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IV – CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO

IV – CIDADANIA E PARTICIPAÇÃOrepositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/3054/1/Capítulo_4_Brasil-o... · 115 Brasil: o estado de uma nação ... não há sociedade democrática

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IV – CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO

115 Brasil: o estado de uma nação

Sistemas políticosrepresentativos – Sãosistemas em que osindivíduos habilitados para o exercício do voto escolhemrepresentantes – por meiode eleições – para tomaremdecisões em seu lugar. O poder de decidir dessesrepresentantes varia de paíspara país. Quando o tema aser decidido é especialmenteimportante, o cidadão échamado a decidirdiretamente (plebiscito).

IV – CIDADANIA E PARTICIPAÇÃO

trajetória dos sistemas políticos representativos em todo o mundotem sido marcada pela redução no número de obstáculos à partici-pação universal, do mesmo modo que pelo aumento, em número e

eficácia, dos canais representativos. No entanto, não há sociedade democráticacontemporânea madura que não apresente algum impedimento institucionalizadoà participação de todos. Quase sempre, as dificuldades atingem um grupominoritário de cidadãos. É preciso assinalar que o ritmo de remoção dessesobstáculos não é o mesmo em todos os sistemas nem afeta igualmente todos osgrupos beneficiados.

Em todas as sociedades, os obstáculos mais freqüentes à participação universal –direito de voto garantido a todos os membros a partir de certo limite mínimo deidade – sempre estiveram relacionados com a raça, o gênero, a idade, a educação, aetnia e a renda de grupos minoritários. Em algumas sociedades, em determinadosmomentos, também foram observadas restrições com base no estado civil e nareligião, ainda que as principais dificuldades sejam as já mencionadas. O fato é que ademocracia plena é um ideal regulador ao qual se busca atender, com o reconheci-mento de que existirá sempre um hiato entre o sistema que existe e seu modelo.

Para avaliar estágios de diferentes sistemas representativos é preciso antes com-pará-los com eles próprios, no passado, e com outras sociedades, no presente. NoBrasil, trata-se de identificar a fase em que se encontra a trajetória democrática,comparando o estado atual com o passado e com as propriedades dos sistemasrepresentativos contemporâneos.

Uma novidade no universo das democracias estáveis – o mundo anglo-saxônicoe nórdico, basicamente – é o temor pelo futuro de instituições políticas centenárias,que sofrem graves críticas quanto à sua representatividade e eficácia. É possível queo alerta seja algo exagerado, mas em toda a Europa e nos Estados Unidos as estatís-ticas de participação eleitoral e cívica (em associações não estatais) propõem umgenuíno problema sociopolítico para análise.

É certo que as taxas de comparecimento eleitoral em países de tradição parti-cipativa estão caindo, ainda que com intensidade diferente. E embora seja pre-maturo dizer que se trata de um fenômeno tendendo ao crônico, e não cíclico, éprudente analisar as condições brasileiras tendo em vista, também, a possívelidentificação de sintomas da “erosão do capital social” que têm afligido as demo-cracias tradicionais.

A exclusão econômica no Brasil é de tal magnitude que poderia ser imaginadacomo uma deficiência generalizada. Assim como existem milhões de brasileiros

A

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Iniciativa popular – É umadas formas de participaçãodo povo no processolegislativo, garantida peloartigo 14o da ConstituiçãoFederal, promulgada em1988. O parágrafo 2o doartigo 61 especifica que “A iniciativa popular podeser exercida pelaapresentação à Câmara dosDeputados de projeto de leisubscrito por, no mínimo,um por cento do eleitoradonacional, distribuído pelomenos por cinco Estados,com não menos de trêsdécimos por cento doseleitores de cada um deles”.

com acesso praticamente proibido, hádécadas, aos bens de consumo, haveriaoutros tantos milhões, provavelmenteos mesmos, excluídos da vida política.Seriam incapazes de manifestar suaspreferências, totalmente reprimidosem suas demandas e sem perspectivasde futuro mais confortáveis, quer pelaparticipação em associações privadas,quer pelos sólidos obstáculos queencontram para um avanço na escalade estratificação da sociedade. Não éisso, contudo, o que acontece. Aindaque de modo claramente desigual, temhavido substanciais progressos emalgumas dimensões bem específicasdos indicadores de participação políticae social.

Comparada com a trajetória históricadas democracias tradicionais, a demo-cracia brasileira configura um universoem expansão. Apesar dos parêntesesautoritários do Estado Novo e do regimemilitar (1937-1945 e 1964-1985), ascondições institucionais de participaçãopolítica por via eleitoral, por exemplo, sóse ampliaram, desde o advento daRepública e o fim do voto censitário –que condicionava o direito de voto arequisitos de renda – ao voto do analfa-beto em 1985, passando pelo direito devoto feminino em 1932. O país viveu,assim, cerca de um século de evoluçãoinstitucional. Na maioria das democra-cias modelares, senão em todas, o per-curso experimentado desde a extinçãodo voto censitário até o direito universalde participação, respeitando um limitemínimo de idade, tomou até mais doque cem anos.

Um dos fatores mais importantespara que existam desigualdades naparticipação social é, sem dúvida, ocusto dessa participação. Embora aConstituição assegure aos diversos gru-pos sociais os direitos de organizaçãocomo a capacidade de criar e freqüen-tar organizações, o problema do custo

pode limitar qualquer forma de partici-pação. Valer-se, por exemplo, da inicia-tiva popular ou plebiscito ou re-ferendo para interferir no processo le-gislativo não custa a mesma coisa paragrupos de renda diferenciados. Ospoucos casos da ativação desses recur-sos revelam os grandes obstáculos àparticipação por meio dessas figurasconstitucionais. Assim, o acesso àjustiça pública revela dois movimentossimultâneos: ao mesmo tempo em quese democratiza lentamente, expõenovas barreiras ao seu consumo, repre-sentadas por seu alto custo.

As associações privadas, em acelera-da expansão no Brasil, privilegiam cer-tas áreas de atuação precisamente peladisponibilidade de financiamentosexternos ou de extração interna. Sabe-se que em todas as sociedades, por suavez, as oportunidades de ascensãosocial são escassas e as que existemnão são destituídas de viés. Salvoemprego e renda, que não são o obje-to deste capítulo, é nas diferenças so-ciais que se manifestam os maisduradouros entraves à inclusãosociocívica no Brasil.

As atividades dessas associações,bem como o número de seus partici-pantes, cresceram bastante nos últimosvinte anos. Organizações não governa-mentais, conselhos estaduais e munici-pais e orçamentos participativos cons-tituem as principais formas desse movi-mento, e o total de pessoas envolvidasdeve incluir os grupos sociais aos quaisvárias dessas organizações prestamserviço. Esse universo participativo secaracteriza pelo ritmo de crescimentoorganizacional; por estar integrado aomercado de trabalho e contribuir parasua ampliação; pela institucionalizaçãodos conselhos; e, também, por meio deorçamentos participativos. Financiadobasicamente com recursos próprios, ouniverso participativo desempenha

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funções redistributivas por meio dageração de emprego ou de transferên-cias diretas de renda.

O trabalho de todas essas associa-ções, particularmente dos conselhosestaduais e municipais, tem sido avalia-do de modo positivo pelos partici-pantes, em razão do impacto que pro-duzem no âmbito das políticas públi-cas, tanto em termos deliberativosquanto por medidas de fiscalização.Um desdobramento da atuação dosconselhos consiste na pressão por me-lhorias na prestação dos serviços bási-cos – saneamento, iluminação, dis-tribuição de água. Paradoxalmente, emperíodos marcados pela austeridadefiscal em todos os níveis de governo, éprovável que conselhos e orçamentosparticipativos, quando bem-sucedidoscomo mecanismos de envolvimentosocial, contribuam para aumentar ainsatisfação com as respectivas políti-cas públicas dos estados e dos municí-pios.

Situação semelhante ocorre coma prestação de serviços jurídicos. Aexpansão urbana e a democratiza-ção da justiça têm provocado maiordemanda pelos serviços judiciários,o que intensifica suas deficiências ealimenta a idéia de que o sistemaestá em contínua deterioração: ataxa de atendimento se mantémconstante, apesar do crescimento dademanda.

A taxa de ineficiência do sistema emgeral tem favorecido grandes corpo-rações e empresas estatais. Isso porquesua condição financeira permiteassumir o custo de ativar a ação jurídi-ca – mais precisamente porque otempo exigido para decisões e a possi-bilidade de recursos trabalham a seufavor. A ineficiência desestimula epenaliza os que mais precisam dajustiça. Por essa razão é possível ca-racterizar o sistema todo como pro-

duzindo justiça “de mais” para os bem-situados na escala de renda, e justiça“de menos” para a base da pirâmidesocial.

O segmento do sistema judiciáriomais relevante para garantir o acessode todos os interessados compreendeos Juizados de Pequenas Causas, as fi-guras do conciliador, árbitro e juiz leigo– cujas decisões são juridicamente váli-das, asseguradas pela justiça estatal –,o Ministério Público, a DefensoriaPública e a advocacia voluntária. Poresse ângulo, é inegável sua con-tribuição para a democratização dajustiça.

A evolução do sistema eleitoral epartidário tem sido, sem dúvida, positi-va, com a incorporação das regiõesNorte e Centro-Oeste à vida competiti-va nacional e com a nacionalização dosprincipais partidos do país. A partici-pação eleitoral atinge taxas bastantesatisfatórias em comparação com ou-tras democracias, e a urna eletrônicacolabora decisivamente para a reduçãodos votos anulados por erro. OCongresso funciona, como ocorre emregimes democráticos, mediante nego-ciações entre os partidos e entre oExecutivo e o Legislativo. Ao contrárioda imagem popular, a produção legaldo Congresso testemunha um trabalhoprodutivo, embora as medidas pro-visórias introduzam assimetrias indese-jáveis de poder entre o Executivo e oLegislativo.

No Brasil, dois fatores afetam acapacidade dos cidadãos de usufruir osdireitos a eles garantidos pelaConstituição. O primeiro refere-se àsbaixas taxas de crescimento econômi-co, o que diferencia o caso brasileiro dode democracias maduras, em que ainclusão política (igual usufruto portodos os cidadãos dos direitos sociais epolíticos) ocorreu simultaneamente aodesenvolvimento econômico. O segun-

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do fator é a incapacidade do Estado deproporcionar os meios necessários parao consumo dos direitos constitucionais,contribuindo para uma diminuição noscustos de participação.

Nesse último aspecto cabe diferen-ciar problemas de governabilidade daincapacidade operacional e institu-cional do Estado. Não se verificam nopaís problemas de governabilidade. Afragmentação na arena político-eleitoral não se reflete no processodecisório nem tem comprometido seusresultados. Do ponto de vista institu-cional, portanto, não se trata dereduzir mecanismos de participação ecanais de acesso ao sistema decisório, emuito menos de aumentar os poderesdos partidos e de seus líderes. O que épreciso é dotar o Estado de instrumen-tos que garantam aos cidadãos o con-sumo de bens públicos (como edu-cação, saúde, saneamento, segurança)que condicionam a igualdade entretodos.

1. QUAIS AS PRINCIPAIS DIMENSÕESDA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE NAVIDA POLÍTICA NACIONAL?

1.1. Participação eleitoral, competição e inclusão política

É inquestionável o avanço dademocracia brasileira no campo da par-ticipação eleitoral. Entre 1945 e 2002,o número de eleitores no país cresceu15,52 vezes. Nesse período, o Brasilvivenciou uma série ininterrupta deeleições legislativas. Por essa razão, épossível trabalhar com uma perspectivahistórica mais ampla, abrangendo trêsgrandes períodos: o da democracia de1945 a 1964, o da experiênciaautoritária, que se estendeu até 1985,e o atual, democrático. A comparaçãoentre os períodos ressalta os progres-sos experimentados nas experiências

democráticas; e os indicadores mos-tram a continuidade desse progresso.

O crescimento do eleitorado entre1945 e 2002 ocorre junto com umaexpressiva diminuição das diferençasde participação entre as regiões. Naprimeira experiência democrática, adiversidade regional era maior do que éhoje, o que desfavorecia as regiõesmenos desenvolvidas. A evolução doeleitorado e o fato de o alistamentoaproximar-se do total da população emidade de votar também mostram que ainclusão política é significativa.

O gráfico 1 mostra o compareci-mento às eleições como proporção dapopulação em idade de votar. Nota-se,nele, uma curva ascendente desde oinício do processo de distensão e aber-tura, que se estabiliza com o retorno àdemocracia. Não se vislumbra nenhu-ma tendência a queda na participaçãodos eleitores com a “rotina” democráti-ca. Ao contrário, há um leve crescimen-to na última eleição.

Além da tendência de crescimentodo comparecimento eleitoral em todasas regiões do Brasil, ao longo do perío-do, nas duas últimas eleições verifica-seuma diminuição acentuada das dife-renças regionais. Destaca-se a incorpo-ração da população no processoeleitoral na região Norte, como mostrao gráfico 2, o que indica uma reduçãonos custos de participar das eleiçõesnas áreas mais pobres e longínquas dopaís.

A conclusão a que se pode chegarpela análise dos dados relativos à par-ticipação política é, sem dúvida algu-ma, positiva. Não há problemas com ademocracia brasileira quanto a esseaspecto. Vista sob a perspectiva históri-ca, é clara a universalização da partici-pação eleitoral. Quanto à diversidaderegional, os indicadores também pare-cem positivos: a disparidade entreregiões tem caído e é, hoje, residual.

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Essa constatação é reforçada quandose compara o desempenho do Brasilcom outras democracias (ver gráfico 3).O resultado é francamente positivo

para o país: os níveis de participaçãoalcançados estão próximos dos verifica-dos em democracias de países maisdesenvolvidos.

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Vale lembrar que a literatura inter-nacional registra preocupação com odeclínio da participação política e doenvolvimento cívico, interpretandoesse declínio como um fator que afetaa vitalidade da democracia. Se estadepende da participação e do envolvi-mento de seus cidadãos com as coisaspúblicas, os dados examinados mos-tram que desse mal o Brasil não pa-dece. O processo de incorporaçãopolítica alcançou patamares seme-lhantes aos verificados em países quevivem sob regime democrático hámuitos anos. A taxa de participaçãoeleitoral é superior à dos demais paísescom voto obrigatório, tendo essa dife-rença aumentado entre as eleições de1998 e 2002.

