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João Lightfoot final - editoraculturacrista.com.br... Antônio Coine Carlos Henrique Machado Cláudio Marra ( Presidente ) Filipe Fontes ... “Suas palestras sobre o grego do Novo

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A posição doutrinária da Igreja Presbiteriana do Brasil é expressa em seus “símbolos de fé”, que apresentam o modo Reformado e Presbiteriano de compreender a Escritura. São esses símbolos a Con�ssão de Fé de Westminster e seus catecismos, o Maior e o Breve. Como Editora o!cial de uma denominação confessional, cuidamos para que as obras publicadas espelhem sempre essa posição. Existe a possibilidade, porém, de autores, às vezes, mencionarem ou mesmo defenderem aspectos que re#etem a sua própria opinião, sem que o fato de sua publicação por esta Editora represente endosso integral, pela denominação e pela Editora, de todos os pontos de vista apresentados. A posição da denomina-ção sobre pontos especí!cos porventura em debate poderá ser encontrada nos mencionados símbolos de fé.

Rua Miguel Teles Júnior, 394 – CEP 01540-040 – São Paulo – SP Fones 0800-0141963 / (11) 3207-7099 – Fax (11) 3209-1255

www.editoraculturacrista.com.br – [email protected]

Superintendente: Haveraldo Ferreira Vargas Editor: Cláudio Antônio Batista Marra

L723e Lighfoot, J.B.

O evangelho de João / J.B. Lighfoot; traduzido por Afonso Teixiera Filho . _ São Paulo: Cultura Cristã, 2018

320 p.

ISBN 978-85-7622-756-4

Tradução 'e gospel of St. John

1. Comentário 2. Estudo Bíblico I.Título

CDU 2-277

O Evangelho de João, de J.B. Lightfoot © 2018 Editora Cultura Cristã. Originalmente publicado em in-glês pela InterVarsity Press com o título !e Gospel of St. John: A Newly Discovered Commentary de J.B. Lightfoot, organizado por Ben Witherington III e Todd D. Still com a assistência de Jeanette M. Hagen. © 2015 by Ben Witherington III e Todd D. Still. Traduzido e publicado com permissão da InterVarsity Press P.O.Box 1400 Downers Grove, IL 60515 USA. www.ivpress.com

Conselho Editorial

Antônio Coine

Carlos Henrique Machado

Cláudio Marra (Presidente)

Filipe Fontes

Heber Carlos de Campos Jr

Marcos André Marques

Misael Batista do Nascimento

Tarcízio José de Freitas Carvalho

Produção Editorial

Tradução

Afonso Teixeira Filho

Revisão

Mauro Filgueiras Filho

Filipe Delage

Mariana Ferreira de Toledo

Editoração

Felipe Marques

Capa

Magno Paganelli

1a edição 2018 – 3.000 exemplares

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Figura 1. Ex-libris do Bispo Lightfoot

* A frase latina provém de um provérbio germânico: “Herbipolis sola, pugnat ense et stola”. Esse provér-bio aparece nos Principia juris ecclesiastici universalis et particularis Germaniae, de Gregório Zallwein, na forma mais comum “Herbipolis sola, judicat ense et stola” [Apenas Wurtzburg julga pela espada e pela toga]. No livro de Fuller, aparece Dunelmia, ou seja, Durham, em lugar de Herbipolis (Wurtzburg) (N. do T.).

Essa imagem mostra o brasão do Bispo junto com o da Sé e a mitra colocados sob uma Coroa, indicando a digni-dade palatina de Durham.

Embora o ex-libris não seja o selo episcopal, seu for-mato lembra o seguinte estrato da História eclesiástica (iv. 103), de Fuller: ‘Dunelmia sola, judicat ense et stola’. “O Bispo, aqui, era um palatino, ou príncipe secular, e seu selo assemelha-se, na forma, ao da realeza, por ser redondo e não oval, que é a insígnia do verdadeiro Episcopado”.*

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CITAÇÕES SOBRE J. B. LIGHTFOOT

E SUA OBRA

“Suas edições e comentários[...] bem como seus ensaios críticos têm um valor eterno, e mesmo onde não se pode chegar a um acordo sobre as conclusões a que ele chegou, seus motivos não devem nunca ser negligenciados. O res-peito pelo oponente, que o distinguia[...] proporcionou-lhe o mais alto respeito de todas as partes[...] Nunca houve um apologista tão pouco partidário como Lightfoot[...] Ele [era] um acadêmico independente, livre[...] no sentido abso-luto do termo. Nunca defendeu uma tradição simplesmente pela tradição. Mas, muitas vezes, quando a tradição era defendida de forma inadequada e corria, por isso, risco de perder a reputação, ele se empenhava, com argumentos arra-sadores, para salvar essa tradição!”.1

Adolf von Harnack

“No grande volume de sua obra literária, o Bispo Lightfoot dependeu inteira-mente do seu próprio esforço. Ele nunca empregou um amanuense; raramente permitia a qualquer pessoa que sequer conferisse as suas referências. A única ajuda que aceitou foi a correção quase mecânica das folhas de prova, como elas eram chamadas, de novas edições de suas Cartas de Paulo”.2

H. E. Savage

“Suas palestras sobre o grego do Novo Testamento eram famosas não apenas pela qualidade, mas também pelo seu poder espiritual. Um aluno que frequen-tou um dos primeiros cursos dele observou: ‘Lembro-me bem do quanto a classe !cou impressionada, quando, depois de nos dar o assunto introdutório

1 HORT, F. J. A. “Lightfoot, Joseph Barber”. In: Dictionary of National Biography, 1885–1900. Londres: Smith, Elder & Co, 33:239. 2 EDEN, G. R. e MACDONALD, F. C., org. Lightfoot of Durham. Cambridge: Cambridge University Press, 1932, p. 110.

