Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    1/22/2016 Isto é o que acontece depois de morrermos - Observador  

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    Isto é o que acontece depois de morrermos

    17 Janeiro 2016   740 partilhas

    ESPECIAIS

     A maioria prefere não pensar no que acontece aos nossoscorpos depois da morte. Mas a decomposição dá à luz uma

    MosaicScience

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    nova vida de forma inesperada, escreve Moheb Costandi.

    “Talvez seja precisa alguma força para partir isto”, diz a agente funerária

    Holly Williams, enquanto levanta o braço de John e levemente lhe

    dobra os dedos, o cotovelo e o pulso. “Geralmente, quanto mais frescoestiver um corpo, mais fácil é para mim poder trabalhá-lo.”

     Williams fala suavemente e tem uma atitude despreocupada, que reflete

    a natureza do seu trabalho. Tendo crescido e estando agora a trabalhar

    na casa funerária da sua família no norte do Texas, ela já viu e lidou com

    corpos quase diariamente, desde a sua infância. Agora aos 28 anos,

    estima já ter trabalhado com cerca de mil corpos.

    O seu trabalho envolve recolher os corpos de pessoas que tenham

    falecido recentemente na zona de Dallas e Fort Worth e prepará-los

    para o funeral.

    Longe de estar “morto”, um corpo em

    decomposição está repleto de vida. Um número

    crescente de cientistas olha para um corpo em

    decomposição como a pedra angular de um vasto

    e complexo ecossistema.

    Autodigestão1

    Putrefação2

    Colonização3Purga4

    Enterro5

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    “A maior parte das pessoas que vamos buscar morrem em lares de

    idosos — explica Williams — mas às vezes temos de recolher pessoas

    que foram baleadas ou que morreram num acidente de carro. Podemos

    receber uma chamada para ir buscar alguém que tenha morrido sozinho

    e que só foi encontrado passados dias ou semanas e os seus corpos jáestão em decomposição, o que torna o meu trabalho muito mais difícil.”

    John tinha morrido há cerca de quatro horas, antes de o seu corpo ser

    trazido para a casa funerária. Em grande medida, tinha tido uma vida

    relativamente saudável. Trabalhou desde sempre nos campos

    petrolíferos do Texas, uma profissão que o mantinha fisicamente ativo e

    em forma. Tinha parado de fumar há décadas e bebia álcool de forma

    moderada. Foi então que, numa manhã fria de janeiro, John teve um

    enfarte agudo em sua casa (causado, aparentemente, por outras

    complicações médicas desconhecidas), caiu no chão e morreu quase

    instantaneamente. Tinha apenas 57 anos.

     Agora, o John estava deitado na mesa de metal de Williams, o seu corpo

    envolvido num lençol branco, frio e hirto ao toque, a sua pele de um

    cinza-arroxeado – sinais que indicavam que os estágios iniciais da

    decomposição já tinham começado.

    Autodigestão

    Longe de estar “morto”, um corpo em decomposição está repleto de vida. Um número crescente de cientistas olha para um corpo em

    decomposição como a pedra angular de um vasto e complexo

    ecossistema, que surge pouco depois da morte, que prospera e evolui à

    medida que a decomposição se desenrola.

     A decomposição começa alguns minutos após a morte, com um processo

    designado autólise ou autodigestão. Pouco tempo depois de o coraçãodeixar de bater, as células ficam privadas de oxigénio e a sua acidez

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    aumenta à medida que os subprodutos tóxicos das reações químicas se

    acumulam no seu interior. As enzimas começam por digerir as

    membranas das células e abandonam o espaço intracelular, enquanto se

    dá a sua destruição. Este processo começa geralmente no fígado, que é

    rico em enzimas, e no cérebro, devido ao seu elevado teor de água.Contudo, todos os outros tecidos e órgãos acabam por deteriorar-se

    desta forma. Com a ajuda da gravidade, os vasos sanguíneos começam a

    derramar células danificadas, fixando-se nos capilares e nas veias mais

    pequenas, o que provoca a descoloração da pele.

    A maior parte dos órgãos são desprovidos de

    micróbios quando estão vivos. Contudo, pouco

    tempo depois da morte, o sistema imunitário

    deixa de funcionar, deixando-os proliferar

    livremente pelo corpo.