Cabe questionar, no entanto, se hálugar para a continuidade do processode expansão da cidadania política. Emoutras palavras: afastada a possibili-dade de que o país enfrente um déficitde participação ou que a democraciabrasileira apresente qualquer problemanesta área, falta investigar se não épossível ampliar a participação políticano país. Para isso, antes é preciso

examinar a relação entre seu eleitoradopotencial e efetivo.

O principal obstáculo à participaçãopolítica foi eliminado pela emendaconstitucional de 25 de maio de 1985,que estendeu aos analfabetos o direitode votar (mas não o de ser eleito). Osdados do cadastro eleitoral de 1985permitem avaliar os efeitos dessa medi-da. De acordo com o Perfil do Elei-torado Brasileiro, de 19861, 9,72% doseleitores eram analfabetos. Com aeliminação dessa barreira, houve umaextensão considerável da cidadaniapolítica. Eleitores que declararam ape-nas saber ler e escrever somavam29,95%, e os que declararam terprimeiro grau incompleto, 10,03%.

Participação política

O último levantamento exaustivosobre participação política no Brasilcom abrangência nacional foi feitopelo IBGE, em 1988, por meio de umSuplemento da Pesquisa Nacional porAmostra de Domicílios (Pnad). Na opor-tunidade, o levantamento anual dedi-cou uma seção especial à participação

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política, com informações precisassobre o alistamento eleitoral. À épocadaquela Pnad, não possuíam títuloeleitoral 10,5% da população em idadede votar. A região Sul se destaca com amaior taxa de alistamento – ainda quebastante próxima da média nacional –enquanto a região Nordeste tem o piordesempenho, com 16,1% dos adultosnão alistados na justiça eleitoral em19882. Com base nessa pesquisa, con-clui-se que, mesmo após a derrubadado bloqueio institucional ao voto doanalfabeto, a dificuldade de acesso aoensino continuou a ser uma barreira àincorporação eleitoral3.

A probabilidade de o indivíduo tirarseu título eleitoral está diretamenteassociada ao número de anos de estu-do. O gráfico a seguir mostra a dis-tribuição dos brasileiros com mais de 18anos que não possuem título eleitoral,segundo faixas educacionais e regiões.

Segundo os dados da Pnad de 1988,50,6% das pessoas que não possuíamtítulo eleitoral tinham menos de umano de escolaridade, demonstrando

que a educação se manteve como umabarreira para a entrada no sistemapolítico (ver gráfico 4). Não há dadossimilares mais recentes, por isso não setem uma idéia da evolução dessaforma de exclusão política na décadade 1990.

De forma geral, a porcentagem debrasileiros em idade de votar sem títu-lo eleitoral é pequena e os que pos-suem título comparecem, de fato, àsurnas. A participação cresceu, mas,diriam os críticos, pode ser um com-portamento meramente formal. Oeleitor é capaz de simplesmente alienarseu voto, ou seja, votar em branco ounulo. O gráfico 5 indica os votos bran-cos e nulos (que, juntos, formam oschamados votos inválidos), consideran-do as eleições para a Câmara dosDeputados, onde eles ocorrem emmaior número4. As taxas são calculadassobre o total dos votos, isto é, do com-parecimento. O comportamento dosvotos inválidos para os três regimesconsiderados revela alterações signi-ficativas do comportamento eleitoral.

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O gráfico 5 mostra que ao longo daprimeira experiência democrática, noperíodo de 1946 a 1964, as taxas devotos inválidos são relativamente baixas.É certo que há uma tendência ao seucrescimento e a eleição de 1962 acentuaesse comportamento ascendente.

As duas primeiras eleições sob oregime militar continuam a apresentaraumento no número de votos inváli-dos, com novo reforço dessa tendênciana eleição de 1970, em razão da cam-panha pelo voto nulo que ocorreu noauge do período autoritário.

Com o início da abertura, o númerode votos inválidos começa a cair, apre-sentando uma redução acentuada em1982, ano da primeira eleição para ogoverno estadual desde 1965 e quandoo voto nas eleições legislativas é vincu-lado ao voto nas eleições majoritárias.Já na primeira eleição após o retorno àdemocracia, a que elegeu a AssembléiaNacional Constituinte, há um grandenúmero de votos inválidos. É quando oeleitor se defronta com o pluripar-tidarismo, instituído pela nova leieleitoral.

Completada a redemocratização, oíndice de votos inválidos continua acrescer, chegando a ultrapassar amarca de 40% do total de votos naeleição de 1990, permanecendo nomesmo patamar na eleição seguinte.Em 1998, os votos inválidos caem pelametade, e em 2002 registram novaqueda, somando apenas 7,6% dosvotos (ver quadro 1).

O fato é que nas eleições de 1998 e2002 há uma queda acentuada tantodos votos nulos quanto dos brancos.Uma tese plausível para esta reversãoda tendência foi apresentada por JairoNicolau (2002), que observou que a

queda é concomitante à introdução daurna eletrônica, adotada parcialmenteem 1998 – integralmente em RJ, AL, DF,RR e AP e, nos demais estados, nosmunicípios com 450 mil ou maiseleitores. Na eleição de 2002, todos osmunicípios usaram as urnas eletrônicas.

A adoção parcial da urna eletrônicaem 1998 permite comparar a ocorrên-cia dos votos brancos e nulos antes edepois da implantação desse sistema.Os resultados mostram que a urnaeletrônica foi importante para aredução dos votos inválidos, reduçãoesta que se manteve nas eleiçõesseguintes.

123 Brasil: o estado de uma nação

Organizações civis – São todas as formas deorganização de interessescoletivos, compreendendodesde pequenos grupos atégrandes coletividades. Essasorganizações podem seapresentar sob a forma de associações, igrejas,centros comunitários, ONGs, sindicatos, partidospolíticos etc.

Urna eletrônica

A introdução da urna eletrônicacontribuiu para aumentar a taxa deaproveitamento dos votos em eleiçõesproporcionais, por facilitar a tarefa doeleitor. Sobretudo, tornou incompara-velmente mais simples a apuração dosvotos, que tem a tarefa de traduzir apreferência do eleitor em resultados,eliminando as divergências sobre asintenções dos eleitores. Não há maislugar para disputa entre fiscais, arespeito disso. O voto perdeu, assim,sua ambigüidade. Ficou mais fácil parao eleitor expressar sua vontade e tê-larespeitada na apuração, o que reforçoua soberania do eleitor.

1.2. Organizações civis e cidadania

O universo associativo

O fenômeno associativo no Brasil érecente e experimentou enorme cresci-mento nos anos 905. O universo deorganizações civis se ampliou e diver-sificou quanto aos seus objetivos, for-mas, origens, agentes e posições nasociedade. As organizações são hojechamadas a atuar na proposição, co-gestão, controle ou execução de políti-cas públicas, e também na promoçãode espaços de sociabilidade e inclusãosocial, ou ainda no combate a diversostipos de discriminação. Também seampliaram os espaços abertos à parti-

O aumento da competitividade eleitoral, por paradoxal que isso possaparecer, pode explicar o crescimento dos votos inválidos. O motivo é que ascédulas oficiais utilizadas nas votações se tornam bem mais complicadas paraacomodar as inúmeras siglas e candidatos. Com um número restrito de par-tidos, preencher a cédula oficial era o mesmo que responder a um ques-tionário com escolhas pré-definidas. Os nomes de todos os candidatos queconcorriam a cargos majoritários e proporcionais ficavam expostos no inte-rior da cabine eleitoral, auxiliando o eleitor. Quando cresce o número de par-tidos e de candidatos cria-se uma cédula mais aberta e, portanto, fica maisdifícil preenchê-la. Essa maior complexidade do processo de expressão davontade do eleitor (numa época em que os votos eram computados manual-mente) fez crescer também as dificuldades da apuração, isto é, de traduzir oque o eleitor expressa na cédula em resultado eleitoral. Cresceram, dessaforma, as disputas sobre a interpretação da preferência eleitoral do cidadão.

Vale lembrar que a orientação do Tribunal Superior Eleitoral foi sempre nosentido de que a vontade do eleitor prevalecesse sobre os aspectos formais.Cédulas, portanto, deveriam ser interpretadas. Assim, a maior competiçãoentre partidos e candidatos se estendia para o momento da apuração, quan-do fiscais de diferentes partidos disputavam a interpretação de qual teria sidoa verdadeira intenção do eleitor. Nesse processo, quanto mais competitivo osistema, maior deveria ser o número de votos impugnados em função deinterpretações divergentes da vontade do eleitor.

QUADRO 1 – Analisando os votos inválidos

124Brasil: o estado de uma nação

cipação pública e a novas interaçõesentre esses atores e o governo, comoos conselhos, orçamentos participa-tivos, fóruns e consultas ou audiênciaspúblicas.

Como mostra o gráfico 6, de todas asFundações Privadas e Associações semFins Lucrativos (Fasfil) existentes em2002, cerca de dois terços foram criadas

depois de 1990, sendo que entre 1996 e2002 registrou-se um crescimento de157%, quando o número de associaçõespassou de 107.332 para 275.895. Narealidade, o crescimento das organiza-ções civis é recente, pois apenas 3,99%das Fasfil hoje existentes foram criadasantes do ano de 1970 (Abong/Gife/IBGE/Ipea, 2004).

O fato mais marcante nesse proces-so foi a explosão das organizações demeio ambiente e de desenvolvimento edefesa de direitos, que quadruplicaramnesse período (309% e 303%, respecti-vamente), compreendendo centros eassociações comunitários, associaçõesde moradores, de desenvolvimentorural, de emprego e treinamento, dedefesa de grupos e minorias etc. Essasassociações, que representavam 10,9%do total de Fasfil em 1996, passaram arepresentar 17,1% do total, em 2002.

Note-se ainda que as associaçõespatronais e profissionais mais do quetriplicaram nesses sete anos (252%)(ver tabela 1).

Por outro lado, as tradicionais asso-ciações beneficentes, religiosas e assis-tenciais tiveram um crescimento bemmais modesto, sendo que as da área desaúde sofreram sensível queda.Consideradas em conjunto, essas asso-ciações, que totalizavam 45% das Fasfilem 1996, passaram a compor 38,6%em 2002 (ver tabela 1).

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Um novo campo de associações

As organizações civis criadas maisrecentemente podem ser vistas comoexpressão do novo campo associativoque se formou durante o regime mili-tar, grande parte em oposição aoEstado. As associações de moradores eas chamadas “associações comu-nitárias” estabelecem laços com grupossociais mais carentes em projetos comopequenas cooperativas, clubes demães, grupos de produção e venda etc.Como entidades que representam osinteresses de seus membros, muitasvezes extrapolam suas funções aoprestarem à população serviços comopostos de saúde, creches ou escolas.Enquanto isso, as associações profis-sionais se multiplicam, escapam às limi-tações da estrutura sindical atrelada aoEstado e várias delas marcam presençano campo político.

Nos espaços públicos, nos quais alasprogressistas da Igreja foram atuantes,prevalecem a partir de meados dadécada de 80 as organizações que vi-riam a ser conhecidas como ONGs. Suaestrutura foge aos padrões das grandesassociações representativas por dele-

gação, e por meio delas formam-sevários movimentos relacionados comdireitos específicos ou difusos, entreeles os de mulheres, negros, ambien-tais, de povos indígenas etc. O dadomais marcante do período, contudo,foi o crescimento de associações deprodutores rurais, indicando que aparte agrária da sociedade vem ga-nhando cada vez mais densidade asso-ciativa.

Quanto à divisão por região, vê-seque as associações brasileiras são,sobretudo, um fenômeno das regiõesmais ricas e urbanizadas, assim comoacontece em outros países. Em 2002, oSudeste concentrava o maior númerode associações, 44% do total, mas aregião Sul, com apenas 15% do totalde habitantes, detinha a maior pro-porção relativa, abrigando 23% dototal de entidades sem fins lucrativosdo país. Já no Nordeste as relações seinvertem: habitam nessa região 28%dos brasileiros, mas ali se encontramapenas 22% das entidades não lucrati-vas voluntárias. A região Norte tam-bém apresenta uma proporção deassociações inferior à sua participaçãopopulacional.

Tabela 1 – Fundações privadas e associações sem fins lucrativos – Fasfil, 1996 e 2002

Ano 1996 Ano 2002

N % N %

Variação(%)

Fonte: IBGE, Diretoria de Pesquisas, Cadastro Central de Empresas (2002). Elaboração: Abong, Gife, IBGE, Ipea. Um Mapeamentodas Fundações Privadas sem Fins Lucrativos – Fasfil (2004).

Habitação 144 0,1 322 0,1 123,6Saúde 2.437 2,3 3.798 1,4 55,8Cultura e recreação 17.422 16,2 37.539 13,6 115,5Educação e pesquisa 8.175 7,6 17.493 6,3 114,0Assistência social 13.953 13,0 32.249 11,7 131,1Religião 32.035 29,8 70.446 25,5 119,9Associações patronais e profissionais 12.660 11,8 44.581 16,2 252,1Meio ambiente e proteção animal 389 0,4 1.591 0,6 309,0Desenvolvimento e defesa de direitos 11.214 10,4 45.161 16,4 302,7Outras fundações privadas e associaçõessem fins lucrativos não especificadas anteriormente 8.903 8,3 22.715 8,2 155,1Total – Brasil 107.332 100,0 275.895 100,0 157,0

Classificação

126Brasil: o estado de uma nação

Vale ressaltar, contudo, que odinamismo das regiões menos desen-volvidas tem sido maior. Com efeito, acriação de novas associações, particu-larmente as profissionais e de desen-volvimento e defesa de direitos, temocorrido de maneira bem mais acelera-da no Norte e no Nordeste. Também severifica nas regiões mais pobres umnúmero de associações de defesa dedireitos muito acima da média nacional.

Pequenas organizações

O universo associativo brasileiro écomposto de pequenas organizações:76% de todas as registradas em 2002não têm empregados e apenas 1,85%tem mais de cinco empregados. Asmais antigas são as que têm maiornúmero de empregados: 62% daquelascriadas entre 1991 e 2002 ocupam24% do total de funcionários. Em con-traste, apenas 16% de todas as associa-ções que foram criadas antes de 1980detêm 59% dos empregados do setor.Geograficamente, são as regiões Nortee Nordeste que apresentam proporçõesmédias de associações sem emprega-dos superiores à média nacional.

