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Janeiro 2016 DELLA PORTA: O MAGO DA SABEDORIA ARCANA “Silêncio, o mago está passando!”. Com uma reverência entre o obsequioso e o amedrontado o povo napolitano saudava dom Giambattista Della Porta (1535-1615), que após o passseio matutino na rua Toledo, voltava a esconder-se na wunderkammer do seu palácio, próximo ao Largo da Caridade. Mas ai de quem o chamasse com aquela palavra, “mago”! Apesar de reivindicar com orgulho a antiga sabedoria e alimentar com as suas predições sobre o destino de nobres e soberanos, aquela aura de mistério que o circundava, ele fazia questão de diferenciar-se dos “necromantes”. Quando Jean Bodin, na sua Démonomaniae des sorciers, acusou-o de ser um “mago venéfico”, por ter descrito na Magia naturalis a receita do unguento das bruxas, onde entre os ingredientes estava presente a puerorum pinguedo, a gordura de crianças, ele reagiu com violento desdém: “calúnias dirigidas a mim por ignorantes e homens vis, e invejosos, os quais muito imodestamente e barbaramente me ofendem, os quais acham que eu seja Mago, palavra esta da qual eu sempre tive horror, e ódio desde que eu nasci, julgando-a vaidade”. Pelo contrário, com o característico temperamento napolitano, passou ao contra-ataque: “Me desculpe, no que eu errei? Por que você me atribui aquele nome de Mago? […] um Herege, o qual na festa de São Bartolomeu, dia em que todos queriam matá-lo, jogou-se de uma janela para não ser morto, e escapou do perigo”. O povo, sensível ao sobrenatural, ao milagre aparente, tendia a identificar o mago com o “teurgo”, aquele que pratica operações demoníacas. Para Della Porta, ao contrário, o mago é o sábio dotado de capacidades operativas, que conhece os processos escondidos e considera a magia somente obra da natureza: “Nil aliud magiae opera credatis, quam Naturae opera” (Magia naturalis). A maneira como recebia a notícia do carrasco de Nápoles, Antonello Cocozza, quando tirava os enforcados das forcas para expô-los na Ponte Ricciardo, era a mesma daquela de Vesalio, que ia no Cimetière des Innocents para procurar os corpos dos condenados a morte. A diferença é que Vesalio descrevia a anatomia daqueles corpos para indagar o funcionamento da Humani corporis Fabrica, enquanto que Della Porta estudava as suas linhas das mãos e dos pés para ler a marca do destino. O método é exatamente igual, diferente é o patrimônio sapiencial de referência, ancorado ao passado aquele do filósofo napolitano, projetado no futuro aquele dos inovadores. A sua pesquisa sobre os “fundamentos físicos” concentrou-se em disciplinas não propriamente

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Janeiro 2016

DELLA PORTA: O MAGO DA SABEDORIA ARCANA

“Silêncio, o mago está passando!”. Com uma

reverência entre o obsequioso e o amedrontado o

povo napolitano saudava dom Giambattista Della

Porta (1535-1615), que após o passseio matutino

na rua Toledo, voltava a esconder-se na

wunderkammer do seu palácio, próximo ao Largo

da Caridade. Mas ai de quem o chamasse com

aquela palavra, “mago”! Apesar de reivindicar com

orgulho a antiga sabedoria e alimentar com as

suas predições sobre o destino de nobres e

soberanos, aquela aura de mistério que o

circundava, ele fazia questão de diferenciar-se dos

“necromantes”. Quando Jean Bodin, na sua

Démonomaniae des sorciers, acusou-o de ser um

“mago venéfico”, por ter descrito na Magia

naturalis a receita do unguento das bruxas, onde entre os ingredientes estava presente a

puerorum pinguedo, a gordura de crianças, ele reagiu com violento desdém: “calúnias

dirigidas a mim por ignorantes e homens vis, e invejosos, os quais muito imodestamente e

barbaramente me ofendem, os quais acham que eu seja Mago, palavra esta da qual eu

sempre tive horror, e ódio desde que eu nasci, julgando-a vaidade”.

Pelo contrário, com o característico temperamento napolitano, passou ao contra-ataque:

“Me desculpe, no que eu errei? Por que você me atribui aquele nome de Mago? […] um

Herege, o qual na festa de São Bartolomeu, dia em que todos queriam matá-lo, jogou-se de

uma janela para não ser morto, e escapou do perigo”. O povo, sensível ao sobrenatural, ao

milagre aparente, tendia a identificar o mago com o “teurgo”, aquele que pratica

operações demoníacas. Para Della Porta, ao contrário, o mago é o sábio dotado de

capacidades operativas, que conhece os processos escondidos e considera a magia

somente obra da natureza: “Nil aliud magiae opera credatis, quam Naturae opera” (Magia

naturalis). A maneira como recebia a notícia do carrasco de Nápoles, Antonello Cocozza,

quando tirava os enforcados das forcas para expô-los na Ponte Ricciardo, era a mesma

daquela de Vesalio, que ia no Cimetière des Innocents para procurar os corpos dos

condenados a morte. A diferença é que Vesalio descrevia a anatomia daqueles corpos

para indagar o funcionamento da Humani corporis Fabrica, enquanto que Della Porta

estudava as suas linhas das mãos e dos pés para ler a marca do destino. O método é

exatamente igual, diferente é o patrimônio sapiencial de referência, ancorado ao

passado aquele do filósofo napolitano, projetado no futuro aquele dos inovadores. A sua

pesquisa sobre os “fundamentos físicos” concentrou-se em disciplinas não propriamente

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“modernas” como a fisiognomonia, fitognomônica, quirofisionomia, astrologia. Uma

tentativa pretensiosa, muitas vezes embaraçosa, de experimentar a magia, à procura das

signatura rerum, da presença do absoluto nos multiformes e maravilhosos aspectos da

natureza: homens, animais, minerais, vegetais (percebe-se o eco do natura est deus in

rebus de Bruno). A convicção que nas coisas naturais exitem virtudes que os nossos

sentidos não são capazes de perceber (ver o magnetismo), senão através da magia

natural, prepara a constatação dos fenômenos ditos paranormais. Admiráveis intuições

como esta são acompanhadas, nas obras de Della Porta, por afirmações tão supersticiosas

e crédulas que nos deixam sem graça. Para superar este falso pudor é suficiente

simplesmente aceitar que não existe um limite claro de demarçação entre magia e ciência

na época renascimental, mas uma passagem gradual de uma para a outra. Não é um caso

que grandes cientistas, tenham cultivado, mais ou menos secretamente, um interesse por

elementos herméticos e alquímicos. Tycho Brahe, junto com as observações astronômicas,

escrevia almanaques.

Uma cópia da Magia naturalis foi encontrada na biblioteca de Newton, que divertia-se em

fazer voar a pipa luminosa a noite construída seguindo as instruções contidas no livro,

fazendo com que as pessoas gritassem que era um milagre.

Não se sabe exatamente se Della Porta nasceu em Nápoles, ou em Vico Equense, na casa

das Pradelle, entre outubro e novembro de 1535. Em uma família nobre mas decaída, por

ter apoiado a revolta de Ferrante Sanseverino contra o vice-rei Pietro de Toledo, teve uma

ótima educação curada pelo tio materno, o célebre estudioso de antiguidades Adriano

Guglielmo Spadafora, junto com o irmão mais velho Giovan Vincenzo, com o qual partilhou

a paixão pela astrologia e a busca natural com base mágica. Publicou, com apenas quinze

anos, a primeira edição da Magia naturalis, e depois viajou pela Europa, recolhendo,

pagando com o dinheiro do pequeno patrimônio pessoal, livros e curiosidades raras.

Inspirando-se na academia de Girolamo Ruscelli, na qual foi acolhido muito jovem,

fundou aquela “dos Segredos”, cuja base operativa foi localizada recentemente por

espeleologistas urbanos nos subterrâneos de um palácio do povoado Due Porte em

Arenella, onde surgia a casa em uma colina dos Della Porta. Nela eram realizadas

reuniões esotéricas, com base hermética e rosacruciana, sobre as quais falamos em um

precedente artigo nesta revista. O limite entre magia lícita e ilícita, entre astrologia

judiciária e “fisionomia celeste” era muito tênue e ele foi constringido a mudá-lo

repetidamente, para fugir do olho atento da Inquisição, que o seguiu com atenção

durante toda a vida. Já em 1584, antes da briga com Bodin, o inflexível cardeal Scipione

Rebiba reclamou a sua prisão “por coisas relativas à fé”. A saúde fraca evitou-lhe a

tortura, permitindo-lhe resolver a questão com a purgação canônica e um firme convite

a frear a sua “impia curiositas” para dedicar-se ao teatro, no qual também despertava

muitos elogios. Ele seguiu o conselho com uma vasta produção de comédias e tragédias

(na Biblioteca da rua Senato estão conservadas duas primeiras edições, muito raras, de

duas delas: La Trappolaria, imprimida em Nápoles por Stigliola em 1595; e La Turca,

imprimida em Veneza em 1606) usadas também como biombo para as suas pesquisas,

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como no caso do Lo astrologo no qual ridiculariza aquelas mesmas virtudes divinatórias

que muitas vezes lhe foram contestadas. O atormentado relacionamento com a Inquisição

constitui, para estes gênios do Renascimento, o distintivo da livre pesquisa, perseguida

com meios muitas vezes criticáveis, mas com aquele espírito de independência intelectual,

que fatalmente se emaranhava nas redes da censura teológica e do seu braço armado. Ao

contrário de Bruno e Campanella que escolheram levar adiante as próprias ideias,

opondo-se ao poder religioso, Della Porta conformou-se, não por oportunismo ou medo,

mas por autêntico desinteresse nas disputas doutrinais, completamente estranhas ao

seu mundo encantado de recolhimento no estudo. Não existem provas certas sobre o

encontro com Giordano Bruno, mas as numerosas sintonias culturais e filosóficas tornam

provável uma influência sobre a formação do Nolano, em particular nos campos da

fisiognomonia e da arte da memória. Às excepcionais capacidades mnemônicas daquele

pequeno frei ávido por saber ele parece acenar em uma passagem de A arte do recordar:

“Seneca vangloria-se de ter recitado duzentos versos latinos, que lhe foram ditados,

enquanto que outros vangloriavam-se ter recitado muito mais de frente para trás e de

trás para frente ”. Ao contrário, a frequentação com Campanella, é referida diretamente

pelo Stilese, com o qual Della Porta, em 1590, teve até uma disputa pública, na sala “San

Tommaso” do convento de San Domenico Maggiore, justamente sobre o conceito de

magia.

Não é de se admirar a absoluta falta de referências explícitas aos dois frades

dominicanos, considerando o triste destino que tiveram. Seja como for Giambattista

pagou a incolumidade física com uma punição ainda pior para ele: a proibição de

publicar as suas obras. Com poucas exceções esta durou por toda a vida, não obstante

proteções ilustres, como aquelas do cardeal Luigi d’Este, que o quis a seu serviço, e de

Federico Cesi, o fundador da Academia dos Linces, com o qual estabeleceu, não obstante

a diferença de idade, um eterno relacionamento de estima e amizade. Por causa da

interdição inquisitorial, não teve o prazer de ver publicada a summa dos seus trabalhos, a

Taumatologia, evolução e completamento da Magia naturalis, como também a

Cftirofisonomia e a versão em vulgar da Fisionomia humana, que fez circular com nome

falso. De qualquer maneira, as suas obras tiveram, uma ampla difusão em toda a Europa,

fazendo dele um dos sábios mais admirados daquele tempo, procurado por soberanos,

cardeais e cientistas. É famosa a missão confiada pelo imperador Rodolfo II ao seu capelão

Christian Harmius, com a finalidade de convencer Della Porta a ir para Praga, ou pelo

menos mandar um seu discípulo que conhecesse os experimentos sobre o lapis

philosoporum.

§§§

A sua atividade, excessivamente dispersiva, exauria-se na aprovação ou na rejeição

de um “segredo”, sem obter nada de sistemático, que não fosse um catálogo ou um

apanhado de curiosidades e maravilhas. Isso não significa que, entre as centenas de

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mirabilia examinadas, fossem encontradas algumas observações originais, como

aconteceu com a câmara escura, o microscópio, o telescópio, o imã. A prioridade na

projetação do telescópio é um fato certo, porque Della Porta descreveu-o nos mínimos

particulares (anos antes que Galilei o apresentasse), e foi confirmado nos versos que

Giovanni Fabri, chanceler dos Linces, escreveu na introdução à edição de 1655 do

Saggiatore: “Porta tenet primas, habeas Germane secundas: sunt Galilaee tuus tertia

regna labor”. Isso preparou uma forte polêmica sobre a atribuição da descoberta, mesmo

se com uma admirável honestidade intelectual, Della Porta reconheceu que, daquela

“tolice”, Pisano tinha sabido tirar admiráveis observações, das quais ele não tinha sido

capaz, mesmo sendo o inventor. O mesmo aconteceu no caso do magnetismo, quando

William Gilbert, no De magnete, criticou-o muito, dizendo que era um incompetente.

Também neste caso, Della Porta, depois de ter reconhecido corretamente a dívida para

com o amigo Paolo Sarpi, que tinha-o informado sobre as observações com relação ao

fenômeno, reivindicou com firmeza a sua superioridade: “Um bárbaro inglês, o qual do

meu sétimo livro sobre o imã, sendo eu o primeiro que tenha manifestado uma coisa

maravilhosa ao mundo que já conhece tantas coisas maravilhosas ; ele transcrevendo

todas as minhas maravilhas, como se fossem suas compõe um livro, e para não fazer

perceber o furto, e para não mostrar que tenha tirado do meu livro, me ofende sempre,

dizendo que as experiências são falsas, ou que ele não as entende, ou mente, e se existe

alguma coisa feita por ele, é tudo mentira, vaidade e melancolia; enfim fica louco, e diz

coisas ridículas”. Naquele tempo as acusações de plágio eram frequentes, por causa do

extremo individualismo dos eruditos, que conservavam muito bem as próprias

descobertas tentando, ao mesmo tempo, roubar os segredos dos outros. O principal

veículo de troca de ideias era constituído pelos livros, aos quais porém nem todos tinham

acesso (principalmente por causa da severa censura eclesiástica), seja no que se refere à

publicação, ou à consulta.

Della Porta tinha uma visão muito moderna da comunidade científica, convencido

do papel das academias no favorecer o trabalho de equipe. Com extremo pragmatismo,

dizia que o saber precisa de dinheiro: “É difícil operar sem o suporte de meios

financeiros, é preciso enriquecer para poder filosofar e não filosofar para enriquecer”. Eis

porque, em desacordo com Cesi, achava que na academia dos Linces, da qual foi

inspirador e personagem ilustre, tinham que ser aceitos não só eruditos, mas também

príncipes e eclesiásticos dispostos a serem mecenas. Ele tinha experimentado na sua

pele: para pagar as dívidas feitas para viagens de pesquisa ou para publicar as suas obras,

tinha até mesmo colocado em venda parte do palácio de família. Foi o matrimônio da

filha Cinzia com um descendente da nobre família Di Costanzo de Pozzuoli que o salvou

da ruína e foi a eles que, com reconhecimento, não obstante as pressões de Federico

Cesi que queria que ela entrasse na academia dos Linces, deixou o bem mais precioso: a

sua biblioteca. O último dos Di Costanzo, o duque Francesco Maria, a doou, com todo o

palácio, para a Deputação do Tesouro de São Genaro.

Na sua época, Della Porta era considerado pelos estrangeiros de passagem, como o

Vesúvio e os Campos Flégreos, umas das maravilhas a serem visitadas na cidade de Nápoles.

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Aquela mesma cidade que parece tê-lo esquecido, a julgar pela pouca importância dada ao

quarto centenário da sua morte, que recorre neste ano. Bem outra participação registrou o

solene cortejo fúnebre, que no dia 4 de fevereiro de 1615 acompanhou-o, para a última

saudação, na basílica de São Lorenzo Maggiore, lá onde uma lápide, a qual ninguém mais

nota, o recorda. Cobria a urna que recolhe as suas cinzas; sobre ela o brasão dos Della Porta

abraça aquele dos Di Costanzo, que aparece também sobre o portão de Via Toledo.

A história de Della Porta, como aquela de tantos gênios dos quais o Renascimento

foi prodígio, repropõe uma questão fundamental: ou seja, se, a excepcionalidade de

um homem deva ser avaliada exclusivamente pela sua sorte póstuma, ou pela

contribuição sapiencial que conseguiu fornecer, mesmo sendo em situações hostis e

com meios inadequados ou até mesmo inexistentes. A passagem do Renascimento à

idade moderna é, sim, uma história de eventos e de ideias mas é também, e sobretudo,

uma história de homens que afirmaram, com consciência igual àquela de nenhuma outra

época, a dignidade e a potência do intelecto.

Guido de Giudice

Fonte: a Biblioteca de via Senato - Milão – novembro de 2015

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A teurgia dos Oráculos Caldeus

Este escrito é o Prefácio da tese de doutorado intitulada "A

magia dos oráculos caldeus - questões de lexico e de contexto

histórico", apresentada por Álvaro Fernandez Fernandez ao

Departamento de Filologia Grega e Eslava da Universidade de

Granada (Espanha) em 2011.

O título "A teurgia dos Oráculos Caldeus" reivindica a existência de uma religião antiga chamada "teurgia" que se originou com base em uma coleção de revelações divinas conhecidas como “Oráculos Caldeus”, ou apenas Oráculos, e data comumente no final do século II° d.C. Perdida a tradição manuscrita dos Oráculos em uma época imprecisa que, aparentemente, deve ser colocada entre o ano 529 e o século XI° ou XII°, o principal obstáculo para a investigação é, portanto, o estado fragmentário em que os textos são preservados . A estes fragmentos se alcança

necessariamente pela tradição indireta: quarenta e dois deles são atestados na Exegese dos Oráculos do bizantino Miguel Psellus; o resto são conhecidos através de citações e depoimentos de autores neoplatônicos entre os quais se destacam para o número de referências, Proclo e Damáscio. Esses mesmos filósofos, juntamente com Jâmblico e outros, também transmitiram para nos notícias existentes sobre a teurgia e os teúrgos. A certeza de que hoje temos sobre a questão histórica da origem dos Oráculos Caldeus é muito pequena ou, na melhor das hipóteses, limitada. A falta de provas concretas torna extremamente difícil contrastar os dados fornecidos por fontes literárias. Muitas vezes, o pesquisador se desenrola em um espaço imaginário repleto de possibilidades, probabilidades e verossimilhanças, onde o acúmulo de detalhes ou, alternativamente, o único detalhe muitas vezes pende a balança do julgamento crítico de uma maneira ou de outra. A análise filológica rigorosa dos textos relevantes e seus termos, o conhecimento geral dos códigos históricos e religiosos daquele tempo, o uso da analogia apropriada e o bom senso são ferramentas necessárias que permitem ao estudioso amplificar às vezes informações a partir de uma dada notícia, e lhe permitem exercer, como funámbulo prudente, exercícios de especulação equilibrados na corda bamba de uma história que tenta recompor-se. Os capítulos I e II deste trabalho são introdutórios. O primeiro, "A teurgia e os Oráculos Caldeus nos séculos XV°-XIX°", é dividido em duas secções. Por um lado, oferece uma escolha de juízos de valor sobre a teurgia provenientes de vários humanistas e que são representativos de tempos passados. Ilustrados por um estudioso da estatura de Gibbon, Kant e Hegel herdaram de intelectuais antepassados uma imagem negativa da teurgia a qual, dividindo-se da autoridade de Santo Agostinho, é equiparada à magia. Tudo isso contribuiu para que as futuras gerações acreditassem em uma idéia distorcida do que realmente foi a verdadeira teurgia. Além disso, a história da transmissão da coleção dos Oráculos Caldeus a partir do momento em que Gemisto Pletão a tinha revelada para a Europa Ocidental sob a seção artificiosa “Oráculos magicos dos discípulos de Zoroastro” exemplificou a sua recepção e influência. No curso dessa história se destacam as novas coleções dos Oráculos feitas por Francesco

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Patrizi (1591) e Thomas Taylor (1797), os quais aumentaram consideravelmente o número de fragmentos transmitidos por Platão. Além disso, uma visão geral mostra quais temas condicionaram e guiaram a pesquisa da teurgia no início do século XX; a outra demonstra como foi concebida a coleção oracular até o final do século XIX, notando a quantidade e a qualidade dos fragmentos que se formaram. No segundo capítulo, "Historiografia dos Oráculos Caldeus e da Teurgia" descreve-se os primeiros passos da própria pesquisa filológica e histórica moderna, inaugurada por Kroll e Bidez, e é revisto seu desenvolvimento até hoje. Destacam-se os limites, as linhas de pesquisa, as contribuições de vários especialistas e estudiosos, os principais resultados e algumas deficiências. Os Capítulos III-VI referem-se principalmente aos Oráculos. Com o título Oráculos Caldeus abre-se uma via de investigação com o apoio desta hipótese: os diferentes nomes da coleção documentada nas fontes neoplatónicas correspondem a fases sucessivas na história dos Oráculos, e informam sobre a peculiaridade da coleção. Por esta razão distingui-se, comentám-se e valorizam-se as seguintes etiquetas:

Nestas duas últimas variantes vimos a prova de um vínculo entre a "Caldéia " e os "Assírios” que não deve ser ignorata. Para a discussão são igualmente relevantes as diferentes fórmulas introdutória com as quais os neoplatónicos citam os fragmentos Caldeus, desde que revelam detalhes relativos a como conceberam os oráculos seus receptores. Por outro lado, esclarece-se quais sentidos tinham no final da antiguidade os termos Oráculos Caldeus, o tipo de Oráculo, o que significa a voz Oráculo. Com base nas informações obtidas, assim, reconstrói-se como elas poderiam trocar o título da coleção apesar da forma original dos oráculos a subsequente Oráculos Caldeus, que envolve várias hipóteses sobre a história do texto. Começando de uma inscrição que recorda o Oráculo de Apameia, em conformidade com o título originário, discute-se a tesis segundo a qual o Oráculos caldeus foram revelados na cidade de Apamea na Síria. Daphne, o subúrbio rico de Antioquia, é outra cidade como uma possível citade candidata dos Oráculos. No quarto capítulo são recolhidas, revistas e discutidas as notícias sobre os supostos autores ou, em última análise os responsáveis pelos Oráculos: "Os dois Julianos, o Caldeu e o Teurgo." De frente às posições mais céticas que questionam a historicidade de ambos os indivíduos ou mesmo a negar a existência deles, são defendidas como figuras históricas, e os problemas em torno da paternidade dos Oraculos são colocados em toda a sua complexidade. Em fechar esta discussão é refutada a hipótese incomum que identifica o teurgo Juliano com Flávio Cláudio Juliano, o último imperador pagão famoso por ter apostatado o cristianismo. No capítulo quinto, "O léxico distintivo da Oráculos Caldeus", compila-se e analisa-se o vocabulário que foi usado na ocasião destas revelações e que, de forma inequívoca, é uma marca registrada da teurgia caldea. O carater do repertório é em grupos de três: os caldeus inventaram neologismos com um real interesse lexicográfico; investigaram aspectos específicos das doutrinas dos caldeus; e a questão da intertextualidade é a destinatária das coincidências léxicais, comprovadas em textos heterogêneos: os Oráculos, por exemplo, parecem ter uma ligeira influência da literatura órfica. No sexto capítulo, "Os Oráculos como texto sagrado" a ascensão dos Oráculos surge no

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contexto do movimento cabalistico do segundo século. A dissertação tira algumas próprias noções da ciência das religiões: 'canon', 'canônico' 'religião do livro "e" revelação primordial». O conceito "comunidade textual”, por outro lado, leva a discutir se comunidades teúrgicas foram formadas em torno dos Oráculos, fato que a crítica muitas vezes dá como certa, e convida à reflexão sobre o caráter destes circulos. No Capítulo VII trata-se particularmente do significado hermético ocultado atrás de uma etimologia anfibológica. Para começar, são examinados os testemunhos que documentam pela primeira vez a palavra “teologhios” (Oráculos Caldeus, Onomastikon Pollux e Excerpta ex Nicomacho), um neologismo no qual a voz “teologhia” poderia ser secundária, e especificar quais vozes são da sua família lexical. Em seguida, o significado dos termos “teologhion e teologhia” em questão é elucidada a partir de vários pontos de vista: a) de acordo com a oposição tradicional "teurgia/ teologia"; b) tendo em conta que “teologhia” é um nome composto em modo “exocêntrico” e em modo “endocêntrico” de acordo com a relação sintática dos dois membros; c) como caracterização do teurgo como “teopatos” , o que implica que define-se a escala das virtudes neoplatônicas argumentando que a natureza da teurgia era essencialmente mística; e d) de acordo com a conjectura que afirma que “teologia” poderia ser um decalque semântico do hebraico “ma'aseh Merkava” “obra do Carro", ou, por metonímia, "obra de Deus". O significado dos quatro termos que são por vezes usados como sinônimos de “teologia” aparece em contextos teúrgicos:

Enfim: a voz rara, “teoforia” por sua vez, não necessariamente pertence ao vocabulário teúrgico. Fonte: http://digibug.ugr.es/handle/10481/20325#.Vn-35NBywi8

Álvaro Fernández Fernández

Tradução do espanhol de Helion

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VESTÍGIOS DESCOBERTOS DE UMA CIVILIZAÇÃO PERDIDA QUE SURGIU ANTES DO APARECIMENTO DA FLORESTA AMAZÔNICA

Um grupo de arqueólogos realizou uma extraordinária descoberta no coração da Amazônia: os perímetros de centenas de monumentos geométricos deixados por uma civilização desconhecida que surgiu antes da atual floresta pluvial. Um estudo publicado na revista “Proceedings of National Academy of Sciences” traz a descoberta de uma série de misteriosas linhas e formas geométricas gravadas no solo da Amazônia. Segundo quanto diz a “Discovery News”, os vestígios remontam há milhares de anos, antes que a floresta pluvial amazônica assumisse a forma atual. Qual cultura tenha criado estas estruturas e qual seria o seu objetivo ainda é um mistério, mas tal descoberta abre um novo capítulo sobre as culturas pré-históricas do Rio Amazonas, antes da chegada dos europeus. Além disso, a descoberta dá nova luz à história evolutiva da floresta amazônica: o problema é aquele de entender se e quando as populações pré-históricas alteraram a paisagem na Amazônia e de que maneira influenciaram a sua evolução. Os primeiros vestígios de fundações foram descobertos em 1999, depois que grandes áreas de floresta incontaminada foram canceladas para dar lugar à pastagem para o gado. Desde então, foram encontrados vestígios de centenas de estruturas em uma região com mais de 240 km de diâmetro, do norte da Bolívia, até o estado brasileiro do Amazonas. Como diz o “Ancient Origins”, as fossas foram esculpidas nos terrenos ricos de argila da floresta amazônica e em geral as medidas são 9 metros de largura por 3 metros de comprimento. A fossa maior é representada por um incrível anel com um diâmetro de 300 metros. Os “geóglifos” podem ser individuados nas zonas sem árvores utilizando Google Earth. A maior parte dos vestígios estão agrupados em um planalto de mais ou menos 200 metros de altura, o que faz supor aos cientistas que a posição fornecia uma vantagem de defesa aos habitantes. Todavia, alguns cientistas presumiram que os monumentos pudessem ter uma função cerimonial, por causa da configuração altamente simbólica dos túmulos. “Seja como for, é evidente que a zona era densamente populada por pessoas relativamente sedentárias, antes do contato com os europeus”, explica Denise Schaan da Universidade Federal do Pará, no Brasil, e coautora do estudo. A doutora Schaan acha que a construção de estruturas semelhantes teria exigido a participação de pelo menos 300 pessoas. Isto indica uma população regional de pelo menos 60 mil pessoas. Então, o Rio Amazonas tinha muitas sociedades complexas em uma época muito remota. As escavações de alguns lugares revelaram a existência de habitações permanentes, graças à descoberta de cerâmicas domésticas, carvão e a lapidação de fragmentos de pedra. Os resultados provocam sérias dúvidas nos estudos precedentes, segundo os quais a zona possuía somente pequenos vilarejos temporâneos. Na época da primeira descoberta dos “geóglifos”, achava-se que eles remontavam ao ano 200 d.C. Todavia, o recente estudo revelou que na realidade os vestígios são muito mais antigos. Graças às análises de algumas amostras retiradas em dois lagos próximos a alguns

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terraplenos, John Francis Carson, autor do estudo e post-doutorado na Universidade de Reading no Reino Unido, pôde estabelecer uma idade de mais ou menos 6 mil anos. Os sedimentos, de fato, contêm grãos de antigos pólens e vestígios de carvão de antigos incêndios ocorridos há muito tempo, revelando informações sobre o clima e o ecossistema que existia quando o sedimento se formou. Os resultados sugerem que os sedimentos mais antigos não vêm de um ecossistema típico da floresta pluvial. Isso demonstra que a paisagem amazônica daquela época era muito mais semelhante à savana africana do que à luxuriante floresta de hoje. “O pólen daquele período de tempo provém sobretudo de ervas e poucas espécies resistentes à seca”, continua Carson. “Após mais ou menos 2 mil anos, sempre mais pólen de árvore aparece nas amostras, com uma diminuição das espécies resistentes à seca e um aumento dos sempre-verdes. Estas mudanças foram em grande parte favorecidas pelo aumento das precipitações”. Carson e colegas também quiseram aprofundar a questão se os primeiros Amazonenses impactaram de alguma forma a evolução da floresta. “Os vestígios deixados no terreno são anteriores à mudança da flora amazônica. Os Amazonenses criaram as estruturas antes que a floresta surgisse entorno deles”, explica o pesquisador. “As populações continuaram a viver na zona enquanto a área do bosque se ampliava. Provavelmente, eles mantiveram regiões desmatadas entorno de suas estruturas”. Segundo os pesquisadores, esta conclusão tem uma sua lógica intrínseca: é mais fácil cortar uma arvorezinha do que uma árvore amazônica grande com um machado de pedra. “É muito provável que as pessoas possam ter provocado alguma consequência na composição da floresta”, continua Carson. “As pessoas podem ter favorecido o crescimento de espécies comestíveis, alterando os terrenos, a química do solo e a sua composição”. Então, “as pessoas influenciaram o sistema climático global através do uso do território não só nos últimos 200-300 anos, mas durante milhões de anos”, conclui Carson. Parece que a pesquisa abra um novo capítulo na compreensão da história evolutiva da Floresta Amazônica e sobre as populações pré-históricas que a habitaram, cuja identidade continua sendo um autêntico mistério. Mas como admitem Carson e seus colegas, “este tipo de estudo na Amazônia só está começando”.

Fonte: http://www.ilnavigatorecurioso.it/2014/07/17/scoperte-tracce-di-una-civilta-perduta-sorta-

prima-della-comparsa-della-foresta-amazzonica/

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Fevereiro 2016

A UMA MÃE QUE PERDEU A FILHA

Morre-se por tantas causas diferentes e por origem oculta, que não é possível considerar a morte como tipo único. Morre-se por insuficiência dos órgãos materiais corpóreos (velhice), por conflito de causas vitais e físicas (morte violenta), por atração em outras esferas (migração), por atração em corpos mais homogêneos (nascidos sem espírito), por incompatibilidade de ambiente (mutação): resumindo o tipo de morte não existe. Geralmente morre-se com o corpo e continua-se a viver por pouquíssimo tempo (dias, semanas, alguns meses), depois entra-se no sono (o Lete, o esquecimento), a alma reduz-se a fava ou semente de alma e é atraída por um útero, na falta de humanos, de animais mais homogêneos e temporaneamente, como se estivesse à espera para encontrar uma casa. O sofrimento existe somente no período de consciência que é breve; se continuamente se é chamado pelo amor dos vivos, esta agonia é prolongada. No período atual [1911] não devemos nos maravilhar com nada, porque existem sementes de outras coisas no ar. No “Commentarium” eu expliquei para que servem os cometas e as irradiações estrelares, e veladamente me parece que eu tenha dito que aquele cometa [Trata-se do cometa de 1910] pegava e predispunha emigrações de almas terrestres para outros planetas habitados [Depois de três anos começa a primeira guerra mundial e depois a “ gripe espanhola”...]. Existem pessoas que morrem quando o corpo que deve hospedá-las já nasceu e cresceu por meses ou anos, até a época da menstruação para a mulher e da primeira polução para o homem... Levar em consideração os símbolos egípcios deixados para nós pelos sacerdotes egípcios. Os primeiros Egípcios foram alguns dos poucos sobreviventes das raças que chegaram e foram destruídas por cataclismos telúricos que foram chamados dilúvios nos livros sagrados. As raças de tantas cores são correspondentes a tantas humanidades que chegaram e foram destruídas por cataclismos, os quais acontecem justamente porque a chegada das raças ao apogeu representa a convulsão da matéria cósmica, porque nós, matéria do cosmos, somos UNO. Daqui a quarenta anos nenhum de nós, dos tantos amigos da Miriam estará mais por aqui, todavia estaremos todos aqui. Aqueles que passaram para outros ciclos, (ou melhor outros planetas) não estarão mais aqui. Existirá alguém que agora falta e deve vir de mundos distantes. O problema da vida e da sociedade não pode ser abordado sem conhecer os bastidores que não são aqueles que o público conhece. Quando todo o público chegará a este estado de conhecimento, então... é produzido um novo cataclismo, recomeça uma outra raça e os poucos que ficaram desta que chegou serão os mestres e os sacerdotes da nova. O sentimento é um elemento potentíssimo da poesia humana, através da qual a Verdade do vate, que se manifesta velada com sorrisos e lágrimas mente sobre a realidade simbólica da revelação. Os mortos não devem ser evocados, não devem ser chorados, não devem ser despertados. Devemos ajudá-los a esquecer porque, mortos, a recordação da vida é a paixão infernal que dá o simbólico tormento da queimadura, cujo meio-sono do primeiro momento (digo momento para dizer o instante diante da eternidade) do vínculo brusco e não truncado do afeto de mãe, de irmã ou de esposa é agitado em contínuos saltos de uma memória latente e dolorosa dos últimos momentos de paixão e na paixão é compreendido o sofrimento e a impressão da última vigília. Diga aos mortos: paz. Ore para que durmam e passem o Lete, lavando-se das recordações humanas. Assim como aqui existem as mulheres que assistem aos nascimentos e confortam o primeiro vagido de um recém-nascido, que não é uma voz de tripúdio, no reino das passagens de almas existem seres que a mentalidade humana comum não pode compreender e que realizam a sua missão acompanhadora durante o fenômeno de passagem, de transição de um tipo de vida a um outro de calor e estado diferentes. Orem para que os

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mortos repousem, e a evolução se realize sem crises, sem saltos violentos, sem despertares de momentos memoráveis. A oração magicamente entendida não é a súplica do místico a seres que não podem ser agarrados, a oração é o encantamento, é a canção de ninar que embala a alma que brota em um Eliseu ao qual faltam as fisionomias caras das pessoas amadas e deixadas viventes da vida humana. A minha não é uma crítica mas é desdém quando penso nas mentiras místicas transmitidas e destiladas por tantos séculos por religiões que tiveram como objetivo dominar a psique humana de milhões de almas que entendem a redenção como sendo a escravidão em um ciclo de dores e espasmos. Você, mãe, tirou a sua filha do desconhecido das almas, amamentou-a, nutriu-a, ajudou-a a crescer, educou-a: você a vê ser levada pelo mesmo mundo desconhecido que é a lei específica e não vontade caprichosa. O por que dela ter morrido, o por que ela foi levada para longe de você, é um fato desconhecido que assume a forma do egoísmo humano: e você delirante de paixão e de afeto gostaria de vê-la no místico sentimento do amor materno, acompanhá-la no escuro do mundo das almas, assim como guiou os primeiros passos um ano após o seu nascimento. Mas você sabia que no momento em que na sua casa se fazia festa por causa do nascimento de uma filha, uma outra mãe tinha perdido justamente aquela e sofria assim como você sofre hoje? Não leia poetas fúnebres. Leia alguma coisa dos Pitagóricos, as piadas das quais o ceticismo do materialismo romano ornou a doutrina da metempsicose da aurea Escola itálica da qual nós somos discípulos e continuadores. Diga palavras de certeza aos filhos. Não deixe com que tremam diante das ameças de uma lei igual para todos e não reproduza a imagem da Mãe Dolorosa com uma ferida no coração que no sentido do egoísmo humano é atribuído e transportado ao único momento da super-humanidade que é a morte. Além dos limites da vida humana nós temos amigos que são Deuses, são divindades superiores, que não permitem às almas dos nossos entes queridos sofrimentos de concepção humana que nós entendemos com o físico dos nossos membros, que ficam lívidos com um arranhão. Os sapatos velhos são jogados fora: os pés ficam. Um sapato novíssimo e bonito mas incômodo, pode ser jogado fora: o pé fica. No dia em que o pé não serve mais o cirurgião o corta: fica a perna. Quando tudo é incômodo e amarrotado, se vai direto para o cemitério, e ficamos nós, não o espírito do mercúrio humano, mas o jod dos cabalistas, o princípio primeiro, que é, que foi e que será através das máscaras humanas e planetárias o nosso Eu em contato com a unidade do Cosmo. É a obra que mina a forma lenitiva, purgante e redentora da dor contra a ilusão da tradição tola dos primeiros selvagens. Evocar as formas e os pensamentos astrais dos mortos não é necromancia, é pior: é vivificar os sapatos velhos que os pés mortos jogaram fora. Assim que renascidos, os mortos podem, assim como fazem na telepatia os homens vivos, se manifestar realmente através de sonhos e também com aparições quando já renasceram. Então, acordando, a memória da vida anterior com os seus afetos, têm a faculdade inocente de desdobrar-se especialmente nos primeiros anos da infância, depois o ambiente da nova família e a adaptação ao novo corpo físico faz esquecer pela segunda vez e as visões e sonhos acabam. Não pense na sua morta, não a chame, não a invoque, não a desperte. Circunde-a com afeto delicado, calmo, indireto. Dê a ela um asilo dulcíssimo no vosso coração; não a perturbe com espasmos e com dores que despertam nela os sentimentos e o magnetismo dos seus caros dos quais deve se afastar. A morte deixa um encantamento de solidão e de dor nos vivos. Reconsquiste por ela, para o seu repouso, para a sua paz aquela calma segura de sabê-la mais feliz nas margens daquele místico Lete, para o qual e além do qual o esquecimento nos desnuda das velhas ideias e das paixões sangrentas.

Giuliano Kremmerz

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O MATRIMÔNIO PERFEITO

Muitas pessoas, condicionadas pela sociologia moderna, pela psicologia e pela psicanálise, também pelas rubricas dos supostos especialistas de casamentos que proliferam nos jornais, explicam de maneira superficial e aproximativa o fracasso de muitos casamentos e os consequentes divórcios. E não imaginam nem mesmo remotamente, que as causas podem ser muito mais profundas, provavelmente ocultas e então deveriam ser procuradas em outro lugar. Giuliano Kremmerz abordou este delicado assunto em "Anjos e Demônios do amor", texto que aparece no II° Volume da "Ciência dos Magos", mas Prentice Muldorf (trata-o com grande perspicácia e profundidade de ideias neste artigo que traduzimos para os nossos leitores. (ndc)

O elemento mais refinado na natureza é feminino. A força maior e construtiva é masculina. A mulher “vê” as coisas mais claramente. O homem é mais hábil para realizar aquilo que a mulher “viu”. O olho espiritual da mulher vê sempre mais longe do que aquele do homem; o poder espiritual do homem é, por sua vez, maior no realizar aquilo que a mulher vê. A intuição da mulher precede aquela do homem como a coluna de fumo durante o dia e a coluna de fogo durante a noite precedia o povo eleito. Entre as mulheres existem muitas mais clarividentes. As mulheres também são as primeiras a conceber novas verdades espirituais, assim como são as mais fiéis às tradições religiosas, convencidas pela profunda intuição que possuem que a religião seja a raiz da qual um dia florescerão juntos aquilo que hoje parece dividido e inimigo: religião e ciência. A mulher reconhece a verdade diretamente, sem a penosa dedução intelectual de causa e efeito: ela “ataca a verdade”. Em todos os estados de desenvolvimento anímico a vista interior da mulher será mais clara do que aquela do homem, mas o homem será sempre o mais capaz para realizar aquilo que a psique feminina lhe indica. E para as específicas capacidades de um particular homem existe somente uma particular visão feminina, que reconhece quando e como aquelas específicas capacidades podem ser desenvolvidas no melhor modo. Mulher e Homem são como olho e mão, em um verdadeiro matrimônio. O espírito feminino é uma parte necessária e indispensável do espírito masculino. Em outras esferas da existência, onde homem e mulher entendem melhor a sua verdadeira condição e alcançaram o nível desta condição, flui uma potência de espírito para espírito, uma potência dificilmente imaginável para a nossa pobre fantasia. Porque nestas esferas da existência todo pensamento, todo ideal, todo sonho tornam-se realidade. Das forças conjugadas espirituais de um homem e de uma mulher podem, em uma existência mais bonita, cristalizar-se todos os desejos em coisas vivas, como uma perfeição. A pedra angular desta força é ínsita em todo matrimônio do homem certo com a mulher certa, no matrimônio eterno da fusão do ser nos predestinados. Para cada homem criado existe uma mulher criada, que existe só para ele e com ele, a única existente para ele neste assim como em qualquer outro mundo. As suas vidas eternas, quando os dois se tornarem relativamente perfeitos, quando terão entendido o sentido da sua relação, serão uma eterna exaltação de amor.

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Muitos, que da eternidade são destinados um para o outro, hoje convivem infelizes: mas através de outras reencarnações, como indivíduos físicos diferentes e com outros nomes, as suas almas mais evoluídas se reconhecerão novamente. A verdadeira mulher de um homem, seja que o seu espírito possua um corpo como veículo da vida física ou não, é o único ser no Universo que pode levar este homem ao desenvolvimento da sua máxima força espiritual. E pensamentos tirados desta fonte possuem justamente a particularidade necessária para o seu intelecto. Justamente aquilo que é útil para a sua obra agora, empresa ou outra atividade, a mulher o perceberá. E novamente: o verdadeiro esposo de uma mulher é o único ser no Universo ao qual é dada a possibilidade de realizar a visão da mulher. Esta troca contínua de forças é a Unidade, o novo Ser, que eles criam; não os filhos criados fisicamente. A mulher, com a sua organização psíquica mais sutil, tem condições de receber pensamentos, ou melhor, intuições de níveis mais altos. Ela é a membrana mais sensível às vibrações do oceano espiritual. Ele possui o intelecto mais forte para a camada mais rude da vida, para realizar as intuições da mulher nas coisas da terra. Porém o intelecto mais alto, que recebe os pensamentos mais sutis e potentes, ele não o possui. Atrás de todos os homens grandes, em toda fase ou grau de desenvolvimento da vida, atrás de todo sucesso ou de toda empresa existe sempre, visível ou invisível, uma mulher. Hoje a mulher possui mais poder e usa mais poder do que conhece. As suas inspirações agem em toda parte, inspirações estas que o homem percebe somente segundo o próprio grau de sensibilidade. O beneficiado aceita sem saber que é ela quem dá e é ela quem doa sem ser consciente do seu presente. Aqueles que são chamados “os seus pensamentos supérfluos”ou “fantasias”, o fato de ela construir castelos no ar, é a terra fértil, da qual brotam os frutos da realização. É uma verdade o fato que ideias preciosas podem ser dissipadas silenciosamente, sem dizer nada. Pior ainda, quando o pensamento mais potente e mais sutil flui em direção de um intelecto mais grosseiro e como troca pelo tesouro doado recebe ondas espirituais mais baixas. Então o ser superior pensa e sente e age abaixo do seu nível e pensa pensamentos inferiores a ele, os pensamentos estranhos do seu companheiro desigual. A mulher não é o ser mais fraco, mas só o vaso mais refinado, que traz consigo o vinho celeste da espiritualidade. Ela é para o homem aquilo que a agulha magnética da bússola é para o leme da nave. Como representa o instrumento mais delicado, ela precisa de maior proteção, como o marinheiro protege a sua bússola ou sextante de influências perturbadoras. Se este instrumento, criado para registrar as intuições mais altas, é exposto à natureza mais dura, (isto é: constringida a fazer o trabalho de um homem) torna-se insensível, perde a sensitividade e é o homem que sente o dano, porque o instrumento do qual ele abusou não pode mais indicar-lhe o caminho. É próprio da nossa barbária ver o trabalho doméstico como trabalho feminino. Este trabalho dentro de quatro paredes, cozinhar, arrumar as camas, acudir as crianças e outros mil deveres que caem sobre as costas de uma mulher durante uma única manhã, é muito mais cansativo do que arar ou dedicar-se a outras atividades semelhantes, seja de trabalho artesanal, agrícola ou de escritório. Porque quanto mais uma pessoa pensa em coisas diferentes, mais força espiritual ela consome para enviá-la nas diversas direções. Se uma mulher é desfrutada em tal modo, perde a capacidade de receber novas ideias, torna-se obtusa, porque a força necessária para ela foi trocada por força muscular. Se por outro lado o homem trabalha muito, diminui a sua capacidade de captar as intuições da mulher. Um homem, que não pode ou não quer reconhecer esta relação com a sua verdadeira mulher, assemelha-se a um marinheiro que possui uma bússola sem porém usá-la. Se ri continuamente daquilo que ela diz, das suas ideias ou impressões ou pressentimentos, tornará o intelecto da mulher insensível, a sua intuição atrofiada e sepultará a fonte das suas inspirações.

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Estas são partes e forças que formam um todo, unidas pela sabedoria infinita. A lenda, que Minerva tenha nascido da cabeça de Júpiter com toda a armadura, é o símbolo para a origem mais alta da sabedoria feminina. Ela leva consigo conhecimentos dos mundos superiores como barras de ouro; a tarefa do homem é segundo o seu saber e as suas capacidades criar destas formas, formas de beleza. Muitas vezes nos perguntamos: “Porque as mulheres realizaram tão pouco em comparação com as obras do homem, na técnica e em outros campos de atividade?” A mulher sendo portadora de pensamentos, a mensageira do céu, todas as obras são o conjunto das suas ações invisíveis. Ela dava, sem saber que estava dando e o homem pegava sem saber que estava pegando, porque nenhum dos dois sabia que a verdadeira e maior parte está na metade invisível da vida, que possui tentáculos espirituais que vão muito além do corpo físico. Fios sensibilíssimos que se tocam, fundem e trocam-se elementos invisíveis: os pensamentos! Assim sendo a mulher sempre realizou a sua obra. O homem não será um iluminado se não aprender a venerar o elemento feminino, como portador do Agens, o mensageiro da visão mais alta. A mulher, consciente da sua verdadeira relação com o homem, tem o dever de pedir o reconhecimento do seu valor, não como uma megera que grita mas como uma rainha orgulhosa e carinhosa, que quer agradar, mas firme na determinação de agradar e ajudar segundo o seu modo de ver. Se abandona-se a valores inferiores é responsável por todas as penas que derivarão deles para os dois. Cada um deve conquistar a justiça por si. A partir do momento que temos consciência do nosso valor para os outros, devemos ensinar também aos outros a reconhecer este valor. Se não o veem, não devemos dar, até que não aprendam a vê-lo. Se continuamos a dar quando os nossos dons são desprezados, somos nós os maiores pecadores! Porque, fazendo assim, nós desperdiçamos conscientemente este bem sublime do qual a consciência eterna nos permeia. Simpatia é força. Se um espírito superior pensa muito em uma pessoa inferior, envia para ela uma corrente de força, inspiração e energia. Porém se como em troca não recebe a mesma coisa, o seu corpo e a sua alma sofrirão. Ele dá ouro e recebe ferro. O intelecto inferior, que nutre-se vampiricamente, é capaz de absorver somente uma parte do dom sublime, a parte que justamente ainda cai sob a sua esfera espiritual, o resto é perdido inutilmente. Porém este espírito inferior poderia ser também o cônjuge, ainda não amadurecido para conhecimento do seu esposo eterno. O homem ou a mulher começam a entender o verdadeiro valor da sua união quando unem-se com o desejo de tornarem-se mais sãos espiritualmente, isto é quando têm um propósito que completa as suas vidas. Reconhecerão que todo pensamento banal, baixo e grosseiro é um dano também para o outro; que este pensamento, se continuado, se tornará danoso para os dois. Os dois desejarão tornarem-se forças em evolução para o bem de todos. Quando o homem perceberá como o espírito feminino coloca novos pensamentos nele, fonte contínua de límpidos conhecimentos; quando a mulher será consciente da infinita potência dele, que realiza na realidade aquilo que para ela é impossível, então existirá um verdadeiro matrimônio. O caminho comum deles será então endereçado para o conhecimento que emana da oração para a sabedoria. Então vestirão os seus espíritos com uma nova carne! Então estarão no caminho para as forças milagrosas do homem interior, se tornarão reciprocamente curadores e guias, saindo do hoje para entrar em um amanhã mais potente, mais puro. Sacerdotes de muitas religiões são constringidos a renunciar ao matrimônio, não porque o matrimônio no sentido mais alto os rebaixaria, mas porque a mulher de um verdadeiro sacerdote, isto é de um homem quase divino, como sua parte espiritual, não pode existir na parte visível da

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vida, mas manda as inspirações para a sua alma do mundo invisível. Se um homem como este fosse ligado a uma outra mulher, isto constituiria um muro, um elemento mais grosseiro que o dividiria da companheira sacerdotal: ou seja a sua verdadeira mulher com a qual será unido novamente durante um forma qualquer de existência. É realmente impossível para os homens e para as leis humanas dividir aqueles que são predestinados um para o outro pela eternidade. Faz parte das possibilidades do ser que um dos dois verdadeiros esposos seja reencarnado e o outro conduza a sua existência no invisível. Talvez o futuro encontrará a possibilidade de criar um possível contato real entre os dois, através de uma contínua fusão de pensamentos. Se este homem iniciasse uma profunda relação com uma outra mulher durante a vida, estaria sempre mais distante da sua verdadeira esposa, uma nova barreira seria criada entre ele e ela. Só depois de tantas existências e reencarnações talvez conseguirá ter força espiritual suficiente para reconhecer aquela que realmente é destinada a ele.