     A temperatura corporal também começa a descer, até se aclimatizar ao

    meio ambiente. Depois, instala-se o rigor mortis — “a rigidez da morte”

    — começando nas pálpebras, no queixo e nos músculos do pescoço,

    antes de avançar para o tronco e os membros. Em vida, as células dos

    músculos contraem e relaxam devido à ação de duas proteínas

    filamentosas (a actina e a miosina), que deslizam uma ao longo da

    outra. Depois da morte, esgota-se a fonte de energia das células e os

    filamentos proteicos são bloqueados. Isto faz os músculos ficarem

    rígidos e prende as articulações.

    Nestes estágios iniciais, o ecossistema cadavérico consiste,

    maioritariamente, nas bactérias que vivem dentro e à superfície do

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    corpo humano. Os nossos corpos albergam um grande número de

     bactérias; cada superfície e cada canto do corpo proporcionam um

    habitat para uma comunidade microbiana especializada. De todas essas

    comunidades, a maior reside nos intestinos, que servem de morada a

     biliões de bactérias de centenas, ou talvez milhares, de espéciesdiferentes.

    O microbioma intestinal é um dos temas mais populares da biologia;

    desempenha várias funções na saúde humana e está relacionado com

    um grande conjunto de doenças e complicações médicas, desde o

    autismo e a depressão, até à síndrome do intestino irritável e à

    obesidade. Mas continuamos a saber pouco acerca destes passageiros

    microbianos. Sabemos ainda menos sobre o que lhes acontece quando

    morremos.

    Os investigadores conseguiram estimar o

    momento da morte, com uma margem de erro de

    três dias, a partir de cadáveres em decomposição

    há quase dois meses.

    Em agosto de 2014, a cientista forense Gulnaz Javan da Universidade doEstado do Alabama, em Montgomery, juntamente com os seus colegas,

    publicou o primeiro estudo sobre aquilo a que chamaram o

    tanatomicrobioma (do grego, thánatos, que significa “morte”).

    “Muitas das amostras vêm de casos criminais”, diz Javan. “Quando

    alguém se suicida, ou é assassinado, ou morre de uma overdose ou de

    um acidente rodoviário, eu colho amostras de tecidos dos corpos. Háproblemas éticos, porque precisamos de consentimento.”

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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     A maior parte dos órgãos são desprovidos de micróbios quando estão

     vivos. Contudo, pouco tempo depois da morte, o sistema imunitário

    deixa de funcionar, deixando-os proliferar livremente pelo corpo.

    Habitualmente, isto começa nos intestinos, no nó que se situa entre o

    intestino grosso e o delgado. Se nada for feito em contrário, as bactériascomeçam a digerir os intestinos — e depois os tecidos circundantes — de

    dentro para fora, usando como fonte de alimento o cocktail químico que

    as células danificadas deixam escapar. A seguir invadem os vasos

    capilares do sistema digestivo e os gânglios linfáticos, espalhando-se

    primeiro para o fígado e baço e depois para o coração e para o cérebro.

    Javan e a sua equipa recolheram amostras de fígado, baço, cérebro,

    coração e sangue de 11 cadáveres, entre 20 e 240 horas após a morte.

    Usaram duas tecnologias de ponta diferentes de sequenciação de ADN

    que, com recurso à bioinformática, lhes permitiram analisar e comparar

    o conteúdo bacteriológico de cada amostra.

     As amostras recolhidas de órgãos diferentes do mesmo cadáver eram

    muito semelhantes entre elas, mas muito diferentes daquelas que foramtiradas dos mesmos órgãos mas de corpos diferentes. Isto pode dever-

    http://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2015/12/460247694_1280x720_acf_cropped.jpg

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    se, em parte, a diferenças na composição do microbioma de cada

    cadáver, ou pode ser causado por diferenças no tempo que passou, em

    cada caso, desde a morte. Um estudo anterior sobre ratos em

    decomposição mostrou que, embora o microbioma mude drasticamente

    depois da morte, essa mudança acontece de forma consistente emensurável. Os investigadores conseguiram estimar o momento da

    morte, com uma margem de erro de três dias, a partir de cadáveres em

    decomposição há quase dois meses.