A incorporação das fundações eassociações ao mercado de trabalho écrescente. Em 2002, esse setor já con-tava com pouco mais de 1,5 milhão deassalariados. Trata-se de um número depessoas considerável quando compara-do, por exemplo, ao dos servidorespúblicos federais na ativa, que tota-lizavam cerca de 500 mil funcionáriosno mesmo ano. E mais: o crescimentodos empregados entre 1996 e 2002 foibastante significativo, da ordem de48%, passando de 1 milhão para 1,5milhão. Este incremento foi o dobro doobservado para o total de empregadosformais inscritos no Cadastro Centralde Empresas (Cempre) do IBGE para omesmo período, que foi de 24%.

1.3. Conselhos municipais

Os conselhos são instituições perma-nentes e pressupõem participação vo-luntária de representantes da socie-dade. Apesar de estarem vinculados aórgãos do poder público, têm autono-mia para definir suas regras de fun-cionamento.

Há vários estudos sobre conselhosmunicipais, assim como sobre conse-lhos nacionais, especialmente noâmbito das políticas sociais. Optou-sepor privilegiar nesta publicação aquelesque tratam dos conselhos municipais,considerando a relevância dessas insti-tuições no processo de ampliação damobilização e de participação socialobservado no país a partir dos anos 80.A escolha recai ainda por reproduzir osmais abrangentes e que ofereciaminformações quantitativas. O Ipea(Diretoria de Estudos Sociais – Disoc)realizou um estudo sobre os conselhosmunicipais vinculados às políticas soci-ais, com base em dados do estudoPerfil dos Municípios Brasileiros, doIBGE, 1999, e um levantamento feitojunto a gestores das políticas sociaisfederais (Jaccoud e Barbosa, 2003).

A tabela 2 dá uma visão do númerode conselhos vinculados a políticassociais em funcionamento no país, em2003, e de sua natureza. Como se vêali, em sua maioria, eles são obri-gatórios, e nem todos são delibera-tivos. Os não-deliberativos visam fis-calizar a aplicação de recursos. Todossão formados por representantes dopoder público e da sociedade civil, ealguns incluem grupos ou entidadesprivadas ligados à política em questão.Os conselhos municipais de educação,por exemplo, têm representantes dossindicatos patronais e de trabalhadoresde entidades privadas, e os de saúdereúnem profissionais do setor e presta-dores de serviços ao governo.

127 Brasil: o estado de uma nação

Dados de um projeto internacional, elaborado em 1995, no The John Hopkins Center for Civil SocietyStudies, mostram as áreas de atuação das organizações civis, com base no número de empregados nosetor sem fins lucrativos. No Brasil, 81% do pessoal ocupado nesse setor encontrava-se em quatro áreas:educação, saúde, cultura/recreação e assistência social, como se vê no gráfico 7.

Esses resultados sãocoerentes com as ten-dências observadas noplano internacional. Se-gundo Landim e Beres(1999), os países estu-dados têm, em média,dois terços da ocupaçãode mão-de-obra em trêsáreas: educação (29%),saúde (20%) e assistên-cia social (18%), sendoque a área de cultura erecreação não ficamuito abaixo dos 15%.Ainda de acordo com osresultados dessa pes-quisa, para os paíseslatino-americanos aárea de educação tam-bém é predominante,absorvendo cerca de40% dos empregados do setor, apresentando média mais alta do que a brasileira.

A predominância dessas áreas era previsível, devido a sua importância social e histórica. Quanto àsentidades culturais/recreativas, área também vasta e de atuação tradicional, as associações desportivaspredominam, sobrepondo-se às artístico-culturais. Nesse terreno de atividades, cerca de 90% das orga-nizações são privadas, sem fins lucrativos.

Quanto às outras áreas, apenas as associações profissionais (incluindo sindicatos) e entidades reli-giosas (ordens, templos de culto e paróquias) apresentam número significativo de pessoas ocupadas, emtorno de 8% e 9% , respectivamente. As organizações “de desenvolvimento” e “defesa de direitos”específicos e difusos incluem as de ação comunitária e as ambientalistas. Em termos econômicos, seupeso é pequeno, e mobilizam poucos postos profissionais.

Em 1995, a população remunerada no setor sem fins lucrativos representava 1,7% da populaçãoocupada no país, segundo dados do IBGE, e 2,4% da população não agrícola. Essas proporções, em1991, representavam 1,4% e 1,8%, respectivamente. Comparando-se ainda com 1991, observa-se umincremento de 44% no pessoal ocupado no setor, bem superior ao crescimento da população ocupadatotal, que foi de 19,8%6. O universo de organizações criou, proporcionalmente, mais empregos do queo crescimento observado para o conjunto da economia brasileira.

Há uma correlação entre o volume de ocupações mobilizadas pelo setor e o desenvolvimentoeconômico-social. Na Europa Ocidental e outros países desenvolvidos, o pessoal ocupado nas organiza-ções sem fins lucrativos responde por porcentagem bem superior das ocupações não-agrícolas (cerca de7%) do que na América Latina (cerca de 2,1%) e na Europa Central e do Leste (1,3%) (Salamon et alii, 1999).

Quanto às fontes de recursos, a principal diferença entre o Brasil e os demais países pesquisados estáno grau de contribuição do setor não-governamental. No Brasil, excluindo-se a área relativa a “religião”,73,5% dos recursos das associações são provenientes de receitas próprias, 10,9% de doações privadas e15,7% de recursos públicos governamentais. Nos outros 22 países, as médias das fontes de recursos parao setor são: 49% de receitas próprias, 10,5% de doações privadas e 40% do setor público governamen-tal. Nesse aspecto, o padrão brasileiro não diverge do latino-americano, que também se caracteriza pelabaixa incidência de financiamento dos fundos públicos.

QUADRO 2 – O terceiro setor, uma visão internacional

128Brasil: o estado de uma nação

Tabela 2 – Conselhos municipais na área social

Programas e políticas Deliberativo Obrigatório (Número)

Fonte: Levantamento Ipea/Disoc, Jaccoud e Barbosa (2003).Notas: * No caso do município instituir um Sistema Municipal de Educação – somente neste caso o conselho passa a ter funçõesnormativas.** A legislação referente ao programa Bolsa-Escola obriga os municípios a instituírem um conselho. Contudo, este conselho nãoprecisa ser criado especificamente para este fim, podendo-se instituir um conselho municipal já existente para acumular essaatribuição. Como o MEC não sabe informar quantos destes conselhos são próprios ao programa e quantos foram instituídos comessa função, corre-se o risco, neste caso, de recontagem de conselhos – por exemplo: um município onde o Conselho de AssistênciaSocial tenha sido instituído com as funções de acompanhamento e avaliação do Programa Bolsa-Escola.***O CMDRS é obrigatório para algumas linhas de ação do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar),em especial a linha de financiamento para obras de infra-estrutura.

Conselhos Municipais de Educação Sim* Não 1.200

Conselhos de Alimentação Escolar Não Sim 5.551

Conselhos do Bolsa-Escola Não Sim 5.500**

Conselhos de Acompanhamento de Controle do Fundef Não Sim 5.000

Comissões Municipais do Trabalho Não Não 3.300

Conselhos de Assistência Social Sim Sim 4.671

Direitos da Criança e do Adolescente Sim Sim 3.000

Conselhos Tutelares da Criança e do Adolescente Sim Sim 3.011

Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável Sim Sim*** 2.600

Conselhos Municipais de Saúde Sim Sim 5.290

Total 39.123

Na maioria dos casos, a composiçãodos conselhos é bipartite – metadegoverno, metade sociedade –, como éo caso dos conselhos de AssistênciaSocial ou de Desenvolvimento RuralSustentável. Em alguns casos, a pre-sença da sociedade é superior à dogoverno – como no caso da saúde, emque 50% são organizações de usuários,25% do governo e 25% de instituiçõesprestadoras de serviço e representantesde trabalhadores – ou mesmo comcomposição exclusiva da sociedadecivil, como é o caso dos ConselhosTutelares da Criança e do Adolescente.

Segundo Jaccoud e Barbosa (2003),dos dez tipos de conselhos pesquisa-dos, seis têm atribuições relevantes nadefinição de diretrizes para diferentespolíticas, no controle de gestores, naaprovação de planos econômicos egerenciais específicos, no controle daelaboração e da execução de planosorçamentários, no estabelecimento decritérios de utilização de doações sub-

sidiadas e demais receitas e, final-mente, na inscrição e no controle deentidades prestadoras de serviços. Osconselhos não-deliberativos assesso-ram e acompanham os planos de açãoe sua execução.

O aumento do número de conselhosna década de 90 é evidente. Segundo olevantamento feito por Monteiro dosSantos (2002), dados do InstitutoBrasileiro de Administração Municipal(Ibam) apontavam que, em 1993, havia3 mil deles na área da saúde; em 1994,de acordo com o Centro Brasileiro daInfância e do Adolescente (Cbia), havia2.362 na área da criança e do adoles-cente; em 1997, eram 2.908 no setorda assistência social (Ministério daPrevidência e Assistência Social).Segundo os dados recolhidos peloIpea, esses números estariam hoje em5.900, 3.000 e 4.671 conselhos,respectivamente para as áreas da infân-cia e adolescência, saúde e assistênciasocial.

129 Brasil: o estado de uma nação

Orçamento participativo –Trata-se da participação doscidadãos na definição deprioridades para oinvestimento governamentalem infra-estrutura e serviçossociais básicos, prática quevem sendo adotada pormunicípios brasileiros. O documento final doorçamento participativo (OP) é um plano de trabalhoe serviços resultante deciclos de assembléiaspromovidas em diversasregiões da cidade. Essedocumento é enviado aoExecutivo, passando a fazerparte do projeto de leiorçamentária anual que ésubmetido ao Legislativopara apreciação eaprovação.

Estudos recentes revelam indicadoresimportantes para o conhecimento eavaliação desses conselhos. O ProjetoMetrópolis, Desigualdades Sociais eGovernança Urbana7 envolveu as regiõesmetropolitanas do Rio de Janeiro, BeloHorizonte, São Paulo, Recife e Belém,tendo sido entrevistados 1.540 conse-lheiros, integrantes de diferentes setoresda política pública local8.

Os resultados mostram que estãopresentes nos Conselhos, por um lado,organizações filantrópicas e de origemreligiosa que, embora antigas evoltadas para interesses privados,desde os anos 90 vêm progressiva-mente ocupando o espaço público. Poroutro lado, estão presentes tambémrepresentantes dos movimentos e asso-

ciações cívicas, profissionais e sindicaiscriados nos últimos trinta anos. Aspesquisas apontam ainda a partici-pação de associações de bairros e demoradores, ONGs, movimentos e asso-ciações ambientalistas, de mulheres,negros, crianças e adolescentes, idosos,portadores de deficiência, sindicatos eassociações profissionais, univer-sidades e institutos de pesquisa, enti-dades patronais e clubes de serviço etc.

A contribuição dos conselhos para aincorporação social se revela naopinião dos conselheiros, apontada nográfico 8, sobre o impacto de seu fun-cionamento na deliberação, na gestãode secretarias e no grau de compromis-so do governo. As avaliações tendem aser altamente positivas.

1.4. Orçamentos participativos

Os estudos sobre orçamentos par-ticipativos dispõem de poucas infor-mações sobre quem de fato participa

deles. É certo, no entanto, que aomenos em alguns casos mais consoli-dados existe o envolvimento de diver-sas associações locais, com razoávelgrau de autonomia. Nesse sentido,

130Brasil: o estado de uma nação

duas experiências exemplares, emPorto Alegre e Belo Horizonte, dão umaidéia de como é maior, hoje, a partici-pação popular no processo de elabo-ração de orçamentos municipais.

Entre 1989 e 2000, na prefeitura dePorto Alegre, o total de envolvidos(cidadãos e representantes de organi-zações) na preparação do orçamentoparticipativo saltou de 1.300 para19.025, o que representa um aumentode 1.363% em dez anos (apud SouzaSantos, 2002).

O crescimento em Belo Horizonte éda mesma ordem, apesar de quebrasem sua continuidade devido àmudança política. No entanto, o orça-mento participativo (OP) volta a ganharforça no momento em que o governomunicipal retoma sua implementação(Avritzer, 2002). Esse exemplo mostracomo a iniciativa do Executivo ainda écondição indispensável para a existên-cia dessa política de co-gestão.

Quanto ao tipo de organização quedeles participam, em Porto Alegre ficaevidente, desde o início, o papel rele-vante das associações de moradores.Tomando-se os participantes dasassembléias regionais e temáticas,79% das pessoas declararam per-tencer a alguma associação. Dessas,50,5% representavam associações demoradores. Vinham depois os gruposreligiosos ou culturais, com cerca de10%, e em seguida, com proporçõesaproximadas, outras organizações,nesta ordem: sindicatos, conselhospopulares, centros comunitários,comissões de rua, comissões institu-cionais, clubes de mães, entidadescarnavalescas, clubes esportivos ourecreativos, conselhos institucionais(Cidade e CRC, 1999, apud SouzaSantos, 2002).

A maioria dos participantes do OPde Porto Alegre pertence às classesmais populares, com renda inferior à

renda média da cidade (seis saláriosmínimos). Em 1998, 24,8% deles ti-nham renda familiar de um a doissalários mínimos, e 54,1% tinhamrenda familiar até quatro salários(Cidade e CRC, 1999). A mesmapesquisa revela que entre 1995 e 1998aumentou a participação das mulheresem todas as instâncias do OP, chegan-do nesse último ano a um perfil similarao da composição sexual da popu-lação. A desigualdade de gênero per-manece, porém, nas instâncias maisaltas de decisão: no Fórum deDelegados, por exemplo, a participaçãofeminina é de apenas 16,9%.

Quanto aos resultados alcançadospela implementação de orçamentosparticipativos, não existem avaliaçõesde seu impacto em termos de priori-dades na aplicação de recursos orça-mentários, nem investigações sis-temáticas acerca das relações decausalidade entre sua existência e alte-rações no gasto municipal (ver quadro3). No entanto, alguns estudos apon-tam o aumento na oferta de serviçospúblicos de infra-estrutura em PortoAlegre como um indicador da eficáciado OP.