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costumeiro, Lightfoot fechou o livro e disse: Depois de tudo o que foi dito e feito, a única maneira de conhecer o Testamento grego apropriadamente é pela oração. E !cou por um tempo ainda nesse pensamento’”.3

'e Cambridge Review

“Estamos felizes em saber – devido a alusões que, de tempos em tempos, che-gam aos ouvidos do público – que grande parte do campo já foi coberto pelo empenho do Dr. Lightfoot, e que alguns dos MSs, que estão sob os cuidados de seus encarregados literários, virão a ser oportunamente publicados; pois mesmo que se tratem apenas de fragmentos póstumos, o estudante[...] os rece-berá com gratidão”.

Obituário anônimo a Lightfoot no Contemporary Review, 1890.

3 Citado por EDEN e MACDONALD. Lightfoot of Durham, p. 13.

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A todos os estudantes de doutoramento, do passado e do presente,

que foram orientados pelos notáveis eruditos que lecionaram no

Departamento de Teologia de Durham ao longo do último século.

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SUMÁRIO

Citações sobre J. B. Lightfoot e sua obra ...........................................................5

Abreviaturas ............................................................................................................11

Preâmbulo................................................................................................................17

Introdução do editor.............................................................................................21

Introdução: Provas externas e internas da autenticidade

e originalidade do Quarto Evangelho ...........................................................43

Comentário sobre João ......................................................................................75

A doutrina do Logos .............................................................................................77

Prólogo e preparação; o Verbo e o Testemunho (João 1) ........................81

O início dos sinais da Era Messiânica (João 2) .......................................105

Nicodemos e o Novo Nascimento (João 3) .............................................115

A samaritana e o !lho do o!cial do rei (João 4) .....................................122

A cura no sábado e as consequências disso (João 5) .............................130

Pão na terra, Pão do Céu (João 6) ............................................................135

Jesus, o Templo na Festa dos Tabernáculos (João 7) .............................141

Jesus, a luz, e Abraão, o ancestral (João 8) ..............................................157

Jesus e o cego de nascença (João 9) ..........................................................164

O Bom Pastor e a ovelha desgarrada (João 10) ......................................168

A ressurreição de Lázaro e a conspiração dos inimigos (João 11) ...............................................................................174

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10 O EVANGELHO DE JOÃO

Uma unção incômoda (João 12) ..............................................................179

Apêndice A: Provas externas da autenticidade do Quarto Evangelho .........................................................................................183

Apêndice B: Outras provas internas da autenticidade e originalidade do Evangelho de João ...........................................................236

Apêndice C: Lightfoot e a Escola Alemã sobre o Evangelho de João ............................................................................................287

Índice de autores ..................................................................................................316

Louvor pelo Evangelho de João .......................................................................319

Sobre o autor .........................................................................................................320

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INTRODUÇÃO DO ORGANIZADOR

J. B. LIGHTFOOT COMO COMENTARISTA BÍBLICO

Ninguém se comparara a Lightfoot pela “precisão dos conhecimentos,

extensão da erudição, método cientí�co, sobriedade de juízo e lucidez de

estilo”.

William Sanday1

“Ninguém �cava até tarde no Grande Adro sem que visse a luz do

lampião de Lightfoot que saía pela janela de seu escritório; e poucos se

apresentaram regularmente na Capela pela manhã, às sete horas, sem

que ali tivessem a companhia de Lightfoot”.

Bispo Handley C. G. Moule2

JOSEPH BARBER LIGHTFOOT (1828-1889) ESTAVA, DE MUITAS formas, destinado a ser um comentarista do Novo Testamento. Ele dominava pelo me-nos sete línguas, entre antigas e modernas (alemão, francês, espanhol, italiano, latim, grego, grego coiné e o grego dos Pais da Igreja), e lidava bem com outras, como o hebraico, o aramaico, o siríaco, o armênio, o etíope e o copta. Algumas dessas línguas aprendeu como autodidata. Desde muito cedo, Lightfoot de-monstrava ter aptidão para aprender línguas. Certa vez, perguntou a um amigo se ele não achava que nos esquecemos de em que língua estamos lendo quando

1 SANDAY, William. “Bishop Lightfoot”. In: !e Expositor 4 (1886): 13-29. Sanday era também natural de Durham, e tornou-se conhecido pelo International Critical Commentary on Romans, em coautoria com Arthur Headlam.2 Foi o segundo sucessor de Lightfoot como bispo de Durham.

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22 O EVANGELHO DE JOÃO

!camos absorvidos pelo texto!3 Existiram poucos estudiosos da Bíblia, ao longo do tempo, que tivessem um conhecimento tão notável acerca de línguas tão diversas quando ele teve.

Lightfoot tinha também um agudo interesse por história e compreendia a importância dela para uma religião histórica como o cristianismo. Ele era um pensador crítico e perspicaz, além de um escritor com poucos pares na histó-ria cristã. Além disso, Lightfoot também era capaz de se dedicar ao estudo do Novo Testamento de tal forma e em um nível tal que poucos estudiosos até hoje foram capazes de fazer, particularmente pelo fato de nunca se ter casado e não ter tido !lhos para cuidar.4 Todavia, quando observamos a lista de suas pu-blicações, !camos bastante surpresos que não haja nela mais obras de exegese bíblica. Temos aqui uma relação de obras suas publicadas no século 19:

• Saint Paul’s Epistle to the Galatians. Londres: Macmillan, 1865• Saint Paul’s Epistle to the Philippians. Londres: Macmillan, 1868• S. Clement of Rome. Londres: Macmillan, 1869• Fresh Revision of the English New Testament. Londres: Macmillan, 1871• Saint Paul’s Epistles to the Colossians and Philemon. Londres: Macmillan,