Prentice Muldorf

Fonte: CEUR, Roma

NOTAS SOBRE O GRUPO DE UR E A SUA REVISTA

A história do grupo de UR é uma história bastante complicada para aqueles que se aproximam pela

primeira vez para a edição actual publicada para uma editora romana (a edição de 1980 publicada pela

Tilopa, ndc). Talvez seja bom dar algumas notícias que podem jogar alguma luz sobre alguns aspectos

relacionados com a criação do Grupo de UR e da revista com o mesmo nome que apareceu na Itália nos

anos vinte do século passado. Pelo que entendi dos documentos em meu poder, e de entrevistas com

pessoas qualificadas, bem como do que me foi comunicado na época por Massimo Scaligero, a iniciativa da

publicação da revista é devida ao pitágorico e hermetista florentino Arturo Reghini e não ao jovem Julius

Evola que naqueles anos tinha somente 28 anos.(1)

Arturo Reghini já havia publicado duas revistas de caráter esotérico em anos anteriores, ou seja, Atanor em

1924 e Ignis em 1925. Nestas revistas, o tom de seus artigos foi ferozmente anticlerical e as duas foram

fechadas a causa da perseguição do regime fascista, o qual já estava preparando o “Concordato” com o

Vaticano, “Concordato” que muitos desastres trouxeram à Itália. Em 1926, Arturo Reghini decidiu criar uma

nova revista com o nome de UR, revista que deveria evitar o tom polêmico das revistas anteriores e lidar

apenas com questões históricas de esoterismo e das doutrinás relacionadas. A nova revista apareceu em

1927 e foi muito popular nos ambientes que se dedicaram ao esoterismo clássico.

Sendo o nome de Reghini exposto a perigo, e tendo sofrido para perseguições e ataques pessoais, Arturo

Reghini decidiu passar a direção da revista para o jovem e ainda pouco conhecido Julius Evola, na

esperança de evitar as dificuldades do passado. Na revista escreveram autores de várias origens: os

pitagóricos, hermetistas e anthroposophistas. Em particular, escreveram discípulos qualificados de Rudolf

Steiner como o Dr. Giovanni Romano Colazza que firmava com o pseudόnimo Leo, o duque Giovanni

Antonio Colonna di Cesaro que firmava Krur e Breno, o qual com a sua mãe baronesa Emmelina de Renzis

tinha participado em Dornach á Conferência de Natal de 1925, e os poetas Arturo Onofri que firmava Oso,

Nicola Moscardelli, Sirius, e Girolamo Comi, GiC.

Não é verdade o que escreve o evoliano Renato Del Ponte, ou seja que por trás do heterónimo Arvo estava

o Duque Colonna di Cesarò, porque é certo que Arvo era o mesmo Evola, como comprovado por

documentos dos anos trinta do século XX , a partir do conteúdo e da forma dos artigos assinados com o tal

heterónimo, e como o mesmo Evola afirmou em segunda na terceira edição da revista – publicada em três

volumes em 1955 pelos Irmãos Bocca, e na sucessiva edição de 1971 publicada pela Editora Mediterranee

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de Roma e arbitrariamente modificada por Evola - com novos contributos assinados Arvo, quando o Duque

Colonna di Cesarò já tinha morrido em 1940.

Julius Evola, dominado pela sua pessoal concepção do idealismo mágico, por causa da qual ele se

considerava “Indivíduo Absoluto”, “Senhor do Sim e do Não”, quis passar por cima de Arturo Reghini, cuja

iniciativa fez com que nascesse a revista UR, e se impôs como “senhor e patrão” da revista impondo o

próprio desejo e arbítrio no cortar e modificar como queria os artigos, que os vários autores lhe davam

para que fossem publicados. Uma tentativa de sanar tal arbitrária e antipática situação com associar em

1928, no segundo ano de publicação, como diretores da revista os nomes de Pietro Negri e Luce,

heterônimos atrás dos quais escondiam-se o próprio Arturo Reghini e o seu amigo e companheiro Giulio

Parise.

Mas na prática as coisas não mudaram absolutamente, porque Evola continuou sem problemas a perpetrar

os seus arbítrios, não obstante as promessas e o fato de que a revista tinha que ser expressão concordante

de todo o Grupo de UR. Isto levou à extinção da revista, por este motivo Evola, em 1929, com muito

material roubado de Reghini, publicou uma outra revista com o nome de Krur (e por isso o Duque Colonna

di Cesarò mudou o próprio heterônimo de Krur para Breno), enquanto que Reghini tentou republicar Ignis,

mas após o lançamento do primeiro número a polícia de Roma impôs a todas as tipografias a não imprimir

a revista, que interrompeu as suas publicações.

Atrás da revista UR agia um grupo operativo, o verdadeiro Grupo de UR, que reunia-se para agir segundo

um Opus Magicum de grupo. Eu possuo documentos a tal propósito. Inevitavelmente, a ruptura da

concórdia – no meu parecer foram determinantes justamente as muitas ações não corretas de Evola –

tornou impossível a continuação deste Opus comum.

As edições de 1955 e de 1971 deram a oportunidade a Evola para operar ulteriores notáveis arbitrárias

modificações. Em particular, sofreram os artigos de Leo-Colazza, de Breno-Colonna di Cesarò, de Oso-

Onofri, dos quais – além de sofrerem muitas modificações – desapareceram também todas as referências

ao nome de Rudolf Steiner e às suas obras. Em tais edições apareceram seja a publicação dos exercícios

fundamentais da Escola Esotérica de Rudolf Steiner – que Evola fez passar por próprios colocando o próprio

heterônimo de Ea – que uma parte de um comentário de Colazza sobre os ditos exercícios, estes também

passados por próprios. Apareceu também um escrito por Massimo Scaligero, Notas sobre o destaque, o

qual Julius Evola não se preocupou de modificar sem o pedido do autor. Enfim, para estragar tudo,

apareceram publicados, sempre por vontade de Evola, alguns escritos do mago inglês Aleister Crowley, que

Massimo Scaligero me descreveu como “mago negro, endemoninhado pelo sexo.

(1) Para conhecer os detalhes da fundação do Grupo de UR e da revista homônima por Reghini e Parise

ver no livro de Roberto Sestito, Il figlio del Sole, Ignis, o capítulo sobre o "Grupo de UR" ea imagem

da capa de UR.

Fonte: Hugo de Paganis no site http://www.ecoantroposophia.it/

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Março 2016

DIÁLOGOS SOBRE O HERMETISMO

PREFÁCIO DO AUTOR

Amigo leitor, estes diálogos estão sendo publicados graças aos cuidados de poucos amigos. Eu não os reli nem corrigi, porque os meus companheiros de estudos, improvisados editores, fizeram o possível para não me incomodar e para não ouvirem repetidamente que não era necessário transmitir aos pósteros bate-papos que não tem nenhum valor ou mérito literário. Um carissimo e afeiçoado discípulo da filosofia hermética, agora defunto, teve o cuidado de estenografar estas conversas que tive com um amigo que não nomino, cientista formado, experimentador positivo, graciosamente incrédulo, desconfiado como um juiz, que, seguindo o meu velho conselho de escutar e não acreditar, aplicava também para mim a minha máxima, e agora, convertido à nossa ideia, estuda o problema da vida e do espírito humano com paixão, e de um ponto de vista que não é aquele universitário. Os diálogos são simples sem intenção expositiva de fazer propaganda. E depois propagar o que? Uma doutrina? Uma fé? Uma religião renovada? Mas ninguém pensou nisso. Positivamente as investigações sobre estas pesquisas, sobre estes estudos, sobre estas ideias que pressupõem uma deliberada preparação em quem se prepara para começar a estudá-las, não estão na moda. O público comum gosta de romance, não de trabalho investigativo. Gosta e é seduzido pelo maravilhoso, especialmente se ouve falar, especialmente nas historinhas que impressionam a fantasia e a fazem voar. Gosta e é seduzido pela esperança na magia por orfandade consciente ou inconsciente: fazer com que uma mulher se apaixone loucamente por você, ou vingar-se de um inimigo, possuir riqueza sem trabalho, curar-se das doenças, prolongar a vida, dominar tiranicamente todas as pessoas que nos circundam e nos servem. Gosta do espiritismo que dá a ilusão de uma segurança de uma vida livre no além, leve, feliz, sem as necessidades imperiosas do corpo de matéria pesada, sem as moléstias de limitação no mover-se, no agir, na mudança de um lugar para outro. Mas o Hermetismo, a magia cabalística, a filosofia do Oculto e do invisível?... Muito trabalho, muita canseira, muita perda de tempo! É melhor uma corrida veloz de carro, uma bailarina com as pernas nervosas e ágeis, e melhor ainda é uma cançãozinha pudica com sentido malicioso, uma partida de tenis ou um espetáculo de boxe. E depois, antes da primeira guerra, a hora tinha sessenta minutos que nunca passavam; tinha-se tempo para repousar, para cozinhar, para digerir, para ler, para estudar, para meditar. Agora, onde está o tempo? Os minutos são momentos, não existe a possibilidade de frear o pensamento sobre uma coisa qualquer. Se faz tudo com pressa: gramática, poesia, amor, tudo com muita velocidade, a quinhentos quilômetros por hora, a mil despropósitos por segundo! E então para o que serve a propaganda? Para os poucos da aristocracia do pensamento? Mas aqueles que possuem na história de seus espíritos uma recordação longínqua desta grande análise das faculdades ocultas do organismo humano, mesmo atravessando a mística religiosa, acabam todos no estudo da magia. Se eu mesmo fiz propaganda, contra esta minha consideração de hoje, com livros e revistas, foi outro o propósito que me guiou: apresentar, no meio de tanto dialogar de associações místicas ou herméticas ou teosóficas, uma interpretação de caráter exclusivamente italiano, uma Escola em antítese com todas as formas reconstrutoras que eu não me permito criticar na substância, mas que eu não posso declarar homogêneas ao conjunto da nossa mentalidade italiana, da nossa maneira de considerar o problema dos poderes humanos, englobando-os com as formas desta ou daquela religião, ou fundindo-os com práticas religiosas de igrejas separadas das atuais viventes, ou evocando os gnósticos, ou até mesmo mergulhando-os na mística oriental. O Hermetismo mágico, segundo o meu modo de ver, não deve sustentar-se sobre um pedestal de fé e de ascetismo. A nossa filosofia dos valores da mente humana, se é ciência experimental, não pode invadir o campo místico da fé e se, por falta de vocábulos aptos, muitas vezes

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alguma palavra de caráter religioso é usada no sentido não religioso, a nossa não é invasão no campo dos crentes. A minha propaganda é feita com um objetivo determinado, bem preciso: chamar para a pura e simples razão crítica italiana os dispensadores de apologias, de simbolismos, de ostentações de sacerdócios de povos distantes de nós ou por inteligência ou por situação geográfica; fazer compreender que nós não possuímos até agora nem fontes de petróleo, nem mineiras de carvão, mas possuímos uma história mental e uma atitude para sorrir das respeitáveis descobertas de tantos escritores não italianos que justamente na Itália vêm para procurar prosélitos. Eis o porque, vangloriando-me de poder dizer a minha ideia na sua simplicidade de concepção, vejo com alegria, sentindo a espinha menos curva diante das mentiras pseudo-filosóficas importadas na Itália, de ter tempo para pedir aos outros que falam e escrevem na nossa língua que mantenham-se bem retos na posição vertical e apresentem o estudo destes tão difíceis problemas do espírito do homem vivente, com caráter nacional, isto é homogêneo à nossa mentalidade itálica. Se a Urbe oculta herdou, dos etruscos, gregos e egípcios, os arcanos da ciência da psique humana, a mitologia poética dos nossos antepassados não pode ter escondido a verdade de uma ciência concreta do espírito do homem? Por que é preferível comportar-se como um indiano com os símbolos de Buda, de Brahma, ou dos Pársis, quando Júpiter e as maiores divindades do Olimpo latino podem sustentar com honra a comparação? Eu não afirmo nem incentivo à mitologia como religião, como inspiradora de estados místicos da alma humana, como educadora e moralizadora da massa; não só isto não nos interessa, mas eu não acredito que não somos capazes de evocar a exata influência que o cúmulo das fábulas e dos mitos tiveram sobre os povos antigos, precedentes à inundação cristã, e somente no aspecto religioso. Os mitos das fábulas divinas ou heróicas do céu grego-latino não poderiam ser um véu grosseiro ou sutil dos conhecimentos de uma ciência da alma humana a qual era ensinada a um pequeno grupo de mentes mais aristocráticas e escondia-se da plebe? Nós constatamos um hábito da antiguidade: que mistérios, seitas, religiões, conservavam, e conservavam bem, o segredo iniciático. É necessário chegar às metamorfoses de Apuleio para sentir uma indiscrição, enquanto que na obra atribuída a Petrônio, o Satíricon, podem ser vistos alguns indícios claros de profanação só por quem já lê no escuro clássico dos ocultadores das razões dos mistérios. O próprio cristianismo nos primeiros tempos foi secreto. Então, seguindo a natural suspeita de um conteúdo mágico dos mitos e da litografia, não vale a pena fazer uma verificação? Em outras palavras eu indico o estudo da mitologia, na sua essência, como sendo aquele que contém a iniciação dos poderes do nosso organismo; procura de uma ciência rara na possibilidade de desnudar um arcano integrativo. Ora estes diálogos são bate-papos sem dogmas. Reproduzidos ao vivo, estenografados, assim como foram falados, não devem ser pegos como predições sibilinas nas quais Apolo fala com duplo sentido. Eu falo, respondo, argumento como um mestre elementaríssimo, e, saltando aqui e ali de uma argumento para outro, tento explicar a minha ideia, o meu método, sobre a possibilidade de pegar o paradoxo como um encantamento para abrir as mentes educadas à maneira moderna, novas vias possíveis para investigar a verdade. Eu falei claro? A minha intenção foi esta. Se eu errei, outros dirão e farão com mais estilo do que eu. Mas eu desejo só uma coisa: que os estudiosos de Hermetismo mágico, italianos, não se separem, não se dividam, não se combatam entre eles em áridas polêmicas, mas como filhos da grande arte (uso uma fórmula e um atributo usado nos escritos dos alquimistas) se abracem forte com amor entorno do ponto muito crítico da pesquisa para a ciência mais humana que o homem tenha de maneira muito audaz chegado a possuir. O hermetismo, a Magia, a filosofia das forças ocultas não se reduzem a simples erudição nem a exercícios verbais e oratórios. É necessário conquistar, possuir, conservar, como a Esfinge, para depois doar aos pobres da Ciência e da Arte quando estivermos prontos para o sacrifício de nobremente sentir-nos pródigos. Como eu não disse nada sobre o meu por que deste primeiro volume ser imprimido, eu não gastarei nada, nem mesmo uma palavra, para que a este não sucedam outros volumes com outros diálogos. Mesmo que eu quisesse não conseguiria, os amigos editores não me escutariam. Parecendo-me pouco digno vender o livro, porque quem compra um livro quer ler mais do que o valor do dinheiro gasto, eu pedi para doá-lo para quem o pedir; quem quiser contribuir, dê o quanto acredita ser justo; quem não o considerar merecedor de encorajamento, leia-o gratuitamente. Quando tivermos que pagar o impressor, se não tivermos dinheiro, acenderei um foguinho pequeno, fundirei em alguma panela

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velha um pedaço de chumbo e estanho, colocarei uma pitada de pó de projeção, e transformarei panela, chumbo e estanho em ouro finíssimo. O impressor fará o recibo: pagamento sem contar as notas, em ouro alquímico.

Cannes, março de 1929.

Giuliano Kremmerz

“A Ciência dos Magos” III° volume

ZIKA E AS DOENÇAS DA SOCIEDADE

Desde quando Manzoni falou sobre a peste no livro “Os Noivos” como castigo de uma sociedade doente e

injusta, e Giustiniano Lebano, mestre de Giuliano Kremmerz, escreveu um importante tratado sobre a cólera

e sobre a sua cura e enfim desde quando a espanhola, no final da primeira guerra mundial, destruiu a

população europeia, eu sempre suspeitei que as epidemias não são uma punição divina, como pensava

Manzoni, mas devem ser explicadas procurando a razão nos delitos dos homens. Com relação à zika que

está provocando sérias preocupações nas populações sul-americanas, esta suspeita começou a se tornar

uma certeza após a leitura deste breve artigo publicado no jornal “A Tarde” de Salvador. Entre os males

sociais eu colocaria em primeiro lugar a corrupção que, como um câncer, está destruindo o conceito de

honestidade, considerado pelos nossos antepassados um valor primário da vida civil e imediatamente

depois e como consequência, as carências nos serviços sócio-sanitários e educativos. (Salilus)

Sim, nossa sociedade está doente. A Zika é símbolo disto. A doença não é só a falta de infraestrutura

urbana, educação, segurança, saúde ou de moradia digna. Como a sociedade se encontra, representa o

estágio de desenvolvimento em que ela se encontra. Porém, a doença perigosa é a falta de um sentido

maior para o cidadão além daquilo que a sociedade tem apresentado. Qual a filosofia de vida que norteia

as ações e interesses das pessoas que aqui vivem? Tudo indica, com exceções, que é o levar vantagem a

qualquer preço com desrespeito ao direito de todos. Sem este sentido, a vida fica vazia, pobre e aberta aos

desvios e doenças típicas do cotidiano da sociedade.

A sociedade é um organismo vivo que se assemelha ao corpo humano. Há um cérebro, um coração, um

sangue e, acima de tudo, um indivíduo que o comanda. Metaforicamente, o sangue é o trabalho, constante

que se vê no empresário, no comerciante, no servidor público, no operário de todos os tipos, portanto, na

força do trabalhador em todas as suas expressões. A doença acontece quando não se quer trabalhar dando

o seu melhor, quando se impõe altos impostos ao cidadão, quando o obriga a que padeça para ter acesso

aos serviços públicos, quando se insere a corrupção como prática comum ou quando se restringe a

liberdade de expressão.

O coração é a família, com seus vínculos, seus valores, sua condição de espaço de pertencimento e vivência

do amor, cujo adoecimento ocorre quando seus responsáveis se ausentam do dever de educar e dar o

exemplo aos seus filhos. O cérebro é o Estado com suas leis, com a constante preocupação em garantir o

bem-estar coletivo em todos os níveis. Seu adoecimento ocorre quando pessoas, grupos políticos ou

grandes empresas se arvoram em querer ocupar aquele lugar de poder e de domínio.

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No entanto, a doença maior é a falta de um sentido e de uma filosofia existencial para o indivíduo que

comanda o organismo, portanto, para o cidadão, verdadeiro autor de seu destino e proprietário de si

mesmo.

Adenáuer Novaes

Psicólogo, escritor, filósofo

http://atarde.uol.com.br/opiniao/noticias/1749315-zika-e-as-doencas-da-sociedade-premium

HONRA A PITÁGORAS

Aos 84 anos, Ailde Polari mantém sozinha a única bibliotea da pequena Antonina

A disposição De Ailde Mendes Polari, de 84 anos, deve-se em parte à perseverança, ousadia e tenacidade

com que viveu à frente do seu tempo. Fundadora da única biblioteca de Antonina, vilarejo de 20 mil

habitantes no litoral do Paraná e sua terra natal, a "filósofa autoditada", como se define, resume seus

objetivos: "Não sonho em construir mais nada. Só quero divulgar o conhecimento". O interesse pela leitura

é herança do avô, comerciante de origem judaica que a ensinou a ler a Torá quando ela mal completara 10

anos de idade. "Lia em voz alta, mas entendia muito pouco. Gostava mesmo era de ouvi-lo contar

histórias." Aos 14 anos, Ailde descobriu na biblioteca do avó um livro que mudaria sua vida, Zanoni, do

escritor inglês Edward Bulwer-Lytton. A história que trata dos dilemas da alma e da busca pelo ideal tem

como pano fundo os princípios da Ordem Rosa-Cruz, espécie de Maçonaria. Apesar da complexidade da

narrativa, a adolescente encantou-se com seus mistérios e ainda hoje relê Zanoni com frequência.

As dificuldades da infância não lhe permitiram ir além do 2° ano do ginásio. o equivalente à atual 6° série

do ensino fundamental. Aos 16 anos, ela arrumou um emprego de fiscal arrecadadora de pesca na cidade

portuária de Paranaguá. Aos 18 após prestar um concurso, foi nomeada agente da Caixa de Crédito da

Pesca, ligada ao Ministério da Agricultura. "Fui a primeira e, por um bom tempo, a única mulher a ocupar

uma função pública no município." Em1955 acabou transferida para a cidade paulista de Santos e conheceu

o seu futuro marido, o auditor fiscal Expedito Costa Polari. Pelo a mor, Ailde enfrentou o conservadorismo

da sociedade à época. Ele tinha 20 anosa mais e quatro filhos de outro relacionamento. O casal ainda

adotaria duas meninas, uma delas portadora de deficiência. A vida nómade do marido levou a familia a

Salvador, onde Ailde se especializou em educação especial para crianças deficientes no Instituto Pestalozzi.

Não satisfeita, decidiu estudar filosofia ao voltar para o Paraná em 1966. Ailde inscreveu-se no Instituto

Neo-Pitagórico1 de Curitiba e empenhouse na leitura dos clássicos gregos. Em 1972, o trabalho de Polari

impôs uma nova mudança, desta vez para São Vicente, no litoral paulista. Na cidade, ela fundaria o Centro

de Estudos Pitagóricos São Vicente e a Escola Experimental Pitágoras. Em 1996, após a morte do marido e a

volta à pequena Antonina, a viúva Ailde decidiu reativar a Colónia Pitagórica Clio, fundada em 1923 em

homenagem ao pensador grego. Empenhada em disseminar o hábito da leitura entre crianças e jovens, ela

correu atrás de parceiros e doadores para montar uma biblioteca novilarejo. Até hoje, 20 anos depois.

continua a ser a única na cidade.

A biblioteca funciona na sede da Colónia Pitágoras, um edifício chamado deTemplo das Musas e localizado

no periférico bairro Batel. Sãoaproximadamente 7 mil volumes à disposição dos mais de 2 mil alunos da

rede pública e privada da região. Os livros só podem ser consultados in loco, pois a reposição, em caso de

perda, é dificil. A única fonte de renda da fundação mantenedora vem das cópias na máquina de xerox.

1 O Instituto Neo-Pitagórico de Curitiba foi fundado por Dario Persiano de Castro Vellozo, em 26 de agosto de 1949.

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"Tentei fazer parceiras com o setor público, mas não tive sucesso", lamenta. Ailde sonha em receber

doações de editoras para ampliar o acervo de livros e temas.2

A vida da filósofa é regrada e simples. O avanço tecnológico não mudou seus hábitos. Ela prefere uma velha

máquina de escrever acomputador. Pela manhã, dá expediente até as 11 horas. Almoça, lé e volta ao traba

lho às 3 da tarde. A única funcionária é sua filha, que trabalha como voluntária no projeto. À noite, antes de

dormir, ela lé mais um pouco. No primeiro domingo de cada mês, um grupo se reúne para discutir filosofia

e política no instituto. "São temas intrínsecos e que fazem parte da nossa vida. Apesar de estarmos longe

de Brasilia, discutimos e debatemos o que se passa no País." Com passos firmes, Ailde me acompanha até o

portão. Na despedida, um conselho de quem acredita que o mundo pode ser melhor."Nunca deixe de es-

crever, seja um bom educador e pratique a fraternidade." A incansável filósofa fez sua parte. As futuras

gerações de Antonina agradecem.

Fonte: Revista CartaCapital

TRANSCENDÊNCIA DE ESPAÇO E DE TEMPO (Viagem no Tempo)

Arturo Reghini (1878-1946), quando escreveu em 1926 o artigo “Transcendência de espaço e de tempo”

realmente tinha razão, tendo demonstrado não só ser um bom profeta, mas ter antecipado muito “tempo”

antes aquilo que a ciência positiva confirma hoje, e o fez com uma lucidez mental e espiritual realmente

extraordinária.

É realmente surpreendente aquilo que escrevia Reghini no distante ano de 1926 citando Einstein ou seja

“para cancelar a incompatibilidade aparente entre a lei da propagação da luz e o princípio da relatividade,

ocorre abandonar a noção do tempo absoluto, ou seja independente do sistema de referência, noção que a

Física tinha sempre admitido tacitamente”. (Mondo Occulto, 1926).

Mas a experiência vivida por ele e descrita em seu artigo, vale mais do que qualquer outra consideração,

científica e espiritual, porque Reghini viu, com os olhos do espírito, aquilo que o seu Mestre Amedeo

Armentano tinha-lhe mostrado e que a ciência de hoje representa nas “ondas gravitacionais” descobertas

há pouco. Reghini escreve: “Para nós não é possível esquecer a experiência realmente excepcional da qual

tivemos a sorte de sermos partícipes mais ou menos há quinze anos. Um iniciado, que indicaremos com as

iniciais A.A., pegou uma folha de papel, desenhou uma espiral e ao lado dela a espiral simétrica (uma no

sentido horário, a outra no sentido contrário), e depois nos perguntou se conseguíamos conceber outras e

de tipos diferentes. Naturalmente respondemos que não. Pois bem, ele disse: olhe. Olhamos, e a nossa

mente viu outras duas espirais diferentes entre elas e das precedentes, como aquela no sentido horário era

diferente daquela no sentido contrário. Foi um clarão. Por mais que tenhamos tentado, depois, agarrar

novamente ou recordar esta visão transcendental (ou se considera-se vantajoso chamá-la assim, esta

alucinação), nunca conseguimos levar até a nossa consciência a evidência, a naturalidade e a

indiscutibilidade que ela tinha reconhecido. Quando pedimos uma segunda representação, A.A. respondeu

que era suficiente ter tido tal experiência uma só vez. O que contamos, naturalmente, aconteceu quando

estávamos perfeitamente acordados, sãos, bem, tranquilíssimos e em plena vida “normal””. (r.s.)

Viajar no tempo ou ir para outro planeta em questão de segundos. Segundo um pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial, que participou do estudo sobre as ondas gravitacionais, isso poderá acontecer daqui a 100 anos.

2 A Fraternidade Hermetica enviarà os 2 volumes de Giuliano Kremmerz “A Ciencia dos Magos”.

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A primeira detecção de ondas gravitacionais, um fenômeno previsto pelo físico Albert Einstein na Teoria da Relatividade há cem anos, foi anunciada por um consórcio internacional de cientistas nesta quinta-feira. Entre os pesquisadores, estão seis estudiosos do Inpe em São José dos Campos (SP). Quando elaborou sua teoria da Relatividade Geral, Einstein afirmou que a gravidade é uma força de atração que age distorcendo o espaço e o tempo - espaço e tempo em sua concepção são uma coisa só. Quando há uma interação de objetos muito maciços, para os quais a força da gravidade é muito grande, eles produzem ondas que se propagam pelo espaço e tempo. Você pode desenhar dois pontos distantes no papel, digamos milhões de anos-luz de distância um do outro, e, ao dobrar a folha, aproximá-los. Isso é fazer um atalho em outras dimensões e pular de um ponto do espaço e do tempo para o outro. “Você não é destruído em nenhum momento, você viaja de um ponto para outro em um atalho em outra dimensão. Não consigo imaginar alguma coisa ainda neste século, mas de alguma forma vamos chegar lá”, defende o professor. Entre os mais de mil cientistas que formam o grupo internacional que anunciou a descoberta das ondas nesta quinta, sete são brasileiros, sendo seis do Inpe. O anúncio foi feito em Washington, nos Estados Unidos, acompanhado simultaneamente em 15 países colaboradores. A possibilidade de observar o céu em ondas gravitacionais agora, e não apenas em ondas eletromagnétcias, como a luz, abre a perspectiva de descoberta de fenômenos antes invisíveis para os astrônomos. Agora, é possível escutar o som do universo, que parece com um coração de bebê batendo. “São frequências em ondas gravitacionais que, jogadas em um alto-falante, são possíveis de escutar. As ondas gravitacionais permitem que nós possamos ouvir o universo. Vamos conseguir ouvir coisas que a gente não consegue ver”, explicou Odylio Aguiar. O que os pesquisadores do projeto Ligo (Laser Interferometer Gravitational-Wave Observatory) encontraram em seus experimentos essencialmente foram "distorções no espaço e no tempo" causadas por um par de objetos com massas enormes interagindo entre si. O Ligo consiste em dois enormes detectores de cerca de 4 km de extensão nos estados de Washington e Louisiana, nos EUA, operando conjuntamente. O Ligo em si começou a funcionar em 2002, depois de outros experimentos iniciais, e sua sensibilidade vem sendo aprimorada desde então. Só com um aprimoramento maior realizado no ano passado, porém, foi possível detectar um primeiro evento. A colisão de buracos negros registrada pelo projeto foi detectada em 14 de setembro. O custo do projeto Ligo foi estimado em US$ 620 milhões. O projeto foi uma iniciativa conjunta do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) e do MIT (Instituto de Tecnologia de Massachusetts). Ao longo dos 40 anos que se passaram entre a construção do primeiro detector e a detecção das primeiras ondas gravitacionais, outros centros de pesquisa se juntaram à iniciativa, como o Inpe e o IFT-Unesp (Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista).

Fonte: http://g1.globo.com/sp/vale-do-paraiba-regiao/noticia/2016/02/ondas-gravitacionais-podem-permitir-viagem-no-tempo-diz-pesquisador.html

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Abril 2016

ATHANASIUS KIRCHER

Interessei-me por Kircher há muitos anos, a propósito da Mesa Isíaca, ou

Mesa de Bembina, assim chamada a partir do nome do Cardeal Bembo

que a comprou durante o saque em Roma de um fabricante ferreiro em

1527. Preciosa relíquia da época alexandrina, provavelmente de caráter

mágico-religioso, traz grande parte do panteão egípcio: no centro está

Isis Panthea, isto é a Isis que absorve em si todas as outras divindades,

aspecto próprio da época Ptolomaica e Imperial.

Sobre a orientação do barão Ricciardo Ricciardelli se procurava fazer

uma aproximação entre as figuras e símbolos da Mesa Isíaca com o Tarô

que, segundo a Tradição, remontavam ao deus egípcio Thot. Mas o

estudo foi interrompido após alguns anos pela morte do estudioso que,

todavia, tinha disposto boa parte das figuras. Desde então tenho sempre

mantido uma relação cultural com o erudito jesuíta alemão, que fazia

parte, junto com Palombara e Santinelli, do famoso cenáculo que havia sido criado em Roma em torno da

Rainha Cristina da Suécia, da qual me ocupo particularmente. Me voltei a Kircher alguns anos atrás por um

trabalho sobre a Rainha Cristina da Suécia (1) e por um estudo mais aprofundado sobre a Mesa Isíaca

durante a redação do livro sobre a “Roma Egípcia”, escrito junto com Boris De Rachewiltz, conhecido

egiptólogo e prematuramente morto. Kircher me interessava ainda pelas suas relações com G.L. Bernini: a

sua colaboração é imortalizada na famosa fonte dos Rios da Piazza Navona e no Elefante com o obelisco da

Piazza S. Maria della Minerva (dois pontos estratégicos da cidade Eterna).

Atualmente me ocupo de dois escritos alquímicos contidos um no Oedipus Aegyptiacus (“Alquimia

Hieroglífica ou Aurífera Ars Aegyptiorum”), e outro no Mundus Subterraneus (“De Lapide Philosophorum).

Mente enciclopédica, Athanasio Kircher nasceu na Alemanha, nas proximidades de Fulda, em 2 de maio de

1602. Tendo entrado na Companhia de Jesus ensinou matemática e línguas orientais primeiramente na

Alemanha e depois na França. Chamado a Roma por Urbano VIII em 1633 para ensinar matemática no

Colégio Romano, passou aqui a maior parte de sua vida e representou por quase cinquenta anos a maior

autoridade cultural do catolicismo. Esteve em correspondência com os homens mais cultos do seu tempo e

com os Jesuítas das Missões Orientais.

Se ocupou de todo o conhecimento, filosofia, física, química, astronomia, história natural, arqueologia,

música, e procurou sobretudo através dos seus estudos dos hieróglifos, trazer a luz a filosofia hermética.

Kircher não demonstra nenhuma dúvida que os livros herméticos remontassem a Hermes Trismegistus e

contivessem a antiga sabedoria da tradição egípcia.

Amante da natureza e dos seus segredos Kircher indagou todas os ramos do saber humano seja

experimentando no seu laboratório no Colégio Romano ¹, seja observando diretamente a natureza. Por

manter vivo seu interesse pela pesquisa científica acreditava nas virtudes ocultas das coisas criadas e na lei

da analogia. Tudo é Uno; correntes magnéticas ligam as várias partes do cosmo entre si, como

encontramos admiravelmente expresso nos frontispícios dos seus livros e nos 5 medalhões feitos em

afrescos no teto do Museu do Colégio Romano.

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O Museu Kircheniano foi um raro exemplo de coleção de arte (pinturas, estatuas, achados arqueológicos,

vidros, cerâmicas), de instrumentos científicos (astrolábios, microscópios) de (animais, metais, algas) e

(estatuas falantes, autômatos, lâmpadas, equipamentos químicos). Entre arte e ciência estavam as

Hermetica Hesperimenta, isto é, experimentos químicos de cristalização, transmutação, relógios

___________________________ ¹ No Colégio Romano foi encontrado o celebre Código Voynich compilado com muita probabilidade por A K.

magnéticos. Além dos experimentos químicos, Kircher se dedicava a técnicas físicas, dando lugar a espécies

de maravilhas aplicadas, como câmeras óticas para projetar imagens, estatuas falantes, etc. No Colégio

Romano existia um laboratório químico-alquímico e das experiências aqui feitas tivemos confirmação da

Rainha Cristina da Suécia que, vindo a Roma em 1656, dedicou uma das primeiras visitas na cidade ao

Colégio Romano, onde se interessou especialmente pela magnífica Biblioteca, rica de antigos códices

gregos e latinos, e na Galeria onde o “padre A. Kircher, grande matemático, mantinha coisas curiosas da

natureza e da arte...; no jardim viu ervas, plantas, metais... viu destilados com fogo de um mesmo fogareiro

65 ervas distintas em 65 alambiques....”. No laboratório rico de utensílios e fornilhos, atraiu a atenção da

rainha sobretudo “a erva fênix, que como a Fênix, germina na água perpetuamente de suas cinzas” (2)

Era atraído pelos fenômenos maravilhosos das imagens naturais (sinais e símbolos naturais sobre pedras,

ovos, etc.), e havia uma grande curiosidade pelas visões e pelas imagens fantásticas (miragens, projeções

de figuras, etc.), que tentava explicar em chave científica e de repetir artificialmente (veja os seus estudos

sobre estátuas falantes, etc.). Para Kircher o desenvolvimento da arte das imagens (imaginativa) era útil

para a arte analógica, tão importante na ciência de Hermes, e pela construção dos talismãs.

Kircher fabricou por si mesmo talismãs, quadrados mágicos, estatuas falantes, isto é, que aplicou

experimentalmente os princípios da magia natural, em um misto entre ciência e magia: “Nada é mais digno

do intelecto humano que conhecer aquelas coisas concernentes à natureza divina, e os benefícios por ela

trazidos ao gênero humano da qual descendem este mesmo mundo e tudo aquilo que está no mundo (Ob.

Pamph. P. 40).

Ao lado dos estudos filosóficos e aqueles da tradição egípcia, Kircher cultivou desde os anos de juventude

estudos sobre o assim chamado “magnetismo”, intendido como força de atração universal que permeia o

mundo mineral, vegetal e animal. Dos títulos e das cronologias de suas obras se deduz o progressivo

aprofundamento da matéria, ilustrada eficazmente nos frontispícios. Em 1631 publicou Ars Magnesia e, dez

anos mais tarde o Magnes ou arte magnética (1641) e finalmente o Magneticum Naturae Regnum,

publicado em Roma no ano de 1667.

Tema central do Magnes ou arte magnética é uma visão harmônica do universo, ligado por “nós arcanos”,

como se evidencia no frontispício, no qual a íntima relação entre as coisas criadas é representada pela

cadeia de ouro de une “magneticamente” os 14 medalhões das artes e das ciências com seus relativos

emblemas.

A mesma concepção está representada no frontispício do Magneticum Naturae Regnum, publicado em

Roma em 1667. Também aqui os efeitos “magnéticos” são representados por uma cadeia dourada,

sustentada por um braço divino que se projeta das nuvens e que une três medalhões com os objetos

dotados de maior força atrativa, ao mundo mineral, vegetal e animal, representados por: uma agulha

magnética com a escrita “inclinabiter” (mundo mineral); por uma palmeira com a escrita “pressa resurget”

que exprime a sua força vital (mundo vegetal); por um galo e um cervo rampante com a escrita “natura

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naturae delectatur” [a natureza se deleita da natureza, (mundo animal)]. No supracitado livro Kircher

atribui particulares qualidades magnéticas à palmeira (3), para ele a árvore mais rica de “força atrativa”.

Enquanto no primeiro frontispício existe uma visão cósmica global que concatena os quatro mundos

(arquetípico, angélico, sideral e elementar), neste é sobretudo ilustrado o magnetismo terrestre, mesmo

que de origem divina (braço celeste que se projeta das nuvens). Uma única forma, portanto, aquela do

Amor (V. J. Hechius “Magnes amoris amor” (4) liga o mundo mineral, vegetal e animal, como escreve em

Ars Magna Lucis et Umbrae: “As pequenas plantas que estão sepultadas na matriz de suas sementes, sob o

olhar do Sol, germinam loucas de alegria e logo desabrocham em folhas, flores e frutos. Todos os animais

impelidos para a alegria dos céus, vale dizer da fértil radiação da luz, são estimulados, como por um sorriso,

ao prazer dos movimentos fecundantes. Os mesmos rochedos distantes, a cada contato com a luz, como

atraídos por qualquer virtude oculta dos raios, dilatam-se, e na sua tumefação se abraçam uma e outra,

todas unindo-se na “dança das esferas celestes”.

As correntes magnéticas que aparecem nos frontispícios das duas obras citadas mostram, em uma visão

magico-científica, a potência da “vis actractiva” que tudo liga em uma rede de simpatias e analogias.

Mas junto a este lado de sua vida, dedicado à investigação experimental que o levou a obter os contatos

com as culturas de todo o mundo através das Missões, como lemos nas belas páginas do último capítulo de

Ars Magns Lucis et Umbrae sobre a Metafísifa da Luz, Kircher amava também retirar-se em orações e

meditação. Seu lugar preferido de recolhimento foi o Santuário da Mentorella que se ergue sobre o pico de

montanha (Vulturella = pico do abutre), próximo do Guadagnolo (Lácio).

O primeiro encontro com a Mentorella aconteceu em 1661 enquanto efetuava uma excursão de exploração

no Lácio recolhendo elementos para o seu trabalho. Encontrou-se quase perdido entre os altos penhascos

dos montes, quando vislumbrou um telhado escondido por um denso bosque. Avançando encontrou-se

diante de uma igreja semidestruída, cujas paredes conservavam ainda traços de afrescos. Sobre o altar-mor

se erguia uma estátua da Madona com a criança, coberta de poeira e teias de aranha. Atraído pela potência

misteriosa do lugar e pela imagem da Virgem venerada como Mãe das Graças, empenhou-se de todos os

modos para restaurar o Santuário dirigindo-se para Leopoldo da Áustria e a outros príncipes alemães. Com

as ofertas recolhidas fez pintar afrescos na Capela de S. Eustáquio sobre o topo do penhasco e a construção

de uma escada de acesso, dita Escada Santa.

A partir de 1664 decidiu ir para Mentorella todos os anos na data de 29 de setembro, dia dedicado a S.

Michele. Na realidade o lugar era consagrado a S. Eustáquio e ligado à sua conversão ao Cristianismo.

Conta-se que, nos tempos do imperador Trajano, um oficial pagão de nome Plácido, enquanto caçava

naquele bosque, perseguiu um cervo que, tendo subido até o alto cume da montanha, não havia mais

possibilidade de escapar.

O oficial dirigiu-se pelas rochas e quando pensava ter já conquistado a presa, ela lhe saltou em frente com a

cabeça erguida e com uma cruz deslumbrante entre os chifres. As mãos tremulas do oficial deixaram cair o

arco e enquanto se ajoelhava e uma luz divina iluminou o seu coração. De volta a Roma tornou-se cristão e

mudou o nome de Plácido para o de Eustáquio.

Provavelmente Kircher foi devoto de S. Eustáquio, mas certamente o foi ainda mais da Virgem Maria, ao

ponto que em 1680, ano da sua morte, ofereceu o seu coração à Madona da Mentorella, para que,

recolhido em uma urna, pudesse permanecer aos seus pés para sempre.

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Inabalável era, de fato, a sua fé em Deus, ápice que dirige todas as “cadeias magnéticas” difusas no

universo: “Tudo está em tudo, no céu se encontram as coisas terrestres em modo celeste, e na terra as

coisas celestes em modo terrestre” (Ob. Pamph. P. 374). “As coisas colocadas mais abaixo evidenciam

aquelas postas mais à cima, aquelas corporais revelam as intelectuais e invisíveis e, através dessas, se

podem ver aquelas que foram criadas... Nisso está abertamente manifestado que tudo está em Deus e

Deus está em tuto e em todas as coisas” (Ob. Alex. P. 92).

Não é fácil determinar com clareza o ponto de vista de Kircher entre ciência e magia, como observa Yates,

vivendo assim intensamente na atmosfera hermética “não pode ser completamente separado de qualquer

espécie de magia natural” (5). O pensamento da renomada estudiosa de Hermetismo pode ser validado e

complementado pelo padre H. Pfeiffer que liga a visão Kircheriana do mundo à espiritualidade ignaciana,

que faz ver, a quem a pratica, em cada coisa criada e no próprio homem a presença de Deus, e “como cada

virtude chega do alto, como os raios do sol, como a água da fonte”. (6).

A.M. Partini

(1) G.B. Comastri, Espelho da Verdade, a cura di A.M. Partini, Ed. Medit., 1989

(2) G. Priorato, Historia da Sacra Magestade de Cristina Alessandra di Svezia, Roma 1956, p.283

(3) A proposito da cfr. A.M. Partini - C. Lanzi: La Porta di Rivodutri, Ed. Simmetria, Roma 1999

(4) J. Hechius, Biblioteca Corsiniana, Arquivo Linceu 17

(5) F.A. Yates, Giordano Bruno e a Tradição Hermetica, Ed. Laterza, Bari 1981, p. 453

(6) H. Pfeiffer, “O conceito de simbolo em ’Obeliscus Alexandrinus di Kircher”, Enciclopedismo em Roma

barroca, Marsilio Editore, Venezia 1986, p. 42

Fonte: Revista Simmetria n. 5 - ano 2003

Tradução do Ir+

A VIDA DE MANLIO MAGNANI

Publicamos a “Vida de Manlio Magnani” fundador em 1930 da Fraternidade Hermética na América Latina, escrita por Roberto Sestito, e que dedicamos aos irmãos de São Paulo que quiseram homenageá-lo dando o seu nome à primeira Academia brasileira. Esta “Vida” é a introdução da obra de Magnani “Supremo Vero”. (Salilus)

Quem é Manlio Magnani

Um halo de mistério circunda a figura de Manlio Magnani, nascido em Parma em

1881 e morto em São Paulo, Brasil em 1943. Como? Por que?

O personagem que dá o nome à Academia de São Paulo foi pouco conhecido e

pouco estudado nos ambientes esotéricos italianos e sul-americanos.

Porém podemos dizer que Magnani foi um mestre de hermetismo e esta afirmação é confirmada pela

presença na sua época, na América Latina, de uma Fraternidade Hermética da qual Magnani foi um

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expoente e um dirigente prestigioso e na Itália pela existência da Ordem Egípcia à qual Magnani

provavelmente foi afiliado.

As notícias que possuímos sobre a vida de Manlio Magnani são poucas e fragmentárias do período

“italiano” que vai do nascimento até 1928, ano da viagem para a Argentina. São mais abundantes aquelas

do período “sul-americano” que vai de 1928 até o ano da morte.

Era um engenheiro mecânico, especializado na projetação dos sistemas de ar condicionado e climatização.

Casou-se em Parma com Irene Valenti da qual teve dois filhos: um homem que foi com ele para a Argentina

e que morreu lá assim que chegou e uma mulher, Cleofe, (na foto ao lado) que viveu sem nunca se casar

até a morte na casa paterna em Corniglio próximo a Parma.

Em Parma o jovem Manlio foi iniciado na maçonaria do Rito Escocês, em Palermo no Antigo e Primitivo Rito

Oriental de Memphis, o mesmo no qual tinha sido iniciado Reghini em 1902 e no qual atingiu o grau de

Grande Inspetor. Pertenceu à Fraternidade Mágico Terapêutica de Myriam provavelmente inscrito pelo

próprio Ciro Formisano, já que possuía o Cordão, a Pragmática e os Ritos na edição original daqueles anos,

redigidos por Giuliano Kremmerz, objetos que o hermetista napolitano dava somente aos afiliados.

O encontro com Reghini remonta presumivelmente às vésperas da primeira guerra mundial ou talvez ao

próprio período da guerra, já que Magnani participou dela com o grau de oficial de artilharia, o mesmo

corpo militar no qual Reghini militou.

Não podemos nem mesmo excluir, por causa de algumas pistas existentes nos documentos de arquivo e na

correspondência de Reghini, uma filiação de Magnani no Rito Filosófico Italiano e sucessivamente, logo

após a guerra, uma iniciação na Escola pitagórica.

O primeiro documento que comprova uma amizade próxima e fraterna de Magnani com Armentano é uma

carta de 29 de março de 1923 dirigida ao Mestre calabrês dirigente oculto da Escola Itálica:

“Caríssimo Amadeu, eu tenho uma lembrança vívida dos dias de Roma e penso em você com simpatia e

afeto sempre maiores. Você apareceu para mim como uma daquelas grandes almas pensativas e solitárias

que na aparição terrena são superiores ao tempo em que vivem, e por isso são um prodígio incompreendido

para os profanos mas para nós brilham com todos os sinais da revelação.

Eu fico feliz, e digo que tenho sorte, de ter te conhecido. Peço que você me permita de chamá-lo amigo,

companheiro e irmão.

Após o retorno de Roma eu fiz uma conferência nas Lojas reunidas especialmente sobre a História do Rito

Escocês Antigo e Aceito. A narração do nosso passado interessa muito à maioria dos maçons; mas me deixa

triste ter que constatar que, com exceção de pouquíssimos, estes estão completamente em jejum tanto de

conhecimentos históricos como de conhecimentos doutrinais. Eu atribuo a esta ignorância parte dos males

que muitas vezes somos obrigados a deplorar; quem não sabe bem o que seja e o que signifique

“escocesismo” erra facilmente, é presa quase certa da propaganda e das tramas adversárias. Não se

poderia estudar a maneira de difundir entre os maçons a cultura maçônica?

Afetuosamente, fraternamente eu te abraço e te beijo, teu afetuosíssimo Manlio Magnani”.

No ano seguinte, 1924, Reghini funda a revista “Atanor”, forma a comissão de redação na qual entra para

fazer parte Magnani e pede a ele para escrever o primeiro artigo intitulado “O retorno necessário”, tarefa

que não podia ser confiada a uma pessoa qualquer, sinal evidente de uma relação muito próxima de

estima, de amizade e de fraternidade. Neste artigo Magnani, além de descrever as linhas de ação da escola

pitagórica, mostra o seu grande valor de homem, de iniciado, de mestre.

Com a justa propriedade de linguagem e de síntese Mangnani examina as grandes esperanças que foram

produzidas no mundo científico cansado de depender de dogmas da fé e as amargas decepções que deles

resultaram.

Mas a ciência – esclarece Magnani – possui a virtude de não parar diante do mistério e lá onde as suas

perturbadoras perguntas não encontram respostas, tem a coragem de recorrer e de evocar novamente “a

lembrança de um saber distante e esquecido”.

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Neste modo de agir no qual a ciência coloca o homem italiano diante do dever de recordar, o esoterista

encontra-se perfeitamente à vontade, coloca-se ao lado da ciência, repudia as religiões intolerantes e

dogmáticas que tinham-lhe fechado as portas do mistério e não é mais cego e confuso “diante dos sinais

manifestados pela Grande Obra”.

Exortando enfim o leitor de Atanor e os estudiosos de esoterismo a uma aproximação mais convencida das

pessoas e ambientes tradicionalmente indiferentes à ciência oculta, Magnani concluía com uma recordação

e um presságio:

“Como na primavera de Crotone muitos eleitos fugiam do profaníssimo vulgo para pedir a iniciação

pitagórica, assim no próximo futuro os eleitos virão em maior número para pedir o conforto da Sabedoria

Antiga e Imortal”.

Em uma nota sobre a via iniciática escrita muitos anos depois no Brasil que devia ser o rascunho de um

estudo mais amplo e profundo, ele precisa melhor a sua ideia com relação à iniciação, ideia que coloca-o na

mesma linha espiritual dos grandes intelectos e mestres da escola neo-platônica e neo-pitagórica como

Giamblico, Plotino etc.

Escreve: “<A vida Espiritual> não é concedida ou dada ou infundida ou ensinada de homem para homem.

Corresponde a um estado de espírito.

Na terminologia sagrada ou iniciática, Espírito é o Divino, isto é o estado absoluto, o Ser incondicionado

fora de qualquer relação. O homem completo pode elevar-se até um contato com o Divino, contato do qual

a sua consciência pode ser partícipe ou não. Quando ele se torna partícipe pode receber a luz fulgurante da

iniciação. Quando a sua consciência não é partícipe, ele encontra-se, com respeito à iluminação, em um

estado puramente potencial.

Para o homem que se encontra nesta condição são úteis leituras, exemplos, práticas indicadas

oportunamente por alguém que já possua a Luz Iniciática; especialmente se tais utilidades ocorrem nos

momentos nos quais o homem está mais próximo de separar-se do mundo ou de compreender a vaidade e

vacuidade absolutas de todos os valores humanos seja físicos, sociais, materiais, intelectuais, psíquicos,

morais, seja também aqueles essenciais da personalidade constituintes o próprio Ego.