    O estudo de Javan sugere que este “relógio microbial” poderá também

    existir no corpo humano em decomposição. A cientista mostrou que as

     bactérias chegavam ao fígado cerca de 20 horas depois da morte e que

    demoravam, pelo menos, mais 58 a espalharem-se por todos os órgãos

    dos quais foram recolhidas amostras. Ou seja, depois de morrermos, as

     bactérias podem espalhar-se pelo nosso corpo de forma sistemática e o

    tempo que as leva a infiltrar-se primeiro num órgão interno e depois

    noutro, pode fornecer uma nova forma de estimar a quantidade de

    tempo que decorreu desde o momento da morte.

    “O nível de decomposição varia, não só de indivíduo para indivíduo,

    mas difere também nos vários órgãos do corpo”, diz Javan. “O baço, os

    intestinos, o estômago e o útero grávido decompõem-se rapidamente,

    mas por outro lado, os rins, o coração e os ossos sofrem um processo

    mais lento.” Em 2014, Javan e os seus colegas asseguraram uma bolsa

    de 200 mil dólares (cerca de 180 mil euros), da Fundação Norte

     Americana para a Ciência, para continuarem a sua investigação. “Vamos

    fazer sequenciações e usar a bioinformática de última geração para ver

    qual o melhor órgão para estimar [o momento da morte] – isso ainda

    não é claro”, diz ela.

    No entanto, uma coisa que parece ser clara é que uma composição

     bacteriana diferente está associada a estágios diferentes de

    decomposição.

     

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    Putrefação

    Entre os pinheiros de Hutnsville, no Texas, encontram-se dispersosmeia dúzia de cadáveres humanos em vários estados de decomposição.

    Os dois corpos mais recentemente colocados têm os braços e as pernas

    esticados em forma de “X”, perto do centro do recinto, com muita da

    sua pele solta de tons cinzento e azul ainda intacta, conseguindo ver-se

    as caixas torácicas e os ossos pélvicos, entre a carne em lenta

    putrefação. A alguns metros de distância, está outro corpo

    completamente em esqueleto, com a sua pele preta e dura pegada aosossos, como se estivesse a usar um fato brilhante de látex com um

     barrete. Mais além, passando por outros restos esqueléticos remexidos

    por predadores, encontra-se um terceiro corpo dentro de uma jaula feita

    de madeira e arame. Está quase no fim do ciclo de morte, parcialmente

    mumificado. Vários cogumelos grandes e castanhos crescem no que fora

    outrora um abdómen.

    Para a maioria, ver um corpo putrefacto é, no mínimo, desconcertante e,

    no pior cenário, repugnante e assustador, o tipo de coisa que provoca

    pesadelos. Mas isto é o dia-a-dia para aqueles que trabalham no

    Instituto de Ciência Forense Aplicada do Texas. Inaugurado em 2009, o

    instituto localiza-se numa área de 100 hectares do Parque Nacional da

    Universidade Estatal de Sam Houston (SHSU). Dentro dessa zona há

    um terreno de 3,5 hectares densamente arborizado, que foi selado de

    uma área maior e subdividido, com cercas verdes de arame de 3 metros

    de altura com acabamentos em arame farpado.

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    No final de 2011, os investigadores do SHSU Aaron Lynne e Sibyl

    Bucheli e os seus colegas colocaram no terreno dois cadáveres frescos e

    deixaram-nos a decompor-se em condições naturais.

     A putrefação começa com o início da autodigestão e a saída das

     bactérias do tubo gastrointestinal. Isto corresponde à morte molecular –

    a transformação mais acentuada dos tecidos moles em gases, líquidos e

    sais. Já tinha começado nos estágios iniciais de decomposição, mas

    torna-se realmente marcada quando as bactérias anaeróbicas entram no

    processo.

     A putrefação está associada a uma viragem acentuada das espécies bacterianas aeróbicas, que necessitam de oxigénio para crescerem, para

    as anaeróbicas, que não requerem oxigénio. Estas últimas alimentam-se

    dos tecidos corporais, fermentando os açúcares que neles se encontram

    para produzir subprodutos gasosos como o metano, o sulfureto de

    hidrogénio e o amoníaco, que se vão acumulando dentro do corpo,

    insuflando (ou “inchando”) o abdómen e, por vezes, outras partes.

