos seus pró-prios fundamentos. A Súmula de julgamento servirá de acórdão, na forma do art. 46 da Lei nº 9.099/1995. Sem custas (art. 53 da Lei nº 12.663/2012). Condenada a recorrente vencida ao pagamento de honorários advocatícios que fixo em 15% (quinze por cento) do valor da condenação.” (TJDFT – Proc. 20140110811572 – (833262) – Rel. Juiz Flávio Fernando Almeida da Fonseca – DJe 21.11.2014 – p. 317)

1288 – Dano moral – mentira do futebol – alegação de veiculação de reportagem anô-nima – indenização – cabimento

“Apelação. Indenização por danos morais. Autor, ex-jogador de futebol, atualmen-te técnico de futebol. Alegação de veiculação de reportagem anônima, pela Internet, que desmerece seu trabalho, taxando-o de ‘mentira do futebol’ e outras expressões in-juriosas, logo e imediatamente após suas rescisões contratuais de clubes. As palavras usadas na matéria veiculada pela ré são ofensivas e causaram dano ao íntimo do au-tor, que vive de sua reputação. Não se limitou a narrar fatos, mas fez juízo valorativo, dizendo que o autor é uma ‘mentira’. As informações veiculadas abalaram sua honra. Valor arbitrado a título de indenização por danos morais fixado de forma razoável a compensar o autor pelo mal sofrido. Sentença mantida. Recursos improvidos.” (TJSP – Ap 0036917-55.2009.8.26.0114 – Campinas – 4ª C.Ext.DPriv. – Rel. Silvério da Silva – DJe 14.08.2014 – p. 1635)

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1289 – Dano moral – uso indevido de imagem de jogador – álbum de figurinhas – vio-lação – indenização – cabimento

“Dano moral. Uso indevido de imagem de jogador em álbum de figurinhas. Violação do direito de imagem. Ressarcimento devido. Denunciação da lide à entidade despor-tiva. Pedidos procedentes. Sentença reformada. Recurso provido. Prescrição afastada. Aplicabilidade do art. 177 do Código Civil de 1916 (20 anos) Na data do fato (1990) já havia transcorrido (16 anos) mais da metade daquele prazo. Inteligência do art. 2.028 do CC/2003).” (TJSP – Ap 9124503-62.2008.8.26.0000 – Barueri – 3ª CDPriv. – Rel. Adilson de Andrade – DJe 07.11.2014 – p. 1683)

1290 – Dano moral e material – agressão física em jogo de futebol – queda e choque da cabeça contra a parede e no chão – indenização – cabimento

“Apelação cível. Indenização por danos materiais e morais. Agressão física. Jogo de futebol preliminar de extemporaneidade da apelação afastada. Ciência inequívoca da sentença antes de sua intimação pela imprensa. Preliminar de nulidade da sentença por ofensa ao princípio da identidade física do juiz. Ausência de prejuízo preliminar rejeitada. Mérito responsabilidade do réu pela agressão física provocada no autor chute no peito do autor, que provocou sua queda e choque da cabeça contra a parede e no chão. Ausência de excludente de legítima defesa de terceiro. Indenização material fixada com base nos descontos em folha em razão do afastamento do trabalho. Indenização por dano moral fixada em 70 salários mínimos vigentes em 2009. Autor ficou internado 5 dias em UTI com traumatismo cerebral difuso, tendo que se submeter posteriormente a fisioterapia motora. Valor bem fixado. Recurso desprovido (Voto nº 2780).” (TJSP – Ap 0226744-98.2007.8.26.0100 – São Paulo – 4ª C.Ext.DPriv. – Rel. Silvério da Silva – DJe 14.08.2014 – p. 1637)

1291 – Embargos de declaração – intempestividade – jogo da copa do mundo – efeitos

“Embargos de declaração r. Decisão monocrática que negou seguimento ao agravo de instrumento da embargante, por ser intempestivo. Inocorrência das hipóteses previstas no art. 535, do CPC. Recebimento dos embargos como pedido de reconsideração. Prin-cípio da instrumentalidade das formas. R. decisão monocrática que merece ser recon-siderada dia 23.06.2014 que teve expediente das 08:00 a 12:00hs, em razão da copa do mundo inteligência do art. 184, § 1º, inciso II, do CPC. Pedido de reconsideração acolhido.” (TJSP – EDcl 2100741-29.2014.8.26.0000 – São Paulo – 6ª CDPúb. – Relª Silvia Meirelles – DJe 16.09.2014 – p. 1524)

1292 – Execução – devedora solvente – agremiação desportiva – escrito particular de sublicenciamento de direitos de imagem – prosseguimento

“Apelação. Execução contra devedora solvente. Agremiação desportiva. Escrito particular de sublicenciamento de direitos de imagem. Embargos opostos. Sentença de procedência e consequente extinção da execução. Recurso à execução está forrada em título executivo extrajudicial donde a mora faltante, notas promissórias e obrigação acessória se computam do ingresso da demanda e os juros moratórios fluem da citação. Vinculação do contrato à prestação de serviços do atleta. Rescisão 31.12.2012. Diluição dos pagamentos com previ-

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são da duração do contrato de trabalho. Recurso parcialmente provido. Reconhecendo-se o valor líquido e certo da obrigação exigida e consequente prosseguimento da execução. Apelo provido em parte.” (TJSP – Ap 1002660-53.2014.8.26.0100 – São Paulo – 14ª CDPriv. – Rel. Carlos Abrão – DJe 08.08.2014 – p. 1465)

1293 – Execução – título extrajudicial – contrato de cessão de direitos econômicos decorrentes das transferências de atletas profissionais – cabimento

“Ação de execução de título extrajudicial. Contrato de cessão de direitos econômicos decorrentes das transferências de atletas profissionais de futebol. Decisão que indeferiu o pedido de conversão da execução em processo de conhecimento preliminar de pre-venção de outra câmara suscitada em contraminuta. Existência de ação em trâmite que pugna pela anulação do contrato que embasa a execução. Conhecimento anterior da causa pela 6ª Câmara de Direito Privado, por meio do julgamento de recursos de agravo de instrumento. Prevenção. Inteligência do art. 102 do regimento interno desta Corte de justiça. Recurso de agravo não conhecido, com a determinação de redistribuição destes autos à 6ª Câmara de Direito Privado.” (TJSP – AI 2124272-47.2014.8.26.0000 – São Paulo – 14ª CDPriv. – Relª Marcia Dalla Déa Barone – DJe 11.11.2014 – p. 1410)

1294 – Mandado de segurança – “Bolsa-Atleta Nacional” – pedido indeferido adminis-trativamente – requisitos previstos no edital – comprovação – direito líquido e certo – inexistência – segurança denegada

“Administrativo. Mandado de segurança. Bolsa atleta nacional. Pedido indeferido admi-nistrativamente. Requisitos previstos no edital. Comprovação. Ausência. Direito líquido e certo. Inexistência. Segurança denegada. 1. O processo seletivo para a concessão de Bolsa-Atleta Estadual é regido pelo Edital nº 0020/2013, que estabelece os requisitos para a concessão do benefício denominado ‘Bolsa-Atleta Nacional’. 2. Se o Impetrante não apresentou os documentos indicados no Edital e não comprovou o preenchimento dos requisitos exigidos para a concessão do benefício pleiteado, resta inexistente o direi-to líquido e certo alegado pelo mesmo. 3. Segurança denegada.” (TJES – MS 0043555-45.2013.8.08.0024 – Rel. Samuel Meira Brasil Junior – DJe 13.10.2014)

1295 – Prazo processual – jogo da Copa do Mundo – suspensão – observação

“Processual. Agravo interno. Decisão monocrática que negou seguimento a agravo de instrumento, porque intempestivo. Pretensão à reforma. Inviabilidade. Alegada suspen-são dos prazos nos dias dos jogos da seleção brasileira na Copa do Mundo, nos quais o expediente forense se encerrou antecipadamente. Inocorrência. Provimento CSM nº 2.168/2014 que nada estabelece nesse sentido, cuidando apenas de antecipar o en-cerramento do expediente. Incidência do disposto no art. 184 do Código de Processo Civil, que estabelece apenas a prorrogação do prazo quando isso ocorre na data do ven-cimento do prazo e não no início ou durante sua fluência. Agravo interno desprovido.” (TJSP – AgRg 2116078-58.2014.8.26.0000 – Votuporanga – 27ª CDPriv. – Rel. Mourão Neto – DJe 18.08.2014 – p. 1552)

1296 – Propriedade industrial – agremiação desportiva – direito à exclusividade de utilização de marca – dano material e moral – configuração

“Propriedade industrial. Agremiação desportiva. Direito à exclusividade de utilização de marca. Comercialização desautorizada de bolas com a marca da entidade esportiva

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Santos Futebol Clube. Revelia. Ilícito demonstrado. Danos materiais e morais configu-rados. Apuração dos valores em liquidação. Sentença reformada. Recurso parcialmente provido.” (TJSP – Ap 0017361-60.2013.8.26.0071 – Bauru – 1ª C.Res.DEmp. – Rel. Clau-dio Godoy – DJe 13.11.2014 – p. 2145)

Penal

1297 – Competência – máquina caça-níquel – exploração de jogo de azar – consunção – inaplicabilidade

“Penal. Processo penal. Contrabando. Competência federal. Súmula nº 151 do STJ. Ca-ça-níquel. Exploração de jogo de azar. Consunção. Inaplicabilidade. Preliminares rejei-tadas. Materialidade, dolo e autoria demonstrados. Componentes da máquina. Origem estrangeira demonstrada. Introdução irregular. Uso em estabelecimento comercial. Co-nhecimento. Condenação mantida. Recursos improvidos. 1. Contrabando. Bem jurídico tutelado é a administração pública. Interesse da União. Competência federal. Súmula nº 151 do STJ. Preliminar de nulidade rejeitada. 2. Contrabando atinge administração pú-blica. Contravenção atinge bons costumes. Bens jurídicos tutelados distintos. Infrações distintas e autônomas. Precedentes desta corte. 3. Contravenção penal de exploração de jogos de azar abrangeria contrabando. Aplicação do princípio da consunção. Impossi-bilidade. Preliminar rejeitada. 4. Termo Circunstanciado, Auto de Exibição e Apreensão, Laudos de exames direto e indireto, Auto de Infração e Termo de Apreensão e Guarda Fiscal, Laudo de exame Merceológico. Placas e CPU ‘made in Taiwan’. Origem estran-geira de componentes da máquina. Introdução irregular das mercadorias em território nacional. Materialidade comprovada. 5. Delito não exige que autor seja comerciante ou dono do produto. Conhecimento de que se trata de produto introduzido clandesti-namente e destinado a uso comercial. Máquina caça-níquel apreendida em bar. 6. De-poimentos das testemunhas. Incoerências das declarações dos réus. Conjunto probatório coeso. Dolo e autoria demonstrados. Condenação mantida. 7. Recursos improvidos.” (TRF 3ª R. – ACr 0003157-31.2006.4.03.6117/SP – 5ª T. – Rel. Des. Fed. Paulo Fontes – DJe 11.11.2014 – p. 413)

Trabalhista

1298 – Agravo de petição – penhora de renda de jogos e venda futura de atletas – ga-rantia integral – observação

“Agravo de petição da exequente. Penhoras de rendas de jogos e venda futura de atletas. Hipótese em que, considerando haver garantia integral da presente execução, não se verifica, por ora, a necessidade de rendas de jogos realizados ou de valores sobre futura venda de atletas. Provimento negado.” (TRT 4ª R. – Ap 0000517-13.2012.5.04.0401 – S.Esp. – Rel. Des. Luiz Alberto de Vargas – DJe 20.10.2014)

1299 – Atleta profissional – direito de arena – natureza civil – não configuração

“Atleta profissional. Direito de arena. Art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, com a redação dada pela Lei nº 12.395/2011. Natureza civil. O direito de arena passou a ter natureza civil, com o advento da Lei nº 12.395/2011, de modo que o contrato de trabalho firma-

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do sob sua égide a ela fica sujeito, o que significa que essa parcela não gera reflexos trabalhistas.” (TRT 1ª R. – RO 0002689-23.2013.5.01.0482 – 3ª T. – Red. p/o Ac. Rildo Brito – DOERJ 13.11.2014)

Remissão Editorial SÍNTESE• Vide RST nº 15, out.-nov./2013, ementa nº 861 do TST.

• Vide, também, RDD nº 6, abr./maio 2012, Assunto especial intitulado “Direito de Ima-gem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

Comentário Editorial SÍNTESENo presente caso o clube pretendeu o reconhecimento da natureza civil do pagamento do direito de arena.Em seu voto, o relator fez alusão ao entendimento do magistrado de piso:“Art. 42.Pertence às entidades de prática desportiva o direito de arena, consistente na prerrogativa exclusiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou proces-so, de espetáculo desportivo de que participem.§ 1º Salvo convenção coletiva de trabalho em contrário, 5% (cinco por cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais serão repassados aos sin-dicatos de atletas profissionais, e estes distribuirão, em partes iguais, aos atletas profis-sionais participantes do espetáculo, como parcela de natureza civil.”Conforme se observa do dispositivo legal supramencionado, o percentual mínimo a ser pago a título de direito de arena é de 5% e não mais de 20% como quer fazer crer o autor. Nesse caso, não há que se falar em irregularidade do percentual pago pela reclamada.Contudo, no que concerne à natureza salarial do direito de arena, o TST tem entendido ser a mesma remuneratória, que se distingue da salarial, equiparando-se às gorjetas e ensejando a aplicação, por analogia, da Súmula nº 354 do TST. Acerca do tema, os pre-cedentes abaixo transcritos:DIREITO DE ARENA – NATUREZA JURÍDICA – O direito de arena possui natureza remu-neratória, porque vinculada ao contrato de trabalho e à prestação de serviços dos joga-dores profissionais aos clubes, ainda que pagas por terceiros. Desse modo, aplicando por analogia as disposições do art. 457 da CLT e da Súmula nº 354 do TST, que tratam das gorjetas, tem-se permitido o reconhecimento da natureza remuneratória dessa parcela, bem como a determinação de seus reflexos sobre férias, 13º salário e FGTS. Precedentes. Recurso de Revista conhecido e provido” (RR 60600-24.2004.5.01.0024, 8ª T., Rel. Min. Márcio Eurico Vitral Amaro, DEJT 26.10.2012).”Nesse sentido, o Mestre Rinaldo José Martorelli explica:“Esse pagamento é de natureza trabalhista, porque só passa a existir a obrigação da entidade a ele se houver uma contratação de trabalho e se o atleta profissional, por dever legal e contratual, participou de transmissão de evento esportivo.[...]Verba remuneratória é aquela que se destina ao pagamento de um serviço prestado, ou seja, remunerar o empregado por ele dispender sua força de trabalho em prol de um objetivo final de uma empresa ou empregador.” (O direito de arena como Direito de Per-sonalidade. Curso de Direito Desportivo Sistêmico. Vol. II. São Paulo: Quartier, 2010. p. 619-620)

1300 – Atleta profissional – jogador de futebol – cessão – responsabilidade do clube cedente – alcance

“I – Agravo de instrumento do reclamante. Atleta profissional de futebol. Cessão. Res-ponsabilidade do clube cedente. Não se conhece do Recurso de Revista se desatendido

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o disposto no art. 896 da CLT, ou seja, não demonstrada a violação literal aos dispositi-vos apontados. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. II – Agravo de instru-mento do reclamado. Multa por litigância de má-fé A imputação da multa em epígrafe pressupõe demonstração inequívoca das hipóteses previstas no art. 17 do CPC, o que não foi comprovado nos autos. Agravo de Instrumento a que se nega provimento.” (TST – AIRR 0001138-31.2012.5.02.0024 – Rel. Min. João Pedro Silvestrin – DJe 15.08.2014 – p. 3011)

1301 – Atleta profissional – modalidade de extinção – distrato – possibilidade

“Contrato de atleta desportivo. Modalidade de extinção. Distrato. Possibilidade. Art. 28, inciso I da Lei nº 9.615/1998. O contrato de trabalho do atleta desportivo tem suas peculiaridades, restando válida sua extinção sob a modalidade de distrato, conforme previsão contida no inciso I do art. 28 da Lei nº 9.615/1998. Tendo o autor assinado o documento de rescisão sob tal modalidade, válida é a extinção na forma como descrita no documento. Recurso ordinário conhecido e desprovido.” (TRT 10ª R. – RO 0001042-96.2013.5.10.0011 – Relª Desª Márcia Mazoni Cúrcio Ribeiro – DJe 07.11.2014 – p. 299)

1302 – Atleta profissional – solicitação de liberação – rescisão contratual – cabimento

“Atleta profissional. Rescisão contratual. Modalidade. Nos termos das normas vigentes, as federações esportivas são responsáveis pelo controle e registros dos atletas profissio-nais, bem como do preenchimento dos requisitos necessários à atuação pelas equipes esportivas. Não lhes cabe, porém, tratar da liberação de um atleta de determinado clube para que possa atuar por outro. Neste contexto, o documento exarado pelo atleta pro-fissional solicitando ‘liberação’ para atuar por qualquer outra equipe, bem como afir-mando a inexistência de créditos a receber do atual empregador, equivale a pedido de demissão, mostrando-se correta a análise probatória feita pelo juízo originário acerca da modalidade rescisória.” (TRT 10ª R. – RO 0001855-54.2012.5.10.0013 – Rel. Des. Dorival Borges de Souza Neto – DJe 21.11.2014 – p. 17)

1303 – Atleta profissional de futebol – direito de arena – contribuição previdenciária – natureza jurídica

“Acórdão em recurso ordinário. Atleta profissional de futebol. Direito de arena. Contri-buição previdenciária. Natureza jurídica. Possui natureza jurídica remuneratória (e não salarial) a parcela paga ao atleta decorrente do denominado direito de arena e que, para efeito de reflexos, equipara-se às gorjetas, o que atrai a aplicação analógica da Súmula nº 354 do Tribunal Superior do Trabalho e a incidência das contribuições previden-ciárias.” (TRT 1ª R. – RO 0001316-66.2012.5.01.0069 – 3ª T. – Rel. Angelo Galvao Zamorano – DOERJ 04.11.2014)

1304 – Competência material – justiça de trabalho – atleta em formação – relação de trabalho – acidente – reconhecimento

