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Jennifer Haymore

Uma Duquesa em Fuga

Sofia GomesTradução

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Prólogo

Sarah Osborne vivia em Ironwood Park há pouco tempo, mas já ado‑rava. Os pássaros cantavam ‑lhe serenatas todas as manhãs, saudando ‑a com os seus trinados através da pequena janela da casa onde vivia com o pai. Todas as tardes o Sol brilhava com intensidade por cima do par‑que, derramando ‑lhe um calor agradável nos ombros através da musse‑lina do vestido, enquanto ela corria pela propriedade. E à noite lanternas projectavam uma luz dourada na fachada do casarão que se erguia numa colina baixa de encostas suaves e dominava, como um rei, as vastas ter‑ras do duque de Trent.

Quando Sarah espreitava pelos losangos da janela da casa que parti‑lhava com o pai, via ao longe o casarão, emoldurado pelos ramos bran‑cos encurvados e graciosos das duas bétulas à sua porta. Ficava a olhar para a casa grande muitas vezes durante o dia e dava ‑lhe uma última espreitadela todas as noites antes de o pai lhe ir entalar os lençóis. A casa fitava ‑a também, uma sentinela escura, imponente, e Sarah sentia ‑se segura sob a sua protecção. Um dia, sonhava, talvez pudesse aproximar‑‑se dela. Passear ‑se por entre as colunas altas e elegantes que acompa‑nhavam a sua fachada. Talvez mesmo entrar lá dentro.

Mas Sarah não estava a pensar em nada disso naquele momento. Des‑ceu o carreiro a correr, atrás da maravilhosa borboleta sarapintada de preto e branco que saltitava de folha em folha na sebe bem aparada que delimitava o jardim. Arregaçou a saia e resolveu persegui ‑la, saindo pelo portão de ferro forjado que separava o jardim do resto da propriedade.

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Por fim a borboleta pousou, exausta, sobre um ramo frágil. Sarah abrandou e, cautelosa, aproximou ‑se e estendeu ‑lhe a mão. Expirou e o seu dedo tocou, sem querer, numa das asas. A borboleta fitou ‑a. Tão deli‑cada e gentil. Baixou a cabeça como se estivesse a despedir ‑se e depois, batendo nervosamente as asas, partiu, deixando os olhos de Sarah fixos no arbusto.

– Oh – murmurou, encantada. Não era um arbusto qualquer… era uma amoreira ‑silvestre. No Verão anterior, quando a mãe esteve tão doente, Sarah foi colher amoras quase todos os dias. O chá de amoras destinava ‑se a aliviar o estômago cansado de tossir da mãe, mas Sarah gostava de sentir a textura irregular e a explosão de sabor sempre que trincava uma delas.

A época das amoras estava apenas no início, mas entre os frutos ainda verdes de que o arbusto estava carregado Sarah encontrou uma pequena porção de bagas maduras para serem comidas. Olhou em volta e meteu‑‑as na boca todas ao mesmo tempo, saboreando aquele gosto doce com um toque quase imperceptível de acidez.

Ali não crescia uma amoreira apenas – havia muitas. Brotavam da terra, desordenadas, ao longo das margens do ribeiro.

Sarah virou ‑se e olhou para trás, a fim de se certificar de que não estava perdida. As cúpulas do telhado do casarão espreitavam por cima dos ulmeiros, um indício tranquilizador.

Quando acabou de comer a mão ‑cheia de amoras, continuou a pro‑curar mais que estivessem maduras, arrancando ‑as do emaranhado de ramos cobertos de espinhos. Encontrou ‑as, colheu ‑as e comeu até estar cheia, um quadriculado de arranhões nos braços e a boca suja do suco escuro. Olhou pesarosa para o seu vestido e reparou que tam‑bém na saia havia nódoas de sumo de amora. O pai ficaria desgostoso de a ver assim, mas Sarah removeria as nódoas antes que ele chegasse a casa.

Tinha a trança outra vez despenteada – algumas madeixas estavam soltas e vários cabelos escuros caíam ‑lhe sobre o rosto. Soprou para cima, na tentativa de os desviar dos olhos, mas não resultou, de modo que, com as mãos sujas, puxou ‑os e entalou ‑os atrás das orelhas.

Foi então que voltou a ver a borboleta.

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Pelo menos pareceu ‑lhe a mesma borboleta. Bela e enorme, as asas pintalgadas como um ovo de pardal, empoleirada num dos troncos peque‑nos do interior do arbusto.

Sarah encarrapitou ‑se num tronco caído. Em bicos de pés, inclinou‑‑se para a frente e olhou ‑a.

