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IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa
6 a 8 de julho de 2016
Florianópolis – SC
O PROCESSO DE TRANSFORMAÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS NO MUNDO E O SEU EFEITO SOBRE O ENSINO MILITAR
George Alberto Garcia de Oliveira1
Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
1 Major de Infantaria do Exército Brasileiro. Mestre em Operações Militares, pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército Brasileiro (Rio de Janeiro-RJ). Especialista em Ciências Políticas e Estratégia, pela Associação Educacional Dom Bosco (Resende-RJ).
2
Resumo: O processo de transformação das Forças Armadas constitui, atualmente, um relevante objeto de estudo no meio acadêmico. Sem embargo, desde 1977, o sociólogo estadunidense Charles Moskos já havia iniciado a publicação de estudos sobre essa temática. O pesquisador em pauta propôs que as Forças Armadas norte-americanas, naquela época, estariam migrando de um modelo institucional, baseado em valores e normas, para um modelo ocupacional, com características mais ligadas ao mercado de trabalho. Além disso, em estudos posteriores, Moskos apontou novas características existentes entre os militares, sendo uma delas o surgimento de uma figura marcante nos exércitos pós-modernos: o soldado-acadêmico, possuidor de títulos universitários civis. Em 2006, Giuseppe Caforio apresentou os resultados de uma série de surveys realizados após 1990, nos exércitos dos EUA e dos países da Europa Ocidental. Caforio traçou o perfil dos profissionais militares ligados a esses exércitos, o que permitiu, por um lado, reforçar alguns pontos anteriormente abordados por Moskos, e por outro, apontar dois aspectos referentes ao ensino militar: o primeiro sobre o processo de aproximação com o sistema nacional de educação dos diversos países e o segundo sobre a importância da pós-graduação nas escolas militares. Do exposto, o presente trabalho tem por objetivo analisar, por meio de uma investigação bibliográfica e de análises documentais, o processo de transformação das Forças Armadas no mundo e o seu efeito sobre o ensino militar. Serão apontados, ao longo do trabalho, os principais ensinamentos oriundos das pesquisas de Moskos e Caforio sobre o processo de transformação das Forças Armadas; serão estudados, também, aspetos gerais sobre o ensino militar ao redor do mundo, oportunidade na qual será verificada a aproximação do ensino militar com o sistema nacional de educação de alguns países, bem como a oferta de programas de pós-graduação por escolas militares de forças armadas de nações amigas e do Brasil. Palavras-chave: Transformação - Forças Armadas - Ensino militar
3
INTRODUÇÃO
Dentro do vasto campo dos estudos da Defesa, o processo de transformação das
Forças Armadas reveste-se de fundamental importância, pois é por meio desse processo
que os exércitos evoluem, de modo a enfrentar os novos desafios que se apresentam no
espaço de batalha. Ademais, é interessante notar que essas transformações ocorrem,
também, pela “interface sempre mutante entre as forças armadas e a sociedade” (MOSKOS,
1986, p. 378).
A partir de 1977, o sociólogo estadunidense Charles Moskos iniciou a publicação de
estudos sobre o processo de transformação das Forças Armadas. Esse pesquisador propôs
que as Forças Armadas norte-americanas, naquela época, estariam migrando de um
modelo institucional, baseado em valores e normas, para um modelo ocupacional, com
características mais ligadas ao mercado de trabalho. Além disso, em estudos posteriores,
Moskos apontou novas características existentes entre os militares, sendo uma delas o
surgimento de uma figura marcante nos exércitos pós-modernos: o soldado-acadêmico,
possuidor de títulos universitários civis.
Em 2006, Giuseppe Caforio apresentou os resultados de uma série de surveys
realizados após 1990, nos exércitos dos EUA e dos países da Europa Ocidental. Caforio
traçou o perfil dos profissionais militares ligados a esses exércitos, o que permitiu, por um
lado, reforçar alguns pontos anteriormente abordados por Moskos, e por outro, apontar dois
aspectos referentes ao ensino militar: o primeiro sobre o processo de aproximação com o
sistema nacional de educação dos diversos países e o segundo sobre a importância da pós-
graduação nas escolas militares.
Dessa forma, pode-se perceber que existe uma ligação entre a transformação das
Formas Armadas e o ensino militar, o que motiva a realização de pesquisas acadêmicas que
possam correlacioná-las.
Com base no exposto, o presente artigo tem como objetivo analisar o processo de
transformação das Forças Armadas no mundo e o seu efeito sobre o ensino militar, com
base em pesquisas bibliográfica e documental.
O presente trabalho, além desta Introdução e da Conclusão, possui um
Desenvolvimento organizado em três seções. Na primeira Seção do Desenvolvimento, serão
apontados os principais ensinamentos oriundos das pesquisas de Moskos e Caforio sobre o
processo de transformação das Forças Armadas e o ensino militar. Na segunda Seção,
serão estudados aspectos gerais sobre o ensino militar ao redor do mundo, oportunidade na
qual serão abordadas a aproximação desse ensino com o sistema nacional de educação de
alguns países, bem como a oferta de programas de pós-graduação por escolas militares de
nações amigas. Na terceira Seção, será estudada a influência do processo de
transformação das Forças Armadas em relação ao ensino militar no Brasil.
4
DESENVOLVIMENTO
Os Principais Ensinamentos Oriundos das Pesquisas de Moskos e Caforio sobre
o Processo de Transformação das Forças Armadas e o Ensino Militar
Em 1977, Charles Moskos, um sociólogo estadunidense, publicou um artigo na revista
Armed Forces & Society, intitulado From Institution to Occupation: Trends in Military
Organization. Nesse trabalho, Moskos explora algumas transformações importantes pelas
quais passava a profissão militar nos Estados Unidos da América. Na sua visão, as Forças
Armadas norte-americanas estariam migrando de um modelo institucional para um modelo
ocupacional.
Os modelos institucional e ocupacional são usados por Moskos para “(...) descrever
concepções alternativas da organização social militar” (MOSKOS, 1977, p. 42), a partir de
uma criteriosa tentativa de diferenciação dos termos instituição e ocupação.
Moskos considera que uma instituição é legitimada em termos de valores e normas,
sendo que o seu propósito transcende o interesse individual, com vistas a alcançar um bem
maior. Seus membros se consideram diferentes, com características próprias, que os fazem
pertencer a um grupo à parte do restante da sociedade. As noções de auto sacrifício e
dedicação estão internalizadas em seus membros. O salário não é o ponto central da
carreira, podendo ser compensado por benefícios sociais e simbólicos. Mesmo com o
aparecimento de demandas, seus membros não se articulam em grupos de interesse. Cada
indivíduo procura resolver suas demandas separadamente, recorrendo ao seu superior
hierárquico e internamente, em vez de recorrer ao Judiciário.
Nesse sentido, o sociólogo estadunidense afirma que o “serviço militar tem tido muitas
características institucionais” (MOSKOS, 1977, p. 42). O militar é consciente de alguns
aspectos peculiares de sua profissão, tais como as missões no exterior de longa duração, o
fato de estar 24 horas disponível (militar 24 horas/dia), frequentes movimentações sua e de
sua família, a sujeição à disciplina e à lei militares e a impossibilidade de realização de
greves ou de negociação no tocante às condições de trabalho. Ressalta-se que tudo isso
pode ser acrescido ao perigo inerente da vida militar, marcada pelas constantes manobras e
operações de combate.
Outra característica institucional significante reside no sistema remuneratório militar,
que traz consigo certas compensações in noncash form, tal como a comida oferecida nos
refeitórios, as residências que podem ser alugadas a preços abaixo daqueles praticados
pelo mercado, além dos benefícios da previdência militar. Além disso, o salário recebido
pelo militar está diretamente ligado ao seu posto, antiguidade e necessidade, e não
necessariamente ligado à sua expertise profissional.
