JAMINAWA, DE DONO DA TERRA À PEDINTE_Monografia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CINCIAS SOCIAIS CURSO DE CINCIAS SOCIAIS - HABILITAO EM ANTROPOLOGIA

JOAO DE JESUS SILVA MELO

JAMINAWA, DE DONO DA TERRA PEDINTE SEM RUMO

RIO BRANCO ACRE MARO DE 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE DEPARTAMENTO DE FILOSOFIA E CINCIAS SOCIAIS CURSO DE CINCIAS SOCIAIS - HABILITAO EM ANTROPOLOGIA

JAMINAWA, DE DONO DA TERRA A PEDINTE SEM RUMO

A presente monografia realizada pelo aluno Joo de Jesus Silva Melo, que servir como forma de avaliao para obteno do Ttulo de Bacharel em Cincias Sociais, habilitao em Antropologia, orientada pelo Prof. Jac Csar Piccoli Departamento de Filosofia e Cincias Sociais da Universidade Federal do Acre UFAC.

RIO BRANCO ACRE JULHO DE 2006

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MELO, J.J.S. 2006

Ficha catalogrfica preparada pela Biblioteca Central da UFAC

M528j

MELO, Joo de Jesus Silva. Jaminawa: de donos da terra a pedintes sem rumo. 2006. 95f. Projeto de pesquisa Monografia (graduao em Cincias Sociais com Habilitao em Antropologia Bacharel) Departamento de Filosofia e Cincias Sociais, Universidade Federal do Acre, Rio Branco, Acre. Orientador. Prof. Dr. Jac Csar Piccoli 1. Jaminawa, 2. Nomadismo ndios, 3. Urbanizao aldeias Acre, 4. Direitos dos Nativos I. Ttulo CDU 397.7 (811.2)

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"Num mundo deformado onde o vencedor criou o miservel para poder existir e servir de platia para seu pdio, onde a austeridade criou o mendigo para lhe dar lastro, onde as leis criadas do apenas uma forma institucionalizada deformao desse modelo, verdades estabelecidas jamais poderiam ser reais. Assim, culpas causadas apenas para alimentar o desejo de mrito de um Ego faminto de recompensas, nunca poderiam ser verdadeiras. (Autor desconhecido)

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Esta Monografia sobre Antropologia indgena com o ttulo: Jaminwa, de donos da terra a pedintes sem rumo foi submetida Coordenao do Curso de Cincias Sociais, como parte dos requisitos necessrios obteno do Grau de Bacharel em Cincias Sociais, outorgado pela Universidade Federal do Acre - UFAC, e se encontra disposio dos interessados na Biblioteca Central da referida Universidade.

A citao de qualquer trecho desta Monografia permitida desde que seja de conformidade com as normas tcnicas permitidas pela tica cientfica.

____________________________ Joo de Jesus Silva Melo

Monografia aprovada em: ____ / ____ / _____.

_____________________________________ Prof. Dr. Jac Csar Piccoli Orientador

_____________________________________ Prof. Dr. Elder Andrade de Paula Membro

_____________________________________ Prof. Aleta Tereza Dreves Membro

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minha querida me MARIA ODETE SILVA MELO e TEREZINHA NEUMA DE JESUS (in memorian) pela sabedoria, garra, coragem e determinao em saber enfrentar o mundo com todos os seus obstculos !

OFEREO

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Aos meus filhos Alexandre, Alessandra Torres Melo e sobrinho Augusto Moraes. A meu pai e companheiro JOS MELO CORDEIRO e minha companheira de labuta IOLENE SILVA DE MORAES, A todos os meus irmos e sobrinhos

DEDICO ESTE TRABALHO

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo, principalmente, pela oportunidade de estar sempre prximo d'ELE. Universidade Federal do Acre - UFAC, em especial ao Departamento de Filosofia e Cincias Sociais, pelos conhecimentos adquiridos durante esta jornada, em especial ao prof. Elder Andrade de Paula - pela amizade e Jac Csar Piccoli - pela valiosa orientao transmitida. Aos Professores Severo Farias, Fabiana Pontes e Ciro Faro, pelo apoio indispensvel durante a jornada. Aos amigos de turma que conviveram comigo durante estes rduos anos de batalha. Aos colegas extensionistas da SEATER, Comisso Pr-ndio, Casa do ndio, FUNAI e CIMI-AC pelo apoio e estmulo. A todos que direta ou indiretamente contriburam para a concretizao deste trabalho, os meus agradecimentos e reconhecimento.

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ACRNIMOS

Agente Agroflorestal Indgena Administrao Executiva Regional da FUNAI em Rio Branco Banco Interamericano de Desenvolvimento Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social Centro de Documentao e Informao Histrica do Acre Conselho Estadual Indgena Conselho Indigenista Missionrio - Amaznia Ocidental Conselho Nacional dos Seringueiros Comisso Entre ndios Comisso Pr-ndio do Acre Diretoria de Assuntos Fundirios Departamento de Estradas e Rodagem do Acre Estudo de Impacto Ambiental - Relatrio de Impacto Ambiental Floresta Nacional Fundao Nacional do ndio Fundao Nacional de Sade Grupos de Trabalhos Histria Indgena da Amaznia Ocidental Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovveis Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica Instituto de Meio Ambiente do Acre Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria Instituto Nacional de Pesquisa da Amaznia Instituto de Terras do Acre Ministrio do Meio Ambiente Ministrio Pblico Federal no Acre Movimento dos Povos Indgenas do Vale do Juru Ncleo de Pesquisas em Cincias Humanas e Sociais do Instituto NPCHS/INPA Nacional de Pesquisas da Amaznia OPIAC Organizao dos Professores Indgenas do Acre Organizao dos Povos Indgenas do Acre, Sul do Amazonas e OPIN Noroeste de Rondnia OPIRE Organizao dos Povos Indgenas do Rio Envira OPITARJ Organizao dos Povos Indgenas de Tarauac e Jordo PAEs Projetos de Assentamentos Extrativistas PCN Projeto Calha Norte PMACI Plano de Proteo do Meio Ambiente e das Comunidades Indgenas POA O Plano Operativo Anual PRODEX Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Extrativismo PP-G7 Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil Projeto Integrado de Proteo s Populaes e Terras Indgenas da PPTAL Amaznia Legal RESEX Reserva Extrativista SAF Sistema agroflorestal SEATER Secretaria de Assistncia Tcnica e Extenso Agroflorestal

AAFI AER-RBR BID BNDES CDIH CEI CIMI CNS COMIN CPI-Acre DAF DERACRE EIA-RIMA FLONA FUNAI FUNASA GTs HIAO IBAMA IBGE IMAC INCRA INPA ITERACRE MMA MPF MPIVJ

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Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas Secretaria de Estado de Cincia, Tecnologia e Meio Ambiente Secretaria Executiva de Floresta e Extrativismo Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Naturais Organizao das Mulheres Indgenas do Acre, Sul do Amazonas e SITUAKURE Noroeste de Rondnia TAC Termo de Ajustamento de Conduta TI Terra Indgena TER Tribunal Regional Eleitoral UNI Unio das Naes Indgenas do Acre e Sul do Amazonas WWF World Wildlife Fund ZEE Zoneamento Ecolgico e Econmico

SEBRAE SECTMA SEFE SEMA

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SUMRIO INTRODUO ........................................................................................................... 1JUSTIFICATIVA ...................................................................................................................................... 7 GERAL .................................................................................................... ERRO! INDICADOR NO DEFINIDO. ESPECFICOS ........................................................................................................................................ 9 METODOLOGIA ...................................................................................................................................... 9

CAPTULO I ............................................................................................................. 11 1. ANTECEDENTES DA HISTRIA INDIGENA JAMINWA ............................... 111.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.7 1.8 A TRAJETRIA EM BUSCA DA TERRITORIALIDADE ........................................................... 12 O XODO DOS JAMINWA ..................................................................................................... 15 A CIDADE E OS JAMINWA, UM CICLO VICIOSO ................................................................. 18 OS JAMINWA ......................................................................................................................... 24 O PODER DO MAIS FORTE..................................................................................................... 24 A TERRAME, SEU VALOR SIMBLICO E FONTE DE VIDA .............................................. 26 O BOM SELVAGEM E A SOCIO-CULTURALIDADE ............................................................. 27 RECIPROCIDADE ENTRE INDIOS E BRANCOS.................................................................... 30

CAPTULO II ............................................................................................................ 32 2. OS JAMINWA NO CONTEXTO INDGENA ...................................................... 322.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 2.8 2.9 2.10 2.11 SITUAO DAS TERRAS INDGENAS ACREANAS.............................................................. 35 TERRAS DECLARADAS .......................................................................................................... 38 TERRAS INDGENAS JAMINWA ........................................................................................... 38 TERRAS IDENTIFICADAS ....................................................................................................... 42 TERRAS INDGENAS A IDENTIFICAR .................................................................................... 44 INDICATIVOS PARA A CRIAO DE NOVAS TERRAS INDGENAS .................................... 45 AS BRS 364 E 317 E AS TERRAS INDGENAS DO ACRE ...................................................... 47 IMPACTO TERRITORIAL ......................................................................................................... 50 IMPACTO AMBIENTAL ............................................................................................................ 50 IMPACTO ECONMICO .......................................................................................................... 51 IMPACTO SOCIOCULTURAL .................................................................................................. 53

CAPTULO III ........................................................................................................... 56 3. DE ONDE VIERAM E PARA ONDE VO OS JAMINWA? ............................. 563.1 3.2 3.3 3.4 A MIGRAO OU EXPULSO INDGENA NO ACRE ............................................................. 61 A PORANGA QUE ALUMIA O VARADOURO .......................................................................... 64 A CIDADE NA ALDEIA: NOVO HABITATUS ............................................................................ 66 O JAMINWA AINDA NDIO? CHEGOU A HORA DE REVITALIZAR .................................. 71

CONSIDERAES FINAIS ..................................................................................... 76 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 80

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INTRODUO Este trabalho uma tentativa de reunir alguns subsdios informativos sobre um povo nativo do Acre - os Jaminwa1. Com isso, no pretendo mais do que acrescentar algo histria desse povo que no desistiu nunca de lutar pelos seus direitos. Um objeto pretendido identificar a influncia da urbanizao entre os indgenas Jaminwa, o processo de seminomadismo, a perda da territorializao, suas esperanas e necessidades na cidade e mata. Atualmente, h pouca informao e polmica acerca dos Jaminwa e seu futuro. No Acre, no h nenhuma estimativa confivel relatando sobre a urbanizao indgena jaminwa. Podem-se verificar casos isolados e as inconstantes viagens realizadas no sentido cidade-aldeia e retornos, onde difcil estimar um fato. A dificuldade de estimar a populao jaminwa nas cidades vai depender muito mais dos critrios usados do que da compilao de dados estatsticos. A pouca sedentarizao jaminwa d-se pelo fato de uma caracterstica dos Jaminwa ser a sazonalidade freqente nas mudanas de localizao das aldeias e das casas (FERREIRA, 2001:33). Isto um fato cultural explicado por fatores como a morte de um membro da famlia ou decorrente de conflitos faccionais ocorridos entre tribos da mesma etnia, como o caso ocorrido nas terras da Cabeceira do Rio Acre e Mamoadate a partir dos anos 1990, que provocaram a migrao de vrias famlias para Rio Branco, Sena Madureira, Assis Brasil e Brasilia.

