João Calvino era Assim - Thea B. Van Halsema

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Joo Calvino era Assimpor Thea B. Van Halsema

Joo Calvino (1509-1564)

- Captulo 1 O Primeiro Lar de CalvinoCom as mos a proteger os olhos, a mulher e o menino saram da meia-luz da catedral para a praa ensolarada onde o burburinho da feira contrastava com a solido do templo. Como sempre, a praa estava apinhada de gente e animais. Os moleiros j comeavam a cutucar seus asnos para que se encaminhassem de volta a roca. Voltariam com seus lombos vazios das cargas de fub vendidas na feira. Homens a cavalo matraqueavam sobre o calamento irregular. Aqui e ali, com vestes pretas e marrons, padres e monges iam a caminho.

A mulher quase nada via disso tudo. Seus olhos ainda estavam embaciados pela emoo das suas confisses. Seus lbios mal haviam cessado suas preces aos santos. Consideravam-na mulher piedosa. Diziam at que ela era.a to piedosa quanto bela, o que significava ser piedosa de verdade. Mas o menino, embora meio escondido pelos largos panos do xale materno, via tudo com seus pequenos mas matreiros olhos. Pisando entre fardos e bruacas e esbarrando entre cotovelos e bichos esparramados pelo centro da cidade, me e filho atravessam a praa e chegam em casa. Entram de mansinho, porquanto o lar era um escritrio tambm. Atras dos vidros esverdeados das janelas, o chefe da casa, sentado a sua mesa, cuidava dos negcios da igreja. Gerard Calvin era advogado dos padres e cnegos. Era secretrio do prprio bispo. Os homens que trabalhavam para a igreja estavam sempre entrando e saindo por essa porta. Eles questionavam e gritavam nos seus ouvidos. Maquinavam e faziam intrigas para melhorar a situao de cada qual. E, na hora do aperto, precisavam do seu advogado para ajud-los. Gerard Calvin trabalhava infatigavelmente na sua importante tarefa a favor dos homens da igreja. Era um homem astuto, respeitado por todos. Era sagaz, tambm, no tratamento dos seus prprios interesses. O advogado da igreja estava galgando posio no seu pequeno mundo. Vinha fazendo assim desde o dia em que deixara a vila do seu pai e largara o oficio paterno, Por que ser tanoeiro, fabricante de barris e pipas, quando se poderia manejar uma pena em vez de um martelo? O filho do tanoeiro instalara-se, pois, em Noyon, cidade francesa amuralhada, a meia hora da casa de seu pai. Diziam que Gerard Calvin tivera sorte ao casarse com Jeanne le Franc, bela filha de um rico hoteleiro aposentado. O primeiro filho chamava-se Charles. Os dois seguintes morreram na infncia. Ento viera Joo, o menino dos olhos vivos, nascido as treze horas e vinte e sete minutos do dia 10 de julho de 1509. Depois dele, nascera mais um menino, chamado Antoine, Jeanne le Franc Calvin falecera quando seu filho Joo tinha apenas trs anos de idade. Uma madrasta veio residir no lar dos trs meninos, acrescentando duas filhas a famlia. Embora raras vezes mencionasse os primeiros anos da sua vida, Joo, anos mais tarde, descreveu uma breve peregrinao

que ele havia feito com sua me. Por duas horas caminharam juntos pelo vale at chegarem ao santurio de Sant'Ana, segundo diziam, avo terrena do Senhor. Erguido por sua me, o menino Joo beijara a relquia preciosa da caveira de Sant'Ana que estava exposta num receptculo dourado, cercado de velas e flores e das faces reverentes de outros romeiros. Diziam que esse pedao de osso era uma relquia toda especial. O sacrrio, por conseguinte, estava sempre repleto. Podia-se, no entanto, encontrar relquias em Noyon tambm, todas adoradas como se fossem verdadeiras. Naqueles dias o povo se dispunha a crer em qualquer coisa. A igreja dizia que havia alguns cabelos de Joo Batista, um dente do Senhor, um pedao de man do Velho Testamento, e algumas migalhas que sobraram da primeira multiplicao dos pes. Havia na catedral um fragmento da coroa de espinhos. Havia, tambm, relquias de menor importncia, tais como os restos de um tal Santo Eli. Os monges do mosteiro e os padres da catedral sempre discutiam sobre a verdadeira localizao dos ossos daquele santo: se no mosteiro ou na catedral. Era uma discusso cerrada e interminvel. Nem mesmo o parlamento francs conseguiu solucionar o problema.

Durante quatorze anos o menino Joo morou em Noyon, na provncia francesa de Picardy. Dez mil pessoas habitavam dentro dos muros da velha cidade. A cidade j era antiga naquela poca. Quinhentos anos aps Cristo, Noyon j era sede de bispado. Fora aqui que o grande Charlemagne foi coroado rei no ano 768. Uns quinhentos anos mais tarde, a grandiosa catedral foi construda, pedra sobre pedra, at que a sua imponente estrutura dominava toda a paisagem. Noyon estava sobrecarregada de padres, monges, cnegos, capeles, e de A casa de Noyon, onde nasceu Calvino toda espcie de empregados eclesisticos. Cada qual estava seguro dos seus direitos pessoais e pugnava pela sua promoo. O poderoso bispo, um fidalgo da nobre famlia de Hangest, governava a todos. A catedral era o centro da vida citadina. Alm dela, havia uma abundncia de mosteiros, conventos, igrejas e capelas, cada qual com seu sino. E cada sino badalava freqentemente. Dizia-se que em Noyon no se podia falar trs palavras sem a interrupo de um sino. O badalar dos sinos ecoava pelo vale. Nos dias de festa, o cro metlico alcanava os ouvidos dos barqueiros que desciam o Rio Oise, com suas barcaas, em direo ao mar. A distncia, os montes purpurinos, que apanhavam o pr-dosol, abrigavam, tambm, as notas soltas que conseguiam chegar at l. Foi nesse pequeno mundo amuralhado, de santurios e relquias, de procisses e festas, de crios, sinos e imagens, que cresceu o segundo filho do advogado da igreja. Em tudo ele participava com devoo, lembrando os olhos

embaciados de sua me. Do seu tamborete, no canto da casa, tambm ouvia as vozes que vinham da escrivaninha do seu pai. Um clrigo queria o fruto de mais vinhas. Outro desejava o gro de maiores campos. Estavam sempre querendo mais coisas para si mesmos. Queriam ficar mais ricos, mais admirados, mais acomodados. Talvez em sua cama, a, noite, Joo imaginasse com os pensamentos de rapaz: O Senhor, cuja imagem em tamanho natural estava pendurada naquela cruz na catedral, sangrando, trajando somente um pano nos seus lombos e uma coroa de espinhos - na terra Ele no possua coisas. Estaria Ele contente com estes homens que trabalhavam para Ele na igreja? Estaria Ele alegre vendo-os defraudando, ambicionando posies mais altas, vestindo trajes esplendidos, preocupados unicamente consigo mesmos? Que estaria o Senhor achando de tudo isso?

- Captulo 2 Um Advogado AstutoGerard Calvin estava arrumando a vida dos seus filhos. Ele precisava de dinheiro para a educao deles, a fim de prepar-los para trabalhar na igreja. Aproveitara-se, portanto, de um costume em voga na poca e arrolara os rapazes como assalariados da igreja. Naqueles dias um menino podia ser nomeado para um cargo eclesistico, receber o salrio, pagar uma frao do salrio a um padre adulto que fizesse o trabalho, e ento ficar com os lucros para si mesmo. Era necessrio conhecer pessoas bem postas para levar tais planos a bom termo. Era contra a lei, mas j ningum dava bolas para esses regulamentos estreis. Pois o exemplo vinha de cima. Havia um papa, Benoit IX, com somente doze anos de idade. E um arcebispo de Rheims que fra investido na sua alta funo aos cinco anos de idade. E um bispo de Metz que mal havia completado quatro anos de vida. O prprio bispo de Noyon, Charles de Hangest, aos quinze anos de idade j tinha recebido do papa toda a sorte de benefcios juntamente com as rendas que deles provinham. O povo no mais se espantava com essas barganhas pecaminosas dentro da igreja.

Gerard Calvin conhecia o pessoal bem postado de Noyon. Ele aguardava com pacincia umas vaguinhas para seus filhos. No tardou que Charles, o filho mais velho, se arrumasse como capelo de uma pequena capela quando mal tinha alcanado a idade mnima para cantar no coro da catedral. Trs anos mais tarde, em maio de 1521, o jovem Joo recebeu o seu primeiro beneficio. Foi nomeado para uma das capelas de La Gesine, recebendo anualmente, como compensao, trs medidas de milho de uma cidade e, da outra, a colheita de vinte trigais. O pai pagava um padre para fazer o trabalho das capelanias e guardava os lucros para seus filhos. Era um negcio da China. Com doze anos de idade, Joo solenemente assinou os juramentos da capelania. Recebeu a tonsura logo aps, um corte de cabelo especial que deixava rapada a coroa da cabea do clrigo. O novo capelo, com os seus trigais e a sua cabea rapada, era agora um novio. E tinha dinheiro para estudar. Caso houvesse uma brecha, era possvel trocar-se um benefcio por outro mais rendoso. Foi o que Joo fez com a idade de dezoito anos. Estava estudando em Paris na poca, quando trocou de capelanias, passando a primeira a Antoine, seu irmo mais moo. Novamente, dali a dois anos, Joo faria nova troca, tornando-se capelo da vizinha cidade de Pont I'Evque onde seu av Calvin morava. Os rapazes da famlia de Hangest, sobrinhos do bispo, eram bons amigos de Joo. Gostavam do filho do advogado da igreja embora ele no pertencesse a classe aristocrtica deles. Joo brincava na manso deles, e aprendeu a andar a cavalo. Estudou com eles sob a direo de um tutor particular. Mais tarde acompanhou-os ao College des Capettes, um educandrio para meninos, em Noyon, assim chamado por causa dos capuzes usados pelos alunos. Quando a escola dos capuzes no tinha mais a oferecer, os rapazes de Hangest se prepararam para continuar os estudos em Paris. A peste voltara para aterrorizar o povo de Noyon, o que era outro motivo para sair da cidade. Perguntaram a Joo se gostaria de acompanh-los, o que o entusiasmou sobremaneira. Seu pai aproveitou a ocasio com alacridade. Os cnegos da catedral se reuniram e decidiram, com certa relutncia, que o ordenado da capelania de Joo no 1he seria cortado ao deixar Noyon.

No vero de 1523, os rapazes de Hangest e o filho do advogado da igreja saam a cavalo da cidade que os vira nascer, agora infestada pela peste. Com grande expectativa, galopavam em direo a grande cidade de Paris, noventa quilmetros a sudoeste de Noyon. Joo Calvino, com quatorze anos de idade, entrava num mundo novo de pessoas, lugares e idias. Ele no voltaria mais a Noyon para residir.

- Captulo 3 Roma, Wittemberg, ParisO mundo fora de Noyon no estava parado. Vrias coisas de grande alcance estavam acontecendo. Leo X estava sentado no trono papal em Roma, vestindo a trplice coroa do seu elevado oficio. Leo X era da famlia de Medici, o mais grandioso dos papas, o homem a quem se atribui a frase: "Que bom negcio tem sido para ns essa fbula de Cristo." Tenha assim falado ou no, a verdade que a sua posio rendeu- lhe imensa fortuna. As suas riquezas eram incalculveis, e fabulosos os seus tesouros artsticos. Leo X estava tambm atarefado na construo da baslica de So Pedro em Roma, Mas o dinheiro no estava entrando como convinha, razo pela qual o papa inventou um novo mtodo de aumentar a renda da igreja. Quem pagasse alguma coisa para a construo da baslica de So Pedro receberia uma indulgncia, um certificado de papel que declarava o perdo dos pecados do contribuinte, Tal declarao era assinada pelo magnificente Leo X. Essas indulgncias seriam eficazes, tambm, para os pecados de finados parentes que esperavam no purgatrio. Em 1513, quando Joo Calvino tinha completado quatro anos de idade, o monge Tetzel comeara suas viagens pelos estados germnicos com a finalidade de vender indulgncias. Fora a vinda deste monge Tetzel que agitara a vida de outro monge, um doutor em teologia que ensinava na Universidade de Wittenberg.