1875• Primary Charge. Londres: Macmillan, 1882• !e Apostolic Fathers, Part 2, S. Ignatius, S. Polycarp, 3 vols. Londres:

Macmillan, 1885–1889• Essays on Supernatural Religion. Londres: Macmillan, 1889• !e Apostolic Fathers, Part 1, S. Clement of Rome, 2 vols. Londres: Mac-

millan, 1890• Cambridge Sermons. Londres: Macmillan, 1890

3 Ele fez esta observação para J. R. Harmer. Ver EDEN, G. R. e MACDONALD, F. C., org. Lightfoot of

Durham: Memorials and appreciations. Cambridge: Cambridge University Press, 1932, p. 118-19. Apa-rentemente, Lightfoot também sabia árabe. É uma grande pena que ninguém tenha escrito uma boa bio-gra!a de Lightfoot. O que temos em Lightfoot of Durham são algumas lembranças afetuosas do homem reveladas por algumas das pessoas que o conheceram. Apenas uma parte do volume discute o trabalho acadêmico dele, e, mesmo assim, apenas muito super!cialmente. Ver, no entanto, p. 105-22 e as breves discussões feitas por H. E. Savage e pelo Bispo J. R. Harmer (capelão, secretário e revisor de Lightfoot durante alguns anos, antes de se tornar ele próprio um bispo). Notem-se também os ensaios do reitor de Wells e do bispo de Gloucester (p. 123-41). É importante observar que não há escritos de nenhum

erudito nesse volume. Isso revela muito sobre a obra de Lightfoot para a igreja e a importância dessa obra para ela. Existe uma anedota que diz que, quando ele era criança na escola, alguém perguntou como ele estava indo na aprendizagem do alemão; a escola respondeu: “Ah, ele já dominou o alemão, agora está aprendendo o anglo-saxão”.4 Se alguém estiver interessado em saber por que Lightfoot aceitou um cargo como o assento episcopal em Durham depois de uma vida próspera como acadêmico em Cambridge, e depois de ter recusado o cargo de bispo de Litch!eld, a resposta é, em parte, seus laços familiares. Ele gostava muito do norte da Inglaterra, visto que sua mãe era de Newcastle e sua família por parte de pai era de Yorkshire. Ele consi-derava isso, de certa forma, como uma volta ao lar de seus ancestrais.

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INTRODUÇÃO DO ORGANIZADOR 23

• Leaders in the Northern Church. Londres: Macmillan, 1890• Ordination Addresses. Londres: Macmillan, 1890• Apostolic Fathers Abridged. Londres: Macmillan, 1891 [Pais Apostólicos,

resumido]• Sermons Preached in St. Paul’s. Londres: Macmillan, 1891• Special Sermons. Londres: Macmillan, 1891• !e Contemporary Pulpit Library: Sermons by Bishop Lightfoot. Londres:

Swan Sonnenschein, 1892• Dissertations on the Apostolic Age. Londres: Macmillan, 1892• Biblical Essays. Londres: Macmillan, 1893• Historical Essays. Londres: Macmillan, 1895• Notes on the Epistles of St. Paul from Unpublished Commentaries. Lon-

dres: Macmillan, 1895

Comparemos essa relação com o inventário feito por B. N. Kaye, depois de in-vestigar tudo o que havia de Lightfoot em manuscritos na Biblioteca da Catedral de Durham.

• Notas de aula sobre Atos• Notas de aula sobre Efésios• Script sobre o destino de Efésios (publicado em Biblical Essays) • Notas de aula sobre 1Coríntios 1.1–15.54• Notas de aula sobre 1Pedro• Evidências internas para a autencidade e genuinidade do Evangelho de

João (publicada em Biblical Essays) • Evidências externas para a autencidade e genuinidade do Evangelho de

João (publicada em Biblical Essays) • Testemunhos externos para o Evangelho de João (notas esparsas desen-

volvidas em Biblical Essays) • Segundo conjunto de notas sobre evidências internas (publicado em !e

Expositor [1890]) • Notas sobre a introdução a João e a João 1.1–12.2• Notas sobre a introdução a Romanos e a Romanos 1.1–9.6, e um con-

junto separado de notas breves abrangendo brevemente Romanos 4–13• Notas sobre Tessalonicenses• Texto preliminar para o artigo no Dictionary of the Bible, de William Smith• Cronologia da vida e das Cartas de Paulo• O texto das Cartas de Paulo• A preparação de Paulo para o ministério• Cronologia da vida de Paulo e suas epístolas (publicado em Biblical

Essays) • As igrejas da Macedônia (publicado em Biblical Essays)

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24 O EVANGELHO DE JOÃO

• A igreja de Tessalônica (publicado em Biblical Essays)• Notas sobre a originalidade de 1 e 2Tessalonicenses• Notas sem etiqueta sobre o texto de 1 e 2Tessalonicenses

Mesmo partindo de uma comparação super!cial entre essas duas listas, muita coisa se torna aparente: (1) Há uma boa quantidade de material sobre Atos, João, Paulo e 1Pedro que nunca viu a luz do dia; e (2) Lightfoot escrevia tanto, e com tanta frequência, no interesse da igreja e do ministério eclesiástico e sobre eles, quanto sobre temas de interesse histórico ou exegético. Mas onde Lightfoot adquiriu tamanho conhecimento e erudição? Que tipo de educação e de professores produziram esse erudito e membro da igreja?

