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CANDOMBLÉ ANGOLA: RELIGIÃO E POLÍTICA ENTRE SACERDOTES DE

BELÉM, PARÁ.

Augusto Barbosa

Discente do Programa de Pós-Graduação

Mestrado em Ciências da Religião no Centro de Ciências Sociais e Educação – CCSE da

Universidade do Estado do Pará – UEPA.

[email protected]

RESUMO

Este trabalho propõe analisar a forma de como os sacerdotes do Candomblé de Angola em Belém passaram

a ter envolvimento com a produção de políticas públicas e eleitorais. O objetivo descrever e analisar as

principais formas de organização política dos angoleiros, refletindo sobre como eles se inserem em redes

nacionais de militância política. A política será considerada de um ponto de vista filosófico e antropológico, a

partir das contribuições de autor como Oro (2010). A pesquisa foi desenvolvida através de trabalho de campo

etnográfico, realizado em Belém durante o segundo semestre de 2012, por meio de entrevistas e observação

participante junto a duas lideranças do candomblé angola, as mães de santo Beth de Bamburucema e Kátia

Haddad.

Palavras-chaves: Política, Religião, Candomblé Angola.

ABSTRACT

This work aims to analyze the way how the priests of Candomblé de Angola in Bélém started to have

involvement with the production of public and electoral politics. The objective to describe and analyze the main

forms of political organization angoleiros, reflecting on how they fall in national networks of political activism.

The policy will be considered a philosophical and anthropological point of view, from the contributions of the

author as Oro (2010). The survey was developed through ethnographic fieldwork conducted in Belém during the

second half of 2012, through interviews and participant observation with the two leaders of Candomblé Angola,

the mothers of the holy Beth Bamburucema and Katia Haddad.

Keywords: Politics, Religion, Candomblé Angola.

1. A Introdução aos afrorreligiosos nos espaços políticos em Belém do Pará

A comunidade humana necessita de uma religião tão quanto de política, logo há

socialização e sociabilização. Assim induz a uma descrição antropológica a partir da política

que os afrorreligiosos vêm fazendo para o seu espaço de axé ocupando espaços ociosos, com

políticas de assistências à comunidade que rodeia. A política no ser humano cria espaço de

disputas de poder, que a partir desse contexto a corrida legitimadora é bandeira da identidade.

(BROWN, 1985).

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A Ciências da Religião como investigadora enfrenta os anseios da pós-modernidade e

desencadeia um estudo tônico sobre a relação entre “politica1 e religião”, pois os dois eixos

anseiam na vida humana um prática meditativa dos bens tanto materiais como espirituais.

Greschat observa que as “religiões integram seres humanos em uma comunidade” (HANS-

JÜRGEN, p. 25, 2005).

Com isso a religião é o sistema que representa maximamente o ethos da experiência que o

sujeito pratica em sua cosmovisão, o seu mito universal denominado de mitema por Lévi-

Strauss, transmite ao fiel todo o conhecimento que precisa. A política entra nesse campo para

afirma sua legitimidade, todavia ocorre nas religiões de matrizes africana das Amazônia a

necessidade de federalizar, buscar políticas assistenciais e lançar sacerdotes para candidaturas

de cargos públicos é nesse caminhar que este trabalho irá desenvolver.

Há dois momentos claramente distintos na participação dos afrorreligiosos de Belém do

Pará na política. O primeiro está marcado pela fundação da Federação Espírita e Umbandista

dos Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará (FEUCABEP) ocorrida em 1964, como início

da Ditadura Militar e segundo se dá com apoio do ex-prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues,

iniciado na sua gestão 1997-2000. Discutiremos em seguida cada um desses momentos.

2. Federação Espirita e Umbandista de Cultos Afro-Brasileiros do Estado do Pará:

legitimidade do Povo-de-Santo - FEUCABEP.

A FEUCABEP foi fundada em 1964 por uma cobrança da então Delegacia de

Costumes, que tinha a intenção de organizar os afrorreligiosos para ter mais controle sobre o

culto. Silva (1976) apresenta em sua dissertação de mestrado que,

Algumas vezes as casa de culto era indistintamente envolvidos em noticias

escandalosos publicados nos jornais da cidade, pois era grande o número de queixas

apresentadas às diversas autoridades policiais sobre o barulho, desordens,

bebedeiras, escândalos passionais, pederastia e lesbianismo que os denunciados

dizem ocorrer nos batuques. (p. 89)

No contexto referido, os afrorreligiosos pediam licença para a realização das festas no

setor de Costumes, o mesmo onde se obtinha permissões para aberturas de boates e bordéis.

Gostaria de frisar essa necessidade que o povo do santo de Belém para a organização

da Federação, pois assim essa instituição possui poder Legal e defendia os terreiros contra as

batidas policiais que havia, às vezes levando presos os filhos de santo incorporados e os

1 Política é essa que desencadeia ao ser humano uma administração das linguagens materiais pressionando assim,

os bens naturais e finitude do ser em um Estado.

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atabaques, assim a FEUCABEP tinha a função de legitimação. Com isso Silva (1976) a ponta

os objetivos da instituição descrito no I capitulo do Estatuto,

Art. 1° - A FEDERAÇÃO ESPIRITA UMBANDISTA E DOS CULTOS AFRO-

BRASILEIROS DO PARÁ, fundada a 26 de agosto do ano de mil novecentos e

sessenta e quatro (1964), com a sua sede na cidade de Belém, capital do Estado do

Pará e com jurisdição em todo o território do Estado, filiado à confederação Espírita

Umbandista do Brasil em 10 de setembro de 1964, sob o número 1350, tem por

finalidade reunir todos os TERREIROS, CENTROS, SERAS e CABANAS, com os

seguintes objetivos: a) difundir a doutrina Espírita Umbandista e dos Cultos Afro-

Brasileiros de acordo com a leis vigentes e as autoridades constituídas; b) presta Assistência Social aos seus sucessores; c) conceder Auxilio Funeral aos seus sócios;

d) prestar conforto espiritual aos que nele necessitarem; e) promover a defesa dos

interesses dos seus associados, concorrendo igualmente para que haja maior UNIÃO,

DISCIPLINA, ORDEM e RESPEITO nos Centros de Trabalho; f) outro benefícios

constantes do Regimento Interno, a critério de sua Diretoria.

Luca (2003) aponta que,

Ela surgiu no ano de 1964 em um contexto de ditadura militar uma vez que o

governo ditatorial instalado no Pará via nos ‘batuques’ um foco de desordem, em

função de frequentes materiais jornalísticos que falavam de praticas como

bebedeira, bagunça e charlatanismo, exigindo assim a organização formal dos

mesmos (p. 27).

Assim observamos que a FEUCABEP no Estado do Pará é a primeira forma de

organização política, e esse é ponto interessante analisar, pois seu poder era para reprimir

qualquer flagelação que os terreiros poderiam vim passar por mão da Polícia, mas é preciso

apontar que antes do surgimento da federação algumas casas de culto era “apadrinhadas” por

pessoas de cargos públicos e sempre conseguiam os alvarás para não ocorrer casos como já

citados de prisões de pessoas incorporadas e de instrumentos litúrgicos etc. Essas lideranças

afrorreligiosas, que se relacionavam nos meio políticos iniciaram uma organização, assim

surge a FEUCABEP. Os fundares dessa instituição são destacados, pois Luca (2003) aponta

que são também os fundadores do Tambor de Mina no Pará são: Manoel Colaço Veras, Rosa

Nunes (Mãe Doca), Maria de Nazaré Aguiar, Inez Ferreira, Raimundo Silva, Astianax Gomes

Barreiro, Joana Pereira do Nascimento, Carmelina Amâncio Neto e Antônio. (LUCA, 2003, p.

28-29).

Assim a partir da FEUCABEP inicia uma nova etapa política em Belém, pois se dá

impulso para a politização dos afrorreligiosos no Pará, e certo afirma as influência regidas

pelo restante do Brasil, pois esse fenômeno começou em São Paulo em 1953 na primeira

federação umbandista (CONCENE, 1985, p. 46). CONCENE descreve apoio do Presidente

Getúlio Vargas na Umbanda e que até muitos terreiro havia um foto do presidente. São Paulo

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“década de 50 é o ponto de institucionalização da Umbanda em São Paulo” (p. 47) a partir de

década surgem vários organizações em nível nacional em Belém como: Associação dos

Amigos de Iemanjá (AAI) criada em 1971 com objetivo de organizar o ritual denominado de

Festival de Iemanjá comemorado todos os anos no dia de Nossa Senhora da Conceição dia 8

de dezembro nas praias de água doce no bairro de Outeiro na Região Metropolitana de Belém

(LUCA, 2003, p. 38); Instituto Nacional da Tradição e Cultura Afro-Brasileira Seção Pará

(INTECAB) fundado a partir dos conflitos em candomblecista e umbandistas. Esse instituto

surgiu na Bahia, mas Pai Walmir viajar para Salvador para se filiar a esse Instituto e traz para

Belém; Associação dos Amigos do Ilê Omin Asé Ofa Kare (AFAIA), foi fundada em 17 de

julho de 1985 pelo sacerdote do Candomblé Ketu Edson Katendê que se relaciona afinco com

o Movimento Negro que tem um forte teor cultural recentemente a instituição lança o

Espetáculo GRIOT E OS ESPÍRITOS DA TERRA.

Essas instituições que descrevemos abrange um conjunto de terreiros que se apresenta na

atualidade em politicas de ‘associações’ realizando diversas atividades e convênios em

âmbitos nacionais e seus sacerdotes possuem cadeiras nos conselhos municipais, estaduais e

nacionais.

3. Congresso da cidade na gestão de Edmilson Rodrigues: o ponta pé para

politização do afrorreligiosos

Após 1988 com a redemocratização o Brasil entra em um novo contexto política que

passa a ter reflexos também sobre os movimentos sociais inclusive dos afrorreligiosos. Em

1997 é eleito em Belém para a prefeitura o representante do Partido dos Trabalhadores - PT,

Edmilson Rodrigues. Com a proposta de governar “com o povo” implantado políticas de

gestão participativo na cidade, o que levou a organização de vários segmentos da sociedade

civil, inclusive os afrorreligiosos.

O prefeito institui o Congresso da Cidade onde a sociedade civil e seus organismos

puderam participar do orçamento da Cidade de Belém capital do Pará na primeira gestão

(1997-2000) e na segunda (2000/2003) do Prefeito Edmilson Rodrigues que assim lança

“Festas das Raças” no palácio da Prefeitura, em 2000 agrupou os afrorreligiosos da área

metropolitana da cidade.

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Essa nova etapa onde a sociedade civil adentra no cotidiano da gestão, em que poderá

fazer parte das decisões, debater propostas e deliberar. Constituindo a democracia

participativa, que dá ponta pé para os afrorreligiosos entrarem nessa discussão.

O prelúdio do Congresso da Cidade em Belém-Pará se dá a partir da experiência do

Orçamento Participativo na gestão de Edimilson Rodrigues (1997-2000) afirmando que há

possibilidade de ter um governo do povo com a meta de um plano de desenvolvimento da

cidade.

Farias (2003) aponta que “objetivo de apresentar, através do Orçamento Participativo e

do Congresso da Cidade, o processo de democratização do poder na cidade de Belém”

observa-se que nesse enredo possui voz e sua participação política poderá ser de dois modos,

participação política indireta,

A democracia representativa tem caráter indireto porque a participação popular é

indireta, pois a população apenas escolhe quem irá tomar as decisões em seu nome;

tem caráter periódico, pois o período de tempo em que a população deverá ser

chamada para escolher seus representantes é previsto em lei e se dá em intervalos

regulares não permitindo a vitaliciedade dos mandatos; e por fim tem caráter formal,

porque é lei específica que estabelece como e em que forma esta participação deverá

ocorrer, devendo tudo isto se realizar através do processo eleitoral (p. 6).

Direta,

“Na atualidade do Estado democrático de direito, o sistema representativo tem por

base a soberania popular, como resultado do poder legítimo do povo; o sufrágio

universal, do qual vem do termo latim sufragium, que significa aprovação, ou seja o direito de participação política na democracia representativa, com diversidade de

candidatos e partidos políticos; a igualdade de todos formalmente, ou seja perante a

lei; liberdades públicas de todos os tipos manifestação tal como religiosa, de

associação, opinião; e a periodicidade dos mandatos eletivos, já tratado neste sub

item (p. 6).

Com isso percebemos a diferença que há entre as participações nesse período ficou

marcante essa participação direta. No Congresso houve varias secções para haver uma ampla

discussão nos vários setores da cidade.

Logo percebemos que população esta na ativa, participando de todo o processo para

melhorada cidade. Assim os povos tradicionais do terreiro se afirmaram nesse período e se

inicia a política do afrorreligiosos a partir desses eventos na gestão de Edmilson Rodrigues e

hoje em 2012 volta a se candidatar a Prefeito e com isso os afros dão apoio a sua candidatura.

4. Tipos de políticas que se apresentam em Belém

4.1. Políticas Públicas:

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A partir da redemocratização da Constituição de 1988 o estado brasileiro deu abertura

para o diálogo com movimentos sociais. Essa abertura, sobretudo pelos fortes influencias da

Declaração dos Direitos Humanos Universais (1948) pela Organizações das Nações Unidas,

ONU. Esta influencia possibilitou que a sociedade civil pudesse participar das decisões

políticas, assim a Constituição Cidadã como é denominada, prevê o direito básico de cada

cidadão nas instancias das esferas públicas, a participação não será a penas representativa,

mas sim, participativa.

Frischmann (2009) nos mostra que,

O ponto delicado e relevante no contexto internacional é que todo envolvimento nas

conferências, das quais resultam novas declarações e novos programas de ação, sempre ocorreu com dupla inserção dos países, fosse dos representantes

governamentais (a cada momento), fosse dos representantes da sociedade civil,

entendendo-se que os governos isoladamente, por seu mandato temporário e

provisório, não podem representar sozinhos o Estado. Esse tipo de dinâmica leva a

novas articulações internacionais, e, enquanto os governos se relacionam via

diplomacia, a sociedade civil se relaciona por meio dos fóruns que elege para seus

debates, como o Fórum Social Mundial, para citar o exemplo mais notável. (p. 159)

A declaração dos Direitos Humanos Universais abriu espaço para o mundo um diálogo

entre Estado Moderno e Sociedade Civil nos debates intrínsecos da vida cotidiana do homem.

No governo de Lula (2002-2009) essa reflexão se tornou, mas forte, pois o Brasil

começou a participar de grandes conferenciais de extensão mundial sobre temática que estão

na vida humana como educação, fome, saúde etc. Exemplos são: Conferência Mundial de

Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, que tratou da relação do campo social

nacional com o internacional, políticas públicas de segurança, promoções de direitos e a

educação com direitos humanos; Conferência Mundial sobre População e Desenvolvimento,

realizada no Cairo em 1994 e Conferência Mundial sobre Mulher e Desenvolvimento,

realizada em Pequim em 1995 que tratam questões de gênero, de direitos sexuais, aborto e

métodos contraceptivos; entre outros. Com isso dentro do Brasil inicia essas conferencias para

debater as questões promulgadas pelo congresso.

Assim no Brasil se inicia a institucionalização das práticas da sociedade civil face à

democratização. Também perceber o grande aumento de surgimento de ONGs e do Terceiro

Setor de responsabilidade social.

Observar-se que o Brasil em sua política está em nova fase isso dá margem para as

minorias se legitimarem neste espaço. Vários movimentos surgem a partir da camada social

afirmando a democratização do Estado. O movimento negro e a democracia racial;

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Movimento dos Sem Terra e a Reforma Agrária; A conquista do ECA, etc. O Brasil se

democratizou, nesses enclaves os afrorreligiosos se deliciaram e penetraram nas políticas

publicas em vários setores.

4.2. Políticas eleitorais:

Nas eleições 2012 da Cidade de Belém, para o cargo público de Vereador o afro-religioso

denominado Pai Gilmar de Oxossi nome civil Gilmar Mauricio Silva da Conceição, lança em

campanha com debate “combater o racismo” e, sobretudo buscando direitos para os “povos

tradicionais do terreiro”; nomenclatura designada para conquistar políticas públicas, como as

cestas básicas que o Ministério de Desenvolvimento Social envia para o INTECAB seção

Pará que será reedivididas para as instituições. Assim se filia no PSOL (Partido Socialismo e

Liberdade) com o numero 50.015 que conquistou 400 votos, entretanto não conseguiu almejar

ao cargo. É apoiado pelo Candidato ao Edmilson Rodrigues que foi para o segundo turno da

capital do Pará.

É interessante observar que há campanha em nível nacional que seu slogan “QUEM É

DO AXÉ VOTA NO AXÉ” percebeu a união que os afros realizam para buscar poder

político, nessa campanha dos afrorreligiosos de Belém vários apoiam a candidatura do Pai

Gilmar, ou não.

Observamos que os afrorreligiosos do Pará se encontram não somente nas estâncias das

buscas das políticas publicas, mas cobiçam a Câmara de Vereadores, em Belém esse

fenômeno não é muito situado com no Rio Grande do Sul como se observa (ORO, 2010).

Esse nova etapa das religiões de matrizes africana é a própria institucionalização que essas

comunidades tradicionais se revelam na modernidade onde querem assumir seu papel de

cidadãos ativos sem medo de professar sua fé, a mudança do Estado com religião Oficial para

Laicidade ajudou para afirmação de identidade e “legitimidade social”.

Acima podemos observar as imagens de propagadas políticas feitas para facebook, que

foi retirado do mesmo; pela nitidez podemos perceber a afirmação de identidade religiosa, e

ainda podemos destacar que as candidaturas dos afros sempre buscam direitos para si e para

as classes marginais, com isso observamos em uma etnografia de campo que esta situação das

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conquistas dos afro-paraenses, recebeu apoio do Movimento Negro

2, Movimento GLBT,

PSOL, Universidade com a UFPA e UEPA, OAB etc.

5. Etnografias das politicas do Rundembo Gunzoti Bamburucema

O ICBAN é presidido por Mãe Beth, cuja dijina (nome na religião africana) é Mame’to

de Inkisse Muagilê e o nome civil é Elizabeth Pantoja. Mãe Beth é sacerdotisa do Candomblé

Angola.

A casa de Mãe Beth denomina-se “Rundembo Gunzo Ti Bamburucema”. Filha de santo

de Torodê, já falecido. Mãe Beth é de origem quilombola e começou sua vida na religião

africana devido a doença de sua mãe, que sai do quilombo e vem a Belém se tratar no terreiro

do Pai Bassu, Abassá Afro-Brasileiro Leko Saponan, fundada 1972. Assim que se inicia na

casa, Rudembo Axé Di Jaciluango, e paga todas suas obrigações, a mesma e funda sua própria

casa e posteriormente funda a associação. Mãe Beth é Conselheira de Igualdade Racial,

Conselheira Municipal do Negro, Conselheira de Idosos e Conselheira de Negro e Negras do

Pará (há 2 anos).

O Instituto Bamburucema de Cultura Africana ou Afro-Brasileira nasceu em 2003, porém

nasce com o nome ARCUABÃ. Desde sua fundação Mãe Beth está no movimento social,

hoje a associação se chama Instituto Bamburucema de Cultura Afro – Amazônica. Para ela o

objetivo da associação como

“é capacitar essas pessoas. Para ter uma renda; o maior objetivo é essa “capacitação”

do meu povo carente para eles terem a renda própria, para saírem da pobreza e

violência então eu faço essas oficinas rápidas, como meio deles ganharem um

dinheiro rápido como manicure”.

A partir das entrevistas podemos observa que a associação ainda não está legalizada, não

possui CNPJ. Ao perguntar para a Mãe O que levou a senhora fazer tudo isso na

associação? Obtive a seguinte resposta:

“Eu sempre tive esse espírito de humanidade de querer ajudas às pessoas; eu tenho

trabalhado também com deficiente, tetraplégico; eu redivido as cestas, e contemplo essas

pessoas; eu não trabalho só a minha comunidade do bairro, é em Outeiro, Pratinha, Jurunas,

Cremação; associação não é só essa parte religiosa; é você poder ajudar o ser humano, então

passei a trabalhar e lutei muito para conseguir estas cestas, foi 2,3 dias de trabalho andando

2 Neste elemento deve ser destacado que a única casa afrorreligiosa em Belém que anda juntamente com o

Movimento Negro, diga de passagem, CEDENPA (Centro de Estudos e Defesa do Negro no Pará) que tem uma

forte ligação é o Ilé Axé Iya Omi Ofa Karé liderado pelo candomblecista Ketu Edson Catendê.

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por que isso foi um encontro feito da rede de saúde dos terreiros que aconteceu aqui no

Beira-Rio, e veio o ogãn que é secretario de igualdade racial, e perguntou para nós, se o

Pará, já recebi cesta básica. Então dissemos que não, então mandei urgente fazer uma pesquisa em Belém, e mandar o nome das pessoas necessitadas, para o governo federal. Fui

bater de casa em casa, para saber onde estava os afro-religiosos. Após a pesquisa de três

meses depois veio a cesta; mais para 1000 pessoas, vai pra o INTERCAB, e depois de divide

para casa terreiro. Ficou na casa da mame'to Nangetu. E é um trabalho gratificante porque

você sabe que vai matar a fome de algumas pessoas. Ano passado veio 6 a 8 vezes ao ano;

sempre 50 cestas, este ano já veio três vezes. Agora eu tenho muita vontade de tirar esses

documento e avançar mais para ajudar mais minha comunidade.”

Atividades proposto pela ICBAN: Café da manhã com palestras sobre a Lei Maria da

Penha; Cineclubes; Distribuição de cesta básica; Palestras sobre violência, drogas, DST’s,

AIDS; Distribuição de preservativos, café da manhã para os Dias das Mães com palestras, e

sorteio de cestas básicas.

Mame’tu Bethi participou de vários de eventos ao longo do ano de 2012 como:

Conferencia Nacional de Cultura; Encontro Nacional no Rio de Janeiro sobre Diversidade

Cultural; Oficina de Construção de Projetos, no estado do Maranhão; Congresso Nacional da

Cartografia Social em Manaus e Conferencia das Mulheres.