São muitos os escritos que contém leituras, exemplos e práticas para tal fim, que apareceram em épocas e

lugares diferentes. São todos idênticos na essência, mas variam a forma expressiva, a modalidade escolhida

para chegar a tocar a parte mais sutil do leitor, o aspecto com as cores do pensamento e do sentimento. As

variações quanto às palavras respondem a oportunidade de adaptação a épocas, a lugares, a raças e tipos

humanos diferentes, também a indivíduos diferentes”.

Seguindo o exemplo de Amadeu Armentano, que partiu para o Brasil em 1924, e de outros valorosos

esoteristas que deixaram a Itália mais ou menos no mesmo período, Magnani abandonou a Itália em 1928

em plena crise que estava levando a Itália em direção de piores cedimentos e compromissos da sua

história.

Ignoramos quais foram as razões que o levaram a escolher a Argentina como primeira etapa da sua viagem;

provavelmente alguma boa oportunidade de trabalho, que foi-lhe proposta por amigos e conhecidos que

tinham-no precedido na viagem, sem excluir a boa reputação que as escolas iniciáticas e a própria

maçonaria tinham naquele país da América Latina e que o faziam bem esperar em alguma boa

oportunidade.

Em Buenos Aires era muito ativa uma Loja do rito egípcio fundada por Giovambattista Pessina que na Itália

era considerado um dos pais do Rito Filosófico Italiano.

Entre as tantas histórias e lendas que nasceram entorno da figura de Giuliano Kremmerz, aquela da viagem

e da permanência na América Latina está entre as mais fascinantes. Sentimos o dever de referi-la

sumariamente, já que quando falaremos do papel de Magnani na Fraternidade Hermética latino-americana

serão inevitáveis as aproximações e os confrontos com a Fraternidade de Myriam e então com a viagem do

hermetista napolitano na Argentina.

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No fascículo anônimo “O mito de Kremmerz” provavelmente escrito por Alfonso del Guercio, no capítulo “A

permanência na América” lemos as seguintes informações:

“Antes de mais nada resulta que Kremmerz ficou na América, certamente na Argentina, pelo menos por um

período de tempo de mais ou menos três anos e precisamente de maio de 1889 a março de 1892. E foi

justamente no ano de 1892 que ele deve ter voltado para a Itália, já que em 8 de março daquele ano a

Comissão Diretiva do jornal “O Operário Italiano” de Buenos Aires3 aceitou a renúncia de Formisano com a

seguinte carta: <Sentimo-nos no dever de participar à Sua Senhoria que na reunião de ontem esta

Comissão diretiva, triste que o senhor tenha apresentado a sua demissão, por ter que repatriar, deliberou

com unanimidade de votos, agradecê-lo vivamente pelos importantes serviços prestados ao jornal...>”.

Ao invés em uma biografia de Kremmerz curada por Arduino Anglisani lemos que Formisano “...tinha

seguido uma expedição científica liderada por um Príncipe, da qual faziam parte vários cientistas, nas

florestas de Mato Grosso”.

Com uma notícia como esta a fantasia humana voa longe porque quem não conhece o estado brasileiro de

Mato Grosso, na fronteira com a Bolívia e com o Perú, não pode ter nem mesmo uma mínima ideia de

como pudesse ser esta região naqueles anos: uma selva interminável habitada por poucos indígenas

misteriosos aos quais ninguém podia se aproximar e onde era impossível penetrar.

Sem dúvida porém o Mato Grosso, como a inteira bacia amazônica, conservavam e conservam os mistérios

mais interessantes da tradição xamânica e da magia natural, aquela magia, baseada sobretudo no

conhecimento das ervas, das quais Kremmerz teria dado prova de ser mestre quando fundou em Nápoles a

Fraternidade de Myriam.

Então não é arriscado supor que naquela breve estadia argentina Kremmerz tenha participado de algum

sodalício hermético e que tenha praticado a terapêutica mágica, sobre a qual, a partir de 1896, com o início

da publicação de “O mundo secreto” falará nos círculos esotéricos italianos.

Uma outra hipótese, certamente mais audaz mas que baseia-se em alguns elementos que evidenciaremos

durante o nosso escrito, é que Kremmerz, durante as suas viagens sul-americanas, tenha encontrado na

Argentina ou talvez em outro lugar uma fonte ou um centro da tradição hermética, a qual assumiu na Itália,

através do próprio Kremmerz, a direção e aplicação conhecidas sob o nome de Myriam e na Argentina,

através de Magnani, o nome de Fraternidade Hermética, e a denominação comum de Escola Filosófica

Hermética Clássica (S.P.H.C).

1 – continua

GIULIANO KREMMERZ RETORNA À

AMÉRICA DO SUL

A propósito da edição brasileira (1) da Opera

Omnia de Giuliano Kremmerz, acredito que não

seja inoportuno acrescentar algumas

considerações a respeito.

Antes de mais nada eu gostaria de

humildimente me permitir uma sugestão, a ser

3 “L’Operaio italiano"Foi fundado em Buenos Aires pela comunidade italiana daquela cidade.

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levada em consideração na leitura do Mestre, sugestão esta originada na minha frequentação dos

seus escritos por décadas. A este respeito eu gostaria de desaconselhar qualquer leitura

precipitada ou, pior ainda, saltando de uma página à outra sem integrar-se em um discurso

contínuo. Ocorre não esquecer que Kremmerz é um Mestre de Hermetismo, isto é da Sabedoria

de Hermes, que equivale ao Mercúrio latino e, como tal, associado em via analógica à Prata Viva

que, como todos sabem, dificilmente é apreensível pela sua tendência a decompor-se e recompor-

se em novas formas e sempre elusivas. Tal caráter possui uma correspondência analógica na

faculdade intelectual do homem. Também neste caso a melhor aproximação à obra mercurial de

Kremmerz não é tentar constringí-la em um esquema, pior ainda se rigidamente preconstituído.

Ao contrário ocorre deixar-se guiar pela sábia mão do Mestre, que fornece, se fielmente seguido,

a chave para sair da dificuldade que o estilo hermético de pensamento poderia causar em quem

não está acostumado a praticá-lo.

Além disso existe um outro ponto que merece, no meu ver, uma particular atenção. Como pode-se

ver neste primeiro volume da Opera Omnia, Kremmerz introduz uma discussão sobre o

espiritismo, chamando a atenção sobre uma rica fenomenologia de faculdades paranormais

referidas à intervenção dos diversos médiuns que as manifestam.

Kremmerz aceita a veracidade da fenomenologia mediúnica, mas recusa a doutrina que a ela

flanqueia-se para interpretá-la, seguindo o famoso Allan Kardec. Ao contrário, Kremmerz

aproveita a ocasião para começar a traçar a profunda diferença entre espiritismo e magia.

Sobre isso o leitor brasileiro encontra-se em vantagem, porque nas várias culturas que confluiram

em seu País, aquela europeia, aquela ameríndia e enfim aquela animista de origem africana, a

fenomenologia mediúnica é hoje universalmente reconhecida tanto que não se sentiria

absolutamente a necessidade de desenterrar velhas dúvidas e perplexidades, já superadas por

uma tomada de consciência da realidade daqueles fenômenos. E esta certamente não é uma

matéria que possa ser considerada superada, tendo estreita relação com as possibilidades de

aperfeiçoamento espiritual do homem.

De qualquer maneira, além destas considerações, o governo brasileiro merece um grande elogio

porque, com grande espírito de equilíbrio e de tolerância, em ocasião do quarto Congresso

Mundial Espírita, decidiu a introdução de um selo em memória do centenário do nascimento de

Allan Kardec (1804-2004), recorrência que foi celebrada solenemente diante de autoridades e do

público no dia 5 de outubro de 2004.

Naturalmente este espírito de tolerância civil não deve ser entendido como uma manifestação de

partidarismo em favor da grande personalidade de Allan Kardec assim como do sucesso popular

que conquistou junto ao povo brasileiro. É possível hoje criticar, de maneira mais madura, a

interpretação espírita dos fenômenos mediúnicos, partindo de uma linha, como recorda

Kremmerz, de crítica científica, para chegar a uma concepção completamente diferente sobre tais

fenômenos, colocados originariamente nas virtualidades escondidas do ser humano, faculdade

que cabe à magia levar a um aperfeiçoamento. A estadia de Kremmerz na América do Sul, para a

qual embarcou-se em 1888 para retornar para a Itália em 1893, após ter transcorrido aquele

período entre Buenos Aires, Mato Grosso e Bolívia, não pode ser considerado casual, sendo estes

últimos dois territórios famosos pela presença de expoentes do xamanismo tradicional.

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Com estas últimas considerações, concluo a minha breve intervenção desejando uma boa leitura

aos estudiosos brasileiros de hermetismo kremmerziano.

Piero Fenili

(1) Giuliano Kremmerz – A Ciência dos Magos Vol. I e Vol. II (Vol. III em preparação)

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Maio de 2016

RICCIARDO RICCIARDELLI: o barão mago

Quem me falou pela primeira vez do barão mago, na metade dos anos setenta, foi o amigo Placido Procesi, com acentos nos quais simpatia, consideração e cautela entravam com igual medida. O personagem deveria ser de qualquer modo levado a sério: certamente não era um caso que Kremmerz, êxule voluntário em Beausoleil, o tivesse repetidamente recebido entretendo-se com ele, quase de igual para igual, sobre alguns temas cruciais da filosofia hermética. De uma destas importante discussões sobrou um consistente indício em um artigo de Marco Daffi (era este o seu nome iniciático correspondente à transcrição italianizada do seu nome antigo Mőrkőhekdaph) intitulado Os avatares, que apareceu póstumo no nº32 do bimestral “Kemi-Hathor”, de fevereiro de 1988. Neste o barão referia sobre uma conversa tida sobre o argumento

com Kremmerz, do qual relatava o pensamento expondo então as razões da sua dissidência, não sabemos se exprimido contextualmente a Kremmerz e de qualquer modo formulando a respeito uma teoria própria, que desenvolverá depois nos sucessivos números 33 e 34 da mesma revista. Um personagem, como se pode ver, que não deve ser subestimado. E eu prestei muita atenção para não cometer este erro quando, algum tempo depois, tive a sorte de conhecê-lo. Se a memória não me engana, isto aconteceu na casa do general Nulli Augusti, em Roma, próximo da praça Hungria, em um dos salões culturais mais elevados da Capital, onde se podia conversar muito bem sobre argumentos de natureza espiritualística. Muitos anos depois e em circunstâncias completamente diferentes, eu conheci na França o visconde de C.B., redator de uma revista de metafísica de bom nível, e soube que ele também tinha tido contato com o grupo de pessoas que se reunia naquela sala romana. O barão Ricciardelli, ou melhor dom Ricciardo, como o chamavam confidencialmente os seu amigos, me deu a impressão de um homem interessante, jovial, sem nenhuma pose, digamos assim, “hierofântica”. Notei algum tempo depois, jantando juntos em um restaurante, que gostava de comer e partilhava, para dessert, a minha preferência de então pelos morangos com chantilly. A sua conversação era fascinante e “diferente”. Aquele homem mostrava estar em uma dimensão mágica. Percebia-se claramente que caminhava sobre esta terra por engano ou por condenação. Se tivesse sido dotado do raro equilíbrio de um verdadeiro Mestre eu teria dito: por missão. Certamente a existência comum, com as suas petulantes instâncias concretas, os ferozes imperativos animalescos da struggle for life e o corteu de hipócritas finções com o qual se mascaram na assim dita sociedade civil, não exercia nenhuma influência sobre ele. Eu compartilho plenamente aquilo que o barão quis dizer descrevendo si mesmo: “pessoa inexistente...por ser abstrato; porque pertencente ao mundo das visões, das magias, das

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reencarnações, àquele mundo que se enraíza nos campos hospitaleiros do subconsciente e que não se trata de pessoa física, porque é entidade do mundo invisível”.4 Era suficiente o mínimo pretexto oferecido pela conversa e eis que o barão voava para uma outra dimensão, da qual evocava as leis insuspeitadas e as prospectivas inauditas. Uma vez ofereceu-me de irmos, à noite, até uma encruzilhada campestre que ficava na rua que conduz aos Montes Albanos, porque lá morava um Gênio. Disse também que mantinha o segredo sobre tal localidade, porque não queria que algum indigno fosse até lá para “sujá-lo” (assim ele disse textualmente). Ele não teria certamente imaginado quais e quantas “sujeiras” nós veríamos nos anos sucessivos à sua morte. Sobre alguns pontos, que apareceram na verdade mais nos seus escritos do que nas suas palavras, eu ficava na defensiva. Eu não compartilhava, como irredutível platônico que se reconhece somente no Hiperuranio, fora do espaço e do tempo, algumas suas fugas para frente no espaço (em direção da nebulosa de Andromeda) ou para trás no tempo (na Atlântida). Mas devo dizer que o seu discurso apresentava, em geral, um bom implanto racional e cultural, sem escorregar em um desordenado e incontrolável visionarismo. Ele sabia enfrentar os argumentos que lhe eram propostos com lógica e atenção. Na biblioteca da Academia Tiberina de Roma ainda deve ter alguma cópia em fascículos de uma sua obra sobre o Jainismo, talvez matéria de algum curso dado por ele neste respeitável sodalício. Uma obra muito importante. Por outro lado, se dom Ricciardo tivesse sido somente um ocultista fantasioso, não teria podido gozar do respeito e das considerações de pessoas dotadas de senso crítico vigilante, como o advogado Giammaria Gonella, o professor Luciano Raffaele di Santadomenica e o médico Aleandro Tommasi, (delegado geral da Myriam após a morte de Carlo Coraggia, ndt) que tiveram a sorte de podê-lo frequentar mais do que a sua morte teria me concedido. Me queria bem e decidiu assim, bondade sua, indagar sobre as minhas precedentes encarnações como se fazia, me disse, na altíssima Escola de Magia à qual pertenceu Kremmerz, para avaliar a idoneidade de quem aspirava ser afiliado a tal arcano sodalício. Lembro-me que, após ter assumido tal tarefa, eu o encontrei na saída de uma conferência e ele agitou em minha direção a sua bengala de passeio para me saudar, dizendo: “doutor Fenili, eu estou pensando no senhor, eu estou pensando no senhor...”. Até quando, após algum tempo, convocou-me no Café Fassi, no início da Avenida Itália, junto da praça Fiume, uma jóia da Roma umbertina, milagrosamente sobrevivente (ainda por pouco) à vulgaridade dos tempos, com o seu amplo salão ornado com imponentes espelhos, as mesas em ferro batido com o tampo em mármore e um belo jardim que, nos dias de mormaço do verão dispensava um agradável frescor. Nos sentamos em uma mesa ao aberto, pedimos alguma coisa e então o barão, com ar sério de quem não admite que se brinque com um tal tipo de coisas, tirou para fora da bolsa a caderneta com o meu “retrospecto” encarnativo e deu-me para que eu o lesse. Imediatamente eu respirei aliviado: não existiam, no meu passado, nem faraós nem sumos sacerdotes, nem papas nem imperadores, nem mesmo outros excelentes personagens históricos. Caso contrário teria atravessado a minha mente como um relâmpago a frase feroz de Arturo Reghini: “Estranho, não existe nem uma pessoa que durante a vida anterior tenha sido vendedor de castanhas embaixo dos pórticos da praça Santa Maria Novella em Florença”.

4 Cfr. Giammaria, Marco Daffi e a sua obra, Editora Kemi, Milão, 1980.

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Tranquilizado pela ausência de estrepitosos avatares, como talvez tivessem sido chamados pelo barão, eu reli com calma a página que me dizia respeito, enquanto dom Ricciardo esperava as minhas reações. A primeira parte interessou-me menos, porque eu a senti distante de mim. Com a segunda parte a música mudou, porque convergiu com um enredo de inclinações psicológicas, filosóficas e existenciais, de arraigados impulsos, de tenazes preferências por particulares circunstâncias temporais, geográficas e históricas, de percursos de pesquisa iniciática nos quais eu já tinha me encaminhado, dando-me um quadro geral muito caracterizado e coerente. Muito bem, eu disse a mim mesmo, o barão possui alguma faculdade telepática e lê nos meus pensamentos. Todavia a eventualidade que o barão tivesse recebido de Kremmerz um ritual qualquer para um tal tipo de exames, induziu-me a uma prudente, pirrônica suspensão do julgamento.5 Nos deixamos com a promessa do barão de dar-me a “bela cópia” daquela folha, que eu imaginava ou melhor, esperava, fosse munida de algum hierograma que aumentasse o seu fascínio mágico. Mas eu não o revi mais. Algum tempo depois, o exílio terreno do barão mago teria tido fim com a realizada expiação, que eu espero definitiva, da culpa iniciática que ele tinha se atribuído. Para mim ficou o desprazer de ter perdido um interlocutor de raro interesse e, talvez, um amigo. Para caracterizar o papel desenvolvido por ele no despertar de interesse para o hermetismo registrado na Itália no século XX e tentar identificar quanto em tal papel possa ter um significado não efêmero e transeunte, eu não encontro coisa melhor do que reproduzir as inspiradas palavras com as quais Giammaria conclui a “psicografia” do barão, do qual foi amigo por longos anos: “Mas além do perfil de detalhe, a obra filosófica-filosofal de Marco Daffi possui um seu significado, considerada também globalmente, no seu conjunto, como fluorescência da semeadura da “ordem egípcia”, que promovida por Kremmerz no início do século XX foi retomada nos anos cinquenta por Marco Daffi e prosseguida até a sua morte, em um iter que é uma epifania da Estrela de Hermes”.6

Piero Fenili

(Publicado na revista Elixir nº 4).

5 O barão Ricciardelli de fato possuía um arquivo esotérico de relevante importância, que compreendia, entre outras

coisas, práticas e manuscritos inéditos de caráter mágico, teúrgico e alquímico agrupados em parte durante as

pesquisas pessoais, mas principalmente provenientes diretamente de Kremmerz. (Ndc).

6 Cfr. Giammaria, Marco Daffi e a sua obra, Editora Kemi, Milão, 1980

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VIDA DE MANLIO MAGNANI

Segue a segunda parte da “Vida de Manlio Magnani”, escrita por Roberto Sestito, e que dedicamos aos irmãos de São Paulo que quiseram homenageá-lo dando o seu nome à primeira Academia brasileira. Esta "Vida" é a introdução da obra de Magnani "Supremo Vero". (Salilus)

Continuamos a nossa história.

Pouco tempo depois de ter chegado em Buenos Aires Magnani

escreve a seguinte carta a Armentano (na foto), que como sabemos já

morava em São Paulo:

“Caríssimo Armentano,

há muitos anos não nos vemos e não nos escrevemos, porém nem a

distância, nem o silêncio epistolares podem ter diminuído o nosso afeto, a

nossa amizade, os nossos sentimentos fraternos.

Eu deixei a Itália há um ano e meio. Eu queria ir para a América central ou para o Brasil; mas várias

circunstâncias obrigaram-me a vir para cá. Nos primeiros meses eu estive suficientemente bem, tive um

pouco de sorte. Agora porém as coisas vão mal. Assim que tiver a possibilidade de me mover transferirei-me

para o Brasil ou para qualquer outra república do centro.

Lembrávamos sempre de você na Itália, Reghini, eu e todos os outros amigos. Tínhamos feito também

um bom trabalho. Desde quando eu cheguei aqui não escrevi mais nem mesmo para os amigos de Roma; e

ainda não respondi as afetuosas cartas de Salvi, o qual também queria vir para a América.

Considero estes longos e terríveis meses de sofrimento como uma prova e tenho muita força em minha

alma.

Meu filho está comigo, o resto da família ainda está na Itália. Meu filho começou a trabalhar na

navegação mercantil há dois dias. Antes não conseguiu encontrar trabalho. Eu estou sem trabalho há sete

meses.

O portador desta carta o senhor Augusto Martinet, meu companheiro de viagem da Itália para cá, e aqui

companheiro de desventura, pode agora deixar Buenos Aires e vai para São Paulo.

Eu me permito de pedir vivamente a você de endereçá-lo, de recomendá-lo, de aconselhá-lo, para que

possa arrumar alguma coisa por aí. É ativo e bem disposto: pode fazer muito. É um amigo e eu o recomendo

a você.

Eu gostaria de te pedir também um outro favor: aquele de escrever-me alguma coisa sobre a situação

por aí, sobre as possibilidades existentes para duas pessoas como eu e meu filho (é um jovem de vinte

anos), prontas para fazer de tudo e ousar muito.

Espero a tua resposta com grande ansiedade.

Em uma outra carta minha eu te falarei mais amplamente sobre as coisas que mais interessam o nosso

mundo espiritual; agora eu não posso. Neste sentido a Argentina em geral e Buenos Aires em particular

apresentam um interesse curioso.

Eu te saúdo e te abraço fraternamente. Teu afeiçoadíssimo Manlio Magnani”.

Não é difícil supor o que Magnani queria dizer exatamente com a frase “a Argentina em geral e

Buenos Aires em particular apresentam um interesse curioso” pela vida espiritual; já que a atividade

maçônica e esotérica em geral não apresentavam nas Américas daqueles anos particulares problemas e

interdições, ao contrário da Itália onde as sociedades secretas tinham sido consideradas fora da lei, a

descoberta de uma “tradição hermética” deve tê-lo surpreso e provocado a sua curiosidade.

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O apelo a Armentano produziu o seu efeito, porque depois de alguns anos Magnani transferiu-se

para São Paulo. Entretanto dedicou-se à Fraternidade Hermética dando-lhe um novo impulso e através do

próprio canal esotérico entrou em contao com o advogado Giulio Romeo de São Paulo, profissional bem

introduzido na sociedade civil paulista e na comunidade italiana, cultor da tradição hermética e pitagórica,

do qual tinha recebido uma visita na Argentina provavelmente para ser iniciado na prática hermética.

Eis duas cartas escritas por Romeo a Magnani de julho de 1932 e de fevereiro de 1934 que demonstram

a existência, circunscrita como é natural a poucos elementos, assim como a vitalidade e a ramificação da

fraternidade hermética:

“Caríssimo Magnani,

quando voltei de Laguna, junto com minha filha e meu genro, onde passei um longo período de

convalescença, encontrei entre outras coisas, uma caríssima carta da senhorita Elena Sanchez, à qual eu

queria ter dado imediata resposta.

Não o fiz, impulsionado pela necessidade de escrever antes uma longa carta de mais de sete páginas em

francês, para Curutechet, o qual, com uma leviandade em nenhum modo hermética, tinha sido o porta-voz

de um grupo de malfeitores dirigido pelo famigerado Gonçalves, que, após ter arrombado o meu baú e

tirado de lá as instruções da H.B. of L. e vários volumes de ocultismo, permitiu-se, depois da minha partida

de lá, divulgar que, em uma noite, das 9 às 4 da madrugada, eu teria lido todas estas instruções para vários

profanos.

Eu mandei a carta em questão no dia 16 de junho do mês passado com recibo de envio, e eu pensava

dedicar à boa Helenita o primeiro dia no qual as minhas condições físicas e espirituais tivessem me

concedido escrever em língua castelhana algumas ideias em resposta à sua delicada e realmente preciosa

carta.

Mas, entretanto, tanto eu quanto todos os meus, fomos atacados em maneira repentina por uma tão

violenta epidemia de gripe que não poupou nem mesmo os gatos de casa.

(.....)

É necessário então que eu adie por alguns dias o íntimo prazer de entreter-me em espiritual tête-à-tête

com a Sanchez.

E porque eu tinha-lhe prometido o envio dos últimos versos escritos lá antes da minha partida, e que ela,

na sua carta de 25 de março tinha me pedido, eu os incluo na presente, para que você entregue a ela,

fazendo com que saiba tudo o que eu te disse; e, para que não pense que a minha seja uma desculpa

plausível para um atraso tão grande, você também dará a ela o monograma (H.S.B.) incluído na carta, que

um dia, antes de ficar doente, eu tinha desenhado pensando nela.

E agora falemos de outras coisas.

Porque a minha carta de 5 de março, que eu te enviei junto com aquela escrita para Trumben se perdeu

eu não demorarei mais para descrever o panorama que se apresenta diante do terraço desta minha

habitação. É uma coisa fantástica, especialmente no pôr do sol! Um fundo de colinas com vegetação

luxuriante sobre o qual encontram-se as últimas casas da grande metrópole; e à uma distância de uns cem

metros do meu quintal, serpentina diáfano, ondulado, escamoso de azul, de prata e de viola o rio Tietê, nas

quais margens encontram-se as raras casas das lavadeiras ou elevam-se as grandes torres das muitas

fábricas, com chaminés altas e fumegantes, com sirenas altíssimas, que soltam muitos e vários flocos de

vapor, como em uma vertigem de movimento, de som, de trabalho, de luz e de espaço!

E neste panorama, às vezes, durante o pôr-do-sol, se assiste um incêndio imenso, no qual fundem-se e

confundem-se todas as cores da íris, no cadinho mágico da divina natureza!7 7 Pode-se notar a diferença entre as descrições da cidade de São Paulo nos anos ‘30 e a mesma cidade que pode ser

vista por todos nos dias de hoje. Ontem céu azul e um rio Tietê maravilhoso, hoje céu cinza e um rio Tietê que pede

constantemente ajuda para poder sobreviver. (ndt)

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Por quê você não vem visitar São Paulo, como tinha me prometido?

Eu indaguei para descobrir a personalidade de Armentano. Desgraçadamente nenhuma pista.

A gripe fez uma terrível brincadeira comigo!

Assim que eu me sentir melhor procurarei notícias sobre o Com. Chiarappa.

Sinto que aqui, apesar dos muitíssimos e vulgares centros espíritas possa existir algum receptáculo de

estudos bons e sérios, e eu nem te digo com qual ansiedade eu gostaria de continuar as práticas

interrompidas desde a minha partida daí.

Me dê um conselho e me ilumine sobre o que tenho que fazer. Paro, porque já me sinto muito cansado.

Esta minha casa é tua, especilamente se você se decide a vir para São Paulo.

Cordiais saudações de todos os meus e responda logo.

Eu, te abraço fraternalmente. Afeiçoadíssimo Giulio Romeo”.

Caríssimo Magnani,

Recebi no momento certo a tua querida e agradável carta de 5 de janeiro passado e fico muito triste em

saber que você está nas condições que me descreve; mas a vida é assim e é preciso resignar-se e esperar

filosoficamente que a lança do destino mude de “Tempestade”para “Bom tempo”.

Eu também trabalho há três meses recebendo comissões com a Companhia Adriática de Seguros – ramo

vida – não consegui concluir nem mesmo um contrato e, se não fosse per uma aula semanal de italiano e

matemática a qual me dá 50 mil réis mensais, teria que pedir aos meus parentes também o dinheiro para o

transporte. Mas, quem dinamiza a minha energia para o trabalho cotidiano é a esperança de poder concluir

de um dia para o outro um qualquer possível contrato e conseguir assim no momento propício aquilo, ou

pelo menos uma parte daquilo que vários meses de “tempestade” obstinaram-se a negar-me.

Para melhorar o estado da minha fratura – agora caminho com a ajuda de uma bengala só – assumi o

compromisso de pagar 50 mil réis mensais a um massagista que me deixe em condições de mover-me

normalmente, e este pensamento me impulsiona a agir com sempre maior vigor; não para de me

atormentar como um doloroso ferrão o pensamento que eu não tenha condições de pagar a soma

combinada no final do prazo.

Mas a vida é assim, e temos que esperar que o ponteiro do dentino gire para o quadrante do “bom

tempo”.

Eu te agradeço imensamente dos propósitos que você pensava poder atuar sobre mim e desejaria estar

em condiçoes de ser como antes o patrão na minha casa para dizer que ela é tua e mandar para você o

necessário para que você possa vir me encontrar em São Paulo e estabelecer-se aqui, onde a crise é inferior

àquela de qualquer outra parte do mundo, e onde, se ainda não fermentassem os póstumos da última

subversão política de julho-dezembro de 1932, a vida seria completamente normalizada e ficaria mais fácil

para uma maior confiança no futuro.

Armentano, do qual me tornei amigo íntimo, e com o qual nos tratamos por você, retribui sinceramente

a tua saudação. Ele gostaria que nos víssemos mais vezes, mas moramos em pontos tão excêntricos e tão

opostos um do outro, que eu para ir até a sua casa com os meios mais velozes de locomoção levo quase

uma hora, e, como você pode entender, com as preocupações de gastar o tempo de maneira a esperar um

ganho qualquer – que na realidade é quase sempre frustrado – não é fácil ver-nos com aquela frequência

que seria desejo de nós dois.

Atualmente estou lendo: “Le serpent de la Genese” de Stanislas de Guaita e o Primeiro Volume das

“Ouvres Complets” de Teophrast Bombast (Paracelso) e nem te digo o prazer intelectual que sinto. Destes

grandes mestres, cujo conteúdo das obras me era completamente desconhecido, tive a grandíssima

satisfação de constatar que aquilo que eu intuía com relação ao Absoluto era exato, ou, pelo menos, era

conforme às suas próprias intuições, e isto é para mim uma grande alegria.

Os “Poemas numerais” eu os escrevi até o número cinco; certamente se eu os escrevesse hoje

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acrescentaria alguma outra coisa que De Guaita e Paracelso me ensinaram, mas tenho a certeza que

quando escreverei o seis e o sete os ensinamentos deles me auxiliarão muito.

Eu não sei se te mandei o poema ao número 4, mas em uma outra minha carta mandarei todos aqueles

que escrever até o momento.

Atribuo ao grande desserviço postal do Brasil a dispersão da tua carta de 29 de agosto último da qual

você me enviou uma cópia, fico triste que as instruções e as práticas que com fraterno zelo você me enviou

para as minhas dores ciáticas tenham se perdido.

E a Maggi?

Por quê você não me escreve nada sobre ela?

Se você tiver ocasião de vê-la saúde-a tanto tanto e diga-lhe cordialmente que não fique chateada; eu

sempre penso nela com muita estima e fraternidade de sentimentos.

Bem, como você pode ver eu te escrevi uma longa carta, e espero que quando esta chegar nas tuas

mãos, você possa estar em ótimas condições de saúde e em melhores condições financeiras e que tudo isso

dê paz e tranquilidade ao teu espírito.

A minha família retribui cordialmente as tuas saudações e votos, e eu, abraçando-te como um irmão

espero que o teu desejo de vir para o Brasil possa ser rapidamente realizado.

Teu afeiçoadíssimo Giulio Romeo.”

Estas cartas não deixam dúvidas sobre a posição ocupada por Magnani em Buenos Aires na Escola e

sobre o fato que durante o encontro com Romeo ele já tivesse manifestado o propósito de transferir-se

para o Brasil.

As práticas às quais Romeo se referia eram aquelas da Fraternidade Hermética que Magnani

decidiu escrever, originariamente em espanhol, quando estabeleceu-se no Brasil. Escreveu em São Paulo

todos os ensaios e as instruções para os discípulos com a supervisão de Armentano que a partir daquele

momento assumiu, como era no seu estilo e no seu magistério, a função de diretor oculto do sodalício.

Papel que por outro lado lhe foi imediatamente reconhecido, não só por Magnani que sabia alguma

coisa sobre a personalidade de Armentano desde a Itália, mas também por Giulio Romeo que ficou

impressionado no primeiro encontro como atestado pela seguinte carta de novembro de 1933 da qual

transcrevemos só os trechos que interessam:

“Caro Magnani,

eu respondi a seu tempo à bela carta com a qual você me enviou o magnífico livro de Della Riviera8 que li

avidamente e com grande prazer da minha alma, dando-te também uma minha opinião a respeito.

Inclui também um meu soneto intitulado “Poemas Numerais”, assim como os poemas aos números zero,

um, dois, três etc. e pedia que você me desse prontamente tuas notícias.

Em tal data escrevi também para Salessi, e um ou dois dias depois para Carutechet em francês. Mas nem

de você, nem de Salessi, nem de Carutechet eu tive até hoje alguma resposta. E, como dos jornais de mais

ou menos dez ou quinze dias atrás eu pude saber que houve uma violenta campanha contra o desserviço do

correio e também pelo fato que na minha casa muitas vezes foi entregue correspondência de outras

pessoas, me veio a dúvida que as minhas cartas tenham se perdido ou, porque tudo é provável, que a

sucursal onde eu posto as cartas – que é próxima da minha casa – tenha se apropriado dos selos

inutilizando as cartas.

Razão pela qual a presente será postada na central e registrada. Em todo caso eu te peço para

responder-me rapidamente, também para esclarecer as minhas dúvidas.

8 Cesare della Riviera ““O Mundo Mágico dos Heróis” (Il mondo magico degli heroi), livro publicado em 1605.

(ndt)

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Sou amigo íntimo de Amedeo Armentano, o qual consegui finalmente achar. Posso te dizer que

ocultisticamente eu sou a única pessoa à qual ele se revelou, e posso te dizer também que ele me quer

muito bem e gostou muito dos meus “Poemas Numerais” que achou serem hermeticamente exatos, isto é

escritos com ótima intuição.

Atualmente ele está lendo Della Riviera, e também dois volumes à iniciação à H.B. of Luxor.

(...)

O que posso te dizer da sua biblioteca? Você tinha razão, caro Magnani, quando me dizia que

Armentano era um ocultista do nível de Kremmerz!

(...)

Mas, se você o visse, vive modestamente dando lições de piano no conservatório dramático-musical e

fazendo ignorar a todos que ele é um ocultista e um grande mestre de ocultismo!

Pede-me para não falar dele com ninguém, e depois de grandes esforços permitiu-me de apresentar-lhe

um jovem e apaixonado cultor de hermetismo daqui o Dr. Dafne Ircitas Valle, um meu amigo, o qual, como

muitos ocultistas daqui, é ligado à corrente do famigerado Krumm Heller.

Cheguei a persuadir Armentano a formar comigo e com o meu amigo um triângulo ocultista, e agora

daqui há alguns dias veremos e estudaremos o que fazer. Eu falei com ele sobre você. Ele se lembra de você.

Eu estou relativamente bem, mas ainda estou improdutivo, dada também a crise imperante.

Te abraço, caro Magnani, e te peço para responder rápido dizendo-me se recebeu a presente carta.

Teu afeiçoadíssimo Giulio romeo”.

2 - continua

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CARTA DE GIULIANO KREMMERZ A ABRAXA

Nesta carta a Ercole Quadrelli (conhecido com o

nome Abraxa do Grupo de UR e com o nome

Tikaipos, autor juntamente com Arturo Reghini

da tradução e do comentário dos Versos de

Ouro de Pitágoras) Kremmerz fala dos “Diálogos

sobre o Hermetismo” que foram traduzidos em

português e inseridos no IIIº Volume da “Ciência

dos Magos” que será proximamente publicado.

Kremmerz acena a alguns problemas

organizativos da Fraternidade e às suas pessoais

dificuldades no dirigir as Academias e os

Círculos. Ao mesmo tempo dá conselhos para

uma correta leitura dos seus escritos, exorta a

um comportamento mais conforme à lei

hermética do Amor e anuncia o retorno de

Mamo Rosa Amru em um futuro não muito

distante. (Salilus)

Beausoleil, 26.2.29 Egrégio Amigo Prof. Quadrelli, Eu recebi a sua gentil carta do dia 22 deste mês. Eu já lhe disse que recebi a revista Ignis. Respondo sobre

a parte que exprime a sua opinião. Iº - A publicação destes diálogos, que você me deixa supor já ter lido, tem como objetivo expor as ideias

fundamentais do hermetismo de maneira clara e concisa. Mesmo escrevendo claramente, eu compreendo quantos comentários estranhos, imaginosos, fantásticos e extravagantes podem provocar as minhas palavras, porque o simples, ou melhor o simplíssimo, é justamente aquilo que o leitor não adapta à sua compreensão. O Encaminhamento à ciência dos magos, que foi realizado com finalidades diferentes, em uma época muito mais confusa do que a atual, contém uma exposição cabalística, que se presta (e deve prestar-se) a comentários difíceis; este livro dos diálogos, ao contrário, é muito aberto para a inteligência comum, e a sua simplicidade o tornará difícil só àqueles que por conta própria queiram ver no fundo coisas não ditas. Eu não tenho como impedir que isto aconteça. Mas mesmo assim, achando justa a sua observação, na breve introdução chamarei a atenção do leitor para não confundir as suas investigações com as coisas simples que eu exponho.

IIº - Eu pedi para os meus amigos não venderem o livro. Quem o quiser é só pedir e o terá; quem quiser

ajudar com as despesas, dê aquilo que quiser. Seria um erro querer ganhar dinheiro com este livro. IIIº - A sua ideia sobre o círculo ou círculos, ou academias assim como foram organizadas, deu resultados

muito relativos que é inútil analisar. Assim como faziam os antiquíssimos filósofos gregos, seria necessário um mestre em Roma, circundado por amigos e em um lugar cômodo; ou, peripateticamente, conversar sobre as nossas coisas, sem poses magistrais e sem gestos autoritários; discorrer, rir, sorrir, talvez comendo talharim da Irmã Felicetta. Cada um dos discípulos inteligentes, depois de um período de prática, deveria partir em missão apostólica para algum outro centro e fazer o mesmo. Fazendo assim Hermes seria servido alegremente. Para fazer isso, o mestre hoje deveria ter quarenta anos menos, e nenhuma necessidade pecuniária porque mesmo que fosse rico, não deveria preocupar-se com as suas riquezas. Por isso os filósofos eram pobres para poderem realizar as coisas que tinham que fazer; Contentavam-se com pão e

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queijo e com um pequeno espaço para dormir. Consegui me explicar? A sua ideia é minha em um sentido muito mais radical.

Conclusão – Façamos o melhor que se possa fazer; quando Mamo Rosa Amru retornar, tudo será possível, porque sobre as cinzas de Pompeia desabrochará o broto de uma nova flora.

Por favor me desculpe se lhe peço para modificar a sua opinião sobre pessoas amigas, porque você não conhece a história pessoal e psíquica de nenhuma delas; e por isso refere-se sempre à bondade da providência, que coloca novamente em contato os mortos quando voltarão a viver.

Eu o saúdo cordialmente Seu amigo Formisano P.S. Eu estava quase enviando a carta quando uma outra carta sua chegou na qual você conta a cena da

conferência. Você vê como eu tenho razão de não querer estar entre pessoas que se combatem, como se o Hermetismo estivesse no mesmo nível de uma opinião partidária de pessoas interessadas em um sentido ou em outro. Antes do regime atual, eram feitas conferências políticas com opiniões contraditórias; de maneira que o público assistia polêmicas sobre teorias, que muitas vezes concluiam-se com socos e cadeiras jogadas para o alto. Como representar diante do público que escuta uma conferência, a nobreza de uma filosofia e de uma prática da vida humana, alcançar a perfeição, se o público assiste a um miserável espetáculo de inimizades, de cólera, de irritação, entre os sacerdotes da mesma filosofia? Se as coisas apresentadas desta maneira difamam as pessoas e a doutrina sobre a qual se faz propaganda, a quem devemos dar a culpa da pouca consideração dada aos escritores e às ciências ocultas?

Seria necessário entender que, escrevendo, imprimindo ou falando sobre hermetismo, chama-se a atenção do leitor sobre o método, sobre a forma, sobre a possibilidade de considerar o mundo de maneira diferente da multidão comum. Mas o hermetismo, como valor, se apresenta em ato nas obras e nas ações individuais. Aqueles que querem falar e explicar ao público, com critérios absolutos, o que é o hermetismo, como se fosse um tratado de aritmética ou de patologia, dão a primeira prova que não entendem nada sobre esta ciência, ou suposta ciência, e da qual assumem o sacerdócio. Dar, publicamente ou privadamente, exemplo de intolerância, de irritação, de divergências de opiniões, é a negação do princípio de amor. Com a atual cultura geral difundida, este bendito hermetismo precisa ser apresentado com belas palavras, com erudição, com um certo tom de autoridade científica, mas, realmente, deveria ser ensinado, com poucas palavras e educando com a prática e com o exemplo. Eu gostaria de ver a cara de Pitágoras, se redivivo assistisse a estas discussões, ou lesse artigos que fazem supor que o autor é um dos grandes mestres iluminados. Ensinar é doar, mas para doar é necessário possuir.

Então, para concluir, seria necessário não dar espetáculo de ódios, de irritação, de má vontade entre os estudiosos; e realmente, substancialmente, e de fato, sentir realmente amizade por todos aqueles que, de uma maneira ou de outra dão as suas forças intelectivas, com generosidade, à propaganda destes nossos estudos. Em outras palavras, sentir amor por todos (escrito com A maiúsculo). Initium sapientiae, non timor Domi, sed hominum.

Este latinorum é de um célebre alegre que gostava de todos os vícios da criação, e predicava a indulgência.

Eu te saúdo novamente. Seu Formisano

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COMO A PERDA FLORESTAL ESTÁ CONDUZINDO A UM AUMENTO DAS DOENÇAS HUMANAS

Decidimos publicar este artigo porque, como escrito pelo Presidente da Academia "Manlio Magnani" de

São Paulo é um artigo “muito elucidador sobra a causa de diversas doenças surgidas pela ação humana mal

planejada sobre as florestas e um alerta para mudanças necessárias na consciência social na maneira como

a humanidade vem lidando com a natureza e seu “crescimento exacerbado” de um consumismo que gera

devastação e riscos à vida dos seres.

Como povo, devemos refletir e questionar para onde esse “modelo” pouco responsável está nos levando e

quais as suas consequências para as populações, e sem dúvida se trata de um estudo que deveria ser objeto

de políticas públicas de educação, conscientização e responsabilização mundial”. (Salilus)

°°°

Um crescente conjunto de provas científicas mostra que o abate de florestas tropicais cria condições ideais

para a propagação de pragas transmitidas por mosquitos, incluindo malária e dengue. Os primatas e outros

animais também estão espalhando doenças das florestas abatidas para as pessoas.

No Bornéu, uma ilha compartilhada pela Indonésia e Malásia, algumas das florestas tropicais mais antigas

do mundo estão sendo cortadas e substituídas por plantações de palma de óleo a um ritmo vertiginoso.

Dizimar florestas ricas em biodiversidade para plantações de monocultura provoca inúmeros problemas

ambientais, desde a destruição do habitat de espécies selvagens até a rápida libertação de carbono

armazenado, contribuindo para o aquecimento global.

Mas a desflorestação está tendo outro preocupante efeito: um aumento na propagação de doenças

potencialmente fatais, como a malária e a febre da dengue. Por uma série de razões ecológicas, a perda de

floresta pode agir como uma incubadora para doenças infecciosas transmitidas por insetos e outras que

atormentam os seres humanos. O exemplo mais recente veio à luz este mês no Journal of Emerging

Infectious Diseases, com pesquisadores documentando um acentuado aumento de casos de malária

humana em uma região do Bornéu malaio que está sendo submetida a uma rápida desflorestação.

Esta forma da doença foi, uma vez mais, encontrada principalmente em um tipo de macacos e os cientistas

da London School of Tropical Medicine and Hygiene se questionaram sobre o motivo de um súbito

aumento de casos humanos. Ao estudarem os mapas de satélite dos locais ondes as florestas estavam

sendo abatidas e onde eram mantidas, os pesquisadores compararam os dados com as localizações dos

recentes surtos de malária. Eles perceberam que os primatas estavam se concentrando nos fragmentos

remanescentes do habitat florestal, possivelmente aumentando a transmissão da doença entre as próprias

populações. Então, à medida que os humanos trabalhavam nas novas plantações de palma, perto dos

limites recentes da floresta, os mosquitos que prosperaram neste novo habitat levaram a doença dos

macacos para as pessoas.

Esses fenômenos não são invulgares. “Há anos, quando há muito desbravamento de terras, obtemos um

pico de casos de leptospirose [uma doença bacteriana potencialmente fatal] e de malária e dengue”, afirma

Peter Daszak, presidente da Ecohealth Alliance, que faz parte de um esforço global para compreender e

melhorar estas dinâmicas. “A desflorestação cria o habitat ideal para algumas doenças.”

O estudo da malária no Bornéu é a mais recente peça de um crescente conjunto de provas científicas que

mostram como o corte de grandes áreas florestais é um importante fator em um grave problema para a

saúde humana — o surto de algumas das doenças infecciosas mais graves do mundo que emergem da vida

selvagem e insetos nas florestas. 60 por cento das doenças que afetam as pessoas passam parte do seu

ciclo de vida em animais selvagens e domésticos.

O trabalho de pesquisa é urgente — o desenvolvimento da terra está evoluindo rapidamente em regiões

com elevado índice de biodiversidade e quanto maior o número de espécies, maior o número de doenças,

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dizem os cientistas. Eles estão profundamente preocupados que a próxima pandemia global possa surgir da

floresta e se espalhar rapidamente pelo mundo inteiro, como foi o caso da SARS e Ébola, em que ambas

surgiram de animais selvagens.

Os mosquitos não são os únicos portadores de agentes patogênicos da vida selvagem para os seres

humanos. Morcegos, primatas e até mesmo os caracóis podem transportar a doença, e as dinâmicas de

transmissão mudam para todas estas espécies após o abate florestal, criando muitas vezes uma ameaça

muito maior para as pessoas.

Ao longo da história humana, os agentes patogênicos surgiram das florestas. O vírus Zika, por exemplo, que

se julga causar microcefalia, ou cabeças mais pequenas do que o normal em recém-nascidos na América

Latina, emergiu da floresta Zika do Uganda na década de 1940.

O risco de surtos de doenças pode ser bastante ampliado após as florestas serem abatidas para a

agricultura e estradas.

Dengue, Chikungunya, febre-amarela e alguns outros agentes patogênicos que o mosquito transporta

também provieram, provavelmente, das florestas da África.

As florestas contêm numerosos agentes patogênicos que foram transmitidos em um e outro sentido entre

mosquitos e mamíferos há muitos anos. Visto que evoluíram juntos, esses vírus muitas vezes causam

poucos ou nenhuns sintomas nos seus hospedeiros, fornecendo “um efeito protetor de uma infeção

caseira”, afirma Richard Pollack da T.H. Chan School Public Health em Harvard. Mas os seres humanos

muitas vezes não têm essa proteção.

O que a pesquisa está demonstrando é que, por causa de uma complexa cadeia de mudanças ecológicas, o

risco de surtos de doenças, especialmente as transportadas por alguns mosquitos, pode ser

consideravelmente ampliado após o abate das florestas para a agricultura e estradas.

Uma inundação de luz solar sendo vertida sobre o piso florestal anteriormente à sombra, por exemplo,

aumenta as temperaturas da água, podendo ajudar a reprodução do mosquito, explicou Amy Vittor,

professora assistente de Medicina na Universidade da Flórida. Ela é especialista na ecologia de

desflorestação e malária, que é onde esta dinâmica é melhor compreendida.

A desflorestação cria outras condições conducentes à reprodução do mosquito. As folhas, que

anteriormente tornavam os riachos e lagos ricos em taninos desaparecem, reduzindo a acidez e torna a

água mais turva e ambas as condições favorecem a reprodução de algumas espécies de mosquito

relativamente a outras. A água corrente fica em represas, deliberada e inadvertidamente, e em charcos.

Porque já não é absorvida e transpirada pelas árvores, o lençol freático sobe mais próximo do piso florestal,

podendo criar mais áreas pantanosas.

À medida que a agricultura substitui a floresta, “o novo crescimento de vegetação baixa fornece um

ambiente muito mais adequado” para os mosquitos que transportam o parasita da malária, afirma Vittor.

A ligação entre a desflorestação e o aumento da malária já é conhecida há algum tempo, mas a pesquisa

nas últimas duas décadas tem preenchido muitos dos detalhes. Muito do trabalho foi feito no Peru, onde

em uma região na década de 1990 os casos de malária passaram de 600 por ano para 120.000, logo após

uma estrada ter sido construída sobre floresta virgem e as pessoas terem começado a limpar a terra para

criar granjas.

A cascata de mudanças ecológicas induzidas pelo homem reduz drasticamente a diversidade do mosquito.

“As espécies que sobrevivem e se tornam dominantes, por razões que não se compreendem bem, quase

sempre transmitem melhor a malária do que as espécies que tinham sido mais abundantes nas florestas

intatas”, escreve Eric Chivian e Aaron Bernstein, especialistas em saúde pública na Harvard Medical School,

em seu livro How Our Health Depends on Biodiversity (Como Nossa Saúde Depende da Biodiversidade).

“Isso foi observado essencialmente em todo o lado em que a malária é registrada.”

Os mosquitos conseguem se adaptar bastante rapidamente às mudanças ambientais. Em resposta a um

incentivo para se usar mosquiteiros para evitar mordidas noturnas nas regiões propensas à malária do

mundo, por exemplo, os pesquisadores estão registrando uma mudança no momento em que os mosquitos

mordem durante o dia — muitos atacam agora as presas humanas nas horas antes de dormir.

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Um estudo realizado por Vittor e outros verificaram que uma espécie de mosquito portadora de malária, a

Anopheles darlingi, em uma área desflorestada no Peru era radicalmente diferente da dos seus primos em

florestas intatas; o Anopheles darlingi em áreas desflorestadas morde 278 vezes mais frequentemente do

que em uma floresta intacta, de acordo com um estudo publicado no American Journal of Tropical

Medicine and Hygiene em 2006.

“Na floresta, não encontramos quase nenhum tipo de reprodução e nenhuma mordida pelos mosquitos

adultos”, disse Vittor. Isso se deve provavelmente à ecologia da paisagem desflorestada — vegetação curta

e águas profundas — que favoreceu a reprodução e eles precisam de sangue humano para fazer crescer

seus ovos.

Os tipos de mosquitos que vivem bem neste ecossistema radicalmente alterado são mais “competentes em

vetor”, o que significa que seus sistemas são particularmente bons a fabricar muito do agente patogênico

que causa a malária. Um estudo no Brasil, publicado no Journal of Emerging Infectious Diseases em 2010,

constatou que a desflorestação de 4% da floresta resultou em um aumento de quase 50% dos casos de

malária humana.

A ecologia dos vírus em áreas desflorestadas é diferente. À medida que as florestas são abatidas, são

criados inúmeros novos limites ou fronteiras entre as áreas desflorestadas e a floresta. Um mosquito

chamado Aedes africanus, um hospedeiro da febre-amarela e do vírus Chikungaya, vive muitas vezes neste

habitat de fronteira e morde as pessoas que trabalham ou vivem nas proximidades. Outros primatas, que

também são reservatórios para os agentes patogênicos, se juntam nas fronteiras destes diferentes

ecossistemas, fornecendo uma contínua fonte de vírus para os insetos.