– Não fujas – murmurou. – Não tenhas medo.Estendeu a mão – desta vez não para a tocar, mas sim para a apanhar.

Queria pegar nela, sentir na mão as suas patas delicadas e finas.Só um pouco mais… craque! O ramo partiu ‑se debaixo dos seus pés

projectando ‑a para a frente e Sarah agitou as mãos tentando não se dese‑quilibrar. Nada feito. Com um estrondo, caiu de cabeça para cima da amoreira, contendo a respiração ao sentir os espinhos perfurarem ‑lhe a saia e rasgarem ‑lhe a pele.

Enrolou o corpo numa bola e aterrou de joelhos no meio do arbusto, as mãos procurando agarrar ‑se à espinhosa manta morta.

Ofegante dada a intensidade da dor, fechou os olhos com força enquanto libertava uma das mãos e usava os dedos para arrancar os espinhos da outra. O sangue corria ‑lhe pelos braços e um frágil fio ver‑melho descia pelo antebraço. Cada vez que expirava soltava um pequeno gemido. As dores nos joelhos eram insuportáveis, mas seria impossível recuperar o equilíbrio sem ter onde se apoiar. À sua volta não via senão ramos espinhosos.

– Posso ajudá ‑la?Tentou olhar por cima do ombro, na direcção da voz, mas um espi‑

nho raspou ‑lhe a face e Sarah susteve a respiração.Era uma voz masculina, pensou. Uma voz amável.– Sim, por favor.– Muito bem. Não se mexa.Pareceu demorar séculos, mas pouco a pouco, com o auxílio de um

pequeno punhal, ele foi cortando os ramos espinhosos que se retor‑ciam em volta dela. Segurando ‑a pela cintura, puxou ‑a com cuidado, parando para cortar qualquer graveto que pudesse arranhá ‑la enquanto saía.

Por fim, pô ‑la de pé em terra firme, livre de espinhos. Sarah respirou fundo, virou ‑se e olhou ‑o de frente.

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Era um rapaz. Um rapaz alto – muito mais velho do que ela. Sardas espalhavam ‑se pelo seu nariz e o cabelo louro chegava ‑lhe aos ombros. Fitou ‑a, a preocupação a enrugar ‑lhe a testa no meio dos olhos verde ‑claros.

– Sente ‑se bem?Sarah não estava habituada a falar com rapazes. Em especial rapazes

atraentes de calças de montar e casacos de fina lã escura. E rapazes cujas vozes acusavam a iminente chegada da idade adulta.

Sem palavras e de olhos escancarados, fez que sim com a cabeça e olhou ‑o. A expressão dele suavizou ‑se.

– Tome. – O rapaz baixou ‑se e retirou um lenço do bolso do casaco. Com extrema delicadeza, esfregou ‑o na face de Sarah, limpando o sangue que só viu quando ela se virou. Em seguida dobrou ‑o e tentou limpar‑‑lhe as mãos. Depois examinou os joelhos de Sarah. Vendo ‑o de sobro‑lho carregado, Sarah fez o mesmo.

– Oh, não – sussurrou ela.Tinha a saia aberta dos joelhos aos pés deixando ver as meias, tam‑

bém esburacadas. Pior ainda, o sangue seco colava ‑lhe o vestido às meias rasgadas.

O pai ia ficar furioso.Deve ter emitido um som qualquer, porque as rugas da testa do rapaz

tornaram ‑se mais profundas.– Dói muito? – perguntou num tom preocupado.Sarah engoliu com dificuldade.– N… não.A boca dele esboçou um sorriso.– É muito valente, não é?Ao ouvir aquelas palavras, o medo abandonou Sarah. Endireitou os

ombros e, de pé, fitou aqueles olhos verdes.– Sim, sou.– Onde vive?Sarah apontou para as majestosas cúpulas dos telhados de Ironwood

Park.– Ali.– Não me diga. Eu também vivo ali. Consegue andar?– Claro que consigo andar.

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Lado a lado, desceram o carreiro que ia dar à mansão. Os joelhos de Sarah doíam ‑lhe muito e ela não conseguiu evitar – coxeava um pouco. Sem dizer palavra, o rapaz pôs ‑lhe um braço firme em volta da cintura para a amparar.

Passaram pela casa do jardineiro onde Sarah vivia com o pai e con‑tinuaram em direcção às traseiras da casa grande. Sarah ia calada, tal como o rapaz. Mordia a língua e espreitava ‑o pelo canto do olho, a vê ‑lo andar. Era alto e forte e Sarah gostava do modo como o Sol se reflectia no seu cabelo.

