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1 JEAN ROUCH do avesso ANEXO do artigo A outra face do espelho : Jean Rouch e o outro http://www.bocc.ubi.pt/pag/costa-ricardo-jean-rouch.pdf Ricardo Costa http://ricardocosta.net [email protected] com as viúvas de quinze anos As Viúvas de quinze anos (Les veuves de quinze ans ) é um filme de Jean Rouch, uma curta-metragem de ficção. «Apresentado como um ensaio sobre os adolescentes de Paris no verão de 1964, este filme estigmatiza a leviandade e a futilidade da juventude burguesa dos anos 60». (cit. dicionário francês). É um filme encomendado, um de quatro episódios da longa-metragem La Fleur de l’âge (A flor da idade) https://www.youtube.com/watch?v=YHlMBXcA65A trailer, co- produção de 1964 entre o Canadá, a França, a Itália e o Japão, que deverá retratar a vida de adolescentes escolhidos entre os mais representativos de cada um desses países, em tempos conturbados, no rescaldo do pós-guerra. A encomenda é resultado de uma iniciativa do ONF (Office national du film du Canada ), organismo público canadiano para a produção e distribuição de filmes. Justificam-se assim os organizadores : «À parte as particularidades de estilo dos cineastas, encontramos em cada um deles o desejo de nada afirmar, de nada julgar, mas de simplesmente mostrar». São convidados quatro realizadores em voga, «numa época em que a juventude parece ocupar o posto mais avançado na cena mundial». São eles Michel Brault (episódio Geneviève, Canadá) (01), Jean Rouch (episódio Marie-France et Véronique, França) (02), Gian Vittorio Baldi (episódio Fiammetta, Itália) (03) e Hiroshi Teshigahara (episódio Ako, Japão) (04). Projecto ambicioso e complicado, cedo redunda em fracasso devido a falhas de gestão, a desentendimentos entre co- produtores. No caso de Rouch, devido a conflitos com Pierre Braunberger, o produtor do seu filme, de quem é amigo (05). Acontece isso numa época decisiva na história da França. Jean Rouch refere-se a ela nestes termos : «Ao filmar, dei por mim caído no meio de um grupo fantástico que na verdade fazia parte daqueles que preparavam o Maio de 68» (06), juventude sem esperança alguma, que tudo perdera. Nesse grupo estavam as viúvas de quinze anos, que «tinham conhecido tudo», «assunto desesperante e maravilhoso ao mesmo tempo», diz ele. Diz também quais foram os motivos dos atritos

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JEAN ROUCH do avesso

ANEXO do artigo A outra face do espelho : Jean Rouch e o outro http://www.bocc.ubi.pt/pag/costa-ricardo-jean-rouch.pdf

Ricardo Costa http://ricardocosta.net [email protected]

com as viúvas de quinze anos As Viúvas de quinze anos (Les veuves de quinze ans ) é um filme de Jean Rouch, uma curta-metragem de ficção. «Apresentado como um ensaio sobre os adolescentes de Paris no verão de 1964, este filme estigmatiza a leviandade e a futilidade da juventude burguesa dos anos 60». (cit. dicionário francês). É um filme encomendado, um de quatro episódios da longa-metragem La Fleur de l’âge (A flor da idade) https://www.youtube.com/watch?v=YHlMBXcA65A trailer, co-produção de 1964 entre o Canadá, a França, a Itália e o Japão, que deverá retratar a vida de adolescentes escolhidos entre os mais representativos de cada um desses países, em tempos conturbados, no rescaldo do pós-guerra. A encomenda é resultado de uma iniciativa do ONF (Office national du film du Canada ), organismo público canadiano para a produção e distribuição de filmes. Justificam-se assim os organizadores : «À parte as particularidades de estilo dos cineastas, encontramos em cada um deles o desejo de nada afirmar, de nada julgar, mas de simplesmente mostrar».

São convidados quatro realizadores em voga, «numa época em que a juventude parece ocupar o posto mais avançado na cena mundial». São eles Michel Brault (episódio Geneviève, Canadá) (01), Jean Rouch (episódio Marie-France et Véronique, França) (02), Gian Vittorio Baldi (episódio Fiammetta, Itália) (03) e Hiroshi Teshigahara (episódio Ako, Japão) (04). Projecto ambicioso e complicado, cedo redunda em fracasso devido a falhas de gestão, a desentendimentos entre co-produtores. No caso de Rouch, devido a conflitos com Pierre Braunberger, o produtor do seu filme, de quem é amigo (05).

