Janaina Specht Da Silva Menezes

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    O FINANCIAMENTO DA EDUCAO BSICA PBLICA NO

    BRASIL: 500 ANOS DE HISTRIA1

    Janaina S. S. Menezes2

    [email protected]

    Este captulo tem por objetivo delinear, de forma panormica, o perfil histrico

    do financiamento da educao bsica pblica do Pas. Enfoca desde o modo como a

    educao estava inserida no sistema de tributao da Coroa at as determinaes

    constantes nas diferentes Cartas Constitucionais promulgadas (ou decretadas) no

    decorrer dos dois ltimos sculos.

    O texto, a exemplo dos estudos de Rezende Pinto (2000), dividiu a histria

    daquele financiamento nos trs perodos a seguir especificados. Esta segmentao, de

    objetivo didtico, busca, ao realar as grandes linhas que nortearam o financiamento da

    educao escolar no Brasil, apresentar um continuumrelativo sua evoluo histrica

    capaz de fornecer as bases para o entendimento da sua atual configurao.

    Antes de esboar a periodizao, ressalta-se que este delineamento temporal

    desconsidera os cinqenta anos compreendidos entre o descobrimento do Brasil e a

    construo, em Salvador, do primeiro estabelecimento de ensino pblico, poca em que

    a escola era dispensvel aos brancos que aqui residiam (em sua maioria, solteiros,

    missionrios e degredados) e negada aos ndios e negros, inexistindo, naquele contexto,

    qualquer forma de financiamento educao pblica formal (MONLEVADE, 2001).

    Partindo dessa observao, apresentam-se, a seguir, os contornos gerais de tal

    periodizao:

    O 1 perodo decorreu do ano em que os jesutas chegaram ao Pas (1549) at

    sua expulso (1759); nessa poca foi delegada aos membros daquela ordemreligiosa a concesso das escolas pblicas no Pas, assinalando o afastamento da

    Coroa em relao ao financiamento da educao nacional.

    O 2 perodo, compreendido da expulso dos jesutas at o fim da Repblica

    Velha (1930), foi caracterizado: (1) pela busca de fontes autnomas de

    1Este texto integra a tese de doutorado da autora intitulada O Financiamento da Educao no Brasil: OFundef a partir do relato de seus idealizadores, defendida em fevereiro de 2005, junto ao Programa de

    Ps-Graduao da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul (PUCRS).2 Professora da Universidade Federal do Par (UFPA), atualmente, exercendo suas atividades junto Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

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    financiamento para a educao e, (2) por deixar a educao por conta das

    dotaes oramentrias dos governos dos estados e das cmaras municipais.

    J o 3 perodo, que se estende da homologao da Constituio Federal de 1934

    at os dias de hoje, tem sido marcado pela busca da vinculao constitucional de

    um percentual mnimo de recursos tributrios para a educao.

    A discusso referente ao terceiro perodo ser conduzida at a legislao

    que antecede a Carta Constitucional vigente e da qual decorre o ordenamento jurdico-

    normativo que orienta o financiamento da educao escolar no contexto atual.

    1 Perodo: os jesutas e o financiamento da educao no Brasil-Colnia

    A fim de evidenciar que o perodo compreendido de 1549 a 1759 foi marcado pelo

    distanciamento do Estado no que tange ao financiamento da educao pblica no Pas,

    este estudo mostrar que a educao no Brasil-Colnia no foi beneficiada pela

    estruturao do sistema de receitas pblicas, tendo permanecido, naquela poca,

    prioritariamente, sob a tutela dos jesutas e, secundariamente, em carter suplementar,

    sob a responsabilidade da esfera particular. A organizao do sistema de finanas da

    Colnia estava voltada, essencialmente, para o atendimento das necessidades da Corte,

    sendo marcada por um grande nmero de impostos que, segundo Rezende Pinto (2000),

    ultrapassavam 150.

    Tendo em vista o nmero excessivo e o pequeno retorno financeiro da maioria

    desses tributos, este estudo abordar, de forma resumida, apenas os, poca,

    considerados de maior importncia para a Corte, a saber: o dzimo, os direitos de

    entrada e o quinto.

    O dzimo,com sustentao na Bblia, Todos os dzimos do campo, seja produto

    da terra, seja fruto das rvores, pertencem ao Senhor (Levtico 27,30), em sua origem

    constitua-se num tributo eclesistico. No entanto, o rei de Portugal, como gro-mestreda Ordem de Cristo e do Padroado de Tomar, arrogou-se o direito de cobr-lo. Em

    contrapartida, a Coroa comprometeu-se a conceder uma espcie de penso aos ministros

    do culto, denominada cngrua, teoricamente suficiente para a manuteno da Igreja em

    Portugal e no Reino. O dzimo, do latim decimu, destinado ao errio real, correspondia a

    dez por cento de qualquer produo, com exceo dos minrios.

    Os direitos de entradaeram tributos associados circulao de mercadorias entre

    as diferentes provncias e incidiam basicamente sobre os animais de carga que vinhamdo Sul para trabalhar nas minas de ouro e sobre o gado que vinha da Bahia (regio do

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    rio So Francisco), destinado tambm basicamente aos mineiros (Vasconcelos e Prado

    Jr. apud Rezende Pinto, 2000).

    J o quinto, considerado o imposto real de maior importncia, teve sua cobrana

    instituda em Portugal, antes mesmo da descoberta do Brasil e de suas riquezas. Sua

    arrecadao baseava-se no princpio de que os direitos reais se estendiam aos veeiros e

    s minas de ouro e prata e qualquer outro metal descobertos em Portugal ou no Reino. A

    administrao portuguesa, por no ter condies de levar a efeito tarefa de tal dimenso,

    viu-se na contingncia de abrir a explorao de seus minrios iniciativa privada,

    passando o quinto a corresponder a 20% de todos os metais j fundidos e livres de todos

    os custos. Mais especificamente, no caso do ouro, o mesmo s poderia ser

    comercializado depois de fundido, quintado e apresentar certificado das Casas de

    Fundio pertencentes Coroa.

    interessante salientar que, antes da descoberta das riquezas minerais de nosso

    Pas, aqueles que deixassem de pagar o quinto em Portugal, como pena, perderiam sua

    fazenda e seriam degredados, por dez anos, para o Brasil (Antonil apud Rezende Pinto,

    2000, p. 09), demonstrando o tipo de relao que, na poca, Portugal mantinha com este

    Pas.

    Afora os mltiplos tributos destinados ao errio real, o mesmo faziajus a um tero

    das rendas auferidas pelas cmaras municipais, incluindo-se a os impostos de natureza

    local, a citar, as taxas sobre as balanas em que se pesavam os gneros de primeira

    necessidade, taxas do celeiro pblico (mercado) e de aferio de pesos e medidas,

    tributos que incidiam sobre as reses entradas nos aougues e carne abatida, sobre a

    fabricao e venda de aguardente, entre muitos outros (REZENDE PINTO, 2000).

    Embora os tributos de natureza local fossem em grande nmero, o seu retorno

    financeiro era muito pequeno, sujeitando as cmaras a uma situao de pobreza que as

    obrigava a lanar mo das fintas, uma espcie de coleta especial destinada aopagamento de algumas despesas especficas, a citar: construo de pontes, fontes e

    prdios pblicos, entre outras.

    Vale ressaltar que, exceo do quinto, a cobrana dos tributos, tanto de carter

    geral quanto local, era feita de maneira terceirizada, a qual, devido a vcios estruturais e

    abusos dos contratantes, segundo Caio Prado Jr., citado por Rezende Pinto (2000),

    constituiu-se numa das mais malficas prticas do governo colonial(p.10), resultando

    srios prejuzos tanto para os agricultores (que muitas vezes acabavam por ter suasterras confiscadas), quanto para as cmaras e provncias que no usufruam um fluxo

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    estvel e seguro de recursos. A cobrana do dzimo, por exemplo, apresentava dois

    grandes problemas: (1) era cobrado em espcie, sendo que os agricultores tinham

    grande dificuldade de vender seus produtos e (2) os dizimeiros calculavam o

    rendimento da terra muito acima do valor real (Saint Hilaire apud Rezende Pinto, 2000),

    fazendo com que os agricultores, acuados em seu isolamento e pobreza, mesmo com o

    prazo de trs anos para pag-lo, tivessem grande dificuldade de honrar aquela dvida.