Martinho Lutero comeara a ensinar ali um ano antes do nascimento de Joo Calvino. Em 1517, quando o menino de Noyon tinha oito anos de idade, o professor de Wittenberg pregava as suas noventa e cinco teses na porta da Igreja do Castelo. Lutero proclamava que o perdo de pecados no podia ser comprado com o dinheiro das indulgencias. O perdo gratuito. um presente de Deus, no do papa ou da igreja. O som do martelo monstico em Wittenberg foi o sinal para o inicio de uma reforma para a qual muitos j estavam prontos e aguardando. Nas montanhas da Sua, Ulrich Zwingli estava pronto, O monge Sanso de Milo comeara a vender indulgncias ao povo suo. Mas de tal fora foi a pregao de Zwingli que Sanso no conseguiu licena para entrar na cidade de Zurich. A cidade agradecida convidou Zwingli para ser o proco da igreja Grossmnster, onde iniciou seu novo trabalho com uma srie de sermes sobre a palavra de Deus. Zwingli pregava as Escrituras que os homens no ouviam h sculos. E os homens no tinham visto as Escrituras tampouco. Por isso foi um acontecimento notvel o aparecimento em Basel, em 1516, de uma nova traduo grega do Novo Testamento pelo extraordinrio sbio holands, Erasmus. Era, sem dvida, o redescobrimento de um livro perdido, na Frana, com seus quinze milhes de habitantes e sua extensa faixa litornea, propicia para o comrcio, as coisas estavam tambm acontecendo. A Reforma aqui comeou com um magnfico professor da melhor universidade da Europa. O velho Jacques Lefvre ensinava na Sorbonne, na cidade de Paris. Jacques Lefvre era erudito, natural da provncia de Picardy, viajado pela frica e sia. Tinha voltado para lecionar e escrever em Paris onde, com a idade de setenta anos, redescobriu as verdades da Bblia. No ano de 1512, quando Lutero, ainda desconhecido, buscava paz para a sua alma, quando Joo Calvino, com trs anos de idade, acompanhava sua me nas suas rondas piedosas, Lefvre publicou sua traduo latina das epstolas do apstolo Paulo, juntamente com um comentrio. " Deus quem salva pela graa somente", disse o velho mestre. Entre os alunos de Lefvre havia um moo troncudo, com barba ruiva. Vindo de uma vila nas montanhas, o aluno era ativo, destemido, vivo e, no seu modo de falar, vigoroso. Estava a procura tambm. "Meu filho", disse-lhe o velho professor um ia, " pela graa, somente pela graa. " Quase que instantaneamente, Guilherme Farel viu com os

olhos da f o que o erudito professor estava lhe dizendo. Daquele dia em diante uma nsia audaz levava Farel por todos os cantos para proclamar as verdades da Palavra de Deus. "Deus renovar o mundo, dizia-lhe o velho Lefvre, e voc vivera para presenciar tal fato. Outros seguiram o velho professor no af de reaver a Bblia. Na cidade de Meaux, perto de Paris, um bispo chamado Brionnet abriu o Livro e ali encontrou novas respostas. Comeou, ento, a reformar as congregaes sob sua responsabilidade. Os seus sermes eram bblicos, coisa rara nas igrejas da poca. Brionnet era um homem de influncia, sempre bem-vindo nos crculos palacianos, onde falava tambm. Margarida, a irm do rei converteu-se, e Brionnet colocou uma Bblia em suas mos. A animao era grande. Lefvre estava traduzindo o Novo Testamento para o francs para que pudesse ser lido pelo prprio povo. Trabalhava em Meaux, animado por Brionnet. Farel veio a Meaux tambm e comeou a trabalhar no meio do povo. Os cardadores de l e os tecelos de Meaux, os camponeses e os vitivinicultores da regio todos liam e conversavam sobre a Bblia. Suas igrejas se transformaram. Suas vidas tambm, Quando algum se convertia naqueles dias a f das Escrituras, dizia-se que tinha bebido no poo de Meaux. A medida que a nova f se espalhava pela Frana, apareciam inimigos para abaf-la. Entre estes se destacavam dois homens em altas posies: o sagaz Noel Beda, reitor da Universidade da Sorbonne, e o ambicioso Antoine u Prat, chanceler da Frana. De inicio, estes homens e seus auxiliares usaram ameaas e argumentos. Quando tais mtodos falharam, comearam a usar fogo e o lao do enforcador. No meio da refrega estava Francis I, o volvel rei francs. Havia ocasies em que ele ouvia sua irm Margarida, a qual havia abraado a nova f com grande dedicao e estava sempre intercedendo pelos novos adeptos. Com maior freqncia, porm, o rei era pressionado pelo grupo Bedadu Prat, os quais o acusavam de traio santa igreja por permitir o aparecimento de graves heresias dentro do reino. Francis I tinha mais poder do que a maioria dos reis da sua poca, os quais se curvavam diante da vontade do papa. Mas a Frana no se curvava. Os seus reis

freqentemente regateavam com o papa e, as vezes, impunham-lhe condies. Mas o combate estava travado. Lefvre foi expulso da Sorbonne. Em 1525 os seus escritos foram condenados, e o seu Novo Testamento queimado publicamente. Mesmo assim ele continuava a trabalhar em Meaux. Publicaes da autoria de Lutero comearam a aparecer na Frana, trazidas as escondidas e traduzidas para o povo. Estavam na lista negra da Sorbonne como leitura proibida, juntamente com um livrinho da autoria de Margarida, irm do rei. Muitas outras publicaes tambm constavam na referida lista, todas consideradas herticas pela Universidade. Teriam que pagar caro os que fossem descobertos com tais publicaes em seu poder. Mesmo assim o povo lia. Os tipgrafos imprimiam secretamente. A capital francesa fervia com o conflito. Assim era o ambiente em Paris quando Joo Calvino e seus companheiros de Noyon para l foram em meados de 1523. Pelas ruas estreitas e tortuosas da capital, Joo dirigiu-se a casa de seu tio Richard Calvin, ferreiro por profisso. Era agosto, no ms em que a fumaa de um sacrifcio humano subia aos cus na Place de Greve. Um monge Augustiniano convertido foi amarrado ao pelourinho e queimado por causa de suas heresias luteranas. Foi o primeiro a morrer dessa maneira em Paris. O primeiro de muitos.

- Captulo 4 Vida Estudantil

No College de la Marche, em Paris, havia um famoso professor que preferia ensinar principiantes ao invs de alunos mais adiantados. "Prefiro dar aos novos rapazes um bom fundamento de latim e francs", dizia Mathurin Cordier, um ex-padre, conhecido em toda a Frana como exmio mestre.

Joo Calvino foi um dos afortunados diante do qual Cordier desvendou o mundo da boa gramtica. Cordier ensinava latim aos seus alunos, no permitindo que se tornasse uma lngua morta. Ensinava-lhes o bom francs, libertando a lngua materna das limitaes que o homem da rua lhe impunha. Joo Calvino ficaria endividado a Cordier pelo bom fundamento que permitia-lhe escrever fluentemente em latim e vividamente em francs. Vinte e sete anos mais tarde Joo Calvino mostrou a sua gratido ao bom mestre dedicando-lhe o comentrio a Primeira Carta aos Tessalonicenses. apropriado que voc esteja participando nos meus labores, escreve Joo Calvino na dedicatria. Quando meu pai me enviou a Paris, ainda menino a Providncia ordenou que por algum tempo eu tivesse o privilgio de t-lo como meu professor, para que eu aprendesse o verdadeiro mtodo de instruo. O rapaz de quatorze anos tambm impressionara o seu mestre de quarenta e seis. Tanto assim que, muitos anos depois, quando j velhinho, Cordier veio a Genebra para ensinar na academia fundada por Joo Calvino. Na margem esquerda do Rio Seine, entre os colgios de Paris, havia um que era conhecido como o mais antigo, o mais sombrio, e o mais sujo. Era o College de Montaigu, um educandrio para o estudo de teologia. Joo Calvino transferiu-se para l aps trs anos agradveis no College de la Marche estudando as artes e as letras. O Collge de Montaigu era famoso, mas no por bons motivos. Era famoso pelas pulgas, piolhos e comida ruim, e pelas vergastadas inclementes dos acoites que puniam os alunos preguiosos e lerdos. No se permitia a ningum balbuciar qualquer palavra francesa. Somente o latim era ouvido nos corredores midos e escuros. Joo Calvino residia na casa amiga do seu tio Richard, mas os pobres internos tinham que acordar as quatro para estudar. Joo, tambm, tinha que acordar de madrugada para dirigir-se a cavalo aquele sombrio lugar. Oh! quantos ovos podres eu l comi! exclamou o sbio Erasmus sobre o ano que ele passara no College de Montaigu. O grande escritor francs Rabelais tinha uma frase interessante para descrever os piolhos que habitavam nas paredes, nas camas, e nos rapazes de vestes pretas. Chamava-os: Os falces depenados de Montaigu.

O diretor desse educandrio chamava-se Tempete. Os estudantes deram-lhe o apelido latino de "terrvel tempestade". Antes dele o diretor tinha sido o empedernido Noel Beda, caador-de-heresias e, agora, reitor na Sorbonne. Beda ainda voltava a Montaigu para ensinar a arte de debater em latim. Como que se leva um porco a feira, pela corda amarrada ao pescoo ou pelo campons que puxa a corda'? Os rapazes aprendiam a discutir horas a fio sobre tais tpicos ou outros mais rios. Joo Calvino dedicou-se ao domnio de todas as suas matrias: os clssicos latinos, a lgica, e os escritos dos telogos da igreja como Agostinho e Tomas de Aquino. Tinha dezoito anos de idade quando concluiu o curso e recebeu o grau de mestre. Seu estmago o incomodava com freqncia. Sua cabea, as vezes, doia miseravelmente. Mas a sua jovem mente triunfou sobre tudo isso; estava afiada, disciplinada e pronta para ser usada. Felizmente, durante aqueles anos difceis, Joo Calvino teve amizades. De vez em quando se encontrava com os amigos de casa, os irmos de Hangest, sobrinhos do bispo. O seu primo Robert estava em Paris tambm. Robert tinha deixado Noyon, converteu-se nova f, e mais tarde ficou conhecido pelo mundo como Olivtan, tradutor da Bblia para o francs e missionrio Protestante s vilas localizadas nos Alpes franceses. Ningum sabe com que freqncia os primos se encontravam para conversar sobre a Igreja de Roma e sobre as verdades bblicas que estavam sendo comentadas por Lefevre e Lutero. Joo Calvino consolidou novas amizades tambm. Era de se admirar como um adolescente, sozinho numa grande cidade, podia ser to querido por gente de importncia. O rei tinha um mdico suo chamado Cop, homem de muitas letras. Joo era amigo intimo dos seus quatro filhos, especialmente Nicolas. Visitava a residncia Cop muitas vezes, ouvindo conversas fascinantes sobre novas idias. Visitava, tambm, o lar de Guilherme Bud, o mais brilhante pensador da Frana. O filho de Bud era amigo de Joo. Havia outros amigos, pessoas incomuns tambm. Os seus amigos, outrossim, pareciam considerar fora do comum o jovem de Noyon.