O DESENVOLVIMENTO DE UM ERUDITO

C. K. Barrett lembra-nos de que Lightfoot adquiriu, primeiramente, habili-dades como comentarista da Bíblia em seus estudos na King Edward’s School, em Birmingham, sob a orientação de James Lee Prince. Esse estudo proporcio-nou-lhe uma formação profunda em grego e latim, e uma ampla leitura em li-teratura clássica e história. Quando Lightfoot foi estudar no Trinity College, em Cambridge, ele trabalhou com B. F. Westcott, que era três anos mais velho do que ele. Em 1851, ele prestou o “Classical Tripos” e saiu como “sênior” em es-tudos clássicos.5* Barrett relata uma história bem conhecida, em que Lightfoot redigiu seu exame de Tripos sem um único erro, o que Barrett acreditava refe-rir-se às partes linguísticas do exame. Depois, Lightfoot foi selecionado para uma bolsa de pesquisa no Trinity College e passou a ensinar línguas a outros alunos de lá. O tempo “livre”, ele passava aprendendo teologia e lendo os Pais Apostólicos.6

Na tenra idade de 33 anos, Lightfoot foi nomeado Professor da cátedra Hulse de Teologia e foi o esteio da faculdade ali, mesmo com a incorporação de West-cott e Hort. Sobre as palestras de Lightfoot em Cambridge, F. J. A. Hort relata,

Elas consistiam principalmente, se não totalmente, de exposições de partes de li-vros do Novo Testamento, e, especialmente, das Cartas de Paulo, com discussões e os principais tópicos normalmente incluídos nas “Introduções” a esses livros. O valor e o interesse delas logo se tornaram reconhecidos pela universidade, e,

5 Classical Tripos: Exame prestado pelos bacharéis para a obtenção do diploma de pós-graduação com distinção especial, em Cambridge. * O nome “Tripos” vem de um banco com três pernas em que se sentavam. Sênior: Estudante que, em Cambridge, !cava em primeiro lugar no Tripos (N. do T.).6 BARRETT, C. K. “J. B. Lightfoot as Biblical Commentator”. In: Durham University Journal, 1992, p. 53-70.

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INTRODUÇÃO DO ORGANIZADOR 25

em pouco tempo, nenhuma sala de aula então disponível seria su!ciente para comportar os ouvintes, tanto os candidatos às ordens sagradas como os resi-dentes mais antigos, de modo que uma licença teve de ser obtida para o uso do salão do Trinity.7

Seus comentários sobre o que hoje chamamos de cartas tardias de Paulo (Filipenses, Colossenses e Filemom), bem como sobre Gálatas, começaram a sair na década de 1860, mas é certo que já na década de 1850 – baseado em suas notas de aula em Cambridge, as quais podemos agora examinar – Lightfoot havia de!nido sua concepção sobre Atos e a relação disso com o corpus pau-lino, bem como com a cronologia paulina. Ele também tinha feito um trabalho extenso sobre o Evangelho de João e sobre 1Pedro. De fato, encontramos alguns dos seus comentários sobre Gálatas no mesmo caderno que continha suas no-tas de aula sobre Atos. Em outras palavras, as obras inéditas de Lightfoot sobre Atos, João, 1Pedro e algumas das Cartas de Paulo foram produzidas quando ele se encontrava no pleno domínio de suas forças e com plena capacidade de escrever comentários. Os comentários até então inéditos são, muitas vezes, tão detalhados quanto os comentários já publicados, e são do mesmo período da vida de Lightfoot.

Se temos dúvida de por que parte desse material não foi publicado durante a vida de Lightfoot, a resposta é simples: estava incompleto. Nenhum desses manuscritos inéditos eram comentários completos sobre os livros em questão. Mas há outras razões pelas quais Lightfoot não publicou seus volumosos mate-riais sobre Atos e João. Barrett observa que Lightfoot, Westcott e Hort haviam concordado em dividir o Novo Testamento entre eles e escrever comentários sobre cada um dos livros.8 Lightfoot foi encarregado de tratar do corpus pau-lino, não dos evangelhos, nem de Atos nem de 1Pedro.9 Além disso, o último

7 HORT, F. J. A. “Lightfoot, Joseph Barber,” Dictionary of National Biography, 1885–1900. Londres: Smith, Elder & Co, 33.232-40, em p. 233.8 Num certo momento, Lightfoot, Wescott e Hort deveriam escrever comentários para a série Smith’s Commentary. Embora esse plano não tenha saído do papel, é importante mencioná-lo, pois Lightfoot deve ter elaborado comentários sobre Atos para essa série.9 Foi Alexander Macmillan que sugeriu a Wescott a possibilidade de um comentário sobre o Novo Tes-tamento inteiro, em Cambridge. Wescott, por sua vez, relacionou Lightfoot e Hort para o projeto, o qual se basearia no texto grego de Wescott e Hort.

Até o início deste trabalho sobre Lightfoot, eu não tinha percebido que a tentativa original de se ela-borar um Comentário Bíblico em Cambridge sobre o Novo Testamento inteiro havia partido desse acor-do, embora nunca chegasse a ser concretizado por completo. Nos anos de 1960 e 70, C. F. D. Moule, da linhagem sucessória de Lightfoot no episcopado de Durham (H. G. C. Moule), reviveu a tentativa de se empreender um Comentário Bíblico em Cambridge sobre o Novo Testamento grego, mas isso também estava destinado a não ser concluído. Na verdade, produziu-se apenas dois volumes dignos de menção: o de C. E. B. Cran!eld sobre Marcos e o de Moule sobre Colossenses e Filemom. Isso remonta à virada do século 21, quando eu, outro natural de Durham, fui nomeado editor da série New Cambridge Bible Commentary, juntamente com o meu colega Asbury Bill Arnold, que é editor do Antigo Testamento.