- De acordo com Oscar Calavia Sez, so denominados Jaminwa (Yaminawa, Yaminahua, segundo outras grafias) vrios grupos de lngua Pano, situados no sistema Juru-Purus, em territrio peruano e brasileiro. Os autores abaixo tm realizado trabalho de campo com boa parte dos grupos Yaminawa existentes. Calavia Sez pesquisou os Yaminawa da aldeia do rio Acre (Brasil) em 1992-1993. Carid Naveira e Prez Gil estudaram os Yaminawa do rio Mapuya, subafluente do Urubamba (Peru), em 2000-2001, e em vrias comunidades do rio Juru (Peru), em 2001.

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A territorialidade faz meno ao processo de luta pela conquista da terra e reconquista de territrios que exigem como seus, mas que esto ocupados pelo homem dito civilizado. O ponto inicial da pesquisa uma discusso recente, segundo a qual o colonialismo inventou o conceito de cultura e na realidade as culturas nunca foram sistemas fechados (HALL, 2001; SAHLINS, 1997). Conforme vrias teorias da modernidade, a identidade moderna vista como algo dinmico que se beneficia dos elementos do passado. O processo de globalizao origina novo interesse pelo local e os operadores ativos articulam a sua relao entre o global e o local (Hall, 1992; Hannerz, 1999). Para Canclini (1995), contudo, as culturas hbridas, caso dos jaminwa, no permitem o funcionamento de uma lgica binria entre as estratgias de dominao e de permanncia da tradio. Entender a modernizao conhecer a heterogeneidade multitemporal (CANCLINI, 1998:19), na qual o

desenvolvimento moderno no suprime a cultura popular tradicional: as culturas tradicionais desenvolvem-se, transformando-se (op. cit. 214-215). Do mesmo modo, os grupos indgenas tambm se tm convertido, gradativamente, de objetos da histria para serem os agentes do seu prprio desenvolvimento, fato que pode ser confirmado nos estudos realizados por Turner (1995) e Sahlins (1997). Neste trabalho, utilizamos conceitos como capital social e campo social desenvolvidos por Pierre Bourdieu, socilogo francs, que formula a teoria da construo sociolgica do mundo por capitais que possibilitam a formao de agentes sociais (habitus) e campos sociais onde toda a atividade e as prticas so realizadas. Segundo Bourdieu (1997), os atores sociais esto inseridos

espacialmente em determinados campos sociais, onde a posse de grandezas de capitais (cultural, social, econmico e simblico) e o habitus de cada ator social condicionam seu posicionamento espacial. Neste estudo, o capital social assume posicionamento central, pois esse o capital com que os povos indgenas atualmente operam devido baixa renda. Como capital social, (BOURDIEU, 1997) se refere s redes sociais2, ao respeito, s amizades e confiana, fundamentais na vida social. Tambm afirma que, para o ator social, ao tentar ocupar um espao, 2

- Segundo Fritjot Capra (1982), redes sociais so redes de comunicao que envolve a linguagem simblica, os limites culturais, e as relaes de poder. So medidas de poltica social que reconhece e incentiva a atuao das redes de solidariedade locais no combate pobreza e excluso social e na promoo do desenvolvimento local. Expressam idias polticas e econmicas inovadoras, com surgimento de valores, pensamentos e atitudes.

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necessrio que conhea as regras do jogo dentro do campo social3 em que esteja disposto a lutar (jogar). Outro aspecto que nos chama a ateno so as diferentes sociedades, uma vez que elas se configuram no palco onde se do as disputas. Esse campo social pode se fazer presente em cada uma delas em diferentes momentos. A sociedade contempornea, onde ns estamos inseridos, por sua vez, uma sociedade universal e complexa, voltada para a fragmentao, o virtual, a ruptura. So inmeros os fatores que entram em campo e que determinam o modo de ser do social. Os movimentos so dinmicos, heterogneos. O melhor governo ser aquele que instituir um modo de ser capaz de respeitar as diferentes autonomias em jogo no campo social. Ela uma sociedade diferente das sociedades antiga e moderna. A emergncia do que se passou a chamar de cyberspace, o espao ciberntico, coloca a sociedade atual sob um novo eixo de tempo e espao. As sociedades antigas eram sociedades eminentemente guerreiras, onde se inclua a sociedade jaminwa. As sociedades modernas foram caracterizadas por um novo modo de produo, apropriao e assimilao dessa sociedade anterior. O Acre o Estado mais ocidental do Brasil e tem sustentado, ao longo dos anos, uma poltica de etnocdio em relao aos primeiros habitantes daqui: os povos indgenas que, muitas vezes, serviram aos propsitos dos no-ndios. E desde os primrdios da colonizao, a poltica do Estado brasileiro tem sido de integrao forada e no desejada por parte das comunidades ditas urbanas e civilizadas, como se afirma na obra Vtimas do Milagre:O Brasil fornece um dos mais claros exemplos modernos de um pas onde os direitos das comunidades indgenas foram sacrificados em nome do interesse nacional. Gigantescos projetos rodovirios, de minerao e de pecuria foram planejados para atravessar territrios dos ndios na Amaznia brasileira, e em seu rastro trouxeram doenas, morte e destruio cultural para as tribos indgenas (DAVIS, 1978:12).

Diante desse panorama, pode-se analisar que a sobrevivncia do povo Jaminwa no Acre est, no na acomodao e na conciliao de interesses- Segundo Virtanen (2005): os indgenas produzem e mantm o seu capital social em campo social diferentes. A identidade indgena reconstruda nesses campos identificados, o campo social como um espao tradicional ou no. Os campos sociais que representam a tradio e a etnicidade indgena so: 1) o seu prprio grupo tnico; 2) o movimento etno-poltico dos povos indgenas do estado; 3) o movimento de estudantes indgenas; e 4) o grupo de pessoas que ganha sua caracterstica de interesse comum em xamanismo. O uso da ayahuasca antigo em rituais de cura nas aldeias indgenas.3

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propostos pelo Estado, onde o mais forte vai fazer sucumbir o mais fraco, mas na exacerbao do conflito de interesses pela fixao da identidade prpria. A afirmao dessa vontade passa pelo campo da poltica, instrumento nico e capaz de impor a velocidade desse processo interativo no interesse dessas minorias tnicas, de modo a preservar os espaos ambientais necessrios preservao dessas populaes e sem incorrer no erro fatal de aderir ao conceito de desenvolvimento com vista somente ao paradigma do crescimento e ao prprio processo de desenvolvimento proposto pelo colonizador. Neste sentido, vimos que a Constituio Federal de 1988, Art. 231-232, assegura os direitos e garantias aos povos indgenas quanto aos elementos bsicos para a sua sobrevivncia: o direito preservao da prpria cultura, o direito educao na prpria lngua, o direito posse das suas terras e ao usufruto dessas riquezas, proteo direta do Ministrio Pblico na defesa desses direitos e interesses. Esse reconhecimento vem sendo, com bastante nfase, respeitado pelo Acre e por seus governantes, a partir da dcada de 1990, quando se trata de um trabalho de reconhecimento da cidadania. Entretanto, os indgenas que habitam as terras da Amaznia sempre tiveram um comportamento nmade quando se trata da busca de seu sustento. No obstante, o Estado, seja nacional ou local, se esqueceu voluntariamente de perguntar aos indgenas a sua opinio (deles) a respeito de sua prpria identidade. Qual o meio adequado que existe para que sejam ouvidos, no pela via do conflito colonizado/colonizador, mas pelo efetivo exerccio da cidadania a que tem direito como os demais brasileiros? Quando se fala da atuao do Estado em relao aos direitos indgenas, isso implica em discutir a questo do ndio4

e da cidadania. Ribeiro (1970) foi o

A denominao ndio aplica-se a todo indivduo que se identifica como tal, isto , que reconhecido pelos membros de sua comunidade como um de seus membros e que preserva vnculos histricos com as populaes de origem pr-colombiana. Como esses fatores so difceis de ser medidos e avaliados, decorre da a dificuldade de identificar tal segmento da sociedade brasileira, tanto pelos rgos oficiais como pelas prprias lideranas das organizaes indgenas. O universo indgena no contempla, ademais, o contingente indgena que vive nos centros urbanos, pois os dados disponveis no so consistentes. A disponibilizao de informaes contextualizadas sobre os indgenas brasileiros seria o nico meio que tornaria possvel corrigir as distores geradas pela imprensa mal informada, por imagens genricas e fatos fragmentados.

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primeiro autor que levantou esta questo. Segundo ele, o Cdigo Civil de 1928 foi o marco na discusso sobre os direitos indgenas. At ento:[...] o ndio era identificado s pessoas como totalmente incapazes e sujeitos tutela dos juizes de rfos, sempre dispostos a legalizar a retirada de crianas nas aldeias, a ttulo de doao, e a ratificar as transaes mais lesivas aos ndios (RIBEIRO, 1970: 204).

O que se discute, em verdade, so direitos humanos, sociais, culturais em seus aspectos fundamentais, os quais no mostram eficincia para resoluo dos problemas indgenas nem para as maiorias, qui para as minorias, pois falta vontade poltica. Esta manifestao da cidadania, a todo tempo em construo, exerccio fundamental no s para os Jaminwa, mas para todos os brasileiros ameaados, tambm por um processo de integrao forada e no desejada. A contribuio dos Jaminwa e outros povos indgenas para a formao da sociedade acreana notria. Foram os primeiros a ocuparem os espaos territoriais. No entanto, alm de massacrados durante a ocupao territorial pelos

colonizadores brancos, foram discriminados e expulsos de suas terras at dcadas recentes. Estes Jaminwa foram marginalizados e sujeitos s diversas atrocidades, chegando a perder, com isso, parte da sua identidade e, no Acre, at mesmo sua memria cultural. No Acre, ocorreram vrios massacres de aldeias, na busca da ocupao das terras por seringalistas, no principio, e, mais tarde, por fazendeiros. Tal fato ficou conhecido como correrias 5. Muitos povos foram dizimados ou se deslocaram para o interior da mata ou, ainda pior, dirigiram-se para os centros urbanos, o que5

- Os novos imigrantes fizeram as chamadas "Correrias": eles juntavam uns 50 homens armados com espingardas e assaltavam as aldeias indgenas. Sendo geralmente solteiros, eles matavam s os homens e raptavam as mulheres indgenas para conviver com eles. Estas expedies armadas feitas com o objetivo de matar as lideranas das aldeias, aprisionar homens para o trabalho escravo e obter mulheres que seriam vendidas aos seringueiros. Foi um tempo de terror. So muitos os relatos de correrias quando, depois de queimadas as malocas e mortos os principais guerreiros, os vencedores se divertiam jogando as crianas para cima e aparandoas com a ponta do punhal numa demonstrao cruel de habilidade no manejo das armas. Sobre as "correrias" ocorridas, consultar Cunha (1976), Sombra (1913), Tastevin (1920, 1925, 1926, 1928), Silva (1929), Castello Branco (1950), Aquino (1977), Cabral (1984), Aquino & Ten Kaxinaw (1988), Iglesias & Aquino (1994, 1996), Pereira Neto (1999), Wolff (2001), Franco (2004), Iglesias (2004). Para uma anlise com pretenses tericas, estes autores so trabalhados por Piccoli (1993).