Os insetos não são a única forma em que a desflorestação pode agravar as doenças infecciosas. Por algum

motivo desconhecido, as espécies de caracóis que melhor se consigam adaptar às áreas abertas quentes

que surgem depois de uma floresta ser abatida são melhores hospedeiros para parasitas designados de

Platelmintes, alguns dos quais causam a esquistossomose, uma doença que danifica órgãos humanos.

Os cientistas estão preocupados que estes surtos exacerbados pela alteração humana de paisagens

poderiam causar a próxima pandemia. O Império Romano se estendeu uma vez da Escócia até África e

durou mais de 400 anos. Ninguém sabe exatamente por que motivo o Império ruiu, mas um fator que

poderá ter contribuído terá sido a malária. Uma vala comum de bebés dessa época, escavada na década de

1990, constatou, por meio da análise de ADN, que muitos deles tinham morrido de malária, de acordo com

um estudo publicado em 2001 na publicação Ancient Biomolecules. Alguns pesquisadores especulam que o

surto de malária poderá ter sido exacerbado pela desflorestação do Vale do Rio Tibre que rodeava Roma

para fornecer madeira para a cidade em crescimento.

Assim que uma doença tenha deixado uma região florestada, esta pode viajar em seres humanos, cruzando

o mundo em uma questão de horas por avião mesmo antes de a pessoa apresentar sintomas. A qualidade

de vida em suas novas casas depende de vários fatores.

Uma peça do puzzle é saber quais os agentes patogênicos que podem sair da floresta no futuro.

Assim que o Zika viajou de África para o Brasil, por exemplo, este floresceu porque os mosquitos Aedes

aegypti ficam perto das pessoas e adoram colocar os ovos em pequenos recipientes de água. Muitas

pessoas nas favelas do Brasil armazenam água em baldes e a água parada também é recolhida em lonas,

pneus velhos e lixo.

Uma pergunta-chave sobre o vírus Zika é se este irá entrar nas populações de primatas na América do Sul, o

que significa que se pode tornar um residente permanente e em uma contínua fonte de infeção. “Vai se

estabelecer lá?”, pergunta Vittor. “Não sabemos.”

Os mosquitos não são as únicas criaturas que levam a febre para fora da floresta. Acreditava-se que os

morcegos de cauda livre abrigavam o vírus Ebola que eclodiu e matou mais de 11.000 pessoas no ano

passado. E a SIDA, que já matou mais de 25 milhões de pessoas no mundo, veio de pessoas que comiam

carne do mato, provavelmente chimpanzés.

Um fator imprevisível neste cenário de doença é a rápida mudança climática. Se a primavera chegar mais

cedo, os mosquitos eclodem mais cedo e as populações do verão são maiores. No sudeste asiático, o

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aumento das temperaturas durante os ciclos de tempo El Niño está correlacionado com surtos de febre da

dengue, porque o tempo mais quente permite que os mosquitos se reproduzam rapidamente e expandam

a população, espalhando o vírus ainda mais, de acordo com um estudo realizado no ano passado no

Proceedings of National Academy of Sciences.

Parte da solução é reconhecer e compreender essas ligações e ensinar as pessoas que manter a natureza

intacta tem efeitos protetores. E nos locais onde as pessoas abatem florestas ou constroem estradas, várias

medidas podem ser tomadas para reduzir o risco de surtos de doenças transmitidas por mosquitos —

campanhas de educação, mais clínicas, formação em saúde e acompanhamento médico

Outra peça do puzzle é saber quais os agentes patogênicos que o mundo poderá ter de enfrentar no futuro

à medida que saem da floresta. A Ecohealth Alliance está a catalogar vírus transmitidos por animais

selvagens em regiões selvagens onde há uma nova invasão à natureza intata e os cuidados de saúde são

fracos ou inexistentes. O objetivo é compreender melhor como estes vírus se propagam e potencialmente

desenvolver vacinas.

“Se conseguíssemos lidar com o comércio de animais selvagens e a desflorestação, não teríamos de lidar

com um surto”, como o Zika ou Ebola, afirmou Daszak, presidente da organização. “Nós já teríamos tratado

disso.”

Jim Robbins

Fonte: http://e360yale.universia.net/como-a-perda-florestal-esta-conduzindo-a-um-aumento-das-doencas-

humanas/?lang=pt-br

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Junho de 2016

A ORDEM EGÍPCIA

A Ordem Egípcia afunda as suas raízes na colônia grega dos

Alexandrinos que era estabelecida em Nápoles, na área

circunstante rua Nilo e a homônima pracinha. Através dos

séculos os cultos egípcios adaptaram-se à linha mágico-

hermética e àquela pitagórica, dando vida ao Hermetismo

Itálico e com este à corrente iniciática que chegou

ininterrupta até o século XX. Raimondo Lullo, o grande

hermetista, aluno de Arnaldo de Villanova, foi iniciado na

alquimia por uma confraria que estava em Nápoles. Os

próprios Giordano Bruno e Tommaso Campanella,

grandíssimos expoentes do hermetismo itálico da

Renascença, tinham realizado o próprio noviciado no

convento de San Domenico Maggiore, que encontra-se

justamente no final da rua Nilo. Outros ilustríssimos

hermetistas, como Giovanni Pontano, Antonio Allegretti e

Giovan Battista della Porta, gravitaram entorno a esta

ordem napolitana.

Será no século XVII que a tradição egípcia utilizará a Maçonaria como nave para transportar a própria

bagagem de conhecimento. Na metade do século XVIII Cagliostro, cujas atividades para-maçônicas

inspiraram-se no mito egípcio, foi para Nápoles com o pseudônimo de Marquês Pellegrini, junto com sua

mulher, que usava o nome de Lorenza Pellegrini, e junto com o Cavaleiro d’Aquino. Em Nápoles Cagliostro

entrou em contato com o príncipe Raimondo Di Sangro de San Severo e com Henri Théodore de Tschoudi,

os quais interessavam-se há muito tempo de doutrinas egípcias. Neste ambiente, Cagliostro iniciou a

difundir os graus egípcios e os graus secretos conhecidos como “Arcana Arcanorum” ou “Scala di Napoli”. A

tradição maçônico-egípcia continuou no ambiente do ressurgimento, com figuras de relêvo como Mario

Pagano e Pietro Colletta. A estes dois personagens do ressurgimento, sucederam Orazio De Attellis (1774-

1850), Domenico Bocchini (1775-1840), e Gabriele Rossetti (1783-1854). Então Michelangelo Caetani

(1804-1882), príncipe de Teano e duque de Sermoneta, juntamente com Eduard Bulwer-Lytton (1803-

1873), dos quais provavelmente formaram-se Pasquale de Servis (1837-1893) e Giustiniano Lebano (1832-

1910).

Amadurecida uma grande paixão pelos estudos herméticos, em 1833 Lytton foi para a Itália para um

período de repouso e ali encontrou a inspiração para o mais célebre de seus romances, “Os últimos dias de

Pompeia”, publicado em 1834. Durante a sua permanência na Itália, Lytton visitou Roma e ficou por um

longo período em Nápoles. Na capital do reino bourbônico encontrou a cara amiga Lady Blessington que

apresentou o cavaleiro do outro lado do Canal da Mancha ao sir Willian Gell, o ilustre topógrafo de

Pompeia. O nosso personagem era um grande admirador do romancista escocês Walter Scott o qual, por

ocasião da sua estadia na capital do reino das Duas Sicílias tinha visitado Pozzuoli, Cuma e as ruínas de

Pompeia, acompanhado por aquele guia insuperável que era justamente Gell. Este último mesmo sofrendo

com uma grave forma de gota que o constringia a locomover-se em uma cadeira de rodas, ficou feliz de

acompanhar o hóspede de Lady Blessington por Pompeia. Foi então o bom sir William a estabelecer o

contato entre Lytton e os expoentes da tradição mágica partenopeia e em particular com Domenico

Bocchini que iniciou o inglês nas catacumbas de San Genaro em Capodimonte.

Em 1842 Lyton publicou Zanoni, romance que Giuliano Kremmerz citou em suas obras como sendo um

significativo testemunho da cultura mágica partenopeia e itálica do século XIX. Além disso o nosso

personagem foi muito sugestionado pelos escritos de Eliphas Levi que encontrou em 1854 em Londres.

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Tentou com o mestre francês, uma operação mágica no topo do Panteão da capital britânica, que segundo

A.E.Waite, previa a evocação do mago da antiguidade Apolônio de Tiana.

Durante os anos 60 Bulwer-Lytton encontrou em Londres o advogado Giustiniano Lebano naquela época

exilado político na França, com o qual instaurou estáveis relações a nível iniciático. As frequentações de

Sairitis-Hus (Lebano) com os expoentes da cultura hermética europeia, foram importantíssimas porque

teriam decididamente influenciado a escola tradicional partenopeia post-unitária. A ligação entre Lytton e o

reino napolitano foi extremamente profunda tanto que, em 1859, o diretor das escavações de Pompeia

decidiu doar ao escritor inglês dois crânios que diziam ser dos sacerdotes Arbace e Calinus, protagonistas

de “Os últimos dias de Pompeia”. Em 1871 o nosso personagem foi premiado com o cargo honorífico de

Grande Patrono da “Societas Rosicruciana in Anglia”. Nos anos 70 encontrava-se na Inglaterra o americano

Charles Godfrey Leland. Nascido em Filadelfia no dia 15 de agosto de 1824 filho de Charlotte Godfrey e

Henry Leland, tal personagem apaixonou-se desde moço pelas temáticas ocultas.

Viajou sem parar por toda a Europa procurando a antiga sabedoria arcana e, quando estava na Inglaterra

para estudar as tradições céticas e as doutrinas rosacrucianas, encontrou o já velho sir Edward. Este iniciou-

o no hermetismo alquímico fazendo-lhe também conhecer as obras e a doutrina de Eliphas Levi. O

encontro com Lytton revelou-se decisivo porque justamente através das recomendações de tal

personagem, alguns anos depois Leland foi para Nápoles e ali quase certamente conheceu o mestre Sairitis

Hus e o seu círculo Egípcio tradicional. Sir Edward morreu em Torquay em 1873.

Da vida de Lebano conhecemos aquilo que um seu admirador e talvez discípulo, Gerardo Laurini, escreveu

no jornal salernitano “Irno” em 1901: “Quem passa por Torre Annunziata e talvez fique por lá dois ou três

dias não pode não saber que ali vive um homem dotado de uma mente realmente superior, de uma vasta

cultura clássica, de uma alma aberta, calmo, nobilíssimo, incansável no ajudar, mesmo que tenha recebido

e receba não poucas ingratidões e não poucas guerrinhas vulgares, das quais ele nunca se lamentou nem

conserva o mínimo rancor; já que como um antigo sábio compreende bem e desculpa as fraquezas e os

erros da natureza humana. Este homem é o com. Giustiniano Lebano. Eu quis escrever sobre ele no

simpático “Irno”, porque a sua família é oriunda desta província. Seu pai o advogado Filippo era de Sessa

Cilento, onde juntamente com a mulher Maria Acampora foi constringido a emigrar por causa de suas

ideias liberais. E estabeleceu-se em Nápoles. Ali em 14 de maio de 1832 nasceu Giustiniano. Desde os

primeiros anos ele mostrou grande talento e inclinação para os estudos literários. Por isso foi entregue aos

cuidados dos mais valorosos e renomados professores. Puoti, Fabbricatore, e o abade Fornari ensinaram-lhe

o italiano, o Parascandalo e um douto jesuíta o latim, o canônico Lucignano o grego e o canônico Ferrigni o

hebraico. Todos ficavam maravilhados com a extraordinária prontidão que o jovenzinho usava para vencer

as maiores dificuldades destas línguas, no qual completo e perfeito conhecimento deu bela e soleníssima

prova nos exames que superou em 21 de setembro de 1849 na R. Universidade diante de homens sérios e

eruditíssimos, os quais quando entregaram-lhe o diploma de doutor em letras e filosofia fizeram-lhe muitos

elogios. Mas ele não se satisfez com estes elogios: não descansou, como se usa dizer, sobre os louros; e quis

estudar jurisprudência. E estudou direito civil com o célebre Roberto Savarese, direito penal com o

conselheiro Caracciolo, direito canônico e direito natural e dos povos com o canônico Soltuerio e com don

Vincenzo Balzano, vigário do Arcebispado. Tinha somente 21 anos, quando, habilitado nos exames do

canônico Apuzzo, conseguiu a láurea em Jurisprudência. Começou imediatamente a exercer a advocacia

com feliz sucesso. E ao mesmo tempo ensinava privadamente direito civil e canônico e publicava obras

científicas e literárias que davam muito o que falar nas discussões que provocavam. Em julho de 1854 foi

inscrito na Ordem dos advogados do Tribunal de Apelação. O jovem Lebano, aluno de professores quase

todos padres e jesuítas, teria que ter ideias naturalmente muito retrógradas. Mas, talvez pela educação

paterna, talvez pela grande perspicácia com a qual tinha estudado os clássicos, talvez, o que é mais

provável, pela elevação dos seus sentimentos, não demorou para inscrever-se na sociedade secreta

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“Giovane Italia”9, da qual em pouco tempo tornou-se um adepto tão precioso e importante que de um

momento para o outro foi elevado para o cargo de Grão Mestre do Rito Egípcio, cuja intenção era não só a

independência e a unidade da pátria, mas também a queda do poder temporal dos papas. A sua obra de

conspirador foi eficacíssima até 1870. Avisado que teria sido preso de um momento para o outro, procurou

refúgio em um monastério, cujo padre guardião, que era um seu amigo íntimo e que nutriva sentimentos

liberais, fez com que ele cortasse o bigode e vestisse o hábito de São Francisco. No dia seguinte o falso

padre com uma mochila nas costas atravessou as fronteiras do Reino e, não incomodado, abrigou-se em

Turim, levando consigo uma voluminosa correspondência aos patriotas exilados ali. Durante a sua

permanência no Piemonte teve a ocasião de conhecer os homens mais ilustres da nossa renascença.

Quando voltou para Nápoles em 1860, retomou os estudos da advocacia. Aquilo que mais lhe dá valor é a

fundação de três hospícios para os pobres, dois orfanatos e dois institutos para meninas, um em Sorrento e

outro em Palma Campania. Estuda e escreve sempre. Interroga as páginas empoeiradas dos mais antigos

escritores, os quais na solidão da sua propriedade, que ficava nas encostas do Vesúvio, na rua que de Torre

Annunziata vai até Boscotrecase, encorajam-no a perseverar em fazer o bem. Ele é o maior filântropo de

Torre Annunziata e direi, também de outros lugares. E eu que tive a inestimável sorte de conhecê-lo sinto-

me orgulhoso de poder dizer que sou um seu sincero e caloroso admirador.”

Ulteriores notícias sobre a vida de Sairitis vazam dos estudos de várias revistas entre as quais “Política

Romana”, da qual sabemos que ele foi mestre dignitário da maçonaria oficial do Grande Oriente, da

Sociedade Teosófica, do Rito de Memphis de Pessina10 , e depois dos ritos egípcios unificados por Garibaldi.

Muitos sustentam que durante a sua estadia em Piemonte Lebano tenha entrado em contato com o conde

bolonhês Livio Zambeccari (1802-1862) que foi conspirador do primeiro Ressurgimento, coronel garibaldino

e príncipe de Rosacruz do Rito escocês, que em 8 de outubro de 1859, constituiu com outros sete irmãos a

Grande Loja Ausonia.

Lebano certamente fez parte, juntamente com o barão Spedalieri e com Pasquale de Servis então ex

suboficial do exército Bourbon, de um círculo martinista operante em Nápoles, desde o final do século XVIII

que tinha estreitas relações com a “sociedade magnética” de Avinhão que referia-se a Eliphas Levi. A

famosa fundadora da Sociedade Teosófica: Helena Petrovna Blavatsky quis encontrar Lebano ficando por

mais ou menos três meses no hotel Vesúvio de Torre del Greco. Então isto pode nos fazer compreender

que grande personalidade ele foi.

Sobre a Ordem Egípcia foi escrito: “O Grande Oriente Egípcio foi a expressão por sua vez e sede central de

uma Ordem Egípcia que entende-se origine-se no filão iniciático napolitano dos tempos da passagem em

Nápoles de Cagliostro, que teria recolhido a herança iniciática do príncipe Raimondo de Sangro graças ao

primo deste Luigi d’Acquino.” Mas é certamente em Domenico Bocchini aliás Nicodemo Occhiboni que

devemos encontrar o fundador da dita ordem.

IMAGEM DE BOCCHINI Bocchini foi um literato, um advogado, um maçom e um rosacruz afiliado à

Carbonária. Era de origens lucanas, nasceu em Avigliano em 1775. O seu fervor patriótico pode ser visto

desde jovem quando fez carreira no exército napolitano Bonapartista e depois, uma vez em licença

exercitou o cargo de magistrado e depois de advogado. Em 1815 foi admitido na Loja maçônica “La

Vigilanza” presidida pelo Mestre Venerável Pietro Colletta por sua vez aderente ao Rito Egípcio do barão

napolitano Lorenzo de Montemayor.

9 A “Giovane Italia” foi uma sociedade secreta fundada por Giuseppe Mazzini em 1831 para a libertação da Itália da

dominação estrangeira. Muito semelhante à Carbonária fundada no Reino das duas Sicílias.

10 O Rito de Memphis de Pessina é o mesmo ao qual foram iniciados Arturo Reghini e Manlio Magnani e do qual teve

origem o Rito Filosófico Italiano refundados por Reghini e Armentano. Como se pode ver, um fio sutil ligava todos

estes Mestres os quais mesmo pertencendo a Escolas diferentes, tinham em comum a mesma idêntica finalidade

iniciática.

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Sucessivamente foi para a França onde aderiu ao Rito Maçônico de Misraim dos irmãos Bèdarride. O

reencontramos alguns anos depois em Nápoles na loja “La Folgore”. Nos anos trinta do século XIX

encontrou o jovem Pasquale de Servis do qual foi com muita probabilidade um mestre. Deve ser precisado

que Lebano na verdade não foi aluno de Bocchini, como resulta nas datas; o seu primeiro iniciador foi seu

pai Filippo Lebano, com o qual Bocchini partilhou a comum paixão pelas ciências herméticas e as ideias

políticas liberais, a frequentação entre os dois era assídua e continuou até a morte de Filippo que verificou-

se em 23 de agosto de 1832. Ele deixava a jovem mulher, os dois filhos do primeiro casamento, Francesco e

Marianna, e os dois do segundo casamento, Filippo e Giustiniano; eis porque diz-se que Lebano foi aluno

indireto de Bocchini. Algumas obras de Bocchini contêm verdades e simbolismos de altíssima qualidade

entre as quais: “Il Congresso delle Ombre”, “La Cyrno Cacogenia proscrita” e o semanal “Il Geronta

Sebezio”; de algumas obras deste autor entre as quais “Il Cielo Urbico” será Lebano a curar a elaboração.

Depois junto com estes uma outra figura de primeiro plano foi o jacobino, Grão Mestre da Maçonaria

Escocês para os Estados Unidos e o hemisfério Ocidental, assim como o Carbonário Orazio de Attelis (1774-

1850) ao qual Kremmerz no seu os “Diálogos sobre o hermetismo” refere-se com o anagrama ‘Setteali’.

Uma coisa é então certa: Orazio De Attelis, e Domenico Bocchini foram herdeiros dos ensinamentos de

Cagliostro e de San Severo então fundadores da estrutura iniciática denominada Ordem Egípcia colocada

sob a proteção do Grande Oriente Egípcio, e cuja tarefa era a perpetuação do ensinamento da Ciência

Sagrada, a perfeição das virtudes do coração do iniciado, o desenvolvimento dos poderes psíquicos, e a

manifestação das forças ocultas.

Aos personagens citados acima devem ser depois acrescentados como mestres o príncipe Trifase e

Moliterno Giuseppe Gallone di Nociglia, o mestre martinista e douto conhecedor das técnicas do

magnetismo, Di Crescenzo Ascione.

Após a morte de Izar, formou-se então uma nova lista com três pessoas, preposta à direção da Ordem. Ao

lado de Lebano figuravam o príncipe Leone Caetani (1869-1935), neto de Michelangelo Caetani, e Giuliano

Kremmerz (1861-1930), com Lebano na direção do grupo. Sucessivamente evidenciaram-se figuras

proeminentes como Eugenio Jacobitti (1868-1946), Giacomo Catinella (1876-1943), e Arturo Reghini (1878-

1946).

Vimos como até o final de 1800, a Ordem Egípcia serviu-se, como ponte para o mundo profano, de lojas

maçônicas “egípcias”. Todavia, Kremmerz, decidiu, com a aprovação da Ordem Egípcia modificar tal

endereço, substituindo às lojas as academias da Fraternidade Hermética. A Miryam constituiu-se por isso

como ponte entre o vulgo e a Ordem Egípcia.

O que permitiu a Kremmerz levar adiante os próprios projetos foram a enorme estima da qual gozava Izar,

já Grão Mestre da Ordem, e a admiração por Kremmerz de Giustiniano Lebano, que via em Kremmerz o seu

futuro sucessor. A Ordem Egípcia foi então o garante do trabalho desenvolvido por Kremmerz.

Leone Caetani, por sua vez, colaborou com Kremmerz até 1920, para depois retirar-se em Vancouver, no

Canadá. É possível que a Ordem Egípcia tenha operado até os nossos dias em completo anonimato? A

suportar tal tese existiria a documentação epistolar que ocorreu entre Domenico Lombardi e Pietro Suglia,

direto descendente do Dr. Bonabitacola diretor do Círculo Virgiliano de Roma e pertencente à Ordem

Egípcia.

Em setembro de 1947 Domenico Lombardi, em qualidade de Delegado Geral, enviou uma circular: “Circular

para Manter a Regular Continuidade da Fr+ Tm+ de Mir+”. Naquela data a Secretaria Geral já tinha sido

transferida para Florença e Alfonso Del Guercio tinha se tornado Secretário. À nova delegação aderiu

Donato De Cristo da Academia Pitágoras de Bari.

A Ordem Egípcia era então representada por Arduino Anglisani, Mario Parascandalo, Augusto Lista, Carlo

Coraggia, Alfonso del Guercio, Pietro Suglia e pelo próprio Domenico Lombardi.

Enfim, alguns elementos deste grupo fundaram nos anos 50 a CEUR que além de publicar a primeira edição

da Opera Omnia de Kremmerz, reorganizou as Academias da Myriam com base na Pragmática Fundamental

redigida por Kremmerz em 1909 sob a alta autoridade e proteção da Ordem Egípcia. (curador Salilus)

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VIDA DE MANLIO MAGNANI

Última parte

A Fraternidade Hermética – As instruções – Os escritos

Magnani transfere-se para São Paulo em 1937 com a esperança de encontrar um trabalho e colocar em

prática os seus conhecimentos profissionais no campo do ar condicionado.

Na metrópole brasileira encontra os amigos fraternos Amedeo Armentano e Giulio Romeo com os quais

forma o cenáculo espiritual para o desenvolvimento dos estudos herméticos.

O grupo de Buenos Aires mantém-se vivo e operante frequentado por um certo número de companheiros

bem encaminhados nas práticas da escola.

Desde quando Magnani encontrava-se na Argentina tinha o hábito de escrever em forma epistolar. Enviava

cartas aos irmãos com o objetivo de fornecer-lhes os ensinamentos mais apropriados.

Servia-se de um papel de carta com a seguinte frase imprimida: “Ou a vida é um rito ou não é nada”,

máxima retirada da revista do Grupo de UR, e assinava “Jazer” o nome iniciático que tinha-lhe sido dado

pela Ordem quando assumiu a direção da Fraternidade.

Ocultamente Jazer, isto é Magnani, é a manifestação visível do “sétimo gênio da sétima hora do

Nuctemeron de Apolônio de Tiana” como “um Fogo que dá vida a todos os seres animados e é dirigido pela

vontade dos homens puros”.

Nos anos brasileiros escreveu os ensaios que estão reproduzidos no volume “Supremo Vero”, compilou os

ritos e as instruções para os irmãos e escreveu muitas cartas com a intenção de aperfeiçoar o nível

cognitivo de cada inscrito.

Nível por si só muito alto mas que Magnani preocupou-se em ampliar e elevar aconselhando e propondo a

leitura e o estudo de obras elencadas em um “Indicador Bibliográfico” redigido por ele mesmo e no qual

vemos citados livros raros e não fáceis de serem encontrados e livros difundidos nos ambientes esotéricos,

na Ordem Martinista e na Sociedade Teosófica.

Um exemplo deste dinamismo intelectual pode ser encontrado em uma carta escrita por Giulio Romeo em

março de 1933:

Caríssimo Magnani,

eu recebi a tua cara e desejada carta de 28 de fevereiro passado e certamente você se preocupou com o

meu atraso no respondê-la.

Acredite-me, eu não tive um só instante disponível para dedicar a você como gostaria e deveria.

Estive ocupadíssimo preparando uma cópia do meu guia “São Paulo e seu Estado” em um trabalho tão

intenso e enervante que absorveu todas as minhas horas. Há mais de duas semanas, saio de casa de manhã

e volto só para a hora do jantar, e, tão cansado, que logo após o jantar vou dormir.

Contudo a edição não saiu perfeita por causa da inteligência incomensurável dos tipógrafos, e estou

refazendo uma segunda edição de umas cinquenta cópias.

Para evitar os enormes impostos e despesas de constituição de uma nova sociedade comercial eu tive que

apresentar a minha empresa como propriedade da Editora Piratininga, (que é a livraria italiana de um meu

amigo) mas em uma escritura privada e secreta é claramente estabelecido que eu sou o proprietário do

guia e que a Editora Piratininga S.A. é minha inquilina por três anos, com a condição que eu seja o Gerente e

o Administrador do guia. Eu te mando separadamente um exemplar da cópia, sobretudo para que dos

poucos clichès que eu mandei imprimir, você possa ter uma ideia de São Paulo e de outras localidades do

Brasil.

Você não me disse se recebeu a carta que eu te mandei poucos dias antes do início da revolução estatal do

ano passado, nem se você recebeu um cartão postal de votos de felicidades para o ano novo que eu te

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mandei, se eu não me engano eu mandei em 18 de dezembro. Isto me interessa porque depois que eu

escrevi para você, mandei uma carta também para a boa e incomparável senhora Helena, acredito que em

7 ou 8 de julho, e fiquei com a dúvida que não tenha sido entregue, já que após o dia 9 de julho, por causa

da revolução, todos os habitantes do Estado de São Paulo ficaram boqueados por mais ou menos 3 mêses. E

esta minha suspeita é confirmada pelo fato que um meu cartão postal de felicitações, enviado para Helena

no dia 18 de dezembro também não obteve resposta. Para confirmar o que eu estou te dizendo, mando a

você e a Helena um pacote com um “Fanfulla” de 9 de julho (justamente o dia da revolução) no qual foi

publicado um soneto de um escritor brasileiro (traduzido por mim em italiano) que eu tinha mandado, cujo

envio me foi recusado por causa do bloqueio. Os dois pacotes ficaram em cima de uma prateleira desde

aquele dia, carregam ainda vestígios evidentes da visita das moscas, que aqui, por mais que se faça para

afastá-las, são sempre legiões. Em uma outra minha carta, se você responder à presente, eu te direi o que

me aconteceu com Curutechet: me dá pena, realmente sofre, como você diz, de senilidade que vai até o

paroxismo. Depois de três cartas insípidas e insultantes que me escreveu, eu decidi colocar os pontos nos is,

e enviei-lhe uma carta de mais ou menos oito ou dez páginas, em francês, para que compreendesse melhor,

e, desde então eu não tive mais suas notícias. Porém, fiquei mal com a Maggi e com outras pessoas que

conheço, porque ela não respondeu o meu cartão postal de felicitações para o ano novo. De qualquer

maneira a vida é assim mesmo!

Você me diz para ler “O mundo mágico dos Heróis” de Cesare Della Riviera publicado pela Laterza. Mas aqui

nenhuma livraria o possui. Como eu poderia fazer para obtê-lo? Ajude-me, já que você diz que o livro vale, e

eu também tenho a certeza que vale realmente, e tenho o maior interesse em lê-lo e meditar sobre ele.

Meus parabéns pelo trabalho de proselitismo que você conseguiu atuar e pelas notáveis realizações obtidas.

Eu, a este respeito aqui sou como um peixe fora d’água.

A incultura em matéira de ciências herméticas é simplesmente fenomenal; fenomenal também porque os

mais cultos não possuem nem mesmo as noções elementares do Ramacharaca et similia. Steiner é

completamente desconhecido; Vivekananda para eles é como a denominação de um pico qualquer do

Himalaia; de Elifas Levi, Lullo, Romain Rolland, Schurè, Guénon, etc., ignora-se até mesmo a existência:

alguém, e raramente, conhece a Blawasky e vários a Besant e aquele idiota de Krishamurti. Fazem uma

confusão estranha entre espiritismo e hermetismo e não têm nem mesmo a mais distante ideia da

concepção do Absoluto, que, para eles resolve-se em um antropomorfismo teocrático.

E depois de tudo isso você terá compreendido o estado das minhas relações com essa gente.

O isolamento mais completo e absoluto: eu me tornei tão hermético, e por necessidade de ambiente, que

nem mesmo se me colocam uma cápsula de dinamite na boca eu consigo abri-la.

Estou te mandando uma poesia intitulada “Elevação” que, depois de lida, você dará à Bustamante para que

a coloque junto com aquelas da minha coleção. Eu não sei o que você vai achar. O Ego, para mim é

relativamente contingencial, enquanto é uma manifestação (de índole essencial, anímica) posterior ao Tudo

(entendendo por Tudo, a emanação, sempre essencial, daquilo que é contingente) em outras palavras o

elemento dinâmico-inteligente daquilo que é físico-cósmico (procure entender o sentido íntimo daquilo que

eu quero exprimir, porque, como você bem sabe e pode ensinar, faltam as palavras para poder explicar

certos estados de manifestação).

Então escute-me: A via da elevação começa depois que o Ego, absorvido no Tudo, despe-se junto com ele do

requisito anímico físico-cósmico (porque tudo aquilo que é físico-cósmico possui, necessariamente, a sua

forma anímica) então o Ego e o Tudo confundem-se na Suprema Síntese. Mas porque o Ego e o Tudo não

são senão uma emanação desta, também confusos com Esta, conservam a própria individualidade de

emanados, e vivem no Pai como Segunda Pessoa, como Eterno-Infinito, isto é, como emanação

exclusivamente anímica do Absoluto.

A Tríade é tão completa: o Pai, o Absoluto em Si; o Espírito, o Eterno-Infinito; o Filho, o Tudo como

espiritualidade que desceu na contingência.

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O que você acha?

Diga-me alguma coisa sobre Armentano. Como eu ficaria feliz se pudesse conhecê-lo!

Aqui, como eu te disse, sem um conhecido culto em matéria de hermetismo, eu vegeto e sufoco, e invejo

você que, pelo menos tem com quem trocar uma ideia sobre coisas que fazem tão bem para o coração e

para a mente.

Dê um abraço fraterno meu para a Helena Sanchez e para os outros amigos hermetistas.

A minha saúde vai relativamente bem, e vivo também com algumas dificuldades, como você pode ver da

publicação da cópia que eu te mando. O ciático me atormentou um pouco, mas eu acho que encontrei uma

boa maneira para que me incomode menos.

Diga para a Maggi que não fique triste comigo; eu sempre a quis e a quero bem, e diga-me na tua resposta

alguma coisa a este respeito.

Eu terei muito prazer em receber logo uma tua carta.

Por hoje eu te abraço e te beijo com grande afeto.

Teu Giulio Romeo”.

Os argumentos tratados por Magnani em seus ensaios miram inteiramente a um conhecimento superior, -

eis explicado o título “Supremo Vero” que ele deu a esta coletânea – mesmo quando são de natureza

profana.

Vão da alquimia à cabala ao pitagorismo, do espiritualismo antigo às manifestações mais recentes do

mesmo, da ciência à política às religiões, tratadas como a expressão de um saber exotérico, dos mistérios

ao hermetismo rosacruciano até a civilização e ao mistério de Roma vistos estes últimos como a expressão

mais alta do espírito ocidental.

Na verdade é sobre Roma e sobre o mistério de Roma que convergem as práticas de homens como Reghini,

Armentano, Parise, Magnani e todos os outros da Escola Itálica, os quais diante dos obstáculos presentes

em seus percursos humanos, e apesar das aparências que não devem enganar, encontram-se saldamente

unidos e fraternizados na veneração do nome mágico de ROMA.

“A educação hermética – escreve Jazer em um fascículo reservado aos irmãos – tem como objetivo preparar

e tirar do princípio-vida universal, enriquecer-se com ele, seja para restabelecer a saúde ou o equilíbrio em si

mesmo seja para poder ajudar a restabelecê-lo em outros”.

“O objetivo de uma educação hermética – acrescenta mais adiante – é preparar para o exercício consciente

desta virtude. O desenvolvimento desta educação geralmente compreende três fases:

1. encaminhar para a possibilidade de entrar em contato com os aspectos mais próximos do estado

humano do princípio-vida, e estabelecer uma relação harmônica com as forças que já operam no

mesmo sentido;

2. Conhecer distintamente as forças e as entidades salutares e conquistar o poder de utilizá-las;

conhecimento integral e absoluto do princípio-vida. Estado de comunhão com o mesmo.

A prática prevê a) uma “Preparação”; b) um rito mensal; c) um rito cotidiano; d) um rito para doença que

era realizado sob direto controle hierárquico do “Centro”, sem passagens intermediárias.

Práticas mais avançadas reservadas aos irmãos mais maduros eram dadas na tradicional forma oral.

Segundo o nosso modesto ponto de vista e após um atento exame e estudo das duas escolas, a

kremmerziana e a latino-americana, mesmo tendo estas uma origem comum, e em comum a terapêutica-

mágica, servem-se de instruções e de ritos em parte diferentes entre eles, onde em Kremmerz é mais forte

a componente cabalístico-rosacruciana e em Magnani a componente órfico-pitagórica.

No presente volume apresentamos os escritos que o autor considerava suscetíveis de uma possível

divulgação com a exclusão das instruções e de todo o corpo ritual que Magnani queria que ficassem

reservados aos iniciados na Fraternidade.

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O testamento espiritual e a morte

Magnani possuía uma visão da morte digna de um pitagórico

que tinha tocado o ponto mais elevado da iniciação mistérica.

São testemunhas disso os escritos que ele dedicou a este

“mistério”, o seu testamento espiritual e enfim o necrológio

que Amedeo Armentano pronunciou diante da sua tumba.

Eis o testamento de Magnani enviado a Armentano, nominado

por ele executor testamentário, redigido em 1940, poucos

anos antes da morte:

Caríssimo Armentano,

caso eu tivesse a sorte de não esperar para um tempo futuro o acontecimento ao qual anseio já há muito

tempo, eu quero dizer caso eu tivesse a sorte de deixar a existência física muito proximamente, eu

encarrego você de algumas coisas, que espero será tão gentil de aceitar.

- Retirar as minhas coisas pessoais, escritos, livros, documentos etc. da casa onde moro ou morei.

- A correspondência privada eu peço o favor que você a destrua. Se como porém dentro desta pode ter

alguma coisa que eventualmente sirva para destruir lendas ou calúnias sobre mim, você pode conservar

aquilo que possa ser útil para tal objetivo.

- Quando você fizer esta escolha na minha correspondência será muito útil a ajuda de Romeo, já que ele

conhece a minha vida em Buenos Aires, por isso eu te peço para agir de acordo com ele.

- Os meus escritos terão o destino que você decidir; e sobre isso eu acredito ser conveniente você escutar

Romeo e De Masi. Acredito também que seria conveniente um acordo, pelo menos quanto aos escritos, com

o Dr. Gabriel Basovilbaso de Buenos Aires.

- Muitos livros e documentos meus ficaram em Buenos Aires na casa dos irmãos da professora Dominga

Aita e do Dr. Prof. Pedro Aita, mas, dadas as gentilezas e os favores que eu tive dos Aita e as relações de

estudo e de caráter espiritual que comigo sempre manteve a professora Dominga Aita, não tenho a

coragem de dizer para você pedir para eles estes livros. Você fará como quiser. Em todo caso lá também

está uma parte da minha correspondência pessoal; e eu gostaria que você comunicasse os Aita o meu

desejo que seja queimada.

- Peço a você e ao amigo Dr. Romeo para escreverem à minha senhora Irene Valenti Magnani e à minha

filha Cleofe Magnani que moram em Corniglio, prov. de Parma, Itália, e dizerem a elas que durante estes

longos anos da minha ausência eu nunca me esqueci dos meus deveres, e garantirem-nas que o meu amor

por elas era realmente imenso.

- Atualmente eu trabalho com a Casa B. Sant’Anna e C. (Rua Direita, 43) e o Almirante Lamba e o Eng.

Carlos Luis Berrini (escritório na Praça Antonio Prado n. 9 escritório 1508) para Ar Condicionado, ventilação,

etc. Se como estamos estudando e estamos tratando diversas instalações, para cuja realização eu devo

retirar muitos lucros, peço a você, Romeo e De Mais para verificar o andamento destes negócios, e todo o

meu ganho – retiradas as somas que eu devo a vocês três amigos e as despesas que eventualmente vocês

deverão fazer – seja enviado para a minha família na Itália.

- Peço também para comunicar a minha morte ao R. Consulado Geral da Itália, ao Partido Fascista, seção

Belavista, à união Oficiais em Licença, e à família Laghi em Jaqueri meus parentes.

- Serei, ou melhor sou grato a você e aos amigos, que além das muitas gentilezas e provas de amizade que

me demonstraram durante a minha existência, outros favores demonstrarão aceitando os encargos aqui

enumerados.

- Não digo palavras de saudação ou de despedida, porque eu não saberia dizê-las. Eu sei que esta existência

física é apenas um episódio externo à “Vida Verdadeira”, porém episódio necessário e útil se no decorrer

deste se conquistam o caminho e a liberação, isto é se dele se passa para a Vida Verdadeira.

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Deixo a existência física serenamente, ou melhor com alegria. Não possuo ódios, nem rancores. Não tenho

remorsos. Eu entendi a exitência humana como um campo de luta, no qual o único objetivo e a única vitória

é a liberação, ou seja o pleno, completo despertar espiritual. Alcançada esta meta, a existência terrena

perde todo atrativo, torna-se um peso que é doce abandonar. Eu terminei de escrever as primeiras partes de

um trabalho metafísico intitulado “SUPREMO VERO”, destinado ao pequeno círculo dos amigos, e que no

começar eu concebia como uma espécie de testamento filosófico.

Estou feliz que as duas primeiras partes “A MORTE” e “O AMOR” já estão escritas. Se isto seja coincidência

casual ou não casual coincidência eu não sei; nem mesmo sei se exista ou não alguma coincidência. Porém é

certo que ao terminar o escrito sobre “A MORTE” eu me sentia pronto, muito pronto para deixar o “rumor

mundano”.

A você e a todos muitos agradecimentos e um grande abraço.

Manlio Magnani.

Enfim, concluímos reproduzindo a oração fúnebre pronunciada por Amedeo Armentano diante da tumba

de Manlio Magnani:

Meu caro Magnani, em menos de um ano você é o segundo amigo ao qual eu dou o extremo adeus. O primeiro a partir foi o nosso Romeo, o nosso caro Romeo; seu companheiro em São Paulo e em uma outra terra. Hoje é você que nos deixa e que vai embora a procura do novo trabalho, mas olhando o mesmo horizonte. Existem coisas que são imponderáveis para a maioria dos homens assim como foi imponderável para eles o seu trabalho e o nosso antigo ideal. O nosso trabalho que é o mesmo do glorioso São João da Escócia e de São Jorge; este São Jorge que chamaremos com o mesmo nome que lhe foi dado pelo nosso Poeta Carducci: “Cavaleiro dos Santos e Santo dos Cavaleiros”. O seu ideal foi o mesmo que animou as maiores personalidades da humanidade, você procurou a verdade, a misteriosa verdade que exalta e ao mesmo tempo aflige todos os corações nobres. Agora eis algumas palavras que você e poucos outros podem compreender... … Você utilizou a sua sonda intelectual para conhecer a natureza da terra, das águas, do ar e do fogo... Onde você chegou? Quais foram os resultados das suas investigações? ... Você conheceu os símbolos eternos da verdade que Deus colocou ao alcance de todos os homens de boa vontade... Qual foi a resposta que eles lhe deram? Qual foi a resposta da ciência analógica? Lembre-se e responda... aqui tem alguém que entende a sua muda linguagem… Bem, irmão Magnani; libere-se do invólucro que ainda pesa sobre o seu espírito e siga o seu caminho, agarre os raios magníficos da estrela que segue o Sol e depois... depois o salto é breve, a luz do astro ardente do amor lhe atrairá e você se fundirá com a sua eternidade luminosa.

Os seus parentes e amigos, que vivem longe deste ângulo de terra, saberão da sua passagem para uma vida melhor, e as condolências destes corações nostálgicos chegarão até a sua tumba para dizer-lhe adeus; eles assim como nós não lhe esquecerão nunca.

São Paulo 23 de julho de 1943 Amedeu Armentano

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O PROGRAMA DO GRUPO DE UR

Na vida de alguns homens existem momentos, nos quais

estes sentem vacilar todas as suas certezas, desaparecer

todas as suas luzes, silenciar as vozes das paixões e dos

afetos e de tudo aquilo que animava e movia as suas

existências. Reconduzido ao próprio centro, o indivíduo

adverte então claramente o problema de todos os

problemas: Quem sou, eu?

Surge então, quase sempre, também o sentido que tudo

aquilo que se faz não só na vida comum, mas também no

campo da cultura, no fundo serve só para distrair-se, para

criar-se a aparência de um objetivo, para ter alguma coisa

que permita de não pensar profundamente, para velar a si

mesmo a obscuridade central e para subtrair-se à angústia existencial.

Depois existe quem desvia. O problema existencial, que ele sentiu, para ele impotente para assumi-lo

inteiramente – torna-se “problema filosófico”. Outros, porém, continuam firmes. Alguma coisa de novo e

de irrevogável determinou-se em suas vidas. O círculo que se fechou entorno deles, deve ser rompido. Eles

destacam-se das fés, destacam-se das esperanças. Querem dissipar a neblina, abrirem-se um caminho.

Conhecimento de si e, em si, do Ser é aquilo que eles procuram.

Este é um dos modos com os quais, sobretudo na época moderna, algumas pessoas podem aproximar-se

das disciplinas que, geralmente, são designadas como iniciáticas. Outros, ao contrário, são conduzidos ao

mesmo ponto de uma espécie de recordação e de natural dignidade, suscitante a sensação clara que este

mundo não é o verdadeiro mundo, que existe alguma coisa de mais alto do que esta percepção dos

sentidos e daquilo que vem do humano. A visão direta da realidade, como em um completo despertar, é

aquilo que eles aspiram.

Além do intelecto raciocinante, além das crenças, além dos sentimentos, além daquilo que hoje vale

geralmente como cultura e como ciência, existe um saber superior. Neste cessa a angústia do indivíduo,

neste dissipa-se a obscuridade e a contingência do estado humano de existência, neste se resolve o

problema do ser.

Este conhecimento é transcendente também no sentido que este pressupõe uma mudança de estado. Pode

ser conseguido só transformando um modo de ser em um outro modo de ser, mudando a própria

consciência. A qual não conhece “problemas”, mas só tarefas e realizações.

Eis porque é necessária a força de colocar de lado tudo, de destacar-se de tudo. A mudança da própria

estrutura mais profunda é aquilo que só conta para o conhecimento superior. Este conhecimento – o qual é

sabedoria e potência – é essencialmente “não-humano” e chega-se a ele através de um caminho que

pressupõe a superação ativa e efetiva, ontológica, da condição humana.

Isto não impede que este saber diferente e superior exista. Bem mais do que a crença predominante no

Ocidente, o ensinamento, do qual se trata, pode ao contrário usar como próprio o ditado: quod ubique,

quod ab omnibus et quod semper. A ele corresponde uma tradição única, que em várias formas de

expressão pode ser encontrada nas tradições de diversos povos: às vezes como sabedoria de antigas elites

reais ou sacerdotais, às vezes como conhecimento ofuscado por símbolos sagrados, mitos e ritos cujas

origens perdem-se em tempos primordiais, às vezes como escritos alegóricos, mistérios e iniciações, como

teurgia, yoga ou alta magia e, nos tempos mais recentes, como sabedoria secreta de correntes

subterrâneas afloradas aqui e ali entre as tramas da história ocidental, até os Hermetistas e os Rosacruzes.

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Aqui a uma metafísica contrapõe uma técnica a qual, mesmo não tendo nada a ver com forças e

fenômenos exteriores, dirigindo-se para as energias mais profundas do ser humano, possui o mesmo

caráter objetivo e experimental das assim ditas ciências exatas. Esta “técnica divina”, tradicional no sentido

superior, oferece possibilidades reais a quem, após a crise profunda acenada acima, tenha encontrado em

si a capacidade de superá-la positivamente e de distacar-se de tudo aquilo que é somente humano.

Em particular trata-se também de fazer com que o corpo inteiro torne-se um instrumento da consciência

que, superando a limitação individual, deverá penetrar nos estratos onde agem as forças profundas de um

eu superior: até encontrar a entrada da via que conduz ao “palácio fechado do Rei”.

A presente coleção de monografias entende dar informações, sugestões e endereços de tal ciência secreta.

Foi seguido o critério de evitar o mais possível todo discorrer entorno das coisas e dar, ao contrário, a

essência, sem negligenciar nada para fazer com que se entenda distintamente. O conhecimento superior é,

absolutamente, experiência. Mas tudo aquilo que é experiência torna-se inteligível só no pressuposto de se

ter uma experiência análoga. Toda comunicação escrita, ou melhor tipográfica, encontrará sempre um

limite.

Nós limitaremos a matéria a:

1) Exposição de métodos, de disciplinas, de técnicas.

2) Relações de experiências efetivamente vividas.

3) Republicação ou tradução de textos, ou partes de textos, raros ou pouco conhecidos, das tradições

do Oriente e do Ocidente, oportunamente esclarecidos e anotados e apresentados para que

estes possam fornecer orientações e abrir novas prospectivas.

4) Enquadramentos doutrinais sintéticos, aptos a remover a imagem rígida do homem, do mundo e da

vida vinda para prevalecer com a civilização moderna, para servir de pano de fundo para a

prática e esclarecer os seus pressupostos.

As várias monografias são tais que se completam mutuamente. Normalmente, estas são tão ordenadas,

que precedentemente já foram dados todos os elementos necessários para a compreensão adequada de

cada uma delas. Os colaboradores assumiram, amplamente, partes orgânicas de uma tarefa única,

retomando, integrando ou desenvolvendo de maneira diferente, mutuamente, as coisas ditas por cada um.

Seguindo um costume que encontra-se seja no Oriente antigo que nas nossas escolas, entre os Pitagóricos

como entre os Hermetistas, nas organizações iniciático-corporativas e nos Rosacruzes; acreditou-se ser

oportuno usar o princípio da anonimia dos colaboradores. Isto, porque aquilo que estes podem dizer de

válido reflete um ensinamento superindividual, objetivo. E foi foi preocupação daqueles que, a seu tempo,

dirigiram a organização deste grupo de monografias fazer com que estas sintam o menos possível das

particulares correntes que um ou outro autor pode ter sentido como mais familiares, que as exposições

foquem ao contrário nas “constantes” presentes em toda autêntica disciplina iniciática.

No máximo, aqui poderá ser encontrada aquela disciplina que no título dos presentes volumes aparece

com o termo “magia”. Será possível ver que, mais do que referir-se àquilo que na própria antiguidade foi

entendido com uma tal palavra, “magia”, a este respeito, assume um sentido traslado, marca somente uma

assunção particularmente ativa – comum mais ou menos a todo o grupo dos colaboradores – das

disciplinas tradicionais e iniciáticas. Além disso, é de Roger Bacon a definição da magia como “metafísica

prática”.

E aos colaboradores, também é comum uma precisa rejeição das variedades daquilo que hoje entende-se

por “espiritualismo”: do espiritismo vulgar até o teosofismo angloindiano, ao “ocultismo”, à antroposofia e

a tantas outras correntes semelhantes. Em tudo isso nós vemos deviações, que com o autêntico

ensinamento iniciático tradicional não tem nada a ver, uma mistura híbrida de fragmentos de verdades

antigas, de deformações mentais modernas, de fluxos visionários e de péssima filosofia, além de uma

mistura moralística cristianizadora e evolucionístico-humanitária. Foi uma grande preocupação daqueles

que organizaram estes volumes dar ao leitor o sentido mais preciso de um destaque destas formas

confusas e contrafeitas, que refletem só o marasmo, a falta de princípios e o confuso impulso à evasão da

época.

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O leitor da presente obra dificilmente poderá encontrar em outros lugares uma quantidade de

ensinamentos elevado igual a esta, dados com precisão e clareza.

Será ele a decidir, até que ponto entende restringir-se à simples leitura para informação ou até que ponto,

descobrindo uma vocação superior precedentemente só obscuramente sentida, entenda ousar, operar e

silenciar. É ensinamento iniciático, portanto, que aqueles que com uma íntima, férvida seriedade tentam,

dificilmente serão deixados sózinhos. É então possível que para eles aquele com “Ur” seja só um primeiro

contato e que outros poderão seguir, em diferentes níveis, no momento certo; para aqueles que, deixada

enfim uma margem, mesmo que ainda presos pelas “águas”, já tendem para a outra.

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Julho de 2016

VIDA DO MESTRE J.M. KREMMERZ

“Houve um tempo no qual eram erguidos grandes templos consagrados a Zeus, a Apolo, a Diana a Hermes. Mas com enorme sobressalto Vulcão, Deus do fogo, comandou a um de seus filhos que despertasse, e imediatamente começou a destruição: Pompeia e Herculano desapareceram e com elas os seus usos, costumes e Deuses. Porém as tradições sobreviveram graças à terra que as protegeu, e aos sacerdotes que, de geração em geração, renovaram os antigos ritos.”