Acontece isso numa época decisiva na história da França. Jean Rouch refere-se a ela nestes termos : «Ao filmar, dei por mim caído no meio de um grupo fantástico que na verdade fazia parte daqueles que preparavam o Maio de 68» (06), juventude sem esperança alguma, que tudo perdera. Nesse grupo estavam as viúvas de quinze anos, que «tinham conhecido tudo», «assunto desesperante e maravilhoso ao mesmo tempo», diz ele. Diz também quais foram os motivos dos atritos

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que teve com Berger : «Teria de trabalhar em 35mm, com uma câmara pesada, em cima de um tripé, com iluminação artificial e, praticamente, com planificação». Berger não desarma. Zangado, Rouch envia um telegrama a 27 de maio a pessoa com poder de decisão no processo dizendo : «vou filmar em 16mm porque o assunto vale a pena» (07). Meu dito, meu feito. Berger responde a 27 de agosto. Diz que não pode perder dinheiro e faz esta recomendação : «É indispensável que você saia de idade feliz da infância e entre, enfim, na triste idade da adolescência. Com amizade sincera» (08).

Jean Rouch limpando a sua máquina de filmar preferida : uma Aaton de 16mm https://www.youtube.com/watch?v=G_Q9JOPBDGg

Etnólogo de profissão, usando o cinema como ferramenta, Rouch resolve filmar em película de 16mm, com equipamento leve, para fazer um ensaio sobre o filme etnográfico. É essa a técnica que terá de usar, a que melhor lhe tem servido. É com ela que o seu olhar se espraia em busca do seu objecto de estudo, extraindo algo da realidade que pretende discernir. É assim o «cinema-verdade». Quer isto dizer : uma ficção em busca do real, ficção essa que, para ser real, para alcançar aquilo que procura, terá forçosamente de ser documentário. No documentário, género que usa na descoberta da verdade, Rouch prefere filmar em plano-sequência (tomada de vista contínua sem interrupção e com a câmara em movimento, focada na acção, em travelling ou panorâmica) (09). Será este filme uma das suas duas ficções puras. O plano-sequência é «o fiel amigo» de que o etnólogo não prescinde no trabalho a que se dedica. Fiel amigo é, por analogia, o próprio documentário, bem como o tal personagem que ele vê do outro lado do espelho, a imagem reveladora, o reflexo invertido do seu próprio rosto : ele, de cara a cara consigo próprio, tanto na verdade como na mentira. Não prescinde dessa ferramenta, do expediente que ele pensa ser-lhe indispensável na busca daquilo que deslinda : «a verdade do cinema». (Ver exemplos de plano sequência : https://www.cineclubdecaen.com/analyse/plansequence.htm ) Fazendo um falso documentário sobre viúvas adolescentes, Jean Rouch mente. Mas não engana ninguém com isso : é fiel à verdade dando-lhe a forma de ficção, usando, tal como Georges Méliès, truques de ilusionista para deleite do espectador, coisa interdita ao etnólogo. E de tal maneira

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se atreve nessa brincadeira que se põe a filmar com toda a ostentação do cinema : com belas actrizes, bonitos actores, belos décors, bela música, tudo em belíssimos planos. Sai-se agora com esta… Ele, que sempre disse não haver etnografia alguma em fitas dessa natureza, que «la belle image» é um desvio narcisista de quem filma, um pecado mortal… Sempre disse coisas destas, mas agora contradiz-se, deixando-se levar pela tentação… E ainda por cima, sente-se feliz por isso… Estar entre a espada e a parede será o melhor pretexto para fazer do documentário pura ficção e para dar chá ao produtor, algo de que este bem precisa. Mas isso não lhe basta. Face à barafunda, que se agrava dia a dia, terá forçosamente que dar nas vistas. Para dar bem nas vistas no despique em que se meteu, resolve fazer uma gracinha, dar uma pirueta. Dá um salto mortal e cai direitinho no chão, pés bem assentes na terra, no meio dos seus colegas da longa, seus concorrentes do métier (10). Talentos que lhe vêm dos velhos tempos, das caves boémias de Saint-Germain-des-Prés, nesse memorável pós-guerra… Tudo começa com um arrastar de asa do Jean, no ano um da década de sessenta, arremesso que o leva a escrever um argumento a que dá o título de A Punição (La punition ), filme “sobre maus encontros” do seu bom amigo Chris Marker. Por força do argumento, mete a Nadine no elenco, com ele a seu lado. http://www.premiere.fr/film/La-Punition-court-mtrage