A ICBAN recebe apoio do Instituto Nangetu (Instituto Nangetu de Tradição Afro-

religiosa e Desenvolvimento Social) por meio do empréstimo de materiais como: data show e

caixa amplificada de som, usados nas reuniões de Cine Clube.

6. Etnografias das politicas konzenzala

Mãe Kátia Haddad sua dijina é Kaiani Leji, é sacerdotisa da religião Candomblé

Angola, filha de santo de Mãe Eliana que paga suas obrigação (subida de cargo) com sua avó

Mame’to Akobaroni, filha do Inkisse Mavambu (Senhor do Caminho da Encruza). Mameto

Akobaroni se iniciou no Rio de Janeiro e retorna ao o Pará, mas é natural de Belém. Mãe

Kátia é filha de Maria de Andrade que foi umas das fundadoras do Festival de Yemanja. Mãe

Kátia herdou o terreiro de sua mãe Maria de Andrade que também era sacerdotisa do

Candomblé Angola, inicia por sua avó de santo Mame’to Akobaroni cuja casa se chamava

RUNDEMBO MUKI DE KOLONDINA, que estava localizado no Icuí, fundada em 1985.

Mãe Katia herdou o terreiro que foi fundado em 1988, denominado ABASSÁ AFRO-

BRASILEIRO KONZENZALA DE KAFUNGÊ, situado no Bairro Sacramenta.

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A associação também se intitula Konzenzala, nome que se refere ao nome do terreiro e

ao inkisse de sua mãe, Kafungê. Esta associação tem 10 anos. Quando perguntei a ela por que

fundar uma associação, ela disse:

“Eu comecei a participar dos encontros, dos movimentos, e das conferencias, dos

seminários, e ai senti uma necessidade de que a casa tivesse uma representação

cultural, até para dar conteúdo para essa participação, não só a questão religiosa, e

como na época, tinha essa necessidade, ai começou a se fomentar a historia da

associação afro-cultural de konzenzala, que na realidade é o titulo da casa. O intuito

daquele momento era esse, de formar a associação, hoje é outro, como eu tenho um

histórico dentro do movimento afrorreligioso, não só uma questão empírica, mas

hoje com a questão cultural, com a questão política e social, eu pretendo para este

ano 2013 dar legitimidade política a associação, poder começar a desenvolver

algumas coisas aqui mesmo no espaço, a pesar de que a gente já desenvolve, festa

de são João, muito embora a casa esteja sem funcionamento este ano de 2012, por conta do meu envolvimento na política partidária, no p-sol, participando da

campanha do Edmilson Rodrigues que foi candidato a prefeito, e também pela

questão deu estar organizando a casa no sentido de estar aterrando a casa.”

Também pergunto; Porque a senhora observou que havia a necessidade do

afrorreligiosos estar na frente buscando políticas, nesta função social, como foi este

ponta pé da senhora? Ela responde:

“Na realidade eu já era envolvida com algumas instituições como a FEUCABEP, e eu

fazia parte do INTECAB, e eu recebi o convite da Mame’to Nangetu, coisa de 14

anos trás para integrar o INTECAB e ai comecei a participar com ela, eu tenho ela

como se fosse a minha mãe, a partir do convite dela, de estar indo para os seminários,

conferencias, encontros, reuniões, roda de conversas, tudo que estava envolvido o movimento naquele momento para buscar políticas publicas, foi através da Mame’to

Nangetu, havia necessidade por que eram poucos afrorreligiosos que participavam,e

eu entrei como, tipo relações publicas, daquele grupo convidando outras pessoas para

vim”engrossar o caldo”, para todo mundo participar e fazer um grande movimento,

dentro daquele movimento que já existia ali, que estava enfraquecendo, com poucos

elementos, então a minha função. Mais ou menos, era essa trazer as pessoas, então

criamos uma dinâmica na época que a Mame’tu era coordenadora do INTECAB,

funcionava a casa dela e a gente tinha conquistado é fazer parte do projeto fome zero

e eu comecei a levar nomes de terreiros, de lideranças para serem contemplados

também, com essas cestas básicas e tentar trazer essas pessoas para o movimento.”

As atividades que a Associação Afro-Cultural de Konzenzala já realizou foram: “ação

de saúde; rituais da casa; ações sociais; palestra sobre DST’s e AIDS; Verificação de pressão

e glicose”.

Nas eleições de 2012 Mãe Kátia realizou a locução oficial da Campanha de Edmilson

Rodrigues, para ela esta opção política foi uma questão pessoal, não decorreu por sua

liderança como afrorreligiosa. Outra questão que se observa é a relação próxima como se

pode observar com outros políticos:

“eu tenho relação com o Fernando Carneiro, vereador eleito, e devo assumir uma

assessoria dentro do mandato dele, e será um alguém que poderá representar os

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afrorreligiosos ou não, mas é uma relação minha, Kátia Haddad com Fernando

Carneiro. Não tem nada a ver com a questão da minha militância religiosa”

Considerações

Indaga-me qual é a necessidade do ser humano se afirmar? Que identidade é essa tão

fluxa tão plástica? Onde esta a legitimidade? Como se dá essa relação intrínseca entre religião

e política? A partir dessas indagações podemos concluir que pensar nas religiões de matrizes

africanas é perceber primeiramente que buscam um espaço legitimo de ordem. Segundo que

podemos afirmar a partir desse analise que religião é política, pois religião é poder.

Com tudo no Brasil essas religiões que um dia foi perseguido dentro de um padrão, legal

hoje se encontram em seu dever prático e legal, dentro das normas que regem a conduta

política do ser humano.

Fazer política é também fazer religião, pois esses dois sistemas equivalem para a

formação dos processos infinitos de relações de poder.

Os sacerdotes exemplifiquem esse campo onde há uma corrida de levantamento da

Bandeira do Tempo, bandeira representa toda a identificação da religião e de sua Casa, pois o

que esta em jogo é sua Comunidade.

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NOME DO PROJETO: Cine vai á escola: da academia ao espaço escolar na luta contra a intolerância

religiosa.

Orientadora: Prof. Drª. Taissa Tavernard de Luca

Autores:

Fabiane Malato

Iris Larisse de Aguiar

Larissa Souza Nascimento

Patricia Gleise Barros Neves

RESUMO: O Grupo de Estudos de Religiões de Matriz Africana tem como objetivo conhecer

e promover a aplicação da lei 10 639/03, que trata da obrigatoriedade do estudo e do ensino

da história e da cultura africana nos currículos escolares, oferecendo aos graduandos e pós-

graduandos em Ciências da Religião conhecimentos suficientes para a discussão e o ensino

dessa matriz religiosa em sala de aula. A partir do tripé: ensino, pesquisa e extensão,

desenvolve quatro ações permanentes, dentre elas o O Cine Vai à Escola, que surgiu em

2012 como um desdobramento do projeto de extensão “Cine Africanidade” acreditando ser a

sala de aula o espaço em potencial para o fomento da cultura do diálogo. Seu objetivo é fazer

do cinema e da ludicidade mecanismo metodológico para percorrer as escolas públicas e

particulares da capital e do interior do estado do Pará na árdua batalha de combate a

intolerância religiosa. Sua equipe, composta por alunos e professores de antropologia e

ciências da religião que professam diversos credos desenvolve palestras com estudantes, pais

e responsáveis, e formação para professores e técnicos.

Este trabalho visa apresentar o projeto Cine vai à escola, sua metodologia e as atividades

realizadas com o propósito de combater o preconceito, desconstruindo o imaginário existente

no que diz respeito às religiões de matriz africana e de promover a cultura de paz.

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CONQUISTAS E FRAGILIDADES DO ESTÁGIO SUPERVISIONADO NA DISCIPLINA

ENSINO RELIGIOSO DO CURSO DE LICENCIATURA EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

NA UEPA

Edina Fialho Machado 1

Universidade do Estado do Pará

RESUMO

Introdução: O trabalho destaca os dilemas e possibilidades do Estágio Supervisionado no curso de Licenciatura Plena em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará, como parte integrante de

seu currículo, e elemento basilar na formação do professor. O problema questiona quais as contribuições

do Estágio na formação do professor?, E investiga as aproximações e distanciamentos entre os conteúdos

conceituais e as experiências dos contextos escolares na docência da disciplina de Ensino Religioso?. Objetiva: Refletir a relação teoria e prática; apontar os dilemas e possibilidades vivenciadas; evidenciar

avanços e necessidades; e conhecer a realidade do Ensino Religioso nas escolas. Metodologia: É uma

pesquisa Bibliográfica de concepção Dialética sobre a importância e finalidade do Estágio. Foi realizado ainda um Estudo de Caso; e como instrumento de construção de dados, relatos de experiências de alunos e

professores no período de 2012 a 2013, e observações, como professora das disciplinas de Estágio I e II no

curso. A análise dos dados é de abordagem Qualitativa. Os Resultados revelam que o Estágio é definidor

na formação do professor, pois coloca o aluno em contato com a realidade Escolar, e contribui para a construção de sua identidade docente, todavia, é necessário rever a sua aplicação. O Estudo de Caso revela

carência de campo de Estágio na Educação Infantil, e 1ª a 4ª anos do Ensino Fundamental porque são

poucas as escolas com a disciplina “Ensino Religioso” nessa fase de Ensino. Revela também que a maioria dos professores, não tem formação para ministrar a disciplina; praticam o proselitismo e o dogmatismo; o

que gera certa rejeição da disciplina por parte dos alunos, os quais, não são obrigados a cursá-la. A

efetivação dos professores no estágio cria identidade e melhora o trabalho na disciplina. Conclusões: Ao alcançar os objetivos traçados, reafirmo a importância do Estágio para a formação do professor, e

reconheço que na UEPA o curso começa a superar as suas dificuldades, todavia, ainda existe

distanciamento entre o que indicam as teorias e o que acontece nas escolas, ou seja, é preciso que haja

integração entre teoria e prática na disciplina de Ensino Religioso.

PALAVRAS-CHAVE: Teoria-Prática, Formação do Professor, Ensino Religioso.

________________________ 1- Mestre em Educação na Linha Formação de Professores. Especialista em Docência do Ensino Superior.

Pedagoga. Professora do Departamento de Educação Geral da Universidade do Estado do Pará,

disciplinas Estágio Supervisionado I e II em Ciências da Religião, e Estágio Supervisionado em Instituições Não Escolares e Ambientes Populares no curso de Pedagogia.

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E-mail: [email protected]

DIÁLOGOS PRELIMINARES

O texto se constitui um estudo Bibliográfico sobre as disciplinas de Estágio

Supervisionado no Curso de Licenciatura em Ciências da Religião da Universidade do Estado do

Pará, e busca evidenciar os dilemas e possibilidades vivenciadas no interior das escolas nas quais

os estágios se realizam, experiências essas, que muito contribuem para a sua formação como

educador. Reflete o pensamento de teóricos do Estágio como elemento formador, além de fazer

um Estudo de Caso sobre relatos de alunos e professores, e minhas observações nas disciplinas

Prática de Estágio Supervisionado I e II no referido curso.

Experiências que dão clareza da importância dos estágios na formação do professor, e

evidenciam que os mesmos precisam ser avaliados, res-significados, contextualizados, e

melhorados, considerando a necessidade de acompanhar as transformações em todos os setores da

sociedade, e interferem na forma de conviver, ensinar, aprender e trabalhar, o que implica uma

revisão de currículos, programas, conceitos e novas posturas dos educadores.

Os estágios estão amparados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Lei

Federal nº 9.394/96: Art. 82, “ele é obrigatório para fins de integralização curricular e deverá

conter todas as atividades a serem desenvolvidas, como procedimento didático-pedagógico; bem

como pela Lei Federal de nº 11.788/2008 que diz: “O Estágio visa ao aprendizado de

competências próprias de atividades profissionais, e à contextualização curricular, objetivando o

desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o mercado de trabalho”. O Parecer do

CNE/CP nº 09/2002 diz:

o estágio curricular supervisionado é um momento de formação profissional do formando, seja pelo exercício direto in loco, seja pela presença participativa em

ambientes próprios de atividades daquela área profissional, sob a

responsabilidade de um profissional já habilitado e no Projeto Político-Pedagógico do curso.

Por estar garantido na legislação educacional, Estágio Supervisionado deve proporcionar

ao estudante de licenciatura, condições apropriadas de formação, capacidade de exercer as suas

atividades profissionais com competência técnica, profissional e pessoal. O estágio, reuni um

conjunto de conhecimentos e de saberes, que são necessários á formação do professor, na medida

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em que lhe possibilita condições de conhecer, vivenciar e compreender as reais condições de

trabalho e as diferentes relações de poder existentes nesses ambientes, conhecimentos esses, que

são importantes para a sua atuação profissional, afinal, Vasquez, (2005) defende que “O Estágio é

um processo criador, de investigação, explicação, interpretação e intervenção na realidade”.

Na perspectiva de investigação da realidade nos estágios em Ciências da Religião, busco

relacionar as teorias apreendidas e ensinadas na academia, com as experiências do cotidiano dos

ambientes educativos onde estagiamos, para ter parâmetros que respaldem as considerações a

respeito das disciplinas de Estágios desenvolvidos no curso na UEPA, pois, Pimenta e Anastasiou

(2005, p.179) assim, argumentam, “O papel das teorias é de iluminar e fornecer instrumentos e

esquemas para análises e investigações, que permitam questionar as práticas, e ao mesmo tempo,

pôr as próprias teorias em questionamento”.

Assim, os estágios devem propiciar novos saberes e experiências, que contribuem para a

formação pessoal e profissional do futuro professor, além de fazer a articulação teórica e prática,

oportunizando ao aluno, contato com novas situações educativas que lhe proporcionam formação

mais ampla, e condições para assumir as responsabilidades e competências atribuídas ao professor,

nas diferentes situações do ambiente escolar e não escolar, nos quais ele possa exercer a docência,

articulando o ensino, a pesquisa e a extensão como tripé basilar na formação do profissional da

educação. Barreira e Gebran,

(2005. p. 38) defendem que: “A articulação entre teoria e prática é um processo definidor da

qualidade da formação inicial e continuado do professor”, pois, ninguém tem a totalidade do

conhecimento, e todos têm necessidade de aprender, por isso, defende Freire,( 1996, p. 63).

É fundamental que na prática da formação docente, o aprendiz de educador

assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do

poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingênuo tem que ser

produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador.

Os Estágios Supervisionados devem ser desenvolvidos de maneira sistematizadas e

coletivas, por: alunos estagiários, professores formadores, e educadores dos ambientes de

estágios. O que se justifica, porque nossa concepção é de o que Estágio é indispensável na

formação dos educadores, sem o qual, os licenciados teriam uma formação apenas conceitual do

trabalho de um educador, argumenta Freire, (2004, p. 57) “Não há prática pedagógica que não parta

do concreto cultural e histórico do grupo com quem se trabalha”.

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Com base nas referências teóricas daqueles que defendem o estágio como elemento

destacado na formação do professor, reflito as experiências em estágio no Curso de Ciências da

Religião da UEPA, evidencio as conquistas, aponto os dilemas, e indico algumas possibilidades de

melhoria dessa prática, e carreira profissional. Por fim, apresento minhas considerações sobre o

papel destacado do estágio supervisionado em Ensino Religioso como um instrumento propiciador

de novos saberes e experiências que contribuem para a formação pessoal e profissional do

professor, e de convivência mais respeitosa com a diversidade.

CONTRIBUIÇÕES DO ESTÁGIO NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES

A prática de ensino e o estágio curricular são elementos

aglutinadores na formação de professores. São considerados

modos de fazer docente, são construídos pelas ações e práticas

num processo engenhoso de ir e vir, que demanda reflexão,

construção e embate com a realidade social, educacional e escolar, e entendimento de como nos tornamos professores.

BARREIRA e GIBRAN, (2005, p.87)

Defendo a importância dos Estágios Supervisionados nos cursos de licenciaturas, com

ênfase em Ciências da Religião da Universidade do Estado do Pará, sabendo que ele pode

proporcionar a relação entre ensino, pesquisa, e extensão, como tripé basilar na formação do

professor. Busco investigar as suas contribuições para a formação dos professores ao possibilitar

aos alunos, experiências significativas nos diferentes contextos, e estabelecer relações entre os

conteúdos conceituais, os procedimentais, e os atitudinais manifestados no processo educativo

como propõem os PCNs, e defendem, Tardif e Lessard, (2004, p. 38): “O trabalho docente não

consiste apenas em cumprir ou executar, mas é também a atividade de pessoas que não podem

trabalhar sem dar um sentido ao que fazem, é uma interação com outras pessoas”.

Assim, os Estágios não podem ser realizados apenas como cumprimento da lei, nem tão

pouco, pela simples presença do aluno ao local de Estágio, pelo contrário ele deve ser

significativo, intencional e sistematizado, como momento de integração umbilical entre os

conceitos acadêmicos e os procedimentos de ensino, articulados com as atitudes dos sujeitos: os

alunos estagiários, a comunidade escolar e não escolar do local de estágio, os professores

formadores, e os educadores das instituições e entidades concedentes do Estágio.

Tendo em vista esta realidade, questiono: Quais as contribuições do Estágio para a

formação do Professor do Ensino Religioso?, De que maneira é possível desenvolver o ensino, a

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pesquisa e a extensão de forma integrada no Estágio Supervisionado?. Quais as aproximações e

distanciamentos entre as teorias estudadas e as práticas nas salas de aulas?. A partir de então,

apresento alguns pontos importantes no Estágio e na formação do professor, a partir das

evidências de seus desafios e infinitas possibilidades.

1- O Estágio pode proporcionar o conhecimento, e a valorização do Ser Humano

Aprender as artes de lidar com a totalidade das experiências

humanas que perpassam o tempo de escola, e de aprender a

fazer escolhas para dar conta dessa pluralidade de dimensões

humanas, que entram nos jogos educativos, são artes não

previstas no texto provisório das mudanças curriculares.

ARROYO, (2000, p. 232).

Então a educação deve atender as necessidades humanas, já que sua finalidade primeira é

realizar o processo de humanização dos sujeitos. Como os estágios se desenvolvem em espaços

educativos que por natureza são plurais, ele se dá por meio da relação entre pessoas, pois,

educadores e educandos são sujeitos, seres humanos em processo, os quais estabelecem relações

entre si, com o meio em que vivem e com elas se auto - constroem, por isso, o momento do estágio

é importante para estabelecer novas relações, afinal, afirma Freire, (2005, p. 63).

Não há outro caminho senão o da prática de uma pedagogia humanizadora, em

que a liderança revolucionária, em lugar de se sobrepor aos oprimidos e continuar mantendo-os como quase “coisas”, com eles estabelece uma relação dialógica

permanente.

É preciso refletir algumas posturas no estágio, ás vezes, são professores formadores que

tratam os alunos estagiários e até os educadores dos ambientes de estágios, de forma arrogante,

autoritária e desdenhosa, ignorando que o seu papel é de orientador e formador acadêmico dos

sujeitos. Pimenta e Anastasiou (2005, p.16) acreditam ”o trabalho docente está impregnado de

intencionalidade, pois, visa à formação humana por meio de conteúdos e habilidades, de

pensamento e ação, o que implica escolhas, valores, compromissos éticos”. O que está ligado a

formação pessoal e profissional dos educadores, e devem ser cultivadas no período do estágio,

quando este proporciona ao estagiário, oportunidade de refletir o papel do professor, como

profissional e pessoa, defendido por Nóvoa, (1995, p. 17)

a maneira como cada um de nós ensina, está diretamente dependente daquilo que

somos como pessoa quando exercemos o ensino. E as opções que cada um de

nós tem se fazer como professor, as quais cruzam, á nossa maneira de ser; com a nossa maneira de ensinar e desvendam, na nossa maneira de ensinar a nossa

maneira de ser. É impossível separar o eu profissional do eu pessoal.

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O trabalho docente é definido por Freire, (2006), como uma “especificidade humana”,

assim, no estágio, em contato direto com diferentes ambientes e sujeitos, o aluno deve saber que

sua tarefa é humana e humanizadora, embora, nem sempre isso seja possível, pois, as relações nos

ambientes de trabalho nem sempre são favoráveis, as vezes são desgastantes, somados ao pouco

tempo do estagiário com os sujeitos nos campos de estágios, causando “estranhamento” entre

estagiários e os educadores desses ambientes, os quais têm dificuldades para aceitar a presença do

estagiário em seu ambiente de trabalho, como se este, fosse um “invasor em seu território”.

Todavia, propõe Freire, (1996, p. 65) “a prática docente especificamente humana, é

profundamente formadora, por isso, ética. Se não se pode esperar de seus agentes que sejam santos

ou anjos, pode-se e deve-se deles exigir seriedade e retidão”. O que exige dos estagiários e de seus

professores formadores, posturas mais responsáveis, éticas, humildes, e de abertura ao diálogo

com os diferentes sujeitos dos ambientes nos quais os estágios se realizam, somente assim ele

cumprirá a sua função humnaizadora.

2- É possível formar um Professor reflexivo e pesquisador por meio do estágio

O Estágio, ao se constituir em uma prática investigativa, também

se torna uma alternativa concreta de formação continuada dos

professores da escola, dos professores formadores e dos alunos

da instituição superior.

BARREIRA e GEBRAN, (2006, p. 58)

O estágio deve pautar-se pela reflexão e investigação da realidade, pois tem a tarefa de

realizar a integração das teorias com as práticas educativas dos ambientes educativos. Ao refletir

sobre as práticas, o educador desenvolve a observação e a percepção, que são fundamentais no

processo de formação do professor pesquisador. Reflexão no sentido de promover os saberes da

experiência relacionados com a teoria, como comenta Nóvoa, (2005, p. 65): “A pesquisa em

educação precisa atuar para fortalecer esse caráter do trabalho do professor, que anda

enfraquecido”. E o estágio pode contribuir nessa efetivação e evitar esse enfraquecimento.