“Competência material da justiça de trabalho. Atleta em formação. Relação de trabalho. Acidente de trabalho. Art. 114, CF. A Lei evidencia a existência da relação de trabalho, ao prever direitos pecuniários ao ente formador como decorrência de seu relaciona-

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mento com o atleta em formação (art. 29, §§ 5º a 9º, Lei nº 9.615/1998), bem como deveres daquele perante o atleta em formação, inclusive regulando o período de tempo destinado à preparação esportiva (art. 29, § 2º, Lei nº 9.615/1998). A regulamentação se destina a estabelecer compensações ao ente formador, e, ao mesmo tempo, limites para a contratação da atividade ora discutida, demonstrando a existência de relação de trabalho no contrato de formação de atleta. Alegada a ocorrência de acidente na cons-tância e em razão deste contrato, a Justiça do Trabalho é competente para conhecer e julgar a presente demanda, conforme prevê o art. 114 da Constituição Federal. Recurso do réu improcedente, no particular.” (TRT 9ª R. – RO 0000729-25.2012.5.09.0068 – Rel. Archimedes Castro Campos Junior – DJe 25.11.2014 – p. 204)

1305 – Direito de arena – acordo para redução do percentual de 20% previsto em lei – violação

“Direito de arena. Acordo para redução do percentual de 20% previsto em lei. Contrato de trabalho de jogador de futebol com vigência sob a égide da Lei nº 9.615/1998 antes da alteração dada pela Lei nº 12.395/2011. Renúncia a direito. O § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (vigente à época do contrato de trabalho, com a redação anterior à dada pela Lei nº 12.395/2011) assegurava aos atletas, como mínimo, o percentual de 20% dos direitos de transmissão ou retransmissão de imagem de espetáculo ou eventos desporti-vos de que participassem. Ajuste em contrário, reduzindo o percentual para 5%, viola o dispositivo legal citado, devendo tal acordo ser declarado nulo, por importar em renún-cia a direito indisponível.” (TRT 4ª R. – RO 0001571-50.2012.5.04.0001 – 8ª T. – Rel. Des. Fernando Luiz de Moura Cassal – DJe 27.08.2014)

1306 – Direito de arena – alteração do percentual legal por acordo judicial entre clube e sindicato – impossibilidade

“Recurso de revista do reclamante. Jogador de futebol. Diferença de direito de arena. Al-teração do percentual legal por acordo judicial entre clube e sindicato. Impossibilidade. Trata a controvérsia da validade de acordo judicial em que se estipulou a redução do percentual legal pago aos jogadores profissionais de futebol a título de direito de arena. Conforme redação do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, com redação vigente à época em que o reclamante manteve o contrato de emprego com o clube reclamado (2009 e 2010), exceto na existência de convenção em sentido contrário, o direito de arena era fixado em 20% do preço total da autorização, distribuído, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. É entendimento majoritário da c. 6ª Turma que nem a negociação coletiva, e tampouco o acordo judicial entre o clube reclamado e o sindicato, têm o condão de afastar a incidência do art. 42, § 1º, da Lei nº 9.615/1998, de maneira que, a previsão o percentual de 20%, mais benéfica e em vigor até a edição da Lei nº 12.395/2011, deve ser respeitada como patamar mínimo da norma, em face do princípio da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas. Ressalva de entendimento pessoal do Ministro Relator. Recurso de revista conhecido e provido. Multa por embargos de declaração protelatórios. Inviável a admissibilidade do recurso de revista quando a parte não indica dispositivo de Lei ou da Constituição Federal que entende violado, nem aponta divergência jurisprudencial, nos termos do art. 896 da CLT. Recurso de revista não conhecido.” (TST – RR 0000824-17.2012.5.02.0079 – Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga – DJe 10.10.2014 – p. 1414)

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1307 – Direito de arena – montante devido ao atleta profissional – renúncia – transa-ção – descabimento

“Direito de arena. Montante devido ao atleta profissional. Renúncia. Transação. O § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998, ao resguardar ao atleta profissional percentual do valor negociado a título de direito de arena pela entidade desportiva, o estabelece em pata-mar mínimo, não podendo este ser renunciado ou transacionado a menor, sob pena de ofensa ao princípio da indisponibilidade dos direitos trabalhistas.” (TRT 1ª R. – RO 0001155-07.2012.5.01.0053 – 1ª T. – Relª Mery Bucker Caminha – DOERJ 09.10.2014)

1308 – Direito de arena – natureza jurídica

“I – Recurso de revista do reclamado. 1. Direito de arena. Natureza jurídica. 1.1 A base constitucional do direito de arena é a letra a do inciso XXVIII do art. 5º da Constituição Federal, que assegura a proteção, nos termos da lei, às participações individuais em obras coletivas, e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades esportivas. 1.2 Conforme dispunha o art. 42 da Lei nº 9.615/1998, na sua redação ori-ginal, vigente à época das participações do autor nos jogos de futebol e do ajuizamento da ação, o direito de arena cuida da prerrogativa das entidades de prática desportiva para autorização ou não a fixação, transmissão ou retransmissão pela televisão ou qual-quer outro meio que o faça, de evento ou espetáculo desportivo. Do valor pago a essas entidades em decorrência do direito de arena, uma parcela era destinada aos atletas participantes, dividida em partes iguais. 1.3 Nesses termos, enquanto consequência da participação do atleta nos jogos, decorrente de seu vínculo de emprego com o clube, o direito de arena possuía, na época considerada, natureza salarial, integrando a remune-ração do atleta empregado. Recurso de revista conhecido e desprovido. II – Recurso de revista do reclamante. 1. Unicidade do contrato de trabalho. Pedido de demissão. Ônus da prova. A revista esbarra no óbice da Súmula nº 126/TST, ante a necessidade de ree-xame dos elementos instrutórios dos autos. Recurso de revista não conhecido. 2. Direito de imagem. Contrato de natureza civil. Reconhecimento. 2.1 O recurso de revista se concentra na avaliação do direito posto em discussão. Assim, em tal via, já não são re-volvidos fatos e provas, campo em que remanesce soberana a instância regional. Diante de tal peculiaridade, o deslinde do apelo considerará, apenas, a realidade que o acórdão atacado revelar. Esta é a inteligência da Súmula nº 126 do TST. 2.2 Por outro lado, com a apresentação de divergência jurisprudencial que não atende aos requisitos da Súmula nº 337 desta Corte, resta impossível o conhecimento do apelo. Recurso de revista não conhecido. 3. Multas dos arts. 467 e 477 da CLT. Quando o acolhimento das arguições da parte depender, antes, do revolvimento de fatos e provas – iniciativa infensa ao recur-so de revista (Súmula nº 126/TST) –, impossível será o conhecimento do apelo. Recurso de revista não conhecido. 4. Honorários advocatícios. Decisão moldada à compreensão das Súmulas nºs 219 e 329 do TST não admite recurso de revista, na dicção do art. 896, § 4º, da CLT. Recurso de revista não conhecido.” (TST – RR 0000332-49.2011.5.09.0084 – Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira – DJe 07.11.2014 – p. 830)

1309 – Direito de arena – percentual de 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais a ser repassado aos sindicatos – cabimento

“A previsão contida no § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), considerada a redação promovida pela Lei nº 12.395/2011, estabelece o percentual de 5% (cinco por

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cento) da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais a ser repassado aos sindicatos de atletas profissionais, e que serão distribuídos, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo recurso ordinário em face da sentença de procedência parcial de fls. 106/109, complementada às fls. 128, da Dra. Ana Celina Laks Weissblüth, Juíza Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macaé.” (TRT 1ª R. – RO 0002686-68.2013.5.01.0482 – 6ª T. – Relª Maria Helena Motta – DOERJ 14.10.2014)

Remissão Editorial SÍNTESEVide RDD nº 6, abr./maio 2012, Assunto especial intitulado “Direito de Imagem e Direito de Arena – Aspectos Controvertidos”.

1310 – Direito de arena – porcentagem de 5% ajustada em norma coletiva – validade

“Direito de arena. Porcentagem de 5% ajustada em norma coletiva. Validade. Princí-pio da liberdade e da autodeterminação da vontade coletiva. I – Estabelecia o § 1º do art. 42 da Lei nº 9.615/1998 (‘Lei Pelé’), no período de vigência do contrato de traba-lho, e antes da alteração promovida pela Lei nº 12.395/11, que:‘Salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuí- do, em partes iguais, aos atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento. Nesse contexto, o percentual de 20% só se concretiza quando não há convenção que disponha de modo contrário. É que a Lei privilegia a capacidade de transacionar das partes em condições de igualdade e conhecedoras da realidade que habitam, autori-zando as entidades de classe a negociarem coletivamente sob o pressuposto de, como atores privilegiados, estabelecerem direitos e deveres mais próximos da realidade social e econômica de determinado seguimento produtivo. II – Conforme nos ensina Mario de La Cueva, – A convenção é um princípio de liberdade e de autodeterminação das profis-sões, que lhes permite elaborar normas concretas que haverão de reger sua vida interna, já que o princípio de autodeterminação é um elemento de integração social e uma sólida base da liberdade-. III – In casu, embora haja acordo judicial firmado pelas entidades representantes de cada uma das partes litigantes, não se pode pretender que suas dispo-sições se estendam ad aeternum, em afronta ao que preceitua o art. 614, § 3º, da CLT.” (TRT 1ª R. – RO 0000545-61.2012.5.01.0078 – 5ª T. – Rel. Evandro Pereira Valadao Lopes – DOERJ 05.11.2014)

1311 – Direito de arena – redução da parcela – acordo judicial ou negociação coletiva – impossibilidade

“Direito de arena. Redução da parcela legal devida aos atletas por meio de acordo judi-cial ou negociação coletiva. Impossibilidade. O direito de arena está radicado no art. 5º, XXVIII, a, da Constituição, que assegurou, nos termos da lei, ‘a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas’. De acordo com o art. 42, caput, da Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé), o instituto consiste na prerrogativa exclusiva conferida às entidades de prática desportiva de negociar, autorizar ou proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a re-transmissão ou a reprodução de imagens, por qualquer meio ou processo, de espetáculo esportivo de que participem. A redação originária atribuída ao art. 42, § 1º, da Lei Pelé, vigente até 16.03.2011, estabelecia que ‘salvo convenção em contrário, vinte por cento do preço total da autorização, como mínimo, será distribuído, em partes iguais, aos

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atletas profissionais participantes do espetáculo ou evento’. O percentual mínimo fixado para rateio entre os atletas participantes dos espetáculos esportivos objeto de transmissão não é suscetível de redução mediante acordo judicial ou negociação coletiva, de forma que eventual convenção em contrário somente poderia dispor no sentido de majorar o quinhão a ser distribuído entre os atletas ou ainda com o objetivo de alterar os critérios de repartição. A interpretação estritamente literal contraria o sentido lógico que se de-preende do dispositivo, devendo prevalecer o aspecto protetivo que emerge da norma. Vistos os autos.” (TRT 3ª R. – RO 00131/2013-016-03-00.9 – Relª Juíza Conv. Martha Halfeld F. de Mendonca Schmidt – DJe 19.09.2014 – p. 100)

1312 – Direito de imagem – natureza salarial – incidência em férias, 13º salário e FGTS – cabimento

“Direito de imagem. Valores. Natureza. O contexto demonstra que os valores pagos com a finalidade de direito ao uso da imagem do atleta profissional tinham, na verdade, conotação salarial, sendo devida a sua incidência em férias com 1/3, décimo terceiro salário e FGTS.” (TRT 4ª R. – RO 0000007-63.2013.5.04.0401 – 6ª T. – Relª Desª Maria Cristina Schaan Ferreira – DJe 14.08.2014)

1313 – Direito de imagem – valor desproporcional ao salário – recebimento mensal – natureza salarial

“1. Documento juntado com razões recursais. Não conhecimento. A juntada de docu-mento novo somente se justifica quando comprovado o justo impedimento para a sua oportuna apresentação, ou ainda por se relacionar a fato ocorrido após a sentença, nos termos da Súmula nº 8 do Colendo TST. Assim, não sendo ditas hipóteses o caso dos autos, enseja o não conhecimento do documento juntado com o recurso. 2. Pagamento a título de direito de imagem. Valor desproporcional ao salário. Recebimento mensal. Natureza salarial. O recebimento de parcela muito superior ao valor do salário do atleta, mensalmente, a título de uso da sua imagem, denota que tal parcela tenha sido imple-mentada com o intuito de encobrir a verdadeira remuneração do atleta profissional; Restando visível a sua natureza salarial. 3. Multa de 40% do FGTS. Atleta de futebol. Inaplicabilidade. Inaplicável a multa de 40% do FGTS à agremiação empregadora do atleta de futebol, em benefício deste; já que há hipótese expressa e específica de resci-são indireta, com previsão de pagamento de multa ao atleta, nos termos do art. 31 da Lei nº 9.615/1998, e ainda mais quando a referida Lei não admite contrato por prazo indeterminado para atletas profissionais de futebol. 4. Recurso parcialmente conhecido e parcialmente provido.” (TRT 21ª R. – RO 40600-96.2013.5.21.0002 – (137.863) – 1ª T. – Rel. Des. Carlos Newton Pinto – DJe 14.10.2014 – p. 57)

1314 – Direito de imagem e arena – natureza salarial – reconhecimento

“Atleta profissional de futebol (jogador). Direito de imagem (direito de arena). Natureza salarial da verba. Cabível integração na remuneração para fins trabalhista, previdenciá-rio e fiscal. Parcela paga atleta profissional de futebol (jogador) a título de direito de ima-gem ou arena, possui natureza jurídica salarial, cabendo integração remuneratória para fins trabalhista, previdenciário e fiscal, mormente quando o valor pago é 157% superior ao salário para jogar futebol, entrar em campo. O direito de imagem, embora persona-líssimo e de arrimo constitucional, civil e trabalhista, decorre do contrato de emprego

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firmado com o clube, cujo ganho é acessório, não podendo suplantar o salário pela atividade principal contratada (jogar bola). A dissimulação salarial fica evidente, não só pela desproporção da paga pelo direito de imagem, mas em razão da forma do paga-mento: através de empresa simulada de divulgação e eventos em nome do reclamante. Não passando pelo crivo dos arts. 9º e 444 da CLT. Sentença mantida. (TRT 15ª R., RO 00564-2004-092-15-00-0, 6ª T., Rel. Juiz Édson dos Santos Pelegrini ,JSP 20.01.2006)” (TRT 5ª R. – RO 0000209-35.2013.5.05.0038 – 5ª T. – Relª Desª Maria Adna Aguiar – DJe 18.11.2014)

1315 – Exceção de incompetência em razão do lugar – jogador de futebol – ação pro-posta no foro mais acessível – cabimento

“Exceção de incompetência em razão do lugar. Jogador de futebol. Diante da garantia constitucional do amplo acesso à Justiça, bem como em face do princípio da proteção, norteador do Direito do Trabalho, a regra geral de competência territorial na Justiça do Trabalho, prevista no art. 651, caput, da CLT deve ser flexibilizada, possibilitando--se o ajuizamento da ação no foro mais acessível ao trabalhador.” (TRT 4ª R. – RO 0000676-91.2013.5.04.0571 – 6ª T. – Rel. Juiz Conv. José Cesário Figueiredo Teixeira – DJe 30.10.2014)

Comentário Editorial SÍNTESETrata-se de propositura de ação por jogador de futebol, com base no art. 651 da CLT:

“Art. 651. A competência das Juntas de Conciliação e Julgamento é determinada pela localidade onde o empregado, reclamante ou reclamado, prestar serviços ao empregador, ainda que tenha sido contratado noutro local ou no estrangeiro.

[...]

§ 3º Em se tratando de empregador que promova realização de atividades fora do lugar do contrato de trabalho, é assegurado ao empregado apresentar reclamação no foro da celebração do contrato ou no da prestação dos respectivos serviços.”

Observamos que a regra para a competência é determinada pelo local da prestação de ser-viço ou no foro da celebração do contratado, todavia, há a possibilidade de flexibilização.

São três os critérios de competência:

a) objetivo: abrange a competência em razão da matéria e pelo valor de causa;

b) territorial; e

c) funcional.

No processo do trabalho, presentes estão os critérios relacionados à natureza da causa (material), o territorial (foro ou em razão do lugar) e o funcional.

Para o doutrinador Carlos Henrique Bezerra Leite, temos:

“Com efeito, dispõe o art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lei nº 12.376/2010): ‘Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.’ É dizer, o juiz poderá valer-se das interpretações sistemática e teleológica que o orientarão no sentido de fixar a sua competência territorial considerando a questão da (in)suficiência econômica do trabalhador e a facilitação do seu acesso à Justiça Laboral.

Nesse passo, a fixação da competência territorial prevista no art. 651 da CLT há de ser interpretada de modo a conferir a máxima efetividade aos princípios constitucionais que informam o nosso ordenamento jurídico, tais como os princípios fundamentais do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III e IV), bem como os

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princípios processuais constitucionais da inafastabilidade do acesso ao Poder Judiciário nos casos de lesão ou ameaça a direito (CF, art. 5º, XXXV), do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV) e da razoável duração do processo (CF, art. 5º, LXXVIII).