Em relação ao ensino militar, Moskos (1977, p. 43) afirma que “o sistema educacional
militar para os oficiais de carreira – como tipificado pelas escolas de comando e escolas de
5
guerra – é tanto um reforço institucional quanto um treinamento profissional estreito”. Assim,
fica perceptível que as escolas militares têm grande poder de internalizar em seus alunos
crenças e valores. Por essa razão, Lovell (1976) chegou a comparar as academias militares
a seminários religiosos.
Uma ocupação, por sua vez, é legitimada em termos de mercado de trabalho,
prevalecendo a ideia geral do salário equivalente à competência demonstrada. Os
empregados disfrutam de certa voz na determinação do salário e das condições de trabalho
apropriados, sendo que tal característica é contrabalanceada pelas obrigações contratuais.
No formato ocupacional, os sindicatos articulam os empregados da indústria e da área
governamental com interesses comuns.
De acordo com Moskos (1977, p. 43), “o modelo ocupacional implica prioridade do
interesse pessoal”, o qual estaria acima dos interesses da organização empregadora.
Talvez, por características como essa, os militares têm sabido evitar que suas fileiras
incorporem muitas características do modelo ocupacional (ou esse modelo em sua
plenitude). O que ocorreria, na verdade, é a recepção de alguns imperativos ocupacionais, o
que já representaria uma tendência, dentro do militarismo contemporâneo, da erosão de um
formato institucional e uma ascendência de um formato ocupacional.
O sociólogo em questão considera que o término do alistamento, com o advento de
uma força composta apenas por voluntários2, bem como o aumento salarial, têm sido as
duas mudanças mais visíveis no sistema militar contemporâneo.
É interessante notar como o sociólogo estadunidense procura mostrar a interface entre
a estrutura militar e a sociedade. Para ele, as forças militares nunca estiveram inteiramente
separadas ou inteiramente imersas na sociedade civil. Ambas estão, em maior ou menor
escala, sobrepostas (MOSKOS, 1986). Assim, essa influência mútua sempre existirá.
Ao se fazer uma ligação dessa ideia de Moskos com o ensino militar e o sistema
nacional de educação de determinado país, pode-se depreender que ambos irão se
relacionar e exercer influências, em maior ou menor escala, entre eles. Desse modo, uma
mudança que ocorre no ensino militar é resultante da própria evolução da sociedade,
confirmando a premissa de Moskos, o qual afirma que “mudanças na organização militar
refletem, assim como algumas vezes afetam, mudanças sociais em larga escala”
(MOSKOS, 2000, p. 14).
Além do paradigma I/O, Moskos também trabalhou o conceito de tipos de Forças
Armadas, baseada na experiência histórica dos Estados Unidos e das nações do oeste da
Europa. Esse pesquisador, juntamente com John Allen Williams e David R. Segal,
argumentam que “as Forças Armadas dos Estados Unidos e aquelas de outras democracias
ocidentais desenvolvidas estão movendo-se daquilo que pode ser denominada de forma
2 As Forças Armadas dos Estados Unidos passaram a ser compostas apenas por voluntários a partir de 1973.
6
Moderna para a forma Pós-moderna de organização militar” (MOSKOS; WILLIAMS; SEGAL,
2000, p. 1).
A partir desse argumento, os pesquisadores acima citados procuram contrastar e
descrever os três tipos de organizações militares – as modernas, as tardiamente modernas
e as pós-modernas – em um trabalho intitulado Armed Forces after the Cold War.
As organizações militares do tipo Moderno estão temporalmente localizadas entre o
século XIX e o fim da 2ª Guerra Mundial. O militarismo moderno está amplamente ligado à
ideia do Estado-nação e à figura do soldado-cidadão. O exército era uma combinação de
homens com as mais baixas graduações, oriundos do alistamento obrigatório ou das
milícias, com um corpo de oficiais profissionais; a guerra era orientada na missão; havia
predominância do sexo masculino; e havia uma substancial diferença entre a força militar e
a sociedade civil, no tocante à estrutura e à cultura de ambas.
O segundo tipo, denominado Tardiamente Moderno, prevaleceu entre o início da
década de 1990 e o fim da Guerra Fria. Os exércitos eram numerosos, formados por
alistados, e houve uma acentuação do profissionalismo da classe de oficiais. Sublinha-se
que antes dessa época, o oficialato era mais determinado pela linhagem do que pela
educação militar profissional ofertada nas academias e escolas de guerra.
Conforme os apontamentos de Moskos, Williams e Segal, o tipo Pós-moderno está em
ascendência nos tempos atuais, sendo que o fato histórico que mais impulsionou o
militarismo para essa pós-modernidade foi o colapso do comunismo na União Soviética e na
Europa Oriental. Assim, com o fim da ameaça de invasão, a existência de forças armadas
com valores sociais tão distintos dos da sociedade civil deixou de ser necessária. Embora o
patriotismo nacional continue a ser enfatizado, a própria globalização tem atuado no sentido
de diminuir a base tradicional da soberania nacional, o que é umas das facetas do pós-
modernismo.
Williams (2000, p. 275) ensina que alguns fatores têm impulsionado as forças militares
em direção ao pós-modernismo, destacando-se a “integração econômica global, as
telecomunicações e os avançados sistemas de telecomunicações, os padrões de
comunicações e as viagens internacionais”. O que se entende é que isso tem aumentado o
contato entre os militares de diferentes partes do mundo, fazendo com as ideiais do pós-
modernismo militar ganhem força.
É de suma importância a verificação do que caracteriza realmente o pós-modernismo
militar. Para tal, Moskos e seus companheiros de pesquisa destacam cinco grandes
mudanças organizacionais:
Uma é o aumento da interpenetrabilidade das esferas civil e militar, estruturalmente e culturalmente falando. A segunda é a diminuição, dentro das forças armadas, das diferenças baseadas no ramo do serviço, no posto e nas funções de combate versus as de apoio. A terceira é a mudança no propósito militar de lutar guerras para missões que não seriam consideradas militares no senso tradicional.
7
A quarta mudança é que as forças militares são usadas mais em missões internacionais autorizadas (ou pelo menos legitimadas) por entidades maiores que o Estado-nação. Uma mudança final é a internacionalização das forças militares [...]. Aqui nós temos em mente [...] as divisões multinacionais e binacionais da OTAN (MOSKOS; WILLIAMS; SEGAL, 2000, p. 4).
A primeira mudança organizacional apontada por esses pesquisadores – a
permeabilidades entre entidades civis e militares – e considerada por eles como um
fenômeno histórico. Tal permeabilidade tem uma ligação com a evolução do ensino militar
no Brasil, na medida em que se observa uma aproximação desse ensino com o sistema
nacional de educação, seja por meio do aumento no intercâmbio entre as escolas militares e
as universidades, seja pela busca do reconhecimento dos cursos de pós-graduação stricto
sensu ministrados pelo Exército Brasileiro, seja pela presença de professores doutores civis
nos estabelecimentos de ensino militar.