    Muitos deles, aps terem suas terras confiscadas, com a inteno de se isentar do

    pagamento do dzimo, passavam a residir em locais distantes, ou acabavam por produzir

    somente o necessrio para a subsistncia de sua famlia, ou que possusse demanda certa

    de mercado.

    Tambm a cobrana do quinto, grande mantenedor da abastana portuguesa,

    encontrava srias dificuldades: primeiro, porque os grandes proprietrios de minas no

    demonstravam o menor interesse em colaborar com o errio real; segundo, porque os

    administradores locais, responsveis pela cobrana e fiscalizao dos tributos, eram

    selecionados pela prpria elite local e, por ltimo, porque a Coroa, devido,

    principalmente, ao escasso nmero de soldados da Cia. dos Drages disponibilizados na

    Provncia, no possua condies de impor sua vontade (REZENDE PINTO, 2000).

    Os obstculos que se apresentavam cobrana do quinto fizeram com que, em

    acordo firmado em 1750, a Coroa acolhesse uma proposta formulada pelos proprietrios

    de minas, garantindo-lhe, por meio da cotizao entre cmaras municipais, uma

    quantidade mnima de 100 arrobas (1.465 kg) de ouro ao ano. No entanto, em no

    sendo atingida tal quantia, estas mesmas cmaras se compromissavam a lanar um

    tributo, de natureza local, e que incidiria sobre todos os habitantes (per capita),

    mineradores ou no, at suprir a quantia faltante(Ibidem, p.14).

    Essa forma de socializao do pagamento de uma tributao que deveria incidir

    exclusivamente sobre os proprietrios de minas configurou-se na clebre derramaquecausou muita aflio queles que deveriam pagar por uma conta que no era sua,

    tornando-se o motivo de diversos motins populares.

    Com a descoberta de minas no Brasil, o quinto ampliou sua importncia para a

    Coroa, que viu neste tributo uma forma de dar continuidade sua abundncia: Durante

    um sculo quase, no haver outra preocupao sria e de conseqncia que a cobrana

    dos direitos rgios, o quinto; a histria administrativa do Brasil se contar em funo

    dela (Prado Jr. apud Rezende Pinto, 2000, p. 09).

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    O ouro e os diamantes enviados do Brasil para Portugal criaram a sensao de que

    a crise que o Reino vivera anteriormente estava superada.

    Mas e a educao, como se encontrava frente poltica tributria do Brasil-

    Colnia?

    Pode-se perceber que a educao no encontrava sustentao financeira junto

    quela administrao, que no lhe destinava nenhum de seus tributos (mesmo os menos

    significantes).

    Em termos educacionais, esse perodo teve incio com a concesso de escolas,

    pelo Rei de Portugal, aos padres jesutas, os quais, por mais de 200 anos, praticamente

    monopolizaram a educao no Pas. O primeiro perodo foi marcado pela chegada do

    Pe. Manoel da Nbrega que, junto com mais cinco membros da Companhia de Jesus,

    logo depois de instalados, inauguraram, j em 1551, o primeiro colgio pblico3, em

    Salvador.

    O esquema de financiamento daquela ordem religiosa, encarregada de fornecer

    uma educao catlica, pblica e gratuita, previa a dotao de duas fontes de recursos

    por parte da Coroa: uma para instalao e outra para custeio. Para a instalao dos

    Colgios, o Rei forneceria Companhia uma quantia suficiente para sua construo e

    aquisio de equipamento inicial. J para o custeio da subsistncia dos religiosos e de

    seus alunos, comprometeu-se com uma pequena dotao mensal em espcie. Com o

    tempo, alm de revelarem-se insuficientes, estas fontes de recursos mostraram-se

    inconstantes (MONLEVADE, 2001).

    Sobrepondo-se s dificuldades financeiras que inicialmente afetavam a sua ordem

    religiosa, os jesutas, partindo das pequenas dotaes iniciais recebidas da Coroa - mas

    contando com uma significativa capacidade administrativa que inclua dentre suasestratgias reinvestir os lucros nas suas prprias atividades econmicas e educacionais e

    desenvolver seus negcios a partir de terras que lhe eram doadas - multiplicaram seu

    capital e, por ocasio da sua expulso do Reino e de suas colnias, a mando do Marqus

    de Pombal, quase todas as vilas dispunham de escolas de primeiras letras e o Pas

    contava com cerca de 17 colgios jesutas que forneciam ensino de nvel mdio,

    preparando a elite local para o ensino superior em Portugal e formando quadros, em

    3Colgio dos Meninos de Jesus.

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    nvel superior, para a prpria Companhia de Jesus (Romanelli apud Rezende Pinto,

    2000, p.46).

    A aliana entre a Coroa e os jesutas foi rompida quando da ascenso do Marqus

    de Pombal ao cargo de primeiro-ministro, o qual, na tentativa de enfrentar as

    dificuldades que novamente assombravam o Reino (incluindo a o esgotamento do ouro

    das Minas Gerais), voltou seus olhos para o Brasil, procurando reformar as relaes

    entre a Metrpole e a Colnia, de modo a propiciar o reerguimento do Reino (A

    Administrao..., 2002, p.2). Dentre os motivos oficiais para a expulso dos jesutas,

    conforme consta no Alvar Rgio de 1759, citado por Rezende Pinto (2000), alegam-se

    causas de natureza pedaggica, enfatizando que o ensino das letras humanas, base de

    todas as cincias, havia decado no perodo em que fora confiado queles religiosos. E

    mais, afirmava que os alunos, aps terem sido conduzidos por oito ou mais anos sob a

    responsabilidade daqueles religiosos, achavam-se:

    [...] to ilaqueados nas miudezas da Gramtica como destitudos dasverdadeiras noes das lnguas latina e grega para nelas falarem semum to extraordinrio desperdcio de tempo, com a mesma facilidadee pureza que se tm feito familiares a todas as outras naes daEuropa que aboliram aquele pernicioso mtodo [...] [Assim] Souservido privar inteira e absolutamente os mesmos religiosos em todosos meus domnios, dos estudos que os tinha mandado suspender, paraque do dia da publicao deste em diante se hajam, como

    efetivamente Lei, por extintas todas as classes e escolas, como senunca houvessem existido em meus Reinos e domnios, onde tmcausado to enormes leses e to graves escndalos (p. 47).

    Longe dos alegados motivos pedaggicos, os sustentculos de tal deciso

    imbricavam-se nos terrenos econmico, poltico e ideolgico .

    Vale lembrar o acordo firmado entre a Coroa e os jesutas, definindo que, em troca

    da transferncia do recebimento do dzimo para a Coroa, os jesutas receberiam

    cngruas. Na prtica o que ocorreu - e que se tornou uma das principais causas da

    expulso daqueles religiosos, concepo esta fortalecida por alguns autores

    (MONLEVADE, 2001; REZENDE PINTO, 2000) - foi que, longe de ficarem merc

    das inconstantes transferncias da Coroa, necessrias manuteno da sua Igreja em

    Portugal e no Reino, os jesutas buscaram, com sucesso, alm de obter concesses de

    terras e privilgios no comrcio, desenvolver um sistema de auto-sustentao da sua

    categoria religiosa e autofinanciamento das suas escolas e colgios baseado,

    prioritariamente, na ampliao e melhoramento das suas fazendas e pecuria. Os

    jesutas tinham por princpio reinvestir o que obtinham da venda do gado na qualidade e

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    quantidade dos rebanhos e na tecnologia dos colgios e de suas oficinas, resultando da

    um significativo avano dos seus domnios econmicos.