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contribuiu para o inchao das periferias e bolses de misria, denotando um panorama social carente de justia e dignidade social. No que diz respeito redao da monografia est dividida em 3 captulos, composto de subttulos para que torne melhor a compreenso do tema. Inicialmente, no Captulo I, trabalharam-se os antecedentes da histria dos Jaminwa em geral, relatando aspectos sobre suas andanas na busca de um territrio para se fixarem, enfocando seus primeiros contatos com os brancos dos seringais e da cidade. Tratase de uma formatao do trabalho para melhor acompanhamento do seu desenrolar; j desenvolvido e explicitado na parte do projeto. No Captulo II examinamos, no contexto a territorializao e territorialidade dos Jaminwa marcado, entre outros, pelo predomnio dos elementos coercitivos na relao entre sociedade poltica e sociedade indgena, no momento em que se desencadeou a luta pela posse da terra e reconquista de seus territrios e revitalizao de sua cultura no Estado. uma abordagem que faz referncias localizao das Terras Indgenas do Acre e dos Jaminwa, sua situao atual de legalizao, levando em considerao os impactos sofridos nestas terras, principalmente em funo da criao de um projeto rodoviria que se completa com a pavimentao de rodovia transnacional. No Captulo III, talvez o mais complicado, pelo fato de analisarmos alguns grupos Jaminwa que rumaram para os centros urbanos em busca de melhores condies de vida, como educao e sade, ao mesmo tempo em que enfrentam um confronto de identidade com a populao de no-ndios. L chegando, se depararam com uma situao de aceitao diferente do que imaginavam. Por fim, estudamos, ainda, uma pequena idia de polticas pblicas mitigadoras que deveriam ser produzidas para amenizar os conflitos sociais que criaram a idia de que os Jaminwa so um povo excludo ou aculturado. Ao final, seguem as consideraes finais.

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JUSTIFICATIVA O problema da disperso dos ndios da tribo jaminwa j existe h muitos anos. Este fato , muitas vezes, ocasionado por atrativos como o fascnio pelo trabalho remunerado, como substitutivo de uma atividade agrcola de remunerao incerta; aliados dependncia desejada por produtos industrializados, provocar abandono das prticas tradicionais de subsistncia, como a agricultura, caa, pesca e coleta, que tambm estaro cada vez mais escassas e ameaadas; busca de estudo e a falsa idia de melhoria de vida na cidade; e, por fim, o mais preocupante, a perambulao e o cio nas cidades j podem ser constatados. Para tanto, necessrio que se faa a promoo de algumas aes voltadas para o auxlio a esse povo, de forma a acabar com a dependncia de algumas famlias que perambulam pelas ruas, sendo objeto de humilhao e de invisibilidade para as autoridades locais. Um povo que no valoriza seus costumes e suas tradies tende a perder o passado, cai no esquecimento de seus descendentes, alienando-se muito facilmente. Abre, assim, as portas para a adoo de valores diferentes de sua cultura, perdendo com isso, sua histria, sua identidade e sua autonomia, ou seja, passa a enveredar por um processo de cultura da transformao, no entanto, pode no tratar-se da perda de cultura, e sim, de dinmica da cultura. Afinal, toda cultura tem sua dinamicidade. A dinamicidade da cultura se d de dois a partir da territorializao e da territorialidade dos Jaminwa. Para entender a territorializao necessrio se faz a compreenso da diferena entre terra e territrio remete s distintas perspectivas e atores envolvidos no processo de demarcao. Terra o processo polticojurdico conduzido sob a gide do estado; territrio remete construo e vivncia, culturalmente varivel, da relao entre uma sociedade especfica e sua

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base territorial. Valem mencionar, nesse contexto, alguns pontos de divergncia entre os atores envolvidos na regularizao de terras indgenas. A territorialidade, nosso segundo ponto, tambm ligada ao dinamismo da cultura. A idia de territorialidade indgena, isto , de que uma terra indgena no to-somente o espao de sua sobrevivncia fsica imediata, mas um espao culturalizado por geraes anteriores, destinado presena permanente de um povo e de geraes subseqentes. A questo da territorialidade, e da territorialidade indgena, faz sentido primeiro pela importncia do territrio na liberdade de ser, na linha abordada por Souza (2001), segundo o qual a territorialidade tem importncia para o processo de desenvolvimento, entendido este enquanto autonomia. A territorialidade indgena que no pode ser desprezada que, segundo Darcy Ribeiro: A posse de um territrio tribal condio essencial sobrevivncia dos ndios. Tanto quanto as outras medidas protetrias, ela opera, porm como barreira interao e incorporao (RIBEIRO, 1970: 218). O desenvolvimento de pesquisa recente neste campo de ao tem sido caracterizado por um complexo processo de resistncia, de lutas tanto pela terra quanto pela melhoria das condies de sobrevivncia nela, marcadas, em especial, pela capacidade dos segmentos sociais subalternos no campo de modificar os rumos da modernizao. Dentre outras razes pontuadas e largamente conhecidas como a luta em defesa dos povos da floresta, constituindo-se, portanto, em um caso relevante a ser investigado. As manifestaes tnicas, antropolgicas, so necessidades que se procuram identificar neste povo que vive merc da prpria sorte, nas caladas, nos botecos e vielas das cidades de nosso Estado. Um diagnstico que melhor enfatiza essa mendicncia descrito por Ferreira (2001), em Levantamento da situao atual dos ndios Jaminwa e pelos jornais de circulao local (vide anexo), alm de enfatizar essa mendicncia a partir de observao emprica prpria e que me levou a pensar neste trabalho. De acordo com o jornal Pgina 20 (28/04/2005 - Rio Branco AC), na cidade de Rio Branco eles foram rotulados de pides e comparados com mendigos, mas por trs da cena costumeira na capital acreana h uma histria, tradio e cultura.

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OBJETIVOS Contextualizar os atuais grupos Jaminwa no espao urbano procurando entender o processo de seminomadismo (perambulao) a partir da viso de grupos sociais e de noticias da imprensa local.

ESPECFICOS ruas; jaminwa; referenciar a localizao das Terras Indgenas do Acre e dos estudar alguns aspectos scio-territoriais (organizao social, identificar a situao dos grupos Jaminwa que vivem fora das aldeias

de suas comunidades e vm para Rio Branco e municpios vizinhos mendigar nas

territorializao e territorialidade), e antropolgicos (rituais e costumes) da nao

Jaminwa, sua situao atual de legalizao e os impactos dos projeto rodoviria;

METODOLOGIA A realizao da pesquisa bibliogrfica foi pautada nos seguintes

procedimentos metodolgicos: a. pesquisa bibliogrfica sobre a temtica indigenista no Estado do Acre e

sul do Amazonas, com busca de fontes informativas sobre os Jaminwa, observando o ponto de vista cultural e fundirio;

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b.

anlise do material existente nos arquivos dos rgos governamentais

e no governamentais envolvidos na poltica indigenista, com nfase nos estudos sobre a nao Jaminwa; c. levantamento de dados em outras fontes como: arquivos de jornais

locais, revistas, trabalhos, CD e etc., que tratem da temtica indigenista jaminwa. No plano terico, adotamos dois procedimentos para lidar com a anlise da relao expulso da terra/assimilao e troca intercultural (se que realmente houve). O problema da utilizao dos conceitos - assimilao intercultural (ndio x branco x ndio) e expulso da terra, com a expanso da fronteira do branco - so critrios funcionais e parecem implicar numa srie de dificuldades para a sua operacionalizao. Ou seja, necessrio se faz realizar uma pesquisa bibliogrfica prvia para definir onde se encontravam as terras e como eram trabalhadas. Nas discusses sobre a orientao da pesquisa, as quais resultaram na elaborao deste projeto de monografia, optou-se por eleger vrias instituies governamentais e organizaes da sociedade civil que desempenharam papel destacado no processo de modernizao inter-relaes culturais. Um terceiro procedimento terico adotado foi relacionado abordagem conceitual de pedintes de ruas, fato estereotipado pela sociedade urbana. Quanto s fontes de pesquisas utilizadas, podem ser resumidas em trs grupamentos essenciais. O primeiro grupamento envolve o exame da produo bibliogrfica relacionada com a temtica (livros, trabalhos acadmicos, artigos, peridicos especializados, relatrios de pesquisas etc.). O segundo composto pela base de dados do IBGE e da documentao disponvel no CIMI, CPI, Secretaria Extraordinrias dos Povos Indgenas do Acre no municpio de Rio Branco. O ltimo formado por um grupo de fontes complementares que englobam instituies governamentais (Universidades UFAC e Governo nacional e local -

SEPLANDS/AC); organizaes diversas da sociedade civil (ongs), imprensa local e nacional; arquivos pessoais e entrevista com o diretor da Casa o ndio de Rio Branco-Ac e funcionrios daquele estabelecimento. Estas conversas foram importantes, sobretudo, na reorientao da pesquisa, medida que novas fontes e fatos sociais relevantes possam ter escapado ao planejamento elaborado previamente.

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CAPTULO I 1. ANTECEDENTES DA HISTRIA INDIGENA JAMINWA[...] A nossa histria pode ir embora... quando vocs no valorizem os velhos. O velho pea importante, ele viveu. Pois , este velho ainda tem muita coisa pra ensinar a vocs. A juventude s porque sabe ler e escrever diz assim: - este velho no sabe nada. muito engano. Ele sabe muito mais que ns, principalmente a nossa vida passada pessoal. Por essa razo muitas vezes ns se perde por no valorizar nossas razes. (JOS CORREIA liderana Jaminwa de Sena Madureira-Ac, 2004)

A retomada da histria jaminwa em um plano regional-local um dos caminhos mais promissores para o melhor entendimento do passado no s dos ndios, mas da formao e desenvolvimento do local como um todo. Acredito que os estudos dos processos de mudana social possam e devam ser revitalizados. Pois a partir disso que ganharemos visibilidade sobre aspectos da nossa histria que tm permanecido obscuros, por no levarmos devidamente em conta a heterogeneidade e pluralidade da sociedade acreana indgena em toda sua complexidade. Esta histria cheia porm, dos de Jaminwa

controvrsias, lendas e

possui

fbulas que ampliam a cerca da riqueza cultural acreana deste povo que faz parte daFig. 1: Cultura jaminwa (Fonte: SEPI - Ac, 2006)

histria do Estado do Acre.