Em uma nova pesquisa, intitulada Toward a Postmodern Military: The United States as
a Paradigm, Moskos adotou o mesmo procedimento, logrando comparar as três eras das
Forças Armadas dos Estados Unidos, tal qual pode ser observado abaixo:
Forças Armadas em três eras: Os Estados Unidos
Forças Variáveis
Modernas (Antes da Guerra
Fria) 1900-1945
Tardiamente Modernas
(Guerra Fria) 1945-1990
Pós-modernas (Pós-Guerra Fria)
Desde 1990
Ameaçada percebida Invasão inimiga Guerra nuclear Subnacional
(Exemplos: violência étnica e terrorismo)
Estrutura da força Exército em massa,
conscrição Grande exército
profissional Pequeno exército
profissional
Definição da missão predominante
Defesa do território nacional
Apoio a uma aliança
Novas missões (exemplo: forças de manutenção da paz
e missões humanitárias)
Profissional militar dominante
Líder de combate Administrador ou
técnico Soldado-estadista ou
soldado-escolar Atitude pública em
relação aos militares De suporte Ambivalente Indiferente
Relações com a mídia
Incorporada Manipulada Cortejada
Empregados civis Componente menor Componente médio Componente maior
Papel das mulheres Corpos separados
ou excluídos Integração parcial Integração total
Cônjuge do militar Parte integral Envolvimento parcial Removido Homossexuais nas Forças Armadas
Punido Posto de lado Aceito
Objeção consciente Limitada ou proibida Permitida
rotineiramente Submetido ao serviço civil
Tabela nº 01 – Forças Armadas em três eras: Os EUA (Fonte: MOSKOS, 2000, p. 15)
Um aspecto que merece atenção especial é o profissional militar dominante. Conforme
afiança Moskos, antes da Guerra Fria, a necessidade militar primária era a existência de um
líder possuidor de conhecimentos relativos à arte da guerra e à liderança. No entanto, a
8
Sociologia Militar verificou que no exército tardiamente moderno, fruto dos avanços
tecnológicos, o líder de combate deu lugar ao técnico administrativo. No período Pós-
moderno, pode-se esperar a ascendência do soldado-acadêmico, possuidor de títulos
universitários civis, bem como o soldado-estadista, que sabe se relacionar com a mídia e
tem profundos conhecimentos da diplomacia internacional.
Sem embargo, como lembra Williams (2000, p. 267), o aparecimento do militar técnico
administrativo, do soldado-acadêmico e do soldado-estadista não exclui a existência do líder
em combate, afinal de contas, “(...) todos os papéis permanecem necessários”.
O consenso é que as transformações atuais e o novo cenário mundial trazem grandes
implicações ao treinamento e à educação militar, pois:
[...] o treinamento estritamente técnico não será suficiente para produzir os oficiais necessários na era Pós-moderna. Pode ser necessário ir para fora das instituições formais do sistema de educação militar profissional e dar aos melhores oficiais uma educação de pós-graduação nas instituições civis de maior prestígio (WILLIAMS, 2000, p. 208).
Em 2006, passadas mais de três décadas da discussão proposta por Moskos acerca
das transformações na profissão militar, o italiano Giuseppe Caforio publicou em uma
coletânea uma série de surveys realizados após a década de 1990, nos Estados Unidos e
nos países da Europa Ocidental.
O perfil do militar traçado por Cafório a partir de suas pesquisas reforça algumas
características descritas por Moskos em suas publicações de 1977 (From Institution to
Occupation: Trends in Military Organization), 1986 (Institutional/Occupational Trends in
Armed Forces: An Update) e 2000 (The Postmodern Military: Armed Forces after the Cold
War3).
Conforme nos ensina o pesquisador italiano, é amplamente reconhecido na pesquisa
histórica que pelo menos até a metade do século XVIII, a formação do oficial tinha pouca ou
nenhuma característica profissional.
A própria escolha daqueles que fariam parte da oficialidade tinha como fator
determinante a classe social: os provenientes das famílias nobres e mais ricas seriam os
oficiais. “Unidades militares eram frequentemente compradas por aqueles que desejavam
comandá-las (CAFORIO, 2007, p. 220) e detinham as condições financeiras para tal. Os
escolhidos, em tese, teriam as qualidades e os conhecimentos necessários para comandar
as tropas. O próprio campo de batalha lhes daria o conhecimento e a experiência que lhes
faltava, em virtude das deficiências do ensino militar da época.
Ainda de acordo com Caforio (2007), no período compreendido entre as metades dos
séculos XVIII e XIX, esse quadro mudou. A evolução tecnológica, resultante da Revolução
Industrial, fez surgir armamento mais moderno, que exigia preparo para seu emprego. As
3 Esta publicação ocorreu em conjunto com mais dois autores: WILLIAMS, John Allen; SEGAL David R.
9
novas condições sociais e técnicas levaram à necessidade de se padronizar as soluções
dos problemas do campo de batalha, o que seria alcançado por meio de uma uniformização
na formação dos oficiais. A necessidade de se comandar os exércitos em massa, movê-los
e apoiá-los logisticamente, demonstravam claramente que conhecimento e experiência não
poderiam ser improvisados. Como resultado, surgiram na Europa as primeiras universidades
militares.
Os exércitos, para a escolha de seus oficiais, passaram a levar em conta o mérito e
não mais as origens sociais: era o nascimento do que hoje conhecemos como profissão
militar. A possibilidade de acesso dos filhos dos burgueses e da classe média às academias
militares espalhou-se pela Europa (GOOCH, 1988).
Como exemplo de academias militares que surgiram, podem ser citadas: a Academia
Russa de São Petersburgo, em 1723; a Regia Accademia di Artiglieria e Genio, em Turim,
em 1726; e a Academia de Guerra Prussiana, em 1756. Após isso, outras academias
surgiram ao redor da Europa e até mesmo nos Estados Unidos (Westpoint).
Os oficiais da segunda metade do século XIX já eram profissionais, formados em seus
institutos de treinamento com nível superior, com seus próprios códigos de ética e elevado
espírito de corpo. De modo paralelo ao desenvolvimento do ensino militar, a cultura e o
pensamento militares tiveram um forte crescimento, impulsionados por autores como Carl
von Clausewitz, Antonio Jomini, William Napier, Denis Hart Mahon e Nicola Marselli.
O impacto da contínua evolução tecnológica do século XIX fez nascer uma elite de
profissionais militares: o Estado-maior. Viu-se à época que
[...] o treinamento provido pelas academias militares não era mais suficiente [...]. Era necessária mais preparação especializada. Isto parece ser uma primeira afirmação do princípio da continuidade, uma formação ao longo da carreira que mais tarde seria estendida para outras profissões (CAFORIO, 2007, p. 221).
Na descrição da evolução do ensino militar e da formação dos oficiais, Caforio segue
afirmando que as guerras do século XX aumentaram ainda mais a necessidade de
profissionalismo dos oficiais e, ao mesmo tempo, ocasionaram uma mudança interna no
conteúdo desse profissionalismo: a transição da figura do líder heroico para a figura de um
oficial administrador, com habilidades organizacionais. Tal transição, é claro, como afirma o
próprio pesquisador, não afasta a necessidade de que o oficial de hoje em dia tenha ambas
as características.
Ao abordar o processo de mudanças na profissão militar, Caforio levantou dados muito
interessantes. No que tange ao ensino militar, sublinha-se que “um dado comum, em
relação a mais de 70% dos entrevistados, é que a preparação dada para eles nos institutos
de treinamento não é mais adequada para a variedade de missões que o oficial é chamado
para cumprir hoje” (CAFORIO, 2007, p. 231). O que se percebe, então, é que os próprios
10
militares compreendem que as academias militares não conseguem acompanhar a dinâmica
das mudanças no mundo.
Caforio também verificou uma característica comum entre os países analisados. De
acordo com sua análise, até a década de 1990, “(...) o treinamento básico do profissional
militar parecia estar caracterizado, praticamente em todo lugar, por uma espécie de
autossuficiência e isolamento com respeito ao sistema nacional de educação” (CAFORIO,
2007, p. 233).