- Captulo 5 Mudanas Polticas

Vrios acontecimentos extraordinrios ocorreram em Paris durante os cinco anos que Joo Calvino l estudou. Em 1525, o volvel Francis I perdeu uma grande batalha contra o imperador Charles V, do Santo Imprio Romano, e foi encarcerado em Madri. Enraivecido e humilhado, ele teve que permanecer em Madri por um ano at que se arranjasse que seus dois filhos menores ficassem prisioneiros em seu lugar. Foi uma derrota surpreendente para a Frana. Louise de Savoy, a me do rei, governou na sua ausncia. Ela no tinha pacincia com heresias. A Universidade da Sorbonne podia contar com ela. Lefvre, o velho mestre, fugiu para a cidade germnica de Strasbourg, na margem ocidental do Reno. Farel, que estava ocupado em Paris, fugiu para Basel, Mas Brionnet, o bispo de Meaux, vacilava. Ele tinha levado o seu povo a verdade, mas faltava-lhe a coragem para acompanhar aquela verdade a priso, ao exlio, ou ao fogo. Ao invs disso, curvou-se a Beda e a Sorbonne, reconheceu seu "erro", e ordenou aos pregadores Protestantes no seu bispado que ficassem calados. Conservou, assim, a mitra episcopal, linda pea que era um sinal da sua posio entre os oitenta e trs bispos da Frana, Mas o povo humilde de Meaux deu melhor exemplo do que o bispo. No tinha medo do fogo. Um homem chamado Denis repreendeu o bispo antes de ser levado as chamas. O jovem Pavane falou com tanta emoo ao povo que estava ao p da pira que um doutor da Sorbonne exclamou: "Quisera que Pavane no tivesse falado, mesmo que isso tivesse custado a igreja um milho em ouro." Havia, tambm, o eremita de Livry, para cujo sacrifcio os sinos da catedral de Notre Dame convocaram o povo. E o cardador de l, Leclerc, o qual, no seu entusiasmo malorientado, tinha estraalhado uma estatua de Maria. Por essa ofensa, os membros de Leclerc foram rasgados um por um, puxados com tenazes esquentadas nas brasas, at que, finalmente, as chamas o mataram. No teria o estudante Joo Calvino assistido a essas execues durante os seus anos em Paris? Entrementes, em Roma, o prprio papa estava em apuros. Clemente VII, sucessor do magnificente Leo X, foi trancafiado numa torre durante sete meses, na sua prpria cidade santa com as suas sete colinas. Ele tinha, tambm, perdido uma batalha contra o imperador Charles V. Em 1527 as tropas do imperador escalaram os muros de Roma e tomaram a cidade. Depois saquearam-na. Os soldados faziam esporte de andar a cavalo pelas ruas vestindo as vestes e os chapus vermelhos dos cardeais. Documentos eclesisticos eram rasgados para dar de comer aos cavalos. Tesouros artsticos foram estragados. Alguns

menos escrupulosos invadiram o tmulo do papa guerreiro, Julius II, tirando o anel do seu dedo sseo. Enquanto Clemente VII continuava preso na sua torre, impotente at que che- gasse a um acordo com o imperador, uma delegao de homens da Inglaterra chegou a cidade saqueada para consultar o papa. O seu rei, Henry VIII, rei com muitas esposas, estava agora pronto a livrar-se da primeira. Ser que o papa lhe daria um divrcio da rainha Catherine? Clemente VII j tinha problemas demais. E no queria de maneira alguma agravar as suas relaes com o imperador Charles V concedendo um divorcio ao rei da Inglaterra, razo por que no o concedeu. Mas Henry VIII encontrou outra soluo: criou um novo arcebispo de Canterbury, o qual invalidou o casamento. No ano seguinte, Henry VIII declarou-se chefe da igreja na Inglaterra. No queria mais conversa com o papa, A Inglaterra, assim, pela estranha instrumentalidade de uma mulher e um divorcio, tornava-se um pais Protestante. No somente reis e papas estavam em apuros. Em Noyon, Gerard Calvin tinha os seus problemas tambm. Por algum motivo recusara apresentar determinados registros contbeis. Os homens da igreja estavam irritados com o seu advogado. possvel que Gerard Calvin estivesse da mesma forma irritado com eles, repugna- do pela cobia e presuno. Com tais pensamentos, Gerard Calvin passou a dar mais ateno a carreira do seu filho Joo. Tomou nova deciso, desejando que seu filho se tornasse advogado. "Quando eu era ainda menino", escreveu Joo Calvino anos aps, "meu pai destinou-me ao estudo de teologia. Mas depois, quando ele considerou que a advocacia geralmente trazia riqueza aos seus praticantes, tal possibilidade repentinamente induziu-o a mudar de propsito. Foi ento que fui retirado do estudo da filosofia para me dedicar ao estudo das leis." Martinho Lutero, quando pressionado pelo seu pai para estudar direito, abandonou-o para ingressar num mosteiro. Joo Calvino, ao contrario, jamais se ops a esse desejo paterno. por isso, obedientemente, encaminhou-se a cidade de Orlans, cuja universidade era famosa pela sua faculdade de direito. Em 1528, na mesma poca em que Joo Calvino deixava Paris, um espanhol mal trajado entrava pelas suas portas. Ignatius Loyola, com trinta e sete anos de idade, tinha vindo a Paris para estudar. Trouxe consigo um jumento carregado de livros, uma bolsa contendo algumas

moedas de ouro, e uma proposta de regimen- to para a Sociedade de Jesus. A prpria virgem Maria, dizia Loyola, ditou-lhe essas regras numa caverna perto de Barcelona. O espanhol que entrou em Paris seria um dia honrado pela Igreja de Roma como o fundador da sua estreita e poderosa Ordem dos Jesutas que comeou como a Sociedade de Jesus. O jovem francs que deixava Paris, sua obra-prima ainda por escrever, seria ainda mais bem conhecido como extraordinrio campeo nas hostes Protestantes, um defensor da verdade redescoberta na Palavra de Deus.

- Captulo 6 Estudante de DireitoOrlans era um lugar maravilhoso, a noventa quilmetros ao sul de Paris, a margem do Rio Loire. Os estudantes da sua velha universidade eram folgados e alegres. Competiam no jogo de "raquetes" nas quarenta quadras de tnis. Navegavam no rio em pequenos barcos a vela. Tinham banquetes e festas incontveis. A fama do professor de direito l'Rtoile e de seus colegas tinha atrado alunos de vrios pases. Mas o estudante de Noyon no participava das festas e folias. Mais do que em Paris, ele se entregava aos estudos. Comia quase nada no jantar, para que sua mente estivesse desanuviada a noite. Dava-se a poucas horas de sono e, ao acordar, ficava deitado por urna hora recapitulando tudo quanto havia estudado na noite anterior, desenvolvendo a sua memria, enchendo-a de conhecimentos. Dentro de um ano Joo Calvino era mais conhecido como professor de direito do que como estudante. Lecionava, as vezes, como substituto de professores ausentes. Joo Calvino estudava mais do que as matrias do curso. Havia em Orlans um homem chamado Wolmar, de origem germnica e com

inclinaes luteranas, excelente professor de grego. Joo Calvino solicitou-lhe aulas na matria. Aprendendo a lngua do Novo Testamento ele podia agora ler os seus livros na lngua original. Lia com a mesma avidez outros escritos gregos. Wolmar possivelmente apontava-lhe o significado de certas passagens no Novo Testamento que eram caras a Lutero e aos reformadores. Joo Calvino mais tarde dedicou ao seu professor de grego o comentrio a Segunda Carta aos Corntos. "Sob sua orientao", escreveu o autor na dedicatria, "acrescentei ao estudo de direito a literatura grega, da qual voc era renomado mestre." Aps um ano em Orlans, Joo Calvino foi a Bourges, cidade destruda por Csar, reconstruda por Charlemagne, e agora fazendo parte da provncia que era governada pela irm do rei, Margarida de Navarre. Ela tinha convidado o famoso professor de direito, Alciati, para vir da Itlia lecionar na sua universidade. Wolmar, o professor de grego, foi tambm convidado. Certamente sentia-se mais animado a ser um luterano sob a proteo de Margarida. Muitos estudantes queriam ouvir Alciati. Joo Calvino agregou-se ao grupo que veio a Bourges. Na casa de Wolmar encontrou-se com um jovem tutelado daquele mestre. Joo Calvino tinha ento uns vinte anos de idade. No imaginava que aquele menino de doze anos, Teodoro Beza, algum dia se postaria ao seu lado e seria o seu sucessor numa cidade desconhecida de ambos. Em 1531 Joo Calvino voltou a Paris por um curto perodo, onde recebeu notcias de que seu pai estava gravemente enfermo em Noyon. E foi assim que o filho do advogado da igreja voltou casa na praa do mercado. A residncia estava deveras silenciosa por detrs das janelas de vidros esverdeados. Os homens da igreja no paravam para indagar sobre a sade do seu advogado. Estavam ainda de mal com ele. Alm disso, o seu irmo Charles, que havia se tornado um padre na regio, tinha tambm contas a acertar com o clero. Com essas penumbras a cerc-lo, Gerard Calvin faleceu em maio de 1531. Seus filhos, conforme alguns, tiveram que apelar aos cnegos da catedral para que se permitisse o enterro do pai em campo santo em vez de cova desmarcada em campo aberto. Joo Calvino, com vinte e dois anos de idade, permaneceu um ms em Noyon aps a morte de seu pai. Ele e Charles entregaram ao clero as

contas que seu pai lhes havia negado. Joo dirigiu um oficio religioso na pequena capela de Pont l'Eveque, da qual continuava a ser capelo assalariado. Durante os dias em casa ouvia as queixas amargas de seu irmo contra a igreja e o clero. Havia, at, motivo de riso na barba do bispo de Noyon. O bispo recusava-se a usar uma barba curta, contrariando assim uma regra a respeito existente em algum cnon eclesistico. Chegou a catedral certo domingo, com suas vestes esplendorosas, vestindo a mitra e carregando a cruz dourada. Os cnegos, porm, fecharam-lhe na cara as enormes portas e disseramlhe que tomasse a sua barbicha comprida e voltasse para casa. Dito e feito. Os irmos tiveram oportunidade de conversar sobre outros assuntos naqueles dias as idias do velho professor Lefvre e os panfletos de Lutero, o empedernido Beda e seus companheiros na Sorbonne, o volvel Francis I e sua piedosa irm, e a fumaa dos sacrifcios humanos em Paris e em Meaux. Joo aproveitou o ms em casa para pensar tambm. O advogado da igreja de Novon estava morto. Seu segundo filho, que sempre tinha acatado sem reservas a vontade paterna, estava agora livre para decidir as coisas por conta prpria, Mas a deciso de Joo Calvino no o levou a igreja, com sua cobia e pensamento estereotipado, e nem a advocacia, com suas nsias de fortuna. A vida escolstica e acadmica o encantava. Queria aprender mais grego e latim, usar estas lnguas para ler no original as suas literaturas, pesquisar os velhos manuscritos e coment-los, buscar o retiro de uma sala cheia de livros. O que haveria de melhor, seno um pouco de dinheiro para alugar-se um quarto solitrio, para comprar algumas parcas refeies e vinho, e estocar papel e tinta suficientes para escrever as suas idias? E onde, seno em Paris, poder-se-ia viver uma vida assim? O rei Francis I tinha acabado de tornar Paris mais atraente ao pesquisador. Pela insistncia de Bud, o rei tinha fundado um novo Colgio de Conferencistas Reais, o que no deixou de irritar a comunidade universitria da Sorbonne. Francis I demonstrava assim o seu interesse no novo pensamento, chamado humanismo, que estava se espalhando pela Europa. Em todos os cantos o povo comeava a pensar por conta prpria, ao invs de deixar que a igreja pensasse por ele. Os que podiam, liam em latim e grego a sabedoria de sculos anteriores, usando tais