    Somente na Ilha de Maraj os Colgios de Belm e Vigiacontabilizavam, em 1750, mais de cem mil cabeas de gado marcadas

    a ferro com o IHS da Companhia de Jesus. [...] Por volta de 1750,tinham observatrios astronmicos, bibliotecas e mapotecas,laboratrio de qumica, fsica e biologia, touros e vacas da melhorlinhagem e navios com a mais moderna aparelhagem inclusive dedefesa contra piratas (MONLEVADE, 2001, p.67-68).

    Na contraposio ao avano do poderio econmico da Companhia de Jesus - que,

    na poca da sua expulso contabilizavam, segundo Celso Furtado, citado por

    Monlevade (2001), quase 25% do Produto Interno Bruto do Pas-, encontrava-se a sria

    crise financeira vivenciada por Portugal. A expulso daquela ordem religiosa (que teve

    adicionada ao seu cenrio a insatisfao dos comerciantes portugueses que viam nos

    privilgios conquistados pela Companhia de Jesus uma ameaa aos seus negcios) e o

    conseqente confisco de seus bens, em sua maior parte propriedades rurais e urbanas,

    arrematadas em leiles por comerciantes e fazendeiros, possibilitou Corte uma

    desopresso temporria das suas dvidas (MONLEVADE, 2001; A administrao...,

    2002).

    Outro fato que influenciou na expulso dos jesutas de Portugal e de todas as suas

    colnias foi que o projeto sistemtico de fortalecimento e modernizao da Coroa,

    desenvolvido por Pombal, no encontrou sustentao entre aqueles religiosos que,

    contando com significativa influncia poltica nas Cortes, proferiam, nos seus sermes,

    opinies nem sempre favorveis aos ideais reformadores. Acusados de conspirao

    poltica, os jesutas foram considerados, no Brasil, os principais incentivadores da

    resistncia dos nativos quele projeto4.

    O crescimento econmico da empresa jesutica lhe conferia crescentepoder, nem sempre alinhado aos valores da dominao colonial

    mercantil, base do imprio lusitano. [...] Na Amaznia, a atividadeextrativista metropolitana era dificultada pela ao dos jesutas, queno permitiam a explorao desumana dos ndios, denunciada pelossermes do Padre Antnio Vieira (MONLEVADE, 2001, p. 68).

    Pombal justificou a expulso, dizendo que a Igreja era um Estado dentro do

    Estado e que os jesutas tinham muito poder de influncia e de manipulao,

    atrapalhando o Estado. Vale ressaltar que, na poca, a Coroa Portuguesa sofria grande

    4 Dentre outras denncias, os padres jesutas foram acusados de estimular a resistncia dos nativosaldeados nos Sete Povos das Misses Demarcao dos limites do Tratado de Madri.

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    influncia de alguns aspectos das concepes iluministas5, que propunham pensar o

    mundo:

    A partir de um centro que no Deus, bem como defendiam alaicizao do saber, da moral e da poltica. [...] Sendo assim,

    rompendo com o jesuitismo e defendendo a concepo iluminista, ogoverno portugus, tomando como referencial as idias dosreformadores setecentistas (nome dado aos pombalistas) afirmavamser os jesutas responsveis pelo atraso cultural e peloempobrecimento econmico...(FERREIRA, 2002, p. 02).

    Pombal, conhecido no Brasil como um dos dspotas esclarecidos, de formao

    francesa, era um grande defensor dessas concepes.

    Vale aqui evidenciar que, decorridos alguns anos da instalao da Companhia de

    Jesus no Brasil, estabeleceram-se aqui outras ordens religiosas que tambm fundaram

    seus colgios. No entanto, seus impactos na educao colonial, pelo menos em nmero

    de escolas, quantidade de alunos atendidos e poderio econmico, no podem ser

    equiparados aos provocados pelos jesutas. Paralelamente, mas em quantidade muito

    menor e em locais onde as ordens religiosas no haviam fundado suas escolas,

    difundiram-se o que hoje denominamos de escolas particulares, na sua grande maioria

    de primeiras letras, patrocinadas por senhores de engenhos e comerciantes, tambm

    gratuitas, mas que, por no constarem da rede de concesso real, no apresentavam

    carter oficial. Essas escolas de cunho particular, na verdade apresentavam carter

    suplementar s que os jesutas no tinham condies de abarcar (MONLEVADE, 2001).

    Ao final do estudo do primeiro perodo do financiamento da educao do Brasil,

    percebe-se que, exceo de uma pequena dotao inicial concedida aos jesutas - que

    mantinham em suas classes alunos brancos e, em menor quantidade, indgenas -, a

    Coroa, por meio da concesso Companhia de Jesus da responsabilidade pela

    implantao da educao formal pblica no Pas, se fez dispensar de investir seus

    tributos no financiamento da educao da Colnia. A Coroa no imps obstculos aque, tambm, outras ordens religiosas, senhores de engenhos e comerciantes

    financiassem a educao pblica no Pas.

    As concepes iluministas que permeavam o pensamento do grande reformador

    nacional, Marqus de Pombal - cuja administrao foi execrada por uns, exaltada por

    outros - e que traduzia o esprito crtico das Luzes e dos princpios do despotismo

    5 Segundo Ferreira, a concepo iluminista no era uniforme, nem homognea e sofria alteraes

    conforme as condies culturais dos pases, sendo que alguns se caracterizavam por ser anticristos eanti-religioso e, em outros, por ser catlico. Em Portugal o catolicismo estava muito enraizado e, emborareformado, limitava o poder jurisdicional da Igreja (2002, p.2).

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    iluminado, defendia a renovao da atividade cientfica e a propagao da instruo

    pblica para os seus cidados (FERREIRA, 2002, p.02), certamente no estavam

    orientadas para os ndios e escravos que constituam a grande maioria dos habitantes

    deste Pas e que, na poca, sequer eram considerados cidados.

    Aps a expulso dos jesutas, novos rumos vieram a nortear o financiamento da

    educao pblica no Pas, no entanto, conforme se poder perceber pelo estudo do 2

    perodo, a seguir detalhado, o governo central, por meio da transferncia a outras

    esferas, continuaria a buscar o afastamento para com tal responsabilidade.

    2 Perodo: a gnese da descentralizao

    Este perodo estende-se desde a expulso dos jesutas de Portugal e de suas

    colnias at o final da Repblica Velha6 e tem na Independncia do Pas (1822) um

    marco de uma pequena reorientao da trajetria educacional que vinha se delineando.

    No que tange ao financiamento da educao, a proposio a ser defendida que foi

    caracterizado ora pela busca de fontes autnomas de financiamento, ora por deixar a

    educao por conta das dotaes oramentrias dos governos estaduais e das cmaras

    municipais. Ao mesmo tempo em que o governo central procurou definir e designar

    fontes de financiamento para a educao, afastou-se de tal responsabilidade.

    A expulso dos jesutas do Brasil - que, por meio de seus colgios e das aulas de

    ler, escrever e contar, por mais de 200 anos praticamente monopolizaram o sistema de

    ensino do pas, deixando profundas marcas na cultura e na sua civilizao - abriu uma

    enorme lacuna no sistema de ensino pblico da Colnia que no seria preenchida nas

    dcadas subseqentes.

    Para substituir o ensino ministrado pelos religiosos foram institudas, j em 1759,

    as Aulas Rgias7, um sistema de ensino no-seriado, constitudo de unidades isoladas,

    em que os professores eram nomeados diretamente pelo rei, em cargo vitalcio(REZENDE PINTO, 2000). Este sistema de aulas, que perdurou at 1834, correspondia

    ao ensino primrio e secundrio, e tinha como caractersticas o carter centralizador, a

    6 A Primeira Repblica ou Repblica Velha teve incio com a Proclamao da Repblica (1889) eencerrou-se ao final do governo de Washington Lus (1926-1930), deposto pela Revoluo de 1930(Costa, 2002).7 Segundo Ferreira (2002) as aulas rgias foram assim denominadas por significarem aulas que

    pertenciam ao Estado; A denominao Aulas Rgias perdurou de 1759 a 1822, quando passaram a serchamadas de Aulas Pblicas, passando a chamarem-se Escolas Nacionais, em 1827 (p.03).