Segundo Sez (1995), os Jaminwa ou Yaminawa originaram-se da juno entre as diversas etnias que habitavam o rio Ucayali. Tinham essas outras denominaes, como Xixinawa (povo do quati), Yawanaw (povo do queixada) que

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uma etnia importante no contexto atual do Acre, Bashonawa (povo da mucura), Mastanawa (povo do sacado), Kununawa (povo da orelha de pau), Sharanawa (povo bom). A populao total de Jaminwa no Brasil difcil de avaliar, pois os grupos aqui descritos devem reunir uma cifra aproximada de 1.200 indivduos ou mais (ACRE, em nmeros, 2006), incluindo os habitantes que vivem fora das aldeias. 1.1 A TRAJETRIA EM BUSCA DA TERRITORIALIDADE Sez (1995) considera que os Jaminwa do rio Acre situam os primrdios de sua histria conhecida pelo homem branco em duas grandes aldeias: uma sobre o rio Moa (a) - um afluente menor do rio Iaco - e outra entre os rios Iaco e Tahuamanu (b). Em seguida, partiram para as cabeceiras do rio Chandless (c), onde tiveram seus primeiros contatos pacficos com os brancos, no caso, caucheiros peruanos ou bolivianos. No Peru, morando no rio Shambuyacu, conviviam com os Sharanawa, Marinawa (povo da cotia) e Mastanawa, que intermediavam, geogrfica e comercialmente, com os brancos, como faziam mais ao noroeste os Shipibo. Algum tempo depois, os Jaminwa partiram em agrupamentos diferentes, sendo que, devido aos conflitos internos, algumas tribos vieram a ocupar o seringal Petrpolis (d), a partir de 1968, seguindo para o Rio Purus, no municpio de Sena Madureira (f), e, mais tarde, para o sul do Amazonas, no municpio de Boca do Acre (g). Por fim, um outro contingente se deslocou para as cabeceiras do Rio Acre, em Assis Brasil, e constituram nova morada com apoio de rgos indigenistas. Com esse apoio, os Jaminwa se instalam rio acima, na TI Mamoadate, que congrega a aldeia Jaminwa Betel (e) e uma Manchineri (Extrema). A nica aldeia Jaminwa na TI Mamoadate Betel, com uma pequena comunidade chamada Cujubim (p.e., ver mapa migratrio rota migratria e trajetria da sazonalidade dos Jaminwa no mapa 1). Isto mostra que os Jaminwa viviam a deslocar-se de um lugar para outro, demonstrando um processo de seminomadismo ou sazonalidade. Este

seminomadismo tambm influenciado pela prpria sazonalidade das chuvas, ou inverno e vero acreanos. Outro fato comum para a poca, relatado por Sez (1995), que trata dos seguidos conflitos entre tribos rivais que habitavam as terras do sudoeste amaznico ou contra o invasor branco, os caucheiros e seringueiros, que buscava riquezas, via extrao da goma elstica (ltex).

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Estado do Acre Rota Migratria Trajetria da Sazonalidade Jaminwa

g - Kaiapuc: Boca do Acre no Amazonas

fb

cd

a eLegenda: Trajetria dos Jaminwa do Acre a- Aldeia do Rio Moa ( Rio Iaco) b- Aldeias do Rio Tahuamanu e Iaco c- Aldeias do Rio Chandless e Shambuyacu d- Seringal Petrpolis (1968) e- Aldeias da Cabeceira do Rio Acre (1988) f- Aldeias do Alto Purus e Rio Caet (1992) g- Aldeia Kaiapuc - Boca do Acre Am.

MAPA 01 - TERRAS INDGENAS DO ACRE (Fonte: ZEE/AC, 2003). Adaptado para o trabalho.

14

As relaes com esses outros grupos Pano levavam regularmente ao conflito entre os grupos diferenciados e fuga dos Jaminwa mata adentro. Eles, por sua vez, exerciam a mesma funo em relao a outros grupos Nawa mais selvticos, que acabaram os incorporando. Depois de um longo perodo, em que alternam as aproximaes pacficas e as correrias, protagonizadas, em muitos casos, por ndios Manchineri aliados aos seringalistas, os Jaminwa vo estabelecendo relaes diretas com patres brancos entre o rio Acre e o Iaco. Segundo Sez (1995), em 1968, um grupo com nmero superior a cem Jaminwa, que se apresentam debilitados por repetidas epidemias provocadas pelo contato com o homem branco, se instalam no seringal Petrpolis, assumindo certo grau de dependncia dos brancos, fato indito at ento, e estes so os primeiros dados que se tem sobre o incio da troca de conhecimentos ou aculturamento com o branco, onde, misturados sociedade local no-ndia, estabelecem novas relaes de casamento e de compadrio. Com isso, conseguiram preservar, talvez, a mais importante parte de seu patrimnio: a lngua nativa. Prossegue Sez (1995) relatando que, em muitos informes da FUNAI, instituda no Acre a partir de 1975, uma situao clssica entre os Jaminwa que tm maiores contatos com o povo branco: alcoolismo, prostituio, desorganizao do grupo e explorao econmica. Contudo, h quem diga que o alcoolismo pode representar um novo processo de aproximao. Em 1989, provavelmente em funo de desagregaes internas e foradas, se aproximam mais do mundo dos brancos. Um grupo considervel, dirigido pelo chefe Jos Correia Tunum, migra para a jusante do rio Acre, onde j morava outro grupo maior de Jaminwa, formando a aldeia Ananaia, que se tomou a principal daquela Terra Indgena. Consolida-se, assim, a Terra Indgena Cabeceira do Rio Acre, interditada em 1988, cuja declarao de posse permanente somente oficializada em 06 de maro de 1992, alcanando uma rea total de 78.512 hectares, no municpio de Assis Brasil, fronteira com o Peru. Em 1998, teve sua homologao publicada no Dirio Oficial da Unio.

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1.2

O XODO DOS JAMINWA A resistncia ativa s invases de seu espao representa, sem dvida, uma

das respostas mais comuns na histria da expanso de fronteiras. Cem anos de guerras, confrontos, extines, migraes foradas e reagrupamento tnico envolvendo o povo Jaminwa e mltiplas foras invasoras formadas por peruanos, bolivianos e brasileiros, do testemunho da resistncia ativa deste povo indgena para a manuteno do controle das localidades onde viviam. A histria mostra o caminho de luta e de desagregao do povo Jaminwa com outras aldeias, seja da mesma etnia ou etnia diferente. Entretanto, os estudos tambm indicam que h outras aldeias com as quais os Jaminwa reconhecem vnculos prximos de parentesco:A primeira, conhecida como "La Escuela", em territrio boliviano, distanciada aproximadamente duas horas de canoa a partir de Assis Brasil, uma aldeia organizada em volta de uma misso protestante, com uma populao prxima dos duzentos habitantes Jaminwa (da etnia Yawanaw). [...]. Em Brasilia, no Bairro Samama, habita um contingente Jaminwa desgarrado do grupo do Iaco desde 1987, por causa de um conflito interno. Estes, desde a ciso, tm sido conhecidos com o nome de Bashonawa que esto por carentes de terras, vivem em uma situao precria, sem roas, nem fontes fixas de renda, com poucas alternativas se no a de retorno aldeia ou ajuda governamental. (SEZ, 1995 apud FERREIRA, 2005: 13-14).

Entretanto, trabalhos realizados anteriormente por jornais locais6 mostram que, em Sena Madureira-AC, existem Jaminwa nas reas urbanas que no conseguem se reintegrar s suas comunidades de origem e, por isso, se estabelecem nos bairros perifricos daquele municpio. A reportagem de Val Sales, do jornal Pgina 20, traz o seguinte enunciado que, apesar de expressar o senso comum, reflete a realidade quanto pesquisa cientfica, uma vez que se trata de fatos socialmente estudados e j comprovados. A manchete do Jornal Pgina 20, de 17.09.2002, intitulada:

- Vide anexo, no final do trabalho, a entrevista concedida ao Blog do Altino (http://altino.blogspot.com/2006/11/paolino-baldassari.html/) pelo missionrio catlico Pe. Paulino Baldassari, quando da realizao de suas catequeses pelas cabeceiras dos rios Purus e Iaco e no centro urbano daquele municpio.

6

16

INSTITUIES LIGADAS QUESTO INDGENA QUEREM QUE JAMINWA QUE VIVEM COMO PEDINTES RETORNEM PARA SUAS COMUNIDADES A Secretaria Extraordinria dos Povos Indgenas se reuniu ontem tarde com representantes do Ministrio Pblico Estadual (MPE), Ministrio Pblico Federal (MPF), Funai, FUNASA e demais rgos ligados rea das aes sociais para discutir a situao dos ndios da tribo Jaminwa que vivem dispersados de suas comunidades e pedem esmolas nas ruas do centro da cidade. De acordo da dos com o

representante Extraordinria

Secretaria Povos

Indgenas, Francisco Pianta, o problema de disperso dos ndios dessa tribo j existe h cerca de dez anos. Segundo ele, algumas aes de

planejamentos

passados,Fig.2: Mendicncia Jaminwa (Fonte: Failton Silva, 2003)

voltadas para o auxlio desses povos, acabaram provocando a

dependncia de algumas famlias, que j no conseguem se adaptarem aos costumes e tradies das suas comunidades de origem. indgena Pianta em seu relato:Seis famlias vivem atualmente em Rio Branco e perambulam pelas ruas pedindo esmolas. Outras tambm esto espalhadas pelos municpios de Brasilia, Assis Brasil e Sena Madureira. A situao de conhecimento dos dirigentes das comunidades, que discordam e temem que essa atitude venha a produzir uma m imagem de sua nao perante a sociedade. A idia encaminh-los s suas casas, seja na cidade ou nas aldeias e conscientiz-los da necessidade de se enquadrarem ao sistema em que vivem, como parte integrante de uma sociedade com direitos e deveres, declarou. Fig. 3: Mendicncia Jaminwa (Fonte: Failton, 2003)

Prossegue o Secretrio

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Pianta finaliza esta entrevista, confirmando que a maioria dessas famlias foram beneficiadas por programas de ao social e que o investimento em suas comunidades poderia evitar a evaso. Alguns desses nativos migrantes so provenientes de aldeias localizadas no rio Iaco que sonhavam com uma vida melhor, lutaram pela sua sobrevivncia. Conforme Keller (1995) relata em seus estudos etnolgicos com muita propriedade, a localizao, a distribuio e a forma de organizao dos Jaminwa:[...] os Jaminwa encontram-se no stio Guajar, que contam com uma comunidade. A montante, a Terra Indgena Mamoadate congrega na aldeia Betel pouco mais de cem da etnia Xixinawa. No rio Purus, existe o grupo de Paumari, em que se conta com mais de noventa indivduos Kaxinaw e Xixinawa, e famlias nucleares dispersas e misturadas com "peruanos". Entretanto, prximo fronteira peruana do Purus, alguns deles tm se deslocado para Sepahua, no rio Urubamba, e esto vinculados a uma misso catlica dominicana. Em territrio peruano existem ainda algumas comunidades Jaminwa no rio Purus e outras na rea do alto Juru, nos rios Mapuya e Huacapishtea. [...] Os estudos sobre os Jaminwa brasileiros, em especial no Acre, carecem de maior aprofundamento etnogrfico, qui etnolgico, uma vez que tm vagas notcias a seu respeito. Outros grupos conhecidos como Jaminwa no Brasil, como os da aldeia Igarap Preto, carecem de relao com os Jaminwa aqui descritos. Os Jaminwa costumam se instalar em estreita relao com outros povos indgenas: no Brasil, especialmente com os Manchineri, de lngua da famlia arwak. Relaes maritais so freqentes entre ambos os grupos, mas no so considerados matrimnios legtimos. Do mesmo modo, a visvel mestiagem com os "brancos" no tem dado lugar a uma categoria de "mestio": a alteridade dos brancos assimilada dentro do conjunto de alteridades que j organiza as relaes entre os diversos grupos nawa. (SEZ, 1995 apud KELLER, 1995: 242-248).