Esse isolamento era formal, pelo fato da existência de leis separadas e distintas
regendo os ensinos militar e civil; institucional, pela fraca ou inexistente cooperação entre as
academias militares e as universidades civis; e educacional, tendo em vista a pouca
permeabilidade entre as instituições, ou seja, poucos cadetes tendo aula em universidades e
poucos civis tendo aula em academias militares.
No entanto, após a década de 1990, esse quadro começou a mudar. Observou-se um
movimento no sentido oposto, caracterizado por dois aspectos principalmente.
O primeiro deles é que o ensino militar passou, progressivamente, a aproximar-se do
sistema nacional de educação. Isso inclui a compatibilização dos programas de ensino, a
equivalência dos diplomas, a uniformidade das regulamentações legais e a circulação de
professores entre os dois sistemas.
O segundo aspecto está diretamente ligado aos programas de pós-graduação que
cresceram de importância nos exércitos ao redor do mundo. Conforme afiança Caforio:
A segunda direção de mudança refere-se à expansão da preparação geral, especialmente de oficiais, e isto é alcançado tanto através de uma maior duração do programa básico (que tende a aumentar de quatro para cinco anos), quanto por meio da implementação do aprendizado ao longo da vida nos vários níveis da carreira [...] (CAFORIO, 2007, p. 232).
Como se vê, o aprendizado ao longo da vida pode ser alcançado por meio de
programas de pós-graduação, que não deve estar distante dos oficiais. Para Caforio, na
verdade, a pós-graduação deve fazer parte, inclusive, da vida profissional dos sargentos.
Conforme seus apontamentos, “Hoje, os sargentos passam por um processo de treinamento
que em muitos países levam a um grau universitário (ou diploma) e adquirem
especializações que lhes permitem dominar um setor de atividade (...)” (CAFORIO, 2007,
219).
A Aproximação do Ensino Militar com o Sistema Nacional de Educação e a
Oferta de Programas de Pós-graduação por Escolas Militares das Forças Armadas de
Nações Amigas
Na Seção anterior, foi possível verificar os principais ensinamentos oriundos das
pesquisas de Moskos e Caforio sobre o processo de transformação das Forças Armadas e o
ensino militar. A partir desse ponto, torna-se necessário estudar como alguns exércitos ao
11
redor do mundo, influenciados por esse processo de transformação, promoveram alterações
em seus ensinos militares, quer seja por meio da aproximação com seus sistemas nacionais
de educação, quer seja conduzindo programas de pós-graduação.
O caso argentino é bastante interessante. Após a Guerra das Malvinas, as Forças
Armadas argentinas passaram por profundas transformações, que influenciaram o ensino
militar. Sublinha-se que foi criada:
[...] a Escola Superior de Guerra Conjunta que privilegia o aperfeiçoamento da formação militar [...]. Num contexto mais amplo, a preocupação é observada por priorizar a formação dos membros das Forças armadas, com especial ênfase na educação para a defesa e a formação de cidadão militar (CHIAPPINI, 2012, p. 17).
Em 2013, a Professora Sabina Frederic publicou um artigo intitulado Educación
universitaria y formación militar: caminos de conciliación. Conforme afirmado por essa
pesquisadora, a educação universitária se encontra introduzida na formação militar
argentina nos dias de hoje. Entretanto, nem sempre foi assim, pois antes da década de
1990, a formação e a carreira militar eram autônomas em relação ao âmbito civil
(FREDERIC, 2013). Dessa forma, depreende-se que esse processo de introdução da
educação universitária na formação militar representa uma evolução no ensino militar
argentino.
Para que essa evolução ocorresse, uma série de leis, decretos e resoluções
ministeriais foram publicados. Nesse sentido, Chiappini (2012) aponta diversos marcos
legais que modificaram o ensino nas Forças Armadas da Argentina, dentre as quais se
destaca a Resolução Ministerial nº 768/2006, que após a convocação de um Conselho
Consultivo de especialistas, lançou as bases de um novo processo educativo para as Forças
Armadas como Política de Estado, resultando, dentre outras coisas, nas propostas de
integração das Forças Armadas no Sistema Educativo Nacional, na criação da Escola
Superior de Guerra Conjunta e no Sistema Universitário da Defesa
Frederic (2013) lembra que dos países da UNASUL, a Argentina foi o primeiro a
formar seus oficiais outorgando-lhes, ao mesmo tempo, um grau militar (patente) e um título
de licenciatura universitária (diploma de bacharel). Para tal, foram criados institutos
universitários4 por lei, a instrução militar foi readequada de acordo com os parâmetros
ditados pela Comissão Nacional de Avaliação e Acreditação Universitária5 (CONEAU) e
nomeou suas titulações apropriando-se do valor de mercado dos saberes em Gestão e/ou
Administração de recursos humanos ou materiais.
Sublinha-se que:
Atualmente, o plano de carreira de um oficial argentino [...] está estruturado conforme a progressão estabelecida pelas titulações que
4 Instituto de Educación Superior del Ejército, Instituto Universitario Naval y Instituto Universitario Aeronáutico. 5 Esse órgão desempenha a mesma função da CAPES no Brasil.
12
regem a educação no âmbito civil. [...]. Assim, no caso da formação dos oficiais, as três grandes etapas desse plano de carreira: academia militar, escola de guerra específica e escola de guerra conjunta exigem não apenas antiguidade e um grau militar, mas também a aprovação no nível educativo universitário correspondente: licenciatura, especialização de pós-graduação e mestrado [grifo do autor], respectivamente (FREDERIC, 2013, p. 113).
Ao se observar o exposto, verifica-se claramente que a titulação universitária é um
requisito para a carreira militar de um oficial das Forças Armadas argentinas. A Lei de
Reestruturação das Forças Armadas (nº 24.948/1998) corrobora tal afirmação, ao preconizar
que “para a promoção a oficial superior é obrigatório possuir título universitário. Sem
embargo, hoje a exigência é ainda maior, daí a instrumentação de carreiras de pós-
graduação nas escolas de guerra [grifo do autor]” (FREDERIC, 2013, p. 113-114).
A Escola Superior de Guerra da Argentina oferece um leque considerável de
oportunidades de cursos, a citar: Mestrado em História da Guerra, Mestrado em Estratégia e
Geopolítica, Especialização em História Militar Contemporânea, Especialização em
Condução Superior de Organizações Militares Terrestres, Especialização em Planejamento,
Gestão de Recursos Humanos de Organizações Militares Terrestres e Gestão de Recursos
Materiais de Organizações Militares Terrestres (FACULTAD DEL EJÉRCITO, 2016).
Importante notar que os mestrados de História da Guerra e Estratégia e Geopolítica
são reconhecidos pelos Ministério da Educação argentino, desde 2007.
O ensino oferecido aos oficiais europeus também é uma fonte valiosa de informações
para pesquisadores que pretendem realizar investigações científicas acerca da temática do
ensino militar.
Há de se ressaltar que “nas duas últimas décadas, os sistemas educacionais militares
da Europa tiveram que se adaptar às mudanças globais (...). Eles fizeram a escolha de
balancear o currículo para a excelência em ambos os aspectos de sua educação, o militar e
o acadêmico” (PAILE, 2008, p. 1).