Enfraquecimento, que não pode ser aceito como definitivo e nem ser ignorado. É preciso

reconhecer que ainda falta para devolver ao professor, o reconhecimento e a valorização de seu

fazer. É preciso refletir, investigar seus dilemas e possibilidades, e delinear novas posturas.

Pimenta e Lima, (2010, p. 236) defendem que: “a pesquisa no estágio como método de formação

dos estagiários, futuros professores, se traduz pela mobilização de investigações que permitam a

ampliação e análise dos contextos onde os estágios se realizam”.

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Investigar a realidade pressupõe uma prática orientada para a formação em pesquisa, a

qual exerce um papel extraordinário na articulação entre conhecimento acadêmico conceitual, e

prática profissional, a qual se efetiva pela ação reflexiva e intencional do professor. E para fletir e

investigar as práticas educativas, precisa-se delinear de um novo educador, que articule os

conhecimentos acadêmicos com as experiências dos sujeitos nos ambientes de estágios, para

refletir e ampliar seu olhar de investigador. Contudo, esse olhar, deve ser esperançoso e identificar

possibilidades para que as práticas sejam transformadas e transformadoras e tornem o trabalho

pedagógico mais significativo. Barreira e Gibran, ( 2005, p. 87), defendem a ideia de prática de

ensino e estágio, como:

A prática de ensino e o estágio curricular são elementos aglutinadores na

formação de professores. São considerados modos de fazer docente, são construídos pelas ações e práticas num processo engenhoso de ir e vir, que

demanda reflexão, construção e embate com a realidade social, educacional e

escolar, e entendimento de como nos tornamos professores.

A concepção de Estágio como elemento formador, reafirma a minha convicção de que ele

é apropriado para que o futuro professor, ou gestor, reflita sobre as possibilidades e dificuldades

da profissão, bem como, das competências, habilidades e atribuições inerentes a docência, além de

propiciar-lhe condições de descobrir se tem identidade com a profissão.

3- A identidade profissional do educador pode ser construída no estágio

A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço

de construção de maneiras de ser e de estar na profissão. Por

isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçado

a mescla que caracteriza a maneira como cada um se sente e

se diz na profissão.

NÓVOA, (1999, p. 16)

O Estágio é espaço das lutas e de conflitos, nele acontece o encontro de saberes, de

diferentes concepções, de afirmação ou de negação da identidade profissional que deveria estar

ligada a nossa identidade pessoal, Assim, o estágio é um momento apropriado para perceber, se

temos ou não identificação com as responsabilidades, habilidades, competências e atribuições

inerentes a profissão, pois, o estágio contribui para a construção da identidade do profissional da

educação, já que o contato direto com as experiências e com os diferentes sujeitos e saberes nos

espaços educativos, possibilitam ao estagiário refletir sobre sua formação, bem como os limites e

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possibilidades dela, além de mobilizar suas emoções, incertezas e criatividades. Para Pimenta,

(2005, p. 19),

Processo que ajuda o aluno a descobrir, se está identificado com a profissão, do contrário, é

melhor que escolha uma nova, e evite insatisfação pessoal e profissional. Machado, (2011) diz,

Para fazer-se pessoa, construir-se identidade, o ser humano precisa lutar contra o que o

impede de ser ele mesmo, e não aceitar ser "coisificado", a ter vida sem “sentido”. O ser

humano precisa identificar-se consigo mesmo, e lutar para ser cada vez melhor, a renovar-se sempre.

Situação que faz do estágio elemento definidor para o conhecimento e vivencias das

atribuições, possibilidades e implicações de sua profissão, e perceber se está ou não identificado

com elas, contrariando o que afirma Pimenta, (2005, p.64). “Há uma burocratização do estágio,

um cumprimento formal do requisito legal”. Situação que desprestigia a ação dos professores do

ensino superior, dos educadores dos campos de estágios, e dos alunos estagiários, que nessa

concepção executam uma tarefa mecânica, descontextualizada, sem reflexão e nem compromisso

com a formação dos sujeitos, contrariando a nossas expectativas, de que ele contribui para a

qualidade social da educação, realização profissional e pessoal dos sujeitos.

4- O Estágio possibilita a ampliação e produção de novos conhecimentos e saberes.

A escola é uma experiência humana bem mais plural do que a visão

futurista e cognitivista por vezes nos passa. Uma experiência bem

mais mutável do que o caráter provisório do texto curricular, dos conteúdos das áreas e das disciplinas.

ARROYO,(2000, p. 232)

A ideia mostra o processo educativo e a formação do profissional da educação como

complexos, e se realizam por meio de estudo e reflexão, e necessita que o “educador-educando”

esteja atento ás mudanças que interferem diretamente na forma de viver, trabalhar, ensinar,

aprender e conviver, porque são dinâmicas e não lineares. Veiga, ( 2006, p. 18) argumenta:

Há necessidade de priorizar o delineamento de trilhas inovadoras para a teoria e a prática de ensino, em vez de buscar os caminhos da padronização, no pensar, no sentir e no agir

em sala de aula. Vale salientar que o ato de ensinar é sempre uma criação, uma inovação.

Assim, o estágio deve ser oportunidade de rever nossas práticas como sujeitos capazes de

quebrar paradigmas, de recomeçar, de não compactuar com a crise de valores éticos, e com a

mesmice castradora de projetos significativos. Nessa concepção, Barreira e Gebran, (2005, p. 91)

defendem que: “O estágio deve contemplar a formação do professor capaz de atender às demandas

de uma realidade que se faz nova e diferente a cada dia”.

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Portanto, no estágio como tempo de ampliação e produção de novos conhecimentos e

saberes, os professores orientadores devem incentivar os alunos a terem atitude investigativa sobre

as práticas nos estágios, e a de seus professores, buscar nelas, inspiração para vivenciar os

conteúdos conceituais adquiridos na academia, fazendo a relação entre os conteúdos

procedimentais, e atitudinais dos sujeitos no campo de estágio, como defende Pimenta, (2011, p.

44).

dada a natureza do trabalho docente, que é ensinar como contribuição ao processo

de humanização dos alunos historicamente situados, espera-se da licenciatura que

desenvolva nos alunos conhecimentos e habilidades, atitudes e valores que lhes possibilitem permanentemente irem construindo seus saberes-fazeres docentes a

partir das necessidades e desafios que o ensino como prática social lhes coloca o

cotidiano.

Conhecimentos , valores e saberes fazeres que podem ser adquiridos, construídos e

refletidos no Estágio em Ciências da Religião se houver articulação entre teoria e prática, e os

conteúdos forem aplicados em procedimentos e atitudes éticas, respeito a diversidade religiosa, e

contextualizados com a realidade do campo de estágio. Portanto, o nosso desafio, é que o estágio

seja um elemento e proporcione ao futuro educador, formação ampla para atender as novas

tecnologias e torná-las aliadas de seu trabalho.

5- O Estágio amplia a capacidade de convivência respeitosa com a diversidade.

Podemos aprender a ler e a escrever, sozinhos, podemos aprender geografia e a contar sozinhos, porém, não

aprendemos a ser humano sem a relação e o convívio

com outros humanos que tenham aprendido essa difícil tarefa.

ARROYO, (2000, p. 540)

O ser humano precisa estabelecer relações com outros humanos, é a partir delas, que ele

desenvolve seu processo humanizador e garante a sua sobrevivência. Machado, (2007), defende a

ideia de que “a finalidade da educação é realizar o processo de humanização do homem, tirá-lo de

seu estado de natureza pura, biológica e levá-lo, a um estágio mais avançado e humanizado”.

O contraria o modelo de Ensino Religioso Catequético, baseado no tradicionalismo,

proselitismo e intolerância e na concepção de educação dogmática e bancária, que para Freire, “

embrutece, desumaniza e não permite ao homem ser sujeito de sua aprendizagem”, pois não

oportuniza a convivência respeitosa com o diferente e suas diferenças. Muitas instituições

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educacionais se dizem abertas a convivência com a diversidade, e parecem politicamente corretas

ao aceitar oficialmente a matrícula de “diferentes”, no entanto, os ignoram como sujeitos de

direitos, como se observa em Skilliar, ( 2003;p.38).

Onde fica o outro irredutível, misterioso, inominável, nem incluído, nem

excluído, que não é regido pela nossa autorização, nem pelo nosso respeito, nem

por nossa tolerância, nem pelo nosso reconhecimento para ser aquilo que já é e/

ou aquilo que está sendo e/ ou aquilo que poderá ser?.

O Estágio em Ensino Religioso, deve se fundamentar na existência de diversos credos e

que a escola, em especial a pública que deve ser laica e estar aberta à livre manifestação dos

diferentes cultos e crenças, e promover o diálogo inter-religioso pelo qual, as pessoas compreendam

esse fenômeno presente nas múltiplas práticas sociais, desenvolver atitude de curiosidade

epistemológica e convivência respeitosa com a diversidade, e desenvolver práticas pedagógicas

significativas. O estágio pode ser um tempo importante de preparação e aprendizagem coletiva na

formação do futuro professor, pois ele representa por si só, a partir de sua estrutura, organização e

funcionamento a convivência com a diversidade:

Na universidade em sala de aula, existem diferenças entre os colegas de turmas em diversas

maneiras: de concepções, valores e crenças, de desenvolvimento intelectual, pessoal e profissional,

pois alguns já têm experiências como “trabalhadores” da educação, para outros, sua primeira

experiência será o estágio. Existem as diferenças de níveis culturais, formação acadêmica, e

experiências profissionais dos professores formadores, em relação aos alunos, ao que questiona

Freire,(2000,p.67), “Como ser educador, sobretudo numa perspectiva progressista, sem aprender

com maior ou menor esforço, a conviver com os diferentes?”.

Outra diferença é na diversidade no nível de formação dos professores nas escolas, caso

específico da disciplina Ensino Religioso, pois existem professores sem formação em Ciências da

Religião, existem casos, em que alguns têm apenas o curso médio, ou técnico em Magistério;

poucos são Especialistas, menos ainda, são Mestres, e mais raros são os Doutores, por causa da

desvalorização da carreira docente, em especial na educação básica, que na grande maioria não

oferece condições adequadas de trabalho, e nem de salários aos profissionais Pós-Graduados, os

quais, procuram as instituições de Ensino Superior.

Contrariando essa realidade, Pimenta e Lima,(2010, p. 138) argumentam: “as atividades

de estágio desenvolvidas pelas instituições de ensino superior podem representar uma modalidade

de formação contínua muito importante para a valorização do magistério”

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Portanto, o Estagiário precisa estar em permanente escuta e abertura ao outro, em

especial, os alunos do curso de Ciências da Religião que têm obrigação de saber conviver com a

diversidade religiosa, já que esses em tese, devem estar abertos aos diferentes e as diferenças

presentes nas salas de aulas, e refutar o proselitismo, a segregação e a exclusão do outro e de sua

religião. Concepção defendida por Veiga, (2006, p.20) que diz: “O espaço de ensino é revelador de

intencionalidades, permeado de valores e contradições, afinal, ensinar implica estabelecer relações

concretas entre as pessoas”. E completa, Freire,(2006) “a educação é uma atividade especificamente

humana”.

Nossa concepção é de que, o professor formado pelo Curso de Ciências da Religião, deve

ter conhecimentos epistemológicos e disciplinares do que deve ensinar na disciplina Ensino

Religioso e das finalidades dessa disciplina na formação dos alunos, e conhecimento dos saberes

curriculares, pedagógicos e humanos para saber lidar com a multiplicidade presente na sala de aula

que é um contexto reais da diversidade, no qual os sujeitos precisam se expressar, dizer sua palavra,

exercer a sua cidadania e manifestar a sua religiosidade.

Entendemos que esta deve ser uma das principais tarefas de todo professor, em especial, dos

professores da disciplina de Ensino Religioso.

6. Distanciamento entre as teorias democráticas estudadas e as práticas de proselitismo

presentes em salas de aulas

O estágio evidencia uma realidade que precisa ser modificada na docência da disciplina

Ensino Religioso escolar, pois, da maneira como vêm sendo trabalhada, não está cumprindo o seu

papel social, político e pedagógico na formação das pessoas, na convivência respeitosa com a

diversidade e na promoção do diálogo inter-religioso com os diferentes credos. Ao contrário, existe

uma dicotomia entre as recomendações teóricas e a legislação sobre as suas finalidades e com a

postura de proselitismo e dogmatismo dos que a ministram, o que gera confusão nas interpretações

dos alunos e até práticas de discriminação religiosa.

Todavia, temos que comemorar significativas conquistas nesse campo, pois alguns

professores já começam a quebrar esta lógica perversa, e trabalham a disciplina como deve ser: um

canal de reflexão sobre a pluralidade e liberdade religiosa, bem como instrumento formador de um

ser humano mais ético, crítico, defensor, cumpridor e beneficiário da garantia dos direitos humanos

e do exercício da cidadania de homens e mulheres mais humanizados.

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REFLEXÕES SOBRE OS ESTÁGIOS DE CIÊNCIAS DA RELIGIÃO NA UEPA

A pedagogia como prática de liberdade, ao contrário daquela

que é prática da dominação, implica a negação do homem abstraído, isolado, solto, desligado do mundo, assim como

também a negação do mundo como uma realidade ausente dos

homens.

FREIRE, (2005, p. 21)

A criação do curso de Ciências da Religião na Universidade do Estado do Pará, tem origem

no ano de 1999, todavia, as primeiras turmas iniciaram em 2000, e desde então, tem formado

dezenas de professores para o Ensino Religioso no Estado do Pará, contribuindo para elevar o nível

de escolaridade, conhecimento e consciência sobre a importância da liberdade de expressão sobre a

religiosidade, no entanto, faz-se necessário repensar suas práticas, entre elas, as desenvolvidas no

campo de Estágio Supervisionado.

O projeto pedagógico do curso assegura que durante o estágio o licenciando deverá

proceder ao estudo e interpretação da realidade educacional do seu campo de estágio; desenvolver

atividades relativas à docência; elaborar e aplicar projetos pedagógicos; contribuir para um maior

aprofundamento teórico-prático do aluno, e propiciar situações e experiências práticas que

aprimorem sua formação e atuação profissional.

Os estágios em Ciências da Religião são desenvolvidos no terceiro e quarto anos letivos,

em duas disciplinas: Prática de Ensino I, na qual os alunos atendem a Educação Infantil, e as

quatro primeiros anos do Ensino Fundamental, e Prática de Ensino II, com estágio nos quatro

últimos anos, ou terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental, e na Educação de Jovens e

Adultos. Sua forma de organização curricular assegurado em seu PPP fragmenta a relação teoria e

prática com estágios apenas nos últimos anos.

Pela legislação brasileira o Estágio Supervisionado deverá proporcionar ao estudante de

Licenciatura, condições de formação que lhe capacite a exercer as suas atividades profissionais com

competência técnica, profissional e pessoal, que devem ser inerentes a todo educador, sejam em

suas atividades profissionais e de trabalho, como em sua vida pessoal.

A discussão do estágio com preparação para a pesquisa, ainda permeia os grandes debates

a respeito das competências, habilidades e saberes necessários a um professor no desempenho de

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suas diferentes atividades na docência como base de sua formação. Porém, apresentam muitas

contradições nesse processo, e exige a substituição da pedagogia, por uma pedagogia da pergunta,

da descoberta, e do crescimento defendidas na epistemologia do modelo de Ensino Religioso atual,

com bases nas Ciências da Religião.

Os estágios que têm como finalidade, realizar a integração curricular, e desenvolver nos

alunos as competências necessárias a profissão de professor, muitas vezes são apenas o

cumprimento de uma obrigação curricular formal, que, apesar de sua importância, pouco contribui

para a formação desse professor, já que eles acontecem em tempo reduzido, uma vez por semana, e

a maneira como esta carga horária é distribuída, não permite aos estagiários, maior conhecimento a

respeito da realidade dos ambientes de estágios, pois, é necessário um período de adaptação e

aproximação entre os sujeitos, para que haja confiança entre eles, do contrário, será difícil criar

relações e desenvolver projetos coletivos nesses ambientes.

Contrariando essa realidade, Pimenta e Lima, (2011, p.107), defendem a ideia de que: “No

trânsito entre instituições de diferentes níveis de ensino, com características, objetivos, estruturas e

funcionamento diverso, é preciso que se compreendam suas culturas específicas e o que as

aproxima, a fim de não incorrer em mútuas acusações”.

Outro problema dos estágios, é a interpretação equivocada que se faz da Lei Federal nº

11.788 de 25 de Setembro de 2008, que normatiza o Estágio Supervisionado no Brasil, essas

interpretações têm servido de desculpas para a burocratização de muitas instituições que protelam

para assinar os convênios, e receber os estagiários, principalmente no que diz respeito a

obrigatoriedade do cumprimento dos direitos assegurados pela lei aos estagiários, dificultando

assim, campo para estágio.

No processo de análise das práticas nos estágios do curso, destaca-se a dificuldade de

campo para os alunos na disciplina Prática de Ensino I que trabalha com Educação Infantil e de 1ª

ao 4ª anos do Ensino Fundamental, pois, são raras as escolas que têm a disciplina Ensino Religioso

nessa fase de ensino e quando oferecem, normalmente são as confessionais, e em alguns casos,

fazem proselitismo, ou então, algumas poucas que oferecem são os próprios professores de

educação geral que ministram a disciplina, sem terem a devida qualificação para tal, dificultando

para os alunos o conteúdo e o alcance dos objetivos do estágio, bem como os universitários

conseguirem campo de estágio, confirmando a afirmação de Pimenta e Lima (2011, p. 101) “os

estágios de maneira geral, acabam por se configurar em atividades distantes da realidade concreta

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das escolas, resumindo-se muitas vezes, a miniaulas, realizadas na própria universidade, ou

palestras proferidas por profissionais convidados”.

Todavia, isso não pode permanecer, como defende, Freire (2004, p.141),

Uma das coisas que devemos fazer é não esperar que a sociedade se transforme. Se

esperarmos, ela não se transforma; temos de fazer, e é nos metendo dentro do

processo, na própria intimidade do processo em movimento, que descobrimos os

caminhos e vamos desmontando coisas que se opõem à mudança.

Mudança, que se torna imprescindível, se ainda desejarmos res-significar os Estágios no

curso de Ciências da Religião da UEPA, dando a eles os seus créditos necessários e basilares na

formação do profissional da educação. Contudo, há que se louvar as brilhantes iniciativas dos

docentes e coordenadores deste curso, que não desistem de tornar os estágios cada dia melhores,

res-significar seu real papel e realizar seus objetivos no processo de formação de um professor que

seja consciente de suas responsabilidades como trabalhador escolar e social, competente técnica,

profissional, ética e humanamente, e capaz de estar a frente de seu tempo, de romper barreiras,

quebrar velhos paradigmas, e iniciar uma nova era para os profissionais da educação, formados pela

UEPA, essa deve ser a luta dos professores de Estágio, como dizem, Pimenta e Lima (2011, p.

140).

a luta por um estágio melhor vincula-se à luta pela melhoria dos cursos de formação de

professores, pela valorização do magistério e por uma escola de ensino fundamental e

médio, mais democrática. A luta por uma sociedade mais humana e mais justa e inclusiva

é o desafio da ética e compromisso do educador dos cursos de formação.

Nessa direção, muitas iniciativas positivas têm sido realizadas pelos professores de

estágio, os quais, vêm tentado melhorar esta disciplina, e propõem a realização de projetos pelos

alunos nas escolas em que estagiam, na busca de qualificar o ensino e as relações estabelecidas

entre a comunidade escolar desses ambientes. Existem também, os projetos desenvolvidos pelos

alunos e professores, os quais são convidados para ministrar cursos, palestras e oficinas nessas

escolas e instituições, como contribuição a formação de seus educandos e educadores, bem como,

em retribuição a acolhida.

Em 2011, fizemos a “Socialização em sala de aula, das experiências vividas pelos alunos

nos campos de estágios”. Em 2012 esta atividade foi mais expressiva, e ganhou respaldo entre os

colegas de turma, porque foi um momento rico de aprendizagem coletiva, porém, carece de maior

organização, mas vêm se qualificando cada vez mais, especialmente como aconteceu no final deste

semestre na turma da tarde, a qual demonstrou competência pedagógica, técnica, teórica, política, e

conceitual, o que nos leva a propor para o ano de 2014 a “I Mostra de Experiências em Estágio

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dos alunos do curso de Ciências da Religião”, considerando a sua validade, importância, e

contribuições para a formação dos alunos e da melhoria do processo ensino-aprendizagem na

disciplina de Ensino Religioso nas escolas.

CONSIDERAÇÕES PROVISÓRIAS

Na tessitura deste estudo bibliográfico que versa sobre o estágio como elemento basilar na

formação do professor, em especial no curso de Ciências da Religião, na Universidade do Estado do

Pará, no qual realizei um estudo de caso por meio da análise das experiências desenvolvidas nas

disciplinas de Prática de Ensino I e II, comparando-as com as referências teóricos que amparam o

estudo e sustentam as minhas convicções da importância do estágio como elemento destacado na

formação do educador, além de apontar dificuldades, lacunas, e também as conquistas ainda

existentes nos estágios desenvolvidos no curso de Licenciatura em Ciências da Religião.

Nessa perspectiva, é possível afirmar que o trabalho conseguiu evidenciar o quanto os

estágios são importantes no processo de formação do educador, a partir de alguns aspectos

levantados pela pesquisa neste texto, tais como:

1- O Estágio pode ampliar o conhecimento a respeito do ser humano: Os alunos relatam que

por meio do estágio, passam a compreender melhor o ser humano, a partir do convívio nos

ambientes de estágios, considerando que eles se desenvolvem na relação entre as pessoas, e

dentro de um espaço de vivências reais dos sujeitos que se comunicam, se revelam, e nos

desvelam, se assim permitirmos, e criarmos oportunidades para tanto. Portanto, os campos de

estágio têm oportunizado aos alunos e professores de Ciências da Religião na UEPA, condições

reais de ampliar o conhecimento a respeito do ser humano, e de melhor compreendê-lo, além de

nos motivar a rever conceitos, mudar posturas e crescer profissional e humanamente.