A interpretação e a aplicação das disposições do art. 651, caput, da CLT, portanto, deve ter por escopo facilitar ao litigante economicamente fraco o ingresso em juízo em condi-ções que lhe propiciem buscar judicialmente seus direitos, desde que isso não implique prejuízo ao direito de ampla defesa do demandado, o que exige o exame do caso concreto submetido à cognição judicial.” (Curso de direito processual do trabalho. 12. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 309)

1316 – Exceção de suspeição – juiz que é sócio torcedor de clube de futebol – não configuração

“Exceção de suspeição. Juiz que é sócio torcedor de clube de futebol. O fato de o juiz da causa ser sócio e torcedor de clube de futebol não o torna suspeito para julgar reclama-tória em que o referido clube, Sport Club Internacional, figura como parte demandada.” (TRT 4ª R. – EXCSUSP 0000714-49.2013.5.04.0007 – 1ª T. – Rel. Des. Marçal Henri dos Santos Figueiredo – DJe 04.11.2014)

Comentário Editorial SÍNTESECuida a ementa em estudo do instituto da exceção de suspeição do juiz.A exceção de suspeição envolve fatos que tornam suspeito de parcialidade o magistrado. Para sua argüição, verifica-se o disposto contido nos arts. 134 e 135 do CPC.Vejamos:“Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:I – amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;II – alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes deste, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;III – herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;IV – receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;V – interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.”O Professor José Rogério Cruz e Tucci leciona:“Abstraindo-se, no entanto, dessa verdade e traçando a distinção entre motivos de impe-dimento (art. 134) e motivos de suspeição, o nosso Código de Processo Civil estabelece, no art. 135, que se considera ‘fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando: I – amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes; II – alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seus cônjuges ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau; III – herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes; IV – receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar algu-ma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio; V – interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes’.”Em nenhum destes incisos, como se nota, preocupou-se o legislador em afastar o juiz quando relacionado ou inimigo do advogado de uma das partes.É certo que o parágrafo único do art. 135 faculta ao magistrado dar-se por suspeito “por motivo íntimo”, mas isto não significa, à evidência, que possa a parte argüir a suspeição decorrente da amizade íntima ou inimizade que porventura conotar o relacionamento do juiz da causa com um dos advogados.Diante da supra-aludida previsão legal, delineia-se uniforme, por via de consequência, a orientação da jurisprudência pátria no que se refere a essa questão.

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Gravíssima como é a arguição de suspeição, seus motivos geradores devem ser de “direito estrito, taxativos, não podendo ser ampliados além daqueles consignados na própria lei” (15).Em substancioso parecer que submeteu, na condição de conselheira, à apreciação do Conselho da Associação dos Advogados de São Paulo, Priscila M. P. Corrêa da Fonseca acrescenta, nessa ordem de ideias, que tem sido “repelido o reconhecimento da suspei-ção quando, v.g., o advogado tenha representado contra o juiz perante a Corregedoria (TJPA, 13.11.1978, Rel. Corrêa de Almeida, Rev. do TJPA, 17/102); quando o juiz tenha sido cliente do advogado (TJSP, Exceção de Suspeição nº 3429-0, Rel. Nogueira Garcez, 03.05.1984, JB, 119/129); ou mesmo quando o magistrado esteja promovendo ação pena1 privada contra o advogado de uma das partes (TJRS, 28.08.1986, Rev. dos Tribs., 631/271)”.E dessa forma – conclui a experiente advogada paulista –, resulta que a falta de previsão legal tem levado os tribunais a rechaçar a arguição de suspeição em hipótese em que há, sem dúvida, indícios veementes de amizade íntima ou inimizade capital entre o juiz e o causídico.Recente aresto da 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região sintetiza essa orientação, de resto consolidada, ao asseverar que: “O art. 135, I, do Código de Processo Civil considera suspeito somente o Juiz que for inimigo capital de qualquer das partes, não o reputado suspeito, quando a inimizade for entre ele e o advogado de uma delas”. (Do relacionamento juiz – Advogado como motivo de suspeição. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 02. dez. 2014)

1317 – Execução – clube de futebol – redirecionamento contra o presidente – efeitos

“Embargos de declaração em embargos de declaração em agravo de instrumento em recurso de revista. Tempestividade. O acórdão às fls. 344-351 foi publicado em 15.04.2014 (terça-feira). Ocorre que no dia 16.04.2014 iniciou-se o feriado da Páscoa, que se estendeu até o dia 21.04.2014. Portanto, o termo inicial para a interposição do recurso foi o dia 22.04.2014 e o termo final foi o dia 28.04.2014 (segunda-feira). Tendo o executado protocolado os embargos declaratórios em 25.04.2014, não há que se falar em intempestividade, razão pela qual dou provimento aos presentes embargos de decla-ração para afastar a intempestividade e conhecer dos embargos de declaração anterior-mente opostos. Segundos embargos de declaração conhecidos e providos para afastar a intempestividade e conhecer dos embargos de declaração anteriormente opostos. Em-bargos de declaração em agravo de instrumento em recurso de revista. Execução inicia-da contra clube de futebol e redirecionada contra o presidente daquele clube. Embargos de terceiro julgados improcedentes pelo e. TRT porque o autor já havia sido citado na execução quando do ajuizamento dos embargos. Omissão não configurada. Revisão do julgado. Impossibilidade. A finalidade dos embargos declaratórios não é a revisão do julgado, mas tão somente suprir vícios existentes, a saber, aqueles expressamente previs-tos nos artigos 535 do CPC e 897-A da CLT, sendo impróprios para outro fim. No caso, não restou demonstrada omissão na decisão. Embargos de declaração conhecidos e não providos.” (TST – ED-ED-AIRR 0001150-48.2011.5.01.0011 – Rel. Min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – DJe 26.09.2014 – p. 1242)

1318 – Mandado de segurança – clube de futebol – penhora de renda – limitação

“Mandado de segurança. Clube de futebol. Penhora de renda. Limitação. A despeito de a jurisprudência atual do C. TST, retratada na Súmula nº 417 e na OJ 93 da SBDI-2,

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assegurar que não fere direito líquido e certo do executado a ordem de penhora a recair sobre faturamento da empresa, por força da interpretação dada ao art. 655 do CPC e aqui lembrado por analogia, tal entendimento vem sendo abrandado pelas Cortes Trabalhis-tas quando o devedor demonstrar nos autos que tal medida representa um duro golpe à sua estabilidade financeira, bem como ao cumprimento de suas obrigações ordinárias. Logo, à vista da documentação acostada à petição inicial, eventual ordem de penhora a recair sobre renda proveniente da bilheteria dos jogos e outras rendas da agremiação esportiva impetrante intermediadas pela Federação Goiana de Futebol, deverá ser limi-tada a 30% do resultado líquido. Segurança concedida.” (TRT 18ª R. – MS 0000116- 63.2012.5.18.0000 – Rel. Des. Platon Teixeira de Azevedo Filho – DJ 20.08.2012).” (TRT 18ª R. – MS 0010274-12.2014.5.18.0000 – Relª Marilda Jungmann Goncalves Daher – DJe 24.11.2014 – p. 116)

1319 – Prazo recursal – início da contagem – dias de jogos da seleção brasileira de futebol – ausência de prorrogação – efeitos

“Dias de jogos da seleção brasileira de futebol. Início da contagem do prazo recursal. Ausência de prorrogação. Nos termos da Portaria TRT3/GP/DJ nº 01, de 10.04.2014, ‘Os prazos processuais que se encerrarem nos dias referidos nos arts. 2º e 3º desta Portaria, ficarão prorrogados para o primeiro dia útil subsequente, nos termos do art. 184, § 1º, do Código de Processo Civil’. Na hipótese dos autos, contudo, o prazo recursal teve início em dia de jogos da Seleção Brasileira de Futebol na Copa de 2014, situação que não se enquadra nas disposições acima.” (TRT 3ª R. – RO 0011598-84.2013.5.03.0163 – Relª Sabrina de Faria Froes Leão – DJe 27.11.2014 – p. 167)

1320 – Prova – ônus – horas extras – comitê organizador dos Jogos Panamericanos do Rio 2007 – alcance

“Agravo de instrumento interposto pela segunda reclamada. Comitê olímpico brasileiro. Responsabilidade subsidiária. Razões dissociadas dos fundamentos da decisão recorrida. Os argumentos aduzidos nas razões do agravo de instrumento devem contrapor-se aos fundamentos norteadores da decisão que se tenciona desconstituir, sob pena de tornar inviável o exame do recurso interposto pela parte, diante da ausência de dialeticidade. Agravo de instrumento de que não se conhece. Agravo de instrumento. Arguição de nuli-dade da decisão mediante a qual se denegou seguimento ao recurso de revista. Rejeita-se a alegação de cerceamento de defesa decorrente da denegação do recurso de revista in-terposto pela parte. A Corte de origem, ao proceder ao juízo primeiro de admissibilidade da revista, apenas cumpre exigência legal, uma vez que a admissibilidade do recurso está sujeita a duplo exame, sendo certo que a decisão proferida pelo Juízo de origem não vincula o Juízo revisor. Agravo de instrumento a que se nega provimento. Agravo de instrumento interposto pela primeira reclamada. Comitê organizador dos Jogos Pana-mericanos do Rio 2007. Horas extras. Ônus da prova. É ônus do empregador que conta com mais de 10 (dez) empregados o registro da jornada de trabalho na forma do art. 74, § 2º, da CLT. A não apresentação injustificada dos controles de frequência gera presun-ção relativa de veracidade da jornada de trabalho, a qual pode ser elidida por prova em contrário (Súmula nº 338, I, desta Corte superior). Revelando a decisão recorrida sintonia com a jurisprudência pacífica do Tribunal Superior do Trabalho, não se habilita a conhe-cimento o recurso de revista, nos termos do art. 896, § 5º, da Consolidação das Leis do

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Trabalho. Agravo de instrumento a que se nega provimento. Vale refeição. Matéria fáti-ca. É insuscetível de revisão, em sede extraordinária, a decisão proferida pelo Tribunal Regional à luz da prova carreada aos autos. Somente com o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos seria possível afastar a premissa sobre a qual se erigiu a con-clusão consagrada pela Corte de origem, no sentido de que não restou comprovado nos autos o fornecimento do vale-refeição devido nos dias de trabalho realizados aos finais de semana. Incidência da Súmula nº 126 do Tribunal Superior do Trabalho. Agravo de instrumento a que se nega provimento.” (TST – AIRR 0137700-63.2007.5.01.0052 – Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa – DJe 14.11.2014 – p. 732)

Comentário Editorial SÍNTESECuida o v. acórdão do instituto do ônus da prova.

O Código de Processo Civil reza no seguinte dispositivo:

“Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:

I – recair sobre direito indisponível da parte;

II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.”

Consolidação das Leis do Trabalho:

“Art. 818, A prova das alegações incumbe à parte que as fizer.”

É sabido que o ônus probandi é o dever de a parte provar em juízo suas alegações para convencimento do juiz. A instrução probatória, como fase do processo de conhecimento, assume tal importância para o deslinde da questão colocada sub judice. Aqui, o de mais controvertido é o que diz respeito ao ônus da prova.

O juiz, para decidir a lide, tem ampla liberdade para apreciar a prova constante dos autos e, assim, formar seu convencimento. Para isso, terá que o observar o princípio da persua-são racional ou do livre convencimento motivado, ou seja, deverá fundamentar, de forma racional, sua decisão.

Nesse contexto, o juiz só usará das regras de distribuição do ônus da prova na hipótese de não haver provas nos autos suficientes para formar seu convencimento.

O Mestre Rodrigo Garcia Schwarz leciona:

“É correto afirmar que o moderno sistema processual não estabelece, para a parte, a obrigação de produzir a prova, apenas convencionando claramente qual das partes verá a sua pretensão sucumbir caso não se produza a prova. Falar-se em ônus da prova, assim, não significa remissão a uma obrigação. Ônus e obrigação não se confundem: quando há ônus, tutela-se interesse próprio; quando há obrigação, interesse de outrem.

[...]

Pode-se concluir que a regra de distribuição do ônus da prova no processo do trabalho, consubstanciada na disposição contida no art. 818 da Consolidação das Leis do Trabalho, não estabelece, para a parte, a obrigação de produzir a prova, apenas vindo a prejudicar a parte caso não se produza a prova, ou seja, havendo prova nos autos, suficiente à formação do convencimento do juiz, pouco importa a quem competia o ônus da prova; todavia, no caso contrário, o non liquet quanto à prova fará com que o juiz se convença em prejuízo da parte onerada pelo sistema processual.

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No processo do trabalho, ordinariamente, o ônus da prova incumbe, respectivamente, ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; ao réu, quanto à existência de fato im-peditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. A regra é de que a prova incumbe a quem afirma, e não a quem nega a existência de um fato; somente será o réu onerado se, não negando a existência do fato constitutivo do direito do autor, opuser àquele um outro fato, impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.” (Breves considerações sobre as regras de distribuição do ônus da prova no processo do trabalho. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 02 dez. 2014)

1321 – Relação de emprego – vendedor em estádio de futebol – vínculo inexistente

“Recurso ordinário do reclamante. Relação jurídica havida entre as partes. Vendedor em estádio de futebol. Não configurados os pressupostos necessários ao reconhecimento da relação de emprego, nos termos dos arts. 2º e 3º da CLT. Atividade desempenhada pelo autor de forma autônoma. Apelo negado.” (TRT 4ª R. – RO 0001607-62.2012.5.04.0011 – 9ª T. – Relª Desª Maria da Graça Ribeiro Centeno – DJe 07.11.2014)

Comentário Editorial SÍNTESE

Cuida a ementa em destaque da não configuração da relação de emprego do vendedor de produtos em estádio de futebol.

A previsão está contida no art. 3º da CLT:

“Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”

Nesse sentido, temos:

“A Relação de Emprego é espécie do gênero Relação de Trabalho, que é mais abrangente daquela relação prevista na CLT, que vige até a atualidade.

Pois a CLT, em seu art. 3º, ao dispor sobre o conceito de empregado, para seus termos, nos forneceu os pressupostos necessários, por conseguinte, para que ocorra uma relação de emprego, uma relação de trabalho com vínculo empregatício, assim vejamos:

“Art. 3º Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a um empregador, sob dependência deste e mediante salário.”

Assim, um dos requisitos para identificação do contrato de emprego é a expressão “sob dependência deste”, que na verdade nada mais é que estar sob suas ordens, seu coman-do, expressão que os doutrinadores do Direito do Trabalho entenderam por bem denomi-ná-la de subordinação. Portanto, o objeto de nosso estudo.

Como já mencionamos, a expressão “sob dependência deste” nada mais é que estar sob suas ordens; significa que o prestador de serviços não executa a tarefa como lhe aprouver, da forma que desejar, a seu critério, livre e autonomamente. Ele é um trabalhador subor-dinado, dependente, dirigido por outrem (o empregador). Daí a construção doutrinária de se proteger alguém que, ao celebrar o contrato, abdica sua vontade, para subordinar-se a outrem dentro de seu horário de trabalho e dentro de sua qualificação profissional.

É justamente tal característica capaz de distingui-lo dos outros contratos afins: a subor-dinação. Subordinação que passou a entende-la como subordinação jurídica, porém por tempos, várias foram as formas e tentativas de qualificá-la como subordinação: técnica; econômica; social e jurídica.” (Relação de emprego: o elemento “subordinação” no contra-to de trabalho com as novas tecnologias. Disponível em: http://online.sintese.com. Acesso em: 03 dez. 2014)

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Tributário

1322 – Execução fiscal – penhora – receita referente à venda de atleta – possibilidade

“Processo civil e tributário. Execução fiscal. Agravo de instrumento. Penhora. Receita referente à venda de atleta. Possibilidade. Reinclusão no parcelamento. Manutenção do gravame. Decisão não teratológica. I – É importante ressaltar que o juiz não está vincula-do a examinar todos os argumentos expendidos pelas partes, nem a se pronunciar sobre todos os artigos de lei, restando bastante que, no caso concreto, decline fundamentos su-ficientes e condizentes a lastrear sua decisão. II – O Colendo Superior Tribunal de Justiça já se posicionou no sentido de que o parcelamento da dívida tributária, por não extinguir a obrigação, implica a suspensão da execução fiscal, e não sua extinção, o que só se verifica depois de quitado o débito, motivo pelo qual a penhora realizada em garantia do crédito tributário deve ser mantida até o cumprimento integral do acordo. Assim, a penhora dos direitos federativos e econômicos do jogador W. N. Deve ser mantida, nos termos em que fora determinada, eis que efetivada em momento anterior à reinclusão ao programa de parcelamento. III – É entendimento jurisprudencial consolidado, não se constituir em nulidade ou ofensa ao art. 93, IX, da CF, o relator adotar como razões de decidir os fundamentos da sentença ou da manifestação ministerial, desde que comporte análise de toda a tese defensiva. Assim, para afastar a tese da agravante, adoto também como razão de decidir a fundamentação da bem lançada decisão agravada, tendo em vista a ausência de qualquer argumento apto a modificá-la. IV – ‘[...] Portanto, a decisão que determinou a penhora dos direitos federativos e econômicos do jogador negociado pelo executado foi anterior à sua reinclusão no parcelamento da Timemania. Ressalte--se, que a Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro – FERJ e a Confederação Brasileira de Futebol – CBF foram intimadas da penhora nos dias 07 e 06 de junho de 2013, respectivamente, consoante certidões de fls. 500 e 503. Além disso, houve inti-mação do Banco Central do Brasil no sentido de bloquear operações de câmbio com a participação do executado, visto que os créditos possivelmente seriam recebidos em moeda estrangeira. Ademais, o [...] foi devidamente intimado da penhora, bem como da obrigação de depositar em conta à disposição do Juízo os valores recebidos em razão da negociação do jogador [...], como se observa de fls. 556/557. Desse modo, tanto a decisão determinando a penhora quanto as intimações necessárias para o seu cumpri-mento ocorreram antes da reinclusão do executado no parcelamento da Timemania, quando a presente execução fiscal estava tramitando regularmente. Em outras palavras, antes de ser reincluído no parcelamento da Timemania o executado foi devidamente intimado da penhora dos direitos federativos e econômicos do jogador [...], assim como da necessidade de depositar em Juízo os valores relativos à sua negociação. Nesse caso, a posterior adesão do executado ao parcelamento não possui o condão de desconstituir a penhora anteriormente efetivada[...]’. V – O direito federativo/esportivo é o direito que a entidade desportiva/clube possui de registrar o atleta na Federação como vinculado a ela. Esse direito nasce com a celebração do contrato de trabalho entre o clube e o pra-ticante desportivo e é acessório ao pacto laboral. Assim sendo, uma vez rescindido ou terminado o contrato de trabalho desportivo, extingue-se o direito federativo. VI – Por ser o detentor exclusivo dos direitos federativos, os Clubes também detém 100% dos direitos econômicos advindos de futura transferência do atleta. No entanto, o Clube pode ceder