    Isto provoca ainda mais descoloração do corpo. À medida que as células

    http://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2015/12/169196792_1280x720_acf_cropped.jpg

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    sanguíneas continuam a sair dos vasos desintegrados, as bactérias

    anaeróbicas convertem as moléculas de hemoglobina, que

    transportavam oxigénio pelo corpo, em sulfemoglobina. A presença

    desta molécula no sangue estanque confere à pele o aspeto marmoreado

    com tons verdes e pretos, característico de um corpo sujeito adecomposição ativa.

    O inchaço é frequentemente usado como um

    marcador da transição entre os estágios iniciais e

    posteriores da decomposição, sendo que um

    estudo recente revela que esta transição é

    caracterizada por uma viragem distinta na

    composição bacteriana do cadáver.

     A pressão crescente dos gases que se vão acumulando dentro do corpo

    provoca o aparecimento de bolhas ao longo de toda a superfície da pele.

     A seguir a isto, as longas camadas de pele tornam-se mais flexíveis e

    começam a “deslizar” ao longo do corpo, que quase não consegue

    prendê-las à sua estrutura subjacente. Eventualmente, os gases e os

    tecidos liquefeitos abandonam o corpo, geralmente através do ânus,outros orifícios e, muitas vezes, partes do corpo onde a pele tenha sido

    rasgada. Às vezes, a pressão é tão grande que o abdómen explode.

    O inchaço é frequentemente usado como um marcador da transição

    entre os estágios iniciais e posteriores da decomposição, sendo que um

    estudo recente revela que esta transição é caracterizada por uma

     viragem distinta na composição bacteriana do cadáver.

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    Bucheli e Lynne recolheram amostras bacterianas de várias partes dos

    corpos no início e no fim da fase de inchaço. Depois, extraíram ADN

     bacteriano das amostras e sequenciaram-no.

    Enquanto entomologista, Bucheli interessa-se principalmente pelosinsetos que colonizam os cadáveres. Ela olha para um cadáver como um

    habitat especializado de várias espécies de insetos necrófagos, alguns

    dos quais completam o seu ciclo de vida inteiro dentro, fora ou à volta

    de um corpo em decomposição.

     Voltar ao índice

    Colonização

    Quando um corpo em decomposição começa a libertar os gases e tecidos

    liquefeitos presos no seu interior, passa a estar totalmente exposto ao

    meio que o rodeia. Nesta fase, o ecossistema cadavérico torna-se

    realmente independente: um centro de atividade para micróbios,

    insetos e necrófagos.

    Duas espécies intimamente ligadas à decomposição são a mosca

     varejeira e a mosca da carne (e as suas larvas). Os cadáveres libertam

    um odor nauseabundo, de uma doçura enjoativa, provocado por um

    cocktail de compostos voláteis que se vai alterando com o avanço da

    decomposição. As moscas varejeiras detetam esse cheiro, usando

    recetores especializados nas suas antenas; depois, pousam no cadáver edepositam os seus ovos nos orifícios e nas feridas abertas.

    Cada mosca deposita cerca de 250 ovos que eclodem dentro de 24

    horas, dando origem a pequenas larvas de primeira fase. Estas

    alimentam-se da carne putrefacta, transformando-se em larvas maiores,

    que se alimentam por mais algumas horas, antes de se

    metamorfosearem de novo. Depois de se terem alimentado durante

    mais algum tempo, estas larvas maiores, e agora mais gordas, afastam-

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    se do corpo. Aí, passam a pupas e transformam-se em moscas adultas,

    repetindo o ciclo até não sobrar nada para se alimentarem.

    Nas condições certas, um corpo ativamente em decomposição terá um

    grande número de larvas de terceira fase a alimentarem-se dele. Estemonte de larvas gera muito calor, o que faz aumentar a temperatura

    interna em mais de 10 graus. Como os pinguins a acotovelarem-se no

    Polo Sul, as larvas individuais dentro do monte estão constantemente a

    mover-se. Mas enquanto os pinguins se juntam para gerar calor, as

    larvas movimentam-se para se refrescarem.