2- Para oportunizar reflexão e desenvolvimento de pesquisas: Com o estágio os alunos

desenvolvem a capacidade de aprender a observar, a ter percepção do que veem, ou seja, passam

a desenvolvem um olhar atento de pesquisador, para isso, o estagiário precisa aprender a refletir

sobre a prática que vê, e especialmente, sobre sua própria prática, e a partir dessa reflexão,

desenvolver pesquisas que melhorem essas práticas, e construam inclusive, as suas monografias

de conclusão de curso, como já vem acontecido.

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3- Para a formação da identidade profissional: A identidade de um profissional da educação se

dá por meio de um processo de construção gradativa, pois ela se constrói ao longo de sua

existência, motivada pelas experiências vividas com os sujeitos reais, sejam os da universidade,

ou os do campo de estágio, e se modifica ao longo da carreira, a partir das contingências e das

conquistas da vida. Em maioria absoluta, os alunos, admitem que passaram a se identificar

melhor com a profissão, a partir das experiências concretas vividas nos campos de estágios, e

alguns até se descobriram encantados com o magistério, enquanto outros, descobriram não ter

identidade com a profissão e já pensam buscar outra forma de realização profissional e pessoal,

porque assim, poderão fazer melhor o que fazem e serem felizes, porque nascemos para a

felicidade.

4- Para ampliar as possibilidades de aquisição e construção de conhecimentos

Essa é uma realidade concreta para o estagiário do curso de Ciências da Religião da UEPA que

se preocupa com a sua formação, pois, com as experiências adquiridas no campo de estágio, ele

pode confrontá-las com as teorias estudadas nas aulas da universidade, com as pesquisas que lê,

e com as suas participações em atividades acadêmicas e, a partir delas, criar novas possibilidades

pedagógicas de melhoria do processo ensino-aprendizagem no Ensino Religioso, por meio da

elaboração de projetos pedagógicos e de intervenção social, que exigem conhecimentos

conceituais e procedimentais, tornando o estágio uma rica oportunidade de crescimento

profissional e pessoal, como os alunos dizem acontecer.

5- Para aprender a conviver e respeitar a diversidade: O Estágio é um momento significativo

para os estudantes das licenciaturas, porque é o tempo que eles se colocam frente a frente com a

complexidade vivenciada nos espaços escolares e não escolares em que atuam, em especial nas

escolas, que são por excelência o lugar da diferença e dos diferentes que precisam respeitar e ser

respeitados em suas identidades. Esse contato tem ajudado os alunos a perceberem práticas

preconceituosas e de proselitismo, que excluem e silenciam os diferentes credos religiosos nas

escolas, principalmente onde a gestão não é democrática. Por outro lado, também identificam

práticas pedagógicas humanizadoras e inclusivas que demonstram convivência respeitosa com a

diversidade.

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A pesquisa também aponta alguns aspectos em que os Estágios de Ensino Religioso em

Ciências da Religião precisam melhorar, bem como, os pequenos, mais significativos avanços que

já existem nos estágios e precisam ser ampliados:

1- É preciso fazer revisão no PPP do curso de Ciências da Religião na UEPA: Porque a carga

horária, e a organização curricular das disciplinas de estágios no curso, precisam ser

redimensionadas em especial o de Prática I, para melhorar o seu desenvolvimento, e melhor

atender as necessidades formativas do curso, pois, da maneira como vem acontecendo não

permite ao estagiário cumpri-lo verdadeiramente, considerando a carência de campo de estágio.

2- Ampliar os convênios para Estágio: apesar de já existirem alguns espaços que recebem os

alunos, ainda se tem sérios problemas para conseguir espaços; normalmente, se consegue mais

pelas articulações e prestígio pessoais dos professores, do que pela força dos convênios feitos

pela universidade e pela coordenação dos estágios, situação que precisa se tornar profissional e

institucional, até porque, são poucas as escolas que recebem os alunos, como reclamam os

mesmos e criticam os professores de estágio, entre os quais eu me incluo.

3- Poucos professores para acompanhar a turma no campo de estágio: Essa situação fere aos

princípios, finalidades e responsabilidades do estágio como elemento formador sob a supervisão

e orientação de um professor formador da instituição, pois, é humanamente impossível que

esses professores deem conta de acompanhar todos os alunos ao campo de estágio, dificulta até

mesmo o contato para estabelecer o convênio com as escolas, considerando o número de aluno

que é muito superior ás condições de acompanhamento dos professores, já que os estágios

acontecem em um único dia da semana e no mesmo horário para todos os alunos da turma;

dessa maneira, os mesmos ficam quase sempre desassistidos por parte dos professores, não por

irresponsabilidade desses, mas por imposição da estrutura curricular e da política adotada pelo

Curso e pela instituição formadora que não permite aos professores acompanharem como

deveria ser os estagiários ao seu campo de estágio. Portanto, sugerimos que urgentemente esta

questão seja revista e modificada na UEPA.

4- A Socialização das Experiências desenvolvidos nos estágios é positiva. Porque valoriza a

atuação dos educandos e educadores, divulga as ações desenvolvidas nos espaços de estágios,

possibilita a troca de experiências entre os colegas de turmas e dos professores entre si, bem

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como, ampliar as possibilidades de pesquisas e do currículo dos alunos, além de levar a reflexão

dessas práticas, e apontar possibilidades de melhorias como sugerem os alunos participantes,

além de responsabilizar os alunos a de fato fazerem o estágio.

5- A realização de Concurso e Efetivação de Professores para os Estágios: É uma conquista

importante para a melhoria dos estágios, porque qualifica o trabalho e o trabalhador da

educação, além de desenvolver uma carreira docente, bem como, criar uma equipe com

identidade com o estágio, e que pode dar continuidade aos avanços já existentes no campo de

estágio, além de ampliar as possibilidades de fortalecimento das ações neles desenvolvidas. É

notório que a efetivação de uma equipe de professores de estágio, trará contribuições efetivas

para a melhoria das práticas nos estágios.

6- A disciplina de Ensino Religioso nas escolas ainda tem problemas: Consequência de vários

fatores, sendo o principal deles a questão da formação docente, já que a maioria esmagadora dos

professores não possui formação para ministrar esta disciplina, e desconhecem as suas

finalidades e princípios epistemológicos, axiológicos, e pedagógicos da mesma, o que gera um

outro problema que é a questão do proselitismo fortemente presente nas práticas dos docentes

em salas de aulas, dificultando assim, a convivência, o respeito, e o diálogo inter-religioso com

as diferentes manifestações da religiosidade presente nesses contextos.

7- A desvalorização da disciplina por parte de algumas equipes gestoras e pedagógicas:

Algumas escolas desconsideram a disciplina como componente obrigatório e formador

do currículo nacional do ensino fundamental, e não lhe dão o devido valor, em algumas vezes,

nem a colocam nos horários regulares das aulas nas escolas, e os professores que são mais

comprometidos política e pedagogicamente com a disciplina, precisam negociar com outros

professores um espaço nos horários deles para poderem ministrar suas aulas. A interpretação da

lei sobre a não obrigatoriedade do Ensino Religioso para o aluno, também gera desconforto aos

professores que precisam redobrar a atenção para tornar suas aulas agradáveis aos alunos para

que eles assistam, já que ela não reprova.

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8- O Estágio começa a ser reconhecido como o elemento formador: É preciso reconhecer os

avanços já mencionados nesta pesquisa nas disciplinas de estágios, todavia, é importante

compreender o estágio como uma oportunidade de crescimento pessoal e profissional para o

professor, ao qual ele poderá proporcionar elementos aglutinadores da relação teoria e prática,

além de colocá-lo em situações concretas de experiências com a futura profissão que escolheu.

É nessa perspectiva que defendo o estágio, é assim que trabalho o estágio, e é assim que

acredito que os Estágios Supervisionados no curso de Ciências da Religião na UEPA, sejam

desenvolvidos, pois, sou uma educadora sonhadora, que, assim como Freire, ( 2000, p. 33)

acredito.

Não estou no mundo para simplesmente a ele me adaptar, mas para transformá-lo, se não é possível mudá-lo sem um certo sonho ou projeto do mundo, devo

usar toda possibilidade que tenho para não apenas falar de minha utopia, mas

para participar de práticas com ela coerentes.

A presente afirmação indica que se temos sonhos e utopias a realizar, temos também um

compromisso profissional com a mudança, todavia, essa mudança só se efetivará, se nós a

construirmos e, construí-la não é tarefa fácil, exige investimento pessoal, vontade política e

condições apropriadas para fazê-lo, o que ainda estamos buscando construir na realização das duas

disciplinas de estágios, com as quais trabalhamos no curso e nas demais licenciaturas, assim como

defendem, Pimenta e Lima, (2011, p. 127).

Desça forma, o estágio passa a ser um exemplo vivo da prática docente e o professor-aluno terá muito a dizer, a ensinar, a expressar sua realidade e a de seus

colegas de profissão, de seus alunos, que nesse mesmo tempo histórico vivenciam

os mesmos desafios e as mesmas crises na escola e na sociedade.

Em consonância com as autoras, minha reflexão sobre a importância desta pesquisa é que

ela seja provocadora de intervenção positiva nas práticas vividas nos estágio e na formação dos

professores de Ciências da Religião na UEPA. Tenho consciência de que ainda tenho muito para

rever neste trabalho, mas que ele já é instrumento para iniciar a reflexão e as mudanças necessárias

nos estágios, os quais agora também se iniciam nas turmas do Programa Nacional de Formação de

Professores – PARFOR, e esperamos que possam trazer ricas contribuições para a formação dos

alunos-professores. Como aprendiz no campo da educação, faço deste trabalho uma oportunidade

de reflexão e melhorias, tarefa a qual me dedico, por compreender a educação como oportunidade

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de formar consciência, e contribuir para que as pessoas sejam de fato cidadãs, o que é possível, por

meio da formação do educador, e acredito que o estágio é um elemento definidor dessa formação.

REFERÊNCIAS

ARROYO, G. Miguel. O ofício de mestre: imagens e auto-imagens. 6ª ed. Petrópolis, R.J: Vozes,

2000.

BARREIRO, Iraíde Marques de Freitas & GEBRAN Raimunda Abou. Prática de Ensino e

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BRASIL. Lei Federal nº 11.788 de 25 de setembro de 2008. Presidência da República. Brasília.

2008.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à Prática Educativa. 10ª ed. Rio de

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DE OLHOS FECHADOS: corpo, símbolo e rito no candomblé.

Sttefane da Costa Trindade

Mestranda Ciências da Religião/ UEPA - [email protected]

Maria Roseli Sousa Santos

Orientadora, Doutora em Educação /UEPA - [email protected]

RESUMO Este artigo realiza o diálogo entre as categorias teóricas: corpo, ancestralidade e candomblé diante dos estudos

realizados para o desenvolvimento da dissertação de mestrado em Ciências da Religião, UEPA. O universo da

investigação situa-se no espaço da Nação Jeje Savalu como uma nação recente no cenário amazônico que nasce

em Belém através dos contatos com sacerdotes de Salvador, como de praxe no percurso de Candomblé na

Amazônia. O tratamento teórico está alinhado à etnografia que constituirá a linha teórico-metodológica da

pesquisa, com foco para a história oral. Destaca-se o elemento ancestralidade delineada pelo ethos religioso

reservados a espiritualidade dos indivíduos que se agrupam na Nação Jeje em seus culto às divindades e na

expressão do corpo/ritual. A priori, compreende-se que a sacralização ocorre simbolicamente no próprio corpo do sacerdote, a partir dos ritos que ele realiza. O estudo das categorias teóricas mencionadas, auxiliam na

elucidação do sentido de sacralidade do corpo para o rodante Jeje a partir de suas memórias orais, assim como,

permite a análise das formas que o rodante sente o sagrado, seus ritos e símbolos. Portanto, a necessidade de

estabelecer um olhar sensível para o contexto da região amazônica, visto que naturalmente vivemos em um

espaço privilegiado pelo universo mítico e pela pluralidade de religiões que se ligam a ele numa dimensão

identitária.

Chave: Ancestralidade, Candomblé, Corpo e Amazônia.

ABSTRACT

This article presents the dialogue between theoretical categories: body, ancestry and Candomblé on the studies

on the development of the dissertation in Religious Sciences, UEPA. The universe of the research lies in the

Nation Jeje Savalu space as a recent nation in the Amazon scenario that is born in Bethlehem through contacts with priests of Salvador, as usual in the course of Candomblé in the Amazon. The theoretical treatment is aligned

to ethnography that constitute the theoretical and methodological approach of the research, with focus on oral

history. Noteworthy is the ancestral element Reserved religious ethos outlined by the spirituality of individuals

that gather in the Nation Jeje in their worship of deities and body expression / ritual. A priori, it is understood

that the sacralization occurs symbolically in the priest's own body, from the rites he performs. The theoretical

study of the mentioned categories help to elucidate the sense of the sacredness of the body to the undercarriage

Jeje from their oral memories, as well as allow the analysis of the ways that the undercarriage feel the sacred

rites and symbols. Therefore, the need to establish a sensitive look at the context of the Amazon, since naturally

live in a privileged space for the mythical universe and the plurality of religions that bind an identity dimension

to it.

Key: Ancestry, Candomblé, Body and Amazon.

Introdução

De olhos fechados: corpo, símbolo e rito no candomblé pretende aprofundar os

estudos sobre o candomblé na região amazônica, especificamente em Belém, a partir do olhar

do indivíduo que vive a religião, revelando suas próprias interpretações sobre o estado do

sagrado em seu corpo. Sendo possível identificar símbolos e ritos que mantêm a presença do

sagrado, transmitidos na tradição.

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No decorrer dos anos que tenho de iniciada no candomblé Jeje Savalu presenciei a intenção de

vários estudantes-pesquisadores procurarem a casa a qual nasci, trato o nascimento como rito

de iniciação ao candomblé, ocuparam-se com os aspectos mais variados, e eu percebi, com

um prisma beneficiado pela relação de pertença, o que amplia a capacidade de análise, que

entender o sagrado como elemento central do candomblé poderia contribuir para apurar o

olhar da sociedade em geral sobre o valor do sagrado no candomblé.

O candomblé é uma religião de diáspora africana, possui sua estrutura organizacional

baseadas nas relações de parentesco, e a dimensão divina se estabelece com elementos da

natureza e com ancestrais divinizados, que se manifestam a partir dos rituais de iniciação na

pessoa consagrada para o ancestral mítico. Este ancestral ganha que o sentido, paternal ou

maternal. Após a iniciação a divindade vem em seu “filho” ou “filha” em rituais internos e

também em rituais públicos. A sua chegada é expressa através de movimentos de tremulação

dos ombros e de sons específicos. Talvez, a forma de sua chegada choque uma sociedade que

frequenta vários espaços de fé, mas que possui uma relação com o imaginário muito forte,

atribua a essa chegada títulos a seus iniciados perpetuados por outros credos.

A experiência que tenho ao longo desses anos tem mostrado que a maior parte da sociedade

nos reduz à única condição de feiticeiros, macumbeiros e muitos outros termos

discriminatórios. Por motivos de diversas ordens. A pesquisa almeja identificar o sagrado que

se manifesta de um modo, diferente em relação às religiões de grande porte, manifesta-se no

corpo de quem a ele é confiado, no chamado rodante.

Para isso, destaco como de veras importante a compreensão da chegada do candomblé em

Belém, como ocorre seus ritos, a partir da perspectiva dos mais velhos, dos sacerdotes, que

possuem uma compreensão já amadurecida, por ventura do tempo, com a sua divindade,

como seu sagrado. Além de situar o leitor sob os aspectos dos simbolismos e cosmovisão

africanos. Tudo no intuito de revelar esse mundo para que seja visto como o é, dando

possibilidades à sociedade de escolher ter ou não preconceito.

O corpo do rodante é o centro, tudo no candomblé ocorre por conta dele. Para seu nascimento,

para o seu sacerdócio. Ele é a chave de ligação entre os mundos, sem ele seria impossível

retornar, sem ele seria impossível festejar os deuses, e principalmente com os deuses. Por isso

interpretá-lo é a possibilidade de aprofundar a experiência do sagrado. Aqui me desafio a

entendê-lo a partir de seus sacerdotes/rodantes.

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Então, emergem vários questionamentos que podiam ser respondidos. Ora, diante da tamanha

importância desse rodante no candomblé, como ele, rodante, se percebe quando com o

sagrado? Qual a importância desse sagrado na sua trajetória de vida? Como ele chegou até o

candomblé e por quê?

Tais perguntas conduzem a investigação da trajetória de vida dessas pessoas, bem como a sua

possível relação com esse sagrado no alinhamento da ancestralidade, essa por sua vez ligada a

linhagem familiar física e mítica. Mas, sobretudo como ele interpreta esse sagrado

manifestando-se em seu corpo. Assim o objetivo dessa pesquisa é investigar o sentido do

sagrado no corpo do rodante.

Caminhos a Percorrer

O grupo a ser investigado será os rodantes (sacerdotes que se ligam ao sagrado através do seu

corpo). Serão em torno de dez sujeitos, dispostos em duas categorias: a primeira categoria

analisará os sacerdotes com mais de vinte anos na religião candomblé; e a segunda categoria

analisaremos os neófitos até três anos no sacerdócio.

O locus do estudo consitui-se em dois templos do candomblé: o primeiro é o Funderê1 ni Oyá

Jokolosy, situado no bairro do Guamá, e o segundo é o de Obá Kinizô situado em Icoaraci,

ambos na grande Belém, escolhidos porque praticam o mesmos rituais, mas possuem

sacerdotes com diferentes idades na religiosidade, a casa de Oyá Jokolosy é a onde há os

sacerdotes mais antigos, com mais de vinte anos; já a casa de Obá Kinizo tem os que estão a

menos de seis anos.

Os dados serão analisados e interpretados através de cruzamento de dados após mapeamento

dos sentidos e significados presente nas narrativas que sacerdotes expressam sobre seus

processos e instâncias rituais em relação a seu corpo consagrado e sagrado, comparando as

narrativas dos lócus de pesquisa.

Para esse estudo a hermenêutica é a abordagem teórico-metodológica que permitirá

aprofundar o meu objeto de estudos, onde lanço um olhar autocompreensivo, pois pesquiso

um conjunto de símbolos e um fenômeno de fé que vivencio, pois sou sacerdotisa do

candomblé. Cito Conceição (2011, pg. 893) que ressalta a importância da visão de quem está

dentro da experiência religiosa. “Essa autocompreensão, esse ‘como me vejo’, cria um

autorretrato da situação de indivíduos e grupos por abrigar elementos fundantes e

1 Funderê: refere-se a casa na nação jeje savalu.

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constitutivos de suas expressões e experiência religiosa”. Posso dizer que ela é a metodologia

desta pesquisa, que conta com o auxílio da etnografia.

O Campo de Pesquisa no Brasil

Para conhecer o campo ao qual pretendo me debruçar e para conhecer a produção acadêmica

que promove a interface corpo, sagrado e religião, realizei um levantamento de pesquisas no

Brasil que versam sobre o tema de meu estudo. Como parâmetro temporal, minha orientadora

e eu definimos os três últimos anos, de 2011 a 2013. Surpreendentemente, não encontrei

pesquisas que discorressem sobre o mesmo tema.

No entanto, algumas apontavam algumas categorias como corpo, ou similares, corporeidade.

Percebi, ainda que a área das Ciências da Religião no Brasil ainda possui uma demanda

imensa de pesquisas sobre cristianismo, marcando a forte influência da Teologia.

Esse fato me impulsionou mais ainda a me atirar sobre a minha pesquisa, que não vai procurar

entender algo novo, mas algo pertinente tanto para o candomblé quanto para a própria Ciência

da Religião.

Campo afrorreligioso na Amazônia

A ciência avança há séculos em oposição à existência do sagrado. Luta para vencer as

imprevisíveis ações da natureza. Teme sua fragilidade diante dela. A Amazônia é um lugar no

mundo que se mantém viva, com diversidade de espécies, possui uma diversificada influência

cultural cruzadas com a cultura indígena, impregnada de forte religiosidade. Este espaço,

geográfico e cultural, não se permitiu afastar-se completamente da fauna, da flora e da fé.

Desde o século XVII, segundo Vicente Salles (1969), há registro da chegada de médicos, que

tratavam os pacientes com remédios aprendidos com indígenas. Mais tarde com a presença do

negro, descoberta nos documentos históricos, percebemos a utilização de processos similares

de tratamento de negros e índios.

Com o passar do tempo, o que pertencia à sabedoria religiosa do interior fez romaria para os

centros urbanos, banhando moradores de sagrados remédios, penas, maracás, tambores,

tecidos, ervas, que continuam a resolver problemas de saúde. O que explicaria tamanha

afeição aos segredos religiosos? Talvez o fato de estar à margem do rio, dentro da floresta,

mesmo com grandes diferenças de forma de viver dos que moram protegidos pelas copas das

árvores, ainda sente-se o mana deste lugar.

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Não havia registro de africanos e descendentes na região Amazônica, sua religiosidade,

cultura, e tecnologia estavam imersas no cotidiano, mas invisíveis em documentos. Somente

com a caravana de cultura popular de Mário de Andrade que a cultura negra foi promovida a

existência no norte do país.

Nos documentos analisados por Arthur Ramos, sucessor de Nina Rodrigues em pesquisa

africanista, mostra tentativa de documentação de negros nos estados do país e aponta que no

Maranhão no século XIX a população de negros era de 66,6% superando a população de

brancos. Com a proximidade do Maranhão com o Pará, apresenta-se uma possibilidade de

introdução de negros pelas fronteiras do estado vizinho. Embora, haja ainda possibilidades de

entrada pelo arquipélago do Marajó, com negros trazidos da região que atualmente é Bissau,

Munanga (2009).