Dados da prefeitura de Porto Alegreindicam que entre 1989 e 1998 cercade 96 mil residências foram conectadasà rede de abastecimento de água, ecerca de 130 mil, à rede de esgotos.Isso significa que a proporção da po-pulação abastecida com água potávelcresceu de 94,7% para 99%, e a atendi-da pela rede de esgotos subiu de 70%para 83% (PMPA, 2000 apud Santos,2003). Revelou-se igualmente umaumento substancial, a partir de 1990,dos serviços de asfalto, remoção de lixoe iluminação pública. Além disso, onúmero de crianças que freqüentamjardins de infância, escolas primárias esecundárias triplicou entre 1989 e1999.

131 Brasil: o estado de uma nação

A pesquisa de Torres Ribeiro e Graziatambém procurou captar as formas deorganização envolvidas nessas expe-riências. No período 1997-2000, combase nos registros existentes nasprefeituras, 77% dos participantes dereuniões do OP eram vinculados aorganizações comunitárias ou associa-ções de moradores; 50% eram ligadosa entidades religiosas; cerca de umterço dos participantes estava associa-do a movimentos de saúde e de edu-cação, enquanto um quarto deles serelacionava com entidades assistenciaise movimentos de moradia.

O mesmo estudo revela que, em pro-porções menores, também participamdessa experiência pessoas vinculadas aentidades empresariais, movimentospor creche, transporte, saneamento,universidades, entidades federativas eorganizações rurais (FNPP, 2002). Tudoindica, enfim, que o OP favorece umaparticipação diversificada, e que a pre-sença em maior número de agentes li-gados às associações de moradores

confere um perfil mais popular na com-posição das assembléias.

O orçamento participativo aindaconstitui uma experiência limitadaespacialmente e de eficácia controver-sa. Tal como os conselhos municipais,entretanto, pode ser considerado umainovação institucional com razoávelprobabilidade de resultados positivos euma experiência relevante no que serefere à participação social na formu-lação de políticas públicas.

O crescimento da participação dasociedade brasileira na vida pública –em razão da proliferação de associa-ções, da expansão dos conselhosmunicipais e da difusão da prática doorçamento participativo – pode melho-rar as condições de acesso aos direitossociais e de promoção da inclusãosocial. Entretanto, o exercício dessesdireitos continua sendo prejudicadodiante das dificuldades que os segmen-tos mais desfavorecidos da populaçãoenfrentam para os fazer valer medianterecurso à justiça.

A pesquisa talvez mais abrangente realizada sobre o assunto revela que oorçamento participativo ainda é uma experiência recente, frágil e desigual,embora tenha crescido em número e distribuição geográfica na década de90. Além de Porto Alegre, no período de 1989 a 1992, cerca de uma dezenade municípios no país, todos administrados pelo PT, iniciam esse processo,segundo Torres Ribeiro e Grazia (2003). Entre 1993 e 1996, ele atinge cercade trinta municípios e inclui governos liderados por outros partidos. Entre1997 e 2000, alcança 140 municípios, dos quais 103 responderam ao ques-tionário da pesquisa aplicado por equipes distribuídas pelo país.

De 1989 a 1992, as dez administrações municipais que praticavam o orça-mento participativo situavam-se em estados das regiões Sul e Sudeste: SãoPaulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Rio Grande do Sul. De1993 até 1996 a experiência expande-se a outros estados: Paraná, SantaCatarina, Bahia, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Goiás (FNPP, 2002).

Apesar de sua expansão, porém, a experiência do OP é instável, pois nosúltimos dois anos em que foi analisada, 1999 e 2000, ela foi interrompida em23 municípios, o que indica dificuldades para sua consolidação.

QUADRO 3 – Orçamento participativo: ainda instável e desigual

132Brasil: o estado de uma nação

2. COMO A ORGANIZAÇÃO E O FUNCIONAMENTO DO JUDICIÁRIOAFETAM O CONSUMO DOS DIREITOSCONSTITUCIONAIS?

2.1. Organização do Sistema Judiciário

São várias as instituições que podematuar no sentido de garantir os meiospelos quais o cidadão brasileiro possafazer valer seus direitos. A Justiça estatalinclui o Poder Judiciário, o MinistérioPúblico e a Defensoria Pública. As institui-ções que compõem esse sistemareforçaram, no período recente, o papelque desempenham na prestação deserviços jurisdicionais – serviços presta-dos pela justiça, tais como dirimir litígios,fazer valer direitos garantidos pela lei,proteger o cidadão contra o arbítriopúblico etc. –, assim como ampliaramsua influência política, ao tomar decisõesque afetam as ações dos poderesExecutivo e Legislativo e a implemen-

tação de políticas públicas. A justiça nãoestatal, por outro lado, compreende umamplo leque de organizações que visamà efetivação da cidadania. Abrange igre-jas, ONGs e meios alternativos de soluçãode disputas, como as câmaras arbitrais eos juizados de conciliação e arbitragem.O quadro 4 mostra a organização doPoder Judiciário como um todo.

Como se vê, o Supremo Tribunal Federal é a cúpula do Poder Judiciário etem atribuições predominantementeconstitucionais. É a corte suprema danação, a quem cabe declarar a constitu-cionalidade ou não de leis e atos norma-tivos, assim como julgar, em recursoextraordinário, as causas decididas emúnica ou última instância por outros tri-bunais, quando a decisão recorrida con-trariar dispositivo da Constituição. O STFtambém pode declarar a inconstituciona-lidade de tratado ou lei federal e/ou julgarválida, ou não, lei ou ato de governo localcontestado com base na Constituição.

133 Brasil: o estado de uma nação

Ação direta deinconstitucionalidade – É a ação conferida aospoderes Executivo eLegislativo, ao Conselho daOAB ou a partidos comrepresentação no CongressoNacional, dirigida aoSupremo Tribunal Federal,para demonstrar ainconstitucionalidade deuma norma jurídica.

A Carta de 1988 democratizou oacesso ao STF, aumentando para noveo número de agentes com legitimidadepara propor ação direta de inconsti-tucionalidade, prerrogativa anterior-mente limitada ao procurador-geral daRepública. Com o novo texto, os pos-síveis titulares desse tipo de ação pas-saram a ser o presidente da República,a mesa diretora do Senado Federal, amesa diretora da Câmara dosDeputados, a mesa da AssembléiaLegislativa, os governadores de estado,o procurador-geral da República, oConselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil, partidos políticoscom representação no CongressoNacional, confederação sindical ouentidade de classe de âmbito nacional.

Ao Superior Tribunal de Justiça foitransferida parte das competênciasanteriores da Corte Suprema. AConstituição de 1988 também descen-tralizou a Justiça Federal, criando os tri-bunais regionais federais e os tribunaise juizados estaduais e do DistritoFederal. Além disso, conferiu aos esta-dos a organização de sua justiça,cabendo às constituições estaduaisdefinir a competência de seus respec-tivos tribunais, mediante lei de organi-zação judiciária de iniciativa doTribunal de Justiça.

A mais importante inovação no quese refere à democratização no acesso àjustiça foi, porém, a criação dosJuizados Especiais. Foram instituídos em1984 como Juizados de PequenasCausas, pelo Ministério da Desburo-cratização – são anteriores, portanto, ànova Constituição. O surgimento dessesórgãos revela um novo espírito le-gislativo – condizente com a complexi-dade da sociedade e atento à efetivi-dade de direitos –, que também inspiroua Lei de Ação Civil Pública (1985), oEstatuto da Criança e do Adolescente(1990), a Lei Antitruste (1994), o Código

de Defesa do Consumidor (1990) e oCódigo de Processo Civil (2002).

A criação dos Juizados Especiais nãopretende resolver a crise do Judiciário.Há o reconhecimento de que há umtratamento processual inadequado dascausas de reduzido valor econômico euma conseqüente inaptidão para asolução barata e rápida desse tipo decontrovérsia. Isso afeta muito mais aspessoas humildes, desprovidas derecursos para enfrentar os custos e ademora de uma demanda judicial.

É fato que a garantia meramenteformal de acesso ao Judiciário, sem quese criem as condições básicas para oefetivo exercício desse direito, nãoatende a um dos princípios básicos dademocracia, que é o da proteção judi-ciária dos direitos individuais. Paraalcançar esse objetivo maior, procurou-se criar um microssistema processual,privilegiando o acesso direto e gratuitodo interessado ao Juizado, assim comoa informalidade, a simplicidade e arapidez processual. Foi criada tambéma figura do conciliador, que auxilia ojuiz na tarefa de valorizar a conciliaçãoe a solução amigável e as figuras deárbitro, para a eventual preferência daspartes pela solução arbitrada, e a dejuiz leigo, para auxiliar o juiz togado nodesempenho de suas atribuições.

2.2. A demanda por justiça e o funcionamento do Poder Judiciário

Fatores de ordem socioeconômicatêm forte efeito sobre a demanda porjustiça. A relação entre indicadores dedesenvolvimento socioeconômico (porexemplo, o Índice de DesenvolvimentoHumano – IDH ) e o volume de proces-sos é positiva9 e acentuadamentemaior nas regiões mais desenvolvidas.No Sudeste há um processo, emmédia, para cada 20 habitantes; noSul, um para cada 23; no Centro-

134Brasil: o estado de uma nação

Oeste, um para cada 31. Já noNordeste, a proporção é de um proces-so para cada 137 habitantes, enquan-to no Norte é de um para cada 80habitantes. Aumentos nos níveis deescolaridade e renda, assim como naexpectativa média de vida, tambémcontribuem para o crescimento nademanda por serviços judiciais.

A mesma disparidade se manifestana relação entre a quantidade denovos processos e o tamanho das po-pulações. A região Sudeste apresentaum número de processos propor-cionalmente mais elevado que a somade seus habitantes, tendo, em média,64% de todos os novos processos,enquanto sua população correspondea 43% do total dos habitantes. Damesma forma, a região Sul abriga 15%da população brasileira e registra emmédia 20% desses processos. Já noNordeste, onde vivem 29% dosbrasileiros, essa média é de somente6%. Defasagem semelhante é encon-trada no Norte, enquanto no Centro-Oeste há paridade entre processos queentram na Justiça e população.

No que se refere aos processos jul-gados encontra-se também no Sudesteo maior percentual de respostas doJudiciário (65% em média no total desentenças proferidas). Em seguida vema região Sul, com 22%, em média. ONordeste e o Centro-Oeste participamcom iguais 5%. A menor porcentagemestá no Norte, com apenas 2% dosprocessos julgados no país.

O aumento da procura pela justiçaestatal também está fortemente rela-cionado com a industrialização e aurbanização, que concorrem paraaumentar o número de conflitos e umamaior probabilidade de que os litígiosse convertam em processos judiciais.Essa probabilidade depende, por suavez, da consciência dos direitos e dograu de credibilidade que a população

deposita na máquina judicial. Vale lem-brar que no intervalo de menos decinqüenta anos, que se inicia na décadade 1930, o Brasil viveu uma grandetransformação estrutural – passando deuma sociedade agrária e rural paraindustrial e urbana –, o que, por si só,justificaria a multiplicação dos conflitos.

As dificuldades de acesso aoJudiciário são constantemente lem-bradas como um fator inibidor da rea-lização plena da cidadania10. O desco-nhecimento dos direitos, por um lado, ea percepção do recurso à Justiça comoprocedimentos caros e lentos, de outro,afastam dos tribunais a maior parte dapopulação11. Mas isso não se aplica atodos os estratos sociais. Há setores quebuscam a Justiça, extraindo vantagensde supostas ou reais deficiências doJudiciário, bem como dos constrangi-mentos de ordem legal. É o caso dealguns órgãos estatais e de gruposempresariais. Em 1996, pesquisa con-duzida pelo Idesp (Instituto de EstudosEconômicos, Sociais e Políticos de SãoPaulo) junto a empresários mostrou queembora a principal crítica dirigida aoJudiciário fosse a falta de agilidade, essacaracterística nem sempre era avaliadacomo prejudicial. Muitos empresáriosadmitiram que a morosidade é, muitasvezes, benéfica, principalmente na áreatrabalhista. Embora na maioria dos casosafirmassem que eram prejudicados pelamorosidade da justiça, reconheciam queo litígio compensava. O fato é que, teori-camente, em grande parte das situaçõesum lado tem a ganhar e o outro a perdercom a lentidão da Justiça12.

Do mesmo modo que as empresas,também o governo e certas agênciaspúblicas têm sido responsáveis peloaumento da demanda no Judiciário.Calcula-se que o Executivo e o INSSrespondem pela maior parte das açõesjudiciais. Segundo o diagnóstico doPoder Judiciário, elaborado em 2004

135 Brasil: o estado de uma nação

pelo Ministério da Justiça, “o governo éo maior cliente do Poder Judiciário – algoem torno de 80% dos processos e recur-sos que tramitam nos tribunais superio-res tratam de interesses do governo”.

As deficiências do aparelho judicialsomadas aos ritos processuais criamsituações de vantagem e/ou privilégios –de desigualdade, portanto. Assim, aampla possibilidade de recursos faculta-da pela legislação pode favorecer o“réu”, o “devedor”, adiando por anosuma decisão. Chega a ser consensoentre os especialistas a avaliação de queé um bom negócio ingressar em juízono caso de quem deve, seja esse réu osetor público, privado ou indivíduos.

Em resumo, pode-se sustentar que osistema judicial brasileiro nos moldesatuais estimula um paradoxo representa-do por demandas “de menos” e deman-das “demais”. De um lado, expressivossetores da população encontram-se àmargem desse tipo de serviço. De outro,há os que usufruem da justiça oficial,beneficiando-se de uma máquina lenta eexcessivamente burocratizada.

O número elevado de processosestaria concentrado em uma fatiaespecífica da população, enquanto amaior parte dos brasileiros desconhecepor completo a existência da justiçaestatal a não ser quando é compelida ausá-la, como acontece, por exemplo, emquestões criminais13. Assim, a instituiçãoseria muito procurada exatamente poraqueles que sabem extrair vantagens desua utilização e, por essa razão, estariamprovocando um crescimento significati-vo no número de novos processos.

2.3. Supremo Tribunal Federal

O número de processos que che-garam ao Supremo Tribunal Federal(STF) nos anos 90 foi proporcionalmentemuito maior quando comparado com ascinco décadas anteriores. Se entre 1940e 1990 o total cresce mais de sete vezes– de 2.419 para 18.564 –, em apenasdez anos multiplica-se mais de cincovezes, chegando a 105.307 em 2000. Ográfico 9 apresenta a movimentação doSTF de 1989 até agosto de 2004.