Carlo III de Bourbon, Rei de Nápoles, mandou construir a sua sede de verão em Portici pelas esplêndidas riquezas naturais do lugar: o mesmo Rei que entretinha-se em longas conversas com o Príncipe Raimondo di Sangro di San Severo. E foi graças à monarquia que os grandes intelectuais daquele tempo passaram por Portici, como J.J. Winckelmann, o arqueólogo de Herculano e Pompeia, Mozart que ali esteve em 1770. Durante a regência de Ferdinando IV encontramos em sua corte homens ilustres como Mario Pagano, Pietro Colletta, e Gaetano Filangieri. Em 1812 habitaram ali Lord Byron, Giacomo Leopardi, Gioacchino Rossini e Vincenzo Monti. Com o Rei Francisco II Portici prosperou: conheceu a iluminação a petróleo, e foi construida a primeira ferrovia italiana, mas o bem estar não durou muito. Em 1848 quando explodiram as grandes revoluções nacionais e sociais da Europa, Portici sofreu em cheio as consequências enquanto sede do reinado dos Bourbons. Naquele tempo o Mestre Izar aliás Pasquale de Servis (1837-1893) tinha 11 anos. Foi o momento histórico do grande estadista Cavour, o qual permitiu um diálogo entre as diferentes forças políticas que levou à modernização do estado, sem esquecer a contribuição de Giuseppe Garibaldi, grão mestre da Maçonaria. Assim em 18 de fevereiro de 1861 foi proclamado o reino da Itália sob a monarquia dos Savoia, e poucos meses depois, em 8 de abril, Kremmerz nascia, e De Servis tinha 24 anos. O nome completo de Kremmerz era Ciro Nicola Salvatore Formisano. A família residia na via della Torre, em um edifíciio ainda hoje visitavel. Sobre os pais de Kremmerz não sabemos muito, o pai Michele Formisano, era um assistente de obras estatais e morreu jovem quando Ciro ainda era pequeno, de fato foi o tio materno a cuidar dele, já a mãe, Gaetana Argano, pertencia a uma facultosa família empresarial. Casados desde 1845, já tinham se acostumado com a ideia de não ter filhos, quando, depois de mais de dezesseis anos de casamento, nasceu o pequeno Ciro. Os Formisano hospedavam De Servis, ex oficial do exército Bourbon, filho

do médico Romolo De Servis, em um seu apartamento. Izar afirmava ser filho natural do rei Ferdinando II, e discípulo do alquimista Raimondo di Sangro. De Servis afeiçoou-se muito ao pequeno Ciro tornando-se posteriormente o seu mestre. Kremmerz sempre falou de Izar com veneração. Mas quem era De Servis? Nos ambientes Kremmerzianos diz-se que De Servis teria tido como mestre o próprio mestre de Bulwer-Lytton, o famoso escritor inglês apaixonado pela Itália e iniciado ali na magia de Domenico Bocchini (imagem à esquerda) que mais provavelmente pode ter sido o mestre de Izar e de Filippo Lebano, pai de Giustiniano.

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Kremmez era professor de italiano, história e geografia na província de Nápoles desde 1878. Então ensinou no instituto “Schioppa” nos anos 1880-1882, depois no instituto “Torricelli”, e enfim no Ateneu Municipal de Alvito nos anos 1884-1885. Em 1879 tornou-se Diretor literário da Roux e Favale de Turim, encargo que cobriu até 1880. Ao mesmo tempo ocupou-se da tipografia e livraria da editora Jovene e C. de Nápoles, encontrando tempo também para publicar livros didáticos. Naquele período os pais propuseram ao filho o matrimônio com a primogênita de uma riquíssima família de Portici. Porém o mestre escolheu uma mulher mais modesta: Anna Beato. Celebrado o casamento em Bari em 15 de agosto de 1887, o novo casal foi morar em um apartamento de propriedade da senhora Gaetana. Kremmerz era um hábil escritor, assim sendo dedicou-se ao jornalismo. Foi primeiro correspondente de Nápoles do Jornal da Sicília, depois graças ao amigo Paolo Scarfoglio, diretor do jornal Il Mattino de Nápoles, foi contratado como redator deste jornal, onde foi muito apreciado, mas infelizmente também zombado pelos colegas pelo seu interesse pelo ocultismo. Assim Formisano preferiu concluir a sua carreira jornalística. Enquanto isso, em agosto de 1888, a mulher Anna tinha tido uma menina, à qual foi dado o nome de Gaetana. Desta vez o mestre para enfrentar as dificuldades financeiras pediu ajuda ao tio materno, Ferdinando Argano, que porém negou categoricamente a ajuda, provocando assim uma ruptura no relacionamento entre os dois. Mas Kremmerz não desanimou: depois de várias tentativas sem êxito tentou, como muitos meridionais do seu tempo, a via da emigração. Nos primeiros meses de 1889 partiu para Montevidéu no Uruguai. A mulher o viu partir em um navio para a América, e chegar cinco anos depois em um outro navio que tinha feito o percurso contrário. Ignoramos as verdadeiras razões desta viagem de Kremmerz para a América: existe quem diga que ele tenha feito esta escolha para resolver a sua situação econômica, mas nós

sabemos que as verdadeiras razões da sua viagem para a América Latina foram outras. Na América trabalhou como redator chefe do jornal “L’operaio Italiano” de Buenos Aires do qual em seguida demitiu-se. No mesmo período, ou pouco depois, tornou-se sócio capitalista de uma empresa comercial de compra e venda de vinhos e licores. Durante a sua estadia na América do Sul praticou a profissão de médico homeopata através do sábio uso das ervas, mudando em continuação de um país para o outro. Mas com explicável alívio, o mestre teria recebido em abril de 1893 a carta que o chamava de volta para a pátria, porque sua mãe tinha herdado uma discreta cota da fortuna do rico irmão, dom Ferdinando Argano, que tinha morrido. Quando Kremmerz

retornou pôde ver a segunda filha Adele que tinha nascido em agosto de 1889, e mais ou menos depois de um ano após o seu retorno a senhora Anna deu à luz o esperado herdeiro: o pequeno Michele. Mas pouco antes que Kremmerz pudesse rever Nápoles, o amado mestre Izar deixou improvisamente este mundo. Uma manhã a senhora Anna, que tinha ido como sempre cuidar dele, encontrou-o morto: era o dia 28 de fevereiro de 1893, Izar morria aos 56 anos. Em 1895 o mestre, aproveitando a herança, estabeleceu-se em Nápoles, onde alugou um grande apartamento nas proximidades da praça Garibaldi, mobiliando-o ricamente. No ano sucessivo, Kremmerz estabeleceu as bases para a constituição da Fraternidade Hermética: a Fraternidade Terapêutica Mágica de Myriam. Em 1896 Kremmerz sofreu uma gravíssima crise financeira. Teve que transferir-se para um apartamento muito mais modesto no Vomero. Kremmerz teve que trabalhar para enfrentar as despesas pois seus rendimentos tinham diminuído muito, por isso assumiu o encargo de despachar a correspondência da Editora Detken e Rocholl de Nápoles. O ganho diário para este trabalho era de 5 liras, uma quantia modesta, mas que unida a outras entradas permitia-lhe iniciar a publicação do “Mondo Secreto”: era o ano de 1897. Entorno àquela revista formou-se um vasto cenáculo de ocultistas e espiritualistas, despertando consensos e polêmicas. A própria excepcional personalidade de Kremmerz polarizava interesse e simpatias: sempre alegre, brincalhão e disponível. Era discípulo do ilustre mestre Giustiniano Lebano (1832-1909). Sobretudo após a morte de Izar, Kremmerz fez-lhe frequentes visitas, sempre apreciadas por Lebano que tinha notado os excepcionais dons do jovem o qual por isso foi autorizado a fundar oficialmente a Fraternidade de Myriam.

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Mas no que consistia a propaganda mágica? O Mestre Giuliano Kremmerz ensinava a magia natural, a Terapêutica e as Evocações, através do conhecimento das quais o estudioso podia aproximar-se à mais elevada e oculta magia transmutativa, da qual não se escreve senão nos símbolos indecifráveis aos profanos. O Mestre Kremmerz propunha a prática da Filosofia Hermética. A filosofia hermética é um complemento da prática hermética, e sem ela resta um enigma incompreensível. Kremmerz teve sempre mais do que um refúgio secreto para operar na magia fora do ambiente familiar. Um destes encontrava-se nas proximidades do velho palácio dos Correios em Monte Oliveto. Contudo o mestre era continuamente incomodado por pedidos de números da Loteria, como se usava naquela época, mas nunca aceitou de bom grado estes pedidos, e certamente nunca aproveitou disso para si. A famosa mudança de posição econômica de 1897, foi obtida com uma atividade de trabalho conexa aos excepcionais poderes terapêuticos dos quais o mestre era dotado, e ao seu conhecimento de prodigiosos remédios empíricos para as doenças mais incuráveis. A este respeito são iluminantes as suas próprias palavras tiradas do “Commentarium” uma importante revista da qual ele participou por anos: “Ocorre que eu refira brevemente as tentativas feitas para a constituição de um laboratório hermético experimental. Eu comecei a ocupar-me pessoalmente em 1895, com meios absolutamente meus, fundando-o em uma casa de campo em Lettere, próximo a Castellammare di Stabia, quando eu morava perto de Sorrento. O meu coadjutor foi um ótimo e profundo estudioso de medicina hermética G.G. que tinha se empenhado a dedicar-se ao longo trabalho de preparação. Mas quando ele morreu em 1897, o desenho abortou e tudo foi esquecido. A idêntica tentativa foi repetida em 1900 e também desta vez tivemos que interrompê-la. Em 1906 eu conheci dois senhores que, associados, tinham arrumado um laboratório experimental para os seus estudos, um francês e um sul-americano. Nós nos unimos para ampliar e completar o que eles já tinham feito. Por causa da falta de dinheiro necessário – para torná-lo completo seria necessário muitíssimo – nós procuramos fazer o melhor possível para equipa-lo até 1909. Naquela época pareceu que tudo falisse novamente, já que um dos colaboradores tinha que retornar para a América; evitado este segundo desastre, são seis meses que as experiências, foram seriamente iniciadas. É pouco, como se pode ver; os resultados, os primeiros resultados mediocrissimos; agora se acena a ter um primeiro produto integral – o mercúrio específico. Para fazer entender o que eu quero indicar com este nome eu tenho que explicar as ideias gerais das aplicações alquímico-herméticas, necessárias para esta reconstrução farmacêutica, com critérios não só químicos, mas alquímicos no sentido hermético. A alquimia nos estudos modernos e modernizados é considerada como uma hiperquímica do ponto de vista dos conhecimentos analíticos da ciência contemporânea, mas substancialmente como é na sua ideia mãe importa a solução não de quatro problemas como observa Piobb – a quadratura do círculo, o movimento perpétuo, a panaceia universal, e a fabricação do ouro – mas um quinto e mais complexo enigma da angelização do homem inferior. Preparar-se para a solução de um só dos cinco quesitos, é propor-se o enigma alquímico. Deixando de lado quatro destas proposições e referindo-nos só ao problema da panaceia universal e do elixir de longa vida, mesmo segundo os estudos profanos de hoje à continuação das antigas e desacreditadas práticas, esta ideia sintética de um medicamento típico, apto a destruir o princípio morboso no homem, não é um sonho inverosímil nem uma loucura que ficará eternamente sem resposta. De fato também do ponto de vista biológico, admitido que toda doença é de origem micróbica e parasitária, a descoberta de um fármaco (veneno) que mate todos os micróbios e parasitos e de um antídoto (medicamento) que reative todos os fatores biológicos positivos, não é um enunciado que a lógica repugna. Mas a via para se chegar deve ser estudada e experimentada. Deixemos de lado as opiniões filosóficas, entremos na prática, e cada um com os seus meios procure alcançar a solução do enigma. Um exemplo é o resultado obtido dois anos atrás pelo biólogo Delage que fez abrir ovos de ouriço do mar não anteriormente fecundados. Não é uma verdadeira criação de seres viventes? A via que nós seguimos é científica no sentido comum da palavra? O veremos depois, após as experiências, e na distante hipótese que as experiências possam alcançar a perfeição, o nosso método (seríamos sectários se não o fizéssemos) será colocado ao alcance de todos os laboratórios profanos pro salute populi. Falar agora sobre estes métodos é não só prematuro, mas ridículo, quando se vê que entre estudiosos e estudiosos de símbolos alquímicos existe grande disparidade de interpretação que não é possível entender-nos – mas ainda assim a alquimia de ontem será a ciência concreta e oficial de amanhã. O nosso propósito não é aquele de discutir; como na escola, o método é positivo: provar, experimentar, conseguir. Depois virão outros se conseguiremos encontrar as leis para apresentá-las com toda a procissão científica para consolidar os seus procedimentos.

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Isto que eu estou lhe contando é argumento sobre o qual voltarei a falar, mas para dar-lhe um pequeno exemplo das confusões alquímicas, quero lembrá-lo que este mercúrio, o qual, pelo menos parece bem sucedido, é um nome que se presta a mil interpretações e cada um dos estudiosos entende-o de uma maneira ou de outra lendo os escritores de tratados de hermetismo alquímico. Para que não se caia em engano eu lhe digo que o nosso mercúrio é metálico obtido com o tratamento contínuo do fogo ou fogareiro com doze lâmpadas, para tríplice saturação, fazendo-o destilar em banho-maria... estas são todas blasfemias para o Sr., mas são verdades e palavras claras para nós, porque em cada molécula ou milionésimo de molécula existe dentro um pouco daquela matéria cósmica ou etérea que faz a alma do homem, com isto queremos dizer que no nosso mercúrio existe uma parte importantíssima da essência vital dos seus preparadores. Este primeiro produto – pouco como quantidade, nós fizemos só umas trinta gramas e o resto foi perdido – foi distribuído em grande parte nos experimentos. Se o Sr. o desejar peça na Academia que conhece.” Todavia é bom recordar que Kremmerz dedicou-se sempre à terapêutica gratuita, e gratuitamente exercitou-a ele mesmo, com os resultados maravilhosos recordados por muitos ainda hoje. Se ele ganhou alguma coisa, talvez até mesmo notável, foi exclusivamente como doações efetuadas espontaneamente pelos beneficiados mais facultosos, que queriam manifestar-lhe a sua gratidão. Mas isto custou-lhe caro já que provavelmente alguém denunciou-o por uso abusivo da profissão médica: a este fato devem ser acrescentados os dissabores sucessivos com o regime fascista que no complexo justificam as suas dificuldades com a lei daquela época. No decênio 1897-1907 o mestre continuou a viver em Nápoles, enquanto “Il Mondo Secreto” afirmava-se sempre mais e a fraternidade de Myriam expandia-se rapidamente. Para a Detken e Rocholl dará à luz obras como: “Anjos e Demônios do Amor”, em 1899 o terceiro número de “A Medicina Hermética”, Boletim de Instruções aos Praticantes, no qual figura o “Pacto Fundamental” de constituição da Myriam. No mesmo período Kremmerz curou também a publicação, na Editora Rocco de Nápoles de uma interessante coleção de livrinhos de ocultismo intitulada “Biblioteca Esotérica Italiana”. Ali podem ser encontradas uma “História da Alquimia” de Pietro Bornia, a “Medicina Mística” de Catalano, com introdução e notas do próprio Kremmerz, “Cristo, a Magia e o Diabo” de Eliphas Levi, “O Guardião da Soleira” de Bornia e a coleção do “Mundo Secreto”, coleção em dois volumes. Kremmerz amava escrever nas horas de silêncio noturno. Às vezes, durante o inverno, ele se levantava improvisamente da cama para escrever, continuando até de manhã. Boa parte da sua produção literária nasceu assim. Em 1907 o Mestre transferiu-se para Ventimiglia, onde ficou até 1909, ano no qual, na Revista “Luce ed Ombra” de Marzorati de Roma, começou a aparecer em capítulos uma obra que terá um estranho destino: “O tarô do ponto de vista Filosófico”, que chegou até nós incompleta porque, improvisamente, o Mestre queimou o manuscrito muito antes que a publicação terminasse. Em 1910 a Editora Laterza, de Bari, publicava em uma edição fora do comércio “Avviamento alla Scienza dei Magi”, obra fundamental do Mestre, de enquadramento teórico da Magia. Em 1909 o Mestre transferiu-se para Camogli na Liguria, onde em julho de 1911 a senhorita Gaetana, a sua primogênita, casou-se. Em 1912 estabeleceu-se definitivamente na França na costa azul, precisamente em Beausoleil próximo a Monte Carlo. Sempre por causa da publicação do ocultismo, em 1911 se verificará um outro incidente com um outro ocultista: “Ottaviano”, nome esotérico do Duque Leone Caetani di Sermoneta, alto iniciado na arte régia e douto islamista, que retirou improvisamente a própria colaboração do “Commentarium”, com uma carta polêmica publicada na mesma revista. O Duque ficou idignado, assim como Lebano, com os argumentos sagrados que Kremmerz expunha aos profanos. Depois de poucos números a Revista interrompeu a publicação. Enquanto isso as dificuldades na Itália tinham se tornado insuportáveis por causa das perseguições judiciais e talvez algumas pessoas, invejosas do seu sucesso, moveram contra ele uma guerra oculta e manifesta, assim sendo Kremmerz foi constringido a partir, e o fez com profundo pesar porque adorava Nápoles. Nos primeiros anos ele não deixou de fazer frequentes viagens para Nápoles, Bari e Roma, desde a época da estadia em Ventimiglia. Por ocasião destas viagens visitando as Academias, ele dava palestras interessantíssimas acompanhadas por experimentos de magnetismo. Em 1929 viram a luz os “Diálogos sobre o Hermetismo”. Mas o mestre, dada a idade não vinha mais para a Itália, especialmente por causa de uma fratura no braço que tornava difícil e cansativa a viagem. Em compensação, numerosos discípulos e admiradores iam encontrá-lo em Beausoleil. Nos últimos anos da sua vida, por causa do problema no braço, o Mestre ditava para outras pessoas todos os seus escritos:

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incluída a correspondência pessoal. Ele continuava assim a dirigir a Myriam e os discípulos, um por um, guiando-os moralmente e materialmente. O encargo de secretário amanuense do mestre foi assumido por um jovem ocultista, o parisiense Jean Brenniére, estudioso apaixonado de hermetismo e muito ligado afetivamente a Kremmerz. Durante as férias de verão as duas filhas, os genros e alguns dos netos iam encontrá-lo. Próximo à Páscoa de 1930 o devoto secretário Brenniére viu em sonho um caixão; quando referiu-o ao mestre, ele, sentindo que o jovem não conseguiu ver para quem fosse o caixão, advertiu-o: “Você fará o mesmo sonho, saiba ver melhor”. Quando depois de alguns dias Brenniére sonhou novamente com o caixão, com sua dolorosa surpresa, conseguiu ver que era o corpo de Kremmerz que estava estendido dentro dele! A senhora Anna, preocupada com a terrível premonição, quis que a filha Gaetana e seu marido fossem para Beausoleil, os quais cedendo às insistências de Kremmerz, e talvez estes também com presságio do fim iminente, concordaram ficar com ele até maio. Nos primeiros dias de maio o Mestre começou a se sentir mal: sentia um estado de mal estar geral, não digeria mais, sentia a cabeça pesada. Na noite de 6 de maio, no Cassino de Mônaco apresentava-se o Ballet russo do Bolshoi. Os familiares para distraí-lo, quiseram que ele fosse ver o espetáculo, e ele não soube recusar. Voltou para casa cansado, e passou uma noite muito agitada. Na manhã do dia seguinte, quase não dava mais sinal de vida, respondendo somente com acenos às perguntas. Mais ou menos às onze horas o Mestre piorou ainda mais e serenamente suspirou, eram as 16:00 hs. do dia sete de maio. Foi enterrado no cemitério de Beausoleil próximo a Monte Carlo.

Luigi Braco

BARREIRAS

O primeiro movimento do homem que busca a Via deve ser aquele de

romper com a imagem habitual que tem de si mesmo. Somente então ele

poderá começar a dizer Eu, quando a palavra mágica corresponda a

imaginação interior de um sentir-se sem limites de espaço, de idade e de

potência.

Os homens devem alcançar o sentido da realidade de si mesmos. Por hora

esses não fazem que limitar-se e mutilar-se, sentindo-se diferentes e

menores daquilo que são; cada pensamento seu, cada ato seu é uma

barreira a mais à sua prisão, um véu a mais à sua visão, uma negação da

sua potência. Se fecham nos limites do seu corpo, se atrelam à terra que

os conduz: é como se uma águia se imaginasse serpente e rastejasse no

solo ignorando as suas asas.

E não só o homem ignora, deforma, renega a si mesmo, mas repete o mito de Medusa e petrifica tudo

aquilo que o circunda; observa e calcula a natureza em peso e medida; limita a vida em torno dele em

pequenas leis, supera os mistérios com as pequenas hipóteses; fixa o universo em uma unidade estática, e

se coloca na periferia do mundo timidamente, humildemente, como uma secreção acidental, sem potência

e sem esperança.

***

O homem é o centro do universo. Todas as massas materiais frias ou incandescentes das miríades dos

mundos não pesam na balança dos valores quanto a mais simples mudança na nossa consciência. Os limites

do seu corpo não são mais que ilusões; não é só na terra que se apoia, mas ele continua através da terra e

nos espaços cósmicos. Seja movendo o seu pensamento ou os seus braços, é todo um mundo que se move

com ele; são muitas forças misteriosas que se lançam diante dele com um gesto criativo, e todos os seus

atos cotidianos não são que a caricatura daquilo que flui nele divinamente.

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Assim também deve dirigir-se ao redor e liberar da petrificação aquilo que o circunda. Antes de sabe-lo,

deverá imaginar que na terra, na água, no ar e no fogo existem forças que sabem que são, e que as

chamadas forças naturais não são que modalidades da nossa substância projetadas para fora. Não é a terra

que faz viver a planta mas as forças na planta que extraem da terra os elementos para a própria vida. No

sentido da beleza das coisas deve introduzir-se o senso do mistério das coisas como uma realidade ainda

obscura mas pressentida. Porque não somente aquilo que podemos ver e conhecer deve agir em nós, mas

também o desconhecido corajosamente estabelecido e sentido na sua força.

***

É oportuno fazer notar a necessidade de uma especial atitude frente a este ponto de vista como em

qualquer outro do esoterismo. Se trata de dar início àquilo que depois servirá tão frequentemente na vida

do desenvolvimento espiritual, um modo de possuir um conceito que não é somente compreender ou

recordar. É necessário RITMAR; vale dizer, apresentar à própria consciência, que agarra com uma atitude

volitiva, o mesmo conceito periodicamente e ritmicamente11; e não só como pensamento mas também

como sentimento. A contemplação do próprio ser e do mundo no modo que foi acima enunciado suscita

um sentido de grandeza e de potência: Devemos reter em nós este sentido de modo a fazer compenetrar

nele intensamente.

Assim poderemos estabelecer uma conexão realizadora com esta nova visão, a qual no princípio se

encontrará no subconsciente até que após de um certo tempo virá a situar-se em modo sempre mais

definido no sentimento de que falamos; se apresentará então uma nova condição, na qual isto que antes

era conceito poderá transformar-se em presença de uma nova força e se alcançará assim um estado de

libertação sobre a qual será possível edificar a nova vida.

Todos os exercícios de desenvolvimento interior serão paralisados se não se rompe a casca-limite que a

vida cotidiana forma ao redor do homem e que também a visão transformada persiste no subconsciente

humano.

Leo

Tradução do Ir+ Asiel

N.B.- O autor deste artigo é o antroposofo Giovanni Colazza (ver imagem na home-page), que escreveu na

revista UR (1927-1928), com o pseudônimo Leo.

AS REGRAS DE OURO DA HERMETIC BROTHERHOOD OF LIGHT (H.B. of L.)

Introdução

A regra de ouro que devemos recordar em todas as fases da preparação hermética é aquela do equilíbrio. A

evolução científica dos poderes ocultos da alma humana é resultado de um procedimento metódico e de

uma aplicação constante, assim como acontece na educação de uma criança. Não podem ser esperados

resultados imediatos. Se estes são obtidos serão prematuros e anormais e ao invés de estimulá-los

devemos freá-los já que a perfeita harmonia seria violentamente perturbada.

11 Este ponto fundamental, de fazer alojar mediante o ritmo no próprio ente corpóreo um conhecimento até alastrá-lo, pode

esclarecer o motivo de tantas repetições, conceitualmente inúteis, dos discursos do Buda, como também daquelas que se

encontram em rezas e invocações mágicas e assim por diante, até no emprego concomitante das práticas respiratórias do

hatha yoga.

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O desenvolvimento dos poderes ocultos e dos atributos da alma tem um período de gestação e um de

maturação antes de alcançar o momento culminante quando podemos recolher os frutos espirituais do

nosso trabalho.

O neófito deve, antes de mais nada, compreender profundamente do que se trata antes de começar a

trabalhar cegamente. Deve ter uma ideia precisa da disciplina e do treinamento espiritual antes de tentar

qualquer prática. De tal maneira terá uma ideia a mais aproximativa possível sobre este tema tão

importante.

As seguintes normas, breves mas importantes, devem ser meditadas com proveito.

A preparação oculta ou cultura psíquica, significa em primeiro lugar a liberação da alma.

Em segundo lugar significa a cura e a utilização prática das faculdades espirituais da alma.

Em última análise quer dizer o domínio total de qualquer paixão animal, de qualquer desejo próprio, em

vantagem de um controle harmonioso e indiscutível da nossa parte divina.

Estes fatos devem ser bem registrados na memória e devemos também recordar que os vícios, os hábitos e

as paixões, assim como outros traços desarmônicos do caráter, devem ser dominados. Até quando isto não

se realiza, nós somos só os inermes “médiuns” da matéria.

Não é real e externa indulgência em uma prática particular qualquer aquilo que constitui um real vício, mas

o poder, a força e o controle magnético que um tal costume ou prática exercita sobre o ser interior que na

realidade constitui a transgressão verdadeira

das leis mais elevadas do ser.

Depois de ter exposto brevemente os princípios

gerais da cultura psíquica devemos só dizer

brevemente algumas palavras de advertência.

Nenhum vício humano pode ser eliminado

bruscamente, mas de maneira lenta e gradual,

isto é quase imperceptivelmente. Uma

suspensão repentina comporta uma reação

violenta e, acima de qualquer coisa, a cultura

psíquica requer calma e equilíbrio. Nenhum

homem pode fazer uma inversão repentina do

inferno para o céu.

Consequentemente é impossível saltar dos

planos do desejo egoísta para o reino da luz

espiritual em um só dia, semana, mês ou ano. Trata-se de um processo de crescimento gradual com o qual

teremos modo de apreciar, após o período de maturação, o prazer espiritual dos frutos.

Lembrando-se disso a disciplina espiritual será então seguida de maneira sábia, boa e profícua.

Regras para a preparação oculta

1) O neófito deve abster-se do fumo, do uso de alcoólicos e drogas. A dieta deve ser pura, completa e

manter um teor de vida pitagórico.

2) Todas as manhãs o neófito deve tomar um banho frio ou morno, de acordo com a sua constituição física,

se é robusta ou delicada. Quando o banho não for possível o corpo deve ser limpo com uma toalha

molhada.

3) Durante o dia, enquanto estiver ocupado com o próprio trabalho, o neófito deve esforçar-se para

descobrir até mesmo o mínimo pensamento, palavra, fato ou murmúrio maligno, que em qualquer

situação deve ser afastado. Na verdade o neófito deve realizar sem esforço os necessários deveres da vida

e cultivar um estado da mente tranquilo, calmo, reservado e de autocontrole, permitindo assim ao seu si

profundo de frear as penas, as alegrias, as surpresas, os prazeres e as dores. Deve recordar-se que as

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paixões e sensações do corpo representam juntos e separadamente estados inferiores da consciência ou,

em outras palavras, centros de força oculta que procuram sempre usurpar o imperial poder do verdadeiro

monarca, a vontade humana. A maior parte dos seres humanos não são só simples escravos de suas

inclinações e paixões terrenas, mas assemelham-se, aos olhos dos verdadeiros ocultistas, a um império

dividido em inumeráveis pequenos estados, cada um dos quais possui as próprias leis, suficientemente

potentes para poder ignorar totalmente qualquer ordem do seu senhor principal. Até quando o corpo não

será colocado sob o comando da vontade purificada e não permanecer absolutamente submetido à sua

alma, o progresso oculto é realmente impossível. Esta é a maior barreira que deve superar o neófito, ou

seja o próprio individualismo. "Primeiro conquiste você mesmo e só depois anseie a conquista das forças da

natureza”.

4) Quando o neófito estiver progredido no caminho até o autocontrole, deve começar imediatamente um

exercício ativo, fazer as abluções da manhã e da noite praticando com o espelho mágico ou meditando com

a esfera de cristal precedido por um exercício de visualização.

5) Quando for necessário devem ser usados perfumes: incenso ou outros perfumes apropriados. Coloca-se

a esfera de cristal ou o espelho em posição e sentando-se com a mente em estado passivo, contempla-se o

centro ou fogo usando encantamentos e palavras sagradas apropriadas. Por exemplo: “A minha alma é una

com o Universo e o meu espírito uma emanação divina”.

Logo após pedir à mente que medite sobre as palavras sagradas e ao mesmo tempo a vista espiritual da

alma penetrará de maneira lenta mas segura com a luz astral que surge dos olhos do neófito na superfície

magnética e sensível do espelho.

A mente deve ser mantida o mais possível no espiritual durante a prática e todos os objetos mundanos

(profanos) devem desaparecer.

6) A prática da noite é muito diferente daquela da manhã. O neófito deve sentar-se em uma poltrona

confortável ou deitar-se em uma cama em uma posição cômoda e fixar o (...) ou o espelho e começar a

“formular” com os olhos da mente objetos mentais ou metafísicos, tentando projetá-los externamente na

parede ou no teto.

Obterá para si mesmo muita vantagem do ponto de vista psíquico se tentar reproduzir alguns destes

objetos durante o dia. Este é o grande segredo da penetração da luz astral. Queremos dizer que é o início

do caminho que conduz aos mistérios da luz astral.

É melhor lembrar que não se pode fazer um talismã ou dirigir os poderes mágicos, se não se possui o

domínio desta fase de FORMULAÇÃO. O melhor período para esta prática é no pôr do sol, quando estiver

escuro ou à meia-noite, assim como no alvorecer (antes do nascer do Sol) ou durante a meditação da

manhã.

7) Por último devemos dizer que o tom moral da vida do neófito deve ser puro, sem mancha e não

contaminado pelos desejos egoístas.

Em particular modo devem ser controladas as relações sexuais e praticadas só após um estudo atento e

bem considerado dos desejos e das próprias intenções.

O erro fatal do sexo é aquele que prejudicou milhões de aspirantes à iniciação oculta que consideravam-se

bem encaminhados. (Zanoni).

OMNIA VINCIT VERITAS

Tradução do espanhol de Zalburis

Fonte: Thomas Burgoyne, The Light of Egypt, Editorial Kier, Buenos Aires

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Agosto de 2016

ASTROLOGIA

As cartas que chegam de muitos leitores sobre experimentos que deram certo após os conselhos dados

por mim relativos à astrologia, eu acho que não seja útil publicar porque, afinal, eu não quero concorrer

com os astrólogos que fazem a profissão de estar cara a cara com as estrelas mais luminosas, nem usurpar

a fama do Barbanera de Foligno ou de Rutilio Benincasa. Eu me ocupo de astrologia só pela amizade da

qual me honram dois ou três estudiosos, que por medo que este nosso simpático público que dá facilmente

o diploma de charlatão para quem o merece e para quem não o deseja ria deles, ficam apartados.

A este propósito, se como este capítulo é sempre um pouco alegre, porque nós pequenos homens

queremos ler alegremente nos planetas, eu quero contar a história de um meu insucesso que é divertida e

ensina muitas coisas. Porém antes de mais nada para ser honesto eu tenho que dizer que não se deve ler

aquilo que não está escrito, caso contrário cria-se uma grande confusão na cabeça e a culpa não é minha.

* * *

Há muitos anos, tendo tempo a disposição, em um ermo que fica entre os Apeninos dos Abruzos e o

extremo limite setentrional da Província de Foggia, eu pensei em estudar os mistérios recônditos dos céus.

Peço que entendam que eu não queria me tornar nem um Flammarion nem um Schiaparelli, mas saber se a

antiga astrologia podia abrir-me as suas janelas. Fui procurar justamente um daqueles que hoje me

fornecem notícias e perguntei se queria fazer de mim um seu discípulo. O amigo me contentou e começou

a escrever-me cartas que são, ainda hoje quando leio alguma, obras de arte de humorismo e de confusões

astronômicas... que eu deveria entender com o granum salis dos filósofos, granum salis astrológico que eu

não possuo.

A primeira carta dizia:

“Explicar as bases da astrologia mágica não é difícil para quem sabe o que são os astros, mas eu terei um

trabalho difícil se você quiser aprender tal segredo que nunca nenhuma pessoa disse a outra nem poderia

de maneira alguma revelar”.

Esplêndida e animadora introdução para quem quer entender aquilo que não sabe!

“A astrologia não é só uma ciência, mas a mais perfectível das sabedorias humanas porque dá a certeza

de coisas futuras sem causa ponderável ou tangível ou visível, e antes que a causa das causas seja

concebida pela mente do homem.

O prognóstico astrológico é “aritmético” quando as causas são fórmulas numéricas concretas e

determinativas, ou é simplesmente “matemático filosófico” quando as fórmulas são gerais e algébricas. Se

eu predico que “a tal cidade da Itália na lua cheia de agosto será destruída” farei um prognóstico

aritmético, ou se direi que “uma cidade será proximamente destruída” direi profecia matemática geral.

O céu está cheio de estrelas, para o astrólogo são suficientes poucas para calcular, são suficientes sete

planetas que não são todos tais (Q Sol R Lua U Marte S Mercúrio, V Júpiter T Vênus W Saturno) e doze

animais estrelares que formam o “Zodíaco” (Áries, Touro, Gêmeos etc.).”

Até aqui tudo bem, depois começa a segunda carta:

“Todos os planetas e todas as estrelas estão no nosso Céu que é muito parecido com o Firmamento dos

astrônomos vulgares, que Jeová, se diz na Gênese, separou das águas, enquanto que o nosso Céu ainda

contém as águas que ninguém nunca sonhou separar e nas águas estão imersos todos os animais que ali

nadam. Além disso o “Firmamento” dos astrônomos contém a “Terra”. O nosso “Céu” não precisa da casa

terrena da qual admiramos todas as diversas coisas do criado e sobretudo não precisa dos animais de Noé

que vieram da Arca e depois foram escravizados ou devorados. Da terra nos servimos só do fogo central ou

fogo de linhito e carvão de mineiras quando para investigar as regiões gélidas do Zênite e do Nadir temos

que nos aquecer para manter-nos vivos entre os viventes. Porque “Zênite” e “Nadir” são os dois polos do

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Universo, o alfa e o ômega da criação. O primeiro Zênite é a região glacial dos cristais de rocha prismáticos

que refletem a frio as sete cores do arco-íris, que são as mesmas dos sete planetas, com o acrescentamento

do celeste que é precisamente a cor do vulgar firmamento como o veem as plebes que conhecem só as

cores iguais; o segundo Nadir é a região glacial não cristalizável, porque contém no estado de sal puro

pulverizado todas as raízes dos sais universais que neutralizam os ácidos que os planetas evaporam ou

transpiram, especialmente Saturno e Marte; os quais são venenosos em certos períodos até superar a

pestilência dos arsênicos e dos sulfatos impuros de cobre e o tóxico natural dos escorpiões e da cicuta

assim como do heléboro preto que leva à loucura.

Você, oh amigo dileto, não seja superficial, porque se você quer aprender a astrologia dos vulgares

“temáticos” é fácil zombar dos tolos e passar por charlatão; mas se você quer entrar na área recôndita da

astrologia dos sábios deve abrir bem os ouvidos e ficar atento e vigilante como o cachorro de Diana que

late para a lua, porque no silêncio das noites ouve os lunáticos que conversam no planeta branco, e ficará

atento a todo balbuciar de sílabas, porque não é estranho que eu diga “pão” e você entenda “cão” ou diga

“orco” e você entenda “porco” por isso você não vai pela via certa e encontra a via “Láctea” que como você

bem sabe contém a cabeleira de Berenice, a mulher cabeluda do mito que leva as almas dos vulgos,

crianças que mamam para a contemplação crítica do Céu. O qual, como eu já te fiz entender, é puro com

luz ardente e deve ser visto e admirado através de vidros fumê porque a vista humana sem proteção não

resiste à luz muito forte e pode ser danificada, razão pela qual a luz deve ser dada com sombras para que

não cause danos naqueles que observam estando no escuro; não acusar-me de ser abstruso ou incompleto

porque o meu ensinamento é dado para você íntegro e inteiro, e se você me ler bem encontrará tudo: por

exemplo, Ariana que desenrola o novelo para Teseu e Hércules que sopra na Camisa do Centauro Nesso, e

poderá dizer para quem está vivo se morrerá de peste ou de veias rompidas e aos doentes quando serão

curados, a que horas e em qual minuto. E não é possível que tal ciência do Céu, através da qual um homem

pode se tornar um semideus ou herói, possa ceder aos caprichos do primeiro que a queria, porque a

matéria do Céu não pode ser ensinada como uma disciplina humana através de escritura ou de palavras,

mas através da prática, a mesma que deve ser vista e distinta entre as luzes e as penumbras planetárias.

Quem se dedica a ela deve dedicar-se a si mesmo por inteiro, dia e noite, e conceder-se como o namorado

à amante, amada eternamente e além da vida da terra. E agora, meu sincero amigo, eu defini bem sobre o

que se trata, fique pronto porque eu mostrarei para você os caminhos para ver as estrelas e os planetas,

primeiro fugazmente, depois estavelmente e você entenderá que a tua pátria está em todos os lugares; e

em Vênus ou em Júpiter ou em Saturno você encontrará países tão semelhantes, tão iguais àquele onde

você nasceu que te dará a impressão de renascer em Vênus, Júpiter ou Saturno assim como nesta Terra.”

* * *

Eu citei esta segunda carta quase que inteira para mostrar-lhe, meu paciente leitor, como eu comecei a

desconfiar de tal impresa, porque antes de mais nada eu tinha que entender o meu mestre e depois eu

tinha que experimentar. Eu escrevi a ele me queixando, porque entendia pouco e mal e porque eu queria

saber com mais precisão: e eis uma terceira carta:

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“Como você quer compreender se não olha para o

Céu? Se o seu objetivo é o conhecimento dos astros,

enquanto eu escrevo olhe para o Céu, comece a

discernir no escuro da terra as chamas cintilantes que o

Criador, como escreveram os Santos, pendurou no céu

para tornar as noites do homem alegres, homem este

feito a sua imagem e semelhança e soprado na argila...”

Desta vez eu me convenci que o mestre astrólogo

estava brincando comigo e continuei a ler: “Admirando

a Natureza você se convencerá que uma lei domina

todas as formas matemáticas e deixando aos falsos

filósofos o estudo da geometria retilínea, das massas

planetárias aos objetos mais mesquinhos que estão na

terra, você verá que todas as linhas terminais são

curvas, como que arredondadas, porque a suavidade da

curva é símbolo do contínuo infinito, enquanto que as

retas ou os ângulos representam o finito, como a flecha

de Marte que é feita com linhas rígidas e significa a

“cessação” ou a “separação” que é a mesma coisa...”.

Eu quis terminar com a brincadeira e com os escritos

sem brigar: diga-me pelo menos como estudar o céu estrelado, como ver as constelações de maneira

diferente daquela da astronomia de todos os astrônomos. Ele me escreveu uma carta maravilhosa: “Que

discípulo você é que não conhece a mecânica da arte? Você não sabe do que precisa? Tenho que ser eu a

dar-lhe uma ideia de como é formado um observatório? Você não tem um telescópio? Se não tem, por

acaso você não tem um tubo cilíndrico que possa ser alongado e ajustado à vista? Você acha que os antigos

astrólogos de Babel ou de Minópolis conheciam os telescópios de hoje? Eles só tinham cilindros furados

que eram colocados nos olhos… Você quer que eu te ensine a estudar a mecânica do olho que é o reflexo

da imensa Natureza? Você não conhece a bússola? Você não possui uma ampulheta para medir o tempo

através da inclinação do eixo?...

Você não tem um lugar limpo e branco de onde possa observar em silêncio a passagem do meridiano,

com uma empregada muda e diligente que cuide da casa enquanto você estiver nos céus?”

* * *

Eu fiquei um pouco indeciso sobre como acabar aquele jogo, depois eu mesmo fui encontrar o mestre

áulico e disse-lhe o quanto eu me sentia honrado por ser seu discípulo. Ele sorriu bondosamente e

prometeu-me, sem que eu tivesse que fazer cálculos, responder às minhas perguntas sobre a influência das

estrelas. Eu lembrei-lhe da promessa, escrevendo o Commentarium, e assim nasceram estas notas

astrológicas que são o resultado das notícias que ele me passa e de outros astrólogos que eu conheci.

As notícias são escolhidas por mim: eu publico aquelas que podem possuir um valor imediato e que são

inocentes.

* * *

São, vocês dirão, como eu também disse, superstições de tempos remotos, quando os animais falavam

com sabedoria como nas fábulas de Esopo, e quando até as pedras se relacionavam com as fadas. Mas as

superstições têm isto de bom: nos fazem recordar que o fundo infantil da alma humana esconde na ternura

para com as coisas invisíveis e as absurdas, o anjo clemente que nos doa os momentos melhores.

Giuliano Kremmerz

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CONHECIMENTO E PENSAMENTO

Dedico este escrito aos irmãos da Academia

Manlio Magnani de São Paulo (Salilus)

A origem e o uso das palavras “conhecimento” e “pensamento” não tem mistérios: de maneira mais ou menos correta são conhecidas seja pelas pessoas cultas seja por aquelas menos eruditas. Sobre a origem das duas palavras a etimologia e a filologia nos ajudam, mas sobre o uso das mesmas a explicação fica mais controversa e difícil. Na magia as duas palavras são explicadas e usadas de maneira diferente daquela do uso comum. Com isso eu não quero dizer que seja melhor ou pior: é necessário recordar que é diferente e que tal

diferença baseia-se nas próprias finalidades da vida mágica. Por este motivo nós nos esforçaremos antes de mais nada para entender, e nos limites das nossas forças explicar, esta diferença que para os olhos dos inexperientes poderia parecer inconsistente e inútil mas ao contário está na base do nosso trabalho iniciático. Começaremos com as etimologias, mesmo que estas nem sempre nos forneçam a chave de uma correta interpretação ou leitura, mas pelo menos nos ajudam a restituir às palavras as suas origens e partindo delas se poderá entender de que maneira o tempo e os costumes tenham contribuído para mudar os seus significados. Vocês me perguntarão se isto é importante. Eu responderei que é importante se queremos percorrer o caminho principal da iniciação e não aquele falso da improvisação. É célebre a sentença de Descartes “penso logo existo” que dava assim ao pensamento um privilégio e uma importância que o ato de pensar não mereceria. Se de fato invertemos a posição dos verbos “penso” e “existo” temos “existo então penso”, dando assim precedência ao ato de ser que na história da filosofia ostenta um lugar de maior privilégio com respeito ao ato de pensar, pela simples razão que sem o estado de “ser” eu não teria condições de exercer o pensamento. Porém eu não quero antecipar as conclusões mas proceder de maneira ordenada iniciando pelas etimologias. Como eu dizia, nem sempre as etimologias nos ajudam a esclarecer as ideias sobre o significado atual das palavras. É o caso, por exemplo, do substantivo “pensamento” e do verbo “pensar”. Segundo o “Vocabulário Etimológico da Língua Italiana de Ottorino Pianigiani” a palavra “pensamento” vem do latim pénsum que significou a quantidade de lã pesada. Nós ficamos confusos: o que tem a ver a “pesagem da lã” com o pensamento? Mas logo depois Pianigiani acrescenta: “O ato particular com o qual a alma percebe, considera, reflete, observa, imagina, se lembra, julga, raciocina”. Como pode-se ver de um ato físico como é aquele de pesar a lã, passa-se para a um ato não físico como aquele de julgar, imaginar, recordar. Com o verbo “pensar” a explicação de Pianigiani é mais precisa: a palavra tem origem no latim “pensàre” esclarecendo o seu significado desta maneira: “pesar e avaliar as coisas com intelecto”.

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Temos assim uma explicação mais plausível do que o simples “pesar a lã” no sentido que ao ato de “pesar” segue aquele de “avaliar”, ato que requer uma participação ativa da nossa razão. Então podemos concluir com as nossas palavras dizendo que o ato de “pensar” é um ato racional. Mas um ato racional realizado por quem? Vocês me responderão por um ser humano, isto é pelo único ser que possui o poder da razão. Então, sem querer, nós estamos falando do verbo “ser” e ainda, sem querer, do famoso “sou” que é o indicativo presente do verbo ser. Passemos agora ao verbo “conhecer” cujo imperativo na célebre frase “conhece a ti mesmo” é conhecido desde os tempos da antiguidade clássica porque esta máxima em grego encontrava-se inscrita no pátio do Templo de Apolo em Delfos. Pois bem, qual era a origem na língua de Sócrates do verbo “conhecer”?

Devemos precisar que o verbo “conhecer” possui uma importância fundamental na ciência dos magos. É tão importante que o mestre Armentano usou-o em uma sua célebre “máxima” no seguinte modo: - É possível conhecer? – É possível. – Como? – Dominando o pensamento, não

acreditando e liberando-se das paixões e do medo do nada. Retornemos à etimologia. No caso de “conhecer” não são admitidas dúvidas e não são necessárias as interpretações. Pianigiani faz remontar a radical gnâs ao sânscrito da qual derivaria o grego gnoscere e o latim cum gnostér com o significado de “aprender com o intelecto, o ser, a verdade das coisas”, sinônimo de “compreender, saber, discernir”. “Conhece a ti mesmo” em grego gnōthi sautón segundo Sócrates significava antes de mais nada tomar consciência dos nossos limites e das nossas capacidades de saber com respeito à divindade da qual a máxima era inspirada em maneira oracular. Encontradas as etimologias, passemos a um exame mais profundo que é aquele que nos interessa. O uso do pensamento e do conhecimento na magia.

O pensamento na magia.

Geralmente na prática iniciática do hermetismo o pensamento não encontra grande espaço. Em alguns casos é um impedimento. As posições e as ideias dos mestres vão das mais tolerantes às mais radicais. Mas também as tolerantes como aquelas do Mestre Kremmerz não devem enganar

ou induzir em erros. Kremmerz conhecia muito bem os limites do pensamento racional, mas considerava-o útil em uma determinada fase do noviciado hermético, porque tinha a certeza que se certos princípios da doutrina hermética não fossem bem assimilados através do estudo e do intelecto, dificilmente poderiam ajudar o discípulo no difícil caminho que ele se preparava para enfrentar. Além disso ele definia o pensamento, parafraseando os antigos filósofos, um exercício do intelecto, mas acrescentava que o intelecto é muito ligado a “imagens sensórias” e nas “imagens sensórias”, provenientes do uso correto dos sentidos, ele colocava uma das chaves da

magia natural. Para Kremmerz a natureza não é só tudo aquilo que acontece sob a nossa atenção sensorial, mas nela deve compreender-se aquele mundo assim dito “oculto” populado por forças e inteligências que os nossos olhos não veem mas que a nossa mente e os nossos pensamentos, entendidos como forças viventes, podem intuir e interpretar como sendo as finalidades sãs às quais nós nos propomos. Neste sentido o pensamento não serve só como intermediário da inteligência na prática do estudo e da ciência, mas como ajudante digno de confiança que move-se com prudência e sagacidade nos caminhos do desconhecido que nos envolve: muitas vezes responde às nossas perguntas e nos ajuda a preparar outras em um sentido positivo para nós, quando estamos no caminho certo do conhecimento. Os mestres pitagóricos têm sobre o pensamento uma posição menos tolerante e mais radical. Eles

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têm a certeza, sic et simpliciter, que o pensamento é só um impedimento para alcançar o

conhecimento. Pessoalmente, mesmo reconhecendo como válida a interpretação de Kremmerz, eu concordo com aquela dos pitagóricos, como Armentano e Reghini. E explico os motivos. Nas práticas sobre o controle do pensamento e da respiração estritamente conexas aconselhadas no grupo de UR o pensamento é considerado um obstáculo externo para a boa concentração. Luce aconselha a liberar-se do modo abitual de pensar e a liberar-se do pensamento para alcançar a concentração. Vários artifícios são sugeridos, mas todos convergem nos métodos segundo os quais o pensamento é considerado um objeto que pode ser removido, deslocado, afastado. Então também nas práticas pitagóricas como naquelas herméticas o pensamento é visto como uma força vivente que se interpõe entre o homem e o estado de silêncio interior que se quer alcançar. A posição de ARA (Amedeo Rocco Armentano), é mais direta e não permite equívocos: o pensamento deve ser totalmente dominado e possivelmente afastado de acordo com um método

que ele ensinava aos seus discípulos e que fazia parte de um conjunto de ensinamentos considerados fundamentais para a completa realização espiritual. Para ser mais claro, o pensamento é uma força caprichosa e selvagem que se não for educada e disciplinada vagueia livremente, causando assim todos os danos possíveis e imagináveis. Este é o motivo pelo qual os nossos mestres davam grande importância aos exercícios sobre o pensamento, sobre a concentração e sobre o silêncio.

O conhecimento na magia

Querendo agora falar sobre o conhecimento, nos encaminharemos em direção de um terreno onde abundam as recordações que inspiram-se no mito, na filosofia, na ciência e nos cultos antigos.