A aproximação com o Maranhão se deu no campo religioso com a chegada de maranhenses a

Belém que trouxeram o Tambor de Mina, religião que cultua voduns de origem Nigeriana, e

ainda aos caboclos e santos católicos. A Mina, como é costumeiramente chamada,

consolidou-se em Belém e dela saiu a primeira pessoa iniciada no candomblé. Astianax, mas

conhecido como Prego ou Pai Prego, foi iniciado na nação Angola em Salvador, mas não deu

continuidade a religião, prosseguindo somente no Tambor de Mina (Campelo, 2000).

O campo da religião candomblé em Belém é formado com as sucessivas idas de praticantes

dos cultos como pena e maracá á Salvador e a vinda de sacerdotes de Salvador para Belém

que adentraram num universo auspicioso à prática do candomblé pela similaridade da forma

de contado com o sagrado, como o transe2.

O aprendizado no candomblé ocorre através da vivência das práticas litúrgicas da religião,

transmitidos pelos mais velhos, pois eles são os guardiões do saber da religião que não se

aparta do saber da roda da vida. A condução do terreiro, o repasse da tradição passa pelo

ensinamento do corpo das formas de comportamento e vai até os ritos mais secretos.

Como os iniciados em Belém tiveram pouco contato direto com a linhagem familiar religiosa,

causando sensações de desapego às ordens religiosas, que se apresentam com certa ortodoxia.

A dificuldade de acesso às tradições abriu um campo amplo para o surgimento de novas

tradições, ou seja, os sacerdotes formaram sua própria maneira de realizar os rituais. Desse

2 Abro um adendo para me posicionar diante da categoria transe. Neste artigo não utilizarei o termo, pois opto

em tratar como a chegada do sagrado.

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modo, pode-se dizer que o candomblé de Belém, cidade muito influente dentro da Amazônia,

possui uma estrutura ritual que se diferencia de Salvador, pois não possui fidedignidade às

tradições de linhagem familiar religiosa como pede as convenções no candomblé.

Com base em outros estudos realizados sobre o candomblé em Belém é possível afirmar que

as casas-referência, que são aquelas casas fundadas pelos primeiros iniciados na religião, não

possui um vínculo com a casa a qual foram iniciados em Salvador, a não ser a memória da

iniciação e das demais obrigações3 dos sacerdotes.

A nação Jeje Savalu aparece em Belém através dos contatos com sacerdotes de Salvador,

como de praxe no percurso de Candomblé na Amazônia. Essa nação apresenta uma questão

relevante, pois os Jeje foram os povos que chegaram primeiro na diáspora africana, tendo seus

saberes agregados às tradições de origem Iorubana, e foi tida como morta.

No Brasil fixaram-se várias etnias africanas como os jeje, fon, bantos e iorubanos que

estruturaram cada um a seu modo, processos ritualísticos que modelam as diferenças, ou seja,

essas etnias possuíam ritualísticas diferentes dentro da religião candomblé. No entanto, com a

última remessa de escravos que chegaram ao Brasil no século XIX, houve maior registro da

cultura iorubana, fortemente expressa nas comidas, linguagem e mitologia. Algumas nações

passaram a beber na fonte iorubana. Embora alguns pesquisadores nos apontarem para o fluxo

de informações entre iorubanos e os jejes ainda em território africano, devido aos fluxos

migratórios naquele lugar no século VII e XVI.

O termo Jeje, segundo Parés (2007) é uma denominação metaétnica designada a uma etnia

minoritária, que com o aumento de outras etnias na área, onde atualmente é a cidade do Porto

Novo, transformou-se em denominação de um grupo de pluralidade.

A nação Jeje Savalu surge em Belém pelas mãos de Carlos Bottas, mais conhecido como Pai

Carlinhos da Oxum. Este sacerdote revelou ao pesquisador o diferencial litúrgico da nação

Jeje Savalu . Eduardo Vega (2013) descreve o ciclo litúrgico da nação:

Podemos listar, por exemplo, cânticos; as rezas, o uso de vestimentas como o devó

(vestes rituais do processo de iniciação); o uso de ileké em suas diversas cores e

tipos; os nomes e epônimos de voduns como ako Bessén; seminu nanã; iroko azaká;

ewa silé; a designação de objetos, coisas e pessoas, além de espaços sagrados e de rituais; o uso do torso, após o período de recolhimento nas romarias; sacrifícios de

alguns animais que não são utilizados em outras nações como, por exemplo, o

oferecimento de cágados na matança ritual de iniciação de qualquer iaô;

peculiaridades do processo iniciático, incluindo o tempo de recolhimento, o período

de resguardo, a sequência e os tipos de ebós propiciatórios para a iniciação e demais

3 Obrigações: é o termo utilizado pelos candomblecistas quando renovam seu contato cíclico com o sagrado.

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obrigações. Por exemplo, os mesmos ebós realizados na iniciação, no total de sete,

são repetidos nas obrigações de três, sete, catorze e vinte e um anos; na iniciação é

realizado um ebó chamado dankó (ebó para saúde); usa-se também o kelé por dezesseis dias no período de obrigação individual; e os iniciados são proibidos de

atravessar ou se banhar no mar por um período de um ano. (EDUARDO VEGA,

2013)

Os parcos estudos sobre candomblé em Belém ocorreram na década de noventa e não

identificaram na cidade casas que se denominassem Jeje. No entanto estudos mais recentes

como de Perdigão (2011) apontam que surge uma nação em Belém que se identifica como

Jeje. Outra pesquisa importante foi realizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico

Nacional em 2012, com métodos dialógicos entre os sacerdotes do candomblé e outras

religiões de matriz africana, mapearam as casas de candomblé, Mina, Pajelança e neste mapa

é possível perceber um elevado número de famílias que se autodenominam Jeje Savalu.

Pela condição diferenciada a qual se apresenta a nação Jeje Savalu na africanidade amazônica,

seu percurso dentro desta pesquisa também se torna importante para compreender a

ancestralidade mítica que os candomblecistas dessa tradição apresentam.

Religião e Identidade: O elemento ancestralidade.

Iniciamos este tópico com o pensamento sobre a importância da religião como elemento

aglutinar de pessoas e propagadora de uma organização social. A religião apresenta-se como

um elemento importante para a diminuição do caos, porque sua estrutura, cosmovisão e

valorização de princípios convergem para a contenção de ações violentas. Outro fator que nos

é mais próprio discutir é o caráter coesivo, que promove um ethos de identidade, a religião é

um marcador de identidade. Essa identidade se constitui no rito, no mito, na cosmovisão,

reservados a espiritualidade dos indivíduos que se agrupam em torno da religião.

Durkheim (1996, p.04) pensa a religião como uma manifestação natural da atividade humana,

sendo e promove instrução por expressarem o homem. A sua maneira o autor revela a

natureza humana, como algo construtivo porque é expresso. Enteder a religião pelas ópticas

de Durkheim e por seu valor aglutinador de identitário, ajuda a perceber que ela é produto de

uma cultura que mostra o indivíduo e que este por sua vez também revela a qual cultura

pertence, quais códigos são vividos.

Todas as religiões são ancoradas em eventos que sinalizam a fundação no mundo, explicando

o princípio, suprindo a necessidade humana de compreender a sua existência. No candomblé

existem vários movimentos de compreender a existência humana, mas destaco a necessidade

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humana de compreender a sua própria existência. Responder às questões de onde eu vim, e

pra onde eu vou? Eu estou só no mundo?

Ao se tratar de uma aglutinação que se tornou religião em terras brasileira, constitui-se um

grupo étnico, pois a estrutura religiosa tenta reviver o que antes era vivido pelos ancestrais

africanos. Possibilitando o retorno ao lugar de origem, a África. A diáspora negra, não se

configura na retirada dos africanos para o mundo, mas a tentativa de viver a sua

ancestralidade expressa na cultura, linhagem familiar, negritude, religiosidade.

Neste caso, a religião candomblé é uma grande agregadora de identidade, marcada pela

organização familiar, com a mesma família biológica, logo pela negritude, e tudo o que isso

possui de representação social, música, dança, cosmovisão, compondo um universo a partir da

memória. O rito na religião é direcionado aos ancestrais memoráveis, e aos eborás, elementos

da natureza, que movem o universo para ajudar na nossa vida material e aos ancestrais da

linhagem familiar, os que morrem merecem culto por tudo que representaram dentro da

família.

Esses fatores me levam a perceber que o candomblé é uma religião que possui uma estrutura

familiar de negritude, apresentou-se de suma importância para o fortalecimento da identidade.

Recorro novamente a Fagundes (2003, p. 21) o ser humano religioso mostra-se mais forte

diante desse mundo, com o psicológico mais eficaz, além de retirar forças do próprio grupo,

sentindo-se parte de um todo.

Segundo Parès (2007, p.114) a estrutura de candomblé a qual é conhecida tenha vindo da

áfrica Ocidental, mais especificamente da Costa da Mina: “...de onde as danças e experiência

de possessão eram coletivas [...] envolvendo uma dimensão essencialmente de celebração e

adoração de divindades, sem intervenção tão evidente de outras finalidades tão pragmáticas, a

exemplo da cura e da adivinhação.”

A região da costa da Mina pertence ao complexo do Golfo do Benin de onde vieram os povos

jeje, que adentraram no Brasil nos séculos XVII, XVIII e até o XIX e de onde provavelmente

veio a estrutura que forma as religiões negras no Brasil. As características das sociedades da

região do Golfo do Benin fundamentalmente eram baseadas em parentesco, organizados por

clãs ou linhagens, em que cada linhagem possuía vínculo com o antepassado mítico,

patriarcal, com numerosas mulheres, pois isso significava grande quantidade de filhos, que

trabalhariam na terra produzindo riqueza e prosperidade para o homem mais velho. A terra

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possui caráter sacro, prosperidade e em seu centro havia o outro mundo, o mundo dos

antepassados.

O culto aos antepassados constitui o mais sagrado dos deveres, os africanos expressam a

maior veneração aos seus parentes do clã. Tamanha devoção transforma esses antepassados

em deuses, chamados de Voduns. Lepine (2001, p.11):

Os voduns de Daomé são, na origem, antepassados divinizados. Os ancestrais

divinizados das linhagens de chefes e sobretudo os da famílias reais passam a

exercer novas funções e adquiriam um status superior aos dos antepassados de

outras famílias.

Desse modo, os voduns são organizados de acordo com o sistema familiar genealógico. O

mais velho do clã é o mais respeitado, ao morrer recebe ritos fúnebres, passa a receber

também oferendas, até um dia chegar à condição de vodun, possui maiores poderes de restituir

a vida social dos vivos, os livrando dos infortúnios como a pobreza, a doença, a morte.

Os cultos reconstituídos no Brasil também foram reestruturados dentro do sistema

genealógico, onde somente pessoas da família biológica eram iniciadas e conheciam os

mistérios dos cultos ancestrais, somente homens e mulheres negros reuniam-se dentro dos

ritos. Atualmente, não é diferente, para ser iniciado na religião, dizem os antigos e teólogos da

religião, tem que ter ancestralidade.

A religião candomblé é um centro de vivência da cultura africana, sobretudo da áfrica negra,

os deuses nela cultuados, são ancestrais divinizados. A ancestralidade é um vínculo

genealógico, logo a morfologia do corpo, fenótipo e memória étnica marcam seu território, o

corpo.

Corpo e ritual

Cabe a esta altura tratar da categoria corpo, na tentativa de entender as possíveis contradições

na sociedade moderna frente ao conceito de corpo, sua compreensão, a forma social e cultural

a qual este é tratado. Como perceber o afastamento deste corpo, marca de individualidade.

Rodrigues (1986) contribui neste artigo com as análises culturais sobre essa estrutura, o

corpo. Para ampliar o nosso olhar sobre o objeto corpo, o autor recorre a estudos sobre a

cultura, seus impactos sobre o inconsciente e consciente, sobre a moral, sobre a ética, sobre o

sagrado e o profano. Mostrando que as regras de uma sociedade determinam de forma

inconsciente pensamentos e formas de relacionar-se com outros e com a natureza. Para este

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autor o corpo humano é socialmente concebido, e sua representação social possibilita acessar

a estrutura de uma sociedade particular.

Le Breton (2013) analisa em sua obra a Antropologia do Corpo, o corpo como objeto e ser.

Tece uma crítica diante da promoção do distanciamento do corpo a partir dos filósofos.

Levanta modos de expressão do corpo em várias sociedades, ensinando-nos como a

individuação afasta o ser humano de si mesmo. Ao citar o exemplo da sociedade canaques

diz:

O corpo (karo) é qui confundido com o mundo, ele não é suporte ou prova

de individualidade, porquanto esta não está fixada, uma vez que a pessoa

repousa sobre os fundamentos que o tornam permeável a todos os eflúvios

do meio ambiente. O “corpo” não é fronteira, átomo, mas elemento indiscernível de um todo simbólico. Não existe aspereza entre a carne do

homem e a carne do mundo. (LE BRETON p.31)

Nesta citação é possível perceber que as sociedades mais isoladas mantém uma visão de

completude, em que o corpo pertence ao universo e o universo o pertence em uma relação de

coexistência e de explicação, onde do mundo retira-se a o entendimento que o ser humano

tem sobre si. A exemplo mais uma vez o autor que identificou que entre os canaques o “corpo

recebe características do reino vegetal. Parcela não destacada do universo, que o banha, ele

entrelaça a sua existência, às árvores, aos frutos, as plantas. [...] Kara designa aos mesmo

tempo a pele do homem e a casca da árvore.”(LE BRETON, 2013)

Martins (2003) apresenta uma possibilidade de entendimento sobre a categoria corpo, “Todas

as realizações, sonhos, criações, emoções, acontecem inequivocamente no corpo. Por isso,

buscar entendê-lo é buscar entender a existência”. Logo, é confortável dizer que o corpo é um

ser, que constrói experiências próprias com seu universo, com pessoas animais, árvores,

coisas em geral. Ou seja, não se tem um corpo, se é um corpo. Somente nele ocorrem as

diversas representações no mundo.

Sem a existência de um corpo não há vida, somente morte. A agourenta morte, que não se tem

explicação, mas que no campo das representações sociais é possível descrever o medo sentido

pelo ser humano diante desse fato. Não há forças contra a morte, ela enfrenta homens e

mulheres, sem temor, manda e desmanda e nada podemos fazer. Ela é a dura face da

fragilidade humana. Várias religiões lutam contra a morte.

Considerações Finais

Esta pesquisa almeja conhecer o sentido do sagrado para os rodantes no candomblé da

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tradição Jeje Savalu, que se constitui como uma nação antiga para a história da diáspora,

sendo esta uma das primeiras etnias escravizadas a chegarem ao Brasil. Por isso se mostra

resignificada no espaço amazônico em virtude das muitas alterações ocorridas em decorrência

do tempo.

A pesquisa pretende ainda compreender as concepções de religião, de sagrado, de corpo

dentro do candomblé, religião vivida, fortemente, a tradição no corpo. Corpo este que fora do

ambiente religioso vive a modernidade e todas as outras influências que a cultura da região

proporciona. Entender esta complexidade contextualizada é compreender o ser humano que se

faz corpo, tornando-se a própria expressão do sagrado para cientista, sendo o sagrado para os

viventes da tradição, neófitos e sacerdotes da religião.

Tentar alcançar o olhar de si e do sagrado no candomblé possui um sentido de ampliar a lente

a importância dessa identidade religiosa na Amazônia, aprofundando seus aspectos históricos,

as redes sociais, os aspectos culturais, e, sobretudo o religioso, ainda pouco informado, e

pouco compreendido socialmente. Essa pesquisa, talvez, dê a oportunidade de seus adeptos

enxergarem a sua própria história de vida com a devida importância para o seguimento

religioso ao qual vivem.

Bibliografia

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TITULO DO PROJETO: Dialogo entre Religiões: uma possibilidade de abertura ao diferente

Orientadora: Prof. Drª Taissa Tavernard de Luca

Autores: Fabio de Oliveira Sena

Juscelio Mauro de Mendonça Pantoja

Carlos Henrique Correa Assunção

RESUMO: O Grupo de Estudos de Religiões de Matriz Africana tem como objetivo conhecer

e promover a aplicação da lei 10 639/03, que trata da obrigatoriedade do estudo e do ensino

da história e da cultura africana nos currículos escolares, oferecendo aos graduandos e pós-

graduandos em ciências da religião conhecimentos suficientes para a discussão e o ensino

dessa matriz religiosa em sala de aula. A partir do tripé: ensino, pesquisa e extensão,

desenvolve quatro ações permanentes, dentre elas o Projeto Diálogo entre Religiões, que

surgiu em 2014 com o intuito de aproximar a Universidade do Estado do Pará das outras

Instituições de Ensino Superior, estabelecendo um diálogo entre os pesquisadores do Grupo

de Estudos Religiões de Matriz Africana na Amazônia e pesquisadores dos demais fenômenos

religioso. Este trabalho tem por objetivo apresentar o projeto Dialogo entre Religiões e sua

importância para a formação acadêmica dos discentes do curso de Licenciatura Plena em

Ciências da Religião propondo uma discussão sobre a experiência religiosa a partir das

diferentes perspectivas de pesquisa.

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ILÈ SÀNGÓ

1: Uma análise da estrutura de um Candomblé Keto da cidade Belém.

*Wanderlan Gonçalves do Amaral2

Resumo

O candomblé é a religião de matriz africana mais recente em Belém do Pará, sua

chegada à capital do estado é datada entre o final dos anos 60 e inicio dos 70

(CAMPELO, 2001). A origem das primeiras casas de culto e a história de vida de

seus fundadores foram os títulos dos primeiros trabalhos acadêmicos sobre as três

Nações de Candomblé presentes em Belém (Keto, Angola e Jeje) a partir de 2001.

Toda esta pesquisa ocupou-se apenas da memória, identidade e relações políticas

entre os terreiros candomblecistas da cidade. Neste trabalho proponho uma analise

da estrutura física e ritual do Candomblé originário da Bahia trazido para o Pará por

negros e negras baianos, e por paraenses que migraram do Tambor de Mina para a

religião dos Orixás (LUCA, 2009). Esta analise será feita a partir de um estudo de

caso de uma das principais casas de Candomblé de Belém cujo objetivo visa

identificar as reconfigurações da tradicionalidade baiana ao meio afro-religioso

paraense.

Palavras-chave: Candomblé. Estrutura. Tradição. Ritual. Reconfiguração.

INTRODUÇÃO

1 Casa de Sàngó, orixá da justiça, senhor do fogo.

2 Licenciado em Ciências da Religião pela Universidade do Estado do Pará, aluno do Programa de

Pós Graduação em Ciências da Religião na referida Instituição de Ensino Superior, membro de grupo de pesquisa Religiões de Matriz Africana na Amazônia – GERMAA, bolsista CAPES.

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A história das religiões de matriz africana no Pará e na Amazônia reflete um

panorama bastante diversificado do restante do país. Aqui se desenvolveu um

modelo de religião afro diferente dos demais cultos que se estabeleceram no

restante do Brasil, especificamente na costa atlântica do território brasileiro.

No Pará, o culto de matriz africana que se destacou foi o Tambor de Mina,

tradição religiosa de origem maranhense oriunda das tradições Jeje, da Casa das

Minas; Nagô, da Casa de Nagô, e do terreiro da Turquia ambas da cidade de São

Luís. No Pará esta tradição afro-religiosa de origem maranhense estende suas

raízes através do terreiro da Turquia (VERGOLINO, 2002). Esta forma de culto afro

desenvolveu-se apenas nesta região do país, chamando muito a atenção dos

estudiosos das religiões afro-brasileiras para suas características e modelo

tradicional.

O Candomblé chega a Belém na década de 1950 com Pai Astianax, um ex-

mineiro que foi a Salvador para ser iniciado no candomblé. Mas é no final da década

de 70 que o Culto aos Orixás começa a estruturar-se na capital paraense. Por ser a

mais recente das matrizes de culto estabelecida nesta cidade, o candomblé ainda é

um campo de pesquisa pouco explorado (CAMPELO, 2001; PERDIGÃO, 2011).

Desafiado por essa lacuna, fui a campo com a proposta de conhecer mais de

perto essa modalidade da tradição afro religiosa brasileira e o modelo de culto

desenvolvido na cidade de Belém, por meio de um estudo de caso do terreiro Ìlé Àsé

Obá Aganju3, casa esta que reclama para si a descendência de um dos mais

tradicionais candomblés baianos o Ìlé Ìyá Omi Àsé Ìyámasé, o terreiro do Gantois.

Assim, a casa pesquisada neste trabalho estrutura-se em Belém há quase

três décadas com um espaço físico e sagrado como na Bahia, interagindo com as

tradições afro-religiosas locais, adequando o culto aos òrìsà trazido de Salvador às

realidades da região.

3Como forma de preservar a integridade desta pesquisa a partir de agora tanto o nome da casa aqui estudada, como dos seus lideres e membros, pessoas, grupos e instituições ligadas a ela terão grafia fictícia.

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1. BAIANIDADE, MASCULINIDADE E HOMOAFETIVIDADE: A

ORGANIZAÇÃO DO PODER NO ÌLÉ ÀSÉ OBÁ AGANJÚ

Como todo candomblé tradicionalmente constituído, o Obá Aganjú mantém

toda a sua estrutura alicerçada no àsé e na hierarquia. É uma casa de tradição

patrilinear, mas isso não significa que sua sucessão se dê entre os membros da

família biológica do sacerdote tendo em vista que seus dois filhos são ogan, e sua

ex-esposa é ekedji. Neste caso a sucessão dá-se entre os filhos de santo nascidos e

criados dentro desta roça, homens ou mulheres.

O egbé é socialmente estruturado segundo o maior ou menor grau de àsé de seus integrantes: àsé transmitido durante os vários graus de iniciação, reforçado durante os ritos de passagem de uma categoria a outra, “obrigações” do terreiro e sétimo ano e pelos ritos de confirmação de postos

na hierarquia do “terreiro”. (SANTOS, 1986, p. 44).

No Ìlé abordado neste trabalho, o poder é exercido por um triunvirato

masculino, baiano e homossexual. Todos os papéis desenvolvidos e

desempenhados por mulheres no contexto social e religioso da mesma são

submissos a esta hierarquia masculina. Embora este terreiro seja governado por

homens, é bom frisar a dimensão feminina deste poder masculino, por se tratar de

pessoas homossexuais em seu comando.