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    falta de autonomia pedaggica e o acesso educao de uma parcela reduzida da

    populao (FERREIRA, 2002, p.02).

    Com a inteno de buscar financiar as aulas rgias e sem poder contar com o

    auxlio dos jesutas, algumas cmaras municipais, rgos sobre os quais efetivamente

    recaiu a responsabilidade para com tal financiamento, viram-se obrigadas a lanar mo

    de taxas sobre produtos que no apresentassem iseno especial (carne, sal, aguardente,

    entre outros) (REZENDE PINTO, 2000). Essas taxas, em funo de a economia estar

    centrada basicamente na auto-suficincia da propriedade rural, resultaram numa

    baixssima arrecadao, contribuindo para que, num contexto permeado pela escassez

    de respaldo financeiro e pela falta de professores (cuja remunerao resultava muito

    baixa), poucas fossem as aulas instaladas.

    Em 1772 - pressionada pelo aumento demogrfico, pelo baixo ndice de

    escolarizao da populao residente e pela crescente necessidade de mo-de-obra

    escolarizada -, surgiu um indcio de que a Coroa passaria a se preocupar um pouco mais

    com a educao pblica: com a inteno de criar um aporte financeiro especfico capaz

    de sustentar as aulas rgias foi institudo o Subsdio Literrio. Este tributo, com

    caractersticas diferenciadas para os diferentes reinos, foi assim definido pela Carta

    Rgia de 10 de novembro de 1772, para a Amrica e frica:

    Mando que para a til aplicao, do mesmo ensino pblico, em lugardas sobreditas coletas at agora lanadas a cargo dos povos, seestabelea, como estabeleo o nico imposto, a saber: [...] naAmrica e na frica: de um real em cada arratel [arratel = 429 g] decarne que se cortar no aougue; e nelas e na sia, de dez ris em cadacanada [2.622 litros] de aguardente das que se fazem nas terras,debaixo de qualquer que se lhe d ou venha a dar (Almeida apudRezende Pinto, 2000, p.8).

    Era de se esperar que o Subsdio Literrio, imposto criado para financiar o ensino

    primrio, que incidia sobre a carne cortada em aougue e sobre a aguardente, no

    fornecesse um aporte financeiro capaz de surtir efeitos positivos sobre a educao da

    Colnia. Afora a questo do pequeno montante de recursos, segundo dados levantados

    por Almeida e apresentados por Rezende Pinto (2000), o Subsdio Literrio, que

    perdurou at 1816, sofreu os reveses de constantes fraudes e malversaes, de tal forma

    que, nos ltimos anos de sua existncia, no Rio de Janeiro, capital da Colnia, seu

    numerrio mal cobria o salrio de trinta professores.

    A vinda da famlia real para o Brasil, em 1808, de certa forma impulsionou a

    cultura e a educao nacional, propiciando, por exemplo, o surgimento dos primeiros

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    cursos superiores oficiais8 (como os de Medicina nos Estados da Bahia e do Rio de

    Janeiro). No entanto, a obra de D. Joo VI, meritria em alguns aspectos, estava

    voltada, principalmente, para o atendimento das demandas da Corte, dando

    continuidade, de certa forma, marginalizao do ensino primrio (BRASIL..., 2002).

    O movimento de Independncia do Pas, que consistiu na substituio do grupo de

    portugueses nascidos em Portugal pelo grupo de portugueses nascidos no Brasil e que

    por isso conservou a monarquia, o rei, a aristocracia e a escravido, o sistema

    administrativo e fiscal e a mesma estrutura de poder e de educao de elite9, manteve

    limitadas as oportunidades educativas da populao da nao independente. Mudanas

    um pouco mais significativas no cenrio da poltica educacional advieram do

    movimento de idias ligadas Constituinte de 1823, mas que, em funo do projeto de

    criao das universidades, teve o projeto de um plano geral ou de um tratado de

    educao relegado a um segundo nvel, sem qualquer diretriz oficial da Constituinte

    (CHIZZOTTI, 2001, p. 43). O nico dispositivo legal direcionado instruo primria

    foi a Lei de 20 de setembro de 1823, que permitia a qualquer cidado abrir uma escola

    elementar, sem os trmites legais de autorizao prvia e sem licena e exame do

    requerente (Ibidem, p.43-4) vindo a contribuir para que a educao bsica ficasse

    relegada iniciativa privada at o Ato Adicional de 1834. Esta alternativa para o

    financiamento da educao nacional encontrava-se, mais uma vez, fora dos cofres do

    Imprio, os quais devido: (1) ao vultoso saque promovido por D. Joo VI ao recm

    criado Banco do Brasil e (2) ao dispndio com as guerras de Independncia,

    encontravam-se na penria. Os constituintes ligados ao partido liberal acreditavam que a

    liberdade de abrir escolas associada divulgao, no Pas, do novo sistema de instruo

    difundido na Inglaterra, o mtodo de ensino mtuo10, auxiliaria a disseminar a

    instruo primria no Imprio (Ibidem). Sob a gide da nova lei, fundaram-se escolas

    particulares. No entanto, a educao pblica continuou relegada aos tristes reveses dasaulas rgias.

    Com a Constituio de 1824, ps-Independncia do Pas, o Imprio se

    comprometeu em assegurar a instruo primria e gratuita a todos os cidados

    8Monlevade (2001) ressalta que, antes da vinda da famlia real para o Brasil, os jesutas j mantinhamclasses de filosofia e teologia em alguns de seus colgios, preparando padres para a prpria Ordem (2001,p.28).9http://www.prossiga.cnpq.br/anisioteixeira/livros/capitulo4.html10

    Concebido por Bell e Lancaster, o mtodo de ensino mtuo ou monitoral pretendia atingir grandesmassas da populao. Consistia, basicamente, em utilizar, sob a superviso de um professor, os alunosmais adiantados como monitores para a instruo dos menos adiantados.

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    (art.179, inciso XXXII).Esta determinao constitucional foi reforada pela lei de 15 de

    outubro de 1827 que estabeleceua criao de escolas de primeiras letras em todas as

    cidades, vilas e vilarejos, envolvendo as trs instncias do poder pblico (BRASIL...,

    2002, p.01). Segundo o texto anteriormente citado, caso tivesse sido implementada, esta

    se teria tornado a Lei urea da educao bsica.

    Vale ressaltar que a instruo primria gratuita a todos os cidados, presente no

    texto constitucional, teve sua determinao alicerada principalmente na baixssima taxa

    de escolarizao que, em 1886, correspondia a apenas 1,8% da populao (incluindo

    negros e ndios) e que contribua para o aumento das dificuldades de contratao de

    funcionrios escolarizados. Esse fato era agravado pelo grande nmero de negociantes

    ricos que necessitavam contratar jovens capazes de servir de caixeiro e guarda-livros

    (Almeida apud Rezende Pinto, 2000, p.49).

    A combinao entre a determinao da gratuidade da instruo primria (posta na

    Constituio do Imprio) e a criao de escolas de primeiras letras nos locais mais

    populosos do Brasil (regulada pela Lei de 1827), subsidiaram a presso dos liberais que

    reclamavam maior responsabilizao do errio imperial para com a educao no Pas.

    Neste sentido, o Ato Adicional de 1834, lei que reformou a Constituio de 1824,

    constituiu-se numa das primeiras tentativas legais de descentralizar a instruo pblica

    no Brasil. O Ato transferiu grande parte da presso pela expanso do nmero de

    escolas11, anteriormente exercida administrao imperial, para as provncias,

    delegando a essasa prerrogativa de legislar e, por conseguinte, a obrigao de manter o

    ensino primrio e secundrio, ficando o governo central com a competncia normativa

    apenas nas escolas da capital do Imprio e sobre o ensino superior (REZENDE

    PINTO, 2000, p.50).