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este percentual (crédito futuro) e fixar as regras e modo desta divisão, o que ocorre por meio de contrato separado (Contrato de Direito Econômico). Assim, compreendem-se por ‘direitos econômicos’ os benefícios econômicos de um Clube de futebol resultante da transferência de direitos federativos de um atleta vinculado a este para outro Clube. VII – Como são contratos vinculados, ou seja, amparados nos contratos de trabalho dos atletas (vínculo federativo/esportivo), não há falar em ausência de efetivação da penhora, por não ter havia o pagamento do preço ajustado entre o agravante o clube ucraniano Shaktar Donetsk. Isto porque, quando o agravante pactuou a transferência do seu funcionário Wellington Nem, cedeu o direito ao clube ucraniano de registrar o atleta na Federação respectiva como vinculado a ele, e, ao mesmo tempo, se beneficiou economicamente da avença. VIII – Portanto, com acerto o Juízo de Origem concluiu que a penhora dos direitos econômicos do jogador Wellington Nem foi determinada e o fluminense foi devidamente intimado da mesma, bem como da obrigação de depositar em Juízo o valor relativo à negociação do atleta, quando o clube se encontrava excluído do parcelamento. Desta forma, o adimplemento extemporâneo do contrato efetuado não o descaracteriza, fato que ocorrerá somente com o distrato. IX – Este Egrégio Tribunal já tem posicionamento consolidado no sentido de que a reforma de decisum, através de agravo de instrumento, somente deverá ocorrer quando o juiz dá à Lei interpretação teratológica, fora da razoabilidade jurídica, ou quando o ato se apresenta flagrantemente ilegal, ilegítimo e abusivo, o que não é o caso, tendo em vista que o douto Magistrado da Vara de Origem analisou detidamente todos os argumentos levantados pela parte. X – Agravo de instrumento não provido.” (TRF 2ª R. – AI 2013.02.01.017439-6 – 4ª T.Esp. – Relª Juíza Fed. Conv. Sandra Chalu Barbosa – DJe 12.11.2014 – p. 581)

1323 – IR – museu do Futebol Clube do Porto – custeio da obra e locação de espaços publicitários – retenção na fonte – remessas ao exterior – tributação – exegese

“Tributário. Processual civil. Mandado de segurança. Museu do Futebol Clube do Porto (custeio da obra e locação de espaços publicitários). IRRF. Remessas/envios ao exterior, por empresa brasileira, aqui sediada, a sociedades portuguesas, sem estabelecimento no Brasil, de valores enquadráveis como o ‘lucro’ de que trata a convenção/tratado Brasil--Portugal (Decreto nº 4.012/2001), celebrados para evitar bitributação precedente do STJ. 1. A querela é do tipo exclusivamente jurídica, remetendo à só interpretação de conceitos jurídico-tributários usuais, sem qualquer resquício fático-probando, o que tor-na adequada a via processual adotada, ensejando o afastamento do art. 267, VI, do CPC, e viabilizando, com permissivo no § 3º do art. 515 do CPC, dada a maturidade do feito, o exame do mérito pelo TRF1. 2. A Convenção/Tratado Brasil-Portugal, celebrada em maio/2000, promulgada pelo Decreto nº 4.012/2001, ‘destinada a evitar a dupla tributa-ção e a prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento’, consigna que ‘os lucros de uma empresa de um Estado contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável’. 3. Da leitura do tra-tado/convenção se extrai que a palavra ‘lucros’ alude não conceito jurídico contábil nacional estrito, abarcando, sim, remessas/envios de empresa brasileira, aqui constituída e sob leis nacionais, para o exterior (Portugal), em prol de sociedades constituídas sob

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as normas lusitanas e em tais terras situadas, a título de custeio de edificação de museu esportivo e locação de espaços publicitários, notadamente se os beneficiários dos en-viados não possuem estabelecimento estável no Brasil, devendo eles, a tempo e modo, se sujeitarem as leis tributárias do Estado Português em face do rendimento auferido, o que, contudo, não legitima a incidência, aqui no Brasil, do IRRF. 4. Precedente – mutatis mutandis – da T2/STJ, amplo e mais do que bem fundamentado (REsp 1161467/RS, Rel. Min. Castro Meira, DJe 17.05.2012): ‘[...]. Convenções internacionais contra a bitribu-tação. Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá. Arts. VII e XXI. Rendimentos auferidos por em-presas estrangeiras pela prestação de serviços à empresa brasileira. Pretensão da fazenda nacional de tributar, na fonte, a remessa de rendimentos. Conceito de ‘lucro da empresa estrangeira’ no art. VII das duas convenções [...]. Prevalência das convenções sobre o art. 7º da Lei nº 9.779/1999. Princípio da especialidade. Art. 98 do CTN. Correta inter-pretação. 3. Segundo os arts. VII e XXI das convenções contra a bitributação celebrados entre Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá, os rendimentos não expressamente menciona-dos na convenção serão tributáveis no Estado de onde se originam. Já os expressamente mencionados, dentre eles o ‘lucro da empresa estrangeira’, serão tributáveis no Estado de destino, onde domiciliado aquele que recebe a renda. 4. O termo ‘lucro da empresa estrangeira’, contido no art. VII das duas convenções, não se limita ao ‘lucro real’, do contrário, não haveria materialidade possível sobre a qual incidir o dispositivo, porque todo e qualquer pagamento ou remuneração remetido ao estrangeiro está e estará sem-pre – sujeito a adições e subtrações ao longo do exercício financeiro. 5. A tributação do rendimento somente no Estado de destino permite que lá sejam realizados os ajustes necessários à apuração do lucro efetivamente tributável. Caso se admita a retenção ante-cipada – e, portanto, definitiva – do tributo na fonte pagadora, como pretende a Fazenda Nacional, serão inviáveis os referidos ajustes, afastando-se a possibilidade de compen-sação se apurado lucro real negativo no final do exercício financeiro. 6. Portanto, ‘lucro da empresa estrangeira’ deve ser interpretado não como ‘lucro real’, mas como ‘lucro operacional’, previsto nos arts. 6º, 11 e 12 do Decreto-Lei nº 1.598/1977 como ‘o resul-tado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica’, ai incluído, obviamente, o rendimento pago como contrapartida de serviços prestados. 7. A antinomia supostamente existente entre a norma da convenção e o direito tributário interno resolve-se pela regra da especialidade, ainda que a normatização interna seja posterior à internacional. 8. O art. 98 do CTN deve ser interpretado à luz do princípio Lex specialis derrogat generalis, não havendo, propriamente, revogação ou derrogação da norma interna pelo regramento internacional, mas apenas suspensão de eficácia que atinge, tão só, as situações envolvendo os sujeitos e os elementos de estraneidade descri-tos na norma da convenção. 9. A norma interna perde a sua aplicabilidade naquele caso específico, mas não perde a sua existência ou validade em relação ao sistema normativo interno. Ocorre uma ‘revogação funcional’, na expressão cunhada por Heleno Torres, o que torna as normas internas relativamente inaplicáveis àquelas situações previstas no tratado internacional, envolvendo determinadas pessoas, situações e relações jurídicas específicas, mas não acarreta a revogação, stricto sensu, da norma para as demais situa-ções jurídicas a envolver elementos não relacionadas aos Estados contratantes. 10. No caso, o art. VII das Convenções Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá deve prevalecer sobre a regra inserta no art. 7º da Lei nº 9.779/1999, já que a norma internacional é especial e se aplica, exclusivamente, para evitar a bitributação entre o Brasil e os dois outros países

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signatários. Às demais relações jurídicas não abarcadas pelas convenções, aplica-se, in-tegralmente e sem ressalvas, a norma interna, que determina a tributação pela fonte paga-dora a ser realizada no Brasil’. 5. Apelação provida: preliminar de impropriedade da via afastada, segurança concedida. 6. Peças liberadas pelo Relator, em Brasília, 8 de abril de 2014, para publicação do acórdão.” (TRF 1ª R. – AC 0058303-05.2011.4.01.3800/MG – Rel. Des. Fed. Luciano Tolentino Amaral – DJe 25.04.2014 – p. 806)

Comentário Editorial SÍNTESENo acórdão ora comentado, a 7ª Turma do TRF da 1ª Região consignou o entendimento que não incide Imposto de Renda retido na fonte sobre repasses feitos por empresas bra-sileiras a estrangeiras sem estabelecimento no Brasil.

Em primeira instância, o processo foi extinto por impropriedade da via eleita, o que gerou o recurso que deu cauda ao acórdão em comento.

Alegou a empresa a legitimidade da via eleita e, no mérito, que o art. 7º do Tratado/Con-venção Brasil-Portugal, promulgado pelo Decreto nº 4.012/2001, afastaria a cobrança do IRRF que deverá ocorrer, se for o caso, com base nas normas vigentes em Portugal.

Ao analisar os autos, manifestou-se o Desembargador Relator concordando com os argu-mentos apresentados pela recorrente, e destacando que a Convenção/Tratado Brasil-Por-tugal estabelece que “os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável”, e que se as empresas portuguesas beneficiárias dos repasses feitos pela empresa brasileira não possuem estabelecimento estável no Brasil, “devem elas, a tempo e modo, se sujeitarem às leis tributárias do Estado Português em face do rendimento auferido, o que, contudo, não legitima a incidência, aqui no Brasil, do IRRF”.

1324 – ISS – atividades relacionadas a lazer, exploração de jogos eletrônicos, boliches, música – alteração de alíquota – efeitos

“Apelação cível ação declaratória. ISS sobre atividades relacionadas a lazer, exploração de jogos eletrônicos, boliches, música. 1. Alegação de que houve alteração nas alíquo-tas de ISS dos equipamentos utilizados pela autora com aplicação retroativa de critérios para fixação do tributo. Ausência de provas aptas a comprovar as alegações da autora. Instadas a se manifestarem acerca da produção de provas, as partes pleitearam o julga-mento antecipado da lide. Cerceamento de defesa em face do julgamento no Estado. Inocorrência. O ônus da prova é daquele que alega. Inteligência do art. 333, I, do CPC. 2. Honorários advocatícios. Valor irrisório. Possibilidade de majoração. Honorários ma-jorados para R$ 2.000,00 (dois mil reais). Inteligência do § 4º do art. 20 do CPC. Prece-dentes do STJ. Sentença parcialmente reformada. Recurso da autora improvido e recurso da municipalidade provido.” (TJSP – Ap 3000164-67.2013.8.26.0224 – Guarulhos – 15ª CDPúb. – Rel. Eutálio Porto – DJe 13.05.2014 – p. 1700)

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Seção Especial – De Frente para o Gol

Breve Análise do Artigo 243-G, § 2º, do CBJD

LOUIS AUGUSTO DOLABELA IRRTHUMAdvogado do Escritório Lucchesi Dolabela, atuando com Direito Civil, Consumidor, Família e Desportivo, Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG, Membro do Institu-to Brasileiro de Direito Desportivo – IBDD, Especializando em Direito Desportivo e Negócios, Auditor do Tribunal de Justiça Desportiva de Minas Gerais.

LUCIANO DE CAMPOS PRADO MOTTAAdvogado, Pós-Graduando em Direito Desportivo e Negócios do Esporte pelo Cedin/IAED, Pós-Graduando em Direito de Empresa pelo IEC PUC-Minas.

RESUMO: O presente artigo pretende discutir a possibilidade de torcedores serem julgados pelo STJD e condenados, sendo impedidos de frequentar praça desportiva em virtude de ato discrimina-tório.

PALAVRAS-CHAVE: Grêmio; racismo; punição; torcedor.

ABSTRACT: This article aims to discuss the possibility of fans being judged by STJD and condemned not to be able to attend sports plaza due to discriminatory act.

KEYWORDS: Grêmio; racism; punishment; fans.

SUMÁRIO: Introdução; 1 Dos entes e pessoas submetidos ao CBJD; 2 Análise crítica do artigo 243-G, § 2º, do CBJD; 3 Análise crítica da decisão; 3.1 Inconstitucionalidade da decisão; 3.2 Outros pontos polêmicos da decisão; Conclusão; Referências.

INtrodução

No dia 03.09.2014, em decisão histórica, o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), em sessão da 3ª Comissão Disciplinar, excluiu o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense da Copa do Brasil 2014, por conta de ofensa racistas proferidas por seus torcedores contra o goleiro Mário Lúcio Duarte Costa, mais conhecido como Aranha, titular do Santos Futebol Clube, em partida válida pelas oitavas de final da competição nacional.

Ainda, em decisão unânime, a 3ª Comissão Disciplinar do STJD determinou que as pessoas que foram identificadas xingando o jogador Aranha estão proibidas de entrar em estádios por 720 dias, nos termos do art. 243-G, § 2º, do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

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O presente artigo visa a analisar, sem a pretensão de esgotar o as-sunto, a punição imposta aos torcedores na esfera desportiva e pelo Supe-rior Tribunal de Justiça Desportiva em virtude dos atos discriminatórios.

1 doS eNteS e PeSSoaS SubmetIdoS ao cbjd

A importância da determinação exata de quais são as matérias e os entes e pessoas que se submetem a uma determinada lei é evidente, pois é com o auxílio desses critérios que se consegue evitar o abuso de poder emanado da própria lei, bem como da aplicação dela, pelos órgãos e en-tidades responsáveis. Nesse sentido, evita-se que determinadas matérias e pessoas estranhas ao corpo da lei sejam atingidas por seus efeitos.

Do ponto de vista material, o art. 1º do CBJD, inserido no capítulo I – Da organização da Justiça Desportiva –, dispõe que a organização, o funcionamento, as atribuições da Justiça Desportiva, o processo desporti-vo e a previsão das infrações disciplinares desportivas e de suas respecti-vas sanções, no que se referem ao desporto de prática formal, regular-se--ão por lei e pelo próprio CBJD.

Posteriormente, o § 1º estabelece um rol de pessoas, naturais ou jurídicas, que se sujeitam ao CBJD. Além dos entes e pessoas diretamen-te ligadas à prática desportiva – quais sejam, as entidades nacionais e regionais de administração do desporto; as ligas nacionais e regionais; as demais entidades de prática desportiva; os atletas, profissionais e não profissionais; os árbitros e demais membros de sua equipe –, os incisos VI e VII estabelecem outras pessoas que também se submetem ao CBJD.

Após essa análise preliminar, e para não perder o foco do presente trabalho, passemos à análise de um ponto particular do processo des-portivo. Antes, porém, necessário se faz destacar qual é a competência de atua ção da Justiça Desportiva. Conforme aduz o art. 24 do CBJD, os órgãos da Justiça Desportiva têm competência para processar e julgar matérias referentes às competições desportivas disputadas e às infrações disciplinares cometidas pelas pessoas naturais ou jurídicas mencionadas no art. 1º.

O capítulo V do CBJD dispõe sobre a comunicação dos atos pro-cessuais (arts. 45 a 51-A). Em que pesem os arts. 45 e 46 conceituarem citação e intimação, respectivamente, e admitirem a citação/intimação de pessoa natural, são os arts. 48 e 49 que determinam a forma pela qual o

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instrumento de citação e intimação serão processados. E ambos os artigos determinam que nos instrumentos de citação e intimação devam constar o nome do intimado e a entidade a que estiver vinculado, entre outros requisitos.

Posto isso, indaga-se sobre qual seria a amplitude do termo “enti-dade a que estiver vinculado”, pois o vínculo de uma pessoa natural para com uma determinada entidade pode se dar de diversas maneiras. Para auxiliar na interpretação, o próprio CBJD, em seu art. 1º, § 1º, VI, informa que, também, sujeitar-se-iam ao Código as pessoas naturais que exerces-sem quaisquer cargos, empregos ou funções diretamente relacionados a alguma modalidade esportiva, incluindo-se dirigentes, administradores, treinadores, médicos ou membros da comissão técnica.

O inciso VII, mais abrangente ainda, amplia o rol de pessoas vincu-lados ao CBJD, ao mencionar todas as demais entidades compreendidas pelo Sistema Nacional do Desporto (SND), bem como as demais pessoas naturais e jurídicas vinculadas, filiadas, controladas ou coligadas, direta ou indiretamente, à entidade.

Em síntese, em uma interpretação literal, no que tange às pessoas naturais, elas só se submeterão ao CBJD se possuírem algum vínculo com uma determinada entidade, mesmo que indireto.

Mas, ainda, o que seria esse vínculo indireto para com a entidade? Estaria o torcedor, na condição de um mero espectador, consumidor e detentor de um vínculo afetivo para com o seu clube incluído nesse rol?

Na tentativa de responder a essas perguntas, registra-se que em mo-mento algum o art. 1º utiliza o termo torcedor. Pelo contrário, procura exemplificar e abranger ao máximo as pessoas que estejam diretamente relacionadas à organização do evento ou às entidades responsáveis, seja por um contrato de trabalho formal, por um contrato de prestação de ser-viços, ou no uso e atribuições conferidos por lei, estatuto do ente despor-tivo/administrativo; ou, indiretamente, seja na condição de colaborador ou voluntário, a título exemplificativo.

De outra feita, pelo tamanho cuidado com que o legislador tratou o tema, se a real intenção fosse a de submeter o torcedor ao CBJD, ele não hesitaria em citá-lo expressamente no rol elencado no art. 1º.

Entretanto, ainda assim, poder-se-ia indagar se os sócios torcedo-res estariam incluídos nesse rol de pessoas que possuem vínculo com a

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agremiação e, portanto, estariam submetidos ao CBJD. A nosso entender, a resposta é não, pois esse vínculo é tão somente consumeirista. De um lado o clube, que se propõe a oferecer produtos e serviços, e, de outro, o torcedor, que, em contrapartida, oferece uma prestação pecuniária.

E, nesse ponto, o sistema é harmônico, pois se entendermos que somente pessoas direta ou indiretamente vinculadas a um ente se subme-tam ao CBJD, consequentemente, é compreensível que no instrumento de citação/intimação se faça constar o ente no qual essas pessoas naturais estejam vinculadas e, mais ainda, que a citação/intimação seja dirigida, também, à entidade no qual a pessoa estiver vinculada, conforme § 1º do art. 47.

2 aNálISe crítIca do artIgo 243-g, § 2º, do cbjd

O art. 243-G do CBJD determina como infração contra a ética des-portiva a prática de ato discriminatório, preconceituoso. A pena incidente é a de suspensão de cinco a dez partidas, se o ato for praticado por atleta, treinador, médico, membro da comissão técnica; suspensão pelo prazo de cento e vinte a trezentos e sessenta dias, se praticada por qualquer outra pessoa natural submetida ao CBJD; além de multa.