A priori, esta foi a distribuio dos Jaminwa no Acre. Entretanto, devido aos desentendimentos crescentes no interior do grupo, briga entre povos e no respeito s leis locais dos ndios, iniciou um novo xodo Jaminwa, ou melhor, deslocamentos e migraes. Esses migrantes precisam reinventar a cada dia o seu cotidiano; enfrentar o desafio de tentar criar expectativas e condies de um futuro condizente com a situao de cidados que tentam ser; e envolvem os membros da famlia numa incessante luta na tentativa de driblar uma sociedade que se organiza sem eles, desestabilizando identidades sociais e culturais consolidadas, assim descritas:

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Deve-se advertir o leitor da precariedade destes dados, por causa das freqentes rearticulaes dos grupos. [...] Pouco depois do final da minha pesquisa de campo, em 1993, o assassinato de um Jaminwa em Brasilia, pelas mos de um Bashonawa residente nessa cidade, acabou provocando uma ciso no grupo do rio Acre. Dois grupos numerosos -- que freqentavam a cidade de Rio Branco - foram realocados nos anos seguintes em Santa Rosa, - no Alto Purus - e no rio Caet; um contingente considervel tem-se instalado de modo mais ou menos permanente na capital. [...] Os contatos dos Jaminwa com os missionrios tm sido espordicos ou indiretos, primeiro com os missionrios catlicos dominicanos do Peru que se aventuravam nos seringais, depois com os missionrios evanglicos da Misso Novas Tribos do Brasil, instalados junto aos Manchineri na Terra Indgena Mamoadate, no rio Iaco. [...] Na Aldeia da Escola, na margem boliviana do rio Acre, tem lugar uma catequizao mais sistemtica. At agora as misses no parecem ter tido grandes conseqncias quanto cultura l tradicional (SEZ, 1995: 21-23).

1.3

A CIDADE E OS JAMINWA, UM CICLO VICIOSOO homem sucumbir, morto pelo excesso daquilo a que chama de civilizao. (J. H. FABRE)

Nos ltimos quinze anos, a presena dos Jaminwa em Rio Branco tem se intensificado. Eles se encontram presentes na Casa do ndio para tratamento de sade e na busca de um abrigo; ou tambm na Secretaria Extraordinria dos Povos Indgenas, FUNAI e CPI (Comisso Pro-ndio do Acre), na busca de alguma melhoria para este grupo; seja em reas de periferia, como o caso dos Jaminwa de Brasilia, onde buscam produzir suas alimentaes em quintais urbanos (pequenas reas); em precrios e pauprrimos acampamentos de lona plstica na margem do rio Iaco e Purus na cidade de Sena Madureira; e, por fim, sob a ponte do Rio Acre e/ou at perambulando sem rumo e sem destino em Rio Branco pedindo ajuda s pessoas que passam. Quem melhor enfatiza o fato dos Jaminwa mendigando pelas ruas de Rio Branco so as entidades que trabalham com esta problemtica, como a SEPI, CIMI e COMIN, como mostra na reportagem do Jornal Pgina 20, de 08 de janeiro de 2006, que traz a seguinte manchete na ntegra, que vem a seguir.

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Ao social em favor dos ndiosGoverno inicia processo de reintegrao comunitria de ndios em situao de risco no Acre

O governo do Acre deu incio ao processo de reintegrao comunitria das famlias jaminwa em situao de risco social no Estado, a comear por Rio Branco. Reunio ocorrida na Secretaria de Estado da CidadaniaFig. 4: Secretrios se renem para discutir a questo indgena. (Fonte: Jornal Pgina 20, 2006)

e

Assistncia

Social (SECIAS) envolveu o

superintendente regional da Fundao Nacional do ndio (Funai), Antonio Apurin, os secretrios Francisco Pianta - dos Povos Indgenas e Maria das Graas Alves Pereira - da SECIAS, respectivamente, e Maurcio Rebouas, gerente de Aes Articuladas Preventivas e Protetivas para Criana e Adolescente em Situao de Risco Social, e traou como medida prioritria para retirar mulheres e crianas que hoje mendigam nas ruas, a identificao das famlias e a deteco das causas que as mantm como pedintes, aplicando de modo imediato ao especfica para cada caso: h ndios que esto nas cidades em busca de tratamento de sade, outros por questes internas nas aldeias. H grupos cuja permanncia nas cidades ainda no clara. A gente no pode se acostumar com pessoas pedindo no meio da rua. No Acre no cabe esse tipo de coisa, disse a secretria Maria das Graas, apontando como parte do plano o acompanhamento constante das famlias removidas. Uma comisso organizada pela SECIAS percorreu as ruas de Rio Branco para comear o plano de identificao das famlias sob risco social. A Secretaria dos Povos Indgenas (SEPI) j vinha realizando um diagnstico da situao. Estima-se que existam cerca de quinze famlias com mulheres que vo diariamente para as ruas da capital pedir esmolas com seus filhos, geralmente bebs de colo. A maior parte da etnia jaminwa. Finaliza a entrevista o Secretrio

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da SEPI Francisco Pianta: [...] o mais importante que temos famlias que tomaram a deciso de sair das ruas e hoje esto em suas aldeias levando uma vida muito melhor, uma vida com qualidade, com alimentao segura e vivendo tranquilamente. Assim, com base na experincia dos que deixaram a mendicncia urbana e retornaram para as aldeias, a SECIAS estar coordenando o grupo de trabalho que envolver vrios outros rgos como os Ministrios Pblicos Federal e Estadual, o Conselho Indigenista Missionrio (CIMI) o brao indigenista da Conferncia Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), a Comisso Entre ndios (COMIN) e a Organizao das Mulheres Indgenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondnia (Situakure), alm da Funai e Governo do Acre na formulao do projeto amplo que remover e manter os Jaminwa em suas aldeias ou vivendo com dignidade no meio urbano. O superintendente da Funai, Antonio Apurin (2006), disse que todos as medidas e recursos necessrios para pr em prtica a reincluso comunitria dessa populao estaro disponibilizados. um assunto que preocupa a todos ns e a busca das solues ser ouvindo eles, as famlias, disse Apurin. Foram criados grupos de trabalho para realizarem encontros de modo cooperativo e com aes imediatas, onde devero ser diagnosticadas as causas que mantm determinada famlia nas ruas. Ser, no mesmo ato, definida a soluo para cada caso. Prevemos uma reunio de planejamento e ao, com aes imediatas, disse Maurcio. Este um fato que, aparentemente, incomoda mais as entidades governamentais, rgos da sociedade civil (ONGs) do que mesmo ao prprio jaminwa. E os resultados para estes atos de mendicncia nas cidades geram sempre conseqncias muito graves: desnutrio de crianas, srios riscos de doenas sexualmente transmissveis nos jovens e adultos, conflitos que acabam na delegacia ou na cadeia, sem contar com o alto ndice de alcoolismo que j vem do tempo do seringal 7 e na cidade se v agravado pela m alimentao. Esse ndice de7

- O seringal, enquanto lugar de produo, estava dividido em duas subunidades: a margem e o centro.A margem fazia referncia aos lugares localizados prximos s beiras dos rios. Geralmente, ali estava centralizada a parte comercial e administrativa do seringal, dotado das seguintes instalaes: barraco, depsitos auxiliares, residncia do patro e do pessoal que trabalhava nestas instalaes. O centro localizava-se no interior do seringal (formado por extensas reas de floresta densa), aberto por uma pequena clareira. Nele o seringueiro

21

alcoolismo, aliado ao alto grau de desnutrio e a falta de projetos econmicos de auto-sustentao servem de incentivo para a vinda desses ndios aos centros urbanos. Um exemplo notrio descrito por Iglesias (2005:34):[...] o subgrupo Xixinawa, no alto rio Caet, afluente da margem esquerda do rio Iaco, decorrente de uma srie de conflitos internos entre suas vrias faces familiares, ocorridos nas terras Cabeceiras do Rio Acre e Mamoadate, a partir da dcada de 1990, que provocaram migrao de suas vrias famlias extensas para a periferia de Rio Branco e outras cidades do vale do Acre. Os Xixinawa constituem um de seus subgrupos polticos, conformado por mais de uma centena de ndios Jaminwa, que nessa poca mendigavam e perambulavam pelas ruas de Rio Branco.

Outro pequeno trecho da matria do Jornal Pgina 20, de Rio Branco, de 27/01/2005, traz a seguinte mensagem: Viciados em etlico, transformaram-se em vtimas de 'traficantes de lcool', a quem pagam de R$ 15,00 a R$ 25,00 por um litro de cachaa. Essa atrao letal pela cidade a face escura da colaborao dos Jaminwa indigenistas. com O as entidades

compromisso

poltico tem levado com demasiada freqncia as lideranas Jaminwa para a cidade, de um privando centro a de

comunidade

referncia e de uma instituioFig. 5: Alcoolismo entre ndios em Sena Madureira Fonte: Pgina 20, 2005.

essencial para resolver os conflitos.

A FUNAI, sem possibilidades de atacar a raiz do problema ou, ento, no querendo resolver este fato de grande relevncia, tem reagido deslocando os sucessivos grupos dissidentes para outras reas, algumas como Santa Rosa e Caet, muito distantes. Essa disperso muito negativa para a defesa dos direitos territoriais j adquiridos pelo grupo, alm de ser um paliativo e no resoluo dos problemas que os afligem. Com essa transferncia para Santa Rosa e Caet, eles certamente continuaro no isolamento que a sociedade branca lhes imps.(ndio ou cari, que correspondia ao branco) morava com sua famlia e produzia a borracha. O tapiri (casa do seringueiro) e a barraca de paxiba (local onde o seringueiro produzia a borracha) eram as duas instalaes principais. A margem funcionava como unidade comercial e administrativa, onde ficava a sede chamada de barraco.

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Na nossa Constituio, em seu artigo 231, l-se: "So reconhecidos aos ndios sua organizao social, costumes, lnguas, crenas, tradies, e os direitos originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo Unio demarc-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens". A nova Carta reconhece a organizao social, os costumes, as lnguas, as crenas e as tradies dos ndios, que antes no estavam previstos constitucionalmente. No tocante s terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios, o texto constitucional dispe que estes tm direitos originrios sobre elas, ou seja, tm hoje direito posse permanente das terras que habitam, sendo as mesmas inalienveis e indisponveis, competindo Unio demarc-las e proteg-las e fazer respeitar todos os bens. Estas terras so aquelas ocupadas em carter permanente, utilizadas no desenvolvimento de atividades produtivas, essenciais preservao dos recursos ambientais necessrios ao seu bem-estar e a sua reproduo fsica e cultural, segundo seus usos, costumes e tradies. Ao definir o que so terras tradicionalmente ocupadas, a nova Carta Magna estabelece o parmetro para demarcao do territrio indgena. Com relao a este artigo 231, at seu verdadeiro reconhecimento por todos, a sero outros 500. Oxal que consigam chegar at l, pelo menos com respeito e dignidade por serem considerados, por muitos, como os primeiros habitantes desta terra invadida pelo colonizador dito civilizado. Os Jaminwa, consciente de suas necessidades e suas deficincias para resoluo de seus problemas, buscam ajuda na Coordenao das Organizaes Indgenas da Amaznia Brasileira - COIABAcre, (Organizao indgena, fundada, juridicamente, no dia 19 de abril de 1989, por iniciativa de lideranas de organizaes indgenas existentes poca). A organizao surgiu como resultado do processo de luta poltica dos povos indgenas pelo reconhecimento e exerccio de seus direitos, num cenrio de transformaes sociais e polticas ocorridas no Brasil, favorveis aos direitos indgenas. Esto vinculados desde a sua criao, na busca de solues por meio de troca de experincias com outras naes indgenas8.

8

- De acordo com Iglesias e Aquino a Unio das Naes Indgenas do Acre e Sul do Amazonas (UNI), foi criada em 1986. Sua legalizao formal veio a acontecer apenas cinco anos depois, em 1991, num contexto em que a UNI declarou sua autonomia em relao coordenao da Unio das Naes Indgenas, que, desde meados dos anos 1980, articulava o movimento indgena em nvel nacional. Entretanto, h controvrsia quanto a sua criao; para diferentes fatos histricos e interpretaes sobre o surgimento do movimento indgena no Acre e a criao da UNI, ver Iglesias, 1993; Iglesias & Aquino, 1996a; Forneck, 1997; Pimenta, 2001, 2003.