Para caminhar nessa direção, foi necessária a aproximação entre o ensino militar e o
civil. Para exemplificar o acima exposto, pode-se fazer uso do caso português. Bravo (2016,
p. 113) afirma que:
Tendo permanecido como um sistema muito fechado sobre si mesmo, o Ensino Superior Público Universitário Militar (ESPUM) tem dado passos decisivos para acompanhar as profundas e rápidas mudanças operadas no ensino superior civil, no sentido da melhoria da qualidade do ensino e da sua integração no espaço do ensino superior europeu [...]. A sua aproximação ao sistema de ensino superior civil deve possibilitar a circulação plena dos seus diplomados para as responsabilidades do Estado e da sociedade civil, facilitando, em vários estágios da carreira militar a opção individual por carreiras alternativas ou atividades profissionais complementares. Isto requer que os cursos militares tenham uma organização semelhante aos demais cursos universitários do mesmo nível e obtenham a acreditação por parte da agência nacional criada para esse efeito e, se possível, por parte de organizações profissionais.
13
É certo também que o ensino na Europa, seja o civil, seja o militar, passou por
reformas marcantes após a implementação do Processo de Bolonha. Tal Processo teve
início em 1999, por meio de uma declaração conjunta assinada pelos ministros responsáveis
pelo ensino superior de vinte e nove países europeus. Por meio da criação de um Espaço
Europeu de Ensino Superior, busca-se o reconhecimento mútuo de graus e outras
qualificações do ensino superior, a transparência (graus legíveis e comparáveis organizados
numa estrutura de três ciclos) e a cooperação europeia na garantia da qualidade.
Ainda fazendo uso do caso português, uma declaração do Conselho de Ministros de
Portugal, no ano de 2008, deixou claro que a restruturação das Forças Armadas
portuguesas passaria necessariamente pela reforma do Ensino Superior Público Militar.
Assim, “no que diz respeito ao ensino superior militar, a sua reforma tem por finalidade a
adaptação do seu modelo de formação ao processo de Bolonha” (BRAVO, 2016, p. 113).
Em 2011, a pesquisadora Sylvain Paile publicou o Compendium of the European
Military Officers Basic Education. Tal publicação traça uma visão geral da atual formação
dos oficiais europeus. Assim, pode-se verificar que muitas das escolas militares europeias
oferecem cursos de pós-graduação, tal qual pode se ver abaixo:
País Nome do Instituto de Ensino
Superior Militar Curso de Pós-graduação
Bélgica Academia Militar Real Mestrado em Ciências de Engenharia e
Mestrado em Ciências Militares e Sociais
Finlândia Universidade de Defesa
Nacional Mestrado em Ciências Militares
França Escolas Militares de Saint-Cyr
Coëtquidan
Mestrado em Ciências de Engenharia, Mestrado em Estratégia e Relações
Internacionais e Mestrado em Administração Organizacional e Humana
Alemanha Universidades de Bundeswehr
Mestrado em Ciências Educacionais, Mestrado em História, Mestrado em
Ciências Administrativas e Econômicas, Mestrado em Ciências Sociais e Políticas
e outros
Itália Academia Militar Mestrado em Ciências Organizacionais Políticas e Estratégicas, Mestrado em
Ciências Logísticas e Estratégica e outros
Portugal Academia Militar Mestrado em Ciências Militares,
Mestrado em Ciência da Administração e outros
Tabela nº 02 (organizada pelo autor) – Cursos de pós-graduação oferecidos por escolas militares europeias (Fonte: PAILE, 2011, p.59- )
Essa tabela demonstra que a pós-graduação faz parte da realidade dos exércitos
europeus. Assim como o modelo argentino, a variedade de opções de mestrados (não
apenas em Ciências Militares) é uma diferença marcante do modelo europeu em relação ao
brasileiro, que será abordado na próxima Seção.
14
A Aproximação do Ensino Militar com o Sistema Nacional de Educação e a
Oferta de Programas de Pós-graduação por Escolas Militares das Forças Armadas
brasileiras
Na Seção anterior, verificou-se como alguns exércitos ao redor do mundo,
influenciados pelo processo de transformação das Forças Armadas, promoveram alterações
em seus ensinos militares, quer seja por meio da aproximação com seus sistemas nacionais
de educação, quer seja conduzindo programas de pós-graduação.
Na presente Seção, pretende-se analisar o caso brasileiro. Embora existam
informações referentes às Forças Armadas brasileiras, o leitor verificará que foi dada maior
ênfase ao ensino militar do Exército Brasileiro.
A partir da década de 1990, diversos diplomas legais (marcos regulatórios) foram
publicados, a fim de sistematizar o ensino militar e integrá-lo ao sistema de educação
nacional.
Nesse sentido, a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, passou a prever, em seu artigo 83, que: “O ensino
militar é regulado em lei específica, admitida a equivalência de estudos, de acordo com as
normas fixadas pelos sistemas de ensino”. Tal lei deu certa autonomia ao ensino militar.
Falando de modo mais específico sobre o Exército Brasileiro, em 1999, a Lei Federal
nº 9786, publicada em 8 de fevereiro, conhecida como Lei de Ensino do Exército, regulou o
Sistema de Ensino do Exército (SEE), o qual, com características próprias, tem a finalidade
de qualificar recursos humanos para a ocupação de cargos e para o desempenho de
funções previstas, na paz e na guerra. A Lei de Ensino do Exército regulou, também, as
modalidades de cursos, utilizando expressões ligadas à área universitária, tais como
graduação e especialização.
Sete meses mais tarde, o Decreto nº 3182, de 23 de setembro de 1999, regulamentou
a Lei de Ensino do Exército. O Decreto em questão trouxe uma novidade: a equivalência de
estudos. Em seu artigo 17, ficou estabelecido que “O grau universitário ou superior do
Sistema de Ensino do Exército é equivalente ao nível de educação superior”.
O Decreto acima referenciado detalhou, em seu artigo 18, os cursos e programas de
grau universitário ou superior, com diplomações e titulações equivalentes às conferidas à
educação superior nacional.
Assim, no caso dos oficiais da linha bélica, o curso de graduação é realizado na
AMAN, que confere ao concludente o título de Bacharel em Ciências Militares.
Seguindo a ideia da educação continuada, o Oficial, ao realizar Curso de
Aperfeiçoamento de Oficiais (CAO), da Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EsAO), tem
duas opções de pós-graduação: lato sensu ou stricto sensu. Esta última confere ao
concludente o título de Mestre em Operações Militares.
15
Ao frequentar o Curso de Comando e Estado-Maior, o Decreto nº 3182 registra a
possibilidade de o aluno realizar a pós-graduação stricto sensu, seja no Mestrado ou no
Doutorado em Ciências Militares, os quais conferem, respectivamente, a titulação de Mestre
ou Doutor em Ciências Militares. Embora não esteja previsto no Decreto, existe, ainda, uma
terceira possibilidade, a qual, na prática, abarca a maioria dos alunos: a especialização lato
sensu, que confere ao concludente o certificado de especialista em Ciências Militares.
O Parecer CNE/CES nº 1295/2001, aprovado em 6 de novembro de 2001,
estabeleceu normas relativas à admissão de equivalência de estudos e a inclusão das
Ciências Militares no rol das ciências estudadas no país. De acordo com o Parecer em
questão, “(...) a importância das ciências militares desenvolvidas no âmbito das três Forças
Armadas– Marinha, Exército, Aeronáutica - e auxiliares justifica sua inclusão no rol das
ciências estudadas no Brasil, resguardando-se os aspectos bélicos, exclusivos das Forças
Armadas”.
Alguns anos mais tarde, a Portaria Normativa Interministerial MD/MEC nº 830, de 23
de maio de 2008, regulou a equivalência dos cursos de formação de oficiais das Forças
Armadas. De acordo com a citada Portaria:
Art. 1º Os cursos de formação de oficiais ministrados pela Escola Naval (EN), pela Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN) e pela Academia da Força Aérea (AFA) são equivalentes aos definidos no inciso II do art. 44 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro 1996, na modalidade bacharelado.