Mas à medida que se aproximavam da casa e se tornava cada vez mais evidente que era para lá que ele se dirigia, o corpo de Sarah foi ‑se con‑traindo. Não sabia onde se encontrava o pai, mas ele ficaria muito zan‑gado se soubesse que ela se aproximara demasiado do casarão. Acima de tudo, não se cansava de lhe repetir que era importante não se introme‑ter na vida da família. Se ela incomodasse alguém, isso poderia custar‑‑lhe o emprego.

O rapaz abrandou quando atravessaram a sombra do enorme casa‑rão e depois olhou para ela:

– Está tudo bem?– Mm… humm. – A voz dela não passava de um gemido.O rapaz parou e afastou ‑se, observando ‑a com cuidado para se cer‑

tificar de que ela não tombava.– Como se chama? – perguntou.– Sarah.– Eu sou o Simon. – Olhou para as traseiras da casa, que agora se

erguia à frente deles, tão imponente e pesada que Sarah quase susteve a respiração, e depois para ela.

– Entre que eu vou arranjar quem trate de si.Sarah passou a língua pelos lábios, hesitante. Em seguida murmurou:– O meu pai disse ‑me para eu não incomodar a família.– Não vai incomodar a família. – Falou em tom de promessa.Sarah levantou os olhos para o rapaz. Não sabia porquê, confiava

nele. Se lhe dissesse que todos os dias caminhava na superfície da Lua, ela acreditaria.

O rapaz continuou:

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– Sou um péssimo médico, portanto gostava que a senhora Hope desse uma olhadela a esses golpes. Ela tem uma pomada que cura feridas desse género num abrir e fechar de olhos.

Sarah não fazia ideia de quem era a senhora Hope, mas os arra‑nhões ainda lhe doíam muito – ardiam, estavam inflamados e provo‑cavam comichão. Uma pomada capaz de os curar era um isco eficaz para o proibido.

Fez um tímido sim com a cabeça.O rapaz pegou ‑lhe na mão menos afectada, com o cuidado de não

tocar nos arranhões.– Venha, então.Conduziu ‑a a uma sala ao cimo das escadas, o que fez Sarah interrom‑

per de repente os seus passos hesitantes. Jamais tinha visto uma sala tão ampla. Aberta, vazia, vasta, sem mobílias, à excepção das mesas e ban‑cos corridos encostados à parede. Talvez fossem demasiado ornamenta‑dos para serem chamados bancos corridos. Pernas de metal em forma de trepadeiras suportavam as pesadas placas de mármore. Sobre as mesas viam ‑se potes magníficos e bustos de homens de aspecto importante. A sala quase parecia demasiado clara – as pedras gigantescas das paredes tinham um tom branco ‑sujo e o estuque dos adornos das paredes e do tecto era do mais puro branco. A única cor vinha dos quadrados negros do chão de mosaicos, do metal trabalhado dos bancos e do enorme lus‑tre dourado pendurado ao meio da sala.

Sarah esticou a cabeça para cima admirando, por detrás do lustre e dos corrimões da galeria, o tecto elaboradamente talhado – tão alto como o próprio céu.

A seu lado, Simon também se virou para cima. Sarah espreitou ‑o pelo canto do olho e reparou na expressão de apreço que lhe cruzou o rosto – como se também estivesse a ver a sala pela primeira vez.

Apertou a mão do rapaz.– Tem a certeza de que não faz mal? – perguntou, num sussurro que

ecoou no espaço vazio.Simon afastou os seus pensamentos, fossem eles quais fossem,

e sorriu ‑lhe:– Claro. Esta é a Sala de Pedra. Quase nunca aqui estamos. Venha.

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Pegando ‑lhe na mão, obrigou ‑a a segui ‑lo. Pareceu interminável a travessia da vasta área e a chegada a uma das duas portas que ladeavam um magnífico grupo escultórico de bronze representando um homem de barba e dois rapazes nus. Uma serpente enorme enrolava ‑se em volta dos corpos. Pela expressão de agonia dos rostos deles, Sarah não duvi‑dou de que a serpente estivesse a esmagá ‑los.

O rapaz parou mesmo em frente à porta, decerto por ver o espanto com que ela olhava as estátuas.

– Conhece a história de Laocoonte?Sarah sacudiu a cabeça, incapaz de falar. Nunca tinha ouvido falar de

«Laocoonte». Nunca tinha visto um homem ou rapaz nu. Também nunca tinha visto nada tão perverso.