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26 O EVANGELHO DE JOÃO

de seus comentários publicados (sobre Colossenses e Filemom) saiu menos de quatro anos antes de Lightfoot tornar-se bispo de Durham, em 1879, uma obra na qual ele !cou quase totalmente absorvido nos últimos 10 anos restantes de sua vida.10 Com relação ao trabalho de comentarista de Lightfoot, Hort observa:

Ele evita a linguagem técnica, tanto quanto possível, e a exposição, essencial-mente cientí!ca, reveste-se de uma linguagem simples e transparente. O sentido natural de cada versículo é apresentado sem polêmica. A característica predo-minante é [...] o bom senso acompanhado ora por uma percepção clara, ora por uma sutileza enganadora. As introduções, que precedem os comentários, tratam do objeto com vigor e clareza, sendo que quase todas as seções aparecem como um pequeno e brilhante ensaio histórico. A cada comentário, é acrescentada uma dissertação, que revela alguns dos trabalhos mais cuidadosos e meticulosos de Lightfoot.11

Havia um enorme projeto acadêmico, no qual Lightfoot continuou a traba-lhar mesmo depois de se tornar bispo – seus estudos monumentais e inovadores sobre os Pais Apostólicos –, embora, na maioria das vezes, ele só encontrasse tempo para trabalhar nesse projeto durante feriados e viagens.

Há descrições vívidas de Lightfoot, em um barco ou num vagão de trem, com uma gramática do armênio ou do copta nas mãos ou calmamente corrigindo provas enquanto era levado pelos caminhos íngremes na Noruega... Mas, acima de tudo, o segredo disso consistia na capacidade que ele tinha de se desligar, en-tregando-se totalmente ao que tinha diante de si. De acordo com o seu capelão [J. R. Harmer][...] “Seu poder de distanciamento e concentração era extraordi-nário. Eu já o vi interromper uma frase no meio da leitura para uma conversa importante com um de seus clérigos, dar-lhe a devida atenção, seguida por um conselho sábio e uma decisão, e, quase antes de a porta se fechar depois da saída de seu visitante, !car novamente absorvido em sua obra literária”.12

Para que não !quemos na expectativa de saber se, ao !nal da vida, Lightfoot deixou aquela vida agitada para trabalhar sobre os Pais Apostólicos, Stephen Neill nos alivia dessa expectativa. “Se dependesse de mim”, Neill insiste,

pelo menos 500 páginas dos Pais Apostólicos de Lightfoot seriam leitura obri-gatória para cada estudante de Teologia no primeiro ano. Não posso imaginar nenhuma introdução ao método crítico melhor do que isso, ou uma preparação

Essa terceira tentativa produziu agora volumes sobre os livros do Antigo e do Novo Testamento, mas ainda há muito a ser feito, e outros volumes estão prestes a serem publicados (BW3).10 Ele !cou, por exemplo, absorvido pela tarefa de treinar candidatos ao sacerdócio anglicano, pela orga-nização da diocese de Newcastle e pelo pagamento da construção de novas igrejas.11 HORT. “Lightfoot”, p. 237-38.12 ROBINSON, John A. T. “Joseph Barber Lightfoot”. Durham Cathedral Lecture, 1981, p. 13.

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INTRODUÇÃO DO ORGANIZADOR 27

mais adequada para se lidar com alguns dos problemas de interpretação do Novo Testamento que ainda permanecem insolúveis.13

Havia provavelmente, no entanto, outra razão pela qual Lightfoot nunca publicou seu trabalho sobre João e Atos. Seu amigo, colega e mentor original de Cambridge, B. F. Westcott, estava produzindo um comentário sobre João. Lightfoot, provavelmente, teria considerado ser inadequado publicar algo que competia com o trabalho de seu colega, especialmente porque eles já haviam con-cordado com a divisão do trabalho sobre o Novo Testamento. Além disso, seu ou-tro colega, F. J. A. Hort, já havia sido indicado para trabalhar com o livro de Atos.

Voltando-nos para outra questão acadêmica, aprendemos desde cedo que tipo de homem Lightfoot era quando se tratava de coleguismo. Tendo-se tornado Professor da cátedra Hulse de Teologia em Cambridge, na idade incrivelmente jovem de 33 anos, !cou claro que, quando o Professorado Régio de Teologia fosse aberto, o que ocorreu em 1870, Lightfoot seria nomeado para ele. Mas, quando Lightfoot soube que Westcott voltaria para Cambridge, depois de cumprir uma missão eclesiástica, Lightfoot recusou o cargo para que fosse dado a Westcott.

 Lightfoot usou de toda a sua in#uência para induzir o amigo Westcott a can-didatar-se e, resolutamente, recusou candidatar-se ele próprio. Após a morte de Lightfoot, Dr. Westcott escreveu: “Ele me chamou para Cambridge para ocupar uma cadeira que era dele por direito; e, tendo feito isso, não poupou esforços para assegurar ao seu colega as oportunidades favoráveis para tal ação, ao passo que ele mesmo declinou do posto que por tanto tempo ocupara na prática”.14

Isso diz muito sobre o caráter desse homem. Em vez de se tornar professor régio, cinco anos mais tarde Lightfoot aceitou

a Cátedra Lady Margaret. Desse modo, Lightfoot concentrou-se em seu traba-lho exegético, trabalho que aplicou em suas preleções. Esses trabalhos !caram desconhecidos depois da morte de Lightfoot, uma vez que permaneceram, em sua maioria, inéditos. Na verdade, Lightfoot nunca procedeu a uma revisão completa de todos os materiais em forma de comentário que não fossem sobre Paulo, visto que não teve tempo nem oportunidade de fazê-lo, uma vez que se tornou bispo de Durham, e porque morreu prematuramente.