Levam-no suas fraquezas a apaixonar-se pela Marie-France http://www.unifrance.org/annuaires/personne/390807/marie-

france-de-chabaneix, agora sua actriz preferida, que se representa a ela própria na vida real e que também faz de Véronique, em duplo papel. Levam-no certas qualidades a ter força bastante para ganhar a aposta, mas corre-lhe mal a vida em coisas fúteis. Farta dos seus arrufos, a Nadine casa-se com outro e a bela actriz de belo nome, a Marie-France de Chabaneix, um pouco mais convencional, não se deixará também levar (11). O episódio estreia em Paris na primavera de 1967 com o título Les Veuves de 15 ans, mas o filme não é aceite no Festival de Veneza por ser obra francesa, por não poder figurar oficialmente como co-produção, em suma por estranhos motivos (12).

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Para serenar os ânimos, propõem os responsáveis da selecção que a fita seja exibida em sessão privada. Rouch responde com estas palavras : «Uma projecção privada em Veneza não terá o mínimo interesse» (13). E ponto final.

Projecto ousado, (tendo como distribuidora a major norte-americana 20th Century FOX), La Fleur de l’âge, iniciada em 1961 e estreada em Paris a 22 junho de 1962, terá vida curta nas salas de cinema sobretudo devido ao fraco financiamento da maior parte dos produtores, em particular pelo japonês e pelo francês (14).

O filme é lançado em Nova Iorque pela Pathé Contemporary Films a 13 de abril de 1967, em versão truncada, com o título That Tender Age (80 min.), que exclui o episódio japonês, mas não será exibido em França, onde só o filme de Jean Rouch se sujeitará ao veredicto de plateias cinéfilas. Jean-Luc Godard, que anuncia não haver Nova Vaga sem Jean Rouch, diz ter sido este quem influenciou os “jovens turcos” dos Cadernos de Cinema. Godard aparece metido na história por duas vias : pela cena do seu filme Femme mariée, em que entra a Véronique e, por feed-back, por reflexo daquilo que ele herdou de Rouch, certas coisas que diz serem elementos fundadores da Nova Vaga avant-la-lettre (15). Ciente disso e da sua paternidade, que o distingue, Jean Rouch serve-se do ensaio – prática de laboratório – para levar ao extremo a experiência. Calcula tudo bem calculado, afina a ferramenta e traça o perfil da Nova Vaga. Dá-nos a vê-la segundo a imagem que ela tinha, tem e terá, em abono da verdade, ao serviço da arte e da ciência, antecipando o retrato, desvelando o invisível, dando-nos a ver aquilo que se esconde e que, por algum motivo, mais cedo ou mais tarde, nos há-de interessar. De algum modo dando-nos a entender o que nos espera no futuro, com razões convincentes. E arvora-se, como certos dos seus pares, em «passador de imagens necessárias à memória dos mundos», tal como fazem os adivinhos (16).

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perante o que mais interessa

Marie-France e Nadine Ballot (elas mesmas)

Ditas estas coisas, é o silêncio que se abate, certas coisas que não foram ditas e que agora nos interessam. Mais ainda : não sendo ficção dizer-se que Les veuves de 15 ans é uma obra prima, por que carga de água ninguém o disse e ninguém o diz? Estranho fenómeno… As imagens que nutrem a memória do mundo, tal como as que nos dão vida aos afectos (que possuem determinada carga), podem sofrer alterações, menores ou maiores, perante agentes externos, vulnerabilidade essa que tanto as pode fortalecer na defesa quanto as pode fragilizar na ofensiva, em pequenos ou grandes propósitos, em certas zonas do corpo ou da alma. Pela experiência sabemos, tal como Jean Rouch sabia, que se o silêncio impera é porque não há sinais de vida. Mais estranho ainda será o fenómeno se o silêncio perdura, se nada de convincente se diz sobre a qualidade da obra. Dir-se-ia que, num derradeiro atrevimento, o Jean levou consigo um segredo para a cova, sabendo de antemão que, se quisermos, podemos pedir-lhe a palavra. Basta iniciarmos o ritual e logo ele aparece : sorriso de orelha a orelha, olhinhos malandros (17). Hesita um pouco, bastam-lhe uns segundos de