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Quadro 1: JAMINWA DO ACRE POVO JAMINWA Outras denominaes: Xixinawa (povo do quati) Yawanaw (povo do queixada) Bashonawa (povo da mucura) Mastanawa (povo do sacado) Kununawa (povo da orelha de pau) Sharanawa (povo bom) Marinawa (povo da cotia) Tronco Lingstico: Pano - Arwak Lngua materna: Nativa da Famlia Pano Famlia lingstica: Pano Outras lnguas faladas atualmente Portugus e espanhol Outra Grafia: No possuam grafia prpria definida, foram por um longo perodo foram considerados grafos.

Populao: No Estado do Acre: 1221 (*) hab. conhecidos Localizao: Terra Indgena: Cabeceira do Rio Acre Jaminwa Colocao S.Paulino Jaminwa do Guajar Jaminwa do Igarap Preto Jaminwa do Rio Caet Jaminwa Seringal S.Francisco Jaminwa Terras Mamoadate Estado: Acre Municpios: Assis BrasilBoca do Acre/Sena Madureira

Sena Madureira Rodrigues Alves Sena Madureira Sena MadureiraSena Madureira/Assis Brasil

Fonte: CIMI Amaznia Ocidental, 2004 ([email protected]) (*) Dados atuais fornecidos e retirados dos boletins de visita e acompanhamento da Fundao Nacional de Sade - FUNASA, mas tambm podem ser encontrados em Acre em nmeros Anurio Estatstico do Estado do Acre, 2006. Faltam algumas tribos isoladas e aqueles que no foi possvel cadastrar, por morarem na zona urbana de alguns municpios do Estado do Acre. No esto contados os ndios Jaminwa que habitam o sul do Amazonas.

24

1.4

OS JAMINWA O Acre rico em diversidade biolgica e scio-cultural, com uma populao

indgena muito conhecida e composta por 14 etnias diferentes que possuem hbitos e costumes peculiares. So os Manchineri (Yine), Ashaninka, Madij, Katukina, Poyanawa, Apolina-Arara, Nawa, Nukini, Kaxinaw, Shanenawa, Yawanaw, Arara, Jaminwa-arara e o povo objeto de nosso estudo: os Jaminwa. Estes habitam seis diferentes Terras Indgenas nos vales do Juru, do Purus e Acre. Com a chegada dos caucheiros advindos do lado peruano no final do sculo XIX, os grupos menores que estavam dispersos foram perseguidos e obrigados a formar um s grupo. Isso dificultou a convivncia entre eles e resultou em um complexo de divergncias internas dentro da etnia. Sua cultura baseada no cultivo de diversos produtos, alm de serem excelentes caadores e pescadores. 1.5 O PODER DO MAIS FORTE Apesar das autoridades pblicas locais (legislativo, executivo ou judicirio) terem conhecimento da existncia desta nao9, a histria do povo Jaminwa continua marcada pela violncia quando a questo a posse da terra, pois, para eles (ndios Jaminwa), a terra fonte de sobrevivncia, onde os Jaminwa buscam a subsistncia, o lazer, o descanso, a cultura e folclore, de aproximao com a natureza. Infelizmente, o poder pblico ainda no se mostrou to preocupado com a questo da terra para os Jaminwa, estes povos que vivem ainda merc da vontade poltica, visto que ainda existem terras a ser declaradas, demarcadas, a identificar e sem providncias tomadas, como o caso dos Jaminwa do Seringal So Francisco no municpio de Sena Madureira. Para o branco, a terra um sinnimo de poder econmico e cobia, pois o que menos importa a nomenclatura. A terra tratada como uma mercadoria que pode ser transacionada no mercado. A anlise acima feita com base no estudo da economia, como cincia que somente tem interesse para o homem branco, ou seja,9

- Nao indgena: s.f. 1. Conjunto das pessoas que habitam o mesmo territrio, falam a mesma lngua, tm os mesmos costumes e obedecem mesma lei, geralmente da mesma raa; 2. Ser um povo com caractersticas prprias.

25

tomar este fator de produo - a terra - como mercadoria estabelecer com ela e a todos os bens ligados natureza uma relao utilitria, ou seja, dar existncia a um paradigma da economia neoclssica: a terra precisa produzir para ter valor. Por isso que alguns desmatam, plantam pastos, arrendam a terra, etc. Portanto, tem que atribuir um valor terra. preciso produzir alimentos aceitos no mercado de consumo, por isso, se depositam, ano aps ano, agrotxicos cada vez mais fortes que desequilibram e agridem o meio ambiente, estabelecendo uma interao que tpica da lgica capitalista. Para os Jaminwa, a terra tem uma utilidade diferente, como caar, pescar, plantar, contudo, se for preciso desmatar, botar roado, fazer

pastagem para aluguel de criao de rebanho bovino, explorar madeira a retirada de de

forma para outras utilizao assim o

predatria e ilegal vender, formas irracional,Fig. 6: Agricultura TI Mamoadate (Fonte: SEPI, 2006)

dentre de eles sem

fazem

nenhum

sentimento de culpa. Porm, a imagem que procuram transmitir para o mundo urbano a de que a terra tem significados e outra lgica de relacionamento, como mostram neste discurso direcionado ao branco:Para os ndios, a terra o lugar de viver, de ser gente, o espao onde se reencontra a fora dos ancestrais e onde se realizam os rituais e o contato com Deus, que para eles est manifesto em toda a criao. Apesar de no ser Jaminwa, temos o exemplo de apego pela terra de (grifos nossos) Xico Xukuru, lder indgena e maior articulador dos povos indgenas do Nordeste, em 1998, foi tambm vitima na luta pela terra, explica: A gente tem a terra como nossa me. Ento, se ela nossa me, ela quem nos d todo fruto de sobrevivncia, e deve ser zelada e preservada, a partir das pedras, das guas e das matas. (FUNDAO ELIAS MANSOUR, 2004: 8).

26

Dependendo da forma de como este povo indagado, h sempre uma resposta para os seus discursos, sempre em funo de seus objetivos, necessidades e expectativas. a velha forma de, algumas vezes, perder (se enganar), no deixando transparecer de que tambm est ganhando (enganando), dando a resposta que o colonizador quer ouvir. Colabora com a revelao da hipocrisia do discurso da natureza e do pacto entre o branco e o ndio, contrariando a idia de colonizador e colonizado em prol da harmonia recproca que nunca existiu. Poderia discutir um pouco a questo do uso da identidade indgena de acordo com a convenincia, ou a (auto) manipulao de identidade de acordo com a necessidade ou propsito. Neste sentido, pode-se falar da relao teoria X prtica ou kosmos X corpus X prxis. Sempre h uma distncia entre discurso e prtica, da a importncia de se ouvir e de se observar.

1.6

A TERRAME, SEU VALOR SIMBLICO E FONTE DE VIDA Para os Jaminwa, a terra tem um outro significado, o primeiro significado se

define na forma simblica (mito). Em segundo lugar, a terra prescrita na maneira de us-la coletivamente ou individualizada, ou seja, a terra pertence a todos da aldeia, sem os exageros da privatizao de seu uso, portanto, no se impede que algum jaminwa coloque seu roado familiar. A produo da terra no somente individualizada, mas pertence aos membros da comunidade, e no h ttulos de propriedade, nem cercas para delimitar pedaos, mas sim, outro cdigo, como cursos de gua, vegetao diferenciada, relevo, etc. Embora haja espaos destinados produo de subsistncia, ao plantio familiar, a utilizao daquele espao fsico no confere famlia o direito exclusivo de posse e o domnio sobre ele. Todos estes detalhes formais da antropologia a preocupao da etnografia. A terra tem a finalidade da produo de subsistncia pelo fato que esta baseada nas necessidades comunitrias e no no lucro. Em algumas comunidades jaminwa, a exemplo da aldeia Betel, no municpio de Sena Madureira, a terra ocupada de duas formas: de maneira comunitria, e sua utilizao definida pelos prprios membros da localidade, e de forma grupal, melhor explicando, neste momento, comumente, as decises so tomadas em conjunto, tais como as reas destinadas ao plantio dos roados, as reas onde se pode caar e pescar para vos

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servirem de sustento a vs e a todos os animais e as aves, e tudo que tem movimento sobre a terra para terem de que se sustentar (BBLIA SAGRADA: Gnesis, cap. I, vs. 29-30). E individualizada, onde alguns colocam seus roados menores. Analisando a expressividade e importncia da terra para os Jaminwa, podese verificar que no tem o mesmo significado como para outros povos, uma vez que este povo Jaminwa no permanece por muito tempo em um mesmo local, demonstrando ter sobre si a sazonalidade temporal e espacial. A terra, para muitos povos indgenas, , verdadeiramente, o lugar onde eles podem se sentir gente por completo, com mais valor; onde podem viver coletivamente/comunitariamente os aspectos culturais, as crenas e as tradies. Entretanto, quando se fala de Jaminwa, no se verifica este mesmo sentimento. Apesar desta importncia que os ndios do pela terra, ainda h aqueles indgenas e no-ndios que ocupam ilegalmente as terras habitadas por estes silvcolas de vrias maneiras, sejam para explorao madeireira, implantao de roados, monocultura de produtos agrcolas e at plantio de pastagem para pecuria extensiva, exercendo uma presso sobre ela. Esta presso freqente ou aparece quando se fala de desenvolvimento ou crescimento econmico, dando origem aos primeiros conflitos pelo uso e/ou posse da terra.

1.7

O BOM SELVAGEM E A SOCIO-CULTURALIDADE Os argumentos utilizados pelo homem branco contra os ndios so

desinformados e, muitas vezes, preconceituosos e vice-versa, dependendo do contexto. Por exemplo, fazendeiros questionam o tamanho das Terras Indgenas jaminwa relativamente ao nmero de ocupantes ("muita terra para pouco ndio"). Na realidade estes tratam os Jaminwa como indivduos e no como naes e culturas. O homem branco, alm de negligenciar a possibilidade de o ndio ser o primeiro e legtimo habitante desta terra, ou seja, repare bem que o ndio no dono