– Já ouviu falar da Guerra de Tróia? – O rapaz hesitou quando ela voltou a sacudir a cabeça. – Bem, houve uma guerra entre Tróia e os gregos. Laocoonte era o filho do rei de Tróia. Quando os gregos tentaram enganar os troianos oferecendo ‑lhes um gigantesco cavalo de madeira, Laocoonte desconfiou. Disse aos troianos que suspeitas‑sem de «gregos portadores de ofertas». Mas os deuses estavam do lado dos gregos e o aviso de Laocoonte enfureceu ‑os. Posídon, o deus do mar…

– Desse já ouvi falar – interrompeu Sarah, identificando o único ele‑mento da história que lhe era familiar. A mãe costumava contar ‑lhe his‑tórias de Posídon e dos outros deuses ao adormecer.

– Bem, Posídon enviou do mar uma serpente gigante para matar Lao‑coonte e os filhos. E é isso que esta estátua representa.

Sarah fitou a estátua. Tinha conhecido a morte verdadeira. Não há muito tempo. A morte verdadeira era tão cruel, por que raio as pessoas optavam por recordá ‑la todos os dias?

Simon virou ‑se outra vez para a estátua.– Também não gosto dela – disse em voz baixa.Ao fim de um minuto, durante o qual ambos fizeram caretas à está‑

tua sinistra, Simon abriu a porta e conduziu ‑a a outra sala, de menores dimensões, mas também magnífica. Em contraste com a sensação de oco e vazio produzida pela anterior, esta era acolhedora, colorida, ale‑gre. O tapete, decorado com um padrão em tons de vermelho, dourado

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e castanho, estava repleto de brinquedos e a lenha crepitava vigorosa‑mente na enorme lareira.

A sala parecia cheia de pessoas e Sarah imobilizou ‑se logo à entrada, sentindo o coração quase a saltar ‑lhe do peito, porque assim que ela e Simon entraram, todos os olhares se viraram para eles.

Oh, não, pensou Sarah, com o coração aos pulos. À excepção da mulher, de pé no centro da sala e com um bebé ao colo, só se viam crianças, algu‑mas com idades próximas da sua, e um rapaz que devia ser mais velho do que Simon – todas do sexo masculino.

Era a família. Tinha de ser. Os criados não usavam fatos de cetim nem as lãs finas e os linhos que aqueles rapazes vestiam. Os criados não brincavam em espaços amplos com reposteiros de seda e tapetes persas. Os brinque‑dos dos criados não eram talhados em marfim com pormenores em ouro.

O pai ia ficar tão furioso…Sarah sentiu um nó no estômago. Simon tinha ‑a levado para onde

o pai a proibira de ir. E nada a entristecia mais do que a ideia de decepcio‑nar o pai. Agora que a mãe partira, só o tinha a ele.

Tentou puxar a mão e soltar ‑se de Simon, mas ele não cedeu e manteve ‑a a seu lado.

A mulher que estava no meio da sala tinha o cabelo cor de mogno e salpicado de branco elaboradamente enrolado no topo da cabeça, mas alguns caracóis balouçavam aos lados do rosto. Todo aquele cetim azul que usava realçava ‑lhe o peito volumoso e a cintura estreita. O menino – ou a menina, Sarah não via bem – tinha o cabelo mais escuro do que o da mãe, caindo ‑lhe em canudos suaves sobre a nuca, e no rosto redondo dele – ou dela – sobressaíam as faces coradas.

Sarah pestanejou. A senhora da casa era duquesa. Sonhara um dia conhecer uma duquesa.

Não havia dúvidas na mente de Sarah. Embora houvesse crianças em volta daquela mulher, e até uma apoiada na sua anca, ela não era uma ama. Não. Tinha de ser a duquesa de Trent.

Sarah encontrava ‑se, por fim, diante de uma duquesa verdadeira. Mas estava a sangrar e suja, com as meias rotas e o vestido rasgado, e os seus dedos traiçoeiros ansiavam por afagar aquele cetim azul que se colava ao corpo da linda senhora.

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Se fosse possível morrer de mortificação, Sarah teria caído ao chão naquele mesmo instante.

A duquesa olhou para a mão dela que segurava a de Simon – com mais força desde que percebera quem tinha à sua frente – e depois sorriu.

– Que tipo de criatura nos trouxeste desta vez, Simon querido? Uma ninfa da floresta?

As sobrancelhas de Sarah encolheram ‑se até à entrada de cabelo. Querido?

Simon encolheu os ombros, um certo desconforto a alterar a sua expressão.

– Não tenho a certeza. Estava a ser atacada por uma amoreira ‑silvestre perto do rio.

– Vem cá, pequena. – Ajeitando o bebé na anca, a duquesa aproximou‑‑se deles. Que contradição – uma senhora tão requintada a fazer uma coisa tão comum como andar de bebé à anca. Essas acções não eram reservadas a gente mais vulgar, como a própria Sarah?

Simon deu um passo em frente na direcção da duquesa, arrastando Sarah atrás de si.