Como vimos o “conhecimento” foi uma das pilastras da sabedoria de Sócrates, por isso sinto-me obrigado a vestir luvas de veludo ao falar do conhecimento na magia. De Kremmerz a Armentano a Magnani, todos eles colocam o conhecimento em um nível muito elevado da ciência iniciática que precede em pouco o ponto mais alto constituído pela plena integração dos poderes espirituais do homem. De fato Reghini diz, comentando a máxima de Armentano citada acima que o conhecimento do qual fala o Mestre não é aquele limitado a uma área finita e confinada mas um conhecimento sintético e integral. Ele se prolonga muito, descrevendo até mesmo os detalhes, sobre as dificuldades para se alcançar este tipo de conhecimento com o objetivo de tirar todas as dúvidas e sobretudo as ilusões daqueles que pensam tratar-se de uma operação simples e rápida. A condição suficiente para alcançar o conhecimento é a contemplação. Eu entendo que esta palavra fará surgir algum interrogativo duvidoso em alguém, porque, como aconteceu a tantas

outras palavras usadas na magia e a própria palavra magia, foi usada de maneira errada ou no melhor dos casos distorcida, mas ocorre convencer-se que a contemplação é uma das mais puras e tradicionais obras de realização mágica. Reghini define-a desta maneira: A contemplação da qual entendemos falar não é a meditação, não é uma absorção no pensamento, nem uma concentração insistente em um determinado pensamento. E também não é uma oração, uma exaltação sentimental e devota. A contemplação coloca a consciência do contemplante em comunicação e em comunhão com a consciência indiferenciada. Existe uma assimilação, identificação. Assimilação, identificação. Lembremo-nos daquilo que dizia Cagliostro: para se conhecer realmente uma coisa é necessário tornar-se a própria coisa. Máxima que Kremmerz também cita no IIº Volume da Ciência dos Magos para demonstrar que o conhecimento verdadeiro não é fruto

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de conversações vazias ou de sermões presunçosos, mas provém da experiência, da prática ritual,

da identificação. Enfim Kremmerz não exita em repor no conhecimento uma confiança total, considerando-o, semelhante aos ensinamentos pitagóricos, mas com chave hermética, a base de conhecimento do homem na sua subdivisão quaternária. Para terminar queremos colocar em evidência, em primeiro lugar, a concordância de opiniões destes grandes mestres os quais, mesmo partindo de métodos e tradições diferentes, encontram-se em uma única grande conclusão: o pensamento assim como todos os órgãos sensórios do nosso corpo, deve ser colocado no lugar que lhe compete, deixando assim à contemplação o mérito de exercitar livremente a sua função mais importante.

Salilus

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Uma página de história da Fraternidade de Myriam

VINCI VERGINELLI RELATA…

Para mim naquela manhã tratava-se de

decidir-me finalmente a começar a escrever.

Escrever: “de modo que a morte não nos

surpreenda em um torpe ócio”, usando as

palavras que no seu último período de vida

escrevia a um amigo da região dos Abruzos,

don Benedetto, como amava ser chamado

pelos íntimos Benedetto Croce. Escrever… um

catálogo. Um catálogo para acompanhar a

doação que eu tinha decidido fazer da mia

Coleção de antigos textos herméticos (séculos

XV-XVI-XVII-XVIII) para a Biblioteca Nazionale

dei Lincei, que é a instituição de mais alto

nível cultural, que honra a Itália e todo o mundo admira. A solecitar-me em tal propósito foram as palavras

distantes lidas e nunca esquecidas que por décadas e décadas aninhavam-se dentro de mim. Lendo a

revista “Commentarium” (nº3, pág.68)12 um estudo sobre Francesco Borri escrito por um insigne

hermetista, que escondia-se atrás do pseudônimo N.R. Ottaviano, eu descobri que o autor lamentava que

“na Itália faltava até mesmo um catálogo de alquimistas italianos nas bibliotecas públicas e privadas

investigadas”. Assim deprecava Ottaviano no ano de graça 1910. Tal deprecação quase com as mesmas

palavras, quase com a mesma preocupação, tantos anos depois eu ouvi de Giuliano Kremmerz que de

Ottaviano era muito amigo. Eu conhecia Kremmerz desde 1921, quando eu tinha sido apresentado a ele

por seus íntimos amigos Borracci e Moggia. Eu tinha esperado anos por um seu convite. Depois

improvisamente em dezembro de 1929 ele escreveu-me dizendo que me esperava depois do Natal em

Beausoleil, onde morava há anos. Eu corri. Eu levava comigo, como ele por carta tinha me pedido, os dois

grandes volumes de Jean Jacques Manget pegos emprestados de uma biblioteca florentina: ele me diria

quais os tratados “de boa qualidade” ele queria que eu traduzisse. Ele preferia os pequenos tratados. Foi

naquela ocasião, que Kremmerz conversando sobre tantas coisas, entre outras coisas falou também das

deploráveis condições bibliográficas dos estudos sobre a alquimia na Itália e pareceu-me que me

incentivava a ocupar-me de um catálogo de textos alquímicos nas bibliotecas públicas e privadas italianas,

12 “Commentarium” era uma bela revista de Hermetismo que saía em Roma em 1910-1911, fundada e dirigida e quase

toda escrita por Giuliano Kremmerz. Em pouco tempo começou a não ser mais encontrada, por minha iniciativa foi

reeditada em Florença pelo Editor Nardini em 1980 como homenagem a Kremmerz no cinquentenário da sua morte.

Também por minha inspiração foi reeditada pelo Editor Rebis de Viareggio em 1982 em cópia anastática a outra

revista que saía em Nápoles nos anos 1897-1898-1899 intitulada “Il Mondo Secreto” igualmente fundada e dirigida

por Kremmerz. Enfim em 1983 através de uma sugestão minha Nardini reeditou os três volumes que não se

encontravam mais da revista “La Medicina Ermetica”, que Kremmerz publicava em Nápoles em 1899-1900, quando

fundou a “Schola Philosophica Hermetica Classica Italica”, que identificava-se, e ainda hoje identifica-se, com a

Fraternidade Terapêutico-Mágica de Myriam. Esta é operante em dois centros: em Bari sob o nome de “Academia

Pitagora”, como Kremmerz denominou-a e colocou para dirigi-la o seu maior discípulo Giacomo Borracci. O outro

centro Myriâmico surgiu em Roma, e a este Kremmerz deu o nome de “Circolo Virgiliano” e colocou para dirigi-lo

Giovanni Bonabitacola, ao qual sucederam Pietro Suglia e depois, ainda hoje, quem aqui escreve. Também em

Nápoles, amada pátria de Kremmerz, durante séculos ininterruptamente centro ativo de estudos herméticos, surgiu,

uma fundação kremmerziana, a Academia Sebezia, onde o Mestre colocou no comando Domenico Lombardi.

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por exemplo a Biblioteca Filosófica Florentina13 que eu conhecia particularmente, porque a frenquentava

com assiduidade durante o período florentino dos meus estudos (1921-1925). Ele falava. Eu, próximo a ele,

tácito escutava. Eu não estava acreditando que fosse realmente Kremmerz a falar comigo, e que

passeávamos juntos pelos jardins de Beausoleil. Ainda tenho a impressão de vê-lo, de ouvi-lo falar. Sempre

caloroso, sempre amoroso, muitas vezes napolitanamente brincalhão, raras vezes hierofante. “O maior

mestre de hermetismo dos nossos tempos. E entre os maiores de todos os tempos”. Todo luz de

“sabedoria, amor e virtude”. (Dante) O Mestre, e aquela encantada manhã de dezembro de 1929. Pouco

tempo depois improvisamente ele nos deixou. Talvez tenha sido assim que naquela manhã nasceu em mim

a primeira ideia de um catálogo. Ideia bela mas vaga, incerta, tanto que depois pareceu desaparecer.

Porém renascia de vez em quando. Somente depois, por ocasião da doação dos meus livros à Academia dos

Linces, a ideia estava madura para se tornar realidade e, para que se tornasse tal, eu cudei

ininterruptamente deste trabalho de setembro de 1979 até hoje. Eis o Catálogo. Qualquer que ele seja ei-lo

aqui. O primeiro catálogo de livros herméticos na Itália. Um início. Um convite para se fazer mais e melhor.

Esperamos que sim. Mas catálogo como? Antes de mais nada uma característica distintiva: o catálogo é de

livros meus, da minha biblioteca, reunidos durante sessenta anos, de 1921 até hoje. Procurando, viajando,

remexendo, perguntando, trocando. Eu recolhia, muitas vezes eu comprava com sacrifício livros herméticos

na Itália e fora, em Paris e especialmente em Londres. Naquele tempo ainda podiam ser encontrados

facilmente e por pouco preço. Depois em 1939 eu tive uma grande sorte: a sorte de encontrar alguém que

seria o meu melhor amigo por toda a vida, amigo e também colaborador solícito, generoso, mais ainda

pródigo no procurar e comprar livros herméticos: Nino Rota.14 Grande musicista, estudioso tácito obstinado

e perspicaz de coisas herméticas. Nino tinha-me sido apresentado por Giacomo Borracci em Bari, onde

tinha vindo para ensinar composição no Conservatório Niccolò Piccinini e onde ficou por toda a sua vida,

mas morando saltuariamente. Muitas vezes os seus intensos compromissos musicais levavam-no para

outros lugares e especialmente para Roma, onde eu estava, e então ficávamos sempre juntos. Livros e

música, música e livros. Assim eu quis que o nome “Rota” ficasse perto de mim na dupla denominação da

“Coleção Verginelli-Rota”: por recordação, por reconhecimento, por homenagem. Livros herméticos

antigos e livros herméticos modernos. Da Coleção dos livros herméticos antigos, quase quatrocentos

(séculos XV-XVI-XVII-XVIII), eu doei à Biblioteca Nacional dos Linces juntamente com a Coleção de

manuscritos antigos, mais ou menos sessenta, (séculos XV-XVI-XVII-XVII-XIX), dos quais alguns, aqueles do

século XIII, são códigos em pergaminho, miniados, bonitos, todos a serem estudados. Para a datação destes

manuscritos eu recorri à douta e preciosa e gentil Senhorita Alessandra Tommasi. De tal doação chegou até

mim um agradecimento através de uma gentil e calorosa carta escrita em 6 de junho de 1984 pelo

Presidente da Academia Nacional dos Linces Prof. Giuseppe Montalenti. Da coleção de livros herméticos

modernos (séculos XIX-XX) mais ou menos dois mil, eu doei ao Círculo Virgiliano de Roma, fundado por

Kremmerz. Doação ao Círculo Virgiliano feita com esta cláusula: que no caso deprecável mas possível, do

fechamento do Círculo Virgiliano (não fechou, pelo menos oficialmente mesmo que aparentemente, na

época do fascismo, quando os círculos esotéricos foram todos fechados porque eram confundidos com as

lojas maçônicas, talvez por semelhança dos símbolos?), dizíamos, no caso de fechamento do Círculo

Virgiliano, os últimos dirigentes do Círculo e a Assembleia dos Sócios doarão por sua vez a minha Coleção

Verginelli-Rota de textos herméticos modernos à Academia dos Linces, reunindo-se assim à minha Coleção

de textos herméticos antigos.

E voltemos ao Catálogo, ou melhor ao “Catálogo um pouco pensado”, como preferiram chamá-lo. Poderá

parecer provocatória a atenuação com “um pouco” mas não o é. Se o fosse, seria provocatória e

13 A Biblioteca Filosófica de Florença foi fundada por Arturo Reghini em 1910. (ndc)

14 Para Nino Rota para a sua obra musical, assim como para as relações comigo no campo musical como compositor de

libretos de ópera, de oradores e de cantores, confrontar a bela monografia de Pier Marco dei Santi, da Universidade

de Pisa, intitulada: La Musica di Nino Rota, prefácio de Federico Fellini, Editor Laterza, Bari 1983.

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presuntuosa também a qualidade do conteúdo e do assunto de todos estes livros, à qual leitura e à qual

inteligência não a comum razão faz bem mas a inspiração de Hermes, como diriam os alquimistas

simpatizantes do paganismo, ou o auxílio do Espírito Santo, como diriam os hermetistas católicos ou

aparentemente tais, ou também a intuição, a menos que o “logos” de Heráclito se entenda identificado

com o “logos” de Giovanni, como eu prefiro acreditar. “Nunc vero tempus est perficiendi”. Apressemo-nos

a terminar este meu longo mas modesto trabalho. Já está próximo “o dia que” diremos “adeus aos talvez

nossos amigos” ou melhor: até logo. Chegou a hora de deixar-nos, caros leitores, cada um pelo seu

caminho. Mais longo é o vosso, mais breve o meu. Ou talvez por um mesmo caminho para mim e para

vocês, porque infinito. Qualquer que seja a meta é difícil dizer. De qualquer maneira eu acredito que seja

digna de ser procurado. E que esta procura seja um dever para todo homem. Dever, também, é dizer e dar

alguma coisa de si aos companheiros de viagem. De nós resta somente aquilo que damos aos outros. Por

exemplo: doar esta ideia. A ideia de conceber a vida como transmutação perene do pior em melhor, em

nós e em torno de nós. Ou, como diriam os alquimistas transmutação do chumbo em ouro alquímico

puríssimo. Por virtude de Amor.

Post scriptum. Sabe-se que: os prefácios – e é correto – são escritos quando o livro já acabou ou quase. E

pensamos nos amigos que ofereceram colaboração preciosa e afetuosa durante a composição. Por isso

sinto o dever de dizer a eles publicamente muito obrigado também pela coragem que me transmitiram nos

momentos de cansaço. Em primeiro lugar eu agradeço Giovanni Sergio, jovem médico e estudioso valente

pela sua ajuda valiosíssima longa, cordial e continuada, sem a qual sinceramente eu não teria podido

chegar nesta minha idade avançada no final deste meu livro. Agradeço também pela longa e paciente

solicitude durante a atenta elaboração gráfica, datilográfica e tipográfica Concettina Scaramuzzi e Raffaele

Gelone de Nápoles, Bruno Leuzzi da Universidade de Cosenza, Carlo Nuti da Universidade de Roma, Elio

Moggia, Luigi Modesti, Angelo Cangemi, Natale Cecioni, Enzo e Rita La Russa todos simpaticamente

envolvidos com as suas específicas contribuições não à “Fabbrica Sancti Petri” mas na fábrica incomum

deste catálogo de livros antigos e tão misteriosos.

Igualmente eu devo o meu muito obrigado a Suso Cecchi d’Amico, iluminante conselheira e às gentis

senhoritas Silvia Rota Blancheart e Vanna Rota Lombardi, primas de Nino Rota.

Vinci Verginelli

Fonte: http://luigi-pellini.blogspot.com.br/2014/12/vinci-verginelli-nino-rota-bibliotheca.html

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Setembro de 2016

ARCANA ARTIS : IATROQUÍMICA, ESPAGÍRIA, REMÉDIOS DE SEGREDO

O edifício teórico da Medicina Hermética, iatroquímica ou Espagíria é creditado a Paracelso (1493-1541) e a

discípulos seus como Pedro Severino (1542-1602), José Duchesne (ca. 1544-1609), Thomas Moffett (1553-

1604), Osvaldo Crollius (ca. 1560-1609) e Roberto Fludd (1574-1637), tendo-se originado por reacão à

farmácia galénica, a qual se baseava nas teorias dos humores e dos contrários, na autoridade de Galeno

(ca. 131– ca. 200) e na utilização de substâncias de origem vegetal e animal.15

Na óptica espagírica não basta escolher os remédios, metais, minerais ou plantas, conforme a Lei das

Correspondências, para curar o paciente. É indispensável que os medicamentos sejam preparados segundo

técnicas herméticas, ou seja, de acordo com aquelas mesmas Leis que intervêm na confecção da Grande

Obra.16

Por outras palavras: não basta prescrever uma trituração de ouro ou de um qualquer sal de mercúrio, ferro

ou antimónio, nos casos em que, analogicamente, sejam indicados. É preciso prepará-los pelo método

espagírico, i. e., separar e reunir quimicamente, abrir as substâncias químicas (não apenas os sais metálicos

colocados à sua disposição pela Metalurgia, Contrastaria e Alquimia, mas também os metalóides, minerais

e certas plantas) por meio de métodos de fermentação e de destilação.

15 Al-Tibb al-al-kīmiyā'ī Jadīd alladhī ikhtara'ahu Barākalsūs (A nova medicina química inventada por Paracelso) é um

compêndio árabe de obras alquímicas do início da Europa moderna escrito por Salih ibn Nasrallah al-Halabi ibn Sallum

(falecido em 1671). Ibn Sallum era um notável médico em Aleppo e mais tarde médico-chefe na capital otomana de

Istambul. A obra de Ibn Sallum trata de iatroquímica e consiste de traduções de Philippus Aureolus Theophrastus

Bombastus von Hohenheim, alquimista, médico e reformador da medicina, e de Oswald Crollius (por volta de 1563 a

1609), alquimista e médico. A primeira parte da obra de Ibn Sallum é uma tradução árabe de Paracelso, que inclui uma

introdução e quatro capítulos (cada um dividido em seções). A introdução, uma visão geral da história da alquimia,

descreve a invenção da alquimia por “Hermes Trismegisto, o Egípcio” (um lendário “três vezes grande Hermes” a

quem foi atribuído um grande corpus de escritos), e a subsequente transferência de conhecimento alquímico aos

mundos helenístico e islâmico. O livro também discute Paracelso e seu trabalho de transformar a alquimia num campo

da medicina, com um duplo foco na perfeição e purificação dos metais e na preservação da integridade do corpo

humano. O capítulo um tem o título al-Juz’ al-naẓarī min ashyā’ gharība wa huwa al-ṭibb al-kīmīyā’ī fī al-umūr al-

ṭabī‘īya (Na parte especulativa de objetos paranormais, ou seja, medicina alquímica em relação aos assuntos da

natureza). Este capítulo inclui uma discussão sobre temas como al-Hayūlā al-ūlā wa al-sirr al-akbar (matéria-prima e o

grande segredo). O segundo capítulo é intitulado Asās ṭibb al-kīmīyā (Sobre os princípios da medicina alquímica).

Neste capítulo são apresentadas seções sobre asbāb al-amrāḍ (as causas de doenças), al-nabḍ (o pulso) e al-ʻalāj al-

kullī (tratamentos gerais). O terceiro capítulo, Bayān kayfīyat tadbīr al-adwīya (Sobre a explicação da forma de

manipular medicamentos), discute procedimentos químicos que envolvem metais e minerais. O quarto capítulo, Fī al-

ʻamaliyāt (Sobre operações), discute procedimentos como a destilação da água. A segunda parte deste compêndio

apresenta uma versão árabe de Basilica Chymica, de Crollius, que foi influenciado por Paracelso. A primeira edição da

obra de Crollius provavelmente foi impressa em 1609 em Frankfurt, com o aparecimento de uma tradução francesa

em 1622. A versão árabe dessa obra, que ocupa aproximadamente a segunda metade do manuscrito, fala sobre o

tratamento geral de doenças e o tratamento de doenças específicas a vários órgãos. O manuscrito termina de forma

repentina com uma discussão sobre dhahab al-ra‘d (isto é, aurum fulminans), faltando assim uma boa parte do texto

de Crollius. O texto omitido inclui a discussão sobre doenças de estômago e útero, bem como sobre uma série de

compostos incluindo o “sal de coral” e o “sal de pérolas”. O manuscrito não apresenta data e assinatura.

16 Ver Giuliano Kremmerz, “ A Ciência dos Magos” Vol.I-II, Editora Devir São Paulo e a terapêutica magica da Escola

Hermetica.

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Convirá, apesar de tudo, ressalvar que os Arcanos e Quintessências espagíricas não supõem a preparação

da Pedra Filosofal, objecto da Alquimia, propriamente dita.

Tais medicamentos tiveram enorme aceitação em Portugal porque correspondiam a aspirações e crenças

generalizadas desde a Idade Média, conforme evidencia a fama granjeada pelas Águas Maravilhosas

atribuídas a Pedro Hispano.

Foram expoentes da farmácia química: Duarte Madeira Arrais, João Curvo Semedo (principal impulsionador

da utilização de remédios de segredo em Portugal), José Custódio da Costa e Jacob de Castro Sarmento

(que desempenhou importante papel na introdução e vulgarização em Portugal das correntes

iatromecânicas sob a influência de Boerhaave e Newton).

Os remédios concebidos por João Curvo Semedo eram vendidos pelos Dominicanos, em Lisboa, na

transição do século XVII para o XVIII. Em Aveiro e na Batalha os mesmos padres vendiam um outro segredo,

a Água Celeste. Na última localidade possuíam um privilégio para que nenhum concorrente laico lhes

fizesse concorrência. Em Elvas, este instituto religioso comercializava a Água de Inglaterra de André Lopes

de Castro, nos finais do século XVIII. Por seu turno, os Jesuítas fabricavam-nos em todas as suas Boticas,

sendo os mais conhecidos as Pedras Cordiais, preparadas no Colégio de S. Paulo, em Goa, a Teriaga

Brasílica, preparada pelo boticário de Santo Antão. Entre os medicamentos oriundos da botica dos cónegos

regrantes de S. Vicente de Fora, em Lisboa, contavam-se uma Água de Inglaterra (pela fórmula de Jacob de

Castro), a Água de milícia, a Massa para sezões, as Pílulas de clericato ou familiares, o unguento sigilado ou

a Panaceia mercurial (provavelmente preparada segundo a fórmula contida nas Receitas medicinais de D.

João de Castelo Branco), “cujos pós servem para provocar a salivação, curar as bobas, matar as lombrigas e

outras semelhantes enfermidades [...]”. Outras ordens religiosas (beneditinos, carmelitas e oratorianos)

fabricavam e vendiam remédios secretos, mas vários nobres igualmente se dedicavam à preparação de

remédios de segredo (por exemplo, D. Cristóvão Manoel de Vilhena, conde de Vila Flor, preparava uma

água de vida) ou tinham ao seu serviço quem os preparava para os dispensar por caridade nas suas casas

(casos do duque de Cadaval, do conde de S. Miguel e de Garcia de Melo, monteiro-mor do reino e

presidente do Desembargo do Paço). D. Caetano de Santo António, capelão do conde de Redondo, referia,

em 1711, que o nobre conservava no seu palácio os mais eficazes e raros medicamentos galénicos e

químicos e que na corte de Lisboa tinha “tanta estimação a Farmácia que as primeiras personagens a

exercitam para o bem e utilidade pública”, citando os exemplos do duque de Cadaval, do marquês de

Minas e do conde de Castelo Melhor.

A forma como tais medicamentos eram produzidos e publicitados permitia a auto-medicação, para a qual

contribuíam os chamados regimentos, literatura posológica que os acompanhava. Colidiam frontalmente

com as mézinhas da Farmácia galénica, caracterizada pela produção em pequena escala pelo boticário,

mediante receita do médico para um determinado doente. As substâncias vegetais do método galénico,

facilmente degradáveis, impunham esse procedimento, o que não acontecia com os medicamentos

químicos, muito mais estáveis e capazes de serem consumidos longe do local de fabrico.

Entre os opositores dos segredos destacaram-se os Conimbricenses, a Inquisição, em consequência de as

obras de Paracelso haverem sido incluídas no Index, e os nomes de Luís António Verney e de António

Nunes Ribeiro Sanches, que considerou a Farmácia conventual a responsável pelo estado de penúria dos

boticários laicos.

Condenados oficialmente pela Reforma Pombalina dos estudos médicos, em 1772, o movimento tendente

à total erradicação dos remédios secretos foi incrementado, após 1782, com a criação da Junta do Proto-

Medicato.

Manuel J. Gandra

Biografia de Manuel J. Gandra: Licenciado em Filosofia (Faculdade de Letras – Universidade Clássica de

Lisboa). Enquanto Investigador, tem-se consagrado à investigação da História e da Geografia Míticas de

Portugal (nomeadamente no que concerne às Ordens do Templo e de Cristo, ao Culto do Império do Divino

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Espírito Santo, ao Sebastianismo e ao Hermetismo), da iconologia da Arte portuguesa e da Circunstância

Mafrense, temas sobre os quais se tem debruçado em publicações, colóquios, seminários, encontros,

conferências, palestras, visitas guiadas e programas televisivos. Foi professor dos ensinos preparatório e

secundário, tendo lecionado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e

no IADE. Entre 1990 e 31 de Agosto de 1999, foi Coordenador dos Serviços de Cultura da Câmara Municipal

de Mafra. Actualmente, é Professor na Escola Superior de Design do IADE-U. Coordenador Científico da

Biblioteca António Quadros (IADE-U). Investigador do CLEPUL (Faculdade de Letras de Lisboa), Colaborador

da UNIDCOM (IADE-U) e das Revistas Nova-Águia e Identidades. Membro do Conselho Consultivo do MIL e

da Associação do Idioma e Culturas em Português (AICEM) e Director do Centro Ernesto Soares de

Iconografia e Simbólica [www.cesdies.net] que fundou em 19 de Abril de 1997, com sede em Mafra e

actuando no Rio de Janeiro-Brasil, mediante uma parceria institucional com o Instituto Mukharajj Brasilan.

Autor de inúmeros artigos, opúsculos e obras versando a História e a Geografia Míticas de Portugal.

Fonte: http://www.cesdies.net/hermetica/fsp/Bibliografia%20Arcana%20Artis%20-

%20Iatroqu%C3%ADmica%20Espagirias%20Remedios%20Segredo%202.pdf

HOMENAGEM A ARTURO REGHINI

1º de julho de 2016, para recordar o 70º aniversário da sua morte

Caro Mestre, caro Arturo,

No estilo usado nas academias herméticas e neopitagóricas permita-me iniciar esta comemoração

dirigindo-me a você sem usar o Sr., certamente não para solicitar uma aproximação confidencial, mas para

poder escrever uma carta na forma mais fluente e corrente possível.

Por outro lado, no seu epistolário, eu li que você se dirige ao seu Mestre tratando-o por você e eu quero

presumir que você goste do “caro Arturo” vindo de um homem que lhe quer bem e que lhe considera

Mestre.

A última vez que nós nos encontramos pessoalmente foi na sua Florença, no Caffè delle Giubbe Rosse, onde

eu, com você presente, celebrei o 40º aniversário da sua partida para os Campos Elísios.

Você estava ali, sentado na sua pequena cadeira de madeira onde habitualmente bebia o café e passava o

tempo conversando com os seus ilustres amigos e companheiros. Da expressão do seu rosto eu me lembro

que você gostou do meu discurso e isto me dá a coragem e a ousadia de escrever-lhe novamente com a

finalidade de manter vivo o nosso diálogo sobre as ideias que agitaram a sua mente e aquela dos seus

contemporâneos amigos.

Naquele dia eu me despedi de você com estas palavras: “E se hoje, deste antigo e histórico café literário,

partisse a justa centelha para acender uma nova estação de estudos e de trabalho, certamente teremos

honrado, como melhor não se poderia fazer, a sua memória”.

Eu acredito que posso dizer que a centelha de então, se não produziu um verdadeiro incêndio, pelo menos

acendeu nos corações de tantas pessoas a pequena chama da esperança que talvez produzirá, eu espero,

em um futuro não muito distante, o incêndio do qual os italianos sentem, a necessidade, mesmo sem sabê-

lo.

Eu falo daquele incêndio de ideias que em outros tempos foi produzido por homens como Giordano Bruno

e Leonardo os quais lutaram, cada um a seu modo e com os próprios meios, para a renovação da ciência e

da filosofia, não recorrendo a princípios tolos e subversivos, mas repercorrendo o caminho mais correto do

antigo saber, demonstrando assim que a humanidade estava retrocedendo, em nome de uma falsa

modernização, que na realidade era só regressão.

É um desvio a ideia daqueles que querem fazer passar os apóstolos do livre pensamento como sendo os

fautores de uma emancipação em chave progressista das ideias sociais e religiosas do seu tempo: só para

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citar alguns, recordo que Giordano Bruno escrevia tendo em mente a antiga sabedoria egípcia e Tommaso

Campanella a ciência filosófica de Pitágoras.

A este ponto permita-me passar para a terceira pessoa para poder contar melhor os fatos que se referem à

sua obra e à sua vida.

***

Como eu acenava Reghini fala muito de Bruno, Campanella, além de Dante, Vico e dos grandes do

Renascimento considerando-os os continuadores da tradição itálica, isto é daquela tradição que, às vezes

como um rio subterrâneo, tendo que por diversas vezes ocultar-se por causa das incompreensões e

perseguições, sempre reafirmou a verdadeira cultura italiana, isto é aquela da qual devemos ser orgulhosos

e que nenhum impostor ou usurpador nunca poderá alterar e deturpar.

Qual é esta cultura? É aquela do humanismo que não deve ser unicamente e simplesmente associado aos

estudos literários, como a poesia e a arte de escrever, mas à cultura da alma e do espírito que muitas vezes

na Itália foi erradamente delegada a quem destes problemas autoinvestiu-se único e privilegiado

depositário, fazendo dela um instrumento de superstições e de poder.

O cúmplice desta autoinvestidura foi o mundo científico que exerceu o domínio e a exploração da parte

visível do universo, abandonando tudo aquilo que não cai sob os nossos sentidos aos dogmas e aos

preceitos das seitas e das religiões que não limitaram-se a isto, mas pretenderam passar os limites também

do terreno dos outros, lançando anátemas e pronunciando condenações quando não se concordava com os

seus erros.

Assim o método científico foi presa fácil para os materialistas que inicialmente obstinadamente recusaram-

se de querer reconhecer aos estudos psíquicos e às indagações sobre a alma um pragmatismo positivo

marcando-os de charlatanismo e de magia.

As primeiras mudanças nesta mentalidade aconteceram no início do século XIX e o primeiro mérito deve

ser dado ao movimento teosófico que deu um duro golpe a esta aparente inimizade entre a ciência e o

espiritualismo, conseguindo ganhar para a causa espiritualista homens que possuíam o valor de homens de

ciência integral. Um exemplo entre tantos: os grandes médicos do passado como Paracelso e os alquimistas

como Trithemius não foram mais julgados e vistos como charlatães e vendedores de fumaça, mas sob a

lente das novas verdades emergiram dos estudos mais atentos e escrupulosos.

Reghini teve o mérito, naturalmente não sozinho, mas com outros valorosos estudiosos como ele, nos

primeiros anos daquele século, de bater-se contra o divórcio que contrapunha a ciência à religião e de

fornecer ao mundo do espírito o suporte científico que vinha da sua matriz pitagórica e ao mundo da

ciência aquela dimensão cósmica e divina que vinha do seu saber de caráter renascimental.

Em meu livro “Il figlio del Sole”, uma biografia de Arturo Reghini, eu descrevi com detalhes os grandes

méritos e as grandes qualidades que fazem dele o maior pitagórico da época contemporânea e portanto

um dos maiores matemáticos do seu tempo; mas não devemos cometer o erro de entender o seu

pitagorismo simplesmente relacionado à matemática, porque o pitagorismo, aquele clássico da Escola

Itálica, foi alguma coisa a mais de um sistema de teoremas de números e de desenhos geométricos, os

números e os polígonos tinham uma dimensão sagrada e segundo a Escola antiga eram a base do

conhecimento humano e divino.

Não é o caso de recordarmos os ensinamentos de Platão, de Aristóteles, de Giamblico ou de Nicolò da Cusa

para afirmar que sem a antiga doutrina pitagórica não existiriam a música moderna, a filosofia, a ciência de

Galileu e de Leonardo, mas ao mesmo tempo eu tenho o dever de acrescentar que não existiu um homem

mais questionado do que Pitágoras no sentido ou que alguns serviram-se do seu nome e do seu

ensinamento para inventar bobagens sectárias ou para caluniá-lo.

Para restituir as coisas à dignidade do justo e do verdadeiro Reghini concebeu e escreveu uma obra

monumental em sete volumes intitulada “Dei Numeri Pitagorici”, da qual só o Prólogo e dois volumes viram

a luz, o resto continua inédito, porque nenhuma Universidade ou instituição cultural quis curar a revisão e a

publicação. Paciência, diz-se que a editoria está em crise, que se lê pouco e se estuda menos ainda, seria

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fácil para mim apontar o dedo contra os responsáveis deste imperdoável desinteresse. Mas hoje eu não

quero polemizar com ninguém, digo somente estas palavras porque ainda não perdi a esperança que uma

“Normale di Pisa” ou uma Academia cultural prestigiosa corra para preencher a grave lacuna.

O nome de Reghini é conhecido em muitos ambientes, mas só poucos apreciam as virtudes e capacidades

das quais era dotado, mesmo porque ainda pesam sobre o seu nome preconceitos, que são difíceis de

remover. Por exemplo ele é acusado de ser um homem polêmico, um florentino anticlerical com a língua

cortante. Em parte é verdade, mas é uma qualidade comum a muitos toscanos, especialmente florentinos

que não por acaso Curzio Malaparte tinha definido “maledetti toscani”; no caso de Reghini era arrastado na

arena dos incapazes e no fundo despreparados polemistas, incultos e presuntuosos. Acontecia

prevalentemente entre alguns expoentes de associações de vários tipos que ostentavam perigosas

genealogias e descendências de seriedade duvidosa.

Algumas vezes também roubavam-lhe as ideias e os ecritos e apenas ele descobria que os plagiadores

(geralmente ex-amigos ou ex-colaboradores) se vangloriavam de suas sujas traições, as brigas eram

terríveis e às vezes acabavam no tribunal.

Mas sabia amar e ser devoto aos amigos e reconhecer a autoridade dos verdadeiros mestres, como o

mestre Amedeo Armentano que em 1910 iniciou-o espiritualmente na escola pitagórica da qual Armentano

era o Mestre reconhecido e como o Mestre Giuliano Kremmerz sobre o qual exprimiu-se de maneira

lisonjeira em uma belíssima carta a um amigo escrita presumivelmente nos anos 40.

Além disso teve a sorte de ter como amigos grandes artistas, poetas e escritores seus contemporâneos que

foram os promotores daquele grande movimento conhecido como futurismo, entre os quais Papini,

Marinetti, Soffici, Campana, Vannicola, alguns dos quais sentaram-se com ele nas mesinhas dos célebres

cafés florentinos ou colaboraram a outras tantas revistas célebres como Leonardo e Lacerba.

Mas todos nós recordamos Reghini, não só pela sua grande obra sobre os números pitagóricos, mas como

fundador de algumas importante revistas: ATANOR em 1924 e IGNIS em 1925 autênticas oficinas de ideias

e de batalhas ideais para o renascimento da tradição itálica e romana e para as monografias sobre autores

mais ou menos conhecidos mas de extraordinária importância que marcaram a vida espiritual de algumas

épocas e pessoas.

Em 1927 com a fundação da revista UR e com a sua presença no Grupo homônimo dedicado aos estudos e

aos experimentos de caráter mágico e esotérico inspirados na tradição ocidental e mediterrânea, Reghini

toca o ápice do seu empenho espiritual. De fato aproximava-se o ano de 1929, o ano dos Tratos

Lateranenses e da definitiva involução do fascismo no sentido autoritário e clerical. Foram promulgadas as

leis liberticidas contra as sociedades secretas e esotéricas e para Reghini todas as portas de qualquer

atividade mesmo que simplesmente cultural se fecharam.

Não obstante os ataques e as ameaças, conseguiu conservar pelo menos o trabalho, de professor de

matemática, e assim decidiu retirar-se em um digno silêncio dedicando-se somente à sua obra sobre os

números pitagóricos. Alguns de seus amigos e o próprio Mestre foram constringidos a emigrar.

Enfim, sozinho e distante dos amigos, retirou-se em uma casa na cidadezinha de Budrio próximo a Bolonha

onde no dia 1º de julho de 1946 morreu serenamente acompanhado pela sua fiel amiga Camilla Partengo.

Entre as suas obras mais importantes e significativas recordamos, em ordem de publicação:

Os artigos na revista “Leonardo” em 1906-1908, na revista “Salamandra”, 1914, na revista “Lacerba”, e as

conferências na Biblioteca Filosófica fundada por ele juntamente com Papini em 1908, “Rassegna

Massonica” nos anos 20, o livro “Le parole sacre e di passo”, Atanor, 1924, a revista Atanor, 1924 e Ignis em

1925, os artigos em UR, 1927, 1928, o livro ‘PER LA RESTITUZIONE DELLA GEOMETRIA PITAGORICA”,

publicado em 1978 pela editora Atanor, I NUMERI SACRI, Atanor, 1978, DEI NUMERI PITAGORICI (Prólogo),

Ignis, 1983, ESCRITOS SOBRE A MAÇONARIA, Lisboa, 2003, Introduzione alla Filosofia Occulta de Henrique

Cornélio Agrippa, Mediterranee, Roma, Dizionario Filologico, Ignis 2007, DEI NUMERI PITAGORICI, Parte 1,

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Dell’equazione indeterminata di secondo grado com due incognite e Volume II, Archè, 2006, Cagliostro,

Ignis, 2006.

Roberto Sestito

A RAJA-IOGA

Os mestres na ciência da Ioga declaram que a religião não se baseia somente na experiência dos tempos

antigos, mas que nenhum homem pode ser religioso até que não tenha ele mesmo as mesmas percepções

(paranormais). A Ioga é a ciência que ensina como obter estas percepções. É inútil falar de religião antes de

prová-las.

Que direito o homem tem de afirmar que ele possui uma alma se não a sente, ou de dizer que existe um

Deus se ele não o vê? Se existe um Deus ele deve vê-lo, se existe uma alma ele deve percebê-la; caso

contrário é melhor não acreditar. E é melhor ser um ateu declarado do que ser um hipócrita. O homem

precisa da verdade, precisa experimentar a verdade por si mesmo, agarrá-la, realizá-la, senti-la dentro do

seu íntimo coração. Só então, declaram os Vedas, todas as dúvidas desaparecerão, toda obscuridade

desaparecerá, toda tortuosidade será endireitada.

“Oh vós, filhos da imortalidade, também vós que viveis na esfera mais alta, a via foi encontrada; existe uma

via para sair de toda esta obscuridade, e está no perceber Aquele que está além de toda obscuridade; e não

existe uma outra via”.

A ciênica da Raja-Ioga propõe-se apresentar para a humanidade um método prático e cientificamente

elaborado para alcançar esta verdade. Em primeiro lugar, toda ciência deve haver o seu método especial de

pesquisa. Se vocês desejam se tornar astrônomos, e sentarem-se e gritarem “Astronomia, astronomia...”

esta não virá ao vosso encontro. O mesmo acontece com a química. Deve ser seguido um certo método...

Se eu lhes falasse muito, estas conversas não os transformariam em religiosos, até que não pratiquem o

método. Estas são as verdades dos sábios de todos os tempos e de todos os países, dos homens puros e

altruístas, que não tiveram outro objetivo senão aquele de fazer o bem para o mundo. Todos eles afirmam

ter encontrado uma verdade mais elevada do que aquela que os sentidos podem dar-nos, e convidam para

a verificação. Eles dizem: peguem o método e observem-no com atenção, e se então vocês não

encontrarem esta mais alta verdade, terão o direito de declarar falsa a asserção; mas, antes de ter feito isto

negar a verdade destas asserções seria irracional.

Na conquista do conhecimento nós usamos a generalização, e a generalização é baseada na observação.

Primeiro observamos os fatos, depois generalizamos, e então tiramos as nossas conclusões ou princípios.

Não podemos obter o conhecimento da mente, da natureza interna humana, do pensamento, até que não

possuímos o poder de observar os fatos que existem internamente. É muito fácil observar os fatos do

mundo exterior e centenas de instrumentos foram inventados para observar cada ponto da natureza, mas

no mundo interior não encontramos instrumentos que nos socorram. E nós bem sabemos que é necessário

observar antes de poder ter uma verdadeira ciência. Sem uma análise proporcionada, toda ciência será vã,

pura teoria, e é por isso que todos os psicólogos disputaram entre eles desde o começo dos tempos, com

exceção dos poucos que encontraram os meios de observação.

A ciência da Raja-Ioga propõe-se dar aos homens os meios apropriados para observar os estados interiores,

e o instrumento é a própria mente. O poder de atenção da mente, bem guiado e direcionado para o mundo

interno, analisará a mente e iluminará os fatos para nós. Os poderes da mente são como raios de luz

difundida; quando são concentrados eles iluminam tudo. Esta é a única fonte de conhecimento que nós

possuímos. Cada um usa-a, tanto no mundo externo, como no interno, mas para o psicólogo, a observação

meticulosa que o homem científico traz para o mundo externo, deve ser levada para o mundo interno, e

isto requer uma boa dose de prática. Depois da idade infantil nos foi ensinado a prestar atenção só nas

coisas externas, nunca naquelas internas, e a maior parte de nós quase perdeu a faculdade de observar o

mecanismo interno. Voltar a mente, digamos assim, para dentro, fazê-la parar de ir para fora, e então

concentrar todos os seus poderes, e direcioná-los para a própria mente, para que possa conhecer a sua

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própria natureza, analisar si mesma; é um duro trabalho. Contudo é o único meio para nos aproximarmos

cientificamente deste argumento.

Existe só um método para alcançar este conhecimento e chama-se concentração... Quanto mais eu

concentro os meus pensamentos no argumento sobre o qual vos falo, mais luz eu jogarei em cima dele.

Vocês me seguem, e entendem aquilo que eu digo sempre mais claramente, de acordo com a concentração

dos vossos pensamentos.

Como foi conquistada toda a ciência do mundo, senão com a concentração dos poderes da mente? A

natureza está pronta para dar-nos os seus segredos, se nós saberemos somente como bater na sua porta,

como dar-lhe o impulso necessário; e o vigor e a força do impulso vêm através da concentração. Não existe

limite para o poder da mente humana. Quanto mais concentrada, mais poder será levado para influir sobre

um ponto; e este é o segredo.

É mais fácil concentrar a mente em coisas exteriores, a mente naturalmente vai para fora; mas no caso de

religião, ou psicologia ou metafísica, o sujeito e o objeto são uma coisa só. O objeto é interno, a própria

mente é o objeto, e é necessário estudar a própria mente, estudar a mente com a mente. Nós sabemos que

existe o poder da mente chamado reflexivo. Eu vos falo, e no entanto estou afastado como se eu fosse uma

outra pessoa, e conheço e escuto aquilo que digo. Vocês trabalham e pensam contemporaneamente, e

uma outra parte da vossa mente está ao lado e vê aquilo que pensam.

Os poderes da mente deveriam ser concentrados e voltados para si, e como os lugares mais obscuros

revelam os seus segredos sob os penetratens raios solares, assim esta mente concentrada penetrará em

seus mais íntimos segredos. Assim chegaremos na base da fé, na verdadeira genuína religião.

Perceberemos por nós mesmos; se temos uma alma, se a vida dura cinco minutos, ou é eterna, se existe ou

não existe um Deus no universo. Tudo isso nos será revelado. Isto é o que a Raia-Ioga propõe-se ensinar. A

meta de todos os seus ensinamentos está no como concentrar a mente e depois como descobrir os fatos

nas nossas próprias mentes e depois como generalizar estes fatos e tirar deles as nossas próprias

conclusões. Esta não vos pede então qual seja a vossa religião, se são deístas ou ateus, cristãos, hebreus, ou

budistas. Nós somos seres humanos, e isto basta. Todo ser humano tem o direito e o poder de procurar a

religião; todo ser humano tem o direito de perguntar para a razão o por que, e dar-se sozinho uma resposta

à pergunta, se quiser preocupar-se com isso.

SWÂMI VIVEKÂNANDA

Da Yoga Philosophy lecture on Ràja Yoga apresentadas em Nova York no inverno de 1895-96, por SWÂMI

VIVEKÂNANDA, (Longmans, Green, 39 Paternoster Row-London 1903 sétima edição).

(Tradução para o italiano de Arturo REGHINI para a revista Leonardo, 1908).

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Outubro 2016

É um erro colocar o sexo no centro de tudo. A verdadeira felicidade está no amor para sempre

O amor e o altruísmo definem os limites dos poderes divinos do mago; o ódio e o egoísmo caracterizam tudo aquilo

que é bruxaria. No amor está transfundido todo o bem, assim como no egoísmo todo o mal; por isso o amor que implica um qualquer sacrifício para com os outros é divino, e aquele que é impulsionado pelas baixas idealidades do

possesso é satânico: o primeiro é protegido pelos anjos, o segundo pelos demônios.

Giuliano Kremmerz, A CIÊNCIA DOS MAGOS, Vol.II pág.302

Na nossa época, tão favorável aos predicadores de todo hedonismo desenvolto, se é inclinado a associar

alegremente a ideia do amor àquela do prazer, entendido sobretudo como gratificação sexual. Em alguns

autores, que gozam hoje de muita fama, no centro do amor está colocado o princípio freudiano do prazer,

subestimando aquele princípio da realidade que o próprio Freud tinha colocado como freio e contrapeso a

qualquer imprudente e descuidada corrida do homem em direção da meta do hedonismo sexual.

Toda restrição ou limitação do eros, entendido como libido, é considerada uma forma de repressão

colocada em ação para manobras políticas e sociais obscuras, quase como se existisse um paralelismo ou

uma ligação secreta entre as revoluções verdadeiras e aquelas, menos perturbadoras, do comportamento

amoroso. O amor em todas as suas formas e sem limitação teria em si, afirma por exemplo o psicanalista

Wilhelm Reich, uma carga revolucionária. Isto é existiria uma nova religião e um novo evagelho: a

revolução e o evangelho do orgasmo.

Iludir-se que a vida possa ser um distribuidor automático de gratificações sexuais sem fim e achar que o seu

significado e o seu valor consistem no alcance de tais metas, é uma concepção um pouco pueril e, em

última análise, grotesca. Liberar o amor corpóreo de vínculos inutilmente restritivos, educar sem

preconceitos para uma ars amandi que restitui ao corpo a sua dignidade e os seus efetivos valores, é uma

coisa razoável. Mas predicar o reino voluptuário do eterno prazer sexual como receita para todos os nossos

males é uma ingenuidade barata sob todos os pontos de vista.

O obstáculo intransponível, a dureza do real, indiferente à fragilidade do homem, o imprevisto, o mal

entendido, o ambíguo são o obstáculo de qualquer existência. Nenhum destino humano possui a

imunidade contra a dor, a doença e a morte. A revolução do orgasmo possui muito pouco de revolucionário

e cumpri promessas sem fundamento ou profecias absurdas quando predica o seu suposto evangelho. Os

seus apóstolos – os vários Reich, Marcuse, Normann Brown ou Cooper – não possuem senso histórico

quando esperam conquistas milagrosas para a humanidade resgatada da explosão revolucionária do sexo.

* * *

A nossa época despreza com uma espécie de arrogância psíquica, qualquer forma de sacrifício, de renúncia,

de sofrimento ou de humildade. Só uma visão imatura da existência e do amor pode achar que sejam

possíveis existências e amores que não serão um dia colocados à prova severa da dor e ao exame

impiedoso do sacrifício, nos momentos menos previsíveis e mais improvisos.

A existência humana, em cada fase sua, sempre foi aleatória e arriscada, mesmo que a razão enfrente o

desconhecido, dilata o conhecimento e contém os riscos da vida. Os encontros esperados, mas mais

frequentemente inesperados, com o sofrimento, a doença, a angústia, a culpa, não os desvia de nenhuma

revolução. Esta não é uma declaração de pessimismo metafísico, mas o reconhecimento inequívoco de

alguns caráteres indeléveis de toda existência, quando esta seja consciente e não divague na utopia

abstrata.

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Achar que o sofrimento e o sacrifício, que sempre acompanham o amor autêntico, sejam somente a

consequência de uma repressão social que impede o amor de expandir-se livremente, de gozar sempre

mais, é um diagnóstico superficial e uma banalidade ideológica que ouve-se muito daqueles que mitificam

o futuro reino do prazer e inventam grosseiras e tolas sociologias do amor, nunca confortadas por uma

análise atenta da experiência e por um confronto sério com o princípio da realidade.

A arte de fazer desaparecer qualquer adversidade e incompreensão, de não sofrer, não envelhecer, não

adoecer, a técnica para fugir de qualquer desventura, nunca foram inventadas pelo fato elementar que

estas não existem. Eu acrescento que tudo aquilo que se produz na esfera dos valores, passa

constantemente através de uma escola de sacrifício e renúncia, porque toda vida, se saiba ou não se saiba,

resolve-se em uma escolha e em uma decisão impossíveis de serem realizadas sem dizer não a muitas

coisas que poderiam em si constituir fonte de prazer ou divertimento.

* * *

Qualquer que seja a sociedade na qual o homem vive, até mesmo a mais avançada tecnologicamente em

cada setor, até nas técnicas do prazer sexual, não se poderá impedir que existam homens egoístas e

mesquinhos que tornam o amor mesquinho e pobre. A característica mais franca e generosa do amor é a

capacidade de antepor o outro a si mesmo. Este oferecer e doar si mesmo, que o amante realiza

espontaneamente, é a marca simultânea da generosidade e do sacrifício. Privar o amor daquele sacrifício,

que ninguém procura masoquisticamente mas que a existência cotidiana impõe como um estigma, equivale

a considerar a vida um parque de diversões e o amor, sob todos os aspectos, como uma loteria onde saem

só bilhetes vencedores. Quanto mais intenso e sensível é o amor, menos fecha os olhos diante da dor que

ocorre, do sacrifício que se impõe para enfrentar uma situação precária e difícil. Existem muitas páginas

alegres e serenas no livro do amor, e é justo que todo esforço seja feito para enriquecê-las.

Mas, mais o homem não pode fazer. O constante tempo bom é desconhecido por qualquer barômetro que

funcione regularmente. As grandes filosofias, as religiões universais, as obras mais elevadas da literatura e

da arte, sempre avistaram o nexo que une amor e dor. Não se procura, em modo algum, a dor pela dor, o

sacrifício pelo sacrifício, em uma espécie de gosto masoquista ou sádico de atormentar si mesmo ou o

próximo. O amante e o amado procuram e desejam, pelo contrário, o prazer. E não existe alguma dúvida

que os prazeres do amor existem e que o amor é uma intensificação da vida, um seu completamento, uma

sua natural meta em todos os aspectos. Mas Tolstoj e Flaubert, nos personagens por exemplo de Ana

Karenina ou de Ema Bovary, para falarmos de figuras clássicas e muito conhecidas de amantes nos

mostram que o amor, pelo próprio fato de ter muitas vezes que romper vínculos jurídicos ou tradicionais

impostos pela sociedade, fatalmente vai de encontro com o sofrimento, com o sacrifício e, não raramente,

com a tragédia.