Em 13 de novembro de 2008, a Portaria Normativa Interministerial MEC/MD nº 18
passou a regular a equivalência de cursos nas instituições militares de ensino em nível de
pós-graduação lato sensu. De acordo com a citada Portaria:
Art. 1º Os cursos de pós-graduação lato sensu ministrados nas instituições militares de ensino são equivalentes aos cursos de pós-graduação lato sensu definidos na Resolução nº 001/2001, da Câmara de Ensino Superior do Conselho Nacional de Educação [...].
A Portaria nº 734, de 19 de agosto de 2010, do Comandante do Exército, veio a
conceituar a expressão Ciências Militares, como o “sistema de conhecimentos relativos à
arte bélica, obtido mediante pesquisa científica, práticas na esfera militar, experiência e
observação dos fenômenos das guerras e dos conflitos, valendo-se da metodologia própria
do ensino superior militar”.
Em 30 de abril de 2012, o Chefe do DECEx assinou a Portaria nº 41 – DECEx, que
aprovou as Instruções Reguladoras do Sistema de Educação Superior Militar no Exército
(SESME): Organização e Execução (EB60-IR-57.002). Em seu Art. 1º, Inciso I, as
supracitadas Instruções Reguladoras nos informam que o SESME é:
[...] constituído pelos cursos de Graduação, de Especialização-Profissional, de Extensão e de Pós-Graduação (PG), conduzidos pelas Instituições de Educação Superior (IES), Centros de Instrução (CI) e Organizações Militares (OM) subordinados ou vinculados às Diretorias do Departamento de Educação e Cultura do Exército
16
(DECEx) e responsáveis pelas Linhas de Ensino Militar Bélico, de Saúde e Complementar.
A modernização do ensino no Exército Brasileiro teve início em 1995, por iniciativa do
então General Gleuber Vieira, à época, Chefe do antigo DEP, hoje DECEx.
Consciente dos novos tempos e a fim de acompanhar o quadro de mudanças que à
época surgia, o EB empreendeu uma reforma educacional militar. A partir de 1995, o ensino
militar oferecido por essa instituição passou por um processo de modernização, com a
finalidade de adequar esse ensino aos novos contextos nacional e mundial. Este processo,
denominado pela Instituição de Modernização do Ensino Militar, caracteriza-se pela
reformulação em sua estrutura escolar, tendo por objetivo adequar o militar “do futuro” às
exigências dos novos tempos.
A modernização acima referenciada iniciou após um estudo interno, realizado pelos
próprios militares do EB com o auxílio de professores civis, por meio da criação de um
Grupo de Trabalho para o Estudo da Modernização do Ensino (GTEME). Diagnosticou-se,
dentre outras coisas, que havia um distanciamento entre as escolas militares e a
comunidade civil acadêmica e que a legislação de ensino militar vigente à época não
favorecia a correlação com a legislação nacional de educação, dificultando o
reconhecimento legal dos diversos cursos de graduação e pós-graduação oferecidos pelas
escolas militares do Exército.
Para isso, foi criado o Grupo de Trabalho para o Estudo da Modernização (GTEME),
que teve como chefe o Coronel de Artilharia Paulo Cesar de Castro, o qual, depois de
promovido ao posto de general, ocupou a função de diretor do DEP (CASTRO, 2015).
Castro (2015) nos informa que, ao formar o grupo em questão, o General Gleuber
Vieira formulou quatro questões a serem respondidas: o que ensinar; como ensinar; como
avaliar; e como aumentar o relacionamento externo.
As decisões a respeito das mudanças que deveriam ser efetivadas, em todas as
escolas que compõem o Sistema Militar de Ensino, foram consubstanciadas num
documento conhecido como Fundamentos para a Modernização do Ensino, elaborado pelo
GTEME, em 1996. Dentre os aspectos que careciam de aperfeiçoamento, o GTEME
diagnosticou que a legislação do ensino militar à época não favorecia a correlação com a
legislação nacional, dificultando o reconhecimento legal dos cursos oferecidos pelo Exército.
Além disso, verificou-se um limitado relacionamento do Sistema de Ensino do Exército com
o Sistema Nacional de Educação. Em relação ao meio acadêmico, observou-se certo
distanciamento. Em relação ao reconhecimento dos certificados e diplomas expedidos pelo
Exército, diagnosticou-se grande dificuldade, pois as cargas horárias ministradas pelo
Exército não equivaliam às de idênticas disciplinas ensinadas nos estabelecimentos civis.
Por fim, não eram oferecidas vagas para civis em cursos, ciclos de estudos, estágios e
outras atividades educacionais desenvolvidas pelo Exército (Fonte: BRASIL, 1996, p. 2-9).
17
Depois de efetuado o diagnóstico foram propostas medidas para a implementação do
projeto de modernização que se fundamentavam em ações e diretrizes. As ações seriam as
medidas implementadas pelo DEP em decorrência das propostas do GTEME referentes às
modificações em torno da estrutura do ensino, da legislação de ensino, dos currículos, da
didática e da metodologia, da avaliação, dos recursos humanos e da infraestrutura
(LUCHETTI, 2006, p. 111).
Dentre as conquistas alcançadas ao longo do processo de modernização, destacam-
se a fundação de novas escolas militares, como a Escola de Logística e a Escola de
Formação Complementar do Exército, a instalação de novas bibliotecas, a adoção de provas
com consulta livre ao material didático, a interdisciplinaridade, a reformulação do ensino a
distância, a reestruturação dos programas de pós-graduação na área de Ciências Militares,
o lançamento de revistas militares com cunho científico e o incremento do relacionamento
entre as escolas militares com os estabelecimentos de ensino civis (CASTRO, 2015).
O General Gleuber Vieira em entrevista sobre o processo de modernização do ensino
militar afirmou que:
[...] é necessário entender como modernização do Sistema de Ensino do Exército, o processo contínuo de adoção de novo enfoque pedagógico. Segundo esse modelo que se quer adotar, a escola já não pretende ensinar tudo. Seleciona um núcleo de conhecimentos básicos para ministrar a seus alunos. Esses devem participar ativamente do processo ensino aprendizagem, experimentando, pesquisando e trabalhando em grupo, explorando a dúvida e o erro, manifestando seus talentos, usando das técnicas disponíveis na busca e seleção do conhecimento que constroem. Busca-se o sentido holístico da educação do militar, para que ele se capacite a manipular modelos e interaja com a sociedade a que pertence. Deve ser flexível e adaptável às novas gerações de tecnologia (VIEIRA, 1999).
Castro (2015) nos informa, ainda, que a modernização do ensino militar não é um
evento, mas um processo contínuo. Tal afirmação é corroborada pela substituição do
“ensino por objetivos” pelo “ensino por competências”, que ocorre atualmente nas escolas
do Exército.
Nesse sentido, cabe lembrar que as Diretrizes Curriculares Nacionais no Brasil,
implantadas após a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, apontam para um currículo
orientado por competências, principalmente. A proposta é mudar do projeto pedagógico
tradicional, convencional ou informacional para o projeto pedagógico orientado por
competências.
Assim, em 28 de fevereiro de 2012, o Comandante do Exército, por meio da Portaria
nº 137, aprovou a Diretriz para o Projeto de Implantação do Ensino por Competências no
Exército Brasileiro. Desde então, o DECEx vem implementando, junto aos seus
estabelecimentos de ensino subordinados e vinculados, um processo de reestruturação, de
forma a adequar seus cursos e estágios à nova concepção do ensino por competências.