– Como te chamas? De onde vens?Sarah abriu a boca mas não saiu qualquer palavra.– Ela disse ‑me que se chama Sarah e que é daqui.A duquesa franziu o sobrolho.– Ah, sim?– Chão, mãe – queixou ‑se o bebé, esbracejando. – Chão, chão, chão!Com um suspiro, a duquesa pousou a criança sem tirar os olhos de

Sarah. A criança fitou a recém ‑chegada com curiosidade durante uns momentos, depois correu para o grupo de rapazinhos, mas Sarah não conseguiu tirar os olhos da duquesa o tempo suficiente para saber o que se passava do outro lado da sala.

– Não me lembro de ter meninas a residir em Ironwood House – comentou a duquesa. – E tu, Simon?

– Não. Mas eu tenho estado fora. Não chegou gente nova este Verão?– Não, só o… – Os olhos castanhos da duquesa iluminaram ‑se. – O jar‑

dineiro novo. Foi Fredericks quem o contratou. Não tive nada a ver com isso. Aposto que ela lhe pertence.

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Simon virou ‑se para Sarah.– És filha do jardineiro?Mordendo o lábio e olhando para o magnífico tapete que os seus

pés sujos pisavam, Sarah percebeu que tinha cometido um erro terrí‑vel. Devia ter obrigado Simon a parar quando passaram pela casa do jardineiro. Nunca devia ter entrado naquela casa. O que lhe teria pas‑sado pela cabeça?

Nada.– Sim – sussurrou.Dedos firmes pegaram ‑lhe no queixo, obrigando ‑a encarar o rosto

severo da duquesa. Os olhos de Sarah encheram ‑se de lágrimas. Tinha de aproveitar aquela oportunidade.

– Por favor – murmurou. A sua garganta abriu ‑se apenas o neces‑sário para dizer numa voz abafada: – Por favor, não despeça o meu pai.

Os olhos da mulher semicerraram ‑se e o coração de Sarah desceu de tal maneira que sentia os seus batimentos nos dedos dos pés.

– Que mal fez o teu pai?Sarah contraiu ‑se.– Nenhum!– Nesse caso por que havia de o despedir?Os olhos de Sarah dardejaram rumo a Simon, implorando ajuda.– Mãe – disse ele em voz baixa –, estás a assustá ‑la.A duquesa baixou o queixo, deixando Sarah corada até às orelhas.

Mãe? Simon também era da família, então. Oh, que idiota fora.– Trouxe ‑a aqui porque ela precisa de cuidados médicos. – Um toque

de irritação intrometera ‑se na voz suave de Simon. – Onde está a senhora Hope?

– Não faço ideia. – A duquesa virou as costas e dirigiu ‑se ao grupo de rapazes. – Mark, meu amor, importas ‑te de ir chamar a senhora Hope? Diz ‑lhe que traga a pomada que ela põe nos meus maltrapilhos quando têm feridas. Sam, vai a correr chamar o novo jardineiro, está bem? Diz‑‑lhe que a filha está ferida, mas não te esqueças de explicar que não é grave. Ele que venha contigo se quiser.

Sarah estremeceu. O pai nunca lhe batera, mas ela cometera uma infrac‑ção com gravidade suficiente para merecer umas palmadas. Felizmente

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ele ia com certeza esperar que estivessem a sós. Nada a envergonharia mais do que apanhar uma tareia em frente de Simon.

– Posso ir com o Sam, mãe?– Podes, Luke, mas não o largues e depois vem direito para casa.

Entendido?– Entendido.– Também posso ir? – perguntou o rapaz mais pequeno. – Também

quero ir com o Sam, mãe.– Está bem, Theo, mas não te afastes dos teus irmãos.Quando a porta balouçou em silêncio e se fechou nas costas dos qua‑

tro rapazes, o bebé voltou para junto da duquesa – uma menina, pensou Sarah, deduzindo ‑o a partir das feições da criança e não das suas rou‑pas. Pegando ‑lhe na mãozinha rechonchuda, a duquesa voltou a virar‑‑se para Sarah.

– Na verdade, menina, não há razão para te assustares. Não fizeste nada de mal. – Um sorriso aflorou ‑lhe os lábios. – Afinal, o duque disse que foi o arbusto que te atacou. Se calhar nem o provocaste.

Devagar, como se atravessasse um balde cheio de melaço espesso, Sarah olhou para Simon.

– O duque? – segredou.Sem olhar para ela, Simon encolheu os ombros e o coração de Sarah

começou a retomar o lugar que lhe pertencia no corpo.– Vejo que ele não se apresentou como deve ser. – A duquesa dirigiu‑

‑se ao filho. – Que coisa, querido, tens de estar sempre a ignorar o facto de que agora és tu o duque? Já lá vão quase três anos.