    A poltica imperial de educao, delineada a partir do Ato Adicional de 1834,

    revelou-se descomprometida com um centro de unidade e ao que tivesse por objetivocriar uma educao mais homognea e uniforme no Pas. No af de transferir para as

    provncias principalmente o nus financeiro por tal gesto, o Ato contribuiu para que a

    descentralizao da educao bsica, instituda em 1834, mantida pela Repblica,

    impedisse o governo central de assumir uma posio estratgica de formulao e

    coordenao da poltica de universalizao do ensino fundamental, a exemplo do que

    11Esta presso decorria, principalmente: (1) da baixssima taxa de escolarizao da populao; (2) dadeterminao constitucional e (3) da Lei de 15 de outubro de 1827.

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    ento se passava nas naes europias, nos Estados Unidos e no Japo (BRASIL...,

    2002, p.01).

    A falta de ingerncia das autoridades centrais sobre a educao do Pas,

    legalmente abandonada pelo Estado ao e aos cuidados das autoridades locais,

    contribuiu para que, em meados da dcada de 1870, comeassem a se elevar algumas

    vozes reivindicando a co-participao do governo central na promoo da educao do

    Imprio, a qual, segundo o ministro do Imprio, Conselheiro Paulino de Souza, citado

    por Sucupira (2001), mostrava grande atraso em algumas provncias e, em outras, ao

    invs de progredir, havia retrocedido.

    As conseqncias do Ato Adicional de 1834 no financiamento da educao

    revelaram-se na contraposio entre os investimentos das provncias e o investimento

    do governo central:

    Enquanto as provncias, em 1874, aplicavam em instruo pblicaquase 20% de suas parcas receitas, o governo central no gastava,com educao, mais de 1% da renda total do Imprio. No que diziarespeito instruo primria e secundria, o governo no dava umceitil s provncias para ajud-las a cumprir a obrigaoconstitucional de oferecer educao bsica gratuita a toda apopulao (Ibidem, p.66).

    Ainda, segundo Sucupira (2001), durante os anos que se sucederam promulgao

    do Ato e Proclamao da Repblica, nada foi feito de concreto (mesmo que a ttulo de

    ao supletiva) no sentido de promover uma maior participao do governo central no

    esforo de universalizao da educao primria em todo o Pas. Para o autor, esse

    descaso adveio do desinteresse das classes dirigentes em relao educao popular,

    para as quais o Estado deveria cuidar do ensino superior e cuja ao j estava

    determinada no Ato de 1834.

    Nesse contexto, com o objetivo de difundir a instruo primria no Pas, ao final

    do perodo imperial, e mesmo durante a Repblica, os governos estaduais passaram aconceder subvenes aos municpios, tendo, em geral, como critrio de distribuio

    destes recursos a populao local, o nmero de escolas pblicas providas e vagas

    (WERLE, 1993, p. 102). As subvenes12, extintas em 1935, consistiam na

    transferncia de recursos do nvel estadual para as escolas municipais particulares,

    12Conforme Werle (1997), no Rio Grande do Sul, as subvenes institucionalizaram o atendimento instruo pblica no meio rural. Segundo a autora, o relatrio do presidente do Estado, Dr. Antonio

    Augusto Borges de Medeiros, datado de 1913, registra que o regime de subvenes, produziu timosresultados que se efetivaram, tanto pela ampliao do ensino rural, quanto pelo ensino da lnguaportuguesa nas escolas particulares, especialmente na regio colonial.

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    sendo o seu valor administrado pelo municpio que, alm de decidir sobre a localizao

    das aulas subvencionadas, operativamente, tinha amplo campo de ao, se comparada

    com a estadual (Ibidem, p. 103).

    A autora evidencia ainda que, poca, uma outra alternativa de financiamento da

    instruo primria consistia nas subscries pblicas que dependiam e apelavam para a

    boa vontade e magnanimidade do povo (Idem, 1997, p. 22) para a obteno de recursos

    com vistas a, dentre outros aspectos, auxiliar na construo de casas para escolas, j que

    o discurso oficial continuava a ressaltar a dificuldade de obter recursos regulares para a

    manuteno da instruo pblica (Ibidem).

    Seguindo na linha do Ato Adicional de 1834, a Constituio da Repblica,

    promulgada em 1891, ao omitir-se sobre a instruo pblica primria, tornou natural

    que a sua manuteno e desenvolvimento continuasse a recair sobre os estados e

    municpios CURY, 2001a). Naquela Carta a educao foi apresentada muito mais de

    forma indireta do que direta. A exigncia do saber ler e escrever como condio para se

    tornar eleitor constituiu-se num exemplo dessa forma indireta de apresentar a educao

    naquela legislao que, depois de promulgada, apresentou o perfil do liberalismo e do

    Estado mnimo (Ibidem).

    A Constituio da Repblica omitiu-se, ainda, em relao obrigatoriedade e

    gratuidade da instruo pblica primria. Segundo Cury (2001a), a lacuna inerente

    gratuidade adveio do princpio federativo e da subentendida autonomia dos Estados da

    decorrente. J o mutismo em relao obrigatoriedade daquela instruo, alm do

    federalismo, teve como base o seu embate ao princpio do liberalismo oligrquico que

    percebia a oportunidade educacional como uma demanda individual inerente

    virtuosidade do indivduo.

    Se, por um lado, a Carta de 1891 omitiu-se em relao obrigatoriedade e a

    gratuidade, por outro esboou uma distribuio de competncias entre as instnciaspblicas de administrao e, mais, evidenciou a figura de um ensino oficial,

    normatizado e regulamentado, a partir do Distrito Federal ou do Congresso Nacional

    (CURY, 2001a). Nesse sentido, as discusses travadas no mbito da Constituinte de

    1890-1891 marcaram alguns contornos incipientes da necessidade de uma poltica de

    maior responsabilizao do governo central para com o financiamento da educao.

    Essas discusses tambm estiveram presentes nos debates que envolveram a Reviso

    Constitucional de 1926.

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    Segundo o mesmo autor, a Reviso de 1926 pouco alterou a situao da educao

    nacional. No entanto, embora no incorporadas as emendas relativas ao ensino, houve

    muita discusso em torno delas, o que nos auxilia a compreender melhor no s os

    movimentos e iniciativas posteriores, como tambm o prprio sentido desejado desta

    interveno do Estado na rea educacional (Idem, 2001b, p.84).

    Foi durante as discusses da Reviso Constitucional de 1926 que o deputado

    Afrnio Peixoto, por meio da emenda de n 5, de sua autoria, props a vinculao

    constitucional de um fundo para a educao com a seguinte redao:

    3: Prover orientao nacional do ensino primrio e regular edemocratizar o ensino secundrio, dirigidos e custeados pelosEstados, mediante o fundo de educao creado por leis especiaes,ajudando o desenvolvimento delles em todo o territrio do paiz onde

    se mostrem deficientes (Grifo meu, Reviso, II, p.422 apud Cury,2001b, p.90).

    Afrnio Peixoto13, ao finalizar o discurso que defendia a sua emenda, chamou o

    Estado a sua responsabilidade, ressaltando que o direito do povo educao faz-se

    associar a um dever do poder pblico (Ibidem). Este dever s poder ser levado a

    cabo quando da clara definio de fontes de recursos que daro sustentao quele

    direito. Embora no tenha sido votada, esta emenda trouxe tona discusses pertinentes

    necessidade de um fundo, constitucionalmente determinado, para a manuteno e

    desenvolvimento da educao pblica.

    Percebe-se pelo estudo do 2 perodo relativo ao financiamento da educao no

    Pas que, se foi lento, mas progressivo o avano da concepo inerente importncia da

    educao no contexto nacional, foi mais lenta ainda a conscientizao da necessidade de

    se fazer associar a este direito, fontes de recursos que lhe dessem sustentao. As

    legislaes que nortearam a educao corresponderam a tentativas de resposta

    contundente necessidade de ampliao do seu atendimento. No entanto, as leis que

    buscavam um aporte financeiro capaz de lhe fornecer suporte aliceravam-se em

    tributos, a cargo dos estados e municpios, de baixssima arrecadao.