O § 2º do mesmo artigo determina que a pena de multa poderá ser aplicada à entidade de prática desportiva cuja torcida praticar os atos discriminatórios e que os torcedores, se identificados, ficarão proibidos de ingressar na respectiva praça esportiva pelo prazo mínimo de setecentos e vinte dias.

Em uma leitura rasa, salta aos olhos a ilegalidade do supracitado parágrafo. O caput determina um quantum exato, mínimo e máximo de suspensão para o atleta, treinador e demais pessoas submetidas ao CBJD que cometerem a referida infração, mas, para o torcedor, estabeleceu so-mente um mínimo.

Ora, é evidente que tal dispositivo ofende diretamente o princípio da legalidade, preconizado no inciso VII do art. 2º do CBJD – princípio esse basilar do Estado de Direito que “converte-se em uma exigência de segurança jurídica e de garantia individual”1.

1 PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral: arts. 1º a 120. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 131.

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Assim como no âmbito penal, no desportivo não pode haver infra-ção nem sanção sem prévia lei. Analogicamente, é dizer, tanto o preceito primário, compreendido como aquele “encarregado de fazer a descrição detalhada e perfeita da conduta que se procurar proibir ou impor”2, quan-to o preceito secundário, que visa a individualizar a sanção, devem ser claros e determinados3.

Assim, aquele que pratica a conduta descrita no preceito primário terá como consequência a sansão imposta no preceito secundário da nor-ma, evitando-se qualquer forma de abuso de poder, autoridade. Não se pode admitir, como no caso em análise, que exista uma pena, sanção que não estabeleça um quantum máximo, somente um mínimo, deixando a aplicação à completa arbitrariedade do julgador.

Nesse mesmo sentido, conforme nos ensina Paulo Bonavides4, o referido princípio visa a proteger os indivíduos de uma conduta abusi-va, arbitrária e imprevisível, evitando-se, portanto, um estado de dúvida, intranquilidade e desconfiança não só quanto ao órgão judicante, bem como da aplicação e dos efeitos da própria norma.

Ademais, como mais uma crítica à pena imposta ao torcedor, inde-pendentemente de sua validade ou não, ele só ficaria impedido de ingres-sar na respectiva praça esportiva em que praticou o ato. Tendo em vista que não cabe interpretação extensiva para restringir direitos, é dizer, ele só não poderia ingressar no estádio em que praticou o ato. Dessa forma, ainda sim, poderia ingressar em outros estádios em que o seu clube for jogar, inclusive estádios da mesma cidade.

3 aNálISe crítIca da decISão

De acordo com a publicação da decisão do Processo nº 103/2014, cujo relator foi o Dr. Francisco Pessanha, a 3ª Comissão Disciplinar do STJD decidiu, por unanimidade de votos, que os torcedores já identifica-dos e os que ainda serão identificados por injúria racial ficassem proibi-dos de entrar nos estádios, pelo prazo de 720 dias.

2 GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 19.3 Vide GRECO, 2010, p. 92-93; QUEIROZ, Paulo de Souza. Direito penal – Introdução crítica, p. 23-24, apud

GRECO, 2010, p. 93; e PRADO, op. cit., p. 133.4 BONAVIDES, Paulo. Ciência política, p. 112, apud GRECO, 2010, p. 89.

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3.1 incOnstituciOnalidade da decisãO

Consta no edital da 3ª Comissão Disciplinar do STJD a citação e intimação dos denunciados Grêmio, Santos, Wilton Pereira Sampaio (ár-bitro FIFA/GO), Kleber Lúcio Gil (árbitro FIFA/SC assistente nº 1), Carlos Berkenbrock (árbitro assistente nº 2) e Roger Goulart (quarto árbitro).

Em momento algum, constam a citação e a intimação dos torcedo-res identificados para participarem do julgamento em que foi imposta a proibição de frequentar os estádios pelo prazo de 720 dias.

Entendemos que a ausência de citação/intimação dos referidos tor-cedores viola a um só tempo o CBJD e a Carta Magna.

Ora, o art. 5º, LIV, da Constituição Federal de 1988 determina que “ninguém será privado da liberdade sem o devido processo legal” e que, como corolário, aos acusados devem ser assegurados o contraditório e a ampla defesa5.

Tais princípios foram abraçados pelo Código Brasileiro de Justiça Desportiva, que dispõe, em seu art. 2º, I, III, XV, que a sua aplicação de-verá observar a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, respectivamente.

Nas lições de Alexandre de Moraes6, o devido processo legal “con-figura uma dupla proteção ao indivíduo” ao assegurar proteção ao direito de liberdade, e ao mesmo tempo a plenitude de defesa em que se pressu-põe direito a defesa técnica, à publicidade do processo, à citação, à pro-dução ampla de provas etc. Nesse sentido, “nenhuma penalidade poderá ser imposta, tanto no campo judicial, quanto nos campos administrativos ou disciplinares, sem a necessária amplitude de defesa”7.

Em que pese a nobre intenção do Conselho Nacional do Esporte ao acrescer ao CBJD a redação do art. 243-G, § 2º, entendemos que a restri-ção aos torcedores descrita no referido artigo não permite a ausência de citação/intimação deles para participarem de eventual julgamento.

Entendimento em contrário irá permitir violação aos princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal. Irá conferir poder supremo ao STJD e demais Tribunais de Justiça Desportiva do País.

5 Cf. art. 5º, LV, da CF/1988.6 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 94.7 MORAES, 2006, p. 94, ao citar RTJ 83/385 e RJTJSP 14/219.

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Deve-se observar que, nesse momento, não estamos discutindo a legitimidade do STJD ou TJDs em punir torcedores, ainda que entenda-mos pela impossibilidade de pessoas não submetidas ao Código Brasileiro de Justiça Desportiva serem apenadas.

Advogamos, sim, a observância dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito, sob pena de nulidade das decisões proferidas pela Justiça Desportiva, evitando-se, inclusive, que essas decisões sejam questionadas perante a Justiça Ordinária.

3.2 OutrOs pOntOs pOlêmicOs da decisãO

Quanto à condenação dos torcedores, a decisão vai mais longe; ela é frágil em dois pontos: (I) proíbe a entrada dos torcedores já identificados nos estádios, o que leva a entender, pelo emprego da palavra estádios no plural, que a proibição se estende para os estádios de futebol, de uma for-ma geral. Portanto, em desconformidade com o art. 243-G, que determina a proibição para a praça específica em que o ato foi praticado, conforme já exposto; (II) inclui, na condenação, os torcedores que serão identifi-cados pela prática do ato racial. Ora, o torcedor sequer terá o direito de se defender, pois ele já está condenado desde já. Pior será se o torcedor supostamente já identificado for absolvido do crime de injúria na esfera penal, ou tiver o inquérito arquivado.

coNcluSão

Por todo o exposto, parece-nos razoável afirmar que o art. 243-G, § 2º, é uma aberração jurídica, tanto do ponto de vista da sistemática do CBJD, em que não há que se falar em inclusão dos torcedores no rol de pessoas submetidas ao CBJD, isto é, em última análise, não cabe ao STJD julgar torcedores, quanto do ponto de vista da sanção imposta aos torce-dores, que só estabelece um quantum mínimo.

Contudo, se ainda assim entendermos ser possível que o STJD jul-gue torcedores, da forma em que preconiza o art. 243-G, sem dúvida nenhuma, resta imprescindível que tal julgamento se dê em consonância com os princípios basilares do Estado Democrático de Direito consagra-dos na Constituição Federal e reafirmados no próprio CBJD.

Em assim sendo, cabe ao Pleno do Superior Tribunal de Justiça Desportiva anular a decisão da 3ª Comissão Disciplinar e determinar o

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retorno dos autos à origem para que novo julgamento seja realizado, após oportunizado aos torcedores o exercício pleno da ampla defesa e do con-traditório.

referêNcIaS

BRASIL. Código Brasileiro de Justiça Desportiva/IBDD – Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. São Paulo: IOB, 2010. Disponível em: <http://portal.esporte.gov.br/seminarioreformacodbrasileiro/arquivos/cbjdFinal.pdf>. Acesso em: 07 set. 2014.

______. Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988. Estabelece as bases de organização dos desportos em todo o País. Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 07 set. 2013.

______. Superior Tribunal de Justiça Desportiva. Processo nº 103/2014. Auditor Relator: Dr. Francisco Pessanha. Rio de Janeiro, 03 set. 2014. Disponível em: <http://www.stjd.org.br/arquivos/editais/442059034dffe0096faad1e841d9b590.pdf>. Acesso em: 07 set. 2014.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.

PRADO, Luiz Régis. Curso de direito penal brasileiro. Parte geral: arts. 1º a 120. 8. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

SCHEREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. 5. ed. São Paulo: Atlas S/A, 2013.

SOUZA, Gustavo Lopes Pires de et. al. Direito desportivo. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014.

SOUZA, Gustavo Lopes Pires; DELBIN, Gustavo. Comentários ao Estatuto do Tor-cedor. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013.

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Seção Especial – Prática Processual

Dopping

POR GUSTAVO LOPES

EXMO. DR. AUDITOR PRESIDENTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUS-TIÇA DESPORTIVO DO ATLETISMO

Elias Rodrigues Bastos, denunciado no processo de dopagem em epígrafe, vem apresentar defesa escrita, conforme os seguintes fatos e ar-gumentos.

1 SíNteSe doS fatoS

A Confederação Brasileira de Atletismo recebeu do laboratório INRS – Institut Armand-Frappier, credenciado pela WADA-IAAF, com sede no Canadá, o comunicado da presença de achado analítico adverso na amostra da urina “A” do atleta Elias Rodrigues Bastos.

A amostra foi coletada no dia 6 de abril de 2014, durante a compe-tição “Asics Golden Four”, ocorrida no Rio de Janeiro/RJ, tendo sido de-tectada a presença da substância proibida metiltestosterona e metabólitos (anabólico esteroide exógeno – S1A), nos termos da lista de substâncias proibidas emitida pela WADA e aceita pela IAAF.

Em conformidade com as normas da WADA-IAAF, o atleta foi co-municado a respeito do achado analítico adverso no dia 4 de junho de 2014, apresentando suas justificativas à CBAt no dia 9 de junho de 2014.

No dia 7 de julho de 2014, a CBAt comunicou ao atleta que suas explicações não foram aceitas e, em função desses fatos, emitiu portaria na mesma data suspendendo o esportista provisoriamente. Dessa manei-ra, em conformidade com as regras da IAAF, o atleta requereu seu julga-mento perante o Superior Tribunal de Justiça Desportiva da CBAt.

Oferecida a denúncia, foi designada a audiência para o dia 14 de agosto de 2014.

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2 como a SubStÂNcIa eNtrou No corPo do atleta. auSêNcIa de INteNção em melHorar a PerformaNce eSPortIva

De início, esclarece o atleta que a substância metiltestosterona, res-ponsável pelo resultado analítico adverso, é proveniente do uso do medi-camento Metil Testosterona 100mg, ministrado pelo médico Júlio César Alves, que, em março do presente ano, detectou uma baixa hormonal no corpo do atleta.

Elias Bastos vinha apresentando cansaço, indisposição, perda de peso e de massa magra e perda de força muscular (conforme relato mé-dico juntado aos autos), o que levou o médico do atleta, Dr. Júlio César, a realizar alguns exames, justamente com a desconfiança de que poderia haver alguma deficiência na produção de hormônios do esportista. Quan-do da constatação do problema, Elias, auxiliado pelo médico que lhe fez as devidas indicações de medicamento, iniciou um tratamento de reposi-ção hormonal, a fim de coibir os maus causados pela baixa de produção da testosterona.

Elias Bastos Rodrigues possui 39 anos, idade na qual os homens ficam sujeitos a um declínio na taxa de testosterona. De acordo com o Dr. Drauzio Varella, “a secreção de testosterona começa a declinar nos homens a partir dos 30 anos. Estudos mostram que, na faixa dos 40 aos 70 anos, a queda é de 0,8% ao ano1”.

Em exames para controle do tratamento realizados pelo atleta em maio de 2014 foi apontado um índice de testosterona de 199 ng/dl, sendo que o normal para um homem em sua idade seria de 245 a 1000 ng/dl (conforme documentos juntados aos autos), o que demonstra a necessida-de do tratamento que o atleta vinha realizando.

De acordo com o Dr. Drauzio Varella, a queda na produção de testosterona pode causar os seguintes efeitos no homem: perda de massa óssea e aumento do risco de fraturas; perda de força e diminuição muscu-lar, aumento da massa gordurosa, fadiga, entre outras disfunções2.

A deficiência hormonal apresentada pelo atleta Elias representaria não só um risco para sua saúde, mas até mesmo para sua carreira profis-

1 VARELLA, Drauzio. Deficiência de testosterona. Disponível em: <http://drauziovarella.com.br/homem-2/deficiencia-de-testosterona/>. Acesso em: 05 ago. 2014.

2 VARELLA, Drauzio. Deficiência de testosterona. Disponível em: <http://drauziovarella.com.br/homem-2/deficiencia-de-testosterona/>. Acesso em: 05 ago. 2014.

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sional, visto a influência direta que a deficiência da testosterona apresenta na queda do condicionamento físico e no aumento do risco de fraturas.

Dessa forma, o uso do medicamento Metil Testosterona 100mg apenas serviu para restaurar as condições normais do atleta, não impli-cando, em momento algum, uma melhora do seu desempenho. O uso da testosterona foi realizado como tratamento médico para coibir a debilida-de apresentada por Elias, não sendo utilizada como incremento para sua condição física a fim de melhorar seu desempenho nas provas.

Assim, o uso da substância apenas colocou o atleta em condições normais de competição, agindo unicamente sobre a deficiência de pro-dução hormonal pela qual passava, não lhe garantindo nenhum benefício desleal ou melhora ilícita sobre os demais competidores.

3 oS PrINcíPIoS NorteadoreS daS regraS aNtIdoPINg: o caráter SaNcIoNador e PedagógIco da PeNa

O Código Mundial Antidoping foi criado com o objetivo de prote-ger o direito fundamental dos atletas de participar de práticas esportivas livres de doping, bem como de promover os ideais de saúde, justiça e igualdade em competições de todo o mundo.

Para efetivá-los, a norma antidoping lista uma série de substâncias que, ao entrar em contato com o organismo do esportista, são de sua in-teira responsabilidade. Além disso, adverte ao atleta que o conhecimento do que constitui uma infração é seu dever pessoal, inerente ao exercício desportivo.

No entanto, o próprio Código Mundial Antidoping – no comentá-rio3 do art. 2.1.1 – enfatiza que o princípio da estrita responsabilização não torna automática a imposição de um período fixo de inelegibilidade.

Inclusive, é garantido ao atleta o direito a uma audiência justa, na qual serão considerados os fatos e circunstâncias únicas do caso em par-ticular, conforme a Regra 38.7 do regulamento IAAF.

Para cumprir os objetivos do Programa Mundial Antidoping, são utilizadas duas estratégias: uma punitiva, outra pedagógica. No caso em

3 “Art. 2.1.1. [...] Comentários: [...]: É importante sublinhar que, independentemente da determinação da violação de uma norma antidopagem ter de ser apreciada de acordo com um juízo de responsabilidade objectiva, a verdade é que não é automática a aplicação de qualquer sanção de Suspensão das competições.”

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questão, em que não há má-fé do atleta, nem houve ganho de performance com o uso da substância, deverá prevalecer o caráter pedagógico da pena.

Nesse sentido, vem decidindo o douto Superior Tribunal de Justiça Desportiva:

Doping. Infração às normas da IAAF. Art. 32.2 (a) do Atletismo (Livro de Regras da IAAF) e 2.1 do Código Mundial Antidoping. Substâncias metiltestosterona, tamoxifeno e clortalidona. Aplicação do princípio da strict liability. Infração configurada. Aplicação da pena de 18 meses de inelegibilidade a partir do exame positivo, por unanimidade, com a con-sequente devolução de todos os eventuais prêmios conquistados nesse período. [...] 24. Frise-se ainda que, a meu entender, a punição, princi-palmente em casos de doping, possui três fins, o primeiro: (a) defender e preservar a disputa esportiva; o segundo: (b) preservar a reputação e lisura da modalidade; e o terceiro: (c) possuir caráter pedagógico para o atleta. 25. Ao apenarmos o atleta sempre com a punição máxima, acabamos por observar apenas os dois primeiros fins (“a” e “b” supra), olvidando-nos to terceiro fim. (Processo nº 01/2104, Atleta: José Roberto Pereira de Jesus, Auditor Relator Luiz Roberto Martins Castro) (grifos nossos)

4 daS ateNuaNteS a Serem coNSIderadaS Na doSImetrIa da PeNa e daS PartIcularIdadeS do caSo

Atento aos objetivos da regulação antidoping, que visa a preservar o espírito esportivo, deve o julgador realizar uma análise sobre o grau de infração cometido contra o sistema antidoping, bem como das particu-laridades de cada caso, sob pena de, aplicando uma sanção por demais gravosa, ofender a norma ao invés de cumpri-la. Em razão das particula-ridades distintas de cada caso, uma punição padronizada desprezaria a devida análise jurídica da situação fática e, consequentemente, compro-meteria a aplicação da justiça, objetivo final do processo.

O atleta, nesta peça de defesa, demonstrou que o medicamento Metil Testosterona 100mg foi ingerido devido a um tratamento médico ao qual estava submetido, com o fim de reparar o dano corporal resultante da deficiência na produção do hormônio testosterona.

Além disso, o resultado obtido pelo atleta na competição Asics Golden Four, ao se comparar com as provas anteriores por ele disputadas, demonstra, de maneira objetiva e inequívoca, que a performance espor-tiva de Elias Bastos não foi beneficiada pelo uso da substância. Nesse

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sentido, segue abaixo um quadro comparativo das últimas disputas re-alizadas pelo atleta, comprovando não haver nenhuma melhora no seu desempenho, que apenas manteve sua média em relação às competições anteriores.