 Foi por isso que essas notas de Cambridge sobre o Novo Testamento, feitas por Lightfoot, que eram de valor inestimável, permaneceram inéditas. É pro-vável que elas tenham sido transferidas para o Bishop Auckland Palace (resi-dência do bispo de Durham), quando Lightfoot mudou-se para Durham. Após a morte dele, os papéis foram transportados para a biblioteca da Catedral de

13 NEILL, Stephen C. !e Interpretation of the New Testament 1861–1961. Oxford: Oxford UniversityPress, 1966, p. 57.14 HORT. “Lightfoot”, p. 234.

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28 O EVANGELHO DE JOÃO

Durham.15 Lá, eles quase não viram a luz do dia desde 1889, e apenas uns pou-cos estudiosos e clérigos chegaram a ler uma pequena parte desse material ao longo dos últimos 150 anos.16 Acreditamos que esses novos volumes da obra de Lightfoot irão corrigir essa negligência lamentável.

O MÉTODO DE LIGHTFOOT

Lightfoot aprendeu desde cedo o valor de registrar seus pensamentos sobre as Escrituras. Certa vez, ele aconselhou: “Começa a escrever assim que puderes. Isso foi o que o príncipe Lee [seu diretor no King Edward, em Birmingham] sempre disse para nós. Essa é a maneira de aprender. Quase tudo o que aprendi veio de escrever livros. Se escreveres um livro sobre determinado assunto, tens que ler tudo o que foi escrito sobre ele”.17

Robinson observa: “Olhamos com alívio para seu método paciente e indu-tivo depois de passarmos por tantos juízos apressados e premissas não exami-nadas sobre a forma e a crítica do texto[...] Lightfoot teria !cado horrorizado ao pensar que estudos sérios pudessem ultrapassar as questões históricas ou ser resolvidos a priori pelo método teológico”.18 Isso porque Lightfoot acreditava sinceramente que nada poderia ser teologicamente verdadeiro se fosse historica-mente falso, em se tratando de questões que envolviam uma religião histórica, como o cristianismo.

Se investigarmos o modus operandi próprio de Lightfoot no que diz respeito à escrita de comentários, veremos que se trata, basicamente, do próprio método indutivo: (1) Estabelecer o texto ao tratar das questões de crítica textual, abran-gendo as variantes textuais. (2) Proporcionar notas e discussões gramaticais e sintáticas necessárias. (3) Prosseguir com a exegese adequada. Para Lightfoot, às vezes isso implicava longos excursos sobre temas especiais e outros assun-tos exegeticamente problemáticos, bem como traduções de frases-chave para o inglês. (4) Lidar com questões teológicas e tópicos mais amplos que podem envolver vários documentos do Novo Testamento.

15 Hort (“Lightfoot”, p. 237) diz que a biblioteca de Lightfoot era dividida em dois períodos: o da época da escola de teologia de Cambridge e o da época da Universidade de Durham. Ele não nos informa, po-rém, o que aconteceu com os papéis, cartas e manuscritos inéditos de Lightfoot. Sabemos agora que eles permaneceram em Durham num armário no Dormitório do Monge no claustro da Catedral.16 Barrett (“Lightfoot as Bible Commentator”, p. 55) observa: “Três comentários [isto é, Gálatas, Filipen-ses e Colossenses] foram publicadas durante a vida de Lightfoot. Ele deixou notas de preleção, e outras notas, sobre outras cartas, notas essas que ele, sem dúvida, teria publicado se tivesse vivido mais tempo e se não !casse absorvido naquilo que deve ser considerada como a sua maior obra, ou seja, o texto de 1 Clemente e as Cartas de Inácio (juntamente com 2 Clemente e Policarpo) – para não mencionar sua obra como bispo de Durham, a qual realizava com consciência e lhe tomava o tempo”.17 ROBINSON. “Lightfoot”, p. 13.18 Ibid., p. 16.

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INTRODUÇÃO DO ORGANIZADOR 29

Início do tratamento dado por Lightfoot à doutrina do Logos.

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30 O EVANGELHO DE JOÃO

Comentário de Lightfoot sobre o nome “Nicodemos” (Jo 3.1)

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PRÓLOGO E PREPARAÇÃO;

O VERBO E O TESTEMUNHO *

(JOÃO 1)

JOÃO 1.1-19 PODE SER CHAMADO DE PREFÁCIO ao Verbo, a ligação en-tre Deus e o Homem, e abrange as seguintes matérias: (1) as relações eternas do Verbo, sua divindade; (2) sua obra na criação e o sustentáculo do mundo físico; (3) sua obra no coração e na consciência do homem; (4) sua revela-ção especial para o povo escolhido; (5) sua encarnação e humanidade, a nova dispensação. Essas verdades são estabelecidas mediante um contraste entre o Verbo e o Testemunho.

V. 1 Ἐν ἀρχῇ. Há aqui, sem dúvida, uma referência a Gênesis 1.1. Em certo sentido, o evangelho está para Gênesis assim como o Apocalipse está para Ma-laquias. É a obra do Antigo Testamento que nos dá a revelação do absoluto, a supremacia única de Deus, e a obra do Novo que nos dá a revelação do laço de ligação entre Deus e o Homem. A doutrina condutora do Antigo Testamento é o monoteísmo; a do Novo, a teantropia. À medida que o Antigo avança no tempo, novos termos são preparados para o Novo, mas o monoteísmo necessariamente o precede. Essa verdade fundamental da unidade e independência de Deus deve ser estabelecida antes que a verdade suplementar da comunhão de Deus com o homem seja promulgada. A encarnação foi uma manifestação histórica, o ato culminante da comunhão. O contraste entre o Antigo e o Novo é, mais uma vez, apresentado como um contraste entre a Lei (o fato absoluto de um legislador supremo) e a graça (o amor condescendente da bondade paternal).