– Não nos apresentámos em condições que se possam chamar nor‑mais. Confia em mim, mãe – acrescentou num tom seco –, quando me apresento a alguém em condições normais, o título nunca é esquecido.

A duquesa ficou um momento a olhar para o filho, depois sorriu.– Claro que não lhes podemos chamar normais. – Estendeu a mão

livre a Sarah. – Agora anda cá e senta ‑te. A tua perna ainda deita sangue. Estar em pé deve custar ‑te muito.

Sarah olhou para o impecável sofá de seda que a duquesa lhe apon‑tava e sacudiu a cabeça. Era lindo, do roxo mais escuro que Sarah tinha visto na vida e reflectia o Sol que se escoava da janela.

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– Oh, não. Não posso. Estou muito suja.– Se eu tivesse medo de um pouco de sujidade e sangue, nunca aguen‑

taria criar um filho. Mas estou a criar seis e, garanto ‑te, não estás dema‑siado suja para te sentares no meu sofá.

Simon lançou ‑lhe um olhar encorajador.– Acho que deves sentar ‑te.E assim Sarah deu a mão à duquesa e deixou a majestosa senhora

conduzi ‑la ao sofá. Simon ajudou ‑a a acomodar ‑se no estofo de seda, em seguida sentou ‑se ao lado dela e a duquesa escolheu uma elegante poltrona em frente deles, deixando o bebé caminhar em direcção a um monte de brinquedos coloridos empilhados a um canto. Sarah exami‑nou a duquesa. Parecia uma elegante rainha do gelo dos contos de fadas sentada, imponente, no seu trono. E assim ficou, até dirigir a Sarah um sorriso tão amável como o do filho:

– Gostas de chá, Sarah? Posso mandá ‑lo servir.– Hum…? – Sarah olhou para Simon a pedir orientação.Ele fez que sim com a cabeça, piscou um olho, dando ‑lhe a impressão

de que tinham acabado de trocar uma mensagem que ela própria ainda não decifrara, e depois virou ‑se para a mãe:

– Leite quente?Sarah baixou a cabeça e sorriu. Aquilo já lhe agradava.– Claro. – A duquesa tocou uma campainha e uma graciosa criada

veio receber a ordem de ir buscar leite quente à cozinha. A criada não deitou um único olhar de menosprezo a Sarah, apenas se apressou a cum‑prir a vontade da duquesa sem qualquer comentário. Quando a porta se fechou, o duque e a mãe olharam para Sarah como se aguardassem qual‑quer coisa e Sarah deu ‑se conta do absurdo da situação.

Estava sentada no salão de um duque, acabara de ser convidada a tomar um chá e agora um duque e uma duquesa fitavam ‑na como se estives‑sem à espera que ela desse início a qualquer tipo de conversa importante. E ela ali, rasgada e a sangrar, as pernas a balouçar no sofá de dimensões adultas, a manchar de sujidade e sangue a requintada seda.

Desesperada por um qualquer tipo de salvação, Sarah olhou para a porta.– É encantadora, não é, Simon? E linda, também. Imagino que seja,

por baixo de toda aquela sujidade. O melhor que nos aconteceu em todo

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o dia. – A duquesa fez uma careta, como quem reconsidera. – Bem, não contando com aquelas horrorosas escoriações.

Nesse preciso instante a porta abriu ‑se para deixar entrar uma mulher mais velha com cabelo branco e abundante. Simon levantou ‑se.

– Senhora Hope. Obrigada por vir tão depressa.A mulher fez uma vénia.– Vossa Alteza.Sarah também devia ter feito uma vénia e tratado por «Vossa Alteza»

tanto o duque como a duquesa, mas agora era tarde de mais. Devia ao menos ter ‑se levantado do sofá, mas mal viu a senhora mais velha avan‑çar para ela de frasco na mão, encolheu ‑se contra as almofadas.

– Chega aqui, pequena, vamos dar uma olhadela a esses golpes todos. – A senhora Hope acocorou ‑se em frente do sofá, passou primeiro as mãos diligentes pelos braços de Sarah e em seguida descolou as meias dos arranhões mais graves, os dos joelhos. – Vamos ter de lavá ‑los pri‑meiro. Binnie, dá ‑me uma toalha.