Na comunidade negra da Bahia, no Brasil setentrional, circunstâncias incomuns encorajam certos homossexuais passivos a forjar um novo e respeitado status para si mesmos. Disso resultaram mudanças individuais e sociais importantes e fáceis de observar; mas o seu especial interesse para a psicologia reside no demonstrar o modo pelo qual um grupo proscrito fez nova adaptação, tirando vantagens das novas circunstâncias. (LANDES, 1967, p.284).

Portanto, mesmo sendo uma religião que ao ser reelaborada no Brasil ganha

um rosto matriarcal, e que em sua origem preservou os homens de exercer o

sacerdócio supremo no culto, destinando esse lugar às mulheres, o Candomblé

agregou em seu seio as pessoas homossexuais, garantindo a elas o direito de

vivenciar sua sexualidade dentro dos seus padrões morais e éticos, se assim posso

dizer, desta religiosidade4.

4Esse aspecto é característico as primeiras casas de culto fundadas em Salvador, no Pará se

configurou de forma diferente.

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Nesse caso, a simbologia da feminilidade ganha um papel bastante amplo,

por tudo que socialmente ela representa, e muito mais ainda no contexto brasileiro.

Por isso, creio que é este aspecto que distingue bastante o papel dos homossexuais

no contexto hierárquico desta religião.

[...] o fato de que as barreiras tenham caído para os homens não derrubam, porém, o principio fundamental de que somente a feminilidade pode servir aos deuses. Todos os homens considerados normais na Bahia continuavam, pois, excluídos. Somente um grupo preenchia os requisitos. O fato de que constituísse um grupo sujeito à mais rigorosa condenação social não pesou contra esse princípio básico. Quando se faziam filhos, vinham eles de entre os homossexuais, que, a despeito do status, eram os únicos

“femininos”. (LANDES, 1967, p. 290).

Em todo esse contexto, a sexualidade age desempenhando dois papéis

elementares na construção da identidade feminina ou masculina das pessoas

homossexuais ligadas às casas de Culto aos Òrìsà: o sexo biológico e o sexo social.

No universo religioso candomblecista, o sexo social assumido por essas pessoas é o

que aproxima os homens homossexuais do sacerdócio feminino, e as mulheres

homossexuais da administração das associações culturais e religiosas das casas de

culto (FRY/MACREA, 1983).

Segue abaixo os cargos dispensados à hierarquia do Ìlé Oba Aganjú, que

neste caso, excepcionalmente, segue o modelo da hierarquia do Gantois, das

demais casas matriciais baianas e da casa do iniciador do bàbálòrìsà de Belém.

Observados aqui a partir do gênero, e importância dos cargos ocupados pelos

sujeitos religiosos, sejam eles homens, mulheres ou homossexuais.

CARGO FUNÇÃO

Bàbálòrìsà Sumo Sacerdote

Bàbálàsé Aquele que zela pelo àsé

BàbáEgbé Pai da Comunidade

Maé A primeira entre as Ìyároba

Ìyá Kekerê Mãe pequena da casa

Ìyá Ajibonã Mãe criadeira, aquela que cuida dos yaô

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durante a iniciação.

Ìyá e BàbáEfun Sacerdotes responsáveis pelas pinturas

rituais corporais durante a iniciação e no

período das obrigações anuais dos

iniciados.

Asogun Sacerdote responsável pelo sacrifício ritual

Osupi Substitui o BàbáEfun em sua ausência.

Ìyágbasse Sacerdotisa responsável pela cozinha

ritual.

Ìyá Singé Auxiliar da Ìyágbasse

Ìyá Teny Sacerdotisa responsável pelas vestes

litúrgicas do terreiro.

Ìyá Oci Sacerdotisa que zela pelo Órìsà Òsóòsì.

Ìyálodé Sacerdotisa da casa de Osùn, nobre

senhora da sociedade.

Ìyá Morô A egbome mais velha das três

sacerdotisas responsáveis pelo ritual do

padê de Èsù.

Ìyá Dagã Uma das três sacerdotias responsáveis

pelo ritual do padê de Èsù.

Sidagã A egbome mais nova dentre as três

sacerdotisasresponsáveis pelo ritual do

padê de Èsù.

ÌyáOdé Sacerdotisa responsável pela casa de

Òsóòsì

Ìyárobá Sacerdotisa responsável por cuidar dos

òrìsà manifestádos.

Bàbá Elemoxô Sacerdote responsável pela casa de

Osàlà.

Ogã Aficodé Um dos sacerdotes do culto a Òsóòsì.

Ogã Assogbá Sacerdote do culto a Omolu.

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Oci Assogbá Segunda pessoa depois do Assogbá.

Alagbé Sacerdote responsável pela percussão dos

atabaques.

Oci Alagbe Segunda pessoa depois do alagbé.

Oju Obá Um dos sacerdotes do culto a Sàngó.

Oju Odé Um dos sacerdotes do culto a Òsóòsì.

Olossanyn Sacerdote de Osanyn responsável pela

coleta das folhas sagradas para os rituais.

Yawo Recém iniciado, filho mais novo.

Abian Aspirante.

Fonte: Etnografias realizadas durante as pesquisas de campo deste trabalho.

Fonte: Etnografias realizadas durante as pesquisas de campo deste trabalho.

Os 41% correspondem aos15 homens com cargos dentro da hierarquia.

Os 38% correspondem às14 mulheres com cargos na hierarquia.

Os 13% correspondem aos 5 homens homossexuais que comandam a casa com

cargos na alta hierarquia.

Os 8% correspondem às 3 mulheres homossexuais com cargos na média e baixa

41%

38%

13%

8% Hierarquia

Cargos ocupados por Homens

Cargos ocupados por Mulheres

Cargos ocupados por Homens homossexuais - Alta Hierarquia

Cargos ocupados por Mulheres homossexuais- média e baixa Hierarquia

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hierarquia.

Fonte: dados coletados em campo durante o período das pesquisas deste trabalho, eles correspondem a frequência dos filhos de santo durante o período da coleta de dados.

Os 31% correspondem às 16 mulheres.

Os 19% correspondem aos 10 homens.

Os 8% correspondem a 5 abyan, dois homens e três mulheres.

Os 17% correspondem a 11 yawo mulheres.

Os 4% correspondem a 3 yawo homens.

Os 13% correspondem a 7 egbome homens homossexuais.

31%

19% 8%

17%

4%

13%

2% 4% 2%

Comunidade em geral

Egbome Mulheres

Egbome Homens

Abyan homens e mulheres

Yawo mulheres

Yawo homens

Egbome homens homossexuais

Egbome mulheres homossexuais

Yawo (homossexual) - Mulheres

Yawo (homossexual) - Homens

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Os 2% correspondem a 2 egbome mulheres homossexuais.

Os outros 4% correspondem a 2 yawo mulheres homossexuais.

Os 2% correspondem a 3 yawo homens homossexuais.

1.1 CÚPULA BAIANA: IDENTIDADE E MILITÂNCIA.

O Obá Aganjú concentra em seu bojo dois poderes, o tradicional e o

burocrático, ou seja, sua hierarquia administra os ritos sagrados e o contexto político

e social da comunidade através de sua associação. O pai de santo torna-se um líder

religioso e político em potencial, concentrando em suas mãos o poder tradicional e o

poder burocrático (WEBER, 1922). É um líder que dialoga com os afro-religiosos de

Belém não apenas pelos vínculos religiosos, mas de forma bastante expressiva

através de sua militância política.

O poder tradicional, em virtude da fé na santidade dos ordenamentos e dos poderes senhoriais desde sempre presentes [...] Obedece-se à pessoa por força da sua dignidade própria, santificada pela tradição: por piedade. (WEBER, 1922, p. 4).

A burocraciaé o tipo tecnicamente mais puro de poder legal. Mas nenhum poder é só burocrático, isto é, gerido apenas mediante funcionários contratualmente recrutados e nomeados. Tal não é possível. As cúpulas mais altas das associações políticas são ou “monarcas” (governantes carismáticos por herança) ou “presidentes” eleitos pelo povo (portanto senhores carismáticos plebiscitários) ou eleitos por uma corporação parlamentar, onde em seguida, os seus membros ou, melhor, os líderes, mais carismáticos ou mais notáveis, dos seus partidos predominantes, são os senhores efectivos. Também quase nenhum lado é, de facto, o corpo administrativo puramente burocrático, mas nas mais variadas formas, em que parte os notáveis, em parte os representantes de interesses costumam participar na administração (sobretudo, na chamada auto-administração). (WEBER, 1922, p. 4)

É por isso que, concomitantemente ao terreiro, surge a Associação Cultural e

Religiosa Oba Aganjú – ACROA em 1987, entidade de utilidade pública municipal,

que orienta sua atuação através de um estatuto próprio, tendo como objetivos

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fortificar a resistência afro-religiosa e lutar contra todas as formas de preconceito e

discriminação com ênfase na religião afro.

Como vimos, a hierarquia religiosa coordena e administra a liturgia e os ritos

sagrados, enquanto a ACROA articula ações de captação de recursos através de

editais públicos de fomento à pesquisa da cultura afro-brasileira e suas

manifestações, visando à capacitação de seus membros dentro do contexto político

do movimento negro local e nacional, e através dos resultados destes projetos busca

custear as despesas da referida associação como também uma parte das despesas

do terreiro.

É sabido que, na hierarquia do candomblé, prevalece a tradição da

precedência, ou seja, é o tempo de “feitura no santo” que pesa mais do que classe

ou posição social. Todavia na casa aqui estudada este elemento pode ser

flexibilizado e usado como instrumento de trocas simbólicas (BOURDIEU, 1983).

2. ENTRE A FÉ E O PROTESTO: O MOVIMENTO NEGRO

As lideranças e os membros do Obá Aganjú exercem socialmente um papel

preponderante dentro do Movimento Negro local, tendo na religião o principal

referencial para as atividades desenvolvidas e as mudanças buscadas quanto ao

respeito e à cidadania do povo negro e sua cultura. A religião, neste contexto, é um

forte elemento de identidade e isso faz este Candomblé ser reconhecido como um

forte representante do Movimento Negro em Belém, não sendo característico aos

outros candomblés da Belém, que embora defendam a africanidade da religião,

preferem cuidar apenas do aspecto religioso desta causa, sem torná-lo uma

bandeira de luta política.

O Bàbá Antonio de Aganjú, negro, baiano e funcionário de uma multinacional

renomada, faz parte da coordenação do Movimento Negro Unificado de Belém –

MNUBE, e junto com ele o Bàbá Egbé Ionillton Oliveira, dividem-se entre a militância

política, a CEPPIR, o GEAP (Grupo de Estudos Afro Paraense, que está ligado a

uma instituição federal de ensino) e o Movimento Quilombos. Todos estes grupos

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são braços de extensão do Movimento Negro em Belém, e, sobre esta relação, a

professora Rosalira dos Santos Oliveira chama a atenção para o seguinte:

O discurso da negritude e do resgate das raízes ancestrais tem um impacto direto sobre o comportamento da militância contribuindo para a produção de um novo scripit para o negro brasileiro... Principalmente na adesão às religiões afro-brasileiras... Na verdade, a pertença (ou ao menos a proximidade) às religiões afro-brasileiras passa a ser vista como um sinal de maior negritude, o que equivale a dizer uma maior consciência de sua “diferença” em relação á sociedade nacional. (OLIVEIRA, 2012, p.1)

O pai de santo responsável pela casa me contou que a militância belenense

via com reservas as religiões de matriz africana, afirmando que o negro poderia

estar em qualquer religião sem necessariamente identificar-se com as religiões de

matriz africana. Ele disse que, gradativamente, por meio de espetáculos teatrais que

falavam da realidade religiosa afro-brasileira, e de oficinas de percussão afro que ele

coordenava, conseguiu mostrar mais claramente, ou melhor, abrir mais o horizonte

do Movimento Negro local para o Candomblé e consequentemente para as outras

modalidades de cultos de matriz africana.

Todo esse processo seda no final da década de 1970, no auge da

rearticulação do Movimento Negro no país5, em que o Candomblé passa a ser visto

como um espaço de identificação da ancestralidade africana conservada na

espiritualidade afro-brasileira, “neste contexto, as comunidades religiosas

afrodescendentes são encorpadas nas narrativas políticas dos movimentos negros

pelo país” (OLIVEIRA, 2012, p.1).

A religião afro-brasileira é importante por várias razões: ela contribui para unificar a “etnia”; desempenha papel revolucionário ao opor seus próprios valores aos da religião dos brancos; permite ao negro reatar com seu passado, uma vez que soube preservar seus mitos e seus heróis; é uma das principais fontes de inspiração para projetos políticos do movimento negro. (CAPONE, 2004. 314).

2.1 A ASSOCIAÇÃO CULTURAL E RELIGIOSA OBÁ AGANJÚ – ACROA

5 Luta política do povo negro contra o racismo e suas ramificações.

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A Associação Cultural e Religiosa Obá Aganjú – ACROA, surge junto com o

terreiro em 1987 com o objetivo de fortificar a resistência religiosa e lutar contra

todas as formas de preconceito e discriminação racial. É um instrumento de

participação social deste terreiro. Desenvolve ações como projetos, oficinas de

dança, música e teatro, voltadas para a arte, cultura e cidadania, socializando

politicamente a comunidade.

Está ligada ao Movimento Negro de Belém, mantendo parcerias com o

Movimento Negro Unificado de Belém – MNUB, e, na esfera nacional, com a

Fundação Palmares através de projetos que visam à cidadania e à independência

de pessoas desassistidas pelo poder público, especialmente a população negra e

afro-religiosa, encaixando-a em projetos financiados pelo Governo Federal que

auxiliam a Associação em favor dos direitos humanos para todos, principalmente

para os negros.

Entre os projetos que a ACROA executa, destaco o “Íyá Omi: Mãe das

Águas”, cujo objetivo é contribuir para a redução da violência doméstica e maior

cidadania das mulheres, especialmente das mulheres negras e afro-religiosas.

Porém há dois anos,esta iniciativa está parada por falta de verba, pois, nos últimos

editais lançados pelo MINC através da Fundação Cultural Palmares, os projetos

propostos pela associação não foram aprovados.

Todos esses cursos estão ligados à proposta política da comunidade de

terreiro que se expande para a associação no intuito de promover a cultura afro-

brasileira, ajudando o povo do terreiro (com ênfase na tradição da casa, o Gantois),

a ocupar seu lugar na sociedade racista. A dança, o teatro e a culinária são projetos

estratégicos de fortalecimento da identidade negra e todo seu universo, ressaltando

nesse aspecto a tradição como forma de poder, pois é através dela que eles criam

uma identidade étnica fundamentada no Candomblé.

Nesse sentido, é bem claro o papel político da identidade, ou seja, a

identidade negra aqui assumida legitima a tradição afro-religiosa dos membros deste

candomblé a partir do Gantois em Salvador, como uma forma de posicionamento

político diante dos outros grupos sociais e afro-religiosos majoritários na cidade.

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Essa articulação política é bem destacada através dos projetos desenvolvidos em

parceria com o MINC e a Fundação Cultural Palmares; ela mostra que o Governo

Federal é parceiro desta comunidade, reconhecendo-a como um polo de divulgação

da herança africana no país, patrocinando seu trabalho social e cultural.

A estrutura da ACROA divide-se em cinco núcleos e um Conselho Fiscal, no

núcleo admistrativo estão as pessoas de confiança do sacerdote da casa estudada

neste trabalho, nele concentra-se toda a proposta etnico-religiosa-política do terreiro.

O social funcionalisa a proposta do administrativo, o núcleo de pesquisa estuda as

possibilidades de aplicação dessas propostas, enquanto ao núcleo cultural cabe a

função de divulgação do Obá Aganjú através das atividades culturais da ACROA. O

núcleo financeiro administra os recursos captados pela ACROA através dos editais

de fomento a cultura, e de outras parcerias com a referida associação, tudo sob a

averiguação do conselho fiscal.

2.2 O APÉ ODARA NGUNZOS

O Obá Aganjú possui um afoxé, o Apé Odara Ngunzos, nome construído com

palavras em tupi-guarani, iorubá e bantu, que traduzidas para o português significam

“Grande Caminho de Àsé”. Foi criado em janeiro de 2003 por Pai Antonio de Aganjú

e a Mametu Mucumbi,sacerdotisa de um Candomblé Angola da cidade. O Afoxé tem

como patronos Sàngó e Ògún, divindades a quem estão consagrados

respectivamente os referidos sacerdotes, com os seguintes objetivos:

Difundir as tradições culturais dos afro-religiosos durante o carnaval e em

outros eventos que promovam a cultura e cidadania.

Combater o preconceito e a intolerância religiosa.

Aproximar as religiões de matriz africana, indígena e cabocla para juntas

fortalecerem a luta contra a intolerância religiosa.

No cerne da discussão do movimento negro nos anos 80, os Blocos Afros

retomam sua participação no carnaval baiano, buscando afirmar sua negritude e sua

ancestralidade africana, exaltando o povo negro e sua cultura, denunciando o

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preconceito, discriminação, pobreza, violência e esquecimento vividos no dia a dia

dessas pessoas.

Portanto, o Apé Odara Ngunzos surge em Belém como um instrumento de

luta política da comunidade aqui estudada, que inspirada na mítica África, constrói

seu repertório estético e musical, através dos quais reafirma sua identidade afro-

religiosa positivamente:

A representação da África por meio da ludicidde, musicalidade e sobretudo estética são perceptíveis quando do conjunto de elementos afro-referenciados (em referência a África) expressas no corpo (movimento, dança, expressividade e penteados) e nas vestimentas (tecidos, estamparia e adornos). Esses elementos afro-referenciados segundo Pinho (2004) são os signos ou imagens positivadas da figura do negro reelaboradas como identidades étnicas a partir da idéia de África ou de uma Mama África. (BRITO, 2012, p. 141).

Este Afoxé é criado dentro do bojo das transformações que o governo popular

do Partido dos Trabalhadores trouxe para acidade de Belém durante seu governo

(1997 – 2003). É um instrumento de identidade cultural da comunidade do terreiro

pesquisado, isto é muito explícito na indumentária dos músicos, nos instrumentos

percussivos, atabaques, cabaças, agogôs, xeque-xeque, tímbal, entre outros. O

grupo é constituído em sua maioria por negros, militantes e afro-religiosos membros

do Obá Aganjú:

Por trás de todo o esquema de execução do afoxé que garante toda a imagem de festividade, lazer e sociabilidade àqueles que participam e/ou brincam, há toda uma preocupação ideológica quanto à representação da tradição religiosa de matriz africana na Amazônia; quanto à representação da África por meio da ludicidade, musicalidade e estética representada nas imagens simbólicas vislumbradas na concepção do corpo e das vestimentas dos brincantes e; representação do negro na sociedade brasileira ao chamar a atenção para o racismo e o preconceito ainda existente, por isso a militância política subjaz boa parte da sua mensagem. (BRITO, 2012, p. 139)

Em relação aos temas propostos, observamos que eles transitam dentro de

várias temáticas sociais da atualidade, “as cantigas, nem sempre são as dos rituais

do Candomblé, porém elas remetem, quase que invariavelmente, à religião, aos

Orixás, seus simbolos e elementos” (CAMPELO, 2010, p. 7).

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Como os blocos de Salvador, o Apé Odara Ngunzos desenvolve um “projeto

estético-político de recuperação e valorização da cultura de origem africana e de

desenvolvimento comunitário” (LOPES, 2005. p. 4).

3. CONCLUSÃO

Como podemos observar até aqui, a identidade negra é um elemento

convergente em todos os trabalhos socioculturais e religiosos deste terreiro, logo a

dinâmica da vida da egbé Obá Aganjú está plenamente ligada ao ser negro, e no

viver a tradição religiosa legada por seus ancestrais, que reconhece o Candomblé,

em particular aqueles vinculados à tradição nagô da Bahia, como um “fiel

depositário” da herança civilizacional africana no Brasil. (OLIVEIRA, 2012, p.3).

Neste contexto, a identidade é uma construção política, uma forma de cooptar

o poder simbólico na disputa por espaço e prestígio no campo religioso e social

(HALL, 1984). Observando sempre que aqui a identidade não pressupõe cultura

objetivamente falando, às vezes elas até se complementam, mas podem ser

antagônicas e até contraditórias dependendo do contexto onde elas são evocadas.

Quando observamos o campo afro-religioso na cidade de Belém, nitidamente

percebemos este Candomblé como o único que mantém um estrito laço com o

movimento negro local, embora as outras casas apóiem esta causa, elas preferem

ficar na retaguarda como reforço fraterno, porém nunca como agentes diretos. E

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como já discutimos antes, essa relação faz parte de um projeto político-religioso do

Obá Aganjú que visa sua promoção social ante as demais casas de culto afro-

brasileiro de Belém.

Para muitos pais e mães de santo da cidade, ser afro-religioso é uma coisa,

ser militante político de um movimento social é outra. Uma é missão, outra é

“politicagem”. Alguns defendem que cultuam a ancestralidade africana, mas não são

africanos. Não concordam com a exposição que alguns pais e mães de santo,

principalmente os que estão ligados ao Movimento Negro, fazem da religião.

Lembram que o candomblé é uma religião de segredos e seus fundamentos devem

ser preservados, falam isso em relação ao aparato estético e simbólico (cordões

rituais, joias, abadas, cantos e rezas) que pais e mães de santo ligadas aos

Movimentos Sociais expõem constantemente.

Assim, observo que ser negro não significa ser afro-religioso e vice versa,

pois estas identidades podem ou não funcionar, dependendo de que forma a

situação vivenciada pelo sujeito venha a exigir seu posicionamento (HALL, 1984). Eu

posso ser afro-religioso sem ser negro, ou posso ser militante do Movimento Negro

sem ser afro-religioso, ou ser os dois com ênfase na pertença a estes dois grupos,

ou a um só.