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suspense, e logo se sai com um daqueles disparates que nos fazem rir com ele. Para o entendermos, basta-nos imaginar a resposta. Com ele, podemos imaginar a resposta sem termos de fazer a pregunta. Tanta coisa revelou o Jean enquanto vivia, que nos bastará seguir o rasto das suas pegadas, decifrar o seu traçado, adivinhar o seu sentido, pôr a imaginação em marcha, para entendermos aquilo que ele diz. Diz ele ser oriundo de um mundo em que na rua se gritava L’imagination au pouvoir! Poder esse que, como no mito, nos manterá de pés bem assentes na terra. Terrível ano este, o de 2017, ano do centenário do nascimento de Jean Rouch, ano em que este artigo é escrito. A relação entre um facto e o outro, ocasional, explica-se só por isso, mas ser ocasional nada explica daquilo que na realidade se passa nem das realidades que nos esperam. As viúvas de 15 anos não são típicas apenas dos meados do século XX. São típicas ainda do seu final, em estilo bem “à maneira” e, mais ainda, são típicas dos anos que hão-de vir no novo século, cada vez mais intricado, em estilos mais avançados, à medida que o progresso avança. Cada vez mais surpresas nos esperam, em tempos que Rouch não poderia em circunstância alguma imaginar. Embora fosse um cientista, não se interessava por ficção científica. Era outra a sua ciência. O seu rosto mais lembrado é o de carne e osso,

iluminado por um sorriso. Menos lembrada é a imagem reflectida, invertida, brumosa, desfocada, carnal, aquela que o apoquenta : Dioniso, deus da borga e do vinho. Há quem o acuse de cair na crença, o que não é inteiramente falso. Razões não lhe faltam para escolher o desatino transgressor. Mete-se pouco nos copos mas mexe-se bem na dança. Tem artes, tem talentos e não tem escolha. Tem verdes anos e deixa-se levar. Tem quem o leve quando menos espera. No que lhe toca, não perde uma só oportunidade para nos levar. Péla-se por nos levar a ver filmes com ele na Cinemateca Francesa. Sai de lá iluminado, com o seu eterno sorriso (17). A luz do ecrã, por algum motivo misterioso, acentua-lhe as rugas e as cicatrizes do rosto, outras vezes

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suaviza-as. Cada um dos filmes que lá vê deixa nele marcas corpóreas. Que mais se pode dizer? Uma coisa é certa : as viúvas de 15 anos não são espécie extinta. Serão reproduzidas noutro mundo, clonadas com os ingredientes da nova época. No entanto, nesse, neste ou no outro mundo, o novo, mais palavra menos palavra, a conversa será sempre a mesma, girando em torno do mesmo : MARIE-FRANCE - Gostas de fazer amor?

VÉRONIQUE - Certa vez foi melhor que bom, mas já não me lembro com quem foi.

MARIE-FRANCE - Sabes ao menos o que se tem de fazer para não haver meninos?

VÉRONIQUE - Sei bem que nos dias de hoje uma garota de 17 anos faz um aborto com quem vai ao cabeleireiro!…

MARIE-FRANCE - Não digas patetices! Gostas de aventuras? E se tiveres filhos? Retrata o diálogo a sociedade yé-yé parisiense dos anos sessenta, o comportamento de duas garotas, uma que é séria e outra que não é. A propósito disso queixa-se Rouch nestes termos : «Braunberger desconfiava das minhas filmagens, de para onde eu ia compropósito de fazer um filme de dois minutos e de onde eu vinha com três horas». Queixa-se dele o produtor, o cáustico Braunberger, que riposta: «Você não entendeu que, entrando no sistema, tinha as obrigações do sistema. Você não alinhou no jogo!». Sendo a defesa do autor um dos estandartes da Nova Vaga, sendo o autor da obra realizador e etnólogo, Rouch desabafa num telex de 27 de maio : «Sinto-me bastante magoado por várias razões. Devias saber que nenhum dos meus filmes é semelhante ao argumento previsto». Pierre Braunberger produtor