Só naquele momento Sarah reparou na criada jovem e morena que tinha entrado com a senhora Hope. Aguardava junto ao sofá, atenta, segurando uma bacia e várias pequenas toalhas brancas, uma das quais estendeu à senhora Hope. Esta acabou de tirar as meias a Sarah e limpou‑‑lhe o joelho, murmurando entredentes que as feridas tinham um aspecto horrível, mas não eram das mais graves e que, depois de as lavar e lhes aplicar um pouco de pomada, Sarah ficaria como nova. A dada altura, quando puxou o vestido de Sarah para cima dos joelhos, olhou para Simon:

– Se ela fosse mais velha pediria a Vossa Alteza que saísse.A expressão de Simon não se alterou.– Fui eu que a encontrei, por isso sou responsável por ela. Fico até ter

a certeza de que se sente bem.Sarah dirigiu ‑lhe um sorriso tímido. Já se sentia bem, graças a ele.

Nunca lhe passaria pela cabeça que um duque fosse tão amável. Ou uma duquesa, na verdade.

Desde que vivia em Ironwood Park com o pai, dominada pelo enorme casarão e pelos inúmeros avisos dele de que não podia aproximar ‑se da família, imaginava que a Casa de Trent consistia num grupo de aristocratas

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velhos e antipáticos que a enxotariam como se fosse uma incómoda mosca – caso se dessem ao trabalho de baixar os narizes para a ver. Mas eles não eram nada assim. Por baixo das grandes empenas dos telhados e ape‑sar do mármore, da seda e dos dourados, eram, para sua surpresa, uma família normal.

Um dos rapazes – Mark, lembrava ‑se Sarah – embalava uma chávena fumegante nas mãos, na qual a duquesa pegou para a entregar a Sarah depois de soprar um pouco a sua superfície. Era doce, quente e tranqui‑lizante e Sarah bebeu pequenos goles, mantendo o corpo tão rígido como a estátua de Laocoonte enquanto a senhora Hope aplicava a pomada que cheirava a madeira. Se Laocoonte era capaz de ficar parado enquanto uma serpente gigante o estrangulava, ela também conseguia não se mexer enquanto as suas feridas ardiam e doíam.

E se Simon a achava valente, valente ela seria.Nesse instante, a porta abriu ‑se e uma outra criada surgiu, seguida pelo

seu pai. Ele apressou ‑se a entrar, depois parou de repente, endireitando ‑se e tentando tirar da cabeça o chapéu de jardineiro, com a sua aba grande, enquanto os rapazes corriam atrás dele.

– Vossas Altezas. – Dirigiu uma grande vénia em direcção a Simon e à mãe. – Por favor, perdoem ‑me. A minha filha…

– Ah, deve ser o senhor Osborne. – A duquesa levantou ‑se da cadeira para cumprimentá ‑lo. – Bem ‑vindo a Ironwood Park. Espero que tenha encontrado um jardim a seu gosto.

Sarah viu o olhar do pai fixar ‑se nela e dirigiu ‑lhe um olhar ater‑rado, mas como continuava cativa dos cuidados da senhora Hope, cujas mãos lhe seguravam a perna, não pôde ir ter com ele, que era o que a sua expressão lhe ordenava.

– Ironwood Park é um lugar idílico, Vossa Alteza. É para mim uma honra trabalhar aqui. O jardim é uma verdadeira obra de arte e farei o que estiver ao meu alcance para que se mantenha glorioso.

Sarah engoliu em seco. Sabia o que o pai estava a fazer. A tentar con‑vencer a duquesa de que, apesar do comportamento desobediente da sua filha, cumpriria bem e com determinação as suas obrigações.

Estava a esforçar ‑se por manter o emprego. E era por culpa de Sarah que tinha de o fazer.

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Uma Duquesa em Fuga

– É mesmo muito bonito, não é? Meninos – a duquesa indicou a porta com a mão enquanto falava –, podem sair. Podem ficar lá fora até ao jan‑tar. Tomem conta uns dos outros e por favor esforcem ‑se por não estra‑gar as roupas hoje.

– Sim, mãe! – Os quatro rapazes precipitaram ‑se para fora da sala, mas Simon não arredou pé. Continuou ao lado da mãe, calado, os ombros direitos e as mãos cruzadas atrás das costas. Olhou para o pai de Sarah com uns solenes olhos verdes, o seu rosto uma máscara de educação. A duquesa sorriu ao jardineiro.

– O duque salvou a sua filha da agonia do ataque das amoreiras. – As suas sobrancelhas escuras formaram arcos perfeitos. – Ninguém me informou quando o contratámos de que tinha família, senhor Osborne. Fredericks foi negligente. Já lhe disse muitas vezes que tem de me contar tudo sobre as pessoas que vêm viver para Ironwood Park.

O pai baixou a cabeça.– Somos só Sarah e eu, Vossa Alteza. A minha mulher, ela… mor‑

reu o ano passado. – O pai ainda não conseguia falar da mãe sem que  a voz se lhe embargasse. – Garanti ao senhor Fredericks que manteria a criança longe da família.