Não existe uma relação fraterna entre Gantois e Obá Aganjú; o que existe é

uma aproximação intencional que garante para os membros deste Candomblé uma

posição privilegiada no contexto afro-paraense, caracterizando um joguete político-

religioso que lhe favorece historicamente ante as demais casas de culto

estabelecidas na cidade.

Essa pretensa pertença é vivenciada em todos os âmbitos da dinâmica sócio

religiosa do terreiro aqui estudado, a qual está focada no modelo Gantois de religião

e organização social que está essencialmente ligado ao que Bastide (2001) chamou

de manutenção da África no Brasil, ou seja, é uma religião étnica, que embora tenha

se tornado universal, mantém suas bases alicerçadas na “legítima” tradição da

cultura africana, preservada nos candomblés nagôs da Bahia.

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[...] tem se mostrado sobejamente que a cultura não é simplesmente uma bagagem que a sociedade carrega consigo e conserva como um todo, não é algo acabado, mas algo que se recorta de diferentes modos para afirmar identidade e garantir interesses, sendo constantemente reinventado e investido de novos significados (Cohen, 1969; Cunha, 1977).

Para os membros deste Candomblé com ênfase na hierarquia, ser negro está

intimamente ligado com esta religião afro-brasileira. As lideranças e membros desse

terreiro compreendem que, identificar-se como negro faz parte de um conjunto de

idéias que, para eles, representam a essência do que são; são construídas a partir

das convenções que fazem do presente, ou seja, a luta e militância como forma de

garantir seus direitos, com ênfase nos que estão ligados ao Candomblé e às outras

matrizes africanas, reconhecendo a religião como guardiã da cultura e valores

africanos e como forma de garantir politicamente uma posição de destaque na

sociedade belenense, paraense e brasileira.

4. REFERÊNCIAS

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Pioneira, 1985.

BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas Simbólicas. São Paulo: Perspectiva,

1987.

BRITO, Selma de Sousa. Trajetórias religiosas e projetos de vida: engajamento

político, social e cultural entre sacerdotes de candomblé na cidade de Belém-

PA. 2012 – 106 f. Disertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade

Federal do Pará, 2012...

CAMPELO, Marilu. Os Candomblés de Belém: O Povo-de-Santo Reconta sua

História. Belém: Capes, 2001.

CAPONE, Stefania. A Busca da África no Candomblé: Tradição e Poder. Rio de Janeiro, 2009. DANTAS, Beatriz Góes. “Repensando a Pureza Nagô”. In: Religião e Sociedade,

Nº 8. 1992.

_____________________.Vovó Nagô e Papai Branco: Usos e Abusos da África no Brasil.Rio de Janeiro: Graal editora, 1988.

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MACRAE, Edward. O que é homossexualidade. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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LEACOCK, Seth and Ruth.Spirits of the Deep. A Study of na Afro-Brasilian Cult.

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LUCA, Taissa Tavernard. Devaneios da Memória: A História dos Cultos Afro-

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TITULO DO PROJETO: O Cine-Africanidade: Um Encontro de Saberes

Orientadora: Prof. Drª Taissa Tavernard de Luca

Autores: Manoel Vitor Barbosa Neto

Elton Nascimento Moreira da Silva

Camila Costa Monteiro

RESUMO: O Grupo de Estudos de Religiões de Matriz Africana tem como objetivo conhecer

e promover a aplicação da lei 10 639/03, que trata da obrigatoriedade do estudo e do ensino

da história e da cultura africana nos currículos escolares, oferecendo aos graduandos e pós-

graduandos em ciências da religião conhecimentos suficientes para a discussão e o ensino

dessa matriz religiosa em sala de aula. A partir do tripé: ensino, pesquisa e extensão,

desenvolve quatro ações permanentes, dentre elas o Cine Africanidade. Nascido no ano de

2011 com o objetivo de promover a aproximação entre acadêmicos e afro-religiosos a partir

da linguagem do cinema, seu público alvo é composto por universitários do curso de

graduação e mestrado em Ciências da Religião e demais licenciaturas, bem como a

comunidade afro-religiosa convidada. Este trabalho tem por objetivo apresentar o projeto de

extensão cine africanidade, suas características (metodologia) e sua importância ao

aproximar os saberes da academia e os saberes da comunidade afro-religiosa do Pará,

esclarecendo a comunidade acadêmica quanto suas teologias, práticas rituais, símbolos e ethos

das religiões afro-brasileiras.

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O fenômeno religioso na arte a partir da performance Ritos: surgimento do ator-místico

Amanda Barros Melo

Mestranda Ciências da Religião/UEPA

[email protected]

Maria Roseli Sousa Santos

Orientadora, Doutora em Educação/UEPA

[email protected]

Resumo

A presente pesquisa tem sua base firmada em dois polos a arte (teatro) e a religião, evidencia-

se no campo da cultura e identidade. A problemática centra-se em compreender se há

elementos oriundos das experiências religiosas dos atores em cena (performer e músico) a

partir das ações realizadas na performance Ritos, que tem suas bases no teatro da crueldade do

teatrólogo francês Antonin Artaud. Objetiva-se neste artigo apresentar o objeto de análise e

suas dimensões simbólicas, posteriormente mostrar a existência do ator-místico, tipo ideal

criado a partir da performance analisada. A metodologia fundamenta-se no aporte teórico que

abarque conceitos oriundos do teatro e das ciências da religião com ênfase na mística, no fator

fenomenológico to ator criador. O resultado esperado consiste em criar o quadro explicativo

com os principais elementos que constituem o ator-místico.

Palavras-chaves: Performance, símbolo, mística.

Performance Ritos: surgimento na academia e chegada aos palcos

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Entre a academia e os palcos, este tem sido o percurso de toda a caminhada que a

performance Ritos tem realizado desde sua criação em 2008, e desde então esta vem se

renovando, se moldando aos desejos, sensações de sua criadora, sendo então um grande

deposito de experiências.

A performance surge como resultado final de disciplina cursada por sua criadora, a

perfomer Michele Campos1, na Unirio, disciplina que tinha por nome "O teatro da crueldade

de Antonin Artaud", ministrada pela profª Dr. Maria Cristinha Brito. Neste período a

performer/pesquisadora passou acumular conteúdo referente ao teatrólogo frances Antonin

Artaud e seu teatro da crueldade, o que posteriormente se tornou a base para todas as ações

realizadas durante a performance, sendo que todas estas atividades estavam ligadas também a

disciplina "Estudos das Performances Afro-Ameríndias" que foi ministrada pelo Profº Dr.

Zeca Ligiéro, disciplina esta que deu maior suporte ao trabalho de criação da performer,

proporcionando a aproximação desta com diversas linguagens as quais a performance utiliza,

simbologias, dialetos, ligados ao contexto cultural ameríndio e afro-brasileiro, todos estes

dados ligados por meio da crueldade artaudiana. Ao fim da disciplina a performance chamada

de "Ritos uma inspiração artaudiana" realiza sua primeira experimentação, com apenas 15

minutos de giros, plasticidade e poesia.

A base da pesquisa acumulava cada vez mais informações sobre o termo crueldade,

este sendo transportado para o caráter mais atual do gênero performance, através disto a

performer matura cada vez mais sua pesquisa o que proporciona agregação de mais conteúdo

a própria performance. Ocorre então a parceria feita com o musico Marcello Gabbay2, músico

e sonoplasta que também desenvolvia trabalho autora no contexto musical voltado para as

obras de Artaud.

Em 2009 "Ritos: uma inspiração artaudiana" surge em um evento que ocorreu por

conta do II Encontro de Performance e Política das Américas, organizado pelo Núcleo de

Estudos das Performances Afro-Ameríndias - Nepaa, vinculado a Unirio, ao lado da

performer e antropóloga Regina Pollo Muller e outros importantes artistas. E então as pessoas

comentavam muito, que era Muito interessante, um trabalho de corpo e tal (CAMPOS, 2013).

1 Doutoranda em Artes Cênicas (UNIRIO), mestra em Artes Cênicas (UNIRIO). 2 Doutor em Comunicação Cultural (UFRJ), mestre em comunicação cultural (UFRJ).

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Cada momento em que Ritos ainda como uma inspiração artaudiana surgiu, serviu para

maturar a experimentação. Após o ano de 2009, o espetáculo performático fica certo período

sem apresentações, porém em 2011, por conta de uma bolsa de estudos Michele Campos e

Marcello Gabbay seguem para Paris, onde passam a residir na cidade universitária, mais

exatamente na casa do Brasil (Maison du Brésil), isto ocorre por meio do Found pour lês

Initiatives Étudiantes (FIE), pela contemplação de uma bolsa artística dada pela Cité

Internationale Universitaire de Paris, Ritos é recriado, uma nova performance e estudada,

novas informações entram, ganham sentido por estar no país do autor dos escritos malditos, o

trabalho é desenvolvido de forma experimental, uma das mudança mais sensíveis é a duração,

que ganha mais 45 minutos, num total de 1 hora.

A performance se transforma, ganha novos elementos fica mais próxima ao seu cerne

inicial o teatro da crueldade de Antonin Artaud, que é pesquisado pela criadora de Ritos, neste

período ainda denominado como une inspiracione artaudiana, outro elemento forte surge

junto a isto, o encontro da performer com os trabalhos desenvolvidos pelo cineasta, teatrólogo

e místico o chileno Alejandro Jodorowski, o taro surge o caráter esotérico é incorporado na

cena por fazer parte das experiências vividas pela artista. pra cada uma delas bem baixinho e

pra cada uma frente a frente com elas e só repassava para aquela pessoa que ele tirava e aquilo

me deixou LOUCA, ENCANTADA, quem é esse homem?? (CAMPOS, 2013). Além destes

aspectos surgem colaboradores, a musicista mexicana, um musico mexicano ambos residentes

da casa do México, também fazendo parte da cidade universitária, outra contribuição vem de

um filosofo brasileiro ligados a artes visuais que residia na casa do Marrocos.

Tudo isto faz com que a performance além de aumentar, passe a ter um outro corpo,

muito diferente do que foi feito em seus primórdios ainda na Unirio. Ai eu consegui na casa

do Brasil, emprestada a sala do teatro deles, todas as manhãs eu podia usar, até tipo de 8 as 11

da manhã, a sala durante 3 meses e ai eu comecei a fazer o treinamento lá [...] (CAMPOS,

2013). Em novembro de 2011, na semana dos Mortos, a performance ressurge, a primeira

frase dita por Marcello "Esta é a cerimônia da morte", seria então um ritual de vida e morte,

começos e fins, a performance segue em dois dias de ritual, o primeiro na casa do México, em

seguida na casa do Brasil, isto encerra a passagem de Ritos em Paris, mas deixa marcas

fortíssimas no corpo da performance, os elementos permanecem em grande parte.

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Em 2012 a criadora da performance e o músico retornam ao Brasil, mais exatamente a

sua terra natal Belém do Pará, e neste ano Ritos é selecionado para fazer parte do grupo de

espetáculos que fizeram parte do projeto pauta mínima3, em que para cada espetáculo

selecionado, este seria apresentado no Teatro Cuíra4. E ai o Ritos vem pra cá, pra Belém

depois e já vira uma outra coisa, quando entra toda uma estrutura que em Paris eu não tinha,

uma iluminação pesquisada pra ele, entra o figurino que não tinha (CAMPOS, 2013), o lugar,

o retorno as raízes, a estrutura que surge faz a performance se moldar ao contexto da cidade,

elementos que apenas em Paris foram visto, foram modificados ou retirados, enquanto outros

tornaram-se mais visíveis e fortes do que antes eram. Novos colaboradores surgem, a

iluminadora, o figurinista, a cenógrafa. [...] é isso o trabalho ganha aqui um outro corpo, eu

começo a trabalhar o corpo de uma outra maneira também estando aqui, e entra com essas

pessoas [...] (CAMPOS, 2013). Estes elementos tornaram Ritos, algo diferente de Ritos uma

inspiração artaudiana. Parte da essência permanece, porém o novo surge, o corpo muda, a

energia agora é outra. Ritos se mostra em quatro dias de intensas atividades no teatro,

mostrando ao público sua bagagem, suas mitologias, sua cosmologia.

Após este retorno, a performance faz intervalos menores entre cada ressurgimento,

cada experimentação algo diferente. Em 2013 pisando no palco do teatro universitário

Claudio Barradas, que pertence a Escola de Teatro e Dança da UFPA, como espetáculo

convidado para o conjunto de apresentações do encontro de pesquisa em dança pessoal do

ator Patuanú, tem apenas uma noite de cena, todo o teatro tomado pelo publico enquanto o

ritual ocorria. Seguindo isto no mesmo ano, em Abril Ritos é selecionado ara fazer parte do

Festival de teatro do Maranhão, tendo uma apresentação no teatro Alcione Nazareth em São

Luís. Logo após ressurge no Rio de Janeiro em dois momentos uma versão menor feita na

Unirio e outra completa no morro Santa Marta, a performance segue e retorna a Belém para o

festival de verão, isso fecha as apresentações realizadas em 2013 Atualmente o ritual foi

realizado em São Paulo. Isto marca a trajetória da performance desde sua origem até os dias

atuais, que já somam sete anos de performance Ritos.

3 Financiado pelo Myrian Muniz, Funarte.

4 Teatro localizado no bairro da Campina, na cidade de Belém do Pará.

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Em Ritos a expressão do sagrado

Para o ritual começar, o preparo, os ensaios as restaurações5, o corpo é domado,

domesticado, a energia acumulada que todas as experiências vividas por este corpo são

depositadas em sua cena, em seu mundo além do mundo. No palco o corpo é o centro da

performance Ritos, este é observado pelo público, e em determinados momentos domado por

outro corpo, aquele que atravessa seu espaço, quebra seu circulo sagrado. [...] as imagens da

poesia no teatro são uma força espiritual que começa sua trajetória no sensível e dispensa a

realidade (ARTAUD, 1999 p. 18).

Quando Ritos ressurge em palcos, histórias são contadas, registradas no corpo, no

gesto e na fala daqueles que estão na cena, estas informações são recebidas pelos

espectadores, que tornam-se componentes do ritual, são os que fazem deste algo que sai do

campo individual e se legitima a partir do coletivo, reafirmando tudo que já foi dito por meio

dos mitos, das historias, da relação de vida e morte constantemente mostrada na cena. Mas o

que delimita o espaço entre os gestos feitos e as palavras ditas em Ritos? A relevância destes

em cena faz toda a diferença, seria impossível realizar esta performance sem a palavra sem os

gestos, pois estes evocam o sagrado contido em cada elemento, este sagrado concebido pela

performer, que molda suas vivências em seu espaço ritual. Segundo a idealizadora6 da

performance:

A idéia era o que, que passa entre um e o outro que eu possa trazer para esse meu

elemento que eu possa fazer O MEU SAGRADO E O MEU PROFANO, a minha

religião misturada com muitas coisas, e ai foi isso eu ponho elementos como o

circular, eu ponho o giro, a roda como elemento de manipulação, de ter água, tem

todos os elementos que são estudados no tarot, são os elementos básicos, ar, fogo,

água, terra que são também ligados aos signos, são ligados também aos planetas

(CAMPOS, 2013).

As experiências depositadas em Ritos estão diretamente ligadas ao(s) contexto(s)

religioso(s) por onde sua criadora e até mesmo seu parceiro em cena passaram, e o jogo

estabelecido entre estas experiências e os símbolos criados para compor o espaço ritual se da

pelo trânsito feito, espécies de saltos que levam o corpo da performer para vários momentos

que são contados e fortalecidos a cada experimentação da performance, são as restaurações

oriundas do gênero performance, comportamentos simbólicos realizados por quem faz seu

5 Movimentos restaurados, conceito utilizado por Schechner (2003) para explicar como os comportamentos

simbólicos são repetidos, são restaurados a cada rito cotidiano ou não. 6 Entrevista realizada em 28/02/2013.

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ritual pessoal. . O comportamento do ser humano religioso é o espelho de sua experiência do

sagrado (CROATTO, 2001, p. 57). Experiências estas quando compõe a cena de um

espetáculo performático, tem o poder de potencializar e propiciar desta forma a suspensão que

se faz a partir dos elementos estéticos, e a poética artística que no caso do objeto analisado é a

poética teatral, o espírito, a magia oriunda dos ritos teatrais. O rito portanto, carrega de

sacralidade, ou seja, de vitalidade renovada e de energia, o tempo, o espaço e a causalidade

empírica (BAZÁN, 2002, p. 51), o rito reafirma, é a ação última anunciada pelo mito,

elemento este também utilizado na cosmologia da performance Ritos, este evoca a sabedoria

de vida da cultura ameríndia, é transportada para o espaço da performer, que por meio da

palavra trás os mitos de origens indígenas para seu ritual. Para Bazán (2002):

O mito é o fundamento da palavra religiosa, o relato epifânico e tradicional. Como

narração que se apóia não no discurso racional, mas no relato que conta uma

experiência primordial e está aureolado pelo prestígio que conserva a sucessão dos

relatores qualificados, ilustra sobre a origem, sentido último e a realidade dos fatos

do mundo e da existência (BAZÁN, 2002, p. 55).

Este fator ontológico anunciado na performer é o elemento primeiro para provocar a

suspensão, que toca a matriz familiar e cultural da performer, este fator quando transportado

para o contexto artístico tem sua base atualizada, quem usa a palavra do mito é o ser ator, que

se faz um "relator qualificado" , este anuncia de que forma se faz sua visão de mundo, tem eu

sentido ontológico, trás o contexto primordial, de origem, que por meio do corpo-simbolo é

expresso, algo além da palavra, algo que toca o corpo. Segundo a idealizadora de Ritos:

Então a idéia era, mostrar isso, suspender essas pessoas nesse lugar, com outro,

ritualístico, mágico e que junto com a música e com aquela iluminação, que ela não

formato do espetáculo, mas que ela dá uma ambientação toda de cor te leva pra um

outro lugar né, ESPIRITUAL, que eu acho muito aquela iluminação da Patrícia

(iluminadora) o azul, o vermelho, te provocar estados, então é isso de a pessoa olhar

e de alguma maneira ser afetado por isso [...] (CAMPOS, 2013).

O corpo que se doa e se movimenta, trânsita entre seus símbolos, mergulha em suas

vivências, mostra o tarot, doa cachaça ao santo, brinca com as lendas indígenas, grita as dez

pragas da mitologia judaica, unindo isto em um espetáculo, que visa expor, mostrar ao

público as historias de vida de sua criadora, moldada pelo caráter performático da cena, é

nisto que o ator-mistico se põe em ação. Estes elementos estão ligados ao que a idealizadora

concebe como parte da base de seu ritual, o uso dos três fatores, mito, símbolo e rito, que

seguindo esta ordem proporcionam a composição deste corpo cênico extremamente poético

que é a performance Ritos. A obra de arte exprime concepção do mundo, nova e original

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(LOUREIRO, 1988, p. 15), o caminho escolhido pelo artista criador para expor seu mundo,

isto na realidade contemporânea liga este fator ao que a performance tem como base e aqui

evidencia-se exatamente isto, o fator da vida tornando-se linguagem, algo que se alimentou

em uma vanguarda, mas que transporta e atualiza a mesma, dando outro corpo, outro modo de

ser feita, e isto se renova a cada experimento deste ritual. [...] a primeira função da arte é

exatamente a que eu denominei como a primeira função da mitologia: transportar a mente

experimentadora além dos guardiões [...] (CAMPBELL, 2001, p. 164), a função de ir além e

moldar seu espaço de acordo com sua visão de mundo.

O corpo do ator-místico: teoria e ação

O místico cala, tem em suas experiências o ápice de sua força espiritual, algo

extremamente interno. A doação, por meio do desprendimento, ver e sentir aquilo que na

realidade cotidiana é silenciado. O ator com bases místicas, mergulha em si, e partindo disto,

externaliza com gesto, fala e também no silêncio, em seu rito pessoal. Aqueles que transitam

entre os mundos do visível e o que transcende a este. Os místicos são aqueles que conseguem

captar a dimensão de profundidade presente na vida e reconhecer o outro lado das coisas

(TEIXEIRA, 2004, p. 27). Vivências místicas seriam então aquilo que quebra com o que a

realidade cotidiana nos mostra, por meio dos aspectos culturais, sociais que reverberam nas

mais distintas práxis?

Talvez mudar o termo "quebrar", para algo que seja menos aniquilador, experiências

místicas consistem em romper, às fronteiras delimitadas pelas vivências cotidianas,

provocando assim um mergulho em um mundo de significados. Então sendo assim, ir além

destas fronteiras seria o propósito mais latente do ser místico, abandonar a visão míope que o

cotidiano não restaurado possui.

Todo e qualquer experiência de busca, de encontro com si, pode ser considerado algo

místico, mas é perceptível que no âmbito religioso esta busca, fica mais evidente, e se

distribui entre as mais distintas formas de experiências, que transitam entre os meios mais

tradicionais, a outros que podem ser considerados mais alternativos.

A mística se faz na prática, mesmo que seja algo tão interno que fique complicado

tornar mais objetivo ter de fato forma concreta, porém algumas linguagens podem tornar

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visível o que a mística faz. A arte? Sim, esta abarca uma teia de linguagens, formas e

subjetividades, que podem ser consideradas místicas, em alguns aspectos, pois o ser artista

quando produz algo, mergulha em si, para tornar real, concreto o que sente, se utilizando

assim de uma série de alegorias, signos, e símbolos.

Há sim distinções entre as experiências místicas religiosas e experiências místicas

com fundamentação artística, porém mesmo havendo estas distinções a busca, o mergulho

interno acaba produzindo algo, com dimensões espetaculares, existem em ambas. Toda

linguagem artística possui estrutura para dar forma a algo, mas aqui o foco será o teatro e seu

braço mais forte na contemporaneidade, a performance, justamente esta que parte do self do

performer para através das linguagens que a performance se utiliza, dar forma, e comunicar

algo, sendo que estes serão fortalecidos pelo teatro ritualístico e místico de Artaud7 aqui. Que

com a crueldade, a peste, visa transcender ao cotidiano teatral. O que de místico tem o teatro

performático?