conhecimentos como fundamentao para o seu prprio pensamento. Este novo humanismo no era cristo. Tinha, porm, um grande valor positivo: animava o povo a pensar por si mesmo sem aceitar cegamente o que a igreja lhe dizia. Quem comeava agora a estudar as Escrituras por si mesmo logo descobria o quanto a igreja daquela poca tinha escondido ou ignorado. Na vida de muitos, Deus estava usando o humanismo para leva-los de volta verdade. Resolvido a tornar-se pesquisador nas letras, Joo Calvino deixou Noyon, caminhando os noventa quilmetros que o levariam de volta a Paris. Na sua chegada, um amigo ofereceu-lhe hospedagem, mas preferiu alugar um quarto estreito no dormitrio do College Fortet. Estava mais perto das Faculdades onde assistiria conferncias. Uma escada caracolada dava para o seu aposento numa seqncia enfileirada de quartos a semelhana de celas, onde tanto alunos quanto professores viviam e estudavam. Joo Calvino, com grande avidez, reincetava seus estudos de grego e latim. Estudava hebraico tambm. Durante o dia assistia a varias conferencias e aulas. A noite, uma vela queimava at altas horas na sua cela de estudos. Ele estava aprendendo, estudando, escrevendo. Joo se ambientava novamente ao crculo incomum de amigos, todos eruditos como ele. Estava de volta a casa de Cop, o mdico do rei. Compartilhava da conversa erudita na residncia de Bud. E no era essa a vida que ele queria? Enquanto Joo Calvino dobrava-se sobre seus livros em Paris, Ulrich Zwingli, o reformador de Zurich, morria no campo de batalha. Tinha acompanhado, como capelo, as tropas Protestantes da sua cidade para repelir um ataque de outras tropas suas que estavam lutando pela Igreja de Roma. Ao ajoelhar-se ao lado de um homem ferido para conforta-lo, Zwingli ficara ferido tambm e, mais tarde, morrera ao ser traspassado por uma lana. Vingativamente, o inimigo esquartejou e queimou o seu corpo. Era 11 de outubro de 1531. Mas o estudante em Paris, caso tenha ouvido notcia da batalha de Kappel, no lhe dera maior ateno. Estava compenetrado nos seus estudos, e escrevia um livro. No poderia saber que um dia adotaria a terra natal de Zwingli e tornar-se-ia conhecido como um reformador ainda maior do que aquele que havia sido morto aos quarenta e oito anos de idade, aos ps de uma pereira, numa colina, junto estrada.

- Captulo 7 Escritor ArruinadoO livro estava escrito. Levou sete ou oito meses de intenso labor, alm das muitas horas em conferencias e estudos. Com o orgulho prprio a um jovem estudioso, Joo Calvino levou seu manuscrito ao tipografo cuja oficina se encontrava sob a tabuleta dos Dois Galos. Tinha vendido alguns dos seus pertences para custear parte do custo de impresso. O resto do dinheiro lhe havia sido em- prestado. O livro foi dedicado ao seu amigo de infncia, Claude de Hangest, sobrinho do bispo de Noyon. Claude era agora o abade do mosteiro de Saint Eloi, em Noyon. "Aceite este, o primeiro dos meus frutos", escreveu Joo Calvino, "pois pertence- lhe por direito, porquanto devo-lhe o que sou e o que tenho, e,espe- cialmente, porque fui criado quando menino em sua casa." Em abril de 1532, o livro saiu da tipografia. Era um ensaio sobre Sneca, o filsofo romano que foi contemporneo do apostolo Paulo. Os eruditos da poca gostavam de assim fazer ler famosos e antigos manuscritos e ento escrever sobre eles. Como o primeiro livro de um autor com somente vinte e dois anos de idade, o Comentrio de Joo Calvino sobre Sneca era, de fato, uma obra admirvel. Foi escrito em excelente latim. Havia citaes de cinqenta e seis escritores latinos, de vinte e dois autores gregos, sete santos padres da igreja, alm de autores contemporneos. Havia somente trs pequenas referencias bblicas. Mas o livro no vendia. Quase ningum tomou conhecimento da sua publicao. Joo Calvino implorava aos seus amigos para que comprassem o livro, que o recomendassem a outros, que pedissem aos seus professores que o usassem. Enviou um exemplar ao sbio Erasmus em Basel. Mesmo assim o livro no era vendido. J era ruim um jovem autor ser ignorado; pior era ficar endividado pela publicao do livro. Mesmo assim, no era essa a vida que ele queria? Uma vida desembaraada para estudar e escrever. Sim, era esse o seu desejo. Mas, pensava consigo mesmo, quem sabe a hora fosse propicia para concluir o curso de direito que havia sido interrompido pela morte de seu pai. As pequenas malas de livros e outros pertences foram remetidos para Orlans. Seguiu-os o seu dono, a p.

A fama do magro e brilhante aluno que jamais ia as festas ainda perdurava em Orlans desde o ano em que Joo Calvino l estudara. Com evidente respeito, os alunos que vieram da provncia de Picardy elegeram-no como procurador para cuidar dos seus assuntos. Resmungaram, porm, quando ele deixou de promover uma festa para celebrar sua eleio, dando o dinheiro que seria usado na festa para a compra de novos livros para a biblioteca da universidade. Mas respeitavam-no sempre. Novamente, Joo Calvino permaneceu um ano em Orlans. Saiu repentinamente, chamado a Noyon pelo seu irmo Charles, cujos problemas com a igreja aumentava. O curso de direito estava quase concludo, mas Joo, aparentemente, no esperou pelo grau de doutor. De volta a casa na praa do mercado, observava as demonstraes contra os hereges conhecidos como luteranos. Compareceu a uma reunio do clero, do qual ainda era membro oficial. No se conhecem as suas atividades a favor do seu irmo Charles nessa ocasio. Era setembro de 1533 quando Joo Calvino voltou a Paris, hospedando-se na Casa do Pelicano com Etienne de la Forge, um mercador de tecidos. Dali a trs meses Joo Calvino estaria fugindo para salvar sua vida.

- Captulo 8 A FugaHavia Novidades em Paris. Nicolas Cop, o jovem reitor da Universidade de Paris, havia feito a sua palestra anual a comunidade universitria no Dia de Todos os Santos. Em vez de falar sobre os santos e a santa igreja, Cop usou o texto: "Bem-aventurados os humildes de esprito", dissertando sobre os evangelhos e a graa gratuita de Deus. Falou contra a perseguio aqueles que retornavam a Bblia. Citou Erasmus, cujas obras foram banidas pela Universidade da Sorbonne. Embora no declarasse a origem de outras citaes, eram palavras semelhantes as de Lutero.

Os professores da Sorbonne ficaram furiosos. Dois monges correram ao parlamento e exigiram que o reitor fosse julgado. No podiam correr ao rei porque Francis I estava em Marseilles, arranjando o casamento do seu segundo filho com a sobrinha do papa que havia chegado de navio para encontrar-se com o rei. Havia mais uma coisa estranha sobre a palestra do reitor. Diziam a boca peque- na que Cop tinha sido aconselhado por um jovem estudioso chamado Joo Calvino. Nicolas Cop e Joo Calvino eram amigos por dez anos ou mais, e eram vistos juntos com certa freqncia. O que aconteceria agora com ambos, com o poder da Sorbonne a atac-los? Em fins de novembro, 1533, quase um ms aps sua orao, Nicolas Cop dirigia-se ao palcio num cortejo acadmico. Com sua toga de reitor, e os bedis a sua frente levando os bculos dourados do seu oficio, ia atender a uma convocao do parlamento. De repente, um mensageiro entregou-lhe uma advertncia enviada por um amigo parlamentar. Fuja logo para salvar sua vida, disse-lhe o mensageiro pois a Universidade da Sorbonne acaba de persuadir o parlamento a no libert-lo; o rei esta ausente e no pode salv-lo. Nicolas Cop entrou imediatamente num beco, tirou o gorro e a toga, e desapareceu no meio de um grupo de alunos prestativos. Dentro de uma hora tinha sado disfarado pela Porta Saint Martin. Fugiu to depressa que levou consigo a chancela da universidade. Essa fuga foi demais para o chefe de policia, o qual logo mandou seus beleguins prenderem Joo Calvino a qualquer custo. Mas os estudantes novamente derrotaram as manobras das autoridades. Enquanto alguns conversavam com os beleguins ao p da escada, outros ajudavam Joo Calvino escapar por uma janela de trs, numa corda feita as pressas com roupa de cama. Na casa de um amigo vitivinicultor, Joo vestiu roupas de campons. Saiu da cidade com uma enxada nos ombros, caminhando em direo a Noyon, Os beleguins tomaram os livros e papis, mas no o dono. Como foi que Joo Calvino se tornou um homem caado? At ento era conhecido como brilhante aluno, jovem autor, um erudito que prometia para o futuro, e um homem ainda com compromissos para o sacerdcio. Quando foi que essas idias compartilhadas com Nicolas

Cop e condenadas pela Sorbonne quando foi que dominaram o seu corao? Joo Calvino tinha ouvido essas idias ha muitos anos de Lefvre, Lutero, wingli, cujos escritos tinha lido. Seu primo Olivtan tinha discutido tais assuntos com ele quando eram colegas de estudo. Ouviu-os da mesma forma do seu professor de grego Wolmar, a quem muito admirava. Tinha-os ouvido tambm, com amargura, do seu irmo Charles, agora excomungado da igreja pelas suas heresias. O prprio Joo Calvino havia encontrado essas idias ao ler a Bblia nos originais grego e hebraico. Mais recentemente, havia visto essas idias em prtica na vida de mrtires queimados e na residncia do piedoso de la Forge, cujo lar era um lugar secreto para o encontro de crentes vindos de toda a parte. Por muito tempo o corao de Joo Calvino no estava pronto para receber essa verdade. "O pinculo da minha vontade", declarou, "era desfrutar o lazer literrio, com uma vida razoavelmente honrada e desimpedida." " Mas... embora tivesse perodos de tranqilidade, eu ainda estava longe da verdadeira paz de conscincia. E quanto mais eu me examinava a mim mesmo, mais agudas se tornavam as picadas de conscincia, at que o nico consolo que me sobrava era o de tentar tudo esquecer....Eu estava seguindo o caminho que havia iniciado, quando apareceu uma forma de doutrina muito diferente. No era doutrina para afastar-nos da profisso crist, mas uma que nos traria de volta ao manancial, tirando, por assim dizer, os detritos e restaurando-a a sua pureza original. Ofendido pela novidade, dei-lhe ouvidos relutantes e, confesso, a resisti ardorosa e apaixonadamente. Com enorme dificuldade fui induzido a reconhecer que, durante toda a minha vida, laborava em ignorncia e erro Minha mente estava agora preparada para ateno mais sria. No tardou que eu percebesse, como se uma luz houvesse raiado sobre mim, o monturo de erros em que eu havia me emaranhado. Com grande temor e medo da misria em que eu havia cado, e ainda mais receoso do que me ameaava, a possibilidade de morte eterna, no podia fazer outra coisa seno seguir o Teu caminho, condenando o meu passado com no poucas agonias e lgrimas." Foi assim que Joo Calvino escreveu a um cardeal, seis anos aps a palestra de Nicolas Cop no Dia de Todos os Santos. Joo Calvino

colocara essas palavras na boca de um convertido imaginrio f Protestante. Mas eram palavras de sua prpria experincia tambm. Era um homem criado na igreja, trabalhando febrilmente para encontrar a paz por outros meios dominando os estudos, escrevendo um livro, tornando-se pesquisador humanista. Finalmente, constrangido e teimoso, ele da meia-volta na estrada da vida, obedecendo a ordem de Deus mesmo. Converte-se. Assim como o apstolo Paulo, Joo Calvino caminhara pela sua estrada de Damasco. " Deus, por uma repentina converso, subjugou... meu corao", revela Calvino no prefacio do seu comentrio aos Salmos. "Fiquei imediatamente inflamado com um desejo to intenso de progredir na nova f que, embora no abandonasse completamente os outros estudos, eu os buscava com menos ardor.." Donde se conclui que a sua mudana repentina deve ter ocorrido aps o difcil trabalho no comentrio de Sneca onde mal havia mencionado a Bblia. Podia ter ocorrido nos meses finais de estudo em Orlans. Talvez a luz tivesse raiado sobre ele enquanto residia com seu piedoso hospedeiro de la Forge na Casa do Pelicano. Onde quer que tenha acontecido, o fato era que Joo Calvino, o candidato ao sacerdcio, o advogado, o pesquisador secular, no mais existia. Em seu lugar estava agora Joo Calvino, servo de Jesus Cristo.