RESulTADoS Do ATlETA ElIAS RoDRIGuES BASToS

CoMPETIção PoSIção PERCuRSo RESulTADo DATA VEloCIDA-DE MéDIA

Meia Maratona Asics – Rio de Janeiro

6º 21,97 Km 1h06’51” 04.2014 19,7 km/h

Corrida da Lua – Campinas

1º 10 Km 31’55’’ 02.2014 18,7 km/h

Meia Maratona deToledo – Paraná

3º 21,97 Km 1h07’17” 10.2013 19,5 km/h

6ª Etapa do Cam- peonato Santista

2º 10 Km 31’13” 11.2013 19,2 km/h

5ª Etapa do Cam-peonato Santista

1º 10 Km 30’59” 10.2013 19,3 km/h

4ª Etapa do Cam-peonato Santista

1º 10 Km 30’41” 09.2013 19,5 km/h

3ª Etapa do Cam-peonato Santista

1º 10 Km 30’22” 08.2013 19,7 km/h

2ª Etapa do Cam-peonato Santista

3º 10 Km 30’58” 06.2013 19,3 km/h

1ª Etapa do Cam-peonato Santista

2º 10 Km 31’10” 05.2013 19,8 km/h

Maratona de Assunção

4º 42,196 Km 2h 24’40” 08.2012 17,4 km/h

Meia Maratona de Blumenau

3º 21,97 Km 1h 05’50” 06.2012 20 km/h

Meia Maratona de Campinas

3º 21,97 Km 1h 05’52” 06.2012 20 km/h

Fácil perceber que se encontram preenchidos os requisitos que au-torizam a aplicação de atenuante, na medida em que, subjetivamente, o atleta não tomou o medicamento com a intenção de melhorar seu desem-

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penho e, objetivamente, a substância se mostrou incapaz de promover melhora na capacidade esportiva do acusado.

Portanto, devem ser utilizadas na dosagem da pena a ser aplicada as seguintes circunstâncias:

i) o atleta ter consumido a substância para tratamento médico, sem que o motivo tenha relação com atletismo;

ii) o resultado obtido na prova em que foi coletada a amostra não foi melhor que aqueles obtidos anteriormente pelo atleta, rea-firmando a inexistência de influência no seu desempenho pelo uso da substância Metil Testosterona 100mg.

Some-se a isso o fato de que o atleta Elias Bastos não reúne quais-quer circunstâncias capazes de justificar uma pena máxima de dois anos, uma vez que:

i) nunca foi pego num exame antidoping, ou seja, é réu primário;

ii) não se recusou a prestar o exame;

iii) esclareceu como a substância adentrou seu corpo e provou que dela não resultou melhora à sua performance;

iv) deve ser observada a eficácia pedagógica da suspensão pre-ventiva.

Quanto à atenuante de nunca ter sido pego em outro exame antido-ping, cumpre ressaltar que o atleta Elias, ao longo de sua carreira, sempre realizou diversos testes, não obtendo resultado positivo em nenhum de-les, devendo, nesse ponto, ser considerado o tempo de carreira do atleta, que já possui 20 anos como esportista profissional.

Assim, com base nas Regras de Competição da IAAF, deve ser apli-cada a Regra 38.17, devendo o período de inelegibilidade ser reduzido, pois o atleta demonstrou plenamente que seu caso se enquadra na cir-cunstância excepcional: a substância apenas foi ingerida devido a um tra-tamento médico, ou seja, o atleta precisava da substância, pois sua saúde estava debilitada – além de demonstrar, com clareza, a forma como essa entrou em seu corpo.

Caso os presentes julgadores reconheçam que houve alguma ne-gligência ou falta, deve ser considerado que ela não ocorreu de forma significante, pois, quando vista na totalidade das circunstâncias, não foi relevante em relação à violação da regra antidoping, como preconizam as

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regras oficiais de competição da IAAF, em seu capítulo 3. Assim, deverá, nesse caso, ser observada a Regra 40.5 (b), mantendo um julgamento jus-to, pautado nas particularidades do caso e na circunstância excepcional em que ele se enquadra, ou seja, que o atleta não teve intenção de melho-rar seu desempenho e apenas realizava um tratamento médico.

O atleta não cometeu nenhuma falta ou negligência grave, visto que se utilizou da substância encontrada no resultado analítico adverso, pois estava com sérios problemas de saúde. A não realização do trata-mento médico indicado para a sua deficiência de produção hormonal, com todas as implicações causadas por ela, representaria uma negligên-cia com a sua própria integridade física. Assim, restou claro que o atleta, em momento algum, teve a intenção de melhorar sua performance, tendo apenas zelado por sua saúde e seguido o tratamento médico que lhe foi passado.

4.1 da cOndiçãO sOciOecOnômica dO atleta. da falta de instruçãO e apOiO despendidO aOs prOfissiOnais dO espOrte

O denunciado é pessoa simples e, muito embora com grande mé-rito tenha alcançado a condição de atleta profissional, ainda passa por dificuldades em função da falta de incentivo.

O Brasil, apesar de ter grandes investimentos direcionados para outros esportes, como o futebol e o vôlei, ainda despende pouca im-portância para outras categorias, principalmente o atletismo. Vemos os atletas desse meio treinando como profissionais, cobrados como profis-sionais, punidos como profissionais, mas não incentivados e premiados como profissionais. Enquanto um jogador de futebol reconhecido ganha milhões no Brasil e corredores americanos possuem apoio governamental e ótimos patrocínios, os competidores do atletismo brasileiro sofrem com a falta de incentivo.

Dessa forma, não pode o tribunal aplicar uma pena sem levar em consideração a realidade brasileira de falta de instrução dos atletas. O próprio Tribunal já se manifestou nesse sentido:

Infração por dopagem. Recebimento da denúncia. Atleta não registrada. Preparação esportiva amadora. Substância administrada sem cautela e in-duzida por terceiros. Suspensão preventiva. Comprovação de imprudência e de ausência de dolosidade. Rendimento esportivo mediano. Primeira in-fração. Desnecessidade de inelegibilidade. Punição de advertência deter-

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minada. “Ademais, num país onde o Poder Público e a iniciativa privada pouco se dão para o incentivo e patrocínio de atleta de alto rendimento, existirão ainda muitas ‘ROSELIs’ e ‘JOSÉs’, simplórios, humildes e deso-rientados, que abandonarão o esporte por falta de estrutura material e fi-nanceira.” (Processo nº 003/2012, Atleta Roseli Viana Elias, Auditor Rela-tor André Luiz Farias de Oliveira) (grifos nossos)

Dessa forma, há de ser considerada a condição social na qual o atleta se insere, bem como as particularidades do esporte no Brasil. A regra antidopagem aplicada nas competições realizadas no País são feitas por estrangeiros, que convivem com uma realidade completamente dife-rente daquela vivenciada pelos atletas brasileiros. Esportistas dos Estados Unidos e da Europa recebem vários incentivos de seus países, possuin-do um aparato técnico especializado e moderno, enquanto os corredores brasileiros vivenciam uma realidade de descaso governamental, ausência de investimentos e de instrução e duras condições financeiras. Dessa for-ma, impossível que seja cobrado com o mesmo rigor um atleta sem am-paro, tanto técnico quanto cognitivo e financeiro.

Além disso, deve ser levado em consideração que a prescrição e o amparo do médico ao longo do tratamento fizeram com que o atleta, com pouca instrução, se sentisse amparado e protegido, sem cogitar a possibilidade de que aquele tratamento pudesse levá-lo a uma denúncia por doping.

Assim, devem essas regras, que foram feitas de forma tão geral e para serem introduzidas em diferentes locais, amoldar-se aos contextos em que serão aplicadas. É por meio da dosimetria da pena que a justiça, as particularidades de cada caso e a realidade do contexto social podem ser levadas em consideração quando do julgamento de um atleta brasilei-ro do atletismo.

4.2 da idade dO atleta e dO danO irreparável à sua carreira

Nesse ponto, imprescindível destacar também a idade do Atleta. Elias possui 39 anos, sendo atleta profissional há mais de 20 anos. Para um esportista, 39 anos é considerada uma idade avançada, e já não resta ao atleta muito tempo como profissional no meio do atletismo. Dessa forma, uma pena de 2 anos de inelegibilidade se aplicada ao caso em tela teria o mesmo efeito do banimento do esporte, retirando da decisão a justiça e o caráter pedagógico que ela deve conter, além de configurar uma sanção completamente desproporcional.

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Além disso, durante toda a sua carreira, Elias nunca teve problemas com doping, tendo realizado inúmeros exames. Uma pena de dois anos de inelegibilidade obrigaria o atleta a não só encerrar sua carreira, mas a fazê-lo de forma humilhante. De uma carreira promissora, com inúmeras vitórias, o que restará no final é o seu encerramento devido a um processo antidoping, no qual ficou comprovado que o atleta jamais cogitou obter vantagem perante os demais competidores.

É evidente que, nesse caso, a pena exacerbada implicará o fim da carreira profissional do atleta. Ou seja, a pena deixará de ser pedagógica e passará a ser de banimento do esporte, o que é injusto e desproporcional ao caso.

5 da jurISPrudêNcIa

Em março do presente ano, o Superior Tribunal de Justiça Despor-tiva do Atletismo do Brasil julgou o caso da Atleta Eloita Catarina Fossati Michiuye, que estava sendo acusada pelo uso de testosterona, entre ou-tras substâncias proibidas. A atleta recebeu uma pena de 18 meses.

Há de se considerar no caso supracitado que a atleta, mesmo sendo do sexo feminino, ou seja, sem justificativa para o uso do hormônio mas-culino testosterona, quando da dosimetria de sua pena, teve consideradas as particularidades do seu caso. Além disso, em seu exame foram consta-tadas outras substâncias, o que agravaria sua pena.

No caso do atleta Elias, havia a necessidade do uso da testosterona, decorrente da deficiência hormonal comprovada por exame médico, e não foram constatadas quaisquer outras substâncias no exame de doping. Assim, a pena dosada para Elias, de forma alguma, pode ser superior à aplicada no caso aqui citado, sob pena de serem ignoradas a disparidade no grau de infração e a responsabilidade de ambos os atletas.

Doping. Infração às normas da IAAF. Arts. 32.2 (a) do Atletismo (Livro de Regras da IAAF) e 2.1 do Código Mundial Antidoping. Substâncias proibi-das: testosterona exógena (relação testosterona/epitestosterona maior que 10 – confirmada pelo IRMS), DHEA e metabólitos e oxandrolona e me-tabólitos (todas as Classes agentes anabólicos – AAS – S1). Aplicação do princípio da strict liability. Infração configurada. Aplicação da pena de 18 meses de inelegibilidade, por maioria de votos, com a consequente de-volução de todos os eventuais prêmios conquistados nesse período. (Pro-

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cesso nº 02/2104, Atleta: Eloita Catarina Fossati Michiuye, Auditor Relator Alexandre Ramalho Miranda)

Não se quer aqui eximir todo e qualquer uso de substância proibida das eventuais punições que lhes são aplicáveis, mas demonstrar que a imputação de penas está sujeita a uma gradação em conformidade com o grau de participação do atleta na dita dopagem. Esse grau de falta, como já argumentado, é pequeno no caso concreto, visto que o atleta foi obri-gado a repor a substância devido ao tratamento médico prescrito.

É justo que a sanção deva amoldar-se à especificidade da circuns-tância e considerar, inclusive, que alguns dispositivos do código antido-pagem já operam seus efeitos sobre o denunciado na restrição da sua esfera de direitos, a exemplo da suspensão provisória.

6 daS PeNaS já SofrIdaS Pelo atleta

Em decorrência dos procedimentos disciplinares aplicados após o gerenciamento do resultado analítico adverso desde o dia 7 de julho de 2014, o atleta cumpre a suspensão provisória determinada pela Confe-deração Brasileira de Atletismo, o que o impede de se inscrever ou de participar de competições.

Levando-se em conta que o atleta ultrapassa um mês de inatividade esportiva, a constatação do prejuízo à sua performance é indiscutível.

O desempenho do esporte em excelência exige níveis de compe-tência física e técnica cada vez mais elevados, os quais só podem ser alcançados com uma rotina rígida de atividades atrelada à participação do praticante em eventos e competições oficiais. E mais: além de ser im-prescindível à manutenção da boa condição física, o praticante despor-tivo precisa competir sob pena de ver-se esquecido ou desvalorizado no competitivo mercado de trabalho.

Some-se a isso que a divulgação no site da CBAt sobre o teste posi-tivo do exame antidoping já se mostra como uma sanção extremamente árdua para o atleta. Ao longo de sua carreira, Elias sempre foi e é um dos defensores do combate ao uso de substâncias que pudessem favorecer a performance esportista. Dessa maneira, a divulgação de um achado ana-lítico adverso em seu corpo não só foi contra todos os padrões éticos que sempre trilharam em sua vida, mas também foi motivo de críticas severas por todos ao seu redor.

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Ademais, o atleta obtém seu sustento mediante a prática do atletis-mo e, mesmo que o salário seja ínfimo perto da sua grandiosidade como esportista, ele precisa dele para sobreviver. Com a suspensão provisória, Elias está com seu patrocínio e a permanência na equipe ameaçados. Sem esses apoios, durante dois anos, ficaria impossível retornar ao esporte de-pois desse tempo, ainda mais se levada em consideração a sua idade já avançada para o esporte.

Por fim, cumpre mencionar que, no dia 08.07.2014, foi divulgado no site globo.com notícia relativa ao doping do atleta, o que lhe gerou grande constrangimento perante a comunidade desportiva. O atleta, que hora alguma buscou um aumento de performance, tendo apenas realizado um tratamento médico, passou a ser visto como um competidor desleal.

Portanto, pede-se que a Corte trate desse caso com a sensibilidade que lhe é exigida, reconhecendo as circunstâncias objetivas e subjetivas peculiares existentes, bem como entendendo que Elias já sofreu com os efeitos da suspensão provisória e com a divulgação do resultado positivo do exame antidoping, razão pela qual a aplicação de uma pena reduzi-da, com base nas atenuantes aqui já especificadas, mostra-se plenamente adequada e capaz de cumprir os objetivos da luta contra o doping.

7 da retroação da PeNa

Em razão do princípio da eventualidade, caso esse douto Tribunal entenda que não se trata de pena de advertência, sancionando o atleta com um dado período de inelegibilidade, requer a aplicação da Regra 40.10 (a) das Regras Oficiais de Competição da IAAF, determinando o início desse período de inelegibilidade a partir da data da realização do exame antidoping.

O atleta, nos seus esclarecimentos junto à CBAt, admitiu a ocorrên-cia da infração à regra antidoping.

Na primeira oportunidade que teve para comprovar os fatos e expli-car a proveniência da substância, que é nessa defesa, Elias o fez de forma incontestável.

Além disso, o atleta sempre teve grande preocupação com sua car-reira e nesse momento não seria diferente; assim, fez questão de com-parecer ao presente Tribunal para prestar os devidos esclarecimentos a respeito do resultado analítico adverso, pois não quer que essa culpa lhe seja atribuída de forma injusta.

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Resta incontroverso o preenchimento dos requisitos estabelecidos na Regra 40.10 (a) do Regulamento da IAAF, razão pela qual se mostra devida a retroação de qualquer pena de inelegibilidade à data em que foi realizado o exame antidoping.

8 PedIdo

Ante o exposto, pede-se que apresente infração à Regra 32.2 (a) das Regras Oficiais de Competição da IAAF, seja apenado com a sanção de advertência e nenhum período de inelegibilidade, dada à aplicação da Regra 40.5 do mesmo Código.

Pede-se deferimento.

Belo Horizonte, 8 de agosto de 2014.

Tainá de Oliveira Meinberg Cunha

OAB/MG 148.540

Danielle Maiolini Mendes

OAB/MG 148.144

Isabella Luíza Alonso Bittencourt

OAB/MG 148.174

Gustavo Ferreira de Matos

OAB/MG 149.388

Rafael Costa de Souza

OAB/MG 147.808

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Clipping Jurídico

Tribunal condena lusa a indenizar assessoria esportiva sobre direitos eco-nômicos de jogador

Decisão da Juíza Adriana Bertier Benedito, da 36ª Vara Cível do Foro Central da Capital, condenou a Associação Portuguesa de Desportos a indenizar uma empresa de assessoria esportiva em 20% sobre 100 vezes a remuneração anual do jogador de futebol Luiz Ricardo, tendo como base o último salário e a média das premiações. A empresa reclamante cedeu ao clube, em fevereiro de 2010, a integralidade dos direitos federativos e 60% dos direitos econômicos sobre o vínculo desportivo do atleta, permanecendo ela com 20% dos direitos econômi-cos, incluindo o valor de cláusula penal do novo contrato, em caso de rescisão, enquanto o jogador estivesse vinculado à Portuguesa. Se houvesse intenção de negociar o atleta, a reclamante também deveria ser comunicada, por ter pre-ferência na negociação. No entanto, em 2014, o jogador foi negociado com o São Paulo Futebol Clube. A juíza entendeu, com base nos autos, que o atleta foi cedido ao SPFC enquanto ainda estava vigente o contrato com a reclamante, sem que fosse dado a ela o direito de preferência. A Portuguesa, ao isentar o São Paulo do pagamento da multa contratual devida pela rescisão antecipada do contrato do jogador, negociou direitos que não pertenciam somente a ela. “O contrato de trabalho entre o atleta e a Portuguesa previa multa de 100 vezes a remuneração anual, para o caso de rescisão com finalidade de transferência para outro clube. Assim, cabe à reclamante o direito de receber 20% sobre este valor”, decidiu a magistrada. Cabe recurso da sentença. Processo nº 1014107-38.2014.8.26.0100. Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Embargos do Internacional e do volante Chris são rejeitados no TST

Na sessão desta quinta-feira (16), a Subseção I Especializada em Dissídios Indi-viduais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou embargos do jogador Christian Maicon Hening, mais conhecido como Chris, e do Sport Club Interna-cional, de Porto Alegre (RS). O atleta recorreu no TST contra decisão que não reconheceu o caráter salarial do direito de imagem recebido quando atuou no Internacional. Já o clube recorreu contra multas por atraso no pagamento de ver-bas rescisórias e por embargos de declaração protelatórios. Anteriormente, no recurso de revista ao TST, o jogador alegou que a parcela recebida a título de direito de imagem teria natureza salarial e deveria integrar a sua remuneração. Mas a Quinta Turma do TST não conheceu do recurso, por ser inespecífico o único julgado apresentado para comprovar divergência jurisprudencial. O clube, por sua vez, recorreu ao TST contra a decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (RS) que manteve a sentença, determinando o pagamento da multa prevista no art. 477, § 6º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), porque as parcelas rescisórias não foram pagas no prazo estabelecido em lei. A Quinta Tur-ma não conheceu do recurso e o Internacional interpôs embargos declaratórios,

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que foram considerados infundados e protelatórios, com aplicação de multa. O Ministro José Roberto Freire Pimenta, Relator na SDI-1, esclareceu que o recurso de embargos do trabalhador não merecia ser conhecido por divergência jurispru-dencial, pois o único julgado apresentado era oriundo da Quinta Turma do TST, “mesmo Colegiado de que emanou a decisão ora embargada, sendo inservível ao confronto, nos termos do inciso II do art. 894 da CLT”. Quanto aos embargos do Internacional referentes à multa do art. 477 da CLT, o ministro entendeu que, ten-do a Turma do TST se limitado a afirmar que o julgado apresentado para confron-to de jurisprudência era inespecífico, isso impossibilitaria a comparação analítica de teses pela SDI-1. Em relação à multa por embargos protelatórios, considerou que não foi comprovada “a existência de teses divergentes na interpretação de um mesmo dispositivo legal”. Diante do voto do Relator, a SDI-1 não conheceu dos embargos do clube e do jogador. E-ED-RR 15300-24.2004.5.04.0002. Fonte: Tribunal Superior do Trabalho.