Além das características que comumente já interligam arte e religião, é na mística que

ambas podem ser compreendidas da forma mais forte que é possível pensar, pois se trata de

algo que partira do âmbito subjetivo em ambos os contextos, e logo ganha forma, no mito, no

rito, no espetáculo, na performance, é este fator que na mística se faz presente. A magia

produzida por ambos se torna o cerne principal para potencializar o que ocorre no mergulho

interno que tanto o ator/performer, quando o homem da fé fazem. Segundo Teixeira (2004) o

místico é:

O místico é alguém familiarizado com a visão interior, que ultrapassa a consciência ordinária, ele vive a radicalidade da presença de algo absolutamente novo e gratuito;

vive uma experiência que toca a dimensão profunda e escondida da realidade

(TEIXEIRA, 2004, p. 27-28)

Esta dimensão profunda é a realidade interna que pertence apenas ao místico e/ou

performer/ator. Esta capacidade de a partir de si comunicar algo, fazer seu rito, que esta

presente no ser performer, seria então o que faz este, comunicar-se com o meio místico,

mesmo por que assim como o místico o ser artista precisa ver além das coisas, do cotidiano,

para então criar algo, que só quem realmente conhece e sabe dos objetivos daquela prática é o

7 Teatrólogo frances, nascido em Marselha (1896-1940) que ao longo de sua vida produziu uma serie de ensaios,

que dão forma ao seu teatro da crueldade, o novo teatro ou forma de fazer teatral que visa retornar o teatro a sua

verdadeira essência.

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próprio performer, assim como o místico, quando este tem seus mergulhos internos. Esta

comunicação entre teatro e mística, se faz no teatro ritualístico de Artaud (1999), que

compreende a energia e poder do teatro da seguinte forma:

O teatro, como a peste, é uma crise que se resolve pela morte ou pela cura. E a peste

é um mal superior porque é uma crise completa após a qual resta apenas a morte ou

a extrema purificação. Também o teatro é um mal porque é o equilíbrio supremo que

não se adquire sem destruição. Ele convida o espírito a um delírio que exalta suas

energias (...) (ARTAUD, 1999, p. 25).

No teatro ocorre a morte e o ressurgimento, partindo da renovação, do gesto, da fala,

do espírito poético, que para Artaud (1999), é força de suma importância para que o teatro

toque o público, ele anúncia seu novo teatro, como algo arrebatador, que tomará conta, que

causará algo internamente nos espectadores. Esta mudança mesmo que não venha à tona, se

faz. Assim como a peste8 toma conta de um corpo, e este tem dois destinos, se cura e retorna

renovado ou morre no caos, na desordem que a mesma causa. Estes caos, desordem, se

mostram no teatro, este caráter anárquico, que visa mudança, se mostra, pelo espaço e corpo

do ator, que comanda e dialoga com o público ao redor, procura tornar mais ativo, aqueles que

geralmente são passivos, e apenas fazem número, este teatro que invade, é o mesmo que

transcende as bases clássicas e duras do fazer teatral, por isto o caráter anárquico deste.

Este teatro Artaudiano, proporciona o mergulho do ator, e resgate da linguagem por

meio das experiências vividas pelo mesmo, sendo que, estas não se tornam simples elementos

que fazem apenas numero no espaço do rito, mas estes símbolos são efeitos da renovação, do

renascimento que ocorre neste espaço, o desprendimento que visa a criação de algo novo,

estes que podem ser consideradas bases para a experiência mística, este novo que se anuncia

por meio da ação. Nesse fundo está em jogo a disposição de uma liberdade que não é nem só

negativa, nem apenas positiva, mas que é sempre em travessia (SOUZA, 2004, p. 114).

Quando a mística surge em meio cênico, é porque o ser criador do ato, mergulhou em suas

vivências religiosas e as expôs, sob forma de espetáculo/performance, logo a mística do ator

esta presente no momento em que se põe em contato com sua identidade religiosa. Fator este,

que trará ao espaço cênico, suas experiências, porém estas moldadas pela plasticidade do ato,

e cercada por seus símbolos. Enquadrar o ator que se faz místico, a partir de sua criação que é

8 A peste tão citada por Artaud em seus escritos sobre teatro, é a peste bubônica que assolou parte da Europa,

causando grande perca populacional.

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exposta para o público, é fazer algo totalmente interno ganhar forma, e assim tornar esta

atmosfera mística mais próxima a todos que partilham deste momento.

Se por em um palco, entrar em um processo de potencialização a partir do corpo, da

palavra, dos símbolos que circundam a cena, é este o território que o ator-místico cria,

delimita, para que se ritual seja realizado, porém ator-místico está munido também, de outras

ferramentas, ele se firma em suas vivências, seu mundo interno, cria seus símbolos, e a partir

disto expõe um mosaico de informações para os espectadores. Entretanto os significados só

podem ser "armazenados" através de símbolos (GEERTZ, 1989, p. 144). Simbologia esta,

carregada de significado para aquele que se mostra no espaço e no tempo do seu rito. Sendo o

símbolo este deposito de significados próprios do ator-místico, é nisto, no jogo feito por meio

da manipulação destes, juntamente com os mitos e o corpo/símbolo, que faz com que a

performance Ritos, ganhe a atmosfera ritualística visual.

É no tempo e nesta outra realidade que o trânsito constante entre os inúmeros

momentos representados que no palco se fazem ver, a não linearidade das ações, mas uma

espécie de espiral, onde o ritual pessoal se inicia em um ponto e se expande com o decorrer

das cenas, dos saltos feitos. Digo que a cena é um lugar físico e concreto que pede para ser

preenchido e que se faça com que ela fale sua linguagem (ARTAUD, 1999, p. 29). É a cena

que toma posse dos elementos, pois o espaço do palco, se faz outro quando esta ocorre. A

cena em Ritos tem sua base na cosmologia criada pela performer, com o auxílio da música

manipulada por aquele que fora do circulo esta, mas que em certos momentos comanda com

seus sons, da o ritmo com o toque de seu curimbó.

O molde de Ritos se faz por meio da visão de mundo de sua criadora, que quando

deposita suas experiências em cena, se mostra, porém sempre circundada por todas as

dimensões espetaculares do rito. O impulso de retirar um sentido da experiência, de dar-lhe

forma e ordem, é evidentemente tão real e tão premente como as necessidades biológicas mais

familiares (GEERTZ, 1989, p. 158).

O caráter místico de Ritos se mostra a partir do mergulho feito antes e durante a cena,

e que acaba por proporcionar a exposição das experiências religiosas o ator-mistico que se faz

no palco, aquele que grita suas vivências, e utiliza a potência teatral de Artaud (crueldade,

peste) para manter isso. Fazer o Ritos me levou para um lugar de encanto, de magia através

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dos mitos, pela beleza e simplicidade, pureza da mitologia indígena, tão mística e sabia, pelo

lúdico deles fui arrebatada (CAMPOS, 2013). O ator-mistico se torna místico apos repousar

em si, em suas experiências em seu(s) contexto(s) religioso(s) para então ligar estas vivências

místicas, e moldá-las a sua visão de mundo, para depositar isto em seu espaço, e tornando este

plural, por depositar tantas informações, por conta de sua teia de vivências, em Ritos isto se

mostra de forma forte, pois o trânsito entre cada momento vivido pela criadora, os símbolos

que ela cria, os mitos que conheceu por meio de sua caminhada são o que mantém parte do

teor místico da performance, porém o símbolo chave disto, é o corpo da mesma, pois é por

meio dele que os outros símbolos estão interligados e relacionados. Geertz (1989) diz:

Tais símbolos religiosos, dramatizados em rituais e retratados em mitos, parecem

resumir, de alguma maneira, pelo menos para aqueles que vibram com eles, tudo o

que se conhece sobre a forma como é o mundo, a qualidade de vida emocional que

ele suporta, e a maneira como deve comportar-se quem esta nele (GEERTZ, 1989, p.

144)

O símbolo é o principal responsável por receber as significações que demonstram

como aquele indivíduo ou grupo percebem e compreendem o mundo em que vivem. Em

Ritos, o símbolo tem esta capacidade, são estes que circundam e anunciam parte do ritual,

pois por meio deles é possível perceber o caráter plural da performance, Geertz (1989) por

meio de suas afirmações sobre símbolo, e a influência deste no contexto religioso,deixa claro

que a teia simbólica que cerca o homem e os mundos de cada individuo, é o que faz com que

seja possível mergulhar o contexto de criação de Ritos neste mundo simbólico e então

perceber como isto ocorre nesta performance. Em entrevista9 Michele Campos, idealizadora

de Ritos diz que:

E através da simbologia compartilhada o público se identifique com aquele

sentimento que vou experimentando ao girar, cair, ao perder o controle, pular, no improviso, no inesperado, no grito, ele se surpreenda junto comigo, até uma

pulsação única, um encantamento coletivo, este sentido de ser cruel que busco, de

sacudir o pensamento com uma narrativa fragmentada, que me faz compreender

vários caminhos diferentes, várias leituras para uma mesma ação, para um único

sopro (CAMPOS, 2013)

Este mecanismo de comunicação entre os dois meios contidos no rito do ator-mistico,

é o que potencializa a troca de informações entre ator e espectador, sendo que esta troca se da

na quebra da passividade, que nem sempre se faz visível, porém existe, e como uso da

linguagem cênica performance torna-se mais evidente, pois o espectador participa do rito, da

9 Entrevista realizada em 28/02/2013.

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feita que o ator-mistico o convida a partilhar da cena. Em Ritos, isto ocorre em dois

momentos mais fortemente, a cena do tarot10

e a cena da pintura corporal11

.

O seguinte esquema demonstra como a mística teatral de Artaud funciona, para o

contexto da performance Ritos, possibilitando assim melhor visualização de como ocorre

processo ritual do ator-mistico:

Rito Teatral (bases em Artaud)

Experiência

Crueldade (mergulho)

Nova Realidade

Vida

Renascimento

Ritos

Cotidiano

Potencialização

Extra-cotidiano

(místico)

Em três momentos este processo foi dividido, para cada um destes a transformação, o

mergulho ocorre para então criar um produto, algo com características místicas, na qual se

firma o território do ator-mistico, possibilitando assim a ação ritual. 1) Vida

10

Neste momento a performer, sai de seu espaço central,o circulo menor, se dirige ao lado direito do palco, se

aproxima de um espectador, e o convida para ter sua vida vista por meio da leitura das cartas do tarot de

Marselha. O convite é aceito, ambos se dirigem até o centro do palco, e outro rito se inicia. A performer expõe

seu tarot ao respectivo espectador, acender uma vela, e mantém o contato visual fixo com este que agora esta a

sua frente. As cartas são escolhidas, a leitura é feito. E todos ao redor parecem curiosos, porém cada palavra dita

só é compreendida por aquele que está no circulo menor junto a esta que lê sua vida por meio das cartas, o

passado, presente e o futuro, por meio do simbolismo presente em seu tarot. O máximo que se pode ouvir são

sussurros baixos, que não se fazem entender de tão baixos que são. O mistério é o que toma conta deste

momento. a iluminação muda, os sons emitidos pelo músico que de fora do circulo maior mantém a atmosfera

ritualística da performance com suas músicas. 11 Após a leitura do tarot, o rito termina. A pessoa escolhida se retira do circulo menor. A performer então guarda

o seu tarot, apaga a vela, e tira seu vestido de retalhos, enquanto ela dobra o vestido e o deposita próximo aos

outros elementos, o músico se aproxima, rompe o circulo de guias coloridas, e com uma parte das guias ele toca

a costa da performer que então pega esta sequência de guias vermelhas e com passos duros, que quando tocam o

chão emitem um forte som, esta segue para um pequeno elevado no palco e lá como um fantoche preso as guias,

fica em diversas posições. O músico novamente se aproxima, desta vez com uma paleta de tintas em uma das

mãos e na outra um pincel, este pinta algo no corpo que se faz em movimentos e após isto sede a paleta e o

pincel a algum espectador que esta sentado próximo ao local, e entre idas e vindas de vários espectadores o

corpo da performer esta coberto por linhas, círculos, espirais, aquilo que cada um sentiu vontade de fazer.

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(experiência/cotidiano): é o momento que antecede a toda a criação. Onde todas as vivências

religiosas e seculares estão depositadas, por meio desta. A visão de mundo do ator-mistico se

faz. E este como artista, ou seja, aquele que cria a partir do que acumula em sua vida, utiliza o

que acha mais necessário, e aos poucos deposita isto em suas criações, por meio de memórias,

objetos, imagens, músicas, até o silencio. No contexto da performance Ritos, isto se deu a

partir de inúmeros momentos, a descoberta dos escritos de Artaud, a ida a Paris que resultou a

inúmeras visitas ao lugar onde o tarólogo Alejandro Jodorowsky sorteara 22 pessoas todas as

quartas-feiras para terem suas vidas interpretadas no tarot, sendo que em uma destas quartas,

um dia após seu aniversário, o parceiro d Michele Campos, o músico/sonoplasta Marcelo

Gabbay é sorteado, a convivência com os Tembés que proporcionou grande aprendizado

(mitologia, dialetos, costumes etc.), as experiências ligadas a idas a terreiros, observações a

rituais de santo-daime, proximidade com práticas judaicas e inúmeras outras experiências, que

em Ritos foram depositadas e entrelaçadas, dando a impressão que para cada momento

ocorrem saltos, por conta disto a não linearidade entre cada ação. 2) Renascimento

(crueldade/potencialização): este é o momento da preparação física, ordenamento das

sequência de elementos que iram para o rito da idealizadora da atriz. Este mergulho realizado

em suas memórias, o retorno as suas matrizes culturais. A crueldade é o que potencializa estas

ações, trás a estes elementos mais organicidade, proporciona o rompimento com as fronteiras

entre a performer e o público. Por meio disto a torna-se mais ritualística, produzindo ações

que provocam a suspensão de quem realiza a ação para uma nova realidade, ou seja, o

momento que mostra seu mundo de histórias, símbolos, movimentos para os que estão

observando-a. A crueldade artaudiana é o mecanismo que ativa e potencializa o mergulho da

performer em suas vivencias, e possibilidade a sua exposição. 3) Ritos (Nova realidade/

Extra-cotidiano): após as etapas de maturação em que corpo e elementos simbólicos são

ligados, é o momento em que a ação ritual ocorre. Quando o espaço de Ritos está feito e o

público é convidado para partilhar deste momento. Os inúmeros ritos são ligados uns aos

outros, e a performance é feita. O extra-cotidiano se mostra, a partir do momento em que este

mundo de símbolos é feito, esta nova realidade. Que se utiliza da linguagem cênica para

proporcionar este momento de quase suspensão.

A criação do ator-místico se dá por esta serie de etapas, que logo acarretam no ato

representativo. Sobre isto a criadora de Ritos, diz que:

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Então como agora eu trabalho muito agora com a linguagem da performance, tudo o

que eu penso, inclusive novos projetos que eu penso, tudo tem muito haver com a

minha relação com as coisas que vem acontecendo, as coisas que eu tenho conhecido, com a historia dos terreiros que eu tenho ido, então isso pulsa. É a minha

vida, é o meu cotidiano, as coisas que eu faço (CAMPOS, 2013)

O ator-místico se apodera de sua própria história, antes armazenada apenas em sua

memória, mas que quando maturada, e articulada com os outros elementos, como as

expressões artísticas que estão presentes na performance se expande, ganha corpo. São

sempre histórias e vivências, expostas em um momento alheio a rotina da própria criadora e

também dos espectadores. Se por assim em Ritos, é o que faz nascer o ator-místico. Que se

faz místico, a partir de si de suas vivências com os diversos meios religiosos pelo qual passou

se por em cena, criar seu mundo de símbolos, criando assim sua cosmologia própria, este teor

inédito, algo que mesmo se for feita uma mimese, não será igual, pois Ritos, se faz por meio

do corpo e da vida daquela que tanto se expõe nele.

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Considerações Finais

Encontrar em um objeto de estudos elementos oriundos de tantos lugares e tempos

distintos é algo que provoca certa ebulição de idéias e formas de análise, para isto a presente

pesquisa tem sua continuidade, pois esta ainda carece de um mergulho mais profundo em sua

dimensão cosmológica. Unir vida e linguagem, expor suas vivências, algo que quando

utilizado em um rito sendo este religioso ou não, sempre causa sensações e uma serie de

interpretações, logo conseguir depositar isto em um ato representativo é um trabalho árduo,

pensado e bem elaborado, exatamente o que ocorre com a performance Ritos, esta que a anos

vem se remodelando, trocando informações com cada público que a recebe. Ritos pode

possuir este potencial numinoso, mesmo que o objetivo deste não seja a religião ou alcançar o

totalmente outro, mas esta numinosidade é simplesmente ressignificada, torna-se algo com

caráter contemplativo, que aciona o mergulho interno de quem realiza o rito e quem o recebe.

As bases ritualísticas da performance são oriundas de práticas sociais já existentes em nosso

meio há anos, só que estas são transportadas e potencializadas em meio cênico, como uma

espécie de restauração do gesto, do movimento, do falar, do ser, tudo isto por meio do ato de

fazer, da ação representativa. Performance é a ritualidade do meio cotidiano, que quando

organizado, maturado através das práticas, torna-se extra-cotidiano, a exemplo disto temos

dois pontos, rituais religiosos, que tem suas práticas realizadas em períodos distintos, e o rito

teatral que por meio dos ensaios, são reproduzidos e articulados pelos atores-performers. O

ser social vive e se transforma de acordo com que vai produzindo seus símbolos, pois é por

meio destes que ele se identifica, em larga proporção, um indivíduo, um grupo, uma nação.

Para todos estes os símbolos estarão sempre perto, dando o caminho ou explicando o mesmo.

É justamente nesse mundo de símbolos, que Ritos foi criado, e fez seus códigos, deu

seus primeiros passos, por meio as vivências de sua criadora, que quando no palco, fala, gira,

se mantém em um bailado constante, se tornando um corpo-simbolo ligado aos outros que

estão distribuídos pela extensão de seu território. É por conta disto que neste mundo, surge o

ator-mistico, este que se faz símbolos, que mergulha em si e mostra suas vivencias religiosas

para os espectadores.

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Por meio desta performance é possível perceber o caráter plural do fenômeno religioso

e que os indivíduos estão cercado por inúmeras linguagens que podem ser interpretadas das

mais diversas formas, o rito, o mito, o performático, o lúdico, o estético, todos estes

elementos fazendo parte de um único lugar, o espaço de um ritual múltiplo, que se faz por

meio do corpo-símbolo, do ator-místico, que por meio de expressões artísticas, mostra o

fenômeno religioso, de uma forma menos convencional, que na caixa teatral se faz.

Referências

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ARTAUD, Antonin. O teatro e seu duplo. Martins Fontes. São Paulo, 1999.

BAZÁN, Francisco García. "A religião e o sagrado". In: Aspectos incomuns do sagrado.

São Paulo: Paulus, 2002.

CROATTO, José Severino. "A experiência religiosa: descrição e implicações". In: As

linguagens da experiência religiosa: uma introdução à fenomenologia da religião. São

Paulo: Paulinas, 2001.

CAMPBELL, Joseph. "Temas mitológicos na arte e na literatura criativa". In: CAMPBELL,

Joseph. (Org). Mitos, Sonhos e Religião. Nas artes, na filosofia e na vida contemporânea.

Tradução de Angela Lobo de Andrade e Bali Lobo de Andrade. Rio de Janeiro: Ediouro,

2001.

GEERTZ, Clifford. . A interpretação das culturas. Rio de Janeiro. Editora da Guanabara.

1989.

LOUREIRO, José de Jesus Paes. "Compreensão histórica da Arte". In: Elementos de

Estética. 3 ed. Belém: EDUFPA, 2002.

SOUZA, Adriana Andrade de. O exterior mais que interior que o mais íntimo: Echkart e a

excelência de Marta. In: TEIXEIRA, Faustino (org). Caminhos da mística. São Paulo:

Paulinas, 2012.

TEIXEIRA, Faustino. "O desafio da mística comparada". In. No limiar do mistério: mítica e

religião / Faustino Teixeira (org.) - São Paulo: Paulinas, 2004.

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Título do pôster: “O Grupo de Estudos Religiões de Matriz Africana na Amazônia

(GERMAA) e a aplicação da lei 10.639/2003 nas ciências da religião e no ensino religioso”.

Orientadora: Prof. Dra Taissa Tavernard de Luca

Autora: Taissa Tavernard de Luca

Coautores: Anaíza Vergolino

Wanderlan Gonçalves do Amaral

RESUMO

O Grupo de Estudos Religiões de Matriz Africana na Amazônia – GERMAA surge em 2011

com o objetivo de integrar o ensino, pesquisa e extensão na área das Ciências da Religião

dentro do contexto regional, nacional e internacional. Através de atividades sistemáticas são

desenvolvidos estudos e trabalhos que integram a academia e os afro religiosos estabelecendo

um dialogo altero que visa produzir conhecimento e combater a intolerância religiosa,

fomentando uma convivência respeitosa entre as diversas tradições religiosas presentes nas

sociedades. Possibilita aos professores do Ensino Religioso um aporte teórico e pedagógico

no estudo das religiões de matriz africana através da produção e elaboração de subsídios para

discutir intolerância religiosa em sala de aula e dinâmicas sócio educativas para a prática

pedagógica destes professores. Com os projetos de extensão “Cine Africanidade”, “O Cine

vai à escola” e o “Dialogo entre religiões”, expõe documentários e curtas/média metragem

sobre o universo afro brasileiro, além de trabalhos de pesquisadores que estudam o fenômeno

religioso. O GERMAA também promove o dialogo inter religioso através de parcerias com o

Comitê Inter Religioso do Estado do Pará, Federação Espírita e Umbandistas dos Cultos Afro

Brasileiros do Estado do Pará – FEUCABEP, e Associações de Terreiros, assessorando e

dando apoio a eventos de combate a intolerância religiosa e promoção social das religiões de

matriz africana.