    Uma compreensão mais aprofundada da

    composição destas comunidades bacterianas,

    das relações entre elas e de como elas se

    influenciam umas às outras, à medida que a

    decomposição avança, poderá um dia ajudarequipas forenses a perceber melhor onde, quando

    e como morreu uma pessoa.

    “É uma faca de dois gumes”, explica Bucheli, rodeada por grandesmodelos de insetos e bonecas de coleção no seu gabinete da SHSU. “Se

    estiverem nas extremidades, podem ser comidas por um pássaro, mas

    no centro correm o risco de ficarem cozidas. Por isso estão

    constantemente a deslocar-se do centro para as pontas e vice-versa.”

     A presença de moscas atrai predadores como besouros, ácaros,

    formigas, vespas e aranhas, que se alimentam e/ou parasitam dos ovosdas moscas e das larvas. Abutres e outros necrófagos, bem como

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    animais carnívoros de grande porte, podem também acercar-se do

    corpo.

    Contudo, na ausência de animais necrófagos, as larvas são responsáveis

    pela remoção dos tecidos moles. Como notou Carl Linnaeus (queconcebeu o sistema pelo qual os cientistas nomeiam as espécies) em

    1767, “três moscas são capazes de consumir um cavalo tão rapidamente

    quanto um leão”.

     As larvas de terceira fase afastam-se de um cadáver em quantidades

    maiores, seguindo muitas vezes o mesmo percurso. A sua atividade é tão

    rigorosa, que os traços migratórios que fazem são visíveis depois de adecomposição ter acabado, na forma de sulcos profundos na terra que

    emanam do cadáver.

    Cada espécie que visita o cadáver tem um reportório único de micróbios

    intestinais e os solos diferentes albergam, quase sempre, comunidades

     bacterianas distintas, cuja composição é provavelmente determinada

    por fatores tais como a temperatura, a humidade, o tipo de solo e a sua

    textura.

    Todos estes micróbios convivem e misturam-se dentro do ecossistema

    do cadáver. As moscas que pousam no corpo não só depositam os seus

    ovos na sua superfície, como recolhem algumas das bactérias que lá

    encontram e deixam outras que trazem consigo. E os tecidos liquefeitos

    que escorrem do corpo permitem a troca de bactérias entre o cadáver e

    o solo por baixo dele.

    Quando recolhem amostras dos cadáveres, Bucheli e Lynne identificam

    as bactérias que têm origem na pele do corpo, as que as moscas e os

    outros animais necrófagos lá deixam e aquelas que provêm do solo.

    “Quando um corpo está no processo de purga, as bactérias intestinais

    começam a sair e podemos vê-las em maior quantidade fora do corpo”,

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

    14/22

    1/22/2016 Isto é o que acontece depois de morrermos - Observador  

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    diz Lynne.

    Por este motivo, é provável que cada corpo tenha uma marca

    microbiológica única, que pode sofrer alterações com o tempo, de

    acordo com as condições específicas do local da morte. Umacompreensão mais aprofundada da composição destas comunidades

     bacterianas, das relações entre elas e de como elas se influenciam umas

    às outras, à medida que a decomposição avança, poderá um dia ajudar

    equipas forenses a perceber melhor onde, quando e como morreu uma

    pessoa.

    Por exemplo, a deteção de sequências de ADN, num cadáver, que sesabe serem únicas de um determinado organismo ou tipo de solo, pode

    ajudar os investigadores criminais a estabelecer uma ligação entre o

    corpo de uma vítima de homicídio e uma localização geográfica

    particular, ou restringir mais as suas buscas de pistas, talvez a uma zona

    mais limitada.

    “Tem havido vários casos de tribunal em que a entomologia forense sedemarcou realmente e forneceu peças importantes para resolver o

    http://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2015/12/451313647_1280x720_acf_cropped.jpg

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    puzzle”, diz Bucheli, acrescentando que espera que as bactérias possam

    facultar informações adicionais, podendo vir a tornar-se mais uma

    ferramenta para refinar os cálculos que estimam o momento da morte.

    “Espero que daqui a cinco anos, mais ou menos, possamos começar a

    usar os dados bacterianos nos julgamentos”, comenta a cientista.