Treinadores e monitores de futebol não estão obrigados a se inscrever nos Conselhos de Educação Física

Técnico de futebol profissional sem graduação em educação física não se sub-mete à fiscalização do Conselho Regional de classe. Com esse entendimento, a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), por unanimidade, negou provimento a recurso do Conselho Regional de Educação Física do Estado de São Paulo (CREF4/SP) e manteve decisão monocrática do Relator que havia negado seguimento à sua apelação. Em seu recurso, o CREF4/SP alegava que a matéria é de alta indagação e deve ser apreciada pelo Colegiado. Também afir-mou que a profissão de treinador profissional de futebol deve ser ocupada por portadores de diploma expedido por Escolas de Educação Física ou por profissio-nais que, até a data do início da vigência da Lei nº 8.650/1993, hajam, compro-vadamente, exercido cargos ou funções de treinador de futebol por prazo não in-ferior a seis meses. O Colegiado do TRF3 manteve a decisão de primeira instância e ressaltou que o relator pode monocraticamente negar seguimento ao recurso desde que ele esteja manifestamente em confronto com súmula ou com jurispru-dência dominante do respectivo Tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior, o que acontece no presente caso. “Conjugando os dispositivos mencionados, nota-se que a expressão ‘preferencialmente’ contida no caput do art. 3º da Lei nº 8.650/1993 não obriga os treinadores e monitores de futebol a se inscrevem nos Conselhos de Educação Física, mas apenas prioriza aqueles que possuem diploma em educação física para o exercício da profissão”, esclarece o relator do recurso. De acordo com o acórdão, também não é possível extrair da Lei nº 9.696/1998 – que dispõe sobre a regulamentação da profissão de Edu-cação Física e cria os Conselhos Federal e Regionais de Educação Física – regra que determine a inscrição de treinadores de futebol nos Conselhos de Educação

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Física ou a obrigatoriedade de possuírem diploma de nível superior. Os magistra-dos acrescentam que esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do próprio TRF3 sobre o tema. A decisão apresenta trecho de julgado do STJ, enfatizando que “a expressão ‘preferencialmente’ constante do caput do art. 3º da Lei n. 8.650/1993 (lei específica que dispõe sobre as relações de trabalho do Treinador Profissional de Futebol) tão somente dá prioridade aos diplomados em Educação Física, bem como aos profissionais que, até 22 de abril de 1993 (data de início da vigência da lei), comprovem o exercício de cargos ou funções de treinador de futebol, por no mínimo 6 meses, em clubes ou associações filiadas às Ligas ou Federações, em todo o território nacional”. Nº do Processo: 0001324-02.2012.4.03.6138. Fonte: Tribunal Regional Federal da 3ª Região.

Torcedor autuado no jogo entre Ceará e Vasco deve pagar um salário-mí-nimo para o Iprede

O Juizado do Torcedor registrou uma ocorrência no plantão durante o jogo entre Ceará e Vasco, pelo 2º turno do Campeonato Brasileiro. A partida ocorreu nes-se sábado (15/11), às 15h20min, na Arena Castelão, em Fortaleza. Na ocasião, um torcedor foi autuado com base na art. 41-F da Lei do Estatuto do Torcedor (nº 10.671/2003), por vender ingressos em valor superior ao estampado no bi-lhete. Ele deverá pagar um salário-mínimo para o Instituto da Primeira Infância (Iprede). A responsável pelo plantão foi a Juíza Maria José Bentes Pinto, titular do 4º Juizado Especial Cível e Criminal de Fortaleza. Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Ceará.

liminar reduz preço de ingresso para final da Copa do Brasil

O Cruzeiro Esporte Clube não poderá cobrar mais do que R$ 500,00 por ingresso, para o “Setor Oeste Superior”, no jogo da final da Copa do Brasil. A decisão limi-nar é do Juiz titular da 29ª Vara Cível de Belo Horizonte, José Maurício Cantarino Villela, em ação civil pública proposta pelo Ministério Público Estadual. Segun-do o MP, o Cruzeiro promoveu aumento dos preços em setores distintos, com variação entre 375% e 833%, sem a devida “proporção, justificativa e critérios razoáveis”. Para o MP, apesar de o Regulamento Geral das Competições da CBF permitir que o Cruzeiro defina os preços dos ingressos, o aumento deve se pautar pelo mesmo parâmetro, não sendo permitida “a alteração substancial de preços em um mesmo setor”. O MP apresentou tabela de preço de ingresso dos últimos jogos da mesma competição, demonstrando a variação. O MP apontou ainda que a maior elevação nos preços aconteceu no “Setor Oeste Superior”, área destinada aos torcedores do Clube Atlético Mineiro e parte da torcida do Cruzeiro. Ocorre que, ainda segundo o MP, os torcedores do Cruzeiro não serão atingidos pelo aumento, uma vez que receberão um desconto de 50% e, depois, outro desconto de 30%, resultando em um custo final de R$ 350,00, enquanto os torcedores do

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outro time pagariam R$ 1 mil por ingresso equivalente. Em seu despacho, o Juiz José Maurício Cantarino Villela avaliou que “houve sensível modificação da clas-sificação dos setores”, em especial no “Setor Oeste Superior”. Ele destacou que o preço do ingresso do “Setor Oeste Superior” está acima dos preços praticados para o “Setor VIP”. “Desta forma, a fim de adequar o procedimento de cobrança dos ingressos no “Setor Oeste Superior” aos dispositivos do Estatuto do Torcedor e Código de Defesa de Consumidor, é pertinente que seja adotado o percentual médio aplicado às outras 10 categorias de ingresso existentes”, concluiu o magis-trado, limitando o valor do ingresso para aquele setor em R$ 500,00. Esta deci-são, por ser liminar e de 1ª Instância, está sujeita a recurso. Processo nº 3201887-84.2014.8.13.0024. Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Tribunal mantém liminar que limita valor do ingresso para atleticanos

Em despacho proferido, o Desembargador Pedro Bernardes, da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), confirmou decisão liminar que li-mita em R$ 500 o valor máximo do ingresso para os torcedores do Clube Atlético Mineiro para o jogo que será realizado na quarta-feira, 26, no Mineirão, com o Cruzeiro Esporte Clube, na final da Copa do Brasil. A ação civil pública foi movida pelo Ministério Público do Estado. O Cruzeiro recorreu da decisão liminar ao ar-gumento de que a fixação dos valores dos ingressos consiste em exercício regular de seu direito, “não havendo qualquer desproporcionalidade na sua estipulação”. Apesar de reconhecer o direito do Cruzeiro de fixar o preço dos ingressos, como mandante do jogo, o Desembargador Pedro Bernardes afirmou que o exercício desse direito “deve respeitar as balizas impostas pela boa-fé, de modo que a refe-rida estipulação deve ser proporcional”. “De fato, uma final de competição, ain-da mais realizada entre times de tamanha rivalidade, é histórica, sendo plausível e justificável a elevação dos preços em relação àqueles praticados na semifinal”, ponderou o desembargador. “Todavia”, continua, “o que se reputa despropor-cional é a elevação em patamar substancialmente superior para o setor desti-nado aos torcedores do Atlético, sendo adotados percentuais bem inferiores de aumento para os ingressos a serem adquiridos pelos torcedores do Cruzeiro”. Segundo o desembargador, “trata-se de tratamento que fere a isonomia”. Dessa forma, o pedido de efeito suspensivo da liminar foi indeferido, ou seja, a decisão do juiz de Primeira Instância continua valendo. Fonte: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Agente que captava jogadores de futebol receberá horas extras da Kirin Soccer

Um agente esportivo que tinha como função a captação e a intermediação de jo-gadores de futebol para a Kirin Soccer S/S Ltda. conquistou no Tribunal Superior do Trabalho o direito de receber horas extras pelo período em que trabalhou nos

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gramados na observação de jogadores. A decisão foi da Terceira Turma do TST, que restabeleceu sentença que havia determinado o pagamento das horas traba-lhadas acima da 8ª hora diária e da 44ª hora semanal. O agente disse que deveria ganhar salário fixo mais comissão de 40% sobre a venda dos passes de jogado-res. Alegou, porém, que a Kirin não pagou as comissões referentes à captação dos jogadores Claudinei Cardoso Félix da Silva, o “Ney” (quando da venda para o Internacional), Carlos Alberto da Silva Gonçalves Junior (na transferência do São Paulo Futebol para o Palmeiras), Anderson Hernanes de Carvalho Andrade Lima, mais conhecido como “Hernanes” (negociado pelo São Paulo com o Lazio, da Itália) e Marcelo dos Santos (transferido do Wolfsburg, da Alemanha, para o Flamengo), entre outros casos. A Kirin Soccer afirmou que assinou contrato de prestação de serviços com o agente esportivo, mas que suas tentativas de levar jogadores para fechar contrato foram infrutíferas, com raras exceções. Segundo a empresa, o agente teria extrapolado os limites do contrato ao assinar recibos indevidamente, mas que, ainda assim, as comissões foram pagas. O sócio da em-presa, que também foi acionado, afirmou ser parte ilegítima para figurar no pro-cesso. A 45ª Vara do Trabalho de São Paulo excluiu o sócio, mas reconheceu o vínculo de emprego entre a Kirin Soccer e o agente de março de 2005 a fevereiro de 2009, bem como o direito às horas extras e reflexos. Para o juízo de primeiro grau, a empresa não comprovou a ausência os requisitos ensejadores do vínculo empregatício. Deferiu, ainda, o pagamento da comissão referente à transação envolvendo o jogador Hernanes. Ambas as partes recorreram, mas o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP) deu provimento somente ao recurso da empresa, para absolvê-la do pagamento das horas extras e da comissão sobre a venda de Hernanes. Quanto às comissões, entendeu que o agente não provou ter sido o responsável pelas negociações dos passes. O trabalhador mais uma vez recorreu, e a Terceira Turma do TST reviu a decisão do Regional com relação às horas extras. Para a Turma, é ônus do empregador com mais de dez empregados o registro da jornada de trabalho por meio do controle de ponto, nos termos do art. 74, § 2º, da CLT. A não apresentação do ponto gera presunção relativa de ve-racidade da jornada indicada pelo empregado, conforme a Súmula nº 338, item I, do TST. Para o Relator, Ministro Mauricio Godinho Delgado, a conduta irregular da empresa, de não anotar a carteira do trabalhador e não cumprir as obrigações decorrentes do vínculo empregatício, não afasta a aplicação das regras incidentes sobre o contrato. A decisão foi unânime. Processo: RR 2447-92.2010.5.02.0045. Fonte: Tribunal Superior do Trabalho.

Jogador do Botafogo receberá diferenças sobre direito de imagem

A Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou agravo pelo qual o Botafogo de Futebol e Regatas pretendia reformar decisão que o condenou a pa-gar ao jogador Gilberto Ribeiro Gonçalves (Gil) diferenças do direito de imagem.

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Gil firmou o contrato padrão da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) com o Botafogo para o período de julho a dezembro de 2008, com salário mensal de R$ 100 mil. Segundo o atleta, o clube disse que o pagamento se daria por meio de duas rubricas: R$ 50 mil como salário registrado na carteira de trabalho e R$ 50 mil a título de “cessão de imagem”. Essa parcela era paga por meio de uma empresa constituída pelo jogador, por exigência do clube. Ocorre que, ainda segundo o atleta, o clube somente pagou a parcela relativa ao direito de imagem em julho de 2008 e depois adiantou 25% do salário mensal, e nada mais. Assim, pediu, na ação trabalhista, a declaração de que o valor pago a esse título tinha natureza salarial, incidindo sobre as demais verbas trabalhistas. Para o juízo de primeiro grau, a constituição de pessoa jurídica pelo próprio trabalhador con-figura fraude, por meio da qual o clube se desobrigaria dos encargos trabalhis-tas e fiscais sobre a verba paga a pretexto de exploração do direito de imagem. Reconhecendo a natureza salarial da parcela, a sentença deferiu ao jogador as diferenças salariais pretendidas e sua integração ao salário. A decisão foi mantida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (RJ). Segundo o TRT, a Lei nº 9.615/1998 (Lei Pelé) prevê a aplicação das normas gerais da legislação traba-lhista ao atleta profissional e estabelece como salário as gratificações, prêmios e demais verbas inclusas no contrato. No agravo pelo qual tentava trazer o caso à discussão no TST, o Botafogo sustentou que os contratos de licença de imagem firmados entre atletas e clubes de futebol têm natureza jurídica civil, e não tra-balhista. O Relator do agravo, Ministro Alexandre Agra Belmonte, explicou que a exploração do uso de imagem pessoal por meio de contratos de cessão feitos diretamente pelo atleta com terceiros não tem natureza remuneratória. Mas, se o contrato for feito pelo próprio empregador, a situação é análoga à integração das gorjetas (art. 457 da CLT e Súmula nº 354 do TST), caracterizada como parcela de natureza remuneratória. Processo: AI-RR 49200-82.2009.5.01.0009. Fonte: Tribunal Superior do Trabalho.

Suspenso julgamento de recurso do ex-jogador Edmundo

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, nesta quarta-feira (26), o julgamento de recurso (agravo regimental) interposto pelo Ministério Público do Rio de Janeiro no Agravo de Instrumento (AI) nº 794971, no qual se discute a prescrição de crimes cometidos pelo ex-jogador de futebol Edmundo Alves de Souza Neto, condenado em março de 1999 por homicídio culposo e lesão corpo-ral culposa após se envolver em acidente de trânsito que resultou na morte de três pessoas. Os ministros decidiram suspender a análise da questão a fim de aguardar o julgamento de processo que envolve tema semelhante – Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 848107 –, no qual o Plenário Virtual da Corte examinará a existência de repercussão geral quanto à contagem da prescrição punitiva. Nele, o Supremo discutirá se o atual ordenamento jurídico constitucional, diante dos

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princípios da estrita legalidade e da presunção de inocência (art. 5º, incisos II e LVII, da Constituição Federal), recepcionou o art. 112, inciso I, do Código Penal, que dispõe que o prazo da prescrição da pretensão executória começa a contar no dia em que transita em julgado a sentença condenatória para a acusação. • Pretensão punitiva: O Ministro Luís Roberto Barroso, Relator do processo, vo-tou pelo provimento do agravo regimental. Ele entendeu incabível o recurso ex-traordinário original interposto no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e assim, para o relator, não houve a prescrição da pretensão punitiva. Segundo o ministro, o trânsito em julgado ocorreu 15 dias após a última decisão de mé-rito do TJRJ sobre o caso. Conforme o relator, da pena aplicada de quatro anos e seis meses de detenção, deve ser deduzido ao aumento referente ao concurso de crimes (com base no art. 119 do CP e na Súmula nº 497 do STF), resultando no parâmetro de três anos de detenção, o que faz incidir o prazo de oito anos de prescrição. Ele lembrou que a data do fato foi 2 de dezembro de 1995, a sentença condenatória ocorreu em 5 de março de 1999 e o trânsito em julgado, no dia 26 de outubro 1999, 15 dias depois de publicado o acórdão que confirmou a conde-nação. Ele destacou que existe jurisprudência na Corte no sentido de considerar que o trânsito em julgado, para fins de contagem da prescrição da pretensão punitiva, ocorre quando terminar o prazo para interposição do recurso cabível. “Na hipótese, não havendo sido conhecidos os recursos especial e extraordiná-rio, ambos por versarem matéria de fato, o trânsito em julgado operou-se após o esgotamento do prazo para a interposição do recurso cabível contra o acórdão condenatório pela instância ordinária”, ressaltou o ministro. • Pretensão execu-tória: Em relação à prescrição da pretensão executória, o relator salientou que a possibilidade de execução da pena apenas se inicia após a declaração do trânsito em julgado, “mesmo que este trânsito em julgado tenha ocorrido em momento muito anterior”. “Somente se admite falar em prescrição da pretensão executória após o trânsito em julgado para acusação porque a partir desse momento era ad-mitida a execução provisória da pena”, ressaltou. Porém, o ministro lembrou que, a partir do julgamento do Habeas Corpus (HC) nº 84078, o Supremo passou a não admitir a execução provisória da pena quando estiver pendente julgamento de recurso extraordinário e de recurso de apelação. “Assim, o princípio da presun-ção de inocência, tal como interpretado pelo Tribunal, deve repercutir no marco inicial da contagem da prescrição, originariamente regulado pelo art. 112, I, do Código Penal, do contrário, estar-se-ia punindo o Estado pela inação quando não poderia agir”, afirmou, acrescentando que a prescrição somente se aplica “em caso de não ser exercida a tempo a pretensão executória”. Por essas razões, o relator deu provimento ao agravo regimental interposto pelo Ministério Público para negar provimento ao agravo de instrumento, mantendo a inadmissibilidade do RE e afastando a ocorrência da prescrição, tanto da pretensão punitiva quan-to da prescrição executória. O Ministro Marco Aurélio adiantou seu voto pelo

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desprovimento do agravo regimental. Para ele, não se pode admitir que haja exe-cução da sentença condenatória quando ainda tramitar recurso da defesa capaz de reverter a situação. “Nós não podemos, antes da preclusão maior do título condenatório, assentar a culpa do acusado”, concluiu. Processos relacionados: AI 794971. Fonte: Supremo Tribunal Federal.