136Brasil: o estado de uma nação

Os dados revelam um imenso cresci-mento no número de processos rece-bidos, distribuídos, julgados e nosacórdãos publicados. O volume deprocessos recebidos de 1989 a 2002cresceu quase onze vezes, enquanto ode julgamentos aumentou menos decinco vezes. Em 2003, embora tenhaocorrido uma diminuição no número derecebidos, houve um acentuado aumen-to no volume de processos distribuídos.

A reforma do Judiciário aprovadaem 2004 pode alterar esse quadro, poispermite ao STF aprovar, mediantedecisão de dois terços dos seus mem-bros, e após reiteradas decisões sobrematéria constitucional, súmula queterá efeito vinculante em relação aosdemais órgãos do Poder Judiciário e à

administração pública direta e indireta,nas esferas federal, estadual e munici-pal, bem como proceder à sua revisãoou cancelamento, na forma estabeleci-da em lei.

O papel do STF no controle da consti-tucionalidade se revela por meio dasações diretas de inconstitucionalidade(Adin). É notável como esse instrumentotem sido utilizado e, mais ainda, comode fato foi democratizado o acesso aotribunal. Observa-se que a participaçãodo procurador-geral da República (oúnico com legitimidade para utilizar esseinstrumento até a Constituição de 1988)é sempre menor do que a de todos osoutros proponentes somados, mesmoem 2003, quando é mais alto o seu per-centual (38,23%) (ver gráfico 10).

2.4. Juizados Especiais

Muito embora os Juizados Especiaisde Pequenas Causas tenham sido cria-dos em 1984 e consagrados em doisdispositivos na Constituição de 198814,

não há nenhum levantamento estatísti-co completo e confiável dessas cortesem funcionamento. As estatísticasdisponíveis nos tribunais de justiça nãoreservam um capítulo especial para osJuizados Especiais e, quando o fazem,

137 Brasil: o estado de uma nação

Direitos sociais (coletivos,difusos e individuais) – Os direitos coletivos, denatureza subjetiva, amparamos membros de determinadogrupo social, ligados porrelações jurídicas básicas eque, como decorrência,legitimam os órgãoscompetentes a defenderseus interesses comuns pormeio de ações coletivas. Os direitos difusos,também de naturezasubjetiva, abrangem umnúmero indeterminado depessoas unidas pelasmesmas circunstâncias, fatoque legitima para a suaproteção o ingresso em juízode ações coletivas. Osdireitos individuaisreferem-se ao conjunto dedireitos subjetivos individuaisligados por uma origemcomum, constituindo-se emsubespécies de direitoscoletivos.

Ministério Público (MP) – É o principal agente ativadordo Poder Judiciário. Cabe aoMP promover a ação penal,promover o inquérito civil ea ação civil pública, a açãode inconstitucionalidade,defender os direitos einteresses das populaçõesindígenas, de menores, deincapazes, e exercer ocontrole externo daatividade policial. Suasfunções estão especificadasno Artigo 129 daConstituição Federal.

há grave deficiência de dados. O site doSTF, por sua vez, traz a movimentaçãodos Juizados Especiais cíveis e crimi-nais, mas adverte que faltam infor-mações relativas a vários estados, emtodos os anos.

Como já foi apontado, as caracterís-ticas dos Juizados Especiais são orali-dade, simplicidade, informalidade,rapidez e busca de solução conciliada eamigável dos conflitos. Em 2003,pesquisa feita pelo Cebepej (CentroBrasileiro de Estudos e PesquisasJudiciais) no estado de São Paulo verifi-cou que em algumas comarcas, princi-palmente naquelas que não têm juizesexclusivos para os Juizados, estes setornam simples varas especiais do juízocomum. Essa constatação contraria aidéia presente na criação dos JuizadosEspeciais.

A Lei nº 9.099/95 ampliou significa-tivamente a competência dos JuizadosEspeciais Cíveis – para causas queenvolvem valores até 40 salários míni-mos e permissão de acesso demicroempresas. Essas modificações,em estados com insuficiente infra-estrutura material e pessoal, acabarampor comprometer sua eficiência. Comoconseqüência, já se nota congestiona-mento em vários Juizados, prejudican-do o bom funcionamento da institu-ição. Além disso, com grande afluxo demicroempresas, os juizados podemtransformar-se em balcão de cobrança.

O baixo grau de institucionalizaçãodos Juizados Especiais deve-se, sobre-tudo, ao fato de dependerem do entu-siasmo que os dirigentes do Tribunal deJustiça, em especial seu presidente,tenham a respeito deles. Sua expansão,informatização, divulgação e melhoria,inclusive quanto à infra-estruturamaterial e de pessoal, dependem des-ses dirigentes. Apesar das inúmerasdeficiências, eles constituem o canalmais importante para o acesso à justiça

pelos cidadãos comuns e principal-mente para os mais humildes – tantoque os usuários entrevistadosavaliaram de forma bastante positiva oatendimento que receberam nosJuizados.

2.5. O Ministério Público

Com a Constituição de 1988 oMinistério Público (MP) tornou-se umainstituição independente, não se vincu-lando a nenhum dos poderes doEstado. Além de cumprir sua funçãotradicional – a ação penal – teve suasatribuições consideravelmente amplia-das, alcançando a defesa de variadosdireitos sociais, sejam eles difusos,coletivos ou individuais.

O Ministério Público dispõe depoder de investigação e de um instru-mento jurídico poderoso, a Ação CivilPública (Lei no 7.347, de 1985), queconstitui o principal recurso para a“proteção do patrimônio público esocial, do meio ambiente e de outrosinteresses difusos e coletivos”. OMinistério tem se destacado na utiliza-ção da Ação Civil Pública, embora ou-tros órgãos públicos e associações civistambém possam fazer uso dela.

Tanto a Constituição quanto as le-gislações infraconstitucionais contêminstrumentos para iniciativas de defesados direitos da cidadania, de combateà corrupção, e de controle de órgãospúblicos. Na prática, verificam-se dife-renças não apenas entre os MPs dosestados, como entre eles e o MP daUnião. Há órgãos mais voltados para apersecução penal, e outros que buscamexpandir ao máximo as possibilidadesde atuação contempladas na legis-lação.

O Ministério Público vem desen-volvendo ações de significativoimpacto político e social. Tambémexerce papel de destaque no que se

138Brasil: o estado de uma nação

refere à ação penal civil pública. Temampliado suas iniciativas na defesa daprobidade administrativa e da morali-dade pública, tanto no âmbito federalquanto estadual. Além disso, tem sidoimportante canal de demandas coleti-vas. A atuação na defesa de direitosdifusos e coletivos que o MinistérioPúblico promove afeta um númeroindeterminado de pessoas, tendo emvista que as sentenças proferidas nes-ses casos se estendem a todos os vin-culados à mesma causa.

Na função de guardião da cidadania,o Ministério Público tem atuado não sóno sentido de exercer suas atribuiçõeslegais, mas na busca de expandi-las.Assim, membros do Ministério Públicopromovem cursos de cidadania, ensi-nando sobre direitos; solucionam con-flitos extrajudicialmente; celebramparcerias com instituições governamen-tais para oferecer serviços (carteira deidentidade, carteira de trabalho etc.) eatendimento ao público; e fazem con-tatos com lideranças comunitárias parafacilitar sua presença nos mais dife-rentes locais. São muitas as experiênciasde “ônibus da cidadania”, isto é, deatuação em bairros da periferia, dis-tribuindo cartilhas, fazendo palestras,discutindo direitos e solucionando con-flitos.

2.6. Defensoria Pública

O princípio da igualdade está naconcepção da Defensoria Pública, insti-tuída para que todos possam cumpriros ritos e procedimentos necessáriospara ter acesso à justiça, entre eles oque preconiza que a defesa deve serorientada por profissionais especializa-dos – os advogados. Como o acesso aesses profissionais depende de recursosque em geral os mais carentes não pos-suem15, e para que essa desigualdade

social não produza efeitos desastrosossobre a titularidade de direitos, criou-se um serviço de assistência jurídicagratuita – a Defensoria Pública.

Esse tipo de serviço é previsto cons-titucionalmente e é essencial à funçãojurisdicional do Estado. O direito àassistência jurídica gratuita foi esta-belecido como garantia fundamentaldo indivíduo (Artigo 5o, inciso LXXIV)e erigido à categoria de cláusulapétrea, um dispositivo constitucionalque não pode ser revisto nem supri-mido em caso de reforma da Cons-tituição.

Até o primeiro semestre de 2005,no entanto, apesar da obrigatorie-dade, ainda não havia DefensoriaPública nos estados de São Paulo,Santa Catarina e Goiás. Nos outroselas são organizadas de forma inde-pendente, e, em sua maioria, nãoconseguem suprir a demanda, con-tando com o auxílio de advogadosparticulares nomeados judicialmentee remunerados pelo Estado (vertabela 3).

A mais antiga Defensoria Públicado país, a do Rio de Janeiro, comple-tou 50 anos em 2004. Depois dela foicriada a de Minas Gerais, em 1982. Amaior parte das Defensorias (77%) foicriada após a Constituição de 1988,sendo que a de Rondônia é a maisrecente, de 2002. Já foram criados nopaís 5.310 cargos de defensores públi-cos e há 3.154 deles na ativa, o querepresenta uma vacância de 41%.

Hoje 839 comarcas são atendidasno país. Vale lembrar que em apenassete estados todas as comarcas sãocobertas pelos serviços prestadospelas Defensorias Públicas: Roraima,Amapá, Paraíba, Alagoas, Rio deJaneiro, Mato Grosso do Sul e noDistrito Federal. Em média, são atendi-das 51% das comarcas do país.

139 Brasil: o estado de uma nação

A desigualdade no acesso à justiçatambém se manifesta na relação entreo percentual de comarcas atendidaspela Defensoria Pública e o IDH.Quanto pior o IDH, mais baixa é a pro-porção de comarcas atendidas. Nosestados com índices mais baixos deescolaridade, longevidade e renda percapita, a proporção é de apenas 34%,enquanto nos mais desenvolvidos oíndice é de 85%.

A qualidade do serviço tambémprejudica os habitantes dos estadosmais pobres. A média da demandapelos serviços da Defensoria no país éde 30 habitantes por atendimento,considerando-se a população que

recebe até dois salários mínimos. Nosestados com melhor IDH, a média caipara 15 habitantes por atendimento,enquanto nos mais pobres sobe para53 habitantes por atendimento.

Essas diferenças revelam que quantomaior o grau de exclusão social – medi-do pela escolaridade e pela renda –,menor a probabilidade de conhecimen-to dos direitos e de informações quepermitam o acesso às instituições dejustiça e, em conseqüência, de efeti-vação da cidadania.

A Emenda Constitucional no 45,aprovada no Senado em dezembro de2004, imporá importantes modifi-cações a curto, médio e longo prazos

Tabela 3 – Defensores estaduais e comarcas atendidas nos estados

Estado Total de DefensoresEstaduais

Percentual de comarcas atendidas no estado

Fonte: Pesquisa Defensorias Públicas, Ministério da Justiça/Secretaria de Reforma do Judiciário/Pnud (2004).

AC 34 63,6

AL 40 100,0

AM 28 1,7

AP 60 100,0

BA 102 10,5

CE 157 18,3

DF 80 100,0

ES 93 48,1

MA 24 4,1

MG 425 45,0

MS 135 100,0

MT 60 41,5

PA 199 34,3

PB 340 Sem informação

PE 230 44,7

PI 24 3,1

PR 246 Sem informação

RJ 698 100,0

RN 40 Sem informação

RO 32 54,5

RR 27 100,0

RS 257 70,8

SE 69 21,6

TO 40 48,9

Total 3440 ---

140Brasil: o estado de uma nação

Juízo arbitral – É o órgãojulgador criado pela vontadedas partes que litigam emjuízo ou extrajudicialmente arespeito de direitospatrimoniais que admitemtransação. Sua atuação édefinida pela Lei deArbitragem (no 9.307/96),que atribui às partes aescolha do árbitro e afixação do prazo para apublicação da decisãoarbitral. As partes podempreferir um tribunal ou umacâmara arbitral, em vez deum único árbitro. Nessecaso, a câmara deverá ternúmero ímpar de árbitros.Os árbitros podem serescolhidos pelas partes, emacordo, ou indicados pelaAssociação Brasileira deArbitragem – Abar –, quetambém recolhe opagamento da taxaadministrativa e o valor doshonorários do árbitro. Adecisão do árbitro ou dacâmara não depende dehomologação ou decisão doPoder Judiciário.

no Poder Judiciário e no MinistérioPúblico. Afetará diretamente o perfildessas instituições, o ritmo em que seconcretiza a prestação de serviços juris-dicionais, o acesso à justiça e o fun-cionamento do sistema de justiça. Oaspecto simbólico da emenda devetambém ser ressaltado, pois ela repre-senta a possibilidade de mudanças emuma instituição que é tradicionalmenterefratária a elas.

As várias medidas aprovadas, porém,não esgotam a proposta de reforma doJudiciário. Além dos itens que terão devoltar para a Câmara dos Deputados porterem sido modificados no Senado –entre eles, a súmula impeditiva de recur-sos para o STJ e para o TST, o fim donepotismo e do fórum privilegiado paraautoridades –, há uma série de outraspropostas que provocarão efeitos naprestação jurisdicional. Entre essas pro-postas, destacam-se as mudanças noscódigos de processo civil e penal, com afinalidade de simplificar e constrangeras possibilidades de recurso. Há tam-bém incentivos à disseminação de práti-cas de gerenciamento e de simplificaçãoque não dependem de alterações nemna Constituição nem na legislação infra-constitucional.

2.7. A justiça não estatal e a ampliação do acesso à justiça

O Estado não tem o monopólio daaplicação da justiça, e dificilmente have-ria como justificar que toda e qualquerquestão terminasse no Poder Judiciário.Na verdade, várias instituições sempreexerceram esse papel, como, por exem-plo, igrejas e lideranças locais. Masenquanto nos países desenvolvidos fun-cionam os meios alternativos para asolução de disputas, no Brasil ainda émuito restrito o recurso a instituiçõesencarregadas de exercer a arbitragem, amediação e a conciliação. O juízo arbi-

tral, a chamada Lei Maciel de 1996, jáfoi, inclusive, regulamentado. Mas o paísainda está muito distante de aproveitartodo o potencial das alternativas exis-tentes para a resolução de conflitos.