    Para este efeito, os investigadores estão a catalogar as espécies

     bacterianas que se encontram dentro e à superfície do corpo humano e a

    estudar de que forma é que as populações de bactérias diferem entre

    indivíduos. “Gostava muito de ter um conjunto de dados desde a vida

    até à morte”, diz Bucheli. “Gostava de conhecer um dador que me

    deixasse recolher amostras bacterianas enquanto está vivo, durante o

    processo da sua morte e na fase da decomposição.”

     Voltar ao índice

    Purga

    “Estamos a olhar para o fluido de purga que sai dos corpos emdecomposição”, diz Daniel Wescott, o diretor do Centro de Antropologia

    Forense da Universidade Estatal do Texas, em San Marcos.

     Wescott, um antropologista especializado na estrutura craniana, está a

    usar um microtomógrafo para analisar a estrutura microscópica dos

    ossos que foram trazidos do parque. Ele colabora também com

    entomologistas e microbiólogos – incluindo Javan, que por sua vezesteve ocupada a analisar amostras de solos que estiverem em contacto

    com cadáveres recolhidos do centro de San Marcos –, bem como com

    engenheiros informáticos e um piloto, que opera um drone que tira

    fotografias aéreas do centro.

    “Estava a ler um artigo sobre drones que sobrevoavam campos de

    cultivo para ver quais é que eram mais adequados para serem

    cultivados”, diz Wescott. “Estavam a observar quase nos

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    1/22/2016 Isto é o que acontece depois de morrermos - Observador  

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    infravermelhos, porque os solos organicamente mais ricos são mais

    escuros do que os outros. Pensei que, se eles conseguiam fazer isso,

    então talvez nós pudéssemos detetar estes pequenos círculos.”

    Um corpo em decomposição muda,

    significativamente, a química do solo onde se

    encontra, provocando alterações que podem

    persistir ao longo de anos.

    Esses “pequenos círculos” são as ilhas de decomposição dos cadáveres.

    Um corpo em decomposição muda, significativamente, a química do

    solo onde se encontra, provocando alterações que podem persistir ao

    longo de anos. A purga, ou seja, o vazamento do que resta do corpo dos

    materiais decompostos, liberta nutrientes para o solo subjacente e amigração das larvas transfere muita da energia do corpo para um

    ambiente mais amplo. Eventualmente, este processo todo cria uma “ilha

    de decomposição do cadáver”, uma área com uma elevada concentração

    de solo organicamente rico. Para além de libertar nutrientes para um

    ecossistema mais amplo, esta ilha atrai outros materiais orgânicos, tais

    como insetos mortos e matéria fecal de animais de maior porte.

    Segundo uma estimativa, o corpo humano consiste, em média, em 50 a

    75 % de água e cada quilograma de massa corporal seca acaba por

    libertar para o solo 32 gramas de nitrogénio, 10 gramas de fósforo, 4

    gramas de potássio e 1 grama de magnésio. No início, este processo

    mata alguma da vegetação por baixo e à volta do cadáver, possivelmente

    devido à toxicidade do nitrogénio ou por causa dos antibióticos

    presentes no corpo, que são segregados pelas larvas dos insetos quandoestas se alimentam da carne. Mas, no fim de contas, a decomposição é

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

    17/22

    1/22/2016 Isto é o que acontece depois de morrermos - Observador  

    http://observador.pt/especiais/isto-acontece-morrermos/ 17/22

     benéfica para o ecossistema envolvente.

    Futuras investigações sobre a forma como oscorpos em decomposição alteram a ecologia do

    seu meio poderão fornecer uma nova forma de

    encontrar vítimas de homicídio cujos corpos

    tenham sido enterrados em covas pouco fundas.

     A biomassa microbial dentro da ilha de decomposição do cadáver é

    maior do que em outras áreas próximas. Os vermes nematoides, que

    estão associados à deterioração e são atraídos pelos nutrientes

    derramados, tornam-se mais abundantes e a vida vegetal mais

    diversificada. Futuras investigações sobre a forma como os corpos em

    decomposição alteram a ecologia do seu meio poderão fornecer uma

    nova forma de encontrar vítimas de homicídio cujos corpos tenham sido

    enterrados em covas pouco fundas.