Técnico da seleção sub-20 propõe formação de atleta a partir dos 12 anos

O técnico da seleção brasileira de futebol sub-20, Alexandre Gallo, sugeriu que a Lei Pelé (nº 9.615/1998) seja alterada para incluir o desporto de formação que poderá ser praticado a partir dos 12 anos. Ele lembrou que, dos 208 países que participam da Fifa, só o Brasil tem uma legislação que proíbe o treinamento de jogadores com menos de 14 anos. Alexandre Gallo participou da audiência pro-movida nesta quarta-feira (26) pela Comissão do Esporte da Câmara para debater as dificuldades relacionadas ao esporte de base e à formação de atletas. A audiên- cia foi realizada em conjunto com as comissões de Trabalho, Administração e Serviço Público; e de Constituição e Justiça e de Cidadania. • Lei Pelé: Durante o debate, o técnico mostrou que em outros países as crianças podem participar das categorias de base a partir dos cinco anos. “Para não chocar tanto, nós abai-xaríamos de 14 para 12 anos, e efetivamente daria condição de trabalho técnico de pelo menos três anos com os atletas. Eles chegariam ao sub-15 já competindo. Hoje, nossos atletas têm que chegar competindo e nós perdemos esse período de formação de detalhes técnicos e táticos de entendimento de futebol que para eles seria muito importante”. O Presidente da Comissão de Constituição e Justi-ça e de Cidadania, Deputado Vicente Candido (PT-SP), destacou que a comis-são já está discutindo as alterações na Lei Pelé e a aprovação do projeto de lei (PL 6.753/2013) que cria o Programa de Fortalecimento dos Esportes Olímpicos (Proforte), que prevê também a construção de centros de treinamento em diversos lugares do País. “Estamos construindo um consenso. Para isso, a presença dele ajuda a firmar essa posição. Eu creio que essa Casa não vai se negar a mudar, estruturar o futebol brasileiro, colocando-o em sintonia com o mundo”. A legisla-ção atual só permite que um menor seja treinado profissionalmente em um clube a partir dos 14 anos. Com isso, muitos atletas são levados para fora do Brasil para treinar em outros países onde a idade mínima exigida é mais baixa, preju-dicando a formação das equipes de base dos clubes brasileiros. A Câmara já foi palco de discussões semelhantes envolvendo a CBF e órgãos de fiscalização. Em audiência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Trabalho Infantil, em dezembro do ano passado, o Ministério Público informou que recebe, frequen-temente, denúncias de violações e lesões a direitos fundamentais de crianças, como saúde, escola e alimentação no mundo esportivo. No início deste mês, o Deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) apresentou substitutivo à Comissão Especial de Repressão ao Tráfico de Pessoas (PL 7.370/2014), que prevê uma série de nor-

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mas para aumentar a proteção de crianças e adolescentes. Conforme a proposta, a participação de crianças e adolescentes em espetáculos públicos, atividades esportivas e concursos de beleza dependerá de autorização do juiz e dos pais ou responsáveis. Entre os pontos polêmicos que envolvem crianças e adolescentes no mundo do esporte estão o suposto excesso de treinos; o regime de internato em algumas instituições desportivas; e o processo migratório ligado à transferên-cia de potenciais talentos dessas modalidades. Depois da morte do adolescente Wendel Junior Venâncio da Silva, de 14 anos, durante teste de futebol no Vasco em 2012, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) defendeu que os sis-temas de seleção e de organização das categorias de base de todos os clubes de futebol do Brasil fossem revistos. À época dos fatos, o Ministério do Trabalho e o Ministério Público do Trabalho prometeram intensificar a fiscalização contra a exploração de trabalho infantil nos principais times do País. A Lei Pelé, que ins-titui normas gerais sobre desporto, proíbe, por exemplo, a prática do profissiona-lismo, em qualquer modalidade, de menores de 16 anos. A partir dessa idade, a entidade desportiva terá direito de assinar contrato especial de trabalho, que não poderá ter prazo superior a cinco anos. Fonte: Câmara dos Deputados Federais.

Fechamento da Edição: 03�12�2014

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Bibliografia Complementar

Recomendamos como sugestão de leitura complementar aos assuntos abordados nesta edição os seguintes conteúdos:

artIgo doutrINárIo

• Aprendizagem no Desporto e Cumprimento do Artigo 429 da CLT pelas Entidades Desportivas

Konrad Saraiva Mota Juris SÍNTESE ONLINE e SÍNTESENET, disponíveis em: online.sintese.com

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Índice Alfabético e Remissivo

índice por assunto especial

DOUTRINA

Assunto

Fraude no desporto

• A Corrupção e as Fraudes no Cenário Esportivo Brasileiro (Leonardo Schmitt De Bem) ...................9

• Fraude e Corrupção no Esporte Profissional (Rosario de Vicente Martínez) ..............................38

• O Delito de Corrupção Desportiva no CódigoPenal Espanhol (Emilio Cortés Bechiarelli) ...........71

Autor

emilio cortés Bechiarelli

• O Delito de Corrupção Desportiva no CódigoPenal Espanhol ....................................................71

leonardo schmitt de Bem

• A Corrupção e as Fraudes no Cenário Esportivo Brasileiro ...............................................................9

rosario de Vicente martínez

• Fraude e Corrupção no Esporte Profissional ........38

Parte geral

DOUTRINA

Assunto

aprendizaGem

• Aprendizagem no Desporto e Cumprimento do Artigo 429 da CLT pelas Entidades Despor-tivas (Konrad Saraiva Mota) ...............................109

atleta

• A Propriedade Intelectual – Explorar Mais, Cui-dar Mais para Ganhar Mais (Bernardo LinharesMarchesini) ........................................................115

cláusula indenizatória

• A Cláusula Indenizatória e a Cláusula Com-pensatória no Contrato de Atleta Profissional: oQue Pensar? (Cassio M. C. Penteado Jr.) ............104

contrato

• Princípios Basilares, Gestão Eficaz e Diretrizes para uma Gestão Profissional Esportiva (Paulo Celso Berardo) .....................................................94

Autor

Bernardo linhares marchesini

• A Propriedade Intelectual – Explorar Mais, Cui-dar Mais para Ganhar Mais ................................115

cassio m. c. penteado Jr.

• A Cláusula Indenizatória e a Cláusula Compen-satória no Contrato de Atleta Profissional: o QuePensar? ..............................................................104

Konrad saraiVa mota

• Aprendizagem no Desporto e Cumprimento do Artigo 429 da CLT pelas Entidades Despor-tivas ...................................................................109

paulo celso Berardo

• Princípios Basilares, Gestão Eficaz e Diretrizespara uma Gestão Profissional Esportiva ................94

Seção especial

DE FRENTE PARA O GOL

Assunto

torcedor

• Breve Análise do Artigo 243-G, § 2º, do CBJD (Louis Augusto Dolabela Irrthum e Luciano deCampos Prado Motta) ........................................203

Autor

louis auGusto dolaBela irrthum

• Breve Análise do Artigo 243-G, § 2º, do CBJD ...203

luciano de campos prado motta

• Breve Análise do Artigo 243-G, § 2º, do CBJD ..203

PRÁTICA PROCESSUAL

Assunto

Dopping

• Dopping (Gustavo Lopes) ..................................211

Autor

GustaVo lopes

• Dopping ............................................................211

ACÕRDÃO NA ÍNTEGRA

aGraVo de instrumento

• Agravo de instrumento – Recurso de revista – Atleta profissional de futebol – Direito de ima-gem – Natureza jurídica salarial – Período an-terior à Lei nº 12.395/2011 (TST) .............1263, 136

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234 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 22 – Dez-Jan/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

• Agravo de instrumento – Recurso de revista – Horas extras – Apresentação de registro de pon-to – Súmula nº 338/I/TST (TST).................1262, 128

arena

• Direito de arena – Porcentagem de 5% ajusta-da em norma coletiva – Validade – Princípio da liberdade e da autodeterminação da von-tade coletiva (TRT 1ª R.) ..........................1265, 157

Dopping

• Doping – Infração às normas da IAAF (STJDF) ................................................................1261, 119

recurso ordinário

• Recurso ordinário do reclamante – Relação ju-rídica havida entre as partes – Vendedor em es-tádio de futebol (TRT 4ª R.) ......................1266, 166

treinador

• Administrativo – Treinador de futebol – Leis nºs 8.650/1993 e 9.696/1998 – Inscrição no Conselho Regional de Educação Física – Não obrigatoriedade – Agravo desprovido (TRF 3ª R.) ................................................................1264, 149

EMENTÁRIO

Administrativo e Constitucional

ação ciVil púBlica

• Ação civil pública – títulos de capitalização – sorteio de dinheiro e prêmios – exploração dejogos de azar – ilegalidade – efeitos .........1267, 173

contas púBlicas

• Contas públicas – convênio administrativo en-tre associação sem fins lucrativos e fundação estadual – participação em campeonato brasi-leiro de basquete paraolímpico – homologação ................................................................1268, 174

Civil

ação cominatória

• Ação cominatória e indenizatória – arguição de óbice ao uso das cadeiras cativas por perda da titularidade – cabimento ..........................1269, 175

ação de coBrança

• Ação de cobrança – contrato de licença de uso de imagem, voz, nome e apelido desportivo deatleta – cabimento ...................................1270, 175

• Ação de cobrança – saque da duplicata para co-brança de royalties – contrato de fornecimento de produtos têxteis – utilização de marcas de times de futebol – cabimento ...................1271, 175

• Ação de cobrança – serviços de arbitragem esportiva prestados e não pagos – jogos de in-verno de Mallet – cabimento ...................1272, 176

ação de indenização

• Ação de indenização – compra de ingressos para os jogos da Copa do Mundo de 2006 – prescrição – observação ..........................1273, 176

• Ação de indenização – contrato de empréstimode atleta profissional – cabimento ............1274, 176

• Ação de indenização – prestação de serviços – aquisição de pacote turístico – compra de in-gressos para assistir a jogos da seleção brasileira de futebol na Copa do Mundo de 1998 – não entrega – dano moral e material – cabimento ................................................................1275, 177

ação monitória

• Ação monitória – agenciamento de jogador de futebol – contrato válido – incidência da cláu-sula penal pactuada – cabimento .............1276, 177

atleta

• Atleta amador – menor de quatorze anos – pre-tensão de liberação de clube – efeitos .....1277, 178

• Atleta – bicicross – antidoping – pena de sus-pensão – cerceamento de defesa – inocorrência ................................................................1278, 178

• Atleta – contrato de assessoramento – presta-ção de serviços – indenização por perdas e da-nos – cabimento ......................................1279, 180

competência

• Competência – Justiça comum – clube de fute-bol – campeonato brasileiro – tabela de classi-ficação – observação ...............................1280, 181

• Competência recursal – ação de prestação de contas – fundada em contrato de contrato deassessoria e marketing – reconhecimento . 1281, 181

• Competência recursal – cobrança de agencia-mento de atividades laborais e esportivas – nãoreconhecimento .......................................1282, 181

contrato

• Contrato – parceria para disputa de campeo-nato de futebol – efeitos ...........................1283, 181

• Contrato de cogestão – infrações – rescisão – cláusula penal – efeitos ............................1284, 182

dano moral

• Dano moral – atleta que alega traição do técni-co – omissão de resultado de exame clínico – responsabilidade civil – alcance ..............1285, 182

• Dano moral – cerceamento de defesa – desne-cessidade de oitiva de testemunhas – controvér-sia nos autos – ausência ...........................1286, 183

• Dano moral – jogo da copa das confederações de 2014 – compra de bilhete com a indica-ção da cadeira – assento inexistente – indeni-zação – cabimento ..................................1287, 183

• Dano moral – mentira do futebol – alegação de veiculação de reportagem anônima – inde-nização – cabimento ...............................1288, 183

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RDD Nº 22 – Dez-Jan/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ��������������������������������������������������������������������������������������������������������235 • Dano moral – uso indevido de imagem de jo-

gador – álbum de figurinhas – violação – in-denização – cabimento ............................1289, 184

• Dano moral e material – agressão física em jogo de futebol – queda e choque da cabeça con-tra a parede e no chão – indenização – cabi-mento ......................................................1290, 184

emBarGos de declaração

• Embargos de declaração – intempestividade – jogo da copa do mundo – efeitos .............1291, 184

execução

• Execução – devedora solvente – agremiação desportiva – escrito particular de sublicencia-mento de direitos de imagem – prosseguimento ................................................................1292, 184

• Execução – título extrajudicial – contrato de cessão de direitos econômicos decorrentes das transferências de atletas profissionais – cabi-mento ......................................................1293, 185

mandado de seGurança

• Mandado de segurança – “Bolsa-Atleta Nacio-nal” – pedido indeferido administrativamente – requisitos previstos no edital – comprovação – direito líquido e certo – inexistência – se-gurança denegada ...................................1294, 185

prazo

• Prazo processual – jogo da Copa do Mundo – suspensão – observação ...........................1295, 185

propriedade industrial

• Propriedade industrial – agremiação despor-tiva – direito à exclusividade de utilização de marca – dano material e moral – configuração ................................................................1296, 185

Penal

competência

• Competência – máquina caça-níquel – explo-ração de jogo de azar – consunção – inaplica-bilidade ...................................................1297, 186

Trabalhista

aGraVo de petição

• Agravo de petição – penhora de renda de jo-gos e venda futura de atletas – garantia integral – observação ..........................................1298, 186

atleta proFissional

• Atleta profissional – direito de arena – natureza civil – não configuração ..........................1299, 186

• Atleta profissional – jogador de futebol – ces-são – responsabilidade do clube cedente – alcance ....................................................1300, 187

• Atleta profissional – modalidade de extinção – distrato – possibilidade ............................1301, 188

• Atleta profissional – solicitação de liberação – rescisão contratual – cabimento ...............1302, 188

• Atleta profissional de futebol – direito de are-na – contribuição previdenciária – natureza jurídica ....................................................1303, 188

competência

• Competência material – justiça de trabalho – atleta em formação – relação de trabalho – aci-dente – reconhecimento ..........................1304, 188

direito de arena

• Direito de arena – acordo para redução do percentual de 20% previsto em lei – violação ................................................................1305, 189

• Direito de arena – alteração do percentual legal por acordo judicial entre clube e sindi-cato – impossibilidade .............................1306, 189

• Direito de arena – montante devido ao atleta profissional – renúncia – transação – descabi-mento ......................................................1307, 190

• Direito de arena – natureza jurídica .........1308, 190

• Direito de arena – percentual de 5% da recei-ta proveniente da exploração de direitos des-portivos audiovisuais a ser repassado aos sin-dicatos – cabimento .................................1309, 190

• Direito de arena – porcentagem de 5% ajustadaem norma coletiva – validade ..................1310, 191

• Direito de arena – redução da parcela – acordo judicial ou negociação coletiva – impossibili-dade ........................................................1311, 191

direito de imaGem

• Direito de imagem – natureza salarial – incidên-cia em férias, 13º salário e FGTS – cabimento ................................................................1312, 192

• Direito de imagem – valor desproporcional ao salário – recebimento mensal – natureza salarial ................................................................1313, 192

• Direito de imagem e arena – natureza salarial – reconhecimento .......................................1314, 192

exceção de incompetência

• Exceção de incompetência em razão do lugar – jogador de futebol – ação proposta no foromais acessível – cabimento ......................1315, 193

exceção de suspeição

• Exceção de suspeição – juiz que é sócio tor-cedor de clube de futebol – não configuração ................................................................1316, 194

execução

• Execução – clube de futebol – redirecionamen-to contra o presidente – efeitos ................1317, 195

mandado de seGurança

• Mandado de segurança – clube de futebol – pe-nhora de renda – limitação ......................1318, 195

Page 236: ISSN 2236-9414 Revista SÍNTESE - bdr.sintese.com 22_miolo.pdf · lado no contexto da corrupção e fraude desportiva e desde já adianto que vou desconsiderar a possibilidade de

236 ���������������������������������������������������������������������������������������������������������RDD Nº 22 – Dez-Jan/2015 – ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO

prazo

• Prazo recursal – início da contagem – dias de jogos da seleção brasileira de futebol – ausên-cia de prorrogação – efeitos .....................1319, 196

proVa

• Prova – ônus – horas extras – comitê organi-zador dos Jogos Panamericanos do Rio 2007 –alcance ....................................................1320, 196

relação de empreGo

• Relação de emprego – vendedor em estádio de futebol – vínculo inexistente ....................1321, 198

Tributário

execução

• Execução fiscal – penhora – receita referente à venda de atleta – possibilidade ................1322, 199

ir

• IR – museu do Futebol Clube do Porto – cus-teio da obra e locação de espaços publicitários – retenção na fonte – remessas ao exterior –tributação – exegese ................................1323, 200

iss

• ISS – atividades relacionadas a lazer, explora-ção de jogos eletrônicos, boliches, música – al-teração de alíquota – efeitos ....................1324, 202

CLIPPING JURÍDICO

• Agente que captava jogadores de futebol rece-berá horas extras da Kirin Soccer .......................226

• Embargos do Internacional e do volante Chris são rejeitados no TST .........................................223

• Jogador do Botafogo receberá diferenças sobre direito de imagem ..............................................227

• Liminar reduz preço de ingresso para final da Copa do Brasil ...................................................225

• Suspenso julgamento de recurso do ex-jogador Edmundo ...........................................................228

• Técnico da seleção sub-20 propõe formação de atleta a partir dos 12 anos ..................................230

• Torcedor autuado no jogo entre Ceará e Vascodeve pagar um salário-mínimo para o Iprede .....225

• Treinadores e monitores de futebol não estão obrigados a se inscrever nos Conselhos de Edu-cação Física .......................................................224

• Tribunal condena Lusa a indenizar assessoria esportiva sobre direitos econômicos de jogador ..........................................................................223

• Tribunal mantém liminar que limita valor do in-gresso para atleticanos .......................................226

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR ....................... 232

ÍNDICE ALFABÉTICO E REMISSIVO ..................... 233