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«Estou pronto a iniciar na segunda-feira um filme muito difícil e em cima da hora, de todos os pontos de vista. Compreendo bem as tuas apreensões quanto aos diálogos e eu próprio os reduzi ao mínimo nos ensaios com as raparigas. Mas se achas melhor a Camarga, que é a gente mais tonta do cinema francês, há muitos realizadores que ficarão encantados por fazerem a fita contigo». De pouco lhe vale a franqueza. O filme é exibido em França a 31 de agosto de 1964, no cinema Excelsior, na cidade de Saint-Dié-des-Vosges, no nordeste extremo do país, onde se fala chti, dialecto picardo, patois áspero, sibilante e assaz provinciano como o que é usado nas conversas do Tim Tim. Para cúmulo, a obra é interdita a menores de dezoito anos. As viuvinhas do Jean não serão tão cedo vistas nos ecrãs de Paris. Vendo bem as coisas, verificando até que ponto são as mesmas de agora, vemos que não poderão ser esquecidas. Vemos claramente ainda que tais coisas terão de ser lembradas, o que implica um dever e algum esforço. Vemos também que ao esquecimento, ao simples desgaste causado pela passagem do tempo, se junta a indiferença de muitos dos que, por dever, teriam de agir mas não agiram, furtando-se a dar vida nova a algo que bem a merecia. Nada fizeram. E o risco mantém-se. Mantém-se o risco, que não será de pouca monta. Estão em causa motivos de relevo na história do cinema. Não está aí apenas aquilo que Jean Rouch representa, aí está também tudo o demais que a isso se associa, tudo o que entre si está ligado. E mais ainda : tudo a que isso poderá dar origem. IMAGINEM !… © Ricardo Costa, Lisboa, 11 de Setembro 2017

NB : Dedico este texto ao meu bom amigo Jean Rouch, neste ano em que se comemora o centenário do seu nascimento. © Ricardo Costa http://ricardocosta.net [email protected]

NOTAS

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01 – La Fleur de l’âge : chronique d’en France ou l’échec d’une coproduction internationale (Arquivos Pierre Braunberger) https://fr.wikipedia.org/wiki/Pierre_Braunberger – artigo de Catherine Papanicolaou , 1895, p. 75-113 https://1895.revues.org/318 02 – Jean Rouch https://pt.wikipedia.org/wiki/Jean_Rouch (episódio Marie-France et Véronique, França) Marie-France et Véronique https://www.youtube.com/watch?v=iOv9OUD6_m4 filme online 03 – Gian Vittorio Baldi Gian Vittorio Baldi https://en.wikipedia.org/wiki/Gian_Vittorio_Baldi (episódio Fiammetta, Itália) 04 – Hiroshi Teshigahara https://en.wikipedia.org/wiki/Hiroshi_Teshigahara (episódio Ako) https://letterboxd.com/film/ako/ Japão 05 – Michel Brault https://en.wikipedia.org/wiki/Michel_Brault (episódio Entre la mer et l’eau douce ) https://www.youtube.com/watch?v=HDncYA5Vxg8 – filme online 06 – La mue des « gaspilleurs de pellicule ». Ou comment les cinéastes militants ont réhabilité la notion d'auteur (1968-1981) – artigo https://www.cairn.info/revue-raisons-politiques-2010-3-page-29.htm

de Romain Lecler https://www.cairn.info/publications-de-Lecler-Romain--31580.htm

na revista electrónica CAIRN info https://www.cairn.info/revue-raisons-politiques-2010-3-page-29.htm nº 39, pág. 29-62, 2010/3. Ver também : Godard et Cannes, 2e prise : un Helvète anarchiste paralyse la Croisette https://www.cairn.info/publications-de-Lecler-Romain--31580.htm