     A análise aos solos das campas pode ser outra forma de estimar o

    momento da morte. Um estudo de 2008, que aborda as alterações

     bioquímicas que ocorrem numa ilha de decomposição, mostrou que a

    concentração no solo de fósforo líquido derramado por um cadáver

    atinge o seu pico cerca de 40 dias após a morte, enquanto o valor

    máximo de nitrogénio e fósforo extraível acontece 72 e 100 dias depois,

    respetivamente. Um entendimento mais detalhado deste tipo de

    processos poderá fazer com que a análise da bioquímica de solos

    sepulcrais ajude, um dia, os investigadores forenses a estimar há quanto

    tempo um corpo foi colocado numa cova escondida.

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  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    1/22/2016 Isto é o que acontece depois de morrermos - Observador  

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    Enterro

    Um corpo deixado à mercê das forças da natureza, no calor seco e

    implacável do verão do Texas, em vez de se decompor totalmente,

    mumifica. A pele desidrata, rapidamente, ficando presa aos ossos, uma vez completado o processo.

     A velocidade das reações químicas envolvidas duplica a cada aumento

    de 10 ºC na temperatura, o que significa que um cadáver atinge um

    estado avançado de decomposição após 16 dias, a uma temperatura

    média diária de 25 ºC. Por essa altura, a maior parte da carne foi

    removida do corpo, pelo que as larvas podem dar início à sua migração

    em massa para longe da carcaça.

    Os egípcios antigos aprenderam inadvertidamente como é que as

    condições ambientais afetam a decomposição. No período pré-dinástico,

    antes de começarem a construir sarcófagos e túmulos elaborados, eles

    costumavam envolver os mortos em faixas de linho e enterrá-los

    diretamente na areia. O calor impedia a atividade dos agentes

    microbiais, enquanto o enterro prevenia que os insetos chegassem aos

    corpos, o que permitia uma excelente preservação. Mais tarde,

    começaram a construir os complexos túmulos para os seus mortos para

    garantir uma melhor vida depois da morte, mas isto tinha um efeito

    contrário ao esperado – na verdade, separar o corpo da areia acelera a

    decomposição. E por isso inventaram o embalsamamento e a

    mumificação.

    O embalsamamento envolve tratar o corpo com

    químicos que abrandam o processo de

    decomposição. Os agentes funerários continuama estudar até hoje o método egípcio

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    de embalsamamento.

    O embalsamamento envolve tratar o corpo com químicos que abrandam

    o processo de decomposição. Os embalsamadores do Antigo Egito

    lavavam primeiro o corpo do falecido com vinho de palmeira e água do

    Nilo, retirando a maioria dos órgãos internos através de uma incisão

    feita abaixo da mão esquerda, preenchendo-a com natrão (uma mistura

    de sal que ocorre naturalmente no Vale do Nilo). Usando um gancho

    comprido, puxavam o cérebro pelas narinas e cobriam todo o corpo com

    natrão, deixando-o a secar durante 40 dias. Inicialmente, os órgãos

    secos eram colocados em vasos canópicos e enterrados juntamente com

    os corpos; mais tarde, eram envolvidos em linho e devolvidos aos

    corpos. Finalmente, o próprio corpo era envolto em múltiplas camadas

    de linho, como preparação para o enterro. Os agentes funerários

    continuam a estudar até hoje o método egípcio de embalsamamento.

     Voltando à casa funerária, Holly Williams está a fazer algo de

    semelhante para que os familiares e amigos possam ver mais uma vez os

    seus entes queridos, no funeral, tal como eram, em vez de como estão

    agora. Para as vítimas de acidentes ou mortes violentas, isto pode

    envolver reconstrução facial extensiva.

    Como vive numa terra pequena, Williams já teve de trabalhar commuitas pessoas que ela conhecia ou com quem cresceu – amigos que

    tiveram uma overdose, que cometeram suicídio ou que morreram atrás

    do volante. Quando a sua mãe morreu há quatro anos, Williams

    também tratou um pouco dela, acrescentando alguns toques finais de

    maquilhagem: “Sempre lhe penteei o cabelo e tratei da maquilhagem

    quando era viva, por isso sabia exatamente como fazê-lo”.