O número de procedimentos arbitraisé pequeno quando comparado com osmilhares de processos existentes noJudiciário, mas a adoção do sistemacomo alternativa à justiça estatal temcrescido ano a ano. Levantamento feitopelo Conselho Nacional das Instituiçõesde Mediação e Arbitragem (Conima) nas75 câmaras arbitrais existentes no paísmostra que, em 2003, 3.644 casosforam solucionados pela arbitragem. Apartir de 2000, a média desse cresci-mento tem variado entre 3% e 5% aoano. Já a mediação cresceu 141,4% emquatro anos, passando de 263 casos em1999 para 635 em 2003.

Nesse levantamento, chama aatenção o fato de a arbitragem ter tidouma aplicação muito maior na área tra-balhista do que na cível ou na comer-cial. Em 1999, por exemplo, dos 2.328procedimentos, 2.218 foram trabalhis-tas e 110 das áreas cível e comercial.Em 2003, das 3.009 arbitragens, 2.858foram trabalhistas.

Vale ressaltar que a carreira e a cul-tura profissional na área do direitolimitam as possibilidades de expansãodos meios alternativos de acesso àjustiça. As duas carreiras jurídicas queprimeiro consolidaram o processo deprofissionalização no Brasil – juízes eadvogados16 – defendem a exclusivi-dade de sua atuação nos conflitosjurídicos. Nem mesmo a Associação deJuízes para a Democracia, criada em1991 e que hoje conta com 300 ma-gistrados, deteve-se sobre os proble-mas do acesso à justiça para os não-privilegiados, evitando abordar a pos-sibilidade de ampliação de ação cívicapara os leigos e a quebra do mono-pólio do profissional de direito.

141 Brasil: o estado de uma nação

3. A AÇÃO DO ESTADO E A RELAÇÃODOS PODERES LEGISLATIVO EEXECUTIVO

3.1. Presidencialismo de coalizão,formação de governos e poderes de agenda

Foi a República de 1946 que inau-gurou no Brasil o presidencialismo decoalizão17: o presidente organizava suabase de sustentação distribuindo pos-tos na estrutura do Executivo e verbasorçamentárias aos grandes partidosenquanto estes garantiam os votosnecessários à aprovação do programade governo18. Mas os partidos do perío-do democrático antes de 1964 nãoeram disciplinados, o que não assegu-rava ao presidente o apoio coeso dospartidos da coalizão de governo natramitação das matérias de seu inte-resse (Santos, 1997). Após 1988, aocontrário, o Executivo passa a ser dota-do de inúmeros instrumentos de inter-venção nos trabalhos legislativos e oslíderes partidários se mostram capazesde disciplinar o comportamento deseus membros em plenário (Figueiredoe Limongi, 1999).

A Constituição de 1988 mudou dras-ticamente as regras que organizam oprocesso decisório e determinam a dis-tribuição de poder entre o Executivo e oLegislativo. A legislação atual mantevetodos os poderes legislativos do presi-dente – que haviam sido introduzidospelos governos militares com o objetivode reforçar o poder do Executivo emrelação ao Legislativo. Da mesma forma,a atual organização do Congresso, alta-mente centralizado, difere muito daque-la que vigorava na democracia de 1946.A distribuição de direitos e recursos parlamentares favorece os líderes par-tidários, e estes, juntamente com o pre-sidente da Casa, exercem rígido controlesobre a agenda do Legislativo. Alémdisso, podem representar suas bancadase com isso controlar o plenário. Naprática, tomam as decisões referentes avotações nominais, apresentação deemendas, pauta e ordem de votação daspropostas legislativas. Os quadros 5 e 6mostram as diferenças entre os doisperíodos democráticos no que dizrespeito aos poderes legislativos dopresidente e às prerrogativas procedi-mentais dos líderes partidários naCâmara dos Deputados.

QUADRO 5 – Poderes de agenda do Executivo – Constituição de 1946 e 1988

Poderes de agenda do Executivo Constituição de 1946 Constituição de 1988

Fonte: Constituição da República Federativa do Brasil (1988) e Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (1946).

Ter iniciativa exclusiva para:– Projetos de leis administrativas Sim Sim– Projetos de leis orçamentárias Não Sim– Projetos de leis tributárias Não Sim

Propor emendas constitucionais Não Sim

Editar medidas provisórias com força de lei Não Sim

Editar leis delegadas (sob delegação expressa do Congresso) Não Sim

Solicitar tramitação urgente para seus projetos Não Sim(votação em 45 dias em cada Casa)

Limitar emendas orçamentárias do Congresso Não Sim

142Brasil: o estado de uma nação

QUADRO 6 – Prerrogativas dos líderes partidários – 1946-1964 e pós-1988

Prerrogativas dos líderes 1946-64 Pós-1988*

Fonte: Regimentos Internos da Câmara dos Deputados (1947, 1955 e 1989).Nota: * As prerrogativas foram implementadas a partir do Regimento Interno da Câmara – datado de 1989.

Determinar a agenda do plenário Não Sim

Representar todos os membros do partido no Legislativo (bancadas) Não Sim

Restringir emendas e votações em separado Não Sim

Retirar os projetos das comissões por meio de requerimentos de urgência Restrito Amplo

Nomear e substituir membros das comissões Sim Sim

A existência dessa concentração depoderes de agenda não autoriza a con-clusão, contudo, de que o chefe doExecutivo pode governar de maneiraunilateral. Os presidentes dependemdo Congresso para aprovar sua agendalegislativa e, por isso, precisam definiruma estratégia de relacionamento como Legislativo. Dessa forma, ainda que

formalmente o presidente tenha plenaliberdade de escolha, a formação daequipe ministerial visa obter apoio par-tidário no Congresso. Duas decisõessão fundamentais: de um lado, a dopresidente, de ceder cargos para ospartidos; de outro, a dos partidos, deaceitarem fazer parte da base de apoioao governo.

A prática do presidencialismo de coalizão é a norma no Brasil. Na década

de 90, todos os governos tiveram apoio pluripartidário no Legislativo, a maio-

ria contando com mais de quatro partidos no Ministério. Das coalizões for-

madas no período, dez em quinze foram majoritárias, isto é, contaram com

partidos cujo número de cadeiras ficou acima dos 50% da Câmara dos

Deputados.

Como mostra a tabela 4, apenas cinco coalizões de governo foram

minoritárias, tendo sido três delas durante o governo Collor. O governo

Fernando Henrique ficou sem uma base majoritária de apoio apenas no últi-

mo ano de mandato, quando o PFL e o PTB saíram da coalizão para apoiar

candidatos não-governistas na sucessão presidencial. Por sua vez, o presi-

dente Luís Inácio Lula da Silva decide formar inicialmente uma coalizão

minoritária, reunindo apenas os partidos que faziam parte da aliança eleitoral

para o primeiro turno e que o apoiaram no segundo turno das eleições.

Posteriormente, foram promovidas mudanças no Ministério e recuperado o

padrão usual de coalizões governamentais majoritárias.

QUADRO 7 – A força das coalizões majoritárias

143 Brasil: o estado de uma nação

À medida que se consolida o presi-dencialismo de coalizão verifica-se afidelidade dos parlamentares que for-mam a base governista à agenda dogoverno. Isso é mostrado na tabela 5adiante, que apresenta os resultadosdas votações nominais, ou seja, asvotações mais importantes, que ocor-rem no caso de emendas constitu-cionais e leis complementares ou quan-do solicitadas pelos líderes partidáriosem virtude de divergências em ple-nário. Nessa tabela são apresentadosos votos dados pelas bancadas dos par-tidos da base do governo em duas si-tuações: “coalizão unida”, quando to-

dos os líderes dos partidos da coalizãoindicam posição favorável à propostado governo em votação; e “coalizãodividida”, quando ao menos um líderda coalizão anuncia posição contrária àdo governo. Em poucas ocasiões (96em 743 votações) um partido da coa-lizão encaminha voto contrário àposição do governo. Além disso, osparlamentares filiados a partidos go-vernistas votam com seus líderes quan-do estes apóiam o governo. Em média,90,8% dos parlamentares votam favo-ravelmente à agenda do governo. Esseapoio não sofre variação com os dife-rentes presidentes.

Tabela 4 – Coalizões de governo e proporção de cadeiras na Câmara dosDeputados – 1989-2004

PresidentePartido

doPresidente

Partidos nasCoalizões de Governo

Inícioda

Coalizão Dias Meses

% Cadeirasna Câmara(na data de

início)

Duração daCoalizão

Fonte: Meneguello (1998); Banco de Dados Legislativos, Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap);www.planalto.gov.br Elaboração própria.Notas: * Composição dos Blocos Parlamentares:BLOCO1 = PFL, PRN, PMN, PSC e PST; BLOCO2 = PFL, PSC, PRN e PL; BLOCO3 = PFL, PSC e PRN; BLOCO4 = PFL, PSC e PRS; BLOCO5 = PPB, PL e PMDB, PMN, PSC, PSD e PSL; BLOCO6 = PFL, PL, PMN, PSC, PSD, PSL e PST; BLOCO7 = PL, PSL.** O PDT rompe oficialmente com o governo Lula e deixa a base aliada em 12 de dezembro de 2003 (Folha de SP); no entanto,manteve-se o critério de mudança ministerial com a saída do ministro Miro Teixeira em janeiro de 2004.Obs.:Critérios: (1) mudança de mandato e mudança na composição partidária do ministério (saída ou entrada de ministro de umnovo partido formalmente membro da coalizão); e (2) início de nova legislatura ou de bloco parlamentar, alterando, portanto, opercentual de cadeiras da coalizão no Congresso.

Sarney 2 PMDB PMDB-PFL 01/10/1988 529 17 64,40

Collor 1 PRN PRN-PDS-PFL 15/03/1990 322 10 29,76

Collor 2 PRN PRN-PDS-PFL (BLOCO1)* 01/02/1991 438 14 34,99

Collor 3 PRN PDS-PTB-PL-PFL (BLOCO2)* 15/04/1992 168 5,5 43,54

Itamar 1 Sem Partido PSDB-PTB-PMDB-PSB- PFL (BLOCO3)* 01/10/1992 333 10 60,04

Itamar 2 Sem Partido PSDB-PTB-PMDB-PP-PFL (BLOCO3)* 31/08/1993 146 5 62,82

Itamar 3 Sem Partido PSDB-PP-PMDB-PFL (BLOCO4)* 25/01/1994 340 11 55,27

FHC I 1 PSDB PSDB-PTB-PMDB-PFL 01/01/1995 449 14 57,26

FHC I 2 PSDB PSDB-PTB-PMDB-PF-PPB (BLOCO5)* 26/04/1996 979 32 80,51

FHC II 1 PSDB PSDB-PMDB-PPB-PTB-PFL (BLOCO6)* 01/01/1999 1.159 38 79,34

FHC II 2 PSDB PMDB-PSDB-PPB 06/03/2002 300 9 45,22

Lula 1 PT PT-PL-PCdoB-PDT-PPS-PSB-PTB 01/01/2003 355 11,5 41,91

Lula 2 PT PT-PMDB-PSB-PCdoB-PPS-PL-PTB 23/01/2004** 282 9 61,21

(BLOCO7)*

144Brasil: o estado de uma nação

Tabela 5 – Apoio da coalizão do governo à agenda do Executivo* – votações nominais, 1989-2004

Coalizãode

governoN° votaçõesprojetos do

governo

% deDisciplina***

N° votaçõesprojetos do

governo

N° votaçõesprojetos do

governo

% deDisciplina***

% deDisciplina****

Coalizão unida** Coalizão dividida*** Total

Fonte: Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado Federal (Prodasen), Câmara dos Deputados, Diário doCongresso Nacional; Banco de Dados Legislativos do Cebrap.Notas: * Segundo a indicação dos líderes e os votos das bancadas.** Todos os líderes dos partidos da coalizão de governo indicam de acordo com a proposta de voto do líder do governo – incluicasos em que pelo menos um líder lidera a bancada.*** Pelo menos um líder dos partidos da coalizão de governo se opõe à indicação de voto do líder do governo. **** Percentual de votos dos membros dos partidos da coalizão de governo.

Sarney 2 7 87,8 1 19,0 8 79,2Collor 1 48 92,2 15 54,5 63 83,2Collor 2 8 94,9 1 78,6 9 93,1Collor 3 – – – – – –Itamar 1 22 83,8 9 64,7 31 78,3Itamar 2 1 95,1 1 79,2 2 87,1Itamar 3 3 95,9 1 69,6 4 89,4FHC I 1 85 90,8 9 54,9 94 87,4FHC I 2 218 88,5 11 61,5 229 87,2FHC II 1 158 92,1 39 78,2 197 89,3FHC II 2 14 93,6 1 65,3 15 91,7Lula 1 66 96,3 6 70,5 72 94,2Lula 2 17 89,0 2 31,3 19 83,0Total 647 90,8 96 66,8 743 87,7

Quando a coalizão está dividida, osvotos dos parlamentares a favor dogoverno caem para 57,8%. Isso sugereque o apoio dos membros dos partidosda coalizão não é incondicional.Quando líderes partidários se colocamcontra o governo, os parlamentaresvotam de acordo com a posição de seupartido. Isso permite concluir que ogovernismo não é incondicional e tembases partidárias. Em outras palavras, ogoverno negocia apoio com os par-tidos, e não individualmente. O apoiodo partido, em geral, garante o voto dabancada.

3.2. O controle do Executivo sobre aagenda do Legislativo e a produçãolegislativa do Congresso

A concentração de poderes institu-cionais de agenda no Executivo e a cen-tralização do processo legislativo signifi-cam que os membros do Congressotêm, individualmente, menor capaci-

dade de influenciar o que, como e quan-do as propostas legislativas serãovotadas. São restritas, enfim, as oportu-nidades para perseguir estratégiasditadas por interesses pessoais. Dessemodo, aumenta a importância doExecutivo na produção legal, assimcomo a probabilidade de que suas pro-postas legislativas sejam bem-sucedidas.