A duquesa fez um gesto com a mão.– Quanto mais crianças brincarem alegremente neste sítio frio e deso‑

lado mais quente e acolhedor ele será. E a sua filha, apesar do seu aspecto desalinhado, é a imagem da doçura. Para não falar na falta de sangue feminino que há nesta casa.

Simon virou ‑se para a mãe.– Mas, mãe, temos a Esme – observou.A duquesa riu.– Estou sempre a esquecer ‑me de que a minha mais nova é uma menina.

Mas, pobrezinha, com cinco irmãos mais velhos o mais natural é que ela venha a ser endiabrada como os outros e não uma jovem respeitável.

O pai de Sarah olhou para a menina, depois de novo para a duquesa, sem saber o que responder.

– Ora bem – disse a duquesa –, regressemos ao problema de Sarah. Como lhe disse, ela foi vítima da investida de um atacante espinhoso. No entanto, a governanta assegurou ‑me que as lesões são mínimas. É com

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alívio que lhe comunico que as feridas não são profundas e, graças à pomada milagrosa da senhora Hope, não deixarão cicatrizes, excepto, talvez, a do joelho.

O pai fez uma pequena vénia com a cabeça e depois aclarou a garganta.– A minha filha tem a mania de passear pela propriedade. Contudo,

posso garantir ‑lhe que não voltará a acontecer. Daqui por diante não sairá da nossa casa. – Havia uma nota na sua voz que sugeria um futuro de disciplina rigorosa e Sarah encolheu ‑se toda por dentro só de pen‑sar nisso.

– Oh, mas, senhor Osborne, é natural que as crianças gostem de pas‑sear, explorar o que as rodeia, fazer descobertas. Sobretudo num lugar que lhes é desconhecido. Sempre encorajei os meus filhos a investigar, a satisfazer a sua curiosidade.

O homem abriu um pouco a boca quando a ouviu, mas depois recompôs ‑se, apertando o chapéu contra o peito.

– Mesmo assim, senhora duquesa, a minha filha não devia andar a passear ‑se por aí como se fosse a proprietária. De hoje em diante nunca mais o fará.

A expressão da duquesa suavizou ‑se.– Acha mesmo razoável uma criança com a idade e o temperamento

dela ficar fechada naquela vossa casa minúscula enquanto o senhor se ocupa das suas tarefas? Nenhuma criança deve ser constrangida desse modo, senhor Osborne.

O jardineiro voltou a olhar para Sarah, mas não respondeu. Percebia‑‑se que a sua vontade era sair daquele casarão e voltar para junto dos seus queridos arbustos.

O olhar da duquesa ia de Sarah para o pai e havia um brilho invulgar nos seus olhos castanhos.

– Diga ‑me, senhor Osborne, Sarah já aprendeu as primeiras letras?O corpo do pai sobressaltou ‑se com a inesperada mudança de assunto,

depois endireitou ‑se um pouco.– Bem, por acaso sim, senhora duquesa. A mãe tinha estudos. Era pro‑

fessora na escola de caridade da paróquia antes de nos casarmos. Ensi‑nou a filha a ler e escrever.

A duquesa bateu palmas exibindo as suas unhas compridas.

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Uma Duquesa em Fuga

– Ah! Eu bem achava que havia qualquer coisa na maneira como ambos falam… – Pensativa, virou ‑se para Sarah, que continuava de braço estendido enquanto a senhora Hope esfregava pomada numa ferida do seu antebraço. – Gostarias de prosseguir nos estudos, minha querida?

Sem saber o que responder, Sarah olhou para o pai. A resposta era sim, claro que adoraria aprender mais. Sobre tudo. Em especial sobre a Guerra de Tróia a que Simon se referira. Se a mãe ainda fosse viva, Sarah iria a correr pedir ‑lhe que lhe contasse a história.

Mas que resposta gostaria o pai que ela desse?A duquesa seguiu o olhar dela.– Vejo que ela o consulta, senhor Osborne. Bem, diga lá, a sua filha

gostava dos ensinamentos da mãe?– Gostava – admitiu o pai com relutância. – Muito.– Esplêndido! – exclamou a duquesa, batendo as palmas outra vez.

– Então está combinado.Todos olharam para ela, incluindo Simon.– O quê, mãe? – perguntou.– A partir de amanhã, a pequena Sarah Osborne fará companhia aos

teus irmãos nas aulas com a menina Farnshaw.Ninguém disse palavra. Sarah viu a boca do pai escancarar ‑se.E foi assim que a filha de um jardineiro veio a ser educada com os

descendentes de um duque.

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