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    1/22/2016 Isto é o que acontece depois de morrermos - Observador  

    http://observador.pt/especiais/isto-acontece-morrermos/ 20/22

    Ela transfere John para a mesa de metal, tira-lhe as suas roupas e

    coloca-o em posição. Depois, tira vários frascos pequenos de fluido de

    embalsamamento de um armário suspenso. O fluido contém uma

    mistura de formaldeído, metanol e outros solventes; preserva

    temporariamente os tecidos do corpo, ligando as proteínas celularesumas às outras, mantendo-as no mesmo sítio. O fluido mata as

     bactérias, prevenindo-as de atacarem as proteínas e usá-las como fonte

    de alimento.

     Williams verte o conteúdo dos frascos para a máquina de

    embalsamamento. O fluido vem num leque de cores, cada uma

    correspondendo a uma tonalidade diferente da pele. Ela limpa o corpode John com uma esponja molhada e faz uma incisão na diagonal

    precisamente acima da sua clavícula esquerda. Williams “levanta” a

    artéria carótida e a veia subclávia do pescoço, aperta-as com pedaços de

    fio, depois introduz uma cânula (tubo fino) na artéria e pequenas pinças

    na veia para abrir os vasos.

     A seguir, ela liga a máquina, bombeando o fluido de embalsamamentopara a artéria carótida e ao longo do corpo de John. À medida que o

    http://s3.observador.pt/wp-content/uploads/2015/12/cemiterio-benfica09_1280x720_acf_cropped.jpg

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    fluido entra, o sangue escorre para fora através da incisão, percorrendo

    os limites escavados da mesa inclinada de metal até um lavatório

    grande. Entretanto, Williams pega num dos membros de John e

    massaja-o com gentileza. “Leva cerca de uma hora a remover todo o

    sangue de uma pessoa de médias dimensões e substituí-lo com fluido deembalsamamento. Os coágulos sanguíneos podem atrasar o processo,

    massajar ajuda a quebrá-los e faz correr melhor o fluido.”

    Os corpos são, no fim de contas, simplesmente

    formas de energia, presas por pedaços dematéria, à espera de serem libertadas para um

    universo mais amplo.

    Uma vez substituído todo o sangue, ela faz passar um aparelhoaspirador pelo abdómen e suga os fluidos da cavidade corporal,

     juntamente com quaisquer restos de urina ou fezes que ainda possam

    restar. Finalmente, Williams cose as incisões, volta a passar uma

    esponja, ajusta os traços faciais e volta a vesti-lo. Agora, John está

    pronto para o seu funeral.

    Os corpos embalsamados decompõem-se, eventualmente. Quando equanto tempo demoram a fazê-lo depende, em grande medida, de como

    foi feito o embalsamamento, o tipo de caixão no qual o corpo foi

    colocado e como foi enterrado. Os corpos são, no fim de contas,

    simplesmente formas de energia, presas por pedaços de matéria, à

    espera de serem libertadas para um universo mais amplo.

    Segundo as leis da termodinâmica, a energia não pode ser criada oudestruída, mas apenas convertida numa forma ou noutra. Por outras

  • 8/20/2019 Isto é o Que Acontece Depois de Morrermos

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    1/22/2016 Isto é o que acontece depois de morrermos - Observador  

    palavras, as coisas destroem-se, e durante esse processo, convertem a

    sua massa em energia. A decomposição é uma evocação final e mórbida

    de que toda a matéria no universo tem de seguir estas leis

    fundamentais. Somos destruídos, equilibrando a nossa matéria corporal

    com aquilo que nos rodeia e reciclando-a para o benefício de outrosseres vivos.

    Ouça ou faça o download do audiobook deste artigo no SoundCloud ou

    no iTunes.

    Texto de Mosaic Science. Texto: Moheb Costandi; Editor: Mun-Keat Looi; Fact

    checker: Francine Almash

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    Autodigestão1

    Putrefação2

    Colonização3

    Purga4

    Enterro5

    https://itunes.apple.com/gb/podcast/mosaic/id964928211?mt=2https://soundcloud.com/mosaicscience/this-is-what-happens-after-you-die