    Nenhuma das legislaes foi determinante no aumento da responsabilizao

    financeira do governo central, o qual, durante todo o perodo, buscou desviar-se de tal

    tarefa. No final do terceiro quartil do sculo XIX, tiveram incio algumas discusses que

    reivindicavam maior participao do Estado para com a formulao e fiscalizao de

    13

    Segundo Cury (2001), o prprio Afrnio Peixoto afirmou no ter sido o primeiro a defender avinculao constitucional de recursos para a Educao - Azevedo Sodr, j havia defendido anteriormenteesta idia.

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    diretrizes gerais que norteassem a educao nacional. A Constituinte de 1890-1891

    conseguiu propiciar um incio de congregao dessas vozes, fortalecidas com a Reviso

    Constitucional de 1926. Se naquela Reviso o deputado Afrnio Peixoto viu malograda

    sua tentativa de associar constitucionalmente um fundo educao, tal fundo tornou-se

    realidade com a Constituio de 1934, a ser discutida no 3 perodo referente ao

    financiamento da educao no Pas, a seguir detalhado.

    3 Perodo: os mo(vi)mentos da vinculao constitucional de recursos

    Conforme apresentado anteriormente, buscar-se- demonstrar nesse segmento que

    a configurao do 3 perodo, no qual foi seqenciado o financiamento da educao no

    Pas - delimitado pelo continuum que se iniciou com a Carta Constitucional de 1934 e se

    estende at a poca atual - tem sido marcada pela busca da vinculao constitucional de

    um percentual mnimo de recursos para a educao.

    Tendo em vista que a vinculao se constitui na determinao constitucional de

    aplicao de ndices oramentrios de recursos tributrios na educao

    (preferencialmente pblica), pelas diferentes esferas administrativas, sero aqui

    apresentadas algumas das nuances que se interpuseram quela ordenao nas diferentes

    Constituies - CF/1934, CF/1937, CF/1946 e CF/1967 - que marcaram o cenrio

    nacional ps-Revoluo de 1930 e pr-Constituinte de 1987-88.

    O perodo que abarcou a elaborao das diferentes Cartas Constitucionais

    brasileiras foi envolto por cenrios polticos diferenciados em que governos ditatoriais e

    militares intercalaram-se a perodos de redemocratizao do pas. O esquema grfico a

    seguir busca apresentar, de forma resumida, estes mo(vi)mentos.

    Revol.1930 CF/34 CF/37 CF/46 Golpe/64 CF/67 Eleies diretas/85CF/88

    Ditadura Vargas Redemocratizao Governo militar 14Redemocrati-

    zao

    Num contexto em que as determinaes constitucionais referentes educao

    resultaram do embate de diferentes correntes de posies antagnicas, de concepes

    que prevaleceram, dos avanos possveis ou dos retrocessos nas relaes

    14Durante o governo militar exerceram a Presidncia da Repblica os generais Castello Branco, Costa eSilva, Garrastazu Mdici, Ernesto Geisel e Joo Fiqueiredo.

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    Estado/Educao em diferentes perodos da nossa histria (Campos e Carvalho apud

    Boaventura, 2001, p.192), percebe-se que, de acordo com os percalos dos caminhos, a

    vinculao constitucional de recursos foi marcada por avanos e recuos, sendo que,

    conforme detalhado a seguir, de maneira geral, os avanos sobrepuseram-se aos recuos.

    Foi com a Constituio de 1934, tida como bastante avanada para a poca, que se

    comeou a ter algo de sistemtico sobre educao e os direitos sociais nas Cartas

    Constitucionais.

    Um olhar preliminar sobre a Carta de 1934 mostra que trouxe consigo muitas das

    questes defendidas pelos ento denominados renovadores15que tinham como substrato

    poltico da sua ao no campo educacional a busca por uma educao universal, tanto

    no acesso como na capacidade de seleo e qualificao do ensino. Portanto, na crtica

    incapacidade da Repblica em realizar o seu fundamento jurdico-poltico de Estado

    laico, neutro e universal aos seus cidados (ROCHA, 2001, p.122).

    Trs temas educacionais, tratados naquela legislao, defendidos pelos

    renovadores e do interesse deste estudo foram: o direito educao, gratuidade do

    ensino primrio nas escolas pblicas e a aplicao dos recursos pblicos em educao.

    A Carta mostrou-se inovadora quando, para alm da enunciao do direito educao,

    indicou um fundo financeiro para efetiv-lo, uma vez que no basta a afirmao do

    direito. Requer-se o estabelecimento dos meios garantidores do direito pblico atravs

    dos fundos especiais e de ndices oramentrios fixos destinados educao(Ibidem,

    p.125). A efetivao do direito pblico educao - aspecto discutido e proposto pelos

    renovadores e pela maioria das Constituintes que se seguiram - requer a efetivao de

    mecanismos constitucionais que viabilizem os direitos pela universalizao e gratuidade

    do ensino pblico, os quais tm na vinculao constitucional de recursos um dos

    alicerces de sustentao dessa poltica educacional.

    Por outro lado, segundo o mesmo autor, o princpio do direito educao,apresentado na Carta de 1934, no se fez de pleno direito, pois no fez incidir

    coativamente o Estado no cumprimento desta norma constitucional. Naquela legislatura,

    o princpio da obrigatoriedade estava relacionado freqncia do pblico matriculado e

    no oferta de vagas por parte do Estado que, como tal, correspondia ao fornecedor de

    tal direito (ROCHA, 2001).

    15 Para Rocha (2001), os renovadores constituram-se nos atores poltico-educacionais modernos nocontexto da Constituinte de 1933-1934.

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    A concepo de que o Estado no podia mais se ausentar da aplicao de recursos

    pblicos em educao norteou os debates e as reivindicaes dos renovadores, fazendo

    com que a Carta de 1934, em seu artigo 156, apresentasse, pela primeira vez, a

    vinculao constitucional de recursos para a educao.

    A Unio e os Municpios aplicaro nunca menos de dez por cento, eos Estados e o Distrito Federal nunca menos de vinte por cento, darenda resultante dos impostos na manuteno e no desenvolvimentodos sistemas educativos16.

    importante ressaltar que, apesar de a aplicao de recursos do governo federal

    no ensino elementar ter se mantido em nveis irrelevantes durante a vigncia da Carta de

    1934 (ROCHA, 2001), o princpio da vinculao foi suficientemente persuasivo para

    voltar a vigorar na poltica educacional da maioria das Cartas que se seguiram, estando

    presente na atual Constituio de 1988, tendo sido, inclusive, estendido para a poltica

    pblica de sade17, a partir do ano 2000.

    Outro ponto relativo ao financiamento da educao, decorrente da Constituio de

    1934, que, infelizmente, merece destaque, foi a brecha deixada para a aplicao dos

    recursos pblicos no ensino privado. Conforme Ansio Teixeira, citado por Rocha

    (2001, p.129), se no momento da Constituinte as escolas privadas resistiam vivamente

    a qualquer intromisso do Estado... [Elas] pensariam em tudo, menos em pedir recursos

    para o Estado, em momentos subseqentes o sistema de bolsas de ensino destinado a

    alunos carentes e os emprstimos subsidiados tornaram-se exemplos de atrativos que

    fizeram com que as instituies particulares deixassem de se preocupar com a

    interferncia do Estado para, afoitamente, ir ao encalo da verba pblica.