Ἐν ἀρχῇ assim como em Colossenses 1.15; Hebreus 1.10. Comparar a lin-guagem de sabedoria usada em Provérbios 8.22 (embora ἔκτισέν possa não ser aplicável aqui). Ver Siraque 24.9, versículo tirado dos Provérbios. Ver

Como regra geral, Lightfoot não cria cabeçalhos e títulos em suas anotações, então eu criei alguns nes-ses volumes para tornar as procuras pelas divisões nos manuscritos mais fáceis (BW3, org.).

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particularmente Apocalipse 3.18. Ἐν ἀρχῇ, em si, não implica necessariamente eternidade passada, mas implica sim a sua relação presente.

ὁ Λόγος, embora “Verbo” não seja uma tradução adequada de Λόγος, é pos-sível. Implica tanto “razão”, como “linguagem”, ou seja, representa tanto os con-selhos vindos de Deus como a sua manifestação ao homem. A tradução latina mais antiga verte o termo por sermo (adv. Hermos 20), mas Tertuliano defende ratio (adv. Prax. 5). Por !m, verbum foi escolhido e aparece em todos os manus-critos existentes.1 Contudo, sermo é uma representação mais adequada do que verbum, a qual é a forma mais adequada de se traduzir ῥῆμα.

ὁ Λόγος é aplicado a nosso Senhor em Apocalipse 19.13 e na primeira carta de João 1.1 – περὶ τοῦ Λόγου τῆς ζωῆς. A Cristologia do Evangelho e do Apo-calipse são a mesma. Em Colossenses 1.25, a expressão τὸν λόγον τοῦ Θεοῦ ocorre a respeito da revelação e não da pessoa revelada. Ver Hebreus 4.12-13. Nunca é usada na Bíblia como equivalente para Escrituras, a palavra revelada. A restrição comum ao termo conduz a erro. O “verbo Divino” contempla o termo γραφή e muitos outros.

πρὸς τὸν Θεόν – não ἐν τῷ Θεῷ, por causa da distinção de pessoa; não σύν τῷ Θεῷ para que não pareça dividir a cabeça de Deus. Comp. 1.18; 17.5 (e ver as referências a πρός em Lücke, p. 297). Em Provérbios 8.30, está παρ᾿ αὐτῷ; em Siraque 1.1, μετ᾿αὐτοῦ, mas talvez tenha sido colocado aqui uma preposi-ção diferente de propósito.

καὶ Θεὸς ἦν ὁ Λόγος. Θεὸς é, sem dúvida, o predicado aqui, por causa da analogia com a ordem de uso do artigo, e pela confusão de sentido que provo-caria. Ver João 4.24; 1João 4.8,16. As gradações do possível signi!cado são: (1) a preexistência eterna; (2) a divindade; (3) a divindade do Verbo. Essas nuances do grego não podem ser reproduzidas em inglês. Aqui se diz Θεός e não ὁ Θεός. Esta última palavra seria o Deus absoluto, o Pai (ver, sobre isso, Oríge-nes). Em termos de ordem de palavras, καὶ Θεὸς ἦν ὁ Λόγος torna a palavra Θεός enfática. A reformulação da relação do Verbo com Deus é dada no v. 2, introduzindo a ideia da instrumentalidade do Verbo na obra de criação.

V. 2 A transição de πρὸς τὸν Θεόν, no v. 2, para δι’ αὐτοῦ no v. 3, leva-nos de sua relação com Deus para sua relação relativa com a obra de criação.

V. 3 πάντα δι’ αὐτοῦ. O termo inglês “by” [ARA: “por”] é ambíguo como tradução, nesse caso. Essa mesma preposição (διά) é usada em: (1) no Antigo Testamento e no livro apócrifo de Sabedoria (Pv 8.22ss; Sab Sal 9.1-2); (2) em Filo, sobre o Verbo (de cherub. 34, p. 162; Leg. All. iii.31, p. 106); (3) a respeito do Senhor em outras passagens do Novo Testamento (Hb 1.2; Cl 1.16). Con-fronte-se isso com ὑπό ou ἀπό, usados a respeito do Pai.

χωρὶς αὐτοῦ. Um reforço da proposição anterior pela negação de seu oposto.

1 Ver WESCOTT. Canon, p. 218.

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PRÓLOGO E PREPARAÇÃO; O VERBO E O TESTEMUNHO 83

ὃ γέγονεν. Essa expressão estaria ligada à sentença precedente ou à se-guinte? A favor desta última, está toda a antiguidade. Talvez essa unanimidade se deva à in#uência do primeiro comentarista, Heracleão.

1. Os Pais (Apóstolicos) – Diretamente: ocidentais – Valentino cita Ireneu; orientais – Valentino em Exe. Uxod.; em Clemente e Orígenes; Ambro-siastro em Hipp. v. 8 (p. 1075) e Hipp. v. 16, em que a explicação adicional é decisiva. Indiretamente: ao terminar a citação com os termos οὐδὲ ἕν – Taciano, Teó!lo, Hipólito, Ptolemais, Clemente, Tertuliano etc. Uma série tão rara de testemunhos por uma interpretação ou leitura é rara.

2. As versões – latim antigo, egípcio, siríaca de Cureton. A Peshita, embora haja dúvidas sobre isso.

3. Os manuscritos mais antigos – sejam os decisivos , A, C, D, ou os du-vidosos como B, Δ.

Parece não haver um testemunho pré-niceno ou imediatamente pós-niceno de uso de vírgula. Temos apenas textos impressos de uma ou duas passagens de Eusébio (ver Tregelles) e Cipriano (Adv. Jud. II.3, p. 251). Nada há no contexto que o permita. Em Eusébio, Praep. Evang. xi.17, p. 540d, está bastante claro pela interpretação que os termos deveriam estar relacionados com o que se segue. A outra referência em Tregelles está errada, deveria ser p. 321d, e não há nada no contexto ali que determine a pontuação.