18
Dentre as escolas militares do Exército Brasileiro, a ECEME merece especial atenção,
por ser o estabelecimento de ensino que funciona como porta de acesso aos mais altos
postos da carreira militar e por onde passam, obrigatoriamente, os futuros comandantes do
Exército,
O Programa de Pós-graduação em Ciências Militares (PPGCM) da ECEME foi criado
em 2001, seguindo o preconizado na Lei de Ensino do Exército, de 08 de fevereiro de 1999,
e no seu respectivo Regulamento, de 23 de setembro 1999 (ECEME, 2015). Conforme
verificado anteriormente, ambos diplomas legais previam a existência de Programas de Pós-
Graduação nos cursos realizados no EB.
Sublinha-se que são pouquíssimos os registros escritos sobre a criação do PPGCM da
ECEME. Como exceções, podem ser citados apenas dois artigos. O primeiro deles6 foi
escrito pelo então Coronel Richard Fernandez Nunes e o segundo7 pelo Coronel Jacintho
Maia Neto, ambos publicados em 2012.
Em virtude da criação desse Programa, a ECEME passou a oferecer, a partir de 2001,
cursos de especialização (lato sensu) e de mestrado (stricto sensu), sendo estruturada, para
isso, uma Seção de Pós-Graduação (SPG) (ECEME, 2015).
Conforme Nunes (2012, p. 3), “a implantação desse programa também se coadunava
com os estudos do GTEME, no sentido de se obter maior valorização para a carreira militar,
por meio da busca de equivalência dos cursos de altos estudos militares com cursos civis de
pós-graduação”.
Dessa forma, o que se pode perceber é que, inicialmente, o EB buscou apenas a
equivalência de seus programas de pós-graduação da linha bélica de ensino com aqueles
oferecidos por centros universitários civis. Em linguajar simplório, o EB buscou mostrar que
seus oficiais da linha bélica também se tornavam especialistas em sua área de saber, as
Ciências Militares, por meio de uma pós-graduação lato sensu, ou também se tornavam
mestres em Ciências Militares, por meio de uma pós-graduação stricto sensu.
A opção pela busca da equivalência dos cursos de altos estudos militares com cursos civis, ao invés do reconhecimento dos programas de pós-graduação da linha bélica de ensino, manteve a Instituição em um posicionamento autônomo (NUNES, 2012, p. 3).
Ressalta-se que, à época, o reconhecimento8 por parte do Sistema Nacional de
Educação brasileiro abarcava tão somente os cursos de graduação das academias militares
6 Artigo intitulado “O Instituto Meira Mattos da ECEME e o Processo de Transformação do Exército Brasileiro”. Foi publicado na Coleção Meira Mattos, Revista das Ciências Militares (volume 2, nº 26, 2º quadrimestre, 2012). 7 Artigo intitulado “Os Desafios do Ensino Militar no Contexto Transformacional do Exército Brasileiro: Recriando a Pós-graduação Stricto Sensu em Ciências Militares”. Foi publicado na Revista Brasileira de Estudos de Defesa (volume 1, p. 127, 2012) e apresentado em congresso acadêmico. 8 A atual legislação de ensino do Brasil prevê que o reconhecimento de cursos de pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) ocorre tão somente mediante avaliação da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior).
19
(a AMAN, no caso do EB) e a pós-graduação lato sensu oferecida por escolas militares da
linha de ensino bélico.
A partir de 2005, o PPGCM da ECEME passou a oferecer, também, o curso de
doutorado em Ciências Militares (ECEME, 2015). Assim, o Oficial Aluno, ao se matricular na
ECEME, teria três opções de pós-graduação: especialização, mestrado e doutorado, todos
em Ciências Militares.
Em 2005, foi criada a CADESM (Coordenadoria de Avaliação e Desenvolvimento do
Ensino Superior Militar)9, o que permitiu a incorporação de “práticas semelhantes às
preconizadas pela CAPES” (NUNES, 2012, p. 3). Assim, o PPGCM da ECEME passou a ser
avaliado por um órgão interno, pertencente ao próprio EB. Assim, ao se comparar o ensino
militar do EB ao ensino ofertado por uma universidade brasileira, o CADESM seria a
“CAPES do EB”.
Interessante notar que nesse interim houve maior intercâmbio entre a ECEME e o
meio acadêmico. A título de exemplo, nos anos de 2005 e 2008, a escola militar em questão
estabeleceu parcerias de pesquisa com a Universidade Federal Fluminense (UFF) e com a
Fundação Getúlio Vargas (FGV), com o envio de oficiais selecionados para cursos de
mestrado e doutorado, dentro do contexto do Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa
Científica e Tecnológica em Defesa Nacional (Pró-Defesa)10.
Em 2012, enquadrada no Programa de Apoio ao Ensino e à Pesquisa Científica e
Tecnológica em Assuntos Estratégicos de Interesse Nacional (Pró-Estratégia)11, a ECEME
teve três projetos de pesquisa aprovados, estabelecendo parcerias com a FGV, com a
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e com a Fundação San Tiago Dantas
(UNESP, UNICAMP e PUC-SP).
Houve, também, uma procura de maior participação dos oficiais pesquisadores da
ECEME nos encontros regionais e nacionais onde eram apresentados e discutidos temas
afetos à área da Defesa. Nunes (2012, p. 4) cita que no ano de 2012, durante a 6ª edição do
Encontro da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, 25 (vinte e cinco) trabalhos
científicos da ECEME foram selecionados. Essa aproximação entre a ECEME e o meio
acadêmico parece ser estimulada por documentos oficiais expedidos pelo próprio EB.
O livro intitulado Processo de Transformação do Exército, lançado pelo Estado Maior
do Exército (EME) e publicado em 2010, aponta sete vetores de transformação, a citar:
Doutrina; Preparo e Emprego; Educação e Cultura; Gestão de Recursos Humanos; Gestão
Corrente e Estratégica; C&T e Modernização do Material; e Logística.
9 A criação formal da CADESM ocorreu por ato do Comandante do Exército, por meio da Portaria nº 389, de 4 de julho de 2011, publicada no Boletim do Exército, no dia 8 de julho daquele ano. 10 Este programa de pesquisa surgiu de uma iniciativa conjunta dos ministérios da Defesa e da Educação. 11 Este programa de pesquisa surgiu de uma iniciativa do Ministério da Defesa e da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República.
20
Para a presente pesquisa, torna-se interessante abordar o vetor Educação e Cultura.
O EB, no livro acima referenciado, orienta que o DECEX adote medidas mais efetivas, as
quais parecem estar direcionadas com a área da pesquisa científica, da pós-graduação e do
estreitamento de laços com a comunidade civil acadêmica, tais como:
[...] premiação por inovações aprovadas e por textos inovadores sobre assuntos profissionais publicados; [...] estímulo à leitura de publicações modernas sobre assuntos profissionais, nacionais e internacionais; maior convivência com militares de outras Forças, com civis e com estrangeiros; viagens de estudos a países mais desenvolvidos; e cursos de mestrado e doutorado em instituições civis (BRASIL, 2010, p. 36-37).
Além disso, no mesmo documento, o EME orienta que seus quadros e organizações
militares a “(...) intensificar a realização de visitas e intercâmbios com organizações
modernas de grande porte e de atuação internacional; criar um centro de pesquisa de
Guerra do Futuro (...); incorporar civis às estruturas organizacionais” (BRASIL, 2010, p. 37).
Nessa mesma direção, a Diretriz Geral do Comandante do Exército para o período de
2011 a 2014 previa, de forma bastante clara, “(...) o aprimoramento da pós-graduação; a
viabilização do fomento à pesquisa científica; e a ampliação do intercâmbio com o meio
acadêmico civil” (NUNES, 2012, p. 5).