- Captulo 9 Entre Nobres e EruditosDesde o dia de novembro quando deixara Paris com seu disfarce de vitivinicultor, Calvino perambulava. Primeiramente, foi at Noyon, onde permaneceu alguns dias. Mas Margarida, irm do rei, soube da sua quase captura. Persuadiu ao rei, o qual j estava de volta em Paris, a mostrar misericrdia a Calvino. O homem cagado voltou a Paris e foi recebido gentilmente em audincia por Margarida. Teria visitado de la Forge antes de sair da cidade novamente. Foi agora a Angouleme, a casa de um amigo e colega de classe, Louis du Tillet. Du Tillet era um cnego na catedral daquela cidade, mas era simptico as idias de Lefvre. Morava numa enorme casa e tinha

herdado de seu pai uma biblioteca de trs a quatro mil volumes, o que era tima biblioteca naqueles dias. Calvino era bem-vindo ali, e ali permaneceu por alguns meses com um nome fictcio. Tinha pelo menos nove nomes fictcios que usava em ocasies e lugares diferentes. Na casa de du Tillet Calvino era conhecido como Charles d'Espeville. A biblioteca de du Tillet era um retiro ideal para estudar. Calvino passou a dar tempo integral ao estudo da f cuja luz tinha brilhado repentinamente sobre ele. Com satisfao ali se ocultou, escrevendo ao seu amigo Franois Daniel em Orlans: "A experincia me ensinou que no podemos ver muito alm de nos. Quando eu me entregava a uma vida tranqila e fcil, era ento que aparecia o que eu menos esperava; e, ao contrario, quando a minha situao parecia desagradvel, um plcido ninho era feito para mim, muito alm da minha expectativa.Era o Senhor que assim fazia. Quando nos entregamos a Ele, Ele mesmo cuida de ns." Mas o homem de nome fictcio no ficaria a ss no seu sereno ninho. Homens eruditos, hospedados na casa de du Tillet, o procurariam para conversar com ele. Mas Deus o impeliu dos seus estudos para andar pelas cercanias, visitando os lares e vilas dos camponeses. Magro, vestido de preto, estava em todos os cantos. Dirigia reunies secretas nos lares. Reunia seus entusiasmados ouvintes numa gruta perto do rio. O povo o procurava, despreocupado com a sua prpria segurana, para ouvir esse homem caado. Em abril de 1534, Calvino visitou o velho professor Lefvre, a quem ainda no conhecia. Lefvre estava de volta a sua terra natal, residindo em Nrac, uma cidade sob a proteo de Margarida, rainha de Navarre. Lefvre tinha quase cem anos de idade. A ultima edio da sua Bblia em francs tinha sido publicada recentemente. E agora, ali estava diante dele esse jovem, com vinte e cinco anos incompletos, j conhecido como um lder daqueles que voltavam as Escrituras. Tanto o velho quanto o jovem amavam a Frana. Ambos nasceram na provncia de Picardy, conhecida pelo seu corajoso povo. O velho tinha sido o primeiro lder da Reforma Francesa. Tinha escolhido dirigi-la por caminhos pacficos, permanecendo dentro da Igreja de Roma, esperando reform-la de dentro, Alguns acham que o

velho professor se arrependeu disso nos seus ltimos anos. Dizem que ele falou ao jovem e impetuoso lder da impossibilidade de enfrentar Sorbonne, a igreja e o palcio, e quo ftil era a tentativa de levantar a Igreja de Roma da decom- posio e da superstio em que se encontrava atolada. Teria dito a Calvino; "Voc ser um instrumento para o estabelecimento do Reino de Deus na Frana?" Teria sentido que o seu manto de liderana cairia sobre os ombros do jovem que o estava visitando? Ningum sabe o que conversaram, o velho lder as portas da morte e o novo intensamente devotado nova f que tinha descoberto h, pouco. Aps a entrevista, Calvino foi a Noyon. Tinha tomado uma resoluo. No era para ele o caminho do velho mestre que futilmente" esperava mudar a igreja de dentro. Para uma nova f precisava haver uma nova igreja mas nem a f e nem a igreja eram novas. A f era antiga, mais velha do que a cruz do Senhor. Mas estava perdida e agora tinha sido reencontrada na Palavra de Deus. E a igreja a renascer precisaria ser como a igreja primitiva, como a igreja aps Pentecostes, uma igreja de Cristo, pautada pela Palavra. Dois meses antes do seu vigsimo quinto aniversario, Joo Calvino se apresentou perante o clero de Noyon, na catedral sob cujas sombras ele havia crescido. Afirmou perante esses clrigos espantados, muitos dos quais o conheciam desde a infncia, que no estava mais disposto a ser padre. E que estava tambm decidido a abrir mo do seu beneficio com salrio pago em milho e trigo. Era 21 de maio de 1534. O mais famoso filho de Noyon saiu das suas portas pela ltima vez, seguindo pela mesma estrada que o havia levado a Paris quando menino. No mais caminharia por aquela estrada ou entraria na casa situada na praa do mercado. Seguiu o seu caminho, sem lar e sem igreja.

- Captulo 10 Errante e PerseguidoFoi um ano de perambulaes, um ano de ser caado.

Calvino era caado como herege apto para o fogo. Por maneira diferente, era caado por pessoas sedentas da verdade que ensinava e pregava. Recordando esses meses, Calvino escreveu: "Deus me dirigiu por tantas voltas e mudanas, que Ele nunca permitiu que eu descansasse em qualquer lugar." Voltou a Paris, aps ter sado de Noyon pela ltima vez. No podia permanecer ausente dos crentes da capital. Conhecia suas senhas e seus pontos secretos de reunio. Estava de volta a casa de de la Forge, o qual temia pela segurana de Calvino. Cautelosamente entrava e saia das casas dos fiis, ensinando-os, encorajando- os, fortalecendo-os. Calvino falava em muitas reunies secretas, reunies algumas vezes desbarata- das pela polcia. Ele tambm sabia escapulir pelas sadas de fundo, saltar por uma janela, sumir-se na escurido, livrar-se do tiro de um trabuco. Naqueles dias, Calvino, levantando suas mos aos cus, dizia no fim das suas mensagens: "Se Deus por nos, quem ser contra ns?" Os que no escapavam da polcia, cujos lugares nas reunies secretas estavam vazios por estarem aguardando na priso a sua vez na pira de fogo - estes davam testemunho corajoso da verdade dessas palavras. De la Forge novamente insistia com Calvino para que sasse de Paris. Dizia-lhe que no estava seguro ali. Que toda a Frana precisava dele. Que os Protes- tantes no tinham lder e que, por conseguinte, precisavam dele. Que viajasse antes que fosse tarde demais. Mas Calvino esperava. O povo de Paris precisava dele tambm. Havia, outros- sim, um encontro que tinha prometido a um jovem espanhol chamado Servetus. Este Servetus, dois anos mais novo que Calvino, negava a Trindade de Deus e ousadamente afirmava ser o possuidor exclusivo da verdade. Tinha vindo a Paris por que no encontrava convertidos as suas idias nos estados germnicos. Esperava agora convencer o francs com quem se avistaria. Calvino foi ao lugar combinado para o encontro. Esperou impacientemente pelo espanhol. Mas Servetus no apareceu. Apareceria perante Calvino dezenove anos mais tarde, numa cidade sua. De Paris, Calvino seguiu para outras cidades. Foi, primeiramente, a regio dos urzais que cercavam Poitiers. Ali palestrava e ensinava num bosque e, mais tarde, numa caverna iluminada pela luz de archotes.

Dizem que foi nesta caverna que Calvino celebrou a Ceia do Senhor pela primeira vez, usando uma pedra chata como mesa. F-lo com simplicidade, citando as palavras de Cristo, sem a pompa da missa Catlica-Romana. Foi de Poitiers que Calvino enviou os primeiros missionrios, trs homens que deveriam pregar e ensinar onde houvesse gente para escutar. Mas a polcia fechava o cerco novamente, quando informada sobre o homem vestido de preto que estava hospedado na cidade. Calvino escapou para Angoulme, a casa do seu colega du Tillet. Muitos o encontraram novamente e pediram que lhes ensinasse. "Todos os meus retiros eram escolas publicas", disse o homem que se considerava acanhado e tmido. Seguiu depois para Orlans, onde havia estudado direito. Ali concluiu seu primeiro volume publicado aps sua converso. Era um pequeno livro em latim com o imponente ttulo, Psychopannychia. Nesta obra Calvino escreveu contra aqueles que acreditavam que a alma dorme depois da morte at o ultimo juzo. A alma esta viva e acordada, asseverava Calvino, embora tenha deixado o corpo. Em Orlans, Calvino tambm escreveu dois prefcios a traduo francesa da Bblia feita pelo seu primo Olivtan. Estas composies crists representavam o novo Calvino, pois eram singularmente diferentes das suas palavras eruditas sobre Sneca. Foi mais ou menos nessa poca que grandes pacotes de cartazes chegaram secretamente a Paris e a outras cidades francesas. Os cartazes, escritos em francs, protestavam contra a missa CatlicaRomana. Na manh de 18 de outubro de 1534, os cartazes misteriosamente apareceram em muitos lugares pblicos. Apareceram at no quarto real, no lugar reservado para os lenos de sua majestade. Corriam boatos que o autor tinha sido Farel, o reformador de barba ruiva, que os teria escrito na Sua onde estava agora trabalhando. A linguagem era dura e provocadora. O rei Francis I, cujo nome tinha sido mencionado nos cartazes, resolveu vingar- se. A Igreja de Roma tambm no conseguia conter a sua raiva. O Caso dos Cartazes, como ficou conhecido, encheu as prises. A fumaa de corpos queimados subia continuamente. Uma nova tortura era usada: um pelourinho de flagelao ajustado para levantar a vitima do fogo e devolv-la as chamas, assando-a

paulatinamente ao invs de queim-la de uma vez. Em nenhum canto da Frana havia segurana para o Protestante. Joo Calvino, ainda buscando sossego para poder estudar e escrever, viajava em direo a fronteira germnica e Rio Reno. Louis du Tillet o acompanhava a cavalo, levando consigo dois empregados, tendo deixado o seu trabalho e os seus livros encadernados de couro para estar com seu amigo. Os amigos cavalgavam para o nascente, direo a Metz, a trezentos e vinte quilmetros de Paris. O inverno frio os castigava com picante vento. Em cada penso onde paravam, os viajantes imaginavam a possibilidade de serem descobertos e entregues como hereges. Calvino viajava com mais dois companheiros constantes: dor-de-cabea e desarranjo estomacal. E como se isso tudo no bastasse, os amigos acordaram certa manh para descobrir que um dos empregados havia furtado a bolsa de dinheiro. O ladro tinha fugido a cavalo, deixandoos sem vintm. No podiam pedir dinheiro sem revelar as suas identidades. O outro empregado, pessoa de melhor estirpe, emprestou-lhes o suficiente para que atravessassem a fronteira e chegassem a Strasbourg, onde Calvino tinha amigos entre os ministros Protestantes. O pastor Martin Bucer l estava, ajudando os refugiados franceses que fugiam da perseguio. Calvino tinha-lhe escrito a favor de um desses refugiados. Talvez no houvesse paz suficiente em Strasbourg, pois Calvino e du Tillet seguiram para o sul. H uma histria que conta que Calvino parou nesta viagem para visitar o sbio holands Erasmus. Erasmus recuperou para o mundo o Novo Testamento ao traduzi-lo novamente no grego. Mas este grande homem, que havia aberto o caminho para a Reforma, descobrira que "do ovo que botou, um pssaro completamente diferente havia sido chocado por Lutero e Zwingli, " Erasmus recuara ento da sua nova f e fizera as pazes com o papa, o qual oferecera-lhe um chapu cardinalcio pela sua mudana de corao. Seria lembrado na histria como um erudito humanista, outrora vinculado Igreja de Roma. Quando Calvino o visitou, Erasmus estava velho, quarenta anos mais do que Calvino, e a poucos anos da morte, Teria recebido com indiferena o jovem lder francs que parara para o visitar? Em princpios de 1535, os amigos chegaram a cavalo a Basel o centro suo de estudos e de publicaes. Ali por mais de um ano, terminaram