– artigo da revista Telerama que invoca «um putsch na Cinemateca Francesa», Maio 68, com um «desembarque da revolução». O golpe é da autoria de conhecidos anarquistas, entre os quais se destacam Jean-Luc Godard e Jean Rouch. O ataque é uma réplica bem urdida contra a demissão de André Langlois da presidência da cinemateca pelo então ministro da cultura, André Malraux, que o acusa de insanidade sem perceber que os sintomas eram de outra doença, a paixão que ele tinha pelo cinema, salvando filmes de toda a ordem, em risco de se perderem, os tais que descobria onde menos se esperava. Gesto autoritário que implicaria a aniquilação de um devoto que passava a vida a lutar para que as memórias de inquestionáveis testemunhos e de notáveis feitos se não extinguissem. Era mau demais e, perante tal indignidade, Rouch reagiu como de costume… 07 – No meio de tudo isto, as perdas de tempo causadas por motivos fúteis tidos por necessários, azeda os ânimos, a fricção aumenta, o desgaste também. Sente-se isso num comentário de Braunberger a um tal Junot sobre um fait-divers da imprensa : «O Senhor por acaso não leu no Paris-Presse as declarações estúpidas da Jeane?». A Jeane, a mulher do Jean, não menos atrevida que o esposo, andava com ele metida nas guerras da cinemateca, dava nas vitas e regalava-se com isso. Ganharam a batalha, Langlois voltou à sua cinemateca, a primeira de todas elas, e a terra tremeu. O tremor, entre outros de menor amplitude – é o que se diz – está na génese do Maio 68 e por isso também de muito daquilo que o movimento nos deixaria. Precisamente por isso, o feito não poderá ser esquecido. Terá de ser lembrado para que algo se acrescente ao que já se sabia, dando mais um passo em frente, progredindo, aproximando-nos mais daquilo que nos espera, melhorando. Não será o desejo de melhoras a condição sine qua non da condição humana? E da própria vida? 08 – Citação de um dos tópicos dos Arquivos Pierre Braunberger relativos às relações entre o produtor e o realizador. 09 – « Le vertige du « temps réel », capítulo 8 http://books.openedition.org/editionscnrs/397 CNRS Éditions, 2008

10 – « La fleur de l’âge » http://elephantcinema.quebec/films/fleur-de-l-age_13280/, competição a quatro.

11 – « Entrevista com Nadine Ballot, actriz de Jean Rouch » https://www.youtube.com/watch?v=28N9SmkKIRs

A Nadine conheceu o Jean em 1961, quando este filmava a Chronique d’un été. É a fresca estudante que aí se vê, uma de entre as muitas pessoas que ele entrevista nas

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ruas de Paris perguntando « Que fais-tu? ». Espontânea, ela diz-lhe tudo o que faz na vida. Descreve umas tantas coisas, insinua outras e o Jean não a perde de vista. É pela primeira vez actriz num filme dele pouco depois desse encontro, La Gare du Nord http://www.telerama.fr/cinema/films/gare-du-nord,24665.php. Curta-metragem de quinze minutos, é um dos sketches do filme Paris vu https://www.youtube.com/watch?v=lGLAarfzmzc, concluido em 1965 por seis conhecidos cineastas. Participa nesse mesmo ano em Les veuves de 15 ans, contracenado com a Marie-France, a desconhecida superstar http://www.unifrance.org/annuaires/personne/390807/marie-france-de-chabaneix que o seu realizador topa nas ruas de Paris, no meio de figuras insólitas. Entra a Marie-France no filme, tinha ela 27 anos e Jean Rouch 29. Estavam um para o outro.

12 – « Les veuves de 15 ans» https://www.cineclubdecaen.com/realisat/rouch/veuvesdequizeans.htm, , artigo publicado pelo cineclube de Caen em 2005, em que se refere que a idade de puberdade se adiantou dois anos depois da guerra (Congresso de Pediatria de Lisboa 1963) e que as experiência sexuais das jovens se antecipou de dois anos depois da guerra. 41% delas fazem-no para se promover, 24% por curiosidade, 15% por desporto, 11% por amor.