V. 4 Por outro lado, apoiando-nos na pontuação comum, nem tudo foi ape-nas criado nele (Deus), mas tudo se sustenta nele. Ele não é apenas a origem, mas o sustentáculo da vida; não apenas o Criador, mas o Preservador (ARA: Espreitador). O sentido é o de que aquilo que foi feito é vida nele. Não postu-lamos um tempo verbal pretérito aqui, mas alguns, no entanto, leem ἐστί. Fa-laremos mais sobre isso adiante. Temos de tomar ζωή em primeiro lugar entre as coisas que foram agraciadas com a vida. Não há di!culdade nisso em si. Mas na sentença seguinte, ἡ ζωή é o princípio da vida. E a tradução é, no mais alto grau, desastrosa.

O que interessa aqui é o uso feito por João (ver passagem citada em Al-ford). O sentido manifesto do texto deve sobrepor-se à tradição primitiva, e, portanto, devemos concordar com a pontuação usada hoje em dia, a qual rela-ciona ὃ γέγονεν com o que vem antes (cf. 11.25; 14.12; 1Jo 5.11). A que deve-mos atribuir a mudança de pontuação? A pontuação mais moderna (e, penso eu, a mais correta) parece ter sido introduzida para demolir os fundamentos dos maniqueístas. Eles sustentavam que o Espírito Santo fora criado porque João talvez tivesse dito πάντα etc. Devemos notar que São Basílio, em resposta a essa questão, ainda não está familiarizado com a pontuação moderna (ver ad Eunom. P. 278a, 303d, 308a; o texto não parece ser citado no de Spiritus sancti). Gregório de Nissa ainda cita o texto com a pontuação mais antiga (Cant. I, p.

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495a). Em outra passagem, temos a impressão de que ele adotou a nova pontua-ção (Eunam.? II.T.II, p. 461), mas isso não é necessariamente exigido pela lingua-gem ali, e, por outro lado, é pouco provável. Crisóstomo, por sua vez, adotou a pontuação moderna correta.

ἦν v.l. ἐστί. Assim o leem as autoridades em Tregelles (I.IV, p. 7) e a o acrescenta.

Uma leitura do 2º século. Se tomarmos a pontuação ὃ γέγονεν ἐν αὐτῷ, pare-cerá que ἐστί se faz necessário. E, talvez, fora adotado como consequência neces-sária da pontuação incorreta (se for de fato incorreta).

ἐν αὐτῷ ζωὴ ἦν. A vida estava nele, era sustentada nele e por meio dele. A ma-neira pela qual o “Logos” e sua ação são descritos por διά; a sustentação das coisas por ele, é descrita por ἐν. Comp. Colossenses 1.17-18.

ζωή. Vida, a vida física; mas, no sentido de conduzir a vida moral e espiritual e se fundir com ela. A expressão parte da ideia da vida natural, e se perde na ideia da vida espiritual. Ver Inácio, Rom. 7. βίος estaria fora de lugar aqui. O “Logos” é o sustentáculo da vida natural bem como da vida espiritual. O ζωή, prepara o caminho para o φῶς. Na sentença seguinte, não é mais ζωή, mas sim ἡ ζωή.

V. 5 φαίνει signi!ca “brilha”, mas deveríamos esperar “brilhou”, ainda que o apóstolo fale do caráter eterno, absoluto e imutável, e, portanto, do tempo pre-sente. Esse termo é substituído por um aoristo na frase seguinte (κατέλαβεν), onde está expresso um fato histórico.

οὐ κατέλαβεν. Ver Siraque 15.1 – ὁ ἐγκρατὴς τοῦ νόμου καταλήψεται αὐτήν (ou seja, Sabedoria). Sugeriu-se o sentido de potência suprema, o que teria um paralelo em [João] 12.35 μὴ σκοτία ὑμᾶς καταλάβῃ. Por si só, o sentido de po-tência suprema faz muito sentido aqui, mas não parece ser totalmente necessário. Ver particularmente os v. 10-11.

V. 6 A introdução do Testemunho é um prelúdio adequado para a encarnação do Verbo. Ἐγένετο ἄνθρωπος, ἀπεσταλμένος παρὰ Θεοῦ, ὄνομα αὐτῷ Ἰωάννης· A preposição παρὰ denota a fonte da sua comissão. Notar que não se trata de ἀπό nesse caso.

V. 7-8 Era necessário, para o propósito teológico de João, que ele distinguisse entre o ofício de Jesus e o de João. Ao mesmo tempo, ele pode ter desejado, por razões históricas, colocar a ênfase na distinção. Ver v. 8 e a linguagem enfática utilizada ali; e os v. 15 e 20 – καὶ ὡμολόγησεν καὶ οὐκ ἠρνήσατο. Ver 1João 5.6-8 e comparar a narrativa inteira em João 1.19-23; 3.22-36; 4.1; 5.33-36; 10.40-42. Sobre os discípulos de João na Ásia Menor, ver Atos 19.2-4. Ali, podemos ter uma indicação de onde o Evangelho foi escrito.2 Ver também Orac. Sibil. iv.160; Clem. Hom. ii.23; Hegesipo, nas Hist. Ecles. Iv.22 de Eusébio; Efraim, Her. 17. A impor-tância de João como mestre foi reconhecida por Josefo, Ant. xviii.5.2.

2 Ver EWALD, Johann. Schri/. I, p. 13; GESCH. v, p. 9; vii, p. 152.

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