    Se a Constituio da ditadura do Estado Novo, decretada em 1937, revogou a

    vinculao constitucional de recursos financeiros para a educao18, a Carta de 194619

    retomou a deliberao da Constituio de 1934, mantendo os ndices ali apresentados

    16A Carta de 1934 subvinculava 20% dos recursos da Unio ao ensino rural.17At o ano 2000 a Educao era a nica poltica pblica com vinculao constitucional de recursos. Apartir da Emenda Constitucional n 29, de 2000, os servios pblicos de sade passaram a ter, tambm,assegurados recursos mnimos para o financiamento de suas aes.18A Carta de 1937 determinou que o direito Educao constitua-se num dever da famlia, para o qual oEstado concorria num papel secundrio.19Na verdade, a vinculao j havia sido reintroduzida antes da Carta de 1946. Segundo Oliveira (2001),a vinculao retornou ao cenrio educacional como uma conseqncia da Conferncia Interestadual deEducao, ocorrida em 1941, que, alm de propor a criao do Fundo Nacional do Ensino Primrio e doConvnio Nacional de Ensino Primrio - estabelecido pelo Decreto-lei n 4.958, de 14 de novembro de1942, e cuja fonte de recursos proviria de um adicional de 5% sobre a taxa do imposto de consumo sobrebebidas (p. 97) -, props que os Estados signatrios se comprometessem, a aplicar em educao, no ano

    de 1944, 15% da sua receita de impostos e, os municpios, 10%. Segundo a legislao (DLs 4.958 e5.293/1942), ambos os entes federados aumentariam aquele percentual em 1% ao ano, at atingirem,respectivamente, 20% e 15%. A Carta de 1946 interrompeu aquele processo.

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    para a Unio, Estados e Distrito Federal e ampliando a participao dos municpios para

    nunca menos de 20% da renda resultante dos impostos na manuteno e

    desenvolvimento do ensino (art. 169). A Carta de 1946, seguindo uma linha de

    descentralizao, ao ampliar o percentual de repasses da Unio para o Fundo de

    Participao dos Estados (FPE) e Fundo de Participao dos Municpios (FPM), dos

    quais se exigia o investimento de, no mnimo, 20% na educao, contribuiu para que o

    governo central tambm tivesse sua participao reforada no financiamento da

    educao nacional (MONLEVADE, 2001).

    Esteve presente na Constituinte de 1946 a discusso referente necessidade de se

    estipular um quantumque possibilitasse o efetivo cumprimento da vinculao por parte

    dos entes federados. Inicialmente, a vinculao estipulada para as trs esferas

    administrativas foi de 20%; no entanto, ante a impossibilidade de a Unio cumprir tal

    preceito, sua participao financeira para com a educao foi estipulada em pelo

    menos 10%. Nesse sentido, Gustavo Capanema, citado por Oliveira, ressaltou:

    Se estabelecermos para a Unio o limite ideal, isto , o de 20%,veremos que no ser executado e teremos, [...] a desmoralizao dopreceito [...]. Agora se, cautelosamente, para evitarmos que aConstituio se desrespeite, estabelecermos um limite pequeno, nessecaso, estaremos trabalhando contra a educao nacional. Esse limitebaixo poderia ser visto sempre como uma espcie de teto obrigatrio

    (2001, p.183).

    A determinao desse quantum, por parte do governo federal, no apresentou

    critrios definidos e claros e, muito menos, foi discutida com a sociedade civil.

    Entretanto, apesar de esse critrio ter sido mais ou menos arbitrrio e no se sustentar

    em anlise das necessidades da educao nacional (Ibidem), constituiu-se num preceito

    que obrigava os governantes a investirem um percentual mnimo na educao da

    instncia sob sua responsabilidade. Este pensamento pode ser estendido para a

    vinculao constitucional de recursos, posta na legislao atual.O corte temporal que vai da Carta de 1934 at fins da dcada de 1950, passando

    pela Constituio de 1946, representou um perodo de qualidade do ensino pblico

    nacional, qualidade essa circunscrita a alguns estados e a uma minoria da populao,

    uma vez que a escola exclua, principalmente, os segmentos mais pobres e a maioria

    daqueles que se encontravam na zona rural (REZENDE PINTO, 2000). Foi durante esse

    perodo que a classe mdia e a elite descobriram a escola pblica - quer como alunos,

    quer como profissionais -, verificou-se a expanso de imponentes prdios de grupos

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    escolares e ginsios e os professores do Estado de So Paulo, egressos da USP, lutavam

    para equiparar sua remunerao aos dos magistrados (Ibidem).

    Se a Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, de n 4.024/61 ampliou a

    vinculao de recursos da Unio para 12%, subvinculandoesse percentual aos Fundos

    Nacionais de Ensino Primrio, de Ensino Mdio e de Ensino Superior20 -, j no

    Congresso Constituinte de 1966-67, ps-golpe de 1964, esvaziado e tolhido pelo regime

    militar e autoritrio, a educao e seu financiamento tiveram difcil acesso. Apesar de

    ter sido nomeada uma comisso de juristas para elaborar o anteprojeto da nova

    Constituio - a qual manteve praticamente inalterados os dispositivos inerentes

    educao21 presentes na Carta de 1946 -, um novo projeto originrio do Executivo

    abandonou totalmente o anteprojeto daquela comisso. Este ltimo - que contemplava

    as contribuies pessoais do ministro da Justia, Carlos Medeiros Silva, e sugestes

    do Conselho de Segurana Nacional - foi encaminhado ao Congresso (HORTA, 2001).

    Tal projeto provocou a reao de alguns educadores e integrantes do prprio governo,

    desencadeando propostas de emendas, tendo sido rejeitadas as que reclamavam dos

    diferentes entes federados um percentual mnimo de investimento em educao.

    O financiamento da educao e, mais especificamente, a vinculao constitucional

    de recursos para a rea educacional foi defendida por alguns congressistas com

    argumentos respaldados na teoria do capital humano, tendo como cenrio a correlao

    entre educao e desenvolvimento. No entanto, mesmo com tentativas de manuteno

    de uma sustentao financeira constitucional para a educao, a Carta de 1967 revogou

    a vinculao de recursos sob a alegao de que a mesma era incompatvel com a

    sistemtica oramentria introduzida pela nova Constituio (HORTA, 2001, p.219)

    que proibia, na parte relativa ao oramento, qualquer vinculao entre receita de

    impostos e despesa.

    Paradoxalmente, a vinculao retornou com a Emenda Constitucional n 1/1969(tambm conhecida como Constituio de 1969), que reescreveu, seguindo o estilo

    autoritrio, toda a Constituio de 1967 (COSTA, 2002, p.18), mas, em contraposio,

    garantiu a educao como um direito de todos e dever do Estado. Em tempos de Ato

    20 A este respeito consultar: TEIXEIRA, Ansio. Plano nacional de educao. Referente aos fundosnacionais de ensino primrio, mdio e superior. Documenta. Rio de Janeiro, n.8, out. 1962. p. 24-31. In:http://www.prossiga.br/anisioteixeira/artigos/plano1.html21A comisso props apenas trs modificaes: 1) a gratuidade do ensino oficial deveria ser estendida ao

    ensino secundrio; 2) a gratuidade do ensino superior estaria condicionada tanto insuficincia derecursos dos alunos, quanto ao seu excepcional merecimento e; 3) os professores de religio poderiamser remunerados pelo Estado (Horta, 2001).

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    Institucional 05, conhecido como AI-522, o governo central resguardou para si e para os

    estados o direito de no vincular parte de seus recursos para a educao. No entanto, a

    Emenda manteve a vinculao para os municpios em, pelo menos, 20% da sua receita

    tributria para o ensino primrio (art.15, 3,f). A Lei de Diretrizes e Bases do Ensino

    de 1 e 2 Graus, Lei n 5.692/71, acrescentou quela determinao que os municpios

    aplicassem no ensino de 1 grau pelo menos 20% das transferncias recebidas do Fundo

    de Participao (art. 59, pargrafo nico).

    Esse ltimo continuumde tempo foi marcado por grandes dificuldades no setor

    educacional. A expanso das matrculas - desencadeada pela migrao campo-cidade e

    pela Lei n 5.692/71, que determinava a ampliao da escolaridade obrigatria de quatro

    para oito anos - relacionou-se de forma inversa aos gastos com educao, especialmente

    por parte da Unio (Melchior apud Rezende Pinto, 2000). Nesse perodo, chegou-se a

    ter cinco turnos escolares (alguns com jornadas inferiores a trs horas) e o achatamento

    salarial dos professores foi contundente, ao mesmo tempo em que leis draconianas

    proibiam greves e manifestaes (REZENDE PINTO, 2000, p.55).