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da terra, mas tem direito a fazer uso de tudo o que essa rea contm: fauna, flora, gua. Esse tipo de ocupao tem como objetivo a preservao do hbitat e a garantia da sobrevivncia fsico-cultural dos Jaminwa, reproduzindo, dessa forma, condies para a continuidade econmica e sociocultural da comunidade. Na aldeia, todos tm o direito de utilizar os recursos do meio ambiente. Nesse sentido, a propriedade privada no cabe na concepo jaminwa de terra e territrio. Embora o produto do trabalho possa ser individual, as obrigaes existentes entre os indivduos asseguram o usufruto dos recursos. Existe uma diviso de tarefa por idade e por sexo: em geral, cabe mulher o cuidado com a casa, das crianas e das roas; o homem responsvel pela defesa, pela caa (que pode ser individual ou coletiva) e pela coleta de alimentos na floresta. E h uma seqncia de adjetivos, pois o branco se v no direito de sobrepor-se linha tnica, transformando-o em indivduo e coloca-o em categoria social, adotando a contradio de produtor e no-produtor (AQUINO, 1982: 79). Adotam a maneira no-ndia de produzir como parmetro de utilizao da terra, o que refora a imagem preconceituosa do ndio como sujeito preguioso. Conforme Aquino (1982), assim que se estabelece o cruel ciclo do preconceito contra o ndio brasileiro: a priori, se diz que ele "preguioso", no sabe "desenvolver", no sabe "produzir". De acordo com essa lgica, os termos "preguioso" e "improdutivo" fazem parte da prpria definio de "ndio" (AQUINO, 1982: 74-77). Passa-se a "produzir", a "trabalhar", ento deixa de ser ndio, recebendo outra moldura que no foge ao fenmeno do caboclismo (CARDOSO DE OLIVEIRA, 1964 apud AQUINO, 1982:78), com esta conscincia infeliz que se v a si prprio com os olhos dos caris, negando qualquer referncia s tradies de seus antepassados e escamoteando a verdade. A realidade que no se encontra em nenhum contexto de seus discursos a manipulao de sua ascendncia indgena para justificar tal ou qual prtica mais um esteretipo ou falsa imagem que se atribui ao nativo. Entretanto, as populaes jaminwa, por sua vez, tm sua auto-estima gravemente ferida pelo preconceito. E, como resposta ao espectro negativo, em conversa com Letcia Yawanaw, Maria Francisca Jaminwa e Juracy Xangai (Jornal Pgina 20) em 2005, afirmaram que o ndio quer, sim, trabalhar, mas sua maneira. Para tanto, precisam das condies necessrias: terra, educao e sade

29

com polticas diferenciadas. Os caciques renegam a figura do "bom selvagem", do ndio inocente e despido de interesses materiais. Ao contrrio, eles querem a alavancagem social para suas comunidades, querem aumentar a renda disponvel, no querem ser apenas um exrcito da salvao para cuidar das matas da Amaznia ou guardies da floresta, como muitos ecologistas de gabinete os querem. Entretanto, faz-se necessrio que tais iniciativas sejam possveis em um contexto de preservao de suas identidades culturais, configurando-se no mito atual do indgena ecologista que aparenta compatibilizar desenvolvimento e preservao. Mesmo diante de tantas incoerncias por parte do no-ndio, existe tambm um lado bom, onde se v que uma das mais expressivas vitrias na histria recente dos ndios brasileiros, incluindo os indgenas do Acre, foi a conquista de um captulo especial na Constituio Brasileira de 1988. O artigo 231, referente aos direitos indgenas, reconhece a posse coletiva das terras, o significado do territrio para as culturas dos povos. A constituio afirma que as terras indgenas so "inalienveis e indisponveis", ou seja, no podem ser vendidas, no esto a servio do mercado, mas sim para uso exclusivo dos ndios. Diante disto, necessrio que os ndios pressionem ainda mais as autoridades governamentais para a efetivao de sua demarcao. Muitas vezes, os ocupantes das Terras Indgenas so tambm vtimas da poltica fundiria adotada por governos que lotearam e entregaram para empresas colonizadoras as terras dos ndios. Hoje, essas terras so reclamadas, com muita propriedade, pelas comunidades indgenas e um direito legtimo, mas esto ocupadas por famlias que foram enganadas neste processo de grilagem fundiria inconcebvel.Na verdade, tanto os ndios quanto as populaes tradicionais (pequenos posseiros, seringueiros, ribeirinhos, etc.) so vtimas, sofrem e perdem direitos, perdem a dignidade e muitas vezes perdem a prpria vida. Aqueles que incentivam conflitos entre eles e promovem a violncia so os que, de fato [...] lucram com isso. Eles fortalecem seu poder e aumentam a sua riqueza custa do sofrimento dos outros (Fundao Elias Mansour, 2004:9).

30

1.8

RECIPROCIDADE ENTRE INDIOS E BRANCOS Como j foi dito, o Acre foi habitado por diferentes grupos de povos nativos

que fizeram da regio dos altos rios acreanos o seu territrio para viver, produzir e reproduzir. Sabe-se que muitos desses povos ou grupos foram engolidos pela imensa floresta sem deixar vestgios de sua passagem pela terra. Outros grupos de ndios se isolaram e ainda no foram contatados diretamente pelo homem branco (ou ainda podem ser remanescentes que retornaram para o isolamento). No entanto, sobreviventes das "correrias" promovidas por caucheiros peruanos e seringalistas brasileiros, os Jaminwa mantiveram-se relativamente margem das atividades produtivas da empresa seringalista instalada nos altos rios acreanos. Durante a maior parte desse perodo, em que as colocaes de centro, localizadas mais s cabeceiras dos rios, estiveram ocupadas por famlias de seringueiros brancos e indgenas, a maior parte desses povos indgenas, sem nenhum direito e vivendo muitas das vezes em um processo de liberdade vigiada que existia apenas como uma forma de fiscalizao sobre a produo da borracha. Com a chegada da Funai ao Acre passou a ser interpretada como liberdade assistida ou assistencialismo indgena. No obstante, outros grupos indgenas enfrentaram inimigos poderosos, mas resistiram o suficiente para ainda saber quem so e como vivem. Porm, estes permanecem em sua essncia, mantendo sua cultura e tradio e, ainda hoje, em grande parte, so conhecidos da maioria da sociedade acreana, a exemplo do kaxinaw, ashaninka. Quando preciso justificar o direito do povo Jaminwa ao seu territrio tradicional, o discurso diz que essas terras j pertenciam a eles desde tempos imemoriais. Porm, esta idia refora o uma linha de pensamento, segundo o qual povos indgenas no possuem histria, porque no dominam a escrita e sua memria baseada na tradio oral, mas estes aspectos correspondem to somente s meias verdades. Talvez fosse mais sincero admitir que, talvez, sejamos ns, os no-ndios, que temos dificuldade de compreender a histria jaminwa, ficando com a viso tendenciosa e reducionista.

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H uma interessante forma de organizar a histria nativa da regio por meio da consulta aos mais antigos, sejam ndios ou brancos, onde procuram realizar um reavivamento da histria oral e cultural (dana, rituais e cantos) dos Jaminwa. Quando olhamos para essa temporalidade estabelecida a partir das referncias indgenas, percebemos que ela conta, tambm, a histria da prpria formao acreana Jaminwa da e sociedade que os

contriburam

para sua construo. A reciprocidade no

apenas uma possibilidade de recuperao, mas

tambm, um terreno para aFig. 7: Reavivamento cultural. (Fonte: SEPI - AC, 2006)

abertura

e

a

mudana

crtica em relao a outros discursos possveis fora da antropologia, discurso poltico, discurso epistemolgico, discurso proveniente do mundo civil, ou, ainda, advindo de outras posturas ou de outros interlocutores diferentes dos prprios antroplogos.

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CAPTULO II 2. OS JAMINWA NO CONTEXTO INDGENAJacar mora debaixo dgua, mas no peixe, Jaminwa a mesma coisa, vive na sociedade, mas no branco, ndio. Por mais que tenha costume e conhecimento podem at contribuir com o Estado, a Nao. Contribuir sendo povo e no outro povo. Nunca vo ser Ashaninka, Manchineri. Nem falam a mesma lngua! Ns somos diferentes queira ou no queira... Ns temos dentro de ns, orgulho de ser ns. Temos que nos valorizar, porque somos diferentes. (JOS CORREIA Jaminwa, de Sena Madureira, 2004)

Desde o final do sculo XIX, o problema com relao posse de terra por parte de ndios e no-ndios se tornou constante, isto porque caucheiros peruanos e nordestinos vieram para essa regio com o intuito de extrair o leite magistral e encantado, que tanto fascinava e se utilizava nos complexos fabris dos pases industrializados e a indstria automobilstica. Com a crise da borracha a partir de 1912, os ndios passaram a ser incorporados gradativamente estrutura do seringal. Os patres viram nos ndios uma possibilidade mltipla, onde estes, alm de suprir o contingente de trabalhadores oriundos do nordeste para a extrao da Hevea brasiliensis, faziam outras tarefas para a unidade produtora decadente" (MARTINELLO, 1985). Este quadro de sobrevivncia por meio do extrativismo permaneceu at a dcada de 70, quando a atividade extrativista foi substituda pelas pastagens, projeto de uma poltica desenvolvimentista que culminou em novos problemas fundirios entre os ndios e paulistas. Entretanto, ainda se observa a presena desta figura, no como um simples explorador das riquezas locais advindo do centro-sul do pas, mas em forma de grupos organizados representando, neste novo contexto, as corporaes internacionais que impem sua hegemonia por meio do capital, estes

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agora deixam de paulistas10 para tornarem os neo-paulistas internacionais que recebem o nome de ONG Organizaes no governamentais, financiadas pelo capital internacional. Esses conflitos pela terra perduram at hoje. Como forma de amenizar os problemas fundirios no Acre e como conseqncia da sua prpria mobilizao politica, tais como Biracy Brasil Yawanawa, Luis Carlos Campo e seus irmos Joo Campo e o paj Pedrinho Campo (Ashaninka), Manoel Gomes da Silva (Kaxinaw e lder da OPIN), Jos Correia Jaminwa, Santo Raimundo Batista Jaminwa, representante de seu povo e vice-presidente da Organizao das Comunidades Indgenas do Acre (OCAEJ) e outros lderes indgenas vm para as cidades para participar do movimento indgena em defesa de seus direitos e de modo que haja o fortalecimento destes movimentos. A garantia da integridade de seus territrios foi importante alvo de ao estratgica do Governo do Estado do Acre, no processo que busca a consolidao e o fortalecimento dos Jaminwa. Este fato ocorreu quando se iniciou a elaborao das diretrizes bsicas do Zoneamento, elaborando subsdios Implantao de Programas de Desenvolvimento Regional, com enfoque para a Populao Indgena, que se utilizou de metodologias para compor os estudos que resultaram em indicativos para criao e consolidao de Terras Indgenas e passaram pela: a) sistematizao de informaes de diversos documentos do acervo bibliogrfico da FUNAI, de indigenistas e ONGs, tais como relatrios antropolgicos, laudos jurdicos e legislao; b) realizao de reunies e entrevistas com membros do movimento e das associaes indgenas, representantes de rgos governamentais e ONGs, e

- A priori este termo faz representao aos grupos econmicos do sul do pas, com uma conjuntura marcada pela compra dos seringais ocupados por populaes indgenas, ocasionando graves conflitos pela posse da terra. Tinham os paulistas como objetivos a derrubada da floresta para a abertura de campos, pastagens, currais e sedes de suas fazendas. Em outros termos, o paulista tem conotao poltica e sentido pejorativo e foi usado para designar os fazendeiros, empresrios, e especuladores do Centro-Sul do pas que vieram para o Acre atrados pelas facilidades governamentais oferecidas queles interessados em investir na regio. Muitos entraram no mercado de terra. A crise da borracha havia deixado as terras a preos bem inferiores aos praticados no mercado. A partir desse perodo, o setor primrio passa a ter como eixo econmico a produo da pecuria de corte e extrao madeireira, em substituio ao extrativismo do ltex. Inicia-se concomitantemente a esse processo, a expulso dos seringueiros que moravam nesses seringais. O termo paulista surgiu, portanto, no auge dos conflitos por terra no campo, da veia do movimento sindical.