A comparação da produção legislati-va nos dois períodos democráticosmostra a diferença entre o papel doExecutivo e do Legislativo. O gráfico 11mostra que a média mensal de leisaprovadas pelo Legislativo na democra-cia de 1946 era muito maior. OLegislativo exercia um papel muitomais atuante. Tinha inclusive iniciativade lei em matérias orçamentárias, prer-rogativa que foi perdida com aConstituição de 1988. O contrasteentre a dominância e o sucesso doExecutivo não poderia ser maior quan-do se analisam os dois períodosdemocráticos. Enquanto no primeiro o

145 Brasil: o estado de uma nação

Executivo era responsável pela iniciati-va de apenas 38,5% das leis federais,no atual essa porcentagem chega a86%.

Da mesma forma, o sucesso dosgovernos mais recentes em aprovarsuas propostas legislativas é conside-ravelmente superior ao dos governosao longo da democracia de 1946.Naquele período, os governos apro-varam, em média, 29,5% dos projetos

de lei enviados ao Congresso pelo pre-sidente. Hoje, os chefes do Executivoaprovam cerca de 73% de suas pro-postas legislativas.

Essas taxas são comparáveis às quese obtêm em países parlamentaristas.Tomando como exemplo a Alemanha,verificam-se taxas médias de 81% dedominância e 69% de sucesso, portan-to, mais baixas que as brasileiras nadécada de 70.

Pode-se dizer que na democracia de1946 os dois poderes compartilhavama agenda legislativa. Esse quadro sereverte ao longo do período autoritárioe é mantido após a Constituição de1988. O custo da iniciativa de lei doCongresso aumentou significativa-mente em face do aumento do poderlegislativo do presidente.

A produção legislativa dos parla-mentares brasileiros no período poste-rior à promulgação da Constituição de

1988 é inferior à de alguns países sul-americanos. Por exemplo, entre 1983 e1995, 51% das leis aprovadas naArgentina foram propostas por mem-bros do Congresso (Mustapic, 2000);na Colômbia, entre 1986 e 1994, esseíndice correspondeu a 27% (UngarBleier, 2000); no Chile, entre 1990 e1999, foi equivalente a 20% (GodoyArcaya, 2001).

O Congresso brasileiro, contudo,jamais fez uso de sua prerrogativa

146Brasil: o estado de uma nação

constitucional de autorizar referendo econvocar plebiscito, apesar da im-portância e da abrangência das mu-danças constitucionais aprovadas noperíodo recente. O que não ocorre emvários países, onde a consulta popularpara decisões fundamentais é práticarecorrente, como por exemplo, naquestão do aborto, nos EstadosUnidos.

Cabe mencionar ainda a inovaçãoconstitucional que garante a apresen-tação de projetos de lei por iniciativapopular, com a exigência de subscriçãopor “no mínimo, um por cento doeleitorado nacional, distribuído pelomenos por cinco estados, com nãomenos de três décimos por cento doseleitores de cada um deles” (Artigo 61,VIII). Mas apenas um único projeto de

iniciativa popular foi até agora bem-sucedido: a aprovação da Lei no 9.840,que define como crime eleitoral a com-pra de votos. Desde 2000, ano em queessa lei passou a vigorar, 155 mandatosforam cassados (Figueiredo, 2004).

A análise da produção legislativanacional, todavia, requer mais do que averificação do maior ou menor pre-domínio do Executivo ao longo dotempo. É importante avaliar essa pro-dução do ponto de vista do assunto eda abrangência dessa legislação. Paratanto, adaptou-se a tipologia criadapor Taylor-Robinson e Diaz (1999), queclassifica os projetos de lei de acordocom a sua abrangência e seus efeitos,sendo acrescentada uma classificaçãode acordo com o assunto de quetratam (ver gráfico 12).

147 Brasil: o estado de uma nação

Quanto à abrangência dos projetosde lei apresentados, Taylor-Robinson eDiaz definem cinco categorias: “indi-vidual”, quando têm como alvo umúnico ou poucos indivíduos, como oshonoríficos e os que concedem pensãoa viúvas de ex-presidentes; “local”,quando têm por objeto um único ouum pequeno número de municípios;“regional”, quando enfocam um ou

alguns estados ou regiões do país;“setorial”, quando tratam de um deter-minado setor da economia ou ramo deatividade profissional, como os proje-tos de regulamentação do exercício denovas profissões; e “nacional”, quandoos projetos afetam indiscriminada-mente todos os grupos de cidadãos,regiões, estados e municípios (ver grá-fico 13).

Taylor-Robinson e Diaz subdividiramainda os projetos em quatro catego-rias, segundo seus efeitos: “benéficos”são os que concedem benefícios a indi-víduos, instituições – uma prefeitura,por exemplo –, regiões, grupos sociaisou ao país como um todo; “onerantes”são os que impõem ônus financeirosou regulatórios; “mistos” são os quebeneficiam algumas pessoas e aomesmo tempo oneram outras – porexemplo, os que provêem proteção auma bacia hidrográfica, que traz bene-fícios ecológicos mas impõe custos aagricultores e indústrias locais; e “neu-

tros”, que não prejudicam nem ajudamas pessoas, como aqueles que come-moram um acontecimento específico,estabelecem um dia de festa sem con-ceder um feriado aos trabalhadores, ouespecificam um contrato já existente(ver gráfico 14).

Com relação aos assuntos, nove ca-tegorias foram criadas: administrativa,econômica, honorífica, orçamentária,política, social, cultural, científica e tec-nológica, e ecológica, definidas a partirdo sumário e palavras-chave, ou pelotópico mais proeminente quando oprojeto trata de vários temas.

148Brasil: o estado de uma nação

Quanto aos assuntos, a predomi-nância na produção dos integrantes doLegislativo recai sobre o social. Ostemas de natureza econômica e admi-nistrativa também são áreas impor-tantes de produção dos congressistas,mas em patamar significativamenteinferior ao social.

Quanto a seu efeito, as leis origi-nadas no Legislativo são quase exclusi-vamente benéficas ou neutras. Leisonerosas aparecem apenas em 2002, eas mistas simplesmente não foramobservadas. Por sua vez, ao contráriode uma produção eminentementeparoquial, as leis iniciadas peloLegislativo são predominantemente deabrangência nacional, seguidas donível de abrangência setorial e local.Algumas teorias correntes sobre aoperação do presidencialismo no Brasilapontam a existência de incentivoseleitorais ao paroquialismo legislativo.Não é isso, contudo, que se verifica apartir dos dados relativos às leis.

No que se refere às leis de iniciativado Executivo, os assuntos predomi-

nantes são de natureza econômica eadministrativa. Os temas de naturezasocial também são importantes, masem patamar inferior aos dois primeiros.No tocante a seu efeito, a produçãolegal do Executivo é bastante distintadas leis originadas no Legislativo.Embora leis neutras ou que produzembenefícios tenham alta incidência, asonerosas e principalmente as mistasaparecem de modo sistemático.Quanto à abrangência das leis produzi-das pelo Executivo, a grande maioria énacional, como as produzidas peloscongressistas.

O papel e a agenda dos dois poderesna produção legal podem ser resumi-dos da seguinte forma: o Legislativotem participação pequena e comple-mentar na iniciativa de matérias que seconvertem em leis no país; nos rarosmomentos em que isso acontece, a le-gislação produzida pelos congressistasé de natureza social, abrangêncianacional e gera benefícios ou é neutraem seus efeitos. O Executivo, por suavez, define a agenda legislativa, o que

149 Brasil: o estado de uma nação

Poder de veto – Trata-se deprerrogativa do presidenteda República de vetar,parcial ou totalmente,projetos de lei aprovadospelo Congresso Nacional.Pela Constituição de 1988, o veto do Executivo pode ser rejeitado pela maioriaabsoluta dos membros dasduas casas legislativas.

dá origem a um conjunto de leis denatureza econômica e administrativa,também de abrangência nacional, masque onera e impõe custos com algumafreqüência.

Cerca de 46% do conteúdo da legis-lação de iniciativa do Legislativo cor-respondem, como foi visto, a direitossociais, de cidadania, do consumidor e àecologia. Dentro desse subconjunto,encontram-se leis como proibição deexigência de atestado que comproveesterilidade ou gravidez de candidatos aemprego; substituição progressiva daprodução e da comercialização de pro-dutos que contenham abesto/amianto;obrigação de declaração da taxa dejuros mensal e demais encargos finan-ceiros a serem pagos pelo comprador,incidentes sobre as vendas a prestação;definição da estabilidade do concubina-to público e contínuo entre homem emulher não impedidos de casar porperíodo superior a um ou dois anos; dis-tribuição gratuita de medicamentos aosportadores do HIV e doentes de Aids;obrigação da inclusão de dispositivo desegurança que impeça a reutilização deseringas descartáveis; obrigação dereprodução pelas editoras de obras emcaracteres braile; isenção de impostosna aquisição de automóveis para pes-soas portadoras de deficiência física; eregulamentação da doação de órgãos.

Em contraste, alguns exemplos deprojetos do Executivo, recentementeaprovados ou em tramitação, incluemo sistema de aposentadoria rural, amodificação da CLT, a criação do FundoSocial de Emergência e a Lei deResponsabilidade Fiscal, todas, poten-cialmente, de considerável impactoredistributivo.

A análise dos vetos, por sua vez,mostra que 86% dos que são totaisincidem sobre projetos de autoria dedeputados e senadores, e 61% dosvetos parciais incidem sobre matérias

propostas pelo Executivo, que modifi-cadas sofrem a intervenção parcial dogoverno. Considerando que apenas 11de 447 vetos, parciais e totais, foramrejeitados pelo Congresso, tudo indicaque este é de fato um poderoso instru-mento para reverter alterações feitaspelos deputados e senadores, assimcomo para bloquear a aprovação deprojetos de iniciativa parlamentar.

3.3. Mudança de status quo legal por meio das medidas provisórias

O poder de editar medidas pro-visórias (MPs), concedido pelaConstituição de 1988 ao Executivo, é omais contundente instrumento deintervenção do presidente no processodecisório do Legislativo. Alguns au-tores, como Monteiro (1999) e Pes-sanha (1997), percebem essa prer-rogativa como adaptação, no contextoda redemocratização, do antigo decre-to-lei constante da Carta outorgada em1967. Por meio do decreto-lei, os presi-dentes do período autoritário podiam,em casos de urgência e relevância, emi-tir decretos com força de lei que pro-duziam efeitos imediatamente apóssua publicação, com prazo de 60 diaspara apreciação pelo Congresso. Afigura do decurso de prazo garantia aaprovação do decreto no caso da nãoapreciação dentro do prazo determina-do. Além disso, quando votados, osdecretos não podiam sofrer emendas e,na hipótese de rejeição, os efeitoslegais vigentes durante seu período devalidade não eram revogados19.

Três fases marcam a história do usodas MPs no processo decisório bra-sileiro. No primeiro momento, após aaprovação da Carta de 1988, o entãopresidente José Sarney recorre ao instru-mento para legislar sobre assuntos cujapremência, isto é, relevância e urgência,estiveram longe de obter comprovação.

150Brasil: o estado de uma nação

Com isso, ficou claro para os atorespolíticos da época que o texto constitu-cional não definia os limites substan-tivos para a edição de MPs. Cabia aopróprio Executivo estabelecer a urgênciae relevância das MPs editadas, e aoCongresso, aceitá-las. Ainda durante apresidência de José Sarney, quando estereeditou uma medida provisória quenão obtivera apreciação congressual noprazo estipulado de 30 dias, formou-seuma comissão especial no Congresso

que se pronunciou favoravelmente àtese da reedição, decisão ratificada peloSupremo Tribunal Federal.

A partir de então, até 1993, o núme-ro de reedições é pequeno, mesmo noano de 1990, por ocasião do Plano Col-lor. A partir de 1994, durante a imple-mentação do Plano Real, o número dereedições cresce e se torna uma práticade governo (ver gráfico 15).

A última fase é marcada pelaaprovação da Emenda Constitucional

no 32, de setembro de 2001, cujo objeti-vo foi o de modificar a regulamentaçãoem torno da utilização e reedição dasmedidas provisórias. Essa alteração vedaMPs em certas matérias e proíbe seu usona regulamentação de reformas consti-tucionais aprovadas até a promulgaçãoda emenda, transforma sua tramitaçãoem bicameral – com apreciação separa-da por cada uma das casas legislativas –e restringe as reedições. A validade daMP passa a ser de 60 dias, sendo permi-tida apenas uma reedição. Porém, o que

limita de fato as reedições é a regra quedita que, se uma MP não for apreciadaem até 45 dias de sua publicação,entrará em regime de urgência, subse-qüentemente em cada uma das casas doCongresso, impedindo todas as demaisdeliberações legislativas da Casa em queestiver tramitando. Isso significa que, do46o ao 60o dia de sua tramitação, umaMP não apreciada bloqueia a pauta le-gislativa da Câmara ou do Senado, o querepresenta um forte incentivo para a suaaprovação na primeira edição.

151 Brasil: o estado de uma nação

É preciso identificar dois pontosimportantes em relação à utilizaçãodas medidas provisórias. Primeiro, aquestão de relevância e urgência nãopossui definição precisa no textoconstitucional. Segundo, a reediçãoera a forma predominante de alte-

ração do status quo legal no país atéa nova redação da Constituição,advinda da emenda de 2001. A ta-bela 6 permite averiguar a evoluçãodo uso de medidas provisórias peloExecutivo no período de 1990 até oano 2004.

Tabela 6 – Medidas provisórias por governo, 1990-2004*

Originá-rias

1990

mar./dez. jan./dez. jan./out.

1991 1992 1992

out./dez. jan./dez. jan./dez.

1993 1994 1995

jan./dez. jan./dez. jan./dez.

1996 1997

jan./dez.

1998

Fernando Collor Itamar FrancoFernando H. Cardoso

1o Governo

Fonte: Presidência da República.Nota:* Não inclui as MPs reeditadas.

Quantidade

Média mensal

Quantidadetotal por governo

Média mensal porgoverno

76 9 4 4 47 91 30 41 34 55

8 0,75 0,44 1,33 3,92 7,58 2,5 3,42 2,83 4,58

89 142 160

2,92 5,26 3,33

Originá-rias

1999

jan./dez. jan./dez. jan./set.