Nos anos de 2010 e 2011, lançou-se a ideia da criação de um instituto, que poderia
impulsionar a pós-graduação na ECEME. A vantagem desse instituto seria o de criar “(...)
dimensionado para interagir com a CAPES e com as demais agências de fomento, para
realizar permanente interface com o meio acadêmico e para incorporar docentes e discentes
civis” (NUNES, 2012, p. 6).
Nesse sentido, por meio da Portaria nº 724, de 6 de setembro de 2012, do
Comandante do Exército, foi criado o Instituto Meira Mattos (IMM), cujas missões eram:
[...] coordenar, orientar, desenvolver e disseminar a pesquisa científica, a pós-graduação e os estudos em Ciências Militares e Segurança & Defesa; criar oportunidades de pós-graduação para militares e civis nessas áreas; contribuir para o aprimoramento dos cursos regulares da Escola; colaborar no desenvolvimento da capacitação dos docentes de pós-graduação do Exército Brasileiro e promover o intercâmbio acadêmico com instituições do ensino superior civil e militar. Além disso, orientar e supervisionar a publicação da revista científica Coleção Meira Mattos (ECEME, 2015).
Há que se ressaltar a existência, no corpo docente da ECEME, de professores
doutores civis das áreas História, Administração, Ciência Política, Relações Internacionais e
Economia, que contribuem na condução dos cursos stricto sensu, e auxiliam na
aproximação com o ambiente acadêmico nacional. A contratação dos professores civis está
diretamente ligada à adaptação às normas estipuladas pela CAPES para recomendação de
cursos de pós-graduação stricto sensu.
21
Conforme aponta Nunes (2012, p. 11), “no início do ano letivo de 2012, foi
estabelecido projeto-piloto do curso de mestrado acadêmico a ser proposto, com base na
adaptação do programa de pós-graduação existente”.
Em 27 de junho do mesmo ano, a ECEME apresentou a proposta de curso novo à
CAPES. Após a avaliação da proposta, a ECEME teve seu Mestrado Acadêmico em
Ciências Militares recomendado pela CAPES no dia 23 de novembro de 2012. Esse
processo culminou com o reconhecimento do mestrado da ECEME, pelo Ministério da
Educação, no dia 10 de outubro de 2013, por meio da Portaria Ministerial nº 1009/2013.
Sublinha-se que a busca pela recomendação da CAPES para PPG stricto sensu
conduzidos escolas militares não se restringiu ao EB, ou seja, não foi uma atitude solitária
da Força Terrestre. Em um período temporal bastante próximo, entre os anos de 2012 e
2013, a Força Aérea Brasileira (FAB) e a Marinha do Brasil (MB) submeteram cursos de
mestrado profissional12 à CAPES.
Outro dado interessante de se citar é que os oficiais do EB, possuidores do Mestrado
da EsAO, tiveram, a partir de 2015, um acréscimo de 5% em relação aos seus soldos.
Correlacionando essa informação aos ensinamentos de Moskos, observa-se uma
aproximação pontual com o modelo ocupacional por ele descrito, prevalecendo a ideia geral
do salário equivalente à competência demonstrada.
Finalmente, no ano corrente, o Doutorado da ECEME foi recomendado pela CAPES.
CONCLUSÃO
O presente artigo procurou analisar o processo de transformação das Forças Armadas
no mundo e o seu efeito sobre o ensino militar. Nesse sentido, os principais autores
utilizados foram Moskos e Caforio.
De modo geral, o processo de transformação das Forças Armadas ensejou e tem
ensejado mudanças no ensino militar oferecido pelas escolas militares de diversos países e
do Brasil.
Moskos procurou demonstrar a importância do ensino militar, pontuando que o sistema
educacional militar, em especial o direcionado para os oficiais de carreira, funciona como um
reforço institucional, com grande poder de internalizar em seus alunos crenças e valores.
Para Moskos, as forças militares nunca estiveram inteiramente separadas ou
inteiramente imersas na sociedade civil. Ambas estão, em maior ou menor escala,
sobrepostas. Assim, essa influência mútua sempre existirá. Isso nos permite sugerir que o
ensino militar e o sistema nacional de educação de determinado país irão se relacionar e
12 A FAB, em 2012, teve seu Curso de Mestrado Profissional em Ciências Aeroespaciais, ministrado pela Universidade da Força Aérea (UNIFA), recomendado pela CAPES. Em 2013, a CAPES também recomendou o Curso de Mestrado Profissional em Estudos Marítimos, ministrado pela Escola de Guerra Naval (EGN) da MB.
22
exercer influências, em maior ou menor escala, entre eles. Desse modo, uma mudança que
ocorre no ensino militar é resultante da própria evolução da sociedade.
Ao abordar o pós-modernismo militar, Moskos também alerta para uma de suas
características: a permeabilidade entre entidades civis e militares. Tal permeabilidade tem
uma ligação com a evolução do ensino militar no mundo e no Brasil, na medida em que se
observa uma aproximação desse ensino com o sistema nacional de educação, seja por
meio do aumento no intercâmbio entre as escolas militares e as universidades, seja pela
oferta de cursos de pós-graduação pelas escolas militares (inclusive para civis), seja pela
presença de professores doutores civis nos estabelecimentos de ensino militar.
A ascendência da figura do soldado-acadêmico, também defendida por Moskos, está
ligada à aproximação do ensino militar com o meio universitário civil. Ao se verificar as
titulações e os cursos de pós-graduação, oferecidos pelas escolas militares ao redor do
mundo e no Brasil, percebe-se, na prática, a coerência desse pressuposto teórico do
sociólogo em questão.
Sobre Cafório, é importante reforçar sua ideia acerca do isolamento do ensino militar
em relação ao sistema nacional de educação dos países, até 1990. Após essa década,
observa-se um movimento no sentido oposto, no qual o ensino militar passou,
progressivamente, a aproximar-se do sistema nacional de educação, com a
compatibilização dos programas de ensino, a equivalência dos diplomas, a uniformidade das
regulamentações legais e a circulação de professores entre os dois sistemas.
A aproximação entre o ensino militar e o sistema nacional de educação ficou bastante
clara nos países europeus, na Argentina e no Brasil. Os sistemas educacionais militares da
Europa optaram por balancear o currículo para a excelência em ambos os aspectos de sua
educação, o militar e o acadêmico, em uma nítida adaptação ao Processo de Bolonha. Nos
casos argentino e brasileiro, diversos marcos legais têm procurado compatibilizar o ensino
militar e o sistema de educação nacional.
O pesquisador italiano ainda defende, dentro do ensino militar, a necessidade do
aprendizado ao longo da vida, o que nos remete à ideia da pós-graduação. A importância
dada a esse aprendizado prolongado pode ser verificada pela lista de países europeus e
sul-americanos que possuem, em suas escolas militares, programas de pós-graduação.
Finalmente, observou-se que as escolas militares brasileiras têm procurado
reconhecer os diplomas por elas expedidos, principalmente em relação aos seus programas
de pós-graduação stricto sensu, haja vista que os diplomas de bacharelado e de
especialização (lato sensu) já são reconhecidos. A título de exemplo, a ECEME teve seu
Mestrado Acadêmico em Ciências Militares recomendado pela CAPES no dia 23 de
novembro de 2012.
23
Sublinha-se que a busca pela recomendação da CAPES para PPG stricto sensu
conduzidos escolas militares não se restringiu ao EB, ou seja, não foi uma atitude solitária
da Força Terrestre. Em um período temporal bastante próximo, entre os anos de 2012 e
2013, a Força Aérea Brasileira (FAB) e a Marinha do Brasil (MB) submeteram cursos de
mestrado profissional à CAPES.
REFERÊNCIAS
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modernização do Ensino. Brasília: 1996.
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