as suas perambulaes. Calvino tinha encontrado, finalmente, o seu retiro. Alugou um quarto numa casa suburbana pertencente a Sr. Catherine Klein, fechou a porta e ps mos a obra. Assumiu o nome de Martinius Lucanius, estranhamente parecido com o de Lutero. Somente um punhado de pessoas conheciam a verdadeira identidade de Lucanius. Uma delas era Nicolas Cop, o ex-reitor, agora residente em Basel. No havia visto Calvino desde o dia em que Cop havia sido avisado a caminho do palcio e Calvino tinha escorregado por uma corda de roupas de cama para esquivar-se dos beleguins a sua porta. Longe de Paris, aguardavam ambos com ansiedade as noticias das terrveis perseguies que ocorriam no seu torro natal. As noticias no eram nada boas. Algum prisioneiro tmido, para poupar a sua vida, tinha indicado as casas daqueles que participavam das reunies secretas. O dio tinha cado sobre eles embora no tivessem afixado os audaciosos cartazes. De la Forge, aquele homem piedoso e generoso e cuja casa era um refugio para os crentes, tinha morrido na fogueira. Sua esposa estava na priso. Calvino no podia imaginar a Casa do Pelicano sem esses queridos amigos. O sapateiro paraltico Milon tinha sido atirado na carroa que o levou a morte por lenta torrefao. Calvino o conhecia bem o homem que no podia caminhar, mas cujo meio de vida era fazer sapatos para quem podia. Du Bourg, um rico negociante que havia estado nas reunies secretas, estava morto tambm. E Poille da mesma forma, cuja lngua tinha sido grampeada a sua bochecha porquanto, ao ser levado ao pelourinho, no cessava de falar sobre o seu Salvador. Haveria muitos lugares vazios nas reunies secretas em Paris. O rei Francis I no mais agia com volubilidade para com os Protestantes. Os apelos de sua irm Margarida no mais o comoviam. Mas teve ainda a bondade de soltar trs ministros da priso e mandlos a um mosteiro. Dois deles ali se arrependeram de suas convices Protestantes e voltaram a Igreja de Roma. O terceiro, Corault, quase cego, conseguiu escapar, tendo chegado at Basel. Ali encontrou-se com Calvino, a quem relatou o que estava acontecendo em Paris. Era evidente que Francis I achara conveniente inventar uma grande mentira sobre as suas perseguies. Era suficientemente sagaz para perceber que outros pases, especialmente os estados Protestantes da

Alemanha, o odiariam pelas suas crueldades. Precisaria destes pases como aliados seus contra o imperador Charles V que o havia derrotado em Pavia. Francis I escreveu, pois, aos prncipes germnicos, explicando que os homens que havia lanado nas prises e nas fogueiras eram da pior espcie: rebeldes, agitadores, um amontoado de anabatistas que desejavam separar a igreja do estado. Teriam sido rebeldes e agitadores o generoso de la Forge, o paraltico Milon, os outros cujas faces Calvino conhecia, e todos os demais que ele lembrava como irmos no Senhor? No havia na Frana quem poderia falar por aqueles que morreram na fogueira. No havia quem falasse a verdade sobre a f dos mrtires. Mas um francs no exlio podia falar. O francs que estava hospedado com a Sr. Klein em Basel sentou-se a sua escrivaninha e mergulhou sua pena no tinteiro. Trabalhou febrilmente para concluir o que estava escrevendo. Era o fim do vero quando escreveu a carta dedicatria, Acrescentando a carta aos seis captulos j concludos, Calvino foi a casa de Thomas Platter, o tipgrafo cuja oficina se encontrava na tabuleta do Urso Preto.

- Captulo 11 Um Livro a um ReiO homem a quem o livro de Calvino foi dedicado jamais chegara a ler a carta de vinte e uma pginas que lhe fora endereada. "A sua Majestade Crist, Francis, Rei dos Franceses e seu Soberano, Joo Calvino almeja paz e salvao em Cristo." Assim comeava a carta, em latim. Mas a "sua Majestade Crist, Francis", estava ocupado com suas amantes e seus bailes, com seus esquemas para fazer alianas contra seus inimigos. Talvez teria lido a carta e os captulos que a seguiam se algum o tivesse convencido que o tal livro, aps quatro sculos, ainda seria includo entre o punhado de obras que moldariam o pensamento do mundo. O rei Francis no podia adivinhar que a carta que lhe fora endereada seria considerada uma obra-prima de eloqncia candente, e que seria lida por milhes em muitas lnguas. As Institutas da Religio Crist, por Joo Calvino de Noyon, no haviam comeado

como um apelo ao rei da Frana. Tinham a inteno de ajudar os novos Protestantes que precisavam conhecer as verdades da Bblia. Ningum da Reforma tinha escrito estas verdades numa forma ordenada. A grande contribuio de Lutero tinha sido a traduo da Bblia para o alemo, e havia tambm escrito outras coisas sobre vrios assuntos. A Igreja de Roma tinha um grande sistema daquilo que considerava ser a verdade. O povo da Reforma tinha a Palavra de Deus, mas quem os conduziria a compreend-la no todo? Quem lhes mostraria o que ela dizia sobre Deus e Jesus Cristo e o Esprito Santo, sobre os sacramentos e a igreja, sobre f e orao, sobre a lei e liberdade na vida crist? Tal manual, um pequeno livro, estava sendo preparado pelo asilado francs em Basel quando chegou-lhe a notcia das mortes ardentes dos seus amigos. Veio- lhe, depois, noticia sobre as mentiras de Francis I. Com um repentino lampejo de propsito, Calvino percebeu como poderia defender perante o mundo a verdadeira f daqueles que estavam sendo to falsamente acusados. Ele viu, outrossim, como poderia at comover o corao do prprio rei. 0 livro tornou-se mais do que um manual. de estudo. Transformou-se numa magistral confisso de f a f que estava sendo selada com a carne carbonizada dos mrtires da Frana. " Quando iniciei este trabalho, Excelncia", diz Calvino ao seu rei, "nada mais longe dos meus pensamentos do que a idia de escrever um livro que seria mais tarde presenteado a vossa Majestade. Era inteno minha somente formular alguns princpios elementares pelos quais os interessados... pudessem ser instrudos sobre a natureza da verdadeira piedade. Empreendi tal labor em prol, principalmente, dos meus patrcios franceses, multides dos quais vi estarem sedentos de Cristo, mas pouqussimos possuindo qualquer conhecimento real a respeito...Mas quando vi que a fria de determinados homens perversos no vosso reino tinha crescido a tal ponto de no deixar lugar no pais para a s doutrina, considerei que eu seria melhor empregado se no mesmo trabalho eu lhes entregasse minhas instrues, como tambm vos exibisse minha confisso, para que soubsseis a natureza daquela doutrina que o objeto de tanta clera incontida por parte daqueles loucos que ainda agora esto convulsionando o pais com fogo e espada... "Eu vos rogo, por conseguinte, Excelncia e certamente no um pedido exorbitante tomar para vos a compreenso cabal desta causa que at aqui tem sido agitada confusa e descuidadosamente, sem qualquer ordem legal, e com afrontosa paixo em vez de seriedade judicial. No penseis que esteja eu agora

delineando minha prpria defesa individual a fim de operar um retorno seguro para meu pais natal; porquanto, embora eu sinta por ela a afeio que todo o homem deva sentir, mesmo assim, nas atuais circunstncias, no lamento que eu esteja dela removido. Pleiteio, porm, a causa dos piedosos, e, conseqentemente, do prprio Cristo. Certamente, Excelncia, no desviareis os vossos ouvidos e pensamentos de to justa defesa....Esta uma causa que digna da vossa ateno, .digna do vosso trono. " Que mais direi? Deveis rever, Excelncia, todas as partes da nossa causa e considerar-nos pior do que a mais abandonada parcela da humanidade caso no descobrirdes claramente que labutamos e nos esforamos sobremodo, porquanto temos pasto a nossa esperana no Deus vivo, porque cremos que a vida eterna conhecer o nico Deus verdadeiro e a Jesus Cristo, a quem Ele enviou. Por causa desta esperana estamos alguns acorrentados, outros flagelados com aoites, outros carregados daqui para ali como palhaos, outros torturados cruelmente, outros que escapam pela fuga..." Com a mente aguda de exmio advogado, Calvino argi cada acusao levantada contra os Protestantes. Cita as Escrituras abundantemente. Cita os santos padres da igreja. Sua linguagem , as vezes, incisiva e forte. Ele esta pleiteando com o rei, mas pleiteia a verdade e no tem receio de usar linguagem candente. "Somos pacficos e honestos", a maneira de descrever a si mesmo e aqueles na Frana que so acusados como agitadores. "Mesmo agora no exlio, no deixa- mos de orar para que toda a prosperidade vos acompanhe e ao vosso reino." Aprendemos, "pela graa divina", a sermos mais pacientes, humildes, modestos. Se alguns usarem o Evangelho como um "pretexto para tumultos", tendes as leis para punilos. Mas no culpeis, ento, o Evangelho de Deus. Excelncia, ...no perdemos a esperana de recuperar vosso favor se lerdes com calma uma nica vez... esta nossa confisso, que pretende ser nossa defesa perante vossa Majestade. Se ao contrrio, porm, os vossos ouvidos estiverem to preocupados com os cochichos dos malintencionados a ponto de no permitir aos acusados a oportunidade de falarem por si mesmos, e se aquelas frias afrontosas, com a vossa conivncia, continuarem a perseguir com aprisionamentos, aoites, torturas, confiscaes, e chamas, seremos, indubitavelmente, como ovelhas destinadas ao matadouro, reduzidos as maiores agruras.