Um amor intenso, profundo e passional, é facilmente levado ou empurrado a romper os obstáculos da

prudência, do senso comum, das formas cristalizadas nas quais a sociedade – com ou sem razão – organiza

o seu funcionamento e as suas normas. Não é necessário recorrer aos arquétipos já muito gastos, do amor

romântico, para perceber que todo amor verdadeiro é fenômeno individual e obedece a uma própria lei

que encontra-se muitas vezes em contradição ou dissensão com a lei coletiva ou com uma norma

consuetudinária. Em toda sociedade, mesmo que a sua moral seja muito elástica e permissiva, antipuritana

e anti-vitoriana, um amor autêntico é sempre motivo de tensão. Um amor autêntico constitui sempre um

primum que pretende, em qualquer situação, um seu não reconhecido direito de prioridade. Ver sempre no

amor as tintas rosas, e somente estas, significa permanecer na superfície e embalar-se na banalidade.

Remo Cantoni

Fonte: http://www.ilgiornale.it/news/politica/basta-mettere-sesso-centro-tutto

O autor: https://it.wikipedia.org/wiki/Remo_Cantoni

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A SERPENTE EMPLUMADA

D. H. Lawrence é um homem livre. Quem seguiu a sua obra tem a sensação precisa de um homem que

surge e que está consigo mesmo. É livre sobretudo diante dos seus leitores, não tem preocupações de

prazer nem com uns, nem outros, e nem mesmo aquela de ser compreendido. Não explica – vai pelo seu

caminho sozinho com a sua visão – sem distrair-se. Ele está sozinho com a sua visão, e esta, para aqueles

que conseguem entendê-la, apresenta-se vivente e íntegra. E as suas criações possuem uma plenitude

mágica.

A “Serpente Emplumada”17 talvez seja a mais poderosa e completa entre as obras de Lawrence. Nesta não

17 Quetzalcoatl, Deus Serpente, entrou no México à frente de um grupo de estranhos, os Toltecas, vestidos com longas

túnicas de linho negro. O povo deu-lhes boas-vindas, e ele tornou-se o rei da Cidade dos Deuses, Tollan. Neste tempo,

as maçarocas de milho eram tão grandes que um homem não conseguia transportar mais do que uma cana de vez, o

algodão com tantas cores, que não necessitava ser tingido. Uma grande variedade de pássaros de penas coloridas

invadiam os ares com suas canções, e abundavam o ouro, a prata e as pedras preciosas. Quetzalcoat introduziu uma

religião que apregoava paz para todos os homens. Ele era totalmente puro, inocente e bom. Nenhuma tarefa era

humilde para ele. Ele até varria os caminhos para os deuses da chuva, para que eles pudessem chegar e fazer chover.

Com o tempo, seu irmão esperto , Tezcatlipoca, invejoso da sua felicidade, juntamente com mais dois feiticeiros

Huitzilopochtli e Tlacahuepán viraram-se contra Quetzalcoat e seu povo. Tezcatlipoca, ficava furioso com tanta

bondade e perfeição. Juntamente com os dois feiticeiros, ele decidiu lançar um feitiço negro em Quetzalcoatl e

transforma-lo em um ancião preocupado apenas com seu prazer.

- Vamos dar a ele um corpo e cabeça humanos, disse. E mostraram a Quetzalcoatl seus novos traços em um espelho

de fumaça. Quando Quetzalcoatl olhou no espelho e viu sua face, foi possuído por todos os desejos terrenos que

afligiam a humanidade. Gritou de horror. “Já não posso mais ser rei. Não posso aparecer assim diante do meu povo”.

Ele chamou o coiote Xolotl, que era tão próximo dele quanto sua própria sombra. O coiote fez para ele um manto de

plumas verdes, vermelhas e brancas, do pássaro Quetzal. Também fez uma máscara turquesa, uma peruca e uma

barba de penas azuis e vermelhas. Pintou de vermelho os lábios do rei, de amarelo sua testa e pintou seus dentes para

que parecessem os de uma serpente. E assim Quetzalcoatl ficou disfarçado de Serpente Emplumada.

Mas Tezcatlipoca tinha pensado em uma nova peça para pregar no irmão. Disfarçado de velho, visitou o irmão, e

preparou um remédio que, como assegurou a Quetzalcoat, o embriagaria, apaziquaria o seu coração e iria curar seu

problema. Com um pouco de boa vontade, Quetzalcoatl, bebeu o remédio e assim que o saboreou, bebeu cada vez

mais até ficar embriagado e choramingando. O que ele havia bebido era o vinho feito de pita, chamado a “Bebida dos

Deuses”. Quando ele estava em esturpor, Tezcatlipoca persuadiu-o a fazer amor com sua própria irmã, Quetzalpetatl.

Quando Quetzalcoatl acordou, ficou amargamente envergonhado com o que tinha feito. “Este é um mau dia”, disse e

resolveu morrer. Quetzalcoat ordenou a seus servos que fizessem uma caixa de pedra, e ficou dentro dela quatro dias.

Depois se levantou e pediu aos servos para encher a caixa com todos os seus maiores tesouros e depois selá-la. Foi até

o mar e lá colocou seu manto de plumas de Quetzal e sua máscara de turquesa. E então pôs fogo em si mesmo e

queimou até que só restassem cinzas na praia. Dessas cinzas, aves raras se levantaram e voaram para o céu.

Quando Quetzalcoat morreu, a aurora não se levantou por quatro dias, porque Quetzalcoat tinha descido para a terra

dos mortos com seu duplo, Xolotl, para ver seu pai, Mictlantecuhtli. Ele disse a seu pai, o Senhor dos Mortos, “Vim

buscar os preciosos ossos que o senhor tem aqui para povoar a Terra.”

E o Senhor dos Mortos respondeu: “Está bem”. Quetzalcoat e Xolotl pegaram os ossos preciosos e voltaram à terra

dos vivos. Quando a aurora se levantou outra vez, Quetzalcoat borrifou seu sangue sobre os ossos e deu-lhes vida. Os

ossos se transformaram nas primeiras pessoas. Quetzalcoat ensinou à humanidade, muitas coisas importantes. Ele

encontrou o milho, que as formigas tinham escondido, e roubou um grão para dar ao povo que tinha criado para que

eles pudessem cultivar seu próprio alimento. Ensinou-lhes a polir o jade, a tecer e a fazer mosaicos. O melhor de tudo,

ensinou-lhes a medir o tempo e a entender as estrelas, e distribuiu o curso do ano e das estações.

Finalmente chegou o tempo de Quetzalcoat deixar os humanos cuidarem-se de si mesmos. Quando a aurora surgiu,

no céu apareceu a estrela Quetzalcoat, que conhecemos como Vênus. Por essa razão, Quetzalcoat é conhecido como

Senhor da Aurora. Alguns dizem que Quetzalcoat partiu para o leste em uma jangada de serpentes, na qual se sentou

como numa canoa, viajando em direção a Tlapallán, o país misterioso de onde tinha vindo e um dia retornará.

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existem dissertações ou argumentações, existe ao contrário uma atmosfera psíquica que nos faz viver na

alma de um país, onde ainda existem forças que já desapareceram em outros lugares e que passaram a

existir de uma outra maneira.

Trata-se do México moderno – tão pouco conhecido pela maior parte das pessoas. O México é um país

onde as forças ocultas aborígenes resistiram à penetração da raça dominadora e permaneceram ao seu

lado, sem serem dominadas. Os acontecimentos que se desenvolveram nos últimos três anos – depois que

o livro já tinha sido escrito – dão ao próprio livro quase um valor profético. A luta e a perseguição anticristã

dos últimos tempos – apesar do verniz maçônico-anticlerical de imitação francesa – na realidade possuem

um significado bem diferente daquele que à primeira vista pode-se acreditar. É a velha alma pagã que surge

contra o culto cristão; são os antigos Deuses do México que despertam do seu sono secular e reclamam o

seu povo; e em Quetzalcoatl, é a “serpente emplumada” que volta a manifestar-se.

Propondo o livro àqueles que se interessam pelos eventos assim como são dramatizados pela arte de

Lawrence, aqui nos limitamos a citar um episódio culminante, não privado de elementos que possuem um

valor efetivamente esotérico.

O velho sangue indiano que impregna a raça mexicana se desperta e torna-se consciente primeiro em uma

elite de pessoas que tendo recebido uma educação europeia vivem de uma maneira ainda mais forte o

contraste. Os outros os seguem. Entra-se em uma ordem de verdadeira evocação. Primeiro de maneira

oculta e na noite ouve-se o tambor que chama os adeptos. O ritmo do tambor possui um caráter mágico

com relação ao despertar do psiquismo; e, em certas formas, uma via para alcançar o êxtase e então o

contato com as forças supersensíveis.

Em torno dos adeptos, reúne-se silenciosamente a multidão, e a “saturação” cresce junto ao ritmo

martelante até que um hino é pronunciado, com o valor, sobretudo, de fórmula mágica, de mantra. E então

o antigo Deus Quetzalcoatl se manifesta, para retomar o contato com o sangue da sua gente. No livro, a sua

mensagem é dada, com as seguintes palavras:

Nas terra do Ocidente

Em paz, para lá da cauda quente e brilhante do Sol,

No silêncio aonde nascem as aguas,

Dormia eu Quetzalcoatl.

Na gruta chamada Olho Escuro,

Vendo através do Sol como através de uma janela.

É lá que moro. Lá, onde brotam as nascentes E os ventos se formam.

Das águas da morte

Voltei a erguer-me e vi um cometa.

Senti um sopro no rosto. O sopro dizia: «Vai!»

E eu vim.

Quetzacoatl procede na sua teofania, e declara assim a própria natureza:

Sou Quetzalcoatl vivo.

Nu me ergui do abismo.

Do ponto a que chamo Pai.

Nu percorrí o longo caminho que se estende do

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Céu, tendo passado pelo lugar onde dormem os Filhos de Deus.

Ergui-me das profundezas do céu como se fosse uma águia.

Ergui-me das entranhas da terra como se fosse uma serpente.

Sou conhecido de tudo o que existe no espaço entre o céu e a terra.

Ainda assim, sou o ponto interior da estrela invisível.

E esta é uma espécie de lampião nas mãos do Deus Desconhecido.

Para além de mim, existe u m Senhor que é terrível e maravilhoso ao mesmo tempo.

e que estou condenado a nunca fitar,

Contudo, antes de se unir à Màe-Espaço para me gerar, foi no seu ventre que vivi.

Agora, encontro-me sozinho na terra e esta pertence-me.

São minhas as raízes que se ocultam no caminho escuro da serpente.

Do mesmo modo, os ramos, as estradas do céu e as aves, tudo isto é meu.

Porém. a centelha que em mim arde pertence a todos os seres, a todas as coisas.

Conhecem-me os pés dos homens e as mãos das mulheres.

Conhecem-me os joelhos, as coxas, os ventres, as entranhas onde nasce

a força e as sementes que só graças a mim se acendem.

A serpente que, vinda da escuridão, se enrosca na minha mão direita,

beija-vos os pés com a sua língua de fogo,

Ao mesmo tempo que transmite o seu poder aos vossos tornozelos e pernas,

inflama os vossos joelhos, pernas e rins, e acaba por se enroscar nas vossas bamgas.

Pois sou Quetzalcoatl, a Serpente Emplumada,

E só me encontro convosco quando a serpente que em mim habita

se deita a descansar nos vossos ventres.

Eu, Quetzalcoatl, a águia dos ares, agito as asas e dou-vos visões. Insuflo-vos o peito com o meu sopro

E é nos vossos ossos que construo o ninho onde poderei descansarem paz.

Sou Quetzalcoatl, o Senhor das Duas Vias.

Lentamente uma sensação de alívio difunde-se no povo: “Quetzalcoatl veio”. A divindade originária volta a

viver nele, removendo a força do culto estrangeiro e novo que do externo tinha subjugado a alma

mexicana. É a hora da partida do Deus cristão. As imagens, tiradas da igreja, com o rufo do tambor,

enquanto se acende o fogo do auto da fé, são-lhe restituídas. O México reencontra e reafirma a própria

alma: este será o princípio da regeneração, o fim dos eventos trágicos da sua vida nacional.

Mas também existe , em um plano superior, a urgência do empurrão misterioso que impulsiona os homens:

“Vá, e quando você for, não poderá mais voltar para trás”. A mensagem de Quetzalcoatl fala aos homens

da autoconsciência transcendente. Lendo com sentido místico e conhecimento oculto a mensagem que

segue, de fato encontramos expressões com uma singular inspiração. Ei-la na sua entoação profética:

A grande Serpente enrola e desenrola o plasma das suas espirais, aparecem estrelas e desaparecem

mundos: e nada mais além do mudar e estender-se do plasma.

“Eu existo, sempre” ele diz no sonho.

Como um homem no sono profundo não conhece, mas existe, assim existe a Serpente com as espirais do

cosmo vestida com o seu plasma.

Como um homem no sono profundo não tem amanhã, nem ontem, nem hoje, mas só Existe, assim é a clara,

longa Serpente do cosmo eterno, agora e para sempre agora.

Agora, e só agora, e para sempre agora.

Mas surgem e desaparecem sonhos no sono da Serpente.

E surgem mundos como sonhos e desaparecem como sonhos.

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E o homem é um sonho no sono da Serpente.

E só no sono sem sonhos ele respira: “Eu existo”.

No agora sem sonho, EU EXISTO.

Os sonhos surgem como devem surgir e o homem é um sonho que surgiu.

Mas o plasma sem sonhos da Serpente é o plasma de um homem, do seu corpo, da sua alma, do seu

espírito: unidos.

E o sono perfeito da Serpente EU EXISTO é o plasma de um homem que é inteiro.

Quando o plasma do corpo e o plasma da alma e o plasma do espírito são um, na serpente EU EXISTO.

Eu existo agora.

“Não existia” é um sonho e “existirá” é um sonho, como dois pés pesados distintos.

Mas agora, eu existo.

As árvores colocam para fora as folhas no seu sono, e a floração emerge dos sonhos, no puro “eu existo”.

Os pássaros esquecem o peso dos sonhos, e cantam alto no agora, eu existo, eu existo.

Porque os sonhos possuem asas e pés, viagens a serem realizadas, e esforços a serem feitos.

Mas a Serpente cintilante do Agora, indivisa e perfeitamente envolvida em espirais não possui pés nem

asas.

Os homens da Serpente poderão receber a mensagem?– A resposta não está no livro18 – com profundo

senso artístico o autor nos deu uma visão capaz de viver em nós e transcendente o próprio livro. Os

eventos do romance nos dão muito para poder sentir a alma de um povo na sua interioridade. São

“estados” que nas nossas almas ainda não estão inteiramente esquecidos e, em retorno consciente,

sentimos que penetramos na nossa própria interioridade. É um passado que justifica e explica o nosso

presente.19 Leo – Krur, 1929.

18 D.H. Lawreence - A SERPENTE EMPLUMADA – Publicações Europa-America, Lisboa.

19 Manlio Mangnani na sua obra “Supremo Vero” desejava para toda a América Latina o despertar de um sentimento

“civil, intelectual e moral” que nascesse da mais antiga e profunda consciência espiritual dos seus povos e por esta

razão em alguns de seus escritos fala sobre o “hemisfério da cruz do sul” como sendo o continente cujo futuro será

marcado por uma profunda mudança e citou a obra de D. H. Lawrence “A serpente emplumada” usando algumas

expressões significativas como esta: “Pois bem, vejo uma realidade imensamente diferente daquela aparente e

extraordinariamente interessante. Para falar sobre ela não servem as palavras dos vocabulários usados agora

naqueles países por aqueles homens.

No íntimo, no profundo uma agitação da alma uma espécie de fermentação da qual deve ou procura surgir uma coisa

nova, pressentida mas ainda não conhecida, o trabalho de um parto não anunciado, uma agitação trêmula à espera

de alguma coisa que na linguagem latina poderia-se dizer: “eum qui venturis est” porém sem poder saber nada sobre

aquele “eum”. Refletindo-se aquele estado profundo da alma na mente e nos sentidos e nos sentimentos produz as

idiossincrasias externamente visíveis.

Aquelas passam ou passarão; mas do trabalho interno surgirá o acontecimento que venturus est, acontecimento de ordem espiritual, ou pelo menos virá a sua preparação para acolher aquele acontecimento se o ponto vistoso do seu manifestar-se estiver em outro lugar. O poeta norte-americano D. H. Lawrence descobriu esta verdade profunda estudando o México. Ele canta:

Nas terra do Ocidente Em paz, para lá da cauda quente e brilhante do Sol, No silêncio aonde nascem as aguas, Dormia eu Quetzalcoatl. …………………………………………………………… Das águas da morte Voltei a erguer-me e vi um cometa. Senti um sopro no rosto. O sopro dizia: «Vai!»

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E eu vim. …………………………. Sou Quetzalcoatl vivo. Nu me ergui do abismo. Do ponto a que chamo Pai. Nu percorrí o longo caminho que se estende do Céu, tendo passado pelo lugar onde dormem os Filhos de Deus. Ergui-me das profundezas do céu como se fosse uma águia. ………………………………………………………… Mas eu sou a estrela interiior invisível, E a estrela é uma lâmpada na mão do Desconhecido Movedor”. (….) Pois bem, “a estrela inferior invisível…lâmpada na mão do Desconhecido Movedor” quando se tornará outra vez

visível o será na única forma possível, aquela de uma nova luz mística capaz de ser “princípio fixo, certo, não discutível” por toda a duração de um novo ciclo, base e justificação, seja na ordem civil que intelectual e moral”.

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RECORDANDO CAMILLA PARTENGO

Setembro de 1970 – Setembro de 2016

Camilla Partengo nasceu em Florença em 1887, mas transcorreu a primeira parte da sua existência em

Verona, a cidade natal de seus pais. O pai, general do exército, e a mãe, nobre pertencente à família Orsini,

criaram Camilla segundo os princípios austeros da aristocracia romana. A condição abastada na qual

Camilla se encontrava estimulou-a a desenvolver um forte senso de responsabilidade e uma inabalável

coerência moral. Assim sendo decidiu aprimorar o próprio amor pelo estudo, a cultura e os valores do

espírito.

Obtido o título de professora, Camilla Partengo começa a ensinar em uma Escola de Verona.

A primeira guerra mundial agitou a vida de milhões de pessoas, muitas famílias choram os seus mortos e

Camilla não consegue ficar inativa diante dos deveres que a pátria impõe. Partengo passa a fazer parte da

cruz vermelha e leva a sua ajuda nos hospitais das retaguardas e nas barracas de campanha. Os numerosos

feridos encontram grande conforto nesta moça gentil, sensível e competente. Camilla fortalece o seu

espírito sem deixar espaço à desilusão, mas tentando de todas as maneiras melhorar a condição de quem a

circunda. Durante a guerra encontra e faz amizade com o pitagórico Arturo Reghini oficial de artilharia

atraída pela tradição itálica e pitagórica cujos estudos em breve serão motivo da sua dedicação.

No final da primeira Guerra Mundial, Partengo manifesta a vontade de retornar aos estudos e transfere-se

então para Bolonha. Bolonha, graças à sua Universidade garante um nível de instrução muito alto. Partengo

inscreve-se na Faculdade de Física e, após anos de muitos sacrifícios, consegue se formar. O relator da tese

é o grande professor Augusto Righi, que compreende as qualidades de Camilla e lhe propõe ajudá-lo como

sua assistente. Os conhecimentos da recém formada são vastos e bem coadjuvados por uma paixão sem

limites. Em Bolonha faz amizade com Enrico Salvi, um pitagórico discípulo de Amedeo Armentano e amigo

de Arturo Reghini, que dirige na rua Castiglione a “Scuola Italica Quirico Filopanti”.

Em 1932 Partengo torna-se diretora da Escola Itálica Seção Quirico Filopanti de Brudrio, sucursal do

Instituto de Bolonha. A Escola Média de Budrio é um laboratório sempre em evolução e animado por

professores cultos, preparados e com uma grande inclinação para o ensinamento. Durante a Segunda

Guerra Mundial a atividade da Escola não foi interrompida: Camilla adapta algumas salas da sua casa em

Villa Giacomelli e continua a receber os estudantes.

Entre 1939 e 1940 Partengo oferece um cargo de professor na sua Escola ao velho amigo Arturo Reghini. O

fundador da Escola Enrico Salvi tinha morrido em 1937.

O próprio Reghini fala sobre esta mudança para Budrio na sua última carta para Armentano do dia 21 de

abril de 1946: “Em 1939 quando explodiu a guerra eu perdi de uma só vez todas as aulas particulares; eu

escrevi para a Partengo contando tudo e ela aproveitou para fazer-me a precisa proposta de ir para

Bolonha na Escola Itálica.

Dada a inutilidade e a precariedade da minha permanência em Roma eu aceitei a proposta para ver ser

pelo menos era possível salvar aquilo que Salvi tinha construído. A escola ia mal em todos os sentidos,

aquele econômico incluído. Fomos constringidos a sacrificar a escola de Bolonha e aquela de Molinello

reduzindo-nos àquela de Budrio para a qual, vencendo não poucas insídias e dificuldades, conseguimos

obter o reconhecimento legal. Sendo assim desde o verão de 1940 estamos em Budrio. Nos primeiros anos

as coisas caminharam bem graças também à ajuda da Prefeitura. Depois o secretário do partido fascista

republicano nos jogou com a força no meio da rua; e começaram as dificuldades e as hostilidades de todo

tipo: os fascistas, as pessoas que ficaram sem casa, os alemães que se instalaram também em casa por dez

meses e nos constringiram a fechar a escola (eu ganhei oitenta liras em um ano!) depois os

bombardeamentos aéreos de dia e de noite e enfim o bombardeamento da artilharia inglesa e alemã por

quatro dias e quatro noites ininterruptas. A nossa casa encontra-se em um cruzamento importante pouco

distante de uma ponte sobre o rio Idice cujo forçamento decidiu a vitória. Só no lado leste existem mais de

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cem marcas de balas e de estilhaços; um carvalho de mais de um metro de diâmetro foi derrubado, e de

sete banquinhos de pedra ficou só um; as árvores foram todas dilaceradas ou derrubadas e assim por

diante. Não foi possível contruir refúgios dignos deste nome porque a um metro e meio de profundidade

encontra-se água; deixar a casa equivalia a fazê-la destruir pelos alemães; no dia 18 de abril os alemães

estavam esperando o escuro da noite para deixar-nos definitivamente e Milla tinha aberto o portão para

permitir ao caminhão deles levá-los embora, quando um estilhaço de projetil feria Camilla no pescoço a

poucos metros de mim. Imediatamente correu um alemão que devia ser pelo menos um enfermeiro e

embaixo de balas e com a luz de uma péssima vela, enfaixou-a fazendo parar a hemorragia e dizendo que

ocorria levá-la para o hospital (tinha uma lesão no nervo do braço como soubemos depois); tudo isso eu

pude entender mais ou menos. Depois os alemães partiram e o bombardeamento continuou. Mais do que

nunca era impossível deixar a casa com uma mulher ferida e as ruas e os campos borbardeados com

granadas.

Além de tudo isso os aviões não nos deixaram em paz e nem te digo quantas vezes eu milagrosamente me

salvei.

Um quarto de boi tinha sido encontrado no meio da rua mas não foi possível cozinhá-lo porque fomos

constringidos a nos proteger naquele que parecia ser o cômodo menos exposto. Na manhã do dia 20 em

uma grande paz improvisa surgia um amanhecer lívido nas ruas e nos campos desertos, depois às 9 horas

chegaram os neozelandeses e começou o bombardeamento alemão particularmente raivoso. Fomos para

um cômodo na parte oposta e um enorme carro armado nos protegia do lado da janela; eu dormi

tranquilamente, até roncando pelo que me parece. Eu nunca perdi a calma e a tranquilidade e acho que

este perfeito equilíbrio e harmonia tenha tornado possível a percepção que tive da chegada dos ingleses

com uma intuição do tempo diferente da normal; e na qual os eventos me foram apresentados enquanto

efetivamente se desenvolviam como já vistos e vividos sub specie aeternitatis. Os ingleses ficaram poucos

dias; depois ficamos sozinhos, sem água, sem luz e com a casa destruída, você nem pode imaginar o estado

dos vidros e a quantidade de buracos nos muros.

Milla teve que ir para o hospital em Bolonha; eu reabri a escola. Depois começou a história das vítimas do

desastre, do aumento dos preços e das hostilidades por parte dos comunistas que veem em nós uma escola

particular que desfruta do povo e que ocorre combater”.

Reghini morreu em julho de 1946 na casa da Partengo em Budrio. Foi a própria Camilla a dar a notícia a

Armentano no Brasil da morte do seu discípulo com a seguinte carta:

Caro Professor, o Sr. talvez já saiba através de Guerrieri ou de outros amigos do Prof. Reghini que ele

morreu no dia 1º de julho de 1946, e talvez saiba diretamente por ele que era meu hóspede e ensinava na

Escola Média “Filopanti” de Budrio, fundada pelo defunto comum amigo Prof. Enrico Salvi. Eu posso bem

dizer que tenho sorte por ter vivido junto com ele em devota amizade e admiração. Ele sempre trabalhou

com inflexível tenacidade para terminar (e conseguiu) a sua genial obra de matemática, não se importando

com perigos e desconfortos de guerra. Ele ficava por horas e horas na sua mesa de trabalho, impassível

também quando as grandes formações aéreas de bombardeiros voavam sobre a nossa casa à procura do

objetivo bélico constituído por uma ponte sobre o rio Idice, a pouca distância de nós. Ele era o exemplo

daquela calma espiritual própria de quem vive em um mundo superior e não teme nada. Depois da sua

morte vieram amigos e parentes: os primeiros a prestar as devidas honrarias e os outros para pegar aquele

pouco que ele tinha deixado, de roupas pessoais e outros objetos. Para a publicação da Obra de Arturo logo

será publicado só o resumo, traçado pelo próprio Arturo. Arturo deixou por escrito a tarefa da revisão do

trabalho ao amigo, valoroso matemático, prof. Del Guercio Alfonso Rua G. Giusti, nº 10 – Florença. O outro

amigo de Arturo, Giulio Parise residente em Roma – Rua Gallia nº 52 – ocupa-se da impressão deste resumo

que entanto serve para estabelecer a prioridade das ideias e das fórmulas encontradas por Reghini. A

publicação integral será feita quando será possível arcar com a enorme despesa, ou quando um dos

Institutos Culturais italianos assumirá a responsabilidade. Ao amigo Guerrieri, que eu vejo de vez em

quando, eu passarei a sua carta do dia 11 de agosto passado, se o Sr. me autoriza a fazê-lo. Eu lembro do

nosso encontro em Florença, presente Salvi que me conduziu ao Sr. no distante ano de 1913. Sei que

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também o Sr. se lembra de mim e retribuo as saudações com votos de bem para o Sr. e a sua Família.

Depois da morte dos prezados amigos, Salvi e Reghini, eu continuo a minha modesta obra de Professora e

de Diretora na Escola Média “Filopanti” de Budrio; o período que atravessa presentemente a escola não é

dos melhores, mas a fé e a coragem não faltam, como não me falta a ajuda moral dos bons amigos de

Arturo e de Salvi. Com o tempo eu me transferirei, provavelmente para Roma, com a Escola ou sem, de

acordo com as circunstâncias, e lhe avisarei. Esperando um seu escrito, renovo-lhe os votos e saudações

cordiais. Camilla Partengo.”

No final da guerra, Partengo decide porém dedicar-se completamente à Escola e a todos aqueles que

queiram instruir-se. Camilla, muitas vezes sem pagamento, ajuda numerosos estudantes e pessoas

maduras que desejam ter acesso à cultura. A física, a astronomia e a matemática continuam sendo as

matérias mais apaixonantes, mas Camilla distingue-se também como defensora da obra da Dante Alighieri

(sociedade que propõe-se como objetivo a difusão da língua e da cultura italianas no mundo).

A parte conclusiva da vida de Camilla é marcada pela dificuldade econômica. A este ponto os seus ex-

professores, ex-alunos e a comunidade de Budrio decidem contribuir para providenciar a ida da Sra.

Partengo para uma casa de repouso de Casalecchio. Através desta nobre e necessária ação a grande

professora pode transcorrer os últimos anos da sua existência, que termina de maneira serena em

setembro de 1970. (Salilus)

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NOVEMBRO 2016

VONTADE MÁGICA E VONTADE HUMANA

Estamos cansados de exercer a nossa vontade humana, cansados da nossa vontade pessoal, tentemos exercer a vontade mágica livre do ego e dos apetites. Existem três coisas que impulsionam um homem em direção de uma determinada via: o apetite, (e a ambição encontra-se entre os tantos apetites que perturbam o homem), a ideologia (e entre as ideologias nós incluímos as religiões monoteístas), a intuição. Dar uma definição à vontade mágica para distingui-la da vontade humana não é uma tarefa fácil. Tentaremos com a ajuda dos estudos kremmerzianos e da ciência hermética. Sobretudo porque sem a conquista de uma vontade mágica não será possível percorrer a via hermética e aqui, sem querer, usando o verbo “conquistar” nós reconhecemos implicitamente que a “vontade mágica” não é uma virtude inata no homem (com exceção de raríssimos casos de mestres que vêm para o mundo com uma missão específica), mas é o único grande poder através do qual exercer as finalidades superiores da nossa Escola. A vontade humana por mais que seja plasmada pela inteligência, pode ser um distúrbio para os outros, enquanto que a vontade mágica plasmada pela inteligência exercida pro salute populi representa um benefício para os outros. Mas alguém poderia perguntar: renunciar à própria vontade humana não equivale a morrer? Certamente, equivale a uma morte profana. E é justamente aqui que se oculta um dos mais profundos mistérios da via iniciática. A vontade mágica pode ser comparada ou assimilada à intuição? Sim e não, sim na medida em que a intuição ajuda o exercício da vontade mágica, não: todas as vezes que atrás de uma intuição se esconde um diabólico persistir da vontade humana. A intuição que ajuda a vontade mágica foi definida como “a faculdade que transcende a razão (que) indica olhar para um mundo interior, in-tueri, in-tueri então é uma função que não tem nada a ver com o mundo fenomênico”. (Reghini). Em poucas palavras, todas as vezes que somos

LEMBRANÇA DO FUTURO

Lembrar-se do futuro parece um paradoxo, ou melhor uma frase constituída por dois conceitos de significado oposto, já que nós estamos acostumados a coligar as lembranças aos fatos do passado, e então julgamos ser impossível lembrarmos do futuro do qual não sabemos nada, na errada convicção que passado, presente e futuro sigam uma própria sucessão nesta ordem e sejam três estados temporais diferentes e separados, porque temos uma noção do tempo e da sua representação completamente errada. Em primeiro lugar nos perguntamos: o que é o tempo? Naturalmente nós não esperamos uma resposta científica porque neste caso teríamos feito esta pergunta a um físico ou a um astrônomo. Nós pretendemos uma resposta que confirme a validez dos nossos estudos e das nossas experiências. Para poder formular uma definição correta deveríamos saber do que estamos falando e para poder fazê-lo devemos renunciar a tudo aquilo que nos foi dito e ensinado sobre o tempo, superar o modo habitual que temos de concebê-lo e tentar uma nítida “transcendência” do tempo. É uma nossa comum convicção que os assim ditos valores do espírito e potências da alma das quais falamos sempre sejam alguma coisa de abstrato, alguma coisa de desvinculado do nosso modo de pensar e de viver e não temos a percepção que ao contrário provavelmente lidamos com potências e valores que não podem abstrair de maneira nenhuma da entidade temporal. De maneira que o tempo se mostra para os nossos sentidos como o fator resolutivo da maior parte dos nossos problemas. Já que as coisas são assim devemos tentar em primeiro lugar descobrir e depois entender o que pretendemos compreender com esta pequena e estranha palavra. De fato até agora nós giramos em volta do problema e chegou o momento de ir até a casa de Pitágoras e perguntar para Ele o que pensava sobre o tempo. Ele nos responde que para conhecer o tempo ocorre penetrar nas leis da música, porque o tempo é vibração, é som. E além disso o pai dos filósofos demonstrou as suas afirmações através das regras da matemática e das leis dos números. Nesta lei as fórmulas ternária e

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movidos por uma força interior que transcende a aparência das coisas (o fenômeno) e então também o aparecer de nós mesmos, todas as vezes que negamos a representação do sensível transeunte, sacrificamos sempre a vontade de aparecer e reafirmamos a nossa vontade superior do ser que produz inevitavelmente os frutos mágicos do amor e da solidariedade, frutos que como os Mestres ensinaram são a panaceia de todos os males e o elixir da longa vida. Mas na vontade mágica que transcende a razão humana, oculta-se a nossa própria capacidade de impulsionar a inteligência mercurial em direção do absoluto não manifestado que não conhecíamos por causa de uma espécie de preguiça da mente e dos sentidos que aflige especialmente o homem moderno desde quando declarou o divórcio do seu “mundo interior”. Todos os homens dotados só de “vontade humana” são vulneráveis, enquanto que aqueles dotados de “vontade mágica” são inatingíveis das fraquezas dos sentidos e da precariedade das emoções. Esta é a razão do porque só a “vontade mágica” pode produzir o milagre do amor e fornecer ao homem os instrumentos que o protegem do desequilíbrio dos elementos e que lhe permitem fazer o bem. Existem diversas maneiras de exercer a “vontade mágica”, aquela ritual ensinada na escola hermética e aquela direta ensinada na Escola pitagórica. Mas é impróprio falar de ensinamento direto, na escola pitagórica a prática operativa é exercida através do conhecimento direto das forças que regulam a vida do homem e do cosmo. Às vezes o método ritual e aquele pitagórico se confundem e se integram como aconteceu no passado, por exemplo nas Academias florentinas da Renascença. Na escola hermética a via ritual consiste sobretudo no uso consciente e neutral de práticas cerimoniais às quais os nossos antigos hierofantes com arte e sabedoria doaram a propriedade de agir na parte sutil do homem e de colocá-la em contato com as inteligências que agem na mesma direção, entre as quais temos que incluir além daquelas dos homens que operam no mesmo nível, inteligências cósmicas e divinas que as presidem. Na escola pitagórica, visto que as finalidades são semelhantes àquelas da escola hermética, as leis que regulam a prática operativa miram essencialmente a um contato privilegiado do homem com as inteligências divinas, através do conhecimento e do uso das leis matemáticas e

quaternária dominam. Este é um fato. Mas e se quiséssemos ir além? Enquanto o três é um número que explica e abre as portas a muitas coisas, o quatro nos coloca diante de um limite, de fato o três está na base da tridimensionalidade, enquanto que o quatro nos anuncia a quarta dimensão sobre a qual sabemos muito pouco ou quase nada. Em poucas palavras se conhecemos as três dimensões clássicas sobre as quais é construído o nosso mundo físico: altura, largura e profundidade e ignoramos totalmente onde se encontra e o que seja a quarta dimensão, isto significa que entramos em pleno mistério do qual podemos sair somente através do uso de um sentido que é um não sentido porque na realidade seremos chamados para indagar sobre um tempo que é um não tempo. Este não é um jogo de palavras ou um quebra-cabeça, como alguém poderia pensar, é um autêntico enigma sobre o qual, para resolvê-lo, empenharam-se grandes cientistas de Newton a Einstein. Mas a razão humana e o sentido comum não servem e não nos ajudam. É também o enigma da Esfinge que perguntava: “Quem é contemporaneamente bípede, trípode e quadrúpede?” propondo justamente de maneira alusiva um enigma matemático, onde o quadrúpede pode ser um cachorro ou um cavalo. Mas poderia ser um homem? E voltamos então para o famoso número quatro e para a célebre tetractys o número quaternário sobre a qual os pitagóricos juravam considerando-a um símbolo sagrado. Não nos é permitido saber o por que de tal veneração, mas deste comportamento dos pitagóricos, que eram homens sábios e prudentes, é legítimo deduzir que eles soubessem que o tempo é quaternário, já que nada no conhecimento humano de origem divina representada na figura da tetractys se afasta do número quatro.

*** Agora é importante estabelecer uma correlação entre a quarta dimensão e a memória e para poder fazê-lo temos que descobrir se a memória também pode ter uma valência quaternária. Por outro lado se o passado que faz parte do comum tempo tridimensional é representado e recordado pela nossa memória comum, não é dito que o futuro possa ser representado por uma memória deste tipo. Eu usei de propósito o dubitativo porque poderíamos dizer o exato contrário ou seja que a memória pode recordar tudo, o presente, o

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rítmicas que regulam a vida do homem com a necessidade urgente de torná-lo semelhante a Deus, através de um processo definido pelo próprio Pitágoras: palingenesia. (Salilus)

passado e o futuro já que a subdivisão em três tempos é só uma subdivisão convencional do UNO ou tempo unitário e finito. Mas aqui se apresenta um obstáculo que não pode ser ultrapassado: aquele da linguagem. Explico-me: nós somos educados para usar a linguagem para comunicar as coisas que aprendemos e conhecemos e não aquelas que devem acontecer. De que maneira podemos representar semanticamente alguma coisa que acreditamos ainda não conhecer? Nós sabemos que no sonho e nos estados de coma ou de morte aparente podem acontecer manifestações de pressentimento, o que demonstra praticamente que a mente tem condições de “ver” no futuro. Porém nunca ninguém usou a expressão “recordar o futuro” mas aquela mais comum “teve um fenômeno de pressentimento” “predição” o que demonstra que também em casos como estes insistimos em considerar o tempo na sua forma tripartida. O nosso erro de pensar em termos de passado, presente e futuro na realidade bloqueou a nossa mente e a nossa consciência limitando-a só ao passado e ao presente enquanto nos permite pensar no futuro projetando-o para frente como uma extensão daquilo que somos hoje ou daquilo que fomos ontem. Mas as coisas não estão bem assim. Seria uma amarga ou uma bela surpresa (dependendo do caso) saber que na realidade o futuro é uma experiência que já estamos vivendo ou que já vivemos e que como tal pode ser muito bem lembrada. “São três as coisas na arte humana das quais você deve se lembrar: em primeiro lugar você deve examinar as coisas antes que aconteçam (que se manifestem)...” além disso as coisas esquecidas voltam a ser claras e as coisas precisas pululam...” dizia Giordano Bruno no “Sigillum”. O tempo como “provir” implica o conceito de espera e pressupõe um tempo finito. De fato a mente humana nega a ideia do indefinido, porque na sua própria etimologia existe o princípio da “mensura”, ou seja da possibilidade de “medir” de “de-finir”. E nós sabemos que são mensuráveis só as coisas finitas e limitadas. Na finitude da espera nos sentimos confiantes e transformamos o tempo de valor abstrato e infinitesimal em entidade certa e ao alcance das mãos, “antes que aconteça”. Eis por que é possível recordar o futuro, porque no futuro não existe incerteza; na “linearidade do tempo” o presente, passado e futuro identificam-se em um só momento, no presente.

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Mas se a mente possui esta possibilidade e esta conformação quais dificuldades ela encontrará quando se dispuser a “recordar”? Às dificuldades que ela mesma criou através da educação que recebeu. Não existe nada de mais maleável do que a mente humana, por isso uma cultura que por séculos a submeteu à sua vontade, dando à consciência uma aspectativa do futuro visionária e fantasiosa, encontraria-se em dificuldade se se propusesse a limpar as incrustações que a impedem de recordar o futuro e “ser” ao invés de “se tornar”. De fato sabemos que qualquer ideia “messiânica” é inimiga da ideia que o homem possa recordar e dispor do próprio futuro, gostaria que a humanidade fosse submissa a um destino incerto cujas fraquezas se resolveriam só com a intervenção de um senhor salvífico e muito distante. A este ponto a nossa mente e a nossa consciência não são mais nossas, nós assinamos uma procuração em branco, renunciando assim para sempre ao bem precioso da “memória” que nos torna vivos e presentes a nós mesmos. Para concluir, retornando ao enigma da Esfinge eu recordo que o homem e a sua natureza oculta estavam na base do mistério do enigma egípcio porque o homem é a máxima expressão da criação e das criaturas; esta afirmação não é resultado de orgulho ou de presunção, mas uma reivendicação do senso de responsabilidade diante de si mesmo e diante do universo. (Salilus)

AS QUARENTENAS ESPIRITUAIS DA MAÇONARIA EGÍPCIA

A segunda escritura que encontra-se no calhamaço manuscrito de 1790 relativo ao processo promovido pelo Santo Ofício contra Cagliostro, que constitui o Manuscrito 245 da Biblioteca Vittorio Emanuele de Roma, e do qual demos notícia e reproduzimos algumas páginas na revista IGNIS (1925), é devida ao particular trabalho de Tommaso Vincenzo Pani, Comissário Geral da Santa Romana Inquisição, e é intitulada: Censura e qualificação do Sistema da Maçonaria Egípcia, e de várias proposições, que encontram-se, em seus Catecismos e Estatutos.

Esta contém uma exposição do sistema da Maçonaria Egípcia feita com base nos documentos sequestrados a Cagliostro e principalmente com base no “Ritual da Maçonaria Egípcia”, ou melhor da sua tradução italiana manuscrita que o Tribunal do Santo Ofício preocupou-se de fazer do manuscrito original francês de propriedade de Cagliostro, certamente para facilitar a obra dos processantes. Como já dissemos este ritual ainda hoje é inédito,

embora pequenos trechos tenham sido publicados na “Initiation” de 1906-1908, e também é inédito o manuscrito 245 da Biblioteca Vittorio Emanuele, no qual e especialmente na escritura de Pani estão

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contidas numerosas notícias sobre este ritual.20 Do ponto de vista iniciático têm particular importância, no Ritual da Maçonaria Egípcia, as duas

“quarentenas espirituais”, que tinham como objetivo conferir ao Maçom Egípcio a perfeição moral e aquela física. Eis como Pani expõe a: Primeira Quarentena para obter o Pentágono e tornar-se moralmente perfeito. “Deve ser escolhida uma montanha altíssima, à qual será dado o “nome de Sinai”,21 e de Sion22 ao Pavilhão que deve ser erguido no alto da montanha, dividido em três andares. A Câmara Superior deste Pavilhão será quadrada com 18 pés, e terá quatro janelas ovais para cada lado com um só alçapão para poder entrar. A

20 Uma versão em lingua portuguêsa foi publicada no Brasil pela Editora Pensamento em 1967 com o titulo “Ritual da

Maçonaria Egipcia”. (ndt)

21 Uma das acusações contra Cagliostro no processo de Roma foi aquela de ter tido a pretensão de fundar a sua “seita”

sobre a escritura divina. No seu ritual ele diz: “Quando Moisés saiu do Egito fez o retiro de 40 dias com alguns

companheiros, ele chegou a formar e aperfeiçoar o Pentágono”. Isto aconteceu justamente no Sinai de acordo com o

que se diz no Êxodo, XXVI, 12-18. Esta quarentena de Moisés é relacionada com a regeneração espiritual atuada pela

primeira quarentena do Ritual maçônico egípcio; a segunda quarentena ao contrário que tem como objetivo o alcance

da regeneração física é relacionada com o retiro de quarenta dias efetuado por Moisés e do qual fala o Êxodo, XXXIV,

27-28, e o Deutoronômio IX, 18-25 e X, 10. Este período de quarenta dias com relação à regeneração iniciática é

comum tanto na tradição hebraico cristã quanto na tradição isíaco hermética. Jesus retirou-se por quarenta dias e

quarenta noites no deserto (Mat. 4; Marc. 1,12; Luca IV,2); quarenta dias dura o jejum de Lucio antes da iniciação de

Osires segundo narra o pseudo Apuleio nas Metamorfoses (Asno de ouro); e quarenta dias dura a nigredo alquímica

que precede a aparição do branco e do vermelho (assim diz a 74ª das proposições que introduzem o De Alchemia

Dialogi duo de 1548). A quaresma cristã que precede a “Páscoa da ressurreição” e o Ramadan maometano conectam-

se evidentemente a esta mesma regeneração. Trinta noites, mais um complemento de dez noites, dura segundo o

Alcorão (Sura VII, 138-140) o retiro de Moisés. Trinta ou quarenta dias dura o sacrifício do qual fala Campanella no

final da “Cidade do Sol”, que asssemelha-se também em outros sentidos às quarantenas de Cagliostro. Cagliostro

atém-se então perfeitamente à linha ortodoxa da tradição iniciática.

22 Deus fundou no monte Sion eternamente o templo de Jerusalém (Salmo 48). Mas o templo de Jerusalém é aquele

de Salomão, construído segundo a tradição maçônica da Adon Hiram; e então é idêntico ao Templo para o qual

combateram os “Templários” e ao Templo cuja reedificação entendem os Maçons, e em particular a Maçonaria

Egípcia de Cagliostro. Segundo Cagliostro “Moisés, Enoch, Elias, Davi, Salomão, o Rei de Tiro e várias outras pessoas

amadas pela Divindade chegaram a conhecer, e gozar da Primeira Matéria”, que era a substância que era tomada na

segunda quarentena e que garantia a regeneração física. Segundo o Ritual da Maçonaria Egípcia a “Maçonaria tem

como pais Enoch e Elias..., os quais formaram doze pessoas, que nominaram eleitos por Deus, um dos quais conhecido

por vocês chamava-se Salomão”. Como já vimos Enoch e Elias apareciam durante os trabalhos da Loja, e tanto de um

quanto do outro a sagrada escritura diz que os seus corpos não morreram porque ambos subiram aos céus; melhor

dizendo o Senhor “tirou do mundo” Enoch quando ele tinha 365 anos. Elias foi enlevado ao céu em um carro de fogo;

e isto explica a presença e a importância de “Elias o artista” no hermetismo, Elias caminhou por 40 dias e 40 noites

para chegar ao monte Horeb, que é uma parte do Sinai, chamada também a montanha do Senhor. Naturalmente estes

templos dos quais falamos são só imagens e o símbolo do “templo interior”. Na tradição maçônica faz-se menção de

Enoch, filho de Caim, e do qual pegou o nome a cidade de Enoque fundada por Caim, quando expulso da face da terra,

fugiu em direção da região oriental do Éden. Tubalcaim descende de Enoch, e a Tubalcaim a tradição maçônica faz

remontar a maçonaria, que os hermetistas identificavam com Vulcão inventor da alquimia. Nós não acreditamos que

Cagliostro tenha pensado neste Enoch, como pai da maçonaria, mas em Enoch, filho de Jared, que não morreu.

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segunda Câmara ou seja aquela do meio23 será perfeitamente redonda sem janelas e capaz de conter 13 camas pequenas, e uma única lâmpada colocada no meio a iluminará, também não haverá nenhum móvel que não seja necessário, e destruída a superior, esta segunda câmara passa a se chamar Ararat, nome da montanha sobre a qual parou a arca em sinal de repouso24 que é reservado somente aos maçons eleitos por Deus. A primeira Câmara finalmente terá a capacidade conveniente para servir como refeitório e em torno terá três gabinetes, dois dos quais conservarão as provisões e outras coisas necessárias, o terceiro as vestimentas, as Insígnias, e outros Instrumentos Maçônicos ou da arte segundo Moisés, como é dito no livro25. Reunidas as provisões, e os instrumentos necessários 13 Mestres fecham-se no Pavilhão sem poder mais sair pelo período de 40 dias, que são dedicados aos trabalhos maçônicos, observando em cada dia a mesma distribuição das horas, de maneira que seis sejam empregadas para a reflexão, e para o repouso, três para a oração e Oferta ao Eterno, que consiste no dedicar todo si mesmo com a maior efusão de coração à glória de Deus, nove para as operações sagradas, finalmente as seis últimas para a conversação, e restabelecimento das forças físicas e morais perdidas. Passado o trigésimo terceiro dia26 destes exercícios os Mestres reclusos começam a gozar do favor de comunicar visivelmente com os sete Anjos primitivos27 e a conhecer o sigilo e as cifras de cada um destes Entes Imortais, que serão desenhados por eles mesmos em Papel Virgem, que como diz o próprio Livro é a pele de um Cordeiro não nascido, purificada na seda, ou o segundo não filho de sexo masculino nascido de uma hebrea, purificada igualmente, ou papel comum bendito pelo fundador, e este favor durará até o quadragésimo dia, no qual os trabalhos terão fim, e cada um deles começará a aproveitar o fruto deste retiro que é o seguinte.

Ele receberá para si o Pentágono28, ou seja aquele Papel Virgem, sobre o qual os Anjos primitivos imprimiram as suas cifras e sigilos, munido do qual torna-se então Mestre e dirigente de exercício,29 sem a ajuda de nenhum mortal o seu espírito ficou pleno com o fogo divino30, o seu corpo tornou-se puro como aquele de uma criança muito inocente, a sua penetração é sem limites, o seu poder imenso, e não deseja mais nada, que seja um perfeito repouso para chegar à imortalidade, e poder dizer de si: Ego sum qui sum31.

23 Câmara do meio chama-se ainda hoje a Câmara do Mestre. Esta então era situada materialmente no meio das

outras duas. Mas tanto o nome quanto a disposição eram somente um símbolo maçônico daquele templo interior do

qual falamos acima. Câmara interior é chamada por um antigo texto italiano (Os Segredos dos Maçons, 1762); e

chambre interieure ou du milieu é chamada pelo catecismo contido na Ordre de Francs-maçons Trahi – Amsterdã

1745. E Middle Chamber é chamada por Prichard na sua Masonry dissected (1730). Nela, diz o catecismo, os mestres

recebem o seu salário. Prevaleceu a expressão menos apropriada, e agora esta também, incompreendida, começa a

não ser mais usada.

24 A paz, a pax profunda dos rosacruzes, que é concedida na terra aos homens de boa vontade. 25 Pani refere-se ao Ritual de Cagliostro.

26 Cfr. com os 33 anos de Jesus, com as 33 sílabas que compõem o terceto dantesco (três hendecassílabos); com os 33

cantos de cada cântico da Divina Comédia; com as 33 lâmpadas (três lumeeiras com 11 lâmpadas) que iluminam a

“câmara vermelha” dos Rosacruzes; com a idade deste grau; com os 33 graus que compõem a hierarquia do Rito

Escocês Antigo e Aceito; etc.