13 – Carta de Pierre Braunberger a Jean Rouch, enviada de Saint-Jean-de-Luz https://fr.wikipedia.org/wiki/Saint-Jean-de-Luz no dia 17 de agosto de 1964. Queixa-se de Rouch nestes termos : «Não sei se você se deu conta das graves dificuldades que o seu filme me causa ». Refere-se ele a actos de censura ambíguos por parte de quem na organização dirige a selecção dos filmes do Festival de Veneza (Arquivo Pierre Braunberger, tópicos 27 a 31). 14 – « Fictions divergentes ou convergences fictives? » http://collections.cinematheque.qc.ca/publications/les-dossiers-de-la-cinematheque/no14-la-production-francaise-a-l-onf/ - artigo de Carol Faucher, Les dossiers de la cinémathèque, № 14, La production française à l'ONF, julho de 1984 : «Já lá vão anos, neste Office national du film, fundado por um escocês idealista perdido na cordilheira internacional do cinema-espectáculo, «jovens cineastas canadiano-franceses, que em breve dirão serem do Quebeque, sentam-se à mesa. Trabalham. Fazem filmes. Ainda são poucos – mas já eram empreendedores –, no momento em que levanta fervura o formidável caldo cultural que se chamará a “Revolução tranquila” : a de fazer, com o cinema, o inventário daquilo que elas próprias são», indo à raiz das coisas, coisa impossível neste caso. Não tem raízes na terra, deriva por onde calha. De tranquila nada terá. Lá dentro da panela onde se encontra – o seu habitat – a coisa anima-se à medida que ela aquece. Ferve o que tem de ferver. Às tantas tudo se acalma e ela começa a arrefecer, até ficar pronta a servir. Não cresce como árvore, cresce como o olho do furacão, ferve e referve, até voltar a servir de matéria adequada uma nova criação. O caldo está por toda a parte e, de parte a parte, tem traços comuns. Ou será que nada disto tem a ver com esta conversa? 15 – “Godard, the embodiment of the spirit of May 68” https://www.theguardian.com/film/filmblog/2008/may/12/godardtheembodimentofthes

Artigo de Ronald Bergan https://www.theguardian.com/profile/ronaldbergan no jornal The Guardian, 12 de maio 2008 16 – Actualidades sobre passadores de memórias do coração da França, que anunciam as que entretanto resolveram passar http://www.arcadi.fr/presentation/actualites/bdd/actualite.690/

- Notícia em ARCADI, início de 2016 http://www.arcadi.fr/presentation

Jean Rouch foi um dos que mais fez por isso, mostrando-nos certas imagens do mundo. Adorava quem o ajudasse. Ensinou tudo a um jovem estudante do Benim, que se tornou seu braço direito nas actividades do Musée de l’Homme : «Brice Haounou, passeur d’images nécessaires à la mémoires des mondes» – artigo de Stéphane Aubouard no jornal francês L’Humanité, 20 de julho 2017 https://www.humanite.fr/brice-ahounou-passeur-dimages-necessaire-la-memoire-des-mondes-639105

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Vemos essas imagens projectadas no ecrã, imersos no escuro, numa grande sala de cinema. Transidos de pasmo, muitas vezes vemos lá certas vergonhas que nos incomodam. Que mais podemos ainda fazer? Tentar convencer o Zé Povinho com cabeçalhos de tablóide? Uma coisa é certa, disso bem sabia o Jean : vale a pena. Cansa mas diverte. E é bom para a humanidade. 17 – Um dos amigos de Jean Rouch, Jean-Michel Arnold, responsável peça criação do laboratório audiovisual do CNRS https://pt.wikipedia.org/wiki/Centre_national_de_la_recherche_scientifique, conheceu-o quando ainda era um jovem etnólogo, quando ainda apalpava o terreno que ditaria a sua vida, toda a sua riqueza e variedade. Diz ele : « O Jean era um homem feliz. Ria quando falava do seu argumento, ria quando filmava, ria enquanto montava, ria nas misturas da banda sonora e, quer fosse no Festival de Cannes ou no Museu do Homem, o riso mais límpido era o do Jean. Outra curiosidade : não suportava “o olhar sem câmara. Não podia existir sem essa prótese”. Mas teve a sorte, ao criar a antropologia visual, de a ver tornar-se “uma das grandes disciplinas da universidade, atraindo muitos estudantes cheios de entusiasmo” » (Cit. texto de Antoinette Delafin http://www.rfi.fr/auteur/antoinette-delafin/, RFI 27 de janeiro 2017 http://www.rfi.fr/hebdo/20170127-centenaire-naissance-jean-

rouch-2017-celebrera-le-cinema-nouveau ). .

VER Filme online (em francês) https://www.youtube.com/watch?v=iOv9OUD6_m4

Tradução em francês JEAN ROUCH à l’envers http://rcfilms.dotster.com/rouch-envers.pdf

Tradução em inglês JEAN ROUCH in reverse http://rcfilms.dotster.com/rouch-in-reverse.pdf