Mesmo assim, com pacincia, possuiremos nossas almas e aguardaremos a poderosa mo do Senhor, a qual incontestavelmente se manifestara a bom tempo, mostrando-se armada para resgatar os pobres das suas aflies e para punir os seus despertadores, os quais agora exultam amparados por perfeita segurana. Queira o Senhor, o Rei dos reis, estabelecer vosso trono com retido, e o vosso reino com eqidade. Estas foram algumas das sentenas eloqentes que Francis, rei da Frana, jamais leu. O livro cresceu nos anos seguintes. Geralmente chamado as Institutas, cresceu como uma planta cresce da semente. Em quatro edies, Calvino aumentou-o de seis para oitenta captulos, constituindo quatro volumes grandes. Nada havia nos oitenta captulos que j no estivesse na semente dos seis captulos. O homem doente de cinqenta anos que mais tarde labutaria para concluir a edio final no interpretava a Palavra de Deus de modo diferente daquele moo de vinte e cinco anos escondido em Basal. Na sua ultima edio de 1559, as Institutas seguiram a ordem do Credo dos Apstolos na discusso das "verdades da religio crist". Trs das quatro edies foram publicadas em latim escorreito. A outra, num francs vvido e magnfico. Nos dias de hoje as Institutas podem ser lidas em, pelo menos, dez lnguas. Foi assim que apareceu a poderosa obra que recolheu da Palavra de Deus um completo sistema doutrinrio. As Institutas comearam com Deus, concluram com Deus e encontraram todas as coisas em Deus, o Deus trino. Calvino escreveu com clareza, com uma lgica de advogado. Escreveu eloqentemente, como um autor que maneja com percia as suas palavras. Escreveu brilhantemente, com uma mente que aprende a inteireza da verdade de Deus como possvel ao homem conhec-la. Escreveu apaixonadamente, com um corao devotado inteiramente ao seu Senhor. E escreveu humildemente, porquanto sua vida tinha sido resgatada do lodaal do pecado unicamente pela graa de Deus. Ningum havia escrito assim anteriormente. E, posteriormente, ningum conseguiu escrever de maneira a aproximar a magnificncia com que Calvino exps as "verdades da religio crist". Mas Joo Calvino de Noyon no tomou conhecimento deste sucesso. Preferiu, mesmo nos dias da primeira edio, ficar as escondidas, por detrs de porta fechada, usando nome fictcio. "Que o meu objetivo

no era a aquisio de fama transpareceu no seguinte: logo aps a publicao sai de Basel, e ainda do fato que ningum l sabia que eu era o autor." O pensionista da Sr. Klein, Martinius Lucanius, tinha gasto muito do seu tempo na oficina marcada pelo Urso Preto. Estava lendo as provas do livro cuja pgina inicial dizia em latim: "Joo Calvino de Noyon". Era fevereiro de 1536. Quando concluiu a reviso, antes do livro aparecer a venda em maro, Lucanius e seu companheiro du Tillet haviam sado da cidade. Na estrada ao sul de Basel, ucanius tornou-se Charles d'Espeville, um nome que significa Cidade de Esperana. Du Tillet tornou-se Louis de Hautmont, que significa Montanha Alta. Os senhores Cidade de Esperana e Montanha Alta estavam a caminho da Itlia, a terra do papa, sede da Igreja de Roma.

- Captulo 12 Viajando pela Itlia e FranaNum castelo no norte da Itlia vivia uma mulher francesa que teria sido rainha da Frana no fosse a lei que determinava que o trono era para homens to somente. Filha do rei Louis XII, a princesa Rene tinha contratado casamento com o imperador Charles V e, depois, com Henry VIII da Inglaterra, ambas as vezes por razes polticas. Pelo mesmo motivo casou-se mais tarde com um italiano, o duque Hrcules de Ferrara. Hrcules mantinha estreitas relaes com a Igreja de Roma. Bem estreitas, pois era neto do papa. O duque trouxe a sua duquesa para morar na Itlia, num grande acompanha- mento de clarins dourados e pajens de escarlate. Embora seu enorme castelo em Ferrara desses sinais de desmoronamento e mfo, a vida da corte era ali divertida e extravagante, uma sucesso interminvel de bailes, banquetes, e comdias. Anes, macacos, e papagaios aumentavam o colorido variegado. A duquesa Bene levara consigo da Frana uma f que no agradava ao duque. Ela a aprendera do velho professor Lefevre, da sua prima Margarida, e de outros. De inicio, o duque a tolerou, no se opondo a presena de franceses na sua corte. Mas a Igreja de Roma no tardou a apontar-lhe seu dever. Esses franceses eram inimigos do papa, pois seguiam as heresias Protestantes; no podiam de maneira alguma ficar no castelo de Hrcules, neto do papa.

O duque Hrcules j estava comeando a restringir os amigos de sua esposa quando os viajantes de Basel chegaram aos muros de Ferrara. Teriam chegado disfarados de monges. A duquesa Rene os recebeu com entusiasmo. O seu secretrio, um poeta chamado Clement Marot, teria-lhe informado sobre o jovem lder dos Protestantes franceses. Marot tinha sido o suspeito nmero sete no Caso dos Cartazes em Paris, refugiando-se em Ferrara. Com a vinda de Calvino, a duquesa, precisaria proteg-lo contra a Inquisio que j comeava a levantar suspeitas sobre alguns dos seus hospedes. Ela tinha, na ocasio, somente vinte e quatro anos de idade. Anos penosos estariam a sua frente. Seria pressionada a voltar a Igreja de Roma. Ao recusar, seria aprisionada. Seus filhos ser-lhe-iam tirados para que fossem criados na f romana. Assumiria aparncia de obedincia a Roma com o fim de retornar a sua famlia. Aps a morte do duque Hrcules, ela voltaria ao seu castelo na Frana para transform-lo num hospital e refugio para os Protestantes perseguidos. Nas guerras religiosas francesas que ainda aconteceriam, seu prprio genro conduziria as tropas contra os Protestantes. Mas Rene permaneceria segura na sua f. Nessas dificuldades todas a sua frente, o seu conselheiro fiel seria o jovem vestido de preto que estava agora animando-a na corte de Ferrara. No tornaria jamais a ver Joo Calvino, mas o seu conforto e estmulo ajuda-la-iam a ser leal a f. Por intermdio de cartas, freqentemente introduzidas no palcio ou na priso as escondidas, a duquesa era animada pelo seu conselheiro espiritual. Vinte e oito anos mais tarde, no seu leito de morte, Calvino ditaria sua ltima carta a duquesa, que ento morava no castelo Montargi, na Frana. Ela estava preocupada pelo fato de ser sogra daquele que lutava to ferozmente contra os Protestantes. Mas Calvino ditou-lhe, com voz que mal podia ser ouvida, uma carta tranqilizadora. "Ao contrrio", dizia, "a Sr. mais querida e respeitada do que antes, pois aquela conexo no a impediu de fazer uma ntegra e pura confisso do Cristianismo, no somente por palavras como tambm por feitos to extraordinrios.Quanto a mim,.tenho em maior admirao ainda as suas virtudes." Mas tudo isso estava ainda escondido no futuro. Agora, em 1536, Calvino estava conversando com a prpria duquesa. Ele tinha esperana de poder falar com outras pessoas de posio elevada na

Itlia. Mas era suficientemente prudente para se aperceber de que sacerdotes e cardeais ameaadores o cercavam. No adentrou-se, por conseguinte, na Itlia. Seu plano tinha sido o de vir a Ferrara para animar a duquesa, que era francesa e Protestante. Esperava que Rene pudesse exercer influncia ao seu redor. Tinha at esperana que surgiria oportunidade para falar e pregar, Mas nada disso aconteceu. O lao da oposio estava apertando tambm no castelo do duque Hrcules. Durante as sete semanas que permaneceu em Ferrara, Calvino escreveu algumas cartas. Uma foi enviada a Gerard Roussel, um expregador de Margarida que Calvino conhecia e respeitava. O rei Francis I o havia salvo da priso e o havia colocado num mosteiro juntamente com os outros dois pregadores de Margarida. Corault, quase cego, havia escapado para Basel, mas Roussel confessara sua "heresia" e voltara a Igreja de Roma. Por isso, o papa oferecera-lhe a mitra de bispo, sendo por Roussel aceita. Calvino no podia resistir a vontade de escrever- lhe. " Joo Calvino a um antigo amigo, agora um Prelado", dirigiu-se ao novo bispo. "Que acontece a algum que, assim como voc, abandona seu capito, foge para o inimigo e destri o princpio por cuja defesa jurou dar a sua vida? ... difcil e bem o sei deixar o lar da gente para tornar-se um peregrino. Mesmo assim, este destino que aos homens parece to severo transformado pelo Senhor em puro gozo..." Os peregrinos que estavam em Ferrara saram repentinamente. O duque Hrcules estava extirpando os hereges da sua corte, e a suspeita tinha agora recado sobre Charles d'Espeville e Louis de Hautmont. Ambos escaparam para fora dos portes da cidade. Alguns supem que o homem magro, vestido de preto, pregou ao norte na sua viagem em direo aos Alpes, e que era bem-vindo em algumas vilas e enxotado de outras. Ningum sabe ao certo o que ocorreu nesta viagem. Seguiram caminho, provavelmente, pelo desfiladeiro Saint Bernard. Os crregos montanheses, inchados pelas neves derretidas, saltavam e estrondavam nos seus leitos edregosos. E para onde iria, agora? Sabia-se que Francis I, com esperana de converter alguns hereges Protestantes, tinha oferecido seis meses de iseno de perseguio para que os Protestantes no exlio pudessem voltar aos seus lares e a, Igreja de Roma. Calvino aproveitou a oportunidade. Atravessou a Frana e entrou em Paris. Deve ter

entrado com grande tristeza, recordando aqueles que ali no mais estavam para recepcion-lo. Hospedou-se num hotel. A Casa do Pelicano pertencia a outrem. Est registrado que, em Paris, no dia 2 de junho de 1536, compareceu perante dois tabelies: "... Jehan Cauvin, Licenciado em Direito, em pessoa, e constituiu seu irmo Antoine, escriturrio, residente em Paris, seu advogado geral e especial." Joo Calvino, possuidor de um grau em direito de que outra maneira poderia descrever-se aos tabelies? Um perambulador, um pregador herege, um escritor Protestante? Joo Calvino, "Licenciado em Direito", estava constituindo seu irmo Antoine como seu advogado para represent-lo na liquidao da propriedade familiar em Noyon. Calvino tambm discutiu o assunto com Marie, sua irm favorita. Sua outra irm, fiel a Igreja de Roma, tinha casado e residia em Noyon. Charles tinha falecido, excomungado da igreja, tendo sido enterrado a noite, numa cova desmarcada, fora da cidade. O povo de Noyon asseverava que a famlia de Gerard Calvin tinha dado em nada. Tinha sido uma famlia to respeitada, to fiel a igreja me. A filha do hoteleiro morrera cedo demais para conservar seus filhos no caminho da igreja. O advogado do clero tinha se tornado embirrante nos seus negcios com os homens da igreja. Tinha morrido assim, sem fazer as pazes com a igreja. Seu filho Charles, o sacerdote, tinha sido um tipo desenfreado. Esbofeteara, certa vez, um portador de ma num argumento sobre o seu pai. Mas pior do que isso, Charles tinha se afastado do sacerdcio com amargura e abraado a "heresia luterana". No seu leito de morte, relativamente jovem, recusara receber o sacramento. Foi, por- tanto, enterrado em campo profano, sem que sua alma tivesse sido abenoada pela igreja. E o outro filho, bom nos estudos, aquele que, a princpio, ia ser padre este Joo acabou sendo o pior de todos. Ele sabia escrever e falar, cativando a ateno do povo. Ensinava heresias. Queria comear outra igreja, contra a sagrada igreja do papa. Queimaria um dia pelas suas maldades ou na Frana ou nas fogueiras do prprio inferno. Que coisa horrvel ele estava tentando fazer! E Joo estava virando as mentes do irmo caula Antoine, o escriturrio que trabalhava em Paris, e da sua irm Marie. Iam acompanh-lo onde quer que ele fosse. Assim dizia a outra irm, a fiel, a nica da famlia que no desencaminhara. As piedosas mulheres de Noyon se arrepiavam ao

passar pela residncia Calvin na praa do mercado. A que fim tinha chegado aquela famlia! Joo, "o pior deles", atravessava a Frana novamente, Terminariam logo os seis meses de misericrdia concedidos pelo rei. No havia em sua ptria nenhum canto sossegado onde pudesse esconder-se detrs de uma porta ou de um nome falso, como tinha feito em asel. Precisava de um lugar assim outra vez, para estudar e escrever. Seria esta a sua contribuio a, nova f Protestante escritos e livros dos quais os homens pudessem aprender e criar nimo. Quem sabe Strasbourg seria um bom retiro desta vez. Ou Basel novamente. Strasbourg estava para o nascente, Ir naquela direo, porm, seria atravessar o caminho de uma guerra. O rei Francis I estava envolvido na sua terceira guerra contra o imperador Charles V. Canhes, carroas e outros equipamentos militares entupiam as estradas. Calvino, por conseguinte, deu uma volta enorme, passando por Lyons, conhecida pelos seus cem tipgrafos, e chegou a Strasbourg pelo sul. Tinha esperana de chegar num determinado dia em Lausanne. Quando tal no foi possvel, resolveu passar a noite em Genebra, no lado ocidental do Lago Lman. Cansado e sujo, aproximou-se do antigo porto Cornavin, guardado por uma sentinela armada. Calvino deu-lhe o seu nome, recebeu um papel recomendando- o aos proprietrios das hospedarias de Genebra, atravessou a ponte levadia e entrou na cidade. Estava fatigado e dolorido. Mas, aps um pouco de comida e um longo sono, planejava continuar sua viagem para o norte ao alvorecer do dia. Encontrou uma hospedaria e pediu pousada.