27 São os sete grandes arcanjos Miguel, Gabriel… correspondentes aos sete planetas. Segundo Agrippa (De Occulta Philosophia Liv. II, cap. X) os sete anjos que estão diante de Deus são: Zaphkiel (corresponde a Saturno), Zadkiel (Júpiter), Gamael (Marte), Rafael (Sol), Haniel (Vênus), Micael (Mercúrio), Gabriel (Lua). Mas já naquela época existiam variações: (cfr. liv. III, cap. XXIV). 28 Este Pentágono de Cagliostro é conectado ao pentagrama ou estrela flamejante da Maçonaria comum, ao pentagrama de Agrippa e de Antioco Soter significante ugeia ou seja saúde, e ao pentáculo pitagórico. Agrippa no liv. III, cap. XXIX do De Occulta Philosophia dá o caráter do Arcanjo Miguel composto mediante o alfabeto secreto dos cabalistas, usado depois pela Maçonaria. 29 O texto dizia talvez chef d’atelier, a oficina maçônica. 30 É o fogo hermético. 31 O repouso, a tranquilidade, conduz à imortalidade. Também segundo Aristóteles sedendo ac quiescendo anima effìcitur sapiens. Era Votium religiosorum muitas vezes degenerado em preguiça.

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E ele não terá só o Pentágono sagrado já dito, mas terá outros sete diferentes dos quais poderá dispor em favor de sete pessoas ou homens, ou mulheres, que mais o interessarem. Estes Pentágonos secundários têm imprimido só o sigilo de um dos sete Anjos, por que quem o possui pode comandar só a este, e não a todos os sete Anjos, como faz quem possui o primeiro Pentágono, porque com o outro comanda os Imortais em nome de Deus imediatamente, mas o Possessor do Pentágono secundário só pode comandá-los em nome do Mestre, do qual recebeu o Pentágono, e opera através do seu poder do qual ignora o princípio. Veja-se a obra citada acima de Cornelio Agrippa no primeiro tomo especialmente nos capítulos 29, 30, 31 e 32 e seguintes, e se não se encontrará a mesma maneira de procurá-las, serão vistas porém as mesmas ou Cifras semelhantes, ou Pentágonos finalizados para o mesmo efeito de aproximar, ou comandar os espíritos aéreos, e de operar muitas maravilhas, e prodígios. Até agora vimos o primeiro fruto que esperado por Maçons Egípcios de uma das suas quarentenas, e dos precedentes trabalhos, vemos agora o outro que se propõe a fazer a segunda quarentena a qual parece ser a menos supersticiosa, e porém muito mais laboriosa e difícil. Este fruto é a regeneração física, ou seja a felicidade de poder renovando a cada cinquenta anos a mesma quarentena alcançar a espiritualidade da idade de 5557 e prolungar a vida sã, e tranquila, até que Deus queira retirar o Maçom para perto de si.”32

Arturo Reghini IGNIS (1925)

1 - continua

A PROFECIA DO REI DO MUNDO – EM 1890

Quando visitei o mosteiro de Narabanchi, no começo de 1921, o Hutuktu contou-me o seguinte:

– Quando o Rei do Mundo apareceu, aqui no mosteiro, aos Lamas favoritos de Deus – e já se passaram

trinta anos – Ele fez uma profecia respeitante aos tempos futuros. Eis o que Ele disse:

«Os homens, cada vez mais, esquecerão as suas almas para se ocuparem apenas dos seus corpos. A maior

corrupção irá reinar sobre a Terra. Os homens assemelhar-se-ão a animais ferozes, sedentos do sangue de

seus irmãos. O Crescente apagar-se-á, caindo os seus adeptos na guerra perpétua. Cairão sobre eles as

maiores desgraças e acabarão por degladiar-se entre si. As coroas dos reis, grandes e pequenos, cairão: um,

dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito… Eclodirá uma guerra terrível entre todos os povos. Os oceanos

rugirão… A terra e o fundo dos mares cobrir-se-ão de ossadas… desaparecerão reinos, morrerão povos

inteiros… haverá a fome, a doença, crimes não previstos pelas leis, nem vistos nem sonhados ainda pelos

homens. Virão, então, os inimigos de Deus e do Espírito Divino, os quais jazem nos próprios homens.

Aqueles que levantarem a mão sobre outro também perecerão. Os esquecidos, os perseguidos, erguer-se-

ão depois e atrairão a atenção do mundo inteiro. Haverá nevoeiros espessos, tempestades horríveis.

Montanhas até então escalvadas se cobrirão de florestas. A Terra inteira tremerá… Milhões de homens

trocarão as correntes da escravidão e das humilhações pela fome, a peste e a morte. As estradas se

encherão de multidões de pessoas caminhando ao acaso de um lado para o outro. As maiores, as mais

belas cidades desaparecerão pelo fogo… uma, duas, três… O pai erguer-se-á contra o filho, o irmão contra o

irmão, a mãe contra a filha. O vício, o crime, a destruição dos corpos e das almas seguir-se-ão a tantas

calamidades. As famílias serão dispersas… A fidelidade e o amor desaparecerão… Por cada dez mil homens

sobreviverá um, o qual ficará nu, destituído de todo o entendimento, sem forças para construir a sua

habitação ou procurar alimentos. E estes homens sobreviventes uivarão como lobos ferozes, devorarão

cadáveres e, mordendo a sua própria carne, desafiarão Deus para combate. A Terra inteira ficará deserta e

até Deus fugirá dela. Sobre a Terra vazia a noite e a morte. Então Eu enviarei um Povo, desconhecido até

agora, o qual, com mão forte, arrancará as ervas daninhas da loucura e do vício, e conduzirá aos poucos

32 Como para Enoch e Elias, sem que o corpo morra.

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que restarem fiéis ao Espírito no Homem na batalha contra o Mal. Fundarão uma Nova Vida sobre a Terra

purificada pela morte das nações. Dentro dos cinquenta anos que se seguem, somente três grandes reinos

brilharão, vivendo felizes durante setenta e um anos. Em seguida, haverá dezoito anos de guerra e

destruição. Então os Povos de Agharta sairão das suas cavernas e aparecerão à face da Terra.»

Mais tarde, quando em viagem para Pequim, eu perguntava frequentemente a mim mesmo:

– Que aconteceria se realmente povos inteiros, raças, religiões, tribos diferentes começassem a emigrar

para Oeste?

Agora, enquanto escrevo estas últimas linhas, os meus olhos viram-se involuntariamente na direcção do

coração infinito da Ásia, por onde tanto andei em minhas peregrinações. Vejo, através de um torvelinho de

neve ou de uma tempestade de areia no Gobi, o rosto do Hutuktu de Narabanchi quando, em voz pausada

e a mão apontando o horizonte, me revelava o segredo dos seus pensamentos mais íntimos.

Vejo, nas margens do Ubsa-Nof, os imensos campos coloridos, as manadas de cavalos e de gado, as

“yurtas” azuis dos chefes. Acima delas vejo as bandeiras de Gengis Khan, dos reis do Tibete, do Sião, do

Afeganistão e dos príncipes indianos; os emblemas sagrados dos pontífices lamaístas; os brasões dos Khans

e dos Olets, e os pendões mais simples das tribos mongóis do Norte. Não ouço o burburinho das multidões

agitadas. Os cantores já não cantam as melodias nostálgicas das montanhas, das planícies e do deserto. Os

jovens cavaleiros já não galopam velozmente as suas briosas montadas… Há somente multidões infindáveis

de velhos, mulheres e crianças, e, mais além, para Norte e para Leste, até onde os meus olhos alcançam, o

céu é vermelho como fogo, ouvindo-se o rugido crepitante do incêndio e o eco da batalha onde os

guerreiros, sob um céu vermelháceo, derramam o seu próprio sangue e o dos outros! Quem conduz essas

multidões de desgraçados desamparados? Vejo uma ordem austera, uma compreensão profunda do ideal,

da paciência e da tenacidade; uma nova emigração dos povos, a última marcha dos mongóis .

Talvez o Karma tenha aberto uma nova página na História.

Fonte: Ferdynand Ossendowski, Bêtes, Hommes et Dieux, à travers la Mongolie interdite, 1920-1921

Nota: Trata-se de uma alusão à transferência dos valores espirituais do ORIENTE PARA O OCIDENTE, desde

1899, acelerando a decadência do que ainda resta do “podre e gasto” Ciclo de Piscis, para que cada vez

mais brilhe e floresça o de Aquarius.

O Governo Oculto do Mundo, agindo de Agharta, sempre necessitou de uma representação na face da

Terra, de um elo de ligação. Este elo estabeleceu-se nos últimos séculos por intermédio de um Governo

Trino existente no Tibete. No ponto mais elevado desse Governo estava o Bogdo-Gheghen, o Buda-Vivo da

Mongólia, tendo como Colunas-Vivas um Chefe Temporal, o Dalai-Lama, e um Chefe Espiritual, o Trachi-

Lama. Esta Tríade representou, até 1921, o Governo Oculto do Mundo. Dali irradiavam as energias

espirituais que, através de determinadas Organizações, controlavam a evolução da Humanidade. Dizem as

Revelações que em 1921 “o Dragão voltou a cauda do Ocidente para o Oriente e a cabeça do Oriente para

o Ocidente”. Isto quer dizer que se iniciou o Ciclo do Ocidente, EX OCCIDENS LUX, de acordo com outras

profecias anteriores as quais afirmavam que com o 31.º Buda-Vivo da Mongólia terminava o Ciclo do

Oriente. Ora, nesse mesmo ano o 31.º Buda-Vivo deixou de viver… passando o seu Espírito a animar o 32.º

Buda-Vivo Baal-Bey, assim sendo nascido no Ocidente, em plagas virgens brasileiras fecundadas pelo nobre

sangue real lusitano.

E assim, de seu Templo Subterrâneo, o Rei do Mundo, incansável e vigilante no silêncio do Mistério, do

Coração de Shamballah continua a fazer girar a Roda do tear da Evolução, como Centro de todas as coisas

sem que contudo comparticipe delas, possibilitando a todos os seres viventes percepções cada vez mais

amplas, vivências cada vez mais rarefeitas no rumo à Grande Unidade Universal, onde se é Um com Todos e

Todos com Um, o que vale por, na língua sagrada de Agharta, AT NIAT NIATAT.

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Dezembro de 2016

CENTENÁRIO KREMMERZIANO

Já transcorreu um século desde que Giuliano Kremmerz lançou o

primeiro número da revista “Mondo Secreto”, seu apelo aos

aspirantes da Luz. Precursor de uma verdade que faz seu caminho

dentre os melhores neste tormentoso e bizarro fim de milênio,

necessário recompor, na esteira da grande Tradição Hermética,

aquela unidade da ciência e sabedoria que na primeira metade do

século XVII um monge, Marin Mersenne, tinha conseguido dilacerar,

em polêmica com o grande rosacruciano Robert Fludd.

A oposição artificial entre fé e ciência gera os excessos de fanatismo

místico e de incredulidade científica, contras os quais Kremmerz

tomou posição já há cem anos: “Os místicos falam por exaltação

psíquica e caem sob o exame descrente/desconfiado dos frenólogos e

dos psiquiatras, os quais, místicos eles mesmos de uma ciência

balbuciante, classificam aqueles como sujeitos de manicômio e como

instrumentos de experiência para apresentar ao público idiota, que

não discute as afirmações destes pretensos luminares do

conhecimento oficialmente aceito”(Opera Omnia, volume I, página I).

Retornando vinte anos após sobre a mesma exigência, Kremmerz escreveu: “Demonstrarei que entre o

materialismo científico e o misticismo religioso há um caminho inexplorado que modifica o caráter de

exclusividade inflexível nos dois extremos, e que a ciência do Homem está no estado intermediário de vida

e de morte que se denomina MAG, revelador do expoente ignorado e potentíssimo da natureza humana”

(I, 8).

Portanto, para Kremmerz, “MAGIA é a sabedoria absoluta. Isto quer dizer que é a síntese de tudo o que foi,

é e será. É uma palavra que reúne todos os atributos da onipotência divina, se dado ao nome Deus o valor

da suprema inteligência que cria, regula e conserva o universo”(I, 23).

A via que se eleva sobre esta sabedoria é diversa do misticismo religioso e é aberta pela iniciação: “Mas a

iniciação hermética, iniciação ou abertura aos vários arcanos dos antigos mistérios, é uma coisa diferente

porquê a ciência da alma ou da psique humana que abre, com as garantias de uma preparação efetiva, não

ilusória, não temerária, um horizonte novo para a vida humana e para a alma humana, uma conquista que

se torna eterna”(II, 144).

Kremmerz apresenta três tipos possíveis de Iniciação, assim descritas:

“1º A Iniciação pelos ritos é aquela que escolhi, para fundar na Itália uma escola de magia. O mestre que a

transmite deve estar em condições de sentir seu discípulo que ingressou na zona de purificação, onde quer

que se encontre, e colocar-se em determinados momentos em relação com ele, ou a este assinalar um seu

substituto na zona extra-humana.

2ºA Iniciação por atribuição é aquela das sociedades constituídas visivelmente : hierarquia de graus, e

poder de iniciação conferido por um mestre aos membros praticantes.

3º A Iniciação direta, quanto à ela, é o dom que um mestre transmite diretamente a um discípulo ou

Benjamim – e neste caso consiste em uma verdadeira doação do mestre ao discípulo. Isto ocorre somente

no caso de um mandato extra-humano, caso contrário nenhum mestre pode se doar “(I, 249).

É necessário dizer que, em um segundo tempo, o Mestre Kermmerz passou da Iniciação por ritos àquele

por atribuiução, fundando a Fraternidade Terapêutnica-Mágica de Myriam, constituída por uma cadeia de

almas orantes (no sentido hermético de encantação), com a dupla finalidade e elevação iniciática dos

Irmãos e de cura à distância dos doentes (teleurgia).

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A decisão de direcionar para a terapêutica a eficácia da cadeia não foi uma decisão arbitrária de Kremmerz:

o alívio prestado de forma absolutamente desinteressada, impessoal e anônimo àqueles que sofrem tem

igualmente o escopo de limpar de toda incrustação terrosa de egoísmo saturniano o germe de ouro da

vontade hermética que deve aflorar nos praticantes, condição necessária para todo desenvolvimento

positivo ulterior.

Kremmerz precisou com nitidez absoluta a natureza lunar (isíaca) de uma tal tarefa iniciática e, ao mesmo

tempo, sua incontornável necessidade para avançar na elevação hermética. Ao se referir à forma mais

avançada, solar (amônia) de iniciação hermética, ele escreveu: "À primeira (amônia) não é ainda possível

pensar, pois é a magia de um pequeno número daqueles que se tornaram, ainda vivos, deuses. É a segunda

magia, branca ou lunar, argêntea e quase de forma religiosa, da qual nos ocuparemos amplamente e

livremente: aqueles que percorrerem triunfalmente toda a magia eônica encontrarão o iniciador amônio

que lhes espera” (II, 246).

Foram palavras lançadas ao vento. O fato de não havê-las escutado ou compreendido engendrou um duplo

e grave equívoco.

A incompreensão da essência da vontade hermética, que somente a correta e incansável prática myriâmica

pode assegurar, induz a interpretar de forma incorreta como solar - e então tentar legitimar uma pretensão

às formas mais altas de iniciação – a vontade profana marcial que todo homem enérgico possui.

Em vão Kremmerz advertiu sobre esse ponto: "O hermetismo não reconhece como vontade mágica aquela

que não é como Hermes, criativa com doçura, não sendo possível a criação com violência; ela é ainda

menos possível sem um estado de integridade de consciência, livre de toda servidão. A vontade marciana

impetuosa não engendra; a virilidade é um fulcro que trucida. Ares é Marte como Aziy, que é formidável.

Virgílio o denomina Gradivus pater, pai dos combates.

A vontade hermétca pode armá-lo para destruir, ela é suficiente para criar.

A vontade marciana transforma os jovens debutantes em guerreiros hercúleos que pretendem exercer seu

poder criador por intermédio de meios destrutivos; a vontade, entendida como força ou energia de

imaginação, é própria às consciências escravas das paixões do arrivismo. Ela não serve para nada ". (II,161).

Não se pode ser mais claro. Mas os impacientes da indispensável elevação isíaca, que deve durar tanto

quanto necessário – mesmo uma vida inteira, ou mais – se autoproclamam magos “solares” e se lançam a

duvidosas aventuras iniciáticas que devem necessariamente concluir, sem exceção, por uma série de falhas.

Muito graves foram as incompreensões referentes à verdadeira natureza da Fr+Tm de Myriam. Os assim

ditos “solares”, em realidade profanos aspirantes, decidiram aplicar para a Myriam as categorias e as

distinções válidas para os círculos internos e externos dos vários conventículos pseudo-iniciáticos, mais ou

menos para-maçônicos, fabulando sobre a sua natureza como simples antecâmara, na qual era necessário

suportar permanecer algum tempo antes de aceder a não se sabe bem qual ordem solar.

Naturalmente esta fantasmagórica Ordem Solar, face a esta aproximação errônea, está destinada a

permanecer para sempre uma espécie de “rosa azul”: todos dizem que ela existe, porém ninguém sabe

onde se encontra.

Os profanos que se aproximam desta forma errônea, não se dão conta de que no invisível a Myriam se

identifica com a Ordem que, sendo hermética, é ao mesmo tempo solar e lunar, amônia e isíaca.

Embora a Myriam possa parecer exteriormente como autônoma e simplesmente posta sobre a proteção da

Ordem hermética, esta permanece no invisível uma com aquela, da qual administrava no exterior, apenas

em aparência separada, uma parte da operatividade isíaca.

Por esta razão, o acesso à dimensão solar da Ordem hermética (Aeternus Ordo Hermeticus) é possível

somente pelo interior de sua dimensão lunar, pela parte restrita – porém suficiente – representada no

exterior pela Myriam.

Sem o consentimento hierático da Ordem Hermética, que não tolera que sejam violados ou ignorados as

prescrições por ela estabelecidas para presidir a iniciação lunar, as portas da Iniciação solar estão

destinadas a serem inexoravelmente fechadas. Para abri-las não são suficientes as intrigas, a astúcia e a

coletânea de documentos fotocopiados e transmitidos possivelmente por fax, que constituem alguns

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dentre os estéreis expedientes caracterizadores da vã agitação daqueles que aspiram à uma dignidade

iniciática, da qual se proclamam indignos por tal compartamento.

Kremmerz é um mestre da verdade, e afirmou de forma verdadeira ao declarar que “aqueles que

percorrerem triunfalmente toda a magia eônica encontrarão o iniciador amônio que lhes espera”.

Isto é absolutamente verdadeiro, da mesma forma que é verdadeiro o fato de que a justiça eônica barra

inexoravelmente a passagem àqueles que a violaram ou de qualquer forma tentaram fazê-lo.

Tudo isto poderá parecer inacreditável aos profanos, que se iludem ao pensar que a elevação ao interior de

uma organização autenticamente iniciática seja como fazer carreira no âmbito de uma instituição cultural,

ou como se lançar na escalada de funções em uma multinacional da indústria ou das finanças.

Aqueles que ignorarem tal realidade constatarão, sem exceção, a sistemática falência de seus projetos e de

seus esforços. Tal será o resultado incontornavelmente percebido por aqueles que provocaram danos,

injuriaram ou simplesmente substimaram a Myriam, instrumento indispensável desejado pela Ordem para

verdadeiramente sair do pântano da profanidade imperante.

Se dirigirmos um olhar retrospectivo para a história, no presente momento mais do que centenária da

mensagem kremmerziana, fácil é constatar que a Myriam constituiu mais um “muito” do que um “muito

pouco”, face às qualificações iniciáticas de numerosos membros que – a generosidade de Kremmerz sendo

grande – frequentaram as Academias.

Com o espírito de retrospectiva, estamos tentados a afirmar que mesmo este tipo de Iniciação por

atribuição se demonstrou inadequado e que, em consequência, Kremmerz teria feito melhor mantendo o

sistema inicialmente adotado de Iniciação por ritos.

Este poderia parecer um pensamento irreverente ou presuntuoso, já que implica uma crítica à obra do

maior mestre de Hermetismo que já viveu no mundo contemporâneo. E o seria realmente, se não fosse

interrompido imediatamente, limitando-se a levar em consideração aquilo que o próprio Kremmerz quis

recriminar com um pouco de amargura: “Eu tinha me esquecido do calendário... Eu achava que a

humanidade estivesse avançada de muitos séculos, e em vinte anos eu não realizei senão ensaios e provas.

Nada de concreto... ou melhor de concreto as muitas penas que eu fabriquei com as minhas próprias

mãos”. (I,9)

Limitemo-nos então a constatar a desilusão de Kremmerz, sem qualquer conclusão negativa sobre sua

obra.

Podemos mesmo supor que Kremmerz, tendo semeado amplamente as sementes da verdade hermética

nas almas, por intermédio da Myriam, tenha pensado em uma colheita quando essas mesmas almas

retornassem à terra, despidas dos fardos terrestres anteriores que impediram sua elevação aos céus do

Hermetismo...

Simples conjetura, é bem verdade, hipótese aleatória talvez, contudo ela confere um sentido à uma história

que, observada com um olhar crítico e desencantado, não vislumbra algum augúrio favorável quanto à

possibilidade de nossos contemporâneos de percorrer uma via iniciática autêntica.

Certo, se passarmos mentalmente em revista o conjunto humano, certamente respeitável, que franqueou o

umbral dos diversos agrupamentos kremmerzianos que sobreviveram à desaparição do mestre, e que

foram rapidamente corroídos pelas dissenções, raros são aqueles nos quais se podem reconhecer aquelas

características daquele discípulo ideal do qual Kremmerz teria se contentado ( I,101 ).

Por outro lado, não seria difícil encontrar os tipos humanos mais disparatados: o evoliano, para o qual

nenhuma prática hermética é suficientemente “solar”, o guenoniano, sempre preocupado com o problema

dos documentos comprovando a regularidade da transmissão iniciática; o maçom darwinista, incapaz de

intuir um hiperespaço de qualquer leitor de ficção-científica facilmente concebe; o católico, que se esforça

por colocar em acordo Giordano Bruno e o cardeal Bellarmino, que o enviou para a fogueira; o

antropósofo, preocupado pela conotação pagã da teurgia kremmerziana; o psicólogo para o qual o estudo

de Kremmerz é insuficiente e deve ser integrado ao estudo de Freud; o marxista, para o qual a ideia mesmo

de um ensinamento esotérico limitado a alguns é um conceito burguês, que deve ser superado; e assim vai.

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Estas posições que representam, ao fundo, somente problemas individuais, de simples obstáculos para

entender sem alteração a voz de Hermes, assumem uma eficácia negativa quando os influenciados são

pessoas investidas de funções de ensinamento e de direção.

Pode acontecer de fato, para exemplificar, que o Maçom tenda a conduzir o discípulo na Maçonaria, que o

Católico o faça em Igreja e que o marxista o faça em política, como se as Academias kremmerzianas possam

ter qualquer coisa em comum com lojas, paróquias ou células.

Uma outra decepção, para Kremmerz, foi aquela de se dar conta de que os Italianos não fossem como ele

esperava: “Vocês devem compreender portanto que nós somos Italianos, Itálicos da Magna Grecia e

Latinos e Romanos - que nosso Deus antigo, artesão e criador de toda nossa civilização antiga, foi o

mensageiro da Luz dos deuses, Hermes - o qual, com ou sem a santidade, correponde um pouco ao Espírito

Santo, que para os cristãos aporta a divina inspiração"(III,8).

De fato foi a Concordata mussoliniana que baniu Hermes, sem que seu lugar fosse ocupado pelo Espírito

Santo. Com a Concordata, efetivamente, a história demonstra que os italianos nem mesmo se tornaram

cristãos, mas somente para utilizar um termo paradoxal, “democristãos” de centro, de direita ou de

esquerda (não faz diferença).

Outras distorções são derivadas da subtração, efetuada por malévolos, de partes da ritualística proposta para o equilibrado despertar hermético dos discípulos. Isto explica porque não raro se vê os “venéreos” tremerem ante o mais ligeiro apelo de Eros, ao invés de se transformarem em alquimistas austeros; os “marciais” tornarem -se ainda mais irascíveis; os “solares” explodirem em acessos de megalomania; os lunares se perderem atrás das fantasias mais vãs; os “saturninos” difundirem uma aura desolada e sombria de queda e de renúncia; os “jupiterianos” dissiparem suas vidas em festas e banquetes e os “mercurianos”, enfim, saltarem de um interesse esotérico para outro sem nada concluírem. Naturalmente nós falamos somente daquilo que experimentamos diretamente, sem excluirmos o fato de que se pode encontrar outras situações mais favoráveis. Felizmente, neste quadro negativo, colhemos não poucas exceções, formadas por esses kremmerzianos sérios, silenciosos e reservados, que sem exposição permanecem fiéis ao que lhes foi confiado e progridem em elevação e no socorro que conseguem dar àqueles que sofrem. Estes são os futuros Rosa+Cruzes que a semeadura kremmerziana pode esperar. A estes é confiado o amanhã da mensagem kremmerziana, qualquer que seja a forma que ela possa assumir . Seguramente não há futuro nessa contrafação constituída pelo pandemônio provocado por aqueles que, em total desrespeito aos severos preceitos do mestre, semeiam confusão e escândalo nas almas. Em conclusão, não saberíamos dizer como será o futuro da Iniciação por atribuição, tal como conhecida e praticada após o desaparecimento do mestre. Àquele que, atraído pelo fascínio inconfundível da iniciação hermética, demandasse saber que coisa se aconselha fazer para dela se aproximar, nossa resposta nas condições atuais não pode ser senão esta: estudar, meditar, aprofundar-se nos escritos públicos de Kremmerz, publicados em conjunto na Opera Omnia33, protegendo zelosamente a pureza desta relação com o mestre , respeitando desde o início sua vontade: outra não é a v ia para obter sua benevolência ou a de um “subst ituto na zona extra -humana”. Não é fácil ler Kremmerz. A maioria daqueles que o fazem superficialmente, se equivocam por conta de seu estilo de jornalista da Belle époque. É um erro. Kremmerz deve ser lido atentamente, mesmo quando parece brincar com piadas, ou quando parece divagar. Deve se colocar em guarda pelo fato de que se trata do mesmo autor que sabe mostrar as garras da Esfinge, como por exemplo na invocação a Ariel (I,372-373), na Letra Cabalística à Osvald Dùsseldorf (III,625-627) e na Oração ao Sol (I,99-100), que abre a segunda parte de seus “Elementos de Magia

33 Para aqueles que desejam descobrir e vir a estudar a obra de Giuliano Kremmez, sugerimos o estudo da Opera

Omnia, cujos Volumes I e II já foram publicados pela Editora Devir e se encontram disponíveis em

http://www.lo ja.devir .com.br/a -c ienc ia -dos-magos.html e cujo Volume III será disponibilizado em

dezembro/2016. (ndt)

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natural e divina” que são concluídos com esta salutar advertência: "Recorde, meu amigo discípulo, de ser sábio e saber-me ler, porque eu já terminei e me é interdito dizer outra coisa, porque eu já disse muito especialmente onde tu acreditas que eu não tenha revelado o arcano da magia dos grandes magos, como havia prometido " (I,373). Então é indispensável, em primeiro lugar, estudar Kremmerz atentamente, com paciência e por inteiro. Após, será mais fácil decidir. Se é verdade que no Hermetismo para compreender é necessário fazer, é igualmente verdadeiro que para fazer é necessário compreender, e no limite é melhor compreender sem fazer do que fazer sem compreender.

Amelio

Politica Romana 4/1997

Tradução do Ir+BACRIL

AS QUARENTENAS ESPIRITUAIS DA MAÇONARIA EGÍPCIA

II

Depois de ter exposto a: Primeira quarentena para obter o Pentágono e tornar-se moralmente perfeito, o Padre Tommaso Vincenzo Pani, Comissário Geral da Santa Romana Inquisição no processo

contra Cagliostro de 1790, prossegue então, com base no Ritual da Maçonaria Egípcia, a expor a Outra quarentena para rejuvenescer, e tornar-se fisicamente perfeito.

“Quem aspira a isto deve retirar-se no Plenilúnio de maio, no campo34, com um amigo, e lá recluso em um quarto e alcova (?) fazer por 40 dias uma dieta extenuante com pouca comida consistente em sopas leves, e verduras frescas refrigerantes, e laxantes, e beber água destilada, ou da chuva de maio35, porém de maneira tal que toda refeição comece com o líquido, isto é com a bebida, e termine com o sólido, que será um biscoito, ou uma crosta de pão. No décimo sétimo dia deste retiro, feita uma pequena emissão de sangue, começará a tomar umas gotas brancas, que não se explica do que são compostas, e tomará seis de manhã e seis à noite, acrescentando duas para cada dia até o 32º dia. Neste dia faz-se uma outra pequena emissão de sangue no pôr do Sol, no dia seguinte fica-se na cama e levanta-se só no final da

quarentena, e alí começa-se a tomar o primeiro grão de Matéria Prima, que segundo este livro é o mesmo, que Deus criou para tornar o homem imortal36, e a qual o homem não conhece mais por causa do pecado, e

34 No campo para o maior isolamento, a vida mais natural, e a possibilidade de ter verdura fresca. Em maio, seja

porque consente procurar com facilidade os alimentos aptos, seja também pela temperatura conveniente.

35 Isto lembra a acqua pluvialis do hermetismo; e o orvalho que emana da Árvore da Vida e ressuscita os mortos na

tradição cabalística (Cfr. P. Vulliaud – La Kabbale Juive; T. 1, pág. 99). Porém não é o caso de supor que no nosso texto

deva-se aceitar aqui e em outro lugar só o sentido figurado. 36 Ou seja é o fruto da Árvore da vida do Paraíso terrestre, que de fato (S. Agostinho – De Civitate Dei XIII, 20 etc.)

conferia ao homem a imortalidade. Esta encontrava-se no meio do paraíso, junto com a árvore da ciência do bem e do

mal (Gên. II, 9). O fruto desta árvore da vida era representado pelo pomo, e identificado à Primeira Matéria ou Agente

universal. No sigilo de Cagliostro este pomo está na boca de uma cobra desenhada em forma de s, e traspassado no

meio por uma flecha que com as suas extremidades termina na cabeça e na cauda da cobra, unindo-as e concluindo o

seu dilema. Este símbolo, que E. Levi (Histoire de la Magie – Paris 1860, pl. VIII) comparou com o sigilo apocalíptico (o

cordeiro que leva a cruz) e com a forma da letra hebraica aleph, certamente é muito afim à cobra que aparece em

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só pode ser reconquistada através do grande favor do Eterno e através dos trabalhos maçônicos. Tomando este grão aquele que deve rejuvenescer perde a percepção e a fala por três horas, e tendo

convulsões transpira e evacua muitíssimo. Depois recobrando o uso dos sentidos, trocando de cama deve tomar uma libra de caldo de carne sem gordura misturado com diversas ervas refrigerantes. Se este caldo lhe fizer bem, no segundo dia deve ser dado o segundo grão de Matéria Prima em uma xícara de caldo de carne, que além dos efeitos do primeiro lhe causará uma febre alta com delírio, lhe fará perder a pele e fará com que caiam os cabelos e os dentes. No 35º dia se o doente tiver forças fará um banho nem quente nem frio por uma hora. No trigésimo sexto dia em um copo de vinho velho, e de boa qualidade tomará o terceiro, e último grão de Matéria Prima, que o fará cair em um sono doce muito quieto e tranquilo, e depois renasce o pelo, começam a renascer os dentes, e aparecer a pele nova. Após acordar sozinho deve tomar outro banho aromático, e imergir-se no 38º dia em um banho de água comum com Nitro37, após o qual começa a vestir-se, e a passear pelo quarto, e após ter bebido no trigésimo nono dia dez gotas de Bálsamo do Grão Mestre em duas colheres de vinho tinto38, no quadragésimo dia abandonará a casa, rejuvenescido, e perfeitamente recriado. Assim acrescenta o Grande Cofto no comentário ridículo da Matéria Prima, que transforma os metais, e torna o homem imortal; cujo comentário foi sempre a ocupação dos tolos, e a abominação de todos os filósofos39 mais sábios, acrescenta, como eu disse, infinitas superstições, e tolices para tornar-se sempre mais culpado, e ridículo; e eu pago por ter dado um breve ensaio das diabólicas funções, nas quais ocupa-se a Sociedade Egípcia, passo agora a relevar ainda mais a grande contrariedade e oposição, que existe com todo o sistema católico”.

No “Compêndio da Vida e das Proezas de Giuseppe Balsamo”, escrito com base nos documentos que constituem o Manuscrito 245 da Biblioteca Vittorio Emanuele de Roma pelo Monsenhor Barberi, e publicado em 1791 para difamar Cagliostro, também são descritas as duas quarentenas de maneira quase idêntica àquela que nós relatamos. É evidente que Barberi copiou de Pani, saltando só algumas frases e períodos. Porém no “Compêndio” ele acrescenta: “Para cumprimento da história nós não devemos deixar de advertir que um, e o outro método são prescritos igualmente pela Mulher, e que na parte que diz respeito à Regeneração física intima-se a cada uma das mesmas a retirar-se ou em Montanha, ou no Campo, só com a companhia de um amigo, o qual deve ajudá-la em tudo o que for necessário, particularmente naquilo que diz respeito às crises da cura corporal”. As evidências malígnas e idiotas são de Barberi. O leitor pode ver com que arte40 o defensor da “religião dominante” insinue, a dano de Cagliostro e dos Maçons, sujeiras que para serem cumpridas certamente não seria necessário todo o aparato das quarentenas espirituais; mas ele tinha que cumprir a tarefa que tinha se atribuído, ou que tenha-lhe sido atribuída, de mostrar a impostura de Cagliostro, e não temos que nos maravilhar se faz o melhor que pode. Ele faz de tudo, dizia aquele tal acrescentando a sua água para aumentar a água do rio Arno!

Algum outro dado sobre as duas quarentenas, do qual não existe vestígio no “Compêndio”, encontra-se na “Terceira Escritura do Manuscrito 245, intitulada: Sentimento teológico sobre a Maçonaria Egípcia, e censura de proposições tiradas dos seus Estatutos, Ritos e Catecismos”, devida à caneta do Frei Francesco Antonio Contarini, Menor Conventual do Santo Ofício. “Se a Maçonaria comum, escreve Contarini, foi

cima dos abraxas gnósticos, com uma flecha na cauda, querendo justamente representar a reunião dos dois

princípios, do bem e do mal, da vida e da morte. É a cobra à qual refere-se o ditado: a cobra é única, e possui os dois

símbolos e o veneno (o fermento) ditado circunscrito circularmente na assim dita Crisopa de Cleópatra, tábua de

desenhos alquímicos do período alexandrino, que encontra-se com algumas variações em manuscritos alquímicos

antiquíssimos (Cfr. M. Berthélot – Collection des Anciens Alchimistes Grecs, I, 131).

Na Idade Média o lignum vitae tornou-se um símbolo alquímico; e depois foi identificado pelos cristãos com aquela

cruz que serviu de apoio para o corpo de Jesus, que é o verdadeiro fruto da vida, que os cristãos comem na Eucaristia,

que para eles é uma garantia de imortalidade, que é garantida a todos os pobres de espírito, os beatos por excelência! 37 No livro de Jeremias (cap. II, 22) menciona-se o Nitro como coisa própria para lavar, e tirar as manchas.

38 O vinho tinto é um símbolo hermético bem conhecido.

39 Quem não se deixa convencer por tão constrangedora argumentação deve ser, certamente, um pecador recidivo.

40 Sejam astutos como sábios e cândidos como pombas, dizia Jesus. A astúcia pode ser vista, mas o candor, egrégio

Monsenhor, onde o Sr. o deixou?

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julgada somente muito suspeita de heresia, por que escondia as suas máximas em um escuro profundo segredo desde então nunca penetrado, neste momento que a alta providência divina nos revela a doutrina e as práticas da Maçonaria Egípcia filha daquela, mas talvez pior do que a mãe, não me parece que seja necessário hesitar em condenar esta sociedade como herética41.

1º) Porque: esta doutrina ensina dois tipos de operações uma para tornar-se imortal fisicamente, a outra para tornar-se tal espiritualmente: Assim exprime-se na pág. 26342. Sobre a imortalidade do corpo fala assim na pág. 114: que um verdadeiro maçom pode renascer das suas cinzas (como a Fênix), que pode renovar-se, e rejuvenescer de acordo com a sua vontade: Que a sua vida não tem mais um fim fixo: que um maçom tendo obtido este grau de potência, a morte não tem mais nenhum poder sobre ele: e na pág. 262 a Mestra diz: Tendo sido criada como imagem, e semelhança de Deus, eu recebi o poder de tornar-me imortal.

Depois indica-se na pág. 128 (?) o meio e a maneira de regenerar-se fisicamente com um retiro de 40 dias, do qual descreve-se o método na pág. 266 e seg.. O Lapis Philosophorum chamado por estes Matéria Prima na pág. 207 compara-se ao fruto da árvore da vida do Paraíso terrestre; mais ainda se quer que seja o próprio fruto chamado tal figuradamente pela escritura, dizendo-se: O seu fruto figurado no pomo é o Agente universal, que nós chamamos “Matéria Prima”. O homem com o seu orgulho perdeu o conhecimento, e o uso deste fruto, mas depende só dele reparar esta perda.

A quantos, apesar de tudo, seja dado este privilégio é dito na pág. 30: Deus criou o homem, para ser imortal, mas tendo o homem abusado da bondade da Divindade, esta determinou dar este dom só a um muito pequeno número pauci sunt electi; de fato segundo aquilo que sabemos Moisés, Enoch, Elias, Salomão, o Rei de Tiro, e várias outras pessoas amadas pela Divindade chegaram a conhecer e a gozar da Matéria Prima.

Esta portanto que chama-se renascimento (pág. 114), Regeneração pág. 274 se quer que seja uma verdadeira imortalidade, que isenta o homem da dívida da morte corporal, porque na pág. 81 se faz distinção entre os homens que se tornaram imortais, e aqueles que passaram à imortalidade43,

41 E esta é a verdadeira razão pela qual a Igreja, os jesuítas e os seus favoritos nacionalistas perseguem ainda hoje a

Maçonaria. A acusação, falsa, de pouco patriotismo e de servilismo para com o estrangeiro é o pano vermelho agitado

diante dos olhos dos ingênuos para exasperá-los.

42 Refere-se ao Ritual Egípcio.

43 A primeira quarentena da Maçonaria egípcia dá somente a perfeição moral, a segunda dá a perfeição física. O

maçom que realizou a primeira quarentena não aspira mais a outra coisa “que não seja um perfeito repouso para

chegar à imortalidade, e poder dizer de si: Ego sum qui sum”. Vemos então que ele passa à imortalidade sem tornar-se

efetivamente imortal; e então alcança só uma perfeição virtual, moral, diz o texto. Com a segunda quarentena ao

contrário ele se torna efetivamente imortal e é paragonado a Deus, podendo dizer de si: Ego sum qui sum; não só,

mas fica livre da dívida da morte corporal. A imortalidade é efetivamente conquistada, durante a vida física. Falar de

morte para estes maçons, não tem sentido; ficam neste mundo até que Deus (ou seja eles mesmos), queira, e

também os seus corpos, ao invés de morrer, podem, como no caso de Enoch, Moisés, Elias, escapar da sorte comum.

E se o corpo morre, nenhuma mudança é verificada por este motivo em suas consciências divinizadas.

Consequentemente, segundo o ritual da Maçonaria egípcia, podem ser distinguidas três categorias: aquela comum do

mortal que não realizou nenhuma quarentena ou regeneração; aquela dos maçons que, tendo realizado a quarentena

que dá só a perfeição moral, e mesmo tendo alcançado a possibilidade de chegar à imortalidade de suas

personalidades espirituais, são sempre sujeitos à morte corporal, e aquela dos maçons que, tendo realizado as duas

quarentenas, alcançaram então a condição espiritual da imortalidade e podem também seguir livres da obrigação da

morte corporal. Notamos que a imortalidade da qual fala Cagliostro não é a imortalidade como é normalmente

concebida, isto é não é a permanência da individualidade humana (a consciência do homem que vai para o Paraíso ou

outros lugares transcendentes adorar o Senhor do qual sente-se diferente), mas é uma verdadeira imortalidade na

qual atua-se a identificação com Deus, porque o maçom então pode dizer de si: Ego sum qui sum. A primeira

quarentena trata uma imortalidade potencial e parece corresponder à liberação diferida (krama-mukti) e à liberação

fora da forma corporal (vi-deha-mukti) ou liberação sem corpo do Vedanta; a segunda quarentena trata sem dúvida

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paragonando-se os primeiros ao próprio Deus, para que possam dizer de si Ego sum qui sum, então para estes não se fala nunca de morte, mas, como teria acontecido durante o feliz estado da inocência original, sobre eles se diz na pág. 50 que são chamados para junto da Divindade, e na pág. 275: até quando Deus quiser retirá-lo deste mundo, e chamá-lo para junto de si por omnia saecula saeculorum. Até aqui é a doutrina maçônica egípcia.”

A este ponto Contarini procede a mostrar como esta doutrina cai merecidamente sob a censura teológica; coisa que, se teve grande importância para Cagliostro vítima desta perícia teológica, para nós possui um interesse muito escasso. Porém, saltando a perícia, vamos ao ponto onde Contarini começa a falar da outra operação:

“Passemos à outra operação da regeneração espiritual, a qual se promete na pág. 76 através do retiro de 40 dias sobre a qual explica-se o método na pág. 117 e segs. e 263 e segs.. Esta regeneração dá novamente a inocência primitiva, como se afirma claramente nas págs. 50, 230, 265. As prerrogativas e os dons espirituais, que de tal regeneração derivam são enumeradas na pág. 126: Terminada a operação, o homem que tenha tido muita sorte de pertencer ao número dos eleitos, chega ao máximo da glória e da felicidade, torna-se Mestre de exercício44 sem a ajuda de nenhum mortal, o seu espírito será preenchido com o fogo divino, o seu corpo será puro como aquele da criança mais inocente, la sua penetração será sem limites, o seu poder imenso, ele continuará a propagar a verdade para todo o globo; enfim ele possuirá um conhecimento perfeito do grande Caos45, como também do bem e do mal, do tempo passado, presente e futuro. Na pág. 263, diz-se que o fruto desta imortalidade espiritual é: a sabedoria, a inteligência, a faculdade de entender e falar todas as línguas, e a felicidade inestimável de tornar-se o Intermediário entre Deus, e os nossos semelhantes. Então esta regeneração espiritual restitui a verdadeira inocência original com o complexo de todos os dons gratuitos, que a acompanhavam, e alguma coisa a mais. É importante notar também aquilo que se lê na pág. 119: que após ter terminado esta grande operação não é mais possível ser tentado: qui potest capere capiat.”46

do endeusamento e da imortalidade efetiva, também com o corpo e corresponderia muito bem à “liberação durante a

vida” (jivanmukti) se o conceito contido na palavra Deus pudesse ser convenientemente precisado. Aconselhamos a

obra publicada recentemente “L’Homme et son devenir selon le Vèdànta” de René Guénon para os confrontos em

propósito. Cagliostro, segundo os testemunhos que deixou de si mesmo, deveria ser incluído nesta última e suprema

categoria. De fato ele (Cfr. Marc Haven – Le Maitre Inconnu), falando de si, afirmou “participar conscientemente do

ser absoluto”, e disse: “Eu não sou de nenhuma época nem de nenhum lugar; fora do tempo e do espaço o meu ser

espiritual vive a sua existência eterna”. E porque a ação confirmava nele a palavra, pode-se bem dizer que Cagliostro

era um grande iniciado, era o divino Cagliostro.

44 Provavelmente o texto francês dizia: chef d’atelier; dirigente da oficina (maçônica).

45 Filaletes no Cap. V (intitulado Chaos Sophorum) do Introitus Apertus ad occlusum Regis Palatium (1667) diz que a

grande “obra é semelhante à criação do universo”. “No início, ele diz, a terra era inane e vácua, e o espírito de Deus

escorria sobre a superfície das águas, e Deus disse, faça-se a luz, e a luz foi feita. Estas palavras serão suficientes para

o filho da arte… De fato ocorre unir o céu com a terra no altar da amizade. Assim você reinará com honra para a vida

universal. A terra é um corpo pesado, matriz dos minerais, que ferve ocultamente em si para dar à luz árvores e

animais. O céu é aquele no qual dois grandes luminares giram em torno com os astros, e que através do ar dá as suas

forças às coisas inferiores, mas no princípio todas as coisas confusas juntas fizeram um caos. Eis que eu disse a

verdade: De fato o NOSSO caos é quase uma terra mineral, com respeito à sua coagulação, e não obstante é um ar

volátil, dentro do qual no seu centro encontra-se o céu dos filósofos, cujo centro é realmente astral, que irradia a terra

até a superfície com o seu esplendor. E qual mago tão prudente, que recolha destes o rei recém nascido sobre todos,

potente, redentor dos seus irmãos da vergonha original, o qual deve morrer, e ser levado para o alto, para que dê a

sua carne e o seu sangue para a vida do mundo?”. O conhecimento perfeito do Grande Caos consiste então no saber

fazer harmonizar a terra e o céu dos filósofos, de maneira que possa nascer o redentor dos dois. Cfr. com a “tábua de

esmeralda”.

46 A coisa não é tão difícil de entender: Após ter obtido uma “penetração sem limites e um conhecimento perfeito

também sem limites do bem e do mal”, é claro que não é mais possível ser tentado, ou seja enganado. É muito mais

difícil explicar o que seja a espiritualidade da idade de 5557 à qual se chega renovando a cada cinquenta anos a

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Também Contarini discorda de Cagliostro porque “esta seita faz de seus autores e seguidores homens santos do velho e do novo testamento”, e em particular pela aproximação estabelecida no Ritual entre as quarentenas de Moisés e aquelas do Ritual. Diz o Ritual (pág. 129) que “Moisés quando retirou-se por outros quarenta dias com o amigo Ur obteve a regeneração, e reapareceu com o rosto tão brilhante, e resplandecente de luz, que o povo não pôde suportar o esplendor. Ele foi obrigado a cobrir a cabeça com um véu”. E segundo Contarini “o mistério deste enigma é que, neste segundo retiro Moisés recolhido com o seu amigo Hur, regenerou-se fisicamente”.47

Para terminar estas notas relataremos a opinião de Contarini sobre a Maçonaria Egípcia. “Um enxerto de superstições e de Maçonaria caracteriza o seu Rito, e torna-o mais ridículo ainda, e menos sedutor. Quem quiser ir até a origem destas coisas deve remontar pelo menos até Pitágoras. Os charlatães em todas as épocas abusaram deste filósofo pelos números três e sete e pelo Pentágono, com o qual terminava as suas cartas, e que queria dizer salus, vale.” E acaba a sua perícia dizendo: “Convém confessá-lo: imediatamente que por Supremo Comando foi aberto para nós aquele arcano que mantinha suspensa Roma sobre a pessoa de Cagliostro, aconteceu conosco aquilo que Cícero provou quando foi admitido no Colégio dos Áugures. Ele no encontrar os seus colegas não podia deixar de rir, nem nunca soube compreender como não acontecia a mesma coisa com os seus colegas”. Em outras palavras, diz Contarini nestas páginas (não destinadas à publicidade): Nós imaginamos encontrar quem sabe o que, mas ficamos desiludidos porque Cagliostro é, como nós, um vendedor de fumaça.

Tomamos conhecimento da confissão, e do duplo apreço. Nós não podemos partilhá-lo no que se refere a Cagliostro; mas quanto à outra parte é necessário reconhecer que Contarini, Frei conventual do S. Ofício, deve ter falado com conhecimento de causa, e nós, modestamente e também por deferência e exaltação do atual, fulgurante, despertar religioso, nos inclinamos diante da competente autoridade.48

Fim

Arturo Reghini

primeira quarentena. Nós nos abstivemos de propósito de comentar esta passagem, assim como qualquer outra,

porque nos pareceu inútil trazer interpretações sem poder demonstrar a exatidão. De qualquer maneira nós

observamos que avaliando esta idade de 5557 com o calendário hebraico obtém-se um resultado realmente

surpreendente. De fato esta data corresponde à data 1796 do calendário comum, e foi justamente no ano de 1796 da

era vulgar que Cagliostro morreu, quase certamente morto, na fortaleza de San Leo (28 de agosto de 1795). Esta

explicação de caráter profético, tem porém um defeito de referir-se exclusivamente à pessoa de Cagliostro.

Uma outra explicação, curiosa e engenhosa, poderia ser esta: 5557 é, escrito com três cincos, e sete, números que

indicam a IDADE respectiva do aprendiz, do companheiro e do mestre. O ritual maçônico ensina que para se chegar na

“Câmara, do meio” é necessário subir sucessivamente três, cinco e sete degrauzinhos de uma escada em espiral.

Assim se explicaria, com o simbolismo maçônico, a espiritualidade da idade de 5557. O curioso é que também Zózimo,

em seu tratado “sobre a virtude” fala de quinze degrauzinos, (3+5+7) resplandecentes de luz, que conduzem a um

altar em forma de cálice, onde o sacerdote do santuário oficia (tôn adyton) (Collect. Alchim. Grecs. II, 108). Poderia-se

observar também que somando os números 5557 obtém-se 22, ou seja o número correspondente à última letra thau

do alfabeto hebraico, e à última carta do tarô. O thau é a cruz iniciática, e segundo E. Levi é o microcosmo, o resumo

de tudo em tudo. 47 Hur significa o fogo. Na lenda maçônica Hiram é filho de Ur (cfr. De Castro – Mondo Segreto. V, 46). A necessidade

do esoterismo, de velar ao povo a verdade porque incapaz de suportar o seu esplendor é ofuscada de propósito na

primeira quarentena. Nesta o povo vê que Moisés entra, no meio de uma nuvem, quando sobe na montanha, e fica ali

40 noites e 40 dias.

48 Nós notamos como o número quarenta, usado por Cagliostro para determinar a duração das suas quarentenas, seja

associado à regeneração tanto na tradição hebraico-cristã como naquela pagã e hermética. O período da regeneração

humana requer 40 dias, como aquele da generação física 40 semanas (dez meses lunares). Também a incubação de

certos germes realiza-se em uns quarenta dias, de onde vem as quarentenas sanitárias. Estes 40 dias, naturalmente,

não devem ser entendidos literalmente.

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