2000 2001 2001/2002(15 meses) 2003 2004 2003 2004

Lula

Aprovadas Tramitando

Fernando H. Cardoso

2o Governo

FHC

após PEC 32/2001

Quantidade

Média mensal

Quantidadetotal porgoverno

Médiamensal por governo

47 23 33 102 56 31 30

3,92 1,92 3,67 6,8 5,6

103 102 121

3,12 6,8 5,5

A alteração nos procedimentos deaprovação das MPs não alterou o usoque os governos fizeram desse instru-mento legislativo. Pelo contrário, comose observa, a média anual de medidasprovisórias editadas aumentou após aemenda constitucional. Ainda que areedição contínua de MPs não excluíssea participação dos parlamentares,especialmente nas suas alterações, osnovos procedimentos requerem a dis-cussão e aprovação das MPs em

plenário, o que dá maior visibilidade eaumenta a possibilidade de controlepúblico sobre o processo decisório noCongresso Nacional.

Quanto aos assuntos tratados pelasMPs, optou-se por uma classificaçãodiferente da anterior em função damenor diversidade e da necessidade dedetalhar os temas econômicos queforam objeto de MPs. O gráfico 16 aseguir fornece os dados a esse respeitopara o período entre 1988 e 2000.

152Brasil: o estado de uma nação

Nota-se uma reprodução do que seviu no contexto de aprovação de proje-tos de lei: a ênfase do Executivo recaisobre temas econômicos e administra-tivos. Nada menos do que 330 medidasoriginais (58% do total de MPs) refe-rem-se a questões econômicas, taiscomo orçamento, finanças, regulação,impostos, preços e salários, e questõesde administração de pessoal e damáquina do Estado. Fica claro tambémque não há variação significativa intraou entre mandatos presidenciais comrelação aos temas tratados pelas MPsnos diferentes governos.

Duas possibilidades de análise po-dem ser aventadas. A primeira observaque os governos brasileiros nesseperíodo perseguem a mesma agendapor afinidades eletivas, variando aestratégia de relacionamento com oCongresso, o que, como se verificou,produz impactos importantes quantoao uso das MPs. A segunda, que oExecutivo sofre pressões muito fortes ea ênfase quanto à organização da

agenda será sempre e necessariamenteeconômica e administrativa.

Independentemente da especulaçãoque se possa fazer em torno do assun-to, o fato é que a medida provisória éum instrumento poderoso de alteraçãodo status quo legal do país, especial-mente nas áreas econômicas e adminis-trativas, e o sucesso em sua utilizaçãovaria em função de o presidente terestabelecido ou não uma linha de co-operação com os grandes partidos noCongresso.

Em suma, o quadro aqui apresentadomostra que o chamado presidencialismode coalizão tem proporcionado con-dições de governabilidade, sendo insti-tucionalmente construído para favore-cer a tramitação e a aprovação da agen-da do Executivo. O sistema não pareceapresentar problemas de governabi-lidade, em geral medida pela capaci-dade do governo de implementar suaagenda legislativa, assunto que as refor-mas políticas usualmente propostasvisam solucionar.

153 Brasil: o estado de uma nação

Em governos recentes o Executivotem obtido altas taxas de sucesso naaprovação de seus projetos de lei.Verifica-se ainda que sua produção legalatinge patamares comparáveis aosencontrados em países de regime parla-mentarista. E a atuação do Congressoestá longe de ser irrelevante. O Le-gislativo brasileiro influi nas políticas degoverno impondo-lhes modificações ecumprindo o papel institucional quecabe ao legislativo em qualquer demo-cracia. Tem desempenhado importantepapel na formulação de políticas sociais,aprovando extensa legislação de garan-tia de direitos em que medidas distribu-tivas e paroquialistas são exceções, enão a regra. Não pode ser visto comoum obstáculo ao Executivo, na medidaem que este mantém de fato a direção ea liderança da agenda legislativa.

Nas atuais condições institucionais –com os poderes legislativos concentra-dos no Executivo e um processodecisório altamente centralizado nointerior do Legislativo –, a ação inde-pendente e individual dos parla-mentares encontra poucas chances desucesso. Torna-se racional, portanto,atuar por meio dos partidos, a únicaforma pela qual os parlamentares sãocapazes de exercer influência sobre apolítica pública e, dessa forma, pleitearmandatos junto ao eleitorado.

O Executivo não pode ser considera-do a parte mais fraca nas negociaçõescom o Legislativo. Ao contrário, os par-lamentares não têm, individualmente,como colocar o Executivo em xeque.Para que essa ameaça seja efetiva, têmde coordenar suas ações de forma aproduzir uma proposta que, além decontrária aos interesses do Executivo –e, por essa razão, ser considerada umaameaça –, represente a convergênciade interesses da ampla maioria dosparlamentares e de seus compromissospartidários e regionais, e ainda contar

com o apoio da opinião pública. Assim,o Executivo deve levar a sério exclusiva-mente as ameaças que reúnam todasessas características, uma vez quesomente elas podem afetar os resulta-dos de uma votação e, desse modo,aumentar o poder de barganha dosparlamentares nas negociações. Dessaforma, entende-se por que parla-mentares delegam poderes aos líderespartidários.

Para o Executivo, negociar com par-tidos é vantajoso porque o apoio obti-do é mais estável e previsível a longoprazo, reduzindo os custos detransação criados pela negociação casoa caso. Na verdade, dada a distribuiçãode direitos legislativos em favor doslíderes partidários, a possibilidade deos partidos serem desconsideradospelos parlamentares ou pelo Executivoé muito pequena. Ao resolverem oproblema de coordenação com que osparlamentares se defrontam, os par-tidos passam a ser veículos das deman-das coletivas.

O papel dos partidos, porém, vaimuito além da mera acomodação prag-mática e não-programática das vota-ções parlamentares. Cabe aos líderes atarefa de conciliar os interesses elei-torais individuais dos parlamentarescom o seu posicionamento, a favor oucontra, em relação ao Executivo. A ló-gica da competição político-partidáriana arena eleitoral não entra em conflitocom a acomodação desses pleitos indi-viduais. A legislação eleitoral não gerauma oposição inequívoca entre o inte-resse individual e o partidário. E os par-tidos exercem papel fundamental natarefa de equilibrar as demandas, porbens particulares e coletivos, das clien-telas eleitorais.

A concentração de poderes legisla-tivos no Executivo e nos líderes par-tidários produz alguns dos efeitos bus-cados pelos proponentes de reformas

154Brasil: o estado de uma nação

no sistema eleitoral. O governo não seencontra paralisado por falta de apoiopartidário e parlamentar. Sendo assim,não há razões para diminuir o númerode partidos e aumentar o poder deseus líderes, seja na arena congressualou na eleitoral.

Em suma, cidadania e participaçãodizem respeito ao conjunto de direitoslegalmente garantidos à população deum país e à capacidade dos cidadãosde usufruir deles. Em todas as nações,os direitos de cidadania, incluindo ospolíticos, sociais e econômicos, foramsendo adquiridos sucessivamente. NoBrasil, porém, existe a assincronia entrea consagração de um direito e a possi-bilidade real de consumi-lo. Assim, odireito de voto, concedido às mulheresem 1932, foi utilizado uma única vezna eleição para a Constituinte de 1934,sendo as eleições canceladas nos onzeanos seguintes. O direito de greve,constitucionalmente assegurado, aindaestá por ser regulamentado.

Todas as características de umasociedade democrática moderna en-contram-se na Constituição brasileiraou em legislação posterior: liberdadede opinião, de organizações, de ir e vir,de crença, de iniciativa econômica etc.Sua concretização, contudo, esbarraem dois sérios obstáculos: a reduzidacapacidade operacional do Estado paragarantir seu usufruto e os custos doexercício desses direitos.

A incapacidade do Estado de asse-gurar a vigência de artigos constitu-cionais, em áreas conflagradas pelocrime e pelo tráfico, constitui aexpressão máxima do primeiro obstá-culo. O segundo se manifesta clara-mente entre tipos de cidadãos: os quepodem se valer da participação emconselhos comunitários e os que só dis-põem de recursos para se beneficiardas iniciativas de orçamentos participa-tivos. O mesmo ocorre, ainda com

maior força, em relação à justiça, talveza arena cívica em que a estratificaçãosocial produz suas mais perversas edramáticas discriminações.

Pela descrição de diversos aspectosda dupla “cidadania e participação”,verifica-se que os problemas cívicos dopaís não se referem à definição de umaagenda de direitos que devem ser obti-dos, como foi o caso na década de1930, na República de 45 e no regimemilitar entre 1964 e 1985. Hoje, ocatálogo de direitos do cidadãobrasileiro, garantidos por estatutoslegais constitucionais ou infraconstitu-cionais, é amplo. O núcleo da questãoconsiste em preparar o Estado para queconsiga universalizar o exercício dosdireitos a todos os brasileiros, e criar ascondições para que, pela drásticaredução em seus custos, o acessorestrito aos direitos não continuesendo a principal marca da descon-tinuidade social do Brasil.

155 Brasil: o estado de uma nação

NOTAS

1 O título completo da compilação é Perfil do eleitorado brasileiro. Resultado do recadastramento eleitoral 1986.Brasília: Subsecretaria de Informações Eleitorais.

2 Há diferenças significativas entre as Unidades da Federação: Maranhão, Pernambuco, Espírito Santo e Alagoastêm taxas de não-alistamento bem superiores à média nacional. O Distrito Federal e Santa Catarina são as úni-cas discrepâncias realmente significativas do outro lado da balança. Os demais estados gravitam em torno damédia nacional.

3 Ao contrário do que se poderia supor, a taxa de alistamento é praticamente a mesma para a população rurale urbana.

4 Legalmente, até as eleições de 1994, os votos brancos eram considerados votos válidos e somados ao deno-minador do cálculo do quociente eleitoral. Com isso, a cláusula de barreira era artificialmente levada paracima, dificultando a obtenção da primeira cadeira pelas coligações com menor apoio eleitoral. Na discussãodesta seção, essa peculiaridade é desconsiderada.

5 A dificuldade de dimensionar o número de associações está vinculada, antes de mais nada, à discussão doscritérios que seriam mais apropriados para a sua definição. O critério jurídico e formal é o que permite umrecorte inquestionável e o que mais facilmente se presta à quantificação, tendo em vista as fontes existentes.São poucas as pesquisas quantitativas e sistemáticas sobre as organizações civis no Brasil. A primeira pesquisafoi realizada por Leilah Landim e Sérgio Góes de Paula no Cadastro de Estabelecimentos do IBGE de 1991. A segunda foi realizada pelo Ipea/IBGE/Gife (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas)/Abong (AssociaçãoBrasileira de Organizações Não-Governamentais) no Cadastro Geral de Empresas (Cempre) do IBGE, nos anosde 1996 e 2002. Com base nesse cadastro, essas instituições organizaram uma base de dados que identifica eclassifica as Fundações Privadas e Associações sem Fins Lucrativos – Fasfil –, nos anos de 1996, primeiro anoda nova versão do cadastro, e de 2002, concluída em novembro de 2004. O universo de organizações civis foiidentificado a partir de cinco critérios básicos de seleção reunindo organizações privadas, sem fins lucrativos,institucionalizadas, auto-administradas e voluntárias (Abong, Gife, IBGE, Ipea Um Mapeamento das FundaçõesPrivadas sem Fins Lucrativos, Fasfil, 2002, p.34). Devido a diferenças de metodologia e na própria fonte, quesofreu modificações entre os anos de 1991 e 1996, faremos uso da pesquisa mais recente. Sendo assim, amenos que explicitamente indicadas, as informações quantitativas aqui utilizadas têm como fonte essapesquisa.

6 Os dados referentes à pesquisa Abong/Gife/IBGE/Ipea não são comparáveis devido a diferenças na metodologia.

7 Coordenado pelo Ippur/UFRJ, Fase, PUC/BH e PUC/SP, no âmbito do Pronex (Programa de Apoio aos Núcleos deExcelência), coordenado por Orlando dos Santos Júnior, Luiz César de Queiroz Ribeiro e Sérgio Azevedo.

8 Ver Santos Junior, Ribeiro e Azevedo (2004): “A pesquisa foi baseada em questionário aplicado junto aos con-selheiros municipais, através de visitas e acompanhamento às reuniões de cada Conselho. A metodologia uti-lizada em cada região metropolitana foi diferente, segundo o universo total da pesquisa. Nas regiões me-tropolitanas do Rio de Janeiro, de Recife e de Belém, buscou-se entrevistar a totalidade dos integrantes queefetivamente estavam presentes nas reuniões, enquanto que nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte ede São Paulo, em razão do número excessivo de municípios que as compõem, foram realizadas entrevistas combase em amostra selecionada previamente.”

9 Para descrição e análise dessas correlações, ver Sadek, Lima e Araújo (2001).

10 Cappelletti e Garth (1988, p.12), em texto que se tornou referência obrigatória para os estudiosos do sistemade justiça, afirmam que “a titularidade de direitos é destituída de sentido na ausência de mecanismos para suaefetiva reivindicação. O acesso à justiça pode ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico dosdireitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas procla-mar os direitos de todos”.

11 Carvalho (1991, p.105), baseado em dados de pesquisa, conclui que o sistema de justiça “é inacessível a grandemaioria dos brasileiros. Para eles, existe o Código Penal, não o Código Civil.”

12 Quando solicitados a avaliar os resultados econômicos das ações propostas por suas empresas nos últimos dezanos, 59% responderam que os benefícios superaram os custos, 11% que os custos superaram os benefíciose 13% que os custos e benefícios foram aproximadamente iguais, enquanto 17% não souberam avaliar (Idesp,2000).

13 Os dados reunidos pelo Banco Nacional de Dados do Poder Judiciário e os dos diferentes tribunais de Justiçanão permitem discriminar, na movimentação processual total, a relativa à área civil e à área criminal.

14 Artigos 24, no X, e 98, no I.

15 O novo estatuto dos advogados (Lei no 8.906/94) restringe ao máximo a prestação de serviços a título gratuito.

16 Bonelli (2002) mostra como juízes e advogados concluíram esse processo antes dos promotores, que garanti-ram a autonomia na Constituição de 1988, mas que enfrentam ainda questionamentos que visam deslegiti-mar algumas de suas atribuições. Quanto aos delegados de polícia, a autonomia é uma reivindicação do grupopercebida por muitos especialistas como problemática para a ordem democrática.

17 Ver Abranches (1988). Uma discussão atualizada desse modelo pode ser encontrada em Tavares (1997).

18 Para uma análise da dinâmica das coalizões parlamentares durante esse regime, bem como as causas de suaruptura, ver Santos (2003).