- Captulo 13 Um Missionrio Valente e OusadoO povo mais corajoso de toda a Europa morava nas montanhas e nos vales da Sua. No era chamada Sua na poca da Reforma. Era, no entanto, um grupo de treze estados, chamados cantes, que haviam conseguido libertar-se dos duques, reis e imperadores que governavam os outros povos da Europa. Cada canto era governado por um grupo de cidados. No havia outro lugar na Europa onde o

povo governava a semelhana dessa gente iletrada, porm indomvel, que no seria serva de nenhum senhor. Logo aps o ano 1500, os cantes suos se defrontavam com uma grande questo: o que fariam da Reforma? Este movimento estava se espalhando pelos estados germnicos e havia comeado paralelamente nos cantes. Ao norte, Ulrich Zwingli pregava com grande poder na igreja Grossmnster de Zurich. Seu primeiro sermo fora ali pregado em 1519, no Ano Novo, quatorze meses aps Lutero ter pregado as suas noventa e cinco teses. Deste pequeno princpio, a Reforma sua alastrou-se pelos outros cantes, Ao norte e ao leste, os cantes de lngua germnica estavam debatendo se ficariam com Roma ou se passariam ao Protestantismo. Alguns se declararam fiis a Roma. Outros preferiram a f pregada por Zwingli e Lutero. Sendo que naqueles dias a igreja e o estado ainda estavam unidos, era necessrio a um determinado canto tornar-se oficialmente Protestante ou permanecer oficialmente Catlico-Romano. O canto Protestante mais poderoso do norte era o de Bern. Havia um urso na sua chancela oficial. Todos os cantes reconheciam a convenincia de se precaverem quando o urso de Bern urrasse. ern encetou alguma obra missionria nas terras e cidades sob seu controle. Tal atividade no era fcil, porquanto a Igreja de Roma estava disposta a lutar at a morte pelas reas ainda em seu poder. O povo de Bern falava alemo. Precisava de algum que pudesse enviar como missionrio aos territrios do sudoeste onde se falava francs. Enviaram, pois, um francs de barba ruiva, o fogoso Guilherme Farel. Farel tinha sido convertido por intermdio do velho professor Lefvre, e tinha escapado da Frana aps rduo trabalho em Meaux e Paris. Guilherme Farel levava adiante a sua tarefa missionria com audcia incomum. Nada receava. "Nunca em minha vida conheci um homem to destemido", disse Erasmus a seu respeito, o qual, por sua vez, tinha sido taxado de adivinhador por Farel. Certa vez, quando passava uma procisso religiosa, Farel arrancou algumas relquias das mos de um padre e as jogou no rio. Noutras ocasies entrava numa igreja de Roma, subia ao plpito, e clamava mais alto do que o padre que estava entoando a missa. Onde quer que fosse, provocava uma tempestade. De cidade em cidade, nas praas, nos lares, nos sales, trovejava a sua mensagem. Tinha a capacidade de conduzir o seu auditrio a um alto ponto de animao. Com brados e censuras e murmrios e gemidos, e

com linguagem singela e mordaz, arremessava suas setas aos coraes da gente pacata e iletrada que aflua para ouvi-lo, Era to tosco quanto eles, razo por que podiam compreender o seu jeito de falar. Esbravejava contra Roma. Proclamava as verdades bblicas com sinceridade to eloqente que o povo era induzido ou a acredit-lo imediatamente ou a atac-lo com fria pertinaz. Em algumas cidades Farel era espancado e espezinhado, em outras ameaado com trabucos e espadas. Foi esfolado to severamente numa ocasio que algum de Bern relatou que a sua face parecia ter sido rasgada pelas unhas de gatos enfurecidos. Mas Farel no parava. Nem tinha o cuidado de permanecer dentro do territrio de Bern. Caso um campo estivesse sem a semeadura do Evangelho, la chegava Farel, quer Bern o pudesse proteger quer no. Farel treinou um punhado de homens intrpidos para ajud-lo. No tinham medo da fome, do frio, da morte, ou de pessoa qualquer. No sendo enxotados, permaneciam na cidade com tempo suficiente para a converso de algumas pessoas para a Reforma. Enviavam, ento, um aviso a Bern, cujo conselho de representantes, a seguir, escrevia aquela cidade solicitando um debate pblico entre Protestantes e a Igreja de Roma. Bern enviaria, ento, algumas autoridades para tomar conta do debate, no final do qual o povo votaria, optando pela Reforma ou por Roma. Muitas cidades e vilas declaravam-se a favor da Reforma. Para tais lugares Bern enviava regras sobre os sacramentos e a liturgia. A missa era abolida. Esttuas e altares eram retirados das igrejas caso ainda no tivessem sido derrubados pelo excessivo entusiasmo dos novos Protestantes. Era outubro de 1532, exatamente um ano aps a morte de Zwingli, quando Farel e um companheiro missionrio atravessaram a ponte elevadia, entrando em Genebra pela primeira vez. Joo Calvino estava em Orlans, na Frana. Conclua seu curso de direito, aps a pouca vendagem do seu livro sobre Sneca.

- Captulo 14 A Cidade do Lago

Poucas cidades tinham uma localizao to bela como Genebra. Construda sobre a rocha circundando um lago azul, crescera dentro de um crculo de monta- nhas, algumas verdes, outras coroadas de neve e envoltas por nuvens. O lago azul ajuntava as guas que rolavam das montanhas e as remetia adiante num poderoso rio, o Rdano, que seguia pressuroso para a Frana e at o Mediterrneo. Genebra situava-se numa das encruzilha- das da Europa. Importantes ro- tas de comrcio passavam pelos seus portes. A cidade estava na extremidade dos cantes suos, bem no sudoeste, como que olhando os pases ao seu redor. Julius Caesar, numa de suas famosas marchas pela Europa, tinha descoberto Genebra cinqenta anos antes de Cristo. Tinha ali construdo alguns muros de defesa. Quatrocentos anos mais tarde Genebra tornara-se cidade. O Cristianismo j houvera transformado a comunidade pag. Igrejas haviam sido construdas no lugar de templos pagos. No inicio do sculo dez, a impressionante catedral de Saint Pierre fora erguida no ponto mais alto da cidade. Tinha a forma de cruz, e suas torres quadradas, parecendo fortalezas, se destacavam contra a magnfica paisagem montanhosa. Genebra estava ainda lutando pela sua liberdade quando Farel a visitou pela primeira vez. A cidade no pertencia a nenhum canto e lutava desesperadamente para tornar-se independente. Durante cento e cinqenta anos Genebra tinha conseguido cada vez mais poder para os seus habitantes, desafiando a garra do bispo e do duque que queriam controlar a cidade. Mas a luta fora sangrenta. O duque Charles III de Savoy governava as terras circunvizinhas. Os castelos da regio eram as suas cidadelas. Tinha at capturado o castelo localizado na ilha no meio do rio entre as duas partes da cidade. O bispo governava os habitantes como chefe da igreja a qual todos pertenciam. Era o inimigo dentro da cidade at a sua mudana para um palcio mais confortvel na encosta de uma montanha. O duque era o inimigo externo. Os patriotas de Genebra lutavam amargamente contra o duque. Finalmente, em 1525, o duque Charles III sitiou a cidade com um grande exrcito. Os patriotas fugiram durante a sua entrada triunfal. Os que permaneceram juraram fidelidade ao duque; que mais

poderiam fazer diante das machadas de cabo longo que os soldados do duque levantavam sobre suas cabeas? Os patriotas, porm, voltaram. Reuniram-se em conselho e repudiaram o voto ao duque. Atordoado pela oposio repentina, o duque fugiu inesperadamente de Genebra sem oferecer batalha. Jamais conseguiu voltar. Genebra voltava-se agora aos fortes cantes de Bern e Fribourg, fazendo com eles aliana. Esta aliana de 1526 contribuiu para que Genebra se livrasse do duque para sempre. Mas Bern era Protestante enquanto que Fribourg favorecia Roma. No futuro, ao se transformar a batalha em Genebra em luta religiosa, a cidade no lago ficaria novamente a ss. Farel entrou em Genebra em 1532. Tomou um quarto na penso Tour Perce e logo saiu para avisar que tinha chegado. No dia seguinte, falou a um grupo que se reuniu na penso para ouvi-lo. No segundo dia, falou a uma multido. Os novecentos padres de Genebra comearam logo uma contra-ofensiva. Conheciam bem o dano que o ousado missionrio tinha causado a Igreja de Roma em outros lugares. O conselho de representantes da cidade no podia botar Farel para fora da cidade porquanto o missionrio trazia salvo-conduto de Bern, aliado de Genebra. Os padres no desistiram: ajuntaram uma turba e cercaram Farel e seu companheiro numa das ruas. Com apupos e gritos, empunhando paus e lanas, os atacantes teriam matado os missionrios no tivera uma tropa de soldados chegado em tempo para dispersar o tumulto e escolt-los para a sua penso. Um guarda permaneceu a noite inteira junto a porta do seu quarto. Cedo de manha, amigos de Farel levaram-nos num barco para o outro lado do lago, deixando-os em lugar seguro. Guilherme Farel estava acostumado com tais recepes. Fez um novo plano para Genebra. Dentro de algumas semanas apareceram avisos em vrios pontos da cidade. O povo lia com interesse: "Um jovem recm-chegado nesta cidade dar instruo na leitura e na maneira de escrever a lngua francesa, a todos que quiserem, grandes e pequenos, homens e mulheres, mesmo aqueles que nunca foram a escola. Caso no aprenderem a ler e a escrever dentro de um ms, ele no deseja nenhuma recompensa pelo seu trabalho. Encontra-lo-eis no BoytelHall, perto da Praa Molard, onde se v a Cruz Dourada. Cura tambm muitas doenas de graa." No tardou que a sala alugada na tabuleta da Cruz Dourada ficasse repleta de alunos. O professor, um jovem de

vinte e um anos, chamava-se Antoine Froment. Era um dos auxiliares de Farel, trabalhando secretamente. Ensinava francs como havia prometido, mas o misturava generosamente em pequenos sermes e comentrios sobre a Bblia. A sala transbordava. O povo aflua para ouvir o jovem mestre. No dia de Ano Novo, 1533, o grupo era to grande que Froment foi conduzido a Praa Molard, lugar freqentemente usado para reunies. Subiu numa banca de peixe, ao ar livre do inverno frio, e pregou ao povo sobre o texto: "Acautelai-vos dos falsos profetas." Estava ainda pregando quando um magote enraivecido, liderado por padres armados, invadiu a Praa Molard. Froment refugiou-se na casa de um boticrio, cujas janelas foram logo estraalhadas. Assim como Farel, Froment teve que sair de Genebra as pressas, escondido pela escurido da noite. Mas a semente plantada pelos dois franceses germinou e cresceu. A luta por causa da religio comeava agora de verdade. Bern, o canto Protes- tante, entrou na refrega com uma carta aos conselhos de Genebra: "Excelncias, deixai a verdade tomar livre curso." Dentro da cidade, o povo estava dividido. A luz de archotes, setecentos padres, cnegos, e outros seguidores de Roma se reuniram e fizeram juramento para matar todos os Protestantes de Genebra. No dia seguinte, ajuntaram-se em frente ao altar-mor de Saint Pierre, liderados