10

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integrantes da Comisso Estadual do Zoneamento - CEZEE e da Cmara Setorial Indgena, do ZEE/AC; c) elaborao do mapa das Terras Indgenas do Estado do Acre, utilizando a base cartogrfica das cartas do DSG Diretoria do Servio Geogrfico, digitalizadas pelo IBAMA, disponveis na escala 1:250.000. Estas informaes sobre as Terras Indgenas foram levantadas junto Diretoria de Assuntos Fundirios da FUNAI/DF. Esta fase do zoneamento constitui-se num esforo inicial de sistematizao de cenrios que caracterizam a situao atual das populaes e das terras indgenas acreanas. As diretrizes acima apontadas tm tambm carter preliminar e devero ser melhores delineadas, a partir da construo de um dilogo amplo e cotidiano, envolvendo representantes de aldeias, movimento indgena, entidades indigenistas, bem como rgos dos governos federal, estadual e municipal. Certos problemas e desafios so comuns quase totalidade das populaes e das Terras Indgenas do Estado, tornando necessria a formulao de polticas pblicas e aes estratgicas que venham agir de forma global (ZEE, 2000). Estas demarcaes ainda vo enfrentar muitos problemas, em especial, para os Jaminwa, pois, apesar de algumas conquistas em nvel local para aliviar as condies dificeis que a maioria das populaes jaminwa enfrentam, e das tentativas por parte de muitas sociedades jaminwa de se organizarem dentro das suas terras, as tendncia atuais de governo local so impor polticas que apontam para um crescente desafio para essas sociedades frente ao agravamento das desigualdades econmicas e sociais nas aldeias indgenas. De acordo com dados da FUNASA - Fundao Nacional de Sade, de 2005 (ACRE, em Nmeros 2006), rgo nacional responsvel pelo acompanhamento da sade dos indgenas, h, hoje, no Acre, cerca de 146 aldeias distribudas em 35 Terras Indgenas, de onde seis terras so habitadas por populaes jaminwa, mas qualquer grupo indgena pode morar em qualquer TI, desde que haja acordo entre os grupos, reconhecidas pelo governo federal e estadual, situadas em 11 municpios. Essas terras encontram-se em diferentes etapas de regularizao administrativa e so habitadas por uma populao estimada em 14.453 ndios de 14

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diferentes etnias. Estes nmeros no incluem integrantes das populaes indgenas ainda sem contato sistemtico com a sociedade no-indgena.

2.1

SITUAO DAS TERRAS INDGENAS ACREANAS As terras indgenas no Acre cobrem, no total, uma extenso de 2.167.146

hectares, correspondendo a cerca de 13,2% do territrio estadual. Encontram-se presentes em 11 dos 22 municpios do Estado. O municpio que apresenta maior representatividade tnica Santa Rosa do Purus. L, encontram-se as etnias Jaminwa, Apurin, Kaxinaw, Kulina (ou Madij) e Manchineri, presente em 38 aldeias distintas e uma populao de 2.450 habitantes Estes dados se fazem presente no ACRE, em

nmeros, 2006. Os indgenas Jaminwa esto dispostos Santa em Rosa do seis do Sul,

municpios: Purus,

Cruzeiro

Brasilia, Sena Madureira, Assis Brasil, e Mal. Thaumaturgo. Sua populao imprecisa, entreFig.8 Aldeia Jaminwa, Rio Purus (Fonte: SEPI, 2005)

1200 a 2100 habitantes, que

esto ligados a fatores como inconstncia/sazonalidade. O problema da terra o eixo central da questo indgena. A noo de territrio para a sociedade jaminwa muito mais do que simples meio de subsistncia. A terra representa o suporte da vida social e est diretamente ligada ao sistema de crenas e de conhecimento. Um dos conceitos de territrio pode est ligado histria cultural do grupo, ao seu universo mitolgico, s relaes de famlia, ao conjunto das interaes sociais e ao sistema de alianas polticas e econmicas entre aldeias de um mesmo grupo. O territrio sustenta a trama da vida cultural de cada grupo. A garantia da terra faz parte de uma condio essencial para assegurar a sobrevivncia dos ndios como grupos etnicamente diferenciados da sociedade nacional.

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A despeito dos avanos registrados no pas no tocante demarcao de Terras Indgenas, estas sofreram grandes perdas. Estas perdas so advindas da instituio de grandes latifndios, da construo de projetos rodovirios e da colonizao sem planejamento adequado que foi trabalhada pelo INCRA durante as dcadas de 1970 e 1980, as quais dificultaram ou impossibilitaram a continuidade da ocupao das terras ancestrais pelos povos indgenas. No estado do Acre, no foi muito diferente. As terras jaminwa, quanto sua normatizao ou legalizao, ainda se encontram sobre um verdadeiro

caleidoscpio coperniano, ou seja, com grande problema organizacional. No geral, as Terras Indgenas do Acre se encontram nas mais diversas formas e em estgios diferentes de anlise. Pode-se encontrar Terras Indgenas declaradas, identificadas, homologadas, terras habitadas sem nenhuma providncia, terras a identificar e algumas demarcadas. Entretanto, somente nos interessa a localizao das terras dos Jaminwa. De acordo com dados do ZEE Zoneamento Ecolgico-Econmico do Estado do Acre (2003), as terras indgenas apresentam uma configurao bem definida e distribuda por todo o Estado, correspondendo a 13% da rea territorial natural protegida, conforme mostra a mapa 02.

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MAPA 02: Terras Indgenas do Acre

01 TI Nukini 04 TI Jaminwa do Igarap Preto 06 TI Kaxinaw Igarap do Caucho 10 TI Arara do Igarap Humait 13 TI Kaxinaw do Rio Humait 16 TI Kampa do Rio Amnia 19 TI Kaxinaw do Rio Jordo 22 TI Kulina do Rio Envira 25 TI Kampa e Isolados do Rio Envira

02 TI Poyanawa 05 TI Katukina / Kaxinaw 08 TI Rio Gregrio 11 TI Kampa Igarap Primavera 14 TI Kaxinaw nova Olinda 17 TI Kulina do Igarap do Pau 20 TI Jaminwa / Envira 23 TI Alto Tarauac 26 TI Xinane

03 TI Campina / Katukina 06 TI Katukina Colnia 27 09 TI Kaxinaw da Praia do Carapaa 12 TI Jaminwa Arara do Rio Bag 15 TI Alto Rio Purus 18 TI Kaxinaw do Baixo Rio Jordo 21 TI Kaxinaw Seringal Independncia 24 TI Kaxinaw Ashaninka do Rio do Breu 27 Ti Mamoadate 28 TI Cabeceira do Rio Acre

Fonte: ZEE/Ac, 2003.

38

2.2

TERRAS DECLARADAS Existem, no Acre, seis terras declaradas como de posse permanente dos

Jaminwa (mapa 2). Elas foram institudas por portarias do Ministro da Justia e que tinham suas demarcaes fsicas previstas no Plano Operativo Anual (POA) de 1999 do Projeto Integrado de Proteo s Populaes e Terras Indgenas da Amaznia Legal (PPTAL), no mbito do Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7). Entretanto, nenhuma destas terras era habitada por Jaminwa, pertenciam aos grupos dos Kulina, Kampa, Kaxinaw e Poyanawa. Este fato se deu no perodo de 1991 a 1993, e, posteriormente, aps a implantao da Agenda 21, que fez presso s autoridades nacionais para que medidas mais enrgicas fossem tomadas com relao melhoria das condies de vida dos povos da floresta que, posteriormente, caminhariam para os centros urbanos mais prximos. Se no fosse o momento poltico de extrema relevncia que rondava no seio da sociedade, provvel que tais medidas continuassem at hoje bem arquivadas em face da lentido no avano do processo de regularizao que se iniciou em 1983.

2.3

TERRAS INDGENAS JAMINWA Como se sabe, a terra um princpio bsico de autodeterminao

sociocultural, como melhor traduz LOHN & ZUNINO (1990):o princpio bsico de que o ser humano precisa se apropriar e transformar o mundo natural. No existe a possibilidade de no transform-lo. O ser humano s consegue transformar-se no decorrer dos tempos atravs de sua ao sobre a natureza. O ser humano tem o direito e a necessidade de intervir na natureza. um princpio cultural. No haveria cultura humana se o ser humano no tivesse feito intervenes na natureza [s/n].

Por isso, certamente a poltica indigenista deve privilegiar a opinio dos Jaminwa que lutam pela demarcao de suas terras no sentido de transform-las de um modo ou de outro. Ao mesmo tempo, o uso que se faz da terra, conquanto possa assumir as mais variadas formas, tambm tem um forte componente de preservao da autonomia.

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O CDIH Centro de Documentao e Informao Histricas conheceu o caso dos ndios Jaminwa (AC) e foi um dos primeiros a registrar o ocorrido da vinda dos indgenas para as periferias urbanas, mostrando uma preocupao com a demarcao de suas terras, com o intuito econmico e scio-cultural. O contato com os "civilizados" muito antigo, mas o processo de demarcao das Terras Indgenas acreanas recente, a partir dos anos 1970. Entende-se por Terras indgenas uma categoria jurdica que originalmente foi estabelecida pelo Estado brasileiro para lidar com povos indgenas dentro do marco da tutela. De todos os povos tradicionais, os povos indgenas foram os primeiros a obter o reconhecimento de suas diferenas tnicas e territoriais, mesmo que tal reconhecimento tenha sido efetivado por meio de processos que, em muitos casos, prejudicaram seus direitos. No momento da demarcao, muitos ndios Jaminwa j se encontravam morando nas cidades, ou,[...], trabalhando para fazendeiros, e realizando as mais diversas atividades braais, em especial no desmatamento das modernas fazendas de gado como fora de trabalho local, (...), se transformando em pees (AQUINO, 1982: 68-69).

Deixam de ser proprietrios para ser assalariados e passam a receber vales que somente tm valor de compra no armazm da fazenda, constituindo, novamente, o mesmo processo de aviamento11 ocorrido na poca dos seringais. Percebe-se, assim, a penetrao do capitalismo no campo, apoiado por um modo de produo pr-capitalista (o aviamento), ao passo que esses ndios se distanciam cada vez mais de um fator de produo genuinamente deles a terra. Retomando a dcada de 1990, este jaminwa j morando na cidade, que destino deve ser dado terra, uma vez que ela precisa ser trabalhada. de se esperar que, com toda a diversidade existente, haja muitas opinies sobre o que se deve fazer com a terra. Assim, quando polticos locais, aliados Igreja Catlica da11

- Esquema caracterizado pelo controle dos seringais pelos patres seringalistas, conhecidos como coronis de barranco, que mantinham verdadeiros exrcitos de seringueiros trabalhando para si. Nos barraces, localizados nas sedes dos seringais, os seringueiros entregam as plas de borracha e adquiriam produtos manufaturados como ferramentas, sal, acar, caf, tabaco, cachaa, entre outros. Vide: OLIVEIRA, Pesquisa socioparticipativa na Amaznia, 2005. In: RODRIGUES, F.Q. Os Apurins e as agroflorestas: uma experincia em educao indgena. EDUFAC, 2005.

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regio precisamente a Diocese de Rio Branco, encabeada pelo bispo D. Moacir Grechi pensaram na criao de um santurio turstico dentro da Terra Indgena, claro que houve opinies favorveis no meio da comunidade. Mas esta no a questo. O problema que o projeto de santurio ou paraso ecolgico visivelmente contrrio ao plano de autodeterminao cultural do povo Jaminwa. H uma opinio entre os Jaminwa, de que a terra deve ser explorada pelos prprios ndios, para sua agricultura, mesmo que isso implique auferir menos renda no primeiro momento. A demarcao das