    O perodo sucedneo, marcado pelo processo de redemocratizao do Pas, trouxe

    consigo a luta pela melhoria da escola pblica. Neste sentido, a aprovao da Emenda

    Constitucional n 24, de 1983, de autoria do senador Joo Calmon, resgatou a

    vinculao constitucional, determinando que a Unio aplicasse pelo menos 13% e os

    estados, Distrito Federal e municpios 25%, da receita resultante de impostos, na

    manuteno e desenvolvimento do ensino - MDE. Os debates que ensejaram a Emenda

    Calmon encontraram na vinculao constitucional de recursos espao propcio para a

    construo paradigmtica da relao direta entre financiamento da educao e a

    universalizao e democratizao do ensino no Pas, que viriam a se fortalecer, a partir

    dos debates da Assemblia Nacional Constituinte de 1987-1988.

    O quadro a seguir apresenta, de forma resumida, as determinaes constitucionaisreferentes aos percentuais mnimos investidos em educao pelos diferentes entes

    federados.

    22O AI-5, de 13 de dezembro de 1968, foi revogado com a Emenda Constitucional 11, de 13 de outubrode 1978.

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    Quadro 1Vinculao de recursos para a educao, ordenada nas diferentes Cartas Constitucionais, Brasil

    1934/1988.

    Vinculao (%)Entes

    FederadosCF 34

    (Art.139)

    CF 37 CF 46

    (Art.169)

    CF 67 EC n

    01/69

    EC n

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    CF 88

    (Art.212)Unio 10* 10 - 13 18

    Estados e DF 20 20 - 25 25

    Municpios 10

    Revogoua

    vinculao20

    Revogoua

    vinculao20 25 25

    * A Constituio de 1934 subvinculava 20% da alquota da Unio para o ensino rural (art. 156).Notas: (1) a Emenda Constitucional n1, de 1969, associou a vinculao receita tributria e no receitade impostos, conforme fizeram as demais Cartas Constitucionais; (2) poder-se-ia acrescentar ao quadro asdeterminaes: I) da Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei n 4.024/1961), que vinculou12% dos impostos da Unio e 20% dessa mesma receita dos estados, Distrito Federal e municpios manuteno e desenvolvimento do ensino (art. 92), e; II) da Lei de Diretrizes e Bases do Ensino de 1 e2 Graus (Lei n 5.692/1971), que repetiu a vinculao determinada pela EC n 1/1969 e acrescentou queos municpios aplicassem no ensino de 1 grau pelo menos 20% das transferncias recebidas do Fundo de

    Participao (art. 59).

    O delineamento temporal anterior evidencia que a vinculao se apresentou de

    forma intercalada nas Cartas Constitucionais, tendo sido revogada na Constituio da

    ditadura do Estado Novo (decretada em 1937) e na Carta de 1967, que sucedeu o golpe

    militar de 1964. Afora os momentos de descontinuidade, a vinculao assumiu

    percentuais crescentes, apresentando seu maior valor quando da promulgao da atual

    Carta Constitucional, em 05 de outubro de 1988. O pensamento que perpassa a busca

    contnua pelo aumento da vinculao foi explicitado por Melchior, citado por Fvero

    (2001):

    A poltica de vinculao de percentuais mnimos sempre teve umsentido discricionrio-idealizante: toda vez que o investimento emeducao se aproximava do quantum estabelecido, surgia a tendnciade elev-lo. Buscava-se atravs dessa medida, investir cada vez mais,assegurando, porm, um mnimo discricionrio, mas altamenteeducativo, que demarcava uma meta a ser cumprida e incentivava osesforos para atingi-la ou ultrapass-la. Por outro lado, garantia, porseu fundamento legal, uma prioridade permanente para o setor

    educacional, protegendo-o das mudanas de polticas adotadas,principalmente, pelos representantes do poder executivo (p. 250).

    A observao dos percentuais vinculados, presentes nas diferentes Cartas

    Constitucionais, mostrou ainda que, dentre os entes federados, os municpios foram os

    que, no perodo 1934-1988, mais tiveram aumentada sua assuno financeira para com a

    educao (150%), seguidos pela Unio (80%).

    Outro ponto evidenciado no quadro anterior que, se por um lado, no perodo em

    questo, diminuiu a distncia entre os ndices investidos pela Unio, comparativamenteaos estados, na educao nacional, por outro lado, a responsabilidade financeira da

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    Unio (detentora da maior parte das receitas fiscais), comparativamente aos estados e

    municpios, se manteve sempre em patamares menores.

    importante ressaltar que, nos momentos em que as Cartas Constitucionais

    deixaram de determinar um percentual mnimo de investimento na educao, ocorreu

    maior escassez de recursos para a rea (Rezende Pinto, 2000).

    Melchior, citado por Fvero (2001), evidencia que as vantagens da supresso de

    tal garantia constitucional localizam-se apenas no plano tcnico-administrativo:

    A poltica de supresso da vinculao da receita tem sentido no planoadministrativo puramente tcnico: permite aos governantes maiorliberdade na alocao dos recursos para os setores mais convenientes,tornando mais flexvel a elaborao do oramento. No entanto,quando consideramos o aspecto poltico da tomada de deciso, aindaque se tenha a subsidi-la todos os dados tcnicos, devemos ter em

    mente que, na prtica, muitas distores podero ocorrer (p. 250-251).

    A supresso da vinculao permite que a educao fique merc das mudanas

    polticas implementadas pelos seus dirigentes que, com a inteno de direcionar o

    oramento para as rubricas que estejam em melhor acordo com suas concepes e

    projetos, podero deixar de lhe priorizar a destinao de recursos financeiros.

    A concepo de que existe uma correlao direta entre o volume de recursos

    destinados educao e qualidade do ensino tem estimulado os movimentos sociais acontinuarem a lutar pela manuteno da vinculao como forma de tentar garantir que

    os governantes destinem um volume mnimo de recursos para aquela rea.

    Consideraes finais

    A observao do perodo que incide sobre o decorrer dos quase 500 anos ps-

    descobrimento do Brasil, conduziu a inegvel constatao de que o Estado, em todos os

    seus nveis, foi se tornando cada vez mais presente no campo educacional (CURY,

    HORTA e FVERO, 2001) e o financiamento da educao pblica no pode ser

    excludo desse contexto. Todavia, ao mesmo tempo em que se evidenciou o crescente

    aumento da responsabilidade dos estados e municpios para com a manuteno e

    desenvolvimento do ensino, em particular, para com seu financiamento, em

    contraposio perceberam-se tentativas de refreamento das determinaes voltadas para

    uma maior responsabilizao financeira do governo central.

    Durante os primeiros quase 500 anos de histria brasileira, o governo central

    buscou (e logrou xito) manter-se afastado do financiamento da educao nacional. Foi

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    durante os ltimos setenta anos e, portanto, durante o terceiro perodo do estudo do

    financiamento da educao nacional, que a Unio, por meio da vinculao

    constitucional de recursos tributrios para a educao, passou a ter de destinar parte das

    suas receitas fiscais para a manuteno e desenvolvimento do ensino daqueles que

    sustentam seus cofres.

    No se pode negar que, comparativamente a 1934 - ano em que a Constituio

    passou a vincular recursos para a educao -, constataram-se avanos por parte do

    governo central no que tange ao financiamento da educao pblica. Todavia, quando

    comparada s demais instncias federadas, a Unio ainda tem muito a percorrer. H que

    acelerar os seus avanos para resgatar os 430 anos de omisso. Neste sentido, a anlise

    dos trs perodos anteriormente apresentados aponta para o desafio da Constituinte de

    1987-88, qual seja, buscar fortalecer a funo financiadora do governo central como

    ente federado co-partcipe do financiamento da educao pblica.

    Por fim, estudo do referencial histrico do financiamento da educao revela-se

    entre os avanos e retrocessos nas relaes Estado/Educao. Os resultados mostram

    mais avanos do que retrocessos, mas avanos lentos demais e distantes no tempo

    social e no espao regional problemtico (BOAVENTURA, 2001, p.197).

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